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GÊNERO e

SEXUALIDADE no
Sistema Prisional

MÓDULO 2
Garantias legais, recebimento
e procedimentos de custódia
de pessoas LGBTI+ presas
EXPEDIENTE

GOVERNO FEDERAL Revisão Textual


Supervisão: Evillyn Kjellin
Presidente da República Victor Rocha Freire Silva
Jair Messias Bolsonaro Vivianne Oliveira Rodrigues
Vice-Presidente da República
Design Instrucional
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Diretora-Geral do Departamento Penitenciário Nacional
Tânia Maria Matos Ferreira Fogaça Design Gráfico
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA Programação


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Coordenação de Produção Maycon Douglas da Silva
Francielli Schuelter
Apresentação
Coordenação de AVEA Áureo Mafra de Moraes
Andreia Mara Fiala
Conteúdo
Carlos Rodrigo Martins Dias

Todo o conteúdo do curso Gênero e Sexualidade no Sistema Prisional, do Departamento Penitenciário


Nacional, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, do Governo Federal - 2022, está licenciado sob a
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SUMÁRIO

Apresentação  05
Objetivos do módulo  05

Unidade 1: Dos dispositivos legais  07


1.1 O que diz a Constituição Federal?  07

1.2 O que diz a Declaração Internacional dos Direitos Humanos?  09

1.3 O que diz o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos?  10

1.4 O que dizem os Princípios de Yogyakarta?  10

1.5 O que diz a Lei de Execução Penal?  13

1.6 O que diz a Lei do Abuso de Autoridade?  13

Unidade 2: Do recebimento das pessoas LGBTI+ nas


unidades prisionais  15
2.1 Como receber pessoas lésbicas, bissexuais e gays  20

2.2 Como receber pessoas travestis e mulheres trans  24

2.3 Como receber homens trans  28

2.4 Como receber pessoas intersexuais  29

2.5 Da manutenção de cabelos, acesso a materiais e objetos  31

2.6 Da revista pessoal em pessoas LGBTI+  37


SUMÁRIO

2.7 Da revista pessoal em visitantes LGBTI+  39

Unidade 3: Do acesso às assistências  42


3.1 Da saúde da pessoa LGBTI+  42

3.2 Do acesso da pessoa LGBTI+ ao mundo do trabalho  47

3.3 Do acesso da pessoa LGBTI+ à educação  48

3.4 A assistência social à pessoa LGBTI+  49

3.5 A assistência religiosa à pessoa LGBTI+  51

Síntese do Módulo  52

Referências  54
GÊNERO E SEXUALIDADE
NO SISTEMA PRISIONAL

APRESENTAÇÃO

Olá, cursista!
No primeiro módulo do curso, discutimos conceitos que nos permitem
uma melhor compreensão das especificidades das pessoas LGBTI+.
Também vimos dados acerca da presença e da diversidade de pessoas
que se autodeclaram LGBTI+ no Sistema Prisional brasileiro.

Neste módulo, trataremos sobre a atenção específica às pessoas LGBTI+


em situação de prisão. Assim, abordaremos:

• as garantias legais;
• os procedimentos necessários para cuidados em saúde;
• o respeito ao nome social;
• o uso de itens específicos;
• a prevenção a violências.

Objetivos do módulo

• Apresentar o conteúdo dos principais dispositivos legais que embasam


a atenção específica às pessoas LGBTI+ presas.

• Esclarecer procedimentos de recebimento e de visita de pessoas


LGBTI+ em unidades prisionais.

• Abordar questões relacionadas à custódia de pessoas LGBTI+ presas:


saúde, educação, acesso ao mundo do trabalho, assistência social e
assistência religiosa.

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UNIDADE 1

Dos dispositivos legais


GÊNERO E SEXUALIDADE
NO SISTEMA PRISIONAL

1. DOS DISPOSITIVOS LEGAIS

Nesta unidade, trataremos dos principais dispositivos que norteiam a


atenção específica dada à população LGBTI+ presa.

Tais dispositivos ora tratam diretamente sobre a população LGBTI+ presa,


ora referem-se a toda a população que está sob seu “guarda-chuva”.

Seguindo essa via, citaremos a Constituição Brasileira, a Lei de Execução


Penal, a Declaração Internacional dos Direitos Humanos, o Pacto Inter-
nacional dos Direitos Civis e Políticos, os Princípios de Yogyakarta e a Lei
do Abuso de Autoridade.

1.1 O que diz a Constituição Federal?


A Constituição Federal (CF), também conhecida como Constituição
Cidadã, é a atual Carta Magna do Brasil. Lançada em 5 de outubro de
1988, serve de diretriz para criação das demais legislações em nosso país.

Foto: © [Appreciate] / Shutterstock.

A Constituição Cidadã, além de tratar da organização dos poderes e da


democracia, traz uma série de direitos fundamentais a todo cidadão
brasileiro e aos estrangeiros residentes no Brasil.

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Assim, a CF, de 1988, em seu art. 3º, inciso IV, expressa o seguinte:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Fede-


rativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;


II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desi-
gualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem,
raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discrimi-
nação. (BRASIL, 1988, grifos nossos).

Também, ainda com o fito de garantir a cidadania, a Constituição Federal


estabelece em seu art. 5º que:

"Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natu-


reza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade,
à segurança e à propriedade.” (BRASIL, 1988).

É importante conhecermos a Constituição Federal para entendermos os


direitos fundamentais do cidadão e a diretriz que ajudará na formulação
das demais legislações.

SAIBA MAIS

Acesse a Constituição Federal na íntegra, disponível em: http://


www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

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1.2 O que diz a Declaração Internacional dos Direitos Humanos?

Declaração Universal de Direitos Humanos.


Foto: Nações Unidas Brasil.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos diz em seu art. 2º que:

Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as


liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de
qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opi-
nião política ou de outra natureza, origem nacional ou social,
riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. (ONU, 1948,
grifos nossos).

É importante destacar que a Declaração, em seu art. 5º, é taxativa ao


reprovar a possibilidade de maus-tratos:

“Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo


cruel, desumano ou degradante.” (ONU, 1948).

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1.3 O que diz o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos?


O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos é um ato internacional,
promulgado em 6 de julho de 1992, por meio do Decreto nº 592, reco-
nhecendo não somente as liberdades civis e políticas, mas também os
direitos econômicos, sociais e culturais do ser humano.

Há de se destacar o que diz o seu artigo 17:

1. Ninguém poderá ser objeto de ingerências arbitrárias ou ilegais


em sua vida privada, em sua família, em seu domicílio ou em sua
correspondência, nem de ofensas ilegais às suas honra e reputação.
2. Toda pessoa terá direito à proteção da lei contra essas ingerên-
cias ou ofensas. (BRASIL, 1992).

1.4 O que dizem os Princípios de Yogyakarta?


Os Princípios de Yogyakarta tratam sobre a aplicação internacional de
direitos humanos em relação à orientação sexual e à identidade de gênero.

O Brasil é signatário dos Princípios de Yogyakarta. Por isso, é importante


conhecer, em especial, esse dispositivo para o caso específico do apri-
sionamento de pessoas LGBTI+.

Sobre o assunto, o Princípio número 9 diz que “Toda pessoa privada da


liberdade deve ser tratada com humanidade e com respeito pela digni-
dade inerente à pessoa humana. A orientação sexual e a identidade de
gênero são partes essenciais da dignidade de cada pessoa.” (CORRÊA;
MUNTARBHORN, 2006, p. 19).

Nesse sentido, de acordo com o documento, é dever dos estados:

a) Garantir que a detenção evite uma maior marginalização


das pessoas motivada pela orientação sexual ou identidade
de gênero, expondo-as a risco de violência, maus-tratos ou
abusos físicos, mentais ou sexuais;

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1.2 Estrutura do módulo


b) Fornecer acesso adequado à atenção médica e ao aconselha-
mento apropriado às necessidades das pessoas sob custódia,
Unidade reconhecendo qualquer
1 — Dos dispositivos necessidade especial relacionada à
legais
orientação sexual ou identidade de gênero, inclusive no que
1.1 O que
se diz a Constituição
refere Federal? acesso à informação e terapia
à saúde reprodutiva,
1.2 que de
diz HIV/aids
a Declaração Internacional
e acesso à terapiados Direitosou
hormonal Humanos?
outro tipo de
1.3 O que diz o assim
terapia, Pacto como
Internacional dos Direitos
a tratamentos Civis e Políticos?
de reassignação de sexo/
1.4 O que dizemquando
gênero, os Princípios
desejado;de Yogyakarta?
1.5 O que diz a Lei de Execução Penal?
1.6 O que diz a Lei dona
c) Assegurar, Abuso
medida de Autoridade?
do possível, que todos os detentos
e detentas participem de decisões relacionadas ao local de
Unidadedetenção adequado das
2 — Do recebimento à sua orientação
pessoas LGBTI+sexual e identidade
nas unidades prisionais
de gênero;
2.1 Como receber pessoas lésbicas, bissexuais e gays
2.2 Como receber pessoas
d) Implantar medidastravestis e mulheres
de proteção trans
para todos os presos e presas
2.3 Como receber homens
vulneráveis trans
à violência ou abuso por causa de sua orientação
2.4 Como receber
sexual, pessoasou
identidade intersexuais
expressão de gênero e assegurar, tanto
2.5 Da manutenção de cabelos, acesso
quanto seja razoavelmente a materiais
praticável, e objetos
que essas medidas de
2.6 Da revista
proteçãopessoal em pessoasmaior
não impliquem LGBTI+restrição a seus direitos do
2.7 Da revista pessoal
que aquelas queemjávisitantes
atingem aLGBTI+
população prisional em geral;

