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Rio de Janeiro
2015
Juliana Fiuza Cislaghi
Rio de Janeiro
2015
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/ BIBLIOTECA CCS/A
CDU 614.2(81)
Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta tese, desde
que citada a fonte.
___________________________ ___________________________
Assinatura Data
Juliana Fiuza Cislaghi
Rio de Janeiro
2015
DEDICATÓRIA
Foi com minha mãe e meu pai que aprendi a ser gauche. Saí de casa uma
militante anticapitalista impenitente desta vida.E é assim que agradeço minha
família: meu pai, minha mãe, meus avós, meu padrasto, meus irmãos, minha
madrinha, meus primos – que até hoje me ligam para perguntar o que eu acho da
conjuntura.
Por minha sorte encontrei na minha militância estudantil muita gente bacana e
generosa, que me salvou de certa mesquinhez inevitável nesses tempos do capital.
À isso queria agradecer a Mira – que me ensinou muito a entender a vida, ao Tom –
um cara elegante e sincero, ao Matheus – um grande parceiro, a Taty - na sua
dureza e ternura, ao Xandão – sempre meu dirigente, e ao povo do MESS: Dani,
Flávia. Andrea, Silvia, Elaine, Rose, e são muitos mais, com certeza. Ali entendi o
quão alegre podia ser a confiança no coletivo.
Mais sorte ainda tive em estudar na Faculdade de Serviço Social da
Uerj.Desde minha graduação conto com Elaine como amiga, parceira e orientadora.
É certamente o centro de toda minha formação acadêmica, a quem guardo infinita
gratidão e companheirismo. Com Marilda, além de todas as leituras, tive a chance de
assistir alguns cursos sobre marxismo e sobre Serviço Social. Difícil encontrar, para
o resto da vida,debates mais generosos e sofisticados. Maria Inês é mestra de
qualquer sujeito militante que cruzou com ela um dia. Ensina todo dia que lutar é
sempre, ensina a ser imprescindível e me ensinou tudo sobre política de saúde,
também.
Agora, professora da Faculdade que me formou, ficaria muitas páginas
agradecendo um pouquinho de tudo que como aluna e professora essa unidade me
ofereceu sempre. Agradeço aos meus professores, colegas e alunos e espero
retribuir com meu trabalho docentetudo que essa Faculdade me proporcionou.
Agradeço ainda à todos os meus companheiros de militância, nos partidos
partidos e no sindicalismo docente. Com tantos desencontros acabei ficando, de
algum jeito, como Pasin, com o Zé, com o Agnaldo, com a Marina, com a Cris, com a
Sônia, com a Elisa, com a Dani. A Sônia me ensinou um dia que a felicidade não é
um bem individual, mas, só pode ser um projeto coletivo: nunca esqueci.
Aos diretores e funcionários da Asduerj e todos militantes da Uerj que estão
todos os dias lutando pela democracia, pela solidariedade e pelos nossos direitos:
vamos juntos, vamos de mãos dadas. Preciso registrar um agradecimento especial a
Cleier, que é um pouco responsável por essa história de militância docente na Uerj,
além de ter sido minha professora.
Aos professores, alunos e pesquisadores do Gopss, interlocutores
fundamentais e grandes amigos de pesquisas e risadas.
Aos companheiros do gabinete do vereador Renato Cinco, em particular à
Talita que me ajudou muito com fontes de dados sobre o orçamento da cidade do
Rio de Janeiro. Sigamos abrindo as caixas pretas.
Agradeço, ainda, à minha banca, feminina e feminista,e de grandes
pesquisadoras e militantes sociais. Fora as já agradecidas Maria Inês, Marilda e
Elaine quero registrar a importância de Sara e Fátima na qualificação. À Sara minha
profunda admiração como pesquisadora e companheira de militância. Devo à
Fátima todo o debate sobre a categoria “subsunção”, fundamental nessa tese, e que
ainda pretendo perseguir por um tempo. Registro, ainda, o orgulho e alegria de
contar com a participação de Ivanete na banca final e o apoio dado pelos colegas do
GESST, Evilásio e Sandra, sempre disponíveis para o debate. Fico devendo um
Meia Porta para a turma de Brasília.
Agradeço, por fim, aos meus amigos, porque só isso salva: Grazi, Tainá,
Aline, Elídio, Manu, Guilherme, Babi, Priscila, Bel, Verônica, Maieiro, Felipe, Lia,
Bruno e tanta gente bacana, que torna nossa vida mais leve.
E ao Hilde meu amor e companheiro da vida que debate, facilita, me joga
para cima, ouve, consola: muita sorte encontrar isso nesse mundo.
RESUMO
CISLAGHI, Juliana Fiuza. Elements for the critique of the political economy of health
in Brazil: public-private partner ships and capital appreciation. 2015. 193 f. Tese
(Doutorado em Serviço Social) - Faculdade de Serviço Social, Universidade do
Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.
INTRODUÇÃO................................................................................... 2
1 POLÍTICA SOCIAL E SERVIÇOS: EM BUSCA DE UMA
INTERPRETAÇÃO MARXISTA......................................................... 9
1.1 A questão dos serviços no capitalismo tardio.............................. 18
1.2 Subsunção real dos serviços ao capital: o caso da
saúde................................................................................................. 24
2 O CAPITALISMO E SUAS CRISES.................................................. 31
2.1 O Estado de Bem Estar Social na fase de ascensão do
capitalismo tardio............................................................................. 36
2.2 Neoliberalismo: a fase de estagnação do capitalismo
tardio.................................................................................................. 41
2.3 A ideologia gerencialista e a contrarreforma neoliberal do
Estado............................................................................................... 51
2.4 Crise do capital e ofensiva sobre o fundo público: o caso
brasileiro............................................................................................. 58
2.5 O significado dos governos do PT na conjuntura
neoliberal........................................................................................... 71
3 A SAÚDE NO CAPITALISMO TARDIO: ELEMENTOS GERAIS E
A PARTICULARIDADE DO CASO BRASILEIRO............................ 80
3.1 Marcos históricos da política de saúde no Brasil ........................ 82
3.2 O papel dos organismos internacionais na contrarreforma da
saúde no Brasil................................................................................. 91
3.3 Saúde pública no Brasil: o avanço na privatização da
gestão................................................................................................ 96
3.4 O setor privado de saúde no Brasil hoje....................................... 111
4 MECANISMOS DE PRIVATIZAÇÃO DO FUNDO PÚBLICO NO
CAPITALISMO TARDIO: ANÁLISE DO SETOR SAÚDE NO
BRASIL.............................................................................................. 121
4.1 O orçamento federal e dos municípios de 2008 à 2012................ 130
4.2 O Estado como consumidor de medicamentos, equipamentos
e serviço de saúde........................................................................... 138
4.3 O gasto tributário com o setor saúde............................................. 144
4.4 O repasse do orçamento para entidades sem fins
lucrativos........................................................................................... 151
4.5 O caso peculiar das empresas públicas e sociedades de
economia mista no setor saúde...................................................... 158
4.6 Síntese da análise dos dados: o quadro geral de repasse de
fundo público ao setor privado na função saúde......................... 164
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................... 171
REFERÊNCIAS................................................................................. 174
17
INTRODUÇÃO
teoria, onde o conhecimento dos fatos leva a opções políticas e valorativas ligadas a
uma visão de mundo vinculada a algum interesse de classe (Lowy, 1992, 52). Nesse
sentido, não é subtraível do método de Marx a perspectiva histórica de passagem
“para além do capital” bem como a lei do valor, como pilar fundamental no
funcionamento do capitalismo, numa perspectiva ortodoxa conforme enunciada por
Behring (2008).1
Nossa busca é, com o auxílio de referências na tradição marxista, resgatar a
dialética como método que permite conpreender a realidade: a. não como soma de
fatos, mas, como combinação de processos e b. como uma totalidade em
movimento onde nenhuma das partes pode ser compreendida isoladamente, fora de
suas conexões e no qual esse movimento é um resultado das contradições internas
dessa realidade. Associa-se a isso uma compreensão do materialismo histórico
baseada nas seguintes constatações: a. a realidade material é anterior ao
pensamento, b. o real está em constante transformação e cabe ao pensamento
aproximar-se cada vez mais da realidade na qual o critério final da verdade é a
prática, c. o modo de viver e pensar dos homens é determinado pelas condições
concretas do momento histórico em que vivem e d. a emancipação dos homens é
um processo progressivo, histórico e não-linear, tendo a luta de classes como motor
desse desenvolvimento (Mandel, 2001, p.21).
A partir desse aporte fundamental, recorreremos à sociologia crítica brasileira,
sobretudo Francisco de Oliveira, Octavio Ianni e os autores da Escola de Sociologia
da Universidade de São Paulo(USP) para compreender a especificidade nacional. A
ideia de dependência enquanto país periférico dentro do capitalismo mundial apóia-
se no princípio de Florestan Fernandes de que a “particularidade Brasil pertence à
generalidade capitalismo por meio da especificidade capitalismo dependente”
(LIMOEIRO, 2005, p.11).
É com o conceito de desenvolvimento desigual e combinado, originalmente
desenvolvido por Trotsky, mas presente como concepção em Fernandes, Ianni e
Oliveira, que analisaremos as relações entre o Estado e os setores privados na
saúde, pensando numa relação de amálgama entre eles dentro de uma totalidade.
Nessa relação tem papel fundamental a categoria “fundo público”.
Entendemos como fundo público o conjunto de impostos, taxas, contribuições e etc
1
Behring (2003) considera a “ortodoxia” marxista, da qual não é possível abrir mão, o método, a lei
do valor e a perspectiva de superação do mundo do capital.
19
que serão apropriados compulsoriamente pelo Estado. Esse fundo é composto pelo
trabalho necessário (na forma de salários) e pelo trabalho excedente (na forma de
lucro, juros ou renda da terra) do conjunto da sociedade, tendo um lugar estrutural
na sociedade capitalista. Sobretudo em momentos de crise, o fundo público atua
como “contratendência à queda das taxas de lucro, atuando permanentemente e
visceralmente na reprodução ampliada do capital” (BEHRING, 2010, p.32). As
formas históricas dessa atuação, dentro da particularidade da saúde no Brasil, foram
objeto central da nossa investigação.
O Estado, e consequentemente o fundo público, é compreendido não como
um “ator”, como querem teorias que justificam as teses neoliberais assim
equalizando o Estado aos agentes privados, mas como uma arena de disputa. Ainda
que a investigação, e a observação do cotidiano, nos levem a concluir que nesse
momento as formas financeirizadas de capital são as maiores beneficiárias do fundo
público, em detrimento de outras formas do capital e mais ainda dos trabalhadores,
isso não significa que a disputa de interesses deixe de existir.
A luta de classes atua sobre e no Estado, o que o leva, em conjunturas mais
favoráveis aos trabalhadores, a algumas concessões e escolhas políticas que
podem pender para o lado do trabalho. É o caso da construção do sistema público
de saúde no Brasil, processo que evidentemente tem muitas contradições e que
permanece historicamente em disputa entre os interesses do trabalho e do capital, e
entre interessesintraclasses distintos. Na complexidade de sua estrutura atual, o
Estado também é composto por trabalhadores que, nos marcos de sua autonomia
relativa, podem atuar contra os interesses dominantes.
É nesse sentido que a disputa por um sistema de saúde que atenda aos
interesses dos trabalhadores, dentro dos limites da ordem capitalista, mas, com o
horizonte da sua superação, passa pela compreensão das formas de alocação do
fundo público, e não das aparências afirmadas por termos como “público não estatal”
ou “público de direito privado”, ou outras representações estanques que defendem a
neutralidade do Estado sobre os interesses de classe. O objetivo da pesquisa é
superar as aparências fenomênicas, imediatas e empíricas que alimentam discursos
favoráveis a ordem capitalista apreendendo a essência, ou seja, a estrutura e a
dinâmica do objeto em suas múltiplas determinações (Netto, 2011).
Sendo nosso objeto o setor saúde, parte da sociedade atual, a relação entre o
objeto e o pesquisador não tem como ser externa, como se dá em ciências da
20
2
Concordamos com Ladeira na justificativa da opção por essa fonte: “Criado pelas Organizações
Globo e Folha de São Paulo, apresenta como missão “auxiliar a tomada de decisões dos agentes
econômicos e servir de orientação ao público”. A escolha também está relacionada ao perfil dos
leitores, definido em apresentação do próprio jornal, formado por líderes empresariais,
governamentais, da área jurídica e empreendedores. Sendo ainda identificados como 90%
pertencentes às classes A e B, sendo 54% sócios de empresas (Apresentação..., 2014).
Direcionado à elite econômica do país, conforma seus discurso e conteúdo em consonância com as
identidades social e política dos leitores” (LADEIRA, 2014).
22
capital privado como política social pública e pela grande participação de atividades
de produção de serviços nesse campo.
No segundo capítulo fazemos um percurso histórico-analítico que se inicia
pelas características universais do capitalismo contemporâneo, marcado pela crise
estrutural. Debatemos a dinâmica do Estado e da sociedade a partir do período
chamado neoliberal, entendendo esse período, conforme as teses de Mandel, como
fase de estagnação do capitalismo tardio. Passamos, então, às particularidades na
relação entre países centrais e periféricos chegando à análise do caso brasileiro.
No terceiro capítulo tratamos da situação histórica do setor saúde no Brasil,
sua dinâmica e características nas esferas pública e privada. Analisamos como os
determinantes do período atual de desenvolvimento do capitalismo influenciam o
setor, em particular no nosso país, compreendendo os processos de privatização e
contrarreforma em curso, após os avanços trazidos pela Constituição de 1988 e pela
construção do SUS.
No quarto e último capítulo analisamos os principais mecanismos de
privatização do fundo público na política atual de saúde no Brasil no nível federal e
nos municípios de São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador. Com isso comprovamos a
significativa transferência para setores privados do orçamento público da função
saúde.
Nosso objetivo foi construir uma crítica da economia política da saúde no
Brasil partindo da hipótese de que os mecanismos de apropriação privada de fundo
público vêm dando suporte para a subsunção real ao capital do setor saúde,
processo ainda em curso na atualidade. No caso dos serviços públicos, os
mecanismos de aumento de produtividade objetivam reduzir o gasto de fundo
público sobretudo com força de trabalho, permitindo que o fundo público seja
desviado para o capital.
Esperamos com os resultados desse trabalho reforçar as iniciativas de
resistência protagonizadas por inúmeros sujeitos políticos, trabalhadores e usuários
do SUS à, muitas vezes insidiosa, privatização da saúde no Brasil. Com
Iamamoto(2007, p.452), acreditamos que“a investigação quando compromissada em
libertar a verdade de seu confinamento ideológico, é certamente um espaço de
resistência e luta”
23
3
Segundo Behring, essa leitura, que originalmente tinha vieses estruturalistas, parecia superada mas
retomou fôlego, por outras perspectivas teóricas, recentemente.
