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PLANO DE ENSINO DE CULTURA E SOCIEDADE

UNIPAM – CENTRO UNIVERSITÁRIO DE PATOS DE


MINAS

CURSO – ADMINISTRAÇÃO
ANO LETIVO PERÍODO CARGA HORÁRIA SEMANAL
2014 1º 4 h/a

Identificação da Disciplina: CULTURA E SOCIEDADE


Professor: Altamir Fernandes de Sousa

Ementa
Estudo de temas clássicos e contemporâneos essenciais para o entendimento da configuração do
mundo atual nas perspectivas histórica, antropológica, sociológica e filosófica. Conhecimento dos
aspectos caracterizadores da formação étnico-racial e cultural da sociedade brasileira.

Objetivos gerais
Desenvolver a capacidade de reflexão crítica por meio da discussão e da análise dos principais temas
relacionados às áreas do saber histórico, filosófico, antropológico e sociológico.

Objetivos específicos
- Compreender o processo de constituição da cultura ocidental a partir das matrizes da antiguidade
clássica greco-romana.
- Analisar a geopolítica contemporânea, a partir das relações do Brasil com o mercado internacional.
- Reconhecer aspectos relevantes da cultura contemporânea para a formação profissional.
- Estimular a leitura, a interpretação e a produção de textos relacionados às áreas do conhecimento
humanístico.
- Estabelecer relações, comparações e contrastes em diferentes situações.
- Compreender os aspectos caracterizadores da formação étnico-racial e cultural brasileira.

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Conteúdos do plano de ensino
1 Trabalho, mercado e responsabilidade social PAG. 5
1.1 Educação e Sociedade do Conhecimento
1.2 Relações de trabalho e o perfil do profissional no século XXI
1.3 Empreendedorismo e inovação
1.4 Responsabilidade social: setor público, privado e terceiro setor

2 O homem e a cultura PAG. 41


2.1 O homem: ser biológico e cultural
2.2 A cultura: definições, cultura popular e cultura erudita
2.3 Multiculturalismo, relações étnico-raciais, história e cultura afro-brasileira e indígena
2.4 Indústria Cultural

3 Meios de comunicação de massa, tecnologia e novas mídias PAG. 56


3.1 Os meios de comunicação de massa e suas características
3.2 As velhas e novas mídias
3.3 Comunicação e tecnologia de informação
3.4 Mídia e sociedade de consumo

4 Ética e Ideologia PAG. 75


4.1 Moral e ética
4.2 Ética geral e profissional
4.3 Democracia, ética e cidadania
4.4 Ideologia

5 Relações sociais de gênero PAG. 94


5.1 Configurações de gênero na sociedade atual
5.2 Machismo e sexismo
5.3 Feminismo
5.4 Desigualdade e discriminação da mulher na cultura e na sociedade brasileira.

6 Reestruturação Produtiva e geopolítica PAG. 110


6.1 Reestruturação produtiva e toyotismo
6.2 Globalização e Neoliberalismo
6.3 A globalização e a crise financeira mundial
6.4 Reflexos político-institucionais, econômicos e sociais da globalização no Brasil

7 Geração Y PAG. 150


7.1 Novas tecnologias e a nova geração de trabalhadores do conhecimento (Y)
7.2 Contexto histórico do nascimento das gerações Baby Boomers, X, Y e Z
7.3 O que a Geração Y quer e precisa no trabalho
7.4 Estratégias e programas para gerenciar a geração Y

8 Ecologia e Biodiversidade PAG. 170


8.1 Natureza e sociedade como espaço de cidadania
8.2 O movimento ecológico e políticas públicas
8.3 Desenvolvimento, sustentabilidade social e ambiental
8.4 Catástrofes ambientais e sociedade

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9 Violência urbana e rural PAG. 187
9.1 Origens da violência
9.2 Discurso midiático e a violência
9.3 Políticas públicas e violência
9.4 Movimentos Sociais

10 O conhecimento em seus diversos aspectos PAG. 204


10.1 Tipos de conhecimento (religioso, vulgar, filosófico e científico)
10.2 Senso comum X conhecimento científico
10.3 Ciências exatas/ ciências humanas
10.4 Método científico

Atividades práticas supervisionadas


Os discentes farão leituras de ensaios científicos e artigos de revistas selecionados pelo
professor e assistirão a filmes, cuja abordagem se refira à disciplina, com a finalidade de
reconhecer, interpretar e analisar os apontamentos teóricos analisados nas aulas. Além disso,
serão realizados trabalhos e exercícios.

Metodologia
Pretende-se, mediante fundamentação teórica e recortes da realidade, compreender e criticar
as transformações engendradas pelo homem na sociedade. As aulas serão desenvolvidas sob a
forma de exposições dialogadas, seminários, análises de textos e filmes.

Recursos didáticos
Quadro, giz, datashow, filmes e livros e textos das obras indicadas na referência bibliográfica.

Avaliação
Durante o semestre letivo, a nota do discente na disciplina será composta pelos seguintes
indicadores avaliativos:
a) Quarenta pontos distribuídos pelo docente da disciplina, em exercícios, trabalhos e provas.
b)Vinte pontos distribuídos no Projeto Integrador.
c) Vinte pontos da Avaliação Colegiada.
d) Vinte pontos da Avaliação Integradora (AVIN)
Considerar-se-ão dois critérios, que não se excluem, para a aprovação na disciplina, a saber:
a) Mínimo de sessenta pontos de aproveitamento, conforme nota global da disciplina.
b) Mínimo de setenta e cinco por cento de frequência na disciplina.
Referência bibliográfica básica

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ARON, R. As etapas do pensamento sociológico. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Lei nº 11.465, de março de 2008. Altera a Lei nº
9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, ...
a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Brasília:
SEPPIR/SECAD/INEP, 2005. Disponível em: <
http://www.iteral.al.gov.br/legislacao/http___www.iteral.al.gov.br_legsilacao_Lei-2011.465_-
20de-202008.pdf/view>. Acesso em: 18 abr. 2011.
CHAUÍ, M. Convite à filosofia. 14. ed. São Paulo: Ática, 2011.
LARAIA, R. de B. Cultura: um conceito antropológico. 24. ed. Rio de Janeiro: Rio de
Janeiro, 2009.

Referência bibliográfica complementar

ANTUNES, R. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 5.


ed. São Paulo: Boitempo, 2009.
ARANHA, M. L. de A. Filosofando: introdução à filosofia. 3. ed. São Paulo: Moderna, 2009.
BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação das Relações Étnico-Raciais e para o ensino de História e Cultura Afro-
Brasileira e Africana. Brasília: SEPPIR/SECAD/INEP, 2005. Disponível em:
<http://www.sinpro.org.br/arquivos/afro/diretrizes_relacoes_etnico-raciais.pdf>. Acesso em:
18 abr. 2011.
BRASIL. Lei nº 10.639, de 09 de janeiro de 2003. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro
de 1996. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 09 jan. 2003.
Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm>. Acesso em: 03
fev. 2011.
CARVALHO, J. M. de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 14. ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2011.
COLEÇÃO. Os Pensadores. 5. ed. São Paulo: Nova Cultura, 1991.
MASI, D. D. A sociedade pós-industrial. São Paulo: Senac, 2003.
NILO, O. O que é violência. São Paulo: Brasiliense, 1983.
SANTOS, M. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 7.
ed. São Paulo: Record, 2001.
VALLS, A. L. O que é ética. 9. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.

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CULTURA E SOCIEDADE – textos adaptados

1º Texto: Introdução à Pós-modernidade na Sociedade do Conhecimento

Modernidade e Pós-modernidade

 Dimensões da incerteza presente: muitos aspectos da vida contemporânea contribuem para


se superar a sensação de incerteza; o “mundo ao nosso alcance” está indeterminado,
incontrolável e assustador. Temas: fragmentação, descontinuidade temporal, perda da
identidade pelo sujeito, desorganização espacial, globalização.
 sintomas: violência ecológica (degradação ambiental, exaustão de recursos naturais),a
violência humana (homicídios, narcotráfico e consumo de drogas, prostituição infantil,
corrupção, impunidade);o que se projeta no mundo são os medos, as angústias, o isolamento,
as ambições pessoais e a insensibilidade, que às vezes, remontam à barbárie; compulsão pelo
consumismo, a busca do prazer a todo custo exigem a adoção de novos valores. A
organização subjetiva e intersubjetiva do sujeito é que vai possibilitar um sentido
transcendente para a vida.

Paradigma da Modernidade

Periodização e caracterização da modernidade, segundo Marshall Berman: 1ª. fase – entre séculos
XVI e XVIII; 2ª. fase inicia-se com a Revolução Francesa (1789) e 3ª. fase – século XX –
modernidade e modernização se mundializam com o progresso técnico.

 Nascimento do indivíduo moderno (colapso da ordem social e econômica medieval): se


deve ao Renascimento (XVI) – o homem como centro do universo (antropocentrismo),
Reforma Protestante, revoluções científicas e Iluminismo (XVIII), homem racional,
científico, individualizado, libertado do dogma e da intolerância, “Penso, logo existo”;
capacidade da razão, de consciência e de ação.
 Modernidade: liberta o homem das tradições medievais (cultura girava na figura divina, na
ideia de Deus). O homem se liberta da Igreja, do pensamento tradicional e das limitações
geográficas.
 Revolução Industrial (inglesa): consolidação do capitalismo (XVIII)
 O ideal iluminista da modernidade: intentava assegurar ao homem moderno uma vida de
maior prazer e felicidade – com a utilização racional dos meios para se alcançar os
benefícios do progresso.
 O sujeito centrado, individualizado, consciente, racional, autônomo do Iluminismo, cada vez
mais viu seu espaço sendo ocupado por um sujeito fragmentado, contraditório, deslocado,
descentrado: o sujeito pós-moderno.

Pós-modernidade ou “Modernidade Líquida” (Z. Bauman)

 Conceito multifacetado: condição sociocultural e artística do capitalismo tardio.


 Surgiu em decorrência da desconstrução de princípios, conceitos e sistemas construídos na
modernidade, desfazendo todas as amarras da rigidez que foi imposta ao homem moderno.
 A partir dos anos 1980: período sem regras e normas claras; pessoas perdidas e sem
referenciais, deprimidas em razão de um suposto desamparo vertical (crise das instituições –
família, escola, igreja).
 A educação recebida dos pais e das escolas, os valores como ética, moral e caráter, a
religião, a solidez da família constituída no casamento tradicional, foi perdendo espaço para
novas formas de comportamento regidas pelas leis do mercado, do consumo e do espetáculo.

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 Sociedade pós-moderna e a transição paradigmática: mudanças no panorama social,
econômico, político e cultural.
 Discurso da “síndrome do fim”: das utopias e das ideologias (visão política neoconservadora
ou neoliberal).
 Utopia: passa a ser uma anomalia, ou seja, desapareceu o horizonte utópico distante e o
imediatismo sustentando pela tecnologia eletrônica aproximou o horizonte/tempo/espaço.
 Principais teóricos da pós-modernidade: Lyotard e Baudrillard
 Lyotard: “rompimento com as antigas verdades absolutas (marxismo e liberalismo) típicas da
modernidade”.
 Críticos da pós-modernidade: Habermas, Jameson, Harvey e Berman.
 Habermas: pós-modernidade está relacionada a tendências políticas e culturais
neoconservadoras.
 Origens: a partir do pós-guerra (1945) questiona-se: objetividade da verdade, da história e de
normas, desencadeando processos de descentralização e ruptura.
 Tudo está englobado: mudança tecnológica avançada (3ª. Revolução Industrial, envolvendo
telecomunicações e o poder da informática), surgimento de movimentos sociais, emancipação
feminina. A mulher entra para o mercado e se profissionaliza. Autonomia
financeira/emancipação

Características da pós-modernidade:

 Sevcenko define a pós-modernidade como o “fim da crítica”: o homem não tem consciência
crítica de seu lugar na história. O passado não tem significado para ele, nem o futuro. O
homem pós-moderno está confinado no seu presente conhecido.
 “Modernidade líquida” (Z. Bauman) é definida como a época das incertezas, das
fragmentações, das desconstruções, da troca de valores, do vazio, do imediatismo, da
efemeridade, do hedonismo, da substituição da ética pela estética, do narcisismo, da apatia, do
consumo e do fim dos grandes discursos.
 “Vale tudo”: age-se de acordo com o momento e com a conveniência; a flexibilização da
ética (“Os fins justificam os meios”) – as pessoas passam umas por cima das outras, sem
qualquer constrangimento ou culpa, em busca de dinheiro e poder.
 Mudança de valores culturais, éticos.
 flexibilidade no mundo do trabalho e do sujeito
 fragmentação cultural, da realidade e do sujeito
 simulacros: simulação da realidade (mundo das imagens)
 Mercado como determinante do valor de todo bem de consumo e como regulador da
participação de cada um no produto social
 passividade e identificação com os valores do mercado = homem = consumidor
 Sociedade de consumo: redenção do ser humano
 Com o “fim das utopias”, aparece o macro discurso único universal que engloba todos os
desejos, aspirações, expectativas e esperanças.
 Consumo é a síntese da desimportância do ser humano, transformado em consolo individual
através do acesso infinito aos bens de consumo.
 O homem que não se realizou como ser histórico recupera sua suposta autonomia nos jogos
narcísicos e individualistas que lhe são ofertados pelo sistema.
 A publicidade prefere o emocional ao racional, escolhe a sedução em vez da informação. A
imagem publicitária evoca o gozo que se consuma na própria imagem, ao mesmo tempo, que
promete fazer do consumidor um ser pleno e realizado.
 Publicidade oferece aos nossos desejos um universo que insinua que a juventude, a saúde, a
virilidade e feminilidade dependem daquilo que compramos.
 É uma sociedade de consumo porque o valor da vida, do sujeito, das escolhas de vida que ele
tem vão ser medidos pelo que ele é capaz de consumir. Consumir dá o parâmetro da inserção,

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da valorização. Hoje é o consumo que dita a qualidade e a possibilidade de inserção dos
sujeitos.
 Cultura atrelada ao consumismo (o papel dos shopping centers, o “LSD da classe média”). –
“passeio socrático” (“estou apenas observando para ver quanta coisa existe que eu não
preciso para ser feliz”)
 O consumo está tão enraizado em nossa sociedade que as pessoas estão se consumindo como
se fossem mercadorias. A “coisificação” do ser humano e o anseio pela novidade é o motor
propulsor da sociedade de consumo e das relações interpessoais.
 É uma sociedade, aparentemente, com muita liberdade de escolha: como você quer viver,
seu estilo de vida, como você vai se vestir, que tribo vai frequentar o que vai comer beber. Há
muita liberdade no plano superficial, no plano da festa.
 Na sociedade atual, as pessoas ficam infelizes por se sentirem culpadas de não estarem tão
felizes quando deveriam.
 Indústria cultural e papel da mídia: sujeitos sem consciência autônoma e consumidores
passivos; entretenimento.
 Mídia tradicional: abordagem acrítica da sociedade de mercado
 turbilhão midiático pretensamente informativo, mas totalmente desorientado e desprovido de
sentido, apenas estímulos para nossos desejos = para manter o sujeito sob controle
 As “redes sociais” que, utilizadas de maneira crítica e consciente, promovem mecanismos de
politização e interatividade interpessoal, na dinâmica do “amor líquido” e tornam apenas
utensílios para a ampliação de amigos. Temos milhares de amigos nas redes sociais, mas
somos incapazes de olhar de maneira humana para o nosso vizinho.
 americanização de hábitos e consumos – “american way of life”
 busca fútil do homem: desejos imediatos, felicidade intimista e materialista
 interesse pela vida privada (reality show - Big Brother)
 “sociedade do espetáculo” e efemeridade: programas apelativos de entretenimento e
sensacionalistas
 “crise de representação” nas artes e nas linguagens: destruição dos referenciais que
norteavam o pensamento
 desconfiança da razão nos impele a: “Barbárie cultural” (no cinema, na música) e
escapismos na literatura - esoterismo e autoajuda (Paulo Coelho, o fenômeno editorial
Surfistinha e cia); espiritualismo de efeito imediato
 consagração do hedonismo (“prazer’ como estilo de vida)
 o “ficar” é a maneira narcísica de buscar o prazer, o outro é coisificado
 o individualismo exacerbado
 vivemos hoje na “escravidão do sucesso”: obsessão absurda para atingir a eficácia
 a competição como forma de constituição da identidade pessoal e reconhecimento
 nessa cultura do individualismo competitivo, o indivíduo é levado pelo desejo desenfreado
da felicidade, identificada ao sucesso., sendo este identificado pela eliminação do outro
(moral e profissional).
 O medo, gerado pela insegurança e pela competição.
 sociedade atual é promotora do narcisismo: o gosto pelo efêmero e a perda de referência
temporal ao passado e ao futuro; o presente é um instante fugaz
 a sociedade narcisista desvaloriza culturalmente o passado e também não se interessa pelo
futuro; perdeu-se o sentido da continuidade histórica
 o núcleo da sociedade narcisista é a necessidade do espelho, isto é, das imagens. O indivíduo
depende do espelho dos outros para validar sua precária ou existente autoestima. Ficando a sós
consigo mesmo, cresce sua insegurança, pois ele precisa de plateia e admiração. (Mas na
constituição do sujeito o narcisismo é necessário porque o sujeito depende, e sempre
dependerá do olhar do outro para o seu reconhecimento).
 A imagem midiática, espelho que reflete uma imagem que deve ser desejada ou desejável, é
por sua irrealidade inalcançável.

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 Intimidade emocional e narcísica: culto ao corpo; fortalecimento da imagem corporal (e
investimentos que o transformam = moda, estética, cirurgias, adereços, tatuagens =
preocupação consigo mesmo = anseios que envolvem suas vidas individuais através de
aspectos relacionados ao corpo e aos modos de torná-lo mais desejado, sexy, bonito, jovial e
produtivo).
 Autoexame corporal e psíquico incessante com a finalidade de detectar imperfeições,
incorreções e faltas por comparação com a imagem hiper-real ou virtual.
 Preocupação estética: Síndrome da juventude eterna: (malhar o corpo e não o espírito) “O
império da razão cede lugar à intuição. O quociente intelectual à inteligência emocional. O
mundo se re-encanta. Anjos e duendes, bruxas e extraterrestres enchem os espaços à nossa
volta. A história se fragmentaliza. A história acabou, proclama o neoliberalismo. As classes
sociais perduram, as desigualdades se agravam (....) Malhamos o corpo, na dedicada tentativa
de impedir que ele envelheça. Morremos todos esbeltamente jovens, descuidados de malhar o
espírito.” (Frei Betto)

Síntese - Tempos líquidos e o viveiro das incertezas (Bauman)

1º a passagem da fase “sólida” da modernidade para a fase “líquida”, ou seja, para uma
condição em que as organizações sociais não podem mais manter sua forma por muito tempo,
pois se decompõem e se dissolvem mais rápido.

2º a separação e o divórcio entre o poder e a política. Grande parte do poder de agir (antes
disponível ao Estado), agora se afasta na direção de um espaço global politicamente
descontrolado, enquanto a política – a capacidade de decidir a direção é incapaz de operar
efetivamente na dimensão planetária. A falta de poder torna as instituições politicas existentes,
cada vez menos relevantes para os problemas existenciais dos cidadãos. Assim, os órgãos de
Estado transferem, terceirizam suas funções para a iniciativa privada.

3º A retração ou redução gradual da segurança comunal pelo Estado destrói os alicerces da


solidariedade social. Os laços inter-humanos se tornam cada vez mais frágeis. A exposição dos
indivíduos aos caprichos dos mercados promove a divisão e incentiva as atitudes competitivas.

4º O colapso do pensamento, do planejamento e da ação a longo prazo e o desaparecimento ou


enfraquecimento das estruturas sociais, leva a um desmembramento da história politica e das vidas
individuais numa série de projetos de curto prazo.

5º A responsabilidade em resolver os dilemas gerados por circunstâncias voláteis e instáveis


é jogada sobre os ombros dos indivíduos.

Amor líquido (Bauman)

 É um amor “até segundo aviso”, o amor a partir do padrão dos bens de consumo: mantenha-os
enquanto eles te trouxerem satisfação e os substitua por outros que prometem ainda mais
satisfação. Na sua forma “líquida”, o amor tenta substituir a qualidade por quantidade de relações.
 As relações se estabelecem e se findam com fluidez, marcadas pela ausência de comprometimento
com o outro. O prazer é momentâneo, em pouco tempo as relações são trocadas por outras.
 As relações humanas perdem sua substancialidade e se igualam ao nível das coisas. As pessoas se
tornam coisas que podem ser adquiridas, consumidas e descartadas ao gosto do usuário, trocando-
o por outro que aparentemente se demonstre mais “interessante” no momento.
 As relações amorosas se tornam apenas um meio de obtenção imediata de prazer sexual e não uma
interação interpessoal, pautada pelo respeito e pela afirmação do valor humano do outro.
 A paixão hedonista de satisfação imediata dos ímpetos sensuais tornou a figura do parceiro
amoroso apenas um pedaço de carne capaz de proporcionar o prazer esperado.

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 A busca virtual de relacionamentos e a propensão à vivência de relacionamentos descartáveis, que
encenam episódios românticos e líquidos flexíveis. Preferimos abrir mão das relações amorosas
concretas para adentrarmos na dimensão das relações virtuais que, em si, são reais, mas
desprovidas do “olho no olho” que caracteriza as experiências éticas mais profundas.
 Nunca houve tanta procura para relacionar-se com alguém, mas as relações são frágeis, começam
e terminam na mesma velocidade. Pois, na sociedade consumista globalizada há sempre novos
“produtos”, mais modernos, atraentes e estimulantes para serem consumidos.
 As relações afetivas são muito ambivalentes: todos querem a segurança de um amor eterno, mas
desejam também voar e ter o pássaro que voa enquanto mantém o outro seguro nas mãos.
 No contexto da vivência líquida, amar se caracteriza sempre como um ato arriscado, perigoso. O
“outro” é considerado apenas uma peça, que rapidamente entra em processo de obsolescência em
nossa frívola experiência afetiva, para que logo após se posa descartá-lo tal como o bagaço da
laranja atirado ao lixo; sem que haja qualquer crise de consciência da parte do indivíduo
consumista de afetos e experiências em cometer tal ato para com o parceiro amoroso.
 Troca-se de parceiro como se troca de peça de vestuário. A busca por experiências “amorosas”
fugazes não representa sinal de vitalidade sexual do indivíduo, mas um empobrecimento da sua
capacidade de se relacionar profundamente com a subjetividade do outro.
 Os “relacionamentos de bolso” e a descartabilidade são a tônica do ‘amor líquido’, pois podemos
dispor deles quando necessário e depois tornar a guardá-los.
 Os “relacionamentos virtuais” são assépticos e descartáveis e não exigem o compromisso efetivo
de nenhuma das partes pretensamente envolvidas nessa interação eletrônica.
 O sistema de vida alienante da cultura ocidental abalou as estruturas psicológicas dos indivíduos,
promovendo a barbárie social e o afloramento da ansiedade perante tempos incertos. O amor
líquido é um sintoma da fragilidade das relações humanas na confusão dos valores submetidos aos
signos tecnocráticos do capital.
 Enfim, não nos permitimos vivenciar o amor pleno, por medo de sermos usados no máximo das
nossas capacidades e posteriormente descartados. Não queremos ser violentados afetivamente pelo
desgosto da desilusão sentimental.

Crise de identidade do homem pós-moderno

 O homem é um ser racional e pensante que tem capacidade de conhecer e compreender a si


mesmo e também a capacidade de questionar a sua práxis.
 O ser humano se caracteriza pela não conformidade com a sua condição limitada de ser. Freud
vai chamar de mal estar, Sartre de angústia e Kierkegaard tédio, desespero.
 Lacan: angústia é a sensação de falta (alguma coisa); existe um objeto perdido e eu não sei
o que é e saio a procurá-lo. Sentimento positivo: a sensação de falta para o humano. No
mundo animal não falta nada. Está determinado pela natureza já programada. O homem é um
ser inacabado, cabe a ele a árdua tarefa de nomear, significar e dar sentido (símbolo) às coisas,
aos acontecimentos, às pessoas, enfim à vida. E pior ainda, com a consciência de que um dia
ele morrerá. Não é eterno. Facticidade da existência consciente. Para Freud e Lacan, esta
sensação de que falta algo, que na verdade faltará sempre, é o que faz o sujeito ir em busca de
algo, não nomeado, mas com significantes possíveis, transferidos e mutantes.
 Este descontentamento e busca de algo desconhecido é a ANGÚSTIA, e esta vai se
manifestar na vida humana de diversas formas. O que vai mover o sujeito é o sentimento de
insatisfação. Numa sociedade de excessos, esta movimentação não existe. Daí uma sociedade
que não cria. Repete e não deseja: consome.
 A angústia faz parte do existir humano. Angústia aqui não quer dizer melancolia ou
tristeza, mas a SENSAÇÃO DA FALTA DE ALGO neste mundo e no próprio ser.
 Haverá sempre uma dor, uma queixa, um mal-estar, ou seja, angústia. Embora a angústia seja
da ordem do plano mental, ela vai ser manifestada no corpo, nas relações, nas organizações,
na violência enfim, no mundo. “Viver é perigoso” (Guimarães Rosa)

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 Alguns colocam como objeto perdido, a ideia de Deus e isso seria um complemento, uma
resposta às nossas angústias.
 Do (des) contentamento nascem os fenômenos psicológicos: a doença, o amor, o ódio, o
medo, sentimentos e desejos. A Psicologia é a Ciência que tem por objeto estudar o
comportamento humano. Por se tratar de uma ciência ainda menina, ela tem se multiplicado
em diversas abordagens, fragmentando assim o conceito de humano em sua complexidade.
Neste contexto, o constructo dado pela Psicanálise, ainda sustenta uma compreensão melhor
da inquietação e insatisfação humana, enquanto ciência.
 Psicanálise: aprender a conviver com a falta – a “angústia é infinita”, porque o ser humano
não é curável no seu desejo de completude ou simbiose primária (mãe/filho)
 Psicanálise nos ensina a conviver e sobreviver sem este objeto, por saber que é uma falta
eterna; essa coisa que nós buscamos não existe; é um objeto perdido que nunca existiu. Na
análise psicanalítica o sujeito vai se deparar como um ser de falta, incompleto, ser barrado (
ele não é onipotente no sentido de tudo ter por tudo desejar)
 Neste trabalho subjetivo o ser humano retorna à sua essência de ser inacabado e ser em
construção. Daí o mal estar é inerente e necessário. Os sintomas (sinais e substitutos deste mal
estar) variam de acordo com a cultura.
 Os seres humanos por serem desejantes, seres de linguagem e marcados pela linguagem
(representação) são condenados a sentir, primeiro mal-estar e angústia, depois por serem
impulsionados para algo que se supõe trazer a felicidade, um estado de completude de não
falta.
 O desejo, no fundo, sempre procura realizar a nostalgia do objeto perdido, que habita no
inconsciente, isto é, no lugar do “não-sabido”.
 Lacan: “o desejo é sempre o desejo de um outro desejo”. O desejo humano é algo sempre
adiado, é intervalar.
 O desejo jamais é satisfeito porque tem origem e sustentação da falta essencial que habita o
ser humano, daquilo que jamais será preenchido e, por isso mesmo o fazer sofrer, mas também
o impulsiona para buscar realização – ou satisfação pessoal – no mundo objetivo ou na sua
própria subjetividade (sonhos, artes, projetos utópicos, etc).
 Podemos ter ‘tudo’ e ao mesmo tempo sentir vazio existencial; podemos sentir prazer e ao
mesmo tempo colher desprazer em nossos atos demasiadamente humanos.
 Saída para angústia? Freud em “O futuro de uma ilusão” (1927) descreve sua interpretação
das origens da religião, seu desenvolvimento, psicanálise e futuro. Freud via a religião como
um sistema de crenças falsas. Ele diz que a angústia é eterna e eu nunca vou saber encontrar
esse objeto perdido. Então, eu preencho a minha vida com Deus, para ficar feliz e forte. Para
Freud sempre vai existir um mal-estar nas civilizações.
 O ser humano para escapar dessa agonia de não se adaptar à vida, vai criando maneiras de se
ligar. A Religião é re-ligar-se. A Psicanálise inclui a religião e a crença em um Deus como
uma maneira do ser humano diminuir essa morbidez de pertencer a uma vida em que ele não
sabe porque, para onde ele vai e o que ele tem de fazer.
 A identidade do homem é realmente algo formado, ao longo do tempo, através de
PROCESSOS INCONSCIENTES e não algo inato. Ela permanece sempre incompleta, está
sempre em processo, sendo formada. Psicanaliticamente nós estamos buscando a “identidade”.
 Inacabamento do homem
 A psicanálise não ensina o sentido da vida, mas ao questionar sua história e suas escolhas,
permite ao sujeito encontrar um sentido para sua vida, do que possa ser as felicidades
possíveis, sendo ele o autor de sua própria história.
 Estes paradigmas circulam entre nós, porém podemos questionar: esta forma de descrever a
insatisfação humana (elaborada no século passado) servem para elucidar as questões
emergentes do homem pós-moderno? Este “software” criado especificamente por Freud
esclarece o comportamento e reações do homem pós-moderno?

O que fazer diante da crise?

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 Crise: origem etimológica - do sânscrito “kri”: limpar e depurar
 Concepção crítica em relação à pós-modernidade: análise da produção social e histórica das
diferenças
 “renascer das cinzas”
 É próprio do ser humano não se contentar com a realidade em que vive. Há impulsos que nos
levam para além da finitude humana. Sonhamos com o impossível e com a infinitude.
 Possibilidade de reconstrução coletiva a partir da HUMANIZAÇÃO DO INDIVÍDUO, não do
narcisismo moderno. A questão das representações sociais e as novas formas de ONG’s.
 O sujeito tem que ter CONSCIÊNCIA de sua AUTONOMIA e deseje algo (Para a Psicologia
o DESEJO surge a partir da consciência de que falta alguma coisa e que jamais será
preenchido). Mas o desejo desloca-se para a construção de um futuro)
 Resgatar os valores éticos
 O homem tem a capacidade de transformar criativamente os aspectos negativos em algo
construtivo ou positivo.
 Transcendência: romper barreiras e ultrapassar todos os limites, impulsionando a busca
permanente por novos mundos.
 Homem é um ser utópico: sonha para além daquilo que é dado e feito
 Ser humano: é um ser nunca pronto, é um projeto ilimitado, inacabado, transcendente,
criativo, que se rebela, protesta um ser de abertura, aberto ao outro, ao mundo.
 Nossa estrutura de base é o desejo: ele é infinito e ilimitado
 E se o humano transcende, parafraseando Nietzsche, ele é humano, demasiadamente humano.
 Engajar um projeto: supere divergências e respeite a diversidade, criando solidariedade
cósmica.
 produção do pensamento crítico é um importante dispositivo contra o conformismo, o
sentimento fatalista de que está “tudo dominado”
 Práxis: ação consciente e transformadora da realidade
 é preciso ter uma visão sistêmica, “in totum” (de totalidade) - omnilateral e holonômica.
 Saída: termos a coragem de rever e construir um caminho novo – racional e emocional; a
capacidade de reinventar é inerente ao ser humano.
 Nada é definitivo (temos que ter esperança) – não estamos encurralados a um arranjo
existencial – podemos rompê-lo e enriquecê-lo ou “o futuro é a escuridão” (autodestruição e
barbárie)

01 - Pós-modernidade: o homem e sua fragmentação

Fragmentação, descontinuidade temporal, perda da identidade pelo sujeito, desorganização


espacial, globalização e suas consequências são alguns dos temas em foco na sociedade pós-
moderna, que tem exposto preocupação em revelar as contradições sócio-político-econômico-
culturais da sociedade e o quanto elas têm interferido no cotidiano das pessoas.
O ideal iluminista de modernidade intentava assegurar ao homem moderno uma vida de
maior prazer e felicidade e este estado deveria ser alcançado através da utilização racional dos
meios que possibilitariam ao homem alcançar os benefícios do progresso. Entretanto, registra-se um
forte sentimento de frustração advindo da impossibilidade do progresso disponibilizar a todos tudo o
que cria e produz – artefatos, arte, cultura, por exemplo –, exatamente pelo fato de ser implementado
pelo capitalismo, o qual, a um só tempo, congrega e desagrega, une e desune, inclui e exclui.
O processo de globalização que se acelerou nas últimas décadas do século XX – fator
desestruturante da sociedade de concepção iluminista – ao instituir o acirramento das questões de
classes, oriundas das desigualdades surgidas do regime capitalista, associado à impossibilidade do
homem beneficiar-se de tudo o que produz, criou, na sociedade, ao término do século 20, verdadeira
“crise de identidade”. O sujeito centrado, individualizado, consciente, racional, autônomo e
autossuficiente do Iluminismo, cada vez mais viu seu espaço sendo ocupado por um sujeito
fragmentado, contraditório, deslocado, descentrado: o sujeito pós-moderno.

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A fragmentação do homem pós-moderno

Para alguns especialistas, estamos hoje na pós-modernidade. Nicolau Sevcenko define a pós-
modernidade como o fim da crítica: o homem não tem consciência crítica de seu lugar na História e
no mundo. O passado não tem significado para ele, nem o futuro. De forma que o presente é a única
dimensão conhecida. Se o homem pós-moderno está confinado no seu presente conhecido, o entorno
– e nele a natureza, o espaço e outros sujeitos – não se relaciona com ele. Sevcenko descreve,
portanto, um homem inconsciente das implicações de sua presença no mundo, apenas superficialmente
em contato com suas necessidades. Daí temos o egoísmo levado às últimas consequências, aquele
egoísmo pós-moderno em que nem há consciência do “ego”. A busca pela realização de um projeto,
ou a felicidade, dá lugar na pós-modernidade à busca pelo prazer individual e imediato.

02 – Pós-modernidade: uma luz que para uns brilha e para outros ofusca no fim do túnel

O mundo pós-moderno

“Um mundo de presente eterno, sem origem ou destino, passado ou futuro; um mundo no qual é
impossível achar um centro ou qualquer ponto ou perspectiva do qual seja possível olhá-lo
firmemente e considerá-lo como um todo; um mundo em que tudo que se apresenta é temporário,
mutável ou tem o caráter de formas locais de conhecimento e experiência. Aqui não há estruturas
profundas, nenhuma causa secreta ou final; tudo é (ou não é) o que parece na superfície. É um fim à
modernidade e a tudo que ela prometeu e propôs.” Krishan Kumar

Onde não há pensamento a longo prazo, dificilmente pode haver um senso de destino compartilhado,
um sentimento de irmandade, um impulso de cerrar fileiras, ficar ombro a ombro ou marchar no
mesmo passo. A solidariedade tem pouca chance de brotar e fincar raízes. Os relacionamentos
destacam-se, sobretudo pela fragilidade e pela superficialidade. (Z. Bauman. Vidas desperdiçadas.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. Adaptado).

Às vezes parece que o mundo está de pernas para o ar. No bombardeio de informações e notícias
que chegam à sociedade a cada instante, seja por meio do rádio, da televisão, de revistas ou da
Internet, a violência, os atos de corrupção, os sequestros, os crimes com requintes de crueldade
ganham cada vez mais destaque. A educação recebida dos pais e das escolas, os valores como ética,
moral e caráter, a religião, a solidez do casamento e da família, estão perdendo espaço para novas
formas de comportamento regidas pelas leis do mercado, do consumo e do espetáculo.

Vive-se numa época de grande barbárie e de pouca solidariedade. São tempos de alta
competitividade guiados pela lógica da acumulação de bens e das aparências. Em nome dessa nova
ideologia, os indivíduos se permitem agir passando por cima de valores que sequer chegaram a
formar. O que importa é ser reconhecido, ser admirado, ter acesso a uma infinidade de produtos e
serviços e usufruir o máximo do prazer.

E para isso, tudo é válido. Age-se de acordo com o momento e com a conveniência. “Pegar um
atalho”, como se diz na linguagem da informática, tornou-se uma prática comum. Nesse contexto, não
há por que esperar e se sacrificar para adquirir bens e ter sucesso, se existe meios mais rápidos para
conseguir o que se pretende. Mas afinal, que tempos são esses em que as pessoas passam umas por
cima das outras, sem qualquer constrangimento ou culpa, em busca de dinheiro e poder? Será que é
possível encontrar uma luz no fim do túnel e ter otimismo nesse cenário?

A Pós-Modernidade como divisor de águas

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Para muitos teóricos, filósofos e sociólogos, a época atual é marcada por fenômenos que representam
um divisor de águas com a Modernidade. Chamada e estudada como Pós-Modernidade, ela é
caracterizada por mudanças significativas provocadas e vividas pelo homem. Entre as mais
evidentes, e que desencadearam muitas outras, pode-se apontar a globalização, unificadora das
sociedades do planeta, um novo modo de cultura e as novas condições que põem em perigo a
continuidade da espécie humana.

A Pós-Modernidade surgiu com a desconstrução de princípios, conceitos e sistemas construídos


na modernidade, desfazendo todas as amarras da rigidez que foi imposta ao homem moderno. Com
isso, os três valores supremos, o Fim, representado por Deus, a Unidade, simbolizada pelo
conhecimento científico e a Verdade, como os conceitos universais e eternos, entraram em decadência
acelerada na Pós-Modernidade.

Por conta disso, para a maioria dos autores, a Pós-Modernidade é traçada como a época das
incertezas, das fragmentações, da troca de valores, do vazio, da deserção, do imediatismo, da
efemeridade, do hedonismo, da substituição da ética pela estética, do narcisismo, da apatia, do
consumo de sensações e do fim dos grandes discursos.

A antropóloga Miriam Goldemberg admite que esta preocupação com o “eu” tem gerado
problemas novos, como a extrema preocupação com o corpo e sua perfeição, com o prazer e
estimulando um consumo compulsivo de coisas e pessoas. Por outro lado, alega que isso tem gerado
pessoas mais reflexivas, mais preocupadas com o meio ambiente e com a humanidade e mais sensíveis
aos problemas sociais. Com uma visão otimista, sustenta que um dos aspectos mais visíveis da época
em que vivemos é a capacidade que cada indivíduo tem de inventar novos arranjos conjugais,
novas formas de atuar profissionalmente e socialmente, sem obedecer às determinações sociais. “Vê-
se ainda a capacidade de aceitar e até valorizar grupos que eram estigmatizados socialmente, como os
homossexuais, os divorciados, os solteiros e os sem filhos”, argumenta. Concluindo, ela afirma que a
Pós-Modernidade não se caracteriza apenas pelas incertezas, pelo vazio, pelo narcisismo, pelo
hedonismo, mas também pelas ideias de invenção, criação e negociação.

Para a psicanalista Vera Rita de Melo Ferreira, o otimismo é uma possibilidade da mente.
Considera a mente humana como um universo em expansão. “Aquilo que não sabemos é muito mais
vasto do que a parte minúscula que conhecemos”. Em sua opinião, se atualmente vive-se na
incerteza, significa que não se sabe tampouco a direção exata para onde se está indo, ou seja, que
pode haver chances de se descobrir alternativas inesperadas. “O fato de não conseguirmos enxergar
motivos claros para acreditar que o futuro seja viável não significa necessariamente que estes não
existam. A falta de perspectiva pode refletir a limitação de nosso pensamento, incapaz de alcançar
aquilo que não existe no momento”, completa.

Compartilhando do ponto de vista da psicanalista Vera Rita, Ligia Lindbergh Silva, formada em
Filosofia, também é otimista. afirma que é possível a pessoa ser permanentemente otimista apesar da
tríade trágica dos aspectos da existência humana – a dor, a culpa e a morte. “O homem tem a
capacidade de transformar criativamente os aspectos negativos em algo construtivo ou positivo.
O que importa é tirar o melhor de cada situação”. Para ela, o potencial humano sempre permite
transformar o sofrimento numa conquista e numa relação humana, extrair da culpa a oportunidade
de mudar a si mesmo para melhor e fazer da transitoriedade da vida um incentivo para realizar ações
responsáveis.

Aprofundando mais a questão das desigualdades e suas consequências, o psicólogo Alex de Paula
Tavares admite que é difícil ser otimista quando os contrastes sociais (riqueza e pobreza), as
epidemias (AIDS, dengue, DST), a violência ecológica (desmatamentos, queimadas, extinção de
animais, efeito estufa) e a violência humana (homicídios, narcotráfico e consumo de drogas,
prostituição infantil, corrupção, impunidade) são verdadeiras avalanches que parecem a todos

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soterrar. “Tantos desequilíbrios externos refletem um maior, o interno”, ressalta. Na sua visão, o que
se projeta no mundo são os medos, as angústias, o isolamento, as ambições pessoais e a
insensibilidade que, muitas vezes, remontam à barbárie de séculos idos.

A pós-modernidade é definida assim, por muitos autores como a época das incertezas, das
fragmentações, das desconstruções, da troca de valores.

Entrevista com Zygmunt Bauman – Revista Istoé – 24/10/2010

ISTOÉ -O que caracteriza a “modernidade líquida”?

ZYGMUNT BAUMAN - Líquidos mudam de forma muito rapidamente, sob a menor pressão. Na
verdade, são incapazes de manter a mesma forma por muito tempo. No atual estágio “líquido” da
modernidade, os líquidos são deliberadamente impedidos de se solidificarem. A temperatura elevada
— ou seja, o impulso de transgredir, de substituir, de acelerar a circulação de mercadorias rentáveis —
não dá ao fluxo uma oportunidade de abrandar, nem o tempo necessário para condensar e solidificar-se
em formas estáveis, com uma maior expectativa de vida.

ISTOÉ - As pessoas estão conscientes dessa situação?

ZYGMUNT BAUMAN - Acredito que todos estamos cientes disso, num grau ou outro. Pelo menos às
vezes, quando uma catástrofe, natural ou provocada pelo homem, torna impossível ignorar as falhas.
Portanto, não é uma questão de “abrir os olhos”. O verdadeiro problema é: quem é capaz de fazer o
que deve ser feito para evitar o desastre que já podemos prever? O problema não é a nossa falta de
conhecimento, mas a falta de um agente capaz de fazer o que o conhecimento nos diz ser necessário
fazer, e urgentemente. Por exemplo: estamos todos conscientes das consequências apocalípticas do
aquecimento do planeta. E todos estamos conscientes de que os recursos planetários serão incapazes
de sustentar a nossa filosofia e prática de “crescimento econômico infinito” e de crescimento infinito
do consumo. Sabemos que esses recursos estão rapidamente se aproximando de seu esgotamento.
Estamos conscientes — mas e daí? Há poucos (ou nenhum) sinais de que, de própria vontade, estamos
caminhando para mudar as formas de vida que estão na origem de todos esses problemas.

ISTOÉ -A atual crise financeira tem potencial para mudar a forma como vivemos?

ZYGMUNT BAUMAN - Pode ter ou não. Primeiramente, a crise está longe de terminar. Ainda
veremos suas consequências de longo prazo (um grande desemprego, entre outras). Em segundo lugar,
as reações à crise não foram até agora animadoras. A resposta quase unânime dos governos foi de
recapitalizar os bancos, para voltar ao “normal”. Mas foi precisamente esse “normal” o responsável
pela atual crise. Essa reação significa armazenar problemas para o futuro. Mas a crise pode nos obrigar
a mudar a maneira como vivemos. A recapitalização dos bancos e instituições de crédito resultou em
dívidas públicas altíssimas, que precisão ser pagas pelos nossos filhos e netos — e isso pode
empobrecer as próximas gerações. As dívidas exorbitantes podem levar a uma considerável
redistribuição da riqueza. São os países ricos agora os mais endividados. De qualquer forma, não são
as crises que mudam o mundo, e sim nossa reação a elas.

ISTOÉ - Ao se conectarem ao mundo pela internet, as pessoas estariam se desconectando da sua


própria realidade?

ZYGMUNT BAUMAN - Os contatos online têm uma vantagem sobre os off-line: são mais fáceis e
menos arriscados — o que muita gente acha atraente. Eles tornam mais fácil se conectar e se
desconectar. Casos as coisas fiquem “quentes” demais para o conforto, você pode simplesmente
desligar, sem necessidade de explicações complexas, sem inventar desculpas, sem censuras ou culpa.
Atrás do seu laptop ou iphone, com fones no ouvido, você pode se cortar fora dos desconfortos do
mundo off-line. Mas não há almoços grátis, como diz um provérbio inglês: se você ganha algo, perde
alguma coisa. Entre as coisas perdidas estão as habilidades necessárias para estabelecer relações de

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confiança, na saúde ou na tristeza, com outras pessoas. Relações cujos encantos você nunca conhecerá
a menos que pratique. O problema é que, quanto mais você busca fugir dos inconvenientes da vida off-
line, maior será a tendência a se desconectar.

ISTOÉ - E o que o senhor chama de “amor líquido”?

ZYGMUNT BAUMAN - Amor líquido é um amor “até segundo aviso”, o amor a partir do padrão dos
bens de consumo: mantenha-os enquanto eles te trouxerem satisfação e os substitua por outros que
prometem ainda mais satisfação. O amor com um espectro de eliminação imediata e, assim, também
de ansiedade permanente, pairando acima dele. Na sua forma “líquida”, o amor tenta substituir a
qualidade por quantidade — mas isso nunca pode ser feito, como seus praticantes mais cedo ou mais
tarde acabam percebendo. É bom lembrar que o amor não é um “objeto encontrado”, mas um produto
de um longo e muitas vezes difícil esforço e de boa vontade.

ISTOÉ - Nesse contexto, ainda faz sentido sonhar com um relacionamento estável e duradouro?

ZYGMUNT BAUMAN - Ambos os tipos de relacionamento têm suas próprias vantagens e riscos. Em
um mundo “líquido”, em rápida mutação, “compromissos para a vida” podem se revelar como sendo
promessas que não podem ser cumpridas — deixando de serem algo valioso para virarem dificuldades.
O legado do passado, afinal, é a restrição mais grave que a vida pode impor à liberdade de escolha.
Mas, por outro lado, como se pode lutar contra as adversidades do destino sozinho, sem a ajuda de
amigos fiéis e dedicados, sem um companheiro de vida, pronto para compartilhar os altos e baixos?
Nenhuma das duas variedades de relação é infalível. Mas a vida também não o é. Além disso, o valor
de um relacionamento é medido não só pelo que ele oferece a você, mas também pelo que oferece aos
seus parceiros. O melhor relacionamento imaginável é aquele em que ambos os parceiros praticam
essa verdade.

ISTOÉ - O que explicaria o crescimento do consumo de antidepressivos?

ZYGMUNT BAUMAN - Você colocou o dedo em um dos muitos sintomas da nossa crescente
intolerância ao sofrimento – na verdade, uma intolerância a cada desconforto ou mesmo ligeira
inconveniência. Em uma vida regulada por mercados consumidores, as pessoas passaram a acreditar
que, para cada problema, há uma solução. E que esta solução pode ser comprada na loja. Que a tarefa
do doente não é tanto usar sua habilidade para superar a dificuldade, mas para encontrar a loja certa
que venda o produto certo que irá superar a dificuldade em seu lugar. Não foi provado que essa nova
atitude diminui nossas dores. Mas foi provado, além de qualquer dúvida razoável, que a nossa
induzida intolerância à dor é uma fonte inesgotável de lucros comerciais. Por essa razão, podemos
esperar que essa nossa intolerância se agrave ainda mais, em vez de ser atenuada.

ISTOÉ - E a obsessão pelo corpo perfeito?

ZYGMUNT BAUMAN - Não é o ideal de perfeição que lubrifica as engrenagens da indústria de


cosméticos, mas o desejo de melhorar. E isso significa seguir a moda atual. Todos os aspectos da
aparência corporal são, atualmente, objetos da moda, não apenas o cabelo ou a cor dos lábios, mas os
tamanhos dos quadris ou dos seios. A “perfeição” significaria um fim a outras “melhorias”. Na
cirurgia plástica, são oferecidos aos clientes cartões de “fidelidade”, garantindo um desconto nas
sucessivas cirurgias que eles certamente irão realizar. Assim como a indústria de celebridades, a
indústria cosmética não tem limites e a demanda por seus serviços pode, a princípio, se expandir
infinitamente.

ISTOÉ - O que está por trás desse culto às celebridades?

ZYGMUNT BAUMAN - Não é só uma questão de candidatos a celebridades e seu desejo por
notoriedade. O que também é uma questão é que o “grande público” precisa de celebridades, de
pessoas que estejam no centro das atenções. Pessoas que, na ausência de autoridades confiáveis,

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líderes, guias, professores, se oferecem como exemplos. Diante do enfraquecimento das comunidades,
essas pessoas fornecem “assuntos-chave” em torno dos quais as quase-comunidades, mesmo que
apenas por um breve momento, se condensam —para desmoronar logo depois e se recondensar em
torno de outras celebridades momentâneas. É por isso que a indústria de celebridades está garantida
contra todas as depressões econômicas.

ISTOÉ - Como fica o futuro nesse contexto de constantes mudanças?

ZYGMUNT BAUMAN - Nossos ancestrais eram esperançosos: quando falavam de "progresso", se


referiam à perspectiva de cada dia ser melhor do que o anterior. Nós estamos assustados: “progresso”,
para nós, significa uma constante ameaça de ser chutado para fora de um carro em aceleração. De não
descer ou embarcar a tempo. De não estar atualizado com a nova moda. De não abandonar
rapidamente o suficiente habilidades e hábitos ultrapassados e de falhar ao desenvolver as novas
habilidades e hábitos que os substituem. Além disso, ocupamos um mundo pautado pelo “agora”, que
promete satisfações imediatas e ridiculariza todos os atrasos e esforços a longo prazo. Em um mundo
composto de “agoras”, de momentos e episódios breves, não há espaço para a preocupação com
“futuro”. Como diz um outro provérbio inglês: “Vamos cruzar essa ponte quando chegarmos a ela”.
Mas quem pode dizer quando (e se) chegar e em que ponte?

ISTOÉ - No Brasil, a violência é uma questão especialmente preocupante. Como o Sr. enxerga
isso?

ZYGMUNT BAUMAN - Para começar, as favelas servem como uma lixeira para um número enorme
de pessoas tornadas desnecessárias em partes do País onde suas fontes tradicionais de sustento foram
destruídas — para quem o Estado não tinha nada a oferecer nem um plano de futuro. Mesmo que não
declararem isso abertamente, as agências estatais devem estar felizes pelo fato de o povo nas favelas
tomar os problemas em suas próprias mãos. Por exemplo, ao construir seus barracos rapidamente e de
qualquer forma, usando materiais instáveis, encontrados ou roubados, na ausência de habitações
planejadas e construídas pelas autoridades estaduais ou municipais para acomodá-los.

ISTOÉ - Essa ausência do Estado abriu espaço para os traficantes. O combate às quadrilhas às
vezes é usado com justificativa para excessos da polícia. Por que tanta violência?

ZYGMUNT BAUMAN - As relações entre a polícia e as empresas de tráfico de drogas são, na


apropriada expressão de Bernardo Sorj (sociólogo brasileiro, professor da Universidade Federal do
Rio), “nem de guerra nem de paz”. Esse amor e ódio entre as duas principais agências de terror
aumenta o estigma da favela como o local da violência genocida. Ao mesmo tempo, porém, também
contribui para a “funcionalidade” das favelas na manutenção do atual sistema de poder no Brasil. A
polícia brasileira tem um longo histórico de tratamento brutal aos pobres, anterior à proliferação
relativamente recente das favelas. A brutalidade da polícia é mesmo para ser espetacular. Como não é
particularmente bem sucedida no combate à criminalidade e à corrupção, a polícia, para convencer a
população de seu potencial coercitivo, deve assustá-la e coagi-la a ser passivamente obediente.

ISTOÉ - O sr. vê uma solução?

ZYGMUNT BAUMAN - Algo está sendo feito, mesmo que, até agora, não seja suficiente para cortar
um nó firmemente amarrado por décadas, senão séculos. Um exemplo é o Viva Rio (ONG que atua
contra a violência). Pequenos passos, talvez, sopros não fortes o suficiente para romper a armadura do
ressentimento mútuo e indiferença moral de anos entre “morro” e “asfalto” no Rio. Mas a escolha é,
afinal, entre erguer paredes de pedra e aço ou o desmantelamento de cercas espirituais.

ISTOÉ - O que o sr. diria ao jovens?

ZYGMUNT BAUMAN - Eu desejo que os jovens percebam razoavelmente cedo que há tanto
significado na vida quando eles conseguem adicionar isso a ela através de esforço e dedicação. Que a

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árdua tarefa de compor uma vida não pode ser reduzida a adicionar episódios agradáveis. A vida é
maior que a soma de seus momentos.

Profa. Dra. Claudia Bonfim (ago/2010) indica a leitura do livro “AMOR LÍQUIDO” – sobre a
fragilidade dos laços humanos, de ZIGMUNT BAUMAN.

O autor consegue, ao nosso ver, fazer um leitura realista dos relacionamentos modernos e pós-
modernos, num mundo que ele identifica como líquido, em que as relações se estabelecem e se
findam com extraordinária fluidez, marcadas pela ausência de comprometimento com o outro, onde
as pessoas gostam de estar juntas apenas para sentir prazer, e como o prazer é momentâneo, em
pouco tempo as relações são trocadas por outras. Aponta também, que há aqueles que vivem um
relacionamento estável, mas sem excluir a possibilidade de viver conjuntamente outros
relacionamentos. Que convivem juntos, mas abrem possibilidades de outros relacionamentos e há
aqueles que não dividem o mesmo espaço, porque acreditam que precisam preservar sua liberdade,
evitando a rotina e os conflitos da vida a dois, sem perceber que isto pode se configurar em uma
relação que seja mais fácil romper cada um já está no seu próprio espaço, ou seja, não tem o mesmo
nível de comprometimento de um relacionamento de convivência comum. O autor coloca que viver
desta forma é como procurar um abrigo sem vontade de ocupá-lo por inteiro.

Bauman ainda analisa a busca virtual de relacionamentos, mostrando que a virtualidade tem
ganhado mais espaço que nos encontros concretos, e aponta que com o crescimento das redes virtuais,
a intimidade pode sempre escapar do risco de um comprometimento, e de um envolvimento real que a
possibilidade de estar sempre disponível para outras aventuras. Bauman mostra que na sociedade de
hoje há uma propensão maior à vivência de relacionamentos descartáveis, que ilusoriamente
encenam episódios românticos e líquidos, flexíveis.

Bauman aponta ainda que, na era do individualismo e do consumismo, estamos mais bem
aparelhados para disfarçar um medo antigo da solidão, entre celulares e notebooks, vivemos uma
solidão ilusoriamente acompanhada, que teme: o amor por outra pessoa e o comprometimento.

Ainda retrata duas contradições centrais: de um lado a “vontade de ser livre” inerente à constante
busca pela individualização, e de outro constante a busca por alguém ideal, como se existisse uma
pessoa perfeita. Mas a pessoa perfeita não existe, existe a pessoa certa. Capaz de nos compreender,
respeitar e amar. Mas, nessa busca do ideal, que ao mesmo tempo quer sua liberdade, a velocidade
com que as pessoas são trocadas por outras é quase inacreditável. Na sociedade pragmática e
utilitarista as coisas e relações não mais são feitas para durar. Se a relação não está boa, parte-se
para outra, isso quando de fato se consolida um relacionamento, pois muitas vezes, a busca começa e
termina em uma única relação sexual.

Bauman afirma que nunca houve tanta procura para relacionar-se com alguém, mas as relações
são frágeis, começam e terminam na mesma velocidade. Pois, na sociedade consumista globalizada
há sempre novos “produtos”, mais modernos, atraentes e estimulantes para serem consumidos.
Assim, Bauman trata das consequências provocadas por uma sociedade que sustenta a busca pela
individualização, pela liberdade em detrimento da vida afetiva estável.

Considera ainda que, mesmo as relações afetivas são muito ambivalentes; todos querem a segurança
de um amor eterno, mas desejam também voar e ter o pássaro que voa enquanto mantém o outro
seguro nas mãos. A insatisfação afetiva ou sexual, muitas vezes levam os parceiros a buscar outras
experiências e relações, consentidas inclusive. Algumas vezes acreditando que isto pode inclusive,
salvar ou melhorar seus relacionamentos conjugais. Ou seja, são relações frágeis e flexíveis,
advindas segundo Bauman, especialmente da racionalidade da sociedade moderna e globalizada.

Enfim, em nossa análise crítica, consideramos que o livro nos leva a refletir sobre relações
descartáveis, sem vínculo seguindo a lógica do consumismo. Numa sociedade onde a maioria das
pessoas estão “disponíveis”, acredita-se que o que importante é a quantidade e não a qualidade de

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relações. Disputam-se quantas pessoas beijaram em uma noite, quantos parceiros sexuais conseguem
em um dia, ou em uma semana. Dentro da fragilidade e superficialidade das relações, o outro é visto
como um produto/objeto disponível para consumo. E geralmente as pessoas amanhecem o dia em suas
camas, casas, e solidões vazias. Alguns sentem-se culpados por ter sido usados, outros já descartam a
memória, e seguem como se nada tivesse acontecido, afinal em suas percepções e sensações vazias,
nada aconteceu mesmo, pois o que não tem significado, nem afeto, nada representa de fato. E seguem,
na sua busca insaciável...

Amor Líquido - Caos restrito

Amor líquido: descartável amor.


“melhor assim", ela disse,
Termina sem rancor.

Amor líquido: é a mais nova moda


Dizer que ama dez segundos antes de ir embora.

Amor líquido: com prazo de validade


Com garantia em defeitos de fábrica
Amor fácil, sem saudade.

Amor líquido: descompromisso... tanto faz...

Amor líquido: customize sua paixão agora


Escolha os olhos, cor e cabelo
Programe a hora de jogar fora.

Amor líquido: saliva, sexo, suor.


Vista suas roupas logo.
Dê o fora, me deixe só.

Amor líquido: diga seu nome se quiser.


Troque carícias comigo
Mas esconda teu rosto se puder.

Amor líquido: queda, precipício.


Belo novo mundo...

Amor líquido: fogo sem calor.


Tudo menos... tudo menos... tudo menos amor.

O desafio de amar

Segundo Bauman, nossa sociedade vive o fenômeno da "multidão solitária" em que as pessoas
convivem lado a lado, mas dificilmente aprofundam contatos, o que torna cada vez mais raro o
relacionamento genuíno entre dois indivíduos

Renato Nunes Bittencourt

Os objetos adquirem como que vida própria e se tornam mais importantes do que a singularidade
humana, plenamente subjugada pelo mecanismo social do dinheiro. As relações humanas,
intermediadas por mercadorias, perdem sua substancialidade e se igualam ao nível das coisas.
Conforme argumenta a socióloga Eva Illouz, “na cultura do capitalismo afetivo, os afetos se tornaram
entidades a ser analisadas, inspecionadas, discutidas, negociadas, quantificadas e mercantilizadas”.

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As pessoas se tornam coisas que podem ser adquiridas, consumidas e descartadas ao gosto do
usuário, trocando-o por outro que aparentemente se demonstre como mais “interessante” no
momento. Nessa dinâmica existencial, ninguém é considerado insubstituível e toda ideia de
singularidade se torna um argumento vazio. Nesse processo de dissolução da dignidade humana, “a
pessoa não se preocupa com sua vida e felicidade, mas em tornar-se vendável”. As relações amorosas
se tornam apenas um meio de obtenção imediata de prazer sexual, e de modo algum uma genuína
interação interpessoal, pautada pelo respeito e pela afirmação do valor humano do outro. Esse
processo de despersonalização do indivíduo, imerso no oceano da indiferença existencial, é a
característica por excelência da ideia de “vida líquida” problematizada por Bauman; uma vida
precária, em condições de incerteza constante: “A vida na sociedade líquido-moderna é uma
versão perniciosa da dança das cadeiras, jogada para valer. O verdadeiro prêmio nessa competição é a
garantia (temporária) de ser excluído das leiras dos destruídos e evitar ser jogado no lixo”.

Em tempos de capitalismo flexível, é inviável a manutenção na crença em relações afetivas


duradouras. Em uma perspectiva ética orientada pelos princípios da alteridade, não se pressupõe que
todas as relações interpessoais sejam duradouras do ponto de vista extensivo, mas sim que sejam
intensas e afirmadoras das qualidades de ambas as pessoas envolvidas nesse processo. É inconveniente
aos preceitos mercantis e seus inerentes mandamentos produtivistas que o indivíduo sofra
continuamente pelas dores de amor, pois isso gera riscos de diminuição da capacidade de dedicação
humana ao labor cotidiano. Todavia, ao menos nesse ponto, o comercialismo capitalista conseguiu
burlar esse transtorno ao criar uma miríade de medicamentos que atenuam o mal-estar existencial
decorrente da ausência do ser amado ao nosso lado.

As histórias clássicas de amor demonstram sua superficialidade ao transmitir a ideia do “viveram


felizes para sempre”, como se a efetivação matrimonial da relação amorosa culminasse na supressão
de todas as adversidades existenciais; talvez seja justamente a partir desse momento que todos os
percalços surjam, pois a convivência cotidiana com o outro é a prova maior de sua suportabilidade e
condição indispensável para que possamos desenvolver uma genuína experiência ética. Ao abordar
essa questão, o psiquiatra espanhol Enrique Rojas afirma que: “O amor humano é um sentimento de
aprovação e afirmação do outro, e por isso nossa vida tem um novo sentido de busca e desejo de estar
ao lado da outra pessoa”.

O amor autêntico por uma pessoa não pode se fundamentar apenas em um contrato moral-
jurídico-religioso, mas sim em uma poderosa celebração regida pela espontaneidade e pela
alegria. O respeito verdadeiro pelo ser amado não brota pelo cumprimento de um formalismo
contratual, mas sim pelo cuidado para com ele, nascido do sentimento de alteridade; tal como
pertinentemente abordado por Edgar Morin: “A autenticidade do amor não consiste em projetar nossa
verdade sobre o outro e, finalmente, ver o outro exclusivamente segundo nossos olhos, mas sim de nos
deixar contaminar pela verdade do outro”. Porém, essa experiência é incompatível com o regime de
descartabilidade capitalista, no qual todas as coisas devem ser de pouca durabilidade, de modo
que a roda do consumo jamais se paralise.

Obviamente que todo ser humano possui pleno direito de experimentar exaustivamente relações
afetivas em busca da autorrealização amorosa, mas o elemento criticável na conjuntura capitalista
inserida na sociabilidade decorre da irresponsabilidade ética para com a figura do outro, imputada
como desprovida de interioridade, sentimentos e valores. Queremos gozar a vida plenamente
mesmo que através da degradação do outro e sem que corramos os riscos provenientes das incertezas
decorrentes de toda relação interpessoal. Slavoj Zizek argumenta criticamente que “hoje tudo é
permitido ao ‘último homem’ hedonista: tirar proveito de todos os prazeres, mas na condição de
eles estarem privados da sua substância, que os torna perigosos”.

Imerso nesse processo rotativo de inclusão e exclusão instantâneas nas suas relações afetivas, o
indivíduo teme afirmar a potência unificadora do amor que, em sua própria vivência, é inefável.
Quando amamos, amamos a pessoa pelo que ela é ou pelo que ela representa socialmente e

19
materialmente para nós? Podemos afirmar que a “moralidade líquida” optou pela segunda
possibilidade, fazendo sempre da figura do outro um estranho que só adquire importância quando
se presta a satisfazer os nossos objetivos egoístas. Conforme argumenta o ensaísta mexicano
Octavio Paz: “O amor é uma tentativa de penetrar em outro ser, mas só pode ser realizado sob a
condição de que a entrega seja mútua. Em todos os lugares é difícil esse abandono de si mesmo;
poucos coincidem na entrega e menos ainda conseguem transcender essa etapa possessiva e gozar o
amor como o que realmente é: um descobrimento perpétuo, uma imersão nas águas da realidade e uma
recriação constante”.

No contexto da vivência líquida, amar se caracteriza sempre como um ato arriscado, perigoso, pois
não conhecemos de antemão o resultado final das nossas experiências afetivas: só é possível nos
preocuparmos com as consequências que podemos prever, e somente delas podemos lutar para
escapar. O “outro” é considerado apenas uma peça, que rapidamente entra em processo de
obsolescência em nossa frívola experiência afetiva, para que logo após se possa descartá-lo tal
como o bagaço da laranja atirado ao lixo; sem que haja qualquer crise de consciência da parte do
indivíduo consumista de afetos e experiências em cometer tal ato para com o parceiro amoroso.
Tal como destaca Pierre Lévy em sua valiosíssima incursão na Ética do amor: “Quem não se ama usa
os outros para preencher as próprias deficiências. Busca um ego complementar ao seu”.

Ser livre pressupõe uma responsabilidade difícil de suportar perante a opressão de nossa líquida vida
social, cada vez mais diluída na ausência de uma autêntica compreensão e valorização da figura
do “outro”, que é sempre imputado como o estranho, jamais um potencial indivíduo capaz de
interação. As parcerias não se fortalecem e os medos não se dissipam. A grande ameaça, no contexto
amoroso, decorre da incapacidade de compreendermos o valor afetivo de nossos interlocutores.
Conforme diz Zygmunt Bauman acerca dessa dinâmica afetiva, “é preciso diluir as relações para que
possamos consumi-las”.

Não nos permitimos vivenciar o amor pleno, por medo de sermos usados no máximo das nossas
capacidades e posteriormente descartados. Afinal, não queremos ser violentados afetivamente pelo
desgosto da desilusão sentimental. Segundo Anthony Giddens, “para que um relacionamento tenha a
probabilidade de durar, é necessário o compromisso; mas qualquer um que se comprometa sem
reservas arrisca-se a sofrer muito no futuro, no caso de o relacionamento vir a se dissolver”.

Preferimos então abrir mão das relações amorosas concretas para adentrarmos na dimensão das
relações virtuais que, em si, são reais, mas desprovidas do “olho no olho” que caracteriza as
experiências éticas mais profundas, regidas pela capacidade de se lidar adequadamente com a
presença do outro diante de nós. Evitamos assim a intimidade indesejável da presença do parceiro
quando este se torna enfadonho ao nosso gosto. O desgaste decorrente da relação interpessoal é
suprimido com um clique no botão do computador.

A assepsia das relações virtuais e a descartabilidade do que Bauman denomina como


“relacionamentos de bolso” são a tônica do “amor líquido”, pois podemos dispor deles quando
necessário e depois tornar a guardá-los. Os ditos “relacionamentos virtuais” são assépticos e
descartáveis, e não exigem o compromisso efetivo de nenhuma das partes pretensamente
envolvidas nessa interação eletrônica. Tal como apontado por Eva Illouz, “a internet dificulta muito
mais um dos componentes centrais da sociabilidade, qual seja, a nossa capacidade de negociar com
nós mesmos, continuamente, os termos em que nos dispomos a estabelecer relações com os outros [...]
A internet proporciona um tipo de conhecimento que, por estar desinserido e desvinculado de um
conhecimento contextual e prático da outra pessoa, não pode ser usado para compreendê-la como um
todo”.

As facilidades comunicacionais das nossas convergências midiáticas, em vez de favorecem o aumento


de participação na esfera pública, geram um curioso efeito reverso de acomodamento social dos
indivíduos, cada vez mais embotados pelo amálgama de informações que são reproduzidas

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diariamente pela estrutura midiática. As redes sociais, que, utilizadas de maneira crítica e
consciente, promovem mecanismos de politização e interatividade interpessoal, na dinâmica do
“amor líquido” se tornam apenas utensílios quantitativos para a ampliação do número de amigos.
Temos milhares de amigos nas redes sociais, mas nem sequer cumprimentamos muitos deles ao
defrontá-los no cotidiano; temos amigos em diversas partes do planeta, mas somos incapazes de
olhar de maneira humana para o nosso vizinho, muito menos para o homem da rua que perpetua
cotidianamente sua penúria.

O consumo está tão enraizado em nossa sociedade que as pessoas estão se consumindo como se
fossem mercadorias. A “coisificação” do ser humano e o anseio pela novidade é o motor propulsor
da sociedade de consumo e das relações interpessoais.

O medo do vazio da vida e a incapacidade do homem em lidar com o sentimento de perda e de


desapego são algumas das motivações existenciais para a configuração do “amor líquido”,
atrelado ao dispositivo que impõe a cada pessoa, submetida ao padrão totalitário de consumo, a
necessidade de gozar a todo custo, ainda que em detrimento da humanidade do outro. Para Enrique
Rojas, “é preciso construir uma nova pedagogia do amor, partindo de nós próprios e não do prazer
sexual colocado à frente do amor. É justamente essa tergiversação de palavras que nos levou a um
consumo de sexo que se afasta do sentido profundo do encontro amoroso. O parceiro nas relações
sexuais não tem importância como pessoa, só existe como corpo”.

A degradação da condição humana na experiência amorosa da sociedade tecnocrática provém da


manifestação do medo social diante da incerteza em relação ao futuro cada vez mais
problemático, assim como expressão da incapacidade humana de aceitar desafios, arriscar o
desconhecido, vivenciar a intensidade do amor; o amor somente se realiza satisfatoriamente
quando as partes envolvidas na relação visam no ser do parceiro um salutar complemento
existencial, e não um suporte para o preenchimento do vazio interior produzido pela participação em
uma realidade degradante. Para Bauman, “a incerteza é o habitat natural da vida humana – ainda
que a esperança de escapar da incerteza seja o motor das atividades humanas. Escapar da incerteza é
um ingrediente fundamental, mesmo que apenas tacitamente presumido, de todas e quaisquer
imagens compósitas da felicidade. É por isso que a felicidade “genuína” adequada e total sempre
parece residir em algum lugar à frente: tal como o horizonte, que recua quando se tenta chegar mais
perto dele”.

O medo difuso na experiência cotidiana infiltrou-se na esfera da sociabilidade e, por conseguinte, nas
relações afetivas, tornando a vivência plena do amor um evento indesejável, enfadonho, arriscado,
mesmo perigoso para quem se propõe a amar alguém, pois requer investimento de tempo, algo raro em
uma era regida pela vertiginosa pressa em todos os estamentos da vida humana. Bauman argumenta
que: “Os medos nos estimulam a assumir uma ação defensiva. Quando isso ocorre, a ação defensiva
confere proximidade e tangibilidade ao medo. São nossas respostas que reclassificam as premonições
sombrias como realidade diária, dando corpo à palavra. O medo agora se estabeleceu, saturando nossas
rotinas cotidianas; praticamente não precisa de outros estímulos exteriores, já que as ações que
estimula, dia após dia, fornecem toda a motivação e toda a energia de que ele necessita para se
reproduzir. Entre os mecanismos que buscam se aproximar do modelo de sonhos do moto-perpétuo, a
autorreprodução do emaranhado do medo e das ações inspiradas por esse sentimento está perto de
reclamar uma posição de destaque”.

O amor se realiza quando os envolvidos na relação visam no parceiro um complemento existencial, e


não um suporte para o preenchimento do vazio interior.

Segundo o psiquiatra e psicoterapeuta Flávio Gikovate, em vez de ser um fim em si mesmo, o amor
deveria funcionar como um meio para o aprimoramento individual, nos curando das frustrações do
passado e nos impulsionando para o futuro.

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Troca-se de parceiro como se troca de peça de vestuário. Tememos a proximidade do “outro”, pois
este, na visão distorcida que dele fazemos, traz sempre consigo uma sombra ameaçadora, capaz de
desestabilizar o frágil suporte de nossa organização familiar, de nossa atividade profissional e de nossa
sociedade como um todo. A busca por experiências “amorosas” fugazes não representa sinal de
vitalidade sexual do indivíduo, mas um empobrecimento da sua capacidade de se relacionar
profundamente com a subjetividade do outro. Para Bauman, “nos compromissos duradouros, a
líquida razão moderna enxerga a opressão; no engajamento permanente percebe a dependência
incapacitante”. O tipo egoísta é incapaz de amar o outro e tampouco é capaz de amar a si mesmo.
O que essa figura autocentrada supostamente venera em si mesmo é a máscara social que ela utiliza
como instrumento de fuga de sua interioridade “dessubstancializada”, de sua própria pobreza
existencial.

O caráter agravante de tal situação é que muitas vezes colocamos o “outro” em situações vexatórias ou
em condições vitais degradantes, e ainda por cima esperamos dele respostas positivas. Tememos amar
plenamente alguém por não querermos ser usados no máximo das nossas capacidades e sermos
descartados posteriormente, quando a relação amorosa vier a demonstrar os seus primeiros sinais de
turbulência: “desenvolvemos o crônico medo de sermos deixados para trás, de sermos excluídos”.
Como o ritmo da vida líquida é marcado pela flutuação dos ânimos e as incertezas quanto ao
futuro, o mais sensato é não se investir em nenhum tipo de risco afetivo, permanecendo-se assim na
trincheira do amor. Richard Sennett, por sua vez, argumenta que “nas relações íntimas, o medo de
tornar-se dependente de outra pessoa é uma falta de confiança nela; em vez disso, prevalecem nossas
defesas”.

Pensar a questão do amor em sua acepção filosófica é um exercício intelectual no qual elementos
éticos se manifestam continuamente nessa vastíssima e íngreme reflexão. Amar é certamente um
ato ético, pois nos defronta perante a figura do outro, e também uma experiência ontológica, uma
vez que na vivência do amor penetramos na subjetividade do outro pelo qual nos afeiçoamos. Todavia,
o sistema de vida alienante da cultura ocidental abalou as estruturas psicológicas dos indivíduos,
promovendo assim a barbárie social e o afloramento da ansiedade perante tempos incertos. O
“amor líquido”, rebento da crise ética da modernidade e de seu fracasso político, nada mais é que
um sintoma da fragilidade das relações humanas na confusão dos valores submetidos aos signos
tecnocráticos do capital. Certamente não existe uma panaceia para a transformação imediata dessa
situação, mas medidas microscópicas podem ser desenvolvidas no decorrer da vida cotidiana, tendo-se
em vista a revalorização da condição humana e sua inerente sociabilidade.

Liberdade sexual de “massa”

O ardor hedonista de satisfação imediata dos ímpetos sensuais tornou a figura do parceiro
amoroso apenas um pedaço de carne capaz de proporcionar o prazer esperado. Dessa maneira, a
liberação sexual não se originou de um processo político de afirmação da alteridade, mas de uma
necessidade capitalista de exaustão de todo potencial humano. A psicanalista brasileira Maria Rita
Kehl é categórica ao afirmar que “a aliança entre a expansão do capital e a liberação sexual fez do
interesse das massas consumidoras pelo sexo um ingrediente eficiente de publicidade. Tudo o que
se vende tem apelo sexual: um carro, um liquidificador, um comprimido contra dor de cabeça, um
provedor de internet, um tempero industrializado. A imagem publicitária evoca o gozo que se
consuma na própria imagem, ao mesmo tempo que promete fazer do consumidor um ser pleno e
realizado. Tudo evoca o sexo ao mesmo tempo que afasta o sexual, na medida em que a mercadoria se
oferece como presença segura, positivada no real, do objeto de desejo” (Maria Rita Kehl, Ética e
Psicanálise)

Renato Nunes Bittencourt é Doutor em Filosofia pelo PPGF-UFRJ, professor do Curso de


Especialização em Pesquisa de Mercado e Opinião Pública da UERJ.

Fonte: revista Filosofia – Ciência e Vida nº 83 junho/2013

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1 Trabalho, mercado e responsabilidade social
1.1 Educação e Sociedade do Conhecimento
1.2 Relações de trabalho e o perfil do profissional no século XXI
1.3 Empreendedorismo e inovação
1.4 Responsabilidade social: setor público, privado e terceiro setor

2º texto – Trabalho, mercado e responsabilidade social

Trabalho: Atividade Humana

O que é o trabalho? Como podemos definir essa atividade? O trabalho, segundo o pensador
Karl Marx, coloca frente a frente o homem e a natureza, ou seja, o trabalho é uma atividade que
medeia à relação homem e natureza por ser uma prática que aproxima um do outro, provocando
transformações materiais e espirituais.

O trabalho para além da transformação da natureza, esse algo é o planejamento, a pré-


ideação, em outras palavras, o ser humano constrói seu objeto - tendo por base o mundo material -
primeiro na sua mente, isto é, cria a idéia do objeto, planeja como construí-lo e depois materializa sua
ideia, executa a atividade prática-transformadora da natureza com consciência.

Essa atividade laboral também transforma o próprio ser que trabalha, em outros termos, essa
atividade transforma a natureza e, ao mesmo tempo, transforma o homem, ou melhor, quando o
homem produz objetos ele se autoproduz.

História do Trabalho

A concepção de trabalho sempre esteve ligada a uma perspectiva negativa. A palavra


“trabalho” deriva etimologicamente do vocabulário latino tripaliare do substantivo tripalium, aparelho
de tortura formado por três paus, ao qual eram atados os condenados e que também servia para manter
presos os animais difíceis de ferrar. Daí a associação do trabalho com tortura, sofrimento, pena, labuta.
Na Antiguidade grega, o trabalho manual é desvalorizado por ser feito por escravos, enquanto
as pessoas da elite, desobrigadas de se ocuparem com a própria subsistência, dedicam-se ao “ócio
digno”, que, para os gregos, significa a disponibilidade de gozar do tempo livre e cultivar o corpo e o
espírito. Não por acaso, a palavra grega scholé, da qual deriva “escola”, significava inicialmente
“ócio”. Para Platão, por exemplo, a finalidade das pessoas livres é justamente a “contemplação das
ideias”, na medida em que a atividade teórica é considerada mais digna, por representar a essência
fundamental de todo ser racional.
Também a Roma escravagista desvaloriza o trabalho manual. É significativo o fato de a
palavra negotium indicar a negação do ócio: a ênfase posta no trabalho como “ausência de lazer” o
distingue do ócio, prerrogativa das pessoas livres.
Na Idade Média, Santo Tomás de Aquino procura reabilitar o trabalho manual, dizendo que
todos os trabalhos se equivalem, mas, na verdade, a própria construção teórica de seu pensamento
calcada na tradição grega, tende a valorizar a atividade contemplativa. Muitos textos medievais
consideram a ars mechanica (arte mecânica ou trabalho mecânico) uma ars inferior.
Na idade Moderna, a situação começa a se alterar: o crescente interesse pelo trabalho justifica-
se pela ascensão dos burgueses, vindos de segmentos de antigos servos, acostumados ao trabalho
manual, que compram sua liberdade e dedicam-se ao comércio.
A burguesia nascente procura novos mercados, estimulando as navegações. No século XV os
grandes empreendimentos marítimos culminam com a descoberta de outro caminho para as Índias e
das terras do Novo Mundo. O interesse prático em dominar o tempo e o espaço faz com que sejam
aprimorados os relógios e a bússola. Com o aperfeiçoamento da tinta e do papel e a descoberta dos
tipos móveis, Gutenberg inventa a imprensa. Todas essas mudanças indicam a expectativa com relação

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a novas formas do agir e do pensar humanos, às quais se acrescentam, no século seguinte, s revoluções
do comércio e da ciência.
Como se vê, está ocorrendo uma mudança de enfoque na relação entre o pensar e o fazer.
Enquanto na Idade Média uma hierarquia privilegia o saber contemplativo em detrimento da prática,
no Renascimento e na Idade Moderna dá-se a valorização da técnica, da experimentação, do
conhecimento alcançado por meio da prática.

Nascimento das fábricas

Na passagem do feudalismo para o capitalismo, ocorrem marcantes transformações na vida


social e econômica, como o aperfeiçoamento das técnicas e a ampliação dos mercados. O capital
acumulado torna possível a compra de matérias-primas e de máquinas, obrigando muitas famílias, que
desenvolviam o trabalho doméstico nas antigas corporações e manufaturas, a disporem de seus
instrumentos de trabalho e, para sobreviver, a venderem sua força de trabalho em troca de salário.
Com o aumento da produção, aparecem os primeiros barracões das futuras fábricas, onde os
trabalhadores são submetidos a uma nova ordem, a da divisão do trabalho com ritmo e horários
preestabelecidos. O fruto do trabalho deixa de pertencer aos trabalhadores e a sua produção passa a ser
vendida pelo empresário, que retém os lucros. Está ocorrendo o nascimento de uma nova classe: o
proletariado.
No século XVIII, a mecanização do setor da indústria têxtil sofre impulso extraordinário na
Inglaterra, como aparecimento da máquina a vapor, que aumenta significativamente a produção de
tecidos. Outros setores se desenvolvem, como o metalúrgico; também no campo se processa a
revolução agrícola.
No século XIX, o resplendor do progresso não oculta a questão social, caracterizada pelo
recrudescimento da exploração do proletariado e das condições subumanas de vida. A nova classe é
submetida a extensas jornadas de trabalho, de dezesseis a dezoito horas, sem direito a férias, sem
garantia para velhice, doença e invalidez. As condições de trabalho nas fábricas são insalubres, por
serem elas escuras e sem higiene.
Embora todos sejam mal pagos, crianças e mulheres são arregimentadas como mão de obra
mais barata ainda. Os trabalhadores moram em alojamentos inadequados e apertados, nos quais não se
consegue evitar a promiscuidade.
Em decorrência desse estado de coisas, surgem no século XIX os movimentos socialistas e
anarquistas, que denunciam a exploração e propõem formas para a modificação das relações de
produção.

Taylorismo e Fordismo

Nos sistemas domésticos de manufatura, era comum o trabalhador conhecer todas as etapas da
produção, desde o projeto até a execução. A partir da inauguração do sistema fabril, no entanto, isso
deixa de ser possível, devido à crescente complexidade da divisão do trabalho. Chamamos dicotomia
concepção-execução do trabalho ao processo pelo qual um pequeno grupo de pessoas concebe, cria,
inventa o produto, inclusive a maneira como vai ser produzido, enquanto outro grupo é obrigado à
simples execução do trabalho, sempre parcelado, pois a cada um cabe apenas parte do processo.
Frederick Taylor (1856-1915), no livro Princípios de administração científica, já estabelecera
os parâmetros do método científico de racionalização da produção. O taylorismo visa o aumento de
produtividade com economia de tempo, supressão de gestos desnecessários no interior do processo
produtivo e utilização máxima da máquina.
A divisão do trabalho foi intensificada por Henry Ford (1863-1947), que introduziu a linha de
montagem na indústria automobilística, procedimento que ficou conhecido como fordismo.

A flexibilização da produção

Com a implantação da tecnologia avançada da automação, da robótica, da microeletrônica,


surgem novos padrões de produtividade, a partir das décadas de 1970 e 1980. A tendência nas fábricas
é de quebrar a rigidez do fordismo, caracterizada pela linha de montagem e produção em série,

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centrado na produção em massa. Destaca-se a atuação da fábrica de automóveis Toyota, no Japão, ao
criar novo método de gerenciamento que passou a ser conhecido como toyotismo.
Essa revolução administrativa adaptou-se melhor à economia global e ao sistema produtivo
flexível, evitando a acumulação de estoques ao atender aos pedidos à medida da demanda, com
planejamento a curto prazo. Privilegia-se agora o trabalho em equipe, a descentralização da iniciativa,
com maior possibilidade de participação e decisão, além da necessidade da polivalência de mão de
obra, já que o trabalhador passa a controlar diversas máquinas ao mesmo tempo.
Além disso, como a flexibilização depende da demanda flutuante, algumas tarefas são
encomendadas a empresas “terceiras” subcontratadas. Essa terceirização atomiza os empregados, antes
unidos nos sindicatos, o que provocou seu enfraquecimento no final da década de 1980, repercutindo
negativamente na capacidade de reivindicação de novos direitos e manutenção das conquistas
realizadas. Os temores mais frequentes dessa nova geração de trabalhadores da era da automação são o
desemprego e o excesso de trabalho decorrente do “enxugamento” realizado pelas empresas em
processo de “racionalização” de atribuição de tarefas.

A sociedade pós-industrial

A partir de meados do século XX, surge o que chamamos de sociedade pós-industrial,


caracterizada pela ampliação dos serviços (setor terciário). Isso não significa que os outros setores
tenham perdido importância, mas que as atividades agrícolas e industriais também dependem do
desenvolvimento de técnicas de informação e comunicação.
A mudança de enfoque descentraliza a atenção, antes voltada para a produção (capitalista
versus operário), e orientando-se agora para a informação e o consumo. A atividade da maioria dos
trabalhadores se encontra nos escritórios, ampliada por uma comunicação ágil, instantânea, veiculada
em âmbito mundial pela expansão da Internet.
Desde as décadas de 1980 e 1990, outra tentativa em direção à ética e à qualidade de vida está
na efetiva ampliação das empresas do terceiro setor, assim chamadas por não serem gestadas nem pelo
setor governamental (o Estado) nem pelo mercado econômico, que visa lucros. Trata-se das
organizações não governamentais (ONGs) que representam uma forma de atuação privada, mas com
funções públicas e sem fins lucrativos. Tais instituições ocupam-se de atendimento de causas coletivas
e sobrevivem de doações, que são aplicadas nas atividades-fim e no pagamento dos especialistas
contratados.

I - Educação e Sociedade do Conhecimento

Inovação no contexto da Sociedade do Conhecimento

1. Introdução
Na sociedade do conhecimento, o elemento diferenciador na atividade produtiva é o próprio
conhecimento, sendo que as matérias primas passam a ter uma conotação secundária. Nessa sociedade
produziram-se também outras grandes mudanças nos âmbitos social, econômico e produtivo. Entre
elas, a mudança no modo de comunicação, derivada do surgimento da internet e das tecnologias de
digitalização de documentos. A comunicação passa a ser processada de “muitos para muitos",
facilitando a disseminação de informações e a socialização do conhecimento.

Fortes investimentos em pesquisa e desenvolvimento feitos pelas organizações e promovidos


geralmente pelos governos dos países desenvolvidos, e o intercâmbio de fluxos de informação entre
países além de bens e capitais, entre outros, são fatores preponderantes nessa nova sociedade.

Todos esses fatores dão suporte e facilitam a criação de conhecimento, o bem mais apreciado nesta
época. A inovação é vista como uma vantagem competitiva pelas organizações e, consequentemente,
investimentos em pesquisa e desenvolvimento de produtos são realizados, para se criar conhecimento,
o principal insumo do processo inovativo.

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A inovação é entendida no contexto da sociedade do conhecimento, identificando sua relação com o
conhecimento, as novas tendências empresariais frente a ela, e os novos papéis que os governos têm
para fomentar esse processo.

2. A Sociedade do Conhecimento

A sociedade do conhecimento é compreendida como aquela na qual o conhecimento é o principal


fator estratégico de riqueza e poder, tanto para as organizações quanto para os países. Nessa nova
sociedade, a inovação tecnológica ou novo conhecimento, passa a ser um fator importante para a
produtividade e para o desenvolvimento econômico dos países.

A sociedade de conhecimento é então posterior à sociedade industrial moderna, na qual matérias


primas e o capital eram considerados como o principal fator de produção. Essa nova sociedade é
impulsionada também por contínuas mudanças, algumas tecnológicas como a Internet e a
digitalização, e outras econômico-sociais como a globalização.

2.1. Características da sociedade do conhecimento

Quando se observa a sociedade pelo prisma histórico percebe-se, que do ponto de vista econômico,
pode-se visualizar várias fases tais como: da sociedade agrícola, na qual a terra e a mão de obra
foram os fatores preponderantes para determinar o nível de desenvolvimento; sociedade industrial, na
qual o capital e o trabalho passam a ser forças motrizes do desenvolvimento econômico e na
sociedade do conhecimento, na qual o conhecimento passa a ser o fator essencial do processo de
produção, geração de riquezas e desenvolvimento dos países. O conhecimento se tornou a principal
força produtiva, os produtos da atividade social não são mais produtos de trabalho cristalizado, mas de
conhecimento cristalizado. O valor de troca das mercadorias não é determinado pela quantidade de
trabalho social nelas contidas, mas pelo conteúdo de conhecimento, de informações e de inteligências
gerais. Assim, o capital humano passa a fazer parte do capital da empresa, os trabalhadores pós-
fordistas entram no processo de produção com toda a sua bagagem cultural.

Assim, entre as principais características da sociedade do conhecimento, encontram-se as


seguintes:

A - Os produtos são valorados pelo conhecimento neles embutido. Assim, o poderio econômico das
organizações e dos países está diretamente relacionado ao fator conhecimento.
B - A pesquisa científica tornou-se fundamental para o desenvolvimento dos países.
C - A criação de conhecimento organizacional tornou-se um fator estratégico chave para as
organizações, sendo fonte de inovação e vantagem competitiva.
D - O conhecimento, a comunicação, os sistemas e usos da linguagem tornaram-se objetos de pesquisa
cientifica e tecnológica, sendo o estado um agente estratégico para o desenvolvimento científico.
E - Os fluxos de informação e conhecimento entre países são acrescentados aos fluxos de capital e de
bens já existentes, tornando-se uma economia transnacional.
F - Ocorreu uma mudança no paradigma de comunicação, a lógica comunicacional de “um para
muitos" foi substituída pela de “muitos para muitos", impulsionado pelo surgimento da Internet como
meio de disseminação de informações e pelas novas tecnologias motivadas pela digitalização de
documentos.

O declínio do peso e valor das matérias primas usadas nos produtos industriais finais, em favor do
aumento em valor e quantidade do componente do conhecimento é claramente observado na
atualidade, por exemplo, na indústria automotriz, na qual um automóvel pode ter um custo de até
US$ 300,000.00, não pela manufatura das suas partes ou a montagem dele, mas pelo conhecimento
envolvido nele, tangível nos sistemas de computador de última tecnologia que o carro traz para
melhorar o seu o conforto e a sua segurança.

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Outro ponto importante refere-se à mudança do conceito de obsolescência. Na sociedade moderna a
obsolescência era determinada pelo fato de que se faziam produtos com menor vida útil para
incrementar a produção. Na sociedade do conhecimento, a própria inovação gera a obsolescência,
novos produtos, novas máquinas e novas formas de produção eliminam os bens antigos, originando
uma rápida substituição de bens finais e das máquinas utilizadas para a sua produção.

Identifica-se assim, um conjunto de fatos sociais relacionando-os com a sociedade do


conhecimento, algumas deles também discutidos por outros autores, embora com visões distintas.
Entre estes fatos indica a entrada da mulher no mundo do trabalho, a ampliação da exclusão, o
enfraquecimento do Estado pela globalização. Para alguns autores, na sociedade do conhecimento, a
informação sobre ciência e tecnologia é transmitida imediatamente produzindo uma democratização
do conhecimento. Mattelart não concorda com essa ideia, alegando que ‘monopólios de informação'
são produzidos pelas desigualdades na velocidade das comunicações, constituindo ao mesmo tempo
um instrumento e o resultado da dominação política. Além disso, na experiência atual, observa-se que
mesmo que o conhecimento possa ser disseminado ou transmitido facilmente, rapidamente e ainda a
baixo custo, precisa-se de uma base já existente de conhecimento e experiência por parte das pessoas,
para estas possam estar capacitadas em receber aquele conhecimento. Nos países subdesenvolvidos,
grande para da população não tem um nível de letramento adequado, nem uma base de conhecimento
capaz de assimilar o conhecimento inovador. Portanto, no curto prazo, a democratização do
conhecimento é quase impossível nesse aspecto.

Na sociedade do conhecimento, o sociólogo Bauman indica que a informação flui de um modo mais
rápido independentemente dos seus portadores, fenômeno que ele chama de “liberação dos corpos".
Este fenômeno produz tanto emancipação nos países desenvolvidos com capacidades tecnológicas
adequadas, quanto confinamento nos países pobres. Com a mudança no modo de comunicação, que
a sociedade do conhecimento trouxe consigo e que constitui uma mudança de paradigma,
desenvolveram-se novas formas de se comunicar, de disseminar informação, de criar conhecimento, e
inclusive houve um grande impacto sobre outras áreas.

