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14/06/2018 Envio | Revista dos Tribunais

DO "ESTADO LIBERAL" AO "ESTADO SOCIAL" - Ocas o do dire ito privado?

DO "ESTADO LIBERAL" AO "ESTADO SOCIAL" - OCASO DO DIREITO PRIVADO?


Revista de Direito Constitucional e Internacional | vol. 41/2002 | p. 97 - 115 | Out - Dez / 2002
DTR\2002\450

João Alberto Schützer Del Nero

Área do Direito: Constitucional


Sumário:

1.Considerações preliminares - 2.Grandes dicotomias - 3.A dicotomia "direito público - direito privado" -
4.A dicotomia "normas de conduta - normas de organização" - 5.A dicotomia "normas primárias - normas
secundárias" - 6.Do "Estado liberal" ao "Estado social" - 7.Considerações finais

1. Considerações preliminares
"Transformações do Estado: Caráter das Mudanças" é o tema deste II Encontro de Direito da Faculdade
de História, Direito e Serviço Social da Universidade Estadual Paulista. Do ponto de vista de quem se
dedica - como eu - predominantemente ao estudo do direito privado, parece oportuno, sem fugir ao
tema do Encontro, tratar de uma ou outra conseqüência que, imediata ou mediatamente, a passagem do
assim chamado "Estado liberal" oitocentista para o assim chamado "Estado social, assistencial ou de
bem-estar social" contemporâneo tem provocado no direito privado. Isso porque não constitui novidade
alguma a afirmação, até certo ponto generalizada hoje em dia, de que se assiste a crescente tendência
de "publicização" do direito privado, um de cujos aspectos mais salientes seria o "dirigismo contratual",
1
em suas mais variadas manifestações, que, segundo alguns, teria desfigurado um dos três "pilares" do
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direito privado - o contrato.
É essa tão propalada "publicização" do direito privado que me leva a buscar, no exame da antiga e
persistente dicotomia "direito público - direito privado", identificar uma ou outra daquelas conseqüências
e, mais especificamente, sugerir uma resposta possível para a seguinte indagação: estaríamos nós
presenciando o ocaso do direito privado?
No exame da dicotomia "direito público - direito privado" creio serem de grande valor dois notáveis
3
ensaios de Norberto Bobbio, intitulados "La grande dicotomia" e "Dell'uso delle grandi dicotomie nella
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teoria del diritto", a que convém - tendo em vista os objetivos do presente trabalho - acrescentar
5
outro, do mesmo autor, intitulado "L'analisi funzionale del diritto: tendenze e problemi". Esses três
ensaios constituirão, portanto, o ponto de partida e a base do presente trabalho.
2. Grandes dicotomias
Na ordenação e organização de seu próprio campo de indagações, toda disciplina tende a dividir o
universo de seus entes em duas subclasses, reciprocamente excludentes e conjuntamente exaustivas,
numa operação de classificação, bastante conhecida na ars combinatoria, denominada "grande
dicotomia", em que "grande" ostenta dois sentidos: a) o de total, na medida em que todo e qualquer
ente, 6 atual ou potencial, deverá poder incluir-se numa ou noutra das duas subclasses (se isso não for
possível, a dicotomia será parcial, não total); e b) o de principal, na medida em que qualquer outra
dicotomia, mesmo exaustiva, pode, de modo imediato ou mediato, com maior ou menor dificuldade, a ela
reconduzir-se (esta outra será, portanto, dicotomia secundária). Contudo, a dicotomia, para ser grande,
não precisa ser única: outra ou outras pode haver que, em combinação, mas sem sobreposição, ordenem
e organizem, de maneira conveniente e oportuna, o estudo dos entes de uma disciplina em número
crescente de subclasses. 7 Parece claro que a conveniência e a oportunidade do emprego de uma ou
mais grandes dicotomias dependem, em última análise, dos fins que a disciplina se propõe alcançar: daí a
díade - no meu entender sempre presente - em toda e qualquer disciplina, entre estrutura
(metodológica) e função (disciplinar), ou, por outras palavras, entre método e objeto de cada disciplina.
Mas o atributo da totalidade nas grandes dicotomias, em que a inclusão de qualquer ente numa das duas
subclasses obedece sempre a um aut aut - pois é inadmissível (por definição) o tertium genus - não
elimina, em todos os casos, a dúvida ou a perplexidade, decorrentes seja da interpretação e
configuração que se dê ao ente, 8 seja do critério adotado para a proceder à subdivisão do universo da
disciplina. Precisamente por isso, certos entes podem - repita-se: na dependência de sua compreensão e
do critério determinante da dicotomia - incluir-se em ambas as subclasses, e não em apenas uma; são os
casos incertos ou fronteiriços, que, as mais das vezes, suscitam o recurso ao expediente do "quase":
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"quase-isto" ou "quase-aquilo".