25
4
No caso da saúde no Brasil, após a Constituição de 1988, o Estado passou a ter o dever de gerir e
financiar o SUS, sistema público e universal, sendo, portanto, o fundo público a fonte fundamental
de recursos da saúde como direito.
5
Se pensarmos no caso da saúde, por exemplo, o processo de expropriação dos trabalhadores é
concomitante com a expropriação da terra, de onde se retiravam medicamentos naturais e se
construía o conhecimento empírico sobre o funcionamento do próprio corpo. A institucionalização da
26
medicina, a patentização dos ativos naturais para uso terapêutico, a privatização dos espaços da
natureza, já significaram a expropriação da saúde enquanto bem coletivo.
27
6
Essa referência a O‟Connor também foi citada por Behring (2010).
31
Nossa hipótese de trabalho é que aquilo que vem sendo chamado de forma
genérica de empresariamento dos serviços de saúde e educação corresponde ao
que Marx chama de subsunção real, como desenvolvimento histórico da sociedade
capitalista. Isso se materializa no controle dos processos de trabalho, reduzindo a
autonomia dos trabalhadores, com o objetivo de ampliar a mais valia relativa por
meio do aumento da produtividade do trabalho nos serviços. No caso do Estado, o
aumento da produtividade corresponde à economia de fundo público, que pode ser
utilizado em esferas que ajudam na valorização do capital, como quando o Estado
atua como consumidor de produtos do setor privado.
Investigaremos a proficuidade da hipótese a partir do caso dos serviços de
saúde, por ser o objeto do nosso trabalho 7. Cordeiro (1984, p.15) analisa o que ele
chama de “penetração das relações capitalistas de produção na prática médica” ou
“processo de capitalização da medicina”, como passagem da medicina liberal,
conduzida por profissionais autônomos, ao assalariamento dos profissionais. Apesar
de centrado no trabalho dos médicos, cremos ser possível trabalhar com suas ideias
estendendo-as, com algumas mediações, para o conjunto dos trabalhadores de
saúde, precisando um pouco mais as categorias do autor.
Para Marx, existem três formas de subsunção do trabalho ao capital que
representam o desenvolvimento histórico do capitalismo mas seguem se
reproduzindo dentro desse modo de produção, ainda que os dois primeiros de forma
secundária. A primeira forma é a transitória “o capital já existe desempenhando
determinadas funções subordinadas, mas ainda não em sua função dominante”.
7
Na minha dissertação de mestrado intitulada “Análise do REUNI: uma nova expressão da
contrarreforma universitária brasileira” já havia realizado um estudo no mesmo sentido sobre o
ensino superior no Brasil. Parte da dissertação está publicada em Cislaghi (2012).
39
8
Aprofundaremos o debate histórico sobre a política de saúde no Brasil no terceiro capítulo desse
trabalho.
40
9
Para Cordeiro (1978, p.198) “os medicamentos ocupam lugar de símbolos e representações que
obscurecem os determinantes sociais das doenças, iludem os indivíduos com a aparência eficácia
científica e, como mercadoria, realizam o valor e garantem acumulação de um dos segmentos mais
lucrativos do capital industrial”.
41
10
Existem várias complexidades na análise de instituições hospitalares no Brasil hoje. O Albert
Einstein, por exemplo, é considerado instituição filantrópica e sem fins lucrativos, além de atuar
como gestor de unidades públicas. Aprofundaremos o debate sobre essas formas jurídicas no
quarto capítulo desse trabalho. Nesse momento nosso foco são as formas de aumento da
produtividade do trabalho, o que não é afetado pelas duvidosas formas jurídicas adotadas por essas
instituições.
11
“Constante investimento em tecnologia: o Einstein possuía, já na década de 1970, os dois primeiros
equipamentos de ressonância magnética da América Latina. E continua na liderança, tendo
adquirido, em julho de 2007, o Da Vinci Sirurgical System – um sistema que traduz, em tempo real,
os movimentos das mãos de um cirurgião, em movimentos milimetricamente precisos, em tempo
real”. Em: http://www.einstein.br/Hospital/Paginas/sobre-o-hospital.aspx. Consulta em 20/06/2014.
12
“O conceito do Smart Track foi baseado no modelo lean manufacturing, utilizado por muitas
fábricas com objetivo de reduzir sete tipos de desperdícios: superprodução, tempo de espera,
transporte, excesso de processamento, inventário, movimento e defeitos”. Em:
http://saudeweb.com.br/32095/rede-d-or-implanta-modelo-smart-track-nos-32-hospitais/. Consulta
em: 20/06/2014.
42
13
Em: http://saudeweb.com.br/27712/samaritano-aumenta-produtividade-com-uso-de-tablets/.
Consulta em: 20/06/2014.
14
O fetiche da mecanização completa na saúde é bem retratado no filme estadunidense Elysium
(2013, dirigido por Neill Blomkamp), no qual uma única máquina é responsável por todo o processo
de diagnóstico e cura de todas as doenças! Não é difícil imaginar que apenas a classe dominante,
mesmo na ficção, tem acesso a essa tecnologia o que justifica todos os conflitos desenvolvidos no
filme.
43
sua substituição tanto pelo trabalho morto dos equipamentos e medicamentos como
pela reorganização de processos de trabalho coletivo.
Não significa, também, que ao lado dessas formas de subsunção real do
trabalho nos serviços de saúde não sigam existindo formas transitórias e formais de
subsunção que mantém, de forma cada vez mais residual, a prática liberal das
profissões da saúde.
Reafirmamos ainda que é apenas nas instituições privadas, que tem como
objetivo a acumulação de capital, que a mais valia relativa é o objetivo da
intensificação do trabalho. Quando essa intensificação é reproduzida em instituições
públicas o objetivo central é a economia no gasto com fundo público, sobretudo com
força de trabalho, o que permite que esses recursos possam, entre outras coisas,
serem apropriados pelo capital, por exemplo, na compra de serviços, equipamentos
e medicamentos.
Uma última observação importante é que mesmo em hospitais privados seus
lucros não derivam apenas de extração de mais valia na produção de serviços mas
também da comercialização de medicamentos e materiais como órteses e próteses,
no qual os ganhos são de origem comercial.
No próximo capítulo analisaremos as características centrais do capitalismo
atual e as particularidades brasileiras nesse processo. No terceiro capítulo
retomaremos o debate do setor saúde à luz dos pressupostos teóricos e dos
determinantes econômicos, políticos e sociais discutidos nesses dois capítulos
iniciais.
44
do capital em empresas cada vez maiores, centralizadas cada vez em menos mãos.
Essa concentração trouxe a necessidade de cada vez maiores montantes de capital
para a reprodução ampliada de capitais particulares, colocando a concorrência
intracapitais em outro patamar. Dessa concentração crescente do capital surgem os
monopólios. Segundo Lênin (2008, p. 21) “o aparecimento do monopólio devido à
concentração da produção é uma lei geral e fundamental da presente fase do
desenvolvimento capitalista”.
Segundo Netto (2001, p.20), a idade do monopólio “potencia as contradições
fundamentais do capitalismo (...) e as combina com novas contradições e
antagonismos”. As organizações monopólicas introduzem na lógica capitalista os
seguintes fenômenos, sumariados pelo autor: a. o preço das mercadorias e serviços
produzidos pelos monopólios tende a crescer; b. as taxas de lucro tendem a ser
mais altas nos setores monopolizados; c. a taxa de acumulação se eleva,
acentuando a tendência de queda da taxa média de lucro; d. o investimento se
concentra nos setores de maior concorrência, pelas dificuldade de investimento em
espaços com grande concentração de capital; e. a introdução de novas tecnologias
amplia a tendência à redução de trabalho vivo; f. os custos de venda sobem, pela
hipertrofia de setores de distribuição, ampliando espaços improdutivos.
Quando a concorrência absorve as determinações da monopolização, a
produção socializa-se entre seus poucos donos. Esses passam a monopolizar a
força de trabalho qualificada, as vias de transporte e a comunicação. Com isso
monopolizam-se também os inventos, o progresso técnico e as patentes. A
monopolização e a cartelização, controlando preços, organizando a produção e
distribuindo os lucros, passam a ser a base da vida econômica.
O imperialismo, chamado por Lênin a fase superior do capitalismo, modifica
também o papel dos bancos e do sistema creditício. De meros intermediários dos
pagamentos, os bancos têm suas operações ampliadas, dada a grande necessidade
de crédito dos monopólios. Essas operações também se concentram num reduzido
número de instituições financeiras. Poucos bancos passam a dispor de todo capital-
dinheiro dos monopólios, pequenos patrões e do salário dos trabalhadores.
O superdimensionamento do momento financeiro da economia com a fusão
do capital industrial com o capital bancário, por meio da posse de ações, torna o
primeiro cada vez mais dependente do segundo, o que também é característica
central do período monopolista. Em uma relação dialética os bancos também são
47
Mandel (1982) aponta como fatores que tornaram possível a retomada das
taxas de lucro, o que levou à onda longa de expansão ocorrida entre a década de 40
e meados de 60 do século XX, o rearmamento e a Segunda Guerra Mundial que
permitiram a reintrodução de capital excedente na produção de mais valia.
Associava-se a isso o acréscimo de mais valia ocorrido devido a grandes derrotas
sofridas pela classe trabalhadora para o fascismo e para a guerra em países como a
Alemanha, Japão, Itália, França e Espanha e depois nos Estados Unidos, onde os
pactos sociais e a política macarthista contra o comunismo durante a Guerra Fria
reduziram gradativamente a combatividade operária. Soma-se a isso, ainda, as
ditaduras do grande capital instituídas por golpes militares a partir da década de
1960 na América Latina, que com o apoio dos países imperialistas, permitiram a
superexploração da força de trabalho sob uma bárbara repressão aos movimentos
de resistência da classe trabalhadora.
Esse incremento na taxa de mais valia e de lucros facilitou o início da
Revolução Tecnológica, fundada nos esforços de guerra, ampliando a produtividade
do trabalho, tendência que só se reverteu quando a própria dinâmica expansionista
levou as condições do mercado de trabalho a favorecerem a classe trabalhadora
pela redução do exército industrial de reserva 17 (Mandel, 1982, p.125).
A fase ascendente do capitalismo tardio tem, ainda, como uma de suas
características centrais a introdução do modelo fordista de acumulação. Ainda que o
modelo de Ford tenha se iniciado em suas fábricas em 1914 foi apenas após a II
Guerra Mundial, com a vitória sobre o nacional-socialismo, que o fordismo se
consolidou como regime de acumulação imposto diretamente em países ocupados e
indiretamente por meio do Plano Marshall e do investimento direto norte-americano.
Mais do que apenas uma aplicação da divisão do trabalho taylorista e de inovações
tecnológicas e organizacionais, o fordismo caracterizava-se por ser um novo modelo
baseado na produção e no consumo em massa, com “um novo sistema de
17
“(...) assim que a expansão conduziu a desmobilização e desaparecimento do exército industrial de
reserva, e, simultaneamente a entrada em cena de novas gerações, começou a diminuir o ceticismo
subjetivo e a resignação nas fileiras operárias, os anos dourados do capitalismo chegaram ao fim
numa escala internacional. (...) Mais uma vez se avivou a luta em torno da taxa de mais-valia
(MANDEL, 1982, 126).
50
ampliação dos gastos públicos em relação ao PIB e dos gastos sociais em relação
aos gastos públicos pode ser verificada. A pressão da classe trabalhadora nesse
período, fortalecida pela presença da URSS, que mesmo burocratizada era ainda um
Estado socialista, foi elemento central para que os Estados e a burguesia “cedessem
seus anéis” nos países centrais.
O fim dos anos de ouro do capitalismo já se fazia sentir, segundo Mandel
(1982), na crise do sistema monetário internacional em 1967 e nas manifestações
populares conhecidas como Maio de 68 na França, a Primavera de Praga, entre
outras em diversos países. Mas é mais consensual entre diversos autores que a
crise de superacumulação tem como detonador a crise do petróleo entre 1972/73 18.
A capacidade interna de absorver excedentes nos Estados Unidos começa a
se estagnar no final dos anos 1960, acirrando a competição econômica, chegando o
Japão e a Alemanha a afetarem e até superarem os Estados Unidos em algumas
áreas. Os altos custos com a guerra do Vietnã, pressão de uma economia de guerra
permanente do complexo industrial-militar e o consumo doméstico excessivo
levaram a uma crise fiscal do Estado intervencionista keynesiano. Para resolver a
crise, os Estados Unidos passam a imprimir mais dólares o que resulta numa
elevação inflacionária mundial, uma explosão da quantidade de capital fictício e o
colapso das estruturas internacionais fixas forjadas no período anterior, acabando
com toda a estrutura do sistema de Bretton Woods 19. Além disso, a organização do
trabalho, sob o regime fordista do período, levou à pressão por crescentes gastos
sociais do Estado e dispêndio com salários nos centros mais dinâmicos do capital,
que significaram uma redução dos lucros a longo prazo.
Sob todos esses efeitos, o capitalismo passa à estagflação, isto é, entra em
uma longa onda de estagnação com tendência à queda das taxas de lucro, que dura
até os dias de hoje.
18
“O acontecimento detonador que precipita as crises de superprodução distingue as suas formas de
aparição. Este pode ser um escândalo financeiro, um brusco pânico bancário, a bancarrota de uma
grande empresa, como poder ser simplesmente a mudança da conjuntura (venda insuficiente
generalizada) em um setor chave do mercado mundial. (...) Mas o detonador não é a causa da crise.
Apenas precipita no sentido em que desencadeia o movimento cumulativo (...)” (MANDEL, 1990,
p.212).
19
O acordo de Bretton Woods, de 1944, transformou o dólar na moeda-reserva mundial e vinculou
com firmeza o desenvolvimento econômico do mundo à política fiscal e monetária norte-americana”
(HARVEY, 2006, p.131).
54
20
[...] o Consenso de Washington é um modelo de desenvolvimento de cunho neoclássico, elaborado
pelo Banco Mundial, pelo Fundo Monetário Internacional e pelos think tanks de Washington e que,
agora, passa como sendo a única interpretação racional possível dos problemas de estabilização e
crescimento” (NUN apud MOTA, 2008, p.79). Compreende as seguintes medidas: disciplina fiscal,
redução dos gastos públicos, reforma tributária, juros de mercado, câmbio de mercado, abertura
comercial, eliminação das restrições ao investimento estrangeiro direto, privatização das estatais,
desregulamentação econômica e trabalhista, defesa do direito à propriedade intelectual
(MARQUES, 2010, p.7).
