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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO


CENTRO DE CIENCIAS SOCIAIS
FACULDADE DE SERVIÇO SOCIAL
DEPTº DE FUNDAMENTOS TEÓRICOS - PRÁTICOS DO SERVIÇO SOCIAL
DISCIPLINA: PROCESSO DE TRABALHO DO SERVIÇO SOCIAL IV
PROFESSOR: NEY LUIZ TEIXEIRA DE ALMEIDA
ALUNA: LIDIANE CARNEIRO
SEMESTRE: 2007/2
PERIODO: 7º
CAMPO DE ESTAGIO: AMBULATORIO DE PEDIATRIA - HUPE

ANÁLISE INSTITUCIONAL DA EXPERIÊNCIA DE ESTÁGIO SUPERVISIONADO

Rio de janeiro, dezembro / 2007


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Introdução

O presente trabalho tem por objetivo realizar uma análise institucional do campo onde
desenvolvo minha experiência de estagio supervisionado. Esta experiência é realizada no
Ambulatório de pediatria/HUPE e mais especificamente no Programa do Serviço Social na Atenção
à Criança com Necessidades Especiais de Saúde.
Para desenvolver melhor essa análise institucional será necessário dividir o trabalho em
dois momentos. Num primeiro momento demonstrarei como o trabalho coletivo está organizado
neste estabelecimento, apresentando como este se inscreve na rede de serviços sociais e quais
suas funções na prestação desses serviços em relação às políticas públicas.
Demonstrarei como está organizada a prestação dos serviços, e de que forma o Serviço
Social se inscreve nesta, a partir das funções e atividades desempenhadas pelos assistentes
sociais na sua rotina de trabalho. Assim como, a relação deste profissional com os demais
profissionais e serviços do ponto de vista da cooperação e da divisão social e técnica do trabalho,
já que este participa de um processo de trabalho coletivo. Apontarei também os processos pelo
qual é feita a caracterização da população usuária desses serviços.
No segundo momento do trabalho pretendo analisar a luz dos conceitos utilizados na
disciplina de Processos de Trabalho do Serviço Social IV, as dinâmicas das práticas e saberes
presentes nas relações e processos de trabalho coletivo e que se materializam neste campo de
estágio, além de estabelecer as conexões destas práticas e saberes institucionais com os
processos mais amplos de disputa societária em torno do fundo público, e conseqüentemente das
políticas públicas. Por fim apresentarei as forma pela qual as transformações no mundo do
trabalho e no âmbito do Estado vêm alterando a dinâmica do trabalho institucional.

A organização do Processo de Trabalho Coletivo no HUPE


e as suas relações com as mudanças no nível Macrossocietário

A constituição de 1988 significou um marco fundamental na redefinição das prioridades da


