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O Serviço Social e o objeto de mesmo tempo, o exercício da profissão

intervenção profissional realiza-se, mediante um contrato de


trabalho com organismos empregadores
- públicos ou privados -, em que o
1 Introdução assistente social afirma-se como
trabalhador assalariado.
Historicamente, o Serviço Social
adquiriu cunho de cientificidade.
buscando embasamento teórico e
3 Tensão entre autonomia
epistemológico para qualificar as
profissional e condição assalariada
intervenções. A prática do Assistente
Social não funciona mais como uma Estabelece-se uma tensão entre
ação que tem começo, meio e fim, mas, autonomia profissional e condição
como processo contínuo, investindo na assalariada. Iamamoto (2004) nos
capacitação teórico-metodológica dos recomenda que:
seus profissionais.
“O assistente social é também um (a)
As transformações na sociedade atual trabalhador (a) assalariado (a),
demandam novas exigências às práticas qualificado (a), que depende da venda
profissionais, aos processos da de sua força de trabalho especializada
formação profissional e à organização para a obtenção de seus meios de vida.
dos sujeitos da profissão, suscitado a A objetivação dessa força de trabalho
reflexão sobre o objeto de intervenção qualificada enquanto atividade (e/ou
profissional. trabalho) ocorre no âmbito de processos
e relações de trabalho, organizados por
É necessário dialogar sobre o processo
seus empregadores, que detêm o
educativo‐formativo dos assistentes
controle das condições necessárias à
sociais, realizando uma avaliação crítica
realização do trabalho profissional.
do atual estágio do capitalismo, do
Assim, as alterações que incidem no
significado da profissão na divisão
chamado ‘mundo do trabalho’ e nas
sociotécnica do trabalho, de seus
relações entre o Estado e a sociedade -
vínculos com o real e da opção política
que têm resultado em uma radicalização
que os profissionais imprimem no
da questão social –, atingem
trabalho desempenhado.
diretamente o trabalho cotidiano do
assistente social” (P.11).
2 A nova configuração social
alicerçada no sistema capitalista
4 Prestação de serviços sociais
A nova configuração social alicerçada
Prossegue Iamamoto (2004), destacando
no sistema capitalista, no
que o trabalho profissional é, pois, parte
neoliberalismo exige dos profissionais
do trabalho coletivo produzido pelo
constante aprimoramento e qualificação
conjunto da sociedade, operando a
visando respostas às demandas advindas
prestação de serviços sociais que
da realidade social.
atendem a necessidades sociais e
O Serviço Social é regulamentado como realizando, nesse processo, práticas
uma profissão liberal, dispondo de sócio-educativas, de caráter político-
estatutos legais e éticos que atribuem ideológico, que interferem no processo
uma autonomia teórico-metodológica, de reprodução de condições de vida de
ético-política e técnico-operativo e à grandes segmentos populacionais alvos
condução do exercício profissional. Ao das políticas sociais.
E para compreender cada vez mais a inscreve, também, no campo da defesa
profissão, é preciso ler com muita e/ou realização de direitos sociais de
atenção os diversos estudos produzidos. cidadania, na gestão da coisa
Iamamoto (2004) continua sua pública. Pode contribuir para o partilha
exposição nos dizendo que o Serviço do poder e sua democratização - no
Social reproduz-se como uma processo de construção de uma “contra-
especialização do trabalho por ser hegemonia” no bojo das relações entre
socialmente necessário: o agente as classes - ou ainda, para o reforço das
profissional produz serviços que têm estruturas e relações de poder pré-
um valor de uso, porque atendem as existentes.
necessidades sociais. Por outro lado, os Complementa Iamamoto (2004),
assistentes sociais também participam, convidando a refletir sobre o grau de
enquanto trabalhadores assalariados, do autonomia profissional, ao falar que
processo de produção e/ou de embora o assistente social disponha de
redistribuição da riqueza social. uma relativa autonomia na sua
condução de seu trabalho – o que lhe
Seu trabalho não resulta apenas em
permite atribuir uma direção social ao
serviços úteis, mas ele tem um efeito na
exercício profissional – os organismos
produção -ou na redistribuição- do
empregadores também interferem no
valor e/ou da mais valia e nas relações
estabelecimento de metas a atingir.
