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Teoria Geral do Direito


Prof. Mauro Campello
Curso de Direito
1a. Edição
2023.1

Unidade 1:

TEORIA GERAL DO DIREITO


Prof. Me . Mauro Campello1

1. Introdução:
Não podemos estudar o Direito sem ter dele uma noção preliminar. Para os
olhos do homem comum o Direito é lei e ordem. Entretanto, o cientista do direito para
realizar sua pesquisa sobre o Direito, avança uma hipótese, conjetura uma solução
provável, sujeitando-a a posterior verificação.
Segundo o jusfilósofo Miguel Reale, o Direito é:
“Um conjunto de regras obrigatórias que garante a convivência social graças
ao estabelecimento de limites à ação de cada um de seus membros.”
Logo, quem age de conformidade com essas regras comporta-se conforme o
Direito. Observa-se que o conceito de Direito exige um comportamento cuja direção,
ligação e obrigatoriedade estejam de acordo com as regras (considerado lícito).
A palavra lei, etimologicamente, refere-se a ligação, liame, laço, relação, o
que se completa com o sentido nuclear de “jus”, que invoca a ideia de jungir, unir, ordenar,
coordenar.
Conclui-se que o Direito corresponde uma convivência ordenada, pois
nenhuma sociedade poderia subsistir sem um mínimo de ordem, de direção e
solidariedade.

1 - Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Roraima. Foi Promotor de Justiça no Estado de Rondônia e advogado no Rio
de Janeiro. Professor efetivo no Curso de Direito do Instituto de Ciências Jurídicas da UFRR e nos Cursos de Direito da Faculdade
Cathedral e UNAMA. Foi professor nos Cursos de Direito das Faculdades Integradas Estácio de Sá (RJ), da Universidade Federal de
Rondônia, Faculdade Atual (RR), do Centro Universitário Estácio da Amazônia (RR) e da UERR. Lecionou nas Pós-graduações Lato
sensu em Direito da Criança e do Adolescente da UERJ, em Direito Processual Civil da (Estácio de Sá/RJ) e em Direito Público
(UERR). Pós-doutor em Direito pela Università degli Studi di Messina (ITA), doutorando em Direito pela UERJ, mestre em Sociedades e
fronteiras pela UFRR e especialista em Direito de Família pela Universidade Gama Filho (RJ), em Violência doméstica contra crianças
(USP) e Analista Internacional pela UFRJ. Pesquisador do Programa de Pós-graduação em Direito da UERJ (PPGD). Prêmio
Sócioeducando 2ª edição do UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância em 1999. Finalista do I Prêmio Innovare: O
Judiciário do Século XXI, categoria Juiz individual, com o programa Centro Sócio-educativo Homero Filho.
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2. O Direito como fato ou fenômeno social:


O Direito é um fato ou fenômeno social. Não existe senão na sociedade e
não pode ser concebido fora dela. Onde está a sociedade, está o Direito (ubi societas, ibis
jus). A recíproca também é verdadeira (ubi jus, ibi societas), onde está o Direito, está a
sociedade.
Só podemos falar de experiência jurídica onde e quando se formam relações
entre os homens, por isso denominadas relações intersubjetivas (envolvem sempre dois
ou mais sujeitos).
Uma regra importante construímos desse pensamento: não se pode
conceber qualquer atividade social desprovida de forma e garantia jurídicas, nem
qualquer regra jurídica que não se refira à sociedade.
O Direito tem como característica sua socialidade (realidade jurídica), ou
seja, a sua qualidade de ser social.
Pesquisas admitem que as formas mais rudimentares e toscas de vida social
já implantavam um esboço de ordem jurídica. O homem viveu ou cumpriu o Direito sem
se preocupar com o problema de seu significado lógico ou moral.
Somente num estágio bem maduro da civilização que as regras jurídicas
adquirem estrutura e valor próprios, e a humanidade passa a considerar o Direito como
merecedor de estudos autônomos. A conscientização do Direito é a semente da Ciência
do Direito.

Fato social Fato teórico


(realidade jurídica) (ordem de conhecimentos)

Há uma correlação entre o Direito como fato social e o Direito como ciência.

3. Multiplicidade e unidade do Direito:


O Direito se apresenta sob múltiplas formas enquanto fato social e histórico,
em função de múltiplos campos de interesse, o que se reflete em distintas e renovadas
estruturas normativas.
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A experiência jurídica não se confunde com as experiências religiosas,


econômicas, financeiras, políticas, artísticas etc. Todavia, apesar das mudanças que se
sucedem no espaço e no tempo há algo de comum a todos os fatos jurídicos, sem o que
seria possível falar-se em Direito como uma expressão constante da experiência social.
O jurista deve possuir uma visão unitária e panorâmica dos diversos campos
em que se desdobra a conduta humana segundo regras de Direito. O Direito abrange um
conjunto de disciplinas jurídicas.
O Direito é um conjunto de estudos discriminados: abrange um tronco com
vários ramos; cada um desses ramos tem o nome de disciplina. Portanto, a disciplina é
um sistema de princípios e de regras a que os homens se devem ater em sua conduta.
No conceito de disciplina o importante é verificar que há sempre a ideia de
limite discriminando o que pode, o que deve ou o que não pode ser feito, dando-se a
razão dos limites estabelecidos à ação.

4. Divisão do Direito:
Segundo Miguel Reale, a primeira divisão que se encontra na história da
Ciência do Direito foi feita pelos romanos entre Direito Público e Privado, segundo o
critério da utilidade pública ou particular da relação, sobretudo a partir da obra de Ulpiano
(Digesto, 1.1.1.2) no trecho: Publicum jus est quod ad statum rei romanae spectat,
privatum, quod ad singulorum utilitatem.
Então, o Direito objetivo foi dividido em duas grandes classes: Direito Público
e Direito Privado.
Mas será que ainda prevalece essa distinção fundada na contraposição
entre a utilidade privada e a pública, tendo em vista que atualmente tem crescido a
interferência dos Poderes Públicos visando proteger a universalidade dos indivíduos? Há
uma interferência avassaladora do Estado, o que se denominou de “publicização” ou
“socialização” do Direito. Esse fenômeno garante a ideia da prevalência do interesse
público sobre o privado.
Mesmo nesse novo contexto, Reale defende que a distinção dicotômica do
Direito apresentada por Ulpiano ainda se impõe, claro que com algumas alterações
fundamentais da teoria romana, que como visto, levava em conta apenas o elemento do
interesse da coletividade ou dos particulares.
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Reale propõe uma nova distinção entre Direito Público e Direito Privado,
baseada em duas maneiras, uma atendendo ao conteúdo e outra com base no elemento
formal.
a) Quanto ao conteúdo ou objeto da relação jurídica:
Quando é visado imediata e prevalecentemente o interesse geral, o Direito é
público. Quando imediato e prevalecente o interesse particular, o Direito é privado.
b) Quanto à forma da relação:
Se a relação é de coordenação, trata-se, geralmente, de Direito Privado. Se
a relação é de subordinação, trata-se geralmente, de Direito Público.
O que caracteriza uma relação de Direito Público é o fato de atender, de
maneira imediata e prevalecente, a um interesse de caráter geral. É o predomínio e a
imediatidade do interesse que nos permite caracterizar a “publicidade” da relação.
Entretanto, existem relações intersubjetivas, em virtude das quais um dos
sujeitos tem a possibilidade de exigir de outro a prestação ou a abstenção de certo ato.
Temos aí uma relação de coordenação, pois os sujeitos da relação estão na mesma
situação. É uma relação típica de Direito Privado.
Tanto o Direito Público quanto o Direito Privado dividem-se em Direito
Interno e Direito Externo. O Direito Interno é aquele que tem vigência em determinado
território, como acontece com o Direito brasileiro. O Direito Externo rege as relações
distintas do Direito nacional, quer as que se estabelecem entre os indivíduos como tais,
quer as concluídas entre particulares com o Estado, ou dos Estados entre si.

