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PROJETO NEOLIBERAL X PROJETO ÉTICO-POLITICO: tensões e desafios no


cotidiano profissional do Assistente Social no SESC

Autores: (1) Janaina Lopes do Nascimento Duarte (profesora); (2) Gabriela Ribeiro
Ramos (alumna – formanda)
Eje Temático: Eje I - “Tensiones en la disputa de proyectos societales en América
Latina: sus implicancias para la educación superior, las Ciencias Sociales, y el Trabajo
Social”
Universidad: Universidade de Brasília (UnB) – Brasília/DF - Brasil
Correo electrónico (referencia): janaduarte@unb.br; jana.lopesduarte@gmail.com

Palabras clave: Projeto Neoliberal.“Terceiro Setor”. Serviço Social. Projeto Ético-Político.

Resumen: Diante da conjuntura de reestruturação do capital, pós-1970, um conjunto de


transformações societárias, sob a égide do projeto neoliberal, alteram a relação Estado e
sociedade, principalmente a partir da desresponsabilização do Estado e crescente
responsabilização da sociedade no enfrentamento das expressões da questão social. Na
tensão entre o público e o privado, o “Terceiro Setor” assume a responsabilidade pelas
respostas à questão social, na perspectiva contraria a garantia de direitos sociais no
Brasil. Tal conjuntura reconfigura espaços sócio-ocupacionais, demandas profissionais e
tensiona o projeto ético-político profissional do Serviço Social brasileiro. Nesta direção, o
objetivo deste artigo, resultado de pesquisa realizada em 2011, é elucidar alguns limites,
desafios e possibilidades de atuação profissional do Assistente Social no SESC do
Distrito Federal, a luz do projeto ético-político profissional, considerando as
determinações do projeto neoliberal na atualidade. Para tanto o texto se divide em: 1) o
projeto neoliberal e as novas configurações da relação Estado e sociedade, com
destaque para a presença do “Terceiro Setor”; 2) o projeto ético-político profissional do
Serviço Social brasileiro; e 3) limites, desafios e possibilidades para o Serviço Social no
SESC/DF diante da tensão entre o projeto neoliberal e o projeto ético-politico profissional.

1. Introdução

A partir da década de 1970, contexto de crise e reestruturação do capitalismo


mundial, uma nova dinâmica constitui-se na relação Estado e sociedade, norteada pelo
projeto neoliberal, em que o Estado brasileiro é desresponsabilizado quanto as respostas
à questão social, ao mesmo passo em que se responsabiliza a sociedade civil. Logo, a
conjuntura atual é resultado de significativas transformações sociais, econômicas,
políticas e culturais do binômio crise e reestruturação capitalista, determinando novas
formas de enfrentamento das desigualdades.
Nesta direção, sob a égide neoliberal, as políticas sociais 1 passam a ser pontuais,
fragmentadas, emergenciais, assistenciais, privatizadas, precarizadas e focalizadas. Ou
seja, a tensão entre o público e o privado ganha proporções complexas, contribuindo
para um processo de fragilização e redução de direitos sociais no Brasil. O “Terceiro
Setor”2, neste cenário, expande-se e ganha centralidade, particularmente impondo uma
nova lógica à proteção social, a qual se fundamenta no conteúdo de expressões como o
voluntariado, a filantropia e a responsabilidade social.
Tendo em vista a tendência de transferência de responsabilidade do público para
o privado, o Serviço Social do Comércio – SESC – caracteriza-se como uma instituição

1
Política social é a forma de manutenção e administração das expressões da questão social atendendo as
demandas do capitalismo monopolista (NETTO, 2011).
2
Utilizaremos o termo “terceiro setor” entre aspas, uma vez que não o apreendemos como setor, que
fragmenta e mistifica o real, mas como concepção útil ao processo de desresponsabilização estatal no
enfrentamento da questão social, em tempos de crise e reestruturação do capital. Na verdade, como afirma
Montaño (2010, p. 182), “o conceito resulta inteiramente ideológico e inadequado ao real”.
2

brasileira inserida na teia complexa e contraditória do “Terceiro Setor”, constituindo-se