Unidade e)3Assegurar
— Dos procedimentos
que as visitasdeconjugais,
custódia onde são permitidas,
sejam concedidas na base de igualdade a todas as pessoas
3.1 Da saúde da pessoa
aprisionadas ouLGBTI+
detidas, independente do gênero de sua
3.2 Do acesso
parceiradaoupessoa LGBTI+ ao mundo do trabalho
parceiro;
3.3 Do acesso da pessoa LGBTI+ à educação
3.4 A assistência social àopessoa
f) Proporcionar LGBTI+
monitoramento independente das ins-
3.5 A assistência
talações dereligiosa à pessoa
detenção LGBTI+do Estado e também por
por parte
organizações não-governamentais, inclusive organizações
que trabalhem nas áreas de orientação sexual e identidade
de gênero; e

g) Implantar programas de treinamento e conscientização,


para o pessoal prisional e todas as outras pessoas do setor
público e privado que estão envolvidas com as instalações
prisionais, sobre os padrões internacionais de direitos humanos
e princípios de igualdade e não-discriminação, inclusive em
relação à orientação sexual e identidade de gênero. (CORRÊA;
MUNTARBHORN, 2006, p. 19).

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Não menos importante, o Princípio número 10 reprova de forma direta


qualquer atitude violenta contra a população LGBTI+ ao enunciar o que segue:

Toda pessoa tem o direito de não sofrer tortura e tratamento


ou castigo cruel, desumano ou degradante, inclusive por razões
relacionadas à sua orientação sexual ou identidade de gênero.

Os Estados deverão:

a) Tomar todas as medidas legislativas, administrativas e outras


medidas necessárias para evitar e proteger as pessoas de tor-
tura e tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante,
perpetrados por motivos relacionados à orientação sexual e
identidade de gênero da vítima, assim como o incitamento
a esses atos;

b) Tomar todas as medidas razoáveis para identificar as vítimas


de tortura e tratamento ou castigo cruel, desumano ou de-
gradante, perpetrados por motivos relacionados à orientação
sexual e identidade de gênero, oferecendo recursos jurídicos,
medidas corretivas e reparações e, quando for apropriado,
apoio médico e psicológico;

c) Implantar programas de treinamento e conscientização,


para a polícia, o pessoal prisional e todas as outras pessoas do
setor público e privado que estão em posição de perpetrar ou
evitar esses atos. (CORRÊA; MUNTARBHORN, 2006, p. 21).

O que fica evidente no que dizem os Princípios 9 e 10 é que as especi-


ficidades das pessoas LGBTI+ devem ser respeitadas.

Por isso, é tão necessário entender que para as pessoas LGBTI+


há procedimentos de custódia diferenciados dos demais presos
e presas; notadamente por ser necessário individualizar a pena,
conforme determina a Lei de Execução Penal.

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1.5 O que diz a Lei de Execução Penal?


A Lei n° 7.210, de 11 de julho de 1984, instituiu a Lei de Execução Penal
(LEP), que rege os principais aspectos relacionados à execução da pena.

Inclusive, a LEP é uma garantidora da dignidade da pessoa humana.


Neste quesito, é importante saber o teor do artigo 10:

Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado,


objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência
em sociedade.
Parágrafo único. A assistência estende-se ao egresso.

Art. 11. A assistência será:

I - material;
II - à saúde;
III - jurídica;
IV - educacional;
V - social;
VI - religiosa. (BRASIL, 1984).

1.6 O que diz a Lei do Abuso de Autoridade?


A Lei n° 13.869, também conhecida como Lei do Abuso de Autoridade,
define os crimes que os agentes públicos cometem no exercício de suas
funções. São aqueles crimes praticados pelos agentes públicos com fim
de prejudicar outra pessoa ou de beneficiar a si mesmo ou a um terceiro.

Nesse sentido, é fundamental o entendimento do art. 21, a fim de evitar


alocar pessoas LGBTI+ (em especial, a população trans) em contextos
em que possam estar mais vulneráveis a violências, inclusive a sexual.
O artigo 21 diz que é crime:

“Manter presos de ambos os sexos na mesma cela ou espaço


de confinamento: Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos,
e multa.” (BRASIL, 2019).

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UNIDADE 2

Do recebimento das pessoas


LGBTI+ nas unidades prisionais
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2. DO RECEBIMENTO DAS PESSOAS LGBTI+ NAS UNIDADES PRI-


SIONAIS

Nesta unidade, abordaremos as especificidades no recebimento de pessoas


LGBTI+ nas unidades prisionais. É indispensável reconhecer essas especifi-
cidades para que haja acolhimento adequado. Sem esse reconhecimento,
a individualização da pena fica comprometida e o risco de violência contra
a população LGBTI+, em especial contra a população trans, aumenta.

A abordagem dessas especificidades se dará sobretudo a partir de dois
documentos. O primeiro é a Nota Técnica nº 9/2020, produzido pela
Divisão de Atenção às Mulheres e Grupos Específicos do Departamento
Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça e Segurança Pública
(DEPEN), no qual o órgão recomenda que os estados tenham cautela
em alguns procedimentos de custódia em atenção à população LGBTI+.

O segundo é o documento técnico intitulado “LGBT nas Prisões do


Brasil: diagnóstico dos procedimentos institucionais e experiência de
encarceramento” (BRASIL, 2020), desenvolvido pelo Departamento de
Promoção dos Direitos de LGBT, pertencente ao Ministério da Mulher,
da Família e dos Direitos Humanos.

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Capa do Documento Técnico.


Fonte: BRASIL, 2020.

Esse documento traz à baila as vozes de pessoas presas e de servidores


prisionais. Os depoimentos que compõem este módulo do curso foram
extraídos desse diagnóstico. Os nomes das pessoas foram omitidos.

Para iniciarmos essa conversa, é importante falar sobre a porta de entrada


das unidades prisionais, em especial das unidades que funcionam como
triagem. É na triagem que a pessoa aguarda até ser definido para qual
unidade prisional será alocada a pessoa presa.

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A popular porta de entrada do sistema prisional (expressão dada ao mo-


mento de chegada das pessoas presas nas unidades prisionais), geralmente,
possui procedimentos bastante consolidados, os quais foram pautados
para recebimento de homens cisgênero heterossexuais (masculino héte-
ro). Nesse sentido, aponta-se como um dos procedimentos mais usuais
nas unidades prisionais de triagem: raspar a cabeça das pessoas presas.
Também, pode-se apontar o momento de preenchimento de fichas de
identificação da pessoa presa, a fim de colher dados de quem chega e de
divulgar as informações sobre as principais regras das unidades prisionais.

Por isso, esse início de conversa foca na atenção à necessidade de acontecer


a entrevista da pessoa presa, no sentido de identificar quem é o sujeito
que chega à unidade prisional, quais são suas demandas específicas e
como a administração poderá garantir sua segurança; definindo, no caso
das pessoas LGBTI+, a alocação adequada e, também, o respeito ao nome
social da pessoa presa.

QR CODE

Aponte a câmera do seu dispositivo móvel (smartphone ou tablet)


no QR Code ao lado para assistir ao vídeo sobre triagem nas uni-
dades prisionais, ou acesse o link: https://youtu.be/3R8HZRIxURQ.

Portanto, a equipe de triagem precisa entrevistar a pessoa presa a fim de


obter informações necessárias para a atenção específica à população LGBTI+.

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Na oportunidade de entrevista à pessoa presa, recomenda-se que seja


dito, em ordem, o que segue.

Entrevista

1
Nesta unidade prisional, há um espaço
garantido para quem é LGBTI+ com
intuito de garantir a sua segurança.

2
Você faz parte da população
LGBTI+? Como você se define:
lésbica, gay, bissexual, mulher trans,
travesti, homem trans?

3
Caso a pessoa presa seja mulher trans,
travesti, homem trans ou intersexual,
perguntar se possui nome social.

Caso se trate de uma pessoa trans ou intersexual que tenha nome so-
cial, inserir o nome no registro de admissão prisional, e, a partir deste
momento, sempre se referir à pessoa pelo nome social inserido no
formulário de admissão.