21
Para Harvey o esmagamento da greve dos mineiros na Inglaterra e dos controladores de vôo nos
EUA pelos governos de Thatcher e de Reagan, no final dos anos de 1970 e início dos anos de
1980, são o marco de uma nova relação da burguesia, através do Estado, com os trabalhadores,
que abre caminho para a retirada de direitos do neoliberalismo. Podemos fazer paralelo com a
greve dos petroleiros, nos anos 1990 no Brasil, derrotada pelo governo Cardoso, nosso marco no
avanço da neoliberalização.
22
Segundo Harvey (2005) o 1% da população mais rica dos EUA concentrava 16% da renda nacional
antes da Segunda Guerra passando a 8% no pós-guerra e sofrendo acentuada queda nos anos
1970. Com a neoliberalização o 1% mais rico volta a deter 15% da renda nacional no fim do século.
55
Netto elaborou uma afirmativa um pouco mais precisa, que se tornou popular
entre os teóricos brasileiros críticos ao neoliberalismo: um Estado mínimo para os
trabalhadores e máximo para o capital. As intervenções violentas do Estado
brasileiro em ocupações de terra, nas favelas e subúrbios das grandes cidades,
contra greves e sindicatos demonstram, porém, que o Estado também só é mínimo
para os trabalhadores quando se trata de políticas sociais.
O Estado se impõe enquanto agente dos interesses das classes dominantes
na retomada das taxas de lucro. Segundo Dumenil e Levy (2005, p.87) “não se pode
deduzir que o Estado tenha perdido toda a função. O neoliberalismo se impôs sob a
proteção do Estado”. Como aponta Fontes (2010, p.17) é um “Estado pitbull”, forte
para defender o capital das ameaças dos trabalhadores, mas sem gorduras, ou seja,
sem políticas sociais. É o Estado que vai cumprir o papel de administrar as crises
23
A relação da renda entre os 20% da população dos países mais ricos e os 20% da população dos
países mais pobres do globo era de 30 para 1 em 1960 chegando a 74 para 1 em 1977 (HARVEY,
2005, p.27).
56
24
Notas de aula da disciplina ministrada na Pós Graduação em Serviço Social da UFRJ em 2012.2.
25
“A expressão “mundialização do capital” é a que corresponde mais exatamente à substância do
termo inglês „globalização”, que traduz a capacidade estratégica de todo grupo oligopolista, voltado
para a produção manufatureira ou para as principais atividades de serviços, de adotar, por conta
própria, um enfoque e condutas „globais‟” (CHESNAIS, 1996, p. 17).
57
26
Entende-se por acumulação financeira, segundo Chesnais (2005, p.37) “a centralização em
instituições especializadas de lucros industriais não reinvestidos e de rendas não consumidas, que
tem por encargo valorizá-los sob a forma de aplicação em ativos financeiros – divisas, obrigações e
ações- mantendo-os fora da produção de bens e serviços.”
59
27
Segundo Harvey (2005, p.175) “calcula-se que, a partir de 1980, mais de 50 Planos Marshall (..)
foram remetidos pelos povos da periferia aos seus credores no centro”. Porém, a dívida dos países
centrais e semi-periféricos vem crescendo culminando na crise aguda do capital em curso desde a
primeira década dos anos 2000. “O crescimento extraordinário das finanças antes da crise ao
mesmo tempo impulsionou e se alimentou do rápido aumento da dívida dos países ricos, no qual os
ativos bancários subiram de 50% do PIB nos anos 1960 para em torno de 200% do PIB no fim da
década de 2000” (Carta Capital, 2013). Behring (2013) demonstra como a relação entre dívida e PIB
é maior na França do que no Brasil que, no entanto, compromete apenas 5,6% do seu orçamento
com seu pagamento.
28
Os argumentos de chantagem têm sido bastante eficazes ideologicamente para obter
consentimento da população sobre as contrarreformas e os cortes orçamentários o que não significa
que não contam com a cumplicidade das burguesias locais.
61
29
Segundo Antunes (1999, p. 33) “apesar do significativo avanço tecnológico encontrado (que
poderia possibilitar, em escala mundial, uma real redução das jornadas ou do tempo de trabalho),
pode-se presenciar em vários países, como a Inglaterra e o Japão, para citar países do centro do
sistema, uma política de prolongamento da jornada de trabalho.”
30
Em relação à proporção em que as características do modelo japonês são incorporadas nas
diferentes empresas e países: “claro que sua adaptabilidade em maior ou menor escala, estava
necessariamente condicionada às singularidades e particularidades de cada país, no que diz
respeito tanto às suas condições econômicas, sociais, políticas, ideológicas, quanto como à
inserção desses países na divisão internacional do trabalho” (ANTUNES, 1999, p.57).
62
31
Categoria batizada por Castillo (1996) e utilizada por Antunes (1999).
64
O autor francês Gaulejac (2007), no livro com o curioso título “Gestão como
doença social”, defende que o gerencialismo é a ideologia correspondente desse
período.
real de todo trabalho ao capital, da busca por mais valia relativa, num período de
superexploração do trabalho posto a serviço de remunerar as finanças.
O autor ainda acrescenta que a mesma lógica do gerencialismo entra na
política e na organização do Estado, que passa a ser visto negativamente, não mais
considerado elemento de “regulação”, mas como um aparelho não-rentável que
precisa se “modernizar”. O que importam são “os modelos de gestão supostos como
eficazes, sem que a reflexão de fundo tenha sido realizada sobre sua pertinência”
(p.269). Essa lógica significa para alguns a privatização generalizada e para outros a
adoção de técnicas de gestão privada no setor público.
O autor defende que apesar dessa perspectiva constituir-se como uma crítica
da administração burocrática, na organização e direção dos centros de decisão do
capitalismo, as características determinantes da burocracia se mantêm intactas. É
na periferia dos centros de decisão das empresas e dos Estados que são
implementadas as propostas de enfraquecimento da administração burocrática.
Assim, o modelo gerencialista não é pós-burocrático, mas combina “burocracia
monocrática” nos centros de decisão e “flexibilização burocrática” via
descentralização na periferia administrativa (2011, p.9).
Para o autor a racionalidade burocrática possibilita construções contra-
hegemônicas, se associada a mecanismos de controle social democrático sobre sua
67
burocracia. Isso porque essa racionalidade permite “servidores livres”, com funções
contraditórias que, se comprometidos com projetos de ampliação de direitos e da
democracia, podem disputar o Estado para os interesses da classe trabalhadora. A
estrutura burocrática teria, então, uma autonomia relativa associada à existência de
regras, leis e regulamentos fixos e um poder de mando e obediência vinculado a
regras impessoais (Souza Filho, 2011, p.67).
É claro que na prática essa estrutura legal apresenta contradições
decorrentes da luta de classes e da formação histórica nacional. É amplamente
pesquisado e difundido por diversos autores os elementos patrimonialistas do
Estado brasileiro, herdados de uma formação histórica escravista, autoritária e
clientelista. Mas a flexibilização da burocracia pode assumir e reforçar, apesar do
seu discurso de “modernização”, características da “burocracia patrimonial”, em
termos weberianos. A ausência da seleção impessoal de funcionários, por meio de
concurso público, retrocede a uma “dominação tradicional” com um quadro funcional
de “servidores pessoais”, isto é, que precisam, decisivamente, ser fiéis aos seus
superiores.
Souza Filho (2011, p.188) conclui, então, que essa proposta de organização
da administração pública é necessária para a expansão do capitalismo nos seus
termos atuais. Por um lado uma burocracia com hiper concentração de poder nos
centros decisórios, aproveitando-se da redução da contra-hegemonia, e garantindo,
de forma autoritária, o Estado para o capital e, de outro lado, o retorno ao
patrimonialismo tradicional nas esferas intermediárias visando “impedir/diminuir as
possibilidades de intervenções administrativas contestatórias” e “movimentos de
resistência ao projeto dominante” partindo de dentro de espaços do Estado por sua
própria burocracia (p.189).
No Brasil, a contrarreforma do Estado, elaborada, e inicialmente
implementada no governo Cardoso, acompanha esses pressupostos. Está
sistematizada no documento “Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado”,
elaborado pelo Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado,
capitaneado por Bresser Pereira, e aprovado pela Câmara da Reforma do Estado
em 1995 e posteriormente pelo governo da República.
No documento, mantém-se o diagnóstico de que a crise da década de 1980 é
uma crise do Estado que no período anterior desviou-se de suas funções para atuar
no setor produtivo, razão da crise fiscal e da deterioração dos serviços públicos. O
68
aparelho do Estado seria composto, dentro da sua lógica, por quatro setores. O
primeiro o núcleo estratégico onde estão o poder executivo strictu sensu, o poder
legislativo, judiciário e o Ministério Público, espaços que se mantém burocratizados e
com concentração de poder, pensando nos termos de Souza Filho (2011).
O segundo, o setor de atividades exclusivas onde o Estado exerce seu poder
de “regulamentar, fiscalizar e fomentar” tendo como exemplo: a cobrança de
impostos, a polícia, o serviço de trânsito, emissão de passaportes. Ao lado desses,
três exemplos que envolvem políticas sociais, tendo como característica a restrição
ao básico e a limitação no papel de execução, qual sejam: previdência social
básica, compra de serviços de saúde pelo Estado, subsídio à educação básica,
seguro desemprego,ou seja, nesse setor já se introduz a ideia de participação do
mercado, concorrência e descentralização.
O terceiro setor é de serviços não-exclusivos. Estes se caracterizam por um
setor no qual o Estado atua ao lado das “organizações públicas não-estatais e
privadas”. Esse setor seria idealmente ocupado por propriedades públicas não-
estatais, que se tratariam de organizações sem fins lucrativos que, segundo o
documento, apesar de não exercerem o poder de Estado estariam diretamente
orientadas para o interesse público. A presença do Estado só se justifica porque
envolve a garantia de direitos humanos fundamentais e ganhos sociais que não
podem ter retorno direto ao mercado, mas representam muito para a sociedade.
Nesse setor estão colocadas as universidades, os hospitais e os centros de
pesquisa.
O quarto e último setor é a área de atuação das empresas que “ainda
permanecem no aparelho do Estado” como infraestrutura. Essas atividades só estão
no âmbito estatal ou por falta de investimentos privados para supri-las ou por sua
natureza monopolística. Nesse caso o documento adverte que a privatização precisa
ser acompanhada de regulamentação rígida.
Enquanto para o setor de produção para o mercado o caminho traçado é o da
privatização, nos serviços não-exclusivos o documento propunha um processo de
“publicização”, o que transformaria as fundações e organizações públicas então
existentes em entidades de direito privado, passando a ter sua dotação orçamentária
atrelada à celebração de contratos de gestão com o Estado. Como consequência, os
serviços teriam maior autonomia, o controle social seria exercido por conselhos de
administração e a sociedade participaria do seu financiamento por meios “da compra
69
32
“Entende-se por „organizações sociais‟ as entidades de direito privado que, por iniciativa do Poder
Executivo,obtêm autorização legislativa para celebrar contratos de gestão com esse poder, e assim
ter direito à dotação orçamentária” (BRASIL,1995, p. 60).
33
Montaño (2008) critica os teóricos e defensores da perspectiva do “terceiro setor”, “um novo setor
público porém privado” por dividirem a sociedade em três setores compartimentalizados,
desmontando a relação dialética existente entre a sociedade civil, Estado e mercado. A própria
noção de sociedade civil é emprestada por esses autores de Gramsci, porém numa leitura liberal
que tira da sociedade civil um inerente caráter classista, permeado por conflitos e disputas de
interesse. O próprio conceito de “terceiro setor” tem para o autor incontá veis debilidades teóricas,
quais sejam: o terceiro setor seria na verdade o primeiro, pois é a sociedade civil é anterior ao
Estado; não há definição sobre quais são as entidades que o compõem tornando-se um conceito
que reúne em si múltiplas organizações de finalidades diferentes e até opostas. Em suma, “(...) Mais
do que uma categoria ontologicamente constatável na realidade, representa um constructo ideal
que, antes de esclarecer sobre um „setor‟ da sociedade, mescla diversos sujeitos com aparentes
igualdades nas atividades, porém, com interesses, espaços e significados sociais diversos,
contrários e até contraditórios” (MONTAÑO,2008, p.57).
70
FMI e pelo Consenso de Washington (Marques, 2010, p.7). Do seu curto governo,
encerrado pelo processo de impeachment motivado por inúmeras denúncias de
corrupção, ficaram como herança a abertura do comércio exterior e a ideologia
crescente de defesa da redução do setor público através das privatizações, não
tendo sido bem sucedido no combate à inflação.
Assume então a presidência seu vice, Itamar Franco. Durante seu governo, o
Ministério da Fazenda, capitaneado por Fernando Henrique Cardoso, implanta o
Plano Real. O Plano consistia numa conversão da moeda de cruzeiro para o real
acompanhado pela âncora cambial, o que impediu a retomada da inflação. O
sucesso do Plano Real no combate à inflação leva a vitória de Cardoso nas eleições,
assumindo a presidência em 1995. Sua vitória permite uma “rearticulação das forças
do capital no Brasil”, promovendo uma virada na correlação de forças entre as
classes (Behring, 2003, p.156).
Em todos os seus aspectos o governo Cardoso representou uma violenta
adequação do país aos princípios do Consenso de Washington. Não é coincidência
ter sido Bresser Pereira, representante brasileiro na reunião que determinou os
passos para a implantação do Consenso na América Latina 34, o ministro responsável
no governo Cardoso pela “Reforma do Aparelho do Estado”.
A sobrevalorização do câmbio e a excessiva abertura comercial, com a
consequente necessidade de altos juros para atrair capitais – especulativos, todavia
- inauguraram uma política econômica na qual o crescimento da produção e da
demanda ao invés de metas passaram a ser encarados como obstáculos à
estabilização (Behring, 2003, p.158). Os juros altos, por sua vez, associados a
sucessivos déficits na balança comercial brasileira ampliaram significativamente a
dívida pública “o que transformou a economia brasileira em uma economia de
„endividamento‟” (Nakatani e Oliveira, 2010, p.30) aprofundando a vulnerabilidade
interna e externa do país. Também fez migrar os capitais dos investimentos
produtivos para o mercado financeiro ampliando o desemprego e minando o
crescimento econômico.
34
Em 1993 especialistas se reuniram mais uma vez em Washington para definir um plano de ajuste
para a América Latina. O plano ocorreria em três fases: a. dirigida ao superávit fiscal, redução do
déficit na balança comercial e desmonte da previdência pública; b. dedicada a reformas estruturais,
liberalização financeira e comercial, desregulamentação dos mercados e privatização das estatais; e
c. retomada de investimentos e crescimento econômico (MONTAÑO, 2008, p.30).