A mudança é explicada desta forma. Os meios de comunicação tradicionais como o rádio, a


televisão e a imprensa, funcionam conforme um modelo de comunicação de “um para muitos", tendo
com uma hierarquia bem definida de emissor-receptor. A Internet surge e por meio dela um novo
modelo de comunicação, de “muitos para muitos", no qual os atores do processo de comunicação não
têm um papel fixo, podendo ser ao mesmo tempo produtores e receptores de informação. Para Lévy,
“a comunicação interativa e coletiva é a principal atração do ciberespaço", mas evidentemente,
segundo ao autor, o ciberespaço também pode ser usado para comunicações ponto a ponto, ou que
reproduzam o modo mídia com a emissão de informações a partir de um centro.

Para Levy quanto maior a interconexão de computadores, maior será o potencial de inteligência
coletiva a disposição em tempo real. Assim, considerando a mudança do paradigma de comunicação e
a capacidade de colocar na Internet todos os documentos / informações digitalizadas do planeta, a
world wide web, constitui segundo Lévy, a maior revolução na história da escrita depois da invenção
imprensa.

Com relação às consequências desse nesse novo meta-meio comunicacional, Lévy afirma que a
Internet ao possibilitar o entrelaçamento de múltiplos fluxos, torna-se um centro virtual e um
poderoso instrumento de poder. Outra consequência fundamental da internet é a eliminação dos limites
geográficos no acesso/produção/disseminação da informação. Os novos limites agora são impostos
pelo excesso de informação. Dentro do âmbito social, observa-se que a exclusão é o grande risco do
ciberespaço, sendo que as pessoas com menor capacidade de acesso às novas tecnologias vão ter uma
menor capacidade de se desenvolver e de produzir conhecimento e riqueza.

No âmbito social pode-se ressaltar mais uma vantagem importante: o fim do processo de
intermediação. Agora o espaço público de comunicação está livre de intermediários institucionais ou
políticos, para se publicar um texto na internet não é preciso ter o aval de um editor ou de um processo

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a priori de avaliação. As consequências políticas e culturais dessa desintermediação ainda não se
podem avaliar.

A publicação na Internet possibilita que o compartilhamento da informação seja imediato e, ainda,


proporciona maior disponibilidade em termos geográficos e temporais, significando que a informação
pode ser acessada de qualquer ponto da rede e em qualquer momento.

Por outro lado, já no âmbito empresarial, as informações colocadas na Internet, devidamente


filtradas, constituem uma das fontes de informação para processos empresariais de inteligência
competitiva, criação de conhecimento e tomada de decisões, cujas saídas são conhecimento e
compromisso para ação.

Consequentemente, demonstra-se que a mudança no paradigma comunicacional e as novas


tecnologias, favorecem a publicação e o compartilhamento da informação, assim como a criação e o
compartilhamento do conhecimento nas suas diferentes formas, o conhecimento criado por meio da
interação social para ser um insumo fundamental na geração de inovações.

3. A inovação na Sociedade do Conhecimento

Na sociedade do conhecimento, as organizações tentam inovar para se diferenciar e obter vantagens


competitivas, tanto pela melhoria nos produtos / serviços oferecidos quanto pela eficiência operativa.
A relação positiva entre inovação e vantagem competitiva existente no contexto atual, confirma-se na
pesquisa feita por Damanpour e Gopalakrishnan em 101 bancos comerciais nos Estados Unidos. A
pesquisa concluiu que os bancos melhor sucedidos adotam inovações nos produtos e processos com
maior frequência e consistência que os bancos com menor sucesso. Enquanto ao tipo de inovação
adotada, a pesquisa revela que as adoções de inovações no produto estão positivamente associadas às
adoções de inovações nos processos, e que as primeiras ocorrem com maior frequência e velocidade.

4. Considerações Finais

Na sociedade do conhecimento a diferença entre os países será balizada em função da capacidade


de aplicar conhecimento e gerar inovação. Portanto, a produtividade dos países será incrementada na
mesma medida das possibilidades de acesso ao conhecimento, dos investimentos realizados para a
capacitação dos seus recursos humanos e para desenvolvimento de inovação. Além disso, pela reflexão
feita neste artigo pode-se que constatar que:

A - Os avanços tecnológicos cada vez mais frequentes e contínuos na sociedade do conhecimento,


favorecem a troca de informações e socialização do conhecimento, possibilitando uma maior geração
de inovações e desenvolvimento econômico nos países com um adequado nível de acesso à tecnologia
e à ciência. Assim, torna-se imprescindível a ação do Estado como agente ativo visando dois
objetivos. O primeiro, a democratização da informação, colocando as tecnologias ao serviço das
comunidades, fomentando a inclusão, e em geral, criando oportunidades de desenvolvimento
homogêneas na população. Em segundo lugar, o Estado deve fomentar a pesquisa tecnológica,
entendida como processo criador de conhecimento, o qual constitui o fator estratégico de
desenvolvimento e poder na atualidade.

B - Os países e em geral, as organizações melhor sucedidas, são aquelas que inovam. Tanto no âmbito
social quanto no âmbito econômico, as inovações são criadas a partir das interações sociais, quando o
conhecimento apropriado pelos agentes individuais interage num domínio de conhecimento específico,
seja organizacional, ou seja, social. Para inovar é necessário fomentar aquelas interações em todo
nível, criando uma cultura e condições para a troca de ideias. (texto adaptado pelo prof. Altamir
Fernandes)

ESCOLA, SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO E O NOVO MUNDO DO TRABALHO (Ligia


Leite)

28
Introdução

O mundo contemporâneo apresenta mudanças que afetam todos os setores da sociedade, inclusive a
educação. Compreendemos que passamos de uma sociedade cuja base tecnológica era analógica para
uma vida digital, como nos afirma Negroponte (1995). Essa desafiadora situação exige novas
capacidades mentais, habilidades gerais de comunicação e maior capacidade de abstração, num
reduzido espaço de tempo. As pessoas e as instituições devem adaptar-se a esta nova situação,
passando a rever, métodos de ensinar e aprender, tanto na escola como no trabalho. A sociedade
global, que nos é imposta, objetiva um agir e pensar padronizados.

Conclui-se que neste quadro que se apresenta, resultam mudanças que deslocam as estruturas das
sociedades modernas e de suas instituições. A escola, enquanto instituição local, que pelas novas
tecnologias pode inserir-se globalmente, não poderia deixar de acompanhar estas transformações.

Dentro deste contexto, objetivamos refletir sobre o papel da escola, a integração da tecnologia no
processo ensino aprendizagem e a pensar sobre a formação de um educando integrado na sociedade da
informação e capaz de sobreviver neste Novo Mundo do Trabalho.

A escola no contexto atual

Tornou-se urgente fazer com que a escola seja parte integrante do futuro que por agora se configura,
resignificando o seu papel, estabelecendo uma relação prazerosa entre o conhecimento e o saber,
desenvolvendo a comunicação, o pensamento crítico e trabalhando no sentido de levar o educando a
resolver situações problemas, num processo dinâmico de construção do conhecimento.

Para que se realize um trabalho novo, há necessidade de mudanças na escola. Pretto (2000) aponta
alterações de currículo, programas, materiais didáticos, estrutura administrativa e arquitetônica, para
que a escola possa enfrentar os novos desafios que lhe são colocados. Além de centro mediador da
informação, ela deve ser o centro facilitador do acesso das comunidades carentes às novas
tecnologias. Complementaria o seu papel transformando-se em espaço da discussão, da crítica, da
sistematização das informações que estariam disponíveis dentro e fora da escola.

Por estar inserida nas mudanças por que passa a sociedade, a escola, segundo Alencar (2001: 44)
apresenta-se como aparelho ideológico, cujas transformações se fazem de forma mais lenta. "mais
ainda assim, decisiva". Dessa forma, o papel da escola passa a ser de fundamental importância para a
configuração deste novo cidadão que, na urgência, nós, educadores, precisamos ajudar a formar.

A sociedade da informação e o novo mundo do trabalho

Vivendo na cibercultura (forma sociocultural que advém de uma relação de trocas entre a sociedade,
a cultura e as novas tecnologias de base microeletrônicas surgidas na década de 1970, graças à
convergência das telecomunicações com a informática) torna-se necessário considerar a posição de
Castells ao se referir à Internet como a transformação tecnológica que resume o conjunto de
transformações da sociedade da informação, ressaltando que tudo que é significativo hoje passa pela
Internet e que as pessoas que não têm acesso a ela permanecem excluídas do que é importante, assim
sendo, não se pode aceitar que o professor permaneça afastado da Internet e que esta tecnologia não
esteja presente na sala de aula da cibercultura.

Numa sociedade em transformação, a internet, juntamente com as tecnologias de telecomunicação,


contribui para que o aluno aprenda a conviver com a diversidade, portanto, ela se apresenta como um
potencial para produzir mudança social revolucionária na educação e na sociedade. Se pensarmos na
Internet como uma tecnologia que possibilita o desenvolvimento de um ambiente de aprendizagem
baseado na construção de conhecimento, sua presença em situações de aprendizagem oportuniza aos
sujeitos-aprendentes ter mais condições para desenvolver sua própria aprendizagem, pois esta

29
tecnologia permite que eles se tornem participantes ativos na busca de conhecimento, definindo suas
necessidades de aprendizagem, encontrando informações, construindo suas próprias bases de
conhecimento e compartilhando suas descobertas.

Reflexões finais

De acordo com Moran, os modelos de educação tradicional não nos servem mais, porém, a função
primordial da escola continua sendo a mesma: o ensino, tendo a questão pedagógica na base de todos
os esforços para a melhoria da sua qualidade. Porém, a escola precisa re-significar o seu papel
estabelecendo uma relação prazerosa entre o conhecimento e o saber, transformando-se em um lugar
de produção e não apenas apropriação de conhecimento e cultura. Deve procurar desenvolver a
comunicação, a memória, o pensamento crítico e trabalhar no sentido de levar o educando a
resolver situações-problema em todos os níveis: os que aparecem no trabalho escolar, os que
pertencem ao gerenciamento de questões diárias e os sociais, os que encontramos na interação com as
outras pessoas. E o trabalho com a imagem, através do vídeo e do computador pode possibilitar a
concretização dessas possibilidades.

A escola não deve dispensar nenhum meio de comunicação, mas integrá-los, utilizando-se de novos
procedimentos e entre eles inclui-se a aprendizagem cooperativa, a pesquisa, o trabalho com projetos.

Parece-nos premente continuar mudando a educação, porém, esta ação deve ser contínua e fruto da
reflexão de professores e alunos, e não uma imposição do sistema educacional. Este novo professor
deve desenvolver novas competências e habilidades em seus alunos, tornando-os capazes de
sobreviver num mundo globalizado e fazendo-os perceberem-se como construtores das suas próprias
histórias, capazes de aprender a aprender, numa atualização constante, na qual a imagem da TV, do
vídeo e do computador têm papel significativo.

Finalizando com Dowbor, é preciso que a educação mobilize a sua força na reconstrução de uma
convergência entre o potencial tecnológico e os interesses humanos. Somente articulando dinâmicas
mais amplas, que extrapolam a sala de aula poderá a educação realizar mais este novo modelo de
alfabetização tecnológica, que permitirá a permanência e sobrevivência dos nossos alunos neste Novo
Mundo do Trabalho. (texto adaptado pelo prof. Altamir Fernandes)

Fonte: http://br.monografias.com/trabalhos/escola-sociedade-informacao-mundo-trabalho/escola-
sociedade-informacao-mundo-trabalho2.shtml

II - Relações de trabalho e o perfil do profissional no século XXI

A formação profissional no século XXI: desafios e dilemas – Edna Lúcia

O século XXI chegou e vem marcado com algumas características: o mundo globalizado e a
emergência de uma nova sociedade que se convencionou chamar de sociedade do conhecimento. Tal
cenário traz inúmeras transformações em todos os setores da vida humana. O progresso tecnológico é
evidente, e a importância dada à informação é incontestável.

O mundo globalizado da sociedade do conhecimento trouxe mudanças significativas ao mundo do


trabalho. O conceito de emprego está sendo substituído pelo de trabalho. A atividade produtiva passa a
depender de conhecimentos, e o trabalhador deverá ser um sujeito criativo, crítico e pensante,
preparado para agir e se adaptar rapidamente às mudanças dessa nova sociedade.

O diploma passa a não significar necessariamente uma garantia de emprego. A empregabilidade está
relacionada à qualificação pessoal; as competências técnicas deverão estar associadas à capacidade de
decisão, de adaptação a novas situações, de comunicação oral e escrita, de trabalho em equipe. O

30
profissional será valorizado na medida da sua habilidade para estabelecer relações e de assumir
liderança. Para Drucker, "os principais grupos sociais da sociedade do conhecimento serão os
'trabalhadores do conhecimento"', pessoas capazes de alocar conhecimentos para incrementar a
produtividade e gerar inovação.

Na perspectiva do trabalho na sociedade do conhecimento, a criatividade e a disposição para


capacitação permanente serão requeridas e valorizadas. As tecnologias de informação e comunicação
estão modificando as situações de trabalho, e as máquinas passaram a executar tarefas rotineiras em
substituição aos seres humanos. Neste ambiente de mudanças, "a construção do conhecimento já não é
mais produto unilateral de seres humanos isolados, mas de uma vasta colaboração cognitiva
distribuída, da qual participam aprendentes humanos e sistemas cognitivos artificiais".

Nesta conjuntura, em que a mudança tecnológica é a regra, buscar condições para ancorar a preparação
do profissional do futuro requer uma estratégia diferenciada. Este profissional deverá interagir com
máquinas sofisticadas e inteligentes, será um agente no processo de tomada de decisão. Além disso, o
seu valor no mercado será estimado com base em seu dinamismo, em sua criatividade e em seu
empreendedorismo. Todos esses fatores evidenciam que só a educação será capaz de preparar as
pessoas para enfrentar os desafios dessa nova sociedade.

Além disso, segundo De Masi, existem alguns valores emergentes, nesta nova sociedade, que
merecem ser levados em consideração quando tratamos de formação e educação profissional. Um
deles é a intelectualidade (valorização das atividades cerebrais em detrimento às atividades braçais);
outro é a criatividade (tarefas repetitivas e chatas serão feitas pelas máquinas); outro é a estética (o
que distingue hoje não é mais a técnica, e sim a estética, o design). Para este autor, ainda, a
subjetividade, a emotividade, a desestruturação e a descontinuidade também são valores importantes e,
por isso, deverão, também, estar na mira dos processos educativos do futuro.

Esta realidade parece apontar para uma educação básica e polivalente que valorize a cultura geral, a
postura profissional, a ética e a responsabilidade social.

A UNESCO, que nos dá as dicas de algumas competências e conhecimentos desejados, ou


seja, oito características do trabalhador do século XXI:

1. Ser flexível e não especialista demais


2. Ter mais criatividade do que informação
3. Estudar durante toda a vida
4. Adquirir habilidades sociais e capacidade de expressão
5. Assumir responsabilidades
6. Ser empreendedor
7. Entender as diferenças culturais
8. Adquirir intimidade com as novas tecnologias

O mundo do trabalho na Sociedade do Conhecimento

Sociedade Informacional

Uma nova sociedade está surgindo e é expressa das mais diferentes formas como sociedade da
pós-informação (NEGROPONTE), sociedade de inteligências coletivas (LEVY), sociedade pós-
industrial (DE MASI) e do conhecimento, “sociedade do conhecimento” (DRUCKER).
Muito precisa é a definição sociedade informacional, baseada em um modo de desenvolvimento
específico em que as informações, sua geração, processamento e transmissão, tornam-se as fontes
fundamentais de produtividade e poder na sociedade (CASTELLS).
Essas novas terminologias expressavam uma das maiores reviravoltas socioeconômicas da
história, sem falar nas consequências políticas e relativas à reorganização do Estado. Tudo isso porque

31
há ganho de eficiência e uma mudança de processos que representa o surgimento de novas formas de
fazer as coisas.
A nova economia está nas ideias, no conhecimento, na inteligência. Por isso, capital e trabalho
ficam menos antagônicos, pois o verdadeiro capital passa a ser o capital intelectual.

Novas relações de trabalho no século XXI

Discutir as mudanças que estão ocorrendo no mundo e a sua influência nas várias estruturas da
sociedade e das organizações é cada vez mais um assunto pertinente. Estamos vivendo uma transição
nas relações de trabalho em decorrência da evolução dos processos produtivos. E nisto as tecnologias
tiveram papel fundamental buscando responder ao desafio de produzir sempre mais com menos
trabalho.

Ainda vivemos numa sociedade em que grande parte da vida das pessoas adultas é dedicada ao
trabalho. Constrói-se hoje uma sociedade na qual montante significativo do tempo das pessoas será
dedicado a outra atividade, mais criativa.

Essa é uma transição que se materializa na busca de novas formas de inventar e difundir um
novo tipo de organização capaz de elevar a qualidade de vida e de trabalho e ao mesmo tempo
promover a felicidade das pessoas. Ora, a história nos mostra (e o nosso dia a dia) que o trabalho foi
sempre visto como um problema e a partir daí, criou-se, inovou-se e investiu-se em tecnologia para
criar mecanismos que minimizassem esse problema.

Educação e habilidades para o trabalho

É por isso que a nova sociedade, e sua busca de eficiência e mudança de processos, trouxe
alto ganho de produtividade e com ele o aumento do desemprego. Aparentemente, não haveria nova
indústria para substituir os empregos perdidos. Deve surgir e está surgindo um novo perfil de
atividades que podem absorver a função dos velhos processos.

De qualquer forma, hoje os postos de trabalho estão escassos, e por motivos diversos. O
crescimento econômico tem sido anêmico e, sem crescimento, não há trabalho. Por outro lado, as
necessidades humanas são infinitas (não esqueça o enorme aumento da população) e, por isso, a
demanda sempre existirá.
O que parece cada vez mais óbvio é o descompasso entre a oferta de novos empregos e a capacidade
das pessoas para eles. As oportunidades estão aí. Mesmo assim, muitas vagas estão vazias pelo mundo
afora. Isso mostra que, mesmo havendo postos de trabalho, a sociedade necessita de pessoas
preparadas para preenchê-los. Resta, portanto, implementar uma educação arrojada, ininterrupta e
abrangente. É preciso uma qualificação para a era da informação.

Quem vai conseguir trabalhar daqui para frente? O que vai acontecer nos próximos anos
com as empresas? Essas novas formas de trabalhar exigem novas habilidades e, sobretudo, novas
atitudes. Todos devem estar aptos para apreender novos conhecimentos, capacidade esta fundamental
para encontrar um mínimo de segurança em um mundo que será, por natureza, bastante inseguro.

Isso vale tanto para os indivíduos que participam do processo produtivo, ou deveriam
participar, como para as empresas ou órgãos que produzem empregos (os órgãos do Estado aqui
também se incluem). Estas, para serem competitivas e não apenas produtivas, precisam estar atentas à
qualificação de seus recursos humanos.

Estas habilidades permitem às empresas e às pessoas a consciência de seu ser e estar no


trabalho, permitindo uma maior iniciativa, responsabilidade, comunicabilidade. Isto tudo redunda em
flexibilidade para trabalhar em equipe, fundamental no mundo atual de aumento constante da
complexidade dos processos.

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Em relação especial às pessoas, este mundo complexo e inseguro também está sendo marcado por
uma profunda revolução no campo da empregabilidade. Ser empregável, hoje em dia, depende de uma
série de requisitos que não eram exigidos no passado.

Um profissional deve hoje assumir um outro perfil, privilegiando:

 Flexibilidade
 Gerenciar risco
 Lógica do raciocínio
 Conhecimento de línguas
 Saber trabalhar em equipe
 Habilidade para lidar com pessoas
 Iniciativa e criatividade
 Liderança
 Aprendizado contínuo
 Multifuncionalidade

Como deve ser, então, o profissional do futuro? Philip Kotler, em seu o livro Marketing
para o século XXI, aponta que os Profissionais do futuro devem ter os seguintes atributos, que eu
gostaria de discorrer um pouco sobre cada um deles:

1- Os profissionais do futuro têm que ser competentes – Os mercados não perdoarão o


amadorismo. Chega de improvisação, do chamado “jeitinho brasileiro”!
2- Os profissionais do futuro devem ser bem-educados – Isto significa que devemos ser
cavalheiros, diplomáticos, finos no trato, elegantes, conhecedores de etiquetas e cordiais. Sim, quem
não atentar para estas coisas estão fora de sintonia com as novas leis de mercado.
3- Os profissionais do futuro devem ser bem-humorados – Um toque de humor, de alegria, faz
bem a qualquer ambiente. É bom ter cuidado, porém, com as piadas! Estas, quando bem empregadas
produzem bem estar na maioria, mas quando mal utilizadas, podem comprometer qualquer negócio.
4- Os profissionais do futuro devem ser confiáveis e honestos - Como isto serve para todas as
áreas, tenho esperança de que a sociedade brasileira consiga mecanismos para viabilizar o judiciário e
este venha punir nossos políticos corruptos, que levam para os paraísos fiscais boa parte das nossas
riquezas! O fato é que não haverá espaço, no mercado, em todos os segmentos, para o desonesto.
5- Os profissionais do futuro serão responsáveis – Assumir os seus atos, agir com
responsabilidade, tomar decisões abalizadas, trabalhar com dados que sedimentem as decisões, são
características desse Profissional que os mercados necessitam. Só uma observação: esse futuro já
chegou!

As desconstruções do trabalho, sua nova morfologia e a era das rebeliões (Ricardo Antunes)

A “falta de trabalho qualificado” deve ser vista com cuidado: há setores da economia que
carecem de novas modalidades de trabalho, mas há também uma poderosa “ideologia da
qualificação”

As precarizações sem fim

Desde 2008 adentramos em uma nova era de precarização estrutural do trabalho em escala
global. Os exemplos são muitos: o desemprego vem atingindo as mais altas taxas das últimas décadas
nos Estados Unidos, Inglaterra, Espanha, Portugal, Itália, Grécia, França, Japão. A lista é interminável:
atinge também vários países latino-americanos, asiáticos, para não mencionar a tragédia africana,
ainda que o epicentro da crise esteja nos países dito avançados.
E quanto mais a crise avança, quão mais o receituário destrutivo do capital financeiro, com
seu Fundo Monetário Internacional (FMI) à frente se impõe, mais avança a sua pragmática letal para o
trabalho.

33
E quando a realidade não é a do desemprego direto, avança de modo voraz a precarização do
trabalho decorrente da erosão do emprego contratado e regulamentado que foi dominante no século 20
– o século do automóvel, dominado pelo taylorismo e pelo fordismo – proliferando as diversas formas
de trabalho terceirizado, desprovido de direitos.

São trabalhos mascarados ou invisibilizados, como aquele que frequentemente se denomina


como “voluntário”, mas que de fato acaba sendo compulsório, uma vez que, para conseguir qualquer
emprego hoje é necessário provar que realizou trabalho “voluntário”. Ou ainda o trabalho do
estagiário, que de fato substitui um trabalho efetivo, ainda que recebendo uma subremuneração. Só
essas duas modalidades substituem milhões de assalariados que, por isso, perdem seu emprego.
Uma boa fotografia desta quadra inicial do século 21 é dada pela degradação ainda mais
intensa do trabalho imigrante em escala global: com o enorme incremento do novo proletariado
informal, do subproletariado fabril e de serviços.

IHU On-Line – O que caracteriza o perfil dos jovens no mercado de trabalho? Como a
intolerância a problemas e a cobrança por resultados aparece, nesse sentido?

Roberto Heloani – Em primeiro lugar, precisamos reconhecer que o mundo do trabalho mudou de
forma significativa, e aqui me refiro à forma de organizar o trabalho. Há 30 anos uma pessoa
entrava para uma grande organização e sabia que poderia permanecer lá a vida toda, caso tivesse um
bom desempenho, fosse uma pessoa leal à organização, que se aplicasse, se qualificasse, aproveitasse
as oportunidades oferecidas pela organização, e se fosse minimamente disciplinada. E o sonho de
muitos jovens era justamente fazer carreira na organização e depois ser substituído pelo próprio filho.
Isso caracterizou o que chamamos de modelo fordista de produção, que era piramidal, com uma
hierarquia mais explícita – não é que não se tenha hierarquia hoje em dia, apenas pessoas ingênuas
pensam que ela não existe. Em consequência disso, o grande sonho era fazer certos sacrifícios,
postergar a felicidade para depois ter os louros, a recompensa. O próprio modelo de produção era de
longo prazo. Hoje não. Esse jovem já entra na escola e logo acaba recebendo a ideologia da internet,
da informação virtual, na qual não se exige do sujeito grande reflexão, mas muito mais uma pró-
atividade de resposta. Isso não quer dizer que o sujeito está pensando, mas que ele está sendo treinado
para responder rapidamente. O resultado disso é que, quando ele entra no mundo corporativo,
começa a ouvir comentários de que aquela pessoa que estava lá outro dia já não está mais e que a
média de permanência naquela organização é de 2 a 3 anos. Daí ele para e pensa: afinal de contas, me
é permitido pensar que vou passar minha vida toda aqui? Será que essa será a minha casa? Será que
devo compartilhar minhas angústias e incertezas com esse grupo? É outra lógica. Uma coisa é ter um
amigo, uma pessoa com a qual você compartilha as ansiedades, desejos, medos, receios, neuras. E
outra coisa é ter uma amizade profissional. Esse jovem, desde cedo, aprende que no mundo do
trabalho atual é preciso construir amizades profissionais, o que é diferente de construir amizades. A
amizade profissional dura enquanto for do interesse de ambos. São raras as pessoas que saem de uma
organização e mantêm contato com seus ex-colegas. Será que é porque são pessoas perversas e frias?
Nada disso. São pessoas “normais”, que aprenderam que ter uma relação afetiva e efetiva pode ser até
perigoso, porque essas amizades são datadas, não são verdadeiras. A relação que se estabelece com os
colegas é a mesma que se acaba tendo com as empresas. E esse perfil vai sendo moldado. Mais do que
isso: vai se criando uma cultura dentro das organizações, e hoje boa parte delas está moldada por
essa lógica, cujo mote é o seguinte: aproveite enquanto der; o futuro ninguém sabe; nem você tem
controle desse futuro. É claro que em uma situação como essa não se pode esperar dos jovens sonhos
de longo prazo, uma lealdade estrita às pessoas e à organização e, muito menos, uma dedicação
incondicional. Ele pode até trabalhar muito, até 16 horas por dia, como alguns trabalham, mas é um
trabalho voltado para si, que quer uma recompensa rápida, imediata e de preferência segura. Ele
construiu uma lógica que não é perversa. Temos uma organização do trabalho que exige uma nova
modelagem, uma nova subjetividade – chamo isso de manipulação da subjetividade – e responde com
uma nova subjetividade: sendo individualista para melhor se adaptar a essa realidade. Quem é
perverso não é o jovem, nem o gestor, nem o chefe. Se tem alguém perverso é a própria forma de
organizar o trabalho. Essa forma diferenciada de organizar o trabalho tem obviamente benefícios,

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pontos positivos, mas também tem muitos pontos negativos. Não é à toa que ainda nesta década, até
2020, segundo relatórios internacionais, a segunda causa de afastamento do trabalho será o transtorno
mental, sendo que a mais recorrente será a depressão. Isso é gravíssimo. Uma característica muito
forte desse modelo de organização do trabalho é a solidão. Encontra-se rodeado de pessoas, mas
verdadeiramente se está só.

IHU On-Line – Quais são as permanências e rupturas do novo chão de fábrica? O que o
caracteriza hoje em comparação com o cenário de 30 anos atrás?

Marcia de Paula Leite – Desde a década de 1980 mudou muita coisa. A forma de organização do
trabalho mudou muito. Em termos de organização do trabalho, nós efetivamente mudamos de
paradigma. Aquele sistema que tínhamos de divisão do trabalho muito rígida, dentro da fábrica, com
uma organização taylorista e fordista do trabalho, está sendo transformado e substituído por novas
formas de organização do trabalho mais baseadas nos princípios japoneses. Essas novas técnicas
mudam a forma de a fábrica produzir. Hoje temos uma organização da produção que vai de trás para
frente, quando comparamos com os princípios tayloristas e fordistas. A fábrica começa a funcionar a
partir do pedido. Ao contrário de antigamente, quando as fábricas produziam a partir da entrada da
matéria-prima, porque o mercado era garantido. O que permanece é o princípio básico do capitalismo,
que é a necessidade de sempre aumentar a produtividade, diminuir os tempos mortos e aumentar o
lucro. Isso faz com que continue havendo controle sobre os trabalhadores para que eles produzam a
maior quantidade possível no menor tempo possível. No entanto, as formas de controle mudaram.

Giovanni Alves – As grandes fábricas no Brasil têm passado por profundas transformações produtivas
nos últimos anos. Desde o começo da década de 2000 alterou-se de forma significativa a morfologia
do trabalho industrial no Brasil por conta das inovações tecnológicas e organizacionais. Nos polos
mais desenvolvidos da indústria – e também do setor de serviços –, as novas tecnologias informáticas
de base microeletrônica e tecnologias informacionais em rede alteraram o processo de produção de
mercadorias e a organização dos serviços de distribuição e serviços financeiros e telecomunicações.

Se a década de 1990 foi a década da reestruturação produtiva que atingiu o mundo do capital e, por
conseguinte, o mundo do trabalho no Brasil, então a década de 2000 foi a década de reorganização do
capitalismo brasileiro com as grandes empresas aumentando investimentos produtivos, reordenando
suas estratégias de negócios na perspectiva da concorrência internacional acirrada.

IHU On-Line – Como seriam essas novas formas de controle?

Marcia de Paula Leite – Temos o controle pelas máquinas, que é muito maior. Nas equipes de
trabalho o controle passa a ser dos próprios colegas, porque muitas vezes as empresas fazem
competição e comparação entre as equipes. Além disso, temos as metas e participação nos lucros e
resultados, o que causa o controle dos companheiros de equipe para que ninguém saia perdendo. Por
exemplo, o colega pressiona você por sua parada a fim de tomar um café, e isso diminui a produção.
Trata-se de um controle efetivo.

IHU On-Line – Quais são as principais tendências do mercado de trabalho no país na última
década?

Ruy Braga – Eu destacaria duas tendências principais. Por um lado, é flagrante o que poderíamos
chamar de formalização do emprego, ou seja, a criação de milhões de empregos formais, o que
praticamente inverte aquela relação entre formal e informal que tínhamos na década de 1990. De fato,
em termos de formalização estamos no ápice da curva histórica do emprego formal no Brasil. Isso é
evidentemente positivo porque, junto com o emprego formal, existem algumas garantias trabalhistas.
Mas, por outro lado, existe também uma ampliação da precarização das condições de trabalho. A
precarização normalmente está muito associada à precarização contratual. No entanto, existe uma
outra forma de precarização do trabalho, que é mais complexa, porque é multifacetada e se associa ao

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problema das condições de trabalho, ou seja, as condições de consumo da mercadoria “força de
trabalho”. Temos o aumento da taxa de rotatividade, o aumento da flexibilização, do número de
acidentes de trabalho e a generalização do que podemos chamar de trabalho assalariado sub-
remunerado, apesar de formal. Ou seja, as principais tendências do mercado de trabalho brasileiro
nessa última década tendem a se polarizar, a combinar essas duas principais dinâmicas: de um lado, a
formalização do emprego e, de outro lado, a precarização das condições de trabalho.

III Empreendedorismo e inovação

Dificilmente uma pessoa tem todas as características de comportamento empreendedor em perfeito


equilíbrio porque essas características não são herdadas, mas sim aprendidas ao longo da vida, com
experiências de trabalho, determinação e estabelecimento de metas pessoais desafiadoras.

Se você é uma pessoa obstinada, persistente e está o tempo inteiro buscando informações para
melhorar e aumentar seus negócios, será meio caminho andado.

No jogo dos negócios é muito importante que você identifique suas reais características
empreendedoras, pois um grande número de pessoas tem buscado iniciar negócios próprios, sem, no
entanto, apresentar comportamento adequado.

É importante estar consciente de quais são suas qualidades e suas deficiências. Uma análise de suas
experiências práticas, capacidade e personalidade ajudarão a enfrentar qualquer situação.

Características de Comportamento Empreendedor

1. Busca de oportunidades e iniciativa


Faz as coisas antes de solicitado, ou antes, de ser forçado pelas circunstâncias;
Age para expandir o negócio em novas áreas, produtos ou serviços;
Aproveita oportunidades fora do comum para começar um negócio, obter financiamentos,
equipamentos, terrenos, local de trabalho ou assistência.

O empreendedor é alguém que está sempre buscando novas oportunidades. Observando o ambiente,
costuma ter ideias que possam ser transformadas em negócios e as coloca em prática.

2. Persistência
Age diante de um obstáculo;
Age repetidamente ou muda de estratégia a fim de enfrentar um desafio ou superar um
obstáculo;
Assume responsabilidade pessoal pelo desempenho necessário para atingir metas e objetivos.

A persistência é uma das características do empreendedor. Todo negócio tem seus momentos difíceis.
Mas é preciso persistir e buscar superação.

3. Comprometimento
Faz sacrifícios pessoais ou despende esforços extraordinários para completar uma tarefa;
Colabora com os empregados, colaboradores e parceiros ou se coloca no lugar deles, se
necessário, para terminar um trabalho;
Esmera-se em manter os clientes satisfeitos e coloca em primeiro lugar a boa vontade em longo
prazo, acima do lucro em curto prazo.

Estar comprometido com a empresa significa ter envolvimento pessoal para que ela mantenha sua
qualidade e seus compromissos e continue sempre crescendo. Para isso, é importante conhecer e
cuidar também da área financeira; ela é uma peça-chave do seu sucesso empresarial. É importante

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estar presente e ter cuidado com a qualidade da produção e com o cumprimento de prazos. Às vezes,
um esforço extra é necessário para garantir a satisfação do cliente.

4. Exigência de qualidade e eficiência


Encontra maneiras de fazer as coisas melhor, mais rápido ou mais barato;
Age de maneira a fazer coisas que satisfazem ou excedem padrões de excelência;
Desenvolve ou utiliza procedimentos para assegurar que o trabalho seja terminado a tempo ou
que o trabalho atenda a padrões de qualidade previamente combinados.

A exigência de qualidade e eficiência é um importante diferencial em qualquer tipo de negócio.


Quando você cumpre todos os prazos e garante a qualidade esperada pelo cliente, está conquistando a
confiança dele. Lembre-se que, por mais qualidade que você forneça é preciso estar sempre
melhorando para superar as expectativas e se destacar em relação à concorrência.

5. Correr riscos calculados


Avalia alternativas e calcula riscos deliberadamente;
Age para reduzir os riscos ou controlar os resultados;
Coloca-se em situações que implicam desafios ou riscos moderados.

Montar uma empresa ou investir para melhorá-la implica riscos. Ser ousado é muito importante. No
entanto, é fundamental calcular esses riscos para saber onde, como e quando você deve arriscar para
fazer sua empresa crescer. Aprender a correr riscos calculados significa avaliar as alternativas, reduzir
os riscos e controlar os resultados. Se, por exemplo, você desejar investir em sua empresa para
aumentar a produção e as vendas, é importante realizar uma pesquisa para saber se existe mercado
para absorver este volume de produção adicional.

6. Estabelecimento de metas
Estabelece metas e objetivos que são desafiantes e que têm significado pessoal;
Define metas de longo prazo, claras e específicas;
Estabelece objetivos de curto prazo, mensuráveis.

Estabelecer uma meta é muito importante, pois especifica as condições, o tempo e onde se quer
chegar. Para atingir sua meta é interessante que você crie estratégias. Se sua meta é abrir uma empresa,
este curso é uma ótima oportunidade para você testar seu comportamento empreendedor. Se seu
objetivo é melhorar os resultados de sua empresa ou negócio, você também encontrará no IPGN
(Iniciando um pequeno e grande negócio) instrumentos que lhe auxiliarão no gerenciamento de seu
empreendimento.
Para seu objetivo se transformar em uma meta você precisa saber onde quer chegar e definir como e
quando chegar.

7. Busca de informações
Dedica-se pessoalmente a obter informações de clientes, fornecedores e concorrentes;
Investiga pessoalmente como fabricar um produto ou fornecer um serviço;
Consulta especialistas para obter assessoria técnica ou comercial.

Conversar com clientes, fornecedores e concorrentes é essencial para posicionar melhor sua empresa
no mercado.

Um empreendedor está constantemente querendo saber mais e mais. Saber procurar e selecionar
informações ajuda a melhorar o seu negócio. Você pode obter informações de diversas fontes. Procure
saber as opiniões dos consumidores sobre o seu produto, fique atento às suas sugestões e observações;
pesquise maneiras de melhorar seu produto ou serviço; identifique vantagens e desvantagens de sua
empresa em relação à concorrência; leia jornais, revistas, navegue na Internet, há sempre cursos e
palestras e novas informações no mercado. Visite o concorrente, experimente o modelo dele e, quando
a sua pesquisa pessoal não for suficiente, procure a ajuda especializada de um técnico. E lembre-se de

37
consultar o SEBRAE de seu estado. Lá estão disponíveis publicações, cursos e serviços que lhe
ajudarão nessa busca por informações.

8. Planejamento e monitoramento sistemáticos


Planeja dividindo tarefas de grande porte em subtarefas com prazos definidos;
Revisa seus planos constantemente, levando em conta os resultados obtidos e as mudanças
circunstanciais;
Mantém registros financeiros e utiliza-os para tomar decisões.

Para se tornar um empreendedor bem-sucedido é preciso que você aprenda a planejar. Por isso, é
indispensável que você aprenda a fazer um planejamento de suas ações futuras.
Além de planejar, é preciso acompanhar sempre os resultados da empresa – fazer o que se chama de
monitoramento sistemático, que consiste em:

Divida as tarefas maiores em pequenas tarefas;


Defina um prazo para cumprir cada uma dessas tarefas;
Verifique sempre os resultados para saber se estão dentro do que havia sido planejado.

9. Persuasão e rede de contatos


Utiliza estratégias deliberadas para influenciar ou persuadir os outros;
Utiliza pessoas-chave como agentes para atingir seus próprios objetivos;
Age para desenvolver e manter relações comerciais.

Um empreendedor está sempre em contato com muitas pessoas: clientes, fornecedores, concorrentes,
técnicos, especialistas de diversas áreas etc. Muitas vezes, são pessoas que não estão diretamente
ligadas ao seu negócio, mas que, a qualquer momento, podem ser muito úteis. Busque manter contato
com as pessoas que podem se tornar fonte de informações e/ou soluções para você.
Todo empreendedor precisa mais do que uma rede de contatos: precisa saber convencer as pessoas a
fazerem o que ela deseja. Convencer o cliente a comprar mais ou o fornecedor a entregar mais rápido,
por exemplo. Mas, para convencer alguém, é preciso ter bons argumentos, é preciso que estejam de
acordo com os interesses da pessoa que está sendo convencida.

10. Independência e autoconfiança


Busca autonomia em relação a normas e controles de outros;
Mantém seu ponto de vista, mesmo diante da oposição ou de resultados inicialmente
desanimadores;
Expressa confiança na sua própria capacidade de complementar uma tarefa difícil ou de
enfrentar um desafio.

Um empreendedor é sempre autodeterminado, sabe tomar decisões com segurança. Faz questão de ser
seu próprio patrão e dono do seu nariz; acredita em si e na capacidade de realizar sonhos e projetos.
Tem a humildade para perguntar, pesquisar, ouvir e refletir sobre sugestões dadas, principalmente
pelos mais experientes. Todo o empreendimento é um desejo concretizado por alguém que confiou no
próprio potencial.

Fonte: <http://super.abril.com.br/ciencia/sucesso-584272.shtml>

IV – Responsabilidade social: setor público, privado e terceiro setor

A função social da empresa sob a ótica do desenvolvimento sustentável

Bruna Medeiros David de Souza


Advogada, Pós-graduanda em Direito Civil pela Faculdade de Direito Milton Campos.

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A função social da propriedade privada é um princípio consagrado na Constituição brasileira
de 1988, que, em seu artigo 170, preceitua que “a ordem econômica, fundada na valorização do
trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os
ditames da justiça social, observado, dentre outros, o Princípio da Função Social da Propriedade”.
O princípio da função social da empresa busca estabelecer um equilíbrio entre a nova
ordem econômica e social e as ideias do liberalismo clássico, mesclando elementos de ambos. Diante
dessa nova concepção, o lucro, por si só, não é mais um elemento capaz de justificar a existência de
uma empresa. A missão das companhias privadas não é somente gerar lucro; este é uma recompensa
justa e legítima a ser recebida pelos investidores, que aceitaram correr o risco de aplicar seu capital em
um empreendimento produtivo.
Outra forma de atuação empresarial que se coaduna com a função social da empresa é a
busca pelo desenvolvimento sustentável. Exerce função social a empresa que utiliza os recursos
naturais de forma justa e reduz ao mínimo o impacto de suas atividades no meio ambiente.
Responsabilidade socioambiental é a “forma de gestão que se define pela relação ética e
transparente da empresa com todos os públicos com os quais ela se relaciona e pelo estabelecimento
de metas empresariais compatíveis com o desenvolvimento sustentável da sociedade, preservando
recursos ambientais e culturais para as gerações futuras, respeitando a diversidade e promovendo a
redução das desigualdades sociais”.
Bem assim, o respeito às leis trabalhistas e aos interesses dos empregados também
demonstram o princípio da função social pautando as relações da empresa com seus empregados. Tal
forma de atuação empresarial prevê, além da observância aos direitos trabalhistas, respeito à dignidade
dos trabalhadores, em seus diversos aspectos.
Uma empresa realiza sua função social com a opção por ações que promovam a dignidade
da pessoa humana, como a valorização do trabalho, a busca do pleno emprego e a redução das
desigualdades sociais.
Hoje, os consumidores estão mais exigentes e demonstram preocupação com o futuro do nosso
ambiente, o que tem alterado seu comportamento ao adquirir um produto. Dá-se preferência hoje aos
ecologicamente sustentáveis, que não agridem a natureza, sem se esquecer da qualidade. Empresas de
diferentes atividades estão tentando se adaptar a essa nova realidade, e atender a essa nova busca do
consumidor.
A atuação empresarial, em relação aos consumidores, também deve ser orientada pelo
princípio da função social. O Código de Defesa do Consumidor determina a responsabilidade
empresarial pela prestação de serviços e pela qualidade dos produtos, reconhecendo a função social da
empresa ao estabelecer finalidades sociais e proteção aos interesses do consumidor (CDC, art.51).
A questão da responsabilidade social tem sido tema recorrente no mundo dos negócios. Há
uma crescente preocupação por parte das empresas brasileiras em compreender seu conceito e
dimensões e incorporá-los à sua realidade. Muitas empresas já se mobilizaram para a questão e
estruturaram projetos voltados para uma gestão socialmente responsável, investindo na relação ética,
transparente e de qualidade com todos os seus públicos de relacionamento.
Essas iniciativas, apesar de apresentarem resultados positivos, representam, na maioria das
vezes, ações pontuais e desconectadas da missão, visão, planejamento estratégico e posicionamento da
empresa e, consequentemente, não expressam um compromisso efetivo para o desenvolvimento
sustentável.
Em muitos casos, as empresas brasileiras acabaram por associar responsabilidade social à
ação social, seja pela via do investimento social privado, seja pela via do estímulo ao voluntariado.
Esse viés de contribuição, embora relevante, quando tratado de maneira isolada, coloca o foco da ação
fora da empresa e não tem alcance para influenciar a comunidade empresarial a um outro tipo de
contribuição, extremamente importante para a sociedade: a gestão dos impactos ambientais,
econômicos e sociais provocados por decisões estratégicas, práticas de negócio e processos
operacionais. Para que se compreenda esta abordagem mais ampla, que podemos chamar de
sustentabilidade empresarial é necessário que se conheça previamente o conceito de desenvolvimento
sustentável.
O conceito de responsabilidade social empresarial traz, ainda, a questão da relação da
empresa com seus diversos públicos de interesse, conforme expresso na definição do Instituto Ethos:
“Responsabilidade social empresarial é a forma de gestão que se define pela relação ética e

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transparente da empresa com todos os públicos com os quais ela se relaciona e pelo estabelecimento
de metas empresariais compatíveis com o desenvolvimento sustentável da sociedade, preservando
recursos ambientais e culturais para as gerações futuras, respeitando a diversidade e promovendo a
redução das desigualdades sociais”.
Dito de outra maneira espera-se cada vez mais que as organizações sejam capazes de
reconhecer seus impactos ambientais, econômicos e sociais e, a partir desse pano de fundo, construam
relacionamentos de valor com os seus diferentes públicos de interesse, os chamados stake-holders –
público interno, fornecedores, clientes, acionistas, comunidade, governo e sociedade, meio ambiente,
entre outros. Embora já haja diversos exemplos de práticas de gestão socialmente responsável, a
inserção da sustentabilidade e responsabilidade social às práticas diárias de gestão ainda representa um
grande desafio para grande parte da comunidade empresarial brasileira. A associação desses conceitos
à gestão dos negócios deve necessariamente expressar o compromisso efetivo de todos os escalões da
empresa, de forma permanente e estruturada.
Do exposto conclui-se que, diante da nova ordem constitucional, toda empresa deve pautar
sua atuação de acordo com o Princípio da Função Social da Empresa, não visando unicamente o lucro,
mas também o atendimento dos interesses socialmente relevantes, buscando um equilíbrio da
economia de mercado com a supremacia dos interesses sociais previstos na Constituição Federal.
(artigo adaptado pelo prof. Altamir Fernandes)
fonte<http://direito.newtonpaiva.br/revistadireito/docs/convidados/13_convidado_bruna.pdf

A influência da responsabilidade social empresarial no setor público (Uzias Ferreira Adorno Jr.)

Normalmente, o conceito de responsabilidade social tem sido limitado às ações


desenvolvidas pelas empresas, referindo-se, em particular, os efeitos e o impacto que estas atividades
possam ter sobre o ambiente para eles.
A abordagem da responsabilidade social das empresas coloca a necessidade de uma gestão
organizacional baseada em princípios e valores, a fim de desenvolver um relacionamento ético e
transparente com as partes internas e externas que a organização possui. Essa relação é expressa como
uma preocupação constante para o impacto gerado no âmbito das atividades principais e fins
declarados na sua missão e visão, e fornecer feedback para cada um dos sistemas de gestão de uma
instituição.
Além disso, a reforma da administração pública tem desenvolvido importantes processos de
modernização da governança, incorporando técnicas de gestão numerosas do setor privado, além de
fazer investimentos significativos em equipamentos, infraestrutura e treinamento de servidores.

Aplicação da responsabilidade social na Administração Pública

É possível associar a responsabilidade social com a governança em matéria de ética


pública, probidade administrativa, especialmente no caso do governo, com o qual tanto os servidores e
as instituições devem desenvolver seu respectivo serviço civil, em conformidade com sua missão.

A este respeito, a responsabilidade social apresenta critérios importantes para fortalecer a ética
e a probidade no serviço público, por exemplo, cultura organizacional, associada com a
responsabilização ou prestação de contas (accountability), relatórios de sustentabilidade, códigos de
ética, gestão do relacionamento com partes interessadas, entre outras práticas que fortaleçam um
comportamento socialmente responsável de uma organização.
Outro elemento que pode reforçar um comportamento socialmente responsável é a
accountability e a transparência - expressa através do pleno acesso à informação, por exemplo, a
publicação de relatórios de sustentabilidade ou gestão de contas públicas.
Estas são condições essenciais para desenvolver a gestão dos serviços públicos, adequada ao
cenário atual, definido pelo processo de globalização e, em especial, o desenvolvimento da sociedade
do conhecimento. Esta procura de instituições do Estado para o desenvolvimento contínuo de uma
atitude mais responsável e comportamento aberto no acesso à informação e conhecimento sobre os

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resultados alcançados e, sobretudo, em relação ao uso adequado dos recursos, claramente expressando
um comportamento socialmente responsável.
Responsabilidade está relacionada à necessidade de transparência com que os serviços
públicos devem agir em relação aos cidadãos, não somente em matéria de acesso à informação, mas
também nos resultados obtidos por instituições públicas no cumprimento da sua missão.

Textos organizados e sintetizados e organizados pelo prof. Altamir Fernandes

3º texto: O homem e a Cultura

2. O homem e a cultura
2.1 O homem: ser biológico e cultural
2.2 Cultura: definições, cultura popular e cultura erudita
2.3 Multiculturalismo, relações étnico-raciais, história e cultura afro-brasileira e indígena
2.4 Indústria cultural

A cultura: definições, cultura popular, cultura erudita e indústria cultural

A origem da palavra CULTURA

* Uma definição da cultura é difícil, porque a cultura pode ser estudada de vários pontos de vista.

* primeiro significado da palavra cultura na tradição romana. A palavra cultura é latina e sua origem
é o verbo colere. Colere significava, na língua romana mais antiga, “eu cultivo”; particularmente, “eu
cultivo solo”. A primeira acepção de colere estava ligada ao mundo agrário. Os romanos começaram
efetivamente pela agricultura. A palavra agricultura diz muito: “cultura do campo”.

* Inicialmente, a palavra cultura, por ser um derivado de colo, significava, rigorosamente, “aquilo
que deve ser cultivado”.

* Esse significado relacionado com a sociedade agrária, durou séculos; até que os romanos
conquistaram a Grécia (146 a.C.) e foram em parte helenizados. E os gregos tinham já uma palavra
para o desenvolvimento humano, que era Paideia.

* Paideia significava, inicialmente, o conjunto de conhecimentos que se devia transmitir às crianças –


paidós (criança é paidós); mais tarde era o "processo de educação em sua forma verdadeira, a forma
natural e genuinamente humana" na Grécia antiga, ou seja, a ampliação do conceito fez com que ele
passasse também a designar o resultado do processo educativo que se prolonga por toda vida, muito
para além dos anos escolares.

* Mas, conhecendo a palavra Paideia e não querendo usá-la porque era uma palavra estrangeira, os
romanos passaram a traduzi-la por cultura. A palavra cultura passou do significado puramente
material que tinha em relação à vida agrária para um significado intelectual, moral, que significa
conjunto de ideias e valores.

* Se tivéssemos que definir a palavra a partir dessas considerações, teríamos uma riqueza de
possibilidades, porque a cultura, pensada como um conjunto de ideias, valores e conhecimentos,
traz dentro de si, em primeiro lugar, a dimensão do passado. A primeira ideia que temos quando
falamos em cultura é a de transmissão de conhecimentos e valores de uma geração para outra, de
uma instituição para outra, de um país para outro; subsiste sempre a ideia de algo que já foi
estabelecido em um passado – que pode ser um passado próximo ou um passado remoto.

41
Dois são os significados iniciais da noção de cultura:

01 – De acordo com o sociólogo Raymond Williams, a palavra cultura vinda do verbo latino colere,
que significa cultivar, criar, tomar conta e cuidar. Cultura significa o cuidado do homem com a
natureza. Donde: agricultura. Significava, também, cuidado dos homens com os deuses. Donde:
culto. Significava ainda, o cuidado com a alma e o corpo das crianças, com sua educação e
formação. Donde: puericultura (em latim, puer significa menino; puera, menina), ou seja, conjunto
de noções e técnicas voltadas para o cuidado médico, higiênico, nutricional, psicológico etc., das
crianças pequenas, da gestação até quatro ou cinco anos de idade.
A cultura é o aprimoramento da natureza humana pela educação em sentido amplo, isto
é, como formação das crianças não só pela alfabetização, mas também pela iniciação à vida da
coletividade por meio do aprendizado da música, dança, ginástica, gramática, poesia, história,
filosofia, etc. A pessoa culta era a pessoa moralmente virtuosa, politicamente consciente e
participante, intelectualmente desenvolvida pelo conhecimento das ciências, das artes e da filosofia. É
este sentido que leva muitos, ainda hoje, a falar em “cultos” e “incultos”.
02 – A partir do século XVIII, cultura passa a significar os resultados daquela formação ou educação
dos seres humanos, resultados expressos em obras, feitos, ações e instituições: as artes, as ciências, a
Filosofia, os ofícios, a religião e o Estado. Foi na Europa, a partir do século XVIII, que o conceito
de cultura passou a ser associado ao conceito de civilização.
No correr da história do ocidente, no século XVIII, com a Filosofia da Ilustração, a palavra
cultura ressurge, mas como sinônimo de outro conceito, torna-se sinônimo de civilização. Sabemos
que civilização deriva-se de ideia de vida civil, portanto, de vida política e de regime político. Com o
Iluminismo, a cultura é o padrão ou o critério que mede o grau de civilização de uma sociedade.
Assim, a cultura passa a ser encarada como um conjunto de práticas (artes, ciências, técnicas,
filosofia, os ofícios) que permite avaliar e hierarquizar o valor dos regimes políticos, segundo um
critério de evolução. No conceito de cultura introduz-se a ideia de tempo, mas de um tempo muito
preciso, isto é, contínuo, linear e evolutivo, de tal modo que pouco a pouco, cultura torna-se
sinônimo de progresso. Avalia-se o progresso de uma civilização pela sua cultura e avalia-se a
cultura pelo progresso que traz a uma civilização.

Civilização X Barbárie

Civilização

 sistema de normas, de paradigma a ser tomado como modelo


 conjunto de aspectos peculiares à vida intelectual, artística, moral e material de uma época, de
uma região, de um país ou de uma sociedade
 Antiguidade – os gregos se viam como os únicos civilizados e os não-helênicos eram
considerados “bárbaros” por não falarem grego
 Neocolonialismo europeu (XIX) – potências julgavam-se superiores aos povos colonizados –
aspectos técnico e científico, ético – enquanto os demais “fósseis vivos” estavam mergulhados
na barbárie.
 Missão Civilizatória – White man’s burden – (dever ou responsabilidade do homem branco)
- retirar da barbárie os infelizes nativos

Barbárie
 a palavra bárbaro é de origem grega. Designava, na Antiguidade, as nações não-gregas,
consideradas primitivas, incultas, atrasadas e brutais
 o termo “barbárie” para Lowy, tem dois significados distintos, mas ligados: “falta de
civilização” e “crueldade de bárbaro”
 Segundo Adorno, a barbárie é a agressividade primitiva humana, os impulsos de destruição,
ou seja, é um ato considerado desumano porque não respeita os fundamentais valores

42
conquistados no campo da ética, do direito, da ciência, da democracia pluralista e da própria
organização social.

O conceito iluminista de cultura, profundamente político e ideológico, reaparece no século


XIX, quando se constitui um ramo das ciências humanas, a antropologia. No início da constituição da
antropologia, os antropólogos guardarão o conceito iluminista de evolução ou progresso. Por tornarem
a noção de progresso como medida de cultura, os antropólogos estabeleceram um padrão para medir
a evolução ou o grau de progresso de uma cultura e esse padrão foi, evidentemente, o da Europa
capitalista. As sociedades passaram a ser avaliadas segundo a presença ou a ausência de alguns
elementos que são próprios do ocidente capitalista e a ausência desses elementos foi considerada sinal
de falta de cultura ou de uma cultura pouco evoluída. Que elementos são esses? O Estado, o mercado
e a escrita. Todas as sociedades que desenvolvessem formas de troca, comunicação e poder diferentes
do mercado, da escrita e do Estado europeu, foram definidas como culturas “primitivas”. Em outras
palavras, foi introduzido um conceito de valor para distinguir as formas culturais.
Para os filósofos Voltaire (1694 - 1778) e Kant (1724 - 1804), cultura e civilização
representavam ambas, o processo de aperfeiçoamento moral e racional da sociedade, sendo a cultura
a forma de avaliar o estágio de progresso e desenvolvimento de uma civilização.

Cultura e Antropologia

A antropologia é uma ciência social surgida no século XVIII. Porém, foi somente no século
XIX que se organizou como disciplina científica. A palavra tem o seguinte significado:
antropo=homem e logia=estudo.
A antropologia, como ciência, desenvolveu-se principalmente a partir do século XVIII com a
expansão colonial europeia. Novos territórios vinham sendo descobertos e ocupados pelas
potências europeias (principalmente a Inglaterra) e novos povos (considerados primitivos, quando
comparados com a sociedade ocidental) eram contactados. Era preciso conhecer e compreender seus
hábitos, costumes e valores, principalmente para melhor dominá-los. A antropologia surgiu, como se
pode deduzir, como consequência da política imperialista e com o intuito de auxiliá-la. Ao longo do
tempo, porém, a atuação dos antropólogos desenvolveu-se de maneira mais independente e num
sentido muitas vezes oposto ao que deles se exigia.
Estudo antropológico
Esta ciência estuda, principalmente, os costumes, crenças, hábitos e aspectos físicos dos
diferentes povos que habitaram e habitam o planeta.
Portanto, os antropólogos estudam a diversidade cultural dos povos. Como cultura, podemos
entender todo tipo de manifestação social. Modos, hábitos, comportamentos, folclore, rituais, crenças,
mitos e outros aspectos são fontes de pesquisa para os antropólogos.
Nas últimas décadas, o estudo do “outro” (outros povos, suas crenças e costumes) passa a se
desenvolver no sentido político de mostrar que diferenças culturais não significam inferioridade
nem justificam a dominação. Por essa razão, a antropologia ajudou a desqualificar o
etnocentrismo (isto é, a tendência a valorizar a própria cultura, tomando-a como parâmetro para
avaliar as demais, ocorre quando um determinado indivíduo ou grupo de pessoas, que têm os mesmos
hábitos e caráter social, discrimina outro, julgando-se melhor, seja pela sua condição social, pelos
diferentes hábitos) e a admitir o relativismo cultural. Para ela, cada sociedade possui o direito de se
desenvolver de modo autônomo, não existindo uma teoria sobre a humanidade que possua alcance
universal, e que seja capaz de impor-se a outras, com base em qualquer tipo de superioridade.
A lei humana é um imperativo social que organiza toda a vida dos indivíduos e da
comunidade, determinando o modo como são criados os costumes, como são transmitidos de geração
a geração, como fundam as instituições sociais (religião, família, formas do trabalho, guerra e paz,
distribuição das tarefas, formas do poder, etc). A lei não é uma simples proibição para certas coisas e
obrigação para outras, mas é a afirmação de que os humanos são capazes de criar uma ordem de
existência que não é simplesmente natural (física, biológica). Esta ordem é a ordem simbólica.
Quando dizemos que a cultura é a invenção de uma ordem simbólica, estamos dizendo que
nela e por ela os humanos atribuem à realidade significações novas por meio das quais são capazes
de se relacionar com o ausente: pela palavra, pelo trabalho, pela memória, pela diferenciação do

43
tempo (passado, presente, futuro), pela diferenciação do espaço (próximo, distante, grande, pequeno,
alto, baixo), pela diferenciação entre o visível e o invisível (os deuses, o passado, o distante no
espaço) e pela atribuição de valores às coisas e aos homens (bom, mau, justo, injusto, belo, feio,
verdadeiro, falso, possível, impossível).
Comunicação (por palavras, gestos, sinais, escrita, monumentos), trabalho (transformação da
natureza), determinação de regras e normas para a realização do desejo, percepção da morte e doação
de sentido a ela, percepção da diferença sexual e doação de sentido a ela, interdições e punição das
transgressões, determinação da origem e da forma de poder legítimo e ilegítimo, criação de
formas expressivas para a relação com o outro com o tempo (dança, música, rituais, guerra e paz,
pintura, escultura, construção da habitação, culinária, tecelagem, vestuário, etc) são as principais
manifestações do surgimento da cultura.

Em termos antropológicos, podemos então, definir a cultura como tendo três sentidos
principais:

 Criação da ordem simbólica da lei, isto é, de sistemas de interdições e obrigações


estabelecidos a partir da atribuição de valores a coisas (boas, más, perigosas, sagradas,
diabólicas), a humanos e suas relações (diferença sexual e proibição do incesto, virgindade,
fertilidade, puro-impuro, virilidade; diferença etária e forma de tratamento dos mais velhos e
mais jovens; diferença de autoridade e formas de relação com o poder, etc) e aos
acontecimentos (significado da guerra, da peste, da fome, do nascimento e da morte,
obrigação de enterrar os mortos, proibição de ver o parto, etc);

 A criação de uma ordem simbólica da linguagem, do trabalho, do espaço, do tempo, do


sagrado e do profano, do visível e do invisível. Os símbolos surgem tanto para representar
quanto para interpretar a realidade, dando-lhe sentido pela presença do humano no mundo;

 Conjunto de práticas, comportamentos, ações e instituições pelas quais os humanos se


relacionam entre si e com a natureza e dela se distinguem, agindo sobre ela ou através dela,
modificando-a. Este conjunto funda a organização social, sua transformação e sua transmissão
de geração a geração.

Em sentido antropológico, não falamos em cultura no singular, mas em culturas, no plural,


pois a lei, os valores, as crenças, as práticas e instituições variam de formação social para formação
social.
Assim, compreendemos que a cultura é a maneira pela qual os humanos se humanizam por
meio de práticas que criam a existência social, econômica, política, religiosa, intelectual e artística.
A religião, a culinária, o vestuário, o mobiliário, as formas de habitação, os hábitos à mesa,
as cerimônias, o modo de relacionar-se com os mais velhos e os mais jovens, com os animais e com a
terra, os utensílios, as técnicas, as instituições sociais (como a família) e políticas (como o Estado), os
costumes diante da morte, a guerra, o trabalho, as ciências, a Filosofia, as artes, os jogos, as festas, os
tribunais, as relações amorosas, as diferenças sexuais e étnicas, tudo isso constitui a cultura como
invenção da relação com o outro.
O mundo cultural é um sistema de significados já estabelecidos por outros, de modo que, ao
nascer, a criança encontra o mundo de valores já dados, onde ela vai se situar. A língua que aprende, a
maneira de se alimentar, o jeito de se sentar, andar, correr, brincar, o tom da voz nas conversas, as
relações familiares; tudo, enfim, se acha codificado. Até na emoção, que nos parece uma manifestação
tão espontânea, ficamos à mercê de regras que educam desde a infância a nossa expressão.

Diversidade cultural

Não são só as crenças culturais que variam de cultura para cultura. Também a diversidade do
comportamento e práticas humanas é extraordinária. As formas aceites de comportamento variam
grandemente de cultura para cultura, contrastando frequentemente de um modo radical com o que
as pessoas das sociedades ocidentais consideram “normal”. Por exemplo, no Ocidente moderno as

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crianças de doze ou treze anos são consideradas demasiado novas para casar. No entanto, em outras
culturas são arranjados casamentos entre crianças dessas idades. No ocidente, comemos ostras, mas
não comemos gatinhos e cachorros e tanto uns como outros são considerados, em algumas partes do
mundo, iguarias gastronômicas. Os judeus não comem carne de porco, enquanto os hindus, embora
comam porco, evitam a carne de vaca. Os ocidentais consideram o ato de beijar uma parte natural do
comportamento sexual, mas em muitas outras culturas esse ato ou é desconhecido ou considerado de
mau gosto. Todos esses diferentes tipos de comportamento são aspectos das grandes diferenças
culturais que distinguem as sociedades umas das outras.
A cultura desempenha um papel importante na perpetuação das normas e valores de uma
sociedade, oferecendo também oportunidades importantes de criatividade e de mudança. As
subculturas (qualquer segmento da população que se distinga do resto da sociedade em virtude dos
seus padrões culturais. A variedade de subculturas é enorme, podendo incluir naturistas, góticos,
hackers informáticos, fãs de Hip Hop) e as contraculturas – grupos que rejeitam a maior parte das
normas e dos valores vigentes numa sociedade – podem promover pontos de vista alternativos à
cultura dominante. Os movimentos sociais e os grupos de pessoas que partilham os mesmos estilos de
vida constituem forças poderosas de mudança no interior das sociedades.

Etnocentrismo

Todas as culturas têm um padrão de comportamento próprio, que parece estranho a pessoas
de outros contextos culturais. Se já viajou ao estrangeiro, é lhe provavelmente familiar a sensação
resultante de se encontrar inserido numa cultura nova. Certos aspectos da vida cotidiana que, em
determinada cultura, são inconscientemente tomados como assentes podem, em outras partes do
mundo, não fazer parte do dia a dia. Mesmos países que partilham a mesma língua podem ter hábitos,
costumes e modos de comportamento bem diferentes. A expressão choque cultural é adequada. É
frequente as pessoas sentirem-se desorientadas, quando se inserem numa cultura nova, pois perdem os
pontos de referência que lhes são familiares e que ajudam a entender o mundo que as rodeia e ainda
não aprenderam a orientar-se na nova cultura.
As culturas podem ser extremamente difíceis de entender quando vistas de fora. Não é
possível compreender crenças e práticas se as separamos das culturas de que fazem parte. Uma
cultura tem de ser estudada segundo os seus próprios significados e valores – um pressuposto
essencial da Sociologia. Esta ideia é também conhecida como relativismo cultural. Os sociólogos
esforçam-se o mais possível por evitar o etnocentrismo, que consiste em julgar as outras culturas
tomando como medida de comparação a nossa. Dada a ampla variação das culturas humanas, não é
surpreendente que as pessoas provenientes de uma cultura achem frequentemente difícil aceitar as
ideias ou o modo de comportamento das pessoas de uma diferente.

Conclusão: a cultura como conceito antropológico

O antropólogo inglês Edward Tylor (1832-1917) reuniu sob a palavra inglesa culture os
sentidos que, entre finais do século XVII e começos do XIX, costumavam estar contidos na palavra
alemã Kultur (aspectos espirituais de uma comunidade) e na palavra francesa civilization (realizações
materiais de um povo). Tylor definiu cultura como um “todo complexo que inclui conhecimentos,
crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo
homem como membro de uma sociedade”. Nessa ampla definição, Tylor incorporava todas as
possibilidades de realização humana e enfatizava o aspecto de aprendizado da cultura (em oposição
à ideia de transmissão genética dos conhecimentos). O aprendizado pressupunha, evidentemente, as
ideias de comunicação e linguagens (fundamentais para a transmissão, manutenção e transformação
culturais).
A manutenção da sociedade decorria das relações entre os homens e entre os homens e a
natureza. Essas relações estariam registradas nas normas, regras, imagens, mitos, ritos e discursos –
elementos que poderíamos chamar de representações simbólicas. Todos esses elementos são
socialmente construídos e relacionados à própria existência da sociedade.

CULTURA POPULAR versus CULTURA ERUDITA

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O que seria erudito? O que seria popular? A que grupo ou classe social poderíamos associar
cada um desses conceitos?
O “popular“ relaciona-se ao povo; o “erudito” (conhecimento ou cultura variada, adquiridos
por meio da leitura, às elites. Essa seria, sem dúvida, a associação mais imediata a ser feita com esses
conceitos.
Mas como defini-las e distingui-las? Há autores que dizem já não ser possível pensar em
cultura puramente popular ou puramente erudita, numa sociedade como a nossa, integrada e
padronizada pela cultura de massa ou indústria cultural. Outros autores discordam dessa postura,
diferenciado não duas, mas três culturas, em constante inter-relação: a cultura popular, a cultura
erudita e a indústria cultural.

Não vivemos em uma sociedade homogênea, toda produção cultural está sujeita a avaliação
que dependem da posição social do grupo a que ela pertence. Para exemplificar vamos estabelecer
algumas distinções, considerando as seguintes divisões:

- A Cultura Erudita é a produção acadêmica centrada no sistema educacional, sobretudo na


universidade, produzida por uma minoria de intelectuais.

- A Cultura Popular é identificada com folclore, conjunto das lendas, contos e concepções
transmitidas oralmente pela tradição. É produzida pelo homem do campo, das cidades, do interior ou
pela população suburbana das grandes cidades.

- A Cultura de Massa é aquela resultante dos meios de comunicação de massa. Produzida “de cima
para baixo”, impondo padrões e homogeneíza o gosto.

Cultura erudita e cultura popular: o que são e quem as produz?

Se quando pensamos em cultura erudita é quase automático associá-la ao plano da escrita e


da leitura, do saber universitário, dos debates, da teoria e do pensamento científico, definir cultura
popular não é tão automático assim. Na verdade, definir cultura popular representa uma polêmica
que cientistas sociais, historiadores.

A cultura erudita é a produção elaborada, acadêmica, centrada no sistema educacional,


sobretudo na universidade, também conhecida como cultura de elite, por ser produzida por uma
minoria de intelectuais das mais diversas especialidades (escritores, artistas em geral, cientistas,
tecnólogos).
Com a cultura erudita, são produzidas as obras-primas que revolucionam os diversos
campos do saber e da ação, como as descobertas científicas, os novos modos de pensar, as técnicas
revolucionárias, as grandes· obras literárias ou artísticas em geral, enfim, produtos humanos que
provocam "cortes" na maneira de pensar e agir e que, por isso, se tornam clássicos.
Esse tipo de produção cultural é erudito por exigir maior rigor na sua elaboração, sendo, por
isso mesmo, uma produção elitizada, acessível a um público restrito (tanto na sua produção como
no aproveitamento. Afinal, supõe-se que a maioria não está interessada em física quântica, alta
filosofia ou música clássica nem se encontra apta a compreender essa produção sem longo preparo
para tal.
Quanto à cultura popular, é igualmente impossível dar à cultura popular um caráter,
consideradas as produções culturais diferenciadas de camponeses, classes médias baixas e outros
setores e subsetores sociais marginalizados. Com a multinacionalização do capital e com a
consequente transnacionalização da cultura (na globalização), até os grupos étnicos mais remotos e as
comunidades mais isoladas têm que se submeter a um processo de intercâmbio econômico, político e
cultural com o seu entorno, com as instituições governamentais, com as estruturas de mercado.

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O historiador inglês Peter Burke define a cultura popular como uma cultura não oficial,
do povo comum. Nesse sentido, o autor segue o pensamento de Gramsci, para quem a cultura
popular é a cultura do povo, e os seus produtores são as classes subalternas.
Um pouco de história: como os intelectuais descobriram o povo?
É interessante pensar no surgimento da separação entre cultura erudita e cultura popular. O
historiador Peter Burke observa que foi no final do século XVIII e início do século XIX que os
intelectuais europeus passaram a se interessar pelo povo. Visitavam as casas e festas dos artesãos e
camponeses para ouvir e aprender suas estórias e canções. Quando pensavam no povo,
imaginavam-no natural, simples, analfabeto, instintivo, irracional, enraizado na tradição e na terra,
sem nenhum sentido de individualidade. Exatamente por isso, queriam conhecê-lo. Primeiramente, o
povo foi considerado exótico, depois passou a ser admirado e até mesmo imitado por alguns
intelectuais.
Esse movimento de valorização do povo pelos intelectuais teve razões estéticas, intelectuais
e também políticas. Passou-se a valorizar a simplicidade e o encanto naturais que caracterizavam os
velhos poemas populares e que estavam ausentes da arte erudita do período. Esse movimento foi
também uma reação contra o Iluminismo de Voltaire: contra seu elitismo, seu desinteresse pela
tradição, contra sua ênfase na razão.
Outro motivo para que os intelectuais europeus se voltassem para o povo foi o caráter
sociológico que o estudo dos usos e costumes foi adquirindo no século XVIII. A descoberta de outros
povos e a compreensão da diversidade de suas crenças e práticas eram um desafio fascinante e fizeram
com que intelectuais franceses, ingleses e italianos também se debruçassem sobre o tema.
Cultura popular ou folclore?
A concepção de cultura popular ou folclore que a maioria dos pesquisadores dos séculos
XVIII e XIX possuía, e que muitos possuem até hoje, é de uma manifestação tradicional e imutável,
livre de interferências estrangeiras, próxima da natureza, pura e primitiva.
A chamada cultura popular já não é mais o folclore. Folclore é uma palavra cunhada pelos
românticos no século XIX e significava “a sabedoria do povo”; “Folk” = “Povo” e “Lore” é um
substantivo inglês, hoje muito pouco usado, erudito, que significa “sabedoria, conhecimento.”
É importante notar a presença de certa confusão quando se pensa em cultura popular ou em
folclore. Existem pesquisadores que preferem o termo cultura popular ao termo folclore e há outros
que não fazem nenhuma distinção entre eles. Para Carlos Brandão, a ideia de folclore foi-se
ampliando, ao longo do tempo, e se associando à maneira de viver do povo, à sua capacidade de
criar e recriar. Passou a incorporar não só as festas e ritos, mas também o cotidiano e seus
produtos: a comida, a casa, a vestimenta, os artefatos de trabalho. E, nesse sentido – cultura popular
e folclore – querem dizer a mesma coisa.
A expressão cultura popular pode ser entendida como uma forma mais moderna de designar
o folclore. A palavra folclore encontra-se desgastada e tem conotações pejorativas. A expressão
cultura popular, como vimos é também discutível. Alguns como Canclini (1983), propõem a
expressão culturas do povo. O conceito de cultura popular, criticado, por numerosos cientistas
sociais, vem sendo hoje largamente utilizado no âmbito da História.
Quando pensamos em cultura popular no Brasil, costumam vir à nossa mente, além do
carnaval e da Folia de Reis, festas como a do Divino, São João, e bumba-meu-boi; personagens
como Negrinho do Pastoreio, Mãe-d’água, Curupira, Saci Pererê; músicas como samba, maxixe,
xaxado, forró, sertaneja; literatura como a de cordel, adivinhas e ditados populares e o duelo entre
repentistas; artesanato como vasos de cerâmica e barro cozido, carrancas de madeira que são colocadas
na proa de barcos no norte e no nordeste do país, rendas e colchas de retalho feitas por mulheres
renderias; comidas como feijoada, tutu de feijão, quindim, vatapá, acarajé...
Se tentássemos, por outro lado, reunir elementos da cultura erudita no Brasil, falaríamos
primeiramente da produção científica e filosófica das universidades; depois pensaríamos em toda a
reflexão crítica que se faz sobre a própria questão cultural. Selecionaríamos também a produção
literária divulgada em livros, lembraríamos de filmes e peças de teatro. Teríamos que selecionar a
poesia de um poeta como Carlos Drummond; as obras arquitetônicas de Niemeyer; os romances de
Guimarães Rosa; a música de Villa-Lobos, etc. Mas será realmente possível fazer uma seleção tão
precisa e definir que todas essas produções são completamente eruditas? No primeiro caso, seriam
produções eruditas por terem sido elaboradas nas universidades? E, no segundo, seriam produções

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eruditas por sua forma de elaboração? Se analisarmos a obra dos autores apontados, poderemos
ver, no entanto, como ela contém uma relação intensa e profunda com elementos vinculados à
cultura popular, à cultura nacional.

A INDÚSTRIA CULTURAL OU CULTURA DE MASSA

A expressão “cultura de massa” foi muito usada, principalmente pelos norte-americanos. Os


sociólogos americanos criaram a expressão mass culture, que foi moeda corrente até os anos 1950.
Nos anos 1950 falava-se em mass communication, mass culture, muitos livros traziam esses títulos.
Mas na Europa, particularmente na Alemanha, com a Escola de Frankfurt (Adorno, Horkheimer,
filósofos marxistas) implantou-se uma forte tendência humanista. Estes filósofos eram críticos da
cultura de massas e eles próprios, sobretudo Adorno, julgaram que essa expressão era inadequada,
porque cultura de massas poderia dar a impressão de que é uma cultura produzida pelas massas;
cultura de massas, como se as massas, que são alguma coisa anônima, (massas de uma cidade, massas
de um país – a palavra “massa” já é por si anônima) produzissem cultura.

Indústria cultural

 Conceito formulado pelos filósofos alemães Adorno e Horkheimer, em 1947.


 É fruto de uma sociedade capitalista industrializada, onde até mesmo a cultura é vista como
produto a ser comercializado.
 É a exploração com fins econômicos e comerciais de bens considerados culturais.
 Tudo que é produzido pelo sistema industrializado de produção cultural (TV, rádio, jornal,
revistas, etc) elaborado de forma a influenciar, aumentar o consumo, transformar hábitos,
educar, informar, etc.
 I.C. tem como único objetivo a dependência e a alienação dos homens. Ao maquiar o mundo
nos anúncios que divulga, ela acaba seduzindo as massas para o consumo de mercadorias
culturais.
 I.C. promove a resignação, manipula as distrações, permanece ligada aos clichês ideológicos e
chavões que perpetuam os estereótipos e que são repetidas à exaustão.

Indústria cultural é o nome genérico que se dá ao conjunto de empresas e instituições cuja


principal atividade econômica é a produção de cultura, com fins lucrativos e mercantis. No sistema
de produção cultural encaixam-se a TV, o rádio, jornais, revistas, entretenimento em geral; que são
elaborados de forma a aumentar o consumo, modificar hábitos, educar, informar, podendo pretender
ainda, em alguns casos, ter a capacidade de atingir a sociedade como um todo.

Desde a década de 1990, seis empresas transnacionais tomaram conta de 96% do mercado
mundial de música. No que se refere ao cinema a situação é ainda mais chocante. Mais de 90% das
telas norte-americanas só exibem filmes feitos no próprio país. O americano comum, portanto, não
conhece o que se faz no estrangeiro. E o que se produz, na verdade, é pouco -- 85% dos filmes
exibidos em todo o planeta brotam de Hollywood.

Para o crítico literário e escritor Umberto Eco:

01 – Apocalípticos (Adorno e outros): aqueles que criticam os MCM.


02 – Integrados (McLuhan): aqueles que os elogiam

Entre os motivos para a crítica dos MCM:


a) veiculação que eles realizam de uma cultura homogênea (que desconsidera as diferenças
culturais).
b) O estímulo publicitário

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c) A sua definição como simples lazer e entretenimento, não encorajando o público a pensar,
tornando-o passivo e conformista.
d) MCM: instrumentos para controle e manutenção do capitalismo

Entre os motivos para elogiar os MCM:


a) MCM: única fonte de informação possível para uma parcela significativa da população.
b) Informações veiculadas por eles podem contribuir para a formação intelectual e política.

Para a filósofa Marilena Chauí, a indústria cultural vende cultura. Para vendê-la, deve seduzir
e agradar o consumidor. Para seduzi-lo e agradá-lo, não pode chocá-lo, provocá-lo, fazê-lo pensar,
fazê-lo ter informações novas que o perturbem, mas deve devolver-lhe, com nova aparência, o que ele
já sabe, já viu, já fez. A “média” é o senso comum cristalizado que a indústria cultural devolve com
cara de coisa nova.
Ela define a cultura como lazer e entretenimento, diversão e distração, de modo que tudo o
que nas obras de arte e de pensamento significa trabalho da sensibilidade, da imaginação, da
inteligência, da reflexão e da crítica não tem interesse, não “vende”. Massificar é, assim, banalizar a
expressão artística e intelectual. Em lugar de difundir e divulgar a cultura, despertando interesse por
ela, a indústria cultural realiza a vulgarização das artes e dos conhecimentos.
É dentro deste contexto que ele formula o conceito de Indústria Cultural que ocorre, pela
primeira vez, em 1947, na obra Dialética do Iluminismo, escrita em parceria com Horkheimer, na qual
defende que o Iluminismo, tido como um esforço consciente de valorização da razão .
A publicidade é, hoje, um exemplo forte da Indústria Cultural porque ambas estão fundidas.
A função de um publicitário é fazer com que o consumidor compre aquilo que ele não precisa com o
dinheiro que ele não tem; ele, de fato, consegue cumpri-la: quando produz uma propaganda, já sabe
qual público atingir porque pesquisou, anteriormente, suas necessidades (que foram construídas por
ele próprio). Deste modo, o consumidor é o objeto da Indústria Cultural. A Indústria Cultural
extermina o que é particular, nega a particularização, seja a cor, a composição, a arquitetura.
O que a Indústria Cultural fornece, de fato, é a vida cotidiana, a verdadeira imagem do mundo
tal qual ela se apresente; ela promove a resignação que se quer esquecer nela, estraga o prazer,
manipula as distrações, permanece voluntariamente ligada aos clichês ideológicos da cultura em vias
de liquidação, defende e justifica a arte física em confronto com a arte espiritual, não tem substância e
despersonaliza o humano contra o mecanismo social.
O melhor sinônimo para Indústria Cultural é, hoje, a globalização: processo de aceleração
capitalista que vem ocorrendo desde a Pré-história, mas que só recentemente ganhou a velocidade da
luz; pode criar uma civilização genuinamente transnacional alimentada pela exposição à tecnologia e
pelas mesmas fontes de informação; possui um tremendo potencial para solucionar os problemas do
homem contemporâneo e pode criar riquezas num ritmo alucinante;

Arte, Indústria Cultura e Educação

Quando a Indústria Cultural privilegia um produto pseudo-artístico padronizado, calculado


tecnicamente para surtir efeitos determinados de modo a serem por todos desejados e repetidos, na
forma e na medida adequados a garantir o poder e o lucro do sistema dominante.

Como consequência dessa massificação, podemos considerar que o fato de se ter acesso
somente à cultura de massa acaba por não permitir ao indivíduo a aquisição do conhecimento de
outros aspectos culturais que expressam a cultura do povo, seus valores e suas lutas. Em nosso
entender, a música é a expressão do pensar e do sentir das pessoas de uma determinada época. Além
de proporcionar prazer, ela também pode informar e conscientizar. Portanto, para nós, esta postura de
consumo significa estar à margem da cultura como um todo.

Adorno considera que a Indústria Cultural prostitui os valores estéticos da arte, dando-lhe
uma falsa imagem. A música tornou-se um fundo convencionalmente necessário e repetitivo. O
público a escuta de forma infantil ou não a escuta. Vemos que essa crítica é muito atual quando

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sintonizamos qualquer emissora de rádio ou de televisão preocupadas, tão somente, com o sentido
mercadológico da arte musical. Os ritmos e as letras das músicas são sempre idênticos, não
acrescentando absolutamente nada à nossa formação cultural e como pessoa.

As implicações da chamada "música de mercado" influenciam, tanto no aspecto cultural


como no social, a formação das crianças. De maneira especial, seduzem-nas pela sensualidade das
danças e das letras musicais, acarretando um desenvolvimento precoce de aspectos da sexualidade
que atropelam, de alguma forma, seu desenvolvimento afetivo. Isso sem falar em outros aspectos, pois
o vocabulário pobre e equivocado de muitas músicas acaba por interferir, também, em seu processo de
desenvolvimento cognitivo. Veja este funk: “Mas se liga aí novinha, por favor tu não se engane. Abre
as pernas e relaxa. Que esse é o Bonde do Inhame. Que esse é o Bonde do Inhame. Esse é o bonde dos
cria que enfogueta as novinhas. Esse é o bonde dos cria que enfogueta as novinhas. Vai na treta do
Nem que a Kátia tá também eeemmm. Larga o inhame na Silvinha.”
No dizer de Adorno, a música atual, ao invés de entreter, parece contribuir "para o
emudecimento dos homens, para a morte da linguagem como expressão, para a incapacidade de
comunicação".

A música de entretenimento preenche os vazios do silêncio que se instalam entre as pessoas


deformadas pelo medo, pelo cansaço e pela docilidade de escravos sem exigências. Assume ela em
toda parte, e sem que se perceba, o trágico papel que lhe competia ao tempo e na situação específica
do cinema mudo. A música de entretenimento serve ainda e apenas como fundo.

A cultura popular individualizada

Feita a exposição dos três tipos de cultura, a erudita, a popular e a de massa, é provável que o leitor
esteja se perguntando onde encaixar algumas produções culturais como, por exemplo, a música de
Caetano Veloso, Chico Buarque e de Adoniran Barbosa, as peças de teatro de Guarnieri ou o teatro
de revista.
Trata-se da cultura popular individualizada, que se caracteriza por ser produzida por escritores,
compositores, artistas plásticos, dramaturgos, cineastas, enfim, intelectuais que não vivem
dentro da universidade (e portanto não produzem cultura erudita), nem são típicos representantes
da cultura popular (que se caracteriza pelo anonimato) nem da cultura de massa (que resulta do
trabalho de equipe).
O criador individual sofre a influência de todas essas expressões culturais e, "nessa luta, a obra
é tanto mais rica e densa e duradoura quanto mais intensamente o criador participar da dialética que
está vivendo a sua própria cultura, também ela dilacerada entre instâncias 'altas', 'internacionalizastes'
e instâncias populares".

Contracultura

Contracultura é um movimento que teve seu auge na década de 1960, quando teve lugar um estilo
de mobilização e contestação social e utilizando novos meios de comunicação em massa. Jovens
inovando estilos, voltando-se mais para o antissocial aos olhos das famílias mais conservadoras, com
um espírito mais libertário, resumido como uma cultura underground, cultura alternativa ou
cultura marginal, focada principalmente nas transformações da consciência, dos valores e do
comportamento, na busca de outros espaços e novos canais de expressão para o indivíduo e pequenas
realidades do cotidiano, embora o movimento Hippie, que representa esse auge, almejasse a
transformação da sociedade como um todo, através da tomada de consciência, da mudança de atitude e
do protesto político.

O Festival de Woodstock foi um marco da Contracultura. A contracultura pode ser definida como um
ideário altercador que questiona valores centrais vigentes e instituídos na cultura ocidental.

3.3 Multiculturalismo

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Hibridismo, diversidade étnica e racial, novas identidades políticas e culturais: estes são
termos diretamente relacionados ao multiculturalismo. Se a diversidade cultural acompanha a história
da humanidade, o acento político nas diferenças culturais data da intensificação dos processos de
globalização econômica que anunciam, segundo os analistas, uma nova fase do capitalismo,
denominada por autores como Ernest Mandel de "capitalismo tardio" e por outros, como Daniel Bell, de
"sociedade pós-industrial". A despeito das querelas acerca das origens dessa nova fase, o fato é que as
discussões acerca do multiculturalismo acompanham os debates sobre o pós-modernismo e sobre os
efeitos da pós-colonização na cena contemporânea, o que se verifica de forma mais evidente a partir dos
anos 1970, sobretudo nos Estados Unidos. A globalização do capital e a circulação intensificada de
informações, com a ajuda de novas tecnologias, longe de uniformizar o planeta (como propalado por
certas interpretações fatalistas), trazem a afirmação de identidades locais e regionais, assim como a
formação de sujeitos políticos que reivindicam, com base em garantias igualitárias, o direito à
diferença. Mulheres, negros (ou afro-americanos), homossexuais, populações latino-americanas
("hispanos" ou chicanos) e migrantes em geral se fazem presentes como atores políticos com
a marcação de diferenças de gênero, culturais e étnicas. A cultura torna-se instrumento de definição
de políticas de inclusão social - as "políticas compensatórias" ou as "ações afirmativas" - que tomam
os diversos setores da vida social. Cotas para minorias, educação bilíngue, programas de apoio aos
grupos marginalizados, ações antirracistas e antidiscriminatórias são experimentadas em toda parte.

Primeiro, é conveniente esclarecer as diferenças entre multiculturalismo, pluralismo,


universalismo e relativismo. O pluralismo é uma característica de sociedades livres, em que há a
convivência pacífica e respeitosa entre pensamentos diferentes, atualmente encontrada nos Estados
Democráticos de Direito. Não se pode falar em um pensamento melhor que outro, pois todos são dignos
de respeito. O pluralismo combate o pensamento único, o que contraria uma das tendências do processo
de globalização. O fenômeno da globalização não admite diálogo ou outra opção; se é universal, não
pode ser local. Não existe alternativa possível, o mundo deve ser unipolar. Pauta-se por uma ética
individualista, mas sem liberdade para o indivíduo seguir qualquer plano de vida. Há um único modelo
a ser seguido. A globalização como projeto político e econômico transmuta-se no neoliberalismo
(democracia + livre mercado) e repercute na seara dos direitos humanos com o plano de diminuição dos
direitos sociais, econômicos e culturais, bem como com a sobrevalorização dos direitos de propriedade.
Não existem mais pessoas ou cidadãos, mas clientes. O projeto político mundial é conduzido conforme
interesse de grandes multinacionais ou transnacionais.

A Constituição brasileira, em seu preâmbulo, assegura a pluralidade da sociedade nacional,

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir
um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a
liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores
supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e
comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias,
promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA
DO BRASIL.

O artigo 5º da mesma Carta assegura a liberdade de pensamento, de opinião, de culto, de


associação, de ofício, de opção sexual, de casamento, de partido político etc. Sem embargo, será que
realmente o texto constitucional garante a pluralidade em nosso país? Para garantir a pluralidade,
para que uma sociedade seja plural, as pessoas devem ter a capacidade de optar por esse ou aquele
modelo, e essa opção deve ser livre e consciente. Liberdade de eleição todos temos, é inerente ao ser
humano. Entretanto, essa liberdade deve manifestar-se como liberdade moral, que é a ética (opção)
privada - de cada indivíduo. Esta nem todos temos, pois deve ser livre e individual. Aí entra o Estado,
com a ética pública, para garantir que todos teremos condições de optar, com a utilização de políticas
de isonomia, especialmente via garantia de direitos de segunda geração, que são os direitos econômicos,
sociais e culturais.

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No multiculturalismo, existe a convivência em um país, região ou local de diferentes
culturas e tradições. Há uma mescla de culturas, de visões de vida e valores. O multiculturalismo é
pluralista, como já se pode observar, pois aceita diversos pensamentos sobre um mesmo tema, abolindo
o pensamento único. Há o diálogo entre culturas diversas para a convivência pacífica e com resultados
positivos a ambas.

O problema reside no fato de que o multiculturalismo pode ser abordado de forma


relativista e de forma universalista. Há a abordagem relativista quando não se estabelecem critérios
mínimos para o diálogo entre culturas, isto é, tudo é aceito e tudo é correto. O julgamento interno é mais
importante do que o julgamento externo (da sociedade internacional). Nessa concepção do
multiculturalismo, não se pode falar em direitos humanos universais, pois cada cultura é livre para
estabelecer seus próprios valores e direitos. Não existe a possibilidade de proteção internacional dos
direitos humanos nessa visão.

O multiculturalismo também pode ser universalista, ou seja, permitir a propagação e


convívio de diferentes ideias, desde que esteja estabelecido um denominador mínimo, comum entre as
partes para o início do diálogo (valores universais). Esse mínimo a ser respeitado são os direitos
humanos.
No multiculturalismo universalista, pode-se defender o caráter geral da Declaração
Universal de Direitos Humanos (para todos, em qualquer nação, em qualquer tempo). Esta seria a base
para o convívio entre os povos. Imaginem se em um condomínio não existissem regras de convivência,
sobre como possuir animais, sobre como jogar o lixo fora, sobre os horários de festas etc. Imaginem se
todas as atitudes de quaisquer moradores fossem aceitas. Provavelmente, os conflitos seriam maiores.
Como realizar intervenções humanitárias? No relativismo o peso da soberania ganha novo fôlego na
sociedade internacional, podendo justificar inação dos agentes globais e graves violações aos direitos
humanos.

Assim, a defesa dos direitos humanos universais é compatível com o pluralismo e com o
multiculturalismo universalista, mas é totalmente inviável em um ambiente de multiculturalismo
relativista. Pode-se dizer que é uma visão ocidental e limitada, mas não vejo possibilidade em conciliar
toda e qualquer prática em nosso mundo. Não consigo ver como aceitável ou com a possibilidade de me
adaptar à circuncisão feminina em diversos países da África do Norte, à discriminação feminina em
diversos países, a sacrifícios humanos etc. O direito à diferença e o respeito às tradições culturais devem
ter um limite, e este limite são os direitos humanos.

Garantir direitos mínimos, que são os direitos humanos, é assegurar que todos terão
liberdade moral (dignidade), capacitando os indivíduos a que realizem seus planos de vida com
liberdade e consciência.
É verdade que a universalidade dos direitos humanos tem sido utilizada no curso da
história para justificar intervenções imperialistas de alguns Estados em outros povos, como ocorreu no
colonialismo e no neocolonialismo, assim como, mais recentemente, na invasão americana ao Estado
soberano do Iraque. Apesar disso, essas manipulações do Direito devem ser vistas como patologias e
não como o próprio Direito, pois este tem como meta a convivência pacífica entre os povos, com a
proibição de excessos na seara internacional.
(Adaptado de Multiculturalismo e direitos humanos, artigo de Marcus Vinícius Reis, disponível em
http://www.senado.gov.br/sf/senado/spol/pdf/ReisMulticulturalismo.pdf.)