É necessário entender que este não é um apelido, mas sim um nome cujas
pessoas trans, travestis e intersexos possuem direito de uso, garantido
pelo Decreto Federal n° 8.727, de 28 de abril de 2016. É possível que
o nome social da pessoa presa não conste na Guia de Recolhimento à
Prisão; entretanto, a unidade prisional deve questionar a sua existência
com intuito de incluir no registro de admissão prisional.

Dificuldades encontradas pelas pessoas presas no que diz respeito ao


uso do nome social podem ser verificadas em depoimentos como o
seguinte, de um servidor do estado da Paraíba:

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DEPOIMENTO

Eu acho que o que falta é formação. Eles acham legal na questão


da segurança. “Legal que a gente separa e não coloca junto”.
Do nome social eles têm uma certa resistência. Quando chamam
pelo nome social geralmente é mais de forma jocosa. A maioria
dos agentes não têm noção da importância de um nome social.
Eles fazem o trabalho e brincam muito entre eles, entendem a
importância para a segurança, mas eles não entendem a im-
portância da ala pros direitos dessas pessoas. Por isso, falta
informação para os agentes. (BRASIL, 2020a, p. 79).

Entretanto, o mesmo documento técnico aponta para relatos de res-


peito ao uso do nome social por parte de servidores, no caso, do estado
de São Paulo:

DEPOIMENTO

Nós costumamos chamar o preso pelo nome. Se tem o preso João


passando, eu vou chamar ele de João. Se tiver o preso Alessandra
passando, e ela prefere ser chamada assim, eu vou chamar de
Alessandra. Não só eu, quanto todo o funcional está fazendo isso.
Não adianta que um preso que tem nome de registro Arnaldo e
que ele não se vê como Arnaldo eu chamar assim. Ele não vai me
dar atenção ou, se me der atenção, não vai ser na conduta que eu
espero que seja. Eu trabalho na simples maneira de tratar. Isso
não interfere na segurança, isso não interfere no nosso cotidiano,
mas isso traz paz ao preso. O preso estando em paz, nós também
mantemos uma tranquilidade aparente. [...] (BRASIL, 2020, p. 100).

Verificamos duas situações distintas sobre o mesmo assunto: o nome


social. O primeiro depoimento (servidor do estado da Paraíba) aponta para
a necessidade de capacitação e, ainda, cita que os servidores entendem a
importância da ala (pavilhão, raio, corredor, galeria) para questões ligadas
à segurança das pessoas LGBTI+, mas não necessariamente respeitam
o nome social das pessoas que o possuem. No segundo depoimento
(servidor do estado de São Paulo), é apontado o respeito ao nome social
e que isso não afeta em nada a segurança; ao contrário, ajuda a trazer
um ambiente mais tranquilo.

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2.1 Como receber pessoas lésbicas, bissexuais e gays


O recebimento de pessoas lésbicas, bissexuais e gays nas unidades
prisionais acontece da mesma maneira que das demais pessoas presas;
entretanto, no momento da triagem, deve ser oferecida a oportunidade
de alocação específica. A intenção dessa oferta é garantir a integridade
dessas pessoas, em especial, das pessoas presas em unidades masculinas.

Note que, ao oferecer o espaço específico, não há obrigatoriedade das


pessoas que se autodeclaram lésbicas, bissexuais e gays a aceitarem a
oferta. Trata-se de uma possibilidade que a administração penitenciária
oferece no sentido de garantia da integridade física da pessoa presa.

Para que essa oferta possa se realizar da melhor forma, a administração


prisional precisa estar atenta quanto às definições relacionadas a gênero
e sexualidade. Por exemplo, à concepção do que caracteriza um homem
gay — como já vimos no módulo 1, a homossexualidade se relaciona à
orientação sexual —: a pessoa gay é um homem cis ou trans que se sente
atraído por outros homens e que pode se relacionar sexualmente com
outros homens cis ou trans. Essa questão independe, portanto, da forma
pela qual esse homem expressa seu gênero (roupas, aparência, formas de
se expressar, trejeitos etc.). Nesse sentido, homens gays podem ter uma
expressão de gênero bastante masculina, “ostentando masculinidade”.

QR CODE

Aponte a câmera do seu dispositivo móvel (smartphone ou tablet)


no QR Code ao lado para assistir ao vídeo sobre oferta de alocação
específica, ou acesse o link: https://youtu.be/XDu2CgArf3I.

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O depoimento a seguir, de um homem gay preso no Mato Grosso do


Sul, aponta para a possível dificuldade do reconhecimento da homos-
sexualidade desses homens no sistema prisional:

DEPOIMENTO

Pra mim foi mais fácil porque eu já tenho engajamento no núcleo


LGBT e eu sou afeminado e uso maquiagem, tenho cabelo com-
prido, então fica mais nítido. Mas, realmente, pro gay masculino,
aquele gay que se passa como hétero, é mais difícil. Talvez mesmo
ele expondo a sexualidade, talvez o juiz não acate. A gente tem
casos de gente que passou muito tempo em alas evangélicas em
outros presídios até que conseguissem ser inseridos no projeto.
Que vieram de outras cadeias do interior, de outras comarcas.
De o magistrado de outro lugar não entender que uma figura
masculina é gay. Pra mim não foi nem um pouco porque eu
sou afeminado, cabelo comprido e tudo mais. Acredito que pra
quem tenham o perfil masculino, bem másculo, seja mais difícil.
(BRASIL, 2020, p. 42).

Considerando que a autodeclaração é o que baliza o atendimento es-


pecífico das pessoas LGBTI+, a expressão de gênero não deveria ser um
fator dificultante no reconhecimento de uma pessoa autodeclarada ho-
mossexual (lésbica ou gay) ou bissexual. A questão da orientação sexual
pode ser menos perceptível do que a transexualidade (pessoas trans) e
travestilidade (travestis).

Por isso, é importante que os servidores das unidades prisionais tenham


a noção das especificidades de todas as populações LGBTI+ para não
incorrer em alocar, por exemplo, uma pessoa gay em local de cometi-
mento de violências, em especial, sexuais.

MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 21


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Corroborando com o dito, segue o relato de um homem gay preso no


estado do Espírito Santo:

DEPOIMENTO

Eles souberam que eu era homossexual porque uma interna


[travesti] foi junto comigo e quando a gente chegou aqui per-
guntaram pra ela se ela queria ir pra cela e eu aproveitei e disse
que queria ir também. [...] Ela tem que identificar, a não ser que
seja uma travesti. Aí eles botam logo porque já bate o olho e vê,
né? Quando é um gay, faz mais o perfil masculino, tem que se
identificar. Isso também se ele vem de uma unidade que não seja
unidade de homossexual. (BRASIL, 2020, p. 83).

Ainda que a preocupação de cometimento de violências contra as mu-


lheres lésbicas presas seja menor do que aquela contra as pessoas presas
em unidades masculinas, é comum observar numa unidade prisional
feminina relacionamentos que se iniciam motivados pela busca de
proteção. Nesse sentido, selecionamos dois relatos de mulheres presas
no estado de Tocantins:

DEPOIMENTO

Eles não chegaram a perguntar se eu sou lésbica na triagem, até


por conta do meu estilo, né? Perguntaram se eu era fraccionada
[sic]. Negócio de LGBT ninguém me perguntou. [...] Quando eu
cheguei eu achei que ia ser diferente, mas eu me surpreendi. Foi
tratada super bem. Como não tem muita lésbica mesmo aqui aí
elas me trataram muito bem. (BRASIL, 2020a, p. 120).

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A boa receptividade é endossada por outra presa que diz:

DEPOIMENTO

Tem muita gente aqui que tem vergonha e não gosta de se expor.
Aqui não tem problema, a gente aceita a pessoa como ela for. Pra
falar a verdade o povo até gosta quando vem uma mulher que gosta
de outra mulher. Todo mundo respeita de todo jeito. Respeita as
mulheres, as sapatão. É que aqui a gente não chama de lésbica,
a gente chama de sapatão mesmo. (BRASIL, 2020a, p. 120).

Na página 92, do referido documento, também há um relato de uma


presa do estado do Rio de Janeiro, contando sobre o motivo de buscar
um relacionamento com outra mulher:

DEPOIMENTO

Quando eu me envolvi, foi por proteção. Mas hoje eu já vejo de outra


forma, a mulher, ela te respeita mais que um homem, ela é mais
carinhosa que um homem, ela não te agride como um homem.
Hoje já é outra coisa pra mim. (BRASIL, 2020a, p. 92).