Política de Estado na área de saúde pública. Em seu artigo 196, a saúde é descrita com um direito
do todos e dever do Estado, “garantido mediante políticas sociais e econômicas, que visem à
redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal as ações e serviços para
a sua promoção, proteção e recuperação”.
A concepção Instituínte de saúde ampliada trazida pelo Sistema Único de Saúde (SUS)
tencionou a concepção instituída de saúde baseada na medicina curativa possibilitando assim, um
importante passo na mudança do modelo assistencial e na tradução das necessidades de saúde
da população brasileira.
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Esta concepção deu margem para construção de um modelo de atenção integral a saúde,
pautada em princípios jurídicos - legais asseguradores de práticas de saúde que respondam não
as relações de mercado, mas a Direitos Humanos. Tal concepção prevê a incorporação de ações
de proteção e recuperação da saúde como referenciais capazes de suprir as necessidades de
saúde do povo brasileiro.
É no bojo destas transformações, que o Hospital Universitário Pedro Ernesto amplia as
suas funções, e além de formar e treinar profissionais de saúde, já que um Hospital - Escola,
passa a ser caracterizado também como um pólo de referência tanto no que se refere à área de
pesquisas sobre doenças de alta complexidade, como também no desenvolvimento de tecnologias
que favoreçam a capacitação de recursos humanos que auxiliem no enfrentamento destas
patologias, constituindo-se assim, como um centro de descobertas e inovações no âmbito da
saúde, contribuindo para a melhoria da qualidade dos serviços oferecidos na área da saúde.
Desse modo, para que estas instituições se materializem elas necessitam de um espaço
físico, assim como também mobilizar equipamentos e os meios necessários para que os agentes
que dão concretude a estas instituições através das suas práticas e saberes possam desenvolver
suas atividades institucionais.
É a partir dessa dupla função e das relações que estas guardam com a arquitetura do
trabalho (Almeida, 1998:113) na sociedade capitalista, assim como sua articulação com o
processo de dominação social que o HUPE organiza os seus processos de trabalho coletivo. Estes
se estruturam através de diversas lógicas: por programas - no caso da pediatria; por
especialização – setor de pediatria; por especialidade profissional; por hierarquias profissionais –
médicos, residentes, estagiários; lógica burocrática e a lógica do ensino.
Dentro do HUPE, o ambulatório e a enfermaria de pediatria, se organizam através do
Programa de Atenção Integral a Saúde da Criança e tem como função desenvolver ações de
saúde na área infantil. Para prestar assistência a este público infantil, estes organizam seus
processos de trabalho coletivo através de uma equipe composta por médicos pediatras (staffs,
residentes e internos), e outras especialidades (cardiologia, pneumologia, reumatologia, urologia
etc), enfermeiros, assistentes sociais (staff e residentes), psicólogo, auxiliares de enfermagem,
nutricionista, fonoaudiólogo, recreadores, guardas e funcionários do serviço de limpeza.
Para além desta equipe que realiza o trabalho coletivo na atenção a criança, tem-se
também dentro do ambulatório, duas equipes multiprofissionais e regidas pela lógica da
especialização: Setor de Doenças infecto-parasitárias (DIP) que prioriza o atendimento as crianças
portadoras do vírus HIV/AIDS e o ambulatório da família que atende prioritariamente a crianças
exposta ou vitimas de situações de violência (conceito ampliado).
