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A chamada “lei de colisão”, que representa um dos principais fundamentos da teoria dos
princípios de Alexy, é um reflexo da característica de otimização dos princípios e da
inexistência de prioridades absolutas entre eles.
André Canuto de F. Lima
INTRODUÇÃO
A princípio, Robert Alexy verifica que o conceito correto ou adequado de direito é
resultado da relação de três elementos: legalidade conforme o ordenamento, eficácia social
e correção material. Sem esses três elementos, obter-se-á um conceito de direito positivista
ou jusnaturalista.
Alexy elaborou sua teoria dos direitos fundamentais com base na tipologia das “normas
jurídicas”, cujas espécies são: regras e princípios. Ele preparou o seu conceito de norma –
denominado conceito semântico – tendo em vista a importância para a compreensão dos
direitos fundamentais e para suplantar as dúvidas existentes sobre a diferenciação entre
princípios e regras. 29/08/2014 às 16:38
Alexy sustenta a tese de que princípios e regras são normas com base no argumento de
que ambos expressam um dever ser. Para o autor, a diferença entre os dois não é de grau,
mas, uma diferença qualitativa.
As regras, por outro lado, são normas que devem ser cumpridas de maneira exata. Isto é,
seu cumprimento só pode ser feito de forma integral.
Quando há conflito entre regras, existem dois caminhos para se resolver a questão: pelo
menos uma das regras é declarada inválida ou é introduzida uma cláusula de exceção em uma
delas.
Quando há colisão entre princípios, um dos princípios deve ceder frente ao outro. Nesse
caso, a resolução se dá conforme a dimensão de peso entre os princípios envolvidos, de
acordo com as circunstâncias do caso concreto.
Por fim, Humberto Ávila, ao elaborar sua teoria dos princípios, formulou algumas críticas
contra os critérios utilizados pela doutrina para distinguir regras e princípios. Para o autor, a
ponderação não é utilizada exclusivamente em casos de aplicação de princípios: opera
também no âmbito das regras.
Alexy desenvolveu suas teses com base na superação da dicotomia existente entre
direito positivo e direito natural. Tanto assim que, ao dissertar sobre o problema do conceito
de direito, considera três características principais sem as quais há o risco de se cair ou no
positivismo ou no jusnaturalismo.[1]
Para ele, quem deseja saber qual conceito de direito é correto ou adequado precisará
relacionar três elementos: o da legalidade conforme o ordenamento, o da eficácia social e o
da correção material. Sem a conjugação desses três elementos, entende Alexy, obter-se-á
um conceito de direito positivista ou jusnaturalista.[2]
É positivista o conceito de direito que for descrito apenas com a legalidade ou a eficácia
social, sem haver, portanto, a ideia de correção material. Por sua vez, o direito natural elabora
um conceito de direito baseado unicamente em sua correção material. Quanto ao
positivismo, há também variações de seu conceito, as quais dependem da ênfase que é dada
aos dois elementos – legalidade e eficácia – e à relação existente entre eles.
Afastando as nuances de cada visão positivista apresentadas por Alexy, que não cabem
nos propósitos deste trabalho, é necessário compreender que o conceito de direito utilizado
pelo autor, que segue abaixo, abrange a legalidade, a eficácia e a correção.
El derecho es un sistema de normas que (1) formula uma pretensión de corrección, (2)
consiste em la totalidad de las normas que pertenecen a uma Constitución em general eficaz
y no son extremadamente injustas, como así también em la totalidad de las normas
promulgadas de acuerdo com esta Constitución y que poseen um mínimo de eficacia social o
de probabilidad de eficacia y no son extremadamente injustas y al que (3) pertenecen los
principios y los otros argumentos normativos em los que se apoya el procedimiento de la
aplicación del derecho y/o tiene que apoyarse a fin de satisfacer la pretensión de corrección.
[3]
Quanto à dogmática jurídica, ciência do direito em sentido estrito, Willis Santiago Guerra
Filho anota que o modelo desenvolvido por Alexy, em consonância com os ensinamentos de
seu professor Ralf Dreier, corresponde a uma abordagem de uma determinada ordem jurídica
positiva sob a perspectiva de três dimensões diferentes.[5]
A dimensão analítica tem íntima relação com a Jurisprudência dos conceitos, pelo dever
de analisar os conceitos jurídicos, suas combinações e posição no sistema. A compreensão
exaustiva dos conteúdos dos conceitos garantiria a total compreensão e segurança na
aplicação do direito[12]. Esse modelo foi criticado, mas não significa que mereça o desprezo
total. Ao contrário, Alexy entende que ele é útil, mas também insuficiente e, por isso,
representa apenas uma das dimensões da ciência jurídica, que se torna completa com o
ingresso das outras duas dimensões.