Nem todas as mulheres lésbicas presas se autodeclaram no momento da


triagem ou na chegada a uma penitenciária. No cotidiano das unidades
prisionais, observa-se ser comum que o envolvimento entre duas mulheres
presas ocorra durante o cumprimento de pena, muitas vezes motivado
pelo abandono familiar ou por busca por proteção, ainda que a violência
contra lésbicas não seja um problema nas unidades prisionais femininas.

MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 23


GÊNERO E SEXUALIDADE
NO SISTEMA PRISIONAL

2.2 Como receber pessoas travestis e mulheres trans


Geralmente, as pessoas travestis e mulheres trans são alocadas em uni-
dades prisionais masculinas, contudo, é possível que haja cumprimento
de ordem judicial ou solicitação da pessoa presa à administração prisional
para que aconteça alocação em unidades femininas.

Um primeiro depoimento que destacamos sobre esse assunto é um


relato de uma presa travesti do estado do Paraná que diz o seguinte:

DEPOIMENTO

A questão da alteração do nome, a gente já conversou sobre isso.


Se a gente alterar o nome a gente corre o risco de ir para uma
prisão feminina. Eu prefiro mil vezes tirar minha cadeia no meio
dos meninos do que no presídio feminino. Eu lutei muito pra
chegar aqui. (BRASIL, 2020a, p. 35).

Na contramão do relato acima, houve também relato de outra travesti


da mesma unidade prisional se manifestando favorável à ida para uma
unidade prisional feminina:

DEPOIMENTO

Eu gostaria de ir para uma prisão feminina. Sei lá, acho que lá


eu seria tratada como mulher mesmo. As agentes mulheres têm
mais sensibilidade com as nossas questões. (BRASIL, 2020, p. 35).

MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 24


GÊNERO E SEXUALIDADE
NO SISTEMA PRISIONAL

Por isso, considerando as possibilidades de encaminhamento de travestis


e mulheres trans às unidades prisionais femininas ou masculinas, o DEPEN
se manifestou sobre o assunto por meio da Nota Técnica n° 9/2020, que
elenca uma série de responsabilidades do gestor prisional em relação a
este tema. Confira a seguir.

Responsabilidades do gestor prisional

1 perguntar o nome social da pessoa;

2 perguntar como a pessoa se identifica em


relação à identidade de gênero;

3
incluir o nome social da pessoa em
formulário e demais documentos
usados na unidade;

4
promover que todos(as) os(as)
agentes prisionais e demais
servidores(as) se reportem à pessoa
fazendo uso do nome social; e

alocar a pessoa em espaço de vivência

5
específico, separada do convívio dos demais
presos, se tiver sido encaminhada para unidade
masculina, ou das demais presas, se tiver sido
encaminhada para a unidade feminina.

Para tanto, é preciso dizer que travestis e mulheres trans são identida-
des diferentes. Entretanto, é comum que as próprias pessoas presas se
confundam ao escolher uma ou outra identidade de gênero. E é nesse
momento de porta de entrada à uma unidade prisional que é possível
dialogar sobre o assunto, com intuito de averiguar a identidade de gênero
da pessoa presa.

MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 25


GÊNERO E SEXUALIDADE
NO SISTEMA PRISIONAL

A título de exemplo, o estado do Rio Grande do Sul publicou portaria


conjunta (005/2021) entre a Secretaria de Administração Penitenciária
(SEAPEN) e a Superintendência dos Serviços Penitenciários (SUSEPE),
tratando dos procedimentos de custódia das pessoas LGBTI+. Na oportu-
nidade, foi incluído na portaria um anexo (texto modelo de declaração),
para a pessoa presa preencher conforme sua identidade de gênero:

DECLARAÇÃO DE
IDENTIDADE DE GÊNERO

Eu, ________________________________________________________(nome social),

civilmente registrado (a) como ______________________________________________

RG nº: ______________________, CPF nº: ______________________, domiciliado(a) à

______________________________________________________________________

DECLARO, que sou ☐ TRAVESTI ☐ HOMEM TRANS ☐ MULHER TRANS.

_______________________________, _____/_____/__________.

(Local e Data)

Assinatura do(a) declarante

SAIBA MAIS

Leia a portaria conjunta do estado do Rio Grande do Sul na


íntegra, disponível em: http://www.susepe.rs.gov.br/uplo-
ad/1625247939_1625233462_DOE%2002.pdf

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GÊNERO E SEXUALIDADE
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É preciso se atentar para o fato de que, para se autodeclarar mulher trans,


a pessoa não é obrigada a ter retificado seus documentos (trocado seu
nome de registro para o feminino) ou ter passado por procedimentos
médicos como a redesignação sexual.
Redesignação sexual
cirurgia que modifica PODCAST
o genital de forma a
readequá-lo ao gênero
A questão da identidade de gênero passa, principalmente, pela
com o qual a pessoa
se identifica. No senso maneira que a pessoa se percebe, como se identifica. Nem todas
comum, utiliza-se o termo as pessoas trans desejam realizar procedimentos cirúrgicos de
“cirurgia de mudança de readequação de seu corpo ao gênero com o qual se identificam.
sexo”, porém atualmente É possível também que a mulher trans ainda esteja em fila de es-
a comunidade médica pera para fazer o procedimento, tenha algum impeditivo de saúde
e ativistas LGBTI+
para realizá-lo ou até mesmo medo de se submeter a cirurgias.
consideram que este não
é o termo adequado.

Outra questão importante a ser mencionada é o que determina algu-


mas facções criminosas que agem no interior de unidades prisionais,
em especial, nas masculinas. Entre outras coisas ligadas ao universo
criminoso, é comum relatos de servidores e de pessoas LGBTI+ presas
de que a facção A ou B não aceita o convívio com quem não é hétero
ou cisgênero. Há, por isso, forte perigo de cometimento de violência caso
a administração prisional não se atente quanto aos procedimentos de
porta de entrada das unidades prisionais e não acompanhe o dia a dia
das pessoas LGBTI+ presas.

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GÊNERO E SEXUALIDADE
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Segue o relato de uma travesti presa do estado do Paraná:

DEPOIMENTO

O preso passa pelo distrito e vai pro Centro de Triagem 2 em


Piraquara. Da outra vez que eu fui condenada eles me levaram
direto para a máxima. Lá eles não tinham esse cuidado. Pelo
regime deles a gente corta o cabelo e se mistura com os outros.
Eu passei por isso. Cheguei de cabelo comprido e passei pela
situação de ter que cortar o cabelo e ter que ficar no meio dos
homens. Mas a gente já sabia que aqui existia uma cela LGBT
que eu poderia vir e pagar a minha pena. Eu fiquei nove meses
tentando vir pra cá. O que facilitou que tem uma lei no crime que
não permite mais que a gente fique no meio dos meninos. Uma
lei do crime, interna aqui. Daí na máxima eu fiquei no seguro.
Eu era a única travesti. Daí depois de pedir muito eu consegui
vir aqui. (BRASIL, 2020a, p. 34-35).

O relato acima trata — para além dos procedimentos de porta de entrada


— sobre o que a “lei do crime” dita em relação ao contato com as pessoas
LGBTI+ nas prisões. É comum esse tipo de comportamento por parte dos
presos faccionados — mais um motivo para a administração prisional se
preocupar em proteger a população LGBTI+ de violências.

2.3 Como receber homens trans


De maneira parecida com as questões que envolvem as travestis e mulheres
trans, os homens trans podem ou não ter realizado procedimentos médicos,
como a cirurgia de redesignação sexual e a mastectomia masculinizadora,
Mastectomia assim como a retificação de documentos (mudança de nome feminino
masculinizadora para o masculino).
cirurgia de retirada das
mamas, em homens trans,
Via de regra, os homens trans são alocados em unidades femininas —
para que o tórax fique
adequado ao gênero de ainda que tenham redesignado seu sexo e retificado seus documentos
identificação. — para garantia da integridade física, da sua própria segurança. Garantir
a segurança de um homem trans em uma unidade masculina é tarefa
muito difícil. Afinal, como garantir sua alocação separado dos demais
presos diante de um cenário de superpopulação prisional?

MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 28


GÊNERO E SEXUALIDADE
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Assim, para fins de recebimento de homens trans presos (geralmente em


unidades femininas), é de responsabilidade da direção prisional observar
o que segue, de acordo com a Nota Técnica nº 9/2020.

Responsabilidades do gestor prisional

1 perguntar o nome social da pessoa;

2 perguntar como a pessoa se identifica em


relação à identidade de gênero;

3
incluir o nome social da pessoa em
formulário e demais documentos
usados na unidade;

4
promover que todos(as) os(as)
agentes prisionais e demais
servidores(as) se reportem à pessoa
fazendo uso do nome social; e

alocar a pessoa em espaço de vivência

5
específico, separada do convívio dos demais
presos, se tiver sido encaminhada para unidade
masculina, ou das demais presas, se tiver sido
encaminhada para a unidade feminina.