4.1. Direito Público:


Diz respeito às coisas do Estado: publicum jus est quod ad statum rei
romanae spectat. Regula as relações que se referem ao Estado e traduzem o predomínio
do interesse coletivo – relações públicas.

4.1.1. Direito Constitucional:


O primeiro dos ramos do Direito Público Interno é o Direito
Constitucional, que tem por objeto o sistema de regras referente à organização do Estado,
no tocante à distribuição das esferas de competência do poder político, assim como no
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concernente aos direitos fundamentais dos indivíduos para com o Estado, ou como
membros da comunidade política.
Os poderes do Estado são estatuídos em função dos imperativos
da sociedade civil, isto é, em razão dos indivíduos e dos grupos naturais que compõem a
comunidade. O social prevalece sobre o estatal. Orientação seguida pela Constituição
Federal brasileira de 1988.
Nas lições de Miguel Reale, as normas constitucionais são as
normas supremas, às quais todas as outras têm de se adequar. A Constituição é a lei
maior do país. É ela que delimita as esferas de ação do Estado e dos particulares, prevê
as formas preservadoras dos direitos fundamentais in abstracto e in concreto. E é graças
à competência atribuída ao Poder Judiciário, que pode ser decretada a
inconstitucionalidade de um ato normativo do próprio Estado, de maneira originária, ou de
qualquer ato concreto ofensivo as normas constitucionais, no decorrer de uma demanda.
O Brasil adotou o sistema de Direito Constitucional escrito, ao
contrário da Grã-Bretanha, cujo Direito Constitucional é fundamentalmente costumeiro.

4.1.2. Direito Administrativo:


O Estado Moderno caracteriza-se pela discriminação de três
funções, que não são rigorosamente independentes, mas autônomas, e que mantém
entre si relações íntimas de necessária cooperação, a saber: legislativa, judiciária e
executiva.
Então, a atividade do Estado pode ser de várias espécies:
legislativa, para edição de normas legais de organização e de conduta; jurisdicional, como
quando o juiz toma conhecimento de uma demanda e profere sua decisão; e
administrativa, quando executa serviços públicos em benefício da coletividade.
O Estado é modelado em função das finalidades que lhe são
atribuídas. Para Miguel Reale, não se ordena politicamente uma comunidade de maneira
unitária, sem ter o Estado o objetivo de preservar a unidade e a paz interna do País, a
segurança de todos em todos os sentidos, e a obtenção de certos bens da vida,
considerados essenciais, conforme o prisma ideológico dominante.
O que o Estado visa, com a função administrativa, não é declarar
o Direito, mas realizar obras e serviços destinados, de maneira concreta, a propiciar
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benefícios à coletividade, ou preservá-la de danos, segundo critérios próprios de


necessidade, de oportunidade ou de conveniência.
Portanto, independentemente da coloração ideológica, o Estado
organiza-se para servir. Enquanto se organiza para atender a fins sociais e econômicos,
constitui-se como um sistema de serviços públicos. Os serviços públicos são os meios e
processos através dos quais a autoridade estatal procura satisfazer às aspirações
comuns da convivência.
No exercício da função administrativa, os órgãos estatais atuam
segundo sua competência para apreciar o que deva ou não ser feito, nos limites da
legalidade indispensável à vida social.
Alfredo Rocco, jurista italiano, observa que, quando o Estado age
na qualidade de administrador, ele visa à satisfação de um interesse próprio, embora os
beneficiários reais sejam os indivíduos que o compõem.
Para Reale, o Direito Administrativo é o Direito dos serviços
públicos e das relações constituídas para a sua execução. Ele tem como objeto o sistema
de princípios e regras, relativos à realização de serviços públicos, destinados à satisfação
de um interesse que, de maneira direta e prevalecente, é do próprio Estado, em razão,
porém, da sociedade ou do bem comum.

4.1.3. Direito Processual:


Por meio do Direito Processual, o Estado presta um serviço na
medida que dirime as questões que surgem entre os indivíduos e os grupos, e estes e as
diversas áreas do governo. O juiz, no ato de prolatar uma sentença, sempre o faz em
nome do Estado. A jurisdição, que é o ato através do qual o Poder Judiciário se pronuncia
sobre o objeto de uma demanda, é indiscutivelmente um serviço público.

- Voluntária; e
Jurisdição
- Contenciosa.

O Poder Judiciário age em função do que é proposto ou posto


pelos interessados, visando a atender, de maneira direta, à pretensão das partes. O
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interesse do Estado em fazer justiça opera-se, concretamente, através do interesse das


partes na demanda.

- Declaratória;
- Constitutiva;
Ação e sentença - Condenatória;
- Executiva; e
- Mandamental.

O objetivo do Direito Processual é a realização da prestação


jurisdicional do Estado necessária à solução dos conflitos de interesses surgidos entre os
particulares, ou entre estes e o próprio Estado, respeitando um sistema de princípios e
regras.
O Direito Processual divide-se em duas categorias: Direito
Processual Civil e Direito Processual Penal. O primeiro destina-se à solução dos conflitos
que surgem nas atividades de ordem privada, de caráter civil ou comercial. O segundo
regula a forma pela qual o Estado resolve os conflitos surgidos em razão de infrações da
lei penal.

- Direito Processual Civil; e


Direito Processual
- Direito Processual Penal.

4.1.4. Direito Penal:


As normas jurídicas estão sujeitas a serem violadas. Pode-se
dizer que é da natureza do Direito essa possibilidade de infração, e quando se reveste de
gravidade, por atentar a valores considerados necessários à ordem social, provoca uma
reação por parte do Poder Público, que prevê sanções penais aos transgressores.
O Direito Penal é o sistema de princípios e regras mediante os
quais se tipificam as formas de conduta consideradas criminosas, e para as quais   são 
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cominadas, de maneira precisa e prévia, penas ou medidas de segurança, visando a


objetivos determinados.
Surgem como pressupostos teóricos da Dogmática Penal dois
problemas correlatos e que são, na verdade, da Filosofia e de Política Criminal: o
problema do fundamento do direito de punir e o da finalidade da pena. Pune-se para
prevenir novos crimes, ou para castigo do delinquente? Tem a pena por fim recuperar o
criminoso, para seu retorno ao convívio social, ou deve prevalecer os objetivos da
prevenção social?
Não existe sociedade sem crime. É por esse motivo que a
sociedade se organiza, para preservar-se contra o delito e atenuar-lhe os efeitos. Não é
no Direito Penal que se estuda o delito como fato social. Este é o objeto da Criminologia,
baseada em pesquisas de ordem sociológica, antropológica, psicológica etc. O Direito
Penal estuda as regras emanadas pelo legislador com a finalidade repressiva do delito e
preservativa da sociedade.
Dada a natureza do Direito Penal que envolve substancialmente
a liberdade humana, o ordenamento jurídico penal se distingue dos demais pelos
princípios da legalidade estrita e da tipicidade.
O Direito Penal contemporâneo deve atender as exigências ético-
sociais da plena garantia da defesa; do respeito à pessoa do delinquente; do caráter 
estritamente pessoal da pena; da adequação desta à individualidade  do  criminoso;  e  do
caráter contraditório da instrução criminal, conforme determina à Constituição Federal.

