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RESUMO DO LIVRO DO EXAMINADOR DAVID DANTAS

INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL NO PÓS-POSITIVISMO

Responsável pelo resumo: Semon Bolivar

Revisão: Charles Azevedo

INTRODUÇÃO
CAPÍTULO I
Um dos pontos centrais de nossa obra, e que nos fez optar por um estudo um pouco mais demorado da teoria dos
sistemas, é que sistematização e interpretação são conceitos que estão reciprocamente relacionados. A
sistematização do Direito não pode ser levada a efeito sem que se considere o conhecimento detalhado das normas
(e vice-versa).

O produto dessa atividade conjunta (sistematização/interpretação) fornece ao aplicador do Direito uma "lente"
pela qual pode ver o ordenamento jurídico e, conseguintemente, realizar a Constituição.

Em nosso sentir a missão de concretizar a Constituição não terá sucesso sem que o intérprete empregue
metodologia de pesquisa no Direito "inclusiva", com franca disponibilidade e abertura interdisciplinar (ciência,
história, filosofia, teoria da argumentação etc.).

Veremos que os diversos métodos de interpretação são úteis na obtenção da concretização constitucional. Como
experiência prática na realização constitucional (Capítulo 6), optamos pela metódica estruturante de F. Müller, que
possui entre suas características a incorporação também de métodos clássicos. Nestes, haverá acentuado emprego
do método teleológico/sistemático.

Não desenvolveremos uma "teoria da argumentação", embora reconheçamos que a fundamentação moral e
política dos princípios jurídicos é o alicerce da legitimidade do Direito, intimamente ligada aos procedimentos de
que provêm o conteúdo das normas jurídicas. Optamos, em lugar de estudar os vários aspectos da argumentação
jurídica no plano teórico, praticar a argumentação em casos práticos. Ao fazê-lo, elegemos: a) a teoria da
argumentação de R. Alexy; b) conjugada com a abordagem de "princípios" em Dworkin; c) e com a metodologia
estruturante de F. Müller (v. caso paradigmático em 6.2).

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Argumentação
em casos
práticos

Metodologia
Estruturante
(Friedrich Müller)

Teoria da
Argumentação
(Robert Alexy)

Abordagem de
Princípios
(Ronald Dworkin)

CAPÍTULO 02
PRINCÍPIOS
Nessa fase de nosso labor, iniciaremos por estudar o que se entende por "princípios". Veremos que se trata de
conceito plurissignificativo, pelo qual a moral ingressa no Direito, sendo de grande potencial na justificação de
decisões proferidas pelos juízes em hard cases. Isso nos permitirá concluir pela pertinência de ambos os conceitos
dentro do gênero "normas" e por uma posição moderada quanto à distinção entre princípios e regras: haveria
distinção de grau entre esses conceitos, com função eminentemente pragmática e, portanto, com relevância na
interpretação e concretização constitucional.

Sobre as relações dos princípios constitucionais e a criatividade judicial, resumimos nossa posição da seguinte
maneira: apenas compreenderemos o poder criativo dos juízes olhando a "criatividade judicial" com as lentes da
tríade: princípios/valores (conceito), teoria (concepção) e solução de problemas. Recordemos que a necessidade
de realizar a interpretação constitucional operativa se inicia com a presença de um "problema a resolver". Qualquer
que seja a solução escolhida pelo juiz, para que seja legítima deverá ser amparada em princípio ou valor
constitucional. Esse diálogo do juiz com os valores constitucionais deve apresentar duas notas. Primeiro: reproduzir
uma interpretação razoavelmente objetiva dos valores em causa. Segundo: deve explicitar as teorias de Direito -
inclusive, sendo o caso, teorias específicas (v.g., sobre determinado direito fundamental) - em que se baseia a
decisão, de modo a ser transparente, facilitando controle e crítica e, consequentemente, contribuindo para sua
legitimidade (aceitação). Em suma, deverá utilizar seu poder criativo para resolver o hard case, apresentando uma
concepção que seja a mais perfeita concretização possível do conceito constitucional pertinente, invocando, para
tanto, a melhor e mais adequada teoria do Direito.

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Teoria
Princípios

Solução de
problemas

Criatividade Judicial

Os princípios possuem uma pluralidade de significados ("núcleo básico", "guia/orientação", "fonte geradora",
"finalidade/meta", "premissa/axioma", "verdade ética inquestionável", "máxima/aforismo"). Todos esses focos de
significação de "princípio" são empregados na linguagem ordinária, dependendo do contexto de utilização. Entre as
funções dos princípios, destacam-se o papel de integrar e corrigir o ordenamento/Constituição (funções explicativa
e justificadora), além da atribuição de uma dimensão valorativa própria à realidade.

Os princípios, nada obstante sejam veículos de valores, com estes não se confundem. Os princípios pertencem à
deontologia, enquanto os valores à axiologia. Igualmente, norma e texto da norma também são conceitos que não
se confundem. A norma jurídica é entendida como "construção" de sentido a partir do texto. Na concretização, a
partir de princípios se "constrói" a norma/resultado.

PRINCÍPIOS VALORES
Deontologia Axiologia

Propomos perspectivar os princípios em suas relações com as fontes do Direito. Assim, os princípios jurídicos
positivos e implícitos podem ser vistos como criação do Direito pela via interpretativa. Com a adoção de um
conceito de fonte em sentido amplo, que incorpora as razões que são utilizadas na motivação da interpretação, os
princípios jurídicos - inclusive aqueles que têm natureza moral - podem ser considerados fontes do Direito lato
sensu.

Com a contribuição da teoria dogmático-jurídica, impulsionados pela criatividade judicial, os princípios apresentam
uma dupla dinâmica: por um lado, são os pontos de partida para a construção de normas (dos "conceitos" à
"concepção"); por outro, os princípios são obtidos com a interpretação de normas (das "concepções" aos
"conceitos").

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Os princípios morais (fonte lato sensu) ingressam no Direito pela via da argumentação jurídica (contexto jurídico).
Esses princípios são relevantes no discurso justificatório para superar as inevitáveis indeterminações que a norma
constitucional apresenta.

CAPÍTULO 03
PRINCÍPIOS E REGRAS
PRINCÍPIOS EM ROBERT ALEXY
Alexy pondera que o critério mais comumente utilizado pelos estudiosos para mostrar a distinção é o da
"generalidade" - os princípios seriam normas dotadas de alto grau de generalidade, enquanto as regras seriam
portadoras de baixo nível de generalidade.

Para Alexy, entre princípios e regras não temos apenas diferença de grau (maior ou menor nível de generalidade),
mas, diferença sobretudo qualitativa. Para tanto, parte esse autor da pertinência dos princípios à classe das normas,
mais especificamente como "determinações de otimização" (optimieurungsgebot), com um individualizador
particular: são normas que podem ser cumpridas em diversos graus. Ademais, explica Alexy, as regras são normas
que podem sempre ser cumpridas ou não, e quando uma regra vale, então se há de fazer exatamente o que ela
exige. Nem mais nem menos. Em suma, para esse culto autor, os princípios são qualificados como "determinações
de otimização que se caracterizam pelo fato de poderem ser cumpridas em diferentes graus, sendo que a
proporção exigível de seu cumprimento não apenas depende das possibilidades reais, mas também das jurídicas."

A distinção entre regras e princípios desponta com nitidez, no dizer de Alexy, ao redor da colisão de princípios e do
conflito de regras: um conflito entre regras somente pode ser resolvido com a introdução em uma das regras de
uma cláusula de exceção (o que elimina o conflito) ou declarando inválida pelo menos uma das regras. Para Alexy,
uma norma vale ou não vale juridicamente. Que uma regra é válida e aplicável a um caso, significa que também é
válida sua consequência jurídica. Qualquer que seja a maneira pela qual sejam fundamentados, não é possível a
validade de dois juízos concretos de dever ser reciprocamente contraditórios.

Equivale dizer, para o estudioso alemão, um conflito de regras só admite uma das seguintes soluções: a) declaração
de invalidade de uma das regras; ou b) introdução de uma cláusula de exceção que elimine o conflito.
Contrariamente ocorre - ainda para Alexy - na colisão de princípios em que a solução do caso não exige a perda de
validade de um deles, nem muito menos que se formule uma cláusula de exceção com caráter geral.
Evidentemente não teremos dupla ou múltipla incidência de princípios, mas sobre outras circunstâncias, a questão
da precedência pode ser solucionada de outra maneira.

O conflito se resolve mediante a "lei de colisão'', que se define como a "ponderação". Ou seja, essa situação de
conflito não é solucionada declarando que um dos princípios conflitantes não é válido e, ou eliminando do sistema
jurídico. Tampouco soluciona-se introduzindo uma exceção em um dos princípios, de forma a que nos casos futuros
este princípio seja considerado como uma regra ( satisfeita ou não). A solução da colisão consiste antes em,
levando-se em consideração as circunstâncias do caso, estabelecer-se entre os princípios uma relação de
preferência condicionada, porque se fosse estabelecida relação de prevalência absoluta de uma das normas,
estaríamos em realidade formulando uma exceção à norma sucumbente, o que daria notas típicas de regra (e não
de princípio) à norma vitoriosa.

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A lei de colisão é um dos fundamentos da teoria dos princípios em Alexy, refletindo o caráter dos princípios
enquanto determinações de otimização, com duas nuanças: a) não há hierarquia absoluta de precedência e b) os
princípios referem-se a situações e ações que não são matematicamente quantificáveis. Para Alexy, enquanto os
conflitos de regras se solucionam no plano da validade, os conflitos de princípios só encontram resposta no plano
dos valores - na dimensão do peso, o princípio que na situação tenha o maior peso relativo prepondera.

Do pensamento de Alexy podemos extrair que uma norma será princípio ou regra não por qualquer propriedade
intrínseca ao seu enunciado linguístico, mas, pelo modo particular que se apresenta quando em colisão com
outras normas. Se a norma, ao colidir com outra, cede sempre ou triunfa sempre, será por ter ela nota típica de
regra. Mas se o conflito com outras normas ocasiona vitórias e derrotas - segundo as situações concretas - é porque
estamos diante de um princípio.

Mas como a combinação de princípios e regras eliminará o referido déficit de racionalidade, insegurança jurídica
em sistema puro de princípios e incompletude em sistema puro de regras? Em Alexy, para que sejam dotados de
racionalidade prática, princípios e regras devem se articular em processos e procedimentos. Os princípios passam
a ser o veículo da razão prática no direito. O Direito é contemplado sob o ângulo do procedimento ou, na
linguagem de Alexy, a partir de seu lado "ativo" e não apenas do "ângulo" passivo (princípios e regras). Dentro do
procedimento é que se desenvolverá a força motriz central da teoria do Direito do jurista alemão, que é a
argumentação jurídica.

Robert Alexy
REGRAS PRINCÍPIOS
Baixo grau de generalidade Alto grau de generalidade
Ambos pertencem à classe das “normas”
Determinações de aplicação Determinações de otimização
Plano da validade Plano dos valores
Conflito de regras: Colisão de princípios:
- declaração de invalidade de uma das - ponderação
regras - dimensão de peso
- cláusula de exceção que elimine o conflito - preferência condicionada (maior peso
- prevalência absoluta de uma das regras relativo no caso concreto)

OS PRINCÍPIOS EM RONALD DWORKIN


Antes de expor o conceito de princípio em Dworkin, necessário se faz compreender sua Teoria do Direito Integral,
exposta na obra “Levando os Direitos a Sério” (Taking Rights Seriously). Resumidamente, o Direito como integridade
é uma teoria não cética das pretensões juridicamente protegidas: sustenta que as pessoas têm como pretensões
juridicamente protegidas todos os direitos que são patrocinados pelos princípios que proporcionam a melhor
justificativa da prática jurídica como um todo. Esses princípios são: a justiça, a equidade e o devido processo legal
(legalidade). Assim, para Dworkin, os juízes que aceitam o ideal interpretativo da integridade decidem os casos
difíceis (hard cases) tentando encontrar, em um conjunto de princípios coerentes sobre os direitos e deveres das
pessoas, a melhor interpretação construtiva da estrutura política e da doutrina jurídica de sua comunidade . O
princípio da integridade desempenha o papel de equilibrar a justiça, a equidade e a legalidade. É um chamado aos
juízes para que atuem com "coerência narrativa" na captação do fenômeno jurídico.

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No plano prático, a integridade requer que os juízes, quando diante de casos difíceis, em que a análise preliminar
não faça prevalecer uma entre duas ou mais interpretações de uma lei ou julgado, perguntem-se qual dessas
interpretações apresenta em sua melhor luz, do ponto de vista da moral política, a estrutura das instituições e
decisões da comunidade. Ou seja, qual a interpretação que maximiza a coerência entre as três virtudes políticas
que melhor retratam a prática social do Direito: a justiça, a equidade e o devido processo legal.

Princípio da Integridade
Máxima Coerência Prática
entre:

Justiça

Equidade

Devido
Processo Legal

O estudo dos princípios não se mostra, pois, acessório para a concretização. Pelo contrário, mostra-se como um dos
pilares do "paradigma constitucionalista", um dos traços marcantes do pós-positivismo. Dworkin desenvolve sua
concepção sobre a estrutura dos princípios. As diferenças entre regras e princípios se desenvolvem a partir de duas
distinções feitas pelo autor, ambas em nível lógico: a) a "dimensão do peso" dos princípios e b) a aplicação
disjuntiva das regras.

Entre normas não há lugar para sopesamento ou ponderação. Se ocorre um conflito de normas, uma delas não
pode ser válida. Por isso, as regras, segundo Dworkin, são aplicáveis à maneira do tudo ou nada (all or nothing).
Dworkin vê a diferença entre princípios e regras como de natureza lógica. As regras são aplicadas de forma
disjuntiva: se ocorrem os fatos revistos na norma, então ou a norma é válida - hipótese na qual deverá ser aceita a
determinação normativa - ou inválida, e então não será considerado seu teor na solução do caso. Com os princípios,
contrariamente, nem mesmo aqueles que mais se assemelham - em termos deontológicos (dever ser) - às normas
estabelecem consequências jurídicas que se sigam automaticamente quando se satisfaçam as condições previstas.

Diversamente das regras, para Dworkin, um princípio - apesar de válido - pode não ser aplicado. Continua válido,
embora não aplicado ao caso. Poderá ser chamado a incidir em caso futuro. Isso significa que os princípios não se
anulam entre si, como as regras.

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Pelo que se depreende do entendimento de Alexy - que nessa parte não se distancia de Dworkin -, os princípios não
teriam uma estrutura condicional (a correlação de um caso com uma solução normativa), ao contrário da estrutura
das regras, as quais seriam regidas pela hermenêutica tradicional.

Ronald Dworkin
REGRAS PRINCÍPIOS
Tudo ou nada (all or nothing) Dimensão de peso
Ambos pertencem à classe das “normas”
Plano da validade (ou invalidade) Plano da aplicação (ou não)
Aplicação disjuntiva Sopesamento ou ponderação

OS PRINCÍPIOS E REGRAS EM ATIENZA E MANERO


Atienza e Manero, no enfoque estrutural, distinguem regras, princípios stricto sensu e normas programáticas
consoante o caráter aberto ou fechado da "hipótese de incidência" e do "consequente jurídico" da norma. Da
seguinte maneira: a) as regras se caracterizariam pela configuração fechada de "hipótese" e "consequente"; b) os
princípios teriam a “hipótese” configurada de maneira aberta, mas o "consequente" fechado; c) finalmente, tanto o
"antecedente" quanto o "conseqüente" seriam formulados de modo aberto nas diretrizes (normas programáticas).

Mas enfatizamos: essa "abertura" que caracteriza os princípios lato sensu não se confunde com a "vaguidade", que
pode afetar o enunciado de qualquer norma (princípio ou regra). A "abertura" nos princípios seria decorrente de as
condições para sua aplicação não se encontrarem nem sequer genericamente determinadas.

Sob o aspecto funcional, as normas são encaradas como razões para a ação, mais especialmente enquanto "pautas
dirigidas às autoridades normativas”. Assim, as regras jurídicas constituem razões para ações peremptórias, ou
seja, quando se dão as condições de aplicabilidade das regras, o fundamento do ato jurisdicional deverá ser a
própria regra, não havendo espaço para sopesamento de outras razões pelo magistrado. As regras também teriam
caráter "independente de conteúdo" por os órgãos jurisdicionais deverem considerá-las como razões
peremptórias, não por qualquer aspecto material ou valorativo, mas, em razão da fonte de que provêm.

Os princípios explícitos são razões para ação "independente do conteúdo", pois, o motivo pelo qual devem ser
considerados no discurso jurídico não se reporta a qualquer qualidade intrínseca ao conteúdo do princípio, mas por
sua origem em determinada fonte (v.g., o princípio da igualdade deve ser observado por ter fonte constitucional).
Entretanto, no dizer dos juristas, não são razões peremptórias, pois, os órgãos judiciais devem aferir força do
princípio em face dos demais vetores principiais, havendo - ao contrário das regras - espaço para valoração
jurisdicional. São, pois, apenas "razões de primeira ordem".

Quanto aos princípios implícitos, Atienza e Manero encaram-nos como razões para ação que não são nem
peremptórias (pois admitem ponderação pelo órgão judicante antes de sua aplicação, da mesma forma que os
princípios explícitos) e nem "independentes de conteúdo", uma vez que fazem parte do discurso judicial, não em
virtude da autoridade da fonte normativa de que foram extraídos, mas, sim, pelas qualidades de seu conteúdo. Os
autores entendem que essa qualidade não é a "justiça intrínseca do princípio", mas a adequação do princípio
implícito em relação às regras e aos demais princípios fundamentados em fontes.

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Finalmente, ainda em termos de razões para a ação, as diretrizes dão origem às razões para ação de tipo
instrumental ou estratégico. As razões estratégicas originadas em diretriz, e que se mostrariam hábeis a levar o
operador do direito a decidir em seu sentido, não excluem a avaliação e o confronto com as razões de outras normas
programáticas. Entretanto, essas razões estratégicas cedem quando enfrentam razões de princípio stricto sensu.

Atienza e Manero
REGRAS PRINCÍPIOS NORMAS
PROGRAMÁTICAS
Aspecto Fechadas na Abertos na “hipótese” e fechados no Abertas na
ESTRUTURAL “hipótese” e no “consequente” “hipótese” e no
“consequente” “consequente”
Aspecto Razões para a ação - Princípios Explícitos: Razões para ação de
FUNCIONAL enquanto pautas Razões para ação independente do tipo instrumental ou
dirigidas às conteúdo (não peremptórias) estratégico
autoridades - Princípios Implícitos:
normativas Razões para ação que não são nem
(peremptórias) peremptórias e nem independentes
de conteúdo.

OS PRINCÍPIOS E A DISCRIÇÃO JUDICIAL – OPOSIÇÃO DO POSITIVISMO DE HART E O INTERPRETATIVISMO DE


DWORKIN
Para o positivismo de Hart, a existência de casos difíceis (aqueles em que existe generalizada controvérsia acerca
do valor de verdade de uma proposição jurídica) ocasiona a indeterminação do direito, o que exigiria para sua
solução a discricionariedade judicial.

Dworkin concorda com os contornos traçados pelo positivismo de Hart para definir os casos difíceis; diverge,
todavia, quanto à possibilidade de discrição "forte" pelos juízes para solução do caso. Para o jurista americano, à
semelhança dos casos fáceis, nos casos difíceis também existe apenas uma "resposta certa" que deve ser
encontrada pelo órgão judicial. Nesses casos os juízes exercem uma forma "fraca" de discrição.

QUADRO COMPARATIVO ENTRE A CONCEPÇÃO DE DIREITO DE HART E DWORKIN


HART DWORKIN
O direito é um fenômeno basicamente O direito é um fenômeno basicamente
comunicacional. Assim, o conhecimento jurídico interpretativo. Assim, conhecer o Direito é poder
consiste, em sua maior parte, na compreensão da oferecer a melhor versão dos dados
linguagem pela qual o Direito se expressa, préinterpretativos da prática jurídica;
identificando as condições de verdade das
proposições jurídicas;
Uma proposição jurídica é verdadeira se existem Os enunciados jurídicos são teóricos-dependentes.
determinados fatos sociais (uma regra de Não tem sentido confrontar esses enunciados com
reconhecimento e determinadas convenções alguma "realidade jurídica". A verdade ou a
semânticas) que a fazem verdadeira; falsidade das proposições jurídicas também não
dependem da existência de uma "convenção

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social”;
Esses fatos sociais são fatos dependentes de Uma proposição jurídica é verdadeira se se
percepções compartilhadas, convenções harmoniza com o conjunto de proposições que
linguísticas e práticas e atitudes proposicionais oferecem a melhor versão da prática;
comuns no seio da comunidade;
Quando não existem evidências suficientes para A melhor versão é aquela explicação-justificação
afirmar que uma proposição é verdadeira, nem dos dados préinterpretativos que consegue o
evidências suficientes para afirmar que é falsa, máximo de equilíbrio entre os princípios de
então a proposição estará carente de valor de justiça, de equidade e de legalidade: que satisfaz o
"verdade": estaremos diante um "caso difícil"; valor jurídico da "integridade" em sua dimensão
formal e justificadora;
A possibilidade de comunicação das pautas Nos casos fáceis, a conclusão do intérprete acerca
normativas requer a existência de instâncias não do conteúdo do direito não resultará
controvertidas no uso dos termos jurídicos: são os controvertida. Estes casos são fáceis porque a
"casos fáceis"; maioria dos participantes os percebe como
exemplos evidentes do conteúdo da prática
jurídica;
Nos casos fáceis é possível a aplicação de regras, Contrariamente, nos casos difíceis, as conclusões
uma vez que seu conteúdo é determinado ou interpretativas são controversas. Nessa hipótese
determinável. Nestes casos, conhecer o significado há diversas correntes em luta para definir o
dos textos jurídicos é ser capaz de especificar suas conteúdo do direito;
instâncias de uso. Dessa maneira, o conhecimento
do Direito não requer interpretação (entendida
como a substituição da formulação da regra
contida no texto por outra formulação obtida pela
exegese);
A linguagem jurídica tem inevitavelmente textura Os casos difíceis não ocasionam ausência de
aberta, o que propicia o surgimento de casos resposta correta, porquanto o juiz pode/deve
difíceis. Nessas hipóteses não é possível a estruturar de forma coerente suas convicções
identificação do Direito com singela aplicação do jurídicas e obter a solução: o que o Direito exige no
método da subsunção (como ocorre com as caso a decidir. Para tanto, na insuficiência ou
regras). A interpretação gramatical/literal do inadequação das "regras" do sistema, deverá se
"texto legal" não é suficiente para sabermos se utilizar de argumentos de princípio.
alcança ou não o caso a decidir. Só há um caminho:
o julgador realizar interpretação estipulando um
novo significado de maneira discricionária.

Em suma, o modelo positivista hartiano conduz à tese da discrição judicial e permite contemplar os princípios
extra-sistemáticos como elementos próprios da discrição judicial. Como método sustenta a inexistência de vínculo
conceitual entre direito e moral (tese da separação), com dois corolários: a tese das "fontes sociais" (o direito é um
fenômeno social cuja descrição é possível sem a ajuda de "valorações morais") e a tese da "falibilidade moral" (a
validade do direito nada teria a ver com o seu "mérito" ou "demérito"). O modelo não positivista tende a restringir
a discrição judicial (Alexy) ou eliminá-la (Dworkin), mediante a vinculação do direito (ou do discurso jurídico) à
moral (ou discurso moral). Essa vinculação opera-se por meio de princípios. Portanto, para Dworkin e para Alexy
haveria uma relação conceitual necessária entre Direito e Moral. A moral solucionaria os problemas advindos das
lacunas e contradições do sistema jurídico e permitiria afastar a tese positivista da "discrição judicial".