As enfermarias pediátricas são quatro: enfermaria geral, isolamento infantil, emergência
pediátrica e cirurgia pediátrica (CIPE).
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Quando se observa a divisão social e técnica do trabalho, tanto no ambulatório com na
enfermaria percebe-se que há uma sobreposição da instituição ensino sobre a instituição saúde já
que em ambos os setores os cargos de chefias apesar de serem desempenhados por um
profissional (staff), estes são controladas pelo professor responsável pela disciplina da pediatria.
Essas equipes que desenvolvem o trabalho coletivo na pediatria não possuem uma cultura de
avaliação e sistematização do trabalho realizado.
Apesar da Pediatria, de certa forma tentar centralizar todas as especialidades infantis no
ambulatório de pediatria, há algumas que não são incorporadas a esta. Isto pode ser explicado
pelo fato de que os médicos pediatras (agentes privilegiados dentro da instituição já que detém o
monopólio das práticas e saberes relacionadas a versão medicalizada da criança, esta legitimada
socialmente) querem controlar o fluxo das crianças atendidas pelo HUPE, partindo de uma
concepção de atenção integrada a criança. E na medida em que crianças entram no HUPE por
outra porta de entrada que não a pediatria tem-se uma fragmentação nessa atenção a criança.
Assim, fica visível a tensão entre o instituínte (médico especialista) e o instituído (médico pediatra),
já que este último, é o agente privilegiado quem detêm o monopólio do objeto institucional e
conseqüentemente das práticas e saberes inerentes a saúde da criança (objeto institucional), mas
que é tencionado permanentemente por estes agentes subordinados (médico especialista).
O fato de o HUPE ser um Hospital - Escola e ao mesmo tempo, exercer uma função dentro
da hierarquia da Política Nacional de Saúde, na qual representa um estabelecimento que oferece
serviços de saúde num nível de média e alta complexidade, (o que significa dizer que teoricamente
só deveriam ser tratadas neste espaço, doenças de alta complexidade) tem provocado algumas
distorções. Isto porque muitas das vezes se prioriza práticas e saberes ligados à instituição ensino
em detrimento das práticas e saberes mobilizados pela instituição saúde/assistência.
Neste caso, é a população usuária dos serviços de saúde quem fica prejudicada, já que
para realizar estas práticas e saberes ligados ao ensino, é necessário muitas das vezes reduzir ou
até mesmo suspender a oferta dos serviços oferecidos.
O assistente social, assim como todos os outros profissionais de saúde, se inscreve no
processo de trabalho coletivo organizado pelo HUPE, este, balizado na lógica de atenção
integrada a criança referendada tanto pela constituição de 1988, quanto pelo Estatuto da criança e
do Adolescente (ECA), rompendo assim com uma concepção de saúde baseada apenas na
ausência de doença, que foi predominante por muitas décadas.
Esta só foi rompida (pelo menos no que concerne a legislação social) através das lutas
sindicais e populares, principalmente, o movimento de Reforma Sanitária.
È neste contexto que segundo Iamamoto (1998):
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“(...) o assistente social é chamado a desempenhar sua
profissão em um processo de trabalho coletivo, organizado
dentro das condições sociais dadas, cujo produto, em suas
dimensões materiais e sociais, é fruto do trabalho combinado
ou cooperativo, que forja com o contributo especifico das
diversas especializações do trabalho. (...) o que não significa,
entretanto, desconhecer a existência de sua contribuição
técnico-profissional no resultado global do trabalho combinado”.

