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Brazilian Journal of Development 67673

ISSN: 2525-8761

A utilização de câmeras no fardamento policial e seus efeitos práticos

The use of cameras in police uniform and its practical effects


DOI:10.34117/bjdv8n10-185

Recebimento dos originais: 12/09/2022


Aceitação para publicação: 17/10/2022

Paulo Francisco de Oliveira


1º Tenente da Polícia Militar do Paraná, Mestrando em Direito pelo Centro
Universitário Internacional (UNINTER)
Instituição: Polícia Militar do Paraná
Endereço: Rua Cicero Jaime Bley, S/N, Aeroporto do Bacacheri, Hangar 12,
Curitiba - PR, CEP: 82515-230
E-mail: pfoliveira@hotmail.com

Wiliam Celestino Fávero


Major da Polícia Militar do Paraná, Especialista em Gestão Pública pela Faculdade
Unina, Especialista em Docência em Ensino Superior pelo Centro Universitário Braz
Cubas, Especialista em Análise Criminal pela Faculdade Unina
Instituição: Polícia Militar do Paraná
Endereço: Rua Cicero Jaime Bley, S/N, Aeroporto do Bacacheri, Hangar 12,
Curitiba - PR, CEP: 82515-230
E-mail: wiliamfavero@gmail.com

RESUMO
Este artigo tem por objetivo analisar os efeitos da utilização de câmeras corporais
individuais por policiais militares, de modo a estudar se o uso dessa tecnologia poderá
favorecer ou não a atividade policial. O crescente índice de criminalidade vem
demandando do Estado buscar novas medidas para promover a segurança pública por
meio de suas instituições policiais, nesse sentido a tecnologia surge como forma de
otimização dos serviços. A hipótese é que o uso de câmeras corporais individuais, pelos
policiais militares, poderá influenciar na percepção da legitimidade policial pela
sociedade, uma vez que proporcionará maior transparência e publicidade das atividades
realizadas por eles. Primeiramente, serão tecidos comentários sobre os equipamentos de
câmeras individuais acopladas no fardamento policial e suas potencialidades. Em seguida
será discorrido a respeito da legitimidade policial e da necessidade do seu reconhecimento
pela sociedade. Feito isso, passa-se a analisar os efeitos práticos gerados pela utilização
das câmeras corporais individuais durante a abordagem policial, as quais poderão servir
como meio de obter as provas que integrarão os inquéritos policiais e as demandas
judiciais, contribuindo para o melhor entendimento dos casos concretos, bem como
proporcionará maior transparência da atividade policial realizada. Ao final, conclui-se por
uma perspectiva favorável a utilização de câmeras acopladas ao fardamento, com a
ressalva de que seu uso também poderá gerar efeitos indesejados, devido à possibilidade
de os policiais se sentirem intimidados e expostos pelas gravações das câmeras durante
suas ações. Para mitigar esse efeito indesejável, propõe-se a instrução detalhada ao efetivo
a respeito dos detalhes técnicos e legais sobre o uso das câmeras corporais, bem como da
importância de seu uso.

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Palavras-chave: segurança pública, Polícia Militar, tecnologia, câmeras corporais,


efeitos práticos.

ABSTRACT
This article aims to analyze the effects of the use of individual body cameras by military
police officers, in order to study whether or not the use of this technology may favor
police activity. The growing crime rate has been demanding the State to seek new
measures to promote public safety through its police institutions, in this sense technology
appears as a way of optimizing services. The hypothesis is that the use of individual body
cameras by military police may influence society's perception of police legitimacy, since
it will provide greater transparency and publicity for the activities carried out by them.
First, comments will be made on the equipment of individual cameras attached to police
uniforms and their potential. Then, it will be discussed about police legitimacy and the
need for its recognition by society. Once that is done, the practical effects generated by
the use of individual body cameras during the police approach are analyzed, which may
serve as a means of obtaining evidence that will integrate police investigations and
judicial demands, contributing to the better understanding of concrete cases, as well as
providing greater transparency of the police activity carried out. In the end, it is concluded
that the use of cameras attached to the uniform is favorable, with the caveat that its use
can also generate unwanted effects, due to the possibility of police officers feeling
intimidated and exposed by the recordings of the cameras during their actions. In order
to mitigate this undesirable effect, it is proposed to provide detailed instruction to the staff
regarding the technical and legal details about the use of body cameras, as well as the
importance of their use.

Keywords: public security, Military Police, technology, body cameras, practical effects.

1 INTRODUÇÃO
O Estado tem a responsabilidade de promover a segurança pública, a qual deverá
ser exercida para preservação da ordem pública e a integridade dos indivíduos e do
patrimônio, conforme previsto no artigo 144 da Carta Magna. Ainda, caberá à Polícia
Militar promover o policiamento ostensivo e a preservação da ordem pública. Neste
sentido, o policial militar deve resguardar, defender e conservar os direitos previstos
constitucionalmente, bem como, aqueles estabelecidos no plano infraconstitucional.
Para que a polícia possa atuar de forma eficiente é fundamental que existam
práticas que favoreçam a percepção social quanto a sua legitimidade para o poder que
exerce, isto é, ao reconhecer a legitimidade policial o cidadão obedecerá a suas ordens
não por temor, mas sim pela convicção de que aquele poder exercido é legitimo. De todo
modo, em algumas circunstâncias de extrema necessidade, a polícia poderá valer-se da
força para fazer cumprir os preceitos legais e constitucionais, o que permitirá que haja um