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Seja como for, o positivismo hartiano e o modelo não positivista (Dworkin/Alexy), nada obstante mostrem duas
concepções de direito diferentes e divirjam quanto à discricionariedade, sob o ângulo da pragmática acabam por se
aproximar: ambas não prescindem de uma teoria da argumentação jurídica. Para Alexy e para Dworkin, a
argumentação faz parte da própria concepção de direito; supera-se a indeterminação ou vaguidade normativa por
meio da interpretação (inclusive com métodos consagrados pelo positivismo), utilizando-se de argumentos de
princípios (explícitos, implícitos e extra-sistemáticos) que melhor solucionem o caso. Do lado positivista,
observamos que "discricionariedade" não significa "arbitrariedade"; pelo contrário, a tese da "discrição judicial"
reporta-se a uma teoria da argumentação exatamente diante das limitações do sistema jurídico ( incompletude).
Portanto, quer na busca da "resposta certa" (Dworkin), quer no exercício da "discrição judicial" (Hart), a
argumentação jurídica racional, fundada em princípios, deverá ser o veículo a transportar o julgador à solução do
hard case.

QUADRO COMPARATIVO ENTRE A CONCEPÇÃO DE PRINCÍPIOS DE ALEXY E DWORKIN


DWORKIN ALEXY
Dworkin demonstra a importância dos princípios Alexy enxerga o direito em três níveis:
defendendo consistir em padrões existentes ao a) Princípios
lado das regras, subdividindo-os em: b) Regras
a) Políticas – diretrizes ou metas de melhoria c) Procedimentos
social ou econômica;
b) Princípios em Sentido Estrito – padrão Preocupa-se sobremaneira com o direito no caso
relacionado à exigência de justiça, moral e concreto: fenômeno da aplicação. Segundo Alexy, a
equidade, aplicável em casos concretos. ponderação, assim como a matemática, é sinônimo de
razão. Ponderar, ao revés de enfraquecer os direitos
As regras são aplicadas segundo o ditame do “tudo fundamentais, possibilita sua maior eficácia.
ou nada” (all-or-nothing), sendo que, acaso
preenchida a hipótese de incidência, a regra é Os princípios seriam mandamentos amplos que
válida e aplicável. Em sendo não sendo preenchida permeiam todo o ordenamento jurídico, possibilitando a
a hipótese de incidência, tratar-se-á de regra otimização dos direitos fundamentais. São mandamentos
inválida. As regras têm aplicação segundo o de otimização, ponderados pela proporcionalidade, com
fenômeno da subsunção. o escopo de maximizar os direitos fundamentais no caso
concreto, segundo possibilidades normativas e fáticas. A
Os princípios conferem fundamentos à decisão, proporcionalidade, através dos seus pilares da
tendo uma dimensão de peso (dimension of necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido
weigth). estrito ganha relevo.

Não há de falar-se em fundamento de validade no A colisão entre princípios não é capaz de gerar a total
campo de colisão de princípios, havendo preponderância de um sobre o outro, sendo que a
ponderação, sobrepondo-se o princípio de maior prevalência é determinada na ponderação, que ocorre
peso, sem redução daquele de menor peso a nada no caso concreto, analisando-se a dimensão de peso de
(à invalidade). Os princípios são aplicados de forma cada princípio (teorema da colisão).
gradual, de mais ou menos, e não na ótica do tudo
ou nada. *Alexy externa ser o modelo de Dworkin
demasiadamente simplório, posto que não considera o
valor variável dos princípios, conferindo-lhes um valor
prima facie.

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CONCLUSÕES PRÉVIAS
Compreendemos a argumentação como fazendo parte do conceito de Direito. Os argumentos empregados na
aplicação de uma regra/princípio são incorporados ao sistema jurídico. O discurso jurídico é um caso especial do
discurso prático geral, o que, apesar de não ocasionar uma "relação necessária" entre direito e moral, estabelece
uma relação conceitual entre esses dois subsistemas sociais.

Adotamos a tese da vinculação do direito à moral por motivos normativos, ou seja, isso corresponde a um objetivo
de nosso projeto de concretização da Constituição. O objetivo dessa postura está em colocar à disposição do
intérprete um melhor arsenal argumentativo de forma a possibilitar a solução para inconvenientes/injustiças que
surjam da aplicação do "princípio da legalidade". O problema do direito injusto não pode ser olvidado pelo julgador
que pretenda a aceitação racional de suas decisões.

A noção de princípio não é uma categoria unissignificativa, mas possui pluralidade de significados. Nenhum desses
significados pode se arvorar na condição de "significado verdadeiro". Os diversos sentidos de "princípio" são
extraídos de acordo com o contexto em que o conceito é empregado, ou com as finalidades do intérprete.

Coerente com o nosso enfoque da relação entre moral, direito e linguagem, concebemos as "fontes do direito" em
sentido amplo, incorporando nessa ideia - além das fontes tradicionais reconhecidas pelo positivismo - todas as
razões e argumentos que são utilizados para motivar e justificar a interpretação jurídica.

Com frequência os juristas se referem a princípios como normas que são fundamentais de alguma maneira (elevado
grau de generalidade, idéia de diretriz, etc.). Todavia, esse critério não estabelece uma "distinção forte" entre
princípios e regras.

Os princípios costumam reclamar uma intervenção mais ativa do operador do Direito, devem ser ponderados com
outros princípios do sistema jurídico. As regras - nada obstante também requeiram papel ativo e sopesamento -
fazem-no em menor intensidade. Em outras palavras, os princípios são muito mais carentes de uma teoria da
argumentação jurídica, que deve ser desenvolvida pelo operador.

A "distinção forte" (Alexy, Dworkin e Atienza e Manero) não pode se apoiar em distinções de caráter linguístico
(critério de vaguidade), nem com posteridade ao momento da interpretação/aplicação do direito.

O âmbito adequado para a análise da distinção entre regras e princípios é o da argumentação jurídica (modelos de
Dworkin e de Alexy). Com isso introduzimos a teoria da argumentação no sistema de fontes do Direito, uma vez
que a referida distinção é observada da "perspectiva interna" do Direito.

Entre as três posições acerca da distinção entre princípios e regras, adotamos a tese da "separação fraca". A
"separação forte" enfrenta dificuldades para explicar diferenças estruturais ou linguísticas entre essas duas espécies
de normas. Com efeito, do ponto de vista linguístico, entendemos que não existe diferença entre regras e
princípios. Da mesma forma que os princípios, as regras podem ser formuladas ambígua ou claramente. Não
poucas vezes as regras são tão difíceis de interpretar quanto os princípios. Basta que tenham formulações
linguísticas vagas ou textura aberta. De outro lado, a segunda posição, a tese da inexistência de diferença entre os

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dois conceitos, ignora a inegável validade prática da distinção. Dessa forma, nossa conclusão é que remanesce uma
diferença de grau entre princípios e regras.

Nos denominados hard cases, tanto a aplicação de regras quanto a de princípios reclamam a intervenção do
operador jurídico, que deve desenvolver uma teoria da argumentação. Em "situação de interpretação", o aplicador
deve utilizar-se de argumentação jurídica. Com isso, do ponto de vista pragmático, positivistas e não-positivistas
se aproximam. Portanto, em ambas as abordagens do Direito os princípios desempenharão importante papel
justificador nas decisões tomadas, mormente nos "casos difíceis".

Enfim, acolhemos a tese da "diferença de grau" entre princípios e regras, porquanto, apesar das dificuldades para
se estabelecerem distinções estruturais/linguísticas entre esses conceitos, essa distinção é feita na prática jurídica
e tem inegável utilidade na argumentação utilizada para justificar opções valorativas em casos difíceis. O maior
grau de indeterminação dos enunciados dos princípios permite, em realidade, um enriquecimento da prática
jurídica até formas mais aceitáveis de legitimidade sem risco de ruptura do sistema. Em síntese, regras e princípios
são "noções pragmáticas".

Nos Capítulos 2 e 3 traçamos o panorama do contexto linguístico da concretização, em que vimos que, apesar da
"ambiguidade semântica" do conceito de "princípios", guardam eles utilidade na argumentação jurídica. No
capítulo que se segue (Capítulo 4), ampliaremos esse panorama, acrescentando os outros dois contextos da
concretização: o funcional e o sistêmico.

CAPÍTULO 04
SISTEMAS E CONCRETIZAÇÃO
Como já anteriormente foi assinalado, a realização da concretização/aplicação das normas constitucionais vincula-
se a duas referências básicas, que são pontos de partida para essa tarefa: a) a norma, enquanto referência primária
do processo interpretativo e que forneceu suporte para o estudo dos "princípios e regras" (Capítulos 2 e 3),
desenhando o contexto linguístico; b) o sistema, no qual a norma se insere e com o qual mantém relação de mútua
influência (recursividade/circularidade). A teoria dos sistemas merecerá agora nossa atenção. Nosso objetivo com
este estudo é delinear os outros dois contextos geradores de dúvidas nos processos de interpretação e
concretização da Constituição: contexto funcional (Luhmann) e sistêmico (Canaris).

EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE SISTEMA


Em nossa visão, em relação ao Direito, a noção de sistema tem duas faces: primeiramente - e contrariamente a
Grzegorczyk – compreendemos que a característica de "sistema" constitui uma qualidade ontologicamente ligada
ao Direito. A outra face - que não exclui a primeira - mostra o sistema como um meio que facilita a observação e a
interpretação dos fenômenos jurídicos (modelização). Para tanto, a "aproximação sistêmica" não tem a pretensão
de encontrar modelo pronto e acabado que explique o fenômeno jurídico e o Direito. Pelo contrário, seu caráter
instrumental impõe que o cientista do Direito esteja aberto não apenas à pluralidade de modelos concebíveis
para o Direito, mas principalmente aos métodos dessa modelização (normativista, axiológico, pragmático etc.).
Lembramos que nosso ponto de partida - a Constituição aberta - exige não apenas pluralidade ideológica como
também metodológica no trato do Direito.

O Direito sempre teve seu "sistema interno", uma vez que enquanto "objeto" de estudo possui características de
sistema. Com efeito, a ideia de Direito pressupõe padrão, repetição de fenômenos normativos, soluções iguais para

12
problemas iguais. Enfim, a "estabilidade sistêmica" do Direito liga-se historicamente aos valores segurança e
justiça. Já o "sistema externo" apenas se viabilizou quando a ciência do Direito atingiu um determinado nível de
desenvolvimento. O sistema externo permite que o Direito possa ser visto no seu conjunto, ministrando elementos
para tornar prática e efetiva a aplicação das normas jurídicas, uma vez que facilita a previsibilidade das decisões.

Por meio de Niklas Luhmann - com a obra clássica Soziale Systeme -, ganha fôlego a transposição da ideia de
sistemas da Ciência biológica, dotados das características da autoreprodução (de todos os componentes do
sistema), da automanutenção (dos ciclos de reprodução) e da aurodescrição (como regulação da autoreprodução):
a autopoiesis deixa de ser concebida como uma teoria explicativa da vida e do conhecimento para se tomar um
modelo teórico geral aplicável aos fenômenos sociais. Destarte, "um sistema autopoiético constitui um sistema
autorreferencial no sentido de que os respectivos elementos são produzidos e reproduzidos pelo próprio sistema
graças a uma sequência de interação circular e fechada".

Inicialmente, três ideias presentes na concepção luhmaniana – com os aportes de G. Teubner - devem ser
destacadas. Primeiro: que o elemento de base da sistematicidade dos subsistemas é a comunicação. Em relação ao
Direito, esse elemento é o "ato jurídico". Segundo: sistema com "comunicação única" não possui sentido, não é
sistema, pois não reduz complexidade. Todas as operações são auto-reproduções. A unidade se define nesse
fechamento autopoiético, não na estrutura ou no conteúdo. Sistemas autorreferenciais ou autopoiéticos
"produzem por eles mesmos como unidade tudo aquilo que eles utilizam como unidade"; elementos se reproduzem
(operações, processos e estruturas). Não é reprodução idêntica, mas recriação. Terceiro: a terceira observação é que
o Direito - à semelhança dos demais subsistemas sociais - se pressupõe e se reproduz a si mesmo: tanto sua
unidade como sua organização, seus elementos constitutivos e suas fronteiras resultam, por redução de
complexidade, de performances do próprio sistema. Não procedem nem da natureza, nem do ambiente.
Consequentemente, todo Direito (legislativo, jurisprudencial ou contratual) é sempre Direito positivo.

Teoria dos Sistemas


Niklas Luhmann

Comunicação
(como elemento base da
sistematicidade dos subsistemas)

Fechamento Autopoietico
(produzem por eles mesmos como
unidade tudo aquilo que eles utilizam
como unidade)

Todo Direito é Positivo


(se pressupõe e se reproduz a si
mesmo, não provindo da natureza
nem do ambiente)

13
Portanto, para Luhmann, a sociedade pode ser abordada como sistema autopoiético, por ser dotada de
autorreferência sistêmica: auto-organização (estrutura) geradora da ordem sistêmica e auto-reprodutiva das
unidades sistêmicas básicas. Evidentemente há diferenças, sublinhadas pelo autor de Soziale Systeme: enquanto os
indivíduos constituem sistemas biológicos cuja base reprodutiva é a vida, os sistemas sociais constituem sistemas
noéticos (caracterizado pela intelectualidade), cuja base reprodutiva é o sentido e seus elementos constitutivos são
"comunicações".

A propósito, Teubner ensina que pode haver influência recíproca entre a evolução biológica e a evolução social.
Mas essa influência deve ser concebida como interação entre sistemas autônomos e fechados, que evoluem - ou
melhor co-evoluem - cada um segundo sua própria lógica. Segue-se daí a impossibilidade de se conceber o Direito
como um mero produto da evolução social como um todo, ou de se tentar localizar qualquer dos seus mecanismos
de evolução fora do próprio Direito.

O direito torna-se autopoiético quando as suas autodescrições permitem desenvolver e aplicar uma teoria de
fontes jurídicas no contexto da qual as normas possam ser geradas a partir de precedentes jurisprudenciais ou
outros processos de criação endógena. As normas jurídicas são então definidas por referência a operações
jurídicas, isto é, componentes sistêmicos 'produzem' componentes sistêmicos. Este é, de resto, o caso do moderno
direito 'positivo': as normas jurídicas podem apenas ser produzidas através de atos jurídicos especialmente
definidos, consistam estes em leis, decisões judiciais, ou em estatutos organizacionais ou associativos; nos nossos
dias, o próprio direito consuetudinário deve ser visto como um direito de criação jurisprudencial, já que a sua
validade jurídico-positiva depende de um ato jurídico 'constitutivo' e não meramente 'declaratório’.

Sistema COMUNICAÇÃO Atos Jurídicos


Ex.: leis,
decisões,

Jurídico estatutos,
contratos

Afirma Luhmann: o Direito, enquanto sistema autopoiético, não é a totalidade dos atos jurídicos, nem o conjunto
de normas, nem uma estrutura escalonada, mas a maneira segundo a qual o Direito pode se criar, ou seja,
unicamente a partir do próprio Direito.

O Direito é um sistema normativamente Autopoiesis do Direito fechado, mas, com abertura


cognitiva. Expliquemos: todo subsistema social, o Direito é um deles, tem um
elemento que o individualiza, ou seja, o caracteriza. No Direito esse elemento individualizador é a normatividade
(capacidade de gerar expectativas comportamentais gerais).

Normativamente ou Apenas o próprio sistema pode conceder caráter


operativamente de normatividade jurídica a seus próprios
Subsistema FECHADO elementos

14
Cria
o

do Cognitivamente ABERTO O sistema jurídico se abre para a influência de


outros sistemas, ou seja, o subsistema jurídico se
Direito comunica com outros subsistemas integrantes da
sociedade

Então Luhmann afirma que "a autocriação do sistema jurídico é normativamente fechada pelo fato de que apenas
esse sistema pode conceder caráter de normatividade jurídica a seus elementos e dessa forma constituí-los como
elementos". Assim, o sistema jurídico - operativamente fechado – se reproduz, criando seus elementos
(comunicações jurídicas, ou seja, atos jurídicos) a partir de seus próprios elementos. Nesse contínuo, sem fim, os
novos atos comunicativos adquirem a validade normativa herdada dos atos que os geraram. Conclusão coerente
como esses pressupostos é que "Isso significa que nenhum evento juridicamente relevante pode ter sua
normatividade decorrente do ambiente do sistema, ou seja, fora do próprio sistema do direito". No âmbito do
sistema constitucional, o caráter cognitivo da abertura explicita-se de duas formas: pelo procedimento de reforma
constitucional e pelo processo de concretização da Constituição. Lembrando aqui que a abertura cognitiva dá-se
pela troca de informações entre os subsistemas que formam o sistema global ou a sociedade.

“Abertura Procedimento de reforma da


Cognitiva” do Constituição
Sistema Processo de concretização da
Constitucional Constituição

Cabe um comparativo entre o sistema jurídico concebido por Kelsen o de Luhmann. O sistema jurídico, na ótica
kelseniana, caracteriza-se em sua dinâmica como processo contínuo e ininterrupto de autocriação do Direito: o
direito regula ele mesmo a sua própria criação. É inegável a semelhança com a teoria da autopoiesis, inclusive na
distinção para esta última entre "sistema" e "ambiente". De fato, também para Kelsen as condutas que produzem
as normas são elementos do meio, provenientes do ambiente (sistema ‘condutual’, handlungssystem). Ocorre que
essas condutas adquirem significado objetivo quando correspondem a uma norma jurídica. Quando esse
significado é o de que uma outra norma foi produzida, temos a autocriação do Direito: normas a partir de normas.

Entretanto, a diferença entre as teorias se evidencia em dois pontos básicos: na concepção do sistema jurídico e
em sua unidade. Quanto ao primeiro ponto (concepção de sistema) a teoria pura concebe o Direito como
autorreferencial, mas não autopoiético, pois não há autoprodução, uma vez que inconcebível que normas
produzam outras normas. Segundo Kelsen, a função de produzir normas é do legislador e não do próprio sistema
jurídico.

Para Luhmann, só se poderá conceber o Direito como se autorregulando e se autoproduzindo se ele for concebido
não como mero sistema simbólico, mas como sistema de ação, que possui função não realizada por nenhum outro
sistema social: reduzir complexidade solucionando conflitos.

O outro ponto que afasta a teoria pura da autopoiesis é a "unidade" do sistema. Enquanto a teoria de Kelsen
apresenta essa unidade em uma norma fundamental (com caráter transcendental) parcialmente extra sistêmica; a

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unidade do sistema autopoiético advém de seu fechamento operacional, circular e recursivamente constituindo
elementos comunicativos jurídicos. Para Luhmann, a sociedade é um sistema sem "cúpula/vértice" ou centro.

Luhmann analisa a questão da validade e da positividade do Direito, antes, ressalta: autopoiesis, sistema fechado,
sem "input/output", com natureza recursiva, autocriadora. Consequentemente, cada elemento sistêmico deve seu
caráter de norma a outros elementos sistêmicos, aos quais se aplica essa mesma regra recursivamente. Não pode,
portanto, haver hierarquia de normas.

SISTEMA JURÍDICO
KELSEN LUHMANN
Teoria Pura do Direito Teoria Sistêmica do Direito
Semelhanças Para ambas as teorias, o Direito é dotado de autocriação (ou seja, o Direito
regula ele mesmo a sua própria criação).
Concepção Direito é autorreferencial, mas não Direito é autorreferencial e também
autopoiético (não há autopoiético (é um sistema de ação,
autoprodução). A função de que autoproduz as normas por si
produzir o Direito é do legislador e próprias)
não das normas (que apenas
regulam esta produção).
Unidade A unidade do sistema decorre da A unidade do sistema autopoiético
norma fundamental hipotética (de advém de seu fechamento operacional
caráter transcendental e que serve (as normas não se reportam a uma
de validade para todo o restante do norma hipotética fundamental para
sistema) adquirirem validade, pois apenas o
próprio sistema é que pode conferir
normatividade e validade ao que ele
mesmo produz)

A questão da validade e normatividade, na concepção de Luhmann, comporta duas respostas: uma no plano
normativo; outra no cognitivo. Na primeira, Luhmann elucida que, no que concerne à normatividade, entre a lei e a
decisão judiciária existe uma relação de estrita "simetria". As leis têm valor de regras normativas unicamente por
estar previsto que elas sejam aplicadas pelos tribunais e juízes em seus julgamentos . Identicamente, esses
julgamentos só regulam as situações que lhes são submetidas porque essa possibilidade é prevista nas leis.
Relativamente à normatividade, entre leis e decisões judiciais que as aplicam existe relação de circularidade.
Portanto, as normas não se reportam a princípios fundamentais ou a uma norma fundamental que, na linha
kelseniana teria natureza de hipótese epistemológica (verdadeira fusão da normatividade e do conhecimento). Por
isso, anota Marcelo Neves que a validade e o sentido do Direito Constitucional dependem da atividade legislativa
e da aplicação concreta do Direito. A hierarquização Constituição/lei atua como condição da reprodução
autopoiética do Direito moderno, servindo ao seu fechamento normativo/operacional.

16
KELSEN LUHMANN

VALIDADE: Norma
Fundamental Hipotética
(Externa)

VALIDADE: Fechamento
Operacional (Interno)

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A segunda consideração se dá no plano cognitivo. Lembrando que é no plano cognitivo que o sistema jurídico se
abre para a influência de outros sistemas, ou seja, pelo elemento cognitivo o subsistema jurídico se comunica com
outros subsistemas integrantes da sociedade. Após reconhecer que existem relações assimétricas no sistema
jurídico, porquanto a simetria auto-referencial sem fim significaria existência meramente tautológica, Luhmann
enfatiza que é necessário que todas as relações de assimetria sejam introduzidas no sistema pelo canal das
orientações cognitivas e promovam assim a articulação das disposições sistêmicas ao conhecimento. Conclui nosso
autor que "o juiz está em uma dependência exclusivamente cognitiva, não-normativa em relação à lei".
Consequentemente, deverá o juiz cognitivamente incluir, como fatos a identificar, se a lei está em vigor, se não foi
revogada e mesmo - consoante a linha argumentativa na decisão - os precedentes jurisprudenciais relativos ao
caso.

Da mesma forma do que se passa com a normatividade, a teoria da autopoiesis dá ensejo a novos conceitos de
"validade" (porquanto não há fundamento de validade ou condição, fora do direito) e "positividade", já que o
direito só pode ser "posto" pelo próprio Direito. O "Direito positivo" é o "programa" que define o que é
legal/ilegal. O programa pode ser modificado, não o código. A positivação - como fenômeno característico da
sociedade moderna e que indica que o Direito é um sistema operacionalmente diferenciado e autodeterminado -
possui duas notas típicas: a primeira é que o Direito se caracteriza por ser colocado por decisões. A segunda é que
essas decisões - e consequentemente o próprio Direito - são permanentemente alteráveis.

Na teoria sistémica da autopoiesis, o conceito de "validade" designa a relação circular entre dois ciclos de
comunicação: o processo jurídico (desenvolvimento ontogenético, na interação humana) e a doutrina/cultura
jurídica (desenvolvimento filogenético, evolução que procede da aprendizagem). De fato, as decisões judiciais
utilizam-se como referentes não apenas das normas - quer as emanadas das leis, quer as oriundas de precedentes
jurisprudenciais - como da doutrina jurídica (v.g., construções teóricas realizadas pelos cientistas do Direito). De
outra parte, essas mesmas decisões judiciais representaram o ponto de partida para novos desenvolvimentos na
esfera da cultura jurídica.