A fim de exemplificar este modelo jurídico, auxilia o estudo das diferentes abordagens do
princípio da proporcionalidade feito por Luís Virgílio Afonso da Silva, cada uma
correspondendo a dimensões diferentes. Diz o autor que, para examinar por completo a
proporcionalidade, é necessário, em primeiro lugar, analisar detalhadamente o conceito
técnico-jurídico de proporcionalidade, especialmente diferenciando-a de conceitos
tangentes (dimensão analítico-lógica). Em seguida, é necessário questionar qual a relação
entre a proporcionalidade e o direito positivo brasileiro, para que seja possível, inclusive,
exigir sua aplicabilidade (dimensão empírico-descritiva). Por último, deve-se, com base nos
resultados obtidos através das outras duas dimensões, fornecer uma resposta para o
problema enfrentado, ou seja, a proporcionalidade na prática brasileira (dimensão prático-
normativo).[13]
Alheio a este exemplo, em que se buscou uma análise a partir das três dimensões, o jurista
pode se orientar por investigações apenas em uma das dimensões, priorizando-a. Além
disso, assinala Willis Guerra Filho, as dimensões mostram a interdependência entre fato, valor
e norma. A ênfase maior em um deles marca as diferenças entre as abordagens jurídicas ao
longo da história. Por exemplo, o enfoque analítico foi prestigiado pela Jurisprudência dos
conceitos, como já se disse, e pelos estudos de Hart e Kelsen. O enfoque empírico, por outro
lado, foi priorizado pelo Movimento do Direito Livre e pelas Escolas históricas, sociológicas e
realistas, enquanto que o axiológico predominou na Jurisprudência dos interesses, teorias da
justiça e direito natural.[14]
Alexy preparou seu conceito de norma tendo em vista a importância para a compreensão
dos direitos fundamentais. Observa-se que, após a segunda guerra mundial, as constituições
intensificaram a tendência de inserção de valores em seus textos.
A identificação de uma norma deve ser feita a partir de sua própria análise, e não, da
análise do enunciado que a expressa. O critério definidor de uma norma se encontra nos
modais deônticos, cujas diferentes espécies podem ser resumidas no conceito de dever-ser.
[16]-
[17]
O conceito semântico adotado por Alexy não se confunde com o conceito de sua
validade. Significa que, apesar de se poder conciliar o conceito semântico com diferentes
teorias de validade da norma, o conceito semântico não estabelece critérios para saber
quando uma norma é válida. Assim, o jurista sugere três teorias como exemplos: a)
sociológica, onde fatos sociais são examinados para reconhecer normas válidas, como a
obediência habitual ou o sentimento de obrigatoriedade, b) jurídica, que reconhece válida a
norma produzida por uma autoridade cuja competência foi estabelecida por uma norma
superior e c) ética, onde o fundamento de validade é moral.[18]
O conceito semântico não toma como pressuposto nenhuma dessas teorias da validade,
mas também não as rechaça. Entretanto, para que elas possam dizer que uma norma é válida,
antes é preciso dizer o que é uma norma. E, para isso, Alexy entende que o conceito
semântico é o mais apropriado.[19]
Alguns autores vêem neste conceito semântico grande semelhança na noção de Kelsen
sobre norma, na medida em que este também já fazia uma estrita separação entre ser e dever
ser. É o caso, por exemplo, de Thomas da Rosa de Bustamante[20]. Inclusive, o próprio Alexy
reconhece tal semelhança, desde que seja feita uma ressalva quanto ao elemento volitivo
kelseniano (norma como produto de um ato de vontade), que não é incluído no modelo de
Alexy.[21]
Acerca das normas de direito fundamental, elas podem ser divididas em dois grupos, as
normas diretamente estatuídas pela constituição e as normas a elas adscritas. O primeiro
grupo é fácil de se entender, pois a ele correspondem as normas textualmente postas na
constituição. O segundo, porém, é resultado de uma interpretação que procura tornar mais
precisa uma norma diretamente estatuída no texto. É o resultado de uma interpretação que
torna mais claro o dispositivo constitucional.[22]
O exemplo fornecido por Alexy parte do enunciado da constituição alemã, art. 5º, § 3º, “a
ciência, a pesquisa e o ensino são livres”, para formar o enunciado “a ciência, a pesquisa e o
ensino devem ser livres”. A abertura semântica de seus termos levou o Tribunal Constitucional
Federal daquele país à formulação de um enunciado adscrito que foi utilizado como
fundamento de uma decisão – “o estado tem o dever de possibilitar e promover o livre cultivo
da ciência livre e sua transmissão às futuras gerações, facilitando os meios pessoais,
financeiros e organizacionais”. Estes enunciados, portanto, também expressam normas de
direito fundamental. [23]
O problema das normas fundamentais adscritas é descobrir qual o critério que permite
reconhecer as normas adscritas. Para Alexy, uma norma adscrita é válida quando pode
oferecer uma fundamentação jusfundamental correta, ou seja, dependerá da argumentação
empregada e não há definido um procedimento que conduza a um único resultado.[24]
Alexy sustenta a tese de que princípios e regras são normas com base no argumento de
que ambos expressam um dever ser. Portanto, ambos podem ser apoiados por um modal
deôntico[26]. Esta sentença simples ancora o resultado das discussões de décadas anteriores
acerca da normatividade dos princípios. Todas as diferenças indicadas por Alexy descrevem
os dois sob o gênero “norma”, do qual regras e princípios são espécies. Para o autor, a
diferença entre os dois não é de grau, mas, uma diferença qualitativa.
