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JUSNATURALISMO (DIREITO NATURAL)

O jusnaturalismo (ou direito natural) é a corrente do pensamento jurídico-filosófico que


pressupõe a existência de uma norma de conduta universalmente válida e imutável,
fundada sobre a ideia da natureza preexistente em qualquer forma de direito positivo.
As teorias jusnaturalistas afirmam existir um direito natural, que tem validade em si
mesmo (independentemente da vontade da autoridade política), e cujo conteúdo é
anterior e eticamente superior ao direito positivo.

Para os jusnaturalistas, a sociedade deve ser regida por normas implícitas, ou seja, que
"já nascem conosco", essas normas estão em nossa consciência. O direito natural está
acima da lei, logo, se a lei for contrária ao direito natural, ela não poderá ser considerada
válida.

O jusnaturalismo é uma forma de ver o direito que é antagônica ao positivismo jurídico


tradicional. Para o positivismo tradicional (que é contrário à ideia de direito natural), o
direito é um fenômeno humano que depende de positivação (o direito está contido nas
leis).

Assim, o direito natural é algo que decorre da natureza das coisas, algo inerente à
natureza humana. De acordo com esse pensamento, só haverá justiça quando a
vontade humana se dirigir para os fins da natureza, que são naturalmente bons e justos.
Assim, o verdadeiro direito não é aquele que se fundamenta em vontades arbitrárias,
mas sobre as ideias morais inatas ao homem.

Da mesma forma que as leis da física são inerentes à natureza humana, o direito natural
também é. Sendo o direito natural inerente à natureza humana, ele provém de duas
fontes:

1- Razão: é a faculdade em virtude da qual o ser humano é capaz de identificar


conceitos e de os questionar. É um meio pelo qual os seres racionais propõem
razões ou explicações para causa e efeito.
2- Moral: corresponde ao conjunto de valores, normas e costumes de um determinado
grupo social e que orienta a atuação do homem.

Fontes do direito natural:

O direito natural surge pela primeira vez na história do pensamento com os gregos, que
demonstraram a ligação do direito com as forças e as leis da natureza. Na Grécia antiga
a razão (lógos) era considerada a fonte do direito natural. Para os gregos, acima da lei
estava o direito natural, acima da lei estava a razão de modo que as leis produzidas
pelos homens deveriam ser uma manifestação dessa razão. Assim, se uma lei fosse
contrária à razão, portanto contrária ao direito natural, ela não poderia ser considerada
Direito.

O cristianismo e o direito natural: com o cristianismo, a vontade de Deus passou a ser


considerada a fonte do direito natural. Assim, para quem crê, Deus criou todas as leis
racionais da natureza. Agostinho de Hipona (ou Santo Agostinho), no século IV d.C,
demonstrou que a vontade de Deus é igual à razão de Deus.

De acordo com as teorias jusnaturalistas, portanto, o direito é em parte cultural (é


produzido pelo ser humano) e em parte natural (independe do agir humano), daí a
dicotomia entre o direito positivo, produzido pela autoridade política e, acima dele,
pairando como um norte moral, o direito natural.
Mas como, afinal, podemos conhecer o direito natural?
A resposta a essa pergunta não é fácil, pois depende da época e do autor considerado.
Vamos tomar como exemplo da diversidade epistemológica das teorias jusnaturalistas
três autores: Aristóteles (Antiguidade), Tomás de Aquino (Idade Média) e Thomas
Hobbes (Modernidade).

Direito natural para Aristóteles:

De acordo com Aristóteles as normas de direito natural possuem validade universal, ou


seja, valem em qualquer lugar e em qualquer época.
O direito natural corresponde ao que é justo por si mesmo, sem levar em conta
nossas opiniões e preferências e, assim, estabelece comportamentos obrigatórios
independentemente de nossa vontade por meio da razão. Assim, só haverá justiça
quando a vontade humana se dirigir para os fins da natureza, que são naturalmente
bons e justos. Assim, o verdadeiro direito não é aquele que se fundamenta em vontades
arbitrárias, mas sobre as ideias morais inatas ao homem.

Já o direito positivo começa onde o direito natural termina, tornando obrigatórias por
convenção todas as condutas que são indiferentes ao direito natural.

O direito natural segundo Tomás de Aquino (jusnaturalismo teológico):

Na Idade Média a natureza passa a ser considerada o produto da inteligência e da


potência criadora de Deus; a natureza abrangendo tudo o que não depende do ser
humano (p.ex.: o oceano e os animais). Segundo ele, acima da lei natural existe uma lei
eterna, entendida como a razão divina que governa o mundo.
Assim, a razão é capaz de deduzir todos os outros preceitos através da seguinte regra:
faça o bem e evite o mal.
Em Tomás de Aquino, portanto, há uma hierarquia: a lei humana está legitimada na lei
natural, que por sua vez está legitimada na lei eterna. Sendo assim: “qualquer lei
estabelecida pelos homens é autêntica na medida em que deriva da lei da natureza;
se discordar desta, já não será uma lei, mas uma corrupção da lei.

