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Serviço social na área da saúde e populações de rua com o discurso do

assistência social sanitarismo organizado por meio de


normas de higiene e cuidado com o
1 Introdução corpo”.
Esta aula tem como proposta fazer uma Também eram desenvolvidos trabalhos
reflexão em torno da questão das junto às comunidades por meio de
principais questões que perpassam a práticas educativas sobre procedimentos
intervenção profissional na área da de higiene aplicados à vida
saúde pública. privada realizados por meio de uma
2 Relação da área da saúde com o solução baseada em proporcionar acesso
assistente social à informação sobre o corpo humano e a
Como abordamos na aula anterior, a higiene do mesmo.
saúde é uma área que concentra o maior Incentivando o controle de natalidade, o
número de assistentes sociais, o que controle de doenças infantis, de higiene
explica o acúmulo de discussões, bucal, de saneamento para a criação das
estudos e ferramentas ao longo da primeiras políticas urbanas de saúde.
trajetória histórica da profissão.
E estas discussões precisam ser Atenção
compreendidas a partir da reforma Esse era um trabalho que se mostrava
sanitária e da implantação do Sistema necessário a um país sem escolaridade,
Único de Saúde - SUS. com grande parte da população em
E quais são os fundamentos dessa condição de miséria e revelando
união? desconhecimento sobre o próprio corpo.
Inicialmente a intervenção profissional 3 Intervenção do assistente social
nesta área de atuação fundamentou-se Observa-se que o Serviço Social de caso
e as abordagens individuais para a saúde
no funcionalismo e estruturalismo.
pública assumiram grande significado
neste momento.
As demandas pela atuação profissional
Como destaca Sodré (2010, p. 455): se davam em função da necessidade de
“No campo da saúde pública, foi o intervenção do assistente social nas
momento das grandes instituições políticas de reprodução social.
centralizadas e verticalizadas em uma Trazia ainda o reconhecimento de que a
estrutura única de poder. A construção saúde possuía seus determinantes
de um Estado forte e presente um sociais, mas também a afirmação que
momento das grandes instituições muitos desses determinantes eram
centralizadas e verticalizadas em uma tratados isoladamente.
única estrutura de pode. A construção Isso caracterizou uma ação maciça de
de um Estado forte e presente por meio atendimentos de “casos sociais” —
do fomento às políticas sociais fez quase um contrassenso (Sodré, 2010).
determinar a criação da saúde pública.
A própria terminologia ‘saúde pública’
refere-se á formação de uma política
estatal, portanto pública no seu sentido
de ser atrelada ao Estado”.
Acrescenta o autor:
“É um momento em que se observava a
inserção maciça dos profissionais nos
grandes hospitais, o trabalho muitas
vezes higienista de retirada das Assim, o atendimento de caso nas
grandes instituições foi ampliado, lado a
um excesso de demandas com o qual o Estado protetor que nunca conhecemos
assistente social teve de se deparar. através do fordismo na saúde pública.
Neste contexto do que a autor
4 Desvantagens da sistematização denominou como a criação da saúde-
A prática da sistematização se perdeu fábrica originou também os cartéis de
em muitas instituições devido ao grande terceirização nos serviços de saúde. É
contingente de pessoas atendidas. um momento em que podemos
“O grande hospital traz consigo a gestão constatar:
do trabalho em um formato semelhante  A criação dos planos de saúde.
ao concebido dentro da grande fábrica.  A chegada decisiva de serviços
Atendimentos em massa, cirurgias em especializados de grande custo que
massa, internações contabilizadas pelo funcionam dentro dos hospitais públicos
seu gasto financeiro, leitos em série e de todo o Brasil marcaram esse modelo.
atendimentos sequenciais sem tempo de  Em hospitais universitários,
parada. Desta forma, aos poucos molda- filantrópicos ou mesmo hospitais de
se uma rotina também para aquele médio porte, tomou-se comum o
trabalho que não deveria ser surgimento de serviços de hemodiálise,
considerado rotineiro. O Serviço Social quimioterapia ou radioterapia,
criou e reproduziu normas institucionais fornecidos por equipes que detêm o
de forma mecanizada para todos aqueles controle sobre as máquinas.
que o procuravam. Mas como não ter  Um mesmo formato capitalista do início
um texto pronto se a proposta da sociedade burguesa: um grupo de
institucional é seriada, dividida por médicos detém as máquinas de
especialidades? Em cada clínica, radioterapia e por eles serem os donos
enfermaria ou ambulatório ‘apertam-se das máquinas, fornecem (dentro de um
parafusos´ em partes diferentes do serviço público) seus trabalhos
corpo humano”. (Sodré, p.457) altamente especializados, cobrando o
quanto querem pelo serviço e sendo
pagos pelo Estado.
SAIBA MAIS:
A inserção dos profissionais do Serviço
Este tipo de modelo acaba impedindo Social neste contexto gerou
que as equipes possam interagir, o que questionamentos resultantes na década