O Serviço Social dentro da lógica do serviço da pediatria, participa do processo de trabalho


coletivo sob a lógica de programa. Este denominado de Programa do Serviço Social na Atenção a
Criança com Necessidades Especiais de Saúde da criança que tem como objetivo a implantação
da atenção a assistência à criança e sua família no que tange a viabilização de direitos sociais
com a inclusão destes nos programas assistenciais que promovam o acesso e a construção do
processo de autonomização e cidadania, assim como a implementação do projeto docente-
assistencial. Estes objetivos estão balizados no perfil institucional, nas premissas básicas da
legislação e na implantação das políticas públicas.
O Serviço Social vem sofrendo algumas modificações na forma de organização do serviço
desde o inicio de 2007. Atualmente a equipe é composta por um staff, duas residentes e seis
bolsistas. A equipe realiza reuniões todas as quintas-feiras para discutir a organização do trabalho,
os atendimentos, pensar e avaliar os encaminhamentos que estão sendo dado aos casos, ou seja,
refletir sobre a atuação profissional. O serviço é prestado a partir de quatro frentes de intervenções
(Atenção à saúde da criança portadora de HIV/AIDS, Atenção à criança portadora de doenças
hematológicas, Atenção à criança portadora de necessidades especiais e Atenção à criança em
situação de violência) que antes eram projetos de intervenções.
Essas mudanças (instituínte dentro do trabalho coletivo desempenhado pela pediatria)
estão relacionadas a um processo de amadurecimento da supervisora e da própria equipe sobre a
forma como o serviço estava organizado. Onde se percebeu que para além das patologias de cada
usuário que procurava o serviço, o que o trazia de fato ao serviço social eram questões
relacionadas à pobreza e desorganização familiar, ou seja, não era especificamente por causa das
doenças específicas que estes usuários e suas famílias vinham até o serviço, mas pela falta de
condições materiais e imateriais de dar conta da sua atual condição de saúde.
Apesar dessas mudanças estarem restritas a organização interna do serviço, estas
rebatem significativamente na prática cotidiana, principalmente nas atividades desenvolvidas pelos
estagiários e nas funções desempenhadas pela supervisora. Isso porque sob a lógica dos projetos,
havia uma “rigidez” e uma “fragmentação” do serviço, onde os estagiários só tinham contato
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apenas com uma face do trabalho desenvolvido pelo Serviço Social na pediatria, e acabavam por
se “especializar” em um projeto específico vinculado a uma patologia especifica, no qual estavam
inseridos. Com a “extinção” dos projetos, há uma flexibilidade e rotatividade nos casos atendidos,
assim o estagiário tem contato com todas as expressões da questão social (esta recortada pelo
perfil institucional do HUPE) que aparecem no serviço.
Com relação ao serviço oferecido aos usuários e a relação dos profissionais do
serviço social com os demais profissionais não houve modificações. Isto porque o assistente social
não trabalha de forma isolada, tendo que está interligada a lógica de organização dos serviços das
demais especialidades médicas. Ou seja, o serviço social mudo sua lógica interna de atuação, no
entanto, a lógica de atuação da DIP (HIV/AIDS), da hematologia, e do ambulatório, continuam a
mesma, com dias específicos de atendimentos de cada especialidade, com o seu especialista de
referência de cada especialidade.
Desta forma, o assistente social (agente subordinado) nesta instituição (saúde), apesar de
ter uma relativa autonomia para fazer mudanças internas, não dispõe do controle sobre a
organização dos processos de trabalho mais gerais do qual participa, logo, é ele quem tem que se
adequar à lógica fragmentada de organização dos serviços médicos que está conectada a lógica
fragmentada e segmentada dos modelos assistenciais produzidos pelas políticas públicas
implantadas num contexto neoliberal.
Isto porque para Iamamoto (1998):

