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Argumentação jurídica, regras e princípios – a teoria de Robert Alexy

A discussão que envolve regras e princípios tornou-se o principal tema sobre a Teoria
Geral do Direito no que diz respeito à insuficiência teórica do positivismo analítico em
adstringir o direito à aplicação da norma jurídica. A linha de pensamento de Robert Alexy
(Professor atuante na Universidade de Kiel, Alemanha) apresenta enorme importância
para um novo método discursivista de trazer racionalidade à decisão judicial restringindo
o campo de subjetivismo do juiz. Antes de alcançar como se dá a aplicação de regras e
princípio na seara dos direitos fundamentais é preciso entender os mecanismos
argumentativos que o autor alemão elaborou a fim de racionalizar o bom emprego da
norma jurídica sem abrir espaço para que a moral vença o direito e o juiz decida
conforme sua consciência.

1 – INTRODUÇÃO

O artigo pretende demonstrar a tese do jurista alemão Robert Alexy sobre a estrutura
das normas de Direito Fundamentais sob o ponto de vista das regras e princípios. O
estudo tem base no livro, Teoria dos Direitos Fundamentais. Para compreensão, aborda
o procedimento metodológico de outra obra de Alexy, Teoria da Argumentação Jurídica.

Conforme o direito vigente, por mais que haja admissão de valores na interação entre
moral e direito, a decisão judicial não deve ter balizas subjetivas que ostentam vontades
e posições pessoais do julgador. O juiz é o intérprete derradeiro que dá concretude à
norma jurídica, não podendo ser o criador do direito.

Alexy foi um dos primeiros a trazer para o universo jurídico, a necessária conexão entre
direito e moral. Isso vai diferir muito do positivismo-analítico arraigado na cultura
ocidental tendo como principal precursor, Hans Kelsen. Talvez, o primeiro positivista a
tocar na possibilidade de internalizar racionalmente a moral para o campo do direito, de
forma muito tímida, tenha sido Hebert Hart (antecessor de Ronald Dworkin), sustentava
como critério de identificação do direito a Regra de Reconhecimento, que tinha uma
função semelhante à Norma Hipotética Fundamental de Kelsen.

Alexy sustenta ser possível construir uma metodologia composta por regras ou
procedimentos que permitem a transição de um conjunto de normas e axiomas válidos
para uma decisão juridicamente relevante.

2 – TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA

O primeiro ponto que o autor vai tratar é sobre as valorações presentes na


fundamentação da decisão jurídica.

Robert Alexy formula uma teoria procedimental, um guia consolidado por etapas, que
se cumpridas, derivará uma solução racional objetivada no sistema jurídico vigorante. É
preciso entender que a objetivação de consensos se figura de forma argumentativa,
segundo regras do discurso, tornando-se corretos ou verdadeiros, porque racionalmente
fundados. Sendo discursivamente racionais, são tornados universais.

Esse tipo de explanação traz à tona uma teoria argumentativa de aplicação geral,
evitando a fraude, o excesso e o acanhamento jurídico daquele que aplica a norma.
O único pressuposto indiscutível para que haja o desenvolvimento do próprio discurso
jurídico é a democracia como forma e condição de possibilidade de fomento à
racionalização do discurso. Assim, Alexy estatui o modelo procedimental que deve ser
seguido de maneira cumulativa e sucessiva a fim de obter a aplicação mais objetiva da
norma:

1. Discurso prático geral; 2. Procedimento legislativo; 3. Discurso jurídico; 4.


Procedimento judicial

O discurso jurídico é prático, por se constituir de enunciados normativos. Após a


passagem de que captação do discurso prático geral deve haver o procedimento
legislativo por meio da racionalização. Das normas constrói-se o discurso jurídico.

Percebe-se que de todos os elementos do discurso jurídico há uma condição limitadora


em comum: que sejam os fundamentos racionais. Assim, valoriza-se a necessidade de
uma teoria da argumentação jurídica racional de modo que o juiz deve poder argumentar
racionalmente, inclusive quando não há pressupostos da demonstração lógica.