Os efeitos dos debates sobre o multiculturalismo no Brasil mereceriam uma discussão à


parte, dada a sua complexidade. País de raízes mestiças, e que não constitui historicamente minorias
que se organizam como comunidades apartadas do conjunto - os migrantes assimilam à sociedade
nacional -, o Brasil parece ficar à margem dessas discussões até a década de 1980, data do
fortalecimento e visibilidade das chamadas minorias étnicas, raciais e culturais. A pressão dos novos
atores sociais reverbera diretamente no texto da Constituição de 1988, considerada um marco em termos
da admissão do nosso pluralismo étnico. Os efeitos dessas formas renovadas de engajamento podem ser
observados no campo da produção artística, sobretudo da literatura fala-se em "escrita feminina", em

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"vozes negras", homoerótico etc.). Na música jovem, das periferias urbanas, define-se o espaço de uma
cultura negra: o funk, o rap, o hip hop. O campo das artes visuais recebe o impacto dessas problemáticas
- a experiência das minorias aparece tematizada em um ou outro artista -, ainda que pareça difícil
localizar aí uma produção de cunho multicultural com contornos definidos.

História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena

A força da cultura dos negros e indígenas pode ser vista em todos os momentos cotidianos da
vida. Nos seus modos diversos de falar, andar, comer, orar, celebrar e brincar, estão inscritas as marcas
civilizatórias desses povos que, ancorados na dimensão do sagrado, celebram e respeitam a vida e a
morte, mantendo uma relação ética com a natureza. É através destas formas cotidianas de se expressar
e de ver o mundo que indígenas e afro-brasileiros têm resistido culturalmente na manutenção de sua
história.
A importância de crianças e adolescentes, independente da raça, etnia ou cor da pele, serem
estimuladas a reconhecer e valorizar as identidades culturais da sua região – que podem estar presentes
em quilombos, terreiros, aldeias, bairros populares, assentamentos e outros territórios – é que elas
podem se orgulhar de que a cultura da sua localidade integra a diversidade que caracteriza a cultura
brasileira.

Educação, relações étnico-raciais e a Lei 10.639/03

A Lei nº 10.639/03 estabelece a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-


brasileiras e africanas nas escolas públicas e privadas do ensino fundamental e médio. É nesse
mesmo contexto que foi aprovado, em 2009, o Plano Nacional das Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e
Africana.
Ele se insere em um processo de luta pela superação do racismo na sociedade brasileira e
tem como protagonistas o Movimento Negro e os demais grupos e organizações partícipes da
luta antirracista. Revela também uma inflexão na postura do Estado, ao pôr em prática iniciativas
e práticas de ações afirmativas na educação básica brasileira, entendidas como uma forma de
correção de desigualdades históricas que incidem sobre a população negra em nosso país.
É sabido o quanto a produção do conhecimento interferiu e ainda interfere na construção de
representações sobre o negro brasileiro e, no contexto das relações de poder, tem informado políticas e
práticas tanto conservadoras quanto emancipatórias no trato da questão étnico-racial e dos seus
sujeitos. No início do século XXI, quando o Brasil revela avanços na implementação da
democracia e na superação das desigualdades sociais e raciais, é também um dever democrático
da educação escolar e das instituições públicas e privadas de ensino a execução de ações,
projetos, práticas, novos desenhos curriculares e novas posturas pedagógicas que atendam ao
preceito legal da educação como um direito social e incluam nesse o direito à diferença.
A referida determinação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação visa, educar a todos os
brasileiros e brasileiras para que conheçam, respeitem e valorizem uma das raízes fundadoras de sua
cultura e nacionalidade, a africana. O que precisa ser mudada não é a imagem dos negros, mas a
imagem negativa que a sociedade criou e fomenta como se fosse própria deles. Uma imagem que
muitos brasileiros, que pretendem manter privilégios e direitos para si próprios e seus grupos
originários, cultivam, tentando fazer com que todos partilhem do ideal de fazer do Brasil uma nação
monocultural, de raiz predominantemente europeia.
Os sistemas de ensino e as escolas de diferentes níveis da educação – infantil ao superior – são
espaços necessários e competentes para combater o racismo e discriminações, assegurando, conforme
consta do Parecer CNE/CP3/2004, “o direito à igualdade de condições de vida e cidadania”, assim
como garantindo “igual direito às histórias e culturas que compõem a nação brasileira, além do direito
de acesso à diferentes fontes da cultura nacional a todos os brasileiros”.

As ações pedagógicas voltadas para o cumprimento da Lei nº 10.639/03 e suas formas de


regulamentação se colocam nesse campo. A sanção de tal legislação significa uma mudança não só nas

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práticas e nas políticas, mas também no imaginário pedagógico e na sua relação com o diverso, aqui,
neste caso, representado pelo segmento negro da população.
É nesse contexto que a referida lei pode ser entendida como uma medida de ação
afirmativa. As ações afirmativas são políticas, projetos e práticas públicas e privadas que visam à
superação de desigualdades que atingem historicamente determinados grupos sociais, a saber:
negros, mulheres, homossexuais, indígenas, pessoas com deficiência, entre outros. Tais ações são
passíveis de avaliação e têm caráter emergencial, sobretudo no momento em que entram em vigor.
Elas podem ser realizadas por meio de cotas, projetos, leis, planos de ação, etc.
É importante desmistificar a ideia de que tais políticas só podem ser implementadas por meio
da política de cotas e que, na educação, somente o ensino superior é passível de ações afirmativas.
Tais políticas possuem caráter mais amplo, denso e profundo. Ao considerar essa dimensão, a Lei
nº 10.639/03 pode ser interpretada como uma medida de ação afirmativa, uma vez que tem como
objetivo afirmar o direito à diversidade étnico-racial na educação escolar, romper com o
silenciamento sobre a realidade africana e afro-brasileira nos currículos e práticas escolares e
afirmar a história, a memória e a identidade de crianças, adolescentes, jovens e adultos negros
na educação básica e de seus familiares.
Ao introduzir a discussão sistemática das relações étnico-raciais e da história e cultura
africanas e afro-brasileiras, essa legislação impulsiona mudanças significativas na escola básica
brasileira, articulando o respeito e o reconhecimento à diversidade étnico-racial com a qualidade
social da educação. Ela altera uma lei nacional, a saber, a Lei nº 9.394/96 – Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (LDB) –, incluindo e explicitando nesta que o cumprimento da educação
enquanto direito social passa necessariamente pelo atendimento democrático da diversidade étnico-
racial e por um posicionamento político de superação do racismo e das desigualdades raciais. É
importante compreender, então, que a Lei nº 10.639/03 representa uma importante alteração da LDB,
por isso, o seu cumprimento é obrigatório para todas as escolas e sistemas de ensino. Estamos falando,
portanto, não de uma lei específica, mas, sim, da legislação que rege toda a educação nacional.
Por mais que ainda tenhamos resistência em relação ao teor dessa Lei que altera a LDB e suas
Diretrizes Curriculares, e por mais que o seu cumprimento ainda esteja aquém do esperado, é preciso
reconhecer que a sua aprovação tem causado impactos e inflexões na educação escolar brasileira,
como: ações do MEC e dos sistemas de ensino no que se refere à formação de professores para a
diversidade étnico-racial; novas perspectivas na pesquisa sobre relações raciais, no Brasil;
visibilidade à produção de intelectuais negros sobre as relações raciais em nossa sociedade;
inserção de docentes da educação básica e superior na temática africana e afro-brasileira;
ampliação da consciência dos educadores de que a questão étnico-racial diz respeito a toda a
sociedade brasileira, e não somente aos negros; e entendimento do trato pedagógico e democrático da
questão étnico-racial como um direito.

As relações étnico-raciais

Todo esse processo e a própria existência da Lei nº 10.639/03 se localizam em um campo mais
complexo e tenso, isto é, o contexto das relações étnico-raciais. Mas, afinal, o que queremos dizer
com o termo “relações étnico-raciais” ao pensarmos em projetos, políticas e práticas voltadas para a
implementação da Lei nº 10.639/03 enquanto uma alteração da Lei nº 9394/96 – LDB? São relações
imersas na alteridade e construídas historicamente nos contextos de poder e das hierarquias
raciais brasileiras, nos quais a raça opera como forma de classificação social, demarcação de
diferenças e interpretação política e identitária. Trata-se, portanto, de relações construídas no processo
histórico, social, político, econômico e cultural.
Mas o que queremos dizer com os conceitos raça e etnia quando os introduzimos na reflexão
sobre as relações étnico-raciais? Nos limites deste artigo, destacaremos alguns aspectos considerados
principais. O primeiro deles se refere à concepção de raça presente nesta reflexão.
Sociólogos, antropólogos, psicólogos sociais e educadores, bem como o Movimento Negro,
quando usam o conceito de raça, não o fazem alicerçados na ideia de raças superiores e inferiores
como originalmente foi usado pela ciência no século XIX. Pelo contrário, usam-no com uma nova
interpretação que se baseia na dimensão social e política dele. E ainda o empregam porque a
discriminação racial e o racismo existentes na sociedade brasileira se dão não apenas em razão dos

54
aspectos culturais presentes na história e na vida dos descendentes de africanos, no Brasil e na
diáspora, mas também graças à relação que se faz entre esses e os aspectos físicos observáveis na
estética corporal desses sujeitos.
A forma como a raça opera em nossa sociedade possibilita, portanto, que militantes do
Movimento Negro e um grupo de intelectuais não abandonem o conceito de raça para falar sobre a
realidade do negro brasileiro, mas o adotem de maneira ressignificada. Nesse sentido, rejeitam o
sentido biológico de raça, já que todos sabem e concordam com os avanços da ciência de que não
existem raças humanas. O conceito de raça é adotado, nessa perspectiva, com um significado
político e identitário construído com base na análise do tipo de racismo que existe no contexto
brasileiro, as suas formas de superação e considerando as dimensões histórica e cultural a que esse
processo complexo nos remete.
Não podemos negar que, na construção das sociedades, na forma como os negros e os brancos
são vistos e tratados no Brasil, a raça tem uma operacionalidade na cultura e na vida social. Se ela não
tivesse esse peso, as particularidades e características físicas não seriam usadas por nós para classificar
e identificar quem é negro e quem é branco no Brasil. E mais, não seriam usadas para discriminar e
negar direitos e oportunidades aos negros em nosso país.
É importante destacar que, nesse sentido, as raças são compreendidas como construções
sociais, políticas e culturais produzidas no contexto das relações de poder ao longo do processo
histórico. Não significam, de forma alguma, um dado da natureza. É na cultura e na vida social que
nós aprendemos a enxergar as raças. Isso significa que aprendemos a ver as pessoas como negras e
brancas e, por conseguinte, a classificá-las e a perceber suas diferenças no contato social, na forma
como somos educados e socializados a ponto de essas ditas diferenças serem introjetadas em nossa
forma de ser e ver o outro, na nossa subjetividade, nas relações sociais mais amplas. Aprendemos, na
cultura e na sociedade, a perceber as diferenças, a comparar, a classificar. Se as coisas ficassem só
nesse plano, não teríamos tantos complicadores. O problema é que, nesse mesmo contexto,
aprendemos a hierarquizar as classificações sociais, raciais, de gênero, entre outras. Ou seja, também
vamos aprendendo a tratar as diferenças de forma desigual.
O segundo aspecto a destacar, quando adotamos a expressão relações étnico-raciais para
compreender as formas como negros e brancos se relacionam em nosso país, refere-se ao conceito
de etnia. Geralmente, aqueles que o adotam o fazem por acharem que, se falarmos em raça, mesmo
que de forma ressignificada, acabamos presos ao determinismo biológico, o qual já foi abolido pela
biologia e pela genética.
É fato que, durante muitos anos, o uso do termo raça na área das ciências, da biologia, nos
meios acadêmicos, pelo poder político e na sociedade, de modo geral, esteve ligado à dominação
político-cultural de um povo em detrimento de outro, de nações em detrimento de outras, e
possibilitou tragédias mundiais, como foi o caso do nazismo. A Alemanha nazista utilizou-se da
ideia de raças humanas para reforçar a sua tentativa de dominação política e cultural e
penalizou vários grupos sociais e étnicos que viviam na Alemanha e nos países aliados ao ditador
Hitler, no contexto da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Ao ser adotado, o conceito de etnia diz respeito a um grupo que possui algum grau de
coerência e solidariedade, composto de pessoas conscientes, pelo menos de forma latente, de terem
origens e interesses comuns. Sendo assim, um grupo étnico não é mero agrupamento de pessoas ou de
um setor da população, mas uma agregação cônscia de pessoas unidas ou proximamente relacionadas
por experiências compartilhadas). Ou ainda, a etnia refere-se a um grupo social cuja identidade se
define pela comunidade de língua, cultura, tradições, monumentos históricos e territórios (BOBBIO).
Para entender as relações estabelecidas pelos sujeitos negros na sociedade brasileira, a forma
como se veem e são vistos pelo Outro, a construção e a lógica das classificações raciais e a vivência de
experiências compartilhadas nas quais a descendência africana e negra se apresenta como uma forte
marca, alguns teóricos indagam o alcance do conceito de etnia (sobretudo de forma isolada) para se
referir ao negro brasileiro. Segundo estes, o conceito de etnia traz elementos importantes, porém, ao
ser adotado de maneira desarticulada da interpretação ressignificada de raça, acaba se apresentando
insuficiente para compreender os efeitos do racismo na vida das pessoas negras e nos seus processos
identitários.

História e Cultura Afro-Brasileira e Africana – Determinações

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A obrigatoriedade de inclusão de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana nos currículos
da Educação Básica trata-se de decisão política, com fortes repercussões pedagógicas, inclusive na
formação de professores. Com esta medida, reconhece-se que, além de garantir vagas para negros nos
bancos escolares, é preciso valorizar devidamente a história e cultura de seu povo, buscando reparar
danos, que se repetem há cinco séculos, à sua identidade e a seus direitos. A relevância do estudo de
temas decorrentes da história e cultura afro-brasileira e africana não se restringe à população negra, ao
contrário, dizem respeito a todos os brasileiros, uma vez que devem educar-se enquanto cidadãos
atuantes no seio de uma sociedade multicultural e pluriétnica, capazes de construir uma nação
democrática.
Precisa, o Brasil, país multiétnico e pluricultural, de organizações escolares em que todos se
vejam incluídos, em que lhes seja garantido o direito de aprender e de ampliar conhecimentos, sem ser
obrigados a negar a si mesmos, ao grupo étnico/racial a que pertencem e a adotar costumes, ideias e
comportamentos que lhes são adversos. E estes, certamente, serão indicadores da qualidade da
educação que estará sendo oferecida pelos estabelecimentos de ensino de diferentes níveis.
Entre a população indígena, a luta maior é por uma educação escolar diferenciada, que
respeite a sua diversidade cultural e linguística, garantida pela Constituição de 1988 e pela Resolução
03 da Câmara de Educação Básica – CEB, de novembro de 1999.
Segundo o Censo Escolar de 2003, existem 149.311 estudantes indígenas que frequentam a
educação básica no Brasil, em mais de 2000 escolas indígenas.
Indígenas e afro-brasileiros ainda são vistos na escola de forma preconceituosa e estereotipada,
ou seja, sem respeito a suas características étnicas e culturais. Dois documentos podem ajudar a
comunidade e a escola a mudar essa visão, com uma abordagem que garanta os direitos educacionais e
culturais dessas populações.

4º texto: Meios de comunicação de massa, tecnologia e novas mídias; Sociedade de consumo

CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 13. ed. São Paulo: Ática, 2005. pag. 293-299

MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA, TECNOLOGIA E NOVAS MÍDIAS

A expressão comunicação de massa foi criada para referir-se aos objetivos tecnológicos
capazes de transmitir a mesma informação para um público muito amplo, isto é, para a massa.
Inicialmente, referia-se ao rádio e ao cinema, pois a imprensa pressupunha pessoas alfabetizadas, o
que não requerido pelo rádio nem pelo cinema em seus começos. Pouco a pouco estendeu-se para a
imprensa, a publicidade ou propaganda, a fotografia, o telefone, o telégrafo, o fonógrafo com os
discos, a televisão e a Internet. Esses objetos tecnológicos são os meios por intermédio dos quais a
informação é transmitida ou comunicada.

Em latim, meio se diz médium e, no plural, meios se diz media. Os primeiros teóricos dos
meios de comunicação empregaram a palavra latina media. Como eram teóricos de língua inglesa,
diziam mass media, isto é, “os meios de massa. A pronúncia em inglês, do latim media é “mídia”.
Quando os teóricos de língua inglesa dizem “the media”, estão dizendo “os meios”. Por apropriação da
terminologia desses teóricos no Brasil, a palavra mídia passou a ser empregada como se fosse uma
palavra feminina no singular – “a mídia”.

O que os meios (ou “a mídia”) veiculam? O que transmitem? Sob a forma de romances,
novelas, contos, notícias, músicas, debates, danças, jogos, eles transmitem informações.

Em síntese, o termo "meio de comunicação" refere-se ao instrumento ou à forma de conteúdo


utilizados para a realização do processo comunicacional. Quando referido a comunicação de massa,
pode ser considerado sinônimo de mídia. Entretanto, outros meios de comunicação, como o telefone,
não são massivos e sim individuais (ou interpessoais).

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O jornal foi o primeiro meio de comunicação de massa criado pelo homem: originário dos
documentos informativos dos navegadores do século XVI, esse meio originalmente impresso tomou
a forma que tem hoje em 1836, na França; o jornal, hoje, também tem a forma falada (imprensa
falada), no rádio, e a forma televisiva (imprensa televisada). Veracidade, imparcialidade,
objetividade e credibilidade são as qualidades que garante o sucesso de um jornal. A base do
jornalismo é a notícia, seu objeto e seu fim (o resto é secundário). A função principal da
linguagem nesse meio de comunicação é a referencial ou informativa. Para que o receptor tenha
acesso à mensagem veiculada por esse meio, é preciso que ele saiba ler e escrever, ou seja, pertencer
a uma parcela privilegiada da sociedade.

O rádio ainda é o meio de comunicação mais popular que existe já que para ter acesso às
mensagens que ele veicula o receptor não precisa ler e escrever: o rádio é um meio que se utiliza da
linguagem verbal oral, a linguagem que todos os ouvintes sabem usar desde que aprenderam a falar.
Praticamente quase toda a população de uma localidade possui um aparelho de rádio. Os primeiros
inventos que possibilitaram a concretização do rádio como meio de comunicação de massa também
datam do século XIX. As primeiras emissoras de rádio norte-americanas datam de 1920 e as do Brasil,
entre 1922-25, tendo seu clímax nos anos 1930.

Rádio e televisão

Os primeiros estudos sociológicos, psicológicos e filosóficos sobre os meios de comunicação


de massa foram feitos quando se deu a expansão das ondas de rádio. O rádio despertou interesse
porque com ele iniciou-se efetivamente a informação e a comunicação de massa a distância.
Dois fatos, o caso da transmissão radiofônica de A guerra dos mundos e o uso de mensagens
radiofônicas pelo nazismo, nos ajudam a perceber o impacto e a importância do rádio.

Nos meados dos anos 1930, o ator e diretor de cinema, o jovem Orson Welles, irradiou por
uma rádio de Nova York o romance de H.G.Welles, A guerra dos mundos, que narrava a invasão
da Terra por marcianos. Orson Welles e sua turma não avisaram o público de que se tratava de uma
obra de ficção científica, mas a apresentaram como se de fato Nova York estivesse sendo invadida por
alienígenas. O pânico tomou a cidade, pessoas fugiram de suas casas, procurando trens, ônibus,
metrôs e automóveis para escapar da ameaça. E depois o pânico tomou o país, sendo necessário que o
governo e o exército norte-americanos interviessem para acalmar a população.

A transmissão de A guerra dos mundos mostrou o poder de persuasão e de convencimento


do rádio e nos explica o segundo fato, isto é, seu uso cotidiano e intenso feito pelo poder nazista
alemão com finalidade de propaganda política. Conferências de intelectuais nazistas, discursos de
Hitler, entrevistas com militantes do partido nazista, transmissão de notícias diretamente das frentes de
guerra foram empregados pra convencer a sociedade alemã sobre a grandeza, justeza e poderio do
nazismo. Em outras palavras, o nazismo descobriu e explorou a capacidade mobilizadora do rádio.

Segundo os preceitos desse líder, a arte da propaganda nazista consistia em ser capaz de
despertar a imaginação pública apelando para os sentimentos. Essa estratégia correspondia à ideia do
indivíduo como ser irracional movido por instintos.

Não só os meios de comunicação como imprensa, rádio, cinema (em documentários) foram
utilizados, mas também literatura, teatro, filmes de ficção, pintura, arquitetura, ritos, festas,
comemorações, desfiles, manifestações cívicas e esportivas.

A propaganda política nazista foi organizada por Goebbels (Ministro da Informação Popular e
Propaganda). Segundo o ministro, a Igreja católica continuava viva porque repetia a mesma coisa por
mais de dois mil anos. Ele considerava a repetição a regra básica da propaganda. As mensagens
deveriam ser curtas, repetitivas e com capacidade de exercer forte influência psicológica.

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A mentira, a calúnia e as deformações, constitutivas do nazismo, também deveriam fazer
parte da propaganda.

No Brasil, nos anos 1940, durante a ditadura de Getúlio Vargas, foi criado pelo governo um
programa diário para transmitir as notícias oficiais e as ideias do ditador: a Voz do Brasil, existente até
hoje.

A televisão surgiu nos anos 1940 nos Estados Unidos e, nos anos 1950, no Brasil. É um
“liquidificador cultural”, pois é capaz de diluir Cinema, Teatro, Música, Dança, Literatura, etc, num só
espetáculo, além de ser um meio de entretenimento.

O Grande Irmão

A maioria do público brasileiro talvez não saiba o que seja e quem seja o Big Brother, ou o
Grande Irmão. É uma personagem do romance de George Orwell, 1984. O romance descreve uma
sociedade totalitária na qual todos são permanentemente vigiados por câmeras de televisão. Ao
infringirem alguma regra ou lei, são presos e torturados, condicionados para não voltar a errar. As
pessoas não convivem umas com as outras, mas sentem solidão e necessidade de se
comunicarem. Para isso, todos os dias e várias vezes por dia “conversam” com uma tela de televisão
na qual há um rosto bondoso, o Big Brother, o Grande Irmão, que os vigia e lhes fala, sem na
verdade dizer-lhes nada, a não ser dar-lhes ordens. Nessa sociedade, existe o “Ministério da
Verdade”, cuja função é produzir a mentira, eliminando e deformando fatos, pessoas e acontecimentos
por meio de narrativas falsas, a serviço do poder do Big Brother. Nela também foi criada a
“Novilíngua”, um departamento encarregado de mudar o sentido das palavras conforme os desejos do
Big Brother, impedindo que as pessoas compreendam o verdadeiro sentido delas.

Essa história terrível sobre o controle de corpos, corações e mentes das pessoas por sistemas
cruéis de vigilância em sociedades totalitárias teve seu conteúdo crítico inteiramente esvaziado ao
servir de modelo para um programa de televisão “engraçado e divertido” (BBB Brasil), um
entretenimento, como acontece com tudo na indústria cultural.

O espetáculo de vulgaridade e ignorância oferecido no vídeo não tem similares mundo Creio
que a Globo ocupe a vanguarda desta operação de imbecilização coletiva, de espectro infindo, na sua
capacidade de incluir a todos, do primeiro ao último andar da escada social.

Mídia e Política

A “ditadura” da mídia

 “não se preocupem. Não queremos controlar o mundo. Só queremos um pedaço dele.” (Murdoch,
dono do império midiático News Corporation, presente em 133 países)
 “Sim, eu uso o poder (da Rede Globo), mas eu sempre faço isto patrioticamente”. (Roberto
Marinho)
 A mídia hegemônica vive um paradoxo: ela nunca foi tão poderosa no mundo e no Brasil, em
decorrência dos avanços tecnológicos nos ramos das comunicações e das telecomunicações
a) exerce uma “ditadura” midiática, manipulando informações e deturpando
comportamentos. Na crise de hegemonia dos partidos, a mídia transforma-se no “partido
do capital”, diz Gramsci.
b) Ela é vulnerável e sofre questionamentos da sociedade. Cresce a resistência ao enorme
poder manipulador da mídia, como por exemplo, as mentiras ditadas pela CNN e Fox para
justificar a invasão dos EUA no Iraque ou sua ação golpista na Venezuela
 Os paradoxos colocam em novo patamar a luta pela democratização da mídia e pelo
fortalecimento de meios alternativos.

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Mídia e poder mundial

1 - O papel estratégico da mídia global

As corporações de mídia e entretenimento têm papel estratégico no processo de reprodução


ampliada do capitalismo. Não apenas legitimam o ideário global, como também o transformam no
discurso social hegemônico, propagando visões de mundo e modos de vida.

A retórica da globalização enquadra o consumo como valor universal, capaz de converter


necessidades, desejos e fantasias em bens integrados à esfera da produção.

Os aparatos da veiculação fabricam o consenso sobre a hipotética superioridade das


“economias abertas”, insistindo que não há saída fora dos pressupostos neoliberais.
O avanço do neoliberalismo no terreno político-cultural repousa na capacidade das indústrias
de informação e entretenimento de operar como máquinas produtivas. O papel da mídia é neutralizar
as expressões de crítica e dissenso. O “pensamento único” oculta as desigualdades.

2 - O domínio da produção simbólica

A mídia global está nas mãos de duas dezenas de conglomerados, com receitas entre 8 e 40
bilhões de dólares. Eles veiculam dois terços das informações e dos conteúdos culturais disponíveis no
planeta. São proprietários de estúdios, produtoras, distribuidoras e exibidoras de filmes, gravadoras de
discos, editoras, TVs abertas e pagas, emissoras de rádio, revistas, jornais, serviços on line, portais e
provedores de Internet, vídeos, agências de publicidade, telefonia celular, etc.

Uns chamaram a imprensa, e com maior razão, a mídia, de quarto poder. Na verdade, a
mídia não é simplesmente uma força estranha à máquina de poder. Ela é parte integrante dele. Hoje
não há poder sem mídia. A mídia é o que divulga, propagandeia, sustenta ou derruba um sistema, um
regime (ver o caso das revoluções no mundo árabe, desde janeiro de 2011).

A mídia tem dono, tem classe, tem interesses de classe a defender. Se desejamos a livre
circulação de informações, é hora de revitalizar a sociedade civil e arregimentar forças para as
ingentes tarefas de revalorizar a política como âmbito público de representação de anseios e de
revitalizar os laços comunitários.

Concentração e poder mundial

 O monopólio da mídia na atualidade é assustador. O mercado global é dominado por uma primeira
camada de cerca de 10 imensos conglomerados.
 85% das notícias que circulam no planeta são geradas nos EUA
 CNN distribui, por satélites e cabos, a partir de Atlanta, notícias 24 horas por dia para 240 milhões
de lares em 200 países e mais 86 milhões nos EUA, além de 890 mil quartos de hotéis
conveniados, ou seja, para 1 bilhão de pessoas.
 Agência Reuters, com escritórios em 94 países, envia informações atualizadas oito mil vezes por
segundo para os seus 511 mil usuários.

O latifúndio midiático no Brasil

 Na década passada, 9 grupos familiares controlavam o grosso da mídia nativa: Marinho (Globo),
Abravanel (SBT), Saad (Bandeirantes), Bloch (Manchete), Civita (Abril), Mesquita (Estadão),
Frias (Folha), Levy (Gazeta), Nascimento e Silva (Jornal do Brasil). Hoje são apenas seis, com a
débâcle das famílias Mesquita, Bloch, Levy e Nascimento e a inclusão de Macedo.

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 Concentração da mídia foi impulsionada pela ausência na legislação de qualquer norma
proibindo a propriedade cruzada – a posse de inúmeros veículos em diferentes setores (jornais,
rádio, televisão); nos EUA existem regras que limitam a concentração
 TV Globo possui 223 emissoras próprias ou filiadas
 Em 2003, as TVs abocanharam 60,4¨% do total da verba publicitária do país (R$6,53 bilhões).
Destas 78% foram para a Rede Globo. Em 2005, a Rede Globo (sem incluir as filiadas) teve um
faturamento líquido de R$4,3 bilhões.

Hegemonia e poder manipulador

O poder descomunal da mídia sempre procurou manipular a sociedade brasileira no


passado, usando o denuncismo do “mar de lama” levou Vargas ao suicídio em 1954; contra o
governo Goulart, fez campanha por sua derrubada, alardeando “o perigo do comunismo”; na
redemocratização do país, a mídia tentou criar obstáculos para o avanço das lutas operárias; em 1978,
tratou os grevistas como arruaceiros; na constituinte de 1988, ela defendeu as teses neoliberais; em
1989, criou a imagem do “caçador de marajás”, garantindo a vitória de Collor.

Anos 1990, a mídia foi a vanguarda para implantar o neoliberalismo; blindou FHC, pregando a
privatização do Estado, a desnacionalização e a desregulamentação. A vitória de Lula em 2002 foi
encarada como um grave risco para os “donos da mídia”.

Revisitando algumas teses sobre Mídia e Política no Brasil

Mídia: indústria da cultura, isto é, as emissoras de rádio e TV, jornais, revistas e ao cinema.
 mídia – plural latino de “medium”, meio – é o conjunto das instituições que utiliza tecnologias
específicas para realizar a comunicação humana.

Primeira tese: a mídia ocupa uma posição de centralidade nas sociedades atuais, permeando
diferentes processos e esferas da atividade humana, em particular a esfera da política.

 Na década de 1970, do ponto de vista político, o papel central da mídia – mídia eletrônica – TV
foi reconhecido pelos regimes militares, ou seja, criaram as condições de infraestrutura física
para consolidar a mídia nacional.
 Papel mais importante da mídia: poder de longo prazo – “construção da realidade” através da
representação que faz dos diferentes aspectos da vida humana – étnicas, gêneros, estética, da
política e dos políticos.

Segunda tese: não há política nacional sem mídia

 a política nos regimes democráticos é uma atividade pública e visível. E somente a mídia é que
tem o poder de definir o que é público no mundo contemporâneo.
 os atores políticos têm de disputar visibilidade na mídia e os diferentes campos políticos têm de
disputar visibilidade favorável de seu ponto de vista (ver telejornais, Voz do Brasil).

Terceira tese: a mídia exerce várias das funções tradicionais atribuídas aos partidos políticos

 no Brasil, a crise dos partidos é consenso sobre a histórica inexistência de uma tradição
partidária consolidada.
 torna-se mais fácil o exercício pela mídia das tradicionais funções atribuídas aos partidos,
como por exemplo:
a) construção da agenda política ; b) geração e transmissão de informações políticas ; c)
fiscalização das ações de governo; d) exercício da crítica das políticas públicas; e) canalização
das demandas da população

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 a ocupação do espaço institucional pela mídia é uma das causas da crise generalizada dos partidos
 preferência da mídia pela cobertura jornalística dos candidatos e não dos partidos =
“personalização” da política e do processo político, como se fosse uma “disputa entre pessoas
(políticos) e não entre propostas políticas alternativas (partidos).
 Muitas emissoras de rádio AM brasileiras se caracterizam por exercer o papel de canalizadoras
das demandas populares através de programas comandados por radialistas (que tem se
transformado em políticos profissionais, exercendo mandatos na Câmara)
 Às vezes, ao praticar um denuncismo vazio, a mídia acusa e condena publicamente, sem o
devido julgamento, tanto pessoas como instituições, desempenhando indevidamente, uma função
específica do Poder Judiciário.

Quarta tese: a mídia alterou radicalmente as campanhas eleitorais

 campanhas de prefeito e vereador só existem no horário gratuito de propaganda eleitoral na


TV nos municípios, com geradoras de televisão. Nas eleições de 2004, eles eram apenas 185
dos 5.559 municípios brasileiros (40% do eleitorado)

Quinta: a mídia se transformou, ela própria, em importante ‘ator político’

 as empresas de mídia são hoje atores econômicos fundamentais como parte de grandes
conglomerados empresariais
 se transformaram em atores com interferência direta no processo político. Exemplo: Rede
Globo

Sexta: as características específicas da população brasileira potencializam o poder da mídia no


processo político, sobretudo no processo eleitoral.

 pesquisa de 2005: apenas 26% dos brasileiros entre 15 e 64 anos têm domínio pleno das
habilidades de leitura e escrita, ou seja, consegue entender as informações de textos mais longos
e relaciona-las com outros dados
 30% dos brasileiros são considerados analfabetos funcionais ou “alfabetizados rudimentares”,
isto é, pessoas com esse nível de leitura não conseguiriam entender as orientações de um médico
passadas por escrito
 Pesquisa de 2006: 58% dos entrevistados têm televisão como a sua principal fonte de
informação política; os familiares e amigos (expostos também à TV) vêm em segundo lugar
com 18%. Só depois vêm os jornais com 7%, o radio com 6% e os colegas de trabalho com 4%.

 Nov/2010: resumo de pesquisa realizada pelo TSE com eleitores, que mostra que a internet já
alcança quase 10% das citações como fonte de informação, contra 56% da TV. É pouco? Não, é
um número excepcional. Quanto será em 2014? 20%? 30%? Além disso, praticamente 1/3 do
eleitorado já acessa a internet "sempre". Veja abaixo, alguns quadros da pesquisa realizada pelo
TSE:

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 14/04/2011 - O DataSenado perguntou aos entrevistado qual é a sua principal fonte de informação
sobre política. Em primeiro lugar apareceu a TV, com 56%, seguida de jornais e revistas, com
20%.
A internet surge à frente do rádio como fonte de informação (15% e 5%). O interesse por política
foi avaliado como médio por 53% dos pesquisados.

 90,3% dos domicílios brasileiros possuem pelo menos um aparelho de TV, ou seja, a grande
maioria de nossa população vive uma situação paradoxal de exposição à mídia
 A grande maioria de nossa população continua sem o domínio da leitura e da escrita, mas convive
com as imagens da televisão, para entretenimento e informação.

20/08/2012 - TV é a principal fonte de informação sobre política.

Não tem para internet, com suas poderosas redes sociais. A televisão continua sendo o principal
fonte de informação para o eleitor no que diz respeito à política local.

De acordo com a primeira rodada da pesquisa DiarioData Associados, 60% dos entrevistados
informaram ser este meio mais utilizado para acompanhar notícias sobre o tema.

A web ficou e segundo lugar, com 11%. Jornal (8%) e carro de som (7%) vêm a seguir. O rádio só
aparece em quinto lugar com 6%. Por fim, 5% disseram que se informam por meio de conversas
com amigos e parentes.

A Televisão

 criada em 1936, mas produzida em massa após 1945


 “domesticação da fantasia”: introduz novas ideias e comportamentos, mas também pode
limitar a potencialidade inovadora e imaginativa das pessoas.

Televisão no Brasil

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 A televisão brasileira surgiu em 1950, em São Paulo, com a TV Tupi.
 O Brasil era o 5º país do mundo a implantar a TV e o 1º da América Latina.
 A partir de 1968, com a implantação da indústria eletroeletrônica e do programa de crédito ao
consumidor, as vendas aumentaram e já existiam 4 milhões de televisores.
 1965: nasce a TV Globo, no Rio de Janeiro
 Acordo de cooperação técnico-financeiro: Globo + Time-Life
 Comprometimento recíproco entre o regime autoritário e a Rede Globo (relação incestuosa)
 Globo consolida-se como “Ministério da informação”
 1º/9/1969: nasce o Jornal Nacional

Virtual monopólio da Rede Globo (1965 a 1980)


 Globo a partir de 1982 se torna a 4a. maior rede de TV do mundo
 Dados de 1980: 75% da audiência era da Globo
 Jornal Nacional era visto por mais de 60 milhões de pessoas
 Domínio de audiência e de concentração de verbas publicitárias

Regime autoritário e Rede Globo


 Golpe de 1964: regime autoritário + modelo econômico excludente
 Programação da Rede Globo: portadora de uma mensagem nacional de otimismo
desenvolvimentista = para dar sustentação e legitimação à hegemonia autoritária.
 Globo: “dançou a sinfonia do poder”: conchavos, acordos políticos, etc
 Formadora de estereótipos, criando modelos de comportamento, de moda, de linguagem,
sedutor poder da informação
 Globo possui uma ideologia de características americanas, que auxiliou na criação de uma
subcultura que dominou a consciência das massas.
 Fraude nas eleições para governador do Rio de 1982
 Padrão Globo de Qualidade: foi substituído pela lógica do mercado ou pela força do ibope.

Rede Globo na redemocratização política do Brasil


 Omissão da Globo na campanha das Diretas-Já, de 1984
 a fabricação do caçador de marajás (Collor) na programação global a partir de 1987
 edição do debate do 2º turno nas eleições presidenciais - Collor e Lula (1989)

INTERNET

A Internet tornou-se o mais novo e mais eficaz meio de comunicação de massa. Por isso, ainda
é o menos abrangente, já que para ter acesso a ele, é preciso ter um computador, uma placa de “fax
modem”, uma linha telefônica e um provedor de acesso...

Sempre que um novo meio de comunicação surge, o otimismo da democratização dos meios de
comunicação toma conta daqueles que a desejam. Essa democracia, porém, só será possível no dia em
que mudanças políticas diminuírem a distância entre os indivíduos que têm e os que não têm a
informação, retirando do controle comunicacional os poderosos de sempre, pois se os novos meios de
comunicação tiverem os mesmos donos dos meios existentes, eles serão tão tendenciosos quanto eles.

Estatísticas, dados e projeções atuais sobre a Internet no Brasil – dez/2012

Número de usuários

Segundo o Ibope Media, somos 94,2 milhões de internautas tupiniquins (dezembro de 2012), sendo o
Brasil o 5º país mais conectado. De acordo com a Fecomércio-RJ/Ipsos, o percentual de brasileiros
conectados à internet aumentou de 27% para 48%, entre 2007 e 2011. O principal local de acesso é a

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lan house (31%), seguido da própria casa (27%) e da casa de parente de amigos, com 25%
(abril/2010). O Brasil é o 5º país com o maior número de conexões à Internet.

Internautas ativos

50,7 milhões de usuários acessam regularmente a Internet. 38% das pessoas acessam à web
diariamente; 10% de quatro a seis vezes por semana; 21% de duas a três vezes por semana; 18% uma
vez por semana. Somando, 87% dos internautas brasileiros entram na internet semanalmente[.
Segundo Alexandre Sanches Magalhães, gerente de análise do Ibope//NetRatings, o ritmo de
crescimento da internet brasileira é intenso. A entrada da classe C para o clube dos internautas deve
continuar a manter esse mesmo compasso forte de aumento no número de usuários residenciais..

Com 30 milhões de novos usuários, Brasil lidera crescimento no Facebook (23/01/2013)


Com quase 30 milhões de novos usuários ativos mensais, o Brasil foi o país que mais cresceu
no Facebook em 2012, segundo dados divulgados pela empresa de estatísticas de mídias sociais
Socialbakers nesta quarta-feira.
Desde março do ano passado, o Brasil é o país com o segundo maior número de usuários (65
milhões) na rede social, atrás apenas dos EUA (167 milhões), ainda de acordo com a Socialbakers.
Os países que mais cresceram no Facebook em 2012, depois do Brasil, foram Índia (21,3
milhões), Japão (10,9 milhões), Indonésia (9,7 milhões) e México (9,2 milhões). No ano passado, a
Ásia passou a ser o continente com mais usuários no Facebook, ultrapassando a América do Norte e a
Europa, também de acordo com a Socialbakers.

10/05/2013 - Facebook alcança 73 milhões de usuários no Brasil

O Facebook alcançou 73 milhões de usuários no Brasil no último mês de março, segundo dados da
empresa obtidos com exclusividade pelo site de VEJA. Considerando que o país tem 94 milhões de
pessoas com acesso à internet – segundo última pesquisa publicada pelo Ibope – , quase quatro a
cada cinco brasileiros conectados possui uma conta na rede social.

Os números consolidam um crescimento de 630% desde fevereiro de 2011, quando o Facebook


começou oficialmente sua operação no Brasil e abriu um escritório no Itaim Bibi, em São Paulo. Na
época, o Facebook tinha 10 milhões de usuários.

Segundo a companhia criada por Mark Zuckerberg em fevereiro de 2004, um a cada três brasileiros
cadastrados já visita a rede social a partir de dispositivos móveis – smartphones ou tablets.

24/07/2013 - Facebook soma 1,15 bilhão de usuários ativos

O Facebook divulgou, durante a apresentação dos resultados do segundo trimestre fiscal, o número de
usuários ativos em sua rede: 1,15 bilhão mensais, dos quais 819 milhões acessam o site por
dispositivos móveis. Diariamente, são 699 milhões de perfis ativos. A receita do Facebook somou US$
1,81 bilhão e o lucro líquido, US$ 333 milhões.

16/08/2013 - Internet brasileira atinge 105 milhões de usuários em Julho

A Navegg, empresa especializada em análise de audiência online, registrou que o número de


internautas brasileiros cresceu 3% no último trimestre, chegando a 105 milhões. Em abril, a empresa
divulgou que a quantidade de pessoas conectadas no país já era de 102 milhões.

Do total de usuários, 57% são homens e 43% são mulheres. Em relação à idade, 46% estão na faixa
etária entre 25 e 34 anos, enquanto 27% têm entre 18 e 24 anos. A classe C é maioria entre os
internautas brasileiros, com 61%. As classes A e B somam 37%. Apenas 2% pertencem à classe E.

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02/09/2013 - Brasil é o 2º país com mais usuários que entram diariamente no
Facebook

Em número total de usuários, no entanto, país fica em 3º, atrás da Índia.


Segunda tela será aposta da rede social para o Brasil em 2014.

Apesar de o Brasil perder para a Índia em número total de usuários, os brasileiros são mais
assíduos que os indianos, o que faz do país o segundo no mundo em acessos diários,
ficando somente atrás dos Estados Unidos, lar da companhia. "A gente já tem 47 milhões
de brasileiros que voltam para a plataforma todos os dias. Isso nos coloca na segunda
posição, só atrás dos Estados Unidos", afirma Tristão.

O Brasil possui 76 milhões de usuários na rede social, abaixo da Índia e dos EUA.
"Dada a relevância do Brasil, cada vez mais a gente olha pra esse mercado dentro da
estratégia global e vê que tipos de produtos e serviços nós podemos promover em
mercados como o Brasil ou em mercados em que o país possa liderar uma discussão
global de uma estratégia de desenvolvimento de produtos".

Segunda tela

Durante encontro com jornalistas, o Facebook resumiu alguns dos pilares para o Brasil em
2014. Um deles é aproveitar o efeito da segunda tela – utilizar smartphones ou tablets
enquanto se assiste televisão. De acordo com Tristão, 40% dos usuários do Facebook
entram no site enquanto assistem TV.

"Isso abre um leque de oportunidades muito grande pensando que o Brasil vai ser sede dos
principais eventos esportivos nos próximos três anos", diz, em referência à Copa do
Mundo, em 2014, e às Olimpíadas, em 2016. Dos usuários brasileiros, 44 milhões acessam
o site em smartphones ou em tablets.

SOCIEDADE DE CONSUMO

O desenvolvimento industrial, comercial, tecnológico e de serviços a partir do século XVIII, com a


Revolução Industrial, cimentou os alicerces para a constituição da sociedade de consumo. Com a
produção e a oferta generalizada de produtos eletrodomésticos, maquinarias, alimentos descartáveis,
automóveis, têxteis, telefones, aparelhos portáteis, computadores, etc, além do aumento do capital
circulante e da elevação do poder aquisitivo das classes trabalhadora e burguesa, a sociedade passa
então no século XX a se embriagar numa orgia consumista. O homem que entra no século XX como
cidadão sai dele como consumidor.

Sociedade de consumo, termo que designa o tipo de sociedade que se encontra numa avançada etapa
de desenvolvimento industrial capitalista e que se caracteriza pelo consumo massivo de bens e
serviços, disponíveis graça a elevada produção dos mesmos.

O conceito de sociedade de consumo está ligado ao de economia de mercado e, por fim, ao conceito
de capitalismo, entendendo economia de mercado aquela que encontra o equilíbrio entre oferta e
demanda através da livre circulação de capitais, produtos e pessoas, sem intervenção estatal.

Características da sociedade de consumo:

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. Para a maioria dos bens, a sua oferta excede a procura, levando a que as empresas recorram a
estratégias de marketing agressivas e sedutoras que induzem o consumidor a consumir, permitindo-
lhes escoar a produção.
. A maioria dos produtos e serviços estão normalizados, os seus métodos de fabrico baseiam-se na
produção em série e recorre-se a estratégias de obsolescência programada que permita o escoamento
permanente dos produtos e serviços.
. Os padrões de consumo estão massificados e o consumo assume as características de consumo de
massas, em que se consome o que está na moda apenas como forma de integração social.
. Existe uma tendência para o consumismo (um tipo de consumo impulsivo, descontrolado, irresponsável
e muitas vezes irracional).

O Capitalismo e a Sociedade de Consumo

Nas últimas décadas houve um aumento significativo do consumo em todo mundo, provocado pelo
crescimento populacional e, principalmente, pela acumulação de capital das empresas que puderam
se expandir e oferecer os mais variados produtos, conjuntamente com os anúncios publicitários
que propõe o consumo a todo o momento. Chamamos de consumo o ato da sociedade de adquirir
aquilo que é necessário a sua subsistência e também aquilo que não é indispensável, ao ato do
consumo de produtos supérfluos, denominamos consumismo.

Para suprir as sociedades de consumo, o homem interfere profundamente no meio ambiente, pois
tudo que o homem desenvolve vem da natureza, aqui nesse contexto é o palco das realizações
humanas. Através da força de trabalho o homem transforma a primeira natureza (intacta) em segunda
natureza (transformada). É a natureza que fornece todas matérias primas (solo, água, clima energia
minérios etc) necessárias às indústrias.

O planeta já mostra sinais de esgotamento, um exemplo disso é a escassez de petróleo que é um


recurso não renovável, e sua utilização corresponde a 40% da energia consumida no mundo, tendo em
vista a sua importância no cenário mundial a situação é preocupante pois alguns estudos mostram que
o petróleo existente será suficiente por mais 70 anos.

Os problemas ambientais diferem em relação aos países ricos e pobres, a prova disso é que 20%
da população é responsável pela geração da maior parte da poluição e esse percentual é similar ao
percentual da população que possui as riquezas do mundo. Enquanto essa população vive em altos
níveis de consumo, outra grande maioria, cerca de 2,4 bilhões de pessoas, não possui saneamento, 1
bilhão não tem acesso a água potável, 1,1 bilhão não tem habitação adequada e 1 bilhão de crianças
estão subnutridas.

Segundo Zygmunt Bauman, no livro Globalização: as consequências humanas, “Para aumentar sua
capacidade de consumo, os consumidores não devem nunca ter descanso. Precisam ser mantidos
acordados e em alerta sempre, continuamente expostos a novas tentações, num estado de excitação
incessante — e também, com efeito, em estado de perpétua suspeita e pronta insatisfação. As iscas que
os levam a desviar a atenção precisam confirmar a suspeita prometendo uma saída para a insatisfação:
“Você acha que já viu tudo? Você ainda não viu nada!”

"Sociedade do consumo e do crédito não funciona mais"

Quando as ruas de Londres e outras cidades inglesas assistiram em agosto de 2011, a explosões
violentas de saques e incêndios, um detalhe chamou a atenção de sociólogos e outros analistas: o
movimento não tinha slogans políticos, não articulava exigência, nem apresentava protestos. Teóricos
tentam explicar a explosão, responsabilizando desde a ausência de estrutura familiar à pobreza,
desemprego, falta de educação formal e de perspectiva, sobretudo para os jovens. O sociólogo
Zygmunt Bauman, polonês radicado na Inglaterra, tem sua própria versão. Ele viu nos distúrbios
ingleses a expressão radical da sociedade de consumo em que as pessoas buscam sua identidade

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não naquilo que são, mas naquilo que consomem e exibem como se dissessem: “Eu sou o que o que
eu compro”. Esse fenômeno faz parte da fluidez na sociedade de consumo onde não se valoriza o
permanente, mas o temporário; onde predomina o que Bauman chama de modernidade líquida na
medida em que nada é sólido ou conserva a forma por muito tempo. Tudo em mudança, vive-se
inconstância, o que provoca insegurança e medo.

Silio Boccanera — No meio de 2011, houve rebeliões na Inglaterra. O senhor estava no país na
época. Imagino que não estivesse surpreso de ver que os principais alvos eram as lojas. Os jovens
pegavam tênis, camisas de marca. Eles não pareciam nem ter uma motivação política. Eles
queriam consumir. O senhor também vê assim?

Zygmunt Bauman — Muito do que aconteceu era esperado, na verdade. As regiões de Londres onde
os conflitos ocorreram tinham taxa de desemprego três vezes maior que a média. Há muitas pessoas
desempregadas, em especial, jovens, que não têm nada para fazer, morrem de tédio, sem perspectivas
de emprego. Imagine-se nessa condição. No meio do seu bairro, há um shopping center todo
iluminado, um supermercado, convidando todos que têm direito de entrar lá. Oficialmente, não há
necessidade de um visto para entrar nesses lugares, mas os guardas ficam de olho nas pessoas que
andam por ali à toa, que não prometem ser clientes, e fazem o possível para não deixá-las entrar. A
mensagem da sociedade de consumo foi enviada a todos nós, não apenas para algumas pessoas. O
homem mediano comum atual vê, em um dia, mais comerciais do que as pessoas viam durante toda
vida cem anos atrás. Eles são inundados por tentações...

Silio Boccanera — Quer possam comprar ou não.

Zygmunt Bauman — Exato. Todo mundo recebe a mesma mensagem. Algumas pessoas podem fazer
algo quanto a isso. Lembre que as pessoas que se rebelaram em Londres roubaram coisas, mas
também as queimaram. Foi um ato de vingança contra as fortalezas do consumo onde eles não podem
entrar. Roubar foi uma coisa, mas não era apenas pegar os objetos que os motivava. Eles queriam se
vingar da humilhação de serem consumidores desqualificados em uma sociedade de consumo.

Silio Boccanera — Que pontos em comum — se é que há algum — o senhor vê entre esses
movimentos, protestos que ocorreram em Londres, e as ações que têm acontecido em várias
capitais europeias, na maior parte das vezes lideradas por jovens?

Zygmunt Bauman — Não, é diferente. Em Londres, até agora, houve uma rebelião ligada unicamente
ao consumo. Foi um protesto de consumidores imperfeitos contra o consumismo. Não tinha a
intenção de acabar com o consumismo, mas de participar da orgia consumista, pelo menos por três
noites.

Silio Boccanera — Essa nova geração tem sido extensivamente exposta, como conversamos
antes, a ideia da falta de privacidade, de que a vida das pessoas é exposta, os segredos são
expostos, o culto às celebridades está em toda parte. As pessoas chegam até a impor sua
intimidade aos outros. Esse é um fenômeno novo?

Zygmunt Bauman — Elas impõem, mas a prática da exposição pública, do “strip-tease espiritual
público”, podemos dizer, já foi internalizada, não é mais imposta. Crianças de oito, 10 anos, passam
várias horas por dia na frente do laptop contando tudo sobre elas mesmas a quem quiser ler ou ouvir.

Silio Boccanera — E mesmo para quem não quer.

Zygmunt Bauman — Exato. Nem todos podem ser vistos na TV. Se alguém for visto na TV é
porque, realmente, é importante. Mas, se não for, pelo menos há a possibilidade de ser visto na tela do
computador. Talvez alguém, por acidente, passeie pelo website, pelo blog.

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Silio Boccanera — Ou pelo seu Facebook.

Zygmunt Bauman — E escreva, mande um recado. Assim ela se sente realmente membro do mundo,
não foi deixada para trás, não foi excluída. Nós estamos dentro com a ajuda da internet, da realidade
virtual. Quando desconectados, a vida é cada vez mais deserta, porque a oferta da socialização, da
convivência, da união, da amizade, foi assumida pela implementação da internet, por ofertas online.
Portanto, essa é outra grande mudança. Mais uma vez, é cedo demais para analisar isso e para fazer
alguma previsão certa e confiável sobre o que acontecerá. Acrescente-se a isso a comercialização da
moral humana. Nós já nos convertemos ao consumismo obsessivo-compulsivo. Temos que trabalhar
duro, já que a fronteira entre a hora do trabalho e a do lazer, do escritório e da família, foi apagada.
Assim, as pessoas esquecem seu dever moral para com o filho, a filha, a mulher...

Silio Boccanera — A pessoa está sempre conectada.

Zygmunt Bauman — Ela não pode dedicar tempo a eles e o que faz? Compra presentes caros para
compensar a sua ausência. Quanto mais caro o presente, mais profundos devem ser sua
responsabilidade moral e seu amor. Juntando tudo isso, vemos sinais de mudanças culturais muito
intensas. Eu acho que estamos passando por uma profunda revolução cultural. Mas não me sinto
realmente capaz, com conhecimento suficiente para arriscar em um prognóstico sobre que direção isso
irá tomar. Como você acertadamente disse, há muitas pressões contraditórias. Por um lado,
austeridade; por outro, consumismo. Como conciliar os dois?

Sedução para o consumo

Da tradição tecnicista vem a "necessidade vital" do consumo, e as poderosas técnicas da publicidade


têm no homem atual presa fácil pelo vazio existencial proporcionado na era pós-moderna.

A infinidade de marcas e tipos de produtos contribuiu ainda mais para a exacerbação do consumo.
Há que se pensar em publicidade não apenas como um ato de divulgação objetivo.

O grande motor da propaganda consiste na sua habilidade em estimular o indivíduo a consumir


um dado produto, destacando-se as características que se julga como potenciais fontes de atração da
percepção do indivíduo. As técnicas publicitárias geralmente associam a imagem do produto
divulgado com elementos que não correspondem imediatamente ao objeto destacado, pois esse
procedimento gera, na mentalidade do consumidor, a ideia de que, ao adquirir um produto específico,
as qualidades supostamente contidas nesse produto serão assimiladas. O especialista em Comunicação
Social, Gino Giacomini Filho, destaca que “a publicidade nasceu com o claro propósito de fomentar
a transação econômica, principalmente diminuindo a resistência do consumidor”.

O consumidor caracterizado por seguir os normativos mandamentos publicitários, propagadores das


imagens espetaculares de sucesso pessoal e profissional, se encontra na obrigação de ser feliz, mas
esse estado de beatitude (felicidade eterna e suprema) não se concretiza da maneira esperada na vida
cotidiana. Este é seu maior malogro, havendo assim uma descontinuidade entre aquisição de bens
materiais e felicidade genuína. Conforme complementa Adriana Santos, especialista em Imagens e
Culturas Midiáticas: “Cada vez mais, os meios de comunicação, não apenas sinônimos de troca de
informação como também de publicidade e propaganda – acenam com maiores quantidades de objetos
de desejo para os consumidores, fazendo com que, um dia, o paraíso e o bem-estar prometidos por tais
produtos possam ser - finalmente encontrados”.

O prazer existencial prometido pelo consumo de bens materiais não se encontra de modo algum
imediatamente associado a esses, ainda que haja uma maciça campanha publicitária que promova o
poder mágico desses bens como acessórios por excelência para que o consumidor conquiste o patamar
de satisfação material esperado. Consumir é sempre uma atividade supressora do estresse; logo, por
qual motivo não se aproveitar da sensação geral de instabilidade psíquica reinante nos agitados centros

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urbanos para se promover a comercialização dos diversos tipos de objetos disponíveis, revestindo-os
com os efeitos espetaculares da propaganda? Vejamos o parecer crítico de Schröder e Vestergaard:
“Mostrando gente incrivelmente feliz e fascinante, cujo êxito em termos de carreira ou de sexo – ou
ambos – é óbvio, a propaganda constrói um universo imaginário em que o leitor consegue materializar
os desejos insatisfeitos da sua vida diária”.

Os critérios “morais” da sociedade consumista, herdeira do tecnicismo industrial, consistem na


obrigação incondicional do indivíduo se apresentar publicamente como alguém plenamente
capacitado a consumir, mesmo sem que isso resulte na realização de uma necessidade vital básica;
com efeito, a lógica consumista faz da disposição de consumir coisas uma necessidade vital
irrevogável.

O discurso da publicidade consumista se utiliza da insatisfação existencial do indivíduo para melhor


dominá-lo, insuflando-lhe tendências heterônomas em relação ao seu apreço pelos bens materiais.
Conforme destacam os sociólogos Philippe Breton e Serge Proulx, “a publicidade, se inserindo na
problemática de marketing das empresas, tornou-se um mecanismo essencial para a organização da
produção da demanda e das necessidades a preencher pelo consumo”.

A publicidade fabrica consenso para atender aos interesses do poder econômico, prosperando assim
por meio das carências existenciais de cada indivíduo, que consomem sofregamente em nome de uma
postulada “satisfação interior”. O sociólogo polonês, Zygmunt Bauman, argumenta com muita
precisão que “a liberdade do consumidor significa uma orientação da vida para as mercadorias
aprovadas pelo mercado, assim impedindo uma liberdade crucial: a de se libertar do mercado,
liberdade que significa tudo menos a escolha entre produtos comerciais padronizados.”

Torna-se tecnicamente impossível pensarmos em “liberdade de escolha” ou “liberdade individual”


quando existe um mecanismo social, a publicidade, que cria, em nome de conveniências econômicas,
demandas desiderativas que exigem da parte do consumidor a sua satisfação imediata, para que a paz
psíquica se estabeleça em sua consciência. O comunicólogo francês, Abraham Moles, afirma que “o
papel da agência de publicidade é, de um lado, manter as necessidades, e de outro, transformar os
“desejos” em “necessidades”, na medida em que o indivíduo tenha uma margem de escolha imposta”.

É impossível negarmos a inexistência de qualquer responsabilidade social dos agentes publicitários,


especuladores dos desejos coletivos, em forjar novas demandas consumistas, como forma de
pretensamente outorgar aos consumidores tanto uma sensação de pertencimento social quanto de
status quo. Para o sociólogo, Don Slater, “as pessoas compram a versão mais cara de um produto não
porque tem mais valor de uso do que a versão mais barata (embora possam usar essa racionalização),
mas porque significa status e exclusividade; e, claro está, esse status provavelmente será indicado pela
etiqueta de um designer ou de uma loja de departamentos”.

O indivíduo que recebe essas informações é levado a acreditar que, se ele consumir esse produto, ele
também será feliz e bonito, tal como veiculado pelo garoto- -propaganda. Para o - filósofo francês
Gilles Lipovetsky, “a sedução tomou o lugar do dever, o bem-estar tornou-se Deus, e a publicidade é
seu profeta. O reino do consumo e da publicidade exprime muito bem o sentido coeso da cultura pós-
moralista. Assim, as relações entre os homens - ficam sendo sistematicamente menos simbolizadas e
apreciadas do que as relações entre os homens e as coisas”.

Fonte: Revista Filosofia ano VI nº 66. São Paulo: Editora Scala, 2011.

Consumo alienado

“No mundo em que predomina a produção alienada, o consumo também tende a ser alienado. O
problema da sociedade de consumo é que as necessidades são artificialmente estimuladas, sobretudo

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pelos meios de comunicação de massa, levando os indivíduos a consumirem de maneira alienada. O
consumo se torna alienado quando passa a ser um fim em si e não um meio, criando dessa forma
desejos nunca satisfeitos, um sempre querer mais, um poço sem fundo. (Maria Lúcia Arruda Aranha in
Filosofando)

“Hoje estamos vivendo um período de compulsão: por comida, bebida, compra e por sexo. Comprar
sem parar, gastar mais do que ganha e ver a vida financeira no fundo do poço pode não ser apenas um
problema de desequilíbrio financeiro. Comprar demais pode ser uma doença: a oniomania (mania de
comprar), um dos transtornos do impulso. (Paulo Gaudêncio, psiquiatra)

Hoje em dia, tudo tem que ter resultados imediatos: tudo tem que ser rápido e prático. Vivemos a
sensação de que não temos tempo a perder: se estamos tristes, temos que nos alegrar logo, se
engordamos temos que emagrecer, custe o que custar.

“As pessoas compram a versão mais cara de um produto, não porque tem mais valor de uso do que a
versão mais barata (embora possam usar essa racionalização), mas porque significa status e
exclusividade; e, claro, esse status provavelmente será indicado pela etiqueta de um designer ou de
uma loja de departamentos”. (Don Slater, sociólogo)

“O que você come, como você come, onde você come, com quem você come e o quão frequentemente
você come, são questões relacionadas à sua identidade social mais do que você imagina. Elas podem
dizer de onde você vem, se é homem ou mulher, sua classe social, sua cor, sua religião e também
muito sobre sua personalidade” (Sidney Mintz)

No McDonald’s, eficácia, racionalização, rapidez no atendimento homogeneizante; seres humanos


servindo mecanicamente e eficientemente a outros humanos, tornados máquinas de consumo e lucro,
tudo é envolvido por uma alegria plastificada. “Dois hambúrgueres, alface, queijo, molho especial,
cebola e picles num pão com gergelim”. Repetida à exaustão na mídia, essa receita quase “cabalística”
se incorporou ao imaginário de milhões de pessoas como algo sacralizado. Carregada de uma
simbologia poderosa, a ingestão do que é conhecido como Big-Mac (um hambúrguer da rede de
restaurantes de fast-food do McDonald’s, é um dos mais vendidos da empresa e possui 504 calorias),
cujo jingle nos anos 1990 transformou-se em um hino da geração shopping center, parece produzir um
efeito mágico nos consumidores.

“O futebol é um dos carros-chefes da indústria do entretenimento e de um tema central da publicidade.


O futebol é vendido das mais diversas formas: pay per view, álbuns de figurinhas, jogos eletrônicos.
Dentro dessa lógica de mercantilização do futebol, não é de surpreender que o torcedor seja visto cada
vez mais como consumidor. Nesse cenário, não é de estranhar que o estádio de futebol exigido pela
Fifa e idealizado por boa parte da mídia, autoridades, dirigentes seja o “estádio shopping center”.
Saem de cena as gerais e entram os camarotes executivos, com poltronas confortáveis, televisores de
última geração, petiscos finos e evidentemente, isolamento da “massa”. O futebol tornou-se um evento
para olhar, e nada mais. Nesse cenário, a liberação da emoção intensa tem sido cada vez mais
combatida. Tudo parece ser feito para que o torcedor se torne mero espectador-consumido. Não é de
se estranhar o investimento crescente em equipamentos tecnológicos, que estão se transformando em
grandes salas de TV, na tentativa de tornar telespectadores os torcedores de estádio. Na tentativa de
substituir a “massa” que xinga e protesta, no torcedor contido e consumista: que come sua pipoquinha
sentado numa confortável poltrona enquanto assiste aos comerciais dos patrocinadores do evento em
enormes e luminosos telões. O torcedor, antes do jogo e durante o intervalo, em vez de passear para
observar e interagir com o resto dos torcedores age como um consumidor, saindo para olhar vitrines
das lojas dos estádios e comprar os produtos do clube; tudo isso sendo controlado por câmeras
espalhadas por todos os cantos”. (Felipe Tavares Paes Lopes in: Torcedor: consumidor ou cidadão?
Revista Ética)

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“A aculturação de nossas crianças para uma sociedade de consumo é essencialmente uma
aculturação para o consumo de marcas. As crianças do nosso tempo têm, como todos nós, toda a vida
permeada por relações de consumo. O tempo livre, a alimentação, a educação, os sonhos, a fantasia, o
imaginário e até a linguagem. Para o marketing publicitário, é preciso fazer a criança gostar da marca
desde muito pequena. É preciso manter acesa a chama do consumo. Para as crianças que ainda não
separam bem fantasia e realidade, é difícil perceber, na TV, que acabou um programa de
entretenimento e começou uma oferta publicitária, de uma empresa que visa ao lucro, e que consumir
ou não consumir significa isto ou aquilo”. ( Gustavo Dainezi in: O shopping na estante)

CULTO AO CORPO

“A vigorexia é um dos extremos da preocupação exagerada com a forma física. Enquanto a anorexia e
a bulimia são mais frequentes em mulheres, que deixam de se alimentar ou comem para depois
vomitar porque acreditam estar gordas, a vigorexia afeta mais os homens que desejam desenvolver
seus músculos, já que se veem fracos e doentes. A vigorexia associa beleza com músculos definidos e
é um transtorno vinculado a problemas de personalidade”. (Maria Luisa Rubio. 23/06/2008)

Pode se observar na sociedade atual, uma variedade de distúrbios, como anorexia, bulimia, medo de
envelhecer, compulsão por se exercitar, tudo isso como tentativa, por parte dos indivíduos, de se livrar
da vergonha do corpo. Por que existe tanta aflição em relação ao corpo, ou seja, essa sensação de que
o corpo não nos pertence, que ele não é adequado e desejamos ter outro corpo?
“Acho que nós transmitimos, através do corpo, o modo como queremos ser vistos, como queremos
ser considerados e o que desejamos falar sobre nós mesmos. O corpo se tornou um signo, uma espécie
de cartão de visita que expressa quem somos, como nos percebemos e como nos posicionamos no
mundo”. (Susie Orbach, psicanalista, em entrevista a Globonews – 9/10/2010)

A insustentável sociedade de consumo

O consumo é considerado, por alguns economistas, como a "mola propulsora" da economia


mundial. Consumir geraria demanda, que por sua vez geraria maior produção por parte das
indústrias, estimulando o surgimento de novos empregos, o aumento de salários e até mesmo o
investimento em novas tecnologias para aprimorar a produção. Isso significaria mais trabalhadores,
com salários melhores, que também seriam levados a consumir, formando um ciclo que manteria a
economia aquecida e contribuiria para o desenvolvimento dos países. Por muito tempo, essa foi uma
corrente de pensamento econômico predominante nos países capitalistas. Mas esse modelo
neoliberal, que tinha os Estados Unidos como seu principal representante, está sendo cada vez mais
questionado.

A crise econômica que os Estados Unidos e a Europa enfrentam atualmente coloca em dúvida esse
modelo econômico fortemente baseado no consumo, pois evidencia sua instabilidade. Mas não é só o
Brasil e os Estados Unidos que enfrentam problemas econômicos relacionados ao consumo: o
desemprego e a alta dos preços são sinais de desgaste do modelo que já despontam em diversos
países da Europa, enquanto a desigualdade social consequente desse sistema mostra que ele está
ficando cada vez mais inviável para os países da América Latina e da África.

"As relações sociais escravizaram-se pelo dinheiro e pelo poder de consumo"; o cidadão foi
reduzido a consumidor através de uma série de estratégias que construíram o capitalismo e o
neoliberalismo. Como parte dessa estratégia, o Estado liberal foi deixando ao mercado
responsabilidades que deveriam ser suas, como fornecer saúde, lazer, educação e infraestrutura de
qualidade. A consequência disso é um número cada vez maior de pessoas, principalmente de classe
média, pagando, além dos impostos, planos de saúde privados, escolas privadas, pedágios e
segurança privada. "Os ricos e endinheirados podem comprar conforto, segurança (ou ilusão de
segurança), educação, saúde e lazer, mas os pobres morrem nas filas de hospitais públicos, ficam

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adultos analfabetos ou semi-analfabetos, não têm esgoto, água encanada, dentista, boas escolas",
declara. E conclui: "Quem não tem dinheiro não tem cidadania".

Dessa forma, o consumo acabou se tornando um fator importante de construção de representações


sociais. Ao comprar, não apenas se adquire um produto ou um serviço, mas define-se o status, e
mesmo a identidade, de um indivíduo. É o "compro, logo existo", uma forma do indivíduo se
posicionar – e se diferenciar - dentro da sociedade através do que consome. "Aquilo que você veste,
come e bebe define socialmente quem você é, onde você está e até onde pode ir.

Comprando felicidade

Não é preciso apenas consumir para existir, mas é preciso consumir para ser feliz. Nessa lógica, vale
tudo para se realizar um sonho de consumo: fazer horas-extras, "bicos" ou prestações a perder de
vista. "É como se os objetos fossem capazes de propiciar o bem-estar social e a segurança que tanto se
reclama e proclama". Assim, busca-se a realização pessoal e a felicidade através do consumo. A
sociedade de consumo vende a satisfação dos desejos individuais, mas desperta nos consumidores a
cada momento novos desejos a serem satisfeitos, fazendo-os querer (e consumir) sempre mais. "O
vazio existencial cavado pela complexidade dos relacionamentos psicossociais não se preenche
facilmente com bolsas, celulares e carros. Se a felicidade prometida pela sociedade de consumo fosse
real, nós não estaríamos vivendo uma sociedade tão violenta como a nossa. A violência física e
simbólica são frutos da desigualdade e da perversidade da sociedade de consumo que elege os
endinheirados como os sortudos da ilha da fantasia", alerta Padilha.

"O consumo é indispensável na vida de todos os cidadãos. O que está em discussão é a tipologia, o
significado e o montante do consumo. Principalmente no que diz respeito às produções que envolvem
matérias-primas há uma crescente preocupação. A finitude dos recursos naturais é evidente, e é
agravada pelo modo de produção regente, que destrói e polui o meio ambiente.", diz Ruscheinsky. "O
consumo é indispensável e cumpre diversas funções sociais, mas, nos níveis e padrões atuais, e em
expansão, precisa ser modificado em direção a formas mais sustentáveis, tanto do ponto de vista
social quanto ambiental", concorda Portilho.

Repensando o modelo

O modelo da sociedade de consumo está tão enraizado na sociedade contemporânea que alguns
pesquisadores já chegaram a afirmar que ele é irreversível. Porém, Padilha discorda: "Nada é
irreversível quando se pensa em sociedade". Para a pesquisadora, a atual crise nos Estados Unidos é
um sinal de que esse modelo deve começar a ser repensado. "O produtivismo e o consumismo
desenfreados são insustentáveis por mais tempo. O primeiro e mais importante limite dessa cultura
do consumo, que estamos testemunhando hoje, são os próprios limites ambientais. O planeta não
suportaria se cada habitante tivesse um automóvel, por exemplo. Psicológica e sociologicamente
também não será suportável por muito mais tempo essa lógica de produção e consumo destrutivos a
que estamos sujeitos hoje", afirma.

De acordo com os pesquisadores, é preciso trabalhar em vários níveis – do consumidor, da


empresa e do Estado – para que haja uma alteração no sistema. Os consumidores precisam ser
informados e conscientizados, buscando promover uma "mudança de hábito" que controle os efeitos
do consumo desenfreado. As empresas, igualmente, devem procurar agir rumo a uma produção
sustentável. E o Estado, através da promoção de políticas públicas, deve exercer diversas funções
regulatórias, inclusive com as chamadas políticas de consumo sustentável (eliminação de subsídios,
compras sustentáveis, políticas de estímulo ao transporte coletivo etc.).

Entrevista com a psicanalista Maria Rita Kehl

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No livro O Tempo e o Cão – a atualidade das depressões, de Maria Rita Kehl recém-lançado pela
Boitempo, ela expõe sua teoria de que a depressão, para além de ser o sintoma de sujeitos em
sofrimento, se tornou um sintoma social. "A moral social contemporânea praticamente obriga ao
gozo e à alegria. E as pessoas deprimidas ficam na contramão, digamos assim", afirma Maria Rita.

Na França, da década de 1970 para a década de 80, o número de depressivos aumentou 50%. No
Brasil, nos primeiros anos do século XXI, 17 milhões de pessoas foram diagnosticadas como
depressivas.

Para ela, as pessoas, quando sofrem, já não sofrem mais apenas daquilo que as faz sofrer - uma
perda amorosa, uma morte na família, o desemprego -, mas sofrem ainda mais da culpa de estar
sofrendo. "Há uma dívida generalizada do sujeito contemporâneo de nunca estar tão em sintonia com
essa euforia que lhe é exigida", completa Maria Rita, doutora em psicanálise pela PUC de São
Paulo.

“A aliança entre a expansão do capital e a liberação sexual fez do interesse das massas consumidoras
pelo sexo um ingrediente eficiente de publicidade. Tudo o que se vende tem apelo sexual: um carro,
um liquidificador, um comprimido contra dor de cabeça, um provedor de internet, um tempero
industrializado. A imagem publicitária evoca o gozo que se consuma na própria imagem, ao mesmo
tempo em que promete fazer do consumidor um ser pleno e realizado. Tudo evoca o sexo ao mesmo
tempo em que afasta o sexual, na medida em que a mercadoria se oferece como presença segura,
positivada no real, do objeto de desejo”. Leia a seguir trechos de sua entrevista:

E por que os deprimidos são o sintoma social deste início do século XXI?

Se você pensar nos parâmetros da sociedade contemporânea, é possível dizer que se trata de uma
sociedade antidepressiva. É uma sociedade, aparentemente, com muita liberdade de escolha: como
você quer viver, seu estilo de vida, como você vai se vestir, que tribo vai frequentar, o que vai comer,
beber. Há muita liberdade no plano superficial, no plano da festa. Existe muito apelo para a
diversão. Em contraste com o século XIX, em que o apelo era para contenção, sobriedade, repressão
da sexualidade, hoje, a moral social é uma moral da diversão, não do sacrifício. É uma moral que
chama para aquilo que, na psicanálise, chamamos de gozo. É mais do que o prazer, é o excesso. A
rave não é, de alguma maneira, o símbolo disso tudo? E para aguentar uma rave você é obrigado,
inclusive, a tomar uma química. O apelo social não é para você aguentar o trabalho, mas a festa. Claro
que a festa é ótima. Mas o que digo é que ela foi transformada no ideal social deste momento. E o
deprimido destoa radicalmente desse ideal. Sim, porque esta é a única sociedade em que as pessoas
ficam infelizes por se sentirem culpadas de não estarem tão felizes quando deveriam. Se alguém
está triste, o que é natural na vida, essa cobrança social duplica a infelicidade. O depressivo é sintoma
social porque ele é aquele que não consegue aceitar o convite tão sedutor para estar sempre de bem
com a vida. Mas esse é apenas um dos paradoxos. O outro diz respeito ao uso excessivo de medicação.

Esse é um fenômeno que atinge muito os adolescentes, não?

Sim. Os adolescentes são as meninas dos olhos da publicidade, do mercado, e estão numa fase de
passagem, não têm ainda as responsabilidades dos adultos, estão mudando de um campo de
identidade, são muito vulneráveis a aceitar novas modas. Eles são, pelo menos como faixa etária, os
maiores alvos desse apelo pelo gozo, pela festa. O adolescente de hoje que se sente incapaz de
responder a esse apelo se deprime. E ele se deprime porque se vê isolado, a autoestima dele fica
muito comprometida, e ele não conta mais, como nos anos 60, com o apoio do próprio grupo
adolescente. Hoje, o adolescente que se deprime tem até vergonha de que os amigos saibam. Ele sofre
de um isolamento cruel, quando não de uma ostensiva humilhação.

Quando a sra. diz consumo, não trata apenas de consumo de bens materiais?

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Maria Rita: Na verdade, uma sociedade é dita de consumo não porque todos estejam aptos, e o tempo
todo, a consumir o que lhes é oferecido. Ela é uma sociedade de consumo porque o valor da vida, do
sujeito, das escolhas de vida que ele tem vão ser medidos pelo que ele é capaz de consumir.
Consumir dá o parâmetro da inserção, da valorização. Em outras épocas, podia ser trabalhar, podia
ser nascer com sangue nobre. Hoje é o consumo que dita a qualidade e a possibilidade de inserção
dos sujeitos. Por isso eu insisto em manter essa denominação aparentemente gasta de sociedade de
consumo.

Entenda o que é obsolescência programada

O desgaste natural dos produtos é normal. Porém, o produto ser “planejado” para parar de
funcionar ou se tornarem obsoletos em um curto período de tempo é uma prática da indústria que deve
ser combatida.
Conforme usamos um produto, é natural que este sofra desgastes e se torne antigo com o
passar do tempo. O que não é natural é que a própria fabricante planeje o envelhecimento de um
produto, ou seja, programar quando determinado objeto vai deixar de ser útil e parar de funcionar,
apenas para aumentar o consumo.
Essa prática, intitulada de Obsolescência Programada, basicamente se aplica toda vez que os
fabricantes produzem um ou vários produtos que, artificialmente, tenham, de alguma forma, sua
durabilidade diminuída do que originalmente se espera. Como efeito, os consumidores são obrigados a
descartar os produtos adquiridos em um prazo muito menor e a substituí-los por novos, que
provavelmente também tiveram sua durabilidade alterada.
Esse ciclo infinito de consumo acaba tornando-se um grave problema, e não apenas aos
consumidores brasileiros. O aumento de lixo eletrônico e tóxico, bem como a falta de informações
claras sobre como deve ser realizado o descarte destes produtos obsoletos, tem provocado impactos
ao meio ambiente e à qualidade de vida da população mundial ao longo dos anos.
Apesar do avanço tecnológico, que resultou na criação de uma diversidade de materiais
disponíveis para produção e consumo, hoje nossos eletrodomésticos são piores, em questão de
durabilidade, do que há 50 anos. Os produtos são fáceis de comprar, mas são desenhados para não
durar. Por esta razão, o consumidor sofre para dar a eles uma destinação final adequada e ainda se vê
obrigado a comprar outro produto.
Um dos principais exemplos de obsolescência programada é a lâmpada. Quando criada, ela
durava muito, mas as fabricantes viram que venderiam apenas um número limitado de unidades. Por
isso, criaram uma fórmula para limitar o funcionamento das lâmpadas, que passaram a durar apenas
mil horas, por exemplo.
Na área tecnológica, a obsolescência programada pode ser vista com maior frequência.
Geralmente, durante o período de garantia, os notebooks de alguns fabricantes funcionam
normalmente. No entanto, após o fim desse prazo, passam a apresentar defeitos como
superaquecimento ou esgotamento da bateria. Na quase totalidade dos casos o preço do conserto é tão
alto que não vale a pena, e os consumidores são impelidos a adquirir um produto novo.
Além disso, é dever do Estado regularizar, fiscalizar e induzir esses novos padrões. As
empresas, por sua vez, devem garantir ao consumidor acesso à informação e assumir a
responsabilidade pelo ciclo de vida dos produtos, visando ao desenho adequado dos produtos e
embalagens e o fim da obsolescência programada.
O documentário “Comprar, tirar, comprar – The Light Bulb Conspiracy”, da diretora
Cosima Dannoritzer, é um ótimo exemplo para que os consumidores vejam como a indústria tem
trabalhado nos últimos 100 anos para promover o aumento do consumo com a oferta de produtos de
qualidade inferior.

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5º texto: Ética e Ideologia

O analfabeto Político

Bertold Brecht (1898-1956) - escritor, poeta e teatrólogo alemão

“O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos
acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do
aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas.
O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política.
Não sabe o imbecil, que da sua ignorância política, nasce a prostituta, o menor abandonado e o pior
de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e
multinacionais”.

Introdução à Política

 Para o senso comum, Política, é normalmente identificada a um repertório de golpes baixos;


sugere práticas desonestas; sentido negativo de aproveitar-se de todas as situações em
benefício próprio.
 Identificada com a “Lei de Gerson”, isto é, a pessoa que “gosta de levar vantagem em tudo”,
no sentido negativo de aproveitar-se de todas as situações em benefício próprio, sem importar-
se com a ética. (A expressão originou-se em uma propaganda, em meados da década de 1970,
dos cigarros Vila Rica, na qual, o meia armador da Seleção Brasileira era o protagonista).

Origens da Política

 Usamos a palavra política de diversas formas no cotidiano que não se referem a seu sentido
fundamental; “política” da empresa, da escola, da igreja ... como formas de exercício e disputa
de poder político.
 A política é a arte de governar, de gerir o destino da cidade. Etimologicamente, política vem
de PÓLIS (cidade, em grego). Político é aquele que atua na vida pública e é investido de
poder de imprimir determinado rumo à cidade.
 Política designa a esfera das ações que tem relação direta ou indireta com a conquista e o
exercício do poder sobre a comunidade de indivíduos em um território
 É possível entender a Política como luta pelo poder: a conquista, a manutenção e a expansão
do poder. Ou refletir sobre as instituições políticas por meio das quais se exerce o poder.
 Poder: é a capacidade de um sujeito influir, condicionar e determinar o comportamento de
outro indivíduo.
 O poder é uma relação ou um conjunto de relações pelas quais indivíduos ou grupos
interferem na atividade de outros indivíduos ou grupos.
 Qual é a finalidade da política? Seria o bem comum (interesse coletivo ou geral)?
 Dificuldade em determinar em que consiste o bonnus comune, devido à divisão da sociedade
em classes opostas.

A pólis e a res publica

Para Aristóteles, um dos maiores filósofos gregos, "o homem é por natureza um animal
político", isto é, um ser vivo (zoon) que, por sua natureza (physei), é feito para a vida da cidade (bios
politikós, derivado de pólis, a comunidade política). O sentido último da vida do homem: o viver na
pólis, onde o homem se realiza como cidadão (politai).

Em síntese, o homem é um animal político, isto é, que só se realiza na polis. E fazer parte
da polis significava pertencer à sociedade política, ou seja, influir nos destinos da cidade, direito

75
esse reservado apenas aos cidadãos. Por isso, para Aristóteles, o homem só começa a se diferenciar
dos animais na polis, o único lugar em que poderia relacionar o ideal humano de viver e conviver de
maneira inteligente e de acordo com a razão.

Para os gregos, somente na política, na qual predominavam a ação e o discurso, esse ideal
seria alcançável.

Porém, mesmo na polis esse ideal não estava propriamente ao alcance de todos, pois, na
Grécia, (exemplo Esparta) inclusive durante a democracia, os cidadãos eram minoria e formavam a
aristocracia privilegiada. Dessa condição estavam excluídos os escravos (hilotas, eram a classe mais
baixa e pertenciam como escravos ao Estado), os estrangeiros (metecos residentes em Atenas), as
mulheres, os periecos (homens da periferia de Esparta, formavam uma camada intermediária,
constituída de homens livres, porém sem direitos políticos. Dedicavam-se à agricultura, ao comércio e
ao artesanato, atividades proibidas à aristocracia espartana. Formando uma comunidade de iguais,
unicamente os homens livres e maiores de idade, nascidos de famílias locais, eram considerados
cidadãos.

O que os gregos denominavam polis, os romanos chamavam de res publica (coisa pública).
Nesta, a participação dos indivíduos era mais restrita ainda, pois somente os patrícios pertenciam à res
publica.

Durante a Idade Média, não existiu algo equivalente à pólis ou res publica. Como reflexo do
poder e da avassaladora influência da Igreja na sociedade em geral, as pessoas eram consideradas,
antes de tudo, cristãs, e não cidadãs. Assim, pertencer à Igreja como fiel era mais importante do que
ser súdito de um rei, a salvação da alma contava mais do que a participação na política. No período
medieval, a vida política, ou a arte de governar, tornou-se mero apêndice da religião.

O que é política?

Segundo Nicolau Maquiavel, em O Príncipe, política é a arte de conquistar, manter e


exercer o poder, o próprio governo. Ainda existem algumas divergências sobre o tema, para alguns,
política é a ciência do poder e para outros é a Ciência do Estado.

Se há alguma certeza nos tempos em que vivemos, é a de que vivemos um momento de


incerteza e desordem em todas as atividades humanas: saber, poder, ética e valores.

Há uma tendência atual de menosprezar o papel da política em nosso dia a dia e de elogiar
o seu esquecimento, dando mais importância à economia, à privatização da vida pública, à religião,
ao moralismo e à eficiência técnica. Este pensamento é defendido pelos grandes empresários da
comunicação, reforçando a estratégia dos poderosos de manter os cidadãos longe do exercício da
política, principalmente os jovens.

Acontece que a política não deixou de ser exercida em momento algum. Ela apenas ganhou
novos contornos e novos espaços nas lutas pelas políticas afirmativas (inclusão, direito à livre
orientação sexual, etc), por exemplo.

MAQUIAVEL (1469-1527) e a Política como categoria autônoma

Introdução

 O poder atrai e emociona: pode corromper ou engrandecer


 Governar é impor e conciliar

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 Estado medieval: descentralização política; espaço para realização do bem comum, de
acordo com Deus. A Igreja é um superestado
 Maquiavel: infância e juventude – nova era: Idade Moderna soterra instituições medievais
 XVI: Itália: ausência de um poder centralizador
 Sua obra mais famosa O Príncipe, escrita em 1513 e foi publicada, postumamente em 1532.
A obra reflete os seus conhecimentos da arte política dos antigos, bem como dos estadistas de
seu tempo e expressa claramente a mentalidade da época. Formulando uma série de conselhos
ao príncipe, o autor expôs uma norma de ação autoritária, no interesse do Estado.
 “O Príncipe”: é um guia que orienta o acesso e a permanência no poder
 Maquiavel – vive na época do Renascimento - antropocentrismo
 Controvérsias sobre “O Príncipe” (1513). Escrito em 1513 e dedicado a Lourenço de
Médici, provocou inúmeras interpretações e controvérsias. À primeira vista, essa obra parece
defender o Absolutismo e o imoralismo. A leitura apressada de sua obra levou à criação do
Mito do Maquiavelismo. Pejorativamente, maquiavélica é pessoa sem escrúpulos, traiçoeira
que para atingir seus fins, usa de mentira e de má-fé. Como expressão dessa amoralidade,
costuma-se atribuir a ele a famosa máxima (que ele nunca escreveu): “os fins justificam os
meios”;
 Essa é uma interpretação simplista e deformadora de seu pensamento. Para o filósofo
Rousseau (XVIII), Maquiavel ao afirmar que O Príncipe era na verdade uma sátira e a
intenção verdadeira de Maquiavel seria o desmascaramento das práticas despóticas, ao
ensinar o povo a se defender dos tiranos.
 IDEIA CENTRAL – força é inerente ao exercício do poder = política é uma esfera da vida
social que tem leis próprias.
 Política: pela primeira vez é mostrada como esfera autônoma da vida social relativamente
à ordem moral e religiosa. Ele nega a anterioridade de questões morais na avaliação da ação
política. Para a moral cristã (Idade Média), há valores espirituais superiores aos políticos,
além de que o bem comum da cidade se subordina ao bem supremo da salvação da alma.
 A sociedade é necessariamente dividida.
 A ordem política está sempre baseada em algum tipo de coerção. A política identifica-se com
o espaço do poder, enquanto atividade que na qual se assenta a existência coletiva.
 Conquistar e manter o poder, eis a síntese da finalidade essencial da política.
 Em “O Príncipe”, o bom político deve conhecer os ardis do leão e da raposa, símbolos da
força e da astúcia (habilidade em enganar, manha). Estas duas características nada tem a ver
com a finalidade do bem comum: referem-se exclusivamente ao objeto imediato de conservar
o poder
 O príncipe deve atuar como a raposa, que sabe reconhecer as armadilhas e o leão, que se
defende dos lobos.
 Todo Príncipe prudente deve prever os casos futuros e preveni-los com toda perícia.
Conhecendo os males com antecedência, rapidamente, são curados.
 Quando uma determinada ação, por pior que seja, for inevitável, é preciso fazê-la rapidamente
e não adiá-la.
 Ao assumir o governo, o dirigente deve realizar todas as ações que produzem malefícios a
membros da sociedade, de uma só vez e de maneira completa, para que seus efeitos não
perdurem durante todo o governo.
 Os benefícios devem ser realizados, pouco a pouco, para que sejam melhor saboreados.
 O Príncipe que ignora o terreno sobre o qual se desenvolve a guerra e desconhece os soldados
que comanda, conduz necessariamente, as suas forças para a derrota.
 A um governante não é essencial que possua todas as boas qualidades, mas é fundamental que
aparente possuí-las. Preocupação principal é com a aparência. “é bom ser e parecer fiel,
humano, íntegro e religioso, mas é importante ter o espírito preparado e estar disposto a agir
de modo contrário sempre que seja necessário.”

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Afinal, o que é política?

Vivemos hoje em um momento em que a política é questionada, pois, ela é sistematicamente


confundida com as ações dos políticos profissionais, principalmente, pelos maus políticos.

A filósofa Arendt nos diz que "A política baseia-se no fato da pluralidade dos homens",
portanto, ela deve organizar e regular o convívio dos diferentes e não dos iguais.

Vejamos o que diz Hannah Arendt: "Tarefa e objetivo da política é a garantia da vida no
sentido mais amplo". Para ela, a tarefa da política esta diretamente relacionada com a grande
aspiração do homem moderno: a busca da felicidade.

Não é fácil discutir a questão da política nos dias de hoje. Estamos carregados de
desconfianças em relação aos homens do poder. Porém, o homem é um ser essencialmente político.
Todas as nossas ações são políticas e motivadas por decisões ideológicas. Tudo que fazemos na vida
tem consequências e somos responsáveis por nossas ações.

Nossa ação política está presente em todos os momentos da vida, seja nos aspectos privado
ou público. Vivemos com a família, relacionamos com as pessoas no bairro, na escola, somos parte
integrante da cidade, pertencemos a um Estado e País.

Não podemos confundir que política é simplesmente o ato de votar. Estamos fazendo
política como tomamos atitudes em nosso trabalho. Estamos fazendo política quando exigimos nossos
direitos de consumidor, quando nos indignamos ao vermos nossas crianças fora das escolas sendo
massacradas nas ruas.

A política está presente cotidianamente em nossas vidas: na luta das mulheres contra uma
sociedade machista que discrimina e age com violência; na luta dos portadores de necessidade
especiais para pertencerem de fato à sociedade.

DEMOCRACIA, ÉTICA E CIDADANIA

CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 13. ed. São Paulo: Ática, 2005.

Democracia

Se a política tem como finalidade a vida justa e feliz, isto e, a vida propriamente humana
digna de seres livres, então é inseparável da ética. De fato, para os gregos, era inconcebível a ética
fora da comunidade política – a polis como koinonía ou comunidade dos iguais, pois nela a natureza
ou essência humana encontrava sua realização mais alta.

A democracia é a única forma política que considera o conflito legítimo e legal, permitindo
que seja trabalhado politicamente pela própria sociedade. Da mesma maneira, as ideias de igualdade
e liberdade como direitos civis dos cidadãos vão muito além de sua regulamentação jurídica formal.
Significam que os cidadãos são sujeitos de direitos e que, onde tais direitos não existam nem estejam
garantidos, tem-se o direito de lutar por eles e exigi-los. É esse o cerne da democracia.
Quando a democracia foi inventada pelos atenienses, criou-se a tradição democrática como
instituição de três direitos fundamentais que definiam o cidadão: a igualdade, liberdade e
participação no poder. Examinemos o significado desses três direitos na Grécia antiga:

A – Igualdade: significava, perante as leis e os costumes da polis, que todos os cidadãos possuem
os mesmos direitos e devem ser tratados da mesma maneira. Marx afirmava que a igualdade só se
tornaria um direito concreto quando não houvesse escravos, servos e assalariados explorados, mas
fosse dado a cada um segundo suas necessidades e segundo seu trabalho.

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B – Liberdade: significava que todo cidadão tem o direito de expor em público seus interesses e
opiniões, vê-los debatidos pelos demais e aprovados ou rejeitados pela maioria, devendo acatar a
decisão tomada publicamente. Após a Revolução Francesa de 1789, o direito à liberdade ampliou-se.
Além da liberdade de pensamento e de expressão, passou a significar o direito à independência para
escolher o ofício, o local de moradia, o tipo de educação, o cônjuge, em suma, a recusa das hierarquias
fixas, supostamente divinas ou naturais. Com os movimentos socialistas, a luta social por liberdade
ampliou ainda mais esse direito, acrescentando-lhe o direito de lugar contra todas as formas de tirania,
censura e tortura e contra todas as formas de exploração e dominação social, econômica, cultural e
política.
C – Participação no poder: significava que todos os cidadãos têm o direito de participar das
discussões e deliberações públicas da polis, votando ou revogando decisões.

