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Rio De Janeiro
Junho/ 2016
ROBERTA SALDANHA CARO
RIO DE JANEIRO
JUNHO/ 2016
ROBERTA SALDANHA CARO
Examinadora:
_______________________________________________________
(Viviane Ambrosio Guimarães)
Professora Orientadora
Universidade Estácio de Sá
Rio de Janeiro
Aos meus pais, por me terem
Dado a oportunidade de
Construir minha trajetória.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................................................ 8
1. SAÚDE PÚBLICA E SERVIÇO SOCIAL.............................................................10
1.1 RESGATE DA SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL...................................................................10
1.2 CONQUISTAS E DESAFIOS DO SUS..................................................................................17
1.3 O SERVIÇO SOCIAL NA ÁREA DA SAÚDE......................................................................19
2. O ACOLHIMENTO EM SERVIÇO SOCIAL COMO UM DOS PROCESSOS
SIGNIFICATIVOS NA CONSTRUÇÃO DA INTEGRALIDADE..............................................24
2.1 O ACOLHIMENTO NA SAÚDE: REFLEXÕES E CONCEITUAÇÕES..............................27
2.2 O ACOLHIMENTO COMO FATOR INFLUENTE NO DESENVOLVIMENTO DOS
PROCESSOS SÓCIO-ASSISTENCIAIS DO SERVIÇO SOCIAL..............................................32
2.3 A INTEGRALDADE EM SAÚDE: BREVE INTRODUÇÃO................................................40
2.4 INTERVENÇÃO PROFISSIONAL DO SERVIÇO SOCIAL E SUA INTEGRALIDADE...48
3. A INSERÇÃO DO ASSISTENTE SOCIAL NA UBS: UM ESTUDO A PARTIR
DO MUNICÍPIO DE MESQUITA/RJ........................................................................................... 51
3.1 UBS: AS EQUIPES DO MUNICÍPIO DE MESQUITA/RJ: ESTRURURAÇÃO E
CARACTERIZAÇÃO.................................................................................................................... 53
3.2 A INSERÇÃO DO ASSISTENTE SOCIAL NA UBS E SEUS ELEMENTOS......................58
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................ 64
REFERÊNCIAS............................................................................................................................. 66
APÊNDICES.................................................................................................................................. 70
A - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.....................................................................70
B - Roteiro de entrevista semiestruturada ...........................................................................
72
8
INTRODUÇÃO
Para que se compreenda o real significado e alcance das políticas de saúde que vêm
sendo implementadas, diante da organização da saúde através do Sistema Único de Saúde
(SUS) no Brasil hoje, é salutar que se resgate a trajetória das políticas de saúde e da
constituição desta realidade brasileira, sempre buscando vinculá-las à constituição do nosso
sistema de proteção social. A compreensão sobre o sentido do SUS na qualidade de política
pública requer algumas informações a respeito da forma como, historicamente, os serviços de
saúde foram organizados no Brasil.
A concepção de política vigente nos diferentes momentos do Estado brasileiro e a
relação Estado/sociedade civil em cada um desses momentos resultou na emergência da
proposta SUS. Assim, torna-se impossível explicar as políticas de saúde restringindo-se
apenas às instâncias que, por definição, são responsáveis por essa política pública: Ministério
da Saúde e as Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde.
Segundo autores como Westphal & Almeida (2001), Moraes (1995) e Poligano
(2006), a saúde no Brasil praticamente inexistiu nos tempos de colônia. O modelo
11
exploratório não se preocupava com isso. A atenção à saúde limitava-se aos próprios recursos
da terra (plantas, ervas) e, àqueles que, por conhecimentos empíricos, desenvolviam as suas
habilidades na arte de curar. Com a chegada da família real portuguesa em 1808, as
necessidades da corte forçaram a criação de uma estrutura sanitária mínima. Dom João VI
fundou na Bahia o Colégio Médico-Cirúrgico no Real Hospital Militar da Cidade de Salvador
e a Escola de Cirurgia do Rio de Janeiro. Essas foram as únicas medidas governamentais com
relação à saúde até a República.
A República Velha constituía-se, até início dos anos 1920, como um regime atrelado e
fiel aos princípios do liberalismo econômico, tendo como consequência uma postura não
intervencionista nas áreas que hoje são reconhecidas como políticas sociais e questões
trabalhistas.
O desenvolvimento das políticas públicas de saúde no Brasil do século XIX até
meados do século XX se limitou a obedecer a critérios pragmáticos definidos a partir de
interesses econômicos e políticos de grupos dominantes no cenário nacional. Segundo Secco
(2006, p.12), “até o fim do século XIX o Estado brasileiro não tinha uma forma de atuação
sistemática sobre a saúde de seus habitantes, apenas esporadicamente atuava de forma pontual
em situações de epidemias”.
Os primeiros 20 anos do século XX foram marcados pela presença da movimentação
operário-sindical, aliado à experiência política do trabalhador imigrante, oriundo de outro
contexto social, sendo este aspecto elemento significativo para que de forma tão precoce
emergisse uma massa trabalhadora urbana no Brasil, com expressão na cena política
(MORAES, 1995).
Encontra-se então neste período, paralela aos efeitos da Primeira Guerra Mundial, um
contexto político social marcado de um lado por ação estatal repressiva, e por outro lado, de
um impressionante número de diferentes movimentos e instâncias reivindicatórias, que
chegaram a ser greves gerais como em São Paulo em 1917 e 1919. Neste período, até os anos
de 1930, a atuação do Estado brasileiro na área da saúde foi voltada principalmente para
amparar o modelo de desenvolvimento econômico agroexportador. As práticas sanitárias
visavam o controle de doenças que ameaçavam a manutenção da força de trabalho e a
dinâmica de produção à expansão das atividades econômicas capitalistas.
12
Departamento Nacional de Saúde Pública. Neste período “surgiram inúmeros sanatórios para
tratamentos de doenças, como a tuberculose e a hanseníase, associando-se aos manicômios
públicos já existentes, caracterizando a inclusão do modelo hospitalar de assistência médica”
(WESTPHAL & ALMEIDA, 2001, p.23).