4.1.5. Direito Internacional Público:


Miguel Reale leciona que o Direito Internacional tem por objeto
de estudo a experiência jurídica correspondente à comunidade internacional e seu
ordenamento jurídico. A própria palavra Direito Internacional Público nos diz que é um
Direito inter-nações, com base em um ordenamento que não se reduz ao ordenamento de
cada Estado, mas pressupõe a correlação dos Estados.
Alguns internacionalistas contemporâneos sustentam que o
Direito Internacional não pressupõe a existência de Estado, pois é este que não poderia
existir se não houvesse uma comunidade internacional, na qual os Estados juridicamente
coexistem, respeitando-se mutuamente. Alegam também, que há Direito Internacional
entre os grupos desprovidos de qualidade estatal, e até mesmo entre indivíduos, à
margem dos Estados. Ideias estas filiadas a teoria de Hans Kelsen.
Outros internacionalistas afirmam que no mundo atual existem
algumas entidades políticas de caráter complexo que vão desde certas Comunidades de
Estados, organizadas para fins de segurança recíproca, até entidades de finalidades
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econômicas. Estas entidades impõem cada vez mais suas normas aos Estados que as
integram. Isto demonstra a não-subordinação do Direito Internacional à soberania dos
Estados.
Duas doutrinas predominam quanto à compreensão do Direito
Internacional, a saber:

a) monista – subordina toda a experiência jurídica ao ordenamento internacional; e


b) dualista – reconhece a existência de dois ordenamentos complementares, o dos
Estados e o ordenamento internacional.

Mas afinal, pode-se considerar o Direito Internacional Público


como um Direito?
Durante algum tempo não se reconheceu ao Direito Internacional
essa qualidade, por ser desprovido de sanção.
A pergunta a época era: Que valor têm os tratados e as
convenções, quando os povos se negam a cumpri-los? Que força juridicamente
organizada poderá interferir para o cumprimento do que foi internacionalmente pactuado?
Veremos em unidades futuras, que o que caracteriza o Direito
não é a coação efetiva, real, concreta, mas a possibilidade de coação. Não se pode
contestar a possibilidade de coação no plano do Direito Internacional, especialmente nos
tempos atuais, que já apresenta casos de coação no plano do Direito Internacional. Na
atualidade, existe um órgão superestatal, munido de força suficiente, para exigir dos
Estados o cumprimento das normas de caráter internacional.
Podemos concluir, que a evolução do Direito Internacional está
obedecendo aos mesmos marcos que se apontam na evolução do Direito Privado, com
uma passagem progressiva da solução armada dos conflitos para o seu superamento nos
quadros do Direito.

Obs: E o Direito Internacional Privado, seria ele um ramo do Direito Privado?


As regras de Direito têm vigência e eficácia tão somente no âmbito do
território do respectivo Estado, dependendo da anuência dos outros Estados para
produzirem efeitos em seus territórios.
O homem não é como uma árvore, não é um ser jungido à terra. Ele se
caracteriza por sua grande mobilidade social. Os homens transferem-se continuamente
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de um país para outro e, mesmo ficando na própria terra, entram em contato cultural ou
mercantil com outros indivíduos, estabelecendo relações além das fronteiras.
Nesse contexto, surge o problema da harmonia das regras jurídicas de um
País com as de outros com referência à relações privadas constituídas no trato
internacional. A disciplina jurídica, cujo objeto é dirimir os possíveis conflitos entre regras
jurídicas estabelecidas pelos diferentes Estados, chama-se Direito Internacional Privado.
Para Miguel Reale, trata-se de uma designação imprópria. Pra ele, esse
Direito não é internacional e nem é privado. O Direito Internacional Privado não possui
regras que disciplinam as relações entre pessoas, mas sim regras destinadas a
determinar quais as regras que devem ser aplicadas para disciplinar aquelas relações.
Em suma, o Direito Internacional Privado não regula conflitos de interesses, mas apenas
conflitos de leis.
Portanto, o Direito Internacional Privado não tem por finalidade reger ou
complementar relações, mas decidir sobre as regras que se destinam a essas mesmas
relações. É, por isso, um sobredireito. O Direito Internacional Privado se situa nos dizeres
de Miguel Reale como “metalinguagem jurídica”.
Reale conclui esta temática em sua reconhecida obra Lições “Preliminares
de Direito” afirmando que “um dos conceitos básicos do Direito Internacional Privado é o
critério de ordem pública. Vela pelos Direitos do estrangeiro no Brasil, enquanto não
entram em conflito com as tradições da nossa gente e de nossa sociedade, e disciplina as
relações jurídicas exequíveis no território nacional, pondo-os em consonância com os
ditames de nosso ordenamento jurídico, numa natural e renovada tarefa de conciliação do
Direito Externo com o Direito Interno.”

4.1.6. Direito Financeiro:


O Direito Financeiro é uma disciplina jurídica que tem por objeto
toda a atividade do Estado no concernente à forma de realização da receita e despesa
necessárias à execução de seus fins.
No Estado de Direito, compete a Ciência das Finanças e a
Economia fornecerem aos administradores os elementos indispensáveis à política
financeira, entretanto, tais propostas devem adequar-se as formas jurídicas,
institucionalizando-se, para garantia dos indivíduos e do próprio Estado.
Miguel Reale leciona que o Direito Financeiro é a Ciência das
Finanças em sua projeção ou potenciação institucional, se consubstanciando num
sistema de princípios e normas a que a atividade do Fisco se deve adequar. Constitui-se
toda uma estrutura normativa, elaborando-se modelos jurídicos que instauram relações
entre as pessoas e o Estado enquanto Fisco.
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4.1.7. Direito Tributário:


O Direito Tributário se refere às relações entre o Fisco e os
contribuintes, tendo como objeto primordial o campo das receitas de caráter compulsório,
isto é, as relativas à imposição, fiscalização e arrecadação de impostos, taxas e
contribuições, determinando-se, de maneira complementar os poderes do Estado e a
situação subjetiva dos contribuintes, como complexo de direitos e deveres.
Reale ressalta que o “conceito-chave do Direito Tributário é o
fato-gerador da incidência fiscal, entendido como fato inserido numa estrutura normativa
constituída em função dos valores econômico-financeiros que o Estado tenha em visita
realizar”.
Cada tributo deve necessariamente corresponder a um distinto
fato-gerador, sob pena de ilícita bitributação. A Constituição Federal de 1988 dispõe que
cabe  à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria tributária, definindo os
tributos e suas espécies, relacionando os impostos nela discriminados com os respectivos
fatos geradores, com outras cautelas destinadas a legitimar as imposições do Fisco no
Estado Democrático de Direito.

