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Considerações sobre os princípios em Robert Alexy

Rafael Vieira Figueiredo Sapucaia1


Rafael Alem Mello Ferreira2

3. A teoria dos princípios em Robert Alexy

Trataremos a partir de agora da posição de Alexy em face da


diferenciação entre regras e princípios.
A teoria elaborada pelo autor alemão possui forte influência das
proposições de Dworkin sendo inclusive que “a teoria dos princípios de Dworkin
é o ponto principal que aproxima o pensamento de Alexy ao dele.” (CEZNE,
2000, p. 54) Com isso Alexy toma a diferenciação entre regras e princípios
estabelecido por Dworkin como ponto de partida a partir do qual busca a
racionalização de uma teoria para os direitos fundamentais:

A enunciação de regras e princípios realizada por Dworkin é aceita


por Alexy, que parte dessa teorização e procura sofisticá-la. O
referido autor destaca a importância da diferença entre normas do
tipo regra, e normas do tipo princípio, considerando-a como um
marco de uma teoria normativa dos direitos fundamentais, e um ponto
de partida para responder à pergunta acerca das possibilidades e
limites da racionalidade no âmbito dos direitos fundamentais.
(CEZNE, 2000, p. 54)

Para Alexy “o ponto decisivo na distinção entre regras e princípios é


que princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior
medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes.”
(ALEXY, 2008, p. 90 – grifos no original)
Com esse objetivo afirma que a diferença é qualitativa, em oposição a
diferença unicamente de grau, baseada na generalidade defendida pelos
autores clássicos3 (ALEXY, 2008), com os princípios se caracterizando como
mandados de otimização:

1 Professor da Puc Minas. Doutorando em Direito pela Puc Minas. Mestre em Direito pela Puc Minas.
Pesquisador Visitante na Universidade de Vechta- Alemanha (2015-2016)
2 Coordenador do Curso de Direito da Puc Minas Campus Arcos. Doutor em Direito pela

3
A referência que se faz é em relação a Del Vecchio e Norberto Bobbio.
“Princípios são, por conseguinte, mandados de otimização, que são
caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo
fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente
das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas.
O âmbito das possibilidades jurídicos é determinado pelos princípios
e regras colidentes”. (ALEXY, 2008, p. 90)

Essa diferença, Alexy também deixa claro ao definir que as regras como
normas são sempre ou satisfeitas ou não satisfeitas. Assim afirma que:

“Se uma regra vale, então, deve se fazer exatamente aquilo que ela
exige; nem mais, nem menos. Regras contêm,
portanto, determinações no âmbito daquilo que é fática e
juridicamente possível. Isso significa que a distinção entre regras e
princípios é uma distinção qualitativa, e não uma distinção de grau”.
(ALEXY, 2008, p. 91)

Para a solução de um conflito entre regras deve ser introduzida “em uma
das regras, uma cláusula de exceção que elimine o conflito, ou se pelo menos
uma das regras for declarada inválida.” (ALEXY, 2008, p. 92) Desse modo há
conflito quando duas regras que sejam aplicáveis ao caso dêem solução
contrárias para o caso concreto e não seja possível o estabelecimento de uma
cláusula de exceção, assim explica Alexy:

Não importa a forma como sejam fundamentados, não é possível que


dois juízos concretos de dever-ser contraditórios entre si sejam
válidos. Em um determinado caso, se se constata a aplicabilidade de
duas regras com conseqüências jurídicas concretas contraditórias
entre si, e essa contradição não pode ser eliminada por meio da
introdução de uma cláusula de exceção, então pelo menos uma das
regras deve ser declarada inválida. (ALEXY, 2008, p. 92)

Nesse ponto esclarece Alexy que “ao contrário do que ocorre com o
conceito de validade social ou importância da norma, o conceito de validade
jurídica não é graduável. Ou uma norma é válida, ou não é.” (ALEXY, 2008, p.
92) Assim se “uma regra é válida e aplicável a um caso concreto, isso significa
que também sua consequência jurídica é válida.” (ALEXY, 2008, p. 92)
Aqui há divergência entre os posicionamentos de Alexy e Dworkin.
Enquanto Dworkin entende que as cláusulas são ao menos teoricamente
enumeráveis para Alexy “nunca é possível ter certeza de que, em um novo
caso, não será necessária a introdução de uma nova clausula de exceção.” p.
(ALEXY, 2008, p. 104). Ao analisar a perda do caráter definitivo das regras com
o advento da cláusula de exceção, esclarece Cezne:
“Entretanto, mesmo com essa modificação (a introdução da cláusula
de exceção), ainda permanecem diferenciados dos princípios, mesmo
tendo adquirido o caráter de prima facie. Deve-se ressaltar que o
caráter prima facie das regras é excepcional, somente ocorrendo
quando justificável a abertura de uma exceção, pois normalmente
traduzem-se por razões definitivas.” (CEZNE, 2000, p. 56)