No período Populista (1930-1950) consolidou-se a medicina previdenciária, destinada
aos grupos organizados de trabalhadores urbanos. O Estado Novo de Vargas inaugura na
história brasileira uma tendência acentuada no sentido de consolidar o poder nacional
centralizado. E foi a partir do Estado Novo que surgiram os Institutos de Aposentadoria e
Pensão (IAP’s), organizados por categorias profissionais, criados de acordo com a capacidade
de organização, mobilização e importância da categoria profissional em questão. Assim, em
1933 foi criado o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos (IAPM), em 1934 o dos
Comerciários (IAPC) e dos Bancários (IAPB), em 1936 o dos Industriários (IAPI), e em 1938
o dos Estivadores e Transportadores de Cargas (IAPETEL).
Nos IAP’s a arrecadação dos recursos passou a ser tripartite: trabalhadores, empresa e
Estado. A sua finalidade era de conceder benefícios ordinários, aposentadorias e pensões, e a
assistência médica assumiu caráter secundário. Os IAP’s foram grandes aliados do governo,
financiando o desenvolvimento da indústria de base e com o tempo tornaram-se estruturas
poderosas com forte poder econômico e político. No contexto trabalhista, segundo Moraes
(1995), no período do Estado Novo Getulista a Questão Social2 foi tratada através de
regulamentos administrativos e periódicos, e deixou de ser um “caso de polícia” para ser
reconhecida legitimamente. Houve uma crescente intervenção dos poderes públicos nas
questões trabalhistas.
O que seguiu foi uma “rápida expansão da medicina previdenciária, permitindo o
crescimento das redes públicas estaduais e municipais voltadas predominantemente ao
atendimento do pronto-socorro e da população marginal ao sistema previdenciário”
(MARTINS, 2004, p.15). No chamado Período do Desenvolvimento (1946-1964) as ações
A população com baixos salários, contidos pela política econômica e pela repressão,
passou a conviver com o desemprego e as suas graves consequências sociais, como aumento
da favelização e da mortalidade infantil.
Segundo Polignano (2006, p.17), o modelo de saúde previdenciário começa a mostrar
as suas mazelas, devido aos aumentos constantes dos custos da medicina curativa, centrada na
atenção médico-hospitalar de complexidade crescente; à diminuição do crescimento
econômico com a respectiva repercussão na arrecadação do sistema previdenciário reduzindo
as suas receitas; à incapacidade do sistema em atender a uma população cada vez maior de
“marginalizados”, que sem carteira assinada e contribuição previdenciária, se viam excluídos
do sistema; aos desvios de verba do sistema previdenciário para cobrir despesas de outros
setores e para realização de obras por parte do governo federal; e ao não repasse pela união de
recursos do Tesouro Nacional para o sistema previdenciário, visto ser esse tripartite
(empregador, empregado, e união). Por ter priorizado a medicina curativa, o modelo proposto
foi incapaz de solucionar os principais problemas de saúde coletiva, como as endemias, as
epidemias, e os indicadores de saúde (mortalidade infantil, por exemplo).
Foi então, nos anos de 1970 que a Saúde Pública brasileira passou por mudanças
radicais e se transformou em Saúde Coletiva. “A inovação no nome indicara que depois de
um longo processo de reelaboração teórica e prática, um novo paradigma fora construído, uma
nova maneira de compreender e agir sobre o processo saúde e doença” (ASSUMPÇÃO, 2007,
p.20).
Saúde Coletiva é uma expressão que designa um campo de saber e de práticas
referido à saúde como fenômeno social e, portanto, de interesse público. Propõe um novo
modo de organização do processo de trabalho em saúde que enfatiza a promoção da saúde, a
prevenção de riscos e agravos, a reorientação da assistência a doentes, e a melhoria da
qualidade de vida, privilegiando mudanças nos modos de vida e nas relações entre os sujeitos
sociais envolvidos no cuidado à saúde da população.
Ainda conforme Assumpção (2007), a Saúde Coletiva deriva do modelo preventista,
considerado um dos principais fundamentos teóricos do Movimento Sanitário, ator coletivo
que se torna o principal responsável pela Reforma Sanitária brasileira.
A década de 1970 ainda se sustentava pelo modelo médico assistencial privatista, mas
foi neste período que surgiram, como afirmam Westphal e Almeida (2001), os alicerces
políticos para o surgimento do Movimento de Reforma Sanitária. Com esse acúmulo,
movimentos sociais, inclusive na área de saúde, onde prossegue a tensão entre os interesses
dos setores estatal e empresarial. Nesta área destaca-se a presença do Movimento Sanitarista,
formado por médicos, autoridades locais e especialistas do setor saúde de posição esquerdista,
que foi considerado o mais importante movimento na comunidade da política de saúde, dando
início a um movimento de reforma da política de saúde.
Os sanitaristas combatiam a questão da centralização das decisões da política de
atenção à saúde que favorecia aos interesses do setor privado lucrativo de saúde. Com base
nisso, defendiam a implementação de um sistema de saúde voltado à universalização da
cobertura do sistema público de atenção à saúde, à expansão dos programas de prevenção e de
atenção primária de saúde, à gradativa estatização da provisão da atenção à saúde, ao
fortalecimento de alguma forma de controle dos provedores privados contratados e à
descentralização.
Esse quadro político resulta na realização da VIII Conferência Nacional de Saúde, em
1986, que causou grande mobilização nacional e que lançou as bases do SUS.
Mendes (1994, p.42) assinala que a Reforma Sanitária pode ser conceituada como um
processo modernizador e democratizante “de transformação nos âmbitos político-jurídico,
político-institucional e político-operativo para dar conta da saúde dos cidadãos”, entendida
como um direito universal e suportada por um Sistema Único de Saúde, “constituído sob
regulação do Estado, que objetive a eficiência, eficácia e equidade e que se construa
permanentemente [...]”.
Para Assumpção (2007, p.22),
Desta forma, muito mais que ausência de doença, a saúde é perpassada pelas
condições sociais, econômicas e culturais oferecidas aos cidadãos. Entendendo saúde desta
maneira, a política pública de saúde a ser adotada pelo país, necessariamente, precisava ser
formulada de forma consciente.
Os ideais da Reforma Sanitária, que foram discutidos e sistematizados na VIII
Conferência Nacional de Saúde, podem-se afirmar, culminaram em três eixos principais: o
conceito abrangente de saúde, a saúde como direito de todos e dever do estado, e a instituição
de um sistema único de saúde. Essas propostas foram levadas à discussão na Assembleia
Constituinte, em 1987, que se consolidou na promulgação da Constituição Federal do Brasil
em 1988.