como uma instituição de âmbito nacional, de direito privado, sem fins lucrativos e que foi
criada e é mantida pelo empresariado do setor do comércio, turismo e serviços, e que
afina-se com os interesses contemporâneos do capital, em sintonia com o projeto
neoliberal. Assim, o SESC é uma instituição que não só é atravessada pelas novas
determinações da conjuntura neoliberal como interfere na realidade social em
concordância com o projeto societário do capital.
O Serviço Social como uma profissão inserida nas contradições entre capital e
trabalho, a partir da relação direta com a questão social, fundamento básico de sua
existência (ABEPSS, 1996), é determinada pela conjuntura de transformações socio-
históricas, inflexionando o campo profissional do Assistente Social, mesmo em
instituições que tradicionalmente já incorporavam tal profissão: é o caso do SESC.
Assim, uma tensão se apresenta no cotidiano profissional do Assistente Social,
particularmente no SESC: as determinações do projeto neoliberal, traduzidas por meio
das demandas profissionais, e o arcabouço ético e político do projeto crítico do Serviço
Social brasileiro.
Nesse sentido, o objetivo geral deste artigo é elucidar limites, desafios e
possibilidades de atuação profissional do Assistente Social no SESC, particularmente no
Distrito Federal, a luz do projeto ético-político profissional do Serviço Social brasileiro,
considerando as determinações do projeto neoliberal em tempos de crise e
reestruturação capitalista no Brasil. Cabe ressaltar que este texto é parte integrante das
reflexões contidas no trabalho de conclusão de curso de graduação em Serviço Social na
Universidade de Brasília (2011), no qual foi realizada uma pesquisa qualitativa, a partir de
dois principais procedimentos: 1) pesquisa bibliográfica sobre as principais categorias de
análise; e 2) pesquisa de campo, com a realização de entrevistas semi-estruturadas com
as assistentes sociais do SESC/DF3.
Com o intuito de sistematizar didaticamente, subdividimos este texto em três
grandes eixos: 1) Projeto Neoliberal e as novas configurações da relação Estado e
sociedade, com destaque para o processo de desresponsabilização do Estado brasileiro
e, ao mesmo tempo, responsabilização da sociedade pelo enfrentamento da questão
social, particularmente com a presença do “Terceiro Setor”; 2) o projeto ético-político
profissional do Serviço Social no Brasil, a partir do significado social da profissão e do
processo de reconceituação; e 3) limites, desafios e possibilidades para o Serviço Social
no SESC, particularmente no Distrito Federal diante da tensão entre o projeto neoliberal e
o projeto ético-politico do Serviço Social.

2. Projeto Neoliberal e as novas configurações da relação Estado e sociedade

A sociedade e o Estado se encontram inseridos na lógica capitalista, que sofre


alterações em função das suas crises; por isso é necessário analisarmos os papéis da
sociedade e do Estado perante essas crises do capitalismo e as suas estratégias de
enfrentamento. Para fins deste texto, particularizaremos o pós-1970 em que o projeto
neoliberal impõe novas características à relação Estado e sociedade.
A dinâmica da sociedade capitalista é determinada pelo advento de crises que lhe
impõe a necessidade de respostas e estratégias para a sua reconfiguração hegemônica.
Por isso, conforme se dão as crises há a necessidade de uma reestruturação/restauração
do capitalismo. Como esses colapsos são partes funcionais do capital, geram
transformações nesse modo de produção e, conforme acontecem, determinam as
condições dessa reestruturação/restauração.
A partir de 1970, o mundo capitalista passa por “transformações societárias”4, com
graves alterações econômicas, políticas, sociais e culturais, guiadas pelo projeto
3
Destaca-se também que a pesquisa requereu uma série de cuidados éticos para garantir proteção aos
profissionais envolvidos nessa pesquisa, tais como: um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE),
preenchido pelas entrevistadas, bem como a submissão ao Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de
Ciências Humanas da Universidade de Brasília – CEP/IH (aprovação em 07 de outubro de 2011).
3

neoliberal, desencadeando processos como a reestruturação produtiva, as


transformações no universo do trabalho e a reorganização do sistema de intervenção do
Estado.

