Você está na página 1de 12

AS INCONSISTÊNCIAS DO FEDERALISMO NO SISTEMA TRIBUTÁRIO

BRASILEIRO

Nicolle Lima Braz


Vitor Hugo Miranda de Assis
Higor Frois

1. A organização federalista brasileira

A definição do modo de distribuição da soberania no território estatal é de


fundamental relevância e gera significativos impactos no sistema tributário do país,
ao adotar seja a forma unitária de exercício da soberania, seja a forma de
desconcentração (ou descentralização) do poder político entre seus entes, como
ocorre no federalismo.

No caso desse último, Anderson George (2009) descreve como


características intrínsecas à forma de estado federalista: o (i) mínimo de dois níveis
de governo, sendo um com jurisdição no território estatal todo e outro local e (ii) uma
constituição escrita com partes que não podem ser alteradas por nenhum dos entes
– nem mesmo o federal - e que estabelece competências e autonomias (legislativa e
política) a todas às unidades federativas.

No caso brasileiro, a forma de Estado de Federação é empregada


explicitamente na Constituição Federal de 1988, que incluiu, pela primeira vez, como
entes, além dos Estados e da União, os Municípios, sendo um dos poucos países a
adotar um federalismo de três esferas.

Entretanto, embora haja antecedentes históricos do modelo federalista no


país, com a Constituição de 1891 sendo a primeira a prever o federalismo como
forma de Estado no Brasil, o país não se fundou como um Estado de Federação,
sendo, na verdade, por um período significativo de sua história, um Estado Unitário,
cujo todo o poder de governança centralizava-se na Coroa.

Ao distinguir o modelo estatal unitário do federativo, Abrucio (2022) descreve


que aquele se difere deste na medida em que “mesmo nas nações unitaristas
mais descentralizadas a autonomia dos governos subnacionais é uma
concessão da soberania central, e não um direito territorial” (p. 130).

Assim, a federação constitui uma autonomia entre suas unidades, enquanto


a forma unitária, embora admita entes subnacionais, atém-se a concentrar toda a
soberania de fato no poder unitário, de forma que qualquer autonomia dos demais
entes se dá por mera concessão do poder central e não por direito constitucional.

Segundo essas definições, fica evidente que o modelo federativo se


apresenta como uma forma de Estado bem mais complexa em comparação ao
Estado Unitário, conforme Abrucio (2022) elucida:

“A fórmula federalista é certamente bem mais complexa politicamente do


que o modelo unitarista. Adotá-la significa criar uma cultura federativa de
barganha e negociação (Burguess, 1993), construir uma institucionalidade
que garanta a divisão e o controle mútuo dos poderes, além de montar um
modelo estatal que dê conta, ao longo do tempo, dos dilemas federativos
de cada estado federal.” (p. 130)

Diante da complexidade vinculada ao modelo federalista, Abrucio (2022)


defende que os principais motivos que levam um Estado a implementá-lo seriam a (i)
heterogeneidade constitutiva, marcada pelas diversidades regionais, assim como a
extensão territorial significativa de um Estado, e, igualmente, (ii) um projeto de
unidade na diversidade.

Seguindo esse raciocínio, fica evidente o porquê de o Estado brasileiro ter


optado por adotar de vez o modelo federativo.

O poder central brasieliro, até então unitário, diante da grande extensão


territorial e da significativa diversidade regional, deparou-se com embaraços para
exercer sua soberania efetiva, principalmente em locais mais afastados de onde a
Coroa se estabelecia, de forma que a delegação de certas competências e a cessão
gradual de parte do poder central aos Estados pareciam medidas inevitáveis, bem
como o modelo federativo aparentava ser quase imperativo, a fim de manter o país
sobre um único poder soberano.