72
35
O governo tentou estimular a entrada de capitais, no início da crise em agosto de 1999,
aumentando a taxa básica de juros de 29,75% para 49,75% anunciando, ainda, um novo ajuste
fiscal e aumento de receita tributária. No entanto o governo continuou a perder suas reservas e a
acumular déficits. Em dezembro de 1998, após a vitória eleitoral de Cardoso que garantia seu
segundo mandato, o governo faz um empréstimo de 41,5 bilhões de dólares ao FMI e outros
organismos internacionais. Em troca promete a manutenção de superávits primários de 3,5% do PIB
(Nakatani e Oliveira, 2010, p.32).
73
36
A incidência de tributos indiretos sobre bens e serviços saiu de 17,2% do PIB em 1996 para 20,8%
do PIB em 2005. O aumento da regressividade na estrutura tributária associado a desonerações ao
capital através de isenções fiscais fez com que os trabalhadores pagassem entre 1999 e 2005
quase cinco vezes mais impostos que o setor financeiro da economia (Salvador, 2007).
37
Em: http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,superavit-primario-em-2000-superou-meta-com-
fmi,20010130p9568. Consulta em 21/03/2015.
38
A DRU garante que 20% das receitas vinculadas a Seguridade Social e à educação passem a ficar
a disposição do governo para outros gastos. A medida foi mantida durante do governo Lula e
apenas em 2009 a educação deixou de ser penalizada por esse mecanismo que, entretanto,
continua em curso nas políticas da Seguridade.
74
isto é, uma “opção que implicou, por exemplo, uma forte destruição dos avanços,
mesmo que limitados, sobretudo se vistos da ótica do trabalho, dos processos de
modernização conservadora que marcaram a história do Brasil” (BEHRING, 2003,
p.198). Assim, ao contrário de outros períodos históricos quando, apesar da
condução conservadora, a modernização deu saltos a frente, no governo Cardoso o
componente destrutivo e antinacional fez retroceder as parcas conquistas e avanços
anteriores.
A principal incongruência desse modelo, apontada pela autora, é a relação entre
o discurso da reforma e a política econômica. Ao mesmo tempo em que se afirma a
necessidade de refuncionalizar o Estado para aumentar sua eficiência e reduzir
custos, a política econômica adotada faz escoar monumentais somas de recursos
para pagamento de juros e amortizações da dívida pública.
Outra contradição foi a privatização das empresas públicas no Brasil. Anunciada
como meio para sanar as contas públicas e combater a crise fiscal, a privatização
significou entrega de patrimônio nacional para o capital estrangeiro, desemprego e
desequilíbrio da balança comercial (Behring, 2003, p.201).
Essa aparente incongruência entre o discurso da reforma e a política econômica,
contudo, é apenas aparência: “a prática da „reforma‟ é perfeitamente compatível com
a política econômica, o que reforça a ideia de que seu discurso é pura ideologia e
mistificação, no sentido de falsa consciência, num explícito cinismo intencional de
classe” (BEHRING, 2003, p.202). Assim como o projeto neoliberal no mundo
desenvolvido, a burguesia brasileira também se inseriu durante o governo Cardoso,
sobretudo, na dinâmica mundial marcada por um neoliberalismo pragmático a
serviço da retomada dos lucros e do poder da classe dominante que volta à
ofensiva. O que fica claro, na prática, é que o chamado ajuste fiscal não significou
uma redução de gastos do Estado, mas, uma reorientação desses gastos a favor do
capital financeiro.
Ferreira (2010), em interessante trabalho sobre a execução orçamentária da
União39 entre 1990 e 2007, aponta como traços do período a priorização dos
compromissos financeiros com os serviços e amortizações da dívida pública,
levando à crescente financeirização da economia e à redução do papel do Estado
39
Para Ferreira (2010, p.53) “(...) a execução do orçamento é uma representação acabada das
prioridades existentes nas ações do Estado e como isso pode revelar as mudanças que afetaram a
atuação de tal instituição ao longo das últimas décadas”, tese que coadunamos.
75
40
A fonte dos dados é o banco da Secretaria do Tesouro Nacional e foram deflacionados pelo Índice
Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI) para valores de março de 2008. Os dados vão
até 2007, já no segundo mandato de Lula da Silva e, apesar de estarmos tratando do governo
Cardoso, já corroboram para a tese de continuidade entre ambos que trataremos mais a frente.
76
41
Ferreira (2010), porém, ao agrupar os dados das duas políticas deixa passar o crescimento da
assistência dentro da Seguridade Social nos últimos anos, com a priorização de políticas d e
transferência de renda associadas à perda de direitos previdenciários e ampliação da informalização
do trabalho, o que alguns autores têm chamado de assistencialização da política social. Para
aprofundar esse debate consultar Mota (2008) e Salvador, Boschetti e Teixeira (CBAS, 2013).
77
42
Não por coincidência a sucessora de Lula nas próximas eleições presidenciais foi coordenadora do
programa. Em reportagem do Estado de São Paulo de 26 de dezembro de 2009 afirma-se: “O
presidente Luiz Inácio Lula da Silva quer colar em Dilma o carimbo do "novo desenvolvimentismo”
[...] Na prática, a volta da retórica à esquerda na seara do petismo é reflexo da vitória, dentro do
governo, do grupo desenvolvimentista, que no primeiro mandato de Lula travou forte queda de
braço com os monetaristas. "Nós interrompemos a visão neoliberal do Estado mínimo e
recuperamos não só os bancos públicos, como estatais do porte da Petrobrás", argumentou o líder
do PT no Senado, Aloizio Mercadante (SP), integrante da comissão escalada pelo partido para
preparar o programa de Dilma. "Estamos, sim, construindo um novo desenvolvimentismo."”
81
43
Aprofundaremos o debate sobre as isenções, também chamadas gastos tributários, e suas
consequências para a política de saúde e para a Seguridade Social como um todo, nas análises
orçamentárias do capítulo quatro.
82
44
“Os fundos de pensão (que agora serão ainda mais numerosos e volumosos) funcionam como
braço auxiliar da dívida pública, no papel de retirar da esfera da acumulação produtiva parcelas
substantivas da renda real” (PAULANI, 2008, 46), alimentando assim a esfera financeira da
economia.
45
Segundo o Plano para o Desenvolvimento da Organização das Nações Unidas (PNUD -ONU) de
2007, o Brasil apresentou: crescimento da renda per capita dos 10% mais pobres a taxa de 8% ao
ano; crescimento da renda per capita geral de 0,9% ao ano; redução de 3,8% de brasileiros abaixo
da linha de pobreza; redução de 5,6% de brasileiros abaixo da linha de extrema pobreza; e redução
da desigualdade em 5% segundo o coeficiente Gini. Ainda assim o Brasil apresentava a oitava pior
posição de desigualdade de renda entre os países acompanhados pelo PNUD, à frente apenas de
sete países africanos.
46
O equivalente a respectivamente 83,1 e 165,31 reais pelo câmbio de 05 de janeiro de 2015.
83
47
Ainda que Braga (2010) aponte que a “reformalização” do mercado de trabalho está a serviço de
uma maior arrecadação fiscal que tem como objetivo ampliar os recursos para pagar aos rentistas
juros da dívida pública.
84
48
Raízes sociais e ideológicas do lulismo. Novos Estudos, n.85, Nov. 2009; O lulismo e seu futuro,
Piauí, n.49, out.2010; Realinhamento, ciclo longo e coalizões de classe. Revista de Economia da
PUC-SP, ano 2, n.4, jul/dez 2010.
85
não seria o contrário de reformismo forte, base original do programa do PT, mas sua
diluição. Inaugura um ciclo de redução da pobreza e da desigualdade, ainda que
com a contradição do seu ritmo lento, insuficiente para as imensas necessidades
brasileiras. Esse ritmo ao mesmo tempo não se enfrenta com o capital, pois “para a
burguesia, o reformismo fraco representa um caminho possível, embora não o de
sua predileção, para o desenvolvimento do capitalismo no país, sem que sua
posição esteja ameaçada” (2012, p.207).
Ao mesmo tempo, para o subproletariado, o reformismo fraco permite a
integração à ordem capitalista e nela prosperar por meio das políticas de crédito,
valorização do salário mínimo, aumento do emprego formal e transferência de renda.
Este seria o “pulo do gato” de Lula: segundo Singer, esse segmento da classe teme
rupturas com a ordem, pela sua enorme vulnerabilidade em momentos de crise,
almejando um projeto de “ordem e mudança”, que passa a ser a tônica do governo
Lula “paz e amor”.
Singer nega, assim qualquer caráter neoliberal do governo Lula,
transformando a crítica ao governo em um problema de ritmo. Primeiro porque uma
característica do neoliberalismo é favorecer o aumento da desigualdade, o que viria
se reduzindo no Brasil ainda que lentamente 49. Em segundo lugar o autor refuta a
tese de que teria um viés neoliberal as propostas de transferência de renda 50 e
afirma, de forma bastante questionável 51, que
49
O autor cita no trabalho diferenças na interpretação de dados de redução de desigualdade e
pobreza com Leda Paulani no que se refere a redução funcional da desigualdade, isto é, na
distribuição da riqueza entre trabalho e capital, que segundo Paulani, vem pendendo para o último
nas últimas séries das Contas Nacionais.
50
“Se for verdade que as propostas de transferência de renda têm viés neoliberal, o que me parece
duvidoso, deve-se convir que esse viés está incorporado ao programa do PT desde pelo menos os
anos 1990” (2012, 189).
51
O autor se refere às aparências, desconsiderando mudanças significativas como a ruptura com a
universalização e a privatização da gestão das políticas via organizações sociais que não se
iniciaram, mas, se mantiveram e aprofundaram no governo Lula.
86
Para que essa inversão da base social de Lula, e posteriormente do PT, não
signifique uma “hegemonia às avessas”, nos termos de Oliveira, é preciso acreditar,
como faz Singer, que houve mudanças substantivas no projeto político de Cardoso
para Lula, não decorrentes apenas da conjuntura, que convenceram essas duas
frações de classe. Que, apesar da manutenção de traços conservadores, há também
rupturas com a lógica neoliberal, desde o projeto dos organismos internacionais,
levando o autor, sem qualquer argumentação, a negar o viés neoliberal dos
programas de transferência de renda. Vejamos como outros autores refutarão essa
tese, que se destaca por ser a mais sofisticada defesa do governo Lula apresentada
até então.
Oliveira (2010) defende que o que inicia seu curso com o governo Lula é um
tipo de dominação típica do capitalismo mundializado: a hegemonia às avessas. O
autor afirma que provavelmente foi a África do Sul, pós-apartheid, que inaugura essa
forma de hegemonia na qual ao passo em que “as classes dominadas tomam a
„direção moral‟ da sociedade, a dominação burguesa se faz mais descarada” (2010,
p.24). Esse tipo de dominação seria diferente de todas as outras exercidas
historicamente no Brasil: não é patrimonialista, pois gere capital-dinheiro; não é
patriarcalista, pois nenhum patriarca exerce o mando e a economia não é doméstica;
não é populista, pois sua forma não é autoritária. Para Oliveira, por trás de uma
aparência de que os dominados dominam “são os dominantes (...) que consentem
em ser politicamente conduzidos pelos dominados, com a condição de que a
„direção moral‟ não questione a forma de exploração capitalista” (2010, p.27).
Coutinho (2010), dialogando com Oliveira, mas, se apropriando de Gramsci
de forma mais rigorosa, apresenta a caracterização do governo como hegemonia da
pequena política52. A grande política da era neoliberal seria exatamente reduzir toda
disputa à pequena política, fazendo predominar no senso comum valores como o
individualismo, o privatismo e a naturalização das relações sociais. Essa hegemonia
é alcançada pelo consenso passivo das massas, que aceitam resignadas que a
política “não passa da disputa do poder entre suas diferentes elites, que convergem
52
O autor explica o significado de pequena política com uma citação de Gramsci: “A grande política
compreende as questões ligadas à fundação de novos Estados, à luta pela destruição, pela defesa,
pela conservação de determinadas estruturas orgânicas econômico-sociais. A pequena política
compreende as questões parciais e cotidianas que se apresentam no interior de uma estrutura já
estabelecida em decorrência de lutas pela predominância entre diversas frações de uma mesma
classe política (política do dia a dia, política parlamentar, de corredor, de intrigas). Portanto, é
grande política tentar excluir a grande política do âmbito interno da vida estatal e reduzir tudo à
pequena política” (Gramsci apud Coutinho, 2010).
88
53
“O que caracteriza um processo de contrarreforma não é a completa ausência do novo, mas a
enorme preponderância da conservação (ou mesmo restauração) em face das eventuais e tímidas
novidades” (COUTINHO, 2010, p.38).
89
desemprego seriam o permitido, dentro desses limites. “Em poucas palavras, se for
possível obter também esses resultados, por pífios que sejam, ótimo. Se
não...paciência. Mas, sendo assim, de que serve a tão buscada credibilidade?”
(PAULANI, 2008, p. 18).
A resposta que a autora dá a sua própria pergunta é que a “credibilidade”, em
nome da qual são exigidos severos sacrifícios aos trabalhadores, na prática é
necessária não para manter a estabilidade e sustentabilidade do crescimento, mas
sim a vulnerabilidade do país. Vulnerabilidade necessária, por sua vez, para
valorizar os capitais especulativos que dominam o processo de acumulação.
Em análise mais recente, a autora coloca a necessidade de credibilidade
como um “estado de exceção econômica” 54 ou “estado de emergência econômico”
que se torna permanente, justificando que se faça “tábula rasa da lei sempre que os
interesses materiais, embrulhados no discurso da necessidade posta pela
emergência, mostram-se mais poderosos que ela” (2010, p.122). Movido por essa
“ideologia da urgência” o governo pode fazer “qualquer barbaridade em nome da
necessidade de salvar o país, ora do retorno da inflação, ora da perda da
credibilidade, ora da perda do bonde da história” (p.123). Para a autora, o estado de
emergência combina-se à hegemonia às avessas de Oliveira55.
Paulani sustenta que essa lógica da emergência é necessária ao capitalismo
hegemonizado pelas finanças do nosso tempo. Isso porque o rentismo é o contrário
do espírito empreendedor que defende a ideologia liberal. O rentismo quer o máximo
de retorno, no menor tempo possível e com o menor risco tornando o jogo capitalista
cada vez mais em um “jogo de cartas marcadas”.
54 A autora trabalha com o conceito “estado de exceção” de AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção.
São Paulo: Boitempo, 2004.
56
Para aprofundar esse debate consultar os textos do livro organizado por Castelo (2010) e a Revista
Serviço Social e Sociedade nº112 (2012).
91
57
A origem da tese da revolução por etapas encontra-se nas elaborações dos Partidos Comunistas no
período estalinista, que defendiam que os países do terceiro mundo encontravam-se em estágios
feudais ou semi-feudais necessitando, portanto, de uma etapa capitalista. Para isso seria necessária
uma aliança dos trabalhadores com a burguesia industrial para implementar a fase da revolução
burguesa, anterior a da revolução socialista.
