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O MÍNIMO SOBRE LEITURA EM VOZ ALTA

Marcela Saint Martin

1ª edição — junho de 2022 — CEDET


Copyright © Marcela Saint Martin
2022

Sob responsabilidade
do editor, não foi adotado o
Novo Acordo Ortográfico de 1990.

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Editor:
Felipe Denard

Preparação de texto:
Beatriz Mancilha

Capa:
Zé Luiz Gozzo Sobrinho
Diagramação:
Virgínia Morais

Revisão de provas:
Marília Magalhães
Flávia Theodoro

Conselho editorial:
Adelice Godoy
César Kyn d’Ávila
Silvio Grimaldo de Camargo

FICHA CATALOGRÁFICA

Saint Martin, Marcela.


O mínimo sobre leitura em voz alta / Marcela Saint Martin
Campinas, SP: O Mínimo, 2022.
ISBN: 978-65-997705-3-1
1. Leitura 2. Contar histórias.
I. Título II. Autor.

CDD— 372-4 / 372-6

ÍNDICES PARA CATÁLOGO SISTEMÁTICO


1. Leitura – 372-4
2. Contar histórias – 372-6

www.ominimoeditora.com.br
Reservados todos os direitos desta obra. Proibida toda e qualquer reprodução desta edição por
qualquer meio ou forma, seja ela eletrônica, mecânica, fotocópia, gravação ou qualquer outro
meio de reprodução, sem permissão expressa do editor.
Sumário
Introdução

Por que ler para importa o seu filho

Ler em voz alta: o amor à criança que molda o amor pela leitura

Leia em voz alta, mesmo que você não seja muito bom nisso

Conclusão

Notas de Rodapé
Introdução

A nos atrás, quando eu era estudante do ensino médio, o professor


de redação pediu que escrevêssemos um conto sobre alguém que
sofresse uma injustiça. Meu pai era advogado e freqüentemente
chegava em casa contando alguma história do fórum, com uma
animação que me fazia acreditar que aquele era o lugar mais
fascinante do universo, e talvez por isso a primeira imagem que me
ocorreu, diante da página em branco, foi a de um homem simples
sendo julgado por uma corte. É claro que o homem da minha história
era inocente, e é claro que ele acabou sendo condenado, mas o meu
foco não era “denunciar” o sistema judicial, e sim descrever a
incomunicabilidade de alguém que não domina a linguagem do meio
em torno.

Meu personagem era pobre, mas pobre de uma forma específica —


ele não tinha linguagem. Sua atenção vagava de um ponto a outro, ao
sabor de uma nesga cor de pêssego, de um reflexo na janela, de um
sapato de verniz, sua imaginação combinando palavras ouvidas a
esmo com sensações e lembranças que ele trazia de outros tempos e
outros lugares. Ele não era capaz de responder às perguntas que lhe
faziam, porque não compreendia que se dirigiam a ele. Quando o juiz
o fez entender que era com ele mesmo, a impressão que lhe causou a
austeridade do magistrado foi tamanha, que ele simplesmente não
conseguiu ater-se ao conteúdo de suas palavras. Em um dado
momento, meu personagem começava a sorrir — seus olhos haviam
se detido sobre um entalhe da madeira que o fazia recordar sua casa
da infância. Interpretado como cinismo, o sorriso selou sua
condenação, e esse foi o triste fim do meu acusado.

Eu já nem me lembrava de ter escrito essa história, mas achei que


fazia todo o sentido contá-la neste livro cujo assunto é, em última
análise, o papel dos pais no desenvolvimento lingüístico dos filhos. O
que faltou ao meu personagem foi um domínio da situação, e o
domínio da situação lhe faltou porque ele não era capaz de utilizar a
linguagem em sua defesa, não compreendia o que se passava em seu
entorno, onde estava e o que se esperava dele. Essa situação
angustiante é experimentada por toda e qualquer pessoa que não tenha
suficientemente desenvolvida a capacidade de se orientar no mundo
da palavra escrita — pessoas que até podem ser alfabetizadas, mas
que não conseguem fazer um uso eficaz da sua habilidade de leitura (e
que, conseqüentemente, também não conseguem escrever de modo
adequado, comunicando o que desejam).

“Literacia” (do inglês “literacy”) é um termo que vem se


disseminando desde a década de 80. Trata-se de um conceito mais
abrangente do que o de alfabetização, que é o aprendizado da leitura e
da escrita em um sistema alfabético. A literacia refere-se aos
conhecimentos, habilidades e atitudes relacionados à leitura e à
escrita.1 Uma criança que ainda não saiba ler, mas que já esteja
familiarizada com a leitura em voz alta de histórias, com a forma das
letras e das palavras, com a dinâmica de perguntar e responder
perguntas sobre a história ouvida, já está desenvolvendo a literacia,
embora ainda não esteja alfabetizada. Uma pessoa que saiba ler e
escrever, mas que não consiga se orientar lendo as instruções de um
manual ou de uma receita, tem baixo nível de literacia, apesar de
alfabetizada.

Não por acaso, a literacia é considerada um direito básico pela


unesco: “A literacia é um direito humano fundamental e a base para o
aprendizado por toda a vida”.2 Sua relação com a melhora de vida
individual (possibilitando a ascensão social) e coletiva (favorecendo a
prosperidade da comunidade como um todo) é freqüentemente
mencionada. A relação da iliteracia com índices de violência é
também objeto de estudos.3

Dentro do grande campo da literacia, a literacia familiar ocupa um


lugar de destaque. É no ambiente da família que a criança, em maior
ou menor grau, trava seus primeiros contatos com a linguagem escrita.
O amor pelas palavras, pelas histórias e pelos livros encontra no
ambiente familiar o solo mais propício para se desenvolver. No colo
dos pais é plantada a semente de uma relação duradoura com a leitura
e com o aprendizado, quando eles abraçam seus filhos e, num gesto
desconcertantemente simples, lêem para eles.

O que a leitura em voz alta pode fazer pelo desenvolvimento


lingüístico das crianças, pelo enriquecimento de sua imaginação, por
sua afetividade, pela construção de uma relação sólida e duradoura
com a leitura e por seu futuro — enfim, o que a leitura para uma
criança pode fazer por sua vida — é algo que precisa ser anunciado
incansavelmente. Crianças precisam de palavras — palavras curtas,
palavras longas, palavras rimadas, palavras sonoras, palavras comuns,
palavras raras — e histórias — histórias fictícias, histórias reais,
histórias que encantam, que emocionam, que divertem, que instruem.
E crianças precisam de nós. Os momentos de leitura com nossos
filhos, ou de um professor para seus alunos, têm uma qualidade única,
deixando marcas profundas em suas vidas (e até mesmo, hoje
sabemos, em seus cérebros). Guiar uma criança pelos caminhos da
literacia, inspirando-lhe o amor pelas palavras, pelos livros, pelas
histórias e pela escrita é um dos maiores presentes que podemos lhe
oferecer — e dos mais úteis, seja qual for o caminho que ela decidir
tomar no futuro.

Não há nada como ler para uma criança.

Espero que este pequeno livro sirva de inspiração ao maior número


possível de pais e professores para que abracem a leitura em voz alta
como um dos pontos inegociáveis na vida das crianças. Há razões
fundadas para crer que isso pode mudar, no mínimo, a vida de cada
um dos envolvidos (incluindo-se o adulto que faz a leitura, por razões
que espero ter deixado suficientemente claras neste livro).

Palavras. Histórias. Vínculos. Esses são os três ingredientes que se


misturam na leitura em voz alta para lançar as bases de uma literacia
sólida, que ajude a criança a ser quem ela precisa ser neste mundo. A
chave para esse universo repleto de descobertas está nas mãos de cada
um de nós — e a hora de usá-la é agora.
Por que ler para importa o seu filho
É esta semente que você planta no espírito de uma criança, ao ler para ela em
voz alta — a semente que lhe diz:
“Ler é tão bom, que não quero passar um só dia sem isso”.
— Jim Trelease

V ocê que está lendo este livro já deve ter ouvido falar sobre a
importância da leitura em voz alta para crianças. Eu também já
tinha ouvido falar, quando, por exigências profissionais, comecei a
pesquisar o assunto mais a fundo. Eu trabalhava como redatora para
um blog especializado em alfabetização de crianças, e a leitura em voz
alta era uma de minhas pautas mais freqüentes.

Apesar de saber que a leitura em voz alta desenvolvia a compreensão


auditiva e a consciência fonológica, além de outras habilidades
indispensá- veis à aquisição da leitura, o tema não me evocava
nenhum tipo de experiência pessoal. A leitura em voz alta não existia
para mim como lembrança — nem mesmo vasculhando as memórias
do tempo de escola eu conseguia puxar uma única recordação de
alguma professora que tivesse lido para nós. Da minha infância, eu me
lembrava de como meu pai valorizava a leitura e sempre trazia livros
para casa, mas eu já sabia ler, e lia por conta própria. Não fosse minha
necessidade de escrever sobre o assunto para o blog de educação,
talvez eu jamais chegasse a me interessar por ele.

Minhas pesquisas levaram-me à obra que é a maior referência atual


sobre a leitura em voz alta para crianças: o The Read-Aloud
Handbook, do Jim Trelease. Essa obra, que já vendeu mais de um
milhão e meio de exemplares, foi o primeiro abalo sísmico nas minhas
noções sobre o assunto. Por mais simpatia que eu já tivesse pelo gesto
tão terno e inocente de ler para criancinhas (e quem ousaria condená-
lo?), eu não imaginava que houvesse um verdadeiro arsenal de
estudos científicos comprovando os efeitos extraordinários associados
a algo que qualquer pai ou mãe podia fazer em casa, sem nenhuma
formação acadêmica para isso, nem qualquer habilidade especial.
O livro de Trelease é um compêndio de achados científicos sobre os
efeitos da leitura em voz alta sobre o desenvolvimento cognitivo,
lingüístico e afetivo de crianças e adolescentes, mas o seu grande
mérito foi traduzir essas informações para uma linguagem
imediatamente compreensível para o leitor leigo, e irresistivelmente
interessante para pais, mães e professores. Num entrecruzamento de
dados de pesquisas e casos reais, que ele foi colecionando ao longo
das várias edições de seu livro, Trelease constrói uma defesa da leitura
em voz alta capaz de converter o mais cético dos leitores em um
devoto da leitura para crianças.

Logo nas primeiras páginas de seu manual, Trelease nos conta a


história de Christopher, um menino da pequena cidade de Russell, no
Kentucky. Christopher atraiu os holofotes nacionais ao figurar entre os
poucos jovens que conseguiram atingir a nota máxima no concorrido
act (um dos maiores testes de admissão para universidades nos
Estados Unidos). Para se ter uma idéia, o número de alunos realizando
a prova naquele ano de 2002 foi de quatrocentos mil. Menos de
sessenta alunos atingiram a nota máxima, e Christopher estava entre
eles.

A família foi procurada pelo New York Times para que revelasse “o
segredo” daquele feito extraordinário do garoto do interior. À
pergunta: “Qual foi o curso preparatório que ele fez?”, os pais
surpreenderam a todos ao declarar: nenhum. (Os cursos preparatórios
para o act chegam a custar duzentos e cinqüenta dólares a hora). Mas,
como viriam a revelar em seguida, eles tinham o hábito de ler para o
filho diariamente, por trinta minutos, desde que ele era criança até à
adolescência. A casa de Christopher era repleta de livros. Seus pais
faziam questão de que a leitura fizesse parte de sua vida, porque isso
facilitaria o aprendizado de absolutamente qualquer coisa que ele
desejasse aprender no futuro. Trinta minutos diários de leitura em voz
alta de um amplo repertório de textos — literatura de ficção, poesia,
história, biografias etc. — era o melhor curso preparatório que um
adolescente poderia ter, e o mais econômico.
Algumas páginas depois, li sobre a história de Jennifer, cujos pais
ganharam uma edição do The Read-Aloud Handbook logo após seu
nascimento. Os capítulos introdutórios do livro bastaram para que os
pais estipulassem uma dieta de dez livros por dia para o bebê. Eles
leram para ela desde a maternidade, inclusive durante o período em
que ela ficou internada na uti neonatal, devido a uma cirurgia de
urgência logo após o nascimento. Os pais de Jennifer mantiveram uma
dieta de leitura em voz alta diária para a filha, lendo a cada
oportunidade. Aos sete anos de idade, ela era uma das leitoras mais
competentes de sua turma, apresentando um vocabulário excepcional
e lendo vorazmente por conta própria. Seu qi havia sido avaliado aos
quatro anos de idade, atingindo a marca de 110 (acima da média).

O que chama a atenção é que Jennifer tinha síndrome de Down e, aos


dois meses de vida, fora diagnosticada com “deficiência mental
severa”, possível surdez e cegueira. Felizmente, seus pais acreditaram
mais no que haviam lido no livro de Trelease do que no diagnóstico
dos médicos.

Devorando uma história atrás da outra, eu simplesmente não


conseguia parar de ler o Handbook. Era como se as páginas se
virassem sozinhas sob meus dedos, e um universo se abrisse a cada
novo capítulo. De algum modo ainda indefinido, mas absolutamente
certo, eu sabia que tudo em minha vida estava prestes a mudar.

Alguns livros são assim: você é uma pessoa quando os abre, e outra
quando os fecha — mais alerta, mais viva, mais cheia de esperança.
Ao término da leitura, meu coração batia forte. Definitivamente, a
leitura em voz alta não era o equivalente literário de “dar comida na
boca do bebê” ou “ajudar a criança a tomar banho”. Não era algo que
fazíamos pela criança apenas porque ela ainda não era capaz de fazê-
lo por si mesma. Também não era algo que fazíamos apenas para
facilitar a alfabetização. Se a leitura em voz alta estava tão fortemente
associada ao futuro sucesso acadêmico da criança, era claro que seus
efeitos não se restringiam a um mero favorecimento do processo de
alfabetização. Ler para a criança era hormônio para a sua inteligência,
uma espinha dorsal em sua educação, o coração pulsante de uma vida
leitora, com todos os tesouros que a acompanham — e não só nos
primeiros anos da infância.

A leitura do livro de Trelease marcou o início de uma obsessão


pessoal, que só fiz aprofundar ao longo dos anos, sem nunca olhar
para trás e sem nunca me decepcionar. Em um dos e-mails que troquei
com o autor, ainda na época em que eu redigia artigos para o blog de
educação, ele me desejou sorte em minha “cruzada pela literacia”
(fornecendo-me uma imagem que eu mesma ainda não havia formado
para aquilo que eu vinha fazendo). De modo extremamente generoso,
ele respondeu a cada mensagem minha, sempre me presenteando com
frases memoráveis. Uma delas me marcou de modo especial. Ele
disse: “Vejo você como o anjo da guarda da leitura entre as mães
brasileiras”.