Vale lembrar que, em uma conjuntura de crise, a reestruturação da


produção e a reorganização dos mercados são iniciativas inerentes ao
estabelecimento de “um novo” equilíbrio, que têm como exigência básica
a reorganização do papel das forças produtivas na recomposição do
ciclo de produção do capital, afetando tanto a esfera da produção quanto
as relações sociais. (MOTA; AMARAL, 1998, p.27)

O Projeto Neoliberal, então, passa a ser a resposta para a crise do capital,


redimensionando países capitalistas; ou seja, de acordo com Duarte (2007) é a
expressão de um projeto societário do capital que operacionaliza as alterações
necessárias ao processo de reestruturação no final do século XX até os dias atuais,
repercutindo na vida dos sujeitos e nas relações sociais, alterando, dessa forma, o modo
de organização da sociedade e do Estado.
É neste contexto que as conquistas sociais da classe trabalhadora perdem força,
frente às relações contemporâneas do mundo do trabalho que repercutem na
organização e resistência dos trabalhadores, particularmente no que se refere à luta por
direitos. O Estado se reorganiza em função das necessidades do capitalismo
contemporâneo: é necessário um Estado ainda mais forte para o capital, em detrimento
da classe trabalhadora, por isso, é fundamental alterar o modelo de proteção social do
Welfare State5.
Entretanto, no Brasil, o avanço de direitos sociais, com a Constituição Federal de
1988, efetivou-se ao mesmo tempo em que a política internacional questionava a
intervenção estatal, devido à crise da década de 1970; na verdade, especialmente na
década de 1990, há uma imposição da política econômica internacional, para que o Brasil
atraísse investimento de capital estrangeiro, a partir, dentre outros mecanismos, de uma
desregulamentação dos direitos sociais garantidos pela nova constituição.
Assim, houve uma interrupção nos investimentos e gastos sociais a partir de uma
reconfiguração das políticas sociais, que passam a ter como características a
seletividade, a fragmentação, a setorialidade, a focalização e a lógica da parceria com a
sociedade civil6, ou seja, a transferência de responsabiliadade da ação pública para a
ação privada.

A sociedade civil passa a significar a esfera das associações voluntárias,


dos espaços públicos dotados de autonomia e auto-organização em
relação ao Estado e ao mercado, de solidariedade social, do discurso, da
ação comunicativa. Essas organizações visariam apenas processos de
formação de identidade, produção de solidariedade e argumentação
moral visando à constituição de uma esfera pública entre o mercado e o
Estado (DURIGUETO, 2005, p. 87 e 88)

Por isso, a sociedade civil passa a exercer o papel de agente responsável pelas
sequelas decorrentes do capitalismo, a partir de ações voluntárias, filantrópicas e
solidárias: há um forte apelo à participação da sociedade. O que significa, por um lado,
4
Termo utilizado por Netto (1996) que caracteriza a reconfiguração de necessidades sociais, bem como a
criação de novas necessidades por meio da “metamorfose” da produção e da reprodução da sociedade,
atingindo, em todos os patamares, a divisão sociotécnica do trabalho e gerando novas configurações sociais,
políticas e econômicas da sociedade.
5
Contexto firmado pelo fordismo e keynesianismo, com ampliação de empregos e salários e um padrão de
proteção social universalista. Época essa em que gera expansão do capital e dos direitos sociais.
6
A sociedade civil passa a não ser o lugar de antagonismo e contradição, ou seja, o espaço de lutas entre as
classes antagônicas; contudo, é utilizada como meio de consciência e regulação social para responder aos
interesses da classe hegemônica.
4

uma descaracterização dos direitos sociais universais, e por outro um processo que
responsabiliza e culpabiliza o individuo pelas mazelas advindas das desigualdades
geradas pelas contradições do capitalismo: a questão social7.
Com as “transformações societárias” e com as novas características da ordem
capitalista o discurso hegemônico passa a qualificar a questão social como “nova questão
social” e, por conseqüência, coloca-se a necessidade de novas respostas, isto é, um
novo enfrentamento da desigualdade. Entretanto, tal afirmação tem por objetivo justificar
a necessidade de um novo trato à questão social e, com isso, uma nova forma de
intervenção que favoreça o capital (isentando-o da responsabilidade com a questão
social): uma intervenção cujo ator principal é a sociedade civil (MONTAÑO, 2010). Na
verdade, o fenômeno real é que com os desdobramentos da reestruturação do capital
ocorre um agravamento das expressões da questão social e não a constituição de “uma
nova questão social”, pois a raiz da desigualdade permanece inalterada na sociedade
capitalista atual:

[...] a indicação é de que presencia-se hoje uma renovação da velha


questão social, inscrita na própria natureza das relações sociais
capitalistas, sob outras roupagens e novas condições sócio-históricas de
sua produção/reprodução na sociedade contemporânea, aprofundando
suas contradições. (IAMAMOTO, 2001, p.18, grifos da autora).

