Você está na página 1de 142

..

VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA é Profes-


sor Titular de Direito Constitucional e
teoria & direito público
Direitos Fundamentais na Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo
SP.
É Mestre em Direito do Estado pela
Universidade de São Paulo, Doutor em
Direito pela Universidade de Kiel, Ale-
manha, e Livre-Docente em Direito
Constitucional pela Universidade de
Paulo.
É autor de vários trabalhos - artigos, DIREITOS FUNDAMENTAIS
monografias e coletâneas - no Brasil e
^no Exterior, dentre os quais: conteúdo essencial, restrições e eficácia
• Grundrechte und gesetzgeberische
Spielrãume, Baden-Baden
9 (Alemanha), Nomos, 2003.
* *
0 Pela Malheiros Editores publicou,
interiormente:
' A constitucionalização do direito
• (l a ed.,4 a tir., 2014);
' Interpretação constitucional (Org.),
• (Ped.,3 3 tir.,2010);
• Sistemas eleitorais (1999);
^ Teoria dos direitos fundamentais,
de Robert Alexy (tradução e notas,
* 3a ed., 2014).
Obras da Coleçao*
teoria & direito público
coleção dirigida por
VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA JEAN PAUL C. VEIGA DA ROCHA
Faculdade de Direito Faculdade de Direito
da Universidade de São Paulo da Universidade de São Paulo
VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA
L, ROBERT ALEXY - Teoria dos Direitos Fundamentais
2. WILSON STEINMETZ - A Vinculação dos Particulares a Direitos
Fundamentais
3. VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA (org.) - Interpretação Constitucional
4. VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA - A Constitucionalização do Direito
5. MARCO AURÉLIO SAMPAIO - A Medida Provisória no DIREITOS FUNDAMENTAIS
Presidencialismo Brasileiro
conteúdo essencial, restrições e eficácia
6. MARCOS NOBRE E RICARDO TERRA (orgs.) - Direito
e Democracia — Um Guia de Leitura de Habermas
7. VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA - Direitos Fundamentais - Conteúdo
Essencial, Restrições e Eficácia
2a edição, 3a tiragem
DIREITOS FUNDAMENTAIS
conteúdo essencial, restrições e eficácia
© VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA

7a edição: 2009; 2tí edição, l" tiragem: 2010; 2" edição, 2" tiragem: 20/1.

ISBN: 978.85.392.0031-3

Direitos reservados desta edição por


MALHEIROS EDITORES LTDA.
Rua Paes de Araújo, 29. conjunto 171
CEP 04531-940 - São 1'aido - SP
Tel.:(ll) 3078-7205 - Fax: < II) 3168-5495
URL: www.malheiroseditores.com.hr
e-mail: inalheiroseditorcs(a> terra .coni.br

Composição
Acqua Estúdio Gráfico Ltcla.

Capa
Criação'. Vânia Lúcia Amato
Arte: PC Editorial Ltda.
À MAC/M,
conteúdo essencial e absoluto
cia minha vida.

"Ich wollte Dir,


nur mal eben sagen,
Impresso no Brasil
Printed in Bra~.il dal} dn das GrõBte fiir mich bist."
08.2014 (Sportfreunde Stiller)
SUMARIO

Agradecimentos .*. 15

CAPÍTUIJ) l - INTRODUÇÃO
1.1 Delimitação do tema 21
1.1.1 Conteúdo essenc •ial c constituição rígida 23
IJ .2 Previsões constitucionais 25
l .1.3 Teorias sobre o conteúdo essencial dos direitos funda-
mentais 26
1.3.1.1 Enfoques objetivo e subjetivo 26
l. l .3.2 Conteúdo essencial absoluto e relativo 27
1.1.3.3 Conteúdo essencial e objeto da pesquisa 27
1.2 Esclarecimento quase desnecessário 28
1.3 Método 30
l .3.1 O papel da jurisprudência 32
l .3.2 O papel da doutrina 34
1.3.3 Elaboração de modelos 37
1.3.4 O método analítico e a proteção dos direitos fundamen-
tais 37
1.4 Desenvolvimento do trabalho 38
1.5 Tese 40

CAPÍTULO 2 - PONTO DE PARTIDA: A TEORIA DOS PRINCÍPIOS


"A essência da essência é desconhecida."
2.1 Introdução 43
(NiKLAS LUHMANN, Grundrechtí! ais Instilurion.
Berlim, Duncker & Humblot, 1965). 2.2 A distinção entre regras e princípios 44
X n i K H H O S I-VNUAMKNTAIS: CONTHIIDO FISSKNCIAL, RKS TKIÇÕKS E liRCACIA SUMARIO 9

2.2. / Direitos definitivos e direitos prima facie 45 3.3. l. 1.4 Laurence Tribe e os dois caminhos da
2.2.2 Mandamentos de otimização 46 liberdade de expressão 92
2.2.3 Conflitos normativos 47 3.3.2 Suporte fático amplo 94
2.2.3. l Conditos entre regras 47 3.3.2. l Ponto de partida: problemas do suporte fático
2.2.3.2 Colisão entre princípios 50 restrito 95
2.2.3.3 Colisão entre regras e princípios 5l 3.3.2.1. l Conservadorismo 95
2.3 A crítica de Humberto Ávila 56 3.3.2. l .2 Exclusão a priori de condutas 97
l 2.3. l Ponderação de regras 56 3.3.2.1.3 Regulação e> restrição 100
2.J.2 O "peso" das regras 60 3.3.2. l .3. l Análise de caso: direito de reunião e
2.3.3 Conclusão 62 * ADI 1.969 101
3.3.2.1.3.2 Regulamentações restritivas 102
CAPÍTULO 3 -O SUPORTE F ÁTICO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 3.3.2.1.3.3 Restrições permitidas 104
3.3.2.2 Suporte fático amplo: características e conse-
3.1 Introdução 65 quências 108
3.2 Conceitos de suporte fático 67 3.3.2.2.1 Características 109
3.2.1 Elementos do conceito de suporte fático 69 3.3.2.2.2 Efeitos 111
3.2.2 Suporte fático, âmbity de proteção e intervenção 70 3.3.3 Análise de casos 113
3.2.2.1 Âmbito de proteção 72 3.3.3. l Liberdade de imprensa (ADI/MC 2.566) 114
3.2.2.2 Intervenção estatal 73 3.3.3.1.1 Suporte fático restrito l 14
3.2.2.3 A composição do suporte fático 73
3.3.3.1.2 Suporte fático amplo l 16
3.2.3 Um modelo alternativo 74
3.3.3. l .2. l Suporte fático amplo e vedação de
3.2.4 Direitos a prestações 76 censura 116
3.2.4. l Direitos sociais 77 3.3.3.1.2.2 Suporte amplo e possibilidade de
3.2.4.2 Direitos a prestações em sentido amplo 78 restrição 118
3.3 Suporte fático amplo e suporte fático restrito 79 3.3.3.2 Sigilo bancário (MS 21.729) 119
3.3.1 Suporte fático restrito 79 3.3.3.2.1 Suporte fático restrito 120
3.3.1.1 A definição do conteúdo do suporte fático res- 3.3.3.2.2 Suporte fático amplo 121
trito 82 3.3.3.3 Análise de casos: conclusão 123
3.3.1.1.1 Interpretação histórico-sistemática ... 83
3.3.1.1.2 Âmbito da norma e especificidade
(Friedrich Miiller) 86 CAPÍTULO 4 - RESTRIÇÕES A DIREITOS FUNDAMENTAIS
3.3.1.1.3 A prioridade das liberdades básicas 4.1 Introdução 126
(John Rawls) 89 4.2 As teorias externa e interna 127
10 niRtrros FUNDAMF.N CAIS: CONTF.ODO F.SSFNCIAL. RKSTRIÇÕHS H F.FICÁCIA SUMARIO

4.2.1 Teoria interna 128 4.4.6 Proporcionalidade, limites imanentes, restrições e regu-
4.2.1.1 Limites imanentes 130 lamentações '80
4.2.1.2 Teoria institucional dos direitos fundamentais .. 133 4.4.7 Proporcionalidade e conteúdo essencial dos direitos fun-
damentais 181
4.2.2 Teoria externa 138
4.2.2. l Ponto de partida: a teoria dos princípios como
CAPÍTULO 5 -O CONTEÚDO ESSENCIAL DOS DIREITOS
' teoria externa 139 FUNDAMENTAIS: TEORIAS E POSSIBILIDADES
4.2.2. l . I Restrições por meio de regras 141
5.1 Introdução t 183
í 4.2.2. l .2 Restrições baseadas em princípios .... 142
5.2 Ponto de partida: possíveis dimensões do problema 185
4.2.2.2 Críticas à teoria externa 143
5.2.7 Dimensão objetiva 185
4.2.2.2.1 Contradição lógica 144
5.2.2 Dimensão subjetiva 186
4.2.2.2.2 /lusão desonesta 145
5.3 Conteúdo essencial absoluto 187
4.2.2.2.3 Racionalidade 146 5.3.1 Conteúdo essencial absoluto-dinâmico 188
4.2.2.2.4 Segurança jurídica 148 5.3.2 Conteúdo essencial absoluto-estático 189
4.2.2.2.5 Inflação judiciária 150 5.3.3 Conteúdo absoluto e dignidade 191
4.2.2.2.6 Direitos irreais 153 5.4 Conteúdo essencial relativo 196
4.2.3 Diferentes teorias e .fus efeitos 156 5.4.1 Conteúdo essencial relativo e proporcionalidade 197
4.2.4 Teoria externa e suporte feitiço 158 5.4.2 Conteúdo essencial relativo e dignidade 200
4.2.4.1 Pieroth/Schlink 159 5.5 Sobre o caráter constitutivo ou declaratório das previsões
4.2.4.2 Jurisprudência: o caso Osho 162 constitucionais 202
4.3 Limites imanentes, direitos prima facie e sopesamento 164 5.6 Direitos sociais, conteúdo essencial e mínimo existencial... 204
4.3.1 Canotilho e os limites imanentes 166 5.7 Resultado 206
4.4 A regra da proporcionalidade 167 5.8 Desenvolvimento 207
4.4.1 Questões ter/ninológicas: princípio, máxima, regra
ou postulado 168 CAPÍTULO 6 - EFICÁCIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS
4.4.2 Adequação 169 6.1 Introdução 208
4.4.3 Necessidade 170 6.2 Aplicabilidade e eficácia 210
4.4.3. l Necessidade e grau de eficiência 173 6.3 Eficácia das normas constitucionais segundo José Afonso
4.4.4 Proporcionalidade em sentido estrito 174 da Silva 211
4.4.4. l Proporcionalidade em sentido estrito e subjetivi- 6.3.7 Normas de eficácia plena 212
dade. 177 6.3.2 Normas de eficácia contida 213
4.4.5 Regra da proporcionalidade e sopesamento 178 6.3.3 Normas de eficácia limitada 214
12 DIREITOS FUNDAMENTAIS: C'ON TEÚDO ESSENCIAL, RESTRIÇÕES li. EFICÁCIA SUMARIO

6.4 Classificações alternativas 215 CAPÍTULO 7 - CONCLUSÃO


6.4.1 Maria Helena Diniz e Pinto Ferreira 216 7.1 Introdução 252
6.4.2 Celso Bastos e Carlos Ayres Britto 218 7.2 Restrições aos direitos fundamentais . 252
6.5 Os problemas do critério tríplice de José Afonso da Silva ... 218 7.3 Proteção aos direitos fundamentais ... 253
6.5.7 Problemas relativos às normas de eficácia contida 219 7.4 Eficácia das normas constitucionais.. 254
6.5.1.1 O problema terminológico 219
6.5.1.2 O problema classificatório 221 BIBLIOGRAFIA CITADA 257
< 6.5.1.3 O problema existencial 223
6.6 A classificação de José Afonso da Silva e os limites imanentes.. 224 CASOS CITADOS 273
6.6.1 Liberdades públicas como normas não-restringíveis.... 225 ÍNDICB ALFABÉTICO REMISSIVO . 277
6.6.2 Liberdades públicas como normas não-regidamentáveis .. 227
6.7 Eficácia e efetividade 228
6.7.1 " Capacidade de produzir efeitos jurídicos " 229
6.7.2 Liberdades públicas, direitos políticos e direitos sociais:
dependência da ação estatal 231
6.7.2. l Exemplo l: direito ao sufrágio e direito à saúde .. 232
6.7.2.2 Exemplo 2: liberdades públicas e direitos sociais.. 234
6.7.2.3 Normas de eficácia plena e de eficácia limitada:
conclusão 238
6.7.2.4 As dimensões da dogmática e a contraposição
entre eficácia e efetividade 238
6.7.3 Digressão sobre a efetividade e justiciabilidade dos di-
reitos sociais 240
6.7.3. l O custo dos direitos, ou por que a efetividade
das normas de direitos sociais é mais baixa 241
6.7.3.2 Justiciabilidade 242
6.8 Teoria externa, suporte f ático amplo e eficácia dos direitos
fundamentais 244
6.9 Conclusão: eficácia e garantia dos direitos fundamentais... 246
6.9.1 Normas de eficácia plena 247
6.9.2 Normas de eficácia contida 249
6.9.3 Normas de eficácia limitada 249
AGRADECIMENTOS

É comum que se pense que enfrentar um concurso para a titulari-


dade é algo que só pode ser feito em total isolação, segredo e em clima
de desconfiança, dadas as situações especiais de concorrência. Embo-
ra fazer uma tese seja, sempre, um trabalho também solitário, isso não
implica necessariamente silêncio, segredo e desconfiança. O presente
trabalho nada mais é que a continuação de uma linha de pesquisa, de
um trabalho que vem sendo desenvolvido ao longo do tempo. Nunca
houve nada de secreto nela, e a linha de pesquisa na qual se insere é
pública e foi aprovada em reunião do Departamento de Direito de Esta-
do e no Conselho Técnico-Administrativo da Universidade de São Pau-
lo. Não é, portanto, a despeito da necessária originalidade, um traba-
lho "inventado" para um concurso isolado, mas algo que vem sendo
pensado e discutido há muito tempo. Nesse sentido, muitas foram as
pessoas e instituições que, ao longo desses anos, contribuíram para o
aperfeiçoamento de minhas ideias. A algumas delas eu gostaria de agra-
decer nominalmente.
Ao professor Dr. Robert Alexy mais uma vez agradeço não somen-
te os ensinamentos durante a elaboração da minha tese de Doutorado na
Universidade de Kiel, feita sob sua orientação, que foram fundamentais
também para o meu desenvolvimento intelectual subsequente, como,
além disso, a disposição para o diálogo - pessoalmente ou à distância
- durante a elaboração desta tese de titularidade, com relação à qual não
tinha qualquer obrigação formal.
Também mais uma vez tenho que agradecer ao Instituto Max
Planck de Direito Público Comparado e Direito Internacional Público,
em Heidelberg/Alemanha, especialmente ao seu diretor, professor Dr.
Armin von Bogdandy. Foi nesse Instituto, graças a uma bolsa a mim
16 DIREITOS FUNDAMRNTALS: CONTEÚDO F.SSFNCIAL, RESTRIÇÕES L E F I C Á C I A AGRADECIMENTOS 17

concedida pela Sociedade Max Planck, que pude concluir, em julho A Odete Medauar agradeço o apoio incondicional e a coragem que
de 2005, a pesquisa realizada para a elaboração deste trabalho. sempre demonstrou nas lutas mais difíceis na Faculdade de Direito da
Agradeço também à FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa USP. E a Irany Novah Moraes (in memoriani) agradeço a atenção, os
do Estado de São Paulo, instituição que sempre me apoiou e que cus- conselhos, a paciência e até mesmo os cochilos, que fizeram com que
teou parte das despesas da viagem a Heidelberg. a cada concurso - desde o meu processo seletivo de ingresso na carrei-
ra académica da USP- eu tentasse me aperfeiçoar cada vez mais. Sem
Muitas foram as pessoas - professores, alunos, amigos - que me
tudo isso, eu, com certeza, teria ficado no meio do caminho.
incentivaram a escrever este trabalho — que há muito já vinha sendo
pensado — para participar do concurso ao cargo de Professor Titular Mais uma vez gostaria de repetir o agradecimento aos juristas da
na|Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. A todos eles nova geração, que se esforçam em demonstrar - com cada vez mais
tenho que agradecer a solidificação de algumas crenças que eu mesmo sucesso — que é possível e frutífero dedicar-se exclusivamente à do-
já possuía mas que, sem essas pessoas, talvez não fossem fortes o su- cência e à pesquisa.
ficiente para me motivar ainda mais. A principal delas é a certeza de que AosTneus alunos na Faculdade de Direito da USP, especialmente
a participação em um concurso académico não pode ter relação direta nos cursos de Direitos Fundamentais e Liberdades Públicas, tenho que
com antiguidade, mas apenas com mérito e dedicação à pesquisa. agradecer o espírito sempre crítico e a não-satisfação com a "opinião
Aos membros da Banca Examinadora do mencionado concurso da cátedra". Ao incentivá-los à discordância, recebo em troca, muitas
- Luís Roberto Barroso, Clèmerson Merlin Clève, Ricardo Lobo Tor- vezes, um questionamento de meus próprios pontos de partida, o que
res, Vicente Greco Filho e Maria Sylvia Zanella Di Pietro — agradeço me leva a sempre refletir sobre eles e nunca me acomodar. Muitas
não apenas a aprovação e, em alguns casos, a indicação de meu nome "correções de rumo" em minhas ideias surgiram de perguntas de alu-
para o provimento do cargo de professor Titular de Direito Constitu- nos em sala-de-aula.
cional da Faculdade de Direito da USP, mas também a oportunidade O mesmo agradecimento vale também aos meus monitores e aos
que me proporcionaram, cada um a seu modo, de defender meus pon- meus orientandos, que desde cedo - e semanalmente - são incentivados
tos de vista não apenas sobre este trabalho, mas também sobre minha à discordância. Eu gostaria de agradecer nominalmente a Thomaz Hen-
linha de pesquisa e minha concepção de carreira académica. rique Pereira e a Paulo Macedo Garcia Neto em razão de seu interesse
Aos amigos e leitores críticos de sempre, Marco Aurélio Sampaio, e da atenta leitura que fizeram deste trabalho. Uma leitura atenta tam-
Jean Paul Rocha, Otávio Yazbek e Diogo R. Coutinho, agradeço a bém foi feita por Gustavo Dantas Ferraz, a quem também agradeço.
leitura e os comentários críticos à versão final deste trabalho. A eles e Às funcionárias e aos funcionários das bibliotecas da Faculdade
a Conrado H. Mendes, Luís Renato Vedovato e Guilherme Leite Gon- de Direito da Universidade de São Paulo agradeço a disponibilidade, a
çalves agradeço também o incentivo, as críticas, as sugestões e, sobre- prontidão e o empenho de sempre. Uma universidade sem uma boa bi-
tudo, a presença e o auxílio sempre que foram necessários nos últimos blioteca e bons bibliotecários não é uma boa universidade.
anos. A Álvaro Malheiros e a todos na Malheiros Editores agradeço não
Aos amigos da chamada Kieler Bande - Martin Borowski, Mat- somente a paciência que sempre tiveram com meus constantes atra-
thias Klatt, Rodolfo Arango, Peng-Hsiang Wang, Hidehiko Adachi, sos e pedidos, mas sobretudo o apoio que vem desde a publicação
Carlos Bernal Pulido, Alfonso Garcia Figueroa, Carsten Bàcker, Nils de minha dissertação de Mestrado e que culminou com a aceitação em
Teifke e todos os outros -, que sem dúvida constituem, já constituíam patrocinar uma coleção como a teoria & direito público, a despeito de
ou irão constituir uma importante parte da comunidade académica todos os riscos que seu caráter pouco comercial implica.
internacional, fica o agradecimento pelas conversas sempre instigan- Aos amigos Murilo Celebrone, Alexandre Suguimoto, Cassius
tes e o constante apoio mútuo. Es lebe die Kieler Bandel Medauar, Andres Lustwerk Santos e Gustav Lustwerk Santos agrade-
18 D I K H I IOS FUNDAMENTAIS: CONTEÚDO ESSENCIAL, RESTRIÇÕES E EFICÁCIA AGRADECIMENTOS

ço a amizade de longa data e o fato de não terem qualquer relação À minha família, que me acompanha nos diversos passos da mi-
com a área jurídica. É sempre bom continuar a poder sair com os ami- nha carreira académica, agradeço o apoio e o incentivo que nunca
gos e falar sobre qualquer outra coisa, menos sobre Direito, teses e faltaram. Sem ela, nada teria sido possível. Os momentos de ansieda-
concursos. de, nervosismo e apreensão valeram a pena.
A Lennon, McCartney, Harrison e Starr, a Jagger, Richards, Wy- À Magda, por fim, porque nenhum agradecimento seria suficiente,
man e Watts, a Page, Plant, Jones e Bonham, a Joey, Johnny, Dee Dee dedico todo este trabalho. Desde os invernos cinzas, gelados e chu-
e Tommy c a todos os outros que me acompanham desde a infância vosos de Kiel, onde nos conhecemos, até os verões ensolarados, quen-
agradeço as horas intermináveis de muita música. O mesmo vale para tes e ainda mais chuvosos de São Paulo, é alguém que sempre me
Mingus, Miles, Coltrane e outros, descobertos um pouco mais tarde. apoiou, a despeito de todas as privações, que uma carreira académica
Embora não exista melhor forma de liberar as tensões que antecedem e, sobretudo, a elaboração de teses sempre significam. Abrir mão de
todas as oportunidades que a Alemanha poderia lhe proporcionar, para
a um concurso do que ouvir Wart Hog (Ramones), Holidays in the Sun
começar.uma vida nova no Brasil, demonstra, por fim, que sopesar e
(Sex Pistols) ou Helter Skelter (Beatles) no volume máximo, a elabo- decidir o que é essencial é algo inafastável em nossas vidas.
ração deste trabalho ocorreu, em seus momentos decisivos, ao som de
algo mais suave e quase minimalista: Alina, do estoniano Arvo Pàrt.
Em todos os casos, porém, é possível acompanhar Sancho Panza e São Paulo, verão de 2008
afirmar: "Donde hay música no puede haber cosa mala" (Miguel de VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA
Cervantes, Dou Quijote de Ia Mancha, II, XXXIV).
O espírito crítico e o prazer por novas descobertas são, na minha
opinião, clois elementos essenciais de todo trabalho académico. A Qui-
no, Bill Watterson, Goscinny, Uderzo, Sempé, Hergé, Morris, Will
Eisner, Laerte, Angeli e Fernando Gonsales, a Júlio Verne, Mark Twain,
João Carlos Marinho, Robert Louis Stevenson, Jack London, Ferenc
Moinar, Arthur Conan Doyle, Herman Melville e Alexandre Dumas
agradeço mais horas intermináveis, desta vez de muita contestação,
prazer, aventuras e descobertas. Enfrentar os problemas e as bibliogra-
fias mais complexas que o trabalho académico exige só foi - e conti-
nuará sendo - possível graças à sólida "base teórica" que esses autores
me proporcionaram. E isso não teria sido possível sem o incentivo à
leitura desde cedo e sem as maravilhosas visitas com meu pai à Livra-
ria Brasiliense da rua Barão de Itapetininga, nas manhãs de sábado.
À comunidade Linux e àqueles que apoiam o software livre agra-
deço mais uma vez o apoio e, mais que isso, a luta incansável para
oferecer alternativas a programas de computador de empresas mono-
polistas. Trabalhar com programas gratuitos e, sobretudo, estáveis,
como o sistema operacional Linux e programas como o OpenOffice e
o Mozil/a, continua economizando tempo e momentos de mau humor.
Capítulo l
INTRODUÇÃO

1.1 Delimitação do tema: 1.1.1 Conteúdo essencial c constituição


rígida ~ l.1.2 /'revisões constitucionais - l.1.3 Teorias sobre o con-
teúdo essencial dos direitos fundamentais: 1.1.3.1 Enfoques objetivo
e subjetivo ~ l.1.3.2 Conteúdo essencial absoluto e relativo - l.1.3.3
Conteúdo essencial e objeto da pesquisa, l.2 Esclarecimento quase
desnecessário. 1.3 Método: 1.3.1 O papel da jurisprudência - 1.3.2
O papel da doutrina - l .3.3 Elaboração de modelos — l .3.4 O método
analítico e d proteção dos direitos fundamentais, l .4 Desenvolvimen-
to do trabalho, l.5 'lese.

1.1 Delimitação do tema


A ideia de que os direitos fundamentais têm um conteúdo essen-
cial é algo que vem sendo sustentado pela doutrina e pela jurisprudên-
cia brasileiras com frequência cada vez maior. Em um dos casos mais
polémicos na jurisprudência do STF, o chamado "caso Ellwanger",
decidido em 2003, o Min. Celso de Mello fez menção a essa ideia nos
seguintes termos: "Entendo que a superação dos antagonismos exis-
tentes entre princípios constitucionais há de resultar da utilização, pe-
lo STF, de critérios que lhe permitam ponderar e avaliar, hic et nunc,
em função de determinado contexto e sob uma perspectiva axiológica
concreta, qual deva ser o direito a preponderar no caso, considerada a
situação de conflito ocorrente, desde que, no entanto, a utilização do
método da ponderação de bens e interesses não importe em esvazia-
mento do conteúdo essencial dos direitos fundamentais, tal como ad-
verte o magistério da doutrina". 1

1. RTJ 188/858 (912) (sem grifos no original). Referências idênticas podem ser
encontradas em: Inq. 1.957 e MS 24.369.
22 DIREITOS FUNDAMENTAIS: CON THUDO ESSENCIAL, RESTRIÇÕES li E F I C Á C I A INTRODUÇÃO 2.1

Em decisão ainda mais recente, o Min. Gilmar Mendes, ao tratar essencial [que] traduz o 'limite dos limites', ao demarcar um reduto
do embate entre a individualização da pena, garantida pelo disposto inexpugnável, protegido de qualquer espécie de restrição".7 No âmbi-
no art. 5Q, XLVI, da constituição, e a previsão do art. 2", § l-, da Lei to do chamado "mínimo existencial" a referência obrigatória é sempre
8.072/1990, que exige que os condenados pelos crimes chamados aos trabalhos de Ricardo Lobo Torres, que defende ser esse o conteú-
"hediondos" cumpram toda a pena em regime fechado, afirmou: "O do dos direitos sociais.8 Mas trabalhos mais extensos sobre a questão
núcleo essencial desse direito, [à individualização da pena] em rela- são quase inexistentes. 9
ção aos crimes hediondos, resta completamente afetado. Na espécie, é Que direitos, em geral, contenham um conteúdo mínimo pode ser
certo que a forma eleita pelo legislador elimina toda e qualquer possi- algo intuitivo, que decorre da própria noção de que, sem a garantia
bilidade de progressão de regime e, por conseguinte, transforma a desse mínimo, a garantia do próprio direito seria de pouca valia. Na
illéia de individualização enquanto aplicação da pena em razão de forma como utilizada pelo Min. Celso de Mello, o recurso a um supos-
situações concretas em maculatura". 2 to conteúdo mínimo dos direitos fundamentais parece decorrer desse
Mesmo quando o STF não fala, expressamente, ern "conteúdo pensamento. Mas há questões extremamente complexas, ligadas a essa
essencial" ou "núcleo essencial", a ideia é utilizada em um sem-núme- ideia simples, que não podem passar despercebidas nem pela doutri-
ro de julgados, quando alguns votos ressaltam, por exemplo, que "na na, nem pela jurisprudência. O objetivo deste trabalho é analisar essas
ponderação de valores contrapostos, (...) a restrição imposta nunca questões.
pode chegar à inviabilização de um deles";' ou que "(...) a garantia
constitucional da ampla defesa tem, por força direta da Constituição,
um conteúdo mínimo essencial, que independe da interpretação da lei / . / . / Conteúdo essencial e constituição rígida
ordinária que a discipline";4 ou quando se fala em um direito a um "mí- É importante ressaltar que a existência de um conteúdo essencial
nimo existencial". 5 dos direitos fundamentais, o qual deve ser respeitado pelo legislador,
Também na doutrina o recurso ao conceito de "conteúdo essen- não é contra-senso algum, ao contrário do que afirmava Mortati, se-
cial dos direitos fundamentais" não é desconhecido. Já há algum tem-
po Carlos Ari Sundfeld fazia menção ao "princípio da mínima inter- 7. Daniel Sarmento, A ponderação de interesses na Constituirão Federal. Rio
venção estatal na vida privada", que exigiria, entre outras coisas, que a de Janeiro: Lumen Júris. 2000. p. 1 1 1 . Cf. também Daniel Sarmento, "Os princípios
interferência estatal não atingisse "o conteúdo essencial de algum di- constitucionais e a ponderação de bens", in Ricardo Lobo Torres (org.). Teoria dos
reito fundamental".6 Mais recentemente, Daniel Sarmento, tratando de direitos fundamentais, 2a ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 60.
8. Ricardo Lobo Torres, "Fundamentação, conteúdo e contexto dos direitos sociais:
tema conexo ao do presente trabalho, manifestou-se sobre a existência a metamorfose dos direitos sociais em mínimo existencial", in Ingo Wolfgang Sarlet
de um conteúdo mínimo dos direitos fundamentais, de um "núcleo (org.). Direitos fundamentais sociais. Rio de Janeiro: Renovar. 2003, pp. 11 e ss.
9. Há algumas poucas exceções, como a monografia de Cláudia Perotto Biagi, A
garantia do conteúdo essencial dos direitos fundamentais na jurisprudência constitu-
2. HC 84.862 (sem grifos no original), j. 15.4.2005. Cf. também HC 82.959 cional brasileira. Porto Alegre: Sérgio António Fabris, 2005. Além disso, há alguns
(A/í/ 4.10.2005) e HC 85.687 (DJU 5.8.2005) e MS 24.045 (DJU 5.8.2005 - voto artigos, em geral bastante resumidos, como os de Ana Maria D'Ávila Lopes, "A oa-
Min. Joaquim Barbosa). rantia do conteúdo essencial dos direitos fundamentais". Revista de informação Legis-
3. ADI 1.969 - Ementário STF 2.142, 282 (319) - voto Min. Sepúlveda Pertence. lativa 164 (2004): 7-15 e Sandro Nahmias Melo, "A garantia do conteúdo essencial
4. RE 427.339 (DJU 27.5.2005). Cf. também RE 431.121 (DJU 28.10.2004). dos direitos fundamentais". Revista de Direito Constitucional e Internacional 43 (2003):
RE 345.580 (DJU 17.8.2004), RE 266.397 (RTJ 190, 724 [727]) e RE 255.397 (DJU 82-97. Além dos trabalhos citados nas notas anteriores, é possível encontrar menções
7.5.2004). ao conceito de conteúdo essencial, por exemplo, em: Wilson Steinmetz, Colisão de di-
5. ADPE 45 (DJU 4.5.2004). reitos fundamentais e princípio da proporcionalidade. Porto Alegre: Livraria do Advo-
6. Carlos Ari Sundfeld, Direito administrativo ordenador, 1a ed.. 3-' tir.. São gado, 2001. pp. 160 e ss.; Ana Paula de Barcellos, Ponderação, raciona/idade e ativi-
Paulo: Malheiros Editores. 2003, pp. 67 e ss. dade /urisdicional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, pp. 139 e ss.
24 DIKHITOS l I N D A M l i M A I S : ( O N T H U D O HSSBNCIAI.. RbS TRICOIÍS K H H C A C I A INTRODUÇÃO 25

gundo o qual: "(...) proclamar a inviolabilidade [cie um conteúdo es- l .1.2 Previsões constitucionais
sencial dos direitos fundamentais] em face da lei ordinária não faz Ao contrário do que ocorre com a constituição brasileira, que não
sentido, já que a Constituição, por sua própria natureza, é intangível disciplina a possibilidade de restrições e regulamentações a direitos fun-
pelo legislador ordinário". 10 damentais, há no direito estrangeiro uma grande quantidade de exemplos
No mesmo sentido de Mortati vai o pensamento de Gilmar Fer- de constituições que, além de se referirem expressamente a possibili-
reira Mendes, segundo o qual prever um conteúdo essencial dos di- dades de restrições nesse âmbito, também prevêem, de forma expressa,
reitos fundamentais, nos moldes das constituições alemã e portugue- uma necessária garantia a um conteúdo essencial dos direitos fundamen-
sa, seria "preocupação exagerada do constituinte, pois é fácil ver que tais. A primeira constituição a conter um dispositivo nesse sentido foi a
t proteção do núcleo essencial dos direitos fundamentais deriva da constituição alemã, cujo art. 19, 2 dispõe: "Em nenhum caso pode um
supremacia da Constituição e do significado dos direitos fundamen- direito fundamental ser afetado em seu conteúdo essencial".
tais na estrutura constitucional dos países dotados de Constituições A constituição portuguesa, em vários aspectos fortemente influen-
rígidas"." ciada péla constituição alemã, dispõe, em seu art. 18Q, 3, que: "As leis
Ora, quando as constituições alemã e portuguesa, entre outras, 12 restritivas cie direitos, liberdades e garantias têm de revestir caráter geral
e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão
expressamente declaram a proteção de um conteúdo essencial dos di-
e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais".
reitos fundamentais, não estão elas, nesses dispositivos, fazendo refe-
rências a possíveis reformas constitucionais que possam alterar a con- Também a Constituição da Espanha, em seu art. 53, l , traz dispo-
figuração desses direitos. Hrn geral, essa é tarefa de dispositivo diverso, sitivo muito semelhante, nos seguintes termos: "Os direitos e liberda-
des (...) vinculam todos os poderes públicos. Somente por lei, que, em
que garante as chamadas "cláusulas pétreas".13
qualquer caso, deverá respeitar seu conteúdo essencial, poderá ser
A declaração de um conteúdo essencial destina-se, sim, ao legis- regulado o exercício de tais direitos e liberdades (...)".
lador ordinário, pois é esse que, em sua tarefa de concretizador dos A influência constitucional alemã ocorreu, no entanto, com ainda
direitos fundamentais, deve atentar àquilo que a constituição chama maior intensidade no período de redemocratização do Leste Europeu.
de "conteúdo essencial". É essa acepção do conceito de conteúdo es- Quase todas as constituições do antigo bloco socialista, e também suas
sencial, e não outra, que constitui o objeto deste trabalho.14 instituições, foram fortemente marcadas, por diversas razões, pela ex-
periência constitucional alemã. Diante disso, não é difícil encontrar em
várias das constituições desses países dispositivos sobre o chamado
10. CostatiiK) Mortati. istitu~oni di diritto pubblico. vol. II, 8'' cd.. Padova: Ce- "conteúdo essencial dos direitos fundamentais", como é o caso, por
dam. 1969, p. l 127, nota 1.
l 1. Gilmar Ferreira Mendes. Direitos fundamentais c controle, de constititciona- exemplo, da constituição polonesa, que, em seu art. 3 1 , 3 , dispõe:
lidude, 2" ed.. São Paulo: Celso Bastos Editor. 1999. p. 39. "Qualquer limitação ao exercício de uma liberdade ou de um direito
12. Cf., abaixo (tópico 1.1.2), alguns outros exemplos de constituições com constitucional poderá ser instituída somente por lei e somente quando
menções expressas à proteção do conteúdo essencial dos direitos fundamentais. necessária ao Estado Democrático para a proteção de sua segurança ou
13. Na Constituição alemã. cf. art. 79, 3: "É vedada qualquer emenda a essa
Constituição que afete (...) os princípios consagrados nos arts. l'J e 20". Na Constitui-
da ordem pública, ou para proteger o meio ambiente, a saúde, a moral
ção portuguesa, cf. art. 288: "As leis de revisão constitucional terão de respeitar: (...) pública ou as liberdades e os direitos de outras pessoas. Tais limitações
d) os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos". No sentido defendido aqui. cf. não poderão violar a essência das liberdades e dos direitos".15
Horst Dreier. "Artikel 19. II", in Horst Oreier (org.). Grundgesetz: Kommeníar, vol.
l.Tiibingen: Mohr. 1996, p. 1084.
14. O STF. no entanto, em casos em que estão em jogo as chamadas cláusula.f 15. Para outras constituições do antigo bloco socialista do Leste Europeu que
pétreas, fa/ uso também da expressão "núcleo essencial". Cf., por exemplo, ADI 2.024 contêm dispositivos semelhantes, cf, por exemplo, as Constituições da Estónia (art.
(RTJ 176. 160 |166|). l l ) , da Hungria (art. 8. 2). da Roménia (art. 53, 2) e da Eslováquia (art. 13, 4).
26 l > I K I - ; i T O S l U N I J A M I - . N I A I S : r O N T h t H X ) I - S S I - . N ( I A I . . RI ,S I k K / Õ H S l. U K AC1A INTRODUÇÃO 27

Por fim, e a despeito dos fortes abalos que sofreu com sua rejei- desse direito para a vida social como um todo.19 Proteger o conteúdo
ção parcial, via plebiscito, na França e na Holanda, também o projeto essencial de um direito fundamental, nesse sentido, significa proibir
de constituição europeia tem dispositivo no mesmo sentido. Seu art. restrições à eficácia desse direito que o tornem sem significado para
112"' dispõe: "Qualquer restrição ao exercício dos direitos e liberda- todos os indivíduos ou para boa parte deles. Como se percebe, esse
des reconhecidos pela presente Carta deve ser prevista por lei c res- enfoque assemelha-se muito à própria ideia de cláusulas pétreas, já
peitar o conteúdo essencial desses direitos e liberdades". mencionadas anteriormente. 20 A partir de um enfoque subjetivo, a ga-
Essa preocupação dos legisladores constituintes com um conteú- rantia do conteúdo essencial de um direito fundamental não tem rela-
do essencial dos direitos fundamentais é normal sobretudo - mas não ção com o valor e a extensão desse direito para o todo social; em cada
exclusivamente - em constituições promulgadas após períodos auto- situação individual deveria haver, segundo esse enfoque, um controle
rifários ou totalitários, como é o caso de todas as constituições aqui para se saber se o conteúdo essencial f<Si, ou não, afetado.
mencionadas (com exceção, claro, da constituição europeia). Mas
mais importante que reconhecer esse fenómeno constituinte é exami-
nar qual é seu significado para a dogmática dos direitos fundamentais. essencial absoluto e relativo
Esse é, como já delineado acima,' 7 o objeto deste trabalho, e a questão
da previsão expressa acerca do respeito ao conteúdo essencial dos Além da diferença de enfoques esclarecida brevemente acima, há
direitos fundamentais será ainda analisada em tópico específico, no duas formas principais de se determinar o conteúdo essencial dos direi-
capítulo 5.18 tos fundamentais. Uma primeira forma, talvez até mais intuitiva, de-
fende que cada direito fundamental tem um conteúdo essencial abso-
luto. Isso significa que no âmbito de proteção do direito em questão
l .1.3 Teorias sobre o conteúdo essencial deve existir um núcleo, cujos limites externos formariam uma barrei-
dos direitos fundamentai ra intransponível, independentemente da situação e dos interesses que
eventualmente possa haver em sua restrição
O debate sobre o chamado "conteúdo essencial dos direitos fun-
damentais" é marcado por duas grandes dicotomias. A primeira delas Já as teorias relativas rejeitam essa possibilidade e sustentam
é aquela entre o enfoque objetivo e o enfoque subjetivo para o proble- que a definição do que é essencial - e, portanto, a ser protegido - de-
ma. A segunda é aquela entre uma teoria absoluta e uma teoria re- pende das condições fáticas e das colisões entre diversos direitos e
lativa do conteúdo essencial. Como primeira aproximação, e como interesses no caso concreto. Como consequência, o conteúdo essen-
forma de fixar alguns conceitos, abordo cada uma delas nos tópicos cial de um direito não será sempre o mesmo e irá variar de situação
seguintes. A elas voltarei com mais detalhes no Capítulo 5. para situação, dependendo das circunstâncias e dos direitos em jogo
em cada caso.

1.1.3.1 Enfoques objetivo e subjetivo


1.1.3.3 Conteúdo essencial e objeto da pesquisa
Se se parte de um enfoque apenas objetivo, o conteúdo essencial
de um direito fundamental deve ser definido a partir do significado Expostas as principais teorias e possíveis enfoques sobre o objeto
desta pesquisa, é necessário fazer alguns outros esclarecimentos, que
16. O art. 112 do Projeto de Constituição Europeia corresponde :io art. 52 da
Car!a dos Direitos Fundamentais da União Europeia. 19. Cf., nesse sentido, Konrad Hesse, (jritndziix? dês Verfassungsrechtx der
\ Cf. tópico 1.1. Bundesrepublik Deutschland, 19a ed., Heidelberg: C. K Miiller, 1993, § 334, p. 141.
18. Cf. tópico 5.5. 20. Cf. tópico 1.1.1.
2X DIREITOS Fi;,\l)AMKNTAIS: CONTEÚDO ESSENCIAL. RESTRIÇÕES E EFICÁCIA
INTRODUÇÃO 29

ficarão ainda mais precisos adiante, quando da exposição da tese aqui


defendida. 21 de uma teoria que cria as condições para que aqueles que vêm depois
possam desenvolvê-la ainda mais, questioná-la ou tentar superá-la.
Este não é um trabalho no qual se pretende simplesmente fazer Para usar uma expressão famosa, utilizada por Isaac Newton, poder-
uma análise de teorias sobre o conteúdo essencial dos direitos funda- se-ia dizer que enxergar mais longe só é possível quando se pode es-
mentais para, ao final, decidir qual delas é a melhor. Isso seria um tanto tar nos ombros de gigantes.23
quanto empobrecedor. Quando se define parte do objeto deste trabalho
como "o conteúdo essencial dos direitos fundamentais", quer-se fazer Contemporaneamente, talvez o exemplo mais acabado do que
referência a urn fenómeno complexo, que envolve uma série de pro- Newton queria dizer possa ser encontrado na relação entre H. L. A.
blemas inter-relacionados. Esses problemas, que compõem o objeto Hart e Ronald Dworkin. Dworkin, ao construir parte de sua distinção
principal do trabalho, são: (a) a definição daquilo que é protegido pe- entre regras, princípios e políticas, usa £omo alvo a ser combatido o
las normas de direitos fundamentais; (b) a relação entre o que é pro- positivismo jurídico. Seu objetivo declarado era, assim, "um ataque
tegido e suas possíveis restrições; e (c) a fundamentação tanto do que geral ao positivismo" e, quando necessário, um ataque específico ao
é protegido como de suas restrições. É da relação dessas variáveis - e positivismo hartiano.24 Dworkin, curiosamente o sucessor do próprio
de todos os problemas que as cercam - que se define, na visão deste Hart em sua cátedra na Universidade de Oxford, não negava a impor-
trabalho, o conteúdo essencial dos direitos fundamentais?2 Uma outra tância da obra e das teses de Hart no debate jurídico do século XX. Ao
parte do objeto deste trabalho, definida no subtítulo como "eficácia contrário, quando se propõe a examinar a solidez do positivismo jurí-
[dos direitos fundamentais]", pretende relacionar as conclusões da dico, Dworkin concentra-se naquilo que chama de "forma poderosa"
análise do conteúdo essencial dos direitos fundamentais com teorias e com que Hart desenvolveu tal teoria do direito.25 E, ao justificar tal
classificações acerca da produção de efeitos das normas que garantem escolha, Dworkin afirma: "Escolhi concentrar-rne em sua posição não
esses direitos. Uma exposição jpais detalhada do desenvolvimento de somente por causa de sua clareza e elegância, mas também porque
todo o trabalho será feita no tópico 1.4 ("Desenvolvimento do traba- aqui, como em qualquer outro caso na filosofia do direito, o pensa-
lho"); e a definição sintética da tese defendida será feita no tópico 1.5 mento construtivo tem necessariamente que começar com uma consi-
("Tese"). deração dos pontos de vista de Hart".26
Qual é a razão, contudo, dessas considerações, que, como visto
acima, seriam quase que desnecessárias? A resposta é simples. Ao se
1.2 Esclarecimento quase desnecessário tentar reconstruir dogmaticamente um problema por meio de um en-
Uma tese, qualquer que seja, necessariamente implica uma con- foque predominantemente analítico21 é muito comum que as diferen-
tribuição original ao ramo do conhecimento em que se insere. E difi-
cilmente há contribuição original sem que alguma tese anterior seja 23. Newton usou essa expressão em carta endereçada a Robert Hooke, de 6.2.1676,
colocada em questão. Todo o desenvolvimento de qualquer ramo da afirmando que, "(-••) se eu pude ver mais longe, foi por estar nos ombros de gigantes".
ciência baseia-se nessa premissa. Ocorre que "colocar em questão Essa ideia, porém, é bem anterior a Newton, e costuma ser atribuída a John of Salis-
bury, nos seguintes termos: "Nós somos como anões sentados no ombro de gigantes.
uma tese" ou, ainda, "tentar superar uma tese" não significa qualquer Nós vemos mais - e coisas que estão mais distantes - que eles, não porque nossa
desrespeito à tese que se procura questionar ou superar. Na maioria visão é superior ou porque somos mais altos que eles, mas porque eles nos engrande-
dos casos o contrário é o que acontece, já que é a própria existência cem, já que sua grande estatura soma-se à nossa" (John of Salisbury. The Mctalogicon,
1159).
24. Cf. Ronald Dworkin, Taking Rights Seriously, Cambridge, Mass.: Harvard
21. Cf. tópico 1.5. University Press, 1977, p. 22.
22. É nesse sentido, portanto, que o subtítulo deste trabalho deve ser com- 25. Idem, p. 16.
preendido. 26. Ibidem.
27. Cf. tópicos 1.3 e 1.3.4.
30 DIRF.ITOS FVNDAMFNTAIS: CONThÚDO HSSHNCIAL. KFSTRICÕHS E F.FICÁCIA INTRODUÇÃO 31

ças conceituais entre a tese que se defende e as teses com ela incom- cia do presente trabalho é analítico. Nesse sentido, o enfoque é essen-
patíveis fiquem muito patentes. Nesse sentido, uma tese analítica é cialmente um enfoque dogmático. Para usar a divisão proposta por
usualmente repleta de pontos de vista que divergem das teorias com as Ralf Dreier e Robert Alexy, a dogmática jurídica poderia ser dividida
quais dialoga. Essa tem sido a tónica da minha produção académica. e m três dimensões: a analítica, a empírica e a normativa.-"
Isso, no entanto, nem sempre tem sido encarado da forma como de-
Na dimensão analítica o foco central é a análise dos conceitos
veria, ou seja, da forma como a citação de Nevvton propõe ou como o
exemplo paradigmático da tensão entre Hart e Dworkin comprova ser básicos e mais elementares envolvidos no objeto da pesquisa. Sobretu-
possível. Muitas vezes as divergências têm sido encaradas como "fal- do no capítulo 3 essa faceta da dimensão analítica ficará muito clara,
ta de respeito", seja pessoal, seja a tradições consolidadas. Como se a partir da desconstrução e da reconstrução do conceito de suporte
(percebe por esse esclarecimento, não é o caso. fático no âmbito dos direitos fundamentais. Mas também é parte da
dimensão analítica da dogmática jurídica uma minuciosa investigação
Este é um trabalho que foi apresentado para um concurso de pro-
vimento do mais alto cargo da carreira académica na Faculdade de sobre as relações existentes entre os diversos conceitos estudados. Isso
Direito da Universidade de São Paulo, o cargo de Professor Titular. ficará parente especialmente na primeira parte do capítulo 4, na qual
Parte substancial dele, como se verá, dialoga com outro trabalho, será estudada a relação existente entre o direito fundamental em si e
também apresentado a um concurso à titularidade, também na área de as suas restrições. Por fim, como último componente ainda da dimen-
direito constitucional, há quase 40 anos, na mesma Faculdade.28 Por são analítica da dogmática jurídica, o exame das formas de fundamen-
todas as razões apresentadas - e por outras mais, inclusive afetivas -, tação jurídica também desempenha um papel importante neste traba-
não se imagina que as discordâncias entre ambos os trabalhos, que são lho, sobretudo na segunda parte do capítulo 4, na qual serão estudadas
profundas, signifiquem algum tipo de desrespeito. Pelo contrário, as formas de fundamentação às restrições a direitos fundamentais.
minha tentativa de ver um pouco além - espero que, pelo menos em Mas, além da dimensão analítica que, sem dúvida, compõe o cer-
parte, bem-sucedida - só terá sido possível ao subir no ombro de gi- ne do método do presente trabalho, 31 também as outras duas dimen-
gantes, e não ao tentar derrubá-los. sões - empírica e normativa - desempenham o seu papel.
No caso da dimensão empírica, ela vem à luz sobretudo a partir
1.3 Método do exame da aplicação do direito na visão do STF e também, especial-
mente no capítulo 6, na tentativa de relativização da distinção entre os
Como já salientei em outras oportunidades, quando se fala em conceitos de eficácia e efetividade das normas constitucionais, quando
método na ciência do direito é necessário diferenciar entre forma de se tentará demonstrar que sem o componente empírico presente no
trabalho e abordagem metodológica.29 Não é à primeira acepção que conceito de efetividade o conceito de eficácia jurídica perde muito de
aqui se quer fazer menção neste tópico, até porque isso seria de menor seu valor.
importância, no presente caso.
Muito mais importante é, aqui, delinear a abordagem metodoló-
gica. Como já mencionado no tópico anterior, o enfoque por excelên- 30. Cf. Ralf Dreier, Recht - Moral - Idcologie, Frankfurt am Main: Suhrkamp,
1981, pp. 8 e ss. e Robert Alexy, Theorie der Grundrechte, 2a ed., Frankfurt am Main:
Suhrkamp, 1994, pp. 23-25 [tradução brasileira. Teoria dos Direitos Fundamentais,
28. Cf. José Afonso da Silva, Aplicabilidade das normas constitucionais, tese São Paulo: Malheiros Editores, 2008, pp. 33-36].
apresentada ao concurso de provimento de cargo de Professor Titular de Direito Cons- 3 l. A identificação desse trabalho com a dogmática jurídica - sobretudo em sua
titucional na Faculdade de Direito da LJSP, 1968. Atualmente o livro está na 7a edição, dimensão analítica - fica ainda mais clara a partir da definição que Wolfram Cremer
2 a tiragem (São Paulo, Malheiros Kditores, 2008). dá ao conceito: "Dogmática jurídica tem como objetivo a reconstrução sistemática de
29. Cf., por exemplo. Virgílio Afonso da Silva, A constitiicioruilização do direi- um dado material jurídico". Cf. Wolfram Cremer, Freiheitsgrundrechte: Funktionen
to, 1a ed., 2a tir.. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 25. iind Strukturen, Tiibingen: Mohr, 2003, pp. 17-18.
32 DIREITOS FUNDAMENTAIS: CONTEÚDO ESSENCIAL. RESTRIÇÕES fi EFICÁCIA
INTRODUÇÃO 33
Por fim, a dimensão normativa é, em muitos casos, a própria ex-
pressão do conceito de trabalho académico: fornecer uma resposta exclusivamente na doutrina, e não em seus próprios precedentes; (4)
adequada ao problema analisado. no Brasil, especialmente no âmbito do STF, a despeito das melhoras
constantes ocorridas nos últimos anos, o acesso à informação é extre-
mamente complicado e restrito, em muitos casos, às informações cons-
1.3.1 O papel da jurisprudência tantes das ementas dos acórdãos ou a algumas palavras-chaves; 34 (5)
os tribunais brasileiros, sobretudo o STF, julgam uma quantidade enor-
No Brasil, com raríssimas exceções, nunca houve uma tradição, me de ações, o que dificulta ainda mais o acesso à informação. 35
entre os trabalhos académicos," de utilizar a jurisprudência como
material de trabalho. 33 Quando muito, algumas decisões são citadas Não se quer, aqui, defender essa ou aquela forma de se usar a ju-
l como forma de argumento de autoridade, mas dificilmente se vê em risprudência no direito constitucional brasileiro, já que este não é um
trabalhos académicos uma pesquisa extensiva na jurisprudência de trabalho sobre metodologia de pesquisa. O que se quer aqui ressaltar
determinado tribunal. Há diversas explicações possíveis para esse fe- é a tentativa, neste trabalho, de utilizar a jurisprudência de forma um
nómeno: (1) No Brasil há uma crença — baseada na dicotomia entre as pouco mais sistemática, e não apenas como exemplificação de ideias
famílias da common law e do direito codificado continental europeu ou, sobretudo, não como argumento de autoridade."' Mas esse uso sis-
— segundo a qual os precedentes judiciais têm valor apenas para a pri- temático também esbarra nos problemas mencionados acima - ou se-
meira, mas não para a segunda; (2) dentre outras, essa é uma das ra- ja: em muitos casos o acesso à informação ficou aquém do necessário
zões pelas quais a tradição jurídica brasileira é baseada sobretudo na para que a devida análise pudesse ser mais abrangente, e em vários
doutrina; (3) isso pode ser percebido até mesmo nas decisões judi- __ outros as próprias decisões analisadas não dão ensejo a aprofunda-
ciais, que, em inúmeros casos, baseiam seus argumentos quase que mento, já que não se reportam a uma prática jurisprudência! reiterada
< do tribunal, limitando-se, em muitos casos, a fundamentações exclu-
sivamente doutrinárias.
32. Com "trabalhos académicos" quer-se fazer menção a monografias (disser-
tações e teses) defendidas em faculdades de Direito. Essa ressalva é necessária, por-
que há trabalhos jurídicos em que a jurisprudência tem papel relevante. No âmbito do 34. A pesquisa no teor integral dos acórdãos só é possível para decisões poste-
direito constitucional esse é o caso, sobretudo, das Constituições anotadas. Nesse riores a dezembro/2004. Mesmo assim, o mecanismo de busca ainda apresenta muitos
sentido, cf., por todos, Luís Roberto Barroso, Constituição da República Federativa problemas, pois, em muitos casos, acusa resultados que não se ajustam à expressão
do Brasil anotada, 4" ed., São Paulo: Saraiva, 2003. Há também, no âmbito da ciência pesquisada.
política, trabalhos baseados em pesquisas jurisprudenciais de fôlego. Cf., por exem- 35. Nesse sentido, é possível falar que em outros países, sobretudo nos Estados
plo, Luiz Werneck Vianna et a/., A judicialização da política e das relações sociais Unidos e na Alemanha, além da tradição de acompanhamento de jurisprudência, há
no Brasil, Rio de Janeiro: Revan, 1999, em que os autores analisam iodas as ações uma facilidade não existente no Brasil, que é a pequena quantidade de processos
diretas de inconstitucionalidade ajuizadas de 1988 a 1998. julgados nos tribunais superiores (Suprema Corte e Tribunal Constitucional). Assim,
33. Algumas exceções que, no âmbito do direito constitucional, poderiam ser enquanto o STF julgou, em 2004, 101.690 ações, a Suprema Corte dos Estados Uni-
mencionadas - sem demérito a qualquer outra existente - são: Oscar Vilhena Vieira, dos julgou 83 e o Tribunal Constitucional alemão julgou 145 (no caso do Tribunal
Supremo Tribunal Federal: jurisprudência política. 2a ed.. São Paulo: Malheiros Edi- Constitucional alemão foram considerados como processos julgados apenas aqueles
tores, 2002; Oscar Vilhena Vieira/Flávia Scabin, Direitos fundamentais: uma leitura aceitos para julgamento e efetivamente julgados; além desses, houve outras 5.219
da jurisprudência do STF, São Paulo: Malheiros Editores/FGV, 2006; Luís Roberto decisões pela não-aceitação de ações. sendo que parte delas - 3.809 - nem ao menos
Barroso, Interpretação e aplicação da constituição, São Paulo: Saraiva, 1996; Gilmar tem fundamentação). Fontes (respectivamente): STF, U. S. Snpreme Court e Bundes-
Ferreira Mendes, "A proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Fede- verfassungsgericht.
ral", in Gilmar Ferreira Mendes, Direitos fundamentais e controle de constitucionali- 36. Isso não exclui, claro, que algumas decisões sejam utilizadas com uma fun-
dade: estudos de direito constitucional, 2a ed., São Paulo: Celso Bastos Editor. 1999, ção exemplificativa. O fundamental, no entanto, é que tal uso não seja um mero ar-
pp. 71 e ss.; e Suzana de Toledo Barros, O princípio da proporcionalidade. 2a ed., gumento de autoridade. Pelo contrário, mesmo nos casos em que as decisões são
Brasília: Brasília Jurídica, 2000.
usadas de forma exemplificativa o exemplo é submetido a uma análise que não se
prende à inegável autoridade hierárquica do STF7.
34 niRF-:iTos Hi.viMMiíNTAis: roNTHÚno ES.SKNCIAL. RHSTRIÇÕRS i-, EFICÁCIA
INTRODUÇÃO 35

A despeito dessas ressalvas, será possível perceber uma tentativa


deste tópico é, contudo, um pouco diversa. Uma breve passada de
constante de acompanhamento crítico37 da jurisprudência do STF, es-
olhos na bibliografia deste trabalho mostrará que a doutrina em língua
pecialmente - mas não exclusivamente - das decisões mais recentes.-18
Talvez este seja um caminho para maior acompanhamento da ativida- alemã - sobretudo da Alemanha, mas também da Áustria e da Suíça
de jurisprudência! do mais alto tribunal brasileiro. E, para marcar essa _ tem um peso considerável. O que se quer deixar claro é que não se
opção metodológica, este trabalho não tem apenas uma "bibliografia", pretende, aqui, fazer "direito constitucional alemão no Brasil", práti-
mas também-uma lista de "casos citados", quase todos eles da juris- ca que sempre critiquei." Não será feita, portanto, análise legal ou
prudência do STF. jurisprudencial alemã, como se isso tivesse validade direta para o
direito constitucional brasileiro.40 A bibliografia em alemão também
não decorre de um modismo ou de unia mera preferência pessoal do
l.3.2 O papel da doutrina autor do trabalho. A razão é temática e metodológica. (1) Temática,
porque o problema do conteúdo essencial dos direitos fundamentais
Não será difícil perceber que a análise doutrinária ocupa um es- é tema tradicional no direito alemão, sobre o qual a doutrina já se
paço importante neste trabalho. Isso é perfeitamente normal e, por si debruçou com bastante frequência. (2) Metodológica, porque o enfo-
mesmo, não exigiria um tópico para salientar esse papel. A função que dogmático-analítico, na forma como exposto nos tópicos anterio-
res, tem grande tradição no direito alemão, o que se reflete em sua
37. Cf., nesse sentido, acerca do papel da doutrina de direito constitucional em produção bibliográfica. A soma desses dois fatores — tema e metodo-
face da jurisprudência, Wolfram Hõfling, "Kopernikanische Wende ruckwãrts?", in logia - tem como consequência natural uma bibliografia que tende
Stefan Muckel (org.), Kirclic und Religion im sozialen Rechtsstaat, Berlin: Duncker para o direito alemão.41 Tanto isso é assim que a bibliografia sobre o
& Humblot. 2003, p. 340, Segundjj ele, urna das tarefas da doutrina é acompanhar
criticamente o desenvolvimento da jurisprudência do tribunal constitucional. Mais tema objcto deste trabalho em outros idiomas também se utiliza em
incisivo: não basta lazer positivismo judiciário, o que se faz necessário é análise grande extensão da bibliografia em língua alemã, seja em Portugal, 42
crítica.
38. E, dada a grande quantidade de decisões utilizadas neste trabalho, parece-me
importante deixar clara a forma como elas serão citadas aqui. Nos casos em que houver 39. Cf., por exemplo, Virgílio Afonso da Silva, "Interpretação constitucional e
publicação na Revista Trimestral de Jurisprudência (RTJ), dar-se-á sempre precedên- sincretismo metodológico", in: Virgílio Afonso da Silva (org.), Interpretação consti-
cia a essa fonte oficial de informação. Nesses casos, as decisões serão citadas da se- tucional. l ;l ed., 2a tir., São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 141.
guinte forma: RTJ volume, página inicial da decisão (página do trecho mencionado) 40. A única exceção é um breve tópico deste trabalho que se ocupa de recente
- por exemplo. RTJ 188, 858 (912). Nos outros casos, quando se quiser fazer menção debate sobre a construção do suporte fático dos direitos fundamentais em decisões
apenas a uma decisão como um todo, mencionar-se-á pura e simplesmente o tipo e o recentes do Tribunal Constitucional alemão. Em todas as outras ocasiões, "análise de
número da ação e sua data de publicação no Diário de Justiça: por exemplo, ADI-MC decisões" significa "análise de decisões do STF".
2.566 (OJ 27.2.2004). Sempre mais complicados são os casos em que se quer fazer
41. Isso é perceptível sobretudo no Capítulo 3 e na primeira parte do Capítu-
menção a um trecho específico de uma decisão não publicada em um repertório de lo 4. Nessa parte do trabalho, a recepção de um debate travado sobretudo na Ale-
jurisprudência. Nesses casos, dada a disponibilização do teor integral das decisões na
manha é bastante pronunciada. Isso não significa, mesmo assim, "fazer direito
página do Supremo Tribunal Federal na internet (www.stf.gov.br), parece-me que o
constitucional alemão no Brasil". Como se verá, o debate alemão serve sobretudo
melhor modo de indicar a fonte, de forma a possibilitar a sua precisa e fácil localiza-
para a construção de modelos teóricos. Quando a análise passa da construção de
ção, é a menção ao número e à página do ementário de jurisprudência do STF. Assim,
por exemplo, quando se está falando da ADI-MC 1.969 e se quer mencionar um ponto modelos para sua avaliação prática o material de análise é sempre a jurisprudência
do STF.
específico da decisão, será usada a seguinte formatação: Ementário STF 2.142, 282
[295] para se reportar à página 295 dessa catalogação interna do tribunal ("282" é a 42. Cf., por todos, J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da Repú-
página inicial da decisão). Todas as decisões disponíveis na internet contêm esse nú- blica Portuguesa anotada, 3a ed., Coimbra: Coimbra Editora, 1993; J. J. Gomes Ca-
mero da paginação "carimbado". Não há, então, porque não utilizá-lo para facilitar a notilho. Direito constitucional e teoria da Constituição, 2a ed., Coimbra: Almedina,
localização do leitor. 1998 e Jorge Reis Novais, As restrições aos direitos fundamentais não expressamen-
te autorizadas pela Constituição, Coimbra: Coimbra Editora, 2003.
.ÍIS DIRlilTOS rCNDAMF.NTAIS: C'ON TfU IDO FíSSHNCIAl.. RHSTKI^ÕfiS l:. K M C A C I A
INTRODUÇÃO 37

na Espanha, 4 ' na Itália, 4 4 em países da América Latina 4 ^ e também no


Brasil. 4 " l .3.3 Elaboração de modelos
Essa tradição do debate no direito alemão sobre restrições a direi- Como foi mencionado acima, a dimensão normativa da dogmática
tos fundamentais, sobre seu conteúdo essencial, sobre seu suporte ía- jurídica preocupa-se em fornecer resposta adequada a um dado proble-
tico, sobre a distinção entre regulação e restrição não implica, por ma. "Fornecer uma resposta adequada" não pode ser encarado, contudo
fim, um simples transplante de um debate antigo, como uma forma de pelo menos, não neste trabalho -, como uma espécie de parecer, no
"requentá-lo"' para o caso brasileiro. Em primeiro lugar porque não se qual a resposta "adequada" já é dada previamente e todo o desenvolvi-
trata de recepção pura e simples, mas de diálogo com a produção mento do trabalho nada mais é que uma forma de legitimá-la. A respos-
feita em outros lugares (isto é, não somente na Alemanha). Ern segun- ta adequada, aqui, pressupõe uma abordagem analítica e empírica, como
< cio lugar, por fim, porque, ainda que o debate tenha tido seu início na ficou claro nos tópicos anteriores. Mas não é apenas isso. O presente
década de 1950, o foco principal da literatura deste trabalho não é trabalho, ao se ocupar de problemas que se situam no âmbito analítico,
essa origem, mas o debate contemporâneo, que tem ocupado a doutri- não se ocupa em dar resposta a esse ou àquele caso concreto, mas em
na alemã nos últimos meses17 e que passará a ocupar cada vez mais a desenvolver um modelo de análise que - aí, sim - poderá servir como
doutrina europeia como um todo, dada a redação do ait. l 12 do pro- instrumento na discussão sobre casos concretos. Como já salientei em
jeto de constituição da Europa. 48 outra oportunidade: "Desenvolver um modelo é, de um lado, uma tarefa
analítica de alto grau de abstração que pretende, por outro lado, fornecer
elementos para concreta interpretação e aplicação do direito".4''
43. Cf., por exemplo. Ignacio de Otto y Pardo. "La regulación dei ejercicio de
los derechos y libertades", in Lorenzo Martín-Retortillo Baquer/Ignacio de Otto y Isso não significa, contudo, que este trabalho pretenda ser apenas
Pardo. Derechos ftindamentales y Constitución, Madrid: Civitas, 1988, pp, 95-170; um exercício de abstração analítica, sem preocupação com a prática
Antonio-Luis Martínez-Pujalte, La^arantía dei contenido esencial de los derechos dos operadores do direito. Pelo contrário, a multidimensionalidade da
fundainentales, Madrid: Centro de Estúdios Constitucionales. 1997; e Magdalena dogmática jurídica, expressa nos tópicos anteriores, está necessaria-
Lorenzo Rodríguez-Armas. Análisis dei contenido esencial de los derechos fnnda-
nientales. Granada: Cornares. 1996. mente vinculada a um caráter prático. Não se trata de análise teórica
44. Cf'., por todos. Pierfrancesco Grossi, Introduzione ad uno sliidio sui diritti que se esgota em si mesma. O que se pretende, portanto, é, além de
inviolahili nel/a Costitnzione italiana, Padova: Cedam, 1972. pp. 145 e ss. contribuir para a discussão teórico-geral sobre direitos fundamentais,
45. Cf., por exemplo. César Landa, "Teorias de los derechos fundamentales", também fornecer subsídios para a atividade jurisprudencial. espe-
Cuesliones Constitucionales 6 (2002), pp. 62 e ss.
cialmente a atividade do STF.
46. Cf., por todos. Gilmar Ferreira Mendes, Direitos fundamentais e controle de
fonstitucionalidade, 2J ed.. São Paulo: Celso Bastos Editor. 1999.
47. Sobre a atualidade do debate, cf. por exemplo, Claudia Drevvs, Die Wesens-
xehaltsgarantie dês Art. 19 II Gd, Baden-Baden: Nomos. 2005; Wolfram Hòfling, l .3.4 O método analítico e a proteção dos direitos fundamentais
"Kopernikanísche Wende riickwàrts? Zur neueren Grundrechtsjudikatur dês Bundes-
verfassungsgerichts", in Stefan Muckel (org.), Kirche und Religion i/n sozialen Re- Ao método analítico é muitas vezes imputado um certo formalis-
clitsstddt. Berlin: Duncker & Humblot, 2003; Wolfgang Kahl, "Vom weiten Schulzbe- mo, um certo exagero nas análises conceituais ou, por fim. uma certa
reich /uni engen Gewáhrleistungsgehalt", Der Staat 43 (2004). pp. 167-202; Wolfgang
Hoffmann-Riem, "Grundrechtsanwendung unter Rationalitãtsanspruch: eine Brwide-
rung auf Kahls Kritik". Der Staat 43 (2004), pp. 203-223; do mesmo autor. "Gesetz und
Geset/esvorbehalt im Umbruch", Archiv dês õffentlichen Kec/its 130 (2005), pp. 5-70 e Kisncr. Die Schrankenregelung der Grundrechtecharta der Eitropiiische Union. Ba-
Mattliias Cornils. Die Anss>estaltiins> der Gnindrechte, Tiibingen: Mohr, 2005. den-Baden: Nomos, 2005; Margit Biihler. Einschrãnkung vou Grundrechten nach der
48. Sobre o início desse debate, cf. por exemplo Tânia Groppi, "Portata dei di- Enropiiischen Grundrechtecharta, Berlin: Duncker & Humblot, 2005. Ressalte-se, no
ritti garantiti", in Raffaele Bifulco et ai. (a cura di). L'Europa dei diritti, Bologna: II entanto, que referências a um conteúdo essencial dos direitos fundamentais são en-
Miilirto, 2001. pp. 351 e ss.; António Ruggiero, // bilanciamento degli interessi nella contráveis, há tempos, na jurisprudência da Corte Europeia de Justiça. Nesse sentido,
Carta dei Diritti Fondarnentali deU'Unione Europea, Padova: Cedam, 2004; Carolin cf, por todas, a decisão no caso No/d v. Conunission, de 14.5.1974.
49. Virgílio Afonso da Silva, A constitucionalizarão do direito, p. 176.
3S D I K L I I O S I -VXDAMh.NTAIS. C O N T F Ú I X ) HSSKNriAL. RFSTRIÇÒHS F 1:1 IC.ÁCIA
INTRODUÇÃO .W

"distância da realidade". E possível que esses riscos existam, mas não Como foi esclarecido em tópico anterior, ao definir o objeto des-
em um trabalho que complementa esse enfoque com os outros men- te trabalho como "o conteúdo essencial dos direitos fundamentais e a
cionados acima. Durante todo o desenvolvimento do trabalho ficará eficácia das normas constitucionais", quer-se fazer menção a um fe-
cada vez mais claro que os ganhos analíticos têm sempre também im- nómeno complexo, que envolve uma série de variáveis inter-relacio-
plicações muito reais e concretas na atividade de proteção aos direitos nadas. O desenvolvimento desta investigação pretende seguir o cami-
fundamentais. Isso porque o método analítico tende a trazer à luz di- nho necessário para a análise dessas variáveis.
versas pré-çompreensões, quase sempre mal-esclarecidas, que, via de
Após esta introdução, no capítulo 2 será exposto um dos pontos
regra, acabam por escamotear restrições a direitos fundamentais como
de partida deste trabalho, que é a distinção entre regras e princípios.
se se tratasse de meras delimitações conceituais sem qualquer ligação Hsse capítulo 2 tem como função principal sobretudo deixar claro em
J com o grau de proteção e de realização desses direitos. Como ficará que acepção tais conceitos serão utilizados neste trabalho, para evitar
claro durante o transcorrer deste trabalho, é justamente a partir do mé- alguns possíveis mal-entendidos.
todo analítico que se criam todas as condições teóricas para a constru-
ção de um modelo que tenha seu foco central em exigências reais de No*capítulo 3 será analisado um problema central na investiga-
fundamentação e na criação de ónus argumentativos claros para qual- ção, que é a definição da amplitude do suporte fático dos direitos
fundamentais - ou seja, em linhas gerais, quais são os elementos que
quer atividade que implique restrição a um direito fundamental ou para
deverão ocorrer para que as consequências jurídicas de cada direito
qualquer omissão que implique uma não-realização de um desses di-
fundamental também ocorram. Como se perceberá, esse capítulo tem
reitos. Esse ganho em transparência na análise dos direitos fundamen-
estreita relação não apenas com a discussão subsequente, mas é capa/,
tais é. segundo a tese que aqui se defende, exigência de uma consti- também de fornecer subsídios para uma melhor compreensão do pon-
tuição de um Estado Democrático de Direito.50
T to de partida, a distinção entre regras e princípios.
O capítulo 4 é dedicado ao problema das restrições aos direitos
l.4 Desenvolvimento do trabalho fundamentais. Esse problema decorre diretamente do analisado no ca-
pítulo 3: um modelo de suporte fático amplo é um modelo que tem
Não é incomum em trabalhos de dogmática constitucional ou de que estar pronto para lidar com a colisão entre direitos fundamentais
direitos fundamentais que um problema seja analisado com base ex- e a necessária restrição deles em algumas situações. No capítulo 4
clusivamente em exposição de teorias e modelos para que, por fim, o essa questão será abordada em duas grande partes principais: a pri-
autor decida por uma delas. No caso do conteúdo essencial dos direi- meira delas é dedicada a uma análise dos dois enfoques mais impor-
tos fundamentais isso significaria uma exposição das teorias absolutas tantes na reconstrução da relação entre o direito e suas restrições (ou
e relativas com suas imbricações com as teorias objetívas e subjeti- seus limites): as assim chamadas teorias interna e externa: uma se-
vas" para que, diante das possibilidades existentes, seja escolhida uma. gunda parte é dedicada, a partir do ponto de vista da teoria externa, à
Dependendo do objetivo do trabalho, esse é um enfoque possível. Não investigação sobre a principal forma de controle às restrições aos di-
o é. contudo, em um trabalho académico. reitos fundamentais: a regra da proporcionalidade.
Às teorias sobre o conteúdo essencial dos direitos fundamentais
50. A ênfase no "ganho democrático" que decorre do enfoque analítico aqui
é dedicado o capítulo 5. Como ficará claro, nesse ponto da investiga-
adotado e da criação de ónus argumentativos para a atividade de restrição a direitos ção já não é mais possível imaginar que a definição de uma teoria
fundamentais é produto de conversas com Diogo R. Coutinho. Ficam, aqui, o crédito nesse âmbito seja mera questão de escolha. A escolha do capítulo 5,
c o devido agradecimento.
51. Sobre essas teorias, cf. o Capítulo 5.
portanto, é não apenas influenciada, mas determinada pelos resul-
tados dos capítulos 3 e 4. Ou seja: quando se tomam por correios os
40
DIRHITOS FCNDAMIi.MTAlS: CONTFÍÚIX) KSSHNCIAI.. RE:STR1(,T>I-S h Hl [CACIA
AO 41

termos de uma teoria relativa acerca do conteúdo essencial dos direi-


neste trabalho, a impossibilidade de se distinguir entre restrições e re-
tos fundamentais, isso não é uma decisão adhoc, mas uma consequên-
cia natural do desenvolvimento do trabalho. oulamentações ou regulações 52 nesse âmbito.
(2) Uma primeira consequência importante do pressuposto acima
No capítulo 6 todos os resultados da pesquisa serão contrapostos descrito é a constatação de que, muitas vezes, restrições a direitos
à forma tradicional de se definir e classificar as normas constitucio- fundamentais são levadas a cabo sem que isso seja reconhecido nesses
nais quanto à eficácia. Nesse capítulo ficará claro que. a partir de um termos. Isso pode ocorrer de duas formas principais: (a) ou se nega,
modelo que'pressupõe que direitos fundamentais são. por natureza e de antemão, a proteção a uma conduta ou posição jurídica que, isola-
necessidade, tanto restringíveis quanto regulamentáveis, não é possí- damente considerada, deveria ser considerada como protegida; ou (b)
. vel aceitar que normas constitucionais — sobretudo aquelas que garan- embora se considere tal conduta ou pó*sição jurídica como protegida
tem direitos fundamentais - sejam classificadas em categorias que às por um direito fundamental, defende-se que a eventual restrição nessa
vezes rejeitam, às vezes aceitam, essa restringibilidade e necessidade proteção não decorre de uma real restrição, mas de mera regulamen-
de regulamentação.
tação no exercício do direito fundamental em questão. Ambas as es-
À conclusão geral do trabalho é dedicado, por fim, o capítulo 7. tratégias devem ser rejeitadas, pois ambas, como será visto, têm um
alto déficit de fundamentação e possibilitam uma real restrição à pro-
/.5 Tese teção de um direito sem que isso seja acompanhado de uma exigência
de fundamentação por parte daquele que o restrinje, seja o juiz ou o
O objeto e o método deste trabalho já foram delineados nos . legislador. O modelo aqui defendido, por alargar o âmbito de proteção
tópicos anteriores. Aqui, pcetende-se enunciar, de forma sintética, dos direitos fundamentais ao máximo e considerar toda e qualquer
as teses que serão desenvolvidas e fundamentadas no decorrer da regulamentação como uma potencial — ou real — restrição, ao mesmo
investigação. tempo em que coloca os termos do problema às claras - direitos fun-
damentais são restringíveis —, impõe um ónus argumentativo àquele
(1) Em primeiro lugar, a distinção entre regras e princípios, da responsável pela restrição, que não está presente em modelos que es-
qual esse trabalho parte, supõe que direitos fundamentais tenham um camoteiam essas restrições por meio de definições de limites quase
suporte fático amplo. Isso significa duas exigências principais: (a) o jusnaturalistas aos direitos fundamentais ou que escondem restrições
âmbito de proteção desses direitos deve ser interpretado da forma atrás do conceito de regulamentação.
mais ampla possível - o que significa dizer que qualquer ação, fato,
(3) Os dois pontos descritos anteriormente conferem transparência
estado ou posição jurídica que, isoladamente considerados, possam
às atividades de intervenção nos direitos fundamentais que possibilita
ser subsumidos ao "âmbito temático" de um direito fundamental de-
sustentar que tais direitos não têm um conteúdo essencial definido a
vem ser considerados como por ele prima fade protegidos. Isso im-
priori e de caráter absoluto. Uma tal concepção - absoluta - prende-se
plica, necessariamente, uma rejeição a exclusões a priori de condutas
aos mesmos pressupostos que se pretende aqui rejeitar - ou seja, de-
desse âmbito de proteção; (b) também o conceito de intervenção esta-
finição a priori de conteúdos, essenciais ou não, que excluem, por
tal nos direitos fundamentais faz parte do suporte fático. Por isso, por
consequência e também a priori, diversas condutas, atos, estados e
se tratar de modelo baseado em um suporte fático amplo, o conceito
posições jurídicas da proteção dos direitos fundamentais, deixando-os
de intervenção também deverá ser interpretado de forma ampla. Isso
implica, entre outras coisas, a rejeição de teorias que defendem que
meras regulamentações no âmbito dos direitos fundamentais não cons- 52. A despeito da possibilidade de usos diversos para os termos "regulamenta-
tituem restrições. É sobretudo a partir dessa conclusão que se defende. ção" e "regulação", nos termos deste trabalho ambos os termos serão utilizados como
sinónimos.
42
R X|, A V 1 1 : MAIS: C O N T ^ U X ) HSSLNC.AL, RHSTR.ÇÕES H

ao capricho de meros juízos de conveniência e oportunidade políticas,


para os quais não se exige qualquer fundamentação constitucional.
(4) As teses defendidas neste trabalho acerca das restrições e da
proteção dos direitos fundamentais têm, além das consequências men-
cionadas acima, um enorme efeito na compreensão da eficácia das nor-
mas constitucionais. Como se sabe, a principal classificação das normas
constitucionais quanto à sua eficácia é aquela que as distingue em nor-
Capítulo 2
mas de eficácia plena, normas de eficácia contida e normas de eficá-
cia limitada.'" Como será esclarecido no capítulo 6, essa forma de . PONTO DE PARTIDA:
classificar as normas constitucionais é incompatível com o modelo e A TEORIA DOS PRINCÍPIOS
os pressupostos aqui defendidos. Em linhas gerais, isso ocorre porque
essa classificação é baseada em duas dicotomias que são rejeitadas
neste trabalho: (a) a primeira delas é aquela entre as normas que não 2.1 Introdução. 2.2 A distinção entre regras e princípios: 2.2.1 Direi-
tos definitivos e direitos prima facie - 2.2.2 Mandamentos de otimiza-
podem e as que podem ser restringidas (normas de eficácia plena vs. ção — 2.2.3 Conflitos normativos: 2.2.3.1 Conflitos entre regras —
normas de eficácia contida)', (b) a segunda é a distinção entre as nor- 2.2.3.2 Colisão entre princípios — 2.2.3.3 Colisão entre regras e
mas que não necessitam e as que necessitam de regulamentação ou princípios. 2.3 A crítica de Humberto Ávila: 2.3.J Ponderação de
desenvolvimento infraconstitucional (normas de eficácia plena vs. nor- regras — 2.3.2 O "peso" das regras -- 2.3.3 Conclusão.
mas de eficácia limitada}. Ora, se se parte de um modelo de suporte
fático amplo, a distinção entre restrição e regulação é mitigada, e toda
regulação deve ser considerada, ao mesmo tempo, uma restrição, vis- 2.1 Introdução
to que regular o exercício de um direito implica excluir desse exercí-
cio aquilo que a regulação deixar de fora; e, além disso, toda restrição Ainda que este não seja um trabalho sobre a distinção entre regras
deve ser considerada, ao mesmo tempo, regulamentação, já que não se e princípios, será facilmente perceptível que muitas de suas conclusões
restringe direito fundamental sem fundamentação, mas sempre com o dependerão diretamente do pressuposto teórico adotado nesse âmbito.
objetivo de harmonizar o exercício de todos eles. Com isso, defende-se Como será visto em capítulos seguintes, não somente o conceito e a
que toda norma que garante direitos fundamentais tem algum tipo de delimitação do conteúdo essencial dos direitos fundamentais poderão
limitação quanto à sua eficácia. As consequências dessa tese, sobretu- variar segundo o conceito de princípio que se adote;1 também a forma
do na proteção e na realização dos direitos fundamentais, serão anali- de se definir o âmbito de proteção de cada direito fundamental,2 de re-
sadas no mesmo capítulo 6.
construir a relação entre os direitos e suas restrições3 e, por fim, a crí-
tica às teorias sobre a eficácia das normas constitucionais serão deter-
minadas a partir desse primeiro pressuposto teórico.4
No presente capítulo pretendo expor, de forma bastante sucinta, a
distinção entre regras e princípios de que parto e as principais críticas

1. Cf. Capítulo 5.
53. Cf. José Afonso da Silva. Aplicabilidade das normas constitucionais, p. 82 2. Cf. Capítulo 3.
e pás sim. 3. Cf. Capítulo 4.
4. Cf. Capítulo 6.
44 DIKIilTOS FCNDAMKNTAIS: COM l,[''IX) KS.SKNCIAI.. RHSTKK;ÔI-;S l: RI I C A C I A
PONTO Dl: PARTIDA: ATKOR1A DOS PRINCÍPIOS 45

a ela dirigidas por autores brasileiros/ Nesse ponto, a obra de Hum-


berto Ávila merecerá atenção especial. 6 tivos, e sua qualidade não pode ser avaliada de forma generalizante.
Mas. dada a sedimentação, no vocabulário jurídico brasileiro, do uso
do termo princípio como "mandamento nuclear de um sistema, ver-
2.2 A distinção entre regras e princípios dadeiro alicerce dele","1 é necessário deixar claro que, aqui neste tra-
balho, quando a dicotomia regra/princípio for utilizada - e ela será
Há autores que sustentam que entre regras e princípios há uma utilizada não poticas vezes — , os critérios de distinção de que se parte
diferença de grau. A partir dessa ideia, há aqueles que sustentam que não são esses, mas os apresentados a seguir.
o que distingue ambos seria o grau de importância: princípios seriam
as normas mais importantes de um ordenamento jurídico, enquanto as
regras seriam aquelas normas que concreti/ariam esses princípios. 7 2.2.1 Direitos definitivos e direitos pui ma facie
Há também aqueles que distinguem ambos a partir do grau de abstra-
^ão_e_^neraJid_.adeLprincípios seriam mais abstratos e mais gerais que O principal traço distintivo entre regras e princípios, segundo a
as regras.8 Outras classificações baseadas em algum tipo de gradação teoria fios princípios, é a estrutura dos direitos que essas normas ga-
são possíveis. rantem. No casos das regras, garantem-se direitos (ou se impõem de-
veres) definitivos, ao passo que no caso dos princípios são garantidos
A teoria sobre a distinção entre regras e princípios que aqui será
direitos (ou são impostos deveres) prima facie.
seguida é diversa. Não é o caso de se debater se há classificação que
seja melhor ou pior. Em geral, classificações - desde que metodologi- Isso significa que, se um direito é garantido por uma norma que
camente sólidas - dificilmente podem ser julgadas com base em um tenha a estrutura de uma regra, esse direito é definitivo e deverá ser
maniqueísmo bom/ruim. 9 Classificações, em geral, têm diferentes obje- « realizado totalmente, caso a regra seja aplicável ao caso concreto. É
claro que, como será visto adiante, regras podem ter - e quase sempre
*
têm - exceções. Isso não altera o raciocínio, já que as exceções a uma
5. Para uma análise das críticas feitas por autores estrangeiros, sobretudo ale- regra devem ser tomadas como se fossem parte da própria regra excep-
mães, cf. Martin Borowski, Grundreclite ais Prinzipien. Baden-Baden: Nomos, 1998.
pp. 89-97 e Virgílio Afonso cia Silva. Gnindrec/ite iind gesctzgelwrische Spielrciwne, cionada." Assim, a regra que proíbe a retroação da lei penal tem uma
Baden-Baden: Nomos, 2003, pp. 52-66. conhecida exceção: a lei deve retroagir quando beneficiar o réu (CF, art.
6. Cf. tópico 2.3.
5Í!, XL). A norma (regra) eleve, nesse caso, ser compreendida como "é
7. Cf., por exemplo, José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional posi- proibida a retroação de leis penais, a não ser que sejam mais benéficas
tivo, 30a ed.. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 92 (José Afonso da Silva fala, no
entanto, na distinção entre princípios e normas): Celso António Bandeira de Mello. Cur- para o réu que a lei anterior; nesses casos, deve haver retroação".
so de direito administrativo, 253 ed.. São Paulo: Malheiros I.iditores, 2008, pp. 942-943; No caso dos princípios não se pode falar em realização sempre
Luís Roberto Barroso, Interpretação e aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, total daquilo que a norma exige. Ao contrário: em geral essa realização
1996, p. 141. Cf. também J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, fundamentos da Cons-
tituição. Coimbra: Coimbra Editora. 1991. p. 49 e Joseph Ra/. Praclical Reason and é apenas parcial. Isso, porque no caso dos princípios há uma diferença *
Nonns, Oxford: Oxford University Press, 1975. p. 49. entre aquilo que é garantido (ou imposto) prima facie e aquilo que é
8. Cf., por exemplo, Luís Roberto Barroso, Interpretação e aplicação da Cons- garantido (ou imposto) definitivamente. Pode-se dizer que o longo ca-
tituição, p. 141 e Joseph Raz, Practical Reason and Nonns. p. 49.
minho entre um (o "prima facie'") e outro (o "definitivo") é um dos
9. Já me manifestei nesse sentido em outra oportunidade, nos seguintes termos:
"(...) não há que se falar em classificação mais ou menos adequada, ou. o que é pior,
em classificação mais ou menos moderna. Classificações ou são coerentes e metodo-
logicamente sólidas, ou são contraditórias - quando, por exemplo, são misturados 10. Celso António Bandeira de Mello. Curso de direito administrativo, p. 942.
diversos critérios distintivos - e, por isso, pouco ou nada úteis" (Virgílio Afonso da 11. Cf., nesse sentido. Ronakl Dworkín, Tdki/ii; Rig/tts Seriously, p. 25: "A regra
Silva, "Princípios e regras, mitos e equívocos acerca de uma distinção", Revista La- pode ter exceções; nesse caso. seria impreciso e incompleto enunciar de forma sim-
tinu-Americanu de Estudos Constitucionais l (2003). p. 614). ples, sem enumerar as exceções. (...). Pelo menos em teoria, todas as exceções podem
ser listadas".
46 DIRI-JIOS l VNDAMF.NTAIS: CONTKÚDO liS.SENf'1AL, RLSTRICÕHS l:. KFÍC.\C\.\s centrais deste trabalho. Nos próximos tópicos as ideiasPONTO
centraisDH 1'ARTIDA: .VITORIA DOS 1'RINC'íl'IOS 47

