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“O Eneagrama pode ser usado em diversos ramos do conhecimento...

A ideia é
combater com mais eficiência os vícios (da personalidade) correspondentes e
melhorar o desempenho emotivo e profissional”
 
Revista Isto É
 
“Com o Eneagrama, profissionais e gestores podem reconhecer habilidades e
desenvolver competências em si próprios e nos colaboradores”
 
Coluna “Recursos Humanos”, Caderno “Boa Chance”
do jornal O Globo
 
“Clareza mental e capacidade didática são qualidades raras no mundo atual.
Tive o privilégio de realmente aprender sobre o Eneagrama com o Khristian
Paterhan em workshops e cursos, utilizando seu conhecimento e orientação
firme para melhorar o trabalho em equipe e o relacionamento médico-paciente”
 
Dra. Emilia Serra
Diretora Médica do Instituto Alpha de Saúde Integral
 
“O Eneagrama é um instrumento poderoso de gestão empresarial e
autoconhecimento. Destaco o profundo conhecimento e habilidade do autor na
condução de treinamentos, palestras e coaching de executivos. Os resultados
são evidentes e rápidos. Tenho a certeza que este livro de agradável leitura será
para o leitor um instrumento de reflexão e melhor entendimento das pessoas de
sua convivência”
 
Dr. Linomar Barros Deroldo
CEO Autovias, Centrovias, Intervias, Vianorte
– Arteris S. A. SP – Brasil
 
“Sou testemunha das mudanças positivas que o Eneagrama transmitido por
Paterhan produz nas pessoas, agregando qualidade de vida e possibilitando que
os indivíduos se tornem mais produtivos e pró-ativos”
 
Dr. Georges Barrenne
Vice Presidente do Sistema FIRJAN – Federação
das Indústrias do Rio de Janeiro
Copyright © 1998, by Khristian Paterhan Condes
 
 
 
Todos os direitos desta edição reservados à Khristian Paterhan Condes
É proibida a duplicação ou reprodução desta obra, ou de partes da mesma, sob
quaisquer meios, sem autorização expressa de Khristian Paterhan Condes
 
 
 
 

Saiba mais sobre o Sistema Eneagrama 360°©,


o Teste TSE360°© e os Treinamentos corporativos
ministrados por Khristian Paterhan Condes
acessando www.escolaeneagrama.com.br
Khristian Paterhan Condes nasceu em 1955, em Viña del Mar, Chile e reside

no Brasil desde 1989 ano no qual iniciou a divulgação do Eneagrama tendo

publicado desde então três livros sobre a filosofia relacionada a este

extraordinário sistema de autoconhecimento e desenvolvimento humano. É

autor do Sistema Eneagrama 360°© e do Teste TSE360°© aplicados com

sucesso em treinamentos e ações de Assessment em empresas nacionais e

multinacionais. Qualificado e experiente, Paterhan é membro fundador e foi

presidente da IEA no Brasil e reconhecido como Enneagram Accredited Teacher

e Profissional Member da International Enneagram Association – IEA (USA).

Atualmente realiza aplicações do Eneagrama nas áreas de psicoterapia,

mentoring e coaching, além de ministrar periodicamente cursos, treinamentos e

palestras sobre esta instigante tipologia.


Agradecimentos
 
Agradeço a todos aqueles que colaboraram na construção
deste livro com seus depoimentos e vivências.
Eles são a base desta obra e sem essa participação
não valeria a pena tê-lo escrito.
Sumário

Capa

Folha de rosto

Créditos

Sobre o autor

Agradecimentos

Como ler, aplicar e tirar maior proveito deste livro

Introdução ao Eneagrama O legado de Georges Ivanovich


Gurdjieff

Parte I - Centro Físico ou Motor (Traços 8, 9 e 1)


O Traço 8 : O eu que confronta
O Traço 9 : O eu que espera
O Traço 1 : O eu que ordena

Parte II - Centro Emocional (Traços 2, 3 e 4)


O Traço 2 : O eu que ama
O Traço 3 : O eu que compete
O Traço 4 : O eu que idealiza

Parte III - Centro Intelectual (Traços 5, 6 e 7)


O Traço 5 : O eu que pensa
O Traço 6 : O eu que imagina
O Traço 7 : O eu que projeta

Palavras Finais - O Eneagrama positivo e a possível


evolução humana

Referências Bibliográficas
Como ler, aplicar e tirar
maior proveito deste livro

Antes de ensinar como utilizar melhor este livro devo


advertir que, para compreender realmente o Eneagrama,
não basta ler um ou vários livros sobre o assunto. É
fundamental participar de um ou vários workshops
vivenciais, compartilhar e trocar experiências com pessoas
que possuam o mesmo Traço Principal (Tipo), ouvir o que
pessoas com outros Tipos/Traços Principais dizem a respeito
de si mesmas.
Sem vivência é impossível sentir e compreender toda a
força e sabedoria que esta ferramenta possui.
Se você está lendo sobre o assunto pela primeira vez,
aconselho ler este livro da seguinte maneira:
 
1. Adquira o Teste Simplificado disponível no site da Escola
de Eneagrama clicando neste link:
http://escolaeneagrama.com.br/servicos/teste-basico-do-
eneagrama-by-khristian-paterhan/23//
 
O resultado do Teste permitirá que você tenha uma visão
inicial e básica do seu Tipo de Personalidade Eneagramático
Principal que será aquele com maior número de respostas
afirmativas. Quanto mais você for sincero(a) e honesto (a)
nas suas respostas, mais serão as probabilidades de
identificar rapidamente seu Traço ou Tipo de Personalidade
Principal. Lembre-se de que dessa atitude depende que o
Eneagrama se transforme em um “aliado” da sua evolução
e crescimento pessoal e profissional.
 
2. Leia neste livro as descrições, depoimentos e orientações
relacionadas ao Tipo de Personalidade Eneagramático
identificado. Caso tenha dúvidas entre dois Tipos, leia as
descrições de ambos.
 
É muito provável que após a leitura desses Tipos
escolhidos, você terá mais certeza sobre qual é o seu Traço
ou Tipo Principal. Reflita sobre seu Tipo e decida o que, em
seu caso, você deveria começar a trabalhar e observar para
aprimorar sua personalidade.
Os Tipos de Personalidade Eneagramáticos estão
agrupados de acordo com o Centro ao qual pertencem, ou
seja: os Tipos 8, 9 e 1 (Grupo de Seres Humanos cuja vida
psíquica está relacionada com o Centro do Movimento ou
Centro Físico); os Tipos 2, 3 e 4 (Grupo de Seres Humanos
cuja vida psíquica esta relacionada com o Centro Emocional)
e os Tipos 5, 6 e 7 (Grupo de Seres Humanos cuja vida
psíquica está relacionada com o Centro Intelectual).
 
3. Leia os Tipos que acompanham seu Tipo Principal-
chamados de “asas”, “braços” ou “companheiros
eneagramáticos”. Por exemplo, se você é um Tipo 3, leia
as características dos Tipos 2 e 4 e veja como elas o
influenciam. Se você é um Tipo 5, leia os Tipos 4 e 6 e
assim por diante.
 
4. Leia as características dos Tipos relacionados com seus
movimentos imediatos no Eneagrama. Por exemplo, se
você é Tipo 5, o “movimento a favor da seta” é para Ponto
7 e o movimento contra a seta é para Ponto 8 do
Eneagrama. Leia e reflita nestes Tipos Eneagramáticos e
tente observar como se dá em você a influência deles,
tanto positiva como negativamente.
 
5. Estude todos os Tipos. Lembre-se que no seu mundo
interior estão todos os Nove “eus” eneagramáticos e que
você deve conhecer cada um deles profundamente para
torna-lhos seus aliados. Verifique que aspectos negativos
dos outros Tipos se dão em você e quais aspectos
positivos você deveria imitar e /ou fortalecer.
 
6. Inicie a Observação e Lembrança de si mesmo.
 
Lembre-se de que você não é a máscara (personalidade) e
que pode aprimorar-se, aperfeiçoar-se e ser cada dia melhor
como ser humano.
 
7. Comece a pôr em prática o Eneagrama. Participe de
nossos treinamentos, seminários e workshops vivenciais
sobre este assunto. Pouco a pouco, com a prática você
poderá identificar os Tipos Eneagramáticos de seus
clientes, colegas de trabalho, amigos e parentes. Sua
capacidade de comunicação interpessoal vai melhorar
porque você será capaz de compreender como os “outros”
interpretam a realidade. Aprenda a tratar cada Tipo
segundo suas características tipológicas, despertando e
estimulando o melhor de cada um e de cada situação.
 
8. Aprenda em nossos workshops e treinamentos como
aplicar o Eneagrama nos seus negócios e/ou
relacionamentos profissionais, praticando o melhor modo
de se relacionar e negociar com cada tipo, analisando
quais os aspectos positivos e negativos de cada um e
gerando uma comunicação mais produtiva. Lembre-se de
que cada Tipo Eneagramático observa o mundo de um
ângulo diferente. Aprenda a perceber quais as motivações
de cada Tipo. Argumente de acordo com essas motivações
e melhore seus relacionamentos pessoais, profissionais e
comerciais.
 
 
Se você é empresário e deseja fazer um treinamento
específico com os seus colaboradores, leia o Portfólio e
depoimentos de clientes disponível no site:
www.escolaeneagrama.com.br/view/home/
 
FAÇA UM UPGRADE E CONHEÇA O SISTEMA ENEAGRAMA
360º®
 
Se você quiser, poderá ainda contratar o teste Completo
de Eneagrama-TSE 360º® cujo resultado lhe permitirá
conhecer sua personalidade como um todo, considerando
cada um dos seus 9 Traços e sub-modalidades. Ao fazer o
teste Completo de Eneagrama-TSE 360º® você poderá
combinar sessões online de análises com Khristian Paterhan
via Skype.
 
Mais informações em:
http://www.escolaeneagrama.com.br/servicos/sess-o-de-
orienta-o-com-khristian-paterhan/24/
Introdução ao Eneagrama
O legado de Georges Ivanovich Gurdjieff
(o homem que trouxe o Eneagrama para o Ocidente)

Esta introdução foi escrita para aqueles que desejam


aprofundar nas origens filosóficas do Eneagrama. Caso você
deseje, leia após ter feito o Teste Simplificado e/ou
terminado a leitura do seu Tipo de Personalidade.
Hoje em dia podemos afirmar que Georges Ivanovich
Gurdjieff (1872-1949), criador do sistema de
desenvolvimento humano conhecido internacionalmente
como Quarto Caminho, foi um dos mais notáveis
transpessoalistas modernos. Sua obra que, como alguém
acertadamente escreveu, somente por ignorância é
colocada nas prateleiras das chamadas “obras esotéricas”
(as quais ele sempre desprezou, advertindo sobre seus
perigos e extravagâncias), se mostra, a cada ano que passa,
mais atual e exata. Os livros que ele escreveu guardam,
para quem os estuda, reflete e pratica, preciosos tesouros,
frutos de uma das sínteses mais valiosas do conhecimento
psicofilosófico do Oriente e do Ocidente. Não vou fazer aqui
um resumo da sua biografia, nem escrever sobre o que já
está escrito em centenas de livros e comentários, alguns
dos quais traduzidos para o português e que cito na
bibliografia.
O legado de G. I. Gurdjieff é hoje um dos mais importantes,
especialmente neste momento em que a humanidade
precisa dar um “salto quântico” no seu desenvolvimento
como espécie.
Foi ele quem trouxe ao conhecimento do Ocidente, há
mais de 80 anos, a existência do Eneagrama, milenar
símbolo-síntese criado por sábios de uma época esquecida
na qual as ciências exatas e a “psicologia da possível
evolução humana”, como a chamava Piotr Demianovich
Ouspensky, um de seus mais notáveis discípulos, estavam
ligadas.
Quem deseje conhecer e praticar a filosofia de vida
ensinada por Gurdjieff e contida no Eneagrama, pode
estabelecer contato com a Escola de Eneagrama
“Khristian Paterhan C.” , e/ou pesquisar sobre outros
grupos de trabalho de Quarto Caminho no Brasil e no
mundo.
Gurdjieff foi um profundo conhecedor das psicofilosofias e
tradições antigas, e teve acesso, por meio de uma
misteriosa ordem secreta chamada Sarmung, aos
“fragmentos de um ensinamento desconhecido” (P. D.
Ouspensky), cujas origens se perdem na noite dos tempos e
se ligam com a extraordinária cultura sumério-babilônica,
hoje reconhecida pelos historiadores como uma das mais
avançadas da Antiguidade em termos culturais e científicos.
Atualmente seus ensinamentos deveriam ser tratados com
“espírito científico”, já que estamos em condições culturais
de completar e compreender – para benefício da nossa
espécie e graças aos níveis que temos atingido nos campos
das ciências humanas e exatas – esse “quebra-cabeça” do
conhecimento humano, do qual ele nos deixou tantos e
valiosos “fragmentos”.
Com efeito, Gurdjieff afirmava que existiu, num remoto
passado, um “Grande Conhecimento”, do qual faziam parte
todas as ciências, artes e filosofias e de cuja existência
pouco ficou registrado na história escrita da humanidade. O
Eneagrama, segundo ele, fazia parte desse “Grande
Conhecimento” que unificava todas as coisas.
Com o intuito de promover maiores níveis de consciência
entre os seres humanos e tendo como objetivo incentivar “a
unidade de todas as coisas”, Gurdjieff fundou na França, em
1922, o Instituto para o Desenvolvimento Harmonioso do
Ser Humano, mediante o qual atualizou parte desses
antigos ensinamentos.
Sua obra atraiu importantes personagens de todas as
áreas do conhecimento humano, muitos dos quais
inspirados pelos ensinamentos que revelou de uma forma
incomum, os incorporaram às suas áreas de atuação
profissional com excelentes e notáveis resultados.
Seu trabalho foi pioneiro no sentido de demonstrar
objetivamente que existem níveis de consciência passíveis
de serem desenvolvidos mediante práticas exatas. Muitos
anos antes que se falasse sobre temas como “ecologia”,
“psicossomática”, “relatividade”, “inteligência emocional”,
“holismo”, “psicologia transpessoal” e outros assuntos que
hoje se abordam cada vez com mais facilidade e
objetividade, graças aos avanços das ciências, Gurdjieff já
os tratava com uma profundidade que se mostra cada vez
mais exata e completa.
Tive o privilégio de conhecer sua proposta e o Eneagrama
na década de 80, no meu país, Chile, por meio de pessoas
muito especiais que desejam permanecer no anonimato.
Desde então, nunca parei de pesquisar, trabalhar e
difundir o legado deste homem notável e faço isso como ele
ensinou, para pagar parte da minha “divida com a
existência”.
Foi justamente com o objetivo de divulgar e dar um
enfoque mais abrangente das ideias de Gurdjieff e da sua
relação com outras linhas filosóficas do Oriente Antigo,[1]
que fundei em 1986 o Instituto para el Desarrollo Humano
Integral, IDHI®, no Chile. Seis anos depois (1992) refundei-o
aqui no Brasil, com o apoio de amigos muito especiais,
alunos e discípulos. As atividades do IDHI® foram
encerradas no ano 2005, para dar inicio a uma nova fase de
trabalhos a través da atual Escola de Eneagrama
“Khristian Paterhan” www.escolaeneagrama.com.br e da
minha empresa a “Upgrade Nine-Consultoria e
Treinamento de Pessoal Ltda.” , “instrumentos” através
dos quais possibilito o trabalho de desenvolvimento
humano, tanto pessoal quanto profissional, de todos
aqueles que almejam o autoconhecimento e a realização
integral como seres humanos.
Devo advertir que o Eneagrama não está atrelado a
qualquer “tradição mística” nem é “propriedade” de
qualquer escola ou instituição conhecida na atualidade. Sua
natureza em termos de exatidão e objetividade é única, e já
se tem realizado estudos, teses e pesquisas empíricas,
algumas das quais disponíveis na internet.
Nas últimas décadas, o trabalho de Gurdjieff sofreu
ataques de setores interessados em provocar o
“esquecimento” da sua obra, assim como em diminuir sua
importância especialmente no que se refere aos seus
conhecimentos sobre o Eneagrama. Não me parece
estranho que se tenha combatido tanto o “sistema” de
Gurdjieff nem que se tenham feito tantos esforços para
desacreditá-lo, porque estas são as maneiras mais comuns
de se tratar os grandes mestres e gênios.
Esses mesmos setores não podem evitar que os
ensinamentos de Gurdjieff se tornem cada vez mais
conhecidos e aplicados em diversos campos da atividade
humana e no mundo todo. Um desses setores tentou – e
ainda tenta – provar que Gurdjieff não teria ensinado as
aplicações psicológicas do Eneagrama. Porém, uma análise
fria e serena da sua obra pode demonstrar que ele não
somente conhecia suas aplicações psicológicas
profundamente, como também as utilizava para explicar
outros fenômenos universais com total mestria, como o
demonstra nos seu livro Relatos de Belzebu a seu neto ,
obra já traduzida para o português. Demonstrarei isto nesta
introdução ao tema.
É importante advertir também que ninguém pode se
atribuir a “invenção” do Eneagrama como ferramenta de
desenvolvimento humano. Do mesmo modo que dizemos
que Pitágoras “criou” “seu” famoso teorema e ficamos
muito tranquilos sem perceber que estamos demonstrando
uma tremenda ignorância, já que ele não criou esse
teorema, apenas o “herdou” de pessoas que sabiam e o
tinham conservado (dados sobre esse teorema existem na
China muito antes de Pitágoras existir), assim também
acontece com o Eneagrama cujos verdadeiros criadores são
desconhecidos, calculando-se que exista, segundo o
pesquisador J. G. Bennet,[2] há uns 4. 500 anos ou mais.
Pela mesma razão, é importante cuidar para que este
“patrimônio” científico-cultural da humanidade não seja
“propriedade intelectual” de ninguém e sim um meio de
desenvolvimento e unificação das ciências, artes e
filosofias.
 
 
Sobre a importante contribuição e atualização do
Eneagrama,
realizadas por Oscar Ichazo e Claudio Naranjo
 
Não posso deixar de mencionar aqui a importância da
atualização e sistematização do Eneagrama feita pelo sábio
boliviano, Dr. Oscar Ichazo, e, especialmente as realizadas
pelo internacionalmente prestigiado psiquiatra e escritor
chileno, Dr. Claudio Naranjo, cuja contribuição e descrições
dos Nove Eneatipos foi fundamental para que eu pudesse
reconhecer os mesmos nos textos de Gurdjieff.
No Congresso de Eneagrama realizado em 2010 em
Fortaleza e organizado pela International Enneagram
Association - IEA do Brasil, no qual Naranjo recebeu uma
merecida homenagem e reconhecimento público pela sua
contribuição e obra com relação ao Eneagrama, tive a
oportunidade de conversar com ele sobre minha defesa e
argumentos de que Gurdjieff conhecia sim a “tipologia
eneagramática”, fato que demonstrarei na continuação
desta introdução. Aceitando meus argumentos, Claudio me
disse: “Porém, você não haveria descoberto isso sem a
ajuda das minhas definições (dos Nove Tipos)” .
É isto é verdade! Foi a partir do seu notável trabalho e das
descobertas de Ichazo, no inicio dos anos 70, no meu país,
Chile, que muitos outros pesquisadores e estudiosos do
comportamento humano, eu incluído, iniciaríamos
importantes e valiosos estudos sobre o tema Eneagrama,
um tema que está longe de ser esgotado quando se
compreende que este símbolo milenar supera os limites de
uma simples tipologia psicológica. Alguns desses estudos,
trabalhos e obras já estão traduzidos para o português e são
citados na bibliografia complementar.
 
 
Algo sobre o valor objetivo de certos símbolos e as
origens
do Eneagrama, segundo G. I. Gurdjieff
 
Gostaria, antes de começar, transcrever aqui algumas
palavras de P. D. Ouspensky com as quais me identifico
plenamente e que foram ditas por ele no início de uma série
de palestras sobre o sistema do Quarto Caminho, as quais
ficaram reunidas num volume que leva o mesmo título.
 
Ele declarou:
 
“Antes de começar a explicar-lhes de um modo geral sobre
o que trata este sistema, e de falar sobre nossos métodos,
quero gravar particularmente nas suas mentes que as ideias
e princípios mais importantes do sistema não me
pertencem. Isto é o que os faz valiosos, porque, se me
pertencessem, seriam como todas as outras teorias
inventadas pelas mentes correntes: somente dariam uma
visão subjetiva das coisas.”
 
Espero que o leitor, a partir de agora, lembre
constantemente este importante esclarecimento.
No Capítulo XIV do livro Fragmentos de um ensinamento
desconhecido , Ouspensky nos revela, baseado em sua
notável memória e em notas tomadas durante encontros
com Gurdjieff, as milenares origens do Eneagrama. Vou
tentar sintetizar ao máximo o texto, citando apenas o
necessário para o objetivo desta obra.
Primeiramente, Ouspensky nos lembra que Gurdjieff
costumava falar de uma antiga “Ciência Objetiva” que não
se baseava nos dados e experiências produtos de “estados
subjetivos de consciência” e que teria existido na terra
há milhares de anos, fruto da experiência de seres
altamente evoluídos.[3] Esta “Ciência Objetiva” teria como
uma de suas idéias centrais “a unidade de todas as coisas,
a unidade na diversidade”. Os sábios que compreenderam a
importância e profundidade destas ideias perceberam que a
transmissão e conservação das descobertas feitas graças a
esta “Ciência Objetiva” implicavam um grande esforço de
síntese para conseguir preservá-las e transmiti-las às
gerações futuras. Pensaram, então, num meio exato para
atingir este importante objetivo. Descobrir esse meio deu,
com certeza, muito trabalho a estes sábios, porque na
“ciência objetiva, inclusive a ideia de unidade, só
pertence à consciência objetiva” , nível no qual a
realidade é observada tal qual ela é e que, obviamente, não
é um estado habitual entre nós.
Com efeito, Gurdjieff ensinava que esta nossa
incapacidade de observar a realidade tal qual ela é se devia
ao fato de que grande parte da nossa existência, ou quase
toda ela, vivemos num estado de “sono e sonho” ou “estado
de consciência subjetiva” no qual é impossível “observar” e
muito menos “sentir” a realidade tal qual ela é. Por esta
razão, é extremamente difícil perceber essa “unidade de
todas as coisas”, quando se está habituado a acreditar num
“mundo fragmentado” e dividido em “milhões de
fenômenos separados e sem ligação”, ainda que
intelectualmente até “entendamos” que “algo” unifica tudo.
Sabemos que, com efeito, o fato de não compreendermos
esta unidade intrínseca de todas as coisas, é uma das
principais causas da perigosa situação que temos provocado
no equilíbrio ecológico do planeta, a razão dos ódios raciais,
das injustiças sociais, dos conflitos e separatismos religiosos
e políticos e de tantos outros nefastos efeitos produtos do
que Buda chamou, “sentimento de separatividade” que
afeta a psique humana.
Cientes destas nossas limitações, estes sábios decidiram
que o único meio de transmitir seus conhecimentos
objetivos era utilizando, entre outros recursos, símbolos
especiais, os quais conteriam, graças a uma síntese
matemático-psicológica exata, os principais dados dessa
“Ciência Objetiva”. Ou seja, eles poderiam ser resgatados
no futuro por aqueles que trabalhassem profunda e
seriamente para conhecerem a si mesmos além das suas
subjetivas e limitadas personalidades. Esta previsão foi
acertada e, por esta razão, novamente o Eneagrama foi
atualizado conservando sua extraordinária exatidão
matemática, cuja origem exata continua sendo ainda um
mistério.
Os símbolos aos quais se referia Gurdjieff, “continham os
diagramas das leis fundamentais do universo e transmitiam
não só a própria ciência, mas mostravam igualmente o
caminho para chegar a ela. O estudo dos símbolos, da sua
estrutura e significação, era parte muito importante dessa
necessária preparação sem a qual não é possível receber a
ciência objetiva, e era uma prova do porque uma
compreensão literal ou formal dos símbolos se opõe à
aquisição de qualquer conhecimento ulterior.
Os símbolos eram divididos em fundamentais e
secundários; os primeiros compreendiam os princípios dos
diferentes ramos da ciência; os segundos exprimiam a
natureza essencial dos fenômenos em sua relação com a
unidade.”
Entre as leis fundamentais sintetizadas nesses símbolos
que “exprimiam a natureza essencial dos fenômenos em
sua relação com a unidade”, duas são de fundamental
importância para compreender os ensinamentos de
Gurdjieff: a “Lei de Três” e a “Lei de Sete”, conhecida
também como “Lei de Oitava” por sua relação com a
escala musical e sua sequência dó ,  ré ,  mí ,  fá ,  sol ,  lá
,  si ,  dó  que guarda dentro de si as relações matemáticas,
associadas ao som correspondente a cada nota musical.
“As leis fundamentais das tríades e das oitavas penetram
todas as coisas e devem ser estudadas simultaneamente no
homem e no universo” , ensina Gurdjieff.
Porém, devido ao fato de existir num nível de consciência
subjetiva, o homem precisa primeiro iniciar o estudo dessas
duas leis em si mesmo, para depois compreender suas
manifestações universais:
 
“Mas o homem é, para si mesmo, um objeto de estudo e
de ciência mais próximo e mais acessível que o mundo dos
fenômenos que lhe são exteriores. Por conseguinte,
esforçando-se por atingir o conhecimento do universo, o
homem deverá começar por estudar em si mesmo as leis
fundamentais do universo.”
 
Por outro lado, o conhecimento dos símbolos e das leis
fundamentais que eles guardam não pode ser apenas
“teórico”, já que, nesse nível, os símbolos ainda estão
sujeitos a interpretações errôneas devido à nossa forte
subjetividade e ao nosso ainda baixo nível de consciência.
Daí que, para compreendê-los profundamente, deve-se
atingir um nível no qual as considerações subjetivas que
provocam discussões e contradições sejam superadas
completamente, o que exige um profundo conhecimento de
si mesmo, único modo de compreender as leis
fundamentais do universo, ou seja: “(...) a verdadeira
compreensão dos símbolos não pode prestar-se a
discussões”.
Para quem pretende atingir esse nível de compreensão,
Gurdjieff adverte:
 
“(...) se alguém imagina poder seguir o caminho do
conhecimento de si, guiado por uma ciência exata de todos
os detalhes, ou se espera adquirir tal ciência antes de se ter
dado o trabalho de assimilar as diretrizes que recebeu, no
que concerne a seu próprio trabalho, engana-se; deve
compreender, antes de tudo, que nunca chegará à ciência
(objetiva) antes de ter feito os esforços necessários e que
somente seu trabalho sobre si mesmo permitirá atingir o
que busca. Ninguém lhe poderá dar o que ele ainda não
possui; nunca ninguém poderá fazer por ele o trabalho que
ele deveria fazer por si mesmo. Tudo o que outro pode fazer
por ele é estimulá-lo a trabalhar e, desse ponto de vista, o
símbolo compreendido como deve ser, desempenha o papel
de um estimulante em relação à nossa ciência (objetiva)”.
 
A advertência de Gurdjieff mostra-se claramente
necessária, já que, nos nossos dias e apesar de todos os
nossos avanços e conhecimentos “teóricos”, ainda não
compreendemos a importância de “leis básicas” como a de
“causa e efeito”, por exemplo, pois, se as
compreendêssemos, primeiro em relação a nós mesmos e,
em seguida, em relação à natureza da qual somos parte,
concluiríamos, sem ter que discutir e sem “subjetividades”
de nenhuma espécie, que uma série de erros simplesmente
não poderia ser cometida sob nenhum aspecto, se as
aplicássemos “objetivamente”. Porém, a maioria não tem
consciência de que muitos “efeitos” indesejáveis e
negativos só existem porque não somos conscientes dos
nossos atos, ou seja, não “compreendemos” o que essa lei
de “causa e efeito” implica, ainda que sejamos capazes de
“decorá-la” quando passamos pelo colégio. Também vemos
que essa falta de “compreensão” acontece inclusive em
relação a signos simples, que são meios de expressar certos
dados menos profundos que os contidos nos símbolos,
porém, não menos importantes na prática. Assim, por
exemplo, um sujeito pode “aprender”, por meio do
Regulamento do Trânsito, que um cartaz ou painel de fundo
amarelo com a figura em cor preta de uma criança que
carrega livros significa: “atenção-diminua-a-velocidade-do-
seu-carro-porque-você-está-passando-por-um-local-próximo-
a-uma-escola-e-crianças-menos-responsáveis-que-você-que-
é-adulto-estão-por-perto, etc., etc.” Porém, o fato de este
sujeito “aprender” a “interpretar” esse “sinal de trânsito”,
internacionalmente aceito, não implica necessariamente
que compreendeu a necessidade de obedecê-lo, e pode vir
a atropelar uma ou várias crianças que, “acidentalmente”,
estejam perto da dita escola no dia em que ele não respeite
esse “signo”. O “estímulo” para a compreensão foi dado,
porém não foi “vivenciado” pelo sujeito que o recebeu.
Voltemos ao assunto dos símbolos e das chamadas “leis
fundamentais”. Gurdjieff afirma, em outra parte do Capítulo
XIV da citada obra de Ouspensky, que: “a lei de oitava
conecta todos os processos do universo e, para aquele que
conhece as oitavas de transição e as leis de sua estrutura
(ou seja, a Lei de Três e a Lei de Sete), surge a possibilidade
de um conhecimento exato de cada coisa ou de cada
fenômeno em sua natureza essencial, bem como de todas
as suas relações com as outras coisas e com os outros
fenômenos”.
Então nos revela que, “para unir, para integrar todos os
conhecimentos relativos à lei da estrutura da oitava, existe
um símbolo que toma a forma de um círculo cuja
circunferência se divide em nove partes iguais, mediante
pontos ligados entre si, numa certa ordem, por nove linhas”.
Ou seja, o Eneagrama.
Os sábios que deram origem a este símbolo-síntese não
pertenciam, ensina Gurdjieff, a nenhuma das linhas de
conhecimento “tradicional” conhecidas na atualidade: nem
hebraica, nem egípcia, nem iraniana, nem hindu, nem
qualquer outra conhecida. A despeito de respeitáveis
tradições desejarem ser os “pais da criança”, como se diz
aqui no Brasil, este símbolo “não poderia ser encontrado em
nenhum de seus livros”, e, embora se atribua o Eneagrama
aos respeitáveis místicos sufis e suas tradições orais, por
exemplo, Gurdjieff sustenta que este símbolo “não é objeto
de uma tradição oral”.
Quando discute as origens do Eneagrama Gurdjieff ensina:
 
“O ensinamento, cuja teoria expomos aqui, é
completamente autônomo , independente de todos os
outros caminhos e, até hoje [ou seja, até a data em que
Gurdjieff o revelou aos seus discípulos], tinha permanecido
inteiramente desconhecido. Como outros ensinamentos,
utiliza o método simbólico e um de seus símbolos principais
é a figura que mencionamos, isto é, o círculo dividido em
nove partes.”
 
Observe que Gurdjieff está se referindo a um sistema de
conhecimento a que ele teve acesso e no qual o Eneagrama
é um, somente um, dos símbolos principais, o que significa
que nesse sistema existem, ou existiam, mais símbolos,
alguns dos quais Gurdjieff revelou indiretamente por meio
das suas exatas “Danças Conscientes”, que você pode
apreciar no filme baseado em sua obra autobiográfica
“Encontros com homens notáveis” dirigido por Peter Brook .
A descrição que Gurdjieff faz do Eneagrama nesse mesmo
capítulo é a seguinte:
 
“Este símbolo toma a seguinte forma:
 
Figura 1
 
O Círculo está dividido em nove partes iguais. A figura
construída sobre seis desses pontos tem por eixo de
simetria o diâmetro que desce do ponto superior. Esse
ponto é o vértice de um triângulo equilátero construído
sobre aqueles pontos, dentre os nove, que estão situados
fora da primeira figura.”
 
Ampliando suas explicações matemáticas sobre este
símbolo, Gurdjieff diz:
 
“As leis da unidade refletem-se em todos os fenômenos. O
sistema decimal foi construído sobre as mesmas leis. Se
tomarmos uma unidade como uma nota que contém em si
mesma uma oitava inteira, devemos dividir essa unidade
em sete partes desiguais correspondentes às sete notas
dessa oitava. Mas, na representação gráfica, a desigualdade
de partes não é levada em consideração e, para a
construção do diagrama, toma-se primeiro um sétimo,
depois dois sétimos, depois três, quatro, cinco, seis e sete
sétimos. Se calcularmos as partes decimais, obteremos:
 
1/7 = 0,142857... 
2/7 = 0,285714... 
3/7 = 0,428571... 
4/7 = 0,571428...
5/7 = 0,714285... 
6/7 = 0,857142... 
7/7 = 0,999999... = 1
 
Você pode observar que, com exceção da última dízima
periódica, em todas as restantes “encontram-se presentes
os mesmos seis algarismos, que trocam de lugar segundo
uma sequência definida; de tal modo que, quando se
conhece o primeiro algarismo do período, torna-se possível
reconstruir o período inteiro”. Você também observou que
nesses períodos “os números 3, 6 e 9 não estão incluídos
(...) [porque eles] formam o triângulo separado – a
trindade livre do símbolo”.
Se você leitor prestou atenção à sequência definida
segundo a qual os algarismos trocam seus lugares, está em
condições de compreender o “movimento” que este símbolo
representa, e que se conhece como “movimento
eneagramático externo” e se expressa por “setas” que
indicam a direção desse “movimento” contínuo: 1 → 4 → 2 →
8 → 5 → 7 → 1 , e assim por diante:
 
Figura 2
 
Aqui o triângulo equilátero é considerado como uma
“unidade” e os 6 “pontos” (1, 4, 2, 8, 5 e 7) lembram a “Lei
de Sete” ou “Lei de Oitava” (6 + 1 = 7).
Os números 3, 6 e 9 ficam nos vértices do triângulo e seu
“movimento”, conhecido como “interno”, é: 9 - 6 - 3 - 9 - 6 -
3, etc. e são indicados com as “setas” correspondentes:
 
Figura 3

 
Estas indicações preliminares serão importantes quando
considerarmos os Tipos Eneagramáticos e seus movimentos
psicológicos contra e/ou a favor da seta de acordo com seu
“Traço ou Defeito Principal”.
Ouspensky deixou registrado também que “Gurdjieff voltou
ao Eneagrama em múltiplas ocasiões”.
Numa dessas ocasiões revelou que: “(...) é necessário
compreender que o Eneagrama é um símbolo universal.
Qualquer ciência tem seu lugar no Eneagrama e pode ser
interpretada graças a ele. E, sob este aspecto, é possível
dizer que um homem só conhece realmente, isto é, só
compreende aquilo que é capaz de situar no Eneagrama. O
que não é capaz de situar no Eneagrama, não compreende.
(....) Se um homem isolado no deserto traçasse o
Eneagrama na areia, nele poderia ler as leis eternas do
universo. E cada vez aprenderia alguma coisa nova, alguma
coisa que ignorava até então.”
E mais: “(...) O Eneagrama é o movimento perpétuo, é
esse perpetuum mobile que os homens buscaram desde a
mais remota antiguidade, sempre em vão. E não é difícil
compreender por que não podiam encontrá-lo. Buscavam
fora de si o que estava dentro deles (...) A compreensão
desse símbolo e a capacidade de utilizá-lo dão ao homem
um poder muito grande (...).”
Gurdjieff também diz: “(...) A ciência do Eneagrama foi
mantida secreta durante muito tempo e, se agora, de certo
modo, está sendo tornada acessível a todos, é apenas sob
uma forma incompleta e teórica, praticamente inutilizável
para quem não tenha sido instruído nessa ciência por um
homem que a possua. Para ser compreendido, o Eneagrama
deve ser pensado como em movimento, como se movendo.
Um Eneagrama fixo é um símbolo morto; o símbolo vivo
está em movimento.”
Um dos “movimentos” do Eneagrama tem relação com os
aspectos dinâmico-psicológicos que diferenciam os seres
humanos uns dos outros como já foi mostrado. É sobre esse
“movimento” que tratamos neste livro à luz dos
ensinamentos de Gurdjieff.
 
 
A aplicação psicológica do Eneagrama
nos ensinamentos de Gurdjieff
 
OS TRÊS CENTROS BÁSICOS: Como profundo conhecedor
do Eneagrama, G. I. Gurdjieff baseou todo o seu método de
desenvolvimento humano na aplicação deste símbolo
milenar e nas leis das quais ele é a síntese: a “Lei de Sete”
e a “Lei de Três”.
Baseado na “Lei de Três” presente no Eneagrama, ele
dividia o ser humano, para facilitar o estudo e a
compreensão de si mesmo, em três níveis ou “centros”
básicos: Centro Intelectual, Centro Emocional e Centro
Motor. Como lembra Ouspensky, “tentava inicialmente
ensinar-nos a distinguir essas funções, a encontrar
exemplos e assim por diante”.
No Eneagrama esses “centros” têm a seguinte localização:
 
Figura 4
 
Você pode observar como, para cada Centro, existe uma
manifestação eneagramática “tripla” e um correspondente
vértice do triângulo central. Os números associados ao
Centro Motor são: 8, 9 e 1; os associados ao Centro
Emocional são 2, 3 e 4; e, finalmente, os associados ao
Centro Intelectual são 5, 6 e 7.
A localização dos Centros como se vê no gráfico não é
aleatória. Obedece a uma ordem exata, revelada por
Gurdjieff a seus alunos e que foi preservada por Ouspensky
no Capítulo IX da obra citada. Não tratarei deste tema aqui
por sua complexidade e porque só costumo falar sobre ele
com quem já tem um certo tempo de prática com o
Eneagrama.
 
Figura 5
 
 
Relação dos Três Centros com nossa Bilateralidade
Cerebral
e os Três Cérebros
 
Antes de continuar, vou apresentar aqui uma nova visão
do Eneagrama, que chamo de “O Eneagrama Invertido”. Ao
contrário do que geralmente se divulga, descobri que no
Eneagrama devemos observar o ser humano ao contrário
(Figura 5): ou seja, no Centro Físico ou do Movimento
(Pontos 8,9,1), localizamos o sistema digestivo, o reprodutor
e pernas; no Centro Intelectual o lado esquerdo do corpo até
o umbigo, abarcando os órgãos desse lado do corpo e o
braço e mão esquerda (Pontos 6 e 7); e no Centro Emocional
o lado direito do corpo até o umbigo, os órgãos desse lado
do corpo e braço e mão direita (2,3). Por último, nos Pontos
4 e 5 devemos imaginar a cabeça, o cérebro, suas partes e
hemisférios cerebrais: no Ponto 5 o Hemisfério Cerebral
Esquerdo (HCI) e no Ponto 4 o Hemisfério Cerebral Direito
(HCD).
De acordo com o princípio de bilateralidade cerebral o
Hemisfério Cerebral Esquerdo rege o lado direito do ser
humano (Centro Emocional) e o Hemisfério Cerebral Direito
rege o lado esquerdo do ser humano (Centro Intelectual).
Daí a importância do desenvolvimento harmonioso dos três
Centros, já que, uma das questões mais descuidadas na
educação é a do desenvolvimento das faculdades do
Hemisfério Cerebral Direito, relacionado com o Centro
Emocional no Eneagrama, e, uma supervalorização do
desenvolvimento das faculdades relacionadas ao Hemisfério
Cerebral Esquerdo, ligado ao Centro Intelectual no
Eneagrama, e, um descuido quase total com o
desenvolvimento do Centro Físico ou do Movimento
relacionado, em parte, aos nossos instintos. Gurdjieff dava
extrema importância ao desenvolvimento equilibrado de
todos os Centros como única maneira de formar um ser
humano mais harmonioso, já que, segundo ele somos seres
TRICEREBRAIS ou de Três Cérebros. Estes são:
 
1. O Reptiliano : relacionado com o Centro Físico da AÇÃO e
ATIVIDADE e com os Pontos 8, 9 e 1 do Eneagrama
Invertido.
 
Este Centro está conectado principalmente com o
Cerebelo, camada do nosso cérebro que temos em comum
com os répteis e mamíferos e que é responsável por
nossas manifestações instintivas tais como a
sobrevivência (Ponto 9 do Eneagrama) , com a
reprodução, a luta e com nossa necessidade de poder e de
hierarquias (Ponto 8 do Eneagrama) e com hábitos,
condicionamentos e rotinas (Ponto1).
 
2. O Límbico : relacionado com o Centro Emocional e com
os nossos sentimentos e aos Pontos 2, 3 e 4 do
Eneagrama Invertido. Esta camada do cérebro presente
também nos mamíferos, inclui o Tálamo e Hipotálamo e se
relaciona ao controle do comportamento e do sistema
nervoso autônomo.
 
3. O Neocórtex : relacionado ao Centro Intelectual e aos
Pontos 5, 6, 7 do Eneagrama Invertido.  Esta camada do
cérebro que compartilhamos com os mamíferos superiores
é considerada subjetivamente a mais “evoluída” e esta
relacionada com nossa capacidade de raciocinar (Ponto 5
do Eneagrama Invertido), com a chamada “linguagem
simbólica” (Ponto 6 do Eneagrama Invertido) e com a
linguagem conceitual e verbal. Como possui neurônios
altamente especializados que possibilitam ao ser humano
a realização de múltiplas tarefas simultâneas (Ponto 7 do
Eneagrama), este terceiro cérebro é chamado de “centro
da inteligência” ou “cérebro inteligente”.
 
Todos possuímos estes Três Cérebros ou Centros, porém,
um deles é predominante em nossas vidas e atividades. Por
esta razão, a divisão básica do ser humano em Três Centros
é muito importante no estudo do Eneagrama.
Compreendendo-a, é possível apreender uma segunda
divisão de Gurdjieff, maior, mas pouco conhecida, cujo
profundo valor sequer se suspeita, tendo a maioria se
limitado a repetir o que Ouspensky escreveu a respeito.
Refiro-me aos Três Grupos de Seres Humanos Básicos e aos
Quatro Grupos de Seres Humanos que correspondem a
níveis superiores de evolução consciente. Note-se que
novamente estão presentes aqui as Leis de Três e de Sete.
Vejamos.
 
 
Os Três Grupos de Seres Humanos Básicos e os
Quatro Grupos
Superiores de Seres Humanos, segundo G. I. Gurdjieff
 
Gurdjieff ensinava que existem Três Grupos de Seres
Humanos Básicos , os dos “Homens número Um”;
“Homens número Dois” e “Homens número Três”, que não
devemos confundir com os números dos Tipos 1,2, 3
Eneagramáticos e seus Traços Principais.
Para ele os Grupos de Seres Humanos “Um, Dois e Três
constituem a humanidade mecânica; na qual os seres
humanos permanecem no nível em que nasceram” . Só
poderiam ascender a um nível superior de consciência
mediante um trabalho perseverante de autoconhecimento
que objetivasse a evolução individual, por meio das escolas
conectadas com o que Gurdjieff chamava “Círculo
Consciente da Humanidade”.
Os seres humanos do Grupo número Um correspondem
no “Eneagrama dos Traços Principais” aos Tipos 8, 9 e 1 e,
segundo Gurdjieff, teriam o “centro de gravidade de sua
vida psíquica no Centro Motor” . Seriam os homens “do
corpo físico, em quem as funções do instinto e do
movimento predominam sobre as do sentimento e do
pensar” . Estes aprendem por imitação, por memorização e
por repetição. (Reptiliano)
Os seres humanos do Grupo número Dois correspondem
no “Eneagrama dos Traços Principais” aos Tipos 2, 3 e 4 e,
segundo Gurdjieff, seriam aqueles nos quais o “centro de
gravidade de sua vida psíquica está no Centro Emocional, e,
[o ser humano] em quem as funções emocionais
predominam sobre as outras é [o ser humano] do
sentimento, [o ser humano] emocional”. Aprendem somente
o que lhes “agrada”, o que “gostam”. Quando sadios
procuram tudo o que lhes “agrada”; quando “doentios” são
atraídos para o que os “desagrada”. (Límbico)
Os seres humanos do Grupo número Três correspondem
no “Eneagrama dos Traços Principais” aos Tipos 5, 6 e 7 e,
segundo Gurdjieff, é o tipo de ser humano “cujo centro de
gravidade da sua vida psíquica está no Centro Intelectual,
noutros termos, é [o ser humano] em quem as funções
intelectuais predominam sobre as funções emocionais,
instintivas e motoras; é o [ser humano] racional, que tem
uma teoria para tudo o que faz, que parte sempre de
considerações mentais [...] O saber [dos seres humanos
Três] é um saber fundado num pensar subjetivamente
lógico, em palavras, numa compreensão literal [...]”.
(Neocortex)
Naturalmente, para cada aspecto predominante, existem
outros dois, só que com menor poder de influência e
desenvolvimento. Para “visualizar” esta divisão da
humanidade, fiz o seguinte gráfico:
 
Figura 6

 
Além destes Três Grupos de Seres Humanos Básicos,
Gurdjieff definia um grupo de Seres Humanos Intermediários
(ou seja, que estão iniciando um processo de evolução
consciente) e três Grupos de Seres Humanos Superiores,
produtos de uma evolução deliberada, consciente e gradual,
fruto de um conhecimento exato relacionado com o
desenvolvimento objetivo de novos níveis de consciência e
nos quais os Três Centros estão em equilíbrio, permitindo, a
partir do quinto nível evolutivo, a manifestação plena do
que ele chamava de “Centros Superiores”, que existem só
potencialmente nas primeiras três categorias “mecânicas”,
e com alguns sinais básicos de manifestação na quarta
categoria.
O ser humano do Grupo número Quatro Gurdjieff o definia
como aquele que, tendo nascido nos Grupos Psicológicos
Um, Dois ou Três, conhece um sistema de trabalho interno,
que lhe permite desenvolver nele “um centro de gravidade
permanente feito de suas ideias, de sua apreciação do
trabalho (interno) e de sua relação com a escola (na qual
aprende a realizar esse trabalho de autoconhecimento).
Além disso, seus centros psíquicos já começaram a se
equilibrar; nele, um centro não pode mais ter
preponderância sobre os outros, como é o caso das três
primeiras categorias”. Gurdjieff completa dizendo que este
tipo de ser humano, diferentemente dos que pertencem aos
três primeiros Grupos, “já começa a se conhecer, começa a
saber para onde vai”.
Sobre os seres humanos das categorias Cinco, Seis e Sete
(repito, não confundir com os Tipos 5, 6 e 7 do Eneagrama),
Gurdjieff se refere apenas ao tipo de saber que
desenvolvem com as seguintes palavras citadas por
Ouspensky:
“O saber do homem [do Grupo] número Cinco é um saber
total e indivisível [...]. Possui um Eu indivisível e todo o seu
conhecimento pertence a esse Eu. Não pode mais ter um
‘eu’ que saiba alguma coisa sem que outro ‘eu’ esteja
informado disso. O que ele sabe, sabe com a totalidade de
seu ser. Seu saber está mais próximo do saber objetivo
[lembra o que já revelamos sobre o conhecimento objetivo
anteriormente?] do que pode estar o do homem número
Quatro.O saber do homem [do Grupo] número Seis
representa a integralidade do saber acessível ao homem;
mais ainda pode ser perdido. O saber do homem [do Grupo]
número Sete é bem dele e não lhe pode mais ser tirado; é o
saber objetivo e totalmente prático (ou seja, vivencial, não
teórico) de Tudo.”
Em seguida e para reflexão dos conhecedores do Quarto
Caminho e interessados no autoconhecimento e na
evolução “espiritual” da humanidade, deixo um insight que
tive em relação a estes ensinamentos e que resumi no
seguinte “Eneagrama da evolução possível do homem” da
minha autoria, para cuja confecção apliquei o Princípio
Hermético de Correspondência, a Lei de Três e a Lei de Sete.
[4]
 
Figura 7
 
 
A importância do estudo prático e vivencial do
Eneagrama
para o autoconhecimento
 
É fácil observar no gráfico anterior (Figura 7) como são
importantes o estudo e o conhecimento de si mesmo por
meio do Eneagrama, já que, teoricamente, nos podem
conduzir a níveis de desenvolvimento muito elevados.
Iniciar um processo de autoconhecimento implica,
primeiramente, perceber e aceitar que vivemos sujeitos a
um nível de consciência subjetivo e “mecânico” e que
fazemos parte de um desses três grupos psicológicos
básicos de seres humanos ensinados por Gurdjieff. Em
segundo lugar devemos compreender que o único meio
para nos livrarmos dessa “mecanicidade” passa
necessariamente por um processo de aprimoramento que
não pode ser improvisado e que deverá incluir o
desenvolvimento harmonioso dos Três Centros (Físico,
Emocional e Intelectual). Enquanto não soubermos o que
implica tudo isso, não será possível compreender por que é
fundamental o Eneagrama para iniciar este processo
objetivamente.
Muitas pessoas iniciam seus primeiros esforços em busca
do autodomínio e do autoconhecimento estimuladas pela
expectativa dos sonhados benefícios espirituais, materiais e
individuais que isso lhes poderá proporcionar. Porém, as
diversas razões pelas quais uma pessoa deseja ter maior
domínio e conhecimento de si mesma podem claramente
ser diferenciadas e definidas quando sabemos a qual dos
grupos principais ela pertence como ser humano. É fácil
comprovar que existem motivações básicas bem diferentes.
Pessoas do Grupo Um (Centro Motor) talvez desejem obter
maior poder pessoal, maior controle das situações e dos
demais, maior domínio de si mesmas, objetivando
“resultados materiais”. Pessoas do Grupo Dois (Centro
Emocional) querem lidar e interagir melhor com as pessoas
em termos emocionais, querem aprender a controlar suas
emoções e as das outras pessoas, querem ampliar suas
possibilidades de servir aos outros com sucesso já que isto
as satisfaz e realiza. Por último, pessoas do Grupo Três
(Centro Intelectual) querem saber quais são as causas e as
leis que governam seus mundos internos, querem conhecer
as causas pelas quais os fenômenos acontecem, querem ter
os conhecimentos que lhes permitam compreender a vida e
a si mesmas, ou seja, talvez queiram apenas “saber”.
Naturalmente, em todas elas, algo das motivações que
influenciam com maior força os outros dois grupos aos quais
não pertencem, está presente, ainda que em menor grau. A
razão é que em todos os três Grupos é possível perceber um
desenvolvimento psicológico unilateral, pelo qual um dos
Centros se tornou mais “sensível” que os outros aos
“estímulos externos” e “interpreta” a realidade a partir de
“necessidades” e “motivações” diferentes.
O que dificulta o estudo prático de si mesmo é o fato de as
pessoas não se darem conta do que implica ser parte de
uma humanidade mecânica ou que vive num baixo nível de
consciência.
Em primeiro lugar, no nível de consciência habitual ou
subjetivo, o ser humano não é realmente “livre”. Gurdjieff
ensina que nesse nível o ser humano não faz, tudo
simplesmente lhe acontece. É muito difícil compreender e
aceitar esta afirmação porque todos achamos que
“fazemos” e que somos “livres”. Só que, falando em termos
estritos, nenhum ser humano nos três Grupos (Físico,
Emocional e/ou Mental) poderia considerar que suas
condutas, modos de agir e/ou reagir perante a existência
são “conscientemente” escolhidos ou mesmo originais, já
que todos os que integram esses grupos agem e reagem
pelas mesmas causas básicas. Esta é uma das verdades
mais provocantes que o Eneagrama nos permite
“descobrir”.
O único meio de que dispomos para nos livrarmos dessa
“mecanicidade” é conhecer como ela se manifesta em cada
um de nós, ou seja, quais são essas características
mecânicas e previsíveis que acompanham essa nossa
determinada e “mecânica” manifestação pessoal. É aqui
que o Eneagrama dos Traços ou Tipos Principais se torna
valioso, porque por meio dele conseguiremos saber:
 
1. Qual é o Grupo (Um, Dois ou Três) ao qual pertenço como
ser humano no nível “mecânico”.
 
2. Qual é o Traço ou Defeito Principal (são três para cada
grupo), no qual devo concentrar meus esforços de
observação, lembrança e autocontrole para superá-lo e
conseguir efetivamente o real conhecimento de mim
mesmo.
 
3. Qual o trabalho específico, relacionado com meu grupo e
Traço Principal, que me ajudará a aprimorar meu
autoconhecimento e autodomínio, e, a partir daí, ter a
possibilidade de passar para o 4º Tipo de seres humanos.
 
Vamos, então, conhecer o Eneagrama dos Traços ou Tipos
e suas três causas principais.
 
 
O Eneagrama dos Nove Traços (Tipos) principais
segundo Gurdjieff
 
Gurdjieff costumava usar uma linguagem muito exata para
transmitir seus conhecimentos, de tal maneira que seus
conceitos podem ser muito bem identificados e
diferenciados por alguém que estude e reflita sobre sua
obra com atenção. Isso me permitiu realizar a análise
eneagramática dos mesmos e definir explicitamente o
Eneagrama dos Traços Principais implícitos nas obras de
Gurdjieff e Ouspensky. Baseado nesta experiência e
comparando essas observações com os estudos e
descobertas eneagramáticos feitas por Ichazo e Naranjo,
segundo foram revelados, pesquisados e comentados nas
obras do próprio Naranjo, e de autores como Don Richard
Risso, Helen Palmer, David Daniels e outros pesquisadores
do tema, pude, ao longo do tempo, concluir que,
eneagramaticamente falando, os Três Problemas
Fundamentais e Nucleares que segundo Gurdjieff impedem
o autoconhecimento e a realização humana são:
 
1. O Esquecimento de Si Mesmo
2. A Consideração Interna
3. A Identificação
Destes três problemas principais, que podemos e devemos
associar aos Três Grupos Humanos Básicos, surgem os
seguintes Traços Principais:
 
Do Primeiro Grupo : associado ao Esquecimento de Si
Mesmo , questão nuclear que afeta os seres humanos Tipos
8, 9 e 1, cujo centro de gravidade psicológico está
localizado no Centro Motor ou do Movimento, surgem:
 
a) Os seres humanos que se caracterizam por um
constante estado de luta e defesa contra tudo o que
parece estar contra eles, revoltados, sempre acham
que alguma “injustiça” está sendo cometida contra
eles, ou seja, os Tipos 8.
 
b) Os seres humanos proteladores e esquecidos de si
mesmos que se caracterizam por sofrer do que
Gurdjieff chamava de a “doença do amanhã”, ou seja,
os Tipos 9.
 
c) Os seres humanos que se caracterizam por uma forte
inclinação a separar as coisas em “boas” e “más”,
“corretas” e “incorretas”, “certas” e “erradas”, ao que
Gurdjieff denominava a “Moral Externa” ou “moral
subjetiva”, ou seja, os Tipos 1.
 
Figura 8
 
Grupo Um dos seres humanos / Centro Motor ou do
Movimento / Tipos 8, 9 e 1.
 
Questão Nuclear: Esquecimento de Si Mesmo / Traços ou
Defeitos Principais:
 
A “revolta” (8) A “Doença do amanhã” (9) e a “Moral
Externa ou subjetiva” (1).
 
Do Segundo Grupo : Da Identificação, questão nuclear
que afeta os seres humanos Tipos 2, 3 e 4 e cujo centro de
gravidade psicológico está localizado no Centro Emocional,
surgem:
 
a) Os seres humanos que se caracterizam por acreditar
que não consideram os outros o suficiente, que não
dão o suficiente de si e que se tornam escravos dos
outros quando amam, ou seja, os Tipos 2. Identificados
com as emoções alheias.
 
b) Os seres humanos que se caracterizam por suas
“exigências”, ou seja, que exigem admiração, estima e
consideração constante dos outros para que se sintam
agradados e felizes, ou seja, os Tipos 3. Identificados
com a “imagem” necessária para obter a consideração
alheia.
 
c) Os seres humanos que sofrem “tolamente”, aqueles
para os quais o “sofrimento inconsciente” se tornou
uma escravidão, ou seja, os Tipos 4. Identificados com
seus próprios “sofrimentos”.
 
Figura 9

 
Grupo Dois dos seres humanos / Centro Emocional / Tipos 2,
3 e 4.
 
Questão Nuclear: Identificação / Traços ou Defeitos
Principais: “Amor escravo” (2).
 
A “Exigência” de atenção (3) e o “Sofrimento tolo” (4).
 
Do Terceiro Grupo : Da Consideração Interna, questão
nuclear que afeta os seres humanos Tipos 5, 6 e 7 e cujo
centro de gravidade psicológico está localizado no Centro
Intelectual, surgem:
 
a) Os seres humanos que só vivem “pelo mental”, que
aprendem sem compreender, ou seja, os Tipos 5.
 
b) Os seres humanos que estão sob o controle do “medo”
e/ ou que “deixam de ver e ouvir o que realmente
acontece”, ou seja, os Tipos 6.
 
c) Os seres humanos que têm a ilusão de serem “livres”,
que acham que possuem “vontade própria” para
“escolher, dirigir e organizar livremente suas vidas”,
que se acham “notáveis”, “originais”, ou seja, os Tipos
7.
 
Figura 10

 
Grupo Três dos seres humanos / Centro Intelectual / Tipos 5,
6 e 7.
 
Questão Nuclear: Consideração Interna / Traços ou Defeitos
Principais: “Viver no mental (5).
 
O “Medo” (6) e a “Falsa liberdade” (7).
 
 
Definições de Gurdjieff consideradas para o estudo
dos Traços (defeitos) Principais
 
Definição dos três problemas nucleares: Esquecimento de
Si Mesmo, Identificação e Consideração Interna e sua
relação com os Tipos Eneagramáticos:
Gurdjieff permanentemente chamava a atenção dos seus
alunos para os três problemas nucleares. Para ele, era
fundamental que todos conseguissem observá-los em si
mesmos, como um meio para alcançar a consciência de si.
Sendo “nucleares”, afetam todos os Tipos Eneagramáticos,
porém aquele relacionado com o grupo ao qual você
pertence, deve ser considerado com maior atenção.
Sendo meu interesse principal destacar a obra e os
ensinamentos deste mestre, cito as principais definições
que ele deixou destes três problemas nucleares:
 
 
SOBRE O ESQUECIMENTO DE SI MESMO:
 
Gurdjieff dizia: “... o homem se esquece de si mesmo sem
cessar. Sua impotência em lembrar-se de si é um dos traços
mais característicos de seu ser e a verdadeira causa de todo
o seu comportamento...”
Também podemos ler: “Vocês se esquecem sempre de si
mesmos, vocês nunca se lembram de si mesmos. Vocês não
sentem a si mesmos; vocês não são conscientes de si
mesmos. Em vocês, isso observa, ou então isso fala, isso
pensa, isso ri; vocês não sentem: sou eu quem observa, eu
observo, eu noto, eu vejo. Tudo se observa sozinho, se vê
sozinho... Para chegar a observar verdadeiramente, é
necessário, antes de tudo, lembrar-se de si mesmo.”
Embora sirva para todos, por se tratar de um ponto
nuclear que afeta todos os Tipos e se manifesta em todos os
Defeitos ou Traços Principais, esta recomendação se reveste
de especial importância para os Tipos 8, 9 e 1, os quais
deverão considerá-la especialmente. Por quê? Porque, por
exemplo, quando Tipos 8 se fixam demais na conquista do
externo, “esquecem” do valor de seus mundos internos;
quando Tipos 9 deixam de se importar com suas
necessidades e protelam aquelas ações que os beneficiam
pessoalmente, estão demonstrando o “esquecimento” de si
mesmos, e quando Tipos 1 se preocupam demais com as
“formalidades” e com a “ordem”, “esquecem” de considerar
as coisas sob outros ângulos e, também, “esquecem” que
existem várias maneiras de realizar os mesmos objetivos.
P. D. Ouspensky escreve a respeito o seguinte:
“Dizia que um fato de prodigiosa importância escapara à
psicologia ocidental, ou seja: que não nos lembramos de
nós mesmos, que vivemos, agimos e raciocinamos dentro
de um sono profundo, dentro de um sono que nada tem de
metafórico, mas é absolutamente real; e, no entanto, que
podemos nos lembrar de nós mesmos, se fizermos esforços
suficientes; que podemos despertar.”
A lembrança de si mesmo é a chave que nos permite
compreender que não somos nossas “máscaras”
(personalidades), que elas não são o ser real e que é
possível observar nosso “traço ou defeito principal”
compreendendo que podemos chegar a transmutá-lo em
seu oposto “virtuoso”.
 
 
SOBRE A IDENTIFICAÇÃO:
 
Gurdjieff dizia que “... uma das características
fundamentais da atitude do homem para consigo mesmo e
para com os que o rodeiam [é] sua constante identificação
com tudo o que prende sua atenção, seus pensamentos ou
seus desejos e sua imaginação. A Identificação é um traço
tão comum que, na tarefa da observação de si, é difícil
separá-la do resto. O homem está sempre em estado de
identificação; apenas muda o objeto de sua identificação”.
Assim como acontece com o Esquecimento de Si Mesmo, a
Identificação, como aspecto “nuclear” (Ponto 3 do
Eneagrama), afeta todos nós e, como diz Gurdjieff, quando
iniciamos a observação de nós mesmos, é difícil separá-la
do resto, porém ela afeta com maior força os Tipos 2, 3 e 4,
os quais deverão trabalhar sobre este aspecto com mais
atenção. Exemplos: a) a “Identificação” leva Tipos 2 a
ficarem “escravos” daquilo e/ou daqueles que amam
transformando-os em “seres para”, o que, num momento
determinado, pode angustiá-los; b) leva Tipos 3 a ficarem
“escravos” dos “bons desempenhos”, dos “triunfos”, da
“imagem de sucesso”, o que lhes provoca a perda do
“contato” com seus sentimentos e necessidades mais
profundos; finalmente, a “Identificação” com vivências
passadas ou com desejos ou esperanças futuras leva Tipos
4 a serem “escravos” das lembranças ou dos desejos e,
portanto, a não estarem emocionalmente felizes no
momento “presente”, nem perceber o que esse “presente”
tem de bom.
Gurdjieff sustenta que o único modo de superar a
identificação é aprendendo a desidentificar-se, já que
somente desta maneira se poderá conseguir a “lembrança
de si”: “... para aprender a não se identificar, o homem
deve, antes de tudo, não se identificar consigo mesmo, não
chamar a si mesmo de ‘eu’, sempre e em todas as coisas.
Deve lembrar-se de que existem dois nele, que há ele
mesmo, isto é, um ‘eu’ (o verdadeiro ser, o observador) e o
outro (a máscara, o falso eu), com quem deve lutar e a
quem deve vencer se quiser alcançar alguma coisa.
Enquanto um homem se identifica ou é suscetível de
identificar-se, é escravo de tudo o que lhe pode acontecer. A
liberdade significa antes de tudo: libertar-se da
identificação”.
 
 
SOBRE A CONSIDERAÇÃO INTERNA:
 
Considerar tem sua origem no latim considerare e,
segundo os dicionários, significa entre outras coisas:
atender a, atentar para; pensar em; meditar, ponderar,
examinar, imaginar, conceber, julgar, refletir em alguma
coisa. Todos estes sentidos “intelectuais” devem ser
relacionados na definição que Gurdjieff faz da “consideração
interna”, ou seja, um pensar, refletir, examinar, imaginar,
somente voltado ao sujeito que considera e relaciona tudo
apenas com suas “necessidades”. Não existe um pensar
“considerando o que está fora” do sujeito, ou seja,
considerando as pessoas, as situações, as necessidades, os
sentimentos e estados de ânimo dessas pessoas, desses
outros. A consideração interior é como um muro que nos
separa da realidade tal qual ela é. A consideração interna
não nos permite agir de acordo com as mudanças, as
nuances, apenas podemos enxergar nossas “ideias”, nossas
“opiniões”, nossos “medos”. Na consideração interior
também existe uma “projeção” ao exterior daquilo que eu
sinto, penso ou acho de uma situação dada. Na filosofia
Vedanta Advaita, se diz que um dos poderes de “Maia” é
fazer as coisas aparecerem como elas não são e se conta,
como exemplo, a história de um sujeito que vem
caminhando à noite por uma estrada escura. Está ventando
muito, então, de repente, ele vê uma serpente se movendo
alguns metros adiante e se arma com um pau para se
defender do provável ataque. Fica tenso, perde muita
energia pelo seu grande temor de ser mordido pela
serpente. Avança com cuidado. A serpente parece estar
muito agitada. Porém quando chega perto da serpente e
está totalmente esgotado de tanto temor, tremendo e
suando, percebe que ela não existe, que era um galho que,
movido pelo vento e devido à noite escura, parecia uma
serpente. Isto é a consideração interna: uma incapacidade
de ver, sentir e pensar nas coisas apenas tal qual elas são.
Gurdjieff ensina a respeito que:
“Temos duas vidas, uma interior e outra exterior; por
conseguinte, temos duas espécies de consideração. Nós
‘consideramos’ constantemente.” Então, ele dá um
exemplo: “Uma pessoa me olha. Interiormente, sinto
antipatia por ela (...) exteriormente sou cortês. Sou forçado
a ser cortês, pois preciso dela. Isso é consideração exterior.
Agora ela diz que sou um imbecil. Isso me enfurece. O fato
de estar enfurecido é um resultado, mas o que isso provoca
em mim é proveniente da consideração interior.”
A consideração interior, por ser um dos pontos nucleares
(Ponto 6), também é algo que devemos aprender a
controlar, porque afeta todos os Tipos Eneagramáticos.
Porém os Tipos 5, 6 e 7 deverão prestar maior atenção a
esta questão. Por exemplo, Tipos 5 tendem a se isolar
porque lhes é difícil “comunicar-se”, “interagir” e “inter-
relacionar-se” com os demais, por estarem sempre
“considerando internamente”, ou seja, pensando que
algumas pessoas são “muito superficiais”, que outras
“podem comprometê-lo”, outras podem ter “intenções
ocultas” e assim por diante, o que os leva a criar barreiras
entre eles e os outros. Os Tipos 6 “consideram
internamente” a partir de seus temores, de seus medos,
imaginam situações perigosas ou difíceis de resolver e
vivem essas suposições como se fossem reais. Já os Tipos 7
vivem “planejando” coisas no “plano mental”, às vezes
totalmente “fora da realidade”, o que os pode levar a
cometer certas irresponsabilidades que acabam afetando
outros. Tudo isto porque apenas “consideram internamente”
e não percebem que seus atos, que julgam “importantes”,
podem afetar negativamente os outros. Gurdjieff afirma que
esta “consideração interna” é produto de uma educação
que só se preocupa com o desenvolvimento do Centro
Intelectual. Ele diz que “não educamos nada além de nosso
intelecto” e que o caminho para a consideração externa é o
desenvolvimento correto do Centro Emocional, o qual
compara com um “cavalo” que só aprendeu duas palavras
“direita” e “esquerda”, ou seja, “simpático/odioso,
agradável/desagradável”, etc. Um de seus conselhos era:
“Devemos parar de reagir interiormente. Se alguém for
grosseiro conosco (por exemplo), não devemos reagir
internamente.” E acrescenta algo que, com certeza, Tipos 5,
6 e 7 apreciam demais: “Aquele que conseguir isso será
mais livre.” Porém nos adverte que “isso é muito difícil.”
Para Gurdjieff conseguir considerar tudo “externamente
sempre e internamente nunca” era tão importante que um
dos aforismos inscritos no toldo do Study House, no Prieuré
(França), dizia assim:
“O melhor meio de ser feliz nessa vida é poder
considerar externamente sempre – internamente
nunca.”
 
 
Para além dos Nove Traços ou Tipos Principais.
A questão dos “eus”. O Eneagrama e o nosso mundo
interno
 
Após transcrever os exatos “retratos” psicológicos que
Gurdjieff fazia dos tipos humanos, gostaria de compartilhar
com você uma outra questão. Muitos me perguntam: Por
que é que Gurdjieff não definiu um Eneagrama dos Traços
Principais explicitamente? Porque falava deles de um modo
geral, de maneira que todos tinham que observar em si
mesmos o modo pelo qual esses Traços/Tipos Principais se
manifestavam, tendo que hierarquizá-los com respeito ao
que, em cada caso particular, era o “principal”. Preferia, em
algumas ocasiões, ele mesmo mostrar (e às vezes de forma
bastante rude) qual era o Traço Principal de alguns de seus
discípulos para que eles aprimorassem a observação e
lembrança de si.
Gurdjieff gostava de “pisar nos calos favoritos das
pessoas”, ou seja, “provocar” a identificação do Traço/Tipo
Principal de uma maneira que as pessoas se sentissem
“chocadas” ao se aperceber de suas condutas mecânicas.
Como observa muito corretamente Claudio Naranjo “(...)
Gurdjieff explorou sua injunção ao insight e sua magistral
confrontação (enquanto que) Ichazo trabalhou com o
diagnóstico (...)”.
Logicamente, como Tipo 8 que Gurdjieff era, seu jeito
“agressivo” de confrontar as pessoas com seus Traços
(Tipos) Principais era para ele o mais adequado e, com
certeza, conseguia “despertar” a atenção de seus alunos
para a necessidade de enxergá-los sem “nenhuma
piedade”.
Penso também que quando ele ensina sobre os diversos
“eus” que podem atuar na vida psíquica de um sujeito, ele
se referia, de algum modo, ao fato de que todos temos, em
maior ou menor grau, algo de todos os “Traços” e suas
combinações, sendo que, um deles, é o mais “forte” e
característico. Seus ensinamentos sobre os diversos “eus”
presentes no mundo interno são um alerta para nossa falta
de “unidade” interior. Citado por Ouspensky, Gurdjieff diz a
respeito:
“O homem não tem ‘Eu’ individual. Em seu lugar há
centenas e milhares de pequenos ‘eus’ separados, que, na
maior parte das vezes, se ignoram, não mantêm nenhuma
relação entre si ou, ao contrário, são hostis uns aos outros,
exclusivos e incompatíveis. A cada minuto, a cada
momento, o homem diz ou pensa ‘Eu’. E a cada vez seu ‘eu’
é diferente [...] O homem é uma pluralidade. O seu nome é
legião”. [5]
Visto deste ângulo, o Traço ou Tipo Principal seria, entre
todos os “eus” que habitam nosso mundo interior, o “eu
falso” mais forte, aquele que comanda a “máscara”
/personne. Assim, por exemplo, um sujeito Tipo 8, que tem
como Traço Principal seu caráter agressivo/luxurioso, ou
melhor, que se excede em tudo o que faz, também teria os
outros 8 “eus” eneagramáticos e todos os “eus” resultantes
das “triplas” combinações. Isso significa que, no mesmo
sujeito agressivo, podemos achar todas as restantes
características eneagramáticas “negativas” e “positivas”.
Algumas serão relativamente fortes, outras se manifestarão
de maneira mais “fraca”, algumas fortalecerão o Traço
Principal, outras o tornarão mais equilibrado. Algumas serão
aliadas desse sujeito, outras agirão como “inimigos”
internos. O que quero dizer é que, analisando o modo como
Gurdjieff falava dos três problemas nucleares e o modo
como descrevia os aspectos negativos das pessoas em
relação aos seus diversos “eus”, cheguei à conclusão de
que para ele o mais importante é que a gente perceba que
todos os “traços negativos” estão presentes em nós sempre
e que não devemos considerar apenas o “principal” como o
alvo do nosso trabalho de observação e lembrança interior.
No meu entendimento, este é o ponto mais valioso da
técnica de Gurdjieff, porque nos lembra que o Eneagrama
também está completo e em movimento constante nos
nossos mundos internos; que o esquecimento de si mesmo
e os três traços decorrentes de sua manifestação afetam
todos nós; que a identificação está sempre presente em
nossos atos e relacionamentos, que vivemos considerando
internamente sempre e que todos os “traços” ligados a
estes “núcleos” expressam a perda de contato com o Ser,
com o “Eu real”, com aquilo que poderíamos chamar, de
acordo com as antigas tradições, o “observador silencioso”,
a “testemunha”, a única capaz de ser verdadeiramente
consciente porque é a consciência. Ao mesmo tempo,
considerando o assunto deste modo, cada um de nós tem
mais um elemento para a análise de si mesmo: quais os
aspectos que além do Traço Principal devemos conquistar
em nós mesmos, que Tipos Eneagramáticos podem servir
como exemplo do que devemos ou não fazer, o que é que
podemos aprender com esses “outros eus” que fazem parte
dos nossos mapas eneagramáticos? Por acaso temos um
“eu” que sofre “tolamente”?
Temos um “eu” que não sabe amar? Temos um “eu”
protelador? Um “eu” vaidoso? Um “eu” moralista? Um “eu”
medroso? Ao mesmo tempo, e sabendo que para cada Traço
ou Defeito Principal existe uma Virtude, um Poder em
potencial que podemos desenvolver e atualizar, devemos
concluir necessariamente que a conquista da Virtude por
trás dos nossos Traços Principais nos permitirá desenvolver
positivamente o potencial de todos os demais “eus” dos
nossos mapas eneagramáticos. Ainda mais, talvez,
atualmente alguns desses “eus” sejam já os nossos
“aliados” psicológicos e só devemos nos tornar conscientes
de suas “presenças”. A questão dos “eus” na psicofilosofia
de Gurdjieff é fundamental, já que, a grande conquista
interior passa necessariamente pelo controle, transmutação
(ou até a “morte” de alguns deles) e governo de todos os
pequenos “eus” por um único “Eu”, permanente, reflexivo e
consciente. Isto é o que torna “indivíduo” (sem divisões
interiores) aquele que conquista a “máscara” ou
personalidade. Enquanto o Traço Principal não for
conquistado, o comando da “personalidade” ficará a cargo
de um “falso eu” e de todos os que a ele estão atrelados. Só
o profundo conhecimento de si mesmo poderá devolver o
comando da personalidade ao “verdadeiro Eu”. Não vou me
estender mais aqui sobre este assunto, que trato com mais
profundidade na minha obra Iniciação e autoconhecimento .
Enfim, o modo gurdjieffiano de mostrar o Eneagrama dos
Traços Principais apontava, na minha opinião, na direção da
descoberta de todos os nossos “problemas internos”, de
todos os 9 “eus” e seus “subtipos”, com o objetivo de que o
conhecimento de si mesmo fosse “completo”, ou seja, que
nossos Eneagramas internos se tornassem conhecidos para
nós mesmos. Então, conhecer o Traço Principal é
importante, não apenas como uma classificação, não
apenas para repetir como “papagaio” “sou 4”, “sou 7” ou
“sou 3 com asa 2”, como ouço por aí de pessoas para as
quais o Eneagrama se tornou mais uma “armadilha” que só
aumenta seu grau de “sono”. Quando nos tornamos
conscientes de nosso Traço Principal e conscientes dos
demais “eus” que habitam nosso complexo e labiríntico
mundo interior, quando podemos ser conscientes dos “eus”
que, sem ser os principais, também influenciam no
“esquecimento de si mesmo”, na “identificação” e na
“consideração interna”, aí então é que o Eneagrama se
torna verdadeiramente valioso e supera os limites de uma
mera “tipologia psicológica”. Desta forma se torna também
uma ferramenta para que possamos lidar melhor com
nossas “realidades” pessoais e individuais. Torna-se útil
como instrumento de apoio no profissional e em nossos
necessários e cotidianos relacionamentos.
Graças à minha experiência no estudo e prática destes
conhecimentos, a cada dia, torna-se cada vez mais fácil
para mim perceber o Traço Prin-cipal nas pessoas e observo
o quanto isso é valioso para, usando a “consideração
externa”, compreendê-las melhor e obter delas o que
realmente quero. Pessoas que não conhecem o seu próprio
Traço Principal e que não o reconhecem em outras pessoas,
só conseguem resultados em seus rela-cionamentos e
trabalhos por mero “acidente”, ou porque com o tempo
ficam mais sensíveis às diferenças humanas devido às suas
experiências e vivências. Gurdjieff reconhece que ele
próprio se tornou com o tempo um especialista em
descobrir o Traço Principal nas pessoas com as quais se
relacionava, não somente com objetivos “espirituais” mas
também com objetivos muito “concretos”. Em sua última
obra, A vida é real somente quando “Eu Sou” cujo título já é
uma grande lição a ser compreendida, Gurdjieff revela como
isso se tornou para ele uma tarefa constante:
“(...) qualquer um que eu conhecesse, por negócios,
comércio ou qualquer outro motivo, fosse velho ou novo
conhecido, e qualquer que fosse sua posição social, eu teria
que descobrir imediatamente seu ‘calo mais sensível’ e
‘pressioná-lo’, preferivelmente com dureza.”
Este deve ser o seu “espírito” ao se preparar para
conhecer seu Traço Principal por meio desta obra, ou para,
já conhecendo seu Traço Principal, aprimorar sua
experiência por razões pessoais ou profissionais. Reconheça
seu Traço Principal com sinceridade e descubra o seu
próprio Eneagrama interior, no qual, todos os “traços” estão
presentes. Conhecendo dessa forma seu “microcosmo”,
você poderá conhecer todos os “microcosmos” que o
rodeiam e, finalmente, quando alcançar a total consciência
de si mesmo, o “macrocosmo” poderá ser conhecido tal
qual ele é, uma expressão maravilhosa dos milhares de
“rostos” daquilo que chamamos “DEUS”. Agora sim vamos
ver como Gurdjieff “retrata” cada um dos nove Traços ou
Defeitos Principais:
 
 
D EFINIÇÕES DOS N OVE T RAÇOS OU D EFEITOS P RINCIPAIS
SEGUNDO G URDJIEFF
 
Após analisar detidamente os Traços ou Defeitos Principais
definidos por Gurdjieff e confrontá-los com os que outros
pesquisadores do Eneagrama destacam, baseados nas
descobertas de Ichazo, consegui isolar todas as definições
com as quais ele os “retratava” tão magistralmente.
Novamente os livros Fragmentos de um ensinamento
desconhecido e Gurdjieff fala a seus alunos foram
fundamentais para realizar essa pesquisa. Vejamos por
Grupos.
 