A saúde nesse cenário é vista como um direito social adquirido mediante um longo
processo de lutas e reivindicações, destacando-se o importante papel dos movimentos sociais.
Resumidamente, a política pública de saúde no país é fruto de intensa luta
reivindicatória de movimentos sociais fortemente organizados, como o Movimento de
Reforma Sanitária e, embora os direitos dos brasileiros contidos em lei abarquem uma visão
abrangente de saúde, a sua implementação na prática ainda é uma construção permanente.
O Sistema Único de Saúde – SUS é definido pelo artigo 198 do seguinte modo:
Conforme explicita Cajueiro (2004), o artigo 198 ainda determina que a saúde será
financiada, de acordo com o artigo 195, com recursos do orçamento da Seguridade Social. Ou
seja, as fontes de financiamento para a saúde estão vinculadas aos recursos da Seguridade
Social e dos Tesouros Federal, Estadual e Municipal. Contudo, a Constituição não define uma
vinculação de receitas para a saúde. Apenas dispõe, no artigo 55 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias (ADCT), que “até que seja aprovada a lei de diretrizes
orçamentárias, trinta por cento, no mínimo do orçamento da Seguridade Social, excluído o
seguro-desemprego, será destinado ao setor da saúde”. E também não determina um
percentual fixo para as transferências intergovernamentais. (CAJUEIRO, 2004, p.25)
O modelo do SUS prevê a descentralização do sistema, conformando uma rede
regionalizada e hierarquizada, com comando único em cada esfera de governo – na esfera
federal, o Ministério da Saúde (MS), na estadual, a Secretaria Estadual de Saúde (SES) e na
municipal a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) – sendo que podem ser criadas Comissões
Intersetoriais subordinadas ao Conselho Nacional de Saúde (CNS).
O SUS representa um novo modelo de política de saúde, pelo menos em termos
constitucionais, determinando a: participação da população; o acesso universal, gratuito e
igualitário a todos os níveis de complexidade (atendimento integral); a equidade na
distribuição dos serviços e ações e; a prioridade ao serviço e à ação pública.
O capítulo da saúde na Constituição foi regulamentado através da chamada Lei
Orgânica da Saúde, a Lei Federal n. 8.080, em 19 de setembro de 1990. Esta dispõe sobre as
condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o
funcionamento dos serviços de saúde, definindo o modelo operacional do SUS, propondo a
sua forma de organização e de funcionamento.
Segundo Westphal e Almeida (2001), o SUS não é um serviço ou uma instituição,
mas um sistema, que significa um conjunto de unidades, serviços e ações que interagem para
um fim comum. Os princípios doutrinários do SUS, baseados nos preceitos constitucionais,
são a universalidade, a equidade e a integralidade.
Constituição Cidadã, pelo entendimento de que ela absorve muitas das propostas do
movimento contra hegemônico.
saúde baseia-se no que foi exposto por Assumpção (2007), em sua dissertação intitulada “A
integralidade em saúde e o debate do Serviço Social”.
Segundo ela, a requisição por Assistentes Sociais na área da saúde foi significativa a
partir da formulação da política nacional de saúde nos anos de 1930. Estes ocuparam
inicialmente espaços institucionais como hospitais e ambulatórios. Faziam parte da ação
profissional neste campo, a racionalidade técnica e os novos conhecimentos do Serviço Social
de Caso, Grupo e Comunidade, influenciados pelos Assistentes Sociais norte-americanos.
Gradativamente esta área tornou-se a que mais emprega profissionais de Serviço Social.
A partir de 1945, com o mundo vivendo o fim da Segunda Guerra Mundial, houve
uma expansão do Serviço Social no Brasil. Bravo e Matos (2006, apud ASSUMPÇÃO, 2007,
p.11), importantes interlocutores no que se refere às pesquisas, estudos e publicações sobre o
tema Serviço Social e Saúde, “apontam que na década de 1940 a ação profissional nesta área
ampliou-se significativamente”. Os autores atribuem tal expansão a fatores como: “a adoção
de um conceito ampliado de saúde pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 1948 o
qual requisitou a atuação de vários profissionais, inclusive de Assistentes Sociais, por haver-
se dado enfoque ao trabalho em equipe multidisciplinar”. O Serviço Social atuava de forma
educativa com intervenção normativa no modo de vida da “clientela” com relação aos hábitos
de higiene e saúde.
A Política Nacional de Saúde vigente naquele momento não tinha caráter universal e
havia uma incoerência entre a demanda e a oferta dos serviços, gerando seletividade e
exclusão nos atendimentos. Para viabilizar o acesso dos usuários aos serviços de saúde e
benefícios da previdência o Assistente Social é chamado para trabalhar em hospitais,
interpondo-se entre a instituição e a população.
Nas décadas de 1950 e 1960 surgem nos Estados Unidos a medicina integral, a
medicina preventiva e a medicina comunitária que influenciaram os rumos da saúde
no Brasil; porém, não exerceram influência sobre o trabalho dos assistentes sociais,
os quais prosseguiram trabalhando em hospitais e ambulatórios, concentrando suas
ações no nível curativo e hospitalar prioritariamente. Apesar de centros de saúde
terem sido criados em 1920, somente em 1975 é que assistentes sociais foram
inseridos na equipe formada por médicos, enfermeiros e visitadores (ASSUMPÇÃO,
2007, p.12).
Em meados de 1970, período em que o Brasil foi regido pela ditadura militar, surgiu
um movimento com o objetivo de repensar a profissão iniciado por Assistentes Sociais, que
corre paralelamente com o Movimento Sanitário na área da saúde, e também tinha cunho de
mudança e luta por direitos.
O processo de renovação da profissão recebeu influências da conjuntura e tinha por
intuito a busca por uma mudança nos rumos societários, todavia, este foi um movimento
totalmente voltado para uma revisão interna, não havendo articulação com outras questões de
extrema importância na sociedade.
Na década de 1980 a profissão viveu um amadurecimento que culminou nas
consonâncias posteriormente estabelecidas no plano acadêmico, e no das entidades
representativas da categoria, tendo como base as interlocuções com a teoria e metodologia
marxistas. Porém, ainda existiam algumas disparidades de correntes ideológicas dentro da
profissão e com a finalidade de superá-las o Serviço Social cresceu na busca de
fundamentação e consolidação teóricas, e ao mesmo tempo apresentou poucos efeitos na
intervenção.