Os princípios devem ser cumpridos no maior grau possível, estando limitados pelas
possibilidades fáticas e também pelas possibilidades jurídicas, que correspondem aos
[28]
princípios e às regras opostas.[28]
Este conceito de princípio foi criticado por Aarnio e Sieckmann, pois não seria capaz de
diferenciar regras e princípios. O mandado de otimização não seria um mandado cujo
cumprimento se faz em diferentes graus, ao contrário, sua aplicação teria o mesmo caráter
definitivo das regras. É que um princípio só poderia ser cumprido ou não, o que demonstraria
que sua estrutura é a mesma de uma regra.[29]
A suposta objeção levou Alexy a aperfeiçoar sua teoria. Esclarece o autor que é preciso
diferenciar os “mandados que são otimizados” e os “mandados de otimização”. Os primeiros
são os objetos da ponderação, que podem ser identificados como um dever ser ideal. O
dever ser ideal é aquilo que deve ser otimizado e por meio da otimização é transformado num
dever ser real. Já os mandados de otimização situam-se num metanível, onde é estabelecido
o que é feito com os objetos. Estes mandados determinam que os objetos – mandados que
são otimizados – devem ser realizados na maior medida possível. Sendo assim, é este
mandado de otimização que, ao invés de dever ser otimizado, deve ser cumprido, como as
regras. Mas não se confunde com o princípio. Este, sim, deve ser otimizado.[30]
Faz sentido falar em princípios como mandados de otimização para expressar melhor o
aspecto prático envolvido na ponderação e o aspecto teórico que envolve sua
conceituação. Por isso, o conceito de princípio pode ser visto como as duas faces de uma
moeda: de um lado, o objeto que deve ser otimizado e de outro, a determinação de otimizar.
[31]
As regras, por outro lado, são normas que devem ser cumpridas ou não. Isto é, seu
cumprimento só pode ser feito de forma integral, não há hipótese de ser cumprida
parcialmente. O modo de aplicação descrito por Dworkin – tudo ou nada – foi usado por Alexy
em sua teoria, que agregou o conceito de princípios como mandados de otimização.
Quando regras indicam resultados diferentes, só existem dois caminhos para resolver a
questão: pelo menos uma das regras é declarada inválida ou é introduzida uma cláusula de
exceção em uma delas. Esta última situação afasta a necessidade de invalidação de uma
regra, permitindo que excepcionalmente ela deixe de ser aplicada.[32]
A invalidação de uma regra é feita eliminando-se do ordenamento jurídico a regra
invalidada. A validade jurídica não comporta gradação, pois uma norma é válida ou não é
válida. Sempre que são verificadas situações em que duas regras cabíveis exprimem juízos de
dever ser contraditórios entre si, é necessário que uma delas seja declarada inválida, a não ser
que seja possível a introdução de uma cláusula de exceção. A invalidação de uma regra segue
critérios clássicos para solução de antinomias, como “norma posterior derroga norma
anterior” ou “norma superior derroga norma inferior”.[33]
Em colisão, princípios indicam soluções diferentes. Não se pode declarar inválido, por
exemplo, um princípio que consagra um direito fundamental expressamente previsto por uma
constituição. A solução para o conflito só será encontrada ao observar as circunstâncias do
caso concreto. Sempre considerando a realidade do caso, Alexy propõe o estabelecimento
de uma relação de precedência[35] condicionada, isto é, examinando o caso, encontram-se
condições sob as quais um princípio precede o outro.[36]
(1) P1 P P2
(2) P2 P P1
Assim, enuncia-se num caso concreto uma condição que expressa uma precedência de
um princípio, a qual pode ser escrita nos termos de que sempre que uma ação satisfaz a
condição C, determinado princípio será priorizado em relação a outro. Pode-se perceber que
esta é uma formulação de uma regra, ou seja: se verificadas as circunstâncias de preferência
descritas por C, deve ser realizada a consequência jurídica do princípio priorizado.[39]
A regra que se extrai de uma aplicação da ponderação de princípios, para Alexy, integra o
rol das normas adscritas, que foram acima delineadas. Assim acontece, porque uma regra de
condição de precedência, desde que resulte de uma argumentação jusfundamental correta,
implica uma norma com descrição de uma hipótese que faz subsumir uma decisão, como se
fosse uma regra expressamente prevista na legislação. Essa regra configura, portanto, uma
norma de direito fundamental adscrita.[40]
Deve-se decidir qual dos princípios deve ceder à aplicação do outro, já que não é o caso
de invalidação de um direito fundamental, e, consequentemente, sua exclusão do
ordenamento jurídico. Também não existem relações de precedência absoluta, logo, o
caminho para solucionar o caso é a ponderação dos princípios.
