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Ferenc Fehér
A condição política
pós-moderna
TRADUÇÃO
Marcos Santarrita
Rio de Janeiro
1998
C opyright © Agnes Heller e Ferenc Fehér, representados por
EU LA M A , SRL, Roma, 1987.
CAPA
Evelyn Grumach
PROJETO GRÁFICO
Evelyn Grumach e João de Souza Leite
PREPARAÇAO de o r i g i n a i s
Luiz Cavalcanti de Menezes Guerra
5. PRINCÍPIOS POLÍTICOS 91
NOTAS 229
ÍNDICE 233
c a p ítu lo 1 A condição política
pós-moderna
A pós-modernidade não é nem um período histórico nem uma ten
dência cultural ou política de características bem definidas. Pode-se
em vez disso entendê-la como o tempo e o espaço privado-coletivos,
dentro do tempo e espaço mais amplos da modernidade, delineados
pelos que têm problemas com ela e interrogações a ela relativas,
pelos que querem criticá-la e pelos que fazem um inventário de suas
conquistas, assim como de seus dilemas não resolvidos. Os que pre
feriram habitar na pós-modernidade ainda assim vivem entre moder
nos e pré-modernos. Pois a própria fundação da pós-modernidade
consiste em ver o mundo como uma pluralidade de espaços e tempo
ralidades heterogêneos. A pós-modernidade, portanto, só pode defi-
nir-se dentro dessa pluralidade, comparada com esses outros hetero
gêneos.
Nosso principal dilema político e cultural, na medida em que
nos designamos pós-modernos, é captado pela imprecisão do pró
prio termo “ pós” . O pensamento atual está repleto de categorias
cuja differentia specifica é apresentada por esse prefixo. Por exem
plo, temos hoje sociedades “ pós-estruturalistas” , “ pós-industriais” e
“ pós-revolucionárias” , e até mesmo post-histoire. Assim, a preocu
pação básica dos que vivem no presente como pós-modernos é que
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c a p ítu lo 2 Da satisfação numa
sociedade insatisfeita I
O termo “ sociedade insatisfeita” foi cunhado para destacar um traço
conspícuo da identidade ocidental. “ Sociedade insatisfeita” não é um
termo essencialista. Isto é, não pretende designar a essência da
modernidade. Pode-se descrever a modernidade de acordo com mui
tas categorias, cada uma evocando um ou outro determinado traço
da época mundial que difere de todas as outras que a precederam. A
idéia de “ sociedade insatisfeita” busca captar a especificidade de
nossa época mundial da perspectiva das necessidades ou, mais parti
cularmente, da criação, percepção, distribuição e satisfação das
necessidades. Isso sugere que a forma moderna de criação, percepção
e distribuição de necessidades reforça a insatisfação, independente de
alguma necessidade concreta ser ou não de fato satisfeita. Além dis
so, sugere que uma insatisfação geral atua como uma vigorosa força
motivacional na reprodução das sociedades modernas. Disso se
seguiria que se as pessoas deixassem de se sentir insatisfeitas com sua
sorte — sua riqueza material, posição social, relações pessoais,
conhecimento e desempenho, de um lado, e, do outro, suas institui
ções, organizações sociais e políticas, e a condição geral de tudo no
mundo — a sociedade moderna não mais poderia reproduzir-se. No
mínimo, certamente entraria numa era de decadência ou decomposi
ção e acabaria sem dúvida desmoronando.
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nhum ser humano pode superar, tornou-se uma idéia fixa para a hu
manidade moderna. A morte sempre foi um horizonte assustador,
mas nunca uma idée fixe como agora. Temos medo de ver uma pessoa
morrer ou de assistir ao espetáculo da morte. Como nosso próprio
fado comum se tornou contingente, receamos encará-lo de frente. O
suicídio se tornou mais um gesto destinado a superar a contingência: a
contingência da morte foi traduzida de volta aos termos do fado.
A questão existencial da vida moderna pode assim ser resumida
da seguinte maneira: como podemos transformar nossa contingência
em nosso destino sem renunciar à liberdade, sem nos agarrar ao cor
rimão da necessidade ou do fado? Como podemos traduzir o contex
to social em nosso próprio contexto sem recair em experimentos que
se mostraram fúteis ou fatais, em experimentos de engenharia social
ou política redentora?
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hoje é tutelada pelo marido, concordaríamos que ela tem todo m oti
vo para estar insatisfeita com o casamento, embora há meio século a
maioria das pessoas discordasse disso.