 
T RAÇOS P RINCIPAIS DOS T IPOS 8, 9 E 1 (C ENTRO DO M
OVIMENTO
Q UESTÃO N UCLEAR :E SQUECIMENTO DE SIM ESMOS )
 
Tipos 8 : “Existem diversas espécies de consideração. Na
maior parte dos casos, o homem se identifica com o que os
outros pensam dele, com a maneira com a qual o tratam,
com sua atitude para com ele [...] pensa sempre que as
pessoas não o apreciam o suficiente [...] Tudo isso o
aborrece, o preocupa, o torna desconfiado; desperdiça em
conjecturas ou em suposições enorme quantidade de
energia; desenvolve nele, assim, uma atitude desconfiada e
hostil para com os outros. Como olharam para ele, o que
pensam dele, o que disseram dele, tudo isso assume a seus
olhos enorme importância. E considera não só as pessoas,
mas a sociedade e as condições históricas. Tudo o que
desagrada a tal homem lhe parece injusto, ilegítimo, falso e
ilógico. E o ponto de partida de seu julgamento é sempre
que as coisas podem e devem ser modificadas. A ‘injustiça’
é uma dessas palavras que servem frequentemente de
máscara a [este tipo de] ‘consideração’ [interna].”
Tipos 9 : “[...] Sem auxílio exterior, um homem nunca
pode se ver. Por que é assim? Lembrem-se. Dissemos que a
observação de si conduz à constatação de que o homem se
esquece de si mesmo sem cessar. Sua impotência em
lembrar-se de si é um dos traços mais característicos de seu
ser e a verdadeira causa de todo o seu comportamento.
Essa impotência manifesta-se de mil maneiras. Não se
lembra de suas decisões, não se lembra da palavra que deu
a si mesmo, não se lembra do que disse ou sentiu há um
mês, uma semana ou um dia ou apenas uma hora. Começa
um trabalho e logo esquece por que o empreendeu, e é no
trabalho sobre si que esse fenômeno se produz com
especial frequência.”
 
Tipos 1 : “Outro exemplo, talvez pior ainda, é o do homem
que considera que na sua opinião, ‘deveria’ fazer algo,
quando na realidade, não tem que fazer absolutamente
nada. ‘Dever’ e ‘Não dever’ é um problema difícil; em outras
palavras, é difícil compreender quando um homem
realmente ‘deve’ e quando ‘não deve’ (fazer algo).”
 
 
T RAÇOS P RINCIPAIS DOS T IPOS 2, 3 E 4 (C ENTRO E MOCIONAL
Q UESTÃO N UCLEAR : I DENTIFICAÇÃO )
 
Tipos 2 : “Há duas espécies de amor. Um é o amor
escravo. O outro deve ser adquirido pelo trabalho sobre si.
O primeiro não tem valor algum; só o segundo, o amor que
é fruto de um trabalho interno, tem valor. É o amor de que
todas as religiões falam. Se você amar, quando ‘isso’ [a
máscara] ama, esse amor não depende de você e não
haverá nenhum mérito nisso. É o que chamamos ‘amor de
escravo’. Você ama até mesmo quando não deveria amar.
As circunstâncias fazem-no amar mecanicamente [...]”
 
Tipos 3: “Sugiro que cada um faça a si mesmo a pergunta
‘Quem sou eu?’ Estou certo de que 95% de vocês ficarão
perturbados... Isso prova que um homem viveu toda a sua
vida sem se fazer essa pergunta e considera perfeitamente
normal que ele seja ‘algo’, e até mesmo algo muito
precioso, algo que jamais pôs em dúvida. Ao mesmo tempo,
é incapaz de explicar a outra pessoa o que esse algo é,
incapaz de dar a menor ideia desse algo, porque ele próprio
não o sabe. E se não sabe, não será simplesmente porque
esse algo não existe, mas apenas se supõe existir? Não é
estranho que fechem os olhos, com tão tola complacência,
ao que realmente são, e passem a vida na agradável
convicção de que representam algo precioso? Esquecem de
ver o vazio insuportável por trás da soberba fachada criada
por seu autoengano e não se dão conta de que essa
fachada só tem um valor puramente convencional.”
Ouspensky lembra que alguém perguntou: “O que é que
não compreendemos?” E Gurdjieff respondeu: “Estão de tal
modo habituados a mentir, tanto a si mesmos como aos
outros, que não encontram nem palavras nem
pensamentos, quando querem dizer a verdade. Dizer a
verdade sobre si mesmo é muito difícil. Antes de dizê-la,
deve-se conhecê-la. Ora, não sabem nem mesmo em que
ela consiste [...].”
 
Tipos 4 : “Qual o papel do sofrimento no desenvolvimento
de si?” Ele respondeu: “Existem duas classes de sofrimento:
consciente e inconsciente. Somente um tolo sofre
inconscientemente. Na vida existem dois rios, duas
direções. No primeiro rio, a lei é somente para o rio, não
para as gotas d’água. Nós somos as gotas. Num momento
uma gota está na superfície, num outro momento está no
fundo. O sofrimento depende da sua posição. No primeiro
rio, o sofrimento é completamente inútil, porque é acidental
e inconsciente. Paralelo a esse rio tem um outro. Neste
outro rio existe outra classe de sofrimento. A gota do
primeiro rio tem a possibilidade de passar ao segundo.
‘Hoje’ a gota sofre porque ‘ontem’ não sofreu o suficiente.
Aqui opera a Lei de Retribuição. A gota também pode sofrer
por antecipação, tarde ou cedo tudo se paga. Para o Cosmo
o tempo não existe. O sofrimento pode ser voluntário e
somente o sofrimento voluntário tem valor. A gente pode
sofrer simplesmente porque se sente infeliz. Ou pode sofrer
por ‘ontem’ para preparar-se para o ‘amanhã’. Repito:
somente o sofrimento voluntário tem valor.”
 
 
T RAÇOS P RINCIPAIS DOS T IPOS 5, 6 E 7 (C ENTRO I NTELECTUAL
Q UESTÃO N UCLEAR : C ONSIDERAÇÃO I NTERNA )
 
Tipos 5 : “É impossível lembrar-se de si mesmo. E não
podemos nos lembrar, porque queremos viver unicamente
pelo mental... Talvez vocês se lembrem do que dissemos do
homem: nós o comparamos a uma atrelagem com um amo
[o Ser], um cocheiro [Centro Intelectual], um cavalo [Centro
Emocional] e uma carruagem [Centro do Movimento]. Não
podemos nem falar do amo pois ele não está presente; de
modo que só podemos falar do cocheiro. Nosso mental é o
cocheiro... Todos os interesses que temos em relação à
mudança, à transformação de nós mesmos pertencem
apenas ao cocheiro, quer dizer, são unicamente de ordem
mental... A transformação não se obtém pelo mental; se for
pelo mental, não tem nenhuma utilidade. Por essa razão
devemos ensinar, e aprender, não por meio do mental, mas
do sentimento e do corpo... Naqueles que estão aqui se
levantou acidentalmente um desejo de chegar a algo, de
mudar alguma coisa. Mas apenas no mental. E nada mudou
ainda neles. Não passa de uma ideia que têm na cabeça e
cada um permanece o que era. Mesmo aquele que
trabalhasse mentalmente durante dez anos, que estudasse
dia e noite, que se lembrasse mentalmente e lutasse,
mesmo esse não realizaria nada útil ou real, porque
mentalmente nada há para mudar. O que deve mudar é a
disposição do cavalo. O desejo deve estar no cavalo e a
capacidade na carruagem. Mas como já dissemos, a
dificuldade é que, devido à má educação moderna, a falta
de relação entre nosso corpo (carruagem), nosso
sentimento (cavalo) e nosso mental (cocheiro) não foi
reconhecida desde a infância, e a maioria das pessoas está
tão deformada que não há mais linguagem comum entre
uma parte e outra...”
 
Tipos 6 : “O homem, às vezes, se perde em pensamentos
obsessivos, que voltam e tornam a voltar em relação ao
mesmo objeto, às mesmas coisas desagradáveis que
imagina, e que não apenas não ocorrerão, mas, de fato, não
podem ocorrer. Esses pressentimentos de aborrecimentos,
doença, perdas, situações embaraçosas se apoderam
muitas vezes de um homem a tal ponto, que assumem a
forma de sonhos despertos. As pessoas deixam de ver e
ouvir o que realmente acontece, e, se alguém conseguir
provar a elas, num caso preciso, que seus pressentimentos
e medos são infundados, elas chegam a sentir certa
decepção, como se tivessem sido frustradas de uma
perspectiva agradável...
O medo inconsciente é um aspecto muito característico do
sono...
As pessoas não suspeitam até que ponto estão em poder
do medo. Esse medo não é fácil de definir. Na maioria dos
casos, é o medo de situações embaraçosas, o medo do que
o outro pode pensar. Às vezes o medo se torna quase uma
obsessão maníaca.
 
Tipos 7 : “O homem, bem no seu íntimo, ‘exige’ que todo
mundo o tome por alguém notável, a quem todos deveriam
constantemente testemunhar respeito, estima e admiração
por sua inteligência, por sua beleza, sua habilidade, seu
humor, sua presença de espírito, sua originalidade e todas
as suas outras qualidades. Essas ‘exigências’, por sua vez,
baseiam-se na noção completamente fantasiosa que as
pessoas têm de si mesmas, o que acontece com muita
frequência, mesmo com pessoas de aparência muito
modesta [...].”
 
 
E NEAGRAMA DOS T RAÇOS OU D EFEITOS P RINCIPAIS DE ACORDO
COM OS N OVE “R ETRATOS P SICOLÓGICOS ” DE G URDJIEFF
 
Figura 11
Parte I
- Centro Físico ou Motor (Traços 8, 9 e 1)

Centro Físico ou Motor


Traços 8, 9 e 1
 
O Traço 8
: O eu que confronta

O eu
que confronta

“Existem diversas espécies de consideração. Na maioria dos


casos, o homem se identifica com o que os outros pensam
dele, com a maneira como o tratam, com sua atitude para
com ele [...] pensa sempre que as pessoas não o apreciam o
suficiente [...] Tudo isso o aborrece, o preocupa, o torna
desconfiado; desperdiça em conjecturas ou em suposições
enorme quantidade de energia; desenvolve nele, assim,
uma atitude desconfiada e hostil para com os outros. Como
olharam para ele, o que pensam dele, o que disseram dele,
tudo isso assume, a seus olhos, enorme importância.”
 
“E considera não só as pessoas, mas a sociedade e as
condições históricas. Tudo o que desagrada a tal homem lhe
parece injusto, ilegítimo, falso e ilógico. E o ponto de partida
de seu julgamento é sempre que as coisas podem e devem
ser modificadas. A ‘injustiça’ é uma dessas palavras que
servem frequentemente de máscara a [este tipo de]
consideração [interna].”
 
Os dois parágrafos acima, citados por P. D. Ouspensky
em Fragmentos de um Ensinamento Desconhecido ,
são de G. I. Gurdjieff
Então? Vamos nos conhecer melhor ou não?
 
 
Como diria G. I. Gurdjieff (um Tipo 8 “acordado” que foi,
segundo o polêmico mestre Osho, “um dos Budas da nossa
época”): “Lembre-se de que você veio aqui, porque
compreendeu a necessidade de lutar contra si mesmo e
unicamente contra si mesmo. Agradeça, portanto, a quem
lhe proporcione a ocasião para isso.” Na verdade, este
aforismo – um dos vários que estavam inscritos no toldo do
“Study House”, no Prieuré (França), local onde Gurdjieff
trabalhou com seus discípulos – abriga o grande mistério a
ser conhecido por todos os seres humanos, mais
especialmente pelos Tipos 8 “assumidos”. Espero que,
tendo chegado até aqui, agradeçam a oportunidade que eu
lhes ofereço de “lutar unicamente contra si mesmos” a
partir de agora, já que há tanto tempo se dedicam a lutar
contra o mundo, contra seus “inimigos” e até contra o
“tempo” e o “clima”!
 
 
O Poder: a grande fascinação
dos “Guerreiros” do Eneagrama
 
Quando realizamos nosso workshop sobre o Eneagrama
para o Projeto Simplesmente Copacabana, no Rio de Janeiro,
contamos com a participação de uma jornalista que editava
um jornal de bairro. Escrevendo sobre seu Tipo, sob o título
Por que 8, ela destacou:
“O poder me fascina. Vim a descobri-lo na caminhada da
vida. A vida me empurrou para o resgate. No resgate
descobri a força, o poder. Na medida em que avançava vim
percebendo a minha verdadeira vocação: a liderança. As
causas consideradas por mim justas e verdadeiras, as
abraço com muita determinação. É por demais sedutor para
mim tocar um projeto em que possa ter o controle da
situação. Dar oportunidade a outras pessoas me entusiasma
e gosto da troca, desde que tenha o rumo das coisas.
Guerreio sabendo o que quero, mas também quando não
quero, simplesmente não faço. Entretanto, sinto uma
enorme falta da inocência, da poesia, do frágil. Camuflo isso
tudo em ações concretas.”
Este breve depoimento revela o que todo Tipo 8 sente – “O
poder me fascina”, e finaliza com o que para todos eles é
uma tremenda verdade: a necessidade da simplicidade e da
inocência, às quais vou me referir no final deste capítulo.
No Brasil, temos um excelente exemplo histórico de um
Tipo 8 para quem este depoimento também foi verdadeiro.
Ele foi um dos mais conhecidos e polêmicos políticos deste
pais, considerado aguerrido e destemido, dedicou sua vida,
a seu modo, a lutar pelas causas que considerou justas.
Refiro-me ao falecido Senador Antônio Carlos Magalhães ou
“ACM”.
Lembro quando o Senador ACM, contrariado com a famosa
intervenção no Banco Econômico, deu uma das tantas
amostras do seu Tipo Eneagramático. A revista Veja do dia
23 de agosto de 1995 registrou uma das frases mais fortes
ouvidas por um Presidente do Banco Central deste país:
“Você é um moleque, f. da p! Vou passar por cima
de você! Quem é você para fechar um banco na
Bahia? Lá as coisas não são assim.”
Por ser o senador amante declarado da Bahia, essa terra
maravilhosa, e devoto fiel do Senhor do Bonfim, sua voz
irada naquela ocasião, era a voz irada de todos os baianos
que, há mais de 40 anos viam neste homem um grande
líder. Essas atitudes públicas do senador refletiam seu tipo.
Diante delas, qualquer Tipo 8 pode-se ver como em um
espelho. O jornalista Marcos Sá Corrêa, no livro Política e
Paixão, Editora Revan, define exatamente a tipologia deste
polêmico e carismático homem público:
“ACM (era) conhecido pela agressividade que, sendo nele
aparentemente natural, (era) também um estilo
cuidadosamente treinado. Como diz neste livro, está
convencido de dever a ela – mais do que a outros atributos,
seu grande trunfo político – o fato de ser reconhecido como
um assunto jornalisticamente interessante.”
 
Todo Tipo 8 pode ser definido a partir dessa
“agressividade” e de muitos Tipos 8 que detêm algum poder
se pode dizer exatamente o que aparece numa das orelhas
do citado livro: “Ninguém fica indiferente a Antônio Carlos
Magalhães, [ele] é um dos que mais acumularam inimigos.
Afeto ou desafeto, admiração ou hostilidade, variadas são
as atitudes que as pessoas assumem diante dele, mas
ninguém o ignora.”
 
 
Como e porque Tipos 8 brigam
desde cedo com “o mundo todo”
 
Numa das suas brilhantes tiras publicadas no Jornal do
Brasil sob o título de “As Cobras”, o genial Luís Fernando
Veríssimo (criador de muitos personagens, entre eles o
Analista de Bagé, um analista muito 8, diga-se de
passagem) nos resume esse estado de desconfiança e
agressividade pronto a se manifestar em todos os
“representantes” deste Tipo Eneagramático. Duas cobras
falam com uma terceira: “Todo mundo não está contra você
desde que você nasceu, Pepe.” Ao que esta responde: “Ah,
é? Então por que o obstetra já me recebeu com um tapa?”
Citei o texto desta tira porque ele combina com o
depoimento em que Augusta, uma de nossas alunas, lembra
o “momento provável” em que surgiu sua “máscara”:
“(...) É como se eu já tivesse nascido 8, e não me formado
com o passar do tempo (...) Meu nascimento foi muito difícil
e como todo 8 acha que deve brigar por tudo, eu briguei
para nascer.
A hora do meu nascimento já havia passado e não nasci de
parto normal; pela demora eu ‘não devia ter nascido’, pois
além da demora eu estava com o pescoço enrolado no
cordão umbilical, nasci talvez de teimosa ou por ser um 8
que nunca se dá por derrotado (...)”
Magno, outro participante dos nossos workshops revelou:
“Muito cedo, se me lembro bem aos cinco anos de idade,
essa ‘máscara’ já se manifestava em mim, em como eu
‘mandava’ nas minhas irmãs ou como eu não aceitava
ordens de meus pais (...) A minha sensação é que eu
sempre fui assim, já nasci com essas características.”
Em primeiro lugar, os Tipos 8 em sua maioria lembram-se
de uma infância em que tinham que se impor (ou se
impunham) ao meio por alguma razão. Tinham que lutar
para serem respeitados. Tinham que “proteger-se” dos
outros. Às vezes, enfrentaram ambientes agressivos, que os
obrigaram a assumir responsabilidades muito cedo porque
seus pais, por razões financeiras ou porque achavam
correto, lhes exigiam de um modo ditatorial e imperativo
que “aprendessem” a ser “fortes” desde crianças. Outros
perceberam a fraqueza de um ou de ambos os pais, e
decidiram não ser tão fracos quanto eles. O mesmo aluno
lembra: “Meu pai sempre foi um intelectual e tentou, por
todos os caminhos, me mostrar as coisas certas por
intermédio da palavra, pois as poucas vezes que ele quis
me obrigar a fazer qualquer coisa eu, como uma ‘boa mula’,
me neguei. Achava que aquele ‘papo’ era uma fraqueza de
meu pai, que ele deveria ser mais duro comigo, acredito
que foi aí que minha máscara se consolidou. Minha mãe já
não tinha tanta paciência assim e com ela não se brincava,
mas eu sempre achava um jeito de deixá-la bem brava (...)”
Existem Tipos 8 que falam de uma infância difícil, em que
foram vítimas de “injustiças”, de que se vingavam de um ou
outro modo. Ainda em relação a isto, outra aluna Tipo 8 nos
contou:
“Na infância, lembro de uma injustiça entre tantas outras.
Esta ocorreu na escola por volta dos 7/8 anos. Uma colega,
vizinha da mesma mesa circular (...) pegou seu lápis e
tentou furar o meu braço (...) quando reclamei com a
professora, esta me castigou. Eu não entendi nada! (...) Na
família, antes dos sete anos, lembro-me de ter sido acusada
de ter feito o que não fiz, acabando por me conformar (...) e
ia pro castigo, é claro!”
Seu modo de se vingar era simples:
“Lembro que pegava dinheiro escondido de minha mãe pra
comprar balas, sem pensar em culpa de fazer algo errado
(...)”
Outros pertencem a famílias poderosas em que se
sentiram sozinhos e/ou obrigados a “tomar iniciativas” para
não serem considerados inferiores aos demais e onde
ouviam constantemente frases como estas: “nunca se deve
confiar nas pessoas”, “temos que proteger o que
conseguimos e você deve preparar-se para isso”, ou “você
apenas cumpre com os seus deveres, não está fazendo
nada demais”. A necessidade de se mostrarem fortes e
capazes os faz desenvolver o que comumente chama-se
“força de vontade”. A necessidade de perceber os riscos e
possíveis perigos que aparentemente devem enfrentar
sozinhos, desde cedo, os leva a desconfiar dos outros e a
confiar demais nas suas próprias “forças”.
Isto provoca neles uma constante atitude de alerta, um
constante estado interior que se poderia traduzir como
“estar pronto para a luta”. Por isso decidem ser fortes,
autoconfiantes, sem medo de nada, inclusive os que
consideram ter tido infâncias felizes. A este respeito, vale a
pena refletir sobre este depoimento:
“Tive uma infância feliz, mas muito competitiva, os jogos
eram para ser ganhos (...) Cada jogo novo ou pessoa nova
era uma ‘nova barreira para se conquistar’. Briguei muito
desde cedo, ao ponto de que quando começava eu não
conseguia mais parar. Mas, apesar do ‘gênio’, brinquei
muito e na rua, com muitos amigos que logicamente eu
conquistei, o que não significa que os tenha cativado.”
 
 
Para estar protegido do mundo,
é necessário controlar tudo
 
Os Tipos 8 sentem que devem criar e conquistar um
extenso território pessoal, do qual sejam os CONTROLADORES
e donos absolutos. Precisam saber tudo com antecedência,
conhecer de que maneira podem ter certeza de estar no
comando de toda e qualquer situação, seja esta pessoal
e/ou profissional. Neste depoimento, no qual a palavra
controle é repetida sete vezes (as itálicas são minhas), uma
de nossas alunas reconhece o quanto essa necessidade a
esgota:
“(...) preciso exercer o controle em tudo o que me cerca.
Seja nas questões do trabalho, seja nas questões pessoais.
A falta do meu controle em qualquer situação me deixa
muito enraivecida. Preciso controlar tudo e apesar de já ter
percebido, mesmo antes de estudar o Eneagrama, o quanto
isso me faz mal, no sentido de gastar muita energia nessa
incumbência de ter tudo sob o meu controle , ainda me é
muito difícil suportar a falta de controle (...) No trabalho,
posso perceber com clareza quando as coisas estão fora do
meu controle e como isso me incomoda, principalmente
quando não estou bem informada. A falta de informação me
deixa fora das coisas. É assim que me sinto. Na vida pessoal
eu percebo isso quando me é difícil suportar as frustrações,
ou seja, quando as coisas não acontecem do jeito que eu
determino de forma que eu possa controlar .”
Os outros devem reconhecer e respeitar o “controle” e o
“poder” dos Tipos 8, garantindo-lhes “obediência”, porque,
de outro modo, poderão ser “punidos”. Um aluno escreve a
respeito:
“[O Tipo 8] se impõe com muita facilidade se as coisas não
estão indo como deveriam ser, ele não pode perder o
controle da situação e, se necessário, usa o ‘chicote’, mas
não com a intenção de ferir e sim de ensinar uma lição.”
Esse território está protegido sempre por uma espécie de
cerca protetora contra os perigos, injustiças e inimigos que
vêm e/ou que poderiam vir do mundo. Eles aperfeiçoam
esse controle aprendendo, estudando, sabendo como,
precavendo-se de todo e qualquer ataque exterior, num
claro movimento ao Ponto 5 do Eneagrama. Os mais
inteligentes e capazes se aperfeiçoam constantemente, e
possuem uma tremenda capacidade de manipular dados e
informações que, tanto confirmem suas ideias e posições,
quanto colaborem para aumentar o seu senso de poder,
controle e segurança. Paula, uma aluna, que é médica,
escreve a respeito que:
“O controle das situações é o que o 8 tanto quer ter (...) e
tanto assim que desde criança me vi às voltas com os livros
e nunca porque alguém me mandasse, mas porque sentia
necessidade de conhecer tudo, para que nada me pegasse
desprevenida. Até os idiomas que aprendi eram uma forma
de controle da situação, de não permitir que alguém falasse
algo de mim, que eu não compreendesse, não dominasse...”
 
 
Lealdade e proteção:
algo valioso que se pode cobrar
 
Os Tipos 8 decidem quais pessoas serão da sua confiança,
quais as pessoas que poderiam estar sob sua tutela e quais
pessoas terão “direito” à sua permanente “proteção”, numa
clara influência do Ponto 9 Eneagramático e do movimento
contra seta ao Ponto 2. Fazem isto apenas para aumentar o
“controle”. É como se, desse modo, fossem criando e
assegurando uma “rede” de poder e influência ao estilo dos
chefões mafiosos dos anos 30.
Em outro trecho de seu depoimento, uma das alunas
citadas revela:
“(...) até me lembro de minha mãe dizendo, em tom
jocoso, que eu era ‘a protetora dos fracos e oprimidos’ (...)
Esta mania de proteger as pessoas da família e os amigos
também é algo muito presente em mim, desde a infância.
Uma necessidade de fazer tudo ao meu alcance, para deixá-
los tranquilos e de bem com a vida.”
Porém, quando se sentem traídos, quando sentem que
essa “lealdade e proteção” não são recíprocas, os Tipos 8
reagem com fúria, e quem falhou pode estar certo que
haverá uma punição. A mesma aluna acrescenta:
“Adoro meus amigos e sou amiga até o fim, mas se por
acaso alguém fizer algo que me magoe, provavelmente não
terá chances de fazê-lo outra vez. Pois a partir deste dia
esta pessoa morreu para mim e ainda que viva ao meu lado
não me diz mais nada. E ela saberá disto não só por
palavras, mas por atitudes (...)”
Com outro aluno 8, a coisa não muda muito: “Procuro ser
leal às pessoas, quem não corresponder está em maus
lençóis.”
 
 
Conquistando novos territórios... Sem limites
 
O que Tipos 8 desejam é conseguir o mais e o maior
possível de tudo...sem limites. Precisam assegurar o poder e
garanti-lo no tempo. Os Tipos 8 decidem que esse imenso
território desejado nunca poderá ter limites e sabem que
não vão parar de conquistar novos territórios e ainda que
nunca nenhuma dessas conquistas será tida como a última.
Ao invés do “castelo mental” no qual Tipos 5 desejam
refugiar-se, e ao invés do “território limitado da sua própria
ordem” que Tipos 1 tentam preservar, os Tipos 8 decidem
que o único modo de enfrentar o mundo é criando uma
ilimitada zona de poder pessoal, na qual eles se sintam com
o controle absoluto e permanente. Sentem, instintivamente,
que nunca deverão parar de estender-se e crescer.
Descrevendo esse estado de permanente ambição num
momento de total entusiasmo com respeito ao fato de
sentir-se “maior que o mundo”, um dos nossos alunos
escreveu:
“Minha máscara não me dá limites, posso ocupar qualquer
espaço que eu quiser.”
Qualquer Tipo 8 poderia dizer o mesmo, e nesta frase o
Traço Principal manifesta toda a sua potência.
 
 
O traço principal:
o excesso e a luxúria aumentam a agressividade
 
Para uma síntese do exposto até aqui, diríamos que em
tudo o que Tipos 8 fazem, querem e dizem, existe excesso
ou se procura o excesso: excesso de brigas, excesso de
controle, necessidade excessiva de informação e dados,
excesso de cobrança, ambição excessiva de um “espaço”
ilimitado a se conquistar. O excesso é o “grande calo” dos
Tipos 8. Eles querem tudo em demasia. O Dicionário Aurélio
define o excesso como “aquilo que excede ou ultrapassa o
permitido, o legal, o normal” e atrela a palavra à violência:
cometer excessos é uma forma de violência, de agressão,
contra si mesmo e contra os outros. O excesso implica um
descontentamento permanente para este Tipo
Eneagramático, existe uma possibilidade muito grande
(tinha que ser muito grande , não é ?) de nunca sentir-se
satisfeito. Portanto, possui uma capacidade para frustrar-se
com mais facilidade que os outros Tipos Eneagramáticos,
excetuando-se os Tipos 4. Assim como Tipos 4 acham que a
felicidade parece fugir deles a cada instante e sofrem pelo
que falta no presente, os Tipos 8 jamais se sentem
satisfeitos com o que possuem no “presente” efetivamente .
Sempre querem algo mais. Os Tipos 4 sofrem pelo que falta.
Os Tipos 8 ficam com raiva pelo que querem a mais. Os
Tipos 4 sentem que o que se perdeu no passado é melhor
do que o que se tem no presente. Os Tipos 8 não se
importam com o que obtiveram no passado, mas com o que
obterão no futuro. Quando essas ânsias de ter mais são
frustradas por uma ou outra razão, eles sofrem e
novamente acham que “a vida” está sendo injusta com
eles. Não conseguem ficar agradecidos pelo que possuem e
desfrutam agora. Eles sempre querem mais, mais e mais.
Esse querer mais tem a ver com coisas sensoriais, tangíveis,
concretas, não do tipo de coisas que os 4 procuram. Assim
como o “espaço” deve ser ilimitado, as coisas que ocupam
esse espaço devem ser muitas e devem trazer o máximo de
prazer e bem-estar. Portanto, sempre pode haver coisas
melhores, carros melhores, comidas melhores, ganhos
maiores, festas grandiosas, equipamentos de som mais
possantes, computadores mais completos, técnicas mais
modernas, informações mais completas, prazeres mais
interessantes, gozos mais extravagantes. De tudo deve
haver algo mais, algo que supere o atual!
Quando procurei o significado da palavra luxúria no
Dicionário Aurélio , achei o brasileirismo “cheio de luxo”. É
muito interessante e com certeza G. I. Gurdjieff teria
gostado de citá-lo em alguma de suas obras quando fala
sobre a psique humana. Como este é o capítulo que retrata
os eneagramáticos “8” ou “80”, e deve ser bem
incrementado e impiedoso (afinal, excesso é excesso!), vale
a pena conferir o que significa: “Cheio de luxo: Bras. Fam. e
pop . Diz-se do indivíduo implicante,(...) exigente, luxento
(...prepare-se agora!) cheio de merda” (...!?) tudo isso entre
outras coisas não menos “cheias”. Não fique zangado
comigo. É o prestigiado Aurélio “o culpado e injusto”, tá?
Por outra parte, o excesso sempre foi e sempre será
atrelado ao “pecado capital” da luxúria, que significa,
segundo o mesmo Aurélio , “incontinência, lascívia,
sensualidade e dissolução”.
Porém, o maior excesso dos Tipos 8 é o excesso de
consideração interna , de achar que “todos estão contra
ele”, que todos conspiram ou poderiam conspirar contra ele.
Que devem enfrentar grandes desafios, graaandes
problemas, graaaandes injustiças. É para enfrentar todos
esses graaandes perigos, que Tipos 8 decidem ter de tudo o
máaaximo! Aqui começa a luxúria: como tudo o ameaça,
eles devem ter sempre muito de tudo: muito dinheiro, muito
poder, muita segurança, muitos amigos, muito, muito de
tudo. Logicamente, esta atitude os fixa na sua
agressividade, os cristaliza nos seus excessos e então nada
parece contentá-los. Este é um dos aspectos da “máscara”
que os Tipos 8 deverão observar em si mesmos para não se
tornarem seus escravos.
 
 
Raiva e ação instintiva
 
Sendo esta “máscara” parte do trio 8/9/1, no qual a
influência maior provém do Centro do Movimento, temos
que concordar em que as reações instintivas, viscerais e/ou
“centradas na barriga”, são mais poderosas que as
relacionadas aos Centros Emocional e Intelectual. O
movimento até o Ponto 5 (intelecto) se realiza ora como
uma reação de “segurança”, ora como um apoio para obter
o que se deseja. O movimento ao Ponto 2 (emocional) tem a
ver com uma “relação de conveniência”, com o que se pode
“cobrar dos outros” pelo que se lhes dá. Então, temos que
tanto os atos luxuriosos como os excessos revelam uma
grande falta de raciocínio e reflexão. Lembra o depoimento
no qual um dos alunos escreveu que “achava que aquele
‘papo’ (do seu pai ‘muito intelectual’) era uma fraqueza...”?
Quando se quer mais, quando se procura mais, quando se
ultrapassam os limites, é quase impossível parar para
“emocionar-se” ou para “pensar no que é realmente
necessário”. Muitos 8 admitem que atuam “por instinto”,
que não querem “parar para pensar”, que “pensar” não é
importante, “o que importa é fazer, já, depressa, agora”!
Isto, os Tipos 8 percebem quando ficam com raiva, por
exemplo, e “explodem” sem pensar nas consequências. A
respeito, vejamos este depoimento:
 
“Percebo que tinha receio de me tornar uma pessoa
racional e por isso não usava muito a razão. Hoje percebo
que dá para ser mais mental sem perder as emoções, isso
tem me ajudado muito. Mas ainda tenho algumas situações,
que se repetem muito, (nas quais) a raiva visceral toma
conta totalmente. Eu sinto isso fisicamente, parece que um
furacão toma conta de mim. Se eu não deixar sair, a
sensação é que vou explodir e aí eu explodo.”
 
Uma aluna, Clara, se refere a este mesmo aspecto da
seguinte maneira:
 
“A vida é uma luta constante, só me aparecem desafios, só
me meto em coisas complicadas, mas no fundo, até que
gosto. Tenho dificuldades de aceitar opiniões contrárias às
minhas. Estou sempre numa posição de autodefesa,
dificilmente me sinto culpada. Numa discussão, gosto que a
minha opinião prevaleça (...) Esta ‘coisa’ é tão forte e
incontrolável que se eu não puder dizer o que sinto, parece
que vou explodir por dentro (...) Às vezes eu estou
tranquila, o monstro adormecido, e logo vem alguém atiçar
este monstro e lá vou eu explodindo, dizendo desaforos e às
vezes até humilhando, ou tocando com o dedo na ferida dos
outros.”
 
O problema é que, após estas explosões, os Tipos 8
percebem os desastres provocados; então, a maioria deles
concordará que o seguinte depoimento é totalmente
verdadeiro:
 
“(...) Se por acaso a raiva que sinto é injusta por não haver
culpa na pessoa de quem estou sentindo a raiva, eu vou a
ela e peço desculpas.”
 
Só que a raiva já se expressou.
A energia gasta nessas explosões pode ser desastrosa
para o equilíbrio psicofísico dos Tipos 8 e eles deveriam
prestar mais atenção aos momentos nos quais esse
processo “explosivo” se manifesta, até conseguirem
compreender como é destrutivo. Vale a pena registrar aqui
um dos conselhos que Gurdjieff deu, certa feita, a alguns de
seus discípulos, citado no livro Gurdjieff fala a seus alunos:
 
“Gastamos sempre mais energia do que a necessária,
utilizando músculos que não precisamos, deixando os
nossos pensamentos darem voltas e reagindo demais com
os nossos sentimentos.
Relaxem os músculos; só utilizem os que são necessários,
mantenham os seus pensamentos em reserva e só
expressem os seus sentimentos quando quiserem. Não se
deixem afetar pelas aparências; elas são por si mesmas
inofensivas. Nós é que aceitamos ser feridos.”
 
 
A influência negativa dos parceiros eneagramáticos 7
e 9:
gula e indolência. O problema da “insensibilidade”
 
Devemos lembrar que os companheiros eneagramáticos
desta oitava máscara são a gula e a indolência. Já vimos
que a gula não permite o gozo verdadeiro. A gula leva o
Tipo 8 a uma busca frenética, contínua e sem descanso, de
poder e autosatisfação; e a indolência o leva a não saber e
nem querer saber, nem perceber e nem poder perceber,
quando é o momento de parar e descansar. A palavra
“indolência”, uma das que se usam para caracterizar os
Tipos 9, além de significar “apatia” e “negligência”, significa
também INSENSIBILIDADE . E este é um dos aspectos mais
negativos que não podem deixar de ser vigiados por
aqueles que desejam obter autocontrole. Esta
insensibilidade provoca, entre outras coisas, a incapacidade
de aceitar, confiar e respeitar as pessoas. A luxúria e o
excesso estão diretamente ligados a ela. No caso dos Tipos
8 com forte influência do Ponto 7 eneagramático, há um
“hedonismo” egoísta que acaba por não se importar com os
demais nem com suas necessidades. O “movimento” da
seta ao Ponto 5 desta manifestação negativa produz uma
mistura muito ruim de “hedonismo insensível e egoísta”, ou,
como se diz vulgarmente: “primeiro eu, segundo eu,
terceiro eu e o resto que se f.!” Devo lembrar aqui que uma
das características “negativas” dos Tipos 8 mais
desequilibrados destacadas por Naranjo, Riso e Palmer é a
forte tendência à “sociopatia” e ao “sadomasoquismo”.
Para alguns Tipos 8 menos equilibrados, as pessoas são
apenas meios, espécies de instrumentos para obter o que
desejam. Quando obtêm o que desejam as abandonam sem
nenhuma consideração.
 
 
Insensibilidade e poder
 
Na medida em que alguns Tipos 8 conseguem obter mais
poder e conseguem consolidar suas conquistas e territórios,
passam a correr um maior risco de ficarem insensíveis às
necessidades das pessoas que os rodeiam e ainda a não se
importarem com os meios usados para aumentar e/ou
consolidar esse poder. Então, pode acontecer (e acontece
com frequência), que, a partir desse instante, o fim
justificará os meios. É notável observar esta relação entre
insensibilidade e poder, especialmente em tempos de
guerra ou ditadura (nada mais 8 que uma guerra ou uma
ditadura, certo?), quando os excessos e insensibilidades são
lugar-comum. Sobre isso, transcrevo, para reflexão, um
trecho da obra The Psychoanalytic Theory of Neurosis
(Teoria Psicanalítica da neurose) de Otto Fenichel:
“O poder como um meio para combater os sentimentos de
culpa é facilmente compreensível; quanto mais poder possui
uma pessoa, menos necessidade tem de justificar seus atos.
O aumento da autoestima implica uma diminuição nos
sentimentos de culpabilidade. Assim como a ‘identificação
com o agressor’ é de uma grande ajuda para combater a
angústia, os sentimentos de culpa também podem ser
refutados mediante a ‘identificação com o perseguidor’
enfatizando o ponto: ‘Somente eu decido o que é bom e o
que é mau.’ Entretanto, talvez este processo fracasse pelo
fato de que o superego é, efetivamente, parte da nossa
própria personalidade. Portanto, a luta contra os
sentimentos de culpa por meio do poder pode iniciar um
círculo vicioso, precisando a aquisição de mais e mais poder
e ainda a execução de mais e mais crimes pelos
sentimentos de culpabilidade para afirmar o poder. Então,
os crimes podem ser cometidos num intento de demonstrar
a si mesmo que a gente os pode cometer sem ser
castigado, ou seja, num intento de reprimir os sentimentos.”
O mesmo acontece nesta outra situação, que acho que
atualmente os governantes devem observar com a maior
atenção.
 
 
Insensibilidade e violência: uma reflexão necessária
 
A sociedade está promovendo, na atualidade, o
surgimento de muitos Tipos 8 entre aqueles seres humanos
que nascem e vivem na extrema pobreza. Não devemos
estranhar que cada vez mais crianças e adolescentes
pobres neste país, e em outros lugares do mundo, decidam
colaborar com o tráfico de drogas e usar armas pesadas,
desenvolvendo desde cedo uma tremenda agressividade.
Suas carências os tornam antis-sociais e, se as autoridades
não realizam as modificações desse quadro social, muito
logo teremos que lamentar os atos desses Tipos 8, nos
quais se desenvolvem as piores características deste Traço
Principal, como a frieza e falta de piedade, a
desconsideração das necessidades alheias, a procura
violenta e luxuriosa por prazeres de que se sentem
merecedores e que lhes são negados pela “sociedade
injusta” em que vivem, a total ausência de princípios e a
incapacidade de relacionar-se positivamente com os
demais, pois veem e sentem ao seu redor todos os dias que
a violência, a agressão e a luta parecem ser “normais” e
“necessárias” para a “sobrevivência”. Algo que não se está
considerando com profundidade devida é o fato de esses
jovens miseráveis e marginalizados serem levados a
derrotar todos os limites, normas e regulamentos, impostos
por uma sociedade moderna para a manutenção da sua
ordem e equilíbrio. Os seres humanos que vivem em
condições miseráveis passam a não sentir o que crianças e
jovens que vivem de maneiras mais apropriadas conhecem
e percebem sobre existência. O mundo que elas observam
acaba desta maneira “distorcido”. Como exemplo, posso
citar o resultado de uma pesquisa que revelou que
nenhuma das crianças e adolescentes recluídos na FEBEM
jamais ouviu falar da palavra “solidariedade”.
Desconheciam-na seu valioso significado. As consequências
dessa visão “distorcida” da vida, logicamente, são
perigosas. Está na hora de agir para evitar aquilo que
alguns antigos livros sagrados anunciaram: uma época (com
certeza a nossa) em que os adultos teriam medo das
crianças. Esta reflexão se aplica também aos países em
permanente estado de guerra, sustentando ódios milenares;
aos que ainda preconizam e promovem os ódios raciais, e,
finalmente, aos responsáveis pela violência permanente
exibida e comentada a toda hora em diversos programas de
televisão, tanto infantis quanto para adultos, nos quais a
agressividade não só é denunciada ou “noticiada”, como
também é, paradoxalmente, erguida e louvada como a
única maneira de “sobreviver” e “enfrentar” este mundo,
criando e promovendo personagens que só sabem usar a
violência e a força bruta para alcançar seus objetivos,
quaisquer que sejam eles.
 
 
Iniciando o processo de mudanças positivas
 
Os Tipos 7, 3 e 8 são, quando equilibrados, são os mais
ativos e os mais empreendedores dos Tipos
Eneagramáticos. Por razões diferentes, é claro. Os Tipos 7
desejam aventurar-se, criar, experimentar e descobrir novas
alternativas para alcançar a felicidade e sentir que o
sofrimento pode ser banido tanto por eles, quanto pelos
demais. Os Tipos 3 desejam realizar obras que possam
trazer bem-estar aos outros e gerar atividades e progressos
em troca de admiração e prestígio. Já os Tipos 8 são
grandes realizadores, capazes de iniciar processos de
mudanças muito positivos, pelo fato de serem sensíveis a
tudo o que apresenta “falhas” e/ou que está “ultrapassado”.
Sabem liderar e provocar positivamente as pessoas,
direcionando-as com confiança até os objetivos que
desejam atingir. São pessoas com um senso de justiça muito
apurado e querem que todos se beneficiem com os
sucessos que eles venham a obter.
 
 
O Tipo 8 e o tipo “intuitivo extrovertido” de Jung
 
Quando Jung descreve as características negativas e
positivas do tipo “intuitivo extrovertido” consegue realizar o
que acho um dos melhores retratos psicológicos dos Tipos
8. Ele escreve entre outras coisas que:
“O intuitivo (extrovertido)... possui um apurado olfato para
tudo que é novo e em desenvolvimento. Já que está sempre
procurando novas possibilidades, as condições estáveis o
sufocam... Nem a razão nem o sentimento podem restringi-
lo ou atemorizá-lo para que se afaste de uma nova
possibilidade (...) O respeito pelo bem-estar dos outros é
fraco. O bem-estar psíquico deles conta tão pouco como o
próprio. Também, tem pouca consideração pelas convicções
e estilo de vida alheios (...).
Já que se ocupa de coisas externas e de indagar suas
possibilidades, facilmente se dedica a profissões em que
possa explorar ao máximo estas capacidades. Muitos
magnatas dos negócios, empresários, especuladores,
corretores da Bolsa, políticos, etc, correspondem a este tipo.
(...) este tipo é extraordinariamente importante tanto
econômica como culturalmente. (...) quando sua atitude não
é demasiado egocêntrica, ele pode brindar um serviço
excepcional como iniciador e promotor de novas empresas.
(...) Já que é capaz, quando se orienta mais às pessoas que
a coisas, de fazer um diagnóstico intuitivo de suas
capacidades e potencialidades, ele também pode “fabricar”
homens. (...) Quanto mais forte sua intuição mais se funde
seu ego com todas as possibilidades que visualiza. (...) da
vida, a sua visão a apresenta em forma convincente e com
um fogo dramático, a personifica (...)”
 
Concordo. Quando os Tipos 8 dirigem suas capacidades
empreendedoras não visando apenas seus interesses
pessoais e materiais, podem beneficiar a todos que os
rodeiam. Por isso é muito importante que os processos de
observação de si se iniciem a partir destas reflexões: como
estou usando meu poder?; de que maneira meus atos serão
benéficos para os demais?; quais destas metas ultrapassam
minhas ambições pessoais e poderiam ser meios de
realização coletiva/grupal/familiar? Outros Tipos 8 deveriam
perceber quando transformam uma concorrência sadia
numa luta desapiedada e destrutiva para conseguir seus
objetivos. Deveriam aprender a distinguir a diferença entre
possessividade e confiança nos seus relacionamentos
pessoais. Deveriam aprender a observar os momentos nos
quais polarizam as situações, as pessoas, os
acontecimentos, dividindo o mundo em dois bandos
inimigos e irreconciliáveis. Este é um dos aspectos que
deveriam aprender a superar. A observação da maneira em
que a palavra “agressividade” é atrelada ao ato. Distinguir
entre “força” e “agressividade”, e perceber que uma não
implica, necessariamente, a outra. Refletir sobre o valioso
que se “possui” neste momento presente, sensibilizar-se a
outras necessidades, como afeto e obrigação, tão valiosas
para quem quer viver em harmonia e equilíbrio. Aprender a
observar quando se está com dificuldades de aceitar os
próprios erros, quando discute por discutir, quando bota a
culpa de seus problemas, erros e/ou fracassos em pessoas,
situações e/ou questões externas sem perceber sua própria
culpa.
Para os Tipos 8, aprender a “controlar a si mesmo” é o
mais importante. Essa será, sem dúvida, sua principal luta,
da qual ele pode sair vencedor se quiser realmente atingir o
“autodomínio”. Tenho escrito sobre este Tipo com certa
dureza, até porque, acostumados e programados a sentir
tudo intensa e excessivamente, nos é difícil iniciar os
processos de transformação positiva sem uma grande “pro‐
vocação”.
 
 
Desenvolvimento positivo das influências 7 e 9
 
Tipos 8 podem aprender muito de seus parceiros
eneagramáticos mais imediatos. Do Ponto 7, podem obter
uma maior força para realizar planos benéficos para todos e
não apenas para si mesmos. Já do Ponto 9, o positivo a ser
desenvolvido é a capacidade de “estar relaxado”, que os
tipos 9 mais sadios possuem sem que por isso esqueçam
suas necessidades. Valorizar a liberdade que os 7 sadios
tanto apreciam e reservar momentos apenas para curti-la,
sem compromissos nem controles. Dos Tipos 9 mais
equilibrados aprender a capacidade de conciliação, de fazer
acordos pacíficos, de não provocar os outros para ver quais
serão suas reações. Destes Tipos devem aprender também
a tremenda capacidade de aceitar a todos igualmente, sem
censuras, sem críticas e sem provocação de qualquer
espécie. A análise destes parceiros eneagramáticos pode
ser de grande proveito no seu processo de observação e
crescimento pessoal e profissional.
 
 
Observando os movimentos a favor e contra a seta
(do 8 ao 5 e do 8 ao 2)
 
Os Tipos 8 devem observar quando o movimento ao Ponto
5 é negativo, por exemplo: para isolar-se dos outros, para
preparar uma vingança, para interpretar “negativamente”
os dados e informações recebidos do mundo exterior,
quando fica imaginando prováveis conspirações contra ele,
quando acha que estão sendo mobilizadas “forças ocultas”
para destruí-lo, tirar seu “poder” e/ou evitar ou diminuir o
seu controle das situações, quando acha que conhece as
intenções dos outros, quando discorre o modo de fugir das
regras e das normas, inclusive criando as próprias de acordo
com a conveniência. De positivo, Tipos 8 deveriam alcançar
um equilíbrio entre reflexão e instinto, ou seja, treinar-se
para planejar antes de executar, pensar antes de agir, sem
perder nem acabar com suas capacidades “instintivas”. Dar-
se tempo para ficar positivamente em contato com seus
mundos internos, meditando, em silêncio e sem nenhuma
apreensão, nem expectativas, apenas sentindo o vasto
espaço interior. Refletir sobre as prováveis consequências
de seus atos e de como podem afetar aos demais. Aprender
a não desconfiar e a ficar mais aberto ao desconhecido, sem
preconceitos nem julgamentos antecipados. Não supor nada
de ninguém. Dar sem visar um retorno. Perceber quando
está sendo utilitarista e egoísta demais.
O movimento contra a seta até o Ponto 2, quando
negativo, reforça a ideia de que os outros devem dar algo
em troca de sua amizade e/ou proteção. Torna os Tipos 8
mais exigentes e controladores. Provoca a impressão de que
“os outros” não estão fazendo tudo o que deveriam por ele
e por seus interesses.
Quando positivo, o movimento até o Ponto 2 ajuda os
Tipos 8 a se tornarem mais receptivos, ficando menos
agressivos e muito mais meigos e amorosos. Ao mesmo
tempo, podem aprender a ser menos orgulhosos e menos
egoístas, realizando coisas pelos outros sem esperar
retorno, sem cobranças, sem exigências. A compreensão de
que o poder não está apenas nas posses, e nas conquistas,
levará os Tipos 8 a conhecer o valor da humildade e lhes
inspirará para serem mais agradecidos pelo que
conquistaram até esse instante. Muitas vezes, os Tipos 8 se
negam a deixar fluir seus sentimentos e ficam indiferentes
às pessoas mais próximas e queridas, quase esquecendo-
as. O movimento ao Ponto 2, quando positivo e
deliberadamente vivenciado, rompe esse gelo emocional e
permite a manifestação de carinho, amor e amizade. Graças
a esse movimento deliberado, os Tipos 8 voltam a valorizar
vivências simples, desprovidas dos excessos e luxúrias nos
quais às vezes mergulham, não desejando apenas obter
prazer sensual e/ou sexual e sim considerando e
percebendo as necessidades “emocionais” de seus
parceiros (as) e/ou amigos (as).
A virtude da humildade, relacionada com o Ponto 2, fará
com que consigam apreciar mais o que conseguem
diminuindo os excessos e substituindo a luxúria pelo que os
antigos cristãos e budistas chamaram de “contentamento”,
ou seja, a capacidade de ficar satisfeitos e felizes apenas
porque existir já é uma grande dádiva.
 
 
Redescobrindo a simplicidade e a leveza da
inocência:
a virtude que conduz ao poder verdadeiro
 
Nossa aluna Heida tentou explicar porque achava
necessária sua “Máscara 8”: “Às vezes penso que é
necessária para a sobrevivência do animal que mora em
mim. (...) Reconheço sua utilidade para conseguir me
colocar em qualquer situação. Ano passado, senti alegria e
tristeza de saber que ‘8’ era a minha ‘máscara’ (...) fiquei
realçando qualidades e defeitos por meio do
comportamento, como se a conscientização do fato fosse
uma afirmação para a máscara e daí veio o comportamento
questionando: ‘Vai querer me destruir?’ (...) Parece infantil a
questão, porém passei à fase de sentir tristeza devido às
(minhas) sombras (...) Fiquei mais atenta e passei a
trabalhar o controle dos defeitos com mais vontade (...)”
No final do seu depoimento ela escreveu o mais
importante para os possuidores desta máscara
compreenderem: “Bom, espero ter conhecido o caminho
que me leve a viver mais leve!”
Eureca! Tipos 8 devem conseguir “viver mais leve”. O
primeiro passo é deixarem de ser agressivos. Mas como?
Simples! Voltando a confiar nas pessoas e no poderoso fluir
da existência. Isso lhes permitirá abandonar suas
armaduras e perceber que nem sempre devem ir “armados”
para realizar e/ou relacionar-se com pessoas e/ou projetos.
Tudo bem, o mundo é hostil, é uma selva na qual cada um
deve lutar pelos seus próprios interesses e essas são as
regras do jogo que garantem a sobrevivência e a conquista
do poder. Mas será que é assim mesmo? Sempre? Não
existirão outras formas de alcançar esse poder tão
desejado? E será que é isso mesmo o que dá
contentamento?
Observe o seguinte: O “programa” que formou a máscara
diz que você está sozinho (a) contra o mundo, que ninguém
vai se preocupar com você, que ninguém vai mover um só
alfinete para colaborar nos seus projetos e objetivos e que,
se isso chega a acontecer, não é por amor, não é gratuito,
mas implicará necessariamente uma espécie de “contrato”,
um “compromisso” que terá que aceitar se deseja atingi-los.
Ou seu “programa” diz que você pode fazer e obter o que
quiser sozinho (a), por que você é autossuficiente, forte e
capaz de lutar contra tudo e todos e que nada se interporá
entre você e suas metas? Em qualquer dos casos, perceba
quanta falta de “inocência” e reflita uns instantes em como
isso o esgota. Para Tipos 8, parece não existirem outros
caminhos, senão aqueles tortuosos, difíceis e cheios de
perigos e inimigos a serem enfrentados. Eis sua falta de
inocência. Porque entre os significados que esta palavra
esconde, existe um que tem a ver com essa nova atitude
interior na qual Tipos 8 se tornam SIMPLES . “Simplicidade” é
um dos significados da “INOCÊNCIA ”. Na simplicidade, os Tipos
8 podem descobrir que também existem caminhos suaves,
em que se encontram pessoas amigas, em que não se
precisa lutar o tempo todo, em que se pode ficar aberto, em
que não se precisa “pressionar” nem provocar. Na
simplicidade existe a falta de preconceito, tudo fica mais
leve e se descobrem “jeitos” de se fazer mais sutis, porém
não menos efetivos. A simplicidade no gesto e na palavra
diminui e esgota a agressividade. A inocência permite que a
vida se mostre mais leve. Não se precisa “controlar” tudo e
todos sempre, porque “a inocência confia”. Pode-se confiar,
não existem riscos sempre, e nem sempre existem
“armadilhas”. A simplicidade da inocência implica estar
“contente”: é sentir-se satisfeito. Na satisfação não existe
excesso, nem pode haver luxúria porque “contentar-se”
também significa “tranquilizar-se” e “limitar-se”.
Tudo bem, acho que está bom por enquanto, não? Finalizo,
então, com uma passagem do Tao Te King, de Lao Tse:
 
“Podes abarcar a Unidade
sem abandonar o Tao?
Podes dominar tua força vital
e chegar a ser como uma criança?
 
Podes purificar tua contemplação oculta e
chegar à perfeição?
Podes amar aos homens e governar o Reino
sem perder tua paz interior?
Podes, enquanto se abrem e fecham as Portas do Céu,
manter-te em calma?
Podes penetrar tudo com tua clareza
e potência interior,
renunciando ao conhecimento?
 
Gerar e não possuir.
Produzir e não conservar.
Dirigir e não dominar.
Nisto consiste o Mistério da Vida.
 
Quem assim o entende
compreende o Caminho oculto.”
 
O Traço 9
: O eu que espera

O eu
que espera

“(...) Sem auxílio exterior um homem nunca pode se ver.


Por que é assim? Lembrem-se. Dissemos que a observação
de si conduz à constatação de que o homem se esquece de
si mesmo sem cessar. Sua impotência em lembrar-se de si é
um dos traços mais característicos de seu ser e a
verdadeira causa de todo o seu comportamento. Essa
impotência manifesta-se de mil maneiras. Não se lembra de
suas decisões, não se lembra da palavra que deu a si
mesmo, não se lembra do que disse ou sentiu há um mês,
uma semana ou um dia ou apenas uma hora. Começa um
trabalho e logo esquece porque o empreendeu, e é no
trabalho sobre si que esse fenômeno se produz com
especial frequência (...)”
G. I. Gurdjieff
 
“Aquele que tiver se libertado da ‘doença do amanhã’ terá
uma chance de obter o que veio procurar aqui.”
Aforismo de G. I. Gurdjieff
 
“A outro (Gurdjieff) disse que seu traço (principal) era que
ele não existia de modo algum.
– Compreenda – disse Gurdjieff – eu não o vejo. Isto não
quer dizer que você seja sempre assim. Mas, quando é
como agora, não existe de modo algum.”
Gurdjieff citado por Ouspensky em
Fragmentos de um Ensinamento Desconhecido
Antes de iniciar esta análise, permita-me lembrar
um Tipo 9 maravilhoso, obrigado!
 
 
Acho que todos vocês, meus queridos 9, vão concordar
comigo: Tom Jobim foi o melhor dos Tipos 9 que nasceu
neste belo país! Quando vim viver neste paraíso terreno e
comecei a ver Tom Jobim na TV, “ao vivo”, cantando desse
jeito tão amigo, tão íntimo, simplesmente, me tornei mais
um dos seus milhões de fãs! Gravei uma de suas últimas
entrevistas-reportagens-ecológicas, realizadas pela TV
Bandeirantes, em que ele falava da Mata Atlântica, dos
pássaros, da natureza que tanto amava. Ouvir seus papos
descontraídos na TV era muito agradável. Quando soube da
sua morte, foi como se perdesse um amigo muito querido.
Com certeza, esse foi o sentimento de milhões de
brasileiros e estrangeiros que o amavam por sua
simplicidade e bonomia.
Atrevo-me a dizer que Tom Jobim se enquadra,
perfeitamente, na descrição do Tipo 9 “sadio” que Riso faz
em seu Tipos de Personalidad - El Eneagrama para
descubrirse a si mismo : “(...) indivíduo dono de si mesmo
(...) autônomo e realizado: equânime e satisfeito.
Profundamente receptivo e pouco coibido, emocionalmente
estável e pacífico. Otimista, apaziguador, apoiador dos
demais, paciente, bonachão, modesto, uma pessoa
genuinamente agradável.”
Pode-se perceber facilmente todas essas características
em Tom Jobim na longa entrevista que deu ao jornalista
Walter da Silva, numa manhã ensolarada de novembro de
1994 na sua casa do Jardim Botânico no Rio. A longa
entrevista (“48 laudas, 67.258 caracteres”, segundo o
repórter) foi publicada numa “edição histórica” da revista
Qualis e dela pincei algumas respostas que confirmam o
Tipo Eneagramático “sadio” mencionado. Vejamos o que o
excelente jornalista escreveu sobre este popular brasileiro:
“Ele não era uma pessoa que se entrevistasse, mas sim
alguém com quem se poderia ficar ali conversando ao sabor
de seus pensamentos de multidirecionalidade (...)”; “(...)
pude notar seus gestos largos e vagarosamente generosos
(...) as mãos eloquentes mantendo os braços sempre
abertos reforçavam o calor da hospitalidade dos agradáveis
momentos que passei em sua companhia. Um anfitrião
nobre. Um gentleman absoluto (...) Nos momentos de
análise rigorosa e aguda, ele nos surpreende com seu
humor sutil, certeiro e maroto”. O repórter ainda lembra que
“ao nos despedirmos, Tom (...) gritou pra mim da copa onde
almoçava com a família (...): ‘Walter, não se esqueça de
colocar na tua matéria que tudo isso é trabalho! Não se
esqueça!’” Na entrevista, publicada ipsis litteris pela revista,
Tom revela uma das características do Tipo 9 descrita por
Helen Palmer como “entrar e sair de conversas pensando
em várias coisas de uma só vez” . Numa parte ele lembra:
“Eu recebi muita carta do exterior de gente que ia se
suicidar e que disse ‘olha, eu não vou me suicidar porque
escutei essa música sua e acho que a vida vale a pena’”(...).
numa outra diz: “A minha música é pra levar o cidadão a
Deus.” Num trecho longo, reclama da imprensa e dos
críticos: “Você vê esse troço aqui, veja o peso deste troço,
não tem nada. (...) Primeiro, sabe o que acontece? Música é
um negócio que já é difícil de você falar (...) E depois o cara
acaba falando mal do próprio compositor, diz que ele é isso,
que ele é aquilo, aponta defeitos físicos (...) E dizer que isso
é crítica musical (...) inclusive não conhecem música, né?” E
por aí vai! Depois fala com carinho da sua irmã e revela que
foi por ela que seu nome virou Tom: “A minha irmã não
sabia dizer Antonio Carlos, então ela me chamava de ‘tom,
tom’.” Depois das criticas à imprensa, reclama das
construções no Rio: “O que se fez com uma cidade linda
como o Rio (...) uma cidade feita por Deus (...) aí nós vamos
encher isso de espigões (...) cobrem ainda mais o perfil tão
bonito, né?, do Rio de Janeiro.”
Quando o jornalista pergunta sobre o tema ecologia ele
diz: “Olha, quando eu comecei as minhas atitudes
ecológicas, eu não sabia que elas eram ecológicas.” Depois
fala dos animais, dos pássaros e das suas experiências no
estrangeiro. Aí o jornalista lhe pergunta: “E quanto às suas
atividades no exterior?” E ele responde como um bom 9:
“Eu não estou muito preocupado com isso. Não.” Após falar
numa série de nomes internacionais famosos que estavam
interessados em gravar músicas dele e junto com ele, diz:
“Em suma, o mundo tá cheio de coisas. Agora, por exemplo,
sair do Brasil pra fazer a América e tal, como... Ah, isso não
dá.” Será que um Tipo 3 ou 7 teria perdido essas
oportunidades de ir “pra fazer a América e tal”? Claro que
não! Mas um 9 pode, mais ainda quando está realizado.
Outro aspecto do seu Tipo aparece quando fala sobre as
perdas das suas composições. O jornalista lhe pergunta:
“Você, que compôs mais de 400 músicas...” Ele não o deixa
terminar e responde: “Dizem, dizem... Pelo menos umas
cem se perderam. Que eu saiba, aí no arquivo talvez só
tenham umas trezentas. Você vai perdendo no avião, vai
perdendo...”
Outra de 9 no Tom é esta. Quando responde à pergunta:
“Falando sobre a bossa nova, um assunto inevitável, o que é
que você guarda desse período?”, responde: “Ah, sei lá. É
tanta coisa. Eu acho que é tudo isso aí que você disse
(rindo). Mas de porre a gente não se lembra de quase nada,
né, tá tudo meio apagado (...)” Após falar da bossa nova,
volta a falar da imprensa, do seu amigo João Gilberto a
quem acha “bastante” introvertido. Então, o jornalista
aproveita o “gancho” e lhe pergunta: “Você é uma pessoa
extrovertida, né?” e ele responde: “Talvez, por força das
circunstâncias . Porque quando era garoto, eu gostava de
subir numa árvore e ficar quieto lá em cima. Gostava de
subir no telhado... Tinha um pouco um caráter meditativo. E
hoje em dia, naturalmente, tudo isso foi bagunçado (...) hoje
em dia inclusive tá difícil trabalhar porque é entrevista o
tempo todo, né?” Quando o jornalista comenta que “você já
produziu muita coisa e escreveu a história da música
popular brasileira...”, Tom o interrompe novamente e diz:
“Exato, eu acho que já posso parar, né?” Logo a pergunta
inevitável: “O que você espera da tua vida e qual o teu
plano para o futuro?” Sua resposta é: “Descansar, comprar
uma bengala, uns óculos novos (rindo) pra poder ver as
moças de uma distância oficial.” Falando sobre sua absoluta
falta de ambição e demonstrando seu desinteresse pela
fama e o sucesso que já possuía diz: “(...) o que move é que
tem essas músicas bonitas, né, que foram feitas e foram
movidas pelo amor. Ninguém pensou em dinheiro e nada
disso (...) eu achei que isso não ia sair de Ipanema, achei
que isso ia chegar em Copacabana.” O jornalista, então, lhe
pergunta: “Vocês não tinham pretensão de ‘vamos atingir
São Paulo e as outras capitais?’” E ele responde como todo
Tipo 9 faria: “Não, nada disso. ‘Vamos atingir São Paulo’,
essa conversa já me dá uma preguiça. ‘Vamos fazer os
Estados Unidos’, ‘made in America’, ‘to make America’, isso
me dá um cansaço invencível. Eu nunca teria ido aos
Estados Unidos se o Itamaraty não tivesse me obrigado (...).
E eu nunca teria tentado ir à América, uma coisa dificílima.
Sair daqui depois de grande, sem falar inglês, tentar a vida,
tentar o quê? Ser o quê? Sapateiro, pianista... As profissões
são poucas, ditador, carteiro, soldado... O sábio declarou ao
jornal que ainda falta muito para o mundo adquirir um nível
razoável de cultura. Até lá felizmente estarei morto. Aí vai
ter muita fumaça e tudo, né? De que adianta você pagar
milhões de imposto e morar numa cidade que você não
pode respirar?”
Assim era o saudoso Tom Jobim, e, quando ele declara que
“nunca teria ido aos Estados Unidos se o Itamaraty
não tivesse me obrigado”, ele demonstra uma das
características do Tipo 9 que, quando não superada pode
provocar graves problemas aos que se identificam com este
Traço Eneagramático. Quer saber por quê? Então, vamos
começar a análise deste Tipo 9 antes que a gente esqueça :
 
 
A “Doença do Amanhã” ou “Preguiça”
 
Relembremos uma das três citações de Gurdjieff com as
quais iniciei este capítulo:
“Aquele que tiver se libertado da ‘doença do amanhã’ terá
uma chance de obter o que veio procurar aqui.”
Quando Gurdjieff fala de uma “doença do amanhã” e de
nossa incapacidade de “ir até o fim” em tudo o que
queremos fazer, está se referindo, com certeza, aos “efeitos
negativos” da nona máscara eneagramática e a destaca
veementemente como algo a ser vencido, porque, esta
“doença do amanhã” é considerada “falta grave”, tanto que
ganhou o status de um dos “Sete Pecados Capitais”. Seu
nome mais comum: preguiça.
Devemos lembrar que a Preguiça está localizada no vértice
superior do triângulo equilátero do Eneagrama, e como a
Mentira e o Medo, é uma das principais causas de todos os
demais Tipos já analisados. Quando alguém nos diz que
alguma coisa foi adiada, postergada, protelada, esquecida,
etc. sabemos que provavelmente esta coisa não estava
pronta, não foi concluída porque alguém “esqueceu” de
terminá-la, não foi considerada como algo “importante a
realizar”. Todos nós sofremos desta “doença do amanhã”,
só que os Tipos 9 a sofrem “principalmente”. Repetidas
vezes e sobre diversas ações, projetos, tarefas e
necessidades, em qualquer nível, ouvimos dizer “amanhã
vou continuar”, “amanhã farei”, “amanhã sim, começarei
a...” O problema é que essa “protelação” pode voltar a
ocorrer “amanhã”. Por isso a “observação” deste “efeito” do
Traço Principal é muito valiosa não só para os Tipos 9, mas
para todos nós.
Mas no caso dos Tipos 9, o problema não é somente esse e
sim um mais profundo que completa e motiva este “Traço
Principal.”
 
 
Tipos 9 são preguiçosos? Não. Pelo menos não como
se entende
esta palavra habitualmente
 
Como veremos no decorrer desta análise, o problema não
é que os Tipos 9 sejam “preguiçosos”, no sentido de “não
fazer nada”. Eles até fazem muitas coisas e, às vezes, ao
mesmo tempo. Então, por que em todos os textos sobre
Eneagrama se faz tanta questão de destacar este fato?
Vejamos.
Para Helen Palmer o “pecado mortal da preguiça é
atribuído a Noves, porque seus hábitos se destinam a
drenar energia e atenção para fora daquilo que lhes é
essencial na vida”. Já para Don Richard Riso, a passividade
dos Tipos 9 é uma “ironia” já que “ devem fazer algo para
não fazer nada”. Coincidindo com Gurdjieff, Riso conclui que
os possuidores desta máscara “se tornam passivos, a vida
começa a acontecer-lhes”. Claudio Naranjo tem uma visão
ainda mais profunda sobre o assunto, quando diz que a
intenção original da palavra preguiça está no termo latino
anterior “accidia” o qual apontava para um problema muito
mais “complexo”: “Psicologicamente, accidia se manifesta
como uma perda de interioridade, uma recusa em ver e
uma resistência à mudança.”
Na minha visão, os Tipos 9 não são preguiçosos no sentido
de não fazerem nada, são Preguiçosos em relação a si
mesmos . O que significa isto? Simples: que tudo o que tem
a ver com eles, com suas necessidades, com seus reais
problemas, com seus “negócios”, com seus projetos, enfim,
eles esquecem, adiam, protelam, “deixam pra lá”. O que é
essencial nas suas vidas, o que deveriam realmente fazer, o
que lhes impede de ver qual a sua “realidade” e o que lhes
impede de ver e sentir que coisas, atitudes, práticas e
hábitos deveriam mudar em suas vidas, eles “não lembram”
graças a um truque com que se autoenganam: eles estão
“ocupados”. Sim. Eles fazem muitas coisas ao mesmo
tempo, falam muito, resolvem os problemas dos outros,
dedicam-se a questões “simples”, enfim se evadem de si
mesmos e até se esgotam nessas ações para poder dizer
aos outros: “Trabalhei muito hoje e é por isso que não tive
tempo para me preocupar com estes outros assuntos que
sei são importantes para mim, mas...”
Ao refletir sobre como “atuou” num determinado momento
de sua vida apenas “levado” pelas circunstâncias, ou seja,
ele não “fez”, apenas “aconteceu” que teve que “fazer algo
para não fazer nada”, um dos nossos alunos nos mostra
esta manifestação do Traço Principal: “O Tipo 9 pertence ao
triângulo mais próximo da essência e, olhando
retrospectivamente, posso perceber o movimento
automático pelos vértices, tanto na minha vida profissional
como no meu casamento. A preguiça, talvez o pior dos
vícios capitais, é socialmente estigmatizada, em especial,
nos estratos sociais mais favorecidos, no qual me incluo, ao
receber uma educação preciosa. Existe uma pressão social
para a pessoa ir à luta e fazer a vida. No meu caso, essa
pressão coincidiu com uma paixão que me levou ao
casamento e portanto à necessidade de trabalhar, ganhar
dinheiro, etc. e tal. Esses dois fatores talvez sejam
universais para levar o Tipo 9 a sair da inércia e ‘pegar o
carro’. Como o Tipo 9 não tem um querer próprio (ou custa a
descobri-lo), o que fiz foi tornar-me um executivo de
empresa onde eu podia seguir a reboque de um empresário
que, ao menos externamente, sabia o que queria. Assim,
comecei a desempenhar o papel de executivo, vestindo a
máscara número 3 do autoengano. Adaptei-me muito bem a
esse papel na medida em que ele me dava uma ‘identidade’
que não possuía. No papel era ‘mais realista que o rei’ e
embora nunca chegasse cedo ao escritório – certamente um
sinal da ‘Preguiça’ a me dizer que aquele papel nada tinha a
ver comigo – era capaz de passar dois ou três dias diretos
sem dormir, trabalhando, se as circunstâncias assim o
exigiam, não tirar férias, tudo em prol da chamada ‘honra
da firma’ (...) Na medida em que minha identidade estava
inteiramente amalgamada com um papel, eu não podia me
relacionar com tranquilidade, de igual para igual com as
pessoas que ocupavam outros papéis. As pessoas eram
superiores ou inferiores (...) Isto me fazia falhar sempre que
tinha uma negociação a fazer com um ‘superior’ (...) se não
contasse com o apoio de algum companheiro, me
acovardava e era malsucedido ou simplesmente postergava
ou depreciava a entrevista (...) Em seguida, a pressão social
e do cônjuge me faziam retornar ao desempenho do papel
(...)”
Simplesmente, ele não existia para si mesmo, para suas
necessidades, enfim, tudo era porque tinha se casado,
porque tinha que trabalhar e ganhar dinheiro, porque deve
ser um executivo bom, porque, tudo era apenas um “papel”
que demonstrava um forte “movimento negativo contra a
seta ao Ponto 3 do Eneagrama. É disto que se trata o “Traço
Principal”.
 
 
Esquecimento de si mesmo:
eis a causa do traço principal!
 
Os Tipos 9, simplesmente, sofrem do Esquecimento de Si
Mesmos, ou seja, esquecimento de que somos seres
capazes de atuar conscientemente, no presente, no aqui e
agora. Sabemos que a própria definição clássica de
“consciência”, segundo Pradines, é cum-scire , ou
“possessão de si mesmo”. Para compreender o tremendo
valor psicofilosófico que isto encerra, observe que só
quando uma pessoa “lembra de si mesma” atinge o nível de
“possessão de si” que Gurdjieff definia como “consciência
de si”. Esta “consciência de si” é atividade consciente, ato
consciente, ação consciente, e portanto um verdadeiro
fazer, já que, como ele ensinava, no estado de “consciência
habitual” nenhum ser humano “faz” realmente. Nesse nível,
tudo apenas nos acontece . Para o Tipo 9, estas questões
sintetizadas aqui são de grande importância, tendo em vista
que seu Traço Principal, a preguiça, implica um contínuo
estado de “Esquecimento de Si Mesmo”. Gurdjieff dizia que
“para fazer é preciso ser”. Logo, o “Esquecido de Si Mesmo”
é como se não existisse. Então, objetivamente, ele não faz,
apenas tudo lhe acontece. Por isso Gurdjieff revela a seu
aluno que, naquele momento, “ele não existia de modo
algum”.
 