Com a descaracterização dos direitos sociais, os serviços sociais passam a ser


proporcionados pelas instituições “públicas não-estatais” (DURIGUETO, 2005, p. 90) que
passam a compor o chamado “Terceiro Setor”, regido pela lógica da filantropia, do
voluntariado e da solidariedade (descontínuo e distante da concepção de direito). Neste
sentido, o Estado, de caráter público, passa a ter como parceiro o privado, as expressões
da questão social passam ser denominadas como “problemas sociais individuais”,
descontextualizadas das relações sociais mais amplas, e com isso os tornam problemas
privados, despolitizando a ação Estatal; é o que afirma Iamamoto (2001, p. 20, grifos da
autora): [..] um amplo processo de privatização da coisa pública: um Estado cada vez
mais submetido aos interesses econômicos e políticos dominantes no cenário
internacional e nacional [...].
Portanto, a origem do “Terceiro Setor” está conectada com as visões
“segmentadoras da realidade, setorializadoras da realidade social” (MONTAÑO, 2010) e
está intensamente atrelado à reestruturação do capital, no que diz respeito à
transferência da responsabilidade com as manifestações da questão social do Estado
para a sociedade civil; portanto, caracteriza-se como um conceito ideológico, com o papel
de desarticular e despolitizar a realidade social. Por isso as respostas ao trato da questão
social ao mesmo passo que deixam de ser um direito passam a ser desenvolvidas pela
ação filantrópica, voluntária e comercial, como é o caso de instituições como o SESC.
É oportuno salientar que o SESC/DF, tradicionalmente e atualmente isto se
acentua, presta seus serviços através de programas e projetos das áreas de saúde,
educação, saúde, lazer, cultura, turismo, desenvolvimento físico e esportivo,
administração, previdência e assistência. É nesta última área que se encontra hoje a
atuação profissional do Assistente Social através do trabalho desenvolvido com o Grupo

7
A questão social é a expressão da contradição no capitalismo da relação entre as classes fundamentais do
capital e do trabalho.
5

dos Mais Vividos8, de Ações Comunitárias9, da Assistência Especializada10, bem como o


apoio aos programas PESC11 e o grupo de Jovens Vira Vida12.
O SESC/DF, na atualidade e diante da reestruturação do capital na década de
1970, afirma-se como uma instituição de caráter privado, inserida na lógica neoliberal e
que se afina com os interesses da classe burguesa, respondendo a necessidades da
classe comerciária por meio dos serviços que presta.