Reler suas palavras me faz sorrir até hoje — não porque eu me


considere à altura dessa tarefa, mas por enxergar nelas a essência
daquilo que uma vez ouvi sobre a amizade: amigo é aquele que o
recorda do melhor que há em você. Talvez ele até hoje não saiba, mas,
naquele momento, Jim Trelease tornou-se meu amigo. E honrar as
boas amizades é algo bem caro para mim.

Entre a leitura do The Read-Aloud Handbook e a implementação da


leitura em voz alta para minha filha (na época, um bebê com menos de
um ano), muita água rolou. Eu tinha o porquê, mas não sabia o que
ler, nem como fazer isso. A lista de recomendações por faixa etária ao
final do livro de Trelease não era facilmente transponível para o
português: não havia tradução para a maioria daqueles livros, nem
uma abundância de similares à altura, em nosso idioma.

Olhei para nossa estante de livros, que ocupava um espaço


considerável do nosso apartamento de oitenta metros quadrados, e
encarei os calhamaços. Havia Tolkien, C. S. Lewis, Mark Twain, a
coletânea de Harold Bloom...4 E é claro que eu cometi o erro que
muitos pais cometem no início, de acreditar que ler para a criança é
simplesmente escolher um bom livro infanto-juvenil, sentar-se ao seu
lado e começar a ler. Foi apenas quando minha filha começou a
interromper nossas sessões de leitura com gritos exasperados que
comecei a desconfiar de que, talvez, eu não tivesse a menor idéia do
que estava fazendo.

Comecei a pesquisar livros ideais para cada faixa etária e estratégias


para estimular o interesse e o envolvimento da criança com o
momento da leitura. A prática foi aperfeiçoando a performance, e aos
poucos fui conquistando a adesão da minha filha relutante. Entre
muitos recomeços, o nascimento do segundo filho e uma mudança de
cidade, foram dois anos até que eu pudesse chegar a um arranjo ideal
para os nossos momentos de leitura, conquistando o seu interesse e o
seu envolvimento.

O marco foi o livro Pé de pilão,5 uma história de Mário Quintana


toda composta em versos de sete sílabas, ágeis e rimados. O livro tem
muitas virtudes: a sonoridade do texto é atraente para a criança, os
personagens são interessantes e familiares (pato, macaco, menino, avó
etc.), e há amplas possibilidades para uma leitura encenada, com
diferentes vozes e entonações.

Eu vinha combinando a leitura de trechos desse livro com outros


ilustrados mais curtos, notando, a cada semana, um aumento da
capacidade de atenção das crianças. Numa tarde, então, sentei-me a
lado de minha filha mais velha em um colchão que tínhamos na sala
— e que eu havia instituído como “o cantinho da leitura” — e
comecei a ler: “O pato ganhou sapato / Foi logo tirar retrato”. Decidi
parar apenas quando ela demonstrasse ter perdido o interesse. E,
surpreendentemente, li o livro na íntegra — quase quinze minutos,
uma leitura longa para uma criança de dois anos e três meses. Ela o
ouviu inteiro, eventualmente buscando a página do livro e
completando alguns versos.

Em termos de capacidade de atenção e envolvimento, aquele foi um


marco, sem dúvida — que aliás não voltou a se repetir muitas vezes
com esse livro especificamente. Os níveis de atenção e envolvimento
da criança pequena durante o momento da leitura variam muito, e
podem variar diariamente — em uns dias estão mais cansadas,
noutros, mais agitadas, noutros, mais receptivas. Mas

esses marcos indicam um certo território


conquistado.
Se houvesse um “termômetro da literacia”, ele teria subido alguns
graus naquela tarde.

Para alguém que havia começado a ler em voz alta sob gritos de
protesto de um bebê, estávamos indo muito bem. Os livros ilustrados,
a maioria deles bem mais curtos que o de Quintana, ficavam à
disposição em cestos na sala, para que as crianças pudessem manuseá-
los à vontade. Elas já não admitiam ir para a cama sem ouvir uma
história. Meu coração se iluminava: éramos oficialmente uma família
leitora.

No início de 2020, comecei a mostrar em minha conta pessoal do


Instagram um pouco da nossa rotina de leitura. As crianças contavam
então três e dois anos. Desde o início, priorizei a divulgação de
informações sobre o que acontece na criança quando lemos para ela, e
o que acontece na família quando lemos para a criança. Em pouco
tempo, comecei a receber depoimentos de mães que haviam adquirido
os livros infantis que eu indicava e estavam deslumbradas com o
mundo novo da leitura em voz alta.

Uma iniciativa que começou como partilha pessoal veio a se tornar


um projeto —

o projeto de formar famílias leitoras.


Ao tempo em que escrevo este livro, já são mais de cinqüenta mil
famílias empenhadas em ler para os filhos ou, ao menos, interessadas
em começar.

Percebi que o que faltava a muitas mães eram orientações práticas de


como implementar a leitura na rotina da criança e de como selecionar
os livros mais adequados. Um erro comum, por exemplo, era a
escolha de livros cuja linguagem era muito avançada para a criança, a
narrativa monótona ou as ilustrações pouco figurativas, o que acabava
frustrando o objetivo de atraí-la para o momento da leitura — como
costumo dizer, você deve mergulhar os ouvidos da criança nas
palavras, não afogá-la.

Com os livros certos, a leitura em voz alta deslanchava. As mães me


escreviam relatando um aumento notável do vocabulário e da
capacidade expressiva dos filhos, um interesse cada vez maior pelos
livros e pelas palavras, uma imaginação mais viva, e até, em alguns
casos, uma maior proximidade com o pai (muitos dos quais passaram
a ler para os filhos).

Em um dos relatos, uma mãe de duas crianças pequenas me contou


que a leitura para suas filhas a havia ajudado a atravessar um período
de depressão. Ao preparar este livro, eu a procurei e pedi que me
contasse melhor a história. Foram suas palavras: “Fui sentindo uma
grande alegria ao ler para minhas filhas. Fui colhendo os benefícios e
isso foi fundamental para que eu saísse da depressão”. Não sei que
livros ela leu, nem o que acontecia exatamente nesses momentos, mas
posso imaginar. As boas histórias são como janelas que se abrem,
deixando a luz entrar em um quarto antes escuro, mostrando-nos a
vida sob um novo ângulo, de modo mais límpido. Ficamos gratos.
Pensar que essa mãe conseguiu encontrar um alento e cultivar o amor
por suas filhas mesmo em um período tão difícil é algo que enche meu
coração de esperança. E ela disse:
“A leitura em voz alta contribuiu para que
eu voltasse a ter alegria novamente”.
São palavras para se imprimir em um quadro.

Ler para a criança com a disposição que proponho neste livro é um


convite que só os mais ingênuos poderiam aceitar. Aceitá-lo significa
ser capaz de ver o futuro anunciado no presente. Significa confiar que
cada um dos momentos compartilhados e cada uma das histórias lidas
e relidas farão diferença na vida da criança. Significa ser capaz de
suspender a descrença, de relaxar o rosto para fazer caretas, de torcer
os lábios para fazer vozes, de cantarolar melodias inventadas, de
abraçar nos momentos de tensão, de esperar que as crianças terminem
de gargalhar naquele trecho que você nem achou tão engraçado assim,
mas que as levou ao chão de tanto rir. Eu vejo a leitura para a criança
como uma forma de cumprir aquela advertência que nos foi dada mais
de dois milênios atrás: “Em verdade vos digo, se não vos tornardes
como criancinhas”...

Há muito que a leitura em voz alta saiu dos quartos das crianças para
os institutos de pesquisa, gerando, literalmente, centenas de milhares
de estudos que comprovam seus efeitos sobre o desenvolvimento da
linguagem oral, da consciência fonológica, da atenção, da imaginação
e de habilidades fundamentais para o aprendizado. Esse respaldo
científico para uma atividade aparentemente tão despretensiosa é um
dos aspectos mais surpreendentes da leitura em voz alta. A pesquisa
científica lança luz sobre aquilo que acontece no colo dos pais
quando, movidos por nada mais que o amor a seus filhos, lêem para
eles, apresentando-lhes palavras, frases, sons e ilustrações que vão
encantando seus ouvidos, seus olhos, e construindo o amor pelas
palavras e pela leitura.

O documento seminal sobre o assunto, que colocou a leitura em voz


alta no centro do palco da literacia, foi o relatório do Departamento
Americano de Educação intitulado “Becoming a Nation of Readers”
(“Tornando-se uma nação de leitores”), publicado em 1985.

Esse relatório é, ainda hoje, uma referência sobre o tema do


aprendizado da leitura e da literacia. Ele condensa as principais
conclusões de um seleto grupo de experts que se debruçou sobre duas
décadas de pesquisas acerca de como aprendemos a ler — pesquisas
que contemplavam áreas como psicologia da linguagem, lingüística,
desenvolvimento infantil e ciência comportamental. A intenção era
apresentar o estado da arte sobre o aprendizado da leitura e destacar as
melhores práticas, a fim de melhorar o ensino em sala de aula e
formar leitores mais competentes.

Em suas quase duzentas páginas, uma conclusão6

é expressa de modo inequívoco:

“A atividade mais importante para


construir o conhecimento necessário para
o futuro sucesso em leitura é ler em voz
alta para as crianças”.
A formulação da frase (“The single most important activity...”)
evidencia o lugar privilegiado da leitura em voz alta entre todas as
outras práticas relacionadas ao desenvolvimento da literacia. Não se
trata de “uma das mais importantes”, mas, reconhecidamente, “a mais
importante”.

O documento reproduz uma verdade elementar sobre o aprendizado


da leitura: ele não é natural e espontâneo, mas um fenômeno cultural
cujo sucesso maior ou menor depende dos estímulos e das
oportunidades de relacionamento com a palavra escrita, propiciadas
pela família à criança muito antes que ela ingresse na escola. Uma
criança que atinge a idade escolar conhecendo a estrutura das
histórias, acostumada a formular e a responder perguntas sobre o que
ouve e familiarizada com a existência e o funcionamento do material
impresso (letras que se juntam para formar palavras, palavras que se
juntam para formar frases, a direcionalidade da leitura, a posição do
texto na página etc.) está muito mais preparada para iniciar seus
estudos formais do que uma criança que trava seus primeiros contatos
com a literacia apenas no primeiro dia de aula.

Isso sem contar todo o repertório de conhecimentos que a criança vai


acumulando com as sucessivas leituras de uma grande variedade de
textos. A leitura não é uma habilidade que se exercite no vazio, mas
sobre uma base de conhecimentos prévios que ajudam a criança a ler
melhor e a compreender o que lê. O conhecimento adquirido nos
livros, somando-se aos conhecimentos adquiridos nas vivências
cotidianas — como passeios ao ar livre, explorações na natureza e
interações sociais — formam uma base ampla e sólida sobre a qual a
competência em leitura poderá se desenvolver.

Oferecer experiências à criança, no entanto, não basta. A experiência


bruta, sem o refinamento pela linguagem, é como um bloco de
mármore que precisa ser lapidado. A maneira como os pais conversam
com a criança sobre a experiência influencia na forma como ela a
absorve, impactando no conhecimento que dela será extraído. É esse
conhecimento refinado pela linguagem que entrará para o repertório
da criança e será acessado no momento em que ela realizar suas
próprias leituras. Como afirma o relatório: “Falar com a criança sobre
a experiência é o que lhe permitirá ampliar seu repertório de conceitos
e palavras associados àquela experiência”.7

A importância da interação verbal entre a criança e o adulto durante


a leitura não pode ser subestimada. Até por volta dos quatro anos, o
mais comum é que ela se fixe em algum elemento da ilustração e
queira falar sobre ele. Isso é absolutamente normal, e os pais não
devem se irritar quando “não conseguirem fazer a leitura da história”,
pois esta é a forma de leitura nessa fase. Conforme a criança vai
crescendo, suas perguntas começam a se referir também ao conteúdo
do que foi lido, evidenciando o desenvolvimento da compreensão da
narrativa.

O relatório americano enfatiza a importância da interação sobre a


leitura:

Os benefícios [da leitura em voz alta] são ampliados quando a criança participa ativamente,
envolvendo-se em discussões sobre as histórias, aprendendo a identificar letras e palavras,
conversando sobre o sentido delas. Um dos pesquisadores que observaram pais lendo para
os filhos notaram diferenças na qualidade e na quantidade de instrução informal fornecida
por eles durante a leitura. Alguns faziam perguntas semelhantes àquelas que os professores
fazem na escola. Assim, seus filhos tinham a experiência da dinâmica de pergunta e resposta
que a criança encontraria mais tarde no ambiente escolar. Esses pais também relacionavam
as histórias à vida real. Por exemplo, se viam um coelho, comparavam-no àquele de As
aventuras de Pedro Coelho.8

O momento da leitura em voz alta torna-se, assim, uma ocasião de


modelagem do processo real de ler, com o adulto “pensando em voz
alta” ao formular perguntas que instiguem o interesse da criança pela
história e estimulem sua capacidade de fazer inferências e previsões.
Os pais, na conversa informal sobre o que foi lido, também podem
evidenciar a relação entre diferentes histórias, ou entre os eventos
fictícios e algo que tenha acontecido na vida da criança. Essa
dinâmica será abordada no capítulo 2 , na seção destinada à leitura
dialogada.

A cada história lida em voz alta, possibilitamos à criança construir


imagens, explorar novos lugares, conhecer novos personagens, sentir
novas sensações e adquirir conhecimentos. Esses conhecimentos,
acumulando-se ao longo dos anos, serão a base para que nossos filhos
derivem analogias enquanto fazem suas próprias leituras. A cada livro
lido e relido, aperfeiçoamos sua capacidade de captar com precisão o
sentido do que lêem. Apresentamos a leitura como algo vivo e que nos
deixa mais vivos, acendendo uma chama dentro de nós que ilumina
outras leituras e nos arrasta para novas descobertas.

Tudo muda quando a gente lê.


OS FRUTOS DA LEITURA EM VOZ ALTA PARA A CRIANÇA
O relatório “Becoming a Nation of Readers” menciona alguns dos
benefícios da leitura em voz alta especificamente relacionados ao
desenvolvimento da literacia. Segundo o documento, a leitura em voz
alta:
■ Desenvolve a compreensão auditiva;
■ Desenvolve a linguagem oral, base da linguagem escrita;
■ Promove a aquisição de vocabulário receptivo e de vocabulário
expressivo;
■ Favorece a aquisição de conhecimento de mundo (ou conhecimento
prévio, fundamental para a futura compreensão em leitura);
■ Desenvolve a capacidade de expressar suas próprias experiências e
idéias;
■ Desenvolve o amor pela leitura;
■ Favorece o aprendizado dos elementos essenciais à alfabetização
(reconhecimento de letras e palavras, associação entre letras e sons,
direcionalidade da leitura, conhecimento da estrutura das histórias
etc.).

E a partir de quando devemos ler para a criança? A resposta


definitiva foi dada por Jim Trelease: “Você já conversa com seu filho?
Então já pode ler para ele”. De fato, assim como as crianças, desde os
primeiríssimos momentos, precisam de nutrição e amor, elas precisam
de palavras.

