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ANTROPOLOGIA E

SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO
Prof. DR. TIAGO VALENCIANO PREVIATTO AMARAL
005 Aula 01: O Estudo das Ciências Sociais

013 Aula 02: Ambiente para a Formação da Sociologia: A


Revolução Industrial e a Revolução Francesa

022 Aula 03: Auguste Comte e os Primórdios da Sociologia

032 Aula 04: Émile Durkheim e o Fato Social

040 Aula 05: Max Weber e o Tipo Ideal

054 Aula 06: Karl Marx e o Materialismo Histórico

062 Aula 07: Os Clássicos Ainda Importam?

071 Aula 08: Sociologia de Pierre Bourdieu

081 Aula 09: A Sociologia no Século XX

089 Aula 10: A Nova Fase da Sociologia

096 Aula 11: O Processo de Socialização e o Multiculturalismo

105 Aula 12: Transformações Sociais Mundiais

114 Aula 13: A Globalização e Pós-modernidade

120 Aula 14: Desigualdade Social no Brasil e no Mundo

127 Aula 15: O Processo Doença-Saúde e os Fatores Sociais

134 Aula 16: Temas Atuais e Relevantes para a Sociologia

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Introdução
Caro(a) aluno(a), este livro didático da disciplina “Sociologia” tem por objetivo geral
fornecer subsídios para responder à seguinte questão: qual é o papel e a
importância de estudarmos a Sociologia em um curso superior?

Tal pergunta surge como uma espécie de guia que irá balizar os temas e
conteúdos aqui apresentados. Mais do que fazer uma defesa da relevância desses
conhecimentos, o livro pretende aguçar a sua consciência crítica, dialogando com
questões fundamentais para a compreensão do convívio do homem em
sociedade e na sociedade, além das interfaces assumidas pelo sujeito em relação
à cultura e ao comportamento em nosso meio social.

Imagine que em uma rua, ao ser visualizada pela televisão, existem várias pessoas
caminhando. Ao observarmos atentamente, cada uma tem uma expressão facial
diferente: algumas estão serenas, outras preocupadas, outras sorrindo. Os
pensamentos também são os mais diversos: o retorno do trabalho para casa, a
ida até a universidade, o cuidado com os lhos quando chegar em casa e o
encontro marcado com seu amor.

Observe que os indivíduos possuem suas particularidades e peculiaridades.


Quando essas características individuais são confrontadas com ideias distintas
(que não são as nossas), normalmente há um embate de argumentos. É assim
que começa a disputa pelas posições sociais existentes em nossa sociedade.

Neste exercício de visualização das disputas em sociedade, é possível re etir


como cada indivíduo possui um papel diferente, uma importância distinta em
nossa sociedade. Deve-se atentar também para o fato de que esse universo social
exige que esses papéis sejam cumpridos. Dessa forma, na falta daquele que
exerce determinada função social, essa cará desprovida.

Além das disputas individuais em sociedade, os embates pela aceitação da


sociedade de cada indivíduo também são intensos. A partir dessa “disputa” entre
a visão do homem e seu comportamento em sociedade é que surgiu uma das
áreas de conhecimento que serão exploradas neste livro: a Sociologia.

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As aulas a seguir contemplarão uma viagem pela Sociologia e sua história. Os
chamados “autores clássicos” terão suas ideias apresentadas e analisadas, como
Auguste Comte, Émile Durkheim, Max Weber e Karl Marx. O balanço dessa
miscelânea de propostas é a viagem pela Sociologia, passando pela barreira da
modernidade e atingindo a pós-modernidade.

Adiante, vamos discutir se os clássicos da Sociologia ainda têm peso na


atualidade, além de abordar um interessante autor, que é quase uma
unanimidade na pauta dos assuntos da Sociologia e da Educação: Pierre
Bourdieu. Um enfoque ainda será inserido em relação às questões da transição
da Sociologia entre os séculos XIX e XX, vez que muitos alunos (as) imaginam que
a disciplina terminou com os autores chamados “clássicos”.

Por m, as aulas nais tratarãosobre a importância da crítica no universo do


conhecimento, que perpassa, sob nosso olhar, a intervenção causada pela
globalização e pela modernidade. Essa crítica é papel fundamental da Sociologia,
que auxilia no conhecimento de nossa sociedade e das interações sociais
estabelecidas, o que poderá determinar a presença do homem em/na sociedade
da maneira que visualizamos na atualidade. Além disso, questões relacionadas à
saúde e à Sociologia na atualidade determinam a nalidade do livro.

Nossa trajetória procura, neste sentido, demonstrar que a Sociologia é uma área
que dialoga com diversos ambientes pro ssionais e, principalmente, que a
disciplina não é um espaço vago de conhecimento humano: a nal, todos nós
vivemos em uma sociedade, nos relacionando diariamente com seres humanos.
Nada melhor do que esta disciplina para demonstrar como é complexa a
manutenção das relações sociais.

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01

O Estudo das Ciências


Sociais
Se utilizarmos a tática de separar o nome “Ciências Sociais”, teremos um
paradoxo na construção desse conceito. A ciência é uma forma de organizar
sistematicamente o conhecimento adquirido, ou seja, de dispor algo que
aprendemos ordenadamente para que esse “novo” conhecimento possa ser
facilmente entendido. É também uma forma de pensar e agir, isto é, algo que
pensamos e fazemos de determinada maneira.

Essa forma de analisar o que é a ciência também nos faz compreender o que ela
aponta. Em geral, a palavra “ciência” tem relação com a pesquisa e com a
descoberta de novos conhecimentos, que serão posteriormente utilizados em
nosso cotidiano. Qual é, porém, a necessidade de haver uma Ciência Social, um
conhecimento da sociedade e sobre ela? É justamente neste ponto que o
paradoxo citado acontece.

A sociedade é um grande corpo em movimento. Tal qual uma máquina em que


cada peça é responsável por efetuar determinada função, ela possui seus vícios
e virtudes, suas vantagens e desvantagens, que estão presentes invariavelmente
em qualquer uma das áreas. Se, por um lado, uma área pode ser muito
especializada em fabricar produtos de madeira, a outra pode ser primaz na
elaboração de material em plástico. Observe que as especialidades fazem com
que a sociedade seja formada e moldada de acordo com o interesse de cada ser
que a integra.

Nota-se, ainda, que a sociedade é dinâmica, que se inventa e reinventa a cada


novo produto, nova moda, nova forma de aprendizado e de trabalho ou, ainda, a
cada novo século. Por esse caráter — de permanente mudança social construída
diariamente — é que o paradoxo se estabelece: ao passo que a ciência é xa,
com sua metodologia bem delimitada e que busca um “padrão” de
comportamento e atitude para que se obtenha um resultado, a sociedade se
move, sendo construída diariamente por todos nós. Portanto, ca o
questionamento: como se podem tirar leis gerais a partir do conhecimento
cientí co para a compreensão da sociedade?

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Esse é o desa o das Ciências Sociais desde sua gênese: explicar a partir de
mecanismos cientí cos o comportamento da sociedade, que se move
constantemente em busca de uma realidade diferente daquela que nós
vivenciamos. Talvez por esse estilo peculiar é que o conteúdo aprendido seja tão
abstrato e tão difícil de ser medido e tocado. Nosso esforço está em demonstrar
como as ciências sociais se tornaram um importante e necessário instrumento
para a análise deste “mundo de maluco” em que vivemos, que clama a cada nova
descoberta por uma análise apurada de nossa realidade social.

Costumamos argumentar que as Ciências Sociais anseiam pelo con ito e pelo
debate. De fato: sem os problemas entre as relações humanas seria muito difícil
imaginar como o cientista social teria seu objeto de estudo, isto é, a sociedade,
caracterizada pelas disputas sociais existentes. Desta forma, rea rmamos o
ponto de largada da trajetória de formação dessa área: o con ito entre os seres
humanos. Não tratamos aqui das brigas entre vizinhos e familiares ou as que
acontecem em um jogo de futebol, mas sim as disputas quase invisíveis na
sociedade, que o cientista social tornará objeto de seu estudo. Ou seja, os
espaços de disputa política em que um grupo debate contra outro(s); a
a rmação de práticas culturais e os con itos ocasionados por essas políticas
a rmativas com as demais culturas existentes; a dinâmica competitiva do
mercado de trabalho e, por m, as próprias relações sociais, palco de todos os
primeiros con itos.

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Observe que “con ito” é a palavra-chave para compreender as Ciências Sociais.
Quais são, porém, as origens dessa área de conhecimento? Qual a relevância de
estudarmos esse tipo de conteúdo no Ensino Superior? Além disso, será que as
Ciências Sociais irão colaborar com a formação acadêmica? São estas as
perguntas que pretendemos responder nesta aula.

A história do conhecimento perpassa, necessariamente, pelo conhecimento


proporcionado pelas universidades. Collins (2009) rati ca a relevância do
surgimento das universidades para as pesquisas sobre as humanidades:

Com o surgimento das universidades e especialmente em virtude da


criatividade da faculdade losó ca, os intelectuais ganharam seu
próprio “lar” e conquistaram maior clareza acerca de seus próprios
propósitos. A história do pensamento humano a partir de então oscilou
entre uma interação entre a comunidade intelectual e o mundo exterior
e um isolamento das universidades em relação a questões práticas e
ortodoxias ideológicas, bem como entre as formas como essas questões
penetravam nesse ambiente, oferecendo aos intelectuais novas
demandas e novos problemas (COLLINS, 2009, p. 19).

Observamos que, apesar das universidades terem surgido como espaço para a
transmissão do conhecimento, precisavam dialogar mais com a comunidade,
uma crítica que permanece até os dias de hoje. O papel, portanto, das Ciências
Sociais neste contexto é estabelecer a conexão entre o acadêmico e o popular,
entre a erudição do conhecimento e a praticidade das pessoas, entre a teoria e a
prática.

Somente após o Renascimento é que as Ciências Sociais começaram a assumir


seu espaço de atuação. Contudo, convém ressaltar que o período conhecido
como Renascença (que ocorreu entre o m do século XIV e início do XVII) teve
grande relevância para compreender o campo de trabalho de um cientista social.
Tal argumento se baseia nas transformações econômicas, políticas e sociais do
período, com fenômenos que alteraram as estruturas da sociedade desde então.
Além da valorização de elementos da Antiguidade Clássica (por isso o nome
“Renascimento”), citamos a transição do modo de produção feudal para o
capitalista como chave para o entendimento das cisões ocasionadas pelo
turbilhão de transformações sociais.

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A ruptura cultural ocasionada a partir do Renascimento e do m da sociedade
medieval na Europa oportunizou que o homem (pautado pelo antropocentrismo)
passasse a gurar como centro das preocupações de pesquisas acadêmicas,
discussões losó cas e da sociedade em si. O foco direcionado para o homem
enquanto “centro do universo” abriu espaço para o protagonismo das Ciências
Sociais, que são basicamente um produto das transformações ocorridas no período
entre e a Revolução Industrial e a Revolução Francesa (principalmente após esses
períodos), conforme trataremos a seguir.

É nesse cenário que as Ciências Sociais começaram a ganhar forma no campo de


conhecimento das humanidades. A primeira a ganhar autonomia de atuação para a
reprodução e produção do saber foi a Antropologia. A partir das descobertas de
sociedades tribais na América, na África e no Pací co com as grandes expedições
marítimas, o homem europeu passou a conhecer realidades muito distintas das que
já estava acostumado no velho continente.

Com tais descobertas, a explicação medieval de que a sociedade europeia era uma
“operação divina” deixou de imperar, surgindo assim diversas teorias para explicar a
evolução da sociedade e do seu relacionamento com o outro. Um processo de
estranhamento, isto é, de olhar o outro de forma diferente para conhecer melhor a si
mesmo, obteve sucesso na relação da Antropologia com as demais ciências. Paralelo
a isso, a Antropologia dialogou com a Medicina, buscando explicações biológicas para
a existência de um outro não europeu.

Outra vertente de atuação da Antropologia é a chamada Antropologia Cultural ou


Histórica, que tem por objetivo estudar os padrões de cultura de determinados
grupos sociais ou de sociedades especí cas, a m de compreender como essas
comunidades estão organizadas, quais são seus costumes, sua organização interna,
seu relacionamento com outras sociedades, entre outros aspectos.

Após essa divisão de áreas de atuação entre o antropólogo de campo (que trabalhava
em conjunto com pesquisas na seara da Biologia e da Medicina) e o antropólogo
histórico-cultural, a Antropologia passou a ter de forma evidente seu objeto de
pesquisa, consolidado na segunda metade do século XIX: o homem e seu duplo
relacionamento, com seu eu interior e com o mundo exterior, ou seja, a sociedade
propriamente dita.

Em segundo lugar, destacamos a Sociologia como ciência que se estabeleceu no


campo das Ciências Sociais. Por seu caráter mais generalista, as raízes para seu
estabelecimento são as mais diversas: inspirou-se na História, na Filoso a, na Política,

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na Economia, na Antropologia, na Psicologia, entre outras. Abrangente em relação aos
objetos de pesquisa, a Sociologia pode ser considerada como a mãe de todas as
Ciências Sociais.

A preocupação em estabelecer a Sociologia como ciência foi um dos objetivos de


Auguste Comte, considerado por alguns como o “pai da Sociologia”. Ele foi
responsável por popularizar a expressão “Física Social”, que posteriormente seria
conhecida como a Sociologia propriamente dita. A Física Social de Comte re ete,
assim, dois conceitos distintos em união para um mesmo ambiente: a sociedade. Ao
passo que a Física estuda o movimento dos corpos em sociedade, a Física Social nada
mais é do que o estudo da dinâmica da ação das pessoas socialmente, as quais são
in uenciadas pela sociedade, ditando suas normas, as normas do trabalho e do seu
campo próprio de atuação.

Foi neste contexto que a Sociologia passou a intervir nas discussões políticas da
sociedade. Daí nasce a terceira e mais recente das Ciências Sociais: a Ciência Política.
Dialogando com a política permanentemente — e, por que não, praticando a política
desde seu nascimento —, a Sociologia estabeleceu uma relação de proximidade com
a política, até mesmo conversando com a Filoso a, que em sua origem se destinou a
estudar os comportamentos políticos.

A Ciência Política teve origem no nal do Século XIX nos Estados Unidos e buscava se
estabelecer desde então como uma ciência “autônoma”, isto é, uma área de atuação
própria, sem ser confundida com a Filoso a, a Sociologia ou encarada como uma
subárea do Direito, por exemplo. Por esse caráter recente e multifacetado, tem
quebrado barreiras quanto ao pensamento político, na busca de estabelecer o seu
principal objeto de pesquisa: as relações de poder.

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Além de estudar as relações de poder, a Ciência Política tem o desa o de explicar
como o Estado é constituído, seja enquanto ente governamental ou como espaço em
que os políticos irão expor suas ideias, conduzir os rumos de uma determinada
população, en m, fazer política. A última vertente de estudo da Ciência Política são os
Sistemas Políticos, que têm por nalidade estruturar um Estado especí co, além de
incorporar as regras de disputas eleitorais, por exemplo. Observamos, assim, que há
um ingrediente especí co para que haja um cientista político analisando algum
fenômeno em geral: o poder e o local onde esse poder é aplicado, normalmente um
Estado, um partido político ou um conjunto de forças políticas.

As três áreas das Ciências Sociais (Antropologia, Sociologia e Ciência Política) tentam
explicar, ora em conjunto, ora em separado, a complexa sociedade em que vivemos.
Cultura, relações sociais e relações de poder são as palavras-chaves que estruturam o
grande leque do aprendizado que essas áreas podem nos proporcionar, variando de
acordo com o interesse de cada pesquisador.

Você se lembra de que, no início desta aula, foi visto que a ciência busca um padrão
de comportamento que a sociedade, às vezes, não pode oferecer por seu dinamismo
próprio? Após nossos últimos apontamentos, esse paradoxo cou mais fácil de ser
enxergado. Isso porque as Ciências Sociais não são exatas, mas são múltiplas e
dependem de diversos ingredientes para que haja um produto nal, uma conclusão
de determinado fenômeno social.

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A trajetória percorrida até aqui procurou oportunizar a você, aluno(a), a possibilidade
de conhecer e avaliar a importância das Ciências Sociais diante da sociedade como
um todo, analisando como e porque a Antropologia, a Sociologia e a Ciência Política
são sua base principal.

Dessas três áreas, vamos nos concentrar neste livro somente em uma: a Sociologia.
Nosso próximo objetivo é avaliar, de forma pontual, o panorama em que a Sociologia
foi constituída e qual é a sua trajetória ao longo dos anos. A apresentação deste
cenário é importante para veri carmos como e porque essas duas áreas importam
para fundamentar as bases. Vamos lá!

A sociedade é o campo de trabalho do sociólogo. Neste sentido, é


importante dizer que o sociólogo observa a sociedade conforme sua própria
realidade, como a vê, como a enxerga. Por isso, na prática, o ofício do
sociólogo se funda em duas nalidades: ler, sobretudo os autores de
diferentes opiniões e conceitos, sejam históricos, sejam atuais, acerca da
sociedade; e observar as “ondas” do comportamento humano sob
determinados aspectos.

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02

Ambiente para a Formação


da Sociologia: A Revolução
Industrial e a Revolução
Francesa
Em um curto período de tempo, a produção no modo de vida rural da Europa
terminou, e as pessoas passaram a conviver na sociedade urbana. Nesse
cenário, a tendência para o “caos” é grande, concorda? Se uma localidade tem
capacidade de receber certo número de moradores, com a expansão sem
planejamento ela tende a entrar em colapso. Foi isso que ocorreu com as
transformações sociais derivadas do modo de produção capitalista na Europa.

Com o desenvolvimento da indústria e a capacidade produtiva integrada a uma


cadeia mundial de produção, há uma mudança nas condições de vida dos seres
humanos. Essa mudança se fez sentir, primeiramente, na Europa, após a
Revolução Industrial, e depois se propagou para diversas regiões do Planeta.

A indústria sediada na Europa necessitou cada vez mais de matéria-prima vinda


de diversas partes do mundo, assim como o mundo passou a consumir em uma
escala crescente os produtos industriais. Nesta cadeia produtiva nas áreas
industriais e nos centros econômicos, nesta fase do capitalismo, ocorre um
crescimento da população urbana. Uma realidade que trará impasses e
incertezas no decorrer dos séculos XIX e XX. Isso levará um número crescente de
pensadores sociais a buscar entender qual será o futuro da sociedade diante de
uma concentração populacional nunca vista na história humana. A cidade se
tornou um ambiente de tensão, que exigiu preocupação por parte dos cientistas
europeus.

Se a ciência foi um instrumento de dominação para a conquista de novos


territórios, para a expansão do capitalismo ocidental fundado na empresa
mercantil e, posteriormente, industrial, agora deveria atender à ordem social
instituída na própria Europa. Entender as relações sociais constituídas no
Ocidente se tornou uma prioridade. Buscar uma ação para sua transformação
será o objeto de preocupação das forças políticas e também dos cientistas.

O crescimento urbano desse período pode ser medido pela vida em Londres, a
primeira grande cidade industrial do mundo, no centro de uma economia que já
foi por quatro séculos a maior do mundo, a inglesa. Londres praticamente
triplicou a sua população entre os séculos XVIII e XIX. A massa populacional que
passou a migrar para a cidade, com o chamado êxodo rural, fez crescer uma
cidade desconexa e desordenada.

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Os operários se concentraram em torno das fábricas ou em cortiços. Sem vias
planejadas, as cidades estavam com problemas de ocupação. As moradias eram
mal ventiladas, muitas delas tinham apenas um cômodo, onde cava toda
família, faltava saneamento e todos estavam expostos a um ambiente úmido e
insalubre que provocava doenças, como tifo, cólera, varíola e escarlatina. Essas
epidemias passaram a preocupar o Estado. A busca de um saneamento básico
levará, entre outras atitudes, a promover o zoneamento urbano e as políticas de
saúde pública.

A desigualdade de condições cou expressa também na vida das classes mais


abastadas, que tinham acesso aos benefícios dos produtos que a economia
mundial permitia. A elite londrina, por exemplo, consumia produtos de luxo
vindos das mais diversas partes e, também, aqueles que eram produzidos na
indústria do seu país. As classes populares, em sua grande maioria formada de
operários, não tinham acesso a esses bens.

Outros problemas também surgiram com a formação dos núcleos urbanos


industriais, com a concentração populacional. O alcoolismo, o crescimento dos
homicídios, os latrocínios e a prostituição são alguns deles. Até mesmo os
manicômios começaram a se propagar como uma alternativa para o tratamento
de pessoas que demonstravam desequilíbrio de comportamento. Essas
situações se justi cam diante da condição de vida do operariado, que trabalhava
em torno de 15 horas por dia, sem descanso. Até mesmo crianças de 10 anos
eram encontradas nas fábricas sujeitas às mesmas jornadas dos adultos.

A massa humana que veio do campo, onde trabalhava subordinada ao regime


feudal fundado na subsistência, agora se via em uma condição oposta. Inserido
em um regime frenético de trabalho, que nada lembrava as relações no mundo
rural, o operariado viu se desfazerem os vínculos sociais que foram a base de
sua identi cação. A economia capitalista fez emergir as relações centradas na
racionalidade e na busca de orientar a convivência social pela produtividade. A
vida passou a valer na proporção em que gerava a riqueza e na lógica de
mercado.

Dentro dessa lógica do mercado de trabalho, a quantidade de seres humanos


disponíveis para trabalhar nas fábricas apresentava uma quali cação básica. A
empresa capitalista estava ainda dando os seus primeiros passos nos séculos

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XVIII e XIX, estando longe de uma complexa rede de produção com setores
especí cos em um alto grau de quali cação como temos hoje. A sobrevivência
passa a custar a sujeição a uma condição desumana de trabalho.

As condições de trabalho da classe operária durante a Revolução Industrial e sua


propagação pela Europa foi tema de análise de Eric Hobsbawm em sua obra Era
das Revoluções. O historiador inglês estabelece uma relação direta entre a
quantidade de mão de obra ofertada para a produção, o nível de quali cação e
as condições de trabalho:

Conseguir um número su ciente de trabalhadores era uma coisa; outra


coisa era conseguir um número su ciente de trabalhadores com as
necessárias quali cações e habilidades. A experiência do século XX tem
demonstrado que este problema é tão crucial e mais difícil de resolver
do que o outro. Em primeiro lugar, todo operário tinha que aprender a
trabalhar de uma maneira adequada à indústria, ou seja, num ritmo
regular de trabalho diário ininterrupto, o que é inteiramente diferente
dos altos e baixos provocados pelas diferentes estações no trabalho
agrícola ou da intermitência autocontrolada do artesão independente. A
mão de obra tinha que aprender a responder aos incentivos
monetários. Os empregadores britânicos daquela época, como os sul-
africanos de hoje em dia, constantemente reclamavam da “preguiça” do
operário ou de sua tendência para trabalhar até que tivesse ganhado
um salário tradicional de subsistência semanal, e então parar. A
resposta foi encontrada numa draconiana disciplina da mão de obra
(multas, um código de “senhor e escravo” que mobilizava as leis em
favor do empregador etc.), mas acima de tudo, na prática, sempre que
possível, de se pagar tão pouco ao operário que ele tivesse que
trabalhar incansavelmente durante toda a semana para obter uma
renda mínima [...]. Nas fábricas onde a disciplina do operário era mais
urgente, descobriu-se que era mais conveniente empregar as dóceis (e
mais baratas) mulheres e crianças: de todos os trabalhadores nos
engenhos de algodão ingleses em 1834-47, cerca de um quarto eram
homens adultos, mais da metade eram mulheres e meninas, e o restante
de rapazes abaixo dos 18 anos. Outra maneira comum de assegurar a
disciplina da mão de obra, que re etia o processo fragmentário e em
pequena escala da industrialização nesta fase inicial, era o subcontrato
ou a prática de fazer dos trabalhadores quali cados os verdadeiros

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empregadores de auxiliares sem experiência (HOBSBAWM, 1982, p. 66-
67).

Em certa maneira, até nossos dias, a quali cação de mão de obra é um elemento
determinante para a forma como se estabelece a relação de trabalho e sua
remuneração. Como Hobsbawm aponta, nos primeiros momentos da Revolução
Industrial essa condição já se apresentava. Ela se agravou com a massa de
pessoas disponíveis para serem utilizadas pela produção capitalista, mas o grau
de quali cação se ampliou e se aprofundou. Com isso, a maioria dos seres
humanos disponíveis hoje para o trabalho não utilizados.

Nos primeiros tempos da Revolução Industrial, os trabalhadores


eram recém-chegados da zona rural, tinham uma padronização de
quali cação, mas eram utilizados em funções que exigiam um
grau baixo de especialidade. As operações de trabalho poderiam
ser ensinadas sem di culdade pelos empregadores partindo de
capacidades que os trabalhadores já tinham adquirido em sua
vida rural. Como a rma Hobsbawm, os menos quali cados eram,
muitas vezes, entregues ao comando de um trabalhador mais
quali cado, por meio da terceirização das relações de produção.

As relações de trabalho são marcadas pela violência sem nenhuma garantia. Não
há, nos primeiros tempos da indústria, uma legislação favorável aos operários. A
violência das relações no ambiente industrial se estende pela vida urbana e se
expressa no cotidiano das cidades europeias durante o nascimento da indústria.
Uma violência que terá formas distintas de ser compreendida e de gerar reação.

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Para o poder público, buscando atender ao interesse da empresa nascente, será
fundamental estabelecer mecanismos de controle social para garantir a ordem
nos espaços urbanos. Policiamento ostensivo nas ruas e instituições para o
aprisionamento e tratamento daqueles que não se adaptavam à vida urbana era
um exemplo.

As escolas voltadas às classes populares e mantidas pelo poder público teriam


como característica retirar os ociosos do mundo urbano e preparar os cidadãos
para o trabalho. A educação, que sempre existiu como forma de organização da
vida social e preparação das futuras gerações para a necessidade coletiva, agora
deveria exercer essa função visando ao mundo da empresa capitalista, que se
generalizava. Entre os movimentos operários que surgiram na Europa,
alfabetizar os lhos era uma garantia de não reproduzir a relação que os pais
estavam sujeitos para os lhos.