 
Dispersão: deixando de lado o mais importante
(o que é mais importante mesmo?)
 
A maioria dos Tipos 9 percebe com facilidade esse
Esquecimento de Si Mesmo, e o sente como algo a ser
trabalhado. Descrevem-no com expressões do tipo: “fico
como uma barata tonta”, “atuação dispersa”, “acabo me
perdendo”, “dificuldade de me ver”. A dispersão, no fundo,
é um modo de fugir do principal, do que realmente deve ser
feito, do que tem a ver com eles mesmos, e provoca muita
tensão quando se tem consciência dela.
Alice, uma de nossas alunas Tipo 9, escreve:
“Fujo muito dos meus propósitos, me disperso com a maior
facilidade, faço uma porção de coisas ao mesmo tempo e
acabo me perdendo.”
Outra de nossas alunas assim expôs a questão:
“O que mais dificulta a caminhada de um 9, pelo menos no
meu caso, é a atuação dispersa, a incapacidade de se
concentrar por muito tempo numa direção, distraindo-se
com mil interesses, sem concluir a maior parte deles. Por
conta desta dispersão posso fazer muitas leituras, ver filmes
interessantes, peças de teatro fantásticas, fazer cursos de
diferentes coisas, vibrar com tudo isto e, tão logo os deixo
de lado, já os esqueci por completo, sendo incapaz de
lembrar mesmo o tema central de um filme interessante (...)
Com esta mesma facilidade esqueço meu trabalho de auto-
observação e lembrança (...) Esse desligamento, essa
dispersão da atenção e esquecimento criam-me situações
embaraçosas (...) e não raro esqueço a razão principal de
uma ação para fazer algo diferente (...)”
Um aluno Tipo 9 declara:
“Me identifico com o número 9 por contrariar o dito
popular: ‘não deixe para amanhã o que pode fazer hoje’. Na
maior parte das vezes, vejo-me protelando os meus
afazeres ou dispersando-me neles, deixando de lado o mais
importante e partindo para aqueles de menos valor ou mais
fáceis de executar (...)”
Neste outro depoimento, a percepção de que “O
Esquecimento de Si” equivale ao esquecimento do que é
importante para o Tipo 9 fica bastante clara:
“(...) A questão da procrastinação é uma questão séria,
uma dificuldade imensa de realizar coisas, projetos.
Dificuldade de priorizar o que seria mais importante fazer
primeiro. Dificuldade de discernir se tal coisa é importante
ou não para mim (...) Tendência a absorver muito as
responsabilidades, responsabilidades que poderiam, às
vezes, ser divididas com outras pessoas para as quais
certos assuntos ou projetos também são importantes (...)
Dificuldade de me ver, de ter um contorno de mim (...)
muita dificuldade de saber o que é importante pra mim!”
A dificuldade de priorizar o que seria mais importante
pode ser traduzida mais objetivamente como: “o que seria
mais importante fazer primeiro para mim”. Os Tipos 9
devem compreender profundamente que esta é a chave
para a conquista do Traço Principal.
 
 
A dificuldade de estar presente
(ou como Cronos, o tempo, devora seus filhos)
 
Os Tipos 9 tanto admitem ter grandes dificuldades para
enxergar suas próprias necessidades e valorizar seus
projetos de vida pessoais como, em consequência do
“Esquecimento de Si Mesmos”, sofrem ao perceber que o
“tempo passa voando” e não conseguem ou têm muitas
dificuldades para concretizar qualquer coisa. É como se não
conseguissem perceber a passagem do tempo. Os dias
passam e as coisas vão sendo adiadas e/ou esquecidas. Os
meses passam. Os anos passam. Muitos Tipos 9 admitem
que esse passar do tempo parece algo muito difícil de
perceber. Por esta razão, eles vivem situações muito
“engraçadas” nas quais fica muito clara essa tremenda
dificuldade de considerar e estar no presente.
Em um engraçado e incrível depoimento, um aluno nos
revela esta dificuldade:
“Certa manhã, por volta das 9 horas, me dirigi à padaria
com o objetivo de comprar pão e leite. Entretanto, antes de
lá chegar, encontrei-me com um amigo que (...) disse:
‘Vamos dar um pulinho rapidinho ali na casa de um colega e
daqui a, no máximo 30 minutos, estaremos de volta (...)’
O cara entrou por algumas ruas de Niterói nas quais tinha
passado e, de repente, depois de uns 10 minutos, entramos
numa residência onde se encontravam várias pessoas
comendo e bebendo e me serviram, imediatamente, uma
cachacinha.
Papo vai, papo vem, quando dei por mim, já estava na
casa do sogro desse amigo, participando de uma
caranguejada... Conclusão: Só consegui telefonar para casa
por volta das 2 horas da manhã do dia seguinte!”.
A impossibilidade de ter contato com o momento presente
é outra consequência do Esquecimento de Si Mesmo. O
mais grave desta perda de contato com o presente é que,
de alguma maneira, Tipos 9 começam, literalmente, a
serem devorados pelo tempo. Neste sentido, sempre lembro
aos participantes de nossos workshops que vale a pena
lembrar o mito de Cronos, que costumava “devorar seus
filhos”. Neste mito existe uma clara advertência sobre a
necessidade de estarmos “conscientes e alertas” no
“presente” para evitar que Cronos (o tempo) nos devore, ou
seja, de nos conscientizarmos de que precisamos agir agora
e não amanhã.
Em função desta perda da noção de presente, os Tipos 9
deixam de fazer muitas coisas importantes e chegam até a
“esquecer” as razões pelas quais realizam determinadas
ações. Às vezes precisam inclusive que alguém lhes lembre
o objetivo desses esforços. Por isso se sentem mais seguros
agindo sob o comando de alguém, já que desta maneira não
correm o risco de perder o rumo de suas ações. Nos
depoimentos abaixo fica claro como essa incapacidade de
estar no presente leva os Tipos 9 a deixarem de “lembrar”
quais os objetivos relacionados às suas ações e decisões:
Uma aluna lembra:
“(...) quando fui ter minha terceira filha, fiquei na casa de
uma prima (ela foi para a casa de praia e eu fiquei na sua
residência com meus dois filhos e a empregada). O neném
nasceu. Tudo bem (...)
 
Já ia regressar à minha casa, malas prontas, tudo em
ordem (...) quando chegamos no elevador o meu filho (o
segundo) perguntou: ‘Mamãe, e o neném, vai ficar?’ Eu
tinha esquecido, ia embora, e ela lá no berço!”
Outra aluna conta:
“Certa vez fui à cidade resolver um assunto e encontrei o
local fechado para almoço indicando no aviso que reabriria
às 14:00. Decidi ‘fazer hora’ para esperar e entrei numa
livraria, folheei livros, li, saí, tomei sorvete, voltei, olhei
novos livros e por fim olhei o relógio – 14:00. Pensei: ‘Está
na hora’ e, ato contínuo, tomei o ônibus para casa. Só então
me dei conta de que eu ‘fizera hora’ para esperar abrir o
lugar onde deveria resolver um assunto.”
 
Muitos Tipos 9, quando compreendem o que significa ser
“devorado por Cronos”, começam a valorizar mais o que
chamamos o “momento presente”.
 
 
A questão do “território aberto” e “sem limites”
e suas consequências
 
Temos dito que os integrantes da tríade superior do
Eneagrama (Centro Físico e/ou do Movimento), ou seja, os
Tipos 8, 9 e 1 se relacionam de modos diferentes com o que
chamamos o “território”. Vimos que os Tipos 1 os delimitam
e ordenam e que os Tipos 8 desejam sempre ampliá-los
num inevitável desejo de expansão à procura do poder. Os
Tipos 9, pelo contrário, não conseguem delimitar seus
territórios e não possuem muito interesse em ampliá-los.
Lembra Tom Jobim? Ele não escreveu suas músicas para
ganhar mercados e muito menos tinha planos para
conquistá-los. Isso lhe provocava um “cansaço invencível”.
Os Tipos 9 não são “ambiciosos” e não possuem nada do
jeito que outros Tipos desejam possuir. Carecem de apego a
coisas materiais. Isto seria uma virtude, se não
exagerassem. Questões importantes não são protegidas,
coisas são perdidas, esquecidas, abandonadas. Muitas
vezes, abrem mão demais de suas próprias necessidades e
perdem facilmente o controle das coisas. Ou seja, se os
Tipos 8 exageram ao controlar e fixar limites, os 9 quase
não o fazem. Se os Tipos 1 exageram na ordem, os 9 às
vezes são largados demais. A dificuldade de delimitar sua
própria ordem e de definir qual será o território pessoal a
ser conquistado e protegido, leva os Tipos 9 a viverem
situações muitas vezes complicadas. Em parte, por não
saberem dizer “não” quando necessário. Um dos nossos
alunos Tipo 9 escreveu:
“Minha atitude básica de vida é me sentir bem na medida
em que vejo os outros bem. Nisto não meço esforços para
ajudá-los, mesmo que às vezes prejudique a mim mesmo...”
Querendo evitar atritos, muitas vezes aceitam qualquer
coisa e concordam com situações que lhes são totalmente
prejudiciais.
Reconhecendo a falta de limites na sua relação com as
outras pessoas, uma aluna escreveu, em terceira pessoa,
que se achava:
“...disponível demais. Às vezes não sabe o que é seu
desejo, vai nas águas do outro. Difícil definir o que é seu
desejo e quando esse desejo é do parceiro ou do filho, etc.
(...) assediada por pessoas com problemas (...) nossas
qualidades [se refere a seus pares eneagramáticos] acabam
virando defeito por excesso (...)”
 
A ideia de “evitar problemas” tem a ver com uma redução
das próprias necessidades e um abandono do que teria que
ser cobrado e/ou priorizado nos seus relacionamentos
pessoais e profissionais.
Psicologicamente, não ter “território” definido e ficar
“aberto” a todas as coisas, pessoas e situações, é um modo
de estar sempre em paz, de viver tranquilo. Quando se
determinam a realizar algo “bem-feito”, não existe o desejo
de obter benefícios e com isso fazem o que tem que ser
feito, para ficarem livres novamente e evitarem atritos.
Os Tipos 9 com maior influência do Ponto 8 procuram
atingir um estado de “não atrito”, não gostam de problemas
e ficam irados quando não os resolvem, razão pela qual se
esforçam ao máximo na procura dos meios que lhe tragam
as ansiadas “paz e tranquilidade”. Aqueles com maior
influência do Ponto 1 querem ter a certeza de que
conseguiram uma ordem, um espaço próprio, no qual estará
garantida a “tranquilidade” que procuram constantemente.
Em ambos os casos, não se quer ter um território exclusivo
e sim um território livre de problemas, razão pela qual
sempre estará “aberto a todos”.
Uma aluna para a qual o território tem a ver com esse
espaço pessoal no qual não existem possibilidades de
“atritos” e com forte influência do Ponto 6 escreveu:
“Talvez pelo medo de ser mal interpretada me isolo muito,
com certeza, para não me aborrecer. O que mais me fascina
é a paz! Troco tudo, faço tudo para estar em paz (...)”
 
A falta de “território” produz naturalmente a falta de
“limites”. Então, percebem que perdem de vista e abrem
mão de suas próprias necessidades. Quando os Tipos 9
começam a perceber o quanto esta falta de “território” e de
“limites” lhes faz falta, ficam irritados ao descobrirem como
é difícil para eles introduzi-los. Este depoimento de Julia
deixa clara esta questão:
 
“Foi muito claro e terrível observar (este) comportamento.
Sentir-me dominada por ele e só depois perceber que aquilo
me incomodava, que não era justo e que em muitas outras
ocasiões eu vivi fazendo exatamente o mesmo, porque sou
eu que não defendo meu espaço, permito que os outros o
invadam e abusem do que é meu de direito e de fato (...)”
Apesar de perceberem a necessidade de “botar limites” e
garantir seus “espaços”, os Tipos 9 protelam o mais que
podem essas iniciativas que os beneficiam grandemente.
Talvez precisem compreender que não significa ficar
fechado demais, que não significa ter que parar de ajudar
os outros, nem que devem renunciar a esse jeito amistoso e
amoroso de ser. Apenas significa estabelecer e ser
responsável pelo “território” individual, enxergando a
necessidade e a importância dele como um meio de superar
o Esquecimento de Si Mesmos. Isto porque, quando cientes
de seus limites e da responsabilidade por seu “espaço”
individual, os Tipos 9 aprendem que dizer não , às vezes, é
necessário e que atender às suas próprias necessidades é
tão importante como satisfazer as alheias.
 
 
Iniciando o processo de mudanças positivas.
Observando a raiva: a influência dos parceiros
Eneagramáticos 8 e 1
 
É interessante para os Tipos 9 perceber que existe algo em
comum entre seus parceiros eneagramáticos 8 e 1: a raiva,
a ira. Enquanto os Tipos 8 explicitam sua ira com rapidez e
instintivamente com todos os exageros que lhe são
“normais”, e Tipos 1 evitam manifestar sua raiva o quanto
podem pelo fato de considerá-la uma imperfeição e/ou a
disfarçam por meio de seus “regulamentos” e suas
“exigências”, os Tipos 9 “acumulam” a raiva. Apesar de
evitarem a raiva e preferirem superá-la, em determinadas
circunstâncias, eles vão ficando com raiva “aos poucos”, na
medida em que percebem os resultados negativos de suas
condutas “proteladoras”. Vão ficando irritados porque
percebem como o Esquecimento de Si Mesmos os
atrapalha. Percebem como perdem oportunidades, como a
preguiça os afeta negativamente. Desta forma, reagem
iradamente quando atingem certos limites, ou melhor, como
já assinalei anteriormente, quando percebem a necessidade
desses “limites” e não suportam mais os resultados de suas
protelações, atrasos e assuntos pendentes. Como não
desejam ter conflitos com a realidade, como não desejam
perder a paz e a tranquilidade, a raiva dos 9 se acumula, se
retém, até que se manifesta como uma necessidade
imperiosa de estabelecer esses limites, de concluir
processos, de atingir objetivos. É uma raiva desesperada e,
no fundo, autodirigida. Essa agressividade, no seu aspecto
negativo, os leva aos exageros próprios do Ponto 8,
correndo o risco de perder o controle e de agir
desesperadamente, sem considerar os resultados dessas
reações “explosivas”. É uma raiva desencadeada após ter
suportado “todas as injustiças” cometidas contra eles,
especialmente pelas pessoas que “deveriam” comportar-se
como eles.
Já a influência negativa do Ponto 1 os leva a isolar-se, a
afastar-se do que provoca a ira, negando-se a admitir que
as causas de determinadas situações foram provocadas por
eles mesmos. É a raiva que acusa os que abusam de sua
boa vontade e não se preocupam com suas necessidades
como eles se preocupam com as deles.
Continuemos com o depoimento de Julia, nossa aluna Tipo
9. Ela nos descreve como e por que a raiva pode ser
manifestada:
“Eu havia combinado com um trabalhador para que ele
fosse à minha casa concluir uma tarefa para a qual já fora
pago, fazendo isto parte de um trabalho maior que
havíamos acertado, sendo que enquanto trabalhava para
mim eu o cedera a uma amiga para que realizasse para ela
uma tarefa.
Satisfeita com o trabalho dele, ela queria que ele voltasse
para fazer novo trabalho e assim quando ele ligou para
combinar o dia e a hora de ir à minha casa e eu atendi ao
telefone, minha amiga entrou na linha pela extensão (pois
eu estava na sua casa) e forçando a conversa onde eu
marcava o horário cedo de manhã para que ele chegasse,
ela interferia e quase impôs que ele fosse primeiro à sua
casa e depois à minha. Eu, como de costume, enquanto
falava pensava que não tinha mesmo outro compromisso e
acabei concordando que ele atendesse a ela antes, para
logo em seguida morrer de raiva porque percebia o velho
jogo de ceder aos outros achando que os interesses e
prioridades deles são mais importantes que os meus e que
eu posso ficar para depois. Estava louca de raiva dela
porque sei que aquele é seu comportamento habitual (...)
sempre defendendo seu espaço (...) enquanto sentia mais
raiva ainda de mim porque, enquanto fazia a concessão,
percebia um movimento mais interno avisando que eu
estava agindo errado. Era uma raiva enorme por sentir-me
invadida, enquanto me vinham à mente muitas outras
ocasiões em que, diante de um direito líquido e certo meu,
eu permitira que alguém me roubasse algo. Parti para ela
com grande agressividade verbal dizendo-lhe que ela não
tinha direito de julgar o tempo dela mais precioso do que o
meu (pois o que ela queria era ter certeza de ser atendida
cedo para ficar livre depois) principalmente quando ela
sabia que eu tinha urgência de terminar os trabalhos de
minha casa.
Contive-me depois o quanto pude e analisando o fato à luz
dos meus direitos e de como minha amiga costuma dirigir
seus interesses sem levar ninguém em consideração ou dar
satisfações do que faz, resolvi fazer o que ela certamente
faria. Liguei de volta para o trabalhador, desfiz o combinado
informando-o que fosse à minha casa primeiro. Esforcei-me
ao mesmo tempo para ver a situação do ângulo de minha
amiga, ou melhor, da maneira como ela atua (...) preparei-
me para não informar nada a ela, não dar satisfação e fazer
valer meus interesses.
No dia combinado, o homem foi à minha casa e ela,
esperando e vendo a demora, telefonou para mim para
saber dele. Eu disse que ele estava comigo, e embora tendo
jurado que não daria satisfações, não pude evitar o tom de
raiva na voz enquanto de alguma forma lhe dava uma
satisfação dizendo-lhe que ele estava a meu serviço, que eu
o chamara e que depois falaríamos sobre os motivos do
meu e do seu comportamento (...) embora eu soubesse que
isto seria uma conversa difícil e inútil (...)
Senti-me novamente com raiva porque dar explicações é
também um comportamento mecânico meu, mas desta vez
fui capaz de ter um pouco de compaixão de mim mesma
porque, pelo menos, uma coisa eu já havia feito: defendera
meu espaço mesmo que tardiamente.”
Achei muito importante transcrever este depoimento
quase na íntegra, porque descreve muito bem o modo como
a raiva retida faz com que os Tipos 9 “explodam” de vez
quando percebem o quanto suas atitudes os prejudicam. A
energia gasta em todo o processo descrito pela nossa aluna
foi exagerada. De fato, demonstra apenas o fruto de sua
própria máscara. Uma parte da sua raiva é contra si mesma,
já que percebe como o fato de ficar “aberta” demais lhe dá
a impressão de ser “invadida” pela sua amiga, na qual
reconhece a capacidade de cuidar de seus interesses
pessoais como ela não consegue fazer. Os Tipos 9 não
podem botar a culpa no mundo (influência negativa do
Ponto 8) por essas situações nem achar que são “vítimas”
de uma situação que eles mesmos provocam. O modo
negativo com que vemos a influência do Ponto 1 neste
depoimento, se dá no momento em que nossa aluna decide
“julgar” sua amiga e propor-lhe uma conversa sobre o
quanto era errado seu comportamento. Ela chega a afirmar-
se satisfeita pelo fato de ter conseguido “defender” seu
“espaço” mesmo que “tardiamente”. Mas é justamente
nesta frase que a influência negativa de ambas as “asas” (8
e 1) se tornam mais presentes nas palavras “defender” (8)
“meu espaço” (1), revelando que todo esse problema faz
parte de seu Traço Principal resumido na palavra
“tardiamente”. Em todo caso, nossa aluna demonstra que
está fazendo os primeiros esforços para atingir um melhor
conhecimento de si mesma e sabemos que da época do
depoimento até hoje, seus esforços são cada vez mais bem-
sucedidos.
Em resumo, os Tipos 9 deveriam aprimorar a Observação
de Si Mesmos, evitando culpar os outros pelos seus
esquecimentos e erros, aprendendo a respeitar mais a si
mesmos e percebendo as suas necessidades e prioridades.
 
 
O negativo dos movimentos aos Pontos 3 e 6:
reconhecendo o medo e a mentira
 
A mentira (movimento negativo ao 3): Os Tipos 9
costumam mentir a si mesmos em relação aos esforços que
dizem estar dispostos a realizar para atingir seus objetivos.
Este movimento contra a seta ao Ponto 3 do triângulo
eneagramático serve negativamente para que justifiquem
de todas as maneiras o fato de “não terem tempo para” ou
de “estarem muito ocupados com muitas outras coisas”, o
que, aparentemente, lhes impediria de fazer ou realizar o
que seria mais necessário e importante. Uma aluna
reconhece:
“Detesto mentira, faço o possível para falar a verdade, sou
muito atenta quanto a isso. Mas para mim minto com
frequência, arrumando pretextos e assim adiando
mudanças no meu modo de agir.”
 
O movimento negativo ao Ponto 3 se dá, então, de duas
maneiras: mentindo a si mesmo e mentindo aos outros que
acham, ou podem achar, que realmente o sujeito está muito
ocupado e não tem tempo de fazer qualquer outra coisa.
Vimos também, num dos depoimentos iniciais, que também
mentem assumindo “papéis” que não lhes interessam com
o objetivo de serem aceitos pelos demais e/ou de satisfazer
suas necessidades imediatas de ordem financeira ou
material.
No desempenho desses “papéis” realizados sem
verdadeiro interesse e apenas pela pressão exterior, os
Tipos 9 parecem dar-se muito bem, pois ninguém percebe
sua “falta de interesse”, porque, paradoxalmente, se
mostram receptivos e atentos.
Geralmente, quando os outros o conhecem
“externamente”, eles parecem pessoas serenas, tranquilas
e autocontroladas. Porém, por trás dessas “virtudes”
aparentes, ocultam uma grande falta de interesse pelo que
executam. A ideia é livrar-se logo dessa tarefa para voltar a
ficar em paz.
 
 
O Tipo 9 e o tipo de sensação introvertida de Jung
 
Acho que este é o momento oportuno para refletir no tipo
junguiano que se assemelha ao Tipo 9: o chamado “tipo de
sensação introvertida” . Na descrição que Jung faz deste
tipo em seu Psychological types lemos o seguinte:
 
“Talvez (o sujeito) se destaque por sua calma e
passividade, ou pelo seu autocontrole (...) Esta
peculiaridade (...) na realidade se deve à sua falta de
relação com os objetos (...) Visto de fora, parece como se o
efeito do objeto não penetrasse em absoluto dentro do
sujeito (...) quando a influência do objeto não irrompe
completamente, é recebida com uma neutralidade bem-
intencionada, mostrando pouca simpatia, porém,
constantemente tratando de acalmar-se e ajustar-se (...)”
Neste caso, a “mentira” do Ponto 3 está relacionada com a
necessidade dos Tipos 9 de parecer externamente ativos.
Muitas vezes conseguem “enganar” os outros com essa
aparente disposição, a ponto de receberem elogios pelo seu
“espírito cooperativo”. A verdade se mostra quando de
repente não cumprem prazos, se ausentam sem
necessidade, deixam questões “feitas pela metade” e
declaram “esquecer” determinados compromissos, o que
resulta muito adequado já que todos estão mais do que
convencidos de que é isso mesmo que acontece com eles.
Quando se comportam desta maneira, muitas vezes
arriscam o trabalho de suas equipes e/ou dos grupos dos
quais participam. Daí que o que Jung acrescenta na sua
descrição dos tipos de sensação introvertida também seja
aplicável ao Tipos 9 quando se movem até o Ponto 3
negativamente:
“(...) Assim, o tipo se transforma numa ameaça para o seu
ambiente, porque sua inocuidade total não está como
conjunto sob suspeita .”
Ou seja, ninguém suspeitaria que seu “espírito
cooperativo” poderia ser apenas uma “mentira” e o
abandono e esquecimento de seu papel ou do seu trabalho,
algo deliberado. Às vezes acontece que eles assumem
responsabilidades demais e não conseguem honrá-las senão
sob muita pressão. Os Tipos 9 correm o risco, por este
mesmo motivo, de serem exigidos ao extremo e cobrados
constantemente, já que, quando descobertos por pessoas
mais fortes ou controladoras sob cujo comando venham a
se encontrar, podem chegar a converter-se em suas vítimas.
Pelo fato de sentirem-se culpados, eles podem aceitar essas
pressões exageradas e injustas, até porque consideram que
esse será o único modo de “aprender a fazer”. Daí que esta
última parte da descrição de Jung acerca do tipo de
sensação introvertida seja tão aplicável a alguns Tipos 9:
“Neste caso, (o tipo) se converte facilmente numa vítima
da agressividade e do domínio dos outros. (...) permite ser
objeto de abusos e logo se vinga nas ocasiões mais
impróprias com estupidez e obstinação redobradas.”
Vale a pena refletir no depoimento em que uma das
nossas alunas já citadas explica os riscos de relacionar-se
de uma maneira “não verdadeira”: “É difícil atuar no plano
concreto quando entro em relação com o mundo, com as
pessoas (...) estabeleço relacionamentos com base na
‘vontade’ de estar bem, em harmonia com as pessoas e
parto fazendo-lhes concessões, abraçando suas ideias,
reconhecendo seus valores pessoais, disposta a agradar-
lhes, abrindo mão dos meus interesses, até porque, na
maior parte das vezes, não os identifico e, de súbito, me
vejo desconsiderada por elas ou seguindo suas ‘vontades’,
sufocando minhas opiniões apenas para não perder os
contatos e me sentir aceita.”
Quando isto acontece, os Tipos 9 se movem
negativamente ao Ponto 6: fazem por temor às críticas, às
cobranças. Realizam esforços desmedidos e extenuantes,
“trabalham sem parar”, apresentando o típico movimento
contra fóbico, característico dos Tipos 6, e cujo núcleo
negativo é o medo. É típico que “trabalhem contra o
tempo”, pressionados pela “urgência” de terminar as coisas
proteladas, o que nem sempre garante um bom resultado.
Naturalmente, o ciclo se fecha quando extenuados após o
esforço de última hora, voltam como se pode apreciar no
gráfico, ao ponto de origem, ou seja, o 9.
Também se pode apreciar o aspecto negativo, quando os
Tipos 9 se dão conta de que devem fazer algo há muito
protelado e começam a imaginar as consequências que isso
pode acarretar (Ponto 6). Então, fazem apenas pelo medo
das consequências, o que acarreta que suas ações não
sejam autênticas (Ponto 3) e sim um meio de escapar às
reações não desejadas que poderiam advir de seus
“esquecimentos”.
 
O medo (movimento ao 6): O medo dos Tipos 9 está
relacionado com a constante preocupação de manter-se fora
de atritos e conflitos, conservando a paz e a tranquilidade
que tanto amam. No seguinte depoimento, uma aluna Tipo
9 descreve seus medos da seguinte maneira:
“Há muito repito ‘não gosto de varrer contra o vento’.
Nada melhor para caracterizar o Tipo 9. É muito difícil, para
mim, tomar decisões que podem ser o estopim de um
conflito. Se pressentir a possibilidade de um conflito, trato
logo de conciliar. Antes do estudo do Eneagrama me
vangloriava de não sentir medo.
Achava-me corajosa por enfrentar situações difíceis (...)
Observando-me com atenção, descobri esse movimento
constante para o 6, todo esse meu retraimento é medo!
Medo de desagradar, medo de não ser aceita, medo de me
expor e, por que não, o medo de me tirarem a
tranquilidade! Adoro ficar comigo mesma, onde vivo um
mundo de paz!
Só agora entendo por que tenho tanta preocupação em
não incomodar ninguém, é o reflexo de que também vou
perturbar a paz de outrem (...)”
O “medo” do Ponto 6 se manifesta também quando os
Tipos 9 sentem que não podem seguir adiando trabalhos,
decisões, atos e projetos. Então, iniciam uma desesperada
tentativa de realizar e, sabendo que estão “contra o
tempo”, se esgotam demais. Os Tipos 9 devem aprender a
fixar datas e prazos concretos para a realização de seus
trabalhos e projetos, discriminando quais são os mais
importantes e requerem uma maior atenção e prioridade.
 
 
O positivo do movimento 9-6-3
 
Quando os Tipos 9 começam a compreender a
necessidade de atuar, quando param de protelar e
aprendem a se importar com suas necessidades, passam a
viver seus “movimentos dentro do triângulo” positivamente.
Lembremos que as virtudes relacionadas com os Pontos 9-6-
3 são respectivamente: Amor (9), Fé (6) e Esperança (3) ou
Reta Ação, Coragem e Verdade. Na prática, isto significa o
seguinte: quando relacionado às próprias necessidades, se
reconhece a necessidade de agir porque se compreendeu
profundamente que protelar é uma maneira de não amar-se
a si mesmo. Logo, surge a Fé que é “a certeza do que se
espera e a convicção do que não se vê”, como escreveu o
apóstolo Paulo. Esta “Fé” é consciente e se manifesta em
um trabalho deliberado em direção ao objetivo, o que
garante (Esperança) a realização do mesmo, porque agora a
ação é Correta e Verdadeira.
 
 
A influência positiva dos parceiros 8 e 1
 
Os Tipos 9 devem aprender do Ponto 8 do Eneagrama a
valorizar seus territórios e lutar por seus objetivos e metas
sem abandoná-los com falsos argumentos. Já do Ponto 1,
deveriam aprender a “programar suas ações”, ordenar e
priorizar suas necessidades, criando hábitos que lhes
permitam discernir entre o que é mais necessário realizar
“agora” e o que pode ser “eliminado” ou “postergado”,
porque se decidiram a não mais protelar o que realmente
devem fazer. Sempre recomendo aos Tipos 9 iniciar
processos de observação de si mesmos, por meio dos quais
consigam dar-se conta quando estão adormecidos com
respeito às suas necessidades reais e aos seus objetivos. É
importante criar rotinas que garantam a realização de tudo
o que foi postergado ou “esquecido” durante meses ou
anos.
Um dos alunos estrangeiros viveu durante mais de 15 anos
no Brasil, sem o documento exigido pelo conselho de sua
profissão. Ele adiava constantemente a realização desse
trâmite, até porque, em determinados momentos, não
parecia necessário tê-lo. Porém, a partir de certo momento,
essa carteira profissional começou a ser necessária. Sua
primeira tarefa pessoal foi tirar esse documento. Era difícil
porque requeria legalização de diploma, reconhecimento de
estudos, trâmites diversos e prolongados. Tudo para um 9
desistir. Mas essa tarefa não tinha como objetivo apenas
obter essa carteira, mas também que ele “lembrasse de si
mesmo” e não protelasse mais suas próprias necessidades.
Era uma maneira de “amar-se a si mesmo” e de iniciar um
processo no qual o “Esquecimento de Si” começasse a ser
superado. Finalmente conseguiu, e, graças a esse “trabalho”
deliberado e consciente, ele já superou muitos dos aspectos
negativos da sua “máscara” e hoje se destaca na sua área.
Muitos Tipos 9 têm dificuldade para lidar com dinheiro,
para fechar negócios, para obter benefícios por intermédio
das suas ações. Aqui é quando o aspecto positivo da
ambição dos Tipos 8 pode servir como exemplo, assim como
a capacidade de estabelecer prioridades e organizar suas
próprias vidas do modo como o faria um equilibrado Tipo 1.
 
 
Lembrança de si mesmo:
aprendendo a amar a si mesmo
 
Se tivéssemos que resumir em poucas palavras o que os
Tipos 9 devem procurar, diríamos que é amar a si mesmos
tanto quanto são capazes de amar aos seus próximos. Os
Tipos 9 sabem dar amor às pessoas, sabem cuidar dos
problemas alheios, sabem solucionar conflitos, estabelecer
pontes entre as pessoas e conciliar. Eles apenas devem
realizar tudo isto também por si mesmos. Devem considerar
suas necessidades reais priorizando ações que lhes sejam
produtivas. Quando isso acontece, começam a atuar
corretamente. A virtude da Reta Ação pode levar todo Tipo 9
à realização pessoal e espiritual. Atuar é um imperativo
natural, atuar corretamente é um ato de consciência.
O discernimento é essencial para compreender o que é a
Reta Ação e o Amor.
Quando você começa a se amar não poderá abandonar-se,
nem será mais capaz de protelar ou de esquecer o que é
importante e necessário para sua realização integral. Amar
implica lembrança. Ao amar a si mesmo, positivamente
falando, o “Esquecimento de Si Mesmo diminui”. Você não
poderá sentir “preguiça” de fazer o que é necessário para
seu bem-estar e realização. Então, evitará as questões
insignificantes e secundárias, estabelecerá rotinas
adequadas de trabalho e aprenderá a trabalhar em função
de metas verdadeiras. Evitará trabalhar sob pressão e será
persistente na tarefa de atingir seus objetivos reais.
Naturalmente, isso é Reta Ação. Aprenda a amar a si
mesmo e com certeza essa bonomia, essa capacidade de
ser amigo de todos será ainda maior e mais positiva.
A Reta Ação é o remédio contra a “doença do amanhã”. O
“remédio” que Gurdjieff recomendava contra esta “doença”,
em palestras a seus alunos, era o seguinte: “Lembre-se de
si mesmo, sempre e em toda parte.”
Os Tipos 9 deveriam começar a observar de quantas
maneiras “esquecem de si mesmos” e iniciar um processo
de “lembrança de si” que lhes permitirá existir plenamente,
em paz e tranquilidade reais e não nesse estado de
“narcotização” que muitos deles vivem como “normal”, e no
qual se perdem de si mesmos, vivendo estados de falsa paz
e tranquilidade “fora da realidade”.
Logicamente, a Lembrança de si só é possível mediante a
Observação de si . Estes dois processos descritos no início
deste livro como os mais importantes para a realização de si
mesmo, são difíceis de compreender num começo. Nos
treinamentos de Eneagrama que realizo as pessoas são
incentivadas a conseguir, pouco a pouco, a plena vivência
destes dois conceitos básicos, justamente porque é difícil
“lembrar de lembrar” sempre e em toda parte.
Volto a repetir que, para os Tipos 9, é essencial refletir
sobre o tema da “lembrança de si”, em relação a si mesmo,
já que, então, compreenderá o que deve ser “observado” no
dia-a-dia e descobrirá como escapar de sua inércia
negativa.
Finalmente, e com o intuito de reforçar ainda mais a
necessidade desta “lembrança de si”, convido você a refletir
nas palavras de G. I. Gurdjieff citadas por Ouspensky:
“Da mesma maneira, um homem pode orar: ‘Eu quero
lembrar de mim mesmo’. ‘LEMBRAR-ME ’ – o que significa
‘lembrar-se’? O homem deve pensar na memória – quão
pouco se lembra! Como esquece com frequência o que
decidiu, o que viu, o que sabe! Toda a sua vida mudaria, se
pudesse lembrar-se. Todo o mal vem de seus
esquecimentos. ‘Mim-Mesmo’ – novamente volta-se para si.
De qual ‘eu’ quer lembrar? Vale a pena lembrar-se de si
mesmo por inteiro? Como pode discernir aquilo de que quer
se lembrar?”
Espero que, a cada dia, a sua lembrança e a nossa
lembrança aumentem!
 
O Traço 1
: O eu que ordena

O eu
que ordena

“A moral pode ser objetiva ou subjetiva. A moral objetiva é


a mesma em toda a Terra; a moral subjetiva é diferente em
toda parte, e cada qual a define a seu modo: o que é ‘bem’
para um é ‘mal’ para outro e vice-versa. A moralidade é pau
de dois bicos, podemos apontá-lo como quisermos...”
 
G. I. Gurdjieff
 
 
Gurdjieff diz: “Outro exemplo, talvez pior ainda, é o do
homem que considera que, em sua opinião, ‘deveria’ fazer
algo, quando na realidade não tem que fazer absolutamente
nada. ‘Dever’ e ‘Não dever’ é um problema difícil; em outras
palavras, é difícil compreender quando um homem
realmente ‘deve’ e quando ‘não deve’ (fazer algo) (...)”
 
Gurdjieff citado em Fragmentos de um ensinamento
desconhecido por P. D. Ouspensky
Ah, esses perfeitíssimos Tipos 1!
 
 
Lilian Witte Fibe, a impecável, séria e corretíssima ex-
apresentadora do Jornal da Globo, foi, provavelmente, um
dos melhores exemplos de Tipos 1 que identifiquei aqui no
Brasil. Certa vez, li na seção “Ponto de Vista”, da Revista
Veja de 19/4 de 96 ou foi 97? (quando retirei esse artigo da
revista cortei acidentalmente o ângulo onde estava
impresso o ano, desculpem! Ninguém é perfeito!), um artigo
de sua autoria sob o título: “Profissionais da autopromoção”,
no qual ela denunciava a “falta de ética” de alguns
profissionais liberais e jornalistas que pretendiam usar seu
prestígio para aparecer nas revistas e jornais promovendo
seus nomes. A frase destacada do seu ensaio foi: “Não
estou aqui para promover médicos ou cabeleireiros, não sou
garota-propaganda.” Em qualquer caso, espero que o fato
de citar somente a Lilian como exemplo de Tipo 1, não
venha a provocar ciúmes em outras “figuras públicas” tão
merecedoras como ela do título de o mais bem-comportado
e disciplinado brasileiro vivo. Por esta razão, as seguintes
análises desta máscara serão feitas a partir de exemplares
humanos, tão disciplinados e isentos como Lilian, e que,
como bons Tipos 1, não têm nenhuma necessidade de
autopromover-se, reclamam o direito de preservar suas
privacidades e podem dizer como ela que: “Se não quero,
não vou mesmo falar sobre assuntos só meus.” Ficou claro?
Muito bem.
Então, talvez o modo mais perfeitamente simpático para
iniciar esta análise do Tipo 1, seja compartilhar com você o
seguinte caso. Costumamos solicitar aos alunos e
participantes dos nossos workshops do Eneagrama, que
escrevam suas impressões sobre seus Tipos. Um deles,
Tiago, nos entregou seu trabalho perfeitamente ordenado e
impresso. Depois de admitir na introdução que ele era um
Tipo 1 e que sua fixação principal era o perfeccionismo, ele
escreveu o seguinte:
“O primeiro detalhe (perfeccionismo) já o estou
executando visto que toda boa redação tem uma
introdução, um meio e uma conclusão. Desta forma vemos
portanto que, para mim, todas as coisas devem seguir
normas e leis que as compartimentalizem e definam em
assuntos ou áreas estanques.”
Todos rimos muito quando foi lida esta parte. Rir é
importante. Quero que neste trabalho de observação que
você fará de si mesmo, tenha sempre em mente a
necessidade de realizá-lo com alegria. Os antigos sábios
vedantinos costumavam exigir, como uma das mais
importantes virtudes do discípulo que deseja conhecer a si
mesmo, a alegria. Eles baseavam este pedido no fato de
que se alguém procura atingir níveis superiores de
consciência e está disposto a caminhar em direção à
iluminação, não pode realizar esse maravilhoso trabalho
com sinais de seriedade e rigidez. No caminho à união com
o Ser, só se pode estar contente. Portanto, tente não levar-
se muito a sério nesta busca maravilhosa. Aprendendo a rir
de si mesmo, talvez você possa compreender que o
trabalho de conquistar a si mesmo se tornará tão mais cheio
de satisfações quanto maior for o prazer com que o consiga
realizar. Não pense que para unir-se ao Espírito você precisa
ser tão sério e tão severo consigo mesmo, que a alegria não
tenha lugar no seu Sendero. Espero que tenha
compreendido a mensagem Número 1! Agora, vamos
começar a “pisar nos seus calos”, como diria Gurdjieff.
Prepare-se!
 
 
O Tipo 1 e seu traço principal
 
Iniciaremos esta observação da Primeira Máscara com um
depoimento de outro aluno: “Sinto a minha vida como uma
busca incessante daquilo que julgo perfeito. O meu modelo
perfeito sempre pode ser mais perfeito e isso me conduz a
uma busca permanente de mais e mais perfeição.” Existem
Tipos 1 que dizem que desde crianças foram
“perfeccionistas” e que esta maneira de manifestar-se foi
reafirmada pelo meio em que se desenvolveram. Se este é o
seu caso, o importante é observar como esta tendência foi
afirmada no tempo e de que modo ela se tornou sua
“máscara”. Por outro lado, existem os Tipos 1 que declaram
ter sido “programados” para serem “perfeitos”. Neste caso,
o que deveria mudar nessa programação? Defina-se você
como um Tipo 1 essencial (ou seja, as características do seu
tipo, resumidas na palavra “perfeccionismo”, são sentidas
como “naturais” e não provocadas) ou como um Tipo 1
“fabricado pela programação” que lhe foi imposta quando
criança, é necessário que você tente observar essa máscara
diariamente a partir de agora. Para isto ser realizado, você
não precisa se criticar nem continuar dando energia a esse
seu “juiz interno” intransigente e severo consigo mesmo e
com os outros, porque desta forma você não conseguirá
compreender aquilo que está além dos fechados muros de
seu aparentemente “correto-modo-certo de ver as coisas”.
Apenas lhe ajudaremos nesta observação de si mesmo...
Nossa ajuda não será perfeita, claro! Porém será importante
para suas próprias descobertas futuras. Muito bem, vamos
às primeiras observações...
 
 
Como surgiu sua máscara?
 
Um jovem aluno descreveu o surgimento de sua máscara
desta forma: “Desde muito cedo me foi incutido um senso
de responsabilidade, no sentido de que sempre deveria dar
o exemplo para as minhas irmãs por ser o mais velho.
Venho de uma família judaica e o fato de ter nascido
homem e ser o primogênito preencheu uma série de
expectativas familiares, que foram devidamente
transferidas para mim...”
Outro, após iniciar seu trabalho de observação da sua
Máscara 1 escreveu: “Curiosamente ao me deparar com
fotos da minha infância, notei que sempre estava vestido de
forma arrumada e bem-comportada...”
Lembranças como estas são parte das experiências da
maioria dos Tipos 1. Talvez, no seu caso, tenham sido as
cobranças de ordem e bom comportamento que começaram
a dar forma a ela. Talvez seus pais (ou um deles) tenham
sido muito controladores. Revisavam suas coisas, checavam
se tudo estava sendo feito adequadamente. Ser a boa
menina ou o bom menino bem-comportado era um
imperativo. Aparentemente, isso tinha certas
compensações: ficar em paz?, evitar atritos com o pai que,
muitas vezes, Tipos 1 lembram como severo ou autoritário
demais? Talvez. O certo é que este constante atrito e
cobrança externa provoca uma reação especial. Muitos 1 se
declaram INSEGUROS . “Qual será o melhor modo de
comportar-se?” Tipos 1 se referem a este fato como sendo
de vital importância em algum momento de suas vidas. Por
diferentes caminhos, Tipos 1 precisam encontrar respostas
que lhes permitam saber sua posição no mundo. Muitos
deles revelam uma grande necessidade de obter um
“modelo adequado” para viver no mundo ou como saber
fazer a coisa certa. “Procurei sempre um espelho para saber
como agir, dificilmente agia de uma forma espontânea e
livre, sempre precisei de um modelo externo”, escreveu um
aluno. Uma mulher Tipo 1 me confessou que sua maior
preocupação era perceber certa inabilidade para enfrentar o
mundo: “O que fazer? Será que está certo?” O fato de
serem cobrados e exigidos faz com que Tipos 1 sintam uma
forte insegurança na infância e juventude: “Por me sentir
inseguro, não me expunha publicamente... Acho que a
busca da perfeição da minha máscara se originou com uma
obsessão por atingir o melhor de mim nas relações
humanas...” De alguma forma, as cobranças contínuas
geram nos Tipos 1 a necessidade urgente de encontrar um
“modelo” que lhes permita ter certeza de que não serão
mais cobrados... Assim surge a própria ordem, ou melhor, “o
próprio território”, no qual Tipos 1 tentaram criar o melhor e
mais perfeito modo de lidar com a existência. Um território
reservado, “perfeito”, um modelo de ordem do qual ele se
transforma em zeloso protetor. Um território próprio que lhe
oferecerá a segurança e a certeza de que tudo esta OK.
 
 
O próprio “território”
 
Sim, “território”. Escolhi esta palavra para fazê-lo
compreender alguns aspectos relacionados com os Tipos 1,
9 e 8. Para cada um destes tipos que formam a parte
superior do Eneagrama, a palavra “TERRITÓRIO” tem um
significado diferente e específico. No caso dos Tipos 1, o
“território” implica tudo o que tem a ver com sua ORDEM
PARTICULAR . Tipos 1 cuidam dessa ORDEM PRIVATIVA com
verdadeira paixão. Nessa ordem, tudo está sempre sob
controle, tudo está bem-feito e ordenado. Essa ordem pode
ser a casa para a mulher 1 ou o escritório do homem 1. Em
ambos os casos, as coisas serão encontradas nas gavetas
certas, outras estarão claramente classificadas com
etiquetas específicas e assim por diante. Tudo terá seu lugar
e deverá estar sempre nas melhores e mais perfeitas
condições. Desta forma, Tipos 1 sentirão certa sensação de
bem-estar e tranquilidade. Mulheres e homens deste Tipo
realizam e tentam impor certos rituais nessa ordem
privativa. O escritório será regido por normas estritas,
enquanto no lar a limpeza e ordem rigorosa de todas as
coisas estarão garantidas graças às rígidas regras e rotinas
que todos deverão respeitar. Certo Tipo 1 confessou: “... sou
organizado, mas crio rituais precisos e também rígidos. Se
escrevo, por exemplo, num determinado caderno sempre
com uma caneta, fico confuso se não a encontro ao
escrever. Os rituais que crio viram minha própria prisão...”
Tipos 1 não pretendem ampliar seus “territórios” como os
Tipos 8, nem o abrem a todos sem qualquer regra, como no
caso dos bonachões e simpáticos 9. Pelo contrário, o
“território” dos 1 será limitado, cercado, nas dimensões
certas, regulamentado, porque ele é o MUNDO ORDENADO E
CRIADO para ter certeza de que nele tudo será perfeito ou
pelo menos se tentará que sempre seja o mais perfeito
possível. Uma de nossas alunas Tipo 1 expressa esta
questão de um modo muito exato:
“Gosto de tudo bonito e perfeito e gostaria de moldar o
mundo com minhas mãos. Ele seria lindo e perfeito. O fato
de achar que todos deveriam ter amor, correção e bondade
é uma mania de perfeição...” Outro aluno declara: “Lembro-
me que era sempre importante para mim ter uma
concepção do mundo pronta, formada, que só era
abandonada, com alguma dificuldade, quando subestimada
e por uma outra que fosse mais perfeita e que incluísse as
novas percepções adquiridas. Lembro-me de uma
especialmente, na qual considerava o mundo e todas as
pessoas boazinhas, eu então, era uma pessoa ótima, e as
pessoas que não eram boazinhas não eram porque não
podiam ver a verdadeira realidade dos fatos... Quando
compreendi, lá pelos 10 anos, que a realidade que minha
mãe me passava não era a única, fiquei bastante perdido.
Procurei... uma forma de me comportar adequadamente ou
um outro modelo de visão do mundo...”
Quando o modelo é achado, ele é transformado na ordem
exemplar do Tipo 1. Fundamentalmente, a criação da
própria ordem baseada no “modelo” adequado será o modo
de demonstrar ao mundo exterior que nessa ordem
ninguém mais pode intervir, nem mexer. Os outros são
suspeitos de não compreender essa ordem conseguida, dia
a dia, com o apoio de um implacável senso de autocrítica
que os números 1 possuem em dose ilimitada. Porém, bem-
aventurados os que forem considerados aptos e preparados
para compreender essa ordem fechada. Eles, sim, terão o
direito de serem recebidos pelos números 1. Amigos serão
aqueles que podem ser parte dessa ORDEM , dessa elite
capaz de ver “a verdadeira realidade” desse “território”
exclusivo, criado não apenas no plano físico, mas também
no psicológico. Sim, o “território” dos números 1 não é
apenas físico. Ele se estende aos seus relacionamentos, aos
seus trabalhos, às suas escolhas. Tudo deve estar de acordo
com as regras e normas que regem essa preciosa ordem
particular.
 
 
Como Tipos 1 descobriram que o melhor modo de
evitar
as cobranças de perfeição era criar as próprias
lembranças
(só que mais perfeitas, claro!)
 
Quando os Tipos 1 sentiam que a sua ordem entrava em
conflito com a ordem externa (a família, a sociedade, os
outros em resumo) ou que as cobranças vindas de fora
eram invasivas demais, eles decidiram mostrar que essa
ordem particular, criada dentro do seu “território”, não
podia ser criticada... Esse seria seu modo de lidar com a
realidade... Pelo menos é o que pareceu mais correto fazer,
certo? A criação de seu mundo foi iniciada desse modo... se
toda ordem é cobrada, controlada e sujeita a regras e
deveres a ser observados corretamente, o lógico é criar a
própria ordem ... Uma ordem que será observada e julgada
de fora como uma “perfeita e ordenada vida”, com “tudo no
lugar certo”, uma ordem que jamais se mostrará
desordenada... uma ordem perfeita da qual você conhece as
regras, as leis... Quem poderá cobrar perfeição e ordem a
você, agora? Ninguém, nunca mais... Você será um
constante e perseverante criador e mantenedor de sua
ordem exclusiva... Quando tudo está em ordem, é
necessário mantê-lo em ordem... A ordem deve ser
preservada, não existe tempo para coisas desnecessárias...
Constantemente se perguntará se está tudo perfeito...
sofrerá com seus erros e pensará como não voltar a
cometê-los. Então, nesse momento o seu maior “inimigo
interno” virá à tona.
 
 
O surgimento da raiva e do ressentimento
 
“O meu dia-a-dia é tenso, cheio de cobranças e
exigências”, declara uma aluna Tipo 1, e acrescenta: “Para
mim e para os outros. Acho que mais para mim, porque
sinto que não faço as coisas do jeito que deveria ser. Me
pego corrigindo ‘defeitos’ e ‘erros’ o tempo todo... sinto que
tudo que faço não está suficientemente bom e poderia ser
melhor... Quando bato os olhos nas coisas, o que sobressai
são os erros. Eu acho estranho e não entendo como estas
coisas me aborrecem tanto, mas não incomodam nada às
outras pessoas. Este sentimento me frustra e me sinto
insatisfeita, sempre buscando algo melhor, que nunca
acontece...” Quando o “território” é criado física e
psicologicamente, e a ordem pessoal está consolidada,
Tipos 1 não podem evitar sentir que os limites que foram
criados têm uma face negativa. Torna-se evidente que esta
ordem e este “território” não podem ser deixados nem
abandonados, porque eles sentem que, se isso acontecer,
esse mundo corre o risco de desabar. Então, aparece a
sensação de perigo. Quando os Tipos 1 sentem esta ameaça
latente de destruição da ordem, a raiva se manifesta. No
caso dos Tipos 1 com influência 9, essa raiva estará
internalizada e no caso dos Tipos 1 com influência 2, a raiva
poderá ser manifesta de maneira muito explícita em
algumas ocasiões. O limite e a ameaça a esse limite se
tornam evidentes como aquilo que não os deixa
abandonarem sua máscara de perfeição em nenhum
momento. Já não precisa ser controlado de fora, agora ele
se transformou no seu próprio controlador. Um controlador
ameaçador que diz: “Você criou estes limites, então vigie-
os, você não pode abandonar essa ordem por nenhum
motivo, é a sua responsabilidade!” Tudo o que ameace seus
esquemas, as maneiras de realizar suas ações, os modos de
realizar seus trabalhos, tudo o que contrarie seus planos,
propostas, objetivos (ainda que tais ameaças sejam apenas
modos diferentes e positivos de ver as coisas), será
enfrentado com raiva. Essa raiva se manifestará como
crítica, como severidade, como teimosia, como rigidez. “A
Máscara 1 demonstra com muita nitidez a forma rígida,
esquematizada de me relacionar com a vida. Quando me
deparo com os percalços do caminho, tão naturais e
possíveis, fico irado!”, reconhece um aluno. Tudo o que se
oponha à ordem deverá ser destruído com argumentos
irônicos, com demonstrações de suficiência que,
logicamente, deverão ser as mais perfeitas possíveis,
porque não é bom que as outras pessoas enxerguem a
precariedade de suas “perfeições”. O ressentimento estará
pronto para aparecer junto à raiva quando não se atinge o
esperado. Veja, em seguida, como um dos nossos alunos
descobre esta questão em si mesmo:
“Me identifiquei com o Tipo 1 por meio das frases chaves
‘tenho que’ e ‘você deveria’... Por dentro estou sempre
dizendo ‘Eu tenho que...’ e ‘Você deveria’. Isso gera uma
raiva contra mim mesmo por não corresponder às
exigências que me autoimponho e contra os outros por não
agirem conforme o meu ‘código interno’. Essa raiva se
tornou um complicador maior já que sinto que tentei desde
pequeno ser perfeito...”
O severo acusador interno o sagaz cobrador e vigilante dos
limites, o astuto e impiedoso crítico interno, estará sempre
presente e será sempre protegido pela RAIVA . Essa raiva terá
sempre justificativa. Então será fácil criticar ou menosprezar
os outros, será fácil apontar os erros alheios, sim, você sabe
como fazer isso de um modo... perfeito, porque você sabe
como fazer isto com você! Por outro lado, a raiva e o
ressentimento são cúmplices quando se julga os outros
segundo os rígidos padrões internos. Vejamos isto no
depoimento de um pai Número 1 que decide dar “uma
lição” a uma de suas filhas:
“Entrei no quarto de minhas filhas e encontrei muita
desordem (brinquedos espalhados por todos os cantos do
quarto)... Exacerbou-se a raiva que nutria há muito tempo
em relação à filha mais nova pelo seu desleixo e descaso
com os estudos. Fui tomado de grande ira. Juntei todos os
seus ‘ídolos’ (brinquedos) e atirei-os ao lixo (não é
admissível que alguém que já possua certa compreensão
possa gastar seu tempo e seu amor com objetos
inanimados). A meu ver, a dedicação e o carinho que minha
filha menor dedicava àquelas ‘bugigangas’ eram altamente
perniciosos, e eu não podia, em nenhuma hipótese ,
permitir que aquilo continuasse. Deveria ‘cortar’ essa
tendência o mais breve possível, e este era o momento
ideal, já que estava com raiva suficiente...”
Pois é: Tipos 1 estão sempre preocupados com a “questão
moral”, com o “modo certo” que tudo deve ser feito. Eles se
tornam muito críticos em relação ao que hoje chama-se
“politicamente correto.” Lembro que, numa passagem de
Gurdjieff fala a seus alunos, um autêntico Tipo 1 perguntou
ao Sr. Gurdjieff: “Não haverá um código absoluto de
moralidade que deveria se impor de igual modo a todos os
homens?” Ele respondeu: “Sim. Quando pudermos usar
todas as forças que controlam os centros, poderemos então
ser ‘morais’. Mas, por ora, enquanto usarmos uma só parte
das nossas funções, não poderemos ser ‘morais’. Atuamos
mecanicamente em tudo o que fazemos e as máquinas não
podem ser morais.”
 
 
O movimento em direção à angústia
 
Quando a procura da perfeição é considerada inútil porque
não se consegue fazer com que a realidade seja o que você
quer que ela seja, quando não se pode atingir o perfeito,
quando os outros não compreendem sua ordem e a
atrapalham ou a negam, quando os outros não consideram
os seus esforços em direção ao “perfeito”, quando não se
recebe a compensação esperada, a raiva determina um
movimento para a angústia (Movimento a 4).
A angústia do Tipo 1 o deixa sem forças no começo. Tudo
parece sem sentido, porque o suposto “único sentido” foi
atropelado. Sobre este assunto, uma aluna declara: “Se
falho em alguma coisa, sofro e me culpo, ou tento encontrar
as razões disso fora de mim...” Outra confirma o movimento
a 4 com estas palavras: “... Poucas vezes meu mundo foi
mexido (atenção para as palavras ‘meu mundo foi mexido’)
e meus ideais abalados. Quando isso acontece... é uma
tragédia: sofro, choro e penso no passado ou me fixo no
futuro...”. O movimento a 4 se confirma definitivamente
nestas últimas palavras (pensar no passado e fixar-se no
futuro ), que lembram uma das razões principais do
sofrimento dos Tipos 4, como se verá na análise desta
“máscara” no momento oportuno. A “saída” do PRESENTE no
qual existia essa ordem, esse “território” não abalado que
agora sofre uma espécie de “ameaça” exterior, tira o Tipo 1
de seu plano de segurança, tira dele a certeza de que esse
mundo foi melhor antes de acontecer tal ou qual coisa e
voltará a ser melhor quando se volte a tê-lo firme, seguro e
sem possibilidades de ser mexido ou abalado novamente...
ou quando tudo mude novamente. A angústia e a tristeza
são o resultado dessa sensação de perda da firmeza e
solidez do “território”. Perde-se o sentido que se pretende
obter com essa ordem tão “trabalhada”. Angústia e
depressão estão ligadas por laços fortíssimos. São, como
todos sabem, as causas básicas da “perda do sentido da
própria vida”. A questão crucial aqui é que esta angústia
atua como um stop , uma “parada no caminho”, do qual os
Tipos 1 sabem sair na maior parte das vezes vitoriosos,
graças às influências 9 e 2 que lhe acompanham. Porém, é
uma angústia fortíssima provocada principalmente pelo fato
de não poder tornar realidade essa “perfeita ordem” ou
aquele “perfeito plano”, que parece ser o único possível de
ser aplicado ou vivido, ou de não conseguir mantê-los. Certa
aluna com forte influência 2 “aprendeu” a evitar essa
angústia realizando algumas de suas “boas ações” fora do
“território” e da ordem criada. De esta maneira evita
angustiar-se porquanto não poderá testemunhar os
resultados ingratos daquilo que considera uma de suas
melhores virtudes: “ajudar os outros” (influência do Ponto 2
Eneagramático). Então ela diz: “Prefiro ajudar pessoas
desconhecidas, porque assim não haverá a menor condição
de receber uma ‘patada’, o que costuma acontecer
comigo.” O fator que provocaria a angústia de não receber
uma reação positiva das pessoas ajudadas é simplesmente
eliminado para que não perturbe a ordem pessoal. A “boa
ação” beneficiará desconhecidos, que nunca terão a
oportunidade de se mostrar ingratos, simplesmente porque
nunca mais serão vistos. Mais adiante veremos como esta
atitude de agir “fora do território” não é tomada somente
quando se trata de “boas ações”.
 
 
Rigidez interna/externa
 
O guardião da ordem interna sabe cercar os Tipos 1. Um
dos resultados dessa mistura
“raiva/ressentimento/insegurança” será naturalmente a
RIGIDEZ . Alguns dos nossos alunos se referem a esta rigidez
dizendo que são incapazes de RELAXAR . “Vi que o Tipo 1
sofre muito porque não consegue relaxar...” escreveu uma
aluna. Coincidentemente uma outra mulher Tipo 1 afirma
ser este seu problema principal: “A personalidade Tipo 1 não
relaxa nunca... Eu tenho tentado sair desta forma
cristalizada e rígida, que tanto já me fez sofrer...”
Outra afirmou que “... em vez de ir deixando o fluxo
natural da vida acontecer, quero dar uma direção própria
que acredito ser a verdadeira. O contato com a realidade
fica então rígido... manter toda essa estrutura rígida dá um
desgaste danado de energia...” Não somente a rigidez
psicológica provocada pela constante autocrítica surgida da
raiva. Essa rigidez será somatizada: o corpo rígido... a
sensação de estar sendo observado por severos críticos a
cada momento não deixa os Tipos 1 à vontade com seus
corpos e com as sensações naturais associadas à existência
sensível. Através da minha experiência nos treinamentos e
workshops de Eneagrama, tenho descoberto o quanto é
difícil para um Tipo 1 o ato de abraçar, dançar ou “soltar-se”
fisicamente durante dinâmicas de grupo e das práticas ao ar
livre... Os limites da ordem autoimposta tornam rígido o
CENTRO FÍSICO . Um aluno reflete: “Ao receber cumprimentos,
abraços e elogios, sinto que fico sem jeito...” RAIVA E RIGIDEZ
são grandes meios de perda de energia que os Tipos 1
deverão superar mediante o autocontrole positivo e não por
meio da repressão. Leia mais a respeito no Capítulo 5 do
meu livro Iniciação e Autoconhecimento.
 
 
A face oculta aparece
(logicamente, você tinha que dar um jeito para sair
dos limites
autoimpostos da maneira mais perfeita possível,
certo?)
 
Temos até o momento uma visão (sabemos que ainda não
é muito perfeita) de certos fatores nucleares que se ligam
entre si e que vão definindo com mais precisão a Máscara 1:
A criação da própria ordem e do próprio “território” cujos
limites protegem o mundo quase perfeito que se pretende
manter em constante aperfeiçoamento (expressão
disfarçada da insegurança adquirida) provocam o
surgimento dos estados de “raiva/ressentimento/rigidez”,
como consequência da percepção de que essa “perfeição”
deve ser mantida “porque deve ser mantida” e do fato de
que não pode ser abandonada sob o risco de ficar sem
“chão”. Então, como escapar dessa prisão? Quantas
necessidades começam a ser abafadas nela? Como sair
dessas regras e normas sem que ninguém perceba? Como
escapar das próprias limitações sem que outros saibam que
você não é tão perfeito (a) assim? Como deixar de cobrar
dos outros sem raiva, sem ressentimento e sem angústia?
Como permitir-se determinadas vivências “proibidas”, “fora
da ordem”? É comum constatar nos nossos workshops o
fato de que muitos Tipos 1 têm que comportar-se em
relação a certas questões como se fossem os protagonistas
desses famosos romances que mostram seres humanos de
dupla personalidade. Você sabe: Belle de Jour , De Bar em
Bar , Dr. Jekill e Mr. Hyde . Sim, sabemos que não é bem
assim com todos eles, porém o que não pode ser aceito
como parte da “ordem e do território” será vivido
disfarçadamente, será vivido por um outro “eu”, que terá
certas licenças, certas vantagens que Tipos 1 acham
inconfessáveis. De fato, algumas são o claro exemplo da
pesada carga de repressão que algumas dessas licenças
carregam. Certa senhora, que participou de um dos nossos
workshops, confessou o seguinte:
“Fui com um grupo fazer um trabalho terapêutico por uma
semana. Fiquei muito excitada com os preparativos,
principalmente porque o grupo era novo e ninguém se
conhecia. Lembro-me perfeitamente da felicidade e da
sensação de liberdade que tive logo que o avião levantou
voo. Eu tinha ido me conhecer mais um pouco e poderia ser
qualquer pessoa, poderia ser eu mesma enfim, pois
ninguém faria comparações com situações passadas ... me
sentia mais leve, bem curiosa e com a crítica interna mais
relaxada... Adoro conhecer pessoas que vivam de forma
bem diferente da minha. Pesquiso como conseguem
sobreviver de forma tão fora dos meus padrões...” Outra
revelou algo que achava inconfessável: “Depois de meu
divórcio, não tive relacionamentos com outros homens.
Sentia, sim, falta... Porém, minha insegurança não me
deixava procurar um novo parceiro. Admirava uma de
minhas amigas que era capaz de tomar a iniciativa com os
homens... Então, quando ela me acompanhava, eu me
sentia com vontade de querer ser como ela... era uma
espécie de representação, uma espécie de faz-de-conta.”
Esta é uma situação típica. Muitos Tipos 1 se “arriscam” a
viver certas experiências em lugares onde ninguém os
conheça ou de uma forma tão secreta que ninguém possa
inteirar-se. Às vezes é aquele impecável doutor, muito sério
e comportado, que curtirá um tórrido romance bem longe
de sua cidade; outras, é aquela dedicada executiva
respeitável que quando viaja a outros países gosta de sair
de noite e imaginar que é uma mulher “liberada”. Vejamos
o depoimento de uma outra aluna:
“Durante três anos tive uma vida dupla: vivi com um
homem mais velho, descasado, aposentado, sem que minha
família tivesse conhecimento do fato. Ao apresentá-lo à
minha família, sofri pressões: ‘é um caça-dotes’... ‘não é um
homem para você’... ‘como pode deixar este homem tocar
em você’. O meu senso perfeccionista dizia que eles tinham
razão, entretanto eu o amava. Continuei o relacionamento
aparentemente às escondidas...ficamos nos vendo apenas
em feriados, férias e ausências forçadas... Estávamos felizes
porque tínhamos encontrado um ponto onde podíamos ser
cúmplices..” A “duplicidade” de alguns Tipos 1 os leva a
viver a “repressão” como uma espécie de cerca que às
vezes precisam pular. Quando se negam estes movimentos
contra seta ao Ponto 7 do Eneagrama, amores são perdidos,
desejos sexuais são reprimidos, anseios são abafados. As
regras e normas autoimpostas não podem ser negadas.
Existe o compromisso e a responsabilidade de manifestar-se
de acordo com o padrão escolhido. Então, o único caminho
é viver outros papéis, alguns dos quais “secretos” e/ou
“inconfessáveis” e “proibidos” (segundo eles), que poderão
ser abandonados quando se retorne ao modelo de vida
adequado e se viva dentro da ordem pessoal. Não se
percebe que, talvez, exista um “termo médio” no qual
apenas seja necessário ser menos rígido consigo mesmo,
tornando-se flexível e procurando aceitar as próprias
necessidades não como fraquezas e sim como naturais e
humanas. O que leva a esta espécie de dicotomia nas
experiências relativas ao mundo externo tem sua origem
em uma outra existente no mundo interno dos Tipos 1.
 
 
A divisão interna
 
Do mesmo modo que se produz a necessidade de
experienciar “outras vivências” às escondidas, os Tipos 1
passam a viver contradições nos seus mundos internos.
Certa vez uma de nossas alunas escreveu o seguinte:
“Qualquer falha, para mim, tomava grandes proporções,
sendo difícil de ser perdoada, tanto as minhas falhas como
as dos outros, conduzindo à intolerância e à autopunição.
Esse comportamento, que indicava uma menina
comportada e eficiente, cordata, na realidade encobria
agressividade e espírito de competição. Mas eu não podia
brigar nem mostrar raiva...”
A divisão interna leva a exagerar a realidade e suas
manifestações. Esta atitude leva à autopunição e ao
sentimento de culpa por ter “um lado tão ruim e
imperfeito”. Assim, o mundo interno é dividido em duas
partes: o lado bom e o lado ruim. Muitas vezes ambos os
lados são regidos pela mesma tendência perfeccionista.
Cada papel deve ser sempre bem “interpretado”. Sobre esta
questão um jovem aluno revelou o seguinte:
“Minha raiva se tornou um complicador a mais na minha
vida, pois sinto que tentei desde pequeno ser perfeito em
dois mundos opostos: o da sociedade estabelecida e o
mundo marginal. Por exemplo: ser um bom aluno na escola
e um hippie total fazendo experiências com drogas... Essa
divisão me levou ao processo de narcotização, como uma
tentativa de fugir da realidade...”
O perfeito e o imperfeito são de tal maneira separados que
Tipos 1 não conseguem conciliá-los nem dentro nem fora de
si mesmos, o que lhes provoca grandes lutas internas. Como
resultado destas lutas, o terrível juiz interno se torna mais
implacável, não apenas em relação a eles mesmos, como
também, lamentavelmente, com os outros. Um de nossos
alunos descreve com muita precisão (só podia ser Tipo 1!)
esta luta interna: “Minha ira se dá no sentido de estar
sempre criticando negativamente e desqualificando
qualquer um que ameace o meu status quo , apesar de
externamente poder estar elogiando quem tomou tal
atitude. Então eu penso: ‘Esta pessoa está falando a
verdade mas daqui a pouco eu vou achar nela um defeito
maior do que o meu para desmoralizá-la perante mim e os
outros, o que a fará entender que ela não deveria ter me
criticado e isso a fará pedir desculpas ou a ressaltar em
mim um lado positivo que para mim e para os demais terá o
mesmo efeito...’”
Os extremos aparecem cada vez mais definidos, distantes
e aparentemente irreconciliáveis. O bem e o mal, o bem-
feito e o malfeito, o certo e o errado, o justo e o injusto, sem
meios-termos, sem nuances. A raiva se apodera com maior
autoridade. Se expressa nas frases com as quais os Tipos 1
disfarçam suas rejeições. Se a vida está tão polarizada é
preciso manipulá-la adequadamente. Assim surgem os
argumentos para conseguir que os outros reconheçam a
“visão da perfeição” que o 1 sente possuir. Surgem as frases
típicas, como “Você deveria...”, por meio das quais muitas
vezes a raiva sentida (que porém não pode ser mostrada) é
disfarçada. O discurso se torna irônico, a capacidade de
manipular as pessoas “aperfeiçoa-se”. A “dualidade” é
ocultada atrás da “seriedade”, do “bom comportamento” e
“da moralidade”. Números 1 se autodefinem como “pessoas
sérias” e “bem-comportadas”. Desta forma, como poderia
você suspeitar que esta pessoa séria às vezes “pula a
cerca” ou esteja pensando em como “dar o troco” pelo que
você fez a ela? Lembro-me de certa telenovela onde
aparecia um personagem cheio de regras e normas na sua
casa, autoritário com sua esposa e filhos, extremamente
preocupado com a ordem e com sua imagem de gentleman
. Fora de casa, em segredo, aceitava como amante uma
mulher de baixo nível que o tinha sob total controle e da
qual aceitava tudo o que na sua vida familiar era
intolerável. Quando esse outro lado é descoberto... tudo
acaba para ele...(Não deixe isso acontecer com você, no
caso de se parecer com este personagem!) É hora de
mudar! Analise o conceito de CONCILIAÇÃO no capítulo
correspondente ao Tipo 9 e determine-se a construir uma
ponte entre seus aparentemente irreconciliáveis extremos.
 
 
Iniciando o processo de mudanças positivas
 
Uma aluna Tipo 1 escreveu: “Fiquei chocada quando
descobri que ser perfeccionista podia ser um terrível defeito
e não uma virtude... Desde então, passei a observar a
minha máscara e constatar que isto muito atrapalhou e
ainda atrapalha minha vida em todos os sentidos.” Tudo
bem. Sei que pode estar sendo difícil esta observação da
máscara. Nunca é agradável observá-la, porém é
necessário. Lembre-se de que o propósito desta análise
geral era “pisar nos seus calos”. Espero que tenhamos
atingido nosso objetivo. Sim, eu sei que você não precisa
que outros mostrem seus problemas. Tipos 1 sabem que
podem fazer isso de um modo “mais perfeito” e sem ajuda.
Porém, nosso propósito é provocar a descoberta de si
mesmo. Desta maneira você poderá descobrir-se
(literalmente quando você tira a máscara você se
descobre). Só assim poderá perceber que esta máscara, na
realidade, o está limitando, porque você limitou a realidade
a um espaço tão reduzido que corre o risco de não poder
conhecer outros aspectos dessa ÚNICA REALIDADE de milhares
de faces e nuances e de milhares de paradoxos. A
“raiva/rigidez/ressentimento” se encarregará de dar poder a
essa visão limitada. O mundo dos Tipos 1 é tão reduzido e
compartimentado que termina deixando muitas coisas
importantes de fora. Você pode ampliar esse mundo. Nessa
ordem autoimposta em que nada parece ter alternativas ou
nuances, falta a compreensão de uma velha e sábia Lei
Hermética que você poderá lembrar cada vez que seus
caminhos, meios e esquemas de vida pareçam ser os ÚNICOS
POSSÍVEIS . Essa Lei diz:
 
“Todas as verdades são semiverdades; todos os paradoxos
são reconciliáveis.”
 
Uma de nossas alunas definiu esta procura de uma visão
mais ampla, serena, tolerante e abrangente da realidade
como um de seus principais esforços na busca da
conciliação interior: “O Tipo 1 deve cultivar a tolerância, a
esperança... não colocar todas as coisas dentro de um
formato. Deixar as coisas e as pessoas serem como são,
sem querer mudar nada e ninguém. Tentar ver o outro lado
da questão – em todas as questões – e ter a certeza que ‘o
frio pode ser quente’ num outro nível...”
 
 
Os principais movimentos a serem observados:
de 1 a 4 e de 1 a 7
 
O Movimento do mundo interno dos Tipos 1 no Eneagrama
é o resultado da divisão 1 : 7 = 0,1428571... Observe que
nesta dízima periódica, os números 1 e 4 estão juntos,
assim como os números 7 e 1. Vamos analisar o primeiro
movimento. De 1 a 4... RAIVA E INVEJA são vícios intimamente
ligados entre si. A raiva do Tipo 1 é gerada pelo fato de ele
não atingir a perfeição procurada. O Tipo 1 intui essa
perfeição e deseja alcançá-la. A inveja não significa aqui
apenas o anseio de possuir o que outro possui porque o
consideramos valioso. Devemos analisar a inveja de uma
forma mais profunda, como um anseio de atingir o que se
considera “aparentemente melhor” e que ainda não temos,
apesar de sentir que o merecemos e pela certeza que temos
de que o desejado é realmente o melhor, o mais perfeito e
mais adequado para fazer parte da nossa ordem particular.
Quando não o conseguimos, surge a RAIVA . O trabalho de
auto-observação de si permite ao Tipo 1 descobrir que a
razão de sua raiva está oculta por trás da sua busca de uma
falsa “perfeição”, um falso ideal que não lhe permite
relaxar. Isto leva o Tipo 1 a vivenciar os resultados de seu
movimento ao Ponto 4 do Eneagrama. A perfeição não foi
conseguida e a raiva se mistura à tristeza e à angústia de
não possuir o que se quer, de não se viver de acordo com o
ideal de perfeição fixado, a uma espécie de
desapontamento de não se conseguir o que se quer
obsessivamente e, portanto, a uma sensação de
infelicidade.
Com respeito ao que se chama “movimento contra seta a
7”, existe nele algo da maior importância para Tipos 1.
Iniciamos este capítulo pedindo para você realizar este
trabalho de auto-observação com alegria e o terminamos do
mesmo modo. O Tipo 7 do Eneagrama (quando equilibrado)
é considerado possuidor de uma personalidade livre,
espontânea, que gosta de aventura, que sabe rir da vida e
que está disposto a mudar. Esses são seus aspectos
positivos. Quando o Tipo 1 se move contra a seta
negativamente (1 a 7), ele não somente pode viver
situações “proibidas” como já vimos anteriormente.
Também se comporta de maneira irônica com os outros, ou
seja, ele manifesta um dos piores aspectos do Tipo 7. A
ironia é um modo sorrateiro de criticar e “rir dos coitados”
que “não fazem as coisas do modo certo”. É uma burlesca
atitude que esconde a raiva que não se pode ou não se quer
explicitar. Para o Tipo 1 a ironia funciona, então, como uma
arma sutil, como um modo disfarçado de mostrar aos
demais que só ele conhece o modo perfeito, o plano
perfeito, o jeito adequado. Quando você “vai”
negativamente de 1 a 7 no Eneagrama, você sabe como
tornar-se extremamente chato para os outros, exatamente
igual ao Tipo 7 quando deseja “sacanear” seus semelhantes
com suas sutis brincadeiras. Você fará bem em ler as
características do Tipo 7 no momento oportuno.
Porém “tudo tem seu par de opostos”, embora você às
vezes negue esse fato. Por esta razão, você “deveria”
(gostou da palavra ?) aprender do 7 o modo de ser menos
limitado, mais solto, menos rígido, mais aberto ao novo e
diferente, mais espontâneo e mais livre... Aprenda com o
Tipo 7 a mudar de planos e de astral... Seja mais
brincalhão... Se solta, poxa! Certo aluno Tipo 1 fez a
seguinte avaliação de si mesmo, quando percebeu que
estava se livrando de sua rigidez:
“Se fosse falar da minha mudança desde que iniciei meus
treinamentos de Eneagrama com Khristian, diria que foi
total, mas com os conhecimentos ‘já retidos’ sei que foi
apenas uma tremenda suavizada, com ganhos enormes
para o ‘bem viver’. Com maior aceitação e consideração
externa, harmonia (percepção de fazer parte do Todo),
fraternidade, etc.”
Esperamos que você também consiga essa “tremenda
suavizada, com ganhos enormes para o ‘bem viver’.”
 