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Três são os principais usos das grandes dicotomias e dos seus dois termos (ou subclasses): a) o uso
sistemático, em que o emprego privilegiado dos seus dois termos (privilegiado em relação aos termos de
outras eventuais dicotomias, parciais ou secundárias) permite a adequada 1 1 delimitação do âmbito de
uma certa disciplina; b) o uso historiográfico, em que os dois termos se empregam para dividir
diacronicamente - não sincronicamente - a dimensão temporal da disciplina em dois períodos, necessários
e sucessivos (embora, às vezes, recorrentes), do seu desenvolvimento histórico; e c) o uso axiológico,
em que os dois termos se empregam para subdividir, mediante um certo juízo de valor, 1 2 o universo da
disciplina em duas partes: uma positiva e outra, negativa; uma que deve aprovar-se e, eventualmente,
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promover-se, e outra, que deve desaprovar-se e, portanto, combater-se.
Toda grande dicotomia, especialmente em decorrência de seu uso historiográfico e axiológico, apresenta
uma certa característica - que, aliás, é um de seus traços distintivos, permitindo-nos identificá-la: a
tendência, que eu denominaria "universalizante", de cada um de seus dois termos para estender-se até
abranger o universo todo da disciplina e tornar-se, assim, termo (único) de uma classe universal; o outro
termo, ou expulsar-se-ia do universo da disciplina, ou reduzir-se-ia a mera classe vazia (no sentido
lógico de negação da classe universal). 1 4 1 5 Um dos meios mais freqüentes com que se leva a cabo tal
empreitada é o emprego da díade "real - aparente", que tende a transformar uma grande dicotomia numa
falsa dicotomia: mantêm-se as duas classe da grande dicotomia, mas se afirma que apenas uma
representa "realmente" e compõe o "verdadeiro e autêntico" universo da disciplina; a outra, somente o
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representa "aparentemente" e constitui, por assim dizer, forma "falsa ou não-autêntica" do universo.
Não obstante a maior freqüência do modelo dicotômico, não convém olvidar as também comuns
tripartições metodológicas, em que o universo dos entes de uma disciplina se dividem não em duas
subclasses, mas, sim, em três, reciprocamente excludentes e conjuntamente exaustivas. Todavia, é
imprescindível não confundir o método tricotômico com o uso triádico de uma grande dicotomia,
sobretudo nas interpretações dialéticas do curso histórico. Grandes dicotomias admitem: a) um uso
diádico, em que a cada um dos seus dois momentos historiográficos diacrônicos se atribui caráter
absoluto, concebido o processo histórico ou como passagem do primeiro para o segundo - já ocorrida ou
ainda por ocorrer, uma só vez -, ou como mera repetição, monótona e recorrente, de um só processo,
em que ao progresso sucede a decadência, à decadência, o progresso, e assim por diante; e b) um uso
triádico, em que cada um dos dois momentos historiográficos diacrônicos da dicotomia constitui apenas e
tão-somente momento (um, o momento positivo, e outro, o momento negativo; um, a afirmação, e
outro, a negação), concebido o processo histórico como contínuo e não-recorrente, a propiciar sempre o
surgimento de um terceiro momento, que é a retomada do primeiro, num novo plano, e não a mera
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reprodução deste.
3. A dicotomia "direito público - direito privado"
Na teoria geral do direito, a subdivisão que - segundo a tradição e pelo menos até agora - ostenta, mais
que qualquer outra, o caráter de "grande dicotomia" é, com certeza, a distinção "direito público - direito
privado", 1 8 com todas as notas características das grandes dicotomias: a) é total, porque não há ente
do universo jurídico (seja ele, na dependência da teoria geral do direito adotada, relação, instituição ou
norma) que se não inclua numa das duas subclasses, embora, conforme destacado anteriormente, possa
haver casos incertos ou fronteiriços; e b) é principal, porque a teoria geral do direito contemporânea
tende a degradar algumas dicotomias clássicas, tornando-as secundárias, ao reconduzi-las, imediata ou
mediatamente, com maior ou menor grau de dificuldade, à dicotomia "direito público - direito privado".
Segundo Bobbio, a única outra dicotomia ainda não subjugada, ou só aparentemente subjugada por ela
seria a distinção "normas de conduta - normas de organização". 1 9 Noutro passo, todavia, Bobbio destaca
a relevância da distinção "normas primárias - normas secundárias" (não no sentido usual, mas no sentido
a elas atribuído por Hart), aponta as diferenças entre esta distinção e a dicotomia "normas de conduta -
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normas de organização" e afirma serem ambas as mais importantes, atualmente, para a teoria geral do
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direito. Isso obrigar-nos-á, de certo, a examinar essas duas outras dicotomias, oportunamente.
Voltemos, porém, à dicotomia "direito público - direito privado".
O uso historiográfico e o uso axiológico dessa dicotomia - estreitamente ligados, diga-se de passagem -
revelam-se quando direito público e direito privado exprimem não partes de um sistema jurídico, mas, sim,
momentos da evolução do direito ou fases do direito como processo. A dicotomia, de operação lógica de
classificação de entes, transforma-se em critério para estabelecer períodos ou indicar tendências de
desenvolvimento. É nesse sentido que, historiograficamente, se fala de tendência à privatização e de
tendência à "publicização" do direito; ou de momento predominantemente privatista e de momento
predominantemente publicista no direito. Axiologicamente, o uso da dicotomia "direito público - direito
privado", por sua vez, mostra-se à medida que a segmentação temporal em períodos se faz acompanhar
pari passu de alguma teoria do progresso ou do regresso histórico, exercendo a segmentação temporal
em períodos a função de índice de uma certa processualidade, em sentido positivo ou em sentido
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negativo, segundo certos juízos de valor.
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Examinemos agora a já anteriormente referida tendência universalizante de cada um dos termos das
grandes dicotomias, levada adiante com o expediente - bastante comum, aliás - de pôr em
funcionamento o mecanismo do binômio "autêntico - não-autêntico", especificamente no concernente à
dicotomia "direito público - direito privado". 2 3 É neste passo que poderão identificar-se algumas
contraposições entre a "concepção privatista do direito" e a "concepção publicista do direito".
Concepção privatista do direito é aquela para a qual somente é direito autêntico o direito privado (e,
portanto, o direito público é direito não-autêntico ou mesmo, em última e extremada análise, não-
direito). Concepção publicista do direito, pelo contrário, é aquela para a qual somente é direito autêntico
o direito público (e, portanto, o direito privado é direito não-autêntico ou mesmo, em última e extremada
análise, não-direito). Note-se que essas afirmações não correspondem a proclamar que o direito não-
autêntico (seja o direito público, seja o direito privado), da perspectiva historiográfica, tende a
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desaparecer, nem, do ponto de vista axiológico, que é direito nocivo.
Um dos mais corriqueiros meios para eliminar do universo do direito algum ente que a ele não deva
pertencer, ou ainda, acrescentaria eu, impedir seu ingresso em tal universo, 2 5 consiste em incluí-lo
apenas e tão-somente no universo dos fatos. Se entender-se por "direito" um conjunto de normas - no
sentido de proposições explícitas ou implícitas que qualifiquem comportamentos humanos como lícitos ou
ilícitos -, pertencerá ao universo dos fatos todo e qualquer acontecimento não qualificado ou não
qualificável por tais normas e, então: a) numa concepção privatista do direito, eliminam-se do universo
jurídico as relações de direito público, reduzindo-se-as a meras relações de poder ou de força, fora,
portanto, do alcance das regras válidas para as relações de direito privado. O direito público é enviado
para o âmbito extrajurídico: o direito autêntico - e único - é apenas o direito privado; e b) numa
concepção publicista do direito, restringem-se as relações de direito privado a simples relações sociais
genéricas de conveniência ou oportunidade, não tuteladas pelo sistema jurídico estatal. O direito privado
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é relegado ao âmbito pré-jurídico: o direito autêntico - e único - é apenas o direito público.
A Jurisprudência foi dominada, por muito tempo, pela concepção privatista do direito: constituem o
direito apenas as figuras tradicionais do direito privado, como, por exemplo, o contrato. Daí por que um
dos momentos culminantes de tal concepção é a doutrina do contrato social: o contratualismo, em
última análise, nada mais é que a suprema tentativa de "privatizar" o Estado. Mas, à medida que, a
pouco e pouco, se vão impondo as teorias imperativistas e estatalistas, segundo as quais o direito é
comando do soberano, isto é, de quem, num dado momento e numa certa sociedade, detém o monopólio
da força, o direito privado passa a ser direito si et in quantum direito público: todo o direito é público e a
distinção entre direito público e direito privado mantém-se apenas pela sua comodidade, embora,
rigorosamente falando, não distinga nada, pois aquilo que continua a denominar-se direito privado é
apenas ramo do direito público. Ao invés de "privatizar" o Estado, "publiciza-se" o indivíduo; ao invés de
observar o Estado da perspectiva da autonomia dos indivíduos, observa-se o indivíduo da perspectiva da
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autoridade do Estado.
A mais relevante conseqüência que essas duas diversas concepções do direito produziram na teoria geral
do direito está no contraste entre "teoria do direito como relação" e a "teoria do direito como
instituição". A teoria do direito como relação entre dois sujeitos dominou a jurisprudência enquanto a
teoria geral do direito adotou por modelo o direito privado; por isso, a teoria do Estado como pessoa
jurídica, que permitiu aplicar-se a doutrina da relação jurídica às relações entre os indivíduos e o Estado,
nada mais foi que engenhosa tentativa de elaborar a dogmática do direito público à imagem e
semelhança da dogmática do direito privado. Contudo, a partir do momento em que começa a afirmar-se
que o direito se mostra não como conjunto de regras disciplinadoras de relações de convivência entre
indivíduos determinados, mediante a coordenação de ações convergentes destinadas a alcançar um
certo fim, mas, sim, como instrumento de organização para perseguir-se um propósito comum a todos os
indivíduos, a teoria do direito como relação intersubjetiva debilita-se e substitui-se pela teoria do direito
como instituição: para os publicistas, que tinham de lidar com a realidade do Estado, o fenômeno
saliente, polarizador de toda a atenção, era o aparato organizador - um conjunto de regras cuja função
não era tanto a de ligar uma parte a outra parte, mas, antes de mais nada, a de instaurar relações entre
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as várias partes e o todo.
O âmbito do direito privado e o âmbito do direito público delimitam-se com base em dois modelos diversos
do direito: para os privatistas, o direito é conjunto de regras de convivência; para os publicistas,
conjunto de regras destinadas a fazer convergir ações, em princípio divergentes, para um fim comum.
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É essa duplicidade de modelos do direito a razão pela qual a precisa e acurada identificação de um
(único) critério de distinção entre o direito privado e o direito público semelhe tão difícil, que nos
desespere; isso porque, em tal distinção, se não está diante de duas espécies de um único gênero, mas,
sim, de dois modos diferentes de conceber o mesmo objeto, ou seja, de duas perspectivas de
observação diversas (do mesmo objeto). 3 0 A título de mera ilustração (geométrica), recorde-se que três
pontos, não-coincidentes, formam um plano e, unidos por segmentos de reta, configuram um triângulo;