No terceiro caso, quando uma determinada necessidade não pode
ser satisfeita por nenhum meio existente ou quando a pessoa sente
que falta alguma coisa sem saber no que consiste essa falta, e portan
to sem ter a mínima idéia dos tipos de meios existentes que podem
satisfazer sua necessidade, em geral encaramos a necessidade em
questão como irracional. Para o descrente, a necessidade de imortali
dade é irracional. Todas as necessidades relativas à consciência da
contingência inicial comum são por definição irracionais (como a
necessidade de nascer rico quando se nasce pobre, de nascer com
talento musical quando se nasce sem ouvido para isso, e assim por
diante). A consciência da contingência inicial às vezes é acompanhada
de uma insatisfação constante. Mas, como a necessidade de ser outra
pessoa ou de estar em algum outro lugar por definição não pode ser
satisfeita, a insatisfação disso decorrente é encarada como irracional.
Ansiedades e neuroses também podem indicar insatisfação. No entan
to, enquanto não os entendemos e explicamos, enquanto continua
mos sem saber o que está faltando, sentimentos como esses e outros
semelhantes de descontentamento também são irracionais.
Do nosso ponto de vista, o mais interessante motivo de insatisfa
ção é o (b), pois são precisamente as necessidades que aparecem nes
se aglomerado que mantêm a existência da sociedade insatisfeita. Em
princípio, todas as perspectivas da vida estão abertas para cada uma
e todas as pessoas. Em princípio, cada uma e todas as pessoas po
dem adquirir os tipos de excelência recompensados com um grau de
reconhecimento social mais elevado que outros. Em princípio, cada
uma e todas as pessoas podem conseguir tudo isso, embora na ver
dade poucos o façam. As necessidades são, ou podem ser, informa
das pelos possíveis meios de satisfazê-las, mas a satisfação de fato
dessas necessidades só estará ao alcance de poucos. Essa é a situação
que foi descrita como o abismo entre esperanças e experiências de
vida. Contudo, seria demasiado parcial referir-nos apenas a aspira
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mente razoável supor que sua satisfação é buscada mais indireta que
diretamente, pelo caminho da satisfação de carências. Na seqüência
normal dos fatos, é justo dizer que as pessoas demonstram relutância
a participar de experiências de autodeterminação se têm motivo para
desconfiar que algumas carências, sobretudo as materiais, não serão
satisfeitas ou até que não o serão na medida em que o são no presen
te. A própria autodeterminação, por definição, tem de ser autodeter
minada, e só é provável que as pessoas reivindiquem autodetermina
ção se estiverem convencidas de que suas carências (com exceção das
necessidades de dominação) serão satisfeitas na mesma medida, e de
preferência em maior medida, do que aquela em que são nas condi
ções existentes.
Os participantes dos processos de autodeterminação enfrentam
muitas outras dificuldades. As instituições existentes que compõem o
ambiente da instituição que as pessoas tentam mudar podem apre
sentar enorme resistência às mudanças imaginadas pelo simples peso
de sua existência. As experiências de autodeterminação teriam não
apenas uma melhor oportunidade de sucesso, mas também ganha
riam ímpeto mais facilmente, se essas experiências fossem apoiadas e
estimuladas por outras instituições. Agrupamentos políticos e sociais
podem emprestar esse apoio, e também o estado, se simpático a tais
experiências. Além disso, autodeterminação exige um maior senso de
responsabilidade, e também, muitas vezes, consome bastante tempo.
M uitos simplesmente não estariam dispostos a assumir tal responsa
bilidade ou sacrificar mesmo uma parcela de seu tempo de lazer.
Ademais, a autodeterminação tem sua própria economia. Se uma
pessoa é membro de vários grupos e instituições diferentes, talvez
esteja disposta a participar do processo de tomada de decisão de um,
ou de vários deles, mas não, sem dúvida, de todos; mas poderia rei
vindicar a satisfação de suas carências em todos eles. O espaço não
nos permite discutir outros problemas relacionados com a dedicação
a processos de autodeterminação e a busca do apoio de outros para
fazer o mesmo. Contudo pode-se extrair algumas conclusões do que
foi dito até aqui.