Os anos de 1990 são marcados pela forte entrada do projeto neoliberal no país, com a
defesa de um Estado mínimo para as questões do social, a promoção de uma reestruturação do
mundo do trabalho, em que a precarização e a drástica redução das conquistas sociais e
trabalhistas são propostas em nome de uma adaptação aos novos ditames mundiais.
“Apesar da tensão entre o projeto neoliberal e o projeto da Reforma Sanitária na
década de 1990, o Serviço Social continua desarticulado, enquanto categoria, do Movimento
Sanitário” (ASSUMPÇÃO, 2007, p.14), apenas reconhece-se no interior da profissão a
importância do engajamento nas questões do SUS.
Nos anos 1990 aconteceram muitas publicações com vistas em debater o tema
específico de Serviço Social e Saúde. Realizaram-se diversos eventos em âmbito nacional
onde não somente a questão saúde esteve presente, mas também uma discussão da Seguridade
Social como um todo.
23
instalaram-se no seio das políticas sociais, e neste caso na política de saúde, dois
projetos oponentes: o privatista e o da Reforma Sanitária. Ambos tiveram reflexos
na atuação dos assistentes sociais, influenciaram suas práticas e o modo de pensá-las
teoricamente. O primeiro é radicalmente opositor não somente ao projeto da
Reforma Sanitária como ao projeto ético-político do Serviço Social, por requisitar
dos profissionais ações como: ‘seleção socioeconômica, atuação psicossocial por
meio de aconselhamento, ação fiscalizatória aos usuários dos planos de saúde,
assistencialismo através da ideologia do favor e predomínio de abordagens
individuais’.
E o segundo projeto apresenta como demandas para a atuação dos assistentes sociais a
busca pela democratização do acesso às unidades e aos serviços de saúde, “atendimento
humanizado, estratégias de interação da instituição de saúde com a realidade,
interdisciplinaridade, ênfase nas abordagens grupais, acesso democrático às informações e
estímulo à participação cidadã” (ASSUMPÇÃO, 2007, p.15).
Nota-se a importância do debate sobre o projeto ético-político do Serviço Social
brasileiro para o desenvolvimento da ação profissional, com vistas a construir as bases e
condições necessárias para que os Assistentes Sociais rompam com seu papel histórico de
complementação das ações de outros profissionais de saúde e enfrentem os desafios do
contexto atual, que estão na contramão da reprodução da ordem social capitalista (POLO;
PASTOR, 2006).
Existe ainda o desafio de romper com as práticas conservadoras, cabendo ao
profissional identificar, planejar e desenvolver ações que interfiram nos determinantes sociais
do processo saúde/doença e contribuir para ampliar e facilitar o acesso dos usuários aos seus
direitos. Cada vez mais as ações em saúde devem desenvolver-se numa perspectiva
interdisciplinar, com o fim de suprir as necessidades da população usuária através da
mediação entre seus interesses e a prestação de serviços. A estrutura dos serviços de atenção
à saúde não está centrada apenas sob o enfoque médico, mas nas diferentes intervenções cujas
práticas privilegiam a prevenção. A especialização da prática profissional no trabalho coletivo
na saúde, evidencia-se, não está na doença, mas no conjunto de variáveis que a determinam.
O profissional de saúde, ao atender o sujeito que chega a uma unidade de saúde,
motivado pela demanda, deve ter uma postura investigativa, aproveitar o encontro para atentar
para possíveis outras demandas que não as envolvidas naquela situação específica trazida, e
assegurar-se que os usuários têm as informações de que necessitam, privilegiando, portanto, a
assistência e a prevenção. É importante compreender que tanto assistência quanto prevenção
24
para sua formação. O aspecto comunicacional é abordado como pressuposto para a existência
do acolhimento.
Temos que refletir sobre como tem sido as nossas práticas nos diferentes momentos
de relação com os usuários [...] onde respondemos friamente ao usuário e onde nos
posicionamos, normalmente, de forma distante, sem produzir este acolhimento que é
direito de todos nós, usuários e cidadãos, e que nos parece fundamental como parte
do processo de criação do vínculo e do próprio processo terapêutico, que deve visar
a autonomização do usuário.
dos vínculos e dos compromissos em projetos de intervenções, que objetivam atuar sobre
necessidades em busca da produção de “algo” que possa representar a “conquista de controle
do sofrimento (enquanto doença) e/ou a produção da saúde”.
Além da questão conceitual, os autores têm discutido sobre o momento do
acolhimento, que pode ser considerado como uma prática inicial, a partir da entrada deste
usuário. Todavia, neste momento apenas não basta. O acolher deveria fazer parte de todos os
momentos em que este usuário permanece no sistema, sendo atendido numa unidade básica,
ou numa internação, por exemplo. O fato de apresentar-se num momento inicial não deveria
indicar sua prática apenas nessa fase da atenção, já que a relação com o trabalhador de saúde
ocorre em vários momentos da assistência que está sendo prestada, não poderia se restringir
também, apenas ao espaço e ao momento formal da recepção. Mas proliferar por todos os
encontros assistenciais que marcam a passagem de um usuário pelo serviço, estando
onipresente em todos os pontos da rede, já que pode ser entendido como uma tecnologia na
organização dos serviços de saúde (FRANCO, BUENO, MERHY, 2003).
O acolhimento pode ser cotidiano, pois no dia-a-dia, ações são desenvolvidas junto ao
usuário, seu entendimento como ser humano existe, e o acolhimento, para os seres humanos
pode ser sentido em qualquer momento do dia, em qualquer ação que se realize. Teixeira
(2003, p. 101-102), ao indagar qual o papel do acolhimento nas redes de conversações que se
formam a partir desta prática, afirma que,
[...]. Pode-se dizer que tem todos os lugares e o papel de tudo receber, tudo
interligar, tudo mover por esse espaço. É o elemento que, de certa forma, conecta
uma conversa à outra, interconecta os diferentes espaços de conversa. Em qualquer
encontro trabalhador-usuário, em qualquer de nossas conversas, não cessamos de
acolher novas possíveis demandas que, eventualmente, convidam o usuário a
frequentar outros espaços, a entreter outras conversas. Creditamos a uma dada
técnica de conversa ou de relação - designado acolhimento dialogado [...] a
competência em manter todos esses espaços interconectados, oferecendo aos
usuários as mais amplas possibilidades de trânsito pela rede. Nesse sentido, pode-se
dizer que esse dispositivo faz com que as diferentes atividades (diferentes
conversas) não apenas se articulem em rede, mas se constituam num autêntico
espaço coletivo de conversações.