“(...) processo de trabalho em que se insere o Assistente


Social, não é por ele organizado e nem é exclusivamente um
processo de trabalho do assistente social, ainda que nele
participe de forma peculiar e com autonomia técnica”.

O acesso dos usuários da pediatria ao Serviço Social, se dá através de demandas internas,


ou seja, os médicos encaminham as famílias que trazem questões que estão para além das
questões estritamente médicas, ou seja, questões que estejam interferindo na relação
saúde/doença da criança atendida, como, falta de acesso a medicamentos, inserção em
reabilitação, pobreza extrema etc; através de demandas externas, neste caso as famílias vêm
encaminhadas de outros serviços da rede; através de demanda espontânea, famílias atendidas no
ambulatório e enfermaria que chegam espontaneamente ao serviço trazendo alguma questão e
demanda ampliada, nesta o assistente social vai até o usuário que está internado na enfermaria.
Com relação ao processo de caracterização da população usuária dos serviços de saúde
oferecidos no ambulatório e enfermaria de pediatria, não existe um processo coeso de
caracterização desse público, organizado pelos diversos profissionais que realizam o trabalho
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coletivo dentro deste estabelecimento. No entanto, de forma mais superficial, pode se dizer que a
dinâmica institucional, já nos diz um pouco sobre o perfil da população atendida, na medida em
que esta estabelece critérios de seleção que permitirão que a população em geral se torne
população-alvo. Isso está diretamente relacionada ao perfil institucional que focaliza sua atenção
num determinado público que possuem características compatíveis com aquelas demandadas pela
instituição.
No âmbito do Serviço Social, a caracterização da população é uma atividade constitutiva da
ação profissional previsto no Código de Ética dos Assistentes Sociais e que tem a ver com uma
dimensão teórica - metodológica, institucional, ética e política, já que este processo não é um
recurso neutro, ele carrega em si concepções de mundo e de sociedade e a partir desta, determina
formas de mensurar a realidade que estão conectados aos objetivos pelo qual se pretende
conhecer essa população atendida. Este processo de caracterização no campo de estágio
se concretiza em diversos momentos. O acolhimento (primeiro contato do assistente social com o
usuário) é uma forma de conhecê-lo de forma mais ampla, é o momento em que o usuário traz
alguma questão para o serviço, esta se encontra desarticulada de um contexto mais geral.
E na medida em que este usuário constrói um vinculo com o profissional do serviço social,
ele acaba entrando num processo de catarse que faz emergir diversas questões que não
necessariamente ele tinha consciência das mesmas e que não estavam presentes na primeira
demanda que o trouxe ao serviço. Neste sentido, cabe ao assistente social estar atento a essas
dimensões que atravessam toda trajetória desse usuário no serviço.
Muitas das vezes chegam ao serviço social, famílias que por estarem mergulhadas em
situações muito difíceis e complexas na relação saúde/doença necessitam de acompanhamento
social. Para dar prosseguimento neste acompanhamento, é realizada uma entrevista para
preenchimento de um prontuário social e que tem por objetivo entender melhor quais os
determinantes que estão interferindo na relação saúde/doença desse usuário, sejam eles de
ordem econômica, social, questão de valores morais, religiosos etc. Cabe ressaltar que nos
momentos em que se está conhecendo essa população atendida está também se mobilizando
valores e concepções de vida de ambos os lados que se cruzam ou não, que se modificam ou não
durante o atendimento, mas que é a partir dessa inter - relação que se pretende traçar juntamente
com o usuário um melhor plano de ação para atuar nas questões trazidas por este.
Neste sentido a caracterização não é somente uma pesquisa do perfil do público atendido,
é, ao mesmo tempo, uma pesquisa e uma intervenção, pois no momento em que se está
conhecendo, está também intervindo.
No ambulatório e enfermaria de pediatria apesar de se ter um processo de trabalho coletivo
que objetiva a realização de um trabalho integrado, a fim de prestar ao usuário um atendimento
integral, não é isso que acontece no cotidiano desses usuários. O que se tem visto, é um
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atendimento prestado de forma parcelada onde cada profissional desenvolve o seu trabalho
independentemente do outro, ou seja, sem considerar o usuário na sua totalidade.
Isto porque existem disputas internas entre esses agentes que dão concretude ao processo
de trabalho coletivo. Ou seja, existe uma tensão permanente entre o médico pediatra (agente
privilegiado) detentor do monopólio das práticas e saberes relacionados ao objeto institucional e
por isso mesmo é o regulador das ações sobre este e os agentes subordinados (outros
profissionais de saúde) que respondem por práticas e saberes instituíntes que interagem e
modificam o objeto institucional, logo podem provocar o seu alargamento.
Esse tencionamento é acirrado ainda mais, pelo fato do HUPE ser um Hospital – Escola,
onde há uma reflexão constante sobre essas práticas e saberes instituídos. Outro fator que
contribui para esse tencionamento constante dessas práticas e saberes é a grande rotatividade
dos seus agentes, além de ser este um estabelecimento que agrupa diversos agentes que
materializam diversas instituições (saúde, ensino superior, as diversas profissões que se fazem
presentes neste estabelecimento, religião etc) dada a complexidade dos serviços oferecidos. Estes
agentes possuem diferenciadas concepções de mundo e objetivos profissionais distintos que
podem vir a convergir ou não com os objetivos institucionais.
Essas disputas, não estão descoladas do movimento mais geral da sociedade, pelo
contrário, são exatamente nas práticas cotidianas desempenhadas nestas instituições,
principalmente estatais, que as disputas protagonizadas pelos diversos sujeitos coletivos no
âmbito societário se concretizam.
Assim segundo Iamamoto (1998):

“A prestação de serviços sociais pelo Estado (...) não


estão submetidos à razão do capital (que é privada, expressa
na busca incessante da lucratividade), Isto é, da lucratividade e
da rentabilidade do capital inicialmente investido. Mas, sim,
submetidos á razão do Estado, que é ”sociopolítica”, voltado
para a coletividade, para o atendimento de fins públicos, o que
não implica desconhecer que o Estado representa a
condensação de forças presente na sociedade, dispondo de um
nítido caráter de classe”.

