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CONTEÚDO
-BHARAT ANAND-
A ARMADILHA DO
CONTEÚDO
Translated from original The Content Trap®. Copyright © 2016 by Bharat Anand. ISBN
9780812995381. This translation is published and sold by permission of Random House, an imprint
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Posfácio
Bibliografia Selecionada
Notas
INTRODUÇÃO
1. GERENCIANDO INCÊNDIOS
1 N.T.: Trocadilho com o sobrenome do superintendente e o termo em inglês para churrasco, que é
barbecue.
* Raios estiveram por trás da maioria dos outros grandes incêndios em Yellowstone naquele verão,
incluindo o Storm Creek Fire, o Shoshone Fire, o Fan Fire, o Red Fire, o Mist Fire, o Clover Fire,
o Mink Fire e o Falls Fire.
PARTE I
CLASSIFICADOS – CONEXÕES
DE USUÁRIOS
1
UM CONTO DE DUAS
GEOGRAFIAS
GUERREIROS ESCANDINAVOS
Os invernos noruegueses começam cedo. O 12 de novembro de 2001 foi
outro dia gélido em Oslo, com temperaturas abaixo de zero. Dentro da
modesta sede de tijolos vermelhos da editora escandinava Schibsted havia
também um outro tipo de ar gelado. Os diretores da Schibsted estavam em
reunião para determinar o futuro do CEO Kjell Aamot.
Durante os dois anos anteriores, os dois jornais da companhia,
Aftenposten e VG, viram suas receitas declinarem na medida em que os
concorrentes da web sugavam-lhes leitores e anunciantes. As próprias
operações online da Schibsted, que começaram mais de seis anos antes,
estavam crescendo, mas tinham pouco o que mostrar — os investimentos
eram muito maiores do que os retornos. E o recente estouro da bolha da
internet levou as ações da Schibsted a despencar e então definhar. Aamot
mais tarde resumiu a situação com a costumeira honestidade:
Estava dando tudo errado. Víamos grandes iniciativas geradoras de prejuízo em todo
lugar — sete anos de perdas. Quando a bolha estourou, tivemos um prejuízo de
aproximadamente $200 milhões de coroas norueguesas, que foi imenso para nós. A
responsabilidade foi toda minha. O grupo de diretores sentiu que devíamos fechar
algumas atividades, e a maioria dos membros acreditavam que eu deveria sair.
A culpa da queda da leitura não pode ser posta nas alternativas digitais;
ela vem ocorrendo há 60 anos.
O declínio começou com a introdução do rádio — e dos boletins de
notícias gratuitos — durante a década de 1950, continuou com o
lançamento das redes de broadcast na década de 1960, e então persistiu com
a introdução da TV a cabo e dos canais de notícias em tempo integral na
década de 1980. Mas o ponto central permanece o mesmo: o impacto da
internet na leitura de jornais é empiricamente indistinguível dos fatores que
vieram antes.
As razões reais para o problema dos jornais estão em outro lugar.
Um fator é a estrutura de custos de um jornal típico. A maioria dos
gastos de um jornal é proveniente do que os economistas chamam de
“custos fixos” — gastos que não levam em consideração o número de
leitores. Esses são os custos da equipe de jornalistas, das prensas e da
sobrecarga com administração e distribuição — todas as coisas necessárias
para escrever, imprimir e entregar o jornal na sua porta. Custos fixos são
ótimos durante períodos de crescimento — aumente sua base de leitores em
alguns milhares, e a renda sobe, enquanto os custos fixos permanecem os
mesmos, e então você pode distribuir esses custos sobre mais usuários. Pela
mesma razão, eles são devastadores durante períodos de declínio — perca
apenas 3% de seus leitores, e a queda da receita impactará diretamente seus
resultados financeiros.
À primeira vista, custos fixos oferecem uma explicação sobre o motivo
de os jornais estarem sofrendo durante a era da internet — mas eles sofrem
realmente? Apesar de a leitura por residência haver diminuído durante as
décadas de 1950, 1960 e 1970, a população geral cresceu. Então, quando o
crescimento populacional diminuiu na década de 1980, diminuiu também o
agregado da leitura de jornais. Mesmo então as coisas não estavam tão más:
muitos jornais aumentaram seus preços, contrapondo o declínio na leitura.
Para os 25 principais jornais, os preços aumentaram em média 50% em
termos reais durante as duas décadas passadas, fazendo a receita de
circulação aumentar entre 1994 e 2012, mesmo com a leitura caindo.
Portanto, custos fixos não são os culpados. Deve ser outra coisa.
Isso nos traz para um problema mais sutil, mas bem mais importante,
um que tem a ver com as conexões, não com o conteúdo ou com a estrutura
de custos. É relacionado com como os jornais estruturam as propagandas.
A maioria dos jornais tem dois tipos de propagandas: anúncios
publicitários (os anúncios de quase página inteira da Macy’s na página três
do The New York Times) e classificados (os anúncios de carros, ofertas de
empregos, vendas de imóveis, escondidos nas seções mais lá atrás).
Enquanto os anúncios publicitários aumentaram levemente entre 1994 e
2008, os classificados diminuíram 20%. As diferenças foram ainda mais
marcantes desde o ano 2000, quando as receitas dos jornais atingiram seu
pico. De 2000 a 2010, 74% do faturamento proveniente dos anúncios
classificados desapareceu dos jornais dos EUA — quase o dobro da
diminuição em propagandas comerciais, que foi de 39% (veja a Figura 4).
Figura 4: Receitas dos Jornais dos EUA ao Longo do Tempo. (Índice: ano
2000 = 100)
Então dei a todo o pessoal de vendas títulos que não tinham nada a ver
com vendas, mas eles eram vendedores.
Investimentos agressivos, uma estrutura de governança mais enxuta e
uma marca familiar deu à Finn novas vantagens. O novo plano de negócios
até incluía uma seção separada sobre cultura corporativa e como ela
diferiria da impressa.
Através da Finn, Steen me disse, a Schibsted estava criando uma nova
abordagem, que estava projetada, por um lado, para “esquecer certos
comportamentos que existem nos negócios tradicionais — a mentalidade de
1.500 pessoas no negócio impresso de que ’essa é a maneira como sempre
fizemos’“ — mas ao mesmo tempo “pegando emprestado todos os recursos
que tivessem qualquer valor para aquela nova configuração, fossem eles o
valor da marca, o relacionamento com o consumidor ou a promoção e o
marketing gratuitos”. Eles chamavam a isso de “Esquecer e pegar
emprestado”. Era uma abordagem que definiria o negócio digital da
Schibsted por muitos anos.
A Finn foi lançada em 17 de março de 2000 — dois dias depois do
crash das pontocom. O timing, notou Steen, “não poderia ter sido pior”.
Mas isso não impediu o site pago de ganhar impulso e crescer de maneira
impressionante. “Em um ano e meio tínhamos a posição número um em
imóveis. Logo depois disso, em carros. E então chegamos ao número um
em empregos. Em 2004 sabíamos que tínhamos ganhado o mercado.”
Em 2007 a Finn tinha mais de 90% do mercado nas principais
categorias de produtos dos classificados online. Em carros, ela chegava a
115% de participação de mercado. A razão? A frequência de transações era
tão alta, que proprietários na Suécia e Alemanha anunciavam seus carros no
site norueguês, levando a haver mais carros sendo vendidos ali do que a
frota de carros da Noruega. Grandes fatias de mercado se traduziam em
altos preços, e a Finn tinha um dos mais altos no setor de classificados: 400
coroas norueguesas (aproximadamente US$50) para anunciar um carro,
mesmo com seu maior competidor sendo gratuito. Em 2007 a Finn tinha um
valor maior do que sua empresa mãe, Aftenposten.
Seljeseth recentemente ressaltou para mim os ganhos de se vencer em
um mercado caracterizado por efeitos de rede:
A diferença entre o número um e o número dois é dramática. Quando começamos,
podíamos ver que esse poderia ser um negócio lucrativo. Mas 500 milhões de coroas
norueguesas em cinco anos? Nunca, eu pensei. O Aftenposten tinha de 90% a 95% dos
anúncios de imóveis na Noruega. Hoje estamos de dez a quinze vezes maiores do que
eles. Ninguém mais anuncia no Aftenposten.
A EXPANSÃO SUECA
Se você parasse a história da Schibsted aqui, as implicações para outros
jornais não seriam particularmente inspiradoras. Alguém poderia
simplesmente concluir que a Schibsted apenas deu sorte por haver entrado
cedo nos classificados. Entre atrasado em um mercado de rede e será
impossível se estabelecer.
Mas em 2007 a Schibsted não estava satisfeita. Para ela, o jogo dos
classificados era apenas o começo. Suas ações ao longo dos dois anos
seguintes provaram-se ainda mais importantes para a companhia em termos
de entendimento do mercado de classificados e das conexões de usuários.
Em muitos locais, a Schibsted entraria tarde — e ainda assim ganharia.
O primeiro mercado onde a Schibsted tentou replicar o sucesso da Finn
foi na Suécia. Rolv-Erik Ryssdal, o CEO atual da Schibsted, comandava a
Finn na Suécia naquela época. Como na Noruega, o site tinha o apoio do
maior jornal do país (Aftonbladet, da Schibsted, o qual Ryssdal também
supervisionava) e tentava criar os mesmos relacionamentos com outras
partes — vendedores de carros, corretores de imóveis, agências de
empregos — que trouxeram sucesso à Finn. Porém, outro pequeno site na
Suécia estava seguindo uma rota diferente na luta pela liderança da rede. O
Blocket, um site criado por “dois caras com alguns PCs”, não estava
restringindo as ofertas de classificados apenas a negócios — qualquer um
poderia postar itens para venda, uma abordagem referida como
“consumidor para consumidor” (C2C). É uma forma extrema de conexões
— não liste nada você mesmo, apenas ofereça uma plataforma que deixe os
consumidores se conectarem uns com os outros. Ryssdal descreveu para
mim o que aconteceu em seguida:
Pensamos que o Blocket não era tão forte e que poderíamos sobrepujá-lo. Mas acontece
que C2C cria um monte de tráfego, porque se você compra e vende pequenas coisas, e as
vende mais frequentemente do que vende uma casa ou um carro, você gera um bocado de
tráfego e burburinho. E então pode começar a vender bens de capital também. Eu
subestimei a velocidade com a qual o Blocket estava crescendo. Seis meses mais tarde,
ele estava muito na frente.
Parte da razão pela qual se veem “seções” em jornais é que isso resolve
um problema de coordenação específica da versão impressa — como
conseguir histórias sobre diferentes tópicos, trabalhadas por diferentes
equipes em um mesmo jornal. As seções ofereciam uma resposta simples
para cada editor de seção: junte sua equipe, crie sua parte do jornal e vamos
colocá-las todas juntas. No online não há necessidade de coordenar seções
para “produzir” notícias.
A economia é diferente também. Para a edição impressa, um leitor tem
que comprar a edição inteira; online, a pessoa pode escolher ler apenas
certos artigos. Como resultado, sites de notícias online ficam desesperados
para fazer os leitores chegarem na primeira página, onde eles ficam mais
tempo e os anúncios são mais valiosos. Hensen elaborou: “Quando
começamos havia seções, como no papel. Desde o início, Torry Pedersen
dizia que precisávamos de uma abordagem nova. Em cada imagem da tela
devia haver uma mistura de notícias, esportes e entretenimento. A razão?
Há algo para todos os leitores em todas as páginas.”
E então havia as imagens, como descreveu Hensen:
Como fotógrafo, sempre fui interessado na psicologia da percepção. Então começamos
com imagens enormes. Torry chegou gritando, “Que diabos é isso?”. Mas como eram
grandes, eram efetivas. Quando as tiramos, o tráfego caiu. Concordamos a partir daí que
as coisas deviam ser tanto grandes quanto pequenas — não como no arquivo, onde tudo
tem o mesmo tamanho. Como jornalistas, estamos lhe dizendo o que é dramático ou
importante.
A razão pela qual a maioria dos sites de notícias até hoje tem poucas
imagens não é que elas não sejam efetivas — elas são. A razão é que o
formato e o design de sites online ainda são definidos por preconceitos da
versão impressa. Crie um jornal da maneira tradicional, e as imagens que
acompanham as histórias são a última coisa que você coloca, não a
primeira.
Vá hoje à maioria dos sites de notícias lançados por jornais tradicionais
e você verá um formato pouco alterado de 10 anos atrás — muito texto,
algumas imagens, tamanhos de fontes similares, páginas iniciais
relativamente curtas, o ciclo da impressão determinando o dia das notícias,
métricas que rastreiam visitantes individuais por mês, em vez de
diariamente, uma abordagem editar e publicar e seções. Em todos esses
aspectos, o VG escolheu uma abordagem radicalmente diferente.
Realmente, à medida que sites tradicionais de notícias se mantêm aferrados
aos padrões de seus irmãos impressos, são os sites primeiramente digitais
como o Twitter e o Facebook que mais se parecem com a Schibsted. Em
março de 2015 a ESPN reorganizou sua página inicial de uma maneira
similar. Ao longo dos meses seguintes, o tráfego decolou.
“SERÁ QUE PODEMOS AJUDAR OS LEITORES A
AJUDAR UNS AOS OUTROS?”
A nova abordagem do VG para a construção e operação de seu site de
notícias já estava no lugar em 2004. Mas naquele dezembro, outro evento
mundial — o tsunami que devastou o Sudeste Asiático — inaugurou uma
assinatura característica da redação online de notícias do VG. Hensen
descreveu o que aconteceu:
Criamos uma ferramenta simples para os usuários nos enviarem imagens ou histórias.
Nós os convidamos: crie suas histórias aqui. Diga–nos onde você está. A resposta foi
incrível — conseguimos histórias às centenas. Acho que fomos a primeira organização
de notícias no mundo com uma imagem do local enviada por telefone. Isso nos levou a
fazer uma pergunta que agora nos fazemos sempre durantes grandes eventos: “Será que
podemos ajudar os leitores a ajudar uns aos outros?”
Isso não é dizer que todos perdem. Alguns espectadores — aqueles que
assistem apenas a alguns canais, e nunca outra coisa — realmente se
beneficiariam do à la carte. Mas, como Yurukoglu notou, “quanto mais
canais você assiste, pior será”. E para espectadores como um todo, os
benefícios da grande flexibilidade do à la carte são completamente
suplantados pelos preços mais altos.
Pacotes de TV por assinatura podem ser uma coisa do passado daqui a
alguns anos. A explosão de ofertas de vídeo em banda larga pode tornar
muito difícil para que Hollywood e operadoras de TV por assinatura
mantenham os pacotes. Isso não seria uma surpresa. O que seria uma
surpresa é quantos espectadores descobririam que o à la carte não é
realmente o que eles queriam.
Então tenha cuidado com o que você deseja. E a razão para esse
cuidado é baseada não no conteúdo de que gostamos, mas na necessidade
de precificar direito as conexões.
A ARMADILHA DO CONTEÚDO E OS DUTOS BURROS
Se alternativas à la carte podem diminuir um pouco os lucros dos
fornecedores de conteúdo, o cancelamento de assinaturas parece destinado a
destruir inteiramente seus negócios. Nenhum outro fenômeno recebeu tanta
atenção da indústria.
Nos Estados Unidos, a indústria da TV a cabo desfrutou de quase 30
anos de crescimento ininterrupto, acabando por volta da virada do século.