 
9 e 2: uma influência positiva ou negativa
 
Seus companheiros no Eneagrama são os Tipos 9 e 2.
Estes influenciam você de diversos modos. Será importante
analisar as características destes Tipos para você
aperfeiçoar a observação de si mesmo e do seu Traço
Principal. Do Tipo 2, o 1 possui o orgulho de sentir-se capaz
de fazer as coisas corretas e certas e que os demais saibam
isso e o reconheçam o deixa feliz e satisfeito. Do 9, uma
certa tendência à inércia, que muitos deles qualificam como
“necessidade de sentirem-se seguros e tranquilos” ou de ter
maior capacidade para aceitar as “imperfeições alheias” e
de ser mais tolerantes.
A maior ou menor influência destes companheiros provoca
essas nuances psicológicas, essas diferenças que
possibilitam a manifestação de três Subtipos 1 básicos. Para
certos Tipos 1, o fato de sentir-se seguros os leva a resistir
às mudanças ou novas experiências. Aqui, os aspectos
“tranquilidade” e “segurança” se relacionam com a
tendência dos Tipos 9 de rejeitar, evitar e fugir de tudo
quanto implique “esforços desnecessários” que tirem sua
“paz” ou que provoquem “aborrecimentos inúteis”. Já a
influência das características do Tipo 2 provoca certas
manifestações que fazem de alguns Tipos 1 atraentes,
sedutores e com capacidade de liderança proveniente da
certeza de que somente eles podem dar a solução certa
para determinados problemas. Diferentes dos Tipos 8, eles
não querem liderar para demonstrar poder, mas apenas
porque se sentem capazes de “estabelecer a ordem
correta”, porque sua participação se faz necessária, porque
eles sabem “botar ordem na casa”.
Tais características os tornam mais manipuladores e
assertivos que os Tipos 1 com maior influência 9.
Desta forma, convencer aos outros da “perfeição” se torna
mais fácil, dando um “toque” mais suave à figura do Tipo 1
raivoso e intolerante. Isso não significa que a raiva
desaparece, apenas se dissimula um pouco mais,
caracterizando esse processo psicológico que outros
estudiosos do Eneagrama denominam de “internalização da
raiva”. Para os Tipos 1 com forte influência do Ponto 2
Eneagramático, essa internalização da raiva poderá ser
mais ou menos bem-sucedida, segundo sua capacidade
pessoal de retenção e/ou repressão da mesma. Segundo
alguns dos mais conhecidos estudiosos do Eneagrama
(Naranjo/Riso), a questão da “retenção” e/ou internalização
da raiva está muito relacionada com os processos que
determinam os chamados tipos “anais” e/ou “anais
retentivos” da psicanálise freudiana. Menciono este fato
para o caso de alguns psicanalistas virem a ler esta obra.
Estas são apenas algumas pistas para você aprimorar a
observação de si mesmo. Sua tarefa é descobrir como estas
influências são vividas pessoalmente, tanto positiva como
negativamente.
 
 
O Tipo 1 e o tipo de pensamento extrovertido de Jung
 
Parece interessante a esta altura citar o livro Psychological
Types , de Carl Jung, para que você possa refletir sobre a
descrição junguiana do tipo mais coincidente com a
Máscara 1, o Tipo de pensamento extrovertido :
“Este tipo de homem eleva a realidade objetiva, ou uma
fórmula intelectual objetivamente orientada, ao (nível de)
princípio governante não somente para si mesmo, mas
também para todo o seu ambiente. Por meio desta fórmula
mede-se o bem e o mal, e se determina a beleza e a feiúra.
Tudo o que concordar com esta fórmula é correto, tudo o
que a contrarie é incorreto. (...) Assim como o tipo de
pensamento extrovertido se subordina à sua fórmula, para
seu próprio bem, todos os que o cercam devem obedecê-la,
pois qualquer um que se negar a obedecê-la está
equivocado – está se opondo à lei universal, portanto, é
irracional, imoral e sem consciência. Seu código moral lhe
proíbe tolerar exceções; seu ideal deve realizar-se em toda
circunstância (...) Os ‘deveria’ e os ‘tenho que’ cobram
importância neste programa. Se a fórmula for
suficientemente ampla, este tipo pode ter um papel muito
útil na vida social (...) Porém, quanto mais rígida for a
fórmula, mais (...) gostaria de introduzir a si mesmo e aos
outros num (mesmo) molde. Temos aqui os dois extremos
nos quais a maioria deste tipo se move...”
Então, como é que Tipos 1 podem iniciar um processo de
crescimento interior que os eleve acima de seus rígidos
padrões de conduta até um nível de maior “plasticidade”
psicológica? Vejamos.
 
 
O poder essencial por trás da máscara número 1
surge do cultivo da virtude da serenidade
(ou do ser na unidade)
 
Na versão para o Ocidente que Blavatsky fez do milenar
Livro dos Preceitos de Ouro tibetano, sob o título de A Voz
do Silêncio (traduzido para o português primorosamente
pelo poeta Fernando Pessoa), lemos o que pode ser a
“chave-mestra” que conduzirá os Tipos 1 até esse nível de
maior “plasticidade” e ao conhecimento profundo de si
mesmos:
 
“Sê como o Oceano, que recebe todos os rios e torrentes.
A poderosa serenidade do mar permanece inalterável, sem
senti-los...”
 
Sim, será necessário cultivar a Serenidade... A Serenidade
poderia ser compreendida como “ser na unidade”. Qual
Unidade? Aquela Unidade que foi a Primeira Manifestação
do Todo. Uma Unidade que Une Todas as Coisas, porque
TODAS AS COISAS TIVERAM NELA SUA ORIGEM: “No Princípio era o
Verbo... por Ele foram feitas Todas as Coisas.” Tipos 1
“sentem” instintivamente essa Unidade original, e sentem
que quanto mais Ela se expresse mais perfeito será tudo.
Quanto menos manifestação da Unidade, menos perfeição.
O erro, ou melhor, o “desvio” (uso a palavra desvio no seu
significado radical, ou seja, sair caminho ) psicológico
principal é não enxergar as múltiplas manifestações
possíveis dessa “intuída” Unidade arquetípica que subjaz
potencialmente por trás de todas as coisas e que é
dinâmica em sua essência. Nada é perfeito quando sujeito à
manifestação existencial, porém nada é absolutamente
imperfeito e tudo pode ser aperfeiçoado. O modelo pode ser
perfeito porém suas expressões podem não ser perfeitas.
Quanto mais “semelhante” ao modelo, mais perfeita a obra.
Somente não se pode esquecer que, talvez, esse modelo
seja também passível de perfeição e, paradoxalmente,
imperfeito no seu nível. Quando não se consegue
“descobrir” esta perfeição eidética e dinâmica subjacente
em todas as coisas, quando não se pode sentir o potencial
de aperfeiçoamento e não se pode imaginar de quantas
maneiras esse potencial pode vir a se manifestar, o Tipo 1
manifesta sua Raiva/Ressentimento/Rigidez. O imperfeito é
rejeitado. Acusa-se de “imperfeito” àquilo que oculta essa
Unidade/Perfeição que instintivamente se deseja atingir.
Não se percebe o perfectível do imperfeito, nem se
consegue perceber sua relativa perfeição em certo nível. Por
isso, a raiva/ressentimento/rigidez se transforma em “ideia
fixa” de como fazer o certo, de que é o certo e em
inconformismo. Desta maneira, Tipos 1 se defendem contra
tudo o que ameaça suas “perfeições definitivas e
absolutas”. Este estado interno o castiga com a rigidez e a
cristalização psicológicas. Não percebe que essa
cristalização interna aprisiona suas extraordinárias energias.
 
Tipos 1 declaram, com falsa certeza, que só existe um
caminho certo e nenhum mais, e quando não conseguem
impor este “único caminho certo”, quando não conseguem
realizá-lo, interna ou externamente, a raiva, às vezes
impedida de se manifestar, se disfarça numa espécie de
raiva justa , ou como a descreve Claudio Naranjo numa
“virtude irada” , rótulo que segundo ele “tem a vantagem
de incluir tanto o aspecto emocional (raiva) quanto o
cognitivo (perfeccionista)” , ou seja, uma raiva
racionalizada, por não ter conseguido realizar da única
maneira que se acredita possível o supostamente
“perfeito”. Quando esta visão unilateral da realidade se
consolida, poderá provocar o surgimento, em alguns deles,
da compulsão e obsessão que podem levá-los a consequên-
cias psicopatológicas mais sérias.
O que poderia ser a virtude de pressentir a Unidade por
trás da diversidade aparente, vira o vício de achar que só
existe uma única possibilidade de perfeição para cada
manifestação daquele 1 primordial. O Perfeito não será
enxergado como um processo dinâmico em constante
movimento e capaz de superar o que num determinado
instante parecia ser sua máxima expressão. O Tipo 1
transforma o Perfeito num estado rígido, cristalizado,
terminal, que não pode ser diferente daquilo que ele
determinou como perfeito, daquilo que ele prejulga como
certo. Então, nesse estado de fixação e obsessão interna,
nessa incapacidade de perceber a ilimitada Unidade e a
dinâmica dessa perfeição-que-sempre-se-aperfeiçoa , o Tipo
1 não pode ver além de seu limitado “território”. Tudo o que
seja perfeito terá que estar sujeito às suas medidas, às suas
normas, às suas percepções do “certo” e do “errado”. A
ameaça permanente de ver o “território” alterado pelo
“imperfeito” que vem de fora é exorcizada com a diária
conservação de tudo o que pode consolidar a segurança e
ordem do “seu” território. Pode existir SERENIDADE no Tipo 1
que vive nesse mundo de falsas perfeições e de parciais
visões da Unidade? Pode estar em Unidade com o Ser que
está presente em Todas as Coisas? Logicamente, não. E por
isso ele se torna seu próprio grande acusador, que reprime,
que julga, que ironiza, que manipula, que limita a si mesmo
e aos outros. Parece que deste modo sua visão parcial da
realidade, a minimização da Unidade à sua aparentemente
única maneira de enxergá-la presente nas coisas, pode
permanecer segura e inabalável, porque foi “cercada”.
Quando o Tipo 1 se dá conta de que essa Unidade da qual
sua máscara é um fraco e limitado reflexo está presente EM
TODAS AS COISAS e não somente em algumas, quando percebe
que essa Unidade pode assumir muitos rostos, quando o
Perfeito se compreende como uma dinâmica sem os limites
de seu “território”, quando o Perfeito pode ser enxergado
nos outros modos de expressão da realidade, em outros
modos e maneiras de ver, fazer, sentir e viver, então a
SERENIDADE , o “SER NA UNIDADE” surge e começa a substituir a
RAIVA da sua rígida máscara. O mundo se amplia, as
possibilidades se multiplicam. Agora, tudo se torna possível.
Tudo se torna dinâmico, cheio de nuances e possibilidades
insuspeitáveis, para as quais o Tipo 1 está aberto, com a
serena atitude do observador imparcial que não precisa
julgar, que não precisa rejeitar ou acusar. Pouco a pouco, o
Tipo 1 pode ser capaz de descobrir o ÚNICO PERFEITO em todas
as múltiplas questões que se apresentam ante ele na
existência. Torna-se aberto, porque a serenidade o
transforma num ser receptivo. O conflito entre as
polaridades que pareciam irreconciliáveis diminui, porque a
serenidade produz o equilíbrio (7), a equanimidade (4) e a
humildade (2) necessários para a grande reconciliação dos
opostos. Esta reconciliação é própria daqueles seres
humanos que aperfeiçoam a si mesmos por meio de um
equilibrado discernimento. Alexandra David-Néel, no seu
livro Initiations Lamaïques (Des Theories, des pratiques, des
homens), publicado em português com o título de Iniciações
Tibetanas, diz sobre as chamadas doutrinas da Senda
Mística: “... a moralidade (do homem esclarecido) consiste
na escolha sagaz que (ele) é capaz de fazer entre o que é
bom e o que não é, segundo as circunstâncias. As doutrinas
da Senda Mística não admitem o Bem nem o Mal em si
mesmos. O grau de utilidade de um ato marca seu lugar na
escala de valores morais...” O Juiz unilateral, injusto e
intransigente, se transforma no Juiz de visão ampla, sábio e
justo que vê além das aparências e que conhece o justo
meio de todas as coisas, quando sabe discernir entre os
opostos e aprende a reconciliá-los. Esta reconciliação
interior é fundamental para a harmonia interna dos Tipos 1.
A Serenidade permite aos Tipos 1 ampliar suas
possibilidades de perfeição real. Torna-os capazes de
descobrir o “perfeito” nos planos e esquemas alheios, nos
modos com que as pessoas procuram fazer as coisas de
maneira certa. A sensação de estar divididos internamente
acaba. A raiva que não era expressa pode agora manifestar-
se adequadamente, porque se descobre que era apenas
uma energia mal direcionada e que somente parecia mais
terrível, porque assim como as águas estagnadas que não
podem seguir o seu curso, fedem e não servem, assim essa
raiva era apenas a energia a ser transmutada no rio
poderoso da serenidade interior. A serenidade transforma o
crítico interno num Buda sorridente. A serenidade mostra
que já não é necessário viver “no mundo certo” e no
“mundo errado” e que, pelo contrário, tudo pode ser vivido
além dos subjetivos limites do “bem” e do “mal”, do “certo”
e do “errado”. A serenidade conduz à vivência plena da
existência, sem que pareça ser necessário agir deste ou
daquele modo, ou segundo este ou aquele esquema. Um
viver sem tensão, sem rigidez, sem emoções ou
sentimentos retidos. A serenidade é o resultado daquele
estado psicológico que G. I. Gurdjieff chamou de “moral
interna” em oposição à moral subjetiva que muda de acordo
com as épocas e os costumes. Um estado no qual “o lobo e
o cordeiro” que carregamos conosco se reconciliam. Sobre
isso, ele dizia o seguinte:
 
“Seria melhor que você esquecesse a moralidade. Toda
conversa sobre a moralidade seria, neste momento, pura
conversa fiada (...) A moralidade interior, essa sim é a sua
meta... Quanto à moralidade exterior, é diferente em toda
parte. Devemos pautar nossa conduta pela dos outros, e
como se diz: ‘Para viver com os lobos, devemos uivar com
os lobos’. Isso é a moralidade exterior.
Para a moralidade interior, o homem deve ser capaz de
fazer, e, para isso, deve ter um Eu (...)”
 
Para encerrar esta parte, penso que será valioso refletir
nas palavras de Laura, uma de nossas alunas Tipo 1 sobre
seus esforços em direção à Serenidade:
 
“Acho que o movimento inicial que tive, na busca da
serenidade, originou-se no desejo de ‘não ser perfeita como
minha mãe’. Talvez porque aquilo não era perfeição, mais
parecia intolerância, rigidez, angústia de viver.
Não tem sido fácil, pois fui bem ‘treinada’, e qualquer
desvio daquele caminho leva à sensação de fracasso ou
culpa. Eu era uma equilibrista andando no arame, onde
qualquer instabilidade poderia provocar a queda. Era
preciso muito controle para chegar ao fim da linha. E
quando isso era possível, a sensação de vitória era menor
que a tensão durante o percurso. Por outro lado,
gradativamente, fui percebendo que a minha constante
decepção devido às falhas dos outros e a irritação quando
meus desejos eram contrariados, colocavam-me numa
posição de distanciamento das pessoas, pois eu exigia o
que não poderiam me dar, ao mesmo tempo em que me
afastava de mim mesma, enquanto representava um
personagem que me fora imposto.
A partir dessa compreensão, venho exercitando um novo
tipo de vida, em que procuro ser mais flexível e espontânea
e tento colocar emoção nos relacionamentos, sem medo de
encarar meus limites e possibilidades, querendo chegar
mais perto da verdade.
Essa forma, que venho buscando cada vez mais, baseia-se
na aceitação das Leis Herméticas e no caminho do
autoconhecimento mediante a chamada auto-observação. A
compreensão de que é possível a transformação contínua,
ao mesmo tempo em que, humildemente, aprendo que o
‘que deve ser feito já está feito’, me permite mais
serenidade na busca da perfeição, presente no meu ‘Eu
Superior’, e menos ‘perfeccionismo’, que é a máscara que
me prende e inibe a evolução.”
Parte II
- Centro Emocional (Traços 2, 3 e 4)

Centro Emocional
Traços 2, 3 e 4
 
O Traço 2
: O eu que ama

O eu
que ama

“Há duas espécies de amor. Uma é o amor escravo. O


outro deve ser adquirido pelo trabalho sobre si. O primeiro
não tem valor algum; só o segundo, o amor que é fruto de
um trabalho interno, tem valor. É o amor de que todas as
religiões falam. Se você amar, quando isso (a
personalidade,o ego) ama, esse amor não depende de você
e não haverá nenhum mérito nisso. É o que chamamos
‘amor de escravo’. Você ama até mesmo quando não
deveria amar. As circunstâncias fazem-no amar
mecanicamente...”
 
George Ivanovich Gurdjieff
Será que existem seres mais amorosos
e dadivosos que os Tipos 2?
 
 
Quando no inicio do meu trabalho com Eneagrama no
Brasil fui convidado como entrevistado do programa de TV
Talk Show , tive a oportunidade de conhecer uma das mais
cativantes Tipo 2 deste pais: Patrícia de Sabrit. Ela, com sua
natural amorosidade e simpatia, conseguiu conduzir a
entrevista sobre o Eneagrama de maneira muito afável e
fluida, o que permitiu transformar um tema difícil de
“abreviar” numa agradável conversa. Essa sua atitude
constante me lembrou a definição que Julia, uma distinta
aluna Tipo 2 fez de si mesma quando disse ser possuidora
da capacidade de “amaciar as pessoas”. Pode ser que os
Tipos 2 “amaciantes” (também existem os menos
amaciantes), identifiquem nesta palavra o que faz parte tão
importante de suas personalidades: o orgulho de serem
capazes de conseguir de um modo ou de outro, bem ou mal,
o maior dos retornos emocionais que eles e elas procuram:
o amor e o reconhecimento dos outros. Aqui no Brasil, as
figuras públicas que também possuem este Tipo
Eneagramático (com algumas diferenças de “asas”, claro!)
são as maravilhosas Ana Maria Braga e Xuxa. Que mulheres
amorosas! Que capacidade de sedução! Ana Maria Braga
consegue transmitir essa amorosidade cada vez que
entrevista seus convidados no seu programa da Globo e eu
tive o privilegio de ser um deles (veja o link no nosso site
com a entrevista completa no You Tube). Claudio Naranjo
escreve que Tipos 2 são semelhantes aos gatos, e ela é
realmente uma gata amorosa e comunicativa. E quem
duvida do enorme e amoroso coração da “rainha dos
baixinhos”? Ela, que ama a todos, e que se emociona até as
lágrimas perante seus fãs. Ela que faz tantas coisas para
encher os outros de amor e alegria. Que na falta de
possibilidades de dar-se mais aos outros, revelou numa
entrevista que aproveita o tempo livre para colecionar com
carinho as centenas de lembranças dos milhões de
seguidores que a amam tanto!. Poderíamos dizer que Xuxa
e Ana Maria Braga são na atualidade dois dos maiores
“amaciantes” públicos da TV Globo no Brasil e devemos
reconhecer que, de certo modo, precisamos muito dessa
qualidade nestes dias tão violentos.
Bom, estou iniciando a análise do Tipo 2 citando exemplos
simpáticos que todos reconhecem. O quê? Sim, eu sei que
você merecia estar citado (a) aqui, mas assim como um
Tipo 1 não precisa se levar tão a sério, você, Tipo 2, não
precisa exagerar sua cobrança da atenção dos outros,
especialmente de mim que não o (a) conheço, poxa! Não
fique triste nem zangado (a), tá? Os Tipos 2 com forte
movimento para o agressivo Ponto 8 e com uma boa
influência do Ponto 1 do Eneagrama até que poderão
justificar essa raiva. Você é do tipo que quando está
zangado “encena” uma violência histriônica que lembra os
“expressivos” italianos com suas justas vendetas ? Ou você
é daqueles Tipos 2 mais amorosos e dispostos a “aceitar
tudo por amor” devido a um forte movimento ao Ponto 4?
Qualquer que seja o modo como esta segunda máscara se
apresente em você, tentarei mostrar-lhe (com muito amor,
claro!) como seu Tipo deve ser observado e o que nele deve
ser aprimorado para que todo esse amor e anseio de se dar
aos outros sejam cada vez mais verdadeiros e poderosos,
sem que você se esqueça de você ... A propósito, estas
últimas palavras não foram escritas por acaso (até porque
você sabe que o acaso não existe...). Eu as escolhi para me
referir a um dos aspectos mais cruciais que todo Tipo 2
precisa compreender: entregar-se aos outros não deve
significar perder-se de si mesmo (a).
 
 
Observando a máscara 2:
a sutileza do orgulho
 
Observar a si mesmo é difícil. Já para os Tipos 2, é difícil
atingir um grau de auto-observação medido e equilibrado. A
tendência é confundir observação com uma espécie de falsa
humildade, maximizando a autocrítica como um modo de
provocar a compaixão ou admiração dos outros. Nesta
atitude, os Tipos 2 reforçam a influência dos Tipos 1
(autocrítica e cobrança exagerada) e do movimento
contrário à seta, ou seja, ao Ponto 4 do Eneagrama (uma
necessidade de apoio e de compreensão para seus
sofrimentos e angústias nem sempre reais e, quando reais,
exagerados teatralmente). Por isso, quero que sua
autoanálise seja muito consciente para que não caia nestes
extremos, tão frequentemente usados pelos Tipos 2 para
atrair atenção e amor. Os Tipos 2 adoram que lhes falem
frases tais como: “Não, você não é tão ruim assim, não se
castigue tanto!” Faz parte deles a capacidade de sentir
orgulho, seu “pecado capital”, até quando conseguem ser
reconhecidos como “tão humildes”, o que eles certamente
não são (poderia acrescentar “em absoluto” só para alegrar
a certos Tipos 2 que gostam dos extremos). Com esta
advertência, iniciaremos o processo de auto-observação,
mediante alguns depoimentos que nos mostram como surge
a Máscara 2. Uma de nossas alunas, Marta, descreveu o que
pode ser um exemplo muito apropriado da infância típica de
alguns Tipos 2 com estas palavras: “Eu sempre me senti
uma criança muito amada, desde que eu desse a cada
adulto o que ele queria receber...”
André, outro aluno, afirma: “Acho que bem cedo aprendi
que, agradando aos outros, eu recebia o que mais queria: o
amor das pessoas.”
A maioria dos Tipos 2 tem estas lembranças da infância:
agradar aos outros para receber amor. Para alguns essa
lembrança é positiva; para outros, nem tanto. Existe algo de
semelhante nas infâncias dos Tipos 1, 2 e 3: a percepção de
poder receber algo em troca de algo que parece ser o mais
valioso: em troca de ordem e bom comportamento (Tipo 1),
em troca de carinho e amor (Tipo 2) ou em troca de bons
resultados (Tipos 3). A necessidade de amor e carinho toma
nos Tipos 2 muitas formas, porém todas se resumem numa
frase de tremendo conteúdo psicológico e de
extraordinárias consequências: a necessidade de ser
sempre para ou de agir sempre para... e nunca ser ou agir
para ou por si mesma (o). Ou seja, a falta de equilíbrio entre
dar e receber e a falta de discernimento para saber quando
dar, sem querer bancar o onipotente doador (a). Vamos
analisar esta questão do ser para com maior detenção.
 
 
A “identificação” e o traço principal:
ser para os outros como manifestação do orgulho
 
Os Tipos 2 são definidos pelos estudiosos do Eneagrama
como “os doadores ou aqueles que se dão”. O verbo dar
tem alguns significados muito precisos na língua
portuguesa, segundo o Dicionário Brasileiro da Língua
Portuguesa . Estes significados ajudam a compreender o
que se deseja expressar em relação à máscara dos Tipos 2 e
o desvio (“pecado capital”) do qual são caracterizados, ou
seja, o orgulho . Vejamos alguns destes significados
escolhidos entre outros: dar: fazer doação de; consagrar,
conceder, sacrificar, obsequiar com, mostrar, manifestar-se;
entregar-se, render-se, dedicar-se, exibir-se, prestar-se. Por
que estes significados batem tão fortemente para os Tipos 2
em relação ao orgulho? Com certeza, você já está se dando
conta que é pela simples razão dos Tipos 2 acharem que
têm tudo para doar, consagrar, conceder, sacrificar... etc.,
etc. Porém, por trás desta aparente capacidade ilimitada de
se dar, os Tipos 2 ocultam um terrível vazio e uma
angustiante carência interior. Quando eles se dão, eles se
transformam em seres para os outros , perdendo-se de si
mesmos, ou seja, se “identificam”. Logicamente, Tipos 2
consideram que pelo fato de eles se darem aos outros dessa
maneira “tão total”, eles teriam que ser reconhecidos e
amados. O orgulho nasce como resultado de uma “inflação
do ego”: “somos capazes de dar, portanto merecemos ser
amados!” Neste ponto, gostaríamos de exemplificar este
fato de “ser para os outros”, com uma questão ainda não
compreendida pelo movimento feminista. Nos nossos
trabalhos com o Eneagrama, costumamos mencionar que a
característica de “ser para” dos Tipos 2 pode ser claramente
encontrada no modo como é formada (ou melhor,
“deformada”) a psique feminina. Talvez seja esta uma das
maiores causas pelas quais as mulheres têm tantas
dificuldades de conquistar o respeito e a consideração
adequados na chamada sociedade machista. O fato é tão
corriqueiro, tão “normal” que pouquíssimas mulheres o
percebem! Esse fato é o seguinte: milhões de mulheres em
todo o mundo foram e estão sendo treinadas, ou melhor,
programadas desde a infância, a agirem em função dos
homens e sentirem-se orgulhosas quando conseguem fazê-
lo do “modo certo”. A mulher é educada para ser para os
homens. As revistas femininas exibem em suas páginas, por
meio de seus artigos ou da publicidade, todos os meios e
recursos para fazer das mulheres esse “ser para” o homem.
Ao mesmo tempo em que as mulheres compreendem a
necessidade de galgar novos espaços dentro da sociedade e
lutam para obtê-los, ao mesmo tempo em que se unem
para verem reconhecidos os “seus direitos”, elas continuam
a receber o mesmo tipo de programação psicossocial: elas
devem ser bonitas, atraentes, conquistadoras,
conhecedoras de tudo o que possa atrair os machos, devem
usar lingerie excitante, calcinhas sensuais, devem aprender
como não envelhecer e a cozinhar bem e cuidar do lar,
devem se transformar em conhecedoras profundas dos
anseios masculinos, etc. Você pode comprovar o chamado
feito às mulheres para “serem para”, nas manchetes dessas
revistas, nos apelos publicitários, nos artigos, enfim: os
chamarizes das revistas chamadas femininas são um apelo
para que a mulher continue sendo um “ser para”... e ainda
sentirem-se orgulhosas por isso! Estamos chamando a
atenção para estes fatos que afetam o mundo feminino,
porque por trás desse fato todos os Tipos 2, homens e
mulheres, podem começar a intuir o que significa que eles e
elas sejam de algum modo apenas para os outros. Por trás
de seus atos, de seus anseios, de suas cobranças, a
necessidade de “ser para” os outros se torna aos poucos
uma escravidão e uma forma de esquecer o valor de si
mesmos. Marlene, uma aluna Tipo 2, expressou assim esta
questão crucial: “Sou do Tipo 2 porque sei que sempre fiz
tudo esperando a retribuição de carinho. Preciso que as
pessoas me amem e reconheçam meus esforços em fazer
algo por elas. Acho que sempre foi assim...” Logicamente,
“sempre foi assim”, desde o momento em que o contato
com a realidade se deve à falsa percepção de que se existia
apenas para agradar, para se dar aos outros, sem se
importar com as próprias necessidades, anseios e
sentimentos. O “ser para” leva Tipos 2 a depender
emocionalmente dos outros. Bom, passemos a outro
assunto que nos ajudará a perceber outras faces do orgulho.
 
 
O ser para os outros como “consideração interna”
 
A consideração interna dos Tipos 2 está marcada por uma
série de questões que os levam a exagerar a necessidade
de serem compreendidos e aceitos pelos outros. As
situações mais banais serão muitas vezes a causa de
fortíssimos momentos de consideração interna. Magda é
uma aluna que apresenta esta exagerada necessidade de
ser considerada pelos outros da maneira adequada e a
revela nesse depoimento em que expressa como seu
orgulho se torna presente no dia-a-dia: “Cada vez que
preciso abrir ou fechar alguma porta (em público) para que
alguém entre ou saia (o que acontece muitas vezes durante
o dia), eu penso: ‘Eu não sou porteira!’” Logicamente,
ninguém vai pensar que ela seja uma porteira. O que para
os Tipos 9 seria um ato de cortesia natural, ou para outros
tipos seria apenas uma gentileza própria de uma pessoa
educada (abrir ou fechar a porta para alguém), para alguns
Tipos 2, como a citada Magda, este ato se constitui num
modo de “perder a importância” diante dos outros.
Essa dependência é reforçada pelas características dos
seus companheiros no Eneagrama (Tipos 1 e Tipos 3) e
pelos pontos do Eneagrama para os quais se movimentará a
favor ou contra as setas (Pontos 4 e 8). Achando que agem
do modo certo sempre (influência do Ponto 1), os Tipos 2
exigem a consideração dos outros. Os outros deveriam
avaliá-los positivamente (influência do Ponto 3). Quando
Tipos 2 não sentem a “retribuição” adequada aos seus atos,
então, segundo seus movimentos mais fortes em direção
contra ou a favor das setas (a 4 ou 8) eles ficam zangados e
agressivos (movimento negativo ao Ponto 8) ou ficam
deprimidos, tristes e angustiados por não serem
compreendidos (movimento negativo para o Ponto 4).
Quando os Tipos 2 conseguem captar o amor e a atenção
positiva dos outros recebendo a esperada “retribuição” ou
“reconhecimento” (influência do Ponto 3), ficam “tão
felizes” que alguns iniciam de imediato novas ações para
satisfazer mais ainda aos que “valorizam” sua grande
capacidade de dar e amar.
Podemos perceber, assim, como o chamado Traço Principal
(o orgulho) possui nuances muitas vezes sutis. Poderíamos
dizer que esse orgulho “sabe” se disfarçar ao ponto de,
muitas vezes, não ser nem percebido. Na ideia de poder
dar-se aos outros, existe um sentimento de onipotência que
alguns Tipos 2 definem como um “sentimento de poder” ou,
nas palavras de um deles: “a gente se sente capaz de fazer
qualquer coisa pelos demais”. Reflita no seguinte
depoimento: “Nada para mim parecia impossível, tanto que
às vezes cheguei a manipular amizades, nessa tentativa de
mostrar que os outros são estreitos, incapazes e talvez um
pouco covardes. Amizades pessoais, geralmente femininas,
têm sido notoriamente influenciadas pelo meu Tipo 2 sem
limites, a ponto de eu ajudá-las a tomar decisões difíceis,
que sem mim não poderiam ter tomado, e até aqui
enquanto escrevo me deparo na teia de aranha de minha
personalidade que, novamente, influencia meus
pensamentos sobre meu poder de manipulação...”
A consideração interna, não podemos esquecer, é um
outro modo de manifestar este orgulho, na medida em que,
“os outros”, são os que deveriam saber como reagir, como
tratá-los da maneira certa. Outra coisa que devemos
observar é que este orgulho provoca uma forte necessidade
emocional de evitar qualquer rejeição, até porque alguns
Tipos 2 acham que sabem o que as pessoas necessitam ou
esperam deles. Esta aparente certeza (um fruto sutil do
orgulho e da consideração interna) tem como consequência
o que está expresso nas seguintes palavras de Inês, uma
aluna Tipo 2:
“... o que fiz a vida inteira foi agir sempre de acordo com o
que as pessoas esperavam de mim para não ser nunca
rejeitada”.
Muitas vezes, Tipos 2 descobrem tarde o fato de terem
vivido apenas em função de outros, esquecidos totalmente
de si mesmos (veja a semelhança com o Tipo 9) e com a
sensação de ter perdido muito tempo. Esta questão de
precisar satisfazer, agradar, e viver para os outros esconde
outra face dos Tipos 2 que lhe convidamos a considerar
reflexivamente.
 
 
Ah, esses importantes “outros”
 
O filósofo espanhol José Ortega y Gasset nos lembra numa
de suas obras como nos importamos desnecessariamente
com aquilo que chamamos “os outros”. Sim, esse monstro
de 1001 cabeças chamado “os outros”, nos afeta demais,
apesar de não possuir existência real, porque o que existe,
nos lembra o filósofo espanhol, são “próximos”, pessoas
com as quais nos relacionamos direta ou indiretamente,
íntima ou coletivamente. Já para Tipos 2, “os outros” não
apenas existem como algo real, mas muitas vezes são o
referencial de suas ações e sentimentos. Este fato leva a
aumentar ainda mais essa compulsão de “ser para os
outros”, apesar de alguns Tipos 2 saberem que estão se
enganando e enganando os outros devido a este
sentimento. O “ser para” se potencializa na constante
consideração interna e subjetiva em relação ao mundo
externo. O sentimento de que esse “ser para os outros” é
importante revela outra face do chamado “pecado do
orgulho” dos Tipos 2. Ao final, o que seria dos outros sem
eles? Reflita no seguinte depoimento que revela até que
ponto o “ser para os outros” marca o modo de sentir a
existência deste segundo Tipo do Eneagrama:
“O ponto mais marcante da minha máscara é quando sofro
por ter medo de morrer porque não quero fazer sofrer os
meus por ser (para eles) uma ótima mãe e ótima esposa.”
 
O “ser para” faz com que muitos Tipos 2 (e/ou Tipos 1 e 3
nos quais a influência dos Tipos 2 se torna marcante)
tenham o sentimento de serem criaturas especiais,
sensíveis e capazes de dar-se sem limites aos “outros”.
Existe um sentimento de orgulho por serem tão amorosos e
dadivosos até o ponto de acreditarem serem os únicos
capazes de compreender as necessidades alheias:
“Quando ajudo alguém, e gosto muito de fazê-lo, é como
se estivesse fazendo um grande feito, é como se dissesse
para mim mesmo: Viu?, sou capaz até de ajudar qualquer
pessoa, inclusive quem é inferior socialmente. Até na
pretensa humildade bate o orgulho. Considero-me uma
pessoa ótima, que sofre com o sofrimento das pessoas, com
muito amor e carinho para dar, choro quando vejo crianças
na rua, mas sinto e ajo como se fosse a única pessoa no
mundo a agir dessa forma... É muito difícil admitir e assumir
tudo isso, principalmente quando se vive em função dos
outros, para agradar, para receber atenção especial, e
quando isso não ocorre é uma grande frustração, pois gosto
de ser considerada importante e acho até que me amo...”
Walter um dos nossos alunos escreveu algo que revela
esta “sensibilidade” especial para a importância do
relacionamento com os outros: “Acho que bem cedo aprendi
que agradando aos outros eu recebia o que mais queria: o
amor das pessoas. E assim foi que sempre evitei, de todas
as formas, machucar, ferir, desagradar as outras pessoas.
Parece que ao machucar alguém, eu me machucava muito
mais profundamente. Às vezes, sentia que a ferida em mim
tinha sido tão grande, que, de alguma maneira, eu
procurava o mais imediatamente possível compensar
aquele estrago.”
 
 
A necessidade de atuar/representar como um meio
de atrair a atenção dos “outros”
 
Nesta tentativa de sensibilizarem os outros, de
conseguirem ser amados e queridos, os Tipos 2 passam a
ter certas capacidades especiais de chamar a atenção. Eu
as resumo na expressão atuar para . Este atuar para é uma
forma de sedução ou de protesto, de “amolecer” ou de
agredir os outros, de conseguir com jeitinho que eles
reconheçam, notem, destaquem, amem, solicitem, sintam
que estão presentes. Esta característica é reforçada
naqueles com a forte influência “camaleônica” do Ponto 3
do Eneagrama: Tipos 2 reconhecem frequentemente que
fazem de tudo para aparecer ou para “parecer como”. Uma
espécie de faz-de-conta psicológico. As motivações podem
ser diferentes, porém os meios são em essência iguais.
Alguns com forte movimento ao Ponto 8 do Eneagrama
encenam a “raiva” quando não são amados ou notados do
jeito que gostariam. Alguns Tipos 2 relatam que são
“calculistas” em suas ações. Outros agem para conseguir o
que querem de qualquer jeito. Quer um exemplo?
Acompanhe este depoimento: “Sabia jogar com os
sentimentos e fazer várias armações para conseguir o que
eu queria. Sempre trabalhei numa área que tinha tudo a ver
com meu potencial de doação. Acho que sabia que o que eu
queria era ver a pessoa reconhecendo o que eu tinha feito
por ela e aguardava ansiosa pelo retorno de carinho e
manifestação de amor. Na verdade, sempre ‘disfarcei’ o que
eu realmente sentia...”
 
 
O Tipo 2 e o tipo de sentimento
extrovertido de Jung
 
Como os Tipos 2 correspondem ao “tipo de sentimento
extrovertido” da tipologia junguiana, é interessante começar
esta parte da análise transcrevendo uma parte da descrição
que Jung faz dele em seu Psychological Types.
Explicando a ambivalência dos sentimentos deste tipo, ele
escreve: “Isto se manifesta (...) nas demonstrações
extravagantes de sentimento, na conversa fácil, nas
expressões fortes, etc., que soam ocas: ‘A senhora protesta
demais.’ Imediatamente se evidencia (...) algum tipo de
resistência (...) e a gente começa a se perguntar se por
acaso estas demonstrações não resultarão (em algo)
bastante diferente. Então, pouco depois acontece. Basta
uma pequena alteração da situação para produzir, em
seguida, exatamente a declaração oposta sobre o mesmo
objeto.” Isto é evidente quando Tipos 2 atuam para
conseguir atenção, para sentir que são percebidos. Nestas
ocasiões, vivem experiências engraçadas ou tragicômicas.
Mulheres Tipos 2 declaram que, em algumas ocasiões,
atuando como sedutoras vivem situações difíceis. Por
exemplo, provocam o interesse dos homens apenas para
conseguir certos objetivos ou para se certificar se, de fato,
conseguiram atrair a atenção deles, mas sem a intenção de
“namorar” ou de terem um “caso”. Helena conta como
descobriu esta atitude ambivalente após analisar sua
Máscara 2:
“Até pouco tempo eu não conseguia entender por que os
homens se sentiam tão atraídos por mim. Eu sempre
reclamava: ‘eu não fiz nada’! Hoje já consigo divisar que
inconscientemente e muitas vezes conscientemente eu fiz
questão de que eles se sentissem atraídos por mim. A
maneira de falar, o modo de vestir, um olhar, só para provar
que eu podia conquistar qualquer um.”
Às vezes Tipos 2 contam que quando brigam com seus
parceiros (as) falam que “não querem vê-los nunca mais”.
Porém, se isso vier a acontecer vão logo dizendo que “não
era isso o que queriam de verdade”.
Por outro lado, a necessidade de atuar está atrelada à
necessidade subjetiva de ter que parecer de um modo ou de
outro para satisfazer as supostas expectativas alheias. Este
sentimento subjetivo leva os Tipos 2 a se sentir
constantemente observados pelos outros, avaliados e
considerados nas mais diversas situações. Uma aluna
admitiu: “Sinto insegurança em relação a outra pessoa, se
gosta realmente de mim, e quero sempre testar isto...”
Outra afirma: “...o que eu fiz a vida inteira foi agir sempre
de acordo com o que as pessoas esperavam de mim para
não ser nunca rejeitada.” Daí a necessidade de atuar de
acordo com essa expectativa. Outros dois admitem que
quando chegam a algum lugar querem saber como estão
sendo recebidos, se notaram suas presenças, e tentam agir
de tal modo que se obtenha essa atenção desejada. Miriam,
que é do Tipo 2, reconhece: “No dia-a-dia, sinto que me
preocupa muito a opinião dos outros ao meu respeito,
principalmente na parte pessoal.” A observação dela não
difere muito da de Enzo: “Quando chego aos lugares meu
primeiro movimento é sempre tentar perceber se estou
sendo olhado e avaliado. Tenho sempre que superar certo
temor de que a avaliação seja negativa, o que faço me
exibindo, falando alto, tentando mostrar descontração e
envolvimento...” A atuação na frente dos outros deve ser
impecável e nisso os Tipos 2 são especialmente sensíveis
para avaliar se o estão conseguindo ou não. No depoimento
de Nelson, feito em “terceira pessoa” de acordo com certas
instruções, veremos como a necessidade de “atuar” deste
Tipo eneagramático, tem como raiz o “ser para”:
“Este sujeito sente-se importante. Acha que suas atitudes,
sua conduta, seu jeito de ser podem servir de modelo
(influência Ponto 1 do Eneagrama). Acha que há sempre
alguém o observando, por isso tenta fazer o melhor que
pode para não decepcionar as ‘expectativas’. Este sujeito
gosta de imaginar que alguém está falando a seu respeito.
Gosta de obter o consentimento, a concordância, o apoio, o
aplauso. Embora pareça ser independente, autossuficiente e
seguro, depende desses ‘apoios’ para prosseguir. Quando
esses incentivos não vêm, ele mesmo os fabrica...”
 
Tipos 2 percebem que estas atuações, estas maneiras de
se apresentar aos outros mais adequadamente, se baseiam
num profundo temor que nutrem de “perdê-los”. Para evitar
essas possíveis perdas, atuar se faz extremamente
necessário, ao ponto de se ter que assumir diferentes
“máscaras” para os outros. Não é à toa que Ana, uma aluna
Tipo 2 escreveu: “...cada amigo conhece uma parte de mim,
mas ninguém me conhece por inteiro... é o medo de mostrar
aos outros o inaceitável...”
Essa necessidade de atrair a atenção dos outros se
manifesta de diversos modos. O depoimento de Jorge,
servirá para que você reflita mais profundamente sobre
como essa necessidade pode influir em diferentes
momentos do cotidiano de um Tipo 2:
“Quando não recebo a atenção que acho que merecia
receber, fico, ainda hoje, perturbado. Internamente me sinto
em convulsão.
No trabalho, percebo como ‘sem querer’ estou perto do
meu chefe, que, como todo mundo, deve me achar muito
prestativo, dadivoso, responsável, eficiente e outras coisas
mais. A necessidade de impressionar positivamente o outro
faz parte de um condicionamento fortíssimo...
Na relação íntima a dois, isso se torna mais visível na
questão sexual: Como pode: eu aqui disponível e ela ligada
em outra coisa? Incapaz de verbalizar. Quero que você
venha ficar comigo, fico esperando que ela se toque. Falta
humildade (a virtude a ser atingida pelos Tipos 2) para
demonstrar com clareza e naturalidade o que eu estou
querendo. No fundo nem é o sexo, mas atenção.
Me pego também, inconscientemente, numa postura
sedutora, tentando atrair a atenção do outro. É a
necessidade neurótica da atenção, da apreciação do outro
direcionada para mim...”
Esta constante preocupação de atrair a atenção dos outros
leva os Tipos 2, muitas vezes, a deixar em segundo lugar
suas próprias necessidades. Sendo que se deve conservar
uma atenção positiva sobre eles, qualquer sentimento que
possa provocar um término dessa atenção é abafado ou
ignorado. Considere esta reflexão de mais uma de nossas
alunas Tipo 2:
“Com esse jeito doce de ser demorei muito tempo para
botar para fora minha agressividade. Muitas vezes em
grupo omitia meu desejo porque queria que os outros
ficassem felizes...”
Outra aluna, Mariana, que realiza um dedicado trabalho
sobre si mesma, confessa como esta necessidade de atrair
a atenção dos outros constitui, no seu caso particular, uma
questão que determina o êxito ou o fracasso subjetivos de
suas atividades profissionais: “Quando falo em coisa bem-
sucedida, cabe salientar que este conceito é idêntico a ‘os
outros me reconhecem’; uma atividade bem-sucedida pode
ser um evento destinado à venda de obras, e mesmo que
não venda nada, será bem-sucedida, porque estava lotado
de gente e eu era a rainha da festa.”
Vimos, assim, como a importância extrema que dão aos
“outros” e a necessidade de obterem a atenção dos outros
são duas questões que podem levar os Tipos 2 a deixarem
num segundo plano questões objetivamente importantes.
Desabafar é importante, vender as obras é importante. Ser
autêntico é importante. Quanto menor seja a “quantidade”
de consideração interna, maior será o sentimento de que os
outros são também nossos próximos, portanto, merecedores
também de tudo quanto um Tipo 2 acha ser o único
merecedor. Não podemos nos apropriar da atenção dos
outros, a qualquer preço. Toda esta compreensão tem a ver
com a necessidade de se saber o que é a humildade e o
amor, duas palavras que não se limitam a esconder o
segredo da realização interna dos nossos queridos
portadores da segunda máscara: são a chave de uma
humanidade mais fraterna.
 
 
A sensação de perder a liberdade
 
Ao transformar sua existência numa forma de atuação
adequada diante dos outros, Tipos 2 passam a ter a
sensação de não ter liberdade. As pessoas amadas podem
se transformar em uma espécie de “motivação” para “não
viver livremente”. O que acontece, simplesmente, é que
essas contínuas atuação e consideração internas presentes
na necessidade de serem “amados” pelos outros levam os
possuidores desta máscara ao cansaço. O “atuar” pode
produzir, às vezes, os resultados almejados, porém ao
mesmo tempo provoca o sentimento de ter ficado preso,
sem liberdade. Tipos 2 declaram não suportar essas
limitações, paradoxalmente provocadas por eles mesmos.
Então, alguns preferem viver de um modo em que esse
atuar satisfatório para as suas necessidades de
reconhecimento e de sentir-se amados e queridos não
implique o fato de ficar prisioneiro do “personagem” de
turno. Faz-se necessário deixar abertas algumas “saídas de
emergência” nesse “teatro” das experiências pessoais.
Neste caso, Tipos 2 têm algo de seus companheiros
eneagramáticos 1 e 3 respectivamente: vivem algumas
experiências de maneira oculta para não se comprometer
com o papel escolhido e mudam de atitude externa segundo
a ocasião. A justificativa para esta “saída de emergência” é
natural. Tipos 2 sabem que às vezes se torna impossível
viver apenas para os outros como eles o fazem, sabem que
isso lhes priva dessa liberdade natural de que todos
precisamos. A inesgotável procura de influenciar e seduzir
os outros, como se esta contínua atitude de conquista fosse
um verdadeiro leitmotiv existencial, passa a ser percebida
como uma perda dos “espaços individuais”. A constante
ansiedade de sentir-se requeridos e amados termina
provocando tédio e sensação de sufoco quando,
conseguindo essa “retribuição”, sentem-se estanques,
prisioneiros e “com falta de ar para respirar”. É que nesses
instantes, a verdade tenta aparecer para os Tipos 2 na
forma de uma solicitação emergencial de suas essências de
serem apenas para eles e apenas eles mesmos.
O depoimento de Zélia, outra aluna, permite uma
compreensão mais direta do momento em que os Tipos 2
sentem necessidade de resgatar-se: “Na fase inicial dos
relacionamentos eu mergulho no outro. É como se perdesse
a minha identidade. No auge da paixão eu começo a sentir
um sufoco horrível e fico querendo o meu espaço, para
poder voltar a mim mesma. É lógico que isto nunca é
entendido pelo outro, pois como aquela pessoa que se
perdeu nele que viveu a vida dele pode de repente querer
ter vida própria? A minha sensação é de que preciso do meu
espaço para poder viver a minha própria vida, fazer as
coisas de que eu gosto e não as de que ele gosta, e
principalmente, fazer sozinha, em um espaço fisicamente só
meu. São relações sempre muito intensas, apaixonadas e
com finais difíceis. Talvez por esse motivo os
relacionamentos triangulares sempre me encantaram. Teve
uma fase na minha vida em que eu só me apaixonava por
homem casado. Para mim era ótimo, pois não invadia o meu
espaço, me permitia ter a minha vida com mais amigos, e
ao mesmo tempo quando estávamos juntos tudo era
maravilhoso. Dessa maneira só era mostrado meu melhor
lado, nunca nada chato ou desagradável...”
Para Tipos 2 com forte movimento ao Ponto 8 do
Eneagrama, como é sem dúvida o caso apresentado, a
agressividade, será o meio pelo qual o espaço perdido será
cobrado. Muitos Tipos 2 admitem manifestar suas “raivas”
até teatralmente para conseguir certos objetivos.
Por outra parte, a preocupação dos Tipos 2 “menos
agressivos” e “amacientes” em mostrar-se, atuar e parecer
sempre “amorosos”, “agra-dáveis”, “carinhosos”
“serviçais”, “prestativos” e “humildes”, os leva a aceitar
“uma vida sofrida por amor”. Para conseguir manter essa
aparência “amorosa” e seus “aconchegantes”
temperamentos, muitas vezes estes “Tipos 2 amacientes”
abrem mão não apenas dos seus espaços, como também
das suas próprias necessidades. Exemplos muito claros
deste tipo de atitude são “essas incompreendidas mães que
sacrificam suas vidas por seus lares, filhos e maridos”.
Como se pode notar, entre esses Tipos 2 encontram-se os
que são verdadeiras vítimas de suas “grandes capacidades
de dar e ser para os outros”. Alguns deles acusam um forte
movimento negativo contra a seta, ou seja, manifestam as
características mais fortes do Ponto 4 do Eneagrama,
tornando-se angustiados e dando a impressão de estarem
vivendo verdadeiras tragédias, impressão que se torna mais
um modo torto de chamar a atenção dos outros e receber o
carinho, o amor e o reconhecimento que essa “triste vida”
lhes nega.
 
 
Duas razões para uma mesma conduta
 
Devemos esclarecer que assim como existem Tipos 2 que
tiveram infâncias felizes e se lembram de como eram
amados e “paparicados”, existem Tipos 2 para os quais esta
máscara se formou em ambientes mais difíceis. Nestes
existe uma grande queda ao Ponto 4 do Eneagrama ou uma
forte tendência à agressividade do Ponto 8. Vejamos mais
um depoimento: Quando precisou responder como surgiu
sua máscara, a aluna Ingrid revelou: “Teve origem na minha
infância, produto de um lar bastante desarmônico, com um
pai 8 que me criou com grande rigor e impondo um estilo
tirânico de governar a casa. Para agradá-lo e chamar sua
atenção, fiz todas as tentativas, quase nunca conseguia
grandes resultados. O triunfo maior da minha máscara
(Tipo) foi na adolescência. Sempre fui magra, porém, com
os desajustes dessa etapa vital, comecei a comer mais. Meu
pai descobriu isto e começou a festejar tais atitudes e assim
me converti num globo. Emagrecer para ficar bonita foi um
duro golpe que tive que acertar na imagem do meu pai a
quem parecia gostar muito da minha gordura, grande
inconveniente para o mundo gostar de mim. Ao final, a
ambição social do Tipo 2 me seduziu e acabei me
sacrificando por meu pai – a quem, confesso, ofereci os
melhores anos de minha juventude – estudando uma chata
(para mim) carreira universitária e fazendo inúmeros
sacrifícios para que ele pudesse colocar, como ele dizia,
meu nome numa placa de bronze dizendo ‘Doutora fulana
de tal...’”
Existe uma grande diferença entre a experiência de Ingrid
e a de uma colega sua:
“Identifiquei minha máscara, porque, quando criança, vivia
preocupada em deixar meus pais bem. Em época de festas
ficava querendo inventar presentes, fazer festas surpresas,
etc. Quando eles se desentendiam, não ficava tranquila
enquanto eles não voltavam a se harmonizar. Minha mãe
sempre falava que eu era doce. Adorava fazer coisas e ser
elogiada...”
No primeiro caso, esse “ser para os outros” encontra um
ambiente hostil ao qual trata de adaptar-se tentando
sempre agradar ao pai. No segundo caso, este agradar e
“ser para os outros” surge espontaneamente, sem que
ninguém peça tal conduta, num ambiente familiar
aconchegante e receptivo a esse amor e doação.
Faço esta análise para poder provocar uma melhor
compreensão do necessário trabalho de aprimoramento que
poderá levar os Tipos 2 a conseguir o necessário equilíbrio
entre “dar e receber”.
 
 
Iniciando o processo de mudanças positivas
 
Depois de uma auto-observação objetiva e equilibrada,
muitos Tipos 2 percebem que a mudança positiva de suas
personalidades passa pela necessária compreensão de que
não são “o centro do mundo” e, portanto, podem relaxar e
ficar mais autênticos. Outra aluna Tipo 2, com forte
movimento contra a seta ao Ponto 4, descreve esta
“descida do trono” da seguinte forma: “Descobrir nossas
máscaras e sentir que as transformamos no centro de
nossas atenções e que dedicamos grande parte de nossa
vida a cultivar aquilo que ‘não somos’, criou uma sensação
de ‘vazio’, pois, para um ‘2’, ‘ser original e maior que o
mundo’ é natural. Só que com esta descoberta percebo que
não sou original, pois muitos Tipos 2 se declararam tão
‘originais’ quanto eu. A sensação de ser a ‘maior do que o
mundo’ caiu pela mesma razão numa classificação de Tipos.
No fim não sobra nada, todos esses anos cultivei mato e
pensava que estava criando rosas...”
Lembro aos Tipos 2 que neste depoimento mostra-se algo
dos sentimentos extremos dos possuidores desta máscara.
Portanto, existe algo de veemente nele que precisa ser
suavizado. O positivo nele é que nossa aluna chega a sentir
aquilo que G. I. Gurdjieff chamava “o sentimento do próprio
nada”, um sentimento valioso que pode levar um Tipo 2 à
redenção e a um novo renascer no qual se compreendam o
amor e a humildade.
 
 
Movimentos de 2 a 8 e de 2 a 4:
aprimorando a observação de si mesmo
 
O Movimento do mundo interno dos Tipos 2 é o resultado
da divisão 2 : 7 = 0,2857142... Vamos analisar o primeiro
movimento. De 2 a 8, um movimento “na direção da seta”...
ORGULHO E LUXÚRIA (excesso) quando negativo, HUMILDADE E
INOCÊNCIA quando positivo. Quando o movimento de 2 a 8
aparece como negativo, Tipos 2 se tornam “eternos
insatisfeitos” porque eles “merecem muito mais” como
retribuição por tudo o que eles fazem pelos outros. Outro
sinal de negatividade é o fato de querer transformar todos
os que estão à sua volta em dependentes, a “centralização
de poder” típica do Ponto 8 é justificada pelo “orgulho” de
achar que só eles podem fazer a coisa certa para e pelos
outros. Na sua descrição deste movimento no seu aspecto
negativo, muitos 2 parecem ser Tipos 8. Uma discípula,
muito querida por todos, porque como uma boa
representante deste Tipo dava amor a todos e se doava com
total entrega, merece ser evocada pelo depoimento no qual
descreve seu movimento a 8: “Sou Tipo 2, com movimento
forte para o 8; às vezes penso que sou 8, por ser
empreendedora, otimista, a grande guerreira, mas tenho
um orgulho muito forte, vivo falando para mim mesma que
ninguém faz como eu, que posso resolver tudo, que as
pessoas dependem de mim...”
Alguns Tipos 2 reconhecem o negativo do movimento a 8,
porque percebem que se tornam agressivos e controladores
ou dizem que são capazes de viver situações extremas a
nível sexual ou emocional.
 
O movimento positivo a 8, que implica a união das
virtudes da humildade e da inocência se revela num estado
interno e externo de harmonia. Quando Tipos 2 alcançam
esse “bom movimento” se tornam menos controladores,
não manipulam nem agridem, sentem necessidade de
trocas afetivas autênticas. Inocência aqui deve ser
entendida como o estado infantil em que tudo apenas
acontece, sem ser provocado, ou seja, tudo é natural e flui
espontaneamente. Não existem “outras intenções” por trás
dos atos.
 
O segundo movimento (contrário à seta) de 2 a 4, quando
negativo implica a união de dois estados internos que se
reforçam: “Eu mereço tal ou qual coisa, mas não consigo
alcançá-la e fico triste com pena de mim mesmo.” Todo Tipo
2 conhece como se misturam “orgulho ferido e
autocompaixão”. Estes estados internos são sutis
manifestações do falso amor-próprio (orgulho como vício) e
da ideia de merecimento, de ter o direito a determinado
bem, ou seja, uma típica manifestação do Ponto 4 do
Eneagrama que esconde sorrateiramente uma forma de
inveja, porque quem mais merece tal ou qual coisa do que
eu? A autocompaixão, que para Tipos 2 se torna um modo
indireto de exigir atenção dos outros, é reforçada pelo
orgulho que determina o direito que se acredita ter em
relação a quem se fez a cobrança.
O movimento negativo contra a seta pode ainda levar
alguns Tipos 2 a estados de profundo pessimismo e de
abandono deliberado. Esse total sofrimento pode ter outro
objetivo singelo: que todos possam dar-se conta do fato de
seu sofrimento ser “único” e o desejo de serem socorridos e
levantados, mesmo que às vezes seu orgulho “dificulte”
esse “resgate do fundo do poço”.
Uma espécie de “teatralização” da dor. Afinal, quem
poderia sofrer tanto quanto eles?
Note como é revelador este depoimento: “Relaciono meu
orgulho diretamente com minhas decepções. Ao me
decepcionar, me fechava e cortava relações. Dificilmente
falava sobre o assunto, achava sempre que a pessoa tinha
que perceber e me procurar, pedir desculpas, etc...”
 
 
Centrando-se na equanimidade do Ponto 4
 
Quando o movimento ao Ponto 4 é positivo, Tipos 2
conseguem alicerçar a verdadeira humildade graças à
virtude da Equanimidade, ou seja, a capacidade de se
manterem centrados, satisfeitos, sem cobranças. Não se
espera tanto de fora. Ocorre a sensação de que existe algo
que não depende de ninguém porque lhe pertence. Meu
Mestre falava da importância de possuir uma “âncora”
interna, uma espécie de poder por meio do qual sentimos
nosso real valor. Não precisamos que alguém de fora nos dê
valor; precisamos, sim, apenas compartilhá-lo sem
cobranças. A equanimidade é esse estado no qual posso ser
para os outros sem deixar de estar e ser para mim mesmo,
sem necessitar me perder de mim mesmo. O estado no qual
já não se precisa pedir amor. Ele chega, porque apenas se
deixa de cobrá-lo.
O inesquecível Mestre Osho em Meditação: A arte do
êxtase diz a respeito:
 
“Se alguém pede amor, não obterá amor, porque o simples
fato de pedir torna-o pouco amorável, torna-o antipático. No
simples fato de pedir, faz-se uma barreira. Ninguém pode
amar-te se estiveres pedindo amor. Ninguém pode amar-te!
Só podes ser amado quando não pedes amor. O simples fato
de ‘não pedir’ torna-te belo, torna-te relaxado...”
 
 
1 e 3: influências positivas e negativas
 
Seus companheiros no Eneagrama são os Tipos 1 e 3. Suas
influências reforçarão negativa ou positivamente suas
características de Tipo. Assim, os Tipos 2 com maior
influência do Ponto 1 poderão observar uma tendência ao
“perfeccionismo” na exibição de si mesmos. Ninguém pode
inteirar-se de algo que rebaixe sua autoestima. Mostrar-se
sempre “arrumados”, “elegantes”, com tudo no lugar,
aparecer como os mais bonitos, os mais procurados, os mais
“chiques”, são alguns dos “sinais” da influência do Ponto 1.
Positivamente, o Ponto Um pode fornecer aos Tipos 2 essa
“serenidade” que os torna menos “raivosos”, menos
“cobradores”, mais seguros de si mesmos e menos
“orgulhosos”.
Do Ponto 3, os Tipos 2 deverão evitar a Vaidade e a
Mentira, características desse Ponto e que reforçam o amor-
próprio negativo. Quando a influência negativa do Ponto 3 é
mais forte, Tipos 2 tornam-se “falsos”, sabem como
“seduzir” e “iludir” os outros, sabem “provocar” e
“manipular” os sentimentos alheios para conseguir o que
querem. Tornam-se artistas que sabem desempenhar papéis
quando lhes convém. Confundem amor com aceitação ou
aprovação. O positivo do Ponto 3 influencia os Tipos 2 da
Veracidade e Honestidade. Quando isso acontece Tipos 2
são mais autênticos e confiam mais em si mesmos,
dispensam bajulação para estar bem emocionalmente.
Torna-se mais valioso ser autênticos. A autoconfiança evita
a dependência negativa.
 
 
A humildade como a virtude que nos lembra
nossa real importância
 
Quando se fala em humildade, os Tipos 2 acham que a
compreendem. “Eles são tão humildes!” é justamente o que
esperam ouvir dos outros, ironicamente para sentirem-se
orgulhosos pelo fato de terem provocado esses “amor” e
“reconhecimento” tão apreciados. Tipos 2 que reparam na
sua falsa humildade ou que percebem como seu orgulho e
amor-próprio sabem ocultar-se para “os outros”, acabam por
achar até engraçado esse fato psicológico, o que é um bom
sinal de que a verdadeira humildade está por surgir: “O
trabalho de auto-observação, que já vinha fazendo há
alguns anos, se aprofundou e, agora, de uma maneira mais
divertida, muito menos dolorosa, pois já me havia
desenvolvido mais na arte de rir de mim mesmo. Posso me
desmascarar, agora, ainda com mais facilidade, diante dos
mais próximos. Inclusive neste momento, pois sei que há
dentro de mim a suposição de que alguém, cuja atenção de
alguma maneira me interesse, venha a descobrir que este
relato é meu. E, logicamente, eu me orgulho até de minha
capacidade de me desmascarar. Rá, rá, rá...”
 
O que fundamentalmente não deixa os Tipos 2 serem
realmente humildes se relaciona à palavra “exagerar”.
Sempre são “demais”. Humildes demais ou orgulhosos
demais. Entregues demais, egoístas demais, doadores
demais. Humildade é simplesmente o contrário de ser
exagerado! Humildade é uma palavra que tem sua origem
no termo latino humus , que significa “terra”. Somos
humanos da terra! Nada mais. Simplesmente isso! Não
precisamos ser os melhores entre os humanos, apenas
sermos humanos, reconhecendo nossos limites, nossas
necessidades e fraquezas como questões que nos fazem
iguais uns aos outros. Sentir-se parte da terra, produto do
mesmo pó, leva à compreensão da mensagem do mais
importante Tipo 2 da nossa história, Jesus Cristo: “Ama teu
próximo como a ti mesmo.”
 
Este mandamento só pode ser compreendido quando
somos humildes. Quando admitimos que não gostamos ser
manipulados, quando admitimos que não gostamos de ser
usados, quando admitimos que não devemos ser
dependentes demais, quando admitimos que não nos
agrada ser reféns de sentimentos abafados, quando
admitimos que não nos agradam as pessoas falsas, quando
admitimos que não gostamos de alguém que nos usa,
quando admitimos que não queremos saber que alguém
está de nosso lado apenas porque deseja um resultado ou
visa um interesse que ignoramos, quando admitimos que
não gostaríamos de saber que alguém nos mente ou
engana, quando admitimos que não gostaríamos de saber
que alguém nos ajudou ou nos deu algo esperando ter uma
boa razão para nos cobrar algo em troca, e assim por
diante! “Ama teu próximo COMO A TI MESMO .” Você se ama?
Se a resposta é não , então é difícil compreender a
humildade.
 
Quando um Tipo 2 começa a amar a si mesmo realmente,
algo muda. Surge a humildade. Descobre-se que não é
preciso atuar ou fazer de conta, que é bom ser autêntico,
que se podem ter amigos verdadeiros e amores que não
sufocam, que não é preciso parecer desamparado ou
“carente” para merecer a atenção dos outros. Descobre-se o
que Gurdjieff chamou de o verdadeiro amor-próprio. Incrível,
não? Do mesmo modo que o falso amor-próprio precisa da
constante “inflação do ego” proveniente dos “outros”, ou
seja, da constante consideração interna para existir, o
verdadeiro amor-próprio precisa da constante certeza de
poder ser autêntico e de considerar os “outros” como
“próximos” com os quais se participa de uma mesma
existência. Jogando com as palavras: somos Humanidade-
Humus.
Sinto que a transcrição das palavras de Gurdjieff,
registradas em “Gurdjieff fala a seus alunos” , servirá como
um meio para iniciar a descoberta desse amor-próprio que
conduz à verdadeira humildade e liberdade. Reflita sobre
estas palavras, pois escondem um grande tesouro para os
Tipos 2 e para todos os que procuram conhecer-se, além
das máscaras e tipos:
 
“Na realidade, a causa secreta de todas essas reações
reside no fato de que não somos donos de nós mesmos e
tampouco possuímos um verdadeiro amor-próprio. O amor-
próprio é uma grande coisa. Se o amor-próprio, tal qual o
consideramos habitualmente, é uma coisa repreensível, o
verdadeiro amor-próprio, que infelizmente não possuímos, é
desejável e necessário.
O amor-próprio é o indício de uma alta opinião de si
mesmo. O fato de um homem ter esse amor-próprio mostra
o que ele é.
Como já dissemos, o amor-próprio é ‘um representante do
diabo’; é nosso pior inimigo, o freio principal às nossas
aspirações e realizações. O amor-próprio é a principal arma
do ‘representante do inferno’.
Mas o amor-próprio é um atributo da alma. Mediante o
amor-próprio pode-se entrever o espírito. O amor-próprio
indica e prova que o homem é uma parcela do ‘paraíso’. O
amor-próprio é Eu, e Eu é Deus. Por conseguinte, é
desejável ter um amor-próprio.
O amor-próprio é inferno, e o amor-próprio é paraíso.
Ambos têm o mesmo nome; exteriormente são
semelhantes, e no entanto, totalmente diferentes e opostos
em sua essência. Mas se olharmos superficialmente,
poderemos olhá-los durante toda a nossa vida, sem nunca
distingui-los um do outro. De acordo com uma sentença
muito antiga, ‘aquele que tem amor-próprio está a meio
caminho da liberdade’. Entretanto, se tomamos aqueles que
estão aqui, cada um está com inflado amor-próprio. E,
apesar do fato de transbordarmos de amor-próprio, não
obtivemos ainda a menor nesga de liberdade.
 
Nossa meta deve ser ter amor-próprio. Se tivermos amor-
próprio, só por isso estaremos livres de uma porção de
inimigos. Poderemos até nos tornar livres daqueles inimigos
principais – o Senhor Amor-Próprio e a Senhora Vaidade.”
 
É preciso mais algum comentário? Acho que não, certo?
 
O Traço 3
: O eu que compete

O eu
que compete

“Sugiro que cada um faça a si mesmo a pergunta ‘Quem


sou eu?’ Estou certo de que 95% de vocês ficarão
perturbados... Isso prova que um homem viveu toda a sua
vida sem se fazer essa pergunta e considera perfeitamente
normal que ele seja ‘algo’, e até mesmo algo muito
precioso, algo que jamais pôs em dúvida. Ao mesmo tempo,
é incapaz de explicar a outra pessoa o que esse algo é,
incapaz de dar a menor ideia desse algo, porque ele próprio
não o sabe. E se não sabe, não será simplesmente porque
esse algo não existe, mas apenas se supõe existir? Não é
estranho que fechem os olhos, com tão tola complacência,
ao que realmente são, e passem a vida na agradável
convicção de que representam algo precioso? Esquecem de
ver o vazio insuportável por trás da soberba fachada criada
por seu autoengano e não se dão conta de que essa
fachada só tem um valor puramente convencional.”
G. I. Gurdjieff.
 
Em Fragmentos de um ensinamento desconhecido , P. D.
Ouspensky lembra que alguém perguntou: “O que é que não
compreendemos?” E Gurdjieff respondeu: “Estão de tal
modo habituados a mentir, tanto a si mesmos como aos
outros, que não encontram nem palavras nem
pensamentos, quando querem dizer a verdade. Dizer a
verdade sobre si mesmo é muito difícil. Antes de dizê-la,
deve-se conhecê-la. Ora, Não sabem nem mesmo em que
ela consiste (...).”
 
“Para compreender a interdependência da verdade e da
mentira em sua vida, um homem deve chegar a
compreender sua mentira interior, as incessantes mentiras
que conta a si mesmo.”
G. I. Gurdjieff.
Aparentemente tudo está sempre bem
com você, não?
 
Na sua obra Relatos de Belzebu a seu neto, Gurdjieff faz
uma descrição muito engraçada dos Estados Unidos (o país
mais Tipo 3 do mundo), destacando como, desde a infância,
as crianças norte-americanas são programadas para entrar
nos dollar business e que quando cada uma delas chega à
idade adulta, “o impulso dominante de sua febril existência
é a fúria de fazer dólares e o amor a esses mesmos
dólares”, e por isso “cada um deles se ocupa sempre de
‘negócios de dólares’, e de vários ao mesmo tempo”. Ele
também nos lembra o arraigado hábito dos norte-
americanos de utilizar a publicidade “com o fim de oferecer
da parte deles, em todo o planeta, uma imagem que em
nada corresponde à realidade”, razão pela qual se
transformaram, ao longo dos anos, “em seres tão virtuosos
na arte da publicidade”, que possuem o poder de
convencer-nos de que “uma mosca é um elefante, e fazem
isto tão frequentemente, que, nos dias de hoje, se a gente
encontra um verdadeiro elefante americano, tem que
‘lembrar-se de si mesmo com todo seu ser’ para não ter a
impressão de que é uma simples mosca”.
 
Quem puder refletir sobre as agudas observações que
Gurdjieff faz da idiossincrasia, dos hábitos e das condutas
aos norte-americanos, terá uma ideia do que constitui o
Traço Principal dos Tipos 3.
 
No Brasil, temos exemplos muito admirados desta
“máscara”. Uma delas é a “performática” atriz Cláudia Raia.
No seu primeiro número, a revista Mais Vida publicou uma
entrevista desta notável artista cuja abertura destacava: Ela
faz 500 abdominais por dia, não fuma, não bebe, está
amando, é budista e consumista. Por isso Cláudia Arrasa!
(Eu imagino que o Iluminado Buda deve ter pulado de
alegria no seu nirvânico estado, após tomar conhecimento
desta inédita combinação budista-consumista da sua
doutrina de renúncia!) Após descrever todos os “sinais
externos” do sucesso da atriz e sua tremenda capacidade
de trabalho, o jornalista Marcos de Moura e Souza escreve:
Pode impressionar a nós, humanos comuns, mas o que ela
gosta mesmo é disso: agitação, muito trabalho e várias
atividades ao mesmo tempo. Workaholic encarnada.
Quase no final do artigo outras “amostras” do Tipo 3 da
grande Cláudia: “...os olhos da atriz não deixam de espiar
as possibilidades de levar seu trabalho para além das
fronteiras... ‘Estamos tentando ir a Portugal... os americanos
(de novo os americanos!) também já ficaram muito
aguçados com a proposta do show . Estamos estudando...’,
despista. Os business de Cláudia Raia na época eram
administrados pelo pessoal de sua empresa, a Raia
Produções Artísticas, que empregava cerca de vinte pessoas
sob o comando, é claro, dela própria. ‘Tenho uma veia
empresarial muito forte’...” Possuidora de uma forte
influência do Ponto 2 do Eneagrama ela atrai naturalmente
as pessoas e também o sucesso. Todos os brasileiros, com
certeza, esperam que essa sua performática vida de artista
nos brinde sempre com ótimos espetáculos.
 
Outro expoente feminino deste Tipo é Marília Gabriela,
jornalista e entrevistadora extraordinária.
 
Entre os homens Tipos 3 mais populares no Brasil, temos o
sempre bem-sucedido Sílvio Santos, dono do SBT. Ele é o
típico Tipo 3, empreendedor, alegre e seguro de si mesmo,
que dirige (quase) todos os programas ao vivo do seu canal!
Essa é que é vontade de ser admirado! O ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso (equilibrado e com uma forte
influência do Ponto 4 Eneagramático, aspecto que na sua
juventude se refletia no seu interesse pela poesia, como
pude constatar numa reportagem da revista Isto É ) é outro
Tipo 3 que vale a pena analisar. João Dória, do programa
Business do qual participei como entrevistado, é outro bem-
sucedido Tipo 3 igual ao talk show que dirige. Por último, as
conhecidas Exame e VIP são as revistas mais Tipo 3 do
Brasil.
 
Todos os Tipos 3 possuem uma mistura das características
observáveis nestes exemplos citados: grande capacidade de
trabalho, forte procura do sucesso e de resultados,
necessidades muito fortes de comunicação e extroversão
(característica que os torna semelhantes aos Tipos 7 e 8),
assim como um notável espírito empreendedor. Então, qual
é o problema desta máscara? Por acaso não está tudo bem?
Qual é o “calo” no qual se faz necessário “pisar” para que
eles se deem conta da importância de seus mundos internos
e de seus próprios sentimentos? Sentimentos? O quê?!...
Está sentindo algo? Acho que já pisei no seu calo, certo?
Sim, o grande problema dos Tipos 3 está muito dentro do
coração...
 