A democracia ateniense, como se vê, era direta. A democracia moderna, porém, é


representativa. O direito à participação tornou-se, portanto, indireto, por meio da escolha de
representantes. Ao contrário dos outros dois direitos, este último parece ter sofrido diminuição em
lugar da ampliação.
A república liberal (a partir do século XVIII) tendeu a limitar os direitos políticos aos
proprietários privados dos meios de produção e aos profissionais liberais da classe média. Todavia, as
lutas socialistas e populares forçaram a ampliação dos direitos políticos com a criação do sufrágio
universal (todos são cidadãos eleitores: homens, mulheres, jovens, analfabetos, etc).
As lutas por igualdade e liberdade ampliaram os direitos políticos (civis) e a partir destes,
criaram os direitos sociais – trabalho, moradia, saúde, transporte, educação, lazer, cultura, os direitos
das chamadas “minorias” – mulheres, idosos, negros, homossexuais, crianças, índios e o direito à
segurança planetária – as lutas ecológicas e contra as armas nucleares.
As lutas populares por participação política ampliaram os direitos civis: direito de opor-se à
tirania, à censura, à tortura, direito de fiscalizar o Estado por meio de organizações da sociedade
(associações, sindicatos, partidos políticos).
A sociedade democrática institui direitos pela abertura do campo social à criação de direitos
reais, à ampliação de direitos existentes e à criação de novos direitos. Com isso, dois traços
distinguem a democracia de todas as outras formas sociais e políticas:

A – a democracia é a única sociedade e o único regime político que considera o conflito legítimo. Não
só trabalha politicamente os conflitos de necessidades e de interesses (disputas entre os partidos
políticos e eleições de governantes pertencentes a partidos opostos), mas procura instituí-los como
direitos. Na sociedade democrática, indivíduos e grupos organizam-se em associações, movimentos
sociais e populares, classes se organizam em sindicatos e partidos, criando um contrapoder social,
que direta ou indiretamente, limita o poder do Estado.
B – a democracia é a sociedade verdadeiramente histórica, isto é, aberta ao tempo, ao possível, às
transformações e ao novo. Pela criação de novos direitos e pela existência dos contrapoderes
sociais, a sociedade democrática não está fixada numa forma para sempre determinada, ou seja, não
cessa de trabalhar suas divisões e diferenças internas, de orientar-se pela possibilidade objetiva (a
liberdade) e de alterar-se pela própria práxis.

Em síntese, ainda, segundo a filósofa Marilena Chauí, as determinações constitutivas do


conceito de democracia são as ideias de conflito, abertura e rotatividade.

Conflito – se a democracia respeita o pensamento divergente, isto é, os múltiplos discursos, ela


também admite uma heterogeneidade essencial. Então, o conflito é inevitável. Divergir é inerente à
sociedade pluralista.
Abertura – significa que na democracia a informação circula livremente e a cultura não é privilégio
de alguns. A circulação não se reduz ao mero consumo de informação e cultura, mas pressupõe
também a produção de cultura, que a enriquece.
Rotatividade – significa tornar o poder na democracia realmente o lugar vazio por excelência, sem
privilegiar grupo ou classe. É permitir que todos os setores da sociedade sejam legitimamente
representados.

79
Os obstáculos à democracia

Liberdade, igualdade e participação conduziram à célebre formulação da política democrática


como “governo do povo, pelo povo e para o povo”. Entretanto, o povo da sociedade democrática
está dividido em classes sociais – sejam os ricos e os pobres (Aristóteles), os grandes e o povo
(Maquiavel), sejam as classes sociais antagônicas (Marx).
No capitalismo, são imensos os obstáculos à democracia, pois o conflito dos interesses é
posto pela exploração de uma classe social por outra, mesmo que a ideologia afirme que todos são
livres e iguais.

Dificuldades para a democracia no Brasil

Periodicamente, os brasileiros afirmam que vivemos numa democracia, depois de concluída


uma fase de autoritarismo. Por democracia entendem a existência de eleições, de partidos políticos
e da divisão republicana dos três poderes, além da liberdade de pensamento e de expressão. Por
autoritarismo entendem um regime de governo em que o Estado é ocupado por meio de um golpe,
não há eleições nem partidos políticos, o Poder Executivo domina o Legislativo e o Judiciário, há
censura do pensamento e da expressão. Em suma, democracia e autoritarismo são vistos como algo
que se realiza na esfera do Estado e este é identificado como o modo de governo.
Essa visão é cega para algo profundo na sociedade brasileira: o autoritarismo social. Nossa
sociedade é autoritária porque é hierárquica, pois divide as pessoas, em qualquer circunstância, em
inferiores, que devem obedecer e superiores, que devem mandar. Não há percepção nem prática da
igualdade como um direito. Nossa sociedade também é autoritária porque é violenta: nela vigoram
racismo, machismo, discriminação religiosa e de classe social, desigualdades econômicas que estão
entre as maiores do mundo, exclusões culturais e políticas. Não há percepção nem prática do direito à
liberdade.
O autoritarismo social e as desigualdades econômicas fazem com que a sociedade brasileira
esteja polarizada entre as carências das camadas populares e os interesses das classes abastadas e
dominantes, sem conseguir ultrapassar carências e interesses e alcançar a esfera dos direitos. Os
interesses, porque não se transformam em direitos, tornam-se privilégios de alguns.
Nossa sociedade, polarizada entre a carência e o privilégio, não consegue ser democrática,
pois não encontra meios para isso. Esse conjunto de determinações sociais manifesta-se na esfera
política. Em lugar de democracia, temos instituições vindas dela, mas que operam de modo autoritário.
As leis, porque exprimem ou os privilégios dos poderosos ou a vontade pessoal dos
governantes, não são vistas como expressão de direitos nem de vontades e decisões públicas coletivas.

Entretanto, para Maria Lúcia Arruda Aranha: “A ampliação da democracia ocorre


paralelamente à multiplicação dos órgãos representativos da sociedade civil, de modo a ativar as
formas de participação dos cidadãos em geral. É isto que pode tornar a democracia uma policracia, ou
seja, o regime que não tem apenas um centro, mas que o poder se encontra dividido entre os inúmeros
setores da sociedade”.

BOTTOMORE, Tom. Dicionário do Pensamento Social do século XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 1996.

Cidadania

Ideias de cidadania floresceram em diversos períodos históricos - na Grécia e na Roma


antigas, nos burgos da Europa medieval, nas cidades do Renascimento. Mas a cidadania moderna,
embora influenciada por essas concepções antigas, possui um caráter próprio. Um dos sentidos mais
atuais da cidadania nasce com o Estado moderno, quando a burguesia contrapõe ao antigo sistema de
privilégios feudais. O liberalismo institui a igualdade jurídica (todos os cidadãos possuem direitos e
deveres iguais); por outro lado, as classes sociais constituem um sistema marcado pela desigualdade.

80
Assim, todos os cidadãos são considerados iguais do ponto de vista jurídico e formal. Mas, na
realidade, a nação apresenta-se dividida em classes.
Primeiro, a cidadania formal é hoje quase universalmente definida como a condição de
membro de um estado-nação. Em segundo lugar, porém, a cidadania substantiva, definida como a
posse de um corpo de direitos civis, políticos e especialmente sociais, tem-se tornado cada vez mais
importante.

Em ambos esses aspectos, houve um processo de desenvolvimento durante o século XX e


principalmente a partir da Segunda Guerra Mundial (1945), que coloca algumas questões novas. A
cidadania formal tornou-se uma questão mais importante, em consequência da maciça imigração, no
pós-guerra, para a Europa Ocidental e a América do Norte, o que resultou numa nova política de
cidadania. Ao mesmo tempo houve um crescimento da “dupla cidadania”, apesar dos esforços
internacionais para reduzi-la.

O desenvolvimento da cidadania substantiva foi analisado em um estudo clássico de T.H.


Marshall (sociólogo inglês), em 1949 e republicado em 1992, que descrevia um desenrolar da
extensão de direitos civis, políticos e sociais para toda a população de uma nação. Na Europa
Ocidental depois de 1945, foi o aumento dos direitos sociais – a criação de um Estado do Bem Estar
Social (Welfare State) que produziu as maiores mudanças, estabelecendo princípios mais coletivistas e
igualitárias da economia capitalista.

Para T.H. Marshall deve se distinguir três dimensões na construção histórica da cidadania: a
civil, a política e a social. (ele tem uma visão otimista), baseando-se na história da Grã-Bretanha
(texto clássico Cidadania e classe social, de 1949). É indiscutível que essa ordem cronológica, do
modo “clássico” não se reproduziu do mesmo modo em um grande número de países, entre os quais o
Brasil. (tal definição de Marshall é considerada vaga e obscura). Cidadania, para Marshall é a
participação integral do indivíduo na comunidade política.

Século XVIII – criaram condições para o desenvolvimento da CIDADANIA CIVIL: direito à


liberdade de expressão, de pensamento e de religião. Ou seja, direitos necessários à liberdade
individual: liberdade de ir e vir, liberdade de expressão, pensamento e fé, o direito à propriedade.

Século XIX – permitiu o desenvolvimento da CIDADANIA POLÍTICA: direitos políticos, o direito


à participação do exercício do poder, como membros de um organismo investido de autoridade
político ou como eleitores de tais membros.. A cidadania se dirige a todos, inclui as massas, mas para
discipliná-las e domesticá-las. Os direitos sociais não são conquistados, são outorgados pelo Estado.

Século XX – condições para a construção da CIDADANIA SOCIAL: extensão da cidadania para a


esfera social mediante o desenvolvimento dos direitos sociais e econômicos (o direito à educação, ao
bem-estar, à saúde, ao trabalho, etc).
Novas acepções ao conceito de cidadania. O projeto burguês enfatizará a questão dos direitos dos
indivíduos, menos como direitos e mais como deveres. Deveres para com o Estado e este passa a
regulamentar os direitos dos cidadãos e a restringi-los ou cassa-los, em determinadas conjunturas
históricas. A questão da cidadania deixa de ser conquista da sociedade civil e passa a ser competência
do Estado.
Os direitos civis e políticos são chamados direitos de primeira geração; os sociais, de
segunda geração.
Na segunda metade do século XX surgiram os direitos de terceira geração, que tem como
titular não o indivíduo, mas os grupos humanos, como o povo, a nação, coletividades étnicas,
minorias discriminadas. Os direitos humanos, o direito das mulheres, o direito ao desenvolvimento,
direito à paz, direito ao meio ambiente. Entre esses direitos da terceira geração estariam também os
“novos movimentos sociais”, como direitos relativos a interesses difusos, direito do consumidor,
direito à ecologia, direito à qualidade de vida, direito da terceira idade, direito das crianças, etc.

81
No Brasil, primeiro vieram os direitos sociais (com a Consolidação das Leis Trabalhistas -
CLT, de 1943 – em plena ditadura de Getúlio Vargas). Depois, os civis e os políticos. Nesse processo
sócio histórico, ficamos sem a clara noção de que ter direitos políticos interfere diretamente na
obtenção de direitos sociais. Foi dessa forma construída nossa cidadania, com pouca relevância
dispensada à nossa participação política. E com a atuação dos representantes cada vez menos
transparentes e distantes da população. As manifestações de junho de 2013 são um claro indício
dessa constatação. O fato é que estaríamos diante de um fenômeno geracional: os milhões de jovens
que foram às ruas nasceram sob a égide da Constituição de 1988 e cresceram experimentando uma
democracia até então inédita no país. O maior acesso à universidade por esses jovens seria outro fator
a colaborar para a consolidação da democracia e a servir de base para repensar a cidadania brasileira.
Na prática, os jovens também já perceberam o seu poder: o resultado das manifestações foi
um recuo das autoridades para reformular a maneira com que fazem política, além de atender à
demanda mais premente, a do não reajuste das tarifas do transporte público.

MANIFESTAÇÕES DE JUNHO DE 2013 NO BRASIL

Causas:
• Aumentos nas tarifas de transporte público;
• Transporte público insuficiente e de má qualidade;
• Repressão policial violenta aos protestos;
• Serviços públicos (em geral) de má qualidade;
• Gastos públicos exorbitantes em grandes eventos esportivos internacionais;
• Taxas elevadas de corrupção política e impunidade.

Objetivos

• Democratização da mídia;
• Diminuir o valor ou eliminar a cobrança das tarifas de transporte público;
• Sistemas de transporte público de boa qualidade e que atendam toda a população;
• Melhor gestão dos gastos governamentais e serviços públicos eficientes;
• Impedir a aprovação de projetos como a "cura gay" e as PECs 37 no Congresso Nacional.

22/06/2013 - A TV organiza a massa


A mudança da grade de programação, com a troca da novela pelas manifestações “ao vivo”, na
última quinta (20), é ainda mais emblemática. Sinalizou para o telespectador que algo de muito grave
estava ocorrendo e ele deveria ficar “ligado na Globo” para “entender” a situação.
Laurindo Lalo Leal Filho

A TV, chamada de “Príncipe Eletrônico” pelo sociólogo Octavio Ianni, está conduzindo as massas
pelas ruas brasileiras. À internet coube o papel de convocar, à TV de conduzir.

Ao perceber que o movimento não tinha direção e poderia assumir bandeiras progressistas, as
emissoras de TV, com a Globo à frente, passaram a conduzi-lo.

Nos primeiros dias, para as TVs, eram vândalos que estavam nas ruas e precisavam ser reprimidos.
Reproduziam em linguagem popular o que pediam os editoriais da mídia impressa.

Não esperavam, no entanto, que o movimento ganhasse as proporções que ganhou. Longos anos de
neoliberalismo exaltando o consumo e o individualismo tiraram de algumas gerações o prazer de fazer
política voltada para a solidariedade e a transformação social.

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Os partidos que poderiam ser eficientes canais de participação passaram a se preocupar mais com o
jogo do poder do que com debate e o esclarecimento político, tão necessário na formação dos jovens.

É o que estão fazendo com todo empenho. A exaltação ao povo que “acordou” foi só o começo. O JN,
na sexta-feira (14), censurou uma entrevista dada no Rio por uma integrante do Movimento do Passe
Livre, Mayara Vivian.

Enquanto ela falava dos ônibus, tudo bem. Mas a parte em que ela defendia a reforma agrária, a
reforma política e o fim do latifúndio no Brasil foi cortada pela censura global. Esses temas não fazem
parte das bandeiras da família Marinho.

Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP. É autor,
entre outros, de “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão” (Summus
Editorial). Twitter: @lalolealfilho.

05/07/2013 - As ruas e o vaivém da mídia


Entusiastas das manifestações “pacíficas”, as emissoras, no entanto, não se cansavam de mostrar
atos de vandalismo, sem nunca tentar descobrir de onde eles partiam e com que intenções. O
importante era o espetáculo das chamas e da destruição, capaz de conquistar alguns pontos a mais de
audiência.
Por Laurindo Leal Filho

Embora apanhada de surpresa, como a maioria dos brasileiros, a mídia acabou tendo papel
central no desenrolar das manifestações de rua ocorridas em todo o país.
Nos primeiros dois dias o tom era de repúdio total. Editoriais dos grandes jornais pediam uma
ação enérgica das autoridades para por fim aos protestos. No rádio e na TV os jovens que saíam às
ruas, sem atos de violência, eram chamados de vândalos.
A Polícia Militar de São Paulo atendeu aos pedidos da mídia e desfechou uma série de ações
cruéis, combinando truculência com despreparo. Atingiu a todos que estavam na rua, inclusive
jornalistas trabalhando.
A resposta foi dada também nas ruas de São Paulo, com passeatas que não eram vistas desde a
queda do presidente Collor. De uma bandeira restrita ao preço das passagens dos transportes públicos,
as manifestações ganharam corpo com os milhares de indignados que saíram às ruas para protestar
contra a violência policial.
A partir daí a mídia mudou o tom. De vândalos os manifestantes passaram a ser protagonistas
de um “belo espetáculo democrático”. Repetiu-se em 2013, no caso da Rede Globo, o procedimento
adotado por essa empresa em 1984, quando escondeu quanto pôde o movimento pelas Diretas Já.
Como agora, só entrou no clima quando não havia mais jeito. Mais uma vez tentou instrumentalizar o
movimento colocou suas bandeiras nas mãos dos participantes, estimulando, por exemplo, os gritos
contra a aprovação da PEC-37 (um enigma para a maioria da população) e um difuso combate à
corrupção. Buscou nacionalizar as pautas numa tentativa bem-sucedida de fustigar o poder central.
Claro que essa nacionalização foi seletiva, como ficou claro com os cortes impostos pelo Jornal
Nacional à entrevista de Mayara Vivian, uma das integrantes do Movimento Passe Livre, gravada no
dia 14 de junho. A parte do depoimento em que ela dizia defender a reforma agrária, a reforma política
e o fim do latifúndio no Brasil não foi ao ar.
Avessa aos movimentos de rua, de repente a Rede Globo surpreendeu dando a eles um
destaque inédito. Na quinta-feira, 20 de junho, mudou a grade de programação trocando novelas pela
cobertura “ao vivo” dos acontecimentos. Para o telespectador acostumado à rotina invariável dos
programas, a alteração soou como um alerta: algo muito grave estava acontecendo.
A emissora passou então a oferecer aso telespectador a sua narrativa, tratando as passeatas
como mais um espetáculo televisivo, não muito diferente do que fazem seus telejornais todos os dias.
Não por acaso, pouco depois das novelas serem substituídas pelas ruas, lá pelas 20H30, milhares de
pessoas continuavam a sair das estações do metrô na Paulista, engrossando as manifestações e os coros
contra os partidos, tudo “pacificamente”, como não cansavam de repetir os apresentadores da TV.

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Na manhã seguinte, programas de entretenimento entravam na onda “cívica”, a ponto de a
apresentadora Ana Maria Braga ensinar, como se fosse mais uma receita de bolo, como as mães
deveriam orientar os filhos na confecção de cartazes a serem exibidos nas manifestações seguintes.
Havia nas coberturas também uma certa esquizofrenia. Entusiastas das manifestações
“pacíficas”, as emissoras, no entanto, não se cansavam de mostrar atos de vandalismo, sem nunca
tentar descobrir de onde eles partiam e com que intenções. O importante era o espetáculo das chamas e
da destruição, capaz de conquistar alguns pontos a mais de audiência.
Aí está a chave explicativa de tanta excitação das emissoras. A Globo só quebrou sua grade de
programação depois de perceber que, desde os primeiros atos de rua, a Record já havia feito isso,
conquistando mais alguns pontos no Ibope.
A emissora da Igreja Universal, por sua vez, reagiu na voz de Marcelo Rezende, um narrador
que beira o desequilíbrio emocional, ou pelo menos interpreta um personagem desse tipo. Histriônico,
como sempre, ele iniciou uma campanha cívica tentando incluir como bandeira do movimento o
repúdio às copas futebolísticas, cujos direitos de transmissão pertencem à Globo. As manifestações de
rua se prestavam a mais um papel espúrio: o business, puro e simples.
Temerosa de uma inflexão à esquerda do governo, no final de junho, a mídia deu uma nova
guinada. O acolhimento aos manifestantes e as propostas políticas apresentadas pela Presidência da
República fizeram piscar o sinal de alerta do conservadorismo, vocalizado especialmente pelos
jornalões.

22/06/2013 - Os rumos da democracia, por André Singer na Folha

O levante urbano desencadeado pelo Movimento Passe Livre (MPL) obteve uma vitória extraordinária
ao conquistar a redução do preço das passagens do transporte coletivo em São Paulo e em tantas outras
cidades. Mas, conquistada a reivindicação, é preciso saber para que lado vão os personagens que
tomaram as ruas depois de 20 anos de ausência das massas na cena brasileira.
Duas características peculiares aos protestos recentes criaram uma indeterminação. A primeira é o seu
estilo horizontal de organização, cujas raízes profundas estão na tremenda crise que assola a
democracia contemporânea. Indignadas com o descolamento entre o mundo da política e o inferno da
vida cotidiana, as pessoas recusam as organizações tradicionais –sejam partidos, sejam sindicatos–, ou
o que se pareça com elas.
Convém esclarecer, antes que haja qualquer mal-entendido, que a democracia não pode funcionar sem
partidos e que os sindicatos, apesar de todos os problemas, continuam a ser o melhor instrumento que
o trabalhador tem para defender seus interesses. Para completar, em minha opinião, a democracia – em
que pese os inúmeros e graves percalços pelos quais passa – é a maior conquista da humanidade no
campo da política. Isto posto, é preciso canalizar a revolta contra as instituições para uma participação
que as revitalize, e não que as destrua.
O saudável ímpeto antivertical tem como contrapartida a falta de direção unificada. Ao não se
delimitar com clareza o que cabia e o que não cabia nas manifestações, elas começaram a agregar um
pouco de tudo, até mesmo ideologias opostas, como ficou claro na briga entre direita e esquerda que
marcou a comemoração da vitória na av. Paulista anteontem.
O segundo elemento singular é que nunca na história recente do país – e, talvez, nem na antiga –
camadas populares tenham se levantado em tal proporção. Se o estopim foi aceso pela classe média, o
novo proletariado, forjado na década do lulismo, entrou nas avenidas, dando um colorido inédito às
marchas reivindicatórias. Uma placa tectônica do país se mexeu, surpreendendo a todos os atores
tradicionais.

20/06/2013 - Mensagens das ruas: quem, quais, como? Francisco Fonseca

Quais mensagens os movimentos – não é possível jamais utilizar o singular – estão nos enviando,
sobretudo aos responsáveis pela tomada de decisão política? Aparentemente são várias e igualmente
difusas. Tentarei listar as que considero as mais importantes:

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1) A derrocada do sistema político brasileiro: multipartidarismo pouco representativo; império da
“governabilidade”, cujas coligações e coalizões contraditórias não apenas impedem políticas públicas
coerentes, como impedem reformas sociais profundas – cujos efeitos é o que estamos observando;
privatização da vida política, cuja marca é o financiamento de campanhas políticas por interessados na
gestão pública: indústria imobiliária, concessionárias de ônibus e de inúmeros serviços públicos etc

2) O “mal estar social” brasileiro, que permanece mesmo com os inegáveis avanços sociais
conquistados na última década. Sobretudo as grandes cidades, antes metrópoles, depois
megalópoles, agora macro metrópoles, sintetizam toda forma de mazelas: mesmo que com exceções, a
educação ainda é precária; a saúde ainda é pouco efetiva (o exemplo das filas de espera é
notável); e o transporte coletivo não prioritário aos governos, caro, lento e de baixa qualidade.
Neste caso, o cálculo dos milhões de cidadãos, notadamente os pobres, quanto ao tempo de ida ao
trabalho e volta à residência é incrivelmente grande, contribuindo para a propagação de doenças e a
diminuição da produtividade do trabalhador, entre tantas outras consequências.

3) A necessidade do avanço e institucionalização do trinômio transparência, participação


popular e controle social. O Brasil é um país em que o Estado, as entidades privadas e as não
governamentais carecem, em larga medida – sempre com exceções – de publicização. Ao lado disso, a
participação popular é confinada às instituições tradicionais em crise (partidos, sindicados,
movimentos sociais corporativos e não governamentais tópicos), aos conselhos gestores (em larga
medida cooptados pelo poder público vigente), a audiências públicas (que são apenas consultivas) e
outras poucas formas. Há um manancial de possibilidades participativas, e demandas reprimidas,
como escancara os atuais movimentos. Quanto ao controle social, trata-se de conceito absolutamente
pouco efetivo e que pode avançar por inúmeras formas.

4) A necessidade de os tomadores de decisão se compromissarem com a inversão de prioridades:


do automóvel individual ao transporte coletivo; das cidades do e para o Capital + classes médias para a
cidade do e para os cidadãos,

5) A obsolescência da polícia como agente de repressão, notadamente aos pobres. Em outras


palavras, há também uma mensagem – após a repressão desmesurada e generalizada na semana
passada – de que à polícia cabe garantir os direitos democráticos, e não proteger prioritariamente o
patrimônio, especialmente o privado.

6) A saturação da grande mídia e a incrível timidez dos governos petistas em enfrentá-la. O


oportunismo dos meios de comunicação em “mudar de posição” na tentativa de involucrar os
movimentos sociais, colocando-se “ao lado deles”, denota uma vez mais seu caráter de Partido da
Imprensa Golpista. Toda a programação vinculada ao entretenimento de baixa qualidade e
descompromisso com a cidadania, e, agora, a cobertura das manifestações cuja referência é o
“vandalismo”, em oposição aos “ordeiros”, torna os meios de comunicação atores centrais na crise de
representação, que necessitam, portanto e urgentemente, ser reformados à luz do que vem ocorrendo
na Argentina e outros países e, anteriormente, o que ocorreu na França no pós-guerra.

Tudo isso transparece, por formas diversas, e deve ser analisado em profundidade.

Por fim, “como” tudo isso é mobilizado e emitido pelos movimentos sociais? Ao que tudo indica,
pelo boca-a-boca, pelos “torpedos” dos celulares, pelas redes sociais e sobretudo pelo incrível
sentimento e percepção de que não é mais possível aguentar a vida que se leva. Nesse sentido,
“bastou” um movimento não partidário, com causa “universal” (não corporativa), sem lideranças

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claras e não verticalizado, para catalisar – enfatize-se – esse conjunto difuso e heterogêneo de
insatisfações.

É claro que ninguém esperava uma tal repercussão, nem o próprio MPL, mas esse próprio
espanto é sinal claro de que o sistema político tradicional está em crise, e que a mídia – que tenta
permanente e ilegitimamente ocupar o espaço da representação política – igualmente está em
crise e precisa ser reformada radicalmente.

A incapacidade do sistema político em auscultar a pulsão da sociedade profunda, sobretudo num


sistema político cuja moldura permite aventureiros de toda sorte, é grave.

Aos democratas cabem tarefas urgentes de resgate da democracia por meio da ampliação radical
da transparência, da participação popular (“ouvir a ruas”) e do controle social, tendo em vista a
elaboração e implementação de políticas públicas transformadoras.

“Os protestos de junho de 2013 parecem ampliar os horizontes da política e da democracia. A


reivindicação de que “o cidadão, e não o poder econômico, esteja em primeiro lugar” recoloca o
conflito redistributivo no centro do debate nacional. O enfrentamento desse ponto reforça a visão de
que o desenvolvimento requer Estado forte e democrático”. (Eduardo Fagnani)

28/06/2013 - Protestos na rua: mais Estado e menos mercado? Vicente Faleiros


Há um discurso dominante nos meios políticos e econômicos de que é preciso reduzir o Estado ou até
mesmo substituí-lo pelo mercado, na ótica neoliberal. No entanto, os protestos que se desencadearam
nas ruas em mais de 100 cidades brasileiras no mês de junho de 2013 pedem por mais presença e ação
do Estado, principalmente nas esferas da educação, da saúde, da mobilidade urbana e do combate à
corrupção. Os manifestantes que ocuparam ruas e praças reivindicam direitos assegurados, ou seja,
cidadania na prática, não no papel.

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofando – Introdução à Filosofia. 3. ed. São Paulo: Moderna,
2003.
ÉTICA

01 – Os valores

Todo mundo já ouviu falar no “jeitinho brasileiro”: poder, não pode, mas sempre se dá um jeito...
Certos “jeitinhos” parecem inocentes ou engraçados, e às vezes até são vistos como sinal de
vivacidade e esperteza, por exemplo, quando se fura a fila do ônibus ou do cinema. Ou, então, para
pegar o filho na escola, que mal há em parar em fila dupla?

Os valores podem ser estéticos, afetivos, econômicos, religiosos, éticos, etc. Mas o que são
valores? Diante dos seres somos mobilizados pela nossa afetividade, somos afetados de alguma forma
por eles, porque nos atraem ou provocam nossa repulsa.

Enfim, os valores resultam das relações que os seres humanos estabelecem entre si e com o
mundo em que vivem. Por isso os valores são em parte herdados da cultura e nossa primeira
compreensão da realidade se funda no solo dos valores da comunidade a que pertencemos. Esse fato
talvez nos faça concluir que tais experiências variam conforme o povo e a época.

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Os valores são, num primeiro momento, herdados por nós. Ao nascermos, o mundo cultural
é um sistema de significados já estabelecidos, de tal modo que aprendemos desde cedo como nos
comportar à mesa, na rua, diante de estranhos, como, quando, e quanto falar em determinadas
circunstâncias; como andar, correr, brincar; como cobrir o corpo e quando desnudá-lo; qual o padrão
de beleza; que direitos e deveres temos. Conforme atendemos ou transgredimos os padrões, os
comportamentos são avaliados como bons ou maus.

Para o sociólogo Durkheim, a consciência coletiva “é o conjunto das crenças e dos


sentimentos comuns à média dos membros de uma mesma sociedade”. A consciência coletiva não
se baseia na consciência dos indivíduos singulares ou de grupos específicos, mas está espalhada por
toda a sociedade. Assim, a consciência coletiva não é o que um indivíduo pensa, mas é o que a
“sociedade pensa”.

É a consciência coletiva que irá impor as regras sociais de uma sociedade; isto porque ao
nascer, o indivíduo já encontra a sociedade pronta e constituída em suas leis. Assim, o direito, os
costumes, as crenças religiosas não são criados pelos indivíduos, mas pelas gerações passadas,
sendo transmitidas às novas através da Educação. Ex: proibição de andar nus. Em síntese: não matar,
não roubar, não andar nu são normas comuns a todos os indivíduos que, por serem comuns a todos,
se convertem em leis morais que passam a determinar a conduta das pessoas na sociedade. O
indivíduo não faz o que deseja e sim o que permite a moral social de época e lugar dados.

02 – A moral

Os conceitos de moral e ética, ainda que diferentes, são com frequência usados como
sinônimos. Aliás, a etimologia dos termos é semelhante: moral vem do latim mos, moris, que
significa “costume”, “maneira de se comportar regulada pelo uso”, e de moralis, morale, adjetivo
referente ao que é “relativo aos costumes”. Ética vem do grego ethos, que tem o mesmo significado
de “costume”.

No entanto, podemos estabelecer algumas diferenças entre esses dois conceitos. A moral é o
conjunto de regras de conduta admitidas em determinada época ou por um grupo de pessoas.

A ética ou filosofia moral é a parte da filosofia que se ocupa com a reflexão a respeito das
noções e princípios que fundamentam a vida moral. Por exemplo, são questões éticas indagar a
respeito do que é o bem e o mal, o que são valores, qual a natureza do dever.

03 – Caráter histórico e social da moral

Neste texto, foi seguida de maneira livre a exposição de Adolfo Sánchez Vasquez, no seu livro
Ética. De início, podemos definir a moral como o conjunto de regras que determinam o
comportamento dos indivíduos em um grupo social.
A fim de garantir a sobrevivência, o ser humano age sobre a natureza transformando-a em
cultura. Para que a ação coletiva seja possível, são estabelecidas regras que organizam as relações
entre os indivíduos. É de tal importância a existência do mundo moral que se torna impossível
imaginar um povo sem qualquer conjunto de regras. Uma das características humanas fundamentais

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é a de sermos capazes de produzir interdições (proibições). Segundo o antropólogo francês Lévi-
Strauss, a passagem da natureza à cultura, é produzida pela instauração da lei, por meio da proibição
do incesto. Assim, se estabelecem as relações de parentesco e de aliança sobre as quais é construído o
mundo humano, que é simbólico.
Exterior e anterior ao indivíduo, há, portanto, a moral constituída, que orienta seu
comportamento por meio de normas. Em função da adequação ou não à norma estabelecida, o ato será
considerado moral ou imoral.
O comportamento moral varia de acordo com o tempo e o lugar, conforme as exigências das
condições nas quais as pessoas se organizam ao estabelecerem as formas de relacionamento e as
práticas de trabalho. À medida que essas relações se alteram, exigem lentas modificações nas normas
de comportamento coletivo. Por exemplo, a Idade Média se caracteriza pelo regime feudal, baseado
na hierarquia de suseranos, vassalos e servos. O trabalho é garantido pelos servos, possibilitando aos
nobres uma vida dedicada ao ócio e à guerra. A moral cavalheiresca que daí deriva baseia-se no
pressuposto da superioridade da nobreza, exaltando a virtude da lealdade e da fidelidade – suporte do
sistema de suserania – bem como a coragem do guerreiro. Em contraposição, o trabalho é
desvalorizado e restrito aos servos. Essa situação tende a ser alterada com o aparecimento da
burguesia, a qual formada pelos antigos servos libertos valoriza-se o trabalho e critica a ociosidade.

04 – Caráter pessoal da moral

A ampliação do grau de consciência e de liberdade, e, portanto, de responsabilidade pessoal no


comportamento moral, introduz um elemento contraditório que irá, o tempo todo, angustiar a pessoal:
a moral, ao mesmo tempo que é o conjunto de regras que determina como deve ser o comportamento
dos indivíduos do grupo, é também a livre e consciente aceitação das normas. Isso significa que o ato
só é propriamente moral se passar pelo crivo da aceitação pessoal da norma.
Portanto, o ser humano, ao mesmo tempo que é herdeiro, é criador da cultura, e a vida moral
irá se configurar quando, diante da moral constituída, ele for capaz de propor a moral constituinte,
aquela que se realiza a cada experiência vivida.
Nessa perspectiva, a vida moral se funda em uma ambiguidade fundamental, justamente a que
determina o seu caráter histórico. Toda moral está situada no tempo e reflete o mundo em que nossa
liberdade se achada situada. Diante do passado que o condiciona nossos atos, podemos nos colocar a
distância para reassumi-lo ou recusá-lo.

05 – Conclusão

O delicado tecido da moral diz respeito ao indivíduo no mais fundo do seu “foro íntimo”, ao
mesmo tempo que o vincula às pessoas com as quais convive.
Embora a ética não se confunda com a política, elas se relacionam necessariamente, cada uma
no seu campo específico. Por um lado, a política, ao estender a justiça social a todos, permite que os
indivíduos tenham condições de melhor formação moral. Por outro lado, a formação ética é importante
para o exercício da cidadania, quando os interesses pessoais não se sobrepõem aos coletivos.

CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2005 p. 305-310


Os valores ou fins éticos

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 Do ponto de vista dos valores, a ética exprime a maneira como uma cultura e uma sociedade
definem para si mesmas o que julgam ser o mal e o vício, a violência e o crime e, como
contrapartida, o que consideram ser o bem e a virtude. Todas as culturas consideram virtude
algo que é o melhor como sentimento, como conduta e como ação; a virtude é a excelência, a
realização perfeita de um modo de ser, sentir e agir.

Os meios morais
 Além do sujeito ou pessoa moral e dos valores ou fins morais, o campo ético é ainda
constituído por um outro elemento: os meios para que o sujeito realize os fins.
 Costuma-se dizer que os “fins justificam os meios”, de modo que, para alcançar um fim
legítimo, todos os meios disponíveis são válidos. No caso da ética, porém, essa afirmação não
é aceitável.
 No caso da ética, portanto, nem todos os meios são justificáveis, mas apenas aqueles que estão
de acordo com os fins da própria ação. Em outras palavras, fins éticos exigem meios éticos.
 A relação entre meios e fins pressupõe a ideia de discernimento, isto é, que saibamos
distinguir entre meios morais e imorais, tais como nossa cultura ou nossa sociedade os
definem. Isso significa também que esse discernimento não nasce conosco, mas precisa ser
adquirido por nós e, portanto, a pessoa moral não existe como um fato dado, mas é criada pela
vida intersubjetiva e social, precisando ser educada para os valores morais e para as virtudes
de sua sociedade.

Ética ou filosofia moral


 Toda cultura e cada sociedade institui uma moral, isto é, valores concernentes ao bem e ao
mal, ao permitido e ao proibido e à conduta correta e à incorreta, válidos para todos os seus
membros.
 No entanto, a simples existência da moral não significa a presença explícita de uma ética,
entendida como filosofia moral, isto é, uma reflexão que discuta, problematize e interprete o
significado dos valores morais.
 A filosofia moral ou a disciplina denominada a ética nasce quando se passa a indagar o que
são, de onde vêm e o que valem os costumes.
 Éthos significa na língua grega costume ou caráter. A filosofia moral ou a ética nasce quando,
além das questões sobre os costumes, também se busca compreender o caráter de cada pessoa,
isto é, o senso moral e a consciência moral individuais.

Em síntese:
ÉTICA
 Ciência sobre o comportamento moral dos homens em sociedade. Sua função é explicar,
esclarecer e investigar uma determinada realidade.
 É a ciência que tem como objeto os juízos de valor
 A ética tem conteúdo universal e parte do princípio da igualdade dos seres humanos e de seus
direitos inalienáveis à paz e ao bem-estar
 O cerne da ética universal transcende a todos os sistemas de crenças e valores.

MORAL: “conjunto de normas, aceitas livre e conscientemente, que regulam o comportamento


individual dos homens.” (Vasquez)
 Manifesta-se nas diferentes sociedades. Sua função é regulamentar as relações entre os
indivíduos e entre estes e a comunidade, contribuindo para a ordem social.
 A moral não é natural e resulta da ação do homem enquanto ser histórico e social

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ÉTICA PROFISSIONAL

Muitos autores definem a ética profissional como sendo um conjunto de normas de conduta
que deverão ser postas em prática no exercício de qualquer profissão. Seria a ação "reguladora" da
ética agindo no desempenho das profissões, fazendo com que o profissional respeite seu semelhante
quando no exercício da sua profissão.

A ética profissional estudaria e regularia o relacionamento do profissional com sua


clientela, visando a dignidade humana e a construção do bem-estar no contexto sociocultural onde
exerce sua profissão.

Ela atinge todas as profissões e quando falamos de ética profissional estamos nos referindo ao
caráter normativo e até jurídico que regulamenta determinada profissão a partir de estatutos e
códigos específicos.

Assim temos a ética médica, do advogado, do biólogo, do engenheiro de produção engenheiro


químico, engenheiro civil, contador etc.

Sendo a ética inerente à vida humana, sua importância é bastante evidenciada na vida
profissional, porque cada profissional tem responsabilidades individuais e responsabilidades sociais,
pois envolvem pessoas que dela se beneficiam.

Virtudes profissionais

Não obstante os deveres de um profissional, os quais são obrigatórios, devem ser levadas
em conta as qualidades pessoais que também concorrem para o enriquecimento de sua atuação
profissional, algumas delas facilitando o exercício da profissão.

Muitas destas qualidades poderão ser adquiridas com esforço e boa vontade, aumentando
neste caso o mérito do profissional que, no decorrer de sua atividade profissional, consegue
incorporá-las à sua personalidade, procurando vivenciá-las ao lado dos deveres profissionais.

Existe uma associação entre as virtudes: lealdade, responsabilidade e iniciativa como


fundamentais para a formação de recursos humanos. Segundo Clauss Moller o futuro de uma
carreira depende dessas virtudes.

As virtudes da responsabilidade e da lealdade são completadas por uma terceira, a iniciativa,


capaz de colocá-las em movimento.

Tomar a iniciativa de fazer algo no interesse da organização significa ao mesmo tempo,


demonstrar lealdade pela organização. Em um contexto de empregabilidade, tomar iniciativas não
quer dizer apenas iniciar um projeto no interesse da organização ou da equipe, mas também assumir
responsabilidade por sua complementação e implementação.

Gostaríamos ainda, de acrescentar outras qualidades que consideramos importantes no


exercício de uma profissão. São elas:

Honestidade: A honestidade está relacionada com a confiança que nos é depositada, com a
responsabilidade perante o bem de terceiros e a manutenção de seus direitos. A honestidade é a
primeira virtude no campo profissional. É um princípio que não admite relatividade, tolerância ou
interpretações circunstanciais.

Sigilo: O respeito aos segredos das pessoas, dos negócios, das empresas, deve ser desenvolvido na
formação de futuros profissionais, pois trata-se de algo muito importante. Uma informação sigilosa é
algo que nos é confiado e cuja preservação de silêncio é obrigatória.

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Competência: Competência, sob o ponto de vista funcional, é o exercício do conhecimento de
forma adequada e persistente a um trabalho ou profissão. Devemos buscá-la sempre. O
conhecimento da ciência, da tecnologia, das técnicas e práticas profissionais é pré-requisito para a
prestação de serviços de boa qualidade.

Prudência: Todo trabalho, para ser executado, exige muita segurança. A prudência, fazendo com
que o profissional analise situações complexas e difíceis com mais facilidade e de forma mais
profunda e minuciosa, contribui para a maior segurança, principalmente das decisões a serem tomadas.

Coragem: Todo profissional precisa ter coragem, pois "o homem que evita e teme a tudo, não enfrenta
coisa alguma, torna-se um covarde" (ARISTÓTELES). A coragem nos ajuda a reagir às críticas,
quando injustas, e a nos defender dignamente quando estamos cônscios de nosso dever. Nos ajuda a
não ter medo de defender a verdade e a justiça, principalmente quando estas forem de real interesse
para outrem ou para o bem comum.

Perseverança: Qualidade difícil de ser encontrada, mas necessária, pois todo trabalho está sujeito a
incompreensões, insucessos e fracassos que precisam ser superados, prosseguindo o profissional em
seu trabalho, sem entregar-se a decepções ou mágoas.

Compreensão: Qualidade que ajuda muito um profissional, porque é bem aceito pelos que dele
dependem, em termos de trabalho, facilitando a aproximação e o diálogo, tão importante no
relacionamento profissional. Vê-se que a compreensão precisa ser condicionada, muitas vezes, pela
prudência.

Humildade: O profissional precisa ter humildade suficiente para admitir que não é o dono da verdade
e que o bom senso e a inteligência são propriedade de um grande número de pessoas.

Otimismo: Em face das perspectivas das sociedades modernas, o profissional precisa e deve ser
otimista, para acreditar na capacidade de realização da pessoa humana, no poder do desenvolvimento,
enfrentando o futuro com energia e bom humor.

IDEOLOGIA: UM CONCEITO POLÊMICO

O conceito de ideologia foi criado por Destutt de Tracy, filósofo francês, no final do século
XVIII: a ideologia deveria ser compreendida como “ciência das ideias”, assemelhando-se às ciências
naturais. Partia-se da crença na razão (própria do espírito iluminista do século XVIII).

Marx e Engels afirmam, em A ideologia alemã, que as ideias dominantes de uma época são
as ideias da classe então dominante. Poderíamos deduzir a partir desse pressuposto que, para manter
sua dominação, interessa a essa classe fazer com que os seus próprios valores sejam aceitos como
certos por todas as demais classes sociais. Expliquemos: conforme Marilena Chauí, o discurso
ideológico se caracteriza exatamente por pretender anular a diferença entre o pensar, o dizer e o ser,
criando uma lógica que consiga unificar pensamento, linguagem e realidade, obtendo a identificação
de todos os sujeitos sociais com uma imagem particular universalizada: a imagem da classe
dominante.

O Estado tem como função ocultar os conflitos e antagonismos que exprimem a existência
das contradições próprias de uma sociedade dividida em classes – classes que se encontram em luta
permanente. A ideologia veiculada pelo Estado oferece a essa sociedade uma imagem que anula a
luta, a divisão e a contradição; uma imagem da sociedade como idêntica, homogênea e harmoniosa.
E é por isso que ela se mantém. Além disso, elabora a imagem de um Estado que representa a
sociedade como um todo. Segundo Chauí, a ideia de que o Estado representa toda a sociedade e de
que todos os cidadãos estão representados nele é uma das grandes forças para legitimar a dominação
dos dominantes (isto é, para fazer com que essa dominação seja aceita como norma, legal, justa).

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01 – Ideologia: sentido amplo

Há vários significados para a palavra ideologia. Em sentido amplo, é o conjunto de ideias,


concepções ou opiniões sobre algum ponto sujeito a discussão. Quando perguntamos qual é a
ideologia de determinado pensador, estamos nos referindo à doutrina, ao corpo sistemático de
ideias e ao seu posicionamento interpretativo diante de certos fatos.

Ainda podemos considerar a ideologia como teoria, no sentido de organização sistemática dos
conhecimentos que antecedem a ação efetiva, tal como nos referimos à ideologia de uma escola, que
orienta a prática pedagógica; à ideologia religiosa, que dá regras de conduta aos fiéis; à ideologia de
um partido político, que fornece diretrizes de ação a seus filiados.

02 – Ideologia: sentido restrito

O conceito de ideologia segundo a concepção marxista adquire um sentido negativo, como


instrumento de dominação. Isso significa que a ideologia tem influência marcante nos jogos de poder e
na manutenção dos privilégios que plasmam a maneira de pensar e de agir dos indivíduos na
sociedade.

Vejamos agora a definição dada pela professora e filósofa Marilena Chauí: “a ideologia é
um conjunto lógico, sistemático e coerente de representações (ideias e valores) e de normas ou regras
(de conduta) que indicam e prescrevem aos membros da sociedade o que devem pensar e como devem
pensar o que devem valorizar e como devem valorizar o que devem sentir e como devem sentir o que
devem fazer e como devem fazer.

Observamos então que a ideologia é apresentada com as seguintes características


fundamentais:

 Constitui um corpo sistemático de representações que nos “ensinam” a pensar e de normas


que nos “ensinam” a agir;
 Assegura determinada relação dos indivíduos entre si e com suas condições de existência,
adaptando-as às tarefas prefixadas pela sociedade;
 As diferenças de classe e os conflitos sociais são camuflados, ora com a descrição da
“sociedade una e harmônica”, ora com a justificação das diferenças existentes;
 Assegura a coesão social e a aceitação sem críticas das tarefas mais penosas e pouco
recompensadoras, em nome da “vontade de Deus” ou do “dever moral” ou simplesmente
como decorrência da “ordem natural das coisas”;
 Mantém a dominação de uma classe sobre outra.

A ideologia se caracteriza pela naturalização, na medida em que são consideradas naturais


situações que na verdade resultam da ação humana e, como tal, são históricas e não naturais: por
exemplo, quando se considera natural que a sociedade esteja dividida em ricos e pobres ou que uns
mandem e outros obedeçam.

Outra característica da ideologia é a universalização, pela qual os valores de quem detém o


poder são estendidos aos que a ele se submetem. A afirmação de que “o trabalho dignifica” é difícil
de ser contestada. Essa afirmação torna-se ideológica quando se baseia em uma abstração, ou seja,
quando consideramos apenas a ideia de trabalho, independentemente da análise concreta e histórico-
social em que é de fato realizado.

03 – A ideologia em ação

a) a ideologia na escola

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Por volta dos anos 1970, teóricos franceses passaram a admitir que a escola não é
equalizadora, mas reprodutora das diferenças sociais. Segundo alguns desses pensadores, o próprio
funcionamento da escola repetiria a estrutura hierarquizada do sistema, reproduzindo as relações
autoritárias existentes fora dela. Em decorrência dessas concepções pessimistas a respeito da atuação
da escola, outros estudiosos passaram a investigar o caráter ideológico da produção da literatura
infanto-juvenil e dos livros didáticos.

Escola: “lócus” da contradição

 Reprodução da ideologia – alienação – conservação e manutenção da sociedade ou


 Espaço da crítica – emancipação – transformação da sociedade

Desta forma, não devemos generalizar apressadamente, reduzindo a escola e o material


didático em instrumentos de ideologia, por ser uma posição por demais redutora. Além disso, as boas
escolas são críticas do sistema e cada vez mais buscam aproximar ensino e vida. Sempre haverá na
escola e nos livros, a possibilidade de professores, autores e alunos inventarem práticas que se tornem
críticas da inculcação ideológica.

A escola é um espaço possível de luta, de denúncia da domesticação e de procura de


soluções criativas.

b) A ideologia nas histórias em quadrinhos

Os quadrinhos são um fenômeno característico da indústria cultural e têm sua principal


divulgação no século 20, quando começam a aparecer nas publicações diárias dos jornais. Além da
função de entretenimento e lazer, representantes que são de uma nova linguagem artística.

Nossa abordagem do tema parte da reflexão acerca da ambiguidade de toda produção cultural:
ao mesmo tempo que serve à consciência, pode servir à alienação; tanto ao conhecimento como à
escamoteação da realidade; tanto pode ser criativa como paralisadora.

Os chilenos Ariel Dorfman e Armand Mattelart defenderam a tese de que a leitura das
histórias em quadrinhos não era tão inocente assim como se pensava. Fizeram impiedosa crítica aos
quadrinhos ao denunciarem a ideologia subjacente aos quadrinhos, nos quais as histórias
escamoteiam os conflitos, transmitem uma visão deformada do trabalho e levam à passividade
política. Para eles, na maioria das histórias em quadrinhos, a sociedade aparece como una, estática e
harmônica e a “ordem natural” do mundo é quebrada apenas pelos vilões, que, encarnando o mal,
atentam geralmente contra o patrimônio (roubo de bancos, joias e caixas-fortes). A defesa da
legalidade dada e não questionada é feita pelos “bons”, com a morte dos “maus” ou com a integração
desses à norma estabelecida.

c) Outros espaços de ação ideológica

A ideologia se faz presente nos mais diversos campos de atuação. Um deles é a propaganda.
Tudo bem que possamos entender a propaganda como uma maneira de divulgar ao provável
consumidor a variedade e a qualidade do que é produzido, o que por sinal é muito bem-feito pelas
competentes agências de propaganda.

A propaganda não vende apenas produtos, mas também ideias. Compramos o “sonho
americano”, o desejo de “subir na vida”, os estilos de vida, as convicções políticas e éticas que de
certa forma são veiculadas nos comerciais. Isso sem falar nas campanhas de governos ou no
marketing dos candidatos a qualquer cargo público.

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Outro espaço possível de ação da ideologia é o da mídia. A imprensa falada e escrita é
formadora de opinião, o que representa algo positivo, desde que, numa sociedade plural, tenhamos
acesso a diversos veículos de informação a fim de poder comparar a diversidade de posicionamentos e
então assumir uma posição crítica pessoal.

As distorções ocorrem quando a empresa jornalística determina o que deve ser considerado
notícia; quando é manipulada por meio de recursos linguísticos. Da mesma forma, quando são
utilizados adjetivos carregados de juízos de valor, como “baderneiros”, “perturbadores da ordem” ao
noticiar uma greve.

Textos sintetizados e organizados pelo prof. Altamir Fernandes

6º texto: Relações Sociais de Gênero

O que é ser mulher? O que é ser homem? Subsídios para uma discussão das relações de gênero

O que é ser mulher? O que é ser homem? Por que mulheres e homens vivem em
condições de desigualdade? Por que se diz que algumas coisas são de mulheres e outras de homens?
Por que as mulheres são consideradas inferiores e vivem situações de injustiça por serem
mulheres?

A identidade de gênero e sexual são processos complexos, impostos ora por nossos pais e
amigos, e cobrados direta ou indiretamente pela sociedade em que vivemos, conjurando a
heterossexualidade como modelo normativo único e constitutivo das subjetividades da maioria dos
homens.

Apesar de compreendermos a identidade sexual como sendo hetero, homo ou bissexual, nos
dias atuais, entendemos também que há uma certa pluralidade de tipos sexuais, tais como o
transexual, o travesti, e até mesmo o drag-queen e a drag-king figurariam como identidades sexuais
possíveis. Por outro lado, entendemos identidade de gênero como o conjunto de traços construídos na
esfera social e cultural por uma dada sociedade, que definem, em consequência, quais os gestos, os
comportamentos, as atitudes, os modos de se vestir, falar e agir de forma semelhante para homens e
mulheres. As identidades de gênero tendem a estar em consonância com o sexo biológico do sujeito,
porém, não são estruturas fixas, encerradas em si mesmas; pelo contrário, podem e estão
continuamente se renovando, em ebulição, e a cada momento podem ser novamente moldadas de
outras formas. Elas também são impostas pelo processo de socialização, que impede construções
singulares, moldando um comportamento comum a todos os indivíduos. Apesar de não ser uma
condição para a formação das identidades sexuais, elas estão intimamente ligadas à escolha afetiva e
sexual do sujeito. Nós podemos encontrar sujeitos masculinos ou femininos que não necessariamente
pertencem ao seu sexo biológico e que podem fazer uma escolha afetiva e sexual do sexo oposto ao
seu.

Quem não se enquadra nesses padrões, ou muda seus comportamentos, seus papéis sociais,
seus desejos afetivos e sexuais, ou paga um alto preço em seu sofrimento psíquico. Por papeis sociais
entendemos padrões ou regras arbitrárias que uma sociedade estabelece para seus membros e que
definem seus comportamentos, suas roupas, seus modos de se relacionar ou de se portar (...) através do
aprendizado de papéis, cada um/a deveria conhecer o que é ser considerado adequado (e inadequado)
para um homem ou para uma mulher numa determinada sociedade, e responder a essas expectativas.

Dois gêneros, infinitas possibilidades

 bissexual: relaciona-se com ambos os sexos

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 crossdresser: veste-se com roupas ou objetos do sexo oposto, como fetiche; pode ser gay,
hétero ou bissexual
 drag queen e drag king: artista, homem e mulher, que se traveste para performances; pode
ser gay, hétero ou bissexual
 faux queen: mulher heterossexual que se veste e age como drag queen
 genderqueer: quem se sente homem e mulher ao mesmo tempo, não se sente nem homem
nem mulher ou transita entre os dois gêneros
 genderfucker: quem não se importa com gêneros e zomba dos papéis tradicionais de
“homem” e “mulher”. Exemplo: homens héteros que gostam de usar saia.
 genderless: quem não deseja ser enquadrado em nenhum gênero
 heterossexual: (do grego heteros, diferente). Pessoa fisicamente e emocionalmente atraída
por alguém do gênero oposto.
 homossexual: (do grego homo, mesmo) Pessoa física e emocionalmente atraída por alguém do
mesmo gênero.
 faggot/bicha (do francês antigo “fagot”, feixe de madeira, paus e galhos usados como
combustíveis para fogueiras); gíria = homossexual masculino.
 lésbica (do grego “lesbos”, ilha do mar Egeu onde viveu Safo, a maior poetisa grega que vivia
com outras mulheres); gíria = homossexual feminino
 gay (do francês antigo “gai”, ter ou exibir um temperamento alegre e muito colorido).
 travesti: quem se veste como mulher, mas não se interessa em fazer a mudança de sexo;
geralmente homossexual, mas nem sempre
 transexual: quem se sente desconfortável com a própria anatomia e pode ou não optar pela
cirurgia de mudança de sexo; em sua nova identidade, pode ser hétero, gay ou bissexual
 tomboy: garota que gosta de se vestir e agir como menino, nem sempre é lésbica.

Fonte: revista Carta Capital nº 664, de 21 de setembro de 2011. Pag. 71

Introdução

A construção ou formação de homens e mulheres é realizada por meio da educação e


socialização, e essa construção é denominada gênero. Na sociedade brasileira essa construção se
caracteriza por um tratamento diferenciado entre homens e mulheres baseada nas diferenças sexuais,
na desigualdade e na subordinação da mulher.
Além da mulher, existem outros grupos de pessoas que são também discriminados, por
não se adequarem ao modelo patriarcal construído e estabelecido como superior e de poder em nossa
sociedade. Esses grupos são compostos pelos homossexuais masculino e feminino, transexuais e
outros indivíduos de orientação sexual diversa.
Desse modo, as definições de masculinidade, de feminilidade e as questões de gênero estão
presentes em todas as nossas relações cotidianas, nas diversas classes sociais e etnias, pois o gênero é
social e histórico.
A desigualdade e a exclusão são percebidas em todos os espaços da sociedade e nos âmbitos
econômico, político, social e cultural.
À mulher foram atribuídas as denominadas “tarefas domésticas”, um exemplo da tirania
masculina, da divisão sexista, da dominação, do poder e do seu enquadramento à esfera do lar. O
espaço público e político foram reservados para os homens. Ainda hoje, em diversas áreas
profissionais, percebe-se uma diferenciação salarial entre a mulher e o homem, ou seja, o salário da
mulher é menor que o do homem, apesar de exercer a mesma função no trabalho.
O estudo do gênero vem contribuir para o entendimento e reconhecimento da importância das
relações sociais, suas diferenças, variações e mudanças na cultura, na sociedade, e em nossas próprias
relações com o “outro”.

Conceito de gênero

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O conceito de gênero procura explicar as relações entre mulheres e homens. Ele surgiu
após muitos anos de luta feminista e de formulação de várias tentativas de explicações teóricas sobre
a opressão das mulheres.

O conceito de gênero foi trabalhado inicialmente pela antropologia e pela psicanálise,


situando a construção das relações de gênero na definição das identidades feminina e masculina.

Esse conceito coloca claramente o ser mulher e ser homem como uma construção social, a
partir do que é estabelecido como feminino e masculino e dos papéis sociais destinados a cada um.
Por isto, gênero, um termo emprestado da gramática, foi a palavra escolhida para diferenciar a
construção social do masculino e feminino do sexo biológico.

A expressão "gênero" começou a ser utilizada justamente para marcar que as diferenças
entre homens e mulheres não são apenas de ordem física, biológica. Ou seja, falar de relações de
gênero é falar das características atribuídas a cada sexo pela sociedade e sua cultura. A diferença
biológica é apenas o ponto de partida para a construção social do que é ser homem ou ser mulher.
Sexo é atributo biológico, enquanto gênero é uma construção social e histórica. A noção de gênero,
portanto, aponta para a dimensão das relações sociais do feminino e do masculino.

As contribuições do conceito de gênero

1º - Ao afirmar a construção social dos gêneros, coloca que as identidades e papéis masculino e
feminino não são um fato biológico, vindo da natureza, mas algo construído historicamente e que,
portanto, pode ser modificado.

2º - As relações de gênero estruturam o conjunto das relações sociais. Os mundos do trabalho, da


política e da cultura também se organizam conforme a inserção de mulheres e homens, a partir de
seus papéis masculinos e femininos.

Surgimento do conceito de gênero

O termo gênero começou a ser utilizado por teóricas e estudiosas de mulheres e do


feminismo, no final da década de 1970. Naquele momento, o movimento feminista ressurgia com
força em todo o mundo, provavelmente por influência da onda revolucionária que percorrera a
Europa, a China, a América Latina e EUA, no final da década de 60, com os grandes movimentos
estudantis e a contestação dos papéis e comportamentos sexuais.

A construção social da desigualdade de gênero

“Ninguém nasce mulher, torna-se mulher” (citação de Simone de Beauvoir, do livro “O


segundo sexo”), considerado a marca fundamental no pensamento feminista do século 20, abrindo
caminhos para a teorização em torno das desigualdades construídas em função das diferenças entre os
sexos.
O livro reflete, pois, sobre as razões históricas e os mitos que fundaram a sociedade patriarcal
e a sustentam e que trataram a mulher como um “segundo sexo”, silenciando-a e relegando-a para
um lugar de subalternidade. Beauvoir irá apontar soluções que visam à igualdade entre os seres
humanos.
As pessoas nascem bebês machos e fêmeas e são criadas e educadas conforme o que a
sociedade define como próprio de homem e de mulher. Os adultos educam as crianças marcando
diferenças bem concretas entre meninas e meninos. A educação diferenciada dá bola e caminhãozinho
para os meninos e boneca e fogãozinho para as meninas, exige formas diferentes de vestir.

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Educados assim, meninas e meninos adquirem características e atribuições correspondentes
aos considerados papéis femininos e masculinos. As crianças são levadas a se identificarem com
modelos do que é feminino e masculino para melhor desempenharem os papéis correspondentes.

Usamos a expressão relações de gênero para deixar bem claro que as desigualdades entre
homens e mulheres são construídas pela sociedade e não determinadas pela diferença biológica
entre os sexos. Elas são uma construção social, não determinada pelo sexo.

A partir da consolidação do capitalismo, existe a ideia de que ocorre uma divisão entre as
esferas pública e privada, sendo que a esfera privada é considerada como o lugar próprio das
mulheres, do doméstico, do cuidado. A esfera pública é considerada como o espaço dos homens, dos
iguais, da liberdade, do direito.

Nessa compreensão, o papel feminino tradicional estabelece a maternidade como principal


atribuição das mulheres e, com isso também o cuidado da casa e dos filhos, a tarefa de guardiã do
afeto e da moral na família. Ela é uma pessoa que deve sentir-se realizada em casa. O homem típico é
considerado o provedor, isto é, o que trabalha fora, traz o sustento da família, realiza-se fora de
casa, no espaço público. Para uma mulher, ainda é considerado mais adequado ser meiga, atenciosa,
maternal, frágil, dengosa, e do homem, o que ainda se espera, é que tenha força, iniciativa,
objetividade, racionalidade.

A visão do feminino na perspectiva positivista no Brasil no final do século 19 ensinaria a


mulher o caminho no qual deveria seguir para tornar-se o anjo tutelar e rainha do lar, ou seja,
mantê-la no espaço privado, considerado “lócus” exclusivo das mulheres.

Esse modelo de vida, em que os homens trabalham fora e as mulheres só fazem o trabalho
doméstico, nunca existiu, de verdade, desse jeito. Na realidade, só uma parcela muito pequena de
mulheres vive essa situação.

As mulheres negras, por exemplo, sempre trabalharam fora de casa, primeiro como
escravas e depois na prestação de serviços domésticos ou como vendedoras ambulantes, circulando
por muitos espaços públicos. Para as mulheres camponesas, o que é chamado de cuidar da casa
esconde o trabalho na roça, a produção de artesanato, o cultivo da horta e a criação de animais,
trabalho que produz mercadorias, cuja venda contribui para o sustento da família. Além disso, nas
cidades, muitas mulheres vivem sozinhas com seus filhos e são as principais responsáveis por sua
manutenção. E muitas, muitas outras trabalham fora e dividem com o marido o sustento da casa.

Divisão sexual do trabalho

As relações de gênero são sustentadas e estruturadas por uma rígida divisão sexual do
trabalho. O papel masculino idealizado é de responsabilidade pela subsistência econômica da
família e a isso corresponde designar o trabalho do homem na produção. A atribuição do trabalho
doméstico designa as mulheres para o trabalho na reprodução: ter filhos criá-los, cuidar da
sobrevivência de todos no cotidiano.

O que se observa é que essa divisão entre trabalho reprodutivo e produtivo não é tão real
assim. Há homens trabalhando no campo da reprodução e há muitas mulheres na produção.
No entanto, o mito que designa um tipo de trabalho para cada gênero influencia o real. No
caso das mulheres, a tentativa é sempre de considerar o trabalho realizado fora da casa como uma
extensão do seu papel de mãe. As mulheres se concentram em atividades consideradas tipicamente
femininas como serviço doméstico, professoras, enfermeiras, assistentes sociais. Em 1990, 30% das
mulheres que se declararam como trabalhadoras na pesquisa do IBGE eram empregadas domésticas,
costureiras e professoras primárias.

Desigualdade e pobreza

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Como os homens é que são considerados os provedores da família, o trabalho profissional
das mulheres é sempre visto como complementar às suas "responsabilidades" domésticas, estas,
sim, sua verdadeira ocupação. A partir dessa ideia, surgem várias consequências negativas para as
mulheres. A primeira é a de que os salários delas podem ser baixos, já que o que elas ganham é visto
como suplementar. O ex-governador de Minas Gerais, Hélio Garcia disse: "as professoras não
ganham mal, elas são é mal casadas".

O resultado disso é uma enorme desigualdade na distribuição dos recursos e do poder na


sociedade, entre homens e mulheres. Segundo a ONU, as mulheres executam 2/3 do trabalho
realizado pela humanidade, recebem 1/3 dos salários e são proprietárias de 1 % dos bens imóveis. Dos
quase 1,3 bilhão de miseráveis do mundo, 70% são mulheres.

Sexualidade

A sexualidade é uma questão bastante complexa. Podemos dizer que a sociedade tenta
impor normas que refletem o que se considera mais correto de acordo com os papéis sexuais
definidos pela construção dos gêneros. Por isso, o controle da sexualidade das mulheres, o controle da
função procriativa e a criminalização do aborto fazem parte da opressão das mulheres. Dessa forma,
a vivência da sexualidade foi desde vários séculos rodeada por tabus e mitos, que têm como ponto
em comum, considerar pecado, desvio, doença, exagero, falta de pudor e até mesmo crime, as
manifestações da sexualidade feminina.
A partir disso, as mulheres em geral têm vivido sua sexualidade de acordo com os padrões
impostos como os mais corretos, considerando o papel social de esposas "honestas" e mães
dedicadas que lhes é destinado. Outras vivem como "profanas" e, portanto, indignas de respeito: são
"as piranhas, as usadas, as fáceis, as putas". Uma das formas de definição desse modelo passou pelo
estabelecimento de um duplo padrão do que é ou não correto em relação à sexualidade.
Para os homens, a ideia da virilidade é sinônimo de muitas relações sexuais, de preferência
com muitas mulheres diferentes. As mulheres, ao contrário, devem viver a sexualidade em função da
reprodução, negando o prazer. A repressão à sexualidade feminina em boa parte se dá pelo
desconhecimento do corpo e pela imposição de regras rígidas do que significa ser uma mulher
"honesta".

Violência contra as mulheres

A violência contra as mulheres expressa a demonstração de poder dos homens e a ideia de


que as mulheres são objeto de posse. É uma forma de reproduzir e manter o machismo e de dizer
o tempo todo que a mulher é inferior: Esse tipo de violência se manifesta de muitas maneiras:
espancamento, insultos, ameaças, estupros, assédio, assassinatos, mas também em formas sutis de
desqualificação das mulheres, como quando alguém diz que uma mulher é boa profissional, "apesar de
ser mulher".

Em 2006, a luta contra a violência doméstica ganha a Lei Maria da Penha. Lei 11.340 decretada pelo
Congresso Nacional e sancionada pelo ex-presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, em 7 de agosto de
2006; dentre as várias mudanças promovidas pela lei está o aumento no rigor das punições das agressões contra a
mulher quando ocorridas no âmbito doméstico ou familiar. O caso nº 12.051/OEA, de Maria da Penha Maia
Fernandes, foi o caso homenagem à lei 11.340. Ela foi espancada de forma brutal e violenta diariamente
pelo marido durante seis anos de casamento. Em 1983, por duas vezes, ele tentou assassiná-la, tamanho o
ciúme doentio que ele sentia. Na primeira vez, com arma de fogo, deixando-a paraplégica, e na segunda, por
afogamento. Após essa tentativa de homicídio ela tomou coragem e o denunciou. O marido de Maria da Penha
só foi punido depois de 19 anos de julgamento e ficou apenas dois anos em regime fechado, para revolta de
Maria com o poder público.

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Essa lei foi criada com os objetivos de impedir que os homens assassinem ou batam nas suas esposas, e
proteger os direitos da mulher.

Modelo de Família

A sociedade estabelece um modelo-padrão de família, no qual se espera que todas as pessoas


se enquadrem. O modelo considerado ideal de família em nossa sociedade é chamado mononuclear, ou
seja, constituído por um núcleo que são o pai, a mãe e as filhas ou filhos, de preferência poucos,
melhor ainda se forem um casal.
A família é considerada o lugar de socialização das crianças, o lugar onde se criam e se
educam. Na atualidade pós-moderna ou “modernidade líquida”, existe uma profunda crise da
família mononuclear.

Filme: Minhas mães e meu pai (2010). As lésbicas Nic e Jules têm um casamento estável, mas a
relação é virada de cabeça para baixo quando seus filhos, Joni (18) e Laser (15), resolvem trazer
Paul, o pai, doador de esperma, de volta para suas vidas. As coisas, evidentemente, ficam cada vez
mais complicadas quando Jules envolve-se com Paul. O filme é um perfeito e sensível retrato da
”família pós-moderna”, ou seja, retrata a vida de uma nova família, mas também uma
comédia/drama que mostra a complicada dinâmica de relacionamentos e como isto pode afetar os
filhos.

Meios de comunicação de massa e as mulheres

Os meios de comunicação têm se posicionado de maneira contraditória quanto às mulheres.


Por um lado, abrem espaço para uma maior discussão sobre a condição feminina, Atualmente, os
meios têm dado alguma cobertura para a discussão sobre o aborto. Por outro lado, como a mídia não
defende interesses homogêneos, também trata as mulheres nas propagandas, nas telenovelas, no
noticiário, de forma a reforçar seu papel tradicional.

O tratamento é diferenciado conforme o público que os meios querem atingir. Os programas


mais informativos da televisão, por exemplo, são apresentados em horários menos nobres. Nas
novelas, que são os programas mais assistidos, as mulheres são tratadas de forma muito
estereotipada, mesclada com alguns momentos mais críticos. Nos programas de humor,
praticamente não há momentos críticos, só repetição das ideias dominantes mesmo: mulher
interesseira, loura burra, sogra horrenda.

A mulher no funk

Mulher é igual a lata, você chuta e outro cata"; "Me dá, me dá patinha, me dá, sua cachorrinha";
"Quando chego na boate, ela se excita, levanta a garrafa de uísque, a perereca dela pisca". As frases,
pinçadas de hits de um gênero musical popular conhecido como "pagode baiano", provocaram a
indignação da deputada Luiza Maia (PT-BA), que decidiu levar sua revolta ao parlamento do Estado.

Ela é autora de um projeto de lei que pede "a proibição do uso de recursos públicos para contratação
de artistas que em suas músicas, danças ou coreografias desvalorizem, incentivem a violência ou
exponham as mulheres a situação de constrangimento".

As revistas femininas, vendidas às centenas de milhares por mês, permanecem em assuntos


estereotipados: moda, beleza, decoração, culinária, como cuidar dos filhos e como agarrar,
agradar e conservar o seu homem. São raros os artigos que saem das ideias dominantes. Nas revistas
ditas masculinas, o corpo das mulheres é exposto ao desfrute, transformando-as de pessoas em objeto
sexual.

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Gênero e cidadania

Outro aspecto importante relacionado ao gênero é o da cidadania. Como sabemos, as mulheres


foram por muito tempo excluídas de direitos como, por exemplo, frequentar a escola, votar, ter
propriedades, trabalhar sem autorização do marido ou pai. Isso ocorria por uma série de razões. A
estrutura familiar contribuía para barrar a participação feminina na vida pública porque
necessitava das mulheres na esfera privada, cuidando dos filhos e da casa.

Nas últimas décadas, muita coisa já mudou; no entanto, embora até o aspecto legal já tenha sido
alterado, a realidade ainda apresenta muitas discriminações ligadas ao gênero.

Gênero e exclusão social

A exclusão que atinge a mulher se dá, às vezes, simultaneamente, pelas vias do trabalho, da
classe, da cultura, da etnia, da idade, da raça, e, assim sendo, torna-se difícil atribuí-la a um aspecto
específico desse fenômeno, em vista de ela combina vários dos elementos da exclusão social.

A exclusão social remonta à antiguidade grega, onde escravos, mulheres e estrangeiros


eram excluídos, mas o fenômeno era tido como natural.

A exclusão, em sua essência, é multidimensional, manifesta-se de várias maneiras e atinge


as sociedades de formas diferentes, sendo os países pobres afetados com maior profundidade. Os
principais aspectos em que a exclusão se apresenta dizem respeito à falta de acesso ao emprego, a
bens e serviços, e também à falta de segurança, justiça e cidadania. Assim, observa-se que a
exclusão se manifesta no mercado de trabalho (desemprego de longa duração), no acesso à
moradia e aos serviços comunitários, a bens e serviços públicos, à terra, aos direitos etc.

A exclusão social da mulher é secular e diferenciada. É sabido que o fenômeno da exclusão


não é específico da mulher, mas atinge os diferentes segmentos da sociedade. A exclusão é gerada
nos meandros do econômico, do político e do social, tendo desdobramentos específicos nos campos da
cultura, da educação, do trabalho, das políticas sociais, da etnia, da identidade e de vários outros
setores.

1968: O ANO QUE NÃO TERMINOU

Maio francês de 1968

 1968: ano mítico – ponto de partida para uma série de transformações políticas, éticas,
sexuais e comportamentais, que afetaram as sociedades da época de uma maneira
irreversível.
 Foi o marco para os movimentos ecologistas, feministas, das ONGs e dos defensores das
minorias e dos direitos humanos.
 Sufocados por um mundo burocratizado e repressivo: jovens queriam lutar pela liberdade de
viver de uma forma diferente.
 Defendia a liberalização dos costumes: imprensa feminina discutia a sexualidade.
 Henry Weber (líder estudantil 1968) “No plano da autoridade, era a família patriarcal. O
marido era todo poderoso, a mulher não tinha o direito de abrir uma conta no banco. Era uma
sociedade de outra idade. No plano da moral era a velha moral católica, repressiva e as
relações fora do casamento eram muito mal vistas. A homossexualidade era considerada quase
uma doença...”.

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 Para Zuenir Ventura “a sociedade brasileira era muito autoritária; havia uma dominação
muito grande do homem sobre a mulher; do professor sobre o aluno; do marido sobre a
mulher; pai sobre o filho e 1968 mexeu com tudo isso, ou seja, com este esquema rígido”.
 Cidades universitárias: regulamentos para separar rapazes das garotas; livros eram
censurados (os eróticos); filmes proibidos.
 Legião de estudantes universitários e colegiais: desenvolvimento de uma “cultura própria” –
música, moda (jeans e minissaia) e linguagem.
 Geração “baby boomer” aspirava= liberdade, autonomia e emancipação.

O que foi a rebelião estudantil no maio francês de 1968?

→ Reitoria proibiu que os rapazes visitassem as moças em seus dormitórios


→ Daniel Cohn-Bendit liderou uma manifestação contra o reitor e esta foi reprimida pela polícia
→ conflitos no Quartier Latin e a Sorbonne é fechada
→ passeatas estudantis
→ “noite das barricadas” (10/5/68) = rapazes e moças jogam nos policiais paralelepípedos e estes
utilizam gás lacrimogêneo
→ greves gerais: estudantes + operários

 Revolução sexual: motor de 1968. O termo "revolução sexual" é comumente usado para
descrever o movimento sócio-político testemunhado entre meados dos anos 1960 e início dos
anos 1970.
Foi no auge de 1968 que as proibições caíram por terra. Os códigos morais, religiosos e
econômicos que reprimiam os impulsos de homens e mulheres foram contestados. A
combinação de protestos estudantis, movimentos Contracultura e contraceptivos levou à
liberação sexual. As conquistas dessa revolução sobreviveram, mas seu valor ainda é
contestado.

Conquistas da revolução sexual

* princípio do tratamento de doenças sexualmente transmissíveis – DST’s


* uso de métodos contraceptivos como a pílula e a camisinha
* igualdade no seio da família
* mudanças nas relações entre homens e mulheres
* liberação das mulheres
* mobilização dos movimentos homossexuais
* início de uma maior comercialização e mercantilização da sexualidade através da
pornografia
* relaxamento da censura

→ legado de 1968:
a) expansão do movimento feminista
b) mudanças no “modelo familiar” e o lugar da criança na sociedade (pais passaram a manter um
diálogo com os filhos)
c) liberação sexual

02/06/2008 - 40 anos da Revolução Sexual: a mulher continua brinquedo do Homem (Vitor


Giannotti)

Está na moda falar dos 40 anos de 1968. Foi um ano de vendaval contra todas as instituições
autoritárias. A palavra revolução enchia o coração e as mentes de milhões de jovens pelo mundo afora.
Falava-se de várias revoluções: na educação, na família, na escola, nas religiões. Mas as duas
principais revoluções, que iam lado a lado uma da outra eram a revolução social e a revolução
sexual.

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A mulher estava lutando para conquistar seu lugar no mundo. Queria deixar de ser considerada um
simples objeto de cama e mesa, como dizia o título de um livro de Heloneida Studart. Outro livro da
mesma autora se intitulava - Mulher brinquedo do Homem. E isso a mulher não queria ser mais.
Queria ser tratada como gente, com direitos iguais aos seus irmãos machos.

Hoje, jornais, revistas, programas à la Big Brother e músicas estão cheios de mulheres à moda
antiga: pedaços de carne, bundas à vontade e pouco uso do cérebro.

Entrevistas do Instituto Humanitas da Unisinos (IHU)

IHU On-Line - Uma das marcas de Maio de 68 foi a ampla crítica dos jovens ao sistema. Eles
contestaram a construção da família, a tradição, as proibições, a moral, os tabus. O que essas
manifestações expressas através dos gritos de ordem “É proibido proibir” e “O poder está nas
ruas” significaram?

Benilton Bezerra Jr. – Maio de 68 foi um acontecimento com múltiplas dimensões e várias
consequências. Uma delas, talvez a principal, foi a capacidade de tal movimento abalar, de certa
forma, várias estruturas de pensamento e de organização do poder, além de influir decisivamente na
politização da vida cotidiana. Este impacto se expressou no plano da política por meio da crítica aos
impérios ainda existentes e aos sistemas de poder estabelecidos. Ou seja, houve uma crítica, no plano
da macropolítica, aos impasses e conflitos estruturais no mundo capitalista e soviético. Assim, surgiu a
ideia de que as formas de organização e de exercício do poder precisavam ser renovadas.

Essa posição gerou também consequências no campo da micropolítica. Palavras de ordem, como “É
proibido proibir”, ou “O poder está nas ruas”, acabaram implicando, em Maio de 68, uma confluência
do movimento estudantil e dos trabalhadores franceses. É preciso lembrar que essa foi uma
manifestação popular, na qual mais de dez milhões de trabalhadores aderiram a greves, questionando o
poder do Estado.

Esse período proporcionou a criação de um espaço para novos temas políticos, por exemplo, no que
se refere à condição feminina, dos negros, dos homossexuais e das minorias em geral. Essas
temáticas e esses grupos, na maneira de pensar a política até Maio de 68, eram, de alguma maneira,
sistematicamente, colocados em segundo plano. Assim, os acontecimentos da época significaram a
emergência de uma nova agenda política que contemplava questões e conflitos antes subordinados às
grandes bandeiras políticas e sociais.

IHU On-Line – Assim, esse período contribui para sacudir os valores da velha sociedade e
estabelecer novos padrões no que se refere à sexualidade e prazer? Ou essa foi apenas uma
revolução sonhadora?

Benilton Bezerra Jr. – Sem dúvida, foi um movimento sonhador. Talvez essa tenha sido a grande
marca de 68. Uma das frases mais famosas da época, registrada nos muros e paredes, dizia: “Sejamos
realistas, peçamos o impossível”. Isso mostra que a ideia de se fazer uma revolução, ou seja, mudar
pensando no impossível e quebrar paradigmas que pareciam estáticos esteve presente, nesse período,
em todas as manifestações ocorridas no mundo. Contudo, como toda revolução sonhadora, ela nunca,
de fato, realizou, pelo menos inteiramente, os sonhos que a inspiraram. No que se refere ao
estabelecimento de novos padrões, Maio de 68 está vinculado a outros movimentos que mudaram
muito a sociedade. Um exemplo de manifestação que passou a reivindicar valor político, e que
realmente teve consequências profundas na sociedade, foi a que envolveu uma crítica à cultura
patriarcal, machista e à nova maneira de pensar as identidades sexuais. O fato de termos hoje, na
eleição americana, um negro e uma mulher disputando a presidência mostra uma vinculação com o
que se mudou em 1968.

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IHU On-Line – Os jovens reivindicaram uma revolução sexual, mas no século XXI a sexualidade
ainda é considerada uma caixa-preta, um tabu não superado?

Benilton Bezerra Jr. – Se tomarmos a ideia de revolução sexual como um movimento que
transformou o sexo e a sexualidade numa questão política, isto é, a qual todo mundo pode e deve ter
acesso, podemos dizer que Maio de 68 alcançou um dos seus objetivos. A sexualidade não tinha o
valor político de hoje e, não há, nem de longe, semelhança com o padrão de repressão existente antes.
Nesse sentido, não é mais um tabu falar de sexo.

Se pensarmos numa segunda perspectiva, a de que a revolução sexual foi, a partir de 68, uma
espécie de superação dos problemas que a sexualidade traz, então a perspectiva é um pouco diferente.
Naquele período, havia a ideia de uma sexualidade totalmente livre da repressão, indivíduos
completamente isentos de conflitos em relação à sua sexualidade e à plena fruição do prazer. Como
todo sonho, essa foi uma utopia irrealizável.

Da liberdade à imposição

Embora a revolução sexual tenha trazido mais liberdade para o tema, dando a ele uma conotação
política, por outro lado, ela, em muitos sentidos, acabou deslocando o prazer sexual para uma espécie
de obrigação. Se há um efeito colateral da revolução sexual hoje em dia, é o de que o uso da
sexualidade e a busca do prazer sexual se transformaram de um direito conquistado a uma espécie de
obrigação de cada um. Então, o que foi, em algum momento, uma crítica e uma desmontagem de
normas se transformou, ao longo das décadas, numa outra maneira de normatização. Desse modo, hoje
é praticamente impossível fugir às redes da sociedade que indicam os modos mais adequados de
fruição sexual.

IHU On-Line - A partir das lutas sociais de Maio de 68, como a sociedade moldou e estruturou
seu futuro? Os acontecimentos de 68 e a conquista da democracia mudaram, efetivamente,
algumas questões sociais no que se refere, por exemplo, ao direito de igualdade e liberdade?

Alain Touraine – A situação é muito mais complexa, do meu ponto de vista. Maio de 68 não foi um
movimento político nem social. Foi um movimento cultural dominado pelo tema da liberalização da
juventude, não apenas em sua sexualidade, mas em todos os aspectos de sua vida. Isso, na época, era
algo muito inédito, que se deparou com uma resistência forte. Somente hoje em dia, em minha
opinião, se reconhece um pouco da importância histórica, no sentido de premonição de 68, que
anunciou coisas que viriam a ter mais importância no futuro.

IHU On-Line - Que mudanças de paradigma podem ser destacadas como positivas no que se
refere à luta das mulheres em maio de 68? Esse período foi crucial para auxiliar na construção
do que o senhor denomina atualmente como "sociedade de mulheres"?

Alain Touraine – A situação das mulheres tem evoluído lentamente no caso do conjunto dos
continentes. Desconsiderando os grupos de mulheres com cultura universitária, os direitos das
mulheres têm mudado pouco. Por exemplo, no Chile, faz muito pouco tempo que o divórcio foi aceito.
Nesse aspecto, eu diria que a modernização cultural das sociedades latino-americanas está muito
insuficiente.

IHU On-Line - 40 anos depois das reivindicações que marcaram a década de 1960, que
obstáculos ainda devem ser superados e que ideais as mulheres ainda precisam conquistar?

Alain Touraine – Na questão das mulheres tivemos, em primeiro lugar, uma busca pelos direitos
políticos, que teve seu centro e seus êxitos principais na Grã-Bretanha e depois em outros países. Em
segundo lugar, houve uma série de conquistas muito mais relacionadas à vida pessoal, por exemplo, a
contracepção, o direito ao aborto, e outros direitos puramente jurídicos, como a responsabilidade pelos

103
filhos. Mas tudo isso se deu de forma muito lenta. E o aspecto mais importante, que é saber se as
mulheres podem ser agentes de uma transformação cultural profunda, é algo que se vê muito pouco.
Eu defendo essa ideia de que, sim, as mulheres estão gerando uma nova cultura. Mas na opinião
pública essa ideia não está tão forte. No caso latino-americano, eu diria que a visibilidade do
movimento de liberação feminina é muito pouca.

Muitas faces do feminismo no Brasil

O conceito de feminismo aqui utilizado parte do princípio de que o feminismo é a ação


política das mulheres. Engloba teoria, prática, ética e toma as mulheres como sujeitos históricos
da transformação de sua própria condição social. Propõe que as mulheres partam para transformar
a si mesmas e ao mundo.
Na década de 1960, a publicação do livro “O Segundo Sexo”, da filósofa Simone de Beauvoir,
viria influenciar os movimentos feministas na medida em que mostra que a hierarquização dos sexos é
construção social e não uma questão biológica. Ou seja, a condição da mulher na sociedade é uma
construção da sociedade patriarcal.

As mulheres nos movimentos

A presença das mulheres na cena social brasileira nas últimas décadas tem sido inquestionável.
Durante os 21 anos em que o Brasil esteve sob o regime militar (1964-85), as mulheres estiveram à
frente nos movimentos populares de oposição, criando suas formas próprias de organização, lutando
por direitos sociais, justiça econômica e democratização.

As mulheres estiveram presentes nas lutas democráticas e, simultaneamente, mostraram e


têm demonstrado que diversos setores se inserem diferentemente na conquista da cidadania.
As mulheres - novas atrizes -, ao transcenderem seu cotidiano doméstico, fizeram despontar
um novo sujeito social: mulheres anuladas emergem como inteiras múltiplas. Elas estavam nos
movimentos contra a alta do custo de vida, pela anistia política, por creches. Criaram associações
e casas de mulheres, entraram nos sindicatos, onde reivindicaram um espaço próprio.

O movimento de mulheres que aparece durante os anos 1970 rompeu com uma tradição
segundo a qual as mulheres manifestavam publicamente valores tradicionais e conservadores, como
ocorreu com a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que precede o golpe militar. O
movimento de mulheres nos anos 1970 trouxe uma nova versão da mulher brasileira, que vai às ruas
em defesa de seus direitos e necessidades e que realiza enormes manifestações de denúncia das
desigualdades.

O movimento feminista que reapareceu no Brasil a partir de meados dos anos 70 teve
algumas características dos movimentos que surgiram na Europa e nos Estados Unidos nos anos 60.

O ano de 1975 é frequentemente citado como aquele em que os grupos feministas


reapareceram nos principais centros urbanos. Naquele ano, quando muitas vozes dissidentes eram
sistematicamente silenciadas pelos militares brasileiros, a proclamação da Década da Mulher pelas
Nações Unidas ajudou a legitimar demandas incipientes de igualdade entre homens e mulheres. As
mulheres souberam aproveitar a brecha e organizaram encontros, seminários, conferências,
principalmente nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo.

Os primeiros grupos feministas criados na década de 1970 nasceram com o compromisso


de lutar tanto pela igualdade das mulheres como pela anistia e pela abertura democrática.
Muitas mulheres passaram a dirigir sua atuação, por intermédio dos grupos recém-criados, para lutas
em bairros e comunidades das periferias urbanas, da Igreja católica, em clubes de mães, associações de
vizinhança, onde donas de casa e mães se reuniam, organizavam-se e mobilizavam-se por questões do
cotidiano.

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Os grupos feministas e os movimentos populares de mulheres proliferaram durante os anos 70
e início dos 80. As comemorações do Dia Internacional da Mulher se constituíram em momentos-
chave para a organização de fóruns das mulheres, articulando protestos públicos contra a
discriminação de sexo e uma agenda de reivindicações, consolidando uma coordenação de
mulheres e laços de solidariedade.

Anos 1990: uma explosão

A década de 1980 foi marcada pela reconstrução das instâncias da democracia liberal:
reorganização partidária, eleições para os diversos níveis, reelaboração da Constituição do país,
eleições presidenciais etc.

Na Constituição brasileira de 1988, a cidadania e a dignidade da pessoa humana são princípios


estruturantes do Estado democrático e de direito. Ela proclama a promoção do bem de todos “sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Em
relação ao racismo, coloca-o como crime imprescritível e inafiançável. Proíbe qualquer diferença de
salário entre os sexos e outras discriminações em relação às mulheres no acesso, formação e ascensão
profissional. A efetivação dessas conquistas, no entanto, necessita de monitoramento e ações dos
diversos setores dos movimentos sociais.
Verifica-se que no plano institucional são consagrados princípios que reconhecem a
pluralidade étnica e de gênero, além de aspectos culturais do povo brasileiro, assim como oferecem
importantes instrumentos para a perspectiva de garantia de direitos sociais. Porém, as diferenças entre
conquistas legais e concretizações de ações políticas são gritantes.

Os anos 90 também se caracterizaram pela introdução de novas temáticas: as ações


afirmativas, as cotas mínimas de mulheres nas direções dos sindicatos, partidos políticos e, mais
recentemente, nas listas de candidaturas aos cargos legislativos, como medidas para superar a quase
ausência das mulheres nesses ambientes.
Recentemente, a luta pelo direito das mulheres ao aborto tem sido alvo de muitos debates e
reportagens na grande imprensa. Esse é um velho tema das feministas, mas no Brasil só após a
democratização tem envolvido em maior número as mulheres.
A responsabilidade de atender às necessidades da população e das mulheres não é apenas do
Estado e sim do conjunto da sociedade, tendo como objetivo a alteração dos aspectos econômico,
cultural-social e das relações políticas.

Dia Internacional das Mulheres – mulheres na luta por justiça

Origens da data

A referência histórica principal da instituição do Dia Internacional da Mulher é a II


Conferência Internacional das Mulheres Socialistas em 1910, em Copenhague, na Dinamarca, quando
Clara Zetkin, dirigente do Partido Social Democrata Alemão, propôs a resolução de instaurar
oficialmente um dia internacional das mulheres. Nessa resolução, não se faz nenhuma alusão ao dia
8 de março.

A versão mais popularizada é uma homenagem às 129 operárias têxteis que durante uma
greve, no dia 8 de março de 1857, em Nova York, morreram queimadas na fábrica onde trabalhavam
quando reivindicavam redução da jornada de trabalho e aumento salarial. Os donos da empresa teriam
sido os responsáveis pelo incêndio criminoso.

Luta no Brasil

No Brasil, a luta feminista conquista manifestação expressiva no Ano Internacional da


Mulher, comemorado em 1975 e que refletiu de forma positiva no movimento de mulheres,
instaurando definitivamente o 8 de março como data integrante da agenda de luta dos movimentos

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sociais e organizações de trabalhadores do país. A partir de então, grupos e entidades feministas se
organizaram ou ganharam força para encaminhar as atividades. Grandes manifestações promovidas
por mulheres organizadas em partidos, sindicatos e outras entidades passaram a tomar as ruas.

100 anos de conquistas das mulheres

Entrada no mundo do trabalho, direito ao voto, mudança de comportamento, pílula


anticoncepcional, liberdade sexual e afetiva, divórcio, luta por melhores salários e por igualdade de
direitos. Tudo isso começou há cem anos pelas mãos das primeiras feministas que lideraram greves,
revoltas e desafiaram a sociedade.
Hoje, as mulheres fazem suas próprias escolhas, são autônomas, independentes e capazes
de assumir qualquer tarefa. As mulheres conquistaram a liberdade, embora ainda haja um longo
caminho a ser trilhado para uma sociedade mais justa e igualitária para todos.

Emancipação feminina

A luta das mulheres teve seu auge na década de 1960, no mundo ocidental, quando o
movimento conquistou espaço público e político e fortaleceu os demais movimentos de
emancipação. A década foi marcada pela efervescência das lutas sociais pela democracia, contra a
guerra, o racismo e o capitalismo. As mulheres tinham suas próprias bandeiras e lideraram a luta
pela igualdade de direitos. Todos queriam mudar o mundo e elas conseguiram.
As primeiras mulheres a obter por inteiro o direito de voto foram os habitantes do
território norte-americano de Wyoming, em 1869, seguidas pelas neozelandesas em 1893, as
australianas em 1902, as finlandesas em 1906 e as norueguesas em 1913. As inglesas apenas em 1918
e as francesas após 1945. Em 1971, os suíços são os últimos na Europa a conceder às mulheres o
direito de voto.

Em 1932, a mulher brasileira já tinha o direito de escolher os candidatos nas eleições. Mas
tudo foi fruto da luta das sufragistas da época como Chiquinha Gonzaga, que teve um papel
fundamental nesse processo.
Apesar da conquista do voto nos anos 1930, a mulher brasileira começou a sair do mundo
doméstico somente a partir dos anos 1940 e 50. O feminismo brasileiro só ganhou força nos anos
1970, com os movimentos sexistas (das mulheres contra os homens) e legalistas (que lutavam por
direitos no campo jurídico). O feminismo começou radical, uma forma de enfrentamento entre homens
e mulheres. Com o tempo, ele foi encontrando o seu caminho através da vivência no movimento. Nos
anos 1980, começamos a compreender que a igualdade só viria de fato com a transformação da
sociedade, quando todos tiverem direito à terra, ao trabalho e a melhores condições de vida.
Os anos de 1975 a 1985 foram declarados pela ONU – Organização das Nações Unidas –
como a Década da Mulher. Foi nesse período que o movimento feminista do Brasil teve um grande
desenvolvimento e seguiu avançando nas décadas seguintes.
Na década de 1980, questões sobre direitos civis também ganharam espaço na discussão da
Constituinte brasileira. As questões femininas foram tratadas de forma especial e a constituição foi
bastante cidadã em termos de direitos da mulher.

Principais conquistas das mulheres

1910 - A Conferência Internacional na Dinamarca estabelece o 8 de março como o “Dia Internacional


da Mulher”, em homenagem às mulheres que morreram numa fábrica têxtil em Nova York, em 1857.
A data foi oficializada pela ONU em 1975.

1932 – o voto feminino foi definitivamente conquistado no Brasil.

