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A teoria dos princípios de Robert Alexy


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A chamada “lei de colisão”, que representa um dos principais fundamentos da teoria dos
princípios de Alexy, é um reflexo da característica de otimização dos princípios e da
inexistência de prioridades absolutas entre eles.
André Canuto de F. Lima

INTRODUÇÃO
A princípio, Robert Alexy verifica que o conceito correto ou adequado de direito é
resultado da relação de três elementos: legalidade conforme o ordenamento, eficácia social
e correção material. Sem esses três elementos, obter-se-á um conceito de direito positivista
ou jusnaturalista.

Alexy elaborou sua teoria dos direitos fundamentais com base na tipologia das “normas
jurídicas”, cujas espécies são: regras e princípios. Ele preparou o seu conceito de norma –
denominado conceito semântico – tendo em vista a importância para a compreensão dos
direitos fundamentais e para suplantar as dúvidas existentes sobre a diferenciação entre
princípios e regras. 29/08/2014 às 16:38

As normas de direito fundamental podem ser divididas em dois grupos: as normas


diretamente estatuídas pela constituição e as normas a elas adscritas. O primeiro grupo
corresponde às normas textualmente postas na constituição. O segundo, porém, é resultado
de uma interpretação que torna mais claro o dispositivo constitucional.

Alexy sustenta a tese de que princípios e regras são normas com base no argumento de
que ambos expressam um dever ser. Para o autor, a diferença entre os dois não é de grau,
mas, uma diferença qualitativa.

A novidade da teoria de Alexy, ao distinguir princípios e regras, localiza-se no conceito de


princípio: uma norma que ordena que algo seja realizado na maior medida possível, dentro
das possibilidades fáticas e jurídicas. Constituem “mandados – ou mandamentos – de
otimização”. Este conceito de princípio foi criticado por Aarnio e Sieckmann, pois não seria
capaz de diferenciar regras e princípios.

As regras, por outro lado, são normas que devem ser cumpridas de maneira exata. Isto é,
seu cumprimento só pode ser feito de forma integral.

Quando há conflito entre regras, existem dois caminhos para se resolver a questão: pelo
menos uma das regras é declarada inválida ou é introduzida uma cláusula de exceção em uma
delas.

Quando há colisão entre princípios, um dos princípios deve ceder frente ao outro. Nesse
caso, a resolução se dá conforme a dimensão de peso entre os princípios envolvidos, de
acordo com as circunstâncias do caso concreto.

Esta é a chamada “lei de colisão”, que representa um dos principais fundamentos da


teoria dos princípios de Alexy. É um reflexo da característica de otimização dos princípios e da
inexistência de prioridades absolutas entre eles. Através da ponderação se soluciona o
conflito entre princípios e a regra que se extrai da aplicação da ponderação de princípios,
para Alexy, integra o rol das normas adscritas.

É importante mencionar que existe diferença entre princípios e valores. O modelo de


valores indica o que é melhor, enquanto o modelo de princípios indica o que é devido –
diferença presente nos níveis axiológico e deontológico respectivamente.

Por fim, Humberto Ávila, ao elaborar sua teoria dos princípios, formulou algumas críticas
contra os critérios utilizados pela doutrina para distinguir regras e princípios. Para o autor, a
ponderação não é utilizada exclusivamente em casos de aplicação de princípios: opera
também no âmbito das regras.

1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES SOBRE O PENSAMENTO DE ROBERT


ALEXY
Robert Alexy, jurista alemão, elaborou sua teoria dos direitos fundamentais com base na
tipologia das normas jurídicas, cujas espécies são regras e princípios. Tal tipologia foi
essencial para a construção de sua teoria dos direitos fundamentais, como será apresentado
adiante.

Antes de abordar esses temas, contudo, faz-se necessário apresentar resumidamente as


ideias do autor sobre o direito e sua metodologia.