Quando olhamos para um recém-nascido, que passa a maior parte do


tempo dormindo, é difícil imaginar que haja um cérebro trabalhando
numa atividade alucinante. Cada estímulo que o bebê recebe do
ambiente e cada palavra que lhe entra pelos ouvidos (mesmo que ele
esteja dormindo) desencadeia em seu pequeno cérebro impulsos
elétricos que percorrem as células nervosas como relâmpagos. Em sua
recíproca comunicação, as células nervosas resplandecem, formando
redes luminosas que já foram chamadas de “árvores mágicas da
mente”.9 Podemos pensar em cada palavra que dirigimos ao bebê
como uma luz que lançamos sobre essa floresta, intensificando o
brilho da estrutura e reforçando a arquitetura cerebral.

Isso não significa que devamos fazer qualquer coisa de


extraordinário ou muito elaborado com nossos bebês, mas que
devemos fornecer-lhes linguagem com o mesmo zelo com que
cuidamos da nutrição de seu corpo. Neste cenário, a leitura em voz
alta é mais uma das fontes que proporcionam, na medida exata,
estímulos que desenvolvem, acalmam e reconfortam o bebê.

Quando me perguntam sobre o tipo de leitura ideal para o bebê —


especialmente durante os seis primeiros meses de vida —, minha
resposta é sempre a mesma:

você pode ler o que quiser, desde que sua


voz seja acolhedora e você deixe claro que
está se comunicando com ele
— pela proximidade física, pelo contato visual, pela maneira como
você modula sua voz. No entanto, se você procura um tipo de leitura
ideal, aposte nos versos das rimas da infância (rimas do folclore
infantil), nos bons poemas infantis e nas histórias rimadas, lidas
muitas e muitas vezes. É o bom e velho trio rima, ritmo e repetição: o
delicioso parque de diversões lingüístico da criança.

Embalado pelos ritmos e rimas da literatura infantil, o bebê tem a


percepção de uma linguagem agradável, que lhe chega organizada
segundo padrões rítmicos constantes. Durante meses, o bebê ouviu o
coração da mãe bater compassadamente. Fora do útero, o pulsar dos
versos são o que de mais próximo ele encontrará, em termos de
linguagem humana, daquela pulsação original — só que, desta vez,
veiculado pela voz que ele mais ama no mundo: a voz de sua mãe.
A criança começa a desenvolver a linguagem muito antes de dizer
suas primeiras palavras. Segundo Marianella Casaola, pesquisadora
do desenvolvimento lingüístico em bebês da Universidade Cornell,
desde os primeiríssimos momentos de vida a criança começa a
absorver todo o conjunto de regras que regem a linguagem,
distribuídas por cinco sistemas: a) fonologia (o sistema de sons da
língua); b) morfologia (as menores unidades de sentido em uma
língua); c) sintaxe (o modo como as palavras são ordenadas e
combinadas para formar frases adequadas); d) semântica (sistema
relacionado aos diferentes significados atribuídos às palavras); e e)
pragmática (o conjunto de regras que regem o uso da linguagem em
diferentes contextos).10

A criança está exposta a esses cinco sistemas no convívio familiar


normal, mas a leitura de livros ilustrados expande essa experiência
para territórios que permaneceriam inexplorados na simples vivência
cotidiana. A linguagem dos livros, mesmo os mais simples, contém
palavras raras que a criança dificilmente ouviria na conversação
comum; as frases são apresentadas na ordem usual e também com
variações sintáticas que ampliam a experiência da criança com as
possibilidades expressivas do idioma; o emprego das diferentes
entonações, pelo adulto que faz a leitura, evidencia para a criança os
diferentes sentidos que as palavras podem obter dependendo da
maneira como são ditas; a linguagem literária, com sua riqueza
expressiva, contribui para desenvolver a sensibilidade para as
diferentes nuances de sentido das palavras (exemplo: a diferença
semântica entre “grande”, que pode se referir às proporções físicas de
um objeto, e “grandioso”, que evoca a impressão por ele provocada,
pode ser facilmente transmitida à criança durante a leitura).

As crianças adquirem a linguagem seguindo um padrão universal e


previsível, atingindo marcos como os primeiros balbucios, ou arrulhos
(entre um e dois meses), o balbucio clássico “gugu-dadá” (a partir dos
seis meses), a pronúncia das primeiras palavras (a partir dos treze
meses), um rápido crescimento do vocabulário aos dezoito meses, e a
emissão de frases de duas palavras entre dezoito e vinte e quatro
meses.11

O vocabulário receptivo da criança (constituído por palavras que ela


é capaz de compreender) é o “reservatório” que vai se enchendo até
transbordar para o vocabulário expressivo (palavras que a criança diz),
e o livro ilustrado presta uma grande contribuição para a aquisição do
vocabulário receptivo e a ativação do vocabulário expressivo.

Neste ponto, gostaria de fazer um parêntese sobre as ilustrações dos


livros infantis. Comprovadamente,

o melhor tipo de ilustração para bebês


(até por volta dos vinte e quatro meses) é a
ilustração figurativa, ou seja, mais fiel à
realidade.
Livros com fotografias também são excelentes para os pequenos.

Um estudo realizado com bebês de quinze e dezoito meses12


constatou que as crianças eram capazes de aprender o nome de um
objeto novo uma vez apresentadas a ele por meio de um livro
ilustrado, mas a transferência do nome para o objeto real falhava, nas
crianças de quinze meses, quando a ilustração era caricatural (menos
figurativa). Em outra etapa da investigação, os pesquisadores
apresentaram às crianças um objeto novo, e depois uma ilustração
caricatural dele. Cem por cento das crianças falharam em reconhecer
o objeto na ilustração. Esse experimento demonstra a superioridade
das ilustrações figurativas e fotos em favorecer, nos bebês, a
transferência de conhecimentos da ilustração para o mundo real, e o
reconhecimento de elementos do mundo real na ilustração.

Fecha parêntese.
O vocabulário é a base para o desenvolvimento lingüístico da
criança. Por desenvolvimento lingüístico, entendemos a capacidade de
compreender a linguagem e de empregá-la para expressar sentimentos
e idéias. A correlação entre vocabulário e competência leitora,
inteligência e habilidades gerais é amplamente demonstrada pela
pesquisa educacional. Sem um bom vocabulá- rio, a criança apresenta
dificuldades na hora de aprender a decodificar palavras escritas; e,
uma vez decodificadas, tem dificuldade em compreender o sentido do
que leu.

Um estudo longitudinal realizado com 8.650 crianças demonstrou


que

o vocabulário está diretamente relacionado


à capacidade de aprender e à regulação de
comportamentos.
O vocabulário de uma criança aos vinte e quatro meses é um preditor
do seu desempenho acadêmico e comportamental no momento da
entrada na escola.13 Segundo um estudo que mensurou o vocabulário
de crianças de 24 meses, as crianças com maior vocabulário
demonstraram posteriormente maior capacidade de atenção às tarefas,
maior capacidade de persistir nas atividades e concluí-las, menor
tendência a interromper outras crianças, menor ocorrência de birras e
menor agressividade.14

Naturalmente, a primeira fonte de vocabulário é a interação cotidiana


no ambiente doméstico. Conversar com a criança usando frases
completas, em uma velocidade moderada (que lhe permita discernir o
que ouve) e cantar para ela são atividades fundamentais para a
construção do seu repertório lingüístico. Em termos de aquisição de
vocabulário, o grande diferencial da leitura é que ela expõe a criança a
um vocabulário mais rico e a estruturas sintáticas mais elaboradas,
ampliando sua capacidade de compreensão e, posteriormente,
expressão (na fala e também na escrita).

O abismo entre as crianças que ingressam na escola com um


vocabulário robusto e aquelas com déficit de palavras não se desfaz
naturalmente com a instrução regular, mas, pelo contrário, tende a
agravar-se: as crianças com mais vocabulário aprendem cada vez
mais, enquanto as crianças com deficiências de vocabulário aprendem
cada vez menos.

Esse fenômeno foi chamado na literatura especializada de “efeito


Mateus”, em referência à parábola dos talentos narrada no Evangelho
de São Mateus (a quem tem mais, mais será dado; a quem tem pouco,
até o pouco lhe será tirado). Isso quer dizer que, mesmo oferecendo a
todas as crianças as mesmas oportunidades, aquelas que apresentam
vantagens iniciais se desenvolverão mais, e o abismo entre elas só
aumentará com o tempo.

O famoso estudo de Todd Risley e Betty Hart, da década de 90,


intitulado “Meaningful Differences in the Everyday Experience of
Young American Children”15 (também conhecido como “o estudo do
abismo de trinta milhões de palavras”), foi a primeira bandeira
vermelha sobre os riscos da escassez de vocabulário durante os
primeiros anos de vida da criança.

O estudo observou os hábitos de famílias de diferentes estratos


socioeconômicos, concluindo, após análise de mil e trezentas horas de
gravações de interações lingüísticas domésticas, que uma criança de
uma família mais rica ouvia, em média, mais de duas mil palavras por
hora — palavras especificamente dirigidas a ela —, em contraste com
apenas seiscentas palavras nas famílias mais pobres. A estimativa é
que, ao completar quatro anos de idade, essas diferenças resultariam
em um abismo de trinta e dois milhões de palavras a mais para as
crianças mais ricas.
Essa variação estaria relacionada a diferenças substanciais nas
habilidades lingüísticas das crianças no momento da entrada na escola
e início dos estudos formais. Uma continuação desse estudo verificou
que as crianças que haviam ingressado na pré-escola com melhor
vocabulário apresentavam, no ensino fundamental, maior competência
lingüística e melhor desempenho acadêmico.

Na mesma linha, um estudo bem mais recente, de 2007,16 verificou


que lacunas nas habilidades lingüísticas das crianças na pré-escola são
responsáveis pela maioria das diferenças de aprendizagem entre
crianças de famílias mais ricas e crianças de famílias mais pobres.

Outros estudos confirmam o fato de que o desenvolvimento das


habilidades lingüísticas nos primeiros anos de vida é um fator
importante para o futuro sucesso acadêmico. Em 2017, um estudo17
buscou reproduzir aquele da década de 90 empregando meios mais
modernos de coleta de dados — no estudo anterior, as famílias eram
mensalmente visitadas por um pesquisador que ficava no ambiente
doméstico por uma hora, gravando as interações e tomando notas; no
estudo mais recente, essas gravações aconteciam de modo
automatizado, sem a presença física do pesquisador. Também esse
estudo de 2017 confirmou a existência de um abismo de palavras
entre as experiências lingüísticas de crianças mais ricas e mais pobres
— uma diferença menor do que a conta de trinta e dois milhões de
palavras, mas, ainda assim, existente e significativa.

Em 2018, um estudo de Harvard e do mit18 observou como o cérebro


das crianças reagia à escuta de histórias. Os pesquisadores
constataram que as crianças com maior experiência lingüística (por
meio de interações freqüentes no ambiente doméstico) apresentavam
padrões neurológicos diferentes das crianças habituadas a menos
interação.

Desde a publicação do estudo de Todd Risley e Betty Hart, as


políticas públicas voltadas para a primeira infância nos Estados
Unidos se concentraram no desenvolvimento das habilidades
lingüísticas nos primeiros anos de vida, garantindo aquela vantagem
inicial tão importante para que a criança consiga se desenvolver
adequadamente.

Esse estudo foi alvo de contestação em anos recentes, mas os críticos


denunciam o “elitismo” do estudo, não os seus resultados. Aliás,
estudos posteriores continuam confirmando o fato de que há uma
diferença entre o vocabulário das crianças mais ricas e das crianças
mais pobres, e que isso tem impactos em seu futuro sucesso
acadêmico. Os estudos posteriores só fizeram reforçar as conclusões
daquele da década de 90, ainda que ajustando os números. Negar a
existência dessas diferenças não contribui em nada para a solução do
problema. Deixar de falar sobre um tumor não impede que ele
continue crescendo.19

Por isso, idealmente, é preciso começar cedo; em todo e qualquer


caso, é preciso começar já.

Por isso, os pais que lêem para os filhos podem até nem desconfiar,
mas estão aplicando uma estraté- gia baseada em evidências,
fundamentada por um corpo quase inabarcável de estudos científicos.
Praticamente não há nenhum aspecto da leitura para crianças que já
não tenha sido alvo de algum estudo.

Benéfica para crianças de todas as idades,

a leitura em voz alta ajuda a inspirar o


amor pelas palavras e pela leitura, a
aumentar o vocabulário e a preparar o
caminho para a leitura independente.
Mas será que a leitura teria benefícios sobre a vida em geral do
indivíduo, e não apenas sobre os aspectos relacionados ao
desenvolvimento da literacia? Em 2015, a Agência de Leitura do
Reino Unido encomendou uma revisão científica de estudos que
investigassem os impactos da leitura recreacional (ou leitura por
prazer) sobre áreas não-relacionadas à literacia ou à competência
leitora.20 A idéia é que o prazer que derivamos da leitura funciona
como um pré-requisito para que todos os demais benefícios
diretamente relacionados à competência leitora venham a existir.
Assim, compreender esses impactos da leitura por prazer sobre a vida
em geral seria uma etapa importante na elaboração de programas de
incentivo à leitura no Reino Unido.

Confirmando o que já se suspeitava, a revisão constatou que o


entusiasmo com a leitura é mais freqüente entre crianças pequenas.
Sem os estí- mulos adequados, o interesse pela leitura tende a declinar
progressivamente com a entrada na adolescência.

A leitura recreacional entre jovens foi associada a um aumento de


conhecimentos gerais, à compreensão de outras culturas, a uma maior
participação na comunidade e à geração de insights sobre a natureza
humana. Os autores da revisão também destacaram que eventos que
promovem a leitura por prazer — como grupos de leitura e atividades
conduzidas por escolas ou bibliotecas — estão relacionados a uma
melhora nas habilidades sociais e à redução do sentimento de solidão.
1) Numeracia: A literacia numérica, ou numeracia, diz respeito às
habilidades de matemática que permitem resolver problemas da vida
cotidiana e lidar com informações matemáticas.21

2) Conhecimento de serviços: Consciência do aparato social que


auxilia o indivíduo em suas necessidades (exemplo: hospitais,
bibliotecas, sistema educacional, sistemas financeiros).

3) Conhecimento de outras culturas: Consciência das diferentes


perspectivas e formas de vida, incluindo diferenças históricas,
geográficas, religiosas e de costumes.

4) Capacidade de se relacionar: Sensação de estar conectado a outros


indivíduos e à comunidade em geral.

5) Capital cultural: É o conjunto de ativos não-financeiros que


promovem a mobilidade social por meios não-econômicos (exemplo:
educação, capacidade intelectual, estilo de discurso, vestimenta ou
aparência física). Capital social refere-se à força e ao número de
relacionamentos que uma pessoa tem com outras, e como isso as faz
sentir-se capazes de operar na sociedade conforme suas necessidades
e desejos.