1962 – O Código Civil Brasileiro, de 1916, é alterado concedendo o direito das mulheres trabalharem
fora do lar sem a autorização do marido ou do pai e, em caso de separação do casal, o direito à guarda
do filho.

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1988 – Com o “lobby do batom” as mulheres incluíram 122 emendas na Constituição Federal
Brasileira. A partir daí, direitos como licença maternidade, políticas contra a discriminação no
mercado de trabalho e maior igualdade entre homens e mulheres começam a valer.

1995 – Realizada a IV Conferência Mundial das Nações Unidas sobre a Mulher em Pequim, China,
que marcou o reconhecimento definitivo do papel econômico e social da mulher.

1996 – Instituído o sistema de cotas, na legislação eleitoral, obrigando os partidos políticos a


inscreverem no mínimo 30% de mulheres em suas chapas proporcionais.

2006 – Lei Maria da Penha

2010 – entra em vigor a lei que amplia a licença maternidade para seis meses.

Trabalho de casa? Trabalho de mulher?

Já é lugar comum se comentar sobre a ampliação da participação das mulheres no mercado de


trabalho. Afinal, hoje, elas formam 43,6% da força de trabalho no Brasil. Mas muito pouco se fala
sobre o outro lado da moeda: o trabalho dentro de casa, aquelas tarefas que são indispensáveis no
cotidiano.

Quando comparamos o número de horas dedicados ao trabalho doméstico realizado por homens e
mulheres. Segundo dados da PNAD (Pesquisa Nacional de amostra de Domicílios), em 2008,
trabalhando fora, as mulheres dedicam até 25 horas semanais aos afazeres domésticos. Os homens
registram em média 10 horas semanais com o trabalho doméstico.

Além das atividades realizadas na própria casa, como cuidar da alimentação, do vestuário, da
limpeza da casa, atender as necessidades das crianças, nesses afazeres também se incluem as
atividades relacionadas ao acompanhamento da saúde, o cotidiano da escola, a atenção aos
familiares idosos etc.

Mas, mesmo tendo, em média, uma jornada menos longa no trabalho remunerado, a jornada total de
trabalho das mulheres é significativamente mais extensa que a dos homens.

Uma das principais razões das desigualdades entre mulheres e homens em relação ao emprego e renda
decorre do fato de serem mulheres consideradas as responsáveis pelas tarefas domésticas, pelo cuidado
com as crianças e a família.

IHU On-Line - Como se deu a evolução do movimento feminista através da história e qual foi o
papel e a função do movimento de mulheres na atualidade?

Alain Touraine (doutor em Sociologia) - O movimento feminista foi inicialmente político, para
obter o direito de voto para as mulheres. A Grã-Bretanha foi o centro mais ativo dessas lutas
(mulheres inglesas tiveram direito ao voto em 1918). Em seguida, o objetivo principal se tornou a
liberdade cultural da mulher, em particular naquilo que concerne ao seu corpo. Os sucessos obtidos
foram consideráveis, por exemplo, na França, com as leis Neuwirth, da contracepção, e Veil, do
aborto. Mais recentemente, o tom se tornou mais pessimista com as campanhas contra a
desigualdade e, sobretudo contra as violências sofridas pelas mulheres. Alguns economistas
pensam mesmo que, em matéria profissional, a posição das mulheres recuou.

IHU On-Line - Quais são os principais impactos para a autonomia da mulher, como ser social,
dos progressos da ciência e da tecnologia?

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Alain Touraine - As descobertas da biologia permitiram evidentemente o controle da fecundidade. No
entanto, é cada vez menos por referência ao feminismo que se desenvolve o debate sobre essas
tecnologias da reprodução. Basta mencionar a oposição extrema da Igreja Católica.

IHU On-Line - Quais são os maiores anseios da mulher contemporânea? O que ela deseja mais
fortemente?

Alain Touraine - Esta questão é bem-vinda, pois a gente não pode se satisfazer com uma visão
puramente negativa, quer dizer, de uma luta contra os danos sofridos, que faz da mulher uma pura
vítima. Os debates legislativos ou jurídicos não devem esconder o que me parece o essencial. As
mulheres adquiriram hoje uma posição dominante numa nova posição da cultura. Elas já
desfrutavam do papel principal no movimento por um desenvolvimento durável e na defesa do meio
ambiente (Cf. M. Brundtland ). Mas, de maneira não-espetacular, porém durável, as mulheres
desenvolvem uma nova visão para elas próprias e para os homens, à qual estes últimos não se opõem.
Poder-se-ia falar de pós ou neofeminismo para falar destas mudanças que me parecem fundamentais.
A sociedade dos homens tende a dar a prioridade à conquista do mundo. As mulheres envolvem
totalmente a sociedade em direção a uma nova prioridade, a da construção de si própria. Mais
precisamente, quando a sociedade masculina impulsionava ao máximo a polarização da sociedade
entre uma elite e uma massa, as mulheres procuram reunificar os elementos que foram separados: vida
pública e vida privada; sexualidade e espírito. É bem claro que são hoje as mulheres que tomam a
palavra e que os homens, ou se calam, ou aprovam a linguagem das mulheres. O velho machismo
desapareceu em grande parte, salvo em certos meios de alguns países, em particular da vida política.

IHU On-Line - Quais são as consequências sociais de uma mulher autônoma, independente do
homem?

Alain Touraine - As mudanças em curso, na família como na vida sexual, não são, provavelmente,
efeitos antes de tudo do feminismo. Mais exatamente, observa-se a separação da sexualidade e da vida
cultural em geral e a construção propriamente social de um modelo de família e também de menor
dominação masculina. Estamos apenas no início de uma evolução rápida que separará condutas
sexuais sempre mais diversificadas e a construção da vida familiar, tomando, ela própria, formas muito
diversificadas. A relativa facilidade com a qual se avança para o reconhecimento do casamento
homossexual indica que as barreiras tradicionais se enfraqueceram consideravelmente.

IHU On-Line - Como se caracteriza a "sociedade de mulheres" da qual o senhor fala?

Alain Touraine - Quando eu falo de sociedade de mulheres, eu não faço nenhuma referência a
nenhuma "feminilidade" ou a nenhum caráter psicológico próprio das mulheres, e falar de feminização
da sociedade me parece absurdo. Quando eu falo de uma sociedade de mulheres eu me refiro a um
tipo de sociedade e de cultura caracterizada pelo desaparecimento acelerado de uma politização
entre os dois sexos, com uma dominação masculina. Foram as mulheres que inventaram uma
sociedade situada além da separação dos homens e das mulheres.

IHU On-Line - Ainda podemos dizer que a sociedade contemporânea se caracteriza pela
dominação do masculino? Como se deu a construção e a evolução social da masculinidade e da
feminilidade? O que mais mudou no homem e na mulher, comparando a modernidade com a
contemporaneidade?

Fernanda Lemos (doutora em Ciências Sociais) - Com toda a certeza, a construção e a evolução
social da masculinidade e da feminilidade se deram na diferença. As relações sociais de sexo se
construíram, ao longo do processo histórico da humanidade, em oposição. A construção social da
masculinidade se dá na misoginia, no horror a tudo que se apresente como feminino. Isso se torna
evidente em alguns grupos específicos, como, por exemplo, colégios militares de rapazes. Toda e
qualquer ação que lembre atitudes femininas são coagidas pelo grupo; elementos como força,

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coragem, agressividade são exaltados como características fundamentais para o grupo dos homens. Em
grupos indígenas, também observamos situações muito bem definidas para a definição do gênero, a
casa das meninas e a casa dos meninos, onde o trânsito é proibido e coagido. Nascemos com poucas
opções identitárias, ou somos homens ou somos mulheres, opções estas que estão condicionadas ao
corpo com o qual nascemos. Em nosso corpo biológico, é expresso o gênero, sem que tenhamos a
liberdade de escolha. Pertencer ao sexo feminino ou masculino nos informa inúmeras possibilidades,
dentre elas, nossa capacidade e/ou incapacidade de atuação social. E nisso reside a evolução social do
gênero.

Adriana de Souza (Mestre em Ciências Sociais) - Depende de que sociedade se fala. Ainda assim
acredito que não devemos usar absolutos. Mesmo em momentos obscuros da história, houve rupturas
da ordem. Falemos de Brasil. Acredito que a sociedade brasileira ainda é muito machista – falo de
homens e de mulheres – o que sem dúvida ainda sustenta a suposta superioridade nata masculina,
assim se pode falar de uma “dominação masculina”. Não presenciamos, em nenhum outro tempo, uma
feminização da sociedade como na atualidade, as mulheres cada vez mais conquistam novos espaços,
então se ainda há uma masculinização da sociedade, ela tem sido truncada fortemente por uma
feminização deste mesmo espaço social. Um exemplo que pode ser mencionado é a chamada dupla (eu
diria múltipla) jornada que enfrentam as mulheres. A análise mostra que, embora, participem
ativamente do mercado de trabalho, acumulam funções e papéis sociais, porque existem aquelas
tarefas tidas como “femininas” que devem ser, por conseguinte, desempenhadas pelas mulheres, como
o trabalho doméstico, o cuidado com as crianças, entre outras. O mais chocante em tudo isso é que há
anuência por parte das próprias mulheres que reproduzem sua suposta função social sem
questionamentos.

IHU On-Line - A autonomia da mulher contemporânea incomoda o homem? Como ficam as


relações de gênero e as relações sociais em geral se considerarmos uma mulher mais autônoma e
mais autossuficiente em relação ao homem?

Fernanda Lemos - Mas será que a mulher contemporânea alcançou sua autonomia? O problema é que
quando falamos “da mulher contemporânea” damos esta caracterização a todas as mulheres, sejam
elas indígenas, asiáticas, brancas, latino-americanas, europeias, afrodescendentes, negras,
empobrecidas, ricas, empregadas, desempregadas, casadas, solteiras. Não existe apenas um modelo de
mulher contemporânea, existem inúmeras, cada uma com sua história sociocultural. A autonomia está
associada a uma série de fatores sociais e culturais, dentre eles aspectos de classe. É simples pensar em
uma mulher autônoma que seja de classe média e socialmente estabelecida. É difícil, porém, pensar na
autonomia de uma mulher empobrecida que depende de seu companheiro para sustentar os filhos e a si
própria. É certo que a mulher, na contemporaneidade, alcançou sua autonomia, mas vale ressaltar que
apesar de toda luta do movimento feminista e das teorias de gênero para desconstruir as desigualdades
sociais e de sexo, ainda há muita estrutura a ser balançada. Não diria que a autonomia da mulher
contemporânea incomoda o homem, mas que as transformações sociais trazidas pelo movimento
feminista e a reinvindicação das mulheres fizeram os homens repensarem a forma como a sociedade
estava organizada, e isso gerou uma crise, se considerarmos que os homens sempre foram os sujeitos
legítimos da história da humanidade.

A tão conhecida e falada “crise da masculinidade” não está associada à perda de espaço dos homens na
conquista de espaço pelas mulheres. Atualmente, sabemos que muitas mulheres sustentam sozinhas
suas casas, enfrentam uma jornada diária de trabalho e ainda educam seus filhos; que o número de
mulheres nas universidades é superior a dos homens; que dentro das religiões elas são a maioria,
apesar de ainda não ocuparem os cargos de liderança em proporção à sua participação. Poderíamos
dizer que a inserção das mulheres em campos que outrora eram considerados masculinos trouxe ao
homem um desconforto e a necessidade de reorganização de seu papel na sociedade. Os espaços
públicos sempre foram dos homens, as mulheres estavam destinadas ao espaço privado da casa e da
família. Na contemporaneidade, essa linha que demarcava o espaço público e privado, ou seja, o

109
sexo está se decompondo paulatinamente. Na verdade, ela não se tornou simplesmente autossuficiente,
mas, ocupou espaços que outrora eram exclusivamente dos homens.

Adriana de Souza - Acredito que as mudanças sociais nos compelem a vivermos tempos novos, a
reavaliarmos nossos valores e preceitos. Mas não se pode negar que as mudanças no papel do
feminino e, consequentemente, do masculino balançaram as estruturas sociais, especialmente na
segundo metade do século passado. Desde então, vários espaços e direitos historicamente negados
foram adquiridos, por causa da persistente força das mulheres em manifestar seu repúdio a essas
discriminações e exigir seus direitos de cidadãs e de sujeitos de direitos tais quais os homens. Devo
ressaltar que este é ainda um processo inacabado. A qualidade destas transformações tem sido
questionada por várias pesquisas, mas ainda assim, acho que temos mais a comemorar que a lamentar.
Assim sendo, estas mudanças incomodam a homens, a instituições - como a Igreja, tradicional por
excelência -, e, por que não dizer, a mulheres também. Todos estes agentes sociais precisam se
reencontrar após este “abalo sísmico” pelo qual passaram, e passam as estruturas sociais.

IHU On-Line - Como a senhora avalia o impacto das teorias feministas e das reivindicações das
mulheres no mundo acadêmico?

Adriana de Souza - Quando falo em transformações causadas pelo movimento feminista, a ideia de
uma trajetória em movimento me parece a melhor e o gerúndio se firma como a forma verbal que
desenha esta realidade, porque há um antes, mas não há um depois definitivo.

A categoria gênero, que se desenvolveu a partir da década de 1960 é vista como marco histórico
para este avanço das mulheres no mundo acadêmico. Efetivamente esta categoria de análise surge a
partir dos anos 1980, com o objetivo de denunciar a exclusão do feminino e de outros grupos
periféricos do conhecimento científico. De lá para cá, apesar de ser um conceito em construção, vem
sendo utilizado extensamente por muitas estudiosas e estudiosos. O advento da categoria gênero
relativiza dimensões antes fixas, como, por exemplo, a noção de história linear e progressiva que foi
substituída pela ideia de “nuances, tendências e movimentos”, ou seja, deu-se atenção às
“interrupções” da história, incluindo-as na análise, apontou-se a necessidade de se libertar de conceitos
abstratos e universais, como a ideia do homem como sujeito da história por excelência.

7º texto: Reestruturação produtiva: Taylorismo, Fordismo e Toyotismo

A revolução técnico-científica e a organização científica do trabalho

Época e caracterização: final do século XIX: mudança no papel da ciência na produção.


Ciência se transforma em propriedade capitalista: meio para estimular a acumulação do capital.
Com a Segunda Revolução Industrial, fase da nova indústria: era do aço, da eletricidade e do
petróleo.

TAYLORISMO

Idealizador: o engenheiro norte-americano Frederick Taylor (1856/1915), fundador da


“Administração Científica”; foi educado dentro de uma mentalidade de disciplina, devoção ao trabalho
e poupança. Escreveu o livro Princípios de Administração Científica (1911).
Objetivo: descobrir um método científico de direção das indústrias, visando o máximo de eficácia e
maior rendimento.
Conceito: “Método de racionalizar a produção, logo, de possibilitar o aumento da produtividade do
trabalho “economizando tempo”, suprimindo gestos desnecessários e comportamentos supérfluos no
interior do processo produtivo” (Margareth Rago)

110
Gerência primitiva: problemas
 a Administração não tinha noção clara da divisão de suas responsabilidades com o trabalhador
 muitos trabalhadores não cumpriam suas responsabilidades
 não havia integração entre os departamentos da empresa
 havia conflitos entre capatazes e operários a respeito da quantidade da produção
 em síntese: até a época do surgimento do taylorismo, cada trabalhador de ofício detinha o
conhecimento do processo de produção. Detinha, o controle dos tempos e processos de
trabalho, bem como de sua concepção. Para Taylor, os operários retardavam o ritmo da
produção, devido à ’indolência sistemática.”

Para Taylor, as indústrias de sua época padeciam de três males:

 vadiagem sistemática dos operários, que reduziam a produção para manter seus salários;
 desconhecimento, pela Gerência, das rotinas de trabalho e do tempo necessário para a sua
realização;
 falta de uniformidade das técnicas e métodos de trabalho.

Para solucionar esses males, idealizou um sistema que denominou Scientific Management e que foi
difundido sob os nomes de “Administração Científica”, Sistema Taylor, Gerência Científica,
Organização Científica do Trabalho.

Gerência Científica

No final do séc. XIX, com o desenvolvimento do capitalismo monopolista, há um crescimento das


empresas; tem-se início a formação dos trustes. Ao lado desse crescimento de empresas, há o
desenvolvimento tecnológico, aumentando-se a necessidade de se controlar as pessoas no processo
produtivo. Este momento histórico é caracterizado pelo Imperialismo.
As condições econômicas daquele momento, necessitava de um novo gerenciamento para se
ampliar a produtividade. Aí surge o Taylorismo, nova forma de administrar (gerência científica),
novas formas de controle de produção, através da Ciência.
A gerência científica significa o empenho de aplicar os métodos da ciência aos problemas
complexos do controle do trabalho nas empresas capitalistas em rápida expansão. Ela parte, não do
ponto de vista do ser humano, mas do capitalismo. Investiga a adaptação do trabalho às necessidades
do capital.
O taylorismo é uma manipulação total e brutal do ser humano no processo produtivo =
controle do tempo e movimento, o qual é determinado pelo gerente. Quando os trabalhadores perdem
o controle do processo produtivo, passa-se o controle do trabalho para o gerente e este não pode
desconhecer o processo.

O Taylorismo ou Princípios da Administração Científica, desenvolvido por Frederick W. Taylor,


surge no final do século XIX, num período marcado pelo avanço da grande indústria no ramo têxtil e
da permanência da manufatura em outras áreas produtivas.
Estes princípios de Taylor reúnem teorias sobre a racionalização do processo de trabalho,
fundamentadas em estudos e experiências que ele realizou nas oficinas. Aplicado inicialmente nos
Estados Unidos e depois, nas indústrias de todo o mundo, o método propunha uma nova organização
produtiva destinada a assegurar a maior economia de tempo possível, a partir dos seguintes fatores:
acentuada divisão social e técnica do trabalho, padronização das tarefas, sistema de remunerações
estruturado em função do rendimento pessoal e controle dos trabalhadores por parte dos supervisores.
Taylor tem como preocupação o aumento da produtividade e a superação da “anarquia na
produção”, com a utilização da administração científica. Para ele, os operários tinham uma tendência
natural para a “indolência sistemática” – produziam menos do que podiam propositadamente. A

111
“cera” no serviço era considerada uma manifestação da solidariedade de classe e da própria segurança
do emprego.
O método de Taylor não se resume a constatar que a “cera” no processo de trabalho era uma das
causas do desperdício; além dela havia a “anarquia” das formas de produção. O trabalho era ensinado
oralmente pelos próprios operários entre si, o que levava à coexistência de inúmeras formas de realizar
a mesma tarefa. Taylor considerava que, para cada tarefa e movimento dos trabalhadores, havia uma
ciência, um saber profissional. Dever-se-ia escolher a forma mais racional.
Então, Taylor elabora a teoria da administração científica, que iria classificar e sistematizar tais
conhecimentos, separando da etapa de execução as etapas de planejamento, concepção e direção das
tarefas.

Princípios do taylorismo:

a) desenvolver para cada elemento do trabalho individual uma ciência que substitua os métodos
empíricos de trabalho, isto é, é necessário reduzir o saber operário complexo a seus elementos
simples, estudar os tempos de cada trabalho decomposto, com a utilização do cronômetro nas
oficinas. Em síntese, o que este primeiro princípio estabelece é a separação das especialidades
do trabalhador do processo de trabalho.
b) selecionar cientificamente, depois treinar, ensinar e aperfeiçoar o trabalhador. Este princípio ficou
conhecido como o que estabelece a separação entre o trabalho de concepção e o de execução.
Para Taylor, a “ciência do trabalho” deve ser desenvolvida sempre pela gerência e nunca estar de
posse do trabalhador.
c) Controlar os mínimos detalhes de sua execução
d) Manter a divisão equitativa do trabalho e das responsabilidades entre a direção e o operário
e) Individualização dos salários, para quebrar toda forma de articulação e todo laço de solidariedade
entre os trabalhadores. Taylor pregava que a direção da fábrica se dirigisse a cada trabalhador
individualmente, distribuindo prêmios e gratificações.

Em síntese – Análise do Trabalho e estudo dos tempos e movimentos

O instrumento básico para se racionalizar o trabalho dos operários era o “estudo de tempos e
movimentos (motion-time study). O trabalho é executado melhor e mais economicamente por meio da
análise do trabalho, isto é, da divisão e subdivisão de todos os movimentos necessários à execução de
cada operação de uma tarefa, ou seja:
a) selecionar um pequeno grupo de trabalhadores qualificados para executar uma determinada tarefa a
ser analisada;
b) estudar a série exata de operações ou movimentos elementares que cada trabalhador repete quando
executa a tarefa a ser analisada;
c) marcar com um cronômetro o tempo necessário para executar cada um desses movimentos
elementares e selecionar a forma mais rápida de executar cada elemento da tarefa;
d) eliminar os movimentos incorretos, lentos ou inúteis;
e) reunir em uma série ordenada os movimentos melhores e mais rápidos, para definir o novo método
de trabalho.
Com isso, padronizava-se o método de trabalho e o tempo destinado à sua execução, isto é,
permite a fixação dos tempos padrões para a execução das tarefas.
Os objetivos do estudo de tempos e movimentos são:
A - eliminação de todo o desperdício de esforço humano;
B - adaptação dos operários à tarefa;
C - treinamento dos operários; especialização do operário
D - estabelecimento de normas de execução do trabalho

Divisão do Trabalho e Especialização do Operário

112
A divisão do trabalho e a especialização do operário visa a elevação de sua produtividade. Com isso,
cada operário passou a ser especializado na execução de uma única tarefa ou de tarefas simples e
elementares, para se ajustar aos padrões descritos e às normas de desempenho estabelecidas pelo
método. A limitação de cada operário à execução de uma única operação ou tarefa, de maneira
contínua e repetitiva, encontrou a linha de produção (ou linha de montagem) como sua principal base
de aplicação. Com isso, o operário perdeu a liberdade e a iniciativa de estabelecer a sua maneira de
trabalhar e passou a ser confinado à execução automática e repetitiva, durante toda a sua jornada de
trabalho, de uma operação ou tarefa manual, simples, repetitiva e padronizada. A ideia predominante
era a de que a eficiência aumenta a especialização.

Incentivos salariais e prêmios de produção

Uma vez analisado o trabalho, racionalizadas as tarefas e padronizado o método e o tempo para sua
execução, selecionado cientificamente o operário e treinado de acordo com o método preestabelecido,
resta fazer com que o operário colabore com a empresa e trabalhe dentro dos padrões de tempo
previstos. Para obter a colaboração do operário, Taylor e seus seguidores desenvolveram planos de
incentivos salariais e de prêmios de produção. A ideia básica era a de que a remuneração baseada
no tempo (salário mensal, diário ou por hora) não estimula ninguém a trabalhar mais e deve ser
substituída por remuneração baseada na produção de cada operário (salário por peça ou por
produção).

Mecanismos da administração científica

a) estudo do tempo de realização de cada tarefa


b) chefia numerosa e funcional
c) padronização dos instrumentos e dos movimentos do trabalhador
d) ideia de tarefa associada a alto prêmio para aqueles que realizam com sucesso
e) pagamento com gratificação diferencial pela execução eficiente das tarefas
f) definição do sistema de rotina

Efeitos das práticas tayloristas

a) Separação entre trabalho mental e trabalho manual.


b) Processo de trabalho é dividido entre lugares distintos de grupos de trabalhadores.
c) Degradação da capacidade técnica do trabalho
d) Oposição e resistência da classe trabalhadora à perda do conhecimento sobre o ofício, ao controle
autônomo e imposição de trabalho acerebral.

Algumas conclusões sobre o taylorismo

Os alicerces fundamentais da Administração Cientifica foram:


Comando e controle: a gerência funciona como uma ditadura benigna inspirada nos modelos de
funções militares. O gerente planeja e controla o trabalho; os trabalhadores o executam. Em suma, o
gerente deve pensar e mandar; os trabalhadores obedecer e fazer de acordo com o plano.
Uma única maneira certa (the one best way): o método estabelecido pelo gerente é a melhor maneira
de executar uma tarefa. O papel dos trabalhadores é utilizar o método sem questioná-lo.
O taylorismo separa o trabalho de planejamento do trabalho de execução, aprofundando a divisão
entre trabalho manual e trabalho intelectual existente na indústria moderna. No interior da fábrica,
o taylorismo reduz o saber operário complexo a seus elementos simples e os devolve ao operário de
forma padronizada. Assim, expropria o trabalhador de seu domínio sobre o processo de produção
“savoir-faire”, ou “saber-fazer”, ou seja, o taylorismo realiza não realiza só a expropriação do saber

113
operário, mas um verdadeiro confisco desse saber que só é retomado pelo trabalhador após sua
sistematização e adequação em proveito exclusivo do capital. Desconstruindo o saber operário em seus
gestos mais ínfimos, por meio do “estudo de tempos e movimentos”, o capital conseguiu efetuar uma
transferência de poder em todas as questões relacionadas ao desenvolvimento da produção.
* Através do princípio da cooperação entre trabalhador e gerente, desenvolve-se um relacionamento
“íntimo” entre os operários e a hierarquia gerencial para mascarar e evitar a explosão da luta de classes
no interior da fábrica.
* A forma de organização do trabalho não restringe sua influência ao interior da produção, tendo
reflexos diretos sobre a identidade do trabalhador e, consequentemente, na consciência social. A
noção de tempo útil, de Taylor, foi incorporada além das fábricas, inclusive na vida econômica. Esta
noção foi introjetada no coração de cada um de nós: guardamos um “relógio moral” que nos pressiona
contra o ócio.
* O taylorismo é uma técnica gerencial, que na produção capitalista serve à dominação de classes,
permitindo a classe dominante fazer valer seu controle e poder sobre os operários.
*Para o Taylorismo, o operário ideal é aquele do tipo boi, ou seja, fisicamente forte e politicamente
dócil, incapaz de se recusar a adotar os métodos determinados pela gerência. A estratégia era a
fabricação de indivíduos docilizados, submissos e produtivos, como o “operário-padrão” ou “gorila
domesticado” ou “homem-boi” ou “soldado do trabalho”, instaurando uma mecânica dos gestos,
controlando as suas atitudes, introduzindo novos hábitos, novos comportamentos, eliminando outros
considerados supérfluos, “racionalizando” a postura, economizando tempo, modelando a figura
trabalhador. Em síntese, o “homem-robô”, totalmente alienado, é a representação interna do homem
que este sistema carrega: forte, ativo, produtivo, massa bruta destituída de consciência, de capacidade
crítica e de criatividade. Assim, mais que domesticá-lo, pretendia impedir que ele pensasse e refletisse
sua realidade social. O trabalho repetitivo e monótono, acreditava, entorpeceria sua mente igualando-o
a animais amestrados. Contudo, segundo Gramsci, à medida que o trabalhador adapta-se ao trabalho
rotineiro, “verifica-se então que o cérebro do operário, em vez de mumificar-se, alcança um estado de
liberdade completa.” A adaptação do trabalhador se dá pela constante ajuda e vigilância da direção,
que pagará a cada homem gratificações por fazer no tempo determinado suas tarefas e por seguir as
instruções da gerência. A direção trabalha lado a lado com o trabalhador, orientando e vigiando a
aplicação das normas.
* Com o taylorismo, o controle dos trabalhadores pela gerência chega a um patamar inédito até
então. A gerência racionaliza a produção, definindo o modo e os tempos de produção; estabelecendo,
rigidamente, os rendimentos dos trabalhadores e colocando-os sob uma estrutura hierárquica que vigia
e fiscaliza a produção.
* O taylorismo garantiu o barateamento do custo do trabalho vivo pela sua conversão numa força de
trabalho indiferenciada e adaptável para realização de tarefas elementares.
* Formas de resistência dos operários ao taylorismo: absenteísmo (falta de assiduidade ao trabalho),
sabotagem, “cera”, rebaixamento da qualidade do produto, greves.

Apreciação crítica da Administração Científica (Taylorismo)

a) Mecanicismo da Administração Científica: restringiu-se às tarefas e aos fatores diretamente


relacionados com o cargo e função do operário. Deu-se pouca atenção ao elemento humano e
concebeu-se a organização como uma máquina. O homem deveria produzir como uma
máquina ou robô, uma vez que Taylor procurava conseguir o rendimento máximo, quando
deveria conseguir o rendimento ótimo
b) Superespecialização do operário: na busca de eficiência, preconizava a especialização do
operário por meio da divisão e da subdivisão de toda operação. Alcança-se uma padronização
no desempenho dos operários, pois na medida em que as tarefas vão se fracionando, a maneira
de executá-las passa a ser padronizada e isso priva os operários da satisfação no trabalho e, o
que é pior, viola a dignidade humana. A especialização do operário, através da fragmentação
das tarefas, torna supérflua sua qualificação profissional: facilita-se com isso a seleção, o
treinamento e a supervisão de pessoal. A partir daí, a divisão do trabalho contribui para

114
facilitar a execução da tarefa e permitir a constante troca de indivíduos, além de incorporar
uma força de trabalho de níveis mais baixo, ampliando mercado de trabalho. Aldous Huxley
(1894-1964) publicou em 1932 seu livro Admirável Mundo Novo no qual retrata a sociedade
do futuro em que a tecnologia é o senhor absoluto e o homem seu escravo. O homem como
escravo da máquina. O filme Tempos Modernos (1936), de Charles Chaplin, retrata cruel e
pitorescamente as agruras do operário americano robotizado e alienado pela extrema
especialização de tarefas e pelo excesso de automação dentro das fábricas. “Não sois máquina,
homem é que sois” (Charles Chaplin).
c) Visão microscópica das pessoas: O taylorismo refere-se à pessoa como um empregado
considerado individualmente, ignorando que ela é um ser humano e social. A partir de sua
concepção negativista do homem – na qual as pessoas são preguiçosas, indolentes e
ineficientes – Taylor enfatiza o papel monocrático do administrador.
d) Ausência de comprovação científica: A Administração Científica pretende elaborar uma
ciência, sem, entretanto, apresentar comprovação científica das suas proposições e princípios.
e) Limitação do campo de aplicação: As ideias de Taylor e seus seguidores limitaram-se aos
problemas de produção localizados na fábrica, não considerando os demais aspectos da vida
de uma empresa, como financeiros, comerciais etc.

FORDISMO

Idealizador: engenheiro Henry Ford (1863/1947)


Objetivo: produção em massa, onde o capital não encontrasse limites técnicos.

O Fordismo é um termo que se generalizou a partir da concepção de Antônio Gramsci


(filósofo italiano, marxista e fundador do PCI), que o utiliza para caracterizar o sistema de produção e
gestão empregado por Henry Ford em sua fábrica, a Ford Motor Co., em Highland Park, Detroit, em
1913.
Hoje, o termo tornou-se a maneira usual de se definirem as características daquilo que muitos
consideram constituir-se um modelo/tipo de produção, baseado em inovações técnicas e
organizacionais que se articulam tendo em vista a produção e o consumo em massa. Nesse sentido, o
fordismo é uma prática de gestão na qual se observa a radical separação entre concepção e execução,
baseando-se esta no trabalho fragmentado e simplificado, com ciclos operatórios muito curtos,
requerendo pouco tempo para formação e treinamento dos trabalhadores. O processo de produção
fordista fundamenta-se na linha de montagem acoplada à esteira rolante que evita o deslocamento dos
trabalhadores e mantém um fluxo contínuo e progressivo das peças e partes, permitindo a redução dos
tempos mortos. O trabalho, nessas condições, torna-se repetitivo, parcelado e monótono, sendo sua
velocidade e ritmo estabelecidos independentemente do trabalhador, que o executa através de uma
rígida disciplina. O trabalhador perde suas qualificações, as quais são incorporadas à máquina.

Princípios do Fordismo:

a) separação entre projeto e execução


b) divisão e subdivisão de tarefas, permitindo a cada movimento um tempo específico
c) introdução da linha de fluxo (correia transportadora) – sistema mecânico coordena a circulação de
peças e ferramentas e fixa o trabalhador na sua posição de trabalho.
d) mudança salarial: salário diário.

Efeitos
a) surge o trabalhador em massa em decorrência da crescente automatização da produção.
b) Separação entre os processos de concepção, produção e realização.

O fordismo introduziu como principal inovação a “linha de montagem” e a “cinta transportadora” que
permitiu instaurar o trabalho em cadeia com um fluxo contínuo. Estas inovações iniciaram-se na
indústria de automóvel (1914), onde cada auto era montado em um lugar fixo por parte de um grupo

115
de operários mecânicos entre os quais havia se estabelecida uma clara divisão técnica do trabalho. A
“linha de montagem” consiste na utilização do maquinismo para a intensificação do trabalho e de
subordinação do processo de trabalho à lógica da valorização do capital. A linha de montagem permite
a circulação de matérias primas e os operários permanecem fixos em seus postos de trabalho. O ritmo
de trabalho pode ser regulado de maneira exterior ao operário, pelo controle da gerência. Ford, a partir
daí, estabelece a produção massiva de grandes séries. A divisão do trabalho e parcelamento das tarefas
é levada ao extremo e a especialização se reduz a uma só operação que se repete constantemente com
a qual o processo de aprendizagem deve ser mais rápido. Para assegurar um aproveitamento contínuo
da força de trabalho (e assim superar as altas taxas de absenteísmo e turnover (rotatividade alta de
trabalhadores) e para debilitar a força dos sindicados, Ford não tem dúvida em aumentar a taxa de
salários quando se apresenta como necessária. A divisão do trabalho é extrema e reforça a divisão
entre o trabalho de concepção (saber apropriado pelo capital) e o trabalho de execução (concentrado
nos trabalhadores e reduzido as suas formas simples e elementares) e por outro lado, entre trabalho
intelectual (próprio dos engenheiros) e o trabalho manual (próprio dos trabalhadores). A sujeição da
força de trabalho ao capital é real e se baseia na utilização sistemática e racional da Ciência e da
tecnologia na organização do trabalho e no processo produtivo. Se reduz a autonomia do trabalhador a
uma mera execução concreta de sua tarefa. O capital se apropria de todos os elementos do processo de
trabalho. A resistência operária coincide com a crescente adesão dos trabalhadores ao processo de
democratização política. Os trabalhadores por intermédio de suas organizações sindicais, reivindicam
incrementos de salários, estabilidade, benefícios sociais, maior cobertura por parte da seguridade
social, redução da jornada de trabalho e melhores condições no meio ambiente de trabalho. Outra
forma de diferenças entre o processo de trabalho fordista e os anteriores, consiste que agora o desejo
de controlar a atividade do operário desdobra do estreito âmbito da fábrica. Ford queria também
controlar toda a vida do operário tanto dentro do trabalho, como fora dele: procurava consolidar a
família para disciplina dos instintos sexuais ; promovia a luta contra o alcoolismo, estimulava as
atividades desportivas e culturais que ajudavam a manter a eficiência e a boa forma física dos
trabalhadores.

Características do Fordismo

 introdução em 1914 da “Linha de Montagem”: utilização do maquinismo para a


intensificação do trabalho e de subordinação do processo de trabalho à lógica da valorização
do capital. A linha de montagem permite a circulação de matérias-primas e os operários
permanecem fixos em seus postos de trabalho. O ritmo de trabalho pode ser regulado de
maneira exterior ao operário pelo controle de gerência (ver o filme Tempos Modernos, 1936,
de Charles Chaplin)
 tempo de trabalho imposto pela máquina
 “savoir-faire” (saber-fazer): apropriação e transferência para a gerência científica
 the one best way (uma única maneira certa de realizar cada operação)
 produção em grande escala (em série) e padronizada + cronômetro taylorista
 five dollars day: Em 1914, Ford passou o salário de 2,3 dólares para 5 dólares por dia e a
jornada de trabalho para 8h dia, para superar as altas taxas de absenteísmo e turnover
(rotatividade) e para debilitar a força dos sindicatos. A política do “five dollars day” não era
aplicável a todos os trabalhadores. Estes deveriam ter mais de 6 meses de emprego, ser
maiores de 21 anos e homens.
 O método fordista de produção alcançou surpreendente crescimento da produtividade: a
produção anual de carros na fábrica de Detroit passou de 300.000, em 1913, para 2.000.000,
em 1923.
 Apesar do significativo desempenho, o fordismo teve dificuldades em difundir-se, mesmo nos
Estados Unidos, mas, principalmente, na Europa, e isso em razão da resistência dos
trabalhadores ao sistema de produção baseado no trabalho rotinizado e fragmentado.
 Controle da vida privada e valorização da família nuclear e monogâmica. Ford criou o
Departamento de Sociologia com o objetivo de analisar a forma como cada trabalhador
gastava seu salário. O operário tinha que se encaixar no tipo de moral requerida, a saber, ser

116
bom pai de família, ter cerca de dois filhos, com a mulher-esposa permanecendo no lar para o
bom desempenho de suas tarefas domésticas. Além disso, o trabalhador deveria “ser limpo”,
não usar tabaco ou álcool e não jogar. O benefício (de receber esse salário) poderia ser retirado
por seis meses, caso o operário incorresse num erro de conduta. Se após esse período não
tivesse “corrigido seus erros”, era mandado embora da Ford. Tudo isso implicava um misto de
paternalismo e vigilância policialesca.
 As fábricas fordizadas instituíram as “vilas operárias” circundando a própria empresa. Com
guaritas, vigilantes e funcionários que investigavam a vida privada dos trabalhadores. Investir
em alimentação, zelando por sua saúde e de sua família, e comprar bens de consumo era o
destino que o operário deveria dar ao seu salário. Não bastava subordinar a família sob a
lógica do consumo. Era necessário controlar a moralidade e as relações sociais dentro da
própria família.. Se os novos métodos de trabalho exigiam do trabalhador todas as suas
energias orgânicas, até mesmo seus instintos sexuais deveriam ser regulamentados,
controlados e racionalizados. O projeto fordista procurou reforçar a moral familiar, exigindo
do trabalhador, através de inquéritos industriais sobre sua vida íntima, a relação monogâmica
exclusiva. O trabalhador não poderia desperdiçar suas energias nervosas na busca de
satisfação sexual desordenada: “o operário que vai ao trabalho depois de uma noite de
desvarios, não é um bom trabalhador, a exaltação passional não está de acordo com os
movimentos cronometrados dos gestos produtivos ligados aos processos de automação”.
 A necessidade da a indústria controlar o corpo do operário inclui também seus prazeres. “Em
nossas fábricas, afirma Ford, ninguém fuma.” Assim, proibiu o fumo na fábrica, vigiou a
moralidade operária, exigiu a fidelidade conjugal, prescreveu como gastar os salários,
submeteu, enfim, as famílias a uma norma social de consumo.
 Estímulo às atividades esportivas e culturais que ajudavam a manter a eficiência e a boa forma
física dos trabalhadores.
 No que se refere ao contexto de países periféricos, como o Brasil, a implantação do fordismo
realizou-se em termos precários, já que o desenvolvimento industrial verificou-se em contexto
de exclusão, de forte concentração de renda, impossibilitando, portanto, a vigência das
características básicas do fordismo, ou seja, a criação de um mercado/consumo de massa,
assim como o chamado “compromisso fordista”, que implicava negociação com os sindicatos
e no qual, em troca da elevação dos níveis de produtividade, assegurava-se elevação do nível
de vida dos trabalhadores. Por essa razão, o fordismo dos países periféricos recebe
qualificativos como “fordismo periférico”, fordismo incompleto (baixos níveis de qualificação
e de escolaridade da força de trabalho, altos índices de rotatividade, baixos salários).

Disciplina das vilas operárias no Brasil (primeiras décadas do século XX). Segundo Margareth
Rago, no livro “Do cabaré ao lar”, na perspectiva da higiene pública quanto na dos industriais, a
classe operária juntamente com a população pobre é representada como animalidade pura, dotada de
instintos incontroláveis, assimilada a cheiros fortes, a uma sexualidade instintiva, incapaz de elaborar
ideias sofisticadas. O pobre é feio, animalesco, fedido, rude, selvagem, ignorante, bruto, cheio de
superstições. Aluísio Azevedo sente náuseas com o cheiro repugnante do povo amontoado nos
cortiços, gerados espontaneamente como vermes. A solução ideal preconizada pela higiene pública
desde o final do século XIX, no Brasil, é a construção de vilas operárias pelos poderes estatais ou
por capitalistas particulares, nos bairros periféricos da cidade. Através da imposição das vilas
operárias, ou seja, vilas punitivas e disciplinares, estabelece-se todo um código de condutas que
persegue o trabalhador em todos os espaços. As vilas, antíteses dos cortiços, permitem que o poder
disciplinar exerça um controle fino. Nas primeiras décadas do século XX, são construídas várias vilas
operárias, em geral ligadas a uma fábrica em São Paulo. A vila deve instaurar um espaço de conforto,
de onde o trabalhador não precisa sair nem mesmo para divertir-se. A vila-cidadela oferece aos seus
moradores a proteção e o conforto de toda uma rede de equipamentos coletivos e comerciais: creche,
escola, armazém, farmácia, bar e restaurante, quadra de esporte. O poder disciplinar cria dispositivos
que unem os membros da família, mas também entre esta e o patrão, numa mesma rede de sentimentos
de gratidão e cumplicidade. A rigorosa disciplina exercida no interior da vila não dispensa o auxílio
dos elementos da Igreja, nem mesmo dos diretores e policiais que a dirigem. Afinal, cercada por

117
muros, o acesso à vila era totalmente controlado e restrito aos seus moradores. Os trabalhadores
denunciam na imprensa anarquista que são obrigados a alugar as casas dos proprietários/senhorios,
não só pelo contrato de trabalho (afinal o aluguel era descontado no salário mensal e a fábrica só
empregava quem residisse em suas casas). Os operários são induzidos a gastarem seus salários
irrisórios nos estabelecimentos da própria fábrica, o que significa um aumento nos lucros do
capitalista. A internação dentro dos muros da fábrica, no momento do trabalho, ou dentro dos muros
da vila, nas horas de lazer, impede toda comunicação com o mundo exterior e as “aberturas de
cabeça” que, bem ou mal, possibilitam. O exercício do controle sobre os mínimos detalhes da vida
cotidiana dos empregados nas vilas operárias se faz presente nesta citação: “os costumes, igualmente,
eram objeto de zelo. Não se admitiam mulheres de vida duvidosa (mulher-dama), bêbados, nem
namoro nos portões, que eram fechados às vinte e uma horas. Qualquer infração ao regulamento era
rigorosamente punido”. Através da organização do espaço urbano, a classe dominante pode vigiar e
cercar o trabalhador minuciosamente, desde os momentos mais íntimos de sua vida diária. Todos se
conhecem, dos proprietários aos vizinhos, e se observam, se espiam, se controlam. Na Vila Maria
Zélia (São Paulo), considerada a vila-modelo do período, o toque de recolher soava às nove da noite, a
ingestão de bebidas alcoólicas era proibida, a recepção dos visitantes passava pela guarda de vigilância
instalada na guarita. A burguesia interessava-se em incentivar o casamento monogâmico e a
organização da família operária, fixando os trabalhadores ao redor de suas fábricas. Os homens
deveriam evitar os cabarés ou as “pensões de meretrizes estrangeiras, mestras em todas as artes de
gozo e no esgotar garrafas de champanhe e de uísque, corrompendo os jovens e propagando doenças
venéreas” (dados de 1915). A revolta contra a forma capitalista de organização do espaço
habitacional, manifestava-se na imprensa anarquista das primeiras décadas do século XX: “o autor
denuncia na figura do padre o exercício da dominação física e espiritual contra trabalhadores que não
se sujeitam passivamente ao seu mandonismo”. Existe um código autoritário de condutas: frequentar
assiduamente a igreja, onde as noções de tempo útil, trabalho, disciplina, produtividade / pecado /
culpa, condenação da ociosidade são veiculadas. A educação cumpre a função de determinar
comportamentos racionais: o amoldamento das “consciências infantis à submissão do domínio clérico-
capitalista.” Os poderes circulam em todos os espaços de sociabilidade do trabalhador: na fábrica, na
habitação, na escola de seus filhos, evidentemente separada por sexo, no armazém, na igreja ou no
teatro. Função corretiva, os regulamentos estipulavam sanções que visavam normalizar a vida dos
habitantes: multas, prisões, expulsão em caso de reincidência, etc. “As casas devem ser lavadas cada 8
dias e também cuidar das plantas que cada um tem na frente sob pena de multa. Os operários que são
encontrados conversando particularmente com uma moça, ou são despedidos, ou obrigados a casar.
Quem rir dentro da fábrica é multado” (A Terra Livre, 5/10/1907). Na vila operária indica-se todos os
espaços adequados para cada ato, confinando a sexualidade normalizada do casal ao quarto,
condenando as relações perigosas, interditando os encontros não-institucionalizáveis. (...) O tom
irônico da denúncia operária reforça a escola como instrumento de dominação ideológica e de
disciplinarização da criança, onde não se aprende nada que interesse à realidade concreta de cada um,
mas onde se passam conteúdos altamente moralistas e comprometidos, onde o industrial, a Igreja e o
Estado são elevados à condição de personagens principais e sacralizados.

Fábrica higiênica no Brasil: Ainda segundo Margareth Rago, antes mesmo da introdução do
taylorismo e do fordismo no Brasil, delineia-se o desejo burguês de construção da fábrica higiênica,
espaço racional e apolítico da produção. Na perspectiva do trabalho, a fábrica aparece como lugar
detestável da dominação e do aniquilamento da criatividade da classe operária. Associada às imagens
da prisão, do convento ou do exército, retratam o sistema de fábrica como dispositivo de fabricação
dos “corpos dóceis”. Resistência operária: as estratégias de luta preconizadas pelos libertários
(anarquistas), desde a sabotagem, o boicote, o roubo de peças, a destruição de equipamentos, até a
greve geral. A contestação dos regulamentos internos, o questionamento direto da hierarquia fabril são
táticas valiosas e meios de educação e de preparação do proletariado para a sua emancipação. Os
operários indisciplinados abandonavam seus empregos, desrespeitavam os regulamentos internos,
negavam-se a obedecer às normas impostas. A irregularidade do ritmo do trabalho, o absenteísmo, o
pouco comprometimento dos trabalhadores com as exigências do capital e com o novo modelo
produtivo explicam a introdução de rigorosos regulamentos internos de fábrica destinados a
constrangê-los ao trabalho. Os regulamentos internos incidem sobre a própria distribuição dos

118
indivíduos no espaço da produção de modo a impedir sua livre circulação. O despotismo da hierarquia
fabril, determinando minuciosa e arbitrariamente o cotidiano do trabalhador contradiz o discurso
ideológico da liberdade das relações contratuais. As normas disciplinam as idas e permanências no
banheiro, dispõem sobre a duração do almoço, proíbem as conversas nas horas de trabalho, instauram
uma vigilância ininterrupta através do jogo de olhares entre empregadores e empregados. A repressão
ao álcool, ao fumo, aos jogos, às diversões e aos “papos” revela a tentativa de negar o sentido
conflitual da ação operária, desqualificada como manifestação instintiva, selvagem, descontrolada e
desviante.

1945 a 1973: Modelo de desenvolvimento Fordista-Keynesianismo (Welfare State)

 Características do modelo de desenvolvimento hegemônico - fordista-keynesiano a)


rápido e prolongado crescimento internacional da produção; b) liderança do setor industrial; c)
ritmo do comércio internacional mais intenso; d) crescimento econômico do mercado interno.
 (Anos Dourados): crescimento econômico e aumento da produtividade + política
redistributivista. Onde? países da Europa ocidental.
 Sistema de “compromisso” e de “regulação”, isto é, compromisso entre capital e trabalho
mediado pelo Estado.
 A Crise de 1929, que se tornou mundial, desarticulou todos os níveis da produção burguesa.
O Estado do Bem-Estar Social apareceu como uma saída para esse tipo de crise. O inglês
John Keynes (1883-1946) elaborou uma série de princípios sobre esse tipo de Estado.
Contrariando o credo liberal, o Estado do Bem-estar Social interferiu na economia para
garantir o pleno emprego. Ele assim o fez por meio de uma política financeira (taxas de juros
insignificantes) que incentivou a iniciativa privada. Mas isso não foi suficiente para eliminar
totalmente o desemprego. O Estado teve de oferecer uma ajuda social aos desempregados. O
contrato entre empregador e empregado, garantido por lei sob proteção do Estado, passou a
estender-se até a assistência realizada pelas instituições oficiais. O custo da política social do
Estado providência foi pago com a cobrança de taxas e impostos da grande burguesia e de
alguns segmentos sociais de alto poder aquisitivo. Cobrando impostos da burguesia,
garantindo o emprego e assistência social ao trabalhador, o Estado passou a ser interpretado
como um agente redistribuidor de renda.
 Em síntese, a constituição do Welfare State – Estado do Bem-Estar Social (ganhos sociais e
seguridade social, desde que os operários abandonassem a luta pelo socialismo); salários mais
altos; política macroeconômica do pleno emprego; direitos sindicais para determinar salário. O
Welfare State socialdemocrata concebe as políticas sociais como parte do Estado, o qual deve
garantir a todos os cidadãos o acesso a bens e serviços mínimos, independente de critérios de
mérito, carências ou situações de emergência.
 movimento operário (socialdemocrata) atrelou-se ao pacto com o capital.

Conclusão sobre Fordismo

novidades:
 esteira de produção na linha de produção
 produção em massa (grande indústria)
 redução dos custos
 aumento salarial

Consequências: econômicas e políticas


 a produção em massa exige consumo em massa
 trabalhadores ganham mais
 diminuição do poder do trabalhador sobre o processo de trabalho
 pacto social entre capital e trabalho, através do Welfare State

ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2003.

119
DIMENSÕES DA CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL

Síntese sobre os limites do taylorismo/fordismo

 vigorou no século XX na grande indústria


 produção em massa de mercadorias
 aumento do ritmo do trabalho
 parcelamento e fragmentação e decomposição de tarefas
(ação mecânica e trabalho repetitivo, desumanização)
 produção em série fordista + cronômetro taylorista
 concepção e execução – apropriação do savoir-faire do trabalho e transferência para a
gerência científica
 pós-1945 erigiu um sistema de “compromisso” e de “regulação”, isto é, compromisso entre
“capital e trabalho” mediado pelo Estado
 constituição do Welfare State (ganhos sociais e seguridade social, desde que os operários dos
países centrais abandonassem a luta pelo socialismo)

A crise do taylorismo e do fordismo

Após longo período de acumulação de capitais, que ocorreu no auge do Fordismo + Keynesianismo, o
capitalismo a partir dos anos 1970, deu sinais de uma crise, cujos traços mais evidentes são:
 queda da taxa de lucro (aumento do preço da força de trabalho no período dos anos
dourados; intensificação das lutas sociais dos anos 1960; redução dos níveis de produtividade
do capital);
 esgotamento do padrão de acumulação taylorista/fordista (incapacidade de responder à
retração do consumo; desemprego estrutural);
 hipertrofia da esfera financeira (relativa autonomia frente aos capitais produtivos);
 a maior concentração de capitais (devido às fusões entre empresas monopolistas);
 a crise do welfare state (crise fiscal do Estado capitalista e retração dos gastos públicos);
 incremento das privatizações (devido à desregulamentação e flexibilização do processo
produtivo, dos mercados e da força de trabalho).

Diagnóstico da crise de produtividade

 deslocamento do capital para as finanças


 perda de lucratividade nas indústrias de transformação no final dos anos 1960
 crise do fordismo e do keynesianismo exprimia uma “crise estrutural do capital” (tendência
decrescente da taxa de lucro; desmoronamento do mecanismo de “regulação” que vigorou no
pós-guerra)

Respostas para a crise dos anos 1970

 processo de reorganização do capital e de seu sistema ideológico e político de dominação


neoliberalismo ( privatização do Estado, a desregulamentação dos direitos do trabalho e a
desmontagem do setor produtivo estatal).
 processo de reestruturação da produção e do trabalho (reorganizar o ciclo produtivo =
toyotismo)

TOYOTISMO

 conceito: sistema de organização da produção baseado em um resposta imediata às variações


de demanda e que exige, uma organização flexível do trabalho e integrada.

120
 o capital deflagrou transformações no processo produtivo = Acumulação flexível para repor
projeto de dominação societal – formas de gestão organizacional do avanço tecnológico –
toyotismo.
 sistema industrial japonês, a partir dos anos 1970, teve impacto no mundo ocidental – opção
para os países avançados, visando a superação da crise capitalista
 adaptação no Ocidente às singularidades de cada país
 toyotismo ou ohnismo nasceu na Toyota no Japão pós-1945
 Origem: as empresas japonesas precisavam ser tão competitivas quanto as americanas;
necessidade de aplicar o fordismo no Japão, mas conforme as condições próprias do
arquipélago.

Histórico e conceituação do Toyotismo ou Ohnismo ou Modelo Japonês ou Acumulação


Flexível

 modelo gerencial implantado no Japão, em um contexto peculiar: o país estava em processo


de reconstrução no pós II Guerra Mundial, vivenciando a restrição de mercado interno e
externo e a escassez de matéria-prima. Para enfrentar essa situação, buscou ganhos de
produtividade no próprio interior da empresa, intensificando a flexibilidade interna,
tornando-a mais competitiva. Isto gerou um tipo de organização fabril enxuta e buscou-se uma
maior integração e responsabilização dos trabalhadores pela qualidade do produto.
 Deming (estatístico norte-americano e um dos fundadores (1946) da American Society for
Quality Control, uma revolução na administração. Para ele seria necessário eliminar-se o
desperdício, fator considerado responsável pela elevação dos custos de fabricação dos
produtos norte-americanos. O maior desperdício seria a subutilização das pessoas. Deming e
Juran, juntamente com o engenheiro japonês Ishikawa, foram dos que mais influenciaram os
japoneses na formulação do modelo TQC, ao introduzirem seus princípios sobre Qualidade
Total no Japão, a partir dos anos 1950, na tentativa de auxiliar a recuperação da indústria
daquele país. Qualidade significaria queda nos custos em razão da eliminação daquilo que, de
fato, encareceria a produção, ou seja, defeitos/desperdícios e não-trabalho.
 modelo japonês ou TQC (Total Quality Control) é uma conjunção de inúmeros fatores
históricos, com características próprias, que dificilmente se repetiram em outros países. Ou
seja, é uma fusão de utilização de novas tecnologias com novos processos gerenciais e
organizacionais do trabalho.

Características principais da nova organização do trabalho

 base tecnológica: informática – “década de grande salto tecnológico, a automação, a robótica


e a microeletrônica invadiram o universo fabril, inserindo-se e desenvolvendo-se nas relações
de trabalho e de produção do capital”
 flexibilidade: trabalho em equipe. Integração da produção. Superação do trabalho manual
direto, fragmentado e pouco qualificado, substituição por sistemas automatizados.
 trabalho em equipe: “ao invés de se pensar em especialização e divisão rígida do trabalho,
pensa-se em flexibilização do trabalho e na criação de grupos polivalentes com relativa
autonomia para a elaboração do trabalho.
 A ênfase na cooperação expressar-se-ia na valorização do trabalho em equipe.
 Esta gestão apoia-se numa transformação cultural que atingiria a empresa como um todo,
incluindo a esfera gerencial e a alta gerência. Nesse sentido, apregoa-se a necessidade de
redução dos níveis hierárquicos e de descentralização e de autogerenciamento de
departamentos/setores/áreas, o compartilhamento de responsabilidades, a circulação de
informações e a transparência nas decisões.
 Inovação como incremento da produção e da competitividade.
 Investimento crescente em pesquisa e desenvolvimento.
 Produção não mais em série, mas condicionada ao gosto do cliente. Produção sem estoques.

121
 Perfil do trabalhador exigido: capacidade de integração, de tomar decisões rápidas, de
trabalho em equipe, responsável e leal.
 Assim, no que se refere aos trabalhadores, destaca-se a atitude de comprometimento com os
objetivos da empresa, juntamente com a adesão a uma ética do trabalho, de tal forma que ele
se transforme em preocupação central na vida do indivíduo.
 O pressuposto é que não haveria necessidade de coagir, de controlar as pessoas para que elas
desempenhassem satisfatoriamente suas funções, uma vez que “elas próprias desejam realizar-
se e alcançar metas, influenciar nas atividades e desafiar suas habilidades”.
 No que se refere às relações empregadores-empregados, a ênfase é colocada nas atitudes de
negociação, cooperação e solidariedade, uma vez que os trabalhadores (agora chamados de
“colaboradores”) são considerados os agentes da transformação da empresa. Esta postura é
uma ameaça ao movimento sindical, na medida em que as empresas tendem a adiantar-se,
tomando suas próprias iniciativas no que diz respeito a demanda dos trabalhadores e
desenvolvimento de acordos e de negociações, embasando-as em vantagens mútuas.
 O foco no cliente envolve a necessidade de se apreender a sua expectativa, o que é realizado
através de instrumentos, tais como pesquisa de mercado e conscientização dos empregados.
Entretanto, a estratégia satisfação do cliente, considerada exigência fundamental e em nome
da qual ações e iniciativas que pressionam os empregados são tomadas pela organização,
constitui-se, na verdade, em recurso para desviar o foco do motivo central – a necessidade de
garantir maior competitividade, maior produtividade e maior lucratividade.
 A nova concepção supõe mudanças culturais, cuja extensão tende a afetar as relações de
poder nas organizações.

Em suma, as características do toyotismo:

A) produção vinculada à demanda, visando atender às exigências mais individualizadas do


mercado consumidor (a empresa só produz o que é vendido), ou seja, existe um estoque mínimo
apresentado ao cliente.
B) fundamenta-se no trabalho operário em equipe, com multivariedade de funções.
C) produção se estrutura num processo produtivo flexível, que possibilita ao operário operar
simultaneamente várias máquinas.
D) tem como princípio o “just in time”, (tempo justo) o melhor aproveitamento possível do tempo
de produção.
E) funciona segundo o sistema de “kanban”, placas ou senhas de comando para reposição de peças
e de estoque.
F) as empresas têm uma estrutura horizontalizada e transfere a “terceiros”, grande parte do que
antes era produzido dentro da fábrica.
G) “gerência participativa”.
H) organização de Círculos de Controle de Qualidade, constituindo grupos de trabalhadores que
são instigados pelo capital a discutir seu trabalho e desempenho com vistas a melhorar a
produtividade da empresa.
I) combate ao desperdício e é preciso limitar o tempo de transporte, estocagem e controle de
qualidade.
j) estímulo à subcontratação com os fornecedores (geralmente os custos salariais são de 30 a 50%
inferiores)
 propostas do capital: reorganização produtiva + ideológico, culto de ideário individualista.
 Falácia da qualidade total, segundo os autores críticos: a) redução do tempo útil dos
produtos para ter reposição ágil no mercado; b) negação da durabilidade das mercadorias; c)
tendência depreciativa e decrescente do valor de uso das mercadorias; d) alta competitividade;
e) intensificação das condições de exploração da força de trabalho (reengenharia, aumento de
produtividade, GQT, empresa enxuta).

Repercussões das mutações no processo produtivo no mundo do trabalho

122
 desregulamentação e flexibilização dos direitos do trabalho;
 fragmentação no interior da classe trabalhadora;
 precarização e terceirização;
 destruição do sindicalismo de classe (conversão do sindicalismo dócil, de parceria ou
sindicalismo de empresa).

Diferenças entre Taylorismo e Toyotismo

Princípios gerenciais Taylorismo Toyotismo


Relação capital-trabalho conflito cooperação
divisão entre direção e operaçãointegração: direção e operação
relação hierarquizada relação horizontalizada
Organização processo trabalho conhecimento do trabalhador conhecimento
é (criatividade) do
transferido para a gerência trabalhador é valorizado
Relações interempresariais verticalização terceirização das empresas

Qualidade e Melhoria Contínua

O envolvimento dos funcionários na busca de soluções de qualidade constitui um aspecto


fundamental nos processos de melhoria da qualidade. A ênfase na melhoria contínua reflete a tentativa
de manter uma vantagem de qualidade ao longo do tempo sempre buscando novos meios para
melhorar incrementalmente o desempenho atual. A filosofia básica da melhoria contínua é que cada
pessoa nunca deve estar satisfeita com o que faz, mas estar sempre na busca constante do
aperfeiçoamento. Essa melhoria contínua – o chamado kaizen para os japoneses – é a alma de todo o
processo.
Uma maneira de combinar o envolvimento das pessoas e a melhoria contínua é a utilização do
conceito de círculos de qualidade (grupo de pessoas que se reúnem regularmente para discutir meios
de melhorar a qualidade de seus produtos ou serviços).

Qualidade Total é a implantação de uma filosofia de gestão que procura alcançar o pleno
atendimento das necessidades e a máxima satisfação das expectativas dos clientes em todos os
processos da organização. O envolvimento e participação de todas as pessoas em todos os níveis da
organização e a busca da melhoria constante e contínua.
Observa-se que para se alcançar à qualidade total, é necessário um “estado de espírito” de
todos os colaboradores, além do uso de métodos e técnicas de implantação e manutenção da qualidade.
Para que uma organização possa ser enquadrada como de qualidade total, deve utilizar várias
ferramentas da qualidade e sistemas de qualidade.

Segundo Juran, os critérios essenciais da qualidade total são os seguintes:


 Os administradores de topo incorporam os valore de qualidade na administração do dia a dia.
 A organização trabalha em estreita ligação com os seus fornecedores para conjuntamente
melhorar a qualidade de seus bens e/ou serviços.
 A organização treina seus funcionários em técnicas de qualidade e implementa sistema que
assegurem alta qualidade de seus produtos ou serviços.
 Os produtos ou serviços da organização devem ser tão bons ou melhores do que os de seus
concorrentes.
 A organização focaliza as necessidades e desejos do consumidor e torna os índices de
satisfação iguais ou melhores do que os de seus concorrentes.
 O sistema de qualidade da organização busca resultados concretos, como aumento da
participação no mercado e menores tempos de ciclo de produção.

Definição de qualidade e produtividade

123
Existem várias e possíveis definições de qualidade, que seguem:
 Satisfação das necessidades e expectativas dos clientes.
 Conformidade com as especificações.
 Adequação ao uso.
 Zero defeito.
 Fazer mais, melhor e mais rápido.
 Melhor relação custo x benefício.

Gerência de Qualidade Total – características principais

 As atividades devem obedecer ao ciclo PDCA (Plan – Do – Check – Action), ou seja,


planejar, executar, verificar e agir corretivamente.
 A GQT tem como objetivo geral: rebaixamento dos custos através da diminuição de
defeitos e do aumento da produtividade
 GQT é modelo de gestão que busca o envolvimento e controle de um processo de produção ou
da prestação de serviço, exigindo-se a participação de todos.
 Qualidade: é a possibilidade de produzir, fornecer produtos e serviços sem falhas; quer dizer,
“satisfação” total das pessoas, isto é, dos clientes, funcionários, acionistas das empresas e da
própria sociedade.
 Produtividade: a produção com menos trabalho, com custos mínimos, evitando-se
desperdício.
 Assim a “nova ideologia desenvolvimentista” – produzir com melhor qualidade, maior
produtividade – resultaria em menos desperdício e menos retrabalho.
 Institui dois tipos de gerenciamento: a) de rotina (para o controle das tarefas diárias, feito
pelo pessoal da operação (base); b) interfuncional (estipula as estratégias mais globais da
empresa – direção da empresa).
 Auto ativação – o trabalhador polivalente se auto administra
 Compõe-se de programas de organização do ambiente do trabalho os 5 S: Seiri, Seiton, Seiso,
Seiketsu e Shitsuke (separação, ordem, limpeza, asseio e disciplina)
 Flexibilização, terceirização, subcontratação, eliminação do desperdício, “gerência
participativa”, sindicalismo de empresa – características dos novos tempos
 Críticas ao modelo da GQT: vários críticos alertam para o processo de manipulação do afeto,
do desejo e da cognição dos trabalhadores, na medida em que objetiva formar um trabalhador
bem identificado com os interesses e com a lógica da empresa. Se por um lado, há a
diminuição da hierarquia na empresa, isto não significa um menor controle sobre o
trabalhador. Este controle é agora mais sutil e, em certa medida, mais eficaz. Ele ocorre
através dos grupos de trabalho, das metas de produtividade e mesmo do maquinário eletrônico
introduzidos nas empresas e que prestam informações sobre o menor gesto do trabalhador, de
forma mais eficaz do que qualquer olho humano. Há descontratualização das normas salariais.
 Assim, criticamente, este modelo de gerenciamento tem como núcleo: treinar massiva,
intensivamente e repetidas vezes as pessoas da organização. É preciso motivar, propiciar o
envolvimento de todos para que haja mudança de mentalidade, de cultura, de comportamentos.
É preciso favorecer a autoestima: todos pensam e podem e devem se habilitar para treinar
outras pessoas. É preciso garantir a participação de todos, pois quem conhece melhor os
problemas do processo e dos equipamentos não são as chefias, mas os operadores diretos.

TQC (Total Quality Control) no Brasil

 A difusão dos CCQs (centro de controle de qualidade) no Brasil foi muito rápida: em 1982, o
Brasil era o segundo país do mundo em termos de números de CCQ, depois do Japão. As
empresas, no entanto, implantaram os CCQs sem maiores mudanças no que diz respeito a suas
estratégias ou organização. Aqui, a implantação deu-se fundamentalmente via a Fundação
Cristiano Otoni (ligada à UFMG)

124
 Modelo impositivo, implantado via “alta gerência”, sem nenhum acordo prévio com o
trabalhador de base
 Estranhamente, o TQC ao contrário do que se observa no Japão, aqui tentou-se implantá-lo em
setores educacionais, de serviços etc
 Intensificou-se o controle sobre o trabalhador, exigindo-se maior produtividade e qualidade,
tensionando as relações no processo de trabalho, sem nenhuma contrapartida em termos de
salários, promoções, etc

Dez Princípios da Qualidade Total (Manual Sebrae)

1 º - Principio da Satisfação Total dos Clientes


Os clientes são a razão de empresa existir.Tudo deve ser feito para satisfazer os seus interesses. É
preciso conhecer os clientes e saber identificar as suas necessidades.
2º - Princípio da gerência participativa
Interação constante com os clientes, os fornecedores e a comunidade. As novas ideias devem ser
estimuladas e a criatividade deve ser uma máxima dentro da empresa. E preciso que todos os
níveis da administração estejam abertos às críticas e às sugestões. O gerente deve informar,
debater, motivar, orientar os funcionários e promover o trabalho em equipe.
3º - Princípio do Desenvolvimento Humano
Ser um indivíduo capaz de se auto dirigir e se autocontrolar, em todas as situações. O
aperfeiçoamento contínuo e a constante atualização dos conhecimentos.
4º - Princípio da Constância de Propósitos
É preciso fazer uma mudança cultural, implantar novos valores, eliminando-se os conceitos
ultrapassados. As ações devem ser planejadas.
5º - Princípio do Aperfeiçoamento Contínuo
É fundamental criar indicadores de qualidade e produtividade. Buscar um aperfeiçoamento
contínuo. Aí é que entra o poder da inovação, da ousadia, da flexibilidade de atuação e da
criatividade.
6º - Princípio da gerência de processos
Os processos só se justificam se tiverem finalidade de atender o cliente externo. Gerenciar
processos é planejar, executar, verificar se há erros e fazer correções (ciclo P-D-C-A).
7º - Princípio da Delegação
O atendimento ao cliente deve ser ágil. Todos os funcionários devem conhecer os princípios da
empresa e saber tomar decisões nos momentos necessários. O sucesso do processo de delegação
depende da capacidade de identificar o que, e para quem delegar, além de saber respaldar as ações.
8º - Princípio da disseminação de informações
Todos os funcionários da empresa devem saber divulgar os produtos e serviços da empresa. A
informação tem que circular em todos os níveis, com agilidade e precisão.
9º - Princípio da garantia da qualidade
A qualidade dos produtos e serviços é assegurada pela formalização de processos e pela
administração das rotinas. A qualidade dos produtos ou serviços não será alterada com a
substituição de pessoas.
10º - Princípio da não-aceitação de erros
Fazendo certo da primeira vez, não será preciso corrigir (evitar retrabalho). A prevenção contra
erros e a visão de aperfeiçoamento fazem parte da filosofia da GQT.

Gestão da qualidade total: os princípios e o mito

Grande moda durante os anos 1990, a Gestão da Qualidade Total, continua a ser ainda hoje uma
das ferramentas de gestão de empresas mais poderosas. Se aplicada com sucesso, a Gestão da
Qualidade Total permite reduzir custos, melhorar brutalmente a produtividade e motivar os seus
colaboradores. A sua implementação permanece, no entanto, um mito para muitas empresas.

125
A Gestão da Qualidade Total concentra-se no cliente e salienta o trabalho em equipe e gestão
participativa como forma de motivar os empregados (colaboradores) e estimular a inovação e
melhorias. Ao examinar constantemente e aperfeiçoando sistemas e processos, as empresas podem
melhorar continuamente e progressivamente ao longo do tempo.

Baseada no conceito de melhoria contínua, a Gestão da Qualidade Total é uma abordagem proativa
da produção, usada de alguma forma pela maior parte das empresas industriais. A sua origem está nos
círculos de controle da qualidade utilizados na produção japonesa. Os círculos de controle da
qualidade eram, de início, usados como instrumento moralizador, para incitar o envolvimento dos
empregados. No início dos anos 1960, a Matsushita começou a aplicar a técnica para gerir a produção.
A Gestão da Qualidade Total foi aplicada como solução para a baixa produtividade, a produção
defeituosa, a paralisia burocrática e os problemas com empregados.

Os trabalhadores são formados na utilização de medidas de controle da qualidade e em meios de


analisar a produção e distribuição de forma a melhorar a eficácia e a qualidade.

Os princípios básicos da Gestão da Qualidade Total são:

 Produzir bens ou serviços que respondam concretamente às necessidades dos clientes;


 Garantir a sobrevivência da empresa por meio de um lucro contínuo obtido com o domínio da
qualidade;
 Identificar o problema mais crítico e solucioná-lo pela mais elevada prioridade;
 Falar, raciocinar e decidir com dados e com base em fatos;
 Administrar a empresa ao longo do processo e não por resultados;
 O cliente é tudo. Não se permitir servi-lo se não com produtos de qualidade;
 A prevenção deve ser a tão montante quanto possível;
 Na lógica anglo-saxônica de "trial and error", nunca permitir que um problema se repita;

Porque é tão difícil implementar com sucesso a Gestão da Qualidade Total?

Em primeiro lugar, porque a Gestão da Qualidade Total é mais do que uma simples ferramenta de
gestão: implica uma profunda mudança na filosofia da empresa. O enfoque no cliente é o principal
motivador da estratégia e da organização da empresa. Como tal, a Gestão da Qualidade Total deverá
abranger todas as áreas da empresa: produção, marketing, vendas, financeira, investigação e
desenvolvimento, entre outras. Muitas empresas aplicam os princípios da Gestão da Qualidade Total
apenas à produção, ignorando que a filosofia deve ser holística, apoiando-se num princípio de
satisfação de clientes internos e externos.

A área financeira, por exemplo, serve às outras áreas da empresa, como se de clientes externos se
tratasse. Tem como missão fornecer o capital necessário às operações, otimizar a tesouraria, fornecer
informação de gestão, entre várias outras atividades. A mesma abordagem por processos deve ser
implementada à área financeira, assim como os princípios de satisfação do cliente e melhoria contínua.

Em segundo lugar, é difícil implementar a Gestão da Qualidade Total porque as empresas não medem
a performance dos processos. Seja por falta de tecnologia própria ou por falta de outros meios, se não
se pode medir a eficácia dos processos da empresa, não se pode gerir por processos. A filosofia de
melhoria contínua cai por terra.

Quando falamos em satisfação do cliente, temos de ser capazes de colocar um número, um índice que
nos indique até que ponto os nossos clientes estão satisfeitos. Na prática, pode ser difícil implementar
um sistema destes. Os clientes nem sempre estão dispostos a colaborar, muitas vezes são influenciados
pela pessoa que os questiona sobre a sua satisfação, a metodologia de abordagem ao cliente pode ser
melhor ou pior, a tecnologia nem sempre está disponível, enfim, há todo um conjunto de barreiras que
limitam a mensuração do indicador mais crítico de um sistema de Gestão da Qualidade Total.

126
Portanto, na mensuração da performance de processos é necessário desenvolver um sistema e afetar
recursos, o que na maior parte dos casos não acontece. Por exemplo, é fundamental medir o tempo de
resposta às reclamações de clientes, o número de encomendas não satisfeitas por rupturas de estoques,
a satisfação e motivação dos colaboradores.

Críticas ao modelo da qualidade total

Vários críticos alertam para o processo de manipulação do afeto, do desejo e da cognição dos
trabalhadores, na medida em que objetiva formar um trabalhador bem identificado com os interesses e
com a lógica da empresa.

Se por um lado, há a diminuição da hierarquia na empresa, isto não significa um menor controle
sobre o trabalhador.

Este controle é agora mais sutil e, em certa medida, mais eficaz. Ele ocorre através dos grupos de
trabalho, das metas de produtividade e mesmo do maquinário eletrônico introduzidos nas empresas e
que prestam informações sobre o menor gesto do trabalhador, de forma mais eficaz do que qualquer
olho humano. Há descontratualização das normas salariais.

O trabalho é constantemente flexibilizado e é intensificado ao máximo; é contratado um mínimo de


operários, que executam o máximo de horas extras; o sindicato é totalmente vinculado ao patrão; a
contratação de trabalhadores é reduzida (agora os operários ou são subcontratados ou são temporários,
dependendo das condições e das demandas do mercado); há a implantação da terceirização, que
provoca a segmentação dos trabalhadores, a precarização do trabalho e o enfraquecimento dos
sindicatos, em que direitos trabalhistas são flexibilizados ou até mesmo eliminados.

No toyotismo’ é a vigência da "manipulação" do consentimento operário, objetivada em um conjunto


de inovações organizacionais, institucionais (e relacionais) no complexo de produção de mercadorias.

A vantagem competitiva através da qualidade

A administração para o alto desempenho e a vantagem competitiva constituem o tema central


das organizações de hoje. A palavra de ordem é qualidade. As demandas competitivas de uma
economia globalizada constituem uma importante força na corrida para chamada qualidade total. Os
padrões de qualidade estabelecidos pela International Standards Organization – ISO – uma entidade
criada em 1946 e sediada na Suíça, estão sendo adotados em quase todos os países do mundo. Os
princípios que norteiam a ISO 9000 foram desenvolvidos em 1987 para padronizar as normas de
gestão de qualidade nas organizações. O certificado ISO 9000 é uma espécie de diploma que atesta
que organização cumpre as normas de gestão de qualidade estabelecidas pela ISO.

Ênfase na competitividade

A competitividade significa a capacidade de uma organização oferecer produtos e serviços


melhores e mais baratos, mais adequados às necessidades e expectativas do mercado, trazendo
soluções inovadoras ao cliente. No fundo, competitividade significa fazer mais e melhor do que as
outras organizações, a um custo mais baixo e provocando uma satisfação maior do cliente ou usuário.
Na década de 1990, as técnicas de redução e de enxugamento, como a reengenharia de
processos, as fábricas enxutas, o just in time, as organizações virtuais, as organizações em redes de
equipes, provocaram o aparecimento de novas ideias sobre como tocar os negócios de maneira mais
simples, ágil e competitiva.

As condições do sucesso empresarial no século 21 (Chiavenato)

127
• Um compromisso irremovível e totalmente sincero da alta administração em inovar e melhorar
continuamente a qualidade e a produtividade na organização.
• Uma estrutura organizacional enxuta e flexível, capaz de aproximar as pessoas da alta direção
e incrementar a inovação, a qualidade e a produtividade.
• O ensino constante de atitudes e a capacitação de habilidades a todas as pessoas para inovar e
resolver os problemas operacionais, desde o topo até a base.
• A oferta de constantes oportunidades para que as pessoas possam inovar e resolver os
problemas operacionais da organização.
• Uma nova cultura de inovação, de participação e de envolvimento emocional de todas as
pessoas no negócio da organização, através do esforço coletivo e do trabalho em equipe.
• Liderança na inovação e na utilização das técnicas de solução de problemas operacionais.
• Recompensas organizacionais às pessoas pela inovação e pelas soluções bem-sucedidas dos
problemas operacionais.
• Total focalização no cliente e no atendimento de suas expectativas e necessidades.
• Continuidade a longo prazo do programa de inovação e de melhoria contínua da qualidade e
produtividade.

Referências Bibliográficas

ALVES, Giovanni. O novo e precário mundo do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2000.
ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2000.
BRAVERMAN, Harry. Trabalho e capital monopolista. Rio de Janeiro: Guanabara, 1988.
CATTANI, Antonio David (org) Trabalho e Tecnologia – Dicionário Crítico. Petrópolis: Vozes, 1997.
CHIAVENATO, Idalberto. Teoria Geral da Administração. Rio de Janeiro: Campus, 2001.
______________________. Administração nos novos tempos. 2. ed. Rio de Janeiro: Campus, 2010.
FERRER, Florência. Reestruturação produtiva. São Paulo: Moderna, 1998.
GOUNET, Thomas. Fordismo e Toyotismo na civilização do automóvel. São Paulo: Boitempo, 1999.
HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1993.
RAGO, Margareth. O que é taylorismo. São Paulo: Brasiliense, 1982.
_______________. Do cabaré ao lar – a utopia da cidade disciplinar – Brasil 1890-1930. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1985.

Textos sintetizados e organizados pelo professor Altamir Fernandes

8º Texto: Globalização, Neoliberalismo e Crise Financeira Mundial

Neoliberalismo

Conceituação: denominação de uma corrente doutrinária do liberalismo que se opõe ao modelo


econômico keynesiano e retoma algumas das posições do liberalismo clássico, preconizando a
minimização do Estado, a economia com plena liberação das forças de mercado e a liberdade de
iniciativa econômica.
Origem: o termo neoliberalismo surgiu nas décadas de 1930-40, no contexto da recessão (iniciada
com a quebra da Bolsa de New York, em 1929) e da Segunda Guerra Mundial (1939-45). Ao final da
Segunda Guerra Mundial, a intervenção estatal na economia, que já havia sido implementada na
experiência do New Deal (Nova Política), durante a década de 1930, foi retomada em função das
necessidades da reconstrução. Nesse contexto, constituiu-se o “Estado do Bem-Estar Social” (Welfare
State), caracterizado pela construção de uma extensa rede de proteção social, cujas bases
fundamentavam-se na atuação do Estado em diversas instâncias, tais como: previdência, educação,
saúde, habitação popular, etc. Outras medidas foram implementadas visando a uma melhor
distribuição de renda por meio da elevação dos salários, da consolidação de conquistas sociais. Essa
ação se inseriu no contexto da Guerra Fria, pois se tratava de “humanizar” o mundo do trabalho,
objetivando afastar a “ameaça vermelha” e a atração da ideologia socialista.
No entanto, na década de 1970, principalmente devido aos “choques do petróleo” (elevação do preço
do barril de petróleo), ocorridos em 1973 e 1979, instalou-se a crise do Welfare State. A estagnação

128
da economia mundial fez com que, em diversos países, os governos reduzissem os recursos aplicados
na proteção social. Reapareceu como programa de governo em 1979, na Inglaterra (governo Thatcher)
e no início da década de 1980, nos Estados Unidos, governo Reagan. Seu ressurgimento deveu-se à
crise do modelo econômico keynesiano de Estado de bem-estar social ou Welfare State. Tal modelo
tornara-se hegemônico, a partir do término da II Guerra Mundial, defendendo a intervenção do Estado
na economia com a finalidade de gerar democracia, soberania, pleno emprego, justiça social, igualdade
de oportunidades e a construção de uma ética comunitária solidária. Desde os governos de Thatcher e
Reagan, as ideias e propostas do neoliberalismo de mercado passaram a influenciar a política
econômica mundial, em razão, sobretudo, de sua adoção e imposição pelos organismos financeiros
internacionais como o FMI e o Banco Mundial. Foi nesse contexto que ressurgiram, especialmente na
Inglaterra e nos Estados Unidos, as ideias do economista austríaco (naturalizado inglês) Friedrich
Hayek (1899-1992).
Thatcher (Inglaterra,1979-90, do Partido Conservador), Reagan (Estados Unidos, 1980-88), Khol
(1982, Alemanha), Schluter (1983, Dinamarca) aplicaram os princípios neoliberais, observando-se
como resultados: o corte de gastos sociais, o aumento do desemprego, o recuo do movimento sindical,
a redução dos impostos para os mais ricos, a concessão de total liberdade ao setor financeiro.
* Medidas neoliberais de Thatcher: elevação das taxas de juros; redução de impostos sobre os
rendimentos altos; abolição de controles sobre os fluxos financeiros; criação de níveis de desemprego
enormes; nova legislação anti-sindical; cortes de gastos sociais; e programa de privatização de
empresas estatais de água, aço, eletricidade, petróleo e gás.

Pensadores: Ludwig von Mises, Hayek, Milton Friedman.


Características: Critica o paternalismo estatal e a crescente estatização e regulação social que atuam
sobre as liberdades fundamentais do indivíduo por meio de interferências arbitrárias, pondo em risco a
liberdade política, econômica e social (Hayek). A liberdade econômica é tida como condição para a
existência das demais liberdades, como a política, a individual, a religiosa, etc. Desse modo, o
mercado é tido como princípio fundador, auto unificador e autorregulado da sociedade.
Defende a economia de mercado dinamizada pela empresa privada, ou melhor, a liberdade
total do mercado, e ainda o governo limitado, o Estado mínimo e a sociedade aberta, concorrencial /
competitiva. Opõe-se radicalmente às políticas estatais de universalidade, igualdade e gratuidade dos
serviços sociais, como saúde, seguridade social e educação.

Consenso de Washington (1989): conjunto de regras e medidas estabelecidas pelo G-7 para os
demais países se ajustarem à nova realidade econômica mundial.
Esta expressão “Consenso de Washington” surgiu numa conferência organizada em
Washington, em novembro de 1989, pelo Institute for International Economis e patrocinado pelo
Banco Mundial, pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelo governo norte-americano, para
discutir políticas econômicas para a América Latina. Nesse encontro, foi esboçada toda uma política
reformista para a América Latina, de acordo, com os interesses norte-americanos e dos demais países
do G-7.
A política de reformas – princípios neoliberais – pode ser assim resumida:
a) controle do déficit fiscal
b) corte de gastos públicos
c) reforma tributária
d) administração da taxa de juros
e) política comercial de abertura do mercado e liberação de importações
f) liberdade para a entrada de investimentos externos
g) privatização das empresas estatais
h) desregulamentação da economia, eliminação de barreiras, flexibilização de leis trabalhistas
i) abertura ao sistema financeiro
j) redisciplinamento do mundo do trabalho

Traços mais evidentes do projeto político-econômico-social do neoliberalismo de mercado:

 desregulamentação estatal e privatização de bens e serviços;

129
 abertura externa;
 liberação de preços;
 prevalência da iniciativa privada;
 redução das despesas e do déficit públicos;
 flexibilização das relações trabalhistas e informalização nos mercados de trabalho;
 cortes dos gastos sociais, eliminando programas e reduzindo benefícios;
 supressão dos direitos sociais;
 programas de descentralização com incentivo aos processos de privatização;
 arrocho salarial / queda do salário real;
 terceirização de serviços.

Segundo o historiador marxista Perry Anderson, crítico contundente dos princípios


neoliberais, os defensores do neoliberalismo advogam as seguintes medidas:

 Necessidade de “quebrar” a resistência dos sindicatos, pois o excessivo poder destes


gerava aumentos salariais e gastos crescentes dos Estados na área social. Esse quadro corroía o
processo de acumulação capitalista, inibindo novos investimentos nas atividades produtivas.
 Um rigoroso controle do déficit público visando à construção do “Estado mínimo”, no
qual a disciplina orçamentária seria alcançada por meio de uma drástica redução da atuação do Estado
no campo social. Ao mesmo tempo com as privatizações, o “Estado mínimo” seria mais facilmente
consolidado.
 Transferência para a iniciativa privada de serviços até então a cargo do Estado, como a
educação e a saúde públicas e o sistema previdenciário.
 Estabilidade monetária, que seria alcançada uma vez atingidas as metas de controle do
déficit público.
 Restauração de uma “taxa natural de desemprego”, que seria alcançada à medida que se
“quebrasse a espinha dorsal” do movimento sindical, criando-se assim um “exército de reserva” de
trabalhadores, o que implicaria em reduções salariais e maior acumulação capitalista.
 Reforma fiscal voltada para a redução dos impostos das grandes empresas e das grandes
fortunas, o que implicaria em maior disponibilidade de recursos a serem investidos nas atividades
produtivas.
 Não intervenção do Estado nas relações entre capital e trabalho, possibilitando uma
significativa flexibilização que se traduzia no aumento dos mecanismos informais de trabalho – uma
precarização do trabalho.

Política Neoliberal no Brasil

* Governos Collor (1990-92), Itamar Franco (1992-94) e Fernando Henrique Cardoso - FHC
(1995-2002) e a política econômica conservadora do Ministério da Fazenda (Palocci) e Banco Central
no governo Lula
* Plano Real (1994): política de estabilização econômica, baseada:
a) sobrevalorização da moeda nacional (âncora cambial)
b) abertura econômica irresponsável (inserção subordinada)
c) política monetária que elevou os juros para atrair capital especulativo internacional
d) desregulamentação dos direitos sociais

Problemas gerados pelo Plano Real na era FHC


* crescimento do déficit público
* aumento da dívida interna e da dívida externa
* recessão e baixo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB)
* aumento da taxa de juros
* exclusão social, desemprego e precarização do trabalho

Plano político do governo FHC (1995-2002)

130
* apoio irrestrito da mídia neoliberal
* discurso hegemônico neoliberal
* fisiologismo para se obter ampla maioria congressual
* articulação com as forças políticas de direita

Esfera pública x Esfera mercantil


por Emir Sader, 26/08/2010

O neoliberalismo é a realização máxima do capitalismo: transformar tudo em mercadoria. Foi


assim que o capitalismo nasceu: transformando a força de trabalho (com o fim da escravidão) e as
terras em mercadorias. Sua história foi a crescente mercantilização do mundo.
A crise de 1929 – de que o liberalismo foi unanimemente considerado o responsável – gerou
contra tendências, todas antineoliberais: o fascismo, o modelo soviético (com eliminação da
propriedade privada dos meios de produção) e o keynesianismo (com o Estado assumindo
responsabilidades fundamentais na economia e nos direitos sociais).
O capitalismo viveu seu ciclo longo (Anos Dourados) mais importante do segundo pós-
guerra (1945) até os anos 1970. Quando foi menos liberal, foi menos injusto. Vários países –
europeus, mas também a Argentina – tiveram pleno emprego, os direitos sociais foram gradualmente
estendidos no que se convencionou chamar de Estado de bem-estar-social.
Esgotado esse ciclo, o diagnóstico neoliberal triunfou, voltando de longo refluxo: dizia que
o que tinha levado a economia à recessão era a excessiva regulamentação. O neoliberalismo se propôs
a desregulamentar, isto é, a deixar circular livremente o capital. Privatizações, abertura de mercados,
“flexibilização laboral” – tudo se resume a desregulamentações.
A hegemonia neoliberal se traduziu, no campo teórico, na imposição da polarização
estatal/privado como o eixo das alternativas. Como se sabe, quem parte e reparte fica com a melhor
parte – privado – e esconde o que lhe interessa abolir – a esfera pública. Porque o eixo real que preside
o período neoliberal se articula em torno de outro eixo: esfera pública/esfera mercantil.
Porque a esfera do neoliberalismo não é a privada. A esfera privada é a esfera da vida
individual, da família, das opções de cada um – clube de futebol, música, religião, casa, família, etc..
Quando se privatiza uma empresa, não se colocam as ações nas mãos dos indivíduos – os
trabalhadores da empresa, por exemplo -, se jogam no mercado, para quem possa comprar. Se
mercantiliza o que era um patrimônio público.
O ideal neoliberal é construir uma sociedade em que tudo se vende, tudo se compra, tudo sem
preço. Ao estilo shopping center. Ou do modo de vida norte-americano, em que a ambição de todos
seria ascender como consumidor, competindo no mercado, uns contra os outros.
O neoliberalismo mercantilizou e concentrou renda, excluiu de direitos a milhões de pessoas
– a começar os trabalhadores, a maioria dos quais deixou de ter carteira de trabalho, de ser cidadão,
sujeito de direitos -, promoveu a educação privada em detrimento da pública, a saúde privada em
detrimento da pública, a imprensa privada em detrimento da pública.
O próprio Estado se deixou mercantilizar. Passou a arrecadar para, prioritariamente, pagar
suas dívidas, transferindo recursos do setor produtivo ao especulativo. O capital especulativo, com a
desregulamentação, passou a ser o hegemônico na sociedade. Sem regras, o capital – que não é feito
para produzir, mas para acumular – se transferiu maciçamente do setor produtivo ao financeiro, sob a
forma especulativa, isto é, não para financiar a produção, a pesquisa, o consumo, mas para viver de
vender e comprar papéis – de Estados endividados ou de grandes empresas -, sem produzir nem bens,
nem empregos. É o pior tipo de capital. O próprio Estado se financeirizou.
O neoliberalismo destruiu as funções sociais do Estado e depois nos jogou como alternativa
ao mercado: se quiserem, defendam o Estado que eu destruí, tornando-o indefensável; ou venham
somar-se à esfera privada, na verdade o mercado disfarçado.
Mas se a esfera neoliberal é a esfera mercantil, a esfera alternativa não é a estatal. Porque há
Estados privatizados, isto é, mercantilizados, financeirizados; e há Estados centrados na esfera pública.
A esfera pública é centrada na universalização dos direitos. Democratizar, diante da obra neoliberal, é
desmercantilizar, colocar na esfera dos direitos o que o neoliberalismo colocou na esfera do mercado.
Uma sociedade democrática, pós-neoliberal, é uma sociedade fundada nos direitos, na igualdade dos

131
cidadãos. Um cidadão é sujeito de direitos. O mercado não reconhece direitos, só poder de comprar, é
composta por consumidores.
Na esfera da informação, houve até aqui predomínio absoluto da esfera mercantil. Para emitir
notícias era necessário dispor de recursos suficientes para instalar condições de ter um jornal, um
rádio, uma TV. A internet abriu espaços inéditos para a democratização da informação.
A democratização da mídia, isto é, sua desmercantilização, a afirmação do direito a
expressar e receber informações pluralistas, tem que combinar diferentes formas de expressão e de
mídia. A velha mídia é uma mídia mercantil, composta de empresas financiadas pela publicidade,
hoje aderida ao pensamento único. Uma mídia composta por empresas dirigidas por oligarquias
familiares, sem democracia nem sequer nas redações e nas pautas dos meios que a compõem.
A nova mídia, por sua vez, é uma mídia barata nos seus custos, pluralista, crítica. O novo
espaço criado pelos blogueiros progressistas faz parte da esfera pública, promove os direitos de todos,
a democracia econômica, política, social e cultural. A esfera pública tem expressões estatais, não-
estatais, comunitárias. Todas comprometidas com os direitos de todos e não com a seletividade e a
exclusão mercantil.

Consequências das políticas neoliberais na América Latina

* Aumento do desemprego estrutural.


* Transferência de custos sociais para setores populares.
* Exclusão social e crescimento da violência.
* Redução de gastos sociais nas áreas de educação, saúde
* Esvaziamento do movimento sindical e novas legislações conservadoras.
* Diminuição da taxa de inflação.
* Acirramento da competitividade global.
* Recuperação da taxa de lucros.
* Reforma fiscal para incentivar os investimentos privados e redução de impostos sobre o capital.
* Abolição do controle estatal sobre o fluxo financeiro.
* A moeda nacional se reduz a um apêndice do dólar.
* Aumento da dívida interna e também da dívida externa.
* Vasto programa de privatização.