4.2. Direito Privado:


Para Ulpiano, o Direito Privado era, em Roma, aquele pertinente ao
interesse de cada um: privatum, quod ad singulorum utilitatem spectat. Regulavam as
relações que interessam os particulares, ou seja, os indivíduos.
Reale leciona que o Direito Privado se refere ao homem enquanto
pessoa e sujeito instaurador de entes coletivos (pessoas jurídicas), abstração feita de sua
sujeição ao Estado, ou seja, nas suas relações particulares, a título individual, no seio da
família, ou com relação aos bens que lhe são próprios, ou aos laços obrigacionais que
constitui, visando ou não a fins patrimoniais ou empresariais.
Dessa forma, o Direito Privado pode ser visto como o conjunto de
normas jurídicas que compõem os conflitos de interesse entre os particulares. Por
exemplo: as relações entre pais e filhos, ou entre quem compra e quem vende
determinado bem. Não são relações que interessam de maneira direta ao Estado.
No Direito Privado destaca-se o Direito Civil como Direito Fundamental
ou “Direito Comum” a todos os homens, no sentido de disciplinar o modo de ser e de agir
das pessoas, com abstração de sua condição social, muito embora exercendo funções ou
atividades diferençadas.
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4.2.1. Direito Civil:


O Direito Civil se destaca como “Direito comum” a todos os
homens, no sentido de disciplinar o modo de ser e de agir das pessoas, com abstração de
sua condição social. Refere-se as relações particulares, a título individual, no seio da
família, ou em relação aos bens que lhe são próprios, ou aos laços obrigacionais que
constitui, visando ou não a fins patrimoniais ou empresariais.

4.2.1.1. Direito Romano Clássico:


Os romanos não distinguiam o Direito Civil do Comercial.
Todas as relações de ordem privada continham-se no jus civile ou no jus gentium. O jus
civile era a parte das normas de Direito Privado que só se aplicava aos cidadãos
romanos. Já o  jus gentium era a parte das normas de Direito Privado que só se aplicava
às relações entre os estrangeiros e entre os cidadãos romanos e os estrangeiros.
O jus civile e o jus gentium diferenciavam-se conforme a
nacionalidade das pessoas que tomavam parte na relação jurídica.

4.2.1.2. Direito Romano no tempo de Justiniano:


Nesse período da história romana, o jus civile aplicava-se
em todo território romano, enquanto o jus gentium passou a ser aquele que surge das
nações estrangeiras. Surge nessa fase o jus naturale, que está presente em Platão e em
Aristóteles, mas também é importante não olvidar que foi elaborado na cultura grega,
principalmente, pelos Estoicos, para quem toda a natureza era governada por uma lei
universal, racional e imanente.
Jacques Leclercq afirma que o Direito Natural é o
resultado dos princípios mais gerais sobre a ordem do mundo, usados para que se
oponham aos governantes injustos. Um ideal jurídico.

4.2.1.3. Código Napoleônico de 1804:


Após a Revolução Francesa, privilégios do Primeiro e
Segundo Estado (clero e nobreza) foram abolidos e deram lugar para a igualdade de
todos perante a lei (incluída nos princípios universais de “Igualdade, Liberdade e
Fraternidade”) além do Estado disciplinar importantes áreas do Direito Civil com leis que
tratavam sobre o casamento, divórcio e estado civil (1792), herança (1794) e propriedade,
hipoteca e transferência de propriedade (1798).
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Contudo, era necessário ainda realizar uma reformulação


integral da ordem jurídica, iniciada a partir da Constituição de 1791 que determinou a
confecção de um Código Civil comum a todo o país.
Em 1793, Jean-Jacques-Régis de Cambacérès foi
designado para elaborar um código civil que substituísse as diferentes leis usadas em
diferentes partes do país no prazo de apenas um mês. Apesar de ter cumprido o prazo, o
projeto de 636 artigos de Cambacérès foi rejeitado por ser excessivamente conservador e
bastante incompleto, assim como os outros dois projetos apresentados por ele em um
período de quatro anos.
Napoleão Bonaparte subiu ao poder em 1799 e, em
agosto de 1800 nomeou uma comissão composta por quatro advogados: Trochet, Bigot
Du Pémameneu, Portalis e Mavile, sendo os dois primeiros originários do norte, região do
Direito costumeiro (Common law) e os outros dois últimos, do sul, região de Direito escrito
(civil law).
O projeto foi concluído em quatro meses, mas foi
publicado somente em 21 de março de 1804. Promulgado como Code Civil dês Français
("Código Civil dos Franceses"), foi renomeado para Code Napoléon ("Código
Napoleônico") de 1807 até a queda do imperador em 1815, e novamente em 1852, no
Segundo Império Francês.
O Code Civil, denominação mais utilizada para o código
que se encontra em vigor atualmente, sofreu influência dos costumes, do D ireito Romano,
das leis da Revolução Francesa e do Corpus Juris Civilis, possuindo ele 2.281 artigos
divididos em um título preliminar e três livros.
A estrutura do Código Napoleônico não foi baseada nas
antigas leis francesas, mas sim no Código de Justiniano e mais precisamente nas
institutas, onde são expostas noções gerais, definições e classificações.
De maneira similar, o Código Napoleônico divide a lei em
lei das: Título Preliminar: tratam de assuntos como as regras de publicação e a não
retroatividade das leis em geral, contudo, não pode ser considerada uma parte geral; Livro
Primeiro: pessoas; Livro Segundo: bens; e Livro Terceiro: aquisição de propriedade.
O Código Napoleônico foi fundamental para a mudança
da natureza do sistema de leis civis, fazendo com que as leis se tornassem mais claras e
acessíveis devido a uma linguagem mais precisa e direta.
Existem três características importantes quanto ao
conteúdo do Código Civil Francês: a moderação, já que os autores souberam conciliar a
tradição do antigo direito francês com as inovações que a Revolução Francesa trouxe; a
praticidade do texto, uma vez que os juristas que fizeram essa obra não tinham grandes
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preocupações filosóficas e objetivavam a aplicação do código no cotidiano das pessoas; e


o individualismo (apontada pelos críticos), considerando que a principal preocupação da
obra é com os interesses dos proprietários de bens imóveis, deixando de lado questões
como os interesses das pessoas jurídicas, das associações e das famílias.
Apesar de não ter sido o primeiro, o Código Napoleônico
foi o mais influente dos códigos legais. De fato, foi adotado em diversos países sob
ocupação napoleônica, formando as bases dos sistemas legais modernos da Itália, dos
Países Baixos, da Bélgica, da Espanha, de Portugal e suas antigas colônias.
Outros países sofreram a influência do Código
Napoleônico, como Suíca, Alemanha e Áustria. Portanto, o sistema de direito civil dos
países europeus - com exceção do Reino Unido, Irlanda, Rússia e países escandinavos -
foram inspirados em diferentes graus pelo Código Napoleônico, fazendo dele o maior
legado de Napoleão Bonaparte.