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Conceito de VALIDADE
Teoria Sistêmica da Autopoiesis

Processo Cultura
Jurídico Jurídica
(Desenvolvimento (Desenvolvimento
Ontogenético) Filogenético)

No referente à questão da Justiça, Luhmann explana: a justiça define-se como "complexidade adequada do sistema
jurídico", conceito relacionado à estrutura do sistema, e não a qualquer tipo de "valor moral". A complexidade
interna (novas situações reguladas pelo direito) só pode aumentar se não sacrificar a consistência das decisões
(assim, trata os casos identificados do mesmo modo e não considera todas as variáveis dos casos-problemas). Na
teoria de Luhmann, a justiça não é um conceito ético, não visa assinalar boas diretrizes para a conduta humana .
Nem mesmo estabelece os fins que devem ser alcançados pelas decisões jurídicas. A "complexidade adequada"
significa para Luhmann a consistência das decisões do sistema, desvinculando-se, pois, de qualquer critério para
julgar a correção material ou formal das normas individuais. A expressão 'justiça" reflete a manutenção da unidade
sistémica apesar de sua "complexidade". Em outras palavras, a noção de "justiça" significa que, apesar da infinidade
e diversidade de decisões e procedimentos, além das "irritações" provocadas pelo meio social, o sistema consegue
atingir um nível de "coerência pragmática" que lhe possibilita continuar a existir. Um dos grandes desafios nas
sociedades atuais é não sacrificar a coerência em virtude do aumento crescente da complexidade.

Se é certo que o conceito de ‘justiça’ não é em Luhmann um conceito ético, isso não significa que a argumentação
jurídica não se utilize de padrões de moralidade. Luhmann pondera que "a argumentação juridicamente aceitável
deve limitar-se às normas jurídicas (nestas incluídas os padrões morais, as práticas profissionais estabelecidas, etc.,
às quais as normas se referem)". Os valores morais ingressam no sistema por meio do programa normativo e são
utilizados pelo Direito, que em última instância dirá o que é justo ou não. Ou seja, quando uma decisão judicial
invoca padrões de moralidade, não significa que a moral esteja operando funcionalmente com o Direito
(desrespeitando a autopoiesis do sistema jurídico). Essa possibilidade de decisões judiciais invocarem valores morais
(bastante comum em matéria de assistência e previdência social) só existe porque previamente as pautas jurídicas
a autorizam. Não se trata de julgamento por uma moral absoluta, mas de julgamento pelo Direito que se utiliza de
uma moral relativizada e que adquire substância nos princípios jurídicos e, sobretudo, constitucionais.

19
O DIREITO E A CONSTITUIÇÃO: A ABERTURA DO SISTEMA
Como enfatizado, a autopoiesis se mantém formando estruturas a partir de "irritações" do ambiente. Cada
subsistema tem sua própria sensibilidade. Não ocorre "adaptação" das estruturas internas às mudanças provindas
do exterior (manutenção estrutural). As estruturas são contingentes; o que se mantém é a autopoiesis (no Direito,
a rede de "expectativas jurídicas" certamente sofrerá alterações, mas o "sistema jurídico" não desaparecerá, uma
vez que a legalidade ou a ilegalidade dos atos depende unicamente de elementos prévios e exclusivos do "sistema
jurídico"). Em suma, o sistema é fechado, pois apenas seleciona dados do ambiente que lhe são relevantes e
selecionados segundo critérios próprios (qualificação).

Já o caráter aberto surge precisamente porque o sistema atua a partir de "excitações" provenientes do ambiente e
porque toma como motivo para suas seleções a ocorrência de determinados eventos no ambiente (programação).
Em cada um de seus elementos e em sua constante reprodução, o sistema necessita saber - portanto deve ter tal
capacidade – se certas condições foram ou não preenchidas. Isso ocorre pela "programação do sistema".

O programa é conexão com dados externos, ligação com condições que operam a cada momento com o objetivo
de assinalar um ou outro valor do código aos eventos submetidos ao sistema (exemplo: "matar intencionalmente",
que enquanto fato é exterior ao sistema jurídico, neste recebe qualificação em termos de "ilegalidade". A abertura
cognitiva permite esse tratamento). Código e programa simultaneamente permitem ao sistema ser aberto
cognitivamente e fechado normativamente. Esse paradoxo só se supera encarando-se a autopoiesis não como
absoluto fechamento, mas vendo que o sistema é "sistema com história" e "sistema dentro do ambiente". Em
uma palavra: quando se fala em sistemas autopoiéticos fechados, o "fechamento" refere-se à organização, não se
negando a abertura estrutural do sistema. Equivale dizer, quando se fala em "fechamento" não se está regredindo
a um paradigma "prebertalanffyano" de sistemas isolados em face do ambiente.

Normativamente ou Apenas o próprio sistema pode conceder caráter


operativamente de normatividade jurídica a seus próprios
Subsistema FECHADO elementos
do Cognitivamente ABERTO O sistema jurídico se abre para a influência de
Direito outros sistemas, ou seja, o subsistema jurídico se
comunica com outros subsistemas integrantes da
sociedade

Assim, toda operação jurídica, todo processo jurídico de informação utiliza simultaneamente orientações
normativas e orientações cognitivas, as quais - nada obstante o vínculo necessário que possuem - apresentam
funções diversas. Em uma palavra: o caráter normativo (fechado) do sistema serve a sua autocriação, a sua
autocontinuidade, o que permite diferenciá-lo do meio ambiente. Já o caráter cognitivo (abertura) irá possibilitar a
coordenação desse processo de autorreferência com o ambiente.

Pelo mecanismo de acoplamento, as informações do ambiente externo ao sistema jurídico são recepcionadas e
autoinfluenciadas. O subsistema jurídico automodifica-se para adaptar-se à influência externa. Diz-se que houve
um acoplamento estrutural. Isso ocorre com a Constituição aberta.

20
A Constituição aberta, por meio do acoplamento estrutural, apresenta-se como verdadeiro palco de diálogo entre
os diversos subsistemas sociais (Direito, Política, Economia, etc.). Para jurisdicizar relações políticas/econômicas e
mediatizar juridicamente interferências da Política/ Economia no Direito, a Constituição deve ser um sistema de
princípios e valores (portanto espelhando a dimensão axiológica da complexidade social) e não um sistema de
regras (impondo preceitos aos demais subsistemas).

Abertura e relações intersistêmicas: "o sistema jurídico detecta a presença de conflitos no seu meio envolvente
social através de sensores especificamente jurídicos (conceitos doutrinais, normas definidoras dos 'limites jurídicos')
reconstruindo-os como conflitos de expectativas jurídicas e processando-as através de normas, processos e
doutrinas intrinsecamente jurídicas. Por fim, produz uma decisão final e imperativa de resolução do conflito, a cuja
ratio decidendi poderão, por sua vez, ligar-se no futuro novas comunicações jurídicas. Todo este processo tem lugar
exclusivamente dentro das fronteiras de sentido da comunicação jurídica tal como esta é definida pelo próprio
sistema". Em suma: a "informação" e a "interferência" são formas de garantia da abertura dos sistemas
operativamente fechados.

Informação e interferência são assim os dois mecanismos que asseguram a abertura de sistemas sociais
autopoieticamente fechados. Por um lado, o Direito produz o seu modelo interno do mundo externo, de acordo
com o qual orienta as respectivas operações, através de informação internamente selecionada e jamais importada
do exterior (essencialmente elementos típico-normativos e teorias doutrinais). Por outro lado, interferências
externas entre o Direito e a respectiva envolvente social são responsáveis pelo estabelecimento de uma relação
de 'articulação estrutural' entre eles. É a combinação desses dois mecanismos que torna possível a regulação social
através do Direito, ainda que sob formas extremamente indiretas e até incertas. Tornando-se 'reflexivo', no sentido
de que orienta as respectivas normas e processos em função dessa situação social, o direito aumenta a sua eficácia
regulatória; todavia, e malgrado toda a 'reflexibilidade’ possível, o direito mantém-se um sistema autopoiético
operando num universo de sistemas autopoiéticos fechados, sendo por isso impossível pensar em romper com
esta clausura".

21
A CONSTITUIÇÃO COMO SISTEMA ABERTO
Da mesma forma que o Direito, a Constituição pode ser tratada como "sistema". Podemos, consequentemente,
falar em "sistema constitucional teleológico", caracterizado pela unidade e pela coerência valorativa. Os elementos
constitutivos que fornecem unidade e coerência ao sistema constitucional são os princípios e os valores protegidos
pela ordem constitucional, particularmente os direitos fundamentais, cuja dimensão objetiva possui inegável carga
axiológica.

A "coerência valorativa" do pensamento teleológico não está em criar uma apriorística e autoritária ordem
hierárquica de princípios e valores, mas na postura do juiz que ao concretizar um princípio deve "pensar todas as
suas consequências até o fim", o que implicará, muitas vezes, ponderação com outros princípios e valores do
sistema. Assim, o sistema teleológico garante a "coerência formal” (não no sentido lógico-formal típica do silogismo
positivista, mas na formalidade, por exemplo, do princípio da igualdade em dispensar a todos mesmo tratamento)
ou a "coerência valorativa" no plano pragmático. Será exatamente esse princípio de "coerência valorativa
pragmática" que fornecerá o critério objetivo capaz de dotar de racionalidade a prática das decisões dos casos
difíceis.

A ABERTURA DO SISTEMA CONSTITUCIONAL


A "abertura constitucional" é fruto tanto do caráter inconcluso da dogmática jurídico-constitucional (sistema
científico), uma vez que o conhecimento científico é incompleto e provisório, quanto da grande sensibilidade a
transformações da própria ordem constitucional (sistema objetivo), tendo em vista a mutabilidade da
compreensão que se tem dos valores jurídicos, sobretudo da inserção do Direito no processo histórico. Nessa
ordem de ideias, a Constituição é pensável como uma unidade de sentido em permanente transformação: a
"formação" do sistema constitucional nunca alcança um ponto final, mas, é essencialmente um processo sem fim.

Sistema Constitucional
(Processo em permanente
transformação)

22
O SISTEMA E A CONCRETIZAÇÃO CONSTITUCIONAL
Uma das ideias centrais de nosso trabalho é de que elementos teóricos e práticos mutuamente se influem. Entre
teoria e prática existe relação de circularidade ou recursividade. Sob essa ótica, para nós, a sistematização da
Constituição e a interpretação estão reciprocamente relacionadas. A sistematização das normas constitucionais
não pode ser realizada com sucesso caso não se tome em consideração o conhecimento aprofundado da natureza
dessas normas (e vice-versa). Portanto, a abordagem sistêmica favorece as respostas da Constituição às exigências
de mudanças do meio social na medida em que oferece um esquema para a interpretação (e, por conseguinte,
para a concretização). Por seu turno a interpretação das normas constitucionais tem de ser realizada dentro de
uma certa sistematização. O produto da atividade conjunta (sistematização/interpretação) traduz a essência do
sistema constitucional. Esse binômio é uma concepção sistematizada da ordem jurídica.

Sistematização

Realizar a
Constituição

Interpretação

LIMITES À CONCRETIZAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO A PARTIR DO SISTEMA


O primeiro limite resulta do caráter teleológico de todo argumento sistemático. O princípio democrático impõe
que as concepções valorativas eleitas pelo aplicador sejam controladas. Em virtude disso, se faz necessário um
controle teleológico acerca de se a concepção/premissa maior (tomada do sistema) reflete de modo adequado o
conteúdo valorativo de referência.

Um segundo limite essencial na obtenção do direito a partir do sistema constitucional surge do caráter aberto. Não
deve o julgador se precipitar. Deve-se estar aberto a propostas criativas. É possível que a solução tida como
"evidente" não satisfaça ditames de justiça da comunidade. Por isso deve o julgador examinar ainda a
possibilidade de um aperfeiçoamento do sistema constitucional. Com efeito, aquela que foi uma solução que
parecia ser correta de acordo com o sistema pode, pouco depois, sob outras circunstâncias, ser considerada como
superada. Dessa maneira o sistema constitucional nunca está pronto e acabado, mas é uma conquista diária do
operador do Direito. Na busca de soluções que vão na direção do aperfeiçoamento do Direito, com decisões justas,
o intérprete contribui para a formação do sistema.

23
Em suma, trazendo as noções acima estudadas para o nível dos "casos constitucionais" que envolvem princípios,
na dúvida, a solução correta de acordo com o sistema é vinculante de lege lata ao aplicador do Direito, e essa
decisão se há de reconhecer como basicamente justa - dentro de determinado ordenamento jurídico-positivo. Essa
decisão deve ser obtida conjugando-se um "aprofundamento irrestrito" na busca do sentido do princípio e
buscando a "coerência pragmática" na Constituição. A coerência prática liga-se à ideia de proporcionalidade e
sopesamento entre os princípios. Já critérios de justiça material alheios ao sistema apenas podem pretender
prioridade ante os argumentos conforme o sistema, quando se dão os pressupostos especiais sob os quais é
admissível um aperfeiçoamento do sistema baseado em critérios extrajurídicos. Esta última hipótese mostra-se
bastante rara na Constituição brasileira de 1988, que possui invejável cardápio axiológico.

A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA COMO SISTEMA ABERTO


A Constituição brasileira inserida que está em nosso meio cultural e sócio-político peculiar – mostra-se aberta. O
alcance dessa abertura deve ser buscado em primeiro lugar pela opção do constituinte em instituir um "Estado
Democrático". Além disso, nossa Constituição possui abertura: a) para outros estatutos normativos (v.g., direito
comunitário, Direito internacional); b) para conteúdos "metanormativos" (valores, princípios morais e mesmo
justiça material).

A Constituição de 1988 pode ser vista como um "sistema aberto de regras e princípios".

O caráter aberto da Constituição brasileira depreende-se das seguintes características do texto:


a) a Lei Maior estabelece um Estado Democrático de Direito, destinado a assegurar o exercício dos direitos
fundamentais (art. 1.º, caput);
b) reconhece a soberania nacional do povo brasileiro (parágrafo único do art. 1.º);
c) reconhece e garante os tradicionais direitos chamados humanos (inc. II do art. 4.º), assim como extenso rol de
"direitos fundamentais" (art. 5.º) de várias gerações;
d) regulamenta o processo político da relação Estado e sociedade civil (v.g., processo legislativo), que se realiza ao
estímulo do pluralismo político (legislativo e eleitoral) (arts. 59 a 69, inc. V do art. 1.º, § 2.º do art. 61);
e) estabelece procedimentos judiciais que possibilitam ampla participação da sociedade (v.g., Mandado de
segurança coletivo e Ação popular);
f) promove e estimula a função crítica da opinião pública (v.g., incs. XXXIV, a, e LXXIII do art. 5.º);
g) mostra-se receptiva a ordenamentos jurídicos diferentes (v.g., Direito internacional, Direito comunitário, etc.)
(art. 4.º);
h) fixa os princípios gerais e diretrizes da ordem econômica (arts. 170 a 192) e social (arts. 193 a 232).

O preâmbulo da Constituição de 1988 é bastante incisivo na opção pela "abertura": "Nós, representantes do povo
brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a
assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a
igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na
harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias,
promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL ". Não se

24
trata de se discutir aqui a força normativa dos preâmbulos. O que importa é destacar a sua função de diretriz
interpretativa e valor pedagógico.

O caráter aberto da Constituição permitir-nos-á adotar uma interpretação evolutiva e direcionada a valores,
sempre com olhos na realidade sócio-política (contextualização).

Constituição Brasileira
Como Sistema Aberto

Preâmbulo

Adoção de Contúdos
Metanormativos

Estado Democrático de
Direito

Soberania Nacional

Direitos Humanos e
Direitos Fundamentais

Pluralismo Político

Ações Constitucionais

Função Crítica da Opinião


Pública

Receptividade a
Ordenamentos Diferentes

Princípios e Diretrizes da
Ordem Econômica e Social

25
CAPÍTULO 05
SENTIDO E FUNÇÃO DA CONSTITUIÇÃO
Na perspectiva da teoria dos sistemas, a Constituição no Estado moderno é fator e produto da diferenciação
funcional entre sistemas político e jurídico: a constitucionalização é o processo por meio do qual se realiza essa
diferenciação. A Constituição, na linguagem luhmanniana, é o acoplamento ("ligação") estrutural entre política e
Direito: possibilita solução jurídica do problema de autorreferência do sistema político. Em outras palavras, com a
modernidade, a Constituição (funcionalmente) substitui o apoio legitimador que no Estado pré-moderno era
fornecido pelo Direito natural. De outra parte, a Constituição garante que as determinações oriundas da
"política/poder" não serão aplicações diretas, porém, mediadas pelo Direito constitucional. Com isso, a relação
entre sistema jurídico e político passa a ser horizontal-funcional, e não mais vertical-hierárquica. A Constituição -
como o próprio Direito - de antemão não propõe a pretensão de uma ausência de lacunas ou até de unidade
sistemática. Portanto, a função de ordem só pode ser totalmente compreendida a partir da Constituição como
"ordem aberta para dentro do tempo”.

Pelo mecanismo de acoplamento, as informações do ambiente externo ao sistema jurídico são


Acoplamento recepcionadas e autoinfluenciadas. O subsistema jurídico automodifica-se para adaptar-se à
Estrutural influência externa. Diz-se que houve um acoplamento estrutural. Isso ocorre com a Constituição
aberta.
A Constituição aberta, por meio do acoplamento estrutural, apresenta-se como verdadeiro palco
Constituição de diálogo entre os diversos subsistemas sociais (Direito, Política, Economia, etc.). Para
Aberta jurisdicizar relações políticas/econômicas e mediatizar juridicamente interferências da Política/
Economia no Direito, a Constituição deve ser um sistema de princípios e valores (portanto
espelhando a dimensão axiológica da complexidade social) e não um sistema de regras (impondo
preceitos aos demais subsistemas).
Na perspectiva da teoria dos sistemas, a Constituição no Estado moderno é fator e produto da
Constituição e diferenciação funcional entre sistemas político e jurídico: a constitucionalização é o processo por
Política meio do qual se realiza essa diferenciação. A Constituição, na linguagem luhmanniana, é o
acoplamento ("ligação") estrutural entre política e Direito: possibilita solução jurídica do
problema de autorreferência do sistema político.

O caráter aberto normativo - qualquer que seja a maneira de compreendê-lo - é, em parte, um instrumento
conscientemente utilizado a fim de não retirar das forças políticas, do legislador ordinário e do Governo a
margem de manobra necessária para a tomada de decisões que são de sua responsabilidade . A fixação do limite
constitui certamente um dos pontos nevrálgicos da justiça constitucional e da interpretação. Caráter aberto e
amplitude não são, apesar disso, admitidos de forma ilimitada; a Constituição deve decididamente regular 'aquilo
que não deve permanecer aberto'. Quando se entende a Constituição como uma ordem-marco, exigem-se duas
coisas: 'definição daquilo que deve ficar fixo e daquilo que permanece aberto'. A Constituição como norma
fundamental deve determinar aquilo que não deve ficar aberto.

Assim, não devem ficar abertas as bases da ordem da coletividade, quais sejam: a) princípios diretivos formadores
da unidade política; b) atribuições essenciais do Estado; c) a construção estatal (atribuições e competências dos
diversos órgãos do Estado). Na organização do Estado (forma e tipo estatal), regime político (inclusive sistema
eleitoral), distribuição de competências e definição dos demais princípios estruturais, a Constituição deve definir-se
de forma clara e inequívoca; d) procedimentos que devem possibilitar a superação dos conflitos entre os diversos
agentes e subsistemas sociais e cuja dinâmica forma a unidade política do Estado. O papel do procedimento é

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importantíssimo, pois insere o "determinismo" na "liberdade": as decisões referentes a questões abertas pelos
órgãos do Estado ou pelos agentes sociais submetem-se a regras prévias, claras e que mantenham adequação com
os fins perseguidos.

Com isso a Constituição realizará uma das suas mais importantes funções, que é a limitação do poder estatal e a
preservação dos direitos fundamentais, particularmente a liberdade individual. A limitação ao poder obtém-se,
fundamentalmente, pela separação e pela limitação dos poderes do Estado. Daí a Declaração de Direitos do Homem
e Cidadão (1979) considerar que a separação dos poderes é a nota fundamental da Constituição. Atualmente, à
divisão de poderes horizontal (a clássica separação tripartite dos poderes) soma-se a divisão vertical - como no
Brasil - na forma do federalismo. Com isso se garante um cenário que permite assegurar a liberdade individual.

Limitação do Poder
Estatal
Horizontal
(Separação de Poderes)
Principais Funções
Divisão de
da Constituição Poderes
Vertical
(Federalismo)
Preservação dos
Direitos Humanos

O conceito de Constituição que melhor atende a um ponto de vista de concretização deve ser funcionalista. Deve
atender às ‘funções mutantes’ exercidas pela Constituição na sociedade pós-industrial. O sentido histórico da
Constituição reside no fato de ela ser o ordenamento fundante de uma determinada sociedade, incluídas as suas
forças divergentes. A abordagem funcional de Constituição, a que nos propomos, deve-se ao seu caráter finalista
(teleológico) e orientativo (normatividade intencional), mas sem se identificar com concepções globais. Assim, o
pluralismo impede que o sistema jurídico seja bloqueado pelas diversas e contraditórias expectativas que se
desenvolvem no seio super complexo da sociedade atual. Enfim, a Constituição contém diretrizes e objetivos para a
atividade estatal, especialmente para a legislação. A um só tempo constitui uma ordem de configuração política e
uma ordem de proteção jurídica.

A INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL
A teoria da interpretação da Constituição será uma teoria da interpretação dos princípios e valores constitucionais.
Mesmo a intelecção das "regras constitucionais" - com enfoque sempre na aplicação a situações concretas - não
poderá ser feita isoladamente, por meio de singela "subsunção", mas conjugando a "regra" em questão com os
princípios que lhe são pertinentes·. A interpretação deverá ser instrumento para se ir além da validez formal das
normas, antes fornecendo subsídios justificadores de soluções aceitáveis socialmente para o caso (validade
axiológica). Não se pode imaginar que decisões escoradas na Lei Maior estabeleçam hiato entre a concepção de
justiça plasmada pelo operador de Direito na decisão e a concepção de justiça albergada no meio social. Está em

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jogo, primafacie, a validez fática e axiológica do sistema jurídico. A interpretação é a ponte entre System e
Lebenswelt (ou seja, entre o "ordenamento jurídico" e o "mundo real"), e nessa ponte o "ponto de encontro" entre
sistema e mundo vital será a aceitabilidade racional das decisões jurídicas.

INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL – CONCEITO


A interpretação constitucional é espécie da interpretação jurídica, de cujas características participa e que se
distingue pelo objeto específico em que incide (normas constitucionais), que exige critérios e elementos próprios
na tarefa hermenêutica. A interpretação tem finalidade de decidir problemas práticos concretos.

Na interpretação da Constituição - mais do que na interpretação de qualquer outro texto legal - a compreensão de
cada uma das palavras e das frases dos enunciados normativos não é algo definitivo que permita ao intérprete
utilizar o termo ou frase sempre exatamente na mesma acepção. A plasticidade das formulações linguísticas na
Constituição ocasiona maior amplitude de possibilidades semânticas. Por isso a concretização mostra-se bastante
sensível a aspectos como a colocação da palavra na frase ou o posicionamento da palavra/frase no discurso. E este,
por sua vez, é reversível aos diversos contextos de uso. Disso resulta uma abordagem da interpretação como
"processo hermenêutico": toda compreensão está baseada em uma pré-compreensão. Além disso, nesse processo
hermenêutico as expressões apenas têm sentido quando se encontram relacionadas com outras: a maneira como
expressões parciais são lidas dependerá do modo como outras expressões serão lidas. Em última instância, a
compreensão de uma norma constitucional só será alcançada a partir de uma leitura de toda a Constituição . É o
chamado círculo hermenêutico.

O círculo hermenêutico pode ser descrito - sob o enfoque da teoria dos sistemas - como um fenômeno de
feedback. A interpretação é um fenômeno de feedback: por meio da "retroalimentação" hermenêutica se busca o
sentido ou significado da frase.

Fixamos como uma das premissas de nossos objetivos que a abordagem que faríamos da interpretação seria a
partir do "ponto de vista do intérprete-juiz". Essa forma de interpretação é denominada por Wróblewski

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"interpretação operativa": o órgão que aplica o Direito interpreta as regras utilizadas no processo de aplicação ao
caso concreto (real ou fictício). Mesmo sob a ótica da interpretação operativa, o objeto deste trabalho não é a
interpretação jurídica das normas em geral, mas, a interpretação de princípios e valores constitucionais. Assim,
chegamos à concretização da Constituição: a interpretação operativa de princípios e valores da Lei Fundamental.