 
Observando a máscara 3: ou como o aparente
sucesso externo
produz a falta da felicidade interna
 
Sim, pode parecer muito forte, porém por trás destas
palavras se esconde a chave que permitirá a qualquer Tipo
3 iniciar a observação de si mesmo. Quando os possuidores
desta máscara participam dos nossos workshops sobre o
Eneagrama, a gente percebe quão ansiosos estão para
conhecer-se, quão ansiosos estão para ter uma experiência
interior. A falta de atenção aos seus mundos internos os
leva a procurar com ansiedade e paixão a resposta a todas
as suas “inquietudes espirituais”. Realmente, querem saber
mais sobre si, porque sentem que dentro deles mesmos
está o que suas atividades externas nunca lhes
proporcionarão. Durante o transcurso dos workshops,
percebem que gostariam de ter mais tempo para si
mesmos, que não são capazes de se abrir emocionalmente
com os entes queridos, que não conseguem desfazer-se de
seus papéis de grandes desempenhadores nem quando
fazem o amor, e que compulsivamente cobram de seus
filhos o sucesso, por que: a) eles o conseguiram e porque
inconscientemente não desejam que seus filhos provoquem
comentários do tipo: “os filhos de fulana (o) não são bem-
sucedidos”; b) ou porque acham que além do “sucesso” não
existe outra razão válida pela qual lutar nesta nossa breve
existência.
Este temor não apenas tem a ver com o anseio normal que
todo pai e mãe têm, mas também esconde uma egoísta
necessidade de passar para os outros a imagem de um
outro sucesso: “os filhos devem ter sucesso porque eu tive
sucesso, devem ser trabalhadores performáticos,
estudantes destacados, porque assim conseguirei fazer com
que a imagem que eu criei de mim mesmo tenha
continuidade neles”. Sempre lembro aos meus alunos o
exemplo do pai Tipo 3, que quando dá um presente ao seu
filho, o faz para “compensá-lo” por algum bom desempenho
ou sempre aproveita para cobrar-lhe uma atitude ou
lembrar-lhe o que dele se espera. Existe o caso do pai que
quando dá um carro de presente para seu filho aproveita
para dizer que “um carro é uma ferramenta de trabalho
indispensável nos nossos dias” e que ele espera que o filho
compreenda “o valor desse presente”, “o difícil que é obter
as coisas”, etc., etc. Porém, em nenhum momento
conseguiu dizer para seu filho o que estava sentindo,
emocionalmente, e que a razão do presente se resumiria
apenas nesta simples mas verdadeira frase: “Meu filho, eu
te amo.” A vaidade, o grande “pecado” desta máscara,
provoca nos Tipos 3 uma incapacidade para perceber o que
está por trás das aparências de suas vidas. Algo deve ser
alcançado sempre, algo deve ser conquistado, não se pode
parar por nenhum motivo, até porque os outros se
acostumaram a vê-los sempre ativos e dispostos. Só que, às
vezes, se dão conta de que esse “algo” parece não estar “lá
fora” e parece “fugir” deles...
 
 
Esquecendo as necessidades emocionais e sentindo-
se superficial
 
Tudo o que se possa fazer “para fora”, para ser admirado,
implica o esquecimento de si mesmo, de suas necessidades
emocionais, de suas necessidades de contato mais íntimo e
autêntico com os outros e até consigo mesmo. Este
esquecimento faz parte do movimento ao Ponto 9 do
Eneagrama. Também é típica deste Tipo Eneagramático a
dificuldade para meditar, para estar consigo mesmo, para
entrar no mundo interno. Certo Tipo 3 me revelava um dia
como havia sentido um verdadeiro desassossego e
incômodo para meditar durante apenas 20 minutos. Muitos
deles percebem que estão “representando um papel” que,
ainda que os outros achem bom, faz com que sintam uma
espécie de irrealidade ou falta de sentido, que às vezes os
deixa com a estranha sensação de estar vivendo
“superficialmente”. Vaidade e mentira são os principais
“desvios” a serem observados pelos possuidores desta
máscara. Apenas um lembrete para você antes de
continuar: a questão de voltar a “ser e sentir
verdadeiramente” não deverá ser encarada do mesmo
modo com que você encara seus trabalhos, projetos ou
negócios. Não precisa ter sucesso imediato, tá? Mais ainda:
não precisa fazer esta observação de si para apontar mais
um triunfo em suas capacidades de realizar coisas. Para
voltar a ser e sentir você precisa ser verdadeiro apenas
consigo mesmo e para si mesmo... Isto é muito importante.
Pare de enganar-se: esse algo pelo qual você tem feito
tantos esforços, está mais perto do que você imagina e
supera o valor de todos esses sinais externos de sucesso
que você procurou com tantos esforços, tanta
competência... e tanto esquecimento de si mesmo e dos
que você ama.
 
 
A “identificação” e o traço principal: “vaidade das
vaidades,
tudo é vaidade” (e a vaidade é mentirosa!)
 
Com certeza muitos Tipos 3 notarão que nos seguintes
depoimentos existe algo de comum com suas próprias
lembranças de infância. Um dos nossos discípulos, Sérgio,
lembra que: “eu era uma criança que se destacava nos
estudos. A família cobrava meu desempenho e me elogiava
pelos meus resultados... buscava sempre as melhores
notas, porque queria ser reconhecido como o melhor aluno.
Era desinibido e por isso era comum ser um dos escolhidos
para participar das festas do colégio, nas apresentações de
atividades artísticas, etc.” Coincidentemente, Stela, outra
aluna, escreveu: “A recordação que tenho de minha infância
é, de um modo geral, de uma época de grande felicidade.
Em que se fundamentava esta felicidade? A vida corria
muito harmoniosa, todas as minhas necessidades básicas
estavam atendidas, e eu tinha uma enorme expectativa de
que tudo seria sempre assim. O que era necessário para
que fosse sempre assim? Eu deveria fazer tudo direito,
como esperavam de mim, estudando, sendo organizada,
procurando ser a melhor em tudo que fazia, visto que desde
cedo percebi que vivíamos num mundo em que pessoas
estão competindo o tempo todo e que, aquelas que
alcançavam sucesso, tinham o afeto, respeito e admiração
de todos.”
Após escrever sobre detalhes felizes da sua infância, outra
aluna revelou: “Meus pais nunca sentaram comigo para
estudar e mesmo assim sempre fui uma boa aluna. Isso
dava grande satisfação ao meu pai, que sempre me
presenteava, me colocava no seu colo e me dava muito
amor...”
Outros autores, baseados nas suas observações, também
concordam em destacar que a maior parte dos Tipos 3 teve
infâncias nas quais o bom desempenho e os bons resultados
obtidos eram o meio pelo qual se conquistava o amor e/ou a
atenção positiva das pessoas. Por terem todos influência do
Ponto 2 do Eneagrama, essa percepção de receber
admiração e atenção “em troca de”, os leva a estar sempre
“fora de si mesmos”. A questão de ser para os outros que
destaca os Tipos 2 se torna necessária também para este
Tipo, só que com uma grande diferença. Ser querido é
sentir-se admirado, transformando os relacionamentos em
uma troca quase comercial, “eu dou isto, então eu recebo
isto”. Quanto mais ações adequadas melhores resultados,
quanto melhor desempenho, mais satisfação narcisista. Por
outro lado, já que acham que deveriam procurar sempre
esses resultados, essas reações positivas dos outros, eles
decidem que não podem parar. Será necessário continuar
fazendo essas coisas certas que produzem resultados bons
e admiráveis. A máscara começa a ser formada e justificada
pelo resto da vida.
 
 
Aprendendo a mentir e a mentir-se: afinal,
“é muito fácil enganar os adultos”
 
É indubitável que a gente cansa, ninguém é de ferro,
certo? Porém os Tipos 3 ficam tão identificados com a
necessidade de se mostrarem sempre como os melhores
exemplos de bom desempenho que surge a necessidade de
“se ocultar” dos outros. Como fazer isto? Muito simples: eles
criam uma imagem, uma espécie de ilusão por intermédio
da qual parecerão sempre performáticos, bem-sucedidos,
prontos e dispostos, cheios de trabalho e dinâmicos. Enfim,
aprendem que podem iludir os outros. Só que o preço dessa
descoberta é paradoxalmente mentir também para si
mesmo e mentir para si mesmo, como cantava Renato
Russo “é sempre a pior mentira”. O grave é que Tipos 3
terminam acreditando na imagem criada. Quando surge
essa percepção de que se pode enganar os outros? Todos os
Tipos 3 possuem uma versão diferente, porém, escolhi uma
muito profunda e verdadeira.
Amanda, revela-nos: “Havia em mim uma enorme
curiosidade sobre o mundo dos adultos, ao mesmo tempo
em que eu intuía que não era muito difícil agir dentro deste
mundo, pois os adultos, diferentemente das crianças, eram
muito fáceis de serem enganados. ”
Que grande descoberta! Nos custa muito aprender esta
lição... Talvez por isso continuamos sendo enganados por
produtos que oferecem vantagens inexistentes, bancos que
ficam com o dinheiro de seus clientes, médicos que são
comerciantes, advogados que são criminosos, professores
que não querem educar, políticos que não ligam para o bem
comum, companhias de telefones que não funcionam, etc.
Sim, é muito fácil enganar os adultos. Quando Tipos 3 se
cansam de parecer performáticos, quando necessitam
encontrar-se com eles mesmos, quando seus mundos
internos reclamam atenção, quando é preciso parar eles se
perguntam: como é que eu posso parar, se todos acham
que nunca vou parar? Como vou fazer para fugir desta
absorvente atividade, se todos acham que eu sou o super-
homem ou a super-mulher? Simples, pregando “pequenas
mentiras que não farão mal a ninguém”. Um exemplo
simpático:
Um dos meus alunos, Tipo 3, Mário, contou que durante
muito tempo ele trabalhara “quase 24 horas por dia” na
clínica médica da qual era sócio-fundador. Muitas vezes,
saía de casa cedo e não voltava até tarde da noite... Certa
vez decidiu que era necessário mudar esse ritmo... mas,
como mudar? Tinha passado sempre uma imagem de
superdesempenho... O que pensariam os outros se ele
começasse a sair antes do trabalho? Que fazer?
Simplesmente, decidiu “enganar” (no bom sentido) os
outros. Ele esperava que todo o mundo fosse embora,
enquanto isso, mostrava-se muito atarefado porque ele
tinha muito trabalho por realizar. Logo, quando os demais já
tinham terminado, ele ia embora... Todos pensariam que ele
continuava com o mesmo ritmo, só que era mentira. Uma
mentira que visava conservar a imagem de homem
eficiente, trabalhador e incansável que ele tinha criado com
tanta paixão e da qual se envaidecia. Como muitos Tipos 3
que acabam compreendendo essas armadilhas psicológicas
que não lhes permitem fugir dessa atividade desenfreada,
ele reconhece que hoje se importa com seus sentimentos e
necessidades, sem culpar-se. Está trabalhando em si
mesmo e dá-se conta de que deixar espaço e tempo apenas
para meditar, viajar e curtir seus filhos e esposa é muito
valioso. Ele descobriu que pode usar 10% de seu tempo
para seu lazer e para estar com a família, segundo ele, após
ler alguns autores de livros de autoajuda, dos quais Tipos 3
gostam muito!
Quando Tipos 3 começam a parar de mentir a si mesmos,
descobrem que as mudanças de vida só implicam uma
maior autenticidade a nível emocional e que essa
autenticidade pode fazer bem aos outros, especialmente
aos filhos. Eva, nossa aluna, descreve assim esta
descoberta: “O sucesso profissional não se reflete no meu
lado emocional. Como mãe não sou pegajosa, sou rigorosa e
ditatorial. Com o trabalho que venho realizando com
Khristian Paterhan estou mudando. Começo a tratá-los com
mais amor, isto é, consigo verbalizar frases como “mamãe
te ama”. Mesmo não falando, eu sempre adorei e adoro
meus filhos.” Porém ela mesma percebe hoje que o modo
de expressar essa “adoração” pelos filhos era incompleta.
Como ela, muitos pais Tipo 3 tentam justificar suas
ausências por falta de tempo e trabalho excessivo,
mediante o fornecimento de tudo o que parece valioso,
materialmente. Transformam amor em produtos valiosos
que são dados para que os filhos façam tudo direito e para
expressar deste modo o que não podem dizer verbalmente.
A mesma aluna nos relatou que: “Para agradá-los compro
roupas, brinquedos, etc. Hoje percebo que estava
condicionando meus filhos a um jogo do tipo ‘se você fizer
isso, você recebe isso’. Hoje tento conversar e não mais
fazer essas trocas. Meu filho mais velho ficou carente de
amor e atenção. Pois sempre cobrei isso ou aquilo, dentro
dos padrões que eu achava corretos. Falando para ele
‘estude para amanhã ter seu carro, seu apartamento, etc.
Aproveite as oportunidades que mamãe lhe dá, olhe
quantos meninos gostariam de estudar, ter uma cama
quente, ter roupas, etc’.”
Concordamos que muitas coisas valiosas podem ser
compradas com o fruto dos nossos trabalhos e esforços,
porém as mais valiosas para o desenvolvimento de uma
psique equilibrada e sadia não são encontradas nos grandes
shoppings centers de nossas cidades e sim nos nossos
próprios corações.
 
 
À procura da admiração e do reconhecimento alheio:
“comprando” o amor dos outros
 
Os Tipos 3 mostram que uma das razões para serem
workaholic é a procura de admiração e reconhecimento.
Miguel, um aluno Tipo 3, reconheceu: “A vaidade é
manifestada em relação ao trabalho. Busco sempre
reconhecimento por aquilo que faço. Tenho compulsão pelo
trabalho. Tenho que estar em atividade o tempo todo. Não
tenho moderação. Minha dedicação é excessiva, procurando
sempre a superação.” Esta procura de reconhecimento e
admiração é provocada na infância, porque os Tipos 3
percebem que alcançar resultados é garantir a atenção dos
outros. Assim como os Tipos 2 precisam sentir-se amados
dando amor aos outros, os Tipos 3 aprendem a comprar o
amor dos outros, fazendo tudo o que os outros consideram
valioso e importante. Outra aluna Tipo 3, Letícia, descreve
esta questão numa profunda reflexão sobre sua infância:
“De um modo geral as crianças são carentes do amor dos
adultos, dos pais em particular. Quando eu tinha três anos
de idade minha mãe decidiu que eu ia para o colégio. É
importante observar que naquela ocasião, em 1941, as
crianças só iam ao colégio por volta dos sete ou oito anos.
Depois de três semanas de grandes protestos de minha
parte – chorava e gritava todos os dias – minha mãe se deu
por vencida e me comunicou que eu não iria mais ao
colégio, antes dos sete anos, como todas as outras crianças.
Nesse exato momento, não sei por que tipo de inspiração,
afirmei que agora quem quer ir ao colégio sou eu... Fui
objeto da admiração de todos, deram-me um tambor para
tocar em frente a todas as demais crianças reunidas num
pátio e, em todos os lugares, eu ouvia grandes elogios à
minha forte personalidade.”
Sem dúvida a razão dessa “inspiração” repentina foi o
temor de perder o amor maternal. Enquanto ser enviada ao
colégio numa idade na qual se faz tão importante o contato
parental pode parecer uma perda do amor materno, esta
criança intui que essa temida perda pode manifestar-se do
mesmo modo ou pior se ela não aceita o desafio de ir todos
os dias a esse mundo estranho fora do lar.
Assim, garante o amor que deseja receber da mãe e, de
repente, descobre que, por sua idade, todos a admiram no
colégio. Então tudo fica resolvido! Agradar os outros
fazendo o que eles acham valioso não só garante o amor,
como também produz admiração e elogios. Essa atitude em
relação ao mundo adquire importância e se torna o leitmotiv
dos Tipos 3. Conquistar a admiração e os elogios por bom
desempenho será o modo de procurar esse amor e carinho
tão desejados. Só que essa procura passa a ser cada vez
mais dependente de questões externas e assim os
verdadeiros sentimentos terminam abafados.
Quando os Tipos 3 participantes dos nossos workshops
descobrem estas coisas, se emocionam e alguns até choram
(ou tentam!). O modo de vida moderno tem criado muitos
Tipos 3. Muitas pessoas vivem para demonstrar que são
melhores que as outras como um meio de conseguir
indiretamente esse amor e atenção que termina sendo
confundido com as manifestações de admiração e
reconhecimento. Concorrer, disputar, ser o melhor, ganhar o
prêmio, vencer, parecem ser os únicos motivos válidos para
existir. É muito difícil fugir dessa competição constante, e
como parece ser o mais importante, tudo o mais termina
sendo secundário e parece que tudo pode ser comprado.
Num mundo em que namorar, ter amigos para bater um
papo, ter prazer sexual e satisfazer outras necessidades
próprias do animal-humano podem também ser “negócios
lucrativos”, compradas ou adquiridas direta ou
indiretamente mediante o “disk-sexo”, “disk-namoro” ou até
via Internet, alguns Tipos 3 apenas nos demonstram que,
quanto mais esquecemos nossas necessidades internas e
quanto mais a dita “sociedade de consumo” nos “programe”
para que acreditemos na felicidade proveniente do cartão
de crédito “gold”, mais longe ficaremos da linguagem do
abraço sincero e silencioso, da conversa amistosa, do papo
familiar, enfim, de tudo aquilo que nos torna humanos.
Lembro-me de um programa jornalístico de TV no qual se
comentava sobre o aumento da solidão nas grandes
cidades. Pessoas passam, atarefadas e estressadas,
rapidamente perto de nós dia-a-dia. Pessoas que têm cada
vez menos tempo para relacionar-se e conhecer e amar
umas às outras nesses três níveis de amor que aqueles
velhos filósofos gregos chamavam: Eros , Ágape e Philos .
Ter amigos e pessoas queridas, ter a capacidade de dar e
receber amor, ter empatia e/ou simpatia pelos próximos,
são questões muito valiosas que nos permitem encontrar o
termo médio entre essa nossa necessidade de ter e possuir
e nossa necessidade de ser e sentir.
 
 
Quanto mais vaidade mais narcisismo:
quanto mais narcisismo menos autenticidade
 
Os Tipos 3 perdem o contato com seu Eu Superior (o ser
real) na procura do sucesso e da admiração alheia.
Quando isto acontece, o narcisismo leva-os a manifestar-
se “camaleonicamente”, como alguns autores descrevem
essa capacidade de “disfarçar-se”, de “mudar” de acordo
com as circunstâncias para ser sempre admirado. Um Tipo
3, Antônio, reconhece: “Quando tive que participar de um
encontro profissional em que era necessária minha
presença em vários eventos e seminários no mesmo dia, eu
era capaz de mudar de emoções e de expressar-me em
cada um desses eventos, de acordo com o que o ambiente
requeria. O importante era mostrar às pessoas que eu
estava por dentro de tudo e procurava passar essa imagem
de interesse e entusiasmo ainda que dois desses eventos
fossem diametralmente opostos entre si...” Os Tipos 3
procuram ser vistos como pessoas legais, trabalhadoras,
ativas e positivas, e podem até atuar (vemos esta
necessidade de atuar para que liga Tipos 2 e 3 no
Eneagrama) para provocar nos outros as reações que
consideram adequadas. Esta necessidade vai se mostrar
mais forte, especialmente naqueles para os quais o Ponto 2
do Eneagrama exerce sua maior influência. Para aqueles
nos quais o Ponto 4 do Eneagrama é mais forte, esse
narcisismo irá acompanhado de certa excentricidade ou de
uma necessidade de mostrar-se bem-sucedidos porém,
muito originais e únicos, conhecedores de tudo o que está
na moda, de livros a restaurantes. O executivo ou executiva
padrão das grandes cidades, que veste roupas de grife, é
aceito entre os de sua classe, dirige seu carro último modelo
para alguma “reunião importante”, enquanto fala sobre
assuntos importantes pelo telefone celular e lembra todas
as reuniões nas quais sua presença é necessária e
socialmente importante; ou aquele bem-sucedido dono de
botequim barato que, também, possui I-phone para chamar
os seus fornecedores, tem suas unhas arrumadas pela
manicure da esquina, deixa seu carro novo em frente ao
negócio e fala com seus amigos sobre o tema “trabalho
duro tem compensações, portanto me imitem...”. O primeiro
viaja pelo mundo, visita lugares importantes, faz aplicações
financeiras, lê livros de temas da moda ou relativos ao
sucesso na sua profissão, etc. O segundo já foi a Porto
Seguro de avião e pagou em prestações, tem conta em dois
bancos, matriculou seus filhos num colégio caro e está
querendo inaugurar um outro botequim dentro de alguns
meses.
Quando Tipos 3 temem perder estes símbolos de sucesso,
ficam estressados.
O fato de manter uma imagem de sucesso, de quererem
ser os únicos a estar “no topo”, de precisar da admiração
alheia, pode conduzi-los a uma vida de exterioridades tão
vazia que é muito frequente encontrar entre eles esses
estressados e típicos candidatos ao “turismo espiritual”.
Desenganados após anos de vida artificial, eles se tornam
“seguidores” de terapeutas ou de “gurus”, aos quais não
hesitam em entregar parte de seus ilusórios bens terrenais
em troca da felicidade interna e eterna, claro!. Uma das
mais incríveis amostras desta afirmação pode se confirmar
no extraordinário sucesso que sempre tiveram no mundo
certo tipo de seitas, as quais se tornam “refúgio” dos
milhares de Tipos 3 cansados da “programação” do
establishment . Reflita-se, nesta parte, qual a razão
psicológica do movimento hippie e da forte influência do
mestre indiano Rasjneesh (hoje chamado Osho por seus
discípulos) na juventude americana e europeia que
encontrou nas suas propostas um meio de expressar
emoções e sensações reprimidas e abafadas por uma
sociedade tida como ilusória, fútil e falsa. No Brasil, certo
tipo de mercado esotérico procura preencher esse vazio
interior de diversas maneiras. Certa vez, no jornal O Globo
apareceu a foto de um vidente famoso, que posava do lado
de uma das representantes da high society local . Embaixo,
o jornalista informava que este senhor é extremamente
requisitado pelas damas da sociedade brasileira. Na TV, ele
anunciava um serviço telefônico, por meio do qual se
prometiam conselhos dos “melhores videntes” do Brasil.
Esclareço que não pretendo julgar este ou outro tipo de
atividades ditas “esotéricas”, mas provocar uma reflexão:
numa sociedade em que tudo pode ser comprado, em que
as pessoas vivem das aparências e motivadas a esquecer o
“Ser” em troca do “Ter”, corre-se o risco de gerar humanos
subdesenvolvidos, fracos e pobres no que diz respeito a
seus mundos internos. Vivemos num mundo em que a
pobreza interior daqueles que externamente parecem ter
“tudo para ser felizes” é tão assustadora quanto a pobreza
objetiva dos favelados e miseráveis deste país e do mundo.
Realmente, o desenvolvimento humano é urgente em
nossos dias. Tomara que o Brasil seja o arauto ante as
nações desse necessário equilíbrio entre o mundo interno e
o mundo externo, e não apenas uma cópia desse seu Tio
Patinhas bem-sucedido do Norte e que, ultimamente, não
anda bem das pernas, certo? Aparências enganam...!
 
 
Sim, as aparências enganam, por isso o Tipo 3 gosta
delas!
 
Como sustenta Riso, em seu Tipos de Personalidad ,
apesar de não existir correlação do Tipo 3 com nenhum dos
tipos junguianos, “existe certa conveniência poética no fato
de o Tipo 3 (cuja personalidade é tão pouco fixa e mutável)
não corresponder a nenhum dos tipos junguianos. Sendo o
tipo de personalidade mais adaptável de todos, o (Tipo 3) é
tratado em vários dos tipos junguianos sem ter uma
categoria própria”.
 
 
O Tipo 3 e o caráter mercantil de Fromm
 
Neste caso, quem fez o “retrato psicológico” que se
correlaciona mais exatamente com este Tipo Eneagramático
na psicologia ocidental foi Erich Fromm na sua obra To Have
or To Be , quando descreve o que ele chama de “caráter
mercantil”.
“(...) ele se baseia no fato de nos sentirmos como
mercadorias, tendo não um ‘valor de uso’, mas ‘valor de
troca’. O ser vivo torna-se uma mercadoria no ‘mercado de
personalidades’ (...)
Embora varie a proporção de perícia e qualidades
humanas, de um lado, e personalidade, de outro, como
requisitos para o êxito, o ‘fator personalidade’ sempre
desempenha um papel decisivo. O sucesso depende, em
geral, de como as pessoas se vendam bem no mercado, de
como imponham sua personalidade, e da qualidade da
‘embalagem’ com que a envolvam: depende de serem
‘joviais’, ‘sadias’, ‘agressivas’, ‘honestas’, ‘ambiciosas’;
além disso, contam também a tradição do nome da família,
os clubes a que filiam-se e ao relacionamento com as
pessoas ‘certas’ (...) cada qual deve fornecer uma espécie
diferente de personalidade que, sejam quais forem as suas
diferenças, devem satisfazer uma condição: ser procurada.”
Para mostrar sucesso, os Tipos 3 “enfeitam” suas fachadas
existenciais com todos os chamados “signos de êxito”
socialmente aceitos. Eles possuem o carro do ano, a TV de
plasma mais badalada, o laptop mais completo, os
acessórios mais valiosos. Dependendo de suas diversas
faixas sócioeconômicas, os Tipos 3 se mostram
externamente bem-sucedidos segundo o que sua classe
social exige de alguém bem-sucedido. Um exemplo quase
caricatural desta questão de “parecer bem-sucedido”
apareceu num artigo que foi capa da revista Veja Rio de
abril de 1996. A capa mostrava uma gravata feita de reais
numa impecável camisa branca sem cabeça e a matéria de
capa era: “Meu primeiro milhão”, com o subtítulo:
“Angústias e recompensas dos jovens que correm atrás da
fortuna no mercado financeiro”. A matéria, está recheada de
citações próprias de Tipos 3 e 8 (compare as sutis
diferenças entre estes dois Tipos Eneagramáticos): “Se eu
não performar sempre de forma ótima, alguém vai fazer
isso por mim”, “Quem é bom fica, quem não é dança”, “Não
estou jogando para me divertir, mas para ser rico”, “Não sei
se existe um valor que me bastaria. Quanto mais se tem,
mais se quer”, “Poderia viajar quantas vezes quisesse para
fora do Brasil, mas não dá para ficar muito tempo sem estar
a par das flutuações do mercado”, “Se eu chegar aos 30
anos com 1 milhão de dólares e tiver sociedade no banco,
direi que a primeira etapa foi vencida”, “Quero crescer
dentro do banco” e outras pérolas do tipo. Na matéria, a
repórter Mônica Weinberg descreve (consciente ou
inconscientemente) esse mundo Tipo 3 em que tantos
pretendem apenas “crescer dentro do banco” e ter “um
milhão de dólares”. Entre os entrevistados, a jornalista
destaca um sujeito que, segundo ela, é “bem-sucedido
demais para quem mal faz 30 anos, embora traga o rosto
riscado por rugas precoces”. Entre os sinais de sucesso dos
candidatos ao chamado “exclusivo mundo dos melhores e
bem-sucedidos” estão carros de 37 mil dólares, férias em
Nova York (!!) todos os anos (oh, my God! como é que pode
com todo esse maravilhoso Brasil tão perto!), livros
“educativos” tais como O covil dos ladrões , história do
megainvestidor norte-americano Michael Milken, punido por
suas próprias espertezas no mercado financeiro; e Barbarian
at the gates , os bastidores de uma operação entre três ex-
sócios da Nabisco. O quê? Gostou?... Não, não sei; no artigo
não se mencionam as editoras. Sobre gravatas, as mais
badaladas no momento são as francesas Hermès ou a
inglesa Tie Rack, claro! Bom, por aí vai essa reportagem dos
nossos novos dollars-men made in Brazil .
Alguns Tipos 3 sentem bem cedo a importância da boa
imagem. Ter uma boa imagem e passar aos outros boas
impressões leva-os a rejeitar aqueles que são, “cinzas”
demais, “pouco espertos” ou “pouco brilhantes”, ou
“humildes demais”, especialmente se essas pessoas têm
algum tipo de relacionamento com eles.
Falando sobre a influência de seus pais na sua existência,
Elza, uma aluna Tipo 3 reconhece este fato: “De um modo
geral, aceitei suas influências no que elas me pareciam
boas para alcançar na vida o que eu julgava que me
interessava. Assim, por exemplo, a postura social de meu
pai era de uma humildade absurda. Apesar de ser um
engenheiro de muito sucesso no seu tempo e de ter
acumulado bens materiais bastante razoáveis, procedia
socialmente como se fosse uma pessoa subalterna, o que
me fez desenvolver uma postura completamente oposta à
sua – Típica da Máscara 3: sempre acreditei em trabalhar
minha própria imagem e desde a infância adotei,
ludicamente é claro, um lema, em latim, Hostis Honori
Invidia , que significa ‘a multidão honra a quem inveja’. Já a
postura social de minha mãe me parecia perfeita, pois ela
vivia como uma princesa. Identificava nela, porém, uma
certa carência de raciocínio lógico que me obrigou a, desde
muito cedo, pensar sempre por mim mesma, por não confiar
muito... nas opções tanto de um, quanto do outro.” É fácil
observar neste depoimento as preocupações de todo Tipo 3:
como os outros são importantes socialmente, como se deve
trabalhar a própria imagem para que os outros possam
percebê-las como importantes.
Não adianta apenas ter sucesso, é preciso comportar-se
como uma pessoa bem-sucedida perante os outros, é
necessário “parecer” exitoso, inteligente e “socialite”.
Também é necessário “aparecer”, claro! Esta é a razão pela
qual aqueles Tipos 3 considerados socialmente vip , lutam
continuamente para manter-se no pódio dos “vencedores
sociais” e aparecer, por exemplo, na revista Caras . Anseios
que são compartilhados com os Tipos 2 e 7. Obter uma
fotografia junto a pessoas bonitas e importantes faz parte
de uma luta na qual muitos Tipos 3 se destacam por suas
incríveis estratégias de autopromoção.
 
 
“Seja como eu, me imite e se dará bem”:
O Tipo 3 como falso “exemplo” de vida certa
 
Quando o narcisismo é tido como uma “virtude social”,
Tipos 3 se tornam “motivadores” dos outros, encorajando-os
a serem como eles. Esta necessidade de encorajar, motivar
e cobrar dos outros atitudes e resultados vem acompanhada
do correspondente lembrete: “aprenda de mim, me imite,
esforce-se como eu”. Aqueles em que esta tendência é
“suave” produzem nos outros uma acolhida calorosa e
agradecida, são simpáticos e participativos, ajudam os
outros e gostam de fazer coisas em benefício da
comunidade. Assim eles alimentam a própria imagem.
Porém o que neles é visto por alguns como positivamente
“motivador” e “exemplar”, para outros pode acabar se
transformando em cobranças difíceis de suportar. Alguns
Tipos 3 são extremamente controladores e chegam a
exagerar nas suas cobranças.
Parecem, com suas atitudes, estar sempre lembrando aos
outros: “se você não me imita, se você não é um triunfador
como eu, se você não trabalha como eu, você é um
fracassado, um ninguém”. Pais Tipos 3, muito apegados à
imagem triunfante, podem ser extremamente controladores
com seus filhos, provocando o contrário como reação.
Quando Tipos 3 triunfam, se tornam extremamente
“cobradores” para com aqueles que estão perto deles,
sejam estes seus sócios, amigos ou parentes. Existe uma
certa agressividade nesta conduta, já que nessas cobranças
está implícita a ideia de que os “incapazes”, os “que se dão
mal na vida”, os que “não dão certo” (segundo o que eles
chamam de “capacidade”, “dar-se bem”, e “dar certo”) são
seres desprezíveis. Também, esta atitude com respeito aos
outros esconde um forte medo (movimento negativo ao
Ponto 6) de ter que viver entre ou com pessoas que
poderiam ter que depender deles em troca de nada.
 
 
Procurando um “bode expiatório” para os fracassos
 
Caso, por razões externas ou por erros nos seus negócios,
um Tipo 3 inicie um processo de fracassos e se dê mal, ou
não tenha os resultados esperados, a saída é culpar os
outros, ou ao “estado incompetente”, ou à “situação geral”,
porque é difícil ter que aceitar que a causa do fracasso pode
ser ele mesmo. Os Tipos 3 não querem ser considerados
fracassados. Tentam demonstrar que não tiveram culpa ou
não seriam responsáveis. A necessidade de manter suas
imagens de pessoas bem-sucedidas os leva a não aceitar o
fracasso, razão pela qual se esforçam e muitos até
conseguem superar crises que, para outros Tipos
Eneagramáticos, seriam difíceis de transpor. Assertivos e
dinâmicos perante situações complicadas, conseguem
muitas vezes convencer os outros de que eles não criaram
essas situações. Entre os Tipos 3 menos evoluídos,
encontraremos aqueles sujeitos que podem determinar
friamente que “se eu fracasso os outros deverão fracassar
também”, desse modo ninguém poderia chamá-los de
fracassados já que “todos estarão na mesma situação”.
Por esta rejeição ao “fracasso”, Tipos 3 se tornam às vezes
extremamente críticos com quem está por perto, muitas
vezes cometendo graves erros de apreciação. Lembro-me
neste instante de um certo Tipo 3 que devido a algumas
“quedas financeiras” chegou a pensar que ter ingressado
numa determinada instituição poderia ser uma das causas
possíveis dessas perdas temporais! Ele depois compreendeu
que a coisa não era assim, mas naquele momento sua
afirmação provocou entre seus colegas uma reação
totalmente compreensível de rejeição.
A razão é simples. O que num determinado momento os
Tipos 3 chamam “fracasso” é apenas o fato de não estarem
conseguindo tudo o que eles desejam. A razão do fracasso
temporal nunca é devida ao resultado de suas ações, mais é
causado pelas circunstâncias do meio, pela empresa, a
terapia, a esposa, os sócios, etc. O narcisismo os impede de
enxergar as verdadeiras causas do aparente “fracasso” que
apenas deveria servir como “feedback” para assim
conseguir a Equanimidade e a Humildade necessárias face à
realidade ou Verdade que se ocultam por trás das máscaras
da Inveja, do Orgulho e da Mentira, que são os três pecados
capitais que formam o corpo do Minotauro que este Tipo
Eneagramático deve enfrentar no labirinto de seu mundo
interno.
 
 
Conclusão necessária para não ter a mesma sorte de
Narciso
 
Namorar a si próprio não é negativo quando se
compreende a fundo o que já foi citado sobre o conceito de
amor-próprio definido por Gurdjieff no capítulo relacionado
ao Tipo 2. A dose certa de amor-próprio e de autoestima é
saudável e motivadora. Porém maquiar demais o ego,
produzir-se além da conta, e depender apenas desses
artifícios para impactar os outros, pode levar os Tipos 3 a
ficar mais longe da própria verdade. É bom lembrar que, de
tanto namorar sua bela imagem refletida no lago, Narciso
acabou se afogando – as ninfas talvez o tenham levado ao
reino das águas e, não sabemos se conseguiu ser feliz por lá
– ou pelo menos ninguém mais o encontrou. Assim surgiu o
primeiro trágico exemplo dessa patologia psicológica
chamada “narcisismo”. É interessante nesta parte lembrar
que, segundo Helen Palmer, quando se relacionam os Tipos
Eneagramáticos com as patologias psicológicas do DSM
americano (Diagnostic and Statistical Manual III, Revised), o
Tipo 3 não se encaixa em nenhuma categoria
correspondente, esclarecendo-se que este é um “Tipo
identificado recentemente no pensamento psicológico
ocidental”. Curioso, não? Como poderia ser considerado
patologia psicológica por um teste “made in USA” o fato de
se possuir uma personalidade Tipo A, ou workahólica , numa
sociedade que faz questão de considerar esse tipo humano
a melhor amostra da cultura americana? Para Ives Leloup,
um dos pioneiros da psicologia transpessoal, este seria com
certeza um excelente exemplo de “normose”, ou seja, dessa
doença rasteira que afeta a milhões de pessoas no mundo
fazendo-as acreditar que a única opção para ser feliz neste
mundo são suas agitadas, ocupadas, rotineiras e vazias
vidas.
Só me lembrei desta questão agora, enquanto pensava no
triste destino de Narciso... olhando o seu “reflexo” nas
águas da mater -matéria, esqueceu aquele que olhava
através de seus olhos e que era ele... verdadeiramente.
Todos temos este esquecimento e todos corremos o risco de
perdermos, de nós mesmos, como Narciso...
 
 
Iniciando o processo de mudanças positivas
 
Quando os Tipos 3 decidem trabalhar em si mesmos,
geralmente o fazem com o entusiasmo e o empenho que
colocam para realizar seus objetivos e metas materiais.
Porém a necessidade da máscara de querer mostrar bom
desempenho faz com que eles esqueçam o verdadeiro alvo
desse trabalho interior, ou seja, olhar para dentro de si
mesmos e sentir, simplesmente aprender a sentir. Não é
fácil para eles, porque, acostumados a viver para o externo,
acostumados a mostrar-se bem-sucedidos em tudo, os Tipos
3 fazem de qualquer trabalho interno uma espécie de prova
de capacidade ou de uma nova oportunidade para mostrar-
se como os melhores.
É comum ouvir deles que na terapia tal ou qual, ou na
análise, ou nas dinâmicas de grupo, eles manifestam-se de
acordo com as expectativas do terapeuta, analista ou
psicólogo ao qual estão tentando abrir seus mundos
internos sem conseguir o resultado principal, ou seja, uma
genuína transformação. O efeito “camaleão” toma conta do
processo, como Elizabeth nos revela neste depoimento:
“Quando fazia terapia eu conseguia me antecipar às
expectativas do psicólogo, aprendia e lia sobre as técnicas
psicológicas usadas por ele e me adiantava ao que ele tinha
para me falar. Eu me sentia até mais capaz do que ele e
logo abandonava essa terapia, sem ter conseguido abrir
meu mundo interior. Em cada terapia eu me comportava
dessa maneira e parecia que sempre conseguia mostrar-me
como a melhor em cada uma delas, porém sentia que ainda
não conseguia superar meus obstáculos interiores.”
É importante compreender que as mudanças positivas a
serem desenvolvidas importam e são valiosas apenas
porque você precisa delas . Não haverá mudanças positivas
se você não ficar entregue ao trabalho interior. Não existe
nada que você deva demonstrar para os outros além de
sentimentos autênticos. Você deverá aprender que também
vale pelo que é, e não apenas pelo que você faz. Porém,
para atingir este valioso resultado, é necessário ser
verdadeiro. Sim, verdadeiro, primeiro com você mesmo e
logo, como consequência natural, verdadeiro para com os
outros.
 
 
 
Os movimentos no triângulo equilátero: verdadeiro
sentir,
verdadeira ação, verdadeira esperança
 
Parece um resumo do Nobre Óctuplo Sendeiro budista e,
de certa maneira é. Para os Tipos 3, 9 e 6, todo o
movimento eneagramático se dá em relação a esse Trino
Ser que, apesar de ser “Três Pessoas”, é “Um só Deus, não
mais”. Sim, tudo acontece para estes três Tipos no mundo
interno e na sua relação com o ser. Quando a máscara da
mentira está presente, os Tipos 3 agem esquecendo-se de si
mesmos, deixando de sentir, adiando o que é mais
importante. Esse é o “movimento” negativo ao Ponto 9 do
triângulo. Quando esse estado de abandono de si mesmo se
afirma no falso ouro dos “ótimos resultados”, o medo de
perder essas fantasiosas fontes de segurança ilusória leva
os Tipos 3 a experimentar os aspectos negativos do
“movimento” ao ponto 6. Resultado: impossível parar (volta
ao Ponto 3), é necessário continuar a correr atrás do
sucesso, do triunfo, da carreira, do posto elevado, do alto
cargo. Ainda sentindo a terrível sensação de estar
esquecendo-se de si mesmos (Tipo 9) e das necessidades
internas daqueles que compartilham suas vidas pessoais, os
Tipos 3 decidem comportar-se como se não tivessem medo
do vazio existencial, como se os desafios externos fossem
uma espécie de droga que os pode manter sem sentir a dor
de estar longe de si mesmos. Neste aspecto há algo do
chamado contrafóbico dos Tipos 6. Observar esse
movimento interno nos seus aspectos negativos é
fundamental para o resgate do verdadeiro no Tipo 3.
Observar como a imagem que um Tipo 3 projeta de si
mesmo consegue (e isto é algo apavorante para aquele que
se dá conta a tempo) substituir o seu verdadeiro Eu.
Quando Tipos 3 decidem trabalhar em si mesmos e
lembrar-se de si mesmos, pequenas mudanças tornam-se
extremamente valiosas. Imaginemos um Tipo 3 com uma
sincera capacidade de observação de si. Talvez perceba que
não precisa adiar determinadas ações ou vivências
relacionadas com ele ou seus seres queridos (movimento
positivo ao Ponto 9) até o momento em que esteja com
“menos trabalho” porque ele descobre que ter sempre algo
para fazer, ter sempre “muito tempo ocupado”, faz parte de
sua “mentira”, então aparece a “coragem” verdadeira
(movimento ao Ponto 6) para comportar-se de um modo
inédito, para atrever-se a sentir determinadas experiências
sem temor. A distinção entre fazer por temor, ou seja, ir
contra a seta eneagramática, fazer porque se não fizer pode
perder algo, ser desconsiderado pelos outros ou perder sua
qualidade de “melhor entre os melhores”, leva o Tipo 3 ao
esquecimento de si mesmo, de suas verdadeiras
necessidades (Ponto 9) e, finalmente, o melhor modo de
não enxergar os perigos dessa atitude extrema é tornando-
se um trabalhador compulsivo (volta ao Ponto 3). Não se
trata de ter que parar de trabalhar, nem de abandonar tudo
e sim conseguir um equilíbrio entre trabalho e vida interior,
entre sentimentos e atividades. Este é o segredo da
verdadeira ação, dessa verdadeira vida que um Tipo 3 deve
objetivar. Ou seja, perceber, por exemplo, que trabalhar 8
horas de segunda a sexta pode ser tão bom e produtivo
como trabalhar 17 horas diárias e, ainda, sábados e
domingos, com a vantagem de que se pode curtir um bate-
papo com os filhos, uma noite romântica com a pessoa
amada ou simplesmente sentir e somente sentir a vida. Isto
é Equanimidade, uma das virtudes vizinhas (Ponto 4), que
Tipos 3 precisam viver. Aprender que não acontecerá nada
se decide equilibrar seu agitado ritmo de vida e que, o
máximo que pode acontecer é, talvez, evitar um ou dois
infartos (lembro que Tipos 3 e 8 estão dentro do que se
conhece como personalidades Tipo A (ou seja aquele grupo
de pessoas com sérias tendências de sofrer doenças
cardiovasculares) e ter tempo livre para dedicar ao encontro
com seu ser. Falando de um outro modo, talvez mais
motivador: tente ser excelente em relação ao seu mundo
interno sentimentos, tanto como é excelente em termos
materiais e externos! Alcançar este equilíbrio entre o mundo
interno e o mundo externo passa por compreender esses
estados superiores do ser que estão por trás da Verdade (3),
da Ação (9) e da Coragem (6) do triângulo eneagramático:
Amor (9), Fé (6) e Esperança (3). Sim. Ame honestamente a
si mesmo e aos que estão perto de você, tenha fé naquela
existência que é verdadeira e não aparente e que o pode
levar a compreender que tem muito “Ouro de Tolos”, como
cantava Raul Seixas, nessas suas “conquistas”. É necessário
um novo modo de “fazer” mais consciente e equilibrado do
ponto de vista do Ser. Este é o segredo.
 
 
Como evitar o “vazio interior” e o que aprender
com os companheiros eneagramáticos 4 e 2?
 
Os Tipos 3 deverão estudar e analisar as características de
seus companheiros eneagramáticos 2 e 4.
Do aspecto negativo do Ponto 4 Tipos 3 recebem a
influência da Inveja, entendida como a procura sofrida
daquilo que ainda não conseguiram, daquilo que
aparentemente falta e que, iludidos, acham que os fará
felizes, no aqui e agora. Esta influência 4 produz em alguns
Tipos 3 a sensação de inconformismo com qualquer
resultado obtido. É como se sempre faltasse algo. Porém,
essa falta de “algo mais” não produz nele a luxúria do 8,
não. Ela esta ligada ao sentimento de ser merecedor de
algo especial e único. Então, a possibilidade de se converter
num “burro atrás da cenoura” se torna muito real e Tipos 3
deverão observar em que momento isto acontece. Por outro
lado, a influência do Ponto 2 provoca a ideia de “sou
merecedor do reconhecimento, porque eu faço o que outros
não são capazes de fazer tão bem-feito quanto eu”. Isto é
uma manifestação da ideia egoísta de “ser maior que o
mundo” descrita por Claudio Naranjo quando analisa o Tipo
2 na sua obra.
O positivo da influência do Ponto 4 é que Tipos 3
preocupan-se com valores espirituais, procuram dicas para
viver melhor e valorizam o autoconhecimento. Ou seja,
manifestam uma honesta necessidade de Equanimidade, de
ficar equidistantes entre o mundo interno e o mundo
externo. Esta procura tem dois tipos de expressão: alguns
Tipos 3 tentam justificá-la mediante o constante
aperfeiçoamento. Compram manuais de como fazer isto ou
aquilo, manuais sobre como ser o melhor gerente, o melhor
administrador, como ser bom pai, etc. Manuais são
irresistíveis para Tipos 3, são uma forma de “narcotizar-se”
(movimento a 9) ou esquecer essa sensação de “vazio” e de
falta. Outros iniciam uma procura de si mesmos, por
intermédio de terapias, sistemas, métodos e livros de
autoconhecimento ou de autoajuda com o objetivo de
serem melhores “internamente”. O perigo é quando fazem
desta procura interior apenas algo “para inglês ver”, uma
outra maneira de mentir a si mesmos, com o risco de
continuar “vazios”.
Os Tipos 3 devem trabalhar para serem honestos na
procura do “Eu Real”, compreendendo que mentir em
relação a esta procura só prejudicará a eles mesmos e nada
mais que a si mesmos, ou que, no final, equivale a uma
tragédia espiritual, porque o verdadeiro acaba por não ser
mais sentido. Aconselho aos Tipos 3 que estejam realizando
qualquer trabalho de aperfeiçoamento interior ou que
estejam participando de escolas, fraternidades ou de grupos
religiosos com o objetivo de “conhecer a si mesmos”, a
refletir no seguinte aforismo que Gurdjieff nos deixou com
um propósito exato: “Lembre-se de que você veio aqui,
porque você compreendeu a necessidade de lutar contra si
mesmo - unicamente contra si mesmo. Agradeça, portanto,
a quem lhe proporcione a ocasião para isso.” Sim, você
deve lutar “unicamente contra si mesmo”, contra sua
mentira, contra sua falsa imagem, e não adianta “parecer”
para os outros como “o melhor dos discípulos”. O problema
é seu. Seja autêntico porque é para você mesmo que você
será autêntico. Você não acha que vale a pena lutar contra
si mesmo para chegar a esse estado interior no qual você se
sentirá honesto e verdadeiro com você?
O positivo do Ponto 2 como influência é a capacidade de
demonstrar seus sentimentos e emoções, especialmente
quando o que se sente é positivo e agradável. Essa atitude
amorosa e receptiva dos Tipos 2, quando oportuna é
positiva, valiosa e um exemplo a ser imitado pelo Tipo 3.
Quando Tipos 3 estão sentindo vontade de abraçar ou de
falar “bobagens” do tipo “eu te amo”, “estou feliz de estar
aqui!”, etc., eles talvez possam sentir esses momentos de
uma maneira mais autêntica, se apenas “consideram
externamente” percebendo que para os outros essas
manifestações podem ser muito valiosas e importantes,
tanto como ganhar aumentos de salários ou de conseguir
ganhos na bolsa. É necessária a Humildade para reconhecer
o que está sentindo e para expressá-lo. Quando Tipos 3 não
conseguem mostrar seus verdadeiros sentimentos, quando
não se permitem parecer vulneráveis, eles não conseguem
ser humildes. Humildade, Verdade e Equanimidade são
poderosas virtudes. Tente descobri-las em você!
 
 
“A VERDADE OS FARÁ LIVRES”: O DESAFIO FINAL
 
Parece até título desses filmes em série, certo? É bom rir,
para poder relaxar e quebrar ou, pelo menos, começar a
quebrar algo daquilo que está cristalizado no coração. Não
tente se defender agora, eu sei que você sente. Com
frequência vejo os Tipos 3 quase chorando. Alguns declaram
que não podem. Alguns se fazem de engraçados e tentam,
em tom de brincadeira, dizer coisas que não sabem
expressar emocionalmente. Às vezes são tão desajeitados
no momento de mostrar sentimentos ou de querer agradar
os outros que provocam o efeito contrário. Lembro aqui
como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC),
Tipo 3, fazia esforços para mostrar-se irritado ou contrariado
com relação a qualquer questão política que precisava de
uma “reação enérgica” durante o seu governo.
Simplesmente, ele até hoje não consegue!
Arnaldo Jabor, a quem admiro, expressou bem-humorado,
este aspecto da psique de FHC, escrevendo no Segundo
Caderno do jornal O Globo de 30 de abril de 1996 uma
espécie de chamado ao despertar das emoções do ex-
presidente sob o título: “O Presidente deita no divã do
psicanalista” . No subtítulo, esta frase: “Sem reformar seu
mundo interior, FHC não conseguirá fazer as reformas do
Estado.” Após uma entusiasmada sessão de análise que
termina com uma terrível advertência profética (“Do
contrário, você vai ser o Gorbatchov latino e vai dar o poder
para algum bêbado louco!”), Jabor, descreve o esperado e
catártico resultado: “...o presidente se ergueu do divã e
gritou: – ‘Seus idiotas... seus cascas de ferida, seus sujos,
mequetrefes, nefelibatas!’..., o doutor entusiasmado grita:
‘– Isso, Fernando!...’ e o presidente totalmente autêntico,
emocionalmente falando, continua desabafando: ‘– Eu... eu
sou o presidente desta joça... Meu povo! as reformas são as
seguintes... Eu sou o que manda, eu sou o pau na mesa, o
chefe desta pátria que nos pariu!’ O entusiasmo catártico é
grande e incontenível e o analista grita: ‘– Dá-lhe, garoto!...
isto é... presidente!’”
Achei simplesmente genial porque, é o que sempre se
cobrou de FHC! Realmente, ele deveria ter seguido os
conselhos de Jabor para aprender a desabafar, reagir e
defender seus triunfos quando necessário e justo, já que,
como escreveu J.R.Guzzo na revista Veja do 1° de setembro
de 2010, ainda não se reconhece que foi seu governo quem
“finalmente encarou e venceu a inflação no Brasil” , porque,
segundo Guzzo, “o que não se perdoa ao ex-presidente FHC
é o seu sucesso.” Talvez para FHC defender seus triunfos
como Tipo 3, aqui no Brasil, seja difícil por que como Guzzo
adverte: “O Brasil, por força de teimosa tradição, não
convide bem com o êxito; na celebre definição de Tom
Jobim, sucesso, por aqui, é ‘insulto pessoal’” Então, Tipos 3
fiquem alertas, porque independentemente de questões
políticas, escrevo sobre este caso para que vocês reflitam
no fato de que muitas vezes, por querer parecer agradáveis,
comunicativos e diplomáticos demais (influência da asa 2 e
movimento ao Ponto 9 do Eneagrama) vocês não reagem e
não demonstram suas verdadeiras emoções, nem o que
realmente sentem por medo de perder a popularidade e a
aceitação dos demais (Ponto 6 contra seta). Aconselho a
você, Tipo 3, homem ou mulher, a expressar
adequadamente seus sentimentos. Porém, até conseguir
essa expressão adequada,você deve procurar a
reconciliação e reencontro com o seu mundo emocional.
Não se pode mudar de uma vez, apenas porque você como
bom Tipo 3 acha que pode tudo! Sim, vá devagar... Platão
lembra-nos no Mito da caverna que levar de repente alguém
para enfrentar o Sol da Verdade pela primeira vez, pode
causar grande dor e até cegueira. Então não faça deste
caminhar para o sol do seu coração uma maratona
performática...! Seja Humilde (Ponto 2) e Equânime (ponto
4), para seu próprio bem...
Há pouco tempo, estive com um dos mais antigos alunos
chilenos, um Tipo 3 muito especial. Tivemos conversas
eneagramáticas muito valiosas, com ele e sua família. Sua
filha conseguiu desabafar: “Eu teria gostado que você
estivesse mais tempo comigo, que brincasse com a gente,
que me tomasse no colo ou que batesse um papo comigo,
mas você estava sempre muito ocupado, sempre com muito
trabalho!” Ele compreendeu e sentiu. Aos poucos, ele
percebe hoje que o que sua filha desejava não era apenas
um “bom-pai-provedor-de-tudo-o-que-faz-falta”. Num
trabalho familiar pedi para ele abraçar a filha, para ele falar
de seu amor por ela, para ele a sentir... e foi muito bom
para todos na família!
A virtude da Verdade pode ser atingida por meio da
vivência deliberada de determinadas situações nas quais
Tipos 3 costumam comportar-se como camaleões.
A esposa Tipo 3 de um grande amigo conversou comigo
sobre certas questões, procurando orientação. Ela é uma
mulher do tipo que chamamos “brilhante” e possui uma
personalidade que reúne as melhores qualidades dos Tipos
3. Por isso, ela tinha ocupado durante anos um cargo de
importância numa instituição mundial de grande prestígio.
Numa de nossas sessões de coaching e perto de deixar o
cargo, ela me revelou seu grande amor por essa instituição
e como estava triste por deixar esse cargo. Ela gostava de
tudo o que conseguia fazer pelos outros por meio dela e
com o apoio e o trabalho solidário de seus colegas. Eu
percebi que esse era um sentimento real e muito precioso e
sugeri que dissesse isso no seu discurso de despedida. Ela,
porem, não queria, já que, não se atrevia a mostrar esse
tipo de emoção aos outros porque “não achava necessário
nem importante”. Deixei isso como um desafio e uma tarefa
a ser realizada. Se ela conseguisse se abrir e mostrar seus
sentimentos em relação a esse cargo e a essa instituição,
ela poderia dar-se conta de que as pessoas receberiam essa
revelação do seu mundo interno com muito amor e alegria.
Como poderia não ser importante para todos seus colegas e
membros da sua comunidade saber que ela tinha todos
esses sentimentos preciosos em relação ao seu trabalho?!
Ela prometeu tentar... e assim o fez. Pela primeira vez, ela
conseguiu expressar aquilo que Tipos 3 demoram demais
para conseguir, (alguns demoraram anos), ou seja,
emocionar-se verdadeiramente e expressar com
autenticidade todos os sentimentos positivos que
tantas vezes não foram reconhecidos. Ela foi muito
aplaudida.
 
O desenvolvimento emocional é um dos aspectos mais
descuidados por nossos programas de educação e, como
Gurdjieff dizia, um dos mais importantes. Ele advertia que o
desenvolvimento humano não pode nem deve ser unilateral
e que precisamos que todos os Centros - Intelectual,
Emocional e Físico - sejam aprimorados harmoniosamente.
Sem dúvida, a Teoria das Inteligências Múltiplas do Dr.
Howard Gardner teria para Gurdjieff um grande valor prático
e me atrevo a dizer que o Quarto Caminho, sistema
filosófico no qual se fundamenta esta obra, tem muito a
oferecer no campo de um novo tipo de educação no qual o
conceito de inteligência supere os limites aos quais continua
sendo restrito. Hoje, graças a Daniel Goleman, o conceito de
“Inteligência Emocional” foi definitivamente incorporado a
nossa linguagem e aos nossos limitados mapas mentais.
Projetos como o “SAT – Educação” promovido por Claudio
Naranjo, fundador da Escola SAT, estão focando esta visão
de uma educação integral e humanizada. Realizá-los
somente será possível com o apoio de indivíduos lúcidos
que se importem com a evolução da nossa espécie.
O Eneagrama, cuja divulgação realizo há mais de 20 anos,
é um dos conhecimentos que podem auxiliar na educação
integral das nossas crianças e jovens e espero que pessoas
como você, desconhecido Tipo 3, empreendedor e bem-
sucedido, apóiem minha proposta de levar este
conhecimento a muitos outros seres humanos. Você pode!
 
O Traço 4
: O eu que idealiza

O eu
que idealiza

Alguém perguntou: “É preciso sofrer o tempo todo para


manter a consciência aberta?” Ele respondeu: “Há muitas
espécies de sofrimento. O sofrimento também é um bastão
de duas pontas. Uma leva ao anjo; a outra, ao diabo. Temos
que lembrar o movimento do pêndulo: após um grande
sofrimento existe uma reação proporcionalmente grande. O
homem é uma máquina muito complexa. Ao lado de cada
‘bom caminho’ há sempre um ‘mau caminho’
correspondente. Um caminha sempre ao lado do outro.
Onde existe pouco bem, existe pouco mal; onde tem muito
bem, tem também muito mal. O mesmo acontece com o
sofrimento; é fácil encontrar-se no caminho equivocado. O
sofrimento se transforma em algo agradável. Alguém é
golpeado uma vez, e tem dor; a segunda vez tem menos
dor, na quinta vez já está desejando ser golpeado. Deve-se
estar em guarda, deve-se saber o que é necessário a cada
momento, porque a gente pode se desviar do caminho e
cair num fosso.”
 
G. I. Gurdjieff
Sobre a dificuldade de ser feliz
 
 
A jornalista Daniela Name escreveu para o jornal O Globo o
que, na minha opinião, é o melhor retrato de um Tipo 4 que
todos os brasileiros cultos, sem dúvida, conhecem por meio
da sua obra literária. Como é muito comum que Tipos 4
sejam muito cultos, decidi iniciar a breve análise da sua
máscara mediante o retrato jornalístico deste ilustre
lusitano. Você concordará comigo que o famoso escritor
português Mario de Sá-Carneiro, grande amigo de Fernando
Pessoa, foi um ser humano muito especial e diferente. No
artigo, a jornalista nos lembra as características únicas
deste poeta extraordinário: “Moderno, marginal, decadente.
Ao se matar aos 26 anos, no quarto de um hotel barato de
Paris... ele reafirmou os adjetivos usados para qualificá-lo.
Era o dia 26 de abril de 1916 e os médicos que analisaram o
cadáver – que vestia um smoking e estava deitado na cama
– não tiveram dificuldades para escrever o atestado de
óbito... Envenenamento... No suicídio mais anunciado da
história.”
Sim, foram ao todo mais de 202 cartas depressivas, que
podem ser lidas nas obras completas deste escritor
publicadas pela Editora Nova Aguilar.
Dentre esses “anúncios da própria morte”, Daniela Name
destacava na ocasião uma carta e um telegrama que
retratam esse tipo de mundo interno que somente os Tipos
4 podem compreender, como já veremos ao longo deste
capítulo. A carta citada, escrita em Paris, datada de 3 de
abril de 1916, diz:
“Adeus, meu querido Fernando Pessoa. É hoje segunda-
feira 3, que morro atirando-me debaixo do Metrô (ou
melhor, Nort-Sud) na estação de Pigalle. Mandei-lhe ontem
meu caderno de versos mas sem selos. Peço-lhe, faça o
possível por pagar a multa se ele aí chegar. Caso contrário,
não faz grande diferença pois você tem todos os meus
versos nas minhas cartas. Vá comunicar ao meu avô a
notícia de minha morte – e vá também ter com minha Ama
na Praça dos Restauradores. Diga-lhe que me lembro muito
dela neste último momento e que lhe mando um grande,
grande beijo. Diga a meu avô que também o abraço muito.
Adeus. O seu pobre Mário de Sá-Carneiro. P. S.: Envio-lhe
como última recordação a minha carta de estudante na
Faculdade de Direito de Paris – o bom tempo – com o meu
retrato. Um grande abraço. Adeus. O seu, seu Mário.”
 
Você imaginou receber 202 cartas de um amigo querido
anunciando que vai se suicidar?! Sim, devia ser difícil para
Fernando Pessoa, com certeza. Sorte de ele ser um Tipo 5!.
Talvez esse fato lhe permitisse compreender esses anúncios
do seu amigo e também talvez lhe permitisse estar
preparado para receber as notícias do adiamento do
suicídio. Você pensa que estou brincando? Não, prezado
Tipo 4, é a verdade! No caso citado pela jornalista, após
receber este “último adeus”, Fernando Pessoa recebe no
outro dia um telegrama em que se lê:
“Paris, 4 de abril de 1916. Sem efeito as minhas cartas até
nova ordem – as coisas não correm senão cada vez pior.
Mas houve um compasso de espera. Até sábado. O seu
Mário de Sá-Carneiro.”
O organizador da obra completa deste escritor, o poeta
Alexei Bueno – declara à jornalista que Sá-Carneiro era “um
poeta extraordinário, mas vivia atormentado pela ideia da
grande arte. Tinha uma sensibilidade extrema, era quase
histérico. E bebeu estricnina porque não podia suportar a
banalidade do cotidiano”. Numa outra parte do artigo se lê:
“Exagerava na forma e no conteúdo de tudo o que escrevia.
Sua linguagem abundante não economizava palavras nem
imagens extravagantes. Levava uma vida de dândi, e não
encontrou dificuldades para descrever com maestria
holofotes sobre piscinas e a rotina de milionárias
americanas em Paris.” Num outro parágrafo deste artigo,
encontramos a declaração do professor de literatura
portuguesa da Unicamp, Akira Osakabe, que revela um dos
aspectos mais interessantes deste notável escritor relativo
ao tema da multiplicidade do “eu”: “Ele tinha plena
consciência da falta de unidade do ‘eu’. Mas,
diferentemente de Fernando Pessoa, que criou seus
heterônimos, não achou uma saída estética para o tema.
Pessoa ameniza o conflito, Sá-Carneiro vive o drama em si
mesmo.” Sim, nesta breve e preciosa descrição jornalística,
se revela essa grande dificuldade de viver e de ser feliz que
caracteriza todo Tipo 4. Uma dificuldade que às vezes é
superada quando os donos desta quarta máscara
conseguem alcançar a equanimidade, ou quando abafam
sua angústia existencial dedicando-se a quixotescas causas,
ou a colecionar preciosidades, ou quando se dedicam a
ajudar aos outros, ou ainda quando influenciados pelo 3
Eneagramático, dedicam-se, como escreve Helen Palmer, a
combater a depressão com hiperatividade contínua.
 
 
Lembrando outros exemplos
 
Destaquei em itálico o que são, neste poeta, algumas das
manifestações corriqueiras do Traço Principal desta
máscara: “vive o drama de si mesmo”, “exagero na forma e
no conteúdo”, “imagens extravagantes”, “as coisas não
correm senão cada vez pior” . Sim, a questão básica neste
quarto Tipo Eneagramático é a perda constante do chamado
“sentido da vida”, uma das causas dessas patologias
psicológicas derivadas da depressão exógena. Uma espécie
de “dor de viver”, que muitas vezes chega a ser “curtida”,
um constante “abandono” do presente que leva estes tipos
a sentir com força especial o significado dessa palavra que
eu, como estrangeiro, acho (viu? eu estou “achando”
também!) semanticamente maravilhosa e rica em
significados: “saudade”. Os Tipos 4 sofreram perdas às
vezes muitos grandes, a “saudade” neles é um sentimento
fortíssimo. Para sentir melhor esta máscara enquanto
escrevo, ouço o CD do conjunto Madredeus, no seu concerto
gravado ao vivo no Coliseu dos Recreios em Lisboa, em abril
de 1991. Realmente um belo concerto Tipo 4! E só ler as
letras das canções. Pensei também há pouco no quão
fascinante deve ser para alguns Tipos 4 ler Jean-Paul Sartre
e sentir que só ele podia compreender e sentir a “náusea”
da vida humana ou de chegar à conclusão de que fomos
todos como que “abandonados” numa existência de
características trágicas e desesperadoras.
Porém acho que não foi Sartre o melhor exemplo dessa
representação psicofilosófica da tragédia da vida humana
que conhecemos como existencialismo, até porque
encontramos nela um chamado a vivê-la e a sermos
responsáveis. Quem seria mais pessimista e cético que o
filósofo romeno Emil Michel Cioran? Logicamente, muitos
Tipos 4 pensarão: “Eu, só que acho que nem sequer devo
falar a respeito, pois não vale a pena!!” Bem, este filósofo
também decidiu, num momento determinado, parar de
escrever “convencido de que seria inútil externar suas
opiniões”. Em um breve artigo publicado pela revista Veja
achei alguns destes dados tão interessantes do chamado
arauto do pessimismo , cujo primeiro livro, publicado
quando tinha 22 anos, chamou-se No Cume do Desespero
(!!). Apesar de não terminar seus dias suicidando-se
(morreu aos 84 anos após uma vida “dedicada a apontar a
ausência de sentido na vida”), garantia que,
paradoxalmente, o que o consolava era o fato de ter o
poder de acabar com a própria vida quando bem
entendesse. A Veja cita uma declaração do filósofo a
respeito: “Sem a ideia do suicídio, já teria me matado há
algum tempo.” Na minha opinião, o fato de ele ter sido
simpatizante do nazismo (estupidez da qual se arrependeria
publicamente anos depois ), revelou apenas outras das
características deste Tipo Eneagramático. É comum
encontrar entre os Tipos 4 os “intelectuais rebeldes”, os
“contrários ao regime”, “os esquerdistas teóricos”, os
“intelectuais boêmios”, os “livre-pensadores”, os “originais”.
Cada época tem os seus... Graças a Deus!
Só para deleite dos prováveis masoquistas Tipos 4 (estou
apenas tentando fazer com que você também ria de si
mesmo, porque, se levar a sério demais isso, corro o risco
de ser apontado como o causador de seu provável suicídio e
eu sei que, mais de uma vez, você pensou ou imaginou o
abandono antecipado deste mundo), cito aqui algumas das
frases que a Veja destacou como representativas da “visão”
da existência de Cioran, este incrível representante da
quarta espécie eneagramática. Veja só que pérolas!: “O
ceticismo derrama demasiado tarde suas bênçãos sobre
nós, sobre nossos rostos deteriorados pelas convicções,
sobre nossos rostos de hienas com um ideal”; “Quem se
mata por uma mulherzinha vive uma experiência mais
completa e profunda do que o herói que altera a ordem do
mundo”; “Que auxílio pode oferecer a religião a um crente
decepcionado por Deus e pelo Diabo”; “A música é o refúgio
das almas feridas pela felicidade”.
 
 
Descobrindo o traço principal através dessa inveja
que não parece inveja e sim tristeza
(porque talvez inveje o que apenas se perdeu!)
 
O saudoso mitólogo, professor e escritor Junito de Souza
Brandão (a quem tive a grata oportunidade de conhecer
pessoalmente) escreveu no seu Dicionário mítico-
etimológico sobre a Inveja: “Ftono é a inveja, o ciúme, a
mágoa provocada pela felicidade merecida de outrem.
Ftono é a personificação da Inveja. Como a maioria dos
‘demônios’, cuja personalidade está associada ao próprio
nome, Ftono não possui um mito próprio .” Não é incrível?
Ftono nem sequer possui um mito próprio!... Interessante,
não é? Afinal, por que é que o pecado capital da inveja é
associado aos Tipos 4? Muito simples: esse modo de “errar
o alvo” que chamamos inveja, esconde sutilezas que
explicam a psicologia desta máscara eneagramática.
Na sua obra Dos Vícios , Artigo IV (Questão LXXXIV, ponto
dois) sobre “se devemos admitir sete vícios capitais” ou
não, o famoso “Dr. Angélico” (Santo Tomás de Aquino) faz
um comentário que, na minha opinião, permitirá que nos
aproximemos com mais sucesso do estado de espírito dos
Tipos 4.
Ele diz que “a tristeza está incluída na preguiça e na
inveja” (o texto original completo diz: “Enumerantur autem
aliqua vitia ad quae pertinet delectatio et tristitia: nam
delectatio pertinet ad gulam et luxuriam ; tristitia vero,
ad acediam et invidiam” ). Sim, a inveja dos Tipos 4 é
provocada por uma profunda tristeza que os leva a sentir a
falta da felicidade, a falta do que se acham merecedores e
que julgam que outros possuem. Os Tipos 4 sentem uma
constante falta de algo, algo que deveria ser obtido ou que
já se teve e se perdeu, algo que poderia ser a causa da sua
felicidade futura, algo que nunca está presente e que
parece que outros atingem. Daí a tristeza e a melancolia
que nestes Tipos freqüentemente se encontra à flor de pele.
Uma contínua insatisfação no presente os leva a viver no e
do passado, ou no e do futuro. É como se no presente não
se tivesse o que poderia fazê-los felizes, como se no
presente não coubesse sua utopia.
 
 
O maravilhoso Frans Krajcberg:
um exemplo da visão do mundo através da Quarta
Máscara
 
Vejamos um novo exemplo de Tipo 4 que descobri no
Brasil. Estou me referindo ao notável artista plástico polonês
naturalizado brasileiro, que vive numa casa construída
sobre um tronco de árvore numa reserva florestal de
960.000m² ; defensor da floresta tropical brasileira, o
homem que compra troncos e restos de árvores das
queimadas e que contrata carretas para levá-los até Nova
Viçosa, no litoral Sul da Bahia, para criar belíssimas eco-
esculturas-denúncia com as quais defende a Amazônia e a
Mata Atlântica. O homem que numa entrevista para um
programa da TV Cultura contou a uma maravilhada e
emocionada jornalista, que não fazia esculturas apenas para
serem vendidas, que ele gastava muito dinheiro para trazer
os restos de árvores queimados e até tinha sofrido atritos
por isso, que ele o fazia porque as árvores queimadas lhe
lembravam o sofrimento e os corpos dos judeus mortos nos
campos de concentração nazis, de que foi testemunha
ocular. Sim, este homem sensível e único é Frans Krajcberg.
É fácil sentir a tristeza deste homem nas suas grandiosas
obras de arte, enormes espaços ocupados com restos das
queimadas transformados em esculturas maravilhosas e
melancólicas. A sua tristeza pela destruição das florestas é
consequência das lembranças de suas próprias perdas. Ele
tenta nos acordar dizendo: “Vocês não sabem o que têm,
vocês não merecem tanta beleza.” Ele valoriza o que os
brasileiros têm e que absurdamente alguns destroem. A
inveja aqui se apresenta como uma denúncia e um protesto:
“Se eu fosse o dono desta floresta, vocês não poderiam
destruí-la.” O sentimento da possível perda do 4 aparece
nessa insatisfação com o presente e com o mundo que a
gente descobre em Krajcberg. Como ser feliz num planeta
onde a “espécie inteligente” desmata e queima essa
preciosa manifestação da vida que são as florestas? Aqui, o
sentimento da falta de compreensão dos outros, da falta de
sensibilidade diante da vida e da natureza, se transforma
em um motivador extraordinário. A inveja como sentimento
que exprime a sensação maçante de falta: algo falta e deve
ser obtido e, enquanto não possa obtê-lo, como poderia ser
feliz? Krajcberg sintetiza com sua vida e sua obra essa
inveja – tristeza eneagramática, que o leva a fixar como
meta o anseio utópico de provocar uma reação catártica
ante essa constante destruição ecológica. Ele foi
testemunha de terríveis perdas e quer evitar outra grande
perda. Ele sabe por dolorosa experiência e com total certeza
que esse espírito destrutivo acompanha desde sempre seus
semelhantes. Luta contra inimigos invencíveis, com uma
força que todo Tipo 4 manifesta diante dos obstáculos que
ele enfrenta quando procura aqueles objetivos nos quais
fundamenta sua futura felicidade. Quanto mais incerteza do
fruto, mais sofrimento, mais sensação de falta, mais
mensagens do tipo: “Está vendo, eu não falei que ninguém
compreende!?”
 
 
A perda do paraíso
 
A inveja no Eneagrama é derivada de uma espécie de
insatisfação dolorosa que, para cada Tipo 4, tem uma
explicação diferente. No Eneagrama, perda e inveja
escondem a procura angustiante que todos temos: a
procura da felicidade que, para Aristóteles, é a palavra
chave para nosso mais íntimo anseio, como constatamos no
início da sua Metafísica . É a perda dessa felicidade que está
por trás desse sentimento de falta, de carência da qual
Platão nos fala no seu precioso diálogo conhecido como O
Banquete . Uma falta que, quando sentida, nos leva à
procura dos nossos paraísos perdidos. Essa é a motivação
mais profunda do Ponto 4. Por acaso não será invejado
aquele que parecer ter reencontrado um desses “paraísos”?
Para Tipos 4 as perdas são multiformes. Tão multiformes
quanto nossos próprios “paraísos perdidos”. Não será
importante lutar por recuperá-los? Não serão invejados
aqueles que aparentemente os reencontrarem?
Numa preciosa reportagem da Revista Ícaro da VARIG ,
escrita por Frederico Morais, pude verificar minhas suspeitas
sobre o Tipo Eneagramático deste artista. Sob o sugestivo
título de “Krajcberg Escultor de Florestas”, o autor nos
permite conhecer algo do seu mundo interno mediante suas
impressões pessoais quando seu primeiro encontro no ateliê
que ele instalara, a céu aberto, em Cata Branca, Minas
Gerais: “Revoltado e angustiado como um personagem de
Camus, lembrando fisicamente Van Gogh, travava, naquele
cenário, uma luta insólita contra as convenções da pintura.”
Sim, tipos 4 sentem-se e muitas vezes atuam como seres
especiais, originais, sempre revoltados pela incapacidade
dos outros de enxergar o realmente valioso, o importante,
que existiu no passado ou que poderia existir no futuro.
Essa fixação relacionada com o sentir o que outros não
percebem, leva Krajcberg a justificar, por exemplo, sua não
participação no movimento neorrealista dizendo: “Eu
gostava da insolência dos artistas do Novo Realismo, que
lutavam contra o abstracionismo, mas, na verdade, eu
pertenço à minoria que cedo percebeu a importância da
natureza para o futuro dos homens.”
 