6) Comunicação: Capacidade de transmitir informações por


diferentes meios, falando, ouvindo e trocando pontos de vista.

7) Inteligência emocional: Habilidade de reconhecer as próprias


emoções e as do outro, discernir os sentimentos e nomeá-los
adequadamente, utilizando esse conhecimento para orientar o
pensamento e a ação.

8) Descontração: Redução do esforço e alívio do trabalho físico ou


mental.

9) Conhecimento de si/da própria identidade: Consciência dos


próprios atributos, características, necessidades e desejos.

10) Criatividade e imaginação: Capacidade de formar imagens


mentais ou conceitos daquilo que não está presente aos sentidos.

11) Foco e “flow”: Capacidade de realizar uma atividade com total


imersão e sensação viva de foco, com completo envolvimento e
deleite no processo.

O estado de flow depende de um equilíbrio entre a intensidade do


desafio versus a habilidade do indivíduo para concluir a tarefa.
12) Deleite: Estado no qual sentimos prazer com alguma coisa.

O estudo conclui, ainda, que a leitura recreacional é uma resposta à


motivação intrínseca para ler. Ou seja,

faz mais leitura recreacional quem já


experimentou em si os benefícios dela,
buscando-a repetidas vezes como forma de fruí-los novamente.
Segundo os pesquisadores, enquanto essa motivação não for
despertada nos jovens, os programas de incentivo à leitura continuarão
frustrados.

Motivação intrínseca é algo que nasce quando experimentamos


pessoalmente os benefícios daquilo a que nos propomos. É a
experiência de um bem que nos faz desejar mais daquele bem. O
Professor Mihaly Csikszentmihalyi, do Departamento de Ciências
Comportamentais da Universidade de Chicago, afirma:

Se uma fração da energia que os educadores gastam tentando transmitir informações fosse
investida em estimular o prazer dos estudantes em aprender, teríamos mais êxito. Literacia e
numeracia — e, na verdade, qualquer outro assunto — poderiam ser aprendidos com mais
excelência, adesão e profundidade, se os estudantes se tornassem capazes de derivar desse
estudo as recompensas intrínsecas do aprendizado — isto é, aprender pelo prazer de
aprender, não para obter uma nota ou outra “cenoura”. Hoje em dia, no entanto,
lamentavelmente, poucos estudantes acreditam que aprender possa ser prazeroso.22

Ora, o adulto que lê para a criança — ainda que ela já saiba ler —
está despertando justamente a sua motivação intrínseca para a leitura.
Ler em voz alta é uma maneira de fazê-la experimentar as
recompensas intrínsecas daquela atividade. É como se colocássemos
nosso ouvinte em um barco e disséssemos: “Recoste-se no banco e
aproveite a viagem enquanto eu conduzo”. A criança-passageira
experimenta, em primeira mão, o que a leitura pode fazer por ela. A
leitura em voz alta planta aquela semente que lhe diz: “Ler é tão bom,
que não quero passar um só dia sem isso”.
Inspirar o amor pela leitura é uma das
maiores vitórias de que qualquer modelo
educacional poderia se gabar.
Se, ao acordar amanhã, você lesse no jornal: “Escola abc transforma
seu filho em amante da leitura”, você procuraria saber mais sobre ela.
E se você descobrisse que essa escola produziu consistentemente, nas
últimas décadas, uma leva de leitores competentes (muitos dos quais
se tornaram escritores), você tomaria um empréstimo no banco para
garantir a matrícula do seu filho.

Acontece que você pode matricular seu filho nessa escola. Com um
cartão de biblioteca e meia hora por dia, você pode garantir a seu filho
um tipo raro de educação, com chances reais de estimular sua
inteligência, cativar seu coração e fortalecer sua vontade de aprender.
Basta que você crie esse espaço privilegiado onde os melhores livros
ganhem vida diariamente por meio da leitura em voz alta. Basta que
você reconheça que essa é uma das maiores heranças que você pode
deixar para seus filhos. E basta que comece

hoje.
Ler em voz alta: o amor à criança
que molda o amor pela leitura

Ler em voz alta com os filhos é de fato o melhor uso


do tempo e da energia dos pais. É mais importante do que praticamente qualquer
outra coisa.
— Sarah Mackenzie

N este capítulo, vamos falar sobre a relação entre a afetividade e o


aprendizado. Com o avanço dos estudos em literacia que se valem
de imagens do cérebro obtidas por ressonância magnética funcional,
hoje podemos acompanhar, visualmente, como as conexões cerebrais
relacionadas às emoções propiciam as funções cognitivas superiores,
reforçando as redes neurais que formam o cérebro leitor. Por fim,
abordaremos a situação real de leitura para crianças e algumas
técnicas que comprovadamente estimulam o seu desenvolvimento
lingüístico.

Mas, antes de passarmos ao laboratório, detenhamo-nos no sofá da


sala de estar. É ali que estão os personagens principais da grande
aventura pela literacia: a criança, o livro e o adulto. Eis o começo de
tudo. A experiência da criança com a leitura envolve todos os seus
sentidos: o contato visual com o livro e com o adulto que lê, a audição
de palavras e frases em arranjos de sonoridade agradável, veiculados
por vozes familiares cheias de carinho, a proximidade física, o colo, o
abraço — todo esse contexto proporciona o início ideal de uma vida
leitora, favorecendo associações palpáveis da criança com a leitura.

A importância dessas primeiras associações não pode ser


subestimada. A neurociência vem compreendendo melhor a relação
entre as emoções e o aprendizado. Já se sabe que os circuitos neurais
relacionados às emoções estão na base dos processos cognitivos e os
influenciam. Como? Atribuindo significado emocional aos estímulos
e, em seguida, sinalizando essa avaliação para nós através das regiões
corticais superiores do cérebro (responsáveis por processos como o
pensamento, a motivação, a linguagem e o aprendizado).23 Isso
significa que as primeiras experiências com a leitura, quando
imantadas de afeto, criam associações entre leitura e prazer. No
tocante ao desenvolvimento lingüístico, sabemos que, sem a
participação das regiões cerebrais responsáveis pela atenção, emoção
e motivação, o processamento da linguagem não ocorreria.24

As emoções, na fala, são veiculadas por meio da prosódia. A altura


da nossa voz (mais aguda ou mais grave), a velocidade com que
falamos, o ritmo que imprimimos à fala, o tom, tudo isso são pistas
que ajudam o ouvinte a captar em sua integralidade o sentido do que
pretendemos comunicar. Por meio dessas pistas, transmitimos também
o nosso estado de ânimo, havendo evidências de que, logo após o
nascimento, os bebês demonstram uma preferência pela fala que
transmite informação prosódica.

Na literatura especializada, essa maneira especialmente carinhosa (e


levemente mais aguda) de se dirigir às crianças pequenas é chamada
de “fala materna” (motherese), e comprovadamente contribui para o
seu desenvolvimento lingüístico.

Ao enfatizarmos, por meio da “fala materna”, os sentidos que


imprimimos àquilo que dizemos, auxiliamos a ativação do cérebro da
criança naquelas regiões relacionadas à produção da linguagem e
compreensão sintática. Esse fenômeno levou cientistas da linguagem a
afirmarem25 que

“a função mais importante da fala


dirigida às crianças pequenas é criar e
manter laços emocionais fortes”.
A prosódia é como a música do idioma, envolvendo aspectos como a
altura (mais grave ou mais aguda), o volume (mais alto ou mais baixo)
e o tom da fala. A forma “musical” de se dirigir aos bebês e a crianças
pequenas é a mais natural, e a existência das tradicionais cantigas
infantis e rimas da infância nos dão abundantes provas disso. Na fala
dirigida às crianças, empregamos uma voz mais aguda, falamos mais
devagar, usamos frases mais curtas, mais repetições, e procuramos
imprimir maior clareza à pronúncia de cada palavra. Nossas avós
podiam não saber, mas esse tipo de fala envolve as regiões cerebrais
da criança relacionadas à emoção e ao sistema de recompensa. A
criança se agrada com essa forma de comunicação e processa melhor
a linguagem, sentindo-se, também, mais motivada a se comunicar.26

Ora, se o deleite está no centro do desenvolvimento lingüístico da


criança, é de se esperar que o seu desejo inicial de ler seja inspirado
pelo prazer que ela sente ao aconchegar-se junto de um adulto que ela
ama e ouvir uma história lida em voz alta.

O prazer pode ser classificado em dois tipos: os prazeres mais


fundamentais, relacionados à sobrevivência (e, nos humanos, à
interação social), e os prazeres de ordem superior, relacionados ao
aprendizado. O prazer compreende três componentes: o gostar (uma
inclinação afetiva proporcionada por experiências prévias agradáveis),
o querer (uma motivação consciente ou inconsciente pela
recompensa) e o aprender (que envolve uma antecipação das futuras
recompensas da atividade desejada).27

A construção de uma relação duradoura e frutuosa com a leitura


passa por essa preparação afetiva do cérebro leitor. De pouco adianta
ensinar a ler, se a criança não aprender a gostar de ler.

A criança pode sentir muita satisfação ao interagir com a pessoa que lê para ela e com as
conversas que surgem durante a leitura, mas a leitura, no fim das contas, torna-se uma
atividade solitária. A linguagem do texto escrito precisa ser internalizada para que seja
compreendida. Além disso, se esperamos que a criança vá além das histórias infantis, ela
deverá necessariamente gostar de ler, e, o mais importante, desejar ler textos cada vez mais
complexos, tendo aprendido as recompensas relacionadas a essa atividade. Tudo isso pode
ser influenciado pela maneira como a criança foi condicionada, desde cedo, no processo de
ler histórias com os pais.28
A leitura para a criança, assim, desenvolve as duas condições
fundamentais de uma vida leitora: o desejo de ler, fundado na
experiência da leitura como algo essencialmente bom, e as habilidades
requeridas pela leitura.

No mesmo espírito, a neurocientista Maryanne Wolf descreve aquilo


que ela considera o início ideal da vida de leitor:

Para mim, os primeiros momentos de vida ideal de leitor começam com um bebê no colo de
uma pessoa querida, “carregada nos braços”, lugar próprio para que o contato
compartilhado, o olhar e a experiência de ouvir alguém ler proporcionem as melhores portas
para esse mundo doce e novo. Antes que o bebê possa pronunciar as primeiras palavras, nos
cérebros mais jovens, essa dimensão física, que nunca envelhece, da primeira experiência
com a leitura conecta o sentir — táctil e emocional — com as regiões da atenção e da
memória, da percepção e da linguagem.29

Ainda que a criança não seja capaz de se lembrar dessas primeiras


experiências, elas deixam marcas em seu cérebro e ajudam a formar o
quadro conceitual que ela utilizará para entender o mundo e
compreender a si mesma. A partir dos dois anos, essas experiências
começam a ser acessadas para construir a memória biográfica da
criança — um processo que se estenderá até à idade adulta.30 A leitura
em voz alta, continuada ao longo dos anos, proporciona à criança
inúmeras experiências de sintonia, empatia e compaixão por meio da
partilha de histórias e interações sobre elas. As narrativas e o diálogo
orgânico que elas propiciam auxiliam no processo de formação de
memórias daquilo que a criança viu, ouviu e disse — e isso é nada
menos que “matéria-prima” para a construção de uma identidade
pessoal. As crianças precisam de experiência e relação interpessoal, e

a leitura em voz alta, graças à presença


viva e amorosa de um adulto que lê e
conversa com elas, é um tipo de experiência
fundamental.
Do outro lado do Atlântico, o relato de Geneviève Patte, uma
bibliotecária francesa com ampla experiência de leitura para crianças,
reafirma o papel da leitura na construção do senso de identidade da
criança:

O livro é objeto. A leitura é experiência. O livro ilustrado se entrega ao leitor com palavras e
desenhos. Na confusão e na violência de sentimentos que o habitam, o ritmo do livro, ao
longo das páginas, lhe traz ordem, paz e serenidade. Assim, a obra se oferece à partilha e à
transmissão. A leitura é o encontro com o outro. Ela é mais bem vivida pela criança com um
adulto próximo, que se interesse por sua vida de criança e pelo seu despertar para o mundo.
A leitura é tempo, tempo do relato e do encontro com o adulto próximo, ao mesmo tempo
barqueiro e testemunha. Pela graça de uma obra de qualidade, o livro ilustrado interessa,
num mesmo movimento, ao adulto e à criança. O adulto se admira e admira seu filho, sua
profundidade e sua sutileza. A criança se sente existir porque compreende e se sente
compreendida.31

São palavras poderosas. Em nossa experiência como pais e mães,


muitas vezes constatamos a necessidade da criança de se perceberem
olhadas, como diz a autora, para que se sintam existir. Durante a
leitura em voz alta, a troca de olhares é uma forma de comunicação
para além das palavras, como se disséssemos: “Você viu o que eu
vi?”. A criança, imitando nossa forma de interagir com o texto — um
erguer de sobrancelhas, um olhar de suspeita, uma expressão de
surpresa, uma risada —, vai apreendendo a gramática de uma
comunicação humana, com todas as suas sutilezas. A empatia e a
humanidade de nossos filhos desabrocham a cada personagem que
conhecem, a cada enredo que reproduzem em sua imaginação, a cada
descoberta de algo que não sabiam, a cada conversa que o livro
propicia.

Catherine L’Ecuyer enfatiza a diferença entre uma educação


personalizada e uma educação individualizada. Enquanto esta se
satisfaz com o mero isolamento do indivíduo (pense-se nas divisórias
dos banheiros públicos, onde há uma situação individualizada, mas
não personalizada), uma atenção personalizada atende àquilo de que
uma pessoa concreta precisa para se desenvolver bem. Ela destaca que
os pais e os educadores, para desempenhar verdadeiramente sua
função na vida das crianças e dos adolescentes, precisam estar
conscientes dessa diferença.
De acordo com cada etapa da vida da criança ou do jovem, o seu papel será abraçar,
interpretar a realidade com o olhar, contar histórias reais, outras fictícias, amparar,
redimensionar um problema emocional, corrigir um defeito com carinho, ajudar a decifrar
como se sente uma pessoa, recordar um acontecimento íntimo, discordar, prestar atenção ou
ajudar a identificar as limitações e as forças.32

É uma missão que pode parecer grande demais para simples pais e
mães, mas é precisamente a missão a que todo pai e mãe é chamado
desde o momento em que tem sob seus cuidados um outro ser
humano. Ela exige de nós, não a perfeição milimétrica, mas a
disposição incansável de melhorar e de buscar o que for preciso para
isso.

Não tenho a menor dúvida de que as histórias — e as melhores entre


elas — nos ajudam a educar nossos filhos na empatia, nos valores e
nas disposições que desejamos para suas vidas. Boas histórias falam
mais diretamente ao coração e contribuem mais para mover os
sentimentos na direção certa do que uma longa e minuciosa
explicação.