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qualquer observador, situado fora daquele plano, "verá" o triângulo sempre como triângulo, mas, se
colocar-se naquele plano, "verá" o triângulo sempre apenas como segmento de reta.
De qualquer modo, uma distinção adequada entre direito privado e direito público poderia obter-se com
base nas duas funções diferentes associadas a um e outro, em cada sistema jurídico, que, por sua vez,
tradicionalmente se consideram as duas principais funções de toda ordem jurídica: a) a esfera do direito
privado é aquela em que a ordem jurídica exerce a função de propiciar a coexistência de interesses
singulares divergentes, por meio de regras que sirvam para tornar os conflitos intersubjetivos menos
freqüentes e desgastantes, e de regras que, uma vez instaurados tais conflitos, sirvam para solucioná-
los; e b) a esfera do direito público é aquela em que a ordem jurídica exerce a função de orientar
interesses divergentes para um fim comum, mediante regras imperativas e, de ordinário, restritivas.
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Parece-me, todavia, ser insuficiente o critério sugerido por Bobbio, visto que, no âmbito do direito
privado, também há ou pode haver interesses convergentes, pois, se os não houvesse, jamais se
compreenderia, por exemplo, a formação dos contratos sinalagmáticos; no âmbito do direito público,
também há ou pode haver interesses convergentes, uma vez que, se os não houvesse, jamais se
compreenderia, por exemplo, o processo legislativo; e, finalmente, a expressão "comum", ao referir-se o
fim comum na orientação de interesses divergentes, é até certo ponto equívoca, tanto que a
Jurisprudência vem, já há certo tempo, introduzindo distinções entre interesses individuais, interesses
coletivos, interesses difusos, interesses estatais, interesses públicos, interesses nacionais e outros mais,
levando-me a crer que o "comum" não é noção apenas qualitativa - como, acho eu, Bobbio sugere -,
mas, também, quantitativa, ou seja, o "comum" admite graduação: há interesses "mais comuns" que
outros (por exemplo: o interesse, comum, na manutenção da integridade do território nacional é "mais
comum" que o interesse dos habitantes de uma região onde se pretenda armazenar resíduo de material
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radioativo, que, todavia, não deixa de ser também comum, embora "menos comum" que aquele).
4. A dicotomia "normas de conduta - normas de organização"

Já vimos 3 3 que essa dicotomia é, segundo Bobbio, a única ainda não subjugada, ou só aparentemente
subjugada pela dicotomia "direito público - direito privado". Sua relevância para a teoria geral do direito,
junto com a dicotomia "normas primárias - normas secundárias" (no sentido de Hart), é notável,
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embora se busque, aqui e acolá, referi-la, senão mesmo assimilá-la, à conspícua, tradicional e
persistente grande dicotomia "direito público - direito privado", a fim de propiciar-lhe maior dignidade e
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importância teórica, apesar de elas se não identificarem.
O critério distintivo na dicotomia "normas de conduta - normas de organização" funda-se, também, nas
duas funções que a tradição da jurisprudência sói atribuir a toda ordem jurídica: 3 7 a) a função de tornar
possível a convivência de indivíduos ou grupos de indivíduos, cada qual na perseguição de fins singulares,
propiciando a coexistência de interesses divergentes mediante a delimitação de esferas de liberdade
singulares; e b) a função de tornar possível a cooperação entre indivíduos ou grupos de indivíduos,
compondo interesses convergentes mediante a atribuição de tarefas específicas a cada um deles,
destinadas a alcançar um fim comum a todos.
Normas de conduta são aquelas que, limitando sua tarefa à coordenação de ações individuais,
estabelecem condições para a efetivação do máximo (possível) de independência dos indivíduos que
entre si convivem. Normas de organização 3 8 são aquelas que, por meio de convergência (forçada) de
ações sociais, estabelecem condições para a efetivação do mínimo (necessário) de dependência dos
indivíduos que entre si cooperam. Os pares de oposição são, portanto: coordenação - convergência;
ações individuais - ações sociais; independência - dependência; convivência - cooperação, e não
apenas o binômio "conduta - organização", cujo sentido fica, até certo ponto, obscuro. 3 9 Convém
acrescentar, desde logo, que assim as normas de conduta como as normas de organização podem ser
negativas (quando respeitam a deveres ou condutas omissivas) ou positivas (quando concernem a
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comandos ou condutas comissivas).
Nessas circunstâncias, não é difícil compreender por que algumas vezes se confundem as três
distinções: direito público - direito privado; normas de conduta - normas de organização; e normas
negativas - normas positivas. Duas são as razões para tal confusão: a) no âmbito do direito privado,
acentuar a disciplina da propriedade e dos contratos, em que o sistema jurídico exerce a função de
coordenação de ações, relegando a um segundo plano o direito de família e o direito de empresa, em que
a função do direito é predominantemente de organização; e, no âmbito do direito público, destacar a
regulação dos órgãos públicos, em que é patente a função jurídica de organização, olvidando o direito
penal, que - assim como o direito de propriedade e o direito das obrigações - consiste em conjunto de
regras destinadas a estabelecer condições mínimas para a convivência dos integrantes do grupo social; e
b) um certo paralelismo, de origem jusnaturalista, entre normas de convivência ou conduta e o preceito
negativo neminem laedere, de um lado, e, de outro, entre normas de organização e o preceito positivo
suum cuique tribuere, paralelismo esse que, porém, se não sustenta quando se observa qualquer ordem
jurídica concreta, em que a regulação da convivência exige não só normas negativas, mas, também,
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normas positivas, e normas negativas podem vir a ser tão necessárias quanto normas positivas para
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disciplinar adequadamente o funcionamento de organizações.