Considerações finais

 neoliberalismo e os impactos nos direitos sociais (flexibilização)


 crise no neoliberalismo na América Latina
 resistência de governos latino-americanos ao neoliberalismo: Lula e Dilma (Brasil), Chávez e
Maduro (Venezuela), Morales (Bolívia), Nestor e Cristina Kirchner (Argentina), Fidel e Raul
Castro (Cuba), Rafael Correa (Equador) e outros

GLOBALIZAÇÃO E SEUS (DES)CAMINHOS

Introdução

O termo “globalização” foi utilizado pela primeira vez em 1985, em um trabalho de Theodore
Levitt denominado “A globalização dos mercados”. Com esse termo pretendia-se caracterizar as
grandes transformações ocorridas na esfera econômica mundial nos anos que se seguiram ao colapso
da ordem bipolar, com uma notável expansão do capitalismo no contexto do desaparecimento das
economias de planejamento centralizado.
“Os povos de Porto Alegre e os povos de Davos - New York se batem pela globalização. Qual
globalização? Os poderosos, e por isso são poderosos, se apropriaram da palavra globalização e lhe
impuseram uma significação que serve a seus interesses. É o processo mundial de homogeneização do
modo de produção capitalista, de globalização dos mercados e das transações financeiras, do

132
entrelaçamento das redes de comunicação e do controle mundial das imagens e das informações. A
lógica que a preside é a competição de todos com todos”. (Leonardo Boff)

Conceito:
 “Etapa recente (pós-1980) e mais avançada do processo de internacionalização da economia”
(Luciano Coutinho, economista da UNICAMP)
 Conjunto de transformações na ordem política e econômica mundial – integração dos
mercados numa “aldeia global”, explorada pelas empresas transnacionais.
 Fenômeno sócio histórico contraditório e complexo que caracteriza uma nova etapa de
desenvolvimento do capitalismo.

Dimensões da globalização

a) globalização como ideologia (na política) – disseminada pela mídia


b) globalização como mundialização do capital (na economia e sociedade)
c) globalização como processo civilizatório (vinculado ao desenvolvimento das forças
produtivas), isto é, aos avanços da 3a. Revolução Industrial ou Tecnológica.

Faces da globalização econômica

 financeira (o capital sem pátria)


 comercial (comércio para todos)
 produtiva (produzir em qualquer lugar)
Críticas e mitos (ou ideologias) ao conceito de globalização (Hirst e Thompson)

 é um processo sem precedentes (fenômeno irreversível) – nações devem aderir


incondicionalmente ao mercado global
 é apresentada como uma fatalidade – fora dela não há alternativa para as economias (Estado
seria impotente) – ligado à lógica do “darwinismo social”
 é um processo sem controles (comandado por forças impessoais do mercado)
 é democrático e possibilita o desenvolvimento

Características da globalização

a) aceleração da mudança tecnológica (3ª Revolução Industrial ou Tecnológica);


b) reorganização dos padrões de gestão e organização da produção através da GQT;
c) crescente hegemonia do capital financeiro (tem autonomia em relação aos bancos centrais e
amplia o seu controle sobre o setor produtivo); fuga de capitais voláteis
d) concentração do capital em grandes oligopólios internacionais e em setores vitais do processo
produtivo. Segundo pesquisa da revista Fortune, de 1998, as dez principais corporações do mundo
(General Motors, Daimler-Chrysler, Ford Motors, Wal-Mart, Mitsui, Itochu, Mitsubishi, Exxon,
General Eletric e Toyota Motors) tiveram um faturamento de 1,2 trilhão de dólares nesse ano,
valor 50% maior que o PIB brasileiro de 1998;
e) crescente fusão de empresas (formação de trustes) para reduzir custos e ganhos de escala de
produção, além de maior inserção numa economia cada vez mais competitiva e globalizada;
f) internacionalização dos processos de produção, tanto em escala mundial como regional;
g) ausência de um padrão monetário mundial estável;
h) liberalização e expansão do comércio internacional num volume jamais visto, possibilitando a
integração total de praticamente todos os mercados do mundo e superando fronteiras geográficas e
barreiras histórico-culturais;
i) formação de megamercados ou grandes blocos econômicos, com o intuito de se alcançar maior
integração regional e consequente expansão de mercados. Nesse sentido, numa tendência

133
aparentemente contraditória da globalização, verifica-se a regionalização de mercados com o
estabelecimento de barreiras protecionistas entre os megablocos. Isso explica, por exemplo, as
dificuldades de acesso do agronegócio brasileiro na União Europeia.
j) a terceirização de amplos setores da cadeia produtiva;
k) a desterritorialização do capital em função do surgimento de um mercado financeiro global que
transaciona bilhões de dólares em todo o mundo. “São bilhões de dólares a circular globalmente
em tempo real. A velocidade de circulação desse capital é fantástica e sua volatilidade também.
Países são levados de roldão e mergulhados em crises profundas, os estados nacionais e seus
respectivos bancos centrais são inoperantes frente a esta avalanche de dólares globalizados.”
(economista Ari Zenha)
l) nova divisão internacional do trabalho;
m) a contínua dissolução do mundo agrário e alteração das condições de vida e de trabalho no
campo – alterações nos processos produtivos do meio rural e disseminação, nas áreas rurais, de
valores socioculturais típicos do mundo urbano;
n) comprometimento da soberania nacional e a redefinição do papel tradicional do Estado-
nação, considerando-se que os grandes grupos financeiros e empresas agem em escala planetária,
independentemente das decisões governamentais. A constituição de um mercado global
integrado tem garantido ao grande capital internacional uma liberdade de ação que se sobrepõe
aos interesses nacionais;
o) a emergência de uma sociedade global de perfil crescentemente homogeneizado e caracterizada,
também, pela ampliação das desigualdades, tensões, contradições e carências;
p) organização do processo produtivo – flexibilização do trabalho e do trabalhador;

Resistências à Globalização

Pode-se perceber que o capitalismo globalizado vem comprometendo as particularidades


culturais dos povos. Observa-se, ao mesmo tempo, uma reação a essa tendência que procura resgatar e
preservar valores culturais específicos.

 A sedutora ideologia da globalização, apresenta o fenômeno como algo inexorável, contra o


qual não há alternativa. Para Fernando Henrique Cardoso (FHC), a “globalização era uma
realidade contra a qual não havia como lutar. O que o país deveria fazer era simplesmente
adaptar-se à nova realidade”.
 No entanto, as contradições decorrentes da globalização e, em particular, as que geraram um
aprofundamento no fosso entre as economias capitalistas centrais e as economias capitalistas
periféricas têm levado, a um progressivo desencanto com a chamada economia global.
 A percepção dos graves problemas criados pela globalização tem se tornado cada vez mais
ampla Dentre eles, notadamente para os países do então chamado “Terceiro Mundo”,
destacam-se:
a) a inexpressiva presença das economias do Terceiro Mundo no volume total do comércio
internacional;
b) a intensificação do controle do capital estrangeiro sobre setores vitais das economias de países
em desenvolvimento;
c) o agravamento das desigualdades socioeconômicas, devido à exigência de novas habilidades e
competências no mundo do trabalho;
d) o crescente processo de exclusão do mercado de trabalho da mão de obra menos qualificada às
exigências da nova economia;
e) a queda dos preços de seus produtos agrícolas ou de suas matérias-primas (commodities),
aviltados porque os países desenvolvidos impõem medidas protecionistas e subsídios

 Crescimento dos protestos antiglobalização, a partir de maio de 1998 em Genebra, Suíça.


Intelectuais, ativistas políticos de matizes ideológicas diversas, ONGs e a própria Anistia

134
Internacional procuram se fazer ouvir numa onda crescente de protestos contra os perversos
efeitos sociais da globalização.
 O I Fórum Social Mundial, realizado em janeiro de 2001, em Porto Alegre, como
contraponto ao Fórum Econômico Mundial, de Davos (Suíça – desde 1971 tem cumprido o
papel estratégico na formulação do pensamento dos que promovem e defendem as políticas
neoliberais em todo o mundo. Sua base organizacional é uma fundação suíça e financiada por
mais de mil empresas multinacionais). O Fórum Social Mundial apresentou alternativas às
políticas neoliberais e à globalização, por meio de debates que contaram com a participação de
ONGs nacionais e estrangeiras; reuniu representantes de 122 países com o objetivo de inserir,
na pauta da globalização, os princípios fundamentais da solidariedade humana. Ele denuncia a
perplexidade e a angústia de muitos com a economia globalizada.

Globalização e território – Tânia Bacelar

A inserção do Brasil no sistema global ocorreu com a própria conquista e colonização do território. E
deixou-nos três heranças: a vastidão do espaço geográfico, a forte assimetria regional e as
escandalosas desigualdades sociais. Mas, os últimos anos, o país tem mudado. E é preciso reconhecê-
lo.

A palavra globalização é um neologismo: só aparece na literatura na década de 1980, mas,


como demonstra François Chesnais, a globalização é uma etapa específica, muito avançada, do velho
processo de internacionalização do capital. E o processo de internacionalização é um dos movimentos
estruturais e estruturantes do capitalismo. Na intensidade e na extensão com as quais tal processo se
manifesta hoje, ele é novo – e a palavra globalização pretende expressar tal novidade. Mas o
movimento começa no século XVI, quando o capitalismo se firma, e vem acompanhando esse modo
de produção ao longo de suas várias fases.
Para o Brasil, isso é muito importante, porque o país engatou no movimento de
internacionalização em seu próprio nascedouro. O “descobrimento” do território americano pelos
europeus decorreu do processo de internacionalização comercial. E o Brasil engatou nesse processo
como colônia de exploração. Do meu ponto de vista, tal contingência produziu uma herança tão
pesada que a carregamos até hoje. Quando o pacto colonial se tornou um obstáculo ao processo de
internacionalização, ele foi derrubado, e no Brasil reafirmou sua inserção, subordinando-se à
internacionalização do capital produtivo industrial. E, na década de 1990, mergulhamos fundo na
internacionalização financeira.
Para mim, quem melhor explicou o papel estruturante da internacionalização para o
capitalismo foi Karl Marx. Esse papel estruturante que promove a passagem do capitalismo
concorrencial ao capitalismo dos oligopólios, se expressa por meio de dois movimentos: a
concentração e a centralização. A concentração é o aumento das massas de capital nas fases de
crescimento. Quando a economia cresce, as massas de capital crescem junto, e ocorre a concentração.
Quando a economia entra em crise, a centralização entra em cena. E algumas massas de capital
continuam crescendo porque determinadas empresas compram outras. Vivemos hoje este segundo
momento: como o capitalismo está em crise, não há um dia em que a gente abra o jornal e não
encontre algum exemplo de centralização, o fato de que alguém comprou alguém. Na expansão ou na
crise, a tendência estruturante se mantém. Por isso o capitalismo chegou ao estágio a que chegou e
gerou, ao longo desse caminho secular, os comandantes do processo de globalização, que são os
conglomerados transnacionais, grandes massas de capital, que se acumularam tanto pela
concentração quanto pela centralização. Esse movimento é estruturante porque resiste aos ciclos do
capitalismo: progride na alta e se mantém ativo na baixa. E vai alcançando os diversos processos da
vida econômica.
Nesta fase mais recente, dois avanços técnicos aceleram, e muito, o processo de globalização.
O avanço nas comunicações, que permite que hoje uma empresa com estabelecimentos em cem países
do mundo feche seu caixa em tempo real – o que era impensável há apenas 30 anos. E o avanço nos
transportes, que tanto reduz custos quanto aumenta a fluidez e, portanto, a capacidade operacional de
quem tem cacife para atuar em escala global.

135
Quem se globalizou?

Aqui, surge a pergunta: quem se globalizou? Primeiro, os principais agentes econômicos do


mundo de hoje, que são os conglomerados transnacionais. Inicialmente, nós os denominamos
“firmas multinacionais”. Depois, descobrimentos que não eram “multinacionais”, mas transnacionais.
E que também não eram “firmas”, mas conglomerados de firmas. Se considerarmos o tecido produtivo
do Brasil, veremos que a grande maioria das empresas que operam no país não são entes globais: são
entes nacionais, regionais ou locais. Mas alguns grandes agentes se globalizaram, e são eles os
principais atores desse processo. Globalizaram-se também os principais fluxos econômicos: os
fluxos comerciais, os fluxos de investimento produtivo, os fluxos financeiros. Globalizaram-se os
mercados. E – muito importante para nossa discussão – globalizaram-se os padrões. Isso é muito
relevante para a discussão sobre a relação entre globalização e território, porque os agentes locais
acabam assimilando esses padrões, usando esses padrões, e eles vão-se tornando cada vez mais
disseminados pelo mundo afora.
Se observarmos o perfil locacional de um grande conglomerado global, veremos que o
comando está centralizado na matriz, a gestão estratégica está lá, a inovação tecnológica está lá, mas a
operação se encontra descentralizada por vários lugares. E isso é que dá o tom da relação entre
globalização e território. Um exemplo que eu gosto de citar é o de uma entrevista que li com o PDG
da Nike. O jornalista perguntou-lhe quantos milhões de pares de tênis a Nike produzia. E ele
respondeu que a Nike não produzia tênis; produzia “emoção”. A “emoção” de calçar um Nike – isto é,
o marketing – está centralizada nos Estados Unidos. E eles gastam muito mais com marketing do que
com o processo produtivo. O processo produtivo está na Ásia, está descentralizado, porque a indústria
de calçados, no fundo, é uma indústria de montagem, e, em toda indústria de montagem, o custo da
mão-de-obra é um elemento determinante.
Então o processo produtivo ocorre onde o custo da mão-de-obra é mais barato. Quem produz o
tênis Nike são milhares de pequenas empresas situadas na Ásia. A corporação compra esses tênis e
agrega “emoção”. Aí, quem compra o tênis Nike compra junto a “emoção” de poder usar um calçado
de 700, 800 reais, que na verdade, pelo custo material de produção, não vale isso.

A reorganização do espaço mundial

O comando do processo está na tríade Estados Unidos – Japão – União Europeia. Então,
ao contrário do que muitas vezes se afirma, os grandes condutores do processo têm nome e endereço.
E, neste ponto, não se trata mais apenas dos conglomerados transnacionais, mas também dos países a
eles associados – países que detêm o maior peso relativo nas decisões tomadas no cenário mundial.
A seguir, vêm os países médios ou emergentes, que tentam influir em sua inserção. Alguns o
conseguem; outros não. Um exemplo de país que consegue é a China. A China consegue por vários
motivos. Primeiro, porque é um país milenar. Já era uma potência antes do avento do capitalismo, um
dos lugares que tinham desenvolvido de maneira mais expressiva as forças produtivas. Com a
colonização perdeu espaço, foi dominada e virou a “casa da mãe joana”: sucessivamente ocupada, ou
seja, lugar onde todo mundo manda. Aí ocorreu a revolução e a China passou por uma importante fase
de autonomia. Este é o segundo motivo de seu sucesso atual. Uma das coisas que mais me
impressionou foi uma entrevista a que assisti no dia da morte de Mao Tse tung (1976). O repórter
chegou junto de um velhinho que estava chorando na beira da calçada e perguntou: “o que Mao legou
à China?” O velhinho não falou de socialismo. Ele disse: “Mao recolocou a China de pé”. Ou seja,
com o trancamento, a China deixou de ser a casa da mãe joana e passou a se sentir dona de seu próprio
destino. E aí está o terceiro motivo: o processo de reinserção da China ocorre num estágio muito
avançado da globalização e está sendo conduzido sob o comando do Partido Comunista Chinês. Isso
assegura uma reinserção muito mais autônoma do que a de países como o Brasil, que também é de
porte médio, mas engatou no processo de globalização no século XVI, como colônia de exploração, e
tem, até hoje, uma enorme dificuldade de atuar com soberania.
Por último, vêm os países pequenos, que lutam com enormes dificuldades para influir em sua
inserção. Portanto, a leitura do mapa-múndi atual continua sendo a leitura de quem manda mais e
quem manda menos. Porém, ao contrário do que prega o discurso hegemônico, que tenta apresentar a

136
globalização como um processo inexorável, ao qual temos de nos submeter, este é um processo
contraditório e não uma tendência unidirecional. Até porque a globalização é um processo social e
não há processo social inexorável. É um processo hegemônico, sem dúvida. Mas há distintas
possibilidades de relacionamento entre os distintos territórios e o movimento de globalização.

Muita coisa está mudando

Agora, muita coisa está mudando na demografia, na economia e no quadro social. Uma
mudança muito importante é que o Brasil – que, no século XX, tinha uma concentração econômica
muito grande no Sudeste (que, por sua vez, gerava uma concentração de renda enorme) – está
sinalizando um percurso diferente. Desconcentração produtiva para fora do Sudeste e modificação
do padrão de distribuição de renda são sintomas que ainda não sabemos se configuram um novo
padrão, mas são sintomas de uma tendência diferente.
Do ponto de vista demográfico, está em curso uma alteração da composição etária da
população. Há menos nascimentos e as pessoas estão vivendo mais. Além disso, a localização das
populações está mudando. O Centro-Oeste e o oeste do Nordeste, antes desocupados, agora estão
sendo preenchidos econômica e demograficamente. Outra transformação importante é que as cidades
médias passaram a crescer. Isso porque a concentração nas metrópoles brasileiras atingiu seu auge e as
deseconomias já são maiores do que as economias. Assim, os municípios médios apresentam grandes
vantagens e não têm os problemas da concentração. Dentro do estado de São Paulo isso se deu com
muita força. Esta é uma mudança muito importante porque poderia representar uma chance de
construir, no século XXI, cidades livres das mazelas que marcaram o século XX.
Este balanço sobre a dinâmica migratória eu extraí de um texto do prof. Clélio Campolina.
Ele tomou como referência o período a partir de 1975 e dividiu-o em quinquênios. Observou então que
o Nordeste perdia quase 900 mil pessoas a cada cinco anos, e agora está perdendo 700 mil pessoas. A
emigração diminuiu, e os que saem da zona rural do Nordeste passaram a ir para as médias e pequenas
cidades da própria região ou para a fronteira agrícola do país. Não vêm mais para São Paulo, que tem 2
milhões de pessoas sofrendo com o desemprego aberto. Em compensação, o Sul cresce, o Norte
cresce, o Centro-Oeste mantém-se atrativo, recebendo 300 mil pessoas por quinquênio.
Do ponto de vista da indústria, a mudança também é muito grande. A região metropolitana
de São Paulo chegou a ter 43% a indústria do país, mas recuou para 22%. Já o estado de São Paulo
detinha 60% da indústria do país, mas caiu para 44%. São quedas enormes. Ao mesmo tempo, muitas
indústrias vão para Manaus e o Nordeste dobrou seu peso nacional nesse setor. Embora a concentração
ainda esteja grande, observa-se um processo de relocalização da indústria no Brasil, que está em curso
desde os anos 1970. O prof. Campolina, que leciona na UFMG, tem defendido que se trata de nítido
processo de desconcentração. Do ponto de vista agropecuário, observam-se mudanças igualmente
importantes: é o “miolão” do Brasil que está atraindo a dinâmica agropecuária, especialmente o
Centro-Oeste.
Tudo isso mostra que o processo de ocupação de território brasileiro está mudando, em plena
era da globalização. É uma das mudanças mais interessantes é a emergência do Nordeste, região que
aparecia como problemática, quando vista no conjunto nacional. Vários fatores estimularam o
consumo na região e mais recentemente ela abriga novos investimentos. Alguns deles diretamente
associados ao movimento do capital em escala mundial, como o caso do setor de turismo, em que o
Nordeste lidera no ranking da captação de investimentos diretos do estrangeiro (IDE).
Como se vê, o território brasileiro redefine sua inserção na era da globalização. E sinais dessa
redefinição estão cada vez mais evidentes.

O papel do Estado-Nação

Existe atualmente amplo debate sobre o papel do Estado e sua relação com a sociedade civil.
Alguns fazem previsões a respeito do gradual enfraquecimento do seu poder e autonomia, enquanto
outros destacam sua crescente importância como instância reguladora das profundas transformações da
sociedade global. Nos últimos anos, os intelectuais orgânicos da burguesia têm divulgado inúmeros
mitos em torno da globalização, entre eles o de que as fronteiras estatais, sociais e culturais tendem a

137
desaparecer ou de que os Estados-Nação são ineficientes na resolução das questões cruciais da
sociedade contemporânea.
O poder do Estado está em questão, como decorrência do domínio do grande capital
internacionalizado e das investidas da ideologia e da prática neoliberal. No entanto, é importante
destacar que ele continua tendo um papel fundamental na orientação e regulação do processo de
desenvolvimento.
As multinacionais têm uma base de apoio nos respectivos Estados nacionais de origem e é
nestes que encontram as políticas públicas que favorecem a sua expansão. Elas divulgam um discurso
globalizante, na sua pretensão de minimizar o papel do Estado, no entanto, os fatos mais importantes
da economia ocorrem em nível local. Embora as empresas privadas, orientadas para o mercado
internacional, salientem as vantagens do "Estado mínimo" e a ampliação da esfera do mercado
privado, elas exigem dos governos diversos tipos de facilidades para melhorar a sua produtividade e
comercialização. Podem-se tomar como exemplos, os investimentos em infraestrutura, incentivos
fiscais para a modernização do parque industrial e de serviços, acesso a setores estratégicos, apoio para
uma melhor inserção no mercado nacional e internacional e verbas para pesquisas em ciência e
tecnologia.
Sob esse prisma, destaca-se então, a importância do papel do Estado-Nação, pois decisões
relativas a investimentos, salários, distribuição de renda e modernização tecnológica, dependem
basicamente das estratégias internas de cada nação. Evidentemente que a ingerência externa na
determinação das políticas econômicas e sociais é uma realidade, mas sempre existe a possibilidade de
cada Estado nacional, dependendo da correlação de forças, conquistar certa margem de autonomia e
negociação.
Por outro lado, é preciso reconhecer também, que as empresas multinacionais não dispõem
de mecanismos adequados para a solução dos problemas mais graves que a humanidade enfrenta na
atualidade. Somente a ação conjunta dos Estados nacionais, centralizada em organismos
internacionais, poderá traçar políticas efetivas de melhoria da qualidade de vida da população nas
diversas regiões do nosso planeta. O Estado-Nação continua a ser fundamental na gestão das
profundas transformações que se processam neste início de novo milênio.

Considerações finais

A partir do enfoque dialético, a globalização deve ser analisada como um fenômeno


contraditório. Ela produz aspectos positivos e negativos concomitantemente, ou seja, de um lado a
sociedade global propicia uma acelerada revolução científica e tecnológica mas, por outro lado, a
dominação torna-se cada vez mais sofisticada e efetiva, levando a uma maior exploração e exclusão de
amplos segmentos da população mundial.
A ideologia dominante ocupa um lugar relevante na reprodução do sistema. Prova disso é a
ampla disseminação dos postulados e práticas efetivas do projeto neoliberal nas várias regiões do
mundo. Ocorre, no entanto, que as contradições do sistema, que se manifestam através de crises e
crescentes disparidades sociais, possibilitam a emergência de discursos e projetos alternativos. A visão
homogeneizante da globalização não pode encobrir a realidade heterogênea e diversificada dos
inúmeros interesses de classes e grupos que compõem a nossa sociedade.
Concorda-se, então, com Mattelard quando salienta que os meios de comunicação têm um
papel muito importante a cumprir no processo de transformação e propõe uma reflexão sobre o papel
ativo do receptor e a necessidade de estudar as práticas cotidianas dos usuários segundo uma lógica
de produção ou apropriação e não mais segundo a lógica da reprodução (Mattelard, 1994, p. 284-
285).
Salientou-se que o receituário neoliberal, principal incentivador do fenômeno da
globalização, tem trazido como consequência negativa mais visível o enfraquecimento do poder do
Estado em nível interno e internacional, desemprego em ascensão, com a consequente diminuição do
poder reivindicativo das massas populares, concentração de capital e ampla hegemonia do capital
financeiro em detrimento dos setores produtivos.
Embora existam diversos acordos entre empresas e países, assiste-se, nos últimos anos, a um
acirramento da concorrência internacional e dos conflitos interclasses dominantes. A diminuição

138
da demanda conduz a uma intensificação das rivalidades comerciais e, de certa forma, a fusão das
empresas multinacionais em conglomerados e a criação dos blocos regionais atuam como paliativos.
As empresas capitalistas utilizam as descobertas científicas e tecnológicas para introduzir
inovações nos seus processos produtivos e/ou administrativos, objetivando assim, reduzir custos com
matérias primas e salários. A precarização das relações de trabalho, a polivalência e o desemprego
tecnológico deterioram ainda mais as condições de vida da maioria da população, o que diminui, por
sua vez, a demanda, tão necessária à expansão capitalista.
Como já se mencionou anteriormente, a ação das empresas no sentido de manter ou
multiplicar seus lucros, acabam aprofundando a superexploração da força de trabalho, que passa a
ter seu poder de compra diminuído. Surgem então, as crises de superprodução, que, aliadas ao
descontrole da especulação financeira, transformam-se em ingredientes básicos do aprofundamento da
crise atual do mundo globalizado.
Diante da crescente globalização, os movimentos sociais e outras instâncias participativas têm
um papel muito importante a cumprir, pois, através da sua capacidade reivindicativa, podem orientar
políticas públicas favoráveis aos interesses das classes subalternas. É de se notar, ainda, que os
movimentos sociais estão em processo de internacionalização, e surgem, por exemplo, redes mundiais
de jovens, de mulheres, de indígenas, de migrantes e de refugiados. Também as entidades de
trabalhadores, de profissionais liberais, de consumidores, ecológicas e étnicas, consolidam-se e
generalizam.
O progresso técnico é irreversível. A era da comunicação e da informática une todas as
regiões do mundo quase instantaneamente. Neste contexto, é importante sublinhar que não se trata de
colocar obstáculos às conquistas da ciência e da tecnologia e sim de criar mecanismos institucionais
capazes de orientar a racional aplicação social desses avanços. Para que o Estado não se submeta
inteiramente à lógica do mercado, os sistemas de controle político e jurídico devem ser reforçados. As
contradições do mundo globalizado exigem que se estabeleçam mecanismos regulatórios, em nível
internacional, sobre o comportamento do setor financeiro e das empresas cuja atuação precariza o
trabalho e prejudica o meio ambiente, deteriorando a qualidade de vida na terra.
Um dos temas prioritários atualmente é o da responsabilidade social e econômica do Estado-
Nação e das empresas privadas na construção de um novo modelo de desenvolvimento social. Torna-
se fundamental o controle deste processo pelas organizações progressistas da sociedade civil, para que
os interesses fundamentais das classes subalternas, em especial dos excluídos, sejam o principal alvo
das transformações em curso.
A satisfação das necessidades básicas da população precisa da construção de um modelo
alternativo de sociedade, no qual formas igualitárias e solidárias possam sobrepor-se aos interesses
particulares do capital. É preciso reconhecer que a exclusão social só poderá ser enfrentada através de
mecanismos políticos, se o objetivo prioritário for construir uma sociedade mais justa. "Governar a
globalização" passa, portanto, por decisões políticas que questionem o modelo vigente e levem à
construção de um projeto alternativo de estrutura social: equitativo, sustentável, plural e democrático.

Tânia Bacelar é economista e socióloga, doutora em Economia, professora da Universidade Federal de


Pernambuco. Fonte: Revista Le Monde Diplomatique – Brasil. Ano 1 nº 11/junho 2008 pág. 8-10.

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL DE 2008 e SUAS REPERCUSSÕES

Para compreender a crise financeira (08/10/2008)

Antecedentes

 capitalismo vive do seu processo de reprodução, articulado por ciclos curtos e longos
 ciclo de expansão e períodos recessivos
 Chesnais: décadas neoliberais: aumento da acumulação capitalista; automação; deslocalização
das empresas; emergência da Índia e China como centros produtivos
 Década de 1980: processo de transferência de capitais do setor produtivo para o especulativo

139
 Desregulamentação: livre de travas, o capital migrou para o setor financeiro (especulativo)
onde obtêm muito mais lucros
 90% dos movimentos econômicos não se dão na esfera da produção, mas na compra e venda
de papéis, nas Bolsas de Valores ou de papéis das dívidas públicas dos governos
 Crises da fase neoliberal: mexicana, asiática, russa, brasileira e argentina = ataques
especulativos que se alastraram para o conjunto da economia; saída brusca de capitais
 Saídas para estas crises: mais abertura das economias; empréstimos dos FMI e aumento dos
ajustes fiscais

A Crise financeira mundial de 2008

A crise no mercado hipotecário dos EUA é uma decorrência da crise imobiliária pela qual passa o
país, e deu origem, por sua vez, a uma crise mais ampla, no mercado de crédito de modo geral. O
principal segmento afetado, que deu origem ao atual estado de coisas, foi o de hipotecas chamadas
de "subprime", que embutem um risco maior de inadimplência.

 O mercado imobiliário americano passou por uma fase de expansão acelerada logo depois da
crise das empresas "pontocom", em 2001. Os juros do Federal Reserve (Fed, o BC americano)
vieram caindo para que a economia se recuperasse, e o setor imobiliário se aproveitou desse
momento de juros baixos. A demanda por imóveis cresceu, devido às taxas baixas de juros nos
financiamentos imobiliários e nas hipotecas. Em 2003, por exemplo, os juros do Fed chegaram
a cair para 1% ao ano.
 Em 2005, o "boom" no mercado imobiliário já estava avançado; comprar uma casa (ou mais
de uma) tornou-se um bom negócio, na expectativa de que a valorização dos imóveis fizesse
da nova compra um investimento. Também cresceu a procura por novas hipotecas, a fim de
usar o dinheiro do financiamento para quitar dívidas e, também, gastar (mais).
 As empresas financeiras especializadas no mercado imobiliário, para aproveitar o bom
momento do mercado, passaram a atender o segmento "subprime". O cliente "subprime" é um
cliente de renda muito baixa, por vezes com histórico de inadimplência e com dificuldade de
comprovar renda. Esse empréstimo tem, assim, uma qualidade mais baixa --ou seja, cujo risco
de não ser pago é maior, mas oferece uma taxa de retorno mais alta, a fim de compensar esse
risco.
 Em busca de rendimentos maiores, gestores de fundos e bancos compram esses títulos
"subprime" das instituições que fizeram o primeiro empréstimo e permitem que uma nova
quantia em dinheiro seja emprestada, antes mesmo do primeiro empréstimo ser pago. Também
interessado em lucrar, um segundo gestor pode comprar o título adquirido pelo primeiro, e
assim por diante, gerando uma cadeia de venda de títulos.
 Porém, se a ponta (o tomador) não consegue pagar sua dívida inicial, ele dá início a um ciclo
de não-recebimento por parte dos compradores dos títulos. O resultado: todo o mercado passa
a ter medo de emprestar e comprar os "subprime", o que termina por gerar uma crise de
liquidez (retração de crédito).

Entenda a crise econômica mundial em 15 etapas:

1) A partir de 2001, o mercado imobiliário dos Estados Unidos passou por uma fase de
expansão acelerada.
2) Com a ajuda do Federal Reserve (o Banco Central norte-americano), que passou a reduzir a
taxa de juros, a demanda por imóveis cresceu, atraindo compradores.
3) Ao mesmo tempo, com os juros baixos, cresceu o número de pessoas que hipotecavam seus
imóveis, a fim de usar o dinheiro da hipoteca para pagar dívidas ou consumir.
4) Em meio à febre de comprar imóveis ou hipotecá-los, as companhias hipotecárias
passaram a atender clientes do segmento subprime (de baixa renda, às vezes com histórico de
inadimplência). Contudo, como o risco de inadimplência desse setor é maior, os juros
cobrados também eram maiores.

140
5) Diante da promessa de retornos altos aos empréstimos, os bancos compravam esses títulos
subprime das companhias hipotecárias e liberavam novas quantias de dinheiro, antes de o
primeiro empréstimo ser pago.
6) Ao mesmo tempo, esses títulos lastreados em hipotecas eram vendidos a outros
investidores, que, por sua vez, também emitiam seus próprios títulos, igualmente lastreados
nos subprime, passando-os, a seguir, para frente.
7) Todos se esqueceram, no entanto, de que se o primeiro tomador do empréstimo não
consegue pagar sua dívida inicial, ele dá início a um ciclo de não-recebimento, de tal
maneira que todo o mercado passa a ter medo de continuar emprestando dinheiro ou
comprando novos títulos subprime.
8) A partir de 2006, os juros, que vinham subindo desde 2004, encareceram o crédito e
afastaram os compradores de imóveis. Como a oferta começou a superar a demanda, o valor
dos imóveis passou a cair.
9) Com a subida dos juros, as dívidas ficaram mais caras (e também as prestações das
hipotecas), o que aumentou a inadimplência, fazendo com que a oferta de crédito também
diminuísse.
10) Sem oferta de crédito, a economia dos EUA se desaqueceu, pois, se há menos dinheiro
disponível, compra-se menos, o lucro das empresas diminui e empregos não são gerados.
11) Preocupado com os pagamentos de créditos subprime nos EUA, o banco BNP Paribas
congelou cerca de 2 bilhões de euros de alguns fundos.
12) O mercado imobiliário, então, entrou em pânico, pois o ciclo de empréstimos sobre
empréstimos havia sido congelado. Começaram a surgir os pedidos de concordata.
13) A crise passou a afetar todo o sistema bancário, afinal, as instituições financeiras
apostavam nos títulos subprime. Várias instituições se viram à beira da falência. E se
descobriu que, com a globalização, o sistema financeiro internacional estava contaminado e
sofreria graves consequências.
14) Instalou-se, assim, uma crise de confiança e os bancos pararam de emprestar, congelando
a economia, reduzindo o lucro das empresas e provocando desemprego.
15) Muitos países entraram em recessão, e seus respectivos governos têm, desde então,
tomado diferentes medidas para aquecer a economia e, ao mesmo tempo, garantir que o
sistema financeiro volte a emprestar.

Sintomas da crise financeira de 2008

 a crise é de natureza distinta das outras e projeta uma fase mais longa de dificuldades: iniciou-
se no país central, por ter afetado o seu sistema financeiro e por questionar o atual arranjo
desequilibrado da economia global
 ausência de regulação do sistema financeiro
 redução do investimento produtivo
 fortíssima expansão do consumo
 déficit do comércio exterior
 aumento da dívida interna das famílias norte-americanas

Crise financeira mundial

 crise iniciou-se em julho/2007 no setor de empréstimos hipotecários dos EUA: primeira crise
sistêmica do capitalismo financerizado
 entre 15 e 16/09/2008: falências de grandes instituições financeiras norte-americanas
 instituições bloquearam a concessão de empréstimos
 dogma neoliberal: mercados são capazes de se autorregular e toda intervenção estatal sobre
eles é contraproducente
 pacote dos 700 bilhões de dólares dos EUA para socorrer sistema financeiro
 governo socorre bancos com dinheiro público, mas não assegura que os recursos irriguem a
economia

141
 governo dos EUA estatizou 2 maiores empresas de financiamento hipotecário
 sensação de insegurança e a crise alastrou-se dos EUA para a Europa
 crise atinge “economia real”: falta de financiamento (crédito) afeta vendas de veículos; GM dá
férias coletivas
 Análises: não é possível prever nem a duração, nem a profundidade, nem as consequências da
crise

Consequências da crise

 aumento dos preços do petróleo, dos produtos agrícolas e diminuição da demanda dos EUA e
da Europa, os países mais pobres perderão claramente com fortes pressões recessivas, déficit
na balança comercial e aumento do endividamento
 Europa e Japão sofrerão impacto da desaceleração da economia norte-americana = recessão
 contração do crédito

11/09/2008 – Emir Sader – Le Monde Diplomatique Brasil setembro 2008

Desequilíbrios estruturais do capitalismo atual

A atual crise econômico-financeira internacional se insere no marco de um ciclo longo recessivo, do


qual o capitalismo não logrou sair desde seu início, em meados da década de setenta do século
passado. Sem essa inserção, fica difícil a apreensão do caráter dessa crise, das consequências que
pode produzir e do cenário que deve surgir depois dela.

Os ciclos e as crises

O capitalismo vive, pela própria natureza do seu processo de reprodução, articulado por ciclos,
curtos e longos. Estes coordenam os ciclos curtos, numa perspectiva expansiva, se a curva das subidas
e descidas das oscilações curtas apontam para cima, recessiva, se para baixo, conforme a teoria do
economista russo Kondratieff, retomada teórica e historicamente por Ernst Mandel.
No segundo pós-guerra (1945), o capitalismo viveu sua “idade de ouro” (Anos Dourados),
segundo Eric Hobsbawm, em que coincidiram virtuosamente a maior expansão concomitante das
grandes economias capitalistas – Estados Unidos, Alemanha, Japão -, do chamado “campo
socialista”, dirigido pela União Soviética, e por economias periféricas, como o México, a Argentina, o
Brasil, com seus processos de industrialização dependente. A economia capitalista não deixou de
apresentar seus ciclos curtos de crise, mas cada novo ciclo retomada a expansão e empurrava a
economia para patamares cada vez mais altos.
Foi um ciclo longo expansivo comandado por grandes corporações internacionais de caráter
industrial e comercial, apoiada por um sistema financeiro em expansão e por grandes transformações
na produção agrícola. Um modelo hegemônico regulador – ou keynesiano ou de bem-estar (Welfare
State), conforme se queira chamá-lo – incentivava os investimentos produtivos, tendia a fortalecer a
demanda interna de consumo, promovia o fortalecimento dos Estados nacionais e a proteção de suas
economias.
As crises, como é típico no capitalismo, expressavam processos de superprodução ou de
subconsumo – conforme se queira chamá-las -, refletindo o desequilíbrio estrutural desse sistema
entre sua – reconhecida já por Marx no Manifesto Comunista – enorme capacidade de expansão das
forças produtivas, mas que se chocam constantemente com sua incapacidade de distribuir renda na
mesma medida daquela expansão.
Na sua fase final, o ciclo longo expansivo do segundo pós-guerra viu esse excedente,
resultado acumulado da defasagem entre produção e consumo se transformar em capital financeiro –
os chamados eurodólares, que foi aproveitado por países como o Brasil, para reciclar seu modelo
econômico, diversificando sua dependência externa e favorecendo a retomada da expansão econômica
interna, ainda antes do final do ciclo longo expansivo. Este fator – o golpe militar ainda no ciclo

142
expansivo – diferenciou o cenário econômico brasileiro do dos outros países da região, em que as
ditaduras coincidiram com recessão, por já se darem no ciclo longo recessivo do capitalismo
internacional.
Que características teve o final desse ciclo e o início do novo, de caráter recessivo? Tendo
triunfado o diagnóstico de que a estagnação econômica se devia ao excesso de regulamentações, o
novo modelo se centrou na desregulamentação, de que as privatizações, as aberturas para o mercado
externo, as políticas de “flexibilização laboral”, de ajuste fiscal, foram expressões.
Duas consequências mais importantes dever ser recordadas aqui, para entendermos o caráter
da crise atual e seus efeitos para os países latino-americanos. A primeira, o gigantesco processo de
transferência de capitais do setor produtivo para o especulativo que a desregulamentação
promoveu em escala nacional e internacional. Livre de travas, o capital migrou maciçamente para o
setor financeiro e, em particular, para o setor especulativo, onde obtêm muito mais lucros, com muito
maior liquidez e com menos ou nenhuma tributação para circular.
Configurou-se assim, no modelo neoliberal, a hegemonia do capital financeiro, sob a forma
do capital especulativo, fazendo com que mais de 90% dos movimentos econômicos se deem não na
esfera da produção ou do comércio de bens, mas na compra e venda de papeis, nas Bolsas de Valores
ou de papeis das dívidas públicas dos governos.
Promoveu-se a financeirização das economias, o que significa, em primeiro lugar, a
financeirização dos Estados, cujo primeiro e maior compromisso passa a ser o pagamento das
dívidas, isto é, a reserva de recursos mediante o chamado “superávit primário” e a transferência
maciça e sistemática de recursos do setor produtivo para o capital financeiro. Grandes grupos
econômicos têm à sua cabeça, um banco ou uma instituição financeira, costumam ganhar mais nos
investimentos financeiros que naqueles que deram origem às empresas que os compõem. Grande
quantidade de pequenas e médias empresas entraram em processos de endividamento, dos quais
não conseguem sair. Outras, assim como consumidores, não se atrevem a buscar empréstimos, pelo
medo ao endividamento, com as altas taxas de juros.
O capital financeiro passou a ser o sangue que corre pelas economias dos países, definindo o
metabolismo que as preside. Um capital que tem na volatilidade, na sua extrema liquidez, um
elemento essencial, inerente, aquele que permite deslocar-se rapidamente para onde pode ter maiores
vantagens e, ao mesmo tempo, lhe atribui um grande poder de pressão, diante da fragilidade das
economias que dependem estruturalmente dele.

As crises na fase neoliberal

Dessas características decorre o caráter centralmente financeiro das crises no período


neoliberal, como ficou evidenciado nas crises mexicana, asiática, russa, brasileira e argentina,
entre outras. O setor financeiro canaliza para si os excedentes de capital, produto da defasagem
estrutural entre produção e consumo, agudizada na fase atual do capitalismo, em que a elevação da
produtividade e a criatividade tecnológica seguiram se aprofundando, ao mesmo tempo que se deram
processos de concentração de renda entre as classes sociais, entre países e regiões do mundo.
O poder devastador dessas crises e o potencial de contágio se revelaram da mesma dimensão
do tamanho da abertura das economias ao mercado internacional e ao peso que o capital financeiro
passou a desempenhar em escala nacional e mundial. O México seguiu sofrendo os impactos da crise
de 1994 por muitos anos. O mesmo ocorreu com países do sudeste asiático. No Brasil, a crise de
1999 (e também de 2001) significou a passagem a anos de recessão, que só recentemente foram
superados. Na Argentina a crise de 2001 teve consequências devastadoras do ponto de vista
econômico, financeiro, político e social.
São crises que se desatam a partir do elo mais frágil, mais sensível, do processo de reprodução
– o setor financeiro -, mas que rapidamente se propagam pelo restante da economia, pelo papel
central que esse setor passou a ter e pelos aspectos psicológicos em que se assenta. Não por acaso o
segundo livro de Francis Fukuyama se chamou “Confiança”, para denotar como as expectativas,
positivas ou negativas, assumem força material no jogo especulativo.
A América Latina foi assim vítima privilegiada dessas crises, que não por acaso atingiram
justamente suas três economias mais fortes, que haviam sido exibidas como modelares – a mexicana,
a brasileira e a argentina. Nos três casos a crise assumiu a forma de ataque especulativo, de crise

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financeira, que se alastra para o conjunto da economia. Os capitais especulativos se valem do peso
desestabilizador que tem na economia, para fazer valer essa posição, pressionando com uma saída
brusca e maciça de capitais, ações governamentais ou simplesmente o jogo do mercado, lucrando
enormemente com essas operações.
As crises anteriores tinham como cenários países da periferia, com efeitos que
intensificaram a tendência ao enfraquecimento dos países globalizados e a intensificação da
concentração de renda e de poder dos países globalizadores. Mesmo a crise na Rússia poderia ser
caracterizada como a de uma economia tornada periférica, especialmente em meados da década de
1990. A exceção foi a ataque do megaespeculador Georges Soros à libra esterlina inglesa, mas acabou
sendo um caso pontual, que não altera a regra general de ocorrência das crises nas periferias.
No seu conjunto, como crises neoliberais, provocaram demandas de remédios neoliberais:
mais abertura das economias – como passou fortemente nos países do sudeste asiático -, maior
empréstimos do FMI e as correspondentes Cartas de intenção, com aumento dos ajustes fiscais. A
economia mexicana recebeu um empréstimo gigante dos Estados Unidos no momento da crise de
1994, inclusive porque se dava no próprio momento em que se assinava o Tratado de Livre Comércio
da América do Norte (Nafta) e do surgimento da rebelião dos zapatistas em Chiapas. Como
compromisso, o México usou esses recursos para pagar os empréstimos dos bancos norte-americanos e
seguiu aprofundando o modelo neoliberal.
O governo brasileiro de FHC, frente à crise de 1999, elevou a taxa de juros a 49% e assinou
a terceira Carta de intenções com o FMI, cujas consequências estenderam a recessão por vários anos.
Na Argentina, a crise de explosão do modelo de paridade do peso com o dólar, produziu a maior
regressão econômica e social que o país conheceu em toda a sua história. O governo de Fernando de la
Rua tentou manter o modelo herdado de Carlos Menem e com isso caiu com poucos meses do seu
mandato presidencial.

A crise atual e suas consequências

A crise anterior da economia norte-americano se deu em 2000, quando se desvanecia a ilusão


de que a “nova economia” permitiria que o capitalismo não sofresse mais suas crises cíclicas, seja
porque a informática permitira prevê-las e permitir que foram evitadas, seja porque novas demandas,
como as de computadores, gerariam, da mesma forma que no caso dos automóveis, o lançamento
anual de novos modelos, que estenderiam cada vez mais a demanda. Naquele momento, o papel do
mercado norte-americano no mundo seguia sendo determinante no mundo, transferindo os efeitos da
sua recessão para o resto da economia mundial.
Desta vez a crise norte-americana se dá em um cenário internacional modificado. A
contínua expansão de países emergentes – entre eles, sobretudo a China e a Índia, mas também
países latino-americanos, que mantêm ritmos constantes de crescimento, entre os quais
particularmente o Brasil e a Argentina – amortece a diminuição da demanda dos EUA e, pela
primeira vez, a recessão da economia norte-americana não tem efeitos diretos e devastadores sobre a
economia mundial.
Porém, como essa crise se vê agravada com o aumento dos preços dos produtos agrícolas e a
continuada crise do petróleo, constituindo-se, na verdade em uma tripla crise, seus efeitos são mais
profundos e extensos do que apenas uma crise cíclica da economia norte-americana. São afetadas
então não apenas as exportações para os Estados Unidos, mas também os importadores de energia e de
produtos agrícolas, lista que, em uma ou outra proporção, afeta a todos os países do mundo.
No entanto, como todo fenômeno de um sistema marcado pela extrema desigualdade de
riqueza e de poder entre regiões e países e dentro de cada país, os efeitos das crises não são
igualmente repartidos entre todos. Há ganhadores e perdedores, algozes e vítimas.
Como a crise está em pleno desenvolvimento, seus alcances não podem ainda ser julgados
em toda sua plenitude e se dão pugnas para ver quem consegue extrair vantagens, quem trata de perder
menos, ainda não é possível saber com precisão os danos em toda sua extensão e quem arcará com
eles. É certo que o mundo sairá modificado desta crise até mesmo porque toca em três pontos nodais
das relações econômicas e de poder atuais: dinheiro, energia e comida. No entanto, as estruturas de
poder, de produção e de distribuição de riqueza reinantes, garantem resultados absolutamente
diferenciados para distintas regiões e países como efeito das crises.

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Na combinação entre aumento dos preços do petróleo, dos produtos agrícolas e diminuição da
demanda dos EUA e da Europa, os países mais pobres, que somam a grande maioria da África, da
Ásia e da América Latina, perderão claramente, com fortes pressões recessivas, déficit na balança
comercial e aumento do endividamento. Os países exportadores de petróleo e de produtos agrícolas
com altas mais significativas, terão suas situações minoradas, mas as pressões inflacionárias não
poupam a nenhum país e, com elas, as políticas recessivas voltam a ganhar peso.
Para a América Latina, os efeitos são mais pesados e diretos para os países que seguem
dependendo mais fortemente do comércio com os Estados Unidos, o México, a América Central e o
Caribe, em primeiro lugar. Em segundo lugar, os países com pautas exportadoras menos valorizadas
ou aqueles que tiveram seu ciclo de expansão econômica excessivamente voltada para as exportações,
em particular as economias mais abertas, entre elas as que têm tratados de livre comércio com os
Estados Unidos, como o Chile, o Peru, além dos já mencionados México, Costa Rica e outros países
centro-americanos e caribenhos. Relativamente menos afetados devem ser os países com pautas
exportadoras mais diversificadas – seja nos produtos, seja nos mercados -, como o Brasil, em parte a
Argentina, e os que participam dos processos de integração regional – seja o Mercosul, seja a Alba.
Para estes, as crises são uma oportunidade especial para acelerar e intensificar os processos de
integração, de comércio, assim como nos planos financeiro e energético.
Seja pela combinação das crises, seja porque afeta profundamente os Estados Unidos, no
momento em que, pela primeira vez, seu peso na economia mundial decresce, o mundo e a América
Latina em particular, terão fisionomias distintas, seja acelerando transformações já em andamento, seja
dando inicio a novas dinâmicas, passadas as crises – cujas durações e profundidades, ainda não podem
ser medidas com toda precisão.

Fonte: Emir Sader é jornalista, sociólogo e professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da USP e coordenador do Laboratório de Políticas Públicas da UERJ.

24/09/2008 - O impensável aconteceu (Boaventura de Sousa Santos)

O Estado deixou de ser o problema para voltar a ser a solução; cada país tem o direito de fazer
prevalecer o que entende ser o interesse nacional contra os ditames da globalização; o mercado não
é, por si, racional e eficiente, apenas sabe racionalizar a sua irracionalidade e ineficiência enquanto
estas não atingirem o nível de autodestruição.

A palavra não aparece na mídia norte-americana, mas é disso que se trata: nacionalização.
Perante as falências ocorridas, anunciadas ou iminentes de importantes bancos de investimento, das
duas maiores sociedades hipotecárias do país e da maior seguradora do mundo, o governo dos EUA
decidiu assumir o controle direto de uma parte importante do sistema financeiro.
A medida não é inédita pois o Governo interveio em outros momentos de crise profunda: em
1792 (no mandato do primeiro presidente do país), em 1907 (neste caso, o papel central na resolução
da crise coube ao grande banco de então, J.P. Morgan, hoje, Morgan Stanley, também em risco), em
1929 (a grande depressão que durou até à Segunda Guerra Mundial: em 1933, 1000 norte-americanos
por dia perdiam as suas casas a favor dos bancos) e 1985 (a crise das sociedades de poupança).
O que é novo na intervenção em curso é a sua magnitude e o fato de ela ocorrer ao fim de
trinta anos de evangelização neoliberal conduzida com mão de ferro a nível global pelos EUA e pelas
instituições financeiras por eles controladas, FMI e o Banco Mundial: mercados livres e, porque
livres, eficientes; privatizações; desregulamentação; Estado fora da economia porque inerentemente
corrupto e ineficiente; eliminação de restrições à acumulação de riqueza e à correspondente produção
de miséria social.
Foi com estas receitas que se “resolveram” as crises financeiras da América Latina e da Ásia e
que se impuseram ajustamentos estruturais em dezenas de países. Foi também com elas que milhões
de pessoas foram lançadas no desemprego, perderam as suas terras ou os seus direitos laborais,
tiveram de emigrar.
À luz disto, o impensável aconteceu: o Estado deixou de ser o problema para voltar a ser a
solução; cada país tem o direito de fazer prevalecer o que entende ser o interesse nacional contra os

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ditames da globalização; o mercado não é, por si, racional e eficiente, apenas sabe racionalizar a sua
irracionalidade e ineficiência enquanto estas não atingirem o nível de autodestruição.
Mas muito mais mudará. Primeiro, o declínio dos EUA como potência mundial atinge um
novo patamar. Este país acaba de ser vítima das armas de destruição financeira maciça com que
agrediu tantos países nas últimas décadas e a decisão “soberana” de se defender foi afinal induzida
pela pressão dos seus credores estrangeiros (sobretudo chineses) que ameaçaram com uma fuga que
seria devastadora para o atual american way of life.
Segundo, o FMI e o Banco Mundial deixaram de ter qualquer autoridade para impor as
suas receitas, pois sempre usaram como bitola uma economia que se revela agora fantasma. A
hipocrisia dos critérios duplos (uns válidos para os países do Norte global e outros válidos para os
países do Sul global) está exposta com uma crueza chocante. Daqui em diante, a primazia do interesse
nacional pode ditar, não só proteção e regulação específicas, como também taxas de juro subsidiadas
para apoiar indústrias em perigo (como as que o Congresso dos EUA acaba de aprovar para o setor
automóvel).
Não estamos perante uma desglobalização mas estamos certamente perante uma nova
globalização pós-neoliberal internamente muito mais diversificada. Emergem novos regionalismos,
já hoje presentes na África e na Ásia mas sobretudo importantes na América Latina, como o agora
consolidado com a criação da União das Nações Sul-Americanas e do Banco do Sul. Por sua vez, a
União Europeia, o regionalismo mais avançado, terá que mudar o curso neoliberal da atual Comissão
sob pena de ter o mesmo destino dos EUA.
Terceiro, as políticas de privatização da segurança social ficam desacreditadas: é
eticamente monstruoso que seja possível acumular lucros fabulosos com o dinheiro de milhões
trabalhadores humildes e abandonar estes à sua sorte quando a especulação dá errado. Quarto, o
Estado que regressa como solução é o mesmo Estado que foi moral e institucionalmente destruído
pelo neoliberalismo, o qual tudo fez para que sua profecia se cumprisse: transformar o Estado num
antro de corrupção.
Isto significa que se o Estado não for profundamente reformado e democratizado em breve
será, agora sim, um problema sem solução. Quinto, as mudanças na globalização hegemônica vão
provocar mudanças na globalização dos movimentos sociais que vão certamente se refletir no Fórum
Social Mundial: a nova centralidade das lutas nacionais e regionais; as relações com Estados e partidos
progressistas e as lutas pela refundação democrática do Estado; contradições entre classes nacionais e
transnacionais e as políticas de alianças.

Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da


Universidade de Coimbra (Portugal). Fonte: www.agenciacartamaior.com.br

Crise na União Europeia

No plano econômico mundial, o ano de 2011 foi marcado pela crise econômica na União Europeia.
Em função da globalização econômica que vivemos na atualidade, a crise se espalhou pelos quatro
cantos do mundo, derrubando índices das bolsas de valores e criando um clima de pessimismo na
esfera econômica mundial.

Causas da crise:

- Endividamento público elevado, principalmente de países como a Grécia, Portugal, Espanha, Itália e
Irlanda.
- Falta de coordenação política da União Europeia para resolver questões de endividamento público
das nações do bloco.

Consequências da crise:

- Fuga de capitais de investidores;


- Escassez de crédito;

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- Aumento do desemprego;
- Descontentamento popular com medidas de redução de gastos adotadas pelos países como forma de
conter a crise;
- Diminuição dos ratings (notas dadas por agências de risco) das nações e bancos dos países mais
envolvidos na crise;
- Queda ou baixo crescimento do PIB dos países da União Europeia em função do desaquecimento da
econômica dos países do bloco.
- Contaminação da crise para países, fora do bloco, que mantém relações comerciais com a União
Europeia, inclusive o Brasil. A crise pode, de acordo com alguns economistas, causar recessão
econômica mundial.

Ações da União Europeia para enfrentar a crise:

- Implementação de um pacote econômico anticrise (lançado em 27/10/2011);


- Maior participação do FMI (Fundo Monetário Internacional) e do Banco Central Europeu nas ações
de enfrentamento da crise;
- Ajuda financeira aos países com mais dificuldades econômicas como, por exemplo, a Grécia.
- Definição de um Pacto Fiscal, que foi ratificado em 2012, cujos objetivos são: garantir o equilíbrio
das contas públicas das nações da União Europeia e criar sistemas de punição aos países que
desrespeitarem o pacto. Vale destacar que o Reino Unido não aceitou o pacto, fato que aumentou a
crise política na região.
* As ações de combate à crise são coordenadas, principalmente, por França e Alemanha.

Por que a Europa do euro afunda na crise que ela própria alimenta (20/10/2012)

J. Carlos de Assis

As causas da crise financeira mundial já não têm mais segredos para a maioria dos observadores,
inclusive para o homem comum de bom senso. Trata-se de um descolamento entre a órbita financeira
especulativa e a órbita real, num processo iniciado nos Estados Unidos em 2007/2008 e que vazou
para a Europa. Entretanto, as consequências da crise ainda estão obscuras para maioria das pessoas,
mesmo porque muitos “especialistas” contribuem para a confusão ao tentar encaixá-la em modelos e
paradigmas que se esgotaram, perdendo toda força explicativa.

Qualquer pessoa com nível razoável de reflexão é capaz de entender a essência da crise financeira
mundial que se concentra, sobretudo, nos países mais ricos do mundo, e principalmente na área do
euro. Entretanto, essa percepção fica comprometida por um bombardeio ideológico de mídia que se
manifesta ora pela distorção dos fatos ora pela manipulação de conceitos econômicos tendo em vista a
defesa de interesses específicos de grupos. Vejamos como isso tem funcionado.

A crise originou-se de uma bacanal especulativa nos Estados Unidos e na Europa pela qual trilhões de
dólares emprestados e rolados no mercado virtual de tomadores essencialmente insolventes revelaram-
se impagáveis. Diante da quebra iminente, o governo norte-americano, isto é, o Tesouro e o Fed
(Banco Central) intervieram no mercado para salvar os bancos ilíquidos. A crise financeira privada
migrou para a Europa, forçando os governos locais a também intervirem para salvar os bancos.

A contrapartida do socorro aos bancos foi a absorção das suas dívidas pelos governos. No caso norte-
americano, o Fed e o Tesouro atuaram conjuntamente, no primeiro caso através de trilhões de dólares
de empréstimos de liquidez, e no segundo através de um programa especial (TARF) adotado ainda no
Governo Bush, da ordem de 700 bilhões. Além disso, no caso americano, já no Governo Obama
aprovou-se um programa adicional de 767 bilhões de dólares de estímulos fiscais, que em parte
funcionou.

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Disso tudo resultou um aumento vertiginoso do déficit e da dívida pública norte-americana, esta
alcançando cerca de 90% do PIB. Não é uma dívida nada extraordinária, considerando-se o tamanho
da recessão e do desemprego. Contudo, é uma dívida muito grande para o Partido Republicano. Tendo
este último ganhado as eleições para a Câmara em 2009, tratou imediatamente de bloquear no
Congresso um novo programa de estímulo proposto por Obama em 2010 de 400 bilhões de dólares.

Na área do euro a situação tornou-se bem mais complexa. Os governos, para salvar os bancos, tiveram
de levar a níveis recordes o déficit e a dívida pública. O que surgiu como crise financeira devida à
pornográfica especulação foi transformada em crise fiscal pelos governos neoliberais. Assim mesmo,
teria sido possível enfrentar a crise mediante um programa de estímulo fiscal caso esses governos,
justamente por serem neoliberais, não estivessem obcecados pela ideia de cortar o déficit e a dívida.

A Europa do euro criou um Banco Central independente (BCE) que se subordina aos mercados
privados, não aos governos. Quando um governo, digamos, a Espanha, decide captar empréstimos,
aumentando a dívida pública, fica exclusivamente em mãos do mercado financeiro, que exige a taxa de
juros que quiser. Diferentemente do Fed americano, que irriga o mercado de moeda para facilitar a
colocação desses títulos a taxas mais baixas, o BCE mantém rígida a oferta monetária, não prestando
qualquer ajuda aos governos.

Assim, na Europa do euro, a demanda continua estagnada, o desemprego se eleva às nuvens – 13% em
média, 25% na Espanha e na Grécia, 50% entre jovens, contração na maioria dos países e queda da
taxa de crescimento até na orgulhosa Alemanha, que tem feito tudo para matar o seu mercado
impondo-lhe políticas restritivas do gasto público!

A crise que estamos vivenciando não é uma crise cíclica convencional do capital. Também não é uma
crise que tenha necessariamente como consequência a destruição do capital. É uma crise do
liberalismo radical, ou do neoliberalismo. Os fundamentos doutrinários do sistema neoliberal,
basicamente a ideia do Estado mínimo e da auto regulação dos mercados, colapsaram
espetacularmente. Não é que tenham sido derrotados por correntes oponentes. Foram derrotados pelas
próprias contradições internas que expuseram a fragilidade básica da doutrina.

A mais extravagante dessas contradições foi a gigantesca mobilização de dinheiro público, trilhões de
dólares nos Estados Unidos e na Europa, para prestar socorro a um sistema bancário “liberal” que, de
outro modo, quebraria e levaria consigo o próprio capitalismo. Diante disso, como falar em Estado
mínimo? Ou de auto-regulação? É claro que sempre haverá um retardatário ideológico disposto a
pregar as virtudes do velho sistema. Não será levado a sério. Enquanto doutrina de reordenamento do
mundo, o neoliberalismo está morto.

Mas o colapso não é apenas do neoliberalismo. Também no campo ambiental a doutrina


caracteristicamente liberal de produção sem levar em conta efeitos sociais e ambientais entrou em
decadência.

As repercussões da crise financeira mundial no Brasil: entre tsunamis e marolinhas, por Victor
de Sá Neves (14/10/2012)

É fato que o cenário econômico internacional mudou muito desde as primeiras evidências da crise
imobiliária dos Estados Unidos, mas o que não se pensava era que isso ainda geraria grandes
impactos globais mesmo quatro anos depois da quebra do Lehman Brothers. A crise se espalhou e
atingiu fortemente os países europeus que praticavam irresponsabilidade fiscal sem levar em
consideração que a qualquer momento essa bolha poderia explodir. E hoje, mesmo depois de todos os
pacotes de ajuda e medidas de austeridade para salvar bancos e economias nacionais, pode-se dizer
que a crise financeira é mundial e as suas repercussões são preocupantes. A partir da declaração do
então Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em outubro de 2008, de que a crise econômica mundial

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seria uma “marolinha” para o Brasil e da posição de observador em um cenário atual completamente
diferente, pretende-se analisar qual foi o comportamento do Brasil durante esses longos quatro anos e
traçar algumas perspectivas sobre o futuro do país.

No ano do colapso do sistema imobiliário estadunidense, o Brasil ainda apresentou índices de


crescimento razoáveis até o terceiro trimestre, conseguindo fechar o ano com um crescimento de 5,4%
do PIB. Entretanto, o que Lula não contava no momento da sua declaração era que, a partir do quarto
trimestre de 2008 até esse mesmo período de 2009, a economia brasileira passou por um momento em
que os índices de crescimento despencaram para abaixo dos 2% negativos em média por trimestre, um
reflexo do forte baque pelo qual uma economia dependente da exportação de commodities passaria
frente a um cenário de intensa crise de demanda. É evidente que o antigo Presidente acertou em partes,
já que disse que os efeitos aqui seriam muito menores do que nos países desenvolvidos, nos quais os
impactos foram relacionados com um “tsunami”. Entretanto, a comparação ficou desequilibrada na
medida em que não levou em consideração o forte impacto que uma economia exportadora de
produtos primários poderia sofrer em um contexto desfavorável.

Nesse sentido, ao contrário do que os economistas diziam ao final de 2009 (quando já eram divulgados
os primeiros números apontando para a recuperação do crescimento da economia brasileira), a
“marola” não estava ultrapassada e uma segunda fase ainda estava por vir. É certo que, do fim de 2009
até a metade de 2010, os índices já indicavam um aumento intenso no ritmo de crescimento do Brasil,
mas a partir do momento em que a crise na zona do euro se difundiu, o cenário internacional voltou a
ficar negativo e, novamente, o crescimento econômico por aqui sofreu um grande abalo. Os números
evidenciam que, desde o primeiro trimestre de 2010, o ritmo só vem caindo, quando comparado com o
mesmo trimestre do ano anterior, de acordo com os apontamentos dos relatórios de contas nacionais
do IBGE.

Como já foi dito anteriormente, o Brasil tem a sua economia fortemente influenciada pela exportação
de commodities, principalmente cereais e minérios de ferro. Com a crise de crédito no mercado
mundial, os compradores restringem a sua demanda, o que faz com que o preço dos produtos
brasileiros caia juntamente com o lucro dos exportadores. A partir disso, a resposta dada a esse
incentivo é a diminuição da produção para reter a oferta e segurar um pouco o preço.

A saída encontrada pelo governo brasileiro foi investir na potencialidade do mercado consumidor
interno. Durante os últimos anos, o Banco Central se valeu de várias medidas macroeconômicas com o
intuito de aquecer a economia para que a crise mundial não produzisse aqui impactos tão intensos
quanto os ocorridos em países europeus. A principal delas é a taxa de juros SELIC, que atingiu a
marca dos 7,5% na última reunião no mês de agosto, na tentativa de incentivar a produção industrial e
o consumo. Além disso, podem ser citadas também as isenções fiscais, como o IOF (Imposto sobre
Operações Financeiras) e o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), e as facilidades de acesso
ao crédito, bastante comuns nos últimos dois anos. Mais recentemente, o Banco Central se valeu ainda
da diminuição da alíquota do compulsório dos bancos, o que deve injetar nos próximos meses cerca de
30 bilhões de reais no mercado brasileiro. É inegável que os efeitos do pessimismo gerado pela crise
mundial são muito menores no Brasil, mas o fato é que essas medidas não estão sendo suficientes para
sustentar o ritmo almejado pelo governo (vide projeções de crescimento para 2012: no início do ano, a
expectativa era de alcançar os 4%; há alguns dias, a meta foi abaixada para 1,6%).

Assim, compreende-se porque o termo “marolinha” utilizado por Lula não explica por completo as
repercussões da crise financeira no Brasil. Por um lado, o país tem se mostrado muito mais efetivo nas
suas medidas de contenção da crise do que as grandes economias desenvolvidas. Por outro, mesmo
com os vários esforços adotados pelo governo na tentativa de tornar os impactos menos severos, nota-
se que os resultados obtidos estão constantemente abaixo das expectativas. Nesse contexto, defende-se
que o termo ideal para ilustrar a situação em que o Brasil se insere frente à crise é “pororoca”, visto
que os efeitos se estendem desde 2008 e já provocaram certo estrago na economia brasileira desde

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então, com ênfase no crescimento negativo de 2009 e na desaceleração intensa que se deu a partir de
2010.

Dessa forma, conclui-se que a tendência é que o Brasil continue engatinhando até que os mercados
consumidores dos seus produtos de exportação se recuperem e voltem a demandar como antes. Apesar
disso, é preciso ter em mente o fato de que a população brasileira não sentiu muito os efeitos da crise,
até por conta da inflação nunca ter saído do controle do BC durante esses quatro anos. Na verdade, o
que se tem visto é que a parcela da população que pertence à classe média aumentou
significativamente a sua potencialidade de consumo em função das facilidades de acesso ao crédito
dadas pelo governo, como no programa Minha Casa, Minha Vida e nos financiamentos de carros
novos. Porém, afigura-se que o potencial do mercado consumidor brasileiro já está saturado e não se
encontra nele a solução para a volta ao antigo ritmo de crescimento. É certo que ele tem se mostrado
uma solução paliativa bastante durável, mas é difícil que algo mais seja obtido além do que já foi.
Portanto, é possível chegar à conclusão de que a “pororoca” que assola o Brasil só se esmaecerá à
medida que os “tsunamis” dos países desenvolvidos também perderem força.

Textos sintetizados e organizados pelo prof. Altamir Fernandes

9º Texto: A Geração Y

Introdução
Juventude:

“Nossa juventude adora o luxo, é mal educada, caçoa da autoridade e não tem o menor respeito pelos
mais velhos. Nossos filhos hoje são verdadeiros tiranos. Eles não se levantam quando uma pessoa
idosa entra, respondem a seus pais e são simplesmente maus.” (Sócrates 470-399 a. C.).

“Não tenho mais nenhuma esperança no futuro do nosso País se a juventude de hoje tomar o poder
amanhã, porque essa juventude é insuportável, desenfreada, simplesmente horrível.” Hesíodo (720
a.C)

“Nosso mundo atingiu seu ponto crítico. Os filhos não ouvem mais seus pais. O fim do mundo não
pode estar muito longe.” (Sacerdote do ano 2000 a.C.)

“Essa juventude está estragada até o fundo do coração. Os jovens são malfeitores e preguiçosos. Eles
jamais serão como a juventude de antigamente. A juventude de hoje não será capaz de manter a nossa
cultura.” (Descoberta nas ruínas da Babilônia (atual Bagdá). 4000 anos de existência.)

Nada mudou!

Um Estudo das Gerações: os comportamentos, valores de vida, expectativas com relação ao futuro
mudam de forma considerável e, mundialmente a cada 20 anos...

Porém...

Pela primeira vez as empresas estão lidando com diferenças de mais de 40 anos de idade... e esta
diferença vai crescer ainda mais...

01 - Geração Baby Boomers – nascidos entre 1946 e 1964

Baby Boomers é uma definição genérica para crianças nascidas durante uma explosão
populacional - Baby Boom em inglês, ou, em uma tradução livre, Explosão de Bebês.
Em geral, a atual definição de Baby Boomers, se refere aos filhos da Segunda Guerra
Mundial, já que durante a guerra houve uma explosão populacional.

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Normalmente, são as pessoas nascidas no final da década de 1940, se consideram como
Baby Boomers os nascidos entre 1946 e 1964, separados em duas gerações:

Podemos determinar as seguintes características para a Geração de Baby Boomers:


 Possui renda mais consolidada.
 Tem um padrão de vida mais estável.
 Prefere qualidade a quantidade.
 Não se influencia facilmente por outras pessoas.
 É firme e maduro nas decisões

Enfim, sua atitude típica: “Só se vive uma vez, então aproveite” e para subir na vida é
preciso trabalhar muito; seus empregos eram para a vida toda e a carreira era linear; eles trabalham
mais tempo e se aposentam mais tarde.

02 - Geração X – nascidos entre 1965 e 1980

Os integrantes da Geração X têm sua data de nascimento localizada, aproximadamente, entre


os anos 1960 e 1980. A Geração X é formada pelos filhos da Geração Baby Boomers, formada logo
após a Segunda Guerra Mundial e pelos pais da Geração Y.

Os integrantes da geração X são as pessoas nascidas entre meados dos anos 60 e início dos
1980. Essa geração viveu momentos importantes na política: a Guerra Fria, a Perestroika
precipitando a queda do Muro de Berlim. Foi a época dos últimos líderes, como Mikhail Gorbatchov,
Ronald Reagan, Margareth Thatcher...

As pessoas X não vêem o êxito da mesma forma que seus pais. Ao contrário, nutrem certo
cinismo e desilusão em relação aos valores deles. São mais céticas, mais difíceis de atingir pelos
meios de comunicação e marketing convencionais. É a geração da MTV, do Nirvana, das Tartarugas
Ninjas.

Preferem um estilo de vida que lhes dê status, dinheiro e poder.

Do ponto de vista social, alguns acontecimentos marcaram essa geração, entre eles o
aparecimento da AIDS, em 1981. Essa doença provocou um posicionamento ideológico de
dimensões muito relevantes, provavelmente nunca associado a uma enfermidade, tendo assim grande
influência na mudança de pautas de comportamento da geração seguinte.

Diante de tal panorama de incerteza e sensação de mudança, não é de estranhar que, ao ir ao


cinema, esses jovens tenham assistido a Blade Runner (1982), um dos maiores expoentes do
movimento cultural conhecido como cyberpunk. A atual geração Y possivelmente desconhece que as
origens ideológicas de alguns de seus ícones culturais, como Matrix, venha diretamente dessa visão
apocalíptica e obscura, própria da evolução do movimento punk.

Entre as principais características dos indivíduos da geração X, encontramos:


 Busca da renda mais consolidada.
 Maturidade e escolha de produtos de qualidade.
 Busca por seus direitos.
 Respeito à família menor que o de outras gerações.
 Procura de liberdade.

03 - Geração Y – nascidos entre 1981 e 1995

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A Geração Y, ao contrário do que muitos pensam, não se refere exatamente a uma legião de
adolescentes, mas sim a uma "determinada" geração, nascida entre os anos 1980 e 1990. São os filhos
da Geração X e netos dos Baby Boomers.

Quem são os integrantes da geração Y?

 Nascidos na década de 1980 e 90.


 Entrando no mercado de trabalho, os mais velhos chegando aos 25 anos.
Propósito:
 Satisfação imediata de seus anseios e sonhos e uma vida com significado.

Como é uma geração relativamente nova, ainda não há uma conceituação clara das
características desta geração, a não ser pelo fato que nasceram em um mundo que estava se
transformando em uma grande rede global. A Internet, e-mails, redes de relacionamento, recursos
digitais, fizeram com que a geração Y fizesse milhares de amigos ao redor do mundo, sem ao menos
terem saído da frente de seus computadores.

Não há acordo entre os estudiosos a respeito da data exata de início e fim desta geração.
Alguns voltam alguns anos e ultrapassam os anos 70. Outros dizem que a geração Y se manteve até
2010. O que há em comum, no entanto são os novos hábitos voltados à comunicação e obtenção da
informação instantânea.

Também são chamados de Millennials por serem a geração da mudança do milênio. A


definição foi criada pelo Advertising Age. Uma revista de publicidade e propaganda norte-
americana, que definiu, em 1993, os hábitos de consumo dos adolescentes da época. Como eram
filhos dos integrantes da Geração X, se achou óbvio, que esta nova geração fosse chamada pela
próxima letra do Alfabeto.

Histórico Familiar
 Filhos de pais dedicados à carreira;
 Pais “culpados” pela pouca dedicação à família;
 Pais com o pensamento: “Quero propiciar para o meu filho o que eu não tive”;
 Filhos cuidados, nutridos e programados para inúmeras atividades desde muito cedo;
 Pouca hierarquia entre pais e filhos;
 Injeções de autoconfiança

Contexto Mundial:
 Fast-food: tudo rápido e ao alcance
 globalização
 Não existe distância
 Revolução tecnológica

Entre as principais características dos indivíduos da Geração Y, encontramos:


 Estão sempre conectados;
 São divertidos, empolgados e gostam de desafios;
 Procuram informação fácil e imediata;
 Preferem computadores a livros;
 Preferem e-mails a cartas;
 Digitam ao invés de escrever;
 Vivem em redes de relacionamento (principalmente Facebook);
 Compartilham tudo o que é seu: dados, fotos, hábitos;
 Eles querem empregos que combinam seu estilo de vida e suas necessidades;
 Eles não separam a vida pessoal do trabalho, ou seja, para eles a vida é uma só;

152
 Estão sempre em busca de novas tecnologias.

Em síntese, as características da Geração Y

a) Preparados para superar desafios;


 Vencedores;
 Responsáveis;
 Valorizam a empregabilidade e não a fidelidade.

b) Esperançosos:
 Otimistas;
 Acreditam no futuro e no seu papel nele;
 Local de trabalho desafiante e agradável;
 Colaborativos e sociáveis;
 Criativos e inovadores;
 Divertidos.

c) Orientados para metas e realizações:


 Traçam metas ousadas, altas expectativas;
 Foco e multitarefas;
 Aprendem rapidamente;
 Dispostos a correr riscos; iniciativa;
 Têm pressa de construir a carreira;
 Lidam muito bem com as mudanças;
 Compromisso com atingimento de objetivos.

d) Consciência cidadã:
 Pensam no bem maior; ambiente sustentável;
 Engajados em questões de responsabilidade social;
 Transparência;
 Idealistas;
 Equilíbrio entre trabalho e vida pessoal como obrigação.

e) Inclusivos:
 Trabalho em equipe;
 Poder coletivo;
 Justiça no ambiente de trabalho;
 Diversidade é norma;
 Não têm protocolos de hierarquia

04 - Geração Z

Formada por indivíduos constantemente conectados através de dispositivos portáteis e,


preocupados com o meio ambiente, a Geração Z não tem uma data definida. Pode ser integrante ou
parte da Geração Y, já que a maioria dos autores posiciona o nascimento das pessoas da Geração Z
entre 1990 e 2009.

Quem é a geração Y – Pilar Garcia Lombardia

Pela primeira vez na história do mercado de trabalho, as organizações estão acolhendo


pessoas cujas idades cobrem um espectro de mais de 40 anos. Essa tendência vai aumentar na

153
próxima década, devido ao necessário prolongamento dos anos de trabalho motivado pela escassez de
profissionais.
É necessário identificar um conjunto de vivências históricas compartilhadas – obviamente,
de caráter macrossocial – que determina alguns princípios de visão de vida, contexto e, certamente,
valores comuns. Sob essa lógica, podemos afirmar que estamos em um momento em que quatro
gerações trabalham e convivem nas empresas, cada uma com aspirações e contratos psicológicos
diferentes com o empregador.

Geração Y

A nova geração abrange os nascidos nos anos 1980 e 90. Os mais velhos estão chegando aos
25; os mais jovens acabam de sair da adolescência. É a geração dos Power Rangers e da internet, da
variedade, das tecnologias que mudam contínua e vertiginosamente.
Os membros dessa geração são considerados independentes, autossuficientes, honestos,
empreendedores e seguros em relação ao que sabem e ao que querem. São vistos como profundos
conhecedores da tecnologia e a utilizam como principal aliada no processo de aprendizagem e
obtenção de informação
A geração Y só conhece a democracia. Não deixam de se surpreender com o fato de que a
geração anterior tenha sobrevivido sob a tirania de poucas redes de televisão, sob controle
governamental estrito, e com telefones pregados na parede.
Na geração Y não ocorreu uma ruptura social evidente; não houve Woodstock nem maio
de 1968. Os Y são silenciosos e contundentes, parecem saber exatamente o que querem. Eles não
reivindicam: executam a partir de suas decisões, dos blogs e dos SMS. Não polemizam nem pedem
autorização: agem. Enquanto os X enfrentam o mundo profissional com relativo ceticismo, os Y
adotam uma visão mais esperançosa. Seu alto nível de formação os torna mais decididos. Sua
atitude diante da hierarquia é cortês, mas não de estrito respeito ou amor/ódio, como a das gerações
anteriores.

A integração dos Y às empresas está sendo especialmente complicada. Suas expectativas são
novas e eles se consideram “a geração excluída”. Chegaram ao mundo em clima de mudança,
transformação e certo desassossego político.

Esses jovens, além de ver televisão, começaram a dar seus primeiros passos com os
computadores de seus pais ou irmãos: a tecnologia nunca vai ser um problema para eles. Cerca de
91,6% dos que têm entre 16 e 24 anos são usuários da internet, porcentagem que cai para 63,4% no
caso das pessoas entre 35 e 44 anos. Já se acostumaram ao bombardeio de imagens, à informação
imediata e visual, à realidade em 3D. Não desenvolveram a paciência e a laboriosidade, e sim o “já” e
o “agora”. Não aprenderam a desfrutar um livro, uma vez que podem obter a mesma informação em
minutos, com um clique. É uma geração de resultados, não de processos.

Outra diferença importante: se as gerações anteriores se caracterizavam por receber as


mensagens, as modas, a música de modo uniforme, a Y, ao contrário, destaca-se pela diversidade.
Não que a geração Y não tenha nenhuma tribo ou subgrupo. Ela tem, sim. É a elite urbana, que, de
alguma forma, cristaliza seus valores e estilos de vida: são os CBP (cosmopolitan business people, ou
pessoas de negócios cosmopolitas). A globalização está criando um coletivo social transversal,
situado em todo o mundo (ou quase todo), com traços homogêneos, independentemente da origem
cultural, racial ou geográfica.

Características comuns diferenciam essa tribo de outros coletivos. Entre as mais


significativas estão:
 Costumam conhecer vários idiomas. Concretamente, seu inglês é fluente, mesmo não
sendo sua língua materna.
 Seu nível de educação é alto. Têm pós-graduação (MBA ou mestrado) ou especialização
em alguma instituição de ensino superior de prestígio.

154
 São solteiros ou casados com poucos filhos. Às vezes, o casal também é um CBP. Suas
famílias tendem à instabilidade.
 A rede de amizades e conhecidos está distribuída por todo o mundo ou em região ampla.
Raça, nacionalidade e religião são secundárias. Os laços profissionais ou de gostos pessoais é que
contam.
 No mercado de trabalho, possuem experiências multinacionais.
 Têm gostos variados, em que sobressaem os esportes, as artes, a leitura e, sobretudo, as
viagens.
 O manejo das novas tecnologias é inerente a seu cotidiano - tanto profissional como
pessoal.
 Buscam carreiras brilhantes, altos salários

MOTIVAÇÕES E VALORES

É bom lembrar que os conceitos de motivação e valores pertencem à geração X e até


mesmo à anterior, ou seja, foram concebidos por gerações que trocaram uma concepção mecanicista
do trabalho por uma mais aberta, na qual o trabalho não é só uma forma de sobreviver
economicamente, mas fonte de satisfação e desenvolvimento pessoal. É possível, portanto, que esses
termos não se apliquem à geração Y.
Por sua vez, o cenário de trabalho de hoje é especialmente complexo, por conta de alguns
fenômenos:

 A idade de aposentadoria aumentou. Ao mesmo tempo, as empresas não valorizam os


profissionais mais velhos.
 Faltam profissionais em vários setores.
 Um fator de diversidade é acrescido com a imigração e a crescente incorporação das
mulheres nas empresas.
 Em muitas organizações, as horas de trabalho e a pressão são muito altas, o que dificulta a
conciliação entre vida profissional e pessoal.
 Os trabalhadores têm mantido ou reduzido seu poder aquisitivo; os benefícios
empresariais e os salários da alta direção, porém, aumentaram extraordinariamente.

Devido ao ambiente em que cresceram, os Y são pessoas com iniciativa e grande capacidade
de resolver problemas, e seu estado mental diante das opções e desafios costuma ser: “Por que não?”.
Desenvolvem-se bem em espaços criativos, nos quais suas iniciativas possam render frutos e seus
esforços individuais por conquistar objetivos sejam reconhecidos. Os jovens dessa geração são mais
individualistas que os das anteriores e reivindicam a autonomia em suas opiniões e atuações,
situando seu âmbito pessoal acima das considerações de ordem laboral ou social.

Os Y parecem não se importar muito com uma questão-chave para as gerações anteriores: a
promoção. A rotação não os assusta (a situação do mercado lhes permite isso) e, apesar de se
motivarem a escalar posições, não é tanto pelo que estas representam em poder, mas porque implicam
reconhecimento e maior possibilidade de colocar em marcha suas iniciativas. Por isso, podem rechaçar
promoções que resultem em perda da qualidade de vida.

Os integrantes da geração Y têm um acesso à informação que nunca existiu. Isso é tão
importante que provocou uma verdadeira mudança de paradigma no consumo. Quando um Y vai
comprar um celular, por exemplo, é possível que saiba mais de suas características técnicas que o
próprio vendedor. E também terá consultado todos os blogs e fóruns para saber a opinião de outros
consumidores. O fato é que esse jovem terá a mesma atitude quando comparecer a uma entrevista de
emprego. Sabe o que quer, conhece o setor e a empresa, leu notícias a respeito dela. Além disso, a
facilidade com que o candidato pode ter acesso à informação sobre o mercado de trabalho faz com
que se abram diante dele muitas e diversas alternativas, e ele pulará de uma para outra se as respostas
não o convencerem.

155
No entanto, podemos nos aventurar a algumas conclusões:
 São filhos de seu tempo, pós-modernos. Estão imersos em preocupações ecológicas e se
interessam pelos problemas sociais, sobre os quais estão sempre informados.
 Como são geralmente jovens, mostram-se abertos a novas correntes ideológicas e são
sensíveis à injustiça.
Aqui há uma grande pergunta para fazer: a formação que recebem das instituições de ensino e
as experiências de trabalho os levarão a pender para um lado ou para o outro, ou seja, eles vão
exacerbar o peso do valor econômico em sua vida ou integrá-lo a um contexto moral e social mais
amplo?

Diante disso, três aspectos parecem ser fundamentais para gerenciar esses jovens:

 Um clima cosmopolita que os atraia, geralmente cidades populosas, em que possam usar
o inglês como meio comum de expressão, com acesso às artes, ao lazer e aos esportes, além de
instituições de ensino de prestígio.
 Expectativas de carreira tão motivadoras quanto a remuneração, assim como um tipo
de trabalho igualmente motivador, que ofereça desafios constantes.
 Garantia de autonomia profissional. As tarefas lhes devem ser delegadas e eles precisam
ter poder para trabalhar. Os Y costumam se dar muito bem em equipe.

CONSELHOS PARA ATRAIR, RETER E GERENCIAR COLABORADORES Y

O que os atrai?
 Seus critérios de decisão entre diferentes ofertas de emprego são: estabilidade, equilíbrio
entre vida profissional e pessoal e nível salarial adequado.
 Valorizam e representam a diversidade.
 Tendem a pensar no curto prazo. (Lembre-se de que, como têm amplo acesso à
informação, possivelmente têm várias alternativas a escolher).

O que esperam como remuneração?


Para eles, remuneração está relacionada com resultados. Geralmente têm expectativas de
alta remuneração, para manter elevado padrão de vida.

O que os reterá?
 Consideram fundamentais a responsabilidade individual e a liberdade para tomar decisões.
 Crêem mais na co-decisão do que na hierarquia.
 Pedem flexibilidade de tempo e espaço para manter sua esfera privada.
 Querem que seu estilo de vida e sua forma de enfocar o trabalho sejam respeitados.
 Não é fácil despertar neles um sentido de fidelidade à empresa “para a vida toda”.

O que oferecem às empresas?


 Alto nível de formação.
 Iniciativa e criatividade.
 Resultados.

ALGUNS ASPECTOS PARA REFLEXÃO

A convivência de diversas gerações no mercado de trabalho, como hoje está acontecendo,


implica, de saída, a necessidade de incorporar a inovação, a criatividade e a flexibilidade nas
tarefas próprias da gestão de pessoas. Se a situação já não fosse complexa em si, uma análise mais
profunda exigiria ter em conta outras variáveis que também afetam a questão.
As mulheres da geração X, que em grande medida entraram de forma maciça no mercado
de trabalho e de modo relevante (mas não maciço) ocuparam postos de direção, fizeram-no sem
modelos, na maioria dos casos. Essas profissionais abriram caminho, mas seguramente tiveram de
pagar um preço alto, dedicando-se menos à família. As mulheres da geração Y provavelmente vão

156
rechaçar esse modelo, e agora se fala de conciliação de agendas, igualdade e flexibilidade. Serão
capazes de construir um novo modelo que concilie vida profissional e pessoal?
E as grandes perguntas: que traços marcarão os integrantes da geração seguinte? O que vão
aprender a partir da variedade de modelos, atitudes e comportamentos que compõem o meio
sociocultural em que estão crescendo? Como a geração Y vai reagir se a – vamos chamá-la assim –
geração Z desbancá-la antes do tempo, como ela fez com a geração X?

Pirâmide da Motivação Geração Y

1. SIGNIFICADO
2. RESPONSABILIDADE
3. O AMBIENTE DE TRABALHO
4. ENVOLVIMENTO NO TRABALHO
5. O SIGNIFICADO DA REMUNERAÇÃO
6. ACOMPANHAMENTO E RECONHECIMENTO
7. RELAÇÃO COM NORMAS, REGRAS E SUBORDINAÇÃO FUNCIONAL

1. Significado
 Tudo tem um porquê; dá sentido para tudo o que faz;
 Pouco treino com processos cognitivos. Não são leitores de obras literárias mais densas;
 Não são adeptos da instrução formal.
Empresas e Gestores:
 Liderança deverá dar direcionamento, clareza de objetivos;
 Liderança deve ajudá-los a serem daqui a 10 anos homens mais plenos, complexos,
profundos e maduros. Muitas empresas estão instituindo o papel de mentores/tutores;
 Invista em desenvolvimento e capacitação. Mas se esforce para que os conhecimentos
adquiridos sejam aplicados;
 Crie comunidades de aprendizagem, blogs internos de liderança, programas via satélite,
videoconferência, Podcasts, etc;
 Edutainment (educação com entretenimento);
 Utilize o trabalho em equipe e tecnologia (Wikipédia, Google, publicações on line,
multitarefas, ipods).

2. Responsabilidade
 Responsável com aquilo que lhe é atribuído;
 A empresa não é o único foco dele, responsabiliza-se por tudo que tem significado para ele.
Empresas e Gestores:
 Ofereça horário flexível, oportunidade de trabalhar em casa;
 Reveja políticas de concessão de férias e licenças por períodos prolongados;
 A Xerox já está usando um slogan “auto expressão” para descrever o perfil dos candidatos
que busca. E são incentivados a proporem mudanças e novas soluções;
 Invista em programas de voluntariado.

3. O ambiente de trabalho
 Alegre, descontraído, espírito leve;
 Não importa com hierarquia;
 O sobrenome corporativo não exerce fascínio sobre eles;
 Trabalhar com pessoas com as quais se identificam;
 Aparência informal.
Empresas e Gestores:
 Diversão, humor e até uma pitada de tolice;
 Irreverência tornará o ambiente mais atrativo;

157
 Forneça várias oportunidades às equipes;
 Algumas empresas já estão contratando grupos de amigos;
 Seja criativo para celebrar, happy-hour, confraternizações;
 Não descuide da comunicação.

4. Envolvimento no trabalho
 Não tem paciência para coisas longas e demoradas;
 Quer tentar coisas novas; “Respeite as nossas ideias”;
 Necessidade de arriscar-se;
 Não tem problemas em falhar, em recomeçar, aprender com os erros;
 Fiel a seus projetos e não à empresa.
Empresas e Gestores
 Empresas estão indo antes às universidades;
 Estimulem-os a resolver problemas complexos;
 Quebrem os planos e programas das empresas em projetos;
 Dê direcionamento e acompanhe;
 Coloquem-os em mais de um projeto;
 Liberdade para EXPERIMENTAR;
 Utilize o erro como processo de aprendizagem;
 Nos programas de estágios e trainees diversifique ainda mais as áreas para que eles sejam
mais expostos e tenham mais desafios;
 Projetos fora do país de origem “chance de conhecer outros países”.

5. O significado da remuneração
 Gratificação instantânea: não lida bem com promessas futuras;
 Gosta de “ganhar” premiações, viagens, promoções;
 Preocupa-se com benefícios e Previdência Privada;
 Recompensa x competência;
 Ele não está disposto a esperar muito tempo para uma promoção: planejamento de carreira
mais transparente.
Empresas e gestores
 Reveja políticas de bônus anuais e semestrais;
 Una aprendizado com fazer dinheiro;
 Implemente programas de incentivos mensais com prêmios, viagens, etc.;
 Na Microsoft os funcionários agora revisam metas de carreira duas vezes ao ano com o
superior imediato;
 A GE passou a oferecer progressão salarial aos participantes de seu programa de trainee;
 Pense num cardápio de benefícios e deixem que façam opções.

6. Acompanhamento e reconhecimento
 Demanda muito feedback;
 Gosta de autonomia;
 Movido a elogios; Adora ser reconhecido;
 Ambicioso.
Empresas e Gestores:
 Implante cultura do feedback imediato e avaliação 360 on-line;
 Não avalie aparência e gostos pessoais;
 Invista tempo em reconhecimento;
 Liderança forte que seja exemplo, propõe metas, apoie, inspire, acompanhe e avalie
continuamente;
 Proporcione reconhecimento e não necessariamente um cargo;
 O salário é importante, mas o reconhecimento é vital para permanência deles.

158
7. Relação com normas, regras e subordinação funcional
 Insubordinados;
 Ele se subordina a vínculos e não a cargos;
 Não se adapta a regras muito rígidas;
 Critério de julgamento é a consciência e não a obediência;
 Informal; questionador; independente;
 Respeita e gosta de ser respeitado;
 Abordam com informalidade até o presidente da empresa.
Empresas e Gestores:
 Não o engesse com normas e regras “bobas”, principalmente com aquelas rígidas e
exageradamente formais;
 Sentirá melhor em ambientes mais informais;
 Algumas empresas estão treinando lideranças para lidarem com eles;
 Sejam flexíveis, adote procedimentos mais informais com relação à aparência;
 Sem perder a essência, revisite práticas e comportamentos.

MARCA GERAÇÃO Y

Insubordinados; Impacientes; Imediatistas; Infiéis; Flexíveis; Inovadores; Inteligentes;


Autoconfiantes; Aceitam bem diversidade e mudanças.

Dez características da Geração Y

A Geração Y são os jovens nascidos nas décadas de 1980 e início de 90. Esta época foi
representada por inovações tecnológicas e quebra de tradicionais paradigmas familiares. Isso acabou
por moldar as seguintes características.

01- “Tecnocriação”: Desde jovens foram expostos à tecnologia. Brinquedos, eletrodomésticos,


celulares, etc… fizeram e ainda fazem parte de suas vidas e, portanto, são completamente
familiarizados com estes aparelhos.