Nos últimos tempos, uma onda de livros infantis tem prometido


ajudar a criança a largar a chupeta ou usar o vaso sanitário, gerando
nos pais a esperança de que esses processos normais à vida de toda
criança sejam atalhados ou facilitados por meio dos livros. Tenho
minhas dúvidas sobre resultados práticos tão pontuais a serem obtidos
por meio de histórias, mas reconheço no fundo desses pedidos a
expectativa legítima de que elas nos auxiliem na educação da criança.

Porém, se as histórias podem ajudar na educação de nossos filhos, a


educação de que falamos é algo diferente do mero adestramento nesta
ou naquela conduta. Muitos comportamentos da criança resolvem-se
apenas com o tempo e a persistência dos pais na correção diária,
paciente e pautada pelo bom senso. Não devemos acreditar que a
literatura é uma espécie de mercado e que os livros são como latas de
ervilhas. Se eu pudesse dar uma recomendação a todo pai e mãe de
crianças pequenas, seria esta:
ao selecionar um livro, procure menos o
seu interesse imediato do que o interesse da
criança.
E desconfie de promessas mágicas que facilitem o seu serviço.

Muitas vezes as expectativas dos pais não são assim imediatistas,


mas acabam caindo no outro extremo: o do papel absoluto das
histórias na formação moral da criança. Alguns pais rejeitam a leitura
de histórias clássicas como “João e o pé de feijão”, ou “João e Maria”,
por acreditarem que os episódios de furto e abandono comunicariam
maus exemplos à criança, endossando comportamentos que a mente
infantil poderia interpretar como lícitos, já que relatados em uma
história.

Jamais pretendi orientar o tipo de educação moral que os pais


desejam dar aos filhos, e a palavra final sobre o que ler será sempre da
própria família. O que sempre enfatizo, no entanto, é que a leitura em
voz alta é justamente uma oportunidade de dialogar sobre as histórias,
de reagir a elas e de modelar uma certa maneira de reagir às coisas
que vemos e ouvimos. Reagimos às histórias como reagimos à vida, e
toda a pedagogia moral subjacente a uma história dependerá da
maneira como o adulto responde ao que acontece nos eventos
narrados. Freqüentemente, por exemplo, ao reler com meus filhos uma
história favorita, pergunto: “Será que ele fez a coisa certa?”, e suas
respostas nos dão uma boa oportunidade de falar sobre o
comportamento humano, os erros, os enganos, as falhas humanas.

O olhar do adulto é o que educa a criança,


e na leitura para nossos filhos temos uma bela ocasião de ajudá-los a
olhar para o lugar certo em cada coisa.
A presença interessada dos pais, manifestada no convívio diário, tem
uma importância tão grande para o desenvolvimento dos filhos que é
até difícil de estimar. Um estudo intitulado “Baby Bonds: Parenting,
Attachment and a Secure Base for Children”33 afirma que as práticas
familiares que reforçam o desenvolvimento cognitivo e os laços de
afetividade — tais como as brincadeiras, os jogos, o contar histórias e
ler em voz alta — são mais determinantes para o futuro êxito da
criança do que o grau de instrução dos pais ou o padrão da escola,
tomados isoladamente.34

Talvez isso tenha levado Adam Swift a afirmar, em certa ocasião,


que os pais que lêem para seus filhos deviam pensar duas vezes, pois
estariam “desfavorecendo injustamente” as demais crianças. Swift foi
atacado de todos os lados por pais que não captaram a ironia — e,
principalmente, que não leram sua declaração inteira, na qual,
repetindo conclusões de estudos científicos, afirmou: “As evidências
mostram que as diferenças entre as crianças que ouvem histórias e as
crianças que não ouvem — diferenças em suas perspectivas de vida
— são maiores do que as diferenças entre as crianças que freqüentam
escolas particulares de elite e as que não freqüentam”. Assim, o que
parecia uma acusação aos pais diligentes era, na verdade, um apelo
universal a que os pais lessem para seus filhos. As reações de ódio à
sua declaração talvez sejam um exemplo da incapacidade de leitura
que se tornou a regra nas redes sociais.35

Tudo o que foi dito até aqui é um chamado a que os pais aproveitem
sua posição privilegiada na vida das crianças para fazer emergir, do
amor que permeia sua relação com os filhos, um amor duradouro pela
leitura. Aprender a ler, como já vimos no capítulo anterior, não é um
processo natural. A participação da família é de suma importância,
fornecendo à criança aquelas experiências que tornarão a aquisição da
leitura e da escrita um processo desejável e carregado de sentido.
Nenhum pai e nenhuma mãe, em sã consciência, deixaria passar uma
oportunidade dessas.
Você já sentiu vergonha ao fazer a coisa certa? É assim que algumas
mães se sentem, ao ler para o bebê recém-nascido, ou para a barriga.
Afinal, qual o sentido de ler para um bebê que ainda não entende o
que ouve? Há pelo menos duas boas razões. A primeira é que a leitura
para o bebê lhe proporciona uma experiência afetivamente
significativa, e esse afeto será associado ao momento da leitura,
tornando-o agradável e desejável desde os primeiros dias de vida. A
segunda é que o desenvolvimento do sistema lingüístico do bebê
começa muito antes de que ele seja capaz de articular seus
pensamentos.

Não precisamos esperar que a criança dê


sinais de que compreende o que lemos para
só então lermos para ela.
Dois experimentos realizados pela Universidade da Carolina do Norte
confirmam a primeira afirmação, de que a leitura para recém-nascidos
lhes proporciona uma experiência afetivamente significativa.

No primeiro estudo, trinta e três mães passaram as seis últimas


semanas da gestação recitando um parágrafo de literatura para o bebê
no ventre. Cinqüenta e duas horas após o nascimento, os
pesquisadores expuseram os bebês à audição daqueles mesmos
trechos, lidos por uma voz diferente da voz da mãe. Medindo o ritmo
de sucção dos bebês, os cientistas constataram que eles reconheciam e
se acalmavam ao ouvir os trechos que a mãe costumava ler antes do
nascimento.

No segundo estudo, avaliaram-se bebês dois meses antes do


nascimento, constatando-se que seus batimentos cardíacos se
aceleravam à escuta de uma nova história e se acalmavam ao som de
uma história já conhecida.36 Embora o bebê no útero não consiga
ainda discernir com precisão os sons que ouve, ele já reconhece a voz
da mãe e capta os aspectos prosódicos da fala, como o tom emocional
e o ritmo.

Segundo Maryanne Wolf,

o desenvolvimento inicial do cérebro dá prioridade aos circuitos subjacentes ao sentimento,


antes mesmo da cognição. [...] A amígdala no cérebro da criança (que tem participação nos
aspectos emocionais da memória) grava suas redes neurais antes que sejam formadas redes
para seu vizinho próximo, o hipocampo, o mais conhecido depósito da memória.37

Isso significa que a primeira memória na vida de um leitor é afetiva.

A segunda razão para ler para bebês é que eles começam a


desenvolver seu sistema lingüístico muito antes que sejam capazes de
articular os pensamentos. Isso significa que eles estão processando a
linguagem desde os primeiríssimos momentos.

Imagens geradas por ressonância magnética funcional mostram que


bebês de dois meses, embora aparentemente tão pouco responsivos,
reagem à fala por meio de ativações nos mesmos circuitos de
linguagem que nós adultos usamos para ouvir a fala — a ativação é
mais lenta, devido à falta de mielinização isolante, mas aumenta
rapidamente, conforme acelera-se a transmissão entre neurônios em
várias redes.38

Essas pesquisas sobre a leitura para bebês no ventre ou recém-


nascidos não devem despertar nos pais uma ansiedade para
desenvolver o sistema lingüístico de seus filhos o quanto antes. De
modo algum seria desejável disseminar uma “corrida pelo melhor
cérebro”, e não é isso que os pesquisadores sugerem, ao apresentar os
resultados dessas pesquisas. Elas são apenas um incentivo a que
cuidemos da linguagem que oferecemos à criança, e a que extirpemos
qualquer dúvida sobre a conveniência de falar ou ler para nossos
bebês.

Costumo dizer, ainda, que ler para a barriga ou para o recém-nascido


é uma oportunidade de perder todo e qualquer constrangimento na
leitura em voz alta. Afinal, se a mãe está desconfortável em ler para o
bebê novinho, o que garante que esse desconforto irá desaparecer
dentro de alguns meses? Até quando esperar? Sete meses? Dez
meses? Dois anos? O cérebro de seu filho já está pronto para a
experiência, sua voz é o som que ele mais gosta de ouvir, sua
proximidade é tudo que ele mais deseja — por que não agora? É uma
experiência que não faz sentido adiar, e que vai se tornando mais
gratificante a cada dia, como assinala, mais uma vez, Maryanne Wolf:

Pense-se quantas coisas mais podem acontecer nessas regiões [cerebrais] quando os pais,
devagar, deliberadamente, lêem para os filhos, só para eles, num contexto de atenção
recíproca. Esse ato desconcertantemente simples traz contribuições imensas: proporciona
não só as associações mais palpáveis com a leitura, mas também uma interação entre pais e
filhos sem hora para terminar, que envolve atenção compartilhada, aprendizado de palavras,
frases e conceitos, e mesmo o conhecimento do que é um livro.

Em consonância com o que já dissemos sobre a importância da


atenção personalizada para o desenvolvimento adequado das crianças,
e destacando o papel da leitura em sua formação, Wolf continua:

Uma das influências mais evidentes sobre a atenção das crianças pequenas envolve o olhar
compartilhado que ocorre e se desenvolve quando os pais lêem para elas. Com um mínimo
de esforço consciente, as crianças aprendem a voltar sua atenção visual para aquilo que está
sendo olhado pelos pais ou cuidador, sem perder nada de sua própria curiosidade e
comportamentos exploratórios. Como observa o filósofo Charles Taylor, “a condição crucial
para o aprendizado humano da linguagem é a atenção compartilhada”, que ele e outros
pesquisadores da ontogênese da linguagem julgam ser um dos traços mais importantes da
evolução humana.39

A leitura para crianças pequenas exige certa preparação do adulto,


que deve ter suas expectativas ajustadas quanto à forma de
envolvimento da criança com a leitura e seu tempo de atenção.
Conhecer algumas estratégias baseadas em evidências também ajuda a
extrair da leitura em voz alta o seu máximo potencial pedagógico,
potencializando-a como ferramenta de inserção da criança nos
caminhos da literacia. A seguir, abordarei algumas delas, que podem
ser aplicadas pelos pais na leitura para os filhos, bem como por
professores de crianças pequenas.

Antes de tudo, é preciso esclarecer que o interesse da criança pelo


momento da leitura e o seu nível de envolvimento variam diariamente
e segundo muitos fatores: como a criança está se sentindo, a
quantidade de distrações em torno, a temperatura do ambiente, a
atitude do adulto que está realizando a leitura, o interesse da criança
pelo livro, seu conhecimento prévio do tema do livro etc. Por isso, os
pais não devem comparar um dia com o outro, mas ir percebendo ao
longo do tempo a mudança de atitude da criança com relação ao
momento da leitura, tornando-se mais receptiva e progressivamente
mais atenta.

As estratégias para aumentar o envolvimento da criança com a


leitura devem ser aplicadas moderadamente, sem interromper o fluxo
da história, mas como uma continuação orgânica da leitura. Não é
preciso aplicar essas estratégias sempre que se ler um livro para a
criança. Muitas vezes, simplesmente ler do começo ao fim, sem
incentivar a sua participação, será suficiente. As estratégias, no
entanto, são eficazes para estimular o interesse pela leitura, aumentar
o vocabulário, incentivar a fala e promover a compreensão da história.

LEITURA DIALOGADA PARA CRIANÇAS DE ATÉ CINCO


ANOS
Desenvolvida por Whitehurst e outros pesquisadores da literacia, a
leitura dialogada é uma estratégia que visa ao desenvolvimento
lingüístico da criança e que pode ser aplicada depois que o adulto já
tiver lido o livro em voz alta pelo menos uma vez. Por meio de
perguntas estruturadas, procura-se estabelecer uma interação
lingüística a propósito do livro, com base em suas ilustrações. A
leitura dialogada é, na verdade, uma forma de estimular a criança a
falar, aproveitando a ocasião extremamente favorável da leitura em
voz alta.

Essa estratégia baseia-se em três princípios: a) incentivar a criança a


envolver-se ativamente com a leitura em voz alta; b) fornecer-lhe
modelos de uma linguagem mais elaborada; c) estimulá-la a
expressar-se com uma linguagem um pouco mais sofisticada do que o
habitual.
Durante a leitura dialogada, o adulto segue uma seqüência de
perguntas que vão crescendo em complexidade. Deve-se começar com
perguntas do tipo “o quê”, “quem”, “quando”, “onde”, “como”,
avançando para comandos específicos, de acordo com a capacidade
lingüística da criança. Com os pequenos que estão começando a falar,
as perguntas iniciadas com “o quê”, “onde”, “quem” etc. já são o
suficiente, sem que seja necessário partir para os comandos mais
avançados. Avalie sempre a maturidade lingüística da criança, para
não tornar a interação demasiadamente desafiadora e frustrante.

O quadro abaixo fornece uma visão geral dos tipos de comandos,


tomando-se por base a leitura da história de Chapeuzinho vermelho:
EXEMPLOS DE COMANDOS
Natureza do
Exemplo
comando
Quando o lobo bateu na porta da casa da vovó, ela disse...
Completar Quando Chapeuzinho viu o lobo em cima da cama, perguntou: “Vovó, por que
você tem esses olhos tão...?”
Recordar Que disse a mamãe de Chapeuzinho ao lhe entregar a cesta de doces?
Por que Chapeuzinho não devia ir pelo caminho da floresta?
Perguntas abertas
Por que o lobo se vestiu como a vovozinha?
Você já passeou sozinho alguma vez?
Distanciamento
Você presta atenção quando a mamãe lhe dá algum conselho?
Na leitura dialogada, o adulto avalia a resposta da criança e a
expande, tornando-a ligeiramente mais completa. Em seguida,
incentiva-se a criança a repetir a resposta mais completa. Assim, por
exemplo: — O que a Chapeuzinho levava na cesta para vovó? —
Doces [resposta compactada da criança].

— Isso mesmo! [avaliação] A Chapeuzinho levava doces e uma


garrafa de vinho para a vovó [expansão da resposta]. O que ela levava
mesmo? — Ela levava doces e uma garrafa de vinho para a vovó.

Caso a criança erre a resposta, não enfatize o erro e procure conduzi-


la à resposta certa.
— O que a Chapeuzinho levava na cesta para a vovó? — Flores.

— Hum, interessante! Ela poderia ter levado flores. Vamos ver o que
ela levou? Doces! Ela levou doces para a vovó [pausa]. O que a
Chapeuzinho levou na cesta? — Doces.

— Isso mesmo, ela levou doces para a vovó.

Em toda interação lingüística durante a leitura em voz alta, lembre-se


do trio cpr: 40

1. Comente e espere; 2. Pergunte e espere; 3. Responda expandindo


um pouco.