Já se viu 4 2 que a grande dicotomia "direito público - direito privado" explica, pelo menos até certo ponto,
duas concepções diversas do direito: o modelo privatista, em que o elemento simples do direito é a
relação jurídica, e o modelo publicista, em que se identifica o direito não tanto num elemento simples,
mas, sim, numa certa estrutura - a instituição. 4 3 É, porém, com base na dicotomia "normas de conduta -
normas de organização" que esses dois modelos melhor se compreendem.
Teoria do direito como relação, teoria do direito como instituição e teoria normativa são, em última
análise, as três grandes concepções do direito, sem embargo de possíveis variações ou combinações
entre elas. Não há incompatibilidade entre a teoria da instituição e a teoria normativa, nem entre a teoria
da relação e a teoria normativa; 4 4 incompatibilidade há, sim, e profunda, entre teoria da relação jurídica
e teoria da instituição, decorrente de duas maneiras opostas de conceber a sociedade ou a própria
natureza humana.
Analisar o direito sub specie relationis pressupõe uma certa concepção atomizada da sociedade, em que
o indivíduo, considerado em si mesmo, ao pôr-se em contato com outros, se vê forçado a estabelecer
relações sociais para garantir a possibilidade de sobreviver: a ordem jurídica apresenta-se como
complexo de normas de conduta. Conceber o direito sub specie institutionis pressupõe uma determinada
consideração orgânica da sociedade, ou seja, a sociedade como todo orgânico de que os indivíduos são
apenas partes às quais ela atribui tarefas predeterminadas: a ordem jurídica apresenta-se como conjunto
de normas de organização. Em virtude de freqüente tendência ao reducionismo teorético - as mais das
vezes acompanhada, ainda que inconscientemente, de certa atribuição, de índole ideológica, de funções
ao direito -, a distinção entre os dois tipos de normas jurídicas transforma-se na oposição entre duas
concepções do direito: na teoria do direito como relação jurídica, função do direito é manter a ordem
45
das ações individuais ou, ainda, a paz social; se a função precípua das normas de conduta é regular a
coordenação dos fins individuais, parece claro que, para a teoria da relação, a ordem jurídica deve
compor-se predominantemente de normas de conduta. Na teoria do direito como instituição, função do
direito é propiciar o bem comum, no sentido de bem coletivo, que deve alcançar-se com o esforço
conjunto e harmônico de todos os indivíduos; se a função essencial das normas de organização é regular
a atribuição de tarefas necessárias para alcançar-se um determinado fim coletivo, parece óbvio que,
para a teoria da instituição, a ordem jurídica deve compor-se predominantemente de normas de
organização. No modelo do direito fundado no direito privado (concepção privatista do direito), prevalece
a concepção do direito como complexo de relações intersubjetivas e, portanto, a estrutura das normas
jurídicas se constrói com base na estrutura das normas de conduta; no modelo do direito fundado no
direito público (concepção publicista do direito), predomina a concepção do direito como organização,
como resultado típico da ação social, 4 6 e, portanto, a estrutura das normas jurídicas se elabora com
base na estrutura das normas de organização.
5. A dicotomia "normas primárias - normas secundárias"
Essa e a dicotomia "normas de conduta - normas de organização" são, atualmente, as duas mais
relevantes dicotomias para a teoria geral do direito - conforme, aliás, já se havia salientado 4 7 -, muitas
vezes, porém, assimiladas ou referidas à grande dicotomia "direito público - direito privado", pelas razões
48
também expostas anteriormente.
A Jurisprudência, tradicionalmente, denomina normas primárias aquelas que estabelecem preceitos para a
ação, e normas secundárias, aquelas que prescrevem sanções; segundo Kelsen, todavia, é precisamente
o contrário: normas primárias são as que prescrevem sanções, e normas secundárias, as que impõem ou
permitem comportamentos. Ultimamente, predomina a tendência de afirmar que normas primárias são as
que têm por objeto ações, e normas secundárias, as que têm por objeto outras normas (como, por
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exemplo, as chamadas "normas de devolução", no direito internacional privado).
É precisamente nesse último sentido que se pretende falar de normas primárias e normas secundárias, na
especial configuração que Hart lhes atribui. 5 0 Para Hart, normas primárias são aquelas que impõem
obrigações, sob ameaça de sanção, e normas secundárias são aquelas que: a) conferem poderes para
julgar (normas de julgamento); b) conferem poderes para legislar ou para instaurar ou alterar relações
jurídicas (normas de modificação); e c) permitem identificar as próprias normas primárias (normas de
reconhecimento), cada uma dessas três espécies destinada a suprir uma das três deficiências do
conjunto das normas primárias: a ineficiência (normas sub "a"), o imobilismo (normas sub "b") e a
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incerteza (normas sub "c").
Parece admissível equiparar as normas de conduta às normas primárias. Não, porém, identificar as normas
de organização às normas secundárias - embora Hart empregue as normas atributivas de poderes para
caracterizar o fenômeno da organização do aparato estatal -, pelas seguintes razões: a) entre as

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normas atributivas de poderes encontram-se não apenas as normas de modificação legislativa, mas
também as normas de modificação de outras relações jurídicas, como contratos, por exemplo, que nada
têm que ver com normas de organização; b) se, para a formação de qualquer organização, é
indispensável a atribuição de poderes, cumpre lembrar que, em regra, a atribuição de um poder se faz
acompanhar da imposição de uma obrigação (isto é, a obrigação de exercer o poder dentro de certos
limites) e, portanto, na regulação de toda organização, sempre estarão presentes normas de organização
e normas imperativas (de conduta); e c) a categoria das normas secundárias inclui também as normas de
reconhecimento, totalmente estranhas à classe das normas de organização. Nessas circunstâncias, as
normas secundárias, de um lado, excedem as normas de organização, porque podem ser atributivas de
poderes individuais ou, então, de reconhecimento; e, de outro lado, ficam aquém das normas de
organização, porque não incluem as sempre necessárias, para a formação de qualquer organização,
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normas imperativas (de conduta), que são normas primárias.
De qualquer modo, tanto quanto as normas de conduta e as normas de organização, assim as normas
primárias como as normas secundárias podem ser negativas (quando respeitam a deveres ou condutas
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omissivas) ou positivas (quando concernem a comandos ou condutas comissivas).
6. Do "Estado liberal" ao "Estado social"
Partamos dos seguintes dois pressupostos, sinteticamente expostos por Bobbio:
a) "Sociólogos e economistas, cientistas políticos e juristas concordam em que o processo de
industrialização da sociedade moderna aumentou enormemente as tarefas do Estado, ao contrário do que
havia profetizado Spencer, mas conforme o que haviam previsto Durkheim e, naturalmente, Max Weber.";
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e b) "No século passado, à medida que se proclamou a oposição entre sociedade civil e Estado, se pôs
em evidência a prioridade daquela em relação a este e se afirmou o progressivo desaparecimento do
Estado, preconizou-se a instauração do momento privatista do direito (nesse sentido deve interpretar-
se, do ponto de vista da teoria geral do direito, a tese da passagem da sociedade de status à sociedade
de contractus). Em seguida, inverteu-se a tendência: já no início deste século, obras sobre o inexorável
declínio das instituições tradicionais do direito privado chamavam a atenção para o fenômeno contrário,
isto é, a progressiva 'publicização' do sistema jurídico. Temida como mal, ou exaltada como bem, essa
tendência se reconheceu unanimemente como um dos traços do direito contemporâneo. Que essa
tendência se veja na primazia das relações de subordinação sobre as de coordenação, ou das normas de
organização sobre as de conduta, ou do aspecto da heteronomia sobre o da autonomia, ou da vontade
coletiva sobre o somatório das vontades individuais, e assim por diante, não tem tanta importância
quanto a opinião, concorde, sobre o caráter do processo, que tipificaria a evolução do direito, na
passagem do Estado liberal ao Estado social, do Estado tutor da ordem pública ao Estado curador e
55
promotor do bem-estar público".