A Federação vem, então, como forma de garantir as diversidades regionais,


mas, ao mesmo tempo, garantir o devido exercício da soberania estatal, evitando
segregações regionais que fiquem a par do poder do Estado. É o que Anderson
(2009) elucida sobre a adoção do federalismo:

“O federalismo parece apropriado, particularmente, às democracias muito


populosas ou de grande extensão territorial ou, ainda, que apresentem
contingentes populacionais acentuadamente diversificados e regionalmente
concentrados. No decorrer do tempo, o federalismo demanda que parte
significativa da população mantenha um sentimento de identidade com o
país e também que as comunidades políticas estejam motivadas e
engajadas em nível regional” (p. 29)

O projeto federalista brasileiro, contudo, passou por consideráveis


transformações, com a descentralização do poder e a autonomia dos Estados ora se
acentuando, ora sendo restringidos - diante de governos autoritários, como as
ditaduras varguista e militar -, retomando seu fundamento de autonomia dos entes
federativos apenas com a promulgação da Constituição de 1988.

Na busca pela redemocratização do país, o federalismo aparentava ser


inexorável em um país com características tão heterogêneas como o Brasil. Por
esse motivo, os legisladores fizeram questão de assegurar no texto constitucional os
direitos de autonomia dos Estados - e agora também dos Municípios -, deixando
notória a escolha pela ausência de qualquer hierarquia entre os entes federativos,
seja na esfera vertical, seja na horizontal.

O texto promulgado em 1988 expressamente prevê, além da República


Federativa como princípio norteador do Estado (art. 1º, caput1), a autonomia dos
entes federativos, disposta no artigo 182, e, ainda, no art. 60, §4º3, a impossibilidade
de se elaborar emenda constitucional que atente contra o modelo federativo.

Assim, ao final do século 20, após inúmeras reformas estruturais do


federalismo ao longo da história, os constituintes evidenciaram a importância da
preservação da organização política federalista e do respeito às diversidades
regionais como pilares do Estado democrático de Direito instituído.

1
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e
do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos (...)
2
Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a
União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta
Constituição.
3
Art. 60. (...) § 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma
federativa de Estado;
Os constituintes de 1988 deixaram ainda manifesto que o modelo federativo
a ser implementado seria o cooperativo, distinguindo-se do modo dualista de
organização política, marcado por uma rígida separação de competências e
independência entre os entes.

Fernandes (2017), ao definir o federalismo cooperativo, caracteriza-o como


sendo a “busca de colaboração recíproca através da possibilidade de atuação
comum ou concorrente entre os poderes centrais e regionais” (p. 874).

A principal expressão do modelo cooperativo se manifesta pela técnica de


repartição vertical de competência, sendo elas comum ou concorrente entre os
entes.

No contexto tributário brasileiro, essa técnica pode ser observada no inciso


primeiro do artigo 24 da Constituição, que dispõe como competência concorrente da
União, dos Estados e do Distrito Federal, legislar sobre direito tributário e financeiro4
e em seu artigo 1455, que atribui capacidade tributária a todos os entes.

Porém, ainda que os constituintes tenham acertado ao optar pela adoção do


federalismo cooperativista como a melhor estrutura para garantir a democracia em
um país heterogêneo e extenso, o exercício fático, por meio de mecanismos que
visem endossar essa forma de Estado democrática, ainda é falho.

E essa dificuldade de garantir o exercício pleno da autonomia dos entes


federativos e, principalmente, de assegurar a cooperação entre suas autonomias,
evidencia-se de forma expressiva no sistema tributário brasileiro.

2. A dificuldade do antigo poder unitário em descentralizar o poder soberano

Segundo Lenza (2021), a distinção histórica na formação do Estado


federativo explicaria a presença de uma maior autonomia ou não dos
Estado-membros no país, isto é, a depender da formação do federalismo pela forma

4
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:I -
direito tributário, financeiro (...)
5
Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes
tributos
centrípeta ou centrífuga (ou por agregação ou segregação), em que, naquela há a
reunião de Estados soberanos e nessa há uma divisão de um Estado até então
unitário (Gonçalves, 2017).