Alexy desenvolveu suas teses com base na superação da dicotomia existente entre
direito positivo e direito natural. Tanto assim que, ao dissertar sobre o problema do conceito
de direito, considera três características principais sem as quais há o risco de se cair ou no
positivismo ou no jusnaturalismo.[1]

Para ele, quem deseja saber qual conceito de direito é correto ou adequado precisará
relacionar três elementos: o da legalidade conforme o ordenamento, o da eficácia social e o
da correção material. Sem a conjugação desses três elementos, entende Alexy, obter-se-á
um conceito de direito positivista ou jusnaturalista.[2]

É positivista o conceito de direito que for descrito apenas com a legalidade ou a eficácia
social, sem haver, portanto, a ideia de correção material. Por sua vez, o direito natural elabora
um conceito de direito baseado unicamente em sua correção material. Quanto ao
positivismo, há também variações de seu conceito, as quais dependem da ênfase que é dada
aos dois elementos – legalidade e eficácia – e à relação existente entre eles.
Afastando as nuances de cada visão positivista apresentadas por Alexy, que não cabem
nos propósitos deste trabalho, é necessário compreender que o conceito de direito utilizado
pelo autor, que segue abaixo, abrange a legalidade, a eficácia e a correção.

El derecho es un sistema de normas que (1) formula uma pretensión de corrección, (2)
consiste em la totalidad de las normas que pertenecen a uma Constitución em general eficaz
y no son extremadamente injustas, como así también em la totalidad de las normas
promulgadas de acuerdo com esta Constitución y que poseen um mínimo de eficacia social o
de probabilidad de eficacia y no son extremadamente injustas y al que (3) pertenecen los
principios y los otros argumentos normativos em los que se apoya el procedimiento de la
aplicación del derecho y/o tiene que apoyarse a fin de satisfacer la pretensión de corrección.
[3]

Neste conceito encontram-se os três elementos referidos acima. A preocupação com a


correção material, agregada da legalidade e da eficácia social, caracteriza, no entender de
Robert Alexy, a superação do positivismo jurídico. Neste ponto, exerce função importante
justamente o reconhecimento da valoração na ciência jurídica, sem, contudo, ignorar sua
racionalidade.[4]

Quanto à dogmática jurídica, ciência do direito em sentido estrito, Willis Santiago Guerra
Filho anota que o modelo desenvolvido por Alexy, em consonância com os ensinamentos de
seu professor Ralf Dreier, corresponde a uma abordagem de uma determinada ordem jurídica
positiva sob a perspectiva de três dimensões diferentes.[5]

As dimensões são observadas a partir de três atividades da ciência do direito em sentido


estrito: (1) a descrição do direito vigente, (2) análise sistemática e conceitual e (3)
desenvolvimento de propostas para solucionar casos problemáticos. Assim, as três
dimensões que possui a ciência do direito são: a empírico-descritiva, a analítico-lógica e a
prático-normativa.[6]

Na dimensão empírico-descritiva, efetua-se o conhecimento de uma ordem jurídica


positivamente válida[7]. É também o momento de descrição da prática dos tribunais[8]. A
dimensão analítico-lógica tem a função de examinar os conceitos jurídicos e as relações
entre as diferentes normas, além de se dedicar também à estrutura do sistema jurídico[9]. A
dimensão prático-normativa vai além da descrição e conceituação, atingindo o campo da
orientação e crítica da prática jurídica, mormente da pratica judicial. Cumpre indagar, num
caso concreto e sob o direito positivo válido, qual a decisão correta[10]. Aqui, abre-se espaço
para o estudo de “questões relativas a valores” que foram mal resolvidas pelo conjunto
normativo e exigem o exame crítico. Para tanto, é necessário que os conceitos estejam claros
e o sistema formado por eles demonstre coerência.[11]

A dimensão analítica tem íntima relação com a Jurisprudência dos conceitos, pelo dever
de analisar os conceitos jurídicos, suas combinações e posição no sistema. A compreensão
exaustiva dos conteúdos dos conceitos garantiria a total compreensão e segurança na
aplicação do direito[12]. Esse modelo foi criticado, mas não significa que mereça o desprezo
total. Ao contrário, Alexy entende que ele é útil, mas também insuficiente e, por isso,
representa apenas uma das dimensões da ciência jurídica, que se torna completa com o
ingresso das outras duas dimensões.