2.2.3 Conflitos normativos


por trás desse "longo caminho" serão expostas. No resto do trabalho
serão elas várias retomadas e aprofundadas. 12 O conceito de conflitos normativos é algo sobre o qual pairam
diversas polémicas. Sobretudo sua relação com outros conceitos afins,
às vezes tomados como sinónimos, às vezes tomados como coisa dis-
2.2.2 Mandamentos de otimização tinta - como é o caso das colisões entre normas e das contradições
O elemento central da teoria dos princípios de Alexy é a definição normativas -, é algo sobre o qual há poucos pontos pacíficos no
de princípios como mandamentos de otimização. Para ele, princípios debate jurídico. Não é o caso, aqui, de aprofundar essa questão, mas
são normas que exigem que algo seja realizado na maior medida pos- apenas de recorrer a um conceito de trabalho que seja útil para o de-
jSÍvel diante das possibilidades fáticas e jurídicas existentes." Isso sig- senvolvimento da presente investigação. 1X Quanto aqui se fala em
nifica, entre outras coisas, que, ao contrário do que ocorre com as re- conflito normativo quer-se referir sobretudo ao que abaixo será anali-
gras jurídicas, os princípios podem ser realizados em diversos graus. A sado: aos conflitos entre regras e às colisões entre princípios. 19 Nesse
ideia regulativa é a realização máxima, mas esse grau de realização sentido, um_conflito normativo nada mais é que a possibilidade de apli-
somente pode ocorrer se as condições fáticas e jurídicas forem ideais, cação, a um mesmo caso concreto, de duas ou mais normas cujas con-
o que dificilmente ocorre nos casos difíceis. Isso porque, ainda que sequências jurídicas se mostrem, pelo menos para aquele caso, total
nos limitemos apenas às condições jurídicas, dificilmente a realização ou parcialmente incompatíveis. 20
total de um princípio não encontrará barreiras na proteção de outro
princípio ou de outros princípios. É justamente a essa possível colisão
que Alexy quer fazer referência quando fala em "condições jurídi- 2.2.3. l Conflitos entre regras
cas". 14 Como já se viu 1 5 - e como se verá também a seguir 16 -, no
caso das regras a aplicação não depende de condições jurídicas do ca- Como foi visto acima, regras garantem direitos (ou impõem de-
so concreto, pelo menos não nesse sentido apontado. É dessa diferen- veres) definitivos. Se isso é assim, e se existe a possibilidade de con-
ça de estrutura que decorrem as diferentes formas de aplicação das nor- flitos entre regras, é preciso que se encontre uma solução que não
mas jurídicas: a subsunção e o sopesamento.*1 relativize essa definitividade. Dessa exigência surge o já conhecido
raciocínio "tudo-ou-nada".21 Se duas regras prevêem consequências
diferentes para o mesmo ato ou fato, uma delas é necessariamente in-
12. Cf. sobretudo os Capítulos 3 e 4.
válida, no todo ou em parte. Caso contrário não apenas haveria um
13. Cf. Robert Alexy, "Zum Begriff dês Rechtsprinzips", in Robert Alexy, Rccht,
Venuinft, Diskurs. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1995, p. 204; do mesmo autor, Tlieorie
der (írundrechte, p. 75 (tradução brasileira: p. 90]. A menção a "possibilidades fáticas". essa complementação à teoria dos princípios não me pareça de lodo procedente, não há
nesse conceito, não significa somente que "o conteúdo dos princípios como normas de espaço, aqui, para maiores digressões a seu respeito, até porque a ideia ainda não se
conduta só pode ser determinado quando diante dos fatos'", como afirma Humberto encontra plenamente desenvolvida. Para maiores detalhes, cf. Robert Alexy, "Arthur
Ávila (Teoria dos princípios, 8a ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 38 - sem Kaufmanns Theorie der Rechtsgewinnung", ARSP Beiheft 100 (2005), especialmente
gritos no original). As condições fáticas, no conceito de mandamento de otimização. p. 66.
referem-se às medidas adequadas e necessárias para realizar o princípio em questão. 18. Para uma análise aprofundada do conceito de conflitos normativos, cf., por
14. Cf. Robert Alexy. T/ieorie der Grundrechte, pp. 100-101 [tradução brasilei- todos, Carla Huerta Ochoa, Conflictos normativos, México: UNAM, 2003.
ra: pp. 1 1 7 - 1 1 8 ] .
15. Cf. tópico 2.2. 19. E, com algumas relativizações, também à colisão entre regras e princípios.
16. Cf. tópico 2.2.3.1. 20. Essa é a situação que Alf Ross denomina, na sua análise dos problemas da
interpretação jurídica, de "inconsistência". Cf. Alf Ross, On Law and Justice, Berke-
17. Recentemente Alexy tem feito menção a uma terceira forma de aplicação do ley: University of Califórnia Press, 1959, § 26, pp. 128 e ss.
direito, às vezes chamada de "comparação", às vezes chamada de "analogia". Essa 21. Cf. Ronald Dworkin, Taking Rights Serionslv, p. 25. Para críticas a esse
terceira forma não teria como objeto nem regras, nem princípios, mas casos. Embora raciocínio, cf. Humberto Ávila, Teoria dos princípios, pp. 44 e ss.
4S DIRHITOS F U N D A M E N T A I S : < '(),\ l:.CÍ)() H S S I . N C I A I . KI-S TK1ÇÒI..S !: El ICÁCIA
PONTO DH PARTID.V ,\ HORIA DOS PRINCÍPIOS 49

problema de coerência no ordenamento," como também o próprio aqui, é simples, e se baseia na regra lex specialis derogat legi generali.
critério de classificação das regras - dever-ser definitivo - cairia por Trata-se, portanto, de um conflito parcial entre duas regras.
terra.
Pode-se pensar, em um segundo exemplo, em duas regras com o
Nos casos de incompatibilidade apenas parcial entre os preceitos seguinte conteúdo: uma delas prevê que, salvo manifestação de von-
de duas regras a solução ocorre por meio da instituição de uma cláusu- tade em contrário, presume-se autorizada a doação pós-morte de ór-
la de exceção em uma delas.' 5 Em alguns casos, no entanto, a incom- szãos para finalidades cie transplantes ou terapêutica; 25 a outra regra, no
patibilidade entre duas regras poderá ser total, quando seus preceitos, entanto, prevê que a retirada de órgãos de pessoas falecidas, para fins
para o mesmo fato ou ato, em todas as circunstâncias, sejam mutua- de transplante, dependerá da autorização de cônjuge ou parente, firma-
mente excludentes. Quando isso ocorre, a única solução é a declaração
da em documento subscrito por duas testemunhas presentes à verifica-
da invalidade de uma delas.- 4 Dois exemplos simples podem esclarecer
melhor essa diferenciação. ção da morte.26 Para o mesmo fato - morte de alguém sem declaração
expressa, daquele que morreu ou de um parente, acerca de transplante
Há uma regra que prevê que. aberta a sucessão, "a herança trans- de órgãos - as duas regras têm consequências jurídicas totalmente
mite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários" (CC, incompatíveis: uma delas autorizaria o transplante, a outra proibiria.
art. 1.784). Essa regra é complementada por outra, que define o con- Uma delas, com certeza, é inválida, seja por ser anterior - lex poste-
ceito de "herdeiro legítimo" (CC, art. 1.829), que inclui, entre outros, rior derogat legi priori — ou por ser de hierarquia inferior — lex su-
os descendentes (CC. art. l .829, I). Ocorre que o mesmo código civil perior derogat legi inferiori.21
estabelece que "aqueles que houverem sido autores (...) de homicídio
doloso (...) contra a pessoa de cuja sucessão se tratar" estão excluídos Esses dois simples exemplos de conflitos - parcial e total - en-
da sucessão (CC, art. 1.814, 1). Isoladamente consideradas, ambas as tre regras servem sobretudo para deixar claro que todo conflito entre
regras são aplicáveis à seguintí situação: está aberta a sucessão de um duas regras cujas consequências jurídicas, para o mesmo ato ou fato,
pai-de-família que foi morto por um de seus filhos. A primeira regra sejam incompatíveis deve ser resolvido}no plano da validadeJ5em-
exigiria a transmissão da herança ao filho; a segunda exige que o filho pre que há conflito entre regras, há algunia fornia de declaração de
seja excluído da sucessão. Qualquer operador do direito percebe, no invalidade. No segundo exemplo a declaração de invalidade (ex-
entanto, que a segunda regra institui uma exceção à primeira. A razão, pressa ou tácita) é mais clara. Mas no primeiro está ela também
presente. Isso porque é possível reconstruir o primeiro exemplo - a
instituição de uma cláusula de exceção - como uma declaração par-
22. Sobre esse conceito, et'., por todos. Norberto Bobbio. Teoria deli'ordlnamento cial de invalidade. 2 8
í>ii(rídic<>, Torino: Giappichelli, 1960. pp. l l 7 e ss.
23. Cf'.: Robert Alexy. Thcorieder Gmndrechte. 2 J ed., p. 77 [tradução brasileira:
p. 92]; Martin Borowski, Griindrecliie ais 1'rinzipinn, pp. 68-69; Marins Raabe, Grun-
25. Nesse sentido, cf. a redaçao original do art. 4" da Lei 9.434/1997.
drechte nnd ErkenntMS. Baden-Baden: Nomos. 1998. p. 177. Cf. também AH'Ross, On
26. Cf., nesse sentido, a redaçao do mesmo artigo prevista no art. l'J da Lei
Ixiw and Justice, p. 129 - que distingue duas turmas de inconsistências parciais. De
10.211/2001.
um lado há a inconsistência que ele chama de "total-parcial", que é aquela que ocorre
27. No caso em questão, vale o primeiro critério. É claro que a revogação, no
quando urna das duas normas não pode ser aplicada em circunstância alguma sem que
exemplo mencionado, foi expressa, por meio de uma "mudança de redaçao" do art.
entre em conflito com a outra, enquanto a outra norma teria um outro campo de apli-
4" da Lei 9.434/1997. Isso em nada muda o exemplo, pois é apenas uma "técnica le-
cação no qual não eonflita com a primeira. De outro lado haveria a inconsistência
gislativa" para resolver o problema.
"parcial-parcial". na qual ambas as normas têm um campo de aplicação em que entram
em conflito e outro em que esse conflito não ocorre. 28. Nesse sentido, cf. Martin Borowski, Grundrechte ais Prinzipien, p. 68.
No caso utilizado isso seria um pouco contra-intuitivo, já que ambas as regras
24. Cf. Robert Alexy. Theorie der Gritndreclite, p. 77 [tradução brasileira: p.
estão contidas no mesmo Código. Mas se as mesmas regras estivessem em leis
92]. Esses são os casos que Ross chama de inconsistência "total-total" (On Law and
Justice, pp. 128-129). distintas isso ficaria mais claro. A forma de encarar o problema, no entanto, pode
ser a mesma.
50 DIREITOS F U N D A M E N T A I S : CONTEÚDO ESSENCIAL. RÉS l RIÇÒI.S E LI I C Á C I A
PONTO DH PARTIDA: A TEORIA DOS P R I N C Í P I O S 51

2.2.3.2 Colisão entre princípios


to. uma relação de precedência entre eles. Essa relação é sempre con-
As colisões entre princípios têm que ser encaradas e resolvidas de dicionada à situação concreta.30
forma distinta. Segundo os pressupostos da teoria dos princípios, não
se pode falar nem em declaração de invalidade de um deles, nem em
instituição de uma cláusula de exceção. O que ocorre quando dois prin- 2.2.3.3 Colisão entre regras e princípios
cípios colidem — ou seja, prevêem consequências jurídicas incompatí- Se as normas jurídicas podem ser regras ou princípios e se exis-
veis para urn mesmo ato, fato ou posição jurídica - é a fixação de re- tem conflitos entre regras e colisões entre princípios, é intuitivo que
* lações condicionadas de precedência. se imagine que possam também existir colisões entre uma regra e um
, Como foi visto acima, 29 princípios são mandamentos de otimiza- princípio. Esse é talvez o ponto mais complexo e menos explorado da
ção, ou seja, normas que exigem que algo seja realizado na maior me- teoria dos princípios. Isso porque, para uma eventual colisão nesses
dida possível diante das condições fáticas e jurídicas existentes. Essas termos, haveria duas respostas possíveis, baseadas nas duas formas de
condições raramente são ideais, já que essa tendência expansiva do se solucionar conflitos normativos vistas acima. Ambas, porém, são
conceito de princípios, que será desenvolvida com mais detalhes no problemáticas:
capítulo 3, tende a fazer com que a realização de um princípio quase (1) Nas colisões entre uma regra e um princípio é necessário fazer
sempre seja restringida pela realização de outro. O exemplo-padrão um sopesamento entre ambos para saber qual deve prevalecer: nesse
para esse fenómeno costuma ser a colisão entre a liberdade de impren- caso, a definição de regras como normas que garantem direitos (ou im-
sa e o direito de privacidade ou o direito à honra das pessoas. Realizar põem deveres) definitivos cai por terra, porque poderão ocorrer casos
uma ampla liberdade de imprensa pode, em muitos casos, ser incorri- - em que uma regra, a despeito de válida e aplicável, seja afastada, sem
patível com a proteção idea^da privacidade de algumas pessoas. Esse que com isso perca sua validade. Além disso, um eventual sopesamen-
tipo de colisão não pode ser resolvido, contudo, a partir da declaração to só pode envolver normas que tenham a dimensão do peso, o que
de invalidade de um dos princípios. Ou seja, mesmo após a solução regras não têm.31
cia colisão os princípios da liberdade de imprensa e da proteção à pri- (2) As colisões entre uma regra e um princípio devem ser solucio-
vacidade continuam tão válidos quanto antes. Não se pode dizer tam- nadas no plano da validade: nesse caso, seria necessário aceitar que,
bém que um instituí uma exceção ao outro, já que às ve/es prevalecerá quando um princípio tiver que ceder em favor de outra norma no caso
um, às vezes o outro, ao contrário do que acontece no caso das regras. concreto, terá ele que ser expelido do ordenamento jurídico. Isso seria
Tudo dependerá das condições do caso em questão. Essa é a ideia por incompatível com a ideia segundo a qual a validade de um princípio
trás do conceito de relações condicionadas de precedência. não é afetada nos casos em que sua aplicação é restringida em favor
Esse conceito costuma ser expresso da seguinte forma: "(P, P P2) da aplicação de outra norma.
C". Isso significa, pura e simplesmente, que nos casos de colisão entre
dois princípios - P/ e P2 - o princípio P', prevalece sobre o princípio
P2 apenas nas condições daquele caso C. Ê possível — e provável —, 30. Cf., por todos, Robert Alexy. Tlicorie der Grundreclitc, 2a ed., pp. 82-83
[tradução brasileira: pp. 97-98]. Essa ideia é resumida por Alexy por meio daquilo
contudo, que em uma situação C' seja o princípio P2 que prevaleça que ele chama de "lei de colisão", que tem a seguinte redação: "Se o princípio P\m
sobre o princípio P/, ou seja: (P2 P P,) C'. A despeito de se tratar, nos precedência em face do princípio P2 sob as condições C: (P, P /J, C), e se do princípio
dois casos, dos mesmos princípios não é possível formular, em abstra- P,, sob as condições C, decorre a consequência jurídica R, então, vale uma re^ra que
contém C como suporte fálico e R como consequência jurídica: C —> R".
31. Cf., aqui, por todos, Ronald Dworkin, Takint> Riç/ils Scriouslv. p. 26. e
29. Cf. tópico 2.2.2. Robert Alexy, "Rechtssystem und praktischc Vernunft", in Rec/n, Venuinft, Disktirs.
pp. 216-217.
5J DIKhITOS I I : M ) A M I . \ AIS: CO.\Tl:( DO HSSHNCÍAL. RKS TRIÇÕHS H EFICÁCIA
TONTO DE PARTIDA: A THORIA DOS PRINCÍPIOS 5í
Hm geral, a resposta mais comum a esses casos tenta evitar esses
dois problemas e é baseada em duas notas de rodapé de dois trabalhos > s sa constitucionalidade. Esse caso é simples, porque o resultado desse
de Alexy, que. no entanto, não se dedica a explorar a questão.' 2 Essa Controle pode ser ou pela constitucionalidade da regra - e, nesse casos,
resposta é a seguinte: quando um princípio entra em colisão com uma leve ela. como toda regra, ser aplicada por subsunção -, ou pela sua
regra, deve haver um sopesamento. Mas esse sopesamento não ocorre inconstitucionalidade em face de outro princípio, que seria, portanto.
entre o princípio e a regra, já que regras não são sopesáveis. Ele deve mais importante, naquela situação descrita pela regra, que o princípio
ocorrer entre o princípio em colisão e o princípio no qual a regra se ao qual o legislador deu primazia - nesse caso, a regra é declarada
baseia. Essa parece ser, no entanto, uma solução problemática, e que inconstitucional e, portanto, a situação de colisão desaparece sem que
passa ao largo de um ponto central.
haja qualquer modificação nos critérios propostos nos dois tópicos
Ela é problemática porque dá a entender que o aplicador do direi- anteriores. ,
to está sempre livre, em qualquer caso e em qualquer situação, para Casos mais problemáticos são aqueles em que a aplicação da re-
afastar a aplicação de uma regra por entender que há um princípio mais
tira por subsunção, em determinado caso concreto, levaria a situações
importante que justifica esse afastamento. Isso teria como consequên-
consideradas incompatíveis com algum princípio constitucional deci-
cia um alto grau de insegurança jurídica. 33 Um dos papéis mais impor-
tantes das regras no ordenamento jurídico é justamente aumentar o sivo para o caso concreto, sem que, no entanto, essa incompatibilidade
grau de segurança na aplicação do direito. Essa segurança é garantida seja algo verificável em abstrato e, portanto, sem que haja razões para
"quando uma instância tem a competência de definir uma determinada considerar a regra inconstitucional.
linha". 14 Essa instância, em um Estado constitucional, é o legislador, Um caso recente pode ilustrar essa situação. Na estreia de uma de
e essa linha é definida pelas regras que ele cria. suas peças de teatro, ao final da apresentação, o diretor Gerald Thomas
Esse é um ponto que é muitas vezes ignorado quando se pensa foi vaiado e, segundo algumas versões, grosseiramente ofendido pela
em colisão entre regras e princípios. Em geral, não se pode falar em plateia. Em reação, o diretor exibiu as nádegas ao público, razão pela
uma colisão propriamente dita. O que há é simplesmente o produto de qual foi acusado, em ação penal, pelo crime de ato obsceno. Segundo
um sopesamento, feito pelo legislador, entre dois princípios que ga- o código penal, em seu art. 233, é crime punível com detenção de três
rantem direitos fundamentais, e cujo resultado é uma regra de direito meses a um ano, ou multa, a prática de "ato obsceno em lugar público,
ordinário. A relação entre a regra e um dos princípios não é, portanto, ou aberto ou exposto ao público". A solução para esse caso, de forma
uma relação de colisão, mas uma relação de restrição.3'' A regra é a simples, seria, em caso de tipicidade da conduta, a simples aplicação
expressão dessa restrição. Essa regra deve, portanto, ser simplesmen- por subsunção da regra penal e da cominação da pena.
te aplicada por suhsunção.
Mas alguns poderiam ver, aí, também uma colisão entre a regra
Mas há. de fato, casos em que esse cenário pode se complicar. O penal em questão e o princípio constitucional que garante a liberdade de
primeiro deles - e o mais simples -, é a existência de dúvidas quanto expressão. Como a regra não é, abstratamente considerada, inconstitu-
à constitucionalidade da regra.3" Nesse caso, compete ao juiz controlar cional, a única solução possível, diriam alguns, seria recorrer ao sope-
samento entre o princípio da liberdade de expressão e o princípio que
32. Cf. Robert Alexy. "Rechtsregeln und Rechtsprinzipien", ARSP Beih 25
dá suporte à regra que pune o ato obsceno, que seria a proteção da
(1985). p. 20, ordem pública e, subsidiariamente, dos "bons costumes". Nesse caso,
p. 90. nota 24j.nota 38. e Theorie der (inmdrechte, p. 76, nota 24 [tradução brasileira:
no entanto, se se decide pela prevalência da liberdade de expressão, é
33. Cf., nesse sentido, Martin Borowski, Grundrechte ais Prinzipien, p. 108. necessário aceitar que há regras que, embora aplicáveis a um caso con-
34. hlem.
35. Cf. sobre esse ponto, tópico 4.2.2.1.1. creto, podem eventualmente não ser aplicadas. Isso, contudo, contra-
36. Cf. Martin Borowski, Gritnilrechte ais Prinzipien, p. 108. ria o caráter de definitividade da regra. Essa é, portanto, uma solução
a ser descartada, pelo menos nesses termos.
54 DIRITTOS RINDAMfiNTAl.S: < X ) N l hl IDO I-.SSI-.NCIAL. RHS TR1(,'ÕF-:S li HFICACIA PONTO DH PARTIDA: A ThORIA DOS P R I N C Í P I O S

Uma solução possível para esse tipo de colisão, que seja compatí- dependente do titular da conta. A Lei 7.670/1988, em seu art. l", II,
vel com os pressupostos deste trabalho, seria, por exemplo, excluir a autorizava esse levantamento para os casos em que o titular da conta
tipicidade da conduta do agente. Para essa exclusão é possível utilizar era portador do HIV. A partir de determinado momento os juizes pas-
qualquer forma de argumentação jurídica, inclusive o sopesamento. Mas saram a se deparar com pedidos de levantamento dos valores para o
o sopesamento, nesse caso, não é uma forma de aplicação do direito, pagamento de tratamento de seus dependentes. A regra prevista na lei
já que se trata de colisão envolvendo uma regra, mas uma mera forma não poderia ser aplicada ao caso, já que não previa o benefício para
de argumentação. Em sentido muito semelhante a esse foi a decisão aquelas situações. Muitos viam aí uma colisão entre o direito à vida e
do STF no caso do diretor Gerald Thomas, nos seguintes termos: "Ten- a regra que restringia o uso do dinheiro do FGTS. Com base nessa
do em conta as circunstâncias em que se deram os fatos - momento ideia, muitos juizes passaram a permitir o levantamento dos valores,
seguinte a uma apresentação teatral que tinha no próprio roteiro uma mesmo contra a regrei legal.'''
simulação de ato sexual, após manifestação desfavorável de um públi- Como se percebe, essa estratégia pode ser considerada como um
co adulto e às 2h da manhã -, entendeu-se atípica a conduta praticada sopesanjento entre o princípio que sustenta a regra e o princípio com
pelo paciente, que, apesar de inadequada ou deseducada, configuraria ela colidente, mas quando muito em uma primeira decisão, que, ao me-
apenas uma demonstração de protesto ou reação contra o público, que nos inicialmente, é uma decisão contra legein.40 Não é, contudo, um
estaria inserida no contexto da liberdade de expressão"."11 sopesamento que se repete a cada decisão. Isso porque, uma vez con-
Ou seja: não se entendeu tratar-se de ato obsceno ("entendeu-se solidado o entendimento em determinado sentido, cria-se uma regra
atípica a conduta"), mas de mero exercício da liberdade de expressão. que institui exceção à regra proibitiva. Ou seja: os juizes, ao liberar o
Para chegar a esse resultado os ministros utilizaram-se de elementos levantamento dos valores mesmo em casos vedados ou não previstos
da situação concreta. Poder-se-ia dizer também que um eventual so- pela legislação, não fazem uma análise caso por caso, como ocorre nas
pesamento entre os princípios envolvidos deu mais peso à liberdade hipóteses de colisão entre princípios. O que ocorre, como menciona-
de expressão. O que importa nessa primeira variante da argumentação do, é a criação de uma regra - por exemplo: "É permitido o levanta-
é que não se concluiu que o ato era, de fato, obsceno mas que, apesar mento dos valores da conta do FGTS para o tratamento de saúde de
disso, a regra não seria aplicável, por ceder espaço ao princípio da li- dependentes do titular nos casos em que esses sejam portadores do
berdade de expressão. Não. Decidiu-se simplesmente que o ato não se HIV" -, e essa regra é aplicada por subsunção. Por isso, pode-se dizer
enquadrava na descrição da regra.!s que essa é uma regra como outra qualquer, que é o produto do sope-
Mas nem toda colisão entre uma regra e um princípio pode ser
reconstruída a partir da exclusão de determinada conduta de um tipo
39. Esse entendimento foi também aceito pelo STJ - et'., por todos: REsp
penal, mesmo porque essas colisões não ocorrem apenas nesse âmbi- 240.920 (DJ U 15.12.1997). REsp 129.746 (D J U 15.12.1997) e REsp 249.026 (DJU
to. Em alguns casos o que ocorre é justamente o contrário, ou seja, é 20.6.2000). Posteriormente a Medida Provisória 2.164-41/2000 acabou por estender
necessário incluir uma conduta, um estado ou uma posição jurídica na expressamente o benefício aos dependentes dos titulares das contas do FGTS, inse-
proteção de um direito fundamental, mas tal inclusão esbarra em um rindo o inciso XIII ao art. 20 da Lei 8.036/1990, nos seguintes termos: "Art. 20. A
conta vinculada do trabalhador no FGTS poderá ser movimentada nas seguintes situa-
preceito contrário de uma regra. Um caso muito frequente nesse sen- ções: (...) XIII - quando o trabalhador ou qualquer de seus dependentes for portador
tido é o levantamento dos valores da conta do Fundo de Garantia do do vírus HIV" (gritei).
Tempo de Serviço (FGTS) para pagar o tratamento de saúde de um 40. No mesmo sentido - ou seja. reconstruindo decisões contra legem como
decisões em casos de colisão entre regras e princípios -, cf. Juha Põyhõnen, "Ausle-
gung contra legem ais ein dekonstruktives Spiel von Regeln und Prinzipien im Recht",
37. HC 83.996 (D./Í7 26.8.2005). Rechtstheorie 20 (1989): 211-220. Em português, sobre argumentação contra legem,
38. Tanto isso é assim que os ministros vencidos, por entenderem ser a conduta cf, por todos, Thomas da Rosa de Bustamantc, Argumentação "contra legem", Rio de
típica, negaram a concessão da ordem de haheas cor/nix. Janeiro: Renovar. 2005.
36 D I R I . I T O S H I N D A M I Í N I A I S : CO.VIT.ÚIX) I-.SSIÍNCIAI.. KHSTRIÇÒI.S I; F.FICACIA
PONTO Dfi PARTIDA: A T H O K I A DOS P R I N C Í P I O S 57

samento entre dois princípios. A única diferença é que ela não decorre
pretação".44 A afirmação de Ávila é, sem dúvida, correta, já que o
de uma disposição legal, mas de uma construção jurisprudencial. Mas modo de aplicação, de fato, não decorre do texto objeto de interpreta-
seu processo de surgimento - sopesamento entre princípios - e apli- ção, mas da interpretação desse texto. É ponto pacífico que a distinção
cação - siibsunção - é o mesmo. Se se puder falar em algum sopesa- entre regras e princípios não é uma distinção entre textos, mas entre
mento, portanto, é apenas nesse processo de surgimento, mas não no normas. Nesse sentido, portanto, não há grandes problemas no fato de
processo de aplicação. Uma vez criada a exceção, vale para ela tam- que o texto e seus operadores deônticos não dêem indicações precisas
bém o raciocínio de direito ou dever definitivo, típico das regras. 41 sobre o tipo de norma que surgirá de sua interpretação. 4 ^ É tarefa do
intérprete definir se a norma, produto da interpretação, é uma regra ou
um princípio. Qualquer distinção das normas jurídicas em mais de uma
, 2.3 A crítica de Humberto Ávila categoria - e a ênfase no "qualquer" é,*aqui, fundamental - terá que
Bm artigo publicado há poucos anos já me posicionei criticamen- seguir sempre esse raciocínio. O texto legal, em geral, utili/.a-se sem-
te em relação às teses sustentadas por Humberto Ávila sobre a distin- pre da mesma linguagem e dos mesmos operadores deônticos. Não é o
legisladbr que tem que se preocupar com eventuais distinções e clas-
ção entre regras e princípios. 42 Não pretendo retomar todas. aqui.
sificações dogmáticas, mas o intérprete e o aplicador do direito.
Mais importante será a análise do desenvolvimento que Ávila deu às
suas teses, em monografia publicada posteriormente. 41 Isso porque, se Mais importante, contudo, que a questão anterior são os exemplos
as teses de Ávila estiverem correias, muitas das conclusões deste tra- reais que Ávila utiliza para demonstrar que também as regras podem
balho também poderão ser colocadas em xeque. Daí a importância de, passar por uma espécie de sopesamento para serem aplicadas. Km to-
preliminarmente, abordar essas teses. dos eles, uma regra "aparentemente absoluta" foi relativizada em sua
aplicação, não produzindo os efeitos que teria produzido se, de fato,
1 tivesse sido aplicada em sua inteireza.
2.3.1 Ponderação de regras Um dos exemplos é uma polémica decisão do STF: o HC 73.662.4<>
Nessa decisão estava em jogo a regra contida no art. 224 do código
Humberto Ávila sustenta que em muitos casos também as regras, penal, segundo a qual nos chamados "crimes contra os costumes" há
ao serem aplicadas, devem passar por um processo de ponderação ou, presumida violência quando a vítima tem idade inferior a 14 anos. No
se não isso, pelo menos por um processo de consideração das circuns- caso em questão, segundo a reconstrução que Ávila faz da decisão,
tâncias fálicas da aplicação da norma jurídica reputada como regra. dadas '''circunstâncias particulares não previstas pela norma, como a
Em primeiro lugar, Ávila sustenla que isso decorre do fato de que aquiescência da vítima ou a aparência física e mental de pessoa mais
"o modo de aplicação não está determinado pelo texto objeto de inter-
44. Idem, p. 44.
45. Cf., nesse sentido, Virgílio Afonso da Silva, "Princípios e regras: mitos e equí-
41. O caso do furto de bagatela é semelhante: cría-se uma regra que será aplica-
vocos acerca de uma distinção", p. 617. Assim, quando Humberto Ávila (Teoria dos
da por subsunção sempre que o fato se enquadrar na sua hipótese (furto de coisa de
valor ínfimo). princípios, p. 45) se refere a "alguns exemplos de normas que preliminarmente indicam
um modo absoluto de aplicação mas que, com a consideração de todas as circunstân-
42. Cf. Virgílio Afonso da Silva, "Princípios e regras: mitos e equívocos acerca
cias, terminam por exigir um processo complexo de ponderação de ra/.ões e contra-ra-
de uma distinção", Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais l (2003):
zões". ele só pode estar se referindo ao processo de interpretação de um dispositivo
607-630. Na época, minha análise fazia referência ao artigo Humberto Ávila, "A
constitucional ou legal. Não se trata, portanto, de uma norma que parecia ser uma regra
distinção entre princípios e regras e a redefinição do dever de proporcionalidade".
Revista de Direito Administrativo 215 (1999): 15 l -179. mas que era, na verdade, um princípio. A distinção entre regras e princípios só se efe-
tiva ao fim da interpretação. Se o intérprete imaginava algo e. depois, concluiu por algo
43. Cf. Humberto Ávila, Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos
princípios jurídicos, 81' ed., São Paulo: Malheiros Editores. 2008. diverso, isso em nada muda a proposta de distinção entre regras e princípios.
46. RTJ 163. 1028.
>s niRiTios H M>AMI;M AIS: roMirbo HsshNci PONTO DI-: PARTIDA: A TEORIA DOS PRINCÍPIOS 59

velha", 4 entendeu-se por não configurado o tipo penal, "apesar de os exemplo utilizado no tópico 2.2.3.3 - o caso Gerald Thomas - não é
requisitos normativos estarem presentes".4S A argumentação de Ávila muito diferente do exemplo utilizado por Ávila. Em ambos os casos o
pode ser. aqui. objeto de algumas considerações. sopesamento se dá única e exclusivamente com a finalidade cie se de-
Em primeiro lugar porque não é possível argumentar contra uma finir se o fato em c/uestão é típico, ou não, ou seja, se se enquadra, ou
construção teórica recorrendo ao simples fato de que esse ou aquele não, na hipótese descrita pela norma. Ora, nesse sentido - e como já
tribunal decidiu de for/na diversa. Decisões que contrariam teorias — foi mencionado -, o sopesamento, aqui, não é uma forma de aplica-
positivistas, jusnaturalistas etc. - existem aos milhares, e não é preci- ção, mas uma forma de interpretação. O sopesamento tem como fina-
so procurar muito para achá-las. Apontar problemas em uma teoria lidade definir se o fato se enquadra na norma. Em caso afirmativo, a
exige que problemas internos a ela sejam demonstrados. regra deve ser aplicada; em caso negativo, não. Como se vê, a estru-
i Em segundo lugar, parece-me que a decisão do STF — mais espe- tura da regra permanece intacta. «
cialmente o voto do M i n . Marco Aurélio - pode ser reconstruída de Não parece ser diferente o que se lê implicitamente no texto de
formas muito diversas da escolhida por Ávila, em alguns casos partin- Ávila, já que ele mesmo fala em "não configuração do tipo penal".52
do-se até mesmo de pressupostos muito semelhantes. Ora, se* o tipo penal não se configurou, a regra nem poderia ser apli-
Assim, antes de mais nada, poder-se-ia argumentar que uma deci- cada. Se o tipo penal se tivesse configurado, sem dúvida teria sido ela
são que não tenha respeitado a clara norma extraída do art. 224 do aplicada, e por subsunção.
código penal é, pura e simplesmente, uma decisão contra legem.4'' Se Como se percebe, são muito diferentes a hipótese que Ávila cha-
a decisão tiver sido, de lato, contra legem, ela simplesmente terá des- ma de "sopesamenlo na aplicação de regras" e as hipóteses de sope-
respeitado o caráter absoluto que as regras deveriam ter, segundo a samento entre princípios. Nesse último caso parte-se do pressuposto
reconstrução que Ávila fax da teoria de Alexy. de que os princípios em colisão são, de fato, aplicáveis, mas nem to-
Mas pode ser que o pronlema esteja localizado em outro ponto. dos poderão ser aplicados em sua maior medida. No caso utilizado por
Corno já foi visto acima, M1 se existem duas espécies de normas - re- Ávila a regra é considerada não-aplicável, por não-configuração de
gras e princípios -, é perfeitamente plausível supor, com as relativiza- seu suporte fálico.
ções expostas anteriormente, que não existam apenas conflitos entre O que Ávila quer ressaltar - e já havia ressaltado em oulro traba-
regras e colisões entre princípios, mas também colisões entre uma re- lho, também 13 - é que a aplicação das regras não é, como alguns afir-
gra e um princípio. Como também já foi visto acima, a solução para mam, algo automático, mas algo que pode também "dar trabalho" e
tais conflitos é um ponto polémico na teoria de Alexy. No caso da so- custar muito esforço interpretalivo. Segundo ele, lambem as regras pre-
lução por ele proposta percebeu-se que não se exclui a necessidade de cisam, "para que sejam implementadas as suas consequências, de um
sopesamento nos casos de colisões entre uma regra e um princípio. processo prévio - e, por vezes, longo e complexo como o dos princí-
Mas esse sopesamento, como o próprio Alexy também sustenta, ocor- pios - de interpretação que demonstre quais as consequências que se-
re não entre a regra e o princípio colidentes, mas entre o princípio em rão implementadas".54 Ora, quanto a isso não há dúvida, e nem Alexy
questão e o princípio que sustenta a regra que com ele colide.51 O nem qualquer outro adepto da teoria dos princípios sustenlam o con-
trário. Em nenhum momento se defendeu que a diferença enlre regras
47. Humberto Ávila, Teoria dos princípios, p. 45.
48. Idem.
52. Cf. Humberto Ávila, Teoria dos princípios, p. 45.
49. Nesse sentido é o voto do Min. Néri da Silveira na mesma decisão. 53. Cf. Humberto Ávila. "A distinção entre princípios e regras e a redefinição
50. Cf. tópico 2.2.3.3. do dever de proporcionalidade", p. 161.
51. Cf. Robert Alexy. "Rechtsregeln und Rechtsprinzipien", ARSP Beiheft 25 54. Humberto Ávila, "A distinção entre princípios e regras e a redefinição do
(1985), p. 20, nota 38.
dever de proporcionalidade", p. 161; do mesmo autor: Teoria dos princípios, p. 48.
60 DIRI-.ITOS l l XDAMBNTAIS: CONTKÚIX) HSSHNCI AL. RKSTRICÕHS H l ; l I C A C I A
TONTO DK PARTIDA: A TKORIA DOS P R I N C Í P I O S í, l

c princípios está na dificuldade de interpretação ou na vague/a de seus uma pessoa (José): cumprir promessas e ajudar os amigos. Se José
termos. A diferença, como já se viu, é estrutural, e implica deveres de promete ir ao aniversário de um amigo mas, quando estava a caminho,
estrutura diferente e formas diferentes de aplicação. Como já salientei recebe um pedido desesperado de ajuda de outro amigo que está muito
em outro trabalho, não é possível confundir "tudo-ou-nada" ou "sub- deprimido por problemas em seus relacionamentos pessoais e precisa
sunção" com "automatismo" ou "facilidade na interpretação". 55 desabafar, José vê-se diante de uma situação em que apenas uma de
suas normas de conduta pode ser realizada. Cabe a ele ponderar e de-
2.3.2 O "peso" das regras cidir. 58 Isso não significa, contudo, que alguma dessas normas tenha
deixado de reger a vida de José. Certo que não. Isso porque ambas são
Ávila usa dois exemplos para demonstrar que não apenas os prin- normas que impõem deveres prima fade que, na situação concreta, em
j cípios, mas também as regras têm a chamada dimensão do peso. Como caso de colisão, deverão passar por um processo de ponderação, para
consequência, seria viável afirmar que é possível que uma regra ceda que se decida qual deverá prevalecer. Em outras situações de colisão
preferência a outra, em determinada situação de colisão, sem que, com a decisão poderá ser diferente. Em resumo: por imporem deveres pri-
isso. se torne inválida e tenha que ser expurgada do ordenamento jurí- ma fade, tais normas têm a estrutura de princípios, na terminologia e
dico, na forma como propõe Alexy. na classificação de Alexy.
O primeiro exemplo é o seguinte: uma regra do código de ética Ora, parece-me claro que ambas as normas do código de ética
médica prescreve que os médicos devem dizer toda a verdade sobre médica mencionadas por Humberto Ávila, ao contrário do que ele afir-
as doenças de seus pacientes; e outra, que os médicos devem utilizar ma, não são regras, mas princípios. E, como princípios, o caso men-
todos os meios disponíveis para curá-los. Diante disso, Ávila pergun- cionado, que depende de ponderação para ser decidido, segue perfei-
ta: "(•••) como deliberar o que fazer no caso em que dizer a verdade ao tamente o modelo proposto pela teoria dos princípios.
paciente sobre sua doença ir$ diminuir as chances de cura, em razão Por fim, o segundo exemplo usado por Ávila. Há duas regras que
do abalo emocional daí decorrente? O médico deve dizer ou omitir a entram em conflito. A primeira delas é a regra contida no art. l - da Lei
verdade? (...)".3<1
9.494/1997, que veda a concessão de liminar contra a Fazenda Públi-
Segundo Ávila, tais casos demonstram que a decisão envolve urna ca que esgote, no todo ou em parte, o objeto litigioso. Segundo Ávila,
atividade de sopesamento entre razões, e que as duas regras permane- "essa regra proíbe ao juiz determinar, por medida liminar, o forneci-
cem, portanto, válidas, ainda que possam entrar em conflito no caso mento de remédios pelo sistema de saúde a quem deles necessitar para
concreto. viver". 59 A segunda regra decorre da interpretação do art. 1!! da Lei
Uma questão parece-me fundamental para o início da análise des- 9.908/1993 do Estado do Rio Grande do Sul, que obriga que o juiz
se caso: com base em que parâmetros essas duas normas em colisão determine, se for o caso por medida liminar, a concessão de remédios
toram classificadas como regras? Responder a essa pergunta parece- pelo sistema de saúde a quem deles necessitar para viver. 60
me de fundamental importância, mas Ávila não o faz. Ao que tudo
indica, essa é uma situação muito semelhante àquela que usei como
58. Sobre esse problema, clássico no âmbito da filosofia moral, cf., por exem-
exemplo em trabalho acima citado.''7 Duas normas regem a vida de plo. W. D. Ross, The Rig/il and the Good, pp. 19 e ss. e 30 e ss.: Richard M. Ilare,
Moral Thinking, pp. 27 e ss. e 38 e ss.; Kurt Baier. The Moral foinf o/View. pp. 102
e ss.; John Searle, ''Prima Fade Obligations", in Joseph Ra/ (org.), Practical Kea.to-
55. Cl. Virgílio Afonso da Silva. "Princípios e regras: mitos e equívocos acerca ning, Oxford: Oxford University Press, 1978, pp. 84 e ss.; Bernard Williams. "Con-
de uma distinção", pp. 616-617.
flict of Values". pp. 73 e ss.
56. Ct. Humberto Ávila, Teoria dos princípios, p. 53.
59. Humberto Ávila, Teoria dos princípios, p. 53.
57. Cf. Virgílio Afonso da Silva, "Princípios e regras: mitos e equívocos acerca 60. Trabalho, aqui, com a interpretação que Humberto Ávila ta/ do disposto no
de uma distinção", pp. 618-619.
mencionado artigo da lei estadual do Rio Grande do Sui, ainda que não me pareça que
62 D I R h l I O S l l \ D A M i : N I A I S : CONTKl'ilX> K S S K N r i A I . . KHSTRICÕliS Y: EFICÁCIA PONTO !>!•: PARTIDA: A TEORIA DOS PRINCÍPIOS dj

Segundo Ávila: "Embora essas regras instituam comportamentos He refinamentos de Ávila sejam procedentes.61 O segundo requisito é
contraditórios, uma determinando o que a outra proíbe", não seria ne- também trivial, mas muitas vezes passa despercebido: refinar e desen-
cessário "declarar a nulidade de uma das regras, nem abrir uma exce- volver classificações mais gerais só faz sentido na medida em que o
çao a uma delas". 61 Segundo ele: "O que ocorre é um conflito concreto objeto de estudo assim exige e, sobretudo, se tais refinamentos tiverem
entre as regras, de tal sorte que o julgador deverá atribuir um peso como resultado um ganho em clareza analítico-conceitual. 64 Tampouco
maior a uma das duas. em razão da finalidade que cada uma delas visa parece ser o caso. Isso ficará claro mais adiante, quando for analisada
a preservar: ou prevalece a finalidade de preservar a vida do cidadão, a rev,r(-i da. proporcionalidade, que Ávila classifica como um "postulado
ou se sobrepõe a finalidade de garantir a intangibiliclade da destinação normativo aplicativo". 65 Mas não somente a adição dessa categoria não
já dada pelo Poder Público às suas receitas". 62 traz ganhos em clareza analítico-conceitual. Também as redefinições que
Ávila sugere para os conceitos de regra t princípio mais confundem
Não me parece, contudo, que esse raciocínio deva ser levado a ca- que esclarecem a distinção. Confundem sobretudo por inserirem um
bo pelo juiz, ao decidir o caso. Parece-me muito claro que há, sim, a sem-número de elementos nas definições, que, além de dificultarem so-
instituição de uma exceçao, decorrente de uma relação de especialida- bremaneira sua inteleccão, não são elementos imprescindíveis acorre-
de e generalidade, regida pela máxima le.\~ specialis derogat lex gene- ta e suficiente distinção entre os dois conceitos.66
rali. Se o demandante corre risco de vida e, para tanto, somente a rá-
pida decisão - liminar - do juiz pode salvá-lo, estamos diante do dever
especial. Nos outros casos, não presente a exceçao baseada na especia- Com isso, conclui-se este capítulo, que pretendia expor, breve-
lidade, aplica-se a norma geral. Espaço para sopesamento não há. mente, um dos pressupostos teóricos do presente trabalho. O mais
importante, neste ponto, era fixar conceitos. Assim, sempre que se
H mencionar o conceito de princípio, neste trabalho, deverá ser ele
2.3.3 Conclusão
Como tentei demonstrar nos tópicos anteriores, as críticas de Hum- 63. Em muitos casos as propostas de Ávila não são meros refinamentos, mas
rejeições dos pressupostos que aqui são tomados como correios.
berto Ávila aos pressupostos teóricos do presente trabalho, consubs- 64. Em sentido semelhante, cf. Martin Borowski, Grundrechte ais Prin-ipien,
tanciados sobretudo na teoria dos princípios, não são convincentes. É p. 77.
claro que é sempre possível - e, muitas vezes desejável - refinar uma 65. Cl. Humberto Ávila, Teoria dos princípios, p. 162.
66. Analisar um a um os termos das definições de Ávila exigiria mais espaço
classificação e seus conceitos. Mas há dois requisitos essenciais aos que o disponível neste trabalho, que não é, como já mencionado acima (cf. tópico
quais não se pode deixar de dar a devida atenção. O primeiro deles é 2. l ) , um trabalho específico sobre a distinção entre regras e princípios. Apenas como
mais que óbvio: refinamentos só fazem sentido se teoricamente pro- finalização deste ponto - em nota de rodapé - transcrevo a seguir as definições de
"princípio" e "regra" propostas por Ávila. Talvez a transcrição seja suficiente, nos
cedentes. Não me pareceu, pela análise feita acima, que as propostas limites deste trabalho, para ilustrar o que pretendi salientar com relação a uma even-
tual falta clareza analítico-conceitual. Segundo Ávila, princípios são "normas imedia-
tamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementari-
de seu texto decorra a norma apontada por ele. O art. 1a da Lei 9.908/1993 do Estado dade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação
do Rio Cirande do Sui dispõe o seguinte: "O Estado deve fornecer, de forma gratuita, entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida
medicamentos excepcionais para pessoas que não puderem prover as despesas com como necessária à sua promoção"; já regras são "normas imediatamente descritivas,
os referidos medicamentos, sem privarem-se dos recursos indispensáveis ao próprio primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para
sustento e de sua família." Não é possível aqui, contudo, entrar em detalhes acerca do cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalida-
papel do juiz na implementação de políticas públicas, como é o caso. de que lhes dá suporte ou nos princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes,
61. Humberto Ávila, teoria doa princípios, p. 53. entre a construção conceituai da descrição normativa e a construção conceituai dos
62. Idem (sem gritos no original). fatos" (Teoria dos princípios, pp. 78-79).
64 DIKHITOS F U N D A M E N T A I S : ( OM Kl I X ) l ;SSHNCI AI.. RI-.S l RI(,'()i;s li KFICÁCIA

compreendido como mandamento de otimização, ou seja, como norma


que garante direitos ou impõe deveres prima fade. Não se fará, portan-
to, referência a princípio como disposição fundamental de um sistema,
ou algo semelhante. O mesmo vale para as regras: quando menciona-
das, estarão sempre em contraposição aos princípios, ou seja, como
normas que garantem direitos ou impõem deveres definitivos.
Capítulo 3
O SUPORTE FÁTICO
DOS DIREJTOS FUNDAMENTAIS

3.1 Introdução. 3.2 Conceito* de suporte fático: 3.2.1 Elementos


do conceito de suporte fático - 3.2.2 Suporte, fático, âmbito de
proteção e intervenção: 3.2.2.1 Âmbito de proteção - 3.2.2.2 Inter-
venção estatal — 3.2.2.3 A composição do suporte fático — 3.2.3 Um
modelo alternativo - 3.2.4 Direi/os a prestações: 3.2.4.1 Direitos
sociais - 3.2.4.2 Direitos a prestações cm sentido amplo. 3.3 Su-
porte fático amplo e suporte /ático restrito: 3.3.1 Suporte fático
restrito: 3.3.1.1 A definição do conteúdo do suporte fático restrito:
3.3.1.1.1 Interpretação histórico-sistemática - 3.3.1.1.2 Âmbito da
norma e especificidade (l-riedrich Múller) 3.3.1.1.3 A prioridade
das liberdades básicas (.lolin Rowls) 3.3. l. 1.4 Laurence Tribe e os
dois caminhos da liberdade de expressão — 3.3.2 Suporte fático
amplo: 3.3.2.1 1'onto de partida: problemas do suporte fático res-
trito: 3.3.2.1.1 Conservadorismo - 3.3.2.1.2 Exclusão a priori de
condutas — 3.3.2.1.3 Regulação e restrição: 3.3.2.1.3.1 Análise de
caso: direito de reunião e ADI l.969 - 3.3.2.1.3.2 Regulamentações
restritivas — 3.3.2.1.3.3 Restrições permitidas — 3.3.2.2 Suporte, fá-
tico amplo: características e consequências: 3.3.2.2.1 Característi-
cas - 3.3.2.2.2 Efeitos - 3.3.3 Análise de casos: 3.3.3.1 Uberdade
de imprensa (ADI/MC 2.566): 3.3.3.1.1 Suporte fático restrito -
3.3.3.1.2 Suporte fático amplo: 3.3.3.1.2.1 Suporte fático amplo e
vedação de censura - 3.3.3.1.2.2 Suporte amplo e possibilidade de
restrição - 3.3.3.2 Sibilo bancário (MS 21.729): 3.3.3.2.1 Suporte
fático restrito — 3.3.3.2.2 Suporte fálico amplo — 3.3.3.3 Análise de
casos: conclusão.

3.1 Introdução
Suporte fático é conceito quase desconhecido no direito consti-
tucional brasileiro. No campo jurídico seu uso é limitado quase que
apenas ao direito penal, no âmbito do qual é também chamado de ti-
O I K I J m S F U N D A M E N T A I S : CONTEÚDO ESSF.NCIAI.. RFSTRirOhS E EFICÁCIA O SUPORTE FÁTICO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

pó',1 ao direito tributário, em que costumam ser preferidas as expres- - fundamental na garantia constitucional da liberdade individual
sões fato gerador2 e hipote.se de incidência',' e ao direito civil, sobre- 1 1 rã o poder estalai".7 Na mesma linha, ainda que no âmbito do
tudo entre os civilistas influenciados por Pontes de Miranda. 4 i -»ito privado, Ponles de Miranda já falava no suporte fálico como
Por que o conceito de suporte fálico quase sempre passou ao lar- Miceito da mais alta relevância para as exposições e as investiga-
go do direito constitucional brasileiro? Parece-me ser, aqui, possível is científicas".'
f o r m u l a r uma hipótese, baseada ern duas variáveis. De um lado, por- Neste capítulo o objetivo central é, ao mesmo tempo, fixar o con-
que o direito constitucional brasileiro, sobretudo o anterior à consti- nído do conceito de suporte fático a ser usado neste trabalho e discu-
tuição de 1988, sempre foi um direito constitucional da organi-acão te
'"- as possibilidades de amplitude desse conceito no âmbito dos direitos
estatal, da organização dos poderes, e menos um direito constitucio- f mdamentais. Como ficará claro, há duas tendências básicas e contra-
nal dos direitos fundamentais.' 1 Como se verá, é no âmbito dos direitos postas nesse ponto: suporte fático amplo vs. suporte fático restrito. A
fundamentais que o conceito de suporte fálico tem sua aplicação por nartir daí, a ligação deste capítulo e do problema da amplitude do
excelência no direito constitucional. De outro lado, porque o método suporte/ático com o pressuposto teórico definido no capítulo 2 reve-
de trabalho analítico é menos comum no direito constitucional brasi- la-se em sua plenitude: ainda que isso não seja, em geral, apreendido
leiro. E é sobretudo a partir da dogmática analítico-conceitual 6 - pre- pela doutrina e pela jurisprudência, aceitar os pressupostos teóricos da
ocupada, entre outras coisas, com uma minuciosa análise conceituai e teoria dos princípios nos moldes desenvolvidos por Alexy implica *•
com a reconstrução de complexos problemas teóricos e práticos a necessariamente a rejeição das teorias restritas sobre o suporte fático.
partir de seus elementos constitutivos mais simples - que a necessida- A não-atenção a essa exigência pode ser, como será exposto ao fim do
de e, sobretudo, a utilidade da definição de um suporte fálico para os capítulo, fonte de inúmeros problemas.^
direitos fundamentais ficam patentes. Não são poucos os autores que,,
nesse sentido, apontam a definição do suporte fálico dos direilos fun-
damentais e sua relação com o conceito de restrição como uma "cons- 3.2 Conceitos de suporte fático
Uma primeira distinção importante, quando se fala em .suporte
1. Cf., por todos. Heleno Cláudio Fragoso. Lições de direito penal: parte (feral. fático. é aquela entre suporte fático abstraio e suporte fático concreto.
14' ed.. Rio de Janeiro: Forense, 1992. p. 153. Suporte fático abstraio é o formado, em linhas ainda gerais, por aque-
2. Cf., por todos, Aliomar Baleeiro. Direito tributário brasileiro. 10a ed.. Rio de les fatos ou atos do mundo que são descritos por determinada norma
Janeiro: Forense. 1981, pp. 454 e ss.
3. Cf., por todos, Alfredo Augusto Becker, Teoria geral do direito tributário, e para cuja realização ou ocorrência se prevê determinada consequên-
São Paulo: Saraiva, 1963, pp. 288 e ss., que critica severamente a utilização da ex- cia jurídica: 10 preenchido o suporte fático, ativa-se a consequência ju-
pressão "fato gerador", mais comumente utilizada pela literatura jurídico-tribiitária
no Brasil.
4. Cf., por todos, Marcos Beniardes de Mello, Teoria do fato jurídico. São Pau- 7. Michael Kloepfer, "Grundrechtstatbestand und Orundrechtsschranken in der
lo: Saraiva. 1991, pp. 33-53. Rechtsprechung dês Bundesverfassungsgerichts". in Christian Starck (org.). Bnndes-
5. Que esse quadro mudou radicalmente desde a promulgação da atual Constitui- verfassnngsgericht und Grundgesetz, vol. II, Tiibingen: Mohr. 1976, p. 407. No
ção é algo que é pacífico. Os constitucionalistas da geração pós-1988. até por uma mesmo sentido, cf. Klaus Stern, "Die Gnindrechte und ihre Schranken". in Peter
exigência da própria Constituição, passaram a dar cada vez mais atenção aos direitos Badura/Horst Dreier (orgs.). Festschrift 50 Jalire Bundesverfassungsgericlit, voj. n.
fundamentais, ainda que haja muitos ainda presos à antiga tradição de ênfase na orga- Tubingen: Mohr, 2001, p. 2.
nização estatal. Para se ter uma boa ideia disso, basta analisar muitos dos manuais de 8. Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, t. I, 4a ed.. São Paulo: Kd. RT,
direito constitucional existentes e ver. em vários casos, a pouca atenção dada aos di- 1983. p. 3.
reitos lundamentais, em favor de temas como organização dos poderes e repartição de 9. Cf., ainda que de forma breve, sobre esse tema, Virgílio Afonso da Silva.
competências. "Interpretação constitucional e sincretismo metodológico", pp. 136-140.
6. Sobre o método dogmático analítico, cf. tópico 1.3. acima. 10. Nesse sentido, cf. Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, t. l, pp. 3-4.
68 DIRlilTOS I I I N D A M H N l AIS: CONTEÚDO HSSIi.NCIAI., RHSTRIÇÕHS H liFICÁCIA o SUPORTE i A rico nos DIRRITOS FUNDAMENTAIS 69

rídica. Suporte fático concreto, intimamente ligado ao abstraio, é a . ao «rande público seu talento, resolve, recorrendo a seu direito
ocorrência concreta, no mundo da vida, dos fatos ou atos que a norma t i a ' s tiuicional
de reunião (CF, art. 5", XVI), fazer um concerto em lo-
jurídica, em abstraio, juridicizou." Na perspectiva deste trabalho, o C -iberto ao público no horário de maior movimento de automóveis,
que mais de perto importa é o primeiro sentido dado ao suporte fático c' ,'ivelljda mais movimentada de sua cidade, em cujas cercanias se
- ou seja, o conjunto de elementos fálicos que a norma jurídica em "' ,'ontram dezenas de hospitais importantíssimos. As autoridades lo-
abstraio prevê e a ele imputa determinada consequência. A verificação L.!-s com fundamento no transtorno para o trânsito, na possibilidade

da ocorrência do suporte fático em sentido concreto dependerá, como V niortes ou piora no quadro de saúde daqueles que têm que ser trans-
ficou claro.'da sua configuração em abstraio. rtados por ambulâncias para os referidos hospitais e, por fim, em
• -ta da dimensão meramente individual, festiva e interesseira do even-
Ainda que, inicialmente, a caraclerização do suporte fálico possa •) resolvem proibi-lo. Diante desse cenário, várias pergunlas são pos-
^ parecer algo simples ou, ainda, despido de grandes consequências teó- •'veis' (a) O ato "x/iow de rock no meio da rua" é exercício do direito
ricas ou prálicas, não é exatamente o que ocorre. Embora normalmen- lê reunião? (b) Há colisão entre o exercício do direito de reunião e o
te sem referência à expressão "suporte fático" ou a alguma teoria so- direito à1 vida daqueles que podem morrer nas ambulâncias em vista
bre ele, é comum que se pergunte se esse ou aquele ato, falo ou eslado dos problemas no trânsito de automóveis? (c) Quais são as formas de
é protegido por essa ou aquela norma que garante um direílo funda- resolver o problema? Sopesamenlo entre direitos? Delimilação de um
mental, ou se essa ou aquela ação eslatal configura, ou não, uma inter- deles? Exclusão de determinadas situações - por exemplo, "show de
venção nesse âmbito de proteção. Essa é - embora ainda superficial- rock no meio da rua" - da garantia de algum dos direitos envolvidos?
mente falando - uma discussão sobre a configuração do suporte fático As respostas a essas pergunlas dependem, enlre oulras coisas, da
dos direitos fundamentais. Assim, as consequências do que se entende definição do que seja suporte fálico, da análise dos elementos que o
por suporte fático e, sobretudo, de sua extensão são enormes e de vital - compõem e, por fim, da fundamentação de sua extensão. Esses são os
importância na teoria e na prática dos direitos fundamentais. E essas problemas que guiam a análise deste capítulo. E, como se verá mais
consequências não são somente o incluir determinada conduta no su- adiante, definir o conceito de suporte fático dessa ou daquela maneira
porte fático de um direito fundamental ou dele a excluir. Embora essa tem importantes consequências na forma de conceber o conteúdo es-
já fosse, em si, uma consequência prática de grande importância, há sencial dos direitos fundamentais.
outras que, a despeito de seu significado, costumam passar desperce-
bidas. A forma de aplicação dos direitos fundamentais - subsunção,
sopesamenlo, concretização ou outras - depende da extensão do su- 3.2.1 Elementos do conceito de suporte fático
porle fálico; as exigências de fundamentação nos casos de reslrição a
Pelo menos em sua função de defesa - ou seja, como liberdade
direilos fundamentais dependem da configuração do suporte fático; a
pública -, o conceito de direito fundamental é formado por uma série
própria possibilidade de restrição a direitos fundamentais pode depen- de elementos que podem - e devem - ser analiticamente distinguidos.12
der do que se entende por suporte fático; a exislência de colisões enlre Isso porque, além da exigência que um enfoque analítico impõe no sen-
direitos fundamentais, às vezes tida como pacífica em muitos traba- tido dessa distinção, será facilmente perceplível - como já se mencionou
lhos e decisões judiciais, depende também de uma precisa determina- acima - que as diversas formas de se encarar os fenómenos das reslri-
ção do conceito de suporte fático. ções aos direilos fundamentais e da definição de seu conteúdo essencial
Um exemplo simples pode ilustrar vários desses problemas. De- dependerão da configuração desses diferentes componentes.
terminado grupo musical, frustrado com a impossibilidade de demons-
12. Sobre essa distinção analítica no âmbito dos direitos sociais, cf. tópico
1 1 . Iclem. p. 4. 3.2.4.1.
70
DÍGITOS I-1INDAMHNIALS: CONTHUDO liSSENCIAL. RFSTRKms l- H H C A C I A
O SIJPORTK FÁTICO DOS D I K I T I O S l l : M > A M l - N l AIS 71

Mesmo que apenas intuitivamente e de forma superficial, é pos- Os textos normativos nos quais tais normas se baseiam têm redação
sível perceber que as liberdades públicas têm como função primordial
bem diferente. Assim é que a constituição, em seu art. 5-, caput, decla-
proteger algo contra intervenções indevidas. Essa simples percepção ra que "todos são iguais perante a lei"; no inciso IV do mesmo artigo
exige, de pronto, a definição do que é esse algo. qual a sua extensão e
dispõe que "é livre a manifestação do pensamento, (...)"; ou no inciso
quais são os tipos possíveis de intervenção. O que mais interessa aqui
X, também do mesmo artigo, que "são invioláveis a intimidade, a vida
é, sem dúvida, a definição daquilo que é protegido e sua relação com
as possíveis intervenções." privada, a honra e a imagem das pessoas". A definição do suporte fático
nesses casos é menos intuitiva que nos casos dos tipos penais. Quatro
perguntas são, aqui, necessárias: (1) O que é protegido? (2) Contra o
3.2.2 Suporte fático, âmbito de proteção e intervenção quê? (3) Qual é a consequência jurídica que poderá ocorrer? (4) O que
é necessário ocorrer para que a consequência possa também ocorrer?
Ao contrário do que ocorre em outros ramos do direito - sobretu- Ao contrário do que se poderia imaginar, a resposta que define o
do no direito penal —, a definição do que seja suporte fático a partir da suporte fático não é apenas a resposta à primeira pergunta. Quando se
redação dos dispositivos constitucionais que garantem direitos funda- fala, portanto, que "todos são iguais perante a lei", não é a definição
mentais é algo bastante contra-intuitivo. Como foi visto acima, em do que é protegido - a igualdade - suficiente para se definir o suporte
definição ainda preliminar, o preenchimento do suporte fático de uma fático. Aquilo que é protegido é apenas uma parte - com certeza, a
norma é condição para que sua consequência jurídica possa ocorrer. mais importante - do suporte fático. Essa parte costuma ser chamada
No caso das disposições de direito penal - como, por exemplo, aquela de âmbito de proteção do direito fundamental. Mas para a configura-
que veda o homicídio - a definição do suporte fático é razoavelmente ção do suporte fático é necessário um segundo elemento - e aqui entra
simples. O art. 121 do código penal, por exemplo, dispõe: "Matar al- a parte contra-intuitiva: a intervenção estatal. Tanto aquilo que é pro-
guém: Pena - reclusão de seis a vinte anos". Para que a consequência tegido (âmbito de proteção) como aquilo contra o qual é protegido
jurídica possa ocorrer é necessária apenas a ocorrência daquilo que o (intervenção, em geral estatal) fazem parte do suporte fático dos di-
dispositivo descreve, ou seja, que alguém seja morto por outra pessoa. reitos fundamentais. 14 Isso porque a consequência jurídica - em geral,
Muito diferentes são as disposições que consagram direitos funda- a exigência de cessação de uma intervenção - somente pode ocorrer
mentais. Como definir o suporte fático de normas corno as que garan- se houver uma intervenção nesse âmbito.
tem a igualdade, a liberdade de expressão ou o direito à privacidade? Um simples exemplo pode ilustrar essa composição dual do su-
porte fático. Aquele que todos os dias, antes de dormir, ora em agra-
13. Em geral, é possível falar em intervenções decorrentes de atos estatais e de decimento ao seu deus exerce algo protegido pela liberdade religiosa.
atos entre particulares. Essa dualidade não será aqui tratada, pois isso extrapolaria os A ação "orar antes de dormir" é abarcada, sem dúvida alguma, pelo
limites da análise. Além disso, não há necessidade, nos limites deste trabalho, de âmbito de proteção da liberdade religiosa (CF, art. 5-, VI). Mas a
distinguir entre essas duas formas de intervenção, sendo possível tratá-las como um
todo. Sobre as intervenções nos direitos fundamentais a partir de atos particulares, c f.: consequência jurídica típica de um direito de liberdade - como é o
Ingo Wolfgang Sarlet, "Direitos fundamentais e direito privado: algumas considera- caso da liberdade religiosa - não ocorre. Como direito de defesa, essa
ções em torno da vinculação dos particulares aos direitos fundamentais", i ti Ingo consequência é a exigência de cessação de uma intervenção. Isso sim-
Wolfgang Sarlet (org.), A constituição concretizada. Porto Alegre: Livraria do Advo-
gado. 2000: 107-163; Wilson Steinmetz, A vinculação dos particulares aos direitos
fundamentais, São Paulo: Malheiros Editores, 2004; Daniel Sarmento. Os direitos
fundamentais nas relações privadas. Rio de Janeiro: Lunien Júris, 2004 e Virgílio 14. Cf., por todos: Rolf Eckhoft, Der Grundreclitseingnff, Kõln: Heymann,
Afonso da Silva, A constitucionalizarão do direito: os direitos fundamentais nas re- 1992, pp. 20-21; Martin Borowski, Grundrechte ais Prinzipien, p. 185. Cf., no entan-
lações entre particulares. I a ed., 2 a tir. São Paulo: Malheiros Editores, 2008. to, o tópico 3.2.3, no qual será inserido um terceiro elemento no conceito de suporte
fático - a ausência de fundamentação constitucional.
72
DIKI.ITOS R M M M H N T A L S : CONTKÚUO HSSF.NCIAI.. RI.STR1VÒHS F. lil-ICACIA
O S l i | > O R I K FÁTICO I)OS DIRFITOS FVNDAMIiNTAIS 73

plesmente porque o suporte fálico dessa liberdade não foi preenchido,


pois não houve qualquer intervenção naquilo que é prolegido pela li- siçáo jurídica que tenham qualquer característica que, isoladamen-
berdade religiosa. le co nsiderada, faça parte do "âmbito lemático"''' ou do "âmbito da
•ida""" de uni determinado direito fundamental; ou é necessária algu-
Neste ponto, duas observações devem ser feitas: ( l ) pode ser que
ina fonna de "triagem" prévia, que exclua algumas condutas sabida-
o modelo apresentado seja um modelo adequado para a reconstrução
mente proibidas dessa proteção. Como se verá adiante, essas duas va-
analítica das liberdades públicas - resta saber se o é também para os
riantes, que podem ser, aqui, chamadas de âmbito de proteção amplo
direitos sociais; 11 (2) mesmo no âmbito das liberdades públicas poder-
L- restrito, estão na base de duas formas diversas cie suporte fático. tam-
se-ia di/.er que esse modelo as encara de forma reducionista, como se
f^Tn" denominadas ampla e restrita.
fossem elas apenas direitos de defesa contra intervenções;"' é neces-
sário, então, que também seja testada sua adequação a outras funções
(positivas) das liberdades públicas. 17
i.2.2.2 Intervenção estatal
Antes, porém, de enfrentar essas questões, é necessária uma aná-
lise mais detalhada dos componentes do suporte fático dos direitos Como se viu acima, além do âmbito de proteção - ou seja, daqui-
fundamentais; o que será feito nos próximos tópicos. lo que define o que é protegido por uma norma de direito fundamental
-, o conceito de suporte fático engloba também a intervenção estatal.
Nesse sentido, o suporte fático somente é preenchido se o Estado in-
3.2.2. l Âmbito de proteção lervier na esfera de liberdade prolegida de um indivíduo. Também o
conceito de intervenção estalai pode ser definido de formas mais am-
A definição do âmbito de proteção de um direito fundamental res- pjjis_e_mciis_restritas. Como será visto mais adiante, é possível disculir.
ponde à pergunta acerca de que atos, fatos, estados ou posições jurí- por exemplo, se meras regulamenlações quanto a formas, locais ou ho-
dicas são protegidos pela norma que garante o referido direito. Âmbi- rários de exercício de um direito fundamental constituem uma inter-
to de proteção é, nesse sentido, "(•••) o âmbito dos bens protegidos por venção, ou não.
um direito fundamental"; e bens protegidos, nessa definição, "são
ações. estados ou posições jurídicas nos respectivos âmbitos temáti-
cos de um direito de defesa". 18 O conceito abstraio de âmbito de pro- 3.2.2.3 A composição do suporte fático
teção não oferece, inicialmente, grandes problemas. Estes surgem a
partir da necessidade de se definir, em concreto, quais são, de falo, os Segundo autores como Alexy e Borowski, o conceito de suporte
bens protegidos e quais não são. Para essa pergunta há duas respostas l ático é composto pela soma de dois elementos: o_âmbiro de proteção
básicas possíveis; ou se inclui nesse âmbito toda ação, falo, estado ou e a intervenção.^^ Além desses dois elementos - e, segundo esses au-
tores, a eles contraposta - estaria a fundamentação constitucional.
15. Cf. tópicos 3.2.4 e 3.2.4.1.
16. Nesse sentido, c f. Michael Klopfer, "Grundrecht.statbestand und Grundre- 19. Cf.: Martin Borowski. Grundrechte ais Prinzipien, p. 184; Wolfram Cre-
chtsschranken in der Rechtspreclumg dês Bundesverfassungsgerichts", in Christian mer. "Der Osho-Beschluss dês B VerfG", JnS 43 (2003), p. 748; Dietrich Murswiek,
Starck (org.), BnndesverfcniSHngsgfricht und Gnindge.setz, vol. II, Tubingen: Mohr. "Das Bundesverfassungsgericht und die Dogmatik mittelbarer Grundrechtseingriffe".
1976. p. 409. NVw'/.22 (2003), p. 3.
17. Cf. tópicos 3.2.4 c 3.2.4.2. 20. O conceito "âmbito da vida" é utilizado por Bodo Pieroth/Bernhard Schlink,
18. Martin Borowski. Grundrechte ais Prinzipien, p. 184. Cf. também Klaus Gnindreclite - Staiitsreclit II, 16a ed., Heidelberg: C. F. Miiller, § 195, p. 50. Os auto-
Stern. Das Staatsrecht der Bitndesrepublik Deiitschland, vol. Ill/1, Munchen: Beck. res, no entanto, rejeitam a acepção ampla do conceito que se acaba de formular.
1988. pp. 624. 643 e 653. 21. Cf. Robert Alexy, Thcorie der Grundrechte, pp. 275 e ss. [tradução brasilei-
ra: pp. 304 e ss.]. e Martin Borowski. Grundrechte uls Prinzipien. p. 188.
74
n i R H I K X S l U N D A M H . M A I S . CONTf-.ÚDO h.SSKNf T A I . . R K S TRICÕFÍS I: lílTCÁCIA
O Sl'1'ORTH l ATIÇO OOS D I R I T 1 O S I•'! i N I ) A M I i N T A I S

cuja ausência daria ensejo à consequência jurídica do direito funda- fático não apenas como ( A P x e ÍEx), mas incluir nesse conceito a
mental em questão. Contudo, quando se falar, neste trabalho, em su-
sênciíi de fundamentação constitucional.24
porte fático. o conceito será um pouco distinto desse, nos termos que
serão analisados a seguir. --> Além disso - e essa é a .segunda parte do problema, de caráter
iais lógico-formal -, como a fundamentação constitucional refere -
tão-somente à intervenção estatal, não faz sentido insistir que ela
3.2.3 Um modelo alternativo „„ v . ., seja contraposta à soma de APx e ÍEx. Por isso. ao invés de se falar,
r C. "- t v t--v»» n^1* ~\x j^>vc'Vx{vt> ii como faz Borowski, em se (APx e ÍEx) e não-FCx. então CJx, faz
C ~3 -- Cjô»->.V» ^iy«j-\_ft'^ ^j \s i—~~efo"Ce»
Como ponto de partida, o modelo proposto por Alexy e defendido mais sentido que se fale se APx e não-FC(IEx\, então CJx. Ou seja:
por Borovvski deve ser aceito. Mas não sem algumas modificações. se v é algo garantido pelo âmbito de prpteção de algum direito fun-
Como foi visto acima, tanto Alexy quanto Borovvski chamam de su-
damental (APx) e se não há fundamentação constitucional para uma
porte fático a soma do âmbito de proteção (AP) e da intervenção es-
ação estatal que intervém em x (não-FC(IEx)), então, deverá ocorrer
tatal (IE). A esse suporte fático é contraposta a chamada fundamenta-
a consequência jurídica prevista pela norma de direito fundamental
ção constitucional (FC). Na formulação de Borovvski: se (APx e_[Ex_)
para o caso de .v (CJx). 25
e_não-FCx, então CJx.22 Nessa formulação, x consiste em uma ação,
um estado ou uma posição jurídica. Isso significa, segundo Borowski, Para ilustrar o que aqui se quer dizer utilizarei um exemplo que
que: se .v é algo protegido pelo âmbito de proteção de algum direito será analisado com maiores detalhes mais adiante. 26 O art. 4a, § 1 Q , da
fundamental (APx) e se há uma ação estatal que intervém em x (ÍEx), Lei 9.612/1998 proíbe o "proselitismo de qualquer natureza" nas
e se essa intervenção não é fundamentada (não-FCx), então, deverá emissoras comunitárias de radiodifusão. Se substituirmos x, no mode-
ocorrer a consequência jurídica prevista pela norma de direito funda- lo acima, por "proselitismo", teríamos o resultado do modelo para o
mental para o caso de .v (CJx*), que é, em geral, uma exigência de ces- caso concreto, ou seja: se "proselitismo" é garantido pelos âmbitos de
sação da intervenção estatal. :i proteção da liberdade de expressão e da liberdade de imprensa (APx)
> E_ qual é o problema desse modelo? O problema reside, em pri- e não há fundamento constitucional para a vedação desse proselitismo
meiro lugar, na definição de suporte fático como a junção apenas do (não-FC(IEx)), então, vale, em relação a.r (proselisitmo), a consequên-
âmbito de proteção e da intervenção estatal (APx e ÍEx). Ora, se su- cia jurídica do direito de liberdade em jogo, isto é, no caso de x (pro-
porte fático são os elementos que, quando preenchidos, dão ensejo à selitismo) vale a consequência jurídica das normas que garantem as
realização do preceito da norma de direito fundamental, é facilmente liberdades de expressão e de imprensa, que é a exigência de abstenção
perceptível que não basta a ocorrência desses dois elementos para que estatal nesse âmbito e da cessação de eventual intervenção não funda-
a consequência jurídica de um direito de liberdade seja acionada. É mentada. 27
ainda necessário que não haja fundamentação constitucional (não-FC)
para a intervenção. Se houver fundamentação constitucional para a
24. Alexy e Borowski não ignoram esse conceito ampliado de suporte fático e
intervenção estar-se-á diante não de uma violação, mas de uma restri- o denominam de "suporte fático em sentido amplo" (cf. Robert Alexy, Theorie der
ção constitucional ao direito fundamental, o que impede a ativaçãojja Grundrechte, 2a ed., p. 277 [tradução brasileira: p. 306J. e Martin Borowski. Grundre-
consequência jurídica (declaração de inconstitucionalidade e retorno chte ais Prinzipien, p. 188). Não é a esse conceito, no entanto, que ambos os autores
ao status quo ante). Por isso, parece-me mais correio definir o supor- tazem menção quando se referem a suporte fático.
25. Em uma formalização lógica, teríamos: (\)(AP.\ -iFC(lEx) <-^> OCJx).
26. Cf. tópico 3.3.3.1.
27. Como já se deixou claro acima, quer-se demonstrar, aqui, a adequação do
22. Em uma formalização lógica, teríamos: (.\)((A/'x A lEx) A -iFCx <^> O(\lx).
23. Cf. Martin Borowski, Griindreclitc ais Prinzipicn. p. 187. modelo apenas para a face negativa das liberdades. Não se quer, com isso, dizer, por-
tanto, que a liberdade de imprensa exige pura e simplesmente uma omissão estatal.
76 DIREITOS FUNDAMENTAIS: CONTEÚDO ESSENCIAL, RESTRIÇÕES E EFICÁCIA
O SUPORTE EATICO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 77
3.2.4 Direitos a prestações
3 2.4-1 Direitos sociais
Como já foi mencionado acima28 - e como se tentou demonstrar
nos tópicos anteriores -, o modelo de suporte fálico composto por Na análise do suporte fálico dos direitos fundamentais, uma pri-
(x)(APx A -iFC(lEx) <-> OCJx)29 é um modelo adequado no traio das meira pergunta a ser respondida é, como se viu: o que é protegido por
chamadas liberdades públicas ou, mais precisamente, da dimensão ne- esses direitos? Intuitivamente, poder-se-ia pensar que, por exemplo,
gativa das liberdades públicas.M Resta saber, contudo, se ele é também no caso do direito à saúde, o protegido é pura e simplesmente a saúde
adequado pqra o trato de direitos que exigem uma ação estatal. A difi- dos indivíduos ou da coletividade. Essa intuição é guiada pelo termo
culdade, nesse âmbito, consiste em definir ou redefinir as variáveis que proteção. Pensar dessa forma é, no entanto, lentar transportar para a
compõem o modelo. Ou seja, é necessário questionar o que faz parte esfera dos direitos sociais o mesmo raciocínio que subjaz ao suporte
l do âmbito de proteção desses direitos (APx); que tipo de ação estatal fálico das liberdades públicas em sua*dimensão negativa. Para per-
configura uma intervenção nesse âmbito (lEx); quando tal intervenção ceber que esse transporte não é possível basta imaginar que, se o pro-
não é fundamentada conslilucionalmenle (-iFC(IEx)); e, sobretudo, qual tegido, no exemplo dado, é simplesmente a saúde dos indivíduos ou
é a consequência jurídica do preenchimento do suporte fálico. da colelividade, a intervenção estatal nesse âmbito protegido leria que
Como se viu anteriormente, o suporte fálico de um direito funda- ser uma intervenção na saúde das pessoas, ou seja, um ato estatal que
mental deve conjugar todos os elementos que, quando preenchidos, dão restringisse alivamenle a saúde dos indivíduos. Como se sabe, os pro-
ensejo à realização da consequência jurídica da norma que garante esse blemas relacionados aos direitos sociais não são dessa ordem. O que
direito. No caso da dimensão negativa das liberdades públicas, o mode- ocorre, nesse âmbito, é a falia de realização dos direitos, decorrente
lo proposto expressava que quando o Eslado intervém no âmbito de em geral de uma omissão eslalal ou de uma ação insuficiente. Em su-
proteção de um direito fundamental, e essa intervenção não é suficien- ma: lanlo o conceito do que é protegido quanto o conceito de inter-
temente fundamenlada, devetocorrer a consequência jurídica da liberda- venção lêm que ser modificados.
de, que é a exigência de abstenção estatal. Ou seja, no processo de con-
trole de constitucionalidade, se se verifica o preenchimento do suporte Se "proteger direitos sociais" implica uma exigência de ações es-
fálico (intervenção não-fundamentada no âmbito de proteção de um lalais, a resposla à pergunla "o que faz parte do âmbito de proteção
direito), a consequência jurídica (exigência de abstenção estatal) consis- desses direitos?" tem^çnjg^jecessariamente, incluir ações. "Proteger
te, em geral, na declaração da inconstilucionalidade da intervenção em direitos", nesse âmbito, significa "realizar direitos". Por isso, pode-se
questão (lei, medida provisória ele.) e na volla ao status quo ante. dizer que o âmbito de vrotecão de um direito social é composto pelas
No caso de direitos que exigem preslações, e não meras omissões ações estatais que fomentem a realização desse direito.
estatais, é preciso reavaliar todas as variáveis. É o que será feito a Também o conceito de intervenção esfntaj precisa ser invertido.
seguir. 31
No caso da dimensão negativa das liberdades públicas, intervir sig-
nificava agir de forma reslriliva ou reguladora no âmbito de proteção
28. Cf. tópico 3.2.2, parte final. de uma liberdade. Aqui, na esfera dos direitos sociais, é justamente
29. Ou seja: se x é algo protegido pelo âmbito de proteção da algum direito fun- o contrário: intervir, nesse senlido, é não agir ou agir de forma in-
damental (APx) e se não há fundamentação constitucional para uma ação estatal que suficiente.
intervém em .v (não-FC(IEx)), então, deverá ocorrer a consequência jurídica prevista
pela norma direito fundamental para o caso de x (CJx). O último elemento do suporte fálico, ligado ao conceito de in-
30. Sobre outras dimensões das liberdades públicas, c f. tópico 6.7.2.2. tervenção, é a sua/undamentaçãn constitucional A única diferen-
31. Para desenvolvimentos em sentido semelhante, cf. Martin Borowski. Gnmd- ça, aqui, em relação ao que foi exposto no âmbito das liberdades
reclite ais Prinzipien, pp. 254 e ss. e 307 e ss.
públicas reside no fato de que o que se tem que fundamentar não é
78
DIREITOS FUNDAMENTAIS: CONTEÚIXJ RSSKNClAL. RESTRIÇÕES R HFICÂCIA
O SUPORTt-; FATICO DOS DIRLITOS FUNDAMKNTAIS 79