4.2.1.4. Código Civil brasileiro:


Para Miguel Reale o Código Civil é a “constituição do
homem comum”. Representa o que há de comum entre todos os homens. Surge como o
ordenamento jurídico mais estável, ou seja, o menos sujeito a transformações bruscas.
Grande parte da questão social reside no campo do Direito Privado, especialmente no
Direito Civil.
São elementos basilares do Direito Civil os seguintes
princípios que condicionam toda a vida jurídica numa sociedade democrática:
a) Princípio da personalidade: a ideia de que todo ser humano é sujeito de direitos e
obrigações, pelo simples fato de ser homem.
b) Princípio da autonomia da vontade: o reconhecimento de que a geral capacidade
jurídica da pessoa humana lhe confere o poder de praticar certos atos ou abster-se deles,
segundo os ditames de sua vontade.
c) Princípio da liberdade de estipulação negocial: a admissão de que esse poder implica a
faculdade de outorgar direitos e aceitar deveres, nos limites da lei, dando existência a
relações ou situações jurídicas, como os negócios jurídicos, em geral, e os contratos em
particular.
d) Princípio da propriedade individual: o reconhecimento de que o homem, por seu
trabalho ou por formas outras que a lei contempla, pode exteriorizar a sua personalidade
em bens imóveis ou móveis que passam a ser objeto exclusivo de seu querer, e de seu
patrimônio.
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e) Princípio da intangibilidade familiar: a ideia de que entre as situações jurídicas


constituídas pelo livre querer dos indivíduos uma há que é a expressão imediata de seu
ser pessoal, a família, a cobro de indébitas ingerências em sua vida íntima.
f) Princípios da legitimidade da herança e do direito de testar: a aceitação de que, entre os
poderes que o homem exerce sobre os seus bens, inclui-se o de poder transmiti-los, no
todo ou em parte, a seus herdeiros, a começar dos descendentes.
g) Princípio da solidariedade social: a função social dos direitos civis, da propriedade e
dos negócios jurídicos (atos e contratos de natureza civil ou econômico-empresarial), a
fim de que se conciliem as exigências do todo coletivo com os citados poderes conferidos
aos indivíduos.
Para Reale é com base nesses sete princípios que se
ordena o Direito Civil contemporâneo, situando-se suas regras em vários códigos ou em
apenas num que se dá o nome de Código Civil, como no Brasil, abrangendo:
a) os Direitos Pessoais (da Personalidade), como os relativos ao indivíduo como ente
válido por si mesmo, protegendo-lhe o ser pessoal, o nome, a imagem etc.;
b) os Direitos Obrigacionais, tendo como fulcro o poder de constituir situações jurídicas
intersubjetivas para consecução de fins civis ou econômicos;
c) os Direitos Associativos, como projeção da autonomia da vontade constituindo entes
coletivos, isto é, pessoas jurídicas privadas;
d) os Direitos Reais, relativos à posse e à propriedade e suas formas de explicitação;
e) os Direitos de Família, desde sua constituição pelo casamento ou pela união estável
até as formas de extinção da entidade familiar, as relações entre os cônjuges,
conviventes, ascendentes e descendentes etc.; e
f) os Direitos de Sucessão, que resultam da transferência de bens por força de herança.
Miguel Reale adverte que nos chamados Estados
Socialistas ou “democracias populares” existem estruturas do Direito Civil, porém como
algo de concebido ou permitido pelo Estado. O Estado é o proprietário dos meios de
produção, limitando a autonomia da vontade, considerada base da livre iniciativa. Interfere
na família, convertendo-a a serviço de seus desígnios políticos ou ideológicos, além de
limitar o direito de testar.
E conclui que não é “nos domínios aparatosos dos
contrastes ideológicos que devemos situar as diferenças essenciais entre um
ordenamento jurídico liberal ou social-democrático e um ordenamento comunista, mas
antes em função dos valores existenciais da vida privada. É na tela dessa experiência que
nos damos melhor conta dos conflitos de valores existentes entre duas concepções de
vida, que condicionam duas distintas concepções do Direito e do Estado.”
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4.2.2. Direito Comercial:


4.2.2.1. Idade Média e a burguesia:
O Direito Privado confundiu-se, inicialmente, com o jus
civile e o jus gentium, sem se distinguir em Civil e Comercial, como ocorreu no período
medieval. Foi nos últimos séculos da Idade Média que surgiram várias corporações de
mercadores, cuja finalidade era realizar o comércio, não só dentro do âmbito da própria
comuna, ou da própria região, mas também com outros povos.
Nesta época, o comércio era praticado em cada região de
forma desvinculada uma da outra, já que não havia um poder político central forte, capaz
de impor regras gerais e aplicá-las a todos, assim, surgiu uma série de “direitos locais”
nas diversas regiões da Europa. Doutro lado, ganhava força o direito canônico que
pregava contra o lucro, a cobrança de juros, o que levava ao desinteresse da classe
burguesa que se formava e ganhava força.
Por conseguinte, essa classe de comerciantes ou mercadores
teve que se organizar e construir seu próprio direito, a ser aplicado nos diversos conflitos
que passaram a eclodir com a efervescência da atividade mercantil, que até então estava
estagnada. Com isso as regras do direito foram surgindo com a própria dinâmica da
atividade comercial (jus mercatorum), bem como a criação de tribunais para julgar os
conflitos surgidos dessas relações. Assim, o Direito Comercial apareceu na Idade Média
como o Direito especial de uma classe, a classe dos mercadores, e um desdobramento
ou especificação do Direito Civil. Com o seu surgimento houve a primeira quebra da
unidade do Direito Privado. O Direito Comercial ao lado do Direito Civil passaram a
integrar os dois ramos do Direito Privado.

- Direito Civil; e
Direito Privado
- Direito Comercial.

4.2.2.2. O ato negocial e o Direito Empresarial:


O Direito Comercial perdeu, posteriormente, a sua
característica de Direito classista, uma vez que seu objeto passou a ser a atividade  
negocial, enquanto destinada a fins de natureza econômica, sendo essa atividade habitual
e dirigida à produção de resultados patrimoniais.
Hoje em dia, prevalece a tese de que não é o ato
comercial o objeto do Direito Comercial. É algo mais amplo. Segundo Miguel Reale seria
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a atividade econômica habitualmente destinada à circulação das riquezas, mediante bens


ou serviços, o ato de comércio inclusive, implicando uma estrutura de natureza
empresarial.
As nações, em geral, possuem dois códigos distintos: o
Código Civil e o Código Comercial. O Brasil segue este padrão, entre nós temos: o
Código Civil brasileiro, Lei nº 2002, e a Lei Comercial, promulgada em 1850, há mais de
um século, completados ambos por dezenas de leis especiais (legislação complementar).
Portanto, o Direito Comercial rege as relações
caracterizadas sob a denominação genérica de atividade negocial ou empresarial. Essas
atividades caracterizam-se em atos jurídicos, que são identificados por dois requisitos:

a) opera uma revenda ou promove circulação de bens;


b) é exercida com escopo de lucro.

Não existe comércio sem propósito de lucro. Quem


pratica o comércio, o faz para obter uma vantagem de natureza patrimonial. Assim,
conclui-se que o Direito Comercial, entendido como especificação do Direito Civil, repousa
sobre elementos basilares, a saber:

a) autonomia da vontade expressa numa atividade negocial, com propósito de lucro;


b) estrutura empresarial; e
c) garantia e certeza da circulação e do crédito.

4.2.3. Unificação do Direito Privado:


Já no século XIX, alguns doutrinadores entenderam que a
existência de um Código Civil e de um Código Comercial não tinha mais razão de ser. No
Brasil, o jurista baiano Teixeira de Freitas foi o primeiro a afirmar a necessidade de
unificação do Direito Privado.
Coube ao mestre Teixeira de Freitas, no Império, elaborar um
Projeto de Código Civil. Segundo Miguel Reale, “depois de vários anos de indagações e
pesquisas, o ilustre mestre, quando já havia redigido nada menos de 4.908 artigos de seu
monumental ‘Esboço de Código Civil’, declarou haver chegado à conclusão de que as
obrigações civis e mercantis deviam ser disciplinadas num só Código, precedido de um
Código Geral.
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Não obtendo o apoio do Governo para sua proposta de


unificação, declinou ele dessa tarefa que lhe fora conferida. Portanto, foi Teixeira de
Freitas o primeiro, na Ciência do Direito ocidental, a afirmar a doutrina da unificação das
regras privatísticas.
Assim, com o Código Comercial de 1850 e com o Código Civil de
1916, o Brasil optou em ter dois códigos distintos, porém o novo Código Civil brasileiro de
2002 preferiu disciplinar unitariamente o Direito das Obrigações (civis e comerciais),
revogando as disciplinas das obrigações mercantis do Código Comercial e regulou a
atividade comercial das empresas mercantis e industriais, dando o nome dessa parte de
Direito de Empresa, que abrange tanto a comercial como a industrial.