2.4 Como receber pessoas intersexuais


Considerando o que já tratamos sobre a intersexualidade, é possível que
uma pessoa intersexo (cujas estruturas biológicas – como genital, órgão
reprodutor, hormônios e/ou padrão cromossômico – não são típicas do sexo
masculino nem do feminino) seja direcionada a uma unidade masculina
ou feminina. A decisão sobre este direcionamento ocorre de acordo com
a vontade pessoa presa — autorizada pela Comissão Técnica de Classifi-
cação — ou para o cumprimento de ordem judicial.

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GÊNERO E SEXUALIDADE
NO SISTEMA PRISIONAL

Para as pessoas intersexuais, segundo a Nota Técnica nº 9/2020 do DEPEN,


é necessário ter a seguinte atenção, na responsabilidade da gestão prisional.

Como receber pessoas intersexuais

1 perguntar o nome social da pessoa;

2
incluir o nome social, se o tiver, da
pessoa em formulário e demais
documentos usados na unidade;

3
solicitar laudo atestando que as
características físicas, hormonais e
genéticas não permitem a
definição do sexo da pessoa como
masculino ou feminino;

não havendo possibilidade de apresentação


de laudo, garantir espaço específico,

4
separada do convívio dos demais presos, se
tiver sido encaminhada para unidade
masculina, ou das demais presas, se tiver
sido encaminhada para a unidade feminina,
até que seja providenciado documento; e

5
promover que todos(as) os(as) agentes
prisionais e demais servidores(as) se
reportem à pessoa fazendo uso do
nome social, se o tiver.

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GÊNERO E SEXUALIDADE
NO SISTEMA PRISIONAL

2.5 Da manutenção de cabelos, acesso a materiais e objetos


Ao dar importância para as especificidades das pessoas LGBTI+ presas,
faz-se necessário compreender que o tratamento deve ser de acordo
com suas orientações sexuais e, em especial, suas identidades de gênero,
independente se a unidade prisional é feminina ou masculina.

A Resolução Conjunta nº 1, de 15 de abril de 2014, menciona, em seu


art. 5º, o que segue:

À pessoa travesti ou transexual em privação de liberdade serão


facultados o uso de roupas femininas ou masculinas, conforme o
gênero, e a manutenção de cabelos compridos, se o tiver, garan-
tindo seus caracteres secundários de acordo com sua identidade
de gênero. (BRASIL, 2014, p. 2).

Diante do exposto, ressalta-se que os objetos e materiais ligados à iden-


tidade trans(roupas femininas, peças íntimas femininas, batom, pinça
etc.) não são desnecessários. As gestões prisionais podem se adequar
a esse atendimento, considerando as dificuldades de compreensão e
adequação dos procedimentos já consolidados, conforme o relato de
um policial penal do estado de Minas Gerais:

DEPOIMENTO

A gente só tem tomado cuidado pra não virar regalia. É um pú-


blico que a gente acaba permitindo coisas que não permite pros
héteros. Algumas coisas são diferentes. Escova de cabelo, essas
coisas mais pessoais, sabe? Coisas femininas, sabe? A gente acaba
abrindo um precedente. Só é difícil controlar isso. Quando nós
tínhamos um público feminino, quando essa cadeia inaugurou,
ela sempre teve mulheres. Então, nós nos aproximamos do que
as mulheres tinham de regalias. Questão de batom, esmalte,
alicate de unha, algumas coisas de cabelo, prancha de cabelo,
coisas que não tem pro público hétero. Quando o pavilhão era
feminino, tinha uma equipe maior feminina para cuidar do fe-
minino. Quando transformou o público feminino em LGBT, não
aumentou o número de agentes. Então, nós temos uma mão de
obra muito grande lá.

MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 31


GÊNERO E SEXUALIDADE
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A primeira coisa que acontece é não ter controle. Prancha de


cabelo, por exemplo, tem que ter o controle. Quando era o femi-
nino se tinha o controle. Não ficava na cela. E se ficava na cela
era aquela coisa controlada, entra em um horário e no final da
tarde sai. Tem a questão o público masculino que tem o machis-
mo… a homofobia, vamos tratar assim, você tem dificuldade de
selecionar funcionários. (BRASIL, 2020a, p. 88).

Constantemente, a palavra regalia aparece no vocabulário prisional;


contudo, as gestões prisionais precisam se esforçar no sentido de atuar
junto aos servidores para capacitação quanto às especificidades da po-
pulação LGBTI+; em especial, às demandas da população trans. Objetos
e materiais que fazem parte da identidade das pessoas trans não devem
ser vistas como regalias, mas como essenciais para suas identidades.

Materiais do “Dia de Beleza” para apenados LGBT.


Foto: Superintendência dos Serviços Penitenciários do Rio Grande do Sul.

MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 32


GÊNERO E SEXUALIDADE
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Ainda sobre o acesso a itens materiais que fazem parte da identidade das
pessoas trans, segue o relato de outro servidor do estado de Minas Gerais.

DEPOIMENTO

Tem muita gente que olha pra eles e vê essas coisas como regalia.
Isso gera um pouco de desconforto por parte dos agentes. Eles
ficam questionando se pode tudo e não pode tudo. Mas é difícil
conscientizar que tem uma diferença. [...] É mulheres cuidando
de mulheres. Os homens, nós agentes masculinos, não dávamos
nem palpite. O máximo que a gente fazia era de vez em quando
entrar pra dar um palpite pequeno. Eram mulheres cuidando
de mulheres. Elas entendem essas peculiaridades. No caso do
público trans é homem cuidando de mulher, entende? O pensa-
mento muda. O homem cuidando de homem, ele vê o preso como
homem. O guarda cuidando do preso LGBT, ele tem a dificuldade
de ver o preso como mulher. E eles tem peculiaridades que são
muito próximo de mulher. Quando o público LGBT chegou aqui
e caiu na minha mão eu não sabia o fazer, eu chamei uma agente
que já tinha trabalhado em uma unidade feminina e disse pra
ela que eu precisava que ela me ajudasse. No começo começou
pequeno e não era superlotado, ela me falou como funcionava
no feminino e a gente tentou aproximar. A verdade é que a gente
não consegue ter esse controle. Quanto tinha o feminino, tinham
uma equipe de 3, 4 agentes mulheres que ficavam lá com elas,
hoje a gente tem no máximo 1 gaiola. Cada setor tem um centro
de comando que monitora e controla a chave e o rádio. Tem um
agente que é fixo alí e todo pavilhão tem e tem os outros agentes
de apoio que entra e sai. (BRASIL, 2020a, p. 88).

Diante do exposto, percebem-se as dificuldades em executar procedi-


mentos de custódia que abarcam as especificidades de gênero oposto
da maioria do quantitativo de presos, no caso, o masculino cisgênero.

MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 33


GÊNERO E SEXUALIDADE
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Tão importante quanto o acesso a itens materiais é a manutenção de


cabelos compridos. Entretanto,

PODCAST

sabe-se que é muito comum o procedimento de corte de cabelos


das pessoas presas nas unidades masculinas e que essa ação tem
se estendido ao tratamento dado às mulheres trans e travestis,
mesmo em unidades prisionais que não seguem nenhum tipo
de manual de procedimentos padrão. Ou seja, mesmo não tendo
nenhum tipo de recomendação expressa.

A lógica do aprisionamento de mulheres trans, travestis e de


homens trans deve seguir a das regras da identidade de gênero
da pessoa presa. Por exemplo: ainda que uma mulher trans es-
teja presa em uma unidade masculina, o tratamento dado a ela
deve ser o mesmo que é oferecido às mulheres de uma unidade
feminina. Ao passo que os cabelos das mulheres das unidades
femininas não são cortados, os cabelos das mulheres trans e
travestis também precisam ser preservados.

MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 34


GÊNERO E SEXUALIDADE
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Assim, não se deve raspar os cabelos das mulheres trans e das travestis,
seja na triagem ou depois, seja numa unidade prisional masculina ou
numa feminina, seja cabelo natural ou não.

É dever da direção da unidade prisional atuar no sentido de preservar as


identidades e expressões de gênero, caso estejam ameaçadas por ser-
vidores ou por outras pessoas presas — como no caso relatado a seguir,
no depoimento de uma presa do estado da Paraíba:

DEPOIMENTO

Eu já rodei tudo que é presídio. Eu estava no sertão. Os dois ra-


pazes inventaram uma história pra cortar meu cabelo. Disseram
que as mulheres deles estavam com ciúme. Às vezes é verdade
mesmo. As mulheres têm ciúme da pessoa. Daí ele queria cortar
meu cabelo. Eu estava em outra cela. Daí eu disse “se for pra
cortar meu cabelo, eu prefiro ficar no isolado”. Alguns presos até
me apoiaram dizendo pra não cortar meu cabelo. Mas no outro
dia teve o banho de sol. Mas nesse tempo a cadeia [administra-
ção prisional] não sabia de nada. Aí eu desci lá e consegui falar
com eles. Eles foram nos presos e falam que ninguém ia cortar
meu cabelo porque só quem pode mexer nos presos é a cadeia.
Tem os que respeitam, tem os que gostam e os que não gostam.
(BRASIL, 2020a, p. 77).