Este fato perpassa pela sensibilização do profissional, pela compreensão de que seu
trabalho é realizado a partir e para um outro ser humano, e a finalidade é o bem-estar de outro
sujeito que necessita de uma atenção visível, cuja base possa estar fincada no princípio da
integralidade.
32
Uma proposta formulada por Mioto (2006) 9, o acolhimento busca atender a múltiplos
aspectos referentes ao atendimento prestado aos usuários. O primeiro diz respeito ao
atendimento à necessidade de saúde do usuário; o segundo é concernente à garantia do acesso
ao sistema de saúde, como um direito, cuja intervenção está voltada diretamente para o
usuário, no modelo assistencial usuário-centrada; e terceiro, contempla o estabelecimento de
vínculos entre os profissionais de saúde com o usuário, mas também o vínculo do usuário com
o serviço de saúde.
Outro tema importante dentro do debate acerca do Acolhimento, que vem sendo demonstrado
em relatos de experiências vivenciadas nas unidades de saúde, destaca a criação de vínculos
que ocorre no bojo da relação entre usuário e profissional. Sobre a criação de vínculo é que o
próximo item será desenvolvido.
de informar ao usuário sobre seus direitos enquanto cidadão, não apenas dentro do SUS, mas
como um indivíduo que possui direitos fundamentais, constitucionais, partícipe de uma
sociedade que tem na autonomia um de seus valores, ou seja, de informar sobre os direitos
civis, políticos, e de qualquer outra natureza que interfiram no cotidiano do usuário.
A partir do reconhecimento dessas particularidades, cabe ao profissional
instrumentalizar o usuário sobre o exercício de sua cidadania, dos direitos que possui
enquanto cidadão, bem como a forma de acessa-los. São direitos poucos conhecidos por
grande parte da população usuária, independente da classe social a que pertence. Direitos
como o garantido ao paciente portador do vírus da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
(AIDS), que ao receber o diagnóstico pode acessar o Fundo de Garantia por Tempo de
Serviço (FGTS) e retirar o dinheiro lá constante. Ou do paciente que possui doença cardíaca e
que têm direitos regulamentados por resoluções e portarias do CNS, tais como o direito à
medicação continuada disponibilizada gratuitamente pelas Unidades de Saúde, dentre vários
outros Enfim, são inúmeros exemplos de direitos que podem ser acessados a partir da
informação fornecida ao usuário, e que o Assistente Social é o profissional responsável em
veicular.
A possibilidade de inserção em políticas públicas depende, muitas vezes, da decisão
do profissional, em publicá-las e informar ao usuário de sua possibilidade de acesso. Políticas
que dizem respeito a geração de renda; a educação; a proteção da criança e do adolescente; a
habitação; a proteção de idosos, portadores de deficiências; da assistência e previdência social
que englobam o cotidiano dos usuários e que, por vezes, são violados em seus direitos pelo
fato de que não são informados, desconhecem sua existência e não são protegidos por elas.
Por isso, a informação, parte do processo socioeducativo, como uma rede de
conversações e diálogo (TEIXEIRA, 2003), é essencial no cotidiano do Serviço Social e uma
matéria prima de seu trabalho. Torna-se um dos diferenciais dentro da equipe de saúde por
conter em seu repertório de conhecimento específico a proteção social e as políticas públicas
que surgem como uma forma de redistribuição de recursos dentro de um país com
significativa desigualdade social. Políticas Sociais que por vezes podem ser consideradas
insuficientes e excessivamente seletivas, mas que se constituem em uma alternativa para que
o cidadão perceba a existência do Estado, numa perspectiva de redistribuição das riquezas
produzidas, do reconhecimento de seus direitos e que, de uma forma ou outra, alcança estes
cidadãos.
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vínculo consequentemente ocorre uma modificação das práticas adotadas pelos profissionais
da saúde, e a imagem-objetivo citada pelo autor que se refere, justamente, à uma
transformação da realidade, à uma indignação daquilo que existe na atualidade na perspectiva
de supera-las e modificá-las, imprimindo uma nova leitura e um novo fazer, na busca
incessante da realização de um sonho, de um objetivo que passa a se constituir em realidade.
No decorrer do processo no qual o acolhimento ocorre, é que são compreendidas e
explicitadas as demandas oriundas dos usuários. Isto ocorre nos diferentes níveis de atenção,
cada qual atentando para o atendimento de demandas e necessidades peculiares
correspondentes a cada nível, novamente para a garantia do acesso aos serviços.
Além disso, se o acolhimento busca proporcionar ao usuário sua inserção no sistema
de proteção social disponibilizada, possibilita a construção da interdisciplinaridade e da
intersetorialidade que concorre para a não fragmentação e não desarticulação do atendimento.
Na medida em que há a realização de um trabalho em conjunto com outros profissionais e a
disponibilização de diferentes serviços acionados, instituições não apenas de saúde participam
na prestação da assistência, mas também instituições das mais variadas áreas, buscando a
articulação da prestação de serviços. Ao analisar as possibilidades de inserção na rede de
proteção social, e consequente garantia de direitos, há uma leitura da necessidade do usuário
que vai além do atendimento restrito à saúde. Isso denota que a integralidade está presente no
processo do acolhimento, já que visa o atendimento da garantia do acesso às ações e serviços
de saúde, de assistência social, de previdência social e quaisquer outros que ofereçam
atendimento de acordo com a necessidade do usuário, entretanto sempre na perspectiva da
garantia desse acesso, à abertura dos serviços, à disponibilização dos recursos dos quais o
usuário necessita. Devido a estas particularidades, o Assistente Social, como um profissional
da saúde, pode ser também o profissional que constrói vínculos com seus usuários, e, por
meio disso pode oportunizar a qualificação dos serviços.