02 - Sem Manual de Instruções: Tendem a dispensar o uso de manuais de instruções, ou utilizá-los em


segundo caso. Os “apertadores de botão” dessa época costumam aprender o manuseio e funções das
coisas com a boa e velha técnica da tentativa e erro, o mesmo é aplicado para descobertas e
aprendizados.

03 - Tudo para ontem: A necessidade de que tudo aconteça no menor espaço de tempo possível é uma
das características mais visíveis, principalmente, pelos nascidos anteriormente a esta época (Geração
X). A impaciência acaba, em muitas vezes, até mesmo prejudicando a Geração Y, sendo discriminada
por outras gerações. Um estudo da consultoria americana Rainmaker Thinking revelou que 56% dos
profissionais da Geração Y querem ser promovidos em um ano. Por tal, hoje em dia a expectativa de
permanência destes inquietos em uma empresa é de um a quatro anos.

04 – Idioma: Falam fluentemente a linguagem digital e, na falta de palavras para se expressarem,


termos novos são criados como os verbos inexistentes Twittar, Googlar, Taguear, Bugar, entre outros.
Sendo também, os criadores do “Internetês”.

05 - O que Comem: Normalmente, preferem comidas rápidas e fáceis de serem preparadas e


consumidas, porém, isso não quer dizer que não estejam atentos à saúde ou cientes de que estão
prejudicando-a.

06 - Hierarquia Horizontal: Insubordinação é uma palavra forte e errônea a ser dedicada à Geração
Y, mas infelizmente, é comumente utilizada para denominar as tentativas desses indivíduos de

159
conquistar espaço e respeito perante uma organização, seja ela familiar ou corporativa. A necessidade
de participar e se sentirem parte de um sistema, fazem com que eles se imponham e reivindiquem suas
posições.

07 - Qualidade de Vida: Talvez uma das particularidades mais admiráveis da Geração Y perante as
anteriores Baby-Boomer e Geração X, seja a contínua busca por uma vida prazerosa e agradável. A
vida profissional e particular está cada vez mais homogênea, impulsionadas e exercidas pela
expectativa da auto realização. A pesquisa da Fundação Instituto de Administração (FIA/USP)
realizada com cerca de 200 jovens de São Paulo, revelou que “99% dos nascidos entre 1980 e 1993 só
se mantêm envolvidos em atividades que gostam, e 96% acreditam que o objetivo do trabalho é a
realização pessoal”.

08 - Devoradores de Informação: Também conhecidos como a “Geração Multitarefas”, são


perfeitamente capazes de assimilar e consumir diversos tipos de informações simultaneamente. É fácil
de encontrá-los ouvindo músicas, conversando em um Messenger, conferindo seus e-mails,
interagindo com seus perfis nas redes sociais e ainda fazendo um relatório para o trabalho, tudo ao
mesmo tempo.

09 – Ego: São normalmente confiantes, gostam de ser desafiados e não se mantém realizando
atividades que lhes pareçam “sem sentido”, por muito tempo. O respeito desta geração somente pode
ser adquirido por meio de conquista e nunca por imposição, sendo assim, não respeitam autoridades e
superiores simplesmente por seus títulos, mas sim por admiração e simpatia.

10 – Voláteis: Profissionalmente, a Geração Y é conhecida por não possuir fidelidade com marcas,
produtos/serviços e mesmo suas corporações. Ao se sentirem desconfortáveis, desvalorizados,
desmotivados, ou simplesmente terem uma oportunidade mais atraente em vista, saem em busca de
novas experiências, sem maiores dificuldades.

Geração Y chega ao mercado de trabalho

Trabalhar com jovens é um desafio constante. Cada geração é fruto da educação que recebeu de seus
pais e também da interação com o ambiente e a sociedade.

Por Alexandra Periscinoto, www.administradores.com.br

Trabalhar com jovens é um desafio constante. Cada geração é fruto da educação que recebeu
de seus pais e também da interação com o ambiente e a sociedade. Nos últimos anos, o mundo vem
passando por diversas revoluções, que alteraram profundamente o comportamento das pessoas. O
surgimento da internet e a revolução digital, por exemplo, trouxeram avanços sem precedentes. No
mundo do trabalho, isso traz um desafio interessante: começam a chegar ao mercado os jovens que
cresceram regidos pelos bits e bytes do mundo digital. Chamados de geração Y, esses jovens têm
menos de 30 anos e possuem características muito próprias - e o choque cultural acontece quando
passam a ser comandados pelo pessoal de outras gerações.
Mais do que evitar conflitos, ter uma política de recursos humanos que entenda a geração Y
pode trazer um excelente ganho de produtividade. Moldados pelo imediatismo da internet, a geração Y
necessita de estímulos para desafiá-la a oferecer o que tem de melhor: a ousadia, a criatividade, a
facilidade para realizar tarefas múltiplas e o espírito questionador. Algumas dessas características,
inerentes no espírito dos jovens, foram levadas ao paroxismo pelo mundo contemporâneo. De um
lado, seus pais, libertários da década de 60, que viveram a utopia do "é proibido proibir", estimularam
ao máximo o espírito contestador dos jovens. O acesso fácil às informações, trazido pela internet,
temperou o caldo de cultura. O resultado é que, para extrair ao máximo as potencialidades dessa
talentosa geração, é necessário abrir-se ao diálogo. Fazê-los entender é muito mais producente do que
simplesmente mandar. Para essa geração, a hierarquia não é um argumento-fim. Sem contar a falta de
formalidade desses jovens, cuja educação sempre privilegiou a individualidade - e suas manifestações.

160
Outra característica marcante dos jovens da geração Y é a capacidade de realizar diversas
tarefas ao mesmo tempo. Não surpreende mais encontrar um deles falando ao celular, digitando no
MSN e assistindo tevê, enquanto come um sanduíche. Ao mesmo tempo em que isso comprova as
habilidades multifacetadas necessárias para conseguir equilibrar diversas atividades, muitas vezes esse
aspecto também vem junto com a dificuldade de esperar a concretização de um projeto de longo prazo.
A tendência a dispersar a concentração não é algo incomum. Para fugir dessa armadilha e buscar a
maior produtividade da geração Y, uma das alternativas é, por exemplo, dividir um projeto mais longo
em etapas mais curtas, com metas e prazos predeterminados, cujos resultados podem ser obtidos com
maior rapidez.
Com características tão peculiares, principalmente para a geração anterior - que teve de se
adaptar, à marra, às modernidades tecnológicas, e para quem o mundo digital não é o habitat natural, é
compreensível que surjam dificuldades na comunicação entre eles. No call center, por exemplo, que é
provavelmente o setor da economia que mais emprega jovens, esse desafio é permanente. Mas,
também, muito gratificante, pois essa nova geração induz à renovação e traz um espírito de inovação
às empresas - e ambas as características são a alma da sobrevivência, no longo prazo, de qualquer
negócio. As empresas precisam rever seus treinamentos e sistemas de mensuração de resultados, para
melhor refletir o mundo contemporâneo e os jovens que ajudarão a construir o futuro.

*Alexandra Periscinoto é presidente da empresa de call center SPCOM, que tem mais de 4 mil funcionários - a
imensa maioria com menos de 30 anos.

Geração Y e as novas formas de lidar com o saber – Mário Corso

Para o psicanalista Mário Corso, a geração Y é levemente contraditória: quer ser independente, mas
pouco rompe a relação com os pais

Por: Patrícia Fachin

A partir da experiência e do contato com jovens no consultório, o psicanalista Mário Corso observa
que o comportamento da chamada geração Y é diferente da juventude dos anos 1980, ou seja,
daqueles jovens que nasceram entre as décadas de 1960 e 1970. A maneira como eles lidam com o
saber, segundo Corso, é o aspecto que mais os difere de seus antecessores. “A cultura tradicional de
que o ancião era o sábio foi decaindo com as últimas gerações e a geração Y levou isso ao paroxismo,
ao ponto máximo, e inverteu essa questão: a idade não é garantia de nenhuma sabedoria para eles e
isso leva a uma série de mal entendidos no sistema de aprendizagem, pois vários professores não
conseguem lecionar para essa geração”. O fato de não respeitar a hierarquia, segundo Corso, não deve
ser compreendido como um desrespeito, “não se trata disso e, sim, de outra maneira de se portar”.
Na entrevista que segue, concedida à IHU On-Line por telefone, o psicanalista explica que, em geral,
os jovens de hoje pertencem a um modelo familiar mais estreito, em que os filhos convivem com a
exigência do não fracasso constantemente. “Os pais desta geração colocam os filhos em uma injunção
de gozo da vida, ou seja, como eles não têm nada para transmitir, resta ter uma vida para ser gozada.
Isso é difícil de levar, porque o gozar a vida se torna um imperativo a partir do qual o indivíduo é
obrigado a ter prazer, muito prazer”.
Corso também compartilha da opinião de que os jovens da geração Y são mais ansiosos que os de
gerações anteriores e esclarece que, na psicanálise, este sentimento é compreendido como angústia e
“se instala quando as pessoas não sabem para onde ir”.

Membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre - Appoa, Mário Corso é graduado em Psicologia pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Escreveu os livros Monstruário (Porto Alegre: Tomo
Editorial, 2002), Fadas no divã (Porto Alegre: Artmed, 2006) e A Psicanálise na Terra do Nunca (Porto Alegre:
Artmed, 2011), os dois últimos em parceria com Diana Lichtenstein Corso. Confira a entrevista.

IHU On-Line - A partir da sua experiência clínica, que novidades percebe no comportamento da
chamada geração Y?

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Mário Corso – O que mais me chama atenção nesta geração é a maneira como lidam com o saber.
Eles já nasceram com um esquema pedagógico diferente dos outros. Desde pequenos tiveram a
liberdade de escolher o que queriam aprender e tudo isso influência no jeito deles viverem. O aluno
de hoje pode estudar temas com os quais se identifica e essa influência pedagógica o contamina no
bom sentido.
Esses jovens têm uma peculiaridade de não admitir a alteridade do saber, que era uma questão
bastante clássica no ensino. Eles percebem o professor como um facilitador, não reconhecem a
sabedoria da geração anterior e a tratam de igual para igual, argumentando que essa é uma geração um
pouco mais vivida. Aí tem uma influência dos pais, que foram pouco confiantes na sua própria
sabedoria e nos valores que tinham de transmitir.
A cultura tradicional de que o ancião era o sábio foi decaindo com as últimas gerações e a geração Y
levou isso ao paroxismo, ao ponto máximo, e inverteu essa questão: a idade não é garantia de
nenhuma sabedoria para eles e isso leva uma série de mal-entendidos no sistema de aprendizagem,
pois vários professores não conseguem lecionar para essa geração.
Para se apropriarem do saber, eles precisam falar sobre aquilo; querem participar da aula, serem
escutados pelo professor, mesmo quando não sabem opinar sobre determinado assunto. Mas esse é o
jeito deles de se apropriarem da novidade. É outra maneira de se portar e isso gera confusões em aula,
porque parece que eles agem com desrespeito, quando, em verdade, não se trata disso, mas, sim, de
outra maneira de se portar.
A assimetria hierárquica não é respeitada por esta geração; são o avesso do Exército, totalmente
democrática e tem dificuldade de perceber e admitir as hierarquias do mundo. São bastante anarquistas
no sentido político do ideal de um mundo pouco hierarquizado.
Não sei qual será o resultado deste comportamento. Só podemos analisar os efeitos de uma geração
depois de colher os frutos. Sinceramente não há como saber que tipo de sujeito irá se formar.

IHU On-Line – A individualidade também pode ser considerada uma característica desses
jovens?

Mário Corso – Não acredito, embora o individualismo esteja consolidado desde o século XX. Diria
que a geração Y é mais preocupada com o meio ambiente e é mais fácil convencer um jovem de 20 do
que um indivíduo de 70 anos a recolher o lixo seco, por exemplo. Nesse sentido, quem é o mais
individualista? Se eles fossem tão individualistas, teriam como ideal um lugar de uma assimetria forte.
As pessoas confundem individualismo com egoísmo e com indivíduos autocentrados. Penso que os
jovens são um pouco autocentrados; têm dificuldades de aprender com a experiência alheia.

IHU On-Line - Muitos especialistas caracterizam a geração Y como ansiosa. Essa é uma
particularidade desta geração, ou pode ser atribuída aos jovens, independentemente do
momento histórico em que vivem? Em que medida a ansiedade é um reflexo da cultura de
redes?

Mário Corso – Para falar dos jovens de hoje, temos de falar um pouco sobre quem são os pais desta
geração. A ansiedade deles está ligada ao tipo de educação que os pais deram, a qual foi bastante
vazia. Que valores os pais passaram para esses filhos? Quando perguntamos a alguns pais o que eles
querem que os filhos sejam, respondem que desejam a felicidade, que se realizem. Este desígnio é
intransitivo. Ser feliz é genérico, não diz nada. Aliás, quem deseja que o filho seja infeliz? Esses pais
não dizem absolutamente nada para seus filhos, ao contrário da geração anterior, que transmitia uma
visão sólida que orientava em uma direção, embora os filhos optassem, às vezes, por outros caminhos.
Os pais desta geração colocam os filhos em uma injunção de gozo da vida, ou seja, como eles não têm
nada para transmitir, resta ter uma vida para ser gozada. Isso é difícil de levar, porque o gozar a vida se
torna um imperativo a partir do qual o indivíduo é obrigado a ter prazer, muito prazer. Não é à toa que
esta geração vive num crescente momento de relações toxicômanas. Se a questão básica é a busca pela
felicidade, porque não usar um atalho perfeito como a droga? Penso que a falta de rumo destes jovens
foi dada pela geração anterior, que não conseguiu traduzir para eles alguns valores. É uma geração
frustrada pelo que conseguiu na vida e encarrega os filhos de fazer por eles. A geração Y pertence a

162
uma família nuclear mais estreita e os filhos não podem falhar. Os pais esperam muito deles e a
exigência do não fracasso está sempre presente.
Essa é uma juventude mais ansiosa que a anterior, tem muita pressa de viver. A pressa, na
psicanálise, é compreendida como angústia e se instala quando as pessoas não sabem para onde ir.
Quanto menos se sabe para onde ir, mais pressa se tem.
Nunca se viveu tanto e por que ter tanta pressa? Antigamente, a expectativa de vida era muito menor e
quem tinha 50 anos era considerado velho e tinha netos. Hoje em dia, aos 50 anos estamos na metade
da vida e só se é velho aos 80.

IHU On-Line – Percebe algum conflito social entre as diferentes gerações? Pode-se falar em
mudanças nas relações familiares a partir do comportamento e dos valores da atual geração de
jovens?

Mário Corso – Os jovens não saem de casa tão cedo porque o conflito de gerações acabou. No
conflito clássico da década de 1960, havia gerações diferentes, que tinham impossibilidade de
conviver. Hoje, as gerações não são tão diferentes e vivem sob os mesmos padrões de vida.
Um jovem pode fumar maconha em casa porque os pais têm um discurso de que é melhor transar em
casa do que na rua. Antes, esses assuntos eram impensáveis e o impulso de sair da residência era a
impossibilidade de conviver. Hoje, não há essa ruptura. Se bem que esta geração impõe limites por
meio do corpo: alguns se tatuam muito e a partir disso delimitam o corpo como uma forma de dizer
que não pertencem mais ao pai e à mãe, embora vivam na residência paterna.
Enquanto os filhos moram com os pais, eles não se responsabilizam por uma série de atividades. Essa
geração prolonga a infância e a adolescência e é levemente contraditória: muito principista em
algumas questões de independência, mas, na prática, rompe pouco com os pais.
Alguns assuntos são fronteiras difíceis e eu não sei como pensar: parece que essa aceleração do mundo
e essa questão de fazer experiência é assimilação de uma aceleração do mundo moderno e do
capitalismo avançado. Por serem mais frágeis, talvez os jovens sejam facilmente cooptados pelo
consumo.
Os jovens de hoje também se diferenciam bastante em função da virtualidade. A rede social se dá de
uma maneira distinta. É mais fácil ser diferente hoje porque a tecnologia proporciona mais chances de
se conectar com outros diferentes. Se antes as gerações estavam mais condenadas a uma corrente
principal de ideias, hoje é mais fácil encontrar a sua excentricidade. O que diferencia esta geração é a
capacidade de se comunicar com pessoas distantes. Essa conexão era impensável antigamente. Parece
que essa relação terá um efeito positivo.
Percebo que o jovem é o que é não pelo que ele faz. Antigamente, a profissão dava mais identidade
aos indivíduos. Os jovens não se inclinam para uma profissão e ela tem menos sentido para eles. Ao
falar com um jovem, ele conta vários aspectos de sua vida e por último fala de sua profissão.

IHU On-Line - Como o senhor vê a necessidade desta geração por constantes avaliações em
relação ao seu desempenho?

Mário Corso – A essência do humano é o reconhecimento. Não sei se essa geração busca mais
aprovação do que a anterior. Entretanto, buscam aprovação entre eles, querem ser aceitos muito mais
pelo grupo do que pelos pais. Aí está uma diferença: enquanto as gerações anteriores buscavam mais
aprovação dos pais, esta se preocupa com a opinião do grupo da geração deles.

IHU On-Line – Resumidamente, que valores norteiam o comportamento da geração Y?

Mário Corso – Não sei se os valores deles se diferenciam muito dos da geração anterior. Penso que
eles tendem a acreditar mais em uma ética visível. Acreditam menos no discurso que uma pessoa é
capaz de dizer do que nas ações concretas e cotidianas. Eles parecem preocupados com a ética e a
verdade. Não estão preocupados com o que se diz, mas com o que se faz. A minha geração esteve mais
voltada para os ideais, enquanto esta tem menos ideais. Esta, porém, está preocupada com o
comportamento e se ele é condizente com o discurso.

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Y e Z: duas gerações em busca da novidade – Daniel Portillo

A relação que os jovens estabelecem com a internet tem transformado costumes que anos atrás eram
corriqueiros, como visitas pessoais. Hoje, a prioridade é o contato virtual e tudo que eles precisam
saber sobre os amigos está disponível em sítios de relacionamento, constata o consultor Daniel Portillo
Serrano

Por: Patrícia Fachin

O comportamento das gerações Y e Z e a relação que os jovens mantêm com a internet têm causado
“estranhamento” entre as gerações anteriores, que nem sempre compreendem a necessidade de eles
estarem conectados constantemente à internet. A justificativa, segundo o professor e consultor Daniel
Portillo Serrano, está muito mais relacionada à novidade do que com a própria necessidade.
Embora a geração Y tenha nascido junto com as tecnologias, é entre os Zs, aqueles que nasceram
depois dos anos 1990 e 2000, que o acesso à rede tem se intensificado. Em entrevista à IHU On-Line
por e-mail, Serrano menciona que a “geração Z é a encarnação do que a Y gostaria de ter sido”.
Enquanto os jovens dos anos 1980 tinham de usar modems para acessar a internet, “a geração Z trata
as conexões à Internet como se fossem o fornecimento de eletricidade ou água. Assim como sabem
que, ao abrir uma torneira, a água sai e ao ligar um equipamento em uma tomada, ele funciona, a
internet é algo abundante e disponível”, compara.

Daniel Portillo Serrano é graduado em Comunicação Social com especialização em Publicidade e


Propaganda pela Universidade Anhembi Morumbi, pós-graduado em Administração de Empresas pelo
Centro Universitário Ibero-Americano e mestrando em Administração de Empresas pela Universidade
Paulista – Unip. Atualmente leciona Marketing e Estudos de Comportamento do Consumidor na
Faculdade Eniac Educação Básica e Superior, e Comportamento do Consumidor e Tendências de
Consumo nos cursos de pós-graduação das Faculdades Integradas de Bauru - FIB. Confira a entrevista.

IHU On-Line - Por que a geração Y está sempre conectada à internet? Como compreender essa
necessidade de estar sempre online?

Daniel Portillo Serrano - A juventude atual nasceu cercada de computadores. Não foi, no entanto, o
dispositivo que chamou a atenção dessa geração, mas, sim, a possibilidade de utilizá-lo para se
conectar e manter-se online. Permanecer conectado dá aos componentes da geração Y a sensação de
que nenhum fato, nenhuma notícia, nenhum acontecimento vai passar despercebido. A geração Y
nasce sob a égide do imediatismo, da informação instantânea.
Diferente dos seus pais, que esperavam até uma semana para saber dos principais fatos do mundo nas
revistas semanais, a nova geração vê as notícias de ontem como uma “informação velha”. O fato tem
que ser percebido no momento em que ocorre; a única forma disso ocorrer é manter-se online.

IHU On-Line - Que relações a geração Y mantêm com a internet e os dispositivos tecnológicos?

Daniel Portillo Serrano - A internet está para geração Y como as bibliotecas ou bancas de jornal
estão para as gerações anteriores. A geração Y não sente a necessidade de aprender e se aprofundar em
nada. Não há a necessidade de decorar. Quando precisar de uma informação, o jovem saberá onde
encontrá-la. Um jovem conectado não demora mais do que poucos segundos para acessar qualquer
texto de que necessite. Assim, mais do que guardar livros, onde a busca da informação é imprecisa, o
jovem mantém à mão sítios de busca, onde instantaneamente pode acessar a informação necessária em
milhões de veículos, muitas vezes, sem custo nenhum. Aos poucos, a internet vai substituindo, para
esta geração, os livros e material didático.
Os dispositivos tecnológicos são uma necessidade imprescindível para esta geração. Se pudéssemos
fazer uma releitura da hierarquia das necessidades humanas voltada a esta geração, os gadgets
apareceriam como itens de necessidade básica, precedendo as necessidades sociais.

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IHU On-Line - Como vê a atuação e participação dos jovens das gerações Y e Z em sítios de
relacionamentos? Qual o sentido dessas redes sociais para eles como espaço de constituição do
sujeito?

Daniel Portillo Serrano - Se até algum tempo atrás acreditava-se que a internet substituiria as cartas
via correio, a certeza, atualmente, é que está substituindo não apenas as mensagens que enviamos aos
amigos, mas também as próprias visitas físicas. A visita à casa de um parente ou de um amigo já não é
tão necessária para a geração Y, como o era para a geração X. O relacionamento não precisa ocorrer
presencialmente, e na preferência desta nova geração, é melhor que não ocorra. Visitas são feitas
virtualmente através de mensageiros instantâneos e sítios de relacionamento com a marca da nova
geração: o imediatismo. Visito o Facebook de um amigo e lá me sinto em sua casa. Afinal, tudo que há
de valor, tudo que o jovem precisa saber e tudo que pode gerar um relacionamento está no sítio, e não
mais em sua casa. Não precisa mais chamar seus amigos para mostrar as fotos de sua última viagem.
Publica em seu sítio e seus amigos acessam quando bem entenderem. Se precisa comunicar algo, não
tem a necessidade de telefonar: publica a mensagem em seu sítio. E, desta forma, tem a certeza que em
alguns segundos, toda a rede de relacionamento estará a par dessa informação. Os pais da geração Y,
mantinham em média 15 a 20 amigos, incluindo três ou quatro de contato mais próximo. Hoje, através
do Orkut, Twitter ou Facebook , um jovem mantém relacionamentos simultâneos (e instantâneos) com
mais de uma centena de pessoas.

IHU On-Line - O senhor comenta que os jovens desta geração compartilham tudo que é seu:
dados, fotos, hábitos. Como compreender essa característica? O que eles buscam a partir desse
comportamento e o que essa atitude demonstra sobre eles e a maneira como compreendem a
vida?

Daniel Portillo Serrano - Os adolescentes, independentemente de qual época viveram, sempre


tiveram uma necessidade de se expor aos demais, seja contando suas aventuras aos colegas ou
tentando aparecer em um mundo de “iguais”. Isso sempre foi notado através das roupas que usam, das
músicas que ouvem ou dos lugares que frequentam. A grande dificuldade, no entanto, sempre foi
mostrar essa imagem de forma abrangente. Gerações anteriores não tinham tempo nem locais
apropriados para escancarar sua vida para que os demais elementos do grupo pudessem consultar. Os
sítios de relacionamento trouxeram a possibilidade de se expor e divulgar todas aquelas informações
que o jovem queriam mostrar ao seu grupo.

IHU On-Line - Como caracteriza o comportamento consumidor da geração Y?

Daniel Portillo Serrano – Ela não é fiel a marcas. Tentar fidelizar esse jovem é desperdício de
dinheiro. Mais do que marcas ou rótulos, a geração Y busca inovação. Um novo gadget fará parte de
sua lista de desejos antes mesmo de ser lançado. Passará horas em uma fila para adquirir em primeira
mão um produto que será lançado à meia-noite em uma badalada loja de eletrônicos. No dia seguinte
ostentará a compra em seu escritório ou faculdade, como um troféu. Contará, por horas a fio, a
odisseia que passou na fila. Mas se sentirá inserido em um mundo que só ele e os integrantes de sua
geração entendem: aquele onde a novidade é mais importante do que a própria necessidade. O jovem
da geração Y é multitarefa. Consegue falar com amigos ao telefone, enviar mensagens, visitar os sítios
de relacionamento e ouvir uma música. Tudo simultaneamente.

IHU On-Line – A geração Z também nasceu em uma sociedade tecnológica. Nesse sentido, o que
a diferencia dos antecessores Ys?

Daniel Portillo Serrano - A geração Z é aquela nascida na última década do século XX e primeira
década do século XXI. Semelhante à geração Y, a geração Z não é fiel a marcas, vive em função de
inovações tecnológicas e prefere o mundo virtual ao real. A diferença entre ambas as gerações, no
entanto, é que se a geração Y precisava se conectar à internet, para entrar no seu mundo, a geração Z já
nasceu conectada. Não há mais a necessidade de um computador. A internet está presente em todos os

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seus equipamentos: telefone, notebooks, televisores de última geração e dispositivos portáteis.
Conversa com os amigos por SMS (já que o e-mail está fora de moda). Ao invés de usar o celular no
ouvido o utilizam à frente dos olhos. São multitarefa e não são fieis a trabalhos ou empregos que não
estejam de acordo com suas crenças.

IHU On-Line - O senhor diz que a geração Z se parece mais com a Y do que os próprios Y. Em
que aspectos e por que?

Daniel Portillo Serrano - A geração Z é a encarnação do que a geração Y gostaria de ter sido. Vários
adolescentes da geração Y tinham que usar modems, ou acesso discado para “entrar na internet”.
Sempre à frente de um computador Y. A geração Z trata as conexões à internet como se fossem o
fornecimento de eletricidade ou água. Assim como sabem que ao abrir uma torneira a água sai e ao
ligar um equipamento em uma tomada, ele funciona, a internet é algo abundante e disponível. Poucos
conheceram uma conexão discada. Na verdade poucos sabem o que significa discar.

IHU On-Line - O que se pode esperar da geração Z em relação à tecnologia e ao comportamento


voltado para as redes?

Daniel Portillo Serrano - A geração Z será a grande consumidora de tecnologia dos próximos anos.
Poucos fabricantes estão atentos a isso. Enquanto todos festejam a geração Y como os consumidores
do futuro, é a geração Z que acaba consumindo os gadgets mais badalados e inovadores. A geração Y
já está entrando no mercado de trabalho produzindo o que eles não tiveram de gerações anteriores.
Grande parte procura empresas de tecnologia para fabricar sonhos inimagináveis anos atrás. Os
grandes consumidores dessa fornada será a geração Z.

As tecnologias e a falsa sensação de afeto – José Outeiral

Para o psiquiatra José Outeiral, o ciberespaço poderá ser útil como ferramenta tecnológica. Contudo,
não é necessariamente positivo para as relações humanas

Por: Patrícia Fachin

Na avaliação do psiquiatra José Outeiral, em entrevista concedida à IHU On-Line por e-mail, as
tecnologias criam, entre os jovens, a falsa sensação de estabelecer um relacionamento afetivo. Presente
no dia a dia da juventude, sítios de relacionamento e redes sociais são utilizadas, na opinião dele,
como “uma fuga para as relações periféricas e fugazes”.

Outeiral é psicoterapeuta de Grupo e especialista em psiquiatria de adultos, crianças e adolescentes.


Membro da Sociedade Psicanalítica de Pelotas e da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de
Janeiro, é ex-professor da Faculdade de Medicina da PUCRS. Entre suas obras, citamos Adolescer
(Editora Revinter, 2008) e O adolescente borderline (Editora Artmed, 1993). Confira a entrevista.

IHU On-Line - Como o senhor caracteriza o comportamento dos jovens da chamada geração Y,
que nasceram junto com as tecnologias? O que os diferencia das outras gerações?

José Outeiral - As gerações se sucedem e mantêm pontos em comum e diferenças com as gerações
anteriores. Uma das diferenças pode ser a que envolve a "intromissão" da tecnologia nas relações
interpessoais; muitos jovens se "escondem" do contato interpessoal através de sítios de
relacionamento, outros, ao contrário, imaginam que têm "dezenas" de amigos no Facebook. A
tecnologia nunca substituirá, sob meu ponto de vista, o contato humano.

IHU On-Line - Quais são os valores da juventude?

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José Outeiral - Há um incremento do narcisismo, por exemplo; a “saga dos vampiros” representa um
aspecto individualista onde nas relações busca-se extrair do outro aquilo de que alguém necessita; há
um evitar da intimidade e uma fuga para as relações periféricas e fugazes, “vampirescas”, por assim
dizer, de uma estética gótica, “bárbaros” para os renascentistas.

IHU On-Line - O senhor diz que o ciberespaço é utilizado de forma positiva para formar grupos
virtuais, mas, por outro lado, ele pode gerar um “adoecer”. Pode nos explicar essa ideia?

José Outeiral - Tenho dúvida de que o ciberespaço seja, efetivamente, positivo para as relações
humanas. Como ferramenta tecnológica, poderá ser útil se bem utilizado, o que não é fácil. Há uma
máquina que se interpõem entre as pessoas e onde se pode usar um “nickname” que nos remete ao
falso.

IHU On-Line – Alguns especialistas caracterizam a geração Y como ansiosa. Esse


comportamento é reflexo da cultura de redes?

José Outeiral - Há uma ansiedade porque as relações são fugazes e superficiais. Há uma grande
velocidade que impede o estabelecimento de vínculos, mas a ansiedade é característica dos seres
humanos desde que há civilização.

IHU On-Line - Diferente da geração anterior, os jovens de hoje priorizam mais a vida pessoal do
que a vida profissional? Psicologicamente, como compreender esse comportamento?

José Outeiral - Penso o inverso: há uma ênfase, como posso perceber em meu trabalho clínico e no
que leio sobre o assunto, um grande anseio por êxito profissional em detrimento, por vezes, da
realização pessoal. A terceira causa de morte de jovens no Brasil, segundo o IBGE, é por suicídio, o
que nos dá uma ideia de que “o ser humano” está em tensão.
IHU On-Line - Como, de maneira geral, esses jovens se comportam em relação às questões de
gênero, diversidade sexual, preconceitos?

José Outeiral - Há uma maior aceitação da diversidade e da singularidade e isto, ao mesmo tempo,
causa incertezas quanto aos padrões que eram vigentes na geração anterior.

IHU On-Line- Dizem que os jovens de hoje são mais individualistas do que os de outras
gerações. A que aspectos o senhor atribui essa individualidade?

José Outeiral - Acredito que um dos fatores é uma sociedade centrada no narcisismo e em valores
materiais.

“A tendência é de ver a liderança como um processo sistêmico, e não linear” – Patricia Fagundes

Na avaliação da psicóloga Patrícia Fagundes, o dinamismo e a impaciência que marcam a geração Y


“são expressões que traduzem” os avanços telemáticos da sociedade contemporânea

Por: Patrícia Fachin

O conceito de liderança individual deve mudar a partir da inserção da geração Y no mercado de


trabalho. Isso porque, segundo a psicóloga e professora de Gestão, Patrícia Fagundes, os novos
trabalhadores compreendem o mundo de forma mais dinâmica, conectado e “com fontes de
informação que extrapolam as tradicionais figuras de autoridade como pais e professores”. Para futuro,
explica, “a tendência é de que tenhamos líderes que compreendam a liderança menos como uma
posição, e mais como um processo”.
Na entrevista que segue, concedida por e-mail à IHU On-Line, Patrícia menciona que as dificuldades
de relação entre as gerações X e Y sé dão no ambiente profissional e tem a ver com “o significado de

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trabalho” para ambos. “É comum que os Xs sejam workholics, e que tenham se acostumado com
dicotomias do tipo vida profissional = trabalho duro; vida pessoal = lazer. Não passa pela cabeça dos
Ys esta separação. Arrisco a dizer que para os Ys, trabalho tem que equivaler a algo do tipo “prazer
remunerado”, ou algo próximo a isto”.

Graduada em Psicologia pela Unisinos, mestre em Administração de Empresas e doutora em Psicologia pela
PUCRS, Patrícia Fagundes é professora-pesquisadora do Mestrado Profissional em Gestão e Negócios, da
Unisinos e dos cursos de Administração.

IHU On-Line - Como descreve a geração Y?

Patrícia Fagundes - Não há uma concordância quanto ao ano de nascimento dos “Ys”, variando as
referências entre 1978 e 1984. Mas o que difere a geração Net de suas antecessoras é principalmente o
fato de esta ser a primeira geração a crescer cercada pela mídia digital, tendo contato e interação, ainda
na infância, com a tecnologia digital (jogos, internet, celulares). Assim, o fator determinante para a
caracterização de um “sujeito Y” é o contexto telemático com que, desde cedo, ele interage.
Obviamente, este é um fator que interdepende de todo um contexto socioeconômico-cultural que não
pode ser esquecido nesta identificação e compreensão da geração Y. A despeito destas especificidades
de cada contexto, é possível identificar características convergentes aos Ys, tais como: a) capacidade
de criar e empreender; b) capacidade de manter relacionamentos sociais e de trabalho em equipe,
embora reivindiquem autonomia em suas opiniões e atuação; c) inclinação para ações e resultados
mais imediatos, constantemente demandando e fornecendo feedbacks.
Podem estar fisicamente “individualizados” (ele e o computador), mas não são individualistas: estão
conectados ao coletivo, o tempo todo, pela “rede”. Tendem evidenciam preocupação com a ética e a
inclusão.
A intensidade e nuances de manifestação de tais características precisam, portanto, ser compreendidas
dinamicamente e em relação ao contexto socioeconômico-cultural em questão.

IHU On-Line - Quais são os valores desta geração no que se refere ao trabalho?

Patrícia Fagundes - Cito alguns:


a) Liberdade na condução de suas buscas de sentido e, consequentemente, na construção de suas
carreiras. Uma pesquisa brasileira sobre “Geração Y e Carreira” aponta este resultado: “a necessidade
das pessoas assumirem o comando de sua evolução profissional, independentemente das fronteiras de
uma organização. (...) A autogestão da carreira é evidenciada” (VASCONCELOS et al., p. 11, 2009).
b) A valorização da educação formal como fator-chave do sucesso profissional (MARTIN, 2005).
c) Pouca obediência do poder advindo da hierarquia, mas valorização do poder exercido pelo
conhecimento/perícia e pela referência/carisma – isto os faz serem “seguidores”.
d) Vida pessoal é considerada nas escolhas e processos decisórios da vida profissional. Esta geração
não assume o papel workholic característico da geração X.

IHU On-Line - Quais os limites da geração Y? Embora sejam caracterizados como dinâmicos,
também são impacientes no sentido de não consolidarem carreira em uma empresa?

Patrícia Fagundes – Parece-me que os principais limites estão associados à baixa capacidade de
contemplação e reflexão. Não que estes fatores não possam ser desenvolvidos, mas, via de regra,
exigem um esforço maior quando a tendência é o imediatismo e a objetividade. Um aspecto que não
pode estar desarticulado nesta discussão é o fator do amadurecimento do ciclo de vida. Isto é, em um
certo nível o dinamismo e a impaciência sempre são maiores nas gerações mais novas quando
comparadas às gerações anteriores. Um dia desses, estava lendo um artigo que discutia as
transformações nas relações de trabalho, comparando os baby boomers aos “Xs”. Inegavelmente, o
tempo nos transforma e, no mínimo, nos torna menos fóbicos à capacidade de ser paciencioso.
Contudo, este dinamismo e impaciência que sim, marcam os “Ys”, são expressões que traduzem,
principalmente, os avanços telemáticos e os discutidos movimentos da globalização socioeconômico-
cultural neste espaço-tempo que eles protagonizam. Neste sentido, Schikmann e Coimbra (2001)

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referem que, nos anos 1960, as grandes diferenças entre gerações eram de valores e, hoje, o abismo é
tecnológico. Penso, contudo, pelo abismo tecnológico, a discussão dos valores muitas vezes torna-se
oclusa, pouco discutida – e talvez por isto cause a impressão de que pouco existe.

IHU On-Line - Como se dá a relação, no mundo do trabalho, entre as gerações X e Y? Como a


questão da liderança perpassa por essa relação? A dimensão individual de liderança tende a
mudar?

Patrícia Fagundes - Começando pelo último questionamento: sim, se considerarmos a dimensão


individual da liderança como indivíduo-líder, a tendência é de que tenhamos líderes que compreendam
a liderança menos como uma posição, e mais como um processo. Pela forma como internalizaram o
mundo - mais dinâmico, mais conectado, com fontes de informação que extrapolam as tradicionais
figuras de autoridade (pais, professores), a tendência é de ver a liderança como um processo sistêmico,
e não linear – o que e, em tese, é muito propício para a prática do conceito de “rede de liderança”.
Neste caso, os papéis de líder e liderados se alternam (formal ou informalmente), dependendo do
contexto. Reforço que a natureza de poder pessoal (conhecimento, carisma) é mais valorizada pelos
Ys; parece-me que eles não chegam a confrontar o poder outorgado; apenas não o legitimam. E como
não possuem, via de regra, apego ao vínculo institucional, o mais comum é se afastarem quando não se
sentem devidamente desafiados, reconhecidos e valorizados – daí surgem os problemas de retenção
dos talentos Ys.
Uma das dificuldades vivenciadas na relação entre X e Y no trabalho tem a ver com o significado de
“trabalho”, o que se desdobra na noção de desempenho e resultado: é comum que os Xs sejam
workaholics, e que tenham se acostumado com dicotomias do tipo vida profissional = trabalho duro;
vida pessoal = lazer. Não passa pela cabeça dos Ys esta separação. Arrisco a dizer que, para os Ys,
trabalho tem que equivaler a algo do tipo “prazer remunerado”, ou algo próximo a isto.

IHU On-Line - Que aprendizagens são possíveis na transição das gerações X e Y? Quais os
maiores desafios do encontro dessas gerações na gestão de pessoas?

Patrícia Fagundes - Sem a pretensão de responder completamente a uma pergunta tão complexa,
sinalizo quatro movimentos preliminares e essenciais, em minha opinião: primeiro, o reconhecimento
do diferente e a vivência (e não apenas o discurso) de abertura ao que ele representa (valores, tempos,
prioridades); segundo, a disponibilidade de perceber dialogicamente estas diferenças sem o dicotômico
e ingênuo juízo de valor (bom/ruim, certo/errado), nem o solene e narcísico ignorar das mesmas (“mas
é possível existir outro jeito que não seja o meu?”); terceiro, a humildade para chegar ao outro, com a
soberania de “ser o que se é”, seja entre iguais ou diferentes, inovando, criando, permitindo que coisas
novas possam emergir do encontro das singularidades, sem que necessariamente elas rumem à síntese;
quarto, se construímos aprendizagens nos três movimentos que referi anteriormente, chegamos mais
plenos ao exercício do respeito a nós mesmos e aos outros sujeitos – ao que efetivamente somos/são,
sejam quais forem as diferenças que expressem.
A meu ver, se temos estas aprendizagens internalizadas nas dimensões individuais e coletivas (por
exemplo, em cada trabalhador e na cultura de uma organização), as políticas de gestão de pessoas são
representações deste processo. Sejam estratégias de retenção de talentos, de inclusão ou de avaliação
de desempenho, podem ser formalizadas com maior adesão se pessoas e organizações se inter-
relacionarem, conhecendo suas realidades, reconhecendo suas diferenças (de tempos, lugares,
responsabilidades) e buscando construir conexões viáveis, que partam do que há em comum, para
transformarem o que é passível de transformação até contemplar o que se sustenta entre as inigualáveis
diferenças.

IHU On-Line - A geração Y irá mudar a maneira de as empresas conduzirem as relações de


trabalho e a estrutura trabalhista tradicional?

Patrícia Fagundes – Sim. Reforçando o que posicionei anteriormente, acredito que a médio prazo (se
não a curto prazo) a estrutura trabalhista deverá ser repensada e adequada ao tempo de resposta, de

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autonomia e de prioridades que a geração Y vem demandando e, em decorrência, transformando
“antigas certezas” no mundo do trabalho e na sociedade em geral.

IHU On-Line - Que aspectos devem mudar na rotina de trabalho em função da geração Y? O
mercado irá se transformar para se adaptar a essa geração?

Patrícia Fagundes - Um aspecto que necessariamente precisa ser repensado, com a emergência da
geração Y no mundo do trabalho, é a burocracia organizacional, principalmente quanto às validações
hierárquicas, ao decorrente tempo de resposta, e os tradicionais mecanismos de controle, como o
cartão-ponto. Não se trata de extinguir a burocracia (pois, dependendo da natureza da organização, ela
é um elemento necessário e regulador), mas o próprio ritmo dos Ys deve lhe impor mudanças e
adaptações. No mínimo, a tecnologia digital vai se intensificar, estando mais presente mesmo em
organizações aparentemente menos permeáveis a estas inovações. A exemplo disso, podemos citar o
próprio poder judiciário.

IHU On-Line - Como se dá o processo de gestão de pessoas a partir da inserção dos Ys no


mercado de trabalho? Que aspectos devem ser levados em conta?

Patrícia Fagundes - Deve-se levar em conta o próprio “perfil” que caracteriza esta geração. Não
podemos, por exemplo, gerir empreendedores sob a métrica da obediência. É preciso dar-lhes espaço,
autonomia, desafios, feedback; é preciso integrar-se à sua conectividade, como forma de comunicação
e interrelação. Ao mesmo tempo, é fundamental problematizar algumas “respostas rápidas”
(tipicamente Y), desenvolvendo nestes trabalhadores, tão rápidos na ação, a capacidade de contemplar,
de refletir, de ouvir, de respeitar o tempo do outro. Sim, porque esta geração cada vez mais ocupará
lugares de liderança. E, portanto, deverão identificar novos potenciais, desenvolver novos líderes.
Aliás, questiono-me a respeito de se a geração Y será percebida pela geração Z. Esta é uma conversa
para outro momento.
Textos sintetizados e organizados pelo prof. Altamir Fernandes

10º texto: Ecologia e biodiversidade

I – Movimento ecológico e políticas públicas

SEVCENKO, Nicolau. A corrida para o século XXI – no loop da montanha russa. São Paulo:
Companhia das Letras, 2001.

A – O assalto à natureza

Um dos aspectos mais inquietantes das novas tecnologias tem sido o seu efeito sobre o meio
ambiente. Desde a primeira fase da industrialização, as ilhas britânicas, que foram a sua base inicial
em fins do século XVIII, ficaram marcadas pelas amplas emissões de gases e de poluentes, fazendo
com que as pessoas se referissem à “Inglaterra verde”, aquela onde as fábricas ainda não haviam se
instalado, e à “Inglaterra cinza”, indicando as regiões onde os resíduos expelidos pelas chaminés
haviam sufocado a paisagem das cidades e dos campos sob um monótono tom pardacento e uma densa
neblina de fumaça. A situação se agravou muito mais no final do século XIX com a segunda onda
industrial, quando se difundiu a utilização dos derivados de petróleo, surgiram os veículos com
motores de combustão interna, as indústrias químicas e os equipamentos de grande consumo
energético nas fundições, nas siderúrgicas e nas usinas termoelétricas. Desde então esse assalto dos
resíduos industriais sobre a natureza, os oceanos e a atmosfera só cresceu, em escala exponencial.

Assim, o quadro, no final do século XX e no século XXI (Terceira Revolução Industrial) é dos
mais alarmantes. Uma das características do grande salto tecnológico e de produtividade obtido após a
Segunda Guerra Mundial foi o desenvolvimento de uma enorme gama de produtos químicos
sintéticos. Atualmente existem mais de 100 mil desses produtos em circulação, sendo que mais de mil
fórmulas novas são introduzidas a cada ano que passa. Como são todos de criação relativamente

170
recente, pouco se sabe sobre seu efeito de longo prazo nos seres humanos ou na natureza. Um dos
tipos mais preocupantes dentre esses produtos são os chamados pesticidas (são todas as substâncias
ou misturas que tem como objetivos impedir, destruir, repelir ou mitigar qualquer praga. Um
pesticida pode ser uma substância química ou um agente biológico (tal como um vírus ou bactéria)
que é lançada de encontro com as pragas que estiverem destruindo uma plantação, disseminando
doenças, incomodando pessoas, etc. É utilizada em diversas formas de seres vivos, tais como: insetos,
erva daninha, moluscos, pássaros, mamíferos, peixes, nematelmintos e micróbios.) na medida em que
sua característica é a de serem mais eficazes quanto mais tóxicos são e quanto mais conseguem
interagir com estruturas biológicas variadas. Ademais, eles são usados sempre em grandes quantidades
e lançados sobre vastas extensões territoriais. Uma vez aspergidos, são levados pelos ventos e pelas
águas subterrâneas e incorporados por plantas, insetos, animais e pessoas. Nada escapa deles e eles
não desaparecem, só se recombinam. Apenas nos Estados Unidos, são atualmente aplicados mais de 3
bilhões de quilos de pesticidas por ano.

Esse é só um caso entre uma infinidade de outros. A situação atual é tão complexa, que levou
o sociólogo inglês Anthony Giddens a elaborar uma seguinte lista de precauções que deveriam ser
tomadas por quem quisesse tentar minimizar o risco de contaminação para si e sua família:

“Monitore continuamente o conteúdo de todo tipo de água que você consuma: qualquer que seja a
fonte de que ela provenha, pode estar contaminada. Nunca aceite tranquilamente que a água
engarrafada seja segura, ainda mais se ela estiver em garrafa plástica. Destile a água que você vai
consumir em casa, pois a maior parte dos serviços de água encanada costuma estar contaminada.
Tome cuidado com tudo o que você come. Evite peixe, que é uma fonte preferencial de contaminação,
assim como as gorduras animais, quer estejam no leite, nos queijos, na manteiga ou na carne.
Compre frutas e legumes produzidos organicamente ou plante-os você mesmo. Reduza ao mínimo
possível o contato entre os alimentos e os plásticos. As mães deveriam considerar o abandono do
aleitamento no peito, já que ele expõe os bebês a um alto risco de contaminação.
Lave as mãos frequentemente ao longo do dia, pois os agentes contaminadores evaporam e assentam
em todas as superfícies no interior das casas, impregnando-se nas pessoas a qualquer mínimo
contato. Nunca use inseticidas ao redor da casa ou no jardim e evite entrar em casas onde eles são
usados. Jamais compre quaisquer produtos de lojas ou supermercados sem verificar se eles
vaporizam as mercadorias com pesticidas, o que é uma prática amplamente difundida. Afaste-se dos
campos de golfe, pois eles se tornaram densamente contaminados, mais ainda do que as fazendas”,

Parece chocante, não é? O que é que sobrou pra fazer, beber ou comer que não esteja sob o
risco da toxidez e do envenenamento? O fato é: muito pouco. Essas precauções lhe soam muito
pessimistas e até catastróficas?

Modelo de desenvolvimento que tem por base a sociedade de consumo

Os problemas ambientais causados pelo homem, em seu processo de construção e


reconstrução de espaços geográficos, não são somente de ordem ecológica, mas fundamentalmente
política, econômica e cultural.

Eles decorrem sobretudo do modo como as sociedades se apropriam da natureza e usam,


destinam e transformam os recursos naturais. É uma questão de ordem política, econômica e cultural
porque o homem age na natureza segundo os padrões ou costumes – políticos, econômicos e culturais
– criados por ele mesmo, ou seja, segundo o tipo de civilização ou sociedade que construiu. Assim
sendo, a degradação do meio ambiente está intimamente relacionada ao modelo de desenvolvimento
econômico adotado ou ao próprio sistema capitalista, que encontra sua base de sustentação no
processo de produção e fazer consumir mais para continuar a produzir mais.

Dessa forma, vivemos sob um modelo de desenvolvimento calcado no consumo, ou melhor,


na sociedade de consumo. Nesse tipo de sociedade, os valores sociais estão, de um modo geral,
apoiados na ideia de que o sucesso do ser humano é medido pelo que ele consome de bens e serviços.

171
O aspecto econômico foi divinizado, na sociedade de consumo, passando a ocupar o centro do
sistema de valores. Atrelados a ele estão os demais valores sociais e a própria prática política, de
modo que, se falta ética na economia, não existirá ética na política e nos valores. E aqui podemos
incluir as relações homem-natureza ou homem-meio ambiente como sendo, por conseguinte, relações
desprovidas de ética, na medida em que o homem vem destruindo ou deteriorando a natureza e o meio
ambiente sem se importar com as gerações futuras.

O modelo de desenvolvimento vigente necessita cada vez mais de recursos naturais. E já


se sabe que o planeta Terra não suportará mais duas ou três civilizações como as dos Estados Unidos,
Canadá, Japão e de alguns países da Europa ocidental, em vista do grande consumo de bens materiais
nessas sociedades que desperdiçam e agridem não apenas seu meio ambiente mas o de todo o mundo.
Para resolver seus problemas, os países desenvolvidos transferem suas indústrias poluidoras
para os subdesenvolvidos, nos quais a legislação ambiental é mais complacente. O atual modelo serve
às grandes corporações transnacionais que, através da formação de monopólios, oligopólios, trustes
têm assumido o comando econômico do mundo e estabelecido uma ordem mundial e um sistema de
valores segundo seus interesses. A natureza e seus recursos são vistos apenas como fonte de lucro e
não como fonte de vida.

Na verdade, esse modelo que coisifica ou mercantiliza os recursos naturais, sem se importar
com seu esgotamento e desperdício, que destrói o meio ambiente e não prioriza a justiça social,
precisa, portanto, ser discutido e repensado.

O modelo de desenvolvimento ecologicamente autossustentável

O movimento ecológico e a luta pela cidadania

A humanidade, particularmente a sociedade ocidental, sempre se caracterizou por intensos


conflitos intergrupais. Interesses individuais e/ou segmentados, sobrepondo-se sobre os interesses de
bem-estar coletivo. Sentindo-se prejudicadas em seus direitos fundamentais e muitas vezes
enfraquecidas como indivíduos e como cidadãs, as pessoas se juntam como forma de se fortalecerem.
A História está repleta de episódios de confronto em diferentes épocas e lugares. Esses confrontos, no
entanto, têm, no mínimo, um ponto em comum: a união de esforços para conquista de algo de extensão
coletiva que favoreça também e principalmente o individual.
Assim, no século XIX, os trabalhadores europeus se reuniram em sindicatos contra a miséria e
a exploração imposta pelos industriais. Essas lutas aproximaram-se de seus objetivos nas primeiras
décadas do século XX, quando os trabalhadores conquistaram significativos direitos trabalhistas:
jornada de trabalho de oito horas, férias de trinta dias, semana de trabalho de cinco dias, salário-
desemprego, aposentadoria por invalidez, entre outros.
A partir da década de 1970, começaram a se organizar, em vários países, os chamados
movimentos ambientalistas, para combater a crescente degradação ambiental. Muitos deles tiveram
sua origem nos movimentos sociais pacifistas da década de 1960. Vivia-se um período marcante da
Guerra Fria, com vários focos de tensão no mundo, destacando-se a Guerra do Vietnã (1963-75), além
das incertezas e inseguranças resultantes da confrontação entre a ex-URSS e os EUA.

Os movimentos pacifistas se opunham a esse mundo turbulento, ameaçador e de corrida


armamentista desenfreada. Ao se oporem à guerra e à possível destruição do planeta por via militar,
não tardaram em incorporar a seu ideário a questão ecológica. Deles originaram-se as ONGs
(organizações não governamentais), voltadas para o combate da destruição do meio ambiente e a luta
em defesa de direitos de segmentos específicos da população, como as mulheres e as minorias raciais,
bem como de direitos políticos. Elas formaram uma nova corrente do movimento ambientalista
mundial, conhecida como “ativistas”, com o objetivo de interferir diretamente nas repercussões de
medidas ou orientações políticas, econômicas e sociais dos governos de todo o mundo sobre várias
questões, inclusive a ambiental.

172
Graças às ONGs, começou a nascer em escala planetária, a consciência social quanto à
necessidade de se desenvolver um pensamento ecológico ou ambientalista e as discussões
internacionais passaram a incluir o tema ecologia, meio ambiente e desenvolvimento econômico e
social em suas pautas.

Dessa forma, o cotidiano ganha expressão muito significativa e surgem os movimentos sociais
em defesa de causas pontuadas. Por isso é que os movimentos ecológicos são tão diversificados:
atuam contra extinção de animais, poluição da água, do solo e do ar, desmatamento, queimadas,
desertificações, extrativismo mineral predatório, uso indiscriminado de agrotóxicos, etc., etc., etc. Mas
esses movimentos sociais não se limitam apenas às causas diretamente ligadas às relações do homem
com a natureza. Eles atuam em todos os setores do agir humano. Embora quem lute pelo direito à
terra e por condições econômicas viáveis de produção e comercialização (como camponeses e ex-
camponeses expropriados), pelo direito à moradia e/ou pelo direito às diferenças (negros, mulheres,
minorias étnicas, homossexuais, entre outros), não se autodenomine ambientalista, há sempre uma
forma de os simpatizantes das causas ecológicas identificarem possibilidades de participação, já que
defendem, com a mesma valoração, os princípios da dignidade humana e a não-agressão ao equilíbrio
da natureza. Assim, os movimentos sociais surgem principalmente para denunciar condições sociais
degradantes, reivindicando direitos mais equitativos.

A primeira síntese mundial dessas ações aconteceu em Estocolmo, Suécia, em 1972, quando
foi realizada a I Conferencia Internacional sobre o Meio Ambiente, coordenada pela ONU. Longe de
resolver os problemas estruturais, a iniciativa constituiu-se num importante ponto de divulgação e num
marco para esta temática em todo o mundo. De lá pra cá vários encontros vêm sendo realizados e,
mesmo distante de soluções plausíveis, têm conseguido aumentar a sensibilização de populares,
governantes e até mesmo de empresários.
Em 1992, no Rio de Janeiro, aconteceu a II Conferência Internacional sobre Meio Ambiente,
promovida pela ONU pautou questões como:
• Clima da Terra
• Preservação das florestas tropicais
• Biodiversidade
• Criação de um fundo internacional para financiar as decisões finais da Conferência.

Alguns anos depois, a maior parte dos países ainda não ativaram os compromissos assumidos
durante o encontro, porém crescem ações político-sociais em favor do cumprimento desses
compromissos. As mais recentes investidas contra a natureza, provocadas pela intensificação das
transações comerciais entre os países, recoloca, apaixonados em ações concretas em favor da natureza
ecológica e humana.

O Movimento Ecológico no Brasil

Durante as décadas de 1950, 1960 e 1970, o mundo viveu uma euforia desmedida em relação
ao desenvolvimento econômico. Havia uma expansão sem precedentes, tanto nos países
desenvolvidos (“Welfare State”) como em vários subdesenvolvidos, da industrialização, da
urbanização e dos mercados. Entretanto, nesse panorama de crescimento econômico rápido, as
intervenções humanas na natureza ou no meio ambiente, também se aceleraram. A apropriação, a
utilização e o desperdício de recursos naturais se aprofundaram. O modelo de desenvolvimento
econômico adotado escancarava a sua face de destruição e deterioração ambiental.

Fiel a seus princípios liberais, a burguesia, ao contrário, aliou-se ao capital internacional,


conseguindo também o apoio da tecnoburocracia civil e principalmente militar. Abrem-se as portas da
internacionalização e nossos recursos naturais transformam-se em produtos manufaturados com
uma velocidade atômica. Disseminou-se o uso de produtos industriais, a população se urbanizou, as
estradas e os meios de comunicação encurtaram distâncias, a agricultura mudou seu eixo agrário-
exportador e de autoconsumo para produtora de matérias-primas e alimentos para a indústria e o
mercado interno. Nesse contexto, muda a relação da sociedade entre si e desta com a natureza.

173
Imprimiu-se um outro ritmo ao tempo: o da máquina. Mais minérios, mais grãos, mais fibras,
mais madeira, mais carvão, mais trabalho, mais gente, mais compra, mais venda, mais lucro, mais
riqueza, mais poder, mais, mais, mais ... Sem nenhum controle por parte da sociedade e sem
nenhum planejamento autossustentável, na outra extremidade, e na mesma velocidade alucinante, vê-
se mais desmatamento, mais queimadas, mais poluição no ar e na água, mais expropriações, mais
gente na cidade e, no refluxo, menos salários, menos direitos sociais, menos dignidade humana, menos
cidadania.
É dessa conjuntura que surge o movimento ecológico no Brasil na década de 1970. Muitos,
movidos pela própria necessidade de sobrevivência e outros, inspirados em manifestações
internacionais, começam a articular no Brasil diversos movimentos sociais, dentre eles o movimento
ecológico. Nessa época, com a abertura do país ao capital externo, passamos a atrair significativa soma
de investimentos.
''A preocupação ambientalista que cresce a nível internacional obriga as instituições
financeiras públicas e privadas a colocarem exigências para a realização de investimentos aqui: há
que se ter preocupação com o meio ambiente. Por isso o Estado criou diversas instituições para gerir
o meio ambiente para que os investimentos internacionais não se espantassem e realmente se
transportassem no país. Há técnicos, nessas instituições, que se preocupam com as condições de vida,
porém a lógica destas instituições é determinada pela política global de atração de investimentos e
não pelo valor intrínseco da questão ambiental"." (C. Walter P. Gonçalves, 1989).
No final da década de 1970, com a anistia, retornaram ao Brasil diversos exilados políticos
que vivenciaram os movimentos ambientalistas europeus e que vão trazer um enorme enriquecimento.
Juntar-se-ão a outros que já vinham defendendo teses ecologistas.
Desta forma, três fontes mais importantes de preocupação ecológica despontam no Brasil: o
Estado, interessado nos investimentos estrangeiros que só chegam caso se adotem medidas de caráter
preservacionistas; alguns movimentos sociais, particularmente os movimentos gaúcho e fluminense,
apesar de outras lutas ocorrerem em todo o Brasil e a contribuição dos exilados políticos pós 1970. O
primeiro movimento ecológico era liderado por José Lutzemberger, na Grande Porto Alegre contra a
poluição das águas do rio Guaíba por uma multinacional e o segundo, pelos pescadores do norte
fluminense e de Cabo Frio, pela preservação das dunas.

O Estado brasileiro e a questão ambiental

Foi nesse cenário que começaram a surgir as primeiras previsões alarmistas da destruição
ambiental. Como consequência, a ONU realizou, em 1972, a primeira Conferência das Nações Unidas
sobre o Meio Ambiente Humano, na cidade de Estocolmo, capital da Suécia, seguida de outras, nos
anos seguintes.

Somente a partir de 1981, o Brasil passou a dispor de um instrumento legal de proteção do


meio ambiente. A Lei 6.938/81 estabeleceu a Política Nacional do Meio Ambiente. Antes desta lei, o
Ministério Público estava desarmado para intervir nas questões ambientais. Faltava-lhe base legal.
Com essa lei a lacuna foi preenchida.

Também em 1981, foi criado o Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama), constituído
pelos seguintes órgãos: Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente – o órgão superior do
sistema, cuja função é assessorar o presidente da República; é o órgão consultivo e deliberativo do
Sistema Nacional do Meio Ambiente- SISNAMA, foi instituído pela Lei 6.938/81, que dispõe sobre a
Política Nacional do Meio Ambiente, regulamentada pelo Decreto 99.274/90."O Conselho hoje é o
espaço democrático que recepciona as diferenças de opinião e pensamento e que também representa
o ideal de luta pela consolidação da democracia dos últimos 30 anos. É o espaço legítimo para a
mudança do meio ambiente no país!". (Ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira). Seman
(Secretaria do Meio Ambiente da Presidência da República, órgão central do sistema, ao qual estava
vinculado o Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente), criado em 1989.

A Constituição do Brasil de 1988, em seu artigo 225, coloca a questão ambiental na forma
que se segue: “Todos têm direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum

174
do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever
de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

O Ministério do Meio Ambiente (MMA), criado em novembro de 1992, tem como missão
promover a adoção de princípios e estratégias para o conhecimento, a proteção e a recuperação do
meio ambiente, o uso sustentável dos recursos naturais, a valorização dos serviços ambientais e a
inserção do desenvolvimento sustentável na formulação e na implementação de políticas públicas, de
forma transversal e compartilhada, participativa e democrática, em todos os níveis e instâncias de
governo e sociedade.

A Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003, que dispõe sobre a organização da Presidência da


República e dos ministérios, constituiu como área de competência do Ministério do Meio Ambiente os
seguintes assuntos:

I- política nacional do meio ambiente e dos recursos hídricos;


II - política de preservação, conservação e utilização sustentável de ecossistemas, e biodiversidade e
florestas;
III - proposição de estratégias, mecanismos e instrumentos econômicos e sociais para a melhoria da
qualidade ambiental e o uso sustentável dos recursos naturais;
IV - políticas para a integração do meio ambiente e produção;
V - políticas e programas ambientais para a Amazônia Legal; e
VI - zoneamento ecológico-econômico.

As conferências em defesa do meio ambiente

01 – Estocolmo-72: a tomada de consciência

Os impactos ambientais são causados por modelos de desenvolvimento, tanto o capitalista


como o socialista. Todos esses impactos foram provocados porque a natureza era vista apenas como
fonte de matérias-primas e lucros.

O alerta foi dado no início da década de 1970. Em 1972, foi realizada a Conferência das
Nações Unidas sobre Homem e o Meio Ambiente, em Estocolmo (Suécia). Nesse encontro, nasceram
as primeiras polêmicas sobre o antagonismo entre desenvolvimento e meio ambiente. Nesse mesmo
ano, uma entidade formada por importantes empresários, chamada Clube de Roma, encomendou ao
prestigiado Massachusetts Institute of Technology (MIT), Estados Unidos, um estudo que ficou
conhecido como Desenvolvimento Zero.

Tal estudo alertava o mundo para os problemas ambientais globais causados pela sociedade
urbano-industrial e propunha o congelamento do crescimento econômico como única solução para
evitar que o aumento dos impactos ambientais levasse a uma tragédia ecológica mundial. Obviamente,
essa era uma péssima solução para os países subdesenvolvidos, que mais necessitavam de crescimento
econômico para promover as melhorias de qualidade de vida da população.

A Conferência de Estocolmo-72, como ficou conhecida, foi marcada pela polêmica entre os
defensores do “desenvolvimento zero”, basicamente representantes dos países industrializados, e os
defensores do “desenvolvimento a qualquer custo”, representantes dos países não industrializados. A
proposta dos países ricos era congelar as desigualdades socioeconômicas vigentes no mundo; a dos
países pobres, implementar uma rápida industrialização de alto impacto ecológico e humano.

Na época, a crise econômica mundial dos anos 1970, provocada em parte pelo choque do
petróleo de 1973, colocou questões econômicas mais urgentes para os governantes do mundo inteiro
se preocuparem. Somente no início dos anos 1980, a polêmica desenvolvimento x meio ambiente seria
retomada.

175
Em 1983, a Assembleia Geral da ONU indicou então a primeira-ministra da Noruega, Gro
Harlem Brundtland, para presidir uma comissão encarregada de estudar o tema. Em 1987, foi
publicado pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e o desenvolvimento da ONU um estudo
denominado Nosso futuro comum, mais conhecido como Relatório Brundtland. Esse estudo, que
defendia o desenvolvimento para todos, buscava um equilíbrio entre as posições antagônicas surgidas
na Estocolmo-72.

Tentando conciliar desenvolvimento e preservação do meio ambiente, surgiu pela primeira vez
a concepção de desenvolvimento humano sustentável. A ONU elaborou a seguinte definição: “A
razão de ser do desenvolvimento é o ser humano, que o gera. Por isso, o desenvolvimento deve ter três
atributos básicos: desenvolvimento das pessoas, aumentando suas oportunidades, capacidades,
potencialidades e direitos de escolha; desenvolvimento para as pessoas, garantindo que seus resultados
sejam apropriados equitativamente pela população; e desenvolvimento pelas pessoas, isto é, alargando
a parcela de poder dos indivíduos e comunidades humanas durante sua participação ativa na definição
do processo de desenvolvimento do qual são sujeitos e beneficiários. E são duas as qualidades
indissociáveis ao desenvolvimento: ser equitativo e sustentável. Ambas manifestam-se na forma como
se dá sua construção e na distribuição de seus resultados, entre os membros das presentes e futuras
gerações. Logo, a sustentabilidade do desenvolvimento é política, social, cultural, econômica e, não
menos importante, ambiental – entendendo-se por ambiente os serviços e recursos naturais que dão
suporte ao processo de desenvolvimento humano, no presente e no futuro. O processo de
desenvolvimento que atenda estes atributos e tenha estas qualidades será denominado
Desenvolvimento Humano Sustentável (DHS).

02 - Rio-92: perspectivas para o futuro

A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada


em1992 no Rio de Janeiro, reuniu chefes de Estado da maioria dos países do mundo, além de milhares
de representantes de organizações não governamentais (ONGs), numa conferência paralela. Esse
encontro, que na fase preparatória teve como subsídio o Relatório Brundtland, definiu uma série de
resoluções, visando alterar o atual modelo consumista de desenvolvimento para outro, ecologicamente
mais sustentável.

O objetivo fundamental era tentar minimizar os impactos ambientais no planeta, garantindo,


assim, o futuro das próximas gerações. Segundo o Relatório da CMMAD (Comissão Mundial sobre
Meio Ambiente e Desenvolvimento) da ONU: “O desenvolvimento sustentável é aquele que atende às
necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras satisfazerem suas
próprias necessidades”. Para atingir tal fim, foram elaboradas duas convenções (uma sobre
biodiversidade, outra sobre mudanças climáticas), uma declaração de princípios e um plano de
ação.

O plano de ação, mais conhecido como Agenda 21, é um ambicioso programa para a
implantação de um modelo de desenvolvimento sustentável em todo o mundo durante o século 21.
Esse objetivo, entretanto, requer volumosos recursos e os países desenvolvimentos
comprometeram-se a canalizar 0,7% de seus PIBs. Com o objetivo básico de fiscalizar a aplicação
da Agenda 21, foi criada a Comissão de Desenvolvimento Sustentável (CDS). O órgão, sediado em
Nova York e vinculado à ONU, agrega 53 países membros, entre os quais o Brasil. Os países
desenvolvidos, contudo, não estão cumprindo o compromisso, com raras exceções, como os países
nórdicos.

A Convenção sobre Biodiversidade e a Convenção sobre Mudanças Climáticas têm como


agente financiador um organismo denominado GEF (Global Environment Facility) ou Fundo para o
Meio Ambiente Global. Criado em 1990, o GEF é dirigido pelo Banco Mundial e recebe apoio técnico
e científico dos Programas das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e para o Meio
Ambiente (Pnuma).

176
A Convenção sobre Biodiversidade traçou uma série de medidas para a preservação da vida no
planeta. Em vigor desde 1993, essa convenção tenta frear a destruição da fauna e da flora,
concentradas principalmente nas florestas tropicais, as mais ricas em biodiversidade.

A Convenção sobre Mudanças Climáticas, em vigor desde 1994, estabeleceu várias medidas
para diminuir a emissão de poluentes pelas indústrias, automóveis e outras fontes poluidoras, com o
objetivo de impedir a destruição da camada de ozônio, o agravamento do efeito estufa, o avanço da
desertificação, etc. Nessa convenção, foi assinado o Protocolo de Kyoto (Japão), visando à redução
da emissão de poluentes na atmosfera.

Esse Protocolo tem como objetivo firmar acordos e discussões internacionais para
conjuntamente estabelecer metas de redução na emissão de gases-estufa na atmosfera, principalmente
por parte dos países industrializados, além de criar formas de desenvolvimento de maneira menos
impactante àqueles países em pleno desenvolvimento.

Diante da efetivação do Protocolo de Kyoto, metas de redução de gases foram implantadas,


algo em torno de 5,2% entre os anos de 2008 e 2012. O Protocolo de Kyoto foi implantado de forma
efetiva em 1997, na cidade japonesa de Kyoto, nome que deu origem ao protocolo. Na reunião,
oitenta e quatro países se dispuseram a aderir ao protocolo e o assinaram, dessa
forma, comprometeram-se a implantar medidas com intuito de diminuir a emissão de gases.

As metas de redução de gases não são homogêneas a todos os países, colocando níveis
diferenciados de redução para os 38 países que mais emitem gases, o protocolo prevê ainda a
diminuição da emissão de gases dos países que compõe a União Europeia em 8%, já os Estados
Unidos em 7% e Japão em 6%. Países em franco desenvolvimento como Brasil, México, Argentina,
Índia e, principalmente, China, não receberam metas de redução, pelo menos momentaneamente.

O Protocolo de Kyoto não apenas discute e implanta medidas de redução de gases, mas também
incentiva e estabelece medidas com intuito de substituir produtos oriundos do petróleo por outros que
provocam menos impacto. Diante das metas estabelecidas, o maior emissor de gases do mundo,
Estados Unidos, desligou-se em 2001 do protocolo, alegando que a redução iria comprometer o
desenvolvimento econômico do país.

3 – Rio+10

Entre os dias 26 de agosto a 4 de setembro de 2002, a ONU promoveu em Johanesburgo,


(África do Sul) a Cúpula Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável, também conhecida como
Rio+10. Esse evento reuniu representantes de 189 países, além da participação de centenas de
Organizações Não Governamentais (ONGs).
As discussões na Rio+10 não se restringiram somente à preservação do meio ambiente,
englobou também aspectos sociais. Um dos pontos mais importantes da conferência foi a busca por
medidas para reduzir em 50%, o número de pessoas que vivem abaixo da linha de pobreza (com
menos de 1 dólar por dia) até 2015.
Foram debatidas questões sobre fornecimento de água, saneamento básico, energia, saúde,
agricultura e biodiversidade, além de cobrar atitudes com relação aos compromissos firmados durante
a Eco-92, principalmente colocar em prática a Agenda 21 (documento composto por 2.500
recomendações para atingir o desenvolvimento sustentável).
Foram detalhados alguns objetivos dentro dos princípios já conhecidos. Entre os desafios
expressos no documento, menciona-se a continuidade de diversos problemas ambientais de caráter
global. Destaca-se, pela primeira vez, os problemas associados à globalização, pois os benefícios e
os custos a ela associados estão distribuídos desigualmente. Aponta-se até mesmo o risco de a pobreza
gerar a desconfiança nos sistemas democráticos, o que poderia provocar o surgimento de sistemas
ditatoriais.

177
Como medidas detalhadas, temos o desejo de aumentar a proteção da biodiversidade e o
acesso à água potável, ao saneamento, ao abrigo, à energia, à saúde e à segurança alimentar. Também
procura-se priorizar o combate a diversas situações adversas: fome crônica, desnutrição, ocupação
estrangeira, conflitos armados, narcotráfico, crime organizado, corrupção, desastres naturais, tráfico
ilícito de armas, tráfico de pessoas, terrorismo, xenofobia, doenças crônicas transmissíveis (aids,
malária, tuberculose e outras), intolerância e incitação a ódios raciais, étnicos e religiosos. Para atingir
os objetivos, o documento ressalta a importância de instituições multilaterais e internacionais mais
efetivas, democráticas e responsáveis.

No entanto, os resultados da Rio + 10 não foram muito significativos. Os países desenvolvidos


não cancelaram as dívidas das nações mais pobres, bem como os países integrantes da OPEP
(Organização dos Países Exportadores de Petróleo), juntamente com os Estados Unidos não assinaram
o acordo que previa o uso de 10% de fontes energéticas renováveis (eólica, solar, etc.).
Um dos poucos resultados positivos foi referente ao abastecimento de água. Os países
concordaram com a meta de reduzir pela metade, o número de pessoas que não têm acesso a água
potável nem a saneamento básico até 2015.

04 – Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável - Rio+20

Balanço da Rio+20: é o ambiental (24/06/2012) – Sergio Abranches

"A Rio+20 terminou hoje (ontem) com um conjunto de resultados que, se realmente levado adiante
nos próximos meses e anos, oferece a oportunidade para catalisar caminhos rumo a um século XXI
mais sustentável." Assim Achim Steiner, diretor-executivo do Pnuma, definiu a Rio+20. É uma
promessa, não um resultado palpável. "Vamos em passos incrementais", ele explicou. O problema
desse passo a passo é que a crise ambiental e climática corre solta.

O resultado oficial modesto contrastou com o escopo desse megaevento, que teve numerosos
eventos paralelos relevantes, promoveu impressionante mobilização de recursos intelectuais,
políticos, sociais, técnicos e logísticos. Decidiu-se por um processo de negociações, sem garantias de
que terá bons resultados. Ele tem prazo determinado para chegar aos resultados indicados, mas o
mandado aos negociadores é amplo demais. Não garante que o produto final corresponderá às
aspirações enunciadas nos discursos.

Os diplomatas brasileiros dizem que a frustração é dos ambientalistas, porque a conferência não é
ambiental. É sobre desenvolvimento sustentável. Ênfase vocal no desenvolvimento. O problema
desse argumento é que, de 1992 para cá, o mundo teve extraordinário progresso econômico. O último
estágio desse avanço acontece agora na África, onde vários países crescem a ritmo maior que a média
dos países asiáticos que sempre cresceram mais. Houve muito progresso social, no Brasil e em todo o
mundo. Ninguém cuidou do ambiental.

Entre 1992 e 2012, o quadro ambiental e climático piorou muito, em parte por causa do
desenvolvimento econômico e social global. Tivemos espantosa perda de biodiversidade. A poluição
atmosférica matou, e continua a matar, milhares de pessoas anualmente em todo o mundo. Estamos
no oitavo ano consecutivo em que eventos climáticos extremos afetam a agricultura globalmente,
mantendo os preços agrícolas em patamares que condenam milhões à fome.

O agravamento do quadro ambiental e climático está aumentando os gastos com saúde, reduzindo a
produção da agricultura global, gerando insegurança alimentar, causando bilhões de dólares de
prejuízos econômicos para a indústria de seguros. A crise ambiental causa pobreza e fome. Afeta a
economia dos desenvolvidos e dos mais pobres. A seca no Texas e seca e inundações na Austrália
destruíram muito capital econômico e natural. Eventos climáticos extremos estão produzindo uma
devastação social. No Leste da África (Etiópia, Somália, Djibouti e Quênia) e em Bangladesh, por

178
exemplo, secas e inundações afetaram uma população que ultrapassa 12 milhões de pessoas, mais do
que toda a população do Estado do Rio de Janeiro.

É o pilar ambiental que está ruindo e ele levará ao desmoronamento econômico e social. Por isso
precisávamos sair da Rio+20 com uma organização mundial para o meio ambiente e metas de
desenvolvimento sustentável. Munida de metas ambientais quantitativas para equilibrar os pilares
econômico, social e ambiental e integrá-los, buscando a sustentabilidade. Para colocar a questão
ambiental no topo do multilateralismo, como disse François Hollande.

Na Rio+20 não se conseguiu consenso sobre o mínimo necessário para começarmos essa
caminhada rumo à sustentabilidade. Chegou-se ao compromisso possível. Mas não é assim que
funciona com o clima e o ambiente. A natureza do desafio mudou. No século XX, o compromisso era
possível, porque as questões eram políticas e de segurança militar. No século XXI, as forças que nos
ameaçam não admitem compromissos, nem atraso.

Sérgio Abranches é sociólogo e cientista político

Dilma encerra a Rio+20 celebrando o multilateralismo – 22/junho/2012

A conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, terminou nesta
sexta-feira (22), no Rio de Janeiro, com uma louvação da presidenta do Brasil, Dilma Rousseff, à
democracia, ao respeito às diferenças e à participação popular. "A Rio+20 mostrou que o
multilateralismo é um instrumento insubstituível de expressão global da democracia. Reafirmamos
que essa é a via legítima para a construção de soluções para os problemas que afetam a toda
humanidade”, afirmou Dilma em seu discurso no encerramento do encontro,

Rodrigo Otávio

Rio de Janeiro - A conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20,
terminou nesta sexta-feira (22), no Rio de Janeiro, com uma louvação da presidenta do Brasil, Dilma
Rousseff, à democracia, ao respeito às diferenças e à participação popular. “Senhora e senhores,
diziam que o multilateralismo estava agonizante. A Rio+20 mostrou que o multilateralismo é um
instrumento insubstituível de expressão global da democracia. Reafirmamos que essa é a via legítima
para a construção de soluções para os problemas que afetam a toda humanidade”, afirmou Dilma em
seu discurso de encerramento do encontro, no Riocentro.

A presidenta ressaltou que, “aos resultados da conferência dos chefes de estado e de governo
somam-se os diálogos e os avanços da Cúpula dos Povos, do Fórum das Grandes Cidades, do Fórum
das Mulheres, da participação dos movimentos sociais e das ONGs”.

Sem a esperada revisão do documento oficial, tido como inócuo por diversos setores da sociedade
civil, representantes de vários países endossaram o discurso de que o texto foi o possível, dada a
dificuldade de convergência dos 188 países participantes do encontro, durante a sonolenta cerimônia
de encerramento comandada pelo embaixador brasileiro Luiz Fernando Figueiredo.

Dilma afirmou que o principal, a partir de agora, é da Rio+20 para frente. “Esse documento é um
ponto de partida. É um documento sobre o meio ambiente, desenvolvimento sustentável,
biodoversidade e erradicação da pobreza. É necessário ter um ponto de partida. O que nós temos
que exigir é que, a partir daí, as nações avancem. O que nós não podemos conceber é que alguém fique
aquém dessa posição. Além dessa posição todos podem ir, todos devem ir”, disse ela.

Ainda que conciliatória, Dilma não esqueceu de mencionar a falta de compromisso dos países ricos em
honrarem acordos anteriores de reparação e assumirem compromissos financeiros específicos para a
promoção do desenvolvimento sustentável. Nas discussões do documento oficial em solo brasileiro,

179
um dos primeiros pontos descartados foi um fundo de US$ 30 bilhões para ajudar países em
desenvolvimento a implementarem programas ambientais.

“Aplaudo em especial os países em desenvolvimento, que assumiram compromissos concretos com o


desenvolvimento sustentável. Compromisso esse firmado mesmo na ausência da necessária
contrapartida de financiamento prometida pelos países desenvolvidos”, disse.

E citou o exemplo do anfitrião. “O Brasil, país emergente, fará a sua parte. Colocaremos US$ 6
milhões no fundo do Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) para países em
desenvolvimento. Além disso, contribuiremos com US$ 10 milhões para o enfrentamento das
mudanças do clima nos países mais vulneráveis na África e nas pequenas ilhas”.

Cara a cara

Pela manhã, os organizadores da Cúpula dos Povos, evento paralelo à Rio+20, se encontraram com
o secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, quando entregaram as propostas elaboradas por
ONGs e movimentos sociais de vários países no Aterro do Flamengo. No encontro do Riocentro, os
representantes da sociedade civil se mostraram frustrados com o texto oficial aprovado pelas
delegações na Rio+20. “Gostaria de expressar nosso profundo desencanto, nossa profunda frustração
em relação ao documento oficial apresentado", discursou Iara Pietrovsky, representante da Rede
Brasil e uma das organizadoras da conversa cara a cara entre a Cúpula dos Povos e a Rio+20, se
dirigindo ao secretário-geral da ONU.

"Esperávamos um documento bem mais audacioso, bem mais ambicioso frente aos desafios que
estamos nos confrontando", disse Iara. "De qualquer maneira, acreditamos que o diálogo e a
possibilidade de uma agenda é importante para que possamos criar saídas alternativas e sustentáveis
para o nosso planeta", completou a antropóloga e ambientalista.

O sentimento de frustração dos representantes da sociedade civil foi ampliado ao, durante a reunião,
saberem de Ki-moon que o documento oficial realmente não seria mais modificado pelos chefes de
estado. “Gostaríamos que ele (Ban Ki-moon) levantasse a ambição e que a gente pudesse abrir espaços
de mais diálogo e participação, e mudança radical deste documento oficial”, disse Iara. "Mas o nosso
processo não dependia da conferência. A Rio+20 foi uma passagem, infelizmente uma passagem
extremamente frustrante", completou.

Ban Ki-moon foi apenas conciliatório, congratulando a iniciativa da Cúpula dos Povos e afirmando
que estava ali para aprender. “A verdade é que vocês tiveram uma posição chave na Rio+20. Vocês
ajudaram a manter viva durante toda a conferência oficial as aspirações populares por trabalhos
decentes, inclusão social e prosperidade econômica, enquanto protegendo a Terra como nossa única
casa”, afirmou.

Em seu discurso para os integrantes dos movimentos sociais, o secretário-geral da ONU traçou
paralelos entre os dois eventos, reafirmando que o objetivo é o bem comum de todos. De acordo com
Ki-moon, “a Cúpula dos Povos talvez use uma linguagem diferente do encontro oficial, mais direta
talvez; mas todos nós, tanto no encontro oficial como na sociedade civil, aspiramos pelos mesmos
objetivos, que são todos, homens e mulheres, não importando de onde eles vem e quem são, serem
capazes de viverem em paz e prosperidade, em um mundo saudável, com um meio ambiente mais
limpo e um ecossistema mais estável”.

Ele disse ainda que as propostas apresentadas pela Cúpula são a prova que “o caminho não termina no
Rio, ele começa aqui”. “Eu agradeço por ajudarem a construir o futuro que nós queremos,
complementando o documento oficial com suas propostas para uma agenda depois da Rio+20”,
discursou.

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A Rio+20 não é um fracasso – 22/junho/2012

Setores do movimento ambientalista e alguns órgãos de mídia apressam-se em decretar a “falência”


da Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável, que termina nesta sexta-feira (22) no Rio
de Janeiro. É preciso avaliar o evento em seu contexto e examinar o documento final levando-se em
conta o mundo em que vivemos.

Gilberto Maringoni

Rio de Janeiro - É no mínimo precipitada a avaliação corrente desde a quarta-feira (20) entre
ambientalistas e órgãos de imprensa de que a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento
Sustentável – a Rio+20 – “fracassou”. A base para essa sentença é o texto a ser ratificado pelos
representantes dos 193 países presentes ao evento.
Se a métrica for o documento final, os resultados da Eco-92 também foram pífios. Resoluções de
fóruns tão diversificados em sua composição tendem a ser genéricos. Some-se a isso o fato de
utilizarem o método de aprovação por consenso, o que retira diferenças e visões mais incisivas de
qualquer instrumento aprovado.
No entanto, a Rio+20 é muito mais do que suas resoluções. São seis mil eventos com a participação
de quase cem mil pessoas de várias partes do mundo em iniciativas das mais diversificadas. A
conferência comporta fóruns governamentais, parlamentares, empresariais, de movimentos
sociais e de entidades privadas, como ONGs. Raros eventos de escala planetária comportam
tamanha pluralidade de agentes em seu interior.
Totalizante e vago
Mesmo a última versão do documento final, intitulado “O futuro que queremos”, a ser aprovado pelos
chefes de Estado, não pode ser avaliado secamente como “avanço” ou “retrocesso”.

Ele apresenta uma característica extremamente avançada: é totalizante no método. Ou seja, difere-se
em muito de reivindicações estanques, fragmentadas e setoriais que setores do movimento
ambientalista apresentam (não todos, é bom frisar), de limitada serventia para a construção de políticas
globais. O documento da Rio+20, ao contrário, busca relacionar e contextualizar a questão ambiental
aos temas das desigualdades sociais e das diferenças econômicas entre países.
Os problemas do texto são de outra ordem. Ele é longo – 49 páginas – abrangente e genérico.
Aponta diversos problemas estruturais no modelo de desenvolvimento predatório existente, mas sem
definir responsáveis ou ações claras para suas soluções. Há poucas decisões ali, a não ser vagas
declarações de preocupações com o futuro do planeta. Ao longo de seus 283 parágrafos, a expressão
“nós decidimos” aparece apenas cinco vezes, e “nós resolvemos” é proferida 16 vezes. Em
compensação, expressões como “reconhecemos que” (149 vezes), “Reafirmamos” (56), “Sabemos
que” (33) e “Enfatizamos que” (30) estão por toda parte.
Existem razões para isso. Os Estados Unidos e alguns países da União Europeia admitiram a
menção de problemas, mas bloquearam seu comprometimento com ações concretas para sua
superação. O Vaticano pressionou para que se retirasse uma defesa mais explícita aos direitos das
mulheres sobre a sexualidade.
Se alguém se der ao trabalho de substituir cada uma daquelas expressões por outras mais claras, como
“deliberamos” ou “aprovamos”, o arrazoado muda substancialmente de tom. Não são essas as únicas
insuficiências do documento, mas são as principais.

Desigualdades sociais

As linhas iniciais do texto destacam que “Erradicar a pobreza é o grande desafio global colocado
para o mundo atual e um pressuposto indispensável para o desenvolvimento sustentável. Para isso,
teremos de libertar a humanidade da pobreza e da fome com urgência”. Mais adiante, é dito que o
desenvolvimento sustentável se dará através da integração dos aspectos econômicos, sociais e
ambientais, “reconhecendo seus vínculos intrínsecos”.

181
Ao longo de todas as páginas fica claro que desenvolvimento não é o mesmo que crescimento
econômico, e que a redução das desigualdades sociais é matriz essencial para o chamado
desenvolvimento sustentável.
“O futuro que queremos” advoga “a mudança de padrões insustentáveis de produção e consumo”. E
aponta como alternativa a “promoção da gestão sustentável e integrada dos recursos naturais”, para
que se criem maiores oportunidades para todos, reduzindo as desigualdades.

Adiante é reafirmada a importância da liberdade, da paz e da segurança, além do respeito aos direitos
humanos e o direito a um adequado padrão de vida, incluindo o direito alimentar, o império da lei, a
igualdade de gênero, dentre outros. Além disso, relaciona a questão ambiental a tópicos como
transportes, mortalidade infantil, erradicação de doenças endêmicas (aids, tuberculose, malária e
outras), trabalho precário, defesa de populações originárias etc.
O texto “reconhece a necessidade de se “acelerar o progresso para que se reduza a distância entre os
ritmos de desenvolvimento entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento”. Para isso, é
necessário “aumentar a cooperação internacional” que logre combinar crescimento econômico,
desenvolvimento social e preservação ambiental.

Economia Verde

As indefinições do documento não podem ser consideradas negativas apenas pelo lado daqueles que
pregam – com razão – decorrências mais concretas para a defesa do meio ambiente. Quando fala em
“economia verde”, o documento final não explica o que significa o conceito. Isso faz com que sua
enfática defesa ao longo de treze parágrafos dependa de detalhes mais explícitos sobre o que se
pretende.
Mesmo dentro do sistema ONU, o texto apresenta características positivas. Em uma das raras decisões
arroladas está a de se criar “um fórum político intergovernamental” para a discussão do
desenvolvimento sustentável. É muito menos do que a pretendida elevação do Pnuma (Programa das
Nações Unidas para o Meio Ambiente) à condição de agência permanente, mas o texto deixa clara a
existência de uma forte tensão nesse sentido entre os países signatários.

Ao mesmo tempo, apesar de mencionar a necessidade de se “considerar a necessidade” de se criarem


fundos, agências e outras entidades no sistema ONU voltadas para o meio ambiente, o documento joga
para a frente deliberações nesse sentido.
Há poucas metas concretas para que se alcance o desenvolvimento sustentável. Muitas dessas
decisões foram proteladas para depois de 2015.

Qualidade da crítica

As críticas ao documento parecem não levar em conta a hierarquia entre países existente no mundo.
Apesar da emergência de novos pólos de luta política e social nos últimos quinze anos – em especial
na América Latina – a hegemonia estadunidense segue determinante no jogo pesado das relações
internacionais.
Não se trata apenas da “vontade política” deste ou daquele governante, mas de se ter condições de
enfrentamento com uma potência imperial e com o poder militar-financeiro e midiático das grandes
corporações globais. “O futuro que queremos” não pode ser julgado apenas pela métrica dos desejos
de quem quer estabelecer limites à devastação ambiental que se combinem com o desenvolvimento
dos países. Deve-se levar em conta a realidade objetiva da cena mundial.

B – O princípio da precaução

Esse é o fato mais problemático da nossa presente situação: não apenas é patente que o meio
ambiente está saturado de produtos tóxicos, mas o mais grave, não sabemos exatamente qual é o
impacto de longo prazo que esse quadro terá sobre nossa espécie e as demais. Estamos no escuro,
tanto pela amplitude como pela condição recente desses fenômenos. Como diz a biólogo Theo
Colborn:

182
“As alterações que estamos observando funcionam como uma espécie de experiência em âmbito
global – com a humanidade e todas as formas de vida da Terra atuando como cobaias... Novas
tecnologias são concebidas numa velocidade estonteante e postas em prática numa escala sem
precedentes no mundo inteiro, muito antes de podermos avaliar seu possível impacto sobre os sistemas
naturais ou sobre nós mesmos.”
O maior obstáculo à formulação dessa ciência responsável é, uma vez mais, o modo como no
panorama atual as grandes corporações escaparam do controle de órgãos reguladores e dos grupos de
pressão da sociedade civil. Conforme vimos, na medida em que desfrutam de uma condição
privilegiada, isentas do controle do Estado e infensas às demandas da sociedade, elas se tornaram o
principal agente indutor das políticas de ciência e tecnologia. Dados os constantes e crescentes cortes
de financiamentos para as universidades e institutos de pesquisa, a alternativa deixada a essas
instituições é buscar recursos junto às grandes corporações. A prioridade das megaempresas, por sua
vez, é a valorização de suas ações, o que implica compromissos com grupos minúsculos de acionistas
e com planilhas de prazos muito curtos, completamente indiferentes a entidades tão amplas como a
humanidade e o planeta ou como o futuro distante. Assim, em vez de ser responsável, a ciência é
levada a ser rentável.
Se algum cientista isolado ou algum grupo independente revela que determinado produto ou
procedimento é nocivo para o ambiente ou os seres humanos, as grandes corporações dispõem logo
dos recursos necessários para financiar estudos na direção oposta, desmoralizando os cientistas
autônomos e desqualificando os resultados de suas experiências. Além, é claro, de tirar todo o proveito
de seu vultuoso potencial econômico para gastar generosamente em publicidade e negociar o apoio de
setores significativos da imprensa e das instituições políticas e científicas. Uma vez mais, é um duelo
desigual, como sempre o será.
Foi por conta desse desequilíbrio de base que várias ONGs e grupos de pressão da sociedade
civil, ao redor do mundo, criaram e aperfeiçoaram o chamado “princípio da precaução”. A iniciativa
decorreu sobretudo da última grande ameaça ao meio ambiente, surgida na forma de Alimentos
Geneticamente Modificados (GMF – Genetically Modified Food) e todo o arsenal de recursos da
engenharia genética. O fundamento do princípio da precaução é o de que quando uma tecnologia ou
produto comporta alguma ameaça de dano à saúde pública ou ao meio ambiente, garanta-se que antes
de serem liberados eles sejam evitados ou postos de quarentena para maiores estudos e avaliações.
Essas medidas seriam tomadas ainda que não se pudesse avaliar a natureza precisa ou a magnitude do
dano que viesse a ser causado pelo processo ou produto em questão. O sentido básico desse
mecanismo precautório é: melhor zelar pela segurança do que ter que lamentar.
Os três elementos-chaves de que se compõe o princípio da precaução são:
01 – o reconhecimento de que determinada técnica ou produto envolve algum potencial de risco;
02 – o reconhecimento de que pairam incertezas científicas sobre o impacto imediato ou as
consequências futuras relacionadas aos usos de determinado produto ou técnica;
03 – a necessidade de agir preventivamente em relação aos riscos latentes em quaisquer situações
desse tipo.
Assim definido, o princípio da precaução se tornou um item fundamental das reivindicações
das ONGs junto aos órgãos reguladores internacionais, estando no topo da agenda de mobilizações
populares que marcaram as reuniões da Organização Internacional do Comércio em Seattle e
Washington.
O objetivo das ONGs que agitam em nome do princípio da precaução não é simplesmente
contestar o desenvolvimento de novos produtos ou tecnologias, mas submetê-los ao primado do
interesse público, da defesa do meio ambiente e da saúde e enquadrá-los sob uma ética de máxima
responsabilidade. A ideia é que esse principio se torne uma exigência corrente das populações em
todos os cantos do mundo, que seja ensinado às crianças nas escolas e incorporado por toda espécie de
órgão regulador. Por trás dele palpita a nítida intenção de rever o papel e as condições que presidem as
políticas de pesquisa científica, a disposição de incrementar a participação pública nos debates
relativos à saúde e ao meio ambiente e de consolidar uma ética que repõe os seres humanos e a
natureza antes dos interesses econômicos

II - NATUREZA E SOCIEDADE COMO ESPAÇO DE CIDADANIA


Maurício Waldman

183
Apenas recentemente a cidadania ambiental ingressou no temário de interesse de grupos,
povos e classes sociais. Sua proeminência junto ao cenário social é tão recente quanto a própria
questão ambiental, que passou a reclamar as atenções da sociedade global apenas nas últimas décadas
do século XX, arrastando neste movimento uma série de questões com ela relacionadas.
Originalmente restrita ao movimento ambientalista, a questão ambiental está hoje em dia
pautada como tema obrigatório nos mais diversos segmentos de opinião. Esta assertiva evidencia-
se pelo próprio fato de o meio ambiente marcar presença na agenda dos chefes de Estado,
organizações não governamentais (ONGs), populações tradicionais, grupos rurais e urbanos,
sindicatos, empresas, associações comunitárias e administrações públicas.