Como ocorreria essa passagem do "Estado liberal" oitocentista para o "Estado social" contemporâneo 5 6 e
quais suas possíveis conseqüências para a teoria do direito, especialmente no que concerne à grande
dicotomia "direito público - direito privado"? Segundo Hayek, por exemplo, a passagem do Estado liberal
(qualificado por uma ordem espontânea das ações) para o Estado assistencial (totalitário, segundo ele, e
qualificado por uma ordem artificial das ações) caracterizar-se-ia por progressiva contaminação do
direito privado pelo direito público, ocorrida nos últimos oitenta anos, isto é, pela progressiva
substituição de normas de conduta por normas de organização, ou de normas negativas (deveres) por
normas positivas (comandos), que teria provocado a destruição da ordem jurídica liberal. 5 7 Parece,
portanto, que Hayek identifica direito privado, normas de conduta e normas negativas, de um lado; e, de
outro, direito público, normas de organização e normas negativas. Já vimos 5 8 que semelhante
identificação se não sustenta, em sua inteireza, embora possa haver certos traços comuns entre os
elementos integrantes de cada um dos dois trinômios. Hart, por sua vez, com sua distinção entre normas
primárias e normas secundárias, identifica dois tipos de ordens sociais diversas: sociedades primitivas (aí
incluída a ordem internacional), em que predominariam as normas de conduta, e sociedades evoluídas,
59
em que preponderariam as normas de organização.
Bobbio, na busca da contraposição entre Estado liberal e Estado social, propõe outra distinção, fundada
em dois tipos de sanção. Lembra-se, antes de mais nada, que a função do sistema jurídico que regula
qualquer grupo social, a começar da família, não é apenas a de prevenir e reprimir comportamentos
indesejáveis, impedir o surgimento de conflitos de interesses e, se surgidos, propiciar sua solução, mas,
60
também, a de distribuir, adequadamente, os recursos disponíveis.
Segundo a concepção privatista do direito - e, portanto, da economia -, a que corresponde a concepção
negativista do Estado, a distribuição dos bens ocorre no âmbito das relações entre indivíduos, ou grupos
de indivíduos, em mútua concorrência, cabendo ao direito apenas a função de facilitar a instauração
dessas relações, garantir sua continuidade e segurança e impedir a violência dos indivíduos; daí a
concepção negativista do Estado, que lhe não permite nenhuma ingerência nas relações econômicas e

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restringe sua função à manutenção da ordem, mediante o estabelecimento de normas imperativas e
coativas, ou seja, por meio do direito. Base para essa concepção são, parece óbvio, o direito privado e o
direito penal - os mais tradicionais e antigos ramos da Jurisprudência, e precisamente aqueles em que
eventual função jurídica de distribuição de recursos é nenhuma. A teoria do direito, na medida em que
reconhece na ordem jurídica apenas sua função protetório-repressiva, privilegia a configuração do
sistema jurídico apenas como complexo de normas de conduta individuais, de solução de conflitos, de
61
ressarcimento de danos e de repressão a condutas indesejáveis.
Mas, a pouco e pouco, por uma série de razões sociais, econômicas e políticas, ao Estado liberal clássico
sucede o Estado social contemporâneo, acrescentando-se ao direito a função distributiva, na medida em
que diminui drasticamente a não-ingerência do Estado no âmbito das relações econômicas e a repartição
dos recursos se subtrai, em grande parte, do confronto entre interesses privados e se comete a órgãos
62
públicos. O aumento das funções do Estado, por sua vez, haveria de acarretar aumento ou
modificação das funções tradicionalmente atribuídas ao direito (e direito estatal, no caso). 6 3 Mesmo no
aspecto restrito de complexo de regras de comportamento providas de sanção, bastante adequado para
a função protetório-repressiva do direito, a passagem do Estado liberal para o Estado social provocou tal
aumento das funções do Estado, que o próprio exercício de sua função primária de regular
comportamentos começou a dar-se por novos modos, diferentes do tradicional, que se fundava
exclusivamente na intimidação decorrente da sanção negativa: para controlar e dirigir o desenvolvimento
econômico, o Estado contemporâneo, por meio do direito, exerce também função de estímulo, promoção
ou provocação da conduta dos indivíduos e grupos - antítese da função meramente protetório-repressiva
tradicional -, mediante sanções positivas. Para estimular o desempenho de certas atividades,
econômicas ou não, o Estado lança mão de procedimentos de incentivação ou prêmio, em que a sanção
é positiva: oferece-se alguma vantagem a quem observa a norma, ao passo que a inobservância não tem
conseqüência jurídica alguma; nas normas com sanção negativa, ocorre precisamente o contrário: a
observância não tem conseqüência jurídica alguma, enquanto a inobservância traz, ou pode trazer,
alguma desvantagem. Essa diferença entre o procedimento de incentivação e o procedimento de sanção
64
negativa é um dos traços típicos da produção jurídica dos Estados contemporâneos, que, obviamente,
haverá de acarretar modificações nas próprias teorias do direito.
A minuciosa observação da ordem jurídica dos Estados modernos conduz-nos a, pelo menos, acrescentar
algo à concepção tradicional do direito (senão mesmo modificá-la), na medida em que o procedimento de
incentivação predomina sobre o procedimento de sanção negativa, sem com isso pretender afirmar-se
que aquele era totalmente estranho ao direito, embora as mais das vezes olvidado pela Jurisprudência.
65
A função protetório-repressiva do sistema jurídico destina-se a impedir a ocorrência de
comportamentos indesejados; a função de incentivação, a provocar a ocorrência de comportamentos
desejados. Entre os comportamentos indesejados e os desejados, situa-se a vasta esfera dos
comportamentos indiferentes, como "elaborar ou não elaborar testamento, contrair ou não contrair
matrimônio, participar ou não participar de concurso"; nessa esfera, pode intervir a ordem jurídica,
preestabelecendo modos com que tais atos devem praticar-se, sob pena de nulidade. Da perspectiva das
duas diversas funções do direito, a intervenção da ordem jurídica na esfera desses chamados
comportamentos indiferentes pode interpretar-se de duas maneiras diversas: a) quanto à função
protetório-repressiva, a intervenção da ordem jurídica destina-se a fazer com que somente certos atos
sejam válidos ou eficazes; e b) quanto à função de incentivação, a intervenção da ordem jurídica
66
destina-se a conceder sua própria tutela apenas àqueles atos válidos e eficazes, e não aos demais.
7. Considerações finais
Tudo isso somado leva-me a afirmar que, em última análise, a passagem do "Estado liberal" oitocentista
para o "Estado social" contemporâneo, no concernente à ordem jurídica e à jurisprudência, acarreta pelo
menos três conseqüências dignas de especial destaque: a) do ponto de vista funcional, não há mais nem
como, nem por que sustentar-se a afirmação de que a função da ordem jurídica é protetório-repressiva,
nem predominantemente, nem, muito menos, exclusivamente: sua função é, também, distributiva de
recursos, exercidas ambas seja pelo procedimento de sanção negativa, seja pelo procedimento de
incentivação; b) do ponto de vista estrutural, a proliferação de normas jurídicas ocorre indistintamente:
a chamada "inflação legislativa" é tanto de normas de conduta, como de normas de organização; tanto
de normas primárias, como de normas secundárias; tanto de normas positivas, como de normas
negativas; tanto na esfera do direito privado, como na esfera do direito público; e c) do ponto de vista
da teoria do direito, as concepções tradicionais - basicamente estruturais - são inadequadas ou, melhor,
insuficientes para compreender a experiência jurídica contemporânea, correlativa do "Estado social", em
que "individualidade" e "solidariedade", "competitividade econômica" e "redução de desigualdades",
parecem coexistir, ou, pelo menos, se pretende ou almeja coexistam.