Diante dessas considerações é importante levantar dois pontos. O primeiro diz
respeito a ideia de que não se está tomando o acolhimento como uma ação aprisionada por
uma ideia de “humanização” vinculada ao “tratar bem”, a ideia de uma banalização da
relação entre os sujeitos, sem um caráter mais aprofundado na perspectiva do direito, da
reflexão do conceito de humanização. Mas apenas uma prática que contemple o usuário com
um serviço atencioso de hotelaria, com a ideia de que o usuário é um “coitadinho”. Esse
papel, sem esse conteúdo reflexivo, acaba por se tornar legítimo, na medida em que se torna
uma postura profissional e quando é assimilado pelo usuário. O Assistente Social necessita
estar na contramão desse processo e, por meio das ações socioeducativas, estar atento para a
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Face às relações sociais vigentes, em que as pessoas são tratadas como peças
anônimas da engrenagem de produção, a personificação de seu oposto - isto é, do
pessoal e do humanitário - é também capitalizada pelo poder, assumindo um papel
de relativa importância na consolidação de sua legitimidade. [Pois] o Assistente
Social [é] um técnico em relações humana por excelência [...]
Foi com a reforma sanitária brasileira e o projeto societário que a moveu que a
concepção de saúde como direito de todos conformou um arcabouço institucional - Sistema
Único de Saúde -, no bojo da luta pela redemocratização do país, a partir de fortes críticas ao
sistema nacional de saúde, às instituições e às práticas adotadas até então (MATTOS, 2001).
Firma-se então as ideias de universalidade, equidade, integralidade, descentralização,
participação popular, dentre outros princípios que compõem o SUS.
A integralidade, segundo Vasconcelos (2002, p. 81), adquire significação especial a
partir da proposta da Reforma Sanitária. Para a autora
[...] ações de saúde devem ser combinadas e voltadas, ao mesmo tempo, para a
prevenção e a cura. Os serviços de saúde devem funcionar atendendo o indivíduo
como um ser humano integral, submetido as mais diferentes situações da vida e de
trabalho, que levam a adoecer e a morrer. O indivíduo deve ser atendido como um
ser social, cidadão que biológica, psicológica e socialmente está sujeito a riscos de
vida. Dessa forma, o atendimento deve ser feito para a sua saúde e não só para as
suas doenças. Isso exige que o atendimento deve ser feito também para erradicar as
causas e diminuir os riscos, além de tratar os danos. Ou seja, é preciso garantir o
acesso às ações de: Promoção (que envolve ações também em outras áreas, como
habitação, meio ambiente, educação, etc.); Proteção (saneamento básico,
imunizações, ações coletivas e preventivas, vigilância a saúde e sanitária, etc.);
Recuperação (atendimento médio, tratamento e reabilitação para os doentes).
Outro conceito de integralidade é lançado por Pinheiro (2001), em uma das suas
publicações e em um dos seus sentidos, é compreendida como sendo uma ação social que
resulta da interação dos atores na relação entre demanda e oferta, em diferentes planos de
atenção à saúde, individual ou sistêmico, em que são considerados os aspectos subjetivos e
objetivos.
No entanto, Mattos (2001) considera que não se deve tentar cristalizar apenas um
conceito de integralidade, pois assim um de seus sentidos poderia ser abortado, silenciando
indignações dos atores sociais que lutaram conjuntamente com a Reforma Sanitária e buscam
construir a integralidade em suas práticas. Assume-se, todavia, que a integralidade está
imbuída de sentidos, que subsidiam reflexões acerca do tema. O debate sobre esses sentidos,
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fazem parte de uma gama de publicações sistematizadas por Pinheiro e Mattos (2001); Ferla e
Fagundes (2002), dentre outros autores.
Ferla, Ceccim & Pelegrini (2003) sugerem uma metodologia para a aplicação do
princípio da integralidade nas práticas dos profissionais da área da saúde. Entretanto, colocam
esta tarefa como um desafio para os gestores desta política, e afirmam que este desafio pode
ser desdobrado em três dimensões. A primeira dimensão, estaria ligada à capacidade das
políticas governamentais no ordenamento do sistema de saúde, propondo e fomentando um
sistema descentralizado, resolutivo, permeável a participação popular. A segunda dimensão
trataria da organização dos serviços de saúde ofertados, garantindo o acesso aos níveis de
atenção e suas tecnologias, tendo a finalidade de aumentar o grau de resolutividade. A
terceira, e última, dimensão diria respeito aos conhecimentos e às práticas dos trabalhadores
em saúde, cabendo-lhes o acolhimento e a capacidade de atendimento globalizado aos
usuários.
Observa-se, então, que a integralidade abarca um número significativo de conceitos,
que interligados proporcionariam a visão de totalidade do processo de saúde doença. Se
percebida desde o planejamento das políticas públicas de atenção à saúde, como preconiza a
primeira dimensão, tenderia a facilitar o desenvolvimento das ações, por estar intrínseco ao
sistema, aos serviços e às instituições de saúde, podendo tornar-se uma cultura institucional.
Desde a formulação, estaria em foco, a participação popular, por exemplo. Essa dimensão
corrobora na democratização do sistema de saúde e para que o público alvo também participe
de sua composição, o que afirmaria a atenção integral, já que seu usuário estaria efetivando
sua participação e focando suas necessidades reais de saúde.
Ao se garantir o acesso a todos os níveis de atenção, ao usuário estaria assegurado o
direito ao atendimento integral, desde o desenvolvimento de ações de prevenção e promoção
de saúde (por exemplo), em seu nível básico, efetuados junto à sua comunidade, à sua família,
como também, a garantia de acesso aos demais níveis de atendimento dispostos na
hierarquização do sistema de saúde. A integralidade permitiria a entrada até ao nível
quaternário, no qual se exige uma gama de equipamentos humanos e tecnológicos de alta
complexidade e especialização.
No tocante a terceira dimensão da integralidade, aponta-se para o aspecto mais
próximo do usuário, qual seja, outro ser humano: das relações entre usuários e profissionais
de saúde. A construção da integralidade depende dos profissionais, tanto quanto da elaboração
das políticas e do acesso aos serviços. Cabe aos profissionais a decisão de colocá-la em
prática, transforma-la em instrumento de trabalho cotidiano expresso no abandono de práticas
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fragmentárias e na adoção de práticas não apenas solidárias, mas que compreendam o usuário
na sua totalidade. Implica o acolhimento deste usuário e seu reconhecimento como um
cidadão, e não apenas por um corpo momentaneamente afetado por alguma patologia, mas por
emoções, por um meio social e cultural.