4.3. Direito Social:


4.3.1. Direito do Trabalho:
O Direito do Trabalho nasce como reação ao cenário
que se apresentou com a Revolução Industrial, com a crescente e incontrolável
exploração desumana do trabalho. É produto da reação da classe trabalhadora ocorrida
no século XIX contra a utilização sem limites do trabalho humano.

4.3.1.1. Revolução Industrial:


O Direito Civil não mais atendia aos anseios de
classe trabalhadora, oprimida e explorada em consequência da revolução industrial.
Apenas a partir do instante em que a relação de emprego se torna a categoria dominante
como modelo de vinculação do trabalhador ao sistema produtivo, é que se pode iniciar a
pesquisa sobre o ramo jurídico especializado que se gestou em torno dessa relação
empregatícia.
Nascia o Direito do Trabalho com função tutelar,
econômica, política, coordenadora e social. Tutelar, porque visava proteger o trabalhador
e reger o contrato mínimo de trabalho, protegendo o trabalhador de cláusulas abusivas,
garantindo-lhe um mínimo. Econômico, em face da sua necessidade de realizar valores,
de injetar capital no mercado e democratizar o acesso às riquezas, de abalar a economia
do país. Coordenadora ou pacificadora, porque visa harmonizar os naturais conflitos entre
capital e trabalho. Política, porque toda medida estatal coletiva atinge a toda população e
tem interesse público. Social, porque visa à melhoria da condição social do trabalhador,
da sociedade como um todo.
Precisamos, então, definir a natureza jurídica do
Direito Trabalho. A natureza jurídica desse novo campo do Direito é tema muito
discutido doutrinariamente. Afinal, é de direito público, privado, misto ou social?
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4.3.1.2. Natureza jurídica do Direito do Trabalho:


É difícil a tarefa de apontar a natureza jurídica do
Direito do Trabalho, porque se trata de um ramo misturado. Nasce através de um negócio
jurídico da esfera privada, entre dois particulares – empregado e empregador –, mas sofre
grande intervenção pública com o intuito de regular os limites desta relação.

4.3.1.2.1. O Direito do Trabalho como Direito


Público:
Para Miguel Reale o Direito do Trabalho,
no Brasil, é um ramo do Direito Público. Segundo o mestre, o Direito do Trabalho “se
caracteriza de maneira bem clara, como um dos campos em que as relações se
distinguem pelo seu elemento publicístico de defesa e não do trabalho de per si, apenas,
mas do trabalhador como elemento integrante da coletividade.”
No Direito do Trabalho é inegável que nos
deparemos com a presença do Estado, na sua função institucional, impondo limites à
iniciativa individual, ao livre jogo dos interesses particulares.
Hoje em dia é fácil perceber que
empregado e empregadores não têm liberdade de dispor livremente, fixando salários à
sua vontade, mas devem obedecer a um mínimo estabelecido coercitivamente pelo poder
público.
Conclui-se que patrões e empregados
devem condicionar o ato de convencionar as formas de remuneração do trabalho às
exigências imperativas de ordem pública.

4.3.1.2.2. O Direito do Trabalho como Direito


Privado:
Não é possível afirmar que o Direito do
Trabalho pertença ao Direito Público, porque a vontade das partes ainda compõe grande
parte das regras da relação de emprego. O Estado não regula de maneira predominante
sobre essa matéria, normalmente apenas estabelece parâmetros mínimos que devem ser
seguidos pelas partes.
Observa-se das alterações legislativas que
ocorreram nos últimos anos dentro das regras trabalhistas no Brasil, que cada vez menos
há a ingerência do Estado dentro das relações privadas de direito.
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Conforme se verifica pelo art. 611-A da


Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), as regras contidas nas chamadas convenções
coletivas de trabalho tornam-se obrigatórias.
Pelo artigo, a vontade das partes,
estabelecida por meio de seus sindicatos (entidades de cunho privado), está acima da
própria lei quando versarem sobre os tópicos acima destacados. Registra-se que “o
acordo de vontade faz lei entre as partes” extraído do brocardo latim pacta sunt servanda.
Através da arbitragem, é facultado às
partes ignorar completamente a ordem jurídica vigente e estabelecerem, em comum
acordo, suas próprias regras que servirão como direito de fundo para a resolução do 
conflito, conforme a CLT. Neste caso, trata-se do abandono completo da interferência
estatal na relação de trabalho, haja vista que as partes têm a faculdade de decidir
conforme elas bem quiserem.

4.3.1.2.3. Natureza jurídica mista do Direito do


Trabalho:
O Direito do Trabalho tem natureza mista,
como um Direito sui generis, um pouco privado um pouco público . Tem caráter publicístico
na medida que rege as formas e meios necessários à solução dos conflitos dos  
indivíduos  e das categorias profissionais, não apenas segundo o desejo ou interesse de
cada uma delas, mas principalmente segundo a exigências do bem coletivo.
Quando o Estado disciplina as formas de
prestação do trabalho, ou da Previdência Social ou quando disciplina os contratos
coletivos, ou institui fundos de garantia, ou normas processuais etc, ele interfere na sua
qualidade fundamental de poder soberano, estabelecendo o equilíbrio entre as partes
interessadas e impondo soluções a que os particulares estão todos sujeitos.
E o Direito do Trabalho terá caráter
privatístico, na medida que sua raiz encontra-se no Direito Civil, nas locações de serviços.
Embora existam normas cogentes sobre a matéria, estas não afastam a natureza privada
da relação jurídica, haja vista que os contratantes (empregador e empregado) são livres
para estipular as regras de seu pacto de emprego, restando claro que a maioria das
normas das legislações do trabalho são de natureza privada.
O Direito do Trabalho disciplina o interesse
privado, mas segundo uma forma de intervenção que tem como medida e objeto o
interesse geral.
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4.3.1.2.4. Natureza jurídica de Direito Social do