caracteriza os atores institucionais nesta de 1980, com influência na teoria social
área como profissionais crítica no debate profissional.
compartimentalizados, como se a vida 6 O lado positivo da representação da
fosse uma junção de conhecimentos saúde pelo Serviço Social
sobre o corpo humano. O Serviço Social confronta questões
5 Departamentalização da assistência ideológicas relacionadas a representação
Como ressaltar Sodré (2001) o da saúde pública como algo positivo,
“fordismo modernizador” trouxe ao como um bem comum.
campo da saúde, uma formação maciça “As políticas fordistas ao campo da
de profissionais que tratam a vida como saúde proporcionaram uma
partes contidas em um todo. Como? contraditoriedade: por um lado, um
Veremos agora! avanço no campo das conquistas pelas
A estrutura administrativa centralizada lutas sociais em criar, executar e
do grande hospital proporcionou a garantir as políticas sociais de saúde;
criação de um modelo de saúde-fábrica. por outro, no campo do Serviço Social,
Uma produção sem originalidade, criou “legitimidade” de um discurso
centrada em um discurso de defesa do “estatalista” que reforçava as políticas
fordistas intervencionistas como algo
legítimo, provedor de bem-estar para a A saúde coletiva desperta para o fato
sociedade. O discurso do Estado de que o motor do desenvolvimento das
provedor esteve presente em muitos políticas públicas são os movimentos de
meios acadêmicos, como se o Estado resistência, e não a modernização
não fosse porta-voz dos interesses de proposta por mais industrialização.
classe. Com certa opacidade, isso A nomenclatura “saúde coletiva” não
legitimou a entrada violenta do capital representa apenas uma mudança de
privado nos serviços públicos e a lógica terminologias, mas a incorporação de
privatista e privatizante de muitas questionamentos trazidos
dessas políticas (Sodré, 2010, p. 458)”. principalmente pelas lutas sociais.
Em relação à prática profissional, sob a Para a saúde, um campo empírico por
coerção deste modelo é o criado o excelência, o acúmulo já produzido pela
prontuário do usuário separado por reforma sanitária forneceu elementos
atuação profissional. suficientes para este entendimento.
Nesta situação o assistente social
visando resguardar o sigilo profissional
separar os seus documentos (laudos, SAIBA MAIS: Partindo desta mudança
relatórios) em lugares diferentes dos pode-se afirmar que a discussão sobre
demais profissionais. saúde coletiva implica num diálogo
“O modelo saúde-fábrica cria as bases entre o Estado e as lutas sociais. A
para a atuação pautada em um discurso industrialização perde seu protagonismo
moralizador, que trata a pobreza como para uma participação mais efetiva das
algo irreversível ou as instituições como lutas sociais nas políticas públicas
um âmbito da política pública em que voltadas para a saúde.
não há caminhos para mudanças. De 8 Programa Saúde da Família
forma ampliada, introjeta no campo da  Surgiu em meio aos
saúde pública a naturalização da questionamentos e embates sobre a
pobreza, despolitiza a miséria, lógica da produção fordista na área
realizando serviços pobres e práticas da saúde.
esvaziadas aos mais pobres. Gera um  Distanciou-se totalmente da
vazio de sentidos às instituições, aos produção “em série”, esta ocorre
profissionais e aos usuários, em um através das demandas. É o retorno
conformismo que reforça a banalização ao tratamento generalista, uma
da pobreza em todos os âmbitos da vida crítica ao médico especialista.
(Sodré, 2010, p. 460)”. “O debate que propunha menos
7 Da saúde pública ao conceito de operários que apertassem somente
saúde coletiva parafusos, mas inseria uma leitura de
As mudanças nos modelos de gestão da que as políticas de saúde são de fato
força de trabalho tiveram repercussões políticas sobre a vida, por isso não são
sobre a área saúde, como por exemplo, objeto de forma exclusiva a um único
o deslocamento entre as denominações saber profissional ou peça a ser trocada
de saúde pública e saúde coletiva. por um especialista. O discurso
A mudança de foco é viabilizada por científico pedia a ampliação do campo,
questionamento das políticas públicas alargava as bases de análise e a tomava
serem geradas unicamente pelo Estado multiprofissional de forma definitiva.
“parceiro” das empresas de saúde Com isso, passa a existir um
(equipamentos hospitalares, os cartéis chamamento ao discurso da participação
dos planos de saúde, a indústria de e da multiplicidade. Há ambiguidade no
medicamentos, dentre outros). discurso da humanização. Se por um
lado promove menos máquinas, menos
produção em série, menos fordismo na
saúde, por outro traz uma prática
extremamente alienante, tanto do ponto
de vista do profissional da saúde,
quanto para seu usuário. No campo
hospitalar, hoje, os usuários
caracterizam-se por pessoas doentes.
Não existem pessoas saudáveis em
busca de atendimento hospitalar. Neste
sentido, qualquer um desses
demandantes estão ali à espera de
qualquer profissional que lhe dê o