de poder político e ideológico. Assim,
por exemplo, na empresa industrial, o
assistente social, como parte de um
trabalhador coletivo, participa do 5 As atribuições e competências
processo de reprodução da força de específicas
trabalho, essencial à produção da Detêm poder para normatizar as
riqueza. Na esfera estatal, participa do atribuições e competências específicas
processo de redistribuição da mais valia, requeridas de seus funcionários,
via fundo público. Aí seu trabalho se definem as relações de:
Serviço Social, atualmente, vê-se
constrangido a reprocessar seu objeto de
intervenção, referindo-o às situações de
Portanto, articulam um conjunto de desemprego, de desencanto com o
condições que informam o futuro, de dês-responsabilização do
processamento da ação e condicionam a Estado e responsabilização dos grupos,
possibilidade de realização dos famílias e comunidades pelo seu
resultados projetados. sustento, de nova gestão de políticas
Importante sociais.
Ao final da exposição anterior, Nesse sentido, Faleiros (2001, p. 32)
Iamamoto (2004) segue, afirmando que nos sinaliza que a relação com os novos
as atividades profissionais movimentos sociais vai exigir um
desenvolvidas pelo assistente social repensar da relação entre sociedade,
sofrem outro vetor de demandas: as cultura, economia e subjetividade,
necessidades dos usuários, que, implicando, pois uma articulação mais
condicionadas pelas lutas sociais e pelas complexa com estes movimentos na
relações de poder, transformam-se em construção da estima de si, da
demandas profissionais, reelaboradas na identidade individual e coletiva, na
ótica dos empregadores, no embate com defesa de seus direitos e busca de sua
os interesses dos usuários dos serviços autonomia. Prossegue o referido autor,
profissionais. É nesse terreno denso de apontando que a reflexão sobre o objeto
tensões e contradições sociais que se do Serviço Social passa pela discussão
situa a atividade profissional. Exige sobre as relações de saber e poder,
caminhar da análise da profissão ao seu aprofundando um olhar crítico sobre o
efetivo exercício, o que supõe contexto de mudanças permanente da
articular projeto profissional e trabalho realidade. As reflexões sobre poder
assalariado. institucional e saber
profissional colocam o objeto
profissional numa outra ótica que
6 As atribuições e competências aquela exclusiva de classe contra classe,
específicas mas articulada a ela na análise das
relações de poder.
Mas, para elaborar o projeto O que isto quer dizer para quem está
profissional, é preciso refletir sobre o no exercício do estágio curricular?
objeto de intervenção profissional. Que é preciso observar e analisar as
Faleiros (2001) nos aponta que o diversas relações de poder presentes
naquela realidade, ou seja, relação entre estudo e intervenção da profissão é a
os diversos profissionais, usuários questão social.
versus usuários, profissionais versus
Então isso quer dizer que o assistente
usuários, profissionais versus
social dentro de um hospital deverá
instituição, usuários versus instituição
trabalhar e aprofundar todas as
etc., para que possa contribuir na
demandas oriundas do objeto de
reflexão sobre o objeto profissional de
intervenção profissional? Qual é a sua
intervenção.
resposta como aluno estagiário?
Pensando um pouco mais sobre o
7 Fundamentação como assunto, imaginando o trabalho dentro
especialização do trabalho de um hospital. No atendimento social,
o usuário apresenta a suspeita de abuso
Compreendendo que o Serviço Social de sexual referente a uma criança na
tem, na questão social, a base da sua família. O profissional após a realização
fundamentação como especialização do de uma escuta cuidadosa o informa
trabalho, Iamamoto (2001, p. 27) coloca sobre a necessidade de encaminhar o
que: caso para outras instâncias para que o
caso seja acompanhado em seus
diversos aspectos, seja jurídico, policial,
assistencial, visando à implementação
das medidas protetivas.