3. O Serviço Social Brasileiro e seu Projeto Ético-Político profissional


O Serviço Social emerge como profissão no Brasil com a expansão industrial e do
capitalismo monopolista13 em que se tem um aumento da produção e, ao mesmo, das
desigualdades e dos conflitos sociais entre a burguesia e o proletariado.
Contraditoriamente, este momento sócio-histórico de emergência é marcado por
valores cristãos da Igreja Católica, pois de acordo com Iamamoto (1992, p.18), “para a
Igreja, “questão social”, antes de ser econômico-política é uma questão moral e religiosa”.
É um contexto pautado no interesse da burguesia, com apoio da Igreja, no afastamento
do proletariado das influências socialistas. Por isso, Netto (1996) afirma que a profissão
tem como ponto de partida as formas filantrópicas e assistenciais, ou seja, suas
atividades estavam baseadas e influenciadas por doutrinas conservadoras capitalistas,
embora passando a intervir diretamente na relação contrária entre capital e trabalho, por
meio das políticas sociais.
Durante muitos anos o Serviço Social brasileiro esteve sob influências de
metodologias estrangeiras, o que delineou uma fragilidade teórico-metodológica, já que a
realidade brasileira é diferente dos demais países capitalistas; atrelado a um cenário
sócio-histórico favorável ao questionamento da realidade foi o que motivou a necessidade
de repensar a vida social e nela a profissão. Por isso, dentro de uma conjuntura de
questionamentos e críticas ao Serviço Social tradicional, no qual se discute os métodos e
a intervenção diante da realidade, desenha-se um quadro que busca uma revisão crítica
da profissão e da sua intervenção na sociedade, para que sejam dadas as respostas
necessárias às exigências da dinâmica da realidade concreta; assim, constituem-se as
condições favoráveis para o Movimento de Reconceituação.
Logo, o Movimento de Reconceituação (1960-1970), não só no Brasil mas na
América Latina, é caracterizado pela crítica ao tradicionalismo e ao conservadorismo,
bem como é o momento também em que surgem novas perspectivas, tanto na formação,
quanto no exercício e organização profissional. Portanto, é um momento de
redimensionamento da profissão a partir de novas orientações filosóficas, ideológicas e
políticas, a partir da crítica ao modo de pensar e agir sob a realidade no capitalismo e ao
Serviço Social tradicional.
É nessa perspectiva de amadurecimento e reflexão teórico-metodológica crítica 14,
que se busca o compromisso com os valores da democracia, liberdade, cidadania e
8
Programa que visa promover e valorizar a pessoa idosa através de atividades culturais, oficinas e palestras.
9
Visa promover promoção social, inclusão social e exercício da cidadania.
10
Atividade que presta serviços técnicos e auxílios como concessão de bolsas e descontos de serviços
oferecidos pela instituição.
11
Tem por objetivo auxiliar crianças em estado de vulnerabilidade social e desenvolve atividades de lazer,
esporte, cultura, saúde e assistência, também reforço escolar e nutricional, educação para a saúde,
informações sobre o meio ambiente, cidadania e oficinas.
12
Programa do Serviço Social da Indústria (SESI) em que o SESC/DF atua como parceiro.
13
No Brasil, a partir da década de 1940 o capitalismo concorrencial é substituído pelo capitalismo
monopolista, o que gera nova dinâmica e conseqüências na vida social, política e econômica da sociedade
capitalista. Neste contexto, há uma refuncionalização do Estado, tornando-se um Estado intervencionista: “as
funções políticas do Estado imbricam-se organicamente com as suas funções econômicas” (NETTO, 1996, p
21, grifos do autor), em que tem o dever de manter a ordem da acumulação, bem como a manutenção da
força de trabalho. Ao mesmo passo em que a classe do proletariado passa a se organizar em torno das lutas
por direitos e cidadania, fazendo com que surjam demandas de ação para o Estado, as quais seriam
utilizadas como estratégia de seus interesses. Assim, a questão social passa a ser objeto de intervenção do
Estado por meio de políticas sociais, criando a necessidade social de um profissional como o Assistente
Social.
6

garantia de direitos sociais, o reconhecimento da intervenção profissional no âmbito da