Já em termos de colisão de princípios Alexy deixa claro que o modo de


solução é diverso. É nesse ponto que introduz o conceito de precedência
condicionada, sob a qual um dos princípios cede em face do outro:

“Se dois princípios colidem - o que ocorre, por exemplo, quando algo
é proibido de acordo com um princípio e, de acordo com o outro,
permitido -, um dos princípios terá de ceder. Isso não significa,
contudo, nem que o princípio cedente deva ser declarado inválido,
nem que nele deverá ser introduzida uma cláusula de exceção. Na
verdade, o que ocorre é que um dos princípios tem precedência em
face de outro sob determinadas condições. Sob outras condições a
questão da precedência pode ser resolvida de forma oposta”.
(ALEXY, 2008, p. 93/94)

Impende salientar que a noção de Alexy sobre a precedência


condicionada se liga ao fato de considerar que diante do caso concreto os
princípios possuem pesos diferentes e que aquele que tiver o maior peso deve
prevalecer (ALEXY, 2008). Assim surge uma diferença decisiva vez que
”conflito entre regras ocorrem na dimensão da validade, enquanto as colisões
entre princípios - visto que só princípios válidos podem colidir - ocorrem, para
além dessa dimensão, na dimensão do peso.” (ALEXY, 2008, p. 93/94)
Aqui nesse ponto ainda nos socorre a lição de Galuppo sobre a
diferença fundamental na a solução de conflitos entre princípios para a solução
de conflitos entre regras, pois elas se dão em diferentes dimensões:

“Exatamente por isso a solução do conflito entre princípios difere da


solução do conflito entre regras: é que este último tem existência em
abstrato, enquanto o conflito entre princípios só tem existência, e
portanto solução, no caso concreto”. (GALUPPO, 1999, p. 193)

Ao explicar o caráter prima facie dos princípios Alexy apresenta o


comportamento desse tipo de norma em face do caso:

“Da relevância de um princípio em um determinado caso não decorre


que o resultado seja aquilo que o princípio exige para esse caso.
Princípios representam razões que podem ser afastadas por razões
antagônicas. A forma pela qual deve ser determinada a relação entre
razão e contrarrazão não é algo determinado pelo próprio princípio.”
(ALEXY, 2008, p. 104)

Como expressão da idéia de otimização Alexy se utiliza da máxima da


proporcionalidade, com a qual segundo ele, a teoria dos princípios se entrelaça
fortemente. Há assim uma conexão constitutiva, pois, a “natureza dos
princípios implica a máxima da proporcionalidade, e essa implica aquela.”
(ALEXY, 2008, p. 116)
A máxima da proporcionalidade é a reunião de três submáximas: a da
adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito. E “todos
esses princípios4 expressam a ideia de otimização. Os direitos constitucionais
enquanto princípios expressam a ideia de otimização.” (ALEXY, 1999, p. 135)

3.1 Os princípios como mandamentos de otimização


A tese defendida por Robert Alexy possui como ponto caracterizador a
concepção de que os princípios são mandamentos de otimização. Como afirma
o próprio Alexy “o ponto decisivo para a distinção entre regras e princípios é
que os princípios são mandamentos de otimização enquanto que as regras têm
o caráter de mandamentos definitivos.”5 (ALEXY, 1997, p. 162 - tradução
nossa) Desse modo para a aplicação dos princípios é necessário analisar
condições fáticas e jurídicas, pois os princípios só obrigam segundo essas
condições. Assim, para o âmbito da aplicação é preciso considerar que:

Como mandamentos de otimização os princípios são normas que


ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, conforme
as possibilidades jurídicas e fáticas. Isto significa que podem ser
satisfeitos em diferentes graus e que a medida da sua satisfação
depende não apenas das possibilidades fáticas mas também das
jurídicas, que estão determinadas não apenas por regras, mas
também por princípios opostos.6 (ALEXY, 1997, p. 162 - tradução