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ambiente de respeito e cooperação entre cidadão e o policial, cabendo a ambos atuarem


em prol do bem comum.
Isto posto, observa que nos últimos anos as discussões sobre a segurança pública
aumentaram por parte da população, justamente em razão do aumento no índice de
criminalidade que a cada vez está maior e isso acaba impondo ao Estado o dever de adotar
meios capazes de solucionar esse problema, visto que se trata de uma das suas funções
constitucionais. O uso estratégico da tecnologia tem se mostrado como um grande aliado
da Polícia Militar no combate ao crime, afinal até as facções criminosas passaram a
utilizar da tecnologia para prática de crimes, cabendo ao Estado realizar o investimento
maciço em tecnologia.
Nesse contexto, o presente trabalho buscará demonstrar que a utilização de
câmeras corporais individuais utilizadas no fardamento dos policiais militares, revela-se
como uma ferramenta capaz de auxiliar na atividade policial, possibilitando a coleta de
provas para eventual inquérito, fazendo com que os treinamentos e elaborações de
protocolos se deem de maneira mais eficientes e em casos específicos, pode proporcionar
o aumento na percepção de legitimidade da autoridade policial. Contudo, também
observará que há a possibilidade de gerar efeitos negativos quanto a atividade exercida
pela polícia.
Assim, no primeiro tópico abordar-se-á sobre a utilização de câmeras corporais
individuais, a fim de compreender esse equipamento tecnológico na esfera policial. Em
seguida, será tratado a respeito da legitimidade policial e como essa poderá ser melhor
reconhecida pela sociedade, a partir da utilização de câmeras individuais que permitem
tornar mais transparente a conduta dos policias. Por último, serão analisados os efeitos
práticos do uso dessa ferramenta, que podem ser observados como um meio de obter
provas, bem como uma forma de fiscalizar a abordagem policial.

2 DESENVOLVIMENTO
2.1 CONTEXTUALIZAÇÃO DA UTILIZAÇÃO DE CÂMERAS CORPORAIS
INDIVIDUAIS
Antes de abordar a questão da utilização das câmeras corporais individuais, é
necessário compreender que o século XX foi marcado por diversos avanços tecnológicos
e que, neste processo de desenvolvimento, a atividade de segurança pública foi aos poucos
absorvendo e implementando tais inovações. Assim, diante do cenário em que a
segurança pública e a garantia da paz se tornaram premente, tornou-se necessário a

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inserção de mecanismos que sejam eficazes na repreensão do crime é o objetivo


primordial da modernização policial (DA SILVA; CAMPO, 2015, p. 235-236).
Recentemente, a pauta relacionada à segurança pública ganhou acentuado apelo,
em razão da crescente violência vivenciada cotidianamente pela população,
especificamente no Brasil, o que ensejou uma cobrança por uma maior punição penal por
parte das autoridades públicas (LORENZI, 2021). Nesse contexto, visando sanar tal
questão e aperfeiçoar a prática policial, buscou-se novas alternativas, das quais se
destacam as novas tecnologias, capazes de otimizar os serviços prestados. Dentre elas,
uma que se destaca é câmera corporal individual, a ser acoplada no fardamento dos
policiais, de modo a garantir a transparência da ação policial, além de permitir outros
resultados positivos.
Ressalte-se que “as forças policiais norte-americanas foram pioneiras na adoção
de câmeras corporais, sendo que em algumas cidades a tecnologia já é utilizada há,
aproximadamente, 20 anos” (BONATO JUNIOR, 2022, p. 6). No cenário brasileiro, as
Polícias Militares de São Paulo, Santa Catarina e Rondônia já utilizam de câmeras
individuais pela tropa dedicada ao policiamento ostensivo (BONATO JUNIOR, 2022). A
título exemplificativo, “na Corporação catarinense merece realce o fato de que a iniciativa
conta com o apoio do Tribunal de Justiça do Estado e com a participação do Instituto
Igarapé na pesquisa e desenvolvimento” (BONATO JUNIOR, 2022, p. 6). Entretanto, é
importante ressaltar que ainda não há legislação que defina o uso de câmeras corporais
individuais. Em sua maioria, as polícias usam os regimentos criados para as câmeras em
viaturas para o implemento das câmeras corporais, visando sanar momentaneamente a
falta de legislação (DA SILVA; CAMPO, 2015, p. 236).
A Polícia Militar de São Paulo (PMESP) já vem recebendo investimentos para o
uso de câmeras corporais individuais desde 2018. Toda a 3ª Companhia do 37º Batalhão
da PMESP, no Capão Redondo, na Zona Sul de São Paulo, utiliza as câmeras diariamente
desde junho de 2019. (EXAME, 2019)
Conforme aponta o relatório das polícias da cidade de Rialto, no estado americano
da Califórnia, por exemplo, ficou demonstrado que houve redução de 88% nas queixas
contra a polícia no ano de 2012 (em relação ao ano anterior), mesmo ano que as câmeras
foram adquiridas. O relatório também apontou que o uso de força pelos policiais daquela
cidade reduziu em 60% - de 61 para 25 casos. (EXAME, 2019)
Historicamente, a tentativa de adotar o uso de equipamentos de monitoramento
nas atividades policiais vem sendo testado desde meados de 1960, época em que ainda

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haviam muitas dificuldades em função dos equipamentos serem grandes, o que


inviabilizava, naquele tempo, o uso de modo disseminado (DA SILVA; CAMPO, 2015,
p. 236).
Com o passar do tempo e o avanço tecnológico, vários sistemas de vigilância e
monitoramento puderam ser aprimorados, facilitando a sua utilização. Ao longo dos anos,
tais câmeras se revelaram extremamente valiosas para coleta de provas criminais, a fim
de desvendar delitos ligados ao tráfico de drogas e crimes de trânsito. (ALVES, 2017)
Destaca-se que no mercado de câmeras individuais, as empresas líderes em venda
e fabricação do produto são a Taser Internacional e a Vievu. Entretanto, tais fabricantes
não fornecem tão somente o equipamento: há também a comercialização do
gerenciamento de dados em nuvem e toda a logística que envolve a implantação. Tais
empresas cobram, para tanto, valores mensais para a manutenção desses sistemas. (DA
SILVA; CAMPO, 2015, p. 236-237)