Para enfrentar a violência que o mundo urbano apresentava, a classe operária se


organizou em associações e sindicatos. Assim, enfrentou o ambiente de trabalho
imposto pelas empresas e os empresários capitalistas, dando início aos
confrontos em forma de “quebra de máquinas” e paralisação de trabalhadores.
Aconteceram greves ocasionadas pela luta por melhores condições de trabalho,
como o Movimento Cartista na Inglaterra do século XIX.

Os problemas sociais urbanos chegaram a um determinado grau em que até


mesmo as forças sociais e políticas opostas de trabalhadores e patrões
passaram a lutar contra problemas comuns e se associar em campanhas para
romper comportamentos que se mostravam nocivos à sociedade. Um desses
“inimigos comuns” foi o consumo de bebidas alcoólicas. Como a rma
Hobsbawm (1982, p. 223-224):

Por outro lado, havia muito mais pobres que, diante da catástrofe social
que não conseguiam compreender, empobrecidos, explorados, jogados
em cortiços onde se misturavam o frio e a imundice, ou nos extensos
complexos de aldeias industriais de pequena escola, mergulhavam em
total desmoralização. Destituídos das tradicionais instituições e padrões
de comportamento, como poderiam muitos deles deixar de cair no
abismo dos recursos de sobrevivência, em que as famílias penhoravam
a cada semana seus cobertores até o dia do pagamento, e em que o
álcool era “a maneira mais rápida para se sair de Manchester” (ou de

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Lille ou de Borinage). O alcoolismo em massa, companheiro quase
invariável de uma industrialização e de uma urbanização brusca e
incontroláveis, disseminou “uma peste de embriaguez” em toda a
Europa. Talvez os inúmeros contemporâneos que deploravam o
crescimento da embriaguez, como da prostituição e de outras formas de
promiscuidade sexual, estivessem exagerando. Contudo, repentina
aparição, até 1840, de sistemáticas campanhas de agitação em prol da
moderação, entre as classes médias e trabalhadoras, na Inglaterra,
Irlanda e Alemanha, mostra que a preocupação com a desmoralização
não era nem acadêmica nem tampouco limitada a uma única classe.
Seu sucesso imediato teve pouca duração, mas durante o restante do
século a hostilidade à embriaguez permaneceu como algo que tanto
patrões quanto movimentos trabalhistas tinham em comum.

Podemos considerar que diante desse ambiente, que trazia condições de


degradação para parte considerável dos trabalhadores (às vezes até para a
classe média e para o patronato), a ação pública deveria ser pontual e estar
dentro de uma política geral de governabilidade da vida social urbana. Ou seja,
era preciso uma ação dos governos municipais das cidades industrializadas. Eles
necessitavam ter a capacidade de colocar, diante dos con itos que se
intensi cam e de práticas que denegriam as forças sociais, mecanismos
e cientes de ação.

Se a necessidade de racionalizar a vida social era uma emergência para o poder


público, ela estaria na pauta de discussão do mundo cientí co. As correntes de
pensadores que se debruçaram sobre os problemas da vida urbana e das
condições humanas na sociedade industrial são sensíveis a partir do século XVIII.
Contudo, foi no século seguinte que essa preocupação se intensi cou.

Das correntes liberais ao Socialismo, as teses políticas emergiram à procura de


dar resposta ao contexto tenso que o mundo industrial urbano apresentava. Os
valores que orientavam o homem europeu tinham se alterado e seriam um
modelo para as demais formas de compreensão que surgiram em diversas
partes do mundo. Se o movimento liberal e socialista surgiu na Europa, sua
propagação pela América, Ásia e África foi corrente. A in uência da
intelectualidade europeia se demonstrou com o surgimento dos Estados
nacionais em áreas antes colonizadas pelos europeus.

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Paralelo a essas correntes, e muitas vezes sendo um contraponto a elas, os
movimentos herdados das correntes naturais também emergiram. É o caso do
Positivismo inaugurado por Comte na França. As teses do pensador francês
viriam a inspirar aqueles que consideravam que a análise da vida social deveria
estar fundada nos mesmos critérios dos fenômenos biológicos. É o que veremos
adiante!

No caso de 14 de julho de 1789, o episódio é daqueles de maior


importância para a História e in uencia até hoje a nossa maneira
de pensar e viver. Não é por acaso que a queda da Bastilha Saint-
Antoine, marco do início da Revolução Francesa, inaugura o início
da Idade Contemporânea: se hoje vivemos em um regime
democrático, em que (pelo menos em tese) todos são
considerados iguais perante à lei, agradeça à multidão francesa
que se rebelou contra o reinado de Luís 16 e tentou colocar na
prática o lema de "Liberdade, Igualdade, Fraternidade".

Acesse o link: Disponível aqui

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Para além da própria Revolução Industrial, precisamos citar alguns
acontecimentos que, na prática, transformaram as relações de
produção:

Em 1733, John Kay inventa a lançadeira volante.


Em 1767 James Hargreaves inventa a "spinning janny", que
permitia a um só artesão ar 80 os de uma única vez.
Em 1768 James Watt inventa a máquina a vapor.
Em 1769 Richard Arkwright inventa a "water frame".
Em 1779 Samuel Crompton inventa a "mule", uma
combinação da "water frame" com a "spinning jenny" com
os nos e resistentes.
Em 1785 Edmond Cartwright inventa o tear mecânico.

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03

Auguste Comte e
os Primórdios da
Sociologia
Nascido em 1798, na França, em Montpellier, Auguste Comte foi ainda muito
jovem um especulador da vida social e da dinâmica das Ciências Naturais. Dois
interesses que na maioria dos pensadores era uma contradição inconciliável,
mas para aquele que veio a ser um dos fundadores da Sociologia era uma
possibilidade que se mostraria inovadora, por meio da busca de trazer as leis
naturais para a análise da vida social.

Em 1814, já na decadência do Império Napoleônico, Comte ingressa na Escola


Politécnica de Paris. Um centro de formação de cadetes voltado ao
desenvolvimento do corpo intelectual do estado francês. Uma carreira que
Comte pretendia manter. Contudo, foi levado a ingressar no Movimento
Socialista Francês, liderado por Saint-Simon, na busca de desenvolver um
modelo ideológico que in uenciasse a administração francesa na busca de
atender às melhorias da vida da população. Uma ilusão que Comte em pouco
tempo rompeu.

O rompimento entre Comte e Saint-Simon ocorreu por diversos fatores, o mais


conhecido foi a mania do mestre do socialismo utópico de roubar as ideias de
seus discípulos. Simon não costumava ser muito original em suas ideias, mas
também por discordância teórica, já que os dois apresentavam análises opostas.
Enquanto Comte acreditava em uma interferência neutra do Estado, Saint-Simon
tendia a um acordo político de tendência pequeno burguesa. Comte chegou a
acusá-lo de se aproximar de empresários franceses e favorecê-los, manipulando
os movimentos sociais franceses. Outra crítica foi a de intelectualizar o
movimento político e gerar uma casta intelectual bene ciária da liderança social.

Traçando um caminho próprio, Comte busca então uma análise mais objetiva
dos fenômenos sociais e passa a considerar o método das Ciências Naturais
como um instrumento fundamental na construção de princípios para entender o
desenvolvimento da sociedade humana. Para ele, a sociedade ocidental era o
cume de uma cadeia evolutiva do conhecimento desenvolvido pelas sociedades
humanas. Nesta evolução, as sociedades passaram por estágios semelhantes,
mas algumas ainda se encontram, segundo ele, em uma etapa mística do
pensamento, a infância.

24
Para ele, a própria Física Social, nome dado à Sociologia em sua origem, estava
ligada a esse processo de desenvolvimento e deveria ter como objeto de estudo
a compreensão dos fenômenos sociais como resultado da evolução que as
diferentes civilizações viveram até chegar à “Europa civilizada”:

Entendo por Física Social a ciência que tem por objeto próprio o estudo
dos fenômenos sociais, considerados com o mesmo espírito que os
fenômenos astronômicos, físicos, químicos e siológicos, isto é, como
submetidos a leis naturais invariáveis, cuja descoberta é o objetivo
especial de suas pesquisas. Propõe-se, assim, a explicar diretamente,
com a maior precisão possível, o grande fenômeno do desenvolvimento
da espécie humana, considerado em todas as suas partes essenciais;
isto é, a descobrir o encadeamento necessário de transformações
sucessivas pelo qual o gênero humano, partindo de um estado apenas
superior ao das sociedades dos grandes macacos, foi conduzido
gradualmente ao ponto em que se encontra hoje na Europa civilizada. O
espírito desta ciência consiste, sobretudo, em ver, no estudo
aprofundado do passado, a verdadeira explicação do presente e a
manifestação geral do futuro (COMTE, 1989, p. 53).

É possível perceber que a Ciência tem um papel fundamental na


teoria de Comte, mas não a Ciência de uma forma geral. Para ele,
as Ciências Naturais são as verdadeiras Ciências Positivas, que se
somam para a construção da superioridade da civilização
ocidental, para gerar a maturidade necessária para que o
conhecimento possa intervir na análise da vida social. Por isso,
para ele, a Ciência já teria atingido esse grau de maturidade no
Ocidente, no que ele chama de “Europa civilizada”.

25
Na própria citação, é possível compreender a evolução do conhecimento
cientí co e os seus estágios. A Física Social é fruto de um desdobramento das
Ciências Naturais, por meio de um processo de evolução que tem como princípio
a Matemática, desdobrando-se em sua evolução na Astronomia, na Física, na
Química e na Biologia (Fisiologia para ele). A Medicina seria para Comte a Ciência
que se aproximaria no exercício da pro ssão do per l de interferência do físico-
social. Cabe ao médico diagnosticar a doença diante dos dados levantados
empiricamente, cabe ao sociólogo a análise dos fatos sociais diagnosticados
pelos mesmos critérios da Medicina, ou seja, a Fisiologia.

Vale ressaltar que para Comte o único conhecimento o qual, partindo da


abstração, consegue se positivar por meio da experimentação é a Matemática.
Ela é a Filoso a das Ciências Naturais. A lógica matemática se constitui na raiz do
pensamento positivo, das ciências que se positivaram. O avanço do
conhecimento cientí co partindo da Matemática gerou a capacidade de
dimensionar de forma precisa a condição dos fenômenos físicos e compreender
o seu movimento lógico. Ou seja, se observarmos os fundamentos da Física,
Química e Biologia, vamos encontrar a Matemática servindo como base.

O método defendido por Comte se sustenta nos mesmos critérios das Ciências
Naturais. Para ele, o pesquisador dos fenômenos sociais deve se postar diante
de seu objeto da mesma forma que o físico, o químico ou o biólogo. Deve-se
ater, ainda, aos fatos observáveis, mensuráveis e que necessitam ser
comparados e classi cados. A objetividade é um critério fundamental para o
cientista social positivista.

Outro aspecto importante do método positivo, que costumeiramente gera


polêmica, é a neutralidade cientí ca. Ou seja, o pesquisador não pode se deixar
envolver pelos valores subjetivos, teológicos ou abstratos, que deturpem a
análise do fenômeno ou que lhe imponha um julgamento prévio. A objetividade
está ligada diretamente à neutralidade.

Quantos fatos não são uma constante? O comportamento social se mantém em


algumas sociedades como uma necessidade da própria ordem. Um elemento
que garante a e ciência da vida social. Esses fenômenos merecem um destaque
maior na análise das diferentes sociedades. Se levarmos em consideração que o
trabalho desempenha um papel vital para a manutenção da vida coletiva, em

26
qualquer período histórico, ele é uma dessas constantes. O engraçado nos dias
atuais é o quanto as pessoas desprezam a função do trabalho na construção de
um projeto de estabilidade futura.

Comte, quando analisou a ordem econômica, considerava que o trabalho em


uma sociedade complexa como a capitalista industrial, fundada em uma divisão
de trabalho, necessita preparar os seus membros para cumprirem as diferentes
funções que a vida social exige. Dessa forma, para ele, cabe ao Estado orientar o
desenvolvimento de uma sociedade, estimulando o trabalho especializado para
que cada um dos seus membros se adéque às necessidades que a sociedade
exige.

Em uma sociedade como a nossa, na qual discutimos a necessidade do trabalho


técnico pro ssionalizante, as teses positivistas nos orientariam para o
investimento na quali cação. Ou seja, na promoção de um ensino voltado ao
mercado de trabalho, nos mais diferentes níveis de conhecimento e grau de
complexidade. Essa necessidade deve estar, para o positivismo, acima dos
desejos particulares. Os cargos de comando social devem ser ocupados por
quem tem uma quali cação de maior custo e tempo para o Estado, por isso,
seria relegada a poucos.

A escolha dos que deveriam ascender às funções mais importantes deve


privilegiar o grau de e ciência com um critério de avaliação que priorize a
competência para o cargo. Devem-se priorizar os benefícios da ordem social e
não os interesses particulares, de setores determinados. Se determinados
grupos estão sendo marginalizados, deve-se entender os fatores desta
marginalização. Eles não devem, porém, colocar em risco as prioridades da
ordem. Não podemos estimular as diferenças em detrimento da ordem social
e ciente.

A maturidade social não é algo fácil dentro de uma sociedade na qual as forças
são diversas. Para Comte, a conquista de um desenvolvimento econômico em
um grau mais elevado só pode ser alcançada após a sociedade atingir uma
maturidade na capacidade de agir fundada na razão cientí ca. Para ele, o
crescimento do capitalismo está relacionado diretamente a isso. A economia só
pode se desenvolver na condição da sociedade industrial após o aprimoramento

27
cientí co e técnico dos meios de produção. Dessa forma, o capitalismo é um
estágio superior do desenvolvimento econômico, em especial quando se deixa
levar pelas leis de mercado e se orientar por uma racionalidade cientí ca.

A Lei dos Três Estágios


Um dos princípios fundamentais defendidos por Comte é a Lei dos Três Estágios.
Nela, o autor busca a compreensão do desenvolvimento social mediante a
presença do conhecimento cientí co na vida social. A Ciência está presente nas
relações entre o homem e as instituições que servem de orientação para a
ordem social. Também podemos considerar a própria explicação do homem
sobre a natureza e os elementos que atingem diretamente sua relação com as
leis naturais.

Por isso, anteriormente, as leis naturais desvendadas nas teses de Galileu e


Bacon são elogiadas por Comte como uma conquista importante na busca de
compreender as leis universais e orientar o homem para o conhecimento
cientí co moderno, separando a Ciência da Filoso a. Essa maturidade do
pensamento, para ele, atingiu outros campos de conhecimento e hoje já estaria
em seu grau satisfatório para ser usada na análise do desenvolvimento social
humano.

Quais seriam, porém, esses estágios de desenvolvimento? O primeiro é o estado


teológico, em que os fenômenos naturais só podem ser compreendidos com a
crença em um elemento divino, que oriente a vida dos homens e promova as
condições nas quais ele está inserido. Logo, o conhecimento que temos da vida e
das coisas que nos cercam é considerado, neste estágio de desenvolvimento,
como super cial. Esse estado permite ao homem uma verdade carregada de
princípios sustentáveis apenas se admitirmos a existência de uma entidade
acima da capacidade de compreensão humana, que seria o verdadeiro condutor
da vida.

O segundo é o estado da abstração, que, para Comte, desempenha o papel de


passagem do estágio teológico para o físico, que veremos logo mais. Nele, o
homem rompe com as explicações teológicas e estabelece uma relação racional
com o mundo, tentando entendê-lo dentro de categorias lógicas. Esse estágio

28
permite a análise pela cadeia de fenômenos observáveis, mas apenas de forma
super cial, ainda sem uma comprovação empírica e que siga leis previamente
estabelecidas pela observação.

O pensamento abstrato é resultado das condições de desenvolvimento da


racionalidade cientí ca fundada em leis naturais. Os dados observáveis vêm
daquilo que existe enquanto fenômeno, mas a compreensão de sua essência
ainda não é entendida desta forma pelo pensamento abstrato. As regras do
conhecimento não estão estabelecidas a partir das leis observáveis e nela se
sustentam.

Há leis naturais que regem os fenômenos para Comte, as quais devem ser os
elementos que conduzem a observação. Contudo, resultam da pesquisa
constante de comprovação de sua existência, como as leis da Física e da
Química. Um avanço neste sentido só foi possível na sociedade atual. Nela, o
pensador considera que a maturidade atingida pela Ciência já permite utilizar os
métodos das ciências naturais para compreender os fenômenos sociais.

Por isso, é necessária a compreensão sobre os fenômenos físicos, fundamentais


para consolidar o desenvolvimento da Ciência. Eles já atingiram todos os níveis
necessários nos demais campos dos conhecimentos, segundo Comte. Já se
alcançou a maturidade do pensamento na Astronomia, Física, Química e Biologia
(nas Ciências Naturais de uma forma geral). Agora, o próximo passo será o
amadurecimento dos demais campos do conhecimento. Logo, para ele, não só a
Sociologia seria o resultado do avanço das Ciências Naturais, mas também a
Economia, a Política e, até mesmo, a Ética poderiam ser conduzidas pelos
mesmos critérios das Ciências Naturais.

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Diante dessa maturidade do pensamento físico e da possibilidade de um estágio
superior da organização da vida social, a sociedade poderia atingir um progresso
nunca visto antes, que resultaria de uma harmonia estabelecida entre os
diferentes órgãos (funções) sociais. Integrados e na busca de um mesmo sentido
de ação, os organismos sociais resultariam, então, em uma submissão ao órgão
maior, o corpo social.

Quem seria o condutor no sentido de integrar e dar e ciência à sociedade seria


o Estado. Este, administrado por políticos que conduzissem a sociedade para a
superação de seus problemas de forma racional e objetiva. Por isso, como
comentamos anteriormente, a necessidade de positivar a política. O homem
público deve ter uma ação fundada na objetividade do conhecimento e sua
escolha deve se pautar na e ciência. Este estágio superior de organização da
vida social é o estágio positivo, isto é, aquele em que os fenômenos sociais
podem ser compreendidos através da comprovação da própria ciência. O
estágio positivo, para Comte, é o positivismo em si, desenvolvimento máximo
de seu modo de pensar a sociedade e, da mesma forma, quanto à organização
das ciências. A característica basilar deste estágio de desenvolvimento humano
é, portanto, a de investigar a natureza e comprovar as descobertas realizadas de
modo a garantir a aplicação prática destas, levando ao desenvolvimento
tecnológico e a mais conforto material.

30
O estágio positivo é o último na escala do pensamento de Auguste Comte,
direcionado para organizar as teorias acerca da sociedade via física social, ou
seja, a partir da explicação de uma ciência que possa analisar os movimentos
dos corpos em/na sociedade. O positivismo, que posteriormente se tornou uma
loso a de vida e religião, em que a ciência era a máxima de seus dogmas,
obteve muitos adeptos no Brasil do contexto da Proclamação da República em
1889. O lema da bandeira nacional (ordem e progresso) é uma derivação do
lema do positivismo proposto por Comte: o amor por princípio, a ordem como
base e o progresso por m. Vale ressaltar que a religião positivista era vista
como a “religião da humanidade”, uma espécie de profecia imanada por Comte,
que imaginava angariar adeptos, crentes em seus ideais.

O pensamento de Comte auxiliou no entendimento da vida social, oferecendo a


possibilidade de formar um método de análise criterioso e com meios de
mensurar os fenômenos sociais na mesma condição dos fenômenos naturais.
Muitas dessas teses positivistas serão questionadas, mas também utilizadas ao
longo do amadurecimento da Ciência fundada pelo pensador francês. Não se
pode negar, porém, a importância que tiveram as primeiras bases de análise de
Comte. Elas permitiram a busca por delimitar um campo de atuação para uma
Ciência que tivesse como foco a vida social e seus fenômenos.

As ideias positivistas tiveram repercussão mundial no contexto de


crise social, política e espiritual que acompanhou o surgimento da
sociedade industrial. No Brasil, esta in uência foi determinante
entre as décadas de 1880 e 1930, e teve seu principal momento na
Proclamação da República, em 1889. Inclusive, houve a fundação
da Igreja Positivista do Brasil, um dos desdobramentos religiosos
do pensamento de Comte.

Fonte: Disponível aqui

31
O funcionamento da sociedade, para Comte, obedeceria a
diretrizes predeterminadas para promover o bem-estar do maior
número possível de indivíduos. Além de uma reformulação geral
das ciências e da organização sociopolítica, o lósofo planejou
uma nova ordem espiritual, inspirada na hierarquia e na disciplina
da Igreja Católica, que considerava muito e cientes. A nova
doutrina, porém, se dissociava totalmente da teologia cristã, que
Comte rejeitava por se basear no sobrenatural, e não no
materialismo cientí co. No m da vida, ele chegou a preconizar a
construção de templos positivistas, onde a humanidade, e não a
divindade, seria venerada. O lósofo via a humanidade como uma
entidade una, que chamou de Grande Ser.

Acesse o link: Disponível aqui

32
04

Émile Durkheim
e o Fato Social
Também francês, o pensador Durkheim foi in uenciado pelas teses comtinianas.
Contudo, não foi apenas um desdobramento ou aprimoramento, foi a superação
das teses positivas e a apresentação de novos ingredientes, que deram um salto
qualitativo na análise da sociedade industrial.

Durkheim foi acadêmico e preocupado em fazer seu método ser reconhecido


pelos colegas de universidade. Para ele, era fundamental estabelecer um
território reconhecido pelos demais cientistas e ingressar a Sociologia como
disciplina dentro das instituições de ensino. Ele conseguiu.

Esse reconhecimento não foi tarefa fácil para ele, que foi também fundador da
escola francesa. Durkheim in uenciou os pensadores que vieram depois dele a
se aprofundarem na relação entre ciência e sociedade. O critério cientí co ao
conhecimento social foi a tônica de sua obra. Contudo, esse conhecimento deve
traçar regras claras para a análise da vida social, sem deixar de levar em
consideração as diferenças existentes em condições distintas de sociedade. Ou
seja, não é possível uma generalização da ordem social estabelecida, mas é
possível entender a dinâmica de cada sociedade com suas especi cidades, por
meio do conjunto de relações solidárias e do grau de coerção e coesão que ela
promove.

Durkheim parte de um pressuposto fundamental, o tratamento do fato social na


mesma condição de “coisa material”. Dessa forma, o cientista social deve ter a
mesma “estranheza” que o cientista natural diante de seu objeto. Sobre como se
sentir diante do desconhecido, a rma Durkheim (1960):

Os fatos sociais devem ser tratados como coisas — eis a proposição


fundamental de nosso método, e que mais tem provocado contradições.
Esta assimilação que fazemos, das realidades do mundo social às
realidades do mundo exterior, foi interpretada como paradoxal e
escandalosa. Estabeleceu-se singular confusão a respeito do sentido e
da extensão desta assimilação; seu objetivo não é rebaixar formas
superiores às formas inferiores do ser, e sim, ao contrário, reivindicar
para as primeiras um grau de realidade pelo menos igual ao que todos
reconhecem como apanágio das segundas. Com efeito, não a rmamos
que os fatos sociais sejam coisas materiais, e sim que constituem coisas

34
ao mesmo título que as coisas materiais, embora de maneira diferente
(DURKHEIM,1960, p. 52).

Quando falamos da estranheza que o pesquisador social deve ter


diante do objeto, ao tratá-lo na condição de “coisa material”,
estamos levando em consideração aquilo que Durkheim expressa
em sua citação acima: “com efeito, não a rmamos que os fatos
sociais sejam coisas materiais, e sim que constituem coisas ao
mesmo título que as coisas materiais, embora de maneira
diferente” (DURKHEIM,1960, p. 52).

Isso signi ca que os fenômenos sociais não podem ser


considerados na mesma condição por não poderem ser
analisados com a mesma condição dos fenômenos materiais.
Estes podem ser extraídos da sociedade e levados a um
laboratório para serem desmembrados, dissecados e estudados
em suas partes decompostas, com a objetividade da observação
descritiva e comparativa, o que seria impossível aos fenômenos
sociais.

Não podemos reproduzir os fenômenos sociais em laboratório. Seria impossível


isolá-los da condição social onde se realizam, já que estão presos à sociedade e
somente nela é possível observá-los. Contudo, nem por isso, devemos deixar de
tratá-los na condição de coisa material. Para isso, devemos quanti cá-los e
proporcioná-los dentro da ordem em que se estabelecem.

35
Ainda em relação aos fatos sociais, é importante salientar que eles tem três
características básicas: o poder de coerção, ou seja, de que as pessoas se
comportem de determinada forma, através de certa pressão que a sociedade
nos exerce; a exterioridade em relação aos indivíduos, isto é, antes mesmo de
nascermos, já havia a atuação dos fatos sociais independentemente de minhas
vontades (a educação, as leis e alguns costumes sociais, por exemplo); e a
generalidade, vez que os fatos sociais acabam se manifestando na maioria dos
indivíduos.

Podemos citar, caro (a) aluno (a), dois exemplos que determinam o que são os
fatos sociais. O primeiro deles é o casamento (ou, em um termo mais moderno,
a união estável/moradia em conjunto). Nos associamos enquanto casais pelo
motivo do ser humano não conseguir viver isolado e, em termos biológicos, para
a procriação. O casamento é um fato social pois há o poder de coerção da
sociedade para que possamos nos unirmos a alguém, além de existir antes da
minha própria vontade (posso ser fruto de um casamento, por exemplo) e há a
crença social geral de que os casamentos se manifestam por si só.

A educação também é um exemplo de fato social. Ela tem o poder de coerção,


pois há uma espécie de “pressão” para que possamos nos educar, algo que
consequentemente irá trazer benefícios às nossas carreiras; é a educação
objetiva, vez que mesmo que não queira me associar a uma educação formal,
ela vai permanecer existindo antes ou mesmo sem minha vontade. E, por m,
ela é geral, pois a maioria das pessoas acreditam que a educação é uma base de
formação para a vida em/na sociedade.