DICA: Não cabe ao Assistente Social o
papel de detetive, pois isto é de
competência do poder judiciário, com o
trabalho complementar do conselho
tutelar. O papel do profissional dentro
do hospital deve ser de oficializar ao
conselho tutelar a situação, colocar-se a
disposição para contribuir ao caso, e
disponibilizar a rede de serviços da
política de saúde para a vítima e
“Questão Social apreendida como o
familiares.
conjunto das expressões das
desigualdades da sociedade capitalista Por que estamos abordando sobre as
madura, que tem uma raiz comum: a diversas instâncias envolvidas, e seus
produção social é cada vez mais respectivos papéis?
coletiva, o trabalho torna-se mais Porque em cada área tem sua equipe de
amplamente social, enquanto a trabalho multiprofissional, inclusive o
apropriação dos seus frutos mantém-se assistente social. E neste contexto, cabe
privada, monopolizada por uma parte uma análise cuidadosa de até aonde vai
da sociedade.” à intervenção de cada profissional da
mesma categoria trabalhando sobre o
mesmo caso social, digo: assistente
8 Fixando social do hospital, assistente social do
conselho tutelar e o assistente social do
Vamos trabalhar com alguns exemplos campo judiciário. Todos com o objeto
para que possamos entender melhor a profissional em comum, mas com
mensagem desta aula. O objeto de papéis permeados das especificidades
pertencentes à respectiva área de também político, ou seja, imbricado e
atuação. implicado tanto das relações sociais
mais gerais como nas relações
particulares e específicas do campo das
9 A construção do objeto profissional políticas e serviços sociais e das
relações interprofissionais.
A construção do objeto profissional é
um processo teórico, histórico, mas Faleiros (2001) destaca que:

E sobre isso nos diz que: capitais ou patrimônios individuais e


“O foco da intervenção social se coletivos”.
constrói nesse processo de articulação (FALEIROS, 2001, P. 44)
do poder dos usuários e sujeitos da
ação profissional no enfrentamento das Isso quer dizer que o processo de ação
questões relacionais complexas do dia, ou intervenção profissional não se
pois envolvem a construção de constrói num conjunto de passos
estratégias para dispor de recursos, preestabelecidos (a chamada receita).
poder, agilidade, acesso, organização, Exige do profissional uma profunda
informação, comunicação. É nessas capacidade teórica para estabelecer
contradições que se vai desconstruir e pressupostos da ação, uma capacidade
construir sua identidade profissional e analítica para entender e explicar as
o objeto de sua intervenção particularidades das conjunturas e
profissional, nas condições históricas situações, uma capacidade de propor
dadas, com os sujeitos da ação alternativas com a participação dos
profissional. O objeto de intervenção sujeitos na intrincada trama em que se
do Serviço Social se constrói na correlacionam as forças sociais, e em
relação sujeito/estrutura e na relação que se situa, inclusive, o assistente
usuário/instituição em que emerge o social. (FALEIROS, 2001)
processo de fortalecimento do usuário Sendo assim, precisamos evitar o
diante da fragilização de seus vínculos, pragmatismo!
Você sabe o que é pragmatismo? confrontá-la com as possibilidades e
Segundo Faleiros (1987), o limites da realidade social.”
pragmatismo é uma atitude voltada para
soluções imediatizadas sem a reflexão
teórica e histórica da problemática. E 11 Armadilhas da formação
alerta para esta prática que pulveriza as profissional feito pela ABESS
ações, atendendo o “que vai aparecendo
na estrutura e dinâmica institucionais”. No balanço da formação profissional
(P. 35) feito pela ABESS, apud Iamamoto
(2001, p. 53), foram identificadas três
armadilhas, das quais a categoria se viu
prisioneira nos últimos anos – sobre as
10 Alternativas de intervenção
quais é preciso refletir. Vejamos:
Iamamoto (2001, p. 21) fala que as
alternativas de intervenção não saem de “O primeiro
uma suposta ‘cartola mágica’ do pressuposto é o de que
assistente social: a apropriação
teórico-metodológica
no campo das grandes
matrizes do
pensamento social
permitiria a
descoberta de novos
Teoricismo
caminhos para o
exercício profissional.
A primeira assertiva é
que a busca de novos
caminhos passaria
por uma apropriação
mais rigorosa da base
teórico
“...as possibilidades estão dadas na metodológica.”
