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Rio de Janeiro
2012
Jonatas Lima Valle
Rio de Janeiro
2012
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/ BIBLIOTECA CCS/A
CDU 36
Autorizo apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta Dissertação, desde que
citada a fonte.
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Assinatura Data
Jonatas Lima Valle
Rio de Janeiro
2012
AGRADECIMENTOS 1
Certa vez, minha amiga Juana me pediu que lesse um trecho de sua dissertação para
lhe dizer o que eu pensava a respeito. Talvez ela esperasse apenas elogios, mas, chato que sou,
tentei implicar ao máximo com o que lia. Uma das bobeiras que indiquei transmitiu-se numa
fala mais ou menos assim: “Juana, se é só você que está escrevendo, porque você se refere
sempre na primeira pessoal do plural?”. Nem lembro o que ela respondeu, no entanto, antes
de começar a escrever a dissertação, quando pensava na importância dos “agradecimentos”,
me dei conta de como cada pessoa que se relacionou comigo me proporcionou experiências e
sensações que, apesar de serem indescritíveis em sua plenitude, são suficientemente capazes
de, ainda que sutilmente, revolucionar meu destino, a cada contato. Sei que pode parecer um
pouco “dramático”, mas essa linha de pensamento me fez chegar à conclusão de que cada
relação que construí pode ter sido responsável por imensuráveis impactos em minha
dissertação. Nesse sentido, gostaria de dizer que, toda vez em que, durante a dissertação, me
referir na 1ª pessoa do plural, estarei homenageando também àqueles que, em minha opinião,
foram responsáveis por experiências capazes de auxiliar a construção dessa dissertação. Isso
pode ter ocorrido por meio de ensinamentos dos temas teóricos discutidos, da discussão de
aspectos da vida cotidiana ou, simplesmente, por meios que me proporcionaram sensações
“terapêuticas” indispensáveis para que eu chegasse ao fim desse tortuoso e complexo
processo, tais como força, descontração, carinho, serenidade e esperança. Essa tarefa, apesar
de ser a mais gostosa de toda dissertação, foi também uma das mais difíceis e vulneráveis à
injustiça. Primeiro porque certamente esquecerei alguns sujeitos também decisivos nesse
processo (como lembrei tarde demais, por exemplo, do Rodrigo Lima, da Edna Donzelli, da
Talita Arrabal, da Thatiana Gomes e da Ana Paula Prado nos agradecimentos do TCC) e,
segundo, porque o ato de fazer considerações a respeito dos “destacados” estará
necessariamente fadado à insuficiência diante do brilhantismo dessas pessoas e de suas
respectivas contribuições em minha trajetória pessoal e acadêmica.
Primeiramente, gostaria de insistir no auto-vulnerabilizante “agradecimento a Deus”.
1
Diferentemente do que fiz nas outras seções desta dissertação e em decorrência do “tom” pessoal e informal que proponho
para esta parte do trabalho, não utilizarei a 1ª pessoa do plural como referência a mim.
Tratando-se de um ser invisível, intocável e que não ouvimos, cabe-me, ao contrário dos
demais agradecidos, lançar algumas notas defensivas. Minha noção de Deus está ligada a
alguns aprendizados a respeito do “Deus” cristão - ainda que essas noções não pareçam
coincidir com aquelas ensinadas por grande parte das igrejas cristãs que tive contato. Refiro-
me aqui, basicamente ao fato de que compreendo que as atitudes dos homens não são
controladas nem por Deus, nem pelo Diabo, mas apenas inspiradas por meio de
ensinamentos – e, no meu entender, por sensações. Por isso, não pretendo atribuir a Deus a
autoria dessa dissertação, até porque não lhe culparia caso não concluísse a mesma. Gostaria
apenas de agradecer pelos ensinamentos que a passagem de Jesus na terra me deixaram e pela
sensação de amparo e inspiração que, a menos para mim, parecem tão mágicas e inexplicáveis
quanto à fé em alguém que não vejo, não toco, não escuto, mas sinto.
Também gostaria de agradecer minha mãe e meu pai. Seria clichê eu dizer que se não
fosse por eles provavelmente nem teria condições de chegar a uma Universidade pública, num
país em que essa oportunidade é um privilégio para poucos? Talvez sim, mas é verdade. E
verdades precisam ser ditas. Eles são absolutamente responsáveis por verdadeiros altruísmos,
até heroísmos, me amando, muitas vezes, mais do que a eles próprios. Pessoas cujas provas de
amor por mim não se explicam nem se justificam e, se expressam em dívidas que,
provavelmente, jamais terei a honra de pagar. Grande parte dessas dívidas, nem me lembro: os
transtornos ainda na barriga de minha mãe, os choros de madrugadas, as fraldas a serem
trocadas, as noites que tiveram que deixar de sair para cuidar de mim, o dinheiro “investido”
em brinquedos para mim que poderiam ter sido revertidos para eles mesmos, o suor dos
trabalhadores por mim, seja no emprego fora ou dentro de casa etc. História de carinho que
hoje segue com a mesma prontidão de sempre a cada esboço de solicitação minha. Nessa raiz,
também gostaria de agradecer minha irmã (“Martinha”), que quando conheci tentei rejeitar,
acusando-a de querer me passar “carequice”, ou “sabotar” sua existência – cobrindo seu rosto
com pomada – etc. Mas não teve jeito, acabei tendo que amá-la também, afinal, desde sempre
suportou, numa proximidade indesejável, todos meus defeitos. Dentre todas suas qualidades,
nesse período de mestrado, gostaria de destacar sua solidariedade e prontidão. Jamais
esquecerei, por exemplo, das folgas dela de trabalho em que ela abdicou de seu notebook,
para que eu pudesse “adiantar” minha dissertação nos momentos vagos do plantão e da
“cirúrgica” salvação do meu pen-drive.
Antes de agradecer a essa pessoa, gostaria de pedir que quem não se chamar “Kelly
Cortes de Oliveira”, não leia esse parágrafo, pois, seguindo a linha de pensamento de
Fernando Pessoa, que dizia que “as cartas de amor, se há amor, têm de ser ridículas”, penso
que precisarei ser ridículo para escrever um “agradecimento” sincero à minha namorada. Meu
pai sempre me disse: “a mulher que você escolher não poderá ser só sua esposa, ela também
precisará ser sua companheira, tem que te apoiar e brigar junto contigo”. De fato, sempre que
me lembro disso, consigo ter ainda mais certeza de que estou com a pessoa certa. Talvez não
bastariam o apoio mimador e admirador – que tanto me forneceram conforto e energia -, nem
as críticas – que me irritavam tanto que me forçavam a melhorar para não ouvi-las novamente
-, se ela não tivesse ido além do “falar”, prontificando-se a tarefas chatíssimas como fazer,
consertar e colar os gráficos no Excel, corrigir trechos da minha péssima escrita etc. “Enfim”,
gostaria de agradecer ao meu “amorzinho” por todo amor e todas provas de amor que por
inúmeras vezes, foram “magicamente” capazes de me resgatar de momentos duros impostos
pela realidade quando precisei.
“Você gosta mesmo de mim, se arriscando a me perder assim, ao me explicar o que eu
não quero ouvir”. Sempre me lembrei dessa canção da Legião Urbana quando Valéria se via
obrigada a fazer alguma de suas francas críticas referentes ao trajeto do meu estudo. Receber
críticas nunca é agradável, mas, talvez também pela experiência que tive em Ouvidoria, soube
reconhecer a importância fertilizadora delas, sem me sentir agredido (como por diversas vezes
parecia que Valéria temia) e assim chegar a esse momento agradecendo de coração à minha
orientadora. Por isso também, acredito que Valéria cumpriu esse papel num sentido de
profundo comprometimento, não apenas orientando de maneira perspicaz e inteligente, mas
também levando em conta algumas das minhas múltiplas resistências, inseguranças e limites
que permearam minha relação com meu objeto. Esses e outros fatores se somaram à amizade
e solidariedade da mesma que, ao lado da querida Cleier Marconsin, me deram muita força no
começo do mestrado, quando sem bolsa de estudos e sem trabalho, transcrevia entrevistas da
pesquisas delas em troco do dinheiro que, suprimiria os gastos com passagens e xerox do
curso (e, obviamente, cerveja). Esse agradecimento se estende à sua mãe, à sua filha Lorena e
logicamente ao meu camarada Roberto (seu marido), que, além de sempre se mostrar disposto
a bater um bom papo pelo telefone, teve a solidariedade de se mostrar preocupado com meu
processo de conclusão dessa dissertação e com as minhas “bermudas”.
Também gostaria de agradecer aos integrantes de minha banca. Inicialmente, agradeço
à Maria Thereza Menezes por sua solidariedade indescritível. Afinal, além de sua rara perícia
em provocar minha reflexão, seja nas quatro disciplinas que fiz com ela ou nos muitos
momentos fora de sala de aula, não posso deixar de expor minha profunda gratidão.
Principalmente em relação às duas pacientes orientações que me concedeu (sem ter sido
avisada previamente) sobre a construção do pré-projeto a ser enviado ao processo seletivo do
mestrado e para a entrevista na segunda fase desse mesmo processo seletivo. Sua prontidão e
solidariedade, mesmo diante de uma rotina acadêmica em que “o professor não tem tempo
para nada”, me despertaram mais do que gratidão, mas também ensinamentos a respeito da
solidariedade que, em minha opinião, apenas se aprende em gestos. Agradeço também ao
Guilherme Silva de Almeida que, com a mesma postura solícita e interessada que conduziu as aulas que
tive com ele, também aceitou gentilmente nosso convite em participar da banca referente a essa
dissertação. Agradeço, por fim, à Larissa Dahmer, que de maneira muito rápida conquistou minha
admiração pela seriedade, disciplina, competência e técnica com que conduzia suas aulas e pesquisas na
academia. Particularmente, gostaria de agradecer às orientações que tive como seu monitor, que foram
rigorosamente enriquecedoras para que iniciasse, não apenas a vontade de ministrar disciplinas
academicamente, mas também me ajudaram metodologicamente a desenvolver pesquisas.
Também gostaria de ressaltar os professores com os quais tive aulas na Universidade
Estadual do Rio de Janeiro: Alba, Inês Bravo, Mônica Cesar, Rosângela, Ciavatta, Marilda,
Rose Serra, Guilherme, Behring, Mário Duyer, Valeria Forti, Vanda e Silene. E, as professoras
Rosimary Gonçalves e Eliana de Mendonça, que me ajudaram a acessar os entrevistados que
necessitava para o trabalho empírico, antes de mudar minha metodologia. Gostaria de destacar
também o professor Maurílio Matos, por sua incrível competência em articular simpatia e
seriedade, mostrando-se assim um dos professores mais acessíveis da Faculdade de Serviço
Social da UERJ. Além de suas considerações na banca de qualificação, gostaria de agradecer
também pela reunião posterior que me ajudou muito no amadurecimento da metodologia de
pesquisa empírica e por ter cedido alguns momentos de sua aula para que pudesse ter acesso à
turma de especialização selecionada para aplicação dos questionários. E, aos professores com
os quais tive aula na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ): José Paulo Netto,
Mauro Iasi, Carlos Montaño e Alejandra Pastorini. Gostaria de agradecer, ainda, a alguns
professores da Universidade Federal Fluminense, cujas marcas do conhecimento e da
admiração perpassaram inúmeras vezes essa dissertação, entre eles destaco: o professor Luiz
Marcos que, além das grandes aulas, me ensinou muito pelo exemplo de ser humano e amigo
que é e como orientador da pesquisa e extensão que tive no acampamento “Terra Prometida”
do MST cujas reflexões tiveram impactos muito relevantes, até mesmo a respeito da
militância. À Sônia Lúcio, pelo exemplo de garra e criticidade que conseguiu me passar. Ao
Rodrigo Lima que, com suas aulas maravilhosas, conseguiu me cativar ainda mais em relação
à profissão e que, hoje como amigo de pós-graduação (e facebook), continua a fazê-lo. Ao
Haroldo Abreu que, como orientador de graduação, me passou conhecimentos essenciais para
desenvolver meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) de acordo com meus interesses e
questionamentos, fazendo florescer em mim um sentimento de insatisfação que foi decisivo
para minha escolha pelo ingresso nesse mestrado. À professora Rita de Cássia que se mostrou
sempre solícita para facilitar o processo metodológico da minha pesquisa empírica. Além das
professoras Luciana Paula, Graça, Juan e Gleyce Figueiredo.
Quero destacar também, companheiros que tive o prazer de conhecer ou reviver nesses
tempos de mestrado. Thiago Sobral que foi fundamental nos estudos que me prepararam para
o ingresso no mestrado, pois conseguia me animar todos os dias do nosso grupo de estudos (o
“cafezinho”), que na verdade, era uma dupla de estudos, mas que envolvia, além de leitura,
tentativas de exposição para o outro, tentativas humilhantes de aprender inglês, invasão no
grupo de estudos da Vivi Mattos, Aline, Ivy Carvalho, Morena Marques etc. Daiane M. Rocha
que, assim como Sobral, é companheira de longos tempos da UFF e daquela chapa folclórica
do ENESS de 2008 em Londrina, e que me enche de orgulho pelo ser humano que é e pela
competência e potencial que possui. Sara Martins, que soube, mesmo diante da elegância
acadêmica da “prima rica” (UFRJ), manter o que chamamos de “essência UFF”, ou seja, ser
uma pessoa desbocada, falastrona, irreverente, espontânea, descontraída, engraçada, crítica,
apaixonada, boa de papo e, apesar de insuportavelmente chata, impossível de não querer
sempre por perto. Ivy Carvalho, que em contraste da Sara, é educada, simpática, agradável...
Enfim: um doce! Nem parece que está fazendo mestrado! Agradeço pelas conversas intensas e
maduras que tivemos na UFRJ, nos “Uni-vos” (nossos luais) ou pelos telefonemas que me
passaram confortos e conselhos muito valiosos. Além do Aldemar, “Kinha” Alves, Hugo
Parra, Juan, Cecilia, Carol Rodrigues, Rita, Monique Bier; às funcionárias Rosiléia, Andrezza
e Luana, e à turma de Especialização em Saúde da UERJ que colaborou decisivamente com
minha pesquisa e às colegas de graduação da UERJ: Carolina Nunes, Érika, Rita, Juliana e
Luciana da Conceição.
Aos antigos e permanentes amigos da UFF, que seguem me acolhendo com um ânimo
sincero toda vez que visito o campus do Gragoatá e, que venho mantendo contato constante
mesmo depois de quase 3 anos de minha formação. Esse carinho certamente me transmite
força, principalmente porque percebo o valor e a expectativa que eles depositam em mim toda
vez que perguntam sobre o mestrado e quando vou começar a dar aula lá. Sem querer ser
radical demais, citando aqueles que foram amigos imprescindíveis em minha graduação e que,
certamente não me esquecerei, gostaria de cometer a insensibilidade de citar, pelo menos,
aqueles que venho mantendo contato mais constante nesses anos de mestrado: Rodrigo Rios,
Jamille Borges, “Xis”, Josival Moura, Marcus, Monique, Lorena Morelli (e sua mãe),
Fernandinho Brasil Cascon, Bianca, Debora Bahia, Vinícius, Adriev, as Camilas, Taiane,
Nelsinho Coelho, Samira Heitor, Patricio, Mariana Cainelli, Aninha “Poodle”, Josie (apesar
de pegar meus livros sem pedir e não devolver), “Ceci”Almeida, Emilia de Fátima, Livinha
Ribeiro (“Pinguim”), Alissandra Iede, Iany Monteiro, Janiny Pereira, Mari Aquino, Paloma
Monteiro, Amanda Medeiros, Juliana Carino, “Déia”, Paloma Monteiro, Maria Elaine, Emilly
Marques, Felipe (da UFOP), “Léo-UNE”, Leonardo Fragoso, Juliana Chaves, Izadora,
Mariana Piedade, Lilian Duca, Rafaela, Thalita Monteiro, Nathalia Franca, além dos alunos
de quem fui monitor e que ainda se mostram grandes torcedores nessa minha caminhada.
Dentre esses amigos do tempo de graduação, tenho que destacar alguns que, além da
preciosa amizade, desempenharam reflexões que foram essenciais para a potencialização
desse estudo. Primeiramente, gostaria de destacar Juana Cunha da Costa, que com toda sua
paixão, delicadeza e sensibilidade, me provocou algumas das dúvidas mais instigantes e
polêmicas para iniciar e desenvolver meu TCC e que, depois de formada, ao se tornar a
grande referência de assistente social que tenho, se transformou numa espécie de “guia” a
quem fiz questão de consultar a respeito dos passos metodológicos mais importantes dessa
dissertação. Ingrid Adame Moreira que, com toda sua doçura, me tira de “monitor” até hoje,
sempre me concedendo a honra de opinar a respeito de algumas de suas decisões mais
importantes no Serviço Social e trazendo problematizações extremamente enriquecedoras
para meu estudo. Talita Arrabal, uma das preciosidades mais espontâneas, puras e aguerridas
que tive a sorte de conhecer e que, “para nossa alegria”, passou a se dedicar aos estudos sobre
o projeto ético-político e sobre a prática profissional, me passando opiniões valiosas e a
esperançosa sensação de que ainda discutiremos muito nesse destino confuso. Telma Regina
que, com sua maneira intensa, rebelde e carinhosa, sempre foi uma companheira fiel de
problematizações, lendo criticamente dezenas de páginas da minha dissertação para colocá-la
em teste comigo. Désirée Drumond que, ao mesclar uma das personalidades e potenciais que
mais admiro com a importância que dá as minhas opiniões, recorrendo a mim a respeito de
questões a respeito de seu estudo (tão diferentes dos meus), me inspirou/forçou a melhorar.
Felipe Gouveia (o “Robert”), que além das diversas problematizações a respeito do
“reformismo”, me ajudou a levar esse debate com suas ótimas indicações bibliográficas.
Poliana Santanna por conceder conversas valiosas a respeito de suas experiências de estágio,
residência e de TCC.
Gostaria ainda de agradecer alguns amigos externos ao Serviço Social, que seguem há
anos me dando força. Barata, agradeço pela amizade pura, bonita e divertida (e teimosa!), pois
a todo tempo soube me proporcionar a esperança, a segurança e a teimosia tão necessárias
para o difícil percurso que percorri nesse mestrado. À Bia Macri, por nunca me deixar beber
sozinho e sempre me fazer rir com suas pirraças. Pedro Henrique, meu afilhado e amigo que,
há mais de 15 anos (quanto tempo!), vêm tornando meus dias substancialmente mais leves e
engraçados com sua maneira despreocupada, alegre e debochada de encarar a vida. À amiga e
“irmã” Ana Cecília Caputi que, além do apoio de sempre e pelos bons papos, me ajudou nos
perrengues financeiros dos primeiros meses de mestrado me “emprestando” seu bilhete único
(me doando seu “vale-transporte”). Ana Carol... Em verdade ela que teria que me agradecer
por aguentar as asneiras que fala e suas doideiras; por exemplo: aparecer na minha casa sem
ser convidada e interromper meus estudos para me tirar como cobaia das suas aulas de
biologia no pré-vestibular. Luiza Vinhosa, não apenas pelas conversas e pela amizade tão
intensas que me proporcionou nesses anos, mas por toda ajuda direta que deu para o
desenvolvimento dessa dissertação, lendo e corrigindo partes da mesma. Maiara Goulart,
pelas conversas virtuais e pelo acolhimento inesquecível que nos garantiu em minha viagem à
Florianópolis. “Julik” Serra, pela companhia singularmente simpática e divertida que foi em
algumas idas às aulas da UERJ. “Lú” Castro, pela companhia extremamente atenciosa,
acolhedora, sensível, inteligente e disposta a ouvir minhas angústias em relação ao mestrado.
À minha ex-terapeuta Amanda Pinho, que foi absolutamente decisiva no período em que
pretendia fazer a prova do mestrado, mas particularmente na sessão que precedeu a entrevista
com a banca, onde conseguiu me proporcionar a confiança e tranquilidade que precisava. À
Valéria Calvo, por se esforçar em me auxiliar a fazer correções de português dentro dos
prazos implorados. À “tia” Beth, não apenas por ajudar a moldar essa pérola de namorada que
tenho, mas também pelos maravilhosos cremes de milho e pelas companhias para tomar
vinho. Também gostaria de agradecer Ana Paula Prado, “Leco”, Lívia Cortes, Jardel, Lívia
Bekendorf, Guto, Fernando, “Julynhah”, Natalia Azevedo, Fred, Wagner, Orfeu, “Zé”, Aissa,
João Luiz, Chris, Paula, Zé, “Rondinha”, Paulo, Amanda e “JV”.
Preciso agradecer ainda os companheiros de trabalho do Ary Parreiras que tornaram
esse percurso tão agradável e pedagógico. Sobre eles, gostaria de iniciar com Sarah Cristina,
que conheci desde o primeiro trote na graduação e, desde então sempre tive a felicidade de
estar em contato, seja nos corredores e palestras da UFF, estágio no CRAS Cubango,
corredores do mestrado da UERJ, aniversários etc. Por essa longa e intensa trajetória de
amizade, me mostro profundamente grato, feliz e orgulhoso de permanecer em contato nesses
dois anos de plantão sério das sextas-feiras no “Aryzão”. À Aline Bergmann, mas só por
causa das caronas! Mentira, até que foram muito boas as “terapias” que tive com ela no trajeto
de carro ao trabalho, onde eu tentava desabafar para uma psicóloga a respeito da minha
dissertação e ela, como psicóloga exemplar que é, me interrompia para falar como ela está
traumatizada pela época em que fez mestrado (espero que ela me pague pelas consultas). À
Roberta que, mesmo roubando demais e inventando regras nas nossas rivalizadas partidas de
mímica, Uno, Sueca e adedanha, aprendi a aceitar. Afinal, o que esperar de uma torcedora do
Fluminense? Angélica, pelos conselhos maduros e serenos que ela sempre me deu em troca do
empréstimo do sofá da Ouvidoria, pelas correções de português e, principalmente, por
cumprir o papel de “cobaia” ao conceder uma entrevista para testar meu roteiro de entrevistas
programado pela pesquisa empírica desse mestrado. Thaís Lima, minha coordenadora
malvada que sempre suportou meus defeitos (principalmente em relação à dificuldade em ser
objetivo no livro de comunicação e ao lugar de colocar os papéis) e tornando o setor tão
agradável. Vera, pelo exemplo de personalidade e destreza com que lida com as situações de
dificuldade e com a leveza que trata os assuntos cotidianos. Silmar, pelo exemplo de seriedade
que desempenha a respeito de seu trabalho e por estar ao meu lado quase sempre que sofri
bullying nos plantões. Vivi Gonçalves, pela simpatia, espontaneidade, fofura e leveza que lhe
fizeram conquistar o posto de “drupa” dinâmica nos meus plantões, tornando-se uma pessoa
de confiança e companheirismo indispensáveis. Irene, principalmente pelos múltiplos e
aprofundados papos a respeito das complexidades dos nossos campos particulares de
intervenção profissional. Letycia, que mesmo prevendo no “Tarot” que eu teria mil filhos e
não concluiria meu mestrado, me apoiou nesse processo. Domênica, a “caozeira”, pela boa
companhia de “quaragem” e pelas dicas a respeito do campo da assistência. Horrana, somente
por me ceder o caneco mais charmoso do setor... Ou melhor: quero agradecer ao caneco da
vaquinha! Mariana, por aceitar os intrusos (como eu) em seu setor, com aquele sorriso gostoso
e simpático de sempre. Claudia, pelos cafés horríveis que me amargam as manhãs de plantão.
Sarah “lagartixinha”, que, na verdade, só me atrapalhou, pois, todo plantão vinha interromper
a construção da minha dissertação, dizendo cinicamente “Jonatas, termina logo essa
dissertação”, e emendava com alguns dos loucos assuntos que nunca chegamos a alguma
conclusão. Laura, por suas doideiras e pela companhia de “birita”. Isabel e Keyla (as mais
antipáticas da nutrição). Além de: Renata, Renatinha, Ayrelle, Patrícia, Chico, Marlon, Ana
Paula, Cléber, Lidiane e Breno.
Também gostaria de agradecer aos recém colegas de trabalho do Centro de Referência
da Assistência Social Engenho Pequeno. Em especial: Carla, Ermínia e Vanessa Lima.
Para fechar com “chave de ouro”, gostaria de agradecer à “turma mais bonita da
cidade”. Uma turma composta por pessoas tão especiais e com qualidades tão transbordantes
que foram capazes de impedir que eu enlouquecesse nesse período aparentemente infinito de
pouco mais de dois anos. Isso porque não são apenas pessoas que souberam transmitir
ensinamentos surpreendentes e variados por meio de conversas, ações, reações etc, mas
principalmente por me proporcionarem companhias valiosas absolutamente inesquecíveis. Foi
verdadeiramente uma honra caminhar com esses sujeitos. Marianne Alonso (para os fortes:
“Oslay”), pela companhia divertidíssima a cada engarrafamento na ponte, pelos momentos de
surtos, pelos momentos de auto-ajuda em dupla, pelos planos não materializados, pelas
formatações, pelas “pérolas”, pelas risadas gostosas, pelo cuidado quase maternal, pela
solidariedade; enfim, pela amizade irrestritamente confiável que me proporcionou (mas não
pense que me esqueci que você gritou comigo!). Vivi Mattos, agradeço pela paciência
aparentemente inesgotável que teve com meus desabafos, ideias e debates calorosos pelo
facebook e MSN, tendo opinado a respeito de quase todos pontos que tive dúvida nessa
dissertação, me apoiado em absolutamente todos momentos em que teve oportunidade e me
surpreendido pela radicalidade ética e democrática expressa em suas mínimas atitudes. Carol
Frade, minha querida mestra assistente social, pela seriedade e pelo empenho que tanto me
inspiraram, pelas manias “nerds”, discursos complexos e prolixos que tanto me divertiram
nesses tempos de UERJ. Morena Marques - que aprendi a admirar desde os tempos remotos
de ENESS – pela essência delicada, conciliadora e democrática que consegue imprimir em
seus atos, pelas conversas inteligentes, embasadas e esclarecedoras que teve comigo, pela
humildade e respeito que conseguiu imprimir diante de nossas diferenças e pela confiança que
sempre depositou em mim. Ao Guilherme Rezende, pela acolhida mimadora e confortante em
sua casa (nosso CA), pelos papos produtivos e improdutivos (a maioria) e pelo cuscuz mais
gostoso que já comi na minha vida. Maria Clara Assumpção, eu agradeço pelas implicâncias
que lhe fiz sofrer sem deixar de me retornar com muita amizade e paciência. Ao Roberto
Coelho pelas palestras que consegue dar a cada pergunta que fiz a respeito de qualquer
assunto (trabalho, música, caneta etc), todas elas certamente me ensinaram bastante. Lívia
Pequeno, pela forma bem-humorada e agradável que sempre dedicou sua atenção quando
requisitada. Aline Miranda, por ser referência de todo momento que senti vontade de
comentar ou rir de alguma coisa mas que, por uma questão de bom senso, não pude e, por me
dar o livro do Max Beer. Charles Marvio, pelos grandes aprendizados com suas intervenções
do tipo “você sabia?” e pelo jeito divertido de tratar a todos. Verônica Oliveira, por ser uma
das pessoas mais éticas, doces e agradáveis que já tive o prazer de conhecer, e por fornecer
importantes “pareceres” em grande parte das minhas indecisões no trajeto inicial da
dissertação. Matheus Thomás pela capacidade quase mágica de desmistificar os exageros que
muitas vezes são atribuídos aos problemas e pelas conversas sempre interessantes que traz
consigo. Além de Ewerton, “Chris”, Sirley, Dani Brandt e Ana Paula. E, obviamente,
agradeço à Nathy Figueiredo, pelas formas dramáticas de me conscientizar a respeito de como
tudo realmente pode dar errado, pelo afeto profundo e sincero, pelos monopólios nos
assuntos, pelas piadas, pelos divertimentos, pelos telefonemas sistemáticos (principalmente na
medida em que o prazo foi se acabando) e pela certeza de que ainda vou rir muito ao lado dela
nessa vida.
RESUMO
The aim of this study is to discuss issues pertinent to the limits and possibilities that
permeate professional practice of social workers committed to what is called, in a
professional, Project Ethical-Political Brazilian Social Service. What, in our understanding,
requires consideration of the impacts of professional intervention in relation to various
corporate projects. To conduct this study, we resumed discussions that we consider central to
think the intervention of a social worker, emphasizing the dilemmas and claims made in this
work, starting from the bourgeois interests that shaped the institutional design that brings
requests. We seek to think the present tension between this project and the Institutional
Ethical-Political Project said, considering the relations of opposition and "power", and
possible "negotiations" between both established because, well, we dive into this universe and
evaluate the concept of professional autonomy in search of relevant interventional
possibilities for realizing (albeit relative) Project Ethical-Political Brazilian Social Services.
To enrich this debate, we conducted an empirical research which used instrumentally to
questionnaires and interviews. The first aimed to contribute to the choice of professionals to
be interviewed and enrich some data analysis. The interview was conducted with social
workers who work in health care, state employees, in continuous formation process and
argued that commitment to that project Ethical-Political Professional.
INTRODUÇÃO...…..................................................................................................... 17
1 ELEMENTOS A RESPEITO DO PROJETO INSTITUCIONAL................... 22
intra institucionais.......................................................................................................
REFERENCIAS.......................................................................................................... 250
INTRODUÇÃO
2
É exatamente nesse sentido que surge a expressão “fardo institucional”, que está presente no título dessa dissertação. Desde
já, devemos sinalizar que o termo “fardo” é aqui referido como conjunto de constrangimentos que a condição de assalariado
irá impor ao assistente social. Porém, a repulsa em relação a essa condição não será compreendida nesse estudo como algo
que signifique o entendimento de que isso possa ser suprimido ou superado nos marcos do capitalismo. Não estamos
equivocadamente em defesa do exercício profissional desinstitucionalizado. Pelo contrário, trata-se de um fardo que deve ser
carregado, pois o assalariamento é para os assistentes sociais a mediação necessária para sua reprodução. Isso também não
nega ou elimina, porém, a existência e possibilidade de ampliação da autonomia relativa resguardada ao profissional - ponto
chave para essa reflexão.
3
O estudo que pretendo realizar, apesar de ter a prática profissional do assistente social como “menina dos olhos”, não irá se
ater ao nebuloso e polêmico debate em torno da categorização deste elemento como “trabalho” ou “práxis interativa”, por
entender que qualquer convicção relacionada a esses conceitos não interferirá nos resultados pretendidos. Nesse sentido, as
diferentes nomenclaturas utilizadas nessa dissertação para se referir ao cotidiano profissional não significará um
posicionamento particular acerca desse debate.
4
Esse Código de Ética profissional, datado de 1993, traz em si, elementos notavelmente progressistas, dentre eles o
compromisso pelo “reconhecimento da liberdade como valor ético central e das demandas políticas a ela inerentes –
autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais”, que inspira o título dessa dissertação.
18
reproduzia o status quo (cuja essência permanecia imersa perante os olhos da categoria), pôs-
se à tona, impondo, a partir de então, ao assistente social, um desafio ético, materializado nos
princípios inscritos no atual Código de Ética profissional, que apontou para uma ruptura com
a ordem vigente e, consequentemente, com o projeto político institucional que os subordina.
No entanto, como afirma Yolanda Guerra, se,
[...] a perspectiva de ruptura [...] coloca-se como um avanço do sentido de romper com os
paradigmas teórico-metodológicos da tradição positivista, o mesmo não ocorre com relação à
intervenção. Esta continua tendo, por um lado, a marca do pragmatismo e, por outro, do
reformismo conservador (2007a, p. 27).
Isso significa que, na atual conjuntura, a maturidade ética e política da categoria pouco
vem conseguindo se manifestar no campo de intervenção profissional, diante das contradições
que lhe são inerentes. Essa fragilidade vem desperdiçando possibilidades de colaborar na
construção de condições – objetivas e subjetivas – para que a classe trabalhadora possa
caminhar rumo à superação dessa ordem. Ela pode também contribuir para a vulnerabilização
da legitimidade da perspectiva marxista na profissão, e, consequentemente, de seu
significativo conjunto de avanços concretizados (principalmente no plano jurídico, literário, e
organizacional), que, embora consistente em seus discursos e formulações, passa a se tornar
mais frágil frente a ameaça do conservadorismo.
Apesar dessa questão já possuir certa visibilidade no cenário da literatura profissional,
devemos dizer que não foi diretamente dessa literatura que partiu nosso interesse em tomá-la
como objeto de estudo no mestrado. Essa escolha começou a ser “peneirada” no primeiro
período das aulas de supervisão de estágio quando, ainda na graduação da Escola de Serviço
Social da Universidade Federal Fluminense, pudemos perceber que a euforia em relação ao
conhecimento crítico adquirido pela graduação em processo passava a dar lugar a uma
profunda e coletiva decepção com a realidade do campo de intervenção profissional.
Notamos, em grandes companheiros de turma, uma decadente tendência à naturalização dessa
decepção que tendia a conduzi-los a discursos fatalistas, ou mesmo a perspectivas teórico-
metodológicas, consideradas por nós, de cunho conservador. Aterrorizados com a
possibilidade de caminharmos para o mesmo destino, esforçamo-nos a estranhar cada
manifestação que nos conduzisse à marcha desses companheiros de turma, até que, após a
conclusão da monografia5 – onde foi discutido o projeto ético-político profissional do Serviço
5
Essa monografia foi orientada por Haroldo Abreu e, a partir das considerações das discussões travadas na apresentação
pela banca – formada pelas professoras Gleyce Figueiredo e Maria Thereza de Menezes –, tornou-se um recurso fundamental
para a iniciativa dessa dissertação.
19
O que fazer na prática profissional para que suas tarefas – que serão realizadas de qualquer
maneira, ainda que certos indivíduos as recusem – não dificultem, antes favoreçam, um
projeto de sociedade nova? Que função cabe ao Serviço Social – o que conhecemos
atualmente – em face da aspiração das classes subalternas para construir uma realidade
qualitativamente mais profunda, mais humana, mais plena que esta situação capitalista? (1993,
p. 15-16).6
Dirijo-me aos assistentes sociais que buscam e desejam as possibilidades políticas na prática
profissional que a sociedade lhes atribuiu, que se angustiam por tornar este exercício
profissional um estímulo, e não um obstáculo, às lutas dos setores populares por uma nova
justiça social (1993, p. 16).
Para esses fins, a dissertação está organizada em três capítulos, onde a teoria marxista
será o recurso teórico fundamental para a construção do debate acerca dos elementos que
consideramos centrais na disputa entre o projeto ético-político profissional e o projeto
institucional das instituições estatais 7. No primeiro, buscamos resgatar discussões pertinentes
ao surgimento da profissão no cenário internacional, a fim de resgatar alguns elementos
centrais e gerais que ajudem a situar o papel do Serviço Social junto ao Estado burguês. Esse
esforço preza por desnudar aspectos relevantes a respeito da essência do projeto de
intervenção que a instituição requisitará aos assistentes sociais por ela contratados. Iniciamos
6
Essas questões me levaram – sob a orientação do professor Haroldo Abreu – a desenvolver meu Trabalho de Conclusão de
Curso (TCC) sobre os limites que o projeto institucional conservador impõem ao assistente social devido às contradições
inerentes aos espaços sócio-ocupacionais deste profissional.
7
Mesmo reconhecendo a significativa existência de assistentes sociais atuando em empresas e no chamado "Terceiro Setor"
por exemplo, nosso estudo foca na intervenção profissional no âmbito do Estado.Principalmente por ser o campo que contrata
mais assistentes sociais. Isso não indica que desconsideramos a utilidade das análises exploradas aqui para profissionais que
atuem em outros campos.
20
mas principalmente como profissional. Essa última experiência se baseia tanto na área da
saúde - na Ouvidoria do Instituto Estadual do Tórax Ary Parreiras -, quanto da assistência –
no Centro de Referência da Assistência Social do município de São Gonçalo. Consideramos
fundamental a concomitância entre essas experiências e o desenvolvimento desta dissertação,
não apenas por ter proporcionado uma aproximação com o campo da saúde pública (nosso
universo empírico do estudo), com os múltiplos e complexos interesses existentes nas
instituições contratantes e outros elementos, mas, principalmente, por potencializar o
conteúdo presente nas literaturas lidas e clarear os discursos proferidos pelas profissionais
pesquisadas.
Essas experiências profissionais, além de permitirem a confrontação com essa
realidade pesquisada, possuem ainda a qualidade de viabilização para a reprodução social.
Trata-se de uma qualidade que, cada vez mais, desafia grande parte dos trabalhadores, em
especial aqueles que atuam nas políticas sociais em tempos de neoliberalismo. Período em
que, apesar dos avanços formais, insistem em predominar a realidade de abandono dos
recursos institucionais e de vulnerabilização das formas de contratação – que faz com que a
inerente “contradição do assalariamento” na nossa sociedade seja potencializada. Esses
aspectos se somam a múltiplas questões que permeiam nossa cultura, como, por exemplo, o
clientelismo e o autoritarismo, que se aprofundam tomando ares cada vez mais explícitos e
avassaladores na medida em que o período das eleições municipais se aproxima.
Esse conjunto de desafios nos parece fundamentais para respeitar e compreender os
limites impostos pela realidade cotidiana do assistente social na maioria dos campos de
intervenção e, contraditoriamente, para captarmos a necessidade e possibilidades de sua
intervenção. O que, sem dúvida, toma uma importância ainda maior na medida em que nos
referimos a uma dissertação de marcante enfoque na dimensão política da prática profissional
e nas possibilidades de que sua efetivação seja funcional a um projeto de emancipação da
classe trabalhadora.
22
8
Os excedentes que a burguesia possuía durante o período revolucionário é fruto da acumulação originária do capital, que
ocorreu a partir da expansão mercantil na Idade Média e início da Idade Moderna. Esse processo foi ainda mais acelerado a
partir da Expansão Ultramarina, que possibilitou a “descoberta de ouro e prata da América, a extirpação, escravização e
sepultamento, nas minas, da população nativa, o início da conquista e saque das Índias Orientais”, além da “transformação da
África num campo para a caça comercial aos negros” (MARX apud HUBERMAN, 1984, p. 169).
9
Segundo uma estatística feita na Inglaterra em 1851: “apenas 2% da população economicamente ativa eram constituídos
de patrões; 3,7% de administradores e gerentes; 5,3% de artesãos, pequenos lojistas e pequenos produtores camponeses que
trabalhavam por conta própria ; 87% de assalariados permanentes e provisórios, sem posse de meios próprios de subsistência;
sendo os 2% restantes indeterminados” (ABREU, 1994, p. 4).
23
10
Tauile conceitua “divisão social do trabalho” como uma “divisão por comunidades (entre famílias, por exemplo) e por
gêneros completos de produtos (como a clássica divisão entre produtores de vinhos e produtores de tecidos), podendo ocorrer
em âmbito local, regional ou internacional” (2001, p. 63). Ela ganha novas características no contexto capitalista, no qual se
complexifica diante de cada contexto sob a direção burguesa. A burguesia busca hierarquizá-la e aperfeiçoá-la como meio de
despolitizar os trabalhadores e aumentar os lucros produtivos.
11
O “salário” é o dispositivo pelo qual o burguês consegue subordinar o trabalhador a essa modalidade exploratória de
produção, pois é por meio dele que o trabalhador consegue obter acesso às condições materiais mínimas para sua
sobrevivência. Por isso, “o emprego é encarado [pelo trabalhador] não como uma atividade, mas como um meio de se obter
uma parcela dos frutos da atividade produtiva” (SINGER, 1977, p. 99). Marx assinala que “esse elemento histórico ou social
que entra no valor do trabalho [salário], pode aumentar, diminuir, ou até mesmo, desaparecer completamente, de tal modo
que só subsista o limite físico” (apud ANTUNES, 2004, p. 116).
12
Marx aponta a mais-valia como “o fim imediato e o produto por excelência da produção capitalista” (2004b, p. 155).
24
13
Trata-se da mais-valia efetivada a partir da estratégia de aumentar a “produtividade do trabalho, mediante o emprego de
meios de produção eficazes que permitam reduzir o tempo de trabalho excedente da jornada de trabalho” (IAMAMOTO;
CARVALHO, 2008, p. 57).
14
Essa modalidade de extração de mais-valia é obtida através da extensão da jornada de trabalho ou da redução dos
salários.
15
Trata-se da força de trabalho, isto é, do “trabalho vivo”.
16
Dá-se o nome de “capital constante” aos meios de produção e às forças produtivas (técnica, máquinas), isto é, ao trabalho
morto.
17
Devemos destacar, porém, que tais avanços tecnológicos não servem à libertação universal do ser social em relação à
natureza. Pelo contrário, o emprego das novas máquinas, servindo à lógica de produção capitalista, é uma arma de
acumulação e exclusão que pode levar toda a classe trabalhadora à degradação humana. A “mais-valia relativa” possui um
caráter oculto, na medida em que cria a ilusão de que, com os investimentos em máquinas, o trabalhador passaria a gerar
menos valor. Na verdade, essa ideia é uma falácia, já que o que a máquina faz é potencializar a força de trabalho como
qualquer outro instrumento de trabalho. As novas máquinas são, portanto, incapazes de criar valor independentemente da
força de trabalho.
25
Segundo Karl Marx, mesmo que os sujeitos que compõem a massa desempregada não
tragam ganhos materiais imediatos à produção, indiretamente cumprem um importantíssimo
papel político disciplinador em relação àqueles que estão inseridos no mercado de trabalho.
Isso porque os primeiros atuam como uma “[...] alavanca da acumulação capitalista, até
mesmo uma condição de existência do modo de produção capitalista” (MARX, 1988, p. 91).