Com uma observação objetiva dos fenômenos sociais, podemos compreender


os elementos que in uenciam a sua condição. Para Durkheim, os fenômenos
sociais são uma condição coletiva, que leva em consideração a coação e coesão
social dentro da condição solidária em que se realiza.

É importante de nir neste momento o termo “solidariedade”, que é a condição


em que os fenômenos ocorrem, ou seja, a cumplicidade entre os agentes que
proporcionam a existência dos fenômenos. Isso não indica a consciência por
parte daqueles que praticam o ato. Se pensarmos na Educação e nos elementos
que contribuem para que ela ocorra, nem todos têm a dimensão de que sua
ação vai re etir na condição de educar.

36
As condições em que se realiza a Educação estão baseadas em fatos que
interligados, de alguma forma, vão gerar os fatores que permitem que ela
ocorra. Logo, o ambiente de educar e os condicionantes da educação não são
apenas os seus agentes diretos (alunos, escola, professores, funcionários,
currículo escolar etc.). Muito mais que isso, a Educação é resultado de uma
complexidade social mais intensa e ampla. Uma relação que vai além dos muros
da escola e que envolve a construção solidária de todos seus elementos. Os
seres humanos que convivem dentro do ambiente escolar são resultado de
outros fenômenos que os produzem, além do dia a dia de sala de aula.

Um aluno é lho ou pai, é jovem ou idoso, é casado ou solteiro, trabalha ou não,


locomove-se mediante os meios de transportes dos mais variados. Todos esses
fatores e muitos outros, os quais seria impossível relacionar, contribuem para o
entendimento da educação como um fenômeno social. Podemos considerar
pelos mesmos critérios a condição do professor, do diretor e de todos que estão
envolvidos com a educação. Logo, se formos dimensionar a complexidade da
construção da educação, ela só seria possível diante de um estudo profundo e
demorado, por meio de uma observação minuciosa de todos seus elementos
condicionantes. É sempre bom lembrar, porém, que os elementos
condicionantes aqui considerados são fatos na condição de coisa material.

37
Outro elemento importante a ser considerado é a condição em que a sociedade
organiza a sua vida material. Durkheim busca no entendimento da divisão do
trabalho social a premissa para a compreensão dos fenômenos que a sociedade
produz. As sociedades, ao longo da história, promoveram um crescimento da
divisão do trabalho e se organizaram de forma cada vez mais complexa. Nas
sociedades industriais, segundo o pensador francês, a divisão do trabalho social
atingiu um grau intenso e extenso, o que promoveu uma tensão entre os
elementos que a compõe. Contudo, e pela divisão social do trabalho, não
podemos considerar a particularidade e a individualidade como critério para o
entendimento da ordem social e dos fatos que ela produz.

Quanto mais a sociedade divide suas funções, mais a particularidade perde


sentido como referência para o entendimento do corpo social. Ou seja, não está
no comportamento do indivíduo um padrão para o comportamento coletivo,
quando falamos de sociedades com um alto grau de divisão do trabalho social.
Na sociedade industrial, a condição de vida para atender às necessidades dos
membros da sociedade é fruto de um número imenso de indivíduos e, por isso,
não é no olhar sobre esse elemento particular que vamos entender a vida social.

Se abrirmos a geladeira em nossa casa e olharmos os produtos que estão à


nossa volta, dos mais elementares aos de uso fútil, iremos perceber que há uma
quantidade imensa de trabalho coletivo para a existência deles. Seria impossível
quanti car o número de indivíduos que participam da produção diária de nossas
vidas. Logo, nem nós nem cada um desses indivíduos tem em seu
comportamento o padrão da vida social, ela é o encontro solidário de todos
esses elementos enquanto um organismo que gera as condições de todos e de
cada um.

38
O fato social, segundo Durkheim, consiste em maneiras de agir, de
pensar e de sentir que exercem determinada força sobre os
indivíduos, obrigando-os a se adaptar às regras da sociedade onde
vivem. No entanto, nem tudo o que uma pessoa faz pode ser
considerado um fato social, pois, para ser identi cado como tal,
tem de atender a três características: generalidade, exterioridade
e coercitividade.

Coercitividade – característica relacionada com o poder, ou a


força, com a qual os padrões culturais de uma sociedade se
impõem aos indivíduos que a integram, obrigando esses
indivíduos a cumpri-los.

Exterioridade – quando o indivíduo nasce, a sociedade já está


organizada, com suas leis, seus padrões, seu sistema nanceiro,
etc.; cabe ao indivíduo aprender, por intermédio da educação, por
exemplo.

Generalidade – os fatos sociais são coletivos, ou seja, eles não


existem para um único indivíduo, mas para todo um grupo, ou
sociedade.

Fonte: Disponível aqui

39
Conforme citamos ao longo desta aula, um exemplo prático de
fato social são as normas jurídicas, o casamento, o idioma, as
regras sociais. Faça um teste em relação aos fenômenos sociais
existentes e analise, caso a caso, se há ou não um fato social, a
partir do modelo pensado por Durkheim.

40
05

Max Weber e
o Tipo Ideal
De todos os sociólogos que vimos até agora, Max Weber é o que ocasiona um
sentido importante de re exão sobre as contradições humanas. Ele coloca uma
questão vital em sua obra: “seria o homem um ser puramente racional e capaz
de direcionar sua vida pela razão?”. Esse é um tema central no trabalho do
pensador alemão e um dos precursores do existencialismo.

Weber representa o resgate da individualidade não como conceito losó co,


mas como condição de análise social. Não signi ca que todos os indivíduos são
objeto de estudo da Sociologia, mas em cada um há o sentido que uma
coletividade apresenta sobre a vida social. Em cada um de nós há elementos que
nos colocam na condição de civilização, os quais se expressam em nossas ações.
Somos ocidentais, o que signi ca que há elementos comuns na construção de
modelos de ação, nos valores que cultuamos e nas ações que praticamos. São
nas ações que denunciam nossos valores.

O que quer dizer “a sociedade está em nós”? Se colocarmos em evidência os


momentos em que a história denunciou as contradições entre a lógica racional,
que deveria apontar a ação para uma determinada direção, e o que assistimos
enquanto fato, entenderemos que o determinante ao comportamento não é a
razão lógica e objetiva, já que outros fatores dão direcionamento ao
comportamento social. Muitas vezes, o peso de um comportamento arraigado
ao longo da história pode ser determinante para dar sentido a uma ação social.

O argumento de Weber se destaca à Teoria dos Modelos de Ação, na qual busca


uma compreensão dos sentidos das ações sociais pelos agentes que a praticam.
Para isso, ele considera que os modelos e valores subjetivos dados ao
comportamento social são carregados de uma escala de valor, uma cadeia de
entendimentos e de interesses que se elabora subjetivamente e se expressa no
comportamento. Por isso, para ele, nem todo o comportamento praticado pelos
indivíduos é social. Só o é quando está direcionado ao outro, envolve o interesse
de reação de outro ou busca uma resposta em outro. Essa pessoa com quem se
relaciona pode ser um conhecido, um imediato, um ser construído e ctício ou
mesmo um princípio a que se obedece, uma regra moral religiosa que se traduz
em um comportamento “ético” esperado.

42
Se não quero pecar não pratico tal ato, porque as consequências virão no juízo
nal. Esse comportamento pode não ser ilegal, não ter qualquer tipo de restrição
jurídica nem provocar uma reação social que o condene, mas muitas pessoas
não o praticam, temendo uma suposta punição em uma existência pós-morte.
Esse é um exemplo de um fato social inspirado em modelo. Nela, a ética religiosa
determina uma ação.

Os modelos, para Weber, são construídos nas relações sociais.


Nelas somos orientados pelas tradições das relações sociais que
nos antecederam, nas heranças passadas, nas quais os
comportamentos e valores que nos identi cam foram construídos
ao longo do tempo e passados pelas gerações. Essa herança se dá
nos ensinamentos religiosos, nas práticas do folclore, na educação
de história e nos valores passados no ambiente doméstico onde
nossos pais reforçam valores morais.

Também temos modelos construídos nas condições presentes, na vida que


levamos e nas relações que estabelecemos. Aprendemos, na busca de resolver
problemas atuais, a construção de sentidos a valores que herdamos, mas
também valores novos que incorporamos nas práticas diárias. Ao passar por
uma di culdade econômica, há uma herança de valores que me fará lidar com
essa condição de uma determinada forma ou de outra. Dependendo das
condições que passe e como tenho que agir para superá-la, pode reforçar os
valores que tenho ou modi cá-los, até mesmo rompê-los.

Há também a construção futura dos modelos de ação, em que se estabelece o


sentido por meio do interesse de um resultado que virá depois da ação
praticada. Uma ação preventiva é, também, uma ação fundada no modelo
futuro. Um pai preocupado com seu lho pode abrir uma caderneta de

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poupança, esse é um exemplo de uma ação futura. Em algumas civilizações, já
que falamos do ato de poupar, a preocupação em prevenir uma possibilidade de
crise pode ter consequência direta em uma política econômica. Os japoneses
têm, por tradição, poupar. Logo, em alguns casos, aquecer a economia nipônica
dá relativo trabalho, já que fazer os japoneses irem às compras não é uma tarefa
fácil. No Brasil, pelo resultado do endividamento das famílias brasileiras pelo
crédito fácil, o modelo econômico é oposto.

Esses modelos se interagem dentro dos indivíduos ao longo do tempo e podem


ganhar interpretações novas com as mudanças das condições presentes. O que
é uma tradição ligada a um ritual moral de responsabilidade pode se associar
apenas à comercialização de uma festa, um momento de êxtase sem
compromisso futuro. Se usarmos o casamento como um fenômeno social, sua
permanência como ritual de associação à união conjugal está perdendo
importância.

Hoje, mais de 50% dos casais, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geogra a
e Estatística, do Censo de 2010 (IBGE, 2010), não se casaram no civil ou no
religioso. Ou seja, a maioria dos casais não adota o ritual do casamento, a
cerimônia. Porém, as festas de casamento são cada vez mais um espetáculo. Sua
idolatria está na aparência requintada da cerimônia e não na permanência da
união. Se casar é uma festa, o casamento, para alguns, é uma prisão.

Logo, muitos dos comportamentos que temos em nossa sociedade têm um


sentido diferente do que há décadas. O que antes poderia ser associado a um
ritual de importância para a coletividade, hoje pode estar associado apenas a
uma super cialidade momentânea. A família está em constante transformação,
contudo ainda se preserva o modelo tradicional — patriarcal monogâmica e
consanguínea — na busca de constituir uma união estável. Porém,
estatisticamente, segundo o Censo de 2010, novos modelos familiares estão
surgindo. A família tradicional está em decadência.

Se os modelos de ação são construídos nas relações sociais mediante as


heranças das gerações passadas, das condições presentes e do sentido futuro,
os modelos foram classi cados por Weber em quatro características ideais:
racionais com relação a ns; racionais com relação a valores; tradicionais e
afetivos.

44
Esses modelos serão explicados aqui separadamente, mas apenas como uma
forma didática para facilitar a compreensão, pois na vida social se dão em
conjunto. Jamais encontraremos um modelo agindo de forma pura. Por muitas
vezes, a existência de um determinado modelo está associada a existência de
outro. Um exemplo, que veremos a seguir, é a tradição e a emoção, modelos que
tendem a se complementar.

Racional com Relação a Fins


Weber considera que a civilização ocidental tem sua organização fundada na
racionalidade lógica. Nossa forma de compreender as instituições, suas funções
e nossas relações com elas é toda orientada pela razão. A legislação que o
Ocidente criou para orientar sua conduta em sociedade é racional lógica. Há
uma intenção racional na forma como nos organizamos e buscamos manter
nossas instituições.

Consideramos que a racionalidade é a condutora para o progresso humano, e


que a vida em sociedade deve ser pautada na compreensão dos fenômenos
sociais pela racionalidade cientí ca. É por meio dela que orientamos nossa ação
para a superação de problemas, que podem ser de ordem coletiva ou particular.
Se estivermos doentes, devemos procurar um médico, se uma sociedade tem
uma epidemia, o Estado deve tomar atitudes racionais para tentar sanar o
problema, buscando a prevenção e a cura.

A racionalidade lógica está sustentada na busca de atender interesses utilizando


uma ação fundada na razão objetiva. Uma busca determinada sempre necessita
de ações lógicas para que seja executada. Um dos exemplos utilizados por
Weber é do engenheiro que constrói uma ponte porque tem que estabelecer
uma ligação nas duas margens do rio. Outro exemplo é o aluno que, se quer
fazer um determinado curso, matricula-se em uma universidade. Se uma mulher
deseja evitar ter lhos, toma anticoncepcional. Se alguém deseja chegar a um
determinado lugar, vê o caminho mais e ciente e seguro.

Quando observamos o comportamento social, podemos concluir que pela ação


poderíamos deduzir a intenção de quem a pratica. Em uma sociedade capitalista,
na qual a economia exerce um papel fundamental em nossas vidas, nosso

45
comportamento com o dinheiro deveria ser racional e lógico, já que ele é apenas
um meio de atender às nossas necessidades.

Se tenho necessidades vitais para me manter e garantir a minha sobrevivência,


devo fazer com que o dinheiro cumpra essa função. Logo, deveria investir em
atividades de quali cação ou aplicar em bens que me permitam obter mais
dinheiro para minha segurança futura e melhora da minha qualidade de vida. Se
não tenho quali cação e necessito melhorar minha condição de vida, posso
investir em um curso técnico ou superior e jamais utilizar de meu dinheiro para
comprar um automóvel diante dessa necessidade racional e lógica.

A economia, por exemplo, é em sua essência racional com relação a ns. A


aquisição de um determinado bem implica a obtenção de um determinado valor
em dinheiro para poder adquiri-lo. Em uma sociedade como a nossa, na qual
tudo se estabelece por uma relação econômica, o valor monetário do que está a
nossa volta não deveria ser desprezado em momento algum. Marx acreditava
que isso seria uma forma de dar ao homem uma consciência das suas relações
sociais, percebendo a dinâmica da sociedade capitalista. Para Weber, essa
concepção puramente racional e lógica não existe de forma pura e não é única
determinante das atividades econômicas.

Quando falamos de economia, da vida cotidiana permeada pelas condições


econômicas, temos que entender outro modelo de ação, o lógico em relação a
valores. Vamos tratar dele a partir de agora.

Racional com Relação a Valores


Uma crença, um valor moral e um sentido emocional que exija um ritual
associado a um comportamento esperado. A racionalidade é uma exigência
aparente da forma como avaliamos o comportamento do outro, mas o valor a
ela associado pode ser um determinante para o comportamento que nossa
busca de racionalizar não consegue compreender de imediato, a não ser quando
analisamos com mais cuidado. Por isso, há uma associação de um determinado
valor a um comportamento que se pratica. Uma necessidade de cumprir um
ritual para atingir um benefício que nem sempre está denunciado diretamente
ao comportamento.

46
Pelo senso comum, a rmamos que os alemães são orgulhos, assim como os
japoneses. Comentamos do nacionalismo norte-americano, do bom humor
italiano e da hospitalidade brasileira como características desses povos. Essas
características são esperadas quando nos relacionamos com alguém que tenha
como identidade uma dessas nacionalidades e sua característica especí ca. Não
espero de um italiano a mesma passividade de um nipônico diante de uma
mesma situação.

Esses valores podem ser apenas fantasiosos, não se comprovando em sua


maioria, mas podem ter uma expressão de verdade diante de determinadas
condições em que se exija um comportamento mais adequado para um do que
para outro. Podemos considerar, por exemplo, a destruição de um país, como
aconteceu com os japoneses depois do tsunami em 2011. Assolado, o país
precisou agir rápido e teve que se organizar para superar problemas
ocasionados pela catástrofe.

Foi preciso procurar sobreviventes, restaurar a rede de energia, recuperar as


estradas, tratar os doentes, realizar o abastecimento de água e alimento para a
população, entre outras tantas necessidades. O mundo assistiu à organização da
sociedade no dia a dia, sua capacidade de cooperar em momentos críticos,
esperar na la para obter água e alimento, para pegar um transporte coletivo,
para abastecer um veículo e para usar um telefone. Essa prática coletiva está
além da racionalidade, está ligada ao valor moral que atinge o conjunto social.

Essa condição que se estende por um número de indivíduos e que os identi ca


por um comportamento comum é que chamamos de valor associado. Os
japoneses foram racionais ao se comportarem de forma organizada, mas
também havia um sentido comum de valor ao considerarem que essa prática
levaria ao restabelecimento de seu país e de sua nacionalidade que é tão cara
para a população.

47
A honra é para algumas comunidades algo caro, que deve ser preservada e estar
presente diante de situações em que aquilo que se deseja preservar está
ameaçado. Colocamos no início dessa exposição os indianos e sua organização,
mostrando a forma como eles se comportam em determinado momento
associada a um valor que não existiria em outra civilização, é isso que estamos
reforçando aqui.

A economia tem em seu desenvolvimento inúmeros casos que podem servir


para tratar do comportamento lógico em relação a valores. O dinheiro, como
falamos, é um meio, mas onde ele é aplicado depende da intenção de quem o
tem. Dessa forma, investir, consumir, usar o dinheiro para aplicar e obter mais
ou gastar para adquirir objetos de prazer imediato são opções de quem tem o
dinheiro e dependem dos valores do ser humano diante da condição econômica.
Pessoas com a mesma quantidade de dinheiro, tendo a mesma escolaridade e
acesso às mesmas informações sobre objetos de consumo e possibilidades de
aplicação nanceira, podem não ter o mesmo comportamento. Em parcela
considerável de uma sociedade esse pode ser um comportamento comum,
como falamos dos japoneses anteriormente.

O trabalho, enquanto atividade racional, a dedicação a ele e a valorização social


de sua prática devem ser considerados em relação ao valor que ele estabelece.
Em um de seus trabalhos, A ética protestante e o espírito capitalista, Max Weber

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analisa o trabalho de operárias protestantes e pietistas, que se concentram de
forma singular em relação ao trabalho, quase não cometendo acidentes e se
igualando às operárias conservadoras:

Uma imagem retrógrada da forma tradicional do trabalho é atualmente


apresentada muitas vezes por operárias, especialmente pelas que não
são casadas. [...] O contrário se dá geralmente e este não é um ponto
insigni cante de acordo com a nossa visão, apenas com moças com
uma formação especi camente religiosa, em especial a pietista. Ouve-se
frequentemente, e con rma-o a investigação estatística, que de longe, as
melhores oportunidades de uma educação econômica são
inegavelmente encontradas neste grupo. A capacidade de concentração
mental, tanto quanto o sentimento de obrigação absolutamente
essencial para com o próprio trabalho, estão aqui combinados com
uma economia estrita que calcula a possibilidade de altos vencimentos,
um autocontrole e uma frugalidade que enormemente aumentam a
capacidade de produção (WEBER, 1980, p. 193).

Logo, pela colocação de Weber, a formação religiosa in uencia o desempenho


no trabalho e determina um ritmo à atividade econômica. Investe-se no trabalho
para obter um determinado interesse atendido e se busca realizar pela atividade
pro ssional um reconhecimento religioso. O sucesso pro ssional é, então, uma
fusão da dádiva divina e do resultado de uma disciplina que se associa à ética
religiosa.

Em nossa sociedade, na qual associamos a atividade econômica apenas à


aquisição de bens e não compreendemos a lógica racional da economia,
estamos gerando uma problemática entre o desejo de ter pela simples
emotividade, sem ter um valor associado que gera o merecimento. O valor social
do consumo não estabelece associado a ele um comportamento de
produtividade laboral, ou seja, o trabalho.

Vale lembrar que a educação, por exemplo, deve ser analisada por esse aspecto
do valor associado à dedicação do conhecimento. A busca por compreender
racionalmente o mundo a nossa volta tem que ter um sentido que vá além da
objetividade de estudar. A razão lógica que justi ca o estudo já é conhecida e,
por muitas vezes, vira apenas retórica. Agora, compreender os benefícios
culturais que a educação gera está associado a valores agregados à busca do

49
saber. Enquanto estivermos valorizando os que não têm uma dedicação ao
estudo, estimularmos os benefícios aos que se desviam da conduta do
conhecimento, vamos colher problemas.

As relações que estabelecemos na vida pro ssional, no ambiente familiar e nas


atividades de lazer tem pouco sentido de reconhecimento da educação como ato
de valor. Deveríamos reverter esse aspecto. O estímulo à educação deve
compreender não só as associações racionais, mas as demais atividades do
cotidiano. Os méritos dos mais dedicados devem associar as posições sociais de
maior relevância. Se tivermos os nossos expoentes sociais associados ao
conhecimento e à busca de competência intelectual, cientí ca e técnica
levaríamos os demais elementos sociais a perceber a associação do sucesso à
educação.

Agora vamos tratar dos demais modelos de ação que ainda restam abordar aqui,
o emocional e o tradicional, que se completam, determinando também as ações
sociais, segundo Weber.

Afetiva
A ação afetiva é aquela na qual o comportamento é movido por um sentimento,
seja ele de afetividade, de rejeição, de sedução ou de ódio. A vingança também
pode ser considerada um modelo determinante da ação social. Vivendo um
momento de êxtase coletivo, uma paixão por determinado evento político, o
comportamento da sociedade pode ser alterado. A associação da emotividade à
tradição pode ser um exemplo dessa intenção.

Na Alemanha, o que levou o país à Segunda Guerra Mundial (1939-1945) foi o


sentimento de vingança do povo alemão, a busca de um revanchismo pela
humilhação sofrida no nal da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Esse
mesmo sentimento foi um campo fértil para o surgimento do nazismo, fundado
em uma exaltação do germanismo. Weber considera que lideranças políticas
acendem com um sentimento de identi cação com o líder, como uma relação de
emotividade carismática.

50
Em uma sociedade, pode ocorrer uma emotividade associada a fatos que
abalam o sentimento de unidade coletiva, como já vimos o exemplo da
Alemanha entre as duas guerras mundiais. Há, porém, a emotividade que pode
levar à depressão e descrença na unidade. Em alguns países, o sentimento de
depressão gerou comportamentos preocupantes. Se pensarmos na grande crise
econômica durante a quebra da Bolsa de Nova Iorque, em 1929, o número de
suicídios cresceu signi cativamente. Não podemos negar o sentimento de
desespero que levou uma parte dos suicidas a colocarem m em suas vidas por
terem perdido todo o seu patrimônio. Em outros países, a falência não traria
esse desespero, principalmente naqueles em que a oportunidade econômica
não é vista com uma condição para todos.

No extremo oposto da emotividade que leva ao suicídio, vale descrever os


kamikazes na Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Eles morreram pela pátria
em um sentimento de nacionalidade. A vida pela glória do japonês. No Brasil,
vale ressaltar, imigrantes japoneses não aceitaram a derrota na Segunda Guerra
Mundial e consideravam uma desonra quem a admitisse. Uma série de ações de
vingança e luta entre os membros da comunidade nipônica demonstra o
sentimento patriótico mesmo não vivendo no Japão.

Nas relações individuais, a ação afetiva é facilmente percebida. Quantas vezes


não praticamos o sentimento de vingança ou por paixão promovemos ações
irracionais. Em diversos momentos, é a emotividade que, junto com outros
modelos, impulsiona a nossa relação com outras pessoas. Quando observamos
a sedução, ca mais nítido o sentido emocional. Agimos para atrair a atenção, ter
o reconhecimento, receber destaque em meio a uma multidão. Em empresas, a
emotividade é utilizada para incentivar determinados tipos de comportamento
no trabalho. Na escola, ela pode ser um grande aliado na busca de melhorar o
desempenho dos alunos, mas também, por ela, pode-se prejudicar o
desempenho escolar. Em diversos ambientes de ensino, o aluno com mau
comportamento é retratado como o destaque entre os colegas.

A tradição, que veremos a partir de agora, também é um dos modelos de ação


trabalhados por Weber.

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Tradição
A tradição é um modelo de repetição associado a um valor que permanece.
Muitas vezes, o comportamento permanece, mas o valor acaba se
desassociando dele. Uma tradição é a condição em que se mantém um
determinado comportamento arraigado em uma sociedade e que gera um
sentimento (modelo emocional) muitas vezes de segurança. A permanência de
um regime de governo, um ritual religioso, uma comida típica e uma tradição de
liderança são alguns exemplos.

O comportamento tradicional, em sua origem, poderia estar associado a uma


razão lógica ou a um valor, mas com o passar do tempo, sua permanência ganha
um sentido próprio e se perpetua relacionado a um número signi cativo de
elementos, muito além do que lhe deu origem. O casamento pode ser
considerado uma tradição, mas nem por isso está associado à manutenção de
uma relação duradoura. Nas comidas típicas, a permanência pode ser uma
associação de valores comerciais ou mesmo de identidade social com um
passado, sem que o alimento continue sendo uma expressão lógica. Na origem
da comida típica, há uma condição de ambiente, clima e disponibilidade de
ingredientes, que podem não existir mais, mas o alimento ainda é produzido.

Na política, podemos exempli car a condição do mando, da associação do poder


com determinados grupos sociais. Ao repetir o mando ao longo de gerações,
associa-se o poder a determinados personagens e sua hereditariedade. Nos
países onde a monarquia se mantém, pode-se dizer que é fruto de uma tradição
que não encontra respaldo racional lógico. O modelo monárquico inglês, com
seu parlamento, é um bom exemplo. O império japonês também poderia ser
colocado como uma manutenção tradicional. No Brasil, a política coronelista, o
mando de determinadas famílias em regiões de predomínio agrário ainda se
mantém. Por mais que os coronéis tiveram sua origem em uma sociedade
agrária exportadora durante a primeira república, e o mando do proprietário de
terra remonte o período colonial, as oligarquias agrárias ainda continuam tendo
uma forte in uência sobre o poder no país.

A tradição deve ser entendida como uma condição importante para que certos
comportamentos se realizem e acabem por valorizar a prática necessária em
uma sociedade. Hábitos repetidos ao longo do tempo e que demonstram

52
civilidade acabam por valorizar uma relação estável. A preservação da
democracia como um ambiente político é uma racionalidade, mas também pode
ser uma expressão de tradição ao longo do tempo.