uma ação, mas uma omissão ou, alternativamente, uma açao insu-
ficiente. 3 2 crie as instituições e os procedimentos necessários ao seu exercício.
jsjo caso dos direitos políticos basta que se pense na realização de elei-
Definidos os elementos do suporte fático dos direitos sociais, res- ções, na organização de uma Justiça Eleitoral e na criação de um arca-
ta, para completar o modelo, a definição da consequência jurídica, isto bouço legal regulador do processo partidário-eleitoral (código elei-
é, o que acontece quando o suporte fático é preenchido. Em outras toral, lei dos partidos políticos etc.). Os direitos decorrentes desses
palavras: o que acontece quando uma ação estatal que poderia fomen-
deveres estatais são os direitos a prestações em sentido amplo, e se di-
tar a realização de um direito social não é realizada e, para isso, não
ferenciam dos direitos sociais na medida em que não têm como obje-
há fundameritação jurídico-constitucional? A resposta somente pode
ser: há um direito definitivo à realização dessa ação.33 tivo a realização de uma igualdade material entre os indivíduos, que é
o escopo por excelência desses últimos.
Em resumo: se .v é uma ação estatal que fomenta a realização de •
um direito social (DSx) e a inércia (ou insuficiência) estatal em rela- Pode-se dizer que, da mesma forma que ocorre com os direitos
ção a x (IEx) não é fundamentada constitucionalmente (->FC), então, sociais, o suporte fático dos direitos a prestações em sentido amplo tem
a consequência jurídica deve ser o dever de realizar .r (Ox).34 que ser, reformulado e não pode ser o mesmo da dimensão negativa das
liberdades públicas. Dadas as semelhanças estruturais entre os direitos
sociais e os direitos a prestações em sentido amplo (direitos de prote-
3.2.4.2 Direitos a prestações em sentido amplo ção e direitos a organizações e procedimentos), já que ambos exigem
um fazer estatal com o objetivo de realizar tais direitos, é possível afir-
Nem todo direito a prestações é um direito social.35 Como será mar que a reformulação já levada a cabo no tópico anterior é adequada
analisado brevemente em tópico mais ao fim deste trabalho,36 também
também para os direitos a prestações em sentido amplo.
as liberdades públicas e os direitos políticos exigem uma prestação •
estatal. No caso das liberdades pode-se dizer, por exemplo, que elas
exigem que o Estado aja no sentido de protegê-las e, além disso, que 3.3 Suporte fático amplo e suporte fático restrito
O principal debate a ser travado neste capítulo, para o qual as
32. Uma ação insuficiente pode. no entanto, ser concebida como uma omissão,
já que o que se tem que fundamentar é a parte "insuficiente", ou seja, aquilo que não
análises dos tópicos anteriores serviram de preparação, diz respeito à
tbi feito, pois não faria sentido controlar a parte já realizada. amplitude do suporte fático dos direitos fundamentais. Como será vis-
33. Este é um ponto que exige cautela. Uma análise mais apressada poderia to ao longo de todo o trabalho, a "simples" decisão por um suporte
compreendê-lo como uma defesa da intervenção do Judiciário sempre que não houver fático amplo ou por um suporte fático restrito - cujos conceitos serão
a realização de um direito social. Uma leitura atenta, contudo, revelará que a não-
realização é apenas um dos requisitos que podem dar ensejo à ação do juizes nesse analisados a seguir - tem efeitos na definição de como controlar as
âmbito. Além desse requisito, é necessário também que se analise se há, ou não, há restrições aos direitos fundamentais, na fundamentação do conteúdo
fundamentação jurídico-constitucional para a omissão. Somente nos casos de omissão essencial dos direitos fundamentais e, como será visto no capítulo 6,
infundada pode haver alguma margem de ação para os juizes nesse âmbito. Cf., sobre será decisiva no debate acerca da eficácia das normas constitucionais
isso. o tópico 6.9.3.
34. Nas formulações lógico-formais, O é o operador deôntico para "dever". que garantem direitos fundamentais.
A formulação completa do suporte fático dos direitos fundamentais seria, portanto:
(x)(DSx A -iFC(lEx) <-> Ox) - ou seja, para toda ação x vale: se x fomentar a reali-
zação de um direito social e não houver fundamentação para a não-realização de x, 3.3.1 Suporte fático restrito
então, .v deve ser realizada.
35. Nesse sentido, cf.. por todos, Robert Alexy. Theorie der Grundrechte, pp. A característica principal das teorias que pressupõem um suporte
395 e ss. e 454 e ss. [tradução brasileira: pp. 433 e ss. e 499 e ss.].
36. Cf. tópico 6.7.2.2. fático restrito para as normas de direito fundamental é a não-garantia_
a algumas ações, estados ou posições jurídicas que poderiam ser, em
D j ^ r ^ - ^- r -
80 DIREITOS FUNDAMENTAIS: CONTEÚDO ESSENCIAL, RESTRIÇÕES E E E I C A C I A o SUPORTE KA TICO DOS D I R E I ros FIÍNDAMENTAIS si

abstraio, subsumidas no âmbito de proteção dessas normas. Na juris- que se falar em restrição a direitos fundamentais e, sobretudo, não há
prudência do_STF é possível encontrar com frequência, ainda que sem espaço para se falar em sopesamento entre princípios. 41 José Carlos
referência a uma teoria sobre o suporte fálico dos direitos fundamen- Vieira de Andrade, por meio de diversas questões - meramente retó-
tais, argumentos que se baseiam em uma exclusão, u priori, de algu- ricas -, exprime bem o que se pode entender por suporte fálico restri-
ma ação, estado ou posição jurídica do âmbito de proteção de alguns to (e sua relação com a ideia de colisão entre princípios e o sopesa-
direitos. Em alguns casos é possível que essa exclusão seja até mesmo mento). Enlre outras, formula ele as seguinte perguntas: "(...) terá
intuitiva." Mus a intuição não é suficiente. Assim, por exemplo, quan- sentido invocar a liberdade religiosa para efectuar sacrifícios huma-
do o Min. Celso de Mello afirma, no HC 70.814, que "a cláusula tutelar nos ou, associada ao direito de contrair casamento, para justificar a
da inviolabilidade do sigilo epistolar não pode constituir instrumento de poligamia ou a poliandria? Ou invocar a liberdade artística para legi-
(salvaguarda de práticas ilícitas",'8 ou quando o Min. Maurício Corrêa timar a morte de um aclor no palco, pífra pintar no meio da rua, ou
sustenta, no HC 82.424, que "um direito individual não pode servir de para furtar o material necessário à execução de uma obra de arte'? (...)
salvaguarda de práticas ilícitas, tal como ocorre, por exemplo, com os Ou invocar a liberdade de reunião para utilizar um edifício privado
delitos contra a honra",19 essas são exclusões a priori de condutas do sem autorização, ou a liberdade de circulação para atravessar a via
âmbito de proleção de alguns direitos fundamentais (sigilo de corres- pública sem vestuário (...)?".42
pondência - art. 5!!, XII - e liberdade de expressão - art. 51J. I V ) . A resposta a Iodas as perguntas, como se pode imaginar, é - e só
No entanto, nem sempre isso é assim tão simples. Quando o Min. pode ser -, para Vieira de Andrade, negativa. A fundamenlação é sim-
Sepúlveda Pertence afirma que o sigilo bancário não é garantido pela ples, e merece lambem ser transcrita: "Nestes, como em muitos outros
"intimidade protegida no inciso X do art. 5a da constituição federal",40 casos, não estamos propriamente numa situação de conflito entre o
está ele, da mesma forma que ocorre nos exemplos tio parágrafo an- direito invocado e outros direitos ou valores, por vezes expressos atra-
terior, excluindo de antemão ima conduta, um estado ou uma posição
jurídica do âmbito de proteção de um direilo fundamental. A conse- 41. Uma decisão de 2003, ainda em primeira instância, pode ilustrar bem essa
quência dessa exclusão não é pequena: de acordo com ela, não impor- consequência. Em 1981, Raul Fernando do Amaral Street, conhecido como "Doca
ta que interesses haja na proteção do sigilo bancário dos indivíduos, Street", foi condenado, por homicídio cometido em 1976, a 15 anos de reclusão.
essa é uma proteção que a lei ordinária criou e que, portanto, poderá Muito depois de sua libertação, em 1987. a Rede Globo de Televisão produziu e
abolir quando quiser. E - o que é mais importante: para isso não é transmitiu, em 2003, um programa de TV sobre o caso. Doca Street tentou, na época,
proibir a transmissão, mas sem sucesso. Posteriormente pleiteou ele indenização em
necessária nenhuma fundamentação constitucional. Bastam juízos de razão disso. O Juiz da 19a Vara Cível do Rio de Janeiro, em sua decisão, baseou-se
conveniência e oportunidade. Em outras palavras: se o sigilo não é no seguinte argumento: "O programa em questão não é, em absoluto, o que se pode
protegido pelo direito à privacidade - ou por qualquer outra norma de chamar de informação jornalística, razão pela qual se afasia aqui qualquer discussão
direito fundamental -, isso significa que intervenções nesse sigilo ou a respeito da ponderação de interesses no embate entre a liberdade de informar, asse-
mirada pela Constituição, e o direito à privacidade do indivíduo, também assegurado
sua total abolição são questões meramente legais, e excluídas, portan- pela Constituição". Como se percebe, o Juiz parte de um suporte fálico restrito para
to, do controle de constilucionalidade. a liberdade de imprensa e, com base nisso, decide o caso. Bastou, para tanto, excluir
um programa de TV da proteção à liberdade de imprensa.
Em Iodos os casos acima mencionados - e em Iodas as formas de 42. José Carlos Vieira de Andrade. Os direitos fundamentais na Constituição
argumentação que pressuponham um suporte fálico restrito - não há portuguesa de 1976, 3U ed., Coimbra: Almedina, 2004, p. 294. Em sentido semelhan-
te, ainda que com divergências teóricas, cf. Jorge Miranda, Manual de direito consti-
tucional, vol. IV, p. 332: "Pense-se, por exemplo [...] no direito de manifestação:
37. O que não significa que não esteja sujeita a questionamentos apesar de o art. 45", n. 2, nada dizer, poderá haver manifestações a toda hora e em
38. RTJ 176, 1136(1140). todos os lugares?". Cf. também Klaus Stern, "Die Grundrechte und ihre Schranken",
39. RTJ 179,225(270). in Peter Badura/Horst Dreier, Fe.stschrift 50 Jahre Biindesverfassiingsgericht, Tiibin-
40. RTJ 179/225 (270). gen: Mohr, 2001,p. 17.
,S2 DIREITOS l - C N D A M h N T A I . S : COMTIUX) ESSIiNCIAI., RESTRIÇÕES K EFICÁCIA O Sl'1'ORI'l- FÁTICO DOS D I R H I TOS F U N D A M E N T A I S x.í

vês de deveres fundamentais: é o próprio preceito constitucional que * 11 fixação cie uma prioridade estanque das liberdades básicas, na
não protege essas formas de exercício do direito fundamental, é a pró- forma como proposta por John Rawls. 47
pria Constituição que, ao enunciar os direitos, exclui da respectiva Os próximos tópicos são dedicados apenas à exposição dessas
esfera normativa esse tipo cie situações".41 estratégias. As críticas a elas, baseadas no pressuposto teórico deste
A distinção usada por Vieira de Andrade entre conflitos e exclu- trabalho, serão levadas a cabo apenas quando da fixação das principais
são da proteção é fundamental para caracterizar as teorias que partem características de uma teoria que pressuponha um suporte fático amplo
de um suporte fático restrito, como se verá a seguir.44 aos direitos fundamentais, como é o caso da que aqui se defende. Ou
Posição semelhante é defendida também por Friedrich Miiller. seja: a construção do modelo aqui defendido será iniciada justamente
Para ele, por exemplo, o art. 5, 3, l, da constituição alemã,45 que ga- com a rejeição das teorias que serão expostas nos tópicos a seguir.
rante a liberdade artística, não garante ações como "pintura em um
cruzamento entre ruas movimentadas" ou "improvisações de trombone
durante à noite na rua".46 Não há, nesses casos também, colisão alguma 3.3.1 .1.1 Interpretação histórico-sistemática
entre direitos fundamentais, mas apenas a não-proteção de algumas Uma primeira estratégia para delimitar o âmbito de proteção dos
ações pelas normas que, aparentemente, deveriam protegê-las. direitos fundamentais sustenta que cabe à interpretação constitucional
Nos tópicos a seguir serão analisadas as principais estratégias definir o que faz parte da essência de cada direito fundamental. Segun-
argumentativas para a fundamentação de um suporte fático restrito do Maunz e Zippelius, essa essência é conhecida sobretudo por meio
para os direitos fundamentais. das análises histórica e sistemática das normas constitucionais.48
No plano histórico, é necessário analisar o contexto histórico-cul-
3.3. l . l A definição tio conteúdo do suporte fútico restrito tural da criação dos dispositivos constitucionais. Assim, por exemplo,
já seria possível saber que o legislador constituinte, ao garantir a li-
São vários as estratégias e os conceitos a que os autores recorrem berdade religiosa na Alemanha, em 1949 - ou no Brasil, em 1988 -,
para definir o conteúdo do suporte fático restrito, ou seja, para excluir, não pretendia, com isso, garantir também sacrifícios humanos ou a
de antemão, determinadas condutas do âmbito de proteção de alguns poligamia. No plano sistemático, por sua vez, a análise deve se ater às
direitos fundamentais. Em geral, todos eles costumam ter pelo menos relações que as diversas normas de direitos fundamentais guardam
dois pontos em comum: ((ã) a busca pela essência de determinado di- entre si e também com outras normas de direito constitucional. Segun-
reito ou determinada manifestação humana e(£E)a rejeição da ideia de do os autores, do "contexto das normas constitucionais e dos bens por
colisão entre direitos fundamentais. As estratégias mais importantes elas protegidos poder-se-ia concluir, por exemplo, que reuniões em
são:(TT))a interpretação histórico-sistemática;(£2) a delimitação do âm- prédios ameaçados por incêndios ou em pontes em mau estado de
bito da norma, sobretudo na versão desenvolvida por Friedrich Muller;

47. Como se verá no tópico específico, John Rawls não estava preocupado, na
43. José Carlos Vieira de Andrade. Os direitos fundamentais na Constituição elaboração de sua tese, com um suporte fático dos direitos fundamentais. Os efeitos
portuguesa de 1976, pp. 294-295 (sem grifos no original). de sua teoria, no entanto, são semelhantes aos efeitos dos outros modelos analisados
44. Cf., sobretudo, tópicos 4.2. l e 4.2.1.1. a seguir - razão da sua inclusão entre eles.
45. Art. 5, 3. l , da Constituição alemã: "A arte, a ciência, a pesquisa e a docên- 48. Cf. Theodor Maunz/Reinhhold Zippelius, Dcutschcs Staatsrecht. 29-' ed..
cia são livres". Miinchen: Beck, 1994, § 20, I, l, p. 144. Em sentido semelhante, cf., recentemen-
46. Cf. Friedrich Muller. /-"rei/ieit der Kunst ais Problem der Grundrechtsdog- te. Hrnst-Wolfgang Bõckenfórde, "Schutzbereich, Eingriff, verfassungsimmanente
matik. Berlin: Duncker & Humblot, 1969, pp. 59-60 e 104; do mesmo autor, Die Schranken: Zur Kritik gegenwãrtiger Grundrechtsdogmatik", Der Staat (2003):
Poxitivitát der Gnindrechte. 2J ed.. Berlin: Duncker & Humblot, 1990, pp. 99-100. 165-192.
XvU
"^« ^_-^/V. XJOVj. —^iyW>

84 DIREITOS H INDAMENTAIS: CONTEÚDO ESSI-;N<TAI.. RESTRIÇÕES F EEI(V\(TA O SUPORTH l ÁTICO DOS DIREITOS K :\DAMEN I AIS Hí

conservação não estão protegidas pelo art. 8, I e II, da constituição foi: "O elemento histórico - que, como no caso, é importante na inter-
alemã" (direito de reunião), porque tais reuniões colocariam em risco pretação da Constituição, quando ainda não há, no tempo, distância
a vida e a incolumidade física dos indivíduos. 4 '' Ao contrário do que bastante para interpretação evolutiva que, por circunstâncias novas,
talvez possa parecer à primeira vista, esse último exemplo não inclui conduza a sentido diverso do que decorre dele - converge para ciar a
a ideia de sopesamento entre o direilo à vida e o direilo de reunião. •racismo' o significado de preconceito ou de discriminação racial,
Segundo Maunz e Zippelius, trata-se de um limite preexistente ao di- mais especificamente contra a raça negra".xi
reito de reunião, não sendo nem ao menos necessário o recurso à re- Também o Min. Marco Aurélio adota estratégia semelhante para
serva legal ríara restringi-lo. 30 restringir o âmbito de proteção da referida norma constitucional, nos
Também na jurisprudência do STF é possível encontrar tentativas seguintes termos: "Não encontrei, na análise dos Anais da Constituinte,
. de restringir o suporte tatico de alguns direitos fundamentais por qualquer menção, única que fosse, ao povo judeu quando fora discutido
meio de uma interpretação hislórico-genétiea.' 11 Mais uma vez o caso o racismo. A explicação, para mim, é evidente. É que a Constituição de
Ellwanger fornece um bom exemplo. Segundo o Min. Moreira Alves, 1988 é uma Constituição do povo brasileiro, para ser aplicada ao povo
relator originário do processo, a condenação da prática de racismo, brasileiro e tendente a resolver os nossos próprios problemas".14
prevista de forma veemente no art. 5", XL1I, da constituição, deve ser Como se percebe, toda e qualquer tentativa de definição do âm-
interpretada de forma a compatibilizar seu suporte fálico com a von- bito de proteção de um direito fundamental a partir de uma interpre-
tade do legislador constituinte. A partir dessa premissa, Moreira Alves tacão genética, ou mesmo a partir de uma interpretação sistemática,
conclui que práticas de discriminação contra judeus ou oulros grupos tem como objetivo a restrição da proteção. Além disso, essa restrição
élnicos ou religiosos não está incluída no âmbito de proteção dessa não se baseia em premissas atuais, no caso da interpretação genética,
norma, que visa a coibir apenas discriminação contra negros. Isso nem está ligada a uma circunstância concreta, no caso da interpreta-
porque, ao propor o texto que deu origem ao atual arl. 5U, XLII, da ção sistemática. Em ambos os casos nega-se qualquer colisão entre
constituição, o deputado constituinte Carlos Alberto Caó fundamen- direitos fundamentais, já que a análise do surgimento do texto consti-
tou sua importância a partir da experiência de discriminação racial
contra os negros existente no Brasil." A conclusão de Moreira Alves tutela da garantia constitucional de que não haverá discriminação racial. Urge tornar
o crime da discriminação racial inafiançávcl. para evitar a impunidade de seus auto-
res". Diário da Assembleia Nacional Constituinte, Suplemento "C", p. 149 (ata da
49. Theodor Maunz/Reinhhold Zippelius. Deiitsclies Staatsrecht, p. 145. reunião da Comissão de Sistematização, de 28.9.1987).
50. Idem. 53. RTJ 188, 858 (865) - sem grifos no original. A aceitação da interpretação
51. Sobre a diferença entre a interpretação histórica e a interpretação genética genética, ainda que com ressalvas, pode ser constatada em outros julgados do STF.
- termos são que muitas vezes usados como sinónimos -. c f. Friedrich Miiller, Jnris- Cf., por exemplo, o voto do Min. Celso de Mello, relator da ADI-MC 2.010 (RTJ 181.
tixc/ie Methodik, pp. 204 e ss. e 272. A análise de material do processo legislativo é a 73 [98]): "O argumento histórico, no processo de interpretação constitucional, não se
chamada interpretação genética. Interpretação histórica, por sua vez. não se refere à reveste de caráter absoluto. Qualifica-se, no entanto, como expressivo elemento de
pesquisa nesse tipo de material, mas a uma interpretação histórico-jurídica, ou seja. útil indagação das circunstâncias cjiie motivaram a elaboração de determinada nor-
de precedentes legislativos, de leis anteriores sobre o mesmo tema da lei que se quer ma inscrita na Constituição, permitindo o conhecimento das razões que levaram o
interpretar. Cf. também, no mesmo sentido. Robert Alexy. Theorie der jiiristisclten constituinte a acolher ou a rejeitar as propostas que lhe foram submetidas" (sem gri-
Argumentation, 2" ed., Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1991, pp. 291 e ss., e Karl fos no original).
Engisch. Einfuhrung in das jitristische Denken. 9J ed., Stuttgart: Kohlhammer, 1997, 54. RTJ 188, 858 (1.041). O Min. Marco Aurélio ressalva que não aceita a cha-
p. 97, nota 40. mada '"tese subjetivista" na interpretação constitucional, ou seja. aquela que pretende
52. O deputado constituinte Carlos Alberto Caó fundamentou sua proposta nos inquirir a vontade do legislador constituinte originário. Tal ressalva, no entanto, não
seguintes termos: "Mais da metade da população brasileira é constituída de negros ou é compatível com sua estratégia argumentatíva. claramente a favor, a partir de diver-
descendentes de negros. Apesar disto, ainda impera no país, cem anos após a Aboli- sas citações do Diário da Assembleia Nacional Constituinte, da perquirição da von-
ção, a discriminação ostensiva ou velada. A experiência histórica, com a punição da tade do legislador, fazendo menção, inclusive, ao "valor em que se pautou o consti-
discriminação, desde a chamada Lei Afonso Arinos. tem-se mostrado insuficiente para tuinte" na redação do dispositivo em questão.
S6 DIREITOS FUNDAMENTAIS: CONTEÚDO ESSENCIAL, RESTRIÇÕES i: I-.I-ICÁCIA O SUPORTE I-ÁTICO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS X7

tucional ou da inserção de um dispositivo em determinado contexto tal. Para ele, restrições pressupõem algo externo ao direito fundamen-
seria suficiente para excluir a ação, o estado ou a posição jurídica em tal, algo que não faz parte de seu conteúdo, algo "anexo" a ele.60 Se-
questão de uma eventual proteçao e, por conseguinte, de uma eventual cundo Miiller, esse ponto de vista deve ser rejeitado, já que a
colisão com outros direitos, uma vez que o que não é protegido por interpretação do programa da norma e a definição do âmbito da nor-
um direito não pode dar ensejo a uma colisão desse mesmo direito com ma seriam suficientes para definir, ao mesmo tempo, o conteúdo e os
outros direitos. limites de cada direito fundamental. 61 Diante disso, perde o sentido
falar em restrição, pois "o problema deixa de ser qual "valor", qual
bem jurídico ou qual norma tem preferência em relação a um direito
3.3.1.1.2 Âmbito da norma e especificidade fundamental (...). A questão dogmática principal não é saber, portanto,
(Friedrich Miiller) por meio de quê um direito fundamental pode ser restringido, mas
Friedrich Miiller é um dos autores que com maior clareza defen- qual é a extensão de sua validade, a qual deve ser desenvolvida a
partir da» análise do âmbito da norma í...)".62
dem um suporte fático restrito para os direitos fundamentais. É também r
um dos únicos a fornecer critérios para a definição desse suporte. À É claro que, a partir de um pressuposto como o defendido por
análise crítica desses critérios é dedicado outro tópico.55 Aqui, pretende- Miiller - segundo o qual não há restrições externas a direitos funda-
se apenas levar a cabo uma exposição das principais características da mentais,63 mas apenas a delimitação de seu conteúdo -, o problema
empreitada realizada por Miiller.36 Para tanto, parece-me apropriado principal passa a ser, como fica claro pela passagem acima transcrita,
fazer uso da contraposição entre restrição e delimitação. a forma pela qual o âmbito de proteçao de um direito fundamental
deve ser definido. Isso porque, se não há restrições externas e, ao
Em linhas gerais, pode-se dizer que, segundo Miiller, a tarefa prin-
cipal da dogmática dos direitos fundamentais é a precisa delimitação
da amplitude fática de cada um desses direitos.37 A partir dessa deli- 60. Idem, p. 32. Sobre isso, cf. tópico 4.2.2.
mitação, que define o que é protegido por cada direito fundamental e 61. Miiller define programa da norma como o resultado do tratamento de todos
os dados linguísticos do texto normativo; já o âmbito da norma seria, ainda segundo
o que não é, muitos casos que aparentemente configurariam uma situ- Miiller, a "porção da realidade social em sua estrutura básica, a qual o programa da
ação de colisão entre direitos não passariam de casos de colisão apa- norma autoriza definir a partir do domínio geral da regulamentação" (Juristische Me-
rente.^ Definir o conteúdo daquilo que é protegido por cada direito lliodik. p. 142; do mesmo autor, fallanalvsen ziir juristischen Methodik, 2a ed.. Berlin:
fundamental é, portanto, o mesmo que definir seus Limites.^ Duncker & Humblot, 1989, p. 12). Não é tarefa fácil entender exatamente a forma
como a "realidade social" é inserida na aplicação do direito segundo a teoria de Miiller.
Como se pode perceber, Miiller fala frequentemente em "limite" ou seja, quais seriam exatamente o conceito e a aplicação do chamado "âmbito da
e "delimitação", mas não em "restrição". O uso dos termos é proposi- norma", que diferenciaria sua teoria de outras teorias do direito. Os exemplos utiliza-
dos em seu trabalho sobre análise de casos (Fallanalyxen zitr juristischen Methodik,
acima citado) ou são pouco esclarecedores, ou comprovam que a inclusão da realidade
social no procedimento de aplicação do direito, na forma como proposta por Miiller.
55. Cf. tópico 3.3.2.1.1. não tem muito de inovador. Sobre as dificuldades de compreensão do conceito de
56. Sobre essa empreitada, cf., sobretudo, Friedrich Miiller, Die Positivilat der "âmbito da norma", cf., por exemplo, Hans-Joachim Koch, "Die Begriindung von
Gntndrcclitc: Fragen ciner praktischen Grundrechtsdogmatik, 2- ed.. Berlin: Duncker Grundrechtsinterpretationen", EuGRZ. 13 (1986), p. 353: "Exatamente este ponto cen-
& Humblot. 1990. tral da nova teoria estrutural de Miiller [o âmbito da norma] é (...) - para falar de
57. Cf. Friedrich Miiller, Die Positivitãt der Grundreiiite, p. 20. forma direta - simplesmente incompreensível." (sem grifos no original). Em sentido
58. Idem, pp. 88. 96, 100 e passim. Cf. também Friedrich Miiller, Struktnrieren- muito semelhante, cf. Bernhard Schlink, "Juristische Methodik zwischen Verfassun«s-
de Rechtslehre. 2 a ed.. Berlín: Duncker & Humblot, 1994. p. 212. No mesmo sentido, theorie und Wissenschaftstheorie". Rechtstheorie l (1976), pp. 99-100.
cf. José Carlos Vieira de Andrade, Os direitos fundamentais na Constituição portu- 62. Friedrich Miiller, Die Positivitãt der Grundrechte, p. 87 (sem grifos no
guesa de 1976, p. 294. original).
59. Cf. Friedrich Miiller, Die Positivitãt der Gnindrechte, pp. 32-33. 63. Sobre a contraposição externa/interna, cf. tópicos 4.2.2 e 4.2. l .
O SUPORTE KYUCO DOS DIREITOS l l : N D A M E N T A I S X9
SH DIREITOS [ I N D A M E M \IS: CONTEÚDO ESSENCIAL. RESTRIÇÕES í. El ICÁCIA

mesmo tempo, se não há direitos absolutos/ 14 os limites de cada direi- típica dessa liberdade. É por isso que uma eventual lei que proíba
to fundamental têm que ser, a priori. muito bem definidos, de fornia esse tipo de exercício da liberdade artística não lhe impõe nenhuma
a evitar colisões entre direitos. restrição, pois não atinge o que há de específico e típico no âmbito
dessa liberdade. Segundo Miiller, uma tal proibição dirige-se contra
Na delimitação do conteúdo do direito fundamental e de seus li- "uma ação que se situa no entorno da liberdade artística (...). A mo-
mites - o que nada mais é que a delimitação de seu âmbito de proteção dalidade 'no cruzamento viário' não pertence, contudo, ao seu âmbi-
-, um conceito decisivo na teoria de Miiller é a especificidade.^ Es-
to normativo". 6 ''
pecífico é todo ato que faca parte do âmbito da norma de determinado
direito fundamental. Dadas as dificuldades de compreensão do con- Com base nessa delimitação do que pertence ao âmbito da norma
ceito de âmbito da norma/1'1 parece mais fácil, nos limites deste traba- e do que não pertence - por não ser típico -, Miiller, pelo menos em
lho, definir a especificidade, ainda nos termos de MLiller. pelo seu lado tese, consegue ser consequente com o pressuposto segundo o qual os
negativo. Por esse lado, a não-especijicidacle está ligada ao conceito direitos fundamentais não são ilimitados ou absolutos e, ao mesmo
de intercainhiabilidade. Não-específica - ou não-típica - é a ação que tempo, consegue rejeitar a necessidade de restrições externas a esses
pode ser, sem perdas para o exercício típico de um direito fundamen- direitos* Como consequência - e como ficará mais claro adiante70 -,
tal, substituída por outra, que. nesse caso, seria típica (ou específica).67 Miiller aparentemente consegue refutar também a necessidade de so-
A despeito da circularidade da definição, é possível extrair dela algu- pesamento entre princípios.
mas conclusões. Toda e qualquer ação que não seja estruturalmente
necessária para o exercício do direito fundamental e que, nesse senti- 3.3.1.1.3 A prioridade das liberdades básicas
do, possa ser substituída por outra é uma ação não-específica, e, por-
(John Ravvls)
tanto, não protegida pelo direito fundamental. Assim, proibir uma tal
ação não é restringir o exeníício do direito. Ravvls, ainda que não se tenha dedicado a uma análise do su-
Diante disso, se se proíbe que um cientista divulgue suas teses porte fálico dos direitos fundamentais, parte de pressupostos teóri-
por meio de cartazes em prédios públicos ou por meio de um alto- cos que indicam clara opção por uma concepção restrita desse su-
falante, não se está diante de uma restrição ao direito fundamental à porte. Especialmente em seu texto sobre a prioridade das liberdades
liberdade científica. Isso porque tais formas de divulgação não são tí- fundamentais, publicado em 1983,71 inserido posteriormente em sua
picas ou específicas, porquanto, entre outras coisas, podem ser substi- obra Political Liberalism, de 1993,72 Rawls rejeita um suporte f áti-
tuídas pela publicação das mesmas teses em uma revista científica, co amplo com o expresso objetivo de evitar colisões entre direitos
nos moldes tradicionais. <>x fundamentais e uma consequente necessidade de sopesamento_entre
O mesmo pode-se dizer do artista que se vê proibido de pintar eles. 73 Isso ocorre cie três maneiras distintas:
seus quadros no meio de um cruzamento movimentado. Embora a
ação "pintar quadros" seja protegida pela liberdade artística, sua for- 69. Friedrich Miiller, Freiheil der Kunst ais Probletn der Gnindrechtsdogmatik.
ma de exercício - cm um cruzamento viário - não é específica ou p. 59.
70. Cf. tópico 3.3.2.1.
71. Cf. John Rawls, "The basic liberties and their priority", in Sterlin McMurrin
64. Cf. Fricdrich Miiller. Die Posiiivitat iler Gnmdrechtc, p. 41. (or«.), T/ie Tíiniicr Lectures on Hiiimin Values 1982. Salt Lake City: Cambridge Uni-
65. Cf., entre outras passagens. Friedrich Miiller, Die Positivitãt der Gnmdreclite. versity Press, 1983, pp. 3-87.
pp. 64, 73. 74. 88. 93 e 98. 72. Cf. John Rawls. Political Uheralisni, New York: Columbia University
66. Cf., sobre isso. a nota 61. acima. Press. 1993, pp. 289-371.
67. Cf. Friedrich Mui ler. nie Poxilivitat der Cnini/rec/itc. 2a ed p 101 73. As ideias dos trabalhos mencionados já estava contida em John Rawls, A
68. Idem. riieorv of Justice. Cambridge (Mass.): Belknap. 1971. Cf., sobre esse ponto específi-
90 IMRFITOS I-VNDAMKNTAIS: CONTEÚDO ESSENCIAL. R I S l KICÒI.S (•: !•:( K ACIA o SUPOR'!'!-: (-'ATIÇO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 91

( l ) Ao reduzir o número de liberdades fundamentais - Para Ravvls, tre outros, evitar ao máximo a necessidade de sopesamento para a
fazem parte do rol de liberdades fundamentais apenas as liberdades solução de colisão entre direitos fundamentais, como foi mencionado
de pensamento e de consciência, liberdades políticas e de associação, no fim do parágrafo anterior. Isso porque qualquer colisão entre algum
as liberdades decorrentes da integridade cias pessoas e os direitos e li- direito da categoria "liberdades fundamentais" com outros direitos ou
berdades abarcados pelo Estado de Direito/ 1 Ainda que essa lista das interesses coletivos é necessariamente solucionado em favor das li-
liberdades fundamentais seja-especialmente em seu último elemento berdades fundamentais. 78
- um tanto quanto vaga, fica claro que muitos dos direitos fundamen-
(3) Ao excluir determinadas variáveis do suporte f ático desses
tais garantidos por diversas constituições contemporâneas não estão
direitos - Esse é, para os objetivos deste trabalho, o ponto mais im-
nela contemplados, entre eles o direito geral de liberdade, o direito de
portante na teoria de Ravvls, que acaba por incluí-la definitivamente
( propriedade e os direitos sociais. 75 Mas há outros - como a liberdade
no rol de teorias que pressupõem um suporte fático restrito aos direi-
de locomoção e a liberdade profissional - que o próprio Rawls insere
tos fundamentais. Para tanto, Rawls vale-se da distinção entre regula-
em uma segunda categoria de direitos que não se enquadram nas "li-
berdades fundamentais". 76 A redução do número de liberdades funda- mentação e restrição. Segundo ele, para que as liberdades fundamen-
mentais é, expressamente, uma forma de evitar a necessidade de so- tais possam ser combinadas em um sistema e adaptadas a certas
pesamento, pois, segundo Rawls, ao se ampliar tal lista de liberdades, condições sociais necessárias para o seu exercício duradouro, é preci-
correr-se-ia o risco de "enfraquecer a proteção das mais essenciais so que sejam regulamentadas. Desde que seu conteúdo essencial seja
dentre elas", pela necessidade de ter que aceitar, dentro do sistema das respeitado, os princípios de justiça estarão garantidos.79 Para ilustrar
liberdades, os problemas decorrentes de um sopesamento desorien- sua posição, Rawls usa o exemplo da liberdade de expressão.
tado, que se pretende evitar por meio da noção de prioridade.11 É natural que o modo de exercício da liberdade de expressão seja
visto a seguir. regulamentado, justamente com o fim de integrar esse direito em um
(2) Ao pressupor um caráter absoluto das liberdades quando em sistema adequado de liberdades. Assim, sem uma aceitação geral de
conflito com outros direitos ou com interesses coletivos, incluindo-se regras para o debate, a liberdade de expressão não estaria apta a atingir
aí os direitos sociais, já que esses não fazem parte de qualquer das seus objetivos.80 Não é possível que todos falem no mesmo instante, e
categorias de direitos elencadas por Rawls - Essa estratégia, ainda nem todos podem usar os mesmos espaços públicos ao mesmo tempo.
que não tenha relação com a amplitude do suporte fático de cada di- Em resumo: "A institucionalização das liberdades fundamentais, tanto
reito fundamental isoladamente considerado, tem como objetivo, en- quanto a satisfação de vários desejos, exige planejamento e organiza-
ção social. Mas as regulamentações necessárias não podem ser con-
fundidas com restrições, por exemplo, no conteúdo do discurso (...). O
co, H. L. A. Hart. "Rawls on liberty and its priority". Uni\-ersit\f Chicago Law uso público de nossa razão tem que ser regulado, mas a prioridade das
Rcricw 40 (1973), pp. 534-555 (o mesmo trabalho to i republicado posteriormente em liberdades fundamentais exige que isso seja feito, na medida do possí-
Norman Daniels (org.), Reading Rawls: Criticai Stndies of a Theorv of Justice.
Oxford: Blackwell, 1975, pp. 230-252). Nesse artigo em alguns momentos é facil- vel, com o intuito de preservar intacto o âmbito central de aplicação
mente perceptível a importância que a concepção de suporte fático restrito tem para (conteúdo essencial) de cada liberdade fundamental". 81
as teses de Rawls. Cf., sobretudo, a nota de rodapé 50, na p. 548 (na versão original)
ou a nota 12, na p. 245 (na versão da coletânea organizada por Norman Daniels).
74. Cf. John Rawls, Political Liheralism. p. 291. 78. Idem, p. 295.
75. Nesse sentido, cf. Robert Alexy, "Theorie der Gruiidfreiheiten". in Philoso- 79. Idem, pp. 295-296. Rawls não usa exatamente o conceito de conteúdo es-
phische Gesellschaft Bad Homburg/Winfried Hinsch (orgs.). /.ur Idee dcs politischen sencial, mas de "âmbito central de aplicação" (central rance of application). Nesse
Liberalisnuis, Frankfurt am Main: Suhrkamp, p. 273. contexto, contudo, ambas as expressões podem ser consideradas como sinónimas.
76. Cf. John Rawls, Political Liheralism, p. 308. 80. Cf. John Rawls, Political Liberalism, p. 296.
77. Idem, p. 296. 81. Idem (sem grifos no original).
92 DIRI-.ITOS l [ : N n . \ M I : M A I S : COMKCDO ESSENCIAL. RESTRIÇÕES l-, Hl ICACIA
O SUPORTH F/VIICO DOS DIREITOS 1-1ÍNDAMHNTAIS 93

Nesse sentido - e ainda usando como exemplo a liberdade de


pios do segundo tipo seriam, dentre outros, proibições de uso de
expressão -, restrições que digam respeito apenas ao tempo, ao local
alto-falantes em áreas residenciais 88 ou de piquetes ruidosos em
ou aos meios usados no exercício dessa liberdade não seriam, segundo
áreas próximas a escolas (durante o período de aula) 8 9 ou próximas
Ravvls. restrições propriamente ditas, mas apenas regulamentações.*2
a hospitais.
Enquanto regulamentações, elas não atingem o âmbito de validade da
liberdade de expressão, por não serem restrições quanto ao conteúdo. O ponto central dessa distinção entre essas duas formas de limitar
Dessa forma, Rawls pretende criar um sistema de liberdades que, ain- a liberdade de expressão está na expressa aceitação de que no segundo
da que rejeite a possibilidade de restrições, consiga se sustentar sem a easo se trata de uma questão de sopesamento entre direitos colidentes
existência de conflitos e, por conseguinte, sem a necessidade de sope- no caso concreto. Assim, segundo Tribe, se a Suprema Corte decide
samentos. Antes de discutir a adequação do uso que Rawls faz da dis- contrariamente à proibição de distribuição de panfletos nas ruas de
tinção entre regulação e restrição** é recomendável uma breve análi- uma cidade, a razão para tal decisão reside no fato de que a liberdade
se de stia fonte — o que será feito a seguir. de expressão é mais importante que ruas limpas a um custo baixo. Por
outro lado, quando a corte decide que é aceitável a proibição do uso
de alto-falantes em áreas perto de hospitais, o resultado do sopesamen-
3.3.1.1.4 Laurence Tribe to indica que o bem-estar e a saúde dos pacientes são mais importan-
e os dois caminhos da liberdade de expressão tes que a liberdade de expressão nesse caso concreto.90 Em ambos os
casos, no entanto, o objeto do sopesamento não foi o conteúdo do
Ravvls expressamente toma emprestada a distinção entre regula- discurso na liberdade de expressão, razão pela qual ambos os casos
ção e restrição da prática constitucional americana, e em especial são enquadrados na segunda das categoria apontadas por Tribe. Em
da obra de Laurence Tribe e de sua análise sobre a primeira emenda da suas palavras, o que está em discussão, nesses casos, são questões
constituição dos Estados Unidos.84 Ao examinar as formas pelas quais não-conuinicativas. Assim: "Quando o governo tem como objetivo
a liberdade de expressão pode ser limitada, Tribe faz menção a dois regular o impacto não-comunicativo de um ato, o resultado correto em
caminhos distintos: (1) o governo pode ter como objetivos controlar qualquer caso particular reflete, então, alguma forma de 'sopesamen-
ou punir a expressão de certas ideias ou informações ou (2) o governo to' entre os interesses conflitantes; escolhas regulatórias orientadas
pode restringir a circulação de informações e ideias com o intuito de pelos danos causados não pelas ideias ou pela informação em si são
proteger outros objetivos. s5
aceitáveis, desde que não restrinjam excessivamente o fluxo de infor-
(Jm exemplo que pode ser incluído na primeira dessas duas alter- mações e ideias".91
nativas seria o conhecido caso New York Times vs. Sullivan, no qual Em resumo: para Tribe - e, em certa medida, para a Suprema
a Suprema Corte garantiu a proteção a toda e qualquer manifestação Corte dos Estados Unidos - é necessário um exame para se determinai-
crítica contra agentes públicos 8 '' e atos governamentais que proíbam se se trata de um caso da primeira categoria — restrição do conteúdo
funcionários públicos de externar essa ou aquela ideologia. 87 Exem- da expressão - ou da segunda - regulação do impacto não-comunica-
tivo da liberdade de expressão. No primeiro caso, a não ser nas hipó-
82. Idem. pp. 336 e 341.
teses excepcionais desenvolvidas pela Suprema Corte - perigo claro e
83. CT. tópico 3.3.2. i.3.
84. Cl". Laurence Tribe. American Constitittional Law, Mineola: Foundation
Press. 1978. pp. 580 ss. 88. Cf. Kmucs \: Cooper. 336 U.S. 77 (1949).
85. Idem. 89. Cf. Grayned v. City of Rockford. 408 U.S. 104 (1972).
86. Cf. /Wir York Times v. Sullivan. 376 U.S. 254 (1964). 90. Cf. Laurence Tribe, American Constitutional Law, p. 581.
87. Cf. Kcyix/iidii r. Boiml <>/' Regentx. 385 U.S. 589 (1967).
(19f. 91. Idem, pp. 581 -582. A ressalva na última parte do trecho transcrito ("desde
que ...") já indica o quão ténue é a distinção entre restrição e regulação.
r

94 DIREITOS F U N D A M E N T A I S : CONTEÚDO FSSENC1AI . RESTRIÇÕES I. EFICÁCIA O SITOkTE I ATIÇO DOS DIREITOS F U N D A M E N T A I S 95

atual, difamação ete. -, qualquer medida governamental com o escopo 3.3.2.1 Ponto de partida: problemas do suporte fálico restrito
de restringir a liberdade de expressai) é inconstitucional. No segundo Como já ressaltado anteriormente. 1 ' 2 o primeiro passo para a sedi-
caso a resposta dependerá de um sopesamento entre a liberdade de mentação de uma concepção ampla de suporte /ático é a rejeição dos
expressão e o interesse atingido. principais pressupostos e estratégias das diferentes concepções de su-
Como é facilmente perceptível, tanto a teoria de Ravvls, quanto a porte restrito. É o que se intentará fa/.er nos próximos tópicos.
de Tribe, quanto a da Suprema Corte dos Estados Unidos pressupõem
um conteúdo essencial absoluto da liberdade de expressão, que são os
casos da primeira categoria. Mas, apesar disso, a leitura das conside- 3.3.2.1.1 Conservadorismo
rações feitas por Tribe acerca do embate entre teoria absoluta vs. so- Algumas formas de delimitação do a,mbito de proteção dos direi-
pesamento sugere interessantes indícios que corroboram a tese a ser tos fundamentais são claramente conservadoras."' Sobretudo as estra-
defendida mais abaixo, segundo a qual o recurso ao sopesamento é, em té"ias baseadas em uma interpretação genética dos dispositivos cons-
qualquer caso, imprescindível - o que, no limite, põe por terra qual- titucionais tendem a estar sujeitas a esse problema. Não é o caso de
quer pretensão a um conteúdo essencial absoluto dos direitos funda- revisar, aqui, toda a disputa entre subjetivistas e objetivistas no âmbi-
mentais baseado em um suporte fático restrito. Antes, porém, parece to da interpretação jurídica. 94 Também não é possível - por passar ao
ser necessária a análise do pressuposto teórico oposto, o suporte fático largo do objeto deste trabalho - discutir o problema na forma como
amplo. ocorre nos Estados Unidos da América, onde o chamado originalismo,
que defende a busca pela intenção do legislador constituinte, ainda
suscita polémicas.95 Assim, independentemente de outros problemas
3.3.2 Suporte fático amplo metodológicos que essa abordagem possa suscitar, o que aqui inte-
*
Como visto até aqui, independente das estratégias argumentati- ressa é a impossibilidade de atualização do âmbito de proteção dos
vas, toda teoria que se baseia em suporte fático restrito para os direitos direitos fundamentais a uma realidade cambiante. A partir de um en-
fundamentais tem como principal tarefa fundamentar o que se inclui
e o que não deve ser incluído no âmbito de proteção desses direitos,
92. Cf. tópico 3.3.1.1.
bem como definir qual é a extensão do conceito de intervenção estatal 93. "Conservador", aqui, não tem. obviamente, qualquer conotação política.
nesse âmbito. Como será visto a seguir, um modelo baseado em um 94. Sobre isso, cf.. por todos. Karl Larenz. Methodenlelire der Reclil.iwis.iens-
suporte fático amplo está isento dessas tarefas, já que o decisivo, a chaft. 6a ed.. Berlin: Springer. 1991. pp. 316 e ss.
partir desses modelos, não é o trabalho com o âmbito de proteção ou 95. Para uma defesa do originalismo, cf., por todos, Robert Bork, The Tempting
of America, New York: Free Press. 1990 e J. Clifford Wallace, "The Jurisprudence of
com o conceito de intervenção estatal, mas com a argumentação pos- Judicial Restraint: a Return to the Moorings". Ocorre Washington IMW Review 50
sível no âmbito da fundamentação constitucional das intervenções. De (1981): 1-16. Para uma visão crítica do originalismo. cf. Ronald Dworkin, IMW'S
uma certa forma, ojiuç ocorre é um deslocamento do foco da argu- Empire, Cambridge (Mass.): Harvard University Press, 1986. pp. 359 e ss.; Paul
Brest, "The Misconceived Quest for the Original Understanding", Boston University
mentação: ao invés de um foco no momento da definição daquilo que Law Review 60 (1980): 204-239 e Mark Tushnet. "Following the Rules Laid Down:
é protegido e daquilo que caracteriza uma intervenção estatal, há uma a Critique of Interpretivism and Neutral Principies", Harvard Law Review 96 (1983):
concentração da argumentação no momento da fundamentação da in- 781-827. Sobre diferentes visões acerca da interpretação constitucional e do judicial
tervenção. Essa simples mudança de foco tem - como será percebido review nos Estados Unidos, cf.. por todos, John H. Ely. Democracy and Distrust,
Cambridge (Mass.): Harvard University Press, 1980, pp. l i e ss. Em português, cf.,
em todo o resto deste trabalho — consequências decisivas não apenas por todos, Miguel Nogueira de Brito, "Originalismo e interpretação constitucional",
em toda a dogmática dos direitos fundamentais, mas também na ativi- in Virgílio Afonso da Silva (org.). Interpretação constitucional, 1a ed., 2a tir., São
dade jurisdicional preocupada com a proteção desses direitos. Paulo: Malheiros Editores, pp. 55 e ss.
r
96 IWlilTOS H:\DAMHNTAIS: CONTKÚDO F.S.SI-NCIAL. R l i S I R I C Õ K S I-. i:i ICÁÍ IA o SUPORTI-: i-ATiro DOS DIRKITOS 11 NDAMI:,N IAIS 97

foque originalista ou histórico-genético, a proteção fornecida pelos do ele, seu conceito de âmbito da norma permitiria a abertura para o
direitos fundamentais ficará sempre restrita àquilo que, na época da novo. Ora, como os conceitos de especificidade e de tipicidade são
promulgação da constituição, se queria proteger.1"' definidores, como já se viu, do próprio âmbito da norma, fica difícil
O problema do conservadorismo não surge apenas após decorrido saber como essa ''abertura para o novo" poderá ocorrer. Seguindo-se
um longo período da promulgação da constituição. A constituição bra- fielmente a ideia de Miiller, tem-se a impressão de que o excêntrico
sileira tem apenas 20 anos, mas na época de sua promulgação a priva- ou o não-específico serão protegidos apenas quando deixarem de sê-
cidade das pessoas não era ameaçada pela crescente digitalização de lo. E é o próprio Miiller que se refere ao não-convencional como algo
informações ou pela Internet; não se pensava, à época, que a realiza- não-protegido^ Sobretudo no âmbito da liberdade artística - à qual
ção da igualdade poderia necessitar de ações afirmativas; não se sabia Miiller dedica toda uma monografia 100 e da qual são extraídos quase
que a liberdade de expressão e seu potencial às vezes ofensivo seriam todos os seus exemplos -, a distinção entre o tradicional e o novo é
exponencial izados pelo uso do computador e da Internet - para ficar- quase sempre algo radical, necessário, inerente à própria história da
mos em alguns poucos exemplos. Buscar a intenção cio legislador cons- arte. Excluir o novo da proteção dos direitos fundamentais pelo sim-
tituinte para delimitar o âmbito de proteção dos direitos fundamentais ples fato de ser pouco convencional parece ser, nesse sentido, de difí-
é uma estratégia que, em parcos 20 anos, demonstra um anacronis-
cil fundamentação.
mo e um conservadorismo dificilmente sustentáveis.
Mas não é apenas a busca pela intenção do legislador que expres-
sa o caráter conservador e estanque de modelos restritos para a defini- 3.3.2.1.2 Exclusão a priori de condutas
ção do suporte fálico dos direitos fundamentais. Mesmo teorias confes-
sadamente preocupadas em não distanciar a interpretação constitucional^ Como se percebe, a principal dificuldade que qualquer teoria que
da realidade social - como é o caso da teoria estruturante de Miiller pressuponha um suporte fálico restrito para os direitos fundamentais
- pendem, em alguns pontos, para o conservadorismo, ainda que por tem que enfrentar é o mélodo de definição desse suporte. Ou seja: com
outras razões e meios. Como visto acima,97 um dos principais elemen- base emquais crilérios condulas que, prima fade, poderiam_ser_con-
tos para se definir o que é protegido por um direito fundamental é o sideradjyL C-Onio^garantidas por algum direilo poderão ser excluídas,
conceito de especificidade: apenas ações específicas ou típicas são em abstrato_e_ern^dejinitivOj.dessajgarantia. Poucos são os autores que
protegidas. Ainda que os exemplos de ações não-típicas utilizados por se dedicam a desenvolver um método com esses objetivos."" Em ge-
Miiller sejam um pouco exagerados - pintura no meio de cruzamento ral, as defesas de um suporte fálico restrito baseiam-se ptira e simples-
movimentado, divulgação de teses académicas por meio de alto-falan- mente em uma intuição,102 apoiada em exemplos em geral estapafúr-
tes, improvisações de trombone de madrugada -, caso sua proposta
seja seguida, necessariamente se cairá em uma espécie de proteção
apenas do tradicional, do empedernido, do convencional. Esse é um 99. Idem: "(•••) o excêntrico, o nao-convencional, on seja, o não mais protegido
(...)" (sem grifos no original). Pouco muda a afirmação - não fundamentada - de que
perigo de que Miiller tem consciência e se esforça em negar.9X Segun- o específico e o tradicional, de um lado, e o excêntrico e o convencional, de outro,
em geral não são dissociáveis.
100. Cf. Friedrich Miiller, Freiheit der Kttnst ais Prohlem der Gnindrechtsdo!'-
96. Aqui há até mesmo uma grande concessão ao originalismo ou à interpreta- matik, Berlin: Duncker & Humblot, 1969.
ção genética: pressupõe-se, para os fins da argumentação e para que não seja neces- 101. O principal deles, como se viu acima (cf. tópico 3.3.1.1.2), é Friedrich
sário adentrar outros debates metodológicos e substantivos, que existe a possibilidade Miiller.
de se saber o que exatamente os constituintes queriam proteger à época dos debates 102. Wolfrain Hõfling fala em nebulosa valoração daquilo que é protegido por
constituintes. um direito fundamental e daquilo que não é, "sem qualquer distinção entre suporte
97. Cf. tópico 3.3.1.1.2. fálico dos direitos fundamentais, restrições a eles e restrições às restrições" (Offene
98. Cf. Friedrich Miiller, Die Positivitãt der Gnindrec/ite, p. 99. (.rnmdrechtsinterpretation, Berlin: Duncker & Humblot, 1988, p. 172).
y,S DIRP.I IOS l-1 N D A M l . N l A I S : CONTIiÚDO I - S S K N C I A I . . RI-STRK/ÒHS l: l i l - I C A C I A O SUPORTE [-'ÁTICO DOS DIRKITOS FUNDAMENTAIS W

dios, que tentam mostrar as supostas consequências da tese contrária, ^ -sim". I-s«> porque esse "sim" refere-se, pura e simplesmente, a uma
ou seja. da aceitação de um suporte fálico amplo. oarantia prima fade dos direitos envolvidos, o que não implica res-
Como se viu acima, quando se pretende atacar uma concepção posta alguma acerca de sua garantia definitiva. 1 " Essa somente pode-
ampla do suporte fálico dos direitos fundamentais, em geral recorre-se rá ser dada a partir de um sopesamento que leve em consideração as
a questões - meramente retóricas - como: A liberdade religiosa prote- variáveis de uma situação concreta.
ge o sacrifício humano em riluais de alguma religião? 103 A liberdade Excluir algumas condutas, a priori, do suporte fálico de um direi-
artística protege o pintor qtie quer montar seu cavalete de pintura no to fundamental não significa apenas decidir se o trompetista bêbado
meio de um cru/amento movimentado? 104 A liberdade cienlífica ou a que quer fazer barulho de madrugada ou o líder religioso que quer fa-
arlíslica garanlem o uso da propriedade alheia para a realização de /er sacrifícios humanos "agem sem direito"."2 Para ficar apenas em
experiências ou obras de arte? 105 A liberdade de circulação pode ser um exemplo, significaria também decidir, em abstraio e a priori, se
invocada para atravessar a via pública sem vestuário?""' A liberdade mostrar as nádegas em público é exercício da liberdade de expres-
artíslica prolege a "morte no palco"?107 Um bêbado frustrado pode são."' Com base na "intuição" que baliza boa parte dos argumentos a
fazer barulho com seu trompete no meio da madrugada, como exercí- favor de um suporte fálico reslrilo, ou mesmo em critérios como a in-
cio de sua liberdade arlíslica? 1 " 1 * tercainbialidade de Friedrich Múller, ou, ainda, em argumentos co-
Não é difícil perceber que, a despeito da aparenle força persuasi- nums na jurisprudência do STF, segundo os quais_ps direi_tos_fiinda-
va que o argumento ab absurdiini possa ter, tais exemplos podem ser mentais não podem__servir de proleção para condutas imorais" 4 ou
rejeilados, como outros lanlos exemplos pouco usuais. Neste ponto, ilícitas,_" 5 a resposta a esse último problema somente poderia ser: mos-
parece-me suficiente apresentar apenas um: será que se deixaria de trar as nádegas em público não é exercício da liberdade de expressão
considerar como "obra de arte" — e, com isso, produto da liberdade 1 e não se inclui, portanto, em seu suporte fálico. Mas, como se pôde
artíslica - um desenho de Picasso que tenha sido feito em um papel perceber pelo julgamento do próprio STF,"6 não é possível dar de
ou leia alheia? 10 '' Como se percebe, recorrer a exemplos pré-fabrica-
dos não é a melhor forma de demonslrar as incongruências dessa ou
daquela teoria. Mais que isso: para aqueles que aceitam um suporte chtsinterpretaíion, pp. 172; Martin Borovvski, Grundrechte ais Prinzipicn, pp. 204 e
ss.; Wolfgang KahI. "Vom vveiten Schutzbereich zuni engen Gewàhrleistungsgehalt:
fálico amplo,"" a resposta a todas as perguntas do parágrafo anterior K r i t i k einer ncuen Richtung der deutschen Grundrechtsdogmatik", Der Staat 43
(2004), pp. 167 e ss.
1 1 1 . Sobre a diferença entre "direitos prima fade" e "direitos definitivos", cf.
103. Cf. José Carlos Vieira de Andrade, Os direitos fundamentais na Constitui- tópicos 2.2. l e 4.2.2.2.2.
ção portuguesa de 1976, p. 294. l 12. Sobre a ideia de "agir sem direito", cf. tópico 4.2.2.2.1.
104. Cf. Friedrich Miiller. Freilwit der Kiinxt ais Problem der Gnmdreclitsdog- 113. Cf. STF. HC 83.996.
matik, p. 59. 114. Cf., por exemplo. HC 82.424 (RTJ 188, 858 [860J): "O direito à livre ex-
105. Wollgang Riifner. "Grundrechtskonflikte", in Christian Starck (org.), Bun- pressão não pode abrigar, em sua abrangência, manifestações de conteúdo imoral".
de.s\'<.'rfaxxnngxi>t'richi und (Irnndgexetz. vol. II, Tiibingen: Mohr, 1976, pp. 459 e ss. 115. Cf., por exemplo: HC 70.814 (RTJ 176, 1136 [1140]), voto do Min. Celso
106. Cl. José Carlos Vieira de Andrade, Ox direitos fundamentais na Constitui- de Mello: "(...) a cláusula tutelar da inviolabilidade do sigilo epistolar não pode cons-
ção portuguesa de IV76. p. 294. t i t u i r instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas"; HC 82.424 (RTJ 188, 858
107. Cf. Klaus Stern, "Die Grundrechte und ihre Schranken", in Peter Badura/ |891 ]) - voto do Min. Maurício Corrêa: "(...) um direito individual não pode servir de
Horst Dreier, Festsclinft 50 Jahre liitndesverfassungsgericlit, p. 17. salvaguarda de práticas ilícitas, como ocorre, por exemplo, com os delitos contra a
108. Cf. Cíiinter lírbel. Inkalt und Auswirkungen der verfassungsrechtlichen honra (...)"; e HC 79.285 (DJU 12.1 1.1999). A premissa restritiva, nos moldes apre-
Kunstjreiheitsgiirantie. Berlin: Springer, 1966, p. 95. sentados no voto do Min. Celso de Mello, acima, é aceita no âmbito doutrinário, entre
109. O exemplo é de Wolfram Hofling (Offene Gnindrechtsinlerpretation, p. 177). outros, por Alexandre de Moraes, Direitos Humanos Fundamentais. 5a ed.. São Pau-
110. Para alguns deles, cf., por exemplo: Robert Alexy, Theorie der Grundrechte, lo: Atlas, 2003, pp. 145-146.
pp. 278 e ss. |tradução brasileira: pp. 307 e ss.]; Wolfram Hofling, Offene Grundre- l 16. Cf., sobre essa decisão, tópico 2.2.3.3.
100 DIRKITOS R I N D A M H N T A 1 S : CON l I - I 1 I X ) H S S I i N C I A l . . RHSTRIÇÒRS i: i:l ICACIA O SUPORTH KM1CO DOS DIRRITOS I-VNDAMHNTAIS 101

antemão uma resposta definitiva a essa questão. H possível que as ser nas tardes de domingo - e, como alternativa, oferece um estacio-
circunstâncias do caso concreto sejam decisivas para tanto. namento na periferia da cidade onde esses encontros seriam liberados.
Segundo Alexy, a regulamentação é meramente acerca do local e do
horário, mas mesmo assim representa uma restrição às liberdades de
3.3.2.1.3 Regulação e restrição reunião e de expressão. 120 Isso porque pode ser que os cidadãos ou não
A distinção entre regulação e restrição dos direitos fundamen- possam se reunir no domingo à tarde, ou não tenham qualquer moti-
tais, que está na base de algumas estratégias de limitação do suporte vação para debater em um estacionamento na periferia da cidade. Em
fático dos direitos fundamentais, não é despida de problemas concei- resumo: "A administração poderia então silenciar um debate que lhe
tuais, e tem enormes consequências práticas. Na exposição do modelo seja inconveniente por meio de uma regulamentação aparentemente
proposto por Rawls ficou claro que essa distinção tem um objetivo inofensiva". 121
simples e, ao mesmo tempo, fundamental: distinguir aquilo que é per- O exemplo acima não é apenas produto da imaginação de um
mitido daquilo que não é. Assim, para Rawls toda forma de interven- autor. A»tênue margem entre regulação e restrição é muito bem refle-
ção no conteúdo das liberdades fundamentais é uma forma de restri- tida em caso muito semelhante decidido no STF: a decisão da ADI
ção - e, portanto, a ser rejeitada. Já intervenções \\i\forma de exercício 1.969. Por essa razão, servirá ela como ferramenta de análise nesse
das liberdades fundamentais seriam aceitas, já que, nesses casos, es- ponto específico do trabalho, para demonstrar a impossibilidade de
taríamos diante de meras regulamentações.111 distinção entre regulamentação e restrição.
A despeito da simplicidade e aparente utilidade da distinção, não
parece ser possível afirmar, sem grandes ressalvas, que intervenções
na forma de exercício de um direito fundamental não possam implicar 3.3.2.1.3. l Análise de caso: direito de reunião e ADI l.969 - Em
grandes restrições ao seu dbnteúdo. Essa é uma possibilidade perce- março de 1999, o Governador do Distrito Federal editou o Decreto
bida por Tribe, que tenta contorná-la, quando trata da regulação do 20.098, que pretendia regulamentar o exercício do direito de reunião
exercício da liberdade de expressão, ao aíirmar que tal regulação é - previsto no art. 5°, XVI, da constituição -, nos seguintes termos:
possível "desde que não restrinja excessivamente o iluxo cie informa- "Art. 1Q. Fica vedada a realização de manifestações públicas, com a
ções e ideias"."8 utilização de carros, aparelhos e objetos sonoros na Praça dos Três Po-
deres, Esplanada dos Ministérios e Praça do Buriti e vias adjacentes".
E possível, neste ponto, recorrer a um exemplo utilizado por Ale-
xy. "9 Em determinada cidade, uma questão política vem sendo discuti- O objetivo do decreto, de acordo com seus considerando, era
da intensamente. Os representantes das diversas concepções sobre a disciplinar o exercício da liberdade de reunião "de molde a que sem-
questão conclamam os cidadãos a participar cios frequentes debates pre esteja presente o respeito mútuo, sem que sejam agredidos os
que são realizados no parque principal da cidade. Os cidadãos compa- postulados básicos da democracia". Segundo a "exposição de moti-
recem em massa. Por diversas razões, a administração municipal não vos", a utilização de carros de som nas manifestações nas vias e pra-
gosta da ideia: as pessoas pisam na grama e a estragam; debates no- ças, descrita em seu art. 1Q, atrapalharia o bom funcionamento dos
turnos atrapalham outros moradores; mães com crianças e admiradores Poderes da República.
de flores podem aproveitar o parque apenas parcialmente; etc. Por
Como se percebe, a regulamentação proposta em nenhum mo-
isso, a administração resolve proibir tais reuniões para debates - a não
mento faz menção ao conteúdo das manifestações, mas pura e sim-

117. Cf. tópico 3.3.1.1.3.


118. Laurence Tribe, American ConxtitiitioiKil Law, pp. 581-582. 120. Idem, p. 289.
119. Cf. Robert Alexy, "Theorie der Grundlrciheiten", pp. 288-289. 121. Ibidem.
102 DIRLITOS F U N D A M H N T A I S : CONTF.ÚDO IISSHNCIAL. KFSTRIÇÒFS F F I - I C Á C I A O SUI'OKTF-: FÁTICO DOS DIRH1TOS l-11NDAMHM'AIS 103

plesmente ao local ("Praça dos Três Poderes, Esplanada dos Ministé- O mesmo pode-se dizer do objeto da ADI l .969. O Governador do
rios, Praça do Buriti e vias adjacentes") e ao meio de expressão (por Distrito Federal apenas "regulamentou" o exercício do direito de reu-
meio de "carros, aparelhos e objetos sonoros"). Segundo as premissas nião, delimitando lugar e modo de exercício.I2íl Mas, segundo o enten-
sobretudo de Rawls e Tribe, estaríamos, aqui. diante cie mera regula- d i mento do STF, tal regulamentação nada mais é que uma forma de
mentação do direito, mas não de restrição. 122 restrição ao direito em questão. 127 Não se trata, aqui, claro, de mero
Ainda que Rawls e Tribe não tratem o problema de forma idênti- areuinento de autoridade. O que importa é que a decisão, ainda que
ca, pelo menos um elemento em comum está presente em ambas as não pelos caminhos delineados aqui, reconhece que o âmbito de pro-
teses: tratando-se de restrição a direito fundamental, a atividade restri- lecão da norma que garante o direito de reunião pode eventualmente
tiva deve ser necessariamente rejeitada. Nos casos de regulamentação, ser restringido por meio de atos que meramente delimitam horário,
Tribe desenvolve o problema com mais detalhes que Rawls e sustenta local e formas de manifestação. Em outras palavras: reconhece-se que
que a solução é uma questão de sopesamento entre os interesses envol- tais elementos fazem parte do suporte fálico de tal direito. E, neste
vidos no caso concreto. 12 ' Já Rawls, como visto pelo exemplo da liber- ponto, conclusão semelhante à que Alexy chega no caso de seu exem-
dade cie expressão,124 tende a aceitar, sem maiores exigências, regula- plo, mencionado anteriormente: "Se não se estende a liberdade do dis-
mentações relativas ao local, ao horário e ao modo de expressão. curso político às modalidades do discurso, ou seja, ao horário e à data.
ao local e ao meio de expressão, não poderia nem ao menos ser ques-
Poder-se-ia chegar à conclusão de que o modelo de Tribe é mais tionado se as regulamentações como as mencionadas [em seu exem-
sofisticado e menos maniqueísta, já que não pressupõe binómios imu- plo] violam o direito fundamental, pois tais regulamentações referem-
táveis do tipo restrição — proibido/regulamentação = permitido. Ao se a algo que, de antemão, não é abarcado pelo âmbito de proteção
flexibilizar o segundo binómio, o modelo de Tribe seria mais capaz de desse direito". 128
se adequar às realidades dateplicação prática dos direitos fundamen- Assim, de acordo com o que acaba de ser explicitado, a funda-
tais. Dessa forma, nem toda regulamentação seria aceita, mas depen- mentação da decisão na ADI l .969 parece recorrer a uma estratégia
deria de um sopesamento entre os interesses colidentes no caso con- intermediária entre os modelos de Tribe (e, subsidiariamente, de Rawls)
creto. Contudo, há, aqui, dois problemas importantes, considerados e o modelo aqui proposto. Nesse sentido, seria possível dizer que o
nos tópicos seguintes. t r i b u n a l , pelo menos nessa decisão, 129 aceita a premissa de Tribe,

3.3.2.1.3.2 Regulamentações restritivas — Em primeiro lugar, e 126. O que, aliás, é previsto pela Lei l .207/1950. Infelizmente, a recepção dessa
como já se salientou, 125 nem tudo aquilo que se refira à fornia de exer- lei pela Constituição de 1988 não foi discutida em juízo.
cício de uma liberdade é mera regulamentação. Como se viu, é perfei- 127. Ementário STF 2.142, 282 (295-296).
128. Robert Alexy, "Theorie der Grundfreiheiten". p. 289.
tamente possível que com base em medidas aparentemente inofensivas
129. É preciso salientar que a jurisprudência do STF, no que diz respeito às res-
c meramente regulamentadoras o exercício de um direito fundamental trições a direitos fundamentais, vem sendo refinada nos últimos tempos. Os termos da
possa ser restringido de forma contundente. O que aparenta ser mera decisão da ADI 1.969, diante disso, não podem ser tomados como "jurisprudência do
regulamentação é, na verdade, restrição. Tribunal". Além disso, mesmo internamente à ADI 1.969 os termos são bastante con-
traditórios. Se, de um lado, a decisão, em alguns momentos, salienta que "não cabe à
autoridade local regulamentar preceito da Carta de República" (Ementário STF 2.142,
282 [2951) ou que não pode o agente público "intervir, restringir, cercear ou dissolver
122. Cf. John Rawls, Political Uberalism, pp. 336 e 341. reunião pacífica, sem armas, convocada para fins lícitos" (idem, p. 302), de outro lado.
123. Cf. Laurence Tribe. American Conxtitiitional IMW. p. 581. várias são as passagens em que os Ministros insistem no caráter não-absoluto do direi-
124. Cf. tópico 3.3.1.1.3. to de reunião e dos direitos fundamentais em geral (Ementário STF 2.142, 282 - voto
125. Cf. tópico 3.3.2.1.3. do Min. Marco Aurélio Mello [p. 303]; voto do Min. Octávio Gallotti |p. 321]; voto do
104 D I K I T I O S l l N D A M i : M A I S : COMKCDO ESSENCIAL. RESTRIÇÕES li EEirÁCIA O SUPOR'!'!- I-ATICO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 105

segundo a qual as restrições à essência do direito são inconstitucio- O primeiro deles é a norma contida no art. 39, § 5IJ, I, da Lei
nais, mas, por outro lado, não compartilha da premissa de Ravvls, cj 504/1997 (Lei Eleitoral), cujo texto é o seguinte: "§ 5Q. Constituem
segundo a qual regulamentações de local e forma de expressão nun- crimes, no dia da eleição, puníveis com detenção, de seis meses a um
ca constituem restrições ao direito de reunião. 130 É justamente a as- ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo
sociação dessas duas premissas que levou o STF a declarar a incons- mesmo período, e multa no valor de cinco mil a quinze mil UFIRs: I
titucional idade do decreto em questão, ou seja: a regulamentação _ o uso de alto-falantes e amplificadores de som ou a promoção de
não era mera regulamentação, mas, sim, uma restrição - e, portanto, comício ou carreata".
inconstitucional. Assim, a realização de comícios, que são manifestação típica do
exercício de reunião, é .simplesmente proibida nos dias de eleições.
Partindo-se do pressuposto sugerido por Tribe e Rawls, a fundamen-
3.3.2.1.3.3 Restrições permitidas - Quanto a um dos pontos ex-
tação para essa proibição não exigiria grande esforço argumentativo:
plicitados no tópico anterior há convergência entre a posição do STF
por se tratar de mera regulamentação (data da reunião), a constitucio-
e a tese aqui defendida: regulamentações quanto ao local, horário e nal idade da medida é pouco discutível. Já, no caso da linha definida
modo de exercício de um direito fundamental podem configurar - na pelo STF 154 parece plausível sustentar que não se trata de mera regu-
tese aqui defendida: sempre configuram - uma restrição a esse direi- lamentação, mas de restrição ao direito de reunião. Difícil seria saber,
to.1" O segundo ponto, a ser abordado com mais detalhe neste tópico, no entanto, quais seriam as consequências que o tribunal tiraria dessa
tem relação com o primeiro mas, nesse caso, diverge da posição do constatação, já que na ADI l .969 a conclusão que decorreu da premis-
STF.1'2 Esse segundo ponto pode ser resumido da seguinte forma: da sa, aceita por todos os ministros, de que se tratava de restrição, e não
mera verificação de uma restrição a um direito fundamental - mesmo de regulamentação, foi a inconstitucionalidade do decreto, sem que,
que ela inviabilize seu exercício por completo, em alguns casos con- para isso, houvesse algum desenvolvimento intermediário entre a
cretos - não decorre sua inconstitucionalidade.' 33 constatação da premissa e a conclusão. A se repetir o mesmo modelo
Não são poucas as restrições ao direito de reunião que extrapolam no caso da lei eleitoral, a conclusão tenderia a ser pela inconstitucio-
as restrições já previstas no próprio texto constitucional - caráter pa- nalidade da restrição." 5
cífico, ausência de armas, local aberto ao público, não-frustração de A dificuldade em se apreender a posição do STF em casos como
outra reunião, aviso à autoridade competente —, proibindo certas reu- esse decorre, assim, de alguns pontos principais: (1) o tribunal não
niões em certos locais ou em certas datas, sem que isso configure explicita o caminho que ojeva da constatação da premissa à concha
qualquer inconstitucionalitlude. Dois exemplos parecem ser ilustrati- sã~õT(2)~em não poucos momentos a decisão é extremamente contra-
vos a esse respeito. ditória; 136 (3) a decisão na ADI 1.969 ainda é a única sobre um tema
tão importante como o direito de reunião no âmbito do STF.137

Min. Sydney Sanches [p. 322]: voto do Min. Néri da Silveira [p. 324]; voto do Min.
Moreira Alves [p. 325|). 134. Cf. a ressalva da nota 132.
130. Cf., por exemplo. Ementário STF 2.142, 282 - voto do Min. Marco Auré- 135. É claro que não se imagina, aqui, que o STF, de fato, caso fosse provocado
lio Mello (p. 303); voto do Min. Nelson Jobim (pp. 311 e 314); voto do Min. Néri da a decidir, decidiria pela inconstitucionalidade da proibição de comícios nos dias de
Silveira (p. 323). eleição. O que se quer mostrar é a fragilidade da argumentação que se baseia apenas
131. Cf. tópico 3.3.2.1.3. no raciocínio "é restrição, logo, é inconstitucional".
132. "Posição do STF-"", aqui. significa "posição do STF na ADI 1.969". Sobre 136. Mais uma vez, cf. nota 129.
isso, et. nota 129. 137. Pelo menos é o que se depreende de pesquisa no banco de dados do próprio
133. Sobre a inviabilização total do exercício de um direito em determinadas Tribunal. Há algumas exceções, como HC 69.400 (RTJ 146, 599), em que não houve
circunstâncias, cf. tópico 4.4.7. julgamento do mérito, e RE 97.278, MS 4.534 e RK 26.350, que são muito anteriores
106 DIREITOS H I N D A M H N T A I S : CONTEÚDO M S S I - N C T A I . . RI.STRIÇÕLS I. I-II I C A C I A O SUPORTE FAT1CO DOS DIRH1TOS F U N D A M E N T A I S 107

É claro que se poderia argumentar que os dois exemplos que es- do que a restrição anterior - partidos comunistas. 10 de fevereiro, das
tão sendo comparados — o decreto do Governador do Distrito Federal |4 às 18h -, a discussão acerca de sua constitucional idade c muito
e a lei eleitoral — são completamente diferentes, e que isso inviabiliza mais aberta.
a própria comparação. De um lado temos um ato do Poder Executivo Um argumento de que não é descabido restringir o direito de reu-
que restringe o direito de reunião de forma mais ampla; de outro te- nião em determinados lugares, especialmente em frente aos chamados
mos uma lei em sentido formal - aprovada, portanto, pelo Congresso órfãos de soberania, pode ser encontrado no direito estrangeiro.
Nacional - que restringe o direito de reunião em apenas um dia espe-
cífico. Esse é um argumento correio, mas não toca o cerne da questão, Assim, em Portugal, o Decreto-lei 406/1974, que, a despeito de
que é o problema da restrição a direitos fundamentais em geral e ao ser anterior à constituição de 1976, ainda hoje regula em parte o exer-
l direito de reunião em especial. Não é suficiente a constatação de que cício do direito de reunião, disciplina, eiji seu art. l 3": "As autoridades
uma lei restringe mais, e a outra menos. Há restrições menores, con- referidas no n. l do art. 2-, solicitando quando necessário ou conve-
sideradas, talvez, como meras regulamentações, que podem ser in- niente o parecer das autoridades militares ou outras entidades, pode-
constitucionais, enquanto é possível que restrições mais intensas rão, portrazões de segurança, impedir que se realizem reuniões, comí-
possam ser consideradas constitucionais. 138 cios, manifestações ou desfiles em lugares públicos situados a menos
de lOOm das sedes dos órgãos de soberania, das instalações e acam-
Esse ponto será desenvolvido em outro capítulo, mas um breve
exemplo poderá dar ideia do que se quer aqui sustentar. Se uma lei, pamentos militares ou de forças militarizadas, dos estabelecimentos
em sentido formal, aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada prisionais, das sedes de representações diplomáticas ou consulares e
pelo Presidente da República, proibisse manifestações de partidos das sedes de partidos políticos".
comunistas nos dias 10 de fevereiro de cada ano, entre 14 e 18h, difi- Na Alemanha, em sentido muito semelhante dispõe a lei sobre o
cilmente tal lei seria considerada constitucional. Note-se, no entanto, direito de reunião, em seu § 16, 1: "Reuniões públicas ao ar livre e
que se trata de restrição ínfima - apenas um dia por ano. durante ape- passeatas são proibidas no âmbito do zonas de segurança dos órgãos
nas quatro horas. legislativos da União e dos Estados, e do Tribunal Constitucional". 140
O outro caso é o próprio caso da ADI 1.969: a proibição de ma- Como se percebe, a despeito de se concordar, aqui, com a primei-
nifestações em frente aos chamados órgãos de soberania, em qualquer ra tese defendida pelo STF, segundo a qual regulamentações podem
dia, em qualquer horário. E, sem dúvida, uma restrição não desprezí- configurar - ou sempre configuram - restrições ao âmbito de proteção
vel. Mas, ao contrário do que foi decidido pelo STF, é possível que dos direitos fundamentais, não se concorda com a segunda tese, se-
haja motivos para uma tal restrição, sobretudo — mas não somente — gundo a qual, por ser restrição, ou por ser restrição intensa, a medida
motivos de segurança.119 Ou seja, a despeito de ser muito mais intensa

140. Zonas de segurança são os locais no entorno dos chamados órgãos de sobe-
à Constituição de 1988. E, ao que parece, essa não é apenas uma tendência que ocor- rania, cuja extensão é definida por ato infralegal. É interessante salientar que o debate
re no STF. Nesse sentido, c f. Fernando Dias Menezes de Almeida, Uberdade de sobre tais zonas, no início de 2005, foi travado em termos muito semelhantes aos
reunião, São Paulo: Max Limonad, 2001, p. 291: "A primeira observação que se deve usados no decreto do Governador do Distrito Federal questionado na ADI 1.969. A
fazer acerca da jurisprudência sobre liberdade de reunião no Brasil diz com seu volu- deputada alemã Erika Simm, do Partido Social-Democrata (SPD). em debate travado
me extremamente reduzido". no dia 11.1.2005. sustentava que, "segundo pacífica jurisprudência, uma restrição ao
138. Esse é, corno se verá, um dos pontos mais importantes da tese que aqui se direito de reunião somente é permitida com o intuito de proteger outros bens jurídicos
defende, e será desenvolvido no Capítulo 5. no qual serão abordadas as formas de de igual valor. Além disso, o conteúdo essencial do direito fundamental deve ser pre-
compreensão do conteúdo essencial dos direitos fundamentais. servado. (...). Quais são, no caso concreto, (...) os bens jurídicos para cuja proteção se
139. Como se vê, o que se faz aqui não é. em momento algum, uma defesa do pretende restringir o direito de reunião? São - e isso já é ponto pacífico - a capacida-
decreto declarado inconstitucional na ADI 1.969, mas a simples elaboração de uma de funcional e a de trabalho dos órgãos constitucionais, que devem ser protegidos por
hipótese de trabalho. uma zona de segurança; no nosso caso. o Parlamento alemão".
IOX DIRI-JTOS l l ' N D A M E N TAIS: CONTEÚDO ESSENCIAL, RESTRIÇÕES K EFICÁCIA o SUPORTE I-Á rico DOS DIREITOS I-VNDAMHN TAIS 109

deve ser automaticamente considerada como inconstitucional. Em l 3.2.2.1 Características


apenas dois pontos - que serão desenvolvidos nos próximos dois
Já ficou claro, até aqui, que exclusões a priori de condutas ou
capítulos - poderia ser dito que: (1) a inconstitucionalidade de uma situações do âmbito de proteção dos direitos fundamentais é a tese
medida não depende da sua classificação como restrição ou regula- central das teorias que se baseiam em um suporte fático restrito. As
mentação; (2) a inconstitucionalidade de uma medida não depende teorias que se baseiam em um suporte amplo - como a aqui defendida
apenas da decisão sobre seu caráter restritivo e sobre sua intensidade: - rejeitam essa premissa. Claro que, a partir dessa constatação, a in-
há restrições'intensas constitucionais e há restrições leves inconsti- dasiação necessária seria: o que, então, é protegido pelos direitos fim- /
tucionais. Hm todos os casos — regulamentações, restrições ou qual- damentais? A resposta a essa pergunta, ao contrário do que ocorre com ^
quer seja a caracteri/ação da intervenção — sempre será necessário "ãíTteorias^que se baseiam num suporte restrito, é menos problemática
uni sopesamento. 141 no caso das teorias que pressupõem um suporte amplo. A razão é sim-
A partir disso se percebe que a distinção entre restrição e regu- ples: no primeiro caso a definição do suporte restrito é, em geral, a
lamentação perde muito do seu sentido. Como se viu, há restrições própria»definição daquilo que é definitivamente protegido; no segundo
constitucionais e regulamentações inconstitucionais. Além disso, caso - suporte amplo -, definir o que é protegido é apenas um primei-
conceitualmente é difícil - se não impossível - distinguir urna ideia ro passa, já que condutas ou situações abarcadas pelo âmbito de pro-
da outra. Os exemplos utilizados demonstram bem isso. Regulamen- teção de um direito fundamental ainda dependerão eventualmente de
tar o local é, ao mesmo tempo, restringir o exercício de um direito um sopesamento em situações concretas antes de se decidir pela sua
naquele local (v. ADI 1.969). Regulamentar a forma é restringir às proteção definitiva, ou não. Como já foi delineado no capítulo 2 e será
formas permitidas o exercício do direito. Como será visto no capítulo visto com mais detalhes no capítulo 4, uma das principais característi-
6, a mitigação das diferençais entre restringir e regular terá grandes cas da teoria aqui defendida é a distinção entre aquilo que é protegido
\rnma fade e aquilo que é protegido definitivamente. Essa distinção,
consequências na classificação das normas constitucionais quanto à
fundamental na dogmática dos direitos fundamentais, está na base da
sua eficácia.
ideia de um suporte fático amplo. É por isso que a pergunta sobre "o
que faz parte do âmbito de proteção de um determinado direito funda-
mental" tem consequências menos drásticas aqui, e poderia ser substi-
3.3.2.2 Suporte fálico amplo: características e consequências
tuída pela pergunta: "o que é protegido prima fade por esse direito?".
Nos tópicos anteriores, ao tentar rebater as principais caracterís- Essa pergunta deve ser respondida da seguinte forma: toda ação,
ticas dos modelos que se baseiam em um suporte fático restrito e suas estado ou posição jurídica que tenha alguma característica que, isola-
estratégias fundamentadoras, já transpareceram algumas característi- damente considerada, faça parte do "âmbito temático" 143 de um deter-
cas do modelo de suporte amplo. Nos tópicos abaixo pretendo apenas minado direito fundamental deve ser considerada como abrangida por
sedimentá-las e, sobretudo, analisar alguns de seus principais efeitos seu âmbito de proteção, independentemente da consideração de ou-
na argumentação jurídica e na atividade jurisdicional. 142 tras variáveis.144 A definição é propositalmente aberta, já que é justa-

141. É o próprio Laurence Tribe que assume a imprescindibilidacle do sope- 143. Cf. Martin Borowski, Gritndrechte ais Prinzipien, p. 184: Wolfram Cre-
samento em todos os casos. Segundo ele, "determinações sobre o alcance da pro- mer, "Der Osho-Beschluss dês BVerfG", JuS 43 (2003), p. 748; Dietrich Murswiek,
teção da Primeira Emenda pressupõem, cm ambos os casos, alguma forma de so- "Das Bundesverfassungsgericht und die Dogmatik mittelbarer Grundrechtseingriffe",
pesamento, mesmo que isso nem sempre fique explícito" (American Constitutioual ;VV'n<Z22 (2003), p. 3.
IMW, p. 583). 144. Cf. Robert Alexy, Theorie der Gritndrechte, p. 291 [tradução brasileira: p.
142. Cf. sobretudo tópico 3.3.3. 322].
l 10 DIRECTOS FUNDAMENTAIS: CONTEÚDO ESSENCIAL. RESTRIÇÕES E EFICÁCIA O SCPORTE-: l Al ICC) DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS l ll

mente essa abertura que caracteriza a amplitude da proteção. Também Fixados a ampla extensão do âmbito de proteção de todos os di-
a resposta individualizada à mesma questão - o que é protegido prima reitos fundamentais 148 e, ao mesmo tempo, seu caráter não-absoluto,
fadei - segue o mesmo caráter aberto. [Exemplo:] o que é protegido parece-me mais indicado passar, desde já, à análise de seus efeitos - o
pelo direito à livre manifestação cio pensamento (L'F, art. 5D, IV)? Toda que será feito, no plano teórico, no tópico seguinte. A partir do tópico
e qualquer manifestação de pensamento, não importa o conteúdo (ofen- 3.3.3, serão analisados esses efeitos no plano prático-jurisdicional.
sivo ou não), não importa a forma, I4> não importa o local, não importam
o dia e o horário. O mesmo vale para todos os direitos fundamentais.
E claro que a primeira reação a essa ideia poderia ser: "Então, 3.3.2.2.2 Efeitos
estamos diante de direitos absolutos?". A resposta é - e só poderia ser Quando se expôs o método subjacente ao presente trabalho e quan-
l- "não". A razão é simples. Como foi visto acima, no início deste tó- do se sublinhou a importância de sua dimensão analítica, uma das
pico do trabalho, a definição do âmbito de proteção é apenas a defini- preocupações foi o estabelecimento da estreita ligação desse enfoque,
ção daquilo que é protegido prima fade, ou seja. de algo que poderá essencialmente teórico, com a argumentação jurídica e com a prática
sofrer restrições posteriores. Neste ponto é necessário retomar a defi-
jurisdicional. 149 Neste tópico pretende-se analisar quais são os efeitos
nição de suporte fático, vista anteriormente.
que essa "reconstrução teórica" do suporte fático dos direitos funda-
A definição, em termos lógico-formais era: (x)(APx A —» FC(IEx) mentais tem na argumentação jurídica. Como se perceberá, a forma de
<-» OCJx) - o que significa que para toda ação, estado ou posição ju- argumentação muda por completo se se parte do paradigma do supor-
rídica x que seja abarcada pelo âmbito de proteção de um direito te fático amplo. Mas essa mudança na argumentação não é um fim em
fundamental (APx) e que tenha sofrido uma intervenção estatal não si mesmo: como se pretende demonstrar, as exigências que o modelo
fundamentada constitucionalmente (->FC(IEx)) deverá ocorrer a con- do suporte fático amplo impõe à argumentação implicam um maior
sequência jurídica desse direito atingido, que, em geral, é a exigência grau de proteção aos direitos fundamentais.
da cessação da intervenção (OCJx). 1 "' Isso significa que, se se retirar
a negação antes de FC, teremos, então, uma ação, um estado ou uma A primeira consequência de uma modificação no ponto de partida
posição jurídica, protegida, prima fade, por um direito fundamental, - de suporte restrito para suporte amplo - é não somente a ampliação
que, no entanto, sofreu uma intervenção estatal fundamentada}*1 Nes- no âmbito de proteção dos direitos fundamentais, mas também uma
se caso não se está diante de uma violação a um direito fundamental, consequente ampliação na extensão do conceito de intervenção. É por
mas diante de uma restrição. Essa formalização ilustra bem, portanto, isso que se fala, neste trabalho, não apenas em âmbito de proteção
o caráter não-absoluto dos direitos fundamentais e a centralidade do amplo, mas em suporte fático amplo: porque o conceito de interven-
exame da fundamentação das restrições para a dogmática dos direitos ção - que, como se viu, se insere no conceito de suporte fático - tam-
fundamentais e para a decisão final acerca de sua constitucionalidade bém é amplo.
(restrição permitida) ou inconstitucionalidade (violação). Na estrutura Ora, se a proteção definitiva de um direito fundamental depende
deste trabalho, a esse ponto - a fundamentação das restrições - será da classificação de uma intervenção em seu âmbito ou como restrição
destinado o próximo capítulo. constitucionalmente aceita ou como violação inconstitucional, tanto

145. Aqui fica excluída, como se percebe, a tese de Miiller sobre a especificida- 148. Como se fala, aqui. em iodos os direitos fundamentais, estão incluídos,
de e a tipicidade na forma de exercício dos direitos fundamentais. portanto, os direitos sociais. Apenas fazem-se necessárias algumas adaptações, para
146. A letra maiúscula "O", em formali/acões lógico-jurídicas. expressa um adequar o modelo ao que foi fixado anteriormente para o caso dos direitos sociais (cf.
dever-ser (oiiglit). tópico 3.2.4. l ) ; mas isso não altera a tese proposta.
147. Na formalização lógica: (.\-)(AP.\ {•'(.'(fK\) <r^> ->OCJ.\). 149. Cf. tópico 1.3.4.
l 12 D I R I - I IOS R - N I J A M I i M A I S : CONTEÚDO HSSF.NCIAI., RKSTRIÇÒHS K K R C A C I A O SUPORTL-; l --ÁTICO DOS DIREITOS l-l N I M M H M AIS li ;

mais tende a ser efetiva essa proteção quanto maior for a extensão do direito, o conceito de intervenção, por ser restrito, faz com que m u i -
âmbito de proteção e também do coneeito de intervenção. tas ações estatais que regulamentem, por exemplo, a forma de exer-
Isso fica claro na tabela a seguir. IM) Nela, na coluna "âmbito de cício de um direito não sejam consideradas como intervenção, e,
proteção", amplo significa que a conduta (ou estado, ou posição jurídi- portanto, não impliquem a exigência de fundamentação constitucio-
ca) em jogo não é excluída de antemão desse âmbito; restrito significa nal." 1 (b) Nas linhas 3 e 4 a conduta já foi excluída, de antemão, da
o contrário, ou seja, que a ação não é protegida, por ter sido excluída proteção de um direito fundamental, razão pela qual uma eventual
de antemão dessa proteção, com base em algum dos argumentos já ação estatal que a restrinja ou proíba não necessita de fundamentação:
analisados anteriormente. Na coluna "intervenção", amplo significa a proibição ou a restrição de algo não protegido não precisam ser
que o conceito de intervenção inclui toda potencial restrição ao âmbito fundamentadas.
de proteção de um direito fundamental, ou seja, nesse conceito de in- A reconstrução de decisões judiciais a partir desse modelo de-
tervenção estão incluídas também mínimas regulamentações relativas monstrará o que aqui se pretendeu expor de forma teórica.
à forma de exercício de um direito, ao seu local, horário etc.; já restrito ?
significa que nem toda regulação do exercício de um direito fundamen-
tal é considerada como intervenção. 3.3.3 Análise de casos
Coerente com a proposta fixada na metodologia deste trabalho, 152
a análise essencialmente teórica levada a cabo até aqui - em alguns
âmbito de proteção intervenção constitucionalidade da intervenção momentos, conscientemente, com um alto grau de abstração - será
(D amplo amplo depende de fundamentação colocada à prova com base em uma análise de casos retirados da ju-
* risprudência do STF. Com isso contempla-se, também, aquilo que se
(2) amplo restrito constitucional (sem fundamentação)
chamou de dimensão empírica da dogmática jurídica, muitas vezes
(1) restrito amplo constitucional (.sem fundamentação ) deixada de lado em trabalhos académicos.
14) restrito restrito constitucional (sem fundamentação) É claro que a escolha das duas decisões que serão analisadas a
seguir é, de um lado, arbitrária, já que escolher duas decisões de um
universo de centenas de milhares sempre o será. De outro lado, no
A terceira coluna — "constitucionalidade da Intervenção" — indica entanto, a escolha dessas decisões se deve a razões também metodo-
apenas uma tendência, mas expõe com clareza o que se pretende, lógicas: nelas é possível encontrar, com clareza, elementos de ambos
aqui, defender: no caso da linha l, qualquer intervenção é acompa- os modelos teóricos aqui analisados. Isso não significa, contudo, que
nhada de um grande ónus argumentativo para demonstrar sua consti- a análise vale apenas para essas decisões. Há aqui urna pretensão de
tucionalidade. Nas outras três linhas - (2, 3 e 4) - em geral as inter- universalidade: toda a jurisprudência do STF e toda a atividade juris-
venções são aceitas sem esse ónus. Explica-se: (a) Na linha 2. ainda dicional no âmbito dos direitos fundamentais poderão - é o que aqui
que muitas condutas sejam garantidas pelo âmbito de proteção de um se sustenta - ser reconstruídas e analisadas teoricamente a partir dos
termos debatidos neste Capítulo 3.