Foi quando os medos com os cancelamentos surgiram — primeiro quando
as operadoras por satélite como DirecTV e Dish Network começaram a
oferecer alternativas viáveis para o cabo, e mais tarde quando o streaming
de vídeo chegou. À primeira vista, o cancelamento de assinatura apresenta
um problema econômico devastador para as operadoras de TV a cabo. A
receita média por usuário norte-americano (ARPU — Average Revenuae
Per User) é US$75 por uma assinatura de TV a cabo básica, com um
adicional de US$50 por acesso à internet de banda larga. Quinze anos atrás,
os consumidores precisavam de ambos os serviços. A televisão era para
assistir shows, notícias e esportes, enquanto que a banda larga era para se
conectar com outras pessoas e acelerar a transferência de arquivos pela
internet. Porém, à medida que as ofertas de entretenimento via banda larga
explodiram, bem como a quantidade de tempo que as pessoas passavam nos
computadores, também explodiu a sedução do cancelamento da assinatura
— e economizar 60% na conta.
Não surpreende que as operadoras têm chamado o cancelamento de “o
maior cenário de pesadelo” que a indústria já encontrou. Uma publicação de
negócios notou as tendências: audiência de TV por assinatura despencando,
preços das assinaturas aumentando, e o dinheiro da propaganda indo da TV
para as mídias digitais. Em uma dramática minimização, ela concluiu que
tudo “isso vai ferir os fornecedores de TV por assinatura”.
Essa análise estava errada.
Craig Moffett tem observado a indústria da TV a cabo norte-americana
há mais de 20 anos. Ele não começou fazendo isso. Como graduando da
Brown, Moffett obteve bacharelado em pintura, tornando-se um negociante
de arte logo depois. A escola de negócios mudou sua trajetória de vida,
levando-o ao Boston Consulting Group e então de volta para o mundo da
arte (ele fundou o negócio de comércio eletrônico da Sotheby’s em 1999) e
da pintura. Em 2001 ele se mudou para uma empresa de Wall Street, a
Sanford Bernstein, para tirar proveito de sua experiência em consultoria em
telecomunicações, dessa vez como analista. Cargo que tem exercido desde
essa época. Moffett sempre favoreceu a análise econômica rigorosa, em vez
de previsões vagas, o que lhe garantiu respeito: ele foi o analista de TVs a
cabo mais bem cotado em Wall Street em nove dos onze anos passados —
um feito notável.
Em 2006, Moffett foi um dos principais autores de um relatório que
virou a análise do cancelamento de assinaturas de cabeça para baixo.
Intitulado “The Dumb Pipe Paradox” [“O Paradoxo do Duto Burro”, em
tradução livre], ele começa descrevendo a sabedoria convencional, “um
mundo onde vídeos na internet tenham alcançado seu estágio final.
Operadoras de TV a cabo não estão mais no negócio de vídeo.
Consumidores acessam conteúdo via web. Eles usam seus próprios PCs
como centrais de mídia. Eles pagam apenas pelo que querem. As
operadoras de cabo apenas fornecem a conectividade pura … elas são
apenas um duto burro”. Para muitos investidores, ele escreveu, “esse é pior
dos cenários”.
Indo em frente para destruir o argumento convencional, apresentou
gráficos, números e cenários (embrulhados em um jargão econômico quase
impenetrável) para defender que o cenário do “duto burro” pode não ser tão
ruim.
Será que Moffett perdeu o juízo? Como as operadoras de cabo
poderiam perder 60% de sua renda e ainda se beneficiarem?
Deixando de lado os aspectos técnicos do relatório, a tese de Moffett
era muito simples. Ela se baseava em três premissas. Primeiro, apesar da
receita do cabo cair em um mundo apenas de banda larga, os custos também
cairiam — uma grande e crescente fração (um terço) da receita da TV a
cabo ia para adquirir conteúdo, o que não acontece com a receita da banda
larga. (A companhia de cabo simplesmente cobrava pelo acesso, e os
consumidores faziam o streaming do que quer que quisessem.) Segundo, os
gastos de capital são bem menores para banda larga do que para TV a cabo:
banda larga não tem conversores, projetos baseados em redes ou servidores
head-end (instalações que recebem, processam e distribuem sinais de
televisão). Como resultado, o capital investido pode ser posto para trabalhar
de forma mais eficiente. Terceiro, havia espaço para aumentos adicionais
dos preços da banda larga, uma vez que, na maior parte dos Estados Unidos,
as operadoras de cabo permaneciam sendo as únicas fornecedoras de banda
larga de alta velocidade. (Fornecedores wireless e DSL representavam
competição em menos de 30% daquela nação.) E os preços podiam ser
ajustados à demanda: se fosse cobrado mais dos consumidores que usassem
mais largura de banda, a receita cresceria ainda mais.
Esses três argumentos — menores custos de aquisição de conteúdo,
menores gastos em capital e o potencial para aumento nos preços e
discriminação de preços — levou Moffett a uma conclusão
“dramaticamente contraintuitiva e firmemente anticonsensual”. A economia
do cenário do duto burro, ele escreveu, “é, na verdade, melhor do que
aquela do negócio hoje em dia”.
Nenhuma das premissas de Moffett era controversa. A matemática dele
era simples. E quase tudo no artigo dele é hoje amplamente aceito pelos
observadores e agentes da indústria. Mas na época sua conclusão foi única.
Ele relembra:
Em retrospecto, a análise provavelmente não deveria ter sido tão surpreendente. Penso
que a razão pela qual ela foi tão contra o senso comum foi a noção de que um “duto
burro” era sempre rejeitado imediatamente, sem qualquer consideração séria sobre o que
significaria. Simplesmente soava como uma coisa ruim, então você podia descartar a
indústria do cabo como um dinossauro da velha mídia que estava morrendo
simplesmente dizendo que ela se tornaria um duto burro. A real contribuição do relatório
foi dizer: você tem que considerar se a economia de se tornar um duto burro é tão
punitiva como o nome sugere.
Por dez anos eu tentei explicar que as companhias de cabo não são companhias de mídia.
Elas não vendem conteúdo; elas são fornecedoras de infraestrutura. Uma vez que você
pense nelas nesses termos, é muito mais fácil imaginar que elas não serão mortas pela
emergência da mídia online. O argumento de que elas morrerão é um pouco como dizer:
estamos na fronteira da incrível transição dos carros a gasolina para carros elétricos,
então não vamos mais precisar de estradas. É um non sequitur, uma falácia, que ocorre
quando a conclusão não é consequência lógica das premissas.
As redes podem ser usadas para produção de conteúdo, não apenas para
consumo. Crowdsourcing, conteúdo gerado por usuário e redes de
contribuições de usuários se tornaram termos comuns. Mas o que isso
significa para o futuro do negócio de conteúdo é uma questão que causa
debates ferozes. Enquanto muitos observadores debocham do conteúdo que
cada vez mais emerge das multidões, outros acreditam que ele, em última
instância, substituirá os materiais criados mais tradicionalmente.
Karim Lakhani estuda multidões. Ele tem feito isso há mais de uma
década, primeiro no MIT, e agora na Harvard Business School. Alguns anos
atrás, depois de fazer uma apresentação sobre como as organizações fazem
uso da assim chamada sabedoria das multidões para resolver problemas
científicos — por exemplo, a “comunidade de solucionadores” da
Innocentive, composta por mais de 500 mil usuários de praticamente todos
os países ao redor do mundo em 2015 —, ele foi abordado por um membro
da audiência com um convite para discutir ainda mais seu trabalho. Ele era
Jeff Davis, oficial médico chefe da NASA, “o cara que mantém os
astronautas vivos no espaço”, como Lakhani coloca.
Lakhani visitou Houston para compartilhar sua pesquisa com a equipe
de Davis. Então eles concordaram em experimentar soluções de
crowdsourcing para um problema no qual a NASA vinha trabalhando há
décadas — qual a melhor forma de empacotar kits médicos levados em
missões. Como Lakhani descreveu:
O problema é importante, porque você não pode enviar uma sala de emergência de
hospital inteira em um foguete. Seu kit médico espacial é restrito pela massa e pelo
volume, e custa aproximadamente US$10 mil por quilo para lançá-lo no espaço. Então
você precisa descobrir como as características da missão e a saúde da equipe podem
levar a vários resultados: alguém pode quebrar um braço, alguém pode ter intoxicação
alimentar. Você precisa criar um kit otimizado para tais eventos — você quer minimizar
a chance de evacuação. A piada é que as pessoas no espaço ainda estão cobertas pelas
leis OSHA, que dizem que se um trabalhador doente não for tratado, você tem que trazê-
lo para casa.
A NASA organizou um concurso de duas semanas para resolver o
problema, usando o Topcoder, uma plataforma que rotineiramente sedia
competições online de programação para tarefas indo de interfaces com
usuário a design de logotipo. O prêmio era de US$25 mil. Mais de 400
pessoas participaram; algumas ofereceram múltiplas soluções, resultando
em mais de 2 mil códigos enviados no total.
A NASA usou duas métricas para classificar os envios, explicou
Lakhani: “O design de qualquer kit teria um fator de probabilidade
associado para o que seria a evacuação — a probabilidade de que o kit não
conseguisse cobrir alguma contingência, baseada nos conjuntos de dados
simulados da missão. E dadas as restrições da missão, o tempo para calcular
a composição ideal do kit era importante.” Os resultados foram
surpreendentes: os melhores envios excediam os fatores de probabilidade
dos cálculos da NASA. E quanto ao tempo? O algoritmo da equipe da
NASA usualmente levava três horas para chegar a uma resposta. O código
ganhador levava trinta segundos.
Bara Reyna, então responsável pelo hardware médico da Estação
Espacial Internacional, disse: “Falando francamente, ficamos surpresos com
os resultados.” O experimento teve um impacto duradouro. A NASA
financiou a criação do Harvard-NASA Tournament Lab, para rodar
experimentos de crowdsourcing similares. Enquanto isso, pesquisadores da
Harvard Medical School estavam intrigados com os experimentos baseados
em multidões e decidiram tentar um no Topcoder em imunogenômica. Aqui
também o algoritmo de classificação foi objetivo, levando em conta a
acurácia do envio em uma tarefa em particular de sequenciamento de genes
e também o tempo necessário para resolver o problema. O prêmio foi de
US$6 mil.
Para a competição, um problema altamente específico de
imunogenômica foi reestruturado como um problema de ciência
computacional mais geral. Cento e vinte e duas pessoas geraram
aproximadamente 650 envios. “Os melhores resultados foram mais precisos
que a solução do NIH (National Institute of Health) e a que Harvard
desenvolveu internamente, e também foram mais rápidos”, disse Lakhani.
“E muitos desses vieram de pessoas sem nenhum conhecimento em
pesquisa médica. Eles estavam vindo da matemática, da ciência da
computação, entre outras áreas.”
Esses não foram experimentos baseados em multidões para criar
conteúdo aparentemente simples — um vídeo curto ou um texto de blog.
Foram problemas que vinham sendo trabalhados há anos por pesquisadores
importantes, algumas vezes ao longo de suas carreiras inteiras. E, ainda
assim, as multidões se saíram melhor. O que isso tudo quer dizer?
Uma visão é que as multidões substituirão os modos tradicionais de
produção. Atualmente, modelos baseados em multidões são rotina no
mundo digital, onde elas geram opinião (Twitter e Facebook), avaliam
projetos internos (Google), expõem segredos (WikiLeaks), levantam fundos
(Kickstarter e GoFundMe) e descobrem informações relevantes. Essa
última aplicação foi particularmente relevante para o The Guardian alguns
anos atrás, quando sua redação de notícias confiou nos leitores para filtrar
centenas de milhares de documentos sobre despesas dos membros do
parlamento britânico para identificar má conduta. À luz disso, é difícil não
pensar que as multidões representam um modelo poderoso e um futuro
promissor para a criação de conteúdo, implantado em mais e mais lugares e
inevitavelmente melhorando em qualidade.
Há, todavia, uma visão mais pessimista defendendo que, apesar de o
conteúdo gerado por multidão poder ser de primeira classe, esse não é
usualmente o caso. Lakhani e outros notaram que o valor das multidões está
na habilidade de fazerem uso de um espectro diverso de inputs — a
habilidade de “explorar a variância”, uma característica tipicamente em
falta nas abordagens tradicionais que se apoiam em grupos pequenos de
especialistas. Mas os críticos dizem que o conteúdo na maioria dos sites
baseados em multidão continua, em média, abaixo do padrão. A vasta
maioria nunca é lida ou vista. E vândalos e trolls online, subprodutos
inevitáveis da abertura para multidões, prejudicam ainda mais a qualidade.
O The Guardian chamou isso de Age of Rage [Era da Fúria], enquanto que
a The Economist usa, sarcasticamente, o termo User Generated Discontent
[Descontentamento Gerado por Usuário].
Pontos de vista opostos — mas ambos avaliam os prospectos das
multidões em termos da qualidade de seu conteúdo, ignorando a questão
real. Frequentemente, qualidade não é o medidor certo — as conexões são.
A oportunidade e o desafio de conectar multidões assumem diferentes
formas. Primeiro, é o desafio de criar um conteúdo de ótima qualidade e
então fazer com que outros o leiam e o compartilhem — frequentemente o
objetivo mais evidente dos modelos baseados em multidões. “A questão é
criar uma comunidade, trocando mensagens entre usuários”, disse-me Anil
Dash, recentemente. Dash é um dos mais experientes blogueiros da internet
— tem feito isso há 17 anos. “Se você vê uma comunidade como uma
multidão, está destinado ao fracasso.”
O Bleacher Report pode nunca ser tão bom quanto a ESPN; The
Huffington Post e BuzzFeed podem nunca serem tão bons quanto o The
New York Times. Mas o sucesso dessas organizações — em 2011 o Bleacher
Report era o segundo site de esportes mais visto, enquanto BuzzFeed e Huff
Po já passaram o Times em número de leitores — foi sempre baseado no
compartilhamento, não no conteúdo. Janet Balis é ex-editora do The
Huffington Post. Ela descreveu para mim a real inovação aqui: “O
crescimento do Huff Po foi bastante impulsionado pela sua habilidade de
capitalizar em cima do tráfego direcionado pelas dinâmicas sociais do
Facebook e do Twitter e através das buscas. As notícias costumavam trazer
as pessoas à ‘coisa’; agora você tem que levar a ‘coisa’ às pessoas. Isso
inverteu completamente a distribuição; foi a morte do portal. O modelo
costumava ser o de um concentrador, mas agora as pessoas consomem em
degraus.”
Está na moda pensar que o crescimento de tais sites vem de abrir a
criação de conteúdo às multidões — solicitando contribuições de todos e se
baseando em um exército de blogueiros. Esse não é o caso. O
compartilhamento foi o segredo. Tenha seu conteúdo compartilhado, e isso
amplificará os incentivos para que as pessoas contribuam — criando
conexões positivas ou loops de feedback. Caso contrário, a multidão logo
desaparecerá.
“As pessoas precisam acreditar ou que suas contribuições farão uma
diferença — como no caso da NASA — ou que elas serão descobertas”,
disse-me Anil Dash. “Mas o relato de notícias feito em crowdsourcing tende
a ser como dar dever de casa para as pessoas: ’Nos diga o que aconteceu
nas audiências públicas.’ Acontece que a maioria das pessoas não quer ir a
essas reuniões, e elas podem farejar muito rápido quando você está apenas
tentando fazer com que elas façam o trabalho de casa para você.”
O compartilhamento tem custos também. Depois do atentado à bomba
da Maratona de Boston em 2013, um falso rumor de que um estudante da
Brown University era suspeito se espalhou como um incêndio. Gatilhos
danosos também podem disparar. Assim como com ódio e vândalos, o
desafio não é apenas criar conexões positivas, mas também prevenir as
negativas.
Focar meramente nas contribuições às custas das conexões é o primeiro
erro comumente cometido em crowdsourcing. Há um segundo, mais básico:
pensar que meramente “se abrir” para as multidões gerará conteúdo.