Quanto a isso, podemos observar em Iamamoto:
[...] durante as fases de expansão econômica, o exército industrial de reserva exerce uma
pressão sobre os trabalhadores ativos, nos momentos de superprodução e crise funciona como
um freio às suas exigências. Atua como uma pressão baixista dos salários e favorecedora da
subordinação do exército ativo às imposições do capital na sua fome insaciável de absorção de
trabalho não pago (2008, p. 60).
Nesse sentido, podemos afirmar que a estrutura que determina esse trágico impasse
acaba por utilizar parte da classe trabalhadora (a superpopulação relativa) como instrumento
de persuasão no processo de subalternização daqueles inseridos no mercado de trabalho.18
18
Apesar da determinação degradante e despolitizante que a “superpopulação relativa” exerce sobre os setores ativos da
classe trabalhadora, devemos ressaltar que as determinações não se constituem como fatalidades rígidas, inevitáveis,
inflexíveis e mecânicas; mas sim como forças pressionadoras. Ou seja, ainda que a tendência destes setores mais
26
Dessa forma, temos, basicamente, dois movimentos que favorecem o acúmulo de riqueza sob
o poder dos capitalistas (e, necessariamente, de pobreza entre a classe trabalhadora):
1) Cria-se uma multidão de sujeitos disponíveis para serem explorados, mas aos quais
as instituições burguesas não têm interesse de realizar o pagamento de salários regulares. O
resultado no plano material para esses sujeitos é uma condição de sobrevivência
extremamente precária.
2) Ameaçados pela pressão causada involuntariamente pelos trabalhadores inativos, os
trabalhadores ativos tornam-se mais vulneráveis ao desemprego, tendo em vista a diminuição
de seu poder de resistência política. O resultado concreto disso é um aumento da exploração
por parte de seus empregadores, através da redução dos salários19 e da deterioração das
condições de trabalho.
A partir dos entraves que limitam as proporções de riquezas produzidas nas mãos dos
trabalhadores (ativos ou inativos), o consumo tende a sofrer um decréscimo relativo, o que
significa, no plano mais amplo do mercado, uma queda relativa das vendas em relação à
crescente capacidade produtiva. Isto agrava a competição entre os capitalistas, o que tende a
gerar crises de superprodução, levando muitos deles à falência. Esta é seguida por fusões, o
que torna os capitalistas mais raros devido a uma progressiva concentração dos meios de
produção nas mãos de poucos. Os capitalistas que resistem no mercado se tornam cada vez
mais poderosos, pois concentram cada vez mais capital sob seu domínio. Isso lhes garante
uma riqueza ainda mais desproporcional em relação ao restante da população da sociedade
capitalista e melhores condições nas disputas pelas proporções da riqueza produzida
pela/contra a classe trabalhadora.
O resultado dessa tragédia sistêmica, ao contrário do que é discursado por aqueles que
advogam pelo capitalismo, é que “o antagonismo entre pobres e ricos, longe de dissolver-se
no bem-estar geral, aguçara-se” (ENGELS apud ABREU, 1994, p. 3), de maneira que, “do
ponto de vista da população trabalhadora, esse processo se expressa numa pauperização
crescente em relação ao crescimento do capital” (IAMAMOTO, 2008, p. 66). Assim, a
tendência, nesse modo de produção, é que a riqueza seja distribuída de maneira cada vez mais
pauperizados seja a despolitização, existe a possibilidade de que os sujeitos históricos encontrem maneiras para que esta
tendência seja anulada ou amenizada.
19
Lúcio Kowarick (1994), ao resgatar o surgimento e o processo de concretização do trabalho “livre” no Brasil, também
aponta para a importância dessa massa na arrancada da industrialização da cidade. Além disso, o autor destaca a relação entre
“a abundância da mão-de-obra” e o preço pago pelos proprietários pela força de trabalho.
27
desigual, ainda que essa distribuição possa ser brevemente desacelerada ou revertida. Nesse
processo, a riqueza é progressivamente transferida para a burguesia na mesma medida em que
a proporção de seus membros é cada vez menor na sociedade. Ao mesmo tempo, a classe
trabalhadora cresce e empobrece.20
Essa breve análise é suficiente para apontar que a acumulação da pobreza é
fundamentalmente determinada pela forma de acumulação da riqueza, que, no capitalismo, é
ancorada na apropriação privada de uma classe que precisa manipular uma forma peculiar de
produção socializada. Isso permite destacar que há, no capitalismo, uma particularidade em
relação às outras formas de sociabilidade que precederam o mesmo. Isso já é empiricamente
perceptível na “primeira onda industrializante iniciada na Inglaterra no último quartel do
século XVIII” (NETTO, 2007b, p. 153). Trata-se daquilo que José Paulo Netto destaca ao
afirmar que a dinâmica de pobreza e pauperismo, iniciada com o capitalismo, é “um
fenômeno novo”, visto que é “radicalmente nova a dinâmica da pobreza que então se
generalizava”, “precisamente porque ela se produzia pelas mesmas condições que
propiciavam os supostos, no plano imediato, da sua redução” 21 (NETTO, 2007b, p. 154), já
que “o pauperismo [já] não podia ser associado ao baixo desenvolvimento das forças
produtivas, nem à escassez da produção material de bens” (SANTOS; COSTA, 2011, p. 1).
Na medida em que o salto no padrão das forças produtivas representava um potencial
suficiente para a erradicação da pobreza, essa possibilidade foi efetivamente contrariada pela
racionalidade burguesa fatalmente assentada na progressiva degradação relativa das
condições empíricas de vida da classe trabalhadora em geral. Em suma: a expressão
social da estrutura econômica capitalista é a crescente desigualdade econômica entre
burgueses e trabalhadores.
Esse fenômeno empírico, resultante da natureza crescentemente desequilibrada da
distribuição de riqueza na sociedade capitalista, “ao atingir todo o cotidiano do operário,
transforma-o num cotidiano de sofrimento, de luta pela sobrevivência” (IAMAMOTO, 2008,
p. 66, grifos nossos. Esse sofrimento é captado por Haroldo Abreu quando descreve:
20
Isso explica a afirmação da mesma autora quando afirma: “a produção e reprodução da riqueza material [...] é
indissociável das relações sociais” (IAMAMOTO, 2008, p. 65), tamanha profundidade do nexo entre as condições de vida de
cada sujeito e sua posição econômica.
21
“Pela primeira vez na história registrada, a pobreza crescia na razão direta em que aumentava a capacidade social de
produzir riquezas” (NETTO, 2007b, p. 153).
28
Esses conflitos sociais e políticos, no entanto, são por si sós, em última análise, apenas o
produto do caráter economicamente insustentável do sistema capitalista e tiram justamente
dessa fonte seu agravamento crescente, na medida exata em que esse caráter insustentável
torna-se sensível (apud LUCÁKS, 2003, p. 126).
2012), ele apresenta também uma dimensão subjetiva.22 Trata-se daquilo que se apresenta a
nossos olhos como “rebeldia”, que pode ser explicada a partir do “cotidiano de sofrimento”
imposto aos trabalhadores a partir de sua inserção subalterna na sociedade capitalista.
Portanto, é possível afirmar que a dimensão subjetiva da “questão social” é consequência
direta de sua dimensão objetiva. 23 Nesse sentido, Marilda Iamamoto ressalta que a “questão
social” deve ser compreendida “em suas dimensões objetivas e subjetivas, isto é, em seus
determinantes estruturais e no nível da ação dos sujeitos” (2009a, p. 15), pois a “questão
social” “sendo desigualdade é também „rebeldia‟, por envolver sujeitos que vivenciam as
desigualdades e a ela resistem e se opõem” (2007a, p. 28).
Como já foi explicitado anteriormente, o trabalhador pode lidar de duas formas com
esse “cotidiano de sofrimento”: externalizar por meio da "rebeldia" (reagir) ou internalizar por
meio da subordinação passiva (consentir). No entanto, é necessário demarcar que existem,
por meio da “rebeldia”, diferentes percursos possíveis pelos quais o trabalhador pode
conduzir sua reação diante desse “cotidiano de sofrimento”. Apesar de se rebelar
(externalizar seu sofrimento no âmbito das relações sociais), o sujeito pode e, até mesmo,
tende a recorrer às mais variadas formas de reiteração dos determinantes da “questão social”.
Metaforicamente, pode-se dizer que, diante de seu sofrimento, o trabalhador que se rebela está
em um labirinto, onde a “rebeldia” que o leva a caminhar, por si só, não o liberta, pois a
maioria dos caminhos o conduz à mesma encruzilhada inicial: o sofrimento de origem
estrutural. Portanto, não basta andar, é preciso saber por onde andar; não basta a
“rebeldia”, é preciso que a ela seja articulada à consciência.
A necessidade de consciência em relação ao caminho a seguir envolve, previamente, a
necessidade de consciência em relação à sua respectiva situação atual e de seus determinantes.
É importante destacar que existe uma rede de entraves ao desenvolvimento da consciência,
sendo os primeiros deles relacionados ao próprio “lugar” a partir do qual os trabalhadores se
relacionam com o fenômeno em questão: o cotidiano empírico do trabalhador assalariado. Por
conta desse “lugar” de análise, ao não se conformarem com as condições às quais são
22
Apenas gostariamos de destacar que o fato de apresentar um caráter “subjetivo” não elimina os rebatimentos que tal
subjetividade apresentará no plano objetivo. Ou seja, adiantar que, baseado no método materialista-dialético de Marx, esse
estudo, ainda que se permita atentar às dimensões objetivas e subjetivas de alguns fenômenos sociais relevantes para esse
objeto de estudo, não se proporá a negar e/ou ignorar a intrínseca relação entre ambas as dimensões.
23
A vinculação entre essas duas dimensões da “questão social fica evidente nessa passagem de Stévan Meszáros:
“Juntamente com a diminuição constante do número dos magnatas do capital, que usurpam e monopolizam todas as
vantagens deste processo de transformação, cresce a massa da miséria , da opressão, da escravidão, da degeneração, da
exploração; mas, com isso, cresce também a revolta da classe trabalhadora, uma classe sempre crescente em número, e
disciplinada, unida e organizada pelo próprio mecanismo do processo de produção capitalista” (2004, p. 346).
30
24
Neste estudo, o termo “determinar” é concebido de maneira dialética em oposição ao sentido determinista que considera
as determinações de forma unilateral. Dessa forma, compreendemos a possibilidade de que o elemento determinado em
primeira instância produza também efeitos de segunda instância sobre o determinador motriz. Traduzindo essa lógica para o
caso estrutural, podemos dizer que, embora para Marx a estrutura econômica determine a política, a política pode determinar
uma transformação sobre o “econômico”. Os resultados dos processos sociais não podem, portanto, ser analisados
mecanicamente, já que dependem fundamentalmente dos sujeitos neles envolvidos.
31
25
“[...] a injustiça vivida como revolta é partilhada numa identidade grupal, o que possibilita a ação coletiva” (IASI, 2007,
p. 28).
26
Exemplo de bandeiras menos radicais, mas indispensáveis: aumento de salário, diminuição da carga horária de trabalho,
melhores condições de trabalho, saúde, educação, moradia etc. Esse tema será abordado com maiores detalhes e profundidade
no capítulo seguinte.
27
Ao chamar a atenção para esse potencial revolucionário, estamos nos referindo à possibilidade dessa dimensão subjetiva
da “questão social” se atrelar à consciência de classe para si, nos termos marxistas.
32
totalidade. 28 Dessa forma, suas lutas eram fadadas a mudanças superficiais, incapazes de
colocar em questão a estrutura econômica capitalista. No entanto a proliferação da “rebeldia”,
ainda que embrionária e frágil, trouxe consigo a proliferação de reformas 30 no âmbito da
distribuição econômica. Ou seja, essa forma de consciência, ainda que imatura, foi capaz de
gerar melhorias nas condições de vida dos setores organizados e, consequentemente, limitar,
parcialmente, a concentração de riqueza na esfera da distribuição.
Essas formas de “rebeldias” embrionária sofreram rapidamente repressões duríssimas
do Estado. Além disso, as manifestações de sofrimento mais isoladas e “despolitizadas” 29
eram abrandadas por práticas extremamente superficiais como a caridade e o paternalismo,
que se manifestavam sempre de maneira estigmatizante, culpabilizadora, espontânea e
isolada. Essas últimas estratégias, embora amenizassem a escassez material no cotidiano da
classe trabalhadora (dimensão objetiva da “questão social”), eram suficientes para manter a
ordem.30
As estratégias preventivas colocadas em prática pelos setores dominantes expressavam
um caráter ainda extremamente arcaico. Por um lado, devido às próprias limitações objetivas
da burguesia naquele período. Ela não possuía um volume excedente suficiente para conceder
uma parcela considerável de suas riquezas às grandes reivindicações da classe trabalhadora
sem comprometer os lucros necessários para a reprodução do capital. Por outro lado, porque
as formas de organizações e reivindicações da classe trabalhadora eram débeis, e, portanto,
não exigiam da burguesia estratégias de desmobilização mais sofisticadas.
Essa debilidade estava diretamente ligada ao estágio de consciência dos trabalhadores
daquele período, expresso pelo termo “consciência em si”. 31 O proletariado carecia de uma
consciência e organização de classe fundamentada na crítica revolucionária à ordem burguesa
28
Devemos indicar que a história do amadurecimento da luta dos trabalhadores é complexa, não-linear, recheada de
avanços e recuos, à mercê das conjunturas objetivas e da própria organização da classe capitalista. Isso indica que não
consideramos os estágios da consciência de classe de maneira gradual e irreversível na direção de uma radicalidade que
provoque, necessariamente, uma revolução.
29
Partimos do pressuposto de que toda prática social em uma sociedade classista gera impactos políticos sobre a realidade,
ainda que tais impactos não sejam captados, nem mesmo tenham feito parte anteriormente da teleologia do ator social. Desta
forma, o termo será utilizado entre aspas para enfatizar que gera impactos políticos, mas que vão contra a politização
necessária aos interesses da classe trabalhadora, ou seja, uma politização nos parâmetros burgueses.
30
Trata-se de uma premissa gramsciana, que parte do suposto de que um exército vence a guerra quando se prepara em
tempos de paz.
31
Esse estágio é bem explicitado por Gramsci no seguinte trecho: “Em sua primeira fase sindical, a luta econômica é
espontânea, ou seja, nasce inelutavelmente da própria situação em que se encontra o proletário do regime burguês, mas não é
em si mesma revolucionária, isto é, não leva necessariamente à derrubada do capitalismo” (2004, p. 293).
33
que lhes possibilitasse lutar não apenas pela distribuição menos desigual da riqueza, mas
também pela superação das condições que geram e reproduzem a apropriação privada da
riqueza socialmente produzida. Em outras palavras, eles ainda não possuíam meios para lutar
pela socialização dos meios de produção. Faltava-lhes a forma de consciência denominada por
Marx como “consciência de classe para si”. Essa condição permitiria mudar o eixo central da
luta dos efeitos para as causas, transformando a classe trabalhadora em um sujeito coletivo
revolucionário capaz de combater a essência da ordem vigente.
Os avanços dos trabalhadores, em termos da construção de uma consciência
emancipatória, ocorreram de tal maneira que já no período que vai:
Da primeira década até a metade do século XIX, [onde] seu protesto da classe trabalhadora]
tomou as mais diversas formas, da violência ludista à constituição das trade unions,
configurando uma ameaça real às instituições sociais existentes (NETTO, 2007, p. 154).
Por volta de 1840, o capitalismo liberal inglês ainda não possuía excedentes econômicos
disponíveis nem estratégias reformadoras da ordem socio-política que lhes permitissem
pactuar com os movimentos subalternos (ABREU, 1994, p. 12).
Politicamente, [a „questão social‟] passa a ser reconhecida como problema na medida em que
os trabalhadores empobrecidos, de forma organizada, oferecem resistência às más condições
de existência decorrentes de sua condição de trabalhadores para o capital (SANTOS; COSTA,
2011, p. 12).
O momento seguinte ao calor do ano de 1848 foi marcado por um breve recuo das lutas
populares, enfraquecidas não apenas pelas derrotas, mas também pelo período de
prosperidade do capital. No entanto, esse período de relativa paz entre classes dava sinais de
falência nos finais da década de 1860 e início da década de 1870, quando a burguesia assistiu,
aterrorizada, a uma crescente adesão à ideologia revolucionária no seio da classe trabalhadora.
Esse fato ameaçador, aprofundado e constantemente aguçado pela crise sistêmica de 1873,
requisitou da burguesia uma série de respostas consistentes, regulares e articuladas ao
potencial revolucionário que, dessa vez, portador de uma consciência de “classe para si” e
com maior experiência, consciência e articulação, se mostrava ainda mais importante. Diante
da consistente e consciente estratégia dos trabalhadores daquele período, ficou claro que as
fragmentadas e desarticuladas concessões materiais, medidas de controle social e formas
filantrópicas já não eram capazes de “despolitizar” o sofrimento da classe trabalhadora. Além
disso, medidas repressivas também não bastariam para recuar suficientemente a
externalização do “cotidiano de sofrimento”.
O que estava no cerne da questão era a “reprodução da hegemonia burguesa”, e por
isso podemos dizer que havia, naquele momento, um contexto de crise hegemônica provocada
36
32
Essa noção de crise hegemônica é inspirada em Gramsci, que discorre a respeito dessa questão da seguinte maneira:
“Fala-se de „crise de autoridade‟: e isso é precisamente a crise de hegemonia, ou crise de Estado em seu conjunto”
(GRAMSCI, 2007).
37
1.2 Alguns componentes a respeito das políticas sociais e sua conformação no projeto
institucional
O novo príncipe33 vive no seio do perigo, que dois receios o acompanham e devem
acompanhá-lo:‟objeto de um, são o interior de seus Estados e o proceder dos súditos;
objeto do outro, o exterior e os desígnios das potências circundantes‟ (2012, p. 36).
33
O termo “príncipe” para Maquiavel equivale aos poderosos de sua época, governantes de seus reinos. Porém, os
princípios, dilemas e propostas apontados pelo autor para esses governantes demonstram, em grande medida,
permanecerem utilitariamente contemporâneos para os dominadores de hoje.
34
A discussão feita por Maquiavel pode ser muito útil para pensarmos o capitalismo hoje, principalmente se
percebermos analogamente algumas semelhanças gerais entre o “príncipe” e o Estado capitalista e, entre os “súditos” e a
classe trabalhadora.
35
Gostaríamos apenas de assinalar que Gramsci e Maquiavel são autores separados não apenas por tempos distintos,
mas também por terminologias relativamente diferentes, portanto, a comparação entre ambos nesse momento não
pretende harmonizá-los mecanicamente, mas apenas demonstrar como ambos tratam basicamente da mesma questão
nesse momento. Tanto é que uma das referências mais constantes e relevantes nas obras do cárcere de Gramsci é
exatamente a de Maquiavel.
39
de cruel, desde que por ela mantenha seus súditos unidos e leais” (MAQUIAVEL, 2012). É
nessa mesma linha de análise que Gramsci aponta que
príncipe natural tem menores razões e menos necessidade de ofender: donde se conclui
dever ser mais amado e, se não se faz odiar por desbragados vícios, é lógico e natural
seja benquisto de todos (MAQUIAVEL, 2012, grifos nossos).
Um príncipe é necessário ter o povo como amigo, pois, de outro modo, não terá
possibilidades na adversidade (MAQUIAVEL, 2012, grifos nossos)
Dentre todas as coisas de que um príncipe se deve guardar está o ser desprezado e
odiado, e a liberalidade te conduz a uma e a outra dessas coisas. (MAQUIAVEL, 2012,
grifos nossos)
Cada príncipe deve desejar ser tido como piedoso e não como cruel (MAQUIAVEL,
2012, grifos nossos)
Um príncipe sábio, (…) deve apenas empenhar-se em fugir ao ódio, como foi dito.
(MAQUIAVEL, 2012, grifos nossos)
Que o príncipe pense [...] em fugir àquelas circunstâncias que possam torná-lo odioso
e desprezível; sempre que assim proceder, terá cumprido o que lhe compete e não
encontrará perigo algum nos outros defeitos. (MAQUIAVEL, 2012, grifos nossos).
Mas, a respeito dos súditos, quando os negócios externos não se agitam, deve-se temer
que conspirem secretamente, contra o que o príncipe se assegura firmemente fugindo
de ser odiado ou desprezado e mantendo o povo com ele satisfeito; isto é de
necessidade seja conseguido, como já acima se falou longamente. Um dos mais poderosos
remédios de que um príncipe pode dispor contra as conspirações é não ser odiado pela
maioria, (…) pois quem conspira não pode ser sozinho, nem pode ter por companheiros
senão aqueles que acredite estarem descontentes (MAQUIAVEL, 2012, grifos nossos).
Um príncipe deve dar pouca importância às conspirações se o povo lhe é benévolo; mas
quando este lhe seja adverso e o tenha em ódio, deve temer tudo e a todos. Os Estados
bem organizados e os príncipes hábeis têm com toda a diligência procurado não
desesperar os grandes e satisfazer o povo conservando-o contente, mesmo porque este
é um dos mais importantes assuntos de que um príncipe tenha de tratar
(MAQUIAVEL, 2012, grifos nossos).
40
36
Essa manipulação estará significativamente presente nas discussões a respeito da “ideologia” no livro “A ideologia
Alemã” de Marx e Engels.
37
Devemos assinalar que ele indicou alguns mecanismos capazes colaborar nesse sentido. Como por exemplo, quando
afirma que “Ademais, deve, nas épocas convenientes do ano, distrair o povo com festas e espetáculos. E, porque toda
cidade está dividida em corporações de artes ou grupos sociais, deve cuidar dessas corporações e desses grupos, reunir-se
com eles algumas vezes, dar de si prova de humanidade e munificência, mantendo sempre firme, não obstante, a
majestade de sua dignidade, eis que esta não deve faltar em coisa alguma” (MAQUIAVEL, 2012). É interessante notar
que, mesmo nesse exemplo simplório, o autor concebe não apenas um esforço prático por parte do príncipe, mas também
material, na medida em que essas “festas e espetáculos” podem significar investimentos econômicos por parte do
príncipe. Vale lembrar que, Maquiavel parece se inspirar decisivamente numa estratégia muito antiga proveniente do
Império romano conhecido como “A política do Pão e Circo”. Ocorre que, “na Roma antiga, a escravidão na zona rural fez
com que vários camponeses perdessem o emprego e migrassem. O crescimento urbano acabou gerando problemas sociais
e o imperador, com medo que a população se revoltasse com a falta de emprego e exigisse melhores condições de vida,
acabou criando a política “panem et circenses” , a política do pão e circo. Este método era muito simples: todos os dias
havia lutas de gladiadores nos estádios (o mais famoso foi o Coliseu) e durante os eventos eram distribuídos alimentos
(trigo, pão). O objetivo era alcançado, já que ao mesmo tempo em que a população se distraia e se alimentava também
esquecia os problemas e não pensava em rebelar-se. Foram feitas tantas festas para manter a população sob controle, que
o calendário romano chegou a ter 175 feriados por ano” (WITT, 2012).
41
de produção econômica.
Além dessa dimensão objetiva ressaltada até aqui, correspondente às melhorias nas
condições de vida que os serviços direcionados pelas reformas promovem nos setores
subalternos beneficiados por elas, devemos considerar ainda sua dimensão subjetiva. Ela se
expressa na medida em que os serviços prestados necessariamente produzirão uma série de
impactos nas maneiras de pensar e agir dos sujeitos envolvidos nesse processo. Aqui nos
interessa primordialmente o fato de que esses efeitos produzirão impactos políticos nesses
sujeitos, o que, no plano da totalidade, direta ou indiretamente, trarão impactos
(fortalecedores ou degradantes) no plano da hegemonia. Devemos estar cientes de que não
há uma relação mecânica entre o impacto objetivo e o impacto subjetivo. Ou seja, não
podemos dizer se esses serviços, automaticamente, amenizarão ou potencializarão a
“rebeldia” da classe trabalhadora. Podemos afirmar apenas que eles contribuirão (ainda que
de maneira extremamente sutil) para uma dessas alternativas.
Essas considerações não buscam indicar que esses impactos subjetivos são obra do
acaso, desenhado de maneira meramente espontânea. Isso porque uma série de
determinantes – sejam eles de caráter estratégicos ou acidentais – influenciará nesse
resultado. Dentre eles, o que será centralmente determinante, entre a positividade da
dimensão objetiva desses serviços e a qualidade que sua dimensão subjetiva tomará,
será uma luta submersa que pedagogicamente disputará a consciência dos sujeitos
envolvidos no processo de reforma. Trata-se neste sentido, de mais um dos campos em
que a luta de classes é passível de ocorrer mediante a disputa ideológica. Na medida em
que os serviços – enquanto conquistas da classe trabalhadora – são passíveis de disputas
ideológicas entre burgueses e trabalhadores, coloca-se uma relevante questão submersa: a
disputa entre projeto(s) conservador(es) e revolucionário(s) pela direção pedagógica
na tentativa de manipularem, em cada particularidade em que esses serviços são
exercidos, seu impacto subjetivo de acordo com seus respectivos horizontes
societários.38
É exatamente esse ponto que abre margem para que, no campo das possibilidades,
as demandas apresentadas pela classe trabalhadora (melhorias nas condições de vida) se
conjuguem com as demandas postas pela burguesia (reprodução hegemônica). Assim, na
38
Vale destacar que o projeto revolucionário é aquele conduzido por setores da classe trabalhadora em seu momento de
“catarse”, ou seja, quando expressam a qualidade de “consciência para si”, agindo ativamente no cenário político em prol
da emancipação de toda a classe por meio da tomada de poder.
43
Estes sacrifícios apontados por Gramsci passaram a ser apropriados como parte
essencial das estratégias burguesas de modernizar o princípio maquiavélico 39 de cortejar o
“amor” de seus súditos, ou em termos mais atualizados: de adquirir o consenso por parte da
classe trabalhadora. Tal estratégia consiste em que, diante da já factual e progressiva
derrota no que tange às reformas (em termos de sua dimensão objetiva), a burguesia
voltou-se para disputar aquilo que ainda não estava previamente direcionado no que
concerne às reformas: os impactos subjetivos provocados nos sujeitos beneficiados por
elas.
No entanto, para que pudesse realizar uma estratégia suficientemente vigorosa
capaz de fazer frente às ofensivas dos trabalhadores, a burguesia precisou articular-se de
maneira sólida. Isso a obrigou a encontrar um órgão central capaz de apurar os interesses
da burguesia. Frente às particulares necessidades de manutenção da hegemonia burguesa
durante o período de transição do capitalismo para sua fase monopolista, o único órgão
privilegiado e potencialmente capaz de cumprir as exigências de associação e intervenção
da burguesia era o Estado. Assim, foi sendo aprimorado paulatinamente, através de uma
série de iniciativas que o exacerbasse como agente “educador”. Isso complexificou
39
Fizemos questão de colocar o termo “maquiavélica” entre aspas a fim de demarcar nosso contraste em relação ao
sentido que esse termo passou a ganhar para o senso comum ou mesmo, para alguns setores vulgares da academia. Nesse
sentido, ao referenciar Maquiavel nesse momento, não estamos tentando tratar determinada postura como algo
adjetivista, mas sim a coincidência entre essa postura e o reconhecimento da necessidade de conquistar,
permanentemente, a hegemonia dos “súditos”, presente na obra de Maquiavel situada nessa dissertação.
44
menos indignas aos trabalhadores –, os serviços provocados por essas reformas, por si
próprios, não ameaçam a propriedade privada dos meios de produção, pois atuam
limitadamente no plano da distribuição relativa das riquezas socialmente produtivas, e não
no meio de produzir essas riquezas socialmente produzidas.
Dessa maneira, podemos dizer que, através do Estado, tais concessões burguesas
foram apropriadas como meio de negar e confundir a consciência de classe de grande parte
dos trabalhadores, limitando, assim, as possibilidades de fortalecimento da “contra-
hegemonia” e, consequentemente, fortalecendo a hegemonia burguesa.
Isso dá sentido às palavras de István Mészaros, quando afirma que
Um príncipe inteligente deve observar essa semelhança de proceder, nunca ficando ocioso
nos tempos de paz, mas sim, com habilidade, procurar formar cabedal para poder utilizá-
lo na adversidade (MAQUIAVEL, 2012).
40
Embora as crises econômicas não sejam o suficiente para derrubar o capitalismo, sua importância não deve ser
desprezada. Isso porque elas podem se configurar em elementos que contribuem para a eclosão de uma crise hegemônica,
fenômeno fundamental para o desencadeamento de um processo revolucionário.
47
[...] tais serviços não são mais do que uma forma transfigurada de parte do valor criado
pelas classes trabalhadoras, apropriado pelos capitalistas e pelo Estado, sob a forma de
trabalho excedente ou mais-valia [...], [que] ao assumirem esta forma, aparecem como
doação, como expressão da face humanitária do Estado ou da empresa privada, e não
como a devolução de um serviço já pago (2007b, p. 96).
Houve, naquele momento, uma melhoria efetiva das condições de vida dos trabalhadores
fora da fábrica, com acessos ao consumo e ao lazer que não existiam no período anterior,
bem como uma sensação de estabilidade no emprego, em contexto de pleno emprego
keynesiano diluindo a radicalidade das lutas e levando a crer na possibilidade de combinar
acumulação e certos níveis de desigualdade (2008, p. 89, grifos nossos).
A intervenção „não mercantil‟ do Estado contribuiu, com efeito, para a gestão da mão-de-
obra, para a criação e melhoramento dos recursos humanos, para a produtividade das
empresas, para o estímulo da demanda. Nestas condições, a intervenção „não
imediatamente mercantil‟ favorece contraditoriamente a economia do mercado em seu
conjunto (FALEIROS, 2007a, p. 47).41
A partir dessa linha de pensamento, podemos destacar que tais políticas “outorgam
um complemento ou substituto salarial por meio da dotação, direta ou indireta, de dinheiro
às populações carentes” (PASTORINI apud MONTAÑO, 2007, p. 85), funcionando como
um salário indireto aos trabalhadores que significam, do ponto de vista do capitalista, a
“diminuição dos custos de manutenção e reprodução da força de trabalho, socializando o
41
São exemplos dessas políticas voltadas para a “gestão da mão-de-obra, para a criação e melhoramento dos recursos
humanos, para a produtividade das empresas, para o estímulo da demanda” às chamadas “políticas de geração de renda”.
49
que antes era uma carga exclusiva do empregador” (PASTORINI apud MONTAÑO, 2007,
p. 85). Nesse mesmo processo, ao aumentar o poder de barganha da classe trabalhadora de
modo geral, as políticas sociais estimulam o consumo da população, e assim adiam e
amenizam esse importante fator desencadeador das crises econômicas do capital.
O Estado capitalista assume através desse mesmo conjunto de ações uma série de
„investimentos não rentáveis para o capital‟ [...] que demandem recursos que superem a
disponibilidade dos capitalistas, transforma os recursos públicos em meios de favorecer e
estimular o capital, cria a infraestrutura necessária para os investimentos e a circulação do
capital, estabelece facilidades jurídicas e, sobretudo, gere moeda e o crédito em favor da
acumulação de capital, e investe em, grandes empreendimentos, aplanando com tudo isso
a concorrência intercapitalista (FALEIROS, 2007a, p. 65).
A população que recebe esses „salários indiretos‟, ao ter garantidas certas necessidades
básicas pelo Estado, pode consumir outros produtos e serviços oferecidos pela empresa
privada; reverte-se assim o déficit de demanda efetiva, superando-se temporariamente a
crise de superprodução, ao consolidar um mercado de consumo em massa local.
Enfim, [...] o Estado intervém na regulação do ingresso de mercadorias externas, porém o
faz pretendendo desenvolver um mercado de consumo em massa local, destinando
parcelas do fundo público dirigidas ao financiamento das políticas sociais, assistenciais
ou previdenciárias, que, operando como verdadeiros ‘salários indiretos’ [...], permitem
reverter o déficit de demanda efetiva e a tendência ao subconsumo que, num contexto de
crise de superprodução, ameaçam o regime de acumulação então vigente (2010, p. 176,
grifos do autor).
42
Resguardadas as variações regionais e históricas.
43
Na tentativa de evitar o risco de tratar a questão da ampliação das políticas sociais de maneira unívoca, ou melhor,
levando em conta apenas as ofensivas políticas da classe trabalhadora, gostaria de salientar o fato de que a ampliação
dessas políticas “depende tanto do nível de socialização da política conquistado pelas classes trabalhadoras, como das
estratégias do capital na incorporação das necessidades do trabalho” (MOTA apud MARCONSIN, 2012, p. 182), assim
50
atingido um grau apelativo muito maior no período de Welfare State, ela seguirá
“cantando” como uma “sereia”, na tentativa de assediar a todo momento a esperança do
trabalhador em alternativas “dentro da ordem” – com maior ou menor intensidade.
No entanto, devemos destacar que a maior parte desses aspectos não são
empiricamente evidentes e, podemos dizer que, tanto seu processo de distorção quanto o de
exposição, possuem em si uma indispensável carga político-pedagógica referente à
dimensão subjetiva presente no processo de melhoria das condições de vida da classe
trabalhadora. Elas trazem, em si, os elementos decisivos para definir se essas políticas
sociais serão efetivamente funcionais ao projeto de emancipação dos trabalhadores ou se,
ao contrário, servirão como meios fundamentais à reprodução da hegemonia da classe
burguesa. Exatamente por isso, essa função é absolutamente decisiva para uma apropriação
estratégica por parte do pensamento marxista a respeito do debate.
Dessa forma, uma série de distorções a respeito dessas políticas sociais se espraiam
em meio às concepções de mundo que permeiam a classe trabalhadora de modo geral e, em
especial, àqueles setores usuários dessas políticas sociais. A primeira questão a esse
respeito que gostaríamos de destacar refere-se à crença na possibilidade de combinação
entre capitalismo e a elevação contínua nos padrões de vida da classe trabalhadora até que
se elimine a dimensão objetiva da “questão social”. Metaforicamente, podemos dizer que é
como alguém que pretenda secar uma pia sem antes fechar a torneira, ou seja: o erro de
tentar resolver os efeitos sem atacar as causas. Tal equívoco atinge significativamente não
apenas o senso comum da classe trabalhadora, mas também grande parte das análises
intelectuais que se propõem socialistas.
Trata-se do perigo que podemos correr no caso de levar em conta apenas os
efeitos positivos da dimensão objetiva das políticas sociais, empolgando-nos diante do
salto que vêm promovendo em termos de amenização da dimensão objetiva da
“questão social”. Isso induz a um esquecimento de funcionalidade reformista, tal análise
desatenta ao fato de que a redistribuição efetivada por essas políticas sociais “não reverte a
situação de desequilíbrio social, na medida em que [...] é feita sobre [...] uma pequeníssima
parcela” (PASTORINI apud MONTAÑO, 2007, p. 73) da totalidade dos recursos sociais
produzidos, já que não toca nos meios de produzir a riqueza.
Essa interpretação que unilateraliza a política social, buscando observar apenas essa
O redistributivismo vem à tona com a aposta na política social como via de solução da
desigualdade, desconsiderando a natureza do modo de produção capitalista, com sua
unidade indissolúvel entre a produção e reprodução sociais (2009, p. 21).
Assim, a ocupação de espaços no Estado, com pressão no âmbito da sociedade civil, por
uma vontade política redistributiva, humanista e democrática, pode [para eles]
universalizar o acesso aos direitos sociais, ampliando os padrões da cidadania (BEHRING,
2009, p. 24).
44
O fato de possuir violentos impactos conservadores não elimina o fato de se tratar de uma perspectiva
frequentemente adotada por fracões equivocadas da esquerda, na forma de ecletismo. O que foi destacado por Elaine
Behring, quando afirma: “algumas abordagens incorrem no seguinte paradoxo: recorrem a categorias da tradição marxista
e, ao mesmo tempo, trabalham sob o enfoque distributivista-keynesiano, o que remete a um verdadeiro ecletismo”
(BEHRING, 2009, p. 22).
45
O debate a respeito da social-democracia será feito com um pouco mais de profundidade no tópico 2.4.
52
No entanto, devemos destacar que apontar toda e qualquer política social (de
qualquer município do mundo em qualquer tempo) como instrumento fatalmente funcional
à emancipação ou à hegemonia burguesa seria de um simplismo mecanicista que não
pretendemos aderir. Pelo contrário, na medida em que é por meio das políticas sociais que
os serviços se configuram no cotidiano, recorro à linha de raciocínio que viemos seguindo
anteriormente para discutir o fenômeno das reformas. Nesse raciocínio, fizemos questão de
apontar que o processo de acesso aos serviços é permeado por impactos políticos que,
necessariamente, afetarão a concepção de mundo daqueles que os acessam. Destacamos,
também, que esses impactos políticos não são dados meramente ao acaso e que, dentre
outros determinantes na conformação dos impactos políticos dessas reformas, existem
interferências de fundo pedagógicas intencionadas a manipular esses impactos políticos de
acordo com os interesses de cada classe.
A política social, na medida em que surgiu como uma estratégia conservadora de
reprodução de sua hegemonia possui uma estrutura pedagógica voltada para esses fins.
Nesse sentido, o Estado burguês tenta cuidar para que a dimensão política das políticas
sociais cumpra em suas diversas oportunidades de materialização, uma função específica:
subalternizar os setores da classe trabalhadora beneficiados por seus serviços e, assim, no
campo da totalidade, contribuir para reproduzir sua hegemonia. Tal função configura-se
num projeto político amplo e minucioso.
Nele, pretende-se convencer o lado explorado de um suposto potencial “bem-
comum” entre antagônicos. Essa perspectiva, inspirada no funcionalismo, 46 busca
minimizar a existência de classes, tratando-as não como oponentes e antagônicas – como
percebe a perspectiva marxista –, mas como meras diferenças de função numa sociedade.
Para essa perspectiva, as diferenças entre burguês e trabalhador são dissolvidas numa
46
O funcionalismo é uma corrente sociológica marcada pela interpretação da sociedade como um grande órgão, onde,
nessa perspectiva, as partes determinam o todo. A crítica operada pela perspectiva marxista recai, principalmente, na
incapacidade da corrente funcionalista de articulação entre os diversos fenômenos existentes na sociedade e suas
respectivas tendências e determinações. Com isso, o funcionalismo se mostrou incapaz de garantir à ciência uma
interpretação radicalmente crítica em relação à realidade capitalista, promovendo limites em relação à possibilidade de
instrumentalizar uma transformação profunda da sociedade.
53
Se limitam ao problema em questão, com regras bem precisas, para que cada uma das partes
possa apresentar seus interesses imediatos, em vista de uma negociação e de uma
conciliação. O Estado força o consenso, força as partes a negociarem, e se necessário,
impõe uma „solução à força‟ para manter a forma mercantil global da sociedade (2007a, p.
51).
assim fossem, tomá-las como campos passíveis de estratégias seria inútil, já que de
qualquer forma significariam um passo atrás e um passo à frente. Trataria-se de uma forma
de fatalismo. Por isso, as políticas sociais serão aqui pensadas como campo de disputa de
classe, em que tanto podem servir como uma espécie de alquimia às avessas – que
transforma ouro bruto (“rebeldia” desorganizada) em chumbo – quanto podem servir de
“escola da vida”, na medida em que o trabalhador, percebendo-se como protagonista, parte
da conquista de tais políticas, possa seguir no processo de construção do sujeito
revolucionário.
Nesse sentido, tais instituições, aludidas na citação anterior por Faleiros, são
demandadas pelas necessidades de reprodução monopolistas que precedem a sua criação e,
exatamente por isso, são consideradas por Faleiros como “aparelhos da classe dominante
para desenvolver e consolidar o consenso social necessário à sua hegemonia e direção
sobre os processos sociais” (FALEIROS, 2007b, p. 31-32). Dessa forma, essas instituições
sociais, ao serem determinadas pelas necessidades de reprodução do capitalismo, são
eminentemente políticas.
Como “instrumentos de políticas sociais” (FALEIROS, 2007b, p. 34), visam
viabilizar em sua particularidade a necessidade, por parte do capital, de “despolitização” da
dimensão subjetiva da “questão social” – ou, nas palavras de Faleiros: “objetivam a
56
47
Esse projeto político da instituição, que passaremos a chamar nessa dissertação de projeto institucional, certamente
ganhará formatos com particularidades diferentes em cada instituição. No entanto, no decorrer deste estudo, nos
referiremos ao mesmo no singular, não na tentativa de ignorar essa particularidade, mas sim para enfatizar seu eixo
norteador: a função de contribuir para a reprodução/fortalecimento da hegemonia burguesa.
58
48
Essa convocação explicita também o fato de que “a demanda de sua atuação não deriva daqueles que são o alvo de
seus serviços profissionais – os trabalhadores – mas do patronato” (IAMAMOTO; CARVALHO, 2008, p. 83). Por esse
motivo, o assistente social passa a ser estranho aos próprios trabalhadores,, já que não percebem esse profissional como
parte do resultado de sua própria luta. Muitas vezes, inclusive, chegam a vê-lo como uma espécie de filantropo
especializado, além de outras impressões distorcidas que encobrem suas determinações e implicações no âmbito da luta
de classe.
59
49
Essa questão da autonomia será tratada com o necessário cuidado no capítulo posterior. Isso não será tratado nesse
capítulo, na medida em que ainda estamos nos dedicando à configuração do projeto que a instituição espera que o
assistente social atenda.
50
Essa questão será aprofundada no tópico 2.3 dessa dissertação.