150. Tabela semelhante, mas com diferenças fundamentais, decorrentes da não-


aceitação. aqui, de todos os pressupostos defendidos por Alexy (cf tópico 3.2.3, 151. Cf'., por exemplo, Peter Lerche, Uberma/.i und Verfassimí-srecht, Kõln: Cari
acima), pode ser encontrada em Robert Alexy, Theorie der Gntndrechte, p. 279 (tra- Heymann. 1961, pp. 107 e ss. e 140 e ss. - que exclui do controle da proporcionalida-
dução brasileira: p. 308], e em Wolfram Hõfling, Offene Grtmdrechtsinterpretation. de os dispositivos legais que meramente regulamentem direitos fundamentais
p. 173. 152. Cf. tópico 1.3.
l 14 D I R I - I I O S Kl N D A M I Í N l A I S : CONTHÚDO HSSLNCIAL, RliS l RIÇÕIÍS l-, l-:l ICACIA O SUPOR!!-: I-ÁTICO DOS DIRHITOS F U N D A M E N T A I S l 15

3.3.3.1 Liberdade de imprensa (ADI/MC 2.566) são é inviolável; 1 ^ 4 feito isso, necessário se faz, por razões analíticas
óbvias, diferenciar entre liberdade de expressão e proselitismo, por-
A constituição brasileira, em seu art. 5'\, garante a liberdade de que, caso contrário, não seria possível defender o dispositivo atacado;
expressão nos seguintes termos: "é livre a manifestação do pensamen- para tanto, argumenta-se que "diferente da livre manifestação do pen-
to, sendo vedado o anonimato". No inciso VI, primeira parte, do samento (...) a atividade que se volta a converter pessoas não apenas
mesmo artigo garante-se a liberdade de crença, nos seguintes termos: manifesta, mas transforma, modifica, altera valores (...) interferindo,
"é inviolável,a liberdade de crença e de consciência". Por fim, no pois, na liberdade de consciência e de crença do interlocutor ou do
capítulo sobre a comunicação social, a constituição, em seu art. 220, apenas ouvinte". 155 Livre expressão e tentativa de conversão seriam,
garante a liberdade de imprensa, da seguinte forma: "A manifestação portanto, conceitos complelamente distintos. 156
i do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer
forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado Como se percebe, a defesa que se tenta fazer da vedação de pro-
o disposto nesta Constituição", Neste tópico o objetivo é analisar, a selitismo não se baseia em uma eventual restrição à liberdade de ex-
partir de um caso concreto, as consequências que a extensão do supor- pressão ou de imprensa, 1 '' 7 mas na exclusão a priori de alguns atos do
te fálico de um ou vários direitos fundamentais pode ter na interpreta- seu âmbito de proteção. Por isso é que foi necessário argumentar que
ção e na aplicação da constituição, sobretudo - mas não somente - no proselitismo, por ser uma tentativa de convencimento, por estar ba-
processo de controle de constitucionalidade. seado em dogmas, é diferente de livre expressão do pensamento, que
apresenta rabões sem imposições.]™ Fazer proselitismo, portanto, não
O art. 4", § 1a, cia Lei 9.612/1998, que disciplina a atividade de
é garantido pelo direito fundamental da livre expressão do pensamen-
radiodifusão comunitária, proíbe "o proselitismo de qualquer nature-
to ou pela liberdade de imprensa. Ambos os direitos não são, portanto,
za" na programação dessas emissoras. 153 Na ADI 2.566, proposta pelo
resvalados pelo disposto no art. 4Q, § 1 >! , da Lei 9.612/1998.
Partido Liberal/PL em 2001 ^alegou-se, entre outras coisas, que o dis-
positivo em questão consistiria em censura inconstitucional e feriria Todos os problemas argumentativos que, no correr deste capítulo,
os arts. 5", IV. VI e IX, e 220 cia constituição brasileira. O pedido de foram imputados às teorias que pretendem definir um suporte fático
liminar foi rejeitado pelo STF, vencidos os ministros Celso de Mello restrito às normas que garantem direitos fundamentais são facilmente
e Marco Aurélio Mello. Embora se trate apenas da decisão da medida identificáveis na argumentação da Advocacia-Geral da União. Ao ten-
cautelar e não do julgamento final de mérito, tal caso é interessante tar escapar - cleclaradamente ou não - do problema da colisão entre
como ferramenta de análise, porque há argumentos que partem de um direitos e da restrição que tal colisão pode impor até mesmo aos direi-
suporte fálico restrito e argumentos que partem de um suporte fático tos fundamentais mais importantes, foi necessário recorrer à estratégia
amplo para a liberdade de expressão e imprensa. "a conduta A não é protegida pelo direito y; logo, a proibição de x não
constitui restrição a esse direito". As razões apresentadas pela Advo-
cacia-Geral não estão, no entanto, à altura do ónus argumentativo que
3.3.3.1.1 Suporte fático restrito
Na defesa do dispositivo impugnado, a Advocacia-Geral da 154. Aqui fica a impressão de que a Advocacia-Geral da União confere um
União claramente baseia-se em uma restrição do suporte fático da li- caráter absoluto à liberdade de expressão. Mas em determinados momentos de sua
argumentação sustenta-se o contrário.
berdade de expressão. Essa restrição segue o seguinte percurso: em 155. Ementário STF 2.141, 570 (578) - sem grifos no original.
primeiro lugar, afirma-se categoricamente que a liberdade de expres- 156. Ementário ST1' 2.141. 570 (581).
157. Ainda que na manifestação da Advocacia-Geral da União a palavra "restri-
ção" a direitos eventualmente apareça, ela não é compatível com o argumento central,
153. Lei 9.612/98, art. 4 U , í? l": "É vedado o proselitismo de qualquer natureza aqui transcrito.
na programação das emissoras de radiodifusão comunitária". 158. Ementário STI-' 2.141, 570 (579).
l 16 DIRIílTOS H N D A M H N I A I S : C O N T H I M H ) KSSHNCI AL. RL ; SI RIÇÒES H I-.FICÁCIA OSUTORIT; IATICO nos DIREITOS i I 117

tal estratégia impõe. Não há na manifestação da Advocacia-Geral da exemplo, a manifestação de pensamentos caluniosos no suporte fático
União qualquer fundamentação para a afirmação - decisiva para o seu dessa liberdade -, é possível afirmar que eles ao menos pressupõem
argumento - segundo a qual "tentar convencer", "partir de dogmas", um suporte mais amplo que aquele sugerido pela Advocacia-Geral da
"tentar transformar por meio da oratória" não configuram liberdade de União. Isso pode ser notado sobretudo na insistência de ambos em
expressão. Se isso fosse assim, todo e qualquer discurso religioso - salientar que proibir, de antemão, a veiculação de determinadas maté-
sermões, pregações, missas etc. -, todo discurso político - comícios, rias é uma intervenção na liberdade de imprensa."' 1
debates etc. -% estariam igualmente excluídos da proteção constitucional
À diferença do que se viu ao longo deste capítulo, no entanto, a
da liberdade de expressão. A suposição de que a liberdade de expressão
fixação de um suporte fático amplo para a liberdade de expressão e
garantida é apenas aquela isenta, objetiva, imparcial, é, no mínimo, in-
para a liberdade de imprensa não ocorre «nos votos dos ministros Celso
génua para servir de razão para excluir o proselitismo, em qualquer de de Mello e Marco Aurélio Mello como uma ampliação do âmbito de
suas manifestações, do âmbito de proteção dessa liberdade. proteção desses direitos fundamentais, que, contudo, poderão eventual-
mente ser restringidos em vista das circunstâncias fálicas e jurídicas
da situação em questão. A ampliação do suporte fático não é acompa-
3.3.3.1.2 Suporte fático amplo nhada nesses dois votos de uma expressa possibilidade de sua restri-
A alternativa à restrição prévia do suporte fático da liberdade de ção. Ambos os ministros sublinham, em várias passagens, que qualquer
expressão e da liberdade de imprensa e a consequente exclusão de con- restrição à liberdade de imprensa é sinónimo de censura. Segundo o
dutas de seu âmbito de proteção é, como já ficou claro ao longo deste Min. Marco Aurélio Mello, proibir, antecipadamente, a veiculação de
capítulo, a extensão dessa proteção a todo e qualquer ato que, isolada- algo é sempre censura.162
mente considerado, poderia.ser subsumido nos conceitos de expressão A igual conclusão chega o Min. Celso de Mello ao afirmar que
e de imprensa.159 Nos próximos dois tópicos serão analisadas duas for- nada se pode vedar de antemão; apenas coibir, a posteriori, eventuais
mas de argumentar que partem desse ponto de partida. abusos.163 A fundamentação legal da ampliação do suporte fático não
acompanhada de possibilidades de restrição é, contudo, um tanto
quanto frágil. Segundo o Min. Celso de Mello, a constituição "estabe-
3.3.3.1.2. l Suporte fático amplo e vedação de censura — Os dois
lece que nenhum dispositivo pode 'constituir embaraço à plena liber-
votos vencidos na decisão da liminar na ADI 2.566, dos ministros
dade de informação' e à liberdade de expressão do pensamento e de
Celso de Mello e Marco Aurélio Mello, diferentemente do sustentado difusão de ideias". IM Nesse trecho o ministro quis fazer menção ao
pela Advocacia-Geral da União, rejeitaram a exclusão do proselitismo disposto no art. 220, § l-, da constituição. Ocorre que esse § 1 Q é me-
- de qualquer natureza - do suporte fático da liberdade de expressão nos absoluto do que aparenta na argumentação do Min. Celso de
e de imprensa. Em outras palavras: segundo eles, fazer proselitismo é Mello, pois contém, ele mesmo, ressalvas à extensão de sua vedação,
exercer a liberdade de expressão e, caso seja por meio de comunica- nos seguintes termos: "§ l w . Nenhuma lei conterá dispositivo que
ção social, exercer a liberdade de imprensa."'0 Embora não seja possí- possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalísti-
vel saber com certeza se os ministros partem de um suporte fático ca em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto
realmente amplo - porque não é possível saber se eles incluiriam, por no art. 5°-, IV, V, X, XIII e XIV\. Cf., por exemplo. Ementário STF 2 . 1 4 1 . 570 (611).

159. Cf. tópico 3.3.2.2.1.


160. Cf., nesse sentido. Ementário STF 2.141, 570 (604): '•Entendo (...) que a 162. Ementário STF 2.141, 570 (612).
prática do proselitismo representa elemento de concretização do direito à livre difu- 163. Ementário STF 2.141, 570 (603-604).
são de ideias" (Min. Celso de Mello). 164. Ementário STF 2.141. 570 (606) - grifos no original.
l 18 DIREITOS l l X D A M I - M A I S : CONTHÚDO HSSHNCIAL, RI-S'1 RIÇÕRS l; l i l T C Á C I A o s u PO RTF; R-vnro DOS DIRF.I TOS HINOAMIÍNTAIS i iy

Ainda que, em geral, a liberdade de informação jornalística não caso da ADI 2566 deveria ocorrer da seguinte forma: (a) tudo aquilo
deva ser restringida, é a própria constituição que prevê possíveis que, isoladamente considerado, pode ser subsumido à ideia abstraia
restrições quando estiverem em jogo os direitos garantidos pelos in- de liberdade de expressão e de liberdade de imprensa ta/, parte do
cisos IV, V. X, X\\\ XIV do art. 5U da própria constituição. Esses suporte fálico dessas liberdades; 165 (b) fazer proselitismo como forma
são justamente os dispositivos que garantem aqueles direitos mais de expressão e fazer proselitismo por intermédio de meio de comu-
sensíveis contra uma "absolutização" da liberdade jornalística, como nicação social, como forma de liberdade de imprensa são, portanto,
a privacidade é a própria livre manifestação do pensamento e a liber- ações protegidas prima fade por esses direitos; 166 (c) o art. 4", § 1°, da
dade geral de informação. Lei 9.612/1998, ao vedar o proselitismo de qualquer natureza na pro-
{ Como se pode perceber, a ampliação do âmbito de proteção cia gramação das emissoras de radiodifusão comunitária, constitui uma
intervenção no âmbito de proteção da liberdade de imprensa; (d) in-
liberdade de imprensa feita pelos ministros Celso de Mello e Marco
tervir em um direito fundamental não é, por si só, algo constitucional-
Aurélio Mello, que passa a abarcar toda e qualquer forma de manifes-
inente vedado;167 (e) decisivo para se saber se a intervenção é consti-
tação - incluindo-se aí toda e qualquer forma de proselitismo -, por
tucionalmente justificável é a análise dos princípios em colisão e das
não ser acompanhada de uma necessária possibilidade de restrição, circunstâncias do caso concreto.168
cria problemas jurídico-legais, teóricos e práticos. Jurídico-legais
porque é a própria constituição que, de forma expressa e clara, prevê
casos em que a liberdade de imprensa poderá ser restringida. Teóricos 3.3.3.2 Sigilo bancário (MS 21.729)
porque, ao absolutizar um direito (a liberdade de expressão e de im-
prensa), coloca-o, na verdade, acima dos demais, criando uma relação No caso do MS 21.729 não se trata diretamente cie discussão
hierárquica de difícil compatj^bilização com a ideia de sopesamento, já acerca de alguma ação estatal que lenha restringido o sigilo bancário
que direitos absolutos e superiores não podem ser relativizados por como direito objetivo. 169 Mesmo assim, é possível mais uma vez per-
direitos não-absolutos e inferiores; sem possibilidade de relativização,
não há sopesamento possível. E práticos porque impossibilita qual-
165. Cf. tópico 3.3.2.2.1.
quer fornia de regulação da atividade de imprensa no Brasil. 166. Neste ponto é rejeitado o pressuposto utilizado na manifestação da Advo-
cacia-Geral da União.
167. Neste ponto são rejeitados os pressupostos utilizados pelos Mins. Marco
3.3.3.1.2.2 Suporte amplo e possibilidade de restrição - Uma aná- Aurélio Mello e Celso de Mello.
lise superficial poderia levar a crer que as duas opções expostas nos 168. O voto do Min. Sydney Sanches, relator da ADI-MC 2.566, é o que mais
dois tópicos anteriores são os únicos pontos de partida possíveis para se aproxima desse modelo, sobretudo na seguinte passagem: "Caberá, então, ao intér-
prete dos fatos e da norma, no contexto global em que se insere, no exame de casos
a resolução do problema enfrentado. Ou seja: ou o proselitismo não é concretos, no controle difuso de constitucionalidade e legalidade, verificar se ocor-
garantido pela liberdade de expressão e de imprensa - e, por conse- reu, com o proselitismo, desvirtuamento de suas finalidades" (Ementário STF 2.141,
guinte, uma lei que o proíba não viola qualquer direito fundamental; 570 [601]). Apenas a menção ao controle difuso é que não é necessária no modelo
ou o proselitismo faz parte do âmbito de proteção dessas liberdades - aqui apresentado, porque é perfeitamente possível - em alguns casos, exigível - que
esse controle seja feito em abstrato também, no controle concentrado. Além disso,
e. por isso, a lei que o proíbe é inconstitucional, por constituir censura, como a decisão do Min. Sydney Sanches foi apenas sobre o pedido de liminar, fica
o que é proibido pela constituição. Como já se delineou no tópico an- difícil ter certeza sobre a posição que ele eventualmente teria se o mérito tivesse sido
terior, há uma terceira possibilidade. E essa terceira possibilidade é julgado ainda durante seu período como Ministro do STF.
justamente a forma de reconstrução do problema que se defende neste 169. Embora se tenha discutido, nessa ação, a constitucionalidade do art. S u , §
2", da Lei Complementar 75/1993, que veda que qualquer autoridade oponha ao Mi-
trabalho. A partir dessa reconstrução - que já foi analisada anterior- nistério Público a exceção de sigilo. O que importa aqui. no entanto, não é essa ques-
mente neste capítulo —, a decomposição dos elementos envolvidos no tão, mas o problema de fundo referente ao sigilo bancário em si.
120 OIRKITOS F U N D A M E N T A I S : C O M H C D O I I S S H N C I A I . , RliSTRlÇÕKS h Hl I C A C I A O SlJTOKTi: l ATIÇO DOS D W L l TOS I I M J A M I -,,\ AIS 121

ceber, no debate entre os ministros, os efeitos que as diferentes con- isso, baseiam-se os ministros muitas vezes no raciocínio: o sigilo ban-
cepções de suporte fálico para os direitos fundamentais - no caso, do cário é criação da lei infraconstitucional. e o que a lei hoje protege
direilo â privacidade e â intimidade -- podem ter na argumentação e na pode depois deixar de proteger. Expressamente diz o Min. Sepúlveda
proteção dos direitos fundamentais. Pertence: "O sigilo bancário só existe no Direito brasileiro por forca
de lei ordinária. Não entendo que se cuide de garantia com status
constitucional. Não se trata da 'intimidade' protegida no inciso X do
3.3.3.2.1 Suporte fálico restrito art. 5U da Constituição Federal". 174
Alguns ministros, no MS 21.729 e em outras decisões sobre sigi- Também o Min. Francisco Rezek vai na mesma direção, e afirma
j Io bancário, sustentam que tal sigilo não é garantido pela proteção que o sigilo bancário é criação do art. 38 da Lei 4.595/1964. F, como
constitucional da inlimidacle e da vida privada. Da mesma forma que esse mesmo artigo já prevê exceções ao sigilo, leis posteriores (como
ocorre com Iodas as formas de exclusão a priori do âmbito de prole- a Lei Complementar 75/1993) poderiam fazer o mesmo. O que daí se
ção de um direilo fundamental, o ponto nevrálgico lambem no caso depreende é o seguinte: uma lei infraconstitucional poderá criar exce-
do sigilo bancário é a fundamentação de uma eventual exclusão. O ções ao sigilo bancário, ou restringi-lo, apenas e tão-somente porque
Min. Francisco Rezek limita-se a dizer que o art. 5-, X, da constitui- esse tipo de sigilo é uma criação cia própria legislação infraconstitucio-
ção fala em intimidade, na qual não se poderia incluir a mera conta- nal. Esse é um raciocínio frequente nas decisões sobre sigilo bancário
bilidade.™ Curioso é notar que, logo em seguida, o mesmo ministro no STF. Fácil é perceber, no entanto, que a consequência inescapável
se utiliza de transcrição do parecer do Vice-Procurador da República, desse raciocínio é: se algo é protegido por um direito fundamental,
no qual se pode ler: "É possível que os dados bancários, em certos então, qualquer restrição a esse direito implica também sua violação,
casos, deixem entrever aspectos da vida privada, como ocorreria, por e deve, portanto, ser considerada inconstitucional. Difícil é não ver
exemplo, na revelação de gastos com especialidades médicas de cer- nesse raciocínio uma tendência á "absolutização" dos direitos funda-
tas enfermidades ou de despesas com pessoas das relações afetivas mentais, algo que o próprio tribunal sempre se esforça, com razão, em
mais íntimas, que o cliente queira manter em segredo". 171 Mesmo que negar.175
o Vice-Procurador afirme que esses casos são excepcionais e que, em Se o único objetivo de se negar a proteção constitucional ao sigi-
geral, "as operações e serviços bancários não podem ser referidos á lo bancário é abrir caminho para relativizações a partir da legislação
privacidade", 172 parece ser difícil dissociar, em abstraio e a priori, o infraconstitucional, o meio escolhido, além de desnecessário, padece
que, na movimentação bancária, é expressão da privacidade e o que de todos os déficits de fundamentação que qualquer estratégia de res-
não é. Critérios para tal distinção nunca são mencionados. 175 trição ao âmbito de proteção dos direitos fundamentais apresenta.
A impressão que se tem, muitas vezes, na negação da proteção
constitucional ao sigilo bancário é o receio de que uma eventual acei- 3.3.3.2.2 Suporte fálico amplo
tação dessa proteção inviabilizaria qualquer restrição posterior. Por
E possível também perceber algumas dificuldades de fundamen-
lação nos volos que pretendem incluir o sigilo bancário na garantia
170. RTJ 179,225 (250). constitucional do direito à privacidade. Em geral recorrem eles ao
171. RTJ 179, 225 (250) - sem grifos no original. inciso XII, e não ao inciso X, do art. 5° da constituição. Isso porque
172. RT.I 179. 225 (250).
173. A contraposição entre intimidade e contuhilidadi- feita pelo Min. Francisco
Rezek é frágil demais para cumprir esse papel. Sigilo bancário não pode ser conside-
rado um mero sigilo contábil, como se gastos não pudessem lazer parte da vida pri- 174. RTJ 179. 225 (270) - sem grifos no original.
vada de aleuém. 175. Sobre isso, cr", a nota de rodapé 63 no Capítulo 6.
T

122 DIRHITOS FUNDAMENTAIS: CONTHÚDO hSSHNCIAL. KHSTKIÇÕi:s i: 1:1 K A C I A O SUPORTK FÁTICO DOS DIKIilTOS F U N D A M H N T A I S 123

no inciso XII haveria a menção ao "sigilo de dados". I7(> O recurso ao das franquias individuais e coletivas", lsl à "intensificação da proteção
inciso XII, a partir de um modelo amplo de suporte latico, seria ao jurídica dispensada às liberdades fundamentais" 182 e a uma consequen-
mesmo tempo problemático e desnecessário. Problemático porque há te dilatação dos "espaços de conflito em cujo âmbito antagonizam-se,
fortes argumentos que sustentam que a proteção do inciso XII se re- em função de situações concretas emergentes, posições jurídicas re-
fere apenas ao sigilo da comunicação de dados.' 77 K desnecessário vestidas de igual carga de positividade normativa".'*' A opção, ainda
porque, a partir do paradigma de um suporte amplo, o sigilo bancário, que não explícita, por um suporte fálico amplo para o direito à priva-
por proteger — sempre ou excepcionalmente — esferas da vida privada cidade é clara, e é apenas confirmada no decorrer de seu voto, no qual
cios indivíduos, deve ser inserido, sem qualquer dúvidas, no âmbito de propõe crilérios para a resolução das colisões decorrentes de uma am-
proteção do direito à privacidade do inciso X. Nesse sentido, o art. 5". pliação tanto do âmbito de proteção quanto do conceito de interven-
X, seria suficiente para a proteção prima fade do sigilo bancário. ção estatal.184 Aqui, no entanto - e ao contrário do que ocorreu no caso
Mas o voto do Min. Celso de Mello, a despeito de ter recorrido analisado anteriormente (ADI/MC 2.566) -, da constatação de que
ao inciso XII, e não ao inciso X,' 7 * dá mostras de se apoiar em um algo (sigilo bancário) é protegido por um direito fundamental (priva-
suporte fálico amplo e - como será visto no próximo capítulo - em cidade)*e de que uma ação estatal restringe esse âmbito (quebra do
uma teoria externa dos direitos fundamentais. Isso fica claro a partir sigilo bancário) 185 não decorreu uma consequência automática pela
da seguinte passagem: "O direito à inviolabilidade dessa franquia in- inconstitucionalidade da ação. No MS 21.729, portanto, a decisão por
dividual (...) ostenta, no entanto, caráter meramente relativo. Não as- um modelo de suporte amplo é mais coerente com seus pressupostos
sume e nem se reveste de natureza absoluta. Cede, por isso, e sempre que no caso da ADI/MC 2.566.
em caráter excepcional, às exigências impostas pela preponderância
axiológica e jurídico-social do interesse público". 179
Diante disso - e fiel a aipins precedentes do STF™ -, o Min. Celso 3.3.3.3 Análise de casos: conclusão
de Mello aponta que a garantia ampla ao direito à privacidade, que Não se pretende, aqui, simplesmente apresentar uma solução
inclui, portanto, o sigilo bancário, não torna inconstitucionais eventuais pretensamente correia para os problemas de fundo objeto da ADI/MC
restrições previstas em legislação ordinária, como é o caso do art. 38 2.566 e do MS 21.729. Isso não passaria de uma opinião sobre liber-
cia Lei 4.595/1964. dade de imprensa ou sobre sigilo bancário em um trabalho que não
Mais adiante o Min. Celso de Mello resume bem seu pressuposto pretende fazer uma análise dogmática específica de qualquer desses
teórico, fazendo referência a uma "ampliação da esfera de incidência direitos fundamentais. Como ficou claro anteriormente, o uso de um
caso concreto é nada mais que um modelo para análise dos pressu-
postos analíticos aqui sustentados. IXÍ> Como será debatido mais adian-
176. RTJ 179, 225 (243) - voto do Min. Celso de Mello, apoiado em Amoldo
Wald, "O sigilo bancário no Projeto de Lei Complementar n. 70", Cadernos de Direi- te, a partir desses pressupostos é possível chegar a conclusões iguais
to Tributário e. Finanças Públicas l (1992). p. 206.
177. Aqui. cf., por todos, Tércio Sampaio Ferraz Jr., "Sigilo de dados: o direito
à privacidade e os limites à função fiscalizadora do Estado", Cadernos de Direito 181. RTJ 179,225 (244).
Tributário e Finanças Públicas l (1992), p. 145. 182. RTJ 179,225 (244).
178. Mais adiante, no entanto, em seu voto, o Min. Celso de Mello dá a entender 183. RTJ 179, 225 (245) - grifos no original.
que o sigilo é protegido também pelo inciso X, nos seguintes termos: "A relevância 184. Cf. RTJ 179, 225 (245 e ss.).
do direito ao sigilo bancário - que traduz uma das projeções reali-atloras do direito 185. Cf. RTJ 179, 225 (246): "A quebra do sigilo bancário importa, necessaria-
à intimidade - impõe, por isso mesmo, cautela e prudência (...)" (RTJ 179. 225 [244] mente, em inquestionável restrição à esfera jurídica cias pessoas afetadas por esse ato
- alguns grifos removidos, outros acrescentados). excepcional do Poder Público" (grifos no original).
179. RTJ 179, 225 (244) - grifos no original. 186. Sobre o uso de casos concretos como modelos para análise, cf. Virgílio
180. Cf., por exemplo, Pet. 577-QO (RTJ 148, 366). Afonso da Silva, "O proporcional e o razoável", RT 798 (2002), pp. 35 e ss.
r
124 DIRKITOS i I : N O A M I : N IA1S: CONH;I;DO KSSHNCIAL, RIÍSTRIÇÕEÍS i-: KFICÁCIA O SUPORTE: FATICO DOS DIREITOS F U N D A M E N T A I S 125

àquelas possíveis a partir dos dois pressupostos anteriores, expostos necessidade de fundamentação para a intervenção estatal. 187 Se, ao ve-
nos tópicos acima, e que foram aqui rejeitados. Isso não tem, contudo, dar o proselitismo, a legislação não interveio no âmbito de proteção
relação com a importância da análise, pois a avaliação da solidez de da liberdade de imprensa, a conclusão automática - e que prescinde
uma teoria não se faz pela mera avaliação de seus resultados. Isso por- de qualquer fundamentação - é pela constitucionalidade do ato. Vedar
que na definição dos resultados não importa apenas o pressuposto teó- proselitismo não é, a partir desse modelo, UEH ato cuja constituciona-
rico do qual se parte, mas também todas as valorações possíveis que lidade - ou proporcionalidade - possa ser controlada. O que não res-
não são definidas por esse pressuposto. Um modelo como o que se pre- tringe direitos não pode ser desproporcional. No caso do sigilo bancá-
tende defender neste trabalho tem como função sobretudo criar exigên- rio a situação é semelhante: se o sigilo não é protegido pelo direito à
cias de fundamentação para o aplicador do direito', exigências, essas, privacidade, mas uma mera criação do legislador ordinário, para criar
que levam a uma possibilidade mais sólida de diálogo intersubjetivo exceções a esse sigilo - ou eliminá-lo por completo - bastaria uma
e, conseqiientemente. a uma maior proteção aos direitos fundamen- maioria simples no Congresso Nacional, baseada em simples juízos de
tais. Por isso, o que está em jogo não é decidir sobre a constituciona- conveniência e sem necessidade de fundamentação constitucional.
lidade ou inconstitucionalidade da vedação de proselitismo nas emis- E fácil perceber, portanto, que um modelo que se baseia na redu-
soras comunitárias ou da quebra do sigilo bancário, mas a forma de ção a priori do âmbito de proteção de direitos fundamentais - um
argumentação e fundamentação que liga os pontos de partida com os conceito que aparentava ser exclusivamente teórico-analítico - tende
pontos de chegada de cada voto em cada decisão. O que se quis, aqui, a significar também uma garantia menos eficaz, desses direitos nas
demonstrar, de um lado, foram as dificuldades que toda exclusão a atividades legislativa e jurisdicional, por excluir da exigência de fun-
priori de condutas da proteção de um direito fundamental pode criar; damentação uma série de atos que inegavelmente restringem direitos.
de outro, pode-se perceber que a simples aceitação de um suporte fá- É a partir dessas conclusões que se pode passar ao próximo capítulo,
tico amplo, sobretudo no caso da liberdade de imprensa, muitas vezes no qual a relação entre os direitos e suas restrições será analisada a
é feita de forma a "absolutizar" ainda mais o direito - o que não é, partir de dois enfoques principais: a teoria interna e a teoria externa.
contudo, a premissa desse modelo. No caso da ADI/MC 2.566 tanto o Com isso ficarão ainda mais claros os efeitos não apenas teóricos que
Min. Marco Aurélio Mello quanto o Min. Celso de Mello, apesar de a necessidade de uma clara definição do suporte fálico dos direitos
terem partido de um suporte amplo - a liberdade de imprensa inclui a fundamentais - incluindo-se aí a definição do seu âmbito de proteção
possibilidade de proselitismo -, não foram coerentes com todas as e da extensão do conceito de intervenção estatal e, sobretudo, uma de-
premissas do modelo, já que da simples verificação de uma interven- finição acerca das exigências argumenlalivas necessárias para justifi-
car restrições a direitos fundamentais - pode ter, na prática jurídica,
ção (proibição de proselitismo), concluíram pela inconstitucionalida-
na esfera desses direitos.
de, sem ao menos questionar a existência de fundamentação constitu-
cional para a vedação em questão.
Para o objeto do presente trabalho, sobretudo a questão da exclu-
são de certas condutas do âmbito de proteção de algum direito funda-
mental tem consequências importantíssimas, especialmente na ativi-
dade judicial preocupada com a proteção dos direitos fundamentais.
E essas consequências são, como se pôde perceber, extremamente
negativas. No caso concreto da ADI/MC 2.566 a consequência da
exclusão do proselitismo de qualquer natureza do âmbito de proteção
187. Cf., mais uma vez. as linhas (3) e (4) da tabela elaborada no tópico
da liberdade de imprensa é a exclusão, ao mesmo tempo, de qualquer 3.3.2.2.'»
r KI.STRIÇOHS A D I R h H O S 1 - r N D A M H N l AIS 127

ponto central, nessa primeira parte, é a contraposição entre as teorias


interna e externa (tópicos 4.2. 4.2.4, e 4.3 e sub-tópicos). (2) Num se-
oundo momento pretende-se analisar a principal forma de controle às
restrições aos direitos fundamentais: a regra cia proporcionalidade
(tópico 4.4 e sub-tópicos).

Capítulo 4 4.2 As teorias externa e interna


RESTRIÇÕES A DIREITOS FUNDAMENTAIS
Intimamente ligado à questão da amplitude do suporte (atiço dos
direitos fundamentais está o problema da reconstrução da relação
4.1 Introdução. 4.2 As teorias externa e interna: 4.2.1 Teoria interna: entre os direitos e seus limites ou restrições. Nesse âmbito é possível
4.2.1.1 Limites imanentes -- 4.2.1.2 Teoria institucional dos direitos distingui^ dois enfoques principais, chamados, aqui, de teorias exter-
fundamentais - 4.2.2 Teoria externa: 4.2.2. l Ponto de partida: a teoria
dos princípios como teoria externa: 4.2.2.1.1 Restrições por meio de na e interna.1 Tais teorias não são, contudo, criação da dogmática dos
regras -4.2.2.1.2 Restrições baseadas em princípios - 4.2.2.2 Críticas direitos fundamentais, e são conhecidas no âmbito do direito civil há
à teoria externa: 4.2.2.2.1 Contradição lógica — 4.2.2.2.2 Ilusão deso- muito tempo, tendo suscitado intensos debates sobretudo na França,
nesta - 4.2.2.2.3 Racionalidadc - 4.2.2.2.4 Segurança jurídica - entre Planiol e Ripert, 2 de um lado, e Josserand/ de outro. 4
4.2.2.2.5 Inflação judiciária - 4.2.2.2.6 Direitos irreais - 4.2.3 Dife-
rentes teorias e seus efeitos — 4.2.4 Teoria externa e suporte fático:
4.2.4.1- Pierotli/Sc/ilink - 4.2.4.2 Jurisprudência: o caso Osho. 4.3
Limites imanentes, direitos prima facie e sopesamento: 4.3.1 Canoti- 1. A contraposição entre as teorias interna e externa ainda não foi ohjeto de
Iho e os /imites inUmentes. 4.4 A regra da proporcionalidade: 4.4.1 debates aprofundados no Brasil, pelo menos não na esfera dos direitos fundamentais.
Questões terminológicas: princípio, máxima, regra ou postulado - Em Portugal, no entanto, tais concepções já são analisadas há algum tempo. Cf., por
4.4.2 Adeaiiação - 4.4.3 Necessidade: 4.4.3.1 Necessidade e grau de exemplo: José Carlos Vieira de Andrade. Os direitos fundamentais na Constituição
eficiência — 4.4.4 Proporcionalidade em sentido estrito: 4.4.4.1 Pro- portuguesa de 1976, .V ed., Coimbra: Almedina. 2004 ( l " ed.. 1976), pp. 287 e ss.;
porcionalidade em sentido estrito e subjetividade — 4.4.5 Regra da Jorge Miranda. Manual de direito constitucional, 3J ed.. vol. IV, Coimbra: Coimbra
proporcionalidade e sopesatnenlo — 4.4.6 Proporcionalidade, limites Editora, 2000 (1a ed., 1988). pp. 336 e ss.; e Jorge Reis Novais, As restrições aos
imanentes, restrições e regulamentações - 4.4.7 Proporcionalidade e direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela Constituição, Coimbra:
conteúdo essencial dos direitos fundamentais. Coimbra Editora, 2003. pp. 292 e ss.
No Brasil é possível encontrar apenas breves menções à contraposição entre as
teorias externa e interna, mas sem consequentes aprofundamentos, em Gilmar Fer-
reira Mendes, "Âmbito de proteção dos direitos fundamentais e as possíveis limita-
4.1 Introdução ções", in Gilmar Ferreira Mendes et ai, Hermenêutica constitucional e direitos
fundamentais, Brasília: Brasília Jurídica, 2000. pp. 224-225, e. mais recentemente,
Como ficou claro no capítulo anterior, um modelo que amplia a Cláudia Perotto Biagi. A garantia do conteúdo essencial dos direitos fundamentais
extensão do âmbito de proteção dos direitos fundamentais e, ao mes- na jurisprudência constitucional brasileira. Porto Alegre: Sérgio António Fabris,
2005, pp. 59-60.
mo tempo, o conceito de intervenção estatal é um modelo que deve 2. Cf. sobretudo Marcelo Planiol/Georges Ripert, Trai té élémentaire de droit
estar pronto para lidar com um problema decorrente dessa expansão: civil, vol. II, 10J ed.. Paris: LGD.I, 1926. p. 298.
a colisão entre direitos e a necessária restrição deles em algumas situ- 3. Cf. sobretudo Louís Josserand. De 1'esprit dês droits et de leur re/ativité,
ações. O presente capítulo pretende analisar exatamente esse proble- Paris: Dalioz, 1927.
4. Sobre os efeitos do debate na Alemanha, cf., por todos, Wilhelm Weber, Recht
ma, e pode ser dividido em duas grandes partes principais. (1) Na der Schuldverháltnisse, l 1a ed., Berlin: Schweit/.er, 1961, pp. 748 e ss. Para o caso
primeira delas serão analisados os dois enfoques principais na recons- austríaco, ainda também no âmbito do direito civil. cf. Peter Mader, Kechtsmiftbraitcli
trução da relação entre o direito e suas restrições (ou seus limites) - o und unzulassige Rec/itsaiisiibung, Wien: Orac, 1994, pp. 113 e ss.
I2X DIRI-.ITOS F I J N D A M K N I A I S : CONTEÚDO l -ISSHNC 'IAE. RESTRIÇÕES E El ICACIA RÉS l R1CÕES A DIREITOS FUNDAMENTAIS 129

Como será visto nos próximos tópicos, a simples menção a ter- Se isso é assim - ou seja, se a definição do conteúdo e da exten-
mos e expressões como restrição a direitos fundamentais, sopesamen- são de cada direito não depende de fatores externos e, sobretudo, não
to, ponderação ou proporcionalidade - que. via de regra, sobretudo na sofre influência de possíveis colisões posteriores -, a conclusão a que
jurisprudência, são utili/adas como se estivessem destacadas de qual- se pode chegar, em termos de estrutura normativa, é que direitos defi-
quer pressuposto teórico - exige uma clara compreensão da relação nidos a partir do enfoque da teoria interna têm sempre a estrutura de
entre o direito, de um lado, e seus limites ou restrições, de outro. A regras* Isso porque, se a definição do conteúdo do direito é feita de
precisão terminológica, neste ponto, é inafastável, pois há diversos antemão, isso significa - para usar a expressão de Sieckmann - que a
termos que muitas ve/.es são usados em conjunto mas que, analitica- norma que o garante tem validade estrita? Segundo ele, validade es-
mente enfocados, são incompatíveis entre si. Ideias como a de limites trita significa que uma norma será com certeza aplicável e produzirá
imanentes, por exemplo, não são passíveis de convivência, em uma todos os seus efeitos sempre que se tratar de uma situação que se en-
mesma teoria, com expressões como restrição a direitos, abuso de quadre na hipótese por cia descrita.1" Se a norma tem validade estrita,
direito ou sopesamento. Isso porque, entre outros motivos, quando se ela segue o raciocínio "tudo-ou-nada", analisado anteriormente," e
parte de uma teoria interna, que é aquela que sustenta que o direito e não pode ser objeto de sopesamentos.
seus limites são algo uno - ou seja. que os limites são imanentes ao Por consequência, se direitos fundamentais e sua extensão são
próprio direito -, isso exclui que outras fatores externos, baseados, definidos a partir da teoria interna e não podem, por conseguinte, par-
por exemplo, na ideia de sopesamento entre princípios, imponham ticipar em um processo de sopesamento,12 toda vez que alguém exer-
qualquer restrição extra. As fundamentações para ambos os enfoques cita algo garantido por um direito fundamental essa garantia tem que
serão analisadas a seguir. ser definitiva, e não apenas prima fade.l3 A impossível distinção entre
direito prima fade e direito definitivo, no âmbito da teoria interna, é
algo que decorre diretamente de seu pressuposto central, ou seja, da
4.2.1 Teoria interna 4
unificação da determinação do direito e de seus limites imanentes.
Se fosse necessário resumir a ideia central da chamada teoria in- Nesse sentido, não haveria como imaginar uma situação em que, a
terna, poder-se-ia recorrer à máxima frequentemente utilizada no di- despeito de haver um direito "em si", não pode ele ser exercitado por
reito francês, sobretudo a partir de Planiol e Ripeit, segundo a qual "o haver sido restringido em decorrência da colisão com outros direi-
direito cessa onde o abuso começa"." Com isso se quer dizer, a partir
do enfoque da teoria interna - e daí o seu nome -, que o processo de 8. Sobre a definição da estrutura das regras jurídicas e suas diferenças em rela-
definição dos limites de cada direito é algo interno a ele. É sobretudo ção à estrutura dos princípios, cf. tópico 2.2.
nessa perspectiva que se pode falar em limites imanentes. Assim, de 9. Cf. Jan-Reinard Sieckmann. Regelnwdelle imd Prinzípienmodelle dês Re-
acordo com a teoria interna, "existe apenas um objeto, o direito com c/ilssyslei/is, Baden-Baden: Noinos, 1990, p. 59.
10. Ainda que isso pareça, ao mesmo tempo, trivial e circular, uma simples
seus limites imanentes"/' A fixação desses limites, por ser um proces- análise da estrutura dos princípios, sobretudo a partir da perspectiva da teoria externa
so interno, não é definida nem influenciada por aspectos externos, (cf. tópico 4.2.2), mostrará que nem toda norma tem essa característica ("validade
sobretudo não por colisões com outros direitos.1 estrita", nas palavras de Sieckmann). Os princípios, por exemplo, não a têm (cf. Jan-
Reinard Sieckmann, Rfi>elini>dc'íle n/id Prinzipirnnwdelle dês Rechtxsvstems, p. 58:
princípios são "normas sem validade estrita").
5. Mareei Planiol/Georges Ripert, Traité élémentaire de droit civil, vol. II. p. 1 1 . Cf. tópico 2.2.3.1.
298: "lê droit cesse ou 1'abiis commence". 12. Cf.: Robert Ale.xy. "Rechtssystem und praktische Vernunft". in Robert
6. Martin Borowski. Grutidreclite a/s Prinzipien, p. 99. Alexy. Recht, Vernunft, Diskurs: Studien zitr Rechtsphilosophie, pp. 216-217; Martin
7. Cf. mais uma vê?. Martin Borowski, Grundrechte ais Prinzipien, p. 99: "A Borowski, Cnindrec/ile ais Prinzipien, p. 100.
extensão do direito não é modificada por colisões com outras posições jurídicas, seu 13. Sobre a distinção entre "direitos definitivos" e "direitos prima fade", cf.
conteúdo definitivo é definido de antemão". tópico 2.2.
130 DIRHITOS h U N D A M H N T A I S : ( X ) N l l-.l : i ) < ) hSSLNí ' I A I . . KI-.S I Rl(,'< 1IÍS I-: l : .l I C A C I A
RHSTRICOhS A DIRtTIOS l l : N I ) A M I - N ' [ AIS 131

tos.14 Ou há direito subjetivo, ou não há. Se o direito subjetivo existe, das adiante 17 - não somente aceitam como também pressupõem - em
então, pode ele ser naturalmente exercido no âmbito de seus limites. 15 miase todos os casos - a necessidade de restrição a direitos funda-
Em outras palavras: no âmbito da teoria interna não há como falar que nientais. os adeptos de teorias internas utilizam o conceito de limite
determinada ação seja prima fade garantida por uma norma de direi- para rejeitar essa necessidade. A contraposição entre definição de li-
to fundamental mas que, em decorrência das circunstâncias - fálicas mites, de um lado, e imposição de restrições, de outro, explicita as
e jurídicas - do caso concreto, tal ação deixe de ser protegida. Nesses diferenças entre os dois enfoques.
casos, "o direito no qual a ação se baseia não existe, ou pelo menos Assim, para não ter que partir de um pressuposto insustentável de
não na forrría como a ele se recorre".16 direitos absolutos, a teoria interna tende a recorrer à ideia de limites
Da mesma forma que ocorre com as teorias que se baseiam em imanentes. Os direitos fundamentais, nessa perspectiva, não são abso-
. um suporte fálico restrito para os direitos fundamentais, a teoria inter- lutos, pois têm seus limites definidos, implícita ou explicitamente, pela
na tem o ónus de demonstrar a possibilidade de se fundamentar a li- própria constituição.18
mitação de direitos "a partir de dentro", de forma a excluir a neces- Ainda que sem o recurso teórico explícito à ideia cie limites ima-
sidade de restrições externas. A principal figura a que se costuma nentes, é possível encontrar manifestações das teses centrais da teoria
recorrer, para esse fim, é aquela conhecida por limites imanentes. Mas interna na jurisprudência do STF. É claro que não é possível falar em
há outras estratégias que, sem recorrer a esse tipo de limite, também unia linha jurisprudencial coerente nesse sentido, até porque o STF
pretendem fundamentar uma visão interna dos limites aos direitos recorre também, em um sem-número de casos, ao sopesamento entre
fundamentais. A principal é, sem dúvida, a teoria institucional dos di- princípios - o que, como se verá, não é compatível com a ideia de
reitos fundamentais. Ambas - limites imanentes e teoria institucional limites imanentes. Não obstante essa incompatibilidade, o recurso aos
— serão analisadas a seguir. limites imanentes pode ser encontrado em não poucas decisões.
No caso Ellwanger, por exemplo, ao tratar dos limites do exercí-
cio dos direitos fundamentais, o Min. Maurício Corrêa recorre à se-
4.2.1.1 Limites imanentes guinte ideia: "Como sabido, tais garantias, [liberdade de expressão e
Pela exposição do pressuposto teórico central da teoria interna, pensamento} como de resto as demais, não são incondicionais, razão
feita brevemente no tópico anterior, poder-se-ia imaginar que, ao não pela qual devem ser exercidas de maneira harmónica, observados os
admitir reslrições a direitos fundamentais, tal teoria parte de uma con- limites traçados pela própria Constituição Federal (CF, art. 5", § 2Q,
cepção absoluta desses direitos. Essa não é, contudo, uma conclusão primeira parte)".1"
necessária e, além disso, dificilmente seria defendida por seus teóri- Em sentido muito semelhante, pela definição dos limites imanen-
cos. À semelhança do que já foi visto no capítulo 3, há uma diferença tes no caso da liberdade de manifestação do pensamento, o Min. limar
terminológica sulil entre a teoria interna e a teoria externa que pode Galvão pronunciou-se na ADI 869: "Ementa: (...) Limitações à liber-
deixar isso mais claro. Essa diferença terminológica não é, com se ve- dade de manifestação do pensamento, pelas suas variadas formas -
rá, mera filigrana jurídica, despida de qualquer efeito prático ou teó- Restrição que há de estar explícita ou implicitamente prevista na
rico mais importante. Enquanto as teorias externas que serão analisa- própria Constituição".2"

17. Cf. tópico 4.2.2.


14. Cf. Pcter Mader. Kec/itxniifíbníHc/i und cissim' Rfchtstmsiibitng, pp.
114-115. 18. É claro que se poderia dizer que, dentro dos limites definidos, tais direitos são
15. Idem, p. l 15. absolutos. Mas isso seria, no mínimo, contra-intuitivo ("absolutos dentro de limites").
16. Ibidem. 19. RTJ 188, 858 (891) - sem grifos no original.
20. ADI 869 (DJU 4.6.2004).
132 DIRl-.ITOS l l M J A M H M A I S : ro\TFÚDO HSSHNriAI.. RFSTRIÇÕFS li HRCÁCIA RESTRIÇÒKS A DIRI-TIOS FUNDAMENTAIS 133

Ao analisar o problema da amplitude do suporte fálico dos direi- O i5ição instituída por alguma restrição àquelas liberdades, mas em
tos fundamentais transcrevi algumas questões - retóricas - formula- jroibiçíto por mera não-proteção. E isso é assim não somente nos ca-
das por Vieira de Andrade. 21 Ao afirmar, por exemplo, que sacrifícios S0s de interpretação da consumição pelo juiz, mas também nos casos
humanos não são garantidos pela liberdade religiosa, da mesma forma c|e leis ordinárias. Ou seja, segundo a teoria dos limites imanentes, se
que se pode dizer que a calúnia não é garantida pela liberdade de ex- unl a lei vier expressamente a proibir sacrifícios humanos em rituais
pressão, quer-se, com isso. dizer que ambos os direitos - liberdade religiosos, ela não terá constituído restrição alguma à liberdade de
religiosa e liberdade de expressão - encontram seus limites, implícita re |jaião, pelo simples talo de que a regulação legal não leria ultrapas-
ou explicitamente, no texto constitucional. São os limites imanentes. sado os limites dessa liberdade. 24
A opção pelo termo "limite", como se mencionou anteriormente, é O grande problema da teoria dos lirnites imanentes - que é lam-
proposital, já que pretende denotar - como salienta o próprio Vieira bem, como já foi visto, o grande problema de Iodas as leorias que
de Andrade - que, nesses casos, não se deve falar em restrições aos pressupõem um suporte fálico restrilo aos direitos fundamenlais - é a
direitos fundamentais ou de colisões entre eles, mas de meros limites definiçãp do que é protegido (= denlro dos limites imanentes) e do que
que decorrem da própria constituição. Nesse sentido, é comum dizer não é protegido. As dificuldades nesse âmbito já foram exposlas no
que tais limites fazem parte da própria essência dos direitos funda- capítulo 3, quando da análise das diversas formas de definir um supor-
mentais, já que não se pode falar em liberdades ou em direitos ilimi- te fálico restrito para os direitos fundamentais. 2> O mais importante,
tados e que é tarefa por excelência da interpretação constitucional nesse ponto, é salientar aquilo que se foi delineando ao longo deste
tornar seus contornos os mais claros possíveis.22 tópico: a figura dos limites imanentes e o conceito de sopesamenlo são
Com isso, a diferença entre os limites imanentes e as restrições a mutuamente exclusivos. À fundamentação dessa tese será dedicado
direitos fundamentais decorrentes de colisões é facilmente perceptí- um tópico específico mais adiante, no qual se demonstrará também
vel, e pode ser traduzida pelo binómio declarar/constiluir. Enquanto sua importância para a segunda parte deste trabalho.26
nos casos de colisões se constituem novas restrições a direitos funda-
mentais, quando se trata dos limites imanentes o que a interpretação
constitucional faz é apenas declarar limites previamente existentes. 2 ' 4.2.1.2 Teoria institucional dos direitos fundamentais
Assim, para utilizar alguns dos exemplos de Vieira de Andrade, as ve-
dações a sacrifícios humanos ou a andar nu na rua não decorrem de Uma das principais estratégias argumentalivas a favor de uma teo-
uma restrição às liberdades de religião e de ir e vir, visto que tais li- ria interna é aquela baseada em urna concepção institucional dos di-
berdades, devido a seus limites imanentes, nem ao menos protegem reitos fundamentais. Com base em uma teoria institucional dos direi-
tais atos. Assim, quando se fala em proibição, não se quer falar em tos. muda-se o paradigma a partir do qual os direitos fundamentais são
concebidos, e a decisão por uma teoria interna é consequência sim-
plesmente natural, como será visto a seguir. Como ferramenta de tra-
21. Cf. tópico 3.3.1. Aqui. mais uma vez: "(•••) terá sentido invocar a liberdade balho utilizo, aqui, a teoria institucional de Peter Hãberle. Isso por
religiosa para efectuar sacrifícios humanos ou. associada ao direito de contrair casa- alguns motivos. Háberle talvez seja o principal autor que, inspirado
mento, para justificar a poligamia ou a poliandria? Ou invocar a liberdade artística para
legitimar a morte de uni actor no palco, para pintar no meio da rua, ou para furtar o sobretudo pelas ideias de Hauriou, 27 desenvolve uma concepção insti-
material necessário à execução de uma obra de arte? (...). Ou invocar a liberdade de
reunião para u t i l i z a r um edifício privado sem autorização, ou a liberdade de circulação
para atravessar a via pública sem vestuário?" (cf. José Carlos Vieira de Andrade, Os 24. Idem.
direitos fundamentais nu Constituição portuguesa de 1976. p. 294). 25. Cf. sobretudo tópico 3.3.2.1.
22. Cf. Theodor Mauu/./Reinhhold Zippelius, Dentsches Staatsrecht, 29a ed., 26. Cf. tópico 4.3.
Miinclien: Beck, 1994, § 20. I, l . p. 145. 27. Cf., acima de tudo, Maurice Hauriou. "La théorie de l'institution et de Ia
23. Idem. fondation", in Paul Archambault et ai.. l<a cite inoderne et Iça transforniations iht
RESTRIÇÕES A DIREITOS FUNDAMENTAIS 135
M4 DIKhlTOS FCNDAMIiNTAIS: CONTEÚDO ESSENCIAL. RESTRIÇÕES íl El ICÁCIA

tucional dos direitos fundamentais que se ocupa com o problema dos •onceito baseia-se em três elementos principais: (1) uma ideia diretriz
limites dos direitos fundamentais e com seu conteúdo essencial. 2X cuie se realiza e permanece juridicamente em um meio social; (2) para
Além disso, Háberle c. sem dúvida alguma, um dos autores institucio- •i realização dessa ideia, organiza-se um poder que lhe confere órgãos;
nalistas mais conhecidos na América Latina, sobretudo a partir da tra- i T,) entre os membros cio grupo social interessado na realização dessa
dução de sua principal obra para o espanhol.2'' ideia surgem manifestações de comunhão dirigidas pelos órgãos de
peide'' e reguladas por procedimentos." Segundo Hauriou tais elemen-
O ponto de partida para uma breve análise da teoria institucional tos estão sempre presentes naquilo que ele chama de instituição-pes-
de Haberle, só pode ser sua rejeição ao conceito de liberdade como soa, cujo principal exemplo seria o próprio Estado.14 Nesses casos, o
mera esfera de autonomia individual a ser protegida contra a atividade poder organizado e as manifestações de comunhão interiorizam-se no
estatal.'" Segundo ele. é esse conceito anacrónico de liberdade" que seio da idéia-diretriz. que, após inícialraente ser objeto da instituição,
í gera a imagem do legislador como o inimigo dos direitos fundamen- passa a ser o sujeito da pessoa moral. 35
tais.' 2 E é essa dualidade - liberdade individual que deve proteger
contra o legislador inimigo - que está na base da concepção contra a Mas, além desse conceito - instituição-pessoa -, que é o objeto
qual Haberle se insurge. Para tanto, é necessário superar, em primeiro principal das teorias de Hauriou, refere-se ele também ao conceito de
lugar, a contraposição entre liberdade e direito, ou seja, superar a ideia jnstituição-coisa, semelhante à instituição-pessoa, mas na qual o poder
de liberdade como algo natural, pré-jurídico, que apenas é restringida organizado e as manifestações de comunhão desempenham um papel
pelo direito. Para Haberle parece claro que essa perspectiva é a res- secundário, pois não se interiorizam no seio da idéia-diretriz.56 É esse
ponsável pela ideia de que qualquer intervenção estatal na liberdade conceito que Háberle toma de empréstimo para o desenvolvimento de
individual é necessariamente uma restrição. sua teoria institucional dos direitos fundamentais: direitos fundamen-
tais seriam instituições no sentido instituição-coisa e de idéia-diretriz
Para superar esse problema. Haberle recorre ao conceito de insti-* presente no meio social. Segundo Háberle, a ideia de direitos funda-
íuição, sobretudo na versão desenvolvida por Maurice Hauriou. Tal mentais - a ideia de personalidade, a ideia de propriedade, a ideia de
família - deve ser considerada como uma idéia-diretriz no sentido
institucional de Hauriou. Kssas ideias estão enraizadas em seus res-
droit. Paris: Bloud et Guy, 1925, pp. 2-45; do mesmo autor, Précis de droit constitii-
Hoiuicl, 2' ed.. Paris: Sirey, 1029. pp. 71 e ss. Cf. também Mareei Prélot. tnstitiitions pectivos meios sociais, nos quais desenvolvem sua realidade social ao
politiques e/ droit constitiitionnel. 4'1 ed.. Paris: Dalloz, 1969, § 26. pp. 39 e ss. mesmo tempo que também a definem. 37 O mais importante é que o
28. É de Haberle. sem dúvida alguma, o trabalho mais influente sobre o tema instituir a ideia de direitos fundamentais no meio social não é obra
na Alemanha, cuja I a edição é de 1962: Die Wesensgehaltgarantie dês An. 19 Abs. 2 exclusiva da constituição e de seu complexo normativo, mas sobre-
Gnmdgesetz: Zugleich ein Bcitrag ~IIIH institutionellen Verstdndnis der Gnmdrechte
und znm l.ehre voni Geset:.esvorbelialt. 31' ed., Heidelberg: C. F. Miiller. 1983.
29. Cf. Peter Haberle. La garantia dei contenido esencial de los dcrechos fttnda-
mentales eu Ia Lc\ de líonn (trad. Joaquín Brage Camazano), Madrid: 33. Cf. Maurice Hauriou. "La théorie de Tinstitution et de Ia fondation", p. 10.
Dykinson, 2003. Hm português há também alguns trabalhos traduzidos. O principal 34. Cf. Mareei Prélot, Instilutions politiques et droit constitutionnel, § 26, p. 40:
deles é, sem dúvida, Peter Háberle. A sociedade aberta dos intérpretes da Constitui- "(...) [uma institHtção-pessoa] é constituída por uma coletividade humana, unida por
ção, (trad. Gilmar Ferreira Mendes), Porto Alegre: Sérgio António Fabris, 1997. Para uma ideologia ou uma necessidade comum e submetida a uma autoridade reconheci-
uma breve análise da teoria de Hàberie sobre as restrições a direitos fundamentais, cf da e a regras fixas. Assim, a instituição adquire uma existência própria e transcende
Jorge Reis Novais, As restrições aos direitos fundamentais não expressamente autori- seus componentes individuais, aos quais ela não pode ser reduzida".
zadas pela Constituição, pp. 309 e ss. 35. Cf. Maurice Hauriou. "La théorie de 1'institution et de Ia fondation", p. 10.
30. Cf. Peter Haberle. Die Wesensgehaltgarantie dês An. 19 Abs. 2 Grundge- 36. Idem. Cf. também a definição de Prélot: "(...) a instituição-coisa não é um
setz, p. 151. complexo humano (...) mas simplesmente um sistema de regras de Direito" (Institii-
31. Ct. Jorge Reis Novais, As restrições aos direitos fundamentais, p. 309. tions politiques et droit constitutionnel, § 26, p. 41).
32. Cf. Peter Háberle, Die Wesensgehaltgarantie dês An. 19 Abs. 2 Gnindgeset:., 37. Cf. Peter Haberle. Die Wesensgehaltgarantie dês Art. 19 Abs. 2 Grundgesetz.
p. 163. p. 106.
DIRF.ITOS FUNDAMENTAIS: C'O\TEUDO ESSENCIAL. RESTRIÇÕES li El ICA( IA
RlíSTRIÇÕhS A DIREITOS E U N D A M I - Í N l 'AIS 137

tudo da atividade do legislador e também de todos aqueles "que vi- como conceber, a partir de uma visão institucionalista. a liberdade co-
vem dispersos no meio social", os titulares dos direitos fundamentais. mo se fosse uma "reserva natural", 47 a partir de uma espécie de "pro-
A realização dos direitos fundamentais no meio social é, nesse senti- cesso de subtração".4S É essa concepção de liberdade como aquilo que
do, um processo,is para o qual contribuem os titulares dos direitos e
sobra após a atividade legislativa que está na base da ideia, já men-
também o legislador. "Os direitos fundamentais, concebidos como
cionada, segundo a qual o legislador é encarado como um inimigo da
instituição, (...) não são dependentes da vontade subjetiva de determi-
liberdade, que restringe os direitos fundamentais.
nados indivíduos"; eles ganham vida na medida em que façam parte
da consciência de um número indeterminado de indivíduos. A partir Fica claro, a partir da rejeição da dualidade liberdade r.v. direito
daí, transformam-se eles em "coisa social objetiva".-™ - ou, em outras palavras, da contraposição liberdade r.v. atividade
A partir da perspectiva institucional, direitos fundamentais, dentre estatal -, que a teoria de Hàberle necessariamente se enquadra nos
outras consequências, deixam de ser apenas direitos individuais de li- termos de uma teoria interna. 49 A atividade legislativa ordinária não é,
berdade. Mais importante que a liberdade do indivíduo é a liberdade de nos termos de sua teoria, uma atividade restritiva da liberdade, pelo
todos.4" Isso porque liberdade não é algo natural, pré-jurídico ou algo simples»fato de que a liberdade não é algo preexistente que possa ser
semelhante. A liberdade, a partir de uma visão institucional, é algo cria- restringido pelo legislador. Por ser algo interno ao direito, a liberdade
do e desenvolvido no âmbito e a partir do direito.4'' Portanto, liberdade como instituto é criada pela atividade estatal, que não a restringe,
é - é só pode ser - liberdade regulada e delimitada pelo direito. 42 apenas delimita™ seus contornos e a desenvolve e garante. 11
É fácil notar que uma teoria institucional como a de Hàberle tem A forma de se encarar a atividade legislativa, a partir dessa visão,
como um de seus postulados básicos a rejeição da ideia de que permi- muda por completo. Em primeiro lugar, ela passa a ser encarada so-
tido é aquilo que não é vedado pelo direito. Hãberle investe contra tal bretudo como garantia do desenvolvimento da liberdade: ao delimitar
concepção, que, segundo ell, é comungada tanto por jusnaturalistas
quanto por autores como Jellinek, 4 ' Schmitt 44 e Kelsen. 454 '' Não há
47. Idem.
48. Idem, p. 152, nota 168.
49. Ainda que, às vezes, dadas algumas contradições em sua obra, seja difícil
38. Idem, p. 108. afirmar isso com toda certeza, sobretudo quando Hãberle aceita o sopesamento como
39. Idem, pp. 106-107. forma de definição do conteúdo dos direitos fundamentais (Die Wesensge/iultgarantie
40. Idem, p. 108. Cf. também Martin Borowski, Grundrechte ais l'rin-ipien, dês Art. 19 Abs. 2 Gnmdgesetz, pp. 124 e ss.; e, do mesmo autor, "Grundrechte und
p. 209. parlamentarische Gesetzgebung im Verfassungsstaat", AõR 114 (1989), p. 387). Como
41. Cf. Peter Hiiberle, Die Wesensgehaltgarantie dês Art. 19 Abs. 2 Gntndgeset-. já se pôde perceber ao longo deste trabalho, o sopesamento é procedimento típico de
p. 152. uma teoria externa. Sobre essas contradições na obra de Hàberle. cf. sobretudo Gertru-
42. Idem. Note-se que não se fala em "restringida" pelo direito, mas. no máxi- de Liibbe-Wolff, Grundrechte ais Eingriffsabwelirrechíe, Baden-Baden: Momos.
mo, "regulada'" e "delimitada". 1988, pp. 64 e ss., e Martin Borowski, Grundrechte ais Prinzipien. pp. 209 e ss.
43. Cf. Georg Jellinek, Allgemeine Staatslehre, 3- ed., Bcrlin: Springer, 1920, p. 50. Também na obra de Hãberle a distinção entre limites e restrições é bem mar-
419: "Aquilo que, desconsideradas as restrições legais, resta de possibilidade de ação cada, como fornia de demonstrar, claramente, a rejeição de uma teoria externa. Nesse
individual aos cidadãos é a sua esfera de liberdade".
sentido, cf. Peter Hãberle, Die Wesensgehaltgarantie dês An. 19 Abs. 2 Gnmdgesetz.
44. Cf. Cari Schmitt. Verfassungslehre. 8J ed., Berlin: Duncker & Humblot. p. 179.
1993, pp. 126 e 158: "(...) a esfera de liberdade do indivíduo é pressuposta como algo
51. A íntima relação entre direito e liberdade pode ser percebida na seguinte
anterior ao Estado, e (...) a liberdade do indivíduo é, em principio, ilimitada, enquan- passagem: "O direito não pode ser contraposto à liberdade de forma tal. que se de-
to a competência estatal para intervir nessa liberdade é, em princípio, limitada" (gri- fina a lei material como uma intervenção na liberdade e na propriedade. Direito e
fos no original).
liberdade estão relacionados por sua própria natureza. Liberdade e direito não po-
45. Cf. Hans Kelsen, Allgemeine Staatslehre, Berlin: Springer, 1925, p. 155.
dem ser nem contrapostos nem separados. Liberdade e direito são dois conceitos que
46. Cf. Peter Hãberle, Die Wesensgehaltgarantie dês Art. 19 Abs. 2 Grnndgesetz, se incluem mutuamente" (Peter Hàberle, Die Wesensgehaltgarantie dês Art. 19 Abs.
p. 152.
2 Grundgesetz. p. 225).
138 n i K H i r o s 1 1 NDAMEMAI.S: CONTHÚDO BSSHNCÍAI,. RESTRIÇÕES F, ntirAoA RKSTRICÕES A DIRF.1TOS FUNDAMENTAIS l .W

a própria liberdade, o legislador, segundo Háberle, cria também liber- não-atenção a essa simples distinção pode ser fonte de algumas in-
dades que antes não existiam. 12 Além disso - ou, na verdade, exata- coinpreensões teóricas.
inente por isso —, o legislador passa a ter uma liberdade de ação Nos próximos tópicos, serão analisados, em primeiro lugar, os
muito maior/ 5 especialmente se comparada ao que ocorre a partir das problemas decorrentes da teoria interna. Esse é o ponto de partida da
premissas de outras concepções, que encaram o legislador como o análise. Depois, pretendo expor a íntima ligação existente entre a teo-
"interventor a ser controlado".
ria externa e o pressuposto teórico deste trabalho, a teoria dos princí-
pios e o modelo de suporte fálico amplo.36 Em seguida serão analisa-
4.2.2 Teoria externa das as principais censuras feitas à teoria externa; e, ao mesmo tempo,
pretende-se refutá-las. A partir daí, fica o caminho livre para o estudo
l Ao contrário da teoria interna, que pressupõe a existência de ape- da principal forma de controle das restrições a direitos fundamentais
nas um objeto. o direito e seus limites (imanentes), a teoria externa a partir de uma teoria externa: a regra da proporcionalidade.
divide esse objeto em dois: há, em primeiro lugar, o direito em si, e,
destacadas dele, as suas restrições.54 Essa diferença, que parece insig-
nificante, uma mera filigrana teórica, tem, no entanto, grandes conse- 4.2.2. l Ponto de partida:
quências, práticas e teóricas. Boa parte daquilo que doutrina e jurispru- a teoria dos princípios corno teoria externa
dência muitas vezes tomam como dado é, na verdade, produto dessa
simples divisão teórica entre o direito em si e suas restrições. É prin- A relação entre a teoria externa e a teoria dos princípios é a mais
cipalmente a partir dessa distinção que se pode chegar ao sopesamen- estreita possível.17 De forma muito simples, a teoria dos princípios
to como forma de solução das colisões entre direitos fundamentais e, sustenta que, em geral, direitos fundamentais são garantidos por uma
mais que isso, à regra da proporcional idade, com suas três sub-regras norma que consagra um direito prima fade. Como visto no capítulo
- adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Isso anterior, o suporte fálico dessa norma - que tem a estrutura de prin-
porque é somente a partir do paradigma da teoria externa - segundo o cípio^ - é o mais amplo possível.59 Isso implica, entre outras coisas,
qual as restrições, qualquer que seja sua natureza, não têm qualquer que a colisão com outras normas pode exigir uma restrição à realiza-
influência no conteúdo do direito, podendo apenas, no caso concreto, ção desse princípio. Essas normas constituem, portanto, as reslrições
restringir seu exercício - que se pode sustentar que, em uma colisão ao direito fundamental garantido pelo princípio em questão.60 A rela-
entre princípios, o princípio que tem de ceder em favor de outro não
tem afetadas sua validade e, sobretudo, sua extensão prima fade.K A
"Zur Struktur der Rechtsprinzipien". in Bernd Schilcher et ai. (orgs.), Regeln, Prinzi-
pien und Elemente im Syste/n cies Rechts, Wien: Verlag Õsterreich, 2000, p. 37).
52. Cf. Peter Háberle. l)ie Wesensgehaltgarantie dês An. 19 Abs. 2 Grundgesetz, 56. Cf. Capítulos 2 c 3.
p. 225. 57. Em sentido parcialmente contrário, cf. Jorge Reis Novais, As restrições aos
53. Cf., nesse sentido. Ernst Wolfgang Bóckenfõrde, "Grundrechtstheorie und direitos fundamentais, pp. 322 e ss. e 357. Novais defende que a teoria de Alexy é
Grundrechtsinterprctation". m Ernst Wolfgang Bockenfõrde, Staat, Verfassung, uma teoria autónoma, que não se enquadra nem nos pressupostos da teoria interna,
Demokratie. 2 a ed., Frankfurt am Main: Suhrkamp. 1992, p. 125. nem nos da teoria externa.
54. Cf. Martin Borowski, Grundrcchte ais Prinzipien. p. 100; Andreas vou 58. Ou seja, é um mandamento de otimização. Cf., sobre esse conceito, tópico
Arnauld. Die Freíheilsrcclite und ihre Schranke, Baden-Baden: Nomos, 1999, pp. 15 T T ~)

e ss. 59. Cf. tópico 3.3.2.2.1.