2.1.1 A utilização de tecnologias no âmbito policial


É certo que a tecnologia pode ser uma grande aliada no combate e prevenção à
violência, e, neste sentido, é dever do Estado saber gerir tais inovações em busca da
melhoria contínua para o Sistema de Segurança Pública. Daí que se advém a necessidade
de se implementar tecnologias estratégicas que favoreçam o controle da criminalidade
(LIMA; OLIVEIRA; COSTA, 2021, p. 101-118).
Importante salientar que as novas tecnologias utilizadas pelo policiamento
também otimizam técnicas que facilitam e tornam as medidas de prevenção e repressão
delituosa menos custosas e mais eficientes (CAMBRIA, 2022). Sob este aspecto, verifica-
se que:

A tecnologia se torna fundamental para a resolução de vícios mais complexos


de se solucionar. Um problema real é a não onipresença da polícia em todos os
delitos que acontecem. A tecnologia pode auxiliar bastante nessa questão,
como o uso de sinais de telecomunicação para rastrear vítimas ou suspeitos nos
crimes de tráfico de pessoas, que já é uma inovação legal no Código Penal.
Também o uso de monitoramento eletrônico e geográfico se mostra eficiente
na análise para se concluir qual região de uma cidade ou estado merece um
policiamento mais efetivo. Além dessas, há muitas outras tecnologias que
podem ser implementadas e as que já existem têm a possibilidade de serem
melhoradas. Com o crescente número de tecnologias surgindo a cada
momento, o Estado não pode abrir mão de implementá-las a fim de reduzir
custos a longo prazo e a curto prazo, resultando em maior eficiência dos órgãos
responsáveis pela execução direta das atividades de segurança pública. Tendo
em vista o avanço tecnológico através de um círculo virtuoso de inovações,
estas são disseminadas cada vez mais rápido globalmente. Consequentemente

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as tecnologias estão sendo incorporadas rapidamente. (LIMA; OLIVEIRA;


COSTA, 2021, p. 102)

Uma das tecnologias mais emblemáticas, já mencionada anteriormente, são as


câmeras policiais individuais, que podem ser conceituadas como pequenas câmeras que
são acopladas ao corpo do policial (ou em suas vestimentas e equipamentos, como no
colete balístico), trazendo assim uma forma imparcial de narrar os fatos, por meio das
imagens e áudios das gravações das ocorrências atendidas (LORENZI, 2021).
A cobertura por videomonitoramento dos espaços públicos já é experiência vivida
no cenário brasileiro há anos. O que ocorreu foi um desdobramento dessa medida, de
modo a adaptar a tecnologia de gravação de vídeos e imagens de outras formas. Após a
utilização das câmeras para videomonitoramento por instituições policiais de todo o
mundo, “a polícia adaptou a tecnologia e implantou câmeras em viaturas, conseguindo
assim ótimos resultados. Por conseguinte, o uso individual de câmeras passou a ser
testado, e os resultados foram suficientemente bons para que os projetos se ampliassem
para várias cidades”. (DA SILVA; CAMPO, 2015, p. 236)
Enfatiza-se que, independentemente dos avanços dos estudos sobre os efeitos da
implementação de tais tecnologias, a busca por ferramentas que possam tornar eficiente
a atuação policial deve ser incentivada, principalmente pela sua característica
multifuncional, haja vista o mesmo recurso ser capaz de proporcionar, ao mesmo tempo:
“controle interno da polícia, efetividade probatória, redução de recursos disponibilizados
para apuração de denúncias contra policiais, dados para gestão de informação
operacional, meios de treinamento por meio da análise posterior das atuações, e até
proteção policial” (DA SILVA; CAMPO, 2015, p. 235).
No Brasil, a primeira corporação policial a testar câmeras corporais individuais
foi a Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), a qual deu início a testes no ano de 2013.
Conforme foi analisado posteriormente, “o bom policial fica em uma situação mais
confortável, porque sabe que as imagens vão reduzir os questionamentos judiciais das
ações, que são desgastantes e onerosas financeiramente” (DA SILVA; CAMPO, 2015, p.
241).

2.2 A LEGITIMIDADE POLICIAL


O principal objetivo de todo sistema de segurança pública e de justiça é assegurar
o respeito às normas. Fato notório é que nas “sociedades em que as leis são obedecidas,

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há mais estabilidade, previsibilidade e segurança, beneficiando tanto aqueles que exercem