A Wikipédia é talvez a organização de crowdsourcing mais estudada do
mundo. “Há mais de 6 mil artigos sobre ela”, observou o desenvolvedor de
software transformado em cientista social (e agora professor da
Universidade de Washington) Benjamin Mako Hill, cuja própria dissertação
de doutorado foi somada à lista. Ainda assim, quando desenvolveu seu
estudo sobre esse sucesso, percebeu algo interessante: a Wikipédia não foi o
primeiro esforço para se criar uma enciclopédia colaborativa online
conduzida por voluntários. Sete esforços similares precederam seu
lançamento em 2001. Nenhum chegou remotamente perto de alcançar o
sucesso da Wikipédia. Enquanto que ela viria a ter mais de 5 milhões de
verbetes, metade dos outros projetos gerou menos de 50.
Mako Hill tem contribuído para os softwares open-source [de código
aberto] desde que tinha 12 anos. Não foram apenas os projetos de
enciclopédia online que falharam tanto, ele observou: “O número médio de
contribuidores para qualquer projeto de software gratuito e de código
aberto é um. Nós apenas falamos sobre os projetos grandes e bem-
sucedidos como Wikipédia, Linux ou Apache. Mas a vasta maioria desses
projetos não mobiliza ninguém.”
Estudar projetos de código aberto bem-sucedidos é útil. Mas para
entender o que faz projetos bem-sucedidos realmente funcionarem você tem
que estudar também os que fracassaram. “É o problema familiar do viés de
seleção”, disse Mako Hill. É a razão por que estudos de CEOs bem-
sucedidos não oferecem muita orientação: as características observadas —
por exemplo, que líderes bem-sucedidos são inspiradores, ou orientados por
dados — também podem ser comuns entre CEOs que falharam, mas não
foram estudados.
Então por que a Wikipédia funciona enquanto projetos similares
fracassaram? Mako Hill nos dá algumas explicações.
Primeiro, a multidão precisa ser clara sobre qual o conteúdo desejado.
A noção comum de que a Wikipédia estava ali para tentar substituir a
enciclopédia é um mito. Seus fundadores — mais do que os fundadores dos
projetos falhos — queriam recriar a enciclopédia, e eles foram claros sobre
esse objetivo e o que ele significava: ser imparcial, cobrir apenas assuntos
importantes, proibir pesquisa original e referenciar tudo. Outros projetos
foram mais expansivos e, assim sendo, menos claros. Um, intitulado
“Everything2”, aspirava ser um “banco de dados web flexível” e “descobrir
a melhor maneira de armazenar e vincular ideias”. Quando um contribuidor
perguntou “O que é ‘Everything’?”, a resposta foi: “‘Everything’ é o que
você fizer dele … Ele tem a mente aberta e está esperando por você.”
Contribuidores para outro projeto ficaram confusos sobre se eles poderiam
incluir material ficcional. Como resultado, um dos iniciadores disse:
“Tínhamos pilhas e pilhas de merda.” Ironicamente, ao ser mais estreita em
seus objetivos, a Wikipédia atraiu mais contribuidores.
Segundo, você precisa tornar fácil. Em contraste com os outros
projetos, editar na Wikipédia necessitava de pouco esforço, qualquer um
poderia fazer. Você não precisava logar, ter uma conta ou aprender HTML.
Como notou um expert, “você podia fazer uma edição de passagem e nunca
mais se envolver”. Todos os outros projetos tinham significantes “barreiras
para a contribuição”.
Tornar as contribuições fáceis pode, é claro, ter consequências ruins —
você atrai contribuidores indesejáveis, resultando em desordem, vandalismo
ou conflito.
Isso leva ao terceiro requisito: um mecanismo para separar o joio do
trigo. Como todos podiam contribuir, a Wikipédia precisava de maneiras de
resolver conflitos, prevenir vândalos e remover contribuições que não
mereciam ser publicadas.
O que é esse mecanismo dependerá de quem você está tentando atrair e
do que está tentando alcançar. É um equilíbrio delicado. Relaxe as normas
demais e você convidará vândalos e conflitos. Torne-as muito rígidas — ao
exigir uma conta, registro ou convite, por exemplo — e você espantará
contribuidores valiosos, como outros projetos já experimentaram.
As normas na Wikipédia emergiram gradualmente e foram ajustadas
para resolver problemas específicos gerados por normas anteriores.
Ninguém tinha autoria de um artigo, então era fácil para que outros
editassem. Se você discordasse de uma edição, poderia conversar online
com o editor para resolver isso. Não conseguindo fazer isso — entrando em
uma edit warring [guerra de edições], como isso veio a ser chamado —,
você teria os administradores (escolhidos com base em contribuições
anteriores) entrando na disputa. Se você automática e repetidamente
revertesse as edições de uma parte em conflito, dispararia uma flag
(chamada “3RR”, ou three automatic reverts rule [regra das três reversões
automáticas]), que não apenas atrairia outros editores, mas poderia resultar
em banimento. Se você fizesse edições ofensivas — digamos, colocando
palavras como cocô — você seria automaticamente deletado, dessa vez por
algoritmos como ClueBot, que foram treinados para “aprender” de uma
maneira bayesiana [inferência estatística] a partir de padrões de edição dos
humanos. Se você tentasse inserir edições em um artigo que tenha sido
marcado com uma marca verified check (indicando que ele já foi analisado
completamente), não seria capaz de fazer isso. Mesmo para artigos sem tais
tags, muitos foram marcados por editores ativos para que eles fossem
notificados automaticamente a qualquer hora que uma edição fosse feita.
Imagine uma organização de notícias sem hierarquia, processo de
seleção para editores e quase nenhuma barreira para contribuição — e
imagine que cada contribuição seja publicada instantaneamente. Você
esperaria um produto repleto de erros, um empreendimento destruído por
vândalos e um arranjo onde os conflitos fossem desenfreados. O notável
sobre a Wikipédia não é que seus artigos contenham erros algumas vezes,
mas que esses erros não sejam prevalentes o suficiente para prejudicar o
empreendimento inteiro. De alguma forma, aquilo tudo funciona.
É tentador ver a Wikipédia como um milagre das multidões — um
lugar onde, de alguma forma, vândalos contêm a si mesmos, onde o bom
elimina o mau e onde os interesses coletivos magicamente vencem os
individuais. Isso é folclore. A Wikipédia funciona por causa do complexo
sistema de normas, regras e algoritmos que tem emergido ao longo do
tempo. As normas não são muito diferentes daquelas de organizações
tradicionais de conteúdo. Mas em vez de dar os direitos de decisão a uns
poucos, nenhum editor tem poderes de veto aqui, e ninguém “está no topo”
da organização. As normas em si foram formadas e policiadas pelo coletivo.
Questões similares se aplicam a fóruns de discussão online e explicam
por que eles frequentemente falham. É uma coisa se abrir para comentários,
mas a menos que eles sejam fáceis de se buscar, os usuários se frustrarão e
não retornarão. Permita a entrada das pessoas “erradas”, ou não imponha
consequências por comentários inapropriados, e o processo inteiro será
prejudicado. Dash notou “o problema dos comentários do YouTube, que
estão configurados como um sistema ótimo para causar aflição nos outros”.
É um problema de conexões negativas.
INFLAMANDO OS EDITORES
Poucos eventos chacoalharam tanto o mercado editorial quanto o
lançamento do Kindle da Amazon em 2007. Quando Jeff Bezos, o CEO da
Amazon, introduziu o produto em 19 de novembro, convidou representantes
da indústria de livros para testemunharem a ocasião. Madeline McIntosh,
uma executiva sênior da Random House — a maior editora de negócios do
mundo (agora Penguin Random House) — estava entre eles. Ela descreveu
a reação:
Bezos estava no palco falando sobre todas as características desse novo dispositivo.
Nossa experiência geral até então era a de que os e-books não vinham sendo um grande
negócio. Estávamos sendo educados comparecendo ao evento da Amazon, mas não
estávamos realmente esperando muito. E impressionou como o Kindle era em relação às
características e números de títulos disponíveis, e por ser um dispositivo caro. Parecia
um produto bastante especializado. Mas a parte que eu não consigo esquecer foi quando
ele anunciou o preço — US$9,99 para best-sellers do The New York Times. A plateia
ficou espantada ao ouvir. Não sabíamos realmente o que pensar.
Construindo sobre uma estratégia iniciada alguns anos antes pelo seu
predecessor, Dohle levou essa abordagem um passo adiante:
Dissemos: vamos nos tornar os parceiros terceirizados para os outros — muitas editoras
considerariam se livrar da sua estrutura fixa e terceirizar sua distribuição. Dissemos:
vamos fazer disso um negócio, fornecer esse serviço para outras editoras com as quais
não competimos, somar às nossas vendas brutas [top-line] e ao nosso resultado líquido
[botton-line] e manter o volume estável nos nossos armazéns para poder gerenciar nosso
custo por cópia.
A mãe não teve escolha a não ser honrar as regras. Ela trocou os cinco
Dindins da Mamãe por dinheiro de verdade para Rodrick. E ele
simplesmente achou uma mina de ouro.
Criar um dinheiro engraçado — moeda virtual ou Dindin da Mamãe —
pode ser uma boa ideia. Mas deixe os usuários trocarem-na por dinheiro
real, e você perderá o controle sobre o que eles podem fazer e quando fazer.
O cassino Harrah, o melhor de Las Vegas, teve uma experiência similar
à da mãe do Rodrick. A iniciativa de introduzir o “dinheiro do mesmo dia”
para seus clientes — dando de volta para seus clientes no fim de cada dia
uma pequena porcentagem das apostas que eles fizeram naquele dia, na
esperança de incentivar uma visita de retorno —, saiu pela culatra. Os
clientes do cassino deram boas-vindas ao dinheiro de volta, mas a
probabilidade de eles voltarem ao Harrah não se tornou maior do que a de
irem a outro cassino. Então o Harrah trocou para programas de lealdade que
recompensavam visitas de retorno — o equivalente em fichas não
reembolsáveis — e teve um considerável sucesso.
As origens das moedas virtuais podem ser traçadas ainda mais para
trás, até outra plataforma de jogos mais convencional — Chuck E. Cheese.
Seu fundador, Nolan Bushnell, não era estranho aos videogames; ele fundou
a Atari, uma pioneira na indústria do entretenimento eletrônico. O Chuck E.
Cheese era um fliperama para crianças. Ele atraía as crianças. Mas Bushnell
descobriu que era difícil trazê-las de volta — até vir com a ideia dos tokens.
Eles eram moedas falsas que os visitantes precisavam comprar para jogar
nas máquinas, e não eram reembolsáveis. Além disso, os usuários podiam
ganhar tickets por performance superior, que também não eram
reembolsáveis em dinheiro, mas podiam ser trocados por itens triviais,
como anéis de plástico. O resultado? No final do passeio, a maioria das
crianças acabava com copos cheios de tokens ou tickets que elas não sabiam
pelo que trocariam — trazendo-as de volta para visitas subsequentes. O
resultado foi um crescimento impressionante das vendas da Chuck E.
Cheese.
Os tokens da Chuck E. Cheese foram o prenúncio das moedas virtuais
online — e de seu poder de trazer os consumidores de volta.
Com sua moeda virtual, a Tencent descobriu uma maneira não só de
fazer os consumidores pagarem, mas de mantê-los em sua plataforma.
Porém, para os usuários, a moeda virtual tinha um lado negativo: algumas
vezes você acumulava dinheiro de mentira quando não precisava dele. No
final da primeira década dos anos 2000, a plataforma da Tencent tinha se
tornado tão popular na China que um mercado secundário emergiu, no qual
os usuários poderiam trocar suas moedas Q não utilizadas por produtos
reais, tais como roupas, cortes de cabelo e cosméticos — praticamente
criando uma economia paralela. Alguns empreendedores até mesmo
criaram “locais de trabalho” virtuais, onde pessoas jovens eram pagas para
jogar e ganhar moedas Q, que então eram vendidas para outros — uma
prática generosamente chamada de “cultivo de ouro”. O Banco Central da
China, notando que as moedas Q haviam crescido acentuadamente em valor
com relação ao RMB, logo entrou em campo para restringir as trocas de
moedas virtuais por bens reais. As trocas “virtual por real” tinham
ameaçado afetar o suprimento de dinheiro do país.
De 2003 a 2013, a Tencent introduziu uma gama vertiginosa de
produtos. Um foi o Q Zone, em 2005, uma rede social e portal que oferecia
aos usuários oportunidades adicionais para autoexpressão e entretenimento:
eles poderiam não apenas postar fotos da vida real e blogar (como no
Facebook e outros), mas também criar casas virtuais equipadas com móveis
personalizados e decorações. Podiam também fazer streaming de música
(cinco anos antes de o Facebook integrar o Spotify). Uma chave para o
sucesso aqui, também, foi quão facilmente essas características se
conectavam com outros produtos Tencent. O IM podia ser lançado de
dentro do Q Zone. Um usuário podia ouvir a playlist de seus amigos.
Mudanças no avatar de um usuário seriam automaticamente atualizadas nas
páginas de seus amigos. Como usual, certas características básicas eram
gratuitas, mas os add-ons — indo de móveis personalizados e decorações a
música de fundo — precisavam ser comprados. Em cinco anos o Q Zone
tinha mais de 150 milhões de usuários ativos.
Mais produtos foram adicionados de forma similar, incluindo grupos de
IM (para chats de múltiplas pessoas), um robô de chat (no caso de o usuário
não ter ninguém com quem falar!), Voice QQ (ligando o número de usuário
da pessoa a seu telefone celular), um portal web parecido com o Yahoo e
um microblog parecido com o Twitter (Weibo). Cada um foi introduzido
tarde — muitos deles de dois a cinco anos depois dos produtos líderes
iniciais. Mas a cada vez a Tencent tirou proveito de suas vantagens —
promovendo em sua base de usuários já existente, importando sua rede
existente, juntando com seus produtos existentes e monetizando usando sua
moeda virtual. Ela invariavelmente tomava a liderança do mercado após
cinco anos.
QQ Pet, um jogo simples lançado em 2005, é um exemplo instrutivo.
Ele permitia aos usuários adotar e brincar com animais de estimação
virtuais, incluindo cães, gatos e pinguins. Os animais virtuais partilhavam
muitas características com os da vida real: eles precisavam de comida,
bebida e amor (que, no jogo, era medido em termos de tempo e atividades
gastos com eles). O jogo cresceu rapidamente. O truque, como sempre, era
manter os proprietários voltando. O jogo fazia isso inteligentemente. Os
animais que não eram cuidados ficavam cabisbaixos ou doentes — estados
que poderiam ser revertidos ao se comprar remédios virtuais. Mais
importante, os usuários podiam se encontrar com outros donos de animais,
compartilhar informações ou se conectar para agendar “um dia de
brincadeira” para os animais. As classificações dos animais e os
“indicadores de amor dos pets” também geravam conversações.
O jogo gerou uma receita impressionante. Para obter alimento para
animais, levá-los para férias ou decorar a sala deles, os proprietários tinham
que gastar dinheiro, na forma de Q Bi, e podiam comprar um Q Bi por um
RMB, usando um cartão de crédito, através de pontos de venda, ou com
uma conta de celular. Eles também podiam ganhar Q Bi através das suas
atividades ou habilidades no jogo. A receita agregada da Tencent com o
jogo excedia US$40 milhões no prazo de dois anos. E ela era altamente
previsível e controlável: se estivesse abaixo da meta no fim do trimestre, os
gerentes do jogo podiam simplesmente aumentar o número de animais
doentes.
Por volta de 2013, mais de 90% do faturamento da Tencent vinha de
cobrar diretamente dos usuários, enquanto que apenas 10% originava-se de
propaganda — um contraste direto com o Facebook, cuja proporção era
quase exatamente a oposta. A diferença apresentava uma consequência
gerencial real. Enquanto o Facebook lutava para encontrar maneiras
criativas de anunciar para — e como descobriria em muitos casos, irritar —
os usuários, a Tencent encarava poucos conflitos desse tipo. Companhias
dependentes de anúncios continuamente lutam para reduzir ou gerenciar as
conexões negativas inevitáveis entre seus usuários e seus anunciantes. O
modelo de negócios da Tencent permitia que ela se focasse em tirar proveito
das conexões positivas.