O modo pelo qual trataremos a busca da determinação de significado da norma constitucional (interpretação) dar-
se-á em um plano operativo, o que pressupõe dúvidas referentes às normas constitucionais relevantes para a
tomada de uma decisão. Essas dúvidas nascem em um contexto linguístico caracterizado por um sem-número de
"jogos de linguagem" jurídicos (correspondentes a variadas "formas de vida") e demandam "jogos interpretativos"
como movimentos em um quadro (referência ao texto da Constituição, conceitos, precedentes, dados factuais e
valorações).

Pois bem. O grande desafio do juiz constitucional é escolher a solução mais correta possível - constitucionalmente
falando. Para tanto, deve-se procurar fruir da força criativa dos paradoxos, ou seja, fazer com que as
características (dificuldades) que diferenciam a interpretação constitucional passem a trabalhar a favor do
intérprete. Podem os diferenciais traçados ser tipificados em três peculiaridades/fatores: a) caráter
aberto/evolutivo b) caráter político (politicidade); c) e fator axiológico.

Peculiaridades da
Interpretação Constitucional

Caráter Aberto

Caráter Político

Caráter Axiológico

CARÁTER EVOLUTIVO E ABERTO


A norma obtida pelo processo interpretativo da Constituição deve ser apta a disciplinar a multiplicidade de
interesses da sociedade. Para lograr a construção de tal norma, o aplicador deve observar o Direito do ponto de
vista da atualidade e, ao mesmo tempo, compreender que esse enfoque não é estático, mas modificável no tempo.
Para captar essa dinâmica do Direito, a interpretação evolutiva comporta a incorporação de elementos
extranormativos recepcionados dos diversos subsistemas sociais, de maneira a lograr eficácia na realidade.

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A tarefa do intérprete só terá sucesso - e a Constituição manterá a sua "unidade" e a adequada redução de
complexidade no campo social - se o texto constitucional admitir interpretações abertas e diferentes, permitindo
diferentes leituras legítimas, suscetíveis de ser adaptadas às contínuas mudanças sociais.

O texto constitucional deve ser maleável (expressão de Zagrebelsky). A conformação estrutural das normas da Lei
Fundamental (vaguidade, conceitos indeterminados, fragmentariedade), aliando-se à índole dos princípios (fixação
de fins e valores), é, a um só tempo, condição de possibilidade de o intérprete lograr concretizar a norma e
condição de sobrevivência da Constituição e do sistema jurídico. Assim, os princípios, com a plasticidade de sua
formulação linguística, funcionam como "regras de calibração", que impedem que o sistema "quebre".

Nesse contexto flexível, a Constituição pressupõe, mas não pode impor, uma compreensão de sentido em relação
às suas normas. A autoreferencialidade da Constituição e do Direito ocorre em nível operativo, não cognitivo.
Apenas no Direito encontraremos resposta para o que é lícito ou ilícito, mas, para se chegar a essa resposta o
Direito deverá abrir-se para o ambiente social, cultural e político em que está inserido. Antes de impor "sentido" e
"codificar-se", transformando-se em um sistema fechado (conjunto de regras), a Constituição pauta valores,
veiculando-os em seus princípios.

Na interpretação operativa, frequentemente o juiz se depara com casos novos, com pretensões de sentido
anteriormente desconhecidas. Esses casos trazem novas leituras de antigos valores (v.g., liberdade, igualdade etc.)
ou questionam os valores positivados. Em linguagem de teoria dos sistemas, esses casos produzem
"retroalimentação positiva" no Direito (enquanto sistema), postulando mudanças no status quo. O ordenamento e
a Constituição manterão a "unidade sistêmica" caso se caracterizem por um certo grau de "retroalimentação
negativa", a fim de poder suportar e responder às "tensões" impostas pelo "ambiente social" e que surgem por
meio de "casos críticos", ou, na linguagem de Dworkin, "casos difíceis". Um desses mecanismos de
"retroalimentação negativa" essenciais para a manutenção da coesão do sistema, no caso do Direito e da
Constituição, são os princípios, portadores de particular caráter "aberto".

A interpretação evolutiva encontrará limites nas "regras de calibração" do sistema, mais particularmente nos
elementos que definem sua unidade: nos princípios. Por isso, na concretização de qualquer princípio constitucional,
o julgador deve levar em consideração o grau de repercussão da decisão no campo normativo dos demais
princípios. Por seu turno, os princípios fornecerão resistentes topai argumentativos ao intérprete, facilitando o
caminho na direção da evolução do sistema.

Canosa Usera, propugna que a operação de interpretação evolutiva deve começar por lançar olhos na realidade
social do momento de nascimento da lei: "entender em sua complexidade a vida social pressupõe conhecer a
própria decantação nela produzida durante o transcurso da vigência normativa do preceito que pretende regular e
submeter a realidade ao direito". Para ser evolutiva, a interpretação não deve parar por aí. Apenas a apreensão do
"sentido" e do "valor" em sua dinâmica, no evoluir na história e no tempo, permitirá ao intérprete responder
adequadamente aos "casos críticos" que surgem em cada momento da realidade social.

Contrapõe-se à ideologia estática da interpretação, que privilegia diretrizes interpretativas linguísticas e sistêmicas,
em detrimento das funcionais, a ideologia dinâmica da interpretação. Esta considera a interpretação como
instrumento de adaptação do Direito às necessidades presentes e futuras da vida social. Quando se fala em "vida
social", subentende-se a consideração pelo intérprete das características estruturais e - sobretudo - funcionais da

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sociedade. Assim, a solução do conflito de interesses - com a atuação do intérprete juiz - não deverá ser asséptica,
insípida, tecnoformal. Pelo contrário, deverá dar satisfação às necessidades e aspirações socialmente
reconhecidas. Isso não significa que o juiz deveria julgar movido pelo "clamor público" ou pela influência da
imprensa - mormente em casos de grande repercussão. A pretensa "vontade da maioria", embora não se esgote na
promulgação da Constituição e das leis, não constitui justificação apta a dotar de racionalidade as decisões
judiciais. Dará, pois, resposta às reais necessidades sociais o juiz que interpreta a Constituição, em lugar de
interpretar a "vontade da maioria". O que não quer dizer isolar a Constituição da sociedade e das forças sociais.
Os elementos socialmente relevantes que o aplicador deverá considerar são: a potencialização dos conflitos, o
caráter plural da sociedade, com expectativas - todas legítimas - de diferentes subsistemas sociais (Economia,
Cultura, Política, Ética, Religião, Ciência, etc.) e a pauta de valores sociais feitas pelo constituinte na Lei Maior,
lembrando-se de que muitos desses valores representam direitos ante "a vontade da maioria".

Elementos Socialmente Relevantes


(Devem ser considerados pelo aplicador)

Potencialização dos Conflitos

Caráter Plural da Sociedade

Expectativas Legítimas de
Diferentes Subsistemas Sociais

Pauta de Valores feitas pelo


Constituinte na Lei Maior

O CARÁTER POLÍTICO
A abertura e o sentido evolutivo acima abordados ligam-se a outra nota típica da interpretação constitucional em
relação à interpretação das demais leis: sua politicidade lato sensu. Toda interpretação jurídica tem caráter
político lato sensu, sendo esse caráter acentuado quando o objeto dessa interpretação é texto constitucional. De
fato, o intérprete constitucional é chamado a valorar motivos (v.g., para aferir da licitude de atos administrativos). A
valoração não será feita com base em critérios pessoais do julgador, mas, sob enfoque político/ideológico
veiculado na Constituição por meio dos princípios. Estes não são outra coisa senão princípios políticos introduzidos
na Constituição.

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Em suma, a Constituição - ato político e jurídico (jurídico porque o ato de interpretar é inerente ao Direito) - contém
as regras básicas da política, que se expressam juridicamente.

Por conseguinte, a orientação política imprimida pelo juiz em sua decisão (politicidade) não se confunde com
preferências político-partidárias, devendo respeitar as escolhas político-ideológicas expressadas pela maioria na
Lei Fundamental.

O CARÁTER POLÍTICO DO OBJETO


O problema da interpretação constitucional deriva do fato de que a matéria contemplada no enunciado a
interpretar é "matéria política" e exatamente por esse motivo as normas da Lei Maior são consideradas supremas.
Há elevada carga de politicidade das normas constitucionais. A interpretação constitucional operativa (feita pelo
juiz ao concretizar a norma no caso concreto) decidirá sobre conflitos com maior relevância política do que a
interpretação das demais regras jurídicas. A politicidade intrínseca das normas constitucionais vem de sua
proximidade com o Poder: uma das funções da Constituição é regular e limitar juridicamente as relações de Poder.
Na solução de um caso com importância política, o critério do julgador deverá ser jurídico: conflito jurídico sobre
matéria política, sob pena de o Direito vir a ser absorvido pela Política. Os argumentos no processo judicial devem
ser "argumentos de princípio", os quais positivam valores políticos. Aliás, a possibilidade de controle jurídico de
toda sorte de conflito -inclusive aqueles que tenham temática política- é corolário necessário do princípio da
constitucionalidade.

O CARÁTER POLÍTICO DA INTERPRETAÇÃO DO JUIZ


Aqui se contrapõem a visão positivista do Direito de H. Hart e a não positivista de Dworkin (visão interpretivista).

O positivismo de H. Hart - parte do pressuposto de que o Direito é um fenômeno basicamente comunicacional, e,


nos casos difíceis, os problemas são decorrentes em grande parte de incompreensões na linguagem jurídica
(vagueza, textura aberta, etc.). Nessa hipótese, para o positivismo hartiano, o juiz - quando se defrontasse com um
hard case - poderia/deveria utilizar-se da discricionariedade na resolução do caso.

Na segunda posição (não-positivista), Dworkin aborda a questão da discrição judicial sob o enfoque das fontes do
Direito. Ou seja, o fenômeno da discrição judicial surgiria quando - diante de um caso a decidir - o recurso às fontes
sociais do Direito se mostrasse insuficiente: o Direito positivo não apresentaria solução (hipótese de lacuna) para o
caso, ou a solução apresentada não se mostraria adequada, quando em comparação a padrões de justiça
socialmente admitidos. Nessas situações - contradições e lacunas do ordenamento- para Dworkin o juiz não teria
discrição, pois estaria vinculado a princípios. Assim, sustenta que por meio da interpretação poder-se-iam
superar as indeterminações semânticas ou incoerências axiológicas recorrendo-se a argumentos de princípios
mesmo não positivados (princípios morais). Ou seja, o sistema jurídico compreende - ainda para o autor americano
- regras e princípios. Como os princípios fazem parte do "sistema", segue-se - na lógica dworkiana - que o juiz não
atua discricionariamente, porquanto todos os materiais normativos utilizados são considerados jurídicos . Assim,
por meio da argumentação, princípios extra-sistemáticos são aplicados pelos juízes e por essa porta ingressam no
"sistema".

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Noutros termos, numa visão sistêmica, o sistema moral comunica-se com o sistema jurídico, em face do seu
caráter aberto, esse por meio da acoplagem estrutural sofre a influência e se adapta a essa nova situação, dando à
norma moral sua necessária normatividade, caráter diferenciador/individualizador do sistema jurídico. (obs. Essa
conclusão é do responsável pela feitura desse resumo. De forma que cabe aos colegas a partir de suas próprias
conclusões aferir o acerto/desacerto do que aqui se afirma).

Destarte, para nossos fins, basta-nos reter que o conceito positivista de Direito conduz à tese da discrição judicial
e permite contemplar os princípios políticos e morais (extra-sistemáticos) como elementos próprios dessa
discricionariedade. Por seu turno, o conceito não-positivista de Direito - na síntese de Figueroa - tende a restringir
intensamente a discrição judicial (R. Alexy) ou mesmo eliminá-la (R. Dworkin), mediante a vinculação do Direito
(ou do discurso jurídico) à moral (ou ao discurso moral.) Essa vinculação se daria pelos princípios.

No tocante aos objetivos de nosso estudo - concretização de princípios constitucionais - e sob a ótica pragmática,
as diferenças entre as duas concepções se diluem. Por dois motivos: em primeiro lugar, por estarmos sublinhando
no estudo a concretização da Constituição Brasileira (1988), que se caracteriza - como já tivemos oportunidade de
registrar - pela imensa variedade de princípios e normas (amplitude temática e mesmo ideológica). A maior parte
dos princípios utilizados em decisões judiciais está positivada ou é redutível, em última instância, a princípios
positivados. É a "positivação dos princípios''. É difícil conceber um princípio extra-sistemático que não tenha sido
contemplado pelo constituinte em nossa Carta. O outro motivo - que não desconhece os problemas que a
"positivação dos princípios" trouxe, relacionados à sua real força normativa - é que, seja no positivismo com a
"discricionariedade judicial", seja no "não positivismo" com a tese da "única resposta certa", para resolver um
caso difícil - como aquele que envolve matéria política ou moral-, o juiz terá de se valer necessariamente da
argumentação jurídica. Com efeito, no positivismo, discricionariedade não significa arbitrariedade, da mesma
maneira que em Dworkin e Alexy a resposta certa em um caso difícil não se encontra por mera "subsunção".
Ambas as correntes não prescindem de um juiz que justifique suas escolhas com racionalidade, recorrendo, para
tanto, à argumentação. Do ponto de vista descritivista, imaginemos positivistas e não positivistas analisando uma
decisão judicial proferida em um hard case. Ambos assimilarão o mesmo evento linguístico, apenas com leituras
distintas da motivação: argumento de princípio para um (não-positivista), justificação da discricionariedade para
outro (positivista). Portanto, do ângulo do juiz a pergunta fundamental é: no caso que tenho de decidir, o que exige
o Direito? As respostas são múltiplas e - recursiva ou circularmente - retomam ao ponto de partida: o que é o
Direito? Seja qual for a resposta, de toda maneira, a decisão a que o juiz chegar deve estar fundamentada em
argumentos jurídicos - os melhores argumentos possíveis.

A contraposição de Hart a Dworkin - acima brevemente traçada - mostra quão problemática pode ser o uso da
expressão "discricionariedade". Continuaremos a empregá-la para traduzir a experiência judicial na interpretação
constitucional: necessidade de valorações políticas Lato sensu, oriundas de dúvidas originadas no contexto
linguístico, funcional e sistemático da Constituição. Com isso não estamos nos filiando ao positivismo hartiano,
nem rejeitando a inegável contribuição de Dworkin à efetividade dos direitos individuais.

Em suma, discricionariedade judicial e politicidade se encontram por três motivos: a) vaguidade e elasticidade das
disposições interpretadas; b) fins visados pela hermenêutica constitucional (v.g., tutela dos direitos fundamentais);
c) posição do objeto interpretativo (disposições e normas constitucionais) situado no mais alto grau da estrutura
jurídica. De qualquer modo, o resultado desse encontro hermenêutico será eminentemente jurídico.

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O que queremos dizer, quando afirmamos que o encontro da discricionariedade judicial com a politicidade da
interpretação deve ter solução jurídica, é que nas eleições e valorações formuladas o juiz há de considerar uma
série de elementos e critérios que são majoritariamente jurídicos (v.g., precedentes jurisprudenciais, contribuições
da ciência do Direito, utilização de métodos - clássicos e específicos - de interpretação e, sobretudo, justificação
racional), que exteriorizam a "pretensão de correção" que toda decisão judicial possui, permitindo, pela
transparência, abertura ao controle social. Este é condição para que o Judiciário obtenha - pela possibilidade real de
crítica a seu comportamento - o reconhecimento de sua legitimidade, que é uma "legitimidade de exercício".

Concluímos que na interpretação operativa da Constituição:


a) as decisões judiciais são políticas lato sensu. Entretanto seus prolatores, os juízes, são desprovidos de "poder
político", em dois sentidos: primeiro, no sentido de aptidão para assinalar diretrizes ou objetivos sociais ou ingressar
na economia interna de actes de gouvernement; segundo, no sentido de estabelecer os meios e métodos que as
autoridades do Executivo devem seguir para atingir esses objetivos - salvo se esses meios forem constitucional ou
legalmente vinculantes para a Administração. Em termos funcionais, a tarefa mais relevante dos juízes
constitucionalmente falando é garantir os direitos fundamentais (individuais e coletivos) acolhidos na Lei Maior;
b) as decisões judiciais - para serem dotadas de legitimidade - devem ser fundamentadas em argumentos jurídicos
(ou argumentos de "princípios", como fala Dworkin), e não em argumentos políticos (v.g., conveniência ou
oportunidade de se conceder a tutela da pretensão), sob pena de ofender ao princípio democrático e da separação
dos poderes.

A CRIATIVIDADE JUDICIAL
Quando estudamos os princípios, em sua relação com as fontes do Direito, vimos serem eles "criação" do Direito
pela via da interpretação. Na ocasião, já sinalizávamos com o caráter "criador de princípios" que possui a
interpretação judicial. Neste tópico, retomamos, novamente, ao tema, porém, em outro contexto, mais amplo.
Agora a criatividade é encarada como um dos traços - ao lado da discricionariedade - por meio do quais se define
o caráter político da interpretação constitucional. Abordemos, antes, entretanto, a criação judicial do Direito, para
depois relacionar "criatividade" com "politicidade".

Em nosso sentir, a decisão judicial será criativa se sua obtenção ou formulação não estiver expressa e
diretamente determinada pelo Direito, requerendo valoração/argumentação por parte do juiz. A criatividade no
atuar jurisdicional é uma necessidade imposta por uma característica - historicamente comprovada - do sistema
jurídico: sua incompletude. Entre as diversas óticas pelas quais pode ser visto, pragmaticamente o Direito é um
modo de resolver casos concretos.

No plano da prática, o recurso à criatividade judicial será uma necessidade imperiosa do sistema jurídico
(funcionalmente redutor de complexidade), seja para sua manutenção, seja para esse sistema caminhar na direção
de um sistema justo. Parece-nos, pois, fora de dúvida que o juiz via de regra não reproduz de forma automática o
conteúdo da lei e que a magistratura tem papel ativo na elaboração das decisões judiciais.

Os limites da criatividade judicial estão traçados nos princípios e valores constitucionais. A criatividade judicial, no
Estado constitucional, encontra limites na "tensão" entre os princípios, no plano concreto da realidade histórica. Em
uma frase: a interpretação não pode comprometer a natureza da Constituição.

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De acordo com o acima posto, nas normas constitucionais o elemento político está presente com muito mais
intensidade que nas demais normas, o que é consequência de ser a Constituição o estatuto do político. Essa
característica substantiva - somando-se à especial formulação linguística dos princípios e valores políticos
reconhecidos na Lei Fundamental (vagueza, generalidade e indeterminação) - é suficiente para termos um cenário
propício à discricionariedade e à criatividade do juiz.

Particularmente na Constituição brasileira, em que dois fatores contribuem para a necessária abertura
constitucional à interpretação criativa. Primeiramente, por o "pluralismo político" ser considerado um dos
fundamentos do "Estado Democrático de Direito". Segundo, um dado da nossa história constitucional recente: o
fato de a nossa Carta ter sido fruto de composição entre forças políticas do mais variado espectro ideológico.
Resultado: um "acordo partidário" na Constituinte redundou em texto final com "indeterminação intencional", o
que, sobre dificultar o processo interpretativo, abre campo à criatividade - inclusive ideológica - dos juízes.

Se é certo que os juízes não são os únicos destinatários das normas constitucionais, nem mesmo os únicos a
interpretá-las, pois - apenas para ficarmos no Direito-, a par da interpretação operativa, temos a doutrinária, não
menos certo é que a sua interpretação deve ser jurídica e não política ou econômica. Interpretações políticas e
econômicas podem ser feitas, mas por políticos e economistas. Isso não significa que o juiz deve ser um aplicador
mecânico da lei. Claro, deve considerar que está a resolver matéria política/econômica e ter consciência do grau de
importância do que faz. Entretanto, a "abertura cognitiva" do Direito à Política/ Economia- na perspectiva do juiz -
deve resultar em complementariedade: abertura no "programa" do sistema jurídico; porém, com fechamento na
exclusividade da dicção do "lícito/ilícito".

O CARÁTER AXIOLÓGICO
Passemos ao terceiro elemento diferencial da interpretação constitucional: o caráter axiológico.

Portanto, a compreensão dos valores - veiculados pelos princípios - é passo essencial na atividade exegética da
Norma Fundamental. E para lograr essa compreensão o intérprete tem - na feliz expressão de Larenz - "necessidade
de um pensamento orientado a valores".

Reconhecido o caráter axiológico da interpretação constitucional, releva destacar duas funções exercidas pelos
princípios e valores constitucionais na interpretação:
a) enquadram a realidade em uma "pré-compreensão" de sentido e de valor. E aqui surge a questão da ideologia
na interpretação. Sem dúvida que a ideologia terá grande influência nas escolhas axiológicas do aplicador, podendo
dirigir a interpretação no sentido de aperfeiçoamentos sociais (ideologia dinâmica), privilegiando valores do
"contexto funcional ". Ou seja, buscando o sentido da norma que forneça a melhor resposta da Constituição às
necessidades da vida social. Este sentido não é descoberto, nem vem pronto e acabado, nem deve ser imposto
(ideologia totalitária), mas deve ser construído a partir da tensão e livre enfrentamento (procedimental) entre as
diversas concepções, democraticamente admitidas no jogo pelo valor (conceito constitucional).
b) os princípios e os valores ampliam as possibilidades interpretativas do aplicador. Díaz Revorio - com palavras de
Bachof - nota que o caráter genérico e abstrato dos princípios e valores faz cair sobre os juízes a missão de
"preencher de vida e conteúdo, mediante uma jurisprudência dirigida a concretizar e a reproduzir valores, os

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conceitos indeterminados que remetem a preceitos éticos extralegais e a conteúdos culturais ou que se referem a
elementos social/econômicos mutáveis''.

MÉTODOS DE INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL


A Constituição é um sistema aberto de normas e para que possa ser concretizada é necessário que seja
interpretada. Porém a interpretação não significa considerar determinado sentido do texto como correto a partir de
um ponto de vista subjetivo, baseado e fundamentado em um "sentimento jurídico''.

É verdade que esse sentimento - ou intuição - pode até mesmo explicar a gênese do processo psicológico por que
passa o intérprete (particularmente o juiz) para formar sua convicção. Entretanto, esse sentimento não faz parte do
discurso racional, pois não serve para justificar a decisão tomada e, consequentemente, para dotar de
legitimidade a atuação do juiz. Independentemente da maneira pela qual encontrou ou descobriu a solução para o
caso, o intérprete deve utilizar-se de métodos e de parâmetros científicos objetivos na compreensão do sentido
do texto e também no conhecimento do Direito aplicável. Interpretar operativamente a Constituição, pois, é
transmitir e compreender o sentido de uma disposição constitucional no caso concreto.

INTERPRETAÇÃO, MÉTODO E LEGITIMIDADE


A jurisdição - que surge como diferenciação funcional no sistema social objetivando dirimir conflitos - possui o
importante papel no corrigir os possíveis desvios de "rota constitucional" cometidos pelo político/legislador no
expressar os valores plasmados na sociedade (as ideias de direito e justiça).

Nessa linha, universaliza-se o controle de constitucionalidade, desmitifica-se o legislador e a noção de Direito não
se identifica mais apenas com o ato legislativo. A lei - que passa a conviver com uma pluralidade de ordenamentos
menores - deixa de ser vista como ato "impessoal, genérico e abstrato", expressão pacífica de uma sociedade
internamente coerente e racional, passando a ser instrumento de competição e a refletir interesses de grupos
particulares. O ambiente se complexifica, exigindo resposta adequada do Direito.