O direito natural segundo Thomas Hobbes:

Os jusnaturalistas clássicos afirmam que as normas do direito positivo, para serem


válidas, devem também ser justas, ou seja, devem corresponder ao direito natural.
Hobbes, por sua vez, afirma exatamente o contrário: é justo o que é determinado pela
lei pelo simples fato de ser determinado pela lei; e é injusto o que é proibido pelo
simples fato de ser proibido. Em outras palavras: os jusnaturalistas consideram o
direito uma derivação da moral (a moral em primeiro lugar). Para Hobbes, a moral é que
deriva do direito (primeiro o direito e depois a moral).
Segundo Hobbes, o estado de natureza é o estado de guerra de todos contra todos,
marcado pela desconfiança e violência ( o homem é o lobo do homem). Nesse contexto,
o direito natural não tem vigência alguma e ninguém está obrigado a respeitá-lo.
Impossível sequer falar em justiça ou injustiça no estado de natureza, já que cada
indivíduo dispõe da própria força para satisfazer seus próprios desejos e proteger
seus interesses.
O estado juridicamente organizado é uma conquista da razão. Os indivíduos se dão
conta de que é melhor renunciar aos seus direitos naturais, exceto o direito à vida,
em troca da segurança e da paz proporcionada pelo soberano. E como é que o
soberano pode garantir segurança e paz aos súditos?
Por meio do direito positivo. Assim, explica Hobbes, para salvar o direito natural à vida,
os súditos têm de se submeter às normas postas pela autoridade política, as únicas
capazes de punir, de forma organizada aqueles que não cumprem suas obrigações.
Dessa forma, a obrigação de obedecer à lei natural se transforma no seu oposto: o
súdito é obrigado antes de tudo a obedecer às leis positivas. E é nisso que Hobbes
se distancia dos demais jusnaturalistas, tornando-se, ao final, um precursor do
positivismo jurídico.
O que une todos os jusnaturalistas, portanto, não é um conteúdo moral
específico (esse conteúdo, como vimos, pode ser qualquer um), mas sim o
universalismo axiológico: todos eles (exceto Hobbes) acreditam em uma moral
universal, atemporal e que pode ser objetivamente conhecida e fundamentada.
Todos eles têm também um inimigo em comum: o relativismo dos valores (que é típico
do positivismo).

A decadência do jusnaturalismo

De acordo com os jusnaturalistas modernos o direito natural é encontrado na


natureza humana e consiste em um rol de direitos inatos, de caráter universal e
indisponível, e que inclui não apenas o direito à vida (como em Hobbes) mas
também o direito às liberdades de ir e vir, de expressar a própria opinião, de
associação, de consciência política e religiosa. Foi justamente a exigência do respeito
a tais direitos que inspirou a Declaração de Independência dos EUA (1776) e a
Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), além de inspirar
a elaboração de diversas constituições.
Essas reformas jurídicas resultaram na imposição de limites às autoridades políticas,
consagrando no direito positivo aqueles que eram considerados direitos inatos dos
indivíduos. A limitação jurídica do poder soberano foi a conquista política que melhor
expressou o triunfo do jusnaturalismo moderno.
Em outras palavras, a lei se transforma para o jurista em uma premissa inatacável, em
um dogma, em uma certeza imposta por um ato de poder; essas características
na realidade marcam o positivismo. Na França do início do século XIX, a Escola da
Exegese é a primeira expressão do positivismo jurídico (ou normativismo jurídico).
Essa Escola era ultralegalista e entendia que a função do julgador era ater-se com
rigor absoluto à letra da lei, aplicando-a mecanicamente mediante a lógica dedutiva,
sem perder-se nas questões filosóficas acerca do que era e do que deixava de
ser o direito natural.

A decadência do jusnaturalismo foi provocada a partir do momento em que a lei foi


elevada à principal fonte do direito; a elevação da lei à principal fonte do direito
foi o resultado da elaboração das codificações e constituições modernas; as
codificações e constituições modernas representaram a conquista política da
limitação da autoridade soberana em função dos direitos dos indivíduos; assim,
a limitação da autoridade soberana em função dos direitos dos indivíduos foi o
grande ideal do jusnaturalismo moderno.