58
Essa retórica sofre grande reverso com a nomeação de Joaquim Levy, conhecido “Chicago Boy”,
para Ministro da Fazenda no início de seu segundo governo, afirmando compromisso com novo
ajuste fiscal.
59
Para aprofundar a análise desses acontecimentos consultar: Demier (2014) em
http://blogconvergencia.org/blogconvergencia/?p=3041 e Arcary (2014) em
http://www.diarioliberdade.org/opiniom/opiniom-propia/54864-tr%C3%AAs-perguntas-e-tr%C3%AAs-
respostas-breves-sobre-um-domingo-triste.html. Consulta em 21/03/2015.
60
Durante o XIV Encontro de Pesquisadores em Serviço Social (Enpess) os grupos de pesquisa
GESST/UNB e GOPSS/Uerj apresentaram duas mesas coordenadas onde inúmeros dados sobre o
governo foram analisados sob a ótica da crítica à economia política. Na ocasião apresentei parte
92
dos dados sobre os gastos tributários do governo contidos no quarto capítulo dessa tese. Esses
trabalhos podem ser consultados nos anais do encontro.
61
Em: http://www.cartacapital.com.br/saude/saude-e-desenvolvimento/. Consulta em 18/04/2013.
62
São formas jurídico-institucionais distintas que compõem a chamada saúde suplementar. As
empresas de medicina de grupo surgiram na década de 1950 e se desenvolveram na década
seguinte associados diretamente à assistência médica empresarial. A modalidade de autogestão
ocorre quando a própria empresa administra a assistência médica a seus empregados. As
cooperativas médicas surgem na década de 1960 em oposição à medicina de grupo pelo seu
caráter mercantil. São consideradas sem fins lucrativos, contando com vantagens legais e isenções
tributárias, ainda que hoje se aproximem cada vez mais da lógica empresarial. Já as seguradoras
iniciaram sua comercialização na década de 1970, crescendo apenas na década de 1990, e
funcionam por reembolso de despesas (Menicuccci, 2007).
93
63
Segundo Gadelha et al (2012, p.34) “nos países de alta renda, o setor empresarial responde por
cerca de 60% do dispêndio, enquanto o setor público representa cerca de 40%, ocorrendo o inverso
nos países de baixa e média renda”.
94
São essas rendas tecnológicas, segundo Mandel, uma das principais fontes
de superlucros, ou seja, lucros acima do lucro médio. Entretanto, os riscos desses
investimentos em pesquisa são altos, na medida em que nem todas as invenções
poderão ser aplicadas. Outro risco do investimento é a possibilidade de que a
empresa concorrente desenvolva inovação simultânea.
Esses riscos só podem ser assumidos, portanto, por aqueles que dispõem de
grande capital. Considerando que os monopólios não estão livres da concorrência
de produtos mais desenvolvidos que os seus, se tornam eles, ao lado dos Estados
nacionais, os grandes investidores em pesquisa e desenvolvimento. A contradição,
segundo Mandel, é que ao mesmo tempo os monopólios tolhem o progresso técnico
ao estreitar e diversificar o desenvolvimento das pesquisas, já que é necessário para
seus lucros acelerar a valorização.
Isso leva à segunda característica do setor saúde: a crescente concentração
e centralização de capital em todos os seus subsetores, com privilégio para o grande
capital dos países centrais (Ladeira, 2014). Esse fenômeno é chamado por
Andreazzi (2012, p.30) de corporatização, isto é, “a dominação dos mercados de
saúde por corporações, ou seja, pelo grande capital oligopolista em suas diversas
configurações, de acordo com as conjunturas do modo de produção capitalista”, no
caso atual, sobretudo, o capital financeiro.
Foi na ditadura militar, ditadura do grande capital 64, que o Brasil entrou
definitivamente numa fase de ampliação da concentração e centralização do capital,
com a superioridade do capital imperialista: passamos ao predomínio dos
monopólios e do capital financeiro, com o favorecimento e o impulso do Estado
(Ianni, 1981).
64
“Uma coisa é a ditadura militar, que é mais visível na época; outra é a ditadura da grande
burguesia, do grande capital, que determina as principais características do Estado ditatorial. N em
sempre as classes dominantes exercem diretamente o governo. Não precisam; não é conveniente”
(IANNI, 1981, p.1).
95
65
Em 1979 os convênios entre empresas e o INPS são extintos, mas desde 1974 a legislação
garantia dedução do imposto de renda dos gastos de saúde das empresas com seus empregados
que são integralmente considerados gastos operacionais, modelo vigente até hoje (Meneccuci,
2007).
97
66
Andreazzi (2012) utiliza o termo “complexo médico-industrial-financeiro” para se referir à crescente
financeirização do capital no setor, que vem se acelerando sobretudo pela integração de seguros e
serviços privados, envolvendo investimentos de fundos mútuos e fundos de pensão. Já Gadelha
(2012) utiliza o termo “complexo econômico-industrial de saúde” para caracterizar que, além das
atividades industriais, os serviços também fazem parte do setor produtivo de saúde. Concordamos
com os dois autores e utilizaremos esses termos, bem como o mais popular “complexo médico-
industrial” de acordo com o que formos enfatizar.
98
67
O texto constitucional aprovado vai refletir a disputa de projetos hegemônicos avançando em aspectos
como os direitos sociais, humanos e políticos, mas, mantendo, por outro lado traços conservadores,
somando o novo e o velho, tão ao gosto da lógica nacional. “Uma Constituição programática e eclética,
que em muitas ocasiões foi deixada ao sabor das legislações complementares” (BEHRING, 2003, p.143).
100
68
Segundo Ocké-Reis (2012) para a Organização para a Cooperação de Desenvolvimento
Econômico (OCDE) é considerada complementar a cobertura de serviços diferenciados, mas
incluídos no sistema público.
101
69
“Nas propostas do Banco, os recursos humanos que atuariam nos serviços públicos deveriam
originar-se da própria comunidade o que, segundo eles, facilitaria a permanência e o maior
conhecimento da população. Tais trabalhadores receberiam um tipo de formação elementar e
simplificado, suficiente para executarem atividades de prevenção, cuidados materno-infantil,
planejamento familiar e orientações voltadas para o meio ambiente” (RIZZOTTO, 2000).
106
portanto, da maioria das patentes, têm sido o grande diferencial entre países
centrais e periféricos e que tal “cooperação” não se dá num sentido de
solidariedade70.
Ainda segundo hipótese de Rizzotto (2000), a ampliação da participação do
BM no setor saúde se dá no momento de fortalecimento do discurso contra a
participação do Estado nas políticas sociais, ares favoráveis às intenções do BM.
Este setor passa, então, a ser essencial para a difusão do discurso humanitarista ao
qual Banco pretende se associar, assim como algumas ações concretas de combate
à pobreza absoluta, retórica retomada pelo Banco nessa década. Mas a mais
importante razão seria o crescente mercado a ser explorado pelo capital no setor.
Assim, as propostas do Banco Mundial para os países periféricos nos anos 90
pretendem reconfigurar seus sistemas de saúde redefinindo o papel do Estado nas
políticas sociais, e serão base para as políticas de saúde implantadas no Brasil na
década de 1990. Vários documentos específicos sobre a saúde no Brasil serão
produzidos pelo BM nesse período, como: Brasil: Projeto de controle de doenças
endêmicas no nordeste (1988), Políticas de reforma da saúde, nutrição e seguridade
social no Brasil (1988), A saúde reprodutiva da mulher no Brasil (1989), A saúde do
adulto no Brasil: ajustes para mudanças (1989), Problemas na política de saúde do
governo federal no Brasil (1991), Organização, acesso e financiamento da saúde no
Brasil: agenda para os anos 90 (1993) (Rizzotto, 2000, tradução nossa). Além disso,
vários projetos foram financiados com a participação do Banco Interamericano de
Desenvolvimento - Bird como o Projeto de Vigilância e controle de doenças, Projetos
de controle e prevenção de DST/AIDS e, mais importante para nós, o Reforço à
Reorganização do Sistema Único de Saúde (Reforsus) “ou como o Banco prefere
denominar no acordo de empréstimo assinado com o Brasil de „Projeto de Reforma
do Setor Saúde” (RIZZOTTO, 2000).
Para Rizzotto, as orientações do BM foram muito mais importantes do que
efetivamente os empréstimos realizados, que significaram menos de 1% da despesa
nacional em saúde. Essas orientações contribuíram com a tendência de anular ou
reduzir a ampliação do direito à saúde promovido pela Constituição de 1988.
70
Velásquez (2013) aponta que a falta de intervenção pública levou a indústria farmacêutica a
negligenciar pesquisas para doenças que acometem a população mais pobre de países periféricos.
Segundo ele, a Assembleia Mundial de Saúde de 2012 propôs “redefinir o financiamento e a
coordenação de P&D farmacêuticos de modo a responder às necessidades dos países do Sul. Sua
recomendação principal é a negociação de uma convenção internacional, comprometendo todos os
países a promover P&D, coisa que o mercado sozinho não basta para estimular”.
107
71
Isso aconteceu com as universidades privadas. Quando o governo lançou o Programa
Universidade para Todos, de subsídio de bolsas em instituições privadas, permitiu isenções fiscais
para entidades privadas com fins lucrativos o que levou várias instituições, como a Universidade
Estácio de Sá, a abandonarem a condição de filantrópicas, tornando-se, inclusive, uma sociedade
por ações, com seu capital aberto na bolsa de valores. Em:
http://noticias.universia.com.br/destaque/noticia/2004/09/29/497717/estcio-sa-deixa-ser-
filantropica.htmle e
http://www.mzweb.com.br/estacio2010/web/arquivos/Estacio_DF_20080404_port.pdf. Consulta em:
02/07/2014.
113
Apesar da lei prever que, no caso da saúde, deve ser observada a legislação
do SUS, na medida em que são entidades de direito privado fiscalizadas por um
Conselho de Administração e pelo Ministério da Saúde, a forma de controle social
prevista pelo SUS composto por Conselhos paritários e deliberativos, não alcança o
acompanhamento da execução desses contratos de gestão, não tendo como
interferir depois de assinados.
Essa lei foi contestada pela Ação de Inconstitucionalidade (ADIN) 1923/98,
movida pelo PT (na época contrário à privatização da gestão) e pelo Partido
Democrático dos Trabalhadores (PDT). A ADIN até hoje não foi votada no seu mérito
e, apesar do abandono dos requerentes originais, foi incorporada pelas entidades da
Frente Nacional contra a Privatização da Saúde, que organizou um abaixo assinado
público, e por entidades de outras áreas que vêem fazendo pressão junto aos
Ministros do STF pela procedência da ADIN 72.
Uma outra forma de privatização da gestão, por meio de “novos modelos”, foi
definida pelo Projeto de Lei (PL) 92/2007, são as fundações estatais de direito
privado. Elaborada com base nas idéias publicadas pelo Banco Mundial, a lei é
apresentada pelo documento do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão
(MPOG)intitulado Projeto Fundação Estatal – Principais Aspectos. Na análise de
Granemann (2011), a proposta que será o carro-chefe da privatização da gestão no
governo Lula é uma complementação da contrarreforma do Estado de Cardoso, num
estágio aprofundado. Esse projeto foi referendado no PAC Saúde, ou Programa
Mais Saúde, lançado pelo governo em dezembro de 2007 (Correia, s/i).
A proposta amplia a área onde a privatização da gestão pode se dar. Além
das já previstas pela lei das OSs, as fundações podem atuar na assistência social,
desporto, turismo, comunicação e previdência complementar do servidor público.
Para Granemann (2011, p.54), todos esses “novos modelos de gestão” “embora
diversos na aparência e na forma são, em tudo, símiles no conteúdo e na essência”.
Também a jurista Salete Macalóz (Correia, 2011) afirma que
72
O relator, Ministro Ayres Brito, julgou parcialmente procedente a ação, mas seu julgamento não
modifica as questões centrais da privatização da gestão, apenas considera necessário que os
contratos de gestão sejam estipulados em processos públicos, assim como o contrato de servidores
por essas organizações, defendendo, ainda,a participação do Tribunal de Contas da União (TCU)
na aprovação de suas contas. O julgamento foi finalizado.no dia 16 de abril de 2015 e considerou
procedente na ADIN apenas o que se refere a lei das licitações.
Em:http://www.andes.org.br/andes/print-ultimas-noticias.andes?id=7439. Consulta em: 13/05/2015.
115
73
Sem nenhuma consistência, esse é o argumento básico de Lenir Santos (2010) uma das
assessoras do governo federal para elaboração das fundações privadas. Com uma retórica
superficial que lembra Hayek e Fukuyama, Santos (2010) afirma que “(...) os modelos juridícos
tradicionais não são capazes de dar conta de atuar em uma administração pública crescente na
116
Quem trabalha com a vida das pessoas não pode e não deve ser submetido
à “lógica do mercado”, que em se tratando da saúde e da vida das pessoas,
é um conceito absolutamente anacrônico e incompatível com a reforma
sanitária e com os princípios da ética e do humanismo.
Ao contrário das OSs, que não são formadas diretamente por iniciativa do
Estado, os ocupantes dos cargos dirigentes nas Fundações são indicados pelo
governo. Ainda que concordemos que o sentido das fundações é idêntico ao das
OSs, nossa hipótese é que, por ingenuidade ou má fé, alguns acreditam que sendo
os espaços de gestão da fundação ocupados por pessoas relacionadas ao PT e ao
movimento sanitário seria possível reverter seu sentido privatizante, fortalecendo o
SUS. Algo como “as fundações somos nós”, como se isso descaracterizasse o
sentido do projeto. Ou como se os generais pacifistas pudessem dissolver o exército,
como já citado de Mandel.
Discordamos da hipótese a que se remete Andreazzi (2012) de que os
gestores dessas instituições do terceiro setor assemelham-se a uma burguesia e
que estas instituições fomentariam um “capital burocrático”. Nossa hipótese, com
base na crítica da economia política marxiana, é que, sem dúvida, há formação de
uma burocracia parasita do fundo público que pode, recebendo fartas
remunerações, passar para a classe burguesa por meio, por exemplo, da compra de
ações de grandes empresas. O processo, porém, de privatização da gestão em si,
não forma capital, pois, apenas “gasta” fundo público, ao menos no que tange às
organizações sociais e fundações, e enquanto não se generaliza a venda de
serviços para o setor privado por meio das chamadas “duplas portas”, permitindo, aí
sim, a existência de um setor produtivo, se voltado para a lógica do lucro e da
valorização. Esse é o caso das empresas estatais, e esse é exatamente o mais novo
modelo de gestão proposto pelo governo federal, que analisaremos a frente.
Concordamos com Mandel (1982, p.364) para quem:
medida do tamanho da população – 190 milhões de cidadãos” (sic), assim “a realidade é que o
binômio Estado-sociedade, público-privado não podem mais ser vistos como coisas antagônicas; é
necessário repensar esse binômio diante da realidade de que o Estado não pode prescindir do
privado, da sociedade, do administrado, do cidadão como parte desse todo” (grifo nosso).