Se a lei escrita não cumpre sua função de resolver um problema jurídico de forma justa, a decisão
judicial preenche tal lacuna segundo critérios da razão prática somado às concepções gerais de
justiça da coletividade, sendo visão normativa com enfoque normativo.

3 – A ESTRUTURA DAS NORMAS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

3.1 – Regras e Princípios

O conceito de regras e princípios para Alexy é de grande importância por conta da


análise metodológica aplicada distintamente a cada instituto. Tanto regras quanto
princípios são normas, já que ambos dizem o que deve ser.

"Princípios são, tanto quanto regras, razões para juízos concretos de dever-ser, ainda
que de espécies muito diferente. A distinção entre regras e princípios é, portanto, uma
distinção entre duas espécies de normas.

Há diversos critérios para se distinguir regras de princípios. Provavelmente aquele que


é utilizado com mais frequência é o da generalidade. Segundo esse critério, princípios
são normas com grau de generalidade relativamente alto, enquanto o grau de
generalidade das regras é relativamente baixo. Um exemplo de norma de grau de
generalidade relativamente alto é a norma que garante a liberdade de crença. De outro
lado, uma norma de grau de generalidade relativamente baixo seria a norma que prevê
que todo preso tem direito de converter outros presos à sua crença [4]."

Pode-se dizer que toda regra tem um princípio fundamental como "plano de fundo" que
fundamenta sua ordem. Há uma axiologia como razão para as regras que os princípios
impõem de forma não direta, mas como mandamento de otimização.

Assim como para Dworkin, Alexy entende que a base está na distinção entre regras e
princípios. Regras têm uma consequência definitiva: ordenam, proíbem ou permitem.
Princípios são mandamentos de otimização. São espécies de normas que ordenam que
algo se realize somente diante de um princípio oposto e, por isso, implica sempre em
ponderação[5].

O que reside nesse aspecto mais uma diferenciação notável entre Alexy e Dworkin[6],
no qual este denomina o conflito entre princípios como balances, e não teoriza no
sentido de que os princípios estão sempre em colisão sendo possível aplicação de
vários princípios, isoladamente, em graus diferentes. De outra mão, Alexy:

"O ponto decisivo na distinção entre regras e princípios é que princípios são normas que
ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades
jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por conseguinte, mandamentos de
otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo
fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades
fáticas, mas também das possibilidades jurídicas[7]."

De tal forma, temos de encarar o âmbito das possibilidades jurídicas sendo determinado
pelos princípios e regras que se chocam, que estão em conflito.

"As regras são normas que são sempre ou satisfeitas ou não satisfeitas. Se uma regra
vale, então, deve se fazer exatamente aquilo que ela exige; nem mais, nem menos.
Regras contêm, portanto, determinações no âmbito daquilo que é fática e juridicamente
possível. Isso significa que a distinção entre regras e princípios é uma distinção
qualitativa, e não uma distinção de grau. Toda norma é uma regra ou um princípio. [8]"

3.2 – Conflito entre regras: O conflito entre regra, enquanto normas de mandamentos
definitivos, ocorre no território da validade.

A solução para evitar anomalias nos conflitos das regras está nas cláusulas de exceção,
já que, apenas atuam na dimensão da validade. Quando duas normas estão em conflito,
ou há uma cláusula que excetua aplicação, no caso específico, dessa regra, ou uma
delas deve ser declarada inválida pela impossibilidade dessas regras serem graduáveis.

O conflito entre regras, enfim, ou se resolve por cláusula de exceção ou pela declaração
de invalidade de uma delas.

3.3 – Colisão entre princípios

Os princípios possuem uma estrutura de formação muito diferente das regras devido ao
alto grau de generalidade e abstração. Seus efeitos que vão muito além de toda possível
previsibilidade normativa. Por isso, não se discute a validade de princípios, visto estarem
em colisão, sob a perspectiva de Alexy, na dimensão da ponderação.

Na verdade, a colisão entre princípios não se resolve por cláusula de exceção,


tampouco, pelo critério de validade (somente princípios válidos podem colidir), mas
ocorre que um dos princípios tem precedência em face do outro sob determinadas
condições. Dessas diferentes concepções sobre regras e princípios temos que a
convivência entre princípios é conflitual e com as regras é antinômica.