Como exemplo de formação de federalismo centrípeto, temos os Estado


Unidos da América, onde as 13 colônias inglesas abdicaram de parte de sua
autonomia, a fim de se protegerem das ameaças inglesas, originando uma
federação a partir da cessão de seus poderes soberano a um poder central.

Em contrapartida, como sabido, o Brasil teve sua forma de Estado atual


incorporada após séculos de poder concentrado em uma única fonte de governo,
configurando que a doutrina denomina de federalismo centrífugo – ou por
desagregação -, na medida em que o poder central transferiu gradualmente parte do
poder soberano aos Estados-membros, em resposta às adversidades do exercício
de um poder unitário em um país diversificado.

Nesse sentido, Lenza (2021) defende que Federações originárias de forma


centrípeta, como os Estados Unidos, tendem a ter Estados-membros mais
autônomos, enquanto federações que desconcentraram o poder central a novos
entes federativos, como o caso brasileiro, tendem a possuir uma maior relutância em
instituir autonomias às unidades federativas criadas.

Fernandes (2017), ao tratar sobre a origem centrífuga (ou por segregação)


evidenciado no federalismo brasileiro, salienta essa influência no exercício dessa
forma de Estado:

“Nesses moldes, certo é que o Brasil era um Estado unitário, altamente


centralizado, e esse Estado unitário abre mão da centralidade e de nichos
de poder para criação de entes autônomos. Assim sendo, é mister salientar
que a origem centrífuga do federalismo brasileiro acaba nos levando a um
federalismo altamente centralizado, com exacerbadas competências para a
União. Portanto, um federalismo de cunho eminentemente centrípeto quanto
à concentração de poder foi desenvolvido em terrae brasilis.” (p. 875).

Como indício dessa resistência do poder central, Ribeiro (2018) elucida como,
no âmbito fiscal, o federalismo brasileiro igualmente sofre com práticas ainda
centralizadoras do ente federal:

“No plano fiscal em especial, o federalismo brasileiro passa por um


momento de crise causada pela tendência verificada no Brasil, nas últimas
décadas, de centralização do poder e principalmente de recursos, que
haviam sido distribuídos pela Constituição de 1988, de forma relativamente
compatível com as atribuições constitucionais conferidas a União, Estados
e Municípios. As alterações constitucionais introduzidas nos últimos anos, e
aquelas discutidas hoje no Congresso Nacional, alteram, em certa medida,
o Pacto Federativo celebrado em 05 de outubro de 1988.” (p. 336)

Assim, como exposto por Ribeiro (2018), a partir das últimas alterações
constitucionais realizadas e das que ainda estão sob discussão no Congresso
Nacional, como a própria Reforma Tributária, não é difícil constatar que a União vem
buscando, cada vez mais, voltar a concentrar a arrecadação tributária em seus
cofres, sem, contudo, deixar de usurpar parte do poder tributário conferido aos
Estados-membros e municípios.

A criação das contribuições de melhoria retrata nitidamente essa tendência da


unidade federal em buscar para si a concentração da capacidade tributária, em
prejuízo dos demais entes federativos.

A União, utilizando-se da prerrogativa de financiar gastos sociais a partir da


instituição das contribuições sociais, acabou por criar um novo tributo, que há muito
se assemelha aos impostos, mas sem qualquer partilha com os demais entes
federativos (Lopreato, 2022).

Lopreato (2022) ainda traz outras medidas impostas pelo poder central que
aumentam sua arrecadação e, cada vez mais, diminui sua redistribuição entre as
unidades federativas:

“Além disso, o programa de ajuste fiscal serviu de mote à adoção de


medidas adicionais contrárias à proposta da CF88. A aprovação do Fundo
Social de Emergência (FSE), rebatizado de Fundo de Estabilização Fiscal
(FEF) e depois de Desvinculação de Receitas da União (DRU), levou à
retenção de parte das transferências constitucionais dos entes subnacionais
e à desvinculação de parcela das receitas direcionadas a gastos
específicos, ampliando o controle e o poder de manipulação federal da
receita fiscal, em detrimento das outras esferas de governo”.