correlação de forças na sociedade capitalista: estas são as bases sólidas da construção
de um novo projeto de profissão, o projeto ético-político profissional do Serviço Social
brasileiro.
Além do processo de reconceituação da profissão, a partir da década de 1980,
com o processo de redemocratização do país e com as transformações societárias, estão
postas as condições favoráveis para o debate e a construção do projeto ético-político
profissional, a partir de um perfil crítico e transformador da profissão.
Deste modo, o projeto ético-político profissional é resultado de um movimento
histórico e social, que se encontra conectado com uma direção social de renúncia ao
conservadorismo da ordem hegemônica, a partir de uma aproximação com os interesses
da classe trabalhadora.
Como o profissional busca imprimir em sua atuação uma direção social, a fim de
atender os diferentes e diversos interesses sociais, passa a afirmar valores e diretrizes
que ao tomarem uma proporção maior, ou seja, ao serem assumidos pela dimensão
coletiva da profissão, passam a representar uma identidade profissional e adquirem,
assim, o formato de projeto profissional.
As dimensões ética e política colocam uma visão do mundo que se articulam e se
conectam com a ação profissional, no sentido de mediar os conflitos sociais, em uma luta
contra a hegemonia do capital e a construção de uma nova ordem societária; logo, o
projeto profissional do Serviço Social “[…] nega o projeto societário, hoje hegemônico, e
posiciona-se a favor da construção de uma nova ordem sem dominação e exploração de
classe, gênero e etnia” (SANT'ANA, 2000, p. 81). E ainda tem como princípios, a defesa
dos direitos humanos, a recusa ao autoritarismo e ao preconceito, e o reconhecimento do
pluralismo.
O projeto ético-político profissional unifica valores, escolhas teóricas, ideológicas,
políticas, éticas e normatizações que delimilitam direitos e deveres profissionais, bem
como é a expressão de ruptura com o tradicional e conservador projeto societário liberal.
(KOIKE, 2009). Ressalta-se que sua materialidade e visibilidade, de acordo com Teixeira
e Braz (2009, p.190-191) se constituem na produção de conhecimento, na dimensão
jurídico-política e nas organizações político-organizativas da profissão.
Além disso, o projeto ético-político está em constante processo de formação, pois
é necessário que o Assistente Social traduza este projeto no cotidiano da formação e do
exercício profissional, através da relação com a classe trabalhadora, a fim de fortalecê-lo.
Logo, é um desafio para o Assistente Social tornar esse projeto um norte concreto para
sua atuação profissional, pois é necessário que este articule as dimensões normativas,
acadêmicas e organizativas com a realidade em que se insere o cotidiano do exercício
profissional, principalmente na luta contra o conservadorismo na atualidade.
Outro desafio é que o projeto ético-político do Serviço Social por ter um caráter
transformador, de ruptura com a ordem hegemônica, entra em conflito com os ideais
neoliberais, já que este projeto torna-se uma ameaça à ordem capitalista, por defender e
lutar pela garantia de direitos sociais e pelos interesses dos trabalhadores.
Não significa dizer, entretanto, que este projeto é exclusivo, pois convive com o
pluralismo de idéias e posturas teórico-metodológicas e ético-políticas no conjunto
profissional, abrindo espaço para o debate e o confronto de idéias. É relevante salientar
que o projeto está em processo, afirmando e reafirmando princípios e valores no seu
cotidiano.
Desta forma, há uma necessidade concreta do profissional reafirmar o projeto
ético-político, a fim de enfrentar os pressupostos neoliberais por meio de um

14
Netto (1996) caracteriza vários aspectos decisivos para o processo de reconceituação do serviço social no
Brasil, tais como: 1) estabelecimento de um pluralismo profissional, ou seja, procedimentos diferenciados que
buscam a legitimação da prática profissional e a concretização teórica da atuação profissional; 2)
diferenciação das concepções profissionais, ou seja, o rompimento com a homogeneidade profissional, pois
se passa a uma disputa de hegemonia do processo profissional; 3) aproximação com as discussões das
ciências sociais; e 4) Constituição da investigação e pesquisa na área do Serviço Social.
7

comprometimento com a classe trabalhadora, consciente do significado da profissão na


contemporaneidade marcada por imensos desafios, como o estimulo ao privado diante
das políticas sociais no Brasil. A partir da pesquisa realizada, a seguir discorremos sobre
limites e desafios para a profissão no espaço sócio-cupacional do SESC no Distrito
Federal, com o intuito de elucidar com clareza a tensão entre o projeto neoliberal e o
projeto ético-politico do Serviço Social brasileiro.

4. Limites, desafios e possibilidades do Serviço Social no SESC/DF

Os principais limites e desafios do cotidiano profissional das Assistentes Sociais