A fim de exemplificar este modelo jurídico, auxilia o estudo das diferentes abordagens do
princípio da proporcionalidade feito por Luís Virgílio Afonso da Silva, cada uma
correspondendo a dimensões diferentes. Diz o autor que, para examinar por completo a
proporcionalidade, é necessário, em primeiro lugar, analisar detalhadamente o conceito
técnico-jurídico de proporcionalidade, especialmente diferenciando-a de conceitos
tangentes (dimensão analítico-lógica). Em seguida, é necessário questionar qual a relação
entre a proporcionalidade e o direito positivo brasileiro, para que seja possível, inclusive,
exigir sua aplicabilidade (dimensão empírico-descritiva). Por último, deve-se, com base nos
resultados obtidos através das outras duas dimensões, fornecer uma resposta para o
problema enfrentado, ou seja, a proporcionalidade na prática brasileira (dimensão prático-
normativo).[13]

Alheio a este exemplo, em que se buscou uma análise a partir das três dimensões, o jurista
pode se orientar por investigações apenas em uma das dimensões, priorizando-a. Além
disso, assinala Willis Guerra Filho, as dimensões mostram a interdependência entre fato, valor
e norma. A ênfase maior em um deles marca as diferenças entre as abordagens jurídicas ao
longo da história. Por exemplo, o enfoque analítico foi prestigiado pela Jurisprudência dos
conceitos, como já se disse, e pelos estudos de Hart e Kelsen. O enfoque empírico, por outro
lado, foi priorizado pelo Movimento do Direito Livre e pelas Escolas históricas, sociológicas e
realistas, enquanto que o axiológico predominou na Jurisprudência dos interesses, teorias da
justiça e direito natural.[14]

2. O CONCEITO DE NORMA ELABORADO POR ALEXY

Alexy preparou seu conceito de norma tendo em vista a importância para a compreensão
dos direitos fundamentais. Observa-se que, após a segunda guerra mundial, as constituições
intensificaram a tendência de inserção de valores em seus textos.

O conceito de norma obviamente não poderia se restringir ao modelo tradicional. Alexy


desenvolveu um conceito de norma e sua respectiva tipologia para suplantar as dúvidas
existentes sobre a diferenciação entre princípios e regras.

Alexy elaborou um conceito – denominado conceito semântico – cujo ponto de partida é


a diferenciação entre norma e enunciado normativo: a norma é o significado de um enunciado
normativo. A necessidade de diferenciá-los é vista no fato de que uma única norma pode ser
expressa através de inúmeros enunciados, além de se poder expressar normas sem haver
enunciado, como, por exemplo, as normas produzidas por um semáforo.[15]

A identificação de uma norma deve ser feita a partir de sua própria análise, e não, da
análise do enunciado que a expressa. O critério definidor de uma norma se encontra nos
modais deônticos, cujas diferentes espécies podem ser resumidas no conceito de dever-ser.
[16]-
[17]

O conceito semântico adotado por Alexy não se confunde com o conceito de sua
validade. Significa que, apesar de se poder conciliar o conceito semântico com diferentes
teorias de validade da norma, o conceito semântico não estabelece critérios para saber
quando uma norma é válida. Assim, o jurista sugere três teorias como exemplos: a)
sociológica, onde fatos sociais são examinados para reconhecer normas válidas, como a
obediência habitual ou o sentimento de obrigatoriedade, b) jurídica, que reconhece válida a
norma produzida por uma autoridade cuja competência foi estabelecida por uma norma
superior e c) ética, onde o fundamento de validade é moral.[18]