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na modernidade
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c a p itu lo 5 Princípios políticos
Nossa análise aqui não abrangerá a morfologia de vários ramos da
política pragmática de nossos dias, que permanece intocada por teo
rias e idéias, e cujos objetivos exclusivos são circunscritos pelas exi
gências de obter o poder e nele manter-se. Tampouco é nosso objeti
vo discutir os modernos tipos de teoria maquiavélica que propõem
entender a política como uma técnica. (Neste contexto, bastará
observar que o maquiavelismo jamais foi aplicado na prática em
qualquer projeto político constante, embora, claro, em circunstân
cias particulares seus princípios tenham sido empregados de vez em
quando — sobretudo em circunstâncias análogas às previstas pelo
próprio Maquiavel, quando um poder recém-conquistado teve de
garantir-se.) Finalmente, temos mais uma advertência. Só de leve
tocaremos na proposta igualmente extrema de que a política deve
basear-se na moralidade, e a rejeitaremos.1
Um princípio político regula todos os atos políticos; quer dizer,
nenhum ato empreendido deve contradizer esse princípio. Contudo,
os princípios políticos não definem atos políticos individuais: nor
malmente há mais de uma opção em cada um e todo caso. As situa
ções particulares precisam ser bem entendidas, bem avaliadas, e
devem buscar-se as soluções mais favoráveis; em suma, considera-
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tência das duas esferas de influência que não devem ser tocadas. Os
jogadores jogam “ limpo” se não tentam “ tomar” unidades da esfe
ra de influência do outro, embora possam fazê-lo no conjunto de
países não-alinhados. Para Kissinger, o resultado do fato político
em Cuba foi conseqüência de “ jogo sujo” , mas a invasão da Tche-
coslováquia deve ser encarada como “ jogo limpo” da União So
viética. Assim, Kissinger endossa a doutrina Brejnev: as fronteiras
da Tchecoslováquia são para ele, tanto quanto para Brejnev, a fron
teira da URSS.5
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pessoas), nem significa, o que é mais importante, que não podem ser
aplicados em parte alguma. Significa apenas que no presente não são
consistentemente aplicados em parte alguma, e mais, que, no presen
te, não podem ser aplicados em toda parte (nesse sentido, no presen
te nenhum consenso pleno pode surgir). Estamos convencidos de que
esses princípios podem ser aplicados pela esquerda democrática e de
vem ser aplicados. Em nosso julgamento, os princípios podem ser
aplicados sem dificuldades. A esquerda pode, e deve, julgar todos
atores e sistemas políticos do alto desses mesmos princípios. Ne
nhum ator político os observa completamente, mas alguns os obser
vam em maior ou menor grau. Se a esquerda compara e classifica di
ferentes ações e atores políticos (em qualquer contexto que apare
çam), pode e deve iniciar um processo de comparação de acordo
com as linhas mestras desses princípios. Em qualquer determinada
decisão política, podemos alinhar-nos com os atores que observam
mais os princípios que os outros atores, sem com isso nos compro
metermos com o abandono da crítica a eles em termos dos princípios
que não observam. O que se aplica ao julgamento aplica-se igual
mente a certos atores políticos. Se dois atores (sistemas) se acham em
curso de colisão, e um deles observa os princípios em maior grau que
o outro, a esquerda deve alinhar-se, não apenas em julgamento mas
em ação, ao primeiro, sem abrir mão do direito de criticar a incon
sistência (na observação dos princípios) do partido que basicamente
apóia. E todos os movimentos e partidos da esquerda devem, quan
do lançarem um programa, testá-lo num aspecto crucial: se seu obje
tivo, realizado com sucesso, promoveria ou não ações de acordo
com os princípios da política democrática. É nesse sentido que as
máximas morais (princípios políticos) da política democrática po
dem servir como idéias reguladoras em nosso julgamento e ação aqui
e agora. Se sua aceitação como tal é rejeitada como “ meramente utó
pica” , não resta esperança para a radicalização da democracia.
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intrínseco, mas não é uma “ coisa comum” . Coisas comuns são cons
tituições, leis, instituições públicas, órgãos formuladores de políticas,
estruturas gerais (quer dizer, comumente partilhadas) dentro dos
quais operam as instituições de caráter social, econômico ou outro.
Além disso, o conjunto de procedimentos sob os quais se estabele
cem esses órgãos, que os mantém funcionando ou permite que sejam
substituídos por outros é uma coisa comumente partilhada. Os bens
publicamente partilhados são “ ideais” , quer dizer, na melhor das
hipóteses asseguram as condições sócio-políticas para a boa vida de
todos, e não todas as condições dessa vida. As condições sócio-polí
ticas da boa vida têm sido tradicionalmente associadas à justiça. A
“ coisa comum” que é boa para todos e é, ao mesmo tempo, a condi
ção para a boa vida de todos, é a justiça ou, para sermos mais preci
sos, a coisa comum, a res publica, é boa para todos se incorpora a
justiça.
Os cidadãos contestam a justiça ou a injustiça das instituições
comuns. Mas, quando atacam o caráter injusto ou defendem o cará
ter justo dessas instituições, adotam a posição de um valor diferente
do da justiça. Não pode ser de outro modo, pois não podemos res
ponder à pergunta: “ Por que essa instituição é injusta?” , dizendo:
“ Porque não é justa.” Contestantes e contestados normalmente re
correm a dois valores em seu ataque ou defesa de ordens sociais: o
valor da liberdade e o da vida. Nos tempos modernos, os dois valo
res se universalizaram. A universalização abriu a possibilidade de
uma grande variedade de interpretações de valor. Desde que os valo
res sejam concretos, resta pouco escopo para interpretação. Por
exemplo, o valor da “ independência nacional” nada tem de ambí
guo. Não pode haver interpretações contraditórias de “ independên
cia nacional” ; é mais provável que os conflitos surjam na avaliação
dos meios de consegui-la ou mantê-la. Contudo, os valores univer
sais permitem interpretações contraditórias, e não apenas divergen
tes. Quer dizer, grupos contestantes e contestados podem recorrer
aos mesmos valores, submetendo-os a diferentes interpretações.