Alexy entende a existência dos princípios em constante colisão, sendo impossível


aplicação isolada de um princípio, pois este é definido diante do caso concreto resultante
de um sopesamento, uma ponderação de colisão com outros princípios.

Para Alexy um ordenamento jurídico é tão mais rígido quanto mais forte for o
caráter prima facie de suas regras (quanto mais claras forem as regras) e quanto mais
coisas forem reguladas por meio delas.

Como as razões para as regras são definitivas, decorre a determinação de seu conteúdo
no âmbito das possibilidades jurídicas e fáticas, valendo definitivamente aquilo que a
regra prescreve. O princípio não dispõe da extensão de seu conteúdo, já que será
determinado pela colisão com outros princípios às possibilidades jurídicas e fáticas.

Modelo de Regras e Princípios: O modelo de regras e princípios relaciona-se com a


hierarquia constitucional das normas.

O princípio poderá ser considerado de primeiro grau quando for de matéria substancial
e puder restringir um direito fundamental garantido sem reserva. Dessa feita, será um
princípio constitucional de primeiro grau aquele que trouxer em seu bojo matéria
substancial que garanta direito, como os próprios direitos fundamentais (direito à saúde,
por exemplo). De segundo grau, serão aqueles referentes a procedimentos, como por
exemplo, o princípio que sustenta que as decisões relevantes para a sociedade devem
ser tomadas pelo legislador eleito democraticamente.

Duplo caráter das normas de direitos fundamentais: As normas constitucionais de


caráter duplo são basicamente as de direitos fundamentais que adquirem uma forma
em que ambos os níveis (de princípio e de regra) são nela reunidos. (Ex: Podemos citar a
norma constitucional que trata da inviolabilidade de domicílio)

As normas de direitos fundamentais devem ter essa feição dupla adequada


constitucional de regras e princípios. Esse tipo de norma que podemos chamar de
híbrida, surge sempre que aquilo que é estabelecido "diretamente por uma disposição
de direito fundamental é transformada, com auxílio de cláusulas que se referem a um
sopesamento, em normas subsumíveis".

Princípio e valor: é um aspecto interessante de Alexy, pois demonstra o procedimento-


método de nascimento de um princípio como decorrente da racionalização de um valor.

Somente será possível a migração de um valor puro, sem denotação de obrigatoriedade,


quando for racionalizado para compor o universo jurídico. Isso, porque, princípios e
regras são dotados de normatividade, sendo ambos normas enquanto pressupostos do
dever-ser. (Ex: Podemos citar a liberdade de correspondência)

A objeção primeira à estrutura ao uso dos recursos dos valores está em destruir a
transparência da decisão judicial. Qual seja: abrir margem de discricionariedade ao juiz
aplicador, voltando, ao início, onde está o problema do modelo positivista clássico.

Esse problema não acontece com a teoria de Alexy, pois ele justifica a aplicação do
valor, não como pertencente ao conceito axiológico, mas consubstanciado em
verdadeiro princípio, encontrado no ordenamento jurídico.

Como no direito importa tão somente aquilo que deve-ser, a transição de aplicação de
um valor somente pode acontecer pela argumentação jurídica, podendo, claro, ter maior
margem de equívocos do que ter como premissa os princípios, contudo não há como
negar a existência entranhada dos valores no ordenamento.

As objeções metodológicas estão calcadas na possibilidade de abandonar por inteiro a


fundamentação racional na aplicação dos valores. Contudo:

"Por meio do recurso ao conceito de ordem de valores poderia ser justificado qualquer resultado. O discurso
dos valores destruiria a transparência da decisão judicial e conduziria a uma incógnita da interpretação
constitucional. (…) Pelo aspecto prático, o recurso a uma ordem e a um sopesamento de valores seria uma
fórmula de ocultar o decisionismo judicial e interpretativo". [12]

Nessa lógica, deve prevalecer os valores extraídos do ordenamento (valores constitucionais).


O Problema aparente do sopesamento a um modelo decisionista

Se o sopesamento se resumisse a um enunciado de preferências subjetivas, de fato,


não seria um procedimento racional. Por isso ele sempre é condicionado não de forma
intuitiva, mas estrito à fundamentação. No sopesamento, as preferências devem ser
tomadas racionalmente, ou seja, baseadas na fundamentação jurídica.