4
No presente trabalho o termo pelo qual será denominada a proporcionalidade dependerá da
tradução. Isso porque a proporcionalidade é muitas vezes denominada de princípio e outras
vezes de máxima, ambas como tradução do termo ‘Grundsatz’ em alemão. Contudo o próprio
Alexy entende o termo máxima como mais adequado para expressar a proporcionalidade visto
que ela não é sopesada contra algo. Ver nota 84 do capítulo 3 de sua obra Teoria dos Direitos
Fundamentais.
5 Tradução do seguinte trecho: El punto decisivo para a distinción entre reglas e princípios es
que los principios son mandados de optimización mientras que las reglas tienen el carácter de
mandados definitivos.
6 Tradução do seguinte trecho: En tanto mandados de optimización, los princípios son normas
que ordenan algo sea realizado en la mayor medida posible, de acuerdo con las posibilidades
jurídicas y fácticas. Esto significa que pueden ser satisfechos en grados diferentes y que la
medida ordenada de su satisfacción depende no solo de las posibilidades fácticas sino
nossa)

Como expressão da idéia de otimização Alexy se utiliza da máxima da


proporcionalidade, com a qual a teoria dos princípios se entrelaça fortemente.
Há assim uma conexão constitutiva, pois, a “natureza dos princípios implica a
máxima da proporcionalidade, e essa implica aquela.” (ALEXY, 2008, p. 116)
Passemos a uma breve conceituação das máximas parciais da
proporcionalidade.

A máxima parcial da adequação “exclui a adoção de medidas que


obstruam a realização de pelo menos um dos princípios sem promover algum
princípio ou finalidade para o qual foram adotadas”7 (ALEXY, 2003a, p. 135 -
tradução nossa). Assim um princípio (P1) deve ser pelo menos promovido (ou
fomentado) para que o meio empregado passe pelo exame da máxima parcial,
caso contrário não se atende a exigência da adequação.

Desse modo quer se dizer que não está de acordo com a adequação a
adoção de uma medida que não promova um princípio P1 e ainda obstrua a
realização de princípio P2 e “isso mostra que o princípio da adequação não é
outra coisa se não a expressão da ideia do optimal de Pareto: uma posição
pode ser melhorada sem detrimento de outra”8 (ALEXY, 2003a, p. 135 -
tradução nossa).

A necessidade define a ideia de menor interferência possível em face


do princípio contraposto e a ideia do optimal de Pareto se liga a referida
máxima nos seguintes termos:

O mesmo se aplica ao princípio da necessidade. Esse princípio


requer que uma de duas medidas para promover P1, que
sejam, em um sentido amplo, igualmente adequados, deva ser
escolhido aquela que interfira menos intensamente em P2. Se
há uma medida que intervenha e seja igualmente adequada,
uma posição pode ser melhorada sem detrimento de outra“9

jurídicas, que están determinadas no solo por reglas sino también, essencilamente, por los
principios opuestos.
7
Tradução livre: excludes the adotem of means obstructing the realisation of at least one
principle without promoting any principle or goal for which they were adopted.
8
Tradução livre: this shows that the principle of suitability is nothing other than na expression of
the idea of Pareto-optimality: One position can be improved without detriment to another.
9
Tradução livre: The same applies to the principle of necessity. This principle requires that of
two means promoting P1 that are, broadly speaking, equally suitable, the one that interferes
(ALEXY, 2003a, p. 135 - tradução nossa)

Assim para que a máxima parcial da necessidade seja cumprida o ato


deve atingir de modo menos intenso possível o outro princípio em jogo,
devendo ser escolhido o ato que realize esse objetivo de maneira mais
aproximada diante do caso, ressaltando que a medida precisa passar pelo crivo
da adequação antes de se aferir sua necessidade.
Por fim a proporcionalidade em sentido estrito se constitui na expressão
da otimização no que tange as possibilidades jurídicas (ALEXY, 2003a). Nesse
ponto é que se materializa o balanceamento que consiste em “no terceiro
subprincípio do princípio da proporcionalidade, o princípio da proporcionalidade
em sentido estrito.”10 (ALEXY, 2003a, p. 136 - tradução nossa)
A regra do balanceamento (sopesamento ou proporcionalidade em
sentido estrito) é assim expressa “quanto maior o grau de não-satisfação ou de
detrimento de um princípio, maior a importância de se satisfazer o outro.”
(ALEXY, 2008, p.136) Alexy esclarece ainda que “essa regra expressa a tese
de que a otimização relativa de princípios concorrentes consiste em nada mais
do que no balanceamento desses princípios.” (ALEXY, 2003a, p.136)

less intensively in P2 ought to be chosen. If there exists a less intensively interfering and
equally suitable means, one position can be improved at no cost to the other.
10
Tradução livre: of the third sub-principle of the principle of proportionality, the principle of
proportionality in the narrow sense.

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