Um dos erros mais comuns na interação com a criança é não dar


tempo suficiente para que ela processe o pedido e responda. Caso a
criança não responda, forneça a reposta com calma e entusiasmo, sem
adotar um tom de reprovação.

DOZE CONSELHOS ÚTEIS PARA QUALQUER IDADE


1. Mostre a capa do livro para a criança. Leia o título, passando o
dedo por baixo do texto. Faça o mesmo com o nome do autor.

2. Faça algum comentário breve sobre a ilustração da capa,


instigando a curiosidade da criança.

3. Abra o livro mais lentamente, criando expectativa.

4. Na primeira apresentação de um livro para a criança pequena,


pode ser que você não consiga ler o texto. É comum que ela fique
animada com as ilustrações e deseje vê-las todas de uma vez. Por isso,
faça um passeio pelas imagens do livro, narrando oralmente as cenas
e nomeando alguns elementos das ilustrações, sem se preocupar em
ler o texto. Na próxima apresentação do livro, repita as etapas 1 a 3 e
tente ler o texto da primeira página.
5. Se a criança insistir em retirar o livro da sua mão durante a leitura,
experimente ler para ela enquanto estiver na cadeira de alimentação
(desde que já ultrapassada a fase da introdução alimentar) ou
brincando com algum brinquedo silencioso. Você não precisa
necessariamente ler enquanto a criança se alimenta, mas aproveitar os
minutos após a refeição na cadeira para ler um livro curto costuma ser
uma forma eficaz de acostumar a criança à dinâmica do momento de
leitura.

6. Leia diariamente, como parte da rotina da criança. Cinco minutos


diários são o suficiente para que seu filho inicie sua jornada rumo à
literacia.

7. Tenha livros pela casa, nos locais onde a criança costuma ficar.
Utilize cestos ou caixas para organizá-los.

8. É benéfico ler em momentos determinados — depois do café-da-


manhã, ou depois do banho, por exemplo — até consolidar o hábito,
mas isso não impede que você leia em outros momentos. Porém, caso
a criança esteja pedindo leitura com muita freqüência e chorando
quando você não pode atendê-la (isso é relativamente comum com
crianças de até dois anos), não faz mal colocar os cestos a uma altura
que ela não os alcance, descendo-os apenas nos momentos da leitura.

9. Livros com imagens familiares têm mais chances de chamar a


atenção dos bebês — cenas da rotina, animais, alimentos, objetos do
dia-a-dia.

10. Busque livros que contemplem os “três r’s” de ouro da primeira


infância: rimas, ritmo e repetição. Histórias rimadas, com ritmo bem
marcado e repetições de palavras ou estruturas (como as histórias
cumulativas, nas quais, a cada elemento novo, os anteriores são
repetidos) são agradáveis e instigantes, favorecendo também o
desenvolvimento lingüístico da criança.

11. A criança vai demonstrando suas preferências durante os


momentos de leitura em voz alta. Não as ignore. Se o livro que você
achou que faria sucesso não emplacar, guarde-o por um tempo e vá
testando outros. Encontrar o livro certo faz toda a diferença.

12. Leia com energia e boa entonação, fazendo vozes, gestos e


expressões faciais. Tudo isso contribui para a compreensão de quem
está ouvindo, tornado a leitura mais envolvente.

Com essas dicas em mãos, resta a pergunta: o que ler para cada
idade? Se eu pudesse escolher uma mensagem para ficar gravada na
cabeça dos pais seria esta:

não despreze os livros ilustrados.


Não os julgue como “fáceis demais”, ou como uma etapa a ser
superada tão logo a criança esteja preparada para ouvir narrativas sem
ilustrações. O livro ilustrado é o melhor amigo da criança — e do seu
cérebro. Um estudo conduzido pelo Doutor John Hutton no Centro de
Pesquisa em Leitura e Literacia do Hospital Infantil de Cincinnati,
com crianças de três a cinco anos, afasta todas as dúvidas sobre este
ponto.

Os pesquisadores queriam comparar a atividade cerebral das crianças


quando submetidas a três diferentes experiências: a) a escuta de uma
narrativa sem ilustração; b) a escuta de uma narrativa acompanhada de
ilustrações (ou seja, a clássica experiência de ouvir a leitura de um
livro ilustrado); c) a exibição de um desenho animado.

Eles tiveram o cuidado de escolher, para cada um desses formatos,


uma história similar em seu grau de dificuldade e duração (sendo as
três, inclusive, do mesmo autor). Por meio de imagens geradas por
ressonância magnética funcional, os cientistas conseguiram mapear a
atividade cerebral das crianças durante as três experiências.

O estudo observou a ativação de áreas relacionadas ao


desenvolvimento lingüístico, à atenção, à introspecção, à criatividade,
à criação de imagens mentais, à semântica e à percepção visual. Os ní-
veis de atividade nas redes neurais relacionadas a essas funções foram
mensurados em cada uma das três experiências, bem como os padrões
de comunicação entre as áreas.

A análise das imagens revelou diferenças significativas na ativação


dessas áreas e na conectividade entre elas durante a escuta do áudio, a
escuta de uma narrativa acompanhada de ilustrações estáticas
(experiência do livro ilustrado) e a apresentação de um vídeo.

A experiência da história ilustrada revelou padrões ideais de ativação


e conectividade, indicando uma relação equilibrada entre o foco (e sua
reorientação), a formação de imagens e o funcionamento da rede
responsável pela linguagem.

A dinâmica atencional foi similar entre a experiência da narrativa


ilustrada e a do áudio sem ilustrações, mas os padrões de
conectividade durante a transmissão do áudio indicaram menor auxílio
à rede responsável pela linguagem e uma capacidade limitada da
geração de imagens. Era como se a conectividade tivesse de ser um
pouco forçada, gerando um maior stress nas conexões entre as áreas
cerebrais.

A exibição do audiovisual teve os piores resultados em termos de


conectividade entre as áreas cerebrais, concentrando quase toda a
atividade na área de processamento visual.

Os pesquisadores concluíram que, como o desenvolvimento ideal das


redes cerebrais que servem de base para as habilidades de ordem
superior depende de reforços durante a primeira infância, a
experiência do formato “história ilustrada” proporcionaria a melhor
experiência, promovendo uma dinâmica balanceada das redes
neurais.41

Esse é o chamado “efeito Cachinhos Dourados”: enquanto a


experiência do áudio era “muito fria” para ativar todas as redes
neurais observadas, e a do audiovisual “muito quente”, concentrando
toda a atividade na percepção visual e “queimando” as demais redes, a
experiência da história ilustrada era da temperatura certa, ativando em
níveis adequados todas as áreas observadas e proporcionando uma boa
comunicação entre elas.

Assim, a leitura em voz alta de histórias é um meio eficaz de


estimular a transmissão de informações de um lado a outro do cérebro,
criando e reforçando conexões neurais que constituem a arquitetura
cerebral. Em 2014, a Academia Americana de Pediatria orientou seus
membros a recomendarem aos pais de bebês e crianças pequenas a
leitura diária de livros ilustrados. Em um documento oficial, a
Academia afirmou: “A leitura em voz alta realizada regularmente para
a criança estimula padrões ideais de desenvolvimento cerebral e
reforça o relacionamento entre pais e filhos em um momento crítico
do desenvolvimento infantil, o que, por sua vez, favorece a
linguagem, a literacia e as habilidades socioemocionais com
conseqüências por toda a vida”.

O Doutor John Hutton, que coordenou a pesquisa, complementa:

Crianças excessivamente expostas a telas podem apresentar deficiências em diferentes áreas,


como linguagem, imaginação e atenção. O período dos três aos cinco anos é formativo:

a excessiva exposição a telas predispõe o cé- rebro a uma atrofia ou subdesenvolvimento


dessas redes neurais de ordem superior. Se o que sabemos sobre a plasticidade cerebral
estiver correto, crianças que apresentam baixo desenvolvimento dessas redes terão mais
dificuldade para aprender, para formar imagens com base nas narrativas que escutam e para
relacioná-las à sua própria vida. Serão muito mais dependentes daquilo que lhes chega
passivamente, sem que façam nenhum esforço. Acredito que esse é um problema sério, que
está se agravando conforme as telas se tornam portáteis.42

Como relatado por Meghan Cox Gurdon em seu livro The Enchanted
Hour, a equipe do Doutor Hutton descobriu, em outro estudo, que o
cérebro de crianças habituadas à leitura em voz alta freqüente, e que
tinham mais acesso a livros infantis em casa, apresentava uma
ativação mais robusta do que seus colegas que não se beneficiaram
dessas experiências. O cérebro dessas crianças era mais ágil e
receptivo a narrativas, indicando uma maior capacidade de processar o
que ouviam. Segundo Meghan, “esse foi o primeiro estudo mostrando
que o ambiente doméstico no qual se lê desde cedo para as crianças
faz uma diferença significativa nas funções cerebrais e, por
conseguinte, no desenvolvimento cerebral”.43

Não consigo pensar em um apelo mais veemente a que pais e


professores leiam em voz alta para as crianças, o quanto antes.

A ênfase, porém, na leitura em voz alta para crianças não deve


desestimular pais e professores de adolescentes a lerem para aqueles
que já cruzaram o limiar da infância. Para os jovens, a leitura em voz
alta continua sendo um meio eficaz de proporcionar momentos
emocionalmente significativos, de desenvolver os hábitos de leitura e
as habilidades fundamentais para a competência leitora.

De uma seguidora no Instagram, professora e mãe de adolescentes,


recebi certa vez o seguinte depoimento: “Retomamos a leitura em voz
alta com os filhos de treze e doze anos. É maravilhoso continuar um
vínculo tão precioso com os que estão entrando na adolescência.
Surgem risadas, conversas, e vejo que eles querem muito esse
momento de ficarmos juntos. Tenho certeza de que isso ficará para
sempre na memória afetiva deles”.

A história da jovem Alice Ozma ilustra com veemência esse fato.


Em seu memoir intitulado The Reading Promise, ela conta a história
do trato que fez com o pai de lerem juntos toda noite, por cem noites
seguidas. Depois das cem noites, decidiram renovar a promessa de
leitura, desta vez por mil noites. Alice tinha nove anos.

O mais surpreendente não é que eles tenham conseguido ler juntos


por mil noites consecutivas, sem falhar nenhuma, mas terem
conseguido ler três vezes mais do que isso, mantendo a promessa
mesmo quando a família começou a ruir — a mãe de Alice saiu de
casa quando ela tinha onze anos, sem olhar para trás. Jim Brozina leu
para a filha toda noite até às vésperas de ela se mudar para o campus
da universidade. Alice afirma, nas primeiras páginas de seu livro, que
“este não é um livro sobre livros”: “Este é um livro sobre o ato de ler,
e sobre o tempo a ele dedicado. Este livro é sobre as 3.218 noites que
meu pai e eu passamos lendo tudo que podíamos encontrar. Os livros
têm muita importância, mas as conversas que propiciam e os vínculos
que se formam são o que realmente importa”.44

Sempre me pergunto como teria sido a vida de Alice, não fosse a


dedicação obstinada de seu pai, desdobrando-se para enriquecer a vida
da filha com aquilo que ele sabia fazer melhor: estar presente, de
preferência na companhia de um bom livro.

Bibliotecário e leitor voraz, amante de Shakespeare, Jim sabia que


transmitir à filha um pouco do seu amor pela literatura era uma forma
de fortalecê-la para enfrentar os reveses da vida. O que ele talvez não
imaginasse é que a sua própria figura assumiria o protagonismo
naquelas noites de leitura. A certa altura, Alice escreve: “Quando me
lembro da promessa que meu pai e eu nos fizemos, os livros
desempenham um papel importante, mas a estrela será sempre o
homem que, com toda a devoção, lia-os para mim em voz alta”.45

O próprio Jim Trelease, que fez mais do que ninguém pela


divulgação da leitura para crianças, teve suas primeiras experiências
com a leitura em voz alta quando já era um garoto crescido. Ele conta
em um artigo publicado em seu site que, tendo sido um menino
extremamente agitado, a leitura em voz alta era a arma secreta que seu
pai utilizava para acalmá-lo, à noite, quando voltava do trabalho. Diz
o autor:

Meus pais não tinham formação superior e suavam para criar quatro filhos em um
apartamento de dois quartos. Eu era o primogênito e o mais difícil de todos. Hoje em dia
teriam me chamado de hiperativo e me dado remédios; naquele tempo, porém, nem essa
expressão existia, nem os fármacos.

Para minha sorte, meu pai encontrou uma maneira de me acalmar: ele lia para mim. Lia
desde livros infantis até jornais e revistas. O que aprendi dessas leituras foi simplesmente
isto: “Ler é tão bom, que eu não consigo me imaginar um só dia sem isso”.46

A “semente da leitura” plantada no jovem Trelease por seu pai


naquelas noites de leitura em voz alta tem rendido frutos até os dias de
hoje.

Em sala de aula, a leitura em voz alta tem se provado um recurso


eficaz para a transmissão dos conteúdos necessários e para o
desenvolvimento de hábitos de leitura. Segundo a professora e
pesquisadora da literacia Lettie K. Albright, “ler em voz alta auxilia
os alunos pré-adolescentes a adquirir conhecimentos necessários ao
estudo das diferentes matérias escolares, ajuda no desenvolvimento de
atitudes positivas para com a leitura e contribui para a fluência
leitora”.47 A leitura em sala de aula, realizada pelo professor, é ainda
uma oportunidade de modelar a leitura fluente, ilustrando o
funcionamento das habilidades essenciais à leitura, tais como
antecipação, inferência, visualização etc. Os professores devem buscar
aperfeiçoar sua própria leitura, a fim de realizá-la do modo mais
eficaz possível, transformando o próprio ato da leitura em uma
atividade pedagógica que incorpora as competências de um bom
leitor.

Em casa, os pais devem se lembrar de que os momentos de leitura


estão construindo memórias que permanecerão em seus filhos por
toda a vida. Seja a leitura de Um conto de Natal em dezembro, ou de
A revolução dos bichos em qualquer época do ano, seja a leitura de
contos de fadas em um mês dedicado a Hans Christian Andersen —
muitas dessas histórias serão mais bem aproveitadas pelos mais velhos
— ou de histórias de detetive, ler em voz alta para nossos filhos é o
melhor emprego do nosso tempo, e nunca é tarde demais para
começar. Sempre deve haver tempo para o que mais importa, e
auxiliar a vida intelectual e emocional dos filhos é algo que todo pai
ou mãe pode fazer. Se você está lendo estas linhas, você também
pode.
Leia em voz alta, mesmo que você não
seja muito bom nisso

Se a leitura em voz alta fornece nutrientes


saudáveis e saborosos para o cérebro do seu filho, bons livros são apenas parte da
receita;
você é o ingrediente principal. É você quem dá o sabor.
— Dr. John Hutton, fundador do programa Read Aloud 15 Minutes

C hegou a hora de tocar num assunto que eu vinha evitando. Não


porque não seja relevante, ou porque seja espinhoso, mas porque
ninguém

agüenta mais ouvir falar dele. Denunciar a situação da leitura no


Brasil desperta tanto interesse quanto a piada do pavê no Natal. Todo
mundo já sabe. Todo mundo já ouviu. Todo mundo sabe que está
piorando. Conte-me uma novidade.