55. Como foi visto acima (tópico 2.2.3.2), esse é um pressuposto central da teoria 60. Cf, neste ponto, por todos: Robert Alexy, Theorie der Grundrechte. 2a ed..
dos princípios. Expressamente: "Somente a teoria dos princípios consegue deixar clara p. 257 (tradução brasileira: pp. 284-285]; Martin Borowski, Grundrechte ais Prin~i-
a razão pela qual uma norma que cede a precedência a outra em um sopesamento não pien, p. 101; e Wolfram Hõfling, "Grundrechtstatbestand - Grundrechtsschranken -
é nem violada nem declarada total ou parcialmente inválida (...)" (cf. Robert Alexy, Cirundrechtsschrankenschranken", Jura 16 (1994), p. 171.
140 IMRhITOS K Í N D A M H N T A I S : CON l Kl 'IDO HSSF.NCIAI., RHSTKlrÕHS li l-l ICACIA RRSTRICÕFiS A DIRI-.ITOS R I N D A M C N T A I S 141

cão, aqui, entre o analisado nos capítulos 2 e 3 e o discutido neste ca- Essa restrição a partir de fora, como já foi esboçado no capítulo 2,
pítulo 4 não poderia ser mais clara. pode ocorrer de duas formas principais.
Um princípio, compreendido como mandamento de otimização,
é, prima fade, ilimitado. A própria ideia de mandamento de otimiza-
4.2.2.1./ Restrições por meio de retiras
ção expressa essa tendência expansiva. 61 Contudo, em face da impos-
sibilidade de existência de direitos absolutos, 62 o conceito de manda-
mento de otimização já prevê que a realização de um princípio pode t
ser restringida por princípios colidentes. Aí reside a distinção, expos- lação infraconstitucional. Assim, como já foi visto antes,67 o art. 4Q, §
ta anteriormente, entre o direito prima fade e o direito definitivo.'" l u , da Lei 9.612/1998, que disciplina a atividade de radiodifusão co-
Essa é a distinção que a teoria externa pressupõe. munitária e que proíbe "o proselitismo*de qualquer natureza" nessa
O direito definitivo não é - ao contrário do que defende a teoria atividade, é unia regra que restringe a liberdade de expressão e a li-
interna - algo definido internamente e a priori. Somente nos casos berdade de imprensa; o art. 38 da Eei 4.595/1964, que prevê alguns
concretos,64 após sopesamento ou, se for o caso, aplicação da regra da casos em que o sigilo bancário poderá ser quebrado, é uma regra que
proporcionalidade,65 é possível definir o que definitivamente vale. A restringe o direito à privacidade. E, como ainda será visto adiante, a
definição do conteúdo definitivo do direito é, portanto, definida « regra contida no art. 31 da Lei de Arbitragem (Lei 9.307/1996) res-
partir de fora, a partir das condições fálicas e jurídicas existentes. tringe a garantia de acesso amplo ao Judiciário, enquanto o sigilo de
correspondência é restringido pelas regras contidas no art. 10 da Lei
6.538/1978. ""
61. Mandamentos de otimização = normas que exigem que algo seja realizado Todos estes casos, e inúmeros outros, envolvem regras que proí-
na maior medida possível diante da|s condições fálicas e jurídicas existentes.
62. Na jurisprudência do STF, cf., por todos. RTJ 173. 805 (807-808) (MS bem alguma conduta que é permitida prima fade por algum direito
23.452). Para mais decisões no mesmo sentido, cf. nota de rodapé 63 no Capítulo 6. fundamental, ou autorizam alguma ação estatal cujo efeito é a restri-
63. Cf. tópicos 4.2.2 e 2.2.1. ção da proteção que um direito fundamental prima fade garantia.
64. Em face de algumas possíveis incompreensões. é importante esclarecer o Muitos desses casos são com frequência entendidos como uma coli-
que significa caso concreto. A expressão "caso concreto" pode significar duas coisas
distinlas: (1) caso concreto pode significar, na forma como pode ser compreendida são entre um princípio e uma regra. Como já foi dito anteriormente,
também em sua acepção não-técnica, a decisão de um caso específico por parte do apenas em casos excepcionais isso ocorre.6" Em geral a aparente coli-
Judiciário (o exemplo mais usual é a colisão entre a liberdade de imprensa e o direi- são entre um princípio e uma regra nada mais é que o resultado de um
to à privacidade, honra ou imagem); (2) mas caso concreto pode também significar processo de restrição ao princípio, cuja expressão é a regra. Umexem-
algo menos concreto ou, pelo menos, mais distante daquilo que usualmente se costu-
ma entender por isso. já que aponla. nessa segunda acepção, a uma decisão do legis- plo pode deixar esse raciocínio mais claro: 64 muitos poderiam imagi-
lador acerca da colisão entre direitos fundamentais. Uma tal decisão legislativa, se, nar que existe uma colisão entre o princípio da liberdade de imprensa
por um lado, é mais abstraia que unia decisão judicial, não deixa de ter também sua e a regra do art. 76 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei
dimensão concreta, já que o legislador não se preocupa, nesses casos, com a impor- 8.069/1990), que exige que as emissoras de TV, no horário recomen-
tância geral e abstraia de dois direilos fundamenlais, mas sua importância relaliva, em
uma situação hipotética. Exemplo dessa acepção seria, entre oulros. a alividade legis- dado para o público infanto-juvenil, exibam apenas programas com
laliva que cria um lipo penal de calúnia (CP, art. 138). O "concreto", nesse ponlo, não
é um caso específico que acontece na realidade, mas a situação hipotética, descrita e
"resolvida" pelo legislador em um certo sentido - a favor da honra, ern detrimento da 66. Quando aqui se fala em "regra", o conceilo é aquele que foi fixado no
liberdade de expressão -, que pressupõe uma decisão acerca de um direito e de suas Capílulo 2.
reslrições. 67. Cf. tópico 3.3.3.
65. Sobre os casos em que se deve recorrer a um (sopesamento) ou ao outro 68. Cf. tópico 2.2.3.3.
(proporcionalidade), cf. tópico 4.4.5. 69. Para oulros exemplos, cf. lópico 2.2.3.3.
142 DIRFITOS FUNUAMKNTALS: CONTI-IliDO HSSIiNCIAL. RFSTRÍÇÕHS h HFICA( IA
Ri:STRICÕI-;S A DIREITOS H'NDAMKNTAIS l

finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas. Tratados pios. Em outras palavras: pode ser que uma dada situação de colisão
isoladamente, com certeza há, aqui, uma colisão. Mas o art. 76 não é ainda não tenha sido objeto de ponderação por parte do legislador.72
produto de um simples julgamento de conveniência do legislador, mas
Nesses casos, cabe ao juiz, no caso concreto, decidir qual princí-
o resultado de um sopesamento entre princípios (liberdade de impren-
pio deverá prevalecer. Quando isso ocorre, há também uma restrição
sa e proteção da criança e do adolescente). Como, nesse caso. a pro-
ao direito fundamental que é garantido pelo princípio que teve de
teção à criança e ao adolescente prevalece, tem-se a impressão de que
ceder em favor do princípio considerado mais importante. Essa restri-
há um conflito entre a regra que exige uma determinada programação
ção, no entanto, não encontra fundamento em uma regra da legislação
e o princípio que institui a liberdade de imprensa. A relação, contudo,
infraconstitucional, mas apenas na competência do juiz em tomar a
não é essa: a regra impõe uma restrição à liberdade, não colide com
decisão naquele caso concreto. Essas restrições, portanto, são basea-
ela; a colisão ocorre antes, entre os dois princípios mencionados, cuja
das em princípios e realizadas por meio de decisões judiciais. J
solução se expressa na regra. É claro que se poderia, então, dizer que
a restrição não é baseada na regra, mas no princípio da proteção à
criança e ao adolescente. Embora isso não seja incorreto, essa forma *
4.2.2.2 Críticas à teoria externa
de reconstruir o problema ignoraria a função que a regra tem no orde-
namento jurídico.70 Além disso, isso encobriria a diferença que se quer A despeito de ser aceita, no âmbito dos direitos fundamentais, por
marcar entre o analisado neste tópico e o analisado no tópico seguinte. diversos autores,74 a teoria externa é alvo de diversas críticas. Algu-
E foi justamente para marcar essa diferença que se chamou a hipótese mas delas pretendem abalar os próprios pressupostos dessa forma de
tratada aqui de "restrição por meio de regras", enquanto a hipótese a reconstruir a relação entre o conteúdo dos direitos e suas restrições,°
ser analisada no tópico seguinte é denominada "restrições baseadas
em princípios".
72. "Legislador", aqui, é termo empregado em sentido amplo, e envolve qual-
quer forma de produção normativa - incluindo, por exemplo, medidas provisórias e
decretos.
4.2.2.1.2 Restrições baseadas em princípios 73. É claro que aqui também há semelhanças com o que foi analisado no tópico
anterior, já que o resultado do sopesamento entre dois princípios também na sentença
Materialmente falando, as restrições a direitos fundamentais são judicial tem a estrutura de regra. Mas as diferenças entre os dois casos também fica-
sempre baseadas em princípios.71 Como foi visto acima e já foi diver- ram claras. Como se verá adiante (cf. tópico 4.4.5), essa diferença está na base da
sas vezes repetido neste trabalho, as restrições a direitos fundamentais opção entre a aplicação da regra da proporcionalidade ou de simples sopesamento.
74. Cf. por exemplo: Robert Alexy, Theorie der Grundrechte. pp. 290 e ss.
ocorrem porque dois ou mais princípios - com suporte fático amplo [tradução brasileira: pp. 321 e ss.]; Rolf Eckhoff, Der Grundrechtseingriff. pp. 13 e
- se chocam. A solução dessa colisão sempre implica uma restrição a ss.; Martin Borowski, Grundrechte ais Prinzipien, pp. 29 e ss. e 99 e ss.; Andreas von
pelo menos um dos princípios envolvidos. Formalmente, no entanto, Arnauld, Die Freiheitsrechte und ihre Schranken, pp. 15 ss. e 48 ss.; Peter Lerche.
"Grundrechtlicher Schutzbereich. Grundrechtsprágung und Grundrechtseingriff. in
a restrição poderá ocorrer de formas diversas. Acima já se viu que, em Josef Isensee/Paul Kirchhof (orgs.), Handbuch dês Staatsrechts der Bnndesrepnhlik
geral, as restrições a direitos fundamentais são expressadas por meio Deiitschland, vol. V, § 121, Heidelberg, C. F. Miiller, 1992, n. 8. p. 744.
de regras presentes na legislação infraconstitucional. Mas pode ser Em português, cf. Jorge Reis Novais, As restrições aos direitos fundamentais
não expressamente autorizadas pela constituição, pp. 322 e ss. e 357. Novais é, na
que não haja regra alguma que discipline a colisão entre dois princí- verdade, partidário de uma teoria "eclética", mas fortemente influenciada pela teoria
dos princípios. A despeito de considerar a teoria de Alexy uma teoria autónoma, que
não se enquadra nem nos pressupostos da teoria interna, nem nos da teoria externa
70. Sobre esse debate, c f"., por todos. Martin Borowski, Grundrechte ais Prin- (cf. nota de rodapé 57, acima), no marco teórico deste trabalho, é possível incluir
-ipicn, pp. 107-108.
Novais entre os defensores da teoria externa.
71. Cf. Martin Borowski, Grundrechte ais Prin-ipien, p. 107.
75. Cf., por exemplo, tópico 4.2.2.2.1.
144 DIKHITOS K M > A M H N T A I S : ( X)NTF,l !!)( ) I.SS1INCI AL, RESTR1CÕKS K BI ICÁCIA KHSTRIÇÕl.S A DlRI-:irOS H i N D A M K N T A l S 145

outras visam a atacar algumas de suas consequências, seja no plano Como ambos se encontram em níveis diferentes,83 o argumento da con-
teórico e metodológico,7'1 seja no plano prático. 77 tradição lógica não se aplica. A crítica só seria procedente se se tratasse
Como o embate entre as teorias interna e externa ainda é, como de um direito garantido de forma definitiva mas cujo exercício fosse ve-
já mencionado, um debate ainda pouco conhecido na dogmática dos dado. Ou seja: se uma regra garantir um direito, o exercício desse direito
direitos fundamentais no Brasil, nos próximos tópicos pretendo expor não pode ser impedido. No nível das regras - que é o nível da teoria in-
essas críticas na forma como desenvolvidas sobretudo na Alemanha 7 " terna por excelência 81 - o raciocínio da contradição lógica faz sentido.
e em Portugal. 79 Como as críticas são de naturezas muito diversas, ao No âmbito dos princípios - que é não somente o âmbito da teoria externa,
invés de se destinar um único tópico, ao final, para tentar explicitar o mas o âmbito dos direitos fundamentais por excelência -, não.
£|ue se considera como seus pontos fracos, parece-me mais recomen- *
dável que a "anticrítica" seja exercida junto com a exposição das pró- 4.2.2.2.2 Ilusão desonesta
prias críticas.
Uma,das principais críticas feitas à teoria externa - como a teoria
dos princípios, por exemplo - consiste em afirmar que, ao se pressu-
4.2.2.2.1 Contradição lógica por a existência de um direito em si, em geral de contornos amplos,
mas garantido apenas prima fade, tal teoria criaria, na verdade, uma
Sobretudo no âmbito do direito civil, a teoria externa é censurada ilusão desonesta: quase nunca o que é garantido prima fade é também
por estar baseada em uma impossibilidade lógica. É impossível, segun- garantido definitivamente. Tal sentimento de desilusão pode ser veri-
do essa linha crítica, que um direito seja garantido em sua inteireza e, ficado, por exemplo, quando se diz que "a lei constitucional tal como
ao mesmo tempo, seu exercício seja, no todo ou em parte, proibido.80 interpretada pela doutrina e pela jurisprudência (...) coloca-nos diante
Assim, se um direito é exercidt», não pode esse exercício ser considera- de miragens: garante-nos direitos constitucionais supremos que, ao
do ilícito. Das duas, uma: ou o exercício do direito em questão consistiu querer tocá-los... desaparecem".81
em um "agir sem direito"; 81 ou o exercício não pode ser vedado.
De fato, a distinção entre direitos prima fade e direitos definiti-
A resposta a essa crítica é o próprio pressuposto teórico da teoria vos, associada a um suporte fático amplo para os direitos fundamen-
dos princípios. Há uma diferença entre o direito prima fade, garan- tais, pode, com frequência, causar a impressão de que se promete mais
tido por um princípio, e o direito definitivo, garantido por uma regra do que se pode cumprir. Se isso for assim, não há dúvida de que esta-
que seja o produto do sopesamento entre dois ou mais princípios.82 ríamos diante de uma desonestidade baseada em ilusões. Mas não é o
caso. Nesse ponto, talvez por ser bastante incisiva, vale recorrer à tese
76. Cf., por exemplo, tópicos 4.2.2.2.2, 4.2.2.2.3 e 4.2.2.2.6. de Borowski, segundo o qual aquele que, apenas com base em um
77. Cf., por exemplo, tópicos 4.2.2.2.4 c 4.2.2.2.5. direito prima fade. definido a partir de uma perspectiva da teoria ex-
78. Para uma aprofundada análise crítica dos argumentos contrários à teoria ex-
terna no debate alemão, et'., por todos. Martin Borowski, Grundrechte ais Prin~ipien.
pp. 190-204. 83. Idem, p. 191.
79. Para o caso português - mas também influenciado pelo debate alemão -. cr'., 84. Cf. tópico 4.2.1.
por todos, Jorge Reis Novais. As restrições aos direitos fundamentais não expressa- 85. Mariano F. Grondona, La reglamentación de los derechos constitucionales,
mente autori-adas pela Constituição, pp. 292 e ss. Buenos Aires: Depalma. 1986. p. XI. Não muito diferente era a crítica de Karl Marx
80. Cf. Wilhelm Weber, Recht der Sclnildverliãltnisse. p. 750; Wolfgang Siebert, às declarações de direitos das Constituições francesas, sobretudo à de 1848. Segundo
Verwirkitnx mui Unziilàssif;keit der Rechlsaiisiibiing, Marburg: Elwert, 1934, p. 88. ele, essas declarações consistiam no •'artifício de prometer liberdade total, de garantir
81. Nesse sentido, cf. Mareei Planiol/Georges Ripert, Trai té élémentaire de droit belos princípios e deixar a sua aplicação, os detalhes, para a legislação infraconstitu-
civil, vol. II, § 871. p. 298. cional" (Die Konstitution der franzõsischen Repuhlik. MEW 7, Berlin: Dietz, 1973,
82. Nesse sentido, cf. Martin Borowski, Grnndrechte ais Prinzipien. pp. 190-191. pp. 503-504).
RESTRIÇÕES A DIREITOS F U N D A M E N T A I S 147
146 DIREITOS FUNDAMENTAIS: CONTEÚDO ESSENCIAL. RESTRIÇÕES L E F I C Á C I A

terna, nutre esperanças de um direito definitivo "cria expectativas sem de que não é possível buscar uma nacionalidade que exclua, por com-
fundamento". 86 Segundo ele, a decisão acerca do direito definitivo de- pleto, qualquer subjetividade na interpretação e na aplicação do direi-
rivado de um direito prima fade depende sobretudo dos direitos que to. Exigir isso de qualquer teoria é exigir algo impossível. Muitos
com ele colidem e de seu peso relativo no caso concreto. Assim sendo, daqueles que vêem no sopesamento um método irracional e extrema-
um direito prima fade não fundamenta uma pretensão a determinado mente subjetivo de aplicação do direito parecem supor que outros
direito definitivo, mas apenas urna pretensão a um sopesamento entre métodos - sobretudo a subsunção - seriam capazes de conferir uma
princípios. 87 - racionalidade quase perfeita. Como será visto a seguir, 9 ' a subsunção,
apesar de ser formalmente uma operação lógica, apresenta problemas
de fundamentação substancial semelhantes aos de qualquer teoria. O
4.2.2.2.3 Racionalidade que está em jogo aqui, portanto, não é sfmplesmente um método de
Uma das críticas metodológicas mais frequentes à teoria dos prin- aplicação não-positivista em comparação com métodos positivistas. A
cípios de Alexy - que, por extensão, vale também contra algumas va- análise da racionalidade do sopesamento não pode ser feita nesses
riantes da teoria externa - é aquela relacionada à racional idade do pro- termos, até porque a interpretação e a aplicação do direito não são
cesso de solução de colisões entre princípios, o sopesamento. Em linhas consideradas, nem mesmo entre positivistas, como um processo estri-
gerais, tal crítica ataca o sopesamento por lhe faltarem critérios racio- tamente racional e objetivo. Basta, neste ponto, a menção ao enfoque
nais de decidibilidade. Segundo essa linha crítica, todo sopesamento kelseniano sobre o assunto. Segundo Kelsen: "(...) o direito a ser apli-
nada mais é que um decisionismo disfarçado. cado constitui (...) apenas uma moldura, dentro da qual existem diver-
sas possibilidades de aplicação, sendo considerado conforme ao direi-
Em trabalho anterior88 empenhei-me em refutar os principais argu-
to todo ato que se mantenha dentro dos limites dessa moldura, isto é,
mentos ligados à racionalidíide do sopesamento, sobretudo aqueles
utilizados porFriedrich Múller, 89 Jiirgen Habermas.90 Bernhard Schlink 9 1 que preencha a moldura com algum sentido possível" ?4
e Ernst-Wolfgang Bockenfõrde.92 Aqui, pretendo apenas apontar alguns Kelsen é enfático em sublinhar que não se pode falar, no direito,
argumentos. em uma única resposta possível para os problemas interpretativos e de
O ponto de partida para um debate acerca da racional idade de aplicação. A decisão do juiz não é, portanto, a única, nem a melhor,
qualquer forma de interpretação e aplicação do direito é a percepção mas, por razões de competência, aquela que vinculará aqueles ligados
à decisão.95 Não existe, ainda segundo Kelsen, qualquer método que
permita, diante das possibilidades interpretativas de um dispositivo
86. Martin Borowski, Grundrechte a/s Prin-ipien. p. 197. legal, definir qual delas é a carreta.™ Isso porque a tarefa da interpre-
87. Idem.
88. Cf. Virgílio Afonso da Silva. Grundrechte imd geset-.seherische Spielràiiine. tação não é cognitiva - ou seja, não é descobrir um sentido correto de
pp. 89-112. um dispositivo -, mas um ata de vontade, para o qual concorrem ra-
89. Cf. sobretudo Friedrich Miiller, Juristisclu' Metlwdik. 6a ed.. Berlin: Dunckcr zões de natureza moral, de concepções de justiça, de juízos sociais de
& Humblot, 1995, pp. 62 e ss., e. do mesmo autor, Stniktiirierende Rcclitsle/ire. 2J ed..
Berlin: Duncker & Humblot, 1994, pp. 207 e ss.
90. Cf. sobretudo JUrgeu Habermas, Faktizitíit línd Gellnng. Frankfurt am Main:
Suhrkamp, 1992, pp. 310 e ss., e, do mesmo autor. Die Kinheziehung dês Anderen. 93. Cf. tópico 4.2.2.2.4.
Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1999, p. 368. 94. Hans Kelsen. Reine Reclitslelire. 2a ed., Berlin: Deuticke, 1960, p. 348 (sem
91. Cf. sobretudo Bernhard Schlink, Ahwcignng im Verjassnni>sreclit. Berlin: grifos no original). É necessário salientar, contudo, que a menção a Kelsen e aos po-
Duncker & Humblot, 1976, p. 127 e ss. sitivistas não significa, por razões óbvias, que compartilho de sua postura acerca da
92. Cf. sobretudo Ernst-Wolfgang Bockenfõrde, "Vier Thesen /ur Kommunita- interpretação e da argumentação jurídica.
rismus-Debatte". in Peter Siller/Bertram Keller (orgs.), Rechtsphilosopkische Kontro- 95. Hans Kelsen, Reine Rechtxlehre, p. 349.
versen der Gegenwart, Baden-Baden: Nomos, 1999, pp. 83-86. 96. Idem.
148 D I R l i l l OS l l iM) AMEM AIS: COM I.ÚDO HSSKNCIAL. RESTRIÇÕES li RI-ICÁCIA RESTRIÇÕES A DIREITOS l-l I N D A M H N T A I S 149

valor etc."" A racional idade possível, portanto, até mesmo entre posi- gico quase ingénuo. Imaginar que existe alguma possibilidade de apli-
tivistas, não pode ser aquela em que ao juiz reste apenas a tarefa me- cação do direito que esteja protegida contra algum tipo de subjetivismo
cânica de uma operação estritamente lógica. Aquele que crê nessa do intérprete seria uma ingenuidade. Mesmo nos casos de "simples"
última possibilidade tem o ónus da prova para demonstrar sua viabi- subsunção, nos quais muitos imaginam haver uma simples operação
lidade metodológica. lógico-formal, o grau de liberdade do intérprete/aplicador do direito
O que se pode exigir, portanto, de tentativas de elevação da racio- não é necessariamente pequeno. Embora a subsunção seja, de fato, um
nalidade de um-procedimento de interpretação e aplicação do direito, método em que a conclusão deve decorrer logicamente das premissas,
como o sopesamento, é a fixação de alguns parâmetros que possam a própria fundamentação dessas premissas e a interpretação dos ter-
aumentar a possibilidade de diálogo intersubjetivo, ou seja, de parâ- mos nelas contidos não são um processo lógico. Nesse âmbito, o grau
metros que permitam algum controle da argumentação.1™ É o que se de racionalidade possível não é diferente daquele presente no sopesa-
vem tentando fazer neste trabalho até aqui, e o que se fará até o seu mento ou na fundamentação cie qualquer proposição jurídica." 1 "
final. Exigir mais que isso seria desconhecer as características do pro- Na verdade, o grau possível de segurança jurídica está ligado a
cesso de interpretação e aplicação do direito. circunstâncias às quais os operadores do direito não costumam dar a
devida atenção. Se segurança jurídica puder ser traduzido, entre outras
coisas, como um mínimo de previsibilidade na atividade jurisdicional,
4.2.2.2.4 Segurança jurídica
a forma mais segura de alcançá-la não passa apenas pela definição de
Uma das principais críticas à forma como algumas variantes da métodos que possibilitem controle intersubjetivo - nesse ponto, tanto
teoria externa propõem que colisões entre direitos fundamentais sejam a subsunção quanto o sopesamento possibilitam tal controle. A verda-
solucionadas - o sopesamento - é aquela que diz respeito a um aumen- deira previsibilidade da atividade jurisdicional se dá a partir de um
to na insegurança jurídica. * acompanhamento cotidiano e crítico da própria atividade jurisdicio-
O argumento é simples e está diretamente ligado à crítica acerca nal. Tal acompanhamento é tarefa precípua da doutrina jurídica. É
da racionalidade do sopesamento. Se o sopesamento não é um proce- papel dos juristas exercer um controle social da atividade jurisdicio-
dimento racional para a solução de colisões entre direitos fundamen- nal. É somente a partir da assunção dessa tarefa, na forma de pesqui-
tais, a decisão, em todos os casos que envolvam tais colisões, é algo sas jurisprudenciais sólidas e abrangentes e por meio de comentários
que depende, pura e simplesmente, da subjetividade do juiz. Já se ten- a decisões importantes de tribunais como o STF, que o grau de previ-
tou demonstrar acima que o sopesamento não é - ao contrário do que sibilidade de decisões poderá ser aumentado. É a partir da cobrança
alguns críticos tentam fazer crer - um processo necessariamente irra- de consistência e coerência em suas decisões e do conhecimento da
cional e exclusivamente subjetivo." O problema da insegurança jurí- história jurisprudencial do tribunal que cada um de seus membros fi-
dica fica, pelo menos em parte, afastado a partir da possibilidade de cará sempre compelido a ser coerente — e, por conseguinte, mais pre-
algum grau cie racionalidade no sopesamento. visível - em suas decisões.101 Segurança jurídica não é algo que decorre
Mas a segurança jurídica não depende apenas do método de apli-
cação do direito e de solução de colisões entre direitos fundamentais. 100. Sobre o problema da fundamentação das premissas em um processo de
Crer que isso seja possível seria partilhar de um otimismo metodoló- subsunção. et., por todos, Jerzy Wróblewski, "Legal Syllogism and Rationality of
Judicial Decision", Rechtstheorie 5 (1974). pp. 33 e ss., e Robert Alexy. Theorie der
jiirisiischen Argnmentation, pp. 373 e ss.
97. I ciem. p. 351. 101. Atualmente o grau de remissão a seus próprios precedentes no âmbito do
98. Nesse sentido, et'., por todos, Ana Paula de Barcellos, Ponderação, raciona- STF é baixíssimo. A não ser em casos que se repetem com enorme frequência, a ré-
lidade e ali'vidticle jnrisdicioiuil. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. terência a precedentes é algo menos frequente do que poderia ser. Um exemplo disso
99. Cf. tópico 4.2.2.2.3. e a decisão no "caso Ellwanger" (HC 82.424, RTJ 188, 858). A despeito de muitos
150
D1RHITOS rVNDAMF.NTAIS: CONTFHDO HSSFNCI Al.. R l-IS TKIÍ, < >HS l:. HFirÁOA
KHS l RICÒFS A niRI-.ITOS F U N D A M E N T A I S 151
pura e simplesmente do método. Se, como foi visto acima, a racionali-
dade no discurso jurídico é, em grande medida, a possibilidade de diá- Ao fazer uma vinculaçao direta entre uma questão substancial e
logo intersubjetivo, a segurança jurídica também é decorrência desse unia questão processual, tal crítica ignora algumas condicionantes que
diálogo. Mas para existir diálogo é necessário um discurso bidirecio- se inserem entre uma e outra. Hmbora possa parecer intuitivo que um
nal. Não apenas a comunidade jurídica recebe as decisões do STF (ou aumento no âmbito de proteção dos direitos fundamentais e o conse-
cie outros tribunais), como também tem o dever de reagir a elas e co- quente aumento no número de colisões entre eles tendam a ser acom-
brar coerência e consistência quando entender que os tribunais não panhados de um aumento de pretensões judiciais, há elementos - subs-
estejam decidindo de acordo com seus precedentes.'" 2 Insegurança tanciais, processuais e empíricos - que podem fornecer argumentos no
jurídica está intimamente ligada à ideia de decisão ad hoc, algo que sentido contrário.
só é possível quando não há controle. Independentemente do método Do ponto de vista substancial, podevse afirmar que o número de
de interpretação e aplicação do direito e da teoria que subjaz a esse situações que poderiam dar ensejo a uma pretensão judicial verdadeira
método. - isto é, com alguma chance de êxito - não tende a ser tão maior no
âmbito da^ leoria externa. Se se compreende que a teoria externa não é
uma teoria normativa, mas uma reconstrução teórica, não se pode ima-
4.2.2.2.5 Inflação judiciária ginar que ela prelenda prescrever o que deve ocorrer - ou seja, por
exemplo, que lodo direito prima fade deva ser pleiteado judicialmen-
Aliado às críticas anteriores está o argumento segundo o qual uma
te."" Nesse senlido - e para usar o exemplo de Miiller104 -, a teoria
teoria externa, em conjunto com um suporte fálico amplo dos direitos externa não prescreve que o artista que pretende montar seu cavalete
fundamentais, tem consequências não apenas materiais, mas também de pintura no meio de um cruzamento movimentado deva necessaria-
processuais e na organização judiciária. Segundo essa linha, a partir mente ter sua pretensão satisfeita. Hmbora reconheça que tal ato é um
do momento em que quase totia ação pode ser subsumida a uma nor- exercício da liberdade artística, desse reconhecimento não decorre qual-
ma que garanta, ainda que prima fade, um direito fundamental, a quer juízo normativo. Nesse sentido, pode-se dizer que as pretensões
quantidade de colisões e, sobretudo, de pretensões ligadas a direitos judiciais com chances cie exilo podem ser tão grandes na teoria externa
fundamenteis tende a explodir. Com isso, no plano processual - que é quanto no âmbito da teoria interna. 10 -'' Para mencionar apenas um pe-
o que interessa, neste ponto — , a consequência seria também uma ex-
plosão no número de ações perante o tribunal competente para julgar
tais colisões - no Brasil, em última instância, o STF. 103. A rejeição de um caráter normativo, aqui, deve ser compreendida em cone-
xão com aquilo que já foi exposto anteriormente acerca do enfoque metodológico
deste trabalho (cf. tópico 1.3.3). Já ficou claro, portanto, que o trabalho tem, sim, uma
dimensão normativa. Aqui. contudo, quando se faz a contraposição entre reconstrução
Ministros afirmarem ter sido essa unia das decisões mais importantes na história re- teórica e caráter normativo, e quando se afasta esse último, quer-se apenas ressaltar
cente do Tribunal, impressiona perceber que não há sequer uma referência a decisões que não é possível definir apenas a partir dos termos da teoria externa quando, em cada
anteriores do mesmo STF nos votos de vários dos Ministros, como se fosse a primei- situação, algo é protegido definitivamente por um direito fundamental. Isso seria tare-
ra vez que o STF estivesse decidindo sobre liberdade de expressão ou racismo. fa de uma teoria normativa de cada direito fundamental específico. O caráter normati-
102. Aqui não é cabível o argumento simplista segundo o qual no Brasil os vo que se aceita neste trabalho é de outra natureza: normativo, aqui, refere-se apenas
precedentes não têm a mesma força que têm nos países da família da Coinmon Law. a um modelo, a um procedimento. Assim, o que se pretende prescrever é, por exemplo,
Não se quer, aqui, falar em precedente que vincula estritamente - o que não ocorre uma forma de compreender as relações entre o suporte fático dos direitos fundamentais
nem mesmo na Coinnnin l.aw — , mas de precedente que cria Cmnx arAumentativo. e as restrições a esses direitos.
Mudar de posição é sempre possível, e em muitos casos inafastável. Mas isso, no caso 104. Cf. tópico 3.3.1.1.2.
daqueles que exercem o poder jurisdicional. só é possível de forma fundamentada. Se 105. É claro que seria possível indagar, diante disso, se há alguma diferença
existem precedentes em sentido contrário, surge um ónus argurnentativo para deles se entre as teorias. Essa indagação, que também é produto de uma confusão entre teorias
desvencilhar, que não pode ser ignorado.
normativas e reconstruções teóricas, será objeto de análise mais adiante (cf. tópico
4.2.3, abaixo).
RESTRIÇÕES A DIREITOS l l INI Í A M I . N l AIS l 5."í
152 I M R H I T O S I T N I ) AMHNTAIS: CONTHÚIX) ESSENCIAL. RÉS I'RIÇÕES 1: Kl I C A ( ' I A

qtieno exemplo, dificilmente alguém concederia alguma chance de êxito teoria normativa, não é possível tirar conclusões no plano processual.
a uma pretensão judicial de um ladrão de banco que, baseado na liber- A quantidade de ações em um determinado âmbito, qualquer que seja,
dade de locomoção, pretendesse ver declarada a inconstitucionalidade não depende, necessária e diretamente, de questões substanciais, mas,
do tipo penal "roubo" porque prescreve pena privativa de liberdade. sobretudo, de questões procedimentais.
Do ponto de vista processual, uma tendência a uma explosão no
número de ações baseadas em direitos prima fade a partir do enfoque 4.2.2.2.6 Direitos irreais
de uma teoria externa seria de se rejeitar, devido à existência de pre-
cedentes judiciais. Ora, se, hipoteticamente, o número cie ações pode- A crítica de que se pretende tratar nesse tópico pode ser bem resu-
ria aumentar em um primeiro momento,106 a existência de precedentes mida com uma pequena transcrição de parte do voto do Min. Maurício
judiciais, em um momento posterior, estabilizaria a quantidade de pre- Corrêa no HC 82.424. Segundo ele: "A ptevisão de liberdade de ex-
tensões em um patamar condizente com as reais chances de êxito de pressão nãcTassegura o 'direito à incitação ao racismo', até porque um
cada pretensão. Em outras palavras: ainda que fosse possível, em um direito individual não pode servir de salvaguarda de práticas ilícitas,
sem-número de casos, subsumir determinada ação ao exercício de um tal como ocorre, por exemplo, com os delitos contra a honra".108
direito fundamental - montar o cavalete de pintura no cruzamento mo- É interessante perceber que muitos daqueles que aceitam os pres-
vimentado, por exemplo-, daí dificilmente surgiria uma real ação ju- supostos teóricos da teoria dos princípios, sobretudo na forma desen-
dicial para garantir tal exercício nessas condições. volvida por Alexy - o que significa a aceitação da teoria externa e de
Por fim, do ponto de vista empírico, parece ser difícil no Brasil um suporte fático amplo para os direitos fundamentais -, muitas vezes
fazer uma crítica à teoria externa com base em uma possibilidade cie tendem a não se dar conta de que isso implica aceitar direitos prima
inflação judiciária. Aquele que manifestar uma crítica nesse sentido fade que muitos não estão dispostos a aceitar. Se se aceita um supor-
estará pressupondo que o número de ações permaneceria controlável te fático amplo, a consequência automática é a aceitação de um direi-
se se pressupusesse uma teoria interna e um suporte fático restrito pa- to amplo de liberdade. O .que isso significa?
ra os direitos fundamentais. Diante do atual número de recursos extra- Isso significa que em um conceito amplo de liberdade devem ser
ordinários, mandados de segurança e habeas corpus que são julgados incluídas, prima fade, condutas que eventualmente sejam considera-
anualmente pelo STF,107 parece ser difícil supor que uma teoria inter- das imorais ou até mesmo ilícitas. Para ficar em um exemplo simples:
na, ao restringir os casos em que se pode falar de exercício de direitos a liberdade expressão protege, por exemplo^ u m direito à calúnia, à
fundamentais, seja capaz de controlar a quantidade de ações ajuizadas injúria e à difamação. Ainda que possa soar estranho em um primeiro
com base em supostas violações a esses direitos. Com isso fica claro momento, isso é necessário para a coerência cia teoria.
que, a partir de uma reconstrução teórica, que não pretende ser uma É óbvio, contudo, que ninguém — nem mesmo os defensores do
suporte fático amplo e da teoria externa - imagina que no direito de-
finitivo de liberdade estão incluídas ações como furtar: ou que no di-
106. "Primeiro momento" é, aqui. expressão que não tem ligação com um mo- reito definitivo de liberdade de expressão está incluída a possibilidade
mento real qualquer. É apenas uma fórmula argumentativa que pretende apontar para
uma hipotética mudança de pressupostos, como se fosse possível que a doutrina e a de caluniar à vontade; ou, por fim, que no direito definitivo à liberda-
jurisprudência, em um dado momento, abandonassem uma perspectiva interna e pas- de religiosa está incluída a possibilidade de fazer sacrifícios humanos.
sassem a adotar uma perspectiva externa. Pensar diferente seria, mais uma vez, confundir os planos prima fade
107. Apenas nessas três classes de ações foram julgados, nos últimos três anos, e definitivo, além de imaginar que a teoria externa seja uma teoria
170.460 processos (42.270 em 2005; 49.378 em 2006; e 78.812 em 2007). Se levar-
mos em consideração, ainda, os 190.130 agravos de instrumento julgados no mesmo
período (57.317 em 2005; 57.152 em 2006; e 75.661 em 2007), teríamos, no total.
360.590 processos julgados, nessas quatro classes de ações. em apenas três anos. 108. RTJ 188, 858 (891).
154 D I R I J T O S l l \ D A \ l i : M A I S : CONTI-l M ) ( ) I-.SSI-.NCIAI.. KhSTKIÇÕIÍS I-. KF1CÁC IA
Ri;.STKirÕLS A DIRHITOS Fl Í N D A M E N VAIS l 5.S

normativa que prescreve tais direitos. O que a teoria externa,Faz - re-


pita-se — é reconstruir um problema teórico a partir de uma premissa. restrita e interna, que festas ao ar livre são exercício do direito de reu-
Kssa premissa é a de que os direitos fundamentais têm suportes Fáticos nião, essa decisão, por ser definitiva, tem que valer inclusive nos casos
amplos e que as restrições a eles são produtos de um sopesamento com em que tais Festas não atrapalhem ninguém e tenham algum interesse
princípios colidentes. Nesse sentido, seria teoricamente inconsistente público. A flexibilidade, aqui, tende ao zero e, além disso, qualquer proi-
supor, por exemplo, que o direito prima fade à liberdade de expressão bição de reuniões nesses termos passa a não mais depender de Funda-
não inclui a possibilidade de caluniar, difamar ou injuriar. Excluir tais mentação constitucional - o que, como já Foi ressaltado, tem como
ações do supoVte fálico significaria abandonar suas próprias premissas efeito uma diminuição na proteção efetiva dos direitos fundamentais.
teóricas. Com isso, ainda que talvez isso não seja para todos percep- E, como já se viu acima, nem sempre é possível - como exige
tível, toda a teoria cios princípios cairia por terra, isso porque excluir Vieira de Andrade - saber que conteúdos das normas de direitos fun-
tais ações do âmbito de proteção da liberdade de expressão significaria damentais são, de plano, "constitucionalmente inadmissíveis"."0 Se-
pressupor que há expressões que não são protegidas por esse direito, o gundo ele: "Essa delimitação substancial justifica-se, desde logo, pela
que é o pressuposto de um modelo de suporte fático restrito. Além vantagem prática de evitar que venha a considerar-se como uma situa-
disso, isso pressuporia que o legislador ordinário, ao proibir tais con- ção de conflito de direitos aquela em que o conflito é apenas aparente:
dutas, estaria apenas declarando um limite imanente à liberdade de não tem sentido fazer uma ponderação, que pressupõe a consideração
expressão, e não Fazendo um sopesamento entre essa liberdade e o di- de dois valores, quando estamos perante um comportamento que não
reito à honra. Tudo isso, como se vê, não é compatível com a teoria dos pode, em caso algum, considerar-se constitucionalmente protegido,
princípios. pois que, não existindo à partida um dos direitos, a solução só pode
Por isso. ainda que soe estranho, faz parte da necessidade de coe- ser a da afirmação total do outro"." 1
rência teórica aceitar que ações "proibidas" façam parte do âmbito de Quanto ao que ele denomina "vantagem prática" - evitar o aumen-
proteção de direitos fundamentais. Tais ações devem ser consideradas, to nos casos cie colisões entre direitos e a consequente inflação judiciá-
prima fade, como exercício desses direitos, sob pena de uma ruptura ria —, isso já foi tratado anteriormente. 112 No que diz respeito a conteú-
s interna
~ na teoria. dos constitucionalmente inadmissíveis e colisões apenas aparentes,
Além disso, é fácil perceber o quão ténue é a passagem da acei- talvez seja interessante utilizar um exemplo do próprio Vieira de An-
tação de "direitos grotescos" "w para a aceitação de ações sobre cuja drade e outro de Friedrich Muller. Segundo Vieira de Andrade não há
inclusão no âmbito de proteção de algum direito fundamental não há restrição alguma à liberdade artística se se proíbe um artista de montar
consenso. Para ficar em um exemplo simples: festas ao ar livre, em seu cavalete de pintura em um cruzamento viário." 3 Isso porque tal
local aberto ao público, estão protegidas pela norma que garante o di- ação está excluída "à partida"," 4 do âmbito de proteção desse direito
reito de reunião (art. 5-, XVI)? Para a teoria externa e um modelo de fundamental. O mesmo valeria, no exemplo de Friedrich Muller, para
suporte fático amplo a resposta é mais que óbvia: prima fade sim, o caso do trombouista que queira fazer improvisações de trombone
ainda que isso possa ser restringido posteriormente, devido a alguma
eventual colisão com outros direitos fundamentais ou interesses cole- 110. José Carlos Vieira de Andrade, Os direitos fundamentais na Constituição
tivos. Para aqueles que sustentam um suporte fático restrito e uma portuguesa de 1976, p. 287.
teoria interna a resposta poderá ser não, mas poderá também ser sim. 1 1 1 . Idem, pp. 287-288.
O problema é que, uma vez que se negue, a partir de uma concepção 112. Cf. tópico 4.2.2.2.5.
113. Cf. José Carlos Vieira de Andrade, Os direitos fundamentais na Cons-
tituição portuguesa de 1976, p. 294. Como se viu anteriormente, esse exemplo é,
109. Cf., nesse sentido, Christian Starck, "Die Grundrechte dês Grundgesetzes". originalmente, de Friedrich Miilier (cf. tópico 3.3.1.1.2).
JuS2\. p. 245. 114. José Carlos Vieira de Andrade, Os direitos fundamentais na Constituição
portuguesa de 1970. p. 287.
156 DIREITOS F U N D A M E N T A I S : CONTEÚDO ESSENCIAL. RESTRIÇÕES E EFICÁCIA RESTRIÇÕES A DIREITOS l 1 ' N D A M F N l AIS 157

durante a madrugada. Para perceber, aqui. o problema dessa exclusão necessariamente, conclusões diferentes." 7 E muito possível, portanto,
•'à partida" de determinadas condutas, poder-se-ia, claro, recorrer a que, ainda que os pressupostos e os meios utilizados na análise divirjam,
casos menos artificialmente criados, mas é possível também - e mais os resultados sejam os mesmos. Se isso pode ser assim, é de se pergun-
interessante, para os fins da argumentação - trabalhar com os casos tar se também o seria no caso cio objeto de análise deste trabalho.
mencionados. A exclusão de ambas as condutas da proteção de um Segundo Jorge Miranda, a resposta seria afirmativa." s Parece-me,
direito fundamental (liberdade artística) tem como consequência ina- no entanto, que, mesmo que exista uma grande possibilidade de resul-
fastável a possibilidade - sem qualquer necessidade cie fundamentação tados iguais, quer se parta de uma teoria interna, quer se parta de uma
- de retirar - à força, caso necessário - o pintor que pinta seu quadro teoria externa, isso não significa, de um lado, que os resultados serão
em um cruzamento viário bloqueado, ou seja, no qual não circula, por sempre e necessariamente iguais, e, de outro, que, mesmo que se che-
fcilguma razão, em determinado momento, qualquer automóvel." 5 No gue a resultados iguais, a equivalência e a solidez de ambas as teorias
caso do trombonista, se fazer improvisações de madrugada é algo não possam, por isso, ser igualadas. Para ilustrar esse segundo ponto - ou
protegido, pouco pode importar se o apartamento do artista tem algum seja, a pequena importância que a semelhança de resultados pode ter
tipo de isolação acústica 1 "' ou se todos os seus vizinhos estejam via- na construção de teorias, modelos e suas respectivas exigências justifi-
jando; ou seja, pouco importa se sua improvisação atrapalha alguém. catórias - é possível retomar um exemplo já analisado anteriormente.
Proibi-la ou reprimi-la, aqui nesse caso também, passa a ser uma ques- No caso da ADI 2566 teria sido possível, a partir de uma teoria
tão de conveniência, e não apenas por parte cio legislador em sentido interna e de um suporte fálico restrito, chegar à conclusão de que a
estrito, mas, muito provavelmente, até mesmo da autoridade local ou vedação do proselitismo nas emissoras comunitárias é constitucional.
da autoridade policial. Bastaria aceitar os argumentos da Advocacia-Geral da União: prose-
Em suma: por mais que os exemplos usados pareçam, à primeira litismo não é manifestação da liberdade de expressão, e sua vedação
vista, casos óbvios de não-pfoteção de condutas por algum direito nas emissoras comunitárias não constitui, portanto, violação alguma a
fundamental, casos de direitos irreais, algumas poucas alterações em esse direito. A partir dos pressupostos da teoria externa c de um mo-
algumas variáveis secundárias podem mostrar que mesmo nesses ca- delo de suporte fálico amplo seria possível argumentar que, a despei-
sos só é possível imaginar algum tipo de restrição ao direito em ques- to de o proselitismo ser conduta protegida por um direito fundamental
tão após um sopesamento com eventuais direitos colidentes. (liberdade de expressão) e a despeilo de sua proibição significar, por
conseguinte, uma restrição ao exercício desse direito, pelas razões RI,
R2, R3... Rn essa restrição deve ser considerada como constitucional-
4.2.3 Diferentes teorias e seus efeitos
Não é novidade alguma o fato de que diferentes teorias ou mode- 117. Cf., por exemplo: Robert Alcxy. Thforie der Gnmdreclile. p. 483 [tradução
brasileira: pp. 531-532]; Christian Starck. "Human Rights and Private Law in Ger-
los para a compreensão de um determinado fenómeno não implicam, man Constitutional Development", in Daniel Friedmann/Daphne Barak-Ere/ (eds.),
Human Rights in Private /.««•, Oxford: Hart. 2003. p. 98; Franz Bydlinski, "Be-
merkungen iiber Grundrechte und Privatrecht", Õsterreichische '/.eitxchrift fiir offen-
115. Ct.. nesse sentido. Jiirgen Schwabe. Pmhlciuc der Grundreclitsdoçmatik tliches Recht 12 (1962/63). p. 441; Wilson Steinmetz, A vinciilação dos particulares
2a ed.. Hamburg, 1997, p. 160. a direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros Editores. 2004. p. 265; Virgílio Afon-
116. Idem. Schwabe ainda acrescenta que. a partir da exclusão a priori de con- so da Silva, A constitucionalizarão do direito, p. 141.
dutas, no caso do trombonista. uma eventual necessidade de recorrer ao seu instru- 118. Cf. Jorge Miranda. Manual de direito constitucional, vol. IV, pp. 336-337:
mento, no meio da madrugada, devido a algum tipo de inspiração momentânea tam- "Supomos (...) que, ao fim e ao resto, os resultados não serão muito diversos, adopte-
bém terá que ser considerada como nfio-protegida. Poder-se-ia di/.er: a inspiração se uma [isto é, teoria interna] ou adopte-se outra, [isto é, teoria externai até porque
artística acaba ficando restringida ao horário comercial, quem sabe também apenas nenhum direito e também nenhuma restrição podem ser encarados isoladamente, à
nos dias úteis. margem dos restantes direitos e dos princípios institucionais que lhes subjazem".
r
15S DIRHITOS H : M ) A M K N T A I S : CON TIU D(1 HSSENC l AI... RHSTRIÇÕliS \. h H C Á C I A RKSTKIÇÒnS A IMRHITOS Kl . N D A M K N T A I S l M

mente aceita. O teor da decisão, como se percebe, é o mesmo: proibir to e a restrição é uma relação que segue as premissas da teoria externa.
o proselitismo não é inconstitucional. Mas a forma de se chegar a essa Embora o sigilo bancário seja considerado, por autores que restrin-
mesma conclusão c muito diferente. No primeiro caso é a própria pré- gem o âmbito cie proteção da privacidade, como algo por ela não pro-
compreensão do que significa liberdade de expressão e de seus limites tegido (suporte fático restrito e exclusão a priori de algumas condutas
imanentes que define o resultado; no segundo caso a constitucionali- ou situações jurídicas), é possível, mesmo assim, imaginar que o i|ue
dade ou inconstitucionalidade da medida não é definida por qualquer j;esta da privacidade - ou seja, aquilo que é protegido por seu âmbito
pré-compreensão, mas por argumentos que têm de ser elencados às "restrito - possa ser, posteriormente, restringido (teoria externa).
claras e bem-fundamentados. Com isso fica patente que a mera possi- Essa não-necessária relação entre os diferentes modelos de cons-
bilidade de alcançar resultados idênticos não é suficiente para igualar trução do suporte fático (amplo e restrito) e as diferentes teorias acerca
j

'ambos os procedimentos. da relação entre o direito e suas restrições*ou seus limites (teorias in-
terna e externa) é algo que se verifica com muita frequência na expe-
riência daqueles países em que esses problemas são discutidos dessa
4.2.4 Teoria externa e suporte fático forma. Ou*seja: a tendência^ verificada é muito maior no sentido de se
aceitar uma teoria externa e, ao mesmo tempo, defender um suporte
Do analisado até aqui, é possível que se imagine que não há dife- restrito do que os binómios que poderiam talvez ser considerados como
rença alguma entre a dicotomia suporte fático restrito vs. suporte fá- mais intuitivos - restrito/interna e amplo/externa. Nos dois tópicos a
tico amplo e a contraposição teoria interna vs. teoria externa. Defen- seguir essa tendência será analisada, de forma muito breve e como
der um suporte fático restrito seria, então, a mesma coisa que aceitar mera ilustração, com base no debate doutrinário e jurisprudência!
uma teoria interna, enquanto o suporte fático amplo seria um reflexo travado na Alemanha.
da teoria externa. Essa não é^, contudo, uma ligação nem necessária,
nem frequente.
Não c uma ligação necessária porque, metodologicamente, falar 4.2.4. l Picroth/Schlink
em extensão do suporte fático não implica falar na forma de relação Seria possível, aqui, analisar um sem-número de autores que de-
entre o direito e suas restrições. Isso é perceptível com clareza por fendem uma teoria externa e, ao mesmo tempo, um suporte fático res-
meio da possibilidade de se pressupor um suporte fático restrito e, ao trito para os direitos fundamentais." 9 Como ilustração, contudo, tal-
mesmo tempo, aceitar as premissas da teoria externa no que diz res- vez seja mais importante recorrer a apenas dois autores: Bodo Pieroth
peito à relação entre o direito em si e suas restrições. Para usar os dois e Bernhard Schlink. 120 A razão é simples: como salienta Bóckenfõrde,
exemplos analisados no final do capítulo 3, seria metodologicamente
possível imaginar as seguintes situações:/T) O suporte fático da liber-
dade de imprensa deve ser definido de forma restrita: isso significa, l 19. Cf., por exemplo: Josef Isensee, "Das Grundrecht ais Abwehrrccht und
entre outras coisas, que programas de rádio ou TV que tenham como ais staatliche Schutzpflicht", in Josef Isensee/Paul Kirchhof (orgs.), Handbnch cies
Stuutsrechts der Bundesrepublik Deutschland, vol. V, § 111, Heidelberg: C. F. Miil-
único objetivo caluniar alguém ou, ainda, programas de emissoras Icr. 1992, pp. 143-241; Klaus Stern, "Die Grundrechte und ihre Schranken", pp. 1.
comunitárias que tenham como objetivo o proselitismo religioso não e ss.; Hans D. Jarass, "Grundrechte ais Wertentscheidungen bzw. objektivrechtliche
são situações protegidas por esse direito. Isso não significa, contudo, Prm/.ipien in der Rechtsprechung dês Bundesverfassungsgerichts", AõR l 10
( 1985). pp. 392 e ss.; Wolfgang Hoffmann-Riem, "Enge oder weite Gewahrleistung-
que outras condutas protegidas pela liberdade de imprensa não pos- sgehalte der Grundrechte?", in Michael Bauerle et ai. (orgs.), Huben wir wirklich
sam ser eventualmente vedadas em uma dada situação. Como se perce- Keclit?, Baden-Baden: Momos, 2003. p. 71.
be, o suporte fático é definido restritivamente (algumas condutas são 120. Cf. Bodo Pieroth/Bernhard Schlink. Grundrechte - Staatsrecht II. 16' eil..
excluídas a priori do âmbito de proteção), mas a relação entre o direi- Heidelberg: C. F. Miiller, 2000.
160 U I R I - I l OS l U N D A M C N I A I S : C O N T h Ú l X ) H S S H N C I A L , RF.STRIÇÕKS H HHCÁCÍA RKSTkirÕHS A D 1 R I - I I TOS l I N I ) A M I - A ! I A I S l Ci l

o trabalho de Pieroth e Schlink, nas últimas duas décadas, marcou - e ria uma banalização cios direitos fundamentais e exigiria uma justifi-
continua marcando - gerações de novos operadores do direito, de fun- cação constitucional para qualquer ação estatal, já que qualquer ação
cionários públicos a jur/.es. 121 H, com certeza, o manual de direitos poderia ser considerada uma intervenção no âmbito de proteção de
fundamentais mais lido na Alemanha. Na esfera da relação entre o di- um direito fundamental. 1 2 ^ Por isso, a definição do que é e do que não
reito e suas restrições é, muito provavelmente, um dos trabalhos mais é protegido pelos direitos fundamentais deve ser feita criteriosamente,
citados e tem também grande influência em autores brasileiros. 122 levando em consideração os cânones da interpretação jurídica: inter-
O modelo proposto por Pieroth e Schlink é a mais pura tradução pretação gramatical, histórica, genética e sistemática. 126
da teoria externa. Sua proposta de uma sistemática para a solução de Pieroth e Schlink discordam, nesse ponto, frontal mente da teoria
casos envolvendo direitos fundamentais — ou seja, a verificação acerca do suporte fático amplo e da forma comoAlexy reconstrói a questão.
cia constitucional idade de leis que restrinjam direitos fundamentais - é Como já foi visto acima, 127 Alexy defende que toda ação, estado ou
baseada nas seguintes perguntas: (^) As situações/condutas reguladas posição jurídica que tenha alguma característica que, isoladamente
pela lei em questão são protegidas pelo âmbito de proteção de um di- considerada, faça parte do "âmbito temático" de determinado direito
reito fundamental? (2) A regulamentação é uma intervenção nesse fundamental deve ser considerada como abrangida por seu âmbito de
âmbito? (3))Essa intervenção é constitucionalmente justificável? 123 Co- proteção, independentemente da consideração de outras variáveis}2*
mo se percebe, primeiro é definido o âmbito de proteção de um direi- Pieroth e Schlink, ao contrário, defendem que a definição do âmbito
to (= o direito em si); depois se questiona se determinada ação estatal de proteção de um direito fundamental não pode ser feita de forma
é uma intervenção nesse âmbito, e se essa intervenção é constitucio- isolada, sem uma análise sistemática de outros direitos fundamentais
nalmente justificável. Em caso afirmativo, estamos diante de uma rés- _ e de outras disposições constitucionais. 121 ' A partir dessa análise siste-
trição a um direito fundamental (= o direito definitivo). Ou seja: é mática poderão ser excluídas algumas condutas,ou situações jurfcHcas
possível que uma conduta faça parte do âmbito de proteção de um di- do âmbito de proteção de alguns direitos fundamentais mesmo que.
reito, mas seja vedado posteriormente seu exercício, sem que isso mo-
difique aquele âmbito de proteção. Direito e restrições são coisas distin-
tas, ou seja, as restrições são algo externo ao direito. Essas são as linhas 125. Ideni. § 229, p. 56. Segundo os autores, a liberdade de consciência, se se
básicas da teoria externa, como já foi visto ao longo deste capítulo. partir de um suporte amplo, protegeria qualquer ação baseada em um convencimento
individual de cada cidadão sobre o que 6 bom e o que é ruim. Diante disso, até mesmo
Pieroth e Schlink rejeitam, no entanto, um modelo baseado em a proibição de cruzar o farol vermelho seria uma restrição à liberdade de consciência,
um suporte fático amplo. Segundo eles, nada há que justifique uma e teria que ser fundamentada constitucionalmente.
126. Nesse sentido - e citando Pieroth/Schlink -, cf. Gilmar Ferreira Mendes,
tendência à ampliação desse suporte. 124 Pelo contrário, isso significa- "Âmbito de proteção de direitos fundamentais e as possíveis limitações", pp. 212-213.
127. Cf. tópico 3.3.2.2.1.
128. Cf. Robert Alexy, Thcoric der Grundrechle, p. 291 [tradução brasileira:
121. Cf. Ernst-Wolfgang Bóckenfõrde. "Schutxbereich. Eingriff, verfassung- pp. 322-323].
simmancntc Schranken: Zur K r i t i k gegenwãrtiger Grundrechtsdogrnatik", Der Staat 129. Cf. Bodo Pieroth/Bernhard Schlink, Gnmdrechte - Staatsrecht II. § 233.
42 (2003), p. 166. p. 57. Como visto acima (nota de rodapé 126), Gilmar Mendes sustenta os mesmos
122. Cf., por todos, os trabalhos de Gilmar Ferreira Mendes e Leonardo Martins. pressupostos teóricos que Pieroth e Schlink sobre a definição de âmbito de proteção.
123. Cf. Bodo Pieroth/Bcrnhard Schlink, Griindrechte - Staatsrecht II, 16a ed., Mas, ao mesmo tempo, defende ele também a concepção de direitos fundamentais
§§ 345 e ss., pp. 77 e ss. Essa última questão é subdividida em K) outras subquestões. como princípios, nos termos de Robert Alexy (cf. Gilmar Ferreira Mendes, "Âmbito
Não é necessário, aqui. entrar nesses detalhes. Para os objetivos deste tópico as três de proteção de direitos fundamentais e as possíveis limitações", p. 226). Ambas as
questões principais são suficientes. posições (Pieroth/Schlink, de um lado, e Alexy, de outro), no entanto, por divergirem
124. Cf. Bodo Pieroth/Bcrnhard Schlink, Grundrechte - Staatsrecht //, § 230, em um ponto essencial da definição do âmbito de proteção dos direitos fundamentais
p. 57. (restrito r.v. amplo), parecem ser. pelo menos nesse ponto, incompatíveis.
162 D I R K i r O S U N D A M H M A I S : C O N T I N U O K S S H N C I A L . Kl .STKIÇÕI ,S 1. l . l I C A C I A KHSTKIÇÕHS A I J I R I Í I T O S H : M ) A M I - : . V I A 1 S

isoladamente consideradas, tais condutas façam parte do "âmbito te- não-coincidência necessária entre uma teoria externa e um modelo
mático" desses direitos. amplo de suporte fático para os direitos fundamentais. Comei se po-
A posição de Pieroth e Schlink é bastante representativa do está- derá perceber, a decisão no caso Osho parte de uma teoria externa e,
dio atual da doutrina dos direitos fundamentais na Alemanha: 1 3 0 alia- ao mesmo tempo, de um suporte restrito.
se, portanto — ao contrário do que se defende neste trabalho —, a teoria O governo alemão em diversas ocasiões, ao se referir ao movi?
externa com um suporte fático restrito para os direitos fundamentais. mento religioso Osho, utilizou-se de expressões como "seita", "psi-
cosseita", "cultos religiosos destrutivos" e "pseudo-religião". Incon-
formadas com essas denominações, algumas associações ligadas a
4.2.4.2 Jurisprudência: o caso Os/w esse movimento religioso ajuizaram açãy para impedir que o governo
i
Algumas decisões recentes do Tribunal Constitucional alemão voltasse a utilizá-las, sob o argumento de que isso feriria ajjberdade
também trouxeram à tona a tensão, existente no interior da teoria dejgligião e de culto, bem como a separação entre Igreja e Estado.
externa, entre os modelos amplo e restrito para o suporte fático dos Após resultados parcialmente vitoriosos em algumas instâncias e
direitos fundamentais. Essas decisões, sobretudo a decisão no caso completamente negativos em outras, o problema chegou ao Tribunal
Osho, 131 foram motivos de fortes debates, envolvendo, inclusive, jui- Constitucional.
zes do Tribunal Constitucional. De um lado, alguns autores criticaram De um lado, no que diz respeito ao controle de algumas expres-
o que consideram um retrocesso na jurisprudência do tribunal em di- sões utilizadas - como "pseudo-religião" e "religião destrutiva" —, o
reção à restrição de seu conceito de suporte fático.'32 De outro, lide- Tribunal aceita os termos da teoria externa. A constatação de que uma
rados sobretudo por Wolfgang Hoffmann-Riem, Juiz do Tribunal ação estatal é uma intervenção em um direito fundamental — liberdade
Constitucional alemão, alguns autores comemoraram a mudança de religiosa - dá início ao controle típico dessa teoria: controlam-se a
orientação. 131 proporcionalidade e a constitucionalídade da intervenção.134
Este tópico pretende fazer apenas uma "breve notícia" do debate,
No caso do uso de outras expressões - como "seita" e "psicossei-
em primeiro lugar por ser um dos mais importantes, atualmente, no
ta" — o tribunal negou que implicasse alguma intervenção no âmbito
âmbito dos direitos fundamentais na Alemanha, e em segundo lugar
por demonstrar a importância de uma precisa distinção de conceitos de proteção da liberdade religiosa, por se tratar de manifestações no
nessa área; além de, por fim, fechar a questão do tópico 4.2.4. que é a contexto de uma discussão pública já marcada pelo uso de tais deno-
minações. Com isso, fica claro que p tribunal parte de um suporte
fático restrito, porque exclui algumas condutas, de antemão, do con-
130. Cf., para alguns autores, a nota de rodapé 119, acima. ceito de intervenção em um direito fundamental. 13 " 1 Isso ocorre quando
131. BVerfGE 105,279. se nega que algumas expressões difamatórias, embora proferidas por
132. Cf., sobretudo: Wolfram Hofling. "Kopernikanische Wende ruekwãrts'' Zur
neueren Grundrecht.sjudikatur dês Bundesverfassungsgerichts". in Stefan Muckel
agentes estatais, constituam intervenção na liberdade religiosa pelo
(org.), Kirche und Religion im sozialen Reclitsstaat, Berlin: Duncker & Humblot, 2003; simples fatos de terem sido utilizadas em determinado contexto.
Wolfgang Kahl, "Vom weiten Schutzbereich zum engen Gewahrleistungsgehalt", Der
Sraat 43 (2004), pp. 167-202; Wolfram Cremer, "Der Osho-Beschluss dês BVctfG".
JitS 43 (2003), pp. 747 e ss. 134. Se se partisse de uma teoria interna, a constatação de unia intervenção seria
133. Cf. sobretudo Wolfgang Hoffmann-Riem, "Grundrechtsanwendung unter sinónimo de violação inconstitucional.
Rationalitàtsanspruch: eine Erwiderung auf Kahls Kritik an neueren Ansãt/.en in der 135. É irrelevante, aqui, discutir se a exclusão se deu a partir do âmbito de
Grundrechtsdogmatik", Der Staat 43 (2004). pp. 203-223; do mesmo autor. "Ciesetz proteção ou da qualidade da intervenção. Como se viu anteriormente (cf. tópico
und Gesetzesvorbehalt im Umbruch: Zur Qualitats-Gewãhrleistung durch Normen". 3.3.2.2.2), tanto uma quanto a outra estratégia seriam uma forma de restringir o su-
Ao R 130 (2005), pp. 5-70. porte fático do direito fundamental.
DIRHTOS R:\DAMHMAIS: CONTKÚIX) F;SSHNCIAL, RHSTRIÇÒKS n l KI:S i-RIÇÕKS A DIRI:ITOS FUNUAMKNTAIS I (õ

A importância de um caso aparentemente sem valor como o ca- Ao garantir direitos prima fade, que poderão ser restringidos em
so Osho reside, como já se sublinhou, em um possível início_de determinadas circunstâncias, os princípios, como mandamentos de oti-
mudança de orientação do Tribunal Constitucional alemão em dire- mização, revelam uma de suas características principais, que é a capa-
ção a únTTnõdèíõjd^sTíj^ isso, diversas si- cidade de serem sopesados. O sopesamento é exatamente aquilo que
tuações que exigiriam um controle de constitucionalidade mais de- liga - e fundamenta - o caráter inicial e prima facie de cada princípio
talhado passam a ser resolvidas no primeiro passo do controle, que com o clever-ser definitivo nos casos concretos. Ora, é justamente co-
é a definição do suporte fatico do direito fundamental em questão. mo alternativa ao .sopesamento e à própria ideia de restrição a direitos
Negada a intervenção no âmbito de proteção do direito, a partir de fundamentais que os limites imanentes são concebidos. Além do que
alguma fornia de exclusão a priori de condutas, o controle encerra- já foi visto anteriormente neste trabalho, vale recorrer, neste ponto
*se prematuramente. específico, à definição que Ana Paula de Barcellos dá à ideia de limi-
tes imanentes: "Por ela se sustenta que cada direito apresenta limites
4.3 Limites imanentes, direitos prima facie lógicos, imanentes, oriundos da própria estrutura e natureza do direito
e sopesamento e, portanto, da própria disposição que o prevê. Os limites já estão con-
tidos no próprio direito, portanto não se cuida de uma restrição im-
À vista do analisado até aqui, é possível tirar algumas conclusões posta a partir do exterior". 139
importantes acerca da relação de diversos conceitos relacionados às Como se percebe claramente, ao afirmar que os limites já estão
restrições aos direitos fundamentais. Ao abordar o problema dos limi- contidos no próprio direito, Ana Paula de Barcellos deixa claro que
tes imanentes. Suzana de Toledo Barros, após enunciar algumas das
possíveis estratégias de fundamentação - como a cláusula de não-per- não pode haver, nos casos de teorias que pressupõem a existência de
turbação, por exemplo -, chega à conclusão, citando Alexy, de que: limites imanentes, uma distinção entre o conteúdo prima fade e o con-
"A existência de limites imanentes decorre, em última análise, do ca- teúdo definitivo de um direito fundamental. Esse é, no entanto, o cer-
ráter de princípio das normas de direitos fundamentais e de seus efei- ne da definição de princípios para Alexy. 140
tos considerados dentro do sistema jurídico". 1 " A partir dessa constatação, fica patente também a incompatibi-
Após a análise feita acima entre os pressupostos das teorias inter- lidade entre a ideia de limites imanentes e a exigência de sopesa-
na e externa, e também em decorrência da distinção entre suporte fáti- mento. Como já ficou claro a partir da análise da teoria interna - que
co amplo e suporte fatico restrito, parece-me que não é possível fun- c a teoria dos limites imanentes por excelência -, se os limites de
damentar limites imanentes aos direitos fundamentais a partir de sua cada direito são definidos internamente e se não há a possibilidade
conceituação como princípios, ou seja, como mandamentos de otimiza- de restrição constitutiva externa, é evidente que não há qualquer
ção. Ambos os conceitos são, ao contrário, inconciliáveis, como já foi possibilidade de sopesamento entre direitos fundamentais. Não
visto acima. 1 '" apenas isso: não há nem possibilidade, nem necessidade, já que a
limitação interna faz com que as colisões deixem de existir - o que
136. Wolfgang Kalil refere-se a essa mudança como uma "profunda transfor-
mação na dogmática dos direitos fundamentais na Alemanha", que está ainda longe
muito longe de seu desfecho ("Vom weiten Schutzbereich zum engen Gewáhrleistun- Scholz (orgs.). Wege iind Verfahren dês Verfassiingslebens: /•"estsc/triftfiir Peter L.erche
gsgehalt". p. 175). :.nni 65. Gehurtstag. Miinchen: Beck, 1993. p. 268.
l 37. S u/.anã de Toledo Barros. O princípio da proporcionalidade e o controle de 139. Ana Paula de Barcellos, Ponderação, racionalidade e atividade jiirisdicionaL
coiislitnciontiliilíidt' tias leis restritivas de direitos fundamentais, p. 170. p. 59.
138. Hm sentido contrário - ou seja, no mesmo sentido de Su/.ana de Toledo 140. Cl., por todos. Robert Alexy, Theorie der Grundrechte. pp. 87 e ss. (tradu-
Barros -. c f. Dieter l.oren/, "Wissenschaft darf nicht alies!", in Peter Badura/Rupert ção brasileira: pp. 103 e ss.|.
1(>6 D I R K I T O S H N O A M I . N T A I S : COM l•:!':[)() I ; S S I , N < I A 1 . . KHM RlrOLS í: hl I C Á C I A RI-:STKIÇÕI-:S A IJIKI-TIOS FUNDAMENTAIS i;-'

afasta, automaticamente, a figura do sopesamento. cuja realização e não apenas declaratória. 144 Assim é que, usando o mesmo exemplo
tem como escopo justamente resolver colisões. Sem colisões não há já mencionado várias vezes acima, afirma ele: "(...) o pintor que colo-
sopesamento. 141 ca o seu cavalete de pintura num cruzamento de trânsito particular-
mente intenso tem, prima fade, o direito de criação artística, mas, a
posteriori, a ponderação de outros bens, a começar pela vida e inte-
4.3.1 Canotilho e os limites imanentes gridade física do próprio pintor (...) levará a impedir que aquele direi-
Para evrtar algumas confusões, é preciso esclarecer, por fim, o to se transforme, naquelas circunstâncias, num direito definitivo". 14 ''
sentido que Canotilho dá ao conceito de limite imanente, visto que é Dessa forma, se houve intervenção externa (a posteriori) ao di-
diferente do sentido apresentados nos tópicos anteriores. Além disso, reito, houve restrição, e não a declaraçãp de limites imanentes.
como Canotilho se refere, ao mesmo tempo, a limites imanentes, a
colisões entre direitos e a restrições externas, 142 uma breve digressão
é necessária, em vista do que foi afirmado no tópico anterior. Não se 4.4 A regra da proporcionalidade
trata, nesse caso, de "mistura do imisturáver. O ponto central no Em vários pontos do trabalho já se falou sobre proporcionalida-
argumento de Canotilho é a utilização da expressão "limites imanen- de.146 Nos próximos tópicos pretendo analisar sua estrutura, seus pro-
tes" não como limites apriorísticos revelados pelo intérprete, mas blemas e sua forma de aplicação. Ao longo da análise que se segue, as
como produto de sopesamento entre direitos colidentes. Nas palavras ligações da regra da proporcionalidade com um modelo de suportg_
de Canotilho: "(...) os chamados 'limites imanentes' são o resultado fatico amplo e a teoria externa, que _em geral não são levadas em c
de uma ponderação de princípios jurídico-constitucionais conducente sideração nem pela doutrina, nem pela jurisprudência, ficarão cada vez
ao afastamento definitivo, ruim caso concreto, de uma dimensão que, mais claras. Antes, porém, é necessário que se esclareça o porquê de
prima fade, cabia no âmbito prospectivo de um direito, liberdade e chamar a proporcionalidade, que quase sempre é denominada "princí-
garantia". 14 ' pio da proporcionalidade", de regra da proporcionalidade. 14 '
Nesse sentido - e como se verá -. aproxima-se sua posição da
tese aqui defendida. Não me parece aconselhável, contudo, o uso da
expressão "limites imanentes", como já ficou claro no tópico anterior. 144VA utilização da expressão ''limites imanentes" na obrajleCanotilho parece
ser o resquício de posições anteriormente defendidas pelo autor~e que, com o tempo,
Em primeiro lugar porque a expressão já está marcada como conceito foram modificadas. Assim, como Canotilho antes defendia a ideia dos limites ima-
contraposto à ideia de restrição produzida por um sopesamento ou nentes na forma como descrita em tópicos anteriores c. com o passar do tempo, foi
ponderação. Em segundo lugar porque não me parece acertado deno- dela se afastando, parece que houve uma mudança de posição sem a correspondente
mudança terminológica. Cf., para exemplo da posição anterior do autor: J. J. Gomes
minar imanente um limite que não apenas surge somente com o caso Canotilho, Direito constitucional. 3J ed., Coimbra: Almedina. 1983, p. 468: segundo
concreto, como também dele depende. O próprio Canotilho adverte ele, limites imanentes seriam os limites contidos nas próprias disposições constitucio-
- e aqui fica ainda mais claro o uso diverso que faz da expressão "li- nais, garantidoras de direitos fundamentais. Nesse sentido, quando "o legislador or-
mites imanentes" - que a restrição é a posteriori, ou seja, constitutiva, dinário reproduzir estes limites imanentes, ele não estará a criar novos limites, antes
confirma, de forma declarativa, os limites preexistentes, contidos na Constituição".
Essa é, no entanto, uma posição que ele rejeita, razão pela qual o emprego da expres-
são "limites imanentes" poderia também ser abandonado.
141. Em sentido semelhante, et'. Ana Paula de Barcellos, Ponderação, raciona- 145. J. J. Gomes Canotilho, Direito constitucional e teoria da Constituição, p.
lidade c alividade jiirisdicional, p. 62. 1.148 (sem grifos no original).
142. Cf. J. J. Gomes Canotilho, Direito constitucional c teoria da Constituição 146. Cf., por exemplo, tópicos 2.3.3, 3.3.3.3, 4.2.2 e 4.2.2.1.
p. 1.148. 147. Sobre essa questão terminológica. cf.. com mais detalhes, Virgílio Afonso
143. klem. da Silva, "O proporcional e o razoável". RT 798 (2002), pp. 23-50.
168 DIREITOS F U N D A M E N T A I S : CONTEÚDO ESSENCIAL. R ES l RIÇ( >ES !•: E F I C Á C I A RESTRIÇÕES A DIREITOS FUNDAMENTAIS \w

4.4.1 Questões tenninológicas: nalidade de regra - como propus em outro trabalho 15 - - mais compli-
princípio, máxima, regra ou postulado caria que esclareceria.153 Um indício disso seria o fato de que até
mesmo os adeptos da teoria dos princípios, na linha proposta por Ale-
Como se viu no capítulo 2, o conceito de princípio que aqui se
xy, reconhecem que a proporcionalidade seria um tipo especial de
adota não tem relação com a importância da norma a que tal denomi-
regra, e não uma regra comum. 154 Embora o que Borowski e Sieck-
nação se aplica. Princípio, nos termos deste trabalho, é uma norma rnann chamam de "regra cl£ tipo_especKil" seja o conceito de manda-
que exige que algo seja realizado na maior medida possível diante das mento de otimizaçãõT e não a proporcionalidade, não há dúvidas de que
condições fálicas e jurídicas do caso concreto. I4S A proporcionalidade, a proporcionalidade não é uma regra de condula, nem uma regra de
como será visto nos próximos tópicos, não segue esse raciocínio. Ao alribuição de compelências.1^ Ocorre,que há diversas oulras regras
contrário, tem ela a estrutura de uma regra, porque impõe um dever
que lambem não se enquadram nessas categorias, não apenas a propor-
definitivo: se for o caso de aplicá-la, essa aplicação não está sujeita a cionalidade ou a razoabilidade. Para ficar apenas em um exemplo, as
condicionantes fálicas e jurídicas do caso concreto. Sua aplicação é,
três regras de resolução de antinomias - lei posterior derroga lei ante-
portanto, feita no todo.140
rior, lei superior derroga lei inferior e lei especial derroga (parcialmen-
Excluída a possibilidade de denominá-la "princípio da proporcio- te) lei geral - também são regraS-S.nhri" gplim';õ>s f^_^ll^^_r^^_'l[^ "^
nalidade" - pelo menos nos termos deste trabalho -, restam algumas
Não me parece ser o caso de lenlar demonslrar se há um certo e
alternativas propostas pela doutrina. A primeira delas seria a denomi-
um errado nesse âmbito. Para aqueles que pensam que não chamar
nação "máxima da proporcionalidade", que seria a tradução direta do
uma regra de regra apenas porque ela não é uma regra de condula ou
termo alemão. O problema dessa denominação reside no fato cie que,
de compelência pode facililar a compreensão das coisas, o recurso a
na linguagem jurídica brasileira, "máxima" não é um termo utilizado
outras denominações, como a de "postulado normalivo aplicativo",
com frequência e, mais que j^so, pode às vezes dar a impressão de se
pode ser uma saída. Desde que se tenha em mente, claro, que também
tratar não de um dever, como é o caso da aplicação da proporcionali-
dade, mas de uma mera recomendação. esses postulados têm a estrutura de regra.
Por fim, Humberto Ávila sugere que a proporcionalidade seja No presente Irabalho, contudo, por achar que a denominação "pos-
considerada como aquilo que ele denomina de postulado normativo tulado normativo aplicativo" não contribui para um incremenlo de cla-
aplicativo.^0 Em linhas gerais, um postulado normativo aplicativo reza conceituai, dou preferência a chamar a regra da proporcionalidade
seria, segundo Ávila, uma norma que estabelece a estrutura de aplica- de "regra", também tendo em mente de que se trata de uma regra espe-
ção de outras normas, ou seja, uma metanorma. 151 cial, ou uma regra de segundo nível ou, por fim, de uma meta-regra.
Embora a proporcionalidade não seja, de fato, uma regra de con-
duta, mas uma regra acerca da aplicação de outras regras, não me
parece que recorrer a uma ideia como "postulado normativo aplicati-
vo" tenha alguma razão de ser. Ávila alerta que chamar a proporcio- Quando uma medida estalai implica intervenção no âmbito de pro-
tcção de um direito fundamental, necessariamente essa medida deve
ter como objetivo um fim conslilucionalmenle legítimo, que, em geral.
148. Ct., por todos, Robert Alexy. Theorie der Gnindreclile. p. 75 (tradução
brasileira: p. 90J.
149. Cf". Virgílio Afonso da Silva. "O proporcional c o razoável", p. 26, e 152. Cf. Virgílio Afonso da Silva. "O proporcional e o razoável", p. 26.
Humberto Ávila, "A distinção entre princípios e regras e a redefinição do dever de 153. Cf. Humberto Ávila, Teoria dos princípios, p. 135.
proporcionalidade", RDA 215 (1999), p. 169. 154. Idem, p. 136, referindo-se a Martin Borowski e Jan-R. Sieckmann.
150. Cf. Humberto Ávila. Teoria dos princípios, p. 88. 155. Essas seriam, segundo Hart, as duas espécies de regras jurídicas (lhe Con-
151. Idem. p. 122. cept of La ir. Oxford: Clarendon, 1961. pp. 77 e ss.).
170 D I R E M O S H ' N I ) A M E - ; . N T A I S : C O N T K Ú I M ) HSSF.NCIAI., RIISTRIC/ÒES H líFIOÁCIA R I . S TKIi;Òi:S A D I R H I T O S F C N D A M H N T A I S } ,j

é a realização de outro direito fundamental. Aplicar a regra da propor- uma situação de necessidade, cie urgência ou de que "algo precisa ne-
cionalidade, nesses casos, significa iniciar com uma primeira indaga- cessariamente ser feito". Isso por duas razões. Em primeiro lugar
ção: A medida adotada c adequada puni fomentar a realização do ob- porque a adoção da medida — mesmo que eventualmente necessária
jetivo perseguido? Há autores que defendem indagação mais exigente, nos termos da proporcionalidade - pode ser uma questão de oportuni-
no sentido de se analisar se a medida é adequada não apenas para fo- dade e conveniência política. Não há, nesse sentido, relação alguma
mentar, mas para realizar por completo o objetivo perseguido.1*' entre necessidade ou exigibilidade e imposição da conduta. Em se-
A exigência de realização completa do fim perseguido é contra- gundo lugar porque o exame da necessidade de uma medida, nos ter-
producente, já que dificilmente é possível saber com certeza, de ante- mos da regra da proporcionalidade, é um teste comparativo. Isso sig-
mão, se uma medida realizará, de fato, o objetivo a que se propõe. nifica que um ato estatal é necessário quando comparado a outras
Muitas vezes o legislador é obrigado a agir em situações de incertezas alternativas que poderiam ter sido utilizaflas para a mesma finalidade.
empíricas, é obrigado a fazer previsões que não sabe se serão realiza- Assim, um ato estatal que limita direito fundamental "é somente ne-
das ou, por fim, esbarra nos limites da cognição. Nesses casos, qual- cessário caso a realização do objetivo perseguido não possa ser pro-
quer exigência de plena realização de algo seria uma exigência impos- movida, com a mesma intensidade, por meio de outro ato que limite,
sível de ser cumprida. Por isso a preferência pela primeira alternativa,
que, de resto, é também aquela apoiada pela maioria da doutrina. 157 em menor medida, o direito fundamental atingido". lr>9
Nesse sentido, vamos supor que o Estado lance mão da medida
M,, que limita o direito fundamental D mas promove o objetivo O.160
4.4.3 Necessidade^* Se houver uma medida M2 que, tanto quanto M,, seja adequada para
Quando se fala em "necessidade" ou em "exigibilidade", nos promover com. igual eficiência o objetivo O, mas limite o direito fun-
termos da regra da proporcionalidade, não se quer fazer menção a damental D em menor intensidade, então, a medida Mh utilizada pelo
Estado, não é necessária. 161 Fica clara, assim, a diferença entre o exa-
me da necessidade e o da adequação: enquanto o teste da adequação
156. Cf. Gilmar Ferreira Mendes, "O princípio da proporcionalidade na juris- é absoluto e linear, ou seja, refere-se pura e simplesmente a uma rela-
prudência do Supremo Tribunal Federal: novas leituras", Repertório IOB de Jurispru- ção meio e fim entre uma medida e um objetivo, o exame da necessi-
dência: Tributária, Constitucional e Administrativo 14 (2000), p. 371.
157. Cf., por exemplo: Willis Santiago Guerra Filho, Teoria processual da Cons- dade tem um componente adicional, que é a consideração das medidas
tituição. São Paulo: Celso Bastos Kditor, 2000. pp. 84 e 85; Luís Roberto Barroso, "Os aJj^jT!jitivas_ para_se_obter o mesmo fim. O exame da necessidade é,
princípios da razoabilidade e proporcionalidade no direito constitucional", Cadernos de assim, um exame imprescindivelmente comparativo.
Direito Constitucional e Ciência /'olítica 23 (1998), p. 71; Suzana de Toledo Barros, O
princípio da proporcionalidade, p. 78; Wilson António Steinmetz. Colisão de direitos Nessa comparação, como se percebe, duas são as variáveis a se-
fundamentais e princípio da proporcionalidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, rem consideradas: (TT) a eficiência das medidas na realização do obje-
2001, p. 150; Lothar Hirschberg, Der Grundsat'. der VerliáltnismãJJigkeit, Gõttingen: tivo proposto; e (T) o grau de restrição ao direito fundamental atingi-
Schwartz, 1981, pp. 50 e ss.; Martin Borowski, Grundreclite ais Prinzipien, p. 116;
Eberhard Grabitz. "Der CJrundsatz der Verháltnismáfiigkeit in der Rechtsprechung dês do. E claro que, tratando-se de duas variáveis, é necessário que se
Bundesverfassungsgerichts", AUR 98 (1973), p. 572; Bodo Pieroth/Bernhard Schlink, decida qual é a mais importante. Em geral fala-se na necessidade co-
Grundreclite - Staatsrecht II. S 283. p. 66. Sobre as implicações dessa variação no
conceito de ade(/uacão. cf., por todos. Carlos Bernal Pulido, El principio de proporcio-
nalidad v los derechos fitmlninentales. 2J ed.. Madrid: Centro de Estúdios Políticos y 159. Virgílio Afonso da Silva. "O proporcional e o razoável", p. 38. Cf. tam-
Constitucionales. 2005. pp. 730 e ss. bém Gilmar Ferreira Mendes, Direitos fundamentais e controle de constilucionali-
158. Boa parte dos desenvolvimentos deste tópico e de seus sub-tópicos é produ- dade. p. 72.
to de reflexões impostas pelos questionamentos incessantes de meus alunos na Facul- 160. O objetivo O é, necessariamente, um objetivo baseado em outro direito
dade de Direito da USP quando de nossos debates sobre proporcionalidade. A eles fundamental ou em um interesse coletivo.
agradeço, aqui, mais uma vez. 161. Virgílio Afonso da Silva, "O proporcional e o razoável", p. 38.
172 D I R H H O S MiNDAMHNTAlS: COM !-;(![)() LSSF-..NCIAI.. RHSTRIÇOHS H HI-ICACIA RI-.STKICÕI.S A I M K I T m S K ' N D A M H N T A I S 173

mo a busca do "meio menos gravoso",1"2 o que pode dar a entender pré melhor que o Estado seja omisso, pois, embora a omissão seja ine-
que se deva dar sempre preferência à medida que restrinja menos di- ficiente para realizar objetivos que necessitem de uma ação estatal, ela
reitos. Mas isso somente é assim caso ambas as medidas sejam igual- será também, em geral, menos gravosa. Em segundo lugar porque a
mente eficientes na realização do objetivo. Nesse casos - e somente escolha pela medida mais eficiente - no caso da linha (2) da tabela -
nesse caso - deve-se dar preferência à medida menos gravosa. Mas há não significa desproteção ao direito restringido em favor de uma efi-
outras configurações possíveis, que são as seguintes (M, é sempre a ciência a todo custo. Essa proteção é apenas deslocada para o terceiro
medida estatal,adotada, e M2 é uma medida alternativa): exame da proporcionalidade, como será visto em tópico mais abai-
xo.161 Antes, porém, é necessário, ainda, analisar outros pontos proble-
máticos do exame da necessidade, o primeiro deles ligado à linha (3)
Medida mais eficiente Medida menos gravosa da tabela. *
em relação ao objetivo O em relação ao direito I)
(l) M! M,
4.4.3. l Necessidade e grau de eficiência
(2) M, M,
Da mesma forma que a preferência sempre pela medida menos
(3) M2 M,
gravosa poderia levar a um fomento da omissão estatal, é possível
(4) M; M, questionar se uma preferência sempre pela medida mais eficiente não
teria como consequência: (T) a inutilidade de se questionar o grau de
restrição ao direito; e Çg) o risco de toda medida ser reprovada no
Nos casos (1) e (4) a resposta ao exame da necessidade é simples. teste da necessidade, já que sempre será possível imaginar medidas
Em (1) a medida adotada erafriecessária, porque não só era mais efi- mais eficientes que a adotada, não importa o quanto ela restrinja direi-
ciente para realizar o objetivo proposto como, também, restringia me- tos. Essas perguntas estão ligadas à linha (3) da tabela exposta no tó-
nos o direito fundamental em jogo. No caso (4) é exatamente o con- pico anterior.
trário: a alternativa M2 é mais eficiente e menos gravosa; logo, M, não
A resposta às duas questões acima pode ser encontrada na própria
era necessária. Mas qual é a resposta para os casos (2) e (3)? Neles a
definição de necessidade exposta anteriormente (M, é a medida estatal
medida mais eficiente é também sempre a mais gravosa, e a medida
adotada): "se houver uma medida M, que, tanto quanto M,, seja ade-
menos gravosa é, por conseguinte, menos eficiente. Ainda que a intui-
quada para promover com igual eficiência o objetivo Q, mas limite o
ção - sobretudo a daqueles preocupados com a proteção dos direitos
direito fundamental D em menor intensidade, então, a medida M,, uti-
fundamentais - tendesse a dar preferência, nesses dois casos, à medi-
lizada pelo Estado, não é necessária". Como se percebe - e isso é fun-
da que restrinja menos o direito fundamental, a resposta é justamente
damental -, o que se compara é M, com outras alternativas (M2, M} ...
o contrário: decisiva, no exame da necessidade, é a eficiência clarne-
dida. Isso por várias razões. M,,), e não todas as medidas possíveis e imagináveis, entre si. Um dos
lados da comparação é fixo, e ocupado por M,. Assim, com relação à
Em primeiro lugar porque, se a preferência tivesse que recair na questão (1), o grau de restrição ao direito não é um critério inútil, por-
medida menos gravosa, ainda que quase nada eficiente, a resposta a que, sempre que houver medidas tão eficientes quanto M,, esse será o
todos os exames de necessidade já teria sido dada de antemão: é sem- critério decisivo. Além disso, no teste da necessidade não se deve per-
guntar se há medidas mais eficientes que a medida estatal adotada.
162. Cf., por exemplo, Xavier Philippc. Lê controle de proportionnalité t/inix
Ie jnrisprudences constitiitionneile et (ulrninistrative frunciiixes. Aix-en-Marseille:
Hconomica, 1990, p. 44. 163. Cf. tópico 4.4.4.
174 D I R I T I O S FI : M)AMHNTA1S: C O M K Ú D O l i S S l - N r i A L . RI-ISTRK/ÕKS l- l i l - I C Á C I A RI-.STR1C.ÕILS A DIREITOS F U N D A M E N T A I S l 75

mas apenas se há medidas tão eficientes quanto., mas que restrinjam


menos o direito afetado. É por isso que na linha (3) da tabela exposta
Vamos supor o seguinte exemplo: com o intuito de realizar o di-
reito à privacidade, o legislador aprova um projeto de lei, que é depois
fíf
no tópico anterior, ainda que M2 seja mais eficiente que M/, M, não sancionado e promulgado, no qual se proíbem: (1) qualquer forma de
será considerada desnecessária. Com isso, poder-se-ia complementar jornalismo investigativo; (2) qualquer divulgação de dados constantes
a tabela anterior nos seguintes termos: em qualquer processo, em qualquer nível; (3) a publicação de qual-
quer foto, de qualquer pessoa, a não ser com autorização expressa do
fotografado; (4) a quebra do sigilo bancário, em toda e qualquer situa-
Medida mais eficiente Medida menos gravosa A medida adotada ção. Esse é um conjunto de medidas que, sem dúvida, é adequado a
em relação ao objetivo O em relação ao direito D (M,) e necessária'.'
fomentar o fim que se persegue - a garantia da privacidade. Seria di-
(1 ) M, M, sim fícil, além disso, imaginar um conjunto dê medidas que seja assim efi-
(2> M, M2 sim
caz para a realização desse objetivo e que, ao mesmo tempo, restrinja
menos os direitos fundamentais envolvidos (entre outros, a liberdade
<3, M2 M, sim de imprensa e a publicidade dos atos processuais).
(4) M, M, não A última etapa da proporcionalidade, que consiste em um sopé-
15) M, = M, fà\ M, - M, sim samento entre os direitos envolvidos, tem como função principal
justamente evitar esse tipo exagero, ou seja, evitar que medidas esta-
M2 não tais, embora adequadas e necessárias, restrinjam direitos fundamen-
tais além daquilo que a realização do objetivo perseguido seja capa/,
de justificar. É claro que não é tarefa simples decidir, na maioria dos
4.4.4 Proporcionalidade em sentido estrito
casos importantes, se o grau de realização de um direito D, justifica o
E possível sustentar que uma medida estatal que restrinja direito grau de restrição a um direito D2 (ou direitos D2, D ? , D4, ... Dn). Para
fundamental seja constitucionalmente justificável se, além de adequa- essa questão valem as considerações já feitas acerca da racionalidade
da para fomentar o objetivo que persegue, não houver medida_alterna- do sopesamento e do processo de aplicação do direito em geral. 166
jj/va que seia tão eficiente quanto e4ue_restrinjajrienos o direito atin- Além disso, mais recentemente Alexy vem propondo a utijizacJÍD
gido. Como será visto em tópico a seguir, há au tores~qíie~3e fé ride m de elementos numéricos para uma maior controlabilidade da argumen-
essa posição."14 Em geral, no entanto, costuma-se apontar a necessidade tação nos casos de sopesamento.167 Um exemplo simples de uso de
de um exame final: a proporcionalidade em sentido estrito.165 A razão de elementos numéricos seria um modelo baseado na diferença do grau
ser desse último teste é facilmente explicável: se fossem suficientes de intensidade na realização de um princípio e o grau de intensidade
apenas os dois primeiros exames - adequação e necessidade -, uma da restrição em outro princípio. Usando como variáveis os princípios
medida que fomentasse um direito fundamental com grande eficiência P/ e P/, e para os graus de intensidade da realização e da restrição as
mas que restringisse outros vários direitos de forma muito intensa variáveis I, e I/', teríamos a seguinte fórmula: G/,/' = li - I/. 168
teria que ser considerada proporcional e, portanto, constitucional. Isso
porque, além cie adequada, a medida é necessária. 166. Cf. tópico 4.2.2.2.3.
167. Cf. sobretudo Robert Alexy, "Die Gewichtsformel", i n Joachim Jickeli et
ai. (orgs.), Gedaclitnisschrift fiir Jiirgen Sonnenschein, Berlin: De Gruyter, 2003, pp.
164. Cf. tópico 4.4.4.1. 771-792; em português, cf. Robert Alexy, "Posfácio". in Robert Alexy, Teoria dos
165. Nesse sentido, por exemplo: cf. Colisão de direitos fundamentais, pp. l 52 ilireitos fundamentais (trad. Virgílio Afonso da Silva). São Paulo: Malheiros Bditores.
e ss.: Suzana de Toledo Barros, O princípio da proporcionalidade, pp. 82 e ss.; Paulo 2008. pp. 575-627.
Bonavides. Curso de direito constitucional, 22J ed., São Paulo: Malheiros Editores 168. G/./ significa o "peso" concreto do princípio P/ em relação ao princípio P/.
2008. pp. 397-398. Cf. Robert Alexy, "Die Gewichtsformel". p. 784.
176 I M R 1 T I O S F U N D A M h N T A I S : CONTEÚDO ESSENCIAL, RESTRIÇÕES H EEICACIA R E S I RIÇÕES A DIREITOS El INDAMENTAES 177

