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Palestra proferida pela Prof° Maria Beatriz Costa Abramides – Vice Presidente da

ABEPSS – Região Sul II – Gestão 2003-2004

TEMA: O ensino do trabalho profissional: O estágio na formação profissional

Em primeiro lugar gostaria de registrar o acerto da ABEPSS Sul II, em sua oficina
regional, na escolha do tema “O estágio na formação profissional” inscrito no debate do
“ensino do trabalho profissional” a ser discutido na Oficina Nacional da ABEPSS, em
abril de 2004, em Florianópolis.
A estratégia política de enraizamento da ABEPSS-Sul II, a partir das seis micro-
regionais que congregam as unidades de ensino de Serviço Social do Estado de São
Paulo e Mato Grosso do Sul concretiza no segundo semestre de 2003, a programação
de seis oficinas micro regionais e uma oficina regional que deverá estabelecer um
conjunto de reflexões, debates e propostas referentes à essa temática.
As oficinas regionais têm por objetivo articular as unidades de ensino da região
(alunos, professores, assistentes sociais e supervisores de campo) com o
acompanhamento da ABEPSS – Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em
Serviço Social. Região Sul II e apoio do CRESS – 9ª Região no sentindo de aprofundar
e consolidar o nosso projeto de formação profissional – consubstanciado nas diretrizes
curriculares para o curso de Serviço Social, construídos coletivamente nos fóruns
regionais e nacional da ABEPSS e que encontra-se em processo de implantação e
consolidação no conjunto das unidades de ensino do país.
Acrescenta-se ainda a necessidade da ABEPSS iniciar um processo de balanço
da implantação das diretrizes curriculares com vistas às revisões que se fizerem
necessárias face a análise de todo o processo de implantação e das novas exigências
apontadas bem como o enfrentamento do debate formulando propostas referentes à
Reforma do Ensino Superior no país, reafirmando a concepção e direção social da
profissão, os núcleos de fundamentação, os eixos norteadores, na direção do projeto
profissional nos marcos de intenção de ruptura (Netto, 1991).

INTRODUÇÃO

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Debater o lugar do estágio na formação profissional passa necessariamente por
compreender:
1. A formação e o exercício profissional de forma articulada, e a profissão
inscrita na divisão social e técnica do trabalho e o profissional em sua
condição de assalariamento;
2. A “Questão Social” como base da fundação sócio-histórica da profissão, ou
seja a matéria prima do trabalho profissional, como o conjunto das
expressões das desigualdades sociais no capitalismo;
3. A apreensão da prática profissional como trabalho e o exercício profissional
inserido em diferentes espaços ocupacionais de trabalho;
4. O estágio na formação profissional inserido nos diferentes espaços de
trabalho onde o assistente social é partícipe do trabalho social coletivo;
5. O Serviço Social como profissão historicamente determinada na sociedade
brasileira no interior de projetos societários, hegemônico e de contra
hegemonia presentes na vida social;
6. O Serviço Social como expressão dos diferentes sujeitos que a constroem e
a vivenciam, a partir da realidade social, na formação e no exercício
profissional;
7. O estágio curricular como configuração de uma das exigências na formação
profissional, expressando-se como competência e responsabilidade
acadêmico-pedagógico da unidade de ensino;
8. O estágio como um dos elementos constitutivos do ensino do trabalho
profissional na formação.

I – A PROFISSÃO COMO TRABALHO

Tratar o Serviço Social como trabalho, na divisão sócio-tecnica significa


compreende-lo no interior do processo de produção e reprodução das relações sociais,
em uma perspectiva de totalidade (Iamamoto, 1982).
É na produção material da própria vida que os homens constroem relações
sociais de produção. Embora distintas a produção é imediatamente reprodução,