No estado do Rio Grande do Norte, aconteceu algo parecido com o


último relato. Os cabelos de uma travesti foram preservados diante de
suposta lei que proíbe o corte de cabelos da população trans em situação
de prisão, conforme atesta seu relato, que segue:

DEPOIMENTO

Nessa aqui, eu cheguei da rua. Eu fui pra uma triagem que eles
não cortaram meu cabelo, porque eles disseram que tem uma
lei agora que não pode mais cortar cabelo de travesti. (BRASIL,
2020a, p. 71).

MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 35


GÊNERO E SEXUALIDADE
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Diante do exposto sobre a custódia de mulheres trans e travestis, o DE-


PEN já se manifestou, por meio da Nota Técnica nº 9/2020, afirmando
que a população trans presa tem os direitos a seguir.

Direitos da população trans presa

a vestimentas de acordo com sua


identificação de gênero (feminina);

à manutenção de seus
cabelos compridos, inclusive,
mega hair, desde que fixo;

pinças para extração de pêlos; e

produtos de maquiagem.

Do mesmo modo, tratado sobre as mulheres trans e travestis, aos ho-


mens trans cabe o tratamento que considere a possibilidade de acesso
a itens de acordo com a identidade de gênero: roupas masculinas, faixa
de compressão de mamas etc.

Às pessoas intersexo, também o acesso à manutenção de cabelos,


aos materiais e objetos deve se dar de acordo com o que a pessoa se
identifica e se autodeclara.

MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 36


GÊNERO E SEXUALIDADE
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2.6 Da revista pessoal em pessoas LGBTI+


É importante pontuar que a revista pessoal em lésbicas, gays e bissexuais
se dá assim como é realizada para o restante das pessoas presas. Contudo,
para as populações de travestis, de mulheres trans, de homens trans e
de intersexos, é preciso ter atenção bastante específica.

Por isso, para iniciar o assunto, remontamos ao que o DEPEN afirmou


por meio da Nota Técnica nº 9/2020:

"[...] Importante destacar a eficiência no uso do aparelho de scanner


corporal (aparelho moderno que faz uma varredura profunda detec-
tando substâncias ou objetos suspeitos) ou detectores de metais em
substituição às revistas íntimas, evitando eventuais constrangimentos
às pessoas travestis e transsexuais e aos servidores." (BRASIL, 2020b,
p. 6, grifos no original).

Portanto, é incentivado o uso de tecnologia para a revista pessoal na


população trans e nas travestis.

Abordar esse tema faz-se necessário pela existência de procedimentos


de revistas íntimas que são bastante consolidados nas unidades prisio-
nais. A presença de pessoas que não são cisgênero pode gerar questio-
namentos sobre quem deverá realizar a revista — um servidor ou uma
servidora prisional?

MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 37


GÊNERO E SEXUALIDADE
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Por isso, mais uma vez, recorremos ao recomendado na Nota Técnica


nº 9/2020:

Homens autoidentificados como gays

recomendação de que sejam revistados por servidor habilitado a fazer a revista.

Mulheres autoidentificadas como lésbicas

recomendação de que sejam revistadas por servidora habilitada a fazer a revista.

Travestis e mulheres trans que não realizaram procedimento de


redesignação sexual

• quando alocadas em unidades femininas, recomendação de que sejam


revistadas por 2 (duas) mulheres, seguindo as normas dispostas a todas
as demais presas;
• quando alocadas em unidades masculinas, poderão ser revistadas por
homens, caso não existam 2 (duas) servidoras habilitadas para o procedimento.

Homens trans

recomendação de que sejam revistados por 2 (duas) mulheres, seguindo as


normas dispostas a todas as mulheres presas.

Pessoas intersexo

• quando se identificam com o gênero masculino: recomedação de que


sejam revistadas por servidor habilitado;
• quando se identificam com o gênero feminino: recomendação de que
sejam revistadas por duas servidoras habilitadas.

A necessidade de tratar sobre a revista pessoal se dá em virtude das de-


cisões de Cortes Superiores do Brasil que demonstram preocupação com
a alocação da população prisional LGBTI+, em especial com as travestis
e as mulheres trans. Tal alocação pode gerar dúvidas em servidores de
unidades prisionais femininas sobre a execução dos procedimentos de
forma a não ferir a dignidade da pessoa humana, conforme observa-se
o relato da servidora a seguir:

MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 38


GÊNERO E SEXUALIDADE
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DEPOIMENTO

A resistência que a gente tinha maior aqui no início já foi sanada.


Nosso quadro de pessoal no presídio feminino de Teresina, a mé-
dia é de uns 60 anos de idade das agentes. É uma senhora de 60
anos fazendo uma vistoria num homem. Ele é homem, tem tudo
de um homem, o genital masculino. Agora já chegaram novas
agentes com preparo que passaram por uma escola diferente.
Nós hoje está sanado. A travesti em si aqui acabou que passou
a não se incomodar se é homem ou mulher fazendo a revista.
(BRASIL, 2020a, p. 69).

2.7 Da revista pessoal em visitantes LGBTI+


Na mesma linha utilizada sobre a revista pessoal realizada em pessoas
LGBTI+ presas, é recomendado que visitantes lésbicas, gays e bissexuais
tenham tratamento semelhante ao das pessoas cisgênero heterossexuais;
contudo, para visitantes travestis, mulheres trans, homens trans e inter-
sexos, é preciso ter atenção específica.

Portanto, recomenda-se que seja utilizado o scanner corporal para revista


pessoal em visitantes que sejam travestis, mulheres trans, homens trans
e intersexos. Esse equipamento já se mostrou eficiente e, para a ocasião,
evita possíveis constrangimentos para os visitantes e servidores que
precisam realizar procedimentos de segurança nas unidades prisionais.

Equipamento utilizado para a revista de visitantes em unidades prisionais.


Foto: SP Notícias / Governo do Estado de São Paulo.

MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 39


GÊNERO E SEXUALIDADE
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Ainda, ressalta-se a necessidade do respeito ao nome social, caso o vi-


sitante o tenha. Além disso, destaca-se que o tratamento deve seguir a
lógica da identidade de gênero do visitante. Exemplo: se a visita for uma
mulher trans, o servidor precisa se reportar a ela utilizando os termos
femininos; se for um homem trans, o tratamento precisa ser masculino;
se a pessoas for intersexo, o tratamento deve ser de acordo com o gênero
com o qual a pessoa se identificar.

Quanto à visita íntima, caso a unidade oferte essa atividade à população


prisional, recomenda-se que seja garantida a mesma concessão aos
visitantes e aos presos LGBTI+.

Nesse sentido, com intuito de garantir o acesso ao que é para todos os


presos, relembra-se a Resolução Conjunta nº 1, de 15 de abril de 2014,
em seu art. 6º, que expressa o que segue:

“É garantido o direito à visita íntima para a população LGBT em


situação de privação de liberdade, nos termos da Portaria MJ
nº 1190/2008 e na Resolução CNPCP nº 4, de 29 de junho de
2011.” (BRASIL, 2014, p. 3).

MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 40


UNIDADE 3

Do acesso às assistências
GÊNERO E SEXUALIDADE
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3. DO ACESSO ÀS ASSISTÊNCIAS

O acesso às assistências é passo importante para a cidadania. E, afinal,


a cidadania é essencial para a dignidade.

É comum aos que trabalham em unidades prisionais, eventualmente,


perceberem a busca incessante das pessoas presas a algum tipo de
assistência, seja ela de saúde, de educação, de trabalho ou de alguma
atividade voltada ao psicossocial. E não é diferente com as pessoas LGBTI+.

Não é difícil encontrar pessoas presas que nunca tiveram acesso à edu-
cação formal/escolarização ou que nunca foram ao dentista. É nesse
universo que as assistências em ambientes prisionais se apresentam.

3.1 Da saúde da pessoa LGBTI+


O art. 7º da Resolução Conjunta nº 1/2014 CNPCP/CNCD/LGBT é claro
e direto quanto ao acesso das pessoas LGBTI+ à saúde:

[...] garantida à população LGBTI em situação de privação de li-


berdade a atenção integral à saúde, atendidos os parâmetros da
Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais,
Travestis e Transexuais - LGBT e da Política Nacional de Atenção
Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema
Prisional – PNAISP. (BRASIL, 2014, p. 3).

