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08/09/2023, 21:43 Imagens de câmeras corporais de PMs se tornaram provas relevantes em processos criminais - JOTA

SEGURANÇA PÚBLICA

Imagens de câmeras corporais de PMs se tornaram provas


relevantes em processos criminais
Filmagens foram usadas para comprovar casos em que houve uso excessivo de violência ou irregularidades nas abordagens
policiais

CAROLINA INGIZZA

PM com joelho no rosto de suspeito / Crédito: Reprodução


câmera corporal

Um homem já algemado e colocado na viatura policial é jogado no chão por um policial


militar, seu rosto é pressionado pelo joelho de um segundo policial e seus pés são
amarrados com uma corda. Essa é a cena que a desembargadora Jucimara Esther de
Lima Bueno, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), viu ao analisar as imagens das
câmeras corporais dos policiais envolvidos na prisão de um homem acusado dos crimes
de roubo e furto na Zona Leste de São Paulo.

Diante do vídeo, a desembargadora afirmou que, apesar do suspeito ser reincidente, seria
inviável manter a prisão em flagrante diante dos maus-tratos evidentes. No final de agosto,
ela determinou que a prisão fosse relaxada e que o homem aguardasse o julgamento dos
crimes em liberdade. “Nenhum delito, por mais grave que seja, justifica a prática de outro,
em especial pelos agentes investidos pelo estado para preservarem a ordem pública”,
escreveu Bueno.

O caso evidencia como as câmeras adotadas pela Polícia Militar (PM) de São Paulo têm
sido ferramentas importantes para os advogados e para a Defensoria Pública –

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especialmente quando há divergências entre a narrativa da polícia e do acusado. “Os


vídeos foram fundamentais para comprovar e ressaltar a violência dos policiais. Nada
justifica um espancamento”, disse a defensora pública Cristina Emy Yokaichiya, que
representou o acusado.

Em São Paulo, a PM passou a adotar as câmeras nos uniformes a partir de 2020, com o
programa Olho Vivo. A ideia era dar mais transparência e legitimidade ao trabalho dos
policiais. “As câmeras dão segurança ao policial, por ajudá-lo a se livrar de acusações
injustas de agressão nas audiências de custódia”, diz José Vicente da Silva, coronel da
reserva da PM de São Paulo, ex-secretário nacional de Segurança Pública. Segundo ele, o
uso dos equipamentos é positivo também por induzir as forças policiais a trabalhar de
acordo com as normas e os protocolos que a polícia adota, evitando “improvisos” na rua.

É comum que os presos digam que apanharam e que foram torturados quando são
detidos e a não ser que ele tenha uma lesão muito aparente, o entendimento do Poder
Judiciário, é de que ele se machucou porque estava tentando fugir, conta Guilherme
Carnelós, presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD). Para o advogado,
em casos em que a tortura seja confirmada não basta que a Justiça solte o acusado. “É
um casamento grave entre o Poder Judiciário e a política de segurança pública. O Poder
Judiciário é inclinado a validar tudo que é dito pelos policiais”, critica.

Anulação de provas
Não é só para provar o uso excessivo de violência que as imagens capturadas pelas
câmeras corporais dos policiais estão sendo utilizadas. Em alguns casos, a defesa usou
os vídeos para anular provas obtidas ilegalmente. Foi o que aconteceu com um casal de
Itaquaquecetuba, no interior de São Paulo, preso por tráfico. O homem e mulher foram
soltos em março deste ano por decisão do ministro Reynaldo Soares da Fonseca, do
Superior Tribunal de Justiça (STJ), que considerou a abordagem policial ilícita e
determinou o trancamento do processo.

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A decisão foi possível porque o defensor público Bruno Shimizu solicitou acesso ao vídeo
das câmeras corporais utilizadas pelos policiais e forneceu as imagens para que os
julgadores vissem que, na verdade, o casal foi ameaçado e coagido a levar os policiais até
sua casa, o que invalida as provas coletadas dentro da residência. “Não se pode dar crédito
integral às palavras dos policiais quando há invasão de domicílio ou quando o réu está
machucado. Com os vídeos conseguimos provar essas irregularidades policiais”, disse o
defensor.

Em outro caso, a Defensoria Pública de São Paulo utilizou os vídeos das câmeras dos
policiais para pedir a absolvição de um homem acusado de envolvimento com um
sequestro relâmpago. Abordado pela polícia em uma favela da capital, o sujeito se
identificou como “olheiro” do tráfico e emprestou seu celular para que os policiais falassem
com alguém da organização criminosa na tentativa de solucionar o crime e liberar a vítima.