autoridade, quanto a sociedade como um todo” (ZANETIC et al., 2016, p. 151).
Entretanto, algumas questões centrais merecem ser destacadas.
Dentre elas, há o fato de que o “respeito à lei nunca é algo garantido, de maneira
que um dos desafios de qualquer estado é aumentar a disposição de seus cidadãos a
respeitar as leis (ZANETIC et al., 2016, p. 151). Sendo assim, a adoção das câmeras
corporais individuais pelos policiais não é, por si só, medida que garantirá o respeito às
normas, mas sim soma-se como mais uma forma de incentivo à prática do legalmente
correto.
Outro ponto que deve ser considerado é que apesar de que as instituições policiais
possuírem discricionariedade para empregar uso de força progressiva e proporcional
(medidas coercitivas) em certos casos concretos, “o uso deste recurso é limitado pelos
controles legais e, principalmente, pelo consentimento social, que circunscrevem como e
quando o poder de coerção pode ser utilizado” (MUNIZ; PROENÇA JR, 2014, p. 493).
Desta forma, a câmera individual corporal se torna um recurso apto tanto para a finalidade
de comprovação da legalidade, da necessidade e da proporcionalidade da utilização das
medidas coercitivas realizadas pelos policiais militares, como também apto para a
finalidade de evitar eventuais excessos policiais. Uma vez que sobre esse aspecto, deve-
se considerar que “em uma democracia a solução policial é sempre finita, pontual e
provisória, de maneira que a ordem pública não pode se sustentar na coerção, pois ela não
é uma solução em si, mas sim um recurso temporário (MUNIZ; PROENÇA JR, 2014, p.
493).
Apesar da possibilidade de uso de medidas coercitivas trazer consigo efeito
preventivo em relação a atos criminosos das pessoas, é necessário que os indivíduos
respeitem as decisões dos policiais e as normas por livre e espontânea vontade, por opção
consciente, e não por sentimento de ameaça ou temendo eventuais punições (ZANETIC
et al., 2016, p. 159). O modelo dissuasor no qual se concentra esforços na prerrogativa
dos policiais em empregar uso de força coercitiva para evitar que indivíduos desrespeitem
as leis não deve ser adotado como principal, pois “concentrar todos os esforços das
instituições policiais apenas no modelo dissuasor pode não ser o método de trabalho mais
adequado, pois por mais eficaz que a polícia seja, é impossível que esteja em todos os
lugares o tempo todo” (ZANETIC et al., 2016, p. 159).
A noção de legitimidade é de extrema importância para instituições e autoridades
públicas na medida em que ela justifica o exercício de poder, sob a lógica de um Estado

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democrático de Direito. Apesar das definições de legitimidade variarem, a principal ideia


consolidada em vários teóricos é a de que a “legitimidade envolve o reconhecimento de
uma autoridade e de seu direito a emitir comandos e o consequente dever de obedecer”
(ZANETIC et al., 2016, p. 159).
No que tange ao tema da legitimidade, existe a ideia de que tal poder não se refere
apenas ao medo de punição frente a autoridade legitima, mas na consolidação da ideia na
mente das pessoas de que tal liderança é legitima por fatores que a distingue, por exemplo,
agir de modo a beneficiar o bem comum, não se baseando em interesses egoísticos ou
emoções pessoais. Isso é reforçado quando há leis que são vistas como justas pelos
indivíduos, e baseiam o comportamento da autoridade legitima (WEBER, 1999, p. 517-
568). Assim, a legitimidade pode ser enxergada por meio de três pilares: “consentimento
(reconhecimento do direito da autoridade de exercer poder), legalidade (poderes
prescritos de acordo com normas e valores sociais) e valores compartilhados
(convergência entre objetivos e valores entre as autoridades e aqueles que a elas se
submetem)” (ZANETIC et al., 2016, p. 159).

2.2.1 A competência de atuação policial


Para analisar as potencialidades e efeitos do uso das câmeras corporais
individuais, faz-se necessário compreender a competência da atuação policial. Conforme
previsão constitucional presente no artigo 144 e em seu inciso V, a segurança pública,
dever do Estado, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das
pessoas e do patrimônio, devendo ser desempenhada, dentre entre outros órgãos, pela
policias militares e pelos corpos de bombeiros (BRASIL, 1988). Estipula o parágrafo 5º
do artigo 144 que cabe às polícias militares as funções de polícia ostensiva e de
preservação da ordem pública, além das atribuições definidas em lei, compete a execução
de atividades de defesa civil (BRASIL, 1998).
Desta forma, pela leitura do ordenamento jurídico brasileiro, a Polícia Militar tem
a missão constitucional que é essencialmente relacionada à preservação da ordem pública
e à atuação ostensiva. A polícia ostensiva possui uma série de atividades, tais como
patrulhamento ostensivo, fiscalização, abordagens a pessoas e estabelecimentos, prisões
em flagrante, etc., enquanto a preservação da ordem pública visa a manutenção desta e a
sua restauração. (ROSA, 2014) Isto posto, observa-se que “a Polícia Militar tem
competência para agir no ciclo completo de polícia, atuando nas quatro fases: ordem,
consentimento, fiscalização e sanção de polícia” (ROSA, 2014, p. 73).

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O fundamento jurídico da atividade policial está consubstanciado no artigo 144


de nossa Constituição de 19881, em que deixa claro que a sua finalidade é “preservar a
ordem pública e a incolumidade de forma a promover a segurança pública” (LORENZI,
2021, p. 15). Destaca-se que a preservação da ordem pública e da incolumidade das
pessoas e do patrimônio abrange objetivos como defender, resguardar, conservar e daí se
vem a ideia das funções de política preventiva, salvaguardando a ordem pública.
(LAZZARINI, 1999, p. 105)
Nesse sentido, descreve o Parecer n. AGU/TH/02/2001, Anexo ao Parecer n. GM-
25:

As Polícias Militares, sua competência constitucional atinente à polícia


ostensiva e à preservação da ordem pública, e os atos normativos federais que,
anteriores a 5 de outubro de 1988, foram recepcionados pela Carta vigente: o
Decreto-lei nº. 667, com a redação que lhe conferiu, no ponto, aquele de nº. 2
010, de 12 de janeiro de 1983, o Decreto nº. 88777, de 30 de setembro de 1983,
pelo qual aprovado o Regulamento para as Polícias Militares e Corpos de
Bombeiros Militares (R-200), e, em seus textos, as competências das Polícias
Militares para o policiamento ostensivo, as ações preventivas e repressivas,
bem como os conceitos de ordem pública, manutenção da ordem pública,
perturbação da ordem e policiamento ostensivo. (LIMA, 2001, p. 5)