Direito do Trabalho:
O Direito do Trabalho nasceu por
necessidade humanitária de se regulamentar as relações de trabalho entre empregadores
e empregados, visando à proteção destes, em especial contra a sua exposição às mais
indignas e desumanas condições de trabalho na Revolução Industrial, como jornadas
excessivas, não existência de salário mínimo suficiente à manutenção das suas
necessidades, seguridade social para os momentos de invalidez, velhice e outras
necessidades fundamentais do ser humano.
Esse direito está consagrado na
Declaração Universal dos Direitos Humanos e em diversos tratados e declarações de
direito internacional, destacando-se a Resolução n.º 34/46, de 1979, da Assembleia Geral
da ONU, que enuncia claramente que: "a fim de garantir cabalmente os direitos humanos
e a plena dignidade pessoal, é necessário garantir o direito ao trabalho".
A Constituição brasileira designa o
trabalho como um Direito Social fundamental (art. 6º) e fundamento da ordem econômica
(art. 170), afirmando o primado do trabalho como base da ordem social (art. 193).
Os direitos sociais fundamentais
trabalhistas marcaram grande e importante conquista na Constituição brasileira de 1988,
ultrapassando aqueles meramente patrimoniais para atingir direitos da personalidade
voltados à proteção da dignidade da pessoa humana, entre eles o direito a condições de
trabalho decente que preserve a saúde física e mental do trabalhador, a não
discriminação e um salário mínimo capaz de manter as suas necessidades básicas e de
sua família. Ainda conquistaram os trabalhadores em 1988 o direito de greve e a não
intervenção do Estado na organização sindical, o que significou importante avanço no
fortalecimento da organização por melhores condições de trabalho.
Observa-se a inclusão do Direito do
Trabalho com um novo e terceiro ramo do Direito, caracterizando-se como Direito Social,
cujo fundamento está na “socialização do Direito” ou “publicização do Direito”, em
oposição ao Direito individual.
Para Radbruch, Otto von Gierke, Gurvitch,
Cesarino Jr., o direito do trabalho tem a sua natureza jurídica baseada em um direito
social. O seu fundamento diz que haverá um direito coletivo de trabalho superior e sobre o
direito justrabalhista privado com o escopo de guardar o trabalhador mais inerme
(indefeso).
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É o ponto central neste ramo social o


homem. Por ter uma atitude sociável, incluiríamos dentro da esfera jurídica pleiteando
uma obrigação da sociedade de buscar a proteção do homem.

Observação: Segundo o Min. Mauricio Godinho Delgado (TST), em sua obra Curso de
Direito do Trabalho, “nesse debate teórico, o Direito do Trabalho foi classificado como
componente do Direito Público, por autores de distinta especialização jurídica.
Prepondera, hoje, entretanto, a classificação do ramo justrabalhista no segmento do
Direito Privado. Há autores, contudo, que consideram esse ramo jurídico inassimilável a
qualquer dos dois grandes grupos clássicos enquadrando-se em um terceiro grande
grupo de segmentos jurídicos, o Direito Social.”

4.3.2. Direito Previdenciário:


Com a nova ordem constitucional de 1988, o país passou a
estabelecer, em sua norma fundamental, o papel do Estado como garantidor do bem-estar
social e da justiça social. Papel esse que ganhou foco e força logo após a Primeira Guerra
Mundial com a Constituição Alemã de 1919, não sendo diferente do Brasil, que recebeu
forte influência dessa Constituição, tanto que a Norma Fundamental de 1934 fundou em
nosso ordenamento o Estado Social, colocando em sua estrutura constitucional títulos
como ‘Da Ordem Econômica e Social’ e ‘Da Família, Da Educação, e Da Cultura’ (Títulos
IV e V, respectivamente).
Postura que prosseguiu nas constituições seguintes. Para a
Constituição Federal de 1988, a ordem social trouxe proteção e abrangência à seguridade
social (saúde, previdência social e assistência social), a educação, cultura e desporto, a
ciência e tecnologia, a comunicação social, meio ambiente, a família, criança e
adolescente, jovem, idoso e ao índio.
Para Gustavo Filipe Barbosa Garcia, a Seguridade Social
estabelece a proteção social aos indivíduos em relação a contingências que os impeçam
de prover as suas necessidades básicas e de suas famílias, visando a assegurar os
direitos relativos à saúde, previdência e assistência social. É um direito, constituindo-se
no campo do Direito da Seguridade Social.
Assim, importante destacar que a seguridade social se
caracteriza como de natureza jurídica de direito fundamental e caráter universal, cuja
competência para legislar, privativamente, é da União nos termos artigo 22, inciso XXIII,
CF/88.
Observa-se que as normas que regem e caracterizam a
seguridade social estão regidas no artigo 194, da CF/88, definidos pela doutrina como
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princípios informadores e objetivos do sistema social. Caracterizam-se como princípios da


Universalidade da Cobertura e do Atendimento, Uniformidade e equivalência dos
benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, Seletividade, Distributividade,
Irredutibilidade do valor dos benefícios, Equidade do custeio, Diversidade da base de
financiamento, Gestão quadripartite, Solidariedade, Precedência da fonte de custeio,
Orçamento diferenciado. Todos servindo de alicerce para a aplicação de um direito
fundamental e universal, conforme a exigibilidade prevista nas normas.
Diante disso, e corroborando com a importância da
seguridade social como direito fundamental em foco no Estado Social vigente, o
constituinte de 1988 trouxe em sua norma um sistema tripartite compreendido pela
assistência social, previdência social e saúde, nos termos do artigo 194.
Assim, a Previdência Social é a esfera da Seguridade Social,
que, mediante contribuição, tem por fim assegurar aos beneficiários meios indispensáveis
de manutenção, por motivo de incapacidade, redução de capacidade, desemprego
involuntário, idade avançada, maternidade, encargos familiares e prisão ou morte
daqueles de quem dependiam economicamente.
A Previdência Social é reconhecida pela Constituição Federal
de 1988 como direito fundamental social, tendo em vista o Estado Social implantado com
a carta política.
O art. 24, inciso XII, da Constituição Feder, por sua vez,
dispõe que compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente
sobre “previdência social, proteção e defesa da saúde”.
Diferente da assistência social e da saúde, na previdência
social o beneficiário é assegurado do seu direito fundamental mediante contribuição
determinada, para gozo dos benefícios por motivo de idade avançada, desemprego
involuntário, incapacidade, tempo de serviço, prisão, dentre outros previstos na legislação
infraconstitucional.
No tocante à sua previsão legal, na esfera constitucional é
disciplinada nos artigos 40, 194, 201 e 202, e, ainda, a Emenda Constitucional nº
41/2003, e leis nº 8.212/91 e nº 8.213/91.
Segundo Gustavo Filipe Barbosa Garcia o Direito da
Seguridade Social é autônomo do Direito do Trabalho, uma vez que envolve um sistema
de proteção social mais amplo, podendo abranger não apenas os trabalhadores ou
empregados.
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4.3.3. Direito Agrário:


O Direito Agrário é considerado um novo ramo do direito.
Paulo Torminn Borges conceitua o Direito Agrário como sendo “o conjunto de normas
jurídicas que visam disciplinar as relações do homem com a terra, tendo em vista o
progresso social e econômico do rurícola e o enriquecimento da comunidade.”
É considerado pela doutrina como um ramo autônomo do
direito, com princípios próprios e sem negar sua importância e seu peso nas relações
jurídicas entre o ser humano e o campo. Além disto, também é possível compreender que
no mesmo Direito Agrário existam regras que enfatizam o interesse coletivo em
detrimento do particular, uma vez que é no Direito Agrário que as relações entre o homem
e o campo, absorvem a produção agrícola, pecuária, leiteira, florestal e daí, sem dúvida a
produção alimentar que assegura a sobrevivência da humanidade.
O legislador brasileiro ao confeccionar o Estatuto da Terra e
demais regulamentos, marcou o texto legal com uma boa dose de caráter protetivo e
publicístico, ressaltando em diversos aspectos tais situações.
O Direito Agrário é um ramo do Direito com natureza jurídica
predominantemente social, conforme determina a Constituição Federal. Foi superada a
dicotomia do Direito Público ou do Privado reger as relações agrárias.
Miguel Reale discorda dessa natureza. Para o mestre, o
Direito Agrário é ramo do Direito Privado, uma vez que disciplina as relações jurídicas
privadas que se constituem e se desenvolvem em função e para os fins da atividade
agrícola ou pastoril.
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- Direito Civil; e
- Direito Privado
- Direito Comercial.