Isto porque a Sociedade Capitalista é contraditória nas suas bases, onde ao mesmo tempo
em que ela constrói consensos em torno de projetos hegemônicos em favor do Capital na
sociedade, ela não consegue impedir o surgimento de movimentos de resistência, ou seja, contra-
hegemônicos, que estão relacionados com as lutas coletivas em torno de projetos sociais que
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pretendem construir uma sociedade mais justa e igualitária. Logo, esses movimentos de
hegemonia e contra-hegemonia protagonizados pelos diversos sujeitos coletivos presentes na
sociedade atravessam todas as instituições.
No atual contexto, umas das expressões dessa tensão presente na sociedade, são as
disputas no campo da saúde. De um lado se tem um projeto hegemônico (instituído) no campo da
saúde, de caráter privatista, ou seja, tem por objetivo mercantilizar a saúde tirando - a do campo
dos direitos sociais e do outro lado se têm um projeto de saúde contra-hegemônico (instituínte)
balizado nos princípios da reforma sanitária e que pretende fortalecer o Sistema Único de Saúde.
O Sistema Único de Saúde (SUS) é fruto de um processo histórico protagonizado pelo
movimento de Reforma Sanitária que se iniciou em plena ditadura militar e se consolidou na
Constituição Federal de 1988.
Segundo Costa, apesar do SUS ter sido uma conquista do movimento de Reforma
sanitária, este não conseguiu superar as contradições existentes no próprio sistema, como a
exclusão, a precariedade dos recursos, a qualidade e a quantidade quanto ao atendimento, a
burocratização e a ênfase na medicina curativa.
Para a autora, os modelos organizacionais desenvolvidos pelo SUS, em si, não têm o
poder de superar o atual quadro sanitário brasileiro, uma vez que é a pertinência do sistema em
relação às contradições econômicas, sociais e culturais de saúde da população usuária que
garante a efetividade ou o desvendamento das contradições do Sistema Público de Saúde.
Aliado a isso se verifica que apesar do SUS ainda não ter sido implementado na sua
totalidade, este já vem sofrendo um processo de desmonte devido ao quadro de crise econômica e
social sofrida pelo País decorrente das transformações que vem ocorrendo no mundo do trabalho,
assim como o avanço das forças políticas conservadoras no cenário político brasileiro, estas
calcadas no discurso neoliberal que exige mudanças no âmbito do Estado.
Deste modo para Costa:

“o processo coletivo de trabalho nos serviços de saúde define-


se a partir das condições históricas sob as quais a saúde se
desenvolveu no Brasil; das mudanças de natureza tecnológica,
organizacional e política que perpassam o Sistema Único de
Saúde; e das formas de cooperação vertical (divisão
sóciotécnica e institucional do trabalho) e horizontal (expansão
dos subsistemas de saúde) consubstanciadas na rede de
atividades, saberes e hierarquias, funções e especializações
profissionais(ibid, 1998: 39)”.
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Neste contexto, há uma ampliação do mercado de trabalho dos assistentes sociais. Isto
porque as contradições presentes no processo de racionalização/reorganização do SUS
(necessidades da população x conteúdo e a forma de organização desses serviços) têm exigido
uma expansão do espaço sócio - ocupacional do profissional de serviço social nesses espaços
implementadores da política de saúde, assim como um redimensionamento das atividades e
qualificações técnicas e políticas destes profissionais.
Para ocupar esses espaços e atender aos objetivos destes, segundo Costa o assistente
social precisa conhecer a:

“lógica de funcionamento do sistema de saúde (rede), a


dinâmica e a capacidade de atendimento de outras instituições
públicas e privadas que envolvam e/ou se apresentem como
um meio de viabilizar o atendimento das necessidades da
população e que extrapolam a capacidade de atendimento
exclusivo das instituições de saúde (ibid, 1998: 62)”.