No plano infraconstitucional, cabe analisar o Decreto-Lei Federal n. 667, de 2 de


julho de 1969, que preceitua as competências da Polícia Militar, em seu artigo 3º,
determinando:

Art. 3º - Instituídas para a manutenção da ordem pública e segurança interna


nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, compete às Polícias
Militares, no âmbito de suas respectivas jurisdições
a) executar com exclusividade, ressalvas as missões peculiares das Forças
Armadas, o policiamento ostensivo, fardado, planejado pela autoridade
competente, a fim de assegurar o cumprimento da lei, a manutenção da ordem
pública e o exercício dos poderes constituídos;
b) atuar de maneira preventiva, como força de dissuasão, em locais ou áreas
específicas, onde se presuma ser possível a perturbação da ordem;
c) atuar de maneira repressiva, em caso de perturbação da ordem, precedendo
o eventual emprego das Forças Armadas;
d) atender à convocação, inclusive mobilização, do Governo Federal em caso
de guerra externa ou para prevenir ou reprimir grave perturbação da ordem ou
ameaça de sua irrupção, subordinando-se à Força Terrestre para emprego em
suas atribuições específicas de polícia militar e como participante da Defesa
Interna e da Defesa Territorial;
e) além dos casos previstos na letra anterior, a Polícia Militar poderá ser
convocada, em seu conjunto, a fim de assegurar à Corporação o nível

1
“Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a
preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I - polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias civis; V -
polícias militares e corpos de bombeiros militares. VI - polícias penais federal, estaduais e distrital.”
(BRASIL, 1988)

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necessário de adestramento e disciplina ou ainda para garantir o cumprimento


das disposições deste Decreto-lei, na forma que dispuser o regulamento
específico. (BRASIL, 1969)

A extensa gama de atividades compreendidas pela função policial militar pode ser
resumida por meio das seguintes competências:

tarefa de fazer o policiamento ostensivo (de trânsito urbano e rodoviário, de


florestas e mananciais), preservar a ordem pública, executar atividades de
defesa civil, prevenção e combate a incêndios, buscas, salvamentos e socorros
públicos, atuar preventivamente ou repressivamente em caso de perturbação
da ordem, exercer a polícia judiciária militar estadual, dentre outras funções.
Como órgão integrante da administração pública, a Polícia Militar deve
subsumir suas ações aos ditames dos princípios da legalidade, impessoalidade,
moralidade, eficiência e publicidade. (BONATO JUNIOR, 2022, p. 15)

O entendimento da função policial militar pode ser percebido como sendo, em


síntese, “uma extensão do Estado cujo objetivo é, por meio de sua ostensividade — a
distintiva aparência dos policiais militares permite sua fácil identificação, trazendo
segurança e materializando a presença do Estado e da Lei” (LORENZI, 2021, p. 15),
fazendo parte de sua responsabilidade “manter a ordem, coibir a prática de infrações e
protegendo o cidadão dos indivíduos que praticam delitos” (LORENZI, 2021, p. 15).
Além da legalidade normativa, a polícia deve agir também na legalidade social,
ou seja, “os cidadãos devem sentir que é necessária a intervenção da lei e da polícia. A
legitimidade da polícia é baseada na compreensão das pessoas sobre o comportamento da
polícia e a forma como eles resolvem os casos” (RODRIGUES, 2022, p. 11).
Desse modo, uma das maneiras de se garantir a legitimidade policial frente aos
cidadãos é promovendo a transparência das ações dos agentes, ou seja, atuando com base
em valores reconhecidos socialmente como justos. Além de seguir o código de ética
policial e atuar de acordo com os seus preceitos e princípios, se submetendo a visão,
missão e valores do órgão (RODRIGUES, 2022). Essa característica de transparência esta
também fundada na capacidade de publicidade dos atos institucionais da Polícia Militar,
conforme já apontado, o qual pode ser alcançado por meio do uso de câmeras corporais
individuais.
Porém, é necessário pontuar que o uso da força pela Polícia Militar é considerado
legítimo, uma vez que está previsto tanto na legislação, quanto em protocolos policiais,
devendo o agente observar as circunstâncias do caso concreto. A utilização legitima da
força pela Policia Militar se dá, por exemplo, em situações relacionadas a legítima defesa

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de si ou de outrem, bem como, no estrito cumprimento de dever legal. (BONATO


JUNIOR, 2022)

2.2.2 O uso de câmeras individuais como meio de reforço à legitimidade policial


A literatura, mesmo que inicial, demonstrou que a adoção de câmeras corporais
individuais utilizadas por policiais proporcionou melhora no comportamento do policial
e do cidadão durante as abordagens, bem como facilitou a coleta de evidências, servindo
como exemplos práticos no treinamento policial (LORENZI, 2021). Neste sentido, “a
legitimidade da polícia seria, portanto, a percepção de que a polícia age de acordo com
certas regras, que são justas e justificáveis e que gera consentimento do público”
(ZANETIC et al., 2016, p. 159)

Para assegurar a legitimidade da autoridade, um elemento fundamental é o


julgamento que as pessoas fazem a respeito da forma como a polícia age na
resolução de conflitos e como os policiais tratam as pessoas no cotidiano. Uma
forma de aumentar as chances de apoio às decisões das autoridades, mesmo
nas situações em que os resultados propostos são contrários às expectativas e
interesses das partes, é demonstrar que estas decisões seguem a “justeza
procedimental”, um conceito que faz referência à qualidade do processo
decisório e do tratamento interpessoal. (ZANETIC et al., 2016, p. 160 )