As variáveis li c \ podem ser substituídas, por exemplo, pelos nú- 4.4.4. l Proporcionalidade cm sentido estrito
meros l, 2 e 3, conforme se trate de intensidade baixa^média ou alta. c suhjetividade
A partir daí, se o resultado da operação for positivo, o princípio Pi
prevalece sobre o princípio P/. Em caso de resultado negativo a con- Há autores que defendem que a aplicação da regra da proporciona-
lidade deva se limitar aos dois primeiros exames - adequação e ne-
clusão é oposta. Essa é uma fórmula simples e, segundo Alexy, não dá
cessidade. Isso porque esses seriam os exames para os quais há critérios
conta de todas as possibilidades do sopesamento. Ele propõe, por isso, objetivos, enquanto a proporcionalidade em sentido estrito (= sopesa-
algumas outras- fórmulas que levam em consideração outras variáveis mento) seria simplesmente a substituição da subjetividade do legisla-
(como, por exemplo, o peso abstraio dos princípios, entre outras). 169 dor pela subjetividade do juiz. 1 7 2 Não é o caso, aqui, de rediscutir a
Não me parece necessário desenvolver o tema, aqui. Até porque, con- possibilidade de objetividade no sopesamento, o que já foi feito ante-
rbrme já defendi em outra ocasião, "não é possível pretender alcançar, riormente. 171 Mais importante tal vê/ seja demonstrar que o grau de
com o procedimento de sopesamento, uma exatidão matemática, nem objetividade nos exames da adequação e, sobretudo, da necessidade
substituir a argumentação jurídica por modelos matemáticos e geomé- não difereTn muito daquele criticado — sobretudo por Bernhard Schlink
tricos. Esses modelos podem, quando muito, servir de ilustração, pois e, no Brasil, por Leonardo Martins - no exame da proporcionalidade
a decisão jurídica não é nem uma operação matemática, nem puro em sentido estrito. 174
cálculo".170 Mais importante que buscar fórmulas matemáticas é a .'- Como se viu anteriormente, o exame da necessidade implica uma
busca de regras de argumentação, critérios de valoração ou a funda- comparação entre a medida estatal adotada para fomentar determina-
mentação de precedências condicionadas. 171 do objetivo O com medidas alternativas. Se houver medidas alternati-
vas que restrinjam menos direitos fundamentais, a medida adotada
não pode ser considerada necessária. O modelo mais simples para
169. Cf. Robert Alexy, "Die Gewichtsformel", p. 784; e. do mesmo autor, "Pos-
fácio", ín Robert Alexy. Teoria doa direitos jitndamentais, pp. 602 e ss.
essa análise envolve as seguintes variáveis: M/ (medida adotada), Mi
170. Virgílio Afonso chi Silva, (ínindreclite und gesetzgeberisclie Spielrãnme, (medida alternativa), O (objetivo) e D (direito fundamental restringi-
p. 102. Nesse sentido, c f. também: Daniel Sarmento. "Os princípios constitucionais e do para a realização de O). Mesmo em um modelo simples como esse,
ponderação de bens", in Ricardo Lobo Torres (org.), Teoria dos direitos fundamen- não há, por razões óbvias, critérios matemáticos que respondam a
tais, 2 a ed.. Rio de Janeiro: Renovar. 2001. pp. 56-57: Nils Jansen, "Die Abwagung questões como: "Que medida realiza melhor o objetivo?"; ou: "Que
von Grundrechten", Der Staaí 36 (1997), p. 53: Kent Grcenawalt, La w and Objectivi-
/v, New York: Oxford University Press. 1992. p. 204; Jan-Reinard Sieckmann, "Ri- medida restringe menos o direito afetado?". Perguntas como essas
chtigkeit und Objektivitàt im PrinzipienmodeU", ARSP 83 (1997). p. 29; Karl Larenz, envolvem, necessariamente, uma valoração subjetiva por parte do
"Methodische Aspekte der •Giiterabwagung'", in Fritz Hauss/Reimer Schmidt juiz. Em situações concretas mais complexas o cenário fica ainda mais
(orgs.), Festschrift fiir Krnst K/ingniiiller, Karlsruhe: Verlag Versicherungswirtschaft, difícil de ser dominado. É possível que uma medida M, seja mais
1974, pp. 247-248; Gerhard Struck. "Interessenabwagimg ais Methode", in Roland
Dubischar et aí. (orgs.), Ddifníatik mui Met/iode: Josef Esser znm 65. Gebnrtstag,
Kronberg/Ts.: Scriptor, 1975, pp. 172 e ss.: e Hrnst-Wolfgang Bõckenfõrde, "Zur 172. Cf, por exemplo, Bernhard Sclilink, "Freiheit durch Eingriffsabwehr - Re-
Kritik der Wertbegriindung dês Rechts", in Rechl, Staat, I-'reilteit: Studien znr Recltts- konstruktion der klassischen Grundrechtsfunktion", EuGRT. \ (1984), p. 461; e, do
philosopliie, Staatstheorie und Verfassim^s^escliiclite, Frankfurt am Main: Suhrkainp. mesmo autor, Abwágung im Verfassnngsrecht. p. 79. Schlink reafirma sua posição em
1991, p. 85. trabalho um pouco mais recente: "Der Grundsat/. der VerhãltnismãBigkeit", in Peter
171. Para uma análise de critérios que confiram maior racionalidade no proces- Badura/Horst Dreier (orgs.). Festschrift 50 Jahre Bitndesverfassungsgericht, vol. II,
so de sopesamento, cf. Ana Paula de Barcellos. Ponderação, racionalidade e ativi- Tiibingen: Mohr. 2001, pp. 458 e ss. No Brasil, em sentido semelhante, cf. Leonardo
dade jiirisdicional. Rio de Janeiro: Renovar. 2005. Para um bom exemplo de fixação Martins, "Proporcionalidade como critério do controle de constitucionalidade". Ca-
de precedências condicionadas, et. Wilson Steinmetz, A vinculação dos particulares dernos de Direito Unimep 3 (2003). pp. 36 e ss.
a direitos fundamentais, pp. 214 e ss. Cf. também a j a mencionada lei de colisão (cf. 173. Cf. tópico 4.2.2.2.3.
tópico 2.2.3.2, nota 30) e seus complementos (cf. tópico 4.2.2.2.3). 174. Para outras referências, cf. notas de rodapé 89, 90 e 92. acima.
I7S DIREITOS FUNDAMENTAIS: CONTEÚDO ESSENCIAL. RESTRIÇÕES E E H ( ' A C I A RESTRICÕES A DIREITOS l l I N D A M E N T A I S 179

eficiente na realização de um objetivo O, restrinja o direito D, com situação, se vê obrigado a fazer um sopesamento entre dois ou mais
muita intensidade e o direito D2 de forma não tão intensa; já a medida princípios, cujo resultado, então, é expresso pela regra infraconstitu-
M^ é um pouco menos eficiente na realização de (9, mas não restringe cional. Essa é uma tarefa central da legislação ordinária. Esse resulta-
o direito D,, restringe com muita intensidade o direito D: e, ainda, do do sopesamento do legislador - que pode ser, por exemplo, um
restringe um pouco o direito D}\r fim, uma outra medida alternati- dispositivo de direito civil, de direito penal, de direito tributário ou cie
va M; tem grau de eficiência intermediário entre M, e M2 na realização direito do trabalho - pode, em um sistema em que há jurisdição cons-
de O, restringe com média intensidade o direito D,, não restringe o titucional, como é o caso do Brasil, ser questionado judicialmente.
direito D2 e restringe com muita intensidade o direito D,. Saber, em Nesse processo de controle da constitucionalidade da lei, se houver
uma situação hipotética como essa - que, de resto, não parece difícil uma restrição a direito fundamental, deve-se recorrer à regra da pro-
{ de ser encontrada em exemplos reais —, qual seria a medida necessária porcionalidade, nos moldes analisados anteriormente: ou seja, deve-se
não é algo que possa ser mensurado de forma exata. Nesse sentido - e indagar se a regra infraconstitucional que restringe um direito funda-
isso é o mais importante neste ponto -, há casos em que o exame da mental é adequada para fomentar seus objetivos (fomentar a realiza-
necessidade pode ser muito mais complexo e exigir mais valoracões ção de um*outro direito fundamental, por exemplo), se não há medida
do juiz que o exame da proporcionalidade em sentido estrito. O ganho alternativa tão eficiente quanto, mas menos restritiva, e, por fim, se há
em objetividade não se encontra - como já se tentou deixar claro an- um equilíbrio entre a restrição de um direito e a realização do outro.
teriormente 175 - na renúncia ao sopesamento, mas na busca de padrões
de diálogo intersubjetivo que permitam um controle social da ativida- Como visto anteriormente,178 no entanto, há casos em que não há
de jurisdicional. Isso vale não apenas para o sopesamento, mas tam- qualquer regra infraconstitucional que discipline a colisão entre dois
bém para os exames da adequação e da necessidade e também para a princípios. Ou seja, pode ser que dada situação de colisão ainda não
"simples" subsunção. tenha sido objeto de ponderação por parte do legislador. Nesses casos,
isto é, nos casos em que deve haver uma aplicação direta dos princí-/
pios constitucionais ao caso concreto — e esses casos são muito maisx
4.4.5 Regra da proporcionalidade e sopesamento raros -, eleve - aí, sim - haver apenas um sopesamento entre os poten-
ciais princípios aplicáveis na resolução do caso concreto. A razão é
Em algumas passagens deste capítulo já se mencionou que em muito simples: se a aplicação da regra da proporcionalidade implica
alguns casos se deve recorrer ao sopesamento; em outros, à regra da três questões - (a) A medida é adequada para fomentar o objetivo fi-
proporcionalidade. 176 Essa é uma distinção importante, e que muitas xado? (b) A medida é necessária? E (c) a medida é proporcional em
vezes é ignorada. Frequentemente, em casos que deveriam ser resol- sentido estrito? -, é mais que óbvio que deve haver uma medida con-
vidos, quando muito, por meio de sopesamento recorre-se à aplicação creta que será testada. Isso é o que deveria ter ocorrido, por exemplo,
da regra da proporcionalidade. no caso da ADI/MC 2.566: nas três perguntas acima, bastaria substi-
Neste ponto é necessário recorrer àquilo que foi explicitado nos tuir "medida" por "vedação de proselitismo nas emissões de radiodi- >^
tópicos 4.2.2.1.1 e 4.2.2.1.2. Há casos - e esses são a maioria - em fusão comunitária". Mas, nos casos em que se deve aplicar princípios
que a restrição a um direito fundamental é veiculada por meio de regra diretamente ao caso concreto, falta essa variável de referência. Se não
presente em um texto normativo infraconstitucional. Esse tipo de res- há medida adotada, não há possibilidade alguma de se adotar a regra
trição - que foi objeto, por exemplo, da análise de caso acerca da da proporcionalidade. 179
ADI/MC 2.566177 - ocorre sempre que o legislador, em determinada
178. Cf. tópico 4.2.2.1.2.
175. Cf. tópico 4.2.2.2.3. 179. A não ser. é claro, que se queira controlar omissões legislativas com a apli-
176. Cf., por exemplo, as notas de rodapé 65 e 73, neste capítulo cação da proporcionalidade. Essa é, no entanto, uma possibilidade problemática, cuja
177. Cf. tópico 3.3.3.1, acima. análise extrapolaria os limites deste trabalho. Além disso, meu aluno - e depois moni-
ISO DIKI.ITO.S H N D A M h N I A I S : CONn-.fiDO H S S I - N C I A l , , RhSTRIÇÒH.S R EFICÁCIA RF.S I KICÕHS A DIREITOS HJNDAMHNTALS 1X1

4.4.6 Proporcionalidade, limites imanentes, restrições cional que qualquer intervenção exige. Nesse sentido, dispositivos legais
e i 'e g u /ame n ta coes meramente regnlamentadores de direitos fundamentais também esta-
riam isentos da aplicação da regra da proporcionalidade.m
Neste ponto do trabalho é necessário retomar duas questões que
já foram anteriormente debatidas, para relacioná-las à regra da pro- Nos dois casos - limites imanentes e "mera" regulamentação -,
porcionalidade: os limites imanentes e a ideia de regulamentação de ambos ligados a teorias que defendem um suporte fático restrito, per-
direitos fundamentais. cebe-se, sem grandes dificuldades, uma diminuição na capacidade pro-
tetora dos direitos fundamentais, devido à exclusão total c de antemão
O recurso aos limites imanentes serve, como foi visto anterior- de um mecanismo controlador de intervenções estatais no âmbito de
mente, como uma forma de autolimitação dos direitos fundamentais, proteção dos direitos: a regra da proporcionalidade.
i Ele pode ser utilizado seja como uma forma de realização dos postu-
lados da teoria interna, seja como uma forma de, no âmbito da teoria
externa, restringir de antemão o suporte fático dos direitos fundamen- 4.4.7 Proporcionalidade
tais. Fim ambos os casos há uma diminuição no âmbito de proteção e conteúdo essencial dos direitos fundamentais
desses direitos: menos condutas e menos posições jurídicas são con-
sideradas como protegidas, ainda que prima fade, pelos direitos fun- Como foi visto no capítulo anterior, quando se parte de um supor-
te fático amplo para os direitos fundamentais há, automaticamente,
damentais. Essa redução de proteção, no entanto, não é acompanhada
um aumento na colisão entre direitos fundamentais, pois, ao aumentar
de uma exigência de fundamentação, visto que feita de antemão. A
a quantidade de condutas, situações e posições jurídicas protegidas
partir dessa premissa, não seria necessário fundamentar a vedação ou
por direitos fundamentais, há, inevitavelmente, uma maior quantidade
a restrição daquilo que nem ao menos entra no âmbito de proteção de
de choques no exercício desses direitos. Além disso, a ampliação do
um direito fundamental. A tiplicação da proporcionalidade, nesses
conceito de intervenção estatal, em conjunto com a adoção de uma
casos, é excluída também de antemão.
teoria externa, tende a ampliar o número de ações estatais que são con-
No caso do recurso à dicotomia restrição/regulamentação, já re- sideradas como restrição a direitos fundamentais. Por fim, sedimen-
jeitada anteriormente, 1 ™ muitos daqueles que recorrem a ela o fazem tou-se a icléia de que tais restrições, para que possam ser consideradas
para sustentar que "meras regulamentações" não constituem interven- restrições consfitucionalmente fundamentadas, e não violações a di-
ções no âmbito de proteção dos direitos fundamentais. Aqui, o que se reitos, têm que passar no exame da proporcionalidade. De que forma
restringe não é o âmbito de proteção, mas o conceito de intervenção. o modelo desenvolvido até aqui - que pressupõe, portanto, que restri-
Encaradas dessa forma, as eventuais regulamentações no exercício (for- ção não é sinónimo de violação a direitos fundamentais - se relaciona
ma, local, horário etc.) dos direitos fundamentais, por não serem consi- com a ideia de que tais direitos devam ter um conteúdo mínimo essen-
deradas como intervenção, deixam de exigir a fundamentação constitu- cial inviolável? Para introduzir a resposta a essa pergunta, que será
desenvolvida no próximo capítulo, retomo a primeira citação deste
trabalhe), extraída do voto do Min. Celso de Mello no caso Ellwanger
tor - l boina/. Henrique Pereira argumenta que seria possível também imaginar que
pelo menos nas ações decididas em sede de recurso haveria sempre uma medida esta-
(HC 82.424): "Entendo que a superação dos antagonismos existentes
tal a ser controlada por meio da aplicação da regra da proporcionalidade. Essa medida entre princípios constitucionais há de resultar da utilização, pelo STF,
seria a decisão recorrida, lissa não me parece ser uma opção possível, já que o que se de critérios que lhe permitam ponderar e avaliar, hic et nunc, em fun-
controla, nesses casos, não é a "ação" do juiz como uma "ação restritiva de um direito
fundamental", mas, sim. a correrão da interpretação e da aplicação do direito que o
juiz reali/ou na sentença recorrida. Fica aqui, no entanto, o agradecimento por ter me 181. Para uma defesa nesse sentido - ou seja, pela exclusão da análise da pro-
chamado a atenção para esse possível argumento. porcionalidade em casos de simples regulamentação -. cf. Peter Lerche, Uhcniiiifi
180. Cf", tópico 3.3.2.1.3. iitui \'erfaxsitiií>srecht. pp. 107 e ss. e 140 e ss.
1X2 DIRKITOS R í N U A M H N T A I S : C O N T F Ú I M ) FSSI :NCI A l . . RHSTRIÇÕhS K l-.l K'A( IA

cão de determinado contexto e sob uma perspectiva axiológica con-


creta, qual deva ser o direito a preponderar no caso. considerada a
situação de conflito ocorrente, desde que, no entanto, a utilização do
método da ponderação de bens e interesses não importe em esvazia-
mento do conteúdo essencial dos direitos fundamentais, tal como ad-
verte o magistério da doutrina". 1 " 2
Como se percebe com clareza, o Min. Celso de Mello íaz menção Capítulo 5
a um método (ponderação) de resolução de colisões entre direitos fun- O CONTEÚDO ESSENCIAL
damentais (princípios) que deva levar em consideração o contexto DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS:
concreto para se decidir qual o direito que deverá prevalecer. Seria TEORIAS E POSSIBILIDADES
possível acrescentar que em determinados casos será exigível não ape-
nas a ponderação ou sopesamento, mas também a aplicação da regra
da proporcionalidade, como foi visto no tópico anterior. Todos esses 5.1 Introdução. 5.2 Ponto de partida: possíveis dimensões do proble-
ma: 5.2.1 Dimensão objetiva -5.2.2 Dimensão subjetiva. 5.3 Conteú
elementos - e outros mais - foram analisados nos capítulos anteriores. do essencial absoluto: 5.3.1 Conteúdo essencial absoluto-dinâmico
Ficou claro, nessa longa análise, que o problema é mais complexo do - 5.3.2 Conteúdo essencial absoluto-estútico - 5.3.3 Conteúdo abso-
que a intuição pode querer fazer crer. Os elementos envolvidos podem luto e dignidade. 5.4 Conteúdo essencial relativo: 5.4.1 Conteúdo
ser conjugados de formas tão díspares, que seria possível reescrever a essencial relativo e proporcionalidade - 5.4.2 Conteúdo essencial
relativo e dignidade. 5.5 Sobre o caráter constitutivo ou declaratório
passagem transcrita de diversas formas. Da forma como escrita, faz-se das previsões constitucionais. 5.6 Direitos sociais, conteúdo essen-
necessário indagar o que significa "conteúdo essencial dos direitos cial c mínimo existencial. 5.7 Resultado. 5.H Desenvolvimento.
envolvidos" e, sobretudo, o que significa "esvaziamento" desse con-
teúdo. Em outras palavras: que tipo de restrição atinge e que tipo não
atinge esse conteúdo essencial? Ou, mais importante: é possível que 5.1 Introdução
uma restrição, a partir de todos os elementos analisados neste traba-
lho, passe no teste da proporcionalidade e mesmo assim seja conside- Como já foi explicitado anteriormente, 1 neste trabalho não se
rada inconstitucional, por esvaziar o conteúdo essencial de um direi- pretende simplesmente fazer uma análise de teorias sobre o conteúdo
to fundamental'! À resposta a essas indagações é dedicado o próximo essencial dos direitos fundamentais com o objetivo de, no final, optar
capítulo. por uma delas. Essa estratégia foi considerada como um enfoque em-
pobrecedor. A partir dessa premissa, ficou esclarecido que essa parte
do objeto deste trabalho - o conteúdo essencial dos direitos fundamen-
tais - deve ser encarada como um fenómeno complexo, que envolve
uma série de problemas inter-relacionados. Esses problemas - que são,
na sua complexidade, o objeto do trabalho - já foram analisados até
aqui e são, sobretudo, aqueles ligados:^ã^à análise daquilo que é pro-
tegido pelas normas de direitos fundamentais; ©à relação entre o que
é protegido e suas possíveis restrições; e (c) a como fundamentar tan-
to o que é protegido como as suas restrições. O que se disse anterior-

182. RTJ 188. 858 (912) (sem grifos no original). 1. Cf. tópico 1.1.3.3.
1X1 D I K H I I O S I - C N D A M I - N T A I S : C()N"n-:t'i[X) KSSIÍNCIAL. RhS TRIÇÒliS l - KFICACIA O CONTHÚDO I-SSBNCIAI. DOS DIRlilTOS F U N D A M I i N I A I S ] X5

mente pode e deve ser retomado aqui: é da relação dessas variáveis essencial dos direitos fundamentais. Com isso ficará claro que "o es-
— e de todos os problemas que as cercam — que se define, na visão colher uma teoria", aqui, não é exatamente uma questão de gosto, mas
deste trabalho, o conteúdo essencial dos direitos fundamentais. uma questão de coerência argumentativa. Determinados pontos de par-
Seria possível imaginar que este capítulo - cujo título envolve tida levam, inevitavelmente, a determinados pontos de chegada/
parcialmente o próprio subtítulo do trabalho — deveria ser um capítulo
central do trabalho . Mas não é necessariamente assim. Ele é, na ver-
dade, uma decorrência natural da análise realizada até aqui e tem. ao 5.2 Ponto de partida:
mesmo tempo, uma dimensão sistematizadora e uma dimensão des- possíveis dimensões do problema
mistificadora. A definição de um conteúdo essencial^para os direitos fundamen-
A primeira dimensão consiste na sistematização de toda a análise tais pode ser abordada, inicialmente, a partir de dois enfoques distin-
desenvolvida até aqui com vistas a localizá-la nas principais teorias tos: o objetivo e o subjetivo. No primeiro caso trata-se de uma análise
que dominam o debate sobre o chamado "conteúdo essencial cios direi- acerca do direito fundamental como um todo, a partir de sua dimensão
tos fundamentais", já inicialmente expostas no capítulo l deste tra- como direito objetivo; no segundo o que importa é investigar se há um
balho. 2 A segunda dimensão - chamada, aqui, de forma provocativa, direito subjetivo dos indivíduos a uma proteção ao conteúdo essencial
de desmistijicadora — pretende demonstrar, em primeiro lugar, que o de seus direitos fundamentais.
conceito de conteúdo essencial dos direitos fundamentais não pode
ser utilizado como um mero lugar-comum, um topos argunTentativo
que apele para a simples intuição do aplicador do direito. Além disso, 5.2.1 Dimensão objetiva
pretende demonstrar também que o simples recurso a teorias absolu-
A partir de uma dimensão estritamente objetiva, o conteúdo es-
tas ou relativas não é algo que independa da compreensão global da
função dos direitos fundamentais, de suas estruturas analíticas mais sencial de um direito fundamental deve ser definido com base no
elementares e, sobretudo, da definição do que é por eles protegido ou significado desse direito para a vida social como um todo.4 Isso signi-
exigido e dos critérios com base nos quais restrições são possíveis. ficaria dizer que proteger o conteúdo essencial de um direito funda-
Com isso quer-se dizer, basicamente, que adotar pressupostos teóricos mental implica proibir restrições à eficácia desse direito que o tornem
- como a distinção entre regras e princípios, na forma como desen- sem significado para todos os indivíduos ou para boa parte deles/
volvida pela chamada teoria dos princípios - não é algo que dependa
simplesmente de opção por uma "teoria interessante". E, mais do que 3. É claro que um "desvio no meio do caminho" não é sempre impossível, nem
isso, não é algo que "combina" com qualquer outra teoria ou premissa sempre manifestação de um ''sincretismo metodológico", mas implica enorme ónus
teórica. Como se viu até aqui, a chamada teoria dos princípios não é artuimentativo. que não pode ser ignorado.
4. Cf., nesse sentido, Konrad Hesse, Grund~iige dês Vcrjaxxiingxreclns der Bun-
apenas uma distinção entre duas espécies de normas. Isso é apenas sua dcxrepuhlik Deiitschland, 19a ed., Heidelberg: C. F. Miiller, 1993. § 334, p. 141.
expressão mais aparente. Essa distinção tem, ao mesmo tempo, pré- 5. Cf. Friedrich Klein, "Art. 19", in Hermann von Mangoldt/Friedrich K.lein.
requisitos - como a adoção de uma teoria externa e de um suporte fá- Das Bounvr Grundf>L'setz, 2'1 ed., Berlin: Vahlen, 1957, V2; Roman Her/og. "Grun-
tico amplo para os direitos fundamentais - e consequências teóricas e drechte aus der Hand dês Gesetzgebers". in Walther Fiirst et ai. (orgs.). l-estsclirift fiir
Wolfgang Zeidler, vol. 2, Berlin: De Gruyter, 1987, pp. 1.415 e ss.; Michacl Brenner.
práticas - como a aceitação da proporcionalidade e, como vai se ver "Móglichkeiten und Grenzen grundrechtsbezogener Verfassungsánderungen", Der
neste capítulo, de uma concepção relativa na definição do conteúdo Stíiat 32 (1993), pp. 504 e ss.; e Hartmut Jáckel, Griindrechts.iíeltiing und Gntmire-
clitssicheritnx. Berlin: Duncker & Humblot, 1967, pp. 1 1 1 e ss. Segundo Jáckel a pro-
teção a situações meramente individuais não deve autorizar o recurso à proteção do
2. Cf. tópico 1.1.3. conteúdo essencial dos direitos fundamentais.
186 DIRHITOS l-UNDAMl-.NT.MS: ( ' ( ) M l , l ' I X ) LSSK.M'l Al . RHS I R I Ç Õ h S !•: h l I C Á C I A O rONTKÚIX) HSSHNCIAI. DOS DIRKITOS Fl INDAMKN TAIS

Embora esse enfoque laca sentido, c fácil perceber que ele não lês que defendem um enfoque meramente objetivo argumentam que o
oferece praticamente protecão alguma além daquelas que já decorrem enfoque subjetivo não teria como lidar com tais situações, enquanto a
automaticamente da ideia de cláusulas pétreas.'1 Para casos individuais resposta a partir de uma dimensão objetiva seria clara: em nenhum
ou mesmo para casos gerais em que a restrição não põe em risco o desses casos o conteúdo essencial desses direitos, em sua função para
direito fundamental em seu sentido "para o todo social", mas pode toda a vida social, foi atingido.
implicar total eliminação em situações concretas, o enfoque objetivo Como será visto mais adiante, no entanto, a partir de um modelo
não oferece prbteção alguma. Por isso, deve ser complementado por relativo de conteúdo essencial, é possível sustentar que, embora em
um enfoque subjetivo. alguns casos nada reste de um direito fundamental - como nos exem-
plos acima -, mesmo assim permanece o dever de proteger tal conteú-
do a partir de uma perspectiva subjetiva s individual.
5.2.2 Dimensão subjetiva Isso será analisado nos próximos tópicos, dedicados ao embate
entre teorias absolutas e teorias relativas sobre o conteúdo essencial
Se se pretende, com o recurso à garantia de um conteúdo essen- dos direitos fundamentais.
cial dos direitos fundamentais, proteger tais direitos contra uma restri-
ção excessiva 7 e se os direitos fundamentais, ao menos em sua função
de defesa, têm como função proteger sobretudo condutas e posições 5.3 Conteúdo essencial absoluto
jurídicas individuais/ não faria sentido que a protecão se desse apenas Todas as versões das teorias que defendem a existência de um
no plano objetivo. Isso porque é perfeitamente possível - e provável conteúdo essencial absoluto têm em comum a ideia de que, se fosse
- que uma restrição, ou até mesmo uma eliminação, da protecão de possível representar graficamente o âmbito de protecão dos direitos
um direito fundamental em u»i caso concreto individual não afete sua fundamentais, deveria existir um núcleo, cujos limites externos for-
dimensão objetiva, mas poderia significar uma violação ao conteúdo mariam uma barreira intransponível, independentemente da situação
essencial daquele direito naquele caso concreto. e dos interesses que eventualmente possam haver em sua restrição. A
Contra esse enfoque subjetivo seria possível argumentar que em definição de Jorge Miranda ilustra bem essa ideia central: "Afigura-se
vários casos concretos é possível que nada reste de um direito funda- que para, realmente, funcionar como barreira última e efectiva contra
mental, sem que isso deva ser considerado como algo a ser rechaçado. o abuso do poder, como barreira que o legislador, seja qual for o inte-
Exemplos não faltam: pena de morte (no Brasil, em caso de guerra resse (permanente ou conjuntural) que prossiga, não deve romper, o
declarada) elimina por completo o direito à vida daquele que é conde- conteúdo essencial tem de ser entendido como um limite absoluto cor-
respondente à finalidade ou ao valor que justifica o direito".9
nado; qualquer pena de reclusão elimina por completo a liberdade de
ir e vir do condenado (mesmo que com determinada limitação tempo- Da mesma forma que já se viu quando da análise de modelos de
ral); a desapropriação elimina por completo o direito à propriedade suporte fático restrito e da teoria interna, o grande desafio de qualquer
daqueles que têm seus imóveis desapropriados. Com base nisso, aque- teoria absoluta sobre o conteúdo essencial dos direitos fundamentais
é a definição do que pertence a esse conteúdo e do que dele deve ser
excluído. Não é necessário voltar, portanto, ao debate já travado ante-
6. Cf., sobre isso. tópico 1 . 1 . 1 . riormente. Aqui, pretendo apenas abordar duas variantes de modelos
7. O conceito de restrição excessiva no âmbito da análise do conteúdo essencial absolutos que muitas vezes não são devidamente diferenciadas. Há
dos direitos fundamentais dependerá, como ficará claro adiante, do modelo adotado
- absoluto ou relativo.
8. Cf. Robert Alexy. '1'heorie der Criuulrechte, p. 268 (tradução brasileira' p. 9. Jorge Miranda, Manual de direito constitucional, vol. IV, 3" ed.. Coimbra:
297]. Coimbra Editora. 2000, p. 341 (sem grifos no original).
1X8 DlkHITOS I V N U A M F . N I A I S : CONTEÚDO liSSIiNCIAL. RKSTRICÕKS l: I-.HCÁCIA OCONTHÚDO HSSENCIAI, IK)S IMRHITOS H ' N D A M I :\ AIS l tSV

autores - como Manfred Stelzer, por exemplo - que sustentam que o 5.3.2 Conteúdo essencial absoluto-estático
elemento definidor de todas as teorias absolutas é a "aceitação de Há autores, contudo, que concebem o conteúdo essencial dos di-
um conteúdo mínimo ou residual de cada direito fundamental que reitos fundamentais não apenas como absolutos em sentido espacial,
resiste ao tempo e a todas as situações sociais". 10 Uma breve leitura mas também como absolutos em sentido material-temporal. Isso quer
de autores partidários de diferentes variantes do que aqui se chama dizer, nessa acepção do conceito, que aquilo que compõe o conteúdo
de teoria absoluta demonstra, no entanto, que muitos deles - a maio- essencial de um direito fundamental é não somente intangível — como
ria — não compartilham de uma definição assim tão rígida do conteú- visto acima —, mas também imutável. Ou seja, somente aquilo que não
do essencial. Pelo contrário, vários são os autores que se esforçam muda no tempo, aquilo que independa de ideologias ou da realidade
em sublinhar que conteúdo essencial absoluto não é sinónimo de social vigente, pode ser considerado como. de fato, intangível."
áonteúdo essencial imutável." Em face das possíveis variações, pa-
rece ser recomendável seguir a proposta - feita por Claudia Drews Em um primeiro momento, urna tal concepção imutável de um
- de distinção entre teorias absolutas dinâmicas e teorias absolutas conteúdo essencial dos direitos fundamentais parece ser insustentável,
pelo simples fato de ser pouco ou nada suscetível às alterações inter-
pretativas que os dispositivos constitucionais exigem ao longo do tem-
po.15 Diante disso, em monografia mais recente, Claudia Drews, não
5.3.1 Conteúdo essencial absoluto-dinâmico com poucas citações de autores salientando a exigência de adaptação
do texto constitucional à realidade, rejeita a possibilidade de uma teo-
Dinâmico e absoluto é o conteúdo essencial de um direito funda- ria absoluta e estática."' Segundo ela: "'(...) se a constituição deve or-
mental quando, embora constitua uma área intransponível em qual- denar a vida social e, com isso, a vida na realidade, e a realidade é
quer situação, seu conteúdo pode ser modificado com a passagem do algo em si em mutação, então, a constituição - para ser e, sobretudo,
tempo." A característica "absoluta" do conteúdo essencial não signi- continuar aplicável - tem que demonstrar uma certa 'abertura e elas-
fica nem exige, portanto, imutabilidade. Absoluto, nesse contexto, ticidade'". 17
implica apenas que aquilo que é protegido pelo conteúdo essencial Essa necessidade é salientada a todo instante, sempre sublinhan-
não sofre relativizações de acordo com urgências e contingências. do que a constituição deve estar apta a reagir "às rápidas mudanças
da realidade", que a constituição e os direitos fundamentais devem se
''adaptar às situações em mutação", que o ordenamento constitucional
10. Manfred Stelzer, Das Wesensgehaltsargiunent nnd der Grundsat-, der
Verhàltnismafiigkeit, Wien: Springer, 1991, p. 49. Cf. também Antonio-Luis Mar- e os direitos fundamentais —
."•«-••"-"•./" são,, ,por Hm, algo necessariamente dinâmi-
« ' l _ íl : j . . _ „ t. , , .^^ ^ » «i vi •"»»-» t

tínez-Pujalte, IM garantia dei contenido esencial de los derecho.s fundainentales, CO.' Diante disso, como "resultado do conflito entre uma variante
Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997, p. 22: "O que caracteri/a basi-
camente as teorias absolutas é (...) sustentar que existe uma determinada esfera per-
manente do direito fundamental que constitui o seu conteúdo essencial". Em sentido 14. Cf., nesse sentido - e talvez como seu único defensor -. Werner Knullig,
muito semelhante, mas sem referência a Martínez-Pujalte. c l'. Cláudia Perotto Biagi, Bedentiing und Aitslegung dês Artikeh 19 Ahs. I nnd II dês Grttndgeset~.es, Kiel:
A garantia do conteúdo essencial dos direitos fundamentais, p. 80: "A teoria absoluta Dissertation. 1954, p. 118.
(...) sustenta que existe uma determinada esfera permanente' do direito fundamental 15. Sobre essa exigência, cf, por todos. Oliveira Vianna, "Novos métodos de
que constitui o seu núcleo essencial" (sem grifos no original). exegese constitucional". Revista Forense 72 (1937), p. 5.
11. Cf. por exemplo. Georg Herbert. "Der VVesensgehalt der Grundrechte". 16. Cf. Claudia Drews, Die Wesensgehaltgarantie dês Ari. 19 II GG, p. 65, e
KuGRZ 12(1985). p. 334. Georg Herbert, "Der Wesensgehalt der Grundrechte". pp. 137-139.
12. Cf Claudia Drews, Die Wesensgeluiltgarantie dês An. 19 II (Kl. Baden- 17. Idem, p. 138 (grifos no original). A expressão "abertura e elasticidade" é de
Baden: Momos, 2005, pp. 65 e 66. Hesse (cf. Konrad Hesse, "Grenzen der Verfassungswandlung", in Horst Khmke et ai.
13. Cf. Claudia Drews, Die Wesensgeltaltgarantie dês An. 19 II GG, p. 65, e (orgs.), Festschrift fiir Ulriclt Sclteiiner, Berlin: Duncker & Humblot, 1973. p. 123).
(leorg Herbert. "Der Wesensgehalt der Grundrechte". p. 334. 18. Cf. Claudia Drews, Die Wesensgehítltgaranlie dês Ari. 19 II GG, pp. 138-139.
lW D I R E M O S F I / N D A M E N T A I S : CONTEÚDO ESSENCIAL, RESTRIÇÕES E E F I C Á C I A O CON riiÚIX) ESSENCIAL DOS DIREITOS F U N D A M E N T A I S 191

estática e uma variante dinâmica da teoria absoluta do conteúdo es- Independentemente de se saber como é definido o conteúdo do cír-
sencial dos direitos fundamentais (...) deve-se dar preferência à va- culo menor (o conteúdo essencial), os gráficos mostram que na pri-
riante dinâmica". 1 '' meira representação, a despeito de o conteúdo essencial ser absoluto
Hssa não é. contudo, uma conclusão que decorre necessariamente e estático - e, portanto, imutável -, grande parte do direito fundamen-
da premissa adotada. Não é impossível partir do pressuposto - corre- tal é passível de restrições e reinterpretações. No segundo caso, ainda
to - de que as normas constitucionais devam ser sempre interpretadas que a parte central, por ser dinâmica, esteja mais apta a adaptações a
de forma a possibilitar "a 'actualização' normativa, garantindo, do novas realidades, é certo que a capacidade de conformação do legis-
mesmo pé, a sua eficácia e permanência", 20 e, ao mesmo tempo, sus- lador ordinário - ou mesmo dos particulares - é bem menor, já que a
tentar que o conteúdo essencial dos direitos fundamentais deve ser parte essencial e absoluta do direito fundamental ocupa um espaço
1 algo estático. A estaticidade desse conteúdo essencial não impede a maior. •
dinamicidade do conteúdo total. Ao expor a fundamentação de Clau- Com isso não se quer dizer - claro - que a primeira das variantes
dia Drews. acima, não foi sem motivo que as referências ao caráter eleve ser preferida. Não é difícil perceber que, se invertêssemos os grá-
dinâmico da constituição e dos direitos fundamentais foram grifadas. ficos, teríamos - aí, sim - uma teoria absoluta-estática que, além de
Ora, o fato de a constituição (ou os direitos fundamentais) ser dinâmi- ter um "núcleo" de conteúdo imutável e intangível, deixa muito pouca
ca não impediria que parte dela fosse considerada absoluta e estática. "borda"21 para a capacidade de conformação ordinária (do legislador
Basta, para tanto, que essa parte estática não seja demasiado ampla. ou dos particulares).
Nesse sentido, uma teoria absoluta-estática pode até mesmo ser mais O que se quis mostrar foi simplesmente o fato de que não é so-
flexível e mais próxima das teorias relativas que uma teoria absoluta- mente a estaticidade ou dinamicidade na definição do conteúdo essen-
dinâmica. Isso pode ser mais bem apreendido por meio dos dois grá- cial o fator decisivo para se concluir pela maior ou menor possibilida-
ficos abaixo, que apresentam, cada um, dois círculos concêntricos: o de de adaptação das teorias às exigências de uma realidade cambiante.
maior c o conteúdo total do direito fundamental; e o menor, o conteú- Importante é levar em consideração também, no caso de todas as teo-
do essencial (absoluto). rias absolutas, o quanto cie um direito fundamental é considerado co-
mo essencial e o quanto sobra para a conformação ordinária. Sem
conteúdo absoluto-estático
essa variável, qualquer conclusão pode ser precipitada.
conteúdo absoluto-dinâinico
(mas limitado) (mas abrangente)
5.3.3 Conteúdo absoluto e dignidade
Ainda qtie não seja o caso, como já foi mencionado acima, de se
estender na análise acerca da forma de definição de um conteúdo es-
sencial para cada direito fundamental - o que é tarefa primordial de

21. Cf., de fornia crítica sobre a ideia de "núcleo" e "borda" dos direitos fun-
damentais, Pedro Cruz Villalón, "Derechos fundamentales y legislación", \\\o
19. klem, p. 139. É importante ressaltar que a preferência pela variante absoluta- Cruz Villalón. l AI curiosidad dei jurista persa, y otros estúdios sobre Ia Constitución,
dinâmica. no caso de Claudia Drews. refere-se apenas à comparação com a variante Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 1999, pp. 240 e ss.; do
absoluta-estática. Na análise geral, contudo, a autora dá preferência à teoria relativa. mesmo autor. "El legislador de derechos fundamentales", in António López Pina
20. J. .1. Gomes Canotilho, Direito constitucional e teoria da Constituição, p. (org.), La garantia constitucional de los derechos fundamentales, Madrid: Civitas,
l .099. 1991. pp. 132 e ss.
T
192 D I R I T I O S r U N D A M H N T A I S : CONTFlOlX) L S S H N C I A L . RLSTRIÇÕLS I-; HHCAOA O C ON l l : l ! I H ) L S S L N r i A I . h()S D I K K I l < )S l l N D A M I .N l AIS 193

uma dogmática específica de cada direito, e desde que comungue cios to em alguns casos concretos. 27 Uma teoria absoluta, nesses termos,
pressupostos da teoria absoluta 22 -, há um caso específico que é neces- aproxima-se muito cie teorias relativas. O segundo problema reside
sário analisar: a dignidade da pessoa humana. Kssa análise divide-se no risco de uma hipertrofia da dignidade e da consequente absoluti-
em dois âmbitos distintos. O primeiro deles diz respeito ao recurso à zação cie todos os direitos fundamentais. E esse não é um risco ape-
dignidade como conteúdo essencial de todos os direitos fundamentais. nas hipotético.
O segundo âmbito refere-se à posição diferenciada desse direito nos Em um Estado Democrático de Direito é de se esperar que ações
modelos que,defendem um conteúdo essencial relativo. A primeira dos poderes estatais - sobretudo do Poder Legislativo - que firam a
questão será tratada neste tópico; â outra será dedicado um tópico dignidade humana sejam raríssimas, quase inexistentes. No Brasil, no
mais abaixo. 23
entanto, em decorrência de uma banalizarão do uso da garantia da
Segundo Vieira de Andrade, o limite absoluto cio conteúdo essen- dignidade da pessoa humana, muitos casos de restrição a direitos fun-
cial dos direitos fundamentais — consagrado, no caso da constituição damentais - às vezes, nem isso - tendem a ser considerados como
portuguesa, no art. 18°, 3 - seria a dignidade da pessoa humana. 24 Isso uma afronta a essa garantia. Uma breve análise da jurisprudência do
porque a dignidade seria a base dos direitos fundamentais "e o princí- STF indica um cenário que dá indícios para a confirmação dessa hi-
pio da sua unidade material". 23 A consequência dessa premissa é ex- pótese. Apenas nos seis primeiros meses de 2005, ao menos nove de-
posta nos seguintes termos: "Se a existência de outros princípios ou cisões apontaram algum tipo de ofensa à dignidade humana. 2 * Diante
valores (inegáveis numa Constituição particularmente marcada por
disso, pode-se dizer que ou a dignidade humana é, no Brasil, constan-
preocupações de carácter social) justifica que os direitos possam ser
temente desrespeitada, ou tal garantia tem servido como uma espécie
restringidos (...), a ideia do homem como ser digno e livre, que está
de enorme "guarda-chuva", embaixo do qual diversas situações, que
na base dos direitos, liberdades e garantias, tem de ser vista como um
limite absoluto a esse poder fie restrição".2'' poderiam ser resolvidas por meio do recurso a outras garantias cons-
titucionais e até mesmo infraconstitucionais, acabam sendo amontoa-
Essa estratégia tem dois problemas principais. O primeiro deles, das em busca de proteção. Claro que não é o caso, aqui, de ser ingénuo
metodológico, reside no fato de que, caso o conteúdo essencial absoluto a ponto de pensar que no Brasil todos têm sua dignidade respeitada a
de todos os direitos fundamentais seja a dignidade, então, é apenas a
todo tempo. Imaginar isso em um país em que parte considerável da
dignidade que tem um conteúdo essencial absoluto; todos os outros di-
população vive abaixo da linha de pobreza e que tem a quarta pior
reitos teriam um conteúdo relativo, restringível até mesmo por comple-
distribuição de renda em todo o planeta 2 '' seria muito inocente. Mas

22. Nenhum dos dois requisitos se aplica, portanto, ao presente trabalho. Em pri-
meiro lugar porque não é uma monografia sobre um direito fundamental específico; 27. Expressamente nesse sentido: José Carlos Vieira de Andrade. Os direitos
e, além disso, porque, como ficará claro adiante, os pressupostos deste trabalho são fundamentais na Constituição portuguesa de 1976. p. 307. Cf., sobre isso, tópico 5.4
compatíveis apenas com um modelo relativo para o conteúdo essencial dos direitos e nota de rodapé 44.
fundamentais (cf. tópico 5.4). 28. Cf. HC 85.237. HC 84.768. HC 84.778. HC-MC 85.541, HC-MC 85.988.
23. Cf. tópico 5.4.1. MS 25.399. HC 84.409, HC 82.969. HC 84.827, RE 394.820. É muito possível que
24. Cf. José Carlos Vieira de Andrade, Os direitos fundamentais nu Constituição existam outras; mas, como já ressaltado em outros pontos deste trabalho, o acesso à
portuguesa de 1976. p. 306. Em sentido semelhante, cf. Giinter Diirig, "Der Grun- informação no STF, embora muito aperfeiçoado nos últimos anos, não é ainda plena-
drechtssatz von der Menschenwúrde", AõR 81 (1956). p 136. Cf. também Magdalena mente confiável.
Lorenzo Rodríguez-Armas. Análisis dei contenido escudai de los dereclios funda- 29. Segundo o Relatório sohre Desenvolvimento Humano do Programa das Na-
nientalex, Granada: Cornares, 1996. pp. 157 e ss. ções Unidas para o Desenvolvimento, o Brasil tem a quarta pior relação entre os 10%
25. José Carlos Vieira de Andrade. Os direitos fundamentais na Constituição mais ricos e os 10% mais pobres ((íini Index). A estatística completa encontra-se dis-
portuguesa de 1976, p. 306. ponível em http://hdrundp.org/statisticsldata/pdf/hdr04_tahle_14.pdf (último acesso
26. Idem. em 15.7.2005).
I9t IJIKI.ITOS i I : \ [ ) \ M I : N I A I S CON i HTDO HSSHNCIAI.. RHSTRIÇÕI-.S i: i;i ICACIA
r o roNTKuno i;sshNciAi, DOS DIRI-.ITOS HÍ.\I>AML\ \is njs

também seria uma ingenuidade pensar que é essa situação social in- refutar a instauração de inquérito" ou, ainda, para negar a possibilida-
digna que gera o constante recurso à garantia da dignidade humana no de de exame compulsório cie DNA, 34 em todos esses casos é possível
discurso académico e forense no Brasil. Não são esses casos de vida dizer, sem grande chance de errar, que as mesmas decisões seriam
indigna que chegam aos juizes; até porque aqueles que vivem nessa possíveis e — o que é mais importante — mais bem fundamentadas se
situação poucas chances têm de ter acesso ao Judiciário. A inflação no não se recorresse à garantia da dignidade humana.
uso da dignidade humana no discurso forense não tem libação direta Esse não é, contudo, um fenómeno apenas brasileiro. Em outros
com a realidade social do país, e é um fenómeno limitado exclusiva- países a garantia da dignidade humana tem também servido como um
mente ao discurso jurídico. recurso universal para a solução de problemas jurídicos que poderiam
E certo que, dos casos mencionados anteriormente, muitos são ser resolvidos com o recurso a outros direitos. E claro que se poderia
ilecisões em Imbecis corpus', e é fato que, no âmbito da investigação dizer que, na argumentação jurídica, não*é um problema o recurso ao
criminal, muito abuso existe e muitos são tratados de forma degradante. máximo possível de argumentos na defesa de um ponto de vista. Se
Mas não é a essa situação que se quer fazer menção, aqui. Há casos em vários argumentos são aplicáveis, que se recorra a eles. Em muitos ca-
que, independentemente do conceito e da abrangendo que se dê à dig- sos, no entanto, essa tese do "quanto mais, melhor" é equivocada. Nes-
nidade humana protegida pelo art. \-\, da constituição, e indepen- se sentido, se talvez não seja um grande problema o recurso constante
dentemente da situação social do país, fica razoavelmente claro que o à garantia da dignidade por parte dos litigantes que têm o dever de
recurso a essa garantia constitucional era desnecessário.3" Isso porque defender, com o máximo de argumentos, os seus pontos de vista, o
— e talvez essa possa ser uma diretriz geral —, em todos eles, vários eram mesmo não se aplica para os juizes e para a doutrina. Isso porque, com
os outros direitos aos quais o aplicador do direito, independentemente o passar do tempo, quanto mais se recorre a um argumento sem que
de uma garantia constitucional da dignidade, poderia ter recorrido. Nes- ele seja necessário, maior é a chance de uma banalização de seu valor.
se sentido, quando se recorre àtdignidade da pessoa humana para garan- É o que vem ocorrendo com a dignidade humana. É por isso, que, tle
tir "o direito ao nome",31 para decidir sobre inconstitucionalidade da uns tempos para cá, o entusiasmo com a garantia da dignidade da pes-
transformação de taxistas autónomos em permissionários (!),32 para soa humana vem dando lugar, em alguns círculos académicos, a um
movimento por uma certa parcimônia no recurso à proteção da digni-
dade. Nesse sentido é o apelo Eric Hilgendorf: "(...) o topos dignidade
30. Pelo menos na argumentação da decisão judicial. Isso significa que não se
quer, aqui. analisar a forma como o recurso à dignidade humana se dá na argumenta- humana vem sendo usado de forma inflacionária (...). Não poucos auto-
ção de advogados ou de outras partes no processo. Na medida em que advogados - ao ras e autores parecem encarar a dignidade humana como passe-partout
contrário dos juizes - têm um interesse a defender, é mais facilmente compreensível para qualquer questão político-jurídica (...). Não é necessário subli-
o recurso a todo e qualquer argumento que pareça ter algum peso. E o recurso à
dignidade humana tem um apelo emocional inquestionável. Agradeço, aqui. a Otávio
Yuzbek por ter chamado minha atenção para essa necessária distinção entre a argu- 33. HC 82.969: "A mera instauração de inquérito, quando evidente a atipicida-
mentação dos juizes e a dos advogados. de da conduta, constitui meio hábil a impor violação aos direitos fundamentais, em
31. RE 248.869: "O direito ao nome insere-se no conceito de dignidade da especial ao princípio da dignidade humana" (DJU 17.10.2003).
pessoa humana, princípio alçado a fundamento da República Federativa do Brasil" 34. HC 71.373 (RTJ 165, 902 [902]): "Discrepa, a mais não poder, de garantias
(DJU 12.3.2004). constitucionais implícitas e explícitas - preservação da dignidade humana, da intimi-
32. RE 359.444: "Sendo fundamento da República Federativa do Brasil a dig- dade, da intangibilidade do corpo humano, do império da lei e da inexecução especí-
nidade da pessoa humana, o exame da constitucionalidade de ato normativo faz-se fica e direta de obrigação de fazer - provimento judicial que, em ação civil de inves-
considerada a impossibilidade de o Diploma Maior permitir a exploração do homem tigação de paternidade, implique determinação no sentido de o réu ser conduzido ao
pelo homem. O credenciamento de profissionais do volante para atuar na praça impli- laboratório, 'debaixo de vara', para coleta do material indispensável à feitura do exa-
ca ato do administrador que atende às exigências próprias à permissão e que objetiva, me de DNA. A recusa resolve-se no plano jurídico-instrumental. consideradas a dog-
em verdadeiro saneamento social, o endosso de lei viabili/.adora da transformação, mática, a doutrina e a jurisprudência, no que voltadas ao deslinde das questões ligadas
balizada no tempo, de taxistas auxiliares em permissionários" (DJU 28.5.2004). à prova dos fatos".
I9IS D I K I . I IOS l U N D A M h N I A I S : COM l i l l I X ) HSSE.NCIAL. RI-STRIÇÕES l£ F.HCÁC1A o CONTEÚDO HSSKNCIAI. DOS DIRIJIOS H NDAMHN PAIS 197

nhar que essa prática, frequentemente associada a um alto grau de essencial do direito restringido, mesmo que desse direito nada reste
emotividade, é extremamente prejudicial para o prestígio da dignida- em alguns casos ijidi vicinais." " ~~
de humana".- (S Hmbora esta seja uma tese de difícil aceitação, ela, no entanto, a
despeito de seus problemas.''" aponta para a direção correia, a_ser de-
senvolvida adiante.
5.4 Conteúdo essencial relativo
Embora a própria ideia de um conteúdo essencial leve intuitiva- 5.4. l Conteúdo essencial relativo e proporcionalidade
mente à crença de que ele só pode ser absoluto e com contornos bem
definidos, a ideia oposta, ainda que contra-intuitiva, conta também com A principal versão de uma teoria relativa para o conteúdo essen-
não poucos adeptos."' O ponto central de toda teoria relativa consiste cial dos direitos fundamentais é aquela que o vincula à regra da pro-
na rejeição de um conteúdo essencial como um âmbito de contornos porcionalidade. Segundo essa versão, a garantia do conteúdo essencial
fixos e definíveis a priori para cada direito fundamental. Segundo os dos direitos fundamentais nada mais é que a consequência da aplica-
adeptos de um conteúdo essencial relativo, a definição do que é essen- ção da regra da proporcionalidade nos casos de restrições a esses di-
cial - e, portanto, a ser protegido - depende das condições fálicas e reitos. Ambos os conceitos - conteúdo essencial e proporcionalidade
das colisões entre diversos direitos e interesses no caso concreto. Isso - guardam íntima relação: restrições a direitos fundamentais que pas-
significa, sobretudo, que o conteúdo essencial de um direito não é sem- sam no teste da proporcionalidade não afetam o conteúdo essencial
dos direitos restringidos.40 É nessa característica que reside o caráter
pre o mesmo, e poderá variar de situação para situação, dependendo
relativo da proteção ao conteúdo essencial. Isso porque a definição
dos direitos envolvidos em cada caso.
desse conteúdo não é baseada simplesmente na intensidade da restri-
A partir dessa ideia cornufn, a definição do conteúdo essencial, em ção; ou seja. uma restrição não invade o conteúdo essencial simples-
uma perspectiva relativista, pode ser levada a cabo de diversas formas.
Algumas mais simples, outras mais complexas. Eike von Hippel, por
exemplo, sustenta que toda norma de direito fundamental vale apenas 38. Idem, p. 47.
39. O principal deles seria a relação unidirecional na comparação entre os direi-
e tão-somente na medida em que ao direito que garanta não seja con- tos envolvidos: basta que um seja mais importante que o outro para justificar qualquer
traposto um interesse de maior valor." Isso significa que, se um dis- restrição. Além disso, há também problemas metodológicos, sobretudo aqueles rela-
positivo legal restringe um direito fundamental no intuito de realizar cionados ã definição do que exatamente significa "'direito mais importante".
e proteger bens jurídicos mais importantes, ele não afeta o conteúdo 40. O mesmo vale para a ideia de concordância prática, desenvolvida por Hesse:
ou seja, a garantia de um conteúdo essencial é realizada se se garantir uma concordân-
cia prática entre os direitos envolvidos (cf. Konrad Hesse, Grundziige dês Verfassun-
í>srechts </<•/• Bundesrepublik Deutschland, § 332, p. 140). Nesse sentido, cf., por
35. Hric Hilgendorf. "Die MilJbrauchte Menschenwiirde: Probleme dês Men- exemplo, o Acórdão 254/1999 do Tribunal Constitucional português: "Por outro lado.
schenwiirdetopos um Bcispiel der bioethischen Diskussion", Jalirbitcli {Ur Recht und a proibição de ' d i m i n u i r a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos
Etliik l (1999), p. 137. No mesmo sentido, cr".: Horst Dreier, "Art. l . I", in Horst constitucionais" do n. 3 do art. 18" não se refere ao seu conteúdo à partida (prima fade
Dreier (org.). Gninilgesetz: Kommentar. vol. I. Tiibingen: Mohr, 1996. p. 129; Ulfrid ou a priori). mas ao seu conteúdo 'essencial', como resulta afinal do processo de in-
Neumann. "Die Tyrannei der Wiirde: Argumentationstheorethische Erwàgungen zuni terpretação e aplicação dos preceitos constitucionais, incluindo a solução dos conflitos
Menschenwiirdepnn/Jp". ARSP 84 ( 1998), p. 155. entre direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Quer isto dizer que a final
36. Sobre um balanço, na doutrina alemã, acerca dos adeptos de cada uma das sempre haverá circunstâncias ou pressupostos de facto em que o direito fundamental
teorias - francamente favorável à teoria absoluta -, cf. Claudia Drews, Die Wesens- é reconhecido e que constituem o seu conteúdo essencial. Nesta medida, a proibição
K<.'/uilt.i;(irantie ilcs Art. IV II Gd, pp. 299-300. da parte final do n. J é uma consequência do princípio da harmonização ou concor-
37. Eike von Hippel. Gren:en und Wesens^elialt der Gnmdrcchte, Berlin: Dun- dância prática dos direitos ou interesses em conflito que o Tribunal tem aplicado"'
c k e r & Humhlot. 1965. pp. 26-27. (sem «ritos no original).
D I R H I O S 1-V.\'I)AMH.\TAIS: COMHrDO I - S S H N r i A I . . RI .STRIÇÒhS li l I K ACIA

mente por ser uma restrição intensa. À intensidade da restrição, como importe em esvaziamento do conteúdo essencial dos direitos funda-
já foi visto no capítulo anterior, é contraposto o grau de reali/.ação e de mentais, tal como adverte o magistério da doutrina". 4 '
importância dos outros princípios envolvidos no problema. Por isso, A partir do raciocínio que subjaz ao trecho transcrito, existiria o
uma restrição que possa ser considerada como leve pode, mesmo as- risco de que a "utilização do método da ponderação de bens e interes-
sim, segundo uma teoria relativa, ser encarada como invasão do con- ses" pudesse importar "em esvaziamento do conteúdo essencial dos
teúdo essencial de um direito: basta que não haja fundamentação su- direitos fundamentais". Haveria, então, a necessidade de uma dupla ga-
ficiente para a restrição. Nesse sentido, restrições não-fitndamentadas, rantia: em primeiro lugar, os direitos em jogo deveriam ser ponderados:
mesmo que ínfimas, violam o conteúdo essencial a partir das premis- mas o resultado dessa ponderação só poderia ser aceitável se respeitar
sas relativistas. E restrições às vezes mais intensas podem ser eonsi- a condição de não-esvaziamento do conteúdo essencial daqueles direi-
íderadas constitucionais, isto é, não violadoras do conteúdo essencial. tos. Esse raciocínio exige a análise de dois pontos importantíssimos.
Por isso, pode-se dizer que Jorge Miranda, ao censurar as teses fà) É possível que em casos concretos específicos, após a aplicação
relativistas, "porque confundem proporcionalidade (...) e conteúdo da proporcionalidade e de sua terceira sub-regra, a proporcionalidade
essencial",41 aponta, de um lado, para um fenómeno real - a relação em sentido estrito (sopesamento/ponderação), nada reste de um deter-
de identidade entre ambos os conceitos -, mas a partir de uma visão minado direito.44 Por mais que soe estranho e possa passar uma certa
negativa, por tratar a identificação como confusão conceituai. Não é o sensação de desproteção, isso apenas reflete o que ocorre em vários
que as teses relativistas fazem. Como mencionado acima, as teorias casos envolvendo direitos fundamentais. Quando alguém, por exemplo.
que pressupõem um conteúdo essencial relativo identificam esse nú- tem seu sigilo telefónico devassado e suas convprsasjriterceplailas^na-
cleo com o produto da aplicação da regra da proporcionalidade. 42 Ou da sobra desse djreito jFundamental . Quando se proíbe a exibição de de-
seja, tratam a essencialidade como um valor a ser respeitado no caso terminado programa de televisão ou a publicação de determinada ma-
concreto. Se assim não fosse j- ou seja, se fosse necessário distinguir ''' o u nadajda liberda^tejjejrnprensa
os conceitos de proporcionalidade e conteúdo essencial dos direitos naquele caso concreta, Quando alguém é_co_ndenadg_a uma pena de
fundamentais -, seria necessário aceitar que restrições a direitos fun- reclusão, sua liberdade de ir e vir é aniquilada. Ou. por fim - e talvez
damentais, ainda que proporcionais, pudessem eventualmente afetar dê" forma ainda mais clara -, quando alguém tem um terreno que é
seu conteúdo essencial. Essa é uma possibilidade que parece ser pres- desapropriado, seu direito, nesse caso concreto, desaparece por com-
suposta no já citado voto do Min. Celso de Mello no caso Ellvvanger. pleto. Em diversos casos semelhantes, por ser impossível graduar a
Vale a pena, mais uma vez, mencioná-lo aqui: "(...) a superação dos realização de determinado direito, qualquer restrição a ele é uma res-
antagonismos existentes entre princípios constitucionais há de resultar trição total ou quase total.
da utilização, pelo STF, de critérios que lhe permitam ponderar e ava-
É claro que seria possível, nos exemplos mencionados acima,
liar, fiic et mine, em função de determinado contexto e sob uma pers-
recorrer à ideia de limite imanente^ Assim, se um livro teve sua publi-
pectiva axiológica concreta, qual deva ser o direito a preponderar no
cação proibida, isso ocorreu provavelmente porque seu autor ou calu-
caso, considerada a situação de conflito ocorrente, desde que, no en-
niou, injuriou ou difamou alguém, ou porque não respeitou a privaci-
tanto, a utilização do método da ponderação de bens e interesses não
dade de um indivíduo ou seu direito à imagem. Nesses casos, como
sempre ocorre nos casos de suporte fálico restrito dos direitos funda-
41. Jorge Miranda, Manual de direito constitucional, vol. IV. p. 341. Fm sentido
semelhante, cf. José Carlos Vieira de Andrade. O.v direitos .fundamentais na Consti-
tuição portuguesa de 1976, p. 305. 43. RTJ 188. 858 (912) (sem grifos no original).
42. Cf., contudo, para um exemplo de relativista que não faz essa identificação: 44. Cf., no mesmo sentido, Robert Alexy, Theorie der Grundrechte, p. 269
Horst Dreier, "Ari. 19, II", in Horst Dreier (org.), Grund^eseíz: Koninientar. vol. I. [tradução brasileira: pp. 297-298]. Cf. também José Carlos Vieira de Andrade. O.v
Tiibingen: M o h r, 1996, § 14, p. 1.088. direitos fundamentais na Constituição portuguesa de 1976, p. 307.
200 D I R E I r()S El i N D A M E M A I S : CONTEÚDO ESSENCIAL. RESTRIÇÕES E E E I C A C I A X ) ESSÊNCIA!, DOS DIREITOS F U N D A M E N T A I S 20 |

mentais, o argumento seria razoavelmente simples: não havia nem que de um direito fundamental, a dignidade humana impõe um desafio a
se falar em respeito a um conteúdo essencial de um direito fundamen- esse modelo. Seria possível aceitar que a dignidade seja também ob-
tal, já que não se tratava de conduta protegida por algum desses direi- jeto cie sopesamento e tenha que ceder ante eventuais circunstâncias
tos. Embora seja uma estratégia possível, a conclusão necessária, aqui, de um caso concreto'? Como forma de evitar esse problema, Alexy pro-
seria: então, não era também o caso de recorrer à proporcionalidade põe uma estrutura diferenciada para a garantia da dignidade. Segundo
ou ao sopesamento. Mas, como se viu no voto do Min. Celso de Mello, ele, a dignidade seria, ao mesmo tempo, uma regra e um princípio. 46
a referência é feita, em primeiro lugar, ao sopesamento (ou pondera- Essa divisão corresponde, de forma quase total, à aceitação, para o
ção), e complementarmente se recorre também ao conceito de conteú- caso da dignidade humana, da existência de um conteúdo essencial
do essencial. Nesses casos, como já se viu, a estratégia do suporte fá- absoluto, que seria caracterizado pela "parte regra" da norma que ga-
tíco restrito e do recurso aos limites imanentes está excluída. 4 ^ rante esse direito. A "parte princípio" da nerma que garante a dignida-
de, por sua vez, teria a mesma estrutura de todo e qualquer princípio,
<P))O problema adicional criado pelo alerta presente no voto do e seria, portanto, relativizável quando houvesse fundamentos suficien-
M i n . Celso de Mello - "desde que não importe em esvaziamento
do conteúdo essencial dos direitos fundamentais" — refere-se ao mé- tes para taYito.
todo de controle desse esvaziamento e à solução para o caso em que Embora a ideia subjacente à proposta de Alexy seja defensável
ele se verilique. No caso do método de controle - que significa basi- - ou seja, garantir uma barreira intransponível no direito que muitos
camente saber "quando a garantia do conteúdo essencial foi violada" consideram, com boas razões, como o direito que fundamenta todos
-, esse é o ponto problemático de todas as teorias absolutas acerca os outros -, os problemas dessa proposta não são poucos.47 Ao contrá-
desse conteúdo. A essa questão não respondida soma-se outra: supon- rio, todos os problemas vistos acima,48 quando se analisou a relação
do-se que haja uma forma de saber quando uma "ponderação de bens da dignidade com as teorias absolutas, valem aqui, também. Mais que
isso: todos os problemas relacionados à definição do que deve fazer
e interesses" importa esvaziarrfento do conteúdo essencial de um di-
parte desse conteúdo absoluto, que, de uma certa forma, são semelhan-
reito, qual deve ser, nesses casos, a consequência dessa conclusão?
tes aos déficits de fundamentação da teoria interna, vistos no capítulo
Rejeitar o sopesamento? Recorrer a outro método? Se se tratar de prin-
cípios, que método poderá ser esse? anterior, vêm, aqui, de novo à tona.
Para evitar todos esses problemas e, além disso, manter a coerên-
Todas essas questões não respondidas têm uma fonte única: exi-
cia com os pressupostos deste trabalho, parece-me possível sustentar
gir uma dupla garantia- proporcionalidade e conteúdo essencial. Essa
que também a dignidade segue os mesmos caminhos de todos os prin-
dupla exigência, que aparenta conferir um maior grau de proteção aos
direitos fundamentais, é, na verdade, pelo menos a partir dos pressu-
postos das teorias relativas, uma redundância. E é essa redundância 46. Cf. Robert Alexy, Tlicorie der Gntndreclite. pp. 95 e ss. [tradução brasileira:
que gera os problemas interpretativos expostos acima. pp. 1 1 1 e ss.]. No mesmo sentido, cf. Ana Paula de Barcellos, Ponderação, raciona-
lidade e atividade jitrisdicional, pp. 193-194.
47. Para um aprofundamento no debate sobre o caráter absoluto ou relativo da
dignidade, cf., por exemplo: Ingo Wolfgang Sarlet, Dignidade da pessoa humana e
5.4.2 Conteúdo essencial relativo e dignidade direitos fundamentais, 3a ed.. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, pp. 124 e ss.;
Michael Kloepfer, "Leben und Wiirde dês Menschen", in Peter Badura/Horst Dreier
Embora nenhum autor que defenda uma teoria relativa negue que, (orgs.), Feslschrift 50 Jahre Bundesverfassungsgericlil, Tubingen: Mohr, 2001, pp. 77
em determinadas circunstâncias, é possível que pouco ou nada reste e ss.; Fabian Wittreck, "Menschenwiirde und Folterverbot: Zum Dogma vou der aus-
nahmslosen Unabwãgbarkeit dês Art. l Abs. l GG", DÓV 56 (2003): 873-882; e
Martin Nettesheim, "Die Garantie der Menschenwiirde zvvischen metaphysischer
45. Cf. tópico 4.3. ND mesmo sentido, cf., por todos, Ana Paula de Barcellos, Uberhohung und blolien Abwágungstopos", Ao R 130 (2005): 71-113.
Poiidemção. raciona/idade e atividade jiirisdicional. p. 59. 48. Cf. tópico 5.3.3.
DIRHI ios i - i M ) A M i ; x i AIS: I-.SSHNCIAI.. RI.STRIÇÒHS \i i-.i ICACIA ) \. DOS DIRITIOS I-VNDAMKNTAIS 201

cípios, c, portanto, tende a ter um conteúdo essencial relativo, a não — como a brasileira — que não tenham dispositivo expresso nesse sen-
ser nos casos em que a própria constituição, em normas com estrutu- tido não carece de fundamentação extra. A simples aceitação da pro-
ra de regra, defina condutas absolutamente vedadas nesse âmbito. A porcionalidade já t rã/, consigo a garantia de um conteúdo essencial
principal delas seria, sem dúvida alguma, a vedação de tortura e trata- para esses direitos.
mento degradante (art. 5 U , (II), que impõe uma barreira intransponível Um argumento muito usado no sentido contrário - ou seja, pela
- ou seja, imune a relativizações a partir de sopesamentos - no conteú- não-identidade entre proporcionalidade e garantia do conteúdo abso-
do essencial da dignidade da pessoa humana. 4 '' Com isso, torna-se luto e, por conseguinte, por um caráter não meramente declaratório
possível uma proteção efetiva e, em vários casos, absoluta da dignida- desse último - é bem resumido na seguinte ideia: o teste da propor-
de sem que seja necessário recorrer a exceções ad hoc ao modelo cionalidade pode rejeitar restrições ínfimas a direitos fundamentais,
Desenvolvido. que estejam longe da barreira de proteção do conteúdo essencial.''1 Ou
seja: "Intervenções realmente mínimas podem ser consideradas des-
proporcionais, sem que se chegue nem perto do conteúdo essencial''.12
5.5 Sobre o caráter constitutivo ou declaratório É fácil perceber, aqui. que Dreier mistura a perspectiva relativa - da
das previsões constitucionais qual é adepto - com uma perspectiva absoluta. Se a proporcionalidade
Como mencionado no início deste trabalho, muitas das constitui- pode às vezes não coincidir com a garantia do conteúdo essencial de
ções promulgadas sobretudo nas duas últimas décadas, além das cons- determinado direito, isso significa que essa garantia está sendo conce-
tituições da Alemanha, de Portugal e da Espanha, contêm disposições bida de forma absoluta. Isso fica claro quando Dreier afirma que so-
acerca da proteção de um conteúdo essencial dos direitos fundamen- mente haveria identidade nos casos cie intervenções intensas, que
tais. Em vista do analisado ne^ste capítulo, pode surgir dúvida acerca atinjam o conteúdo essencial. Percebe-se, aqui, que o conteúdo essen-
do valor de tais dispositivos. A resposta a essa dúvida depende da de- cial está sendo considerado como uma grandeza fixa e absoluta, da
cisão acerca do caráter absoluto ou relativo dessa garantia. qual uma intervenção pode se aproximar mais, ou menos. Na forma
corno visto acima, contudo, isso contraria as premissas das teorias
Na linha defendida neste trabalho - segundo a qual a garantia do
relativas. 53
conteúdo essencial dos direitos fundamentais é uma simples decorrên-
cia do respeito à regra da proporcionalidade -, qualquer eventual dispo-
sitivo constitucional acerca da questão tem valor meramente declarató- 51. Nesse sentido, et". Horst Dreier, "Art. 19, II", § 14, p. 1.088.
52. Idem.
rio.50 Isso não significa, é claro, que tais dispositivos sejam desprovidos 53. Diante disso, é necessário também reformular algumas posições que expres-
de função; mas essa função é mais simbólica que constitutiva. sei em trabalho anterior (cf. Virgílio Afonso da Silva, "O proporcional e o razoável",
RT 798 (2002). p. 4 1 ) . nos seguintes termos: "Para que uma medida seja reprovada
A partir dessa constatação, a exigência de um respeito ao conteú- no teste da proporcionalidade em sentido estrito, não é necessário que ela implique a
do essencial dos direitos fundamentais em países com constituições não-reali/.ação de um direito fundamental. Também não é necessário que a medida
atinja o chamado núcleo essencial de algum direito fundamental. Para que ela seja
considerada desproporcional em sentido estrito, basta que os motivos que fundamen-
49. Desde que tal dispositivo não seja interpretado de forma restritiva, como tam a adoção da medida não tenham peso suficiente para justificar a restrição ao di-
uma mera exigência de bons tratos apenas em dependências policiais ou similares. reito fundamental atingido. É possível, por exemplo, que essa restrição seja pequena,
50. No mesmo sentido, ainda que nem sempre com a mesma fundamentação, cf.: bem distante de implicar a não-realização de algum direito ou de atingir o seu núcleo
Peter Hiiberle. Oie \Vexi'nxt>i'lialtgtirantie dês Art. /V Abx. 2 Grundgexet-, p. 234; Kon- essencial. Se a importância da realização do direito fundamental, no qual a limitação
rad Hesse, Gritnd-iif>e dês Verjimxuniíxrechls der liitudcxrepnblik Dentxcliland, § 332, se baseia, não for suficiente para justiticá-la, será ela desproporcional". Como se vê.
p. 140; RobertAlexy, Theorie der Gnindreclite. p. 269 |tradução brasileira: p. 298]. Em esse trecho dava a entender que a garantia de um conteúdo essencial seria algo diver-
sentido contrário, cf. Hartmut Jackel. Gnindreclitxtícltiinf' iind Gntndrechtxsicheriing, so do resultado do exame da proporcionalidade, o que não é o caso. Mas não todo o
pp. 72 e ss. trecho perde seu valor, já que continua valendo a rejeição à ideia segundo a qual
O CONTIiÚDO H S S I - N C I A l . DOS DIRIUTOS H ' N D A M F - : N TAIS 2()s
204 D I R I J I O S R : \ D A M K N T A I S : CONTKUIX) KSSKNCIAL. RKSTRIÇÕI-.S [•. l-.HC ACI A

âmbito dos direitos sociais, é justiciável - ou seja, ainda que os direi-


5.6 Direitos sociais, conteúdo essencial
tos sociais possam garantir mais, a tutela jurisdicional só pode contro-
e mínimo existencial
lar a realização do mínimo existencial, sendo o resto mera questão de
Como já se viu anteriormente, quando da definição do suporte política legislativa; e Q) o mesmo que conteúdo essencial - isto é. um
fálico dos direitos fundamentais, os direitos sociais costumam em conceito que não tem relação necessária com a justiciabiliclade e. ao
geral exigir uma abordagem diversa daquela utilizada na compreen- mesmo tempo, não se confunde com a tolalidade do direito social.
são das liberdades públicas. As razões para isso são claras e já foram Aqui, a decisão por um determinado modelo de conteúdo essen-
sedimentadas. 54 Para a reconstrução de um conteúdo essencial dos di- cial para os direitos sociais não é - como também não foi no caso
reitos sociais o problema se coloca novamente. Ao contrário do que geral das liberdades - uma questão de simples escolha. Como já ficou
otíorre nos casos de restrições à dimensão negativa das liberdades pú- claro ao longo deste capítulo, e ficará ainda mais no tópico seguinte,
blicas, em que o Estado, que prima fade deve permanecer inerte, age essa "escolha" é, na verdade, algo determinado pelos pressupostos fi-
no sentido de restringir uma ou várias liberdades, nos casos de direitos xados ao Ipngo do trabalho. Quando se analisou o suporte fálico dos
sociais o que ocorre é o oposto: o Estado, que deveria agir para reali- direilos sociais, o resultado foi um suporte nos seguinles moldes: se .v
zar esses direitos, permanece inerte. É possível utilizar para ambos os é uma ação estatal que fomenta a realização de um direito social (DSx)
fenómenos o conceito de restrição, mas desde que as diferenças de e a inércia (ou insuficiência) estatal em relação a x não é fundamenta-
sentido não sejam ignoradas. da constitucionalmente (-iFC(IEx)), enlão, a consequência jurídica
A simples ideia de um conteúdo essencial dos direitos sociais re- deve ser o dever de realizar x (Ox). O conteúdo essencial de um direi-
mete automática e intuitivamente ao conceito de mínimo existencial. to social, portanto, está intimamente ligado, a partir da teoria relativa,
Essa intuição em considerar ambas as figuras como intercambiáveis a um complexo de fundamentações necessárias para a justificação de
ou sinónimas deve, no entanto J ser vista com cautela. Não é o caso. eventuais não-realizações desse direito. Em outras palavras: tanto
aqui, de fazer uma aprofundada análise do chamado mínimo existen- quanto qualquer outro direito, um direito social também deve ser rea-
cial;^ mas é preciso ter em mente, em primeiro lugar, que o conceito lizado na maior medida possível, diante das condições fálicas e jurí-
de mínimo existencial é usado com diversos sentidos, e pode signifi- dicas presentes.57 O conteúdo essencial, portanto, é aquilo realizável
car: ((T) aquilo que é garantido pelos direitos sociais - ou seja. direitos nessas condições. Recursos a conceitos como o "mínimo existencial"
sociais garantem apenas um mínimo existencial; M> (T2) aquilo que, no ou a "reserva do possível" só fazem sentido diante desse arcabouço
teórico. Ou seja, o mínimo existencial é aquilo que é possível realizar
diante das condições fálicas e jurídicas, que, por sua vez, expressam
desproporcional é apenas a medida que implique a não-reali/.ação de um direito ou
uma restrição extrema a ele. Os termos empregados devem ser. no entanto, reconsi- a noção, ulilizadas às vezes de forma extremamente vaga, de reserva
derados com base no defendido neste capítulo. do possível. 58 ^-~~
54. Cf. tópico 3.2.4.1.
55. Em português, cf., por todos, alguns trabalhos de Ricardo Lobo Torres, que é V 'J -
o principal defensor da ideia de mínimo existencial no Brasil. Cf., por exemplo: Ricar- ciai", in Ingo Wolfgang Sarlet (org.). Direitos fundamentais sociais: estudos de direi-
do Lobo Torres. "A cidadania multidimensionul na era dos direitos", in Ricardo Lobo to constitucional, internacional e comparado. Rio de Janeiro: Renovar. 2003. pp. l l
Torres (org.). Teoria dos direitos fundamentais. 2* ed.. Rio de Janeiro: Renovar. 2001. e ss. Não é. como se percebe sobretudo a partir do conceito de suporte fálico amplo.
pp. 284 e ss.; do mesmo autor. "O mínimo existencial e os direitos fundamentais". RDA
177 (1989): 29-49. Cf. também Ana Paula de Barcellos. "O mínimo existencial e algu- a tese aqui defendida.
57. Aqui, mais uma vez, o conceito de mandamento de otimi-acão aparece em
mas fundamentações", in Ricardo Lobo Torres (org.), Legitimação dos direitos huma-
sua inteireza. Sobre esse conceito, cf. tópico 2.2.2.
nos, 2' ed.. Rio de Janeiro: Renovar. 2007. pp. 97 e ss. Cf., por fim. Volker Neumann, 58. É possível que surja, aqui, uma sensação de desproteção aos direitos sociais,
"Menschenwurde und Existenzminimum", A/VivZ 14 (1995): 426-432. pois sua realização fica dependente da verificação das condições fálicas e jurídicas de
56. Essa é a proposta de Ricardo Lobo Torres. "Fundamentação, conteúdo e
cada situação concreta. Sobre isso, cf. tópico 6.9.3.
contexto dos direitos sociais: a metamorfose dos direitos sociais em mínimo e.xisten-
O CONTIU -'DO KSSHNC-IAL DOS DIRECTOS F f N D A M I :N TAIS 2117
206 D I K I T I O S l l M) \ M i : . M \ I S : C()NTI-:ÚIX) LSSLNCIA1.. RKSTRirÕI-S |-; [.;| ICACIA

5.7 Resultado .-. restrições que passem pelo teste da proporcionalidade não atin-
I o conteúdo essencial.
Como já (içou claro no início deste capítulo, não se pretendia,
aqui, expor teorias para depois fazer uma opção pela "melhor". A
opção, na verdade, já foi feita antes. Se, na visão deste trabalho, como 5.X Desenvolvimento
foi ressaltado, o conteúdo essencial dos direitos fundamentais é defi- Além de todas as conclusões a que se chegou até agora, a com-
nido, a partir da relação entre diversas variáveis - e de todos os pro- preensão dos direitos fundamentais a partir de uma teoria externa e
blemas que as cercam -, como o suporte fático dos direitos fundamen- como direitos com suporte fático amplo, cuja garantia do conteúdo
tais (amplo ou restrito) e a relação entre os direitos e suas restrições essencial depende da aplicação da proporcionalidade, tem também
(teorias externa ou interna), a opção fundamentada ao longo de todos profundas consequências na forma de compreensão da eficácia das
os capítulos precedentes já definiu, automaticamente, a opção por um normas constitucionais. Esse é o tema do capítulo seguinte.
modelo de garantia do conteúdo essencial dos direitos fundamentais:
o modelo relativo, sobretudo em seu enfoque subjetivo. 59
Se se parte cia premissa segundo a qual (1) os direitos fundamen-
tais têm um suporte fático amplo e que, por consequência, (2) há uma
distinção entre o direito em si e o direito eventualmente restringido
- que se reflete na distinção entre direitos prima fade e direitos defi-
nitivos -, que, por sua vez, (3) é expressa na distinção entre princípios
e regras, e que, por fim, (4) a regra da proporcionalidade é a forma de
controle e aplicação dos princípios como mandamentos de otimiza-
ção, então, não há espaço algum para teorias absolutas. Em outras
palavras: se a constitucional idade de uma restrição a um direito fun-
damental garantido por um princípio depende sobretudo de sua funda-
mentação constitucional, e se essa fundamentação constitucional é
controlada a partir da regra da proporcionalidade, pode-se dizer que
toda restrição proporcional é constitucional. Se é inimaginável consi-
derar como constitucional uma restrição que invada o conteúdo essen-
cial de algum direito, então, o proporcional respeita sempre o conteú-
do essencial. O raciocínio pode ser resumido no seguinte silogismo:

. restrições que atingem o conteúdo essencial são inconstitucio-


nais:
. restrições que passem pelo teste da proporcionalidade são cons-
titucionais;