 
A insatisfação com o presente
 
Para Tipos 4 será fácil compreender as ações de Krajcberg.
Eles sabem o porquê da insatisfação com o presente, no
qual nada é como deveria ser, e sabem como é que essa
insatisfação promove uma sensação de falta ou de perda,
que pode se tornar o argumento para abandonar um projeto
ou para ir embora de uma cidade ou de um país. A
felicidade para Krajcberg parece estar no Brasil longe da
Europa na qual só viveu perdas e sofrimentos: “soldado no
front russo, ferido de guerra, toda a família dizimada em
campos de concentração alemães na Colônia, onde nasceu,
miséria e fome em Paris” lembramos o autor do artigo na
Ícaro . O artista encontra no Brasil um desses paraísos
perdidos que Tipos 4 procuram e sonham: “No Brasil, nasci
uma segunda vez, tomei consciência de ser homem e de
participar da vida com minha sensibilidade, meu trabalho e
meu pensamento. Os bosques da Europa não me
emocionam e as intolerâncias europeias continuam a me
inquietar.” Porém ele sempre sente que falta algo, até sente
que carece da capacidade de expressar a beleza deste país
no qual encontra uma natureza em que “tudo lhe parecia
tão lindo e surpreendente que muitas vezes se viu chorando
e dançando de alegria”: Como expressar na minha obra
toda esta emoção e esta beleza?”.
Inevitavelmente, o passado virá a se impor à sua alegria e
à sua obra. O Traço Principal não poderá ser evitado. Num
determinado momento ele inicia a defesa da natureza no
Brasil. Sua defesa, como ele afirmou num programa da TV
Cultura, se alicerça na lembrança do seu sofrimento na
Europa. Esse sofrimento acabou, porém é necessário
lembrá-lo. Como? O autor da reportagem na Ícaro responde:
“Sem abandonar Nova Viçosa, decide em 1978 aprofundar
seu conhecimento da Amazônia brasileira onde já esteve
duas vezes. Nessa expedição, é acompanhado pelo pintor
Sepp Baendereck e por Pier Restany, dela resultando, além
de muitas obras, o polêmico manifesto do Rio Negro ou
Manifesto do Naturalismo Integral. Nessa ocasião Restany
definiu o artista como ‘o arauto de uma consciência
ecológica nacional e internacional...’” Sim, nosso artista
“descobre” uma nova razão para justificar sua constante
tristeza, sua sensação eneagramática de faltas e perdas:
“Doravante, em sua obra, a beleza está associada à
indignação. Krajcberg denuncia e protesta contra as
queimadas do Pantanal Mato-grossense, que ele passa a
visitar com frequência...”
É preciso denunciar. Como as antigas e trágicas perdas da
guerra, as queimadas são um crime contra a humanidade,
uma espécie de genocídio ecológico. Deve-se lutar contra a
falta de sensibilidade. O futuro dos seres humanos está em
risco. Como provocar a sensibilização de todos? Por meio da
arte: “Suas obras são realizadas, desde então, com troncos
queimados e carvão. Cria imagens candentes da destruição
feita pelo homem, imagens de revolta . Ele consegue
sensibilizar a opinião pública nacional e internacional: Sua
obra recente transformou-se assim em um manifesto
visual...” Assim este notável Tipo 4 nos leva a refletir sobre
o valor da vida: lembrando o passado e advertindo-nos
sobre um futuro trágico que devemos evitar.
(Paradoxalmente, sem considerar esse passado e esse
provável futuro, como poderíamos ser felizes no presente?)
O presente dessas florestas magníficas pode ser perdido.
Krajcberg nos abre o íntimo de seu Tipo Eneagramático na
frase com que Frederico Morais finaliza sua matéria: “Não
escrevo: não sou político. Minha mensagem é trágica .
Denuncio o crime, a outra face de uma tecnologia sem
controle. Não faço esculturas, procuro formas para que
ouçam o meu grito . Sinto-me na madeira e na pedra. Esta
árvore queimada sou eu.” Sim, assim é a Quarta Máscara
Eneagramática e, sem dúvida, aquilo que podemos ver e
aprender, através dela, é, apenas outra das extraordinárias
faces da realidade. Os que queimam florestas e desmatam
com certeza desconhecem o protesto artístico-ecológico
deste homem, ou simplesmente não se importam. Só
espíritos sensíveis e realmente sábios poderão julgar seus
esforços. Para Tipos 4, lutar por causas perdidas faz parte
desse jogo em que realizam grandes esforços para alcançar
difíceis metas, sabendo que quando estiverem perto de
alcançar seus objetivos, deixarão de sentir o que sentiam
num primeiro instante. É como se quisessem manter essa
sensação de impossibilidade. Ao contrário dos Tipos 2, eles
não desejam sentir o agora, e, ao contrário dos Tipos 3, eles
sentem até demais, que o que sentem deve sempre ser algo
por acontecer, algo por vir, algo a resgatar, algo que ainda
falta, algo que é a causa de uma felicidade desconhecida,
longínqua, distante, e, por isso mesmo, sofridamente
atraente.
 
 
Felicidade... Só de longe, só desejada
 
Com Krajcberg é possível comprovar o afastamento dos
Tipos 4 da felicidade quando próxima ou achada. O anseio
de expressar a beleza da natureza, da mata, se transforma
no temor de perdê-la e essa sensação de nascer de novo
nesta terra abençoada também implicará a descoberta de
uma nova forma de dor e de sofrimento. O paradoxo é que
os Tipos 4 não se permitem sentir felicidade mas se
mantêm sempre distantes dela, desejando-a
desesperadamente, porém sempre se afastando quando
está pronta para ser obtida. No fim, parece que têm medo
da felicidade porque tiveram grandes e inexplicáveis
perdas. E, se todas as coisas podem ser perdidas, se tudo é
passageiro, não será a felicidade algo que apenas devemos
sentir de longe? Esta consideração talvez leve os Tipos 4 a
sentir a melancolia como algo atraente, algo no qual
sentem o que outros não poderiam sentir porque não são
capazes de sentir esses “sentimentos profundos”. Jorge Luis
Borges, ilustre Tipo 4 argentino e mestre da literatura
hispano-americana, nos transmite esse estado de espírito
que revela a ameaça permanente da possível perda
(lembremos que sua maior perda foi a da visão: “eu que
sempre imaginei o paraíso como uma biblioteca...”,
exclama, quando confessa a dor de ser nomeado diretor da
Biblioteca de Buenos Aires no momento em que sua
cegueira se manifesta, impedindo-o de desfrutar de todos
aqueles livros) daquilo que existe no presente mas que
pode sumir a qualquer momento, por meio de alguns dos
seus versos, como estes: “Si para todo hay término y
hay tasa, y última vez y nunca más y olvido, quién
nos dirá de quien en esta casa por última vez nos
hemos despedido? [6] Os Tipos 4 muitas vezes
abandonam trabalhos quando estão dando certo. Outros até
“sabotam” seus projetos. Nossa única aluna Tipo 4, Vera,
declara: “Muitas vezes sou inconstante, vacilante, nos meus
planos, projetos, que muitas vezes ficam inacabados.” É
como fugir antecipadamente da perda iminente convertida
numa maneira de sabotar a própria felicidade. Só assim se
pode confirmar frente aos outros um estado que não se
deseja abandonar. Só quando admitirem a perda que os
leva a achar que nada os fará felizes e a agirem como
vítimas das injustiças da vida que tudo lhes nega, os Tipo 4
conseguirão perceber as possibilidades reais e concretas de
alcançar a tão invejada felicidade que lhes parece acessível
aos outros mas que eles não se permitem sentir. Sim, é
muito complexo. Como poderia ser simples? Não, não fique
pensando que “é tarde demais para mudar” ou coisas do
gênero. Ainda que você não acredite, sei como você se
sente. Apenas medite no seguinte: talvez seja necessário
compreender que existe um tipo de “sofrimento inútil”,
como ensina Gurdjieff. Qual o significado de “sofrimento
inútil”?
 
 
A tristeza de não ser feliz no presente
(ou como se inicia às vezes o “sofrimento inútil”)
 
No livro A Lei de Cristo: Teologia Moral , o redentorista B.
Häring afirma que “a inveja é uma perversão do nosso
instinto de emulação . As qualidades de outrem me
agradam e eu gostaria de também possuí-las! Isso é normal.
Mas o invejoso enche-se de tristeza pelo fato de descobrir
boas qualidades nos outros. Encara-as como obstáculo à
sua própria glória e ao seu próprio desejo de excelência”.
Vamos examinar, no depoimento de Helio, como esta
“perversão do nosso instinto de emulação” pode surgir.
Quando criança, ele percebeu que seu pai tinha uma
preferência por seu único irmão. A partir da ideia de falta e
perda que permeia estes Tipos, ele afirma que “esta foi uma
de minhas primeiras perdas emocionais” e que, apesar de
ser o filho preferido da mãe, “isso não compensou a clara
preferência de meu pai por meu irmão”.
Lembrei o bíblico caso da inveja de Caim por Abel no
Gênese, quando li o seguinte: “Meu irmão foi um problema
muito sério para mim. Para começar, eu invejava sua beleza
física: louro de olhos azuis, ele atraía as meninas com muito
mais facilidade do que eu, que inclusive comecei a usar
óculos aos nove anos, e era chamado de quatro-olhos pelas
outras crianças. Sentir-me feio, em comparação a meu
irmão, e também pelo fato de usar óculos, foi uma perda
que trouxe inúmeros problemas à minha vida afetiva. Meu
irmão sempre teve uma inteligência brilhante, e um
desempenho escolar muito bom, ficando sempre em
primeiro lugar ou perto disso. Além de invejar sua beleza
física, eu também invejava sua inteligência ... O sentimento
de inferioridade que adquiri perante meu irmão agravou-se
pelo fato de que ele, mais velho e mais forte, me dominava
fisicamente em nossas lutas corporais. Passei a cultivar um
ódio violento por ele , que fez com que eu o denunciasse a
meus pais quando fazia algo errado, só para vê-lo
castigado. Sentia por isso uma culpa enorme – e ele se
afastou de mim, para fazer suas diabruras longe de meus
olhos. Foi também uma perda afetiva... .”
Ao refletir sobre este depoimento, podemos sentir o que
significa a perversão do nosso instinto de emulação. Na
inveja eneagramática constata-se uma insatisfação com o
que se possui no presente, porque o que se possui é
simplesmente ignorado, ou seja, não conseguimos ver o
valor do que possuímos, o valor daquilo que nos diferencia
do nosso próximo.
 
 
O Tipo 4 e o tipo intuitivo introvertido de Jung
 
A descrição que Jung faz do tipo intuitivo introvertido ajuda
a compreender esse “estado de espírito” que faz com que
Tipos 4 se afastem do “presente”, sem perceber o que
poderia fazê-los felizes “agora”:
“A intuição introvertida está dirigida para o objeto interno
(...) Embora sua intuição possa ser estimulada pelos objetos
externos, não se ocupa das possibilidades externas, mas
daquilo que o objeto externo liberar dentro dele.
Desta maneira, a intuição introvertida percebe todos os
processos de fundo da consciência com quase a mesma
clareza que a sensação extrovertida registra os objetos
externos.”
 
O irmão do Helio parece ser mais feliz porque é o preferido
do pai, porque é mais belo, porque é mais inteligente,
porque é mais forte. O que produz a inveja nos Tipos 4 é
uma incapacidade de ver a si mesmos e de enxergar o que
possuem no presente, porque, como talvez aconteceu no
caso citado, ninguém lhes mostra o quanto são valiosos ou
porque ninguém explica as razões das “perdas”. Não pode
existir autovalorização, autoestima ou amor-próprio sadios,
sem o apoio de alguém que permita essas descobertas. A
preferência do pai pelo irmão o leva a perguntar-se: “por
que será que não sou como meu irmão?” Em sua mente
começará a se construir uma razão que se transformará em
ódio: “ele possui a preferência de meu pai porque ele é
belo, é forte, é mais inteligente.” Tudo isto acontece porque
ninguém lhe mostrou as vantagens da sua personalidade.
Quando não conseguimos olhar para esses fatores que nos
tornam diferentes dos outros e que são valiosos pelo fato de
serem únicos e irrepetíveis, terminamos achando que não
existem razões para sermos felizes sendo como somos.
Então, falta algo que os outros parecem possuir. Portanto,
Tipos 4 não podem ser felizes no presente. A tristeza se
instala. O sentimento de falta e de perda se alicerça e a
máscara começa a consolidar-se. Quando analisado, o
depoimento nos mostra outras questões eneagramáticas de
importância:
Podemos constatar, por exemplo, um forte movimento
contra a seta ao Ponto 1 Eneagramático, quando Helio nos
revela: “Passei a cultivar um ódio violento por ele [seu
irmão], que fez com que eu o denunciasse a meus pais
quando fazia algo errado, só para vê-lo castigado.” A raiva
vingativa se faz presente denunciando as imperfeições que
ninguém vê no irmão, uma típica atitude da Primeira
Máscara: Vejam, ele não é tão bom, não é perfeito, acusa o
irmão.
Diferentemente de Caim, nosso exemplo não assassinou
seu irmão, nem física nem psicologicamente, tendo
superado há muito esse conflito – “felizmente resgatamos
nossos sentimentos fraternos anos mais tarde” –, provocado
por um dos erros mais comuns cometidos pelos pais de todo
o mundo: manifestar preferências exageradas por um dos
filhos ou por alguns filhos, esquecendo que as necessidades
de consideração e amor são iguais para todos e que quando
não são levadas em conta, podem provocar profundas
feridas psicológicas que às vezes nunca cicatrizam,
provocando diversas reações negativas que dificultam a
existência harmoniosa desses seres humanos. Vejamos qual
foi a estratégia de Helio para superar sua aparente
inferioridade: A percepção errada de que algo externo é a
causa da felicidade do irmão (ele não usa óculos, ele tem
cabelos louros e olhos azuis, ele é mais forte, etc.) faz com
que ele procure uma forma externa de destacar-se perante
os outros, para ser considerado e admirado. A influência do
Ponto 3 do Eneagrama e o movimento ao Ponto 2
“colaboram” para essa descoberta.
Se externamente não pode ser melhor que ele, deve
existir algum meio pelo qual ele consiga destacar-se. Assim,
Helio descobre o que o pode ajudar a ser considerado pelos
outros como valioso: “Destaquei-me sobretudo pela
habilidade na escrita. Os elogios que recebi por minhas
redações, no período escolar, me tornaram escritor.” Tornar-
se escritor tem sido para ele até hoje uma fonte de
satisfação e, aperfeiçoado como trabalhador da palavra
escrita, reconhece que: “Desloquei-me para minha asa 3 e
fiz do meu trabalho uma grande fonte de felicidade
pessoal.”
 
Ao analisar comparativamente este caso com o seguinte,
podemos constatar que a inveja como “perversão de nosso
instinto de emulação” uma vez mais será a causa do
surgimento da Quarta Máscara.
Numa parte do seu depoimento, Vera nossa aluna Tipo 4
nos revelou:
“Sempre fui muito saudável. Meu pediatra dizia à minha
mãe que eu lhe dava prejuízo, pois dificilmente adoecia.
Mas convivi muito com doenças. Meu irmão mais velho
tinha uma doença de pele muito forte, além de outras
alergias, o que nos obrigava a viajar frequentemente para
cidades com estâncias hidrominerais, fazer tratamentos
com águas termais, durante a infância. Acho que pode ter
sido esta a razão de me desenvolver como Tipo 4. Devido à
doença, meu irmão recebia atenção total de toda a família,
tios, tias e avó inclusive. Sempre me dei muito bem com
ele, mas apesar de ser a filha favorita do meu pai, eu
gostaria de ter recebido o carinho, os cuidados e as
atenções que ele recebia da família. No início da
adolescência uma prima mais nova veio morar conosco e
tive que dividir com ela minha categoria de única princesa
da casa. Sentia inveja dela quando ganhava presentes e
passeios maravilhosos do pai dela, enquanto eu nem saía
de casa.”
Neste caso, a inveja é provocada pelas atenções dadas ao
irmão e à prima. Eles recebem atenções que ela acha que
não recebe. No primeiro caso, os cuidados dos pais para
com o irmão doente não lhe permitiram receber atenções,
cuidados e carinhos. A chegada da prima, que também
recebe atenções do pai, não só aprofunda o sentimento de
não receber o que merece, porque terá que dividir até a
“honra” de ser a única “princesa da casa”, como
consolidará a ideia de carência. A falta de atenções
(recebidas pelo irmão) e a perda de atenções (com a
chegada da prima) fundamentam em nossa aluna sua
máscara eneagramática, provocada pelos erros paternos já
mencionados acima.
 
 
Quando sofrer se transforma na arte
de acabar com você
 
Vamos lembrar aqui da resposta de Gurdjieff sobre o
sofrimento citado no começo deste capítulo:
Alguém perguntou: “É preciso sofrer o tempo todo para
manter a consciência aberta?” Ele respondeu: “Há muitas
espécies de sofrimento. O sofrimento também é um bastão
de duas pontas. Uma leva ao anjo; a outra, ao diabo. Temos
que lembrar o movimento do pêndulo: após um grande
sofrimento existe uma reação proporcionalmente grande. O
homem é uma máquina muito complexa. Ao lado de cada
‘bom caminho’ há sempre um ‘mau caminho’
correspondente. Um caminha sempre ao lado do outro.
Onde existe pouco bem, existe pouco mal; onde tem muito
bem, tem também muito mal. O mesmo acontece com o
sofrimento; é fácil encontrar-se no caminho equivocado. O
sofrimento se transforma em algo agradável. Alguém é
golpeado uma vez, e tem dor; a segunda vez tem menos
dor, na quinta vez já está desejando ser golpeado. Deve-se
estar em guarda, deve-se saber o que é necessário a cada
momento, porque a gente pode se desviar do caminho e
cair num fosso.”
Seria bom que você se detivesse um instante e meditasse
nestas palavras de Gurdjieff. Especialmente se você corre o
risco de “cair no fosso” quando não se é capaz de enxergar
o perigo dos extremos desse bastão. Como já comentei
anteriormente no capítulo sobre o Tipo 6, nos treinamentos
avançados de Eneagrama, temos um exercício em que
utilizamos um bastão numa roda de participantes em pé. O
bastão é lançado do centro da roda, sem prévio aviso, a
qualquer um deles. O exercício, que está baseado em
antigas técnicas de autocontrole psicofísico, tem regras
precisas: ninguém pode externar temor ao bastão, nem com
gritos nem com movimentos exagerados de defesa,
ninguém pode sair de seu lugar na roda. A pessoa deve
receber o bastão com a mão esquerda, ou com a direita,
tentando estar sereno e relaxado, porém alerta e pronto. As
pessoas aprendem muitas coisas importantes com este
simples exercício. Percebem que às vezes imaginam perigos
inexistentes, percebem que todos os dias estão recebendo
diferentes “bastões da vida”, percebem que podem se
autocontrolar e relaxar até conseguir intuir quando é que o
bastão será lançado a um deles, percebem que às vezes
imaginam perigos inexistentes e... também percebem como
sofrem à toa por tudo o que imaginariamente “projetam” no
bastão – agressão, medo, raiva, ameaça, etc. – do que, o
inocente bastão não tem nada. O bastão é percebido
apenas de acordo com o que cada um deles projeta e/ou
transfere a ele. Muitos descobrem como vivem projetando e
transferindo diariamente a pessoas, situações e vivências,
conflitos, angústias e outros estados internos negativos, que
apenas estão neles próprios. Aos poucos essa compreensão
os leva a realizar mudanças positivas em relação às suas
vidas, permitindo-lhes um estado interno mais relaxado e
harmonioso, aprendendo a controlar suas emoções
negativas no dia-a-dia. Eu defino essa nova atitude como o
“aprender a conviver com o bastão da existência”.
Enquanto o exercício se desenvolve, algumas questões são
lembradas. Uma delas é: “Aprenda a não ficar muito tempo
com o bastão no seu poder, aprenda a se desfazer dele.
Receba e solte. O mesmo deverá ser feito com as
experiências da vida. Não se apegue. Aprenda a soltar o
bastão qualquer que seja a forma que ele tomar na sua
existência.” Uma das formas de apego mais difíceis de
compreender é o apego ao sofrimento . E os Tipos 4 são os
mais vulneráveis a este apego masoquista. Algumas vezes,
nem sequer se dão conta de como isso se repete em suas
vidas, tomando mil formas diferentes, sendo algumas tão
“razoáveis” que enganam durante anos os seus
hipnotizados sofredores, aprisionando-os numa teatral “dor
de existir”, sem permitir-lhes compreender o quão inúteis
são esses seus amados “sofrimentos”. Vamos analisar como
este “sofrimento inconsciente e tolo” como o definia
Gurdjieff, consegue fazer vítimas entre nossos
incompreendidos e especiais Tipos 4. (Lembro aqui que esta
forma de sofrimento dito inconsciente é comum a todas as
máscaras.)
Uma aluna Tipo 4 que participou dos nossos workshops
declarou certa vez: “Às vezes, deitada, gostava de imaginar
que estava morta... Imaginava quantas pessoas amigas se
reuniriam ao meu redor e observava quem estava presente
e quem faltava... .”
Não é interessante? Neste caso podemos constatar o que
significa sofrimento inconsciente teatralizado. Quando os
Tipos 4 têm fantasias da própria morte (de como seria seu
suicídio, onde gostaria de morrer e como gostaria de
morrer, se por amor, etc.) eles não conseguem perceber
que estão perto do “fosso” provocado pela polarização
negativa no bastão do sofrimento. Essa polarização vai se
“cristalizando” com tanta sutileza ao longo dos anos, que
alguns Tipos 4 até demoram a perceber que esse sofrimento
“tolo”, inicialmente “teatralizado”, vai degenerar numa
forma de viver e sentir erradas. Vejamos como isso
acontece neste depoimento: “Como forma de chamar a
atenção de meus pais, descobri o poder do teatro do
sofrimento : ficava amuado num canto, silencioso, até que
fossem cuidar da minha tristeza. O jogo, claro, fazia mais
sucesso com minha mãe, mas funcionava. Desenvolvi um
prazer masoquista nesse teatro. E a máscara do sofrimento
tornou-se uma arma de controle da atenção e do
comportamento dos outros.”
Para cada Tipo Eneagramático existe um modo de chamar
a atenção dos outros. Este é o modo dos Tipos 4: usar o
poder do teatro do sofrimento . Alguns Tipos 4 demoram
muito a perceber o controle que esse sofrimento passa a ter
sobre suas vidas. Às vezes eles o superam após um longo
processo marcado por experiências dolorosas como no caso
do Helio. Outros, como no caso seguinte, perceberam essa
“fixação” da máscara, graças à descoberta do Eneagrama.
Refiro-me a uma senhora que, num dos nossos workshops ,
expressou por escrito e de uma maneira brilhante, o
impacto sofrido ao descobrir sua “Máscara 4” com estas
palavras:
“...Desabei ao dar de cara com o Tipo 4. Foi tão forte o
impacto que não consegui conter a emoção que extravasou-
se em fortes lágrimas, que só com muito esforço consegui
reter para que minha introspecção e a descoberta recente
do porquê de tantas coisas não se tornassem soluços dignos
de uma peça shakespeariana. Não, não estou jogando asas
para a mordaz ironia do 7... Eu sinto estar pronta, convicta,
passada e repassada por tantas provas. Portanto, fazer
teatro só se for como um ator profissional ou amadorístico.
No dia anterior... Escrevi o seguinte: ‘aos amados amigos... .
Uma gotinha de esperança para adoçar esse cotidiano tão
cheio de surpresas que não podemos deixar que empanem
a beleza da vida’. Ora! Só o cotidiano do número 4 pode ser
tão cheio de surpresas amargas, de perdas dolorosas, de
traições inacreditáveis.”
Basta examinar esta parte do extenso depoimento
entregue por esta gentil mulher, para constatarmos o que
chamamos de “sofrimento inconsciente”. Suas palavras
veementes têm o objetivo inconsciente de mostrar-se direta
ou indiretamente como a pessoa mais sofredora: “desabei
ao dar de cara com o número 4...”; ...”foi tão forte o
impacto que não consegui conter a emoção, etc.”...
“passada e repassada por tantas provas”.
Inconscientemente ela reconhece seu “teatro do
sofrimento”, embora o rejeite: “soluços dignos de uma peça
shakespeariana”, “fazer teatro só se for como ator
profissional ou amadorístico (este último esclarecimento é
simplesmente fantástico). O confronto com a máscara
provoca nela uma necessidade de justificar seus
sofrimentos inconscientes da seguinte maneira:
“... Como posso evitar que o impacto com as surpresas
desagradáveis tornem minha vida um mar de lágrimas?” Ela
mesma pretende dar a resposta, a qual, como sempre, de
modo veemente, trágico e exagerado com que alguns Tipos
4 permeiam todas as suas ações e descobertas e que,
logicamente, é uma das causas dos seus sofrimentos
inúteis:
“Preparando meu instrumento para refletir à luz, aguçando
meus sentidos para a obtenção do autocontrole e a
canalização consciente de minhas forças, de minha vontade
para objetivos anteriormente priorizados como mais
importantes a serem realizados nesse ínfimo espaço-tempo
de que dispomos nessa etapa de vida... é termos o controle
sereno da vida... Em sincronia com a Magnificência da Força
Criadora do Cosmos, a qual devemos nos render e aceitar
os desígnios dos quais desconhecemos as causas.”
Talvez você seja desses Tipos 4 que conseguem perceber a
tempo quais as falhas desse “jogo” do “teatro do
sofrimento”. Caso contrário, vale a pena refletir sobre quais
foram as “falhas” que nosso aluno descobriu nessa atitude
“masoquista” perante a existência, e que hoje parece ter
superado o bastante para transformar-se num “exemplar” 4,
mais equânime:
“Na adolescência, transferi esse jogo (o teatro do
sofrimento) para o campo da relação amorosa. Funcionava
bem com algumas garotas (especialmente, claro, as de Tipo
2). E tudo era dinamizado com as poesias trágico-
românticas que eu escrevia. O jogo tinha duas falhas
graves. A primeira era esta: as garotas queriam namorados
alegres, de alto astral. Meu teatro do sofrimento às vezes
atingia tal carga dramática, que a relação ficava pesada,
desgastada, insustentável. Então eu era abandonado ou
trocado por outro, de alma mais leve, de cabeça menos
complicada. Isto criou em mim o pânico de ser abandonado,
e minha insegurança tornou-se visível, fragilizando ainda
mais as relações e causando novos abandonos. Dos 14 aos
17 anos, passei perigosamente à borda do abismo do
suicídio. Cheguei mesmo a fazer o teatro do suicídio , como
ameaça, como arma de controle. A outra falha do jogo era o
sofrimento maior que ele me causava. Como eu me achava
pouco atraente fisicamente, criava personagens sedutores
para as garotas. Fazia o tipo poeta, muito original... Fazer
um personagem me punha em pânico. Eu estava convicto
de que não seria, nunca, amado pelo ser que eu realmente
era. Precisava, portanto, vestir uma máscara. Mas, e se
fosse descoberto? Até quando o personagem seria
sustentável? Não era inevitável que eu fosse abandonado
mais cedo ou mais tarde, quando fosse flagrado em minha
insegurança, meu sentimento de inferioridade, em minha
incapacidade de ser eu mesmo? Como personagem, eu
estava fora da relação, não era eu mesmo. Qualquer
felicidade seria teatral, externa, não verdadeira, não alojada
no fundo de meu coração .”
Esta questão de “fazer um personagem” é muito
interessante. A influência do Ponto 3 Eneagramático é
flagrante nesta atitude de “parecer outro” que
aparentemente é mais bem-sucedido ou mais aceitável
pelos outros. Por outro lado, esconde uma clara
manifestação da inveja.
Às vezes essa tentativa de parecer uma outra pessoa, de
mostrar-se diferente, é considerada como uma forma de
“renegar” a si mesmo. Isto é o que podemos comprovar no
depoimento da nossa brilhante aluna: “Ter renegado minhas
raízes cristãs, ter reprimido de forma tão formal meu modo
de ter, ser e sentir, ter tentado extirpar o crer profundo por
um saber com suas bases no intelecto e na razão, mesmo
que tentando dar voltas pela sensibilidade...”. Num outro
trecho indaga: “por que essa enorme atração por máscaras
pela vida afora? Em minha poesia há tantos tipos, tantas
máscaras que uma pintora chegou a pintar inúmeros
quadros baseados nos meus poemas...” e se descobre
justamente num desses quadros em que “o Pierrô tirou a
máscara e a Colombina continuou seu jogo mascarada”. Ela
descreve assim sua descoberta: “Um dia, refletindo sobre a
beleza do quadro, fiquei chocada ao certificar-me de que
aquela Colombina era eu. Então enumerei todas as
máscaras usadas no decorrer da vida e fiquei atônita ao
constatar como, nos poemas, lá estavam descritos certinhos
os papéis assumidos. Percorreu-me um frio pela coluna!
Afinal, quem era eu?”
Esse viver assumindo outros papéis, renegando a si
mesma, criando um “personagem”, botando uma máscara,
além de ser em si uma causa de sofrimento, vai gerar
outras reações negativas. É um sofrimento que pode chegar
a ser somatizado. Nossa aluna percebe que essa repressão
do seu modo de ter, ser e sentir “... Levou-me a um estado
emocional tal que comecei a somatizar minha dor pela pele,
pelo pâncreas e depois pelo coração...” Uma reação
semelhante vai acontecer com nosso aluno: “Aos 17 anos
passei a sofrer de uma enxaqueca miserável, que não me
abandonava e me provocava insônia e a sensação de estar
enlouquecendo... Meu pai me levou ao médico e ficou
evidente que eu precisava de ajuda, de um tratamento
terapêutico. Precisei tomar calmantes pesados para
conseguir dormir.”
É necessário assinalar aqui que a somatização do
sofrimento inconsciente manifesta-se em todos os Tipos
Eneagramáticos, sendo que, para Tipos 4 e Tipos 6, essa
somatização pode ser muito mais severa e/ou desastrosa,
razão pela qual estes tipos e os tipos ligados diretamente
pelo movimento da seta eneagramática (Tipos 1 e 2 para o
caso do Ponto 4 e Tipos 9 e 3 para os casos ligados ao Ponto
6), devem tentar realizar um trabalho mais profundo a
respeito.
Espero que você, querido (a) leitor (a), Tipo 4 ou não,
reflita nas suas próprias formas inúteis de sofrimento e
tome as medidas necessárias para que não dominem de tal
maneira sua existência a ponto de convertê-lo (a) numa
vítima de si mesmo (a).
 
 
Iniciando o processo de mudanças positivas, a
observação
dos companheiros eneagramáticos 3 e 5
 
Você descobrirá muitas “dicas” sobre seu mundo interno,
observando as influências dos Pontos 3 e 5 do Eneagrama.
Os aspectos positivos do Ponto 3, tais como a capacidade
de trabalho, de encontrar satisfação nas suas conquistas ao
mesmo tempo em que luta por atingir metas e objetivos,
podem ajudá-lo a não abandonar seus projetos antes de
concluí-los. Os Tipos 4 estão num ponto do Eneagrama no
qual é preciso aprender a finalizar projetos, evitando os
desvios, ainda que pareçam existir muitas razões para
abandoná-los. Peço para que você reflita e aprenda a
contrariar sua máscara quando sinta esse impulso de não
chegar até o fim nos seus projetos, ou quando justifique
racionalizando o porquê de determinados desvios nas ações
realizadas ao longo de sua existência. Do Ponto 3 aprenda
também os perigos de mentir-se em relação à aparente
impossibilidade de ser feliz. Aprenda do 3 a curtir seu
presente e agradeça e valorize o que possui hoje. Aprenda a
viver mais presente e no presente, permitindo-se ser feliz e
parando de sofrer inutilmente. Seja mais extrovertido e
curta suas conquistas pessoais.
Do Ponto 5, os Tipos 4 possuem a capacidade de pensar,
raciocinar profundamente e o gosto de estar sozinhos.
(Krajcberg gosta disso e até construiu sua casa no topo de
uma árvore na Bahia. Algo que qualquer Tipo 5 adoraria,
certamente). Os Tipos 4 são pessoas inteligentes, capazes
de observações e pensamentos originais e interessantes.
Gostam de estar sozinhos, como reconhece nossa aluna
neste depoimento: “... Me sinto em paz, serena e tranquila
quando me interiorizo. Quando estou só comigo mesma,
estou com uma sensação interna muito boa e agradável.
Quando estou estressada busco, quando posso, ficar comigo
mesma, e me equilibro emocionalmente.” Do Ponto 5,
procure evitar que essa capacidade de raciocinar não se
transforme em capacidade de racionalizar negativamente
suas perdas e faltas. Tente reconhecer como nossa aluna
que “algumas vezes, quando sou tomada por um
sentimento negativo, ficar só aumenta ainda mais a dor,
porque procuro racionalizar o sentimento e muitas vezes
isto leva-me a um estado depressivo”. Então, fique de
olho...
Do Ponto 5, Tipos 4 deveriam aprender a refletir e sentir
menos emocionalmente. O problema aqui é não “saber
sentir”. Sente-se com exagero. Daí a necessidade de ser
equânime. Os aspectos negativos da influência do Ponto 5
que deverão ser evitados são, entre outros, a tendência a
criticar ou desmerecer os outros, a tendência a afastar-se
das pessoas, lembrando que “solidão” não é “isolamento”, a
tendência a um pensar negativo em relação ao presente e a
tendência à autocrítica destrutiva.
 
 
Percebendo o negativo e o positivo
dos movimentos aos pontos 2 e 1
 
O movimento da seta para o Ponto 2 provoca nos Tipos 4
importantes reações. Quando negativo, esse movimento os
transforma numa espécie de sofredor orgulhoso. Sofrer
passa a ser um destaque da personalidade. Por outro lado,
COLABORA na teatralização dos seus sofrimentos com objetivo
de atrair a atenção dos demais. Não exagere suas possíveis
carências. Não pretenda, como os Tipos 2, ajudar os outros
ilimitadamente. É positiva sua sensibilidade pelos
sofrimentos dos outros, mas aprenda a “desidentificar-se”
quando necessário. Evite manipular os outros e tente não
depender demais do “ombro amigo”. O positivo do
movimento ao 2 se produz quando os Tipos 4 aprendem a
estar com os pés no chão graças ao cultivo da humildade
egoica. Não “inflacione” seu ego, a ponto de achar que você
é único, original e tão diferente dos outros que até dá a
impressão de não ser deste mundo. No movimento contra a
seta ao Ponto 1, você descobrirá como seu anseio por uma
felicidade futura ou por voltar a viver uma felicidade perdida
evolui associado à ideia de uma “perfeição” (o trabalho
perfeito, a atividade perfeita, o local perfeito, etc.) que não
existe na realidade. Este movimento negativo contra a seta
está presente numa parte do depoimento da nossa aluna.
Reflita no que ela percebe desta “busca” idealizada do que
poderia ser a situação perfeita:
“Quando enfim estava estagiando e com a possibilidade de
pós-graduação no Museu Nacional do Rio de Janeiro, resolvi
abandonar tudo em troca de um sonho maior: viver no
campo... Até hoje a minha indecisão me impede de
promover realizações...”
 
Lembre-se, não admita o sabotador interno. Decida parar
de sofrer inutilmente a partir de agora. Aprenda a observar
como a insatisfação com o presente provoca uma raiva
interna que aumenta a dor de viver. Aprenda a ser menos
crítico em relação à sua realidade e na sua percepção das
pessoas que se relacionam com você direta ou
indiretamente. Esta atitude positiva pode salvá-lo da
armadilha de querer descobrir “a quinta pata do gato”, que
na verdade... não existe! O positivo do movimento ao Ponto
1, é que ele permite a você poder cultivar a Serenidade.
Não seja rígido com você a ponto de essa rigidez ofuscar
sua visão de outros ângulos da realidade. Cultivando a
Serenidade, você aprende a relaxar e sentir o que possui
para ser feliz no presente, porque relaxado você fica mais
ciente da existência real. Serenidade e Equanimidade se
complementam.
Ao referir-se ao positivo que este conhecimento trouxe à
sua existência, nosso aluno 4 termina seu depoimento
lembrando que precisa “trabalhar os demais planos do ser
(principalmente o físico), para vivenciar o Eneagrama numa
plenitude maior, mais humana, mais enriquecedora, mais
próxima da nossa verdadeira essência” .
 
Na verdade, os Tipos 4 ganham em consciência de si
quando trabalham o Centro do Movimento. A razão é
simples: O Centro Físico está sempre no momento presente.
Manifestar-se conscientemente mediante ele facilita o
Trabalho. Hermeticamente, isto se explica graças à Lei de
Correspondência: se é assim externamente (presença por
intermédio do Centro do Movimento), assim será
internamente (presença do observador no momento
presente).
 
 
Trabalhando para conseguir ser equânime
 
Já dissemos que Tipos 4 são pessoas de percepção e
sensibilidade extraordinárias. Aliás, isso é fácil de constatar
nos exemplos e depoimentos citados neste capítulo. O fato
de serem sensíveis ao sofrimento, faz deles pessoas muito
fraternas e compreensivas, capazes de ajudar a outras
pessoas. Existem certos aspectos que fazem de Tipos 4 e 8
semelhantes na procura da justiça. Por meio de meios
diferentes, ambos os Tipos sentem-se chamados a combater
injustiças.
 
A prática da Equanimidade, virtude a ser descoberta e
praticada pelos Tipos 4, pode fazer dessa sensibilidade ao
seu sofrimento e ao dos outros uma poderosa ferramenta de
crescimento e progresso pessoal e coletivo. Podemos definir
a Equanimidade como a capacidade de ficar no meio em
relação aos extremos do sofrimento. É essa capacidade de
achar o que Buda chamou “o Caminho do Meio”, que fica a
igual distância dos extremos do nosso famoso bastão.
Se o sofrimento inconsciente é uma tolice, o sofrimento
consciente é um poder nas mãos daqueles que aprendem a
usá-lo.
Os meus alunos aprendem, por meio de práticas precisas,
essa diferença, e chegam a utilizar o sofrimento consciente
como um instrumento gerador de benefícios
deliberadamente objetivados.
 
Quando alguém que possui esta Máscara Eneagramática
descobre suas formas de “masoquismo”, está perto da
Equanimidade, porque esse “dar-se conta” é o primeiro
passo para se tentar mudanças efetivas. Para isso se
precisa considerar externamente e não achar que o “nosso
sofrimento é único e inigualável”. O nosso aluno descobriu
que a somatização do seu sofrimento foi um processo que
lhe permitiu melhorar interna e externamente, aos poucos,
como ele mesmo descreve:
 
“Como eu sabia que meu pai não tinha dinheiro para o
tratamento, mas que se sacrificaria por mim, tomei a
decisão de fingir que estava bom. Joguei o vidro de
calmantes pela janela e até hoje, 29 anos depois, nunca
mais coloquei em minha boca algo semelhante. Pela
primeira vez em minha vida, decidi não mais apoiar-me em
fantasias, nem em gozos teatrais masoquistas, nem em
qualquer muleta externa . Resolvi caminhar pelas próprias
pernas, usando minhas próprias forças, enfrentando sozinho
meus próprios fantasmas. Creio que foi minha primeira
grande atitude saudável perante a existência, a primeira
grande conquista de autonomia. E comecei a melhorar.”
 
Na continuação do depoimento pude constatar como ele
conseguiu ultrapassar momentos que, para outros
“românticos trágicos”, teriam sido difíceis ou impossíveis de
superar. As influências positivas dos Pontos 3 e 2 foram
fundamentais. Veja a continuação, como isso aconteceu:
Após ter superado uma “séria inclinação ao suicídio”
devida ao rompimento com uma garota por quem era
apaixonado, ele decide “explodir com tudo”, ou seja,
destruir seu passado de sofrimento e reiniciar sua vida
longe de sua terra natal (está lembrando Krajcberg
abandonando a Europa?... Pois é... Também Sá-Carneiro,
enfim, como a felicidade parece nunca estar aqui...):
“Abandonei meu curso de Psicologia no meio do segundo
ano... E junto com uma amiga recente, mudei-me com a
cara e a coragem para o Rio de Janeiro. Nesta cidade, fui
mais feliz.... Passei a representar cada vez menos, embora
não na velocidade desejável. Devo confessar que as perdas
amorosas me aprisionaram muito tempo no passado, num
limbo de sofrimento, não em um paraíso perdido, mas numa
mescla de dor e vazio aparentemente insuperáveis, que só
o tempo poderia curar – e esse tempo de cura demorava
muito a chegar, pois o vício do sofrimento estava enraizado
em meu coração.”
 
 
Superando “o vício do sofrimento”
 
A última parte do depoimento deste aluno me fez lembrar
a resposta que o sábio Sileno[7] deu ao poderoso Rei Midas,
após um duro interrogatório com o qual o lendário rei “o
obrigou a transmitir-lhe importantes ensinamentos”,
revelando-lhe com desdém que o mais conveniente para
ele, como parte da espécie humana, e portanto,
conveniente a todos nós humanos era, simplesmente,
morrer: “O melhor de tudo é para ti inteiramente
inalcançável: não ter nascido, não ser, nada ser.
Depois disso, porém, o melhor para ti é logo morrer.”
Com certeza, para alguns Tipos 4 tão sensíveis ao
sofrimento e tão trágicos quanto os gregos da época de
Eurípedes, essa dura resposta teria sido um bom motivo
para afundar de vez no “vício do sofrimento” e ainda seria
uma boa razão até para justificar o suicídio. Porém, nosso
aluno teria questionado ao velho e sábio Sátiro.
A descoberta do sofrimento como um vício,[8] um vício
que ele reconhece ter superado após anos de grandes lutas
internas, “auxiliado... pelos choques dados pela vida e pelos
toques que recebi das pessoas mais próximas”, foi o que
finalmente o conduziu após os 30, e já cansado de tanto
sofrimento inútil, à descoberta dos primeiros frutos da
equanimidade: “... Consegui finalmente contrariar minha
máscara e abrir espaço para a entrada da felicidade em
meu coração!” Sim, não importa quanto tempo você
demore para compreender que o sofrimento inconsciente é
um VÍCIO , um vício que faz com que os Tipos 4 percebam,
como nossa aluna, que essa atitude tão trágica perante a
existência não é boa por que: “Sempre insatisfeita. Os
ideais nunca eram atingidos! A realidade era sempre
castradora e esmagadora se não cruel e ameaçadora!”
Então, mudar de atitude é fundamental para conseguir
vivenciar a virtude da equanimidade. Não se deixe
influenciar demais pelo “velho Sátiro” Sileno que nos lembra
o trágico da nossa existência. É verdade que o sofrimento
existe, porém não é verdade que a felicidade não possa
existir nas nossas vidas. Sofrimento e felicidade são apenas
o natural movimento do pêndulo existencial. Ficar à mesma
distância dos extremos desse movimento é o segredo oculto
nesse Arcano Maior do Tarô chamado por Aleister Crownley,
“A Arte”, sim, a arte de viver neste Templo da vida cujo chão
está formado de quantidades iguais de quadrados pretos e
brancos, conformando um harmonioso e belo Mosaico pelo
qual devemos aprender a caminhar equânimes, aplicando o
Princípio Hermético da Polaridade.
 
 
Aplique o conselho de Gurdjieff
 
Assim como no início deste capítulo citei uma resposta de
Gurdjieff em relação ao tema do sofrimento, acho oportuno
citar outra ao final. Espero que você reflita sobre ela e se
lembre dela a cada dia. Quando alguém perguntou a
Gurdjieff: “qual o papel do sofrimento no
autodesenvolvimento?”, ele respondeu: “Existem duas
classes de sofrimento: consciente e inconsciente. Somente
um tolo sofre inconscientemente . Na vida existem dois rios,
duas direções. No primeiro rio, a lei é somente para o rio,
não para as gotas d’água. Nós somos as gotas. Num
momento uma gota está na superfície, num outro momento
está no fundo. O sofrimento depende da sua posição. No
primeiro rio, o sofrimento é completamente inútil, porque
ele é acidental e inconsciente. Paralelo a esse rio tem um
outro. Neste outro rio existe outra classe de sofrimento. A
gota do primeiro rio tem a possibilidade de passar ao
segundo. Hoje a gota sofre porque ontem não sofreu o
suficiente. Aqui opera a Lei de Retribuição. A gota também
pode sofrer por antecipação. Cedo ou tarde tudo se paga.
Para o Cosmo o tempo não existe.
O sofrimento pode ser voluntário e somente o sofrimento
voluntário tem valor. A gente pode sofrer simplesmente,
porque se sente infeliz. Ou pode sofrer por ontem para
preparar-se para o amanhã. Repito, somente o sofrimento
voluntário tem valor .” Boa reflexão!
Parte III
- Centro Intelectual (Traços 5, 6 e 7)

Centro Intelectual
Traços 5, 6 e 7
 
O Traço 5
: O eu que pensa

O eu
que pensa

Gurdjieff ensinava que “é impossível lembrar-se de si


mesmo. E não podemos nos lembrar, porque queremos
viver unicamente pelo mental... Talvez vocês se lembrem do
que dissemos do homem: nós o comparamos a uma
atrelagem com um amo (o Ser), um cocheiro (Centro
Intelectual), um cavalo (Centro Emocional) e uma
carruagem (Centro do Movimento). Não podemos nem falar
do amo, pois ele não está presente; de modo que só
podemos falar do cocheiro. Nosso mental é o cocheiro...
Todos os interesses que temos em relação à mudança e à
transformação de nós mesmos pertencem apenas ao
cocheiro, quer dizer, são unicamente de ordem mental... A
transformação não se obtém pelo mental; se for pelo
mental, não tem nenhuma utilidade. Por essa razão
devemos ensinar, e aprender, não por meio do mental, mas
do sentimento e do corpo... Naqueles que estão aqui,
aconteceu acidentalmente um desejo de chegar a algo, de
mudar alguma coisa. Mas apenas no mental. E nada mudou
ainda neles. Não passa de uma ideia que têm na cabeça e
cada um permanece o que era. Mesmo aquele que
trabalhasse mentalmente durante dez anos, que estudasse
dia e noite, que se lembrasse mentalmente e lutasse,
mesmo esse não realizaria nada útil ou real, porque
mentalmente nada há para mudar. O que deve mudar é a
disposição do cavalo. O desejo deve estar no cavalo e a
capacidade na carruagem. Mas como já dissemos, a
dificuldade é que, devido à má educação moderna, a falta
de relação entre nosso corpo (carruagem), nosso
sentimento (cavalo) e nosso mental (cocheiro) não foi
reconhecida desde a infância, e a maioria das pessoas está
tão deformada que não há mais linguagem comum entre
uma parte e outra...”
Certa feita, falando sobre a necessidade do
desenvolvimento harmonioso dos três centros no ser
humano (Físico, Emocional e Intelectual), Gurdjieff disse:
“Em cada um de vocês, uma das máquinas internas que os
constituem está mais desenvolvida do que as outras. Não
há nenhuma conexão entre elas. Só se pode chamar homem
sem aspas aquele em quem as três máquinas estão
igualmente desenvolvidas. Um desenvolvimento unilateral
só pode ser prejudicial. Um homem pode possuir certo
saber, pode saber tudo que deve fazer... esse saber é inútil
e pode até se revelar perigoso. Cada um de vocês é
deformado...”
Não, por favor, não quero invadir sua privacidade
com esta
análise... O quê?..., Claro! Ora bolas! Tenho certeza
de que você
tem que raciocinar sobre esta interessante tipologia
antes
de emitir qualquer opinião...!
 
Quando visitei Petrópolis (RJ) pela primeira vez, tive a
oportunidade de conhecer os “fragmentos externos” da vida
e obra daquele que, na minha opinião, foi o mais importante
Tipo 5 brasileiro. Conheci sua “racional” casa, na qual até os
degraus da escada que permitem chegar ao ninho desta
brilhante “águia” foram pensados. Como é que as pessoas
não percebem que não vale a pena construir degraus
completos numa escada já que pisamos em um de cada
vez, ora com o pé direito, ora com o esquerdo? Pensou na
economia de material? Bom, talvez em alguns casos as
escadas tenham que continuar sendo do tipo que
conhecemos. Porém, você concordará comigo que esta ideia
bem que poderia ser considerada. Os governos e as
empreiteiras poupariam recursos e a gente pouparia grana,
certo? E que dizer do uso racional do espaço que você
percebe nessa casa...? E o chuveiro a álcool (dizem que é
muito mais econômico que o elétrico ou a gás!)? E a mesa
que de noite serve como cama? Porém, o mais notável é o
local que escolheu para mandar construir essa sua casa.
Uma encosta íngreme, na qual ninguém pensaria em
construir... (eu sei, você talvez pensasse, sim...) Com
certeza, ele comprou barato esses metros quadrados de
terra, justamente, pelo inadequado que deve ter parecido a
qualquer um construir ali qualquer coisa! Mas ele fez. Eu
nem sei se ele está gostando que turistas como eu invadam
sua casa. Enfim. Ele fez por onde merecer essa nossa
curiosidade, certo?... Sim, você acertou: estou me referindo
ao genial inventor de fama internacional Alberto Santos
Dumont. Um Tipo 5 que, como Leonardo da Vinci (outro 5
notável), encontrou no exercício da razão e da inteligência
criativas um meio (para eles o mais importante) de
comunicar-se com seus próximos. De outra maneira, teria
sido muito difícil, com certeza. Amante das alturas, Santos
Dumont tinha nessa casa até um observatório... Gostava de
ficar horas olhando as estrelas... sozinho. Sua vida foi
especial. Quando seu pai, um homem rico, o estimula a
conhecer o mundo e a aperfeiçoar seus conhecimentos,
deixando claro que pode fazê-lo porque sua fortuna lhe
possibilitará fazer o que quiser sem preocupações materiais,
Santos Dumont inicia uma vida de descobertas
maravilhosas e úteis para todos, num claro e produtivo
movimento ao melhor do Ponto 7 Eneagramático. Poderia
ter dilapidado sua fortuna nos prazeres de um dolce far
niente como um bon vivant na tentadora França da época...
Porém, ele tinha um destino e seus frutos geniais nos fazem
refletir sobre o que Gurdjieff chamava de nossa “dívida com
a existência”. Sua vida emocional foi complicada, tinha,
como todo 5, dificuldades para relacionar-se. Uma das
mulheres que conheceu e com a qual manteve o que
poderíamos chamar de “um romance”, foi uma chilena com
a qual parece ter podido conciliar essa necessidade de
solidão-liberdade com a discrição que muitos Tipos 5
procuram.
Nossos vizinhos americanos “mestres”, segundo Gurdjieff,
“na arte de converter moscas em elefantes”, deram um
jeito para que este brasileiro ilustre perdesse os créditos
como “Pai da Aviação Mundial” para os famosos irmãos
Wright. (Em viagem ao Brasil, em 1997, o presidente do
EUA, Bill Clinton, reconheceu a primazia de Santos Dumont.)
Como latino-americano, me enche de orgulho sua
existência, até porque, quando estudei história no segundo
grau, ninguém me falou de Santos Dumont no Chile... Mas
agora que a América Latina está se unindo mais graças ao
Mercosul, é valioso que todos saibamos como nestas terras
têm nascido “elefantes de verdade” e não “apenas moscas”
(este é o meu 8 fazendo comentários!). Quando li em
algumas enciclopédias sobre este grande homem, percebi
um outro aspecto de seu traço principal: ele numerava seus
balões – balão número 1, 2, 3, etc., até o 14-bis! Você não
deve estranhar, claro. Porém eu, como “velho” analista de
tipos humanos, vejo nesse fato outra manifestação típica
dos donos desta quinta máscara. Só Tipos 5 conseguiriam
botar número em inventos que outros Tipos Eneagramáticos
batizariam com nomes da amada, da mitologia, ou até da
mãe! Os balões não se chamam “Vento do Norte” ou
“Carlota I” e sim Dumont 1, 2, 3... até 14-bis! Sim, eu sei
que você concorda com essa nomenclatura científica e
racional... a razão é simples: você é Cinco! O suicídio deste
inventor extraordinário (até o relógio de pulso foi ideia dele)
confirmou minha suspeita em relação à forte influência do
Ponto 4 que se pode advertir na sua vida e nos textos por
ele escritos.
Ele nunca pensou que seu invento fosse um dia ser usado
de maneiras incrivelmente destrutivas, ainda que não
descartasse seu uso bélico. Também jamais pensou que
alguns de seus compatriotas o esqueceriam em vida e lhe
negariam até a construção de um Museu da Aeronáutica no
Rio de Janeiro. Ele aos poucos se desiludiu com os
homens...!
O movimento ao Ponto 7 é outro dos “detalhes”
eneagramáticos notáveis neste homem. Sempre planejando
novas aventuras... Na França, ele se comportava como um
bom 7 faria. Veremos que essa conduta é típica em Tipos 5.
Compare este tipo de movimento “sem censura” ao
comentado no caso de Tipos 1, “fugindo” da sua “ordem”
para relaxar. Sair do seu castelo é um chamado à aventura,
um chamado a ser livre de todas as censuras. Em Paris, ele
será capaz de reunir-se às pessoas com o objetivo de
mostrar seus inventos e máquinas, realizará demonstrações
públicas, será até o dono de um carro vermelho! Um
exagero, claro! Mas Tipos 5 quando têm possibilidades ou
necessidades de ir até o Ponto 7 (ou contra a seta do 8),
fazem cada coisa extravagante! Amava voar, amava a
liberdade dos céus nos quais com certeza achava-se à
vontade, observando do alto seus semelhantes... altos
pensamentos... voos da águia livre que ele era... voos que
lhe permitiam isolar-se nas alturas como um novo Ícaro
redimido e triunfante... Por outro lado, esta maneira de
manifestar-se externamente confirma que ele é o que Don
Richard Riso qualifica como Tipo 5 “sadio”, um “visionário”,
um “gênio”, um “inovador”. Quando a águia se refugia no
seu ninho localizado num ponto íngreme da protegida e
imperialmente isolada Petrópolis, talvez ele já fosse um
daqueles Tipos 5 que não tinha mais fé nos seus irmãos da
espécie. Suas clarividentes visões do futuro o fazem
semelhante somente a um Julio Verne. Escreveu dois livros,
um dos quais tem o título de O que vi e o que veremos
(aliás, um título tão próprio de Tipos 5, no sentido de refletir
esse constante estado de observação do mundo e dos
demais que os caracteriza), em que “vê” o futuro da aviação
como meio de transporte de massas e mercadorias. Enfim.
Gostei muito de “descobrir” este brasileiro tão único e
admirável.
 
 
Consideração interna e o traço principal:
a tendência ao isolamento (ou da sutileza da
avareza)
 
Quando ministramos o workshop do Eneagrama para mais
de 70 voluntários do projeto Simplesmente Copacabana , no
ano de 1996, sob o patrocínio da Prefeitura do Rio de Janeiro
e do Banco Real, tivemos a oportunidade de conhecer
pessoas muito especiais. Uma delas, Tipo 5, nos entregou, a
pedido nosso, seu depoimento de como tinha descoberto
sua máscara eneagramática. Destaco este depoimento
porque esta pessoa é um homem da chamada “terceira
idade” que, com o passar dos anos, conseguiu uma
profunda compreensão de si mesmo. Ele é um homem
ativo, inteligente, estudioso, que durante todas as ocasiões
em que pudemos observá-lo, mostrava-se sempre
profundamente interessado por todos os conhecimentos que
nós, e outros instrutores convidados, transmitimos para
esse grupo de pessoas interessadas em trabalhar por uma
cidadania mais ativa e pela revitalização da maravilhosa
“Princesinha do Mar”. O depoimento completo – quando
digo completo, quero insinuar algo que revelarei daqui a
pouco – é este:
“Descobri meu enquadramento neste tipo justamente por
uma tendência ao isolamento , desenvolvida a partir da
incompreensão alheia ao meu projeto de vida, daí
resultando o ensimesmamento que favoreceu minha
apreensão de conhecimentos julgados importantes ou
oportunos àquele projeto. Para estudar inglês, numa
adolescência pobre, dispus-me a copiar, a mão, todo um
livro, utilizando o verso de papel já servido. Como natural
consequência, escolhi a via autodidática que me permitia
total discrição sobre o que, e como saber . Isso me deu uma
confortadora sensação de realização pessoal que, de certo
modo, veio me reconciliar com o mundo e nele atuar, com
relativo sucesso, à base dos conhecimentos adquiridos,
compensando a falta de uma tradição perseguida e prezada
pelos demais.”
Sublinhei algumas partes deste depoimento por sua
importância para a análise eneagramática: “tendência ao
isolamento”, “incompreensão alheia”, “ensimesmamento”,
”discrição sobre o que, e como saber”, “reconciliar com o
mundo e nele atuar”. Sim, nestas palavras temos as chaves
para conhecer um pouco deste Tipo Eneagramático. Sem
dúvida, qualquer Tipo 5 poderia construir uma definição
quase completa sobre si mesmo usando apenas elas.
Talvez, dissesse, por exemplo: “Costumo ser uma pessoa
capaz de um constante ensimesmamento, em razão da
incompreensão alheia ao meu modo de enxergar a
realidade e as pessoas. Devido a este fato, tenho tendência
ao isolamento. Porém, acho que esta capacidade de isolar-
me me permite aprender e saber tudo aquilo que preciso
para ser independente dos demais – objetivo pelo qual
sempre luto com total discrição. Desta forma, eu mesmo
decido sobre o que e como saber. Sei que devo reconciliar-
me com o mundo. Penso que por meio de meus
conhecimentos consigo atuar nele com certo sucesso. Ainda
assim tento manter-me afastado dos demais, preservando
minha privacidade.”
O depoimento de nosso querido Tipo 5 – no caso, bastante
“redimido” como costumam falar os especialistas cristãos
desta tipologia – é breve, porém retrata quase todos os
possuidores desta máscara: eles sempre são breves,
precisos, mentais, alguns quase frios (outros eu diria que
parecem “congelados” emocionalmente). Nesse “jeito breve
de ser”, nessa “precisão” e “frieza”, no modo de falarem de
si mesmos por escrito revela-se o pecado ou Traço Principal
deste tipo: a avareza . Uma avareza que possui expressões
internas e externas, provocadas pelo medo nuclear (Ponto 6
do Eneagrama) que afeta a este e aos outros Pontos
Eneagramáticos relacionados aos chamados “Tipos do
Centro Intelectual”. Foi interessante comprovar com os
Tipos 5 como essa avareza é reforçada naqueles com
influência do Ponto Nuclear 6. Os Subtipos 5 com essa
influência se descrevem por meio de listas – numeradas ou
não – com curtas frases nas quais eles resumem ou
sintetizam o que consideram “a única coisa importante para
comunicar” de cada um deles. Somente aqueles com maior
influência do Ponto 4 conseguem escrever mais sobre si
mesmos, sem recorrer a essa listagem. Os primeiros só
conseguem dizer algo mais sobre si mesmos após um
pedido expresso de nossa parte. Dados intelectuais
considerados importantes são colocados em alguns desses
trabalhos escritos, até utilizando símbolos ou abreviaturas,
talvez para que somente “os que sabem” tenham acesso ao
significado secreto que essas abreviaturas e símbolos
escondem. Sim, em geral, os depoimentos dos Tipos 5 são a
expressão do Traço Principal que eles deverão vencer em
diferentes níveis de manifestação. Era isto o que há pouco
prometia insinuar. Tipos 5 são mais discretos e mais
reservados nos seus depoimentos quanto mais forte a
influência nuclear do Ponto 6. Quando, pelo contrário, é o
Ponto 4 o de maior influência, seus depoimentos são mais
generosos, porém nunca tão veementes no emocional
quanto seus românticos e trágicos vizinhos.
Talvez o depoimento mais relevante a respeito dessa
avareza intrínseca foi o daquele ex-membro da escola, que
escreveu (mais uma vez o depoimento se transcreve com‐
pleto):
“Um Nº 5, faria um detalhado e minucioso relatório. Eu já
fiz muito isso. Agora cansei. Prefiro falar pessoalmente para
o grupo e contribuir com comunicação viva, orgânica. Não é
preguiça, é consciência de prioridades. É melhor trocar
energias que fazê-las girar em círculos dentro de si mesmo.
Prefiro falar, dançar e cantar; escrever só quando
indispensável. E assim se deu o suicídio do 5.”
Sei que alguns especialistas em análise eneagramática
ficariam pensando o mesmo que eu, ou seja, como se
confirma o Tipo de 5 deste sujeito nesse breve
depoimento... e que notável a influência do Ponto 4! O
tempo veio comprovar que esse aparente suicídio do 5
nunca se realizou. Só para manter meu propósito de que
podemos rir de nós mesmos, vou contar-lhes como
aconteceu a ressurreição da máscara deste seu semelhante.
Um dia, conversava com ele sobre a possibilidade de instruir
a mais pessoas (ele é terapeuta corporal), com certos
movimentos conscientes que ele tinha aprendido num
workshop recente. Sua resposta, lacônica, foi mais ou
menos a seguinte: “Acho que não vou fazer isso... o ouro é
muito pouco para compartilhar com tantos” (estas últimas
palavras foram ditas por Gurdjieff referindo-se ao valor do
conhecimento que ele ministrava e nosso 5 achou oportuno
citá-las naquele momento). Foi incrível! O Nº 5 tinha
sobrevivido ao “suicídio” e com grandes argumentos ainda
por cima!
Bom, estou tentando fazer com que você não se leve
muito a sério nesta análise e por isso contei este caso que
me pareceu tão engraçado.
A sutileza do pecado da avareza faz com que alguns Tipos
5 fiquem surpresos quando é mencionado este pecado
capital da quinta máscara. É difícil para eles admiti-lo.
Outros compreendem a profundidade desse aspecto
imediatamente e reagem com uma certa felicidade por
terem descoberto a razão de sua incapacidade para se
relacionar com os outros. Alguns decidem que devem
aprimorar-se a nível emocional e admitem a dificuldade de
expressar seus sentimentos. Alguns riem de si mesmos
quando descobrem como a avareza se manifesta nessa
incrível capacidade de escapar dos outros, de ficar invisíveis
num local com muita gente como um meio de poupar-se de
pessoas que falam só abobrinhas.
 
 
Como surge o traço principal?
 
O surgimento da avareza eneagramática se dá, às vezes,
por uma percepção, desde muito cedo, de falta de
privacidade, ou por perdas (veja a influência do Ponto 4)
inexplicáveis que geram temor e sensação de perigo. Para
outros, essa característica ou Traço Principal surge como
resultado de uma percepção fortíssima de “parecer
diferente dos outros” em razão de certas vivências infantis
marcantes. Como acontece com todas as máscaras, a
infância é o ponto crucial na construção da futura persona .
Este depoimento de Carla, nos ajudará a compreender
esta questão. Sob o título de “Caso de uma Nº 5”, ela
escreve:
 
“...eu tinha mais ou menos quatro anos de idade e a minha
irmã era mais velha do que eu um ano e pouco. Éramos
companheiras de brincadeiras durante o dia todo. Meus pais
trabalhavam fora, e este era mais um motivo para sermos
unidas. Então a minha mãe resolve mandar a minha irmã
para outra cidade, relativamente distante. Eu não tinha
capacidade para entender o que havia acontecido. Eu só
sentia que a mamãe havia ‘dado a minha irmã’ e a dor
desta perda era muito grande. Mais tarde vim a entender
que ela tinha ido para a casa de uma tia solteirona, de
maior poder aquisitivo, e assim deixaria os meus pais mais
folgados financeiramente. Lembro-me desta época sentindo
muita saudade de minha irmã. Os dias eram longos. Eu não
tinha mais com quem brincar. Existem cenas na minha
memória de grande tristeza e solidão. Ficou um vazio com a
partida dela.
Então acho que daí nasce todo o comportamento do 5, em
querer evitar sofrer novamente a dor de uma separação.
Evito me envolver com as pessoas, para não correr o risco
de sofrer novamente.
Este comportamento durou a minha vida toda
praticamente, até ter começado a minha busca interna,
aonde venho tomando consciência desta e de outras coisas.
Inclusive quando mais tarde a minha irmã voltou, eu já não
queria mais me chegar até ela.
Existe comigo uma forte asa 6 pois naquela época cresceu
um enorme medo, já que eu não sabia o que poderia
acontecer comigo, tipo assim: ‘será que a mamãe vai me
deixar hoje na próxima esquina? ou será amanhã’.”
Outra aluna revela como a intromissão dos adultos vai
provocando essa necessidade de ocultar-se e poupar-se que
vai gerando sua máscara desde muito cedo:
“Filha do meio, única menina de uma família de três
filhos... Morávamos numa casa vizinha ao sítio da minha
avó... Vovó era uma pessoa de personalidade muito forte.
Meio autoritária e dominadora. Ajudava bastante meus
pais... E se sentia no direito de interferir nas suas vidas.
Junto com os meus avós moravam três tias-avós solteironas.
Cada uma escolheu um dos netos como predileto. Eu, por
ser a menina, era a mais vigiada... Isso sempre me
incomodou muito... O excesso de zelo só fez crescer quando
comecei a ficar mocinha. Sempre fui uma menina tranquila
e geralmente obediente. A rebeldia só surgiu depois do
primeiro namorado mais sério. Houve brigas por não
cumprimento de horários ou por mentirinhas para conseguir
escapar nos fins de semana. E, finalmente, com ajuda dos
meus irmãos, aos 16 anos consegui ganhar a liberdade. Mas
meus pais nunca suportaram e sempre reprovaram meu
namoro... Acho que eles tinham razão em muita coisa. Mas
sou teimosa. Odeio cobranças e ser pressionada.”
Mais adiante, nossa aluna lembra que durante a infância
“e para complicar, tinha um irmão mais velho repressor.
Encarregado (coitado) de proteger a irmã. E o fazia, à sua
maneira”.
Essa tremenda intromissão na sua vida provocou essa
forma de avareza que chamamos poupar-se dos outros,
afastar-se, isolar-se. Uma reação que ela explica assim:
“Cedo conheci a solidão e o sentimento de abandono. E
comecei a buscar o prazer que essa situação me oferecia.
Lembro que no casarão existia um porão e eu gostava de
me esconder e ouvir as minhas tias loucas atrás de mim.
‘Onde está a menina? Onde ela se meteu? Será que...?’
Achava graça em presenciar a minha ausência. No colégio
era tímida e introvertida. Sempre me senti um peixe fora
d’água. Piorou, quando aos 11 anos fui morar com os meus
pais em... Fui a última a sair do sítio. Depois da mudança
para a cidade, ainda fiquei quatro anos morando com meus
avós.”
Será graças a um forte movimento ao Ponto 7 que ela
conseguirá fugir da intromissão e repressão, brincando com
os meninos quando pequena (“sempre era muito mais
interessante do que brincar de boneca”), jogando vôlei,
namorando “o menino mais popular da escola”, vivenciando
experiências radicais e mostrando-se “rebelde”. Uma
maneira “pensada” de conseguir “fugir da pressão” e que,
como veremos mais adiante, provoca nos Tipos 5 a
necessidade de viver situações e aventuras em segredo,
“confidencialmente”, como acontece com Tipos 1.
O Traço Principal está baseado numa reação ao que é
tirado pelos outros, uma reação ao temor de perder algo.
Portanto, Tipos 5 evitarão ser cobrados, procurarão um
porão onde se esconder. Essa excessiva cobrança leva a
uma procura de defesa do que se possui. Compartilhar se
torna difícil porque pode implicar perdas. Quando nossa
aluna brinca com meninos, ela consegue não ser cobrada
como menina. É um modo sutil de sumir para seus
repressores, porque, brincando com os meninos, eles
pensarão que não há perigo para ela, porquanto estará com
seus dois irmãos, um dos quais é o “encarregado” dela. Ela
não poderá brincar de boneca porque será observada, será
cobrada como menina. Ela não será totalmente aceita pelos
meninos. Ela, então, está sozinha. Sua solidão e sentimento
de abandono provocam uma necessidade de pensar: “que
prazer poderá existir nesta minha solidão”? O primeiro virá,
ao comprovar que “achava graça em presenciar minha
ausência”. A “avareza” como reação à excessiva cobrança e
intromissão. O Traço Principal iniciará a consolidação da
quinta máscara: “É prazeroso estar sozinho e observar os
outros de longe.” Para nossa aluna aceitar essas situações,
compreender seus pais, justificá-los, será um processo
lento, fruto de um intenso trabalho interior. Novamente,
aqui é importante que os pais que leem este livro reflitam
nas seguintes palavras com as quais nossa aluna termina:
“Me lembro com saudade de um tempo (acho que até os
cinco anos) que sentia mais alegria e amor pela vida e pelas
pessoas. Sem desconfianças, espontânea e autêntica. Como
é bom amar por amar e viver sem se esconder. Anseio
desesperadamente por esse resgate. Sinto ser possível. A
Escola de Eneagrama e principalmente a minha grande
vontade, têm me dado bastante esperança.”
Quem não lembra do Sr. Scrooge do famoso “Conto de
Natal”, de Charles Dickens? Ele é um Tipo 5 tão triste na sua
avareza! Serão os “espíritos” dos natais do passado,
presente e futuro e o amor que surge nele por uma criança
que o libertarão da sua solidão e da sua avareza. Sim, para
Tipos 5 serão necessários fortes choques para destruir o
muro que foi construído por eles para ocultar-se do mundo.
O trabalho grupal permite este processo de abertura e você
está convidado a participar nele. Para alguns dos Tipos 5
que trabalham no aprimoramento e conhecimento de si
mesmo, esta é uma das razões pelas quais participam de
nossos treinamentos, como reconhece esta aluna no
depoimento:
“Existe em mim um desejo intenso de querer mudar, de
me livrar desses limites e poder viver intensamente. É uma
das razões pelas quais continuo na ‘Escola de Eneagrama’.”
Temos certeza de que você refletirá a respeito de como a
avareza vai se manifestar em você e sabemos que o
Eneagrama se transformará num grande aliado na procura
do autoconhecimento. Vamos analisar em seguida outras
das manifestações próprias desta Quinta Máscara: as
incríveis formas do apego, as manifestações do medo e os
“argumentos” para justificá-los.
 
 
O medo e as racionalizações (percebendo a
dificuldade
dos relacionamentos): como compartilhar meus
sentimentos?
Como me relacionar com os outros sem riscos?
 
Em geral, Tipos 5 admitem ter dificuldades para se
relacionar com os outros. Admitem ter desconfiança,
afirmam que é difícil para eles compartilhar,
emocionalmente falando. Essa desconfiança e essa
dificuldade para compartilhar são expressões do Traço
Principal associado à avareza e à origem dela no medo
nuclear do Ponto 6 Eneagramático e, portanto, vale a pena
refletir nas experiências que nossos associados descobrem
graças à observação de si mesmos em relação a estes
aspectos e aos que estão ligados de uma ou outra maneira.
Essas observações serão importantes para você, na medida
em que poderão proporcionar-lhe certos insigths que podem
libertá-lo ou provocar um dar-se conta de como a
mentalização da realidade e dos relacionamentos pode
deixá-lo fora dela e como esse ficar de fora irá ser
racionalizado como aparentemente necessário, mais
conveniente, uma confirmação da necessidade de isolar-se
e até um argumento para justificar para si mesmo quão
agradável é ficar sozinho.
Vamos acompanhar esta questão mediante alguns
depoimentos.
 
 
Desconfiança demais!
 
Um aluno, Leonardo, descreve os pontos negativos que
consegue observar como expressões de seu traço principal
da seguinte forma:
“A desconfiança em demasia prejudica os relacionamentos.
– O intelectual (refere-se ao Centro Intelectual) controla as
emoções, tirando a naturalidade. – Dificuldade de dar e
receber, de compartilhar. – As pessoas são constantemente
testadas e após passarem por um crivo continuam sendo
testadas. Se houver decepção não tem perdão. – Dificuldade
de compartilhar o espaço. – Por ser extremamente
responsável e intolerante com os outros e até consigo
mesmo....”
O medo que influencia os Tipos 5 e 7, a partir do Ponto 6, é
racionalizado. Mediante uma reação mental à realidade
Tipos 5 decidem isolar-se, Tipos 7 decidem afastar-se,
enquanto os 6 decidem não confiar e esperar sempre o pior.
É uma reação mental, porque não conseguem externalizar o
que sentem, não sabem como fazê-lo, nem foram
incentivados a isso. Durante a infância os adultos não
explicaram seus atos e aparentemente não queriam saber o
que é que esses atos provocavam nos seus filhos. Portanto
eles deverão encontrar também sozinhos as respostas. O
medo levará os Tipos 5 a refletir mais ou menos assim: Se é
difícil manter a privacidade, se as pessoas parecem querer
invadir o meu espaço, se não é possível confiar nos outros,
essa realidade ameaçadora deverá ser compreendida,
estudada, analisada, porque desta maneira vou me
proteger. Só o que eu conhecer e dominar mentalmente
será confiável, e, para conhecer, é necessário estar sozinho
também. Então não se deve nem confiar nem depender dos
outros. As razões para estas “reações”, como observamos
nos depoimentos deste capítulo, podem ser várias:
intromissão exagerada dos adultos durante a infância,
percepção dos outros como ameaçadores ou capazes de
realizar ações inexplicáveis, como no caso da aluna que
lembra a dor de ver “sumir” a sua irmã e imaginar que ela
também pode ser abandonada porque os pais não explicam
o que aconteceu oportunamente, e finalmente o que é pior,
achar que essa possibilidade de perda pode se repetir e
decidir que, por essa “razão”, nunca mais deverá se
envolver em demasia com alguém para não sofrer se esse
alguém some. O que provoca medo será pensado até que
esse estar sozinho seja racionalizado como um “raro
prazer”. É o momento de pensar um pouco mais no
processo de racionalização. Sabemos que, psicologicamente
falando, a racionalização é uma expressão do autoengano.
Vale a pena lembrar que Gurdjieff se refere ao processo de
enganar ou mentir a si mesmo como um dos principais
fatores do Esquecimento de Si. G. Allport define a
racionalização assim: “A razão adequa os impulsos e
crenças ao mundo da realidade, pelo contrário, ao invés, a
racionalização adequa a concepção da realidade aos
impulsos e crenças do indivíduo. O raciocínio descobre as
causas reais dos nossos atos, a racionalização encontra
boas razões para justificá-los.”
 
 
Somatizando o medo:
o desgaste do centro do movimento
 
No depoimento abaixo veremos como o medo e a
racionalização podem provocar reações psicossomáticas
negativas. Nossa aluna Tipo 5 com forte influência dos
Pontos 6 e 4 do Eneagrama, nos revela o modo como seus
medos passam a expressar-se fisicamente (veremos esta
tendência nos Tipos 6) e o modo como este medo é um
obstáculo aos seus anseios de compartilhar (neste caso
divertir-se e dançar) com os demais:
“Eu me considero um (Tipo) 5 principalmente pela
necessidade de isolar-me. Hoje sei que o isolamento não era
uma opção desejada, mas uma necessidade surgida de um
medo insuportável de me expor ou de me relacionar com o
mundo.
Desde criança e durante uma boa parte de minha vida
sofri humilhações e injustiças (sociais). E inconscientemente
comecei a me calar e a me afastar das pessoas vendo-as
sempre como se repentinamente elas pudessem me agredir
de algum modo. Tentava fazer tudo perfeito para não
receber críticas, fui autodidata para não ter que perguntar
ao professor e assim sempre caminhei para a
autossuficiência, para não ter que depender de ninguém.
Não tinha amigos. Sentia-me rejeitada. Descobri que as
pessoas se aproximavam de mim somente porque
precisavam das coisas que eu fazia bem, mas nunca me
convidavam. Tornei-me uma observadora da natureza
humana para aprender como me comportar em grupo e me
aproximar das pessoas.
A solidão começou a incomodar muito e as fugas da
realidade se tornaram cada vez mais frequentes e sofridas.
Embora eu desejasse ser mais extrovertida e me divertir
como as outras pessoas da minha idade, eu acabava
desmaiando nas festas que ia.
Certa vez, fui a um baile com algumas colegas e em vez
de tentar aprender a dançar como sempre quis, não
suportei aquele sentimento (que até hoje não sei identificar
muito bem) e me retirei do salão. Como não podia voltar só
para casa, passei a noite toda no banheiro do clube, de
onde saía de vez em quando para que as colegas me
vissem. Foi um horror.
Nas festas que eu não podia deixar de ir, normalmente
saía sem ser notada ou então inventava uma desculpa para
sair pouco depois. Fiquei perita em inventar justificativas
para me ausentar das festas. Mas como se não bastassem,
comecei a desmaiar em público. Aprendi a reconhecer os
sintomas e a me esconder no banheiro.
Uma vez fui a uma festa e depois de uns vinte minutos lá,
percebi que ia desmaiar, saí disfarçadamente, e sem ser
notada voltei para o carro onde desmaiei e voltei a mim
várias vezes seguidas. Assim que melhorei, voltei à casa, fui
ao toalete e retoquei a maquiagem. Encontrei uma sala
vazia, onde uma senhora assistia à televisão e fiquei ali por
um tempo e, na primeira oportunidade, inventei uma
desculpa mirabolante para me retirar.”
Num outro depoimento, outro de nossos alunos Tipo 5,
além de reconhecer sua “tendência ao isolamento” e de
sentir-se “frequentemente desligado das pessoas e sem
nenhum interesse pelos seus semelhantes, mesmos os mais
próximos”, relata como o fato de ter que relacionar-se com
os outros em razão de seu trabalho lhe provocou, em
algumas ocasiões, o que define como “um profundo
desgaste”:
“Embora perceba, em mim, uma resistência para
estabelecer relações com pessoas, quando consigo vencer
esta tendência e estabelecer contato me sinto renovado. Há
alguns anos atrás cada vez que eu trabalhava coordenando
grupos, ministrando cursos, etc., sofria um profundo
desgaste e muitas vezes adoecia após o término do
trabalho.”
 