Consequência desse quadro - de crise do princípio da legalidade - é o abalo em uma das funções mais caras ao
Direito: a segurança. O caminho para retomar a unidade do Direito é consagrar uma "norma suprema”, rica em
princípios e em valores, fonte direta de direitos e de obrigações, imediatamente aplicável a todos os operadores
jurídicos, inclusive - e sobretudo - aos órgãos estatais: a Constituição. Assim fazendo, o Direito mostra-se, pois,
muito mais próximo dos princípios superiores, que outrora pertenciam ao chamado "direito natural" e que passam
a fazer parte dos ordenamentos jurídicos das nações ocidentais no momento em que adquirem status
constitucional. É a passagem do Estado de Direito para o Estado Constitucional, do princípio da legalidade para o
princípio da constitucionalidade.

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O traço marcante do "Estado Constitucional" é a existência de procedimento efetivo de controle da
constitucionalidade das leis e demais atos de poder, o que faz avultar o papel do juiz no cenário jurídico, em
detrimento do legislador. Surge a importante questão da legitimidade das decisões jurisdicionais.

De fato, não se discute que a legitimidade da produção de leis pelo Legislativo repousa no "princípio democrático"
(adesão da maioria), já as decisões do Executivo têm legitimidade fundada no princípio da autoridade (conjugando-
se com o princípio democrático). Hugues Rabault sustenta que a legitimidade da decisão jurisdicional aparece
exclusivamente fundada sobre o princípio da conformidade ao Direito (princípio da juridicidade).

O princípio da conformidade ao Direito é o grande elemento legitimador: o ato do juiz/tribunal é de conhecimento


e, portanto, um método. Em outras palavras, as decisões jurídicas devem ser fundamentadas e motivadas para que
sejam legítimas (legitimidade de exercício).

O princípio da juridicidade - ao requerer que o intérprete explicite os métodos interpretativos eleitos e as


valorações realizadas em sua argumentação - contenta-se apenas (e isso já é uma tarefa digna de Hércules) com a
solução do caso "na direção" desse "absoluto ético e técnico", qual seja: a resposta certa", conforme defende R.
Dworkin.

Na linha de pensamento de Rabault, diríamos que caminhamos em direção ao ideal de consenso quando a decisão
tomada procura reproduzir o interesse do conjunto das pessoas enquanto membros da comunidade jurídica. Nesse
labor, a percepção que o juiz deve ter desse "interesse da comunidade" deve ser plasmada não em seus valores
pessoais, mas, na Constituição, caso contrário, será ilegítima. A legitimidade do Judiciário, por ser uma
legitimidade de exercício, advém do princípio da supremacia da Constituição.

Releva o papel da metodologia que, entre outros problemas, deve enfrentar a questão da motivação da decisão. A
motivação, a fundamentação, a publicidade da decisão e o método fornecem legitimidade à função jurisdicional.
Decisão tomada sem método e sem motivação leva à comunidade a idéia de que o Direito é produzido por um
ato de autoridade, desvinculado de valores de justiça, podendo acarretar hiato intransponível entre Estado e
sociedade. Por conseguinte, no caminho da legitimidade do Judiciário, necessitamos de um juiz sinceramente
imbuído de "pretensão de correção", que tome decisões pautado por valores e com metodologia jurídica. Com isso
a interpretação adquire características de processo substancialmente intersubjetivo, o que permite uma abordagem
racional da hermenêutica.

Fixando os olhos no plano material (valores), avulta a importância dos princípios constitucionais - particularmente
dos direitos fundamentais - na conquista diária de legitimidade pelos juízes. Em cada decisão jurisdicional, a par da
análise dos aspectos referentes aos interesses singulares, deve ser a questão sempre iluminada pela concretização
dos direitos fundamentais, os quais traduzem os interesses mais relevantes compartilhados pelos membros da
comunidade.

Centrando-se o foco nos direitos fundamentais, o papel do juiz - tomando-se por referência o "estado
constitucional" - é de garante da intangibilidade dos direitos individuais do cidadão e não de protetor dos interesses
da maioria. Como observa Pawlowski, o juiz - que assegura a autonomia privada do cidadão - é essencial ao Estado
de Direito na medida em que garante que o princípio democrático não terminará em "ditadura da maioria".

37
Conseguintemente, o atuar judicial não se legitima por procurar o juiz a compreensão dos princípios constitucionais
na "vontade da maioria", pois sua função é outra: expressar o sentido da Constituição em nome do povo, de toda
a sociedade, e não em nome da "maioria". A interpretação deve ser, além de racional, razoável, o que lhe permitirá
obter a "aceitação da maioria".

Ressaltada a importância do método como uma das fontes da legitimidade da interpretação da Constituição
realizada pelos juízes, aproximemos um pouco mais nossas lentes desses métodos e princípios interpretativos.

O examinador, após discorrer sobre os métodos de interpretação, em que se percebe uma ênfase aos métodos
Hermenêutico concretizador e ao Normativo-Estruturante, passando pelo estudo dos princípios de interpretação
constitucional, identifica nas decisões proferidas pelo STF clássicos critérios de interpretação das normas.

Dado que o examinador dá ênfase aos métodos Hermenêutico concretizador e ao Normativo-Estruturante, aqui nos
limitaremos a tratar desses métodos.

O MÉTODO HERMENÊUTICO-CONCRETIZADOR
Também se orientando pelo "problema", temos o método hermenêutico-concretizante desenvolvido por Konrad
Hesse na obra Grundzuge des Verfasssungsrechts (Elementos de direito constitucional). Sublinhamos a importância
dessa postura, pois, na interpretação jurídica o conhecimento do sentido de um texto e sua aplicação a um caso
jurídico concreto não são atos separados, mas um processo unitário.

Para Hesse, o operador do Direito cumpre a tarefa da interpretação mediante procedimento racional que tem por
objetivo a tomada de decisão em um problema concreto. Por ser procedimento racional, seu discurso deverá ser
fundamentado e controlável, de maneira a criar certeza jurídica e previsibilidade.

Para a realização dessa tarefa, Hesse faz crítica à doutrina tradicional de interpretação que procura averiguar a
vontade (objetiva) da norma ou a vontade (subjetiva) do legislador. A mesma crítica é dirigida aos métodos
tradicionais de interpretação, que não fornecem diretrizes suficientes. Por trás dessa crítica, verificamos que Hesse
se contrapõe às doutrinas tradicionais de hermenêutica positivista que estão ancoradas no "dogma da subsunção".

A abordagem da tarefa hermenêutica realizada por Gadamer oferece-nos as raízes da concretização, quer na
metódica de Hesse, quer na desenvolvida por Müller. O autor de “Verdade e Método” (Gadamer) afirma que a
aplicação não é uma parte última e eventual do fenômeno da compreensão. Pelo contrário, a aplicação determina
desde o princípio e no seu todo a compreensão. Da mesma forma, a aplicação não consiste em relacionar algo
geral e prévio como uma situação particular. Na linguagem dos juristas: interpretação/aplicação não é subsunção.

Hesse propõe a "interpretação constitucional como concretização". Assim, contrariamente à doutrina e métodos
clássicos, enfatizará o problema concreto colocado para a decisão. Nesse aspecto, a interpretação jurídica terá
caráter criador. Os juízes não podem evitar o "juízo reconstrutivo" da norma quando diante de uma situação dada,
juízo presidido pela ideia de consistência e sistema.

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J. J. Gomes Canotilho assim resume a interpretação constitucional na visão de Konrad Hesse: "O método
hermenêutico-concretizador arranca da idéia que a leitura de um texto normativo se inicia pela pré-compreensão
do seu sentido através do intérprete. A interpretação da Constituição também não foge a esse processo: é uma
compreensão de sentido, um preenchimento de sentido juridicamente criador, em que o intérprete efectua uma
actividade prático-normativa, concretizando a norma para e a partir de uma situação histórica concreta. No fundo,
esse método vem realçar e iluminar vários pressupostos da tarefa interpretativa: (1) os pressupostos subjectivos,
dado que o intérprete desempenha um papel criador (pré-compreensão) na tarefa de obtenção do sentido do texto
constitucional; (2) os pressupostos objectivos, isto é, o contexto actuando o intérprete como operador de mediações
entre o texto e a situação em que se aplica; (3) relação entre o texto e o contexto com a mediação criadora do
intérprete, transformando a interpretação em movimento de ir e vir (círculo hermenêutico)".

Apreciaremos: a) as condições da interpretação constitucional; b) os procedimentos da concretização de normas


constitucionais.

Das condições da interpretação constitucional: entre as condições da interpretação constitucional, Hesse destaca a
"pré-compreensão do intérprete". A concretização pressupõe um "entendimento do conteúdo da norma a ser
concretizada" e do problema concreto a ser resolvido. De fato, o intérprete não é um ser situado fora da história,
em um mundo abstrato de formas vazias e sem significado. Pelo contrário, o intérprete e toda a compreensão só
ocorrem em situação histórica concreta. Além de a interpretação se dar na história, o intérprete tem história. Sua
formação, seus valores, mesmo suas opções político-ideológicas não se ausentarão - magicamente - no momento
em que estiver procurando compreender o conteúdo de uma norma e sua aplicação a uma situação concreta. O
professor da Universidade de Freiburg afirma a importância de as pré-compreensões virem à tona e serem
fundamentadas no discurso jurídico, protegendo-se contra o arbítrio e realizando o dever fundamental de toda a
interpretação, que é a motivação. Hesse não entende a interpretação constitucional desvinculada de problemas
concretos. Portanto, a concretização somente é possível com vistas a uma situação real. Cabe ao intérprete
relacionar a norma - que ele quer compreender - ao problema real (hic et nunc).

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Dos procedimentos de concretização: como referido, o processo de interpretação não é autônomo, abstrato;
porém, vincula-se a três elementos: a) à pré-compreensão do intérprete; b) ao problema concreto a ser resolvido;
c) e à norma a ser concretizada. De outro lado, a concretização obtém-se por procedimento, o qual não é arbitrário,
mas deve ser determinado pelo objeto da interpretação (norma constitucional), pela Constituição (princípios e
regras) e pelo problema concreto.

Procedimento de concretização proposto por Hesse aproxima-se da “tópica” parcialmente, uma vez que prevê
avanço tópico (guiado e limitado pela Constituição, é verdade).

Os topoi não ficam na discrição do intérprete, mas, deve este adotar apenas "pontos de vista" que estão
relacionados com o caso a decidir. Excluem-se, assim, os topoi não apropriados. Além disso, utilizando-se de
categorias desenvolvidas por F. Müller (Juristiche Methodik), a eleição dos topoi é condicionada pelo "programa
normativo" e seu "campo normativo", além dos princípios constitucionais e das peculiaridades do problema
concreto.

A simples intelecção do "texto da norma" não possibilita a concretização. Daí a referência ao "âmbito da norma"
(campo normativo). Essa parte do trabalho de Konrad Hesse é inspirada - reconhecidamente pelo autor - na
Juristiche Methodik de F. Müller.

A valoração dos diversos ponto de vista (topoi), principalmente na direção da solução do problema, cabe aos
princípios da interpretação constitucional (princípio da unidade da Constituição, princípio da concordância prática,
critério da exatidão funcional, critério de efeito integrador e princípio da força normativa da Constituição). No lugar
próprio (5.3.5) estudaremos os princípios da interpretação constitucional.

A METÓDICA JURÍDICA-ESTRUTURANTE
A METÓDICA DE F. MÜLLER
J. J. Canotilho faz, no tocante aos postulados básicos da metódica normativo-estruturante, uma síntese. Afirma o
autor português que:
a) a metódica jurídica tem como tarefa investigar as várias funções de realização do direito constitucional
(legislação, administração, jurisdição);
b) e captar a transformação das normas a concretizar numa 'decisão prática' (a metódica pretende-se ligada à
resolução de problemas práticos);
c) a metódica deve preocupar-se com a “estrutura da norma” e do “texto normativo”, com o sentido de
normatividade e de processo de concretização, com a conexão da concretização normativa e com as funções
jurídico-práticas;
d) elemento decisivo para a compreensão da estrutura normativa é uma teoria hermenêutica da norma jurídica que
arranca da não identidade entre norma e texto normativo;
e) o texto de um preceito jurídico positivo é apenas a parte descoberta do iceberg normativo (F. Müller),
correspondendo em geral ao programa normativo (ordem ou comando jurídico na doutrina tradicional);
f) mas a norma não compreende apenas o texto, antes abrange um 'domínio normativo', isto é, um 'pedaço de
realidade social' que o programa normativo só parcialmente contempla;

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g) consequentemente, a concretização normativa deve considerar e trabalhar com dois tipos de elementos de
concretização: um formado pelos elementos resultantes da interpretação do texto da norma (= elemento literal da
doutrina clássica); outro, o elemento de concretização resultante da investigação do referente normativo (domínio
ou região normativa).

Müller parte de uma crítica ao modelo clássico de interpretação, modelo este vinculado à Teoria Pura do Direito (H.
Kelsen). Na construção kelseniana, Müller sustenta que a interpretação se torna operação meramente "volitiva", de
vez que o aplicador é o "senhor" tanto do texto da regra a aplicar (premissa maior do silogismo) quanto da
qualificação dos fatos (premissa menor). Assim, o "normativismo" kelseniano acabaria em puro "decisionismo". A
fraqueza da teoria kelseniana da interpretação seria causada pela identificação feita pela teoria pura entre
"norma" e "texto da norma". Haveria desconexão entre a realidade e a norma a aplicar. Esse isolamento - fruto da
severa separação entre Sein (ser) e Sollen (dever-ser) - levaria à indeterminação do significado do texto, uma vez
que este restaria isolado dos elementos da realidade que lhe poderiam conferir sentido. Assim, para Müller, a
Teoria Pura do Direito resulta em uma teoria vazia de interpretação. Müller propõe abordagem diversa partindo de
uma teoria da norma jurídica pensada na relação "norma-realidade". Ser e dever ser são considerados como duas
faces de uma única e mesma realidade.

A teoria da norma jurídica em Müller escora-se na distinção fundamental entre "norma" e "texto da norma" (texto
da lei, texto da Constituição ou mesmo texto de prescrição costumeira). A norma jurídica, em consequência, não se
identifica com o texto da norma, porém é resultado de um trabalho de "extração" - verdadeiramente "construção"
- a partir do material bruto dos textos. O trabalho de construção é designado pela palavra "concretização". Assim, a
norma não é o ponto de partida para o processo de concretização, mas seu resultado. A norma não está no texto,
nem preexiste ao trabalho do operador do Direito, mas é resultado de sua concretização: o emprego de métodos
jurídicos em um caso concreto.

Outro ponto de referência na metódica de Müller é a abordagem "indutiva". Novamente se contrapõe à concepção
de Kelsen. Em Kelsen, sustenta Müller, há a utilização do processo "dedutivo" (o intérprete parte da teoria para em
seguida deduzir as consequências jurídicas práticas). A Teoria Estruturante do Direito inverte essa ordem: tem seu
ponto de partida no processo "indutivo".

No campo da interpretação, conhecer o sentido de uma norma não é tarefa que se realiza por meio de
sistematização lógica ou dos métodos clássicos de interpretação, mas, sobretudo pela compreensão da relação
norma-realidade social. Müller reserva palavras duras para o modelo de interpretação baseado no positivismo. Este
autor afirma que a assimilação da norma à sua configuração linguística leva os intérpretes positivistas a considerar
os elementos "externos aos textos da norma" como metajurídicos, desprezando-os, assim, na formulação da
solução dos casos. Suas críticas também se dirigem aos métodos de interpretação de Direito Constitucional
(gramatical, histórico, genético, sistemático e teleológico), que seriam incapazes de realizar uma verdadeira
concretização da norma, mas realizariam somente a interpretação do "texto da norma". Este não exprimiria o
comando jurídico, nem o programa e campo normativos.

A metodologia jurídica é definida como técnica, fundada sobre uma prática científica, dos processos de decisão
orientada pelos textos das normas ou pelas normas. Vejamos como se desenvolve.

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O operador do Direito que tem diante de si um caso a decidir - segundo a metodologia de Müller - deve seguir os
seguintes passos:
a) tomando em consideração as circunstâncias da espécie, o intérprete deve escolher os textos de norma que lhe
pareçam apropriados ao caso;
b) o campo factual é a fase inicial do processo de decisão. Nesse processo, o jurista - partindo das circunstâncias da
espécie - escolhe, com o auxílio dos critérios fornecidos por essas circunstâncias, as "hipóteses de textos de
normas" que lhe parecem adequadas. Dessa forma, o intérprete chega no "campo factual" das prescrições que ele
supõe apropriadas, tomando-se como referência a seleção que ele faz das hipóteses de textos e normas. Nessa
primeira fase, as prescrições tomadas em consideração a título de tentativa aparecem sob a forma de "hipótese de
textos de normas". A soma dessas hipóteses incidentes sobre os fatos - inicialmente introduzidos no processo de
concretização - é chamada "campo factual". Tendo em vista o caso concreto a decidir, o campo factual é em regra
reduzido às dimensões do "campo de espécie";
c) interpretação do conjunto de dados linguísticos, ou seja, a explicação dos textos, por meio de todos os métodos
de interpretação - inclusive os tradicionais. Obtém-se, assim, o "programa normativo";
d) com a ajuda do programa normativo, o aplicador escolhe a partir do campo factual, ou do campo de espécie, a
quantidade de fatos conormativos para a solução do caso: temos o "campo normativo". O campo normativo (ou
"âmbito normativo") é o recorte da realidade social em sua estrutura básica que o programa da norma elegeu ou
criou para si como seu âmbito de regulamentação. Percebe-se, pois, que o programa da norma em alguns casos
escolhe para fazer parte do seu "âmbito" aspectos não criados pelo Direito (dados factuais considerados
relevantes); em outros casos, em lugar de "eleger um aspecto factual" , cria para si componentes normativos (v.g.,
as prescrições referentes a prazos, forma e regras procedimentais);
e) o programa normativo e o campo normativo formam a "norma jurídica", que nesse estágio ainda está
formulada de maneira abstrata e genérica;
f) o momento culminante da concretização traduz-se na individualização dessa norma jurídica em uma "norma-
decisão" (dispositivo da sentença). Müller observa que, do ponto de vista metódico, essa última etapa é a única
que pode ser chamada de "subsunção". Entretanto, é importante salientar que subsunção não é - segundo Müller -
um procedimento lógico formal; antes é um procedimento determinado em seu conteúdo pela respectiva pré-
compreensão de dogmática jurídica. De toda maneira "não é possível descolar a norma jurídica do caso jurídico por
ela regulamentado. Ambos fornecem de modo distinto, mas complementar, os elementos necessários à decisão
jurídica".

Segundo esse método inexiste identidade entre “norma jurídica” e “texto normativo”.

Método
Programa Conjunto de domínios linguísticos resultantes da abertura semântica
Normativo- Normativo proporcionada pelo texto do preceito jurídico
Estruturante
Âmbito Conjunto de domínios reais fáticos, abrangidos em função do
(Campo) programa normativo, ou seja, a pedaço da realidade social tomada
Normativo como estrutura fundamental e que o próprio programa normativo
autoriza recortar

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Concretização A norma jurídica NÃO se identifica com seu texto (expresso), pois ela
Normativa é o resultado de um processo de concretização. Dessa forma, afirma-
(Norma se que existe uma implicação necessária entre programa normativo e
Jurídica) âmbito (campo) normativo, ou seja, entre preceitos jurídicos (e suas
aberturas semânticas) e a realidade a se regular.
Portanto a norma jurídica resulta da união entre programa normativo
e âmbito (campo) normativo.

Entretanto, é possível compreender o procedimento de concretização constitucional como abrangente da fase


propriamente executiva da "norma-decisão". Ou seja, alcançando o momento de adequação da realidade à norma
construída. Para tanto, deve-se considerar que a interpretação aplicação da Constituição não é privilégio de órgãos
institucionais, porém um processo aberto. O juiz interpreta a Constituição na esfera pública e na realidade. A
integração da realidade no processo de interpretação tem como consequência a ampliação do círculo dos
intérpretes. Destarte, a concretização constitucional alcança tanto os participantes diretos do procedimento de
interpretação da Constituição quanto o "público". Concretizar não é apenas construir a norma-decisão, porém
realizar essa norma construída. Haveria perda de normatividade ao texto constitucional, caso a norma-decisão não
fosse efetivada, não produzisse alterações no "mundo da vida". E essa integração entre norma e realidade só é
possível com uma visão da Constituição que vá além da "organização do Estado", que veja a norma fundamental
como estruturadora da própria esfera pública, dispondo sobre a estruturação da sociedade, inclusive dispondo
sobre setores da vida privada, não para "impor" soluções prontas, mas para integrá-las ativamente enquanto
sujeitos.

Percebe-se, contrapondo-se o modelo positivista à metódica estruturante de Müller, a diferença fundamental no


sentido da "concretização". Concretizar a norma jurídica, para Müller, não significa que a norma existiria
previamente à erupção do "caso concreto" e de sua solução. De acordo com a visão positivista dominante a norma
jurídica seria um dado prévio que deveria receber concretização (tornar-se mais precisa), para alcançar o caso
concreto. Assim, a norma deveria ser "concretizada", partindo-se do universal ao particular, do genérico ao
individual. No positivismo, o jurista - na expressão de Müller - forma uma como que "miniatura da norma"
conveniente e, então, decide o caso concreto, mediante subsunção. O erro - aponta Müller - dessa posição está em
considerar que a norma jurídica exista com antecedência a situações reais. Expressivamente Müller assinala que
concretização não designa a redução de uma norma geral às dimensões de um caso particular, porém a produção
de uma norma jurídica geral nascida em um quadro de decisão de um caso concreto.

Nessa linha, o operador do Direito - partindo do texto da norma e das circunstâncias da espécie - elabora uma
norma jurídica geral que do ponto de vista tipológico disciplina os casos da mesma espécie . A concretização
evidencia a atividade criadora do Direito, pois dá nascimento a uma norma jurídica genérica que ainda não existia.
Coerentemente Müller possui conceito de normatividade que se afasta do positivismo: os atributos da
normatividade só podem ser visualizados não abstratamente, mas no processo de resolução da situação real.

Entendemos com Marcelo Neves que é possível um conceito de concretização ainda mais amplo que o formulado
por Müller. Esse conceito amplo vislumbra bloqueio no processo de concretização sempre que o conteúdo do texto
legal densificado inconcreto (enunciado linguístico da norma-decisão) é rejeitado, desconhecido ou

43
desconsiderado nas interações concretas dos cidadãos e órgãos/grupos sociais. Em síntese, a concretização
normativa alcança - para além da construção da norma-decisão - as diversas instâncias de eficácia da lei
(observância, execução, aplicação, uso).

F. MÜLLER E WITTGENTEIN DA SEGUNDA FASE


Vemos, outrossim, a metódica de Müller como uma das ferramentas mais adequadas para a obtenção do Direito
Constitucional na solução de casos. Uma das razões dessa adequação são os pressupostos linguísticos da metódica
estruturante, umbilicalmente ligados a Wittgenstein II.

Muito se aproxima a concepção de Müller dos pontos de vista filosóficos da crítica da linguagem desenvolvida por
Wittgenstein em sua segunda fase (reviravolta pragmática): o abandono da visão estática do estruturalismo
linguístico (ligado à linguagem enquanto sistema) em favor de uma perspectiva que toma em consideração o
locutor e a dinâmica da linguagem (ação linguística). Troca-se a teoria semântica tradicional, que considera a
significação como uma entidade fixa (fala-se em "significações" da mesma maneira que se fala em "objetos"), pela
teoria da ação linguística, em que o fundamento da significação se encontrará no uso prático: a significação
resultará de justificações e explicações de usos linguísticos em uma situação determinada.

Ao compreender o conceito de regra jurídica a partir da "produção de regras", e não como "descoberta de regras" e
de normas, Müller coloca o sujeito/intérprete no papel central de sua teoria. Assim, da mesma maneira que a
"reviravolta linguística" rejeita a representação tradicional da linguagem como um sistema normativo
"naturalmente" imposto, Müller rejeita a compreensão da norma jurídica como uma entidade preexistente à
concretização. O efeito dessa abordagem do trabalho jurídico prático é conceber o intérprete como agente que não
se limita a encarar o texto como qualquer coisa de substancial, porém, que constrói a significação no caso concreto.
O texto da norma não contém uma "instrução normativa" como um dado substancial. Dessa forma, de acordo com
o movimento seguido pela teoria da linguagem em direção a uma reviravolta pragmática, a grande tarefa do
operador do Direito não é se debruçar em especulações ilusórias acerca de "significados prévios" do texto da
norma, mas encontra-se no desenvolvimento de procedimentos concreto de "argumentação jurídica".