mínimo de atenção, de escuta ou mesmo Quais os desafios que são postos para o
uma ínfima informação. Assim assistente social frente a estas mudanças
compreende-se melhor a frase acima na área da saúde?
citada, ouvida de um profissional de O profissional é desafiado a extrapolar
saúde. Em situação extremamente os instrumentos relacionados às práticas
vulnerável, qualquer discurso de trabalho do modelo fundamentado na
profissional que contenha mínimas passividade e docilidade dos usuários
informações pode ser entendido como que demandam por serviço no campo da
humano” ao usuário (Ser.Soc.Soc, 2010, saúde.
p. 463)”. Apesar das novas demandas, o
Do ponto de vista do usuário, este profissional do Serviço Social continua
modelo pressupõe maior estímulo a se deparando situações em que tem que
participação em oposição ao modelo “apagar incêndios”. Falta de recursos,
fábrica – saúde que contava com a instituições para encaminhamento
compreensão e passividade. (fragilidade da rede de proteção social),
“O gestor humanizante é aquele que situações de extremos desgastes físicos
transmite informações, tenta não tratar e emocionais, relação como
de forma piramidal seus modos de gerir profissionais despreparados, ambientes
e que ainda atenda o usuário para se sem condições de trabalho, aumento de
tornar próximo a ele. Um modelo de demanda em detrimento dos recursos
trabalhador pressuposto pela hospitalares, condições inferiores de
acumulação flexível como participativo; administrar seu processo de trabalho no
aquele que além do trabalho feito com atendimento aos usuários.
as mãos, tão caro ao âmbito hospitalar, O trabalho do assistente social não se
é também requerido em seu espírito — esgota no plantão social. Não obstante,
sempre compreensivo e atento ao outro, não deixamos de ressaltar a importância
independentemente de suas condições do plantão como porta de entrada
de trabalho. Ou seja, uma evidência que (escuta, acolhida e orientação do
os níveis de exploração sobre o usuário). É essencial que a percepção
trabalhador da saúde atual chegaram ao que se tem do assistente social na área
extremo em suas formas de exploração da saúde não se limite a esta
(p. 464)”. intervenção.
O assistente social despreparado
continua a repetir que “apaga incêndios"
ou que somente resolve problemas nos
hospitais.
Mas quem não resolve problemas em
hospitais?
A instituição hospitalar colocou-se na Reflexão
modernidade como uma máquina de O que dizer da criação de um sistema de
resolver problemas de saúde. Todos no seguridade social mundial, como será
campo hospitalar atuam com a discutido em 2010 na primeira
finalidade de desenvolver estratégias conferência que será realizada no
para fazer viver, ampliar a sobrevida, Brasil? Como pensar uma política de
retirar a população que lhe demanda de saúde como vem sendo apregoada pelo
uma condição de sofrimento (que na Mercosul? Mais a seguir...
maior parte das vezes trata-se de um
sofrimento físico ou psicológico). A solução seria...
9 Objetivo do assistente social Uma política de Estados, e não de um
Ao assistente social que atua no campo Estado.
da saúde toma-se importante trazer à “O SUS, modelo brasileiro que nasceu
tona que talvez a saúde seja uma das das lutas sociais, tem servido de
políticas sociais que manifestam uma parâmetro para esse debate em toda a
diversidade enorme de demandas e América Latina. As respostas e as
necessidades da vida humana. Não é formas de resistência ao capital
possível realizar ações padronizadas em mundializado também têm sido
políticas públicas que atuem manifestadas de forma mundializada.
diretamente sobre a vida. Nessa tendência, identificamos
claramente os processos de trabalho dos
Atenção assistentes sociais como essenciais. A
Tomar a análise de Iamamoto (2007) contribuição do Serviço Social a este
representa repensar as ferramentas de momento histórico é distante de padrões
trabalho, seu objeto, mas principalmente fordistas de produção na gestão do seu
repensar o próprio trabalho do assistente trabalho, mas claramente pautada pela
social como potência, constituinte — sua primazia: produção de informação
um trabalho que trará à tona qualificada na era da produção do
manifestações da questão social que se acesso. Proporcionar o ter direito aos
conectam na sua dimensão micro e direitos e, assim, concretizar a
macropolítica na rotina de atuação desse democracia (Sodré, 474)”.
profissional. Mesmo o trabalho do
assistente social, sob a égide de um
capital financiado, traz as repercussões
disso.

A atuação deste profissional não é


deslocada das bases sociais que a
sustentam.
Como destaca a autora, nesta fase de
acumulação “fetichizada” do capital, o
Serviço Social está sendo convidado a
pensar os Estados nacionais e suas
estratégias de reprodução que atingem
profundamente as políticas públicas,
entre elas as políticas sociais de saúde,
com complexas incidências na vida
humana e refrações que nos permitem
repensar as políticas públicas.

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