Como regra de sopesamento, temos que quanto maior for o grau de afetação de um
princípio, tanto maior terá que ser a importância da satisfação do outro. A medida
permitida de afetação de um princípio depende do grau de importância da satisfação do
outro. (Ex: aborto de fetos anencéfalos. É afetado o direito à vida, em contrapartida dá-se importância maior ao direito
à dignidade da mãe, esse último tem grau de importância maior)

Por fim, do próprio conceito de princípio decorre a constatação de que os sopesamentos


não são uma questão de tudo-ou-nada, mas uma tarefa de otimização. Sem obstar, a
lei de colisão diz o que deve ser fundamentado de forma racional.

4 – BREVE CONCLUSÃO

Robert Alexy trouxe uma nova perspectiva para os estudos jurídicos de como aplicar o
direito ante a subjetividade inerente ao aplicador-juiz. Por meio de um método do
discurso racional é criado um procedimento, um guia de etapas que resultam em uma
argumentação jurídica racional que legitima o fundamento de aplicação da norma.

Há um problema, contudo, de cunho prático da importação da teoria de Alexy ao Brasil


sem o devido cuidado com a gênese do autor. Isso fica muito claro em vários julgados,
fazendo um recorte empírico referente à Corte Suprema (STF) sobre possíveis
ponderações de princípios. Alexy é às vezes mal interpretado, exatamente pela
dificuldade em identificar intersubjetivamente a deontologia desses princípios.

A ideia de que uma moral ou um ideal não pode ser princípio porque lhe convém, mas
porque o ordenamento é o indicativo desses princípios extraídos de um discurso
argumentativo racional deve ser observada. Isso acaba por gerar uma série de falsas
colisões de princípios, normas com densidades semânticas, absolutamente, diferentes.
Talvez por essa lacuna ser de difícil percepção, aconteçam tantos erros no judiciário.

A teoria de Alexy exige muito debruço em seus livros para maior precisão na identificação das regras e princípios e como
se dá a resolução dos conflitos entre regra e regra e colisões entre princípio e princípio, sem utilizar da munição subjetiva.
(Texto baseado em artigo de Gabriel Capristo Stecca, in ambitojuridico.com,br)
Referências

ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica. Tradução Zilda Hutchinson Schikd Silva, Rio de Janeiro. Forense, 3ª
edição, 2011.____________. Teoria dos Direitos Fundamentais . 2ª edição – São Paulo: Malheiros, 2012.

FELIPPE, Marcio Sotelo. Direito e moral. 1ª edição – São Paulo: Para entender direito, 2014. BECKER. Alfredo
Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 5ª edição, São Paulo: Noeses, 2010.

Notas: [1]ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica. Tradução Zilda Hutchinson Schikd Silva, Rio de Janeiro.
Forense, 3ª edição, 2011. [2] ALEXY, ob. cit. p. 33 [3] ALEXY, ob. cit. p. 39 [4] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos
Fundamentais . 2ª edição – São Paulo: Malheiros, 2012. [5] FELIPPE, Marcio Sotelo. Direito e moral. 1ª edição – São
Paulo: Para entender direito, 2014. [6] Faço essa comparação, de mais em mais, entre os dois jusfilósofos, para
compreender o papel e a estrutura dos princípios no ordenamento jurídico, visto suas teses serem diferentes em nuances
tênues que aclaram o alto grau de abstração exigido para a correta assimilação. Na visão de Alexy, é bom deixar claro,
que a diferença entre regras e princípios não estão no grau de importância, como doutrina o jurista Celso Antônio
Bandeira de Mello, mas sim estrutura lógica que diferencia a maneira de aplicar ao caso concreto. [7] ALEXY,
Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais . 2ª edição – São Paulo: Malheiros, 2012. [8] ALEXY, ob. cit. p. 90 [9] ALEXY,
ob. cit. p. 105
[10] ALEXY, ob. cit. p. 141 [11] ALEXY, ob. cit. p. 143
[12] ALEXY, ob. cit. p. 158 [13] ALEXY, ob. cit. p. 168

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