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O presente trabalho tem por objetivo realizar uma análise institucional do campo onde
desenvolvo minha experiência de estagio supervisionado. Esta experiência é realizada no
Ambulatório de pediatria/HUPE e mais especificamente no Programa do Serviço Social na Atenção
à Criança com Necessidades Especiais de Saúde.
Para desenvolver melhor essa análise institucional será necessário dividir o trabalho em
dois momentos. Num primeiro momento demonstrarei como o trabalho coletivo está organizado
neste estabelecimento, apresentando como este se inscreve na rede de serviços sociais e quais
suas funções na prestação desses serviços em relação às políticas públicas.
Demonstrarei como está organizada a prestação dos serviços, e de que forma o Serviço
Social se inscreve nesta, a partir das funções e atividades desempenhadas pelos assistentes
sociais na sua rotina de trabalho. Assim como, a relação deste profissional com os demais
profissionais e serviços do ponto de vista da cooperação e da divisão social e técnica do trabalho,
já que este participa de um processo de trabalho coletivo. Apontarei também os processos pelo
qual é feita a caracterização da população usuária desses serviços.
No segundo momento do trabalho pretendo analisar a luz dos conceitos utilizados na
disciplina de Processos de Trabalho do Serviço Social IV, as dinâmicas das práticas e saberes
presentes nas relações e processos de trabalho coletivo e que se materializam neste campo de
estágio, além de estabelecer as conexões destas práticas e saberes institucionais com os
processos mais amplos de disputa societária em torno do fundo público, e conseqüentemente das
políticas públicas. Por fim apresentarei as forma pela qual as transformações no mundo do
trabalho e no âmbito do Estado vêm alterando a dinâmica do trabalho institucional.
Isto porque a Sociedade Capitalista é contraditória nas suas bases, onde ao mesmo tempo
em que ela constrói consensos em torno de projetos hegemônicos em favor do Capital na
sociedade, ela não consegue impedir o surgimento de movimentos de resistência, ou seja, contra-
hegemônicos, que estão relacionados com as lutas coletivas em torno de projetos sociais que
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pretendem construir uma sociedade mais justa e igualitária. Logo, esses movimentos de
hegemonia e contra-hegemonia protagonizados pelos diversos sujeitos coletivos presentes na
sociedade atravessam todas as instituições.
No atual contexto, umas das expressões dessa tensão presente na sociedade, são as
disputas no campo da saúde. De um lado se tem um projeto hegemônico (instituído) no campo da
saúde, de caráter privatista, ou seja, tem por objetivo mercantilizar a saúde tirando - a do campo
dos direitos sociais e do outro lado se têm um projeto de saúde contra-hegemônico (instituínte)
balizado nos princípios da reforma sanitária e que pretende fortalecer o Sistema Único de Saúde.
O Sistema Único de Saúde (SUS) é fruto de um processo histórico protagonizado pelo
movimento de Reforma Sanitária que se iniciou em plena ditadura militar e se consolidou na
Constituição Federal de 1988.
Segundo Costa, apesar do SUS ter sido uma conquista do movimento de Reforma
sanitária, este não conseguiu superar as contradições existentes no próprio sistema, como a
exclusão, a precariedade dos recursos, a qualidade e a quantidade quanto ao atendimento, a
burocratização e a ênfase na medicina curativa.
Para a autora, os modelos organizacionais desenvolvidos pelo SUS, em si, não têm o
poder de superar o atual quadro sanitário brasileiro, uma vez que é a pertinência do sistema em
relação às contradições econômicas, sociais e culturais de saúde da população usuária que
garante a efetividade ou o desvendamento das contradições do Sistema Público de Saúde.
Aliado a isso se verifica que apesar do SUS ainda não ter sido implementado na sua
totalidade, este já vem sofrendo um processo de desmonte devido ao quadro de crise econômica e
social sofrida pelo País decorrente das transformações que vem ocorrendo no mundo do trabalho,
assim como o avanço das forças políticas conservadoras no cenário político brasileiro, estas
calcadas no discurso neoliberal que exige mudanças no âmbito do Estado.
Deste modo para Costa:
Neste contexto, há uma ampliação do mercado de trabalho dos assistentes sociais. Isto
porque as contradições presentes no processo de racionalização/reorganização do SUS
(necessidades da população x conteúdo e a forma de organização desses serviços) têm exigido
uma expansão do espaço sócio - ocupacional do profissional de serviço social nesses espaços
implementadores da política de saúde, assim como um redimensionamento das atividades e
qualificações técnicas e políticas destes profissionais.
Para ocupar esses espaços e atender aos objetivos destes, segundo Costa o assistente
social precisa conhecer a:
Desta forma pode – se dizer que o assistente social, ao se inserir no processo coletivo de
trabalho nos serviços de saúde torna - se um agente de interação entre os diversos níveis do SUS
e entre estes e as demais políticas setoriais, ou seja, o seu principal produto é garantir a
integralidade das ações, mesmo que por vias tortuosas.