A Ação Social é um conceito que Weber estabelece para as


sociedades humanas e a essa ação só existe quando o indivíduo
estabelece uma comunicação com os outros.

Tomemos o ato de escrever como exemplo. Escrever uma carta


certamente é uma ação social, pois ao fazê-lo o agente tem
esperança que a carta vai ser lida por alguém. Sua ação só terá
signi cado enquanto envolver outra pessoa. No entanto, escrever
uma poesia, na medida em que ela envolve apenas a satisfação ou
a expressão das sensações do poeta, não é uma ação social.

Na visão de Weber, a função do sociólogo é compreender o


sentido das ações sociais, e fazê-lo é encontrar os nexos causais
que as determinam. Assim, o objeto da Sociologia é uma
realidade in nita e para analisá-la é preciso construir tipos ideais,
que não existem de fato, mas que norteiam a referida análise.

Acesse o link: Disponível aqui

53
Max Weber nasceu em Erfurt, na Alemanha, em 1864, e faleceu
em Munique, em 1920. Seus trabalhos estão ligados à Economia
Política, uma das áreas nas quais se graduou na Universidade de
Heidelberg, mas trabalhou em diversas universidades de prestígio
na Alemanha. Sua carreira acadêmica é marcada por instabilidade
emocional, mas uma produtividade avassaladora. Filho de um
empresário bem-sucedido e de uma nobre com formação religiosa
conservadora, Weber teve em seu irmão outro pensador de
sucesso: Alfred Weber. A esposa de Max, Marianne Weber, foi sua
mais importante auxiliar e biógrafa. Suas teses se direcionaram
para o entendimento dos aspectos culturais na vida econômica. A
obra em que Weber coroa suas teses é A ética protestante e o
espírito capitalista.

Fonte: elaborado pelo autor.

54
06

Karl Marx e o
Materialismo
Histórico
A crítica ao capitalismo é a característica mais forte do alemão Karl Marx. Ele foi
um herdeiro da escola idealista, que teve em Hegel sua maior expressão, e não
poupou a sociedade capitalista de sua forma irônica de tratar temas caros ao
interesse do liberalismo. Em outros momentos, enfatizou as contradições que a
sociedade industrial apresentou em seu tempo e ainda hoje expressa. De suas
teses, e por ele mesmo, nasceu a defesa do socialismo cientí co e a idealização
da sociedade comunista. O socialismo deve ser, para ele, uma busca da classe
operária, que vive uma luta de classes como em nenhuma outra sociedade que a
antecedeu. O proletário deve ser a classe revolucionária sob a pena de perder o
bonde da história.

Obviamente, iniciamos nossa discussão falando de um Marx “pan etário”, parcial


e engajado na defesa de um projeto político e ideológico. Essa é uma diferença
em relação ao autor que analisamos anteriormente, Émile Durkheim. A
parcialidade é inerente ao cientista social, diferente dos pesquisadores das
Ciências Naturais. Esse é um ponto importante nas teses do materialismo
histórico e dialético, a imparcialidade do pesquisador. Para Marx, as Ciências
Naturais têm um método incompatível com o das Ciências Sociais e Humanas. O
homem que analisa a sociedade está inserido nela, ele tem em si os seus
valores. O olhar do pesquisador carrega inerentemente um posicionamento
político e ideológico.

O próprio Marx jamais fugiu da parcialidade em sua análise e na busca de


implantar uma sociedade socialista. Ele considerava que, diante do
posicionamento ideológico que o pensador social traz consigo, o pensamento
deve ser direcionado para uma luta política fundada em um projeto cientí co de
sociedade. Esse projeto deve partir de uma análise crítica ao capitalismo, análise
fundada no conhecimento cientí co. Da crítica que se faz, deve-se elaborar um
projeto de sociedade para a superação dos problemas que o capitalismo
apresenta. Por isso, para ele, a Economia e a História têm destaque como
instrumento de análise. Esses dois campos do conhecimento são capazes de dar
subsídios para a compreensão das transformações que os homens promoveram
em si e na natureza mediante os meios de produção.

Para Marx, a sociedade capitalista foi resultado das transformações que


ocorreram na Europa com o advento das práticas mercantis. Nesse contexto, a
classe burguesa organizou o seu projeto de sociedade e estabeleceu o seu poder

56
sobre a economia e o Estado. A burguesia se constituiu como classe dominante
na sociedade capitalista após tomar o poder e destituir o sistema feudal. As
teses liberais, para Marx, seriam a expressão ideológica da burguesia, seu
instrumento de explicação do mundo. Essa ideologia foi imposta aos demais
membros da sociedade e serve para legitimar os interesses da dominação.

O proletário deve se libertar dessa dominação ideológica, mas para isso deve
compreender cienti camente como a sociedade capitalista se sustenta. Quais
são as condições em que o capitalismo constrói a vida humana, as formas de
dominação e, principalmente, de exploração. Por isso, a necessidade de
entender o modo de produção da vida material no capitalismo e desvendar as
condições em que se dá o acesso dos seres humanos às suas necessidades. É
aqui que se destaca o papel da mercadoria, a condição única em que se
adquirem as necessidades humanas. Tudo o que necessitamos só pode chegar
até nós em forma de mercadoria na sociedade capitalista.

Em seu maior livro O Capital, Marx faz uma crítica à economia


política e desvenda as condições em que a sociedade capitalista se
organiza. Ele parte da mercadoria para entender a relação dos
homens com a natureza e a transformação desta nos bens
necessários para a produção de outros bens ou para atender às
necessidades humanas. De um alimento a uma máquina
industrial, a mercadoria é a condição em que objetos se
transformam e cumprem o seu destino de atender à vida material
e imaterial do homem.

Contudo, com o desenvolvimento da divisão do trabalho associado à


maquinofatura, o capitalismo aprimorou as técnicas de produção da vida
material e rompeu a consciência do homem de seu papel na produção do que

57
necessita. O ser humano da sociedade industrial já não consegue perceber a
importância do seu trabalho na produção de sua existência e dos demais seres
que com ele compartilham os interesses de consumo dos bens industriais. A
complexa rede de produção industrial fez com que os trabalhadores não fossem
mais capazes de entender como os bens foram gerados. Por isso, a burguesia
utiliza os meios imateriais mediante a ideologia para incutir na classe operária a
falsa ideia das condições e das relações sociais.

A mercadoria, então, é a chave para entender as relações capitalistas, nela há


muito mais que o valor de um produto, está toda a condição de organização da
sociedade na produção da vida humana. Não é por acaso que Marx se dedicou a
vida toda a entender o funcionamento da economia capitalista, tendo na
mercadoria um dos seus elementos mais importantes.

Ao de nir a mercadoria, em O Capital, Marx a rma:

A mercadoria é, antes de mais nada, um objeto externo, uma coisa que,


por suas propriedades, satisfaz necessidades humanas, seja qual for a
natureza, a origem delas, provenham do estômago ou da fantasia. Não
importa a maneira como a coisa satisfaz a necessidade humana, se
diretamente, como meio de subsistência, objeto de consumo, ou
indiretamente com meio de produção. [...]

A primeira vista a mercadoria pode parecer coisa trivial, imediatamente


compreensível. Analisando-a, vê-se que ela é algo muito estranho, cheia
de sutilezas metafísicas e argúcias teológicas. Como valor-de-uso, nada
há de misterioso nela, quer a observamos sob o aspecto de que se
destina a satisfazer necessidades humanas, com suas propriedades,
quer sob o ângulo de que só adquire essas propriedades em
consequência do trabalho humano. É evidente que o ser humano, por
sua atividade, modi ca do modo que lhe é útil a forma dos elementos
naturais. Modi ca, por exemplo, a forma da madeira, quando dela faz
uma mesa. Não obstante a mesa ainda é madeira, coisa prosaica,
material. Mas, logo que se revela mercadoria, transforma-se em algo ao
mesmo tempo perceptível e impalpável. Além de estar com os pés no
chão, rma sua posição perante outras mercadorias e expandem as
ideias xas de sua cabeça de madeira, fenômeno mais fantástico do que
se dançasse por iniciativa própria (MARX, 2002, p. 46 e 56-57).

58
Essa forma da mercadoria que Marx expõe é o fetiche. Ele se constitui como o
valor estabelecido pela burguesia para o produto, no qual a mercadoria encobre
a condição material e real de produção, passando a ser propagada como fruto
de uma idealização do homem. A vida se justi ca da imagem fantástica dos
objetos produzidos pela sociedade industrial. Esse preenchimento que a mesa
produz com seu encantamento em forma de mercadoria, um objeto que só falta
“dançar por conta própria”, preenche o vazio entre as condições de produção e a
consciência do homem. Isso demonstra que o ser humano perdeu a
compreensão das relações que produzem sua vida.

Se considerarmos as condições em que vivemos na sociedade atual, levando em


consideração a teoria de Marx, o fetiche está propagado. Nossa relação com os
objetos de consumo são marcadas por um mundo de fantasias mais irreal que
um conto de fadas. Tudo porque a divisão do trabalho se ampliou e se
transformou em uma cadeia mundial de produção. O bem de consumo pronto,
ao alcance de nossas mãos, ou melhor, de nosso bolso, próximo sicamente,
está distante de ser compreendido por nós em sua cadeia complexa de
produção.

O poder de determinação da burguesia sobre a sociedade se intensi cou na


mesma intensidade em que a sociedade capitalista viu expandir a divisão do
trabalho promovida pela maquinofatura e em que a mercadoria passou a
envolver um maior número de indivíduos em suas relações de produção e de
consumo. O ideário burguês se alastrou por meio do liberalismo e se impôs
como condição de poder em quase todos os cantos do mundo.

Essa condição capitalista é o fator determinante das instituições que temos hoje
em nossa sociedade. Independentemente de qual seja a proposta de ação e
atuação promovida pelas mais diversas instituições sociais, dando sempre este
ar de aparência democrática, ela está subordinada às condições capitalistas de
produção e, por isso, reproduz seus interesses. A escola é um bom exemplo
dessa falsa ideia de liberdade de pensamento que o liberalismo induz. Segundo
Marx, a educação está instituída dentro das relações capitalistas, dessa forma, o
conteúdo e as disciplinas apresentados aos alunos e a forma como são
organizados acabam por favorecer a compreensão burguesa de mundo.

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A burguesia utiliza todos os meios para justi car o seu poder, mas
principalmente justi car a propriedade privada dos meios de produção, formas
que permitem a ela dominar as relações que produzem a vida material. Desde
que a maquinofatura se estabeleceu como principal meio de transformação da
natureza em produto, a classe burguesa passou a ampliar a capacidade
produtiva das máquinas. Dessa forma, a dominação se torna mais intensa na
medida em que os trabalhadores se transformam apenas em uma extensão das
máquinas que detêm a inteligência produtiva. Tendo a propriedade das
máquinas, a classe burguesa detém o controle sobre a produção da vida.

Para entender melhor a relação entre meios de produção, burguesia e classe


operária é bom esclarecer as condições em que a nossa vida é mantida por meio
da aquisição da mercadoria, o que já falamos anteriormente. Perceba que tudo o
que nos rodeia, sem tirar qualquer elemento, só é possível atender às nossas
necessidades se for adquirido em forma de mercadoria. Da luz que se dá com o
apertar de um botão ao alimento que adquirimos nas gôndolas dos mercados,
qualquer produto que sofra a transformação humana só pode ser adquirido em
forma de mercadoria.

Se a mercadoria atende às necessidades da vida humana, então podemos medir


o valor da existência de um indivíduo por meio da mercadoria e da sua
capacidade de adquiri-la. Como isso pode ocorrer? Basta entendermos que, para
adquirirmos as condições necessárias para suprir nossas necessidades, temos
que consumir mercadorias, logo, o nosso salário é a proporção de vida que
podemos adquirir. O salário é, então, a proporção mensal que a existência
humana pode merecer.

É bom fundamentar, porém, que o salário nada mais é que a quantia paga pela
venda de nosso trabalho. Se vendemos o nosso trabalho por um determinado
valor, o que determina o quanto ele vale? Se formos entender o mercado de
trabalho, ele vale a proporção de riqueza que é capaz de produzir e a quantidade
de pessoas habilitadas para realizá-lo. Quanto mais indivíduos aptos à realização
de uma determinada tarefa, mais baixo será o salário (lei da oferta e procura).

Para obter maior produtividade sem depender da força de trabalho, a classe


burguesa desenvolve tecnicamente os meios de produção. Dessa forma,
aprimorando o maquinário industrial, a burguesia reduz a necessidade de

60
trabalhadores e, por consequência, o número de operários dos quais depende.
Os que são menos necessários como força de trabalho tendem a ganhar cada
vez menos ou serem excluídos da condição de força produtiva.

O cálculo do salário do trabalhador também deve ser considerado no valor da


mercadoria. O preço do produto tem nele a quantia de trabalho exercida pelo
operário. Contudo, a remuneração dada ao trabalhador não é proporcional à
riqueza que ele produz. A porcentagem do trabalho que o trabalhador aplica
para a produção de uma mercadoria é remunerada por um valor menor. Se um
operário imprime R$ 20,00 no valor de cada produto em forma de trabalho, vai
receber pelo trabalho aplicado R$ 5,00. Essa é a mais valia absoluta.

Existe também a mais valia relativa, segundo Marx, que são as mudanças
efetuadas nas técnicas de produção que reduzem o custo nal do produto.
Equipamentos novos, formas de organização espacial do maquinário,
terceirização de etapas da produção, en m, tudo o que permite reduzir os
custos de produção. Hoje vivemos um investimento acentuado nas inovações
técnicas da produção. O principal motivo é garantir uma maior lucratividade das
empresas capitalistas nos custos nais dos seus produtos.

Note, caro (a) aluno (a) que o materialismo histórico de Marx se constitui, como
exemplo, na mais valia, que determina como as relações sociais ocorriam nos
primórdios do capital, enquanto crítica do autor: de exploração dos
trabalhadores por parte da burguesia, uma crítica social relevante para o autor.

Já pensou em conhecer mais o materialismo histórico de Karl


Marx? O canal sociologia animada expôs com clareza o modo
como Marx percebe a realidade social à sua volta.

Acesse o link: Disponível aqui

61
O marxismo foi concebido como teoria transformadora da
realidade. Por essa razão, suas primeiras grandes expressões –
Marx, Engels, Lênin, Trotsky, Rosa Luxemburgo, Gramsci, – foram,
ao mesmo tempo, indissoluvelmente, teóricos e dirigentes
revolucionários. Suas análises e denúncias estavam
comprometidas com captar o nervo do real com suas contradições
como motores da realidade, para poder compreendê-la na sua
dinâmica e decifrar suas alternativas. Seu trabalho teórico estava
intrinsecamente comprometido com projetos de transformação
concreta e radical da realidade. Daí essa identidade indissolúvel
entre trabalho teórico e direção política revolucionária, prática
intelectual e trabalho partidário, as fronteiras entre suas
atividades como teóricos e como dirigentes revolucionários eram
tênues, a ponto que a primeira sistematização da ideia do
comunismo – o Manifesto Comunista – foi encomendada
politicamente e serviu como documento básico do primeiro
partido internacional dos trabalhadores.

Fonte: Disponível aqui

62
07

Os Clássicos
Ainda Importam?
Durante nossa jornada, analisamos alguns autores considerados clássicos da
Sociologia (Émile Durkheim, Max Weber e Karl Marx), que formam sua base de
explicação tradicional. De antemão, sinalizamos que eles são os mais explorados
pela Sociologia, tanto no Ensino Médio quanto no Ensino Superior.
Evidentemente que, em algum momento de nossas vidas, estudamos esses
autores como se falassem a “verdade absoluta” sobre a Sociologia, o que
evidencia a face da disciplina perante as demais.

Quando ouvimos a expressão “fato social”, prontamente a ligamos a Durkheim,


autor que a cunhou para explicar como o poder de coerção de tais fatos pode
in uenciar os comportamentos individuais e coletivos de cada indivíduo. Da
mesma forma, falar em ação social ou nas formas puras de dominação
prontamente nos remete a Weber, que, a partir de sua Microssociologia,
delimitou como as ações individuais, extremamente racionais, são
experimentadas em microespaços, porém com re exos amplamente sociais. Por
m, a visão acerca do capitalismo proporcionada por Marx nos faz enxergar
como a sociedade, ao mesmo tempo inclusiva, pode ser excludente no tocante
às desigualdades sociais.

Antes de examinarmos essa questão, vale ressaltar que um autor se torna


clássico quando tem o poder de perpetuar seus ensinamentos ao longo dos
anos. Qual é a origem desse termo, então? Se veri carmos o ambiente do
Classicismo (período de valorização dos padrões estéticos do mundo antigo),
notamos que as manifestações dessa corrente se dão na modernidade, com a
visão antropocêntrica sendo valorizada. Logo, o Classicismo ressalta que o
homem deve estar no centro das pesquisas losó cas, sendo, dessa forma, a
razão e a chave para compreensão da natureza humana.

64
Essa caminhada sobre os chamados “clássicos” da Sociologia nos
remete à seguinte questão: será que esses autores, cada qual com
sua possibilidade de re exão, ainda podem ser considerados
clássicos? Além disso: qual é a medida encontrada para dizer que
Durkheim, Weber e Marx ainda in uenciam os comportamentos
sociais, isto é, a nossa vida e as nossas atitudes em/na sociedade?
São essas questões que pretendemos discutir, a m de expor os
motivos pelos quais tais autores ainda importam (ou não) no
ambiente de re exão da Sociologia.

Nesse sentido, notamos que a razão e a explicação da existência humana em/na


sociedade são questões inerentes aos chamados “clássicos” da Sociologia.
Perceba que os três autores aqui elencados se preocuparam em compreender
como, de forma racional e justi cada, o homem se relaciona consigo mesmo e
expõe essa relação na vida social. Ora, podemos visualizar que Durkheim obteve
tal preocupação de imediato: a justi cativa do nascimento da Sociologia, uma
ciência destinada a estudar a dinâmica da sociedade e a publicação de um livro
destinado a compreender os principais métodos dessa nova ciência são fatos
que demonstram a preocupação do autor em consolidar esse novo campo de
conhecimento.

Da mesma forma, Weber observou, a partir de fenômenos sociais, como os


indivíduos se relacionavam objetivamente perante à sociedade, esperando que
determinadas pessoas agissem de acordo com cada intenção em cada ação
especí ca. A partir dessa observação, Weber pôde compreender que o
capitalismo se desenvolveu de forma racional, por exemplo. Por outro lado,
Marx notou que, em um ambiente pautado pela Revolução Industrial e pela crise

65
de origem de uma sociedade urbana não igualitária, era possível observar que
alguns comportamentos inerentes às diferentes classes sociais se repetiam ao
longo dos anos.

Nesses três exemplos basilares, compreendemos inicialmente como tais autores,


considerados clássicos da Sociologia, ainda têm importância no estudo dessa
ciência. Além da in uência do Classicismo nas origens da expressão, tais
pensadores assumem o caráter de autores atemporais, isto é, não deixam de
in uenciar correntes de pensamento ou não perdem o poder com o passar dos
anos. Observe que até hoje possuímos adeptos das suas ideias, bem como uma
in nidade de teorias sociológicas, de produções acadêmicas, de debates, de
conferências e até mesmo de centros de pesquisa criados justamente para
tentar explicar essa evidente ascendência.

Observamos a seguir um quadro que demonstra justamente essa atualidade dos


clássicos da Sociologia e em qual medida eles (ainda) in uenciam o estudo da
sociedade.

66
SOCIEDADE MODERNA

Relação entre
Pensador indivíduo e Conceitos principais
sociedade

Ser indivíduo é ser


Fato social; ordem;
social; indivíduo
anomia; objetividade;
como simples
Émile Durkheim (1858-1917) coerção social; coesão
executor da
Sociologia social; divisão social do
estrutura
positivista/funcionalista/objetivista trabalho; solidariedade
(resíduo); a ação é
mecânica e orgânica;
subproduto da
consciência coletiva.
abstração.

Sentido da ação
Ação social e individual;
de acordo com o
sentido; subjetividade;
Max Weber (1864-1920) sujeito; mundo
signi cado de ação;
Sociologia social como uma
autonomia;
compreensiva/fenomenológica rede de
racionalidade;
intersubjetividade;
burocracia.
eu/”outro”.

Materialismo histórico;
superestrutura;
infraestrutura;
Indivíduo como
fetichismo da
Karl Marx (1818-1883) produto das
mercadoria; capital;
Objetivismo relações sociais
alienação; exploração;
de produção.
luta de classes;
ditadura; revolução;
dialética.

Quadro 1 - Abordagens sociológicas da sociedade moderna | Fonte: Fonte:


Ribeiro (2016, p. 157).

Veja que nesse quadro cada um dos autores clássicos da Sociologia possui
relação com a sociedade moderna e, por que não, com a atual sociedade pós-
moderna/globalizada. Analisando cada um deles, notamos que o relacionamento

67
entre o indivíduo e o outro/mundo exterior é diferente, porém com o sentido de
que a sociedade é um elemento essencial para compreensão de nossa realidade.

Durkheim estabelece essa relação entre o indivíduo e a sociedade a partir do


momento em que se assume que o ser é estritamente social. Isso signi ca que o
indivíduo executa um modelo baseado na força que a sociedade pode exercer
sobre as pessoas. Logo, o fato social se justi ca, exemplos como a escola, o
casamento, a religião, entre outros, demonstram que os fatos sociais, no período
analisado pelo autor, tinham a preocupação de demonstrar essa estrutura
montada, em que o individual “apenas” executaria algo elaborado pelo coletivo.

Por outro lado, Weber pondera que cada ação possui sentido a partir do
momento em que um indivíduo a exercer. Logo, a sociedade é uma espécie de
“rede”, em que a subjetividade constante dos indivíduos está presente e só é
desfeita a partir do momento em que uma ação se torna social, isto é, tem como
sentido a pessoa que a recebe de quem a executa.

Já Marx sinaliza que o indivíduo apenas reproduz o que as relações sociais de


produção fornecem. Ou seja, na visão do autor, somos fruto da sociedade
capitalista, na qual as relações de troca das mercadorias são constantes e
fundamentais para o convívio em/na sociedade. Veja que em Marx essa relação
é importante para compreender o modo que o autor analisa a sociedade,
possuindo como ponto de partida as disputas ocasionadas pelo capital e seus
desdobramentos.

O quadro a seguir também auxilia na compreensão dos motivos pelos quais tais
autores são considerados clássicos da Sociologia. São abordados, ainda os
períodos históricos que cada um dos autores analisou, a sociedade e a a rmação
de teorias assertivas acerca da realidade social.

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IDADE ANTIGA/ IDADE
IDADE MODERNA
MEDIEVAL CONTEMPORÂNEA

Sociedade
Mudança social Modernidade
Tradicional

Modo de produção Modo de produção


MARX Revolução Industrial.
antigo e feudal. capitalista.

Solidariedade Divisão do trabalho Solidariedade


DURKHEIM
mecânica. social. orgânica.

Sociedades Racionalização Sociedade


WEBER
teocêntricas. (desencantamento) secularizada.

Quadro 2 - Relação de autores e períodos históricos | Fonte: Sell (2012, p. 17).

Nessa abordagem, Sell (2012) aponta quais são os legados que cada um desses
autores deixou para análise da sociedade contemporânea. Marx analisou a
Revolução Industrial como basilar na Idade Moderna, e tal revolução culminou
na consolidação do modo de produção capitalista e suas possibilidades de
con guração social ainda vigentes.

Já Durkheim optou pela divisão do trabalho social na Idade Moderna, apontando


que a solidariedade orgânica — aquela em que cada indivíduo cumpre seu papel
especí co na sociedade complexa — é o elemento que explica a
contemporaneidade. Por m, Weber, em um processo de racionalização e
desencantamento do mundo, via a ação social (cada qual com um sentido
especí co), e observou que a secularização, elemento agregador a partir da
religião, deixou de constar com a devida importância.

Muitos consideram desnecessário retomar uma produção cientí ca quase toda


produzida no século XIX. Há sempre o questionamento que esses
conhecimentos estão superados e seu entendimento não terá validade para
quem quer compreender os dilemas da sociedade atual. Esse tipo de
posicionamento é um engano, isso porque necessitamos compreender a

69
tendência dos pensadores da atualidade, pois ainda é nos pensadores clássicos
que os contemporâneos buscam a sustentação de suas teses, senão na
totalidade.

Outro fator que nos faz considerar importante o estudo dos clássicos das
Ciências Sociais é o preparo que ele nos dá para a leitura de outros teóricos da
atualidade, os quais possuem uma formação fundada no trabalho dos primeiros
grandes cientistas sociais e suas análises de uma sociedade que continua
baseada nos elementos da economia de mercado, industrial e nanceira. Isso
acrescido de um aumento complexo das relações de produção e de divisão do
trabalho social.

Dessa forma, demonstramos a necessidade de estudar e analisar os clássicos da


Sociologia, uma vez que esses autores (Durkheim, Marx e Weber) ainda
in uenciam não somente os autores contemporâneos, mas explicam as relações
sociais estabelecidas na atualidade. Assumindo esse caráter “clássico”, eles
fornecem instrumentos para compreendermos a necessidade justi cada de uma
Ciência da Sociedade, que irá pensar os fundamentos da relação entre a
sociedade e a educação.

Diante do impasse entre os clássicos da Sociologia e os novos


saberes dessa área de conhecimento, questionamos: você
consegue visualizar a importância desses clássicos na explicação
da nossa sociedade atual? Você pode enxergar a força do
casamento enquanto fato social de Durkheim, as relações de
exploração da mais-valia em Marx e as ações lógicas em Weber
em nosso cotidiano?

Fonte: elaborado pelo autor.

70
Observando os processos associativos e formas sociais - por meio
das estruturas econômicas e históricas, pelas divisões sociais do
trabalho social, ou interações e motivações individuais – é possível
aferir que todos os clássicos possuem contribuições
importantíssimas para análises sobre construção de movimentos
sociais. Percebeu-se que alguns autores privilegiam a in uência
das estruturas históricas e sociais manifestadas no
desenvolvimento de sistemas econômicos e instituições
fundamentadas em determinadas consciências coletivas,
enquanto outros valorizavam mais as relações entre indivíduos,
focando os conteúdos, sentidos e motivações atrelados às ações
sociais.