É tentador descartar o sucesso da Tencent e das outras “Três Grandes”
companhias de internet chinesas, Alibaba e Baidu, como resultado de um
mercado doméstico de internet bem fechado. Todas as três firmas se
beneficiaram desse fato. Mas ele não explica seu sucesso. Afinal de contas,
centenas de outras firmas de internet dentro da China tentam há anos
desalojá-las. Nem o sucesso da Tencent pode ser atribuído a produtos
originais, normas chinesas não usuais ou características peculiares da
moeda virtual. Essa lente estreita não percebe os amplos princípios de
negócio em ação — aqueles envolvendo redes, pacotes, plataformas e
discriminação de preços. Essas ideias se aplicam em todos os lugares, como
muitas outras histórias neste capítulo confirmam.
A FRONTEIRA SEGUINTE
Por volta de 2011 a Tencent era a companhia de internet líder na China,
com um valor de mercado de mais de US$100 bilhões — tornando-a a
terceira companhia de internet mais valiosa do mundo (depois da Google e
da Amazon). Mesmo com todo esse seu sucesso, certas questões
continuavam. A Tencent não havia se concentrado em dispositivos móveis
mesmo com os usuários chineses migrando para eles. Ela tinha pouco
sucesso fora da China, embora tenha tentado na Índia e em outros lugares. E
suas tentativas de comércio eletrônico continuavam insubstanciais, com a
Alibaba dominando o mercado local.
Ao longo de sua expansão de mais de uma década, a estratégia da
Tencent permaneceu, em essência, centrada nas conexões entre usuários e a
comunicação. Seu ato seguinte novamente tiraria proveito dessa ideia
simples e ameaçaria lidar, com uma só tacada, com as perguntas irritantes.
Em março de 2011 a Tencent lançou um novo produto, Weixin, em seguida
reencarnado como WeChat, que a levaria a alturas ainda maiores.
WeChat foi uma criação de Allen Zhang, um mestre em
telecomunicações da prestigiosa Universidade Huazhong. Zhang não é o
típico empregado da Tencent: ele vive em Guangzhou, longe do centro
nervoso do quartel general da companhia em Shenzhen e Beijing. Mesmo
depois de seu primeiro produto, Foxmail, ter sido adquirido pela Tencent (e
renomeado como QQ mail), ele escolheu não se mudar. O QQ mail veio
tarde — mais de cinco anos mais tarde — para tomar o lugar de todos os
serviços de e-mail já existentes da China. Dylan Zhang, um dos engenheiros
de tecnologia principais da Tencent (e com nenhuma relação com o Allen
Zhang), sucintamente descreveu porque isso ocorreu: “Ele era mais rápido,
mais confiável e mais amigável para o usuário.” Claro, ajudava que o QQ
mail poderia tirar proveito da rede da Tencent. O fundador da companhia,
Pony Ma, promoveu o QQ mail agressivamente desde o início. Mas, como
Dylan notou, “não era apenas a rede — o produto em si era excelente. Tinha
que ser, porque os custos de troca são enormes para a maioria das pessoas
que já tem um endereço de e-mail”.
Por volta de 2010, Dylan disse, Allen Zhang estava “entediado”. Mas
certos desenvolvimentos no mercado de dispositivos móveis chamaram sua
atenção. Primeiro foi um produto chamado Kik, lançado naquele ano. Kik
era um serviço móvel gratuito de mensagens curtas. Tudo de que ele
precisava era de Wi-Fi, não de serviço telefônico. Como resultado, os
usuários não pagavam taxas de tráfego. Produtos imitadores surgiram
imediatamente.
Zhang estava de volta ao trabalho. Ele montou uma equipe pequena
(cinco ou seis pessoas), mandou um e-mail para Pony Ma e criou um
produto similar em seis semanas. Weixin foi lançado em março de 2011.
“Não foi bem-sucedido”, disse Dytan. Havia pouco o que o diferenciasse
dos outros serviços de trocas gratuitas de mensagens curtas.
Mas ele agitou as paixões dentro da Tencent. Por mais de uma década,
a versão móvel do QQ tinha sido gerenciada por uma equipe separada. Seu
sucesso se baseava quase inteiramente em arranjos de renda partilhada com
firmas de telecomunicações locais (a poderosa China Mobile e outras), onde
a Tencent receberia da operadora 40% da receita do que fosse cobrado dos
usuários pelo uso das mensagens do QQ. Agora produtos de mensagens
gratuitas de texto ameaçavam essas fontes de renda do QQ móvel. Era um
cenário clássico de canibalização — exceto que ocorria dentro de uma firma
de internet, em vez de uma empresa tradicional.
Zhang estava determinado a ir adiante com o Weixin. Ajudou que Ma
também estava. A versão 2, lançada em dezembro de 2012, foi um produto
diferente. Não surpreendentemente, suas características centrais eram
movidas a conexões entre usuários. Primeiro Ma garantiu que o novo
produto acessaria a vasta base de usuários do QQ através de um login
integrado. Você poderia acessar seu livro de endereços existente. Poderia
deixar mensagens de voz para os outros de graça. E começar um chat de
grupo.
Dylan descreveu o que ele viu como as reais razões para o sucesso do
Weixin, juntamente com a relevância para a Tencent:
Ele era móvel primeiro, ao contrário de qualquer coisa que já tínhamos feito na Tencent.
As diferenças nas características de design em comparação com um produto baseado em
PC são sutis, mas importantes. Em um PC você pode estar online ou não. Em um
dispositivo móvel temos que assumir que você esteja sempre online. Então Zhang criou
uma característica que tornava a experiência de entrada muito mais rápida: não havia
necessidade de login toda hora, nada de senhas. Em um dispositivo móvel ninguém quer
esperar dez segundos. Então fizemos cachê de tudo para garantir que não haveria atrasos.
Além disso, o chat de grupo era muito fácil: no QQ móvel você tinha que formar grupos,
mas aqui você poderia criar um grupo na hora, adicionar ou deletar pessoas na hora,
qualquer um poderia adicionar novas pessoas no grupo etc. Havia serviços baseados na
localização — poderia encontrar pessoas perto de você. E a característica Shake —
quando sacudia seu telefone, ele dizia quem perto de você também estava sacudindo seu
telefone. É uma característica bonitinha, e apesar de provavelmente não ser usada tanto
assim, causou um enorme boca a boca.
Era o início do ano 2000. Tiger Woods tinha recentemente assinado o maior
contrato de patrocínio da história do esporte e estava prestes a embarcar na
maior sequência de vitórias do campeonato de golfe em mais de 50 anos.
Michael Jordan tinha se aposentado depois de uma carreira incrível na NBA
e retornou para o basquetebol como coproprietário de uma equipe. Wayne
Gretzky havia entrado para o Hall da Fama do hóquei com a honraria sem
precedente de ter o número de sua camisa excluído de toda a liga — o único
jogador a receber essa homenagem.
Contra esse pano de fundo de momentos icônicos do esporte, a Sports
Illustrated tinha acabado de publicar sua lista anual das “Pessoas Mais
Poderosas dos Esportes”. E bem perto do topo da lista estava Mark
McCormack.
Quem?
McCormack era quase desconhecido para qualquer um fora do ramo do
marketing esportivo. Nesse setor, entretanto, ele usufruía de um status até
um pouco mítico. Pois, praticamente inventou o segmento 40 anos antes.
Como graduando da College of William and Mary, McCormack tinha
sido um golfista amador reconhecido. Mas provavelmente a melhor coisa
que aconteceu com ele foi se conscientizar de que não poderia competir
com os profissionais. A decisão veio depois de uma autorreflexão dura,
como lhe era habitual: “Eu não tinha chance. Não tinha um swing muito
bom e não era muito hábil.” Entre os amigos e colegas de faculdade de
McCormack estava Arnold Palmer, da Universidade Wake Forest.
McCormack seguiu a carreira de Palmer de perto mesmo quando optou pelo
Direito. Ele viu que alguém como Palmer — um atleta realizado com uma
personalidade cativante — tinha potencial não apenas para ganhar dinheiro
fora do campo, porque as companhias poderiam melhorar suas imagens por
conta do endosso dele, mas também levar o esporte a um novo nível. Essa
simples observação deu forma à carreira subsequente de McCormack e
revolucionou o marketing esportivo.
Em 1960, McCormack fundou a International Management Group,
IMG, tendo Palmer como seu primeiro cliente. “Eu podia apenas dar duas
garantias (ao Palmer)”, relembra ele. “Primeiro, que se eu não soubesse de
algo, eu lhe diria. Segundo, quando eu não soubesse de algo, eu encontraria
alguém que soubesse.” Durante os dois anos seguintes, a receita de
patrocínio de Palmer aumentou de US$59 mil para US$500 mil. Os
patrocínios não eram apenas substanciais, mas também criativos: a Heinz,
por exemplo, pagou a Palmer US$500 por ano e todo o ketchup que ele
pudesse consumir. O sucesso de Palmer logo trouxe mais dois clientes para
McCormack: Jack Nicklaus e Gary Player. “Não percebi até muito mais
tarde”, disse McCormack, “que eu estava, na verdade, fazendo um
compromisso com a qualidade.” Palmer, Nicklaus e Player dominaram o
golfe durante a década seguinte.
O sucesso inicial de McCormack não tinha precedente. Foi também
uma volta à sobriedade. Refletindo sobre aquilo, ele notou: “Eram 250
golfistas no torneio e nossos três venceram. Foi como ganhar na loteria… O
sucesso inicial foi muito fenomenal para acharmos que não havia sido nada
de mais, nos congratularmos sobre quão espertos éramos e esperarmos que
o raio caísse no mesmo lugar de novo… Não íamos ficar ali esperando até
que outro ’Os Três Grandes’ aparecesse.”
Gerenciamento de talento é um negócio arriscado que depende de
sorte. Uma agência grande pode investir em centenas de relacionamentos
com jovens atletas desde a mais tenra idade, esperando que um se torne
uma estrela. E uma vez sob os holofotes, as estrelas podem não ver razão
para ficar com seu primeiro agente. Outros agentes chegam como lobos
para atraí-los para longe. Dinheiro atrai. E lealdade é “tão fora de moda”.
Quão custosas são essas deserções para as agências? Para começar, o
agente perde comissões nos fluxos de receita futuros que vêm tanto de
dinheiro com prêmios quanto de patrocínios. Então há o baque na reputação
e as consequências para se atrair novos talentos. Há também os custos
irrecuperáveis do tempo e do dinheiro investidos em descobrir e fazer o
marketing da estrela — frequentemente um investimento de uma década
escorre pelo ralo.
E se isso já não fosse o suficiente, há também a realidade de que a
maioria dos relacionamentos nunca nem mesmo retorna seu custo de
investimento: as chances de um atleta talentoso de 12 anos se tornar uma
estrela são tão boas quanto as de se ganhar na loteria. Como resultado, as
receitas das estrelas não apenas ajudam a recuperar os custos diretos que
uma agência tem ao investir em relacionamentos de longa duração; elas
também ajudam a recuperar o custo de se investir em todas as outras
pessoas.
É por isso que dizem no negócio de gerenciamento de talentos: “Perca
uma estrela e você vai se irritar. Perca três e você vai se ferrar.”
Em alguns aspectos, a representação de talentos é ainda mais frágil do
que outros negócios de mídia. Ao contrário da música ou das publicações,
as agências não possuem propriedade intelectual. Se um atleta vai embora,
não há ativos a monetizar. E não há necessariamente benefícios em se
construir uma grande organização também — agentes individuais podem se
estabelecer com um único relacionamento valioso. Lembra-se do filme
Jerry Maguire: A Grande Virada?
Contra esse sombrio cenário de negócios, a IMG desafiou as
probabilidades. A partir do sucesso inicial de McCormack com os clientes
do golfe, a IMG cresceu a ponto de se tornar a maior agência de
representação de talentos. Ela se expandiu para o tênis, fechando contrato
com os australianos Rod Laver e Margaret Court em 1968. Um ano mais
tarde, entrou nas corridas de carros, fechando com Jackie Stewart. Ao longo
das décadas seguintes, a empresa não apenas ampliou sua representação ao
beisebol e futebol americano, mas também se aventurou em áreas não
esportivas, incluindo modelos, autores literários e músicos clássicos.
Surpreendentemente, todas as vezes que ela entrou em uma nova área de
talentos, rapidamente foi para o topo.
A história da IMG é impressionante e também intrigante. Como uma
organização como a IMG desafia, por tanto tempo, a frágil economia do
segmento no qual compete?
A história da IMG não é apenas de habilidades pessoais brilhantes
(apesar de os instintos de McCormack serem famosos por este aspecto), ou
de negociações duras ou de inovação empresarial. Cada um desses fatores
pode criar as condições para o sucesso, mas eles raramente são suficientes
para sustentá-lo. Não, o segredo para entender o sucesso da IMG vem de
um simples princípio de negócios — gerenciar conexões de produtos. O
princípio é relevante não apenas para a IMG, mas para uma ampla faixa dos
negócios atuais. E é um princípio que rema contra a corrente de muitos
princípios que encontramos no negócio hoje em dia — unbundling
[desempacotamento], “foco no produto” e “competência central”.
Entender as conexões entre produtos requer que a pessoa pense de
forma diferente sobre o que torna um negócio de mídia bem-sucedido. Esse
entendimento esclarece como redes de TV iniciantes podem sobrepujar as
já estabelecidas, é responsável pela incrível virada da Apple na década
passada e compreende a desconfortável “guerra” entre o Vale do Silício e
Hollywood. Ela revela por que os esforços das redações de jornais para
integrar operações impressas e digitais frequentemente dão poucos frutos.
Ela nos diz a verdadeira razão pela qual as companhias de mídia amam hits.
E oferece um insight sobre o porquê de as companhias frequentemente se
expandirem para áreas de negócios aparentemente não relacionadas, com
resultados surpreendentemente bons.
Vamos começar analisando o mais desafiado negócio de mídia de todos
eles — a música.
12
MÚSICA
Tabela 9: Dados sobre leitura digital versus impressa para um jornal hipotético
Tabela 10: Programas de maior audiência em horário nobre na semana de 5/1/1998 a 11/1/1998
Estima-se que haja 98 milhões de residências com televisão nos EUA. Um
único ponto de audiência representa 1%, ou 980 mil residências. O share é
o percentual de televisões que estão ligadas em um programa específico.
Fonte: Modificado da Nielsen Media Research de 1998.
A Fox emergiu como uma quarta rede aberta viável não porque ela
entendia de conteúdo de esportes melhor do que as outras redes. Mas ela
entendia melhor o negócio das conexões.
Quatro anos mais tarde, na mesa de negociações, a CBS reentrou na
briga pela NFL, ofertando US$500 milhões pelos direitos de transmissão do
AFC. Sean McManus, então presidente da CBS Sports, disse: “Não iríamos
perder dinheiro nesse acordo por causa do valor promocional e de todas as
outras coisas que isso traz para a rede.” Dessa vez, a NBC ficou de fora. O
novo acordo de quatro anos da NFL tinha o valor de US$17 bilhões,
tornando-o o maior da história na transmissão de esportes. E ele ocorreu
durante um período em que a audiência da TV aberta estava diminuindo, a
das TVs a cabo estava aumentando e formas alternativas de entretenimento
estavam explodindo.