realidade, mas não são automaticamente
transformadas em alternativas Politeísmo “O segundo
profissionais. Cabe aos profissionais pressuposto é de que o
apropriarem-se dessas possibilidades e, engajamento político
como sujeitos, desenvolvê-las nos movimentos
transformando-as em projetos e frentes organizados da
de trabalho. (...) Essa compreensão é sociedade e nas
muito importante para se evitar uma instâncias de
atitude fatalista do processo histórico e, representação da
por extensão, do serviço social, como se categoria garantiria –
a realidade já estivesse dada em sua ou seria uma condição
forma definitiva. (...) Mas é necessário, fundamental para
também, evitar uma outra perspectiva, tanto - a intervenção
que venho chamando de messianismo profissional
profissional: uma visão heróica do articulada aos
serviço social que reforça interesses dos setores
unilateralmente a subjetividade dos majoritários da
sujeitos, a sua vontade política sem sociedade. A segunda
universitária ante a vertiginosa
afirmação é o
expansão do ensino superior
reconhecimento da
privado e da graduação à
dimensão política da
distância no país.
profissão e as suas
 A articulação com entidades,
implicações mais além
forças políticas e movimentos dos
do campo estrito da
trabalhadores no campo e na
ação profissional,
cidade em defesa do trabalho e
pensada a partir da
dos direitos civis, políticos e
inserção nos
sociais.
movimentos
 O cultivo de uma atitude crítica e
organizados da
ofensiva na defesa das condições
sociedade.”
de trabalho e da qualidade dos
“O terceiro atendimentos, potencializando a
pressuposto é de que o nossa autonomia profissional.
aperfeiçoamento  Precisamos nos manter sempre
técnico-operativo atualizados, em constante
mostra-se como uma processo de formação
Tecnicismo profissional, seja qual for o
exigência para
inserção qualificada campo de atuação.
no assistente social no  As transformações na sociedade
mercado de atual demandam novas exigências
trabalho.” às práticas profissionais, aos
processos da formação
profissional e à organização dos
sujeitos da profissão.
12 Desafios profissionais e  É necessário refletir sobre o
acadêmicos ao Serviço Social na processo educativo‐formativo dos
atualidade assistentes sociais, realizando
uma avaliação crítica do atual
Iamamoto (2010), em outra obra de sua
estágio do capitalismo, do
autoria, fala que rumo ao fazer
significado da profissão na
profissional qualitativo, aponta alguns
divisão sociotécnica do trabalho,
desafios profissionais e acadêmicos ao
de seus vínculos com o real e da
Serviço Social na atualidade, dentre os
opção política que os
quais (p.39):
profissionais imprimem no
 A exigência de rigorosa formação trabalho desempenhado.
teórico-metodológica que permita  É preciso buscar delimitar quais
explicar o atual processo de são as atuais demandas que são
desenvolvimento capitalista sob a colocadas pelo atual contexto
hegemonia das finanças e o sócio-econômico à formação
reconhecimento das formas profissional em Serviço Social,
particulares pelas quais ele vem ou melhor, elencar as exigências e
se realizando no Brasil, assim desafios atuais à formação
como suas implicações na órbita profissional dos assistentes
das políticas públicas e sociais no país.
consequentes refrações no
exercício profissional.
 Rigoroso acompanhamento da 13 Desigualdades sociais
qualidade acadêmica da formação
Para Iamamoto (2012), poder-se-ia
dizer que, na América Latina, os
assistentes sociais há muito acenaram a
bandeira da esperança - essa rebeldia
que rejeita o conformismo e a derrota,
contradizendo a cultura da indiferença,
do medo e da resignação que conduz à
naturalização das desigualdades sociais,
da violência, de preconceitos de gênero,
raça e etnia. E conseguiu manter viva a
capacidade de indignação ante o
desrespeito aos direitos humanos e
sociais de homens e mulheres, crianças,
jovens e idosos das classes subalternas
com os quais trabalhamos
cotidianamente. Ressalta Iamamoto
(2012):
“A categoria profissional desenvolve
uma ação de cunho sócio-educativo na
prestação de serviços sociais
viabilizando o acesso aos direitos e aos
meios de exercê-los, contribuindo para
que necessidades e interesses dos
sujeitos de direitos adquiram
visibilidade na cena pública e possam,
de fato, ser reconhecidos. Esses
profissionais afirmaram o compromisso
com os direitos e interesses dos
usuários, na defesa da qualidade dos
serviços prestados, em contraposição à
herança conservadora do passado.
Importantes investimentos acadêmico-
profissionais foram realizados no
sentido de se construir uma nova forma
de pensar e fazer o Serviço Social,
orientadas por uma perspectiva teórico-
metodológica apoiada na teoria social
crítica e em princípios éticos de um
humanismo radicalmente histórico,
norteadores do projeto de profissão no
Brasil.” (P.11)

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