A percepção social sobre como as instituições agem nas tomadas de decisões


consideram como base os seguintes fatores: certo grau de participação nas decisões
tomadas pelos agentes da instituição, isso se dá quando as pessoas envolvidas em
determinada situação que levou a atuação policial são ouvidas, e suas colocações
observadas; neutralidade do agente público, sem favorecimento de nenhuma natureza,
obedecendo as determinações legais de modo objetivo. (ZANETIC et al., 2016)
Outro ponto importante a ser ressaltado é que o uso de câmeras corporais
individuais proporciona maior transparência quanto aos procedimentos adotados pelos
policiais, bem como a “confiança nas intenções das autoridades e que suas decisões levam
em consideração o bem-estar e a necessidade daqueles que são afetados” (ZANETIC et
al., 2016, p. 160-161). Assim, é fundamental que haja o entendimento por parte do agente
de que o que motiva o indivíduo a respeitar as normativas existentes é a chamada teoria
da dissuasão, a qual “preconiza que o ser humano ao estar ciente de que está sob
observação e que qualquer ato potencialmente ilegal ou ilegítimo que pratique possa gerar
repercussões e sanções graves, ele se sente dissuadido de agir daquela forma” (LORENZI,
2021, p. 25).

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Nessa perspectiva, as câmeras corporais podem ser grandes aliadas ao


policiamento, pois apesar de serem pequenas, tais câmeras são perceptíveis, o que gera
uma sensação de autoconsciência dos próprios atos muito maior, ativando a parte racional
do cérebro que busca evitar situações desagradais geradas por condutas instintivas
(LORENZI, 2021). Dessa forma, quando a atuação da polícia é vista como legítima,
aumentam as suas chances de cooperação entre cidadãos e policiais, respeitando as ordens
dadas pelo agente, pois estarão revestidas por normativas justas e imparciais. (LORENZI,
2021)
Portanto, como já observado, uma das formas de garantir a legitimidade é por
meio da transparência nas ações, que são reconhecidas pelo diálogo franco em situações
que dão a tão conduta (LORENZI, 2021). A legitimidade é facilmente reconhecida a partir
da compreensão de regras claras e específicas, tanto pelo agente quanto pela população e
isso torna necessário que seja criada uma legislação especifica que disponha quanto ao
uso das câmeras corporais individuais a serem utilizadas pelos policiais militares.
Diante desse cenário, o Coronel da Polícia Militar Paulo Adriano Lopes Lucinda
Telhada, conhecido como Coronel Telhada, Deputado Estadual de São Paulo, elaborou a
indicação n. 3507/2021 direcionada ao Presidente da República, com o objetivo de
adotarem as providências necessárias para que sejam elaboradas normas direcionadas aos
Governadores dos Estados brasileiros quanto ao uso das câmeras corporais individuais
utilizada pelo policiamento (TELHADA, 2021). Tal indicação feita pelo Deputado teve
por objetivo o comportamento harmônico entre Polícia Civil e Polícia Militar, “prezando
pela valorização de todos os profissionais da área de segurança, o que resultará no melhor
cumprimento da missão constitucional em benefício de todos” (TELHADA, 2021, p. 3),
uma vez que as diversas ocorrências atendidas pelos policiais militares chegarão com
qualidade no que diz respeito à materialidade e autoria para subsidiar investigações e
inquéritos policiais.

2.3 EFEITOS PRÁTICOS DA UTILIZAÇÃO DAS CÂMERAS CORPORAIS


INDIVIDUAIS
Posteriormente à análise da função policial, sua legitimidade e como as câmeras
corporais podem auxiliar no aumento da percepção da legitimidade do policial, passa-se
a analisar alguns efeitos práticos gerados pela utilização das câmeras corporais
individuais atreladas ao policiamento. Pretende-se apontar os principais benefícios da

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utilização deste aparato tecnológico e de eventuais efeitos indesejados relacionados à sua


utilização pelos policiais militares.
A utilização de câmeras móveis teve início na fundação da associação de “Mães
Contra Motoristas Bêbados nos Estados Unidos” em meados de 1980 (BELINOSSI
JÚNIOR, 2014, p. 5-6). O principal efeito observado após a implementação do aparato
tecnológico foi a possibilidade de coleta de prova por meio das imagens que
comprovavam o comportamento relacionado a embriagues de motoristas bêbados, não
sendo necessário a utilização de bafômetro, por exemplo (BELINOSSI JÚNIOR, 2014,
p. 5-6). Percebendo a enorme utilidade que essas câmeras podiam oferecer durante as
abordagens, os policiais começaram a utilizar a tecnologia em demais ocorrências de
delitos principalmente relacionadas a crime de tráfico de narcóticos e investigação em
homicídios. (LORENZI, 2021)
A ideia central da utilização de câmeras corporais não se fundamenta no controle
e na fiscalização dos policiais. Essa ideia se reveste num caráter de vigilância aos agentes
policiais, desenvolvendo inclusive a possibilidade temerária de causar receio aos policiais
em exercer seu papel nas circunstâncias que exigem o uso da força. A ideia central é
facilitar a coleta de provas em colaboração ao processo de inquérito e resguardar o policial
de denúncias infundadas.
Uma grande vantagem relacionada as câmeras corporais é a promoção à
transparência e à publicidade dos atos policiais. Isso ocorre, porque “o resultado da
gravação que pode ser crucial como elemento de prova, pois se feita corretamente, pode
clarificar até os fatos mais controversos, uma vez que oferece uma visão imparcial do
ponto de vista de um dos principais atores” (LORENZI, 2021, p. 38). Entretanto, para que
as filmagens sejam utilizadas como meio de prova em processos criminais e/ou
administrativos, é necessário que se tenha garantia da segurança das gravações e impedir
a adulteração dessas imagens. Neste sentido, as principais fabricantes vêm empregando a
tecnologia de criptografia para assegurar a confiabilidade das imagens captadas. Esses
dados são codificados por meio de software específico, a fim de impedir a leitura do
conteúdo, bem como, impossibilitando que sejam modificados. Essas medidas garantem
segurança e confiabilidade às gravações coletas pelas câmeras corporais individuais.
(LORENZI, 2021)
A utilização de câmeras corporais individuais também pode contribuir para o
aperfeiçoamento com relação a maneira com que os agentes coletam evidências de crimes
que serão analisadas em juízo (BONATO JUNIOR, 2014, p. 11). Isso ocorre, pois “além