Direito Natural Racionalista

A partir do século XVII passa-se a ter uma concepção inovadora de direito natural, que
ficou conhecida como Doutrina do Direito Natural Racionalista ou do Direito Natural
Abstrato, que afasta o vínculo teológico e procura o fundamento de validade do direito
natural na própria razão humana. É significativa para a compreensão dessa nova visão
a célebre afirmação de Hugo Grócio, de que o direito natural existe, mesmo que, por
absurdo que seja, se admita que Deus não existe.

É o antropocentrismo que passou a ter significado; isso caracteriza o Século da Luzes.


Não mais existem as condições que na Idade Média praticamente impunham a fé
(religiosa) como base do conhecimento. Já não é da ideia de um Criador supremo que
decorre a lei justa ou a ordem justa, mas ela será justa quando e porque ditada pela
razão humana; agora o homem é o centro do universo. O jusnaturalismo racionalista
introduziu uma nova visão revolucionária que abre definitivamente o caminho até a
modernidade.

O pensamento jusnatural e contratual do Iluminismo formulou uma regra primária da


relação entre o Estado e o cidadão e da convivência civil entre maioria e minoria,
concebendo os direitos vitais do homem como “naturais” e a sua garantia como condição
de legitimidade daquele “homem artificial que é o Estado” e do pacto social por ele
assegurado (através do pacto social, o Estado garante os direitos naturais dos
indivíduos como a vida e a liberdade).

Há diferença de pensamento entre os próprios jusnaturalistas racionalistas, entre


alguns, o contratualismo assumiu uma feição pessimista, como aconteceu com Hobbes,
para quem o homem é um ser originariamente antissocial, individualista e egoísta,
preocupado apenas com os próprios interesses e compelido a viver em sociedade para
prevenir a violência (Hobbes: o homem é o lobo do homem). Rousseau, é um otimista,
crê no homem primitivamente bom, corrompido pela sociedade que implantou um
contrato leonino (desvantajoso) e ansioso por um contrato racional e igualitário.

Um dos escopos do jusnaturalismo racionalista era perseguir a independência, a


autonomia do Direito em face da Moral, eis que a moral é entendida como ética subjetiva
(é uma questão de foro íntimo).

A primeira distinção sistemática entre Direito e Moral, através do critério do foro, que
pode ser interno ou externo. O foro interno é o lugar do julgamento da consciência,
enquanto que o foro externo é representativo do Direito. O Direito deve cuidar apenas
das ações humanas exteriorizadas. Evidentemente, essa distinção teve enorme
repercussão para a reivindicação da liberdade de pensamento, numa época em que não
só a Igreja, mas o próprio Estado, se atribuíam a prerrogativa de impor determinada
crença, punindo não só o culto diverso (manifestação externa da crença), como a
consciência religiosa contrária.
Entende-se que os fatos históricos possibilitaram ao jusnaturalismo racionalista dar o
passo decisivo da ideia de direito natural objetivo para a concepção de direitos naturais
subjetivos. E essa concepção, por sua vez, muda a história, até porque liberdade,
igualdade e propriedade são valores caros à burguesia e ao Estado liberal nascente.

Assim: em todas as revoluções modernas e nas declarações de direitos está presente


a ideia de que o homem e não o Estado está em primeiro lugar, a convicção de que o
homem tem direitos naturais, em sentido subjetivo, que limitam a ação do Estado, que
devem ser respeitados pelo direito positivo. Dessa forma, o pensamento jusnaturalista
passa a fazer parte das Constituições dos Estados Ocidentais.

O jusnaturalismo de base racional possui uma certa semelhança com o direito natural
tradicional porque ele considera que existe algo que está acima da lei e que a lei retira
o seu fundamento de validade disso que está acima dela. Esse algo que está acima da
lei é a Constituição para o jusnaturalismo de base racional (ou jusnaturalismo
racionalista). Como a Constituição é um fenômeno positivado (aprovado pelo poder
legislativo), trata-se de um jusnaturalismo de base racional.

Em síntese: A busca do direito natural e de seu fundamento é a procura do permanente,


do universal e do comum a todos os homens na definição do direito. Se o direito positivo
se define pela sua mutabilidade, sua regionalidade e sua circunstancialidade, a busca
do direito natural expressa a angústia do homem num mundo em que tudo, sendo
positivo, é relativo.

Referências

Aranha, Guilherme Arruda, O jusnaturalismo e o positivismo jurídico de Hans Kelsen. site www.passeidireto.com,
acesso em 02-02-20.

Bittar & Almeida. Curso de Filosofia do Direito. São Paulo : Saraiva, pág.316, 2018.

Steudel, Adelângela de Arruda Moura. Publ. UEPG Ciências Humanas, Ci. Soc. Apl., Ling., Letras e Artes, Ponta Grossa,
15 (1) 43-52, jun. 2007.

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