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distribuição e consumo, o que confere a compreensão da totalidade do processo das
relações sociais de produção, conforme o legado marxiano.
Essa totalidade pressupõe a compreensão da produção material da própria vida,
na base econômica e da reprodução social, na esfera política do Estado, o que
compreende a articulação das esferas econômicas, política, social, perpassada pela
cultura. A produção e reprodução das relações, grupos e classes sociais que envolve
formas de pensar, “isto é formas de consciência através das quais se apreende a vida
social” (Marx, 1977:26).
“A totalidade dessas relações de produção constitue a estrutura econômica da
sociedade, a base real sobre a qual se eleva uma super estrutura jurídica e política e à
qual correspondem formas determinadas de consciênia.” O modo de produção da vida
material condiciona o processo de vida social, política e intelectual (Marx, 1977: 233).
O trabalho como categoria fundante do ser social apresenta uma dupla
dimensão: a teleológia que prevê finalidade em uma determinada formação social; a
partir de sua causalidade (matéria-prima), e portanto define a sua particularidade, e a
ontológica como categoria simples abstrata que está presente em todas as formações
sócio-históricas.
No capitalismo o trabalho objetiva-se pela venda da força de trabalho humano,
que constitui-se na mercadoria primeira do mundo burguês.
O trabalho profissional do assistente social é objetivado na condição de
assalariamento em suas diferentes inserções na esfera pública-estatal; privada-
empresarial, não-governamental e junto aos movimentos sociais.
Sua inserção sócio-profissional inside majoritariamente na esfera pública
configurando-se esse trabalho como improdutivo por não produzir valor e mais valia,
portanto não se insere no processo de valorização. A função social da profissão
vincula-se à organização e implementação de políticas sociais através dos fundos
públicos, advindos de impostos, tributos e outras contribuições.
A configuração da crise estrutural do capital e do capitalismo a partir de 1973 nos
planos internacional e nacional apresenta transformações profundas na esfera
produtiva através do processo de acumulação flexível (Harvey, 96) e da reforma do
Estado como programática neoliberal. É a substituição do binômio fordismo-

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keynesianismo presente no momento de crescimento econômico, com o welfare-State –
típico do capitalismo desenvolvido, que dura em torno de 30 anos; (45-73) a
proclamada era do ouro” (Hobsbaw, 1995), para o sistema de “acumulação flexível,
expressa na reestruturação produtiva-neoliberalismo.
Essa resposta do capital à sua própria crise, expressa no binômio acumulação
flexível-neoliberalismo, reb ate na profissão e no profissional, com alterações
profundas no mercado de trabalho e exercício profissional, no interior da especialização
do trabalho e da classe trabalhadora.
A acumulação flexível assentada na reestruturação produtiva está baseada no
aumento da produtividade, eficiência e novas formas de tecnologia. Desse processo
advém basicamente a precarização e a desestruturação das relações clássicas de
produção e o gerenciamento e envolvimento da força de trabalho. Os desdobramentos
e conseqüências desse processo favorecem a desregulamentação de direitos sociais e
trabalhistas, reduzindo o operariado fabril, aumentando a terceirização, a
subproletarização, estimulando o trabalho precário, parcial, informal e ampliando o
desemprego estrutural.
A ofensiva neoliberal no Brasil, “vem imprimindo uma política econômica
monetarista, com privatização das estatais rentáveis e de serviços públicos, no corte de
gastos sociais, inclusive com a demissão de trabalhadores em serviço público, na
transferência de renda e de patrimônio público para o setor do capital privado, na
quebra dos monopólios com a entrada do capital estrangeiro, na privatização de setores
estratégicos associada à internalização (petróleo, telecomunicações, siderurgia,
mineração), na sobrevalorização da taxa cambial, na mercantilização de políticas
sociais, acompanhada da refilantropização na área da assistência, na políticas sociais
compensatórias em substituição à políticas sociais de caráter universal: na privatização
dos direitos sociais (educação, saúde, previdência, assistência) e na
desregulamentação dos direitos sociais e trabalhistas (Abramides e Cabral, 2002:14).
Portanto, a retração do Estado em sua responsabilidade com diminuição de
recursos orçamentários no campo das políticas sociais, atinge diretamente a ação
profissional, na ameaça e quebra dos direitos sociais duramente conquistados; e
também na ausência e diminuição de concursos públicos, ocasionando a queda dos

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níveis de emprego, a redução de postos de trabalho e a diferenciação de contratos de
trabalho de profissionais em uma mesma empresa. De um lado os trabalhadores
dotados de estabilidade no emprego e direitos trabalhistas, e de outro, trabalhadores
terceirizados vinculados às empresas contratantes, que não dispõem dos mesmos
direitos e freqüentemente exercem as mesmas funções.
As metamorfoses no mundo do trabalho e na esfera do Estado, portanto, atingem
o profissional e a profissão de Serviço Social, no conjunto da classe trabalhadora e das
profissões diferenciadas e que também se constituem na divisão técnica do trabalho
como profissionais partícipes do trabalho coletivo. O Serviço Social como trabalho
especializado e o profissional como trabalhador assalariado possui uma relativa
autonomia na efetivação de seu trabalho, pois sua ação profissional depende da
organização sócio-ocupacional – Estado, empresas e organizações não-
governamentais -, a quem compete viabilizar aos usuários acessos aos serviços. É
nesse sentido que podemos observar que os limites e possibilidades da ação
profissional devem ser compreendidos a partir da análise da relativa autonomia que
possuem na situação concreta onde o profissional se insere.
Ainda que dispondo da “relativa autonomia na efetivação de seu trabalho, o
assistente social depende, na organização da atividade, do Estado, das empresas,
entidades não governamentais que viabilizam aos usuários o acesso a seus serviços,
fornecem meios e recursos para a sua realização, estabelecem prioridades a serem
cumpridas, interferem na definição de papéis e funções que compõem o cotidiano do
trabalho profissional” (Iamamoto, 1998,63).
Importante registrar a autonomia da ética, teórico-metodológica, e técnico-
operativa de que dispõe o profissional no exercício de suas funções, que balisada em
projeto sólido de formação profissional possibilitam uma ação profissional crítica, na
direção dos direitos sociais e pressupostos e constructos emancipatórios que norteiam
o exercício profissional, como conquista coletivamente construída na direção do projeto
profissional.

