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Donaldo Armelin
Juiz do 1.º TAC do Estado de São Paulo. Professor nos cursos de graduação, mestrado e
doutorado da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Mas formas de tutela jurisdicional diferenciadas já existem, bem assim como são
diversos os instrumentos processuais indispensáveis à sua concretização. Realmente,
consubstanciando-se essa tutela em provimentos judiciais estes importam em
declaração lato sensu, satisfação coercitiva de direitos já declarados ou em eliminação
de uma situação de perigo, conforme o tipo reclamado por quem o postula. Da mesma
forma, diferenciados são os instrumentos que veiculam, em um sentido, o pedido de
tutela jurisdicional e, em outro, a tutela prestada, na medida em que se adaptam
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TUTELA JURISDICIONAL DIFERENCIADA
Um reparo, contudo, desde logo se faz necessário. A adoção de tipos tutela diferenciada
tende a favorecer o polo ativo da relação processual, na medida em que são eles
concebidos precipuamente com o propósito de acelerar a prestação jurisdicional. Por isso
mesmo, indispensável se torna cautela na sua adoção, para se evitar a violação do
tratamento isonômico das partes litigantes e a vulneração do princípio assegurador da
paridade das armas no processo.
O primeiro, mais rente à expressão semântica dessa denominação, não pode, contudo,
implicar o reconhecimento de uma diferenciação de tutelas à exigência de um ens
novum, mas sim cingir-se a possíveis formas e efeitos de tipos já existentes.
Um, cujos efeitos estão impregnados da imutabilidade inerente à coisa julgada material,
prestigiando segurança e certeza, sem as sacrificar a teor da celeridade e
tempestividade de sua prestação; outro, sem garantia da permanência e inalterabilidade
de seus efeitos, de modo a satisfazer sem assegurar a eficácia do seu resultado. A coisa
julgada material, correspondendo a uma forma de assegurar o princípio da certeza do
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direito, exigência essencial aos ordenamentos jurídicos modernos, como afirma Vellani,
contudo, exatamente porque implica imutabilidade do judicialmente decidido, há de
emergir de processo em que se outorguem às partes amplas oportunidades de defesa,
consoante constitucionalmente assegurado. Isto não impede não se faça ela mister em
determinadas situações em que a urgência da prestação jurisdicional sacrifica a certeza
em favor da sua eficácia. A onipresença da exigência de imutabilidade da prestação
jurisdicional, mesmo no processo de conhecimento, resulta de opção política quanto ao
resultado da atividade jurisdicional, que há de levar em consideração as coordenadas
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sócio-culturais da comunidade em que tal atividade se desenvolve.
Nem mesmo a garantia constitucional da coisa julgada impede que algumas decisões
judiciais consubstanciadoras de prestação jurisdicional integral não se tornem ungi das
da inalterabilidade inerente a esse instituto processual. Isto porque o conceito de coisa
julgada material é definido por lei e esta, como o texto constitucional, não impõe a sua
extensibilidade a todas prestações jurisdicionais.
Em suma, pois, não será o instituto da coisa julgada material obstáculo a que se adote
um tipo de prestação jurisdicional que satisfaça sem se tornar imutável. Da mesma
forma, a garantia do devido processo legal não pode empecer essa opção, desde que a
tutela não se convole em solução inalterável. Resta, entretanto, investigar se
conveniente será se adote no vigente sistema processual essa espécie diferenciada de
tutela.
Tal opção, todavia, pode levar a resultados contrários ao objetivado. Assim é que, em
lugar de se eliminarem conflitos através de procedimentos materialmente sumários,
geradores de provimentos não imutáveis, poder-se-á propiciar a eclosão de novos
processos em que se discutam, sob a égide de uma instrução probatória plena, as
matérias já apreciadas sob o signo de cognição superficial. Essa possibilidade existe e
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não será colacionando experiências alienígenas, que poder-se-á prever o sucesso ou
inadequação de tal inovação.