117
74
“Como parceira estratégica, a Dalkia opera e controla o fornecimento de todas as utilidades
necessárias às atividades hospitalares (como frio, vapor e vácuo), à prevenção de riscos sanitários
e à gestão global dos empreendimentos. A Dalkia também oferece serviços de hotelaria hospitalar,
que garantem aos pacientes, visitantes e funcionários conforto, segurança e bem -estar”. Em:
http://www.dalkia.com.br/pt/segmentos/saude/. Consulta em: 09/05/2013.
75
Em: http://www.promedica.com.br/br/emp_apresentacao.html. Consulta em: 09/05/2013.
118
76
A iniciativa ganhou prêmio do Banco Mundial em 2013 como uma das 10 melhores PPPs na
América Latina. Em: http://www.dalkia.com.br/pt/imprensa/Noticias/2013-04-
19,News_Dalkia_19042013.htm. Consulta em: 09/05/2013.
77
Em: http://www.governo.df.gov.br/link-projetos/381-ppp-da-area-de-saude.html,
http://ppp.manaus.am.gov.br/ppp-da-saude/. Consulta em: 09/05/2013.
78
Em:
http://www1.ifc.org/wps/wcm/connect/Multilingual_Ext_Content/IFC_External_Corporate_Site/Home_
PT Consulta em: 09/05/2013
119
Estado cria, por intermédio de uma estrutura do próprio Estado, uma forma de
transformar recursos da saúde em ações no mercado. O Estado por meio dessa
entidade, que também passa a “administrar” os serviços de saúde, constrói sua
própria “dupla porta” que, pelo seu lado produtivo, garante lucro, proveniente da
extração de mais valia dos trabalhadores dos serviços comprados por consumidores
privados. Então, por meio das ações, o capital portador de juros pode se apropriar
do fundo público e do lucro produzido.
A face do direito não se extingue, na medida em que o fundo público segue
garantindo serviços gratuitos residuais, mas esse mesmo fundo público passa,
criativamente, a dar suporte ao capital durante todo seu processo de valorização.
Esse modelo está sendo inaugurado79 pela Empresa Brasileira de Serviços
Hospitalares (EBSERH). Ela foi autorizada, num primeiro momento, pela MP 520, no
último dia do governo Lula, ligada ao Ministério da Educação (MEC) para administrar
os hospitais universitários. Posteriormente a medida provisória (MP) não foi
aprovada pelo Congresso, mas, voltou à cena por meio da lei de nº 12550 de 2011.
Muitos debates têm se realizado nas universidades, pois, a adesão a EBSERH vem
passando pela decisão dos Conselhos Universitários 80. Em 2014, 23 dos 47
hospitais universitários federais haviam aderido à EBSERH que tinha ainda 24
concursos em andamento em diversos estados com o objetivo de contratar 3,5 mil
trabalhadores (Valor Econômico, 2014). Segundo dados da Frente Nacional contra a
Privatização da Saúde, inúmeras irregularidades vêm sendo apontadas nesse
concurso e, de forma geral, na gestão dos hospitais pela EBSERH, que geraram,
inclusive, paralisações de seus servidores na UNB e na UFPI durante 2014.
A justificativa para a criação da EBSERH foi a necessidade de dar resposta
ao acórdão nº 1520 do TCU, de 2006, que declarava ilegal a situação de 26 mil
contratos precários nos hospitais universitários. Mas ao invés de fazer concursos
79
Na verdade generalizado como modelo nacional, pois já há um hospital administrado dessa forma
desde de 1970. Criado pela lei 5.604, durante a ditadura, o Hospital de Clínicas de Porto Alegre é
atualmente o hospital universitário da UFRGS. O HCPA segue servindo de exem plo para esse novo
modelo de gestão. Em: http://www.hcpa.ufrgs.br/content/view/13/97/ . Consulta em 09/05/2013.
Outra empresa pública na área da saúde é a Rede Conceição. Aprofundaremos o debate sobre o
funcionamento dessas instituições no quarto capítulo da tese.
80
A adesão a EBSERH deveria ser aprovada pelos Conselhos Universitários o que não ocorreu no
caso da UFMA, UFAL, UFTM, UFES, UFS e UNIVASF. Os demais casos também foram marcados
por processo autoritários como denuncia o documento da Frente Nacional contra a Privatização da
Saúde em https://drive.google.com/file/d/0B3SRQLv1tEAVYzlXbC1UaGFYYlE/edit?pli=1 .Consulta
em: 24/02/2015.
120
públicos o governo decide por um modelo de gestão que oficializa a contratação por
fora do RJU (Cislaghi, 2011).
Sendo empresa, esse “modelo de gestão” passa a ter fins lucrativos. Apesar
da alegação de que os serviços assistenciais serão oferecidos exclusivamente para
o SUS recoloca-se no seu estatuto a prerrogativa da lei nº 9656 de 1998, que
regulamenta os planos de saúde, de que estes devem ressarcir o SUS quando seus
clientes fizerem uso desses serviços. Nossa hipótese é de que na prática, a
aplicação dessa lei pode potencializar as duplas portas, já existentes em hospitais
universitários, tornando-se uma reserva de leitos exatamente nos hospitais de alta
complexidade, caros e, portanto, pouco lucrativos para o setor privado. Mais ainda,
as atividades de pesquisa e extensão não se incluem nessa exclusividade do
atendimento público possibilitando a venda de serviços como estágios para o setor
privado, ou a redução dessas atividades, que garantem a indissociabilidade entre
ensino, pesquisa e extensão nessas instituições universitárias. Na prática, se a
EBSERH tiver sucesso, haverá a descaracterização dos hospitais universitários
como tais, já que sua relação com as universidades será, no futuro, apenas formal
pelos contratos de gestão; todos os trabalhadores serão da empresa e não da
universidade e o controle social não se dará pelos espaços da universidade, ou
pelos conselhos de saúde, mas, pelos Conselhos Consultivos da empresa (Cislaghi,
2011). A lei também permite que, no futuro, não só os hospitais universitários
federais, mas, outras unidades de saúde, chamadas “congêneres” pela legislação,
possam ser administradas pela empresa ou por suas subsidiárias, previstas na lei 81.
Além disso, há um elemento diferencial no modelo da empresa pública, que
permite que a consideremos um modelo de gestão de “segunda geração” que
aprofunda e sofistica a privatização da saúde: a possibilidade da abertura de capital
por ações, quando seu modelo jurídico é a sociedade de economia mista. Colocadas
no mercado, essas ações podem ser compradas por planos de saúde ou pelos
fundos de aplicação, que, assim, podem dirigir as ações das unidades de saúde
geridas pela empresa para seus interesses.
No caso da EBSERH a proposta original do governo é de que ela se
constituísse como sociedade anônima (SA) - (juridicamente uma sociedade de
economia mista). A votação na Câmara e no Senado, porém, aprovou a empresa
81
Já existe a proposta chamada “Saúde Brasil” que passa a gestão dos hospitais federais e institutos
do Rio de Janeiro para a EBSERH (Frente Nacional contra a Privatização, 2014)
121
como unipessoal, isto é, com a totalidade de suas ações em posse do governo. Essa
condição, entretanto, é facilmente flexibilizada, retornando à condição de SA, já que
toda a legislação das empresas públicas no Brasil garante essa modalidade. A
intenção original do governo, afinal, previa que a empresa fosse uma SA. Na nossa
opinião, o recuo ocorre para garantir a correlação de forças na aprovação da
EBSERH nas universidades. Exatamente como no caso das fundações, o argumento
do governo é que nada descaracteriza a gestão pública por meio da empresa.
Esse modelo não se limitou à EBSERH. Discutido pelo Congresso do
Conselho Nacional dos Secretários de Administração como “empresas públicas
sociais” o modelo é apresentado como substituto “viável” das fundações privadas,
que estão sob ADIN no STF82. Rapidamente outras esferas de governo o adotaram,
como a prefeitura do Rio de Janeiro que colocou em votação na Câmara de
Vereadores a Rio Saúde SA para administrar a saúde municipal 83.
O que é comum em todos os chamados “novos modelos de gestão” é a
substituição dos concursos públicos e dos empregos com estabilidade por contratos
por CLT, podendo ser, inclusive, por tempo determinado. Nesse regime de trabalho
reduz-se a autonomia dos profissionais, que retornam à condição de servidores
pessoais, e limita-se sua capacidade de organização e reivindicação, na medida em
que os contratos podem ser rompidos se os trabalhadores não corresponderem ao
projeto do empregador, que não é mais o Estado diretamente. Os serviços
oferecidos como políticas públicas passam a estabelecer o mesmo regime de
trabalho dos serviços privados e, como vimos, em alguns casos, podem passar a
extrair mais-valia nessas instituições quando os serviços estão a serviço do lucro e
da acumulação.
Aos empregadores interessa o aumento da produtividade do trabalho, seja na
extração direta da mais-valia, seja para cumprirem as metas estipuladas em contrato
com o Estado, gastando menos recursos com o trabalho, o que aumenta sua
apropriação de fundo público.
A qualidade do serviço passa a ser medida pela produtividade: quanto se
produz, em quanto tempo se produz e com que custo se produz, o que irá definir os
82
Em: http://www.escoladegoverno.rn.gov.br/content/aplicacao/searh_eg/imprensa/pdf/172.pdf.
Consulta em 08/05/2013.
83
O projeto foi aprovado pela Câmara de Vereadores do RJ em maio de 2013 sob protestos dos
movimentos sociais ligados à saúde organizados no Fórum de Saúde do Rio de Janeiro. Não há até
o momento, no entanto, nenhum recurso ou estrutura institucional previstos para essa empresa.
122
84
Em:http://noticias.terra.com.br/brasil/policia/pr-policia-investiga-se-medicos-usaram-anestesico-para-
matar-pacientes,45f41b361561d310VgnVCM20000099cceb0aRCRD.html,
http://noticias.terra.com.br/brasil/policia/pf-abre-inquerito-para-apurar-fraude-em-licitacoes-em-
hospital,49dadc840f0da310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html. Consulta em: 08/05/2013.
85
Denúncias que constam no documento da Frente Nacional contra a Privatização da Saúde: “Contra
fatos não há argumentos que sustentem as organizações sociais no Brasil”. Em:
123
86
As PDP foram regulamentadas pelo Ministério da Saúde por meio da portaria 837 de 2012.
125
87
As Organizações Militares Prestadoras de Serviços foram criadas pela lei nº 9734 de 1998, dando
autonomia gerencial a organizações militares de atividades industriais, de pesquisa, ensino, saúde,
cultura, no espírito da contrarreforma do Estado, num modelo semelhante ao das organizações
sociais.
126
88
Segundo Enrico Vetori, sócio da área de ciência da vida e cuidados com a saúde da Deloitte,
empresa de consultoria de mercado do Reino Unido: “A saúde é a bola da vez para o investidor.
Instituições de private equity e capital de risco buscam oportunidades” (Valor econômico, 2012,
p.67).
127
89
Já existiam projetos em trâmite na Câmara de Deputados para alterar essa restrição como o PL
259/2009 do senador Flexa Ribeiro (PSDB). Em:
http://www.diagnosticoweb.com.br/noticias/carreira/senador-critica-lentidao-na-tramitacao-do-pl-que-
permite-investimento-estrangeiro-em-hospitais-brasileiros.html Consulta em: 27/04/2013. Há
também propostas, como a PL 4542/12 do deputado Eleuses Paiva (PSD) que, ao contrário, limitam
a participação do capital estrangeiro em planos de saúde. Em:
http://www.clicabrasilia.com.br/site/noticia.php?proposta-limita-capital-estrangeiro-em-planos-de-
saude&id=445870 Consulta em: 27/04/2013. Em dezembro de 2014, no entanto, foi aprovada a MP
656/14, sem nenhum debate público, permitindo a entrada de capital estrangeiro em todos os
subsetores da saúde. A medida vem sendo duramente contestada pelos movimentos sociais. Em:
http://www.contraprivatizacao.com.br/2015/01/0968.html#more Consulta em 25/02/2015.
90
Além da pesquisa básica realizada anualmente na PNAD, em 2008 foi realizada uma pesquisa
adicional sobre saúde. Essa pesquisa já havia sido realizada em 1998 e 2003. Em:
http://www.fsp.usp.br/marciafurquim/Inqueritos.pdf. Consulta em: 21/03/2015.
128
91
Segundo Bahia e Scheffer (2010), em 2010 um quinto dos usuários de planos estão vinculados às 6
maiores operadoras, metade dos usuários em 38 operadoras e 10% da população estava
pulverizada em 750 operadoras. Dados do Valor Econômico (2012) apontam que os 40 maiores
grupos já concentram 70% da população. Estima-se, ainda, que após a regulamentação da ANS
cerca de mil empresas de plano de saúde saíram do mercado.
92
Elio Gaspari, em coluna no Jornal O Globo de 26 de maio de 2013, denunciou o que o jornalista
chama de “porta giratória da ANS, isto é, a ida de executivos dos planos de saúde para a direção da
ANS e vice versa. Mauricio Ceschin, que presidiu a ANS entre 2009 e 2012, vinha da empresa
Qualicorp. “Um diretor que veio dos quadros da Amil a eles retornou. Outro, saiu da Amil, passou
pela agência e hoje está na Unimed. Um quadro da Hapvida que litigava contra a ANS tornou-se
seu diretor-adjunto”.
129
93
Essas operadoras atuam na esfera da circulação, oferecendo seguros que garantem acesso a
certos serviços hospitalares e de médicos autônomos. A extensão da cobertura depende dos
valores das apólices. Assim, parte dos lucros de hospitais, clínicas e serviços de saúde é dividido
com as operadoras em questão, como representantes do capital comercial. Algumas operadoras
também oferecem sua própria rede de serviços, associando, assim, capital comercial e produtivo.
130
prática não tem respaldo jurídico, sendo contestada inúmeras vezes, o que não
reverteu a situação. Segundo Bahia e Scheffer (2010, p.115) o Instituto do Coração
da USP atende 83 empresas de planos de saúde além dos servidores estaduais em
regime de “dupla porta”. O Hospital das Clínicas, da mesma instituição, atende
conveniados de 66 planos privados. O Hospital de São Paulo, ligado a UNIFESP,
atende a 63 planos. O Hospital de Clínicas de Porto Alegre, gerido como empresa
pública e ligado a UFRGS, considerado modelo para a criação da EBSERH, atende
a 35 empresas além do Instituto de Servidores Estaduais do Rio Grande do Sul. Nas
universidades federais de MG e do RJ o atendimento em “dupla porta” é realizado
em internações e para servidores vinculados a caixas de assistência da própria
instituição.