- Direito Constitucional;
- Direito Penal
- Direito Processual;
Direito - Direito Público - Direito Administrativo;
- Direito Financeiro;
- Direito Tributário; e
- Direito Internacional Público.

- Direito do Trabalho;
- Direito Social - Direito Previdenciário; e
- Direito Agrário.

5. A ubiquidade do Direito:
O Direito está presente em cada ação do homem que se relaciona com outro
homem. Há em cada comportamento humano a presença, embora indireta do fenômeno
humano.
O Direito é um manto protetor de organização e de direção dos
comportamentos sociais. Todas as infinitas possibilidades de ação se condicionam à
existência primordial do fenômeno jurídico.
O Direito tutela comportamentos humanos, para que essa garantia seja
possível é que existem as regras, as normas de direito como instrumentos de salvaguarda
e amparo da convivência social.
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Existem tantas espécies de normas e regras jurídicas quantos são os


possíveis comportamentos e atitudes humanas. Quando várias espécies de normas do
mesmo gênero se correlacionam, constituindo campos distintos de interesse e implicando
ordens correspondentes de pesquisa, temos as diversas disciplinas jurídicas, sendo
necessários apreciá-las no seu conjunto unitário, para que não se pense que cada uma
delas existe independentemente das outras.
As disciplinas jurídicas representam e refletem um fenômeno jurídico
unitário.

6. Complementariedade do Direito:
As diferentes partes do Direito não se situam uma ao lado da outra, como
coisas acabadas e estáticas. O Direito é dinâmico. É ordenação que dia a dia se renova.
Logo, não basta ter uma visão unitária do Direito, tornando-se necessário possuir o
sentido de complementariedade inerente a essa união.
A ideia da complementariedade das disciplinas jurídicas está ligado ao
sentido sistemático da unidade do fenômeno jurídico. A Ciência Jurídica obedece a uma
unidade de fins – finalístico ou teleológico.

7. Linguagem do Direito:
Para estudarmos o Direito e alcançarmos a visão unitária dele, torna-se
necessário adquirir um vocabulário. Cada ciência exprime-se numa linguagem, ou seja, se
há uma Ciência Jurídica é dizer que existe um vocabulário do Direito.
Logo, onde quer que exista uma ciência, existe uma linguagem
correspondente. Cada cientista tem a sua maneira própria de expressar-se. Os cientistas
do Direito (juristas) falam uma linguagem multimilenar própria.
Sem a linguagem do Direito não haverá possibilidade de comunicação. Aos
acadêmicos de direito fica a orientação que dediquem a maior atenção à terminologia
jurídica, sem a qual não poderão ingressar no mundo do Direito.
A disciplina de Introdução ao Estudo do Direito tem como uma das
finalidades esclarecer ou determinar o sentido dos vocábulos jurídicos, traçando as
fronteiras das realidades e das palavras.
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Exemplo: recordo-me que na época de 1995. quando juiz de direito titular da


vara da infância e da juventude da comarca de Boa Vista-RR, numa audiência de ação de
guarda e responsabilidade de uma criança, proferi decisão cujo fundamento era a
incompetência do juízo, declinando a competência para a vara de família da mesma
comarca. Veja o sentido da palavra competência – adjetivo: competente. Essa expressão
possui dois sentidos: um de uso comum do povo, e outro, um sentido técnico especial
para o Direito. Por isso, essa decisão acabou causando espanto na parte autora da ação
de guarda (avó da criança), que imediatamente indagou-me: “Como incompetente, Dr.
Mauro Campello? O senhor é muito competente...o senhor é um dos juízes mais
preparados em Roraima. Julgue esse processo.” Portanto, qual o sentido de competente,
ou seja, de competência que a avó da criança utilizou? Com certeza, o sentido de uso
comum do povo, ou melhor, o preparo cultural do magistrado. Ela apreciou a competência
do juiz em sua capacidade intelectual. Assim, dizer que um juiz é incompetente para o
homem do povo é algo de surpreendente. Para Ciência Jurídica, competente é o juiz que,
por força de dispositivos legais da organização judiciária, tem o poder para examinar e
resolver determinados casos. Competência, juridicamente, é a “medida ou a extensão da
jurisdição.”
Percebam como uma palavra pode mudar de significado, quando aplicada
na Ciência Jurídica.

8. O método no Direito:
Método é o caminho que deve ser percorrido para a aquisição da verdade. É
o caminho de um resultado exato ou rigorosamente verificado. Sem método não há
ciência.
O conhecimento produzido pelo senso comum é um conhecimento parcial,
isolado, fortuito, sem nexo com os demais. O homem que utiliza o senso comum nem
sempre está errado, ou incompleto. Pode mesmo ser uma verdade, todavia o que
compromete é a falta de segurança quanto àquilo que afirma (“não tem certeza da
certeza”).
Entretanto, o conhecimento científico (metódico) é o produzido pela ciência,
pela verificação de conhecimentos, ou seja, um sistema de conhecimentos verificados.
Quando dizemos que temos ciência de uma coisa é porque verificamos o que a seu
respeito se enuncia.
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9. Conceito e natureza da Introdução ao Estudo do Direito:


Para Miguel Reale, Introdução ao Estudo do Direito “é um sistema de
conhecimentos, recebidos de múltiplas fontes de informação, destinado a oferecer os
elementos essenciais ao estudo do Direito, em termos de linguagem e de método, com
uma visão preliminar das partes que o compõem e de sua complementariedade, bem
como de sua situação na história da cultura.”
São fontes primordiais da Introdução ao Estudo do Direito:
1. Filosofia do Direito;
2. Sociologia Jurídica;
3. História do Direito; e
4. Teoria Geral do Direito.
A Introdução ao Estudo do Direito não é uma ciência no sentido rigoroso da
palavra, por faltar-lhe um campo autônomo e próprio de pesquisa. Trata-se de um
sistema.
Teoria vem do grego theoresis, que significa a conversão de um assunto em
problema, sujeito a indagação e pesquisa, a fim de superar a particularidade dos casos
isolados, para englobá-los numa forma de compreensão, que correlacione entre si as
partes e o todo.
A Teoria Geral do Direito representa a parte geral comum a todas as formas
de conhecimento positivo do Direito. Aquela na qual se fixam os princípios ou diretrizes
capazes de elucidar-nos sobre a estrutura das regras jurídicas e sua concatenação lógica,
bom como sobre os motivos que governam os distintos campos da experiência jurídica.
A Teoria Geral do Direito pode ser entendida como a ciência da realidade
jurídica, apresentando noções comuns a todas as ordens jurídico-positivas. As noções
jurídicas mais gerais são utilizadas pela Ciência do Direito.
A Teoria Geral do Direito procura determinar as estruturas lógicas da
experiência jurídica em geral, elaborando princípios e generalizações conceituais,
determinando os seus conceitos básicos.
Portanto, cabe à Teoria Geral do Direito formular os conceitos jurídicos
fundamentais, indispensáveis ao raciocínio jurídico.
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Fonte bibliográfica:
1. BORGES, Paulo Torminn. Institutos básicos do Direito agrário. São Paulo: Saraiva,
1994.
2. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Introdução ao Estudo do Direito – Teoria Geral do
Direito. 7ª Ed. Bahia: Editora JusPodvm, 2020.
3. REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27ª Ed. 9ª tiragem. São Paulo: Saraiva,
2010

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