Além do mais, metavalores podem informar a avaliação de institui-
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aos outros suas opiniões particulares a esse respeito. Isso só pode ser
conseguido pelo uso da força, explícita ou pelo menos implicitamen
te. O uso explícito da força implica ditadura, o uso implícito da for
ça implica paternalismo. Ditadura e paternalismo contradizem os
valores universais da liberdade e da vida, as normas universais
“ igual liberdade para todos” e “ iguais oportunidades de vida para
todos” , ainda que não no mesmo grau. Corresponder a essas normas
exige um procedimento justo. Um procedimento é justo se todos os
envolvidos com uma instituição, ordem social, lei e coisas assim par
ticipam de um discurso racional sobre a justeza ou justiça de tais ins
tituições, ordens e leis. O procedimento justo exige que todos os
interessados estejam dispostos a entrar num discurso racional. Essa
disposição não é uma qualidade inata, embora se baseie na mobiliza
ção de certas qualidades inatas, como todas as virtudes. A virtude de
estar disposto a entrar num discurso racional é realçada, como acon
tece com todas as virtudes, pela sua prática. Mas a generalização da
prática do discurso racional já pressupõe a presença dessa virtude
num considerável número dos membros do corpo político.
Resumamos agora o argumento que apresentamos aqui. Se con
cordamos que a “ coisa comum” , a res publica, deve consistir de ins
tituições, leis e ordens sociais informadas pelos valores universais de
liberdade e vida, pelo valor condicional da igualdade e pelo valor
procedimental da racionalidade comunicativa, temos de praticar as
virtudes cívicas relacionadas com esses valores. Temos de desenvol
ver em nós mesmos as virtudes cívicas de tolerância radical, coragem
cívica, solidariedade, justiça, e as virtudes intelectuais de pbronesis e
racionalidade discursiva. A prática dessas virtudes faz da “ cidade” o
que ela deve ser: a soma total de seus cidadãos. Quaisquer outras
virtudes que homens e mulheres desenvolvam além dessas virtudes
cívicas contribuem para a boa vida deles próprios. As virtudes cívi
cas contribuem para a boa vida de todos.
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zarem a, fora isso, “ limitada empresa” de suas vidas. Com uma ines
perada ternura, Hannah estende-se sobre a correspondência entre o
velho Jefferson e John Adams, em que o primeiro faz de brincadeira
experiências com a idéia de uma vida póstuma, onde ele simplesmen
te continuaria sua atividade terrena de “ sentar-se no Congresso com
os amigos e colegas” . O sonho de Jefferson é o sonho não elitista do
homem e da mulher modernos de imortalizar-se na política da liber
dade como um fim em si. É isso que é a “ política dos mortais” . E
mesmo que no acima dito tenhamos tentado relativizar o caráter de
“ fim-em-si” da ação política, no principal ficaríamos com Hannah.
A primeira característica da “ política dos mortais” na teoria de
Hannah é a rejeição do conceito “ fim da história” , a escatológica
fundação de uma “ política redentora” total. O “ fim da história” ,
independente de aparecer numa versão “ idealista” ou “ materialista” ,
envolve o m ito de um processo integrado, com suas “ leis” corres
pondentes. Promete um paraíso terrestre que invariavelmente se
revela um “ jardim dos tolos” , um período de profunda desilusão e
cinismo. A crença no “ fim da história” torna nossas exigências exa
geradas, nossas promessas irresponsáveis, nossos gestos desmedidos,
nossas convicções fanáticas. O resultado é uma espécie de política
que promete redentores e nos entrega a inquisidores.
“ A política dos mortais” também tem uma dimensão antropoló
gica. Temos de aprender a diferenciar entre a ânsia de glória e suces
so e o esforço respectivo por distinção. A ânsia de glória é a típica
motivação da era feudal-cristã, e seus vícios correlatos são a vaidade
e a altivez. A busca do sucesso é a típica motivação da “ sociedade de
massa” , e seus vícios e mal-estares correlatos são inveja e frustração.