Segundo o autor, essas atitudes do ente federal decorre de vício no equilíbrio


federativo, como a atribuição de amplo poder ao poder central e limitações dos entes
subnacionais em interferirem nessas normas que vão de encontro com seus
interesses:

“Todavia, a atribuição ao centro de amplo poder jurisdicional e a dificuldade


de os entes subnacionais vetarem as normas contrárias a seus interesses
deram à esfera federal condições de aproveitar a situação financeira e a
fragmentação política das forças estaduais e usar o primado da iniciativa
legislativa com o objetivo de editar normas em diferentes áreas (tributária,
social, político-administrativa, reforma do Estado) e redesenhar a estrutura
delineada em 1988)” (Lopreato, 2022)

Sucede-se que essa tentativa de concentração do sistema tributário no ente


federal não só prejudica a capacidade tributária dos Estados-membros, como põe
em risco o próprio federalismo brasileiro, posto que a autonomia econômica das
unidades federativas é elemento essencial de um Estado de Federação.

Os entes, para assegurar sua auto-administração, necessitam de autonomia


financeira, de modo que possam exercer suas competências constitucionalmente
estipuladas.

Uma unidade federativa que depende financeiramente de outra não pode se


declarar autônoma. E, sendo o modo federativo uma expressão da democracia em
um Estado, a assimetria entre seus entes embaraça o exercício efetivo de um
Estado democrático de Direito.

Lenza (2021), ao tratar acerca do cooperativismo no Estado de Federação,


já advertia sobre os riscos de um federalismo de “fachada”:

“A doutrina adverte o risco de, a pretexto do modelo cooperativo, instituir-se


um federalismo de “fachada”, com fortalecimento do órgão central em
detrimento dos demais entes federativos e, assim, havendo sobreposição da
União, a caracterização de um federalismo de subordinação.”

Dessa forma, evidente que os vestígios de um Estado unitário perturbam o


equilíbrio de um Estado de Federação cooperativista, e essa disparidade entre as
unidades federativas evidencia as falhas da forma de Estado adotada e, por
consequência, afetam a ideia de redemocratização do país.

3. A disputa entre os estados-membros pela autonomia financeira

A diminuição da capacidade arrecadatória dos Estados-membros, em


consequência dos mecanismos de concentração tributária adotados pela União, leva
a outro ponto que concerne à instabilidade do federalismo no sistema tributário: as
disputas arrecadatórias entre os Estados-membros, as chamadas guerras fiscais,
fundamentada pela necessidade de autonomia financeira desses entes.

Ribeiro (2018) afirma que “a autonomia dos entes da Federação depende de


que todos eles possuam competência tributária própria, capaz de fazer frente às
responsabilidades a eles atribuídas pela Constituição Federal” (p. 387). E, sendo a
receita derivada a principal fonte dos cofres públicos, os tributos constituem parte
fundamental dos cofres estaduais.

Assim, buscando os entes subnacionais manter sua emancipação, face à


tentativa de supressão da capacidade arrecadatória dos Estados-membros por parte
da União, e diante da disparidade arrecadatória entre os entes federativos,
decorrente de inúmeros fatores, incluindo a modo de tributação adotado no país,
revela-se um atrito no contexto tributário.

Em resposta a esses embaraços que os Estados-membros, mediante sua


competência e capacidade tributária instituída pela CF/88, que permite relativa
discricionariedade, ainda que limitada, às unidades federativas para legislar normas
tributárias, utilizam-se de mecanismos legais para atrair contribuintes para seu
território e, consequentemente, trazer maior receita para seus cofres.

São por essas razões que alguns estados, optam, por exemplo, por reduzir
suas alíquotas incidentes sobre os fatos geradores do ICMS - imposto de maior
relevância dos cofres estaduais - para que empresas exerçam suas atividades na
região, já que pagarão menos tributos.