Müller não se distancia da hermenêutica moderna, que entende as teorias jurídicas conectadas com a " solução de
problemas" (função heurística, ou de descoberta de soluções). A aplicação in concreto não é uma parte última e
eventual do fenômeno da compreensão. Pelo contrário, a aplicação determina a compreensão desde o princípio.
Como já referido, a interpretação é a construção de sentido, não a subsunção do "particular" ao "geral". Afasta-se
do positivismo formalista que vê texto como algo geral que pudesse ser empregado posteriormente para uma
aplicação particular. O que o intérprete pretende é, pelo contrário, compreender esse "geral", o texto, que faz o
sentido e o significado desse mesmo texto. Para lograr essa compreensão deve considerar a sua própria situação
hermenêutica (tradição, história, pré-compreensões), relacionando o texto com essa situação. Nesse ponto de vista
exegético, toda "teoria dogmático-jurídica" é vista como "uma resposta a perguntas".

Nos fundamentos dessa hermenêutica, mas usando a linguagem de Müller, diríamos que da mesma maneira que " a
compreensão de uma resposta pressupõe, em princípio, o conhecimento da pergunta", a experiência hermenêutica
da norma (entendida esta como concretização, traduzida, pois, na norma-decisão) pressupõe o "caso a decidir" em
todas as suas dimensões.

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Em resumo, a metódica estruturante mostra-se bastante útil para o labor judicial de decidir casos constitucionais,
porquanto:
a) analisa as questões que surgem na interpretação e concretização em situações decisórias determinadas pelo
caso;
b) não identifica interpretação e concretização;
c) não identifica norma e texto da norma;
d) privilegia a interpretação sistemática/teleológica, sendo que os métodos tradicionais hermenêuticos não são
tomados como "procedimentos autônomos", mas, que revelam complementariedade e entrelaçam-se, reforçando-
se materialmente;
e) apreende a igualdade hierárquica entre elementos do "programa da norma" e do "âmbito da norma";
f) vê como inseparável a "norma jurídica" do "caso jurídico" por ela regulamentado. Ambos fornecem os elementos
necessários para o intérprete tomar sua decisão;
g) procura desenvolver meios de um trabalho controlável de decisão, fundamentação e representação da funções
jurídicas.

Concretizar a Constituição é um desafio ao juiz, pois o convoca a não encarar a Lei Fundamental como um "texto
simbólico", sem vigência social; convoca-o a adotar metódica integrativa que una o programa normativo (dados
linguísticos) e o âmbito normativo (dados reais) na construção da norma constitucional.

Metódica estruturante e sistêmica de Luhmann se tocam. A concretização - entendida como correspondência entre
o texto constitucional e a normatividade materialmente determinada - permite uma leitura pela teoria dos
sistemas de Luhmann. De fato, a inclusão de uma esfera pública pluralista no processo de concretização
constitucional, generalizando congruentemente expectativas, oferece as condições para que haja submissão
temática dos demais subsistemas sociais (Economia, Política, etc.) à comutação seletiva por parte do código jurídico
(lícito/ilícito).

MÉTODOS E PRINCÍPIOS DE INTERPRETAÇÃO: PONTO DE VISTA CRÍTICO


Quanto ao método, o contexto funcional/teleológico e o método sistemático adquirem relevo especial, em virtude
dos aspectos particulares da Constituição: conteúdo plural e unidade. Como a Constituição que interpretamos é
uma Constituição aberta e valorativa, as normas (princípios e regras), a partir de uma perspectiva da teoria da
argumentação, deverão receber sua concretude tendo-se sempre em consideração duas notas típicas: maior
liberdade de interpretação e conteúdo político de muitas das decisões interpretativas. Consequentemente, maior
presença de juízos flexíveis e tolerantes, uma vez que são flexíveis e tolerantes os comandos das normas
constitucionais.

Quanto à neutralidade do método, porquanto sejam os métodos clássicos, sejam os métodos mais atuais (metódica
estruturante de Müller, hermenêutica concretizadora de Hesse, etc.), não são passaportes garantidos para decisões
justas, exigindo do intérprete a máxima delimitação conceituai possível dos conteúdos substanciais da Constituição.
No ensinamento de Requena López, o intérprete deverá se utilizar de um "aprofundamento", ou seja, indagação

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séria sobre o conceito, o significado, o conteúdo e o alcance de cada um dos valores que se apresentem no caso a
decidir.

Ante à inviabilidade de um sistema metodológico que seja capaz de conduzir o julgador a conclusões de acerto
indubitável, o que é decorrente da pluralidade de valorações possíveis e que leva o intérprete à necessidade de
sopesar princípios. Deve considerar-se provisórios quaisquer princípios ou métodos empíricos gerais que tenha
seguido no passado, inclusive com disponibilidade a abandoná-los. Deve estar-se aberto e disponível a uma análise
mais sofisticada e profunda quando a ocasião o exigir.

Por fim, apesar de não existir uma "metodologia ideal", do ângulo prático, usaremos argumentos de princípios (R.
Dworkin) realizando o balancing ou o sopesamento. Elegemos, também, a metódica estruturante de F. Müller e K.
Hesse, com os aportes dos métodos clássicos de interpretação e especial ênfase nos critérios teleológico/
sistemático. Em termos de argumentação, aplicaremos a teoria de R. Alexy, sem descuidar da tópica (Viehweg).
Trata-se de opção metodológica sem caráter axiomático. Apenas consideramos bastante útil para solução de casos
difíceis. Esse método foi aplicado em situações concretas e que serão analisadas no capítulo final (Capítulo 6).

Catálogo de princípios da interpretação foi elaborado por Canotilho tendo como base – Kanrad Hesse e Karl Larenz.
Seu método realça a função do princípio da relevância (com princípios relevantes para resolução de problemas
práticos) e procurar articular o Direito Constitucional Forma e material dentro do “constitucionalmente praticável”.

Maior parte dos princípios são corolários dos métodos clássicos de intepretação (gramatical, histórico, sistemático e
teleológico) ou são elementos de política constitucional de concretização.

Princípio da Unidade da Constituição: o interprete deve considerar a Constituição na sua globalidade e procurar
harmonizar os espaços de tensão existentes entre as normas constitucionais a concretizar. Norma constitucional
não deve ser interpretada de maneira isolada, entendida a partir de si mesma. O sentido da norma advém da
conexão do preceito objeto com os demais, tomando como premissa que a CF deve apresentar uma unidade
interna.

Princípio do Efeito Integrador: consiste na integração do ordenamento jurídico por meio da Constituição, como
uma das finalidades buscadas pela intepretação constitucional. Na busca de soluções para problemas jurídicos-
constitucionais, deve ser dada primazia aos critérios e pontos de vistas que favoreçam a integração política e social
e o reforço da unidade política. Princípio do efeito integrador não é um princípio autônomo na metódico, mas um
subcaso da intepretação sistemática. Importância para casos que envolvam atribuições de órgãos, agentes e
instituições públicas. Reforça o caráter institucional por resolver dúvidas relacionadas aos poderes, competências e
limites de atuação. Nessa vigia, a justiça constitucional colabora com a adequação da ação desses entes às funções
a eles reservadas pela Carta e a integração da Constituição. Ao se guiar pelo efeito integrador o juiz deve ter
presente o “princípio de judicial self-restraint”.

Princípio de judicial self-restraint: tem por objetivo manter aberto o espaço de configuração política garantido
constitucionalmente aos demais órgãos do Estado. Evitar a intervenção em âmbito definido pela Lei Fundamental
como de atuação política.

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Princípio da conformidade constitucional: intimamente ligado aos princípios do efeito integrador e judicial self
restraint. O juiz constitucional não pode chegar a um resultado interpretativo que subverta ou perturbe o
esquema organizatório-funcional constitucionalmente estabelecido. Judiciário deve observa-lo nas relações com o
Legislativo e Executivo, o mesmo para a relação entre os entes na verticalidade.

Princípio da confiança federal: corolário do efeito integrador em um estado federal. As relações entre a União e
demais entres devem ser vistas não com de separação, mas coordenação e participação conjunta. Klaus Stern
também se refere ao princípio da confiança recíproca entre os órgãos públicos também

Princípio da Força Normativa: na solução dos problemas jurídico-constitucionais deve dar-se prevalência aos
pontos de vista que contribuem para uma eficácia ótima da Lei Fundamental. Soluções que possibilitam a
atualização normativa e garanta a sua eficácia e permanência, haja vista a historicidade das estruturas
constitucionais.

Princípio da Máxima Efetividade: na intepretação da norma constitucional, a esta deve ser atribuído o sentido que
mais eficácia lhe dê. Grande aplicação aos direitos fundamentais, os quais na dúvida, prefere reconhecer sua maior
eficácia. Não há espaço na Lei Maior para meras exortações morais e recomendações vazias ou promessas a serem
atendidas no futuro. Soluções de casos devem prevalecer pontos que promovam a eficácia máxima da CF.

Princípio da Concordância Prática ou Harmonização: importante: para resolver conflitos entre direitos
fundamentais e bens jurídicos constitucionalmente protegidos. Autor traz a ideia do igual valor dos bens
constitucionais que impede sacrificar um em relação aos outros, impondo estabelecimento de limites e
condicionamento recíprocos de forma a conseguir uma harmonização ou concordância prática entre eles. Como
obter uma harmonização? Aqui introduz o conceito de proporcionalidade que surge a partir do problema prático de
conflito entre dois princípios constitucionais em um caso concreto. Autor chama ele de princípios dos princípios,
que há uma busca por resolver o conflito entre princípios por meio de uma “solução compromisso” (não é solução
definitiva), sendo um privilegiado no caso concreto minimizando os efeitos ofensivos ao princípio “perdedor”
(respeitando seu “núcleo essencial”). Autor diz que a proporcionalizada veio da Suíça, ganhando contornos
doutrinários na Alemanha, sendo que não França há o emprego na jurisdição administrativa. Elementos: i)
adequação: delimitar o fim do preceito constitucional, arguir os meios possíveis e escolher o meio ótimo; ii)
necessidade: além de adequado para atingir o fim, ele deve ser o mais suave dentro os disponíveis, menos agressivo
aos bens e valores constitucionais; iii) proporcionalidade em sentido estrito: o meio é o mais vantajoso para
promover valores com o mínimo desrespeito de outros que contraponham.

Princípio da proporcionalidade e os Direitos Fundamentais


1) Introdução: Em razão do caráter relacional do direito, é comum os conflitos entre titulares de direitos
fundamentais e, por consequência, entre normas constitucionais. E é nessa situação que o princípio da
proporcionalidade mostra toda sua virtualidade prática como “princípio de interpretação”. A proporcionalidade e a
razoabilidade são critérios argumentativos utilizados pelo intérprete para restringir a aplicação de determinado
direito fundamental.
As restrições a direitos fundamentais quando em situação de conflito impactam um tema de grande importância
para o direito constitucional: os limites dos direitos fundamentais.

47
2) As restrições aos Direitos Fundamentais: Alexy explica o conceito de restrição jusfundamental: “restringíveis são
bens jusfundamentalmente protegidos (liberdades/situações/posições de direito ordinário) e posições prima facie
concedidas por princípios jusfundamentais.” Explicando melhor: as restrições de direitos fundamentais são normas
que restringem posições jusfundamentais a priori, de modo que os direitos fundamentais, por ostentarem o nível
hierárquico de normas constitucionais, só podem ser limitados e restringidos por normas (princípios ou regras)
também com sede na Lei Fundamental.

Temos três formas de se veicularem restrições aos direitos fundamentais:


a) Restrições diretamente constitucionais: Ex. CRFB, art. 5º. IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo
vedado o anonimato; b) Restrições indiretamente constitucionais: restrições contidas em normas de nível inferior,
contudo, com imposição autorizada pela Constituição. Ex. CRFB, art. 5º, VII. VII - é assegurada, nos termos da lei, a
prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva.c) Restrições implícitas:
Restrições que são decorrentes do resultado de ponderação, com aplicação do princípio da proporcionalidade,
aplicadas no caso concreto.
3) Direitos Fundamentais e o Princípio da Proporcionalidade: Que interesse deve ceder no conflito entre
direitos/princípios albergados pela Constituição? Uma das doutrinas que procuram responder a essas indagações é
a preferred rights (direitos preferenciais), nascida nos Estados Unidos e que admite que determinados direitos de
liberdade devam ser dotados de uma especial supremacia quando confrontados com direitos patrimoniais.

Duas críticas: a) os preferred rights pressupõem aceitar a existência do subsistema de direitos fundamentais de uma
hierarquia interna que distingue determinados direitos em relação aos outros; b) não soluciona em nível geral a
questão de se saber quais devem ser os direitos preferentes e quais as razões dessa escolha.

A pluralidade de princípios e a ausência de uma hierarquia formal entre eles tornam impossível o “ formalismo dos
princípios” (Zagrebelsky) ou hierarquia de valores, ou seja, é impossível uma ciência sobre sua articulação, tornando
necessário recorrer-se à ponderação para se obter ou "balanço entre os bens jurídicos conduzido pelo princípio da
proporcionalidade”.

4) O Balancing entre Direitos Fundamentais: O balanceamento (balancing) ou ponderação como estratégia na


concretização surge, pois, de uma tríplice contingência: a) a necessidade de resolver "casos de tensão" entre
direitos fundamentais ou outros valores constitucionalmente protegidos; b) a inexistência de ordenação in
abstracto de bens e valores protegidos pela Lei Maior; c) a estrutura típica da norma que não possibilita a aplicação
por simples "subsunção".

Duas observações:
a) Como os princípios são pautas que carecem ser preenchidas, a tarefa de conferir-lhes densidade deve ser levada
a cabo tanto pelo legislador ordinário como pelos demais Poderes: Executivo e Judiciário. Entretanto, adverte Karl
Larenz que há uma preferência pela concretização empreendida pelo legislador, de modo os juízes ficam
vinculados à escolha do legislador. Assim, só será admissível concretização direta de um princípio pelos juízes e
tribunais quando: i) estiver presente uma lacuna na lei (lacuna axiológica) que torne necessária a colmatação por
princípio constitucional; ii) o tipo for formado por conceitos vagos, indeterminados que permitam uma margem
para a valoração; ou, iii) a concretização já realizada pelo legislador for considerada inconstitucional.

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b) Gostaríamos de explicitar a existência de falsos conflitos de princípios. A solução de colisão de direitos
fundamentais utilizando-se na argumentação de "sopesamento" e de "ponderação" só obtém sucesso com processo
interpretativo prévio, no qual o julgador deverá levar em conta uma teoria moral/política, que seja espelho da
prática jurídica da Constituição, de modo a proporcionar pontos de vista orientadores e estruturas dogmáticas; tem
que ter "consciência da "necessidade de 'saber Direito Constitucional' e de saber aplicá-lo".

Princípios da Interpretação
Constitucional

Princípio da Unidade da
Constituição

Princípio do Efeito Integrador

Princípio da Força Normativa

Princípio da Máxima Efetividade

Princípio da Concordância Prática

Princípio da Proporcionalidade

CONCLUSÕES
Traçamos o panorama da interpretação constitucional, discriminando tanto seu contexto (linguístico, sistêmico e
funcional) como características que a diferenciam da interpretação ordinária (caráter aberto, politicidade e o fator
axiológico). Resumimos, também, os métodos e princípios da interpretação, ligando-os como elementos que são
catalisadores da legitimidade do Direito e da Constituição. É hora de fazermos um pequeno balanço de nossas
afirmativas e extrairmos algumas conclusões:

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a) A Constituição brasileira de 1988 é um "sistema aberto de regras e princípios" e os contextos linguístico,
funcional e sistêmico formam um cenário adequado para sua interpretação. Para corresponder ao pluralismo sócio-
político-cultural, a interpretação constitucional deve ser evolutiva e direcionada a valores.

b) Concebemos a Constituição sob a ótica funcionalista (5.2): ordem teleológica cujas duas notas típicas são a
"unidade" e a "coerência pragmática de valores".

c) Nosso ponto de vista interpretativo está sempre vinculado a um hard case. Conseguintemente, destacamos a
"interpretação operativa": a partir das dúvidas referentes ao significado do enunciado que surgem em um caso
concreto de comunicação.

d) A interpretação - muito mais que um "resultado" - é encarada como um processo racional e conformador do
Direito. Em consequência, a interpretação da Constituição é, antes de tudo, "concretização". A norma
constitucional é entendida como uma "construção de sentido", partindo-se do "texto" e do "caso concreto",
mediante interpretação e decisão.

e) A interpretação constitucional é espécie de interpretação jurídica, distinguindo-se pelo objeto específico. Os


elementos diferenciadores da hermenêutica constitucional são: o caráter aberto/evolutivo; o caráter político
(politicidade) e o caráter axiológico.

f) Sublinhamos a importância da dimensão pragmática para a linguagem constitucional (5.3.2.1.2), diante da


insuficiência de um procedimento simplesmente sintático ou mesmo semântico. Prevalece a significação emanada
de situações comunicativas entre os usuários da linguagem. Isso faz com que a significação só possa ser obtida
considerando-se determinada "forma de vida" (contextos linguístico, funcional e sistêmico).

g) Assim, não identificamos a diferença entre "princípios" e "regras" sob o ângulo das respectivas estruturas
lógicas, mas, a partir da função que desempenham no discurso jurídico (maior força argumentativa dos princípios).

h) Há a necessidade de procedimentos (métodos de argumentação e interpretação) na concretização de princípios


constitucionais. Consequência do paradigma sistêmico (4.4.2) é o caráter de provisoriedade e de flexibilidade com
que encaramos os métodos e critérios interpretativos.

i) As pré-compreensões, quando influenciarem as valorações do intérprete, devem ser explicitadas e


fundamentadas. O mesmo vale para os métodos/princípios interpretativos utilizados pelo juiz. Inclusive devem ser
destacados os objetivos que com o emprego desses métodos se pretende alcançar, 'o que possibilitará controle
pelo auditório/audiência não apenas da adequação do método, como de seu correto emprego pelo intérprete.

j) Os métodos teleológico/sistemático (veiculados pela argumentação) são critérios interpretativos que se


destacam entre os demais e podem fornecer elementos preciosos para se distinguir uma boa interpretação
constitucional. Assim, entre duas interpretações, o fator que distinguirá uma da outra será a diferença entre os
juízos de valor. Supõe-se o pano de fundo de uma "forma de vida" comum às interpretações. Sobre a base de um
mesmo sistema de valores, a maior coerência dos argumentos justificadores de cada uma das interpretações será o
critério para se escolher a melhor justificação e, consequentemente, obter-se a máxima aceitabilidade racional.

50
k) Quando o contexto funcional influir nas opções valorativas do intérprete, este deverá realizar uma análise
funcional da norma/princípio. Nessa análise deverá declinar os fatores condicionantes de suas escolhas (fatores
econômicos, políticos, culturais, religiosos etc.). Com isso, estará submetendo ao escrutínio público suas valorações
(controle objetivo) e otimizando a racionalidade de sua interpretação.

l) Especificamente na concretização dos princípios, não se prescinde da aplicação com base na proporcionalidade,
traduzida na exigência de que no balancing ao se privilegiar determinado princípio as restrições e limitações
ocasionadas aos demais sejam feitas na justa medida. A coerência valorativa pragmática é o critério objetivo que
outorga racionalidade ao discurso de justificação das decisões em hard cases.

m) Aceitabilidade racional é uma característica do resultado final do procedimento de justificação jurídica e


conecta-se com a questão da legitimidade. Conceito de "aceitabilidade" está vinculado ao conteúdo material da
interpretação e não às peculiaridades do procedimento justificatório. Para ser aceitável o resultado deve se
harmonizar com o sistema de valores da comunidade. Enfatizamos ao longo de todo o nosso trabalho o papel
específico dos valores e da interpretação teleológica. Por essa razão a aceitabilidade que referimos aqui deve ser
entendida como "aceitabilidade axiológica".

n) As raízes da racionalidade se encontram em nossa cultura (forma de vida). Essa forma de vida está construída de
maneira tal que todos esperamos que as pessoas se comportem racionalmente em suas relações. A racionalidade é
um fato intersubjetivo. Nesse sentido, a racionalidade (aceitabilidade racional) deve ser vista como um "modelo
ideal", como uma pauta pela qual se pode avaliar o discurso jurídico real.

o) Corolário das assertivas acima é que as valorações não podem ser arbitrárias. O discurso jurídico -
particularmente o discurso judicial - faz parte do discurso prático geral e, portanto, tem de levar em consideração os
valores da comunidade (formas de vida). Enfim: existe conexão entre os conceitos de aceitabilidade racional e as
formas de vida. Não há como valorar sem considerar a "forma de vida". Análise da linguagem é a análise da forma
de vida, especificamente análise de questões concretas.

p) Os valores e as valorações ingressam no procedimento concretizante de diversas maneiras : i) na eleição entre


diversas fontes do Direito que apoiam alternativas de interpretação (v.g., diferentes compreensões entre a doutrina
e a jurisprudência em relação à interpretação de um caso concreto); ii) na analogia jurídica. Nesse caso a carga
valorativa ocorre na escolha dos critérios de "semelhanças" utilizados na inferência por analogia; iii) na escolha
entre diferentes alternativas de interpretação que conduzem cada uma a diversos tipos de consequências; iiii) a
referência a princípios morais na justificação na decisão jurídica.

q) Quanto às duas indagações inicialmente propostas na introdução do presente capítulo (5.3.1), foram elas
respondidas ao longo de toda a exposição. Recapitulemos sinteticamente nossa proposta. Relativamente à primeira
questão (saber se os juízes, na interpretação/concretização constitucional, sempre deveriam permanecer dentro
dos limites da Lei Fundamental), enfatizamos (4.7.3) que a Constituição brasileira é "aberta'', sufragando extenso
rol de princípios (arts. 1 .º a 4.º) e direitos fundamentais (art. 5.º), os quais alcançam inclusive os direitos da ordem
social (arts. 193 a 232) e econômica (arts. 170 a 192). O largo espectro de princípios e valores - com várias
tonalidades ideológicas possíveis - oferece plenas condições ao juiz para motivar e fundamentar suas decisões de
maneira a atender a exigências sociais de justiça material, sendo difícil imaginar valor ou princípio que seja caro à

51
sociedade brasileira e que não esteja positivado em nossa Lei Fundamental. Passando à segunda questão
(referente à existência de métodos interpretativos que permitam aos juízes concretizar de maneira legítima e
justa a Constituição}, ponderamos que a interpretação não é um processo mecânico capaz de criar um
"algoritmo" que invariavelmente leve o julgador à única interpretação correta de uma disposição constitucional .
Pelo contrário, requer uma abordagem não apenas lógico/gramatical, mas, sobretudo sistemático/ teleológica, sem
descurar da realidade subjacente à Constituição (contexto funcional) e das características (escolhas/eleições) que os
casos difíceis oportunizam. O que o juiz faz é uma "proposta interpretativa" com base em princípio, justificando a
pertinência desse princípio tanto na prática social do Direito (o princípio deve oferecer uma maneira atraente de
ver, na estrutura dessa prática, a coerência que a integridade requer) quanto na situação que o caso prático
apresenta. Nesse sentido as declarações do Direito são sempre construtivas.