As duas são paixões monológicas, que não aplacam os tormentos de
nossa “ limitada empresa” , mas ao contrário os intensificam. Contu
do, esforçar-se por distinção é diferente, por ser dialógica. N o esfor
ço pela distinção, eu me distingo de outros por meus feitos, me esta
beleço como um “ eu” distinto. Se o processo parasse aí, eu continua
ria sendo apenas “ presunçoso” . Mas ser distinguido também signifi
ca ser reconhecido como tal pelos outros, e não só, nem mesmo basi
camente, por sinais de prestígio e hierarquia social, mas, acima de
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da questão social
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não falar do fato extra de que a sistemática apologia feita por eles da
horrenda realidade da União Soviética sob Stalin e depois dele torna
inteiramente questionável a sinceridade do compromisso comunista
com a questão social.) A primeira conclusão deles foi a categórica
rejeição da democracia, como “ mentira” , “ burguesa” , uma mera
fachada enganosa na frente de desigualdades e exploração concretas.
A segunda conclusão foi a promessa de uma sociedade que suposta
mente resolveria a questão social como um todo. Essa conclusão já
pode ser chamada de fraudulenta, porque os comunistas no poder
estavam invariável e exclusivamente preocupados com um tipo novo
e aerodinâmico de controle social, e com seu projeto de industriali
zação forçada e rápida. Contudo, uma sociedade de controle e, aci
ma de tudo, política de industrialização forçada normalmente impõe
sofrimentos extras terríveis, e em geral supérfluos, à população. Os
dois passos seguintes da doutrina transformaram a falsa promessa
numa metafísica sistemática e transparentemente fraudulenta. Na
esteira de M arx, o marxismo-leninismo operou com uma série inter
ligada e progressiva de “ formações sociais” nas quais agora inseriam
novos elos entre o capitalismo e a sociedade emancipada projetada
por Marx: o “ comunismo” . A nova “ formação social” , o socialismo,
aparentemente tinha uma tarefa histórica, a de tornar-se a sociedade
par excellence que resolveria a questão social de uma vez por todas.
Idealizar uma sociedade com a missão explícita de tornar-se uma
“ contra-sociedade” , ou seja, distinta de toda outra sociedade até
então existente, por seu potencial oculto de resolver o que ficou per
manentemente sem solução, era sem dúvida um exercício de metafí
sica. O último passo, o ato culminante, era a invenção teórica do
“ novo homem” , Homo sovieticus,4 cuja differentia specifica era po
der carregar o fardo massacrante do experimento social não apenas
com equanimidade e passiva obediência, mas também com satisfa
ção e otimismo internos. O otimismo devia originar-se da inexpug
nável crença do novo homem em que seus problemas sociais haviam
de fato sido resolvidos e seus assuntos precisavam apenas ser “ mais
aperfeiçoados” .
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c a p ítu lo 9 Justiça social
e seus princípios
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que não pode haver sociedade sem justiça estática. A justiça dinâmi
ca, em contraste, não é uma proposição universal empírica. Ainda há
várias comunidades nas quais todas as normas e regras são perma
nentemente pressupostas, e jamais surgem conflitos sobre o tipo de
justiça que faz parte do conjunto de normas e regras existente.
Enquanto nas sociedades pré-modernas os conflitos sociais centrados
em tomo de afirmações de justiça concorrentes eram muito excepcio
nais, em vez de ocorrências normais, nas sociedades modernas essa
constelação mudou de modo sensacional. A justiça dinâmica alcan
çou um lugar permanente em nossas vidas. Poderíamos mesmo dizer,
um tanto paradoxalmente, que nas sociedades modernas, pelo me
nos no Ocidente, a justiça dinâmica tornou-se um elemento estático
pelo fato de sua presença ser pressuposta. Estamos permanentemente
questionando e testando a justiça de um conjunto de normas e regras
contra outro. Nessas sociedades, muito poucas normas e regras são
encaradas como completamente justas por todos.
Como sabemos que algumas normas e regras são injustas, e que
outras normas seriam justas ou mais justas? Esta pergunta pode, cla
ro, ser rejeitada como irrelevante, e reformulada, como foi por Tra
símaco na República de Platão, de uma maneira relativista: cada um
e todos os grupos sociais seguem seu próprio interesse e chamam de
“ justiça” o que melhor convém a esse interesse. Quanto mais forte o
grupo, mais os interesses desse determinado grupo coincidem com o
que é tido como justo. Nessa visão, direito é força. Contudo, se as
afirmações de justiça são tratadas dessa forma nominalista ou relati
vista, toda discussão sobre a natureza da justiça seria de fato irrele
vante. Contudo, o argumento é falho. Mesmo que aceitássemos a
proposição de que todos os grupos que contestam a justiça de uma
norma ou regra existente são motivados por suas necessidades e inte
resses, não se seguiria disso que um conjunto alternativo de normas
e regras só seria chamado de mais justo em virtude das necessidades
ou interesses por trás dele. Na verdade, podia com a mesma facilida
de ser mais justo ou mais injusto. Necessidades e interesses motivam
conflitos em torno de afirmações de justiça, mas não podem determi
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A CONDIÇÃO POLlTICA PÓS- MODERNA
nar se certas normas e regras são de fato justas ou não. Que determi
na a justiça, então? Os que rejeitam argumentos relativistas ou no
minalistas normalmente apontam certos padrões absolutos ou ú lti
mos — como leis divinas ou leis da natureza — e é com eles que as
normas e regras sociais devem ser comparadas.