A dinâmica dos spillovers também foi crucial para o acordo na NBC
pela série Plantão Médico [conhecida internacionalmente como E.R.]. Em
1998, apenas algumas semanas depois de perder os direitos da NFL, a NBC
renegociou os direitos do seriado por mais de US$12 milhões por episódio
— 1.200% a mais do que seu preço anterior. Apesar de Plantão Médico ser,
na época, o programa número um da televisão, os analistas estimaram que o
acordo eliminaria todo o lucro anual da NBC. Mas para a NBC, a lógica por
trás da decisão era clara: sem o programa e seus benefícios de spillover, a
rede provavelmente poderia perder seu fluxo de receita anual inteiro.
O fenômeno do aparentemente desproporcional investimento em hits se
estende para além da TV. No rádio, Howard Stern beneficiou-se do mesmo
tipo de lógica. Em 2004, dois anos após o lançamento e vários esforços para
atrair ouvintes terem falhado, a emissora de rádio por assinatura Sirius, que
estava em dificuldades, fez o que parecia um esforço final: Stern. Ele era a
mais popular personalidade do rádio na época. Mesmo assim, a oferta da
Sirius não tinha precedentes: US$500 milhões para cinco anos — ou, como
um analista calculou, mais de US$2 mil por minuto.
Durante os três anos seguintes, Stern atraiu ouvintes — uns 3,3 milhões
deles. E a vantagem direta da Sirius? Com cada assinante pagando por volta
de US$150 por ano, o faturamento anual decolou para US$450 milhões. Os
benefícios de spillovers foram ainda mais impressionantes conforme Stern
trouxe atenção para a plataforma e trazia ouvintes para os outros programas
da Sirius. Em 2010, logo depois de sua fusão com a rádio XM, a Sirius
tinha quase 20 milhões de assinantes e quase US$3 bilhões de receita.
Depois disso ela contabilizou uma série de centenas de milhões de dólares
em lucros anuais. O custo de Stern valeu a pena, e muito.
Algumas vezes as grandes somas em dinheiro pagas por hits, best-
sellers, talentos de superestrelas e celebridades podem parecer ridículas.
Mas nem sempre. Recursos populares movimentam recursos que mais do
que excedem sua popularidade direta, mas, ainda assim, resultam em
benefícios massivos para a empresa pagante. Eles fazem isso por conta dos
efeitos de spillover.
Para voltar ao início da discussão: spillovers dispararam o aumento dos
preços dos esportes mais de 20 anos atrás, e continuam trabalhando a favor
deles até hoje. Conforme as audiências se fragmentam entre programas e
canais, diminuindo a audiência da maioria dos programas de horário nobre,
e à medida que a tecnologia tem permitido aos espectadores assistirem de
acordo com seu calendário, e não o da rede de televisão, os programas de
esportes têm sido poupados de problemas, em grande parte porque eles são
uma proposição “tem que ser visto ao vivo”. Veja uma novela uma hora
mais tarde e você não perderá muito. Assista a um evento de esportes uma
hora mais tarde e você poderia muito bem nem tê-lo assistido. E isso
importa, porque o tamanho da audiência afeta o spillover: quanto mais
espectadores um programa puder atrair, maior a magnitude dos spillovers
que resultarão dele. É em grande parte por isso que as redes estão dispostas
a pagar mais e mais por esportes ao longo do tempo.
Escassez relativa também ajuda. Duas décadas atrás, as redes podiam
escolher uma dúzia de programas capazes de atrair dez milhões de
espectadores. Hoje, apenas programas de esportes comandam tais números.
Some a isso um crescente número de redes entrando na disputa — redes a
cabo como a ESPN e a TNT entraram no jogo — e será fácil entender por
que os preços dispararam.
E as conexões não param por aí. Além dos spillovers dos programas,
considere os complementos da audiência de esportes. Televisões de alta
definição são um: quanto melhor forem o som e a qualidade de imagem,
maior a diversão de se assistir a esportes. Esportes de fantasia online e
videogames são outros.
Se você tentar explicar a explosão nos direitos dos esportes, nas
mensalidades da TV a cabo e nas rendas das superestrelas olhando para a
popularidade direta, terá dificuldade de explicar o fenômeno. Hits importam
não apenas por causa dos seus fluxos diretos de renda, mas também devido
aos grandes fluxos indiretos que se seguem. Eles comandam aparentemente
somas desproporcionais, não porque são populares, mas por causa dos
spillovers que criam entre produtos e os complementos que aumentam seu
valor.
Em resumo, a popularidade não explica o aparente superinvestimento
nos hits. E sim as conexões.
1 Por “spillovers” entende-se, de forma geral, os efeitos indiretos que determinada atividade pode
causar em outra, inadvertidamente ou não. O conceito também é conhecido no Brasil como “efeito
de transbordamento”.
17
SER NOTADO
Tabela 11: O efeito dos nomes na qualidade editorial percebida: um experimento randomizado
1 N.T.: Um trocadilho com o nome do golfista Tiger Woods, cujo nome Tiger, em inglês, significa
“Tigre”.
2 NT: Um dos doze trabalhos de Hércules.
18
IMG
Redução de Riscos
A diversificação no estilo IMG recebe frequentemente um tranquilizador
apelido na área de negócios: “gerenciamento de riscos”. Diversificar suas
fontes de receita pode reduzir o risco de depender inteiramente da sorte de
um único negócio central, assim diz o raciocínio. É um argumento tentador,
e isso tem sido feito há muito tempo por gerentes de negócios. Mas
diversificação motivada por redução de risco quase nunca funciona.
A lógica essencial é defeituosa. Um investidor querendo diversificar
seu risco pode fazer isso diretamente através do mercado de ações, em vez
de confiar que cada companhia em seu portfólio faça o mesmo. Diversificar
através dos mercados financeiros é mais fácil e mais eficiente do que fazer
isso através de fusões e aquisições.
Durante grande parte do século XX, a diversificação foi um elemento
de rotina da vida corporativa, e muitas das empresas com os melhores
desempenhos eram grandes e diversificadas. Lá pelo fim da década de
1970, a tentação começou a diminuir. Muitos dos benefícios de realizar
transações internamente em grandes companhias poderiam ser obtidos
através de mercados melhorados de capital e trabalho. Em 1994, os
acadêmicos financeiros Larry Lang e René Stulz compararam os valores de
mercado de companhias diversificadas e não diversificadas. Eles
concluíram que, para cada ano durante a década anterior, as companhias
diversificadas valeram menos do que suas contrapartes mais focadas — um
fenômeno nomeado de “desconto da diversificação”. Os pesquisadores
foram inequívocos: “Nossa evidência ampara a visão de que a
diversificação não é um caminho bem–sucedido para um maior
desempenho.” As descobertas foram replicadas em estudos seguintes que
usaram diferentes métodos e diferentes medidas e examinaram diferentes
mercados. O mito do poder da diversificação ruiu.
A pesquisa inspirada por Lang e Stulz mostrou que a diversificação
geralmente não funcionava. E quanto às expansões em arenas de negócios
próximas — será que elas não trariam benefícios sinergéticos?
Diversificação “relacionada”, como normalmente é chamado esse tipo de
diversificação, tem sido documentada como menos danosa para as
empresas. No entanto, o caso da IMG, e de outras como ela, mostrou que a
lógica da diversificação relacionada não estava isenta de seus próprios
problemas.
Considere a expansão da IMG para os eventos de golfe. Na verdade,
um fator essencial do sucesso de um negócio de eventos é simplesmente se
as estrelas top — recurso frágil sobre os quais a empresa pode ter pouco
poder de negociação — aparecem ou não. Vamos recapitular nossa
discussão anterior: de 1998 a 2008, Tiger Woods jogou em
aproximadamente metade dos eventos da PGA de cada ano. A diferença na
venda de ingressos foi de aproximadamente 2:1 — ou 100%. Visto dessa
maneira, o negócio de eventos da IMG reduziu pouco o risco inerente de
sua dependência das estrelas — ele o aumentou: o sucesso da IMG ali
depende, em grande parte, de suas estrelas clientes — o recurso frágil sobre
o qual ela tem pouco poder de negociação, para começar — jogarem!
Lang e Stulz mostraram que diversificar longe demais do negócio
central quase nunca funciona. Mas diversifique muito perto e você poderá
não escapar dos caprichos do negócio central.
A Lógica do “Balcão Único”
Uma segunda razão para a expansão dos negócios é que isso permite às
companhias expandir suas ofertas para consumidores e fornecedores,
aumentando sua alavancagem. Representar corporações e não só talentos
individuais é poder obter melhores termos de patrocínio para suas estrelas
clientes. Organizar eventos significa poder controlar a participação dos
jogadores. Transmitir esportes pela televisão proporciona condições de
influenciar a cobertura dos jogadores e afetar os acordos deles com as TVs.
Ter centros de treinamento permite determinar quem participa deles.
Oferecer oportunidades de projetar campos de golfe para seus clientes é
algo que poderá ajudá-lo a reter as estrelas. Em outras palavras, controlar os
negócios adjacentes possibilita exercer mais poder sobre suas estrelas.
Essa é a lógica do serviço completo arquetípica que as companhias
usam para justificar a expansão dos negócios. Durante a década de 1990,
quase todos os serviços financeiros que adquiriram companhias invocaram
essa lógica à medida que ela perseguia uma estratégia de “supermercado
financeiro” — combinando bancos varejistas, bancos de investimento,
bancos corporativos, gerenciamento de recursos e corretagem, tudo sob um
único teto. Praticamente toda megafusão de mídia também fez isso. A
aquisição da CBS pela Viacom em 1999 foi típica: ao combinar as redes de
TV a cabo que alcançavam espectadores mais jovens com uma rede aberta
que alcançava os mais velhos, a empresa poderia oferecer um “balcão
único” para anunciantes em busca de alcançar espectadores de todas as
idades. Analistas ficaram em êxtase com relação ao acordo. Um notou que
“você pode literalmente selecionar as demandas de um anunciante e
anunciá-lo para todos os perfis demográficos, desde a Nickelodeon, com os
consumidores mais jovens, à CBS, com alguns dos consumidores mais
velhos, e com a Country Music Network, a Nashville Network, a MTV e a
VH1 bem ali no meio”.
Infelizmente, o balcão único quase sempre resulta em desapontamento.
A razão não está na dificuldade de criar uma suíte de ofertas de serviço
completo; o difícil é criar algo que um consumidor não possa acessar, por si
mesmo, de forma igualmente fácil. Pense em uma loja vendendo tanto pizza
quanto leite. Ao fazer isso, ela oferece aos consumidores a conveniência de
comprar ambos os produtos em um mesmo lugar. Porém, coloque uma
pizzaria e um mercado um ao lado do outro, e o consumidor terá a mesma
conveniência. Nesse caso, uma loja de serviço completo não tem quase
nenhuma vantagem sobre duas lojas independentes e focadas.
Juntar negócios diferentes sob o mesmo teto não cria valor adicional
para os consumidores quando eles podem juntar essas combinações de
produtos e serviços por conta própria. Em outras palavras, balcões únicos
dão a ilusão de criar conexões — mas não criam.
Um dos exemplos mais acaloradamente debatidos da lógica do balcão
único ocorreu há uma década. Tinha a ver com se havia valor em combinar
lojas físicas com ofertas online — a estratégia chamada bricks-and-clicks
[tijolos e cliques]. Quando muitas companhias como a Amazon e a Netflix
empregavam uma estratégia apenas online contra veteranos físicos como
Barnes & Noble e Blockbuster, muitos diziam que elas estavam perdidas.
Ao mesmo tempo em que defendiam que companhias com uma abordagem
“tijolos e cliques”, ou seja lojas físicas e virtuais, podiam sempre oferecer
mais do que qualquer uma delas sozinha. Dois recursos devem ser melhores
do que um, assim dizia a lógica simples. Atualmente, é claro, esse
argumento se provou redondamente equivocado. A razão não é que tijolos e
cliques não funcionem, mas é que os consumidores conseguem juntá-los
por si mesmos.
Analistas de internet e especialistas em comércio estão começando a
mudar de tom. Um destacou o contexto da batalha sobre serviços de vídeos
para consumidores: “Eu sinceramente acredito que a maioria dos
consumidores gostaria de uma solução tijolos e cliques. A realidade é que
eles já a têm. São apenas duas companhias diferentes: Netflix e Redbox.”
Enquanto a Netflix se tornou o site padrão para compras online de DVDs, a
Redbox elegeu perseguir uma estratégia apenas física, localizando uma
malha incrivelmente grande de máquinas de aluguel de vídeo dentro de
lojas e mercados. E o autor do artigo notou:
Quando a Barnes & Noble começou sua loja online em 1997, ela… parecia um gigante
capaz de jogar de lado com um tapinha uma companhia apenas online como a Amazon.
Mas esse gigante teve que competir com o site de comércio eletrônico mais altamente
evoluído e fácil de usar do mundo.
O que você faz quando alternativas mais baratas ou gratuitas invadem seu
mercado, ameaçando destruir a economia de seus produtos? Como você
consegue ser notado em um mundo cada vez mais entulhado? Por que,
diante da comoditização, os preços de certos tipos de conteúdo aumentam a
taxas desproporcionais à sua popularidade?
A resposta é frequentemente esta: duplique seus esforços para proteger
seu negócio central das pressões dos preços e da fuga dos consumidores.
Gaste mais para anunciar seu produto. Foque em aumentar, adquirir e
investir em conteúdo, uma vez que o “conteúdo é o rei” e as avaliações de
sua empresa o seguirão.
Essas prescrições refletem um viés em direção a conteúdo, produto e
qualidade, mesmo que as evidências sugiram o contrário. Elas levam as
empresas rumo a uma mentalidade de “cidadela”, de preservar seu negócio
central a qualquer custo e a estreitar o foco do produto. Essa é a
mentalidade de companhias que caíram na Armadilha do Conteúdo.
A solução para esses problemas, quebra-cabeças e contradições
aparentes não está em um maior foco na criação de conteúdo, preservando-
o a qualquer custo, ou gastando mais para anunciá-lo. A solução está em
reconhecer, explorar e criar conexões entre os produtos.
Os sinais dessa ideia estão em todos os lugares. Como um agente de
talentos fez crescer seu negócio até uma impressionantemente longeva
organização, competindo o tempo todo contra empresas dez vezes maiores?
Por que algumas vezes a qualidade do produto traz um sucesso incrível,
como com a Apple, mas outras vezes (e também com a Apple) traz um
fracasso estrondoso? Por que uma vantagem aparentemente segura acaba
tão frágil e outras vezes traz uma dominância de 30 anos?
Em todos os casos, as respostas se voltam para as conexões entre os
produtos. A indústria da música experimentou um rejuvenescimento não ao
aumentar os preços, lutar contra a pirataria ou fazer músicas melhores, mas
por causa do valor que migrou na direção dos shows ao vivo e outros
complementos. A Apple deu a volta por cima não apenas fazendo grandes
produtos — afinal de contas, o mesmo princípio tinha lhe dado uma fatia de
mercado de apenas 3% no negócio de computadores pessoais —, mas ao
reconhecer e gerenciar o poder dos complementos. A Zee TV perdeu sua
posição então dominante não devido a incompetência ou má sorte, mas por
causa de spillovers de produtos. Mark McCormack experimentou um
sucesso incrível na frágil arena do gerenciamento de talentos não ao escapar
dela ou de alguma forma descobrir como identificar grandes talentos, mas
ao criar novos negócios e mercados que se conectassem a eles.
Companhias de sucesso pensam mais, não menos, expansivamente
sobre os produtos que oferecem e os negócios em que competem. A IMG,
Apple e Amazon ampliaram seus horizontes. Muitas das gigantes da
internet de hoje estão fazendo o mesmo. Uma vez que você abrace a ideia
das conexões entre os produtos, a expansão das companhias de pneus para
os guias de restaurantes, ou dos cinemas para as creches, parece não apenas
lógica mas necessária.
Entender errado a lógica das conexões é uma razão pela qual
companhias tomam decisões erradas. Outra razão é a linguagem utilizada.