do espaço sócio-ocupacional do SESC, no Distrito Federal, podem sem elencados em
dois principais aspectos: 1) intensificação, polivalência e desprofissionalização do
Assistente Social; e 2) articulação entre atuação e projeto ético-político.
O primeiro no que se refere à intensificação do trabalho há a necessidade de
expansão do quadro pessoal de profissionais do Serviço Social, uma vez que com a
garantia do direito de redução da jornada de trabalho para 30 horas semanais, garantida
pela PL 3015, há um acúmulo de atividades. Ressalta-se que no SESC/DF não houve (até
o momento de realização desta pesquisa – novembro/2011) expansão do quadro de
profissionais do Serviço Social para atender as demandas, comprometendo o
acompanhamento dos usuários da instituição e o atendimento de suas demandas.
Além disso, há um acúmulo de funções e atividades, resultado das alterações no
mundo do trabalho, em que as Assistentes Sociais planejam, monitoram, avaliam
programas, bem como acompanham e respondem a outras demandas da instituição e de
seus usuários, o que caracteriza uma sobrecarga de trabalho imposta pela lógica
capitalista de fragmentação e de redução de trabalhadores, transformando-os em
“trabalhadores multifuncionais”, como afirma Duarte (2007, p. 32-33, grifos nossos):

[...] o capital utiliza-se de um conjunto de alterações que flexibilizam as


relações e as condições de trabalho, essencialmente com precarização
(do emprego e da remuneração), terceirização, polivalência
(“trabalhadores multifuncionais”), redução drástica de postos de trabalho
e direitos trabalhistas, assim como com a fragmentação da organização
política dos trabalhadores.

Atualmente a falta de profissionais é um grande entrave para a atuação do


Assistente Social, já que não se tem uma equipe que atue em todas as unidades
operacionais16 do SESC/DF, sendo que somente em três se tem a atuação deste
profissional. O que contribui para um processo de desprofissionalização do Assistente
Social, pois nas demais unidades se tem profissionais de outras áreas atuando com os
programas e demandas do Serviço Social.
O que ocorre é uma descaracterização profissional (IAMAMOTO, 2002) gerando
um conflito entre as competências profissionais requisitadas pela instituição com as
competências e atribuições do profissional de Serviço Social que lhe são inerentes, as
quais estão descritas na Lei de Regulamentação da Profissão (BRASIL, 1993). É
importante considerar que a consciência do Assistente Social enquanto profissional
qualifica seu trabalho, bem como delimita suas atribuições e competências.
Em segundo lugar, temos um dos maiores desafios para a profissão, de acordo
com Iamamoto (2002), que é a tradução do projeto ético-político profissional no seu
espaço sócio-ocupacional, como um meio de ampliação profissional, de apropriação
deste espaço e de reafirmação da identidade profissional.

15
Lei 12.317 de 2010 que dispõe sobre a redução da carga horária do Assistente Social para 30 horas sem
prejuízo salarial em todo o território brasileiro.
16
No Distrito Federal existem 13 unidades operacionais.
8

É relevante considerar que a materialidade do projeto ético-político profissional


não está dada, na verdade, é construída no cotidiano a partir principalmente da:

a) necessidade de sistematização da prática profissional, já que auxilia na reflexão


crítica do cotidiano profissional e do seu espaço sócio-ocupacional, articulada à
concepção de totalidade da realidade, constituindo-se como um importante instrumento
de fortalecimento da profissão;
b) articulação da dimensão jurídico-política, ou seja, da apropriação de leis que
compõe a base da profissão no Brasil, tais como o Estatuto da Criança e do Adolescente,
o Código de Ética do Serviço Social (1993), a Lei de Regulamentação da Profissão e
outras; e por último,
c) participação em eventos e articulação com as organizações político-
organizativas da profissão, já que é a oportunidade de se discutir o caráter político, o
significado social e histórico, bem como a dimensão social e técnica da profissão na
atualidade.

Portanto, segundo Iamamoto (2002, p.41, grifos nossos), “o desafio é o assistente


social ultrapassar a perplexidade e apropriar-se dos novos espaços profissionais,
orientando a atuação segundo os princípios ético-políticos da profissão”, para que
consiga ultrapassar seus limites no cotidiano profissional. Para tanto é necessário que a
atuação do Assistente Social tenha um perfil crítico, criativo (crie e recrie propostas de
ação) e propositivo (idem, 2002).
Entretanto, o Assistente Social está inserido na lógica que mercantiliza sua prática
profissional e que delimita uma densa relação devido à requisição desta força de trabalho
dentro de um caráter patronal:

É um trabalhador especializado, que vende a sua capacidade de


trabalho para algumas entidades empregadoras, predominantemente de
caráter patronal, empresarial ou estatal, que demandam essa força de
trabalho qualificada e a contratam. Esse processo de compra e venda da
força de trabalho especializada em troca de um salário faz com que o
Serviço Social ingresse no universo de mercantilização, no universo do
valor. (IAMAMOTO, 2011, p. 23-24)