Embora aceitemos - do ponto de vista prático da concretização de princípios - o pluralismo metodológico,


destacamos os critérios hermenêuticos de F. Müller e K. Hesse (concretização), os argumentos de princípios (R.
Dworkin) e a argumentação (R. Alexy). Todavia, não se deve olvidar que as vantagens de um "modelo
metodológico" não podem criar ilusão no tocante aos "limites" inerentes a todo método. Sobretudo quando se tem
um mundo real com elevada complexidade. Essa complexidade só será apreendida pelo julgador que
verdadeiramente esteja consciente da expectativa social por decisões justas e o importantíssimo papel que as
decisões justas (em sua totalidade) desempenham na "redução de complexidade" do ambiente social. Mas não
basta essa consciência. É preciso que o juiz atue, lançando mão de todos os critérios e elementos adequados à
transformação dos princípios constitucionais em normas concretas justas.

Finalizamos a parte teórica do nosso livro inspirados nas palavras de C. Wolfe, dizendo que nenhum método pode
por si mesmo garantir que os juízes tomarão as decisões corretas em relação aos casos constitucionais que lhes
são submetidos. Mesmo que os juízes apliquem adequadamente a metodologia interpretativa, não teremos certeza
quanto à qualidade moral do resultado. É preciso mais que isso. Para que um método de interpretação
constitucional produza decisões justas é necessário que por trás das togas dos juízes existam homens bons,
constitutivamente tomados pela aspiração de - se não construir uma sociedade justa- pelo menos, em termos
mais realistas, lutar contra as enormes injustiças que caracterizam a sociedade atual.

CAPÍTULO 06
INTRODUÇÃO
Conforme assinalamos ao longo do nosso estudo, o sentido da concretização constitucional traduz-se no processo
de densificação de regras e dos princípios constitucionais. Também vimos que a concretização se opera dentro do
discurso jurídico no procedimento de construção da norma jurídica. Esse procedimento, que conduz à aplicação
normativa - e em que se integra a interpretação -, deve ser dotado de racionalidade. Embora não se possa falar de
singularidades na interpretação constitucional (dentro do discurso jurídico), sem dúvida a argumentação jurídica
desempenha papel fundamental na interpretação e na concretização de princípios constitucionais, porquanto os
"casos constitucionais" não costumam serresolvidos - ao contrário do que ocorre com boa parte dos "casos legais" -
com o critério da "subsunção". A carga argumentativa em torno de princípios é mais intensa nos primeiros . A

52
argumentação representará o passo que vai da "racionalidade abstrata" do "texto da Constituição" à
"racionalidade concreta" da norma constitucional. Ao percorrer esse trajeto entre esses dois polos, o intérprete
não pode ignorar as condições climáticas, além do contexto normativo, os contextos funcional e sistêmico,
explicitando os valores sociais e culturais. Seu ponto de chegada (norma-decisão) surgirá no discurso jurídico,
dentro da argumentação.

Pois bem, é chegado o momento de procurarmos dar dimensão prática a algumas dessas posições, assim como a
teorias e a critérios interpretativos da Constituição, traduzindo-os em possibilidades reais de aplicação.

Observa-se, em seguida, que o autor, em casos concretos, foram aplicados métodos de concretização das normas
jurídicas a partir do método da ponderação de princípios de R. Alexy, bem como o hermenêutico concretizante de
K. Hesse e a metódica estruturante de F. Müller.

CASO 1: METÓDICA E ARGUMENTAÇÃO


AÇÃO CIVIL PÚBLICA- LEGITIMIDADE PASSIVA: INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO- "HARD CASE"(CASOS
DIFÍCIES)- CONFLITUOSIDADE ENTRE PRINCÍPIOS- UTILIZAÇÃO DE METÓDICA DE CONCRETIZAÇÃO
CONSTITUCIONAL- CARÁTER "PRIMA FACIE" DOS PRINCÍPIOS- MODELO SÍNTESE DE PONDERAÇÃO DE PRINCÍPIOS.
1.- Ação civil pública para defesa da saúde da criança, enferma de doença rara "puberdade precoce verdadeira",
cujo tratamento medicamentoso é de elevado preço, não pode ser interrompido e a família da menor não reúne
condições econômicas para custeá-lo. 2.- As normas processuais - tais como as que definem a legitimidade passiva -
devem ser entendidas em harmonia com o direito material, sobretudo a Constituição. In casu, ao tempo em que
ajuizada a demanda, urgia-se de um lado a necessidade imediata de ações concretas do Estado para proteção da
saúde e vida de uma criança de um ano e dez meses, sendo que de outro lado nos deparávamos com um momento
ainda inicial de implantação dessa rede de serviços de saúde, onde a distribuição de competências, ações e
principalmente a estruturação econômica do SUS não se apresentavam adequadamente definidas, fatos esses que
tornavam justificável a dúvida de quem deveria figurar no pólo passivo da ação (União ou INSS). Nesse quadro,
razoável o endereçamento da ação em face do INSS (autarquia especializada em seguridade social). 3.- No caso
concreto, é possível que a criança tenha direito a receber tutela jurisdicional favorável a seu interesse, com
fundamento em princípios contidos na Lei Maior, ainda que nenhuma regra infraconstitucional vigente apresente
solução para o caso. Para a solução desse tipo de caso, denominado por R. Dworkin como "hard case"(caso difícil),
não se deve utilizar argumentos de natureza política, mas apenas argumentos de princípio. 4.- O pedido de
fornecimento do medicamento à menor (direito a prestações estatais stricto sensu - direitos sociais fundamentais),
traduz-se, in casu, no conflito de princípios: de um lado, os da dignidade humana, de proteção ao menor, do direito
à saúde, da assistência social e da solidariedade e, de outro, os princípios democrático e da separação dos Poderes.
5.- A concretização das normas constitucionais implica um processo que vai do texto da norma (do seu enunciado)
para uma norma concreta - norma jurídica - que, por sua vez, será um resultado intermediário em direção à norma
decisão (resultado final da concretização). (J.J Gomes Canotilho e F. Müller). 6.- Pelo modelo síntese de ponderação
de princípios (Alexy), o extremo benefício que a determinação judicial para fornecimento do medicamento
proporciona à menor faz com que os princípios constitucionais da solidariedade, da dignidade humana, de proteção
à saúde e a criança prevaleçam em face dos princípios democrático e da separação de poderes, minimamente
atingidos no caso concreto. 7.- Apelo improvido.

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(TRF-3 - AC: 52961 SP 95.03.052961-1, Relator: JUIZ CONVOCADO DAVID DINIZ, Data de Julgamento: 19/06/2001,
PRIMEIRA TURMA)

Para se concretizarem os princípios de proteção à criança e de garantia de sua vida e saúde (corolários dos
princípios da dignidade humana), não bastaria reconhecer a força normativa dos princípios da ordem social e, ao
mesmo tempo, reduzir essa força normativa a meras “pautas interpretativas”. Daí a opção como um “caso difícil”.

Caminho percorrido para ‘norma de decisão’: a) classificação do caso concreto como hard case, consoante a teoria
de Ronald Dworkin; b) utilização de metódica de concretização constitucional, consoante topologia proposta por J.
J. Gomes Canotilho; c) modelo síntese de ponderação de princípios à luz da teoria desenvolvida pelo autor alemão
Robert Alexy.

Um Hard Case: é assumida a concepção de Dworkin na solução dos casos difíceis, em contraposição de Hart, que
considera, nestes casos, apenas problemas relacionados à imprecisão dos termos utilizados, podendo o juiz lançar
mão de sua discricionariedade, resolvendo o caso como lhe aprouvesse. No entanto, para Dworkin não haveria essa
discricionariedade, porém o juiz poderia chegar à “resposta certa”, sem que para isso tivesse que criar um novo
modelo.

Seguem alguns trechos do acordão citados pelo autor: “(...) Nas soluções difíceis não se deve utilizar – no que
concordamos plenamente com Dworkin – de argumentos de natureza política, mas de argumentos de princípio. (...)
argumentos de natureza política, os quais – como ressaltamos – são impertinentes em sede de demandas
individuais em que se postulam direitos a prestações específicas do Estado (direito ao fornecimento de remédio às
crianças enfermas).”

Ponto nevrálgico da lide: Quando o cidadão postula “direitos prestacionais” diante de um órgão jurisdicional, em
que condições e com que alcance pode esse órgão conceder a tutela? A resposta a uma questão como essa envolve
não interpretação abstrata e isolada dos princípios, mas real construção de norma, consoante peculiaridades do
caso a decidir.

Nesse quadro de dificuldades traçado por Canotilho (a. dificuldade na textura aberta das normas constitucionais; b.
a questão da dimensão política da atividade interpretativa; c. dificuldades relacionadas ao caráter teórico de
métodos de interpretação), a questão que se coloca ao operador é de como concretizar a Constituição . De acordo
com Canotilho, a concretização se traduz no processo de densificação de regras e princípios constitucionais.

Ponderação entre os Princípios Constitucionais: quando o julgador acrescenta à motivação os métodos e critérios
de interpretação que utilizou, contribui para a aceitabilidade racional da decisão e, consequentemente, para a
legitimidade de sua atuação, que assenta no princípio da juridicidade.

Estaria o Judiciário legitimado a dar concretude a tarefas tradicionalmente reconhecidas como as atribuições do
legislador e da administração pública? O caminho a ser trilhado para a concretização dos princípios constitucionais
para o caso (princípio da proteção à saúde, princípio da proteção à criança e princípio da solidariedade) passará
pelo balancing ou ponderação, ou seja, utilização de técnicas adequadas para resolver o problema do conflito entre
bens e direitos fundamentais.

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Controvérsias Constitucionais – Caráter Prima Facie dos Princípios: um determinado princípio apenas contém uma
ou mais razões que indicam uma das direções possíveis, mas não necessariamente uma decisão. O que importa é
que o juiz ou tribunal leve em consideração os valores encampados nos princípios ao ensejo de efetuar o seu
juízo. Essa, pois, a característica prima facie dos princípios.

A conflituosidade dos princípios acompanhará a concretização de qualquer deles. Por exemplo, o princípio da
liberdade jamais pode ser interpretado isoladamente. Sempre deverá ser objeto de ponderação com o princípio da
igualdade. A prioridade prima facie constitui critério para se encontrar a solução justa em face da Constituição. No
direito brasileiro, prevalecem os princípios da dignidade humana, liberdade e igualdade. Vale dizer, essa prioridade
constitui apena uma regra para a solução no caso de empate argumentativo. Não afasta a hipótese de o princípio da
liberdade jurídica ter de ceder quando contraposto a outros princípios.

Decisão do Caso: cuida-se de modelo de ponderação, em que os princípios que jogam a favor da criança possuem
caráter de direito vinculante prima facie. Que critério utilizar para decidir em favor do princípio a proteção do
hipossuficiente?

A solução se mostra pelo imenso benefício – vital, literalmente – ao necessitado, quando confrontado com o
inexpressivo abalo aos princípios democráticos e da separação dos Poderes.

A determinação judicial para fornecimento de medicamento poderia ser entendida como ingerência do Poder
Judiciário ao Poder Executivo? O autor entende que não. Diz que, no caso concreto, o extremo benefício resultante
contrapõe-se a praticamente nenhuma ofensa aos princípios democráticos e de separação de poderes. No entanto,
o autor faz ressalva para determinadas situações (p.ex. ação coletiva para concretização de assistência médica e
fornecimento de medicamentos a todos os habitantes de uma cidade, em padrão apenas fornecido por planos
particulares) em que a ofensa aos princípios contrapostos – democrático e separação de poderes – é evidente.

CASO 2: CONFLITO DE PRINCÍPIOS: LEGALIDADE X DIREITO À SAÚDE


“AÇÃO CAUTELAR – LEVANTAMENTO DO SALDO DE FGTS PARA TRATAMENTO DE AIDS – LEGITIMIDADE PASSIVA DA
CEF – COEXISTÊNCIA DAS LEIS 8.036/90 E 7.670/88 – CONFLITO DE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS – PREVALÊNCIA E
CONCRETIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO À SAÚDE – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
Ação cautelar inominada ajuizada por portador do vírus HIV com o objetivo de levantamento de saldo de FGTS para
tratamento de saúde.
A Caixa Econômica Federal tem legitimidade passiva em todas as lides que tenham como controvérsia o
levantamento de saldo das contas vinculadas ao FGTS. Ilegitimidade passiva da União Federal.
Ausência de incompatibilidade entre as Leis 8.036/90 e a Lei 7.670/88, tendo em vista que a primeira apresenta o rol
genérico das hipóteses de levantamento de FGTS e a segunda dispõe sobre os benefícios concedidos aos portadores
de HIV, entre eles, o direito ao saque da conta vinculada de FGTS para tratamento de saúde.
Ad argumentandum se a Lei 8.036/90 tivesse revogado a Lei 7.670/88, estaríamos diante de um conflito de
princípios (da tipicidade formal versus princípio constitucional da proteção à saúde), cuja resolução se dá pela
dimensão do ‘valor’.
Como o legislador não pode prever casuisticamente todas as hipóteses que defluem das necessidades humanas,
estipulou, no caso da Lei 8.036/90, as hipóteses genéricas de saque de FGTS que melhor atendem ao programa
normativo-constitucional (direito á moradia, direito à proteção ao desemprego involuntário, direito à proteção à

55
saúde, etc.) de modo que, verificando o magistrado, diante do caso concreto, uma característica importante não
considerada pelo legislador, como é a hipótese dos autos (o autor é portador do HIV e necessita realizar tratamento
de saúde que não pode custear), deve observar essa característica, sob pena de, desprezando-a, considerar àquele
caso solução diversa daquela almejada pelo ordenamento jurídico (no caso em espécie, proteção à saúde, como um
direito de todos e um dever do Estado – artigo 196 da CF)
Prevalência e concretização, in caso, do princípio da proteção à saúde.
Remessa oficial provida para julgar extinto o processo, nos termos do art. 267, VI, do CPC, no tocante à União
Federal, sem, contudo, condenar o autor em verba honorária, tendo em vista a natureza da demanda e o fato de o
autor ser beneficiário da assistência judiciária gratuita.
Apelo da CEF parcialmente provido tão somente para converter a verba honorária dos três salários mínimos em
reais, atualizando-a pela Lei 6.899/81.”
(TRF3, proc. 95.03.008917-4, 1. Turma, Relator Juiz Federal David Diniz, v.u., pub. DOU de 23.10.2001)
Esse julgamento se deu no ano de 2001. A CEF alegou que não se poderia conceder a liminar porque a cautelar
desejada, na verdade, era satisfativa, e o CPC proibia cautelares quando não houvesse pedido principal.

Todavia, ficou decidido que a cautelar em tela era satisfativa e que não haveria necessidade de processo principal.

O relator afirmou que a Lei 8.036/90 é lei geral e que a Lei 7.670/88 é lei que trata especificamente dos direitos de
portadores do vírus HIV, cujo direito ao saque do FGTS é expresso.

Com isso, a Lei 8.036/90 não teve o condão de revogar a Lei 7.670/88.

Porém, mesmo que tivesse sido revogada, a questão dos autos poderia ser solucionada com base no conflito entre
legalidade formal e o princípio constitucional de proteção à saúde.

O modelo utilizado pelo relator foi o de Constituição como “sistema normativo aberto entre regras e princípios”,
onde esse sistema é dinâmico e dialógico. Não se utiliza somente as normas como regras, que possui limitada
racionalidade prática, e nem como de modelo baseado exclusivamente em princípios, que afasta a segurança
jurídica e não contribui por diminuir a complexidade do direito.

É insuficiente o modelo ancorado no dogma da completude do ordenamento jurídico que compreende a


Constituição como fruto de uma vontade do constituinte, historicamente datada, visão essa que relativiza os valores
e se mostra insensível a questões de justiça material, preferindo a comodidade da aplicação técnico-formal do
direito.

Deve-se passar pelo seguinte iter metódico:

As peculiaridades do caso concreto devem ser levadas em consideração. Deve ocorrer inúmeras leituras do texto
normativo à luz do caso concreto, levando-se em consideração a luz que sobre essa norma incide a partir da
situação concreta.

A interpretação deve ir em direção aos valores positivados do sistema. O interprete não deve ser indiferente aos
vetores de justiça material.

56
Não pode o aplicador encontrar uma solução que seja tecnicamente correta, mas que cause repulsa e se afaste de
valores privilegiados pela sociedade.

O autor cita a metódica jurídica normativo-estruturante, tematizada por F. Muller, que a norma compreende
apenas o texto, mas abrange um ‘domínio normativo’, isto é, um pedaço da realidade social que o programa
normativo apenas parcialmente contempla.

Deve haver uma abertura cognitiva, deixando abertura para os valores morais. Não basta solucionar o conflito, mas
fazê-lo com justiça.

Cita Alexy e sua “metaética descritivista”, da teoria do discurso e o discurso jurídico incorpora constitutivamente
uma ‘pretensão de correção’, que é a porta de entrada da moral no direito.Cita Gomes Canotilho que, em última
análise, apregoa que os princípios se chocam em razão de haver pluralidade de idéias na formação da Constituição,
e que estes devem se harmonizar e não devem seguir a lógica do ‘tudo ou nada’.

Quanto ao caso concreto diz que, realmente, o artigo 20 da Lei 8.036/90, não contempla a hipótese de saque em
razão de HIV. Mas o legislador tem seu programa normativo com previsões genéricas e que dão diretrizes gerais, e
que não tem como prever todas as soluções das diversas situações humanas. Se negasse o benefício aos casos
similares, como é o dos autos, estaria desconsiderando todo o ordenamento.

Deve vigorar o princípio da proteção à saúde em detrimento da lógica formal.

Cita acórdão do TRF4, AC 0441899-6, que ampliou o saque do FGTS a um caso de Hepatite tipo ‘C’.

CASO 3: A FUNÇÃO PRAGMÁTICA DO “TEXTO DA NORMA”


“ADMINISTRATIVO: PAGAMENTO DE ATRASADOS – NATUREZA DA CORREÇÃO MONETÁRIA – INCIDÊNCIA DE
CORREÇÃO EM PAGAMENTOS ADMINISTRATIVOS – DÚVIDA SOBRE O CRITÉRIO DE CORREÇÃO – ALCANCE DA
EXPRESSÃO “LEI DE REGÊNCIA” – NORMA JURÍDICA APLICÁVEL – NORMA – DECISÃO.
Ação condenatória ajuizada por servidor da ré, visando ao recebimento de diferença pecuniária incidente sobre
verba salarial paga em atraso, a título de correção monetária.
A finalidade da correção monetária é a mera recomposição do valor da moeda corroído pela inflação, não
constituindo um plus, nem tão pouco uma penalização.
Não afasta a incidência da correção monetária o fato de a Autarquia ter honrado seus compromissos na esfera
administrativa. O que importa é sabermos se o pagamento foi efetivado no vencimento ou não, de modo que, se
realizado com atraso, caberá à Administração efetivá-lo coma devida correção, sob pena de não se exonerar
completamente de sua obrigação.
Hipótese em que a sentença fixou a correção de acordo com a ‘lei de regência’, suscitando dúvida se a mesma
compreende ou não o IPC de janeiro de 1989 no patamar de 70,28%, índice esse expressivamente assinalado pelo
juiz monocrático.
A norma jurídica possui um ‘programa normativo’ e um ‘campo normativo’ (F. Müller). O ‘programa normativo’ não
resulta apenas de mediação semântica dos enunciados linguísticos do texto. O texto da norma constitui sinal
linguístico que aponta para um ‘campo factual’, o qual se traduz em realidade exterior ao texto. Logo, a norma
jurídica só é obtida em concatenação do programa normativo com o campo normativo. O programa normativo

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evidentemente terá como referente obrigatório o ‘texto normativo’, bem como a contextualização sócio-política,
sobretudo com a aplicação de princípios clássicos de interpretação (Savigny) que, conjugando-se com metódica
estruturante da norma, levar-nos-á à obtenção da ‘norma jurídica’. Com a aplicação desta à situação concreta,
obtemos a ‘norma decisão’ do caso.
Aplicando-se a metódica proposta ao caso, temos que os diplomas legais que veiculariam a ‘lei de regência’ seriam
basicamente a Lei 4.357/64, o Dec.-Lei 2.284/86, a Lei 7.730/89, a Lei 8.177 e a Lei 8.383/91. Estes diplomas,
quando tiveram seus textos submetidos à interpretação gramatical, não foram suficientes para levar o intérprete a
afirmar da existência ou não do direito à aplicação do índice de 70,28%. Nesse compasso, atento à contextualização
sócio-política (que nos revela as características sócio-econômicas corrosivas do processo inflacionário), a expressão
linguística ‘lei de regência’ deve ser entendida como o ato normativo traduzido no Provimento n. 24/97 da COGE da
Justiça Federal da 3. Região, que reflete o entendimento jurisprudencial em relação a essa questão (norma jurídica a
ser aplicada no caso concreto).
A norma decisão impõe a redução do IPC de janeiro de 1989 para 42,72%.
Apelo improvido, reduzindo-se, contudo, de ofício, o índice do IPC de janeiro de 1989 para 42,72%.”
(TRF3. Proc. 95.03.049237-8, 1. Turma, Rel. Juiz federal David Diniz, v.u., pub. DOU de 23.10.2001)

O juiz monocrático fixou na sentença o seguinte:

b) correção monetária desde 05.12.1979 até o efetivo pagamento, calculado na forma da lei de regência;

c) IPC de 70,28% reiteradamente reconhecido pelo STF.

Ficou a dúvida se a correção monetária na forma da lei de regência já incluiria os 70,28% de IPC.

Inicia dizendo que texto de lei não se confunde com norma e cita Canotilho que diz: “não há identificação entre
texto e norma. Isto é assim mesmo em termos linguísticos: o texto da norma é o ‘sinal linguístico’; a norma se
‘revela’ ou ‘designa’.

A norma jurídica é obtida em concatenação do programa normativo com o campo normativo. O programa terá
como referência o texto normativo, mas não é só. A contextualização sócio-política, sobretudo com a aplicação dos
princípios clássicos de interpretação, conjugando-se com metódica estruturante da norma, levar-nos-á à obtenção
da norma jurídica.

A expressão ‘lei de regência’ não deve ser visto no sentido estrito, mas levando em consideração a legislação
referente, as características sócio-econômicas do processo inflacionário e os princípios gerais de direito, que vedam
o enriquecimento ilícito.

Resultou-se no Provimento n. 24/97 da Egrégia Corregedoria da Terceira Região.

Os diplomas legais que veiculariam a lei de regência seriam basicamente a Lei 4.357/64, o Dec.-Lei 2.284/86, a Lei
7.730/89, a Lei 8.177 e a Lei 8.383/91. As interpretações literais desses diplomas não davam certeza da inclusão ou
não dos 70,28% do IPC. Dessa maneira, desse aplicar o item III do provimento acima, que dá aplicação de IPC de
42,72%, uma vez que 70,28% fere a referida lei de regência, contrariando o interesse público.

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Portanto o dispositivo deveria ter sido:

b) determinaria a correção monetária com inclusão do IPC de janeiro de 1989 a 42,72% e,

c) determinaria a aplicação do índice de 70,28%

No caso em análise o INSS não tinha pedido expresso para correção do índice de 70,28%, porém em razão do
interesse público envolvido, reduziu-se de ofício. Conflito de princípios implícito do interesse público X princípio
explícito da coisa julgada.