O motivo principal de a luta pela preservação da natureza ter conquistado tamanha


magnitude é a crise socioambiental sem precedentes que atinge o planeta. Ressalve-se que, nessa
assertiva, pouco há de drástico. Indiscutivelmente, a crise ambiental da modernidade inscreve-se
juntamente com o elenco de questões fundamentais a serem enfrentadas pelo conjunto da humanidade.

Esta crise é de tal ordem que poucos colocam em dúvida que a biosfera esteja integralmente
ameaçada. Considera a australiana Lorrairie Elliott, especialista em Ciências Políticas na área
ambiental: caso algo não seja feito nos próximos anos, corre-se o risco real de presenciarmos uma
espécie de "ponto de não-retorno ambiental", pelo que a estarrecedora situação que hoje conhecemos
seria apenas o preâmbulo de desastres iminentes ainda mais aterradores.

Ao contrário do passado, quando as crises ambientais eram geralmente sucedidas pela


revitalização do entorno natural circundante, a crise atual não sugere nenhuma recuperação posterior
ao esgotamento dos ciclos biológicos dos ecossistemas. Em outras palavras, coloca-se como fato
objetivo a possibilidade da extinção total da vida no planeta Terra.

A noção de cidadania ambiental é indissociável de uma contextualização social e cultural, em


qualquer plano, perspectiva ou sistema de relações.
Neste sentido, recordemos primeiramente que a noção de cidadania é, em geral, avaliada na
ótica do cidadão no tocante às possibilidades e potencialidades que este pode ou poderia desfrutar no
seu relacionamento com o Estado e com a sociedade no seu sentido mais amplo. A cidadania
associar-se-ia a um modo de vida visceralmente regrado pela existência em comunidade, evidente na
própria origem da palavra, decorrente do latim civitas, isto é, cidade.

Ora, um dado básico para discutirmos as implicações de uma cidadania ambiental é que o
meio ambiente se configura como um direito difuso, isto é, não dispõe de um corpo específico. O
objeto do interesse difuso, nas palavras do jurista Paulo Affonso Leme Machado, "é sempre um bem
coletivo, insuscetível de divisão, a satisfação de um interessado implica necessariamente a satisfação
de todos".

Isto posto, a noção de cidadania ambiental, ao universalizar direitos específicos e especificar


direitos universais, sugere uma ampliação radical da noção mais costumeira de cidadania tal como esta
tem frequentado discursos e mobilizações sociais. Retomando uma dita que, em dado contexto, estaria
restrita ao movimento ecologista e hoje traduz uma demanda da sociedade humana mundial, "o
ambientalismo referenda-se numa perspectiva que esposa bandeiras abrangentemente globais".

III - CATÁSTROFES AMBIENTAIS E SOCIEDADE


Industrialização, urbanização e impactos ambientais: alguns exemplos (Melhem)

O processo de industrialização moderno, iniciado na Inglaterra em meados do século XVIII e


posteriormente propagado para outros países, deu início a uma cada vez maior intervenção humana na
natureza que se prolonga até os dias atuais, através da Segunda Revolução Industrial, em alguns países
e da Terceira Revolução Industrial ou Tecnológica, em outros.

184
A industrialização, acompanhada da urbanização, causou grandes impactos ambientais nas
cidades em que se processou com maior intensidade. Convém ressaltar, no entanto, que eles também
foram e são verificados em meios ambientes afastados das cidades, em decorrência da construção de
grandes empreendimentos de engenharia, como usinas hidrelétricas, termoelétricas e termonucleares,
da exploração mineral, da construção de ferrovias e rodovias, sempre motivadas pela própria
industrialização (sem considerar os impactos causados pela agricultura, pecuária, caça e pesca).

A – Indústria e poluição das águas

A poluição das águas realizada pelas indústrias é causada sobretudo pelos compostos
orgânicos e inorgânicos. Os compostos orgânicos compreendem principalmente os combustíveis
fósseis (petróleo, carvão mineral e gás natural). Dentre eles, o petróleo tem sido o maior causador da
poluição ambiental.
Os acidentes com os navios petroleiros e a falta de manutenção de equipamentos de terminais
de petróleo e oleodutos têm causado sérios danos ao meio ambiente. No Brasil, com alguma
frequência, ocorrem vazamentos nos terminais petrolíferos de Angra dos Reis e em Santos. Despejado
no mar, o petróleo forma uma camada superficial que provoca diversos danos.
O carvão mineral, usado como fonte de energia principalmente nas usinas termoelétricas e na
indústria siderúrgica, é o responsável por grandes emissões de CO2(dióxido de carbono) e de
monóxido de carbono, contribuindo para a ocorrência do efeito estufa, ilhas de calor e chuvas ácidas.
Os compostos inorgânicos, formados principalmente pelos metais pesados como o mercúrio
(o único metal líquido), o estanho, o cobre, o cádmio e o chumbo, são utilizados por vários ramos
industriais: papel, petroquímica, refinarias de petróleo, siderúrgicas, cosméticos, químicas,
farmacêuticas e outros. São emanados durante o processo industrial e muitas vezes são despejados nos
rios, sob a forma de resíduos industriais.
Um exemplo claro de poluição e contaminação por mercúrio é o do garimpo do ouro, como o
que ocorre no Vale do Rio Tapajós, no Pará. O mercúrio é utilizado para separar o ouro do cascalho do
rio. O ouro aglutina-se com o mercúrio e é então aquecido até que se separe deste. No aquecimento,
55% do mercúrio evapora-se, sendo respirado pelo garimpeiro. Os restantes 45% são jogados no rio e
se misturam com a matéria orgânica que serve de alimento para os peixes, que se contaminam e, por
sua vez, acabam contaminando o homem que os consome.
O mercúrio pode provocar lesões nos rins, no tubo digestivo e no sistema nervoso central. Os
sintomas apresentados pela pessoa contaminada incluem tontura, palpitação, dor de cabeça, tumores,
insônia, dificuldades no falar, ouvir e comer.
O chumbo é muito comum no lixo industrial, sendo mais agressivo no ar do que na água. Pode
causar lesões cerebrais, anemia, diminuição da capacidade intelectual e tremores.

B – Chuva ácida: suas causas, condicionantes humanos e fisiográficos e alguns impactos


ambientais

A Mata Atlântica nas encostas da Serra do Mar pertencentes a Cubatão está parcialmente
destruída. Além do avanço da população que, por falta de moradia, aí constrói seus barracos, isso se
deve também à chuva ácida, fenômeno causado sobretudo pelas emissões resultantes da queima de
combustíveis fósseis. O dióxido de enxofre, lançado no ar atmosférico pelas indústrias e o óxido de
nitrogênio, proveniente de diversos combustíveis fósseis e dos veículos motorizados, combinam-se
com o hidrogênio presente na atmosfera e transformam-se em ácido sulfúrico e em ácido nítrico.
Ocorrendo a condensação na atmosfera, esses compostos ácidos chegam à superfície através da
precipitação, provocando corrosão e queima da mata.
Conhecida em Cubatão como “chuva que queima”, a chuva ácida, ao assolar nesgas da mata,
apenas inicia um processo de destruição ambiental. O solo desnudado (sem a cobertura vegetal)
desliza e provoca avalanchas, que soterram rios e vales, disso decorrendo inundações e grandes danos
à vida animal e vegetal na terra, nos rios e lagos.

C – Efeito estufa, urbanização e o crescente uso dos veículos automotores

185
Outro problema sério, causado com a contribuição dos poluentes industriais é o efeito estufa.
Além da poluição atmosférica proveniente das chaminés das indústrias, outros fatores colaboram para
sua ocorrência: as queimadas (de florestas e cerrados), as termoelétricas e os gases expelidos pelos
veículos automotores, os quais produzem gás carbônico.
Como sabemos, uma estufa é construída com paredes e teto de vidro, pois, sendo um isolante
térmico, este permite a entrada de raios solares, mas impede que o calor se evada, o que mantém o
ambiente interno aquecido.
A atmosfera terrestre produz efeito semelhante. Parte do calor emitido para a Terra pelo Sol
fica retida na atmosfera, que não permite que ela se disperse para suas camadas mais elevadas. Assim,
a atmosfera impede que a Terra perca totalmente o calor que recebe durante todo o dia, caso contrário
as noites seriam muito frias, e funciona, então, como uma ‘capa’ de proteção térmica para a Terra,
muito importante para manter todo o planeta com temperatura equilibrada.
Entretanto, ao longo do tempo tem havido um acúmulo muito grande de gases na atmosfera
terrestre e consequentemente uma retenção maior de calor, o que tem preocupado os cientistas e a
população mundial, pois a temperatura da Terra pode aumentar mais.
Quais são as razões e as consequências disso? Os gases lançados na atmosfera, principalmente
o gás carbônico, o metano, os clorofluorcarbonos e o óxido de nitrogênio, possuem a propriedade do
vidro da estufa. Deixam penetrar a luz e impedem a saída do calor. Este seria, para os estudiosos, o
fator determinante do aumento da temperatura da atmosfera, o qual poderá trazer sérias consequências,
como a alteração da flora e da fauna de todo o planeta, o derretimento de grandes massas de gelo das
regiões polares e a consequente elevação do nível das águas dos oceanos, podendo ocorrer, por
exemplo, o desaparecimento de muitas cidades litorâneas e o bloqueio da saída dos rios para o oceano,
causando grandes inundações, além de seus desdobramentos (o alagamento de terras agrícolas,
problemas para a navegação e para as hidrelétricas, etc).

D – Redução da camada de ozônio

Outro problema ambiental de caráter global foi a gradativa redução da camada de ozônio, que
atingiu proporções preocupantes nas duas últimas décadas, mas passou a ser controlada a partir de
1996. Esse gás é encontrado numa faixa de 10 a 70 km de altitude, mas sua maior concentração ocorre
a mais ou menos 25 km. Ele tem um papel fundamental na regulação da vida na Terra, ao filtrar a
maior parte dos perigosos raios ultravioleta emitidos pelo Sol. Sabe-se que esses raios podem causar
no homem, entre outros problemas, câncer de pele e perturbações da visão. Além disso, provocam a
diminuição da velocidade da fotossíntese dos vegetais e são perigosos para os animais e para o
plâncton marinho, à medida que interferem em seus mecanismos de reprodução.
Já são bastante conhecidos os responsáveis pela destruição da camada de ozônio: os gases
CFCs (clorofluorcarbonos), usados como fluídos de refrigeração em geladeiras e aparelhos de ar
condicionado, como solventes, nas embalagens de aerossóis e nas espumas plásticas. Além dos CFCs,
outros produtos químicos foram responsabilizados: compostos bromados (extintores), tetracloreto de
carbono (extintores e solventes) e clorofórmio de metila (solvente).

186
11º texto: Violência Urbana e Movimentos Sociais

VIOLÊNCIA NA SOCIEDADE BRASILEIRA

Segundo a socióloga Cristina Costa, quando falamos de violência, estamos nos referindo
àquele comportamento existente entre os homens que envolve formas de agressão premeditada, e por
vezes mortal, de um indivíduo ou grupo contra seus semelhantes. Assim chamamos de violência à
agressão premeditada, sistemática e por vezes mortal de um indivíduo ou grupo sobre outro.
Em tese, academicamente, "a violência consiste em ações de pessoas, grupos, classes ou
nações que ocasionam a morte de seres humanos ou que afetam prejudicialmente sua integridade
física, moral, mental ou espiritual". Para início de discussão está bom esse conceito, embora um dos
aspectos mais relevantes esteja, talvez, na angústia, medo, fobia e toda sorte de ansiedades e
depressões que as pessoas experimentam diante da simples possibilidade das ações referidas no
conceito acima, antes mesmo de terem sido perpetradas.
Desse modo, os ataques entre animais não têm um caráter particular, individual ou
premeditação, como a violência praticada pelos homens contra outros membros de sua espécie.
Possuem, ao contrário, um nítido sentido ritual, na medida em que colocam frente a frente os machos
em disputa, os quais, com uma simples demonstração de força, podem decidir sua pendência. Esse
processo de disputa e enfrentamento desenvolve-se de forma natural e instintiva, sendo o mesmo para
qualquer ramo existente nas mais diversas áreas do planeta. Essa forma de luta expressa algumas das
características dos conflitos no reino animal: ausência de ferimentos mortais, não-utilização de armas
que ponham em risco a vida dos oponentes e encerramento das agressões aos primeiros sinais de
rendição de um dos rivais.
Bastante diferente é a violência entre os seres humanos, que não é instintiva, é universal, mas
premeditada, é constante e muitas vezes mortal. A violência humana é ininterrupta e desperta nos
membros da sociedade humana um permanente sentimento de ameaça, para o qual desenvolvem
constante estado de alerta.

Origens da violência

A origem da violência humana tem sido estudada por muitos sociólogos e historiadores, que
vêem na escassez de bens a fonte maior de conflito entre os homens. Para esses estudiosos, entre os
quais estão Hobbes, Marx e Engels, a origem dos conflitos e da violência remonta às organizações
humanas mais primitivas.
Tudo indica que foi a revolução agrícola que, transformando radicalmente as relações dos
homens entre si e com o meio, introduziu aspectos novos de organização social. O surgimento da
agricultura fez com que o homem se sedentarizasse, abandonando a vida nômade que o fazia viver
temporariamente em diferentes lugares. Estabelecendo-se de forma definitiva em determinado sítio, o
homem passou a ter um novo comportamento em relação à natureza: deixou de ser predador e
tornou-se produtivo.
A sedentarização trouxe consigo a noção de território e de propriedade, ainda que inicialmente
de propriedade comunal. Com a produção agrária, a divisão social do trabalho foi se tornando mais
complexa, fazendo surgir novas funções.
Uma época de grande produção e de aumento populacional se verificou em várias regiões do
mundo e, à medida que a agricultura se generalizava, a disputa pelas terras férteis colocou os grupos
humanos uns contra os outros. Assim é que a escassez de bens, a atividade econômica produtiva, o

187
surgimento de funções defensivas e a relação de propriedade para com a terra e o produto do trabalho
criaram um conflito permanente entre os diversos grupos humanos. A guerra, a conquista, a defesa
tornaram-se atividades permanentes de manutenção de propriedades e defesa de direitos adquiridos.
Ao mesmo tempo, os homens passaram a utilizar a violência como meio de coibir e punir
formas de comportamentos desviantes.
Manutenção de direitos e privilégios, conquista de bens e punição a atitudes consideradas
nocivas pela sociedade representam a origem de uma atitude permanente de agressão e defesa que
marcará todas as sociedades humanas.
O desenvolvimento da civilização e de seus modos de produção fez aumentar,
consequentemente, o poder bélico entre os homens, generalizando no planeta essa atitude de
permanente violência.
A formação dos Estados nacionais fez dos exércitos instituições de defesa de fronteiras e
fator estratégico na permanente disputa entre nações. O capitalismo, com sua natureza expansionista
por excelência, desenvolveu o máximo os recursos bélicos, com os quais as nações passaram a
disputar posições na rede de relações internacionais. E, além disso, criou a indústria de armamentos,
que passou, ela também, a produzir em massa e a promover constantemente meios de expansão do
mercado, sempre em busca de um maior número de consumidores.
Por todas essas razões, a violência, só fez aumentar na sociedade moderna e contemporânea. O
desenvolvimento tecnológico deu uma nova dimensão às forças de agressão e defesa, ao mesmo
tempo que a complexidade dessa sociedade, fragmentada em inúmeros segmentos, multiplicou
infinitamente as fontes de conflito.
A indústria armamentista atingiu o auge em termos de produtividade e sofisticação, com o
desenvolvimento de mísseis balísticos teleguiados, aperfeiçoados sistemas de radar e de guerra
submarina.
Para investigar a origem da violência todos reconhecem seu aspecto pluridimensional mas,
para facilitar a abordagem, destacam-se três grandes tendências:

Tendência Biológica

O primeiro grupo procura estudar a questão sob o enfoque biopsicológico. Nesse prisma a
violência estaria relacionada a componentes biológicos e psicológicos, estando a questão social
subordinada às determinações da natureza humana. Nesse caso a violência é vista como um
fenômeno de caráter universal, independente de movimentos classistas e históricos, porém,
atrelada ao ser humano, em sua essência.
Thomas Hobbes (1588 - 1679), filósofo inglês, sugere à primeira vista que a sociedade é que,
certamente, fomentaria a violência, descrevendo o meio social como um grande campo de luta
competitiva entre indivíduos, grupos e nações. Por outro lado, o mesmo Hobbes conclui que a
própria luta representa um fenômeno natural humano.
"O homem é governado por suas paixões e tem como direito seu conquistar o que
lhe apetecer. Como todos os homens seriam dotados de força igual (pois o
fisicamente mais fraco pode matar o fisicamente mais forte, lançando mão deste ou
daquele recurso), e como as aptidões intelectuais também se igualam, o recurso à
violência se generaliza".

188
Para ele as leis não se originavam de um instinto humano natural, nem de um consentimento
universal, mas da razão em busca dos meios de conservação da espécie. Portanto, as leis controlariam
a violência fisiologicamente presente na natureza humana (Estado Natural do Homem).
Neste enfoque a agressividade humana é entendida como parte do instinto de
sobrevivência, tal como o é a forma natural de reação dos animais em certas condições e situações.
Em tais circunstâncias, o mecanismo instintivo da agressividade dispararia automaticamente nos
animais e nos homens (como animais que nunca deixaram de sê-lo), e os leva a atacar outros da
mesma espécie.
Segundo essa ideia (biologia social), os genes humanos reproduzidos de geração em geração,
transmitem determinadas formas de reagir em condições ambientais adversas, de forma a garantir a
sobrevivência.
Essa tendência biológica tem valor na medida em que prioriza os problemas das pessoas em
detrimento dos problemas da sociedade. O conflito humano atual (sempre atual, em qualquer época
histórica) seria decorrente da discrepância entre os anseios biológicos (normalmente em busca do
prazer) e as possibilidades sociais (geralmente restritas à maioria das pessoas).
As pessoas seriam, segundo esse modelo, sempre incapazes de se adaptar aos ritmos e às
mudanças da sociedade. Nesse caso o ser humano tenderia a ser antissocial por natureza, e seu
conflito íntimo entre aquilo que quer e aquilo que pode resultaria na tendência em dominar os outros,
logo, resultaria na violência.
Biologicamente existiriam pessoas de bom e de mau caráter, assim como existem os histéricos,
os deprimidos, os ansiosos, etc.

Tendência Sociológica

A outra tendência (sociológica) tenta explicar a violência como fenômeno social, provocada
por alguma conturbação da ordem, quer pela opressão pelos mais fortes, pela rebelião dos oprimidos,
pela falência da ordem social, pela omissão do Estado (MINAYO e SOUZA). Nesse enfoque, a
chamada "natureza humana" se manifestaria ao sabor das circunstâncias, surgindo a violência
como consequência da miséria e da desigualdade sociais.
Segundo essa ideia, um baixo nível de consciência, de liberdade, de consciência de liberdade e
responsabilidade acaba acarretando um sentimento de insatisfação permanente que se expressa em
confrontação, oposição, alienação e condutas violentas.
Essas teorias sociológicas tendem a compreender as condutas violentas como atitudes de
sobrevivência de determinadas pessoas ou grupos vitimados pelas contradições sociais. As
desigualdades sociais, o contraste gritante entre os extremos socioeconômicos, as crises de
desemprego, a cegueira e insensibilidade social dos privilegiados, enfim, a desigualdade na
distribuição dos prazeres que essa vida pode oferecer levariam os pobres a se rebelarem e agredirem
os ricos (ou não pobres).
A violência como revolta dos despossuídos reflete uma explosão colérica da fome de comida
e de prazeres, o rancor pela desigualdade de privilégios diante da igualdade cromossômica. Nesse
caso, a violência teria sua origem no exterior do sujeito sob a forma de indignação e, uma vez
internalizada na consciência, explodiria em agressão contra os demais.
Ao reduzir violência social à imagem do crime e da delinquência, a tendência sociológica
encara a população pobre como criminosa em potencial. Mas essa visão é acanhada, pois não leva em
conta a violência política, do Estado e da própria cultura. Fazer um aposentado viver com um salário
mínimo é igualmente uma forma de violência estatal, por exemplo.

189
Considerando o aspecto sociológico, a violência seria naturalmente maior nas grandes
metrópoles, nas aglomerações de pessoas, nas massas desempregadas, na corrupção das referências
familiares e das raízes culturais.
Guardada as devidas proporções, essa violência sociológica poderia se disseminar
coletivamente, predispondo um povo contra outro, uma nação contra a outra na medida em que a
miséria da primeira fosse entendida como causada pela segunda. Esse assunto não se esgota aqui,
ficando para depois as considerações sobre a violência ideológica.

Tendência Bio-psico-social

O terceiro grupo sintetiza os dois anteriores, ou seja, compatibiliza o biológico com o


psicológico e com o social; trata-se do enfoque bio-psico-social. Valorizam-se adequadamente as
descobertas da biologia, psicologia e genética, fundamentais que são para se compreender o aspecto
sócio filosófico do humano. Igualmente, valorizam-se os mecanismos que resultam na transformação
do biológico pelo social, como apelo da adaptação do biológico às circunstâncias vivenciais, assim
como as adequações do psiquismo às exigências existenciais.
Essa terceira tendência, bio-psico-social, não atribui à violência um caráter exclusivamente
biológico, nem psicológico ou social, mas sim, uma combinação de todos com peculiaridades
próprias de cada era, cultura ou circunstância.
Há uma complementação dinâmica entre o biológico, o psicológico e o social, de sorte que
toda atividade humana acaba repercutindo nas relações sociais, culturais e emocionais, afetando tanto
a constituição biológica, quanto a consciência humana.
O enfoque bio-psico-social não crê que a violência resulte apenas dos problemas de natureza
econômica, como a pobreza, ou política, como a falência do Estado, embora entenda que essas
questões sejam muito significativas. Não crê também que o aumento da violência no mundo seja
exclusivamente devido ao aumento dos casos de sociopatas, psicopatas ou congêneres, embora estes
estejam presentes na criminalidade. Muito menos acredita que a violência seja devido aos traumas de
pais separados, frustrações e conflitos com a educação infantil ou coisas assim, embora a crise de
valores passe por essa questão de desenvolvimento psicológico.

Violência: isto tem remédio? (Cristina Charão, Atualidades, editora Abril, 2006)

A semana entre 12 e 20 de maio de 2006 deve ficar na memória dos paulistas como a mais
violenta que já se viu. Em nove dias, 492 pessoas morreram vítimas de armas de fogo no estado, uma
média diária acima de 50. É mais que a média de mortes na guerra no Iraque, que neste ano chegou a
40, incluindo civis e militares.
E veja bem: nos dias considerados “normais”, São Paulo já é “meio Iraque”. A cada 24 horas,
morrem 20 pessoas vítimas de armas de fogo no Estado mais rico do país.
O saldo cruel nos números da violência está relacionada à onda de ataques a bases da polícia –
que mataram 23 policiais militares, 7 policiais civis, 8 agentes penitenciários e 3 guardas municipais –
prédios públicos e particulares e às rebeliões em presídios promovidas pela facção criminosa Primeiro
Comando da Capital (PCC). E também ao revide das forças policiais.

Crime organizado

Ao acionar seus membros em várias partes do estado, ao mesmo tempo, o PCC mostrou
organização e eficiência. Não por acaso, as duas palavras usadas para qualificar a ação da facção
criminosa descrevem características essenciais de uma empresa. Quadrilhas também lidam com

190
“negócios” ilícitos, como o tráfico de drogas. Para mantê-los funcionando, criam estruturas paralelas à
lei.
Uma parte dessa estrutura utiliza o aparelho de Estado, aproveitando as chances de corromper
os agentes públicos. Outra parte, para a divisão de lucros, exige transformar os ganhos ilegais (o
“dinheiro sujo”) em recursos que possam ser usados legalmente – é a “lavagem” de dinheiro, que
ocorre, por exemplo, quando o dinheiro de um assalto é regularizado se um cassino atesta que seu
portador o ganhou no jogo.
Para gerir toda essa estrutura ilegal, há a operação do crime. Para organizá-la, os grupos
contam basicamente com seu “poder de fogo”. É aí que a ascensão das organizações criminosas
mostra sua face mais visível: a violência.

Tráfico de drogas

Da produção à venda, o tráfico exige grande número de pessoas trabalhando. É preciso


garantir pontos-de-venda e lidar com a concorrência. Novamente, pelo uso da força, como mostram as
constantes guerras entre as facções cariocas pelo controle dos pontos de drogas em morros e favelas do
Rio de Janeiro.
Por isso, os assassinatos no país deram um salto com a ascensão do tráfico de drogas, em
especial após a chegada da cocaína, no fim dos anos 1980. No início dessa década, a taxa anual de
homicídios no Brasil era de 11,7 por 100 mil habitantes. Em 1990 havia saltado para 22,2. Em 2002
alcançou 28,5.

Causas

O crescimento do crime organizado – e a violência decorrente – não ocorre apenas porque o


lucro das drogas passou a financiá-lo. O ambiente social propício para a criminalidade reúne
elementos que incluem o crescimento veloz e desordenados dos centros urbanos, a precarização dos
serviços públicos (incluindo a segurança pública), a degradação do sistema penitenciário e a
ineficiência da Justiça. E, ligando todos eles, a enorme desigualdade social brasileira, com amplos
contingentes de miseráveis sem perspectivas de melhorias.
São, por exemplo, a concentração da pobreza nas periferias das grandes cidades e a falta de
infraestrutura urbana que explicam porque o crime organizado encontra mão de obra nesses locais.
Infladas a partir da década de 1970, as regiões periféricas cresceram praticamente sem a ação do
Estado. À margem da lei, alguém precisa regular as formas de convivência. Em muitos casos, a
criminalidade assume esse papel.
Ao mesmo tempo, essa população encontra dificuldade para chegar ao mercado de trabalho e
ascender socialmente. A situação é ainda mais grave entre a população jovem, cuja taxa de
desemprego (de 16,9% na faixa etária dos 18 a 24 anos, segundo o IBGE) chega quase ao dobro da
média nacional (8,9%).
O resultado é a transformação das regiões marginalizadas em epicentros da violência. Em
capitais como São Paulo, Rio de Janeiro, Vitória e Recife, os bairros das periferias chegam a ter
índices de violência 20 vezes maiores. Nos quatro estados relacionais (SP, RJ, ES e PE), a taxa de
homicídios ultrapassa 50 por 100 mil habitantes.

Violência institucional

O difícil cenário brasileiro envolve também boa dose de violência institucional, aquela que é
cometida pelo Estado ou seus agentes. Ocorrências como abuso de poder ou casos de torturas e
assassinatos cometidos por policiais em sua ação corriqueira vêm crescendo muito no país nos últimos
anos.
Lamentavelmente, a polícia brasileira é uma das que mais matam no mundo. O quadro geral é
de pouco preparo dos policiais, efetivos reduzidos e salários baixos, gerando uma ação arbitrária e
truculenta no cotidiano do combate à criminalidade.

Medo

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Num quadro de enfrentamento entre quadrilhas e policiais, a sensação de medo cresce também
pela supervalorização dos crimes violentos. Isso ocorre tanto na mídia quanto nas estatísticas oficiais.
Na imprensa, o processo de seleção do noticiário leva à reprodução apenas dos casos mais graves,
considerados de maior interesse jornalístico. Homicídios e sequestros são as ocorrências mais
noticiadas, embora nas estatísticas oficiais haja muito mais furtos e roubos.

Considerações finais

Para Cristina Costa, nesse clima de início de milênio, a violência se desenvolve e se


generaliza. Escandaliza, choca, torna-se cada vez mais banalizada, mas parece também, como outros
aspectos da vida social, fugir ao controle dos homens e das instituições. E, assim como a pobreza, a
violência indiscriminada, a impunidade dos criminosos e a diversidade dos grupos em conflito, põem
em xeque as mais otimistas análises sobre a sociedade contemporânea. Colaboram também para
intensificar os paradoxos da sociedade atual, fazendo com que tendências aparentemente opostas se
contraponham de forma crescente: a pobreza e a abundância, o individualismo e a massificação, a
democracia e o autoritarismo.

Discussão sobre a violência

A escalada da violência provoca um debate na sociedade que envolve diversas posições,


muitas vezes opostas, sobre as possíveis soluções para o problema. Conheça algumas das questões em
discussão e os argumentos de quem é a favor e contra.

01 – Maior repressão policial

A FAVOR

* A segurança pública se apresenta como uma guerra entre polícia e bandidos. Assim, a polícia tem de
fazer uso da força, empregando recursos em quantidade superior à dos bandidos para derrotá-los. A
falta de reação à altura desmoraliza a polícia e estimula as organizações criminosas.
* Os direitos das “pessoas de bem” se sobrepõem aos direitos humanos dos criminosos.
* Os momentos de crise favorecem a adoção de medidas mais duras porque o clamor da sociedade é
mais forte.

CONTRA

 Endurecer o combate à violência pode produzir efeito contrário ao pretendido. O meio mais
eficaz de atuar contra a criminalidade é o investimento social (emprego, educação e saúde). O
uso da violência gera mais violência.
 Os direitos humanos e de cidadania – dos criminosos, inclusive – devem ser respeitados, de
acordo com o que estabelece a lei.
 Os momentos de crise não são os mais adequados para a adoção de medidas mais duras,
porque no calor dos acontecimentos podem ser adotadas medidas pontuais que sejam
negativas no futuro.

02 – Leis mais rigorosas

A FAVOR

 A legislação deve estabelecer sanções e punições mais duras aos autores de crimes, como
forma de desestimular os delitos.
 Deve-se alterar a Lei de Execuções Penais, adotando-se dispositivos mais rigorosos: rever o
indulto, que permite a condenados em regime semiaberto deixar a prisão em certos períodos

192
do ano; permitir o isolamento de presos perigosos por tempo indeterminado; proibir a entrada
nos presídios de recipientes com comida ou objetos de higiene.
 Simplificar as decisões da Justiça, reduzindo a quantidade de recursos.

CONTRA

 Não adianta mudar a lei. O problema está no Judiciário, que é lento e não consegue dar as
respostas que a sociedade exige na velocidade esperada.
 A lei dos Crimes Hediondos, aprova em 1990, é exemplo da ineficácia do endurecimento da
legislação. Criada para coibir o tráfico de drogas e os sequestros, com penas severas para os
criminosos, não foi capaz de reduzir esses tipos de crimes.
 A solução não é diminuir a quantidade de recursos, mas reduzir o intervalo em que são
julgados, acelerando o andamento do judiciário.

03 – Exército nas ruas

A FAVOR

 As ações recentes do crime organizado demonstram a incapacidade de as polícias estaduais,


sozinhas, resolverem o problema. A gravidade da situação exige a presença nas ruas de uma
força capaz de derrotar as quadrilhas. Só o Exército tem essa capacidade. Além disso, a
população apóia.

CONTRA

 O êxito na luta contra o crime é resultado de ações de inteligência policial e não de operação
de força bruta. Além disso, os militares são treinados para a guerra, e não para policiar zonas
urbanas. O papel constitucional das Forças Armadas é cuidar das fronteiras e da segurança
nacional. Por isso, não têm treinamento pra agir contra bandidos comuns.

04 – Redução da maioridade penal

A FAVOR

* os adolescentes com 16 anos já votam para escolher governantes; portanto, também devem
responder criminalmente (inclusive indo para prisões de adultos) por crimes cometidos antes de 18
anos.

CONTRA

 As pessoas com até 18 anos estão em fase de formação, e por isso devem ser protegidas pela
sociedade. Misturar adolescentes com presos adultos só facilita a permanência dos jovens na
criminalidade.

05 – Pena de morte

A FAVOR

* A condenação à pena de morte é um fator de inibição da prática de crimes. A punição dos réus com a
pena capital em casos de delitos graves serve de exemplo para os demais criminosos.

CONTRA
* Em caso de erro judicial, há o risco de matar um inocente. Além disso, nos países nos quais vigora a
pena de morte, não há evidências de redução da criminalidade por esse motivo.

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Referências bibliográficas

COSTA, Cristina. Sociologia – introdução à ciência da sociedade. São Paulo: Moderna, 2005.
CHARÃO, Cristina. Violência: isto tem remédio? In Almanaque Abril – Atualidades 2007. São
Paulo: Abril Cultural, 2006.
COELHO, Edmundo Campos. A criminalidade urbana violenta. In: Revista Dados. Rio de Janeiro,
Vértice, 1988.
MORAIS, Regis de. O que é violência urbana. São Paulo: Brasiliense, 1985.
VILELA, Orlando. A violência no mundo atual. São Paulo: Loyola, 1985.

A VIOLÊNCIA NA SOCIEDADE BRASILEIRA (Síntese)

Conceito de violência
 “agressão premeditada, sistemática e por vezes mortal de um indivíduo ou grupo sobre
outro”. (Cristina Costa, socióloga)
 “consiste em ações de pessoas, grupos, classes ou nações que ocasionam a morte de seres
humanos ou que afetam prejudicialmente sua integridade física, moral, mental ou espiritual"
 constrangimento físico ou moral exercido sobre alguém, para obrigá-lo a submeter-se à
vontade de outrem; coação (dicionário Houaiss)

Origens da violência:

 remonta às organizações humanas mais primitivas


 revolução agrícola e a sedentarização do homem
 guerras, conquistas e defesa
 desenvolvimento capitalista e expansionismo
 desenvolvimento tecnológico: agressão e defesa

01 – Tendência biológica  fatores bio-psíquicos


 Fenômeno de caráter universal
 Hobbes:  sociedade é que fomenta a violência
 meio social: campo de luta competitiva entre indivíduos
 agressividade humana  instinto de sobrevivência

02 – Tendência Sociológica
 Violência: fenômeno social
 Surge como consequência: miséria e desigualdades sociais

03 – Tendência bio-psico-social
 Sintetiza os enfoques anteriores  combinação

Violência na história do Brasil

 dizimação dos povos indígenas no período colonial


 358 anos de escravatura no Brasil
→ afrodescendentes são marginalizados: negros e pobres
 sociedade estruturalmente viola os direitos humanos (inalienáveis, universais → vida,
liberdade, dignidade, proteção)
 violência social → assassinatos, assaltos, sequestros, etc se deve por haver um caldo social e
cultural violento que se mostra pelos baixos salários, pelo descaso da saúde e da educação

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Violência urbana

 sentimento de normalidade e passividade  sociedade “anestesiada”


 Causas
 falência ou ausência da atuação do Estado e de suas políticas públicas
 banalização da violência  indiferença e ausência de indignação
 “espaços segregados”  infraestrutura precária
 “ambiente social” favorável para criminalidade
 crescimento rápido e desordenado das cidades
 precarização dos serviços públicos
 tráfico de drogas e corrupção de parte da polícia
 ineficiência da Justiça e a impunidade
 degradação do sistema penitenciário
 desigualdade social : miséria e exclusão
 desemprego

 Crime organizado  PCC e CV


 capacidade de organização, eficiência e de mobilização
 Tráfico de drogas
 Estatísticas da violência: são falhas, pois dependem da polícia
 taxa anual de homicídios no Brasil
 década de 1980: 11,7 por 100 mil/habitantes
 década de 1990: 22,2 por 100 mil/habitantes
 em 2002: 28,5 por 100/mil habitantes
 em 2007: 25,2 por 100/mil habitantes
Em Patos de Minas (140.000 hab), no ano de 2009 foram 25 assassinatos
 SP, RJ, ES e PE: taxa de homicídios ultrapassa 50 por 100 mil hab.
 Rio de Janeiro: 7.998 vítimas letais da violência em 2003
 Em 2003, 51 mil pessoas foram assassinadas no Brasil; 2007: 47,7 mil pessoas foram
mortas neste ano.
 entre 1980 e 2000 foram assassinadas no Brasil 600 mil pessoas
 população prisional do país: 361.402 (dados de 2006) e em 2013 (550.000)

 Violência institucional
 cometida pelo Estado ou seus agentes (abuso de poder ou torturas)
 polícia brasileira é uma das que mais mata no mundo
 polícia: pouco preparo dos policiais; efetivos reduzidos e salários baixos

Mídia e a violência

 exploração sensacionalista da violência e supervalorização dos crimes violentos


 cria a sensação de que estamos em “guerra civil”
 sensação de insegurança é muito forte
 “fabricação do medo”  busca de audiência e por interesses financeiros

Violência doméstica e contra a mulher

 é um problema universal que atinge milhares de pessoas, de forma silenciosa


 não obedece nenhum nível social, econômico, cultural ou religioso
 embriaguez patológica  agravante da violência doméstica
 transtorno explosivo da personalidade  agressores físicos

Violência na escola

195
 crise da família  desestruturação
 falta de imposição de limites e de orientação para a vida
 crise da escola
 que fazer? capacitação dos professores para trabalhar o tema da violência

Propostas para o combate à violência

Consensuais:
 o Estado deve implantar as políticas públicas (segurança alimentar, escolar, do trabalho, saúde,
assistencial)
 reforma das polícias, resgatando seu papel investigativo e preventivo
 investimentos em “inteligência policial”
 planejamento estratégico (elaborar cenários e projetá-los para o futuro)
 elaborar “mapas da violência”
 articular prevenção e repressão, fortalecendo os sistemas de inteligência e informação
 intensificar a repressão ao crime organizado, a vigilância das fronteiras para impedir o tráfico de
drogas e armas e combater a lavagem de dinheiro, integrando mecanismos investigativos,
ampliando as bases de dados, reforçando a cooperação internacional.
 Ampliar o sistema Nacional de Inteligência e de Informação em todos os níveis
 capacitação da juventude em programas (culturais, esportivos e artísticos)
 Justiça: precisa mudar para ficar mais eficiente e oferecer segurança ao cidadão
 Reforma do sistema de justiça penal
 Transformação radical do sistema penitenciário; consolidar o Sistema Penitenciário Federal,
concluindo os presídios de segurança máxima. Isolar as lideranças do crime organizado nas
penitenciárias federais. Investir na formação de agentes penitenciários federais.
 Fomentar o tratamento diferenciado aos presos, conforme a gravidade dos delitos, reforçando
programas de ressocialização com ênfase no trabalho e ensino dos presos, além das políticas de
atendimento aos egressos do sistema.
 Incentivar a aplicação de penas alternativas, de programas de justiça comunitária e de justiça
restaurativa.
 Ampliar o efetivo da Polícia Federal, mantendo sua independência e fortalecendo sua atuação no
controle de fronteiras.

Polêmicas (contra e a favor)


 maior repressão policial
 leis mais rigorosas
 Exército nas ruas
 redução da maioridade penal
 pena de morte
Segurança
 é um direito constitucional
 direito de cidadania
 liberdade (respeito ao indivíduo)
 ordem (respeito às leis e ao patrimônio)
 hoje há o cerceamento da liberdade devido aos riscos
Considerações finais
 a violência se desenvolve e se generaliza
 escandaliza, choca e se torna mais banalizada
 violência indiscriminada, a impunidade dos criminosos
 cultura da corrupção e a degeneração do parâmetro ético

196
Movimentos sociais

Em linhas gerais, o conceito de movimento social se refere à ação coletiva de um grupo organizado
que objetiva alcançar mudanças sociais por meio do embate político, conforme seus valores e
ideologias dentro de uma determinada sociedade e de um contexto específicos, permeados por tensões
sociais. Pode objetivar a mudança, a transição ou mesmo a revolução de uma realidade hostil a certo
grupo ou classe social. Seja a luta por um algum ideal, seja pelo questionamento de uma determinada
realidade que se caracterize como algo impeditivo da realização dos anseios deste movimento, este
último constrói uma identidade para a luta e defesa de seus interesses. Torna-se porta-voz de um
grupo de pessoas que se encontra numa mesma situação, seja social, econômica, política, religiosa,
entre outras.

Cada sociedade ou estrutura social teria como cenário um contexto histórico (ou historicidades) no
qual, assim como também apontava Karl Marx, estaria posto um conflito entre classes, terreno das
relações sociais, a depender dos modelos culturais, políticos e sociais. Assim, os movimentos sociais
fariam explodir os conflitos já postos pela estrutura social geradora por si só da contradição entre as
classes, sendo uma ferramenta fundamental para a ação com fins de intervenção e mudança daquela
mesma estrutura.

Para Alain Touraine, os movimentos sociais são a ação conflitante dos agentes das classes sociais
(luta de classes). Já para Manuel Castells, movimentos sociais são sistemas de práticas sociais
contraditórias de acordo com a ordem social urbana/rural, cuja natureza é a de transformar a
estrutura do sistema, seja através de ações revolucionárias ou não, numa correlação classista e em
última instância, o poder estatal.

Segundo Scherer-Warren, pode-se, portanto, concluir que a sociedade civil é a representação de


vários níveis de como os interesses e os valores da cidadania se organizam em cada sociedade para
encaminhamento de suas ações em prol de políticas sociais e públicas, protestos sociais, manifestações
simbólicas e pressões políticas. Num primeiro nível, encontramos o associativismo local, como as
associações civis, os movimentos comunitários e sujeitos sociais envolvidos com causas sociais ou
culturais do cotidiano, ou voltados a essas bases, como são algumas Organizações Não-
Governamentais (ONGs). Para citar apenas alguns exemplos dessas organizações localizadas:
núcleos dos movimentos de sem-terra, sem-teto, empreendimentos solidários, associações de bairro,
etc. As organizações locais também vêm buscando se organizar nacionalmente e, na medida do
possível, participar de redes transnacionais de movimentos (Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra, Movimento dos Catadores de Lixo, Movimento Indígena, Movimento Negro, etc.), ou
através de articulações inter-organizacionais. o movimento negro (contra racismo e segregação racial),
o movimento estudantil, o movimento de trabalhadores do campo, movimento feminista, movimentos
ambientalistas, da luta contra a homofobia, separatistas, entre outros. Alguns destes movimentos
possuem atuação centralizada em algumas regiões (como no caso de movimentos separatistas na
Europa). Outros, porém, com a expansão do processo de globalização (tanto do ponto de vista
econômico como cultural) e disseminação de meios de comunicação e veiculação da informação,
rompem fronteiras geográficas em razão da natureza de suas causas, ganhando adeptos por todo o
mundo, a exemplo do Greenpeace, movimento ambientalista de forte atuação internacional.

Dessa forma, para além das instituições democráticas como os partidos, as eleições e o parlamento, a
existência dos movimentos sociais é de fundamental importância para a sociedade civil enquanto
meio de manifestação e reivindicação.

A existência de um movimento social requer uma organização muito bem desenvolvida, o que
demanda a mobilização de recursos e pessoas muito engajadas. Os movimentos sociais não se
limitam a manifestações públicas esporádicas, mas trata-se de organizações que sistematicamente
atuam para alcançar seus objetivos políticos, o que significa haver uma luta constante e em longo

197
prazo dependendo da natureza da causa. Em outras palavras, os movimentos sociais possuem uma
ação organizada de caráter permanente por uma determinada bandeira.

Observa-se que as mobilizações na esfera pública são fruto da articulação de atores dos movimentos
sociais localizados, das ONGs, dos fóruns, mas buscam transcendê-los por meio de grandes
manifestações na praça pública, incluindo a participação de simpatizantes, com a finalidade de
produzir visibilidade através da mídia e efeitos simbólicos para os próprios manifestantes (no sentido
político-pedagógico) e para a sociedade em geral, como uma forma de pressão política das mais
expressivas no espaço público contemporâneo. Alguns exemplos ilustram essa forma de
organização, incluindo vários setores de participantes: a Marcha Nacional pela Reforma Agrária, de
Goiânia a Brasília (maio de 2005), foi organizada por articulações de base como a Comissão Pastoral
da Terra (CPT), o Grito dos Excluídos e o próprio MST e por outras, transnacionais, como a Via
Campesina.

A luta pela cidadania e O Fórum Social Mundial (FSM) bem como outros fóruns e redes
transnacionais de organizações têm sido espaços privilegiados para a articulação das lutas por
direitos humanos em suas várias dimensões sociais. Assim, através dessas articulações em rede de
movimento observa-se o debate de temas transversais, relacionados a várias faces da exclusão social,
e a demanda de novos direitos. Essa transversalidade na demanda por direitos implica o alargamento
da concepção de direitos humanos e a ampliação da base das mobilizações.

MOVIMENTOS SOCIAIS NOS ANOS 1960 E 1970

01 - Movimento Hippie

Os "hippies" eram parte do que se convencionou chamar movimento de contracultura dos anos
1960 tendo relativa queda de popularidade nos anos 70 nos EUA, embora o movimento tenha tido
muita força em países como o Brasil somente na década de 70. Uma das frases associada a este
movimento foi a célebre máxima "Paz e Amor" (em inglês "Peace and Love") que a qual criticava o
uso de armas nucleares.

Bandeiras: questões ambientais, a prática de nudismo, e a emancipação sexual eram ideias respeitadas
recorrentemente por estas comunidades.

Adotavam um modo de vida comunitário, tendendo a uma espécie de socialismo-anarquista ou estilo


de vida nômade e à vida em comunhão com a natureza, negavam o nacionalismo e a Guerra do Vietnã,
bem como todas as guerras, abraçavam aspectos de religiões como o budismo, hinduísmo, e/ou as
religiões das culturas nativas norte-americanas e estavam em desacordo com valores tradicionais da
classe média americana e das economias capitalistas e totalitárias. Eles enxergavam o patriarcalismo, o
militarismo, o poder governamental, as corporações industriais, a massificação, o capitalismo, o
autoritarismo e os valores sociais tradicionais como parte de uma "instituição" única, e que não tinha
legitimidade.

Nos anos 1960, muitos jovens passaram a contestar a sociedade e a pôr em causa os valores
tradicionais e o poder militar e econômico. Esses movimentos de contestação iniciaram-se nos EUA,
impulsionados por músicos e artistas em geral. Os hippies defendiam o amor livre e a não-violência.
Como grupo, os hippies tendem a viver em comunidades coletivistas ou de forma nômade, vivendo e
produzindo independentemente dos mercados formais, usam cabelos e barbas mais compridos do que
era considerado "elegante" na época do seu surgimento. Muita gente não associada à contracultura
considerava os cabelos compridos uma ofensa, em parte por causa da atitude dos hippies, às vezes por
acharem "anti-higiênicos" ou os considerarem "coisa de mulher".

Os Hippies não pararam de fazer protestos contra a Guerra do Vietnã, cujo propósito era acabar com a
guerra. A massa dos hippies eram soldados que voltaram depois de ter contato com os indianos e a

198
cultura oriental que, a partir desse contato, se inspiraram na religião e no jeito de viver para
protestarem.

02 - Movimento Feminista

O Feminismo é um discurso intelectual, filosófico e político que tem como meta os direitos iguais e a
proteção legal às mulheres. Envolve diversos movimentos, teorias e filosofias, todas preocupadas com
as questões relacionadas às diferenças entre os gêneros, e advogam a igualdade para homens e
mulheres e a campanha pelos direitos das mulheres e seus interesses. De acordo com Maggie Humm e
Rebecca Walker, a história do feminismo pode ser dividida em três "ondas". A primeira teria ocorrido
no século XIX e início do século XX, a segunda nas décadas de 1960 e 1970, e a terceira teria ido da
década de 1990 até a atualidade. A teoria feminista surgiu destes movimentos femininos, e se
manifesta em diversas disciplinas como a geografia feminista, a história feminista e a crítica literária
feminista.

O feminismo alterou principalmente as perspectivas predominantes em diversas áreas da sociedade


ocidental, que vão da cultura ao direito. As ativistas femininas fizeram campanhas pelos direitos
legais das mulheres (direitos de contrato, direitos de propriedade, direitos ao voto), pelo direito da
mulher à sua autonomia e à integridade de seu corpo, pelos direitos ao aborto e pelos direitos
reprodutivos (incluindo o acesso à contracepção e a cuidados pré-natais de qualidade), pela proteção
de mulheres contra a violência doméstica, o assédio sexual e o estupro, pelos direitos trabalhistas,
incluindo a licença-maternidade e salários iguais, e todas as outras formas de discriminação.

Desde a década de 1980, as feministas argumentaram que o feminismo deveria examinar como a
experiência da mulher com a desigualdade se relaciona ao racismo, à homofobia, ao classismo e à
colonização. No fim da década e início da década seguinte as feministas ditas pós-modernas
argumentaram que os papeis sociais dos gêneros seriam construídos socialmente, e que seria
impossível generalizar as experiências das mulheres por todas as suas culturas e histórias.

03 - Movimento Estudantil

O movimento estudantil é um movimento de caráter social e de massa. É a expressão política das


tensões que permeiam o sistema dependente como um todo e não apenas a expressão ideológica de
uma classe ou visão de mundo. Em 1967, no Brasil, sob a conjuntura da ditadura militar, esse
movimento inicia um processo de reorganização, como a única força não institucionalizada de
oposição política. A história mostra como esse movimento constitui força auxiliar do processo de
transformação social ao polarizar as tensões que se desencadearam no núcleo do sistema dependente.
O movimento estudantil é o produto social e a expressão política das tensões latentes e difusas na
sociedade. Sua ação histórica e sociológica tem sido a de absorver e radicalizar tais tensões. Sua
grande capacidade de organização e arregimentação foi capaz de colocar cem mil pessoas na rua,
quando da passeata dos cem mil, em 1968. Ademais, a histórica resistência da União Nacional dos
Estudantes (UNE), como entidade representativa dos estudantes, é exemplar.

O movimento estudantil é um movimento social da área da educação, no qual os sujeitos são os


próprios estudantes. Caracteriza-se por ser um movimento policlassista e constantemente renovado -
já que o corpo discente se renova periodicamente nas instituições de ensino.

Contemporaneamente, destacam-se os movimentos estudantis da década de 1960, dentre os quais os


de maio de 1968), na França. No mesmo ano, também se registraram movimentos em vários outros
países da Europa Ocidental, nos Estados Unidos e na América Latina. No Brasil, o movimento teve
papel importante na luta contra o regime militar que se instalou no país a partir de 1964, como por
exemplo nas Diretas-Já e pós-ditadura, no Impeachment de Collor (1992), com o movimento dos
cara-pintadas e agora recentemente, com as Jornadas de Junho de 2013, com as bandeiras difusas do
passe livre, contra a PEC 37, combate à corrupção, dentre outras.

199
Os Movimentos Sociais no Brasil

A análise dos movimentos sociais no Brasil revelam forte enfoque teórico oriundo do
marxismo, sejam eles vinculados ao espaço urbano e/ou rural. Tais movimentos, quando se referiam
ao espaço urbano possuíam um leque amplo de temáticas como, por exemplo, as lutas por creches,
por escola pública, por moradia, transporte, saúde, saneamento básico etc. Quanto ao espaço rural, a
diversidade de temáticas expressou-se nos movimentos de boias-frias (das regiões cafeeiras,
citricultoras e canavieiras, principalmente), de posseiros, sem-terra, arrendatários e pequenos
proprietários.

Cada um dos movimentos possuía uma reivindicação específica, no entanto, todos


expressavam as contradições econômicas e sociais presentes na sociedade brasileira.
No início do século XX, era muito mais comum a existência de movimentos ligados ao rural,
assim como movimentos que lutavam pela conquista do poder político. Em meados de 1950, os
movimentos nos espaços rural e urbano adquiriram visibilidade através da realização de manifestações
em espaços públicos (rodovias, praças, etc.). Os movimentos populares urbanos foram
impulsionados pelas Sociedades Amigos de Bairro - SABs - e pelas Comunidades Eclesiais de Base -
CEBs. Nos anos 1960 e 1970, mesmo diante de forte repressão policial, os movimentos não se
calaram. Havia reivindicações por educação, moradia e pelo voto direto. Em 1980 destacaram-se as
manifestações sociais conhecidas como "Diretas Já".
Em 1990, o MST e as ONGs tiveram destaque, ao lado de outros sujeitos coletivos, tais como
os movimentos sindicais de professores.

Concomitante às ações coletivas que tocam nos problemas existentes no planeta (violência, por
exemplo), há a presença de ações coletivas que denunciam a concentração de terra, ao mesmo tempo
que apontam propostas para a geração de empregos no campo, a exemplo do Movimento dos
Trabalhadores Sem Terra (MST); ações coletivas que denunciam o arrocho salarial (greve de
professores e de operários de indústrias automobilísticas); ações coletivas que denunciam a
depredação ambiental e a poluição dos rios e oceanos (lixo doméstico, acidentes com navios
petroleiros, lixo industrial); ações coletivas que têm espaço urbano como lócus para a visibilidade da
denúncia, reivindicação ou proposição de alternativas.

As passeatas, manifestações em praça pública, difusão de mensagens via internet,


ocupação de prédios públicos, greves, marchas entre outros, são características da ação de um
movimento social. A ação em praça pública é o que dá visibilidade ao movimento social,
principalmente quando este é focalizado pela mídia em geral. Os movimentos sociais são sinais de
maturidade social que podem provocar impactos conjunturais e estruturais, em maior ou menor grau,
dependendo de sua organização e das relações de forças estabelecidas com o Estado e com os demais
atores coletivos de uma sociedade.

01 - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, também conhecido pela sigla MST, é
um movimento social brasileiro de inspiração marxista cujo objetivo é a implantação da reforma
agrária no Brasil. Teve origem na aglutinação de movimentos que faziam oposição ou estavam
desgostosos com o modelo de reforma agrária imposto pelo regime militar, principalmente na década
de 1970, o qual priorizava a colonização de terras devolutas em regiões remotas, com objetivo de
exportação de excedentes populacionais e integração estratégica. Contrariamente a este modelo, o
MST declara buscar a redistribuição das terras improdutivas.

Apesar dos movimentos organizados de massa pela reforma agrária no Brasil remontarem
apenas às ligas camponesas, associações de agricultores que existiam durante as décadas de 1950 e
1960, o MST proclama-se como herdeiro ideológico de todos os movimentos de base social
camponesa ocorridos desde que os portugueses entraram no Brasil, quando a terra foi dividida em

200
sesmarias por favor real, de acordo com o direito feudal português, fato este que excluiu em princípio
grande parte da população do acesso direto à terra.

Uma das atividades do grupo consiste na ocupação de terras improdutivas como forma de
pressão pela reforma agrária, mas também há reivindicação quanto a empréstimos e ajuda para que
realmente possam produzir nessas terras. Para o MST, é muito importante que as famílias possam ter
escolas próximas ao assentamento, de maneira que as crianças não precisem ir à cidade e, desta
forma, fixar as famílias no campo.

O movimento recebe apoio de organizações não governamentais e religiosas, do país e do


exterior, interessadas em estimular a reforma agrária e a distribuição de renda em países em
desenvolvimento. Sua principal fonte de financiamento é a própria base de camponeses já
assentados, que contribuem para a continuidade do movimento.

Dados coletados em diversas pesquisas demonstram que os agricultores organizados pelo


movimento têm conseguido usufruir de melhor qualidade de vida que os agricultores não organizados.

O MST reivindica representar uma continuidade na luta histórica dos camponeses brasileiros
pela reforma agrária. Os atuais governantes do Brasil tem origens comuns nas lutas sindicais e
populares, e portanto compartilham em maior ou menor grau das reivindicações históricas deste
movimento. Segundo outros autores, o MST é um movimento legítimo que usa a única arma que
dispõe para pressionar a sociedade para a questão da reforma agrária, a ocupação de terras e a
mobilização de grande massa humana.

02 - Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) surgiu em 1997 da necessidade de organizar
a reforma urbana e garantir moradia e a todos os cidadãos. Está organizado nos municípios do Rio de
Janeiro, Campinas e São Paulo. É um movimento de caráter social, político e sindical. Em 1997, o
MST fez uma avaliação interna em que reconheceu que seria necessária uma atuação na cidade além
de sua atuação no campo. Dessa constatação, duas opções de luta se abriram: trabalho e moradia.

Estão em quase todas as metrópoles do País. São desdobramentos urbanos do MST, com um comando
descentralizado. As formas de atuação variam de um movimento para outro. Em geral, as ocupações
não têm motivação política, apenas apoio informal de filiados a partidos de esquerda. O objetivo das
ocupações é pressionar o poder público a criar programas de moradia e dar à população de baixa
renda acesso a financiamentos para a compra de imóveis.

Atualmente, o MTST é autônomo em relação ao MST, mas tem uma aliança estratégica com esse.

03 - Movimento nacional dos Direitos Humanos – MNDH Ditadura nunca mais: por que?

A história brasileira é marcada por longos períodos de exceção vividos sob ditaduras civis-
militares e por breves períodos democráticos. O atual período democrático é o mais duradouro e
consistente. Ele sucede, não esqueçamos, a recente ditadura civil-militar que emudeceu o Brasil por
20 anos, de 1º de abril de 1964 a 1985.

Mas, por que ditadura nunca mais? O que cabe a uma democracia que sucede a uma ditadura?
Estas não são perguntas. São questões. Por isso, queremos menos responder a elas e mais ajudar a
refletir sobre elas.

O povo brasileiro sabe o que significou a ditadura militar nas suas vidas. Famílias que
perderam seus filhos ainda esperam para enterrá-los. Pessoas que foram torturadas ainda esperam para
poder dizer quem foram seus algozes. Vozes ainda têm dificuldade de dizer com força o que pensam
por terem medo de serem reprimidas. A tortura segue sendo prática sistemática em delegacias e
presídios. Esta é a herança da ditadura. Vítimas que sofreram e ainda sofrem a injustiça, que ainda

201
esperam pela possibilidade de dizer sua palavra e ver a verdade proclamada. Vítimas que ainda
esperam por justiça.

Aqui já começamos a enfrentar a segunda questão. Uma das tarefas da democracia é


exatamente abrir os arquivos, sejam eles quais forem, estejam eles onde estiverem, e permitir que cada
um possa dizer a sua palavra. Abrir um debate público sobre o sentido da história para construir a
verdade histórica como expressão da memória coletiva e criar condições para que a justiça ética às
vítimas seja feita, não como vingança, mas como reparação, são desafios à democracia. Por isso, só se
consolida a democracia se forem criadas condições para que a verdade seja obra da sociedade e que a
justiça seja efetiva vida de cada uma e de todas as pessoas. Sem isso, qualquer democracia será uma
democracia pela metade. E democracia pela metade não é democracia!

A democracia é preferível a qualquer ditadura não por outro motivo senão porque permite que
memória e verdade sejam constitutivas da justiça como realização de condições para a efetivação da
dignidade humana. A justiça exige o reconhecimento das injustiças e de suas vítimas, que sofreram a
injustiça. Sem isso, a justiça é vazia. Mas, sem que as próprias vítimas possam dizer sua palavra, sua
verdade, recorrendo à memória dos fatos que as levaram à situação de vitimização, não há justiça. O
querer justiça como memória e verdade das vítimas é um direito das próprias vítimas, mas não só,
ele também é de todos os seres humanos, até porque esta é a forma efetiva de engajar a todos/as para
que não sejam produzidas novas vítimas. Por isso, o direito à memória, à verdade e à justiça se
constitui num dos direitos humanos mais basilares das sociedades democráticas. O nunca mais a todo e
qualquer tipo de violação de direitos, a todo tipo situação que produz vitimas, a todo tipo de
inviabilização do humano, é a expressão positiva do querer um mundo justo e humanizado para todas
e cada uma das pessoas.

Por isso faz sentido a Comissão Nacional da Verdade, criada pela Lei nº 12.528, de
18/11/2011. Ela poderá ser um espaço capaz para construir a verdadeira verdade sobre o período da
ditadura civil-militar brasileira e, por outro, para desconstruir algumas das verdades repetidas – nem
tão verdadeiras assim – pelos que têm pavor de verdades que não sejam as deles próprios. Ela não terá
alcance para fechar o tripé, pois dela não se poderá esperar justiça. Mas, se ela for capaz de produzir
verdades com base na memória das vítimas, certamente abrirá caminho para que venha também a
justiça. Por isso, ela é um grande recurso para que a democracia gere condições a fim de que, em
uníssono, a sociedade brasileira diga: ditadura, nunca mais! Democracia, sempre, e com direitos
humanos!

Fórum Social Mundial - FSM

O Fórum Social Mundial (FSM) é um evento altermundialista organizado por movimentos


sociais de diversos continentes, com objetivo de elaborar alternativas para uma transformação social
global. Seu slogan é Um outro mundo é possível.

É um espaço internacional para a reflexão e organização de todos os que se contrapõem à


globalização neoliberal e estão construindo alternativas para favorecer o desenvolvimento humano e
buscar a superação da dominação dos mercados em cada país e nas relações internacionais. A luta por
um mundo sem excluídos, uma das bandeiras do I Fórum Social Mundial, tem suas raízes fixadas na
resistência histórica dos povos contra todo o gênero de opressão em todos os tempos, resistência que
culmina em nossos dias com o movimento irmanando milhões de cidadãos e não-cidadãos do mundo
inteiro contra as consequências da mundialização do capital, patrocinada por organismos
multilaterais como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial (BM) e a Organização
Mundial do Comércio (OMC), entre outros. O Fórum Social Mundial (FSM) se reuniu pela primeira
vez na cidade de Porto Alegre, estado do Rio Grande do Sul, Brasil, entre 25 e 30 de janeiro de 2001,
com o objetivo de se contrapor ao Fórum Econômico Mundial de Davos. Esse Fórum Econômico tem
cumprido, desde 1971, papel estratégico na formulação do pensamento dos que promovem e defendem

202
as políticas neoliberais em todo mundo. Sua base organizacional é uma fundação suíça que funciona
como consultora da ONU e é financiada por mais de 1.000 empresas multinacionais.

A mídia: um meio de criminalização dos movimentos sociais nas últimas décadas no Brasil

Os meios de comunicação, na forma em que existem hoje, dificilmente darão espaço para a
expressão ou a constituição de interesses que ameacem as estruturas básicas do capitalismo. Com isso,
a situação é delicada para os movimentos sociais, cada vez mais criminalizados pelo pensamento
único da Grande Mídia.
Mas, ao tentar incriminar os movimentos sociais, a classe dominante, através dos meios
midiáticos, enquadra os fatos como acontecimentos como pensamentos da sociedade como um todo. A
ideologia dominante é colocada como um conjunto de ideias consensuais de todos os indivíduos da
sociedade.
Pretende com isso ganhar o apoio, principalmente de setores da classe média, utilizando os
meios de comunicação procurando incriminar os movimentos sociais e seus líderes. A sociedade acaba
por se convencer e levar em consideração que o ato de lutar por um direito torna-se um crime contra a
ordem social.
A mídia torna-se também cada vez mais importante influência no processo de criminalização
dos movimentos sociais, enquanto instância de controle informal. Este meio ideológico, em geral,
busca desqualificar, ou ainda, "satanizar" as ações dos movimentos, colocando-os como algozes,
responsabilizando-os pela intransigência, intolerância e violência. Acontece um descredenciamento
dos movimentos sociais, apresentando-os como grupos subversivo-revolucionários, arruaceiros,
desordeiros e criminosos, muitas vezes com teor terrorista. A denúncia distorcida e as falsas acusações
tornam-se atualmente as atitudes mais comuns que a grande mídia utiliza para “demonizar” os
movimentos sociais, tratando-os como insignificantes, irresponsáveis, que atentam contra as leis do
mercado e trazem prejuízos para a economia e a ordem pública. Irados editoriais, grandes manchetes,
fotos provocadoras, notícias exageradas, produções novelistas, literárias, colunas e o jornalismo
tendencioso buscam fazer constantes críticas aos movimentos sociais, tratando-os de subversivos,
revolucionários entre outros “títulos” ora dados. Substitui a notícia das razões das manifestações pelos
confrontos com a polícia. Conhece-se um movimento a partir do confronto. Os movimentos sociais só
tornam-se notícias quando a polícia entra em confronto com eles.
Diga-se hoje no Brasil, o papel da imprensa na divulgação dos movimentos sociais é bastante
recente, destacando-se principalmente nas duas últimas décadas do século XX, que vem enquadrando
os movimentos sociais nas seus noticiários vinculados a eventos rotineiros perturbadores da ordem.
Nota-se principalmente a incansável procura pela deformação do MST.
Esta atribuição de estereótipos aos movimentos sociais, de certa forma, retira a culpa
daqueles que detêm o poder. Tendo em conta que uma das representações do poder se dá por meio do
discurso, transmitida aos sujeitos sociais pela mídia. Marx, ao afirmar que a comunicação somente é
alcançada quando se torna práxis social, contrapõe-se a poderosa mídia, que se considera “formadora
de opinião política, econômica, social, cultural” determinando, com seu poder, o que devemos pensar,
sentir e falar. Sua relação com os movimentos sociais é um dos fatores de deslegitimarão dos mesmos
e um instrumento do capitalismo para a retomada do projeto neoliberal no Brasil. Assim, se apresenta
uma verdadeira intimidação cultural e social sobre as grandes maiorias. Levam-nos à interiorização da
ideologia deste pensamento único, consumista e neoliberal, nas consciências das populações.
E todo este gigantesco poder da mídia está, por inteiro, nas mãos do grande capital
transnacional. Os movimentos sociais não são meramente abstratos. Eles são constituídos por sujeitos:
homens e mulheres. A mídia, ao criminalizar um movimento popular, criminaliza os sujeitos nele
inseridos. Um dos efeitos mais terríveis do neoliberalismo brasileiro tem sido o que Marilena Chauí
chama de “esfacelamento dos movimentos sociais e populares” que foram os grandes sujeitos
históricos e políticos dos anos 1970, 80 e 90 e continuam sendo até hoje.
O expediente de criminalização e as práticas de violência contra os trabalhadores e
trabalhadoras rurais sem-terra revelam o caráter de um Estado ainda preso a um modelo social e
político autoritário que, de um lado relaciona entre os seus objetivos e fundamentos: a dignidade da
pessoa humana, a erradicação da pobreza e da marginalização. E de outro, mantém os seus excluídos

203
afastados das políticas públicas que deveriam assegurar aqueles mesmos fundamentos e, o que é pior,
usa para isso o direito penal como resposta para contenção das demandas sociais.
Embora muitos movimentos sociais tenham lutado com o intuito de promover transformações
na realidade de desigualdades sociais que o país ainda enfrenta, a força burguesa utiliza-se das
estruturas do Estado e da mídia de grande porte para manter esta situação de dominação de classes. O
atual processo de criminalização dos movimentos sociais está pautado no discurso neoliberal de
manutenção da ordem.
Atualmente, a chamada “grande mídia” continua operando de forma camuflada, mas sob
outro foco: não apenas de reproduzir a ideologia política do Estado, mas sob domínio da propaganda e
defensiva da ideologia dominante e subordinada a lógica do mercado.

12º texto - O conhecimento em seus diversos aspectos

Introdução

No processo de apreensão da realidade do objeto, o sujeito cognoscente pode penetrar em


todas as esferas do conhecimento: ao estudar o homem, por exemplo, pode-se tirar uma série de
conclusões sobre a sua atuação na sociedade, baseada no senso comum ou na experiência cotidiana;
pode-se analisá-lo como um ser biológico, verificando através de investigação experimental, as
relações existentes entre determinados órgãos e suas funções; pode-se questioná-lo quanto à sua
origem e destino, assim como quanto à sua liberdade; finalmente, pode-se observá-lo como ser criado
pela divindade, à sua imagem e semelhança, e meditar sobre o que dele dizem os textos sagrados.

Apesar da separação metodológica entre os tipos de conhecimento popular, filosófico,


religioso e científico, estas formas de conhecimento podem coexistir na mesma pessoa: um cientista,
voltado, por exemplo, ao estudo da física, pode ser crente praticante de determinada religião, estar
filiado a um sistema filosófico e, em muitos aspectos de sua vida cotidiana, agir segundo
conhecimentos provenientes do senso comum.

Ao se falar em conhecimento científico, o primeiro passo consiste em diferenciá-lo de outros


tipos de conhecimento existentes. Para tal, analisemos uma situação histórica, que pode servir de
exemplo.

Desde a Antiguidade, até aos nossos dias, um camponês, mesmo iletrado e/ou desprovido de
outros conhecimentos, sabe o momento certo da semeadura, a época da colheita, a necessidade da
utilização de adubos, as providências a serem tomadas para a defesa das plantações de ervas daninhas
e pragas e o tipo de solo adequado para as diferentes culturas. Tem também conhecimento de que o
cultivo do mesmo tipo, todos os anos, no mesmo local, exaure o solo. Já no período feudal, o sistema
de cultivo era em faixas: duas cultivadas e uma terceira "em repouso", alternando-as de ano para ano,
nunca cultivando a mesma planta, dois anos seguidos, numa única faixa. O início da Revolução
Agrícola não se prende ao aparecimento, no século XVIII, de melhores arados, enxadas e outros tipos
de maquinaria, mas à introdução, na segunda metade do século XVII, da cultura do nabo e do trevo,
pois seu plantio evitava o desperdício de deixar a terra em pousio: seu cultivo "revitalizava" o solo,
permitindo o uso constante. Hoje, a agricultura utiliza-se de sementes selecionadas, de adubos
químicos, de defensivos contra as pragas e tenta-se, até, o controle biológico dos insetos daninhos.

Mesclam-se, neste exemplo, dois tipos de conhecimento: o primeiro, vulgar ou popular,


geralmente típico do camponês, transmitido de geração para geração por meio da educação informal e
baseado em imitação e experiência pessoal; portanto, empírico e desprovido de conhecimento sobre a
composição do solo, das causas do desenvolvimento das plantas, da natureza das pragas, do ciclo
reprodutivo dos insetos etc.; o segundo, científico, é transmitido por intermédio de treinamento
apropriado, sendo um conhecimento obtido de modo racional, conduzido por meio de procedimentos
científicos. Visa explicar "por que" e "como" os fenômenos ocorrem, na tentativa de evidenciar os

204
fatos que estão correlacionados, numa visão mais globalizante do que a relacionada com um simples
fato - uma cultura específica, de trigo, por exemplo.

1. Os Quatro Tipos de Conhecimento

Existem pelo menos quatro tipos fundamentais de conhecimento, que são: o conhecimento
popular (senso comum), conhecimento científico, conhecimento filosófico e conhecimento
religioso(teológico). Trujillo (1974, p.11) sistematiza as características dos quatro tipos de
conhecimento:

Conhecimento Popular Conhecimento Científico


Valorativo Real (factual)
Reflexivo Contingente (incerto, eventual)
Assistemático Sistemático
Verificável Verificável
Falível Falível
Inexato Aproximadamente exato

Conhecimento Filosófico Conhecimento Religioso (Teológico)


Valorativo Valorativo
Racional Inspiracional
Sistemático Sistemático
Não Verificável Não Verificável
Infalível Infalível
Exato Exato

1.1 Conhecimento Popular

O conhecimento popular é valorativo por excelência, pois se fundamenta numa seleção


operada com base em estados de ânimo e emoções: como o conhecimento implica uma dualidade de
realidades, isto é, de um lado o sujeito cognoscente (indivíduo capaz de adquirir conhecimento) e, de
outro, o objeto conhecido, e este é possuído, de certa forma pelo cognoscente, os valores do sujeito
impregnam o objeto conhecido. É também reflexivo, mas, estando limitado pela familiaridade com o
objeto, não pode ser reduzido a uma formulação geral. A característica de assistemático baseia-se na
"organização" particular das experiências próprias do sujeito cognoscente, e não em uma
sistematização das ideias, na procura de uma formulação geral que explique os fenômenos observados,
aspecto que dificulta a transmissão, de pessoa a pessoa, desse modo de conhecer. É verificável, visto
que está limitado ao âmbito da vida diária e diz respeito àquilo que se pode perceber no dia-a-dia.
Finalmente é falível e inexato, pois se conforma com a aparência e com o que se ouviu dizer a respeito
do objeto. Em outras palavras, não permite a formulação de hipóteses sobre a existência de fenômenos
situados além das percepções objetivas.

1.2 Conhecimento Filosófico

O conhecimento filosófico é valorativo, pois seu ponto de partida consiste em hipóteses, que
não poderão ser submetidas à observação: "as hipóteses filosóficas baseiam-se na experiência,
portanto, este conhecimento emerge da experiência e não da experimentação" (TRUJILLO, 1974.p.
12); por este motivo, o conhecimento filosófico é não verificável, já que os enunciados das hipóteses
filosóficas, ao contrário do que ocorre no campo da ciência, não podem ser confirmados nem
refutados. É racional, em virtude de consistir num conjunto de enunciados logicamente
correlacionados. Tem a característica de sistemático, pois suas hipóteses e enunciados visam a uma
representação coerente da realidade estudada, numa tentativa de apreendê-la em sua totalidade. Por
último, é infalível e exato, já que, quer na busca da realidade capaz de abranger todas as outras, quer

205
na definição do instrumento capaz de apreender a realidade, seus postulados, assim como suas
hipóteses, não são submetidos ao decisivo teste da observação (experimentação). Portanto, o
conhecimento filosófico é caracterizado pelo esforço da razão pura para questionar os problemas
humanos e poder discernir entre o certo e o errado, unicamente recorrendo às luzes da própria razão
humana. Assim, se o conhecimento científico abrange fatos concretos, positivos, e fenômenos
perceptíveis pelos sentidos, através do emprego de instrumentos, técnicas e recursos de observação, o
objeto de análise da filosofia são ideias, relações conceptuais, exigências lógicas que não são
redutíveis a realidades materiais e, por essa razão, não são passíveis de observação sensorial direta ou
indireta (por instrumentos), como a que é exigida pela ciência experimental. O método por excelência
da ciência é o experimental: ela caminha apoiada nos fatos reais e concretos, afirmando somente
aquilo que é autorizado pela experimentação. Ao contrário, a filosofia emprega "o método racional, no
qual prevalece o processo dedutivo, que antecede a experiência, e não exige confirmação
experimental, mas somente coerência lógica" (RUIZ, 1979, p. 110). O procedimento científico leva a
circunscrever, delimitar, fragmentar e analisar o que se constitui o objeto da pesquisa, atingindo
segmentos da realidade, ao passo que a filosofia encontra-se sempre à procura do que é mais geral,
interessando-se pela formulação de uma concepção unificada e unificante do universo. Para tanto,
procura responder às grandes indagações do espírito humano e, até, busca as leis mais universais que
englobem e harmonizem as conclusões da ciência.

1.3 Conhecimento Religioso

O conhecimento religioso, isto é, teológico, apoia-se em doutrinas que contêm proposições


sagradas (valorativas), por terem sido reveladas pelo sobrenatural (inspiracional) e, por esse motivo,
tais verdades são consideradas infalíveis e indiscutíveis (exatas); é um conhecimento sistemático do
mundo (origem, significado, finalidade e destino) como obra de um criador divino; suas evidências
não são verificadas: está sempre implícita uma atitude de fé perante um conhecimento revelado.
Assim, o conhecimento religioso ou teológico parte do princípio de que as "verdades" tratadas são
infalíveis e indiscutíveis, por consistirem em "revelações" da divindade (sobrenatural). A adesão das
pessoas passa a ser um ato de fé, pois a visão sistemática do mundo é interpretada como decorrente do
ato de um criador divino, cujas evidências não são postas em dúvida nem sequer verificáveis. A
postura dos teólogos e cientistas diante da teoria da evolução das espécies, particularmente do
Homem, demonstra as abordagens diversas: de um lado, as posições dos teólogos fundamentam-se nos
ensinamentos de textos sagrados; de outro, os cientistas buscam, em suas pesquisas, fatos concretos
capazes de comprovar (ou refutar) suas hipóteses. Na realidade, vai-se mais longe. Se o fundamento
do conhecimento científico consiste na evidência dos fatos observados e experimentalmente
controlados, e o do conhecimento filosófico e de seus enunciados, na evidência lógica, fazendo com
que em ambos os modos de conhecer deve a evidência resultar da pesquisa dos fatos ou da análise dos
conteúdos dos enunciados, no caso do conhecimento teológico o fiel não se detém nelas à procura de
evidência, pois a toma da causa primeira, ou seja, da revelação divina.

1.4 Conhecimento Científico

Finalmente, o conhecimento científico é real (factual) porque lida com ocorrências ou fatos,
isto é, com toda "forma de existência que se manifesta de algum modo" (TRUJILO, 1974, p. 14).
Constitui um conhecimento contingente, pois suas proposições ou hipóteses têm sua veracidade ou
falsidade conhecida através da experiência e não apenas pela razão, como ocorre no conhecimento
filosófico. É sistemático, já que se trata de um saber ordenado logicamente, formando um sistema de
ideias (teoria) e não conhecimentos dispersos e desconexos. Possui a característica da verificabilidade,
a tal ponto que as afirmações (hip6teses) que não podem ser comprovadas não pertencem ao âmbito da
ciência. Constitui-se em conhecimento falível, em virtude de não ser definitivo, absoluto ou final e,
por este motivo, é aproximadamente exato: novas proposições e o desenvolvimento de técnicas podem
reformular o acervo de teoria existente.
Apesar da separação "metodológica" entre os tipos de conhecimento popular, filosófico,
religioso e científico, no processo de apreensão da realidade do objeto, o sujeito cognoscente pode
penetrar nas diversas áreas: ao estudar o homem, por exemplo, pode-se tirar uma série de conclusões

206
sobre sua atuação na sociedade, baseada no senso comum ou na experiência cotidiana; pode-se
analisá-lo como um ser biol6gico, verificando, através de investigação experimental, as relações
existentes entre determinados órgãos e suas funções; pode-se questioná-lo quanto à sua origem e
destino, assim como quanto à sua liberdade; finalmente, pode-se observá-lo como ser criado pela
divindade, à sua imagem e semelhança, e meditar sobre o que dele dizem os textos sagrados.
Por sua vez, estas formas de conhecimento podem coexistir na mesma pessoa: um cientista,
voltado, por exemplo, ao estudo da física, pode ser crente praticante de determinada religião, estar
filiado a um sistema Filosófico e, em muitos aspectos de sua vida cotidiana, agir segundo
conhecimentos provenientes do senso comum.

2. Correlação entre Conhecimento Popular e Conhecimento Científico

O conhecimento vulgar ou popular, às vezes denominado senso comum, não se distingue do


conhecimento científico nem pela veracidade nem pela natureza do objeto conhecido: o que os
diferencia é a forma, o modo ou o método e os instrumentos do "conhecer". Saber que determinada
planta necessita de uma quantidade "X" de água e que, se não a receber de forma "natural", deve ser
irrigada pode ser um conhecimento verdadeiro e comprovável, mas, nem por isso, científico. Para que
isso ocorra, é necessário ir mais além: conhecer a natureza dos vegetais, sua composição, seu ciclo de
desenvolvimento e as particularidades que distinguem uma espécie de outra. Dessa forma, patenteiam-
se dois aspectos:
 A ciência não é o único caminho de acesso ao conhecimento e à verdade.
 Um mesmo objeto ou fenômeno - uma planta, um mineral, uma comunidade ou as relações
entre chefes e subordinados - pode ser matéria de observação tanto para o cientista quanto para o
homem comum; o que leva um ao conhecimento científico e outro ao vulgar ou popular é a forma de
observação.
Para Bunge (1976, p. 20), a descontinuidade radical existente entre a Ciência e o conhecimento
popular, em numerosos aspectos (principalmente no que se refere ao método), não nos deve fazer
ignorar certa continuidade em outros aspectos, principalmente quando limitamos o conceito de
conhecimento vulgar ao "bom-senso". Se excluirmos o conhecimento mítico (raios e trovões como
manifestações de desagrado da divindade pelos comportamentos individuais ou sociais), verificamos
que tanto o "bom-senso" quanto a Ciência almejam ser racionais e objetivos: "são críticos e aspiram à
coerência (racionalidade) e procuram adaptar-se aos fatos em vez de permitir-se especulações sem
controle (objetividade)". Entretanto, o ideal de racionalidade, compreendido como uma sistematização
coerente de enunciados fundamentados e passíveis de verificação, é obtido muito mais por intermédio
de teorias, que constituem o núcleo da Ciência, do que pelo conhecimento comum, entendido como
acumulação de partes ou "peças" de informação frouxamente vinculadas. Por sua vez, o ideal de
objetividade, isto é, a construção de imagens da realidade, verdadeiras e impessoais, não pode ser
alcançado se não ultrapassar os estreitos limites da vida cotidiana, assim como da experiência
particular; é necessário abandonar o ponto de vista antropocêntrico, para formular hipóteses sobre a
existência de objetos e fenômenos além da própria percepção de nossos sentidos, submetê-los à
verificação planejada e interpretada com o auxílio das teorias. Por esse motivo é que o senso comum,
ou o "bom-senso", não pode conseguir mais do que uma objetividade limitada, assim como é limitada
sua racionalidade, pois está estreitamente vinculado à percepção e à ação.

a. Características do Conhecimento Popular

"Se o ‘bom-senso’, apesar de sua aspiração à racionalidade e objetividade, só consegue atingir


essa condição de forma muito limitada", pode-se dizer que o conhecimento vulgar ou popular, latu
sensu, é o modo comum, corrente e espontâneo de conhecer, que se adquire no trato direto com as
coisas e os seres humanos: "é o saber que preenche nossa vida diária e que se possui sem o haver
procurado ou estudado, sem a aplicação de um método e sem se haver refletido sobre algo" (BABINI,
1957, p.21).
Para Ander-Egg (1978, p.13-14), o conhecimento popular caracteriza-se por ser
predominantemente:

207
 superficial, isto é, conforma-se com a aparência, com aquilo que se pode comprovar
simplesmente estando junto das coisas: expressa-se por frases como "porque o vi", "porque o senti",
"porque o disseram", "porque todo mundo o diz";
 sensitivo, ou seja, referente a vivências, estados de ânimo e emoções da vida diária;
 subjetivo, pois é o próprio sujeito que organiza suas experiências e conhecimentos, tanto os
que adquire por vivência própria quanto os "por ouvi dizer";
 assistemático, pois esta "organização" das experiências não visa a uma sistematização das
ideias, nem na forma de adquiri-las nem na tentativa de validá-las;
 acrítico, pois, verdadeiros ou não, a pretensão de que esses conhecimentos o sejam não se
manifesta sempre de uma forma crítica.

3- CONCEITO DE CIÊNCIA

Diversos autores tentaram definir o que se entende por ciência. Consideramos mais precisa a
definição de Trujillo Ferrari, expressa em seu livro Metodologia da ciência.
Entendemos por ciência uma sistematização de conhecimentos, um conjunto de proposições
logicamente correlacionadas sobre o comportamento de certos fenômenos que se deseja estudar: "A
ciência é todo um conjunto de atitudes e atividades racionais, dirigidas ao sistemático conhecimento
com objeto limitado, capaz de ser submetido à verificação" (1974, p.8).
As ciências possuem:

a) Objetivo ou finalidade. Preocupação em distinguir a característica comum ou as leis gerais que


regem determinados eventos.
b) Função, Aperfeiçoamento, através do crescente acervo de conhecimentos, da relação do homem
com o seu mundo.
c) Objeto. Subdividido em:
 material, aquilo que se pretende estudar, analisar, interpretar ou verificar, de modo geral;
 formal, o enfoque especial, em face das diversas ciências que possuem o mesmo objeto material.

3.1 CLASSIFICAÇÃO E DIVISÃO DA CIÊNCIA

A complexidade do universo e a diversidade de fenômenos que nele se manifestam, aliadas à


necessidade do homem de estudá-los para poder entendê-los e explicá-los, levaram ao surgimento de
diversos ramos de estudo e ciências específicas. Estas necessitam de uma classificação, quer de acordo
com sua ordem de complexidade, quer de acordo com seu conteúdo: objeto ou temas, diferença de
enunciados e metodologia empregada.

3.1.1 Ciências Exatas e Ciências Humanas

Uma ciência exata é qualquer campo da ciência capaz de expressões quantitativas e predições
precisas e métodos rigorosos de testar hipóteses, especialmente os experimentos reprodutíveis
envolvendo predições e medições quantificáveis. Matemática, Estatística, Física, Química, assim
como partes da Biologia, Psicologia, e Economia podem ser consideradas ciências exatas nesse
sentido. O termo implica uma dicotomia entre esses campos e outros, como as ciências humanas, que
possuem um caráter menos preciso.
As ciências exatas estão entre as mais antigas, desde a antiguidade, o homem utiliza a
matemática para resolver seus problemas e organizar melhor a sua sociedade. Foram as ciências exatas
que proporcionaram que os antigos egípcios construíssem as pirâmides, permitiu que os gregos
erguessem suas acrópoles e monumentos e também que o homem realizasse a viagem espacial até a
lua no século 20.
Embora do ponto de vista técnico, toda e qualquer conhecimento produzido pela humanidade
seja uma “ciência humana”, a expressão Ciências Humanas em si refere-se somente a aquelas
ciências que tem o ser humano como seu objeto de estudo ou então o seu foco. Em outras palavras, as

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ciências humanas consistem nas profissões e as carreiras que tratam primariamente dos aspectos
humanos.
Basicamente são apoiadas na Filosofia (tentativa de compreensão do homem e da sua
sociedade), beleza (artes em geral, relacionadas ao entretenimento ou a cultura) e comunicação
(questão da informação, questão da política e questão da linguística).
As ciências humanas, devido as suas bases, assim como a condição humana em si, tem um
caráter múltiplo: ao mesmo tempo em que engloba características teóricas em ramos tais como
linguística, gramática e filosofia, engloba características práticas através do jornalismo, comunicação
social e direito e também engloba características subjetivas, quando entra no ramo da arte.
Geralmente definida como uma ciência “não exata” e de grande margem subjetiva, as ciências
humanas são também muito profundas, complexas e de grande importância na sociedade, afinal sem
matemática e engenharia não se pode sobreviver, mas sem arte e sem compreensão do mundo,
também, não se pode viver.
As ciências humanas ou humanidades são as disciplinas que tratam dos aspectos do homem
como indivíduo e como ser social, tais como a antropologia, história, sociologia, ciência política,
linguística, pedagogia, economia, geografia, direito, arqueologia, filosofia, teologia, psicologia entre
outros. (Adaptação de: <http://www.guiadacarreira.com.br/artigos>. Acesso em: 22 jan.2011.

4-Método científico

Todas as ciências caracterizam-se pela utilização de métodos científicos; em contrapartida,


nem todos os ramos de estudo empregam estes métodos são ciências. Dessas afirmações podemos
concluir que a utilização de métodos científicos não é da alçada exclusiva da ciência, mas não há
ciência sem o emprego de métodos científicos.
Assim sendo, o método é o conjunto das atividades sistemáticas e racionais que, com maior
segurança e economia, permite alcançar o objetivo-conhecimento válidos e verdadeiros, traçando o
caminho a ser seguido, detectando erros e auxiliando as decisões do cientista.

Desenvolvimento histórico do Método

A preocupação em descobrir e, portanto, explicar a natureza vem desde os primórdios da


humanidade, quando as principais questões referiam-se às forças da natureza, a cuja mercê viviam os
homens, e à morte. O conhecimento mítico voltou-se à explicação desses fenômenos, atribuindo-os a
entidades de caráter sobrenatural. A verdade era impregnada de noções supra-humanas e a explicação
fundamentava-se em motivações humanas, atribuídas a “forças” e potências sobrenaturais.
À medida que o conhecimento religioso se voltou, também, para a explicação dos fenômenos
da natureza e do caráter transcendental da morte, como fundamento de suas concepções, a verdade
revestiu-se de caráter dogmático, baseada em revelações da divindade. É a tentativa de explicar os
acontecimentos através de causas primeiras- os deuses-, sendo o acesso dos homens ao conhecimento
derivado da inspiração divina. O caráter sagrado das leis, da verdade, do conhecimento, como
explicações sobre o homem e o universo, determina uma aceitação sem crítica dos mesmos,
deslocando o foco das atenções para a explicação da natureza da divindade.
O conhecimento filosófico, por seu lado, volta-se para a investigação racional na tentativa de
captar a essência imutável do real, através da compreensão da forma e das leis da natureza.
O senso comum, aliado à explicação religiosa e ao conhecimento filosófico, orientou as
preocupações do homem com o universo. Somente no século XVI é que se iniciou uma linha de
pensamento que propunha encontrar um conhecimento embasado em maiores garantias, na procura do
real. Não se buscam mais as causas absolutas ou a natureza íntima das coisas; ao contrário, preocupa-
se compreender as relações entre elas, assim como a explicação dos acontecimentos, através da
observação científica aliada ao raciocínio.
Com o passar do tempo, muitas modificações foram feitas nos métodos existentes, inclusive
surgiram outros novos. Para Bunge, (1980, p.25), “o método científico é a teoria da investigação”.
Esta alcança seus objetivos, de forma científica, quando cumpre ou se propõe a cumprir as seguintes
etapas:

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a) descobrimento do problema ou lacuna num conjunto de conhecimentos. Se o problema não
estiver enunciado com clareza, passa-se à etapa seguinte; se o estiver, passa-se à subsequente;
b) colocação precisa do problema, ou ainda a recolocação de um velho problema, à luz de novos
conhecimentos (empíricos ou teóricos, substantivos ou metodológicos);
c) procura de conhecimentos ou instrumentos relevantes ao problema (por exemplo, dados
empíricos, teorias, aparelhos de mediação, técnicas de cálculo ou de mediação). Ou seja, exame do
conhecido para tentar resolver o problema;
d) tentativa de solução do problema com auxílio dos meios identificados. Se a tentativa resultar
inútil, passa-se para a etapa seguinte; em caso contrário, à subsequente;
e) invenção de novas ideias (hipóteses, teorias ou técnicas) ou produção de novos dados empíricos
que prometam resolver o problema;
f) obtenção de uma solução (exata ou aproximada) do problema com auxílio do instrumental
conceitual ou empírico disponível;
g) investigação das consequências da solução obtida. Em se tratando de uma teoria, é a busca de
prognósticos que possam ser feitos com seu auxílio. Em se tratando de novos dados, é o exame das
consequências que possam ter para as teorias relevantes;
h) prova (comprovação) da solução: confronto da solução com a totalidade das teorias e da
informação empírica pertinente. Se o resultado é satisfatório, a pesquisa é dada como concluída, até
novo aviso. Do contrário, passa-se para a etapa seguinte;
i) correção das hipóteses, teorias, procedimentos ou dados empregados na obtenção da solução
incorreta. Esse é, naturalmente, o começo da um novo ciclo de investigação" (BUNGE, 1980, p.25).

Fonte: MARCONI, M. A.; LAKATOS, E.M. Fundamentos da metodologia científica. 5. ed. São
Paulo: Atlas, 2003.p.83-85.

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