59. E. alem disso, as críticas a outros modelos acerca do conteúdo essencial


dos direitos são. em geral, aquelas já analisadas nos capítulos anteriores, sobretudo
aquelas referentes ao suporte tatico restrito e à teoria interna.
desenvolvida por José Afonso da Silva em fins cia década de 1960.'
Especialmente sua distinção tríplice das normas constitucionais, quan-
to à sua "aplicabilidade", entre normas constitucionais de eficácia
plena, normas de eficácia contida e normas de eficácia limitada, é até
hoje aceita pela doutrina 2 e pela jurisprudência.'
A tese até aqui defendida é. no entanto, incompatível com essa
Capítulo 6 teorização, pelo menos no âmbito dos direitos fundamentais. 4 A razão
EFICÁCIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS fundamental para essa incompatibilidade, a ser desenvolvida ao longo
deste capítulo, pode ser adiantada aqui. A base da classificação de José
Afonso da Silva reside, segundo me parece, em duas distinções essen-
6.1 Introdução. 6.2 Aplicabilidade c eficácia. 6.3 E/icácia das normas ciais: (7) entre as normas que podem e as que não podem ser restrin-
constitucionais segundo José Afonso da Silva: 6.3.1 Normas de eficá- gidas; e (Q entre as normas que necessitam e as que não necessitam
cia plena — 6.3.2 Normas de eficácia contida - 6.3.3 Normas de ejicácia
limitada. 6.4 Classificações alternativas: 6.4.1 Maria Helena Diniz c de regulamentação ou desenvolvimento infraconstitucional. A partir
Pinto Ferreira ~ 6.4.2 Ce/so liamos e Carlos A\res Britto. 6.5 Os dessa constatação e daquilo que já foi analisado até aqui, fica clara a
problemas do critério tríplice de José Afonso da Silva: 6.5.1 Proble- razão da incompatibilidade, já que, em primeiro lugar, foi rejeitada, a
mas relativos às normas de eficácia contida: 6.5.1.1 O problema ter- partir de um modelo de suporte fático amplo, a distinção entre restri-
minolÓ!>ico - 6.5.1.2 O problema classijicatório - 6.5.1.3 O problema
existencial. 6.6 A classificação de .losé Afonso da Silva e os limites ção e regulação: toda regulação é, ao mesmo tempo, uma restrição, já
imanentes: 6.6.1 Liberdades publicas como normas não-rcstringíveis que regular o exercício de um direito implica excluir desse exercício
- 6.6.2 Liberdades públicas como normas não-regulamentáveis. 6.7 aquilo que a regulação deixar de fora; e, além disso, toda restrição é,
Eficácia e efetividaile: 0.7.7 "Capacidade de produzir ejeilos jurídi-
cos" — 6.7.2 Liberdades públicas, direitos políticos e direitos sociais:
ao mesmo tempo, regulação, já que não se restringe direito fundamen-
dependência da tição estatal: 6.7.2.1 Exemplo l: direito ao sufrágio e
direito á saúde - 6.7.2.2 Exemplo 2: liberdades públicas e direitos
sociais - 6.7.2.3 Normas de e/icácia plena e de eficácia limitada: con- 1. Cf. José Afonso da Silva. Aplicabilidade das normas constitucionais, 7a ed.,
clusão — 6.7.2.4 As dimensões da dogmática e a contraposição entre 2* tir., São Paulo: Malheiros Editores. 2008 (1 a ed., 1968).
ejicácia e efetividaile - 6.7.3 /)it>ressão sobre a efelividade e justicia- 2. Talvez a melhor forma de se ter uma ideia dessa aceitação seja uma consulta
bilidade dos direitos sociais: 6.7.3.1 O custo dos direitos, ou por que aos manuais e cursos de direito constitucional. Será fácil perceber que, com raríssi-
a efetividade das normas de direitos sociais é mais baixa — 6.7.3.2 mas exceções, todos eles partem da classificação de José Afonso da Silva.
Jiisticiabilidade. 6.8 Teoria externei, suporte /ático amplo e e/icácia 3. Cf., para alguns exemplos, as notas de rodapé 20. 23. 24 e 26, abaixo. Quan-
dos direitos fundamentais. 6.9 Conclusão: e/icácia e garantia dos di- do se fala em "aceitação pela jurisprudência" quer-se fazer menção, aqui, à aceitação
reitos fundamentais: 6.9.1 Normas de ejicácia plena — 6.9.2 Normas do modelo proposto por José Afonso da Silva. Isso não implica, claro, que as normas
de eficácia contida - 6.9.3 Normas de e/icácia /imitada. que José Afonso da Silva considere, por exemplo, como normas de eficácia plena
assim sejam consideradas também pelo STF. O caso mais claro nesse sentido é o do
art. 192, § 3". da redação original da CF. Na ADI 4 e. depois, na Súmula 648 o STF
considerou a norma expressa por esse artigo como norma de eficácia limitada (cf.
6.1 Introdução nota 26, abaixo), enquanto José Afonso da Silva a classificava como norma de eficá-
cia plena (cf. José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivei, 8a ed.,
No direito constitucional brasileiro poucas são as discussões teó- São Paulo, Malheiros Editores. 1992. pp. 703-704).
ricas que gozam de uma sintonia tão grande entre teoria e prática co- 4. Não é objeto deste trabalho a análise de todas as normas constitucionais, mas
mo a questão da aplicabilidade e da eficácia das normas constitucio- apenas dos direitos fundamentais. Por isso, não faz parte também de seu objeto uma
análise do modelo de José Afonso da Silva no que diga respeito a normas de compe-
nais. E poucas são as teorias que, a despeito da existência de algumas tência, organização ou outras normas constitucionais que não se relacionem com os
críticas pontuais, são tão aceitas, por tão longo tempo, quanto aquela direitos fundamentais.
2io niRhnos i -UNDAMi-NTAiS: roNTF.úDO HSSBNCIAI.. RKSTRICÕHS r; 1.1 ICACIA KHCÁC1A DAS NORMAS C O N S T I I UCK ) N A I S 21 l

tal sem fundamentação, mas sempre com o objetivo de harmonizar o guém, contudo, possui como seu, sem interrupção nem oposição, um
exercício de todos eles. imóvel público por mais cie 15 anos, não lhe adquire a propriedade.
Antes de passar à análise do problema, é necessário que se faça Não se cliz. contudo, que a norma contida no art. 1238 do Código
uma breve digressão terminológica e conceituai.
Civil não tem eficácia para essa relação jurídica. O que ocorre, na
verdade, é a não-aplicabilidade da norma em vista do disposto no art.
102 do mesmo Código e no art. 183, § 3-, da constituição"."
6.2 Aplicabilidade e eficácia Como se percebe, a questão da aplicabilidade é uma questão re-
lativa à conexão entre a norma jurídica, de um lado, e fatos, atos e
Embora o título do livro de José Afonso da Silva seja Aplicabili- posições jurídicas, de outro. Em outras palavras: "Aplicabilidade é
dade das Normas Constitucionais, o conceito mais importante de seu (...) um conceito que envolve uma dimensão fática que não está pre-
trabalho é a eficácia das normas constitucionais. Mas, segundo o autor, sente no conceito de eficácia". 12 Como se percebe, a questão da apli-
"eficácia e aplicabilidade (...) constituem fenómenos conexos, aspec- cabilidade «é o problema que já foi tratado em capítulos anteriores,
tos talvez do mesmo fenómeno, (...)".s Além disso, se "a norma não sobretudo no capítulo 3, no qual se debateu a amplitude do suporte
dispõe de todos os requisitos para sua aplicação aos casos concretos, fático das normas que garantem direitos fundamentais. É naquele
falta-lhe eficácia, não dispõe de aplicabilidade".6 Não são poucos os contexto que se decide sobre a aplicação dessa ou daquela norma. A
autores que entendem que esses termos, na obra de José Afonso da questão a ser debatida neste capítulo é, contudo, completamente dife-
Silva, não são muito bem esclarecidos.7 Da mesma forma que já ri/, rente. Não se pretende, aqui - até porque isso já foi feito ao longo do
em trabalho anterior, distingo aqui também a eficácia da aplicabilida- trabalho -, analisar a aplicação dos direitos fundamentais a situações
de de uma norma. Naquela ocasião afirmei que, "apesar da conexida- concretas ou modelos que pretendam reconstruir essa forma de apli-
de, não há uma relação de pressuposição entre ambos os conceitos"/ cação. O objeto deste capítulo, como já ficou claro no tópico introdu-
A razão é simples: ainda que uma norma não dotada de eficácia jurí- tório, é um embate entre aquilo que foi analisado ao longo de todo o
dica não possa ser aplicada, é perfeitamente possível que "uma norma trabalho e as classificações mais usuais acerca da eficácia das normas
dotada de eficácia não tenha aplicabilidade". 9 Isso sobretudo porque a constitucionais. A digressão terminológica deste tópico 6.2 justifica-se,
aptidão para a produzir efeitos é algo que se define em plano diverso no entanto, porque, ao contrário do título da obra principal a ser anali-
daquele no qual se discute o problema da aplicação. Aplicar, aplica- sada, não se falará, aqui, em "aplicabilidade", mas em "eficácia".
ção, aplicável e aplicabilidade são conceitos que exigem um com-
plemento: "aplicar a quê, a que tipo de relação, a que casos?".10 Esses
questionamentos não fazem sentido quando se fala em eficácia. Para 6.3 Eficácia das normas constitucionais
usar um exemplo que utilizei no trabalho já mencionado: "(...) os segundo José Afonso da Silva
dispositivos dos arts. 1238 e ss. do Código Civil, que disciplinam a O ponto de partida da teoria de José Afonso da Silva é a fundamen-
usucapião, contêm normas jurídicas dotadas de plena eficácia. Se al- tal rejeição, em primeiro lugar, da existência de normas constitucionais
que sejam despidas de eficácia.11 Em segundo lugar, rejeita ele também
5. José Afonso da Silva. Aplicabilidade das normas constitucionais, p. 60.
6. Ide m.
7. Cf., por exemplo, Wilson Steinmetz, A rincnlação dos particulares a direitos 11. Idem, p. 56.
fundamentais, pp. 42 e ss. 12. Ibidem. A negação, aqui, da dimensão fática não significa - como será visto
8. Virgílio Afonso da Silva. A constitiicionalização do direito, p. 55. adiante - que a eficácia jurídica não tem relação com o mundo real, da chamada
9. Idem. "efetividade".
10. Idem. 13. Cf. José Afonso da Silva, Aplicabilidade das normas constitucionais, p. 81
212 DIKHITOS H X D A M H N i AIS: COM ia DO I:SSI-:NCIAL, KI-;SI RIÇÕI-.S H HHCÁCIA l'1-irÀCIA DAS N O R M A S CONSTITUCIONAIS 213

as diversas classificações duais, dominantes na época, como aquelas en- José Afonso da Silva chama de normas de eficácia plena; e não são
tre normas auto-aplicáveis e normas não auto-aplicáveis; normas bas- poucos os indícios que confirmam essa hipótese.
tantes em si e normas não-bastantes em si; ou, ainda, normas diretivas e De um lado porque a ideia de aplicabilidade imediata está presen-
normas preceptivas. Segundo José Afonso da Silva, as normas constitu- te, na classificação de José Afonso da Silva, não somente no conceito
cionais, quanto à sua eficácia, devem ser classificadas em três catego- de normas de eficácia plena, mas também no conceito de normas de
rias: as normas de eficácia plena, as normas de eficácia contida e as eficácia contida. De outro porque entre as normas previstas no art. 5",
normas de eficácia limitada, nos termos a serem expostos a seguir. § l" — os direitos fundamentais —, estão também as normas que garan-
tem direitos sociais, 1X que são consideradas, na classificação de José
Afonso da Silva, como normas de eficácia*limitada. Também incluem
(y.3.1 Normas de eficácia plena
normas que José Afonso da Silva considera como normas de eficácia
Embora tenda a rejeitar a dicotomia, por ele classificada por "tra- contida, como é o caso da liberdade de profissão.19 Fica claro, portan-
dicional", entre as normas auto-aplicáveis e as normas não-auto-apli- to, que o (íonceito de eficácia plena não é baseado no art. 5a, § 1Q, da
cáveis, José Afonso da Silva não nega que seu conceito de normas de constituição, nem este garante a realização daquela.
eficácia plena em muito se assemelha ao conceito tradicional de nor- Como já foi mencionado anteriormente, a jurisprudência do STF
ma auto-aplicável." Com isso. e baseado também nas ideias de J. H. acolhe o modelo proposto por José Afonso da Silva em diversas deci-
Meirelles Teixeira, o autor deíine normas de eficácia plena e aplica- sões, às vezes com menção expressa ao autor, às vezes com referência
bilidade direta e imediata como "aquelas que, desde a entrada em vi- apenas ao conceito de norma de eficácia plena, como conceito já con-
gor da Constituição, produzem, ou têm possibilidade de produzir, to- solidado no direito constitucional brasileiro. 20
dos os efeitos essenciais, relativamente aos interesses, comportamentos
e situações, que o legislador* constituinte, direta e normativamente,
quis regular". l!> 6.3.2 Normas de eficácia contida
A conceituação remete-nos, intuitivamente, ao disposto no art. 5Q, §
A segunda categoria de normas jurídicas, segundo José Afonso da
1 Q , da constituição brasileira, e essa associação não é pouco frequente.'6
Silva, é aquela composta pelas normas que ele chama de "normas de
Ocorre que o art. 5-, § 1 > ! , faz menção apenas a uma aplicabilidade ime-
eficácia contida". Essas normas são aquelas que têm eficácia plena
diata, nos seguintes termos: "As normas definidoras dos direitos e
mas podem ser objeto de restrição por parte do legislador infraconsti-
garantias fundamentais têm aplicação imediata".
tucional. A referência a lei posterior nos dispositivos constitucionais
Ainda que o texto desse dispositivo seja pouco claro, 17 não me que veiculam normas de eficácia contida não significa, portanto, que
parece que seja possível imaginar que ele faça referência àquilo que sua eficácia dependa da atividade do legislador. 21 A eficácia é plena
desde a promulgação da constituição, podendo o legislador apenas
14. Com isso não se quer. aqui, contudo, apontar qualquer contradição. O fato de restringir essa eficácia em alguns casos.
que as duas categorias se assemelhem não significa, obviamente, que sejam a mesma
coisa.
15. José Afonso da Silva. Aplicabilidade das normas constitucionais, p. 101. 18. Nesse sentido, para evitar dúvidas, cf. José Afonso da Silva, Comentário contex-
Cf. também J. H. Meirelles Teixeira, Curso de direito constitucional. Rio de Janeiro: tua/ à Constituição. 5a ed.. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 177 (art. 5", § l u ).
Forense Universitária. 1991, p. 317. 19. Cf. José Afonso da Silva. Aplicabilidade das normas constitucionais, p.
16. Cf., por exemplo. Alexandre de Moraes, Direito constitucional, 4a ed.. São 106.
Paulo: Atlas, 1998, p. 53. 20. Cf., apenas como exemplo: ADI-MC 906 (DJU 25.3.1994), ADI-MC 1.590
17. Cf., nesse sentido. Virgílio Afonso da Silva. A constitucionalização do di- (DJU 15.8.1997). ADI-MC 1.723(O./Í/ 19.12.2001).
reito, p. 58. 21. Cf. José Afonso da Silva, Aplicabilidade das normas constitncioiniis. p. 103.
ni-ICÁCIA DAS N O R M A S CONSTITUCIONAIS 215
214 DIREITOS F U N D A M E N T A I S : C O N T H Ú I X ) KSSHNX '[AI.. KHSTKK/OHS K líl K A C I A

Nesse sentido, se um dispositivo constitucional que veicule uma pocle-se dizer, nas palavras do autor, que essas normas "re«ein, até
norma de eficácia contida faz menção a uma legislação posterior, en- onde possam (por si, ou em coordenação com outras normas constitu-
quanto essa legislação não existe a eficácia da norma é plena. Um cionais), situações, comportamentos e atividades na esfera de alcance
exemplo utilizado por José Afonso da Silva é o da norma que garante do princípio ou esquema que contêm, especialmente condicionando a
a liberdade profissional, nos seguinte termos: "é livre o exercício de atividade dos órgãos do Poder Público e criando situações jurídicas de
qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações vantagens ou de vínculo". 25
profissionais que a lei estabelecer" (CF, art. 5- X I I I ) . A liberdade de Também na jurisprudência do STF o conceito de norma de eficá-
profissão seria, portanto, plena, mas restringível pela lei infraconstitu- cia limitada é largamente utilizado, sobretudo nos casos em que se faz
(fional, que poderá exigir algumas qualificações para o exercício de menção a normas programáticas. 26 Em geral, no entanto, a menção a
algumas profissões. Por isso: "Se, num caso concreto, não houver lei normas de eficácia limitada pelo STF é feita como sinónimo de norma
que preveja essas qualificações, surge o direito subjetivo pleno do in- desprovida de qualquer eficácia, nas situações em que o tribunal se
teressado, e a regra da liberdade aplica-se desembaraçadamente". 22 abstém, com base na sua compreensão de separação de poderes,27 de
O conceito de norma de eficácia contida, talvez por uma questão tomar uma decisão que implique o reconhecimento de alguma eficácia
terminológica, é muitas vezes compreendido de forma diversa daque- para a norma em jogo.
la defendida por seu autor. Isso pode ser percebido, por exemplo, na
jurisprudência do STF. Embora, em geral, as referências a normas de
eficácia contida sejam feitas nos moldes propostos por José Afonso da 6.4 Classificações alternativas
Silva, 23 em muitos casos as decisões confundem o conceito de eficácia Desde a publicação da 1a edição de seu Aplicabilidade das Nor-
contida com o conceito de efic^ícia limitada. Assim, não é raro achar mas Constitucionais, em 1968, a classificação de José Afonso da Silva
decisões que classificam determinado dispositivo como de eficácia con- foi objeto de algumas críticas pontuais. Nenhuma delas teve, no en-
tida, afirmando que isso significaria que sua eficácia depende de lei
infraconstitucional. 24
25. José Afonso da Silva, Aplicabilidade das normas constitucionais, p. 164.
26. No âmbito do STF talvez o exemplo mais acabado de decisão sobre normas
6.3.3 Normas de eficácia limitada de eficácia limitada seja a Súmula 648, baseada, entre outros, nos seguintes preceden-
tes: ADI 4 (RTJ 147/719); RE 157.897 (RTJ 151/635); RE 184.837 (DJU 4.8.1995)
Normas de eficácia limitada, por fim, seriam aquelas normas cuja - todos eles sobre o problema da eficácia e aplicabilidade do art. 192. § 3°, da redação
original da CF. Como já visto anteriormente, neste ponto a posição do STF é distinta
produção plena de efeitos depende de ação do legislador ou de outros daquela defendida por José Afonso da Silva, se não em termos teóricos gerais, pelo
órgãos estatais. Isso não significa, como já foi ressaltado anteriormen- menos na interpretação desse dispositivo constitucional em particular. Para exemplos
te, que essas não tenham nenhuma eficácia. Um mínimo de eficácia, envolvendo outros dispositivos constitucionais, cf.: ADI 2.869 (DJU 13.5.2004), ADI
sobretudo em face dos poderes públicos, toda norma constitucional 3.013 (DJU 4.6.2004) e MI 715 (DJU 22.6.2005).
27. A postura do STF sobre a separação de Poderes pode, nesse âmbito, ser resu-
tem. Nesse sentido, no caso das normas programáticas — que são, na mida na figura do legislador negativo. Segundo o Tribunal, nunca cabe ao Poder Judi-
classificação de José Afonso da Silva, normas de eficácia limitada -, ciário fazer o papel de legislador positivo. O que ele pode, quando muito, é negar
eficácia a determinados dispositivos, por razões de inconstitucionalidade; mas nunca
conferir eficácia a uma norma que, em sua interpretação, não a tem (ou a tem de forma
22. Idem, p. 106. limitada). Sobre o conceito de "legislador negativo" defendido pelo STF, cf.. por
23. Cf., por exemplo: RB 221.194 (DJU 17.4.1998). RH 217.136 (20.2.1998). exemplo: Rep. 1.417 (RTJ 126, 48 [68 e ss.|); ADI-MC 732 (RTJ 143, 57 [59]); ADI-
RR 217.464, RE 214.019 (DJU 2.9.1997) e ADI-MC 827 (DJU 5.2.1993). QO 652 (RTJ 146, 461 [465]); ADI-AgRg 779 (RTJ 153. 765 [768]); ADI-MC 267
24. Nesse sentido, c f. ADI 827 (DJU 18.6.1993) e RMS 24.287 (DJU (RTJ 161. 739 [745]); RE 188.579 («77 175, l .137 11.139]); ADI 1.155 (RTJ 177.657
1.8.2003). [663]); ADI-MC 1.063 (RTJ 178. 22 [23. 29 e ss.|).
2\i, niKiTios 1 1 ,\DAMI:N I/MS: CONTHITXJ KSSI-NCIAL. RKSTRIÇÒLS i-; F.IICÁCIA

tanto, grande repereussão. São mencionadas, em geral, como "propos- das normas constitucionais e a possibilidade de mudança dos disposi-
tas alternativas" em trabalhos dedicados ao assunto, mas nunca influen- tivos que as veiculam. 34 É requisito básico na elaboração de qualquer
ciaram de verdade a produção doutrinária e, sobretudo, nunca foram classificação que o critério distintivo entre as diferentes categorias se-
utilizadas como critério para decisões judiciais no STF. Em vista disso, ja claro e único. 5 5 Ao incluir uma espécie de norma que - ao contrário
abordarei apenas brevemente algumas delas, e apenas aquelas que po- das outras - se baseia em um critério formal de mudança constitucio-
derão auxiliar em algo na análise do presente estudo. São elas as pro- nal, o resultado normal é perceber que falta uma differentia sepecifica
postas e críticas de Maria Helena Diniz, Pinto Ferreira, Celso Bastos, entre a nova espécie c as demais. Toda classificação é baseada em um
Carlos Ayres Britto e Manoel Gonçalves Ferreira Filho. 2 * genus proximiun, que dá unidade à classificação, e em diversas espécies
que, a despeito de pertencerem todas ao genus proxinium, têm uma
differentia specifica que justifica sua separação das outras espécies e
6.4. J Maria Helena Diniz e Pinto Ferreira sua inserção em uma categoria própria. 36
Na proposta cie Pinto Ferreira e Maria Helena Diniz falta esse
A classificação de Pinto Ferreira pouco se distingue da proposta requisito h espécie "normas absolutas". Isso pode ser percebido, por
por José Afonso da Silva. A única diferença digna de nota é a adição exemplo, por meio da simples constatação de que é possível que algu-
de uma quarta categoria de normas constitucionais, que seriam as mas normas de eficácia plena façam parte das chamadas cláusulas
chamadas "normas constitucionais de eficácia absoluta".2"' Essa suges- pétreas, sendo, portanto, "normas absolutas", enquanto outras podem
tão é aceita integralmente por Maria Helena Diniz. 30 Normas de eficá- ser modificadas. Se não há nada que, imprescindivelmente, distinga
cia absoluta seriam aquelas normas "contra as quais nem mesmo há uma norma de eficácia plena de uma norma de eficácia absoluta, já
o poder de emendar"; 31 ou, nas palavras de Pinto Ferreira, "com força que é possível que uma norma seja as duas coisas, estamos diante de
paralisante total sobre as norfrias que lhe conilitarem". 32 De resto, a um problema classificatório.
classificação de Pinto Ferreira em muito se assemelha à de José Afon- Assim, se a única diferença marcante entre as propostas de Pinto
so da Silva, o mesmo ocorrendo com a de Maria Helena Diniz, a Ferreira e Maria Helena Diniz, de um lado, e a classificação tradicional
despeito de sua nomenclatura diferente. 33 de José Afonso da Silva, de outro, é a quarta categoria "normas de efi-
É facilmente perceptível que, ao se propor a inclusão de uma ca- cácia absoluta", e se essa categoria não é metodologicamente sustentá-
tegoria que se baseia na impossibilidade formal de ser objeto de emen- vel, por lhe faltar uma característica própria necessariamente ausente
da constitucional, há uma certa confusão entre a produção de efeitos nas demais categorias, então, não se pode dizer que a proposta seja,
de fato, uma alternativa.

28. Cl'., além dos trabalhos desses autores. Celso António Bandeira de Mello.
"Eficácia das normas constitucionais sobre justiça social". Revista de Direito Público 34. Cf., no mesmo sentido, Paulo Roberto Lyrio Pimenta, Eficácia e aplicabili-
57-58 (l')8 l ) : 233-256. dade das normas constitucionais programáticas. São Paulo: Max Limonad. 1999, p.
29. Cl". Pinto Ferreira. "Eficácia (direito constitucional)", in Enciclopédia Sarai- 110: "Pinto Ferreira e Maria Helena Diniz (...) elaboraram distinções no grupo das
va do Direito, vol. 30, São Paulo: Ed. RT. 1982, p. 162. normas constitucionais de eficácia plena, a qual não tem qualquer pertinência, eis
30. Cf. Maria Helena Diniz. Norma constitucional e seus efeitos. 2a ed.. São c|tie a eficácia não se relaciona diretamente com o poder de reforma constitucional"
Paulo: Saraiva. 1992, pp. 98 e ss. (sem grifos no original).
31. Idem. p. 98. 35. Cf., nesse sentido. Stefano Bartolini. "Metodologia delia ricerca política",
32. Pinto Ferreira. "Eficácia (direito constitucional)", p. 162. in Gianfranco Pasquino (a cura di}. Manuale di scienza delia política, Bologna: II
33. Maria Helena Diniz propõe, além das chamadas normas com eficácia abso- Mulino. 1986 p. 58.
luta, uma divisão nas seguintes espécies de normas: eficácia plena, eficácia relativa 36. Sobre isso, cf., por todos, Aristóteles, 1'opic, 102a (os termos advêm da
restrin^ível e eficácia relativa coinpleinentável ou dependente de complementarão tradução para o I.atim, que resulta na máxima definitio fit per gê.mis proximum et
(Norma constitucional e seus efeitos, pp. 98 e ss.). dijjereníiam speciJicamY
I : ,RCA( IA DAS N O R M A S n )NSTlTWION.MS 219
2IX D I R l i l l O S 1-L N D A M I . N T A I S : C O N T H U X ) l .SSf-NCIA!.. K H S I KIÇÕI.S li U F K A C I A

6.4.2 Celso Bastos e Carlos Ayres liritto tacão amplamente majoritária, seja na doutrina, seja na jurisprudên-
cia, ela não passou as últimas quatro décadas incólume, como ficou
Celso [fastos c Carlos Ayres Britto partem de pressuposto idênti- claro nos últimos tópicos. Além das propostas alternativas brevemen-
co ao de José Afonso da Silva: toda norma constitucional é dotada de te expostas acima, algumas críticas, em geral pontuais, também foram
eficácia. 17 A partir daí, as normas constitucionais, quanto à eficácia, feitas em trabalhos que não se ocupavam primordialmente do tema.
são divididas em dois grupos: o das normas de eficácia plena e o das Essas críticas ora questionavam a distinção entre aplicabilidade e
normas de eficácia parcial. No primeiro caso incluem-se as normas eficácia,44 ora propunham correções terminológicas, 45 ora atacavam a
que são idóneas a produzir, por si sós. os resultados a que se preorde- distinção entre normas de eficácia plena e de eficácia contida.46 A elas
nam; no segundo caso incluem-se aquelas que não estão aptas a pro- serão dedicados os tópicos a seguir — que, no entanto, não têm sua
.duzir todos os efeitos desejados.3S razão de ser apenas como exposição de críticas, mas como uma forma
Até aqui não há grandes diferenças em relação à classificação pro- de construção da análise que se seguirá.
posta por José Afonso da Silva, a não ser a falta da categoria intermediá-
ria, a das assim chamadas "normas de eficácia contida".39 O desenvol- *
vimento subsequente do trabalho de Celso Bastos e Carlos Ayres Britto, 6.5.1 Problemas relativos às normas de eficácia contida
no que tange ao objeto deste capítulo, resume-se basicamente à elabora- A categoria "normas constitucionais de eficácia contida" suscita
ção de alguns pares tipológicos de normas constitucionais — como nor- pelo menos três ordens de questionamentos. O primeiro deles, mais
mas de aplicação/normas de integração;" 1 normas irregulamentáveis/ simples, é meramente terminológico. O segundo, um pouco mais com-
normas regulamentáveis; 41 e normas completáveis/normas restringí- plexo, tem relação com o primeiro, mas se refere a questões classifi-
veis42 —, para analisar, em cada um dos lados de cada par, se aquele tipo catórias. Esses dois primeiros problemas já são apontados pela doutri-
de norma tende a ser de eficácia plena ou de eficácia parcial. O que aqui na há um certo tempo. O último, por fim, mais importante para este
mais de perto interessa é a dicotomia entre as normas regulamentáveis
trabalho, diz respeito á própria existência da categoria. Esse é o que
e as normas irregulamentáveis e a contraposição entre normas comple-
aqui mais de perto será analisado. Passo a examinar os três pontos nos
táveis e normas restringíveis. Isso será desenvolvido mais adiante. 43
tópicos a seguir.

6.5 Os problemas do critério tríplice de José Afonso da Silva


6.5. l. l O problema terminológico
Ainda que, como já foi dito acima, a classificação proposta por
José Afonso da Silva, ainda no final da década de 1960, goze de acei- Uma primeira crítica á categoria "normas constitucionais de efi-
cácia contida" diz respeito ao particípio "contida". Segundo essa crí-
tica, o conceito que José Afonso da Silva elabora para esse tipo de
37. Cf. Celso Ribeiro Bastos/Carlos Ayres Britto, interpretação e aplicabilidade normas constitucionais - segundo o qual elas, embora incidam ime-
das normas constitucionais. São Paulo: Saraiva, 1982, p. 58.
38. Idem.
39. Que, no entanto, acaba aparecendo, sob outra fornia, no desenvolvimento das 44. Cf., por exemplo, Wilson Steinmctz, A vinculação dos particulares a direi-
normas regulamentáveis e das normas restringíreis leito por Celso Bastos e Carlos
Ayres Britto. tos fundamentais, pp. 42 e ss.
45. Cf., sobretudo, Michel Temer, Elementos de direito constitucional, 22a ed.,
40. Cl. Celso Ribeiro Bastos/Carlos Ayres Britto, Interpretação e aplicabilidade
das normas constitucionais, p. 34. 2a tir.. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 26.
46. Cf., sobretudo, Manoel Gonçalves Ferreira Filho, "Os princípios do direito
41. Idem, p. 37.
42. Idem, p. 48. constitucional e o art. 192 da Carta Magna", Revista de Direito Público 88 (1988),
43. Cf. tópico 6.6.1. pp. 164 e ss.
T
220 DIRHITOS l l NDA.MKNTAIS: CONTEÚDO ESSENCIAL. RÉS I'RI<,'OES L EHCACIA EFICÁCIA DAS N O R M A S CONS Tl Tl T I O N A I S 221

diatamente e produzam todos os efeitos queridos, "prevêem meios ou eficácia contida. Essa indicação se dá, normalmente, por meio de ex-
conceitos que permitem manter sua eficácia contida em certos limites, pressões que façam referência a lei futura sem, no entanto, fazer com
dadas certas circunstâncias" 47 -exprime apenas uma possibilidade de que a eficácia da norma dependa dessa possível lei. 1 "' Assim, se a di-
contenção, de restrição. Nesse sentido, mais corneto seria falar em nor- ferença entre as normas de eficácias plena e as normas de eficácia
mas contíveis, restrinijíveis48 ou redutíveis,41' o que exprimiria melhor contida é deduzível do próprio texto constitucional, não é possível
o fato de que a eficácia da norma em questão não é necessariamente fazer com que a inserção das normas em uma ou outra categoria de-
contida ou restringida, havendo apenas uma possibilidade dessa ocor- penda de eventual restrição infraconstitucional. Se isso é assim, a dis-
rência. Essas normas seriam, assim, "normas de eficácia plena e apli- tinção baseia-se em uma possibilidade, exigindo, por isso. que o ter-
cabilidade imediata, mas restringível pelo legislador"/" mo corresponda a essa exigência — o que ocorreria se se utilizassem
' A crítica é procedente. 1 ' Se a distinção entre as normas de eficá- termos como "contível" ou "restringível". xí *
cia plena e as normas de eficácia contida, na classificação de José
Afonso da Silva, baseia-se exclusivamente em uma possibilidade - ou
seja, na possibilidade de que algumas normas constitucionais tenham 6.5. l .2 O problema classificatório
sua eficácia restringida por ato estatal infraconstitucional -, não faz Manoel Gonçalves Ferreira Filho, além cia questão terminológi-
sentido denominar como contidas as normas cuja eficácia possa ser ca, aponta, ainda, um problema classificatório na teoria de José Afon-
restringida, já que o termo expressa algo já realizado, e não apenas so da Silva. Segundo ele, a classificação possível seria apenas dúplice,
potencial.
e não tríplice: haveria apenas as normas de eficácia plena e as normas
A única razão que poderia militar a favor da manutenção dessa de eficácia limitada. A rejeição das chamadas normas de eficácia con-
denominação seria o argumento segundo o qual a norma cuja eficácia tida baseia-se no fato de que entre elas e as normas de eficácia plena
ainda não tenha sido contida p&r ato infraconstitucional não pertence não haveria diferença alguma no plano da eficácia ou da aplicabilida-
ao grupo das normas contidas, mas ao grupo das normas de eficácia de, "pois nos dois casos esta é imediata e aquela é plena"/ 4 De fato,
plena. Seria, nesse sentido, o ato estatal restringidor que teria o con- se compararmos a conceituaçao que o próprio José Afonso da Silva dá
dão de fazer com que a norma em questão mudasse de categoria. Essa a essas duas espécies de normas, perceberemos que para ambas ele
estratégia não seria, contudo, coerente com a fundamentação de José
utiliza a expressão "aplicabilidade imediata"; ou seja, ambos os tipos
Afonso da Silva. Como já foi visto acima, a distinção entre as normas
de eficácia plena e contida baseia-se em um critério que poderia ser
chamado de textual: é o próprio dispositivo constitucional que indica 52. Um dos exemplos utilizados por José Afonso da Silva, nesse passo, é o do
se a norma deve ser enquadrada como de eficácia plena ou como de art. 5U, XIII, da CF (Aplicabilidade das normas constitucionais, p. 106). que dispõe
que "é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as quali-
ficações profissionais que a lei estabelecer". A referência à lei, nesse dispositivo, visa
47. José Afonso da Silva, Aplicabilidade das normas constitucionais, p. 82. a possibilitar que o legislador infraconstitucional restrinja a liberdade de exercício
48. Cf.: Michel Temer. Elementos de direito constitucional, p. 26; Manoel Gon- profissional, garantida plenamente pela Constituição. Trata-se, assim, de possibilida-
çalves Ferreira Filho. "Os princípios do direito constitucional e o art. 192 da Carta de de restrição prevista no próprio dispositivo constitucional.
Magna", p. 166: do mesmo autor. Direito constitucional económico. São Paulo: Sarai- 53. O próprio José Afonso da Silva, embora não se disponha a alterar sua no-
va, 1990, p. 140: Maria Helena Diniz, Norma constitucional c seus efeitos, p. 101. menclatura, parece perceber que a crítica é procedente, pois, ao tomar conhecimento
49. Cf. Michel Temer. Elementos de direito constitucional, p. 26. dela, não a rebate, limitando-se a dizer que o debate apenas indica que o fenómeno a
50. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, "Os princípios do direito constitucional e que ele quis fa/.er referência de fato ocorre (et. José Atonso da Silva. Aplicabilidade
o art. 192 da Carta Magna", p. 166. das normas constitucionais, p. 85. nota 67).
51. Nesse sentido, cf. também Luís Roberto Barroso. O direito constitucional e 54. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, "Os princípios do direito constitucional e
11 ejelividade de suas normas. 4J ed.. Rio de Janeiro: Renovar. 2000. p. 92. nota 2. o art. 192 da Carta Magna", p. 166.
T
222 niKIÍITOS t IM)AM!:.\: CON l T.ÚDI) H S S H N C I A I . . RHSTRICÒHS E Hl ICÁCIA H R C Á C I A DAS N O R M A S CONSTITUCIONAIS 223

de normas são aplicáveis desde a promulgação da constituição."' 5 No com isso, manter apenas duas categorias - as de eficácia plena e as de
caso de ambas, também, faz-se referência a uma regulação constitu- eficácia limitada -, o que ele faz é apenas um rearranjo das espécies,
cional suficiente e a uma consequente desnecessidade de regulamen- sem, contudo, rejeitá-las.
tação posterior por parte do legislador ordinário. Ml
Se isso é assim, parece que. de fato, estamos diante de duas nor- 6.5.1.3 O problema existencial
mas do mesmo género, ainda que eventualmente de espécies distintas.
O género seria - nos termos empregados por José Afonso da Silva - o Os dois problemas vistos acima — o terminológico e o classifica-
das normas constitucionais de eficácia plena e aplicabilidade imedia- tório - podem ser considerados problemas apenas marginais na clas-
ta, e as espécies seriam — na sugestão de Manoel Gonçalves Ferreira sificação das normas constitucionais. Mesmo que procedentes — como
Filho - as normas de eficácia plena propriamente dita e as normas de se tentou demonstrar acima -, as críticas não»teriam como consequên-
eficácia plena, mas restringíveis.^ 7 cia necessária a rejeição da classificação. De diferente natureza é, no
Nesse ponto, também, a crítica parece ser procedente. Mas é ób- entanto, o problema que decorre de tudo o que foi analisado no decor-
vio que nem o problema terminológico (contida vs. restringível) nem rer deste trabalho.
o problema classificatório (classificação tríplice ou dúplice) abalam a Hsse problema é aqui chamado de "existencial" porque diz respei-
classificação proposta por José Afonso da Silva. No máximo, ambas to à própria existência das chamadas normas constitucionais restringí-
as críticas exigiriam algumas correções pontuais, que não alterariam, veis. Não porque não existiriam normas constitucionais restringíveis,
contudo, a classificação, em si, e seus objetivos. mas, ao contrário, porque, como ficou claro ao longo do trabalho, to-
Ao contrário do que parece, portanto, não há grandes divergên- das as normas constitucionais podem ser restringidas pela legislação
cias teóricas entre os autores^ Assim, embora as críticas de Manoel ordinária. Se isso é assim, fica claro que não é possível e não faz sen-
Gonçalves Ferreira Filho tivessem como objetivo a negação de eficá- tido distinguir entre as normas que podem e as que não podem ser
cia plena e aplicabilidade imediata a um dispositivo constitucional restringidas. Esse ponto é salientado por Ingo Sarlet, que afirma que
que para José Afonso da Silva assim deveria ser classificado — o então não são somente as normas de eficácia contida que podem ser restrin-
vigente art. 192, § 3", da constituição -, ao remanejar as categorias, gidas, apontando, assim, para o problema que aqui se quer explicitar.
Segundo o autor: "Desde logo, importa destacar que, em verdade, as
Manoel Gonçalves Ferreira Filho pressupõe, na verdade, sua corre -
ção, e não sua rejeição. Por isso, a despeito de afirmar que a classifi- normas de eficácia contida são normas que enunciam uma reserva le-
gal em matéria de restrição deis efeitos, não restando afastada a possi-
cação de José Afonso da Silva "é falha, cientificamente falando",58
bilidade de se estabelecerem restrições a direitos fundamentais que não
Manoel Gonçalves Ferreira Filho só pode querer se referir à organiza-
foram colocados pelo constituinte sob uma expressa reserva legal, já
ção da classificação, e não às várias espécies de normas constitucio-
que, ao menos em princípio, inexiste direito fundamental (mesmo que
nais. Isso porque, ao assimilar a categoria das normas de eficácia
veiculado em norma de eficácia plena, na concepção de José Afonso)
contida (ou restringível) à categoria das normas de eficácia plena e,
completamente imune a toda e qualquer limitação".59
A tese sustentada por Sarlet, neste ponto, é semelhante à aqui
55. Cf. José Afonso da Silva, Aplicabilidade das normas constitucionais, pp. defendida. Mas há diferenças cruciais entre elas. A primeira delas, que
102 (normas de eficácia plena) e l 16 (normas de eficácia contida). mais de perto interessa aqui, refere-se à forma e à fundamentação teó-
56. klem. pp. 101-102 (normas de eficácia plena) e 116 (normas de eficácia
contida).
57. Cf. Manoel Gonçalves Ferreira Filho. "Os princípios do direito constitucio-
nal e o art. 192 da Carta Magna", p. 166. 59. Ingo Wolfgang Sarlet, A eficácia dos direitos fundamentais, 5a ed.. Porto
58. klem, p. 165. Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 249.
224 DIRlilTOS l l N D A M I i N I A l S : (X)\ Hl :i)O I.SShNClAL. RKSTRIC/ÕHS li I.hICACIA

rica das restrições aos direitos fundamentais. A segunda, que será de- A partir dessa constatação, contudo, poderia surgir a dúvida sobre
senvolvida mais adiante, refere-se à reconstrução da classificação das qual seria a fornia pela qual continuaria a ser possível distinguir entre
normas constitucionais quanto à sua eficácia.''0 normas de eficácia plena e normas de eficácia contida ou restringível. Ou
No que diz respeito à forma e à fundamentação teórica da tese seja: se os direitos garantidos por ambos os tipos de norma são relativi-
que aqui se detende - segundo a qual não há direito fundamental imu- záveis, a classificação necessitaria de uma explicação mais detalhada.
ne a restrições -, Sarlet faz remissão "á noção de limites implícitos Para manter a distinção entre essas duas espécies de normas e, ao
(ou imanentes)". 61 E nesse ponto que sua teoria se torna incompatível mesmo tempo, reconhecer que não há direitos absolutos, a única saída
com a tese aqui sustentada. Como se viu anteriormente/' 2 a noção de possível parece ser o recurso - explícito oti não - à figura dos limites
limites imanentes é uma noção alternativa aos próprios conceitos de imanentes. Com isso, tornar-se-ia possível partir do pressuposto de
restrição e de sopesamento. que estão na base deste trabalho. Além que os direitos garantidos por normas de eficácia plena (e irrestringí-
disso - e como será visto a seguir -. parece-me possível afirmar que vel) estão submetidos apenas aos limites que decorrem expressa ou
a ideia de limites imanentes, embora não explícita, está na base do mo- implicitamente do texto constitucional, enquanto as normas de eficá-
delo de José Afonso da Silva. Se isso for assim, a ressalva de Ingo cia dita conlida estariam sujeitas a outros limites ou restrições, impos-
Sarlet tende mais a aproximá-lo da teoria de José Afonso da Silva do tos pelo legislador ordinário. Assim, ao se partir cia aceitação da ideia
que dela o distanciar. de limites imanentes, a diferenciação entre normas de eficácia contida
(plena, mas restringíveis) e normas de eficácia plena (não-restringí-
veis) pode continuar a valer, porque eventual atividade legislativa que
6.6 A classificação de José Afonso da Silva "impuser" limites a uma norma de eficácia plena não-restringível esta-
e os limites imanentes ria apenas declarando limites imanentes, enquanto a atividade legisla-
A partir da distinção entre as normas que podem ser restringidas tiva que imponha restrições a normas restringíveis estaria constituindo
(normas de eficácia contida) e aquelas que não podem (normas de tais restrições. Nessa perspectiva, a classificação continua intacta. E,
eficácia plena), é inafastável indagar se essas últimas consagrariam - nesse ponto, como se percebe, o modelo de José Afonso da Silva ficou
visto que não-restringíveis - direitos absolutos. Embora o autor não igual - ou, pelo menos, muito semelhante - à proposição de Ingo
forneça elementos que permitam responder de forma definitiva a essa Sarlet, vista acima.64
questão, parece difícil supor que a não-restringibilidade das normas
de eficácia plena seja sinónimo de uma garantia de direitos absolutos, 6.6.7 Liberdades públicas como normas inio-restringíveis
já que é ponto pacífico na doutrina e na jurisprudência brasileiras a
inexistência de direitos dessa natureza. 65 Corno foi visto acima, a partir do recurso à ideia de limites ima-
nentes seria possível rejeitar um caráter absoluto aos direitos funda-
mentais e, ao mesmo tempo, permanecer liei a uma teoria que divide
60. Cf. tópico 7.4. as normas que garantem direitos fundamentais entre as restringíveis.
61. Ingo Wolfgang Sarlet, A eficácia dos direitos fundamentais, p. 249.
62. Cf. tópico 4A
63. Cf., por todos: ADI 1.969. ADI 2.566. RE 219.780 (RTJ 172, 302), RE
232.001. RE 261.278, RE 373.058, RE 413.782, MS 23.576 e HC 82.424 (RTJ 188, vás individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria
858 [891]). De modo incisivo, cf. MS 23.452 (RTJ 173. 805 1807-808]): "Não há. no Constituição" (sem grifos no original).
sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantiu* que se revistam de caráter 64. Cf. tópico 6.5.1.3. Pouco mudaria nesse cenário se se partisse do pressupos-
absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências deriva- to de que as normas de eficácia plena garantem direitos absolutos. Seria necessário,
das do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcional- no entanto, imaginar que "absolutos", nesse caso. somente poderia significar "abso-
mente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrouati- lutos no âmbito de seus limites imanentes".
D I R M T O S l - U N D A M I - . N r A I S : C O N l l í l DO l i S S I - i N C I A l . . RKS'I RIÇÒHS I-. H H C A C I A HF1CÁCIA DAS N O R M A S C O N S T I T U C I O N A I S .>27

as não-restringíveis e aquelas dependentes de regulamentação para que Em vista do que foi visto ao longo de todo este trabalho, tais con-
possam produzir efeitos. Todas as teorias analisadas neste capítulo clusões não são assim tão simples. Como se viu, a partir do pressupos-
parecem comungar, expressa ou implicitamente, desses pressupostos. to teórico da teoria dos princípios e do conteúdo essencial relativo, do
Não-restringíveis seriam, como se percebeu, as chamadas normas de suporte fálico amplo e da teoria externa, os direitos fundamentais não
eficácia plena. podem ser considerados irrestringíveis. Restrições ocorrem diuturna-
No âmbito dos direitos fundamentais os casos mais importantes mente na atividade do legislador ordinário, e às vezes até mesmo por
de normas de eficácia plena - e, portanto, irrestringíveis - seriam al- ato entre particulares.
gumas liberdades públicas. Embora os principais exemplos utilizados Para usar os exemplos utilizados por Celso Bastos e Carlos Ayres
rça classificação de José Afonso da Silva não sejam, em geral, retira- Britto: a igualdade perante a lei é restringida em diversos momentos
dos do catálogo cie direitos fundamentais da constituição, faz ele legislativos, inclusive por razões de raça -«aqui, o exemplo mais atual
menção genérica ao "art. 5-, I, II, III, IV etc., da Constituição Federal" seriam as chamadas ações afirmativas; o acesso ao Judiciário é limi-
como dispositivos que contêm normas de eficácia plena. 65 Isso signi- tado nos casos previstos na Lei de Arbitragem (Lei 9.307/1996);" o
ficaria que as liberdades públicas - ou, pelo menos, uma parte delas sigilo de correspondência, além de sofrer restrições pela legislação
- seriam garantidas por normas não-restringíveis. infraconstitucional, 71 é restringido até mesmo por contrato, por exem-
plo, entre bancos e os Correios.72
Nesse ponto sua classificação é seguida por quase todos os autores
que escreveram posteriormente sobre o tema. Assim é que Celso Bas-
tos e Carlos Ayres Britto. por exemplo, afirmam que, "na área dos di- 6.6.2 Liberdades públicas como normas não-regulamentáveis
reitos e garantias individuais, cogitar-se-á de norma irregulamentável
Segundo José Afonso da Silva, as liberdades públicas, sobretudo
sempre que o bem jurídico ne4a consagrado apenas exigir, para o seu quando garantidas por normas de eficácia dita plena, não seriam ape-
efetivo respeito, a simples inação do próprio Poder Legislativo"/' 6 nas irrestringíveis: a eficácia das normas constitucionais que enun-
Os exemplos utilizados por Celso Bastos e Carlos Ayres Britto - ciam os direitos individuais também seria não-regulamentável. Se-
todos ainda da constituição de 1969 - seriam o art. 153, § l - ' ("Todos gundo José Afonso da Silva, a eficácia dessas normas não depende da
são iguais perante a lei, sem distinção de sexo, raça, trabalho, credo intermediação do legislador, já que a ideia de regulamentação da li-
religioso e convicções políticas").67 o art. 153, § 9a ("É inviolável o berdade "há muito está superada".73
sigilo de correspondência e das comunicações telegráficas e telefóni-
cas")'* ou o art. 153, § 4" ("A lei não poderá excluir tia apreciação cio
Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual"). 6 " 70. Cf., por exemplo, art. 31: "A sentença arbitrai produz, entre as partes e seus
sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário
e, sendo condenatória, constitui título executivo". Além disso, a l.ei De arbitragem, ao
alterar alguns dispositivos do Código de Processo Civil, confere à convenção de arbi-
65. Ct. José Afonso da Silva. Aplicabilidade das normas constitucionais, pp. tragem o efeito de extinguir o processo sem julgamento de mérito (CPC. art. 267. VII).
l 89-11)(). Sobre a constitucionalidade da Lei de Arbitragem, c f. SE-AgRg 5.206 (RTJ 190. 908).
66. Celso Ribeiro Bastos/Carlos Ayres Britto, Interpretação c aplicabilidade ílns 71. Cf., por exemplo, os casos de possibilidade de abertura de cotrespondc-ncia por
normas constitucionais, p. 44. Os autores empregam, no trecho transcrito, o termo funcionários dos Correios, no art. 10 da Lei 6.538/1978, sobretudo nos casos dos incisos
"irregulamentável", que. no entanto, sobretudo nesse ponto, pode ser tomado como I e l V. em que essa abertura pode ser feita sem a presença de remetente e destinatário.
sinónimo de "irrestringível". 72. São correntes os contratos celebrados entre a Empresa Brasileira de Correios
67. Celso Ribeiro Bastos/Carlos Ayres Britto. Interpretação e aplicabilidade e Telégrafos/ECT e empresas que remetem grandes volumes de correspondências.
das normas constitucionais, pp. 41-42 (atualmente. art. 5". capul, da CF). Esses contratos autorizam, entre outras coisas, a abertura de tais correspondC-ncias
68. Idem, p. 42 (atualmente. art. 5". X I I , da CF). pela ECT sem que o destinatário tenha conhecimento disso.
69. Idem. p. 43 (atualmente. art. 5". XXXV. da CF). 73. José Afonso da Silva. Aplicabilidade das normas constitucionais, p. 140.
22K I J I R I - I T O S I T N D A M I . M A I S : C O M W I X ) l ..SSI.NCI AL. RI-.STRIÇÕLS 1-; liFtcAriA 229

Além das razões já apontadas anteriormente para a fundamenta- roso menciona a questão da reforma agrária. 7 " Ainda que presentes
ção desse ponto de vista, sobretudo o recurso à ideia de limites ima- todas as condições técnicas à sua efetivação, relações económicas e de
nentes, parece-me que há ainda uma outra razão pela qual os direitos poder impedem, tanto anteriormente como agora,"1' sua real efetiva-
fundamentais - especialmente as liberdades públicas - ainda sejam ção. O objeto da análise de Luís Roberto Barroso é, nesse sentido, o
considerados não apenas como normas de eficácia plena e irrestringí- problema cia eficácia no primeiro sentido definido por Tércio Sampaio
veis, mas também como normas não-regulamentáveis: a separação Ferraz Jr., ou seja, a adequação da norma à realidade; ou, nos termos
estrita entre eficácia e ejetividade. de Barroso, a aproximação "do dever-ser normativo do ser da realida-
de social".""
6j 7 Eficácia e efetividade Parece ser possível afirmar, diante do pxposto, que aos dois con-
ceitos de eficácia propostos por Tércio Sampaio Ferraz Jr. correspon-
É importante, aqui, retomar e desenvolver o conceito de eficácia dem, respectivamente, os objetos das análises de Luís Roberto Barroso
analisado anteriormente. 74 Falou-se, anteriormente, apenas em eficá- ("adequação da norma à realidade") e José Afonso da Silva ("presen-
cia como a "capacidade de produzir efeitos". Ocorre que essa capaci- ça das condições normativas para a produção de efeitos"). A essa últi-
dade pode depender de diversos fatores. Segundo Tércio Sampaio ma questão é destinado o próximo tópico.
Ferraz J r., eficaz é a norma (a) que tem condições fálicas de atuar, por
ser adequada em relação à realidade, e (b) que tem condições técnicas
de atuar, por estarem presentes os elementos normativos para adequá- 6.7.7 "Capacidade de produzir efeitos jurídicos"
la à produção de efeitos concretos. 71 Ao delimitar seu objeto de estudo, José Afonso da Silva faz ques-
A primeira das acepções qi^e Ferraz Jr. dá à eficácia corresponde tão de enfatizar o caráter estritamente jurídico de seu conceito de
àquilo que, no âmbito do debate constitucional sobre o tema, se con- eficácia: a capacidade de produzir efeitos jurídicos. 81 Com isso, como
vencionou chamar de efetividade. O próprio José Afonso da Silva visto acima, pretende ele se afastar de outro problema, que é a efetivi-
parece definir o conceito nesse sentido, ao comentar o objeto de outra dade das normas constitucionais. Ao assim fazer, parece-me que o
monografia, de autoria de Luís Roberto Barroso. Segundo José Afon- conceito de eficácia jurídica utilizado deixa de ter a importância que
so da Silva, a análise da real efctivação da norma não é uma questão poderia ter na compreensão da eficácia das normas constitucionais.
de eficácia jurídica, mas de efetividade. Essa seria a distinção entre os Isso porque, ao tentar afastar todas as outras variáveis que não o pró-
objetos das duas monografias - a dele e a de Luís Roberto Barroso.76 prio texto constitucional, fica a impressão de que, na produção de
E é o próprio Barroso que define a ideia de efetividade, nos seguintes efeitos jurídicos, algumas normas jurídicas seriam - para utilizar ex-
termos: "Efetividade significa (...) a realização do Direito, o desempe- pressão de Pontes de Miranda - "bastantes em si". X2 Contudo, a capa-
nho concreto de sua função social". 77 Como exemplo de situação de cidade para produção de efeitos depende sempre de outras variáveis
norma juridicamente eficaz, mas com baixo grau de efetividade, Bar- que não somente o dispositivo constitucional ou legal. Em outras pa-

74. Cf. tópico 6.2. 78. Idem. p. 86.


75. Tércio Sampaio Ferraz Jr., Introdução ao estudo do direito. São Paulo: 79. Barroso fii/. referência ao período da ditadura militar.
Atlas. 1988. p. 181. O primeiro conceito é denominado por Ferraz Jr. de "eficácia 80. Luís Roberto Barroso. O direito constitucional e a efetividade de suas nor-
semântica"; e o segundo, de "eficácia sintática". mas, p. 85.
76. Cf. José Afonso da Silva. Aplicabilidade' das normas constitucionais, p. 13. 81. Cf. José Afonso da Silva. Aplicabilidade da.s normas constitucionais, p. 13.
77. Luís Roberto Barroso, O direito constitucional e a efetividade de suas nor- 82. Pontes de Miranda. Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n.
mas, p. 85.
l de 196V, t. l, São Paulo: Hd. RT, 1970. p. 126.
2.W DIRUITOS I-VNIMMKNTALS: CONTLÚIXJ hSSI..\CIAI.. K I . S l RICÕl-.S h i:i I C A C I A H H l C Á r i A DAS N O R M A S CONS 1T1 l ' C I O N A I S

lavras: mesmo a eficácia estritamente jurídica — nos lermos de José co, e que será desenvolvida nos tópicos seguintes. Se estiver correia,
Afonso da Silva - depende de outras variáveis que não apenas o texlo coloca-se em xeque, agora, a distinção entre as normas de eficácia
constitucional. plena e as normas de eficácia limitada, já que a única diferença entre
Neste ponto parece ser interessante retomar, mais uma vez. a elas, no modelo de José Afonso da Silva, seria a necessidade/possibi-
classificação de Tércio Sampaio Ferraz Jr. Como já foi visto no tópico lidade ou desnecessidade/impossibilidade cie regulamentação.
anterior, o conceito de eficácia que José Afonso da Silva chama de
"estrilamenle jurídica" corresponderia ao segundo dos conceitos de
eficácia de Ferraz Jr., que vale a pena repetir: eficaz, nesse sentido, é 6.7.2 Liberdades públicas, direitos políticos e direitos sociais:
a norma que tem condições técnicas de atuar, por estarem presentes dependência da ação estatal
»
os elementos normativos para adequá-la à produção de efeitos con- Uma primeira razão para sustentar a hipótese de que toda norma,
cretos.** Esses elementos normalivos que possibilitam a produção dos além de poder ser restringida, pode também ser regulamentada reside
efeitos de uma disposição constitucional podem ser de várias ordens. na ideia, defendida anteriormente, segundo a qual a distinção entre res-
Pode ser desde a simples elaboração de legislação infraconstitucional trição e regulamentação é algo muito lênue, se não impossível.''*'' Regu-
até a estruluração de órgãos e inslituições. O decisivo, nesle ponto, é: lamenlar direitos fundamentais implica, sempre, restringi-los, e restrin-
ao contrário do que afirma José Afonso da Silva, não existe norma gir direitos fundamenteis lem sempre como objetivo regulamentar seu
constitucional que não dependa de algum tipo de regulamentação^ e exercício. Quando, no Capítulo 3, foram analisadas algumas das teses
que não seja suscetível de algum tipo de restrição.
de Rawls sobre a distinção enlre restrição e regulamentação/ 6 ficou
Assim, se a dislinção enlre as normas de eficácia plena e as nor- claro que muito daquilo que ele - e outros autores - chama de regula-
mas de eficácia limitada reside na necessidade, no caso das segundas, mentação do exercício de um direito nada mais é que uma restrição.
de aluação eslatal no sentido de lhes completar a eficácia, a dislinção
Nesle e nos próximos lópicos prelende-se avançar nessa análise a
cai por lerra se se aceila que, da mesma forma que iodas as normas
eslão sujeitas a restrição, todas elas dependem, também, de regula- partir de outra ordem de problemas. Em geral, há uma contraposição
mentação. Se isso for correio, leríamos a seguinte situação: entre as normas que consagram liberdades públicas e direitos políti-
cos, como normas de eficácia plena, e aquelas que consagram direitos
(1) Toda norma que garante direitos fundamentais pode ser res- sociais, como normas de eficácia limitada. Essa contraposição costu-
tringida. Isso já foi analisado em tópicos anteriores e coloca em xeque ma ser feita para se mostrar que as normas de eficácia plena — liber-
a dislinção enlre normas de eficácia plena e normas de eficácia conti- dades públicas e direilos polílicos - não dependem de regulamentação
da, já que a única diferença entre elas, no modelo de José Afonso da e intervenção eslalal. e a prova disso é sua real efelividade, obtida ape-
Silva, seria a possibilidade ou impossibilidade de restrição. nas a partir de uma abstenção do Estado e do legislador ordinário. Já
(2) Toda norma que garante direitos fundamentais pode (às ve- o caso das normas de eficácia limitada seria muito diferente. Isso seria
zes, deve) ser regulamentada. Essa é a hipótese formulada neste lópi- comprovado a partir da experiência dos direitos sociais, cuja realiza-
ção depende de uma ação eslalal, sem a qual a eficácia da norma não
se produz por completo. A limitação dessa eficácia ficaria ainda mais
83. Tércio Sampaio Ferraz Jr, Introdução ao estudo do direito, p. 181.
84. José Afonso da Silva, Aplicabilidade das normas constitucionais, p. 140: clara em face dos custos que esses direitos implicam para o Estado,
"(•••) as normas constitucionais que enunciam os direitos individuais são de aplica- que, por isso, não lem condições de agir da forma esperada. A baixa
bilidade imediata e direta. Sua eficácia não depende da intennediação do legislador
(...)" (sem grifos no original). Talvez seja essa concepção de direitos individuais que
taça com que praticamente não exista, no Brasil, legislação infraconstitucional que re- 85. Cf. tópico 3.3.2.1.3.
gulamente o exercício dos direitos fundamentais. 86. Cf. tópicos 3.3.1.1.3. 3.3.1.1.4 e 3.3.2.1.3.
232 DIRI-.I ros i rNDAMi;.\TAiS: COMI;CDO nssKNriAi,. RHSTRirõHS H nricAciA

efetividade desses direitos seria uma demonstração do caráter limita- de, é possível dizer, em primeiro lugar, que no plano do texto consti-
do das normas que os garantem. tucional nada as diferencia e. em segundo lugar, que no plano da pos-
O que se tentará demonstrar nos próximos tópicos é que esse é sibilidade de produzir os efeitos desejados a diferença eventualmente
um cenário apenas parcialmente correio. Para tanto, será demonstrado existente não se encontra na dicotomia necessidade/desnecessidade
sobretudo que qualquer direito implica custos - às vezes altíssimos - de regulamentação e de ação estatal.
ao Kstado. Ou seja, não são apenas aqueles direitos garantidos pelo Quais são as condições necessárias para que a norma expressa
que se convencionou chamar de "norma de eficácia limitada" que pelo art. 14 produza os efeitos desejados? Poder-se-iam mencionar,
exigem uma ação onerosa ao Estado, mas também as liberdades pú- por exemplo, a criação e a manutenção de seções eleitorais e de juntas
blicas e os direitos políticos (e todos os outros direitos). Com isso, de apuração, a organização e manutenção de um órgão responsável
pretende-se demonstrar, então, que a limitação da eficácia de deter- pela organização e o bom funcionamento das eleições (no caso brasi-
minadas normas não é algo intrínseco a elas. Uma norma não é de leiro, o TSE), a elaboração de uma legislação eleitoral e partidária que
eficácia limitada por uma questão meramente textual ou "estritamente impeça fraudes ou um sistema não-competitivo de partidos, a criação
jurídica". Essa limitação depende muito mais de opções político-ideo- e a manutenção de alguma forma cie financiamento partidário - dentre
lógicas que não têm necessária relação com o texto constitucional. tantas outras. Sem tudo isso, o mero texto constitucional é despido de
Toda norma, a partir desse ponto de vista, tem eficácia limitada — mas qualquer possibilidade de produzir efeitos. E quais são as condições
algumas delas, por razões extrínsecas, têm melhores condições de necessárias para que a norma expressa pelo art. 6" (direito à saúde)
produzir efeitos. Aqui, os conceitos de eficácia e efetividade aproxi- produza os efeitos desejados'? Poder-se-iam mencionar, entre outras, a
mam-se de novo. Nos próximos dois tópicos pretendo me valer de construção de hospitais e a contratação de médicos para o serviço pú-
duas contraposições para esclarecer o que aqui foi afirmado. A primei- blico de saúde, a elaboração de uma legislação que discipline a fornia
ra, entre dois direitos específicos: o direito ao sufrágio e o direito à de financiamento e de utilização desse serviço público e a definição
saúde. A segunda, entre duas categorias de direitos, as liberdades pú- de prioridades no combate a doenças.
blicas e os direitos sociais. Como se percebe, em ambos os casos tra- Como se percebe, nem uma nem outra das normas são bastantes
ta-se, de um lado, de direitos garantidos pelo que se costumou chamar em si mesmas. Todas elas dependem da ação estatal para produzir
de normas de eficácia plena e. de outro, de direitos garantidos pelo efeitos. A diferença básica entre elas está não no plano jurídico-analí-
que se costumou chamar de normas de eficácia limitada. tico, mas no plano jurídico-empírico. No primeiro caso (sufrágio) as
necessárias condições institucionais, legais e financeiras já existem,
6.7.2. l Exemplo l: direito ao sufrágio e direito à saúde pois já existe um órgão que organiza eleições, já existem juntas e se-
ções eleitorais, já existem funcionários para trabalhar nesses órgãos e
Qual seria a diferença, no plano da eficácia "estritamente jurídi- pessoas para trabalhar nos dias de eleição, já existe dotação orçamen-
ca", entre, de um lado. uma norma que garanta o sufrágio universal e taria suficiente para a organização das eleições etc. Preenchidas essas
eleições livres, cujo voto tenha valor igual para todos (CE, art. 14) e. condições - e somente assim - é que a norma contida no art. 14 da
de outro, unia norma que garanta a todos o direito à saúde (CF, art. constituição é "capaz de produzir efeitos".87 Já no caso do direito à
6")'- Segundo o modelo que se está aqui analisando - eficácia segundo
José Afonso da Silva -, a diferença é bastante simples: a primeira
seria uma norma de eficácia plena, e que não depende, portanto, de 87. Dessa fornia, é possível afirmar que para a realização da norma contida no art.
regulamentação para produzir os efeitos pretendidos; enquanto a se- 14 da Cf brasileira serão necessários, apenas no ano de 2008, aproximadamente 3.685
bilhões de reais. Esse valor inclui as estimativas das previsões orçamentarias para a
gunda seria uma norma de eficácia limitada, cuja produção plena de Justiça Kleitoral (2.95 bilhões de reais) e para a realização das eleições municipais (600
efeitos depende de atuação estatal. Segundo a tese que aqui se defen- milhões de reais) e a composição do fundo partidário (135 milhões de reais).
234 DIREITOS l U N D A M P - M A I S : CONTI-rDO HSSI N C I A l . . RRSTRIÇOHS l- Hl ICACIA H I - I C Á r i A DAS N O R M A S CONS l l l l :d( )N AIS

saúde as condições institucionais, legais e, sobretudo, financeiras (ou seja, excetuados os direitos políticos), a diferença entre normas de
não são ideais: faltam hospitais, faltam um plano de carreira e bons eficácia plena e normas de eficácia limitada continua intocada. Já se
salários para atrair médicos, faltam recursos para comprar medicamen- viu acima - e, na verdade, ao longo de todo este trabalho - que, no
tos e material hospitalar etc. Diante dessas condições - e apenas por que diz respeito à possibilidade de restrição, a tese segundo a qual as
isso -. a norma que garante o direito à saúde não é capaz de produzir os liberdades públicas são irrestringíveis não se sustenta. 90 Isso colocou
efeitos desejados. em xeque, mesmo no âmbito das liberdades públicas, a distinção entre
Nesse sentido, pode-se dizer que a diferença entre os dois casos é normas de eficácia plena e normas de eficácia contida. Aqui, a questão
fática e temporal:'sx porque já existem tribunais eleitorais, seções, jun- é outra: é saber se entre as liberdades públicas e os direitos sociais há
tas etc., parece que a norma é de eficácia plena, que basta a si mesma;89 uma diferença que fundamente a distinção entre normas de eficácia
como não existem hospitais, médicos e medicamentos suficientes, plena (embora restringíveis) e normas de eficácia limitada.
acha-se o contrário. Em ambos os casos, no entanto, a atuação estatal Essa distinção é justificável apenas se as liberdades públicas con-
é necessária e imprescindível. Não existe, nesse sentido, nem mesmo tinuarem a; ser compreendidas como meros direitos de cunho liberal,
a partir de uma perspectiva dita "estritamente jurídica", norma de efi- que garantem um direito subjetivo dos indivíduos a uma abstenção
cácia plena. A única diferença é que em um caso as condições fálicas estatal'^ Nesses termos, seria possível imaginar que uma norma que
para sua produção de efeitos já existem. No outro, não (e não há recur- garanta uma liberdade pública tenha eficácia plena, pois seria exigido
sos disponíveis). Mas, como já se salientou acima — e será visto com apenas um não-fazer. Ocorre que esse conceito de liberdade pública é
mais detalhes adiante —, as condições f áticas não são algo externo ao por demais restritivo e já foi colocado em xeque há muito tempo. Não
direito e devem, por isso, ser consideradas também na análise consti- há que se fazer, aqui, uma digressão histórica a esse respeito, bastando
tucional que alguns autores denominam cie estritamente jurídica. apenas a referência àquilo que se convencionou chamar de dimensão
objetiva dos direitos fundamentais. Em linhas gerais, pode-se dizer
que, a partir dessa concepção, as liberdades públicas não garantem ape-
6.7.2.2 Exemplo 2: liberdades públicas e direitos sociais
nas direitos subjetivos aos indivíduos, mas constituem também uma
É claro que é possível imaginar que, ao menos nos casos de nor- dimensão objetiva de valores fundamentais. Deixando de lado todas
mas que garantam as chamadas liberdades públicas em sentido estrito as polémicas que tal conceito tenha suscitado no passado,92 o que mais
importa de perto, aqui, são suas consequências. A superação de uma
88. Quando se tala. aqui, em "fálica e temporal" não se quer dizer '"não-jurídi- concepção de liberdades públicas que garantam apenas uma absten-
ca", como se percebe ao longo de toda a análise.
89. Cf., nesse sentido. Víctor Abramovich/Christian Courtis. l.os derecltos so-
ciales como derechos exigihles. Madrid: Trotla. 2002. p. 24: "(...) a estrutura dos di- 90. Cf. tópico 6.6.1.
reitos civis e políticos pode ser caracterizada como um complexo de obrigações ne- 91. Essa conceituação de liberdades públicas pode ser enconlrada, por exemplo,
gativas e positivas por parte do Estado: obrigação de abster-se de atuar em certos em: Celso Ribeiro Bastos/Carlos Ayres Britto, Interpretação e aplicabilidade das
âmbitos e de realizar uma série de funções, com o i n t u i t o de garantir o gozo da auto- normas constitucionais, p. 44.
nomia individual e impedir a sua afetação por outros particulares. Dada a coincidên- 92. Sobre isso, cf., por todos: Horst Dreier. Dimcnsionen der Gnmdreclite.
cia histórica dessa série de funções positivas com a definição do Estado Liberal Hannover: Hennies & Zinkeisen. 1993: Michael Dolderer, Objektive Grundreclits-
moderno, n caracterização dos direitos civis e políticos tende u 'naturalizar' essa gehalte. Berlin: Duncker & Humblol. 2000: Hans D. Jarass. "Grundrechle ais Wer-
atividade estatal [positiva/ e pôr ênfase nos limites de sua atuação" (sem grifos no lenlseheidungen bzvv. objeklivrechlliche Prinzipien", A/iK 110 (1985). pp. 373 e ss.:
original). Cara uma análise crítica das consequências que Abramovich e Courtis tiram e Konrad Hesse, "Bestantl und Bedeutung der Grundrechle in der Bundesrepublik
de suas premissas, cf. Virgílio Afonso da Silva. "Tlie Limits of Constitutional L.avv: Deulschland", EuíiR/. 1978. pp. 430 e ss. Em português, cf., por todos, Daniel Sar-
Public Policies and the Constituiu»)", in ( í i l l e s Tarabout/Ranabir Samaddar (orgs.), mento, "A dimensão objetiva dos direitos fundamentais: fragmentos de uma nova
Conflict, Power, and the Landscapc oj (.'onstittiiiontilism. New Delhi/London: Rout- teoria", in José Adércio Leite Sampaio (org.). Jurisdição constitucional e direitos
ledge. 2007. pp. 167-181. fundamentais. Belo Horizonle: Del Rey. 2003. pp. 251-314.
236 DIRI-ITOS I - 1 Í N I ) A M F , N I A I S : CONTIiMX) K S S K N Í I A L . RHSTRIVÕliS l i H r l C A C l A H M C Á r l A DAS N O R M A S CONSTI'1 I V I O N A I S 237

cão estatal em lace da autonomia dos indivíduos deu lugar, sobretudo, tensa série de obrigações positivas, vinculadas à manutenção das ins-
a três novas formas de efeitos jurídicos para essas liberdades: ( l ) os tituições políticas, judiciais, de segurança e defesa, necessárias como
chamados efeitos horizontais, que são os efeitos dos direitos funda- condição do exercício da liberdade individual". 1 ' 5
mentais nas relações entre particulares; 1 ' 1 (2) os direitos de
Em sentido muito semelhante, também Háberle aponta para a
e (3) os direitos a organização e procedimentos.
necessidade de se compreender que os direitos fundamentais impõem
A partir desse paradigma, ficaria difícil sustentar que as normas duas espécies de tarefas ao legislador: "As garantias dos direitos fun-
que garantem Liberdades públicas tenham eficácia plena já a partir do damentais têm, assim, um conteúdo duplo. De um lado, significam elas
dia da promulgação da constituição. Sobretudo no que diz respeito aos uma proibição de se violarem os direitos fundamentais — nesse senti-
direitos de proteção e aos direitos a organização e procedimentos, a do, são elas um limite para o legislador; de outro lado, contêm elas um
eficácia plena da norma só pode surgir a partir do momento em que dever, endereçado ao legislador, de desenvolver cada um dos direitos
a proteção estatal é efetiva e as organizações e os procedimentos ne- fundamentais - nesse sentido, são elas objeto da legislação e contêm
cessários forem estabelecidos. Um exemplo pode deixar essa ideia um urna tarefei para o legislador".1'6
pouco mais clara. A norma que garante o direito de propriedade, en- O paralelo entre direito ao sufrágio e direito à saúde, feito no tó-
quanto norma que apenas exige uma abstenção estatal, seria de eficá- pico anterior, poderia, aqui, ser retomado com algumas modificações,
cia plena e aplicabilidade imediata. Mas o direito de propriedade só é que ampliariam seu escopo: de um lado as liberdades públicas, garan-
pleno se, de fato, o Estado cumprir seu dever de protegê-lo. Para tan- tidas por normas de eficácia dita plena; e de outro os direitos sociais,
to, é necessário legislar, criar e manter organizações — polícia. Poder garantidos por normas de eficácia dita limitada. A criação de condições
Judiciário etc.; é necessário criar um registro de imóveis; é necessário para a produção cie efeitos das liberdades públicas — via regulamenta-
pensar em procedimentos para a aquisição da propriedade - dentre ção, criação e manutenção cie organizações e procedimentos - equiva-
outras várias ações necessárias*. Sem tudo isso a norma não tem capa- leria, no âmbito, por exemplo, do direito à educação, à construção de
cidade de produzir os efeitos desejados. Em suma: sem regulamenta- escolas, contratação e treinamento de professores e auxílio aos estu-
ção, sem intervenção estatal, nem mesmo a norma que garante um
dantes carentes na compra cie material escolar; ou, no âmbito do direi-
direito individual ou uma liberdade pública tem capacidade de produ- to à moradia, à construção de casas e abertura de linhas populares de
zir esses efeitos. Nesse sentido. Abramovich e Courtis salientam que
financiamento etc. A diferença central entre eles é: enquanto as condi-
"até mesmo para os pensadores mais característicos da economia po- ções - institucionais, legais, materiais etc. - de produção de efeitos
lítica clássica, como Adam Smith e David Ricardo, era mais que óbvia dos direitos individuais, em geral, já existem, as condições - institu-
a inter-relação entre as supostas 'obrigações negativas' do Estado, em
especial em matéria de garantia da liberdade de comércio, e uma ex-
95. Víctor Abramovich/Christian Courtis, IMS derechos sociales como derechos
exigibles, p. 23 (sem grifos no original). Km sentido semelhante, cf. Faustino Contre-
93. Sobre esse tema, c f'., por Iodos: Wilson Steinmet/, A vincularão dos particu- ras Peláez, Derechos sociales: teoria e ideologia. Madrid: Teenos. 1994, p. 21: "Não
lares aos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros Editores. 2004; Daniel Sarmen- existem, em resumo, obrigações 'negativas' puras (ou. melhor, direitos que compor-
to, Os direitos fundamentais nas relações privadas. Rio de Janeiro: L.umen Júris, 2004 tem exclusivamente obrigações negativas) (...)".
e Virgílio Afonso da Silva, A constilncionali-ação do direito: os direitos fundamentais 96. Peter Hãberle, Die Wesens^eluilt^arantie dês Ari. 19 Abs. 2 Grundgesetz. p.
nas relações entre particulares. 1a ed.. 2' tir.. São Paulo: Malheiros Editores, 2008. 182 (grifo no original). Ao defender essa duplicidade de tarefas, Hãberle nada mais
94. Sobre os direitos (ou deveres) de proteção. c l"., por todos, Johannes Dietlein. faz que ser coerente com seu pressuposto teórico, segundo o qual direitos fundamen-
Die Lehre vou deu grundrechtlichen Scln/tzpflichten. Berlin: Dimcker & Humblot, tais são não apenas direitos subjetivos, mas têm também uma faceta institucional. Isso
1992, e Josef Isensee, "Das Grundrecht ais Abwehrrecht und ais staatliche Schutzpfli- não significa, contudo, que sua conclusão seja apenas possível no âmbito de seus
cht", in Josef Isensee/Paul Kirchhof (orgs.), Handbuch dês Staatsrec/its der Bundesre- pressupostos - que, de resto, foram rejeitados anteriormente neste trabalho (cf. tópico
publik Deittscliland, vol. V, § 1 1 1 . Heidelberg: Miiller. 1992, sobretudo pp. 181 e ss. 4.2.1.2).
23S D I R E I IOS F U N D A M E N T A I S : C O N F E U D O ESSENCIAL. RESTRIÇÕES H EFICÁCIA EFICÁCIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS 2.W

cionais, legais, materiais etc. — para a produção de efeitos dos direitos problemas está na definição de métodos - esse seria o otimismo me-
sociais e de outras normas de chamada eficácia limitada ainda não todológico;'"* ou (2) debates metodológicos são considerados como
existem." 7 Aqui, como se vê mais uma vez, a eficácia aproxima-se - e algo de pouca - ou nenhuma - importância. Neste trabalho a ênfase
muito - da cfetividade. no método não significa nem uma coisa, nem outra. Não significa
pouca importância do método, por razões óbvias; e não significa um
"otimismo metodológico", porque não se acha que o método define o
6.7.2.3 Normas de eficácia plena e de eficácia limitada: resultado.*' Mas a ênfase na clara definição do método permite, em
conclusão primeiro lugar, uma possibilidade maior de diálogo, por definir bem
os limites e as possibilidades do enfoque escolhido. Além disso - e
A partir do analisado até aqui, é possível sedimentar uma conclu- sobretudo neste capítulo -, a clara definiçãp do método deixará claro
são importante: se toda norma garantidora de direitos fundamentais que algumas distinções entre o que está dentro e o que está fora do
necessita, para produzir todos os efeitos a que se propõe, de algum âmbito jurídico acabam por tornar pouco nítidas relações necessárias
tipo de regulamentação, a distinção entre normas de eficácia plena e entre conceitos como, por exemplo, o de eficácia e o de efetividade.
normas de eficácia limitada perde seu sentido. Todas as normas, a Na exposição inicial sobre o método que pauta este trabalho fa-
partir dessa premissa, têm alguma limitação em sua eficácia. Como lou-se em três dimensões da dogmática jurídica: analítica, empírica e
foi ressaltado nos tópicos anteriores, é possível imaginar que as nor- normativa." 10 Na análise realizada nos últimos tópicos acima ficou
mas que garantem liberdades públicas, em sua dimensão exclusiva- clara uma polarização entre questões de eficácia e questões de efetivi-
mente negativa — ou seja, quando exigem única e exclusivamente uma dade. Em tópicos anteriores 101 chegou-se à conclusão de que eficácia
abstenção estatal -, possam revestir-se de eficácia plena. Mas as liber- e efetividade, em muitos dos casos importantes no âmbito dos direitos
dades públicas exigem, como já se salientou, muito mais que mera fundamentais, são conceitos que se aproximam. É possível concluir,
abstenção. E o problema é que ambas as exigências — abstenção e ação aqui, que pode ter sido a insistência na distinção estanque entre esses
- no âmbito das liberdades públicas (e também dos direitos políticos) dois conceitos que tenha levado a vários dos problemas relativos à
são dimensões da mesma norma. Ou seja, ainda que parte da norma icléia de eficácia plena, contida e limitada. José Afonso da Silva, na
pudesse ser de eficácia plena, a outra parte não o seria. A norma em seu introdução de sua monografia, restringe seu objeto de estudo e exclui
todo, portanto, acaba necessitando de algum tipo de ação estatal. dele o problema de saber se a norma constitucional produz efeliva-
mente seus efeitos. Segundo ele, "isso já seria uma perspectiva socio-
6.7.2.4 As dimensões da dogmática lógica", e seu tema "se situa no campo da ciência jurídica, não da
e a contraposição entre eficácia e efetividade sociologia jurídica". 102
No entanto, como se pretendeu demonstrar nos tópicos anterio-
Neste trabalho a ênfase no método já foi ressaltada diversas ve- res, as condições fálicas, sociais e institucionais para a produção dos
zes. No âmbito jurídico, debates sobre métodos costumam sofrer dois
tipos de exagero: (1) ou se imagina que a solução de quase todos os
98. Sobre o "otimismo metodológico", cf., por exemplo, Reinhold Schlothauer,
/MI- Krise der Verfassungsgerichtsbarkeit. Frankfurt a m Main: Europáische Verlag-
97. De uma certa fornia isso c reconhecido pelo próprio José Afonso da Silva. sanstalt. 1979. pp. 165 e ss. e Virgílio Afonso da Silva. "Interpretação constitucional
Segundo ele: "As condições gerais para essa aplicabilidade [das normas de eficácia e sincretismo metodológico", p. 143.
plena l são a existência apenas do aparato jtirisdicional. o que significa: aplicam-se 99. Como. exemplo disso, cf., sobretudo, o tópico 4.2.3.
só peio fato de serem normas jurídicas, que pressupõem, no caso, a existência do 100. Cf. tópico 1.3.
Estado e de seus órgãos" (sem grilos no original) (Aplicabilidade das normas cons- 101. Cf., entre outros, tópicos 6.7.2 e 6.7.2.2.
titucionais, p. 102). 102. José Afonso da Silva, Aplicabilidade das normas constitucionais, p. 13.
240 D 1 R H I I'OS I - U N D A M F . N T A I S : ('ON T Kl IX) I-;SSI-.NCIAI.. RI-STRICÕLiS F i I T I C A C I A hl I C Á C I A DAS N O R M A S CONSTITUCIONAIS 24,

efeitos de uma norma jurídica são parte do fenómeno jurídico. Mais as normas que garantem ambos os tipos de direitos, por que a justi-
que isso: fazem parte do objeto de estudo da dogmática jurídica - so- ciabilidade dos direitos sociais é mais complexa e mais controversa?
bretudo em sua dimensão empírica. Aquilo que se costuma chamar de
efetividade das normas constitucionais L\, parte do objeto de
estudo da ciência jurídica. Nesse sentido, Luís Roberto Barroso sa- 6.7.3.1 O custo dos direitos, ou por que a efetividade das normas
lienta que o direito "existe para realizar-se, e a verificação do cumpri- de direitos sociais é mais baixa104
mento ou não de sua função social não pode ser estranha ao seu obje- Se as diferenças entre liberdades públicas e direitos sociais são
to de interesse e estudo". 11 " menores que aquelas apontadas normalmente, por que, então, a efeti-
De fato, não pode. Imaginar que a real produção de efeitos das vidade das primeiras é maior que a dos direitos sociais? Parte da res-
rlormas constitucionais seja algo destacado do fenómeno jurídico está posta a essa pergunta já foi fornecida acima:" b boa parte dos requisi-
na fonte — como se quis demonstrar — de diversos problemas teóricos tos fálicos, institucionais e legais para uma produção (quase) plena
e classificatórios no âmbito das normas constitucionais. dos efeitos das liberdades públicas já existe, enquanto as reais condi-
E, se isso é assim, e se todas as normas, para produzir efeitos, ções para o exercício dos direitos sociais ainda têm que ser criadas.
dependem de condições intrínsecas e extrínsecas a elas, uma distinção A segunda parte cia resposta está intimamente ligada a essa pri-
que se baseie na necessidade ou na desnecessidade de intervenção meira: a criação das condições de exercício dos direitos sociais é,
estatal para a produção de efeitos dessa ou daquela norma é colocada pura e simplesmente, mais cara. Isso porque essas condições, além de
em xeque. Se toda norma depende de intervenção e de regulamenta- incluírem tudo aquilo que é necessário para a produção de efeitos das
ção para produzir efeitos, distingui-las em normas de eficácia plena e liberdades públicas - proteção, organizações, procedimentos etc. -,
normas de eficácia limitada deixa de fazer sentido. exigem algo a mais. E esse "algo a mais", além de pressupor recursos
financeiros não disponíveis, costuma ser específico para cada um dos
direitos sociais — o que aumenta ainda mais seus custos. Assim, en-
6.7.3 Digressão sobre a efetividade e justiciabilidade quanto boa parte dos custos das liberdades públicas é aproveitado de
dos direitos sociais maneira global por todas elas - legislação, organização judiciária etc.
Ainda que não seja o objeto deste trabalho uma análise dos pro- -, cada direito social exige uma prestação estatal exclusiva que só é
blemas de efetividade específicos dos direitos sociais, é necessário aproveitada na sua realização, mas não na realização de outros. Nesse
abordar - mesmo que de maneira não tão profunda e em caráter de bre- sentido, a construção e a manutenção de hospitais, contratação de mé-
ve digressão — algumas questões que poderiam ser suscitadas a partir
da negação da diferença tradicional entre as liberdades públicas como 104. Não é a intenção, aqui, nesta breve digressão, teorizar sobre os custos dos
direitos garantidos por normas de eficácia plena e os direitos sociais direitos — tema que. sobretudo a partir da publicação de Stephen Holmes/Cass Suns-
como direitos garantidos por normas de eficácia limitada. Essas ques- tein, The Cosi ofRii>hts: wliy í.iherty Depends ou Taxes. New York: Norton, 1999, tem
tões seriam: ( 1 ) Se não há grandes diferenças entre as normas que ga- despertado a atenção de alguns juristas também no Brasil. Nessa área, cf., por exemplo
- e independentemente da compatibilidade com o aqui exposto: Ana Paula de Bar-
rantem ambos os tipos de direitos, por que, então, há uma menor efe- cellos, A eficácia jurídica dos princípios constitucionais. Rio de Janeiro: Renovar.
tividade dos direitos sociais? E: (2) Se não há grandes diferenças entre 2002. pp. 236 e ss.: Flávio Galdino. Introdução à teoria dos custos dos direitos. Rio
de Janeiro: Lumen Júris. 2005; e José Casalta Nabais, "A face oculta dos direitos fun-
damentais: os deveres e os custos dos direitos", in Tribunal Constitucional (org.). Es-
103. Luís Roberto Barroso, "A doutrina brasileira da efetividade", in Luís tudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Conta, Coimbra:
Roberto Barroso, Temas de direito constitucional, vol. I I I , Rio de Janeiro: Renovar, Coimbra Kditora. 2003, pp. 737-767.
2005, p. 67. 105. Cf. tópico 6.7.2.1.
242 niRF.nos FUNDAMKNTAI.S: coNTi-úuo I-:SSI-:NCIAI.. KHSTKICÕHS i. F.HCÁCIA EFICÁCIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS 24.<