O conceito semântico não toma como pressuposto nenhuma dessas teorias da validade,
mas também não as rechaça. Entretanto, para que elas possam dizer que uma norma é válida,
antes é preciso dizer o que é uma norma. E, para isso, Alexy entende que o conceito
semântico é o mais apropriado.[19]

Alguns autores vêem neste conceito semântico grande semelhança na noção de Kelsen
sobre norma, na medida em que este também já fazia uma estrita separação entre ser e dever
ser. É o caso, por exemplo, de Thomas da Rosa de Bustamante[20]. Inclusive, o próprio Alexy
reconhece tal semelhança, desde que seja feita uma ressalva quanto ao elemento volitivo
kelseniano (norma como produto de um ato de vontade), que não é incluído no modelo de
Alexy.[21]

Acerca das normas de direito fundamental, elas podem ser divididas em dois grupos, as
normas diretamente estatuídas pela constituição e as normas a elas adscritas. O primeiro
grupo é fácil de se entender, pois a ele correspondem as normas textualmente postas na
constituição. O segundo, porém, é resultado de uma interpretação que procura tornar mais
precisa uma norma diretamente estatuída no texto. É o resultado de uma interpretação que
torna mais claro o dispositivo constitucional.[22]
O exemplo fornecido por Alexy parte do enunciado da constituição alemã, art. 5º, § 3º, “a
ciência, a pesquisa e o ensino são livres”, para formar o enunciado “a ciência, a pesquisa e o
ensino devem ser livres”. A abertura semântica de seus termos levou o Tribunal Constitucional
Federal daquele país à formulação de um enunciado adscrito que foi utilizado como
fundamento de uma decisão – “o estado tem o dever de possibilitar e promover o livre cultivo
da ciência livre e sua transmissão às futuras gerações, facilitando os meios pessoais,
financeiros e organizacionais”. Estes enunciados, portanto, também expressam normas de
direito fundamental. [23]

O problema das normas fundamentais adscritas é descobrir qual o critério que permite
reconhecer as normas adscritas. Para Alexy, uma norma adscrita é válida quando pode
oferecer uma fundamentação jusfundamental correta, ou seja, dependerá da argumentação
empregada e não há definido um procedimento que conduza a um único resultado.[24]

3. A ESTRUTURA DAS NORMAS


As normas podem se estruturar sob duas formas, regras ou princípios, o que implica
repudiar a diferenciação feita antigamente entre normas e princípios. O que é uma regra e o
que é um princípio, no entanto, representa a grande questão a ser discutida.

Canotilho enumerou cinco critérios encontrados na doutrina para diferenciá-las: a) grau


de abstração – princípios possuem grau maior do que as regras; b) grau de determinabilidade
na aplicação – os princípios precisam de mediação para ser aplicados, enquanto as regras
possibilitam aplicação direta; c) fundamentabilidade no sistema das fontes de direito – os
princípios localizam-se hierarquicamente em altos patamares (como os princípios
constitucionais) ou tem importante função estruturante no sistema jurídico; d) proximidade da
ideia de direito – princípios são radicados na ideia da justiça, para Dworkin, ou na ideia de
direito, para Karl Larenz, enquanto as regras podem ser normas com caráter apenas funcional;
e) natureza normogenética – princípios são fundamento de regras.[25]

Alexy sustenta a tese de que princípios e regras são normas com base no argumento de
que ambos expressam um dever ser. Portanto, ambos podem ser apoiados por um modal
deôntico[26]. Esta sentença simples ancora o resultado das discussões de décadas anteriores
acerca da normatividade dos princípios. Todas as diferenças indicadas por Alexy descrevem
os dois sob o gênero “norma”, do qual regras e princípios são espécies. Para o autor, a
diferença entre os dois não é de grau, mas, uma diferença qualitativa.