60
O assistente social é um profissional qualificado que, numa mesma ação, articula duas
dimensões numa só unidade complexa:
Essas duas dimensões são elementos que podemos nos referir como inerentes à
61
prática desse profissional51. Como podemos perceber, uma possui um caráter claramente
subjetivo (a dimensão pedagógica), outra um caráter objetivo (a dimensão assistencial). 52 A
partir dessa distinção, Diego Palma, chama nossa atenção para o fato de que
[...] há que distinguir entre os efeitos objetivos de determinada ação (o impacto que
provoca na estrutura das relações sociais) e os seus efeitos subjetivos (aqueles que tocam
aos atores sociais que se referem à ação) (1993, p. 172, grifos nossos).
A intensidade do impacto nas condições de vida dos usuários não dependerá apenas
do arsenal de recursos instrumentais, fornecido pela rede assistencial citada anteriormente,
já que a viabilização dos serviços mediados pelas instituições provedoras de políticas
sociais não se efetiva automaticamente. A efetivação desses serviços depende de sujeitos
capazes de colocar tais recursos em movimento. É no amparo para a viabilização dessa
mediação que as instituições necessitam da função assistencial, responsável por mobilizar
esse arsenal de recursos instrumentais para efetivar os serviços. Isso indica a necessidade
de um conhecimento profissional específico a respeito do arsenal de instrumentais, os
limites e possibilidades expressos em políticas, normas, direitos, entre outros. Enfim, de
um determinado embasamento técnico-operativo e teórico-metodológico mais amplo do
profissional para lidar com as requisições impostas aos profissionais.
Essa dimensão explicita-se no uso, por parte do profissional, de recursos
circunscritos não apenas aos limites de sua instituição, mas também em toda rede
assistencial disponível, responsabilizando-se pela viabilização de serviços capazes de
atender a determinadas necessidades materiais da classe trabalhadora. Trata-se de
expressões diretas das lutas passadas dos trabalhadores e da potencialidade de luta presente
nos trabalhadores de seu tempo. É relevante ressaltar ainda que. seus efeitos se voltam para
um impacto que visa à amenização da dimensão objetiva da “questão social” no cotidiano
desses trabalhadores – momentaneamente reduzidos a “usuários” – que recorrem à
instituição. Ou seja, que amenizem ou desacelerem a “nova dinâmica de pobreza” imposta
aos trabalhadores-usuários. Nesse sentido, a dimensão objetiva da intervenção desse
51
Apenas para efeitos didáticos, trataremos o debate dessas duas funções separadamente. Isso significa que não
concebemos a possibilidade de existência de que uma ação profissional cujos impactos apresentem somente uma
dimensão subjetiva ou vice-versa. Ambas dimensões, no plano da realidade, só existem em articulação – como o leitor
perceberá mais a frente.
52
É interessante notar que esse caráter objetivo torna a dimensão assistencial da prática profissional muito mais visível
aos profissionais e, principalmente, aos sujeitos que não possuem embasamento profundo sobre a prática profissional.
Essa característica parece se expressar nas variadas demandas encaminhadas ao Serviço Social.
62
Esse tipo de prática faz do Assistente Social um „profissional da Assistência‟, já que ele
opera com recursos institucionais para a prestação de serviços, racionalizando e
administrando sua distribuição, controlando o acesso ao uso desses serviços pela
„clientela‟. Ele intermedeia as relações entre instituição e „clientela‟, articula a população
aos órgãos em que trabalha. A prestação de serviços imediatos em que interfere o
Assistente Social contribui para que sejam atendidas as necessidades básicas e urgentes de
sobrevivência das classes trabalhadoras, especialmente de seus segmentos mais
pauperizados, contribuindo com sua reprodução material (IAMAMOTO, 2007b, p. 40-
41).
[…] opera uma transubstanciação ideológica que visa apresentar como natural e universal
a ordem atual de dominação […] com objetivo, num primeiro momento, de conjurar as
ameaças decorrentes do movimento de organização nascente da classe operária – e, num
segundo momento, de tornar impossível qualquer questionamento direto da ordem
estabelecida, estendendo a dominação a todas as esferas da vida dos dominados
(VERDÉS-LEROUX, 1986, p. 45).
[…] aciona, mais ou menos sistematicamente, um mecanismo de duplo efeito que produz,
exteriormente, uma estigmatização visível (tutela, medidas de assistência educativa...) e a
invalidação do sujeito, que interioriza sua desqualificação (VERDÉS-LEROUX, 1986, p.
204).
Em consequência disso,
Essa população sente-se desvalorizada a seus próprios olhos e pode ser levada a
modificar-se sob os efeitos das intervenções de que é alvo. […] As diferenciações reais
existentes no interior da classe operária são, assim, reforçadas e aguçadas pela ação social.
Seu sentido, inclusive, é modificado e as diferenças são transformadas em oposição, em
divisão. Com isso torna-se impossível a solidariedade dos que, com grandes dificuldades,
alcançaram algumas vantagens e certa estabilidade (VERDÉS-LEROUX, 1986, p. 205).
Até mesmo quando os setores populares são beneficiários passivos, quando o paternalismo
da instituição monopoliza a decisão e a execução da solução, transmite-se nesta relação uma
clara educação social cujo conteúdo está condicionado pela forma que a própria relação
assume (PALMA, 1993, p. 167).
[...] o Serviço Social deve ser considerado como uma prática político-ideológica,
inserida indiretamente no processo produtivo, através de prestação de serviços numa
ação educativa (SILVA, 2009, p. 207, grifos nossos).
Por isso, para Palma, apesar da dimensão assistencial ser indispensável em relação
à segunda, “não se pode procurar a compreensão dessa profissão como se a sua „essência‟
[...] fosse a assistência” (1993, p. 164). Isso indica que “a natureza da atuação profissional,
sob a aparência tecnificada, é de cunho mais político ideológico do que propriamente
econômico, e é eficaz entre a „clientela‟, principalmente nessa esfera” (IAMAMOTO,
2007b, p. 43). O status de “essência” dado à função pedagógica é contemplado de maneira
muito clara por outros autores relevantes que discutem o Serviço Social:
O Serviço Social muda as formas, mas segue com uma posição essencialmente
ideológica (SANTOS, 1983, p. 189).
O campo do trabalho social passa a ser organizado com vistas a esta ameaça [de
inquietação dos “dominados”] – e suas transformações [...] o essencial não consiste em
trazer remédio aos males sociais [...] e, sim, em detectar a tempo esses males. E em propor
medidas de enquadramento capazes de evitá-los (VERDÉS-LEROUX, 1986, p. 84).
É possível afirmar o caráter essencialmente político da prática profissional, uma vez que
ela se explica no âmbito das próprias relações de poder na sociedade (YAZBEK, 2011b, p.
5).
qual essa ação foi destinada, de maneira a produzir nestes o efeito mais aproximado
possível da satisfação, ou seja, o de despolitizar a dimensão subjetiva da “questão social”
nas particularidades dos atendimentos dos assistentes sociais na instituição. Essas ações,
ainda que sejam feitas de maneira mais ou menos individualizada, na medida em que
fazem parte de um projeto amplo e articulado, podem ser capazes de produzir um relevante
efeito no âmbito da totalidade social.
Entre tantas coisas, isso significa que precede à inserção do assistente social, uma
direção política essencialmente conservadora por parte dessa instituição que, em seu
sofisticado emaranhado estratégico, conta para seu sucesso com uma forma de adesão
profissional específica e já preestabelecida. Para que essa postura profissional planejada
pela instituição encontre meios concretos de adesão, o projeto institucional conta com um
mecanismo básico coercitivo capaz de pressionar os profissionais que ali irão atuar a
pactuar com essa direção. Essa pressão será feita, principalmente, ao garantir que essa
função de assistente social seja exercida na condição de trabalhador.
Durante o período em que trabalha [...] o sujeito que trabalha não tem o poder de
livremente estabelecer suas prioridades, seu modo de operar, acessar todos os recursos
necessários, direcionar o trabalho exclusivamente segundo suas intenções, o que é
comumente denunciado como o „peso do poder institucional‟ (IAMAMOTO, 2008, p.
422, grifos nossos).
Essa condição será formalizada pelo contrato de trabalho, que impõe ao assistente
social, aquilo que Marilda Iamamoto chama de “contradição do assalariamento”. Por meio
desse contrato,
Fica claro que a instituição possui significativo poder coercitivo sobre os assistentes
sociais, na medida em que pode pressioná-lo a desenvolver uma série de ações que, muitas
vezes, podem colidir com suas convicções próprias. São trabalhadores assalariados que
colocam em risco seus meios de sobrevivência, caso não cumpram certas determinações
71
O dinamismo desse campo, enaltecido pelo meio, deve-se à natureza das tarefas que lhe
são atribuídas e ao mandato que lhe é conferido – os quais não podem ser inteiramente
definidos, nem codificados, e deixam, assim, aos profissionais, uma parte de autonomia e
de iniciativa na produção do que deles se espera. Tal dinamismo é produto de agentes
concretos e sua origem não se encontra na intervenção explicitamente organizadora da
instância de direção (os poderes públicos), mas sim, espontaneamente, nas vastas
possibilidades de reconversão que a própria imprecisão dos objetivos, o arbítrio dos
métodos e a ausência de sanções oferecem a certas frações de classe (VERDÉS-
LEROUX, 1986, p. 9).
Para a autora, isso proporciona uma “autonomia relativamente alta reservada aos
agentes, para definirem e realizarem missões [...] [na medida em que a] utilidade imediata
53
O termo “contra-estratégia”, aqui utilizado em detrimento da utilização do termo “estratégia”, busca enfatizar que
essa estratégia de manipulação com vistas à reprodução da hegemonia por parte da burguesia é, na verdade, uma resposta
a uma estratégia anterior, pertencente à classe trabalhadora, que havia indicado o socialismo como estratégia de
aniquilação do capitalismo.
72
nem sempre está aos olhos das instâncias” (VERDÉS-LEROUX, 1986, p. 96).
Três características importantes permeiam essa categoria (autonomia). A primeira é
que essa autonomia será sempre relativa. Nesta medida, se, por um lado, podemos afirmar
que a possibilidade de conduzir suas ações apenas de acordo com suas próprias
perspectivas não será possível – levando em consideração as direções institucionais –, por
outro, podemos afirmar que haverá sempre uma margem de manobra por parte dos
assistentes sociais em relação à instituição. Essa margem, que varia significativamente em
termos de proporção (em relação direta à coerção institucional) de acordo com cada
instituição, é permeada pela segunda característica inerente à autonomia profissional.
Trata-se de seu caráter flexível, na medida em que a autonomia profissional “será sempre
relativa ao contexto sociohistórico e à capacidade estratégica do profissional” (GUERRA,
2007b, p.6), podendo dilatar ou comprimir sua margem (o que realça a importância da
formação na tentativa de dar maior solidez à sua prática).
Por último, gostaríamos de assinalar que essa autonomia também é determinada por
um conjunto de múltiplos determinantes que impactam de maneira diferente na realidade
institucional de cada profissional, implicando singularidades à autonomia de cada
assistente social. Essa terceira característica indica que as atividades desenvolvidas por
determinado profissional não poderão ser necessariamente desenvolvidas por outro
profissional e, obviamente, o contrato de trabalho, como veremos com maiores detalhes no
tópico 3.1 dessa dissertação, não é o único determinante da autonomia profissional.
Nesse sentido, cientes de que “se a profissão dispõe de condicionantes sociais, que
ultrapassam a vontade e a consciência de seus agentes individuais, ela é também fruto dos
sujeitos que a constroem coletivamente, forjando respostas profissionais” (IAMAMOTO,
2008, p. 221), a autonomia profissional será o ponto de partida desse capítulo, que
abordará alguns de seus determinantes, características e sua relação com o surgimento do
chamado Movimento de Reconceituação do Serviço Social latino-americano. A tentativa,
aqui, será evidenciar o caráter propositivo desse movimento em sua fase inicial, uma vez
que foi um período em que a reflexão em torno da busca de caminhos para uma ação
profissional ressignificada mobilizou a categoria, o que avaliamos como necessário ao
debate que gira em torno da “crise de materialização” do marxismo no cotidiano
profissional atual.
73
Evidentemente, nosso intuito, aqui, não poderia ser o estudo substancial do referido
período histórico, já que isso por si só determinaria a realização de outro estudo, haja vista
sua importância e complexidade. Contudo, consideramos necessário pontuar que a
denúncia dos crimes de Stálin “desbloqueou o estudo do marxismo e ampliou sua
influência em todo mundo” (COUTINHO, 2006, p. 73). Isso gerou uma crescente
expansão do que Coutinho chamou de “pluralismo marxista”. Com isso passou-se a reler
com novos olhos a totalidade da obra de Marx, entraram na bibliografia obrigatória dos
marxistas ocidentais todos aqueles autores “revisionistas” antes renegados pelos “pífios
manuais soviéticos”, ampliando o contato com a leitura de Lukács, Gramsci, Sartre,
Lefebvre, Lucien Goldmann, Kautsky, Luxemburgo, Adler, Karl Korsch, Adorno, Marcuse
e muitos outros (COUTINHO, 2006). Isso abriu margem para que as diversas esquerdas
pudessem repensar, de maneira mais criativa e viva, sua relação com as particularidades de
seu contexto histórico e geográfico.
Na América Latina, vivia-se na década de 1960 um contexto de fortes movimentos
e lutas sociais, marcado pela inserção na nova divisão internacional do trabalho que
emergia pelo colapso dos pactos políticos que vinham do pós-guerra; pelo surgimento de
novos sujeitos políticos; pelo impacto da revolução cubana; e pelo reformismo do tipo
“aliança para o progresso” (NETTO, 2005). Trata-se, segundo Netto, das expressões de
74
uma crise mundial da ordem capitalista, que se deu após o exaurimento do padrão de
acumulação de desenvolvimento capitalista, inaugurado no pós-guerra e finalizado no fim
dos anos 1960. Foi isso que gerou um quadro favorável para a “mobilização das classes
subalternas em defesa de seus interesses imediatos”, através de movimentos que, de
variadas formas “punham em questão a racionalidade do Estado burguês, suas instituições,
e no limite, negavam a ordem burguesa e sua racionalidade” (NETTO, 2005, p. 7).
Portanto, além da influência na região de um contexto em que havia a referência do
socialismo, e de um pluralismo crescente – onde se abria a possibilidade de pensar o
marxismo de acordo com suas particularidades regionais –, havia, particularmente na
América Latina, a maturação da “questão social”, com todas suas consequências em termos
de escassez, sofrimento e “rebeldia”.
Podemos dizer que quando tratamos dessas mobilizações, nos referimos ao
aprofundamento e amadurecimento do que chamamos no capítulo anterior de dimensão
subjetiva da “questão social”. Esta ganha força diante das novas manifestações objetivas da
“questão social” que afligiam o cotidiano da classe trabalhadora naquele momento. Essa
maturação da “questão social” – em ambas as dimensões – passou a se manifestar na
particularidade do cotidiano das instituições também de maneira mais profunda e madura,
o que exigiu novas formas de respostas institucionais. Esse descompasso provocou, por
parte das próprias instituições, uma pressão pela modernização da prática profissional, a
fim de atender às novas necessidades estabelecidas pela conjuntura. Ou melhor, as
instituições precisavam dar respostas mais eficazes à proliferação da pobreza no
continente, a fim de atender às crescentes necessidades de reprodução da hegemonia
burguesa, que necessitava evitar a proliferação descontrolada da miséria, posto que consigo
traria a possibilidade de uma insatisfação generalizada por parte da classe trabalhadora.
Essa ameaça de crise de legitimidade institucional em relação ao público usuário
acarretou uma crise de legitimidade do assistente social em relação à instituição. Essa
crítica por parte das instituições somou-se a uma autocrítica que passava a se formular por
parte de um setor interno à categoria profissional, influenciado por alguns fatores daquela
conjuntura. Quanto a esses fatores conjunturais, Netto (2005) aponta como principais: a
revisão crítica operada nas ciências sociais, o deslocamento crítico de caráter sociopolítico
que permeou significativos setores religiosos e o protagonismo ascendente do movimento
estudantil. De maneira geral, podemos dizer que essas influências foram determinantes
para que essa autocrítica – que foi conduzida por esses setores da categoria – denunciasse,
75
Por isso, Netto afirma que “a segunda metade dos anos 1960 marca (…) uma
conjuntura de profunda erosão das [suas] práticas tradicionais [da o Serviço Social]”
(2005, p. 6).
Sentindo que sua legitimação profissional estava ameaçada e que seus referenciais
teóricos se faziam notavelmente insuficientes para responderem às novas demandas que se
apresentavam (complexificação da “questão social”), os assistentes sociais tiveram de
buscar novas respostas interventivas, voltando-se para a reflexão da própria profissão e do
mundo no qual está inserida. Trata-se, dessa forma, do fator desencadeador daquilo que
ficou conhecido na história do Serviço Social latino-americano como “movimento da
reconceituação”.55
Esse movimento teve preponderância inicial no “Cone Sul” da América, para, em
seguida, espraiar-se por diversas partes do continente. As primeiras conclusões acabaram
servindo como uma forma de “denúncia da inadequação e inoperância do Serviço Social
Tradicional frente à realidade latino-americana e o reconhecimento da exigência de uma
redefinição profissional” (CARVALHO apud SILVA 2009, p. 72). A explícita insuficiência
dos seus referenciais bibliográficos foi explicada pela distância econômica, social, política
e cultural da realidade da qual provinha o debate importado (basicamente: Estados Unidos
da América e Europa). Isso deu ao movimento certa sede de independência, levando,
inclusive, a uma rejeição de caráter “anti-imperialista” em relação às produções teóricas
que procediam principalmente dos Estados Unidos da América e Europa.
No entanto, não podemos dizer que tenha se tratado de um movimento homogêneo.
54
Netto conceitua a prática tradicional por sua performance “empirista, reiterativa, paliativa e burocratizada, orientada
por uma ética liberal burguesa, que de um ponto de vista claramente funcionalista, visava enfrentar as incidências
psicossociais da 'questão social' sobre indivíduos e grupos, sempre pressuposta a ordenação capitalista da vida social
como um dado factual ineliminável” (2005, p. 6).
55
Esse movimento, segundo NETTO (2007), não se limitou ao Serviço Social, porém, para fins desse estudo, será a esta
categoria limitado em termos analíticos.
76
Netto explica que se tratou de “uma frente profissional que reunia um largo e heterogêneo
leque de assistentes sociais (e não só) interessados em promover efetivamente o
desenvolvimento econômico e social” (2005, p. 10). Segundo o autor, essa frente era
composta por dois grupos básicos: o primeiro trazia uma perspectiva de Serviço Social de
modernização “a ponto de torná-lo compatível com as demandas macrossocietárias,
vinculando-o aos projetos desenvolvimentistas de planejamento social” (NETTO, 2005, p.
10). O segundo grupo, formado basicamente por assistentes sociais jovens e radicalizados:
“jogava numa inteira ruptura com o passado profissional, de modo a sintonizar a profissão
com os projetos de ultrapassagem das estruturas sociais de exploração e dominação”
(NETTO, 2005, p. 10).
Netto indica que, essa frente, em pouco tempo “se fratura dividindo-se os
protagonistas em dois grandes blocos: os reformistas-democratas (rigorosamente
desenvolvimentistas) e os radical-democratas (para os quais o desenvolvimento supunha a
superação da exploração-dominação nativa e imperialista). Mas o autor afirma, ainda, que
essa diferença foi rigorosamente impedida de se aprofundar em decorrência das ditaduras
que atravancaram qualquer alternativa democrata, reformista e revolucionária.
Vale destacar que esse bloco que o referido autor chama de radical-democrata
favorecido por algumas particularidades contextuais – tais como o aprofundamento das
desigualdades sociais no continente latino-americano, o projeto socialista como alternativa
concreta de sociedade, a ascensão do pluralismo dentro do marxismo que lhes permitia
uma margem para pensar as particularidades latino-americanas com maior autonomia; a
crise de legitimidade da prática tradicional no Serviço Social diante do público usuário e da
instituição; dar respostas às questões que emergiam em seu cotidiano profissional – pôde
encontrar no marxismo uma fonte vigorosa para buscar as respostas dos dilemas
profissionais daquele momento. Nesta medida, podemos concluir que “é no marco da
reconceptualização que, pela primeira vez de forma aberta, a elaboração do Serviço Social
vai socorrer-se da tradição marxista” (NETTO, 2007, p. 148).56
56
Antes de prosseguir, devemos destacar que, enquanto “parte integrante do processo internacional de erosão do
Serviço Social „tradicional‟” (NETTO, 2007, p. 146), a reconceituação é marcada por certa heterogeneidade. Nesse
sentido, faz-se necessário afirmar que, embora esse estudo vá se focar primordialmente numa parcela profissional
baseada na “tradição marxista, que passa a inspirar a busca da renovação teórico-metodológica da ação profissional”
(SILVA, 2009, p. 83), há também uma segunda corrente interna dentro do movimento da reconceituação, em que “a
questão que originalmente a comanda é a funcionalidade profissional na superação do subdesenvolvimento” (NETTO,
2007, p. 146). Esta última corrente – de “base ainda estrutural funcionalista, representada pela vertente modernizadora,
cuja inquietação maior seria o aprimoramento técnico-metodológico dos profissionais, de modo a capacitá-los a
contribuir para o projeto desenvolvimentista” (SILVA, 2009, p. 83) – terá contribuição mais densa no debate brasileiro, ao
77
passo em que a corrente que recorrerá insistentemente às leituras marxistas terá destaque (neste primeiro momento) nas
regiões da América Latina que haviam sido colonizadas pela Espanha.
57
Netto faz questão de destacar que essa fração mais radicalizada do Movimento de Reconceituação foi centralizado
basicamente pelos profissionais hispânicos. “la exigência científica mayor de la reconceptualización hispânica es la de
uma intervención concreta em la realidad social, de tal modo que el trabajo teórico mantenga vínculos simultáneamente
determinados y determinantes para com el ejercício práctico” (NETTO, 1975, p. 101).
58
Netto afirma que “um dos traços mais característicos do conservadorismo consiste na negação das dimensões
políticas e ideológicas” (NETTO, 2007b, p. 145).
59
Essa fatalidade está ligada ao raciocínio exposto por Braz e Teixeira, que sinalizam: “todo projeto e, logo, toda
prática, numa sociedade classista, têm uma dimensão política (…)” (2009, p. 188). Por isso, podemos dizer que os
projetos profissionais também têm inelimináveis dimensões políticas, seja no sentido amplo (no que se refere às suas
relações com os projetos societários), seja em sentido estrito (no que se refere às perspectivas particulares da profissão)
(NETTO, 2007b, p. 145).
78
O Serviço Social almeja em fins dos anos de 1970 e na década seguinte, de 1980, afirmar
sua legitimidade frente aos usuários de sua ação profissional – a classe trabalhadora
(ORTIZ, 2010, p. 129).
importantes conquistas:
Chico Buarque
60
Netto destaca que o CELATS foi preponderante em duas ações básicas: com “um projeto de organização dos
assistentes sociais em escala continental (…) para indicar caminhos para o associacionismo profissional em muitos
países”; e “no fomento à investigação acerca da história do Serviço Social na América Latina” (NETTO, 2005, p. 15).
61
A palavra democrática está entre aspas para assinalar, que era uma transição para uma nova forma de conduzir o
Estado, que apenas apresentava alguns ganhos democráticos, mas não em sua integridade, já que para isto se faria
81
[...] se coloca claramente a favor das massas populares, reafirmando que as diretas-já são
o caminho imediato de ruptura com a ditadura militar, eliminando as estruturas montadas
daí advindas, forjando nessa trajetória práticas políticas na perspectiva das classes
trabalhadoras (ABRAMIDES; CABRAL, 1995, p. 80).
chegarem ao meio profissional. Por isto, é apenas com a crise do regime ditatorial que suas
repercussões extrapolam os muros da academia e começam a rebater com visibilidade nos
foros e organismos da categoria profissional (NETTO, 2007, p. 247).62
Essa tendência, chamada pelo autor referido de radical-democrata, também passou
a se expressar de início no campo político-organizacional da categoria profissional dos
assistentes sociais, como podemos perceber a partir de uma leitura do estudo de Silva
(2009). Nesse estudo, ela afirma que o III Congresso Brasileiro dos Assistentes Sociais (de
1979) foi marcado pela expressão massiva dos profissionais presentes, no sentido de
questionarem a direção conservadora, substituindo os convidados especiais (representantes
do poder ditatorial) por dirigentes de organizações populares. Este marco foi uma
expressão contestatória importante para impulsionar várias outras lutas dos assistentes
sociais na década seguinte (1980), em que profissionais influenciados pelo dito bloco
radical-democrata do Movimento de Reconceituação investiram exaustivamente no
fortalecimento das suas entidades profissionais e dos seus sindicatos. Assim, buscaram
articulações com as lutas políticas mais amplas dos trabalhadores e dos movimentos sociais
populares.
Com isso, ganha destaque na categoria dos assistentes sociais sua dimensão
político-organizativa da profissão.
Barroco (2007) também colabora com o debate, destacando a clara opção política
dessa vanguarda profissional do período, que se posicionou na defesa da classe
trabalhadora. A autora também aponta para as influências desse bloco mais crítico, que
Netto denomina de radical-democrata, no que tange às produções literárias, que passam a
resgatar as questões e debates críticos, iniciados nos períodos do Movimento de
Reconceituação, voltando-se para a compreensão de seu próprio significado frente à
62
Esta experiência com a teoria marxista tem raízes tanto do contexto entre o fim da década de 1950 e meados de 1960
quanto do movimento da reconceituação, ambos abafados (mas não esquecidos) pela violência da fase de maior ascensão
da ditadura militar, calando a teoria na categoria quase que completamente até meados da década de setenta.
83
No curso dos anos oitenta, a tradição marxista se colocou no centro da agenda intelectual
da profissão: todas as polêmicas relevantes [...] foram decisivamente marcadas pelo
pensamento marxista (NETTO, 1996, p. 113)
63
É necessário destacar, aqui, que não será descartada a hipótese de ecletismo entre as três diferentes posições e que
muitas vezes essa polêmica não se colocava de maneira explícita e contrastante.
64
Tratamos, aqui, de determinantes tais como o prestígio profissional por parte da instituição contratante e dos
usuários, a clareza para os mesmos sobre “o que é” e “o que faz” o assistente social, o contexto sociopolítico em que está
inserido, os recursos socioassistenciais disponíveis na instituição, a infra-estrutura institucional etc.
65
É importante destacar que essa tendência não é particular à realidade brasileira. Essa vertente é, na verdade, oriunda
do próprio movimento de reconceituação, presente de maneira bastante explícita em alguns de seus clássicos como, por
exemplo, Bóris Alexis Lima e Kisnerman. No entanto, essa herança teórica reconceituadora é retomada na realidade
brasileira nesse período, ainda que com particularidades, intensidades e expressões diferenciadas.
85
66
Netto registra que a precocidade desse primeiro contato do Serviço Social com algumas dessas obras foi marcada por
um “confusionismo ideológico, que procurava 'sintetizar' as inquietudes da esquerda cristã e das novas gerações
revolucionárias „não ortodoxas‟ e „não tradicionais‟ […] [que,] acabou por engendrar a eclética mistura de Camilo Torres,
Guevara e Paulo Freire com Louis Althusser e Mao Tsé-Tung”. Destaca ainda que “a tradição marxista recolheu desta,
quase sempre, o que nela havia de menos vivo e criativo” (2005, p. 13).
86
67
Nossa crítica a essa concepção não significa a desresponsabilização do sujeito/profissional.
88
marxismo no Serviço Social desse período. Barroco destaca que, no período de transição
democrática, o estudo de Althusser representava uma forte resistência dentro da
universidade (2007, p. 153). A categoria “aparelho ideológico”, extraída de Althusser, teve
uma adesão destacada na utilização do autor no Serviço Social daquele momento. Esse
debate mostrou utilidade no sentido de subsidiar a correta denúncia da função ideológica
(de reprodução da dominação burguesa) do Estado exercida por meio da ampla, complexa
e sofisticada rede de instituições sociais circunscritas em seu território. A utilidade dessa
denúncia tem importância para o Serviço Social na medida em que a maior parte desses
profissionais é contratada exatamente por essa rede de instituições. Esse contato trouxe aos
adeptos dessa tendência um discurso extremista e aparentemente radicalizado.
No entanto, essa análise, apesar de também se fazer utilizando-se de pressupostos,
análises e finalidades de origem marxista, acaba por distorcer essa origem ao fazê-la partir
da ótica estruturalista a que pertence o pensamento de Althusser. Podemos compreender o
estruturalismo como vertente do pensamento que influi em certo segmento da tradição
marxista, promovendo fortes distorções do marxismo na medida em que parte do método
positivista de análise. Esse método é caracterizado pela prevalência absoluta dos
determinantes objetivos em relação às determinantes da vontade e da subjetividade. A
crítica do materialismo dialético se dá, principalmente, por sua incapacidade de reconhecer
o protagonismo dos sujeitos na construção da história, o que leva a uma análise
supervalorizada da estrutura econômica, incapacitando-a de reconhecer a dialética
potencialidade da força da vontade dos sujeitos em incidir sobre a estrutura. O impacto
dessa racionalidade é a despolitização dos sujeitos e a naturalização da estrutura capitalista.
Em termos de influência no Serviço Social, essa influência prejudicará a analise da
realidade basicamente em dois sentidos.
Primeiramente porque para essa corrente o Estado é interpretado a partir de uma
análise restrita. Ou seja, o autor desconsidera uma série de mudanças ocorridas na
configuração das sociedades capitalistas no século XX que determinaram mudanças na
configuração do Estado burguês. Trata-se basicamente da ampliação do Estado, percebida e
expressa em parte por autores clássicos do marxismo como Rosa Luxemburgo e Engels,
mas que terá “em Gramsci [...] um tratamento mais sistemático” (SIMIONATTO, 2004, p.
64). Essa concepção ampliada de Estado destaca a ampliação de funções do Estado
burguês, que passa a se expressar como um mecanismo relativamente permeável a algumas
conquistas da classe trabalhadora. Esse fato traz impactos às estratégias revolucionárias, na
89
medida em que aponta a possibilidade de disputas nos mais diversos “aparelhos privados
de hegemonia”, capazes de corroer a legitimidade do sistema capitalista e, assim, preparar
um contexto mais propício à derrubada da burguesia. Portanto, essa tese aponta para a
possibilidade/relevância da “conquista paulatina de espaços no interior da „sociedade civil‟
e, através e a partir dela, no próprio seio do Estado” (COUTINHO, 2008, p. 40), o que para
Althusser é mecanicamente impensável. 68
A herança gramsciana – que passa a adentrar no Serviço Social nesse período – nos
permite compreender que, apesar de serem “aparelhos”, possuírem uma dimensão
“ideológica” e fazerem parte de uma rede determinada pelo Estado, as instituições públicas
que contratam os assistentes sociais não podem ser classificadas como meros “aparelhos
ideológicos do Estado” no sentido que Althusser indica. Isso porque há uma relativa
autonomia dessas instituições em relação à essência burguesa que dá a direção do Estado
burguês. Isso permite que a classe trabalhadora consiga permear esse espaço de maneira a
imprimir algumas conquistas importantes capazes de facilitar (ou amenizar as dificuldades)
a organização trabalhadora na construção do comunismo.
O segundo sentido refere-se a outro tipo de mecanicismo induzido pelo método de
análise positivista que o faz seguir uma lógica muito próxima à anterior. No entanto, se
antes apontava como impossível imprimir qualquer tipo de conquista dos trabalhadores
dentro de uma organização burguesa (já que era determinado naquele espaço pela direção
burguesa), agora se sugere que, dentro de uma instituição determinada pelo Estado
burguês, os profissionais submetidos a essa instituição não possuem nenhuma margem de
manobra capaz de contribuir com os interesses políticos da classe trabalhadora.
Assim, se a tendência anterior, denominada por Iamamoto de “messiânica”,
conduzia a uma desprofissionalização por descaracterizar o assistente social enquanto
profissional assalariado, essa segunda tendência aponta como única alternativa para
defender efetivamente os interesses da classe trabalhadora uma desprofissionalização por
reeditar uma propaganda em prol de um “voluntarismo”. Ou seja, essa linha de raciocínio
indicava basicamente apenas duas alternativas àqueles que realmente pretendam estar do
68
Apesar de apontarmos e defendermos a possibilidade de luta por dentro dos organismos burgueses tais como o
Estado, não estamos defendendo uma prioridade de luta por dentro desses mecanismos em detrimento das lutas a partir
dos aparelhos próprios da classe trabalhadora contra os aparelhos burgueses. No entanto, na medida em que o assistente
social não possui autonomia para priorizar a instituição onde deseja atuar (se pertencente dos projetos da classe
trabalhadora ou burguesa), mas insere-se em instituições que oferecem (involuntariamente) a possibilidade de se lutar em
seu interior sem que isso signifique fatalmente numa cooptação, essa tese se mostra extremamente útil para pensar a
realidade profissional.
90
lado dos interesses da classe trabalhadora: abandonar seu contrato de trabalho e ir para
espaços organizativos de militância da classe trabalhadora (tais como partidos, sindicatos e
movimentos sociais de esquerda) ou trabalhar para instituições da própria classe
trabalhadora.
Essa concepção foi denominada por Iamamoto de “fatalismo”, caracterizada da
seguinte forma:
Inspirado em análises que naturalizam a vida social, traduzindo numa visão “perversa” da
profissão. Como a ordem do capital é tida como natural e perene, […] o Serviço Social
encontrar-se-ia atrelado às malhas de um poder tido como monolítico, nada lhes restando
a fazer. No máximo, caberia a ele aperfeiçoar formal e burocraticamente as tarefas que são
atribuídas aos quadros profissionais pelos demandantes da profissão ( 2007b, p. 115)
não temer a série de dificuldades inerentes a essa opção por estar nessa contracorrente,
nem se deixar seduzir pelas comodidades de quem se deixa arrastar pelas tortuosas
correntezas poluídas do projeto burguês. Trata-se de lutar para evitar a desmotivação, o
comodismo, a subserviência e os consensos inconvenientes. Posturas profissionais
atravessadas talvez por questões morais, mas que podem ser covardemente acobertadas por
explicações (e não justificativas) de base teórica, apontando dificuldades que ameaçam a
autonomia profissional como se fossem grandes o suficiente para não agir de maneira mais
ousada quando, na verdade, ações mais críticas e propositivas poderiam avançar mesmo
numa realidade atravessada pela contradição do assalariamento. Nesse sentido, Sales e
Paiva afirmam que “a coragem aqui é uma virtude e uma aliada imprescindível, pois o
conhecimento em si não é dissipador dos medos, ao contrário” (2010, p. 186), citando, em
seguida, André Comte-Sponville, que afirma que
Uma crítica marxista ao próprio marxismo tal como esse foi incorporado pela literatura
especializada, notadamente pelo movimento da reconceituação latino-americano da
década de 1970, transformando-se em autocrítica da história das formulações teóricas
oriundas das primeiras aproximações de Serviço Social ao marxismo (IAMAMOTO,
2007a, p. 205).
instituição precede a inserção do assistente social. Reconhece, ainda, que essa postura
profissional planejada pela instituição possui um mecanismo básico coercitivo capaz de
pressionar os profissionais que ali irão atuar a pactuar com essa direção e indica que essa
pressão será feita, principalmente ao garantir que essa função de assistente social seja
exercida por meio de um contrato de trabalho que o subordine hierarquicamente à
instituição.
Porém, essa tendência ortodoxa do bloco radical democrata, consciente dos
diversos elementos que cerceiam a autonomia profissional, é capaz de compreender ainda
o movimento dialético que permite que o “determinado” também seja capaz de determinar
o “determinante”; o elemento “subjetivo” seja também capaz de determinar o elemento
“objetivo”; o elemento “micro” também seja capaz de determinar o elemento “macro” etc.
Dessa forma, essa tendência ortodoxa não aceita as leituras que indicam a autonomia
profissional como categoria inflexível, de potencial nulo ou absoluto. Essa tendência
destaca-se por se mostrar capaz de compreender a autonomia profissional em seu caráter
relativo e flexível, determinada, sim, por elementos de ordem estruturais e externos à
profissão, mas capaz de obedecer à lógica da realidade, que envolve a possibilidade dos
sujeitos influírem por esse conjunto de incidências externas ao indivíduo. Compreender a
autonomia profissional em sua forma relativa é reconhecer
Resta ainda relembrar que o debate destacado nesse estudo até aqui entre essas
tendências a respeito da categoria “autonomia profissional” é apenas a expressão de uma
heterogeneidade presente no bloco radical democrata, que se expressa nessas formas no
debate acerca da autonomia profissional – base da prática profissional. Ou seja, essas
diferentes tendências não se resumem a esse debate, da mesma maneira que o triunfo da
tendência ortodoxa no debate a respeito da autonomia profissional configurou-se apenas
como mais um espaço em que essa tendência se mostrou capaz de se sobrepor às demais no
cenário mais amplo do Serviço Social. Isso indica que
Como vimos no último tópico, houve uma relevante mudança de postura política do
Serviço Social brasileiro quando a categoria, a partir da década de 1970, “numa atitude de
„rebeldia‟ política declara sua organicidade aos interesses e projetos da classe trabalhadora,
afirmando a dimensão política da profissão” (MOTA; AMARAL, 2007, p. 49). Essa nova
atitude, auxiliada pela literatura marxista, “veio a se constituir, ao longo dos anos 80 e 90,
num forte movimento organizativo e político-acadêmico do Serviço Social brasileiro,
configurando o que hoje se concebe como o seu projeto profissional” (MOTA; AMARAL,
2007, p.49).
Nesse tópico trataremos algumas questões que permeiam exatamente esse projeto
profissional (acima referido) a partir da década de 1990 – marcada pelo fato do Serviço
Social ter conquistado maior consolidação no cenário brasileiro. Nossa preocupação
central está em buscar compreender no que essa consolidação da profissão no cenário
brasileiro e do marxismo no cenário interno da categoria pôde contribuir para pensar uma
ação profissional oposta à ação proposta pelo projeto institucional.
94
69
É necessário destacar que, embora sejam projetos de classe, eles não defendem necessariamente um projeto
societário que favoreça a classe que pertence, pelo contrário, a maioria destes projetos tende a favorecer (mesmo que por
abstenção) a classe burguesa.
95
Esse projeto profissional, antes mesmo de ser referenciado por essa nomenclatura,
já tinha seu movimento estratégico como alvo de reflexão na realidade profissional. De
maneira geral, as reflexões a respeito de seus passos na direção da construção de um
projeto societário vinculado à classe trabalhadora foi pensado, de maneira mais ou menos
consensual, a partir de quatro campos que comporiam sua estrutura fundamental:
O primeiro campo diz respeito à sua dimensão teórica, que trata das produções
teóricas voltadas não só para a categoria como objeto de análise, mas também para
produções competentes que tratem de assuntos gerais capazes de subsidiar os profissionais
na busca de um exercício profissional capaz de honrar os princípios deste projeto ético-
político. Este elemento foi favorecido pela aquisição das produções intelectuais marxistas,
96
70
Vasconcelos (2007) destaca a relevância desse Código de Ética profissional na garantia de uma maior margem de
autonomia do profissional frente à instituição. Ela argumenta que o assistente social, “é um dos profissionais que, ao
contrário dos outros que já encontram nas unidades a maioria de suas atividades predeterminadas e a serem cumpridas
[…], têm a possibilidade de criar e organizar suas ações, invocando os direitos que os usuários possuem assegurados por
lei e a partir do próprio Código de Ética do assistente social”. Cita alguns pontos relevantes do Código de Ética neste
sentido: “direito ao livre acesso à população usuária”; o “direito a integrar comissões interdisciplinares de ética no que se
refere à avaliação da conduta profissional e às decisões quanto às decisões quanto às políticas sociais”; “dever de
programar, administrar, executar e repassar os serviços sociais assegurados institucionalmente”; “dever de denunciar
falhas nos regulamentos, normas e programas da instituição”; “dever de contribuir para a alteração da correlação de
forças institucionais, apoiando as legitimas demandas de interesses da população usuária” (VASCONCELOS, 2007, p.
245).
97
71
Para 39 % dos assistentes sociais, a teoria não tem lugar na prática profissional.
98
entrevista, apontado dificuldades no seu trabalho profissional, não está questionando este
trabalho” (VASCONCELOS, 2007, p. 361).
Essa fragilidade em termos de relacionamento com a teoria também se expressa no
baixo conhecimento sobre leis – que poderiam instrumentalizar os assistentes sociais para a
materialização de uma prática profissional antagônica às finalidades do projeto
institucional –, tais quais a Constituição de 1988, a Lei de Regulamentação da profissão, a
Lei Orgânica do Município, a Lei Orgânica da Saúde, da Lei Orgânica da Assistência
Social; de uma discussão mais aprofundada sobre Políticas Sociais e, especificamente,
Política de Saúde. Isso, segundo a autora, aponta para o fato de que esses assistentes
sociais contam com “pouco ou quase nenhum recurso para pensar/encaminhar alternativas
ao trabalho profissional que realizam” (VASCONCELOS, 2007, p. 404).
Isso tudo, no pensamento da autora, contribui para o reforço da tradição
subalternizada da profissão, verificado por Vasconcelos, inclusive na frequência de
profissionais que buscam sustentações de suas práticas em valores e crenças pessoais
(VASCONCELOS, 2007, p. 426). Isso se relaciona, de maneira intrínseca, com o
retrocesso analítico recorrente entre aqueles que percebem as expressões da “questão
social” como algo acidental e espontâneo, em detrimento de uma visão mais crítica, e
consequentemente, os segmentos populacionais usuários da instituição como
“desadaptados” (VASCONCELOS, 2007, p. 445).
Além disso, a autora constata uma fragilidade em termos estratégicos, quando, em
contexto de alta demanda, os profissionais voltam-se, constantemente, para demandas
fragmentadas, periféricas, individuais e espontâneas, muitas vezes de caráter psicológico,
burocráticas e administrativas, além de darem privilégio, quase que absoluto, a demandas
internas da unidade, ao passo que desconhecem as demandas externas.