Logo, a atuação profissional se encontra inserida no campo da tensão, das


contradições de projetos societários de classes que divergem, ou seja, a intervenção
profissional do Assistente Social se dá no espaço das mediações (PONTES, 2000),
compreendidas nas relações sócio-históricas no capitalismo.
Apesar de ser um grande desafio para o Assistente Social, é na compreensão
crítica da realidade, tendo por base a dinâmica da totalidade/singularidade/particularidade
que transcorrem no cotidiano do exercício profissional, que se encontra a possibilidade
de traçar alternativas de atuação profissional afinadas com um projeto profissional crítico,
sendo essencial:
[...] desenvolver sua capacidade de decifrar a realidade e construir
propostas de trabalho criativas e capazes de preservar e efetivar direitos,
a partir de demandas emergentes do cotidiano. Enfim, ser um
profissional propositivo e não só executivo. (IAMAMOTO, 2011, p. 20).

Portanto, de acordo com Iamamoto (2011) é na realidade que as possibilidades de


ação profissional, em sintonia com o projeto ético-político e com o projeto societário da
classe trabalhadora, serão traçadas e é necessário que o profissional busque se
apropriar destas possibilidades e desenvolver as alternativas de atuação. A concreta
apreensão da realidade contribui para traçar estratégias de atuação na contramão da
concepção de que a realidade já está constituída pelos limites do neoliberalismo, ou seja,
possibilita intervir na perspectiva da transformação.
9

É importante ressaltar ainda que a concretização das alternativas de


transformação da realidade se dá a partir do momento que são traduzidas em projetos de
ação, em que o profissional poderá estabelecer o que pode ser ou não oferecido ao seu
usuário, no campo sócio-ocupacional, na direção do projeto ético-político profissional e
das necessidades reais da população usuária.

5. Para além de considerações finais

Problematizar e refletir de forma crítica, em tão poucas linhas, sobre a atuação


profissional do Serviço Social em instituições do “Terceiro Setor”, com enfoque no
SESC/DF, não se trata apenas de verificar determinada particularidade, mas sim, buscar
cada vez mais se apropriar das determinações e singularidades, articuladas a totalidade
dos processos sociais. Por isso, este artigo não teve o intuito de esgotar o debate sobre
as tensões presentes no cotidiano profissional do Assistente Social no SESC/DF,
particularmente entre os diferentes projetos societários na atualidade, mas, sobretudo,
contribuir com algumas considerações que possibilitem novas reflexões e
questionamentos.
Na conjuntura pós-1970 o processo de reestruturação do capital gerou um
conjunto de especificidades e transformações na sociedade capitalista. É neste momento
em que se tem um forte pensamento ideológico neoliberal de Estado mínimo para o
social e Estado máximo para o capital. Por isso, observam-se novas configurações no
enfrentamento das expressões da questão social, principalmente com a transferência de
responsabilidade do público para o privado: o chamado “Terceiro Setor”, com suas
organizações e instituições como o SESC.
É nessa conjuntura que se gestam novas condições objetivas de atuação
profissional do Serviço Social, e que se encontra, então, inserido na lógica do “Terceiro
Setor” e suas requisições da conjuntura de refilantropização e mercantilização de
políticas sociais.
Destaca-se que os limites e desafios profissionais são perpassados pelas
“transformações societárias” e mediados pelas requisições e demandas de cada
instituição. Com isso, se tem uma amplitude de desafios e limites postos aos profissionais
a cada dia, marcados pelos desdobramentos da tensão entre os divergentes projetos
societários: neoliberal e da classe trabalhadora. Contudo, na direção do seu
enfrentamento e superação é fundamental a constante reafirmação e fortalecimento do
projeto ético-político que integra valores, escolhas teóricas, ideológicas, políticas, éticas e
normatizações que determinam os direitos e deveres profissionais e que expressa a
ruptura com o conservadorismo do projeto societário hegemônico, por meio do
comprometimento e da articulação entre um projeto critico de profissão e o cotidiano
profissional.

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