II – O estágio no processo de formação profissional

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Os dilemas, dificuldades e caminhos possíveis de serem trilhados neste espaço
de ensino-aprendizagem relativo ao estágio curricular na graduação dos cursos de
Serviço Social devem ser analisados e avaliados a partir da realidade sócio-ocupacional
em que o aluno se insere para o desenvolvimento da atividade do estágio o que
significa compreender um conjunto de determinações sócio-históricas, ideo-políticas,
conjunturais e estruturais que atravessam cada espaço concreto do exercício do
estágio na formação profissional, o que pressupõe conhecer a dinâmica das diferentes
instituições e organizações em que estes estágios se concretizam.
Um dos principais problemas a ser enfrentado na materialização do estágio como
processo formativo e da instituição social como possibilitadora desse exercício
acadêmico-pedagógico, encontra-se no conflito e tensão existentes entre a exigência
pedagógica e a determinação do mercado que amplia sua tendência em substituir o
processo pedagógico de ensino e aprendizagem concebido como diretriz na formação
profissional pelas unidades de ensino, através da solicitação de alunos de 1° e 2° anos
letivos para p estágio, sem terem ainda adquirido os conhecimentos teóricos, as
habilidades para essa inserção. Essa demanda do mercado não pode sucumbir o
projeto formativo de responsabilidade das unidades de ensino, tornando-o refém dos
ditames do mercado que impõe a mão-de-obra-barata, e a desqualificação
(de)formativa ao aluno em sua condição de estudante-trabalhador.
Nesse sentido as unidades de ensino ao analisarem as possibilidades de
inserção do aluno no estágio devem ancorar-se nas seguintes exigências pedagógicas:
a) O estágio é de responsabilidade acadêmico-pedagógica das unidades de
ensino no processo formativo do aluno; constituindo-se em uma atividade
curricular obrigatória;
b) O estágio é concebido como processo de qualificação e treinamento teórico-
metodológico, técnico-operativo e ético-político na formação profissional;
c) O estágio como atividade curricular obrigatória é desenvolvida de forma
diferenciada ao longo do curso, considerados os momentos específicos da
formação profissional;
d) O 3° e 4° períodos tem se caracterizado como estágios de observação,
visando a aproximação das demandas sociais nas diferentes expressões da

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questão social; sendo acompanhados na unidade de ensino em espaços
pedagógicos previstos na grade curricular, por intermédio de oficinas de
formação profissional de núcleos temáticos transversais previstos nos
cursos, entre outras possibilidades;
e) O estágio desenvolvido do 5°ao 8° períodos se configura como a inserção do
aluno no espaço sócio-institucional de realização do exercício profissional o
que pressupõe supervisão acadêmica sistemática como espaço pedagógico
na grade curricular, conforme prevê as diretrizes aprovadas.
f) O estágio é acompanhado pelo assistente social de campo, que deve ser
inscrito no CRESS conforme estabelece a lei de regulamentação da
profissão. A natureza do trabalho do assistente social pressupõe a reflexão,
acompanhamento e sistematização das atividades desenvolvidas pelo aluno
com base no plano do estágio, elaborado conjuntamente com a unidade de
ensino (supervisores acadêmicos, assistentes sociais de campo e alunos).
g) A inserção do aluno no estágio prevê que o aluno tenha cursado ou esteja
cursando: ética profissional, fundamentos teóricos metodológicos da
profissão; oficinas de trabalho profissional e supervisão acadêmica, além de
ter cursado as oficinas de formação profissional, que possibilitam a
aproximação do aluno às diferentes expressões da questão social, a partir da
realidade sócio-histórica e conjuntural;
h) “A política de estágio deve estabelecer claramente a diferenciação entre as
atividades de estágio e de trabalho quando ocorre a concomitância de
emprego e estágio do aluno, na mesma organização. Nesse sentido cabe a
qualificação das atividades de estágio ao profissional supervisor e aluno
estagiário”. (F.S.S. PUC/SP – Currículo,1996).
i) A unidade de ensino deve possuir uma clara posição expressa na política de
estágio que estabeleça: o processo de abertura, acompanhamento e revisão
dos convênios com as instituições sociais mediante exigências acadêmico-
pedagógicas de qualificação dos espaços ocupacionais; a interpretação do
significado do estágio na formação profissional; a consolidação das relações
entre unidades de ensino e instituições sociais em um processo contínuo de