Com termos como disrupção, hipercompetição e substituto definindo as
tecnologias digitais e seus impactos nos negócios existentes, não é surpresa
que quase todos os participantes vejam essas tecnologias como uma ameaça
a ser rechaçada. Ainda assim, a história da mídia sugere vez após vez que as
ameaças percebidas são frequentemente oportunidades. Substitutos
percebidos podem ser complementos. Conexões negativas percebidas são,
com frequência, positivas.
Mais promissor para os gerentes e empreendedores é o fato de que não
são apenas as forças da natureza que ditam o sucesso ou a falha. São
escolhas gerenciais. Na maioria das vezes, não é suficiente ter esperança de
que as conexões entre produtos venham a ser positivas ou que as
oportunidades estejam esperando para serem agarradas. Os gerentes
precisam encontrá-las ou moldá-las.
Talvez o ponto realmente importante nas histórias de sucesso descritas
aqui é que elas não são sobre gênios criativos, focos mais estreitos nos
produtos ou inovações superiores. Esses fatores criam as condições para o
sucesso, mas raramente são suficientes para sustentá-lo. Persiga estratégias
limitadas a essas ideias e você estará jogando um jogo que não é muito
diferente de uma loteria. Abrace as conexões entre os produtos e você
provavelmente ficará mais tempo na área.
As conexões dos produtos são a segunda parte da Tríade de Conexões.
Em vez de defender a qualquer custo seu produto existente, busque por
oportunidades criadoras de valor para além dele. Em vez de definir seus
negócios em termos do “conteúdo” que você faz, reconheça quando você é
o complemento de alguém. Em vez de combater cada incêndio que
aparecer, descubra as sementes do renascimento no meio da devastação.
Em resumo, expanda para preservar.
PARTE III
CONTEXTO –
CONEXÕES FUNCIONAIS
20
UM CONTRASTE DIGITAL
Essa também foi a razão pela qual a resposta da The Economist para
plataformas digitais mais novas foi tão diferente: “Quando o tablet e o
smartphone apareceram”, disse Stibbs, “nós os perseguimos
agressivamente, porque vimos que era para ali que nossa experiência
poderia ser transferida direito. Um leitor tem a mesma experiência que
estamos ofertando na versão impressa: você entra, senta-se como o faria em
uma Starbucks e gasta uma hora ou mais. É o pacote semanal e a curadoria
de novo.”
Essas diferenças levaram também a algumas decisões contraintuitivas
— com relação ao preço e à velocidade de resposta entre várias plataformas
digitais. Na web, muito do conteúdo da Economist podia e ainda pode ser
acessado de graça. Use um tablet, entretanto, e o mesmo conteúdo poderá
ser visto apenas se você gastar mais de US$150 em uma assinatura anual.
Uma lógica similar, Stibbs disse, estava por trás do fato de que “fomos
intencionalmente lentos em nossa resposta ao pontocom. Mas fomos
rápidos e agressivos ao reagir aos tablets”.
Pergunte a qualquer organização sobre preços, e a distinção
invariavelmente feita será entre “digital” e “impresso”. Pergunte sobre
reação à mudança, e a resposta será a de que você tem que agir rápido. The
Economist resistiu a ambas as tendências. Seu preço e velocidade de
resposta foram incrivelmente diferentes entre as várias plataformas digitais,
e essas diferenças não foram coincidência. Elas foram impulsionadas pelas
diferenças na experiência do leitor entre essas plataformas, não por
diferenças no conteúdo.
Veja o conteúdo em qualquer artigo individual da The Economist e
você provavelmente encontrará algo similar em algum outro lugar. Mas
tente reproduzir o estilo, a consistência e o status que a revista oferece, e a
posição dela parecerá mais robusta. Na verdade, entenda essas coisas e você
entenderá uma mensagem muito mais geral: a experiência do usuário
importa mais do que a qualidade do conteúdo abstratamente.
Em outras palavras, The Economist reagiu devagar à internet não
porque estava alheia, com preguiça ou complacente, mas porque podia.
SCHIBSTED VERSUS THE ECONOMIST: O QUE TIRAR
DISSO
Enquanto as diferenças entre as abordagens digitais da Schibsted e da The
Economist são notáveis, não é de surpreender que essas duas organizações
bem-sucedidas fizessem escolhas diferentes. O que é surpreendente é o
quão diferentes são suas estratégias digitais. Difira em uma ou duas arenas,
e alguém poderá atribuir isso à coincidência ou a ruído. Difira em
virtualmente todos os aspectos, e isso demandará uma explicação melhor.
As diferenças entre essas organizações não surgiram do aspecto
regional. Diversos canais de mídia na Grã-Bretanha (a sede da The
Economist) assemelham-se mais à Schibsted em suas respostas. Diversos
outros na Escandinávia se parecem mais com The Economist. Nem as
diferenças são explicadas pela frequência de publicação. Muitas revistas de
notícias semanais também reagiram lentamente como a The Economist, mas
pagaram por isso. E outros jornais diários tentaram se mover
agressivamente como o Schibsted, sem êxito.
Para entender as razões para essas diferenças entre as duas
organizações, é útil olhar mais cuidadosamente para as escolhas feitas por
cada uma — não como decisões individuais, mas como uma série de
decisões estreitamente conectadas.
Vamos começar com a política de não autoria da The Economist, que,
como já discuti, surgiu como subproduto da filosofia de produção coletiva.
Isso, por sua vez, criou uma cultura de generalistas e tornou possível a
transição frequente de repórteres entre áreas. A consistência de voz da
revista emergiu não de um guia de estilo ferozmente rígido ou de um
treinamento superior dos novos contratados — isso também é um
subproduto da produção em equipe. E o formato e o design não alterados da
versão impressa não se devem ao fato de que tais inovações não são
geralmente valorizadas pelos consumidores, mas porque, no contexto do
que os leitores da The Economist esperam — consistência de voz e um
refúgio contra a parafernália de produtos —, a não alteração é coerente.
Quando vistos como sistemas inteiros de decisões inter-relacionadas, as
diferenças entre The Economist e Schibsted começam a fazer muito sentido.
Entender as conexões entre o mosaico de escolhas feitas por The Economist
ao longo de 150 anos também explica por que sua abordagem digital foi tão
diferente daquela da Schibsted. Considere o tabloide VG da Schibsted, cujo
sucesso foi construído sobre notícias de última hora e histórias divertidas. E
vem a web, com centenas de substitutos que oferecem a mesma coisa.
Competir nesses elementos será ter poucas opções além de competir através
de histórias mais rápidas e interessantes. Atualização em tempo real,
imagens substituindo textos, manchetes mais ousadas e mais notícias são o
resultado. Mas considere que o apelo e a força da The Economist vêm da
seleção e da consistência. Traga a web, e pouca coisa mudará com relação
ao valor que ela oferece. Se você tentar competir através de histórias mais
rápidas e mais divertidas, serão altas as chances de que você vá prejudicar
exatamente o apelo que tem com seus leitores. Afinal, eles o estão buscando
não para serem ligados com outros ou com a sobrecarga crescente de
informações, mas para fugir disso. Competir dessa maneira é se permitir ser
lento — “intencionalmente lento”, como Stibbs disse — em sua resposta à
web.
O sucesso da The Economist vem não de uma série de escolhas
acidentais ou aleatórias, mas de uma rede de escolhas estreitamente
conectadas. A Figura 25 ilustra a rede de escolhas conectadas da The
Economist.
Figura 25: The Economist: conexões funcionais
E a lista continua.
Bachmann estava dizendo: fazemos trade-offs. Sabemos o que eles são.
E os respeitamos. Poucas outras organizações já disseram isso de forma tão
simples ou obtiveram tanta vantagem com essa ideia. A vantagem da
Edward Jones não é que a empresa tenha de alguma forma descoberto uma
maneira de superar os trade-offs embutidos em suas decisões, mas que ela
deliberadamente os fez.
22
DOS ÁTOMOS AOS BITS
O Surgimento do Flipkart
Flipkart é a principal empresa de comércio eletrônico da Índia. Não é que o
conhecimento requerido para começá-lo não tenha a ver com a Amazon —
a empresa foi iniciada por dois ex-funcionários da Amazon. Um deles,
Binny Bansal, recentemente me descreveu as razões de seu sucesso na
Índia. É uma história do contexto local dando forma à estratégia de entrega.
O início não foi muito diferente. Como a Amazon, a Flipkart começou
vendendo livros online, e os consumidores pagavam com cartão de crédito.
Quando a companhia se moveu para os eletrônicos, as coisas deram uma
virada. Os consumidores estavam inseguros: se os produtos seriam
entregues em boas condições, se coincidiriam com o que foi pedido ou
mesmo se seriam entregues. “As vendas de livros estavam crescendo em
40% por mês, mas estávamos presos em 100 pedidos por dia para os
eletrônicos”, disse Bansal. “Então, percebemos que havia um problema de
confiança com os varejistas online. Assim, dissemos aos consumidores:
’Vocês não têm que pagar adiantado — paguem na entrega’.” Isso foi
acompanhado com uma garantia de retorno de trinta dias. “Foi incrível —
fomos de US$10 milhões em vendas para US$100 milhões em um ano.”
Pagamento na entrega se espalhou na indústria. Mas havia um
problema: os consumidores tinham que estar presentes para receber a
entrega. Uma vez que poucos queriam fazer isso no trabalho, a Flipkart
construiu centros de coleta, para tornar a retirada mais conveniente para os
consumidores ao voltarem para casa. Os centros de coleta eram relevantes
porque, se os pacotes fossem deixados na porta da residência do
consumidor, não havia como saber se estariam ali quando o consumidor
retornasse para casa. Nos Estados Unidos esse não é um problema típico,
então não é de surpreender que a Amazon não tivesse sentido a necessidade
de construir centros de coleta em seus primeiros 19 anos de negócios lá.
Havia outras diferenças entre os mercados, tais como a escolha sobre
quais categorias de produto entrar. Nos Estados Unidos, mídia era um local
natural para a Amazon entrar, mas o mercado de varejo para CDs e DVDs
tinha menor magnitude na Índia. Em contraste, telefones celulares foram
uma categoria natural para a Flipkart porque, na Índia, lojas familiares
pequenas e ineficientes eram a alternativa às vendas online — no mercado
norte-americano, os telefones eram vendidos pelas companhias de telefonia,
um sistema difícil de penetrar. Além disso, as operadoras nos Estados
Unidos subsidiavam agressivamente o custo do aparelho para vender planos
de voz e dados, deixando as margens dos aparelhos em si extremamente
baixas para os varejistas. Moda foi outra categoria de crescimento para o
Flipkart. Ao contrário dos Estados Unidos, “a maioria das vendas de moda
na Índia se dá através de pequenos lojistas vendendo mercadoria sem
marca”, notou Bansal, tornando a categoria madura para o crescimento
online. “E o mercado indiano é mais funcional do que aspiracional.”
E, depois, havia as infraestruturas em si. Os celulares viram uma
explosão na Índia em um curto período de tempo, tornando imperativo
construir um comércio eletrônico ao redor deles. E a cadeia de suprimentos
ineficiente ali significava que se a Flipkart construísse sua própria estrutura
de entregas, milhares de lojistas físicos poderiam se beneficiar ao usá-la —
ao contrário dos Estados Unidos, onde a maioria dos varejistas tem suas
próprias infraestruturas.
Quase toda a decisão que a Flipkart fez à medida que crescia foi
ajustada para as condições locais — e em 2015 a Flipkart comandava quase
45% do mercado de comércio eletrônico do país. O jogo estava longe de ter
acabado, é claro. A Amazon estava presente e ganhando tração — mas para
fazer isso ela estava tendo que se adaptar às necessidades do mercado local.
Mesmo com a guerra do comércio eletrônico se intensificando, Bansal foi
direto em sua análise: “Há pouca vantagem em ser global no comércio
eletrônico.”
The Economist cultiva o hábito de dizer não há 150 anos. Logo, quando
chegou à era digital, a revista não precisou mudar. É bem mais comum a
experiência de um jornal como o Deseret News, que, ao contrário do que
ocorre na The Economist, está aprendendo a dizer não pela primeira vez em
um cenário marcado por demandas digitais. Em geral, isso exige uma
mudança dramática. Vamos ver como ocorreu esse processo.
Se fechar os olhos, você pode achar que é Larry Culp quem está
falando. Não existem duas empresas mais diferentes entre si do que a
Danaher e a Tencent. A primeira atua no setor industrial, enquanto a
segunda opera no mercado de aplicativos. A primeira é uma empresa norte-
americana tradicional; a segunda, uma organização chinesa contemporânea.
A principal diretriz da primeira é o aperfeiçoamento contínuo; a segunda
foca no aproveitamento de possibilidades criativas. A primeira adota um
modelo de administração baseado no senso comum; a segunda trabalha com
um empreendedorismo inusitado. Contudo, as duas empresas operam com a
mesma filosofia organizacional voltada para inovações: menos é mais.
24
OUSE NÃO IMITAR
Em sua ideia, Narisetti não propõe a fusão entre igreja e estado: sugere
a criação das sensibilidades de uma área na outra.
Eu criaria uma equipe responsável por inovar a publicidade de toda a empresa, com
poder de decisão sobre marketing, análise, tecnologia e produtos relacionados à redação,
mas focada principalmente em criar, e não implementar inovações. Devido à divisão
entre igreja e estado, nenhuma redação nos Estados Unidos conta com uma Equipe de
Inovações Publicitárias de abrangência tão ampla. Infelizmente, renunciamos à ligação
entre leitores e anunciantes.
Como resultado, a maioria das novidades publicitárias consiste apenas de invasões
disfarçadas de inovações. Um bom exemplo disso é o pre-roll, em que, durante 15
segundos, você tem que assistir a um comercial. Em outras palavras, “sabemos que você
quer esse conteúdo, mas primeiro vamos te encher o saco”. Esse é o tipo mais comum de
inovação. Precisamos mudar esse quadro e criar anúncios integrados à experiência.
Por que uma empresa diria a seus clientes para não comprarem um de
seus produtos? No site da marca, a Patagonia explicou:
Chegou o momento em que a empresa deve encarar a questão do consumismo de
frente… (Para) aliviar um pouco o impacto ambiental, é necessário consumir menos. As
empresas precisam reduzir a produção, priorizando itens de alta qualidade. Os clientes
devem pensar duas vezes antes de comprar.
PERGUNTAS IMPORTANTES
Às vezes as conversas ficavam confusas e caóticas, como geralmente ocorre
quando se discute o desenvolvimento de produtos ou estratégia. Mas havia
duas perguntas que ligavam todos os pontos discutidos. Tratavam-se das
duas perguntas mais importantes para os estrategistas: onde jogar e como
ganhar?
Mesmo não sendo complicadas, é difícil responder a essas perguntas.
No nosso caso, talvez fosse mais fácil aderir à retórica construída em torno
da educação online. “Democratize a educação.” “Torne o mundo mais
plano.” “Adote novas tecnologias.” Esses slogans tinham um mérito
inegável e até chegavam a nos motivar. Eles apontavam, porém, para o
futuro provável da educação online, em vez de informar a tomada de
decisões individuais. As perguntas principais da estratégia ainda eram
importantes. Quem é o aluno? Onde podemos nos diferenciar? Como criar
uma experiência “primeiro em digital”?
Com o advento das estratégias e metas estabelecidas pelas
universidades e plataformas online, alguns axiomas começaram a aparecer.
“Promover o maior impacto” e “atingir o alcance máximo” são alguns
exemplos. O método indicado para concretizar essas metas é quase sempre
o mesmo: oferecer excelentes cursos com professores famosos para atrair
mais alunos.
Essas abordagens não são absurdas, mas não ajudam a compreender
quem são os alunos e no que realmente estão interessados. É como oferecer
um produto visando encontrar o cliente, em vez do contrário. Trata-se da
clássica mentalidade centrada no produto, em vez da centrada no usuário.