Estas práticas de intervenção utilizadas pelos profissionais de saúde, bem como a
maneira como estas ocorrem, também são alvo de preocupações atualmente. A indagação
proposta por Mattos (2001), coloca em questão a forma na qual a integralidade é expressa,
num contraponto entre: uma atitude adotada pelos profissionais versus uma marca da prática
dos profissionais. Afirma ainda, não ser um atributo apenas oriundo do conhecimento da
biomedicina, mas de todos os profissionais de saúde.
A noção de atitude pode trazer consigo, por um lado, uma ideia individualista, pois
as atitudes seriam atributos de indivíduos. O desenvolvimento de atitudes se faria
através de processos que também incidem sobre indivíduos. Mas nesse modo de
pensar sobra pouco espaço para a organização do trabalho de uma equipe de modo a
garantir a integralidade [...]. Com efeito, se é verdade que a postura dos profissionais
é algo fundamental para a integralidade, em muitas situações a integralidade só se
realizará com incorporação ou redefinições mais radicais da equipe de saúde e de
seus processos de trabalho (MATTOS, 2001, p. 51).
Esta forma de intervenção tem como alvo, o bem-estar do próprio usuário, uma vez
que é ele o beneficiado por ter suas demandas atendidas de forma adequada às suas
necessidades de saúde. O diagnóstico é realizado com distintos subsídios, já que há uma
integração de profissionais voltados para o mesmo objeto, ampliando o raio de compreensão.
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O princípio da integralidade deve estar presente nos quatro níveis de atenção em saúde
enunciados pela hierarquização do sistema de saúde, ou seja, considerando a proposta deste
trabalho, será abordada a integralidade no nível terciário, mais especificamente dentro dos
serviços hospitalares. Portanto, pergunta-se: como podemos observar o princípio da
integralidade no ambiente hospitalar?
Para Cecílio e Merhy (2003, p. 197), a integralidade na atenção hospitalar tem sua
significação.
Ainda para estes autores, tal princípio facilitaria o consumo de todas as tecnologias em
saúde que estão disponíveis para melhorar a qualidade de vida e seu prolongamento,
chegando até, a criação de um ambiente mais confortável e seguro para os usuários que
necessitem de hospitalização. A combinação das tecnologias leve, leve-dura e dura12 estaria
disponível para a junção de esforços, para que o paciente tenha o direito à atenção integral
atendido e também como ponto de partida para qualquer intervenção hospitalar.
Atualmente, torna-se cada vez mais comum nos hospitais o trabalho multiprofissional,
em que se agregam várias profissões trabalhando em conjunto. Vários profissionais são
responsáveis pelo cuidado destinados aos usuários que estão sendo atendidos no hospital. Este
fato vem ganhando campo para discussão, dentro da proposição de uma nova forma de gestão
hospitalar uma vez que, [...] a maior ou menor integralidade da atenção recebida resulta, em
boa medida, da forma como se articulam as práticas dos trabalhadores do hospital
(CECÍLIO e MERHY, 2003, p. 198). Ainda sobre a atuação dos trabalhadores em saúde, é
importante lembrar que,
Esta instituição de saúde acaba por se tornar uma referência para o usuário que a
procura, principalmente por compreender que os casos de maior complexidade são atendidos
no hospital. Portanto, este seria um local ideal para o cumprimento da referência e contra
referência13, para que o usuário acesse todos os níveis de atenção, articuladamente,
integralmente, respeitando a racionalidade do sistema.
Os autores citados, defendem a ideia de que o hospital é uma referência, até para os
casos que não são de urgência (os quais deveriam ser atendidas nas Unidades de Saúde da
atenção básica) pelo simples fato de desejarem um atendimento baseado no princípio da
integralidade. Ou seja, os usuários elegeram, por si próprios, a integralidade como uma
prioridade, como um direito que lhe é benéfico e adequado às suas necessidades. O usuário
próprio mostra-se exausto quanto ao tipo de atendimento que está acostumado, às
O esforço volta-se para realizar um trabalho que zele pela qualidade dos serviços
prestados e pela abrangência no seu acesso, o que supõe a difusão de informações
quanto aos direitos sociais e os meios de sua viabilização.
Sabe-se que o assistente social dispõe de relativo poder de interferência na
formulação e/ou implementação de critérios técnico-sociais que regem o acesso aos
usuários aos serviços prestados pelas instituições e organizações sociais públicas e
privadas. Trata-se de envidar esforços para assegurar a universalidade e ao acesso
e/ou a ampliação de sua abrangência, resistindo profissionalmente, tanto quanto
possível, à imposição de critérios rigorosos de seletividade.
50
Quanto à qualidade destes serviços [sociais], o Código [de Ética] traz algumas
inovações que mostram seu avanço em face de questões por nós evidenciadas: o
pluralismo e a recusa do preconceito e da discriminação. Ao se manifestar a favor
da eliminação de todas as formas de preconceito, incentivando o respeito à
diversidade, à participação de grupos socialmente discriminados e à discussão das
diferenças no exercício profissional [...] (BARROCO, 2003, p. 205).
A partir deste capítulo será apresentado concomitante aos dados coletados do estudo,
alguns apontamentos extraídos da entrevista realizada com um profissional de Serviço Social
inserido na UBS de Mesquita/RJ. A entrevista ocorreu no mês de Agosto de 2015 e com o
consentimento do profissional, esta foi gravada para posterior transcrição, interpretação e
16 Lei 8.080 Art. 1º Esta lei regula, em todo o território nacional, as ações e serviços de saúde, executados
isolada ou conjuntamente, em caráter permanente ou eventual, por pessoas naturais ou jurídicas de direito
público ou privado (CF, 1988, p. s/p).
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caso entrevista, será pontuada ao longo das reflexões elaboradas no presente, para tornar
consistentes as argumentações da autora.
das condições de vida e de trabalho” (CFESS, 2011, p. 183), os próprios profissionais que são
frente das propostas de ampliação e efetivação do conceito ampliado de saúde, deveriam levar
em consideração que pertencem a este ciclo da sociedade capitalista, são a classe trabalhadora
e estão a mercê das mazelas que afetam todo profissional inserido na lógica capitalista,
principalmente envolvido com política pública que com frequência escancara a precarização
do trabalho, seja em carga horário, remuneração, sobrecarga diversas institucionais, portanto
suas condições de trabalho se tornam a longo e médio prazo degradantes para a própria saúde
do trabalhador.