Pois bem, eu trago a novidade — mas só depois de você, caro leitor,


provar um pouco do pavê.

Você sabe que somos um país de relativamente poucos leitores, no


sentido de pessoas que cultivam efetivamente hábitos de leitura. E,
quanto à porção que pode ser considerada efetivamente leitora, um
país que não lê muito. No entanto, somos um país em que a maioria
das pessoas afirma gostar de ler (nem que seja um pouquinho).

Em sua 5ª edição, publicada em 2020, a pesquisa “Retratos da leitura


no Brasil” (a mais abrangente investigação dos hábitos de leitura do
brasileiro) perguntou aos entrevistados: “Gosta de ler?”. Quarenta e
cinco por cento da amostra respondeu que “gosta um pouco”; 31%,
que “gosta muito”; 22%, que “não gosta”. O brasileiro, em sua
maioria, “gosta de ler”.

No entanto, apenas 52% da nossa população pode ser efetivamente


considerada leitora (para os fins da pesquisa, leitor é aquele que leu,
nos últimos três meses, pelo menos um livro, no todo ou em parte). A
média nacional é de cinco livros lidos por ano (não necessariamente
inteiros).

Quando perguntados se gostariam de ter lido mais em 2019, 82% dos


respondentes afirmaram que “sim”, e 47% deles justificaram que não
o fizeram por “falta de tempo”.

No entanto, assistir tv, usar a internet, usar o WhatsApp e escutar


música foram as atividades mais lembradas pelos entrevistados
quando perguntados sobre o que fazem em seu tempo livre. Apenas
24% responderam aproveitar o tempo livre para “ler livros”.

A leitura, entre nós, é vista primariamente como “fonte de


conhecimento” (resposta escolhida por 56% dos entrevistados).
Apenas 14% da amostra respondeu que “a leitura é uma atividade
prazerosa”.

Os resultados não são nenhuma surpresa, e confirmam o que pode


ser constatado no nosso dia-a-dia: no Brasil, valoriza-se
nominalmente a leitura, e o brasileiro até acredita que gosta de ler,
mas é um gostar que permanece no sentimento, sem se concretizar em
ação. Na verdade, o brasileiro não gosta, mas gostaria de gostar de ler.

E por que é assim? O gosto pela leitura não deve ser romantizado.
Ler, compreender, empregar a linguagem e a palavra escrita não são
um processo natural, mas operações altamente sofisticadas que
requerem todo um ambiente preparado e circunstâncias favoráveis,
como já vimos. São o fruto de um cultivo paciente e amoroso de
certos hábitos, que podem ser reforçados ou dissipados pelo ambiente
familiar e cultural.

O aprendizado da leitura é, para muitos, fonte de sofrimento e


frustração. O relato de leitores proficientes e apaixonados, no entanto,
nos fornece um quadro de como a descoberta da literacia pode ser
uma aventura pessoal, um descortinar de um universo novo e
fascinante.
O romancista e ensaísta Alberto Manguel nos conta, em Uma
história da leitura, como descobriu, aos quatro anos de idade, que
podia ler. As palavras de Manguel transpiram o fascínio da
descoberta, evidenciam o milagre da comunicação com um autor
ausente, por meio da decifração de um código. Sua descrição da
descoberta das palavras (ou, como gosto de dizer, sua entrada no
“mundo da literacia”) é quase uma declaração de amor: “Eu tinha
visto uma infinidade de vezes as letras que sabia (porque tinham me
dito) serem os nomes das figuras colocadas sob elas”. Até que um dia,
viajando de carro, seus olhos se detiveram sobre um cartaz na beira da
estrada. O veículo deve ter reduzido sua marcha tempo suficiente para
que seus olhos se fixassem naquelas formas pretas e rígidas e as
reconhecessem, por semelhança àquelas formas que via em seus livros
infantis.

De repente eu sabia o que eram elas; escutei-as em minha cabeça, elas se metamorfosearam,
passando de linhas pretas e espaços brancos a uma realidade sólida, sonora, significante. Eu
tinha feito tudo aquilo sozinho. Ninguém realizara a mágica para mim. Eu e as formas
estávamos sozinhos juntos, revelando-nos em um diálogo silenciosamente respeitoso. Como
conseguia transformar meras linhas em realidade viva, eu era todo-poderoso. Eu podia ler.48

Manguel, na infância, tinha alguém que lia para ele. Segundo o


psicólogo James Hillman: “A pessoa que leu histórias ou para quem
leram histórias na infância ‘está em melhores condições’ e tem um
prognóstico melhor do que aquela à qual é preciso apresentar
histórias. Chegar cedo na vida já é uma perspectiva de vida”.49

O relato do ensaísta argentino sobre a sua descoberta pessoal da


leitura reverbera no relato de outro grande artífice da palavra, o crítico
literário Rodrigo Gurgel, quando descreve sua relação com a escrita e
seus instrumentos:

Devagar, incorporei às minhas descobertas a engenhosidade sutil desses objetos pontiagudos


dos quais se desprendem tintas. E, mais tarde, percebi que, armando-me das palavras certas,
a caneta se transformaria num bisturi, num cutelo, quem sabe um punhal.

Esse é o mundo a que pertenço, que me escravizou e também libertou-me. Minha eternidade
não será, como desejava Borges, uma biblioteca, mas este interminável rolo de papiro, em
que continuarei compondo sonhos — no idioma dos anjos.50
O leitor que leu os capítulos anteriores deve estar ouvindo os ecos do
que já foi dito antes sobre a capacidade de leitura como preparação
para a vida. Não sou de disposições sombrias, mas, ao ver os dados
sobre os hábitos de leitura do brasileiro, sou levada a acreditar que,

se esse quadro não for revertido, nosso


futuro será catastrófico,
com perdas cada vez maiores da nossa capacidade de comunicação, de
entendimento e de convívio propriamente humano.

E é claro que a leitura em voz alta para as crianças tem um papel


preponderante nesse cenário.

O relatório “Retratos da leitura no Brasil” também nos dá a conhecer


os hábitos de leitura para crianças em nosso país. À pergunta: “O seu
pai, mãe ou outro parente costumavam ler para você?”, 14% do total
de entrevistados respondeu que os pais/responsáveis “liam sempre”
para eles; 25%, que os pais liam “às vezes”; 60% dos respondentes
afirmou que os pais “nunca leram” para eles, quando crianças.

Estamos falando de milhares e milhares de pessoas que atravessaram


a infância sem usufruir dos benefícios da leitura em voz alta. Pessoas
cuja formação leitora ficou inteiramente a cargo da escola — como se
a leitura fosse um grupo muscular que trabalhamos apenas ao ir à
academia, e não um estado geral de saúde do corpo.

Para mim, é inevitável pensar que isso tem um impacto direto no


retrato da leitura no Brasil hoje. Há boas razões para acreditar nisso.

Quando afirmo que a leitura em voz alta é a atividade mais


determinante, mais simples e de mais baixo custo para o
desenvolvimento da criança, pode ficar a impressão de que não é
preciso absolutamente nenhum conhecimento prévio para colocá-la
em prática. Bem, isso já foi desmentido no capítulo anterior, no qual
demonstrei algumas estratégias que pais e professores podem aplicar
para extrair dos momentos de leitura em voz alta o seu máximo
potencial pedagógico.

O caminho para implementar a leitura para nossos filhos não é


difícil, mas exige persistência, disposição e alguns conhecimentos
prévios elementares, como os apresentados neste pequeno manual —
além, é claro, de alguns bons livros infantis que possam ser lidos para
a criança.

Porém, existe uma barreira na disseminação da leitura para crianças:


é quando os próprios pais não valorizam a leitura. Entre as maiores
dificuldades observadas nas famílias com baixos índices de literacia,
estão a baixa motivação para ler para os filhos e crenças negativas a
respeito da aquisição da leitura e da escrita. Famílias que apresentam
essas características tendem a não valorizar o convívio da criança com
os livros e a ler menos para os filhos, quando comparadas a famílias
com índices mais altos de literacia.51

Se alguém procurava uma receita para o desastre, acabou de


encontrar. Sem os estímulos adequados ao seu desenvolvimento
lingüístico e cognitivo, essas crianças de famílias mais carentes
iniciam seus estudos formais na escola com uma significativa
desvantagem inicial. Essa desvantagem não se equaliza com o tempo,
mas se agrava (a explicação desse fenômeno, chamado de “efeito
Mateus”, está no capítulo 1 ).

Em casos assim, seria necessário intervir cedo, motivando as famílias


a lerem para seus filhos muito antes de entrarem na escola. Essas
famílias, no entanto, são as mais propensas a não aderir à
recomendação, por uma infinidade de motivos — dificuldade de
acesso aos livros, desconforto com a leitura, stress e pouco
conhecimento sobre o porquê ou como ler para a criança.

A rota de saída para esse círculo vicioso, no entanto, foi sinalizada


por uma iniciativa da prefeitura de Boa Vista em parceria com o
Instituto Alfa e Beto. Em uma iniciativa pioneira em nosso país, o
programa “Universidade do Bebê” promoveu a leitura em voz alta dos
pais para os filhos, fornecendo livros infantis e orientações sobre
como conduzir o momento da leitura. O programa foi implementado
nas Casas Mãe de Boa Vista (instituições mantidas pela prefeitura e
que funcionam como creches para crianças de zero a quatro anos),
com resultados extremamente positivos.

Ao todo, 566 mães inscreveram-se no programa (279 no grupo


intervenção e 287 no grupo controle). As mães e as crianças foram
avaliadas no ato da inscrição, aferindo-se: a) o nível de literacia da
mãe; b) as interações mãe e filho durante a leitura partilhada; c)
vocabulários expressivo e receptivo, qi, memória de trabalho e
memória fonológica de curto prazo da criança. As mães do grupo
intervenção tiveram acesso a uma biblioteca com livros infantis,
realizando empréstimos semanais de livros. Além disso, participavam
mensalmente de um workshop no qual recebiam instruções sobre
como fazer a leitura em voz alta para a criança, recebiam feedback de
sua leitura e tiravam dúvidas.

Os pesquisadores repetiram a avaliação seis meses depois. Da parte


dos pais, foram verificadas melhoras significativas na interação com
os filhos. As mães dos grupos intervenção (ou seja, que praticaram a
leitura em voz alta) apresentaram:
■ Maior envolvimento na estimulação cognitiva do filho,
especialmente no contexto das atividades de leitura;
■ Redução dos eventos de punição física (tapas na mão da criança,
uma prática observada na avaliação inicial).

Da parte das crianças, a avaliação revelou melhoras significativas


observadas no grupo intervenção, em comparação com o grupo
controle (que não recebeu a intervenção de leitura em voz alta):
■ Maior vocabulário receptivo (número de palavras que a criança
consegue compreender);
■ Melhora da memória de trabalho;
■ Melhora no qi;
■ Melhor desenvoltura durante a leitura partilhada.

Os pesquisadores também observaram que as crianças do grupo


intervenção apresentaram menos problemas de atenção (embora não
uma diferença muito significativa).

A conclusão dos experts é que programas de intervenção baseados


em leitura em voz alta dos pais para os filhos, realizada no ambiente
doméstico, podem contribuir significativamente para a redução das
disparidades cognitivas relacionadas à pobreza. Eles também
concluíram que, apesar de a pesquisa não ter demonstrado claramente
um efeito positivo da intervenção sobre o desenvolvimento
socioemocional das crianças, este é um provável resultado futuro,
obtido à medida que a criança progride no seu desenvolvimento
lingüístico e nas suas capacidades cognitivas. O relatório conclui:
Embora estudos anteriores em países subdesenvolvidos e em desenvolvimento tenham
demonstrado que intervenções promovendo a estimulação cognitiva podem melhorar o
desenvolvimento lingüístico e cognitivo das crianças, poucos estudos examinaram
especificamente os efeitos da prática da leitura em voz alta. No presente estudo, fornecemos
evidências decisivas indicando que a leitura em voz alta promove o desenvolvimento
lingüístico e cognitivo em crianças pequenas provenientes de diversos meios culturais e
socioeconômicos. As evidências indicam ainda que a promoção da leitura em voz alta pode
ser uma estratégia eficaz para incentivar as interações entre pais e filhos nos contextos mais
carentes. Foram empregadas múltiplas estratégias para promover a leitura em voz alta dos
pais para os filhos, incluindo o empréstimo de livros, modelagem de leitura, grupos de
discussão e feedback.52

É difícil imaginar que alguém não se decida prontamente a ler para


uma criança depois disso. No entanto, não há limites para a
quantidade de objeções que podemos interpor entre nós e o nosso
melhor interesse (ou o dos nossos filhos). Aos pais hesitantes, que não
se julgam leitores muito competentes:

continuem lendo.
Dois anos depois de publicado o estudo de Boa Vista, um grupo de
experts debruçou-se sobre as evidências e se colocou as seguintes
perguntas: a) será que o nível de literacia da mãe teria impacto sobre o
desenvolvimento lingüístico e cognitivo da criança? b) Será que, no
caso de mães com baixo nível de literacia, a intervenção da leitura em
voz alta continuaria sendo eficaz? Essa análise secundária, realizada
sobre o estudo original de Boa Vista, concluiu que:
■ Sim, o nível de literacia da mãe tem impacto sobre suas interações
verbais com os filhos e sobre o desenvolvimento lingüístico e
cognitivo deles — quanto maior o nível de literacia parental, melhores
as interações verbais com os filhos e seus índices de desenvolvimento
lingüístico e cognitivo. Do mesmo modo, quanto menor o nível de
literacia parental, menos freqüentes são essas interações, de mais
baixa qualidade, e pior o desenvolvimento lingüístico e cognitivo da
criança.

Porém,
■ A intervenção de leitura em voz alta melhorou a qualidade das
interações verbais entre pais e filhos, impulsionou a estimulação
cognitiva da criança, melhorou seu qi e o seu vocabulário receptivo —
tanto no caso de mães com alto nível de literacia quanto no caso de
mães com baixo nível de literacia.

Isso quer dizer que a leitura em voz alta deve ser promovida mesmo
no caso de famílias com baixo nível de literacia. Sim, estamos falando
de pessoas que não lêem muito bem. O estudo é claro:

Embora a leitura em voz alta seja uma atividade que pode envolver, para além da leitura
propriamente dita, contação da história com as próprias palavras e a interação verbal com a
criança, pais com baixo nível de literacia podem perceber suas limitações como uma
barreira à leitura para os filhos. Nosso estudo estende o alcance desses achados,
demonstrando que a leitura em voz alta promove benefícios mesmo no caso de pais com
baixo nível de literacia.53

“Mas como isso é possível?” — você pode estar se perguntando.