Vasconcelos também destaca a ausência de acesso e informações sobre domínios
dos instrumentos necessários ao trabalho social; de um mínimo de coordenação do
trabalho; de chefias de Serviço Social na unidade; e da articulação com assistentes sociais
de outras unidades e planos sistemáticos de trabalho (VASCONCELOS, 2007, p. 434).
Também predomina, entre os entrevistados, uma ausência de controle sobre o que fazem,
contribuindo, mesmo que involuntariamente, para ocultar a realidade (VASCONCELOS,
2007, p. 445).
Esses assistentes sociais também “não realizam estudos sobre as demandas dos
usuários nem as institucionais, realizando ações a partir de demandas espontâneas ou
99
Com base neste estudo, podemos perceber que no universo particular analisado pela
autora, pouquíssimo se conseguiu avançar no que tange à materialização do projeto ético-
político profissional. Neste sentido a autora destaca a necessidade de
72
Ainda que seja difícil mensurar, podemos aceitar que, na verdade, tanto a escassez de instrumentais de atuação
profissional quanto o despreparo técnico específico em relação à instituição podem, muitas vezes, comprometer até
mesmo a efetividade do projeto reformista conservador da própria instituição, impedindo a legitimação por parte da
instituição em relação à classe trabalhadora (seja ela usuária ou não dos serviços prestados) e a mudança de
comportamento dos sujeitos que se pretende.
101
Não obstante a maior parte dos profissionais afirmar que põe em prática os Princípios do
Código no seu cotidiano profissional, não houve discussão abalizada sobre o Projeto
Ético-Político e, por conseguinte, sobre o significado histórico do atual Código e seus
princípios fundamentais. Esse fato, consequentemente, gera insuficiência da efetivação
desse documento como instrumento norteador da ação (FORTI, 2010, p. 241).
Neste sentido, podemos concluir que tudo indica que a suposta hegemonia marxista
no Serviço Social pouco vem contribuindo na perspectiva de ressignificação interventiva
do assistente social, ou seja, na tentativa “de construção de uma nova identidade
profissional” (SILVA, 2009, p. 96), onde
O vínculo político é deslocado da classe dominante para uma prática vinculada aos
interesses das classes dominadas, o que significa uma proposta de ação que considere as
relações de exploração e de poder, no sentido da transformação social (FORTI, 2010, p.
77).
Nessa medida,
„ruptura‟ com o Seviço Social tradicional foi, na verdade, uma busca da ruptura”
(ACOSTA, 2008, p. 20). Assim, “se amadureceu, no campo profissional, um vetor de
ruptura com o conservadorismo, ele ainda não consolidou uma „nova legitimidade‟ para o
Serviço Social junto às classes subalternas” (NETTO, 1996, p. 108).
Algumas análises levantadas por autores contemporâneos remanescentes desse
projeto ético-político profissional debatem essa “crise de materialidade” no campo da
intervenção profissional com muita preocupação e lucidez. Sobre essas análises, podemos
concluir que, de maneira geral, elas atribuem esse impasse ao problema da formação
profissional (tanto em nível de graduação quanto de formação continuada). No entanto, é
importante não deixarmos de reconhecer que tal situação também pode estar ligada à
insuficiência do avanço literário da categoria em termos de “proposta de ação”, ou seja, em
termos de “formulações que expressam indicações referentes ao que fazer profissional”
(SILVA, 2009, p. 172-173).73 Silva, também partícipe ativa e estudiosa desse projeto
profissional, declara:
73
Essa questão será destacada por alguns profissionais entrevistados nesse estudo e discutida com um pouco mais de
profundidade mais à frente (principalmente no tópico 3.2).
104
progressista que, para ser construída, demanda trabalho de largo prazo e conjuntura sócio-
histórica favorável (NETTO, 1996, p. 112).
O autor destaca que essas duas ameaças colocam maiores desafios à manutenção e
aprofundamento desse projeto ético-político, exigindo de seus defensores um
imprescindível esforço no sentido de um aprimoramento profissional, que seja capaz de dar
respostas às demandas de maneira mais competente e eficiente (sem deixar de ser crítica) –
tanto em relação a outras categorias quanto em relação às demais correntes conservadoras
internas do Serviço Social.
Essas considerações de Netto nos expõe que essa distância entre o campo de
intervenção e o campo de formação profissional – ao deixar de discutir propostas de ação –
pode estar contribuindo não apenas para dificultar ações mais criativas diante da
realidade que vivem esses assistentes sociais, mas também para fragilizar as conquistas
que o projeto ético-político profissional materializou nos outros campos que
destacamos anteriormente.
Para esclarecermos essa hipótese, podemos nos remeter a uma das polêmicas
internas na categoria nos últimos anos: a hegemonia desse projeto ético-político
profissional está ameaçada? Adiantamos que responder essa questão não será um dos
objetivos dessa dissertação. No entanto, resta-nos levantar algumas indicações a respeito
das ofensivas que as demais correntes internas imprimem ao projeto ético-político
profissional. Dentre as questões discutidas a respeito dos embates entre as distintas
correntes dentro do Serviço Social, uma deve ser evidenciada nessa dissertação, pois diz
respeito exatamente à importância do campo da intervenção profissional e sua relação com
a hegemonia desse projeto ético-político profissional. Trata-se do reconhecimento, por uma
parcela de autores relevantes na construção e reprodução do projeto ético-político
profissional, de que, a partir exatamente do campo onde a perspectiva marxista no Serviço
106
A crítica, todavia, não se apresenta como antimarxista; antes, ela se realiza sob duas
formas principais, aliás complementares: 1) uma crítica à ortodoxia (que, para os críticos
é sinônimo de dogmatismo) dos marxistas brasileiros no Serviço Social; 2) uma crítica às
lacunas (e não aos equívocos) existentes nos seus trabalhos (NETTO, 1996, p. 114).
A crítica à tendência da intenção de ruptura não se apresenta como antimarxista, mas sim
afirmando que o marxismo não apresenta respostas para o conjunto dos desafios postos à
profissão pela contemporaneidade (BRAVO; MATTOS, 2007, p. 211).
Há uma crítica explicita ou velada, de cunho conservador, que afirma que a vertente
chamada por Netto (1991) de intenção de ruptura não forneceu os instrumentais
operativos capazes de colocar a “teoria em ação” (GUERRA; BRAGA, 2011, p. 2).
O desafio maior para a efetivação desse projeto na atualidade é torná-lo um guia efetivo
para o exercício profissional […] o que exige um radical esforço de integrar o dever ser
com sua implementação prática, sob o risco de se deslizar para uma proposta ideal,
abstraída da realidade histórica (IAMAMOTO, 2007c, p. 186).
É uma tarefa urgente que se coloca como desafio para os trabalhadores sociais, sob
ameaça de retrocesso (CARVALHO, 1986, p. 16)
Temos que construir estratégias que visem dar certa homogeneidade aos valores e
posturas profissionais por meio da construção de projetos que nos indique: o que fazer?;
com que meios e estratégias; quando: para onde e com quem avançar? (mas também, se
necessário, quando recuar?), e quais medidas podem ser desenvolvidas no interior da
profissão visando uma atuação mais crítica, qualificada e vinculada aos movimentos
sociais em busca de alianças na construção das condições capazes de instituir uma cultura
democrática e de respeito aos direitos historicamente conquistados pelas classes excluídas
do acesso à riqueza socialmente produzida (GUERRA, 2007b, p. 9-10).
projeto alternativo de Serviço Social […] é detectar, para além do possível aparente, as
condições objetivas e subjetivas do atual momento […] em relação ao processo global de
construção de uma sociedade nova, também através do exercício de sua prática
concreta (LOPES, 1998, p. 125-126, grifos nossos).
Os elementos expostos nesse tópico nos levam a concluir que refletir em torno da
materialização desse projeto ético-político em termos de intervenção profissional é
uma tarefa urgente que se coloca como desafio para os assistentes sociais, sob ameaça
de retrocesso em relação às nossas conquistas históricas. Esse desafio de reflexão não
diz respeito estritamente aos “teóricos” (como Lessa se referiu ao setor da categoria que
atua na academia), mas também aos assistentes sociais que, em atuação, também busquem
produzir conhecimento para o meio profissional.
Trata-se obviamente de se pensar uma ação profissional que não retroaja
teoricamente, abstraindo-se da existência do caráter relativo da autonomia profissional – e
todas suas consequências –, ou seja, essa conjuntura traz a requisição de refletir em torno
de uma intervenção profissional “consoante os limites e possibilidades de um fazer
profissional que, embora denso de conteúdo político, distingue-se da arena da militância
política” (IAMAMOTO, 2008, p. 328).
Nesse sentido, buscaremos, no último tópico desse capítulo 2, encontrar elementos
disponíveis no debate teórico compatíveis com o projeto ético-político profissional a
respeito das estratégias de atuação profissional. Esse debate servirá de base para que
possamos, no capítulo 3, adentrar com maior consistência na realidade profissional vivida
pelos assistentes sociais e, assim, captar dilemas gerais e possibilidades estratégias
plausivelmente coerentes com o projeto ético-político profissional.
Legião Urbana
intervenção junto ao público usuário. Isso significa sem interferência na estrutura decisória
da instituição. Vale lembrar que essa relação entre ambos já possui um projeto de fundo
político muito particular, que é independente da inserção do assistente social na instituição.
Nessa relação, a instituição tenta fazer com que os serviços conquistados pela classe
trabalhadora sejam viabilizados por meio da função socioassistencial do assistente social.
Porém, esse projeto institucional pretende que, nesse mesmo processo, a função
pedagógica conduza os (inevitáveis) impactos políticos dessa relação de acordo com sua
pretensão reiteradora de fortalecer a hegemonia capitalista.
Ora, se o projeto ético-político profissional dos assistentes sociais brasileiros é
orientado fundamentalmente pela corrente marxista; se essa corrente compreende a
necessidade da classe trabalhadora se unir pela derrubada da hegemonia capitalista; e se
esses usuários são membros da classe trabalhadora, esse projeto ético-político profissional
precisa apresentar uma contraproposta prática mínima ao projeto institucional.
A base de legitimidade desse projeto operativo de intervenção profissional está no
reconhecimento de uma margem de identidade, que perpassa a realidade dos diversos
assistentes sociais brasileiros. 74 A ignorância em relação a tais “elementos gerais” pode
levar a literatura a ausentar-se de debates propositivos em relação à prática profissional e,
consequentemente, a um abandono, por parte dos assistentes sociais, da literatura
profissional, alimentando a distância entre ambos. Entendemos que da mesma maneira que
um bom professor não deve ensinar alguém a nadar simplesmente jogando-o na piscina, na
expectativa que “aprenda na prática”, também não podemos colaborar para que a literatura
abandone o assistente social ao “empirismo”.
Nesse sentido, entendemos que a construção de um projeto de intervenção
profissional efetivamente orientado pela perspectiva marxista, deve mergulhar nessa tensa
relação entre generalidades e especificidades profundamente sintonizado tanto com as
74
Trata-se dos elementos mais gerais que buscamos abordar com maior ênfase nos capítulos 1 e 2, tais como a “questão
social” como objeto da intervenção profissional, a essência política do projeto institucional, as dimensões (pedagógica e
assistencial) da intervenção profissional, a condição de trabalhador, a contradição do assalariamento, o caráter relativo da
autonomia profissional etc. O elemento “geral” contido na realidade nos ensina que, quanto mais recortarmos os sujeitos
analisados, mais elementos gerais tenderemos a encontrar e menos elementos específicos tenderemos a encontrar. Os
elementos gerais trazem à pesquisa a vantagem de caber numa quantidade maior de realidades. Por outro lado, quanto
menor o universo pesquisado (e menos elementos gerais), maior a proximidade dos elementos ressaltados que perpassam
o cotidiano dos sujeitos contemplados em relação ao estudo. Por isso, gostaríamos de reafirmar que, ao ressaltarmos a
prática dos assistentes sociais, desde o capítulo 1, estamos tratando basicamente dos elementos gerais que perpassam a
ação dos profissionais vinculados ao Estado – ainda que reconheçamos que grande parte das considerações extrapole esse
âmbito de atuação, sendo assim passíveis de identificação por assistentes sociais contratados por empresas e ONGs por
exemplo.
109
[...] nas práticas populares há uma dinâmica para a mudança social; em cada demanda ou
pressão há um questionamento (às vezes embrionário) da „ordem‟ estrutural que gera e se
expressa nesta situação particular. Mas todos sabemos, por experiência, que essas
demandas e pressões também contêm um potencial de conservação [...]. As duas
dinâmicas mencionadas estão presentes na organização popular (1993, p. 106).
O signo positivo ou negativo não está metafisicamente inscrito nas ações do povo; a sua
evolução não está garantida – ela se define no processo, é produto da luta de classes e das
opções (políticas) que decidem o curso desta luta. Define-se na história, não na estrutura
(PALMA, 1993, p. 106).
Nesse sentido podemos afirmar que o elemento político é o grande responsável por
inserir o conjunto de demandas dos usuários em direta ligação com a disputa entre o
projeto profissional e o projeto institucional. Isso porque o projeto institucional requisita
do assistente social uma interferência política que desenvolva o “signo negativo” contido
nas aspirações dos usuários. A mediação essencial que contempla esse projeto de fundo
político é a função pedagógica do assistente social – ainda que essa somente se viabilize
por meio da função assistencial. Compreendendo o foco do projeto político institucional e
levando em conta sua natureza antagônica em relação à perspectiva marxista, podemos
chegar à dedução lógica de que um projeto profissional comprometido com o que
chamamos de projeto ético-político dos assistentes sociais brasileiros deve buscar
vincular sua função pedagógica no sentido de desenvolver o “signo positivo” contido
nas demandas dos usuários.
Nesse sentido, a atividade de um profissional progressista – ou seja, que “apoia,
reforça ou estimula o esforço transformador daqueles que são os atores básicos da
mudança social” (PALMA, 1993, p. 27) – “exerce uma tarefa importante, apoiando a
ruptura da dominação onde ela se torna mais internalizada – no disciplinamento social”
(PALMA, 1993, p. 141). Ou melhor, num dos campos de tentativa institucional para
promover o disciplinamento de parcelas específicas de trabalhadores.
A existência desse elemento político na prática profissional que, resguardado pela
relativa autonomia profissional, põe como possibilidade a potencialização do “signo
positivo” contido nas demandas dos usuários por meio da função pedagógica, também
conecta esse projeto profissional à disputa entre projetos societários. Isso coloca ao projeto
profissional a questão de subordinar os aspectos projetados de sua intervenção
profissional a projetos macrossocietários de conservação ou revolução da ordem
societária vigente.
Na medida em que o projeto ético-político profissional se orienta pela perspectiva
marxista e se materializa nos princípios do nosso Código de Ética – no qual, dentre seus
princípios, podemos identificar a defesa de “uma nova ordem societária, sem dominação-
exploração de classe, etnia e gênero” –, podemos afirmar que uma intervenção
comprometida com o mesmo, exige do assistente social uma postura crítica em relação aos
113
75
A luta política se refere exatamente aos objetivos macroscópicos de revolucionar a estrutura econômica capitalista e
a luta econômica diz respeito às lutas pontuais por melhores condições imediatas e objetivas de vida.
114
A luta cotidiana pelas reformas, pela melhoria da situação do povo trabalhador no próprio
quadro do regime existente, pelas instituições democráticas, constitui, mesmo para a
socialdemocracia, o único meio de travar a luta de classe proletária e trabalhar no sentido
da sua finalidade, isto é, a luta pela conquista do poder político e supressão do assalariado.
[…] sendo a luta pelas reformas o meio, mas a revolução social o fim (LUXEMBURGO,
2012).
Como vemos, ainda que as reformas estejam localizadas, a princípio, no âmbito das
“consequências” da estrutura – e não da estrutura que os determina –, Luxemburgo as
compreende como mediações capazes de atingir essa estrutura determinante. Para isso,
devemos assinalar que a relevância de sua obra concentra-se na admirável noção de
totalidade da autora, que a faz debater a questão das reformas com um notável enfoque
político, capaz não apenas de não descolar as ações imediatas 76 das pretensões de longo
prazo no âmbito macro-societário,77 mas também de levar em conta a profunda conexão
entre os aspectos objetivos e subjetivos78 presentes no processo de conquista das reformas.
Loureiro, uma das maiores estudiosas da obra de Rosa Luxemburgo do Brasil,
assinala que
76
Podemos lembrar, a esse respeito, de HO CHI-MINH, que afirma: “'um erro do tamanho de uma polegada pode
provocar o desvio de uma légua'” (2006, p. 186).
77
Michel Lowy aponta, por exemplo, que é graças ao seu “ponto de vista da totalidade que Rosa Luxemburgo rejeita
categoricamente as empreitadas suspeitas com o governo do Kaiser, propostas pelos revisionistas Heine e Schippel: voto
pelos créditos militares em troca de concessões no terreno da política social, apoio ao militarismo como fonte de novos
empregos para os operários, etc. – pseudo-vantagens parciais que não podem ser julgadas “em si”, isoladamente, mas em
relação ao movimento total, e que revelam dessa forma seu verdadeiro caráter: reforço da força militar reacionária que
será oposta aos operários sem sua luta revolucionária” (1978, p. 98). Esse posicionamento particular de Rosa – mas
também de seu companheiro de militância Liebcknecht – contra a inserção da Alemanha na guerra foi, certamente, um
dos maiores exemplos de como a conquista de reformas podem entrar em contradição com o próprio destino da classe
trabalhadora. Pois, apesar da inserção na guerra possibilitar futuramente o aumento futuro das condições do Estado
alemão ampliar ainda mais os direitos sociais e salários do proletariado alemão, essa mesma inserção significaria não
apenas a morte de milhares de trabalhadores em nome, fundamentalmente, dos lucros de suas respectivas burguesias
nacionais, mas também um negativo impacto na Revolução Russa – que, para Luxemburgo, estava em eminência. Por
isso, assim “como para Marx, a totalidade é para ela concreta e estruturada; estruturada nesse sentido preciso que as
relações ocultas e invisíveis entre os elementos do todo constituem leis de totalidade distintas das propriedades dos
elementos” (LOWY, 1978, p. 98, grifos nossos).
78
É interessante notar como essa conexão entre objetividade e subjetividade também se faz presentes em outros
clássicos do marxismo. Por exemplo, em “Che Guevara”, que indica Marx como influência essencial em relação a essa
convicção. Guevara afirma que “o socialismo econômico sem a moral comunista não me interessa. Lutamos contra a
miséria, mas ao mesmo tempo contra a alienação. Um dos objetivos fundamentais do marxismo é fazer desaparecer o
interesse, o fator „interesse individual‟, e o progresso das motivações psicológicas. Marx se preocupava tanto com os
fatos econômicos quanto com a sua tradução no espírito. Chamava-lhe „um fato de consciência'” (GUEVARA apud
LOWY, 1999, p. 93).
115
[...] em toda formação social e econômica há unidade entre fator material e fator espiritual
[...]. Rosa salienta constantemente que o socialismo precisa ao mesmo tempo de um solo
objetivo – as contradições do capitalismo – e da tomada de consciência da classe operária
quanto à necessidade da revolução. Em torno desse eixo, organiza-se o seu pensamento
político (2004, p. 70, grifos nossos).
79
É importante ressaltar que o termo social-democrata não era usado ainda naquele momento por Rosa Luxemburgo
para identificar essa corrente. Ela referia-se a ela como “revisionista”, apontando sua proposta de rever algumas
concepções do acúmulo marxista a fim de excluir dela determinados aspectos. Naquele momento, Rosa ainda fazia parte
do Partido social-democrata e, por conta disso, utilizava o termo social-democrata para indicar a concepção
revolucionária, em oposição à concepção reformista adotada por uma parcela, ainda inferior, de revisionistas presentes no
interior do partido social-democrata. No entanto, com a tomada hegemônica dos revisionistas dentro do partido social-
democrata, essa concepção reformista ficou consagradamente vinculada ao termo social-democrata.
80
Estaremos chamando de radical democratas aqueles setores que, assim como Luxemburgo, defendem a construção do
socialismo ancorados em concepções metodológicas radicalmente coerentes em relação à visão de totalidade presente em
Marx.
116
81
Bernstein é o representante social-democrata a quem Luxemburgo debate naquele momento. Como ambos ainda
estavam no Partido social-democrata alemão, Luxemburgo identifica sua linha de pensamento pelo termo “revisionista”.
117
No atual estado de coisas, consideram-se a luta sindical e a luta parlamentar como meios
de dirigir e educar pouco a pouco o proletariado, tendo em vista a conquista do poder.
Segundo a teoria revisionista, dadas à impossibilidade e inutilidade dessa conquista do
poder, devem a luta sindical e a luta parlamentar ter em vista exclusivamente resultados
imediatos, isto é, a melhoria da situação material dos operários, além da redução por
etapas da explosão capitalista e extensão do controle social. Deixando de lado a
melhoria imediata da situação dos operários, porque o objetivo é comum às duas
concepções, a do partido até hoje e a do revisionismo [proposto por Bernstein], é esta
até hoje, em poucas palavras, a diferença entre as duas concepções: segundo a
concepção comum consiste a importância socialista em preparar o proletariado, isto
é, o fator subjetivo da transformação socialista para realização desta, ao passo que,
segundo Bernstein, a importância está em dever a luta sindical e política reduzir por
etapas a própria exploração capitalista [...]. Ao examinar mais de perto essa questão,
percebe-se que são diametralmente opostas estas duas concepções (2012, grifos nossos).
Uma reforma intelectual e moral não pode deixar de estar ligada a um programa de
reforma econômica; mais precisamente, o programa de reforma econômica é exatamente o
modo concreto através do qual se apresenta toda reforma intelectual e moral (2007, p. 19).
Essa luta pelos objetivos, a curto prazo, criaria nos trabalhadores os sentimentos de
solidariedade e de responsabilidade moral para com suas próprias ações. Ou seja, talvez a
questão não deva estar somente nos resultados, nos ganhos, mas sim no processo, que é
pedagógico por si mesmo. É na luta de ação direta que as pessoas adquirem consciência
da problemática social e, assim, do seu poder de resistência (2006, p. 49).
vida pela classe trabalhadora em si mesma, antes de ser avaliada definitivamente (como
conquista ou retrocesso em relação à sua libertação), também deve ter seus impactos
políticos analisados, pois futuramente podem significar mais um “grilhão”, por mais que
tenham “forma de asas” e prometam o “céu”.
Por isso, quantidade e extensão não são, necessariamente, critérios para distinguir
se as reformas, e seus consequentes serviços, serão funcionais aos projetos societários
conservadores ou aos emancipatórios. Nesse sentido, uma ampla política governamental,
obedecendo a determinadas reformas, pode possuir um espetacular impacto na
materialidade de determinada população, mesmo cumprindo o essencial papel de contribuir
para a manutenção da hegemonia excludente do capital. Assim como a postura
revolucionária não equivale necessariamente a uma ação quantitativamente ampla e
fluorescente, mas sim, qualitativamente contra-hegemônica em prol do florescimento de
outra sociabilidade – desde que esta tenha no horizonte a estrutura determinante e não os
diversos efeitos produzidos por esta estrutura, já que avaliamos ser mais importante um
passo nas curvas da emancipação que mil na rampa escorregadia da escravidão.
Nesse sentido, a concretização dos direitos dos trabalhadores pode sim ser
funcional à acumulação capitalista, desde que o protagonismo dos sujeitos que
conquistaram esses direitos seja apagado – no plano da concepção de mundo daqueles que
usufruem de tais direitos – e substituído, por exemplo, por uma sensação de “favor” por
parte do Estado burguês. Isso está em consenso com Iamamoto e Faleiros, por exemplo, no
sentido que “a mediação dos benefícios é um processo de relações de forças, podendo
assumir a forma autoritária de „outorga‟ ou de „conquista‟” (FALEIROS apud
IAMAMOTO, 2008, p. 298).
Essa questão justifica o cuidado para que a defesa por interesses empíricos postos
no plano do imediato não se canalize para um imediatismo revisionista, numa disputa para
que a satisfação dos setores beneficiados pelos serviços socioassistenciais prestados seja
submetida a um projeto societário transgressor da ordem desigual burguesa.
Na medida em que compreendemos que a inserção do Serviço Social na
particularidade institucional é requisitada para fins de intervenção junto à “questão social”,
basicamente por meio da prestação de serviços criados em consequência de reformas, essa
polêmica luxemburguista com a social-democracia se mostra também, uma fonte de estudo
que pode iluminar o debate do projeto-ético político profissional brasileiro.
Como vimos, esse projeto, além de conceber fundamentalmente o marxismo como
119
82
Esse desafio não busca supor a inexistência ou negar as significativas particularidades temporais, geográficas e
relativas ao espaço em que o elemento político se expõe – já que o debate que situamos há pouco entre Luxemburgo e
Bernstein se trava no âmbito do partido e nossa discussão, no âmbito da prática profissional do assistente social. Em
relação a esse último aspecto, podemos considerar, por exemplo, que o assistente social, como já indicamos, não intervém
diretamente junto às reformas, mas sim com algumas de suas expressões, destacadamente com os serviços
socioassistenciais.
120
impactos políticos que os serviços vão promover no cotidiano de seus usuários por meio
dos serviços. Esse aspecto político em disputa pela função pedagógica do profissional
coloca-se como o critério central de Santos para distinguir os profissionais que chama
de “reformistas” (correspondente ao que viemos chamando até aqui de social-
democratas) dos profissionais metodologicamente “revolucionários” (que viemos
chamando de radical-democratas).
Para a autora, quando a função pedagógica rege-se por princípios e práticas
“politizantes”, o potencial da dimensão assistencial ganha um perfil por ela chamado de
“trabalho assistencial” em detrimento de sua forma “assistencialista”.
uma prática de caráter reflexivo. Ou seja, “uma prática educativa, crítica, criativa,
politizante, que aponte para a ruptura com o instituído, colocando permanentemente dois
sujeitos: usuário e profissional” (VASCONCELOS, 1997, p. 133). Trata-se de uma
concepção de função pedagógica profissional, em que o usuário seja convocado “não só a
dar informações, mas a questionar, avaliar, correlacionar, analisar, interpretar, investigar,
decidir sobre seu cotidiano – suas experiências vividas e presentes -, assumindo o papel de
investigador” (VASCONCELOS, 1997, p. 146). A autora destaca que, para isso, é
necessária uma postura profissional, em que o assistente social “não substitua a
população, ainda que possa ocupar um espaço na sua organização, o que é diferente de
fazer a organização ou organizar o povo” (VASCONCELOS, 1997, p. 138, grifos nossos).
Assim, estabelece consenso com Palma, que entende que “não é o assistente social que
engendra a mudança: é a base” (PALMA, 1993, p. 131). Partindo disso, podemos inferir
que o assistente social voltado para a mudança deve apoiar os usuários, às manifestações
críticas/organizativas e reivindicativas dos usuários.
Essa perspectiva não apenas busca explorar a potencialidade política de cada
sujeito no âmbito das relações sociais que estabelece em seu histórico de vida, como
também centraliza o usuário como protagonista privilegiado da disputa de classe na
particularidade institucional. Sob essa lógica, mais importante que os enfrentamentos
classistas dos assistentes sociais na realidade institucional (na luta pelo usuário) é a
maturação política dos usuários a partir daquela realidade. Pois estes, além de
apresentarem um caráter massivo na realidade institucional, possuem maior autonomia
para desempenharem os embates necessários, justamente por não estarem inseridos nessa
dinâmica sob a condição hierarquicamente subalternizada pelo projeto institucional de
“assalariado” (como o assistente social).
Além disso, a proposta de “tomar para si” uma luta que pertence também – e
principalmente – aos usuários, pode representar ainda uma irresponsabilidade pedagógica,
principalmente no que se refere à abstenção de buscar demonstrar que “só a luta muda a
vida”. 83 Ou seja, ainda que uma determinada demanda seja conquistada pelos usuários por
meio de enfrentamentos de determinado profissional em seu nome, essa conquista não terá
o mesmo valor pedagógico do que se ela fosse alcançada pelos “próprios punhos” dos
usuários. Principalmente porque, frente à “tutela política” do assistente social, o usuário
83
Trata-se de um lema do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado.
122
teria perdido uma boa oportunidade de desnaturalizar seu cotidiano. Nesse sentido, Palma
afirma que
O perigo [de o profissional tomar para si a postura que deve ser do usuário] [...] é que o
profissional comprometido, que assume ou representa este protesto, objetivamente
confisca o poder que o povo está adquirindo. Desta maneira, os assistentes sociais podem
ser perfeitamente reformistas na sua ação, apesar de sustentarem uma vontade e um
discurso revolucionários (1993, p. 126).
Essa ditadura [do proletariado] precisa ser obra da classe, não de uma pequena minoria
que dirige em nome dela. Ela deve, a cada passo, resultar da participação ativa das
massas, ser imediatamente influenciada por elas, ser submetida ao controle público no seu
conjunto e emanar a formação política crescente das massas populares (LUXEMBURGO,
p. 128).
A concepção de subjetividade com a qual o marxismo vai romper [...] é a que supõe o
indivíduo na qualidade de ente abstrato e idealizado, por conseguinte, exterior às efetivas
relações sociais capitalistas. Por consequência, nessa abstração, ele pode ser „modelado‟
(SILVEIRA apud DUARTE, 2012).
124
abstenção por parte daqueles que participam desse debate, no que tange à mediação desse o
conjunto de análises e projeções anticapitalistas às estratégias efetivamente compatíveis
com a autonomia que a categoria possui.
Com base nesses elementos, este capítulo recairá sobre o desafio de detectar e
discutir, na ação de determinados assistentes sociais, estratégias profissionais que, além de
viáveis e comprometidas com o projeto ético-político do Serviço Social brasileiro, se
mostrem efetivamente funcionais ao projeto societário de emancipação da classe
trabalhadora. Também buscaremos criar bases para relacionar tais estratégias a suas
principais influências no campo teórico e verificar em que medida a literatura orientada
pelo projeto ético-político dos assistentes sociais brasileiros vem sendo capaz de referendar
esses profissionais, levando em conta a necessidade de partir das efetivas condições de
trabalho e, consequentemente, da real autonomia que o cotidiano profissional proporciona
aos assistentes sociais entrevistados.
Consideramos esse esforço relevante, principalmente na medida em que esse
levantamento possibilita uma compreensão maior a respeito dos limites e possibilidades
dos assistentes sociais em seu cotidiano de trabalho, para amparar futuras pesquisas que se
proponham pensar alternativas práticas aos assistentes sociais.
Esses objetivos requisitaram a delimitação de um público-alvo e de um roteiro
investigativo. Na medida em que se trata de um tema que exige um mínimo de
aprofundamento, busquei extrair os dados centrais por meio de entrevistas
semiestruturadas, que buscassem provocar discussões pertinentes a esses aspectos. Porém,
tendo em vista que a entrevista possui óbvios limites de ordem objetivas (tempo, espaço
etc.) que lhe impossibilitam detectar a totalidade das ações profissionais embutidas nas
intervenções profissionais, a amostra não pôde ser demasiadamente extensa. Por isso, tive
de ser cuidadoso com os critérios de elegibilidade dos profissionais a serem entrevistados.
Nesse sentido, o recorte dos assistentes sociais entrevistados requisitou uma série
de cuidados capazes de obedecerem às particularidades desse estudo. Em primeiro lugar,
precisei entrevistar assistentes sociais cujos cotidianos expressem realidades mais ou
menos parecidas entre si, evitando, assim, grandes disparidades ocorridas por
determinantes peculiares e facilitando a categorização das respostas (uma área de política
social e uma forma de contratação). Em segundo lugar, na medida em que minha intenção
era recolher um leque mais variado possível de táticas e estratégias, optei por escolher
profissionais que apresentem um perfil cujos determinantes lhe indiquem maiores
126
estado do Rio de Janeiro – órgão contratante – como assistente social. Além disso, as
funções do “ouvidor” possuem características de atuação extremamente diferentes – o que
é expresso no questionário, quando afirma que a única técnica interventiva/instrumento de
atuação que se utiliza é a “entrevista”, enquanto os outros utilizam frequentemente mais de
4 instrumentos/técnicas interventivas.
Por estes motivos, apenas 7 assistentes sociais cumpriam o perfil compatível com
as necessidades do estudo e, por isso, foram convidadas para a concessão de entrevistas.
No entanto, 2 delas desistiram e apenas 5 delas de fato concederam a entrevista.
Sabemos que, antes de qualquer salto, é preciso ter o conhecimento necessário
sobre o chão em que se impulsiona. Por uma lógica muito parecida, esse capítulo será
dividido basicamente em duas partes. A primeira parte corresponderá ao tópico 3.1, em que
o leitor acompanhará um mergulho acerca da autonomia profissional. Esta categoria de
análise será exaltada nesse momento como base pela qual o assistente social comprometido
com o chamado “projeto ético-político” precisará levar em conta a cada escolha nesse
verdadeiro labirinto que é a atuação profissional. Nesse sentido, podemos dizer que nosso
percurso se pautará na perspectiva de abordar, problematizar e contextualizar alguns dos
diversos elementos que interferem na autonomia profissional, a fim de compreender
algumas tendências de sua manifestação no cotidiano profissional. Neste primeiro
momento, os leitores perceberão que os dados empíricos obtidos por meio da entrevista e
do questionário serão utilizados no debate como recursos ilustrativos acerca de uma
análise ainda centrada na discussão literária da profissão – para uma posterior aproximação
à análise dos dados empíricos.
Na segunda parte – que corresponde aos tópicos 3.2, 3.3, 3.4 e 3.5 –, o eixo de
análise se inverte: o conjunto de elementos extraídos pela entrevista transformar-se-á no
centro da análise e o conjunto de conhecimentos obtidos basicamente por meio dos debates
construídos por toda literatura transformar-se-á em bases para discutir esses elementos
empíricos. Esses quatro últimos tópicos representam, portanto, o momento primordial para
os objetivos dessa dissertação, pois trarão o debate a respeito do “que fazer?” do assistente
social. Devemos, desde já, esclarecer que essa indagação não contempla a pretensão de
formular um guia prático universal a ser rigorosamente seguido nos mais diferentes
campos de atuação profissional. Até porque estaríamos caindo em contradição com nosso
trajeto teórico caminhado até aqui e, principalmente, com a própria compreensão em
relação ao caráter variável da autonomia profissional – que discutiremos no tópico 3.1.
129
Nesse sentido, resta dizer que o objetivo dessa última parte (tópicos 3.2, 3.3, 3.4 e 3.5) será
captar elementos presentes no cotidiano desses assistentes sociais entrevistados, que
sirvam de inspiração estratégica aos leitores que intencionem materializar ações
profissionais efetivamente funcionais ao princípio de emancipação da classe
trabalhadora. Para isso, buscaremos focalizar nosso debate nas tentativas por parte dos
assistentes sociais de:
1° explorar o caráter flexível da autonomia profissional para ampliá-la.
2° aproveitar a autonomia que possuem, a fim de materializar ações funcionais ao
princípio de emancipação da classe trabalhadora.
As entrevistas ser o centro da proposta de construção dos demais tópicos do
capítulo 3. A partir delas, buscamos perceber num primeiro momento a relação entre essas
assistentes sociais entrevistados e a teoria produzida pelo Serviço Social – reflexão que
constituirá o tópico 3.2. Num segundo momento, buscamos enfocar a relação de aliança e
conflito entre os objetivos desses profissionais (comprometidos com o projeto ético-
político profissional), projeto político institucional e usuários. Partindo desse panorama de
interesses potencialmente em conflito, buscamos entender, para a construção do tópico 3.3,
os elementos básicos que conformam a realidade em que o assistente social está inserido e
a apreensão a esse respeito por parte dos assistentes sociais, para que possamos,
finalmente, detectar estratégias capazes de ampliar e explorar a autonomia profissional, de
acordo com o projeto ético-político profissional. Essas estratégias serão analisadas em dois
momentos básicos: no 3.4, no qual analisaremos os momentos em que a ação desses
profissionais se voltarão para a relação direta com os usuários, e no 3.5, em que
problematizaremos alguns momentos em que as estratégias profissionais se voltam, de
alguma maneira, diretamente contra algumas medidas do projeto institucional.
Antes de prosseguirmos, cabe dizer que, por uma questão de respeito ao movimento
da realidade, buscaremos tomar o cuidado em não analisar os dados de maneira inflexível,
no sentido de categorizar o grupo de respostas a partir das perguntas, mas sim a partir do
conteúdo de informações obtidos nas respostas. Em razão disso, o leitor pode estranhar a
problematização de alguns elementos presentes no debate acerca da entrevistas, pois
muitos elementos emergiram nas entrevistas sem que tivéssemos perguntado. Da mesma
forma, o conteúdo das respostas permitiram que algumas análises se fizessem a partir da
fusão da resposta de algumas perguntas.
130
Essas características abrem margem para que possamos nos esforçar no sentido de
refletir sobre múltiplos fatores que, muitas vezes, estão diretamente relacionados entre si e
sujeitos a serem potencializados na expectativa de fornecer ao assistente social uma
ampliação de sua margem de autonomia. A seguir, vamos apontar alguns desses fatores que
interferem nessa autonomia, e que nos parecem centrais no exercício profissional.
No contexto sociopolítico, em que a classe trabalhadora se coloca de maneira
explícita, organizada e combativa no cenário da luta de classes, atingindo níveis mais
profundos e universais de consciência, posicionar-se criticamente em relação às normas
131
84
É necessário esclarecer que esse recuo não é absoluto, na medida em que nunca deixaram de existir, na sociedade
brasileira, formas de resistência coletiva. Além disso, podemos dizer que essas resistências apesar de serem insuficientes,
parecem tomar proporções crescentes nesse início de década. Fato que deve ser relacionado ao contexto internacional de
crise estrutural do capitalismo a partir de eventos como a “Primavera Árabe”, as insurreições do Movimento Estudantil
chileno em 2008 e 2012 , os diversos movimentos na Europa e, até mesmo, em menor escala, nos Estados Unidos da
América.
132
Gráfico 1
Eles sabem que precisamos de mais profissionais. Vários setores do hospital estão
descobertos de atenção do Serviço Social. Abriu um trabalho de acompanhamento das
famílias de renais crônicos. Tinha uma assistente social que acompanhava na enfermaria.
Tinha assistente social fixo para ficar acompanhando as famílias. Com esse grupo que nós
temos aqui na unidade, esses acompanhamentos de unidade deixaram de existir. Qual é a
prioridade deles? […] Eu tenho uma enfermaria de 80 leitos de clínica médica no segundo
andar e tenho uma enfermaria de clínica médica cirúrgica ortopédica no 3° andar. Tenho
dois CTIs de adultos, uma unidade neonatal. Esses serviços estão descobertos e, hoje, só
funcionam pontualmente. [...] Eu tinha uma lógica de acompanhar os pacientes nos leitos,
identificar se eles estavam acompanhados ou não e, na hora do horário das visitas, fazer
uma orientação geral num acolhimento das famílias na emergência. Agora eu não consigo
mais fazer isso. Há superlotação na sala vermelha e na sala amarela (Entrevistada n° 5).
Eu sou plantonista de 24 horas no domingo. Eu só tenho uma colega que revezará comigo.
Éramos três assistentes sociais no domingo, agora fico eu de estatutária e uma contratada
que faz revezamento (Entrevistada n° 5).
Às vezes na abordagem que tem no leito surgem algumas dúvidas... Algumas coisas, às
vezes, também provocamos... O certo seria estarmos sempre provocando o usuário na
nossa ida ao leito para ir [...] tentando descobrir as possíveis demandas sociais. Mas às
vezes, na rotina agitada, […] não temos possibilidades de ficar “perturbando”,
perguntando, tentando entender ao máximo a história daquela pessoa para ir colaborando
ao máximo ali (Entrevistada n° 2).
Quando eu paro para refletir sobre a prática, sempre me lembro da Iamamoto, quando ela
fala que o assistente social tem que ser propositivo, não meramente executivo, tem que
investigar a realidade, decifrar e, para mim, tanto é o que eu procuro refletir para poder
cumprir, quanto é o que eu sei que não se materializa na prática. Porque na correria do
cotidiano, na prática, para você tentar ser propositivo e não [meramente] executivo. Com
uma porta que bate e que você atende um com dez esperando, entendeu? Com uma
emergência que você não consegue nem fazer uma abordagem ao paciente porque,
enquanto você está falando com um, está o alto-falante, lá “assistente social compareça ao
acolhimento”. Como você vai tentar ser propositivo numa realidade dessa? Diante dessa
realidade? (Entrevistada n° 4).
134
Na prática do Serviço Social aqui no hospital, devido à superlotação, devido ao caos que
está instaurado nessa unidade, o Serviço Social não tem feito mais abordagem leito a leito
(Entrevistada n° 4).
Eu tenho me sentido a “assistente social do óbito”... […] Eles falam: “Não, mas vocês não
vão comunicar, mas aqui está dizendo que vocês têm que estar juntos com o médico na
hora da comunicação do óbito!”. Mas o médico comunica o óbito e os assistentes sociais
fazem as orientações referentes ao sepultamento, verificam se tem assistência funerária e
se não tem condições à gratuidade. Só que, [...] com a entrada da OSCIP [Organização da
Sociedade Civil de Interesse Público], eu posso dizer claramente: na emergência, a
qualidade do atendimento caiu, porque, assim como caiu a qualidade do atendimento, a
qualificação técnica do Serviço Social caiu – por conta da transferência compulsória das
assistentes sociais estatutárias para outras unidades –, e também caiu em relação aos
outros profissionais. Isso não é um problema que está acontecendo só com o assistente
social. Está acontecendo também com as demais categorias. Então, os melhores médicos
da emergência, que eram estatutários: caíram; os melhores enfermeiros: caíram. Quem
está lá? Os contratados. E vou dizer: morre muita gente. O que significa morrer muita
gente? Na hora de comunicar o óbito, eu acompanho dez óbitos por dia! […] Como está
tendo muito óbito, estou me sentindo a assistente social do óbito, porque, na medida em
que a comunicação do óbito à família demanda a presença do Serviço Social. Às vezes,
chega ao ponto em que o nosso apoio emocional não está sendo “apoio emocional ao
familiar” não; está sendo apoio emocional de um profissional para o outro, porque
sobrecarrega emocionalmente tanto a ele, que é profissional, quanto a mim. Foram muitos
óbitos. […] Está complicado não só para o Serviço Social, mas também para as outras
categorias. É uma realidade que a saúde pública está vivendo. Não vamos dizer: “Só esta
acontecendo com o Serviço Social”. Está acontecendo com todas as outras categorias
(Entrevistada n° 5).