A concepção privatista do direito, 6 7 estreitamente ligada à teoria geral do direito como relação jurídica,
parece completamente exaurida. Se, por alguma razão, proclamar-se a incindibilidade do trinômio "direito
privado - concepção privatista da ordem jurídica - teoria do direito sub specie relationis", dever-se-ia
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concluir que a passagem do "Estado liberal" oitocentista para o "Estado social" contemporâneo acarretou,
sem dúvida alguma, o ocaso do "direito privado". Analogamente, a concepção publicista do direito,
intimamente vinculada à teoria geral do direito como instituição, parece-me, também, em sensível
declínio, não obstante ter atingido alturas dignas de nota, há não muito tempo. Se, por alguma razão,
defender-se a incindibilidade do trinômio "direito público - concepção publicista da ordem jurídica - teoria
do direito sub specie institutionis", dever-se-ia concluir que a passagem do "Estado liberal" oitocentista
para o "Estado social" contemporâneo permitiu alcançasse o "direito público", em certo momento, seu
apogeu, mas, a partir de então, deixou de garanti-lo: seu declínio, portanto, é provável.
Seria o caso, então, de abandonar a teoria geral do direito como relação jurídica, a teoria geral do direito
como instituição e a grande dicotomia "direito privado - direito público"? No concernente às duas teorias,
no meu entender, sim, como teorias gerais do direito: nada impede que se mantenha - muito pelo
contrário, parece adequado 6 8 mantê-la - a teoria da relação jurídica, que, porém, se não pretenda a
(única) teoria geral do direito; semelhantemente, nada obsta a que se conserve - pelo contrário,
semelha adequado conservá-la - a teoria da instituição, que, todavia, se não pretenda a (única) teoria
geral do direito. Creio deveríamos concentrar nossos esforços na elaboração de uma teoria geral do
direito que se não restringisse aos aspectos estruturais - como ocorre nessas duas teorias, tradicionais
-, mas, sim, levasse na devida e necessária conta, com idêntica relevância, os aspectos funcionais da
ordem jurídica. Nessa tarefa, poder-se-ia partir de dois pressupostos: a) toda experiência jurídica é,
69
antes de mais nada, experiência cultural, mas, também e sobretudo, experiência normativa: a teoria
geral do direito, portanto, deveria elaborar-se sub specie normativitatis; 7 0 e b) a necessária conjugação
dos aspectos estruturais e funcionais da ordem jurídica poderia levar-se adiante por meio de "modelos
jurídicos", em que estrutura e função conceber-se-iam como "unum et idem no fenômeno jurídico
71
concreto".
Finalmente, a conspícua, tradicional e persistente grande dicotomia "direito privado - direito público":
estaríamos diante de seu ocaso, ou, por outras palavras, dever-se-ia abandoná-la? Minha resposta é
tríplice: não; sim; e não, mas em termos. Primeira: não, não deveríamos abandoná-la, porque seu uso
historiográfico e, sobretudo, seu uso axiológico, especificamente na ênfase atribuída a um de seus dois
termos - o direito privado - são instrumentos notáveis contra qualquer forma de totalitarismo, em que a
societas absorve o individuum, o auctor se degrada a simples actor, o cives se reduz a mera pars.
Segunda: sim, deveríamos abandoná-la, se, em seu uso sistemático, pretender-se seja ela a única - ou,
pelo menos, a mais relevante - grande dicotomia jurídica, fundada em certo, seguro e preciso critério
distintivo dos entes que compõem o universo do direito, até porque o crescimento desmesurado de algum
tertium genus, que não é nem direito privado, nem direito privado, ou a enorme proliferação dos entes
jurídicos "quase"-privados e dos entes "quase"-públicos, sem explicação teórica convincente, sugerem
que o atributo da totalidade dessa dicotomia está, para dizer o menos, em crise. Terceira: não, não
deveríamos abandoná-la, porque nem a tripartição dos entes jurídicos, nem o emprego triádico da
dicotomia parecem corresponder, respectivamente, às necessidades teórico-práticas da Jurisprudência e
ao curso histórico que se presencia e prenuncia. Mas em termos, porque, em seu uso sistemático,
deveríamos admitir: a) não ser ela nem a única, nem a mais relevante grande dicotomia jurídica; b) ser
impossível identificar um único critério distintivo, certo, seguro e preciso, dos entes que compõem o
universo do direito; e c) não serem os entes jurídicos definíveis mediante um "se e somente se" (como,
por exemplo, o são os entes matemáticos), mas, sim, entes que se qualificam tipologicamente, 7 2 por
intermédio da enumeração de notas características, cuja presença, ou ausência, permitirá apenas um
ato qualificador em que predomina a compreensão de algo, em parte dado e, em parte, construído
(comprehensio ou Verständnis), e, não, o mero reconhecimento de algo previamente dado (notio e
explicatio ou Erkenntnis).

(1) Da extensa bibliografia sobre o tema, poder-se-ia consultar, entre outros, Orlando Gomes. Contratos.
10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 3-44.