Acesse o link: Disponível aqui

71
08

Sociologia de
Pierre Bourdieu
Outro autor que pode ser inserido nesta seleta categoria de clássicos da
Sociologia é Pierre Bourdieu, nascido em 1930 e falecido em 2002. Com raízes
ncadas no campo, desenvolveu boa parte de sua Sociologia (e por que não
Antropologia) buscando evidenciar a necessidade de abordar a(s) disciplina(s)
como fundamentais para compreender a natureza humana.

Bourdieu também possui destacada bibliogra a na área da Educação,


articulando os principais conceitos desenvolvidos ao longo dos anos para
compreender como ela se relaciona com a vida humana e, da mesma forma,
como nossa vida se liga à Educação diariamente. O propósito do autor, em uma
so sticada leitura sociológica, é nos fazer pensar sobre as relações sociais
existentes e como elas ocorrem em nosso cotidiano.

Diante desta tentativa, Bourdieu apresenta importantes conceitos que iremos


tratar nesta unidade, a m de evidenciar e analisar uma leitura complementar
aos clássicos da Sociologia que, dependendo de quem a apresenta, pode ser
considerada ou não como parte integrante da trinca de sociólogos já abordados.

Com os conceitos de “habitus” e “campo”, o autor inaugurou uma nova análise


acerca das estruturas sociais existentes. De saída, recorremos a Bourdieu para
explicar o que é o habitus, a nosso ver o primeiro conceito fundamental para
compreender o pensamento do autor. A reunião de in uências sofridas por um
indivíduo ao longo dos anos é denominada por Bourdieu como habitus, que
nada mais é do que:

[...] sistemas de posições duráveis, estruturas estruturadas predispostas


a funcionar como estruturas estruturantes, quer dizer, enquanto
princípio de geração e de estruturação de práticas e de representações
que podem ser objetivamente “reguladas” e “regulares”, sem que, por
isso, sejam o produto da obediência a regras, objetivamente adaptadas
a seu objetivo sem supor a visada consciente dos ns e o domínio
expresso das operações necessárias para atingi-las e, por serem tudo
isso, coletivamente orquestradas sem serem o produto da ação
combinada de um maestro (BOURDIEU, 1994, p. 60-61).

73
O habitus, na de nição clássica de Bourdieu, é um sistema de posições sociais
duráveis que o indivíduo sofre ao longo dos anos, que tem por objetivo a
articulação da sociedade com o comportamento individual. A partir desse
comportamento “moldado” pela sociedade e com as in uências individuais, o
sujeito aprende uma língua, obtém costumes, valores e a noção da realidade
social, além, é claro, de criar suas próprias ideias, que também irão contribuir
para a modi cação da sociedade em que está postado.

A proposta de Bourdieu em relação ao habitus demonstra a sequência de ações


ordenadas com a dinâmica social em que um sujeito está localizado. Se
considerarmos um político, por exemplo, podemos a rmar que o tipo de ação
voltada para a sociedade desses indivíduos possivelmente irá re etir o habitus
adquirido ao longo dos anos com a participação política. Portanto, se um
indivíduo tem uma ideologia política — avaliada a partir do conceito de habitus
—, tal ideologia poderá re etir as práticas sociais desse grupo, formadas tanto
pela relação sociedade-sujeito quanto pela interferência dos comportamentos
do sujeito diante da sociedade.

Outro destaque relacionado ao habitus é a questão da aprovação ou sanção de


propostas nessa relação entre indivíduo e grupo. Se por um lado um indivíduo
político pode (ou até deve) aceitar as medidas desencadeadas pela instituição
que integra, por outro ele também será ator na confecção dessas medidas, o
que poderá acarretar novas práticas institucionais. Portanto, um político, ao
mesmo tempo em que aceita as medidas impostas pela política quanto à
disposição do organismo que participa, também irá condicionar os rumos da
política, articulando sua trajetória individual a uma “estrutura estruturante e
estruturadora de práticas” (FREITAS, 2012, p.11).

Essa predisposição do habitus em fornecer práticas ideológicas, sociais e políticas


mostra como esse é um conceito que reúne uma vasta quantidade de
informações:

O termo habitus é utilizado, assim, como um conceito teórico que


sistematiza um conjunto de saberes construídos ao longo da história da
loso a e das ciências sociais. Envolve todas as in uências que cada ser
humano assimila dos meios sociais e culturais que mantêm contato, que
vão se xando em sua mente, como um “depositário de experiências”,
mas que também o tornam capacitado para agir na prática de uma

74
maneira inovadora para resolver os novos problemas que surgem na
convivência social e satisfazer suas necessidades e suas concepções
(PRAXEDES, 2015, p. 15).

Dessa forma, o habitus é constituído de maneira articulada à sociedade. Não


poderíamos a rmar que um político, em nosso exemplo, é um sujeito
desconexo, que vive fora em relação ao seu grupo social. Ao passo que o
indivíduo adquire o habitus, este poderá obter a noção de praticidade da vida,
em especial quanto aos assuntos relativos aos campos sociais em que poderá
atuar: a ação política em um partido; as atividades cotidianas pro ssionais; o
engajamento religioso; a convivência cultural de determinada comunidade
quanto às manifestações artísticas; o engajamento educacional, que o conduzirá
para o aprimoramento pro ssional com o avanço dos conhecimentos
adquiridos; e a participação institucional, sendo a maçonaria um exemplo disso.
Bourdieu denomina “campos sociais” esse conjunto de inserção nesses meios:

Em termos analíticos, um campo pode ser de nido como uma rede ou


uma con guração de relações objetivas entre posições. Essas posições
são de nidas objetivamente em sua existência e nas determinações que
elas impõem aos seus ocupantes, agentes ou instituições, por sua
situação (situs) atual e potencial na estrutura da distribuição das
diferentes espécies de poder (ou de capital) cuja posse comanda o
acesso aos lucros especí cos que estão em jogo no campo e, ao mesmo
tempo, por suas relações objetivas com as outras posições (dominação,
subordinação, homologia, etc.) (BOURDIEU, 1990, p. 72).

Logo, um campo é uma teia em que as relações objetivas, dotadas de signi cado
e nalidade especí ca, são colocadas em prática por intermédio da posição em
que um agente se localiza. A partir dessas posições do campo, os atores
distribuem suas forças (ou capital, ao modo de Bourdieu), impondo os limites de
atuação, a correlação de virtudes, en m, o espaço próprio de atuação.

75
Um campo, na visão de Bourdieu, pode ser algo mais especí co
(como uma cidade, uma comunidade com regras próprias) ou
nossa sociedade em geral. A ideia de campo, para o autor, surge
no sentido de demonstrar que existem campos sociais especí cos,
em que cada sujeito dispõe de suas forças e fraquezas para jogar
o jogo que cada campo requer. Ou seja, não basta pertencer a um
campo ou a uma sociedade: é preciso conhecer e se habituar às
regras existentes para poder melhor conviver neste campo ou
nesta sociedade.

Lahire (2002, p. 47-48) analisa elementos relacionados às características de um


campo, a saber:

Um campo é um microcosmo incluído no macrocosmo constituído pelo


espaço social (nacional) global.
Cada campo possui regras do jogo e desa os especí cos, irredutíveis às
regras do jogo ou aos desa os de outros campos (o que faz “correr” um
matemático — e a maneira como “corre” — nada tem a ver com o que faz
“correr” — e a maneira como “corre” — um industrial ou um grande
costureiro).
Um campo é um “sistema” ou um “espaço” estruturado de posições.
Esse espaço é um espaço de lutas entre os diferentes agentes que ocupam
as diversas posições.
As lutas dão-se em torno da apropriação de um capital especí co do campo
(o monopólio do capital especí co legítimo) e/ou da rede nição daquele
capital.
O capital é desigualmente distribuído dentro do campo e existem, portanto,
dominantes e dominados.
A distribuição desigual do capital determina a estrutura do campo, que é,
portanto, de nida pelo estado de uma relação de força histórica entre as

76
forças (agentes, instituições) em presença no campo.
As estratégias dos agentes são entendidas se as relacionarmos com suas
posições no campo.
Entre as estratégias invariantes, pode-se ressaltar a oposição entre as
estratégias de conservação e as estratégias de subversão (o estado da
relação de força existente). As primeiras são mais frequentemente as dos
dominantes e as segundas, as dos dominados (e, entre estes, mais
particularmente, dos “últimos a chegar”). Essa oposição pode tomar a
forma de um con ito entre “antigos” e “modernos”, “ortodoxos” e
“heterodoxos” [...].
Em luta uns contra os outros, os agentes de um campo têm pelo menos
interesse em que o campo exista e, portanto, mantêm uma “cumplicidade
objetiva” para além das lutas que os opõem.
Logo, os interesses sociais são sempre especí cos de cada campo e não se
reduzem ao interesse de tipo econômico.
A cada campo corresponde um habitus (sistema de disposições
incorporadas) próprio do campo (por exemplo, o habitus da lologia ou o
habitus do pugilismo). Apenas quem tiver incorporado o habitus próprio do
campo tem condições de jogar o jogo e de acreditar na importância desse
jogo.
Cada agente do campo é caracterizado por sua trajetória social, seu habitus
e sua posição no campo.
Um campo possui uma autonomia relativa; as lutas que nele ocorrem têm
uma lógica interna, mas o seu resultado nas lutas (econômicas, sociais,
políticas...) externas ao campo pesa fortemente sobre a questão das
relações de força internas.

Em decorrência dessa disputa de um campo apropriado, os integrantes a


realizam em busca da obtenção de um capital especí co, que trará legitimidade
dentro do campo. Qual é, então, o conceito de capital para Bourdieu? É mais do
que a questão relacionada à economia: é um bem ou poder manifestado na
sociedade, em suas formas especí cas de condicionamento desse capital. Nesse
sentido, haverá uma tendência na aproximação dos sujeitos que possuem um
mesmo capital, que poderão ser convergentes ou divergentes em relação a um
determinado assunto. Bourdieu (1989, p. 8) rati ca essa disposição do capital:

Sem dúvida, os agentes constroem a realidade social; sem dúvida,


entram em lutas e relações visando impor sua visão, mas eles fazem
sempre com pontos de vista, interesses e referenciais determinados pela

77
posição que ocupam no mesmo mundo que pretendem transformar ou
conservar (BOURDIEU, 1989, p. 8).

Bourdieu argumenta que são quatro os capitais existentes: econômico, cultural,


social e simbólico. O capital econômico é formado a partir da reunião de
fatores determinados à economia, como os meios de produção e as relações de
mercado. Já o capital cultural é o conjunto de propriedades intelectuais
transmitido pela família ou pela escola, sendo esse dividido em três: estado
incorporado como disposição duradoura do corpo; estado objetivo, bem cultural
e estado institucionalizado. O capital social é a união de relações sociais
estabelecidas por um indivíduo em sociedade. Por m, o capital simbólico está
ligado diretamente ao reconhecimento, sendo associado aos demais capitais,
não existindo sem eles e agregando valor a eles:

O capital simbólico é esse capital denegado, reconhecido como ilegítimo,


isto é, ignorado como capital (o reconhecimento no sentido de gratidão
suscitado pelos benefícios que podem se derivar de um dos
fundamentos desse reconhecimento), constitui, sem dúvida, com o
capital religioso, a única forma possível de acumulação quando o
capital econômico não é reconhecido (BOURDIEU, 2009, p. 196).

O capital simbólico é o que mais nos interessa, pois tem a capacidade de


in uenciar o tipo de ação existente dentro do campo. Ele é a maneira que
legitima, portanto, o poder simbólico que, de acordo com a posição de quem age
dentro do campo, pode então dominá-lo:

O capital simbólico confere poder e legitimidade — poder simbólico —


ao agente ou grupo que o possui, a partir de seu reconhecimento dentro
de determinado campo. Essa posse também está relacionada à posição
do agente dentro do campo, e se dá em relação aos demais agentes,
pressupondo o “desconhecimento da violência que se exerce através
dele” (BOURDIEU, 2004, p. 194).

78
Portanto, o capital simbólico poderá ocasionar “poder e legitimidade” ou, então,
“poder simbólico” ao agente social, mediante a sua identi cação no campo. Cada
campo também é detentor de um habitus próprio, e somente quem compreende
as regras do campo pode se apropriar desse habitus e, consequentemente,
entender o estilo de determinado campo. Da mesma forma, cada integrante do
campo é descrito conforme a trajetória social adquirida (como visto, a trajetória
é a construção de certos capitais acumulados ao longo dos anos), além do
habitus e da posição ocupada dentro do campo.

Nesta so sticada Sociologia de Bourdieu, compreendemos que há uma nova


visão de sociedade imposta pelo autor para nós. Ao passo que as tendências
sociológicas de Durkheim, Weber e Marx nos são conhecidas amplamente, os
adeptos de Bourdieu tem ampliado nos últimos anos, em decorrência de utilizar
os conceitos de habitus, campo e capital, por exemplo, para explicar questões
sociológicas mais densas.

Assim, Bourdieu demonstra com esses conceitos um pouco de seu pensamento


sociológico que, em conjunto com Durkheim, Marx e Weber, integra um grupo
de autores fundamentais para compreensão da Sociologia ao longo dos anos.
Por se tratar de uma “nova” Ciência, a Sociologia se dedica ao estudo de
fenômenos comportamentais gerais, ao contrário da Psicologia, que busca
entender às necessidades individuais diante da sociedade.

O propósito da Sociologia é, portanto, como exposto, comparar autores e teorias


que, em conjunto, servem como base para fundamentar as teorias que regem
nossa sociedade, nosso cotidiano e as relações sociais que nos permeiam. Existe
um autor A ou B com a razão neste campo cientí co, portanto é necessário
ponderar, para utilizar cada um na medida correta, relacionando teorias e
construindo novas pesquisas.

79
Trajetórias e biogra as: notas para uma análise
bourdieusiana

A relação entre biogra a e história insere-se em um conjunto mais


vasto de dualidades que percorrem a Sociologia desde muito
tempo, baseadas na exploração da dialética indivíduo/sociedade,
ação individual/coletiva, liberdade/determinismo,
individual/coletivo, estrutura/indivíduo e outras. Neste último
caso, aponta-se para a manutenção, no indivíduo, de
componentes subjetivos sociais e ligados ao grupo onde ele vive,
ou, inversamente, a busca do que é extremamente único e pessoal
dentre um aparato mais vasto de representações da memória,
internalizadas a partir da sociedade.

Pode-se mesmo a rmar que as três grandes matrizes teóricas


presentes na Sociologia, desde seus primórdios, giram em torno
dos debates sobre a preeminência de uma ou outra forma de
análise do mundo social, ou uma ou outra forma de encarar
loso camente a sociedade. Se aceitamos sem discussão o ponto
de vista da sociologia durkheimiana, o peso da sociedade tem uma
preponderância sobre as individualidades e a subjetividade do
indivíduo.

Fonte: Montagner (2007, on-line).

80
Os conceitos de campo e habitus para Bourdieu ainda são
complexos? Acompanhe este vídeo do professor Tiago Valenciano
que, com exemplos, explica o autor.

Acesse o link: Disponível aqui

81
09

A Sociologia
no Século XX
Evidente notarmos, caro (a) aluno (a), que a sociologia estava em constante
processo de aperfeiçoamento e expansão a partir do nal do Século XIX. Com a
xação da disciplina considerando a “santíssima trindade” (Marx, Weber e
Durkheim) enquanto matriz básica de explicação sociológica, veri ca-se um
crescimento rápido da quantidade de pensadores que passaram a indagar qual
seria o destino da humanidade.

Uma das importantes conquistas para o crescimento da sociologia no referido


período é a fundação de departamentos de sociologia em grandes centros de
pesquisa, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos. Observa-se, assim, que a
sociologia é uma disciplina com viés de explicação muito ocidental, isto é, os
sociólogos que estavam produzindo conhecimento tinham uma matriz de
pensamento a partir de onde eles estavam situados, culturalmente,
temporalmente e espacialmente. Isto quer dizer que a visão de mundo de cada
um destes sociólogos considerava basicamente o olhar enviesado ocidental, em
que o oriental era um “ser estranho”, por exemplo.

Levando em conta esta manutenção do pensamento ocidental e a consolidação


da sociologia enquanto disciplina de pesquisa na Europa e nos Estados Unidos,
esta passou a ter dois elementos centrais em suas pesquisas: o individualismo e
a o capitalismo. O primeiro elemento, típico do pensamento sociológico
estadunidense, coloca o indivíduo enquanto protagonista nas relações sociais e,
neste sentido, até mesmo a psicologia social passou a gurar como área de
pesquisa interessante, algo até então inexistente.

Já o capitalismo xa-se como ingrediente fundamental para o entendimento da


sociologia. Karl Marx já havia analisado as relações do capital, tanto quanto à
alienação causada pelo sistema capitalista, quanto na mais-valia produzida
socialmente. Max Weber havia apontado a racionalidade, fator relevante para a
compreensão dos fenômenos sociais, como algo importante para análise social.
Nos Estados Unidos, de colonização inglesa majoritária, a maquinofatura, a
produção em série e demais componentes do capitalismo compunham a
paisagem social. Portanto, entender como o capitalismo poderia in uenciar no
cotidiano dos estadunidenses é, de fato, um elemento sociológico de relevância.

83
A popularização da sociologia nos Estados Unidos ocorreu a partir da Escola de
Chicago, sobretudo. Os créditos voltados para a Chicago são dados pelo foco
principal na pesquisa urbana, com enfoque direcionado para entender como a
cidade, complexa por si só, poderia transformar a vida das pessoas. Note, caro
(a) aluno (a), que as grandes metrópoles estavam em constante crescimento.
Mas, para cada cidade que crescia, aumentava a quantidade de problemas: lixo
doméstico sem destinação correta, doenças sanitárias, trânsito desorganizado e
caótico, crescimento urbano desorganizado, tensões sociais oriundas da grande
concentração populacional como a violência urbana, entre outras.

Uma in uência relevante sobre o comportamento social na cidade é do alemão


Georg Simmel (1858-1918) que, diretamente, argumentou suas expectativas
sobre o comportamento citadino e, por tabela, pautou os estudos da Escola de
Chicago. Segundo o autor, os contatos que na cidade poderiam ocorrer rosto a
rosto, pessoa a pessoa, na verdade são muito impessoais. O sentimento
chamado de blasé, palavra francesa que signi ca pessoa com atitude apática,
indiferente, imperava nas cidades. Estas novas formas de vida social
demonstram, assim, como a cidade também mudava a vida das próprias
pessoas: seria, portanto, o homem produto do meio social em que vive?

84
O crescimento da sociologia no Século XX desacelerou em virtude das duas
grandes guerras mundiais e das revoluções na China e na Rússia. Note que a
história do pensamento humano também é fruto dos acontecimentos históricos.
É muito difícil dissociar o conhecimento sociológico dos fatos históricos, vez que
o laboratório de pesquisa do sociólogo é a sociedade. A partir do momento em
que a sociedade está em guerra, a cultura, a educação e o pensamento crítico,
de fato, diminuem, pois as preocupações bélicas ganham o centro dos debates.

Ao passo que o fascismo e o nazismo cresciam na Europa, a chamada teoria


crítica nascia, com o que passou a ser conhecido posteriormente como a Escola
de Frankfurt. Autores como Theodor Adorno, Hebert Marcuse, Walter Benjamin
e Max Horkheimer analisam as condições sociais a partir da loso a e da
sociologia, questionando basicamente a formação da cultura de massa, ou seja,
com a proliferação de da tecnologia, da burocracia e da mecanização dos
costumes sociais.

Contestadora por natureza, a sociologia praticamente


desapareceu neste período de guerras mundiais e de
personalismos no poder em grandes centros: Mussolini (Itália),
Adolf Hitler (Alemanha), Mao Tsé Tung (China) e Joseph Stálin
(União Soviética), líderes quase que totalitários, não aceitavam sob
hipótese alguma qualquer tipo de regime contestador, crítico ou
opositor aos seus domínios.

Portanto, a sociologia adormeceu durante alguns anos, perseguida


pelos regimes em que a liberdade de pensamento, a confrontação
de ideias, a promoção dos debates e o respeito às diferenças não
eram considerados. Em suma: a sociologia, indagadora por
natureza, não pode perpetuar nestes regimes e, por conseguinte,
acabou nos bastidores dos acontecimentos do poder.

85
O “renascimento” da sociologia ocorreu na década de 1950 com Talcott Parsons,
defendendo uma espécie de “sociologia abstrata”, em que os modelos teóricos
criados pelo autor teriam maior validade do que os casos reais. Para além das
críticas à Parsons, os sociólogos tentavam retomar os rumos da disciplina,
marcada pela crítica contundente e a explicação teórica e prática dos elementos
que compõem a vida social.

O estadunidense C. Wright Mills tentou, à sua maneira, reconduzir a sociologia


para sua linha-mestre de pesquisa. A publicação em 1959 de “A imaginação
sociológica” trouxe uma nova roupagem para os métodos da disciplina, em que
o pro ssional da área deveria anotar seus pensamentos em uma caderneta e, tal
qual um mosaico, reunir informações desconexas e dar forma ao trabalho
intelectual.

Este tipo de pensamento demonstra como a sociologia se tornou uma área


multiparadigmática, ou seja, sem uma verdade própria de nida. Note, caro (a)
aluno (a): a sociologia não está na disputa de quem venceu ou perdeu um
debate, quem é melhor ou pior na disputa dos argumentos. A sociologia deve
sempre estar preocupada em mostrar as diferentes faces da mesma moeda, isto
é, contrapor o pensamento de diversos autores e não estigmatizá-los. A
sociologia necessita enfrentar o paradigma único, por exemplo, de que o
pensamento Marxista é o que deve imperar no ensino superior. Pelo contrário:
os diversos autores devem ser considerados sim, sem excluir nenhum tipo de
ideia razoavelmente cientí ca.

Outro acontecimento importante para as mudanças de paradigmas da sociologia


é o movimento de maio de 1968, na França, um ícone de uma época onde a
renovação dos valores veio acompanhada pela proeminente força de uma
cultura jovem. Plummer (2015) enumera o divisor de águas que se tornou o
mundo:

a tremenda expansão do ensino superior ao redor do mundo;


a chegada da era dos “baby boomers”, nascidos logo após o Holocausto e a
Segunda Guerra Mundial. Assim como ocorre com cada geração, essa era
diferente – mas foi essa geração que se tornou a primeira a se rmar como
integrante de uma “cultura da juventude”;
havia uma percepção “no ar” de que algo novo estava por ocorrer, e essa
percepção se baseava em uma boa dose de esperança e otimismo. O
mundo estava aqui para ser modi cado.

86
além disso: os novos tempos (pós-modernos) estavam em construção – do
individualismo – o “Eu impulsivo” e a “Década do eu”; do consumo – de
novos mercados; e do informalismo;
o desenvolvimento dos direitos humanos desde a declaração das Nações
Unidas em 1948 – até o movimento de direitos civis e o movimentos das
mulheres;
a guerra contínua e o con ito internacional – principalmente no Vietnã;
a aurora espiritual “Era de Aquário” e o crescimento dos movimentos de
contracultura;
o renascimento e a simultânea morte lenta do mundo marxista;
o avanço da consciência global principalmente por meios de comunicação
de massa. Cada vez mais, como disse Todd Gitlin, “o mundo inteiro estava
assistindo”. Os símbolos haviam se tornado globais. (PLUMMER, 2015, p.
77)

Não somente o ano de 1968 marcou o desenvolvimento e a popularização da


sociologia, mas tal fato durou até a década de 1980, inclusive com a criação de
cursos de graduação e o reconhecimento da pro ssão de sociólogo no Brasil,
por exemplo. A busca por maior re exividade na disciplina e, sobretudo, por
diversas matizes de conhecimento, re etia a preocupação em constituir uma
área de pesquisa séria, na qual uma ou outra doutrina não seria algo de
conhecimento majoritário.

Este panorama da sociologia no Século XX teve como objetivo demonstrar a


você, caro (a) aluno (a), que esta é uma disciplina que não parou no tempo,
comumente acusada por àqueles que desconsideram o conhecimento
sociológico. Ela está para além de Marx, de Weber e de Durkheim e, como
qualquer área do conhecimento ainda recente, busca sua sedimentação no
ensino superior, especialmente no Brasil. Todavia, o argumento único e de suma
relevância para sua perpetuação diz respeito à própria análise social, algo em
constante mudança e necessitando sempre de várias explicações cientí cas.

87
Wright Mills (1969) descreve o pensamento sociológico como uma
prática criativa, que de ne como “imaginação sociológica”. Essa
prática criativa seria a tomada de consciência sobre a relação
entre o indivíduo e a sociedade mais ampla. Trata-se da
capacidade de conectar situações da realidade, como os interesses
em disputa, percebendo que a sociedade não se apresenta de
determinada forma por acaso.

Essa conscientização derivada do conhecimento sociológico


permite que todos (não apenas os sociólogos por formação)
compreendam as ligações existentes entre o ambiente social
pessoal imediato e o mundo social impessoal que circunda e que
colabora para moldar as pessoas. Resgatando elementos
especí cos elaborados pelos pensadores sociais mais clássicos,
Mills (1969) aponta como um elemento-chave dessa “imaginação
sociológica” a capacidade de poder visualizar a sociedade com um
certo sentido de distanciamento, em vez de fazê-lo apenas da
perspectiva das experiências pessoais e das pré-concepções
culturais.

Fonte: Disponível aqui

88
Os conceitos de campo e habitus para Bourdieu ainda são
complexos? Acompanhe este vídeo do professor Tiago Valenciano
que, com exemplos, explica o autor.

Fonte: Disponível aqui

89
10

A Nova Fase
da Sociologia
O que chamamos de “nova fase” da sociologia diz respeito justamente ao
momento mundial após a década de 1970. Note que ainda atravessávamos o
período da Guerra Fria, que encerrou simbolicamente após a queda do Muro de
Berlim no início da década de 1990. Com o m do muro – e da guerra, passamos
a enxergar uma recon guração das forças produtivas e políticas mundiais.