Desta forma pode – se dizer que o assistente social, ao se inserir no processo coletivo de
trabalho nos serviços de saúde torna - se um agente de interação entre os diversos níveis do SUS
e entre estes e as demais políticas setoriais, ou seja, o seu principal produto é garantir a
integralidade das ações, mesmo que por vias tortuosas.
No entanto, Costa afirma que apesar do profissional de serviço social deter um razoável
volume de informação e um grande acúmulo de experiências, este não vem conseguindo imprimir
uma direção intelectual – no sentido gramsciano - ao seu trabalho, que lhe permita dar visibilidade
política e até administrativa ao conjunto de questões com as quais trabalha cotidianamente.
As mudanças em curso decorrentes das transformações que vem ocorrendo no mundo do
trabalho tem gerado uma queda significativa dos empregos formais e uma expansão das formas
flexibilizadas de trabalho (parcial temporária, terceirizadas etc).
Desta forma “a transferência de trabalhadores de uma dimensão para outra da economia
capitalista é também, portanto, a transferência de organização da prestação dos serviços sociais
de uma esfera pública para a filantrópica e caritativa” (Almeida & Alencar, 2001:103).
Assim “a combinação dos fatores componentes das formas de estruturação dos serviços
sociais, que caracterizam o Welfare State, por exemplo, ou no caso brasileiro, um paradigma de
Estado Assistencial não consolidado, é também deteriorado pelo igual processo de disputa do
fundo Publico” (idem, idem).
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Neste contexto, apesar das alterações nas funções do Estado, com a redução do seu papel
enquanto agente implementador de políticas públicas, este ainda é responsável por parcelas dos
serviços oferecidos à população, principalmente aquela que se encontra em situação de maior
vulnerabilidade social.
Mesmo estes serviços desempenhados no âmbito estatal passaram a ser regidos pela
lógica do mundo produtivo. Inevitavelmente, essas mudanças vêm rebatendo no trabalho
institucional desenvolvido em todos os estabelecimentos implementadores de políticas sociais,
como conseqüência disso, muitas das vezes, ocorre um não reconhecimento do direito à saúde
dos usuários em detrimento de normas institucionais.
Nos serviços de saúde mais especificamente há uma prevalência dos “mecanismos de
registro e quantificação da produtividade, privilegiando os atendimentos ambulatoriais e avaliando
a produtividade dos profissionais em função da quantidade de procedimentos realizados” (Costa,
1998: 70).
Percebe-se então que essas mudanças têm imputado aos serviços determinadas
racionalidades a fim de se obter o máximo de eficiência e eficácia, no entanto, a forma de
mensurar essa eficiência / eficácia está mais vinculada a uma razão quantitativa do que qualitativa.
Apesar do HUPE, possuir algumas particularidades que possivelmente minimizam os
impactos dessa lógica empresarial na prestação dos seus serviços, este não se encontra a
margem desse processo. No ambulatório de pediatria, por exemplo, existe um controle da
produtividade mensal dos seus profissionais, verifica-se ainda na enfermaria uma vinculação do
financiamento público aos procedimentos médicos realizados.
O Serviço Social também está submetido à lógica produtiva, já que existe um controle de
produtividade mensal dos atendimentos realizados. Desta forma percebe-se que a lógica
produtivista atravessa todo o processo de trabalho desenvolvido na pediatria.
Para Costa, essa nova estratégia de aferir a produtividade do trabalho tão cara à ideologia
da qualidade e produtividade, tem produzido sérios impactos na prática dos assistentes sociais.
Isto porque estas estratégias estão balizadas em primeiro lugar na transposição dos parâmetros
quantitativos de avaliação das práticas médicas curativas (consultas, intervenções, cirurgias etc)
para o conjunto das atividades da área da saúde, em segundo lugar, porque esse mapa da
produtividade não capta o “nomadismo dos usuários”, as “emergências sociais” e principalmente, o
reconhecimento das contradições universais e particulares da política de saúde. Também estão
excluídas da contabilidade da produtividade as condições de trabalho dos profissionais, assim
como os problemas relacionados à manutenção de equipamentos e disponibilização de
instrumentos adequados à realização de atividades.
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Assim sendo, fica evidente que ao submeter os serviços sociais à mesma lógica da
produção, está na verdade inserindo o mesmo na lógica do capital, ou seja, reduzindo as relações
sociais que se constroem nesses espaços em relações meramente mercantis.
Desta forma compreende-se que ao desconsiderar os processos de trabalho coletivo (em
geral desconhecido das estatísticas e mapas de produtividade) que viabilizam a materialização do
SUS, acabar por colocar em xeque um conjunto de atividades profissionais que de fato asseguram
o funcionamento rotineiro do sistema.
Diante do que foi exposto, fica evidente quão fundamental é o recurso da análise
institucional no trabalho do assistente social, já que este possibilita ao profissional de serviço social
estabelecer as relações entre o geral e o especifico, ou seja, a compreensão das formas como os
processos de disputas pela hegemonia que estão presentes na sociedade se inter-relacionam com
os processos de trabalho institucionais.

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