No momento que você está atendendo, não consegue imprimir a mesma qualidade nesse
atendimento, porque você tem […] um número reduzido de profissionais. Que
“camuflagem” é essa? [...] Meu hospital aumentou, o número de infecções aumentou, e eu
fico procurando com meus “parceiros” de domingo, [...] eu vou à sala da ortopedia e fico
falando assim: “E aí, como está o atendimento?”. Eles respondem: “O pessoal está
revoltado!” [...]. Então, eu vou tendo uma leitura do que está acontecendo no meu plantão
de domingo. [...] isso tem implicações na qualidade do atendimento. Outro dia eu soube
que fizeram 20 cirurgias de ortopedia e liberaram, [...] no outro dia reinternou todo mundo
com infecção. Entendeu? Então que lógica é essa? (Entrevistada n° 5)
Essa assistente social acabou apontando outro mecanismo que vem interferindo na
autonomia de alguns assistentes sociais na saúde do estado do Rio de Janeiro: novos
modelos de gestão das políticas sociais. São as Fundações de Saúde, Organizações Sociais
e Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP). A partir dos comentários
de uma das entrevistadas, podemos ter maior noção de como esses processos se
manifestam na particularidade do cotidiano de trabalho dos assistentes sociais que a ele
estão submetidos. O primeiro ponto que chama a atenção está ligado ao próprio caráter
mercantilista, que busca promover uma mudança de paradigma na saúde, subvertendo
circunstancialmente sua natureza enquanto direito de todo cidadão, garantido pelo Estado.
No trecho a seguir, podemos identificar como noções básicas como a de “trabalhador” são
135
Veio um oficio para o Serviço Social (mas também veio para as outras categorias). Eu
conversei com o psiquiatra da saúde mental, […] falei: “vocês sabiam que nós não somos
mais trabalhadores da saúde, somos colaboradores da saúde?”, e no oficio vinha dizendo
que vamos passar pelo treinamento informatizado. E no documento diz que somos
colaboradores e precisamos ser “calibrados”... Ele usou a palavra “calibrados”. […]
Penso que estamos vivendo um momento de tremendo retrocesso (Entrevistada n° 5,
grifos nossos).
Tínhamos um diretor técnico que sentava e conversava sobre os fluxos, o Serviço Social
participava disso. Eu acho que tinham algumas coisas que caminharam. […] avançamos e
depois retrocedemos. Estamos vivendo um momento de tremendo retrocesso, sem
perspectiva de discussão, que num momento recente ainda havia um embate de ganhos e
perdas. Tínhamos algumas conquistas. Nesse momento, perdemos nossas conquistas e
retrocedemos cada vez mais. Porque a lógica agora, nessa nova gestão, é outra. E ela não
favorece. […] O diretor chegou para equipe e falou assim: “Nós somos os donos da casa,
somos nós que temos que administrar a casa” (Entrevistada n° 5, grifos nossos)
Fragmentou o grupo, quebrou politicamente grupo. Mas isso foi uma estratégia da OSCIP,
porque ela [...] fez isso com as outras categorias, [...] Diminui o grupo forte que você
tinha. Você fica com outro, que vai fazer o que você quer que faça, vai fazer mesmo. A
direção falou: “Se você não quiser entrar na partilha sai fora! Sai fora... Entendeu?” […]
enquanto profissional está isolado (Entrevistada n° 5)
instituições.85
Os Assistentes Sociais têm relativa autonomia na execução do seu trabalho nos limites
impostos pela conjuntura social e as instituições empregadoras […] Isto significa chance
de escolha, de imprimir sentido, direção valorativa às suas ações, mas para isso são
necessárias condições básicas de trabalho e preparo profissional contínuo (FORTI, 2010,
p. 234, grifos nossos).
85
Segundo Forti, esse determinante é explicitamente notável na realidade brasileira nos últimos anos (décadas de 1990,
2000 e início da década de 2011) marcados pelo neoliberalismo. Para ela, “O Serviço Social, que lida com a „questão
social‟, vem sofrendo sérias repercussões em seu âmbito de ação. Seus agentes profissionais, além de vulneráveis como
os demais trabalhadores assalariados, têm que trabalhar em condições particularmente adversas, uma vez que trabalham
nas políticas sociais num período em que as propostas de ação, fundamentalmente, não ultrapassam perspectivas
assistencialistas, que articulam focalização e repressão e reforçam a face repressiva da segurança pública” (2010b, p. 26).
137
Gráfico 2
86
Vale a pena afirmar que, como veremos no próximo item, esses arsenais costumam ser atribuídos diretamente à
figura do assistente social. Ou seja, tais dispositivos são elementos importantes para pensar a compreensão do que é e o
que faz o Serviço Social e de sua respectiva legitimidade.
138
Isto, por sua vez, lhe oportuniza trabalhar de maneira mais contínua, previsível, e com
ações menos imediatistas, assim como também potencializa a possibilidade do profissional
explorar a dimensão pedagógica de sua prática profissional, tanto no sentido de orientá-los
para que consigam acessar outros serviços/benefícios sociais disponíveis na rede
socioassistencial quanto para contribuir na formação de uma consciência mais crítica e
coletiva por parte deles.
Por outro lado, a falta de serviços e benefícios oferecidos na instituição,
condizentes com as necessidades materiais do público usuário da instituição onde os
assistentes sociais atuam (como a que se costuma presenciar em tempos neoliberais), tende
a imobilizar os profissionais e a própria instituição, na medida em que distanciam o
público usuário daquele espaço. Essa limitação, em termos de efeitos assistenciais, acaba
por dificultar até mesmo a adesão por parte dos usuários às iniciativas profissionais de
caráter fundamentalmente educativas.
A respeito desse determinante e sua dimensão flexível, Faleiros destaca que “a
autonomia desse profissional na atribuição de recursos e na prestação de serviços é
limitada” (FALEIROS apud MONTAÑO, 2007, p. 105). Ou seja, na concepção do autor,
ainda que esse elemento que determina a autonomia profissional também seja flexível, no
sentido de ser ampliado, os assistentes sociais costumam não ter muita autonomia a
respeito da quantidade e qualidade desses recursos.
No quesito “arsenal de serviços e benefícios disponíveis”, como podemos ver mais
adiante no gráfico 3, as assistentes sociais que tiveram seus questionários considerados por
esse estudo se mostraram bastante divididos. 7 assistentes sociais afirmaram que a
disponibilidade dos serviços e benefícios sociais, como estão disponibilizados pela
instituição hoje, afetam positivamente sua autonomia, com intensidade predominantemente
classificada como “regular”. Outras 3 profissionais afirmaram que esse fator vem coagindo
sua autonomia, indicando uma possível escassez destes meios de atuação, sob direta
influência do período de enxugamento neoliberal das políticas sociais.
139
Gráfico 3
Por exemplo, o usuário chega na saúde e não tem acesso às leis, ao exame, a uma
internação, a uma consulta e, quando tem, não tem acesso ao medicamento, [...] às vezes,
a pessoa está desempregada e a previdência, cada vez com os “mínimos sociais” para o
acesso dos benefícios, ao BPC [Benefício de Prestação Continuada], ao Bolsa Família...E
não tem emprego, a educação não funciona... Tudo isso diminui nosso leque de
possibilidades de intervenção (Entrevistada n° 3).
Uma questão que causa impacto muito grande no nosso cotidiano de trabalho é a questão
da falta de rede (da intersetorialidade). Não existem políticas sociais funcionando, a partir
do momento que você acessa política de assistência procurando CRAS, CREAS, centrais,
centrais de “repouso”, instituições públicas de abrigamento (seja de população de rua, seja
de idoso)... Não tem! É uma questão que me causa maior inquietação aqui no cotidiano de
trabalho (Entrevistada n° 4).
[…] [Por exemplo, o usuário] está em situação de alta [...]. Nessas situações, informamos
ao usuário que vamos procurar uma instituição, que vamos dar um retorno assim que
possível […]. Primeiro elaboramos um ofício, informando qual é a história do morador de
rua [...] ou do idoso, para ver se existe a possibilidade de reinserção dele na sua família ou
amigos etc. Enfim, para verificar se existe algum vínculo, ainda seja com um amigo ou
família. Esgotada essa possibilidade: […] começamos a busca. Elabora oficio e envia para
140
87
Não queremos, com isso, entrar em qualquer tipo de polêmica no sentido de afirmar ou negar que sua atividade
produza (direta ou indiretamente) riqueza ou não. Queremos apenas destacar que o Serviço Social foi criado e se
reproduz sob a central atribuição de criar condições políticas e culturais para a reprodução do capitalismo, diferentemente
do operário de uma fábrica, cujas atribuições se voltam, centralmente, para a produção de riqueza.
141
Essa dimensão externa costuma ser muito mais complicada de ser apreendida.
Podemos dizer que pode se manifestar basicamente de duas maneiras: primeiramente, pela
substituição de uma categoria profissional por outra no trato de determinadas demandas.
Trata-se da preocupação exposta por Netto em meados da década de 1990, quando
contextualiza:
Gráfico 4
Gráfico 5.
144
Estou num vinculo precário. Atualmente, é superprecário. Eu não sei como vai ser o dia
de amanhã. Ou melhor: eu não sei nem […] o que vai ser de mim em março.88 Eu não sei
se eu vou estar lá, se não vou estar... [...] Tudo interfere na nossa motivação, nosso
interesse e na resolução... (Entrevistada n°2)
Porque dizer que a função do assistente social, segundo aquela “cartilha” amarela que
pegamos no CRESS, [que diz que a função do assistente social] é “garantir os direitos dos
usuários”... Quem vai garantir? Eu vou garantir? Nós dependemos desse emprego, desse
salário! Como você vai criar um embate? Pegar o usuário na mão e levar lá em cima,
sabendo que isso vai te prejudicar? Ainda mais nesse vínculo precário que temos
(“FESP”),89 eles diriam: “Opa, você está fazendo isso? Você está errada! Amanhã você
não vem mais trabalhar aqui, você vai trabalhar numa instituição lá em Vassouras. Você
vai querer ir?” (Entrevistada n° 4).
Acho isso fundamental. Por exemplo, tenho dois vínculos: num vínculo, eu sou bolsista, e
no outro sou terceirizada. Isso faz uma diferença extrema para a relação onde eu trabalho.
[…] Mas acho que, mesmo assim, o contrato de trabalho se diferencia ali. Assim, por
exemplo, na hora de falar: “Olha, eu não estou concordando com essa situação de
trabalho. Quero que mude”. […] [ou] “Não, eu não estou concordando essa situação de
88
No período da entrevista (dezembro de 2011), havia um forte boato, reproduzido inclusive por funcionários do
“Recursos Humanos” de algumas unidades da saúde do estado do Rio de Janeiro – onde essa e outras assistentes sociais
entrevistadas são contratadas temporariamente – de que a Secretaria de Saúde do Estado do Rio de Janeiro (SES)
dispensaria todos contratados. O que significaria a quebra do tempo previsto pelo contrato para serem substituídos pela
Fundação. Esse fato não ocorreu até o presente instante (2012).
89
“FESP” é a sigla da banca organizadora referente ao concurso para profissionais da saúde da SES. Apesar de ser
apenas uma banca, que, a propósito, nem existe mais, os profissionais contratados temporariamente por esse concurso são
conhecidos dentro das instituições como “FESPs”.
145
trabalho, vamos pensar num outro” ... É lógico que também influencia (Entrevistada n° 3).
Esse grupo que entrou [os contratados pela OSCIP] passou na ponta dos dedos: fulano foi
indicação de fulano; fulano porque o marido é amigo de prefeitura do [nome do prefeito];
a outra porque foi indicada [...] entendeu? Então, é um grupo que depende politicamente
daquele emprego, tem uma dependência da instituição frente aos desmandos, porque, se
eu não obedeço, eu perco meu emprego (Entrevistada n° 5).
Para beneficiar a relativa liberdade de que dispõe [o assistente social], para privilegiar sua
estratégia de ação e seu poder de barganha, este ator depende basicamente de quatro
90
A respeito dessa transferência, a referida entrevistada descreve: “foram colocadas para fora da unidade, como eu te
falei, as outras estatutárias foram ao ponto no mês de novembro e receberam um comunicado de que seria devolvida para
a secretaria de saúde, foram alocadas para outros locais, diferente dos horários que elas trabalhavam, distantes, ou seja,
não foram colocadas à sua escolha” (Entrevistada n°5).
146
Gráfico 6
O Serviço Social, [...] na medida em que dirige seu processo de formação não meramente
para o atendimento direto das demandas institucionais, mas, formando um profissional
crítico e competente, que organize o coletivo em entidades fortes e representativas e que
consolide o seu Código de Ética claramente orientado em certos valores definidos
coletivamente, o assistente social pode ver reforçada sua margem de manobra
(MONTAÑO, 2008, p. 138).
Gráfico 7
O nosso conselho mesmo, [...] muitas vezes, é falho em alguns pontos que poderia ser
mais atuante. E ficamos naquela: “Como vou denunciar se eles não vão fazer nada?”.
Então nesse ponto, o professor estava até falando, acho também que temos que entender o
papel do sindicato e do conselho... Deveríamos ter um sindicato, contar com um sindicato,
só que não temos! Esse caso, por exemplo, deveríamos contar com um sindicato, […] mas
só temos conselho, e o conselho fica de mãos atadas... (Entrevistada n° 2),
91
Talvez os dois exemplos mais notáveis a esse respeito sejam a “lei das 30 horas semanais”, por se tratar de uma lei
capaz de garantir aos profissionais “melhores condições de trabalho”, na medida em que ameniza a exploração dos
assistentes sociais e a própria “concorrência interna” no mercado de trabalho profissional e a Lei de Diretrizes e Bases da
ABEPSS. Essa lei garante à categoria um instrumento sólido de reivindicação e combate para uma formação crítica e de
qualidade, capaz de orientar o assistente social na utilização de sua “relativa autonomia” num caminho efetivamente
diferente daquele indicado e pressionado pela instituição.
150
autonomia [...] o assistente social conta [...] com a regulamentação de funções privativas e
competências” (IAMAMOTO, 2008, p. 422), que lhe garantem maior autonomia,
principalmente frente a outras categorias e à instituição contratante. A partir dessas funções
privativas e competências, os assistentes sociais são menos pressionados por outras
categorias em termos de concorrência de emprego. Esses fatores podem, portanto,
beneficiar a autonomia profissional ao determinar positivamente outros fatores já
destacados acima (por exemplo: a questão da “concorrência interna” e o “prestígio
profissional”).
Para Forti, o Código de Ética dos assistentes sociais representa
Gráfico 8
Gráfico 9
Tem duas profissionais na unidade que eu percebo que elas jogam o ”jogo” da instituição,
ou melhor: se tiverem que jogar o “jogo”, elas jogam o ”jogo” da instituição, não jogam o
nosso. […] Eu sei que naquele meio vai ter gente [...] que não está afim, que não está
seguindo conosco o mesmo projeto. Eu vou colocar a minha cara a tapa [...]? As sete
juntas colocando a cara a tapa é uma coisa... […] Realmente é difícil, entendeu?
(Entrevistada n° 2)
92
É interessante assinalar que, dentre as duas profissionais que não se disseram intencionadas em materializar o projeto
ético-político profissional na instituição onde atuam, nenhuma respondeu não estar intencionada. Ambas marcaram a
opção “outro”. Um argumentou que essa questão não fazia sentido e outra respondeu que “não mais”, na medida em que
seu contrato estava chegando ao fim.
153
grande parte dos profissionais com quem atuam, ainda que não compactuem com tal
projeto, se comporta numa perspectiva de aliança institucional – consciente ou não – com
esse projeto. Chama atenção, ainda, a relevância com que esse elemento favorece grande
parte dessas respostas: 6 das assistentes sociais, além de perceberem um impacto positivo
no que tange à autonomia profissional na sua relação com os outros assistentes sociais,
ainda indicaram o peso máximo a esse respeito, em termos de intensidade.
Gráfico 10
São meninas que vieram com um viés de “faculdades particulares” […]. Todas são de
faculdades particulares, […] elas até fazem capacitação. Por exemplo, agora quando
recebemos o comunicado da inscrição da pós [graduação da UERJ], eu avisei [que
estavam abertas as inscrições], mas ninguém fez inscrição, quando eu fiz a inscrição no
ano passado eu também divulguei. Ninguém fez a inscrição. Aí elas procuram cursos de
pós-graduação particulares, que as vezes nem estão atreladas ao assistente social. Por
exemplo: área da família... Então, elas não procuram uma universidade pública, vão
procurar aquelas pós-graduações que sejam mais fáceis e, além disso, têm também um
diferencial teórico em termos de formação. Por exemplo, quando estamos falando de
alguma experiência, alguma coisa conceitual, eu falo: “Olha, não pode falar isso não,
porque isso tem a ver com isso, isso e isso”. Aí elas falam assim: “Então, você podia nos
assessorar”. A partir disso, você percebe que tem a questão política envolvida com o
vínculo empregatício delas, mas, para além disso, tem também essa fragilidade teórica de
formação. […] Elas até trabalham com autores do Serviço Social com que nós estamos
acostumados a trabalhar [...], mas, quando vamos fazer uma comentário sobre a visão
daquele autor, elas apresentam essa fragilidade (Entrevistada n° 5).
Com outra categoria, eu acho a relação ruim porque não existe um trabalho “multi”, e é
ruim também porque o Serviço Social é muito grande dentro do hospital, e acabou que se
formaram „ilhas‟ de equipes (Entrevistada n° 3).
Então, é uma equipe que não faz reuniões... Esse ano […] tivemos apenas uma reunião, no
início do ano. O que é muito pouco numa equipe que não se encontra, que só se encontra
na hora da troca de plantão, onde um está supercansado depois de 24 horas e o outro ainda
está chegando ali. […]. Então, tudo isso rebate no nosso atendimento (Entrevistada n° 2).
Outro elemento relevante que deve ser refletido diz respeito à relação do Serviço
Social com outras categorias profissionais que a profissão atua institucionalmente. As
diferentes profissões inseridas na rotina institucional possuem características diferenciadas
em termos de inserção, função, hierarquia, status, projeto profissional, legitimidade etc.
Dessas diferenças e da dependência entre essas profissões surgem conflitos e/ou alianças
entre elas. Essas duas possibilidades, por sua vez, influenciam diretamente a autonomia
155
profissional na medida em que, quanto maior o grau de afinidade das demais categorias em
relação às perspectivas do assistente social, maior tende a ser a autonomia do profissional
frente ao projeto institucional. Nessa medida, Iamamoto explicita que “na defesa de sua
relativa autonomia [...] o assistente social conta com [...] a articulação com outros agentes
institucionais que participam do mesmo trabalho cooperativo” (2008, p. 422).
A esse respeito podemos perceber que, os dados tabulados correspondentes às
informações expostas no gráfico 11, assim como no gráfico 10 – referente à relação deles
com os demais assistentes sociais da própria equipe –, a maioria (10) das assistentes sociais
que respondeu ao questionário afirma que o tipo de relação que estabelece com os demais
profissionais com quem atuam contribui para sua autonomia, e apenas duas daquelas que
responderam a esse questionário disseram que a forma como a relação com as demais
categorias se estabelece hoje interfere negativamente em sua autonomia. No entanto, há
uma diferença sutil. Se, para com as demais assistentes sociais o resultado predominante (6
dentre as 12) foi o que classificou essa contribuição de maneira “intensa”, quando
perguntadas a respeito do relacionamento com outras categorias, predominou (também
com 6 respostas) a opção “regular”.
Gráfico 11
Acaba que essa precarização não é questionada, porque é tudo subjetivo. É muito
subjetivo “Não, mas ele vem de Caxias para cá, o cara tem problema motor, não sei o quê,
mas o cara é muito safo!”; “Não, mas você tem que entender que ele é assim mesmo, é
autonomia dele” (Entrevistada n° 1).
157
[…] Não só a hegemonia médica, mas pelo menos assim: acho que os outros profissionais
no campo da saúde ainda não conseguem ter uma visão ampliada do conceito de saúde, e
é através desse conceito ampliado da saúde que o Serviço Social entra nessa área, na
atuação dentro dos hospitais que vai justificar aquela ação mais para depois da década de
80 e de 90. E como não tem essa compreensão de que a saúde não é só a parte biológica,
que perpassa a questão da formação dos médicos, dos enfermeiros, dos profissionais de
saúde, acho que às vezes as coisas se misturam um pouco (Entrevistada n° 3).
Podemos perceber, no relato a seguir (da mesma assistente social), como, apesar
das conquistas históricas no âmbito formal de concepções progressistas – tais como o
conceito ampliado de saúde e a interdisciplinariedade –, a hegemonia médica, diante do
tradicionalismo na área, ainda encontra refúgio no autoritarismo:
Eu queria muito falar dessa médica. Ela atrapalha totalmente o Serviço Social. Não vou
nem falar “atrapalha”: ela desrespeita, passa por cima da nossa atuação. É uma médica
[…] ela está aqui três vezes por semana (o que é pior), […] e a gestão ama essa médica
porque ela é a médica “resolutiva” e chega para resolver. O dia em que o plantão tá
lotado, se no outro dia é o plantão dessa médica, ela chega aqui e vai “limpar” o hospital.
A enfermagem também agradece, porque muito paciente significa muita demanda para
enfermagem. Então, beleza: “Olha, doutora fulana, ela chega para limpar o hospital”, e ela
desrespeita totalmente a nossa prática. Ela tem o aval da gestão, da direção do hospital.
Desrespeita nosso trabalho, por mais que você evolua no prontuário: “Estamos em busca
de vagas, estamos tentando localizar a família...”, “paciente possui família, no entanto
estamos conseguindo contato”, isso não quer dizer nada para ela. Ela passa por cima, e no
outro dia, se você pergunta: “Cadê o usuário?”, respondem: “Fulana deu alta e ele foi
embora”. Ou então, “Dra. fulana deu alta, levou até a porta e deu o dinheiro para
passagem” (Entrevistada n° 4).
enfim... Trabalhar diante dessa situação, tentar materializar tudo que prega no Código de
Ética, diante desse contexto em que vivemos, é complicado (Entrevistada n° 4).
Serviço Social também pode projetar para si mesmo uma estratégia de uma luta por
maiores níveis de participação no poder das instituições em que trabalha, e resistir com
isso à instrumentalização burocrática de que é objeto (1983, p.176-177).
O Serviço Social tem um conhecimento, por dentro da instituição, [mas] você não vê
diretor de unidade hospitalar que seja assistente social. Mas ele, às vezes, sabe muito mais
do que o seu próprio diretor. […] Eu trabalhei no antigo hospital [nome do hospital], em
que o diretor era dono de locadora e só tinha ensino fundamental. Então, a dinâmica do
hospital todo quem dominava éramos nós. Ele não dava um “ai” sem que ele não nos
solicitasse. Então, por que a assistente social não pode ser diretora de uma unidade
hospitalar? Nós conhecemos a unidade hospitalar como ninguém. Podemos não ter
discernimento de outros espaços técnicos. Mas temos o conhecimento [...] daquele
espaço... Claro que tem o domínio médico, bem ou mal, tem uma lógica sobre o poder
médico, o saber médico dentro da unidade, mas temos muito conhecimento (Entrevistada
n° 5).
Até o que tentamos fazer [...] nos deparamos com a interferência de outros profissionais,
ou ainda, quando solicitamos, precisamos da ajuda. Não a temos, porque não existe um
trabalho interdisciplinar, ainda mais numa emergência com plantões com profissionais
diferentes, que têm visões diferentes, divergências, inclusive, principalmente, para dar alta
(Entrevistada n° 4).
159
[o relacionamento] com outras categorias, eu acho ruim, porque não existe um trabalho
“multi”[disciplinar] (Entrevistada n° 3).
Então, o assistente social chega oito horas, mas o médico chega às 7.[...] Ninguém senta,
ninguém projeta, pelo menos nas clínicas (Entrevistada n° 3).
93
Competência não apenas técnico-operativa e teórico-metodológica, mas também ético-política, o que implica levar
em conta não apenas a capacidade de sua ação, mas, também, as implicações que sua atuação desempenhará no cotidiano
dos usuários-trabalhadores do Serviço Social.
160
O Serviço Social é em geral identificado, [...] como uma profissão que executa as decisões
dos outros (os „políticos‟), que conhece a realidade social por meio dos olhares dos outros
(os „cientistas sociais‟) e que assiste às populações carentes, mas como auxiliar de outros
profissionais (MONTAÑO, 2007, p. 101).
O que sempre me chama a atenção é essa questão da clareza dos usuários e, em especial,
da instituição e profissionais sobre o que é o Serviço Social, sobre o que faz o Serviço
Social. E, muitas vezes, por falta de clareza, acabamos negando tudo ou fazendo tudo. São
dois polos que eu vejo em geral nos profissionais. E o tempo todo tem que ficar
explicando, inclusive para assistentes sociais. As duas [assistentes sociais da instituição]
têm a dificuldade de entender o que é o Serviço Social e, em especial, qual é o caráter
socioeducativo da profissão (Entrevistada n° 1).
Apesar de essa clareza atingir a sociedade em geral, por fidelidade aos objetivos
dessa dissertação, priorizaremos, aqui, a interferência dessa “(in)compreensão” em duas
direções: por parte do usuário e por parte da instituição.
No que tange ao ponto de vista da instituição, podemos nos remeter ao debate
lançado há pouco (a respeito da hierarquia institucional), cujas atribuições do assistente
social ganham um agravante hierárquico, ancorado, obviamente, na condição de
assalariado do profissional. Na saúde por exemplo, é comum que a instituição demande ao
Serviço Social todo “imprevisto” que extrapole o campo do “biológico”. É como se, além
das atribuições efetivas, coubesse ao assistente social tudo aquilo que não cabe a mais
ninguém na unidade de saúde.
[a mentalidade da instituição pensa que:] “O que não é biológico, o que não conseguimos
resolver o Serviço Social faz”... E, às vezes, se mistura a parte administrativa, parte que
qualquer profissional de nível técnico poderia fazer, por conta dessa confusão, dessa
incompreensão.(Entrevistada n° 3)
A princípio, podemos pensar que o único problema em executar essas ações está no
consumo de tempo e energia do assistente social em ações que não lhe cabem. No entanto,
devemos ressaltar que a execução dessas ações tende a significar também a compressão do
tempo do profissional dedicado a ações pelas quais possui efetivamente formação
suficiente para imprimir práticas mais sólidas, conscientes, profundas e coerentes.
162
94
Uma dessas assistentes sociais que declararam perceber a existência dessa compreensão atua numa unidade que, além
de prestar assistência à saúde, também é de ensino. Declara o seguinte a esse respeito:“Eu acho que por eu estar dentro de
um hospital universitário, que fica um pouco mais claro do que o Serviço Social é, quais são as atribuições, qual é a
função. Por exemplo: entrei em 2009, fui estagiária, aí formei em 2010 e voltei agora em 2011 e parece que foi
construindo ao longo do tempo algumas coisas, alguns limites que em outros hospitais não existem” (Entrevistada n°3).
163
Gráfico 12
Em quem já passou por algum atendimento do Serviço Social, eu acho que o impacto [da
compreensão a respeito do que é e o que faz o Serviço Social] é positivo, mas os usuários
que não conhecem o Serviço Social às vezes não conseguem compreender, fica um pouco
naquela noção da ajuda, da caridade (Entrevistada n° 3).
muitas vezes não podem ser solucionadas pelo assistente social ou que deveriam ser
demandadas e solucionadas por outros profissionais – de maneira muito parecida com a
que acabamos de assinalar por parte da instituição. Por exemplo:
Porque também tem isso, tem muita coisa que vem bater na minha porta que não é do
Serviço Social (Entrevistada n° 2).
Ele acha que deveríamos resolver determinadas demandas que realmente não são
competências nossas. E que, até por questão de hierarquia, não competem ao Serviço
Social resolver (Entrevistada n° 4).
Dessa maneira, abre-se margem para criar um efeito “bola de neve” na medida em
que se costuma trazer uma insatisfação – e até mesmo embates – dos usuários em relação
ao Serviço Social, contribuindo para a não legitimação (ou desprestígio) profissional,
vulnerabilizando-o frente ao projeto institucional. Vejam como essa questão é observada
por uma das assistentes sociais entrevistadas:
[…] tem um momento em que a impressão é que o outro é quem diz o que você faz, você
rebate que não é você quem faz. Fica aquele embate prejudicial para a população: „Ah,
mas se não é o Serviço Social, então quem é que vai fazer?‟ (Entrevistada n° 5).
O que eu percebo também é: se ele tivesse um domínio maior do que o Serviço Social faz,
muitas vezes existem demandas sociais, mas que estão escondidas e a pessoa não fala. Às
vezes, a própria pessoa que está ali na minha frente precisa de uma Bolsa família, mas não
fala (Entrevistada n° 2).
autonomia, apenas duas dessas mesmas profissionais afirmaram que esse elemento
influencia intensamente. Também se repete, aqui, o equilíbrio entre aqueles que
consideram que a realidade interfere em seu cotidiano positivamente, e aqueles que
consideram que a interferência é negativa, respectivamente: 7 e 4. No entanto, notamos
que, no caso dos usuários, a realidade ainda se mostra mais propícia do que convicções da
instituição a respeito do Serviço Social. Isso porque, no caso da compreensão por parte da
instituição, apenas 4 dessas assistentes sociais afirmaram contribuir para a autonomia
profissional, 95 enquanto 5 interpretam essa interferência de maneira negativa.
Gráfico 13
95
Vale destacar que, dentre essas 4 profissionais que consideram que as convicções por parte da instituição a respeito
das atribuições profissionais interferem positivamente na autonomia profissional, duas possuem o contrato de trabalho
vinculado de alguma forma à formação (“treinamento Profissional” e “bolsa residente”).
166
ponto de vista dos usuários do assistente social e da instituição.96 Essa determinante é tão
relevante que
Este profissional só pode desempenhar o papel para o qual é contratado desde que seja
aceito e legitimado pela população assistida. [...] Assim seu executor [das Políticas
Sociais] deve possuir certo grau de legitimidade perante a população assistida
(MONTAÑO, 2007, p. 62).
96
É preciso explicitar que, assim como no caso da questão da compreensão das atribuições do assistente social, os
dados empíricos analisados não foram extraídos a partir do contato com os usuários e a instituição, e sim a partir da
impressão que os assistentes sociais têm a esse respeito.
97
Essa situação se torna ainda mais tensa na medida em que os interesses efetivos da classe trabalhadora são
antagônicos aos interesses hegemônicos das instituições que o contratam, e exatamente por isso o Serviço Social pode
fortalecer apenas um dos lados. Nessa medida, podemos concluir que um dos lados será iludido e outro contemplado, ou
haverá um desprestígio do profissional por um dos dois lados.
167
Levando em conta que, no caso brasileiro, houve essa aproximação histórica entre a
origem de classe dos assistentes sociais e dos usuários, é possível que esse fator também
venha interferindo favoravelmente em relação a essa legitimidade. Essas foram algumas
medidas que contribuíram para o aumento do prestígio; no entanto, estão longe de serem os
únicos determinantes dessa legitimidade.
Gráfico 14
168
Gráfico 15
Mas também há um prestígio torto. Eu percebo o seguinte: […] se você “dança” como
“eu” [a instituição] “danço”: ótimo, todo mundo muito bem, assim caminha a
humanidade. Se você não “dança” como eu “danço”, se você não faz o que eu quero fazer,
então não vai ficar tão legal assim, não vai ficar tão bom assim. A relação não vai ficar tão
bacana [...] Então o que eu percebo: quando fazemos algo útil à unidade, seguimos as
demandas da unidade, seguimos as demandas da instituição, temos uma serventia ali
dentro, mas, quando não fazemos, não [temos esse prestígio] (Entrevistada n° 2).
Aqui nessa instituição em específico, não temos uma boa relação com a gestão. Porque o
Serviço Social aqui, vive no enfrentamento de negar a informação do óbito e efetuar
transferências. Aqui, enfrentamos a gestão, negando que essas funções sejam atribuições
do Serviço Social. Então, devido a isso, não temos uma boa relação com a gestão. O
Serviço Social não é bem visto pela gestão por conta desse enfrentamento (Entrevistada
n° 4).
Embora haja, por parte dos assistentes sociais pesquisados, consciência do caráter
relativo de sua autonomia profissional, devemos destacar que isso não lhes exime de que
possam, involuntariamente, cometer práticas pontuais características das orientações
messiânicas e fatalistas. É justamente para auxiliar aqueles que pretendem evitá-las que
esse tópico (3.1) buscou levantar alguns dos múltiplos elementos determinantes da
autonomia profissional que perpassam a prática do assistente social. Pois acreditamos que,
destacando tais elementos e problematizando-os com base na teoria profissional produzida
e na realidade de alguns profissionais, poderemos contribuir para que assistentes sociais
possam imprimir reflexões sobre outros cotidianos profissionais de maneira a aprimorar a
consciência a respeito de sua real autonomia profissional e, assim, distanciar-se ao máximo
de práticas messiânicas e fatalistas.
Os instrumentos de coleta de dados utilizados também se mostraram úteis para
confirmarmos o caráter variável da autonomia profissional, apresentando-nos realidades
tão diversas que, quando perguntadas “quanto você quantificaria sua autonomia dentro da
instituição onde atua?”, houve uma significativa variação entre 5% a 80% das respostas
fornecidas pelas profissionais.
Quanto ao caráter flexível da autonomia profissional, podemos dizer que ele
também se evidenciou no questionário por meio da confirmação das assistentes sociais
quanto à interferência em sua autonomia profissional de alguns elementos construídos
historicamente. Por exemplo: o Código de Ética e a Lei de Regulamentação, que são
exemplos de flexibilização histórica positiva para a autonomia profissional.
A respeito desse caráter flexível da autonomia profissional gostaríamos de
comentar mais uma questão acerca desse debate. Trata-se da possibilidade estratégica de
utilizar essa autonomia para ampliar ainda mais sua autonomia profissional, na medida em
que “resguardar a relativa autonomia na condução do exercício profissional supõe
potenciá-la” (IAMAMOTO, 2008, p. 219).
debate a ser travado. Nele, após uma breve caracterização do perfil das entrevistadas,
buscaremos enfocar aspectos a respeito das referências teóricas dessas entrevistadas. Isso
porque partimos do pressuposto de que essa relação atravessará profundamente a atuação
daqueles profissionais que se dizem comprometidos com os preceitos do projeto ético-
político profissional, ao servirem de base potencializadora/inspiradora para desempenhar
estratégias críticas e viáveis.
Como dissemos, /assistentes sociais que participaram do questionário participaram
também da entrevista. Pois, como também já havíamos informado, 2 profissionais tiveram
que ser desconsideradas por não serem da área da saúde; 3 por não se colocarem à
98
disposição para conceder uma entrevista; 1 por atuar em ONG; 3 por atuarem em
empresas; 2 quando perguntadas se intencionam materializar o atual projeto na instituição
onde atuam, não declararam claramente a intenção de materializá-lo em seu cotidiano de
trabalho; e 1 delas por não atuar especificamente como assistente social. Dessa maneira,
entrevistamos 5 profissionais, todas atuando como assistentes sociais na saúde, contratadas
pelo Estado, em processo de formação continuada no Curso de Pós-Graduação em Saúde
da Faculdade de Serviço Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e que, no
questionário, declararam explicitamente ter intenção de materializar o projeto ético-político
em seu cotidiano profissional e de colaborar com esse estudo. Também chama a atenção o
fato de que todas as 5 assistentes sociais entrevistadas se considerem orientadas pela
perspectiva marxista. Observa-se que a faixa etária dessas profissionais entrevistadas varia
entre 25 e 52 anos, tendo uma média de 31,8 anos. A maioria das entrevistadas (4) se
formou também em universidades públicas, sendo 2 pela Universidade Federal
Fluminense, 1 pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1 na Universidade Estadual do
Rio de Janeiro – sendo a única graduada em universidade particular ex-estudante da
UNISUAM. 99 Outro dado extremamente importante é a predominância das formas
precarizadas de vínculo empregatício, pois, dentre as assistentes sociais entrevistadas,
apenas uma declarou estar vinculada à instituição sob a condição de estatutária, ao passo
que 3 declararam estarem em contrato temporário e a restante em treinamento
98
Sendo que dessas três, apenas uma havia declarado, já no momento do questionário, que não estava disposta a
conceder uma entrevista. As outras duas se disseram dispostas para conceder a entrevista, mas, após o convite, não
concederam.
99
Essa predominância também pôde ser notada pelos dados extraídos pelo questionário, onde 10 das assistentes sociais
que responderam ao questionário declararam ter se formado em graduações públicas, sendo 5 da UFF; 3 da UFRJ; 2 da
UERJ; e 2 da UNISUAM.
173
profissional. 100
Em síntese, podemos dizer que, predominantemente, essas entrevistadas são
bastante jovens, todas estão formadas há menos de 15 anos e comprometidas com a
demanda ética pela formação continuada. Além disso, chamou a atenção que todas
assistentes sociais entrevistadas declararam se orientar pelo pensamento social marxista e
estar comprometidas com o chamado projeto ético-político dos assistentes sociais
brasileiros. Todos esses elementos parecem favoráveis à materialização de algumas ações
condizentes ao projeto ético-político profissional em seu cotidiano de atuação. No entanto,
o último dado exposto no parágrafo anterior adensa a tensionada posição dessas
profissionais: a predominância de formas precarizadas de contrato de trabalho.
Antes de iniciar a análise proposta, é necessário destacar que, tendo em vista a
necessidade de resguardar o sigilo das profissionais entrevistadas e a relativa exposição das
mesmas devido à entrega e recolhimento dos questionários à turma de especialização da
pós-graduação em questão, buscaremos alternar a numeração de cada assistente social a
cada bloco de temas postos em debate. Isso porque a identificação de um número fixo para
cada entrevistada para o debate de todos os dados poderia, por meio da relação de algumas
respostas, expor a identidade de algumas entrevistadas. Nesse sentido, a cada bloco de
temas para debate, a numeração correspondente a cada entrevistada será alterada. No
entanto, tomaremos o cuidado de identificar os momentos em que haverá essa mudança. O
que será feito a partir da letra entre parênteses. Assim, por exemplo, o entrevistado
correspondente ao código “A1” no primeiro bloco de análise, no bloco seguinte, poderá
corresponder ao entrevistado “B3”.
Na primeira pergunta da segunda parte da pesquisa empírica, buscamos observar
algumas das fontes teóricas que as profissionais selecionadas para a entrevista julgam
contribuir mais para seu exercício profissional, a fim de observar se há incompatibilidades
recorrentes e acentuadas entre essas referências teóricas e o chamado projeto ético-político
profissional (pelo qual as 5 entrevistadas se disseram orientadas). Além disso, buscamos,
com essa pergunta, levantar autores que, ao menos para o perfil específico eleito para essa
entrevista, apresentem maior influência.
100
É interessante destacar que essa proporção é relativamente parecida com aquela exposta pelo total das profissionais
que responderam ao questionário, em que 7 se vinculam por meio de contratos temporários, 2 por contratos de
estatutários, 2 como bolsistas de treinamento e 1 declarou estar vinculada por meio de “CLT”.
174
Tabela 1
Iamamoto 4 80%
Ana Vasconcelos 4 80%
José Paulo Netto 3 60%
Bravo 3 60%
Maria Dalva da Costa 2 40%
Mattos 2 40%
Mioto 2 40%
Nogueira 1 20%
Berenice Couto 1 20%
Ana Elizabeth Mota 1 20%
101
Behring 1 20%
Código de Ética 1 20%
Lei de Regulamentação 1 20%
Rosângela Barbosa 1 20%
Mourão Vasconcelos. 1 20%
Faleiros 1 20%
Sposati 1 20%
Foucalt 1 20%
Como podemos ver na tabela 1, na medida em que foram citados pela maioria das
profissionais entrevistadas, podemos classificar como autores de maior influência: Marilda
Vilela Iamamoto, Ana Maria Vasconcelos, José Paulo Netto e Maria Inês de S. Bravo.
Devemos destacar que todos são intelectuais que, além de estarem em consenso com o
atual projeto ético-político profissional, foram também influências determinantes na
construção desse projeto, participando do debate brasileiro desde a década de 1980. Além
disso, a influência marxista em suas respectivas obras se faz presente como base
orientadora desde a década supracitada. Também devemos mencionar que os quatro
possuem graduação em Serviço Social, lecionaram em Escolas de Serviço Social e tiveram
essa profissão como um dos temas principais de suas respectivas trajetórias intelectuais.
Esse perfil, marcado pela influência do marxismo, pela graduação em Serviço
Social, pela vinculação ao projeto ético-político profissional e pela produção literária
101
A autora Behring, apesar de não ter sido citada nessa resposta, aparecerá no depoimento dessa assistente social como
inspiração direta para seu exercício profissional. Justificando: “eu fiz um projeto de intervenção de orientação sobre as
politicas públicas com os usuários e familiares e técnicos do serviço. Ai eu utilizei muito a Behring, a questão da politica
social numa perspectiva de totalidade” (A1). No entanto, não inclui essa autora nessa lista resguardando a possibilidade
dessa utilização ter sido pontual.