No entanto, Costa afirma que apesar do profissional de serviço social deter um razoável
volume de informação e um grande acúmulo de experiências, este não vem conseguindo imprimir
uma direção intelectual – no sentido gramsciano - ao seu trabalho, que lhe permita dar visibilidade
política e até administrativa ao conjunto de questões com as quais trabalha cotidianamente.
As mudanças em curso decorrentes das transformações que vem ocorrendo no mundo do
trabalho tem gerado uma queda significativa dos empregos formais e uma expansão das formas
flexibilizadas de trabalho (parcial temporária, terceirizadas etc).
Desta forma “a transferência de trabalhadores de uma dimensão para outra da economia
capitalista é também, portanto, a transferência de organização da prestação dos serviços sociais
de uma esfera pública para a filantrópica e caritativa” (Almeida & Alencar, 2001:103).
Assim “a combinação dos fatores componentes das formas de estruturação dos serviços
sociais, que caracterizam o Welfare State, por exemplo, ou no caso brasileiro, um paradigma de
Estado Assistencial não consolidado, é também deteriorado pelo igual processo de disputa do
fundo Publico” (idem, idem).
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Neste contexto, apesar das alterações nas funções do Estado, com a redução do seu papel
enquanto agente implementador de políticas públicas, este ainda é responsável por parcelas dos
serviços oferecidos à população, principalmente aquela que se encontra em situação de maior
vulnerabilidade social.
Mesmo estes serviços desempenhados no âmbito estatal passaram a ser regidos pela
lógica do mundo produtivo. Inevitavelmente, essas mudanças vêm rebatendo no trabalho
institucional desenvolvido em todos os estabelecimentos implementadores de políticas sociais,
como conseqüência disso, muitas das vezes, ocorre um não reconhecimento do direito à saúde
dos usuários em detrimento de normas institucionais.
Nos serviços de saúde mais especificamente há uma prevalência dos “mecanismos de
registro e quantificação da produtividade, privilegiando os atendimentos ambulatoriais e avaliando
a produtividade dos profissionais em função da quantidade de procedimentos realizados” (Costa,
1998: 70).
Percebe-se então que essas mudanças têm imputado aos serviços determinadas
racionalidades a fim de se obter o máximo de eficiência e eficácia, no entanto, a forma de
mensurar essa eficiência / eficácia está mais vinculada a uma razão quantitativa do que qualitativa.
Apesar do HUPE, possuir algumas particularidades que possivelmente minimizam os
impactos dessa lógica empresarial na prestação dos seus serviços, este não se encontra a
margem desse processo. No ambulatório de pediatria, por exemplo, existe um controle da
produtividade mensal dos seus profissionais, verifica-se ainda na enfermaria uma vinculação do
financiamento público aos procedimentos médicos realizados.
O Serviço Social também está submetido à lógica produtiva, já que existe um controle de
produtividade mensal dos atendimentos realizados. Desta forma percebe-se que a lógica
produtivista atravessa todo o processo de trabalho desenvolvido na pediatria.
Para Costa, essa nova estratégia de aferir a produtividade do trabalho tão cara à ideologia
da qualidade e produtividade, tem produzido sérios impactos na prática dos assistentes sociais.
Isto porque estas estratégias estão balizadas em primeiro lugar na transposição dos parâmetros
quantitativos de avaliação das práticas médicas curativas (consultas, intervenções, cirurgias etc)
para o conjunto das atividades da área da saúde, em segundo lugar, porque esse mapa da
produtividade não capta o “nomadismo dos usuários”, as “emergências sociais” e principalmente, o
reconhecimento das contradições universais e particulares da política de saúde. Também estão
excluídas da contabilidade da produtividade as condições de trabalho dos profissionais, assim
como os problemas relacionados à manutenção de equipamentos e disponibilização de
instrumentos adequados à realização de atividades.
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Assim sendo, fica evidente que ao submeter os serviços sociais à mesma lógica da
produção, está na verdade inserindo o mesmo na lógica do capital, ou seja, reduzindo as relações
sociais que se constroem nesses espaços em relações meramente mercantis.
Desta forma compreende-se que ao desconsiderar os processos de trabalho coletivo (em
geral desconhecido das estatísticas e mapas de produtividade) que viabilizam a materialização do
SUS, acabar por colocar em xeque um conjunto de atividades profissionais que de fato asseguram
o funcionamento rotineiro do sistema.
Diante do que foi exposto, fica evidente quão fundamental é o recurso da análise
institucional no trabalho do assistente social, já que este possibilita ao profissional de serviço social
estabelecer as relações entre o geral e o especifico, ou seja, a compreensão das formas como os
processos de disputas pela hegemonia que estão presentes na sociedade se inter-relacionam com
os processos de trabalho institucionais.