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de documentar e registrar os encontros com o público, as câmeras podem fornecer um


registro de prisões bem como permitem a visualização daquilo que os policiais
testemunham em cenas de crime, ou seja, o que foi encontrado no local com todas as suas
nuances e detalhamentos” (BONATO JUNIOR, 2014, p. 11).
Entretanto a ponderação de princípios relacionados ao direito à privacidade e à
produção de provas deve sempre ocorrer, de forma que a tecnologia não prejudique
direitos fundamentais de forma inadequada. Com relação a esse aspecto, o artigo 20 do
Código Civil é claro:

Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à


manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da
palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa
poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que
couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se
destinarem a fins comerciais. (BRASIL, 2002)

O dispositivo acima tem por objetivo exatamente evitar lesões desnecessárias e


excessivas a direitos fundamentais. As instituições policiais devem ter o máximo zelo
com o as imagens, os áudios, os dados e as informações captadas por meio das câmeras
corporais individuais. Todos estes dados devem ser processados e armazenados com
segurança, conforme estipula a Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018 (Lei Geral de
Proteção de Dados - LGPD).
No que tange às potencialidades do uso das câmeras, destaca-se que, em eventual
treinamento policial, elas podem ser bastante didáticas nas orientações operacionais,
sendo possível assistir a participação policial em ocorrências passadas e aprender com
isso. A utilização de câmeras na formação policial, aliada à intervenção do sistema por
formadores e baseada na simulação, pode aumentar de forma acentuada a aprendizagem
do agente, auxiliando de modo fundamental o procedimento para tomada de decisão e
comunicação em abordagens. (LORENZI, 2021). Neste sentido, observa-se que “as
filmagens são dados brutos que poderão ser utilizados como fonte para informação sobre
o nível de aperfeiçoamento operacional da tropa” (DA SILVA; CAMPO, 2015, p. 237).
Deve ser destacada essa capacidade de rever o desempenho após um incidente por
meio das câmeras individuais, sendo “uma ferramenta poderosa para os oficiais, para que
possam avaliar se eficazes ou ineficazes as ações. Quando revisam suas provas, os oficiais
têm sido capazes de avaliar seu comportamento e podem profissionalizar a sua atuação.”
(DA SILVA; CAMPO, 2015, p. 237-238)

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As imagens das câmeras corporais individuais também podem ser utilizadas pra
transmissão em tempo real, permitindo a participação cooperada de agentes externos à
ocorrência em auxílio àqueles que estão verdadeiramente in loco.

Acredita-se que as body-worn cameras tragam inúmeros benefícios, como a


confiança do público e o profissionalismo do policial, já que qualquer ato
praticado pode ser avaliado. Para o treinamento inicial de um novo policial,
acessar imagens capturadas em condições reais pode ser muito educativo, e os
próprios policiais também podem ser equipados com câmeras corporais
pessoais para verificar seu desempenho e corrigir certos procedimentos quando
ocorrem certos incidentes ou comportamento. (RODRIGUES, 2020, p. 24)

Em que pese num primeiro momento haver desconfiança dos benefícios das
câmeras corporais individuais, muitas organizações policiais perceberam que as
filmagens produzidas por tais equipamentos podem melhorar o desempenho policial em
várias frentes, como atendimento ao cidadão, tática em operações e abordagem,
comunicação entre agentes, etc. (DA SILVA; CAMPO, 2015, p. 237-238).
Consequentemente, essa medida tende a proporcionar um aumento da confiança dos
cidadãos nas instituições policiais, tornando os protocolos padrões ainda mais precisos
em suas finalidades (BONATO JUNIOR, 2022).

a utilização de câmeras no corpo tende a contribuir para a redução de denúncias


e reclamações conta as atividades policiais. Um dos motivos deduzidos para
essa questão é que a gravação das interações com o público pode fazer com
que tanto os policiais quanto os cidadãos passem a se comportam de uma
maneira melhor. (BONATO JUNIOR, 2022, p. 12)

Todavia, não se pode deixar de enfatizar que o uso das câmeras corporais
individuais também traz alguns efeitos indesejados. Um deles é a utilização dos dados
grados de forma a denegrir as ações das instituições policiais. Pode-se citar, por exemplo,
a morte de George Floyd no fim de maio de 2020 nos Estados Unidos, onde os policiais
usavam câmeras individuais e mesmo assim ocorreu a abordagem que provocou a morte
do indivíduo abordado sem qualquer fundamento justificável. As gravações das câmeras
corporais serviram geraram uma repercussão extremamente negativa com relação a
imagem da polícia, por mais que tenha sido um ato isolado (LORENZI, 2021). A
utilização de câmeras individuais não é a solução para todos os problemas da abordagem
policial. O erro está diretamente relacionado ao caráter humano, e os policiais não são
exceção. Atos isolados de determinados agentes não podem ser vistos como uma regra da
abordagem policial por parte da mídia, enfraquecendo, de forma generalizada, a
legitimidade policial frente a população. (LORENZI, 2021)