 
Talvez “sumir do mapa” seja o mais correto
 
No seguinte depoimento, veremos como esta dificuldade
de se relacionar com os outros pode ser racionalizada até o
ponto de achar que, afastar-se dos demais ou evitá-los,
pode ser uma “atuação correta”:
“Assim que cheguei ao Rio, há uns oito anos, dividia meu
apartamento com um colega de serviço, provavelmente um
7. No dia de meu aniversário, ele e outros colegas de
serviço planejaram uma festa surpresa para mim. Logo
percebi a movimentação da véspera e desconfiei de algo no
ar. Fiquei desesperado ao imaginar: ‘uma festa para mim!...
é muita exposição, existem pessoas que não gostaria de
encontrar, além de enfrentar uma situação inesperada, não
havia me preparado com antecedência para isso, como agir,
o que falar!’
Então, no dia da festa, fugi para bem longe, ‘sumi do
mapa’. Passei meu aniversário longe, assisti a filmes que
gostaria de ver e tentei esquecer o que se passava, de
alguma forma consegui me distrair, porém ainda continuava
ansioso, o que iriam pensar de mim? Havia pessoas que eu
gostava e não queria magoá-las, então resolvi voltar. Já era
bem tarde da noite e ao chegar percebi que a festa ainda
não havia terminado. Que situação!! Não sabia o que fazer,
fiquei indignado por não ter sido cancelada a festa sem a
presença da principal figura: eu, o aniversariante. Fui
tomado de um sentimento de ridículo, vergonha, em suma,
‘a baixa autoestima’ apareceu e me levou ‘pro fundo do
poço’.
Após esperar que o último convidado saísse, entrei no
apartamento e me tranquei no meu quarto. Analisei tudo e
na época ainda ‘pintou’ um certo convencimento de que
havia atuado corretamente, fazendo o que gostaria de
fazer.”
 
Temos aqui uma prova contundente da definição de
racionalização enunciada por Allport.
 
 
A tristeza de não poder sentir para não sofrer
a tristeza de sentir
 
A percepção de não ser capaz de estabelecer relações e de
não poder “chegar até os outros”, ou não poder “alcançar
os outros”, pode se tornar uma causa de profunda tristeza:
“Sinto muita solidão e sei também que é porque me isolo,
e não consigo alcançar os outros. Isto me entristece,
gostaria de ser diferente. Mas acho difícil chegar até os
outros. Por isto tenho poucos amigos. Observo demais as
pessoas e crio um espaço vazio para mantê-las a distância.
Não me envolvo, não sinto. Tenho medo de sentir, me
envolver e depois sentir a dor de uma decepção.
Observo para obter confiança, pois necessito de
segurança. Esta confiança cresce muito lentamente. Para
que este espaço vazio diminua, é preciso que a pessoa
tenha requisitos para poder passar pela portinha estreita
das minhas exigências. Fico observando mais ou menos
desconfiado. Estou sempre sondando para ver se descubro
alguma coisa. Nesta hora me sinto capaz de desvendar
estes mistérios, mas na maioria das vezes não acredito na
minha capacidade, não tenho confiança em mim mesma. Se
me decepciono, me afasto e não quero mais ter contato, é
como se algo ficasse irreversível. Não quero sentir a dor da
decepção novamente.”
 
 
Uma boa desculpa: “antes só do que mal-
acompanhado”
 
Quando alguns Tipos 5 decidem que só terão poucos
amigos uma nova racionalização virá à tona: “Antes só do
que mal-acompanhado.” Vamos considerar o depoimento de
uma aluna 5 a respeito: “...Antes só do que mal-
acompanhado. Gosto de ter meu espaço próprio, minha
privacidade, onde estou bem comigo mesma e recebo os
poucos amigos íntimos, aqueles com os quais posso me
abrir, me mostrar, porque já ganharam minha confiança
(passaram no teste). A pior coisa que pode acontecer é uma
grande decepção com um amigo; como confiar
novamente?”
O perigo lógico desta racionalização é provocar uma
limitação na visão dos relacionamentos. Não só não elimina
a possibilidade de ser decepcionada (o), como também
limita suas possibilidades de conhecer pessoas que, sem
terem passado no teste, poderiam oferecer momentos
agradáveis e descobertas preciosas, sem necessidade de
terem sido catalogados como confiáveis.
 
 
Mentalizando a existência: pensando e supondo
demais;
julgando-se demais; as armadilhas que separam os
Tipos 5
da realidade
 
A dificuldade de relacionar-se com os outros
frequentemente se reflete na dificuldade de relacionar-se
consigo mesmo. Alguns Tipos 5 declaram que precisam ter
clareza de seus sentimentos, que é necessário pensar o que
se passa neles quando expostos a confrontos ou escolhas. O
medo de errar ou de estar se manifestando
equivocadamente é um motivo de grande atrito interno. O
autojulgamento é forte e se manifesta como uma espécie
de questionamento que deverá ter respostas adequadas:
Por que fiz aquilo?, por que realizar isto?, o que é que
aconteceu exatamente hoje?, que devo dizer?, como agirei
nessa festa?, qual o melhor comportamento nessa
inevitável reunião? É preciso respostas. Antecipadas,
certamente.
 
 
O Tipo 5 e o tipo de pensamento introvertido de Jung
 
Logicamente, Tipos 5 se correspondem com o tipo de
pensamento introvertido de Jung, e na descrição que faz
deste tipo, temos que ter em conta o conceito nuclear de
“consideração interna” (Ponto 6 do Eneagrama) de Gurdjieff
para compreendê-la em toda a sua extensão. Jung escreve:
“O pensamento introvertido está fundamentalmente
orientado pelo fator subjetivo (...) Não conduz de uma
experiência concreta de volta ao objeto, mas sempre ao
conteúdo subjetivo. Os fatos externos não são o objetivo e a
origem do pensamento, ainda que com frequência ao
introvertido lhe agradaria fazer com que seu pensamento
parecesse assim. (O pensamento) começa com o sujeito e
conduz de volta ao sujeito (...) Os fatos são reunidos como
evidência de uma teoria, jamais pelo seu próprio valor.”
 
No seu depoimento um dos alunos já citados nos revela,
em curtas frases, este estado de constante julgamento,
suposição e autocrítica interna e como o fato de enfrentar
uma situação imprevista lhe provoca um forte movimento
contra a seta ao Ponto 8:
“Muitas vezes, quando alguém me propõe fazer alguma
coisa tenho necessidade de pensar sobre a proposta antes
de decidir, em algumas situações me irrito com a
indecisão... Frequentemente fico em estado de confusão e
tomo as decisões erradas. Tenho a sensação de que algo
atua dentro de mim e me perturba mental e
emocionalmente. Gostaria de me limpar internamente, isto
é, ter clareza de meus sentimentos e pensamentos, mesmo
quando eles não são agradáveis.”
O fato de ter que “explicar” e “mentalizar” tudo o que se
passa é uma das causas deste constante autojulgamento e
autocrítica. São o medo e a racionalização tomando conta
do mundo interno. Uma aluna nos revela:
“Desejo sempre saber de antemão o que está por
acontecer, gosto da previsibilidade, gosto de me organizar
para cursos, saber quem irá a tal reunião, ensaiar
mentalmente qual a resposta a ser dada em caso de uma
pergunta constrangedora.”
Há também os que concluem que: “Às vezes, por
insegurança, tenho a necessidade de saber o que pode
acontecer (fazer uma elaboração mental de tudo) para
planejar o que fazer ou falar. Mas as coisas nunca
acontecem como a gente pensa.”
Para alguns Tipos 5, o conhecimento do Eneagrama
permite compreender a razão destes processos mentais
negativos. Ao analisar seu tipo, Noêmia descobre como a
influência do Ponto 6 gera nela dois processos indesejáveis:
“...imagino com maior frequência o que de ruim poderá
acontecer e dedico pouca atenção e imaginação às coisas
boas que porventura pudessem ocorrer... temor de
situações na qual não exista uma linha preestabelecida de
comportamento; temor da hostilidade, deslealdade. Esse
medo talvez me leve à hesitação na tomada de decisões e a
ter grande dificuldade em fazer, tornar real alguma coisa. O
pensamento substitui a ação, talvez pelo medo de errar.
Junto com o medo vem a ansiedade, a angústia, a aflição do
que poderá ocorrer. Por isso adoto a prudência, me previno,
sondo o ambiente, estou sempre com um pé atrás .”
Como muito bem o resumem duas alunas: “O intelectual
controla as emoções, tirando a naturalidade”, ao mesmo
tempo em que a percepção clara de estar se ocultando
“atrás de atitudes preparadas” acusa internamente que
“falta a espontaneidade”. Em parte do seu depoimento
outra aluna confessa: “Quero estar sempre prevenida,
preparada, e essa necessidade me faz querer descobrir o
que se encontra por baixo de uma gentileza, de um sorriso
ou de uma atenção especial. Enfim, estou constantemente
analisando, observando e imaginando muita coisa. Quando
tenho algum evento, dias antes planejo tudo, com tanto
detalhe que fico cansada...” Quando a mentalização
constante da realidade e a suposição nos separam da
existência real, das experiências, então, a realidade, a
existência, os momentos e relacionamentos correm o risco
de parecer “difíceis”, “perigosos”, “medíocres”, etc. perante
aquilo que foi mentalizado e suposto.
Esta atitude interna reforça a ideia de que é necessário
tomar cuidado com os outros e que é justo desconfiar. Deve-
se observar mais que viver. Até conhecer a si mesmo pode
se transformar numa nova desculpa para ficar “acima” dos
outros e do “medíocre” (lembro aqui a ideia de H. Palmer de
identificar o ego dos Tipos 5 como numa espécie de castelo
no topo do qual e por meio de pequenas janelas observa ao
redor e se esconde dos outros). Vejamos mais este
depoimento (Tipo 5 com influência do Ponto 4): “Quero
aprender um pouco de tudo, adquirir conhecimentos, para
sentir-me aprimorada, buscar algo elevado na vida, não me
limitando a um cotidiano medíocre . Além do mais, sou
bastante observadora, e sei que a sabedoria maior está em
conhecer a si mesmo e perceber o que está além das
palavras e dos atos. Às vezes, isso me distancia das
pessoas, como se eu me colocasse numa posição superior,
de forma preconceituosa, sem dar chance que o outro
mostre seu verdadeiro valor. Crítica, julgo saber o que é
melhor para mim e para os outros. Quando permito a
aproximação, percebo o quanto fui parcial no meu
julgamento, de caráter puramente intelectual. É a
dificuldade de mostrar os sentimentos e emoções o que, na
verdade, me isola...”
 
 
A perigosa invasão:
um exemplo de mentalização negativa
 
As racionalizações tomam variadas formas. O termo
“invadir”, quando se refere ao ato de “respeitar a
privacidade dos outros”, revela de maneira flagrante o
estado emocional que provoca a chegada de alguém não
esperado, o encontro indesejado, a conversa que não se
quer. A mesma aluna diz em outra parte de seu
depoimento: “Também não costumo invadir os outros,
respeito seus limites assim como quero ser respeitada.”
Uma outra aluna (Tipo 5 com influência do Ponto 4) lembra
no seu depoimento o seguinte:
“Não vejo com frequência os meus amigos e parentes,
apesar de serem pessoas muito queridas. Aos 15 anos,
durante uma crise existencial, no auge do sofrimento
adolescente, escrevi e nunca esqueci:
Os meus olhos são portas fechadas
De um imenso casarão
Que logo se armam
Contra uma possível invasão.
Mais bandeira do que isso, impossível. Sou, ou não sou um
5?”
 
A palavra invasão é resultado da suposição de que todo
encontro com os outros é comprometedor, agressivo e
perigoso; pode acarretar compromisso futuro e término não
desejado da segurança que a privacidade outorga.
Mentalmente aquelas “invasões” vividas na infância
“gatilham” a sensação da possível perda devida ao
compartilhar inesperado ou da obrigatoriedade de
compartilhar algo que não se deseja compartilhar. Ante esta
possível invasão , Tipos 5 reclamam assim:
“Não gosto de me comprometer com os outros pois isso
gera uma obrigação que vai perturbar minha paz” ou “não
gosto que haja problemas à minha volta”. Para um dos
nossos alunos, essa possibilidade de ter que viver
relacionamentos não desejados implicava uma sensação de
opressão .
 
 
Escrever é melhor que falar o que sinto:
outro exemplo
 
Quando Tipos 5 têm que enfrentar situações imprevistas,
sentem-se desorientados. A razão é simples: o fato de não
ter tempo para pensar no assunto, para calcular seus
possíveis resultados, para responder de acordo ao que
consideram necessário, ou seja, não ter tido a possibilidade
de mentalizar, de se preparar, etc. lhes provoca uma reação
de tremenda vulnerabilidade: o risco de ser “invadido”, de
ser surpreendido, comprometido, obrigado, é maior. Um dos
alunos já citados confessa que “muitas vezes, quando me
propõem fazer alguma coisa, tenho necessidade de pensar
sobre a proposta antes de decidir, em algumas ocasiões me
irrito com a indecisão”, depois repete: “fico irritado em
algumas situações em que me cobram uma decisão”,
acrescentando que “procuro me prevenir para não ter
problemas....”
Conheci um Tipo 5 que enquanto discutia qualquer
assunto comigo jamais conseguia externar o que estava
sentindo. Após alguns dias, eu encontrava na minha caixa
postal uma carta em que ele fazia uma extensa análise do
problema, deixando claro, inclusive, que aspectos da nossa
discussão ele gostara ou não. Muitas vezes, nessas cartas,
ele desabafava como nunca fizera cara a cara, e eu
compreendia sua atitude. No próximo encontro eu,
propositadamente, não falava sobre essa carta, nem ele,
logicamente.
A necessidade de pensar a realidade é significativamente
mais importante que resolver questões reais. Se o assunto
pode ser resolvido mentalmente, é como se não existisse
necessidade da experiência real. Escrever se torna, então,
uma espécie de “realidade virtual” na qual até conflitos
podem ser de algum modo resolvidos, como se depreende
do depoimento:
“De outra feita, a dona da creche onde minha filha ficava
criou uma questão comigo. Fracassei em todas as tentativas
de diálogo. Fui tremendamente humilhada. Levei o caso
para a Justiça e ganhei a causa. Durante todo o processo
não mostrei nenhuma reação emocional. Mas depois de
resolvida a questão, escrevi várias cartas para ela (que
jamais enviei). Sempre que a lembrança do caso me trazia
muita raiva, eu escrevia cartas para ela e quando tudo
passou eu as joguei fora. Frequentemente procedo dessa
forma.”
Vamos ficar por aqui com as análises dos desdobramentos
do Traço Principal. Há muito mais, claro, mas acho
necessário que você (epa! quase escrevo “que você pense”)
se atreva a viver e sentir essa imprevisibilidade da
existência... Tá legal, concordo com você: às vezes é bom
planejar, mas, só às vezes.
 
 
Iniciando o processo de mudanças positivas;
observando
o negativo dos Pontos 4 e 6: que influências!
 
Os Pontos 4 e 6 deverão ser observados com máxima
atenção. Quando negativa, a influência do Ponto 4 leva
Tipos 5 a estados de tremenda “mágoa”, que se expressam
em uma espécie de denúncia constante, doentia e
veemente das injustiças, erros e falta de consideração para
com ele e que justificam seu distanciamento, isolamento e
solidão. Não apenas os outros não parecem compreendê-lo,
como também se cria uma série de pseudorrazões
(racionalizações) para demonstrar a si mesmo que não é ele
o culpado pelo isolamento e sim os outros. Já o Ponto 6, com
sua influência, permite projeções tão perigosas que parece
que nada do que existe é confiável. É como se, dentro de
você, dois seres diferentes falassem constantemente: “Você
nunca será compreendido pelos outros, devido à sua
especial visão da realidade (4), então fique sempre com um
pé atrás, você pode estar em perigo sem saber onde ele se
oculta (6).” Um dos exemplos mais marcantes da influência
negativa dos pontos 4 e 6 que já analisei foi: certa vez, um
tipo 5, “quase paranoico”, quis atingir uma instituição da
qual fora expulso por diversas e justas razões. Para isto,
enviou um panfleto calunioso e muito extenso em nome de
uma outra instituição internacional a membros da
organização da qual fora afastado com o objetivo de
desmoralizá-la perante seus líderes e diretores. Este sujeito,
em cuja “presença geral”, como diria Gurdjieff, se tinham
cristalizado os piores aspectos do seu Traço Principal,
revelava nesta carta uma influência do Ponto 4
Eneagramático, por meio de frases com as quais tentava
demonstrar que não fora expulso e sim que decidira retirar-
se voluntariamente em razão de pretensas “contradições”,
de cunho “intelectual”, claro, disfarçando com diversos
argumentos sua tremenda mágoa e desejo de vingança
(movimento contra a seta ao Ponto 8 do Eneagrama) por ter
sido afastado. Por outro lado, sua imaginação descontrolada
(veja as características do Tipo 6) o levava a denunciar
supostas “razões ocultas” (ele fazia isto em forma de
perguntas que se iniciavam com a frase “qual será a razão
oculta de...” isto ou aquilo) para diversas situações irreais
que ele achava que devia “questionar”, como um modo de
fortalecer suas críticas e provocar dúvidas nos integrantes
da instituição ora atacada, em relação à idoneidade dos
seus trabalhos. Somando à sua tremenda paranoia uma
manifestação tipicamente contrafóbica (novamente uma
clara expressão do Ponto 6, núcleo do “Medo” no
Eneagrama), tentou ocultar o seu tremendo temor às
possíveis e justas reações, botando embaixo da sua
assinatura uma frase de efeito com a qual pretendia chamar
a atenção sobre sua imaginária “coragem”. Por se sentir
“protegido” (aqui temos um exemplo prático dessa falsa
ideia de segurança que alguns Tipos 6 sentem quando são
partes de um grupo ou organização que lhes agrada) pela
organização que dizia representar, além de questionar a
autoridade da instituição que lhe solicitara uma “renúncia
voluntária” para não prejudicá-lo publicamente em relação
ao seus trabalhos, decidiu desautorizar e criticar
maldosamente seus líderes e diretores. Logicamente, após
ser denunciada a sua conduta à instituição por ele invocada,
o desafortunado autor dessa carta foi desautorizado
totalmente além de ter-lhe sido solicitado que se
desculpasse publicamente com a organização atacada, o
que, até hoje, claro, nunca fez.
Este caso mostra com muita crueza o que pode acontecer
com um Tipo 5 quando “atacado” pelos aspectos mais
sombrios de seus parceiros eneagramáticos.
É importante observar como eles podem acabar
aumentando seu “isolamento” da realidade tal qual ela é.
Tente observar quando essas influências se tornam fatores
de isolamento ou afastamento dos outros que no final são
ou deveriam ser seus próximos. Não deixe que os perigos
imaginários lhe provoquem a incapacidade de ver
claramente todo o bem que, com certeza, está a seu redor.
 
 
Aproveite as influências positivas
dos Pontos 4 e 6
 
Quando positiva, a influência do Ponto 4 (Equanimidade)
permite uma aceitação da realidade como algo “presente e
concreto”, ou seja, uma percepção de que entre essa
“presença” da realidade e você não pode existir algo mais:
o que está acontecendo é real naquele instante e você deve
estar ali e não no mundo mental que você tanto defende.
Esse estar presente lhe dá a oportunidade ímpar de se abrir
ao que está acontecendo, de não se poupar da experiência
desse instante precioso no qual o passado e o futuro
começam. Não pode se fechar diante desse “contato”. Ele
se torna uma tremenda oportunidade de existir. Nesse
instante não tem nada por acontecer.
A coragem de sentir esse momento tal qual ele é, será o
aspecto positivo da influência do Ponto 6.
A imaginação negativa é detida. A suposição é detida. A
ousadia e a coragem de viver o inesperado implícito ou
explícito nesse “presente” acontecem. Você aceita o
imprevisto e simplesmente está ali, vivenciando-o fora do
castelo. Sugiro a leitura dos Tipos 4 e 6 para você
aprofundar sua análise pessoal.
 
 
Observando os movimentos do 5 ao 7 e do 5 ao 8
 
O que permite uma observação mais apurada do quinto
Traço Principal e suas “armadilhas” é a consideração dos
movimentos do Ponto 5 para o 7 (a favor da seta) e para o 8
(contra a seta). No movimento para o 7, o desejo de ser
livre e de não depender encontra seu “reforço”. Também,
quando sair do isolamento se torna uma necessidade
imperiosa, o Ponto 7 influencia com sua parcela de gula. A
saída é exagerada, sem limites e nela tudo pode acontecer
sem restrições, sendo que essas escapadas, às vezes, são
planejadas em todos os seus detalhes. O positivo deste
movimento ao 7 se dá quando, compreendido o desapego,
Tipos 5 conseguem sentir “equilíbrio” entre mundo interno e
externo, quando conseguem ser espontâneos, autênticos e
curtem a vida relaxadamente. No movimento contra a seta
ao 8, duas questões deverão ser observadas. A primeira é a
hostilidade para consigo mesmo (acusar-se internamente) e
a desconfiança e sensação de perigo que provocam
determinadas pessoas e eventos. Essa desconfiança não é
apenas “medo de”; é também um preparar-se para um
possível ataque ou desapontamento vindo do exterior. A
agressividade e a luxúria do 8 se apresentam aqui como a
procura de todas as defesas imagináveis que possam ser
colocadas entre a realidade e o “meu mundo”; é preciso
estar preparado. É o estado de sentir o isolamento como
proteção contra os eventuais “perigos” e “inimigos”
externos.
No positivo, o movimento contra a seta do 8 resulta na
capacidade de sentir e vivenciar momentos e experiências
de uma forma “instintiva”, ficando sem defesas mentais,
sentindo o “sabor da vida” sem prejulgamentos nem
preconceitos. O movimento para o 8 também é uma forma
de contrariar, positivamente falando, a excessiva
teorização, o que diminui esse planejamento minucioso que
muitas vezes impede a ação real (Influência do movimento
do 7). Peço para você ler os Tipos 7 e 8, a fim de conhecer
detalhes da dinâmica do seu mundo interno em relação a
este ponto.
 
 
Contatando a realidade tal qual ela é
 
O processo de mudanças positivas inicia quando o contato
com a realidade é total. Não se pede para parar de pensar,
nem para se deter os processos intelectuais. O que se pede
é que consiga sentir. O conhecimento real é o conhecimento
fruto de sentir a vida a realidade “tal qual como ela é”,
segundo dizia meu Mestre. É necessário aprender a
linguagem “natural” do corpo, do sentimento, do instinto e
dar-se conta que essa é uma linguagem que, quando
intelectualizada demais, não se pode compreender. Como
diz Gurdjieff, o risco é ter apenas “informação”, que se
tornará inútil com o passar do tempo, porque não foi
transformada em “vivência” ou nunca esteve “ligada” a
uma vivência. O “saber real” incorpora todos os aspectos
incluídos no ato de conhecer, aspectos que muitas vezes
não poderão ser mensurados, calculados ou previstos.
Existe um conhecimento que supera o conhecimento
intelectual, não porque o elimine ou porque esteja acima ou
“antes” do ato de conhecer, mas porque integra e conhece
as outras formas e linguagens do processo de aprendizado.
Nossos centros são três e não apenas um, somos criaturas
tricerebrais e, sendo assim, não podemos apenas
intelectualizar a vida. Osho ensinava: “A vida não é apenas
racional. Pelo contrário, a maior parte da vida é irracional. A
razão é apenas uma pequena ilha iluminada no vasto,
escuro e misterioso mar da irracionalidade.” O grande
desafio para você é iniciar um contato “sem interferências
mentais” com a vida, as pessoas, os momentos e as
experiências. Experimente chegar a um encontro sem se
preparar e observe o que acontece. Deixe que os momentos
aconteçam, sinta o sabor do imprevisto e perceba que nem
sempre o imprevisto será algo ruim ou indesejado. Tente
curtir situações “não pensadas”. Observe-se nelas sem
julgar-se, sem querer ter controle. Vá a uma festa,
internamente livre, e dance e sinta o gosto do movimento.
Terapias corporais, trabalhos grupais e dinâmicas que
impliquem a autodescoberta por meio de sensações,
movimentos, danças e exteriorização de emoções e
sentimentos poderão ajudar a resgatar esse contato real
com a vida. Talvez nada demais possa acontecer ou tudo
pode acontecer. Isso não importa. O que importa é que você
“vive” aquele instante e não apenas o “pensa”. Não existe
julgamento, nem plano, nem perigo. Atreve?... Pô! Já
começou a pensar de novo! (Estou brincando.) Quando se
consegue viver dessa maneira, é possível caminhar em
direção ao que Gurdjieff chama de “a razão da
compreensão”. Com palavras não conseguirá passar a você
tudo o que isto significa para mim, até porque isso não é
importante... Apenas saia um dia sem planos do seu castelo
e, por exemplo, tente sentir um abraço, mergulhe nele e
não se importe como o está fazendo, nem pense o que
acontecerá depois. Reparou? Este conselho também não
serve, porque foi pensado. Talvez a chave para o
desenvolvimento harmonioso dos Tipos 5 esteja na virtude a
ser resgatada...
 
 
O desapego: a virtude de ficar entregue
 
A esta altura, você talvez consiga “sentir” quanto esconde
esta palavra após a breve análise do Traço Principal e
algumas de suas manifestações. Desapego implica, em
primeiro lugar, “desprender-se” dessas defesas e
preconceitos que o levam a sentir o contato com os outros
como ameaçador. Desapego é parar de pensar que algo
pode ser perdido, que algo pode ser tirado de você.
Desapego implica abrir-se sem temores, disposto (a) a viver
a realidade tal qual ela é. Desapego é perceber que você
nega a você vivências e satisfações que poderiam ser uma
porta para sentir a vida real. Desapego é compreender que
solidão não é isolamento, que compartilhar não é deixar de
ter, que abrir-se não é ficar nu ou vulnerável e sim receptivo
e acolhedor. Desapego não é sofrer quando chega o
momento de dar, é descobrir que não precisa dar demais,
para contrariar qualquer das formas em que se manifesta
sua avareza. As virtudes que acompanham o desapego são
a coragem (Ponto 6) e a Equanimidade (Ponto 4).
Sim, para abrir-se e desapegar-se, é preciso coragem. Não
supor demais, não acautelar-se demais, não criar inimigos
imaginários. Desapegar-se não deve ser um exagero, a
Equanimidade precisa ser compreendida. Nada de exageros.
Nem muito aberto, nem muito fechado, nem muito
generoso, nem muito pé-atrás, etc. No desapego não existe
temor de perder, nem algo a proteger. O desapego é uma
espécie de certeza de que o que se possui verdadeiramente
nunca se perde, sempre está aqui e quando compartilhado
aumenta, não diminui. No desapego nada se espera. Não
existe qualquer coisa a ser esperada. O desapego é a
compreensão de que muito da vida apenas acontece e que
nem tudo pode ser controlado. Desapego é uma das
virtudes principais na doutrina budista. Seu sinônimo cristão
chama-se contentamento. Não vou me estender nisto e
peço para você refletir. O importante aqui é compreender
que superar a avareza em qualquer de suas expressões não
implica uma violenta expressão contrária, nem num ir e vir
nos extremos de dar ou reter. No seguinte depoimento, está
explícita a forma errada de interpretar o desapego a nível
material:
“Às vezes entrego, em minutos, tudo que consegui com
sacrifício durante meses. Em outras ocasiões me conduzo
de uma maneira mesquinha, recusando-me a dispensar
pequenas coisas, como se o fato de as dar me
transformasse em um miserável paupérrimo. Esta atitude
me provoca uma profunda vergonha. Acho que é para não
sentir esta vergonha que entrego, em outro momento, tudo
com a maior facilidade, parece que tenho pressa em me
livrar da possibilidade de sentir vergonha.”
Com muita frequência Tipos 5 se comportam de maneira
semelhante no plano sentimental. Fechados demais,
sentem-se incapazes de qualquer contato e se culpam por
não conseguir se abrir com alguém, então, vão ao extremo
e vivem experiências “radicais” (movimento ao Ponto 7),
apenas para sentir que são capazes de viver determinadas
experiências. Nada disso é desapego. No desapego não
existe angústia, nem temor, nem sentimento de culpa. O
desapego é a renúncia a mentalizar a existência e a decisão
de vivê-la plenamente.
 
 
Uma reflexão necessária: a diferença entre
conhecimento
vivo e conhecimento morto
 
Viver plenamente a existência significa obter o privilégio
de conhecer um tipo de sabedoria e de conhecimento que
não se esgotam jamais. Quando renunciamos ao
“conhecimento morto”, à mera “intelectualização” da
realidade, não renunciamos ao saber. Pelo contrário, nos
transformamos em seres capazes de “revitalizar” o saber.
Nos Relatos de Belzebu a seu neto , livro de Gurdjieff (ainda
não traduzido ao português), o sábio personagem principal
ensina a seu neto Jassin a diferença entre o “conhecimento
morto” (“saber comum”, sem compreensão verdadeira ou
apenas intelectual, sem vivências reais) e o “conhecimento
vivo” (o “saber real”, fruto da compreensão e da vivência
graças ao trabalho conjunto de sensação-emoção e
pensamento), com as seguintes palavras:
“Agora, então, meu filho, para que compreenda melhor
aquilo que estou lhe falando no momento, considero
necessário lhe dizer, mais uma vez, de uma forma mais
precisa, a diferença (...) entre o ‘saber’ e a
‘compreensão’(...) A ‘razão da compreensão’, razão
consciente própria de todos os seres tricerebrais (de três
centros; como o ser humano) que povoam os demais
planetas do nosso Megalocosmos, a qual possuíam os seres
terrestres de épocas passadas, é algo que se funde com a
presença geral (...) toda informação percebida por essa
razão transforma-se para sempre em parte indivisível deles
mesmos.
Quaisquer que sejam as mudanças de um ser e os
resultados que geram a contemplação “eseral” (do ser, com
o ser e para o ser) do conjunto das informações
anteriormente percebidas por essa mesma razão, sempre
formarão parte da sua essência.
Porém, a ‘razão do saber’, habitual na maioria dos teus
favoritos (os seres humanos) contemporâneos, toda nova
impressão que ela percebe, e todo resultado intencional ou
simplesmente automático das impressões anteriores, não
fazem parte do ser senão apenas de maneira temporal; não
podem aparecer neles senão em certas circunstâncias e
ainda, sob a condição daquelas informações nas quais se
alicerçam, serem ‘refrescadas’ e ‘repetidas’, vez por outra,
pois na falta desta condição, essas impressões anteriores se
‘evaporam’ para sempre da presença destes seres
tricerebrais.” Belzebu agrega mais na frente:
“... Eis aqui a razão pela qual, na presença dos seres
tricerebrais que tão-somente possuem a ‘razão do saber’,
tudo quanto acabam de aprender deposita-se e fica para
sempre num estado de simples informação, da qual eles
não tomam consciência alguma com o seu ser. Por isso,
todos os novos dados percebidos e fixados neles desta
maneira não contêm nenhum valor com respeito ao
aproveitamento que eles poderiam tirar (desses dados) para
sua existência futura...”
 
 
Finalmente não esqueça a lição que esconde
a historinha do geógrafo no Pequeno Príncipe
de Saint-Exupéry
 
Quando “fechados” em nossos pensamentos, perdemos
contato com a existência real e a interpretamos segundo
nossas paixões, temores e defesas “mentais” (e, no pior dos
casos, “paranoicas”), corremos o risco de acabar igual ao
geógrafo do Pequeno Príncipe , o qual explicava que ele
fazia seus mapas apenas segundo os relatos que os
viajantes lhe traziam, sem nunca constatar in loco se eles
eram verdadeiros ou falsos. O principezinho olhando o belo
planeta do geógrafo lhe faz perguntas sobre o oceano, as
montanhas, rios e cidades que existem nele, porém o
teórico geógrafo responde a todas elas dizendo: “Como hei
de saber?” O pequeno príncipe lhe diz, surpreso: “Mas o
senhor é geógrafo!” A desculpa do geógrafo é: “É claro, (...)
mas não sou explorador (...) O geógrafo é muito importante
para estar passeando. Não deixa um instante a escrivaninha
(...).” Compreende a mensagem? Deixe “sua escrivaninha”
do Centro Intelectual e torne-se um “explorador”, até
porque, como, paradoxalmente, o reconhece o próprio
geógrafo dessa bela e sabia historinha: “Há uma falta
absoluta de exploradores.”
 
O Traço 6
: O eu que imagina

O eu
que imagina

O mestre Gurdjieff diz: “O homem, às vezes, se perde em


pensamentos obsessivos, que voltam e tornam a voltar em
relação ao mesmo objeto, às mesmas coisas desagradáveis
que imagina, e que não apenas não ocorrerão, mas, de fato
não podem ocorrer.
Esses pressentimentos de aborrecimentos, doença,
perdas, situações embaraçosas, se apoderam muitas vezes
de um homem a tal ponto que assumem a forma de sonhos
despertos. As pessoas deixam de ver e ouvir o que
realmente acontece, e, se alguém conseguir provar a elas,
num caso preciso, que seus pressentimentos e medos são
infundados, elas chegam a sentir certa decepção, como se
tivessem sido frustradas de uma perspectiva agradável (...)
O medo inconsciente é um aspecto muito característico do
sono (...)
As pessoas não suspeitam até que ponto estão em poder
do medo. Esse medo não é fácil de definir. Na maioria dos
casos, é o medo de situações embaraçosas, o medo do que
o outro pode pensar. Às vezes o medo se torna quase uma
obsessão maníaca.”
Medo: o traço principal, ou como uma espada pode
virar
uma bengala branca, segundo Woody Allen
 
O consagrado diretor de cinema Woody Allen é, sem
dúvida, um grande exemplo de um típico Tipo 6! Woody
Allen é genial na forma de expresar seus medos!
No livro Pequeno tratado das grandes virtudes , o
professor de filosofia francês André Comte-Sponville, no
capítulo sobre o humor, lembra algumas frases deste
grande diretor do cinema americano, que revelam com
clareza seu Traço Principal, o medo, confessado de modos
engraçados: “Sempre trago uma espada comigo para me
defender. Em caso de ataque, aperto o seu punho e ela se
transforma em bengala branca. Então vêm me socorrer!!!”
ou “Embora eu não tenha medo da morte, prefiro estar
longe quando ela acontecer.” ou ainda: “A única coisa que
lamento é não ser outra pessoa.” Esta última frase poderia
resumir o depoimento de uma das minhas alunas Tipo 6,
com o qual iniciaremos a análise deste Tipo Eneagramático:
“Medo... um medo visceral, profundo, deprimente,
covarde, babaca! Como eu gostaria de não tê-lo. Como eu
admiro os corajosos! E como eu tenho, durante toda a
minha vida, desprezado os covardes. Até perceber que eu
também tenho sido um deles. (Esta percepção ocorreu
agora, com o estudo do Eneagrama.) Isso gera um problema
de auto-estima – não quero me desprezar por isto, mas
quero me curar. Medo de ser feliz – medo de ser infeliz;
medo de me expor – medo de me isolar; medo de ir – medo
de ficar; medo do sucesso – medo do fracasso; medo da
convivência – medo da solidão; medo do desconhecido –
medo de sentir medo. Medo... medo... medo... Chega! Não
quero mais!!! Exemplo: Adoro viajar, mas viajei muito pouco
na vida... por medo e preguiça (movimento ao 9). Nunca
havia saído do Brasil. Eu tinha muita vontade de ir a
Portugal e à França, conhecer o restante da minha família,
mas dizia: ‘Só quando construírem uma ponte entre a
América do Sul e a Europa para eu ir de carro’. Tinha pavor
de avião. Eu dizia também que só iria entrar em um avião
se me dopassem antes e, mesmo assim, não poderia
acordar durante a viagem (teria que ser uma dose alta). E
isto me impedia de concretizar um sonho lindo. Eu até
evitava pensar nisso para não sofrer com meus limites
enormes. E acabara negando para todos e até para mim
mesma que queria ir. No ano passado, quando me decidi,
fiquei muito tensa, não dormi nada na noite anterior à
viagem, mas fui (com meus pais) peguei quatro aviões e...
Eureca!!!: não doeu, não morri, nada de mal aconteceu.
Muito pelo contrário, adorei a viagem e noto que, depois
disso, melhorei em relação aos medos. Mas ainda há muito
a trabalhar. Puxa... era tão simples! Por que eu não fui das
outras duas vezes que meus pais haviam ido?! Quanto
tempo perdido! Quanta bobagem! Quero mudar. Então, vou
começar por me expor...!”
Quando a aluna escreve esta frase final, está se referindo
ao fato de que vai revelar seu nome (o que faz) como uma
maneira de contrariar sua personalidade, mas com esse ato
confirma seu Tipo, já que o trabalho de descrever como se
manifestava sua Máscara tinha como requisito ser anônimo.
Engraçado, não? Sim, porém profundo, como veremos
agora:
 
 
Ambivalência: extrema covardia ou extrema ousadia
(no fim ainda o medo... será que não é melhor jogar
frescobol?!)
 
Por meio da imaginação, o intelecto dos Tipos 6 lhes
adverte sobre possíveis perigos, reais ou imaginários, que
poderiam sofrer repentinamente. Então, ou eles se
protegem desses perigos evitando o contato com a
realidade (Influência do Ponto 5, sentimentos de
insegurança e inferioridade) ou os enfrentam com a
urgência cega de quem pula apavorado da janela do sétimo
andar (se imaginou um outro andar mais alto, tudo bem, é
só um modo de expressão) de um prédio em chamas, sem
esperar que a lona esteja pronta (reações contrafóbicas,
irracionais ou histéricas). Acho que o seguinte caso reflete
bem essa ambivalência com que a realidade é enfrentada
por um Tipo 6. Certa vez, li um desses interessantes e bem-
humorados artigos do conhecido escritor e jornalista Millôr
Fernandes no qual lembrava as “paradas” que topou como
opositor da ditadura militar, mesmo sem pegar em armas
como os mais radicais fizeram. Na parte final, ele escreve:
“... Trinta por cento de correção monetária pelas paradas
que topei. Hay gobierno? Soy contra. No hay gobierno? Soy
contra también . Mas em armas eu não peguei não. Nem sei
onde é que fica o gatilho de um revólver. Meu negócio é
acabar com as forças armadas. Vou apoiar outra força
armada? Mas na hora do pega pra capá , garotos, eu não
dei no pé não. Tão lembrados? Estão nada. Ninguém lembra
porra nenhuma. Eu sou daqueles que não foram embora.
Bom, não estou criticando os que se mandaram. Medo é
medo – quem tem orifício anal sabe disso. (Longa pausa.)
Mas teve gente que se mandou muito cedo.”
Com certeza, a lembrança das vezes em que este provável
Tipo 6 (com forte movimento ao Ponto 9) sentiu seu “orifício
anal” reagir diante do medo, deve provocar nele algumas
“longas pausas”. Para Tipos 6, os atos contrafóbicos –
aqueles nos quais foram obrigados a atuar com aparente
coragem apesar de seus medos – quando lembrados,
devem provocar as mesmas “longas pausas” que
provocaram no nosso “valente” Millôr, que, para não deixar
dúvidas sobre sua tendência à paz (movimento contra a
seta ao 9) escreveu, consciente ou inconscientemente,
naquele mesmo dia na sua página, que ele é “um dos
inventores do frescobol – o único esporte com espírito
esportivo. Até hoje ninguém inventou ganhadores, nesse
jogo”, portanto ninguém fica com medo de perder, certo?
As “longas pausas”, sentidas pelas “mensagens” do
“orifício anal” do jornalista, lembram a típica ambivalência
com que Tipos 6 enfrentam a realidade, ambivalência que
os leva a temer tudo, como nos mostrou nossa aluna no
depoimento: “Medo de ser feliz; medo de ser infeliz. Medo
de me expor; medo de me isolar, medo de ir; medo de ficar,
etc. ” Enfim, medo do medo, que pode levar a atitudes e
condutas extremas, para se expor ou para não se expor, ou,
como confessa o nosso jornalista, para ser “contra”, em
qualquer caso. Millôr, como todo Tipo 6 “democrático”, não
gosta de autoritarismo e apesar de nunca ter pegado em
arma, “ousa” advertir que “meu negócio é acabar com as
forças armadas” . Ele revela que, “naqueles dias”, correu
grandes riscos, e pede “correção monetária” por tudo o que
topou na época. Porém esses riscos ele sabe que não foram
“inteligentes”, nem foram assumidos por valentia. Ele não é
“valente”, ele não quer ser nem perdedor, nem ganhador,
ou seja, ele apenas quer jogar uma partida de frescobol
contra um “time da pesada”, ao qual deverá convencer de
que ele não quer ganhadores nem perdedores, apenas
“acabar com as Forças Armadas” (!?).
Sem dúvida, foram muitas “longas pausas”!
 
 
Os filhos do casal ambivalência-medo: indecisão,
atitudes
flutuantes, inconstância, rejeição ao conflito,
emoções opostas, etc.
(Que família!) O Tipo 6 e o tipo de sentimento
introvertido
de Jung
 
Tudo bem, vamos transcrever aqui os comentários sobre a
ambivalência do psicólogo norte-americano T. Millon,
publicados na obra Disorders of personality (Desordens da
personalidade, 244): “A ambivalência dos passivos-
agressivos se intromete constantemente na sua vida
cotidiana, resultando em indecisão, atitudes flutuantes,
condutas e emoções opostas e um generalizado devaneio e
inconstância. Não podem decidir se aderem aos desejos dos
demais como um meio de obter conforto e segurança, ou se
dirigirem a eles mesmos para estes ganhos, se são
obedientemente dependentes dos demais ou
insolentemente resistentes e independentes deles, se tomar
a iniciativa de governar seu mundo ou ficar ociosamente
sentados por ali, esperando passivamente a liderança de
outros; vacilam, então, do mesmo modo que o asno
proverbial, movimentando-se primeiro numa direção e logo
numa outra, sem decidir jamais qual ‘fardo’ de palha é
melhor.”
Em razão do medo nuclear e desta ambivalência, Tipos 6
procuram, como nosso Millôr, não ter conflitos. (“Em volta
de mim, amados amigos, ninguém ganha ou perde. Vive”.)
Não ter que decidir, não ter que escolher, ou, numa atitude
insolente atrever-se (custe o que custar e aceitando todas
as “longas pausas”) a declarar que quer “acabar com as
forças armadas”.
O Tipo 6 corresponde ao tipo junguiano de
sentimento introvertido . Talvez pela ambivalência que
caracteriza este tipo, Jung teve dificuldades, como ele
mesmo reconhece, para descrevê-lo “intelectualmente”: “É
extremamente difícil oferecer uma relação intelectual do
processo do sentimento introvertido (...) embora a peculiar
natureza desta classe de sentimento seja muito perceptível
quando a gente se dá conta (...)” Nos nossos workshops do
Eneagrama, os Tipos 6 às vezes descrevem este “processo”
como “uma dificuldade de expor” o que acontece nos seus
“mundos internos”, que inclui a dificuldade de definir quais
são os sentimentos relativos a esses momentos. Concordo
com Jung, só quando a gente “observa” esse estado
“natural” nos Tipos 6, é que é possível compreendê-lo em
sua intensidade.
A ambivalência, reconhecida por nossos alunos Tipo 6,
produz diversas consequências. Em parte do seu
depoimento, Jane, uma de nossas alunas, confessa:
“Detesto brigas e desarmonia. Não quero saber de
problemas. Só quero é ser feliz! Acho que busco a felicidade
absoluta! Evito o atrito ao máximo, mas se não tiver jeito eu
entro na briga. Tenho medo de minha agressividade. Acho
que sou capaz de matar num momento de muita raiva.”
Logicamente, o medo do que sua raiva pode gerar a faz
acrescentar logo em seguida que tem “dificuldade de
expressar raiva”. Outra aluna reconhece: “não gosto de
competições e sempre me retiro de ambientes ou cursos ou
qualquer atividade onde haja disputa. Não gosto de lutar”.
Outra escreve: “O medo de perder as pessoas me leva a
evitar qualquer tipo de conflito; a não aceitar cargos de
chefia, onde haveria possibilidade de algum rompimento ou
desavença.” Mais adiante repete que sua “incapacidade de
conviver com o conflito” é uma “característica forte”, e
acrescenta: “Às vezes a tensão é tanta, que acabo tomando
decisões (que aparecem como atos corajosos). Isto me faz
sair da confusão e fazer alguma coisa. Embora estes
aprendizados sejam sempre muitos sofridos (pois me tiram
da famosa zona de conforto onde tudo é conhecido e
organizado) sinto que faço alguns progressos assim.”
O fato de ter que tomar decisões se torna estressante,
como confessa Sílvio, um dos nossos alunos 6: “Não gosto
de decidir, o que acarreta dificuldades de iniciar e terminar
qualquer coisa. Sendo que, no final, acabo realizando o que
for necessário geralmente de modo bem mais satisfatório
do que imaginava, mas com muito desgaste.” Ele continua
confirmando esse estado de ambivalência e revelando que:
“Há uma particularidade no meu comportamento, aquilo de
que tenho medo é justamente o que procuro fazer, mas
também com um enorme desgaste. Sinto-me dependente
porque preciso da aprovação dos outros, para não me sentir
rejeitado. Ajusto-me ao mundo (pessoas e situações) para
me sentir em segurança.”
No depoimento de outra aluna Tipo 6 podemos apreciar
como esta luta interior entre fazer ou não fazer, decidir ou
não decidir, provoca o que muitos donos desta máscara
chamam a “dificuldade de concretizar” (um típico
movimento ao Ponto 9):
“Sempre demoro a concretizar algo, pois fico imaginando
as possíveis consequências, as melhores maneiras de fazer,
qual deveria ser a maneira correta, etc. A partir daí surgem
as dúvidas e o desânimo. Começo a protelar e invento
desculpas para não fazer as coisas, adiando o máximo
possível. Quando este estado de apatia começa a me
incomodar, passo a me movimentar fazendo muitas coisas,
preenchendo meu tempo com várias atividades.
A compra de minha casa vem se desenrolando desta
maneira. Quando decidi comprá-la, fiquei animada, fiz
planos e comecei a procurar nos jornais. Então começaram
as dúvidas: será que as pessoas são de confiança? E assim,
fico somente selecionando anúncios, sem ir ver as casas,
até que paro de procurar, inventando desculpas como falta
de tempo ou simplesmente de ânimo para agir (movimento
para o 9). Passam-se alguns dias ou semanas e começo
achar que algo precisa ser feito, que estou muito parada e
que devo começar a agir. Recomeço a procurar então com
mais confiança, com mais empenho e disposição, vendo
várias casas durante a semana, durante o mês (movimento
para o 3). Voltam as dúvidas e então nada me agrada:
quando a casa é boa, o local é ruim; se me agradam o local
e a casa, desisto porque tem pessoas morando e poderia
haver problemas para desocupá-la; me deixo levar por
opiniões de outras pessoas (volta para o 6). Estas etapas se
repetem várias vezes até que eu consiga realizar o que
pretendo.”
A esta altura, você deve estar pensando: “Incrível, achava
que somente eu era assim!” A descoberta do Traço Principal
é muito chocante sempre, mas conhecer sua origem levará
você a profundas reflexões que facilitarão qualquer
trabalho, presente ou futuro, sobre si mesmo, mediante o
qual você possa obter os benefícios da fé e da coragem
verdadeiras.
 
 
Como surgiu o traço principal
(Ou quando o que acontece não é o esperado)
 
A que chamamos medo? Habitualmente o medo é a
palavra que define uma série de “estados emocionais
alterados” provocados por uma ameaça, real ou imaginária;
pela percepção de um perigo, real ou imaginário ou pela
iminente ou súbita possibilidade de enfrentar uma situação
que associamos, objetiva ou subjetivamente, por
aprendizado ou por termos tido uma dolorosa experiência,
com situações desagradáveis, odiosas, repulsivas,
perigosas, desconhecidas ou conhecidas, situações estas
que nos fazem perder – temporal ou constantemente –
nosso senso de segurança, bem-estar, conforto e/ou prazer,
confiança e/ou tranquilidade.
Nos depoimentos de Tipos 6, a lembrança dos primeiros
medos e do modo como estes alterariam o relacionamento
com a realidade é frequente e, às vezes, forte. Neles temos
palavras-chave que ajudarão você, como Tipo 6, a ter
elementos de observação que lhe permitam, aos poucos,
primeiro individualmente e logo mediante terapias ou
trabalhos grupais superar seus medos em virtude da
constatação dos pontos comuns que lhe indicam como eles
possuem origens similares. Algumas palavras-chave são:
crítica(s), ameaça(s), autoritari (a-o-ismo), decepção,
repreensão, insegur (ança, o, a) sever (a-as-o-os-idade),
castig (ar-o)
 
Novamente peço aos pais e responsáveis pela educação
das crianças e adolescentes que leiam esta obra para
refletir profundamente sobre como surge esta sexta
máscara e seu traço principal. Uma aluna nos revela a
respeito o seguinte:
“Lembro das críticas por parte de meus pais, sempre
observando minhas falhas, especialmente meu pai, que não
podia admitir uma filha mais forte e corajosa que ele. Meu
pai é um homem muito autoritário e perde o controle
facilmente. Quando criança ele me decepcionou
muito.Minha insegurança partiu desta primeira grande
decepção.”
Crianças Tipo 6 percebem que não se pode confiar nos
adultos porque acontecem situações inesperadas e
decepcionantes que as fazem sofrer e temer represálias
imprevistas e dolorosas. Certa aluna conta:
“Como na minha infância eu tinha muito medo que meus
pais me batessem, minha irmã soube se aproveitar bem
dessa situação. Qualquer traquinagem ingênua que eu
aprontasse, ela ameaçava contar para minha mãe, a não
ser que eu fizesse algo para ela, como, por exemplo, servir-
lhe água quando estivesse com sede, avisando-me, porém,
que nem pediria, apenas emitiria um som para eu saber que
ela estava com sede.
Eu e minhas amigas do prédio em que morava,
adorávamos ir de andar em andar apertando a campainha
de apartamentos e depois esconder-nos. Um dia, estava no
elevador com minha irmã, e um rapaz encarou-me e disse:
‘Se eu te pegar mais uma vez tocando a campainha da
minha casa, vou te botar nua no elevador!’ Fiquei morta de
medo e essa foi mais uma das chantagens da minha irmã.
Mas o que me marcou foi quando um dia, na praia, um
velho me bulinou (graças a Deus saí correndo). Fiquei muito
chocada e com medo que meus pais soubessem, e mais
uma vez minha irmã, durante um bom tempo, ameaçou-me
se eu não a obedecesse. Eu tinha medo até do que não era
culpada .”
 
 
Errar por medo do erro ou
“por que estão me castigando?”
 
Esta última afirmação (“eu tinha medo até do que não era
culpada” ) é muito importante. Tipos 6 temem o “deslize”,
como afirma Claudio Naranjo, portanto, se caracterizam por
suas contínuas apreensões. Em razão da ambivalência que
os caracteriza, ao mesmo tempo em que rejeitam o
autoritarismo, se sentem menos inseguros quando
conhecem as “regras do jogo”, quando podem confiar numa
autoridade ou quando se coletivizam. Desta forma as
possibilidades de “deslize” diminuem, ainda que se sintam
apreensivos e temerosos de não poder “cumprir” essas
“normas” e/ou “regras do jogo” sempre. A razão pela qual
Tipos 6 sentem-se melhor quando estão trabalhando em
grupos, quando fazem parte de um “nós”, de um coletivo,
está alicerçada em parte nesta procura de não cometer
erros. Se os erros são cometidos “no departamento, onde
nós trabalhamos”, então o risco de sofrer o castigo fica
“repartido” e, portanto, menos doloroso, “seremos mais
numerosos para nos defendermos das possíveis injustiças”.
A necessidade de segurança é muito importante.
Logicamente, esta atitude leva os Tipos 6 a ter medo até de
“errar por medo do erro” , ou como diz um aluno: “tenho
pavor de errar, principalmente com o próximo. Mostro meu
erro antes que o outro perceba e fale...” Uma outra causa
deste temor ao deslize está no fato de que para muitos
Tipos 6 as causas dos castigos e repreensões nunca ficaram
claras durante a infância. Como o castigo é um ato
imprevisto, inesperado, sem razão, o medo passa a ser
constante. Assim, Tipos 6 perdem a confiança nas pessoas e
nas situações cotidianas.
Um aluno lembra:
“A partir dos 5 anos, fui criado por uma tia (irmã de meu
pai). Até então, tive uma mãe muito severa e um pai muito
ausente. Após os cinco anos, também com uma criação
muito severa, só que aí já não era somente minha mãe, mas
as tias, a avó e todos os outros me repreendendo e me
castigando. Eu não sabia de onde nem quando viriam os
castigos e/ ou repreensões. Tive desde cedo que me virar
sozinho, inclusive para me defender de todas estas
ameaças externas. Nunca sabia em quem e quando
confiar.”
Naturalmente, essa perda de confiança resulta numa
atitude de rejeição ao controle ou obrigação real ou
imaginária que um Tipo 6 possa sentir na atitude de outras
pessoas. Novamente, o Traço Principal será consequência
das primeiras experiências, como nos revela este
depoimento:
“Hoje, depois de começar a entender o significado de cada
máscara, começo também a entender os meus medos. Eles
vêm da minha infância e principalmente da adolescência,
que foi terrível. Por isso mesmo, até hoje não aceito quando
alguém determina o que vou ou não, posso ou não fazer.
Não aceito ser controlada ou obrigada a fazer coisa alguma.
Esses medos e rejeições ainda hoje estão muito presentes
em mim.”
Outra grave consequência das experiências injustas
vividas na infância e na adolescência é que muitos Tipos 6
se tornam “problemáticos, rebeldes e contestadores”, numa
clara reação psicológica que no fundo quer dizer: “Fui
injustamente castigado, então, agora, farei algo realmente
ruim!” Um dos alunos já citados declara que, ainda
percebendo que criava um “círculo vicioso”, ele provocava
propositadamente situações para ser punido: “Já que eu
havia sido punido injustamente, então me rebelava criando
situações piores do que as que motivaram as punições.”
A sensação de abandono, de não ser tratado com justiça,
de enfrentar um mundo cheio de imprevistos desagradáveis
e críticas e punições injustas faz com que este Tipo
Eneagramático adquira a convicção de que não se pode
confiar em ninguém: “Sinto uma grande desconfiança de
outras pessoas e ambientes... Sou bastante desconfiada
(advogado do diabo) e sempre me toca aquela dúvida cruel:
Será que posso confiar dessa vez ou será que vou quebrar a
cara novamente?” Os Tipos 6 decidem que só existe uma
pessoa na qual se pode confiar, ainda que com medo: eles
próprios. Só que uma ajuda invisível e poderosa é sempre
bem-vinda.
 
 
O mundo oculto: motivo de rejeição e de atração
(uma reflexão no Brasil “afro-brasileiro”)
 
A imaginação negativa a que Gurdjieff se refere no texto
transcrito no início deste capítulo provoca nos Tipos 6 uma
outra manifestação ambivalente. Desta vez, com o que
vulgarmente chamamos de “mundo oculto”, “invisível”,
“esotérico”, o mundo das “magias” de todas as cores. As
questões ditas “esotéricas” atraem e assustam este Tipo.
Por um lado, como sempre acontecem “coisas inesperadas”,
alguns Tipos 6 tentam “estar preparados”, “protegidos”,
gostam de “talismãs” e de “proteções” diversas. O
inexplicável precisa ser explicado; o oculto, desvendado e
controlado. Eles imaginam que a causa das situações e/ou
vivências inesperadas e negativas possam ser “forças
desconhecidas”, “causas desconhecidas”, “razões ocultas”
que devem ser exorcizadas. Esta questão é muito
interessante, especialmente no Brasil, onde os cultos afro-
brasileiros, inicialmente exclusivos dos negros escravos e
hoje praticados por negros e brancos que procuram neles
força e proteção invisíveis. Peço licença para fazer aqui uma
breve reflexão sobre este assunto.
Ninguém ignora que os escravos viviam num ambiente
autoritário e controlador, em que o castigo inesperado, a
humilhação e a tortura eram o “pão de cada dia”. O domínio
dos brancos não podia ser contestado diretamente, mas
talvez fosse neutralizável de outra forma... Os brancos
possuíam as armas e o poder visíveis. E o poder invisível e
mágico era a única ajuda e defesa possível, além da difícil
alternativa da fuga. Os negros se protegiam, e se protegem
ainda, com a ajuda poderosa de seus Orixás, do mesmo
modo que há milhares de anos seres humanos de diferentes
raças procuram nas suas religiões e cultos um meio de
enfrentar os perigos do invisível, contando com a ajuda do
além. Por trás da defesa enfática de seus cultos, tradições e
cultura, os negros que vivem em países como o Brasil e os
EUA contestam o “sistema estabelecido” como reação ao
apartheid sorrateiro e disfarçado que sofrem há gerações.
Eles têm sido agredidos, mortos e perseguidos sempre. São
a expressão coletiva da psique dos Tipos 6: o medo e a
ambivalência são as características de seus modos de vida.
Como os Tipos 6, os negros decidiram atuar
contrafobicamente em todos os planos. Por trás das
manifestações atrevidamente contrafóbicas e chocantes,
por trás das expressões do “orgulho de ser negro”, eles se
protegem de uma sociedade que se diz culturalmente não
racista, mas que ainda o nega na prática. São eles os
“suspeitos” que a polícia prefere, os discriminados nos
trabalhos, os que sobrevivem majoritariamente nas favelas.
Exatamente como um Tipo 6, a grande maioria dos negros
sente medo do inesperado, do castigo injusto, da violência
sem razão que mata muitos de seus filhos inocentes. Daí a
ambivalência e desconfiança que sentem dos brancos. O
sucesso inicial da revista Raça foi uma prova dessa procura
de segurança característica de Tipos 6, que só se encontra
com e entre “aqueles que são iguais a nós”. Uma espécie de
discriminação ao contrario. Enfim, aqui a gente tem “muito
pano pra manga”, certo? Fiz esta reflexão a título de
observador estrangeiro e com o desejo de chamar a
atenção sobre uma questão ainda não resolvida totalmente
para os filhos que nascem neste “berço esplêndido”.
Voltando ao assunto. Num país de sincretismos como o
Brasil, onde todo mundo ouve desde a infância palavras tais
como “mãe-de-santo”, “terreiro”, “candomblé” ou
“macumba”, e onde a maioria, alguma vez, procurou ajuda
para “fechar o corpo” ou para “abrir seus caminhos”, Tipos
6 devem sentir que seus medos e seus modos de se
proteger dos “inimigos invisíveis”, dos “olhos grandes” e
das “forças negativas”, não são tão anormais assim.
O medo leva Tipos 6 a não somente querer saber “o
futuro” por meio do Tarô, ou de visitas a “clarividentes”
como também a preocupar-se demais com “cargas
negativas”, “magia negra” e questões afins. Numa parte do
seu depoimento outra aluna nos revela:
“Também sinto uma grande desconfiança de outras
pessoas e ambientes, principalmente em relação a absorver
as cargas negativas. Tive muitos problemas sérios, até
físicos, por absorver cargas negativas de lugares como
hospitais, etc., e acho que fiquei um tanto paranoica!
Também sofri muito por causa de inveja, magia negra, etc.,
e fico preocupada com isso para que não me atinja mais.”
Os Tipos 6 devem procurar libertar-se desta classe de
dependência paranoica e temores neuróticos e irracionais,
por meio do trabalho sobre si mesmos, recuperando a
autoconfiança e desenvolvendo um maior controle
imaginativo. Já em termos raciais, negros e brancos (além
de outras cores) deveríamos fazer o mesmo, certo?
 
 
Movimento aos Pontos 3 e 9: descobrindo
os modos de fugir e os modos errados de fazer.
Iniciando o processo de mudanças positivas
 
O movimento eneagramático do Tipo 6 é via em direção do
6 ao 3, do 3 ao 9 e do 9 ao 6 novamente.
Refletindo sobre este movimento, você poderá aprimorar a
observação de si mesmo e descobrir quando é que atua
sem medo e quando atua por medo, quando consegue fazer
adequadamente e quando o faz motivado apenas por sua
máscara. Descobrirá também quando atinge um estado de
segurança autêntico e quando está apenas “fugindo” ou
“ocultando-se” da aparente realidade.
Essa observação deverá estar acompanhada da reflexão
nos aspectos negativos e positivos de cada ponto. Assim, o
aspecto negativo do movimento do 3 é a mentira, o fazer de
conta que não tem medo, agir contrafobicamente. O
aspecto negativo do movimento ao Ponto 9 é a tendência a
adiar decisões e/ou ações , aquilo que G. I. Gurdjieff chamou
de “a doença do amanhã” (“amanhã eu faço, amanhã me
preocupo, amanhã começo de verdade, amanhã...”, você
sabe). Tente observar seus movimentos contrafóbicos, os
momentos de falsa coragem. O positivo desse movimento
eneagramático está na possibilidade de realizar qualquer
coisa sem temor e confiante em relação ao resultado.
(Movimento da Coragem e da Fé, a Verdade do Ponto 3.)
Quando Tipos 6 agem deste modo equilibrado, conseguem
um verdadeiro descanso no Ponto 9 do Eneagrama. O
aspecto positivo do movimento ao Ponto 9 (contra a seta) se
relaciona com a capacidade de evitar o ato contrafóbico,
que permitirá uma ação reflexiva e verdadeiramente
corajosa (Do Ponto 9 ao 3), o que finalmente lhes permite
sentir um estado de “segurança” real. Controle sua
imaginação. Pergunte-se: por que estou imaginando esta
situação desta maneira?, não poderia ser diferente? Ao se
mover negativamente ao 9, procure perceber as imagens
negativas que provocam a necessidade de protelar ações ou
decisões, muitas delas valiosas para o seu crescimento e
progresso.
 
 
Observando seus parceiros eneagramáticos 5 e 7
 
Os Tipos 6 aprenderão muito por meio da análise das
Máscaras 5 e 7 do Eneagrama. Tanto com o que devem
evitar quanto com o que devem adotar desses seus
“parceiros”. A influência negativa do Ponto 5 reforça a ideia
de perigo e desconfiança que situações ou pessoas podem
provocar. Nestes casos, os Tipos 6 recuam ou se afastam
sem querer experienciar o que, naturalmente, reforça seus
medos e os afasta da realidade. A influência negativa do
Ponto 7 se manifesta fundamentalmente nas atitudes
ambivalentes e na incapacidade de concluir planos e/ou
projetos. O mais positivo da influência do Ponto 5 é
aprender a desenvolver a capacidade de reflexão e
raciocínio como um modo de atingir o necessário controle
imaginativo. Aprender a perceber o absurdo e irracional de
determinadas imagens mentais e treinar a mente para
modificar essas imagens, apagá-las ou refletir nas
alternativas positivas. O mais positivo do Ponto 7 é a
capacidade de vivenciar novas experiências, viver e
planejar situações prazerosas, sem julgar e/ou temer que
algo esteja errado. Desfrutar do corpo e ficar mais aberto ao
momento presente, curtindo o que está acontecendo de
positivo sem se “projetar” ao futuro negativamente.
 
 
Imaginação consciente:
percebendo as “78 faces” da realidade
 
Gurdjieff afirmava: “O medo pode ser o órgão de uma
futura clarividência...” Fantástico, não é? Nossa maior
conquista como seres humanos é desenvolver as
potencialidades psicofísicas que estão adormecidas em nós.
A imaginação, potencialmente, pode transformar-se num
dos aliados mais poderosos do ser humano. Com certeza
você ouviu falar das técnicas de “imaginação criativa”, de
“visualização positiva”, “criação mental”, PNL, etc. Essas
técnicas estão alicerçadas na constatação de um fato
simples, porém, maravilhoso: com disciplina imaginativa, a
gente pode modificar positivamente os acontecimentos
existenciais. Quando o medo nos controla, acontece o
inverso. Nossa imaginação fornece as imagens que afirmam
nossos medos, fobias e temores. Nesse momento, não
conseguimos VER CLARAMENTE . Mais ainda: não conseguimos
“VER ” na “tela mental” mais que uma ou duas faces
possíveis da realidade. Os antigos mestres herméticos
ensinavam que a Verdade tem “78 faces” e que, quando a
gente percebe apenas uma ou duas dessas faces, é
necessário lembrar que ainda existem 77 ou 76 por
conhecer. Esta afirmação de que a realidade ou a Verdade
tem 78 faces é simbólica, claro! O que aprendemos dela é
que sempre podemos imaginar mais de uma possibilidade
para qualquer questão. Quando um ser humano inicia um
processo de consciência imaginativa tem possibilidades de
desenvolver uma “visão interior” mais ampla. É como se,
em vez de perceber apenas 25 graus da realidade, ele
começasse a perceber 40, 60, 90, 180 graus... até 360!
Comece a controlar sua imaginação.
Quando uma cena mental aparecer para iniciar e/ou
reforçar seu medo, observe-a e mude-a por outra diferente
e positiva! A imaginação é uma de suas capacidades
cerebrais mais valiosas.
Ela deve estar ao seu serviço. Por isso, não deixe que ela
comande sua vida!
 
 
Conquistando a virtude da coragem
e desenvolvendo uma “fé consciente”
 
As Virtudes a serem conquistadas pelos Tipos 6 são muito
especiais. A “Coragem” implica literalmente um “agir com o
coração”, ou seja, um agir a partir de um Centro Emocional
equilibrado (Ponto 3) e livre do temor (desidentificação ou
desapego das imagens negativas fixadas pela ideia de uma
ameaça sempre latente), o que permite essa visão clara da
realidade, limpa de todas as ameaçadoras e irreais imagens
internas. Naturalmente, isto conduz a uma ação relaxada no
plano físico. De acordo com Helen Palmer: “A coragem
depende da capacidade corporal de agir adequadamente a
partir de um estado não pensante da mente.” Realizar é
melhor que apenas imaginar realizar ou temer realizar.
Devemos lembrar novamente que será o controle
imaginativo que permitirá “agir com o coração” e não com a
cabeça. Quando nos atrevemos a agir sem temor, podemos
descobrir que muitos “tigres são de papel”. Os Tipos 6
podem conquistar uma tremenda capacidade de ver além
das aparências, desenvolvendo sua natural intuição, se
começarem a confrontar seus medos com a realidade.
Quando a realidade é confrontada fisicamente, temos a
possibilidade de voltar a ter segurança nas nossas
capacidades e nos nossos atos. Aprenda a confiar e
conhecer melhor seu Centro Físico. Como já falei na análise
de outras máscaras, durante os treinamentos avançados de
Eneagrama, temos uma prática ao ar livre em que as
pessoas ficam em pé formando um círculo e seus
movimentos são deliberadamente limitados assim como
suas reações emocionais. Ou seja, não podem sair do seu
lugar, nem gritar ou pular fora do círculo. No centro, o
instrutor está com um bastão de madeira de um metro de
comprimento (mais ou menos) e adverte que o bastão será
lançado a qualquer um e a qualquer momento, sem prévio
aviso. De início as pessoas ficam ansiosas, temerosas de
serem atingidas pelo bastão, até que, aos poucos, começam
a perceber que não é “tão perigoso assim” e como é fácil
receber o “ameaçador” bastão, sem tensão e sem medo.
Logo, numa dinâmica de grupo, é muito engraçado ouvir
que as pessoas imaginaram muitas coisas em relação a
essa prática milenar. Umas comentam que achavam que
seriam golpeadas na cabeça, outras que o bastão poderia
atingir um olho, outras que sentiam que quase não podiam
mover-se. Enfim, o medo os paralisa de início e lhes impede
a realização de movimentos com os quais seus Centros
Físicos possam pegar o bastão sem que este lhes provoque
nenhum dano. Eles percebem que o que temiam era apenas
“imaginário”. Logo pede-se que eles aprendam a agir
cotidianamente de acordo com o que compreendem e
percebem nessa prática psicofísica. Os resultados são
excelentes.
Entre os Quatro Verbos chamados “Mágicos” (Ousar,
Querer, Saber e Calar), sobre os quais escrevi no meu
primeiro livro, os que devem ser mais vivenciados pelos
Tipos 6 são os verbos “Ousar e Querer”. Ambos implicam
ações concretas e ambos estão relacionados com profundos
sentimentos e não apenas com pensamentos. A
autoconfiança só pode ser gerada a partir de “contatos”
efetivos com a realidade e não apenas com atos
contrafóbicos. Os atos contrafóbicos surgem do Centro
Intelectual e paralisam o “sentir”, paralisam as emoções
como se quisesse “ignorar” o que vai acontecer após sua
irreflexiva execução. Não é ousadia, não é querer e sim seu
oposto: o ato contrafóbico. Isto é fácil de comprovar quando
pessoas que sofrem de fobias conseguem ser curadas
mediante metódicos e pacientes processos de sensibilização
e conscientização, por meio dos quais passam a perceber
que aquilo que temem, simplesmente, não é real e não
acontece.
 
 
O valor da fé consciente
 
Em relação ao desenvolvimento do que Gurdjieff chamava
de “Fé consciente”, primeiro é importante ter presente quais
são os dois tipos de “fé” negativa que todos nós temos que
aprender a reconhecer e superar, especialmente se o Traço
Principal é o 6.
Gurdjieff lembra esta questão importante com o seguinte
aforismo que só comentarei em parte, dada a sua
profundidade e importância:
“A Fé da consciência é liberdade, a fé do sentimento
é fraqueza, a fé do corpo é estupidez”.
Quando você “se atreve” a fazer algo ou a enfrentar uma
situação contrafobicamente, poderíamos dizer que está
agindo emocionalmente alterado (a). Nesses instantes, sua
“fé” está fundamentada na sua fraqueza (“a fé do
sentimento é fraqueza”) e sua reação corporal não vai estar
guiada pela lucidez que acompanha qualquer ato consciente
(“a fé do corpo é estupidez”). Você ficou preso mentalmente
à “certeza” de que o ruim imaginado com respeito a esse
ato ou a essa situação “x” poderia realmente acontecer,
porém, como não tem outra saída,” mobiliza”
inconscientemente seu “Centro do Movimento” e executa ou
enfrenta a situação “sem consciência de si”. O resultado
pode ser bom ou ruim, positivo ou negativo, porém você
não se importa com isso naquele momento. Esta forma de
reagir contrafóbica é a que é realmente perigosa e não a
situação ou o ato em si mesmo. Quando você consegue agir
com verdadeira Fé, você se liberta dos limites que seus
medos lhe impõem. Sua consciência fica livre, acima da sua
“máscara”. Então seus Centro Emocional e Físico se
comportam de acordo com o que realmente “sabem” fazer,
com plena capacidade. Helen Palmer cita na sua obra sobre
o Eneagrama o seguinte depoimento de uma mulher Tipo 6,
que demonstra o que estou tentando explicar-lhe:
“Frequentei a City University em Manhattan e usava o
metrô para ir às aulas. Nunca me preocupava com as
viagens de dia quando havia multidões, e eu podia ler meus
textos todo o trajeto desde a estação da Rua Delancey.
Quando eu tinha aula à noite e tinha de esperar sozinha na
plataforma, eu ficava muitas vezes apreensiva, e combinei
com meu namorado de me encontrar na Delancey e a gente
andar juntos até minha casa.
Uma noite, um louco entrou no vagão. Ele fazia caretas e
cerrava os punhos e começou a dizer palavrões andando
pelo corredor. Havia pouca gente no metrô, e ninguém tinha
coragem de olhar o rosto do louco.
De repente, ele descobriu alguém no assento atrás de
mim, apontou, praguejou e veio em nossa direção, e então
eu me vi bloqueando sua passagem. Meu corpo tinha se
erguido, e eu ouvia minha voz falando com o sujeito sem
saber o que eu devia dizer. Ainda não consigo me lembrar
do que eu disse, mas sei que, ao ver uma arma na mão
dele, não tive medo algum.
Eu parecia estar repetindo os movimentos de algo que já
tinha acontecido antes. Não me surpreendi quando vi dois
braços pegando-o pelas costas numa chave de cabeça nem
quando arranquei a arma da mão dele quando ele apontou
o meu rosto. Quando encontrei meu namorado na Delancey,
eu estava tão impassível que ele teve dificuldade em
acreditar que minha história fosse verdadeira.” Não é
incrível este depoimento? Simplesmente, “a Fé da
consciência é liberdade”! Veja como de novo é importante o
controle da “imaginação” para que essa Fé consciente seja
conhecida por você: “A fé é a certeza do que se espera, a
convicção do que não se vê.” , segundo a brilhante
definição do Apóstolo Paulo na sua carta aos Hebreus.
Aprenda a ter certezas positivas e compreenda que aquilo
que ainda não aconteceu, que ainda “poderia acontecer” ou
“acontecerá” depende, em grande parte, da sua total
consciência do momento presente, porque é no presente
que criamos o futuro e é nele que fazemos nossas escolhas.
O Traço 7
  : O eu que projeta

O eu
que projeta

“Liberdade é seriedade. Não essa seriedade de


sobrancelhas franzidas, lábios fechados, gestos
cuidadosamente medidos e palavras filtradas entre os
dentes, mas a seriedade que significa determinação e
persistência na busca, intensidade e constância, de modo
que, mesmo nos momentos de repouso, o homem
prossegue com sua tarefa principal. Façam a si mesmos a
pergunta: São livres? Muitos serão tentados a responder que
sim, se estiverem num estado de relativa segurança
material, sem preocupação com o amanhã e se não
dependerem de ninguém para sua subsistência ou para a
escolha de suas condições de vida. Mas a liberdade está aí?
É somente uma questão de condições externas?”
“O homem, bem no seu íntimo, ‘exige’ que todo mundo o
tome por alguém notável, a quem todos deveriam
constantemente testemunhar respeito, estima e admiração
pela sua inteligência, pela sua beleza, sua habilidade, seu
humor, sua presença de espírito, sua originalidade e todas
as suas outras qualidades. Essas ‘exigências’, por sua vez,
baseiam-se na noção completamente fantasiosa que as
pessoas têm de si mesmas, o que acontece com muita
frequência, mesmo com pessoas de aparência muito
modesta...” Os dois parágrafos acima reúnem palavras de
Gurdjieff, anotadas por seus discípulos.
A alegre, maravilhosa e original turma dos Tipos7!
(Faltou dizer algo mais?)
 