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reflexão, problematização e sistematização relativa ao estágio profissional
envolvendo alunos, supervisores acadêmicos e assistentes sociais de campo;
j) Estabelecer a articulação constante entre ensino, pesquisa e extensão em
sua indissociabilidade no processo de formação profissional;
k) O estágio constitui-se em espaço privilegiado do caminho investigativo do
exercício profissional que pode traduzir-se em projetos de iniciação científica
e trabalhos de conclusão de curso.
l) Sistematizar as experiências de estágio nos projetos de extensão nas
unidades de ensino estabelecendo uma política de extensão de estágios
nestes espaços ocupacionais;
m) Estabelecer uma política estrutural nas unidades de ensino de ampliação dos
estágios, junto às instituições sociais, e de remuneração dos mesmos;
n) Debater, acompanhar, e interferir na nova lei de estágio em tramitação na
Câmera Federal;

A partir da concepção definida pelas diretrizes curriculares aprovadas nos fóruns


da ABEPSS, a temática do estágio na formação profissional, deve constituir-se em
aprofundamento permanente no interior do debate acadêmico, como elemento
constituinte e constitutivo da formação profissional, e de competência das unidades de
ensino no processo formativo.
Nessa direção o tratamento dado ao estágio deve ser pauta constante dos fóruns
da ABEPSS, no sentido de antecipar-se de forma articulada e organizada, na defesa do
projeto ético-político da profissão, do ensino da formação de qualidade; pressupostos
das diretrizes curriculares e do exercício profissional que pressupõe um código de ética
e a lei de regulamentação da profissão, que atribui legalidade e legitimidade à profissão
historicamente determinada, e cujo projeto hegemônico é resultante de processo de
lutas construído nos fóruns acadêmicos, estudantil e de exercício profissional.
A ABEPSS, o conjunto CFESS/CRESS e ENESSO-, enquanto entidades de
formação, exercício profissional e estudantil devem estabelecer um tratamento
permanente na defesa do estágio qualificado buscando estratégias para o
enfrentamento das questões postas na contemporaneidade. Assim, é necessário

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analisar o mercado, compreende-lo em seus limites e possibilidades, a partir das
situações postas na realidade dos espaços institucionais, porém um distanciamento
crítico, com exigências de qualidade para a formação profissional, posto que a
competência e responsabilidade primeira do estágio é da unidade de ensino.
A estratégia permanente deve nos conduzir a um aprofundamento teórico,
analítico, das condições e exigências necessárias ao desenvolvimento dos estágios, em
um processo que envolva alunos, assistentes sociais de campo, supervisores
acadêmicos, professores, sob a coordenação da unidade de ensino, como responsável
acadêmica pelo estágio na formação profissional.
Por último este debate deve estar vinculado à Reforma do Ensino Superior no
Brasil, analisada no contexto particular dos ajustes neoliberais para a América Latina
(Concenso de Washington, 1989 e Discenso de Washington, 2001) que impõe a lógica
da Universidade funcional voltada para a formação rápida de profissionais requisitados
como força de trabalho altamente qualificado para o mercado de trabalho com baixos
salários. A Universidade operacional gerencial (Chauí, 1999) é regulada por contratos
de gestão e avaliada por índices de produtividade calculada para ser “flexível e
operacional” – onde a docência é concebida como a transmissão rápida de
conhecimento na direção do desaparecimento da marca essencial da docência: a
formação profissional.
A conjuntura atual exige da ABEPSS um debate, aprofundamento e
posicionamento referente á Reforma do Ensino Superior no Brasil, em curso, que
caminha no sentido da desconstitucionalização do Ensino, sob a lógica privatista e
mercantil, que afeta diretamente o ensino público e a direção social das universidades
comunitárias.
Afeta ainda a situação dos trabalhadores do ensino – professores e funcionários
– nas esferas pública e privada pela “flexibilização” das relações de trabalho, de
contratos de trabalho, dos direitos sociais, educacionais e trabalhistas; do projeto de
formação profissional e do projeto pedagógico, do ensino, da pesquisa e da extensão. É
portanto imperioso que se debata à Reforma do Ensino Superior articulada à Reforma
Sindical e Trabalhista como expressão da mesma lógica destrutiva mercantil e privatista

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imposta pelo grande capital e consubstanciada nos acordos internacionais da
programática neoliberal.

Profª Ms. Maria Beatriz Costa Abramides

PUC-SP
Vice-Presidente ABEPSS-Sul II
Gestão 2003-2004

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