Um dos destaques economicamente falando são os blocos de livre comércio


entre as nações. Criado em 1991 como “Tratado de Assunção”, o MERCOSUL
(Mercado Comum do Sul) é composto por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai,
com a dependência do ingresso da Venezuela desde 2006. Já a região da União
Europeia começou a ser debatida em 1992 após o Tratado de Maastricht e,
inclusive, opera desde 1999 com moeda única em 17 países. Por m,
destacamos ainda o Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (NAFTA),
estabelecido em 1991 entre Canadá, Estados Unidos e México.

Estes blocos econômicos mostram como a sociedade mundial estava em


transformação a partir do início da década de 1990, uma reorganização das
geopolítica global e que, por conseguinte, teve impactos em diversas regiões do
planeta. Estes acontecimentos político-econômicos, aliados ao novo estilo de
vida em sociedade com o estabelecimento do capitalismo como sistema
econômico global marcam os movimentos mundiais que culminaram com a
globalização. Mas, como podemos de nir o que é a globalização?

A globalização diz respeito aos processos de aproximação das sociedades por


meio da economia, da política, da cultura e da comunicação, marcados por sua
terceira fase. Destacamos como algo essencialmente global as transformações
econômicas deste período, como já citado, e um fator preponderante para as
transformações no estilo de vida das pessoas: o advento da internet.

91
Ainda a partir da década de 1990, podemos observar o avanço em
massa da internet pelo globo. O salto de computadores públicos
ligados à rede mundial de computadores foi de 100%, comparado
com os anos anteriores. A quantidade de computadores
fabricados também foi avassaladora e, da mesma forma, podemos
acompanhar os primórdios da comunicação em massa e digital
com os correios eletrônicos (e-mails). Não demorou e os espaços
de bate-papo na internet surgiram, com salas e servidores criados
para a comunicação quase que instantânea. Paralelo a isto, os
computadores se tornaram cada vez mais modernos, com
tamanho diminuto e rapidez no processamento de dados. Serviços
antes feitos por humanos passaram a ser executados por
máquinas e o estilo de vida também foi recon gurado com o
avanço da internet e do mundo digital.

A tabela abaixo demonstra como a globalização atuou neste período de maneira


contundente:

92
Economia Cultura Informação

Aculturação / Hibridismo
Blocos econômicos Internet
cultural

Transnacionais / Ampliação da diversidade Comunicação


Multinacionais (capitalismo) cultural vs. Xenofobia instantânea

Internacionalização dos Idioma


"Mutação das culturas"
uxos de capitais. globalizado

Fonte: Disponível aqui

Note, caro (a) acadêmico (a), que os processos da globalização marcaram


profundamente as questões econômicas, culturais e de comportamento social.
Além dos blocos econômicos citados, houve a internacionalização dos uxos de
capitais, muito embora proporcionados pelo avanço da internet.

No campo da cultura, podemos observar um mix entre culturas locais e a cultura


de massa global, performando sujeitos híbridos e que ainda não sabem qual (is)
cultura (s) seguir. Além disso, notamos uma xenofobia a partir da ampliação da
diversidade cultural, vez que a informação é muito mais disseminada.

Conforme citado, a internet foi a grande responsável em transformar a


informação, estabelecendo uma comunicação a cada dia mais instantânea e
e caz. A globalização da língua inglesa enquanto idioma predominante também
é um fator relevante para o avanço da globalização, uma fase
caracteristicamente internacional.

A sociologia, neste sentido, está concentrada em compreender como a


globalização tem atuado no planeta. Ianni (2001, p. 18) retratou bem como a
globalização está con gurada:

Ocorre que o globo não é mais exclusivamente um conglomerado de


nações, sociedades nacionais, Estados-nações, em suas relações de
interdependência, dependência, colonialismo, imperialismo,
bilateralismo, multilateralismo. Ao mesmo tempo, o centro do mundo

93
não é mais voltado só ao indivíduo, tomado singular e coletivamente
como povo, classe, grupo, minoria, maioria, opinião pública. Ainda que
a nação e o indivíduo continuem a ser muito reais, inquestionáveis e
presentes todo o tempo, em todo lugar, povoando a re exão e a
imaginação, ainda assim já não são "hegemônicos". Foram subsumidos,
real ou formalmente, pela sociedade global, pelas con gurações e
movimentos da globalização. A Terra mundializou-se de tal maneira que
o globo deixou de ser uma gura astronômica para adquirir mais
plenamente sua signi cação histórica.

Observe que, mais do que atingir a gura representada na astronomia pelo


globo, a globalização historicamente se fez. Ela atua diariamente em nosso estilo
de vida, em nossas relações sociais, em nossa condição social. Renato Ortiz
(2009, p. 248) também soube retratar como estamos enfrentando os aspectos
globais:

Creio que a globalização pode ser caracterizada como um processo


social que de ne uma nova situação. Ele vem marcado por um conjunto
de condições e contradições. Um processo não é nunca homogêneo,
tampouco harmonioso, isento de con itos, nele se inserem interesses e
instituições. Um dos inconvenientes da perspectiva sistêmica é que ela
prescinde dos agentes sociais. Ela reedita as limitações de diversas
propostas objetivistas (estruturalismo ou sociologia durkheimiana) nas
quais o conjunto, a estrutura, determina a história dos homens. Do
ponto de vista de um world-system, a ação dos indivíduos e das
instituições encontra-se predeterminada pela lógica do sistema. Tudo é
previsível, eles não possuem nenhuma autonomia.

Analisamos, assim, que os processos envolvendo a globalização não são


homogêneos ou pací cos: eles são fruto, também, de uma tensão social.
Conforme anunciado em outras aulas deste livro didático, a sociologia analisa a
tensão social, as rupturas das relações sociais, as disputas envolvendo a
sociedade.

Esta “nova fase” da sociologia se concentrou, portanto, na análise da globalização


e daquilo que podemos chamar como “pós-modernidade”, um fenômeno aliado
ao da globalização, mas que conserva características próprias. Este período de

94
análise sociológica procura compreender nossas relações sociais atuais,
considerando como e por quê estamos nesta grande “aldeia global”, em que
diversas questões que outrora pareciam locais tem impactos mundiais. Resta-
nos, portanto, seguir utilizando os métodos de compreensão sociológica para,
então, responder à questão inerente ao período: qual é o destino da sociedade
global?

O mundo globalizado é construído por um conjunto de "redes",


seja de informações, transportes, de comércio, etc. Todos esses
aspectos passam a estar interligados, gerando uma maior
interação espaço-temporal entre as nações. A expansão das
empresas e criação das multinacionais é outro efeito signi cativo
para o mundo contemporâneo a partir da globalização. Desta
forma, empresas presentes em determinado país passam a atuar
em outras nações, gerando empregos e possibilidade de trocas
comerciais entre as regiões.

Acesse o link: Disponível aqui

95
O celular se consolidou como o principal meio de acesso
domiciliar à internet no Brasil. De acordo com o Instituto Brasileiro
de Geogra a e Estatística (IBGE), 92,1% do acesso à rede passou a
ser feito pelo dispositivo móvel. O dado é de 2015 e faz parte do
suplemento de Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) da
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), divulgado
nesta quinta-feira (22). Em relação à 2014, o uso do celular para
acesso à internet aumentou em 11,7 pontos percentuais.

Fonte: Disponível aqui

96
11

O Processo de
Socialização e o
Multiculturalismo
A nal, quais são os desa os da sociedade em um sistema atual, pautado pela
cultura global e massi cada, em que há a constante valorização do local e, ao
mesmo tempo, a in uência global, conforme apontado por Stuart Hall (2006)? O
objetivo deste tópico é problematizar a questão do multiculturalismo, presente
em nossa sociedade, questionando você, aluno(a), se esse fenômeno interfere
em nossa sociedade e quais são seus desdobramentos.

Antes, porém, é preciso relembrarmos o conceito de cultura, importante na


sociologia. Derivado do latim, pressupõe o cultivo a algo, isto é, perpetuar algum
conhecimento, algum costume. Cultivar nada mais é do que repassar, por meio
de gerações, um conhecimento, uma crença ou uma tradição de respectiva
comunidade. Diante de uma determinada cultura, aprendemos aspectos acerca
de costumes locais e ações realizadas para um determinado m. Assim, até
mesmo nós estabelecemos um panorama para a criação de identidade de certo
grupo.

Immanuel Wallerstein (2002) taxa a Ciência Social como eurocêntrica no decorrer


de sua história. Essa a rmação é senhora no capítulo décimo primeiro do livro O
m do mundo como concebemos: Ciência social para o século XXI, quando aborda a
questão do eurocentrismo. Segundo o autor, cinco são as “acusações”
atestadoras de tal fator.

A primeira “acusação” parte do pressuposto de que a historiogra a tem se


pautado nas conquistas dos europeus no mundo moderno. Sob qualquer olhar,
as inovações propostas pela Europa sempre são boas. Esse argumento sustenta
também as conquistas, o domínio do capital e, claro, do saber dos europeus
perante aos demais. Ou seja, partir (e pensar) do pensamento europeu sempre é
bom.

98
Com a relação existente entre vários grupos ou comunidades, há a
incidência do chamado multiculturalismo, ou seja, várias culturas
estão presentes em um campo determinado, em um espaço dado.
Para entender esse fenômeno, iremos tratar os aspectos do
multiculturalismo: o eurocentrismo, em que a cultura é tratada
como homogeneizante, penetrando pelo conhecimento disciplinar
prejudicial; a necessidade dos estudos culturais; os signi cados
desse multiculturalismo e o conceito de pós-colonialismo.

Assim, surge a segunda “acusação”, no tocante da produção europeia ser


considerada universal (universalismo). Tal provincianismo é inerente à Ciência
Social, visto deste “padrão europeu universal”, assumido nos passos da história.

O terceiro postulado é a civilização, opondo ao barbarismo ou ao primitivismo os


demais. Desse modo, quem não é da Europa pode ser tratado como “nativo”,
pertencente a outro grupo ou clã, não dotado dos mesmos valores da educação
dominante.

O orientalismo é o ponto-chave da quarta “acusação”, pautando a discussão em


torno de uma disputa entre os interesses de ambos. Por m, a última “acusação”
surge pelo progresso, inspirado no Iluminismo e no desenvolvimento de todas
as etapas.

Ainda nesta linha de pensamento, Edward Said a rma que a relação entre o
colonizador e o colonizado é intrigante, vez que o colonizado assume posição
secundária e sua representação pode não ser a exata, da maneira como era, já
que o colonizador traduz o colonizado, evidenciando a visão do seu trabalho de
campo. O colonizado assim é de nido:

99
Pobreza, dependência, subdesenvolvimento, variadas patologias de
poder e corrupção e, por outro lado, realizações notáveis de guerra, na
alfabetização, no desenvolvimento econômico: essa mistura de
características assinalava os povos colonizados que se haviam libertado
em um nível, mas permaneciam vítimas de seu passado em outro (SAID,
2003, p. 115).

Essa passagem de Re exões sobre o exílio nos remete ao paradoxo do colonizado:


ora se desenvolve, ora é refém do colonizador (europeu?). Isso demonstra como
as relações multiculturais são complexas, difíceis de serem concebidas. Alguns
fatores, como a globalização, impedem uma de nição apenas com o olhar do
antropólogo-colonizador de um determinado interlocutor, cabendo bem mais
ponderar o que de fato será exposto. A crítica realizada por Said se encontra
justamente nessa posição, em que cobra da Antropologia um trabalho el,
ilustrando com vigor o lugar do colonizado, até mesmo a defesa de divulgação
ampla de alguns posicionamentos, na tentativa de esmiuçar cada cultura, cada
costume, cada povo.

Ainda neste debate sobre a importância da disseminação das culturas por


intermédio do multiculturalismo, Henry A. Giroux crítica o conhecimento
disciplinar, contrapondo-se então aos vários especialistas produzidos. Segundo
Giroux (1997, p. 179):

A sabedoria convencional dos acadêmicos é deixar que os membros de


outros departamentos façam o que quer que seja seu trabalho de
maneira que quiserem – contanto que este direito lhes seja garantido.
Como consequência destes desenvolvimentos, o estudo da cultura é
conduzido em fragmentos.

Assim, dividindo-se as disciplinas, o saber ca restrito numa relação


pesquisador/especialidade, especialidade/pesquisador, uma via de mão dupla
em que a diversidade não é explorada. Para o autor, a segmentação do
conhecimento não contribui para o aspecto multicultural, pautado pelo
constante contato entre as diferentes culturas.

100
Os estudos sobre a cultura tomam grande importância para Giroux. Considerar
algo melhor ou pior, comparado com outro, por exemplo, é perigoso, vez que
toda cultura possui sua importância e deveria ser exposta de modo relacional,
não competitivo. Logo, qualquer projeto de hierarquizar culturas deve ser
abolido. Por conseguinte, esses estudos produzem nos pesquisadores “uma
análise continuada de suas próprias existências” (GIROUX, 1997, p. 185).

O papel do intelectual, ainda para Giroux, deveria ser o do “intelectual


transformador”, no sentido de proporcionar “liderança moral, política e
pedagógica”, ou seja, ao invés da condição de líder intelectual, repolitizar o
conhecimento e ampliá-lo não apenas para os membros de uma mesma área de
atuação, mas também para os demais pesquisadores interessados em
compreender os diversos tipos de conhecimento. Assim, esse “intelectual
transformador” luta contra o status quo e as normas estabelecidas, aumentando
os horizontes das pesquisas e o espaço de ação cultural.

Já Stuart Hall de ne alguns tipos de multiculturalismo: conservador, liberal,


pluralista, comercial, corporativo e crítico. No multiculturalismo conservador,
pressupõe-se a assimilação da diferença às tradições e aos costumes da maioria,
aceitando-as e respeitando-as. No liberal, insere-se a minoria nos padrões da
maioria, com as diferenças toleradas no campo privado, sem reconhecê-lo na
esfera pública. Já no pluralista, pondera-se que cada grupo deve viver em

101
separado, ou seja, cada qual com sua identidade, não se relacionando com os
demais. No multiculturalismo comercial, argumenta-se que as diferenças surgem
em nichos de mercado, dada a importância de fornecer os desejos desses
nichos. Atender aos anseios das minorias para estancá-las é a missão do
multiculturalismo corporativo. Esse estancamento supõe o domínio da maioria.
E, o modelo defendido por Hall (crítico), interroga as relações de poder e as
desigualdades entre os grupos. Assim, qual multiculturalismo seguir? Ou então
devemos respeitar todos esses rostos multiculturais? Hall indaga:

Na verdade, o “multiculturalismo” não é uma única doutrina, não


caracteriza uma estratégia política e não representa um estado de
coisas já alcançado. Não é uma força disfarçada de endossar algum
estado ideal ou utópico. Descreve uma série de processos e estratégias
políticas sempre inacabados (HALL, 2003, p. 52-53).

Outra visão sobre o fenômeno multicultural é a de Taylor. “O devido


reconhecimento não é uma mera cortesia que devemos conceder às pessoas. É
uma necessidade humana vital” (TAYLOR, 1997, p. 242). Desse modo, Charles
Taylor defende a “política do reconhecimento”, como molde de nossa identidade,
com o reconhecimento errôneo sendo até mesmo prejudicial à construção desta
identidade pessoal. Nesse raciocínio, o autor valoriza a originalidade e a opinião
de cada pessoa, salientando que cada um “sempre tem algo a dizer”, em certa
medida, enfatizando a subjetividade e o indivíduo, o reconhecendo nos múltiplos
níveis. O reconhecimento, então, ganhou destaque pelo diálogo realizado
consigo mesmo com outros signi cativos e também no plano público, com a
política realizando o papel universalista dos indivíduos. Reconhecer nada mais é
do que propiciar peso às querelas do multiculturalismo.

Com os debates ocorrendo em torno de o grandioso centro gerar sua periferia,


dividindo o mundo em duas partes com a existência do centro delimitando o que
é periférico, Thomas Bonnici (2005) sugere dar voz aos colonizados, ressaltando
as diferenças das colônias com os impérios no emergir da personalidade
nacional. Ou seja, pós-colonialismo para Bonnici é buscar alternativas para o
discurso do “império”, reinterpretando-o e garantir voz ao colonizado oprimido,
na Ciência, História e Literatura nacionais, um processo enfático do agora
independente.

102
Essas diversas anotações sobre o multiculturalismo apresentam uma face
deveras salutar para discuti-lo. Afastando o eurocentrismo das Ciências Sociais,
combatido por Wallerstein, e também as impressões do colonizador acerca dos
colonizados, como dito por Said, o tema multicultural deve ser anotado,
observando que há sim a necessidade de respeitar e principalmente dialogar,
não criando pirâmides hierárquicas das culturas e disciplinando as culturas
como partições independentes. A ótica de estudo multicultural deve transcender
os laços do local, buscando em novas culturas a diferença, importante para a
formação intelectual de cada um. Assim, não só haverá o reconhecimento das
diferenças de cultura, mas um reconhecimento valorizado das vozes outrora
sufocadas por culturas aqui entendidas como dominantes.

Portanto, pensar nesta seara multicultural é lidar com o dia a dia da nossa
própria existência: se a última está em constante mudança, com a inserção de
novas práticas, a primeira também acompanha as transformações sociais,
viajando sem parada pelas mudanças existentes em/na sociedade.

O fato é que tal explicação acerca do multiculturalismo, caro(a) aluno(a), é de


extrema importância para demonstrar as faces de uma sociedade que lida com
diversas culturas, que diferentemente da Antropologia Clássica, por exemplo —
que estava preocupada em conhecer o desconhecido, em explorar o “bom” ou o
“mal” selvagem —, debruça-se sobre o contato cultural de várias facetas, o que
irá re etir diretamente em nosso contexto social.

103
No Brasil, o debate sobre o multiculturalismo tem sido o palco de
distância entre discurso e prática social. Precisamos contextualizar
tal discurso, histórica e sociologicamente. Uma forma de fazer isso
é analisar como este fenômeno surgiu enquanto ideal de
sociedade em alguns países europeus, que há muito tempo estão
tentando lidar com diferença étnica, racial e cultural a partir de um
conjunto de medidas públicas. Nas considerações sobre o
multiculturalismo e o Brasil, é importante aproveitar tanto o
debate como o olhar "de fora", sem reduzir a re exão,
comparando apenas Estados Unidos e Brasil. Interessa enfocar os
países europeus que receberam uma forte imigração, sobretudo a
partir do segundo pós-guerra, as assim chamadas sociedades
multiculturais, nas quais existe uma relação orgânica entre
discursos, leis e práticas multiculturais. Re ro-me concretamente a
Alemanha, França, Bélgica, Holanda e Inglaterra. Nesses países, na
base do multiculturalismo encontram-se três fontes clássicas.

Acesse o link: Disponível aqui

104
As políticas de ações a rmativas são importantes também para a
propagação do multiculturalismo. Nesta apresentação sobre o
multiculturalismo, de Livio Sansone, podemos re etir acerca do tema:
“A ação a rmativa tem sido a forma que alguns estados, sobretudo depois
da Segunda Guerra Mundial, têm escolhido para reverter, com certa rapidez,
um quadro de desigualdades extremas e duráveis. Índia, Malásia, Austrália,
África do Sul, entre outros, vêm experimentando medidas compensatórias
para castas, grupos de cor, grupos étnicos e outros desfavorecidos como os
de cientes visuais. A América Latina é, de fato, a região em que
experimentos vêm se realizando nesse sentido somente a partir dos anos
noventa, que correspondem à consolidação da re-democratização na região.

O fenômeno do multiculturalismo surgiu em nal dos anos 1970 como


projeto pedagógico, sobretudo para a escola e a universidade, mas também
para o emprego público e a vida associativa. Esse surgimento se deu nos
países com um Estado social desenvolvido e uma escola pública que
funciona em condição de quase monopólio, como forma de lidar com a
diversidade cultural trazida, sobretudo, pelos lhos de imigrantes na escola,
nos bairros e no mercado de trabalho.

Países com grande experiência nesse sentido são Suécia, Canadá, Austrália,
Nova Zelândia, Holanda e, de alguma forma, Inglaterra e parte dos Estados
Unidos. Em época mais recente, com a ideia que a diferença cultural pode
ser um enriquecimento em lugar de enfraquecimento no convívio social de
uma escola, universidade ou até empresa, experimentos multiculturais estão
sendo feitos em países de imigração mais recente, por exemplo, na Europa
meridional e, nalmente na América Latina. Neste último caso, trata-se de
experimentos no sentido de ampliar e rever os currículos escolares,
incorporando saberes até então deixados fora, como aqueles relacionados
com o ser indígena ou negro. Etno-educação (Colômbia, Equador, Nicarágua
e, em alguma medida, México) ou educação à diversidade (Brasil e Argentina)
têm sido os termos que caracterizam essa nova fase, mais plural, no mundo
da educação.”

Fonte: Disponível aqui

105
12

Transformações
Sociais Mundiais
Para compreendermos a organização da sociedade contemporânea, é
necessário relembramos que a atual sociedade atravessa um momento de
alteração das concepções de sujeito. Saímos de um sujeito iluminista, passando
por um sociológico até atingirmos o pós-moderno (HALL, 2006), os quais
auxiliam na explicação da trajetória do homem se relacionando e vivendo em/na
sociedade ao longo dos anos. Critérios como o lugar em que um produto é
fabricado ou o tempo em que há comunicação — seja essa distante sicamente
— demonstram como a sociedade globalizada tende a consumir tudo o que está
a sua volta.

Antes de argumentarmos acerca de cada tipo de sujeito, conforme fez Stuart Hall
em A identidade cultural na pós-modernidade (2006), vamos estabelecer um
panorama da atual sociedade, o que nos auxiliará a compreender por que
chegamos nesse estágio de desenvolvimento humano. Sem dúvida, a capacidade
de produção gera uma parte considerável dos bens de consumo que são
ofertados em nossas vidas. Além disso, também in uencia as produções
regionais, sejam elas integradas à cadeia mundial de produção ou as que
atendem a mercados locais. Estamos ligados às condições econômicas mundiais,
mas não percebemos isso. Se observarmos a nossa volta, há uma grande
quantidade de bens de consumo que só poderia ser produzida por essa
integração mundial, o que Octávio Ianni denomina “nova divisão internacional do
trabalho”.

A fragmentação da produção atingiu um grau elevado e especializou


determinadas economias em seu entorno. Hoje, determinadas regiões se
transformaram em produtoras exclusivas de bens especí cos. A maioria do que
se consome nessas regiões vem de outros lugares ou do comércio nacional ou
internacional. Contudo, a fronteira entre os produtos, sua origem e identidade
também estão alterados. O que, voltando a lembrar de Octávio Ianni, é a
territorialização e desterritorialização dos produtos e de seus símbolos.

Nessa cadeia de produção mundial, os produtos que consumimos e as


condições de vida que estamos estabelecendo acabam indiretamente nos
marcando pelos bens de consumo, ou seja, somos um rótulo dos produtos que
consumimos. Hoje nos integramos ao mundo pela internet, ela nos inclui, muitas
vezes, mais do que o lugar onde vivemos ou do que as pessoas com quem
convivemos. Nosso círculo virtual de amigos nos permite sentimentos

107
empolgantes de pertencimento, que não encontramos em nossa vizinhança.
Mentir e ser enganado na rede mundial de computadores é um ritual
estimulante para os internautas. Nela, podemos ser o que queremos sem
termos que assumir o peso de uma escolha que a vida real exige.

Vivemos duas vidas e nos sentimos um único ser. Posso ter que me incomodar
com o meu trabalho, com as atividades reais que exerço para sobreviver, mas
também posso construir um círculo de amizades que me desloquem para uma
condição oposta à minha vida do trabalho. Meus laços de amizade e de convívio
social podem gerar um agrupamento com rituais próprios e vestimentas
especí cas. Tribalizamos o mundo urbano e constituímos identi cações que a
moda fornece os objetos sagrados. Emo, dark, skinhead, se quiser reeditar o
movimento hippie também é possível.

Toda uma identidade está à venda no mercado, como a estampa do Che


Guevara, de quem falamos no começo desta unidade. Os ecologistas estão se
transformando também em uma tribo, o engajamento nas questões ambientais
ganha, muitas vezes, o aspecto de uma marca de um bem de consumo. Um bem
de consumo ca mais fácil de ser propagado quando a campanha publicitária é a
linguagem de comunicação.

A camiseta com o símbolo da campanha de combate ao câncer é mais conhecida


do que a causa, já virou grife. O que acontecerá se um dia a causa pela qual se
luta atingir seu objetivo e o inimigo a ser combatido for vencido? Teremos que
gerar uma nova luta para manter o símbolo vivo, ele é o elemento mais
importante. O que se tem não é uma defesa racional de uma causa necessária,
mas sim uma religiosidade, uma crença em um deus simbólico.

Um dos lugares onde se pode entender a e ciência que os símbolos atingiram


em nossas vidas é a sala de aula. Nossos alunos se encantam pelos objetos
colecionáveis. Eles se submetem passivamente à idolatria de marcas que lhes
dão sentido e lhes possibilitam uma vida de magia que a realidade lhe nega. O
não ser nada se modi ca com a obtenção de um bem cobiçado. Ter
determinado produto faz de um ser insigni cante uma celebridade em questão
de segundos. Por isso, o esforço em desenvolver a ciência, a tecnologia e a busca
de compreensão do mundo pela razão é ine caz diante da mágica que os bens
de consumo promovem.

108
Estamos nos rodeando dos bens de consumo, eles estão por todos os lugares e
é com eles que construímos uma convivência íntima. Eles nos identi cam e nos
colocam no centro de um mundo aparente de movimento. Tudo a nossa volta
parece se movimentar, parece estar agindo com uma dinâmica que nos agrada,
pois estamos no comando com nossos “controles remotos” e botões digitais
dando movimento e parando uma parafernália eletrônica que se movimenta ao
nosso prazer. Se formos entender as condições em que esse convívio ocorre,
vamos perceber que estamos parados, estáticos, enquanto as coisas se
movimentam a nossa volta. Nossos lhos falam do cansaço do dia marcado por
horas à frente do computador, navegando na internet, conversando pelo celular
por mensagens que não têm m. Estamos exaustos de não fazer nada e de
dialogar com “coisas” e não com pessoas.