Contudo, há de se considerar a importância da troca de saber e apoio para a
resolubilidade de problemas referentes à saúde, identificados no município pela UBS e
direcionados para as profissionais de Serviço Social como ampliação e fortalecimento da
Atenção Primária em Saúde.
Os dados a seguir 19, coletados no sistema Datasus, referem-se à rede local e aos
recursos materiais e humanos disponíveis em Mesquita.
Cirúrgico 23 0%
Clínico 29 76%
Obstétrico 8 0%
Pediátrico 11 55%
Outras especialidades 0 0%
Hospital-dia 0 0%
Infraestrutura 35 9%
Manutenção da vida 98 8%
Outros 56 13%
Estudos Socioeconômicos dos Municípios do Estado do Rio de Janeiro, Mesquita 2011, TCE RJ Tribunal de
Contas do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria-Geral de Planejamento.
(...) muita demanda para saúde mental, por exemplo, ou situação de idoso que mora
sozinho e não possui nenhuma rede de apoio e está em uma situação de início de
demência ou tem algo mais grave ainda que precisa de cuidados. Outras unidades de
saúde aparecem muitas situações de orientações de direitos e a questão de
vulnerabilidade social mesmo. Difícil acesso da casa, não possui nenhuma renda, ter
dificuldade de acesso a alguns serviços, enfim. (...) Orientação sobre direitos
trabalhistas, previdenciários, são situações que também aparecem. Situação de
violência contra criança e adolescente, as vezes contra idoso, aparecem bastante,
nossa articulação com conselho tutelar e com outros serviços de proteção (PSS).
O PSS também aponta que as ações do assistente social na UBS, são desenvolvidas a
partir das demandas encaminhadas pelos profissionais da Equipe de Saúde da Família, ou seja
da equipe que é porta de entrada do sistema referência para usuário e que compreende as
demandas territoriais de onde está inserido, que efetua o atendimento inicial com o usuário.
Em relação a rotina e agenda dos assistentes sociais, ressalta na entrevista, que
circulam muito entre as unidades de saúde, não estão todo o tempo com uma única equipe, na
mesma unidade de saúde. Assim acabam perdendo algumas demandas por não estar em
determinado local, dia, horário, porém o caderno da ABS número 39 do Ministério da Saúde
que é um dos norteadores das ações profissionais, não estabelece que o profissional esteja
constantemente em uma unidade, mas que circule entre as zonas de atendimento, priorizando
a estratégia de trabalho agendada em conjunto com as equipes em determinados atendimentos
as Áreas de Interesse Social (AIS).
Nogueira (2004) revela que no país ainda perpetuamos os aspectos da questão social,
reduzindo os padrões da proteção social, rompendo com perspectiva democrática, insistindo
na focalização das políticas públicas revelando o reducionismo a achatamento das conquistas.
A PSS aponta sobre o apoio matricial, revelando como busca manter uma agenda de reuniões
junto as equipes.
Este processo de trabalho em equipe multiprofissional se apresenta como novidade no
campo da saúde. Mas cabe ressaltar que sempre houve a interação de distintas áreas de saber
para a resolutividade dos processos de adoecimentos e saúde.
Uma dificuldade muito grande ainda é que muitas vezes as equipes são médicas
centradas. Com a ideia de que ainda é clínico, de que é médico, e as vezes tem
dificuldade de entender que aquela demanda é clínica. As vezes ela pode ter um
fundo ou uma causa social (...) algumas equipes, alguns profissionais, médicos,
enfermeiros, tem uma resistência muito grande ainda, eles acham que tem que
trabalhar com a clínica do que trabalhar com a causa (PSS).
20 Dessa forma, refere-se atualmente o controle social como um instrumento democrático de participação e de
integração institucionalizada e legítima da sociedade com a gestão da Administração pública, atuando com a
finalidade de avaliar e modificar metas, auxiliar a apontar deficiências e a buscar soluções de problemas
(ENPESS TEXTO, 2014 p.6.)
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Esse estímulo para com os usuários ressaltando a importante ação que é de levar a
informação desenvolvendo junto a sociedade um caráter de empoderamento dos sujeitos e
autonomia para reivindicarem seus direitos constituídos socialmente, por outro lado, sente-se
que estes profissionais talvez estejam inseridos em um ciclo que cerceia a mobilização
profissional perante as suas questões que envolvem o seu campo de trabalho e a forma como
está posta. Imobilizando-os para o grande movimento que é afirmar a profissão diante das
mazelas do sistema da sociedade capitalista, tendo em vista que sua intervenção junto aos
usuários é pontual e consiste no foco usuário em processo de adoecimento ou recuperação da
sua saúde integral, através da entrevista realizada observou-se a forte mobilização do
profissional para melhoria deste espaço.
Há, por parte dos cinco profissionais, um movimento que luta pela contratação de
mais profissionais, o que possibilitaria a prestação de serviço de maior qualidade e
resolutividade. Essas contratações, todavia, não ocorreram, pois, a gestão indica que
o Assistente Social é um profissional de alto custo, já que envolve o pagamento de
responsabilidade técnica (RT) (NIETSCH; DALPRÁ, 2014, s/p).
profissionais, buscando reivindicar também seus direitos como classe trabalhadora tendo
consciência que
Há muitos desafios a serem enfrentados. Como meta geral, é preciso alterar a cultura
política de nossa sociedade (civil e política), ainda fortemente marcada pelo
clientelismo, fisiologismo e por diversas formas de corrupção; reestruturar a cultura
administrativa de nossos órgãos públicos, ainda estruturados sobre os pilares da
burocracia e do corporativismo; contribuir para o fortalecimento de uma cultura
cidadã que respeite os direitos e os deveres dos indivíduos e das coletividades, pois a
cidadania predominante se restringe ao voto e é ainda marcada pelas heranças
coloniais da subserviência e do conformismo (GOHN, 2010, p. 356).
além da proteção a população e qualidade de vida, mas também busque reduzir a disparidade
do país. Sua relevância ampara-se na premissa de um Estado voltado para a população de
forma protetiva garantindo uns importantes direitos do cidadão, em proteção à vida e
subsistência.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
APÊNDICES
Título da Pesquisa:
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Assinatura do Participante Assinatura do Pesquisador
10. Diante das condições de trabalho do Serviço Social na UBS que atribuições
específicas você prioriza neste espaço?