Apesar dos valores pagos pelos planos para os procedimentos serem
superiores à tabela do SUS, esses recursos não cobrem os gastos fixos, de custeio
e de investimentos requeridos, “ou seja, carece de substrato real a idéia de que o
atendimento diferenciado aos pacientes de planos e seguros se converte na
sobrevivência e na sustentabilidade de unidades do SUS” (BAHIA e SCHEFFER,
2010, p.117).
Os planos também, ao não arcar com procedimentos caros e complexos,
passam ao SUS seus usuários. Entre 2005 e 2010 a internação de usuários de
planos de saúde cresceu 59,7% no SUS94. Esse mecanismo tentou ser corrigido
com a lei de planos de saúde que previa o ressarcimento das ações ao SUS nesses
casos. Apesar disso, essa arrecadação é muito baixa, pois os planos entram com
recursos administrativos e ações judiciais contestando a cobrança. Segundo o TCU,
em 2009 o SUS já havia deixado de receber R$ 3,8 bilhões, declarando que a ANS é
ineficiente na cobrança e desconsidera procedimentos ambulatoriais para fins de
ressarcimento (Bahia e Scheffer, 2010, p.120). Com isso a ANS, que deveria ser
auto-sustentável como órgão regulador, arrecada muito pouco, dependendo, assim,
de recursos da União para se manter. Entre 2012 e 2013, a ANS conseguiu um
aumento de 158% na arrecadação de ressarcimentos, alcançando R$ 183,24
milhões no ano. Esses valores, no entanto, representam apenas 0,5% do
atendimento do SUS e 4% do gasto com internações (Valor Econômico, 2014). Só
em 2010, segundo reportagem do Globo, a ANS estimava um gasto anual de R$ 537
94
Em: http://oglobo.globo.com/economia/internacao-de-pacientes-de-planos-na-rede-publica-cresce-
60-8366688.Consulta em 13/05/2013.
131
96
Tabela 04 – Indicadores sócio econômicos municipais :
Fundações
Privadas e
Entidades 97 98
População (2014) PIB (2011) Gini (2003) IDHM (2010)
Sem Fins
Lucrativos na
Saúde (2010)
SP 11.800.000 590 R$ 386.500.000.000,00 0,45 0,805
RJ 6.450.000 220 R$ 163.600.000.000,00 0,48 0,799
Salvador 2.900.000 79 R$ 32.400.000.000,00 0,49 0,759
Fonte: IBGE. Em: www.cidades.ibge.gov.br. Consulta em 26/09/2014. Elaboração Própria.
95
Segundo estudo de Kishima (2012) modelos de gestão baseados em OSs e Oscips foram adotados
principalmente por governos estaduais e municipais sem grande impacto no governo federal, que
tem optado pela terceirização da sua força de trabalho como mecanismo de flexibilização das
contratações, sobretudo em postos menos qualificados. Pelo menos até o momento.
96
Utilizamos os dados mais recentes do IBGE nas categorias que achamos mais pertinentes para o
objetivo desse trabalho. Acreditamos que o fato de serem de anos diferentes é irrelevante, nesse
caso, para uma comparação genérica entre os municípios estudados.
97
Índice de Gini é um instrumento para medir a concentração de renda em determinado grupo. Varia
de zero a um, sendo que a concentração é maior quanto mais se aproxima de um. Apesar de sua
metodologia ser controversa entre pesquisadores (questionada por exemplo na pesquisa de
Marcelo Medeiros, professor da UNB, divulgada pelo jornal O Globo em
http://oglobo.globo.com/economia/renda-se-manteve-desigual-entre-2006-2012-aponta-novo-
estudo-14028195) é a medida mais usada pelos governos, com base nos relatórios do Plano das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) cuja mensuração é feita segundo dados da
Pesquisa por Amostragem de Domicílios (PNAD) do IBGE. Em:
http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&id=2048:catid=28&Itemid=23 .
Consulta em: 29/09/2014.
98
IDHM é o índice de desenvolvimento humano dos municípios. Elaborado pela ONU, se baseia nas
condições de longevidade, educação e renda para classificar os municípios de forma ascendente
(entre zero e um).
135
possui o 28º maior entre os 5565 municípios brasileiros, o Rio de Janeiro o 45º e
Salvador apenas o 383º, ainda que em relação ao total esteja mais próximo do topo
do que do fim do ranking.
99
Em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/2001-caos-sao_paulo-crise_pas.shtml e
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff101020.htm Consulta em: 08/10/2014.
100
Em: http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2005-10-28/comissao-que-acompanha-crise-
na-saude-no-rio-diz-que-unidades-continuam-com-problemas.
138
em 2000, os quais a prefeitura alegava não ter recursos para manter. Por ter sido
capital colonial, imperial e republicana entre 1763 e 1960, a cidade possuía várias
unidades federais (Cardoso, 2012) que, segundo a prefeitura, sobrecarregaram o
orçamento municipal quando passados para sua administração. É nesse sentido que
Maia, prefeito na ocasião, não se opõem a intervenção101. Mesmo com a retomada
da gestão plena, alguns hospitais voltaram a ser geridos pelo governo federal.
Além das crises, é importante ressaltar também, que, mesmo sem recorrer às
OSs, desde as gestões de Maia muitas unidades já vinham sendo geridas por ONGs
como as unidades do Programa Saúde da Família (PSF), demonstrando que, assim
como São Paulo, houve experiências próprias de privatização da gestão, mesmo
que não integradas ao projeto de contrarreforma proveniente do governo federal.
Outro traço comum aos dois municípios foi a resistência em incorporar os princípios
do SUS na organização do seu sistema de saúde o que leva São Paulo a só
descentralizar suas unidades e adquirir sua gestão plena em 2002 e o Rio de
Janeiro a passar por um processo de intervenção e “devolver” hospitais para a
gestão federal em 2007.
A adesão do município de Salvador é ainda mais tardia: só em 2014, pela lei
8631 o município regulamenta a atuação das OSs não só na área da saúde mas
para ensino, pesquisa, desenvolvimento tecnológico e institucional, proteção ao
meio ambiente, ação social e cultura, sendo que, ao contrário da lei paulistana, o
governo participa do Conselho Deliberativo das OSs. Assim como nos outros
municípios isso não significa que não havia privatização prévia na gestão da força
de trabalho, que no caso soteropolitano se dava por meio deempresas que
terceirizavam a contratação de pessoal (Soares e Paim, 2011). O Tribunal de Contas
do Município (TCM) questionou sistematicamente essa situação que foi uma das
razões para a rejeição das contas da Prefeitura de 2009 a 2012. A terceirização em
Salvador equivalia em 2011 a 40,79% do gasto com pessoal efetivo. Como o
101
"Acho que é uma decisão positiva, que o governo federal volta a controlar seus próprios hospitais.
Esses sim, produziram a crise na Saúde do Rio de Janeiro. Esses sim produziram a crise que a
gente vive , esses sim contaminaram uma rede da prefeitura que funcionava muito bem.
Independentemente das declarações políticas que um ou outro possa fazer, eu acho que foi uma
medida correta, bem-vinda, acho que a saúde pública na Região Metropolitana do Rio de Janeiro
vai ser beneficiada com essa medida. E a questão do Souza Aguiar e do Miguel Couto é um
pouquinho de paciência porque nos devemos entender que de outra maneira seria o governo
federal declarando que a calamidade pública era nele mesmo", acredita César Maia. Em:
http://jornalnacional.globo.com/Telejornais/JN/0,,MUL559260-10406,00-
NOVAS+MEDIDAS+NA+SAUDE+DO+RIO.html. Consulta em: 08/10/2014.
139
governo nada fez para reverter essa situação o TCM ofereceu denúncia ao
Ministério Público Estadual em 2011 que levou a um concurso público para
servidores efetivos com 3647 vagas para a área da saúde nesse mesmo ano 102.
A organização da saúde na Bahia possui, no entanto, particularidades que
podem explicar essa adesão tardia ao modelo das OSs. Das 20 maiores capitais do
país Salvador é a única que não possui hospital municipal (Carrera, 2012), como
demonstramos na tabela 07.
102
Em: http://www.mpba.mp.br/atuacao/saude/informes.asp e
http://www.bocaonews.com.br/noticias/principal/geral/20684,justica-mantem-concurso-da-secretaria-
municipal-de-saude.html. Consulta em: 11/12/2014.
140
sanitários 103, acima das divisões municipais, para organizar seu sistema de saúde
(Teixeira e al, 1993). Isso levou a um papel historicamente centrado no estado e não
nos municípios, o que não foi revertido pelo estímulo federal à municipalização na
década de 1990. Até hoje o estado mantém uma estrutura de Diretorias Regionais
de Saúde (Dires), para organizar a oferta de serviços 104.Mesmo assim, o município
de Salvador possui gestão plena do sistema de saúde, recebendo as transferências
federais para a atenção básica e para a média e alta complexidade.
No caso do estado da Bahia, a lei de regulamentação das OSs é a 8647 de
2003. As administrações petistas a partir de 2007, porém, levaram o estado a
priorizar outros modelos de gestão como as fundações estatais de direito privado,
regulamentadas em dezembro de 2007 e as parcerias público privadas, cuja
implementação, num hospital estadual no município de Salvador, ficou marcada
como a primeira experiência de gestão da totalidade dos serviços por meio dessa
modalidade na área da saúde. A única fundação foi criada pelo estado em 2009: a
Fundação Estatal Saúde da Família (FESF) que atua em 69 municípios, não
incluindo a capital Salvador, por meio de contratos de gestão para diversos serviços
não só da atenção básica105.Isso não significa que o estado tenha prescindido das
OSs, que têm como especificidade no caso baiano a contratação por meio de
licitação.
Assim, apresentado o objeto de nossa análise passaremos aos dados
orçamentários. Separamos os múltiplos mecanismos de privatização do fundo
público segundo o sumário apresentado no início desse capítulo. Utilizamosalguns
bancos de dados: a plataforma de acompanhamento da execução orçamentária dos
gastos federais do Senado – Siga Brasil, o Sistema de Informações sobre
Orçamento Público em Saúde (Siops), do Ministério da Saúde, melhor fonte
encontrada para o acompanhamento da execução orçamentária dos municípios, os
relatórios de Tribunais de Contas Municipais e a plataforma do governo federal
103
Distritos Sanitários são unidades de planejamento e gestão local dos serviços de saúde. Em
Salvador o projeto original dividia a cidade em três distritos (Teixeira et al, 2003).
104
Salvador também segue organizando seu sistema de saúde por 12 distritos sanitários que dividem
a cidade. Em:
http://www.saude.salvador.ba.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=234&Itemid=6
0 Consulta em: 18/10/2014.
105
Em: http://www.fesfsus.ba.gov.br/a-fundacao/legislacao/. Consulta em: 18/10/2014. Para
aprofundar o debate sobre a FESF ver Cardoso e Campos, 2013.
141
106
“O contrato organizativo da ação pública, como um instrumento da gestão compartilhada, tem a
função de definir entre os entes federativos as suas responsabilidades no SUS, permitindo, a partir
de uma região de saúde, uma organização dotada de unicidade conceitual, com diretrizes, metas e
indicadores, todos claramente explicitados e que devem ser cumpridos dentro de prazos
estabelecidos. Tudo isso pactuado com clareza e dentro das práticas federativas que devem ser
adotadas num Estado Federativo”. Em:
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/contrato_organizativo_acao_publica_saude.pdf. Consulta
em: 25/02/2015.
146
R$100.000.000.000,00
R$80.000.000.000,00
R$60.000.000.000,00
R$40.000.000.000,00
R$20.000.000.000,00
R$-
2008 2009 2010 2011 2012
107
Restos a pagar são “resíduos passivos do exercício” isto é, despesas empenhadas e não pagas
até dia 31 de dezembro. A inscrição de despesas em restos a pagar é válida até 31 de dezembro do
ano subsequente, quando ocorre cancelamento de compromissos não pagos (Giacomoni, 2012).
147
108
Nem todos os documentos entre 2008 e 2012 estão disponibilizados nos sites das Prefeituras e
Secretarias de Saúde. Foram consultados: os PPAs 2006 – 2009 e 2010 – 2013 do Rio de Janeiro,
o Plano Municipal de Saúde 2010 – 2013 de São Paulo e a PPA e o Plano Municipal de Saúde 2010
– 2013 de Salvador.
149
109
Modalidade de aplicação 50 são despesas orçamentárias realizadas mediante transferências a
instituições privadas sem fins lucrativos. As modalidades de aplicação podem ser ainda
transferências para outros níveis de governo ou aplicações diretas pela unidade orçamentária
(Giacomoni, 2012).
152
Com fins % %
Federal Estadual Municipal Filantrópico Sindicato
lucrativos Público Privado
São Paulo -
3.148.047 378.797.593 490.339.480 22.301.792 162.603.736 10.843 83% 17%
Estado
São Paulo -
0 61.887 110.769.095 2.814.516 18.730.557 0 84% 16%
Município
Rio de
Janeiro - 17.392.430 46.668.729 157.391.236 27.506.674 10.687.081 146.587 85% 15%
Estado
Rio de
Janeiro - 3.916.817 3.050.544 37.818.768 1.282.088 2.467.471 0 92% 8%
Município
Bahia 34.744.523 70.530.226 115.302.261 16.463.955 12.408.301 57.430 88% 12%
Salvador 1.858.802 0 9.739.574 6.186.349 5.035.672 0 51% 49%
Fonte: Datasus. Elaboração Própria.
110
Segundo o artigo 4º da lei 5991/73, laboratório oficial é o laboratório do Ministério da Saúde ou
congênere da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos territórios, com competência delegada
através de convênio ou credenciamento, destinado à análise de drogas, medicamentos, insumos
farmacêuticos e correlatos;
154
só utilizam serviços do SUS, ou que, por não terem renda suficiente para declarar
imposto de renda, não podem ter subsidiada sua utilização de serviços privados. Os
autores alertam, porém, que o fim imediato dessa renúncia não necessariamente se
reverteria como mais recursos para a setor público podendo, dado a lógica
macroeconômica atual, acabar servindo ao pagamento da dívida pública.
Assistência médica,
odontológica e 3.126,80 2.991,44 3.438,91 3.517,43 3.815,25 22% IRPJ
farmacêutica a
empregados
Produtos Químicos e
1.128,89 1.028,25 1.026,15 815,46 772,88 -32% PIS/COFINS
Farmacêuticos
Medicamentos 3.302,68 3.512,08 3.790,55 3.467,69 4.003,85 21% PIS/COFINS
Tabela 14 – Relação entre a Função Saúde e os Gastos Tributários com a Cofins e a CSLL
Em reais
Perda
Desoneração das receitas da
Função Saúde orçamentária
saúde
anual
2008 55.317.973.814,90 40.404.262.034,49 -27%
2009 71.922.758.609,51 41.834.340.069,96 -42%
2010 82.129.193.429,09 48.555.587.869,20 -41%
2011 85.470.590.586,93 49.341.853.222,43 -42%
2012 97.440.941.400,59 57.729.051.762,49 -41%
Fonte: Receita Federal do Brasil. Demonstrativo dos Gastos Tributários (2008, 2009, 2010, 2011)
Elaboração Própria. Valores corrigidos pelo IGP-D
111
As receitas correntes incluem: receita tributária, receita de contribuições, receita patrimonial,
receita agropecuária, receita industrial, receita de serviços, transferências correntes, outras receitas
correntes (Ministério da Fazenda, 2005).