Este tipo de cognição, inerente ao processo cautelar, ocorre em certas formas não
cautelares de antecipação de tutela, como são as liminares das ações possessórias, da
ação de busca e apreensão regrada no Dec.-lei n. 911/69 e nos embargos de terceiro,
dentre outras. Também pode ser constatado nos procedimentos das medidas
provisionais do art. 888 do CPC (LGL\1973\5), em que, além da possibilidade da
antecipação da tutela, prescinde-se de cognição plena e exauriente para a prestação
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desta.
Não se confundem, pois, ambas técnicas, ainda que possam vir imbricadas. Em uma
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delas a cognição sumária e, destarte, superficial, propicia a tutela jurisdicional
definitiva, no âmbito do processo em que se originou; na outra, ocorre antecipação dos
efeitos dessa tutela definitiva. Daí por que, ao lado dos provimentos cautelares, Frisina
categoriza aqueles de natureza sumária não cautelar e os de tutela interina,
caracterizando estes últimos em razão da circunstância de emergirem no curso e por
ocasião de um processo de conhecimento, de rito comum, tendo em vista uma decisão
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definitiva a ser nele consubstanciada, da qual, em parte, antecipam os efeitos.
A antecipação, demais, pode ser integral de forma a tornar despiciendo o próprio ato
antecipado.
Nada impede, evidentemente, que à técnica da opção por cognição sumária se acople a
de antecipação dos efeitos da tutela a ser prestada. É o que sucede, e.g., no direito
brasileiro com a medida provisional prevista no inc. VIII do art. 888 do CPC
(LGL\1973\5), e ainda com a tutela jurisdicional cautelar.
Mas impende levar em conta que nem toda antecipação se faz com base em cognição
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sumária. Lembra Marinoni a existência de casos em que, presente prova documental, a
cognição preliminar não é superficial mas plena.
De certa forma isso também ocorre na hipótese de revelia, com a inversão do ônus da
prova, e no procedimento monitório, inexistente, de resto, em nosso sistema jurídico,
habilitando a convolação do provimento injuntivo em título executivo assegurador do
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acesso do autor à via executiva.
se demonstra evidente.
Admitida essa antecipatoriedade para todas ações, nessas hipóteses em que inexiste
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Este não se confunde com a antecipação dos efeitos de eventual e futura sentença de
procedência da ação, acima reportada. Nesta, o procedimento, após a liminar, é normal,
dependendo esta de confirmação por sentença que necessariamente advirá. No
procedimento monitório, a defesa implica a supressão da eficácia antecipatória e a
ausência dessa defesa a transformação do provimento inicial em título executivo. Assim,
embora ambas técnicas confluam para o mesmo resultado, são inconfundíveis.
Resta optar por uma ou conjugá-las nos esforços para o atingimento de prestação
jurisdicional célere e eficaz.
Importa ainda ponderar que, no Brasil, diversas são as situações dos órgãos judicantes
de segundo grau, quanto à referida celeridade na sua atuação. Há de se considerar ainda
a excepcionalidade da situação nacional, relativamente àqueles que se encontram
esmagados por pletora de recursos causadora da morosidade na prestação jurisdicional.
Daí a necessidade dessas medidas tendentes a acelerar tal prestação também em
segundo grau de jurisdição, da mesma forma que aquelas que se prestam ao mesmo
desiderato no primeiro, serem adotadas com dosimetria e cuidado, considerando-se as
diferenças regionais no atinente à morosidade da prestação jurisdicional, o que, de
resto, é ensejado pelo art. 24 da vigente Carta Magna (LGL\1988\3).
Outrossim, não se pode perder de vista que as conquistas nesse campo implicam
repercussões nas posições processuais passivas, cujos titulares desfrutam de garantia
constitucional para o exercício integral do seu direito de defesa, cuja abrangência e
conteúdo não ficam adstritos a limitações decorrentes de medidas consubstanciadoras
de tutelas diferenciadas.