175
voltada para o público de Serviço Social, ainda que de maneira menos rígida, predomina
também entre os demais autores citados pelas entrevistadas com menor intensidade. 102
A partir das entrevistas, podemos dizer que o número de autores citados por cada
profissional variou entre 4 e 8, tendo maior dificuldade para referenciá-los exatamente a
única profissional situada na área de saúde mental, enquanto as demais entrevistadas
apresentaram uma média de sete referências. A explicação para esse dado parece vir em
outro momento da entrevista desta profissional que atua na área da saúde mental, quando
deixa transparecer uma carência da produção intelectual do Serviço Social nessa área:
Nós também fizemos um projeto de intervenção (que está sendo colocado em prática).
Somos eu, outra assistente social e uma psicóloga. Coordenamos um grupo de álcool e
outras drogas com usuários de drogas que são psicóticos graves […] com comorbidade.
Ou seja, além de serem psicóticos, fazem uso abusivo de drogas ou tematizam esse uso.
Às vezes não fazem uso abusivo, mas tem uma questão com a droga e trabalhamos isso
com eles. Usamos, na verdade, não uma literatura do Serviço Social, porque eu a achei
deficiente (A1).
Além dessa exposição, a única bibliografia do Serviço Social que essa assistente
social apontou na área de saúde mental foi seguida de ressalvas: “tem algumas coisas que
eu acho complicadas, mas são referências na saúde mental, que não podemos deixar de ler”
(A1). Esses fatos podem apontar uma carência por parte da produção intelectual no campo
específico da saúde mental.
Após citar suas principais referências, as assistentes sociais sentiram a necessidade
de justificar algumas respostas. Vejam o que elas disseram sobre as referências que eles
buscaram justificar:
Netto e Iamamoto: “você consegue trabalhar de forma critica, tendo uma visão
bastante” (A5).
102
Antes de avançar, gostaríamos de destacar que há, sem dúvidas, exceções e heterogeneidades importantes dentre as
fontes teóricas destacadas pelos profissionais, mas que não cabe aprofundamento nesse estudo por não apresentarem
alterações na trajetória estipulada pelos objetivos dessa dissertação. No entanto, na medida em que se mostra como uma
grande dissonância em relação ao perfil geral assinalado até aqui, uma referência merece ser destacada: Foucault, que
além de não ser referência marxista, não é assistente social, não tem o Serviço Social como uma de suas principais
temáticas de produções intelectuais e é o único autor internacional citado pelos assistentes sociais.
176
Behring, Iamamoto e Netto: “o Serviço Social tem que ter a visão do todo para
Barbosa: “há uma questão muito forte de trabalho e geração de renda, eu tenho
Costa: “[...] ela aborda varias questões que [são] muito fortes mesmo para o
cotidiano” (A 2).
Mota: “Os textos em que ela trabalha um pouco essa coisa mais „macro‟ trazer
Ana Maria Vasconcelos: “por conta da „prática reflexiva”... Aquele lá, se você
faz seu trabalho burocratizado. Peguei por um viés que aquele material que você escreve
todo dia [...] e a própria dinâmica da instituição em relação às suas intervenções nos
grupos, principalmente nos grupos (A5).
intervenção profissional até para contribuir para a autonomia mesmo, dentro da instituição
enquanto categoria enquanto organização em nível de trabalho”103(A2).
própria discussão dos conselhos, vemos pelas […] dificuldades de participação nos
conselho como instrumento de emancipação do sujeito. Como um meio. Vemos muita
dificuldade. Há unidade de saúde que não tem conselho de gestor, nem participação dos
103
Apesar de ela apontar esse marco geral entre os três autores, a assistente social, em seguida, enfocou um tema referente em
particular em cada um deles: Behring: “a política social”; Iamamoto: “o histórico do Serviço Social”; e Netto: “a questão da história do
impacto econômico e tudo isso aí”.
177
poder. Gosto de ler o „Estratégias‟, até devido a essa questão da correlação de forças. Acho
importante ler Faleiros, porque ele trabalha com essa questão da correlação, do poder
institucional, eu acho que Faleiros, para quem está na saúde, nesse nível é importante”
(A5).
Sposati: “eu sei que, de alguma forma, trabalhamos na saúde, na saúde entendida
num nível mais ampliado para dar conta da leitura da assistência” (Entrevistada 5)
atendimento à saúde, uns textos muito bons que me fizeram repensar mesmo as nossas
ações e esse modelo antigo que está vindo com uma nova roupagem” (A 5).
Código de Ética: “é primordial para poder pautar a nossa prática, seja qual for a
Lei de Regulamentação: “para você poder pautar a sua prática, saber o que pode
e o que não pode, o que é atribuição, o que é competência, o que é atribuição privativa” (A
4).
que, além da leitura com vistas ao aperfeiçoamento de sua intervenção profissional, outros
propósitos também levaram essas assistentes sociais a procurar as referências citadas. Os
propósitos destacados foram: construção da monografia, estudar para concurso público,
assim como para a especialização que estão cursando.
Em seguida, pedimos que esses profissionais citassem algumas propostas de ação
indicadas nessas literaturas que eles conseguissem colocar em prática, com certa
constância em seu cotidiano, e propostas que eles não conseguissem colocar em prática. O
objetivo dessa pergunta foi o de perceber em que pontos essa literatura do Serviço Social
se mostra instrumento real para a atuação dos profissionais interessados em materializar
seu projeto profissional e, em que pontos ela não vêm conseguindo serem postas em
prática. Vejamos os discursos de cada assistente social a esse respeito.
A “A1” destacou como propostas de intervenção indicadas pela literatura do
Serviço Social aos assistentes sociais, que, de fato, julga conseguir materializar, em sua
respectiva realidade institucional, a realização e implementação de “projeto de
intervenção” e de “grupo de estudos”.
Por exemplo, [...] eu fiz um projeto de intervenção, até para o pessoal conhecer o que é o
Serviço Social, conhecer o caráter socioeducativo da profissão. Eu fiz um projeto de
intervenção e orientação sobre as políticas públicas com os usuários e familiares e
técnicos do serviço.[...] Nós também fizemos um projeto de intervenção (que está sendo
colocado em prática). Somos eu, outra assistente social e uma psicóloga. Coordenamos
um grupo de álcool e outras drogas com usuários de drogas que são psicóticos graves […].
Fazemos ainda um grupo de estudos (A 1).
Quanto às propostas indicadas pela literatura que a profissional alega não conseguir
materializar no cotidiano do trabalho profissional, como veremos a seguir, a entrevistada
afirmou que a dificuldade está em dar melhores respostas às demandas, por se tratar de
uma instituição da área de saúde mental e pela precariedade da rede socioassistencial
oferecida pelas políticas sociais nessa conjuntura.
O José Paulo [...] coloca que existe […] um questionamento do marxismo (das ideias pós-
modernas e tudo mais) e que a direção do profissional vai ser dada através das demandas
que ele coloca e quem der melhor resposta a essas demandas vai dar o horizonte da ação
profissional. Eu vejo muita dificuldade disso na saúde mental, […] é muito difícil
trabalhar uma perspectiva mais crítica e dar essa direção mais crítica para a prática
profissional. Fica dificultado na saúde mental, eu percebo que é muito psicologizante […].
E, então, para aquilo que não temos autonomia, também por conta da insuficiência do
serviço da rede, o que também prejudica muito, não tem autonomia. Às vezes, você não
consegue fazer nada, não consegue fazer nada! Por causa dessa questão da insuficiência
desses serviços, da precarização das políticas sociais. E, acaba que essa precarização não é
questionada, porque é tudo levado limitadamente para o lado do subjetivo, do sujeito (A 1)
.
indicadas pela literatura que consegue materializar em seu campo de atuação, não
formulou uma resposta diretamente compatível em relação à pergunta. No entanto, buscou
ressaltar uma questão que, a seu ver, está muito presente em seu cotidiano de trabalho,
causando-lhe a seguinte reflexão:
Tem coisas que ela [Maria Dalva Costa] coloca que, para uma pessoa que já conhece a
área da saúde, pode ser uma coisa tão simples, mas para mim é bem interessante. Uma
delas é que você nunca vai ver a concretização do resultado. […] Você não consegue ver
os resultados esperados. Por exemplo […], numa fábrica, o trabalhador [...] da fábrica ele
vai ver o celular montadinho. Nós [assistentes sociais da saúde] não vamos ver o resultado
do nosso trabalho, porque a pessoa vai embora. Vamos fazer o nosso trabalho, vamos
fazer a nossa orientação... […] não vamos ver a concretização dos resultados...[...]
Recebemos problemas, mas as coisas progredirem […], não vemos (A 2).
Na literatura nem tanto. Mas, às vezes, eu percebo muito, por exemplo, na sala de aula, na
fala, até de professores conceituados, temos percebido (não só eu) [...] às vezes,
mostramos uma situação, uma inquietação de uma coisa que conseguimos implementar,
que é uma coisa muito difícil. E chega o [...] doutor: “Ah porque você não conseguiu,
você não está com boa vontade para fazer isso, você tem que ser um profissional criativo
para procurar ...” […] Entende? (A 3).
Eu gosto muito desse texto da prática reflexiva da Ana Maria de Vasconcelos que trata da
socialização das informações, da questão da reflexão (A 2).
Os “estudos socioeconômicos” que a Mioto discute, em que ela conta como pode
contribuir, isso é algo que fazemos, com que trabalhamos [...]. Elaborando um estudo que
pudesse ampliar a sua intervenção, que pudesse sair das inserções imediatas de demandas
que estão ali implícitas, então acho que esse estudo ele realça, materializa (A2).
Eu acho importante na minha inserção no trabalho com grupos, a minha atuação é mais
necessariamente na abordagem individual e o máximo que eu faço é com a família, mas
nunca tive uma experiência de grupo. Mas outros profissionais dentro do mesmo espaço
fazem (A 2).
A assistente social “A4” não apontou nenhuma proposta de ação profissional que
consiga efetivamente materializar durante sua ação profissional. Limitou-se apenas em
indicar propostas que se esforça para seguir, justificando, em seguida, alguns motivos do
insucesso. No discurso a seguir, notamos que, apesar da consciência e adesão dessa
profissional em relação a alguns objetivos propostos pela literatura (no que diz respeito ao
horizonte profissional), percebe-se que tais objetivos não são compatíveis para aquela
realidade institucional104 ou os conteúdos assimilados pela profissional não foram
suficientes para encontrar mediações em seu cotidiano de trabalho para que se atinja tais
objetivos. Observemos:
Quando eu paro para refletir sobre a prática eu sempre lembro da Iamamoto que fala [...]
dos adjetivos do assistente social. Que tem que ser propositivo (não meramente executivo)
tem que investigar e decifrar a realidade. Para mim, tanto é o que eu procuro refletir para
poder cumprir quanto é o que eu sei que não se materializa na prática por conta da
correria cotidiana. Ao mesmo tempo em que é o positivo, que é o que eu deveria me
basear, eu sei que é o que não se materializa. É o que eu vejo de negativo na minha
prática (A4).
104
Vale destacar que, dentre as assistentes sociais entrevistadas, essa foi a 2° colocada no que diz respeito ao nível de
autonomia que julgou ter. Avaliou-se com 50% de autonomia frente à instituição. No entanto, devemos destacar que,
dentre as cinco profissionais entrevistadas, a realidade em que o embate da equipe de Serviço Social com a hierarquia
institucional se coloca em pauta com maior força parece ser a dessa profissional. O que parece ser consensual é que,
dentre as duras realidades expostas por essas profissionais, a sua é uma das mais difíceis.
181
Eu penso que esse trabalho com famílias, para quem está trabalhando com emergência,
[…] para que eu consiga isso, não adianta que eu consiga sozinha, isoladamente, tem que
ser um trabalho todo dia. Para que isso se materialize, eu vejo que a equipe precisaria
sentar e parar para pensar o que estamos fazendo, o que está sendo a atuação do Serviço
Social. Que propostas temos que tentar. Como antes nós tentávamos. […] Cada um está
fazendo uma coisa diferente. No Rio, eu consigo, numa sistematização da prática,
apresentar alguma coisa do trabalho que eu faço. No Rio, eu consigo fazer isso dentro da
unidade. Por que em Caxias eu não consigo elaborar nada? Não há trabalho sistematizado
do Serviço Social. Então como é que vamos racionalizar o que fazemos? […] não tem
apoio, temos uma chefia que precisaria pedir. Quando começamos, eu estou lá no plantão
de domingo com uma […] outra colega no outro domingo, porque o revezamento vai ser
com outra, e esse grupo é fragilizado (A 5).
105
Não estamos buscando afirmar nem que as propostas realizadas por esses profissionais sejam as únicas realizáveis
em outros campos de atuação. Nem estamos orientando que o leitor absorva essas propostas que não foram bem
182
[…] não é comum que consigamos uma vitória diante de certos embates. Principalmente a
questão da alta social. Na maioria das vezes, não temos êxito. [...] Na maioria das vezes,
não é comum. O mais comum é que não seja respeitada a nossa situação... (A 4).
No entanto, o que mais chamou a atenção com as perguntas que fizemos para
chegar a tal conclusão foi o fato de que, apesar de termos feito perguntas curtas e diretas, a
maior parte das respostas foi longa e suas respectivas objetividades não foram condizentes
com os objetivos das perguntas. Além disso, o que se destacou foi a abstenção de respostas,
pois, ainda que em outras partes das entrevistas os profissionais tivessem constantemente
exposto uma série de experiências a respeito de seus procedimentos e frustrações, nos
momentos em que pedimos para relacionar esses procedimentos ao debate profissional, os
profissionais não conseguiram se lembrar de muitos exemplos. Ou seja, houve uma
evidente dificuldade, por parte das entrevistadas no que diz respeito a indicar propostas de
ação por parte desta literatura do Serviço Social.
Essa questão se relaciona à última que procuramos analisar a respeito da relação
dessas assistentes sociais com a teoria produzida. Primeiramente, vamos analisar os
méritos da literatura profissional na opinião desses assistentes sociais. Em seguida,
analisaremos os limites apontados pelos profissionais.
sucedidas por esses assistentes sociais como as “impossíveis”. Sabemos (e viemos destacando isso até aqui) que a
realidade e autonomia profissional em cada campo variam e, por isso, é possível que tentativas frustradas nesses campos
analisados sejam possíveis em outros e vice versa. No entanto, estamos apontando que o fato de essas propostas terem
sido materializadas em seus respectivos cotidianos pode contribuir para indicar caminhos mais viáveis a outros
profissionais do que aquelas que não conseguiram ser materializadas.
183
Acho que o mérito está aí. A literatura tem ajudado o profissional, mas [...] ela é
extremamente importante na atualização, porque há quem não faça isso [leitura]... (C1)
Então, você vê, a literatura está toda certa: “redução do Estado”, “contenção dos gastos
públicos”... Está tudo lá, a literatura está mostrando para nós o tempo todo. E estamos
nessa... nunca participa. Você está vendo que nada está fora (C1).
Méritos: eu penso que seja o compromisso com essa análise “macro”. Acho que o Serviço
Social avançou bastante. Pesquisas... Dá para termos uma análise da estrutura [...] alguns
conhecidos falam “Ah ,você é a pessoa mais crítica que eu conheço” [...] (C 3).
Alguns conseguem traduzir o que expressamos, mas ainda não está 100%. Alguns
conseguem... (C5).
Alta social... Eu não estou encontrando nada a respeito. Na verdade, ainda não busquei
tese de mestrado, doutorado, mas no que há de literatura divulgada não tem. Não tem nada
que fale a respeito de como lidar com a questão da alta social. A questão da
184
[...] precisará de pessoas, assim, um estudo [...] das Fundações na saúde, não temos ainda
isso concreto, está muito incipiente. No Rio de Janeiro está andando aos poucos e tal, mas
não temos material sobre isso. Vejo também que pouco se escreve sobre a prática
profissional. Acho que ainda é pouco, que alguns temas nós não vemos na discussão do
Serviço Social. Você vê em nível de literatura algumas coisas. Quando você vai ver na
prática, eu percebo que ainda estamos escrevendo pouco (C1).
Além do que acabamos de observar, levando em conta também a carência por parte
da produção intelectual marxista exaltada anteriormente pela “A1”, a respeito do debate
sobre saúde mental, podemos destacar como temas de pesquisa mais urgentes do ponto de
vista dessas assistentes sociais: “alta social”, a intersetorialidade, a saúde mental, os novos
modelos de gestão dentro da saúde e a prática profissional.
Esse último ponto assinalado servirá para introduzir os outros três discursos a
respeito dos atuais limites da literatura profissional. Cabe assinalarmos que as três
profissionais que problematizaremos a seguir possuem críticas que extrapolam a simples
ausência de pesquisa, colocando em pauta críticas mais duras, no entanto, sem sair do
campo da perspectiva de ruptura.
A assistente social C3 inicia seu discurso como se estivesse aprofundando o que a
“C 1” citou: ausência de debate sobre a prática profissional.
Limites, muitos... Eu acho que a Ana Maria [Vasconcelos] até nos deu uma aula na
especialização e ela estava iniciando uma estudo para identificar o que o assistente social,
o que o Serviço Social pesquisa. Ela falou que são 70 pesquisadores de alto nível da
CNPQ [...] e, desses, ninguém pesquisa Serviço Social. Então isso é um problema muito
grande para mim, é um problema muito, muito grande... Porque as pessoas vão falar o
efeito […], mas não vão falar do Serviço Social e isso estabelece um limite muito grande:
as pessoas que estão vinculadas ao Serviço Social – e são as mesmas pessoas que estão
representando a categoria profissional: ABEPSS, CFESS, nos CRESS – não estão falando
do Serviço Social, não estão pesquisando Serviço Social e, portanto, não produzem para o
Serviço Social. E depois as pessoas falam: “Ah, teoria não é diferente da prática”. E quem
está pesquisando a prática? Entendeu? É muito complicado. Eu acho isso um grande
limite. E outras coisas, por exemplo: pouco vemos doutores na prática de assistente social.
A pessoa fez mestrado e passou para o doutorado: larga o trabalho no campo de
intervenção. [...] Diferente dos outros profissionais da saúde, você vai ver doutor
psicólogo, doutor médico, doutor fisioterapeuta... Nutricionista trabalhando no hospital...
Doutor assistente social? Talvez numa ENSP, talvez num INCA sabe? Só (C3).
Na categoria, aprofunda-se a distância entre os teóricos (cuja base social tem seu centro
na academia) e o conjunto dos profissionais cujo universo é a prática. Não é mero acaso
que nossos congressos vão se tornando tão caros que apenas a parcela mais rica da
profissão pode participar (LESSA, 2011, p. 295).
Retomando a resposta da assistente social C3, podemos perceber que ela destaca,
ainda, uma preocupação com o fato de que os mesmos autores, que não se mostram
preocupados com a prática profissional, representam politicamente a categoria. No entanto,
se seu destaque a respeito da relação desses “teóricos” com a prática profissional foi
explicitado, sua crítica a respeito desses serem também os representantes das entidades
profissionais ficou apenas no esboço, sem que pudéssemos compreender exatamente essa
segunda questão.
Além disso, a entrevistada C3 também chama a atenção a respeito de uma possível
particularidade do Serviço Social: a de que os profissionais com maiores titulações tendem
a migrar seu campo de atuação para a academia. Essa questão nos parece plausível e pode
estar relacionada a uma série de fatores, mas um deles nos parece mais sólido assegurar: os
salários de assistente social tendem a ser bem inferiores aos disponíveis na academia. Uma
106
É necessário assinalar que essa divisão não pode ser tomada de maneira rígida e mecânica, pois em nossa categoria
há assistentes sociais que dão aula, produzem textos científicos, apresentam trabalhos em congressos etc.
107
Não nos cabe, aqui, defender uma dissolução entre “teóricos” e “práticos” (para usar os termos de Lessa), mas sim
ressaltar que a necessária existência entre ambos deve se exercer da maneira mais próxima e harmônica possível, de
maneira tal que os teóricos contribuam ao máximo para subsidiar a intervenção dos “práticos” e vice-versa.
186
[...] muitas vezes, essas pessoas estão fora de seu espaço de trabalho, não são “autores
terminais das politicas públicas”, não são! Estão aqui dentro [dentro da academia]
imersas... É muito fácil... (C5).
Acho que, se você ver os nomes que temos, os grandes nomes de assistentes sociais,
de autores, eles não estão na prática. A Vasconcelos não está trabalhando como
assistente social, nem a Bravo... Acho que o Maurílio ainda está [...] é o único que ainda
escapa. Pelo menos os do Rio de Janeiro, a própria Iamamoto, o próprio José Paulo, o
Montaño, são pessoas que estão ali na academia. Eles vivem de escrever, vivem da
academia, vivem dela. Uma coisa é estar entre essas quatro paredes aqui da UERJ, outra é
você viver dentro do cotidiano do trabalho, dentro do cotidiano de uma UPA, você sendo
comprimido de várias formas. [...] Poderia estar muito mais avançado. Eles poderiam
estar muito mais em consonância com o que vivemos se estivessem ligadas com a
prática (C5, grifos nossos).
Por exemplo, se vocês escreverem, quando forem parar para escrever, vocês [que estão
pesquisando, mas também estão atuando como assistentes sociais] não vão ter o mesmo
prestígio que Bravo e Matos têm. […] Espero que consigamos modificar isso. Que
sejamos os profissionais na prática, mas que consigamos também produzir conhecimento
(C 5).
Essa entrevistada (C5) também destaca outro ponto extremamente relevante, que,
de certa forma, entra em consenso com a argumentação da assistente social recém-
abordada (C 5). Trata-se de uma noção de autonomia profissional por parte da academia
que, de maneira geral, se mostra consideravelmente incompatível com a realidade que
esses profissionais dizem viver. Segundo essas duas profissionais, existe, por parte dos
“teóricos”, uma cobrança de postura que, ao exigir ações que eles não encontram meios
possíveis de realizar, se mostra relativamente compatível com o “messianismo”.
[…] se não falarmos dos embates, muitas vezes nós falamos, vem outra pessoa e fala
como se você chegasse e batesse de frente, batesse peito e depois tudo certo, tudo ok.
Você não tem nenhum tipo de retaliação, você é um mártir! Então, você vai ser feliz, vai
ser um mártir do Serviço Social e, no final, tudo vai ser lindo. E não é assim. É muito
difícil […] Às vezes, eu tenho a sensação também de que, quando você está na sala com
187
colegas e um professor,, às vezes você fica até meio constrangido de falar da prática e o
cara achar que você está fazendo algo conservador (C5)108
Eu acho que o limite é que às vezes a literatura acaba sendo muito voluntarista. Parece
que se o assistente social for crítico e conseguir entender as coisas de uma forma mais
ampla, nessa sociedade, ele vai conseguir colocar o trabalho em prática. Pelo menos, eu
percebo isso na literatura em relação à saúde. Tudo você pode mudar de alguma forma e
não é bem assim (C 2).
108
É importante destacar que, para essa assistente social, esses recalques messiânicos se concentram no nível da
formação em sala de aula, embora não desconsidere a ocorrência disso na literatura: “Ah, mais na academia, porque o
cara não fala tão fortemente no texto, pelo menos não estou lembrado que tenha lido na literatura no momento... Mas isso
é mais na formação que isso é muito forte” (C 5).
188
grande parte da literatura lida por esses profissionais não cumpre em si mesma a função de
expor (ao menos didaticamente) mediações propositivas entre as questões abordadas e suas
respectivas realidades profissionais. Ainda assim, quando essas propostas são feitas,
parecem tender a análises equivocadas sobre a real autonomia profissional e,
consequentemente, indicar propostas de atuação profissional de maneira muito próxima ao
messianismo.
Isso dá sentido também às análises feitas pela assistente social C5, de que na sala de
aula é que ocorrem as maiores incompatibilidades entre a proposta acadêmica e a realidade
da autonomia profissional. Afinal, os alunos e assistentes sociais possuem muito mais
possibilidades de cobrar respostas do professor do que do “escritor”. Com isso, o professor
tende a ser mais exigido no papel de “arriscar” em termos de indicações práticas de
materialização do projeto ético-político profissional nesse cotidiano de atuação.
Esse conjunto de opiniões das assistentes sociais entrevistadas, como podemos
perceber, ainda que não se coloquem de maneira muito organizada e alinhada, conformam
uma hipótese relevante que diz respeito ao distanciamento entre os “teóricos” e os
“acadêmicos”. Trata-se de uma hipótese que não nos cabe verificar sua validade para fins
desse estudo, mas que, no entanto, deve ser destacada para colaborarmos com pesquisas
posteriores a respeito da prática profissional.
Antes de prosseguirmos com o debate, devemos dizer que esse tópico que se inicia
pretende resgatar alguns elementos básicos que conformam a realidade em que o assistente
social está inserido e a apreensão disso pelos assistentes sociais, para que possamos,
finalmente, nos dois últimos tópicos, detectar estratégias plausíveis e criativas que sejam
capazes de materializar o projeto profissional em relação ao projeto burguês.
Ao longo do estudo, lançamos mão de reflexões a respeito do antagonismo entre o
projeto institucional e o projeto ético-político profissional. Indicamos, ainda, a necessidade
de se considerar o conjunto de aspirações que cercam o usuário do Serviço Social na
instituição. Destacamos que esse conjunto de aspirações se expressam numa série de
demandas que possuem o potencial de uniformizar-se relativamente em torno de questões
189
São todos membros da classe trabalhadora. Então, todos ali estão num nível próximo de
classe social... [...] Classe média, classe baixa, estão todos mais ou menos num mesmo
nível. Então, esses rebatimentos que a classe trabalhadora sofre acabam sendo refletidos
na vida deles e, consequentemente vão gerando essas situações (D1).
A classe trabalhadora em geral, [...] Eu acho que o que perpassa é a questão da classe
mesmo. A questão de classe social mesmo (D5).
Uma primeira questão que podemos identificar, de maneira mais ou menos clara,
nas respostas desses assistentes sociais que acabamos de citar é a origem de classe desses
usuários. Embora apenas as entrevistadas D1 e D5 tenham deixado clara a identidade de
classe deles, as entrevistada D2, D3 e D4 também expressaram dados que nos remetem
facilmente à identidade de classe, como poderemos verificar a seguir:
O fato de o público usuário do Serviço Social ser formado por trabalhadores é uma
consequência clara de tudo que debatemos até aqui a respeito do projeto institucional e da
“questão social”. Por um lado, porque a prática profissional contém uma dimensão objetiva
190
O que perpassa é a questão da classe mesmo. [...] Porque [o hospital em que trabalho], por
ser especializado, de referência, de alta complexidade, não é só para a população mais
pauperizada. Há outro público também, mas o público que chega ao Serviço Social para
essas demandas, que no item anterior eu citei, geralmente são as pessoas mais
pauperizadas. [...] o que chega ao Serviço Social com mais intensidade sempre foi:
auxílio-doença de pessoas que talvez, alguns empregados, alguns que já perderam há um
ano, um ano e meio e temos que ver se tem carência ou não, uma quantidade da população
trabalhava informalmente e às vezes parou de trabalhar por causa da doença (…) Acesso a
transporte... “Ah, não vou ter dinheiro para pagar a passagem, eu vou ter dinheiro para
alimentação”. Porque para quem tem dinheiro, não vale apena requisitar um cartão que
demora três meses para chegar (D5).
A relação dos assistentes sociais com a superpopulação relativa não é inédita; ela
também perpassa a história do Serviço Social. Além disso, não possuímos dispositivos
nessa pesquisa que nos dêem uma visualização segura no sentido de verificar se há uma
transição relativa do público alvo dos assistentes sociais da parcela inserida no mercado de
trabalho para a parcela componente da superpopulação relativa. No entanto, diante de uma
conjuntura como a nossa, onde vemos o retrocesso dos direitos da classe trabalhadora
regredirem e serem negados na prática, é possível levantar a hipótese de que a intervenção
profissional na contemporaneidade venha recaindo cada vez mais para o atendimento da
superpopulação relativa. Isso porque, concomitantemente à perda de direitos gerais da
classe trabalhadora, promove-se uma conjuntura de focalização na pobreza. Por exemplo,
191
Uma dificuldade muito grande que eu percebo é que eles não têm conhecimento da rede.
Ainda que a rede seja precária, eles não têm conhecimento da rede. Outra coisa que
percebemos: eles entendem que: “Eu vim aqui para me curar”, a lógica que o hospital é o
lugar de curar as doenças. Antes da cura, é preciso trabalhar a prevenção. Então, para os
pacientes têm uma lógica equivocada que eles procuram o hospital para curar a doença, só
que, quando eles vão pro hospital para curar a doença, já estão com a doença aguda ou
muitas vezes crônica. Então, você vê muito exemplo de doenças crônicas, que não foram
tratadas anteriormente (D4).
Escuto muito isso: “Eu vim aqui para me curar, eu vim aqui para me tratar”. Esse é o
grande unificador, mas quando você vê isso no hospital, não percebe que essas questões
192
poderiam ter sido trabalhadas na atenção básica. Num outro momento na saúde, já está
embutido na fala deles, essa é uma identidade que atrapalha (D4).
As pessoas hoje querem resoluções imediatas para sua demanda. Vivemos uma vida do
imediatismo para tudo na vida. Ninguém mais consegue esperar, querem resolver as
coisas de “bate pronto”. O foco ali na unidade de saúde não é o Serviço Social, [...] é o
atendimento dos problemas de saúde daquela população. […] Essa coisa do imediatismo
ele se cristaliza ai (D 1).
O usuário busca a instituição. Como ela é uma empresa, está trabalhando com “metas”,
ela tem “metas de atendimento”. Ela não tem clareza, é só quantitativo de metas que ela se
propõe por um contrato que ela fez com a prefeitura. Tem um contrato com a prefeitura.
[…] Como eles sabem que lá atende, porta aberta, ele vai atender mesmo, vai demorar 7
ou 8 horas, não importa, mas vai atender, as pessoas vão procurando a unidade, estão
procurando. Domingo, eu vi uma pessoa dizendo: eu rodei vários hospitais até conseguir
atendimentos, e consegui aqui (E 1).109
O que coincide é essa questão, a questão da transferência [da UPA para unidades mais
adequadas para os usuários] também coincide com a demanda do usuário. Isso é óbvio (E
3).
Quando o cara que está infartando, a última coisa que vai querer fazer vai ser ver o
assistente social. Ele vai querer ver o médico, ele vai querer fazer um atendimento lá […]
e depois, durante o atendimento, vemos as demandas que a pessoa traz. Então, as pessoas
que vão lá elas querem que as demandas sejam atendidas rapidamente (E 3).
Uma terceira assistente social (E2) focalizou com mais intensidade e convicção as
divergências entre os usuários e a instituição, mas, em alguns momentos, deixou
transparecer, de maneira um pouco aberta, elementos de consenso. Ela exaltou, por
exemplo, que, para alguns usuários específicos, a instituição viabiliza determinadas
conquistas – o que nos leva a perceber a persistência do clientelismo em pleno terceiro
milênio. No final do discurso, afirma que o atendimento geral na instituição é bom,
passando a noção de atendimento de parte das demandas desses usuários.
As coisas acabam sendo muito pessoalizadas lá. Então, se um usuário é mais querido por
quem tem um cargo melhor, consegue mais coisas, mas, se ele é aquele que fica
perambulando, fumando pelos cantos, ele fica jogado. […] Embora eu acredite que o
atendimento lá é bom. Não questiono o atendimento. Os profissionais são muito bons, são
comprometidos. Mas eu digo assim, da instituição de uma forma geral, da direção (E2).
109
Vale destacar que essa é a assistente social entrevistada inserida numa instituição em que um dos chamados “Novos
modelos de gestão” está sendo implantado, trazendo consigo uma relação muito mais vertical por parte da hierarquia
institucional e uma lógica mais mercantilizada e “produtivista” de saúde.
194
Outra entrevistada (E5) exaltou esse mesmo aspecto de urgência, destacado pelas
duas primeiras profissionais citadas nesse quesito (E1 e E3), entretanto relacionando-o com
uma questão de ordem ideológica. Ela lembra que a hegemonia da concepção restrita de
saúde existente na instituição onde atua coincide com a concepção predominante dos
usuários que chegam àquela unidade. Ou seja, tanto os usuários quanto a instituição
colocam no centro do objetivo do atendimento o “cuidado médico”.
A instituição diz que o objetivo dela é garantir a autonomia dos usuários, só que eu vejo o
contrário. A ideia de garantir a autonomia se coloca de uma forma como se fosse
responsabilizar o usuário e, quando não se responsabiliza o usuário, ou ele é o coitado ou
é os dois extremos. […] o que eu vejo da direção é uma ideia muito paternalista, de
conseguir as coisas muito por meio da figura do diretor, para que a gestão saia como se
fosse a melhor gestão que [a instituição] já teve (E2).
Mas, entre atender as metas e ter qualidade, é outra questão. Eu digo que, no mesmo
momento em que você está atendendo, você não tem qualidade nesse atendimento, você
tem […] um reduzido número de profissionais. Que camuflagem é essa? […] o meu
hospital aumentou, o número de infecções aumentaram, e eu fico catando com meus
parceiros de domingo porque eu tenho um grupo que trabalha comigo na emergência que
é contratado, mas tem um grupo que não é. Eu vou lá na ortopedia e fico assim... “E aí,
como está o atendimento aí?” . “Ah, o pessoal tá revoltado!”, acabam falando. Então, eu
vou tendo uma leitura do que está acontecendo no meu plantão de domingo. Então, assim,
a superlotação vai atender números que eles não constam. Se é que atenderam! Mas isso
tem implicações na qualidade do atendimento. Outro dia eu soube que fizeram 20
cirurgias de ortopedia e liberaram os usuários [...], outro dia reinternou todo mundo por
conta de infecção. Entendeu? Então, que lógica é essa? Mas por que isso não aparece para
população? Como não tem conselho gestor, nem mecanismo de controle da população,
isso está tudo camuflado. Então, em algum momento [...] o prefeito vai usar esses
números em momento eleitoral: o hospital passou a atender num tal período tantas
pessoas (vai dar visibilidade, vai dar uma grande visibilidade). Agora, de que forma ficou
esse atendimento? (E1)
Tem muitos casos [...] que não é nem o usuário que diz: “Ah, não vou sair daqui porque
eu não tenho para onde ir”. Às vezes, é devido à questão clínica mesmo, tem muitas vezes
em que isso acontece aqui: “Assistente social, eu não tô bem, eu ainda não estou bem, eu
tô mal ainda, eu tô passando mal, eu recebi alta! (E 5).
110
A questão da liberação de leitos atravessa a prática profissional das mais diversas maneiras e conceitos: “alta social”,
“transferência”, desocupação, liberação de leito etc. No entanto, o que queremos evidenciar é a necessidade,
aparentemente desesperada, por parte da instituição, de promover a alta desses usuários para que esses leitos sejam
ocupados por outros usuários em seguida.
197
Numa palavra: transferência. Demanda social é uma coisa secundária. Eles nem veem! Se
atendeu: parabéns, tapinha nas suas costas... Mas o importante é você estar ajudando ali,
ligando para um “hospitalzinho”, vendo uma vaga, estar colaborando junto com o médico.
Acredito que o principal que eles querem mesmo é isso (F 4).
Por exemplo: paciente está de alta, aí o médico fala assim “Olha: está de alta, pode ir para
casa”. Só que a pessoa não anda. Eu falei: “Não tem um carro”. E a pessoa fala: “Não, não
posso, não tenho como ir para a casa...”. O que eles fazem? “Fala com o Serviço Social...
“(F 1).
A resolução das altas sociais é o principal. É o que eles demandam do Serviço Social […]
. Mas a principal demanda que chega ao Serviço Social é a questão da “alta social”
mesmo (F 5).
Isso que eu iniciei no comentário sobre a solicitação do Serviço Social aqui na unidade, a
principal demanda seria para tratar de questões de “desocupação de leito”. É uma questão
que causa impacto muito grande no nosso cotidiano de trabalho, que é a questão da falta
de rede, de intersetorialidade. Não existem políticas sociais funcionando, a partir do
momento em que você acessa a política de assistência, procurando CRAS/CREAS,
centrais, casas de repouso, instituições públicas de abrigamento, seja de população de rua,
seja de idoso, e não tem. É uma questão que me causa maior inquietação aqui no cotidiano
de trabalho (F5).
Ela ainda não definiu completamente o que ela apresenta, mas ela cobra uma lógica mais
eficaz de liberação de leitos. A questão principal está sendo a liberação de leitos. O
“Social” está atrapalhando a unidade. Ainda que esse “social” seja um ou dois casos num
universo de 400 ocupações, esse social está atrapalhando a lógica da desocupação do leito
(F2).
clara e intensa. E, devido à posição marginal que o “social” ocupa dentro de instituições
com visões restritas como essa, esses casos “sociais” são relegados ao status de
“problemas”, na medida em que não fazem parte do percurso “natural” dos procedimentos
programados pela instituição. Essa noção esquemática e mecanicista, em que a realidade
precisa se encaixar nos planos institucionais, se aproxima muito com o que expõe a
entrevistada “F4” ao abordar esse tema, como poderemos observar abaixo.
Ele quer o usuário de uma forma […] o usuário é atendido, toma injeção e vai embora:
uma máquina. Uma coisa mecanicista. Ele quer uma coisa mecanicista (F4).
Por exemplo: paciente está de alta, o médico fala: “está de alta, pode ir para casa”. Só que
a pessoa não anda, [...] Não tem um carro [no momento], e a pessoa fala: “não, não posso,
não tenho como ir para a casa...”. Ele fala: “Fala com o Serviço Social” (F1).
Por exemplo: hoje chegou uma pessoa lá com uma receita da médica, [...] precisava de
uma lente terapêutica, como se fosse um curativo para não ter infecção. O hospital
fornece, só que acabou. O que o médico tem que fazer? Entrar em contato com a direção e
falar “Olha, o paciente X precisa dessa lente porque fez essa cirurgia; compre”. Não,
passa tudo por escrito e passa para o Serviço Social. São coisas que eles não conseguem
resolver. É o que eu estava falando antes, coisas que a equipe de saúde não consegue
responder, por não ter, não conseguir ter essa visão [...], tudo manda para o Serviço
Social. Então, se materializa nessas coisas: é alta, é a família com que eles não conseguem
conversar, questões de diagnóstico, às vezes. […] Então isso que é difícil. Tudo que não
dá certo vai para o Serviço Social (F1).
Essas observações são importantes para chegarmos a uma questão um pouco mais
específica, mas que toca no mesmo ponto, ou seja, na incômoda tensão que há na realidade
dessas assistentes sociais entre suas convicções a respeito de quais devem ser suas
respectivas atribuições institucionais e o que a instituição de maneira geral, de fato, lhes
atribui. Trata-se do reconhecimento mais ou menos explícito da instituição a respeito de
uma das duas dimensões profissionais discutidas recorrentemente nessa dissertação: a
199
E também foge um pouco do que o hospital oferece, porque precisamos de outras políticas
por fora. Tem o transporte solidário dos Bombeiros. Quase não funciona, não temos
clínica de apoio para idosos e pessoas acamadas (F1).
A instituição diz que o objetivo dela é garantir a autonomia dos usuários, só que eu vejo o
contrário. A ideia de garantir a autonomia se coloca de uma forma como se fosse
responsabilizar o usuário e, quando não se responsabiliza o usuário, ou ele é o coitado ou
é os dois extremos. Ou é coitado demais ou é o manipulador e tal. É um discurso de
garantir a autonomia, mas o que eu vejo da direção é uma ideia muito paternalista de
conseguir as coisas por meio da figura do diretor, para que a gestão saia como se fosse a
melhor gestão que [a instituição] já teve […] tanto é que as atividades que são feitas,
que são mais valorizadas são aquelas que o Serviço Social [...] “'para o alto e avante”. [...]
tem o grupo de música (“o amor enlouquece”) – que aí é ótimo, acho muito legal a
proposta –, mas ele tem mais recursos [que os outros grupos porque] [...] dá visibilidade à
instituição. Os usuários mesmo da instituição do dia a dia, aqueles que dão mais trabalho,
aqueles que são psicóticos mesmo (…) ficam largados (F 3).
Benefícios, BPC, orientações previdenciárias. Muita demanda [...] por benefícios. [...] Ou
orientação, ou passe livre, muita demanda de passe livre (F 3).
Dos usuários, o que eles querem do Serviço Social geralmente é o acesso à “recarga
especial” e ao “vale social” (para garantir o acesso à oportunidade do tratamento de
saúde); medicação que o hospital só oferece para pessoa que está internada, identificação
civil, procuração, interdição, demandas previdenciárias (aposentadoria, aposentadoria por
invalidez, auxílio-doença, pensão por morte, [...] benefício de prestação continuada),
tratamento fora do [hospital] (F1).
[...] usuário de álcool/drogas, buscar rede social, para pessoas cuja resolução das
demandas depende de uma rede social. [...] Também tem casos de que a pessoa vem
buscar a rede de saúde. Mas acho que o principal, se for delimitar, é a violência, Álcool,
drogas, violência contra criança e contra mulher, questões para idoso. Até que a violência
contra o idoso pego pouquíssimo. Nunca peguei demanda contra o idoso (F 4). 111
111
É necessário destacar que, apesar de insistirmos na questão durante essa etapa da entrevista, ao contrário das
entrevistadas D2 e D5, a assistente social D1 não explicitou as demandas recebidas de maneira muito objetiva, citando
essas demandas de maneira genérica, destacando apenas os temas das demandas e não as demandas em si. Por isso, não
201
Como podemos perceber, essas três entrevistadas, autoras dos trechos acima,
destacaram demandas relacionadas basicamente à função assistencial do Serviço Social. O
que predominou foi a requisição desses usuários em relação à melhoria de suas respectivas
condições de vida, ao reconhecer a utilidade do assistente social no que tange à sua
dimensão assistencial e restringindo a dimensão pedagógica ao que pode fornecer de
mediações assistenciais. Ou seja, embora a relação do usuário com aquela instituição
promova inevitáveis impactos políticos no plano da concepção de mundo dos usuários, eles
não têm pretensões políticas explícitas e, portanto, não requisitam a dimensão pedagógica
do assistente social para esses fins. Em suma, o caráter político da dimensão pedagógica
permanece “invisível” e desimportante para as aspirações desses usuários.