112
Nosso objetivo era verificar o gasto tributário com receitas tributárias próprias. Só encontramos,
porém esse dado disponível nos municípios do Rio de Janeiro e parcialmente em São Paulo.
161
113
Dados dos jornais O Globo e O Dia. Em:http://oglobo.globo.com/rio/prefeito-sanciona-projeto-que-
reduz-iss-para-onibus-no-rio-2948067#ixzz3JXiAE6id e http://odia.ig.com.br/noticia/rio-de-
janeiro/2014-05-06/em-tres-anos-renuncia-fiscal-de-empresas-de-onibus-chegara-a-r-188-
milhoes.html.
114
As deduções de receitas correntes não incluem apenas renúncias de receita (gastos tributários)
mas também restituições de tributos recebidos indevidamente e recursos que o ente tenha
competência de arrecadar, mas que pertencem a outro ente (Ministério da Fazenda, 2005). Assim,
os dados de deduções de receitas correntes são bastante imprecisos para nosso objetivo de
observar a apropriação privada de recursos que deveriam compor o fundo público.
115
A prefeitura de Salvador só disponibiliza em seu site peças orçamentárias a partir de 2010.
162
116
O TCM de São Paulo só disponibiliza em sua página eletrônica oficial os relatórios referentes a
2009, 2010 e 2011. Seriam necessários mais dados e uma série histórica mas longa para observar a
média do gasto tributário relativo às receitas tributárias.
117
A classificação por elemento de despesa “tem por finalidade identificar o objeto imediato de cada
despesa, por exemplo: remuneração de pessoal, obrigações patronais, material de consumo e etc”
(Giacomoni, 2012).
163
118
Segundo Giacomoni (2012, p.113) o grupo 3 – outras despesas correntes - permite aquisição de
material de consumo, pagamento de diárias, contribuições, subvenções, auxílio alimentação e
auxílio transporte entre outros, enquanto o grupo 4- investimentos - permite despesas com
softwares, planejamento e execução de obras, aquisição de imóveis, instalações, equipamentos e
material permanente.
164
Gráfico 05 – Transferências para entidades sem fins lucrativos (ESFL) por nível de governo – 2002 a
2009
Gráfico 07 – Gastos com pessoal e repasses a entidades sem fins lucrativos nos municípios – 2008 a
2012.
R$2.500.000.000,00
R$2.000.000.000,00
R$1.500.000.000,00
R$1.000.000.000,00
R$500.000.000,00
R$-
2008 2009 2010 2011 2012
Pessoal e encargos
Pessoal e encargos
Pessoal e encargos
Transferência a Instituições Privadas sem fins lucrativos
Transferência a Instituições Privadas sem fins lucrativos
Transferência a Instituições Privadas sem fins lucrativos
patrimônio das unidades de saúde dos municípios. Entre esses repasses estão
gastos com despesas administrativas e operacionais que, na prática, funcionam
como taxas de administração. No caso do Rio de Janeiro, esses gastos podem
alcançar no máximo 5% do total dos contratos, o que são valores significativos em
contratos que alcançam a casa dos milhões de reais. Em São Paulo, não há limite
para esses gastos que devem ser previstos no plano de trabalho das OSs. Esse
percentual equivale às taxas de lucro de hospitais privados que são estimadas entre
5% e 9% (Valor Econômico, 2014).
Chama atenção, ainda, que os repasses de fundo público, quando não
imediatamente utilizados, podem ser aplicados no mercado financeiro. No Rio de
Janeiro isso pode se dar por meio de cadernetas de poupança em bancos estatais
(Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil), fundos de curto prazo e títulos
públicos federais. São Paulo permite essa aplicação sem especificar como deve ser
feita. Assim, o capital portador de juros também se apropria de parte do fundo
público por meio da privatização da gestão. Os possíveis ganhos com juros podem,
além disso, estimular as organizações sociais a “pouparem” recursos que deveriam
estar sendo usados para garantir a qualidade dos serviços para os usuários do SUS.
Às organizações sociais é permitido, ainda, a arrecadação de recursos
privados. Isso é dito de forma genérica nos contratos de gestão do Rio de Janeiro.
Nos contratos de gestão de São Paulo fica explícito que é possível que a
organização social obtenha receitas de prestação de serviços, desde que a
assistência à saúde não seja prejudicada, abrindo espaço, portanto, para
comercialização de atividades de ensino e pesquisa, por exemplo.
Fica evidente que o interesse das OSs na gestão das unidades em nada se
relaciona com bons e humanitários sentimentos. Seu interesse se vincula,
diretamente, a possibilidade de remunerações do fundo público para seus serviços.
169
privados apenas residuais e modelo legal que impede a abertura de seu capital 120.
Até o momento, de fato, seus objetivos centrais têm sido semelhantes aos objetivos
de OSs e fundações: precarização dos contratos de trabalho, redução dos espaços
de controle social e burla a mecanismos do direito público como as licitações.
A saúde no nível federal possui algumas empresas públicas e algumas
sociedades de economia mista. A mais antiga empresa pública no setor saúde,
pluripessoal, criada em 1970, é o Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA),
ligado à Universidade Federal do Rio Grande do Sul e gerida pelo Ministério da
Educação (MEC).
Os hospitais universitários federais só se tornaram unidades orçamentárias,
separadas das universidades, a partir de 2008, ao contrário do HCPA que sempre
geriu seus recursos. Podemos, então, comparar o orçamento do HCPA com os
demais hospitais universitários a partir de 2009. De 2009 a 2012, o HCPA foi o
hospital universitário que mais recebeu recursos da União para seu funcionamento.
Atrás dele, com o segundo maior orçamento, está o Complexo Hospitalar da UFRJ,
composto por 09 unidades de saúde.
120
Isso porque a EBERSH é uma empresa pública unipessoal, modelo jurídico que se estende a suas
subsidiárias. No entanto, o projeto inicial do governo era que a EBSERH fosse uma SA, situação que
pode ser alterada a qualquer momento por meio de uma mudança na legislação.
171
são valores muito baixos em comparação ao total do orçamento, isto é, mais de 90%
do seu orçamento é oriundo do fundo público.
121
Hoje o Grupo Hospitalar Conceição SA é composto pelo Hospital Nossa Senhora da Conceição
S.A. (Matriz) e suas Filiais: Hospital Fêmina SA, Hospital Cristo Redentor SA, Hospital Criança
Conceição, Unidade de Pronto Atendimento Zona Norte Moacyr Scliar, Unidade de Saúde
Santíssima Trindade, Unidade de Saúde Parque dos Maias, Unidade de Saúde Nossa Senhora
172
Aparecida, Unidade de Saúde Jardim Leopoldina, Unidade de Saúde Floresta, Unidade de Saúde
Divina Providencia, Unidade de Saúde Costa e Silva, Unidade de Saúde COINMA, Unidade de
Saúde Barão de Bagé, Centro de Educação Tecnol. E Pesquisa em Saúde – CETPS, Centro de
Atenção Psicossocial I – Infantil, Unidade de Saúde SESC, Centro de Atenção Psicossocial II –
Adulto, Unidade de Saúde Conceição, Unidade de Saúde Jardim Itú, Centro de Atenção
Psicossocial III - Álcool e Drogas. Para esse trabalho analisaremos o orçamento apenas dos três
principais hospitais do grupo.
122
Apesar dos hospitais Femina e Cristo Redentor terem se tornado filiais do Hospital Nossa Senhora
da Conceição, os três permanecem sendo unidades orçamentárias independentes no orçamento do
Ministério da Saúde.
173
de terem uma forma jurídica que permite fins lucrativos nas suas ações, até o
momento são quase exclusivamente dependentes do fundo público, mesmo
prestando serviços privados. Portanto, até o momento sua função tem sido
semelhante à das organizações sociais e fundações, qual seja, flexibilizar as regras
do direito público nos serviços de saúde.
Isso não significa que essas empresas públicas, ainda que sob diferentes
formas jurídicas, não possam aprofundar a lógica do direito privado implementado
em outros “modelos de gestão” como as organizações sociais e fundações, na
medida em que assumam seus fins lucrativos. Mesmo que em um primeiro momento
seu capital esteja exclusivamente em posse do Estado e essas instituições sigam
quase que exclusivamente dependentes do fundo público para seu funcionamento
nada impede que, por uma mera mudança legislativa, se transformem em
sociedades de economia mista e seu capital seja aberto ao setor privado. Hospitais
geridos por essa forma jurídica foram criados na ditadura e, após a regulamentação
do SUS, estavam completamente fora do modelo de saúde brasileiro. Ao invés de se
adequarem ao SUS, vemos agora tornarem-se modelos para seu desmonte.
4.6 Síntese da análise dos dados: o quadro geral de repasse de fundo público
ao setor privado na função saúde
orçamento federal enquanto a transferência para entidades sem fins lucrativos não
alcança 1% do total, o que evidencia o que já afirmamos: que essa modalidade de
privatização se dá centralmente por meio de estados e municípios. Somados os
gastos com pessoal e as aplicações diretas (indicadas como outros) os recursos
usados efetivamente para as unidades de saúde federais, que incluem as unidades
orçamentárias Fiocruz, Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Agência
Nacional de Saúde Complementar (ANS), Grupo Conceição, Fundação Nacional de
Saúde(Funasa) além de hospitais federais, institutos e serviço social autônomo que
não possuem unidade orçamentária própria como o Instituto Nacional do Câncer
(INCA) e a Rede Sarah, correspondem a apenas 29% do total de recursos alocados
no orçamento federal na função saúde. Não foi possível analisar, pelos dados
disponíveis, o orçamento federal organizado por elementos de despesa o que nos
impediu de verificar a magnitude, nas aplicações diretas, de gastos com a compra
de medicamentos e equipamentos. O pagamento de serviços ambulatoriais e de
internações, assim como os contratos de gestão,também é realizado pelos estados
e municípios.
17% 12%
Pessoal 0%
Equipamento e Material
Permanente 38%
Outros
30% 33%
Transferência a Instituições
Privadas sem fins lucrativos
Medicamentos
1%
1%
2%
SIA/AIH Privado
Fonte: Datasus
179
73% do total no município de Salvador, mais de dois terços, dos quais 38%
correspondem a pagamento de pessoal, o que demonstra que o padrão de
apropriação direta de fundo público pelo setor privado só se diferencia em um
município que ainda não tinha aprovada uma lei de regulamentação das OSs.
Pessoal e encargos
SIA/AIH Privado
0%
7%
Equipamento e Material
Permanente 3%
17%
Outros
Acreditamos que esses dados deixam bastante evidente que o fundo público
não é propriedade estatal sem contradições. Ao priorizar o pagamento ao setor
privado ou o fortalecimento da produção de insumos e serviços efetivamente
públicos o Estado faz uma escolha política que tem consequências na qualidade da
saúde pública e nos lucros auferidos pelo capital alocado no setor. São bem pouco
significativos os gastos de aplicação direta (que chamamos de “outros”) sobretudo
nos municípios de São Paulo e do Rio de Janeiro, que em 2012 já tinham as
organizações sociais como base da gestão da saúde. Em certa medida, os gastos
de pessoal são a única “barreira” à ampliação da apropriação privada do orçamento
o que leva ao estímulo de mecanismos de intensificação do trabalho e redução de
direitos que possam diminuir esses recursos.
Muitos pesquisadores no campo da política de saúde explicam essa
privatização do setor como um “mix público-privado”.Ocké-Reis (2012) concorda que
o papel do Estado se dá na criação do mercado e no financiamento do setor privado
180
por meio do fundo público, o que garante seus lucros 124. O autor aponta, como
demonstra nossa argumentação, que a concentração de capitais é
contraditoriamente incentivada pela forma de regulação institucional, já que as
regras para a entrada no mercado inviabilizam pequenas e médias empresas.
Apesar da clareza sobre o papel do Estado e do fundo público para a constituição do
setor privado, Ocké-Reis mantém a tese do “mix público-privado”. A solução do autor
para essa dualidade é uma nova regulação que integre o setor privado à lógica do
SUS, reestabelecendo seu papel de apenas complementar, e reunificando o
sistema, que se constituiu como dual.
Andreazzi (2012) tem como hipótese que a ideia de “mix” bastante utilizado
na literatura nacional e internacional é um instrumento descritivo da existência de
espaços privados e espaços não submetidos a lógica capitalista, organizados pelo
Estado. Concordamos com a crítica da autora para quem:
124
O autor utiliza a ideia de “lucros extraordinários”, para explicar as vantagens do setor monopólico,
alimentados pelos fundos públicos e pela corrida tecnológica, termo atribuído a Possas (1989),
autora referenciada no marxismo.
181
125
Bravo (2011) identifica uma modificação no referencial teórico nos principais sujeitos da Reforma
Sanitária, como o CEBES, que acompanha essa “flexibilização” política. Para a autora, passa-se a
defender um pluralismo teórico sem hegemonia da teoria social crítica, possibilitando o ecletismo.
Assim, a direção da Reforma Sanitária não tem mais a preocupação com a superação do
capitalismo e perde a referência em categorias como a totalidade, a historicidade e a luta de classes
182
CONSIDERAÇÕES FINAIS
126
“ (...) O objetivo desse movimento é a coleta de assinaturas para um Projeto de Lei de Iniciativa
Popular que assegure o repasse efetivo e integral de 10% das receitas correntes brutas da União
184
para a saúde pública brasileira, alterando, dessa forma, a Lei Complementar no 141, de 13 de
janeiro de 2012.(...) Num sentido organizativo, o MOVIMENTO NACIONAL EM DEFESA DA SAÚDE
PÚBLICA definiu por uma coordenação nacional inicial composta pelas representações da Ordem
dos Advogados do Brasil – OAB, Associação Médica Brasileira – AMB, Conselho Nacional de
Secretários Estaduais de Saúde – CONASS, Conselho Nacional de Secretarias Municipais de
Saúde – CONASEMS, Fórum Sindical dos Trabalhadores – FST, Força Sindical, Confederação
Nacional dos Trabalhadores em Saúde – CNTS, Federação Nacional dos Farmacêuticos –
FENAFAR, Pastoral da Saúde, Conselho Nacional de Saúde – CNS e Conselho Municipal de Saúde
de Belo Horizonte – CMSBH, Em: http://www.saudemaisdez.org.br/. Consulta em: 27/03/2015.
185
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