Jean Baudrillard, cientista social francês, lósofo e fotógrafo, tem como um dos
seus principais temas a “sociedade de consumo”. Ele considera que estamos
vivendo a vida dos objetos, estamos cada vez mais rodeados desses bens
eletrônicos:

À nossa volta, existe hoje uma espécie de evidência fantástica do


consumo e da abundância, criada pela multiplicação dos objetos, dos
serviços, dos bens materiais, originando como que uma categoria de
mutação fundamental da ecologia da espécie humana. Para falar com
propriedade, os homens da opulência não se encontram rodeados,
como sempre acontecera, por outros homens, mas mais por objetos. O
conjunto das suas relações e a manipulação de bens e de mensagens,
desde a organização doméstica muito complexa e com suas dezenas de
escravos técnicos até ao “mobiliário urbano” e toda a maquinaria
material das comunicações e das atividades pro ssionais, até ao
espetáculo permanente da celebração do objeto na publicidade e as
centenas de mensagens diárias emitidas pela “mídia de massas”; desde
o formigueiro mais reduzido de quinquilharias vagamente obsessivas
até aos psicodramas simbólicos alimentados pelos objetos noturnos,
que vêm a invadir-nos no próprio sono (BAUDRILLARD, 1995, p. 15).

O que deve ser lembrado é que o consumo se transformou no desejo implacável


de todos os homens. Uma condição que nos coloca na inclusão com os demais.
Se não consumirmos, não somos nada. Necessitamos estar incluídos na vida
social pela aquisição. Só ela poderá nos dar o sentimento de pertencimento. A

109
igualdade buscada pelas teses liberais, por meio da racionalidade do convívio
social, agora está traduzida na coleção de objetos disponíveis no mercado. A
democracia, a república e a liberdade, conceitos fundamentais da vida humana,
têm na aquisição de bens no mercado o meio mais e ciente de se fazer sentir
cidadão. Não se quer o direito à defesa de uma sociedade para todos, se quer o
direito a poder consumir de cada um. As teses educacionais, as propostas de
programa de saúde e a necessidade de organização da vida pública e do
planejamento urbano estão colocadas em segundo plano diante da necessidade
de consumir.

Baudrillard (1995) acredita que a sociedade de consumo está realizando de


forma super cial a grande busca de igualdade que se defende nas teses liberais
e que inspirou as revoluções burguesas nos séculos XVII e XIX. O Estado de Bem-
Estar, que foi uma das promessas do liberalismo ao tentar garantir aos
indivíduos uma condição mínima de existência, está incorporado no mundo do
objeto:

A “Revolução do Bem-Estar” é a herdeira, a testamenteira da Revolução


Burguesa ou simplesmente de toda a revolução que erige em princípio a
igualdade dos homens sem a poder (ou sem conseguir) realizar a fundo.
O princípio democrático acha-se então transferido de uma igualdade
real, das capacidades, responsabilidades e possibilidades sociais, da
felicidade (no sentido pleno da palavra) para a igualdade diante do
objeto e outros signos evidentes do êxito social e da felicidade. É a
democracia do “standing” [estar de pé], a democracia da TV, do
automóvel e da instalação estereofônica, democracia aparentemente
concreta, mas também inteiramente formal, correspondendo para lá
das contradições e desigualdades sociais à democracia formal inscrita
na constituição. Servindo uma à outra de mútuo álibi, ambas se
conjugam numa ideologia democrática global, que mascara a
democracia ausente e a igualdade impossível de achar (BAUDRILLARD,
1995, p. 48).

Essa falsa busca de igualdade pelo consumo encanta até mesmo nas políticas
governamentais. Se formos considerar o interesse do Estado em promover o
acesso da população a bens por meio de crédito, concluímos que se
transformou em programa social a inclusão da cidadania na condição de
consumidor.

110
Nesse mesmo sentido, exaltam-se os programas de inclusão digital que
promovem a informatização das escolas e o acesso dos alunos à internet, como
se o objeto pudesse dar habilidade ao usuário apenas por existir. Estamos
distantes de uma alfabetização adequada, já não conseguimos estabelecer uma
relação lógica entre a mensagem e seus interlocutores em sala de aula, agora
consideramos que a presença do computador realizará a competência de quem
o manipula. Isso não irá ocorrer. Não é difícil perceber, porém, de onde surge a
ideia de e ciência com a aquisição. Parte considerável dos celulares que estão
nas mãos dos cidadãos não estão executando a função de comunicar, mas estão
promovendo atividades para preencher a ociosidade. A aula passa mais rápido
com um computador ou celular nas mãos.

Esse contexto demonstra que os argumentos fornecidos por


Stuart Hall estão corretos. Vivemos em um período em que as
identidades sociais, isto é, aquilo que nos de ne perante à
sociedade, estão em constante processo de mudança. É muito
difícil neste contexto de ambientação de consumo, globalização
exacerbada e conectividade a toda prova de nir quem é o
indivíduo do século XXI.

Segundo Hall (2006, p. 75):

Quanto mais a vida social se torna mediada pelo mercado global de


estilos, lugares e imagens, pelas viagens internacionais, pelas imagens
da mídia e pelos sistemas de comunicação globalmente interligados,
mais as identidades se tornam desvinculadas – desalojadas – de tempos,
lugares, histórias e tradições especí cas e parecem, utuar livremente.

111
Ora, as identidades que assumimos perante a sociedade estão livres, não
dispostas de lugares xos, trafegando de forma individual de acordo com o
interesse de cada cenário. Somos atores prontos para vestir um novo
personagem, preparados para entrar e roubar a cena, conectados
permanentemente à internet, ditando padrões de moda, comportamento e
relações sociais — ainda que este não seja o objetivo: ditar um padrão.

Qual é, porém, a concepção de identidade assumida nesta sociedade


globalizada/pós-moderna em que vivemos? Segundo Hall (2006), existem três
concepções distintas de sujeitos, que lidam com a questão das identidades
culturais ao longo dos anos e, neste sentido, auxiliam no entendimento de nossa
realidade:

1 — Sujeito do Iluminismo: o indivíduo era centrado na razão, como um ser


uni cado, capaz de, com sua razão individual, ser o centro do pensamento.

2 — Sujeito sociológico: re ete a constante complexidade do mundo moderno,


um sujeito que enxerga a necessidade de interagir com o mundo exterior para
melhor se entender e, consequentemente, possuir a noção de que não há
autossu ciência na vida em/na sociedade, necessitando se relacionar com os
demais indivíduos.

3 — Sujeito pós-moderno: não possui uma característica ou uma identidade


xa, uma vez que busca a “celebração do móvel”: ainda que parado, o sujeito
pós-moderno é aquele que precisa ter a sensação de que está em constante
movimento, isto é, que o mundo está se movendo e ele, da mesma forma, se
move em conjunto com esse mundo.

Note que esses três tipos de sujeito auxiliam na compreensão de nossa relação
com o meio social com o passar dos anos. A Sociologia, enquanto Ciência, surge
justamente no apogeu do sujeito sociológico e, conforme apontado na Unidade I,
as preocupações giravam em torno da complexidade da sociedade moderna.

Por outro lado, o sujeito pós-moderno se relaciona diretamente com a sociedade


de consumo globalizada, em que a noção de tempo/espaço está alterada
constantemente, ou seja, torna-se difícil mensurar que um acontecimento
distante espacialmente falando possa ocorrer tão próximo temporalmente

112
falando, pois uma transmissão em tempo real pode facilitar que esse
mecanismo ocorra. Logo, a noção de perto/longe e tempo/espaço são alteradas
nessa sociedade globalizada.

En m, consideramos que o consumo estabelece uma perversa relação conosco


em nosso modelo societal: se consomem não somente ideias (ou a falta delas),
mas sobretudo a sensação de pertencer a uma pós-modernidade, em que há a
celebração da constante mudança nas identidades culturais. Dizer quem é o
sujeito pós-moderno é uma tarefa singular, uma vez que a bricolagem de papéis
sociais estabelecidos para cada evento faz com que essa noção de identidade
xa, impermeável, de fato não ocorra.

O que observamos — respondendo à pergunta motriz deste tópico — é que a


análise sociológica nunca esteve tão em alta, em um modelo de sociedade de
múltiplas vertentes e diferentes anseios populacionais. Os padrões de resposta
para a clássica pergunta (qual é o relacionamento do indivíduo em/na
sociedade?) já não existem mais e, nesse sentido, espera-se que o cientista social
possa mensurar, avaliar, comparar e, nem sempre de forma de nitiva, delinear
uma sociedade marcada geralmente pelo consumo e pelas diferentes
identidades, mas que permanece em constante processo de construção, em um
tempo e espaço jamais de nidos.

Pensar na pós-modernidade é pensar em inovação, em


efemeridade do tempo e em rapidez das relações sociais. É
correto a rmar que esse tipo de relação condiz com a nossa atual
sociedade globalizada? Re ita sobre!

Fonte: elaborado pelo autor.

113
Sociologia no tempo das redes sociais

Há alguns dias, venho discutindo com amigos e alunos a relação


entre as redes sociais e a Sociologia. Desde a pulverização das
mesmas, as pessoas mantêm um relacionamento quase que
instantâneo, em mundo virtual que nem sempre re ete os
fenômenos da realidade. Qual é, então, a contribuição que a
Sociologia proporciona aos atuais acontecimentos, na sociedade
globalizada e, por que não, virtualizada? [...] O que desejo mostrar
neste artigo é que fazemos Sociologia o tempo todo. Assim como
as redes sociais, a Sociologia é dinâmica, se alterando conforme a
ocasião e analisando os fenômenos que a sociedade produz de
maneira diferente. Isto é, para a Sociologia, olhar as ações sociais
e vê-las estáticas, pouco dinâmicas, quase que naturais, não
interessa: é preciso olhar para além da normalidade dada,
visualizando situações deste tipo, em que as pessoas estão em
constante comunicação e se relacionando entre si, discutindo
assuntos do momento que passam despercebidos pela maioria da
população.

Fonte: Valenciano (2015, on-line).

114
13

A Globalização e
Pós-modernidade
O itinerário percorrido nesta unidade visou dois objetivos claros e pontuais
acerca da Sociologia: a relação dos clássicos com a atualidade e como essa
Ciência tem se relacionado com a globalização, presente em nosso cotidiano.
Observe que esses objetivos nos auxiliam a compreender a questão geral
implícita nos estudos sociológicos apresentados: demonstrar a importância e a
objetividade da Sociologia em uma sociedade cada vez mais complexa e difícil de
ser compreendida.

O passeio realizado pelos clássicos — Durkheim, Weber e Marx, auxiliados pela


teoria social de Pierre Bourdieu — foi importante para expor as diferenças entre
períodos históricos, que in uenciaram diretamente no estabelecimento do
pensamento de cada um dos autores. Nossos quadros comparativos são
fundamentais para compreender tais diferenças, bem como evidenciar, de forma
clara, a trajetória intelectual desses autores.

No segundo momento, debatemos dois conceitos relevantes da atualidade: a


pós-modernidade/globalização e a sociedade de consumo, fruto dos padrões de
vida estabelecidos atualmente. A ideia de pós-modernidade/globalização segue
com os tipos de identidade xadas, como a iluminista, a sociológica e a pós-
moderna. A característica geral desse sujeito pós-moderno é a rapidez nas
relações sociais e a alteração da noção de espaço/tempo e tempo/espaço, uma
relação modi cada diante da possibilidade de comunicação ao vivo
proporcionada fundamentalmente pela internet.

Tal alteração se re ete nas relações sociais, cada vez mais efêmeras, fugazes, em
que a existência de relacionamentos duradouros é bem menor. Essa agilidade
na comunicação, transposta para as relações sociais, remete ao conceito de
“modernidade líquida”, trabalhado pelo sociólogo Zigmunt Bauman:

São esses padrões, códigos e regras a que podíamos nos conformar, que
podíamos selecionar como pontos estáveis de orientação e pelos quais
podíamos nos deixar depois guiar, que estão cada vez mais em falta.
Isso não quer dizer que nossos contemporâneos sejam livres para
construir seu modo de vida a partir do zero e segundo sua vontade, ou
que não sejam mais dependentes da sociedade para obter as plantas e
os materiais de construção. Mas quer dizer que estamos passando de
uma era de 'grupos de referência' predeterminados a uma outra de

116
“comparação universal”, em que o destino dos trabalhos de
autoconstrução individual […] não está dado de antemão, e tende a
sofrer numerosa e profundas mudanças antes que esses trabalhos
alcancem seu único m genuíno: o m da vida do indivíduo (BAUMAN,
2001, p. 22).

O argumento de Bauman diz respeito às mudanças dos padrões de


comportamento impostos pela sociedade, agora transformados para o
condicionante individual ou de grupos especí cos: estes vão se formando ao
longo dos dias, sendo muito difícil transcrever como cada grupo se posicionará
em relação a determinados assuntos.

Veja que, na pós-modernidade/globalização, estamos a todo


tempo escrevendo uma nova história cujos fragmentos, colados a
um grande quebra-cabeças sem m, formam esse modelo
societal, pautado pelas relações sociais líquidas e por um consumo
exacerbado de bens dispostos pelo capitalismo.

Esse cenário nos conduz a respostas ainda não nalizadas acerca


de nossa sociedade, por exemplo: qual o destino desse modelo
societal? A denominada “sociedade de consumo” ainda imperará
por muitos anos? Além disso: essas relações sociais indicam a
fugacidade dos contatos, isto é, tendemos a chegar em um
momento em que tais relações serão necessariamente virtuais e
não reais? Essas e outras perguntas ainda estão sem resposta
de nida, mas são importantes para traçarmos o futuro do
pensamento losó co e sociológico acerca da humanidade.

117
Bauman acreditava, portanto, em uma liquidez nas relações sociais. Para ele, a
pós-modernidade se con gurava em uma “ausência de ordem”:

"Ordem" signi ca um meio regular e estável para os nossos atos; um


mundo em que as probabilidades dos acontecimentos não estejam
distribuídas ao acaso, mas arrumadas numa hierarquia estrita - de
modo que certos acontecimentos sejam altamente prováveis, outros
menos prováveis, alguns virtualmente impossíveis. Só um meio como
esse nós realmente entendemos. Só nessas circunstâncias (segundo a
de nição de Wittgenstein de compreensão) podemos realmente "saber
como prosseguir". Só aí podemos selecionar apropriadamente os nossos
atos - isto é, com uma razoável esperança de que os resultados que
temos em mente serão de fato atingidos. Só aí podemos con ar nos
hábitos e expectativas que adquirimos no decorrer da nossa existência
no mundo. (BAUMAN, 1998, p. 15-16).

Da mesma forma, a partir de certa “ausência de ordem”, o autor revela seu


conceito sobre a modernidade:

Em outras palavras, a modernidade é a impossibilidade de permanecer


xo. Ser moderno signi ca estar em movimento. Não se resolve
necessariamente estar em movimento - como não se resolve ser
moderno. É-se colocado em movimento ao se ser lançado na espécie de
mundo dilacerado entre a beleza da visão e a feiúra da realidade -
realidade que se enfeiou pela beleza da visão. Nesse mundo, todos os
habitantes são nômades, mas nômades que perambulam a m de se
xar. Além da curva existe, deve existir, tem de existir uma terra
hospitaleira em que se xar, mas depois de cada curva surgem novas
curvas, com novas frustrações e novas esperanças ainda não
destroçadas. (BAUMAN, 1998, p. 92).

Logo, para Bauman, a proposta da pós-modernidade (ou da modernidade) é a


capacidade de nós, indivíduos, não nos mantermos xos, mas sim em um
processo de constante movimento, seja identitário, seja nas relações sociais, do
mundo do trabalho, da cultura, en m, da vida. Bauman acredita, nesta medida,
que os pedaços formados a partir da liquidez do sujeito podem em um dado
momento se xar, mas logo tendem a se despedaçar.

118
Outro sociólogo que articulou um pensamento acerca da modernidade foi
Anthony Giddens. Para ele, a modernidade estava passando por um período de
consequências de seu amadurecimento e não estávamos (estamos) em um
período de pós-modernidade:

Em vez de estarmos entrando num período de pós-modernidade,


estamos alcançando um período em que as conseqüências da
modernidade estão se tornando mais radicalizadas e universalizadas do
que antes. Além da modernidade, devo argumentar, podemos perceber
os contornos de uma ordem nova e diferente, que é "pós-moderna"; mas
isto é bem diferente do que é atualmente chamado por muitos de "pós-
modernidade" (GIDDENS, 1991, p. 9).

A proposta do autor é que possamos re etir acerca do momento atual, em que


os mecanismos existentes de articulação social estão em um estágio mais
avançado do que a própria modernidade previa, porém não tão acelerado assim
tal qual a pós-modernidade (ou modernidade), esta defendida por Bauman.

Por m, encerramos esta aula destacando que devemos ampliar a re exividade


deste tema, um dos mais importantes da sociologia na atualidade. A disciplina,
nesse sentido, tem o papel fundamental de auxiliar na explicação dessas novas
con gurações sociais, em que o líquido parece substituir o concreto e as
“antigas” teorias precisam de uma explicação “reinventada” ou uma
exempli cação palpável, a m de constituir verdades acerca do futuro da
sociedade.

119
O paradigma clássico das ciências sociais foi constituído e continua a
desenvolver-se com base na re exão sobre as formas e os movimentos
da sociedade nacional. Mas a sociedade nacional está sendo recoberta,
assimilada ou subsumida pela sociedade global, uma realidade que
não está ainda su cientemente reconhecida e codi cada. Á sociedade
global apresenta desa os empíricos e metodológicos, ou históricos e
teóricos, que exigem novos conceitos, outras categorias, diferentes
interpretações. "Sempre houve um enorme debate sobre como a
sociedade e o estado relacionam-se, qual deveria subordinar o outro e
qual encarnar os valores morais mais elevados.

Assim, camos acostumados a pensar que as fronteiras da sociedade e


do estado são as mesmas ou, se não, poderiam (e deveriam) ser. (...)
Vivemos em estados. Há uma sociedade sob cada estado. Os estados
têm história e portanto tradições. (...) Esta imagem da realidade social
não era uma fantasia, tanto assim que teóricos colocados em
perspectivas ideográ cas e nomotéticas desempenhavam-se com
razoável desenvoltura, utilizando esses enfoques acerca da sociedade e
estado e alcançando alguns resultados plausíveis.

O único problema era que, à medida que o tempo corria, mais e mais
anomalias revelavam-se inexplicadas nesse esquema de referência; e
mais e mais lacunas (de zonas da atividade humana não pesquisadas)
pareciam emergir". Ocorre que a sociedade global não é a mera
extensão quantitativa e qualitativa da sociedade nacional. Ainda que
esta continue a ser básica, evidente e indispensável, manifestando-se
inclusive em âmbito internacional, é inegável que a sociedade global se
constitui como uma realidade original, desconhecida, carente de
interpretações.

Fonte: Disponível aqui

120
14

Desigualdade Social
no Brasil e no Mundo
Um dos problemas que afetam o Brasil há anos diz respeito às desigualdades
sociais existentes em nossa sociedade. É difícil, por um lado, estabelecer políticas
sociais justas ou que pelo menos tragam maior noção de justiça (ou seria
igualdade?) para os brasileiros. Mas, também não podemos afastar a
possibilidade de amenizar as diferenças sociais econômicas nacionais. Então,
como é possível conceituar e apontar os fatores que levam o Brasil a ser um dos
países mais desiguais do mundo? Podemos acabar terminantemente com a
desigualdade social nacional?

Entende-se como desigualdade social a diferença nas condições de vida da


população de um mesmo lugar, de determinada comunidade ou país. Ela pode
se manifestar de muitas formas, por exemplo: na diferença de acesso a direitos
básicos como saúde, moradia, educação, oportunidades de trabalho, distribuição
de renda, entre outros. Quando abordamos este conceito, uma série de
implicações nos vem à mente como, por exemplo, os conceitos de justiça e
igualdade, que iremos abordar a seguir.

O conceito de justiça consiste em um dos debates mais complexos da história da


própria loso a. Entender o que signi ca justiça é tarefa que permeia os debates
losó cos ao longo dos anos e, neste sentido, há alguns apontamentos para
chegarmos a um denominador comum. Entende-se por justiça como algo
abstrato, em que dada interação social deve ser equilibrada entre razoável e
imparcial, isto é, deve ser ao mesmo tempo “aceita socialmente” e não ter a
preferência de nenhum fator, o que a tornaria parcial. A justiça é abstrata, vez
que não podemos tocá-la – a nal, você, caro (a) aluno (a), já viu alguém tocando
a justiça por aí? Certamente não.

Apesar de “intocável”, a justiça normalmente é procurada desde os tempos


remotos da loso a. Thomas Hobbes, John Stuart Mill e Jean Jacques Rousseau,
por exemplo, são autores que buscaram o entendimento do que pode ser justo
para determinada sociedade. Não obstante, enxergamos o conceito de justiça às
vezes acompanhado da palavra social. Justiça social é, portanto, estabelecer tais
princípios em certa sociedade. Aplicar a justiça social, na teoria, é algo difícil de
acontecer na prática. Porém, nada impede dos governos, principalmente,
buscarem determinados elementos que vão ocasionar processos de justiça
social.

123
Ao passo que a justiça é buscada, há ainda a seguinte questão: é possível termos
direitos iguais? A chamada “sociedade civilizada” tem como máxima o
estabelecimento de direitos iguais perante a lei, algo que ainda não é totalmente
aplicado – sobretudo no Brasil. Ainda que os direitos civis sejam igualmente
estabelecidos, falta, da mesma forma, critérios para estabelecimento da
igualdade como um todo.

Observe, caro (a) acadêmico (a) que a manutenção de direitos totalmente iguais
em busca da então chamada igualdade é algo complexo de ser estabelecido.
Justiça, igualdade e direitos iguais são conceitos, conforme expostos, ainda
difíceis de serem alcançados totalmente. No entanto, a ideia é que no sistema
capitalista haja uma amenização das desigualdades sociais, que podem ser
menos ou mais acentuadas, conforme a sociedade de que estamos tratando.

Especialmente no caso brasileiro, a desigualdade social ainda é muito acentuada.


São apontadas quatro causas para a esta desigualdade no país: 1) falta de
acesso à educação de qualidade; 2) política scal injusta; 3) baixos salários; 4)
di culdade de acesso aos serviços estruturais básicos. Examinemos cada um
deles.

124
A falta de acesso à educação é, de fato, um dos grandes
problemas sociais do Brasil. Além das condições ruins de
transporte e da necessidade dos pais incluírem rapidamente os
lhos adolescentes no mercado de trabalho para ampliação da
renda familiar, a educação sempre é a primeira a ser cortada de
qualquer orçamento familiar. O nível da educação básica brasileira
(do ensino fundamental ao médio) ainda é muito ruim, mesmo
que houvesse uma diminuição na taxa de analfabetismo nacional.
O acesso ao ensino superior ampliou em regiões carentes do
Brasil, principalmente com ferramentas como esta – a educação à
distância. Porém, pelo segundo ano seguido o Brasil ocupa a
posição 79ª de 189 países do mundo em relação à educação, sem
evolução aparente.

Fonte: Disponível aqui

A política scal injusta também gura entre os problemas sociais nacionais. A


di culdade em estabelecer uma taxação de impostos mais justa (ou igualitária)
perpassa não somente pela classe política, mas também por um grande debate
nacional. A tributação de grandes riquezas e os altos impostos pagos pela classe
trabalhadora tem ampliado, de fato, a desigualdade social no Brasil.

Os baixos salários e o salário mínimo insu ciente para as despesas mensais


corroboram com a ampliação da desigualdade social brasileira. A sensação que
você, acadêmico (a) e trabalhador (a) tem é que o salário parece não chegar até
ao nal do mês e, mesmo que possamos acumular dois empregos formais, ainda
falta dinheiro para pagar as contas.

125
Por m, as estruturas básicas do Brasil ainda não funcionam por igual. A rede de
saneamento básico e de atendimento à saúde não tem a mesma qualidade de
prestação de serviços nos estados do Sudeste comparado com os do Norte, por
exemplo, e faltam remédios nos postos de saúde de diversos municípios. O
sistema viário, fundamental para o desenvolvimento do país, ainda é
estritamente rodoviário, estrangulando a capacidade de alavancar as ferrovias,
hidrovias e aeroportos do Brasil.

Todos estes ingredientes geram consequências muito ruins para o nosso país.
Aumento do desemprego, favelização e violência com números de assassinatos
e mortos em acidentes de trânsito exorbitantes revelam um Brasil gigante pela
própria natureza, mas ainda muito carente de oferecer e sustentar a chamada
“igualdade de oportunidades”, clamada por todos, mas sem um futuro a ser
vislumbrado.

Todo este cenário de desigualdade social revela, mais uma vez, números muito
ruins para quem mora por aqui. O Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH),
elaborado pelas Nações Unidas, traz em números esta realidade. O
levantamento usa como referência o chamado Índice de Gini, uma forma de
calcular a disparidade de renda. Observe no grá co abaixo a colocação do Brasil
em níveis mundiais:

Grá co 01: Os países mais desiguais do mundo| Fonte: Disponível aqui

126
Este grá co revela que o país é o décimo mais desigual do mundo, estando “a
frente” apenas da Colômbia e do Paraguai na América do Sul. Tal dado nos
mostra que o Brasil precisa avançar muito no quesito de desigualdade social e,
neste sentido, cabe à sociologia demonstrar com números os problemas sociais
por aqui enfrentados.

Esta aula, caro (a) acadêmico (a), é para demonstrar justamente os problemas
que levam à desigualdade social brasileira, no sentido de explicitar uma re exão
acerca do que toda a sociedade passa por aqui. As causas e consequências
foram apontadas: nos cabe agora, enquanto pesquisadores e educadores,
agirmos na transformação desta infeliz realidade.