Diante do exposto, tudo que for de direito de acesso à saúde pelo Sis-
tema Único de Saúde (SUS) é também para as pessoas LGBTI+ presas,
incluindo os procedimentos de utilização de hormônios. O tratamento
hormonal é uma demanda comumente pleiteada por mulheres trans,
travestis e homens trans.

Portanto, é necessário dizer que o cuidado à saúde da população trans


percorre dois caminhos: o da atenção básica e o da atenção especializada.

MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 42


GÊNERO E SEXUALIDADE
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A atenção básica é responsável pelos primeiros atendimentos médicos.


Nestes atendimentos é possível ser avaliado e encaminhado para o
atendimento especializado, que poderá ser para especialidades como:
urologia, cardiologia, angiologia, endocrinologia etc. No caso do acesso
da população trans ao tratamento hormonal, é necessário o encaminha-
mento a especialista em endocrinologia.

Foto: Adaptado de © [Prostock-studio] / Shutterstockassist.

Entretanto, a atenção especializada de maior interesse da população


trans não se limita à hormonioterapia. Nesse sentido, a atenção espe-
cializada é dividida em dois expoentes: a ambulatorial e a hospitalar.
O tratamento hormonal faz parte do atendimento ambulatorial, assim
como o atendimento psicológico. Já o atendimento hospitalar é direcio-
nado à redesignação de sexo: colocação de prótese de silicone, cirurgia
genital, remoção das mamas (mastecomia) e do útero (histerectomia).

É importante ressaltar que nas unidades prisionais a atenção básica é


bastante consolidada, a saúde especializada não. Portanto, ainda que
haja um encaminhamento médico emitido através da atenção básica,
é necessário que a gestão da unidade prisional (em atividade conjunta
com o setor de saúde prisional) proporcione marcação de atendimento
médico especializado extramuros.

MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 43


GÊNERO E SEXUALIDADE
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Assim, a marcação de uma consulta especializada pelo SUS passa pelo


que segue.

Dependências para o agendamento de consultas

1 pela decisão da gestão prisional em


marcar consulta extramuros; e 

2 pela disponibilidade de vaga na


atenção especializada.

Ademais, considerando que a pessoa trans obteve sucesso em atendimento


especializado para iniciar tratamento hormonal, é preciso considerar que
será preciso o acesso ao hormônio, o que poderá ser acessado pelo SUS
ou por via particular.

Nesse sentido, é coerente o relato de uma travesti presa no estado do


Mato Grosso, que segue:

DEPOIMENTO

A gente tem a instrução normativa. Não é que a unidade prive


[a hormonização], mas o SUS que não tem condições de fornecer.
Eu comecei a ir para a hormonização só que a comissão mista
que foi montada, que são cinco profissionais, que vão atender no
hospital federal, ela foi desmanchada. Eles estavam tendo um
problema com travestis que estavam vendendo receituário dos
programas de hormonização. Então eles acabaram cortando até
que achassem uma nova metodologia pra que não houvesse esse
tipo de fraude. Hormonização aqui não tem, mas não que a unida-
de não se disponha a fazer, mas é que o SUS não fornece mesmo.
Os profissionais não atendem aqui na unidade, urologista, endo-
crinologista. Todos esses profissionais eu fui lá fora, mas já que
essa equipe foi desmanchada, não teve mais. (BRASIL, 2020a, p. 43).

MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 44


GÊNERO E SEXUALIDADE
NO SISTEMA PRISIONAL

Considerando que, na maioria das unidades prisionais, o acesso à saúde


é através de Unidades Básicas de Saúde, os gestores prisionais são res-
ponsáveis por garantir que as pessoas trans tenham acesso a consultas
e tratamentos especializados externos.

Por isso, é necessário oportunizar, para a população trans, mar-


cação de consultas, transporte e escolta para acesso à saúde
específica, ou articular para que esse tipo de atendimento seja
feito no interior das unidades prisionais.

Um direito relacionado a toda população presa, inclusive às pessoas


LGBTI+, é o sigilo dos prontuários e exames médicos, em especial da-
queles que trazem informações relacionadas ao contágio de HIV/AIDS
e a quaisquer outras infecções sexualmente transmissíveis (IST).

Foto: [Jarun Ontakrai] / Shutterstock.

MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 45


GÊNERO E SEXUALIDADE
NO SISTEMA PRISIONAL

Ainda em relação ao HIV e demais doenças sexualmente transmissíveis,


a atuação das gestões das unidades prisionais é fundamental em pelo
menos três aspectos. Confira a seguir.

HIV e infecções sexualmente transmissíveis

garantir o sigilo dos


prontuários de saúde;

garantir o tratamento das pessoas


contaminadas com IST, em
especial, as com HIV ou aids;

ter disponível o acesso gratuito


de camisinhas para todas as
pessoas presas, em especial,
para as pessoas LGBTI+.

Sobre o assunto, um diretor de unidade prisional do estado de São Paulo


disse o seguinte:

DEPOIMENTO

Eu não posso servir preservativo apenas para a população LGBT


apenas [sic]. O que a gente faz? A gente serve para a população
geral. A gente faz isso no dia antes da visitação. Se o preso LGBT
necessitar de mais, eles vêm na enfermaria e a gente dá. A gente
serve a todos. A gente tem população LGBT que a gente sabe que
pratica sexo durante a semana fora do dia de visitação, como
que eu não vou dar preservativo? Isso vai influenciar na saúde
da minha unidade prisional. Eu prefiro ter a população LGBT se
relacionando com preservativo que ter uma epidemia de sífilis
ou ter um grande avanço na questão do HIV. Não só os LGBT,
mas a população geral. Na sexta-feira a gente serviu no pavilhão
600 camisinhas, 600 unidades. Eu tive nesse pavilhão uns 200
visitantes. Eu não vou entrar e pedir 400 preservativos de volta.
(BRASIL, 2020a, p. 98).

MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 46


GÊNERO E SEXUALIDADE
NO SISTEMA PRISIONAL

3.2 Do acesso da pessoa LGBTI+ ao mundo do trabalho


Deve ser garantido o acesso das pessoas LGBTI+ presas ao mundo
do trabalho e à renda. Considerando que esse acesso pode ter como
dificultador o preconceito da população prisional contra a população
LGBTI+, as gestões prisionais precisam se esforçar no sentido de ofertar
vagas de trabalho para todas as pessoas.

Nesse sentido, relembramos as Regras de Mandela, que em sua regra


nº 96 diz o seguinte:

1. Todos os reclusos condenados devem ter a oportunidade de


trabalhar e/ou participar ativamente na sua reabilitação, em con-
formidade com as suas aptidões física e mental, de acordo com
a determinação do médico ou de outro profissional de saúde
qualificado. (BRASIL, 2016, p. 41).

Portanto, recomenda-se que sejam oferecidas às pessoas LGBTI+ presas:

Vagas para Vagas de trabalho


Vagas para cursos atuação em oficinas remunerado, quando
profissionalizantes. do PROCAP. houver oportunidade.

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GÊNERO E SEXUALIDADE
NO SISTEMA PRISIONAL

3.3 Do acesso da pessoa LGBTI+ à educação


Seguindo a mesma lógica do acesso ao mundo do trabalho, recomen-
da-se que sejam oferecidas à população LGBTI+, além do já citado
acesso a vagas em cursos profissionalizantes:

EJA ENCCE
JA
ENEM

Oportunidade de
inscrição em exames Oportunidade de
Vagas para Educação nacionais, como Enem leirura e, com isso,
de Jovens e Adultos. PPL e Encceja PPL. remição pela leitura.

Assim, os acessos às atividades educacionais devem seguir a lógica da


oferta a todas as pessoas presas. É necessário que as gestões das unida-
des prisionais se esforcem no sentido não somente de oferecer vagas,
mas de acompanhar a evolução da execução das atividades com intuito
de perceber qualquer possibilidade de intimidação de outras pessoas
presas com viés discriminatório. As equipes pedagógicas da Educação
de Jovens e Adultos, via de regra, são importantes parceiras na busca do
sucesso escolar.

Foto: Secretaria do Estado de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais.

MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 48


GÊNERO E SEXUALIDADE
NO SISTEMA PRISIONAL

3.4 A assistência social à pessoa LGBTI+


No cotidiano das unidades prisionais, observa-se que o contexto que
a assistência social atua com a população LGBTI+ é a do abandono,
em especial, o do universo trans.

PODCAST

Há, geralmente, um histórico de abandono e rejeição familiar


antes do momento de prisão e isso se estende ao cumprimento
de pena. Se “na rua” a rejeição era uma marca, no cárcere isso
se acentua. Se o homem hétero costuma receber visitas de suas
mães, esposas, irmãs etc., a grande maioria das mulheres trans
e travestis não recebe tais visitas. Suas relações familiares, após
o abandono de seus entes, são construídas por relações não san-
guíneas, muitas delas não autorizadas pelas gestões prisionais
para realização de visitas às pessoas LGBTI+.