A novidade da teoria de Alexy, ao distinguir princípios e regras, localiza-se no conceito de


princípio: uma norma que ordena que algo seja realizado na maior medida possível, dentro
das possibilidades fáticas e jurídicas. Os princípios constituem o que Alexy denomina
“mandados – ou mandamentos – de otimização”. É bom anotar que mandamento se refere
tanto a permissão quanto a proibição.[27]

Os princípios devem ser cumpridos no maior grau possível, estando limitados pelas
possibilidades fáticas e também pelas possibilidades jurídicas, que correspondem aos
[28]
princípios e às regras opostas.[28]

Este conceito de princípio foi criticado por Aarnio e Sieckmann, pois não seria capaz de
diferenciar regras e princípios. O mandado de otimização não seria um mandado cujo
cumprimento se faz em diferentes graus, ao contrário, sua aplicação teria o mesmo caráter
definitivo das regras. É que um princípio só poderia ser cumprido ou não, o que demonstraria
que sua estrutura é a mesma de uma regra.[29]

A suposta objeção levou Alexy a aperfeiçoar sua teoria. Esclarece o autor que é preciso
diferenciar os “mandados que são otimizados” e os “mandados de otimização”. Os primeiros
são os objetos da ponderação, que podem ser identificados como um dever ser ideal. O
dever ser ideal é aquilo que deve ser otimizado e por meio da otimização é transformado num
dever ser real. Já os mandados de otimização situam-se num metanível, onde é estabelecido
o que é feito com os objetos. Estes mandados determinam que os objetos – mandados que
são otimizados – devem ser realizados na maior medida possível. Sendo assim, é este
mandado de otimização que, ao invés de dever ser otimizado, deve ser cumprido, como as
regras. Mas não se confunde com o princípio. Este, sim, deve ser otimizado.[30]

Faz sentido falar em princípios como mandados de otimização para expressar melhor o
aspecto prático envolvido na ponderação e o aspecto teórico que envolve sua
conceituação. Por isso, o conceito de princípio pode ser visto como as duas faces de uma
moeda: de um lado, o objeto que deve ser otimizado e de outro, a determinação de otimizar.
[31]

Manteremos neste trabalho a expressão “mandado de otimização”, por já estar


reconhecida como o cerne da proposta de diferenciação de Alexy, mas tendo sempre em
vista a duplicidade que envolve o conceito de princípio. Aliás, em seus escritos recentes Alexy
tem optado também pela denominação já consagrada.

As regras, por outro lado, são normas que devem ser cumpridas ou não. Isto é, seu
cumprimento só pode ser feito de forma integral, não há hipótese de ser cumprida
parcialmente. O modo de aplicação descrito por Dworkin – tudo ou nada – foi usado por Alexy
em sua teoria, que agregou o conceito de princípios como mandados de otimização.

Esta diferenciação ganha importância quando examinados os embates que ocorrem


entre regras e os embates entre princípios. Tanto regras quanto princípios, ao se chocarem,
conduzem a respostas diferentes. A solução, contudo, é distinta para as duas espécies de
normas – esse o motivo para ser denominado de conflito o embate entre as regras e de
colisão o embate entre princípios.

Quando regras indicam resultados diferentes, só existem dois caminhos para resolver a
questão: pelo menos uma das regras é declarada inválida ou é introduzida uma cláusula de
exceção em uma delas. Esta última situação afasta a necessidade de invalidação de uma
regra, permitindo que excepcionalmente ela deixe de ser aplicada.[32]
A invalidação de uma regra é feita eliminando-se do ordenamento jurídico a regra
invalidada. A validade jurídica não comporta gradação, pois uma norma é válida ou não é
válida. Sempre que são verificadas situações em que duas regras cabíveis exprimem juízos de
dever ser contraditórios entre si, é necessário que uma delas seja declarada inválida, a não ser
que seja possível a introdução de uma cláusula de exceção. A invalidação de uma regra segue
critérios clássicos para solução de antinomias, como “norma posterior derroga norma
anterior” ou “norma superior derroga norma inferior”.[33]