Também devemos destacar que a dimensão assistencial dos assistentes sociais da
saúde se apresenta com uma particularidade relevante em relação a outras áreas das
políticas sociais, pois sua dimensão assistencial é extremamente dependente da rede
socioassistencial. Ou seja, essa dimensão apenas tende a se legitimar de maneira completa,
a partir da complementação de outras instituições de política social, pois pressupõe
atendimento direto, por meio da prestação de serviços concretos aos usuários. Isso expõe
uma fragilização dos assistentes sociais no que tange à autonomia para responder essas
demandas, dado o fato de que uma parte relevante dos serviços e benefícios requisitados ao
profissional se encontra em espaços institucionais externos que, além de dificultarem o
acompanhamento do assistente social, encontram-se vigorosamente sucateados e escassos
devido à conjuntura neoliberal.
Além disso, uma quarta assistente social (F5) ressalta demandas ao assistente social
que exploram a contradição entre os direitos na sociedade capitalista e a precariedade de
sua respectiva estrutura voltada para a prestação desses direitos. Ou seja, há demandas que,
por serem mais conscientes, utilizam o direito como instrumento na tentativa de acessar
aspectos de seu interesse. Nesses casos, o assistente social vem sendo um profissional
requisitado para viabilizar a solicitação dos usuários. Por exemplo:
pudemos destacar como essas demandas se manifestaram e, em alguns momentos, tornou-se difícil até mesmo termos
certeza de que essas demandas vinham dos usuários ou eram reivindicadas por algum outro setor institucional.
202
Tem muita coisa que vem bater na minha porta que não é do Serviço Social. “Ah, eu
quero visitar beltrano (o paciente do leito tal)”; “Ah eu quero ir lá, eu posso ir visitar
agora fora do horário de visita?”. Para mim, isso não é uma demanda social. “Ah, quero
saber noticias do fulano de tal”. Isso é recorrente. É muito mais recorrente até do que a
demanda social em si. Para mim não é. É o tipo de coisa que qualquer pessoa poderia
procurar (F 4).
Viabilizar acessos à unidade fora dos horários de visita. […] autorizar acompanhamento;
solicitar transferência. Devo ressaltar que acompanhamento e transferência existem
setores no hospital específicos que tratam, mas os usuários acham que é o Serviço Social
que resolve. No plantão, a maior demanda é essa (F5).
Colide com o entendimento que o usuário tem sobre o que o Serviço Social faz de fato.
Não que falamos “não” para uma situação. Ele acha que deveríamos resolver
determinadas demandas que realmente não são competências nossas. E que nem numa
questão de hierarquia pertence ao Serviço Social resolver (F5).
Uma coisa que conseguimos desvincular do Serviço Social, mas que ainda aparece: [...]
autorização para cartão de acompanhantes; entradas, autorização para entrada de
pertences. A outra é a elaboração do fluxo. São mais demandas institucionais, muito mais
demandas institucionais. Essas são espontâneas. São demandas referentes à questão da
instituição. “Onde fica setor tal?” (F 2).
As duas primeiras entrevistadas (F4 e F5) apontam nos trechos citados que, além
dessas demandas “renegadas” estarem inclusas entre as demandas mais comuns para esses
profissionais, se fazem mais intensas do que as próprias demandas “legitimadas”. Vale
ressaltar, ainda, que a última assistente social (F2) nem mesmo destacou a existência de
demandas “legitimadas” (não que elas não existam), fazendo-nos crer que essas demandas
“renegadas” são extremamente intensas também em sua realidade institucional.
Parece-nos curioso que, além de costumarem procurar o assistente social com
demandas que não estão entre as atribuições do Serviço Social, os profissionais ainda
identificam que, constantemente, o que deveria ser demandado por esses profissionais se
oculta, exigindo uma investigação muito atenta e competente por parte dos assistentes
sociais para que essas demandas, assimiladas pelos assistentes sociais como atribuições
profissionais, se explicitem. Trata-se da relevância da “demanda reprimida”, que também
203
se mostra conturbada frente à distorcida imagem da profissão. Podemos perceber isso, por
exemplo, nos seguintes trechos das respostas:
Às vezes, a própria pessoa que está ali na minha frente precisa de uma Bolsa Família, mas
não fala (F4).
se central a defesa incessante e contínua por parte do profissional pela construção dessa
aliança junto aos usuários, na medida em que o projeto profissional defende a classe
trabalhadora e a classe trabalhadora precisa/pode se defender.
O primeiro ponto a ressaltar diz respeito exatamente a essa divergência. Dentre as
cinco profissionais entrevistadas, apenas uma não percebe alguma forma de embate entre
seu projeto e o conjunto de demandas dos usuários. Ela reconhece momentos de impasse;
no entanto, não os atribui à sua perspectiva, mas, sim, aos limites objetivos dados pela
realidade em que atua:
Se eu levar em consideração que eles querem benefícios, [os objetivos dos usuários]
colide [com os meus] (…) mas não que eu não queira [atender aos objetivos deles]... (G
4).
112
Exemplo: “As pessoas hoje querem resoluções imediatas para sua demanda. Vivemos uma vida do imediatismo para
tudo na vida. Ninguém mais consegue esperar, ninguém consegue... Querem resolver as coisas de „bate pronto‟” (G1).
113
Exemplo: “usuários também não têm consciência do conceito ampliado de saúde, compreensão da saúde como
um todo. Então quando eles vão no hospital eles querem cuidado do médico “ (G2, grifos nossos).
114
Exemplo: “Há uma colisão entre o que o usuário entende que o Serviço Social faz e o que o Serviço Social faz de
fato. Não que digamos „não‟ para uma situação. Mas ele acha que deveríamos resolver determinadas demandas que
realmente não são competências nossas e que nem temos autoridade hierárquica para resolver” (G3).
206
geral, a assistente social G1 ressalta a necessidade de realizar com muita perícia o processo
de encaminhamento/orientações:
Penso que temos que demonstrar para as pessoas que é um processo (G 1).
Não adianta só você chegar e falar: “procura o CRAS”. Não adianta [...] falar: “Está aqui
o encaminhamento” […]. Uma coisa é você chegar e “cuspir” informação: “procura
tal lugar”. Outra coisa é você conversar, disponibilizar tempo para entender, fazer
encaminhamento adequadamente, com zelo. Então, acho que isso influencia... (G 1,
grifos nossos).
A terceira assistente social (G3), que buscou enfatizar essa função pedagógica como
meio de atingir esse consenso entre o conjunto de demandas dos usuários e seu projeto
profissional, indicou como recursos a utilização de uma linguagem simples (menos
“técnica”) para explicar as atribuições profissionais reais e a utilização de exemplos
empíricos de fácil absorção por parte dos usuários.
Interessante que [nós da equipe do Serviço Social da unidade] estávamos falando sobre
isso quase agora. Sobre um usuário que veio aqui, [e contestou]: “Então para que você
serve?”. Quando se faz essa pergunta, nós adoramos! Como é que resolvemos?
Respondendo normalmente essa pergunta: para atuar frente às expressões da questão
social. Quando o usuário não entende (porque essa expressão é nossa, do assistente social,
não tem como obrigar ele a entender isso), você começa a dar exemplos:
“encaminhamentos institucionais, questões previdenciárias, questões trabalhistas, DPVAT
(aqui entra muito atropelado). É um caso do seu familiar? Sofreu um acidente?”.
Procuramos dar respostas sobre como realmente é a função do Serviço Social. Qual é a
atuação, qual é a competência do Serviço Social. Respondemos exatamente. Tentamos
lembrar dos exemplos mais práticos e corriqueiros para fazer o usuário realmente entender
qual é a nossa função (G 3).
Tivemos uma situação em que chamaram o Serviço Social porque tinha uma mulher
internada que estaria arrancando umas carnes do seio e aquilo estava causando um mau
cheiro enorme na enfermaria. Fui ver o que estava acontecendo. […] mas, geralmente,
quando pegamos essas coisas muito pontuais não conseguimos fazer um trabalho de
reflexão com o usuário, pois isso demandaria outro tipo de acompanhamento. [Chegando
na enfermaria, vi que] estava [...] a enfermaria num lado, do outro lado umas 15 mulheres
na enfermaria (todas sentadas próximas ao elevador). Eu fui ver o que era aquilo. A
enfermeira veio e disse: “Ela está com câncer de mama; o mau cheiro e a ferida são
típicos do quadro”. [...] Só que ela, extremamente irritada, enfiava a mão e ficava tirando
os pedaços da carne e ninguém suportava ficar dentro da enfermaria. […] Fui conversar
com a usuária internada. Tentei ver se ela estava com acompanhante. Ela disse que não.
[…] Vi que ela não estava sendo acompanhada, não estava recebendo visitas da família.
[...] Peguei um pouco da situação imediata dela e anotei. Disse que ela não estava
recebendo família, que ninguém estava visitando e que achei que ela estava um pouco
depressiva. [...] “Sugiro avaliação da psicologia” e expliquei o que percebi a partir do
quadro da usuária. Desci e fui falar com as outras mulheres. Elas disseram: “Eu não
quero ficar mais junto com ela na enfermaria”. Mas, antes, eu fui perguntar às
enfermeiras: “Vocês têm algum outro lugar em que você possa acomodar essas
mulheres?”, mas elas responderam que não. […] Então, voltei para as outras mulheres que
estavam fora e perguntei: “Vocês entendem de que maneira que ela está se comportando?
[…] todas estão aqui porque necessitam... [...] Ela também, só que ela está num estágio da
doença que ela precisa do mesmo atendimento que vocês. Eu não sei para onde mandar
nem ela nem vocês, porque a enfermagem já me disse que não tem condições de transferir
nenhuma das duas […] ela também não tem direito de ficar lotada aqui?”. Elas
responderam: “Mas não queremos ficar do lado dela não”. […] No dia seguinte, quando
eu troquei o plantão, já tinha deixado anotado no prontuário. Eu passei para a outra colega
[do Serviço Social] (G5).
115
Devemos considerar que, na medida em que os valores e princípios que guiam o projeto profissional referem-se à
mesma realidade em que os usuários estão inseridos, abre-se margem para que os usuários possam partilhá-lo e legitimá-
lo.
208
desses usuários, uma profissional (H5) afirmou prontamente que “não”. Três assistentes
sociais apresentaram convicção ao responderem que acreditam que desempenham uma
função assistencial em seu cotidiano de atuação profissional. E uma entrevistada (H4)
afirmou que, embora tenha essa intenção, por não conseguir obter um “retorno” nem fazer
um acompanhamento sistemático dos usuários na instituição, não estava certa se realmente
sua intervenção consegue contribuir para que se desencadeiem melhorias empíricas nas
condições de vida desses usuários.
Esse dado parece dar força às duas afirmativas disseminadas na literatura
profissional. Primeiro, a afirmativa de Faleiros que considera que “a autonomia desse
profissional na atribuição de recursos e na prestação de serviços é limitada” (apud
MONTAÑO, 2007, p. 105). Segundo, as teses que buscaram abordar os impactos do
neoliberalismo no processo de precarização das políticas sociais mostram que essa
conjuntura limita, circunstancialmente, os aparatos institucionais que possibilitariam ao
profissional exercer com maior efetividade sua função assistencial.
Buscamos, a partir do que foi abordado, resgatar alguns procedimentos
profissionais que dizem respeito à configuração da função assistencial desses profissionais
em relação ao seu público usuário. Nossa intenção foi aproximar o debate da maneira com
que essa dimensão se reproduz no cotidiano desses profissionais, percebendo como eles a
veem e suas respectivas expectativas quanto a estas ações a curto e a médio prazo.
A esse respeito, novamente emerge uma marca, já destacada anteriormente nesse
estudo, a respeito da dimensão assistencial na atuação do Serviço Social na saúde. Dentre
os profissionais que percebem e discorrem com mais detalhes a respeito dos impactos
dessa dimensão assistencial no cotidiano dos usuários, todos expuseram ações que apenas
se concretizarão a partir de complementação em outra instituição. Essa característica
atribui um peso ainda maior à relevância da função pedagógica dos assistentes sociais,
particularmente na saúde, na medida em que esse tipo de conduta assistencial apenas se
torna vigorosamente possível, por meio de orientações a outras instituições capazes de
efetivar tais ações assistenciais. As três respostas a seguir exemplificam, de maneira muito
clara, essa questão:
Acredito que na saúde temos casos e casos. Na grande maioria das vezes, tratam-se de
casos muito pontuais, voltados para contribuir com o acesso aos direitos que já estão
previamente garantidos. Direitos à saúde, ao medicamento, ao acesso do hospital etc. Por
exemplo: a pessoa precisa de renda para se alimentar, outras coisas, transporte, de acesso
ao hospital. Então acho que a nossa intervenção vem para programar mesmo, para
socializar informação, falar: “Olha você vai em tal lugar tal hora tal horário, vai dar
entrada nesse lugar” (H 1, grifos nossos).
209
Acho que, na medida em que você aborda o usuário, que reflete com ele a questão
das condições de vida dele, que você consegue mobilizá-lo de alguma forma (ou não),
quando você explica quais as questões em torno daquela situação dele. Penso que isso
já é uma confirmação, a partir do momento em que você está esclarecendo para o
usuário acerca de determinada situação. Muitas vezes, você recebe um usuário, atende um
usuário, que mesmo que nós não resolvamos, [...] quando paramos com ele e fazemos ele
refletir, dizendo: “[não resolvi sua questão,] mas eu orientei você a fazer tal coisa,
procurar tal instituição”. Acho que isso já é uma contribuição (H 3, grifos nossos).
Quando você orienta a pessoa a ir além dos muros da unidade, buscar outros
atendimentos, outros locais (…) ela pode chegar na instituição [...] [que] eu
encaminhei e encontrar a porta fechada. Se as coisas funcionassem como deveriam,
poderia desencadear [impactos empíricos no cotidiano desses usuários] sim [...]. Mas só
que também não sabemos a apropriação que a pessoa teve daquilo. […] a pessoa vai virar
para você e falar: “Não, eu vou eu vou”. Mas pode virar a esquina e tentar outra coisa. As
condições reais da pessoa às vezes podem impedir que a pessoa busque os seus objetivos
de vida, como dinheiro, condições reais mesmo, enfim: trabalho (que faz com que a
pessoa não tenha tempo para buscar) outras coisas que acontecem nas instituições […] O
que você esta colocando é que, na verdade, é difícil prever isso (H 4, grifos nossos).
Essa última profissional, a mesma que não se mostra tão certa quanto à efetividade
de sua função assistencial, foca sua problematização a respeito de outra característica que
parece interferir fortemente contra sua autonomia profissional: a dificuldade de
acompanhamento dos usuários em algumas instituições específicas de saúde. Esta questão
se torna ainda mais dramática se levarmos em conta a dependência da rede externa
socioassistencial para que a abordagem se concretize. Essa questão também emerge na
exposição de outra assistente social, que veremos abaixo:
Como lá o assistente social não tem retorno dos usuários, é diferente da outra unidade em
que eu trabalho (a maternidade). Ainda que seja, também tem a área hospitalar, tem a área
de neonatal. Nesse, referente à alta rotatividade, não temos retorno do que fazemos. Fica
muito solto. Não tenho clareza por ser um hospital de alta rotatividade nesse espaço da
emergência. Quando você consegue fazer um trabalho um pouquinho mais elaborado,
você percebe uma mudança, depois que terminamos, nas falas das pessoas (H2).
Quase não conseguimos acompanhar. Pelo menos onde eu trabalho, que é a enfermaria,
não tem como acompanhar os usuários a partir de um processo reflexivo. Talvez, em
outros setores que essa população frequente, tenha um tratamento próprio, em que [....]
você consiga um impacto a longo prazo (H1, grifos nossos).
Acredito que nossa intervenção venha para programar mesmo, para socializar informação,
para falar: “Olha você vai em tal lugar, tal horário, vai dar entrada nesse lugar” […] dessa
forma. Eu acho que, quando fazemos isso, contribuímos a curto prazo, porque a pessoa
tem acesso àquele benefício naquela hora. Mas a longo prazo... Eu mal vejo a curto
prazo... Vendo que aqueles benefícios, aqueles meios que ela acessou, vão contribuir
para o processo de cura, mas não a médio prazo (H1, grifos nossos).
Por exemplo: [fazer com que] uma criança e sua família deixem de viver em uma situação
de violência, romper com aquilo, para que as pessoas acabem procurando o atendimento
e, assim, sejam investigadas e visualizadas melhor para que percebam que aquilo ali vai
além do que está sendo colocado explicitamente. Para que, assim, essas pessoas consigam
encarar as coisas de uma maneira diferente, no sentido de romper com a banalização e
naturalização da vida e da violência e que aquilo não seja mais tratado de maneira natural
(H 4).
Até tentamos uma abordagem no sentido de entender quais são as condições desse
usuário, desse reincidente por questões clinicas. Quando percebemos que é uma pessoa
que está voltando pela segunda, terceira vez, tentamos abordar e identificar se tem uma
família por trás dando suporte, quem trouxe a alimentação, quais são as condições
nutricionais, quem provê, quem sustenta, quem ajuda essa pessoa. Se é uma pessoa
acamada, tentamos verificar quem é que está ajudando. Isso é uma forma de você evitar
o retorno, a reinternação da pessoa. Mesmo retornando por uma questão clinica,
mas os outros determinantes da saúde afetam. Quem tá ajudando? É o emocional?
Tem filhos? Não tem? Tem uma rede familiar, há parentes que possam ajudar essa
pessoa? Eu acho que fazemos isso aqui com frequência. “Acho” não, fazemos!
Abordar o usuário nesse sentido para evitar retorno devido a outros determinantes
que não sejam somente os clínicos (H3, grifos nossos).
Em curto prazo, eu não vejo muita perspectiva de mudança. Acho que em longo prazo
talvez... Por uma questão política: como toda essa mudança trouxe muita insatisfação
dentro de um universo amplo de profissionais que têm famílias dentro do próprio
município, muita gente não está satisfeita com essa lógica [de precarização do
atendimento em saúde com a chegada da OSCIP]. [...]. Acredito que, conforme
conversamos com os pacientes lá dentro, o [nome de um sujeito envolvido com a política
parlamentar] não está concordando com essa lógica da saúde, e se diz candidato à
reeleição, [...], ele se propõe a acabar com essa lógica na saúde, com um discurso de
valorização do servidor público. Acredito que possa ter uma perspectiva de mudança.
Porque vai depender do movimento político do próprio município […] Em outro
momento, de outra porta de favorecimento, de valorização da saúde e de mudar um pouco
essa perspectiva. Porque o trabalhador da saúde de antes da OSCIP era taxado como
preguiçoso, que não queria trabalhar. Mas esse trabalhador da saúde tinha mais
experiência, […] tinha uma qualificação em nível de trabalho. Ainda que a precarização
do serviço e as condições de trabalho não fossem favoráveis, já que continuam sendo
ruins, não houve mudanças significativas. Não houve tantos ganhos para que eles possam
afirmar: “Ah, mas agora eles estão trabalhando em melhores condições!”. É um equívoco.
Também faltam medicamentos para eles. Mas o outro grupo tinha uma qualificação
melhor e davam melhores respostas para a própria população (H2).
Em geral, podemos dizer que houve certa dificuldade e imprecisão por parte dos
profissionais para responderem às perguntas que lhes foram feitas sobre a sua função
assistencial e sobre os impactos que consideram conseguir promover a curto e longo
prazos. Poucos foram os aspectos destacados por essas profissionais acerca dos inevitáveis
impactos empíricos de sua ação profissional e maiores ainda foram as dificuldades para
projetar os impactos que esperavam promover em nível de melhorias nas condições de vida
desses usuários a médio e longo prazos. Apesar de essa “previsão” ser extremamente
vulnerável frente aos imprevistos da realidade e, consequentemente, resultar em constantes
erros, entendemos que essa expectativa é componente relevante nos projetos profissionais,
212
na medida em que conectam esse projeto às ações particulares. Uma ação que se faz
descolada de previsões tende a cair num imediatismo certamente contraditório com um
projeto profissional crítico vinculado a um projeto societário libertário. Essa dificuldade
em esboçar suas próprias expectativas a respeito dos impactos de sua atuação também se
repete quando as assistentes sociais são perguntadas a respeito da função pedagógica da
profissão.
É interessante destacar que nenhuma dessas profissionais afirma que esses impactos
empíricos, produzidos por sua respectiva atuação, diferem dos objetivos da instituição.
Duas delas, inclusive, destacam claramente a funcionalidade de suas respectivas funções
assistenciais em relação ao projeto institucional. Vejamos:
Eu acho que [minha ação profissional], [...] na medida em que atinge o objetivo […] de
cura como um todo prevenindo o retorno à instituição, […] [contribuindo] para o
processo saúde-doença, entendo que vá ao encontro aos objetivos institucionais (H 1).
Eu acho que coincide. Até porque quando o usuário não tem uma demanda resolvida, em
certas situações, ele vai reclamar com a instituição (H 4).
Essa visão coincide com o debate que travamos até o momento, em que
defendemos que o acesso efetivo por parte da população usuária a melhorias empíricas por
meio de serviços em si pode ser condição não apenas a um projeto emancipador, mas
também ao próprio projeto conservador. De acordo com a exposição dessas assistentes
sociais, esse é o caso também da instituição onde atuam: a competente execução da função
assistencial do assistente social, efetivando na medida do possível melhorias nas condições
de vida desses usuários, é também parte importante do objetivo do projeto institucional.
Segundo nossa premissa, a “pedra divisora de águas” entre o projeto de norte societário
emancipador e o projeto conservador se dá nesse mesmo processo, porém numa outra
dimensão: fundamentalmente na dimensão subjetiva (onde se localiza a função
pedagógica).
Quanto à função pedagógica, o primeiro ponto que chama a atenção na análise
desses dados é que, ao contrário da visão predominante por parte dos usuários e da
instituição – que costumam identificar o assistente social muito mais por sua função
assistencial do que por sua função pedagógica –, essas assistentes sociais percebem com
uma intensidade muito maior a existência de sua função pedagógica. 116 A preocupação em
116
Todas assistentes sociais consideram que sua intervenção desencadeia um efeito educador na consciência dos
usuários. Embora uma coloque como condição para esse efeito educador o recurso aos grupos: “nas pequenas
213
[...] Você tem que explicar repetidamente, inclusive para as assistentes sociais. Onde eu
trabalho são duas, [...] as duas têm dificuldade de entender o que é o Serviço Social e, em
especial, qual é o caráter socioeducativo da profissão. Dessa forma, fica difícil de
trabalhar com grupos. O Serviço Social só deveria trabalhar com as demandas que surgem
por benefícios e, então, o caráter socioeducativo da profissão, [...] acaba sendo deixado
um pouco de lado [...]. Meu trabalho foi questionado por isso. Parece que você está
deixando de trabalhar as demandas do Serviço Social para trabalhar outros tipos de
demandas (I1).
oportunidades que eu tenho com o grupo acredito que sim (H1). No entanto, é interessante assinalar que, em alguns
exemplos dados pela mesma profissional, essa função pedagógica se apresenta explicitamente. Talvez, essa contradição
existente em seus depoimentos esteja no plano da conceituação de “função pedagógica”.
214
inclusive, algumas temáticas que tenta abordar nessas reuniões ligadas diretamente à
“questão social” e à política de maneira geral. Essa aproximação pode facilitar, por
exemplo, o processo de constituição da identidade de classe e da “rebeldia” contra-
hegemônica.
No grupo de álcool e drogas, tentamos trabalhar questões do cotidiano dos usuários. Por
exemplo, uma das temáticas que tratamos é a abordagem policial, a questão da família,
cultura, poesia. Também tentamos trabalhar essa identidade em comum entre eles (I 1).
O recurso aos grupos é utilizado por apenas duas das profissionais entrevistadas,
mas pudemos perceber sua importância em relação àquelas profissionais que intencionam
materializar esse atual projeto ético-político. De maneira geral, o grupo expõe sua
importância não apenas entre aquelas que o realizam, mas também como objetivo a ser
conquistado por algumas assistentes sociais, como mediação privilegiada na tentativa de
materializar algumas ações – principalmente ligadas à função pedagógica do Serviço
Social. Esse recurso, como será citado a seguir pela assistente social I5, 117 se mostra como
uma alternativa diante do contexto de intensificação de demandas provocadas pela
diminuição relativa (e, em alguns casos, até mesmo absoluta) de assistentes sociais perante
solicitação cada vez maior de atendimentos.
Eu acho que nós teríamos que investir hoje na saúde – devido à quantidade reduzida de
profissionais com que contamos – com uma demanda gritante. Penso que temos que
investir mais no trabalho de coletivo, com grupo. Se não, vamos nos desgastar e não
vamos dar conta. E o grupo é um espaço em que você consegue ter uma amplitude de
divulgação da reflexão (I 5, grifos nossos).
Eu sento e falo: “Vamos pensar outra forma de atender...”. Porque esse atendimento leito a
leito já não serve mais. Com esse universo de tantos internados, eu preciso trabalhar com
o coletivo. Se eu não conseguir trabalhar com o coletivo, aparecerão mais demandas que
serão chamadas de “casos sociais”. A própria equipe, às vezes, sinaliza isso também, ela
fala: “Olha, aquele ali está abandonado... Aquele ali não tem ninguém vindo visitar”. Tem
que ficar atento na unidade, porque os profissionais fazem isso. Mas eu entendo as outras
orientações: tem usuário que sai de lá e que tem direito ao auxílio-doença, tem direito ao
DPVAT, tem direito a outros encaminhamentos. Ele sai de lá sem orientação mesmo ( I 5).
117
Essa assistente social trabalha com grupo em outra unidade também de saúde onde desenvolve o trabalho com grupo
e já teve algumas experiências passadas com grupos. Por isso, em alguns momentos da entrevista, ela recorrerá a essas
experiências como exemplo, para pensar esse recurso na realidade presente de sua explanação.
215
toda forma de atendimento individualizado. Ele deve ser utilizado como alternativa a
determinados casos, em acordo com os objetivos do profissional e dos usuários. 118 Assim, a
relação entre atendimento individualizado e coletivizado não deve ser estabelecida de
maneira competitiva, mas, sim, de complementação. Essa relação de complementaridade se
expressa num outro momento da exposição dessa mesma assistente social, quando afirma
que
Por exemplo, eu estava nesse grupo [...] um pouco depois da reunião com o grupo [...]
algumas pessoas vêm e falam “Ah, aquilo que a senhora falou assim, eu não tinha
pensado sobre isso”. Então você percebe que alguma coisa, algo do que você falou,
conseguiu ser absorvido (I 5).
Uma das potencialidades que a abordagem em grupo oferece ao assistente social diz
respeito à sua capacidade de facilitar o processo de conscientização da identidade entre os
usuários. O primeiro passo que percebemos a esse respeito está na possibilidade que o
assistente social tem de, através da abordagem em grupo, romper com a cultura
individualista que grande parte dos usuários tem ao chegar na instituição. A profissional (I
5) ilustra a existência desse individualismo, a partir da face do personalismo presente no
município e como o grupo pode ajudar a combatê-lo. Ela diz:
Quanto à construção dessa identidade, essa mesma assistente social ilustra como
esse processo de lapidação da identidade vai se desenvolvendo no trabalho em grupo:
Nas reuniões que eu faço com a família, em algum momento, consigo [demonstrar a
identidade entre eles]. [...] eu dizia: “Está vendo? Olha: o mesmo problema que ele tem lá,
você também tem em determinado setor”. Ou algo parecido. Então, conseguir nesse
momento trabalhar o individual em nível de coletivo. E todo mundo falava: “Ah, eu
também!” (I 5).
118
Um exemplo que a profissional I5 considera mais propício de ser trabalhado no atendimento em grupo do que no
individual é a tentativa de intervir nas demandas reprimidas.
216
ela responde: “não, eu acho que não, porque a abordagem é individual e não faço grupo...”
(I2).
Outro potencial exposto pela assistente social (I5) a respeito do grupo corresponde
à possibilidade de os usuários, além de serem informados, informarem sobre aspectos da
realidade, fornecendo maior riqueza às informações trazidas pelo assistente social. Essa
qualidade pode ajudar, por exemplo, na maximização da compreensão por parte dos
assistentes sociais e dos usuários a respeito da própria rede externa à instituição. Como já
destacamos, sobre o assistente social costuma recair o papel de intervir sobre questões que
requerem complementação assistencial em outras instituições. Nesse sentido, a vivência da
experiência nos grupos pode oportunizar, por exemplo, algumas informações
complementares a respeito dessa rede por parte de outros usuários que vivenciaram
experiências a respeito.
Quando você trabalha com grupo, além da informação, trabalha com o retorno dessa
informação, dessa escuta com o usuário, com a reflexão daquele grupo. Você até possui o
material pronto para trabalhar. Mas quando você se predispõe a ouvir e dinamizar a fala
do usuário, você troca, tem uma ideia mais ampla (I5).
Podemos concluir que os grupos são vistos pelas assistentes sociais que conseguem,
ou já conseguiram utilizá-lo, como dispositivos muito importantes para potenciar sua
função pedagógica ao informar, dar retorno das informações, colaborar para a construção
da identidade entre os usuários, combater a cultura individualista e as dificuldades
impostas pela conjuntura de intensificação da rotina de atendimentos. Também pudemos
notar que a importância desse mecanismo vem sendo reconhecida também por assistentes
sociais que, por alguns motivos, não vêm conseguindo trabalhar com os grupos na atual
conjuntura institucional. 119
Em geral, tanto por meio de intervenções individuais quanto por meio de
intervenções coletivas, o grande foco de articulação entre função assistencial e função
pedagógica desses profissionais se voltou para as tentativas de, a partir da função
pedagógica do profissional, orientar os usuários através do que chamaram de
socialização/democratização de informações, para que eles possam acessar efetivamente
119
Dentre as duas que no momento não vêm conseguindo trabalhar com grupos, uma atribui a ausência desse
mecanismo à fragmentação da equipe de Serviço Social naquela instituição. Em sua compreensão, antes de iniciar um
trabalho com grupos, seria necessário que a equipe de Serviço Social como um todo criasse uma metodologia de atuação
comum, padronizada e articulada, onde a utilização dos grupos fizesse parte (I5). A assistente social I2, apesar de ver com
bons olhos esse mecanismo, não pontuou os limites que a impedem de utilizá-lo.
217
alguns serviços que lhes garantam melhorias objetivas de vida. Trata-se, obviamente, de
uma tarefa difícil diante da atual conjuntura de precarização das políticas públicas, em que
um dos recursos que os assistentes sociais vêm utilizando para melhorar as possibilidades
desse acesso é o amparo dos direitos sociais nesse processo pedagógico. O exemplo mais
claro e representativo a esse respeito foi a argumentação a seguir, em que a assistente
social expõe também uma importante consciência a respeito do aspecto “multiplicador”
das informações indicadas pelos assistentes sociais:
No que diz respeito ao projeto desses profissionais sobre os impactos dessa função
pedagógica a curto e a longo prazos na vida desses usuários, percebemos que o perfil da
instituição e de seus usuários dificulta não apenas a consciência dessas assistentes sociais a
respeito do impacto da função pedagógica, mas, também, em alguns casos, a construção
mesmo de um projeto de impacto a esse nível. Nesse sentido, duas assistentes sociais (I 4 e
I 5) atribuem essa dificuldade ao perfil altamente rotativo de público usuário e a assistente
social (I 1) menciona a dificuldade de projetar esses impactos pedagógicos quando se trata
de usuários portadores de doença mental, como os com quem ela atua.
Em linhas gerais, apesar do reconhecimento e dos discursos a respeito da
efetividade do impacto educador de sua atuação profissional se mostrar mais presente e
incisivo nas exposições dessas assistentes sociais, a questão de apontar as expectativas
desses impactos se mostrou um desafio ainda mais complicado do que quando
questionadas a respeito das expectativas dos impactos objetivos de sua atuação com os
usuários. Devemos demarcar que, diante do desafio de formular respostas acerca dos
impactos da função educativa que desempenham na vida de seus usuários, detectamos
notáveis dificuldades por parte dessas assistentes sociais, até mesmo no que diz respeito
aos impactos em curto prazo.
A grande intensidade de discursos a respeito da função pedagógica também não
facilitou a extração de conteúdos para nossa reflexão, no que diz respeito à direção política
contida nesse desempenho pedagógico. Percebemos que a função pedagógica que pudemos
218
captar nas exposições dessas assistentes sociais, ao se focar nesse objetivo de viabilização
do acesso desses usuários aos serviços, pouco demonstrou a preocupação de fazê-la de
maneira articulada a estratégias factualmente politizantes. Separamos, a seguir, quatro
trechos pertencentes a respostas de três assistentes sociais, onde essa preocupação em
trabalhar o elemento político da função pedagógica emergiu de maneira mais clara:
Essa pergunta é muito complicada. Eu procuro fazer o usuário refletir sobre aquela
situação. Não sei dizer se é uma questão marxista, fenomenológica […] funcionalista, mas
procuro fazer com que ele entenda por que chegamos nessa situação. Eu procuro
criticar as políticas atuais, incentivo à participação do usuário. Indago: “Como que os
médicos não estão ai? Por que que o nosso governante não contrata mais médico?”.
Então, eu procuro levar o usuário a essas reflexões sobre a realidade em que
vivemos. Eu sou questionadora sobre a política, procuro fazer com que ele repense a atual
condição do município, do Estado, do Brasil. E dos políticos, dos governantes que não
pensam. Eu cito o exemplo: a escola. Eu falo isso com frequência: a Cidade do Samba
pegou fogo, eles gastaram não sei quantos milhões e investiram imediatamente na
reforma. O Pedro II, o hospital Pedro II, pegou fogo. Faz um ano e ainda está sendo
reformado. Eu procuro fazer o usuário pensar nisso, refletir sobre as condições políticas
que nós vivenciamos (resposta 2 da entrevistada I 3).
Observando com atenção, podemos notar que, dentre essas quatro explanações,
duas delas (a “resposta 1” da entrevistada I 3 e a entrevistada I 4), apesar de expressarem
uma preocupação no sentido de politização do público, abordaram esse aspecto político de
maneira muito vaga, não nos viabilizando captar claramente como essa politização é
efetivada por elas em seu cotidiano profissional. A entrevistada I 1 também não nos oferece
uma experiência metodológica que indique estratégias pedagógicas voltadas para a
politização, mas nos indica uma estratégia muito criativa no sentido da tentativa de abrir
margem para essa politização, na medida em que aponta a eleição de temas cotidianos
desses usuários profundamente permeados por elementos capazes de serem politizados
num momento coletivo de reflexão.
Apenas na resposta 2 da entrevistada I3, pudemos perceber com clareza a exposição
de uma estratégia de politização no sentido de potencializar o “signo positivo” (nos termos
219
120
Basta retornar aos dados obtidos a respeito dos autores que esses assistentes sociais se pautam. Nesses dados, o leitor
perceberá que, dentre as referências teóricas desses profissionais, raríssimos são os autores que tratam com profundidade
a respeito da função pedagógica dos assistentes sociais.
220
conservação da sociedade capitalista. Isso porque, assim como ocorre com a social-
democracia, analogamente parece comum à maioria desses assistentes sociais a
concentração absoluta de suas projeções de ação profissional sobre os aspectos objetivos
que envolvem o processo de acesso aos serviços por parte dos trabalhadores – sem que se
leve em conta a relevância decisiva que os aspectos subjetivos (particularmente, o
elemento político) cumprem na totalidade do futuro da luta de classe. Isso significa que as
respostas que permearam a questão da função pedagógica do assistente social careceram de
preocupações que, nesse mesmo processo de atendimento das necessidades imediatas
materiais, procurassem expor a necessidade da classe trabalhadora em se compreender
como classe que deva lutar coletiva e politicamente por melhores condições de vida social.
Em suma, podemos dizer que, em geral, as preocupações relatadas por essas assistentes
sociais acerca da função pedagógica se abstiveram da tentativa de promover politizações
críticas.
No entanto, há evidências de que, de alguma forma, o desempenho pedagógico
dessas profissionais efetivam relativas rupturas em relação às expectativas pedagógicas
almejadas pelo projeto institucional. Isso porque, enquanto nenhuma assistente social
declarou perceber contradição entre o projeto institucional e os impactos de sua função
assistencial, apenas uma assistente social declarou não perceber oposição entre a função
pedagógica que desempenha e o projeto institucional. As outras quatro profissionais
indicaram algumas divergências com a instituição a respeito dessa função pedagógica.
Duas delas também abordaram algumas coincidências entre ambos projetos (profissional e
institucional) e outras duas só conseguiram recordar divergências.
A respeito dessas coincidências, resgatamos das argumentações dessas assistentes
sociais entrevistadas os seguintes elementos:
A questão das regras da instituição, por exemplo [...]. Não divergimos, procuramos
cumprir as [...] regras institucionais. A respeito da rotina institucional, tentamos participar
[da viabilização do cumprimento das regras referentes ao] horário de visita, número de
usuários para visitar (J 1).
É importante destacarmos, logo de início, que nenhum dos dois trechos demonstra
concordância dos profissionais a respeito dessa coincidência. Ou melhor, não está explícito
221
Não coincide [com os objetivos institucionais] quando falamos que não vai ter alta. Não
vai ter alta e vai permanecer na unidade por dois, três, quatro meses, até o
Ministério Público responder e conseguir alguma instituição pública para
encaminhar (J 2, grifos nossos) .
Tem outras situações que eu posso citar que colidem [com os objetivos institucionais]. Por
exemplo: aqui no hospital, temos uma maternidade. É lei a permissão ao
acompanhamento no “pré”, “durante” e pós-parto. O Serviço Social é procurado no
plantão pelo usuário que tem consciência desse direito, da existência dessa lei, e a nossa
unidade não cumpre. Então, como é que explicamos para o usuário que é lei, que é
direito? Fica complicado para nós esse embate. Então, vou autorizar? […] E de que forma
orientamos o usuário aqui? [...] orientamos sobre o conselho tutelar, até à delegacia mais
próxima à unidade. [...] Vivemos um confronto, um dilema complicado entre: não vou
garantir o direito do usuário, mas pelo menos vou esclarecer que o direito que ele tem, dar
as orientações devidas, dizer: “Olha, você pode recorrer a essas alternativas” […] A
partir do momento em que você diz a ele que ele tem direito a acompanhar – idosos,
criança e adolescentes – na emergência, nas enfermarias. [...] Não gera embate, mas na
maternidade existe esse problema, então é um enfrentamento. Na verdade, diverge da
regra da instituição, que é impedir acompanhamento. É uma situação pontual, mas é um
exemplo aqui da unidade (J 4, grifos nossos).
não estivesse fazendo hemodiálises. Outro diz: “Eu sei!” (isso dentro de um espaço
coletivo, quando é possível fazer isso). Então, trabalhamos essas questões […] do
indivíduo, coletivo individual, e que passam a ser o coletivo. Eu entendo que isso atende
à proposta do SUS, e não à proposta da instituição, porque a proposta da instituição
entende a saúde como mercadoria. Quando eu percebo que eles querem atender e
liberar... O que é isso? Atender e liberar do jeito que eles estão fazendo? (J 3, grifos
nossos).
Eu queria muito falar dessa médica. Ela atrapalha totalmente o Serviço Social. Não vou
nem falar “atrapalha”: ela desrespeita, ela passa por cima da nossa atuação. É uma médica
[…] ela está aqui três vezes por semana, o que é pior […] e a gestão ama essa médica
porque ela é a médica “resolutiva” porque ela chega para resolver. Eu queria muito falar
dessa médica. Ela atrapalha totalmente o Serviço Social. Não vou nem falar “atrapalha”:
ela desrespeita, passa por cima da nossa atuação. É uma médica […] ela está aqui três
121
Vale ressaltar que, em todas oportunidades exemplificadas pelas assistentes sociais entrevistadas, essas se
posicionaram a favor dos usuários.
225
vezes por semana, o que é pior […] e a gestão ama essa médica porque ela é a médica
“resolutiva”, pois ela chega para resolver. O dia em que o plantão tá lotado, se no outro
dia é o plantão dessa médica, ela chega aqui e vai “limpar” o hospital. A enfermagem
também agradece, porque muito paciente significa muita demanda para enfermagem.
Então, beleza: “Olha, doutora fulana ela chega para limpar o hospital”, e ela desrespeita
totalmente a nossa prática. Ela tem o aval da gestão, da direção do hospital […]. Por mais
que você evolua no prontuário: “Estamos em busca de vagas, estamos tentando localizar a
família...”, “paciente possui família, no entanto estamos conseguindo contato”, isso não
quer dizer nada para ela. Ela passa por cima, e no outro dia, se você pergunta: “Cadê o
usuário?”, respondem: [...] “Dra. fulana deu alta, levou até a porta e deu o dinheiro para
passagem” (resposta 1 da entrevistada K 2).