(2) Jean Carbonnier. Flexible droit - Textes pour une sociologie du droit sans rigueur. 5ème éd., rév. et
augm., Paris: Librairie Générale de Droit et Jurisprudence, 1983. p. 165, afirma serem, tradicionalmente, a
família, a propriedade e o contrato os três pilares de toda ordem jurídica, em regimes de economia liberal
e capitalista. Além do "dirigismo contratual", antes referido, a "função social da propriedade" e a "crise do
matrimônio" poderiam constituir fatores de erosão, por assim dizer, dos outros dois pilares do direito
privado: aquela, também decorrente, talvez, de "publicização" do direito de propriedade; esta, por
motivos - creio eu - predominantemente extrajurídicos.

(3) In Dalla struttura alla funzione - Nuovi studi di teoria del diritto. Milano: Edizioni di Communità, 1977,
Diritto e cultura moderna, a cura di Renato Treves e Uberto Scarpelli, n. 18, p. 145-163, doravante

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citado como I.

(4) Ibidem, p. 123-144, doravante citado como II.

(5) Ibidem, p. 89-121, doravante citado como III.

(6) Está claro que "ente", aí, é todo e qualquer ser, real ou ideal, que integre ou possa vir a integrar o
universo da disciplina, constituindo, em seu conjunto, o chamado "objeto" da disciplina.

(7) I, p. 145-146.

(8) "Compreensão" ( Verständnis) do ente, diria eu, que vai bem mais longe que a mera "interpretação" (
Auslegung) e "reconhecimento da figura" ( Erkenntnis der Gestaltung).

(9) I, p. 151.

(10) Parece ilustrativo recordar a mais que conhecida divisão das fontes das obrigações, no direito
romano: Gaio afirma serem os contratos e os delitos; o Digesto, aos contratos e aos delitos, acrescenta
"outras várias figuras de causas"; e as Institutas enumeram os contratos, os delitos, os quase-contratos
e os quase-delitos.

(11) Adequada no sentido, ainda uma vez mais, de conveniente e oportuna.

(12) Cabe lembrar, neste momento, que o estabelecimento de hierarquia entre valores nada mais é que
um dos sentidos de "ideologia". Portanto, o uso axiológico de uma grande dicotomia é, ou pelo menos
pode ser, também, ideológico.

(13) I, p. 146-147.

(14) I, p. 147. Diz Bobbio: "Con una metafora si potrebbe dire che una delle due classi in cui l'universo è
diviso dalla grande dicotomia ha una singolare tendenza a estendere il proprio dominio su tutto l'universo
a danno dell'altra classe, a occupare l'intero territorio" (I, p. 147).

(15) Poder-se-ia dizer que essa tendência universalizante de cada um dos termos de uma grande
dicotomia corresponde, de certo modo, a reduções teóricas ou teorias reducionistas, em que uma de
duas concepções teóricas é reduzida, as mais das vezes arbitrariamente, à outra.

(16) I, p. 148.

(17) II, p. 136-137. Os exemplos de Bobbio são interessantes: "Dos dois momentos da dicotomia
jusnaturalista - estado de natureza e estado civil -, Hobbes faz uso diádico (ou anarquia, ou Estado
absoluto; ou Behemoth, ou Leviathan), ao passo que Rousseau faz uso triádico (estado de natureza,
sociedade civil, e síntese do estado de natureza com a sociedade civil, na sociedade fundada no
contrato social). Da grande dicotomia forjada pela interpretação socialista da história - da sociedade de
classes à sociedade sem classes -, já se observou que Engels faz uso triádico, em que, partindo da
existência entre povos primitivos de sociedades sem classes e, portanto, sem Estado, termina dividindo o
curso da história humana em três grandes estágios - comunidade primitiva, Estado e sociedade sem
classes -, em que o último se apresenta como retomada do primeiro. (...) Hayek, depois de destacar sem
mais a importância do modelo dicotômico na análise do confronto entre sociedade aberta e sociedade
fechada, (...) faz dessa dicotomia, em sua interpretação do curso histórico, uso triádico: o Estado
totalitário, para que caminha a sociedade contemporânea, é retorno ao Estado tribal, embora em fase
mais adiantada e de grandes proporções" (II, p. 137; tradução minha).

(18) I, p. 148.

(19) I, p. 150-151. Como visto anteriormente (cf. supra, n. 2), a dicotomia, para ser grande, não precisa
ser única. Assim, além da grande dicotomia "direito público - direito privado", Bobbio aponta pelo menos
mais uma, grande também: a dicotomia "direito estatutário - direito consuetudinário" (I, p. 158). A
dicotomia "direito natural - direito positivo", no sentido ontológico, não no sentido deontológico, poderia
reconduzir-se ora à dicotomia "direito público - direito privado", ora à dicotomia "direito estatutário -
direito consuetudinário", sendo, portanto, secundária, e não principal (I, p. 159-162). A distinção "direito
objetivo - direito subjetivo" não é dicotomia, porque decorre apenas de análise lingüística fundada no
sentido diferente da expressão "direito" em cada um dos termos, e não de operação lógica de
classificação de entes (I, p. 148-149).

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(20) II, p. 130-131.

(21) II, p. 124-125.

(22) I, p. 151-153. Cf., infra, n. 6.

(23) Bobbio prefere falar da dupla "real - aparente" ou "verdadeiro - aparente" (I, p. 155). Prefiro, para
diminuir a função patética da linguagem, o binômio "autêntico - não-autêntico".

(24) I, p. 154-155.

(25) É importante chamar a atenção para o caráter predominantemente, senão exclusivamente,


axiológico da decisão de expulsar algum ente do universo do direito ou impedir sua entrada nele.

(26) I, p. 155.

(27) I, p. 155-156.

(28) I, p. 156-157.

(29) A metáfora de Bobbio é digna de nota: "Para os privatistas, o direito é espécie de árbitro,
convocado para dirimir conflitos; para os publicistas, o direito adota antes a figura do comandante, que
coordena os esforços de sua tropa, a fim de vencer a batalha" (I, p. 157; tradução minha).

(30) I, p. 157.

(31) III, p. 117-118.

(32) São interessantíssimas e, creio eu, de grande utilidade a noção de interesse, de um lado, e, de
outro, as noções de solidariedade e de conflito de interesses como relações heterogêneas,
respectivamente de primeiro e de segundo grau, formuladas por Francesco Carnelutti. Teoria geral do
direito. Trad. A. Rodrigues Queiró e Artur Anselmo de Castro. São Paulo: Livraria Acadêmica Saraiva &
Cia. Editores, 1942, p. 46-48, 52-53, 78-102 e 134-149, com especial destaque para a imagem
geométrica de interesses individuais e coletivos, públicos e privados (p. 137-139).

(33) Cf., supra, n. 3.

(34) II, p. 124-125.

(35) I, p. 152-153.

(36) II, p. 125-126 e 128.

(37) Cf., supra, n. 3.

(38) A denominação não é a mais adequada, visto que normas de organização não deixam de ser também
normas de conduta, na medida em que obrigam, proíbem ou permitem certos comportamentos.

(39) II, p. 128-129, e III, p. 118-119.