N o mundo moderno, a crença na justiça divina foi em grande
parte destruída e não mais proporciona orientação à maioria de nós,
e as teorias sobre a “ lei natural” têm sido repetidas vezes desacredi
tadas. Isso, porém, não quer dizer que nos faltem padrões últimos. O
surgimento do mundo moderno foi na verdade acompanhado pela
universalização de dois valores. São os valores da liberdade e da
vida. O valor da liberdade tornou-se em tal medida universalizado
que se tornou um valor-idéia. Com “ valor-idéia” , queremos dizer
um valor cujo oposto não pode ser escolhido como valor. O valor da
vida, embora não universal no mesmo grau, também se tornou um
valor-idéia na modernidade ocidental. A universalidade de um valor-
idéia significa que deve ser estendido a todas as criaturas humanas.
Normas e regras de justiça podem satisfazer os requisitos de valores-
idéias se são informadas por essas idéias. O padrão último, absoluto,
pelo qual se pode julgar a justiça ou injustiça de normas e regras
pode assim ser formulado da maneira seguinte: “ igual liberdade para
todos; iguais oportunidades de vida para todos” . Não igualdade,
mas vida e liberdade são os valores incondicionais da modernidade.
A igualdade é um valor condicional, no sentido de que precisa ser
relacionada aos valores de liberdade e vida para dar-lhe sentido. A
igualdade na miséria ou na ausência de liberdade, por exemplo, é de
valor negativo.
Se olhamos em retrospecto a história da justiça dinâmica de um
ponto de vista moderno, detectamos um traço comum em cada con
flito particular surgido sobre reivindicações de justiça. Os que insis
tiam em que certas normas e regras eram injustas e defendiam a ins
titucionalização de outras novas, alternativas, sempre levantaram a
reivindicação de que um determinado grupo de pessoas devia desfru
tar das mesmas liberdades, ou das mesmas oportunidades de vida,
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c a pítulo 10 Existencialismo, alienação,
pós-modernismo: movimentos
culturais como veículos de
mudança nos padrões
do cotidiano
O termo “ cultura” , ou “ civilização” , foi inventado no Ocidente co
mo uma proposição universal entre muitas. Contudo, em compara
ção com outras proposições universais, como “ ciência” ou “ liberda
de” , a proposição universal chamada “ cultura” sempre teve uma
conotação pluralista. Discutia-se ciência ou liberdade, por exemplo,
e não “ ciência ocidental” e “ liberdade ocidental” , porque a compre
ensão geral era que essas boas coisas eram unas e indivisíveis. Por
outro lado, discutia-se “ cultura ocidental” , porque sempre se supôs
que havia muitas outras culturas junto com a ocidental, inferiores ou
superiores a ela, ou simplesmente diferentes dela. Independente de
serem essas culturas consideradas inferiores ou superiores, as rela
ções entre culturas sempre foram temporalizadas, assim como histo-
ricizadas. As culturas seguem-se umas às outras, por exemplo, e não
há como voltar a uma anterior a não ser através de uma viagem nos
tálgica aberta apenas ao indivíduo. Nessa compreensão, as culturas
eram encaradas como universos fechados que ou permaneciam fe
chados ou, se eventualmente se abriam, julgava-se que haviam perdi
do seus traços distintivos e estavam assim vulneráveis à subversão
pela última cultura, quer dizer, a ocidental. Essa visão de culturas
“ estranhas” coincidia estruturalmente com as divisões culturais den-
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nal entre eles e os filhos será relativamente brando, mesmo que desa
provem valores e estilos de vida uns dos outros. O abrandamento do
conflito de geração é apenas um sinal entre muitos outros das mu
danças estruturais em que se embutem novos movimentos culturais.