Entretanto, o aumento da receita derivada de um estado por meio da atração


de contribuintes para a região não ocorre sem que a receita tributária dos demais
entes seja impactada negativamente.

E essa interferência na receita de um ente a com a finalidade de fomentar outro


é o que origina a guerra fiscal, onde os Estados-membros disputam por seus
contribuintes e pelo direito de recolhimento.

Segundo Lopreato (2002), em virtude dos vícios do federalismo cooperativo


brasileiro, a guerra fiscal apresenta-se (quase) como única alternativa aos
Estados-membros:
“A falta de mecanismos institucionais de combate às disparidades e o
caráter competitivo do desenvolvimento regional alçaram a guerra fiscal à
situação de (quase) única alternativa. O esforço em atrair recursos e elevar
a arrecadação, acabou por ampliar o montante de gastos tributários e afetar
o potencial de arrecadação do ICMS, com reflexo no poder financeiro
estadual.” (Lopreato, 2002)

Logo, o presente cenário do sistema tributário revela uma redução progressiva


da capacidade tributária dos entes federativos face às práticas adotadas União e,
concomitantemente,conduz a uma inevitável disputa entre os Estados-membros, a
fim de manterem suas receitas tributárias e autonomia como unidade federativa.

2.3. A desigualdade entre as unidades federativas.

Não só o sistema federalista tributário brasileiro sofre com os resquícios de um


Estado unitário e com a disputa entre as unidades subnacionais a fim de assegurar
sua autonomia federativa plena, mas também é afetado pelas desigualdades
regionais que, ainda que não se originem no sistema tributário, derivam em uma
desarmonia tributária entre os Estados-membros.

Essas disparidades regionais, resultante de inúmeros fatores históricos,


associada ao modelo de tributação adotado, leva alguns entes federativos a ficarem
prejudicados em sua receita tributária em comparação a Estados-membros que
exercem os principais fatos geradores tributáveis e que possuem significativo
número de contribuintes em sua região.

Como exemplo, temos mais uma vez o ICMS, principal tributo estadual, que
incide sobre prestação de serviços e operações de circulação de mercadorias,
serviços de transporte e de comunicação6.

Em decorrência do tipo de fato gerador a ser tributado, o recolhimento desse


imposto tende a ser realizado, em sua grande maioria, por Estados que concentram
as principais atividades produtivas, enquanto os Estados que, por exemplo,
importam mercadorias e serviços desses Estados não partilham da mesma receita.

6
Lei complementar 87/96, que dispõe sobre o ICMS - Lei Kandir
Em plena consciência dos desequilíbrios regionais e locais, o constituinte
firmou como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil a redução das
desigualdades sociais e regionais7.

E consciente dessa dissonância tributária, e a fim de concretizar uma maior


igualdade regional e, assim, cumprir o objetivo constitucional, a Constituição, em seu
artigo 43, possibilita à União atuar em um complexo geoeconômico e social a fim de
desenvolvê-lo.

Torres (2019) ressalta que, ainda que tal competência tenha sido atribuída à
União, em função do federalismo cooperativo, a redução das igualdades deve ser
buscadas por todas as esferas do Estado:

“Em face do federalismo cooperativo – o que de per se já pressupõe a


necessidade de redução de desigualdades regionais –, e por ser um Estado
Democrático de Direito, o qual se caracteriza pela aplicabilidade imediata de
direitos e liberdades individuais, com garantia de efetividade dos valores
que os informam, a compatibilização destes imperativos coloca o objetivo de
redução de desigualdades regionais como um dever de todos, em esforços
comuns, segundo os parâmetros da articulação definidos pela União.” (p.
25)

Uma das políticas mais notórias exercidas com fundamento nessa faculdade
atribuída pelo texto constitucional refere-se à instituição da Zona Franca de Manaus
pela Lei 3.173 de 1957.