“Como pais que têm dificuldade para ler e compreender podem ajudar
no desenvolvimento lingüístico dos filhos, lendo para eles?”. A
resposta é simples. Em seus workshops mensais, os tutores da
“Universidade do Bebê” davam às mães instruções de como elas
poderiam utilizar as imagens dos livros infantis para estabelecer uma
interação verbal com a criança: nomeando os objetos, descrevendo as
ações, narrando a história com base na ilustração. Graças ao livro
ilustrado, todos podem ler — e ajudar as crianças a lerem melhor no
futuro.

Além disso, nas reuniões mensais, as mães tinham a oportunidade de


esclarecer suas dúvidas e receber orientações sobre a melhor forma de
ler para o filho, o que certamente teve um impacto sobre a eficácia da
leitura e a motivação para ler para a criança.

A essa altura, você deve estar se perguntando: “Por que isso não está
publicado em outdoors pelo país inteiro?”.

Bem, de certo modo, já está. Em dezembro de 2019, foi lançado no


Brasil o programa de incentivo à literacia familiar do Ministério da
Educação, o “Conta Pra Mim”.54 Na esteira dos programas de literacia
familiar ao redor do mundo (a exemplo do Read Aloud 15 minutes,
nos Estados Unidos; 1000 books before kindergarten, na Austrália; e
All of Poland reads to kids, na Polônia), o “Conta Pra Mim” promove
ações protagonizadas pelos pais, no ambiente familiar, para estimular
o desenvolvimento lingüístico e cognitivo das crianças — atividades
como cantar cantigas tradicionais, conversar com freqüência, contar
histórias e, é claro, ler em voz alta. O programa disponibiliza uma
série de materiais, que podem ser baixados pelo seu site para auxiliar
os pais nesse fim.

O reconhecimento da participação da família como elemento central


no desenvolvimento da literacia emergente não é nenhuma novidade.
O já citado relatório “Becoming a Nation of Readers” (1985), do
Departamento Americano de Educação, já afirmava na primeira linha
da seção intitulada “Emerging Literacy”: “A leitura começa em casa”.
E prossegue:
Em maior ou menor grau, a depender do ambiente doméstico, a criança irá adquirir, antes de
ingressar na escola, conhecimentos fundamentais que são a base para a leitura. É em casa
que ela irá adquirir noções para compreender coisas, acontecimentos, pensamentos e
sentimentos, além do vocabulário oral para expressar essas noções. Ela irá adquirir a
gramática básica da linguagem oral.55

Das recomendações do relatório para a construção de um país de


leitores, a leitura para crianças em idade pré-escolar é o primeiro item
da lista. “Ler para a criança, conversar sobre as histórias e as
experiências e — sutilmente — ajudá-las a aprender letras e palavras
são práticas consistentemente associadas ao futuro sucesso em
leitura”.56 São conclusões, não de um estudo isolado, mas de uma
revisão de duas décadas de estudos sobre a ciência cognitiva da
leitura.

Se alguém ainda tem alguma dúvida


sobre a importância crucial de ler para as
crianças, só há um remédio: ler em voz
alta.
Espero que tudo o que foi dito até aqui sirva de incentivo a que você
ponha de lado suas preocupações, seus impedimentos (reais ou
imaginários), talvez até seu perfeccionismo, e se renda à simplicidade
de apanhar um livro e lê-lo em voz alta para o seu filho. (A
recomendação vale, naturalmente, para aqueles que, não tendo filhos,
têm a oportunidade de ler para alguma criança). Esse gesto pode ter
conseqüências tremendas, que vão além dos efeitos relacionados à
literacia. Só Deus sabe a corda na qual podemos tocar ao ler para uma
criança.

De tudo o que podemos legar a nossos filhos, nada é mais importante


do que aquilo que possa servi-los para a vida inteira, ajudando-os a se
orientar e a caminhar em bases seguras. Estou pensando em uma
afetividade sólida, uma imaginação desenvolvida e o amor pela leitura
como heranças atemporais, que pagarão juros por todos os dias de
suas vidas. É justamente essas três bases que estamos construindo ao
ler para nossos filhos — e é por isso que não temos nenhuma desculpa
e nenhum tempo a perder.
Conclusão

U ma mensagem de encorajamento — essa é a marca que eu


gostaria de deixar em cada pai, mãe ou professor que ler este
livro.

Ler para nossos filhos não é uma preparação friamente calculada


para resultados que esperamos obter no futuro, por mais nobres que
eles sejam. Antes de tudo, ler para nossos filhos é uma maneira de
estar presente com eles, de terminar o dia com uma afirmação
inequívoca de que eles importam.

Mas não deixa de ser impressionante que, sem nem parecer que é
assim, ao ler para nossos filhos estamos lhes fornecendo ferramentas
essenciais à vida. Ao ler em voz alta, diariamente, uma ampla
variedade de textos, estamos preparando-os para se sentirem
confortáveis nas situações em que suas capacidades intelectuais forem
requisitadas, transitando com mais facilidade por entre as demandas e
exigências da vida adulta. Estamos enriquecendo sua imaginação para
que, de certo modo, nada seja novo debaixo do sol, e eles tenham
mais recursos para lidar com as dificuldades e ambigüidades que a
vida lhes apresentará.

A leitura em voz alta é esse mistério de um amor que forja o outro —


o amor por nossos filhos forjando o amor deles pela leitura.

Todo o meu trabalho de incentivo à leitura para crianças baseia-se na


convicção de que isso fará a diferença para que tenhamos dias
melhores. Se a literacia não resolve tudo, é certo que resolver
qualquer coisa sem ela é muito mais difícil. A competência no
consumo e na produção da palavra escrita é uma condição para que
este mundo continue reconhecível, e
a leitura para crianças é a celebração da
civilidade e do amor ao próximo.
No mais, espero que você tenha terminado a leitura deste livro
motivado a ler em voz alta diariamente para uma criança, e que a
leitura em voz alta transforme a sua vida como tem transformado a
minha, dia após dia.
Notas de Rodapé
1 Ministério da Educação, Política Nacional de Alfabetização. Brasília, mec/sealf, 2019, p.
21. Disponível em: http:// portal.mec.gov.br/images/banners/caderno_pna_final.pdf.

2 unesco, “How digital learning is improving livelihoods in Nigeria”, 2017. Disponível em:
https://www.unesco.org/en/articles/how-digital- learning-improving-livelihoods-nigeria.

3 F. M. Osalusi e M. F. Oluwagbohunmi, “Perspectives on Literacy as a Tool for


Sustainable Social Relationship”, em International Journal of Education and Literacy Studies,
2014, vol. ii, n. 1. Disponível em: https://files. eric.ed.gov/fulltext/EJ1149603.pdf.

4 Harold Bloom, Histórias e poemas para crianças extremamente inteligentes de todas as


idades.

5 Mário Quintana, Pé de pilão. Companhia das Letrinhas, 2018 (edições mais antigas
também das editoras Ática e Garatuja).

6 “The single most important activity for building the knowledge required for eventual
success in reading is reading aloud to children” (“Becoming a Nation of Readers”, p. 23).

7 Ibid., p. 22.

8 Ibid., p. 23.

9 Marian Diamond, Ph.D, e Janet Hopson, Magic Trees of the Mind.

10 M. Casasola, M. K. Wilbourn e S. Yang, “Can English-learning toddlers acquire and


generalize a novel spatial word?”, em First Language, 2006, 26(2), pp. 187–205. Citado em:
https://hdtoday.human. cornell.edu/2007/12/05/research-sheds-light-on-how-babies-learn- and-
develop-language/.

11 Ibid.

12 Patricia A. Ganea, Megan Bloom Pickard e Judy DeLoache, “Transfer between picture
books and the real world by very young children”, em Journal of Cognition and Development.

13 Paul L. Morgan, George Farkas, Marianne M. Hillemeier, Carol Scheffner Hammer e


Steve Maczuga, “24-Month-Old Children With Larger Oral Vocabularies Display Greater
Academic and Behavioral Functioning at Kindergarten”, em Child Development, vol. lxxxvi.
Disponível em: https://srcd.onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/cdev.12398.

14 Ibid.
15 Betty Hart e Todd R. Risley, Meaningful Differences in the Everyday Experience of
Young American Children. Disponível em: https://eric. ed.gov/?id=ED387210.

16 Rachel E. Durham, George Farkas, Carol Scheffner Hammer, J. Bruce Tomblin e Hugh
W. Catts, “Kindergarten oral language skill: A key variable in the intergenerational
transmission of socioeconomic status”, em Social Stratification and Mobility, 2007, vol. xxv.
Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/ abs/pii/S0276562407000467.

17 Jill Gilkerson, Jeffrey A. Richards, Steven F. Warren, Judith K. Montgomery, Charles R.


Greenwood, D. Kimbrough Oller, John H. L. Hansen e Terrance D. Paul, “Mapping the Early
Language Environment Using All-Day Recordings and Automated Analysis”, em American
Journal of Speech-Language Pathology, 2017, vol. xxvi. Disponível em:
https://pubs.asha.org/doi/10.1044/2016_AJSLP-15-0169.

18 R. R. Romeo, J. A. Leonard, S. T. Robinson, M. R. West, A. P. Mackey, M. L. Rowe, J.


D. E. Gabrieli, “Beyond the 30-Million-Word Gap: Children’s Conversational Exposure Is
Associated With Language- Related Brain Function”, em Psychol Sci. 2018. Disponível em:
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/29442613/.

19 R. M. Golinkoff, E. Hoff, M. L. Rowe, C. S. Tamis-LeMonda, K. Hirsh-Pasek,


“Language Matters: Denying the Existence of the 30-Million-Word Gap Has Serious
Consequences”, em Child Development, 2019. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.
gov/30102419/.

20 The Reading Agency, “Literature Review: The impact of reading for pleasure and
empowerment”. Disponível em: https://readingagency.org.uk/news/The%20Impact%20of%20
Reading%20for%20Pleasure%20and%20Empowerment.pdf.

21 Ministério da Educação, Política Nacional de Alfabetização. Brasília, mec/sealf, 2019, p.


21. Disponível em: http:// portal.mec.gov.br/images/banners/caderno_pna_final.pdf.

22 Mihaly Csikszentmihalyi, “Literacy and Intrinsic Motivation”, em Daedalus, 1990, vol.


cxix, n. 2. Disponível em: https://www.jstor. org/stable/20025303.

23 Kit Lawson, “The Real Power of Parental Reading Aloud: Exploring the Affective and
Attentional Dimensions”, em Australian Journal of Education, 2012, vol. lvi, n. 3. Disponível
em: https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/000494411205600305, p. 258.

24 Ibid.

25 Ibid., p. 259.

26 Ibid.

27 Ibid., p. 260.

28 Ibid.
29 Maryanne Wolf, O cérebro no mundo digital: Os desafios da leitura na nossa era. São
Paulo: Contexto, 2019, p. 150.

30 Catherine L’Ecuyer, Educar na realidade, p. 101.

31 Geneviève Patte, Deixe que leiam, trad. de Leny Werneck. Rio de Janeiro: Rocco, 2012,
p. 127.

32 Catherine L’Ecuyer, op. cit., p. 102.

33 S. Moullin, J. Waldfogel e L. Washbrook, “Baby Bonds: Parenting, Attachment and a


Secure Base for Children”, em The Sutton Trust, 2014.

34 “In fact, measures of early parenting such as the ‘home- learning environment’, which
look at the frequency of reading and playing with children and the amount of books and
activities children have, have been more strongly associated with children’s later wellbeing and
attainment than have either family income, parental education or the school environment
alone”.

35 O caso é relatado no livro The Enchanted Hour, de Meghan Cox Gurdon, p. 14.

36 Jim Trelease, The Read-Aloud Handbook. 6 edição, 2013, p. 24.

37 Maryanne Wolf, op. cit., p. 150.

38 Ibid.

39 Ibid., p. 151.

40 Angela Notari-Syverson, Mary Maddox e Kevin Cole, Language Is the Key: Building
Language with Picture Books and Play. A Training Manual To Accompany the Video
Programs: “Talking and Books” [and] “Talking and Play”, 1998. Disponível em:
https://eric.ed.gov/?id=ED433079.

41 John Hutton, Jonathan Dudley, Tzipi Horowitz-Kraus, Tom DeWitt, e Scott Holland,
“Functional Connectivity of Attention, Visual and Language Networks During Audio,
Illustrated and Animated Stories in Preschool-Age Children”, em Brain Connectivity, 2019,
vol. xx, n. 20. Disponível em: https://www.researchgate.net/
publication/333496410_Functional_Connectivity_of_Attention_Visual_
and_Language_Networks_During_Audio_Illustrated_and_Animated_ Stories_in_Preschool-
Age_Children.

42 Meghan Cox Gurdon, The Enchanted Hour, p. 13.

43 Ibid., p. 8.

44 Alice Ozma, The Reading Promise. Hachette Book Group, 2011, p. 12.

45 Ibid.
46 Do artigo: “A father plants a reading seed in New Jersey that blossoms 60 years later in
Poland”, disponível em: https://www. trelease-on-reading.com/poland.html. Acessado em 27
de fevereiro de 2022. Tradução da autora.

47 “Don’t Overlook the Incredible Benefits of Reading To Your Tween or Teen”, em


Baystateparent Magazine, 2016. Disponível em: https://www.baystateparent.com/story/news/
education/2016/07/27/dont-overlook-the-incredible-benefits-of- reading-to-your-tween-or-
teen/10997068007/.

48 Alberto Manguel, Uma história da leitura. Companhia das Letras, 1997, p. 18.

49 Ibid., p. 24.

50 Disponível em: https://www.instagram.com/p/CaKGHqyrrP-/.

51 Alan L. Mendelsohn, Luciane da Rosa Piccolo, João Batista Araujo Oliveira, Denise S.
R. Mazzuchelli, Aline Sá Lopez, Carolyn Brockmeyer Cates e Adriana Weisleder, “rct of a
reading aloud intervention in Brazil: Do impacts differ depending on parent literacy?”, em
Early Childhood Research Quarterly, 2020, vol. liii. Disponível em:
https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/ pii/S0885200620300831.

52 A. Weisleder, D. S. R. Mazzuchelli, A. S. Lopez, W. D. Neto, C. B. Cates, H. A.


Gonçalves, R. P. Fonseca, J. Oliveira, A. L. Mendelsohn, “Reading Aloud and Child
Development: A Cluster-Randomized Trial in Brazil”, em Pediatrics. 2018. Disponível em:
https://pubmed.ncbi. nlm.nih.gov/29284645/ (Tradução da autora).

53 Alan L. Mendelsohn et. al., op. cit.

54 “Conta Pra Mim”. Ver: http://alfabetizacao.mec.gov.br/ contapramim.

55 “Becoming a Nation of Readers”, p. 21.

56 Ibid., p. 117.
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