Começar com uma pergunta simples (“Quem é o aluno?”) nos afastou
do viés fixado no conteúdo e no corpo docente e fez toda a diferença.
Conhecer profundamente nossos alunos de MBA facilitou a identificação
dos materiais que, ao serem disponibilizados no CORe, serviriam para
prepará-los para nosso programa de MBA. Foi possível saber exatamente os
pontos em que os estudantes experimentavam dificuldades e quais conceitos
precisariam ser abordados. Conhecê-los também nos ajudou a formular uma
escala de qualidade.
Não conhecer seu aluno traz outra consequência relacionada às
métricas frequentemente mencionadas: alcance e acesso. Obter 100 mil
inscrições em um curso online passou a ser considerado como um
indicativo de sucesso. Mas as taxas de conclusão eram baixas e, na maioria
das vezes, se resumiam a um dígito. Naturalmente, esses números só
aumentavam o ceticismo diante dessa tendência da educação online. Se o
The New York Times descreveu 2012 como o “Ano do MOOC”, 2013 foi
classificado pela NPR como o ano em que “A Revolução Online Perdeu o
Rumo”.
Manter o foco no aluno individual significava priorizar
(implacavelmente) uma única métrica: participação, não alcance.
Precisávamos primeiro decifrar a dinâmica da participação para, em
seguida, conquistar o alcance.
PRIORIZAÇÃO VERSUS EXPERIMENTAÇÃO
No início de março de 2013, o CORe já estava quase pronto. Ao mesmo
tempo, começaram a aparecer diversas oportunidades, que poderiam
naturalmente ser administradas como questões de “educação digital” e
HBX. Deveríamos criar um portal para conectar empreendedores iniciantes
a consultores e investidores? Deveríamos criar plataformas digitais para
otimizar as pesquisas que realizávamos na HBS? Deveríamos aumentar o
número de cursos na plataforma ou começar com poucos? Deveríamos
oferecer ferramentas explicativas para gerentes? Deveríamos utilizar a
tecnologia digital para incrementar os programas oferecidos no campus?
Comumente, as pessoas tendem a achar que estrategistas e
empreendedores operam em mundos diferentes. O mundo da estratégia,
dizem, é o universo das organizações de grande porte e já consolidadas, que
concorrem utilizando métodos consagrados contra rivais bem conhecidos e
que encaram a obtenção de vantagens competitivas como uma prioridade. O
mundo dos empreendedores recebe a caracterização de confuso, inovador e
desconhecido. Nesse universo, é essencial aproveitar todas as oportunidades
que aparecem pelo caminho, já que nunca se sabe qual delas pode resolver a
situação do empreendedor.
Essa distinção é ilusória. Organizações consolidadas precisam inovar, e
as que estão iniciando precisam priorizar. Durante as etapas iniciais do
HBX, enquanto tentávamos inovar, priorizar também passou a ser uma
necessidade.
Nos meses seguintes, tivemos que nos habituar a dizer não. Como
experiência, decidimos oferecer outro produto: pequenos cursos online para
executivos seniores. (Clay Christensen concordou em criar o primeiro, que,
ironicamente, seria sobre Estratégia Disruptiva, sua área de especialidade.)
Não poderíamos executar mais projetos por falta de recursos (tempo e
dinheiro), mas precisávamos de mil flores desabrochando. Nossa única
esperança era a de que a plataforma fosse um avanço no campo da educação
online. Parecia uma estranha sobreposição entre os mundos da estratégia e
do empreendedorismo, descrita com exatidão em uma orientação informal
do nosso diretor: “Devemos ser mais criativos e empreendedores. Mas nada
pode dar errado.”
Já na fase de definição de nossas conversas sobre a estratégia de
portfólio, outro evento esclarecedor viria a ocorrer. Ironicamente, fui pego
de surpresa quando não deveria, pois vinha escrevendo sobre o assunto
havia um bom tempo.
UM EVENTO ESCLARECEDOR: CONEXÕES DE
USUÁRIOS E APRENDIZAGEM SOCIAL
Iniciamos os trabalhos em maio de 2013. Começamos a desenvolver a
plataforma, contratar produtores de vídeo, pesquisar preços e estruturar o
conteúdo de cada curso.
Para essa última tarefa, além de contratarmos assistentes de pesquisas e
indicarmos alguns doutorandos da HBS, designamos três alunos do 2° ano
do MBA com excelente desempenho para contribuírem com as atividades.
Se era preciso criar um produto digital que envolvesse e atraísse os novos
alunos do MBA, quem estava em melhor posição para informar o processo
de criação do conteúdo do que nossos próprios discentes?
O grupo se reunia regularmente para fazer sessões de brainstorming.
Depois de três meses percebi que estávamos ignorando um ponto levantado
constantemente pelos alunos do MBA. Por muito tempo discutimos os
princípios responsáveis pelo sucesso dos debates sobre os casos em sala de
aula. Mas os alunos também descreviam modos de aprendizagem que
ocorriam fora desse espaço e que talvez pudessem ser recriados na internet.
Falavam sobre grupos de estudo preliminares, discussões por e-mail,
conversas nos corredores, debates nos intervalos e argumentos de
dormitório. Segundo eles, aparentemente acidentais, essas interações entre
colegas integravam a pedagogia do método do caso tanto quanto qualquer
outro elemento.
A aprendizagem social sempre fora um de nossos princípios
fundamentais. Sabíamos que a abordagem do caso dependia essencialmente
de os estudantes discutirem e aprenderem em grupo, mas havíamos
ignorado a abrangência das implicações desse princípio. Em vez disso,
priorizamos a arquitetura dos cursos, o design da plataforma e a qualidade
do ensino. Em outras palavras, havíamos optado por fornecer um excelente
conteúdo.
Era evidente que tínhamos caído na Armadilha do Conteúdo.
Foi um momento eureka. Escrevi uma nota naquele mês: “Dedicamos
97% do tempo à criação do conteúdo e aprendizagem ativa e apenas 3% à
aprendizagem social. Precisamos reverter totalmente esse quadro para 97%
de social e 3% de conteúdo.” Por coincidência, Moon também estava
chegando sozinho à mesma conclusão.
No mês seguinte, passamos a priorizar ações que podiam incrementar
os recursos de aprendizagem social da plataforma. O corpo docente se
reuniu diversas vezes com a equipe de tecnologia. Dezenas de ideias foram
propostas, e nenhuma delas foi rejeitada de antemão. A página inicial da
plataforma apresentaria um mapa global indicando a localização dos
estudantes. As identidades dos usuários seriam abertas: optamos por
descartar o anonimato e os pseudônimos e implementamos fotos nos perfis.
Os alunos teriam que fornecer muitas informações pessoais. As pesquisas
interativas seriam atualizadas em tempo real de acordo com as respostas dos
participantes. Essa inovação, aparentemente pequena, poderia criar um
momento de aprendizado: a experiência de surpresa ao responder a uma
pergunta e verificar que a maioria respondeu de forma diversa. No lugar de
respostas em formato textual, os estudantes precisariam carregar imagens
que indicassem sua compreensão dos conceitos. Essas imagens poderiam
ser visualizadas por outros usuários através de buscas. Haveria debates
virtuais espontâneos e imediatos. Seria possível criar instantaneamente
grupos de estudo para que os alunos discutissem entre si um conceito
apresentado em determinado ponto do curso. Poderíamos até fazer um cold
call pela internet.
Os cold calls correspondem à mais célebre técnica de ensino em sala
de aula do método do caso. A qualquer momento da exposição, o instrutor
pode fazer uma pergunta a um aluno selecionado ao acaso. A pergunta pode
ser simples ou difícil, conceitual ou analítica. O instrutor pode passar
rapidamente a outro ponto ou inquirir o estudante durante minutos a fio. Os
cold calls são um componente essencial da abordagem socrática. Temidos
pelos estudantes, ficam impressos na memória por muitos anos.
O cold call é eficaz porque incentiva os alunos a se preparar, prestar
atenção durante a aula e aprender entre si e com os erros uns dos outros.
Afinal, raramente a primeira reação de um estudante está complemente
correta. Como prática social, também pode ser assustador: 90 alunos te
encarando, em um silêncio que parece infinito, enquanto você se prepara
para falar. Em última análise, o enorme poder dos cold calls vem da pressão
social. Como já ouvi de muitos alunos no decorrer dos anos: “Sentimos um
medo maior de passar vergonha na frente dos colegas do que diante do
professor.” Agora, enquanto pensávamos sobre a aprendizagem social
online, procurávamos um meio de transmitir esse poder ao HBX.
Assim, criamos o cold call do HBX, cujo design era simples. Uma
janela pop-up apareceria aleatoriamente durante a participação do aluno no
curso online. Em um minuto (um cronômetro marcaria o tempo), uma
determinada pergunta teria que ser respondida em 30 palavras ou menos.
Todos os participantes do curso poderiam visualizar a resposta e a foto do
perfil do aluno em questão. Esse seria um dos diversos recursos na
plataforma HBX que combinariam aprendizado social e ativo.
Os recursos sociais que desenvolvemos deveriam servir para que os
alunos cooperassem entre si, e não apenas visualizassem o que os outros
estavam fazendo. Como viabilizar isso? Painéis de discussão eram comuns
na educação online, mas pouco eficazes. Menos de 10% dos alunos
participavam desses fóruns, em geral porque os achavam entediantes. Na
maioria das vezes, os painéis apareciam nas páginas dos cursos na forma de
“barras laterais”. Os alunos podiam postar perguntas à vontade sobre
qualquer tópico, mas isso dificultava as pesquisas. Quase não havia
incentivos para responder às perguntas dos colegas: grande parte dos cursos
online mais populares contava com assistentes pedagógicos para invadir os
fóruns com as respostas certas. Além disso, ninguém utilizava o nome
verdadeiro nesses painéis.
Para enfrentar esses desafios, adotamos inicialmente um design
simples: os materiais dos cursos foram distribuídos em modestas páginas de
aulas que contavam com painéis de discussão individuais. Apenas perguntas
pertinentes ao conteúdo da página em questão poderiam ser postadas no
fórum específico. Era um pequeno recurso, mas incentivava a interação
entre os colegas e facilitava as pesquisas.
Em seguida, acrescentamos incentivos expressos. Observamos que o
termo “gamificação” vinha se popularizando na internet e elaboramos a
ideia de recompensar os participantes por determinados comportamentos.
Às vezes, os incentivos eram eficientes. Em outras, pareciam artifícios
baratos. Mas a educação online tinha uma vantagem sobre as empresas de
games e mídia: nela, os participantes recebiam notas. Então decidimos
vincular as notas à participação. Se você responder às perguntas dos outros
alunos, sua nota será maior. Era assim que avaliávamos os alunos no
campus há anos.
Na década passada ocorreu a explosão das redes sociais e dos estudos
sobre elas. Uma das questões mais levantadas indagava sobre o porquê de
algumas redes sociais terem êxito no incentivo de determinados
comportamentos e outras não. Por exemplo, como o LinkedIn conseguia
incentivar os usuários a postar informações profissionais enquanto o
Facebook estimulava a postagem de informações pessoais? Por que os
usuários do Friendster estavam mais interessados em relações amorosas do
que em amizades, conforme a intenção dos fundadores da plataforma?
Uma das principais conclusões desses estudos indicava que o sucesso
estava em atrair os usuários “certos”, oferecendo os incentivos “certos” em
troca de sua participação e as ferramentas “certas” para que adotassem
determinados comportamentos. Não se tratava apenas da qualidade da
plataforma ou dos recursos sociais. Ensinávamos esses princípios para
outras pessoas e agora deveríamos empregá-los. Para cada recurso social
que bolávamos, estimulávamos nossa equipe a perguntar: como podemos
saber se estamos instigando os comportamentos certos, atraindo os usuários
certos e oferecendo os incentivos certos? Nossas regras devem ser
compreensíveis, mas não simplórias e facilmente manipuláveis.
As conversas sobre aprendizado social provocaram uma mudança no
enfoque do design da nossa plataforma, que, em vez de apenas interativa,
deveria também ser social. Os princípios do design do HBX começavam a
ser definidos. Em maio de 2014, esboçamos um esquema em quatro
camadas que deveria orientar nossa abordagem pedagógica (veja a Figura
27). As camadas correspondiam às quatro formas de aprendizagem: passiva,
ativa, adaptativa e social. A pergunta principal que nos direcionava era:
como aumentar a participação em cada forma?
Figura 27: As Quatro Camadas da Aprendizagem
Lançamento do Site
O HBX começou a operar em 21 de março de 2014. Todos os aspectos do
site (tom, estilo e conteúdo) foram projetados para transmitir três
mensagens. Primeiro, havia nossa expectativa em relação ao ensino online.
Era nosso primeiro grande passo na tecnologia digital e esperávamos que a
aprendizagem online fosse tão poderosa e envolvente quanto a experiência
em sala de aula. Segundo, para viabilizar isso, deveríamos desenvolver
intensivamente nossos pontos fortes, como a pedagogia do método do caso.
A página inicial do site não apresentava um aluno online, mas,
paradoxalmente, uma sala de aula tradicional da HBS. Era um sinal de que
estávamos abordando a aprendizagem pela internet com uma diferente
perspectiva pedagógica. Terceiro, nossa abordagem não seria aberta a todos.
Procurávamos alunos sérios, ativos e comprometidos com a mútua
cooperação entre os colegas e não turistas, observadores passivos e pessoas
interessadas em aprender por conta própria.
Também havia a questão do preço. Decidimos cobrar US$1.500 pelo
primeiro programa CORe, com duração aproximada de dez semanas.
Contudo, oferecemos uma opção de financiamento para os alunos que
precisavam. Nossa intenção era clara: o acesso não seria condicionado à
capacidade financeira, mas à motivação e comprometimento do
participante.
O preço cobrado pelo CORe foi tema de debates internos. Porém, como
é de praxe em decisões como essas, também seria discutido por pessoas
externas à HBS. Circulavam comentários de que a instituição não estava
sendo muito ambiciosa em sua incursão no ensino online, pois optara pela
seletividade, em detrimento da expansão. Mas também havia rumores que
diziam exatamente o contrário: ao cobrar menos de 10% do valor do MBA,
a HBS estava deixando a marca acessível demais e corria o risco de
desvalorizar o curso.
Se éramos alvo dos dois tipos de boatos, alguém poderia sugerir que
provavelmente estávamos no caminho certo. Acreditávamos, no entanto,
que as duas opiniões estavam incorretas. Tínhamos ambições e expectativas
em relação ao alcance e expansão dos cursos. Mas havia um grau de
incerteza também. Abriríamos a plataforma para mais alunos apenas depois
de saber que o programa inicial dera certo. Quanto a desvalorizar a marca,
quando se calculavam os preços por hora, os valores eram quase idênticos.
Cobrar pelos programas online deveria gerar renda e aumentar o
potencial de sustentabilidade do empreendimento, um ponto em que a
maioria das plataformas online enfrentava dificuldades. Mas havia outro
motivo que justificava o preço. É comum que os cursos gratuitos não
recebam nenhuma inscrição ou que os alunos não tenham motivação,
capacidade e compromisso com as aulas. Achávamos que esse modelo era
propício para uma experiência de aprendizagem individual. Porém, nossa
abordagem baseava-se essencialmente na aprendizagem entre pares, e para
favorecer a aprendizagem social é preciso atrair os alunos certos. Alunos
sem motivação muitas vezes prejudicam a experiência dos que chegam
motivados. Não queríamos que 90% dos discentes abandonassem o
programa (a taxa de desistência típica dos MOOCs). Os participantes que
não conseguissem concluir o curso poderiam impactar negativamente os
que continuassem. O preço seria um sinal de motivação: quem ousasse
pagar US$1.500 por um programa online de que nunca ouvira falar devia
realmente assumir um compromisso com o curso.