Essa medida refere-se a um plano de desenvolvimento regional8, como o


próprio decreto 288/67 estabelece em seu artigo 1º, que prevê incentivos fiscais
especiais à região, com o objetivo de fomentar a atividade industrial e,
consequentemente, estimular seu desenvolvimento, de forma que a autonomia
econômica da zona abrangida também seja assegurada, apesar das limitações
geográficas.

A justificativa para criação de tais benefícios fiscais estão previsto no próprio


decreto 288/67 e decorre de fatores locais, além da distância expressiva dos centros
consumidores e de seus produtos9.

7
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: III - erradicar a
pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
8
https://www.sedecti.am.gov.br/wp-content/uploads/2020/10/GUIA-DE-INCENTIVOS-FISCAIS-DA-
ZFM.VERSAO-ATUALIZADO-EM-07.10.2020-1.pdf
9
Art 1º A Zona Franca de Manaus é uma área de livre comércio de importação e exportação e de
incentivos fiscais especiais, estabelecida com a finalidade de criar no interior da Amazônia um centro
Torres (2019), ainda com fundamento no federalismo cooperativo, defende o
tratamento diferenciado estipulado pelo artigo 43, afirmando que o princípio da
isonomia federativa deve ser relativizado ante o objetivo de redução das
dissonâncias entre os entes:

“o princípio da isonomia entre as unidades federativas deve ser relativizado


ante o objetivo de redução de desigualdades regionais. No federalismo
cooperativo equilibrado, sob o princípio legitimador da solidariedade
financeira, os valores do desenvolvimento equilibrado e recuperação dos
entes da Federação em condições de “desigualdade” concorrem para a
unidade do Estado nacional.” (p. 25)

Porém, excluindo-se projetos como a ZFM que alcançam parte de seus


objetivos, Lopreato (2022), ressalta como o sistema tributário ainda pouco contribuiu
para diminuir sua instabilidade evidenciadas no federalismo brasileiro:

“O sistema tributário pouco fez para atenuar esse quadro de desigualdade e


a constituição de um sistema de partilha de caráter distributivo, apesar de
amenizar o problema, não o resolveu e deixou a questão em aberto, à
espera de políticas capazes de enfrentá-la.”

Nesse sentido, os impactos na correção das disparidades regionais, por


meio de ações no sistema tributário, apesar de existirem, pouco têm alterado a
realidade fática dos Estados-membros.
Em razão disso, observa-se que as desigualdades históricas, somadas às
disputas estaduais pela arrecadação de tributos e, ainda, às tentativas da União de
usurpação do poder das demais entidades subnacionais são fatores que evidenciam
a crise do federalismo cooperativo no sistema tributário brasileiro.

REFERÊNCIAS

ABRUCIO, Fernando Luiz. Federalismo brasileiro e projeto nacional: os desafios da


democracia e da desigualdade. Revista USP, n. 134, p. 127-142, 2022.
ANDERSON, George. Federalismo: uma introdução; tradução, Edwandro Magalhães
Jr., Fátima Guerreiro – Rio de JaneiroEditora FGV 2009

industrial, comercial e agropecuário dotado de condições econômicas que permitam seu


desenvolvimento, em face dos fatôres locais e da grande distância, a que se encontram, os centros
consumidores de seus produtos.
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional - 9. ed. rev.
ampl. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2017.
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. – 25. ed. – São Paulo: Saraiva
Educação, 2021. (Coleção Esquematizado®)
LOPREATO, Francisco Luiz C. Federalismo brasileiro: origem, evolução e desafios.
Economia e Sociedade, v. 31, p. 1-41, 2022.
RIBEIRO, Ricardo Lodi. Do federalismo dualista ao federalismo de cooperação– a
evolução dos modelos de estado e a repartição do poder de tributar. Revista
Interdisciplinar de Direito, Valença, v. 16, n. 1, p. 335-362, jan./jun., 2018.
TORRES, Heleno Taveira. Constituição financeira e o federalismo cooperativo
brasileiro. et al. Federalismo (s) em juízo. São Paulo: NOESES, 2019.

Você também pode gostar