Com os princípios, a solução é encontrada de maneira diferente. Ao colidirem, um dos


princípios deve ceder frente ao outro, ao invés de ser invalidado ou haver sido introduzida uma
cláusula de exceção. Em certas circunstâncias, alguns princípios têm preferência sobre
outros, uma vez que certo princípio terá maior peso do que outro no caso concreto. Esta é
precisamente a diferença em relação ao conflito de regras. É que tais conflitos são resolvidos
na dimensão de validade, enquanto que as colisões são resolvidas na dimensão de peso.[34]

Em colisão, princípios indicam soluções diferentes. Não se pode declarar inválido, por
exemplo, um princípio que consagra um direito fundamental expressamente previsto por uma
constituição. A solução para o conflito só será encontrada ao observar as circunstâncias do
caso concreto. Sempre considerando a realidade do caso, Alexy propõe o estabelecimento
de uma relação de precedência[35] condicionada, isto é, examinando o caso, encontram-se
condições sob as quais um princípio precede o outro.[36]

Alexy sustenta que a colisão de dois princípios P1 e P2 acarretam em juízos concretos


contraditórios, como “está autorizado” e “está proibido”. A solução pode ser encontrada
através do estabelecimento de uma relação de precedência de um frente ao outro. Se fosse
considerada também a hipótese de haver uma precedência absoluta de um princípio frente
ao outro, existiriam quatro soluções possíveis. Nestas relações, P indica a relação de
precedência e C, as condições sob as quais um princípio precede o outro[37]:

(1)  P1 P P2

(2)  P2 P P1

(3)  (P1 P P2) C

(4) (P2 P P1) C

Em (1) e (2) há relações de precedência absoluta de um princípio sobre o outro. O Tribunal


Constitucional da Alemanha, entretanto, não aceita essa possibilidade para os casos de
colisões de princípios de direito constitucional. Em (3) e (4) há relações de precedência
condicionada, ou seja, a precedência existe desde que sejam verificadas certas condições.
Para a fixação destas condições, o Tribunal se vale do peso de cada princípio, para saber qual
é o mais importante e, com isso, resolver o caso.[38]

Assim, enuncia-se num caso concreto uma condição que expressa uma precedência de
um princípio, a qual pode ser escrita nos termos de que sempre que uma ação satisfaz a
condição C, determinado princípio será priorizado em relação a outro. Pode-se perceber que
esta é uma formulação de uma regra, ou seja: se verificadas as circunstâncias de preferência
descritas por C, deve ser realizada a consequência jurídica do princípio priorizado.[39]

Esta é a chamada “lei de colisão”, que representa um dos principais fundamentos da


teoria dos princípios de Alexy. É um reflexo da característica de otimização dos princípios e da
inexistência de prioridades absolutas entre eles. Através de uma ponderação se soluciona o
conflito entre princípios, os quais são também chamados pelo Tribunal Constitucional Alemão
de valores. A relação entre valores e princípios será examinada abaixo.

A regra que se extrai de uma aplicação da ponderação de princípios, para Alexy, integra o
rol das normas adscritas, que foram acima delineadas. Assim acontece, porque uma regra de
condição de precedência, desde que resulte de uma argumentação jusfundamental correta,
implica uma norma com descrição de uma hipótese que faz subsumir uma decisão, como se
fosse uma regra expressamente prevista na legislação. Essa regra configura, portanto, uma
norma de direito fundamental adscrita.[40]

A fim de esclarecer as questões teóricas indicadas aqui, apresenta-se como exemplo um


caso resolvido pelo Tribunal Constitucional Alemão.

No caso Lebach, uma emissora de televisão exibiria um documentário sobre o


assassinato de soldados. Uma pessoa que foi condenada por ser cúmplice do delito grave e
estava na iminência de ser solta entendeu que o documentário, no qual eram mostradas fotos
suas, colocaria em risco um direito à personalidade, mormente, sua ressocialização, direito
fundamental inscrito na constituição daquele país. Em contraposição, impedir a veiculação
do documentário implicaria o cerceamento da liberdade de informação, outro direito
fundamental protegido pela constituição. Representado o primeiro por P1 e o segundo por
P2, percebe-se que direcionam a soluções distintas: este garante a exibição e aquele, sua
proibição[41].