CASO 4: TÓPICA E PENSAMENTO SISTEMÁTICO


“AÇÃO CIVIL PÚBLICA: REPARAÇÃO DE DANO AMBIENTAL – AGRAVO RETIDO – METÓDICA DA DECISÃO: METÓDICA
ESTRUTURANTE E TÓPICA – PRESTABILIDADE DO LAUDO OFICIAL – NATUREZA DO PRODUTO DERRAMADO
(ESTIRENO) – CUMULAÇÃO DE RESPONSABILIDADES: ADMINISTRATIVA E CIVIL – NORMA – DECISÃO.
Ação Civil Pública para reparação de dano ambiental provocado por derramamento de produto químico no mar,
estuário de Santos.
É de ser rejeitado o agravo retido interposto contra decisão que rejeitou preliminar de coisa julgada, uma vez que
essa não ocorre quando no primeiro feito foi discutida penalidade administrativa e no segundo, reparação civil de
dano ambiental.
Para a solução do caso, utilizamos, além do método clássico de interpretação constitucional (Savigny), o método
tópico problemático (de Viehweg) e a metódica jurídica normativo-estruturante (F. Müller/ K. Hesse). O primeiro
método, com o objetivo de se captar o sentido da lei constitucional; o segundo, para apreciação dos diversos
aspectos da situação de fato, com ênfase específica na responsabilidade civil de dano ambiental, e o terceiro,
caracterizado como método concretizador, para o qual a norma deve ser formulada para o caso concreto não
apenas a partir de um trabalho sobre os textos legais (ou seja, sobre os dados linguísticos) como também a partir de
trabalho sobre os dados factuais. A estrutura da norma possui um programa normativo (resultado do trabalho de
interpretação) e um campo normativo (resultado da análise do seguimento da realidade concreta).
O programa normativo deve ser fixado a partir dos textos normativos que regram o ‘dano ambiental’ (art. 225, par.
3., da CF e art. 3. e 14 da Lei 6.938/81). Estas normas carecem, entretanto, de per se, de maior concretude para
efetivamente gerar responsabilidade à requerida, o que somente pode ser efetivado com a apreciação dos aspectos
factuais do caso. Logo, somente obteremos a ‘norma decisão’ caso na situação in concreto estejam presentes todos
os requisitos para a responsabilização da ré. Para essa pesquisa, fez-se uso da tópica jurídica.
Na hipótese in concreto, a primeira questão que exsurge na apelação atém-se ao cotejo entre o parecer do vistor
oficial e o do assistente técnico. Hipótese em que o laudo do perito de confiança do juízo se apresenta coerente,
preciso, digno de fé e com fonte bibliográfica, devendo, por isso, prevalecer sobre o laudo do assistente técnico do
recorrente, que não questionou o conhecimento técnico do perito, não infirmou a sua boa-fé e tampouco
apresentou qualquer impugnação específica e fundada.
O produto estireno (derivado de petróleo e utilizado para fabricação de borracha sintética, etc.) altera
adversamente as características do meio ambiente, embora, dada as suas características (substância não corrosiva),
não apresente danos materiais visíveis, sendo, porém, capaz de causar, por exemplo, efeito letal a crustáceos

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marinhos. O derramamento desse produto no mar dá concretude à responsabilidade objetiva prevista na Lei Maior e
legislação infraconstitucional pertinente.
O fato de a ré ter sofrido a imposição de multa administrativa não exclui a responsabilidade civil pelo mesmo fato. A
primeira decorre de comportamento adverso aos regulamentos, enquanto a segunda, da ocorrência do dano.
Com a análise dos aspectos de fato assinalados, o regramento do caso concreto adquire mais concretude,
estabelecendo a seguinte norma decisão: o derramamento de estireno no estuário de Santos impõe à ré a obrigação
de reparar, na esfera cível, os danos que causou ao meio ambiente, independentemente de sua culpa. A norma-
decisão fica plenamente concretizada com a manutenção da cifra indenizatória estimada pelo vistor oficial e
adotada pelo juízo monocrático.
Agravo retido e apelo improvidos.”
(TRF3, proc. 95.03.100248-6, 1. Turma, Rel. Juiz Federal David Diniz. v.u., pub. DOU de 23.10.2001)

Para a teoria estruturante do direito, desenvolvido por F. Müller, a norma deve ser formulada para o caso concreto
não apenas a partir dos textos legais, mas também a partir dos dados factuais. Assim, terá um programa normativo
e um campo normativo.

O ponto de partida para a concretização é o sentido do texto constitucional e das leis pertinentes ao caso,
observando-se que a interpretação não se limita a atribuir significados aos enunciados linguísticos do texto
constitucional (programa normativo), mas deve ter atenção aos elementos de concretização relacionados com o
caso a decidir (domínio normativo).

No caso concreto, a apelação trouxe, basicamente, 4 questões: prestabilidade do laudo técnico; alegação de
inexistência de danos à população local e à biota; quantum indenizatório; alegação de dupla punição pelo mesmo
fato.

A questão do derramamento de produto químico não é questão controvertida, mas, sim, se causou dano ambiental.

Na espécie, as dúvidas factuais repercutem no programa da norma, o que obriga o interprete a debruçar sobre a
realidade e seu contexto.

Pela Lei 6.938/81, o dano ambiental pode ser por degradação da qualidade ambiental (sem origem humana), ou por
poluição (decorrente de origem humana). Com isso, o campo normativo fica mais restrito.

O texto normativo é em princípio, desprovido de normatividade, servindo somente para delimitar o programa
normativo e o campo normativo.

Tem-se, então, como normas jurídicas concretizadas:

Verificada qualquer hipótese de dano ambiental estará o poluidor/degradador, sujeito a 3 responsabilidades:


administrativa, civil e penal, sendo que as duas primeiras são independentes de culpa. Art. 225, parágrafo 3., CF e
artigo 14, par. 1. da Lei 6.938/81

Essas responsabilidades são distintas e independentes. 1525, CC de 1916

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A tópica se utiliza de todos os pontos de vista (que nascem do debate processual das partes) que possam ter
relevo para a solução ordenada em direção à justiça.

Na eleição desses pontos de vista, a tópica deverá considerar e ter como fonte das premissas os textos da Lei e da
Constituição, a dogmática jurídica e os precedentes jurisprudenciais do caso a decidir e levar em consideração os
argumentos carreados pelos partícipes (partes) do discurso judicial.

Nenhum ponto de vista pode de antemão ser afastado ou rejeitado. Será sempre acolhido ou desacolhido em
razão das leis, da jurisprudência ou dogmática

No caso concreto, o navio que se encontrava atracado, por falta de vedação da válvula hidráulica fez derramar 400 a
600 litros de estireno no mar, fato reconhecido pelo próprio comandante e de não ter sido questionado o próprio
fato.

As premissas (pontos de vista) foram as seguintes:

Aptidão do laudo técnico

Inexistência de dano ambiental

b.1) Natureza do produto poluidor

b.2) Visualização dos danos

b.3) Impacto no ambiente

b.4) Condições do ambiente lesado

b.5) Toxicidade do produto

Cumulação de responsabilidades

Valor da indenização

Analisando todos os pontos de vista e argumentos, tem-se a norma decisão: “o derramamento de estireno no
estuário de Santos impõe a ré a obrigação de reparar, na esfera cível, os danos que causou ao meio ambiente,
independentemente de sua culpa”. Em complemento à concretização: “ficando, por essas mesmas razões, rejeitado
o pedido subsidiário de redução do quantum reparatório”.

CASO 5: PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE: CONCRETIZAÇÃO


“AÇÃO CONDENATÓRIA – GUERRA CIVIL EM PAÍS ALIENÍGENA – RESPONSABILIDADE DO ESTADO NÃO BELIGERANTE
PERANTE SEUS NACIONAIS NO EXTERIOR (CULPA LATO SENSU NA OMISSÃO) – PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL
IMPLÍCITO DA SOLIDARIEDADE – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
Ação reparatória de danos materiais suportados por brasileiro, servidor do IBC em Beirute, em decorrência de
guerra civil naquele país.

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Em casos de guerra em país alienígena, tem o Estado brasileiro o poder/dever de proteger seus nacionais, retirando-
os da área em conflito ou, ao menos, colocando à disposição dos brasileiros que lá se encontram a possibilidade de
voltarem ao Brasil: a) de ofício, com relação àqueles que a União tenha conhecimento formal que lá estão, como é o
caso dos que prestam serviço ao governo (situação do autor no caso concreto), e b) mediante solicitação de ajuda,
com relação aos demais brasileiros que a União não tenha conhecimento prévio de que lá se encontram.
A omissão do Estado gera para a União responsabilidade subjetiva de indenizar (culpa lato sensu).
Aplicação também do princípio da solidariedade, que se extrai por interpretação dos princípios igualmente
constitucionais da dignidade da pessoa humana (art., 1., III) e da assistência social aos hipossuficientes (art. 194 e
seguintes).
O princípio adquire concretude, na espécie, mediante conexão com as particularidades do caso (a situação de
beligerância em Beirute se tornou tão intensa que o autor e sua família foram obrigados a deixar aquele país, de um
momento para o outro, ficando privados de todos os bens que guarneciam a sua residência) e que impõe norma in
concreto com a pulverização dos prejuízos experimentados pelo autor por toda a sociedade que, indiretamente, se
beneficiou das atividades desenvolvidas pelo autor, por meio da União.
Remessa oficial parcialmente provida tão somente para desvincular a verba honorária ao salário mínimo e denegar
provimento ao recurso voluntário da União”.
(TRF3 – proc 97.03.088294-3. 1. Turma, Rel. Juiz Federal David Diniz. v.u., pub. DOU de 29.06.2001)

Quanto à situação caótica de guerra civil em que o Líbano se encontrava no momento dos fatos, isso é
incontroverso, ficando admitido pela União. A União também não questiona o fato de que o autor enfrentou
bravamente os interesses do Brasil.

A Única questão posta em dúvida foi com relação a responsabilidade da União quanto aos danos sofridos pelo
autor.

Paralelamente à linha argumentativa que concentra o dever de indenizar da União na existência de ‘omissão
normativa’, portanto, em culpa lato sensu, mostra-se perfeitamente cabível a argumentação de princípios.

Além da proteção que o Estado deve dar ao seu nacional que se encontra em terras estrangeiras, argumentou-se
também acerca da responsabilidade da União com base no princípio da solidariedade.

Não é princípio expresso na Lei Maior mas decorre da dignidade da pessoa humana (art. 1. III) e da assistência aos
hipossuficientes (art. 203 e 204).

Convém observar que o princípio da responsabilidade objetiva do Estado decorre do princípio da solidariedade,
uma vez que a ideia norteadora do instituto é a de indenizar sempre, não se indagando a questão de culpa: se a
sociedade se beneficia da prestação de um serviço público, nada mais coerente às noções de justiça que essa
mesma sociedade assuma os riscos dos danos causados ao agente.

Deve, então, serem pulverizados os prejuízos para toda a sociedade que se beneficiou dos serviços prestados.
Aquilo que para um é um fardo difícil, quando dividido, torna-se com peso suave.

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CASO 5: PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE: CONCRETIZAÇÃO
ASSUNTO: Princípio da Solidariedade: Concretização. Guerra cível em país alienígena - responsabilidade do estado
não beligerante perante seus nacionais no exterior (culpa lato sensu na omissão) – princípio constitucional implícito
da solidariedade.

O Estado brasileiro tem o poder/dever de proteger seus nacionais, retirando-os da área em conflito ou, ao menos,
colocando à disposição dos brasileiros que lá se encontram a possiblidade de voltarem ao Brasil a) de ofício, com
relação àqueles que a União tenha conhecimento formal b) mediante solicitação de ajuda, com relação aos demais
brasileiros.

Em casos tais, a omissão, gera a responsabilidade subjetiva de indenizar, por aplicação do princípio da
solidariedade, extraído dos princípios da dignidade da pessoa humana e assistência social dos hipossuficientes.

Imposição da pulverização dos prejuízos experimentados pela vítima por toda a sociedade que, indiretamente, se
beneficiou das atividades desenvolvidas pelo autor, por meio da União.

Em linhas gerais, foram utilizados como argumentos os limites da proteção que o Estado deve dar a seus nacionais
do exterior e o princípio da solidariedade, que possui dignidade constitucional de alcance fundamental. O aplicador
da lei, sobretudo o juiz, deve ter sempre como referência que a solução judicial de qualquer caso sempre
dependerá de assunção de critérios de sentido e valor que preceda e mesmo faça parte da interpretação dos textos
normativos. Notando-se a diferença entre “texto da lei” e “norma jurídica”. O primeiro é ponto de partida. O
segundo conceito, o ponto de chegada: a norma-resultado.

CASO 6: CONCRETIZAÇÃO DE PRINCÍPIOS DA ORDEM SOCIAL


ASSUNTO: Previdenciário – Aposentadoria por Idade – Meio Rural – Proteção do Idoso – Honorários Advocatícios –
Conflito de Princípios Constitucionais – Isonomia e Legalidade.

Rurícola que preencha todos os requisitos de idade e quantidade mínima de contribuições à seguridade, mas não
atende o comado do artigo 143 da Lei 8.213/91, relativo à comprovação de exercício de atividade rural nos últimos
5 anos anteriores à data do requerimento.

Situação peculiar própria da pessoa do meio rural, cuja expectativa de vida é inferior ao meio urbano. Pessoa com
60 anos e indícios de senilidade.

A Constituição garante ao idoso sem condições de prover sua subsistência ou tê-la provido por sua família o
recebimento de um benefício mensal no valor de um salário mínimo, independentemente de ter contribuído para a
seguridade social, com mais razão se apresenta a situação da autora que verteu aos cofres públicos 96
contribuições, 36 além do exigido pela Lei.

Lacuna axiológica na norma contida no art. 143 da Lei 8.213/91. O legislador não pode prever casuisticamente todas
as variáveis hipóteses que emanam das relações humanas.

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O caso concreto apresentava particularidades verdadeiramente inusitadas: após ajuizada a ação, a autora veio a
falecer sem deixar filhos e cônjuge e habilitou-se, como único herdeiro, seu pai, um ancião de quase 100 anos de
idade, igualmente do campo, iletrado, e em situação de quase miserabilidade. Admitida a sucessão processual (art.
689 do CPC/15), o feito passou a ter como único eventual beneficiário da demanda o provector genitor da autora
originária. Aquilo que parecia um “caso fácil” passou a ser um “caso difícil”, pois em auxilio ao pobre ancião
vieram princípios explícitos na CF/88, tais como art. 203 (“ A assistência social será prestada a quem dela
necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: I - a proteção à família, à
maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; (...) V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à
pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou
de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei” e art. 230 (“A família, a sociedade e o Estado têm o dever
de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-
estar e garantindo-lhes o direito à vida”).

Fosse o direito encarada como um sistema “fechado” ou a Constituição como um “conjunto de regras” (mesmo que
com unidade sistêmica), seguramente o desfecho da demanda não seria favorável ao ancião. Mais uma vez o
tratamento da Constituição como ordem/sistema teleológico mostre-se frutuoso, por permitir retirar a discussão
no nível rígido das “regras” e alça-la ao nível flexível dos princípios.

Dois pontos principais a se enaltecer: a) A Constituição como “sistema normativo aberto de regras e princípios”;
com estrutura dialógica, que se traduz na disponibilidade das normas constitucionais para captarem as mudanças
da realidade e estarem abertas às noções mutantes de “verdade” e “justiça”. b) Posicionamento acerca do
problema de interpretação, aplicação e concretização das normas constitucionais.

O iter metódico a ser seguido pelo interprete deve passar necessariamente:

O processo de exegese, para que se obtenha não a vontade histórica do legislador ou a vontade da lei, mas a
vontade política da sociedade para a solução do caso, esse processo dinâmico não se estabelece em análise isolada
dos termos da norma, mas levando-se em consideração a luz que sobre essa norma incide a partir da situação
concreta.

Entre as diversas possibilidades de interpretação que se apresentam ao aplicador da lei, este deverá privilegiar
aquela que caminha na direção de valores positivados no sistema.

Analise da correção que se estabelece entra norma a ser aplicada e o contexto constitucional, com estudo de
eventuais princípios constitucionais que simultaneamente incidam não apenas sobre a norma, mas também sobre a
própria situação real.

A solução par ao caso que deverá ser obtida racionalmente e se harmonizar com a concepção de justiça que exista
dentro dos membros da comunidade.

O “texto legal” é o “start point” do processo interpretativo. O ponto de chegada é – ou pelo menos deve ser – a
“decisão justa”.

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Parece correto falar em dois planos ou contextos distintos: o plano do descobrimento da decisão e o plano da
fundamentação da decisão. O erro está em confundir esses contextos: querer fundamentar com motivos
vinculados à esfera subjetiva do “achamento” da decisão, ou acreditar que a aplicação deste ou daquele método
jurídico permitirá invariavelmente chegar à solução adequada.

A prova de que nenhum método detém o monopólio de acesso a decisões corretas é que o caso reproduzido
apresenta contornos que permitiram a utilização de três métodos interpretativos independentes. Cada um deles
isoladamente levaria à mesma decisão.

a) Lacuna axiológica: não obstante o ordenamento apresentar solução para um determinado problema genérico,
não se leva em consideração alguma característica ou propriedade que – de acordo com alguma “hipótese de
relevância” – deveria ser considera como relevante.

Nesses casos, cabe ao julgador colmatar esse vazio, estabelecendo a adequada carga valorativa daquela
propriedade, procedendo-se a uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico, a fim de se verificar qual o
tratamento desejado pelo sistema àquela propriedade.

Em suma, o requisito do labor efetivo nos 5 anos anteriores ao requerimento poderia ser contemplado pela lei, mas
essa também deveria conter uma “clausula genérica” que permitisse a inexigibilidade do requisito nos casos de
impossibilidade de implementá-la pela falta de condições físicas necessárias.

b) Argumento “A Fortiori”: como a Autora não era casada e nem tinha filhos, não podia contar com o auxílio de sua
família, haja vista que esta se reduzia a seu pai, pessoa também simples e do campo, quase centenária, tão
necessitada quanto a própria autora. Restava, pois, a proteção do Estado, através do pagamento do benefício de
prestação continuada, garantido pelo art. 203, V, da CF.

c) Ponderação de princípios: Quando a colisão se dá entre princípios, como no caso concreto, em que há uma
aparente contradição entre o princípio da legalidade e o da proteção ao idoso, a questão deve ser revolvida na
dimensão do “valor” e, no caso concreto, o valor que se apresenta mais sensível é o da proteção ao idoso.

CASO 7: CASO PARADIGMÁTICO: APLICAÇÃO DO CONCEITO DE “ABERTURA” DO SISTEMA JURÍDICO


ASSUNTO: trata-se de ação condenatória visando a indenização pela morte de seu esposo em decorrência do
atropelamento no acostamento da rodovia causado por culpa do condutor/preposto dos Correios.

Por sentença, a demandada foi condenada a pagar pensão mensal de 2 salários mínimos, descontando-se desse
montante 1/3 que seria utilizado pelo falecido para suas despesas próprias, devendo ter seu pagamento iniciado de
imediato em face da antecipação da tutela concedida.

O cerne da questão gira em torno da tutela antecipada, que sequer foi requerida, posto que na época do processo
(1991), sequer tal instituto era positivado no estatuto processual civil e a autora era pessoa bastante idosa, pobre e
sem condições de prover à própria subsistência. A espera do “trânsito em julgado” para poder auferir algum
benefício econômico poderia ser fatal e não mais encontra-la em vida.

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No contexto do “descobrimento” da solução parece que o “senso comum” ou “ideia de direito” indicava que se
deveria imediatamente oferecer à viúva – mesmo que parcialmente – o resultado da indenização a que foi
condenada a empresa requerida.

O problema seria como motivar isso no contexto da “justificação”? Perderiam qualificação como “pronunciamentos
jurisdicionais” decisões fundadas não em valores recepcionados pelo Direito, mas em “standards” que o Estado
deveria, por razões exclusivamente morais, reconhecer e impor. Isso não significa que o juiz, no seio da
argumentação jurídica, não possa se utilizar de argumentos morais. Haverá ocasiões em que isso será útil: se
inexistir previsão da solução para o caso dentro do sistema jurídico ou, se existir, mostrar-se ela totalmente
inadequada.

Nenhum sistema pode dominar dedutivamente a totalidade dos problemas. A evolução do sistema, pois, é
continua. Portanto, não se trata de julgar um caso com base em princípios morais (moral crítica), mas de julgá-lo
com fundamento em princípios jurídicos que acolhem valores morais (moral relativa).

No caso concreto, utilizou-se da: a) teoria dos sistemas de Nicolas Luhmann, b) da noção de “abertura” do sistema
(C. Canaris), c) além da visão atual do processo – como condição para o desenvolvimento do direito material – em
Cândido Dinamarco – para promover uma como que “abertura”, pela qual ingressou a possibilidade, de ofício, de se
conceder parcial antecipação do provimento jurisdicional deferido à viúva.

Assim, passa-se por exegese da norma contida no art. 273 do CPC (atual art. 294, CPC/15) com os aportes de uma
ideia de Direito que ultrapasse os limites meramente tecnoformais.

A respeito da teoria dos sistemas de Nicolas Luhmann, o Direito é realizado pelo próprio Direito, que no plano
prático, fundamenta a atuação do juiz no processo afirmando e realizando o Direito. Dessa forma, as normas
processuais não possuem o caráter impropriamente chamado “adjetivo”, mas são normas substantivas que –
conjugadas aos preceitos regulares da relação de base contida no processo, serão imprescindíveis para a realização
concreta da Justiça.

No que tange a noção de abertura do sistema de Claus-Wilhelm Canaris, a abertura do sistema é decorrente de o
direito estar em mudança permanente, o que implica abertura em dois níveis: no sistema cientifico, decorrente
da incompletude do próprio conhecimento cientifico, já que a ciência está em constante progresso, e na abertura
do “sistema objetivo”, que decorre da modificabilidade dos valores fundamentais da ordem jurídica.

Por fim, na visão atual do processo, com base nas lições de Candido Rangel Dinamarco, o direito envolver suas
divisões científicas (Direito Civil, Direito Processual Civil, etc), que são divisões meramente didáticas. A realização da
justiça não prescinde de adequada solução no âmbito processual, que se amalgama com a solução do denominado
direito material. Se a norma processual aplicada praticamente inviabilizar a realização do direito subjetivo
reconhecido na sentença, estaremos diante de justiça simplesmente aparente.

Pois bem, combinando a teoria dos sistemas de Canaris com a teoria da sociedade de Luhmann, temos que o
Direito surge como subsistema aberto e móvel que dialoga em nível horizontal com os demais sistemas parciais.

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Poderíamos estabelecer diversos exemplos de diálogos, um deles, - que nos ajudará a encontrar uma solução justa –
impõe que o direito dialogue com a própria história e a atuação do juiz, completando as deficiências dos padrões
genéricos – que não conseguem abranger a riqueza da realidade social – desempenha papel fundamental na
evolução do direito e aperfeiçoamento do sistema.

CASO 8: CONFLITO DE PRINCÍPIOS – ISONOMIA X LEGALIDADE


ASSUNTO: Condenatória – Gratificação Especial de Localidade – Policia Federal - Salários Vencidos e Vincendos –
Cidade de Naviraí/MS – Decreto 493/92 – Conflito de Princípios Constitucionais – Isonomia – Legalidade. O Decreto
493 que trouxe em anexo lista de cidades em que é devida a gratificação, na qual não está a cidade de Naviraí/MS,
violou o princípio da isonomia determinando o pagamento da Gratificação Especial de Localidade a servidores
lotados nessa cidade. Conflito de Princípios que se resolve na dimensão do “valor”, prevalecendo, no caso, a
igualdade sobre a legalidade formal.

A alegação da violação do princípio da isonomia se dá em razão de todos os policiais federais lotados na


Superintendência do Mato Grosso do Sul recebem a Gratificação de Localidade, menos aqueles em exercício na
delegacia de Naviraí que atuam na parte mais inóspita, próximo ao Paraguai.

Em defesa, foi argumento que a inclusão de Naviraí na lista de cidades beneficiadas pela gratificação é ato
discricionário, cabendo ao órgão central de pessoa civil aferir da conveniência dessa inclusão.

Segundo elucida R. Alexy que, em determinadas circunstâncias, um princípio cede ao outro ou que, em situações
distintas, a questão de prevalência se pode resolver de forma contrária. Com isso, os princípios têm um peso
diferente nos casos concretos, e que o princípio de maior peso é o que prepondera.

Não há critério para se saber qual princípio deverá prevalecer, quando em conflito. Apenas as características da
situação de fato que poderão iluminar o caminho para a eleição do princípio norteador.

No caso concreto, não há qualquer justificativa plausível para que os servidores de Naviraí não percebam a
Gratificação Especial de Localidade a quem têm direito os servidores de cidades igualmente inóspitas, pois há
cidades vizinhas, com as mesmas características, abrangidas pelo referido Decreto.

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