dicos, compra de caros materiais hospitalares, organi/ação de progra- Em primeiro lugar, a dificuldade de obter uma tutela jurisdicional
mas de combate a epidemias, entre outras coisas, só são aproveitadas satisfatória no âmbito dos direitos sociais reside no caráter coletivo
para a realização de um único direito social, o direito à saúde. O mes- desses direitos. Ainda que se possa dizer que cada indivíduo tenha um
mo vale para a construção e a manutenção de escolas, contratação de direito à saúde, um direito à educação, ao trabalho e à moradia, a rea-
professores, compra de material escolar e de alimentos para a merenda, lização desses direitos é algo que só é possível se pensada coletiva-
organização de programas de aperfeiçoamento didático para professo- mente. Os procedimentos judiciais, sobretudo no Brasil, não estão,
res, no caso do direito à educação; de construção de casas e abertura contudo, aptos a dar vazão a pretensões judiciais dessa natureza. Todo
de créditos habitacionais, no caso do direito à moradia.""' direito processual é pensado - e as raríssimas exceções não mudam
esse quadro - para uma litigância individual. Quando existentes, as
<
ações coletivas, com raríssimas exceções,T°9 pouca diferença têm em
6.7.3.2 Justiciabilidade
relação a ações individuais, a não ser um número maior de litigantes
Uma segunda questão importante que pode surgir a partir da tese no pólo at^vo de uma determinada ação.
aqui defendida acerca da semelhança entre as normas de eficácia ple- Em segundo lugar, há uma questão ligada à diferença que costu-
na e as normas de eficácia limitada seria: por que razão a tutela juris- ma ser apontada entre as liberdades públicas e os direitos sociais. A
dicional de direitos subjetivos, no âmbito dos direitos sociais, tende a despeito das relativizações levadas a cabo neste capítulo, não se quis,
ser mais complexa, controversa ou simplesmente negada? Há várias em momento algum, igualar as liberdades públicas aos direitos sociais.
razões possíveis, e não é, também aqui, factível fazer uma análise A diferença comumente apontada pela doutrina entre eles ainda se man-
aprofundada delas.107 Mas é possível dar algumas indicações de moti- tém, embora relativizada: enquanto as liberdades públicas exigem, em
vos que não se relacionam diretamente com a classificação das nor- geral, um não-fazer, os direitos sociais exigem, também em geral, um
mas quanto à sua eficácia. 108 fazer. O cerne das liberdades públicas é, portanto, de fato, a exigência
de uma abstenção estatal. Enquanto direitos sociais exigem sobretudo
prestações estatais. 110
106. Há, claro, além de tudo, um problema de prioridades na alocação dos re-
cursos escassos disponíveis. Essa alocação é definida, com as raríssimas exceções de A dificuldade na Justiciabilidade dos direitos sociais reside, por-
vinculação fixa de receitas orçamentarias, com base em critérios sobretudo políticos. tanto, no fato de que é seu cerne que está em jogo, que é a exigência
A definição do que será alocado para a realização de direitos sociais acaba dependen- de uma prestação positiva por parte do Estado. Essa dimensão positi-
do de uma pressão social por parte justamente daqueles que. em geral, têm menos
meios de fazer essa pressão. va, no caso das liberdades públicas, como já foi sublinhado em tópico
107. Cf., sobre essa questão, dentre tantos outros: Victor Abramovich/Christian anterior,"1 já está assimilada à própria função do Estado, e, portanto,
Courtis, Los derechos sociales como derechos exigihles, Madrid: Trotta, 2002: José dificilmente surge em processos judiciais. Mas não é difícil imaginar
Reinaldo de Lima Lopes. "Direito subjetivo e direitos sociais", in José Eduardo Faria que também no âmbito das liberdades públicas, garantidas por normas
(org.). Direitos humanos, direitos sociais e justiça, 1 J ed., 44 tir.. São Paulo: Malhei-
ros Editores, 2005, pp. 113-143; Cristina Queiroz. "Direitos fundamentais sociais: ditas de eficácia plena, a tutela jurisdicional de alguns pontos seria tão
questões interpretativas e limites de Justiciabilidade". in Virgílio Afonso da Silva,
Interpretação constitucional, I a ed., 2 a tir. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, pp.
165-216; e Rodolfo Arango, Der Begriff der sozialen (irundrectite, Baden-Baden: 109. A principal delas seria, claro, a ação civil pública.
Momos, 2001. pp. 101 e ss. (existe tradução espanhola). 110. A aceitação dessa diferença, ainda que com as relativizações grifadas no
108. Até porque, estritamente considerados, eficácia e justiciahilidaile não são texto, não põe a perder o que foi defendido neste capítulo. Isso porque o simples fato
conceitos que guardam uma relação necessária. Uma norma poderia ser de eficácia de se aceitar que liberdades públicas, além de exigirem, cm geral, omissões estatais,
plena mesmo que não houvesse qualquer forma de recorrer ao Judiciário em caso de também podem exigir - e exigem - intervenções já é o suficiente para desclassificai-
seu descumprimento. O oposto também vale: uma norma pode ser de eficácia l i m i t a - as normas que as garantem como normas de eficácia plena e bastantes em si.
da e a possibilidade de sua Justiciabilidade em nada mudaria essa característica. 111. Cf. tópico 6.7.2.2.
244 DIREITOS FUNDAMENTAIS: CONTEÚDO ESSENCIAL. RESTRIÇÕES E EFICÁCIA EFICÁCIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS 245

problemática, complexa ou negada como ocorre no âmbito dos direi- cão, que reflete a ideia central da teoria externa, não pode ter lugar em
tos sociais. Basta pensar em uma ação judicial que exigisse maior um modelo que sustente a existência de normas de eficácia plena e
ação estatal para a garantia de uma imprensa plural e independente, que sejam irrestringíveis, já que a passagem do direito prima fade
como forma de realização de uma liberdade pública como o direito à para o direito definitivo é justamente a expressão desse processo de
informação; ou uma ação que pleiteasse a construção de nova delega- restrição/regulamentação.
cia e a contratação de novos policiais para determinada cidade, como (2) Isso faz com que o recurso a qualquer forma de limitação
forma de garantir o direito de propriedade de alguns fazendeiros, inco- implícita (limites imanentes) a direitos fundamentais seja rejeitada.
modados com ocupações de movimentos de trabalhadores rurais sem- Toda e qualquer limitação é decorrência de uma restrição externa ao
terra. Tais pedidos, pela via judicial, suscitariam as mesmas perplexi- direito fundamental (teoria externa). Nesse sentido, normas de eficácia
jlades que pedidos de construção de creches, escolas, hospitais ou de plena, de eficácia contida e de eficácia limitada (modelo José Afonso
fornecimento de remédios e pagamento de tratamentos médicos cos- da Silva) são suscetíveis, na mesma medida, a restrições. Nada as di-
tumam suscitar. Eles são, no entanto, pedidos relativos à realização de ferencia, ne^sse aspecto.
liberdades públicas, garantidas por normas que, pelo que se percebe,
não têm eficácia de todo plena. (3) Como visto no capítulo 5, a única forma de se construir um
modelo sobre a garantia de um conteúdo essencial dos direitos funda-
mentais que seja compatível com os pressupostos da teoria dos prin-
6.8 Teoria externa, suporte f ático amplo cípios é a partir da compreensão de um conteúdo essencial relativo.
e eficácia dos direitos fundamentais No caso dos modelos tradicionais acerca da eficácia das normas cons-
titucionais a garantia de um conteúdo essencial depende do tipo de
Antes de concluir, no próximo tópico, com uma breve avaliação norma em questão.
das consequências que as teses^defendidas neste capítulo têm na prote- (3.1) Nos casos de direitos fundamentais garantidos por normas
ção aos direitos fundamentais, parece-me indicado retomar a linha que ditas de eficácia plena o conteúdo essencial do direito é idêntico ao
vinha sendo desenvolvida ao longo de todo o trabalho e complementá- conteúdo total. Isso porque, como se viu, nesses casos, o que se de-
la, de forma concisa, com os resultados obtidos nos últimos tópicos. fende é uma impossibilidade de qualquer restrição. Se não é possível
As incompatibilidades do modelo aqui proposto com as teorias restringir, o essencial é igual ao total. Trata-se, portanto, de um nú-
tradicionais acerca da eficácia das normas constitucionais, sobretudo cleo não apenas absoluto, mas que ocupa todo o âmbito de proteção
na versão desenvolvida por José Afonso da Silva, decorrem principal- do direito.
mente dos seguintes fatores:
(3.2) Nos casos de direitos fundamentais garantidos por normas
( l ) A aceitação de um suporte fálico amplo para os direitos fun- ditas de eficácia contida (ou restringível) a definição do conteúdo es-
damentais implica uma extensão do âmbito de proteção de todos os sencial é mais complexa. Nenhum dos autores que diferenciam entre
direitos fundamentais e do conceito de intervenção estatal. A extensão normas de eficácia plena e normas de eficácia contida (ou restringível)
do âmbito de proteção tem como consequência natural um aumento - José Afonso da Silva, Maria Helena Diniz, Pinto Ferreira, Michel
das colisões entre direitos fundamentais. Esse aumento, como visto, Temer, dentre outros - fornece subsídios para se saber quais graus de
só pode ser resolvido via sopesamento ou via aplicação da regra da restrição são aceitos e quais não são. Na ausência desses critérios, seria
proporcionalidade. Isso vale para todos os direitos, sobretudo para as possível sustentar qualquer forma de garantia de um núcleo essencial
liberdades públicas. Com isso, pressupõe-se, de início, a restringibili- e, no limite, até mesmo a negação da existência desse núcleo.
dade de todos os direitos fundamentais, baseada na distinção, vista no (3.3) Por fim, nos casos de direitos fundamentais garantidos por
capítulo 2, entre direitos prima fade e direitos definitivos. Essa distin- normas ditas de eficácia limitada, sobretudo no caso dos direitos só-
Hl i r Á C I A DAS N O R M A S CONSTITUOONAIS 247
246 DIREITOS I - U N D A M L N l AIS: ( OM Kl DO h S S H N T I A I . RI :s [ R I Ç Õ I . S li KHCÁCIA

ciais, parece também ser muito difícil analisar qual poderia ser seu distinção que dependa da aceitação ou rejeição de regulamentações a
conteúdo essencial. Isso porque, em geral, essas são normas que, se- direitos; logo, não se pode distinguir entre normas de eficácia plena e
gundo os modelos tradicionais, dependem de regulamentação e de normas de eficácia limitada.
intervenção estatal para iniciar sua produção de efeitos. Via de regra, Em um primeiro momento poder-se-ia imaginar que uma ampla
nem mesmo se cogita falar em restrição a tais direitos, já que o que abertura para restrições e regulamentações a direitos fundamentais,
ocupa a doutrina, nesses casos, é algo que parece ser anterior à possi- defendida como consequência natural dos pressupostos deste traba-
bilidade de restrição, que é a própria criação de condições para que lho, poderia significar um risco à sua proteção. Com base no que já foi
eles produzam algum efeito. Se tais normas, a partir do texto consti- analisado, sobretudo nos Capítulos 3 e 4, não é difícil perceber que o
tucional, dispõem de quase nenhuma condição de produzir efeitos, que ocorre é justamente o contrário. Para demonstrar isso, parece-me
hão faria sentido restringir sua eficácia, pois pouco ou nada há a ser interessante continuar a usar as categorias 3qui rejeitadas - normas de
restringido. Aqui, também, fica difícil pensar em um conteúdo essen- eficácia plena, contida e limitada - para fazer uma breve comparação.
cial, absoluto ou relativo.
«
Sobretudo nesse último caso, as conclusões possíveis a partir
dos pressupostos deste trabalho são muito distintas. É o que se verá 6.9.7 Normas de eficácia plena
a seguir. O conceito tradicional de normas de eficácia plena, que seriam
normas não-restringíveis e não-regulamentáveis, parece oferecer uma
6.9 Conclusão: ótima proteção aos direitos que garantem. Como seria possível susten-
eficácia e garantia dos direitos fundamentais tar - como aqui se sustenta - que a rejeição desse conceito e a defesa
de que toda norma é restringível e regulamentável possam oferecer
Se fosse necessário sintetr/ar as conclusões gerais do trabalho até uma proteção ainda maior? Decerto, a ideia é contra-intuitiva. Mas
aqui, pelo menos no âmbito que interessa a este capítulo, poder-se-ia seus contornos já foram delineados anteriormente." 3
dizer: todos os direitos fundamentais são restringíveis e todos os direi- Se, de fato, houvesse alguma possibilidade de normas absolutas,
tos fundamentais são regulamentáveis. Km geral, é até mesmo difícil não-regulamentáveis e não-restringíveis, dificilmente seria possível
— às vezes, impossível — distinguir o que é restringir e o que é regula- imaginar proteção maior. Ocorre que toda teoria que sustenta a exis-
mentar direitos. Em vista disso, a conclusão - que já foi mencionada tência desse tipo de norma (como seria o caso das normas de eficácia
ao longo do capítulo - só pode ser a seguinte: se tudo é restringirei, plena) recorre, na verdade, implícita ou explicitamente, à ideia de li-
perde sentido qualquer distinção que dependa da aceitação ou rejeição mites imanentes e aos pressupostos da teoria interna. Ou seja, tais
de restrições a direitos; logo. não se pode distinguir entre normas de normas nada mais são que normas cujos limites são definidos interna-
eficácia plena e normas de eficácia contida ou restringível. Além dis- mente. Para que isso possa ser possível, já se viu que é necessário re-
so, se tudo é regulamentável e. mais que isso, depende de regulamen- correr à exclusão de uma série de condutas, de estados e de posições
tação para produzir todos os seus efeitos,^2 perde sentido qualquer jurídicas do âmbito de proteção de vários direitos fundamentais." 4 So-
mente assim tornar-se-ia possível a convivência harmónica entre vá-
112. Cf., nesse sentido. Konrad Hesse. íinind-.iige "'<'•'> V<'rf(ixxutit>srechtx der rios direitos potencialmente conflitantes sem a necessidade de uma
Biindesrepiiblik Deutxdiltiiid. S 303. p. 129: "Para produzir efeitos, a maioria dos restrição ou uma regulamentação externa. Ocorre que, como já visto,
direitos fundamentais depende de unia regulamentação jurídica das relações e dos
âmbitos da vida que eles devem garantir. Fissa regulamentação é. em primeira linha,
tarefa do legislador ordinário. Fila pode se basear em uma exigência constitucional
expressa (...). Mas ela pode também se mostrar necessária independentemente desse l 13. Cf., por exemplo, tópicos 3.3.2.2.2. 3.3.3.3 e 4.4.6.
tipo de exigência" (grifos no original). l 14. Cf., por exemplo, tópico 3.3.2. l .2.
F.HCÁCIA DAS NORMAS CONSTI I V C I O N A I S 249
24S n i R I . I T O S R NDAVH.NTAIS: CONTLÚOO HSSBNCI AL. RHSTRlÇÒFiS I-. lií ÍCACIA

a exclusão a priori de condutas da proteção dos direitos fundamentais 6.9.2 Normas de eficácia contida
sofre de graves problemas argumentativos. Mais que isso: quando se Nos casos das normas de eficácia contida ou restringirei a dife-
pressupõe que determinada conduta não é protegida por um direito, rença entre a conceituação tradicional e o modelo aqui proposto pare-
proibir essa mesma conduta é algo que pode ser realizado sem justifi- ce ser menos patente, mas essa é uma impressão equivocada. O que
cação constitucional. Os exemplos da ADI/MC 2.566 e do MS 21.729 se poderia imaginar é que, corno o modelo que aqui se defende sus-
são claros." 1 De um lado, para definir a liberdade de expressão e o tenta que toda norma é restringível, então, para ele, valeriam todas as
direito à privacidade como normas de eficácia plena, não-restringíveis características que a classificação tradicional imputa às normas de efi-
e não-regulamentáveis, seria necessário excluir condutas como o pro- cácia contida ou restringível. Na realidade, o que há de comum entre
selitismo e o sigilo bancário do âmbito de proteção desses direitos. ambos os enfoques é apenas a idéia-mestraj normas que podem ter sua
1 Somente assim seria possível restringir tais condutas sem ferir o cará- eficácia restringida. Mas há uma diferença essencial. A classificação
ter não-restringível e não-regulamentável dessas normas. De outro la- tradicional, ao se contentar com um critério meramente textual, impõe
do, contudo, a vedação ao proselitismo nas emissoras comunitárias e poucos crtíérios de controle e ónus argumentativos para as restrições
a restrição ao sigilo bancário em alguns casos, por não serem condutas dessas normas. Como é a própria constituição que, nesses casos, au-
ou posições jurídicas nem ao menos protegidas por tais direitos, po- toriza alguma regulamentação ou alguma restrição por meio de lei
deriam ser feitas sem qualquer necessidade de fundamentação consti- ordinária, o legislador teria uma margem de atuação discricionária -
tucional. O que não é protegido pela constituição pode, nesse modelo, aqui entendida como "independente de fundamentação" - razoavel-
ser proibido, restringido ou autorizado de acordo com meros juízos de mente grande. No entanto, como ficou claro ao longo deste trabalho,
conveniência do legislador ordinário. Daí o déficit de proteção que tal qualquer possibilidade de restrição a direitos fundamentais, autoriza-
modelo oferece. da ou não textualmente pela constituição, impõe sérios ónus de funda-
mentação ao legislador e está sempre submetida ao controle da pro-
No caso do modelo aqui defendido, embora se pressuponham a
porcionalidade. Essa imposição extra, inexistente nas classificações
restringibilidade e a necessidade de regulamentação de todos os di- tradicionais, confere exigências maiores à atividade do legislador que
reitos fundamentais, sustenta-se, ao mesmo tempo, um suporte am- restringe ou regulamenta direitos fundamentais. Daí uma tendência
plíssimo para eles, como já ficou claro no capítulo 3. Diante disso,
também a um maior grau de proteção.
é necessário aceitar, a partir desse modelo, que a liberdade de ex-
pressão e o direito à privacidade protegem, respectivamente, o pro-
selitismo de qualquer natureza e o sigilo bancário. A partir desse pon- 6.9.3 Normas de eficácia limitada
to de partida, embora se admita a restringibilidade desses direitos,
isso somente é possível em face das condições de cada situação con- O caso das normas ditas de eficácia limitada é um pouco mais
creta. Além disso, qualquer restrição ou regulamentação depende de complexo. Aqui serão mais uma vez usados como exemplo os direitos
uma justificativa constitucional. Por fim, ao proteger tais condutas e sociais, já que são, no âmbito dos direitos fundamentais, as normas que,
por excelência, são consideradas como normas de eficácia limitada.
posições jurídicas, esses direitos fundamentais, se são suscetíveis. de
um lado, a restrições e regulamentações, impõem ao legislador ordi- Como foi visto anteriormente,"6 também os direitos sociais de-
nário, por outro lado, um ónus argumentativo que está ausente nos vem ser concebidos como direitos com suporte fálico amplo. Isso sig-
modelos que sustentam a plenitude e o "bastar em si" de certas nor- nifica que a não-regulamentação ou a não-realização daquilo exigido
mas constitucionais. por esses direitos é, ainda que por omissão, uma restrição a esses di-

l 15. Cf. tópicos 3.3.3.1 c 3.3.3.2. [16. Cf. sobretudo tópico 3.2.4.1 e a nota 148 no tópico 3.3.2.2.1.
250 n i K I T I O S h V N I J A M H N IMS CON l i : 0 l > < > KSSI-.NCIAI., RliSTRIÇÕKS K F H C Á C I A 1.1 I C Á C I A D A S NORMAS ( ' ( ) N S I I I VCIONAIS 251

reitos. O estudo da chamada inconstitticionalidade por omissão, que restrição não-fundamentada é violação. 121 Isso ficou claro com o ex-
teve seu auae nos primeiros anos de vigência da constituição de posto anteriormente acerca do suporte fático dos direitos sociais. 122 A
1988,"7 sofreu acentuado declínio nos últimos anos."s A hipótese que partir desse pressuposto, não são compatíveis com o modelo aqui pro-
pode ser formulada, neste ponto, é a seguinte: esse declínio está inti- posto nem a simples inação do Poder Judiciário, como acaba de ser
mamente associado à ideia de norma de eficácia limitada. Se norma visto, nem o ativismo incontrolado. 123 Ou seja: para dar ensejo a algu-
de eficácia limitada é aquela que depende de intervenção e regulamen- ma intervenção do Judiciário nesse âmbito, não basta que se verifique
tação por parte do legislador ordinário (e também do Poder Executi- que uma ação que poderia eventualmente realizar um direito funda-
vo), e se "não é possível obrigar o legislador a legislar"," 9 pouco po- mental não tenha sido realizada - por exemplo, a compra de remédios
deria ser feito nesse âmbito. 12 " Quase toda a jurisprudência do STF para combater determinada doença; é necessário, além dessa verifica-
resume-se a esse raciocínio. Ou seja: sempre que se recorre à ideia de ção, que se analise se há, ou não há, fundamentação jurídico-constitu-
normas de eficácia limitada ou normas programáticas, o resultado já é cional para a omissão. Somente nos casos de omissão infundada é que
conhecido: só resta aguardar a ação dos poderes políticos. se poderia imaginar alguma margem de ação para os juizes nesse
E o que o modelo aqui defendido pode mudar, nesse cenário? âmbito. *
Não é possível, por razões óbvias, que um modelo teórico tenha con- Isso passaria a exigir - essa é a hipótese que aqui se defende - um
dições de alterar um problema complexo como o da realização de diálogo constitucional entre os três poderes.124 É claro que isso tam-
direitos sociais em um país com os problemas do Brasil. Mas é possí- bém exigiria que a separação rígida de poderes, na forma como muitas
vel que esse modelo crie novas exigências que possam alterar a forma vezes é defendida no Brasil, fosse repensada. Não é o caso de fazer
como a atividade jurisdicional encara o problema. Essas exigências isso aqui, já que abriria um tema paralelo. Mas a simples ideia de que
são semelhantes àquelas já analisadas para o caso das liberdades pú- a não-realização de algo exigido é equivalente a uma restrição, e que
blicas. Ou seja. não se trata, pura e simplesmente, de um debate ma- exige fundamentação, pode ser um primeiro passo para uma proteção
niqueísta sobre a possibilidade de realização de direitos sociais por mais eficiente ou, pelo menos, para uma maior transparência no trato
meio de decisões judiciais, mas da imposição de ónus argumentativos cios direitos sociais.
ao legislador ou ao administrador. Se toda não-realização de direitos
que exigem uma intervenção estatal é uma forma de restrição ao âm-
bito de proteção desses direitos, a consequência natural, como ocorre
em todos os casos de restrições a direitos fundamentais, é uma exigên-
cia cie fundamentação. Restrição fundamentada é restrição possível;

121. Para uma análise aprofundada da distinção entre intervenção, restrição


l 17. Cf., por todos, Flávia Piovesan, Proteção judicial contra omissões legisla- e violação, cf., por todos, Gertrude Liibbe-Wolff, Die Grundrechte ais Eingriffsab-
tivas: ação ílireta de inconstitncioimlidade por omissão e mandado de injunção. São wehrrechte. Baden-Baden: Nomos,1988.
Paulo: Ed. RT, 1995. 122. Cf. tópico 3.2.4.1.
l l H. Há, contudo, algumas exceçõcs. Cf., por exemplo, Walter Claudius Rothen- 123. Sobre isso. fazendo menção a um "voluntarismo irracional", p. 142.
burg, Inconstitucionalidade por omissão e troca de sujeito. São Paulo: Ed. RT, 2005. 124. Cf., nesse sentido. Virgílio Afonso da Silva, "The Limits of Constitutional
l 19. Cf., nesse sentido, por todos. José Afonso da Silva, Curso de direito cons- Lavv: Public Policies and the Constitution", p. 178: "Se (...) juizes não devem distri-
titucional positivo, 30a ed.. São Paulo: Malheiros Editores. 2008, pp. 55-56. buir medicamentos ou benefícios similares aos indivíduos, eles devem estar aptos a
120. Isso não exclui, claro, iniciativas pontuais - de eficiência polémica - de canalizar pretensões individuais e, em uma espécie de processo de diálogo constitu-
realização cie direitos sociais por meio de decisões judiciais. O cenário, contudo, não cional, exigir justificações objetivas e transparentes acerca da alocação de recursos
muda. A eficácia "plena" dos direitos sociais continua a depender das intervenções públicos por meio de políticas públicas, de forma a poder, sempre que necessário,
dos chamados poderes políticos — Legislativo e Executivo. discutir e contestar tais alocações com os poderes políticos".
CONCLUSÃO 253

A partir desse pressuposto - ou seja, a partir de uma proteção


amplíssima, ainda que prima fade. a essas condutas, estados e posi-
ções jurídicas -, há uma tendência a um grande aumento no número
de colisões entre direitos fundamentais. Hssa tendência leva a uma
necessidade de restrição a direitos fundamentais quando isso for ne-
cessário para a solução de colisões. Todo direito fundamental é, por-
tanto, restringível.
Capítulo 7
CONCLUSÃO
7.3 Proteção aos direitos fundamentais
7. l Introdução. 7.2 Restrições nos direitos fu/idainenlais. 7.3 Proteção Um trabalho que propõe a restringibilidade de todos os direitos
aos direitos fundamentais. 7.4 Eficácia di/s normas constitucionais. fundamentais pode dar a impressão inicial de, com isso, legitimar
também uma diminuição no grau de proteção desses direitos. Como
se quis demonstrar ao longo desta obra, é justamente o contrário o
7.1. Introdução que ocorre.
Não será feita, neste breve capítulo, uma lista de conclusões ou uma A explicitação da restringibilidade dos direitos fundamentais é
lista das teses defendidas ao longo deste trabalho. A tese, que se procu- acompanhada, no modelo aqui defendido, de uma exigência de funda-
rou fundamentar ao longo de todo o trabalho, já foi exposta no primeiro mentação constitucional, para qualquer caso de restrição, que não está
capítulo.1 Querer fazer uma espécie de "resumo" do trabalho inteiro em presente em outras teorias. O que aqui se defende, portanto, é a tese
uma lista tópica seria superficial demais e não teria grande valia. Além de que a diminuição da proteção não está na abertura das possibilida-
disso, seria simplificar todos os argumentos utilizados, expostos cada des de restrição, já que elas impõem um ónus argumentativo ao legis-
um a seu tempo, com a devida fundamentação. Neste capítulo, a tese lador e ao juiz; uma diminuição na proteção aos direitos fundamentais
inicial será retomada como forma de fecho de toda a argumentação. ocorre, na verdade, naquelas teorias que recorrem a figuras pouco cla-
ras como limites imanentes, conteúdos absolutos, especificidade, ou a
outras formas de restrição ao suporte tatico dos direitos fundamentais.
7.2 Restrições aos direitos fundamentais Nessas teorias a restrição ocorre de forma disfarçada, com base em
uma exclusão a priori de condutas, estados e posições jurídicas de
Esta tese funda-se em um modelo de direitos fundamentais que qualquer proteção. Como ficou claro ao longo do trabalho, essas teo-
tem duas características principais: ( 1 ) ao contrário do que defende a rias, ao excluir de antemão essa proteção, liberam o legislador e o
teoria interna, é imprescindível distinguir os direitos fundamentais de aplicador do direito de qualquer ónus argumentativo. A partir delas,
suas restrições - rejeita-se, portanto, o conceito uno cie direitos com por exemplo, proibir o proselitismo nas emissoras comunitárias ou
seus limites imanentes', e, (2) ao contrário do que sustentam teorias criar qualquer exceçao ao sigilo bancário são atos que podem ser rea-
baseadas em um suporte fálico restrito, não se deve excluir de ante- lizados, sem necessidade de fundamentação constitucional, pelo le-
mão, da proteção dos direitos fundamentais, condutas, estados e posi- gislador ordinário, visto que se nega, de antemão, a inclusão de um
ções jurídicas que tenham algum elemento, por mais ínfimo que seja, (proselitismo) e de outro (sigilo bancário) na proteção dos direitos
que justificaria tal proteção. fundamentais. O ónus argumentativo, como se vê, desaparece.
É fácil perceber, portanto, que a possível relativização dos direitos
I. Cf. tópico 1.5. fundamentais, que encontra sua expressão maior na negação de um
254 I M K 1 . I 1 0 S l C N D A M I . N I A I S : ( O X T I . I M J O HSSHN< IAL. KHSTRIÇOr.S I-. l - . l i r A C I A

conteúdo essencial desses direitos que não seja também meramente me iro ponto - (2) a crença na possibilidade de distinção estrita entre
relativo, não é o produto de um "relativismo niilista", ou algo seme- eficácia e efetividade.
lhante. É, ao contrário, uma tentativa de criar condições de diálogo in- A partir da análise levada a cabo no capítulo anterior tentou-se
tersubjctivo e de controle social da atividade do Legislativo e do Ju- demonstrar, portanto, que toda norma que garante um direito funda-
diciário, a partir de um modelo que impõe, a todo tempo, exigências mental tem alguma limitação na sua eficácia. Ou seja: todas as normas
de fundamentação. O relativismo, portanto, está, aqui, claramente em são de eficácia limitada.
conexão com as exigências de um Estado Democrático de Direito, que Aqui, mais uma vez, poder-se-ia imaginar que a tese defendida
não aceita a restrição aos seus direitos mais fundamentais de forma implica menor grau de proteção aos direitos fundamentais. Mais uma
acobertada, por meio do recurso a intuições, muitas vezes moralistas, vez, o que ocorre é o contrário. A classificação de José Afonso da
e a pré-compreensões mal-esclarecidas. Silva teve o inegável mérito de romper com a concepção de norma
constitucional despida de qualquer eficácia. Essa é uma ideia agora
7.4 Eficácia das normas constitucionais consolidada. O que aqui se propõe é tentar ir um pouco além.
A consolidação da classificação tríplice, sobretudo destacada de
\r da consolidação da ideia de que todo direito fundamental seu intento inovador inicial, acabou por gerar, com o passar do tempo,
é restringível, colocou-se em xeque a tradicional distinção das normas uma situação que impede um maior desenvolvimento da eficácia dos
constitucionais, quanto à sua eficácia, em normas de eficácia plena, direitos fundamentais. Essa situação pode ser resumida da forma que
normas de eficácia contida e normas de eficácia limitada. se segtie.
A distinção entre normas de eficácia plena e normas de eficácia De um lado, a crença na eficácia plena de algumas normas, so-
contida foi colocada em xeque^porque se baseia justamente na possi- bretudo no âmbito dos direitos fundamentais, solidificou a ideia de
bilidade ou impossibilidade de restrições. Normas de eficácia plena que não é nem necessário nem possível agir, nesse âmbito, para de-
não seriam restringíveis. enquanto as normas de eficácia contida se- senvolver essa eficácia. Se ela é plena, nada mais precisa ser feito.
riam. Contudo, se todos os direitos fundamentais são restringíveis, a Quanto mais essa crença for mitigada, como é o caso das conclusões
distinção perde sua razão de ser. deste trabalho, tanto maior será o ganho em eficácia e efetividade.
Seria possível imaginar, contudo, que permaneceria a distinção Para mencionar apenas um exemplo: se se imagina que a liberdade de
entre as normas de eficácia plena e as normas de eficácia limitada.2 imprensa é garantida por uma norma de eficácia plena, pode ser que a
De eficácia plena seriam as normas que desde a promulgação da cons- consequência dessa premissa seja a sensação de que já se atingiu o
tituição já reúnem todos os elementos necessários para a produção de ápice da normatividade constitucional. Ao se mitigar essa ideia, torna-
todos os efeitos desejados. De eficácia limitada, ao contrário, seriam se possível exigir, por exemplo, ações que criem as condições não
aquelas normas que dependem de alguma regulamentação posterior apenas de uma imprensa livre, mas de uma imprensa livre, plural e
que lhes complemente a eficácia. Contudo, como se tentou demons- democrática.
trar no capítulo 6, essa é uma distinção que se baseia em dois pontos De outro lado, a constatação de que algumas normas têm eficácia
de vista no mínimo questionáveis: (1) a crença de que alguma norma meramente limitada pode levar a duas posturas diversas: com base em
pode produzir todos os seus efeitos sem as necessárias condições fá- uma determinada concepção de separação de poderes pode-se imagi-
licas, jurídicas e institucionais para tanto e - pressuposto desse pri- nar que nada resta aos operadores do direito, sobretudo aos juizes,
senão esperar por uma ação dos poderes políticos; com base em con-
2. Nesse sentido, et., por exemplo, Ingo Wolfgang Sarlet. A eficácia dos e/irei tos cepção diversa, pode-se imaginar que a tarefa do operador do direito,
fundiimentais, p. 25 l . sobretudo do juiz, é substituir os juízos de conveniência e oportuni-
256 DIRF.ITOS F U N D A M E N T A I S : CONTECDO ESSENCIAE. RESTRIÇÕES E EFICÁCIA

dade dos poderes políticos pelos seus próprios. Segundo o modelo que
aqui se detende, nem uma nem outra posturas são as mais adequadas.
Com a ênfase, reiterada a todo instante, nas exigências argumen-
tativas que as restrições e a proteção aos direitos fundamentais im-
põem, a postura mais adequada parece ser aquela que se disponha a
um desenvolvimento e a uma proteção dos direitos fundamentais ba-
seados nem na omissão nem na ação isolada e irracional, mas a partir
de um diálogo constitucional fundado nessas premissas de comunica-
BIBLIOGRAFIA CITADA
ção intersubjetiva entre os poderes estatais e a comunidade.

Abramovich, Víctor/Courtis, Christian. Los derechos sociales como derechos exigi-


bles. Madrid: Trotta, 2002.
Alexy, Robert. "Arthur Kaufmanns Theorie der Rechtsgewinnung". ARSP Beiheft
100(2005):47-66.
. "Die Gewichtsformel", in: Joachim Jickeli et ai. (orgs.), Gedàchtniss-
chriftfur Jiirgen Sonnenschein. Beriin: De Gruyter, 2003: 771-792.
. "'Posfácio", in: Robert Alexy, Teoria dos direitos fundamentais. São
Paulo: Malheiros, 2008: 575-627.
. "Rechtsregeln und Rechtsprinzipíen". ARSP Beiheft 25 (1985): 13-29.
. "Rechtssystem und praktische Vernunft". in: Robert Alexy, Recht, Ver-
nunft. Diskurs: S/udien 7.ur Rechtsplúlosophie. Frankfurt am Main: Suhrkamp,
1995: 213-231.
. '"Theorie der Grundfreiheiten", in: Philosophische Gesellschaft Bad
Homburg/Wilfried Hinsch (orgs.), Zur Idee dês politischen Liberalismus. Frank-
furt am Main: Suhrkamp. 1997: 263-303.
. Theorie der Gnindrectite. 2- ed., Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1994
( I a ed., 1985) [tradução brasileira de Virgílio Afonso da Silva: Teoria dos direitos
fundamentais. São Paulo: Malheiros Editores, 2008].
. Theorie der juristischen Argumcntation: Die Theorie dês rationalen
Diskiírses ais Theorie der juristischen fíegrundung. 2a ed.. Frankfurt am Main:
Suhrkamp. 1991 ( l a e d . , 1983).
. "Zum Begriff dês Rechtsprinzips", in: Robert Alexy, Recht, Vernunft,
Diskurs: Stndien ~nr Rechtsphilosophie. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1995:
177-212.
. "Zur Struktur der Rechtsprinzipíen", in: Bernd Schilcher/Peter Koller/
Bernd-Christian Funk (orgs.), Regeln, Prinzipien und Elemente im System dês
Rechts. Wien: Verlag Õsterreich, 2000: 31-52.
Almeida. Fernando Dias Menezes de. Liberdade de reunião. São Paulo: Max Limo-
nad, 2001.
258 DIREITOS FUNDAMENTAIS: CONTEÚDO ESSENCIAL. RESTRIÇÕES F. EITCÁCIA BIBLIOGRAFIA CITADA 259

Andrade. José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na constituição portuguesa Becker, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. São Paulo: Saraiva, 1963.
de 1976. 3" ed., Coimbra: Almedina, 2004. Bernal Pulido, Carlos. Principio de proporcionalidad \ fundamcntales. 2a
Arango, Rodolfo. Der Regriffder soz.ialen Gnmdrechte. Baden-Baden: Nomos. 2001. ed.. Madrid: Centro de Estúdios Constitucionales, 2005 ( 1 a ed.. 2002).
Aristóteles. Topics. Oxford: Oxford University Press, 1997. Biagi, Cláudia Perotto. A garantia do conteúdo essencial dos direitos fundamentais.
Arnauld, Andreas von. Die Freiheitsreclite und ilire Schranken. Baden-Baden: Nomos, Porto Alegre: Sérgio António Fabris Editor, 2005.
1999. Bobbio, Norberto. Teoria deli'ordinamento giuridico. Torino: Giappichelli. 1960.
Bõckenfõrde, Ernst-Wolfgang. "Grundrechtstheorie und Grundrechtsinterpretation",
Ávila, Humberto. "A distinção entre princípios e regras e a redefinição do dever de
in: Ernst-Wolfgang Bõckenfõrde, Staat, Verfassung, Demokratie: Studien zur
proporcionalidade". Revista de Direito Administrativo 215 (1999): 151-179.
Verfassungstheorie und zuni Verfassungsreclit. 2J cd., Frankfurt am Main:
. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jtirídi-
Suhrkamp, 1992: 115-145 (1a ed., 1991).
| cos. 8a ed. São Paulo: Malheiros Editores. 2008; 10a ed.; 2009. . "Schutzbereich, Eingriff, verfassungsimmanente Schranken: Zur Kritik
gegenwãrtiger Grundrechtsdogmatik". Der Staat (2003): 165-192.
-. "Vier Thesen zur Kommunitarismus-Debatte", in: Peter Siller/Bertram
Baier, Kurt. Moral Point ofView: A Rational Basis of Ethics. Ithaca: Cornell Univer- Keller (orgs.), Rechtsphilosophische Kontroversen der Gegenwart. Baden-Ba-
sity Press, 1969. den: Nomos, 1999: 83-86.
Baleeiro, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 10a ed., Rio de Janeiro: Forense. "Zur Kritik der Wertbegriindung dês Rechts", in: Ernst-Wolfgang
1981. Bõckenfõrde, Recht, Staat, Freiheit: Studien zur Rechtsphilosophie, Staatstheorie
Barcellos, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais. Rio de und Verfassungsgeschichte. Frankfurt am Maín: Suhrkamp. 1991: 67-91.
Janeiro: Renovar, 2002. Bonavides, Paulo. Curso de direito constitucional. 22a ed., São Paulo: Malheiros Edi-
. "O mínimo existencial e algumas fundamentações", in: Ricardo Lobo tores, 2008; 25a ed., 2010.
Torres (org.), Legitimação dos direitos humanos. 2- ed., Rio de Janeiro: Renovar. Bork, Robert. The Tempting o f America. New York: Free Press. 1990.
2007: 97-135 * Borowski, Martin. Gnmdrechte ais Prinzipien: Die Unterscheidung von prima facie-
. Ponderação, racionalida.de e atividade jurisdicional. Rio de Janeiro: Position und deflnitiver Position ais fundamentaler Konstruktionsgrundsatz der
Renovar, 2005. Grundrechle. Baden-Baden: Nomos, 1998.
Barros, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de consti- Brenner, Michael. "Mõglichkeiten und Grenzen grundrechtsbezogener Verfassun-
tucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. 2a ed., Brasília: Brasí- gsãnderungen, dargestellt anhand der Neuregelung dês Asylrechts". Der Staat 32
lia Jurídica, 2000 (1 a ed., 1996). (1993): 493-526.
Brest, Paul. "The Misconceived Quest for the Original Understanding". Boston Uni-
Barroso, Luís Roberto. Constituição da República Federativa do Brasil anotada. 4a
ed.. São Paulo: Saraiva, 2003. versity Law Review 60 (1980): 204-239.
Brito, Miguel Nogueira de. "Originalismo e interpretação constitucional", in: Virgílio
. "A doutrina brasileira da efetívidade", in: Luís Roberto Barroso, Temas
Afonso da Silva (org.), Interpretação constitucional. 1a ed., 2- tir., São Paulo:
de direito constitucional, vol. III, Rio de Janeiro: Renovar, 2005: 61-77.
Malheiros Editores, 2008: 55-113.
. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dog- Bustamante, Thomas da Rosa de. Argumentação contra legem: a teoria do discurso
mática constitucional transformadora. São Paulo: Saraiva, 1996. e a justificação jurídica nos casos mais difíceis. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.
. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. 4J ed.. Rio de Bydlinski, Franz. "Bemerkungen iiber Grundrechte und Privatrecht". Õsterreichische
Janeiro: Renovar, 2000. Zeitschrift fiir óffentliches Recht 12 (1962/63): 423-460.
. "Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no direito constitu- Btihler, Margit. Einschrãnkung von Grundrechten nacli der europáischen Gru/idre-
cional". Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política 23 (1998): 65-78. chtecharta. Berlin: Duncker & Humblot, 2005.
Bartolini, Stefano. "Metodologia delia ricerca política", in: Gianfranco Pasquino
(org.), Manuale di scienza delia política. Bologna: II Mulino, 1986.
Bastos, Celso Ribeiro/Brito, Carlos Ayres. Interpretação e aplicabilidade das normas Canotilho, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 2a ed.. Coim-
constitucionais. São Paulo: Saraiva, 1982. bra: Almedina, 1998.
260 DIREITOS I - U N D A M E N T A I S : CONTEÚDO ESSENCIAL, RESTRIÇÕES II EFICÁCIA BIBI.IOORAHIA CITADA

-. Direito constitucional. 3a ed., Coimbra: Almedina, 1983. Dworkin, Ronald. IMW'X Empire. Cambridge (Mass.): Harvard University Press, 1986.
Canotilho. J. J. Gomes/Moreira, Vital. Fundamentos da Constituição. Coimbra: Coim- . laking Rights Serionslv. Cambridge, Mass.: Harvard University Press,
bra Editora. 1991. 1977.
. Constituição da República Portuguesa anotada. 3a ed., Coimbra: Coim-
bra Editora. 1993.
Contreras Pelácz, Faustino. Derechos sociales: teoria e ideologia. Madrid: Tecnos, Eckhoff, Rolf. Der Gnindrechtseingriff. Kõln: Cari Heymann. 1992.
1994. Eisner, Carolin. Die Schrankenregelung der Grundrechtecharta der Eiiropaischen
Cornils, Matthias. Die Ausgestaltung der Grundrechte: Untersuchungen zur Grnn- Union: Gefahr oder Fortschritt fiir deu Grundrechtsscluitz in Europa? Baden-
drechtsbindiing dês Ausgestaltungsgesetzgebers. Tiibingen: Mohr, 2005. Baden: Nomos. 2005.
Cfemer, Hans-Joachim. "Der Osho-Beschluss dês BVerfG". Jiiristische Sc.ludung 43 Ely, John Hart. Democracv and Distrust: a Theory of Judicial Review. Cambridge.
(2003): 747-751. Mass.: Harvard University Press, 1980.
Cremer, Wolfram. Freiheitsgrundrechte: Funktionen und Strukturen. Tubingen: Mohr, Engisch, Karl. Einfiihrung in das juristische Denken. 9a ed., Stuttgart: Kohlhammer.
2003. 1997.,
Cruz Villalón. Pedro. "Hl legislador de los derechos fundamentales", in: António Erbel, Giinter. Inhalt und Auswirkungen der verfassungsrechtlichen Kunstfreiheitsga-
López Pina (dir.), IM garantia constitucional de los derechos fundamentales: rantie. Berlin: Springer, 1966.
Alemania, Espana, Frauda e Itália. Madrid: Universidad Complutense/Civitas,
1991: 125-137.
. "Derechos fundamentales y legislación", in: Pedro Cruz Villalón, La Ferraz Jr., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, domi-
curiosidad dei jurista persa, y otros estúdios sobre Ia Constitución. Madrid: Cen- nação. São Paulo: Atlas, 1988.
tro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 1999: 233-244. . "Sigilo de dados: o direito à privacidade e os limites à função fiscaliza-
dora do Estado". Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas l (1992):
141-154.
Dietlein, Johannes. Die Le/ire von deu grundrechtlichen Schutzpflichten. Berlin: Dun- Ferreira Filho, Manoel Gonçalves. Direito constitucional económico. São Paulo: Sa-
cker & Humblot, 1992. raiva, 1990.
Diniz, Maria Helena. Norma constitucional e seus efeitos. 2a ed., São Paulo: Saraiva, . "Os princípios do direito constitucional e o art. 192 da carta magna".
1992. Revista de Direito Público 88 (1988): 162-171.
Dolderer. Michael. Objektive Grundrechtsgehalte. Berlin: Duncker & Humblot, Ferreira, Pinto. "Eficácia (direito constitucional)", in: Enciclopédia Saraiva do Direi-
2000. to 30, São Paulo: Saraiva, 1982: 162-175.
Dreier, Horst. "Art. l l", in: Horst Dreier (org.), Grtnulgesetz: Kommentar. Tubingen: Fragoso. Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte geral, 14a ed.. Rio de Janei-
Mohr. 1996. ro: Forense, 1992.
• "Art. 19". in: Horst Dreier (org.), Grundgesetz: Kommentar. vol. l,
Tiibingen: Mohr, 1996: 1.081-1.089.
. Dimensionai der Grundrechte: Von der Wertordnungsjiidikatur zu deu Galdino, Flávio. Introdução à teoria dos custos dos direitos. Rio de Janeiro: Lumen
objektiv-rechtlichen Grundrechtsgehalten. Hannover: Hennies & Zinkeisen, 1993. Júris, 2005.
Dreier, Rall. Recht - Moral - Ideologie: Studien zur Reclitstheorie. Frankfurt am Grabitz, Eberhard. "Der Grundsatz der VerháltnismãBigkeit in der Rechtsprechung
Main: Suhrkamp. 1981. dês Bundesverfassungsgerichts". AõR 98 (1973): 568-616.
Drevvs, Claudia. Die Wesensgelialtsgarantie dês Art. 19 II GG. Baden-Baden: No- Greenawalt. Kent. Law and Objectivity. New York//Oxford: Oxford University Press,
mos. 2005. 1992.
Diirig, Giinter. "Der (irundrechtssatz von der Menschenwiirde". AõR 81 (1956): 117- Grondona, Mariano F. La reglamentación de los derechos consíitucionales: teoria dei
157. orden de derechos. Buenos Aires: Depalma, 1986.
262 DIREITOS FUNDAMENTAIS: CONTEÚDO ESSENCIAL. RESTRIÇÕES E EFICÁCIA B I B L I O G R A F I A CITADA

Groppi, Tânia. "Art. 52. Portata dei diritti garaniiti", in: Raffaele Bifulco/Maria Car- . "Grenzen der Verfassungswandlung", in: Horst Ehmke et aí. (orgs.),
tabia/Alfonso Celotto (a cura di). L'Europa dei diritti: comniento alia Carta dei Festschrift fiir Ulncli Sclicuner. Berhn: Duncker & Humblot, 1973: 123-141.
Diritti Foiidainentali deirUnione Europea. Bologna: 11 Vlulino, 2001: 351-360. . Grundziige dês Verfassnngsrechts der Bundesrepublik Deutschland. 19a
Grossi. Pierfrancesco. Introduzionc ad uno stttdio sui diritti inviolabili nella Costitu- ed., Heidelberg: C. F. Muller, 1993.
zione italiana. Padova: Cedam, 1972. Hilgendorf, Eric. "Die rruBbrauchte Menschenwiirde: Probleme dês Menschenwiirde-
Guerra Filho, Willis Santiago. Teoria processual da Constituição. São Paulo: Celso topos am Beíspiel der bioethischen Diskussion". Jahrbuch fiir Recht und Ethik l
Bastos Editor, 2000. (1999): 136-158.
Hippel, Eike von. Grenzen und Wesensgehalt der Grundrechte. Berlin: Ducker &
Humblot, 1965.
Hijberle, Peter. La garantia dei contenido esencial de los derechos fundarnentales en Hirschberg, Lothar. Der Grundsatz der Verhaltuismàjiigkeit. Gõttingen: SchwarK,
Ia Lev Fundamental de Bonn. Trad. Joaquín Brage Camazano. Madrid: Dykinson, 1981.
2003. Hoffmann-Riem, Wolfgang. "Enge oder weite Gewáhrleistungsgehalte der Grundre-
. "Grundrechte und parlamentarische Gesetzgebung im Verfassungsstaat". chte?'*, in: Michael Bãuerle/Alexander Hanebeck/Carola Hausotter/Matthias
AõR 114(1989): 361-390. Mayer/Jõrg Mohr/Michael Mors/Kara Preedy/Astríd Wallrabenstein (orgs.), Ha
. A sociedade aberta dos intérpretes da constituição. Trad. Gilmar Fer- ben wir wirklich Recht? 7.um Verháltnis von Recht und Wirklichkeit: Beitrãge zum
reira Mendes. Porto Alegre: Sérgio António Fabris, 1997. Kolloquium anlãsslich dês 60. Geburtstags von Brun-Otto Bryde. Baden-Baden:
. Die Wesensgelialtgarantie dês Art. 19 Abs. 2 Grundgesetz: Zugleich ein Nomos, 2003: 53-76.
Beitrag zum in.ít/tiitionellen Verstãndnis der Grundrechte und zum Lehre vom . "Gesetz und Gesetzesvorbehalt im Umbruch: Zur Qualitáts-Gewáhr-
Gesetzesvorbehalt. 3a ed., Heidelberg: C. F. Muller. 1983. leistung durch Normen". Archiv dês õffentUchen Rechts 130 (2005): 5-70.
Habermas, Jurgen. Die Einbeziehung dês Anderen. Frankfurt am Main: Suhrkamp, . "Grundrechtsanwendung unter Rationalitátsanspruch: Eine Erwiderung
1996. * auf Kahls Kritik an neueren Ansátzen in der Grunclrechtsdogmatik". Der Staat 43
. Faktizitãt und Geltu/ig: Beitrdge znr Diskurstheorie dês Rechls und dês (2004): 203-233.
demokratischen Rechtsstaats. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1992. Hõfling, Wolfram. "Grundrechtstatbestand — Grundrechtsschranken — Grundrechtss-
Hare, Richard M. Moral Thinking: ítx Leveis, Method And Po/n f. Oxford: Clarendon chrankenschranken". Jura 16(1994): 169-173.
Press, 1987. . "Kopernikanische Wende riickwarts? Zur neueren Grundrechtsjudika-
Hart, H. L. A. The Concept of Law. Oxford: Clarendon, 1961. tur dês Bundesverfassungsgerichts", in: Stefan Muckel (org.), Kirche und Reli-
gion im sozialen Rechtsstaat: Festschrift fiir Wolfgang Riifner zum 70. Geburts-
. "Rawls on Liberty and Its Priority". L/niversitv of Chicago Law Review
tag. Berlin: Duncker & Humblot, 2003: 329-340.
40 (1973): 534-555 [republicado posteriormente em Nonnan Daniels (org.), Re-
. Offene Grundrechtsinterpretation. Berlin: Duncker & Humblot, 1988.
ading Rawls: Criticai Studies of a Theor\f Justice, Oxford: Blackwell, 1975,
pp. 230-252). Holmes, Stephen/Sunstein, Cass. The Cost of Rights: Wliy Liberty Depenas on Taxes.
New York: Norton, 1999.
Hauriou, Maurice. Précis de droit constitucionnel. 2a ed., Paris: Sirey, 1929.
Huerta Ochoa, Carla. Conjlictos normativos. México: UNAM, 2003.
. "La théorie de 1'institution et de Ia fondation", in: Paul Archambault
(et ai.), La cite moderne et lês transformations du droit. Paris: Bloud et Gay,
1925: 2-45.
Isensee, Josef. "Das Grundrecht ais Abwehrrecht und ais staatliche Schutzpflicht", in:
Herbert, Georg. "Der Wescnsgehalt der Grundrechte". EiiGRZ 12 (1985): 321-335.
Josef Isensee/Paul Kirchhof (orgs.), Handbuch dês Staatsrechts der Bundesrepu-
Herzog, Roman. "Grundrechte aus der Hand dês Gesetzgebers". in: Walther Fiirst/ blik Deutschland. vol. V, § 111, Heidelberg: C. F. Muller, 1992: 143-241.
Roman Herzog/Dieter C. Umbach (orgs.), Festschrift fiir Wolfgang Zeidler. vol. 2,
Berlin: De Gruyter, 1987: 1415-1428.
Hesse, Konrad. "Bestand und Bedeutung der Grundrechte in der Bundesrepublík Jàckel, Hartmut. Grundrechtsgeltung und Grundrechtssicherung: Eine Rechtsdogma-
Deutschland". EuGRZ (1978): 427-438.
tische Stitdie :.n Artikel 19. Abs. 2 GG. Berlin: Duncker & Humblot, 1967.
264 DIREITOS I I ÍNDAMENTAIS: CONTEÚDO ESSENCIAL, RESTRIÇÕES E EFICÁCIA B I B L I O G R A F I A CITADA 265

Jansen. Nils. "Die Abwàgung von Grundrechten". Der Staat 36 (1997): 27-54. . Ubermaji und Verfassungsrecht. Kõln: Cari Heymann. 1961.
Jarass. Hans D. "Grundrechte ais Wertentscheidungen bzw. objektivrechtliche Prinzi- Lopes, Ana Maria D'Ávila. "A garantia do conteúdo essencial dos direitos fundamen-
pien in der Rechtsprechung dês Bundesverfassungsgerichts". AoR 110 (1985): tais". Revista de Informação Legislativa 164 (2004): 7-15.
363-397. Lopes. José Reinaldo de Lima. "Direito subjetivo e direitos sociais", in: José Hduardo
Jellinek. Georg. Allgemeine Staatxlehre. 3a ed.. Berlin: Springer. 1920. Faria (org.), Direitos humanos, direitos sociais e justiça. 1a ed.. 5a tir.. São Paulo:
Josserand. Louis. L'esprit dês droits et de leiir relativiré: tkéorie dite de 1'ahus dês Malheiros Editores, 2010: 113-143.
droits. Paris: Dalloz, 1927. Lorenz. Dieter. "Wissenschaft darf nicht alies! Zur Bedeutung der Rechte anderer ais
Grenze grundrechtlicher Gewáhrleistung". in: Peter Badura/Rupert Scholz (orgs.),
Wege und Verfahren dês Verfassungslebens: Feslschrift fiir Peter Lerelie zuni 65.
Kahl, Wolfgang. "Vom weiten Schutzbereich zum engen Gewàhrleistungsgehalt: Geburtstag. Miinchen: C. H. Beck, 1993: 267-280.
Kritik einer nenen Richtung der deutschen Grundrechtsdogmatik". Der Staat 43 Liibbe-Wolff, Gertrude. Die Grundrechte ais Eingriffsabwehrrecht: Síruktur und
(2004): 166-202. Reichweite der Eingriffsdogmatik irn Bereich staatlicher Leistung. Baden-Baden:
Kelsen, Hans. Allgemeine Staatxlehre. Berlin: Springer, 1925. Nomos,,1988.
• Reine Rechtslehre. 2a ed., Berlin: Deuticke, 1960.
Klein, Friedrich. "Art. 19", in: Hermann von Mangoldt/Friedrich Klein. Das Konner
Grwidgesetz. 2a ed., Berlin: Vahlen, 1957. Mader, Peter. Reclitsmiftbrauch und unzulãssige Rechtsausiibung. VVíen: Orac. 1994.
Martínez-Pujalte, Antonio-Luis. La garantia dei contenido esencial de los derechos
Kloepfer, Michael. "Grundrechtstatbestand und Grundrechtsschranken in der Rechts-
fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios Constitucionales, 1997.
prechung dês Bundesverfassungsgerichts - dargestellt am Beispiel der Mens-
Martins, Leonardo. "Proporcionalidade como critério de controle de constitucionali-
chenwurde -", in: Christian Starck (org.), Bundesverfassungsgericlu und Grundge-
dade". Cadernos de Direito Unimep 3 (2003): 16-45.
setz: Festgabe aus Anlaft dês 25jãhrigen Bestehens dês Bundesverfassungsgerichts.
Marx, Karl. Die Konstitution der franzõsischen Republik. MEW, 7. Berlin: Dietz, 1973.
vol. II, Tiibingen: Mohr, 1976: 405-^20.
Maunz, Theodor/Zippelius, Reinhold. Deutsches Staatsrecht. 29- ed., Miinchen: C. H.
. "Leben und Wiirde dês Menschen", in: Peter Badura/Horst Dreier (orgs.),
Beck, 1994.
Festschrift 50 Jahre Bundesverfassungsgericlu. Tiibingen: Mohr, 2001: 77-104.
Mello, Celso António Bandeira de. Curso de direito administrativo. 25" ed.. São Pau-
Knullig, Werner. Bedeittung und Auslegung dês Artikels 19 Abs. I und II dês Grund-
lo: Malheiros Editores, 2008; 27a ed., 2010.
gesetzes. Kiel: Dissertation, 1954.
. "Eficácia das normas constitucionais sobre justiça social". Revista de
Koch. Hans-Joachim. "Die Begriindung von Grundrechtsinterpretation". Europdis-
Direito Público 57-58 (1981): 233-256.
chc Gnmdrechte-Zeitschrift 13 (1986): 345-361.
. Eficácia das Normas Constitucionais e Direitos Sociais. 1a ed., 2a tir.
São Paulo: Malheiros Editores, 2010.
Mello, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico. São Paulo: Saraiva, 1991.
Landa, César. "Teorias de los derechos fundamentales". Cuestiones Constitucionales Melo, Sandro Nahmias. "A garantia do conteúdo essencial dos direitos fundamen-
6 (2002): 49-71.
tais". Revista de Direito Constitucional e Internacional 43 (2003): 82-97.
Larenz, Karl. Metliodenlehre der Rechtxwisxenschaft. 6a ed., Berlin et ai.: Sprincer, Mendes, Gilmar Ferreira. "Âmbito de proteção de direitos fundamentais e as possí-
1991.
veis limitações", in: Gilmar Ferreira Mendes/Inocêncio Mártires Coelho/Paulo
. "Methodologische Aspekte der ,'Giiterabwàgung'", in: Fritz Hauss/Rei- Gustavo Gonet Branco, Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais.
mer Schmidt (orgs.), Fest.schriftfur Ernst Klingmuller. Karlsruhe: Verlag Versi- Brasília: Brasília Jurídica, 2000: 210-241.
cherungswirtschaft, 1974: 235-248. . Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de di-
I.erche. Peter. "Grundrechtlicher Schutzbereich, Grundrechtsprágung und Grundre- reito constitucional. 2a ed.. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1999 (1a ed., 1998).
chtseingriff, in: Josef Isensee/Paul Kirchhof (orgs.), Handbuch dês Staatsrechts . "O princípio da proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribu-
der Biindesrepublik Deiitschland. vol. V, § 121, Heidelberg: C. F. Miiller 1992' nal Federal: novas leituras". Repertório IOB de jurisprudência: tributário, cons-
739-773. titucional e administrativo 14 (2000): 361-372.
266 DIREITOS F U N D A M E N T A I S : CONTEÚDO ESSENCIAL, RESTRIÇÕES H EFICÁCIA l i l B L I O O R A F I A CITADA 267

. -'A proporcionalidade aã jurisprudência do Supremo Tribunal Federal", Philippe. Xavier. Lê controle de proportionnalité dans lê jurisprudences constitntion-
in: Gilmar Ferreira Mendes, Direitos fundamentais e controle de constitucionali- nelle et administrative françaises. Aix-en-Marseille: Económica, 1990.
dade: estudos de direito constitucional. 2a ed. São Paulo, Saraiva, 1999: 71-87. Pieroth. Bodo/Schlink. Bernhard. Grundrechte - Staatsrecht II. 16a ed., Heidelberg:
Miranda, Jorge. Manual de direito constitucional. 3;l ed., vol. IV. Coimbra: Coimbra C. F. Miiller, 2000 (1a ed., 1985).
Editora, 2000 (1 a ed., 1988). Pimenta, Paulo Roberto Lyrio. Eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais
Moraes, Alexandre de. Direito constitucional. 4a ed., São Paulo: Atlas, 1998. programáticas. São Paulo: Max Limonad, 1999.
. Direitos humanos fundamentais. São Paulo: Atlas, 2003. Piovesan, Flávia. Proteção judicial contra omissões legislativas: ação direta de incons-
Mortati, Constatino. Institutioni di diritto piibbllco. 8a ed., vol. II. Padova: Cedam,
títucionalidade por omissão e mandado de in junção. São Paulo: Ed. RT, 1995.
1969.
Plamol, Marcel/Ripert, Georges. Traité élémentaire de droit civil. 10a ed., vol. II,
lyiiiller, Friedrich, Freiheit der Kunst ais Problem der Grundrechtsdogmatik. Berlin:
Paris: LGDJ, 1926. *
Duncker& Humblot, 1969.
. Die Positivitdt der Grundrechte: Fragen einer praktischen Grundre- Pontes de Miranda, Francisco Cavalcante. Comentários à Constituição de 1967 com
chtsdogmatik. 2a ed., Berlin: Duncker & Humblot, 1990. a Emenda n. l, de 1969. t. 1. São Paulo: Ed. RT, 1970.
. Fa/lanaíyxeH zur juristisclien Metlwdik. 2- ed., Berlin: Duncker & -. Tratado de direito privado. 4a ed., t. I. São Paulo: Ed. RT, 1983.
Humblot. 1989 ( 1 a ed., 1974). Põyhõnen, Juha. "Auslegung 'contra legem' ais ein dekonstruktives Spiel von Regeln
. Juristische Metlwdik. 6a ed., Berlin: Duncker & Humblot, 1995 (1 a ed., und Prinzipien i m Recht". Rechtstheorie 20 (1989): 211-220.
1971). Prélot, Mareei. Institulions politiqiies et droit constitutionnel. 4a ed., Paris: Dalloz,
. Strukturierende Rcclitslehre. 2a ed., Berlin: Duncker & Humblot, 1994 1969.
(1a ed., 1984).
Murswiek, Dietrich. "Das Bundesverfassungsgericht und die Dogmatik mittelbarer
Grundrechtseingriffe: Zn der /plykol- und der Osho- Entscheidung vom
Queiroz, Cristina. "Direitos fundamentais sociais: questões interpretativas e limites
26.6.2002". AAAvZ22 (2003): 1-8.
de justiciabilidade", in: Virgílio Afonso da Silva (org.), Interpretação constitucio-
nal. 1a ed.. 2a tir., São Paulo: Malheiros Editores, 2008: 165-216.
Nabais, José Casalta. "A face oculta dos direitos fundamentais: os deveres e os custos
dos direitos", in: Tribunal Constitucional (org.), Estudos em Homenagem ao Conse-
lheiro José Manuel Cardoso da Costa. Coimbra: Coimbra Editora, 2003: 737-767. Raabe. Marius. Grundrechte und Erkenntis: Der Einschàtzungsspielraum dês Gesel-
Nettesheim, Martin. "Die Garantie der Menschenwtirde zwischen metaphysischer zgehers. Baden-Baden: Nomos, 1998.
Uberhõhung und blofien Abwàgungstopos". Archiv dês õffentlichen Rechts 130 Rawls, John. "The Basic Líberties and Their Priority", in: Sterlin McMurrin (org.),
(2005): 71-113. The Tanner Lectures on Human Values 1982. Salt Lake City: Cambridge Univer-
Neumann. Ulfrid. "Die Tyrannei der Wiirde: Argumentationstheoretischen Erwàgun- sity Press, 1983: 3-87.
gen zum Menschenwiirdeprinzip". Archiv fiir Rechts- und Sozialphilosophie 84 . Political Liberalism. New York: Columbia University Press, 1993.
(1998): 152-166. . A Theorv of Justice. Cambridge (Mass.): Belknap, 1971.
Neumann, Volker. "Menschenwiirde und Existenzminimum". /VVwZ 14 (1995): 426- Raz, Joseph. Practical Reason and Norms. Oxford: Oxford University Press, 1975.
432.
Rodríguez-Armas, Magdalena Lorenzo. Análisis dei contenido esencial de los dere-
Novais, Jorge Reis. As restrições aos direitos fundamentais não expressamente auto-
chos fundamentales. Granada: Cornares, 1996.
rizadas pela Constituição. Coimbra: Coimbra Editora, 2003.
Ross, Alf. On Law and Justice. Berkeley: University of Califórnia Press, 1959.
Otto y Pardo, Ignacio de. "La regulación dei ejercicio de los derechos y libertades. La
garantia de su contenido esencial en el articulo 53.1 de Ia Constitución", in: Lo- Ross, William D. The Right and the Good. Oxford: Clarendon Press, 1930.
renzo Martin-Retortillo Baquer/lgnacio de Otto y Pardo, Derechos fundamentales Rothenburg, Walter Claudius. [nconstitucionalidade por omissão e troca de. sujeito.
v Constitución. Madrid: Civitas. 1988: 95-172. São Paulo: Ed. RT, 2005.
26S DIRKITOS I - U N D A M H N T A I S : CONTKÚDO l i S S I i N C I A L . KI.STKIÇÒHS l í l - l I C A C I A BIBI.KXiRAI IA( l IADA 269

Riifner. Wolfgang. "Grundrechtskonllikte", in: Christian Starck (org.), tíiindesver/as- Searle. John. "Prima Fade Obligations". in: Joseph Ra/, (ori:.). ['radical Reasoning.
sungsgericht imd Gnindgesetz. vol. II, Tiibingen: Mohr. 1976: 453-479. Oxford: Oxford University Press. 1978: 80-90.
Ruggiero, António. // bilanciamento degli interessi nella Carta dei Diritti Fondamen- Siebert, Wolfgang. Verwirkung und Un-nltixxigkeit der Rechtsausiihung. Marburg:
tali de/1'Unione Europea: osserva-ioni di diritto comparato u margine delTart. Klwert, 1934.
52. Padova: Cedam, 2004. Sieckmann, Jan-Reinard. Regelmodelle und Prin~.ipienniodelle dês Rechtss\stems.
Baden-Baden: Nomos. 1990.
"Richtigkeit und Objektivitãt im Prin/ipienmodell". ARSP 83 (1997):
Sarlet, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa Intmana e direitos fundamentais. 3a ed.. 14-36.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. Silva, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 7a ed., 3a tir.. São
-» . "Direitos fundamentais e direito privado: algumas considerações em Paulo: Malheiros Editores, 2009 (l : l ed., 1968)*
torno da vinculação dos particulares aos direitos fundamentais", in: Ingo Wolf- . Comentário contextuai à Constituição. 6' ed.. São Paulo: Malheiros Edi-
gang Sarlet (org.), A constituição concretizada: construindo pontes com o público tores. 2009.
e o privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2000: 107-163. . Curso ile direito constitucional positivo. 33' ed.. São Paulo: Malheiros
. A eficácia dos direitos fundamentais. 5a ed.. Porto Alegre: Livraria do
Editores, 2010.
Advogado, 2005 (1 a ed., 1998).
Silva, Virgílio Afonso da. A constitucionalização do direito: os direitos fundamen-
Sarmento, Daniel. "A dimensão objetiva dos direitos fundamentais: fragmentos de
tais nas relações entre particulares. 1 a ed., 2a tir.. São Paulo: Malheiros Editores,
uma nova teoria", in: José Adércio Leite Sampaio (org.). Jurisdição constitucio-
2008.
nal e direitos fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey. 2003: 251-314.
. Gmndrechte und gesetzgeberische Spielrãuine. Baden-Baden: Nomos,
- . Os direitos fundamentais nas relações privad<is. Rio de Janeiro: Luinen
2003.
Júris, 2004. j
. "Interpretação constitucional e sincretismo metodológico", in: Virgílio
- . "Os princípios constitucionais e a ponderação de bens", in: Ricardo
Afonso da Silva (org.). Interpretação constitucional. 1 a ed.. 2 a tir. São Paulo: Ma-
Lobo Torres (org.). Teoria dos direitos fundamentais. 2 J ed.. Rio de Janeiro: Re-
novar. 2001: 35-98. lheiros Editores. 2008.
. "The Limits of Constitutional La w: Public Policies and the Constitui-
. A ponderação de interesses na Constituição Federa/. Rio de Janeiro:
Lumen Júris, 2000. tion", in Gilles Tarabout/Ranabir Samaddar (orgs.), Conflict. Power, and the
Schlink. Bernhard. Abwiigung im Verfassungsrecht. Berlin: Duncker & Humblot, Landscape of Constitiitionalism. London: Routlcdge. 2007: 167-181.
1976. . "O proporcional e o razoável". Revista dos Tribunais 798 (2002): 23-50.
. "Der Grundsatz der VerhaltnismaIJigkeit". in: Peter Badura/Horst . "Princípios e regras: mitos e equívocos acerca de uma distinção". Re-
Dreier (orgs.), Fesísclirifl 50 Jalire líundcsverlassungsgericht. vol. II, Tiibingen: vista Laíino-Americana de Estudos Constitucionais l (2003): 607-630.
Mohr, 2001: 444-465. Starck, Christian. "Die Grundrechte dês Grundgesetzes". JuS 21 (1981): 237-246.
. "Freiheit durch Eingriffsabwehr - Rekonstruktion der klassischen . "Human Rights and Private Lavv in German Constitutional Develop-
Grundrechtsfunktion". EiiGRZ (1984): 457-468. ment", in: Daniel Friedmann/Daphne Barak-Ere/. (eds), /luman Rights in Private
. "Juristische Methodik zwischen Verfassunsstheorie und Wissenschafts- ÍMW. Oxford: Hart, 2003: 97-111.
theorie". Rechtstheorie 7 (1976): 94-102. Steinmetz. Wilson. Colisão de direitos fundamentais e princípio da proporcionalida-
Schlothauer, Reinhold. Zur Krise der Verfassungsgerichtsharkeit. Frankfurt am Main: de. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2001.
Europãische Verlagsanstalt, 1979. . A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo: Ma-
Schmitt, Cari. Verfassungslehre. 8 a ed., Berlin: Duncker & Humblot, 1993. lheiros Editores. 2004.
Schwabe. Jiirgen. Probleme der Grundreclitsdogmalik. 2-' ed.. Hamburg: 1997 ( l J ed.. Stelzer, Manfred. Das Wesensgehaltsargument und der (intndsar:. der Yerhdltnis-
1977). miifiigkeit. Wien: Springer. 1991.
270 DIREITOS i uNDAMLNTAis: CONTEÚDO HSSENCIAL. KHSTRICÕLS i: ti ICACIA BIBLIOGRAFIA CHADA 27 l

Stern. Klaus. Das Stacitsreclit der Biindesrepublik Deutscliland. vol. I I I / l : Allgemeine Wald. Amoldo. "O sigilo bancário no projeto de lei complementar n. 70". Cadernos
l.ehren der (irundrechte. Miinchen: C. H. Beck, 1988. de Direito Tributário e Finanças Públicas l (1992): 196-209.
. Hás Staatsrecht der Biinde.srepuh/ik Deutschland. vol. 111/2: AH^enieine Wallace. J. Clifford. "The Jurisprudence of Judicial Restraint: a Return to the Moo-
l.ehren der (inindrec/ile. Miinchen: C. H. Beck, 1994. rings". Geori>e Washington Leiw Review 50 (1981): 1-16.
. "Die Grundrechte und ihre Schrankcn", in: Peter Badura/Horst Dreier Weber. Wilhelm. Recht der Schuldverlniltnisse. l l " e d . . T e i l l b: § 242 (J. v. Staudin-
(orgs.). Festschrift 50 J a h ré Bundesverfassunxsgericlil. vol. II, Tiibingen: M o h r. t;ers Kommentar zuni Biirgerlicheu Gesetzbuch). Berlin: J. SchweiBer, 1961.
20(11: 1-34. Williams. Bernard. "Contlict of Values", in: Bernard Williams, Moral Luck: Philoso-
Struck, Cierhard. "Interessenabwãgung ais Methode", in: Roland Dubischar/Horst phical Papers /973-I980. Cambridge: Cambridge University Press, 1981.
Folkors/Werner Futter (orgs.), Dogmatik und Methode: Josef Esser -.um 65. (le- Wittrcck, Fabian. "Menschenwiirde und Folterverbot: Zum Dogma vou der aus-
< bnrmuii;. Kronberg/Ts.: Scriptor, 1975: 170-191. nahmslosen Unabwãgbarkeit dês Art. l Abs. 1^3G". Die iiffentliche Verwaltunf>
Snndfekl, Carlos Ari. Direito administrativo ordenador. \ ed., 3J tir.. São Paulo: Ma- 56 (2003): 873-882.
lheiros Hditores. 2003. Wróblewski, Jerzy. "Ilegal Syllogism and Rationality of Judicial Decision". Rechts-
theorie $ ( l 974): 33-46.

Teixeira, J. H. Meirellcs. Curso de direito constitucional, Rio de Janeiro: Forense


Universitária, 1991.
Temer. Michel. Elementos de direito constitucional. 23a ed., São Paulo: Malheiros
Hditores. 2010.
Torres. Ricardo Lobo. "A cidadania multidimensional na era dos direitos", in: Ricar-
do Lobo Torres (org.). Teoria dos direitos fundamentais. 2a ed.. Rio de Janeiro:
Renovar. 2001: 243-342. *
"Fundamentação, conteúdo e contexto dos direitos sociais: a metamor-
fose dos direitos sociais em mínimo existencial", in: Ingo Wolfgang Sarlet (org.).
Direitos fundamentais sociais: estudos de direito constitucional, internacional e
comparado. Rio de Janeiro: Renovar, 2003: 1-46.
. "O mínimo existencial e os direitos fundamentais". Revista de Direito
Administrativo 177 (1989): 29-49.
Tribe. Laurence. American Consíitutional Law. Mineola: Foundation Press, 1978.
Tushnet. Mark V. "Following the Rules Laid Down: a Critique of Interpretivism and
Neutral Principies". Harvard Law Review 96 (1983): 781-827.

Vianna. I.ui/. Werneck et ai. A jndicialização da política e das relações sociais no


Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999.
Vianna, Oliveira. "Novos métodos de exegese constitucional". Revista Forense 72
(1937): 5-14.
Viera. Oscar Vieira. Supremo Tribunal Federal: jurisprudência política. 2J ed.. São
Paulo: Malheiros Hditores, 2002.
Vieira. Oscar Vilhena/Scabin, Flávia. Direitos fundamentais: uma leitura da jurispru-
dência do STF. São Paulo: Malheiros Editores/FGV, 2006.
CASOS CITADOS

STF

ADI 4: 209. 215


ADI 652 (QO): 215
ADI 732 (MC): 215
ADI 779 (AgR): 215
ADI 827: 214
ADI 827 (MC): 214
ADI 869: 131
ADI 906 (MC): 213
ADI 1.063 (MC): 215
ADI 1.590 (MC): 213
ADI 1.723 (MC): 213
ADI 1.755: 215
ADI 1.969 (MC): 22. 34. 101. 103 ss., 224
ADI 2.010 (MC): 85
ADI 2.024: 24
ADI 2.566 ( M C ) : 34. l 14 ss.. 123 ss.. 157, 178 ss., 224, 248
ADI 267 (MC): 215
ADI 2.869: 215
ADI 3.013: 215

ADPF45: 22
274 DIRhITOS F U N D A M E N T A I S : ( < > N T I u ; i x > K S S h N C I A I . . RhS TRICÒKS 1. H F I C A C I A 275

HC 69.400: 105 RE 26.350: 105


HC 70.814: 80, 99 RE 97.278: 105
HC 71.373: 195 RE 157.897: 215
HC 73.662: 57 RE 184.837: 215
HC 79.285: 99 RE 188.579: 215
HC 82.424: 80, 99, 149, 153, 181, 224 RE 214.019: 214
RE 217.136: 214
HC 82.959: 22
RE 217.464: 214
HC 82.969: 193, 195
RE 219.780: 224
HC 83.996: 54, 99
RE 221.194: 214
HC 84.409: 193
RE 23,2.001: 224
HC 84.768: 193 RE 248.869: 194
HC 84.778: 193 RE 255.397: 22
HC 84.827: 193 RE 261.278: 224
HC 84.862: 22 RE 266.397: 22
HC 85.237: 193 RE 345.580: 22
HC 85.541 (MC): 193 RE 359.444: 194
HC 85.687: 22 * RE 373.058: 224
HC 85.988 (MC): 193 RE 394.820: 193
RE 413.782: 224
RE 427.339: 22
Inq. 1.957: 21
RE 431.121: 22

MI 715: 215 Rep. 1.417: 215

MS 21.729: 119 ss., 248 RMS 24.287: 214


MS 23.452: 140, 224
SE 5.206 (AgRg): 227
MS 23.576: 224
MS 24.045: 22
MS 24.369: 21 S77
MS 25.399: 193 REsp 129.746: 55
REsp 240.920: 55
Pet. 577 (QO): 122 REsp 249.026: 55
ÍNDICE REMISSIVO

Âmbito da norma, 86 ss., 97 Dignidade. 191 ss., 200 ss.


Âmbito de proteção. 27, 40 ss.. 65 ss., Dimensão objetiva dos direitos funda-
72 ss., 94 ss., 103. 109 ss.. 117 ss., mentais, 235-236
126, 151 s*s., 18()ss., 244 ss. Direito à saúde, 77, 232 ss., 237, 242-243
Aplicabilidade das normas, 210 ss. Direitos absolutos, 88. 110, 118, 131, 140,
224-225
Censura, l 14, l 16 ss. Direitos sociais, 23, 72,77 ss., 90, 204 ss..
Constituição rígida. 23 ss. 213,231 ss., 241 ss.
Conteúdo essencial (v. tb. mínimo existen- - custo dos direitos, 241
cial). 21 ss., 69. 79. 91, 94. 106-107, - efetividade, 241
134, 181 ss., 227, 245-246. 254 - e liberdades públicas, 234 ss.
- absoluto. 27. 187 ss. - justiciabilidade, 240. 242 ss.
- absoluto-dinâmico. 188 ss. Dogmática, 26 ss., 37 ss., 57, 66, 86. 94.
- absoluto-estático. 189 ss. 109 ss., 123, 127, 144, 164, 192, 208,
- e dignidade, 191 ss. 238 ss.
- dimensão objetiva, 26-27, 185-186 - e efetividade e eficácia. 238 ss.
- dimensão subjetiva. 26-27, 186-187
- e mínimo existencial, 204 ss. Efetividade (v. tb. eficácia), 31. 221,
- previsões constitucionais, 25 ss., 228 ss., 238 ss.. 255
202 ss. - e eficácia, 31, 228 ss., 238 ss., 255
- caráter constitutivo ou declarató- - e justiciabilidade dos direitos sociais.
río. 202 ss. 240 ss.
- relativo. 27. 196 ss. Eficácia (v. tb. efetividade)
- e dignidade, 200 ss. - conceito, 210 ss.
- e proporcionalidade, 197 ss. - contida. 42, 209. 213 ss., 230, 235.
C t>nt/'d legou. 55. 58 245 ss.. 249. 254
- problemas, 219 ss.
Diálogo - e aplicabilidade, 210 ss.
- constitucional. 251, 256 - e efetividade, 31, 228 ss., 238 ss.. 255
- intersubjetivo. 124. 148. 150. 178, - e garantia dos direitos fundamentais,
239. 254 246 ss.
ÍNTMí T. A L I A B K I I C O K L M I S S I V O 279
27S DIRHITOS I I N D A M I A T A I S : ( ' ( > \x > l ÍSSKM [ A l , . K h S T R I Ç Ò I S l i [ J I C A C l A

- limitada. 42. 209. 214 ss.. 230 ss.. Proporcionalidade. 39, 63. 1 1 3 . 125 ss., Subsunção. 46. 52 ss.. 68. 147. 149. 178 - e intervenção. 73
245 ss.. 249 ss.. 254 ss. Suporte fálico, 31 ss.. 51. 59, 65 ss.. 127. - restrito. 79 ss.. 90 ss.. 99. 108 ss..
138 ss.. 163 ss.. 197 ss.. 249
130, 139, 142. 145. 150 ss.. 167. 1X0 ss.. 1 1 4 s s . . 130. 133, 152, 154 ss., 159.
- plena, 42. 209, 212 ss.. 217 ss.. 234 - adequação. 169-1 70
ss., 247 ss.. 254 ss. 199 ss.. 204 ss.. 206 ss.. 2 1 1 . 227. 244. 163, 1 8 1 . 187. 199. 206.252
- e conteúdo essencial dos direitos fun-
- semântica, 228 damentais, 181 ss., 197 ss. 249 ss.
- sintática, 228 - amplo, 39 ss., 67, 83. 89. 94 ss.. 98. Teoria dos princípios. 45 ss., 67, 126, 138,
- e limites imanentes. 180-181
- teoria de José Afonso da Silva. 211 ss. 108 ss.. 1 1 7 . 122 ss.. 139. 142. 145. 143, 154. 169. 184.245
- e sopesamento. 178 ss.
150. 153 ss.. 164. 167, 181, 184. Teoria externa. 39. 122, 138 ss.. 184. 207.
- e classificações alternativas, 215 ss. - necessidade, l 70 ss.
- crítica, 218 ss. 205 ss.. 227, 244. 249 227
- proporcionalidade em sentido estri-
- e limites imanentes. 224 ss. - e eficácia dos direitos fundamen- - críticas. 143 ss.
to, l 74 ss. - e t*ficácia dos direitos fundamentais,
í - teoria externa e suporte fálico amplo. tais. 244 ss.
- subjeti\. 177-178 244 ss.
244 ss. - composição. 73 ss.
- questões terminológicas. 168-169 - e suporte fálico. 158 ss.
Especificidade, 86 ss. - conceito, 67 ss.
- direitos íi prestações em sentido am- Teoria institucional. 130, 133 ss.
Racional idade (v. tb. objetividitde). 146 ss.. Teoria interna, 125. 128 ss., 158, 163.
Interpretação histórica, 83 ss. plo. 78 ss.
175-1 76 - direitos sociais, 77 ss. 180. 187. 201, 206. 247. 252
Regras e princípios, 39 ss., 43 ss.. 63, - elementos, 69 ss. - críticas. 139 ss.
Liberdade de imprensa, 50, 65, 75, 81,
184 - e âmbito de proteção. 70 ss. - e l i m i t e s imanentes, 130 ss.
114 ss., 140 ss., 158. 175, 199, 244. 255
Regulamentação de direitos fundamentais,
Liberdades, 70, 75 ss., 89 ss.. 100 ss..
4 0 s s . , 9 l . 101 ss.. 160, 180-181.209,
118ss., 123. 132, 204 ss., 208, 226 ss..
222, 226 ss.. 245 ss.. 254
231 ss., 234 ss., 250
- e restrição. 99 ss.
- c direitos sociais, 234 ss. ^
Reserva do possível. 205
Limites imanentes, 126 ss., 154. 158,
Restrições a direitos fundamentais. 36. 38,
164 ss., 180-181. 199 ss., 208. 224 ss.,
245, 252 ss. 41. 103. 125. 126 ss.. 130. 132. 139,
197. 223. 246. 250, 252 ss.
Mandamento de otimizacão, 46 ss.. 50. - baseadas em princípios, 142 ss.
64, 139ss., 165, 169, 205 ss. - e proteção aos direitos fundamentais,
Método analítico, 37 ss. 253 ss.
Mínimo existencial. 22-23. 204 ss. - por meio de regras, 141 ss.
-proporcionalidade. 139. 167 ss.
Objetividade (v. tb. racionalidade), 177-
178 Segurança jurídica. 52, 148 ss.
Ónus argumentativo, 38, 41, 112. 115. Sigilo bancário, 80, 119ss., 141, 159. 175,
150, 185, 248 ss. 248. 253
Sigilo de correspondência, 80. 141, 226-
Ponderação (v. tb. sopeauinento). 21-22. 227
56. 61, 81. 128. 143, 155, 166-167, Sopesamento (v. tb. ponderação). 46, 5 l ss.,
176, 179, 182, 198 ss. 62. 68. 81. 84. 89 ss., 99. 102. 108 ss..
Privacidade, 50. 70. 80-81, 96, I 18, 120 118. 128 ss., 137 ss., 164 ss., 175 ss..
ss., 140-141, 159, 175. 199,248 199 ss., 224. 244
OUTRAS OBRAS
DESTA EDITORA

CIÊNCIA POLÍTICA (20 a ed., 2 0 1 3 )


- Paulo Bonavides
A CONSTITUIÇÃO ABERTA (3 a ed., 2004)
- Paulo Bonavides
O CONTEÚDO J U R Í D I C O DO P R I N C Í P I O
DA IGUALDADE (3 a ed., 23 a tir., 2014)
- Celso António Bandeira de Mello
CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL
(29a ed., 2014) - Paulo Bonavides
CURSO ÔE DIREITO CONSTITUCIONAL
TRIBUTÁRIO (30-' ed., 2014)
- Roque António Carrazza
O DIREITO POSTO E O DIREITO
PRESSUPOSTO (8 a ed., 2 0 1 1 )
- Eros Roberto Grau
ELEMENTOS DE DIREITO
CONSTITUCIONAL (24 a ed., 2 a tir., 2014)
- Michel Temer
DO ESTADO L I B E R A L AO ESTADO
SOCIAL (11 a -ed., 2 a tir., 2014)
- Paulo Bonavides
FUNDAMENTOS DE DIREITO PÚBLICO
(5 3 ed., 4a tir., 2014)
- Carlos Ari Sundfeld
MANDADO DE S E G U R A N Ç A E AÇÕES
CONSTITUCIONAIS (36 a ed., 2014)
- Hely Lopes Meirelles, Amoldo Wald e
Gilmar Ferreira Mendes
MANDADO DE SEGURANÇA (6 a ed., 2009)
- Lúcia Valle Figueiredo
A ORDEM ECONÓMICA NA
CONSTITUIÇÃO DE 1988 (16 a ed., 2014)
- Eros Roberto Grau
TEORIA GERAL DO ESTADO (9 a ed., 2012)
- Paulo Bonavides
00258
GRÁFICA PAYM
Tel. (011)4392-3344
paym@terra.com.br

Você também pode gostar