Deste enunciado de precedência, (P1 P P2) C2, surge a regra que determina aplicação da
consequência jurídica (J) estabelecida pelo princípio P1, isto é, a proibição da exibição do
documentário: C2 à J. Esta regra corresponde a uma norma de direito fundamental adscrita.
O caráter prima facie dos princípios é diferente, pois suas determinações só são
definitivas inicialmente, antes que haja o conflito. Configurado o conflito, a resposta sobre sua
realização ou não só sairá após a ponderação.
Alexy diferencia seu modelo daquele apresentado por Dworkin, pois a descrição das
regras pelo modo de aplicação tudo ou nada não é suficiente. A este caráter Alexy
acrescentou a possibilidade de inserção de uma cláusula de exceção. Acontece que as
cláusulas de exceção, diferentemente do que sustenta Dworkin, não são teoricamente
enumeráveis.[44]
Se um princípio é afastado quando um princípio oposto tem peso maior do que ele, uma
regra não é afastada apenas porque o princípio que a sustenta tem peso menor que o
princípio oposto. Exige-se argumentação suficiente para justificar também o afastamento
dos princípios que exigem o cumprimento das regras. Assim, o caráter prima facie de uma
regra é maior quando é maior o peso dos princípios formais que determinam que as regras de
um ordenamento devem ser cumpridas. Somente se não tivessem nenhum peso tais
princípios formais, haveria equiparação entre o caráter prima facie dos princípios e das regras.
[45]
Com base na classificação de conceitos práticos elaborada por G H von Wright, Alexy
defende que o princípio se diferencia porque está no nível deontológico, enquanto que o
valor está no nível axiológico.[47] Vejamos, em apertada síntese, a classificação de von Wright.
Esta classificação é útil para diferenciar, num primeiro olhar, princípios de valores. Porém,
a relação que guardam entre si exige uma elucidação mais minuciosa.
Primeiramente, é bom diferenciar o que tem um valor daquilo que é um valor. Quem diz
que algo tem um valor expressa um juízo de valor. Mas não é o objeto deste juízo de valor que
corresponde ao valor, e sim, o critério de valoração que permite tal juízo[49]. Por exemplo, se é
utilizado o critério segurança para avaliar um brinquedo para crianças, aquele que não tiver
peças pequenas poderá ser valorado como bom. O brinquedo bom não é o valor, mas o
critério de valoração – segurança. A estes critérios correspondem os princípios.
Concluindo, a diferença entre princípios e valores é que o modelo de valores indica o que
é melhor, enquanto o modelo de princípios indica o que é devido – diferença presente nos
níveis axiológico e deontológico respectivamente.
Alexy, entretanto, alerta que é possível desenvolver uma ordem fraca ou flexível, que, ao
invés de desconsiderar, prestigia a ponderação. Para tanto, baseia-se nas preferências prima
facie que têm certos princípios ou valores e também numa rede de preferências construídas
sobre decisões concretas. As preferências prima facie são conhecidas através das cargas de
argumentação concebidas a favor de certos princípios, por exemplo, princípios que
consagram a liberdade e a igualdade. Uma rede de preferências é formada com apoio das
decisões de um tribunal, que ao longo do tempo expressou preferências de alguns de
princípios em relação a outros. A vantagem desta ordem é que ela poderá sempre ser
reavaliada em face de um caso concreto e não afasta a importância da ponderação para
solucioná-lo.[50]
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Sobre o autor
LIMA, André Canuto de F.. A teoria dos princípios de Robert Alexy. Revista Jus Navigandi, ISSN
1518−4862, Teresina, ano 19, n. 4078, 31 ago. 2014. Disponível em:
https://jus.com.br/artigos/31472. Acesso em: 12 jun. 2022.
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