Sem dúvida é um grande problema escolher só um
exemplo brasileiro do Tipo 7. O próprio Brasil é um precioso
país Tipo 7 e, tirando os aspectos sociais negativos que
necessitam ser mudados, deve continuar sendo esse
paraíso que é, para o bem e alegria de todos os brasileiros e
de toda a humanidade! É verdade que o fato de ser um País
Tipo 7 provocou certa vez o desabafo atribuído ao líder
francês Charles De Gaulle, que teria sentenciado que o
Brasil era um país “pouco sério”, mas, pensando bem e sem
querer provocar um atrito diplomático internacional, prefiro
a Liberdade, a Igualdade e a Fraternidade à moda brasileira
. Tudo bem, dizia que era um grande problema escolher
exemplos de Tipos 7 brasileiros, não porque faltem e sim
porque não quero que alguém não citado fique achando que
não o considerei, que não sei da importância da sua figura
(nossa! Quanta puxação de saco!) etc., etc.
Mas como não tem jeito, tomei uma decisão e vou
destacar, então, dois exemplos públicos, muito queridos
nesta terra. Refiro-me a Jô Soares e Miguel Falabella ou
Miguel Falabella e Jô Soares, esse nosso David Letterman
em versão fat . A ordem dos fatores não altera o produto,
certo? Primeiro, nosso “gordo”. Quem vai pra cama sem
ele? Comandando na TV.Globo um dos programas mais
populares da TV brasileira, Jô Soares, genial, comediante,
poliglota, escritor de sucesso, é um clássico Tipo 7 com
poderosa influência do Ponto 8 do Eneagrama. Ele possui
essa capacidade de nos descontrair com suas entrevistas
inteligentes, piadas e brincadeiras das quais a maior parte
dos seus convidados não consegue fugir, não apenas
porque ele é um humorista, mas porque esse é um dos
aspectos marcantes e positivos desta Máscara
Eneagramática: a vida para Tipos 7 é uma constante
procura de alegria e prazer. Destaquei dele o fato da forte
influência do Ponto 8 Eneagramático, porque Jô Soares não
hesita quando se trata de defender causas nobres e
populares, nem quando acha que deve falar algumas
verdades que doem até para alguns dos seus convidados.
Quanto ao ator, diretor teatral, apresentador, escritor, etc.
etc. etc. Miguel Falabella, é fácil para qualquer conhecedor
profundo do Eneagrama perceber que é o Tipo 7 que decidiu
transformar sua vida numa eterna brincadeira que lhe rende
bons lucros. Numa reportagem da revista “Veja” titulada
“Rico faz rir à toa”, do jornalista Alfredo Ribeiro, Falabella
declarou: “Brincando de ser estrela, de trabalhar muito, eu
me transformei num fenômeno de público”; e numa outra
entrevista dada para a revista Caras , ele afirma se sentir
sempre como uma criança para a qual o trabalho é, em
síntese, um agrado, um gosto mediante o qual consegue
realizar-se e ser feliz. E que o digam seus amigos!
Na reportagem de Veja , a atriz Maria Padilha declara:
“Nem ele sabe quando está fazendo um número ou falando
sério. (...) Ele descobriu como ganhar dinheiro com as peças
que aplicava nos amigos”, lembrando o dia em que teve
que invadir o apartamento do ator para salvá-lo do
“suicídio”: (...)” deitado, caixas de Lexotam por todo lado,
babava pelo canto da boca (...) Saí de lá à beira de um
ataque de nervos, com o Miguel às gargalhadas.” Tudo não
passava de uma “brincadeirinha”. Com certeza, você
também deve ter muitas anedotas semelhantes para
contar, certo?
Sem dúvida, o mundo seria sério demais sem a
participação dos falantes, inquietos, joviais, multifacetados,
inteligentes e sempre criativos Tipos 7! (Gostou?)
Para os que gostam de música, dois exemplos de Tipos 7
inesquecíveis: Mozart, que revolucionou sua época com seu
estilo inimitável e com seu polêmico modo de se comportar
numa época cheia de normas e limites, e John Lennon, que
nos deixou essa maravilhosa canção Imagine , cuja letra
perfeita é capaz de expressar numa bela síntese poética o
anseio e a esperança que todos temos de viver num planeta
melhor, sem fronteiras e sem religiões. Ambos viveram
existências marcadas pelos atos extravagantes e contra a
corrente de seus tempos.
Como esquecer o alegre Darcy Ribeiro? Ele dizia: “Viver é
muito bom, eu não quero morrer!” Sua frase mais “7” foi:
“Fracassei em tudo o que tentei na vida. Tentei alfabetizar
crianças, não consegui. Tentei salvar os índios, não
consegui. Tentei uma universidade séria, não consegui. Mas
meus fracassos são minhas vitórias. Detestaria estar no
lugar de quem venceu.” Numa reportagem de Paulo Moreira
Leite publicada na Veja se lê a seguinte descrição do Darcy
Ribeiro: “Tinha a erudição eclética do autodidata e passou
os últimos anos dando entrevistas com a freqüência de uma
estrela de rock, exibindo sua inteligência elétrica, chutando
adoidado, dando palpite sobre todo, e, se lhe
perguntassem, contando detalhes de suas preferências
sexuais (...) exuberante, tropicalista, apaixonado, malandro,
contraditório, sem compromisso com a razão, o método e o
rigor (...) separado (...) construiu uma fulgurante coleção de
namoradas (...)” Um homem incrível, não é verdade?
É fácil encontrar Tipos 7 dispostos a criar e realizar
projetos e negócios diferentes, não convencionais ou
inovadores. Eles sempre têm algum bom programa. É fácil
achá-los entre as pessoas que viajam pelo planeta à procura
de aventuras, no mundo dos criativos publicitários, do
cinema, dos compositores de vanguarda, da comédia, dos
grandes entrevistadores, da arquitetura, nos
empreendimentos que poucos se atreveriam a sonhar e
muito menos realizar. Maravilhoso, simplesmente,
maravilhoso! Como se sente após conhecer alguns dos
membros da sua tribo? Na verdade, seriam muitos os
destaques. Tipos 7 são únicos! Legal, não é?
Num de nossos primeiros e mais bem sucedidos
workshops de Eneagrama realizados aqui no Brasil em
1996, no Hotel Le Meridien, no Rio de Janeiro, com a
participação de quase 400 pessoas, o encontro dos Tipos 7
foi maravilhoso, fantástico! Márcio Galvão, um criativo Tipo
7 assumido, com quem participei do Projeto Simplesmente
Copacabana junto a Liane Marcondes da Dialog, liderou a
alegria contagiante desse grupo tão especial! Literalmente,
fizeram a festa! O único inconveniente é que desde que
dirijo workshops são sempre poucos os Tipos 7 participantes
(Tudo bem, Tipos 7, eu sei que é uma chatice encerrar-se
num fim de semana para estudar e vivenciar o Eneagrama,
especialmente aqui neste belo pais!) e menos ainda os que
entregam seus depoimentos escritos e completos. Por isso
tive que escolher somente três deles para utilizar neste
capítulo. Enfim, os Tipos 7 são, simplesmente, admiráveis!
Porque, para ser diferente neste mundo, é preciso não ter
medo. É preciso ser ousado! Acima de todas as coisas, os
Tipos 7 são ousados e corajosos! Está gostando do modo de
iniciar a análise da sua máscara? Gostou do “banho no seu
ego”? Está se sentindo à vontade? Acho que peguei você!
Não percebe que já comecei a “pisar no seu calo”?
 

Negando o medo como uma maneira


de sentir liberdade
 
Devemos lembrar que os Tipos 7 fazem parte da tríade
centrada no mental do Eneagrama (o que Gurdjieff chamou
Centro Intelectual) e que no Medo nuclear que comanda
essa tríade se esconde a chave para compreendê-los. Poder-
se-ia dizer que os Tipos 5, 6 e 7 percebem mentalmente as
ameaças da existência e “imaginam” como deverão
enfrentá-la: os Tipos 5, então, as enfrentarão a partir de
uma “construção mental de segurança”, uma espécie de
mundo próprio, no qual o raciocínio e o conhecimento
adquirido serão os grandes aliados. Para os Tipos 5, na
máxima “Saber é Poder” está a resposta que exorcizará
seus medos enquanto a procura do isolamento social se
transformará no meio prático que consolidará a estrutura de
segurança criada ao seu redor. Já os Tipos 6 decidiram que
seus medos devem ser enfrentados mediante um constante
estado de alerta interior, um estado de prevenção que os
leva a imaginar quais são esses perigos, onde se ocultam e,
conseqüentemente, a valorizar e procurar a união com
pessoas de confiança, os amigos, os grupos, com os quais
se sentirão mais seguros e confiantes. No caso dos Tipos 7,
o medo simplesmente deverá ser ignorado e/ou enfrentado
vivendo-se sempre de uma maneira otimista, descobrindo o
“lado bom das coisas”, e “planejando” de que maneira
garantir um constante “prazer em tudo o que se faz”. Um
dos nossos alunos reconhece que: Pareço não ter medos, ou
eles estão tão ocultos que não dá para perceber (...) Em
algum momento, quando crianças, os Tipos 7 decidiram que
enfrentariam o medo de perder a felicidade, que todas as
causas que provocavam a perda da alegria tinham que ser
destruídas e que nenhuma delas os privaria de serem felizes
para sempre. Tudo se pode fazer, tudo se pode solucionar,
tudo se pode viver, tudo é válido para atingir o ponto de
segurança. Portanto, todos os limites, regras e normas são
percebidos como as causas que provocam a perda do
prazer, da alegria e da liberdade. Estes limites deverão ser
enfrentados, porque por trás de cada um deles se escondem
punições, castigos, proibições e implicam submissão,
obediência, e aceitação muitas vezes do que vai contra
nossos anseios de felicidade. Em algum momento, então, os
Tipos 7 decidem não ter mais medos e ficar acima daquilo
que os provoca ou fora do seu alcance. Não é que se livrem
deles. Pelo contrário, o medo nuclear da tríade 5-6-7 será
ignorado, abafado, afastado, evitado. Como conseguem
fugir do medo? Como ficam acima dele ou longe do que o
provoca? Simples: Nunca ser como os adultos, nunca deixar
de brincar, nunca deixar de sonhar, nunca submeter-se a
nada. Só se lembrarão os melhores momentos da vida, os
outros serão literalmente “apagados”. Esta decisão tem
suas vantagens e desvantagens, como veremos em
seguida.
 
 
A decisão de ser um “puer aeternus”
(ou como se livrar do medo e ser feliz sempre)
 
Quando Tipos 7 decidem inconscientemente não ter medo
(inconscientemente porque é uma “decisão” tomada em
algum momento da infância, quando a personalidade estava
sendo formada), percebem intuitivamente que o caminho é
nunca se comportar como adultos, nem aceitar o mundo
dos adultos. O mundo dos adultos é distante, talvez esteja
cheio de perigos, obrigações, deveres, proibições,
regulamentos e outras barreiras entre eles e o prazer. Talvez
seja um mundo demasiado “sério”. O mundo das crianças é
“leve”, é vida “tranqüila” é “jogo e lazer” e, portanto, sendo
e sentindo como criança se pode ser sempre “livre” e
“feliz”. Crianças são as únicas que podem transpor as
barreiras sem serem cobradas por isso, nem punidas.
Poderíamos dizer que Tipos 7 são capazes de compreender,
de um modo pleno, o ensinamento do Mestre Jesus Cristo,
que diz que “o Reino dos Céus é das criancinhas”. Será a
procura do “paraíso” na Terra o que vai motivar a existência
deste Tipo. O Mestre Osho, um Tipo 7 iluminado, com sua
filosofia da contínua “celebração”, simbolizou, na nossa
época, essa procura. Na sua vida e obra, concretizada após
muita perseguição, na Osho Multiversity de Poona, Índia, se
pode apreciar até hoje a influência desse seu “sonho” de
um mundo em que o prazer, a alegria e o bem-estar podem
estar sempre presentes.
Para a maioria dos Tipos 7 a infância é lembrada com
alegria. Essa capacidade de somente guardar as melhores
lembranças da vida faz parte desta Máscara Eneagramática
e acompanhará seus possuidores até o final dos seus dias,
como muito bem o expressa Félix, um de nossos alunos:
“Guardo as melhores lembranças de minha infância,
juventude e idade madura e agora, com 62 anos, busco na
vida espiritual um caminho seguro que me levará à auto-
realização. Sou otimista.”
Um outro aluno lembra:
“Durante o período de 4 a 10 anos, a minha infância foi
tranqüila, feliz, ao lado dos meus pais e mais 3 irmãos. Meu
pai seguia a filosofia de Allan Kardec, o que fazia com que
agisse sempre com tranqüilidade, sem agressividade física
ou verbal. Não me recordo de ter sido agredido por ele, dele
guardando uma imagem de um ser especial que zelou por
toda a minha infância, com um amor de um nível bastante
superior. (...) Minha mãe era muito exigente na nossa
educação, estimulando sempre a busca pela qualidade de
vida tanto material como espiritual. Ambos foram os
responsáveis por uma infância, sem atropelos, sem
violência, nos fornecendo a estrutura adequada ao
desenvolvimento.”
Por outro lado, a decisão “inconsciente” de ser
internamente uma “eterna criança”, pode estar também
associada, em certos casos, a privações vividas na infância
e, em outros, ao fato de que, quando crianças, muitos Tipos
7 reclamam de não ter tido muito amor dos pais ou de
terem sido ignorados emocionalmente ou tratados por eles
da maneira que poderíamos chamar “aceitável”. Não que
não tenham sido “bons pais” no sentido geral e subjetivo
que damos a essas duas palavras, e sim que certos prazeres
infantis derivados do contato com os pais não foram
satisfatórios. Sobre este assunto, reflitamos no depoimento
em que Hilária, uma das minhas alunas, lembra que
aspectos da sua infância deram origem à sua Máscara 7:
“Aos dois anos de idade, mais ou menos, nasceu o meu
irmão. Creio que fui deixada um pouco só , devido aos
afazeres de minha mãe. Nesta época morávamos afastados
de outros familiares. Lembro-me que criei amigos
imaginários . As lembranças que tenho da infância são
agradáveis, porém eu não decidia nada, aceitava sempre.
Também não pedia para meus desejos serem realizados.
Embora algumas vezes brincasse em grupos, me sentia
sempre só . Lembro-me de momentos felizes, estava só e
brincando com argila, ou em um pomar comendo frutas.
Não sei bem, mas é possível que meus pais não
conversassem muito comigo.
Meu lar não era dos mais tranqüilos, havia algumas
divergências entre meus pais. Mas sempre me senti amada,
embora esse amor fosse sem aconchego, no sentido de
brincadeiras, de abraços, e de beijos, etc. Lembro-me do
grande prazer que sentia em contato com a natureza,
nesses momentos vejo-me sempre só. Foram esses os
aspectos que deram origem à minha máscara.”
Destaquei as frases em que nossa aluna menciona a
sensação de solidão, porque nelas está implícito o medo
que deverá ser superado, no caso dela, “criando amigos
imaginários” para garantir sua alegria. Este aspecto do uso
positivo (em alguns casos até positivo demais) da
imaginação é extremamente importante para a “vida feliz”
que Tipos 7 almejam obter. A imaginação se torna o meio
pelo qual eles “planejarão” o modo de obter o prazer em
tudo e de qualquer jeito.
 
 
Hedonismo ou como os Tipos 7 decidem
não sofrer nunca (se possível)
 
A palavra “hedonismo”, que na antigüidade estava
relacionada apenas a um sistema filosófico que declarava
que a obtenção do prazer era o objetivo mais importante da
existência, se transformou, em nossa época, num sinônimo
daquelas pessoas que tentam obter “prazer” a qualquer
custo e sempre. Semanticamente, a palavra “hedonismo”
ficou ligada a palavras como “excesso”, “permissividade” e
“luxúria”. No Brasil, poderíamos dizer que a famosa e
popular “Lei de Gerson”, ou seja, a atitude que leva um
sujeito a querer tirar vantagem de tudo, está muito ligada à
atitude “hedonista” típica: quanto mais vantagens eu possa
tirar de todas as situações, maiores serão as garantias de
obter sempre “meu” prazer. Esta atitude faz parte da
Máscara 7. Como escreve Claudio Naranjo referindo-se a
este aspecto: “(...) Em alguns casos, podemos nos referir a
uma ‘adequação cósmica’, na qual o contentamento do
indivíduo é apoiado por uma visão do mundo na qual não
existe bem ou mal, culpa, imposições, deveres ou a
necessidade de fazer esforço – basta aproveitar.”
Existe no Tipo 7 uma rejeição ao sofrimento, que cristaliza
ainda mais essa atitude hedonista. Se algo não pode ser
obtido, não importa, não se deve sofrer por isso. Em outra
parte do seu depoimento, Hilária nos mostra este aspecto
de sua máscara:
“Adoro explorar territórios novos. Gostaria de poder voar
ou de colocar uma mochila nas costas e sair viajando pelo
mundo. Tenho um espírito aventureiro. Concretizar esses e
outros desejos é difícil. Sofrer, nunca: há sempre algo bom a
se tirar das coisas difíceis. Adio o sofrimento ao máximo,
porque espero o melhor.”
Os Tipos 7 mostram esta tendência hedonista quando
adultos, procurando preencher suas vidas com o máximo de
prazeres. Numa parte do seu depoimento, nosso aluno Tipo
7 descreve assim esta tendência: “(...) Também planejo
fazer programas que eliminem o tédio e intensifiquem os
prazeres da vida (...).” Esta necessidade de “intensificar os
prazeres da vida”, de estar sempre feliz, de ter sempre mais
“brinquedos de adultos”, de preencher todos os instantes
com uma hiperatividade, é uma maneira de fugir do medo
(Ponto 6) e uma clara influência do Ponto 8 do Eneagrama
no que se refere à luxúria, entendida aqui como a ilimitada
procura de prazer. Nessa procura pelo prazer, os Tipos 7 às
vezes exageram tanto que até utilizam a trapaça para
conseguir o que desejam. O medo da perda do prazer e a
procura do máximo de prazer provocarão a consolidação da
paixão do Traço Principal: A Gula.
 
 
Observando o traço principal: a gula e suas
conseqüências
o Tipo 7 e o tipo de sensação extrovertida de Jung
 
Os Tipos 7 desejam obter prazer em tudo o que fazem, de
todas suas experiências e vivências. É esta procura a que
explica a “Gula e Intemperança”. Jung nos ajuda a
compreender mais profundamente estas características dos
Tipos 7 quando descreve na sua tipologia os tipos que ele
chama de sensação extrovertida com estas palavras:
“Como a sensação está fundamentalmente condicionada
pelo objeto, aqueles objetos que estimulem as sensações
mais intensas serão decisivos para a psicologia do
indivíduo. O resultado é um forte vínculo sensual com o
objeto... (...) O único critério de seu valor (do objeto) é a
intensidade da sensação produzida pelas suas qualidades
objetivas...
Nenhum outro tipo humano pode se igualar em realismo
ao tipo de sensação extrovertida. (...) O que experimenta
serve (...) como um guia para sensações novas (...) A
sensação é uma expressão concreta da vida (...)
simplesmente a vida real vivida ao máximo. Todo seu
objetivo é o gozo concreto e sua moralidade se orienta de
acordo com isto.”
 
A Gula é definida no Dicionário Brasileiro da Língua
Portuguesa como “excesso na comida; glutonaria, gosto
exagerado das boas iguarias; gulodice”. É interessante
notar que a palavra “gulodice”, além de significar gula e
guloseima, tem também o sentido figurativo de “desejo
veemente”. Também acho interessante destacar a palavra
“gulosar” que significa, por sua vez, “comer gulodices;
comer pouco de várias coisas; de bicar na comida,
escolhendo o melhor”. Quero que você tenha em conta
estes significados para a análise que realizarei a
continuação.
A chave da atitude do Tipo 7 na vida esta resumida numa
das estrofes do hino em latim da Universidade Católica de
Valparaíso, Chile. Traduzida ao português essa frase disse:
“Alegremo-nos (portanto) enquanto somos jovens, porque
a velhice é um estorvo e a juventude é fecunda; e, no final,
todos transformaremo-nos no pó da terra.”
Este é o leitmotiv da eterna criança, do eterno Peter Pan
que se esconde no mundo interior de cada Tipo 7: conseguir
ser feliz ao máximo nesta existência, negar-se à velhice,
curtir, desfrutar e alegrar-se sempre. Portanto, a procura do
prazer, da liberdade e da felicidade é compulsiva e
constante. A gula dos Tipos 7 é pelas experiências
prazerosas, pelos projetos que lhes tragam alegria, pelos
trabalhos que lhes proporcionem a oportunidade de criar,
desde que não impliquem demasiado envolvimento. Nosso
já citado aluno reconhece: “Sou um pouco narcisista mas
muito Peter Pan. Isso herdei de meu pai. Busco a felicidade
participando de muitas atividades na ânsia de obter
gratificação sentimental e manter um alto astral. Às vezes
me comprometo além de minha capacidade, o que leva a
desistir facilmente de algumas destas atividades; outras
vezes, substituo certas atividades por outras novas (que
possam ser mais promissoras).”
Como diz mais francamente um Tipo 7 amigo meu: “Após
um tempo abandono certos trabalhos e projetos porque
perdem a graça.” Aqui é onde se esconde o problema: tudo
pode “perder a graça”, então é necessário viver
“gulosando”, ou seja, fazer de tudo um pouco, fazer e
provar “mil coisas ao mesmo tempo”, escolher entre todas
as coisas as mais prazerosas, as melhores. O resto deve ser
adiado, abandonado, deixado de lado, porque “perdeu a
graça”, porque “cansei”, porque “ficou difícil demais”, etc.
Aparece assim, quase que sutilmente, uma certa
irresponsabilidade com respeito às próprias ações. Para
evitar a punição, a crítica e os atritos, os Tipos 7 tentarão
transformar esses abandonos, essas irresponsabilidades,
esse “deixar de lado”, em situações sem importância, nada
demais: Vamos celebrar que não é nada sério!
Freqüentemente, a gula não lhes permite finalizar,
concluir, “ir fundo”, nem nos trabalhos nem nos
relacionamentos. Existe uma certa superficialidade, um
trato por cima, já que, se vão mais fundo, podem correr o
risco de “perder a liberdade”, de ter que lidar com
problemas, com “a parte chata do assunto”. Pregar peças
nos outros, “passar a perna” de um jeito simpático, não
levar nada a sério, parecerá até sem importância para os
que rodeiam os Tipos 7 mais harmônicos. Seus atos serão
até interpretados como “brincadeiras”, a forma com a qual
ele se transformará muitas vezes no lendário “vendedor de
gato por lebre”, que no final convence a seu ingênuo
comprador de que gato é tão bom ou melhor que a própria
lebre. Sendo assim, qual é o problema? De alguma maneira,
eles nos lembram o astuto Hermes, que roubou as vacas de
Apolo apenas para ser conduzido ao Olimpo e solicitar a seu
pai, Zeus, que o admitisse lá como um deus. O mito conta
que Zeus até gostou do jeito sem-vergonha do filho e lhe
concedeu o que queria. Conta a lenda que para roubar as
vacas de seu meio irmão sem deixar rastro, Hermes botou
suas sandálias ao contrário para que suas pegadas
confundissem ainda mais o sábio Apolo. Apolo sempre caiu
em todas as peças que Hermes lhe pregou, e dessa forma
Hermes sempre obteve tudo o que queria. Com certeza,
vocês, Tipos 7 que estão lendo esta parte do livro vão ter
um súbito desejo de conhecer um pouco mais este astuto
Hermes. Até o Mestre Jesus Cristo pregou que devíamos ser
“astutos como serpentes e humildes como pombas”, só que
não se deve exagerar e nem sempre é bom ultrapassar
certos limites. Os Tipos 7 desejam sentir-se sempre livres
para realizar e conseguir o que querem de qualquer jeito.
Por esta razão, freqüentemente confundem liberdade com
libertinagem, com não compromisso, com “direito a
abandonar” sem dar explicações válidas. Há algo de
semelhante entre a gula e a libertinagem. A capacidade de
obter o prazer e de sentir-se livre e com direito a todo o
prazer não é negativa. O negativo da situação tem a ver
com a procura “desnorteada” do prazer, com o “desespero”
e com a angústia de querer preencher o que Naranjo chama
de “vazio ôntico” deste Tipo Eneagramático. Ele nunca
consegue e, nessa busca desesperada do prazer,
desconhece a possibilidade de “saborear” até o final uma
única vivência porque sempre está querendo “desfrutar”
uma outra. O resultado desta gula eneagramática é a
intemperança.
 
 
Uma mistura perigosa: gula e intemperança
 
Pelo fato de querer sentir, viver, fazer “de tudo um pouco”,
sem limites, sem escolher, sem ficar preso a nada e com a
pressa que caracteriza a gula, alguns Tipos 7 perdem a
capacidade de concluir coisas importantes, perdem a
capacidade de “amadurecer”, de viver certas situações até
o final porque “perderam a graça”. Deixam de ver a
profundidade de certos eventos e ignoram os limites. Todos
sabemos que, muitas vezes, comer de tudo, beliscar, pode
provocar graves problemas digestivos. Com nossas
experiências pode acontecer o mesmo. Alguns Tipos 7
terminam “enjoados” quando não se permitem a
possibilidade de controlar a “gula” e o “hedonismo”. A gula
e o hedonismo oferecem apenas uma visão parcial e
unilateral da existência. Isto equivale a dizer que os Tipos 7
não equilibrados se arriscam a viver num mundo ilusório. O
grande risco é achar que desta forma poderão ser mais
felizes. Do mesmo modo que os Tipos 4 só enxergam o
sofrimento que existe nas suas vidas e ficam presos a ele,
os Tipos 7 podem ficar presos à “gula”, rejeitando o
sofrimento e a dor que fazem parte da existência. Do
mesmo modo que os Tipos 4 precisam compreender o que é
“sofrimento consciente”, os Tipos 7 devem descobrir que
esse tipo de sofrimento pode também ser importante para
se atingir a verdadeira felicidade. No livro Kierkegaard’s,
Philosophy , (A filosofia de Kierkegaard), de John Douglas
Mullen, encontramos algo sobre isso. Acho que os Tipos 7
deveriam examinar com cuidado este comentário filosófico:
“Não é muito difícil observar por que a vida do hedonismo
diverso é insatisfatória (...) O tédio, seu inimigo final, é
inevitável (...) Uma vida dedicada à coleção de experiências
agradáveis ou ‘interessantes’ é uma vida vazia. Não é uma
vida do espírito, mas uma na qual o espírito some na
multidão de diversões. Ao pensar nisto, todos sabemos que
aqueles que estão em condições de desfrutar as doces
diversões da vida, não estão em melhor posição, de modo
algum, com respeito àqueles que não estão nessa situação.
Sabemos que aqueles que têm ficado entregues a uma vida
de auto-indulgência freqüentemente se vêem atormentados
pelo vazio, pela solidão, pelo ódio a si mesmos, pela
nostalgia, e, apesar disso, não estão dispostos a mudar.
Mas, ainda que saibamos tudo isto, seríamos incapazes de
renunciar, de deixar passar a oportunidade de viver uma
vida assim. Por quê? Porque ficamos convictos de que
seríamos judiciosos no uso do prazer. Praticaríamos a
moderação (...) Uma vida de diversões superficiais tem
grande atrativo, tal como um tabuleiro de doces para uma
criança. Neste último caso, sabemos que é porque a criança
não é séria com respeito a seus hábitos de alimentação. O
mesmo ocorre conosco (...) Ficar entregue à indulgência é
dizer: ‘Tudo o que eu sou é um potencial para o prazer.
Quanto mais prazer exista, maior eu sou.’ Com certeza,
ninguém pode levar isto a sério, e é por essa razão que uma
vida assim está alicerçada no auto-engano.”
Poderíamos dizer que os Tipos 7 podem beber do vinho da
vida sem medida e terminar tão bêbados que a alegria
inicial pode se transformar numa ressaca daquelas! Deve-se
beber do vinho da existência com moderação. Passar dos
limites e correr muitos riscos é ficar aberto aos “acidentes”
que bêbados costumam sofrer com freqüência.
A aluna já citada reconhece sua “gula” em relação às suas
atividades e os problemas: “Procuro trabalhar muito, até
mesmo me sobrecarregando. Pela ‘gula’, julgo ser capaz de
realizar tarefas além das minhas forças. O ‘fazer’ excessivo
leva-me muitas vezes a uma situação de conflito, fico
muitas vezes sem discernir o que realmente é o mais
importante no momento. Isto tem relação com uma
dificuldade de priorizar os assuntos, as realizações, enfim os
afazeres (...) Tenho pressa, porque necessito desempenhar
muitos papéis e muitas funções (...) Tenho sempre o que
fazer, devido a muitos interesses. Por isso há sempre
afazeres pendentes, a nível concreto e abstrato. O tempo e
o espaço são problemáticos para mim. A questão dos limites
é difícil; quando me dedico a algo, esqueço assuntos
também relevantes.”
Alguns Tipos 7 percebem os riscos da gula e da
intemperança bastante cedo, o que lhes permite
transformar-se em bons gourmets , ou seja, desfrutam o
melhor da vida e “bebem dos seus melhores vinhos” com a
moderação e o refinamento que lhes permitem obter
sucesso, prazer e alegria verdadeiras. Outros menos
conscientes são literalmente destruídos pela “gula” e a
intemperança que se manifestam em suas experiências
profissionais e/ou pessoais.
Os Tipos 7 deveriam refletir num velho ensinamento
hermético que recomenda a nós, seres humanos, sermos
conhecedores profundos da “Arte de Viver”. O Arcano Maior
da Temperança no Tarô de Aleister Crowley esconde
justamente esse antigo segredo que conseguimos conhecer
quando emoções e pensamentos estão em equilibrada
relação e descobrimos a preciosa Pedra Filosofal oculta no
nosso mundo interior. Tanto a gula quanto sua companheira
eneagramática, a “luxúria”, nos vencem porque, como diz o
ditado popular, “os olhos são maiores que o estômago”.
Então, veja como este seu Traço Principal se manifesta em
você e comece a observação de si que lhe trará a
possibilidade de alcançar as Virtudes da Temperança e do
Equilíbrio, nas quais se fundamentam sua verdadeira
liberdade e seu contentamento pleno.
 
 
A projeção para o futuro:
os riscos do “sonhar acordado”
 
Na vida dos Tipos 7, a imaginação joga um papel tão
importante quanto para os Tipos 5 e 6 do Eneagrama.
Porém ela se manifesta como um refúgio e/ou meio pelo
qual o mundo é idealizado. É enxergado como se tudo
estivesse ao seu favor sempre. Só que, como todos os
mundos imaginários, eles não resistem sempre aos
confrontos com a realidade. Novamente temos aqui o risco
de uma imaginação não controlada, de uma imaginação
que, em vez de ser uma aliada, ou seja, uma capacidade
disponível, se transforma em um meio pelo qual a realidade
não é enxergada como realmente é. A imaginação, para os
Tipos 7, é uma maneira de fugir da realidade para mundos
idealizados. Pelo menos, para este Tipo Eneagramático, a
imaginação não cria pesadelos, como acontece com os
Tipos 5 e 6. Peço para que você leia o que escrevi sobre
este fato no final dos comentários ao Tipo 6. O aluno já
citado anteriormente declara em relação a este respeito
que:
“Na infância, devido às imposições assustadoras da vida,
me refugiava na imaginação.”
 
E nossa aluna celebra: “A minha imaginação sempre
mostra o lado melhor dos acontecimentos”, mas reconhece:
“Planejar me dá grande prazer, executar nem sempre
consigo.”
A percepção do que nosso aluno chama de “imposições
assustadoras da vida” tem vários significados e diversos
níveis na vida deste Tipo Eneagramático. A maioria dos
Tipos 7 acha que a imaginação é um refúgio e um meio para
fazer planos de como atuar, de como realizar um projeto,
uma viagem, uma aventura. Isto os torna reconhecidamente
“sonhadores”. De alguma maneira, eles desejam ser felizes
a qualquer custo e, quando seus sonhos não se realizam, a
influência do Ponto 8 e o movimento ao Ponto 1 do
Eneagrama colaboram para deixá-los com muita raiva. Do
mesmo modo que uma criança quando não consegue os
brinquedos dos seus sonhos fica zangada e cheia de
considerações internas, os tipos 7 não aceitam facilmente o
fato de não verem realizados seus desejos. O planejar
atribuído a eles tem um certo ar de soberba. As coisas
devem acontecer como eles desejam, como eles
planejaram. Nossa aluna reconhece que nem sempre
“imaginar o lado melhor dos acontecimentos” é certo:
“Este otimismo é positivo em alguns fatos da minha vida e
profundamente negativo em outros, assim como a
inexistência do medo.”
Nos casos de Tipos 7 mais desequilibrados, esta atitude de
“sonhar acordados” sem considerar todos os aspectos de
uma determinada situação, desconhecendo os riscos, os
leva a uma total falta de autocontrole nos seus atos. Ficam
sem limites e “fora da realidade”. Conheço um Tipo 7 que,
com suas atitudes, quase acaba com o equilíbrio financeiro
de toda a família. Após pedir desesperadamente que alguns
seus parentes e amigos solucionassem os problemas dele,
este 7 voltou a cometer os mesmos erros mais uma vez.
Sua atitude é simples demais e desconsidera a “seriedade”
de seus atos: “Não adianta me julgar. Eu sei que o que fiz
está errado. E daí? Agora já não adianta pensar nisso.”
 
 
Iniciando o processo de mudanças positivas
observando os movimentos a favor e contra a seta do
7 ao 1
e do 7 ao 5
 
O movimento ao Ponto 1 do Eneagrama exige que os Tipos
7 alcancem o melhor de si mesmos. Quando positivo, este
movimento ajuda a que alcancem o máximo de satisfação
naquilo que fazem graças à certeza de estar bem-feito.
Também, tem a ver com a cobrança que muitos deles fazem
a si mesmos em relação ao que pretendem alcançar. Às
vezes implica um certo sentimento de culpa pelo fato de
não poder atingir esse ponto de “perfeição” que poderia
trazer a sonhada felicidade plena. Para alguns Tipos 7, “ir ao
1” é desistir de projetos ou de planos por acharem que
estão incompletos, que falta algo para sua execução. Isto
pode ser negativo em algumas ocasiões.
O estado de autocrítica é muito forte quando eles se
direcionam até o Ponto 1 do Eneagrama e está explícito, e
muito bem descrito, por um dos nossos mais jovens alunos
Tipo 7 no depoimento que, com certeza, servirá a todos os
que estão empenhados no autoconhecimento, já que
mostra esse instante especial no qual se descobrem as
“limitações” às quais se está sujeito e se percebe como é
difícil atingir uma verdadeira liberdade. No fundo, este
jovem aluno está iniciando o caminho do
autoconhecimento, e ele sabe que isso é o mais importante:
“Para quem estuda o Eneagrama, o fato de conhecer a
personalidade pode ser uma vantagem, já que podemos
indicar e perceber quando estamos agindo de forma
automática, ignorando nossas verdadeiras necessidades e
na maioria das vezes nos causando problemas.
Mas para mim também gera outras emoções: Raiva por eu
perceber minhas limitações, medo por achar que nunca
poderei superá-las e desespero porque começo a perceber
que nem meus pensamentos são realmente meus, e sim o
fruto de minha personalidade, ‘asas’ e ‘movimentos’; me
tornando um verdadeiro robô.
No meu caso específico, como sou 7, o primeiro
movimento que vai para o ‘1’ é muito forte e determinante
no processo.
Quando eu tenho um projeto ou uma meta, o que é fácil
devido à minha capacidade de planejamento, eu
‘naturalmente’ me detenho, achando que ainda não estou
preparado, ou que as coisas ainda não são perfeitas (...)
acabo adiando ou desistindo; como isto é uma constante
gera muita raiva por nunca considerar satisfatórias as
circunstâncias e por me sentir incapaz ou muitas vezes
julgar os outros incapazes.
Este movimento ao Ponto 1 é muito forte em mim, porém,
por conhecer isto, tenho conseguido ‘contrariar a máscara’,
tentando desempenhar a virtude do movimento ao 1, que é
a Serenidade.
Saber que mesmo as coisas não estando perfeitas podem
ser realizadas. Curiosamente, depois de cada etapa
‘vencida’ eu me sinto leve, como se tivesse vencido um
demônio interno, um fantasma, eu me sinto capaz (...)”
Acho desnecessário mais comentários a respeito,
concorda? Observe como se dá em você o movimento ao
Ponto 1 e leia o capítulo referente a essa “Máscara”
Eneagramática, para maior compreensão.
 
 
Observe quando o Movimento ao Ponto 1 aumenta
seu narcisismo
e excesso de autoconfiança
 
Um dos aspectos “negativos” do movimento ao Ponto 1, se
dá quando você se considera “o melhor” de todos. Nessa
atitude, você não somente julga os outros como inferiores,
como acredita piamente que é “superior” a todos. Esta
atitude pode provocar uma natural rejeição por parte dos
seus amigos, colegas e parentes, os quais sentirão
desagrado e/ou tristeza perante essa sua incapacidade de
ficar num mesmo nível. Quando os Tipos 7 se fixam na idéia
de se sentir “superiores” e “melhores”, achando que são os
únicos a entender as coisas, tendem a desprezar os que
estão perto deles sem conseguir apreciar as suas virtudes e
capacidades, valorizando apenas seus erros e fraquezas.
 
 
A necessidade de sentir-se “livre” e seus aspectos
positivos e negativos
 
Em relação ao movimento para o Ponto 5 do Eneagrama,
muitos Tipos 7 encontram nele um positivo reforço à idéia
de serem “livres”. Quando negativo, implica uma espécie de
afastamento das pessoas e/ou idéias que signifiquem
“compromisso” ou que pareçam implicar uma perda de
liberdade. Também confirma a idéia narcisística de que só
eles sabem como conseguir determinadas coisas, o que lhes
impede de “ficarem abertos” aos dados do mundo externo,
que poderiam beneficiá-los. A aluna citada diz a respeito:
“Gosto da solidão, ficar só para realizar as coisas das quais
gosto. Enfim, creio que me é mais interessante comunicar-
me do que relacionar-me.”
Também fica muito claro o movimento ao 5 quando Tipos 7
declaram como Hilária:
“Relação só admito com pessoas com as quais me
sintonizo a nível espiritual e intelectual.”
É importante notar que ela mesma admite no início do seu
trabalho que: “Quando iniciei o estudo do Eneagrama, ainda
bem no início, pensei ser o ego número 5”, o que muitos
Tipos 7 também reconhecem como algo interessante
quando iniciam a análise e observação de si mesmos.
De positivo do movimento contra a seta ao Ponto 5, os
Tipos 7 devem aprender a interiorizar-se. Este interiorizar-se
nada tem a ver com isolar-se ou ficar sozinho ou afastado
dos demais. Tem a ver só consigo mesmo. Mediante a
interiorização ou da atitude reflexiva que o filósofo espanhol
José Ortega y Gasset chamava de ensimismamento , os
Tipos 7 podem conseguir “DESIDENTIFICAR-SE” das
múltiplas escolhas que o atraem e não o deixam “fixar-se”
no que é mais importante em determinados momentos.
Desta maneira, podem conseguir ser mais seletivos, podem
vencer a tendência à evasão mental, controlando os “pulos
de macaco” com os quais seu Centro Intelectual vai de um a
outro assunto, sem conseguir concentrar-se com firmeza
naquelas questões mais importantes. Veja as características
do Tipo 5 no capítulo correspondente e aprimore a
observação de si mesmo.
 
 
Seus parceiros 6 e 8 (pegue só o melhor deles!)
 
A análise detida destes seus parceiros eneagramáticos lhe
será de grande proveito. Do Ponto 6, deve cultivar a virtude
da Coragem, especialmente no que diz respeito a assumir
compromissos até o fim e a não abandonar seus projetos
pela metade. Do Ponto 8, deve aproveitar a firmeza com
que esses Tipos decidem realizar seus planos, dispostos a
passar por todos os obstáculos. Do Ponto 6, evite o medo
que paralisa seus planos e do 8, a incapacidade de ficar
contente querendo sempre mais e mais. Observe como as
Virtudes do Equilíbrio e da Temperança estão relacionadas à
descoberta do que são as virtudes dos seus parceiros
eneagramáticos: Alcançar a Fé (Virtude do Ponto 6 do
Eneagrama) lhe permitirá ir a fundo em seus projetos, e
deixar de sentir-se inseguro em relação às suas escolhas.
Por sua vez, o controle da Luxúria por meio do
Contentamento que Tipos 8 atingem após compreender que
a maior conquista e o maior poder só existem no fundo de
nós mesmos, lhe permitirá desfrutar mais plenamente das
coisas, sem essa sensação de vazio que tanto perturba a
Tipos 7. No fundo, trata-se de descobrir que podemos ter
tudo e perder de vista o Ser, ou que podemos ter o justo
sem deixar de senti-lo presente nas nossas vidas.
 
 
Controlando o sentimento de “inferioridade”
 
Do Ponto 6, deve-se evitar o sentimento de insegurança
em relação a si mesmo. Alguns Tipos 7 tendem a sentir-se
“inferiores” quando acham que não estão conseguindo o
que desejam e se comparam aos que aparentemente são
bem-sucedidos. A partir desse instante, passam a imaginar
que suas vidas não estão certas, que são um fracasso e que
talvez não consigam o que almejam. Num dos nossos
workshops , um jovem Tipo 7 nos revelou que ele sempre
imaginara que seria incapaz de conseguir qualquer coisa na
sua vida. Com forte influência negativa do Ponto 6, que lhe
provocava uma baixa auto-estima, imaginava que nele o
seu Traço Principal não tinha a menor chance de ser
superado, o que o fazia sentir-se irresponsável e
desorientado. Quando observou, nas dinâmicas de grupo,
que esta “idéia” de “inferioridade” tinha sido vivida por
outros Tipos 7 que agora eram pessoas bem-sucedidas e
felizes, compreendeu que ele tinha as mesmas
possibilidades o que o fez recuperar sua autoconfiança.
 
 
Os problemas com hierarquias e autoridades
 
Atente para a colocação de um dos nossos alunos do Tipo
7 já citados aqui, e observe qual seria sua atitude em
relação ao mesmo assunto:
“Em mais de 30 anos de serviço nunca fui chefe e, nas
poucas vezes que substituí o chefe, não fugia da
responsabilidade, mas ficava muito feliz quando o expe‐
diente se encerrava e levava meu serviço sem problemas
(...)”
Observe de que modo os Pontos 6 e 8 interferem,
aumentam ou diminuem suas “idéias”, temores e
preconceitos em relação às palavras “autoridade(s)” e
“hierarquia(s)”. Veja como estes conceitos o afetam e/ou
como as situações relacionadas com eles lhe provocam
tensão, medo, frustração, raiva, e/ou rejeição. Por exemplo,
observe quando rejeita posições de comando ou chefia nas
organizações e/ou empresas nas quais trabalha. Veja como
as relaciona com as idéias de “liberdade” e
“responsabilidade” e procure refletir nas suas reações e
preconceitos relativos a elas. Aprenda a crescer com esta
observação no dia a dia.
 
 
Controlando a agressividade e a luxúria
 
Tipos 7 devem perceber quando se tornam agressivos
demais, ou seja, quando a influência negativa do Ponto 8 se
faz presente com a força de um “rolo compressor”. Isso
acontece com mais intensidade, quando os Tipos 7 sentem
que as pessoas poderiam estar contra seus planos e desejos
pessoais e/ou quando debocham, menosprezam e
minimizam a importância e as conseqüências dos fatos e
situações que desejam controlar ou provocar, reafirmando
suas capacidades e mostrando-se “fortes” e “decididos”
além da conta. Veja os riscos dessa atitude.
Também observe como “gula” e “luxúria” se
complementam não deixando que você se sinta satisfeito
com o que tem no momento e fazendo com que perca a
capacidade de “curtir” a vida como ela é.
 
 
Conquistando a virtude do equilíbrio
 
Já tratei desta virtude quando me referia aos riscos da
“gula” e da “intemperança”.
O Equilíbrio que Tipos 7 devem conquistar está atrelado ao
conceito de “Discernimento”, ou seja: permitir-se a escolha
certa, reflexiva e consciente de tudo e qualquer coisa. No
Equilíbrio está implícita a idéia de “saber pesar”, de saber
qual o “fiel da balança”, quais os “limites”. Aqui a palavra
limite não deve ser atrelada à idéia de perda da liberdade e
sim à idéia de “temperança”. No caso de Tipos 7, a virtude
do Equilíbrio tem a ver com as de temperança e sobriedade.
É interessante notar que a palavra “equilíbrio” tem
também uma relação estreita com as palavras “harmonia” e
“igualdade”. Também é interessante refletir que “equilíbrio”
se define algumas vezes como “capacidade de agüentar
uma situação difícil”. Portanto, não fuja das situações
difíceis e dolorosas, não as ignore. Elas fazem parte da
existência. Tente observar como a procura de prazer sem
medida o afasta da possibilidade de ir fundo em seus
relacionamentos e responsabilidades. Não exagere sua
importância. Fundamentalmente, o equilíbrio se perde
quando você “perde o controle” de si mesmo e das suas
escolhas e decisões. Todos estes “conselhos” apontam ao
mesmo ponto: nunca exceder-se. O excesso está
relacionado com a tendência à luxúria do Ponto 8 e guarda
relação com a atitude agressiva que caracteriza este seu
“companheiro” eneagramático, que tanta influência exerce
em Tipos 7. O segredo do equilíbrio está nessa frase bíblica
que diz: “Tudo está permitido ao homem embaixo do sol,
mas nem tudo lhe é conveniente.”
O desequilíbrio dos Tipos 7 se dá quando estes exageram
na “consideração interna” e em suas fantasias, quando as
doses de prazer almejadas são mentalmente exageradas,
gerando-se então um círculo vicioso semelhante ao que a
psicologia moderna chama de Círculo da Insatisfação,
Frustração e Desmoralização, ou Círculo IFD. A procura do
máximo de prazer oferecido por todos os estimulantes
externos (situações, vivências, projetos, opções variadas,
etc.) é IDEALIZADA , o que gera uma fuga ao reino da fantasia e
dos sonhos, com o qual todo o provável prazer futuro que
virá como produto dessas experiências, é inflacionado. As
expectativas aumentam ilimitadamente junto com as
possibilidades de achar insatisfatórios os resultados e/ou
frutos dessas experiências. Então, quando o “contato” com
a realidade demonstra que o fruto dessas experiências não
era tão “maravilhoso” assim, sobrevém a FRUSTRAÇÃO . Esta
provoca, às vezes, a sensação de que talvez faltou algo e
gera um processo de DESMORALIZAÇÃO , de abatimento da
moral e de desapontamento/decepção, ou, o que eu acho
mais adequado neste caso, gera um processo de desilusão
no sentido de que a fantasia e o sonho não se realizam,
porque no fundo só podiam existir fora da realidade.
 
 
Relacionando liberdade e responsabilidade
com o autoconhecimento
 
Os Tipos 7 sempre reclamam para si a liberdade e a
amam. “Eu sou livre” é uma de suas frases prediletas.
Quando se trata de sujeitos equilibrados, este senso de
liberdade é positivo. Eles produzem ao seu redor uma
atmosfera aberta, na qual tudo pode ser expresso e tudo faz
parte da harmonia que atribuem a uma existência sem
cercas nem obstáculos de nenhuma espécie. Para eles, a
vida é um maravilhoso presente e, como expressão de
agradecimento, permitem que tudo se manifeste
plenamente e se surpreendem sempre com tudo o que de
positivo ela oferece. Sentem que a vida é inesgotável e “dá
para todos” sem achar que correm o risco de perder sua
parte dessa dádiva preciosa que é a existência. Por esta
razão, são entusiastas e muito falantes, cheios de idéias e
soluções “criativas” para tudo. As pessoas se sentem
atraídas por esse jeito “generalista” que eles passam.
Sabem tudo, conhecem tudo. Praticam tudo. O conceito de
liberdade para eles está atrelado tanto ao fato de ter muitas
opções e muitas atividades sempre, quanto à idéia de não
ter “rótulos” nem limites. Vejamos como nossa aluna nos
explica isto:
“Tenho muitas atividades, estudo vários assuntos,
buscando sempre o novo. Não gosto de compromissos
porque podem atrapalhar as minhas opções em algum
momento. Quero ser livre. Gosto de solidão, ficar só para
realizar as coisas das quais gosto. Enfim, creio que me é
mais interessante comunicar-me do que realmente
relacionar-me. Relação só admito com pessoas com as quais
me sintonizo, a nível espiritual e intelectual. Não aceito com
facilidade a rotina. (...) Tenho pressa, porque necessito
desempenhar muitos papéis e muitas funções (...) A questão
dos limites é difícil, quando me dedico a algo, esqueço
assuntos também relevantes. Não gosto de combinar nada
com antecedência, só próximo à realização decido o que
fazer (...) Não admito que me rotulem, por exemplo, quanto
a ser religiosa ou mística, ou racional ou emocional porque
creio ser um pouco de tudo (...)”
Porém quando se trata de Tipos 7 menos equilibrados, este
“amor pela liberdade” pode ficar “torto” e até perigoso.
Como já mencionei anteriormente, pode provocar muitos
problemas e, o que é mais grave, uma séria distorção da
relação existente entre responsabilidade e liberdade. Como
lembra a raposa ao principezinho no conto de Saint-Exupéry
somos responsáveis pelo que cativamos o que Tipos 7
tendem a esquecer quando centrados demais em si
mesmos. O narcisismo joga um papel importante nesta
distorção do significado da própria liberdade. A liberdade é
válida somente para eles, não para os outros. Parece não
implicar responsabilidades. Com a mesma facilidade com
que as pessoas, situações, experiências e coisas são
desfrutadas, podem ser deixadas ou abandonadas. O
desfrutar da liberdade é um direito só deles. Existe aqui um
sutil movimento negativo ao Ponto 5 do Eneagrama: a
liberdade só é válida para mim e seu gozo e benefícios
serão só meus; os outros apenas serão “utilizados” para eu
atingir meus propósitos. Por esta razão, alguns Tipos 7 se
tornam odiados pelos que cativaram porque, é claro, o
fizeram apenas com o objetivo de obter o melhor para eles
e só para eles. Alguns se tornam espertos na arte de fugir
de qualquer situação ou relacionamento que os tenha
entediado ou nos quais já não tenham mais interesse.
Ao mesmo tempo e devido a ficarem objetivando apenas
seu próprio benefício, os Tipos 7 passam, paradoxalmente, a
serem escravos das exterioridades que procuram sem
discernimento e sem limites, na ânsia de sentirem-se
capazes de fazer tudo e viver tudo. A capacidade de
discernir, ou seja, enxergar o que é mais útil ou o que é
menos útil, o que é mais conveniente e o que é menos
conveniente, etc. se perde. A liberdade, então, também se
perde. Este é o momento mais paradoxal na vida de Tipos 7
desequilibrados.
Os excessos, então, tomam conta dos Tipos 7 quando
estes decidem que ninguém nem nada pode estar entre
eles e os objetos de seus planos, desejos, e vontades.
Quando isto acontece, relacionamentos são um estorvo, o
trabalho é abandonado, o matrimônio e os filhos parecem
um empecilho. No fundo, se tornam odiosamente
egocêntricos e passam a não enxergar as necessidades
alheias.
Acontece, então, o risco de achar que as pessoas, os
trabalhos, o casamento e outros relacionamentos, assim
como os deveres que o viver em sociedade impõe sejam
tidos como “prisões”. Burlam a autoridade, não respeitam
as convenções, se tornam “rebeldes sem causa”, e
anarquizam os ambientes nos quais atuam, passando por
cima de normas e regulamentos.Estas atitudes não só lhes
pode provocar graves problemas pessoais, como também
causar grandes prejuízos à(s) pessoa(s) com eles
relacionadas profissional ou familiarmente.
No começo deste capítulo, citei ensinamentos de Gurdjieff
sobre questões relacionadas com este Tipo Eneagramático e
seu Traço Principal. Em especial sobre os conceitos de
liberdade e os erros de uma auto-imagem inflacionada.
Gostaria que você voltasse a ler essas citações agora.
Talvez seja necessário aprender que a renúncia à nossa
limitada vontade (às vezes inexistente, porque chamamos
de “minha vontade” apenas os nossos desejos mais fortes),
seja o caminho para conhecer a verdadeira Vontade. Talvez
isso signifique renunciar ao que habitualmente chamamos
de nossas liberdades, para conhecer a Verdade que nos fará
realmente livres. Talvez seja esse o segredo para “perdendo
a vida, ganhar a Vida”, segundo alguns textos sagrados. O
anseio que muitos Tipos 7 declaram sentir pelo
conhecimento de si mesmos, quando acabam de discernir
os “limites” e “perigos” que a pseudo-liberdade e a pseudo-
vontade escondem, só poderá ser satisfeito quando eles
olhem além de seus espelhos narcisistas e decidam dar o
“grande pulo” em direção à fonte na qual a Gula e o
Desequilíbrio desaparecerão para sempre: o Ser. Isso requer
um ato Corajoso (Ponto 6) e, ao mesmo tempo, implica a
decisão de confiar e percorrer o mundo interior com
segurança e confiança absolutas (Ponto 8) nos sinais fiéis e
mapas fidedignos que nos deixaram aqueles que
conheceram a Liberdade Total do Ser. Como sei que muitos
Tipos 7 desejam iniciar o caminho do autoconhecimento (ou
estão trilhando algum para consegui-lo), e ao mesmo tempo
duvidam quando chega o momento de decidir seguir um
caminho objetivo e não fantasioso que conduza até o Ser
(ou estão duvidando do seu “caminho” atualmente), vou
concluir esta parte solicitando a você que reflita nestes
conselhos que Gurdjieff deixou não somente para Tipos 7,
mas também para todos os que procuram níveis superiores
de consciência:
“A renúncia às suas próprias decisões, a submissão à
vontade de outro, podem apresentar dificuldades
insuperáveis para um homem, se não conseguiu dar-se
conta previamente de que assim não sacrifica nem modifica
realmente nada em sua vida, uma vez que, durante toda a
sua vida, esteve sujeito a alguma vontade estranha e nunca
tomou, verdadeiramente, nenhuma decisão por si mesmo.
Mas o homem não é consciente disso. Considera que tem o
direito de escolher livremente. E é duro para ele renunciar a
essa ilusão de que ele próprio dirige e organiza sua vida. No
entanto, não existe trabalho possível sobre si, enquanto as
pessoas não se tiverem libertado dessa ilusão.
O homem deve dar-se conta de que não existe; deve dar-
se conta de que nada pode perder, porque nada tem a
perder; deve dar-se conta de sua nulidade no sentido amplo
do termo.
Esse conhecimento de sua própria nulidade, e somente
ele, pode acabar com o medo de submeter-se à vontade de
outro. Por mais estranho que possa parecer, esse medo é,
de fato, um dos maiores obstáculos que um homem
encontra no seu caminho. O homem tem medo de que o
façam fazer coisas contrárias a seus princípios, a suas
concepções, a suas idéias. Além disso, esse medo produz
imediatamente nele a ilusão de que realmente tem
princípios, concepções e convicções que, na realidade,
nunca teve e seria incapaz de ter (...)
Freqüentemente o medo de submeter-se à vontade de
outro é tal, que nada pode superá-lo.
O homem não compreende que a subordinação à vontade
de outro ...é o único caminho que pode conduzi-lo à
aquisição de uma vontade própria.”
Palavras Finais
- O Eneagrama positivo e a possível evolução humana

O Eneagrama positivo
e a possível evolução humana
A importância da observação
e da lembrança de si
 
 
Gurdjieff ensinava que a evolução do ser humano podia
ser compreendida como “o desenvolvimento nele de
faculdades e poderes que nunca se desenvolvem por si
mesmos ”. Ensinava que essas faculdades e poderes
podiam ser desenvolvidos somente por meio de um
constante trabalho sobre nós mesmos, fundamentado em
três processos aparentemente simples, porém, difíceis de
praticar: A “Observação e Lembrança” de nós mesmos e a
prática da “Desidentificação (Não identificação) e da
Consideração externa”.
É fácil perceber que podemos realizar um processo de
auto-observação, porém não é fácil lembrar dessa
necessidade sempre e deliberadamente. Você pode
observar seu corpo ou Centro Físico? Claro que pode. E
graças a essa observação você até fica em condições de
dar-se conta, por exemplo, de que precisa perder alguns
quilos, ou que está necessitando comer um pouco mais, ou
que talvez seja necessário começar a praticar alguns
exercícios porque está “perdendo a forma”; você pode
cuidar dele esteticamente e assim por diante. Você pode
observar seu Centro Físico, também, com a ajuda de
especialistas, médicos e terapeutas corporais, que usarão
conhecimentos, técnicas e tecnologias avançadas para
detectar alguma doença, fazer um check-up geral. Tudo isto
para garantir sua saúde, ou para prevenir certas doenças,
ou para corrigir diversos problemas físicos, dos quais não
menos de 50% afetam sua vida emocional e/ou intelectual,
segundo importantes estudos e pesquisas. Enfim, você pode
observar seu Centro Físico. Porém você poderia esquecer
aquilo que for observado, ou esquecer a importância de
uma “observação” constante. Por exemplo: você “sabe” que
deve ir ao dentista, mas você pode adiar essa decisão até
que a dor ou o problema ultrapassem certos limites
toleráveis. Você não decide ir ao dentista, sua dor “decide”
quando você esquece. Se você esquece o observado, então,
não vai ao dentista, não inicia sua dieta, não se lembra de
praticar seus exercícios corporais e /ou de fazer exames
médicos periódicos e necessários. A lembrança é
necessária. Você pode também observar seu Centro
Emocional, certo? Às vezes você diz: “eu não gostaria de ser
tão sentimental”, ou, “acho que fui muito duro com meu
filho”, ou, “gostaria de ser menos agressivo”. Às vezes, você
percebe que está atuando emocionalmente de um modo
inadequado, acha que não consegue conter certas reações
emocionais “desagradáveis”, enfim, você acha que deveria
fazer algumas mudanças “emocionais” e que isso seria
muito bom. Especialistas de áreas alternativas, psicólogos,
analistas, orientadores, psicoterapeutas e outros
profissionais, podem ajudá-lo nessas observações relativas
ao seu “Centro Emocional”. Práticas de autocontrole e auto-
ajuda também são valiosas. Porém, pelo fato de não se
lembrar de si mesmo, você “esquece” de praticar o que
esses especialistas e métodos lhe indicam e você volta a ter
todas essas reações “emocionais” desagradáveis não
conseguindo modificá-las. Emoções ruins que perturbam
você ou seus seres queridos, amigos ou colegas, são difíceis
de conquistar. Nós nos damos conta de que é necessário
mudar, porém, não lembramos disso no momento certo.
Finalmente, você pode, às vezes, observar seu Centro
Intelectual, seus “estados mentais”, seus pensamentos,
certo? Às vezes você diz: “eu não gostaria de pensar essas
coisas”, ou, “por que imagino tantas besteiras?”, ou diz,
“gostaria de ter um pensamento mais positivo”, “mudar
alguns modos de pensar seria bom para mim”, “gostaria de
controlar minha mente” e assim por diante. Novamente
existem apoios externos que podem lhe ajudar nessa
procura do domínio mental: métodos diversos de controle
mental, técnicas de desenvolvimento das suas faculdades
de concentração, memória, imaginação criativa, meditação,
etc. Mas você volta a pensar negativamente, volta a ser
controlado por sua imaginação. Você esquece que pode
modificar o que tinha observado, por si mesmo, ou com a
ajuda dos profissionais e técnicas adequadas.
Tanto esquecer observar quanto esquecer o que essas
observações feitas no Centro Físico, Emocional e Mental
implicam em termos de mudanças ou cuidados, levam a um
forte esquecimento de si mesmo, e sabemos que o
esquecimento de si mesmo é um dos fatores
eneagramáticos nucleares, correspondente ao Ponto 9 do
triângulo eqüilátero, o qual se relaciona justamente com o
Centro Físico ou Centro do Movimento, que é o único Centro
capaz de estar sempre “presente” e é somente no presente
que tudo aquilo que você quer e poderia modificar está
acontecendo. Mas você não lembra de si mesmo, e lembrar-
se de si mesmo tem a ver com o desenvolvimento dos seus
Centros Intelectual e Emocional.
Você só pode lembrar aquilo que compreende e ama.
Aquilo que você não compreende, você esquece, ou se
torna um conhecimento morto, sem efeitos na sua vida.
Aquilo que você não ama não tem importância real para
você, passa sem deixar rastro, é fácil de esquecer. A maioria
das pessoas “entende” que deve realizar mudanças em si
mesmas, mas poucas o “compreendem”. Vou dar um
exemplo do que estou afirmando: um indivíduo fuma há
muito tempo e ele começa um dia a observar que isso lhe
faz mal. Porém esquece e continua fumando. Um dia lê um
artigo sobre os perigos do fumo. Ele concorda com os dados
que nesse artigo aparecem. Mas continua fumando. Ele é
uma pessoa inteligente, mas não consegue compreender
que “o cigarro é prejudicial a saúde”, apesar de essa frase
aparecer em cada maço de cigarros que ele compra. Ele
mente a si mesmo (Ponto Nuclear 3 do Eneagrama) e diz
que nada vai acontecer, que isso são bobagens, e se
“identifica” com o cigarro dizendo coisas como: “o cigarro
me acalma”, “com o cigarro consigo pensar melhor”, “nada
como um cigarro para eliminar a tensão”, “fumar é
charmoso”, etc., ou seja, ele se auto-engana, atribuindo ao
cigarro “virtudes” que não possui. Ele, na verdade, entende,
mas não compreende, porque esquece o valor de seu corpo
e não se ama. Seu intelecto sabe, mas ele não consegue
realizar o que de vez em quando lembra, ou seja, “acho que
deveria parar de fumar”. Somente a “compreensão” poderá
modificar esse quadro, ou um repentino “choque” na sua
saúde, talvez o início de um câncer pulmonar. Então ele não
conseguirá “esquecer” que deve mudar, ele valorizará seu
corpo, ele se arrependerá de não ter conseguido “amar a si
mesmo”. Porém, às vezes, é tarde demais para modificar os
resultados de seus esquecimentos. Compreender é o
processo que provoca as mudanças reais que fazem com
que o observado seja lembrado. Compreender não nos
permite mentir nem para nós mesmos nem para os outros.
Compreender é ter atingido a lembrança de si mesmo, a
consideração do que realmente acontece e não do que
“achamos” ou “imaginamos” ou “supomos” (Ponto Nuclear
6 no Eneagrama).
Só é possível mudar e evoluir, quando aprendemos e
compreendemos o valor da observação e lembrança de nós
mesmos e quando aumenta nossa capacidade de
“considerar externamente sempre, internamente nunca”.
Sem lembrança não existe observação e sem observação
não existem possibilidades de lembrança. Porém, para
observar “corretamente”, é necessário cultivar a
“consideração externa”, ou seja, ver as coisas sem
preconceitos, sem medos, sem prejulgamentos, sem
acomodá-las aos nossos “modos de ver as coisas”, sem
julgá-las apressadamente.
Quando conseguir “isolar” seu Traço Eneagramático
Principal, você terá que “observar” como ele se manifesta
na sua existência. Deverá se lembrar de fazer isto todas as
vezes que for possível, deverá constatar como esse Traço
Principal o leva a “considerar” pessoas e eventos
“internamente”, ou seja, os modos como você julga,
prejulga, decide, reage, enfim, se manifestam
automaticamente em função desse seu Traço Principal. Se
você descobre que é um Tipo 9, você percebe que esquece
suas próprias necessidades, que não é capaz de fixar prazos
e datas para realizar seus planos, que você “adormece”. Se
você descobre que é um Tipo 8, verá como sua
“consideração interna” o leva a criar inimigos que não
existem, a supor que as pessoas podem querer “atacá-lo”
sempre, que sua agressividade é a forma como se “esquece
de si mesmo”. Cada Tipo Eneagramático tem sua maneira
de “esquecer”, “considerar” e de se “identificar”
negativamente.
Quando sua capacidade de “observação” e “lembrança de
si” aumentem, você conseguirá alcançar a capacidade de
“considerar externamente”, ou seja, poderá ver as coisas,
as pessoas e as situações como elas são e não como você
imagina que são. Somente deste modo as mudanças
positivas vão acontecer.
Este não é um processo rápido, contudo é definitivo. É
necessário apenas lembrar-se sempre e em todo momento
de si mesmo e da sua relação com a existência. É deste
modo que conseguiremos vivenciar o Eneagrama Positivo
por meio do qual é possível a evolução a níveis de
consciência superiores.
A Lei Hermética de Polaridade explica o positivo que existe
por trás de cada Traço/ou Defeito Principal . Ela diz:
 
“Tudo é duplo; tudo tem seu par de opostos;
os semelhantes e os antagônicos são o mesmo;
os opostos são idênticos em natureza, mas diferentes em
grau;
os extremos se tocam,
todas as verdades são semiverdades;
todos os paradoxos podem se reconciliar.”
 
Aplicando esta Lei ao Eneagrama dos Traços Principais,
descobrimos que, para cada um desses aspectos negativos
que devemos “modificar” mediante a Observação, da
Lembrança de Si e da Consideração Externa, existe uma
virtude, um poder potencial que podemos desenvolver
mediante um trabalho deliberado e permanente de
autoconhecimento. Acerca destes poderes ou virtudes, o
leitor pode reler no final de cada análise das “máscaras
eneagramáticas” neste livro e refletir. Conservei o nome das
virtudes de acordo com as pesquisas de O. Ichazo e como
foram citadas na obra da Dra. Helen Palmer e outros
autores, o que ajudará a entender os seguintes e valiosos
ensinamentos de Gurdjieff. Todos sabemos que os Sete
Pecados Capitais são: A Indolência ou Preguiça, relacionada
com o Traço Principal dos Tipos 9, a Ira ou Raiva relacionada
com o Traço Principal dos Tipos 1; a Soberba, Orgulho ou
Vaidade, relacionada com o Traço Principal dos Tipos 2 e 3; a
Inveja, relacionada com o Traço Principal dos Tipos 4, a
Avareza, relacionada com o Traço Principal dos Tipos 5; a
Intemperança ou Gula, relacionada com o Traço Principal
dos Tipos 7; e a Luxúria, relacionada com o Traço Principal
dos Tipos 8. O Medo, relacionado com o Traço Principal dos
Tipos 6, seria o resultado “mental” de “culpabilidade” que
produzem a manifestação e os resultados dos Sete Pecados
Capitais. Cada Traço produz afastamento do Ser Verdadeiro,
e portanto, a “prática” de cada um deles provoca o “medo”
de perder o Ser, de ficar fora do “Superior”. Como diz o
apóstolo Paulo: “Porquanto todos pecamos e estamos
destituídos da glória de Deus.” Deus é o Ser Real e
recuperar sua “glória” tem a ver com a necessária vivência
do mandamento bíblico: “Ama a Deus acima de todas as
coisas e ao teu próximo como a ti mesmo.” Somente
quando amamos o Ser acima de todas as coisas, é que
podemos amar o Ser em nós mesmos e o Ser presente em
todos os nossos próximos e em toda a existência.
O resultado dessa possível nova atitude consciente será o
surgimento dos Poderes ou Virtudes:
A Reta Ação (9); a Serenidade ou Paciência (1); a
Humildade, Veracidade e Honestidade (2 e 3); a
Equanimidade (4); o Desapego (5); o Equilíbrio ou
Temperança (7) e o Contentamento ou Inocência (8).
Logicamente, quem consegue desenvolver esses poderes
ou virtudes não pode ter mais medo. O Ser pode ser sentido
no coração, e, a partir desse momento, será ele quem vai
atuar mediante a personalidade, promovendo a “Coragem”,
virtude atrelada ao Ponto 6 do Eneagrama e que significa
Agir desde e com o Coração, o qual é tido em todas as
Tradições Sagradas da humanidade como o Templo do Ser.
Estas virtudes estão relacionadas, então, com o Verdadeiro
Amor (Reta Ação, Serenidade e Inocência); com a
Verdadeira Esperança (Humildade, Veracidade e
Equanimidade) e com a verdadeira Fé (Desapego, Coragem
e Equilíbrio). Por acaso existem um Falso Amor, uma Falsa
Esperança e uma Falsa Fé?
Segundo Gurdjieff, sim. E todo o nosso trabalho interior
deve estar relacionado com a capacidade de distinguir entre
as expressões verdadeiras e falsas daquilo que no
Cristianismo é tido como as Virtudes Principais (Amor, Fé e
Esperança).
Para que você reflita sobre este assunto e faça as relações
correspondentes, transcrevo o que Gurdjieff diz sobre isso
nos Relatos de Belzebu a seu Neto , e também num dos já
citados Aforismos:
 
“A Fé (Ponto 6) da Consciência é Liberdade.
A fé do sentimento é fraqueza.
A fé do corpo é estupidez.
O Amor da Consciência (Ponto 9) provoca o mesmo em
resposta.
O amor do sentimento provoca o contrário.
O amor do corpo não depende senão do tipo e da
polaridade.
A Esperança (Ponto 3) da Consciência é Força.
A esperança do sentimento é servidão.
A esperança do corpo é doença.” (Gurdjieff, em Relatos de
Belzebu a seu neto)
“O Amor Consciente (9) provoca o mesmo em resposta.
O amor emocional provoca o contrário.
O amor físico depende do tipo e da polaridade.
A Fé Consciente (6) é liberdade.
A fé emocional é escravidão.
A fé mecânica é estupidez.
A Esperança (3) Inquebrantável é força.
A esperança mesclada de dúvida é covardia.
A esperança mesclada de temor é fraqueza.”
 
(Aforismos 34,35 e 36 de Gurdjieff como aparecem no livro
“Gurdjieff fala com seus alunos” .)
 
Lembrança de si mesmo
 
 
Gráfico das Virtudes e Poderes, pesquisados por Ichazo e outros, que se
escondem por trás de cada Traço ou Defeito Principal, destacando os três que
Gurdjieff ensinava como fundamentais: o Amor Consciente, relacionado com a
Lembrança de si mesmo, a Fé Consciente, relacionada com a Consideração
Externa, e a Esperança Consciente, relacionada com a Desidentificação. De
autoria de Khristian Paterhan-1997
 
Qualquer que seja seu Traço ou Defeito Principal, você
perceberá que todos os seus demais defeitos se ordenam
de acordo com ele, manifestando-se com maior ou menor
força em relação a ele. Ao mesmo tempo, isso significa que,
quando iniciamos o processo de autoconhecimento,
trabalhando acima do nosso particular Traço Principal, todos
os demais começam a ser superados, devido à dinâmica e à
inter-relação matemática existente no Eneagrama, presente
no movimento externo relacionado com a dízima periódica
0,142857142857.... e com o movimento no triângulo
eqüilátero 9,6,3,9,6,3, 9...
Lembre que todos os Tipos e Traços estão presentes em
você e que a seqüência e o movimento eneagramático
começam a partir da sua posição no Eneagrama,
relacionada com seu Traço ou Defeito Principal.
 
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Referências
Bibliográficas
Sobre as Leis ou Princípios Herméticos
 
PATERHAN, Khristian. Iniciação e autoconhecimento . São Paulo: Madras, 2004.
 
 
Sobre o Quarto Caminho e os Ensinamentos de Gurdjieff
 
Gurdjieff, G.I. Gurdjieff fala a seus alunos . São Paulo: Pensamento, 1993.
____. Relatos de Belcebú a su nieto . Buenos Aires: Hachette, 1976.
____. La vida es real solo cuando “Yo Soy” . Málaga: Sirio, 1995.
Ouspensky, P. D. Fragmentos de um ensinamento desconhecido . São Paulo:
Pensamento, 1989.
____. El Cuarto Camino . Buenos Aires: Kier, 1987
Speeth, Kathleen Riordan. O trabalho de Gurdjieff . São Paulo: Cultrix, 1989.
 
 
Sobre o Eneagrama
 
Bennett, J.G. O Eneagrama . São Paulo: Pensamento, 1993.
Naranjo, Claudio. Os nove tipos de personalidade: u m estudo do caráter
humano por meio do Eneagrama. Rio de Janeiro: Objetiva, 1997.
Palmer, Helen. O Eneagrama: compreendendo a si mesmo e aos outros em sua
vida. São Paulo: Paulinas, 1993.
____. O Eneagrama no amor e no trabalho . São Paulo: Paulinas,
Riso, Don Richard. Tipos de personalidad: el Eneagrama para descubrirse a sí
mismo. Santiago: Cuatro Vientos, 1994.
____. Comprendiendo el Eneagrama . Santiago: Cuatro Vientos, 1994.
 
 
Sobre a Tipologia Junguiana
 
Jung, C arl Gustav. Psychological Types . Princenton: 1971, Princenton University
Press.
Teste simplificado de Eneagrama

 
 
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[1] As quais tive a oportunidade de aprender vivencialmente desde os 15 anos
de idade Entre elas a Filosofia Vedanta Advaita, uma das principais linhas
filosóficas da India, o Budismo, sistema psicofilosófico pelo qual Gurdjieff tinha
uma especial simpatia, e o Hermetismo, filosofia milenar de origem egípcia,
especialmente difundida na Europa durante a Idade Média e cujas origens estão
relacionadas com as lendas ancestrais de Thot-Hermes.
[2] J.G.Bennet foi um notável discípulo de Gurdjieff nos Estados Unidos.
Escreveu várias obras sobre o sistema filosófico conhecido como “Quarto
Caminho” e uma sobre o Eneagrama, publicada no Brasil pela Editora
Pensamento sob o título: O Eneagrama: um estudo pormenorizado do
Eneagrama usado por Gurdjieff .
[3] Inspirado nesses e outros dados e nos Relatos de Belzebu a seu neto de
Gurdjieff, escrevi uma obra de ficção que trata, dentre outras coisas, da
provável origem extra-terrestre do Eneagrama, que foi publicada sob o título
“Apocalipse 21: Uma Visão do Bem Que Está Por Vir” (Quartet Editora).
[4] Sobre o “7 Princípios Herméticos” consultar minha obra Iniciação e
Autoconhecimento: Um Guia para o seu Despertar Espiritual .
[5] Do livro Fragmentos de um ensinamento desconhecido , de Ouspensky.
[6] Verso que podemos traduzir mais ou menos assim: “Se para todas as coisas
existe fim e medida e última vez e esquecimento, quem nos poderá dizer de
quem nesta casa pela última vez nos despedimos?”
[7] O lendário “pai dos Sátiros” e “educador de Dioniso”, segundo nos ensina o
saudoso Prof. Junito Brandão no seu Dicionário mítico-etimológico (Edit. Vozes).
Sugiro a leitura do livro O nascimento da tragédia no qual F. Nietzsche comenta
esta lenda.
[8] Hoje a neurociência comprova o que Gurdjieff ensinava sobre o “sofrimento
tolo”: o cérebro se “vicia” (emotional adiction) em emoções negativas ou
positivas, agradáveis ou desagradáveis.

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