Três gerações consecutivas surgiram desde a Segunda Guerra
Mundial: a geração existencialista, a geração da alienação e a gera
ção pós-moderna, para usar os termos com que elas próprias se des
crevem. Os movimentos culturais modernos vieram em ondas, e isso
se deu pelo simples motivo de que cada nova geração tinha de “ che
gar à maioridade” , no sentido de criar uma nova “ instituição imagi
nária” , antes de pegar a tocha da geração anterior. A primeira onda
começou sua carreira imediatamente depois da guerra e atingiu o
zênite no início da década de cinqüenta. A segunda onda foi lançada
pelos acontecimentos de meados da década de sessenta e chegou ao
pico em 1968, mas continuou a expandir-se até meados dos anos
setenta. O terceiro movimento surgiu nos anos oitenta e ainda não
chegou ao zênite. O segundo movimento surgiu do primeiro, e o ter
ceiro do segundo, no sentido de continuação e também no de rever
ter os sinais do anterior. Reagindo uma à outra, cada onda continua
a pluralização do universo cultural na modernidade e também a des
truição das culturas de classe. Além disso, cada onda dá um novo
estímulo à mudança estrutural nos relacionamentos intergeracionais.
A última não é inteiramente independente da primeira, pois a mu
dança estrutural nos relacionamentos intergeracionais é mais outro
padrão do cotidiano que indica o relativismo cultural.
“ Onda” e “ geração” são termos mais precisos que “ movimento” .
Embora ondas consistam de movimentos culturais e sociais, alguns
movimentos continuam por gerações em linha direta, em vez de apa
recerem em ondas; o feminismo é um exemplo ótimo. N o pico das
ondas, os movimentos que são “ companheiros de viagem” da ten
dência principal tendem, em regra, a fundir-se com a última, só para
depois desligar-se, numa parada intermediária. Além disso, uma
onda é mais ampla que a soma total de movimentos que surgem com
ela e se fundem uns nos outros em seus picos. Em regra, os movi
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çavam poi parecer mais velhos do que eram. Após a Segunda Guerra
M undial, porém, o padrão foi-se transformando aos poucos até,
finalmente, inverter-se de todo. Os mental e fisicamente adultos hoje
fazem às vezes esforços desesperados para parecer jovens e se com
portam de acordo. “ Parecer” tem diferentes sentidos sociais. Parecer
mais velho do que se é denota a aspiração de ser tratado como um
adulto responsável, como alguém que já se assentou ou pelo menos
está pronto para assentar-se. Parecer mais jovem do que se é denota
a aspiração de ser tratado como alguém ainda aberto a toda opção,
ainda não “ burocrata” , ainda não fossilizado em sua função. No
pico das ondas geracionais, tornou-se prática comum membros da
“ geração funcional” buscarem o favor dos filhos para ser encarados
como “ jovens honorários” . O termo e as práticas de “ meia-idade”
foram inventados no mundo da divisão funcional do trabalho; e pro
dução exclusiva da sociedade funcional. Numa cultura de classe, seja
burguesa, operária ou fidalga, ser de meia-idade proporciona a al
guém uma dignidade representativa do adulto completo. É qua adul
to, como alguém ainda física e mentalmente capaz, mas já repositó
rio de grande experiência, que nos tornamos uma persona numa
determinada cultura. Homens em crise de meia-idade desejam ser
imaturos e ainda não assentados, calvos adolescentes em busca de
identidade.
A divisão funcional do trabalho é acompanhada por uma combi
nação muito complexa e ambivalente. O exercício de uma função
exige identificação, sobretudo nos negócios e nas instituições públi
cas. Quanto mais forte a identificação com o exercício da função,
maior a tentação da pessoa de tornar-se um chato autocomplacente
ou um burocrata arrogante. Quem exerce uma função é quase inevi
tavelmente levado a barrar a entrada aos jovens, porque representam
concorrência. A autocomplacência ligada à função muitas vezes na
da mais é que um encobrimento psicológico do medo da concorrên
cia. Segue-se disso que pais desse tipo não têm grande conflito com
seus filhos, como aconteceu tipicamente no dramático período de
conflito geracional, mas antes com os filhos dos outros. Parecer jo
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criam uma (espécie particular de) arte. Contudo, e isto estava no cer
ne da auto-identificação européia, a cultura européia não é simples
mente uma entre muitas, mas antes a mais elevada, mais suprema
cultura ou arte, na verdade a mais abrangente na cornucopia de cul
turas e artes diversas. E no entanto o reconhecimento das conquistas
dos outros sempre foi parte e parcela da identidade européia. O mito
de Ocidente e Oriente não é uma justaposição de civilização a barba
rismo, mas antes de uma civilização a outra. A identidade cultural eu
ropéia (ocidental) foi concebida ao mesmo tempo como etnocêntrica
e antietnocêntrica (os dois termos foram cunhados por ela), absolutis
ta e relativista, progressista e historicista.
A tradição européia, ocidental, foi portanto criada retrospectiva
mente. Catedrais medievais, cidades renascentistas, oratórios sacros
e sonetos leigos foram codificados e arrumados lado a lado como
manifestações de uma entidade chamada “ Europa” ou “ Ocidente” .