Decisão da juíza Fernanda Galizia Noriega, do TJSP, julgou improcedente a ação penal e
absolveu o réu. “A negativa de autoria, a falta de reconhecimento pessoal por parte da
vítima, a não apreensão de objetos relacionados aos delitos com o réu e, sobretudo, as
gravações extraídas das câmeras acopladas no uniforme dos policiais militares, tornam
duvidosa a culpabilidade do acusado”, escreveu Noriega.

A juíza ainda acrescentou que como a denúncia não era de tráfico de drogas, mas sim de
outros delitos que a participação do homem não ficou comprovada, seria mais prudente
optar pela absolvição, ainda que, com isso, corra-se “o risco de premiar com imerecida
absolvição um possível culpado, solução sempre preferível à condenação de um possível
inocente”.

Para Surrailly Fernandes Youssef, coordenadora auxiliar do núcleo de direitos humanos da


Defensoria Pública de São Paulo, as câmeras corporais são um importante instrumento de
transparência e governança da polícia, mas elas não podem ser o único elemento
considerado pela Justiça. “A existência ou não de câmeras não pode ser empecilho para
desconsiderar a narrativa de quem foi preso. A narrativa da pessoa na audiência de
custódia também precisa ser ouvida”, diz Youssef.

Menos letalidade
Pesquisa realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) em parceria com
a Unicef mostra que desde que a PM de São Paulo passou a adotar as câmeras, o número
de mortes causadas por policiais em serviço caiu 62,7% no estado. Nos batalhões que
passaram a usar a tecnologia, a queda no número de vítimas foi de 76,2% entre 2019 e
2022; já nos batalhões em que o dispositivo não é utilizado, a redução foi de apenas 33,3%.

O uso dos equipamentos também ajudou a diminuir o número de policiais mortos em


horário de trabalho. Antes do programa Olho Vivo, em 2019, 14 policiais foram vítimas de
homicídios durante o serviço. Em 2022, o número caiu para seis.

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Segundo Alan Fernandes, pesquisador do FBSP, um dos motivos possíveis para a queda
dos números de mortes é que a presença das câmeras ajuda a diminuir a violência nos
confrontos. “Seja porque o policial fica atento aos protocolos e ao uso moderado da força,
seja porque a outra parte, quando se vê filmada, também diminuiu a violência”, diz o
pesquisador.

Mas só a captura de imagens não basta. Para Silva, se não houver uma melhoria no
treinamento, as câmeras não terão o efeito positivo esperado de induzir um melhor
comportamento e o uso de menos violência. “Em caso de policiais mal treinados, as
filmagens vão mostrar barbaridades. O bom treinamento e a supervisão constante são
fundamentais”, diz o coronel José Vicente da Silva.

No mês passado, o governo de São Paulo começou a adotar o uso de câmeras portáteis
nos uniformes dos policiais de trânsito. Segundo informações do governo, 400 das 10.125
câmeras existentes foram redirecionadas aos batalhões de trânsito.

Em nota enviada ao JOTA, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) de São Paulo disse
que após “planejamento estratégico” foi possível redistribuir os equipamentos para serem
usados no 1º e 2º Batalhões de Trânsito da Capital. “Com uma medida de eficiência, a
atual gestão colocou mais policiais com câmeras nas ruas sem afetar qualquer Batalhão
que já dispõe do sistema”, afirmou a secretaria.

O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) criticou o uso de câmeras pela policia


durante a campanha eleitoral do ano passado, mas recuou ao assumir o governo e disse
que vai continuar com o programa. Segundo a SSP, hoje 52% dos policiais do estado usam
as câmeras portáteis e estão em andamento estudos para verificar a viabilidade de
expansão do programa Olho Vivo para outras regiões do estado.

Os processos citados na reportagem são 2224124-29.2023.8.26.0000, 1500388-


18.2023.8.26.0616 e 1518120-46.2022.8.26.0228

CAROLINA INGIZZA – Repórter em São Paulo, cobre Justiça e política. Formada em Jornalismo pela Universidade
de São Paulo. Antes do JOTA, cobriu política, economia e negócios para o Financial Times e a revista Exame.
Email: carolina.ingizza@jota.info

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