O IBGE divulgou, no dia 15 de dezembro, a “Síntese dos


Indicadores Sociais”, pesquisa que analisa as condições de vida
dos brasileiros. O levantamento mostra que, em 2016, o Brasil
tinha 13,4 milhões de pessoas (ou 6,4% da população) vivendo em
condição de extrema pobreza – com menos de US$ 1,90 (cerca de
R$ 6) por dia, critério de análise adotado pelo Banco Mundial.

A pesquisa mostrou também que a desigualdade social no Brasil


persiste. De acordo com os dados, os brasileiros mais ricos, que se
encontram no topo da pirâmide social, têm 14 vezes mais chances
de continuar nessa posição do que pessoas mais pobres têm de
ascender socialmente. A mobilidade social no Brasil, segundo a
pesquisa, é de “curta distância”, ou seja, metade da população
consegue melhorar de vida em relação aos pais, mas essa
mobilidade está concentrada nos estratos mais baixos da
população. São, por exemplo, lhos de agricultores que se tornam
pedreiros ou empregadas domésticas.

Acesse o link: Disponível aqui

127
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geogra a e Estatística
(IBGE), conforme dados do ano de 2016, a desigualdade no Brasil
ainda alcança índices muito altos. São alguns dados divulgados
pelo Instituto: cerca de 889 mil pessoas são consideradas ricas no
Brasil; aproximadamente 45 milhões de brasileiros vivem com um
rendimento mensal que é inferior ao valor de um salário-mínimo;
cerca de 15 milhões de brasileiros vivem em situação de pobreza
extrema.

Fonte: Disponível aqui

128
15

O Processo
Doença-Saúde e
os Fatores Sociais
Para avaliarmos as questões que envolvem as doenças no Brasil, por exemplo, é
preciso enxergarmos como a saúde pode prevenir a quantidade de doenças no
país. Existem políticas públicas voltadas para esta nalidade? Podemos a rmar
que há um processo social envolvendo a série de doenças que afetam
diretamente a população nacional?

Esta aula prevê, caro (a) aluno (a), que façamos uma breve re exão acerca dos
problemas sociais que envolvem o Brasil e, por conseguinte, as doenças que
tanto atrapalham a execução de políticas públicas e cazes quando olhamos para
a sociedade como um todo.

Segundo o conceito de 1947, da Organização Mundial da Saúde (OMS), com


ampla divulgação e conhecimento, a saúde é de nida como: “Um estado de
completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença
ou enfermidade”. Isto signi ca: mais do que remediar ou tratar as doenças
existentes, a saúde é um completo estado de bem-estar, envolvendo também os
aspectos sociais em tal conceito.

Por tabela, a doença é um processo em que a dor e o sofrimento nos privam das
ótimas condições de saúde. Portanto, é um fator complicador ao nosso bem-
estar, às nossas condições físicas, mentais e sociais de paz e de bom
desempenho das atividades cotidianas. Não é errado argumentar que uma boa
saúde é condição fundamental para que possamos trabalhar, estudar, nos
divertir, en m, viver.

Neste sentido, a saúde não se manifesta, não exige atenção do Estado. A doença
sim: é o que ocorre de patologia, de problemas que atrapalham toda a
sociedade. Émile Durkheim, sociólogo já estudado por nós, diz que a sociedade
pode sim entrar em um estado de anomia ou de patologia. Vamos avaliar estes
conceitos?

130
Entre os trabalhos importantes de Durkheim estão a de nição da anomia e
patologia, dois elementos diferentes da sociedade atual que merecem um olhar
mais cauteloso em nossa sociedade. Faz-se necessário compreender que eles
não cumprem a mesma função dentro do corpo social. Mais ainda, as
sociedades não apresentam o mesmo per l médio de conduta. Ou seja, o que
pode ser considerado patológico e anormal para uma determinada sociedade,
para outra pode não ser.

Logo, o que temos que levar em conta neste momento sobre anomia e patologia
é a condição em que os dois elementos se dão em uma determinada sociedade.
Determinados fenômenos são naturais a determinados momentos e tendem a
se acomodar ao longo do tempo e desaparecer dentro da ordem social ou
estabelecer um novo comportamento. Isso se chama anomia, que pode ser um
fenômeno de transição ou só existir na condição de passagem para outro
estágio da vida social.

Se pensarmos que certas condições tendem a promover um ambiente favorável


a um comportamento anormal, temos então uma patologia, um fator de
desordem temporário. Um exemplo são mães que têm depressão pós-parto e,
muitas vezes, cometem o infanticídio, ou seja, matam os próprios lhos. Essa é
uma anomia, uma condição temporária que foge ao controle da própria mãe.

131
Em momentos de revolução, uma sociedade apresenta comportamentos que
fogem à normalidade. A desordem se estabelece pela falta de uma regulagem
dentro da ordem social, na qual acontecem as diferentes funções que a
sociedade necessita para sua existência. As condições sociais nesse ambiente de
transição acabam por propiciar, por exemplo, ações de violência ou de
degradação moral. Não é por acaso que se desenvolveu o alcoolismo e o
homicídio durante a Revolução Industrial.

Logo, a anomia não é em si um problema a ser resolvido, como uma ameaça à


sociedade, mas uma condição de sua reordenação, seja de todo o corpo social
ou de alguma de suas partes. As mudanças são constantes e quando ocorrem
em determinados pontos da sociedade podem promover uma acomodação que
envolva grande parte do corpo social. Logo, vai se estender para diversas
instituições até se estabilizar.

A patologia é um fenômeno que se apresenta dentro de uma


ordem estabelecida, com normas organizadas e que atende a
determinada condição social, mas que apresenta comportamento
fora da normalidade. Esse é um problema a ser considerado como
nocivo à sociedade. Se propagado em determinada dimensão,
pode desestabilizar a ordem e promover uma série de outros
fenômenos gerando, em cadeia, um grave problema social.

Muitas vezes, confundimos a anomia com a patologia por apresentarem o


mesmo comportamento, mas elas têm funções distintas dentro do corpo social.
Um dos comportamentos que é considerado tanto uma anomia quanto uma
patologia é o suicídio. Ele pode signi car o reforço de um comportamento
necessário, a falta de acomodação de um determinado segmento ou, até
mesmo, o substrato social. Já em outros momentos e em determinadas

132
sociedades, o suicídio é uma demonstração de problema, de uma patologia.
Representa, dessa forma, uma falta de orientação para os membros de uma
determinada sociedade, que não consegue ser incorporada ao corpo social.

Ambientes com jovens que têm renda elevada, alto grau de ociosidade diária e
falta de laços afetivos familiares podem ser propícios para o suicídio. Também
pela falta de afetividade, pela ociosidade e pela rejeição funcional os idosos têm
mais propensão ao suicídio. Mulheres se suicidam menos que os homens. Elas
tendem a constituir vínculo intenso com as comunidades e promover e ciência
de função em instituições sociais.

Segundo dados do Ministério da Saúde e da Associação Brasileira de Psiquiatria,


no Brasil ocorrem 9 mil casos de suicídio por ano, 24 por dia. A maioria é de
homens com mais de 65 anos. Em comparação com outros países, a taxa
brasileira é baixa, ca em 4,5 para cada 100 mil habitantes. Já em países como a
Rússia e a Ucrânia ela pode chegar a 30. Se considerarmos os idosos no Brasil,
esse índice sobe para 17. Na maioria dos países, as pessoas da terceira idade são
as que mais se suicidam, o que indica um alerta para as condições sociais dessa
parcela da população na sociedade.

Temos que lembrar que o suicídio para Durkheim é um fato social, analisado
pela condição coletiva do fenômeno e não pela sua particularidade. Não
interessa quem o cometeu, mas quais os fatores que o fazem ocorrer em
determinada proporção e com um per l que se destaca na ordem social. Dessa
forma, por mais que o suicídio pareça, a uma primeira vista, uma decisão do
indivíduo, ele é visto pela Sociologia como uma condição construída pela
sociedade, um ambiente fértil para o autoextermínio.

Note, portanto, que o processo saúde-adoecimento (PSa) ocorre também no


plano coletivo, social: a doença não pode e nem deve ser encarada como o
adoecimento de um indivíduo, de uma pessoa. É um produto de toda uma
sociedade, das relações sociais que ocorrem entre os indivíduos e, neste sentido,
os conceitos de anomia e patologia podem nos auxiliar na explicação de que, de
fato, tanto a saúde quanto as doenças são de origem coletiva.

Nossas indagações iniciais acerca das políticas públicas nacionais quanto à


saúde passam a ter mais força e vigor quando pensamos socialmente. Perceba,
caro (a) acadêmico (a), que no Brasil há maior quantidade de recursos

133
nanceiros avaliando a formulação e a implementação de políticas públicas para
investimentos na doença do que na saúde. Note a quantidade de unidades de
saúde, por exemplo, que são construídas a cada ano: o enfoque, às vezes, é
maior na patologia do que na prevenção, na promoção do bem-estar.

Espera-se, portanto, que estas re exões sociológicas acerca do processo doença-


saúde possam indagar como os fatores sociais são predominantes para o trato
da temática. Como exposto nesta disciplina, é impossível pensarmos a sociedade
de maneira individual e, assim, todos nós estamos ligados – de acordo com o
pensamento de cada autor, a uma sociedade.

Para Gadamer (1997), saúde e doença não são duas faces de uma
mesma moeda. De fato, se considerarmos um sistema de saúde,
como, por exemplo, o SUS, é possível veri car que as ações
voltadas para o diagnóstico e tratamento das doenças são apenas
duas das suas atividades. Inclusão social, promoção de equidade
ou de visibilidade e cidadania são consideradas ações de saúde.

O entendimento da saúde como um dispositivo social


relativamente autônomo em relação à ideia de doença, e as
repercussões que este novo entendimento traz para a vida social e
para as práticas cotidianas em geral e dos serviços de saúde em
particular, abre novas possibilidades na concepção do processo
saúde doença. Desta maneira, o Processo Saúde Doença, está
diretamente atrelado à forma como o ser humano, no decorrer de
sua existência, foi se apropriando da natureza para transformá-la,
buscando o atendimento às suas necessidades (GUALDA;
BERGAMASCO, 2004).

Acesse o link: Disponível aqui

134
Você já pensou quais são as questões básicas que poderiam
envolver o processo doença-saúde? Quais seriam as alternativas
para diminuirmos a quantidade de doenças no Brasil? Avalie estes
pontos que podem mudar a questão na prática, agindo:

Na busca de explicações (Causas ou fatores de risco) para a


ocorrência de doenças, com utilização predominante dos
métodos da epidemiologia analítica;
Nos estudos da situação de saúde (Que doenças ocorrem
mais na comunidade? Há grupos mais suscetíveis? Há relação
com o nível social dessas pessoas? A doença ou agravo
ocorre mais em determinado período do dia, ano?);
Na avaliação de tecnologias, programas ou serviços (Houve
redução dos casos de doença ou agravo após introdução de
um programa? A estratégia de determinado serviço é mais
e caz do que a de outro? A tecnologia “A” fornece mais
benefícios do que a tecnologia “B”?);
Na vigilância epidemiológica (Que informação devemos
coletar, observar? Que atitudes tomar para prevenir,
controlar ou erradicar a doença?).

Fonte: Disponível aqui

135
16

Temas Atuais e
Relevantes para
a Sociologia
Conforme exposto em nosso livro, a sociologia atravessa há anos por diversas
fases. Saímos do momento de consolidação da disciplina, nos casos de Comte,
Durkheim, Weber e Marx enquanto clássicos; passamos pelo momento de
xação do conteúdo sociológico nos Séculos XIX e XX; enfrentamos as duas
grandes guerras mundiais e o contexto de guerra fria; e, por m, as novas
tendências da globalização e da pós-modernidade.

Assim, questionamos: quais são os temas da atualidade trabalhados pela


sociologia? Existem debates mais relevantes do que outros? Como podemos
avaliar essa “nova fase” do campo de conhecimento sociológico?

O primeiro tema a ser debatido é a questão da dívida pública brasileira. Com a


consolidação da democracia enquanto regime político adotado, os governos em
geral têm enfrentado uma di culdade em estabelecer os limites de ação
democrática e, por conseguinte, otimizar as ações governamentais para que haja
superávit nas contas públicas.

O Brasil e os brasileiros comemoraram em março de 2015 os trinta anos de


restabelecimento da democracia no país. Este é o período em que a democracia
esteve mais tempo à frente do que a própria política no Brasil: como dissemos
acima, mais vale ser democrático (ainda que a expressão possua implicitamente
o conceito de liberdade) do que ser político. Ou seja, ao ser democrático sou
muito mais do que político, sendo esta uma condição fundamental para
acreditar que é possível fazer política: praticar a democracia.

137
Esta experiência de 30 anos (de 1985 em diante) nos demonstra que o valor
democrático voltou para car. Possíveis ameaças à democracia são descartadas
a todo o momento, seja pela crítica especializada, pela imprensa, pelos partidos
políticos, en m, por quem pratica e acredita que a política no país ainda tem
solução. Um levante ditatorial no atual contexto é algo totalmente descartado e
só de pensar nas experiências do Brasil e de outros países relativas à ditadura, o
medo e o terror psicológico já retornam.

Os tempos hoje são outros na política brasileira. E é sobre este último período
democrático que vamos nos concentrar neste capítulo. Muitas coisas mudaram e
a máquina pública está mais complexa, recheada de detalhes e de mecanismos
desconhecidos de grande parte da população. A confusão de termos e conceitos
é evidente e a gestão pública (a moda do momento) é muito citada na teoria, em
uma prática distante que parece não se con rmar.

Antes de tratarmos destes “novos conceitos” presentes na democracia brasileira


de 1985 para cá, vale ressaltar que, apesar da eleição de Tancredo Neves para a
Presidência da República e a posterior posse de José Sarney, a “nova cara” da
estrutura democrática do Brasil surgiu em 1988, com a promulgação da
Constituição da República Federativa do Brasil, a chamada constituição cidadã. A
Constituição Federal (CF) de 1988 recebeu este nome justamente por trazer os

138
cidadãos de volta ao debate público, permitindo três mecanismos importantes
direcionados à participação política: o plebiscito, o referendo e os projetos de
iniciativa popular.

Nota-se que a democracia por si só atravessa um momento de crise e de


contestação pública crescente. No auge das eleições brasileiras em 2018, 68%
dos entrevistados em uma pesquisa de opinião pública apontam a democracia
como a melhor forma de governo existente – ainda que uma onda conservadora
e de governos extremamente autoritários apareçam na atual política.

Com a “legitimidade” popular e internacional da democracia, há a con rmação


do pressuposto de troca de comando governamental e, neste sentido, a
população pode experimentar diversas tendências ideológicas no cenário
político. Entretanto, a crença de que a democracia impera sobre a “autonomia
coletiva” ainda é presente, conforme nos aponta Luis Felipe Miguel:

A ideia de autonomia coletiva está no coração de qualquer


compreensão normativamente íntegra de democracia. As desigualdades
sociais signi cativas são aquelas que afetam o exercício dessa
autonomia – e, dentre elas, a desigualdade de classe certamente ocupa
uma das posições de destaque. É por isso que a ausência da
preocupação com a desigualdade de classe retira das teorias “críticas” a
capacidade de fazer uma análise consequente das democracias atuais.
A suspensão da desigualdade de classe como problema não permite
tratar adequadamente das condições em que a própria expressão das
diferenças, como algo politicamente relevante, se torna possível.
(MIGUEL, 2012, p. 112).

Observa-se, portanto, que o debate político sobre a democracia pode interferir


diretamente na questão da dívida pública, vez que a escolha dos representantes
governamentais perpassa necessariamente pela escolha democrática. Aí que
notamos a di culdade em estabelecer um equilíbrio das contas públicas:
con gurar a democracia, por um lado, aliada às eleições permanentes; e, por
outro, a capacidade de tornar o regime e caz, que possa ser governado com
êxito e com grandes investimentos para a população.

139
A tabela abaixo da notícia relacionada à dívida pública brasileira mostra-nos
como é complexo equacionar orçamento público positivo com capacidade de
investimento satisfatória. A dívida pública brasileira atingiu um teto estimado de
4,3 trilhões em 2019 e, neste sentido, a quantidade de impostos pagos pelos
brasileiros ainda não seria su ciente para fazer face às despesas existentes.

Grá co 1: Dívida pública brasileira | Fonte: Disponível aqui

Algumas leis e dispositivos surgiram de 1988 para cá, organizando a política no


Brasil e buscando alcançar os princípios básicos do setor: legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e e ciência. Cada um destes princípios
norteia as atividades do setor no país, uma vez que os atos devem ser legais,
impessoais e sem favorecimento a parentes e amigos, com moralidade,
amplamente divulgados para que todos saibam e sem morosidade, com
e ciência e agilidade.

Um exemplo notado e que dá certo é a Lei de Responsabilidade Fiscal (n°


101/2000), que estabelece um princípio básico de qualquer administração
pública: não gastar mais do que a arrecadação de um município, unidade da
federação ou no governo federal. Estranho é ver uma Lei neste sentido, xando

140
aquilo que deveria ser básico para qualquer gestor. No entanto, muitos governos
rompiam o limite de arrecadação e este mecanismo foi necessário para colocar a
casa em ordem.

Outro mecanismo presente na CF desde 1998 é o Plano Plurianual (PPA), que xa


o planejamento nanceiro e de ações para um período de 4 anos, sempre
implementado a partir do segundo ano de cada nova administração, o que
obriga ao próximo administrador que cumpra as regras já estabelecidas. Em
seguida, após a elaboração do PPA, há a criação da Lei de Diretrizes
Orçamentárias (LDO), a qual busca sintonia entre o PPA e a Lei Orçamentária
Anual (LOA), enviada pelo Poder Executivo ao término de cada ano para o Poder
Legislativo, no intuito de estabelecer as diretrizes para o ano subsequente. Em
resumo: esta trinca de leis, aliadas à LRF formam o básico de exigências recentes
da administração pública do Brasil, o que auxilia na manutenção democrática e
respeito ao debate entre os poderes instituídos.

Todos estes exemplos nos demonstram como a administração


pública está se aprimorando no Brasil. Adiantamos que o estilo
patrimonialista de administrar – isto é, aquele em que o Estado é
extensão da própria casa, com favorecimentos e corrente uso do
nepotismo, podem diminuir com as atuais regras. Em sua
substituição, a administração burocrática passa vigorar no início
do Século XIX, já no Brasil republicano, em que a lei, a carreira e a
hierarquia são os postulados. O fundamento é servir a
comunidade com e ciência e probidade, combatendo a corrupção
– que também analisaremos adiante.

141
Atualmente fala-se muito em administração gerencial, em que as hierarquias e a
delegação única e exclusiva de um tipo de serviço deixam de existir no setor
público. Ao invés da gura do chefe há o líder (ou gerente), que busca reduzir
custos e agilizar a resposta às demandas existentes. Ela emerge a partir da
segunda metade do Século XX, com o cidadão e contribuinte de impostos sendo
a gura mais importante. Este espírito de contribuição também é agregado à
ideia de participação democrática, segundo a qual todos são “proprietários” do
governo, contribuindo solidariamente para o caixa do setor público. Sendo
assim, o montante disponível na gestão pública é de todos e,
consequentemente, todos devem zelar, scalizando e participando dos
acontecimentos da política.

Um outro tema relevante para o debate sociológico – para além destes que
estão no campo da sociologia política – é a questão da pós-verdade.
Diferentemente do termo “fake news”, que são notícias falsas, o conceito de pós-
verdade está relacionado a criarmos uma narrativa condizente para moldar a
opinião pública, com forte apelo à emoção e à crenças pessoais.

Em outras palavras: a era da pós-verdade é àquela em que apelamos para as


emoções e para as crenças pessoais e, considerando estes dois fatores, criamos
uma narrativa que pode ser considerada válida, em que as pessoas passam a
acreditar, deixando de lado eventualmente os fatos que objetivamente
aconteceram ou, então, ocorreram tacitamente.

As plataformas digitais como as redes sociais têm colaborado muito para a


proliferação da pós-verdade no cenário mundial. Notícias são “requentadas”,
utilizadas como verdadeiras e debatidas exaustivamente nas redes sociais como
“atuais”. Além disso, tais notícias e argumentos servem como base para criar as
narrativas da pós-verdade, conforme apontado.

Note, caro (a) acadêmico (a), que o termo inclusive foi escolhido como a palavra
do ano de 2016, dada sua relevância no debate atual. Cabe, portanto, à
sociologia analisar tal fenômeno, lançando luz sobre esta temática, um dos
desdobramentos da vida on-line que experimentamos atualmente.

Estes temas levantados nesta aula são de relevância para compreendermos


nossa atualidade, vez que estão em auge para a sociologia – tanto as questões
políticas internas e externas, conforme apontamos, tanto as sociais, como o

142
comportamento sinalizado diante da pós-verdade, por exemplo. Esperamos que
você, caro (a) acadêmico (a), possa discernir acerca destes conteúdos, jamais
perdendo a capacidade de re exividade sociológica.

Compreenda como a dívida pública funciona na prática, neste


vídeo, que analisa como o Brasil tem atravessado este problema
na atualidade.

Acesse o link: Disponível aqui

Segundo a Oxford Dictionaries, o termo “pós-verdade” com a


de nição atual foi usado pela primeira vez em 1992 pelo
dramaturgo sérvio-americano Steve Tesich. Ele tem sido
empregado com alguma constância há cerca de uma década, mas
houve um pico de uso da palavra, que cresceu 2.000% em 2016.
“‘Pós-verdade’ deixou de ser um termo periférico para se tornar
central no comentário político, agora frequentemente usado por
grandes publicações sem a necessidade de esclarecimento ou
de nição em suas manchetes”, escreve a entidade no texto no
qual apresenta a palavra escolhida.

Fonte: Disponível aqui

143
Conclusão
Durante este livro didático, nosso objetivo foi fornecer subsídios para você, caro(a)
aluno(a), pensar acerca dos fundamentos da Sociologia. Nossa proposta era
articular autores da Sociologia Clássica, com as bases da sociologia
contemporânea, além de realizar um passeio sobre as condições das atuais
relações sociais. A questão geral desse livro está voltada para compreender como
nós nos relacionamos com a vida em/na sociedade.

Nesta jornada, no primeiro momento, abordamos o surgimento das Ciências


Sociais, além do ambiente de formação da Sociologia. A ideia era lançar as bases
para você poder dialogar com os autores, trabalhados nas unidades posteriores.

Já nas aulas a seguir, pudemos constatar as diferenças e semelhanças do


pensamento sociológico de Comte, Durkheim, Weber, Marx e Bourdieu, além de
solidi car os principais conceitos fundados por esses pensadores. A proposta é
simples, porém direta: xar esses conceitos e saber articulá-los entre si.

Adiante, além de conversar paralelamente com os clássicos, colocando-os lado a


lado, na tentativa de elucidar possíveis dúvidas, ressaltamos a história da
sociologia no Século XX e pensamos, também, como a antropologia dialoga com
ela. A noção de cultura e multiculturalismo esteve presente, é claro.

Por m, trouxemos a discussão para a Sociologia na pós-modernidade, bem como


falamos sobre os fundamentos desta disciplina no atual contexto social em temas
de relevância, tais quais a desigualdade social no Brasil, as questões da saúde e a
ética pro ssional. Nosso “passeio sociológico” pode contrapor o clássico com o
moderno, o antigo com o contemporâneo, en m, os princípios da Sociologia com
os debates atuais.

Observe, caro(a) aluno(a), que é impossível tratarmos todo o conteúdo em apenas


um livro. Entretanto, o salutar aqui foi abordado, esperando que você possa ter
uma nova visão sobre nossa sociedade, lembrando, é claro, que nesta rede em
que estamos interligados somos interdependentes.

144
Material Complementar

Livro

Condição Pós-Moderna
Autor: David Harvey
Editora: Edições Loyola

Sinopse: Com a tese de que estamos sendo dominados pelas


novas formas de uso do tempo e do espaço, bem como a
supressão de ambos, David Harvey lança as bases sobre a pós-
modernidade e suas nuances.

Livro

Textos Básicos de Sociologia

Autor: Celso Castro


Editora: Zahar

Sinopse: De passagem panorâmica acerca dos principais


sociólogos, Celso Castro reúne nesta coletânea fragmentos de
autores consagrados das ciências sociais, como Karl Marx, Émile
Durkheim, Gerog Simmel, Max Weber, Norbert Elias, Erving
Go man, Howard Becker, Pierre Bourdieu, Zygmunt Bauman,
Wright Mills e William Foote White.

Livro

Sociologia Clássica — Marx, Durkheim e Weber


Autor: Carlos Eduardo Sell

Editora: Vozes
Sinopse: A partir da importância de Marx, Durkheim e Weber
para a matriz sociológica, Carlos Eduardo Sell retoma a teoria
sociológica demonstrando os modelos básicos de pensamento
dos autores, as características de cada um e os desa os
propostos para a análise da modernidade.

145
Filme

Crash — no limite
Ano: 2004
Sinopse: A proposta do lme é debater a mistura étnica de
diferentes classes sociais após Jean Cabot, esposa de um
promotor de uma cidade ao sul da Califórnia, ser assaltada por
dois negros. Após o roubo, um acidente de trânsito acaba
aproximando diferentes pessoas, o que demonstra os atuais
modelos de relações sociais da pós-modernidade.

Filme

A Vila

Ano: 2004
Sinopse: Em 1897, uma vila parece ser o local ideal para viver:
tranquila, isolada e com os moradores vivendo em harmonia.
Porém esse local perfeito passa por mudanças quando os
habitantes descobrem que o bosque que os cerca esconde uma
raça de misteriosas e perigosas criaturas, por eles chamados de
"Aquelas de Quem Não Falamos".

Web

Texto acadêmico que faz referências à questão do conceito de


dominação criado pelo sociólogo Max Weber.

Acesse o link

Web

Dos clássicos da Literatura aos clássicos da Sociologia, trata-se


de um excelente texto para fazer o balanço entre o que signi ca
ser clássico para a Literatura e, da mesma forma, para a
Sociologia.

Acesse o link

146
Referências
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