Deve-se decidir qual dos princípios deve ceder à aplicação do outro, já que não é o caso
de invalidação de um direito fundamental, e, consequentemente, sua exclusão do
ordenamento jurídico. Também não existem relações de precedência absoluta, logo, o
caminho para solucionar o caso é a ponderação dos princípios.

O Tribunal entende que, em condições de informação atual sobre crimes (C1), há


precedência da liberdade de informação (P2), ou seja, (P2 P P1) C1. Esta relação de
precedência se aplica quando houver atualidade da informação. Portanto, é uma regra que se
aplica sob esta condição. Todavia, o caso Lebach se refere à veiculação de uma informação
que já foi divulgada amplamente no período de acontecimento do crime, bem como da
condenação do réu. Haveria uma repetição de notícia que não atende a interesses atuais de
informação, à custa do direito de ressocialização, prejudicada também pela comoção que
seria causada diante da gravidade do delito. Por esta razão, o caso não se enquadra em C1, já
que existe outra situação fática. Nela (C2), o tribunal entendeu que a repetição de informação
antiga não tem peso maior do que o direito à ressocialização do preso, portanto, o direito à
personalidade do criminoso, neste caso, tem precedência em relação ao direito à
informação, isto é: (P1 P P2) C2. Esta condição de precedência (C2) é dividida em quatro
condições – repetição, falta de interesse atual, delito grave e, consequentemente, perigo
para ressocialização.[42]

Deste enunciado de precedência, (P1 P P2) C2, surge a regra que determina aplicação da
consequência jurídica (J) estabelecida pelo princípio P1, isto é, a proibição da exibição do
documentário: C2 à J. Esta regra corresponde a uma norma de direito fundamental adscrita.

3.1. Caráter prima facie

Regras e princípios possuem, na visão de Alexy, um diferente caráter prima facie.


Enquanto um princípio determina que algo seja realizado nas máximas medidas possíveis,
levando em conta as possibilidades fáticas e jurídicas, uma regra válida impõe sua
determinação de maneira exata, a não ser que haja uma cláusula de exceção. Os conflitos de
princípios, por não serem resolvidos no âmbito da validade, exigem a observação das razões
de um e outro princípio, para saber qual será afastado.[43]

O caráter prima facie dos princípios é diferente, pois suas determinações só são
definitivas inicialmente, antes que haja o conflito. Configurado o conflito, a resposta sobre sua
realização ou não só sairá após a ponderação.

Alexy diferencia seu modelo daquele apresentado por Dworkin, pois a descrição das
regras pelo modo de aplicação tudo ou nada não é suficiente. A este caráter Alexy
acrescentou a possibilidade de inserção de uma cláusula de exceção. Acontece que as
cláusulas de exceção, diferentemente do que sustenta Dworkin, não são teoricamente
enumeráveis.[44]

Se um princípio é afastado quando um princípio oposto tem peso maior do que ele, uma
regra não é afastada apenas porque o princípio que a sustenta tem peso menor que o
princípio oposto. Exige-se argumentação suficiente para justificar também o afastamento
dos princípios que exigem o cumprimento das regras. Assim, o caráter prima facie de uma
regra é maior quando é maior o peso dos princípios formais que determinam que as regras de
um ordenamento devem ser cumpridas. Somente se não tivessem nenhum peso tais
princípios formais, haveria equiparação entre o caráter prima facie dos princípios e das regras.
[45]

3.2. Dos valores aos princípios

Alexy sustenta que há duas características em comum que ligam imediatamente


princípios e valores. De um lado, assim como se fala em conflito e ponderação de princípios,
fala-se em conflito e ponderação de valores. De outro, cumprir-se parcial ou gradualmente
um princípio é equivalente à realização gradual dos valores. Alexy anota que o Tribunal
Constitucional Alemão fez inúmeras referências a princípios como sendo valores[46].