Em outras palavras, ao optarmos entre tornar os cursos gratuitos ou
pagos, não consideramos apenas a questão da receita. Pensamos na
coerência com os princípios pedagógicos sobre os quais estávamos
desenvolvendo o HBX.
No início de abril, apresentamos o HBX ao corpo docente da
instituição. Vínhamos trabalhando, até aquele momento, em relativa
obscuridade: mantínhamos o projeto do HBX separado dos ritmos
cotidianos de outros programas e operações do campus, com exceção dos
professores (que continuavam a lecionar em sala de aula) e funcionários
importantes (como o nosso diretor executivo e outros funcionários
“emprestados” do nosso programa de MBA, além dos contratados
especificamente para o projeto). A sede da equipe do HBX ficava a menos
de 400 metros do campus principal. A distância era curta o suficiente para
favorecer a interação com a instituição e longe o suficiente para permitir
que a equipe se diferenciasse. O diretor e o chefe administrativo da HBS
participaram de todos os debates. Então, dois meses depois do lançamento
do programa, compartilhamos a versão integral do HBX com os demais
professores. A reação foi muito animadora. O sentimento predominante
confirmava que havíamos escolhido o modo correto para começar a atuar
online. Agora era esperar para ver se tudo daria certo.
Alguém Se Inscreverá?
No dia 11 de abril, abrimos as inscrições no programa CORe através do
site, utilizando o que eu, espirituosamente, chamei de “marketing
silencioso”. A HBS não costuma divulgar seu programa de MBA. Quando,
a cada outono, abrimos as inscrições para o MBA em nosso site, recebemos
centenas de solicitações nos primeiros dias. Mas o que ocorreria com o
HBX e o CORe? Quem estaria disposto a pagar US$1.500 por um programa
online que nunca fora apresentado?
No dia seguinte, recebemos a primeira inscrição. Uma euforia
apreensiva contagiou a equipe do HBX, até que constatamos a
inelegibilidade do candidato: ele estudava em uma universidade da
Califórnia.
Adotamos uma restrição: receberíamos apenas alunos que residissem
em Massachusetts. Por quê? Os empreendimentos de internet não buscam
sempre eliminar as fronteiras geográficas? A medida expressava cautela.
Precisávamos de experiência em uma escala menor antes de estender a
abrangência dos cursos. Seria mais fácil acompanhar estudantes locais, que
poderiam tecer comentários e participar de pesquisas. Além disso, trabalhar
com o mesmo fuso horário também favorecia a atuação de nossa equipe de
tecnologia e suporte.
O primeiro candidato elegível se inscreveu no terceiro dia, e outras
inscrições começaram a chegar lentamente. Comunicamos as informações
sobre o curso aos nossos alunos de graduação e aos ex-alunos, que
poderiam avisar seus filhos ou netos. Distribuímos materiais impressos em
outras universidades locais. Quando estávamos prestes a iniciar o programa,
havíamos matriculado pouco mais de 600 estudantes.
Lançamento do Programa
Em 11 de junho, ao meio-dia, cheios de animação e nervosismo, lançamos o
CORe para o primeiro grupo de alunos, que depois batizamos,
afetuosamente, de turma “pioneira”. Em poucos minutos, os participantes
começaram a carregar as fotos dos perfis e suas informações pessoais.
Durante nove horas, cerca de 300 participantes realizaram esse
procedimento. Além disso, superamos a marca impressionante de 13 mil
visualizações de perfis apenas no primeiro dia, uma média superior a 40
visualizações por participante. Ficamos surpresos ao ver que os alunos
online queriam simplesmente “sacar” uns aos outros. Foi a primeira
confirmação de nossa crença em conexões sociais e na comunidade.
A equipe do HBX passou o dia grudada nos monitores, acompanhando
as atividades dos participantes. Alguns alunos faziam o login, passavam
alguns minutos se registrando e saíam da plataforma. Outros embarcavam
logo no conteúdo dos cursos. O aluno típico dedicava cerca de 30 minutos à
primeira incursão na plataforma.
Naquela noite observamos algo extraordinário. Uma participante, Layla
Siraj, concluíra os primeiros módulos dos três cursos às 21h. Essa etapa do
programa devia durar uma semana e meia e exigia aproximadamente 15
horas de dedicação. A aluna havia feito tudo no primeiro dia e em apenas
nove horas.
Siraj era uma caloura promissora na Harvard College, onde cursava
graduação em biologia organísmica e evolutiva. Sua velocidade
extraordinária causou o seguinte questionamento: o ritmo do programa está
correto? O curso é muito fácil? Ou é Siraj que tem uma inteligência fora do
comum? Em pouco tempo, recebi um e-mail inesperado de Siraj: “Estou
muito animada com o início do CORe no HBX”, escreveu. “Adoro tudo no
programa. É difícil desgrudar dos módulos. Muito obrigada por criarem
uma experiência tão fantástica.”
Talvez o HBX acabasse dando certo.
O primeiro dia suscitou diversas emoções na equipe do HBX. Sentimos
satisfação por termos criado o primeiro programa online da HBS. Sentimos
alívio e cansaço porque conseguimos cumprir a tarefa em um prazo muito
curto, depois de passar vários meses sem dormir, dedicando pouco tempo às
nossas famílias. E também sentimos uma grande dose de orgulho.
Nas semanas seguintes, recebemos mensagens dos outros estudantes.
Um dos usuários comentou no Facebook: “É a experiência de aprendizagem
mais colaborativa de que já participei na vida.” Acompanhamos o
desenvolvimento das conversas entre os alunos. Nossas equipes de
conteúdo monitoravam as perguntas que começavam a ser postadas nos
painéis e deviam intervir apenas se as respostas estivessem erradas ou não
surgissem.
Nas primeiras três semanas o número de vezes que nossas equipes de
conteúdo precisaram intervir nos fóruns de cooperação mútua foi
exatamente zero. Quase todas as perguntas feitas eram respondidas de
forma correta e precisa por outro aluno. A aprendizagem social funcionava
melhor do que prevíramos. E também despertava uma leve apreensão:
quando disponibilizados os incentivos, plataforma, conteúdo e curadoria
adequados, os alunos poderiam muito bem dispensar nossa presença.
Estávamos observando o poder das conexões dos usuários, em tempo
real.
Aprendizados e Surpresas
Em setembro, analisamos os resultados após o encerramento do primeiro
programa. A taxa de conclusão registrada na primeira turma chegou a 86%.
As avaliações dos alunos se aproximavam das que recebíamos no campus:
mais de 90% dos participantes deram uma nota 4 de 5 para o programa.
Ficamos impressionados com o feedback dos alunos: “Uma das melhores
experiências de aprendizagem que já tive na vida”; “Foi o melhor
substitutivo para a experiência em sala de aula de que já participei.” Um
dos estudantes escreveu: “Gostei da proximidade.” Nunca estivemos na
presença desse aluno.
Inicialmente, concluímos que a aprendizagem online poderia ser muito
envolvente para alguns dos alunos mais exigentes das melhores instituições,
apesar da automatização da experiência e da ausência de interação em
tempo real com os professores. Criáramos as condições para a expansão do
HBX.
Os alunos acharam o programa rigoroso e difícil, e as turmas
posteriores tiveram a mesma opinião. Os resultados extraordinários da
turma pioneira não foram surpreendentes, pois alunos das melhores
universidades de Massachusetts, como Harvard, MIT, Amherst, Williams,
Wellesley, Northeastern e Tufts, integravam o grupo. Seis meses depois,
abrimos o CORe para inscrições de participantes do mundo inteiro e
aceitamos mais de 900 estudantes. A diversidade da segunda turma era
incrível. Algumas semanas depois do início do programa, um aluno fez o
seguinte comentário no LinkedIn:
Lembram quando eu disse que estava animado para conhecer estudantes de graduação
norte-americanos? Evidentemente, existem alguns na nossa turma. Mas também há todo
tipo de gente, que foi parar no HBX depois de viver histórias que a gente só vê em filmes
com o Tom Hanks. Na turma, temos um capitão da marinha, um técnico em
desarmamento de bombas, um oncologista português, um engenheiro alemão, um
psicólogo canadense, um gerente de marca argentino, um estudante de mestrado sul-
africano e um administrador financeiro de um centro de reabilitação do Texas. Há dois
estudantes que trabalham em Wall Street. Um diretor de escola australiano. Quatro
advogados brasileiros. Vários estudantes de programas de MBA, dois economistas e
muitas outras pessoas. Sem dúvida, a diversidade do grupo é seu ativo mais valioso, e as
diferentes perspectivas propostas pelos alunos nas discussões são o fator que torna o
HBX verdadeiramente único.
Esperávamos que a grande maioria dos inscritos no CORe fosse
composta por estudantes de graduação e recém-graduados, que estariam
ingressando no mercado de trabalho. Novamente nos surpreendemos. A
distribuição etária era muito mais ampla: metade dos participantes do CORe
tinha idade superior aos admitidos recentemente no nosso MBA, cuja média
era de 27 anos. Por que esses alunos se inscreveram? Muitos deles passaram
por diversas funções em suas carreiras, como nos setores de vendas, TI,
desenvolvimento de softwares, design, funções criativas, e assim por diante,
mas nunca tiveram acesso ao conteúdo apresentado no curso. Em
comentários posteriores, indicaram que agora podiam participar, em seu
local de trabalho, de “conversas de negócios” importantes sobre temas
como desenvolvimento de produtos, preços e desempenho comercial, entre
outros. Alguns eram empreendedores ou profissionais interessados em
avançar em suas carreiras. Outros eram gerentes que já conheciam os
materiais, mas que, como disseram depois, não haviam aprendido o
conteúdo dessa forma.
Primeiro achamos que o CORe fosse uma oportunidade voltada para
jovens que estavam ingressando no mercado de trabalho. Durante o
desenvolvimento do programa, tínhamos em mente a palavra preparação.
No entanto, a maioria dos alunos do CORe agora indicava o
empoderamento como o motivo real do apelo do curso.
Ficamos impressionados com a representatividade global dos
participantes: em média, 45% dos alunos de cada turma residiam fora dos
Estados Unidos, em mais de 90 países. Ainda mais interessante era o
desempenho dessa turma global. Os professores a cargo do CORe
(Hammond, Narayanan e eu) achávamos que nunca haveria outra turma
como a pioneira. Ao final da avaliação da primeira turma global,
descobrimos que seu desempenho fora ainda melhor. Nossos palpites sobre
a localização dos talentos no mundo caíram por terra. As possibilidades
eram ainda maiores do que poderíamos ter imaginado.
A aprendizagem social era um dos principais fundamentos do HBX.
Nesse sentido, a taxa de participação nos fóruns de discussão atingiu a
marca de 75%, enquanto as discussões entre os pares foram descritas como
eficazes, precisas e envolventes. Mais importante ainda: criaram uma
integração totalmente imprevista. Os estudantes se incentivavam a concluir
os módulos antes do fim dos prazos. Reclamavam, se tranquilizavam e
faziam piadas entre si. Eram as sementes de uma comunidade que
continuaria a crescer a cada turma. Para muitos alunos, fazer parte de uma
comunidade diversa, talentosa e integrada definiu sua experiência de
aprendizagem com o CORe tanto quanto a qualidade do conteúdo, da
pedagogia e da plataforma. As interações virtuais levaram a encontros
físicos no mundo inteiro (em Tóquio, São Francisco e outros lugares). Os
estudantes recorreram a seus colegas buscando colaboradores para ideias
comerciais ou atividades de caráter social. Foi extraordinário verificar que a
aprendizagem online podia criar vínculos reais dessa natureza.
A maioria dos debates sobre a educação online é centrada nos
resultados da aprendizagem como produto de características relacionadas à
oferta: conteúdo, abordagens pedagógicas, qualidade do corpo docente,
assistentes de ensino e plataformas. Contudo, meus colegas e eu
verificamos que as características relacionadas à demanda também são
fatores essenciais. O CORe não se destinava apenas à geração do milênio,
mas também a alunos mais velhos. Não havia apenas a expectativa de que
os empregadores pagassem pelo curso: muitos alunos arcavam com as
despesas do ensino e assumiam o controle de seu aprendizado. Os
estudantes eram talentosos, motivados e diversos, características necessárias
para a eficácia da aprendizagem entre pares. Tentamos criar normas e
condições para conversas produtivas pela internet, mas os alunos levaram a
interação para o mundo real.
Evidentemente, precisávamos avaliar os principais objetivos da etapa
inicial, como fazer com que alunos com pouco ou nenhum conhecimento
sobre a matéria adquirissem uma proficiência básica na “linguagem dos
negócios” em 11 semanas. Novamente, tivemos algumas surpresas nesse
ponto. Esperávamos que os alunos com noções de economia, estatística e
contabilidade se saíssem melhor do que os outros nos cursos, e foi o que
ocorreu. Mas houve uma aproximação notável. Ao final do programa, a
diferença entre os graduados em economia e os que não tinham título nessa
área era de aproximadamente 3%. Observamos resultados semelhantes nos
outros campos de estudo, contabilidade e estatística.
No início de 2015, com o CORe já estabelecido no mercado, abrimos
as inscrições para nossos próprios alunos de MBA, o grupo que tínhamos
em mente no início do projeto. Cerca de 300 estudantes do programa de
MBA da Harvard se inscreveram no CORe em 2015, por volta de 1/3 do
corpo discente. O círculo se fechara. Agora o HBX e a educação online
exerciam um impacto direto sobre os programas ofertados no campus da
Harvard Business School.
Enquanto isso, demos prosseguimento aos investimentos e
experimentos, pensando no futuro. A segunda plataforma do HBX (HBX
Live) foi lançada em agosto de 2015. Tratava-se de uma sala de aula virtual
(inspirada em uma ideia de Youngme Moon) em que 60 telas de TV
substituíam os assentos físicos e os alunos participavam de discussões em
tempo real de qualquer lugar do mundo. Se, ao criar a plataforma online,
nos dispusemos a “esquecer” o método do caso utilizado em sala de aula, o
HBX Live se baseava expressamente em “emprestar” elementos dessa
abordagem e, ao mesmo tempo, eliminar as limitações geográficas.
Enquanto as formas tradicionais de interação digital haviam aperfeiçoado o
uso de estúdios de TV para a realização de transmissões ao vivo do tipo
“um para muitos” [um elemento de A pode estar vinculado a muitos
elementos de B, mas um membro de B está ligado a apenas um elemento de
A], o HBX Live criaria uma experiência do tipo “muitos para muitos”. Na
ocasião do lançamento, já tínhamos promovido cerca de 70 sessões de teste
com professores e diferentes grupos de alunos. Em seguida, transmitimos
reuniões virtuais com ex-alunos, um seminário de pesquisa ao vivo com
professores de 19 universidades e uma série-piloto chamada The Global
Philosopher, em parceria com a rádio BBC e Michael Sandel, também
professor da Harvard. Além disso, começamos a desenvolver programas
executivos integralmente virtuais. Também demos prosseguimento à criação
de experiências de aprendizagem envolventes na plataforma online: depois
de lançarmos o CORe e deixarmos a estratégia disruptiva para trás, outros
professores começaram a criar cursos para o HBX. Pensando em conteúdo e
formatos mais curtos, começamos a desenvolver uma plataforma para
dispositivos móveis.
Para onde estamos indo? Ainda não sabemos. Mas depois de criarmos
duas plataformas para oferta de experiências de aprendizagem comparáveis
às observadas nas salas de aula do campus, já podíamos esperar um futuro
diferente, onde haveria uma combinação entre experiências online e física e
a criação de uma autêntica educação em múltiplas plataformas.
30
EDUCAÇÃO: O QUE DESPONTA
NO HORIZONTE