A história foi contada como história do mundo, uma narrativa holís
tica cujo último capítulo calhava de ser a história da Europa, a cha
mada “ novíssima era” . A invenção do roteiro mais plausível é feito
de Hegel. Nos termos desse roteiro, a história do mundo é vista co
mo uma linha progressiva de acontecimentos, na qual toda cultura
deu sua contribuição à evolução, apenas para depois desaparecer e
ceder lugar à nova. Mas essas sucessivas mudanças de culturas t i
nham apenas uma direção: o avanço para a liberdade. A cultura
moderna é de fato a realização da liberdade para todos; por isso é
também o pináculo e o fim da história do mundo. O roteiro de Hegel
não é de todo evolucionista. O progresso foi invariavelmente acom
panhado por perdas; os velhos valores desapareceram e o velho he
roísmo já se foi. Contudo, como as medidas de progresso são a ra
zão e a liberdade, e como a cultura européia ocidental é a mais
racional e livre de todas, as perdas não precisam ser pesadas contra
os ganhos para não ter importância.
Contudo a “ Europa” só pôde viver em paz com sua nova auto-
identidade pela duração de um século, e, apesar de algumas tendên
cias em contrário, o século dezenove foi, no que importa, o século da
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Notas
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 5
1 Para uma análise de todos os três problemas, ver A. Heller, “ The moral
maxims o f democratic policies” [As máximas morais da política democrática],
em The Power o f Shame, Londres: Routledge and Kegan Paul, 1983.
2 Sobre a discussão de política e ética de Weber, ver “ Politics as a Vocation”
[Política como vocação], em Gerth e M ills, op. cit., sobretudo p. 120 ss.
3 Lukács falou-nos do desprezo com que Weber analisou repetidas vezes para ele
as devastadoras conseqüências de uma política concebida como um mero jogo de
poder. “ Por isso, desde Bismarck, jamais tivemos um político como chanceler, e
após M oltke — um autêntico estrategista como general” , disse ele ressentido a
Lukács.
4 Não é geralmente sabido que na famosa conferência “ Política como vocação”
Weber atacou pessoalmente seu jovem amigo Lukács, então o mais famoso con
vertido ao comunismo. Voltou-se, com decepção e talvez frio ódio, contra Lu-
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A CONDIÇÃO POLÍTICA PÓS-MODERNA
kács. Mas todos os que conhecem fragmentos do livro de Lukács (planejado mas
nunca concluído) sobre Dostoievski, em preparação durante os primeiros meses
da Primeira Guerra M undial, que Weber, claro, conhecia, sabem que suas alu
sões à “ ética de Dostoievski” em “ Política como vocação” são referências a
Lukács.
5 Ao reconstituir a “ ética da responsabilidade” de Kissinger, baseamo-nos, no
principal, em seu White House Years [Anos de Casa Branca], Little and Brown,
Boston, 1979, cujas premissas teóricas já se achavam articuladas em seu livro
sobre Metternich, A W orld Restored: Mettemich, Castlereagh and the problems
o f peace, 1812-22 [Um mundo restaurado: Metternich, Castlereagh e os proble
mas da paz, 1812-22], Weidenfeld and Nicolson, Londres, 1957. O que chama
mos aqui de doutrina Brejnev fo i formulada como tal numa explosão de Brejnev
durante as “ negociações” de agosto de 1968 com a capturada liderança tcheca:
“ ...o país de vocês fica em território que o soldado soviético pisou na Segunda
Guerra Mundial. Nós compramos esse território ao custo de enormes sacrifícios,
e jamais o deixaremos. As fronteiras dessa área são nossas fronteiras também.”
(Itálico nosso.) Z. M lynár, N ight Frost in Prague [Geada noturna em Praga], C.
H urst and Co., Londres, 1980, p. 240.
6 Desenvolvemos nossas opiniões sobre a questão da paz em A. Heller and F.
Fehér, Doomsdy or Deterrence [Juízo final e dissuasão], Sharpe, Nova York,
1986.
7 A. Heller, “ The moral maxims o f democratic politics” , ibid.
8 Esta questão é discutida em detalhe em H . Arendt, On Revolution [Da revolu
ção], Nova York, The Viking Press, 1965.
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
1 Para o esclarecimento histórico desta tese, ver F. Fehér, The Frozen Revolution
(an essay on Jacobinism) [A revolução congelada (um ensaio sobre o jacobinis
m o)], Cambridge, Cambridge University Press, 1987.
2 Esta posição dificilmente tem alguma coisa em comum com a conhecida tese de
Hanna Arendt em A condição humana. Na opinião dela, “ a questão social” , ou
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NOTAS
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índice
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ÍNDICE
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