Nesse sentido, atividades rotineiras quando relacionadas à visitação


prisional trazem prejuízos às presas trans e travestis, quais sejam:
• agravo da saúde mental;
• falta de recebimento de itens de higiene e vestuário;
• falta de notícias externas etc.

Com a ausência familiar em visitação às unidades prisionais, parte da


população LGBTI+ fica entregue ao Estado como único fornecedor de
alimentos, vestuário e itens de higiene. Por isso, as gestões prisionais
precisam valorizar a assistência social às pessoas LGBTI+. É esse serviço
que tem o maior poder de compreender a amplitude da vivência da
pessoa LGBTI+ presa e sua reinserção social.

Portanto, a assistência social das unidades prisionais precisa desenvolver


ações voltadas à população LGBTI+, em especial, para as pessoas trans e
travestis, no sentido de oportunizar o acesso ao que um familiar, even-
tualmente, poderia fornecer.

Algumas estratégias podem ser montadas no combate ao isolamento


social e vulnerabilidade LGBTI+ no cárcere. O DEPEN já se manifestou
sobre o assunto por meio da Nota Técnica nº 9/2020, dizendo o seguinte:

MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 49


GÊNERO E SEXUALIDADE
NO SISTEMA PRISIONAL

"Considerando que presos LGBTI encontram dificuldades de recebi-


mento de itens materiais através de visitantes, recomenda-se que o
serviço social das unidades prisionais desenvolva ações contínuas
dirigidas aos visitantes e às pessoas LGBTI presas, considerando o
respeito aos princípios de igualdade, não-discriminação e do autorre-
conhecimento e de acessibilidade de itens materiais para população
LGBTI presa, quais sejam:

a) autorização de visitante de outra pessoa presa fornecer a assistência


material em quantidade suficiente para 2 (duas) pessoas;

b) autorização de entrada de itens femininos, ainda que a pessoa


presa seja gay, bissexual, travesti ou mulher trans alocada em uni-
dade masculina; e

c) autorização de entrada de itens masculinos, ainda que a pessoa


presa seja lésbica ou homem trans." (BRASIL, 2020b).

Os serviços de assistência social das unidades prisionais devem estar


atentos às demandas específicas de toda pessoa presa. Por isso, sempre
que houver uma dificuldade que impeça a pessoa LGBTI+ presa de viver
com dignidade pelas questões que envolvem suas demandas específicas,
os serviços de assistência social devem produzir relatórios expondo os
entraves e sugerindo soluções, encaminhando às gestões prisionais para
possíveis providências.

A Lei nº 7.210 (Lei de Execução Penal) trata do que se espera dos profis-
sionais de assistência social que atuam com atividades ligadas às pessoas
presas. Assim, o art. 22 diz que "a assistência social tem por finalidade
amparar o preso e o internado e prepará-los para o retorno à liberdade",
sendo incumbência do serviço de assistência social, de acordo com o art. 23:

I - conhecer os resultados dos diagnósticos ou exames;


II - relatar, por escrito, ao Diretor do estabelecimento, os pro-
blemas e as dificuldades enfrentadas pelo assistido;
III - acompanhar o resultado das permissões de saídas e das
saídas temporárias;

MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 50


GÊNERO E SEXUALIDADE
NO SISTEMA PRISIONAL

IV - promover, no estabelecimento, pelos meios disponíveis,


a recreação;
V - promover a orientação do assistido, na fase final do cum-
primento da pena, e do liberando, de modo a facilitar o seu
retorno à liberdade;
VI - providenciar a obtenção de documentos, dos benefícios da
Previdência Social e do seguro;
VII - orientar e amparar, quando necessário, a família do preso,
do internado e da vítima. (BRASIL, 1984, grifos nossos).

Embora os servidores que atuam com a assistência social precisem se


atentar às vulnerabilidades das pessoas LGBTI+ presas, são os gestores
prisionais os principais responsáveis pela rotina penitenciária; são eles que
precisam tomar as principais decisões em atenção à população LGBTI+.

3.5 A assistência religiosa à pessoa LGBTI+


A assistência religiosa também pode ser muito preciosa à população
LGBTI+. Contudo, recomenda-se atenção na oferta no sentido de que a
pessoa LGBTI+ precisa manifestar sua vontade de receber ou não a visita
de um religioso ou de participar de alguma celebração religiosa; seja um
culto, uma missa ou um passe feito por religião de matriz africana.

De maneira alguma é aceitável a assistência religiosa impositiva. A própria


Lei de Execução Penal trata deste assunto em seu artigo 24:

A assistência religiosa, com liberdade de culto, será prestada aos


presos e aos internados, permitindo-se lhes a participação nos
serviços organizados no estabelecimento penal, bem como a
posse de livros de instrução religiosa. § 1º No estabelecimento
haverá local apropriado para os cultos religiosos. § 2º Nenhum
preso ou internado poderá ser obrigado a participar de atividade
religiosa. (BRASIL, 1984).

Agora que você realizou o estudo sobre o acesso a assistências por parte
das pessoas LGBTI+ presas, veja, a seguir, uma retomada dos pontos mais
importantes do módulo.

MÓDULO 2 | Garantias legais, recebimento e procedimentos de custódia de pessoas LGBTI+ presas 51


SÍNTESE DO MÓDULO

Neste módulo do curso, foram abordadas questões relativas à legislação,


ao acolhimento e aos direitos das pessoas LGBTI+ em seu recebimento
no sistema prisional e no cumprimento de sua pena. Na Unidade 1, foram
apresentados excertos de dispositivos legais que embasam a atenção
às pessoas LGBTI+ presas:

• em relação ao seu direito de tratamento igualitário perante a lei, sem


discriminção, violência ou preconceito em virtude de sua orientação
sexual e/ou identidade de gênero.

• no que tange ao respeito às suas especificidades e ao acesso a pro-


cedimentos de custódia diferenciados, visando sobretudo à garantia de
sua segurança e integridade física.

Na Unidade 2, abordamos os procedimentos de recebimento de pessoas


LGBTI+ nas unidades prisionais. Foi destacada a importância da entrevista
no momento da triagem, momento em que se deve abrir espaço para
a autodeclaração de orientação sexual e de identidade de gênero das
pessoas LGBTI+. Quando for o caso, também para o registro do nome
social de pessoas trans e travestis. Este deve ser incluído no registro
de admissão e demais documentos, e respeitado sempre que se fizer
referência à pessoa presa.

Vimos que deve ser oferecida à pessoa LGBTI+ alocação específica, sendo
uma escolha da pessoa aceitar ou não esta oferta. Independentemente
de sua alocação, no cumprimento da pena, o tratamento deve ser de
acordo com sua identidade de gênero, inclusive no que diz respeito à
manutenção de cabelo, vestimentas e acesso a materiais e objetos.

Destacamos a necessidade de especial atenção em relação aos proce-


dimentos de recebimento e à revista íntima das pessoas trans, travestis
e intersexuais, apontado orientações técnicas para cada caso.

52
SÍNTESE DO MÓDULO

Por fim, pontuamos o direito à visita íntima para a população LGBTI+ nos
contextos em que esta é oportunizada às pessoas presas.

Na Unidade 3, abordamos o acesso às assistências e sua importância para


a população LGBTI+ presa. Em relação à saúde, foi destacada a garantia
ao acesso de pessoas transexuais a consultas e tratamentos especiali-
zados disponíveis no Sistema Único de Saúde; o necessário sigilo em
relação aos prontuários e exames; e a atuação no sentido da prevenção,
da detecção e do tratamento de Infecções Sexualmente Transmissíveis.

Também tratamos nesta unidade da importância de oportunizar o acesso


à educação básica e profissionalizante, assim como às oportunidades
de trabalho e renda. Abordamos em seguida a relevância da assistência
social às pessoas LGBTI+, que muitas vezes têm o Estado como único
provedor para suas necessidades de alimentação, vestimenta e higiene.
Por fim, abordamos a assistência religiosa à pessoa LGBTI+ em situação
de prisão, destacando que esta não pode de forma alguma ser imposta,
mas sim prestada quando há manifestação da vontade da pessoa presa.

Chegamos ao final do nosso curso.


Esperamos que o curso tenha sido efetivo para incorporar conhecimentos
em seu dia a dia.
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o uso do nome social e reconhecimento da identidade de gênero de
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blica. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
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8.727%2C%20DE%2028%20DE%20ABRIL%20DE%202016&tex-
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crimes de abuso de autoridade [...]. Brasília, DF: Presidência da República
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REALIZAÇÃO

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