(40) II, p. 126 e 128. Bobbio acrescenta: "A menos que se restrinja o âmbito das normas de conduta ao
das normas penais (restrição essa que, além de arbitrária, acabaria por tornar completamente inútil a
categoria das normas de conduta), no conceito de norma de conduta não há nenhum elemento que
permita privilegiar a conduta omissiva em detrimento da conduta comissiva. Se o conceito de norma de
conduta puder ter alguma utilidade, deverá permitir a compreensão tanto das normas que regulam
condutas negativas como das que regulam condutas positivas. De outro lado, no conceito de norma de
organização não há nenhum elemento que nos induza a atribuir maior relevância ao aspecto positivo que
ao negativo, no tocante à sua qualidade normativa (as normas de competência, que alguns identificam
com as normas de organização, na medida em que estabelecerem limites intransponíveis apresentar-se-
ão antes como deveres, que como comandos)" (II, p. 126; tradução minha).

(41) II, p. 129-130.

(42) Cf., supra, n. 3.

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(43) II, p. 132.

(44) Amplo e minucioso estudo da teoria da relação jurídica, da teoria da instituição e da teoria
normativa encontra-se em Norberto Bobbio. Teoria della norma giuridica. Torino: Giappichelli, 1958. p. 3-
34, Cap. I - "Il diritto come regola di condotta". A conclusão final merece particular atenção: "Pode
acrescentar-se a seguinte consideração: as três teorias se não excluem mutuamente e, portanto, é
estéril toda batalha doutrinária destinada a fazer triunfar uma ou outra. Diria antes que essa três teorias
se integram utilmente. Cada uma delas põe em evidência um aspecto da multíplice experiência jurídica: a
teoria da relação, o aspecto da intersubjetividade; a da instituição, o aspecto da organização social; e a
normativa, o aspecto da regulação [ regolarità]. De feito, a experiência jurídica põe diante de nós um
mundo de relações entre sujeitos humanos, estavelmente organizados em sociedade por força do uso de
regras de conduta. No final das contas, porém, dos três aspectos complementares, o fundamental é
sempre o aspecto normativo. A intersubjetividade e a organização são condições necessárias para a
formação da ordem jurídica; o aspecto normativo é a condição necessária e suficiente" (p. 33-34; grifos
no original; tradução minha).

(45) A ordem, aí, pode constituir um certo bem comum, se entender-se por bem comum não o bem
coletivo, mas o bem compartilhado por todos os indivíduos (Bobbio, II, p. 134).

(46) II, p. 132-134.

(47) Cf., supra, n. 3.

(48) Cf., supra, n. 4.

(49) Veja-se, dentre outros, Tércio Sampaio Ferraz Junior. Introdução ao estudo do direito - Técnica,
decisão, dominação. São Paulo: Atlas, 1988. p. 119.

(50) Herbert H. L. Hart. The concept of law. Oxford: Oxford University Press, 1986 (reprinted), Clarendon
Law Series, p. 77-96, Chapter V - "Law as the union of primary and secondary rules".

(51) Hart, op. cit., p. 77 e 89-96. Bobbio, II, p. 130-131.

(52) II, p. 131.

(53) II, p. 126-128. Parece-me que as normas de reconhecimento não poderiam jamais ser negativas:
serão sempre positivas, na medida em que concernem à atividade de reconhecer a juridicidade, ou não,
de outras normas. O resultado final da atividade pode ser "negativo", por assim dizer, se vier a
proclamar-se a não-juridicidade de uma norma; não, porém, a atividade de reconhecimento em si mesma,
que, no meu entender, é sempre positiva. Veja-se, a propósito da operação de reconhecimento, Hart,
op. cit., p. 92-93.

(54) II, p. 144.

(55) I, p. 152.

(56) Da perspectiva sistemática, e não do ponto de vista axiológico (ideológico). A avaliação


historiográfico-axiológica do fenômeno, levada a seus extremos, vai desde a tradição liberal-liberalizante
de Spencer e Hayek, para quem o crescimento do direito público à custa do direito privado é uma das
mais inquietantes manifestações do "despotismo" moderno, até a tradição marxista-comunista, em que o
direito privado e o direito burguês se identificam, ou se equiparam, e, portanto, a superação, ou
eliminação, do direito burguês haveria necessariamente de implicar a superação, ou eliminação, do direito
privado (cf. Bobbio, I, p. 153).

(57) II, p. 123-126.

(58) Cf., supra, n. 4 e 5.

(59) II, p. 130-131. Vê-se, portanto, que, para Hart, a evolução histórica ideal se dá em sentido oposto
ao de Hayek. Além disso, se se identificassem (equivocadamente, conforme antes destacado) normas de
conduta e direito privado, de um lado, e, de outro, normas de organização e direito público, a evolução
jurídica, para Hart, ocorreria com o progressivo aumento do direito público, em detrimento do direito
privado (note-se, porém, que Hart, ele próprio, não efetua tal identificação, nem faz semelhante
afirmação).

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(60) Isto é, mais uma vez, segundo determinados critérios de conveniência e oportunidade.

(61) III, p. 104-106.

(62) III, p. 106. É precisamente essa passagem do Estado liberal clássico para o Estado social
contemporâneo que explica dois outros notáveis fenômenos atuais, correlativos: o do aumento do
chamado "consumo jurídico" que provoca e reflete, concomitantemente, o da chamada "inflação
legislativa" (Bobbio, III, p. 106).

(63) III, p. 91.

(64) III, p. 106-108.

(65) II, p. 142-143.

(66) II, p. 143-144.

(67) Direito, aí, no sentido de ordem jurídica.

(68) Adequado, aí, novamente no sentido de conveniente e oportuno, teoricamente falando.

(69) Veja-se, a propósito do direito como experiência cultural, Miguel Reale. O direito como
experiência(introdução à epistemologia jurídica). São Paulo: Saraiva, 1968, passim.

(70) Em primeiro lugar, é totalmente desnecessário salientar que a elaboração de uma teoria geral do
direito sub specie normativitatis não implica, de modo algum, afirmar que o "direito", no sentido de ordem
jurídica, se reduz a normas, sendo, assim, impermeável, por exemplo, a fatos sociais e valores,
justamente por ser, antes de mais nada, experiência cultural. Em segundo lugar, uma teoria geral do
direito sub specie normativitatis não é incompatível com teorias, por assim dizer, particulares, quer sub
specie relationis, quer sub specie institutionis, estas, sim, incompatíveis entre si (cf. supra, n. 4).

(71) Reale, op. cit., p. 148, nota 1, citando Widar Cesarini Sforza. Sobre a correlação incindível entre
estrutura e função, refletida no modelo jurídico, que é sempre de índole teleológica (funcional), veja-se
Reale, op. cit., p. 148, 160, 164, 165, 175 e, especialmente, o Ensaio VIII - "Gênese e vida dos modelos
jurídicos (A crise do normativismo jurídico e a exigência de uma normatividade concreta)", p. 187-225.

(72) Veja-se, a propósito da imprescindibilidade de qualificação tipológica na jurisprudência, entre outros,


Miguel Reale, op. cit., passim, e, especialmente, o já citado Ensaio VIII, p. 187-225. Sobre tipos, pode
consultar-se, entre vários outros, Karl Larenz. Metodologia da ciência do direito. 2. ed. Trad. José
Lamego. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, s.d. (trad. da 5. ed. alemã, rev., 1983), especialmente
p. 561-577 ("Tipos e séries de tipos").

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