2. Como afirmava Friedrich Stein, citado por Adolf Schonke, o direito processual civil é
um direito técnico em sua expressão mais acentuada, impregnado de razões de
conveniência e oportunidade, mas albergando valores de eternidade (cf. Derecho
Procesal Civil, trad. esp. da 5.ª ed. alemã, Barcelona, Bosch, 1951, p. 14).
3. Fundamentos del Derecho Procesal Civil, 3.ª ed. Buenos Aires, Depalma, 1982, pp.
484-485.
4. Cf. Adolf Wach, Manual de Derecho Procesal Civil, trad. esp. Buenos Aires EJEA, 1977,
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vol. I, p. 29.
6. Cf. "Sulla Tutela Giurisdizionale Diferenziata", in Rev. Dir. Proc., Padova, Cedam,
1979, vol. XXXIV pp. 536-537.
8. Naturaleza de la Cosa Juzgada, trad. esp. Buenos Aires, EJEA, 1963, p. 167.
9. Nesse sentido Vellani, (ob. e loc. cit. nota 232), trazendo à colação testemunho de
outros autores, anota que, embora a coisa julgada se insira entre os princípios gerais de
direito reconhecidos pelas nações civilizadas, em determinados ordenamentos inexiste
uma coisa julgada material com o efeito inibitório de nova decisão por outro juiz em
novo processo, o que derivaria de diferente conceito ético-jurídico sobre tal matéria.
10. Entende Proto Pisani (Sulla Tutela Giurisdizionale Differenziata, cit., p. 584, nota
112) que a tutela prestada em procedimentos sumários é afetada pela preclusão pro
iudicato, instituto recusado pela doutrina italiana predominante, conforme reconhece, e
que, segundo Redenti, que o cunhou (cf. Derecho Procesal Civil, trad. esp. Buenos Aires,
EJEA, 1957 vol. I, p. 69), apresenta os mesmos efeitos, sob o prisma prático, da coisa
julgada material, concernentemente aos provimentos carentes de declaração de certeza.
11. Ver, a respeito, Fritz Baur, Sudiem zum Einstwiligen Rechtschutz, Tubingen, J. C. B.
Mohr, 1967, p. 6, que esclarece ocorrer na Alemanha o fenômeno dos litigantes no
processo cautelar, restarem satisfeitos com a decisão deste, sem procurarem resolver o
litígio em ação própria, considerando a demora e inconvenientes de um processo
demorado.
12. Cf. "Flash sulla tutela giurisdizionale differenziata",in Riv. Trim. Dir. e Proc. Civile,
Milano, DoU. A. Giuffrè, 1980, voI. XXXIV, pp. 240-241.
14. A esse respeito ver Kazuo Watanabe Da Cognição no Processo Civil, S. Paulo, Ed. RT,
1987, p. 86 e ss.
15. Adota-se aqui a conceituação defendida por Kazuo Watanabe, ob. cit., p. 84.
17. Cf. Luigi Montesano, "Luci ed Ombre in Leggi e Proposte di 'Tutele Differenziate' nei
processi civile" in Riv. Dir. Proc., Padova, Cedam, 1979, vol. XXXIV, p. 592.
19. Cf. "La Tutela Antecipatória: Profili Funzionali e Strutturali", in Riv. Dir. Proc.,
Padova, Cedam, 1986, vol. XLI, pp. 368 e 371 e ss.
21. Cf. arts. 641 CPC (LGL\1973\5) italiano e 699 da ZPO alemã.
24. Nesse sentido, Leo Rosenberg Tratado de Derecho Procesal Civil, trad. esp., Buenos
Aires, EJEA, 1954, vol. II, p. 528.
25. Cf. Ovidio A. Baptista da Silva Curso de Direito Processual Civil, Porto Alegre, Fabris,
1987, vol. I, p. 111.
26. Cf. art. 633 do CPC (LGL\1973\5) italiano, Sergio Costa, Manuale di Diritto
Processuale Civile, Torino, UTET, 1973, pp. 52 e ss.
30. Cf. "Appunti sulla Tutela Sommaria", in I Processi Speciali, Napoli, E. Jovene, 1979,
pp. 316 e ss.
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