Com base na classificação de conceitos práticos elaborada por G H von Wright, Alexy
defende que o princípio se diferencia porque está no nível deontológico, enquanto que o
valor está no nível axiológico.[47] Vejamos, em apertada síntese, a classificação de von Wright.

Os conceitos práticos se dividem em três grupos: antropológicos, axiológicos e


deontológicos. Conceitos antropológicos abordam a vontade, o interesse, a necessidade e
as ações. Os conceitos axiológicos, por sua vez, têm como questão essencial o que é bom.
Os variados conceitos axiológicos se modificam conforme os critérios que qualificam algo
como bom. Por fim, os conceitos deontológicos podem ser ligados a um conceito deôntico
fundamental, o de mandado ou dever ser. Assim, essa divisão permite enquadrar os princípios
na classe dos conceitos deontológicos e os valores na classe dos conceitos axiológicos.[48]

Esta classificação é útil para diferenciar, num primeiro olhar, princípios de valores. Porém,
a relação que guardam entre si exige uma elucidação mais minuciosa.

Primeiramente, é bom diferenciar o que tem um valor daquilo que é um valor. Quem diz
que algo tem um valor expressa um juízo de valor. Mas não é o objeto deste juízo de valor que
corresponde ao valor, e sim, o critério de valoração que permite tal juízo[49]. Por exemplo, se é
utilizado o critério segurança para avaliar um brinquedo para crianças, aquele que não tiver
peças pequenas poderá ser valorado como bom. O brinquedo bom não é o valor, mas o
critério de valoração – segurança. A estes critérios correspondem os princípios.

Concluindo, a diferença entre princípios e valores é que o modelo de valores indica o que
é melhor, enquanto o modelo de princípios indica o que é devido – diferença presente nos
níveis axiológico e deontológico respectivamente.

Muito controversa é a construção de uma ordem hierárquica de valores. A tentativa


esbarra inicialmente na impossibilidade de formação de um catálogo exaustivo de valores.
Ainda pior é a pretensa elaboração de uma ordem abstrata e com vinculação absoluta. O
mesmo vale para os princípios jurídicos que constituem direitos fundamentais, pois se exigiria,
de imediato, que uma tal ordem desconsiderasse por completo o caso concreto e não
pudesse ser relativizada à luz das peculiaridades fáticas. Esta configura uma ordem rígida.

Alexy, entretanto, alerta que é possível desenvolver uma ordem fraca ou flexível, que, ao
invés de desconsiderar, prestigia a ponderação. Para tanto, baseia-se nas preferências prima
facie que têm certos princípios ou valores e também numa rede de preferências construídas
sobre decisões concretas. As preferências prima facie são conhecidas através das cargas de
argumentação concebidas a favor de certos princípios, por exemplo, princípios que
consagram a liberdade e a igualdade. Uma rede de preferências é formada com apoio das
decisões de um tribunal, que ao longo do tempo expressou preferências de alguns de
princípios em relação a outros. A vantagem desta ordem é que ela poderá sempre ser
reavaliada em face de um caso concreto e não afasta a importância da ponderação para
solucioná-lo.[50]

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Assuntos relacionados

Direito Constitucional Filosofia do Direito Normas jurídicas

Princípios (Direito Constitucional) Filósofos do Direito Robert Alexy

Ponderação de princípios
Sobre o autor

André Canuto de F. Lima


Analista Judiciário lotado no Supremo Tribunal Federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, André Canuto de F.. A teoria dos princípios de Robert Alexy. Revista Jus Navigandi, ISSN
1518−4862, Teresina, ano 19, n. 4078, 31 ago. 2014. Disponível em:
https://jus.com.br/artigos/31472. Acesso em: 12 jun. 2022.

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