[Há uma] imagem de que o Serviço Social serve para desocupar o leito a partir de
alta social. Você entra na emergência [...] e as enfermeiras já dizem: “Assistente social,
ainda bem que você chegou, está cheio de alta social!”. Você identifica uma situação, uma
demanda: “É população de rua”. Aqui na unidade, respeitamos a liberdade do usuário. Se
ele fala: “eu quero voltar para rua”, ele vai voltar para rua. Mas, quando ele diz: “Não, por
favor, eu quero mudar”, vamos trabalhar com isso. Mas, mesmo assim, às vezes voltam
para a rua. Quando conseguimos com muito esforço uma instituição, e chegamos para
obter um retorno, cadê o paciente? Cadê o usuário? Ai alguém diz: “Veio uma médica,
pagou a passagem dele e ele foi embora...”. Então, até no que tentamos fazer, nos
deparamos com a interferência de outros profissionais. Ou, ainda, quando
solicitamos, precisamos da ajuda, não conseguimos, porque não existe um trabalho
interdisciplinar. Ainda mais numa emergência com plantões com profissionais
diferentes, que têm visões diferentes e, inclusive, têm divergências, principalmente para
dar alta. Num dia, dizem que a pessoa vai morrer, no outro dizem: “Não, está liberado,
está de alta”. E nós enquanto assistentes sociais [...] pensamos: “Meu Deus, e agora, quem
estava certo: o médico de ontem – que falou que ela precisa fazer uma cirurgia – ou o
médico de hoje – que está dando alta?”. E como interferimos nisso? Isso foge da alçada
do assistente social. É uma questão clínica. Você vai discutir isso com a equipe? Não
existe, aqui, na emergência desse hospital, o diálogo com outro profissional […] (resposta
2 da entrevistada K 2, grifos nossos).
Exemplo: o usuário vem ao plantão e diz: “dona assistente social, minha mãe está lá está
esperando a cirurgia há um mês, o médico não passa visita, a técnica não faz a limpeza,
não faz a higiene, ela está lá toda defecada”. Chegam aqui diversas queixas (K 2).
Agora com a introdução da OSCIP, todas as direções que passaram nesse período em que
eu trabalho lá, perguntam: “O que o Serviço Social faz?”. Sempre pedem que você
entregue. Agora essa direção pediu, mas, mesmo tendo conhecimento, ela já vem
cometendo alguns desmandos. Por exemplo, temos uma situação de população de rua,
então o que o Serviço Social faz? O paciente já está de alta, geralmente é idoso ou com
alguma questão atrelada à dependência química. Esgotaram todas as possibilidades de
uma inserção familiar? Não tem referencial? Então, vamos pedir abrigamento. Só que os
usuários ocupam leito, e a lógica da gestão, assim como todas as outras, é a desocupação
dos leitos, a rotatividade. Só que potencializada. Então, eles afirmam: “O Serviço Social
não está fazendo nada” [por não ter viabilizado a alta de determinados usuários] (resposta
1da entrevistada K 1).
Nas situações que dizem respeito a algum contato ou a algum profissional (porque às
vezes também tem). Por exemplo, quando o usuário tem dificuldade de acesso a algum
profissional para falar alguma coisa sobre o quadro (resposta 2 da entrevistada K 1).
Não coincide quando falamos que o usuário não vai ter alta e vai permanecer na unidade
por dois, três, quatro meses – até o ministério público responder e conseguir alguma
instituição pública para ser encaminhado (resposta 1 da entrevistada K 3).
Uma enfermeira [...] acha que [...] eles não vão dar laudo, não dão laudo, não dão nada.
Tem que pegar no arquivo médico (resposta 2 da entrevistada K 3).
226
A primeira observação que devemos ressaltar, antes de partir para as reflexões das
diferentes categorias de ações pensadas pelas profissionais, é que todas as argumentações
que acabamos de relacionar apontam para a forte e já destacada contradição entre a
formalidade do projeto institucional – resumido em muitos casos a mero discurso – e a
efetividade desse mesmo projeto. Nela, podemos observar que, em determinados
momentos, a instituição, pressionada por diversos fatores determinantes, entra em
contradição com seu discurso reformista. Isso porque nega seus fundamentos voltados para
a viabilização de serviços mediadores da reprodução hegemônica e, expõe, assim, uma
postura liberal de negação de assistência aos trabalhadores. O interessante é notarmos que
é exatamente nessas situações de tensão – nas quais a instituição nega o oferecimento de
determinados serviços – que se desencadearam a maioria dos embates profissionais contra
o projeto institucional. Vale destacar: partindo de conflitos inicialmente entre instituição e
usuários e voltados, a princípio, para impactos orgânicos em nível intrainstitucional que
fossem capazes de permitir que as demandas dos usuários se efetivassem.
As alternativas de enfrentamento que essas assistentes sociais expuseram – tanto
nos casos em que a situação de conflito se colocou direto entre instituição e assistente
social quanto nos casos em que essa situação se realizou por meio da iniciativa dessas
assistentes sociais, junto a uma situação de conflito entre usuários e instituição –
mostraram variações básicas quanto aos sujeitos diretos da disputa: o próprio assistente
social, a ação do assistente social em aliança ou os próprios usuários. Além dos sujeitos,
também percebemos variações táticas na tentativa de materializar determinados projetos
profissionais. Percebemos que as posturas profissionais variaram entre a tentativa de
convencimentos e negociações com alguns sujeitos, cujas mudanças de postura podem
permitir alterações no desempenho do projeto institucional (sejam eles diretores, vice-
diretores, médicos etc.); criação de embates abertos, a fim de forçar a instituição a ceder
em sua postura diante de determinadas pressões; e o exercício de condutas de
desobediência às regras institucionais.
Para começar, destacaremos algumas situações em que os objetivos profissionais
buscam se efetivar por meio do convencimento de sujeitos estratégicos:
paciente, porque estamos tentando...”, não de enfrentamento, porque não somos bem
vistos. O Serviço Social, às vezes, quando parte para o enfretamento, […] não
consegue resultados (L 4, grifos nossos).
Por exemplo, quando o usuário tem dificuldade de acesso a algum profissional para falar
alguma coisa sobre o quadro [clínico]. Às vezes, não está atrelado à questão do “fora do
horário da visita”. Mas o profissional se torna o intermediador do conflito frente à
necessidade do usuário. Você se dirige àquele profissional e você percebe a
dificuldade do usuário que acessa. Esse mecanismo é em nível individual. [...] Porque
o usuário, como ele é desprovido de conhecimentos, desprovido, às vezes de
interpretação, tem a necessidade da intervenção junto ao profissional para
atendimento daquele usuário. Em relação a algo que ele fez, que extrapolou, ou que ele
não avaliou corretamente, pedimos para ele reconsiderar Isso tem sido atendido (resposta
n° 1 da entrevistada L 3, grifos nossos).
Você não vê os funcionários da Direção geral no domingo. O que eles fazem? Eles fazem
uma rotatividade e colocam um elemento que não é o diretor para assumir o hospital. Em
geral, é o chefe de equipe. E, com esse chefe de equipe com quem eu trabalho domingo,
tenho uma boa parceria. Eu falo […] ele avalia, vê e encaminha (resposta n° 2 da
entrevistada L 3).
É interessante notar que, nesse caso, o que estava em jogo era a tentativa de ampliar
a autonomia do Serviço Social por meio da liberação de tempo para procedimentos
técnicos específicos da formação do Serviço Social – o que a princípio não é uma
requisição antagônica ao projeto institucional. Esse caso se mostra rigorosamente diferente
dos apontados anteriormente, por colocar também como objeto a estrutura orgânica
daquela particularidade institucional. Tratou-se de uma conquista materializada que, ao
incorporar-se ao sistema institucional, torna-se, de certo modo, permanente e capaz de
garantir maior constância em relação a essa situação. Foi uma conquista que, a curto e
122
A partir da resposta da entrevistada, não conseguimos identificar com exatidão a quem se refere. No entanto, foi
possível identificar que se trata de alguma autoridade da divisão de Serviço Social da secretaria do município que a
contrata e que, segundo essa assistente social, se trata de “uma pessoa que tinha uma compreensão muito boa do que é o
Serviço Social”.
229
Há uma lógica no hospital que a direção determina que ninguém pode pedir avaliação da
psicologia, a não ser o médico. Eu questionei. Está de brincadeira! Eu não vou pedir, eu
vou sugerir um atendimento – pode avaliar ou não. […] Se eu identifiquei que o usuário
está numa situação de depressão, bipolar, com um comportamento diferenciado, que não é
comum a todas as outras, por que eu não posso pedir? Eu vou recomendar: “Sugiro a
avaliação da psicologia, a paciente está apresentando um quadro tal” (L3).
123
Não estamos discutindo os méritos referentes às finalidades e formas correspondentes às intervenções descritas
pelas profissionais supracitadas. Nesse momento, nossa finalidade reduz-se a enfatizar a factível possibilidade dos
profissionais materializarem suas perspectivas por meio de “desobediências” em relação à instituição contratante.
231
Eu penso que, pelo menos no meu trabalho, nos pautamos pelo o que já está dado
previamente. Seja a carta dos [...] usuários do SUS, seja o Estatuto do Idoso que
garante o acompanhante, seja outra política já existente. Quando os direitos entram em
conflito com os interesses, nós apresentamos a nossa posição, o nosso objetivo, por que
acontece daquela forma, quais são os direitos dos usuários (K4, grifos nossos).
Os meios são os argumentos respaldados pelas leis, pelo que já temos dado. Protocolo
que tentamos elaborar para a direção para mandar para as enfermarias, dizendo: o
Serviço Social faz isso e isso. Nessas instâncias, tem os funcionários de nível médio para
realizar (K 4, grifos nossos).
[Na instituição que trabalhei,] todas as direções requisitavam que o Serviço Social
comunicasse o óbito. Eu tinha os materiais do CFESS com as atribuições do assistente
social, as referências do conselho, aquelas normas da Secretaria do Estado. Num [outro]
hospital [do mesmo município], são as assistentes sociais que comunicam o óbito, e, por
isso, o diretor entendeu que as nossas companheiras tinham que fazer o mesmo. Naquela
época, eu era chefia. Faz sete anos, eu falei: “Você pode até determinar que a equipe
comunique o óbito, mas eu, como chefia, estou respondendo pela equipe e estou dizendo
que não vai”. O diretor respondeu: “Não vai por quê?”. Expliquei as razões e passei todo
o material de orientação sobre o assunto para ele e, ele foi ler. [...] Então, [...] em sete
anos, enquanto permanecia no hospital, o Serviço Social não esteve atrelado ao óbito, no
sentido do comunicado, mas participando do processo do momento do médico comunicar
232
(K 1).
Nesse sentido, as leis, como já havíamos percebido na análise dos dados extraídos
dos questionários, apresentam-se como instrumentos privilegiados para o exercício da
autonomia profissional, na medida em que permitem submeter algumas direções do projeto
institucional ao projeto profissional (em nome da lei). Por isso, mostra-se tão importante ao
assistente social articular sua formação profissional ao conhecimento do arcabouço
jurídico-legal das políticas sociais e, logo, às questões presentes na realidade em que atua.
No entanto, as experiências mais ricas e recorrentes, a nosso ver, estiveram ligadas
às estratégias de embate profissional em que essas assistentes sociais buscaram convocar
outros sujeitos, numa tentativa de romper com a desarticulação e o isolamento ideológico
do seu projeto profissional. Trata-se do esforço para superar a dificuldade de criação de
alianças nesse projeto em vários níveis.
Em primeiro lugar, cabe ressaltar que observamos indícios dessa desarticulação em
relação à própria equipe. Essa desarticulação parece ser provocada por uma série de
dificuldades provenientes da estrutura da equipe de Serviço Social, tais como: o regime de
plantão que dificulta o contato entre os assistentes sociais das equipes;124 a diminuta
composição de assistentes sociais em algumas unidades; 125 a intensificação progressiva
das demandas sem proporcional ampliação de número de profissionais para atendê-las, que
diminui o tempo livre para que a equipe possa se organizar; a falta de articulação entre
algumas subequipes de Serviço Social em determinadas unidades. 126
Certamente, as dificuldades de articulação em torno de um projeto profissional
extrapolam os exemplos que acabamos de citar (extraídos das respostas dessas assistentes
sociais),127 mas o esforço por estratégias que busquem superá-los ou amenizá-los é
necessário, a fim de tensionar as possibilidades postas pela relativa autonomia frente ao
124
No caso da assistente social que atua na UPA, são 7 assistentes sociais que se revezam em 7 plantões paralelos de 24
horas, uma a cada dia da semana. O diálogo, nesse caso, é ainda mais complicado por nunca atuarem junto com outra
assistente social da equipe.
125
A assistente social que atua na área da saúde mental, por exemplo, tem apenas mais duas assistentes sociais na
equipe, o que diminui, relativamente, o poder de pressão no caso de algum posicionamento de embate da equipe.
126
A profissional que atua num hospital universitário destaca, por exemplo, que “[a relação com outros assistentes
sociais] é ruim, porque o Serviço Social é muito grande dentro do hospital e cada um ficou nas suas ilhas das equipes”.
127
Podemos apontar, por exemplo, o possível ecletismo de influências teóricas dentro da mesma equipe, o desinteresse
de muitos profissionais, problemas pessoais internos etc.
233
Eu entendo que a equipe tem que sentar para discutir processos de trabalho. O que
estamos fazendo? Qual é a proposta de trabalho do Serviço Social? Também discutir
como está sendo feita essa sistematização da prática. Eu entendo que temos que ter um
momento para nós pararmos, sentarmos e refletirmos (L 2, grifos nossos).
Para que eu consiga fazer esse trabalho com as famílias dos pacientes, [...] não adianta
que só eu faça, tem que ser um trabalho diário. Para que isso se materialize, eu entendo
que a equipe precisaria sentar, a equipe […] precisaria sentar e parar para pensar o que
estamos fazendo. Como está sendo a atuação do Serviço Social? Que propostas temos que
tentar? Como antes nós tentávamos, ainda que com um grupo pequeno? Eu não sei
quantos comparecem a uma reunião de equipe. Num grupo de 27, participavam 15, mas
nós tínhamos um grupo conciso, forte. Ainda que o grupo hoje seja pequeno, acho que é
preciso [fazer reuniões de equipe]. Eu já pedi: “Vamos fazer uma reunião, vamos fazer de
novo”. Parece que tem uma proposta de um professor em fazer um trabalho de assessoria
na unidade. Mas antes o grupo precisa se perguntar o que estamos fazendo. Cada um está
fazendo uma coisa diferente. Então, como é que vamos racionalizar o que fazemos? (L 2).
128
Essa dificuldade para conseguir promover reuniões de equipe também está profundamente relacionada ao contexto
neoliberal que vivemos, onde a baixa remuneração que os assistentes sociais costumam receber de maneira geral
pressionam esses profissionais a complementarem sua renda vinculando-se a outros contratos de trabalho. Isso, por sua
vez, dificulta a disponibilidade deles a comparecerem em reuniões em outros horários.
234
Há uma correlação de forças negativa em relação aos nossos parceiros. Antes, nós
tínhamos alguns parceiros, e na discussão do Serviço Social sobre o projeto ético-
político, eu percebo, em alguns momentos, que nós temos compromisso com nosso
projeto, mas acho que não há condições de lutarmos sozinhos. Eu compreendo agora a
questão de se fazer um trabalho mais coletivo com outras categorias […]. Devíamos estar
juntos na luta pelo SUS, pela saúde púbica como um todo. E então, fortaleceríamos o
SUS (L 2, grifos nossos).
Esse grupo novo [...] está fragilizado, tanto de médicos quanto de enfermeiros (porque
eles também são frágeis na unidade). Eles não conhecem e sabem que você é um elemento
que já conhece a rotina. Em algum momento, eles também se apoiam em você. Eu já
percebo num grupo de médicos novos: “Ainda bem que você está aqui, me ajuda aqui
nesse determinado assunto com a família”. Então, você percebe a existência de uma
parceria, um melhor entrosamento. Atualmente, estamos num momento de conquista de
entrosamento com esse grupo novo. Mas eu tenho um referencial de um grupo de equipe.
Havia outra chefe de equipe que era muito boa. E agora eu tenho esse chefe de equipe que
ele é militar, mas ele é um homem mais organizado e temos uma referência boa. É
militar, mas é casado com uma assistente social que trabalha num tribunal! […] Você tem
que identificar [os parceiros] […] e ele, como chefe de equipe, tem o poder de determinar,
[...] definir determinadas condutas (L 2).
Também nesse caso agem contra essa perspectiva de aliança entre o projeto
profissional e outras categorias inúmeros fatores mais ou menos tradicionais, arraigados na
tradição das instituições de saúde (mas também em outras áreas específicas). Podemos
pensar, por exemplo, na questão da hegemonia médica (citada nessa dissertação), nas
diferenças marcantes de formação (principalmente no caso do Serviço Social, que é uma
das poucas profissões pertencentes à área das “ciências humanas”), na pouca tradição
dentro das unidades de saúde a respeito de reuniões interdisciplinares, na diversidade
ampla de horários de expediente e de condutas entre as profissões 129 etc.
Ainda assim, alternativas criativas frente a essas questões puderam ser capturadas
nas entrevistas. O destaque que gostaríamos de expor a esse respeito buscou ganhar a
adesão de outros profissionais da unidade em relação a determinado objetivo – que sem
apoio tenderia a ser abafado pela instituição – por meio de uma apresentação no centro de
estudos da instituição, tanto aos representantes do projeto institucional quanto aos
profissionais que lá atuam. Nessa apresentação, a assistente social expôs a avaliação do
trabalho que realizava para legitimá-lo em relação a outros profissionais, diminuindo as
chances desse trabalho ser interrompido pelo diretor institucional (que assim desejava),
129
Por exemplo, podemos destacar uma das falas da assistente social L 3: “E então, o assistente social chega oito horas,
mas o médico chega às sete [...]. Ninguém senta, ninguém projeta, pelo menos nas clinicas: nada em comum (L3).
235
Por exemplo, nós trabalhamos com álcool e drogas e somos muito questionados pela
instituição. O que nós fizemos, como era um trabalho que estava mudando, conseguindo
inserir os usuários que não se inseriam em nada, num projeto, e queriam obter o retorno
dos profissionais. Essa questão do álcool e drogas afeta os profissionais, já que ninguém
sabe lidar com isso. Fizemos uma apresentação no centro de estudos, mostramos uma
avaliação que fizemos, mostramos os objetivos e como o trabalho era feito, para
garantirmos a legitimidade da instituição através dos profissionais. Porque era uma
legitimidade que tínhamos. Conseguimos a legitimidade do vice-diretor, só não
conseguimos da direção, mas os profissionais gostaram muito. São formas políticas (L1).
Uma terceira aliança que, a partir das entrevistas, podemos considerar cogitável e
estratégica para fortalecer o projeto ético-político do Serviço Social frente ao projeto
institucional, é a aliança com os familiares dos usuários com quem o assistente social atua.
Trata-se, na verdade, de expandir a noção de “usuário” no sentido de aproximar esses
familiares da instituição, vendo-os como sujeitos de apoio aos interesses dos usuários
diretamente demandantes. Essa perspectiva de aliança só aparece em um dos depoimentos:
Eu não trabalho com essa perspectiva em longo prazo, porque, como são psicóticos muito
graves, você tem que ficar indo e voltando repetidamente e, quando você acha que “foi”,
não foi, voltou (L 1).
Poderíamos sugerir, nesse caso, que, além da busca pelo fortalecimento do contato
236
com a família dos usuários fornecer alternativas mais propícias para um exercício
pedagógico mais eficaz, essa alternativa poderia gerar encaminhamentos e orientações
voltados para viabilização do acesso a outros tipos de serviços capazes de contribuir para
melhores condições de vida dos usuários futuramente.
Por último, e no nosso ponto de vista, o mais importante é o esforço pelo
fortalecimento da aliança profissional em relação aos próprios usuários demandantes da
instituição, com vistas à convocação para determinados enfrentamentos em nível
intrainstitucional. As quatro assistentes sociais, que consideraram haver divergências entre
seu projeto profissional e o projeto institucional, expressaram condutas que, diante de
situações de conflito, buscaram materializar princípios por meio de uma situação de
aliança com os usuários. Dividiremos os depoimentos que ilustram isso em dois blocos:
O grupo estava prestes a acabar. O meio que usamos para o grupo não acabar, no caso
do álcool e drogas, é o vínculo que criamos com os usuários. Foi tal o vínculo que
criamos com os usuários que não tem mais como acabar o grupo. Eles falam do grupo
assim. Não foi uma coisa planejada para falar a verdade. Mas, como são usuários que
nunca aderiram a nada e que sempre são deixados sem lugar, a atenção que temos dado a
eles, apesar de fugirmos dessa ideia assistencialista, despertou um vínculo deles
conosco, que acabou sendo funcional à permanência do grupo, porque eles passam a
falar em outros espaços e garantem mais legitimidade através do vínculo deles. Eu
sempre procuro garantir a legitimidade através do vínculo com eles. Eu uso muito o
vínculo (L 1, grifos nossos).
Que meio de controle existe em nível de município? [...] O prefeito visa eleitorado. Mas o
eleitorado não conhece o poder político que tem enquanto “cidadão de direitos”. Mas o
prefeito quer o voto daquele camarada. Eu falava: “Vocês têm ouvidoria (na outra gestão),
vocês têm ouvidoria local e vocês têm a ouvidoria da prefeitura”. Sei que eu não estou
me expondo e, ao mesmo tempo eu estou colocando, cobrando [...]. Então vocês têm a
ouvidoria do prefeito. Eu sei que ele tem isso como „brilho‟. “Vocês podem acessar a
ouvidoria da prefeitura e usar o „fale com o prefeito‟” […]. E isso teve um impacto,
porque teve um momento em que eram tantas denúncias na ouvidoria, […] que, por
exemplo: a visitação dos familiares é uma vez por dia, e isso foi a participação do Serviço
Social nessas discussões. Só que houve uma enxurrada de denúncias na outra gestão, que
era do Diretor do município, que já passou por várias direções. Foi uma enxurrada de
denúncias. [...] Qual é a saída? A ouvidoria do prefeito. […] Mas ainda eu digo: vocês têm
a ouvidoria, as queixas que vocês vão fazer, tem a ouvidoria do prefeito e tal... (L2).
instituição de saúde, este órgão, diante da possibilidade de ser não legitimado por aqueles
que procuraram a ouvidoria, viu-se pressionado a intervir em favor dessa demanda dos
usuários. O segundo bloco que destacamos também traz em si essa questão da pressão; no
entanto, essa pressão se mostra instrumentalizada pelos direitos. Vejamos:
Tem uma enfermeira no hospital que [...] acha que [...] eles não vão dar laudo, não dão
laudo, não dão nada. Tem que pegar tudo no arquivo médico […] e quando acontece
isso: “Você tem direito a isso e a isso, você vai falar, senão vai para direção médica do
hospital” e os usuários apoiam o nosso caminho. E eles conseguem acessar por esse
meio, mas não com organização [...] basicamente tudo pontualmente, porque a nossa
intervenção é muito pontual (L3, grifos nossos).
O médico não pode tirar [o paciente do leito], porque tem direito ou pela carta dos
usuários ou tem direito a ter um acompanhante, o hospital não vai poder dar alta,
até que você tenha acesso a outras coisas. Quando você informa, operacionaliza essa
informação, isso pode contribuir para os interesses opostos. Quando falamos: “Não,
olha, você pode judicializar isso, você pode ir na Defensoria, vai durar, sei lá, dois meses,
três, um anos, um mês. E, enquanto isso, você vai ficar aqui, não vai embora”. Eu
entendo que, quando você repassa essa informação, é que eu percebo também um caráter
educador. Você diverge, por mais que isso seja assistencial (L3, grifos nossos).
É, nesse mesmo exemplo, a partir do momento em que você diz a ele que ele tem direito
a acompanhar, idosos, criança e adolescentes, na emergência, nas enfermarias, têm
direito a acompanhante, […] então é um enfrentamento; diverge, na verdade, da regra da
instituição que é de impedir acompanhamento. É uma situação pontual, é um exemplo da
unidade (L4, grifos nossos).
que o assistente social exerce sua função pedagógica junto aos usuários para que esses
exercitem sua “rebeldia” contra determinadas condutas institucionais, pode ser exercido
não apenas em conjunto com os usuários, mas também limitar-se à postura dos usuários130
- dependendo da capacidade pedagógica desses assistentes sociais num atendimento
anterior aos momentos de embate. Essa alternativa, ao que parece, foi o caso ocorrido em
todas as exposições dos últimos dois blocos de depoimento. Inclusive, no final do último
depoimento, a assistente social ressalta essa alternativa por conta exatamente de sua
relativa autonomia. Ela diz: “Não vou garantir o direito dos usuários, mas esclarecer para
ele o direito que ele tem, dar as orientações devidas (…) por uma questão de necessidade
do vínculo do trabalho” (L4).
Podemos concluir que as disputas entre o projeto institucional e o projeto
profissional que colocaram como ponto de pauta os temas ligados às relações sociais
intrainstitucionais se desencadearam a partir de desentendimentos no âmbito de duas
relações: entre o projeto institucional e o dos usuários e entre o projeto institucional e o
profissional. No último caso, podemos dizer que ocorreu com uma intensidade bem
inferior em relação ao primeiro, e os desentendimentos estavam basicamente ligados a
demandas institucionais que o Serviço Social se negava a desempenhar e a requisição pelo
fim de determinadas atividades do Serviço Social que as assistentes sociais não queriam
deixar de fazer. No caso das disputas desencadeadas a partir de desentendimentos entre
instituição e usuários, o projeto profissional intervém, sem a convocação da instituição e,
basicamente, em defesa dos usuários. Esse “não convite” da instituição parece ser bem
traduzido na exposição relatada a seguir de uma das assistentes sociais que, diante de uma
situação de conflito na unidade, disse:
O coordenador não vai querer que você oriente o usuário a procurar o conselho tutelar
(porque envolveu uma criança). Estava a mãe com uma criança. Eles discutiram e
partiram, não para uma agressão física, mas foi uma relação conflituosa. Por envolver
uma criança poderia envolver o conselho tutelar. Está na saúde, agredindo... Tem a
Ouvidoria do Estado [para denunciar]. Só que se eu oriento dessa forma, eu “incomodo” a
unidade. Por isso, eu penso que em certas situações eles preferem que o Serviço Social
não apareça tanto. A instituição sabe que você pode orientar dessa forma. Ela não ignora
isso; ela sabe (L 5).
130
A modalidade que em tese poderia ser adequada seria com a participação ativa dos assistentes sociais nesse processo
de disputa com o projeto institucional. No entanto, devemos destacar que, em determinados casos, o mais prudente seria
que os assistentes sociais se limitem ao seu papel pedagógico de assessorar os usuários nesse enfrentamento. Isso porque,
em alguns casos, a exposição do assistente social no momento de embate pode não legitimá-lo frente à instituição,
causando perseguições que em alguns casos são desnecessárias.
239
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Consideramos imprescindível que essa seção seja iniciada destacando nossa ciência
quanto às implicações da crise contemporânea do capital e do neoliberalismo na vida
acadêmica. Terminamos a presente dissertação tornando evidente o quanto observamos e
vivenciamos as repercussões desse processo em curso, impostas a docentes e a discentes,
cotidianamente. Ou seja, as distorções e os sofrimentos presentes no cotidiano acadêmico
devido aos prazos, metas “quantitativistas” que se mostram de maneira inusitada. Por mais
que se busque resistir, a pressão do “produtivismo” acadêmico aliada ao pouco recurso
destinado às universidades públicas vêm traçando um difícil percurso para os professores e
alunos que pretendem desenvolver suas produções acadêmicas com seriedade e
competência intelectual. Enfim, parafraseando o cantor Renato Russo, destacamos a
experiência de dias desleais para os programas de pós-graduação no Brasil (e para o ensino
público brasileiro em geral).
Voltando diretamente o foco para a nossa dissertação, nos cabe sublinhar que se
trata de um estudo comprometido com os rumos do trabalho profissional dos assistentes
sociais brasileiros e, portanto, com o que se convencionou chamar expressões da questão
social, Projeto Ético-poítico do Serviço Social brasileiro e exercício profissional. Nesse
sentido, cabe regressarmos a alguns elementos discutidos nessa dissertação, antes de
explorarmos as considerações finais que permearam nosso objeto de estudo.
Nossa dissertação procurou recorrer basicamente a referências teóricas ligadas ao
projeto ético-político do Serviço Social brasileiro. Inicialmente, buscamos retomar debates
que expliquem não apenas o surgimento, mas também os principais fenômenos e
contradições que condicionaram o surgimento de nossa profissão. Nossa intenção foi trazer
à tona elementos centrais e seus respectivos laços, de maneira que nos permitissem
visualizar questões gerais que perpassam, de certa forma, a realidade, principalmente, dos
assistentes sociais brasileiros nos mais variados campos de intervenção. Para isso,
buscamos resgatar o surgimento dessa profissão a partir de sua relação com a estrutura
econômica capitalista, resgatando elementos que, para a categoria dos assistentes sociais,
nos parecem centrais: “questão social”, luta de classes, hegemonia, políticas sociais etc.
Vale destacar que nos esforçamos em fazer o debate acerca dessas e outras
questões, a partir da centralidade da luta de classes, dos seus interesses e suas estratégias
de colocá-los em prática no plano histórico da realidade. Essa lógica trouxe ao nosso
241
debate a relevância das reformas, compreendidas, aqui, como mediações capazes de, por
diversos mecanismos e campos sociais, possibilitar melhorias nas condições de vida de
determinados grupos sociais. Tais reformas foram enfocadas nesse estudo a partir dos
interesses antagônicos entre as duas classes fundamentais do capitalismo: a trabalhadora e
a burguesa. Com a finalidade de detectar possíveis e relevantes diferenças entre
perspectivas teóricas e políticas existentes em nosso meio profissional, não apenas essas
reformas, como também algumas de suas determinantes e implicações, foram pensadas a
partir da relação entre seus aspectos objetivos e subjetivos. Assim, recrutamos esses
aspectos para pensar alguns dos efeitos produzidos pelo capitalismo desde seu surgimento,
onde o mesmo precisou acumular riqueza por meio da socialização do trabalho,
disseminando a pobreza, na medida em que a apropriação da riqueza socialmente
produzida é privadamente apropriada.
Isso gerou uma nova qualidade à pobreza (a dimensão objetiva da “questão
social”), que, por sua vez, produziu, nesse mesmo processo, um “cotidiano de sofrimento”
– correspondente à dimensão subjetiva da “questão social”. Essa situação de sofrimento,
com o amadurecimento da organização política da classe trabalhadora na sociedade
capitalista, tomou uma nova importância: ser um dos fatores básicos para desmanchar a
solidez da estrutura capitalista “no ar”. Ou seja, na medida em que esse sofrimento passou
a se articular à consciência de classe e, consequentemente, se expressar de maneira
politicamente organizada, a burguesia percebeu que a própria estrutura econômica
capitalista entrava em “xeque”. Diante dessa situação, as reformas passaram ocupar um
espaço indispensável para nossa reflexão: elas pautaram as demandas da classe
trabalhadora e, embora a materialização dessas pautas no plano da realidade significasse
perdas relativas em termos de “riquezas produzidas” em prol dos trabalhadores, a não
materialização delas poderia provocar uma radicalização da organização política da classe
trabalhadora. Em função da demanda dos trabalhadores por melhorias de suas respectivas
condições de vida e da necessidade da burguesia de reproduzir sua hegemonia, vimos que o
resultado central dessa tensão foi o surgimento/expansão daquilo que se convencionou
chamar de políticas sociais, sofisticando de maneira articulada, racionalizada e contínua, a
materialização de uma série de serviços em função dessas reformas.
Essas políticas sociais, como vimos, possuem um caráter contraditório que lhes
confere funções que ora podem favorecer, ora podem prejudicar a classe trabalhadora. Mas
o que, para os fins desse estudo, nos parece mais importante evidenciar é o fato de essas
242
entre ambos são frutos da própria contradição entre o discurso promovido pela instituição e
a necessidade real desses usuários. Ou seja, as divergências entre usuários e instituição
costumam se dar na medida em que os usuários percebem que essas e outras convicções,
de fato, não contemplam suas respectivas necessidades. Na medida em que se evidenciam
as incoerências da concepção restrita de saúde, que tenta excluir os aspectos “sociais” do
processo de saúde-doença, e a instituição não sabendo o que fazer com a tensão gerada,
convoca-se o assistente social para “apagar o incêndio”. De acordo com as entrevistas, isso
parece se expressar principalmente na demanda pelas “altas sociais”, em que se atribui a
permanência dos usuários em questão ao âmbito “social”.
Quanto à relação entre as perspectivas dessas profissionais e às dos usuários, duas
constantes se mostraram muito claras: a demanda por parte dos usuários por atribuições
que as assistentes sociais entrevistadas julgaram não fazer parte das suas atribuições e
aquelas reconhecidas por essas assistentes sociais como “legítimas”. O interessante é que,
nessas últimas, os usuários buscaram o profissional especificamente por sua função
assistencial, expressando uma suposta “invisibilidade” da dimensão pedagógica dos
assistentes sociais.
A partir desses e outros aspectos que perpassam o cotidiano desses profissionais,
expusemos duas frentes de atuação profissional. A primeira refere-se à sua função básica
para o qual foi convocado pela instituição, ou seja, ao atendimento junto aos usuários. A
respeito desses atendimentos, a partir das respostas fornecidas pelas assistentes sociais,
pudemos perceber que, apesar de a função assistencial ser a mais referenciada pelos
usuários, poucas são as possibilidades que essas assistentes sociais têm de viabilizar –
diretamente na unidade em que atuam, os serviços necessários. Um dado certamente
atribuível ao contexto neoliberal, mas também ligado à particularidade da prática na saúde,
já que é comum que as profissionais, diante de determinadas demandas, realizassem
orientações capazes de dar as devidas informações para que os usuários acessassem
futuramente os serviços necessários. Ou seja, a prática do assistente social parece tender a
atuar menos no momento de acesso aos serviços e mais no momento imediatamente
anterior a esse acesso: o de criar bases concretas para viabilizá-lo. Ligada a essa questão
está a dificuldade de acompanhamento dos usuários na maioria das instituições que essas
profissionais atuam. Também chamou a atenção o fato de que essas profissionais
demonstraram significativas dificuldades em projetar os impactos objetivos de suas
intervenções, pois no processo em que atuam há uma relevante dificuldade do
247
que pudemos extrair das entrevistas emergiram nos momentos em que as instituições não
conseguiam/pretendiam viabilizar condições para o atendimento qualificado aos usuários.
Ou seja, não possibilitavam meios suficientes e consequentes para que os profissionais
exercessem suas ações de modo compatível com as reais necessidades objetivas dos
usuários. Entretanto, o que dissemos não assegura a perspectiva de contribuição
profissional visando às reformas sociais como via de superação da ordem vigente. Pelo que
pudemos perceber, as entrevistadas, mesmo que atuem em prol dos serviços qualificados
aos usuários, na grande maioria das vezes, não atrelam essa possibilidade a um trabalho
que objetive a politização dos usuários, identificando-os como classe trabalhadora que
pode pretender ser sujeito na construção de rumos diferentes para a ordem social.
250
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APÊNDICE A - Questionário.
Nome:
Idade:
Ano de formação:
Instituição de formação:
Instituições onde exerce a função de assistente social (nas instituições onde atuar na área da
saúde enumere-as entre parênteses. Nas perguntas posteriores, marque entre os parênteses o
número correspondente a cada instituição).
Natureza da instituição:
Permite que os dados desse questionário sejam utilizados na pesquisa? ( ) sim ( ) não
Caso seu perfil seja compatível com as necessidades da pesquisa, você poderia conceder
( ) Pesquisa ( ) Outro(s):
259
QUESTIONÁRIO:
A partir dos elementos que citarei em seguida, gostaria que me dissesse a intensidade em que eles interferem na sua autonomia (ou seja: sua liberdade
para atuar da maneira que deseja) em termos de possibilitar uma prática na direção que você intenciona. Marque com um “X” as alternativas que melhor
representam sua opinião.
15. O Código de Ética do Serviço Social ( ) positivamente ( ) negativamente ( ) indiferente ( ) pouco ( ) regular ( ) intensamente
16. A Lei de Regulamentação dos Assistentes Sociais. ( ) positivamente ( ) negativamente ( ) indiferente ( ) pouco ( ) regular ( ) intensamente
17. O tipo de contrato do profissional. ( ) positivamente ( ) negativamente ( ) indiferente ( ) pouco ( ) regular ( ) intensamente
18. O contexto socio-político do Brasil hoje ( ) positivamente ( ) negativamente ( ) indiferente ( ) pouco ( ) regular ( ) intensamente
19 .O conjunto de entidades representativas da ( ) positivamente ( ) negativamente ( ) indiferente ( ) pouco ( ) regular ( ) intensamente
categoria dos assistentes sociais de maneira geral
(sindicato, conjunto CFESS/CRESS, ABEPSS, ENESSO etc).
20. O relacionamento com os assistentes sociais da equipe ( ) positivamente ( ) negativamente ( ) indiferente ( ) pouco ( ) regular ( ) intensamente
21. O relacionamento com outras categorias profissionais ( ) positivamente ( ) negativamente ( ) indiferente ( ) pouco ( ) regular ( ) intensamente
22. A clareza para os usuários do “o que é” e “o que faz” ( ) positivamente ( ) negativamente ( ) indiferente ( ) pouco ( ) regular ( ) intensamente
o Serviço Social na instituição. 22.1 Existe essa clareza por parte dos usuários? ( ) sim ( ) razoavelmente ( ) não
23. A clareza para a instituição/outras categorias de “o que ( ) positivamente ( ) negativamente ( ) indiferente ( ) pouco ( ) regular ( ) intensamente
é” e “o que faz” o Serviço Social na instituição. 23.1 Existe essa clareza por parte da instituição? ( ) sim ( ) razoavelmente ( ) não
24. O prestígio do Serviço Social frente à instituição. ( ) positivamente ( ) negativamente ( ) indiferente ( ) pouco ( ) regular ( ) intensamente
24.1 Existe esse prestigio por parte da instituição? ( ) sim ( ) razoavelmente ( ) não
25. O prestígio do Serviço Social frente ao público usuário ( ) positivamente ( ) negativamente ( ) indiferente ( ) pouco ( ) regular ( ) intensamente
25.1 Existe esse prestigio por parte do usuário? ( ) sim ( ) razoavelmente ( ) não
26.Seu acúmulo teórico adquirido na formação ( ) positivamente ( ) negativamente ( ) indiferente ( ) pouco ( ) regular ( ) intensamente
de maneira geral.
27. A infraestrutura institucional ( ) positivamente ( ) negativamente ( ) indiferente ( ) pouco ( ) regular ( ) intensamente
28. Os serviços (programas, benefícios, parcerias, redes etc) ( ) positivamente ( ) negativamente ( ) indiferente ( ) pouco ( ) regular ( ) intensamente
29. Você conseguiria identificar outras influências que interfiram em sua relativa autonomia (alguma outra lei por exemplo)? Diga que elementos e classifique
como fez acima:
30. De 0 (zero) a 100 (cem), quanto você quantificaria sua autonomia dentro da instituição onde atua? ___________________
260
Dentre os elementos anteriormente tratados no questionário, há algum que você gostaria comentar
com um pouco mais de profundidade?
Quais as literaturas/autores que mais contribuem para orientar seu exercício profissional?
Você poderia citar algumas propostas de ação profissional indicadas nessas literaturas que você
consiga materializar com maior constância em seu cotidiano?
Você poderia citar algumas propostas de ação indicadas nessas literaturas que você não consiga
efetivar frequentemente (ou nunca) em seu cotidiano? E por que você considera que isso ocorre?
Em termos de subsídios teóricos para uma ação profissional comprometida com esse projeto ético-
político profissional, quais os maiores méritos e limites da literatura profissional hoje?
Quais são as principais demandas ao Serviço Social apresentadas pelos usuários na instituição
onde você atua?
Na sua opinião, as necessidades que geram essas demandas possuem motivos comuns que dêem
certa identidade entre os usuários dessa instituição? Quais?
Sua intervenção consegue colaborar para que essa identidade entre os usuários se explicite? De
que maneira?
Há momentos em que aquilo que você considera ser o ideal para os serviços oferecidos pelo
Serviço Social colide com o que o usuário demanda?
Por que existem essas divergências?
Como você conduz sua prática quando ocorrem essas divergências?
Quais os principais objetivos que a instituição, de maneira geral, busca concretizar no atendimento
aos usuários por meio do Serviço Social?
Quais as maiores coincidências e divergências entre as demandas desses usuários e os objetivos
institucionais?
Na sua opinião, sua intervenção contribui para que se desencadeiem melhorias empíricas nas
condições de vida desses usuários?
Quais suas expectativas do impacto dessas melhorias em termos de curto e longo prazo?
Essas mudanças coincidem com os objetivos da instituição ou diferem dos objetivos da
instituição? Em que diferem? Em que coincidem?
Você considera que sua intervenção desencadeie um efeito educador na consciência dos usuários?
Quais suas expectativas em relação a essa função pedagógica em termos de curto e longo prazo?
262
Esse caráter educador presente em sua intervenção coincide ou não com os objetivos
institucionais? Em que diferem? Em que coincidem?
Quando suas convicções colidem com a direção institucional quais os motivos mais
comuns?
É comum que suas convicções prevaleçam por meio de embates? Quais os meios que você
utiliza para viabilizar isso?
É comum que suas convicções prevaleçam por meio de desobediência às regras
institucionais? Quais os meios que você utiliza para viabilizar isso?
É comum que suas convicções prevaleçam por meio do apoio mobilizado do público
usuário? Quais os meios que você utiliza para viabilizar isso?
É comum que suas convicções prevaleçam por meio de convencimento? Quais os meios que
você utiliza para viabilizar isso?
Tendo em vista que a intenção desse estudo é detectar as estratégias profissionais de
materialização do projeto ético-político dos assistentes sociais brasileiros, você teria mais
alguma consideração a fazer?