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Outro importante efeito negativo é a possível inibição e intimidação dos policiais


em alguns casos, pois o policial poderá de deixar de tomar determinadas atitudes mais
firmes, como utilização da força, mesmo quando imprescindível, por temer possíveis
penalidades e represálias, em razão de estar sendo gravado no momento da ação
(BONATO JUNIOR, 2022). Como consequência, “podem decorrer a diminuição de
abordagens e outras ações policiais preventivas e repressivas, as quais podem incidir na
quantidade de prisões e apreensões efetivadas.” (BONATO JUNIOR, 2022, p. 13)
Acerca desse aspecto, o comandante do 37º Batalhão da PMESP, tenente-coronel
Robson Cabanas, relatou em entrevista para a revista EXAME (2019) que “a curva de
aceitação das câmeras pelos agentes da PM, no entanto, é lenta porque eles ainda temem
um controle excessivo de sua atuação” EXAME (2019, p. 2). A utilização das câmeras
corporais acopladas aos fardamentos policiais pode realmente contribuir para a inibição
e do efetivo policial no atendimento das ocorrências, causando uma espécie de cautela
excessiva e desestímulo e, consequentemente, reduzindo os índices de produtividade das
instituições policiais.
Assim, para evitar que isso ocorra torna-se necessário instruir adequadamente os
policiais, deixando muito claro a eles todos os aspectos técnicos e legais da tecnologia
das câmeras corporais, bem como sua importância. Deve-se justificar com bons
argumentos aos agentes os motivos que levaram à adoção das câmeras individuais,
elucidando na mentalidade dos policiais que essa tecnologia é uma excelente aliada para
que o policial possa servir à população e cumprir seu papel constitucional de forma
otimizada. (BONATO JUNIOR, 2022)

3 CONCLUSÃO
Ao longo deste artigo, buscou-se tratar a respeito da utilização de câmeras
corporais individuais acopladas ao fardamento de policiais militares e seus possíveis
efeitos e potencialidades. Para tanto, foi analisado o contexto do início da utilização
tecnologia, a importância da inovação na otimização do combate à criminalidade, a
competência de atuação policial e a importância da legitimação da atuação policial.
Também se analisou como as câmeras podem ajudar a estimular a percepção de
legitimidade da população com relação às instituições policiais, bem como a colaboração
delas para coleta de provas para instrução de inquéritos policiais e demandas judiciais,
além de permitirem outras possibilidades práticas relacionadas aos serviços policiais.

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Como visto, a implementação das câmeras corporais teve início nos Estados
Unidos e a prática foi se aperfeiçoando no compasso do surgimento de novas tecnologias,
tendo já demonstrado resultados positivos em relação ao seu uso. No cenário brasileiro,
somente alguns estados já fazem uso dessa ferramenta, consequentemente seus efeitos
ainda não totalmente conhecidos. Esse aspecto merece destaque, pois, o caráter de
incerteza e imprevisibilidade, inerente aos resultados promovidos pelas novas
tecnologias, deve ser levado em consideração com muita atenção pelos gestores das
corporações policiais. Como o uso das câmeras corporais, no Brasil, ainda é recente e
tratado como inovação, seu uso deve ser estudado com cuidado, cabendo às instituições
elaborarem doutrinas de emprego e de instrução a respeito dessa tecnologia.
Contudo, não há que se negar que o aperfeiçoamento tecnológico do Estado e a
utilização de inovações, como as câmeras corporais, é capaz de otimizar os serviços
prestados. O incremento tecnológico das instituições policiais permite que esses órgãos
combatam de modo mais eficiente e mais inteligente as atividades delituosas.
No que tange a legitimidade policial, restou claro que a partir de seu
reconhecimento pela população, as câmeras corporais acopladas ao fardamento tornam
transparente a conduta policial, proporcionando confiança e colaboração diante do fato
de que tantos os policias, como quaisquer outros envolvidos, estarão cientes de que as
ações estão sendo filmadas e gravadas.
Apesar de este trabalho não ter por objetivo a pretensão de esgotar esse tema tão
complexo, buscou-se demonstrar que o uso das câmeras corporais é capaz de permitir
maior eficiente na coleta de provas, otimização dos serviços e aumento do nível de
cooperação e confiabilidade entre cidadão e policial. De todo modo, vale ressaltar que
mesmo havendo resultados positivos pela utilização de câmeras corporais individuais
pelos policiais, há efeitos desfavoráveis, inclusive já vivenciados por outras instituições.
Dentre eles, destaca-se a possibilidade de inibição dos policiais em virtude da
presença dessa tecnologia, causando receio do efetivo no uso de força em momentos
necessários, diante do temor relacionado às consequências das gravações, gerando uma
espécie de cautela excessiva. A inibição dos policiais, juntamente com essa cautela
desproporcional poderá impactar negativamente na produtividade das corporações
policiais, gerando desestímulo por parte de seus agentes. Como forma de mitigar esse
efeito indesejável, foram propostas instruções detalhadas ao efetivo a respeito dos
detalhes técnicos e legais sobre o uso das câmeras corporais, bem como da importância
de seu uso tanto para si próprios, como para a sociedade.

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Além disso, também se deve considerar efeitos indesejáveis ainda desconhecidos


que podem ser causados pelo uso dessa tecnologia, tendo em vista que seu uso não foi
totalmente estudado e é muito recente no Brasil. A esse respeito, foi proposto que seu
emprego deve ser estudado com cuidado, cabendo às instituições policiais elaborarem
estudos e doutrinas de emprego e de instrução a respeito dessa tecnologia. Por fim, como
ressalva ao uso dessa tecnologia, há a possibilidade das gravações das ocorrências se
tornarem públicas, podendo ser veiculadas imagens, de forma inadequada, afim de
denegrir as instituições policiais injustamente e afastar a legitimidade da esfera policial
em decorrência de eventos isolados.

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