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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO

ESTADO, FEDERALISMO E
GOVERNOS SUBNACIONAIS

EDGILSON TAVARES DE ARAÚJO


Salvador– BA
2019
Objetivos da aula

 Compreender os conceitos, tipologias e elementos


históricos do federalismo.
 Analisar os efeitos da descentralização na implementação
das políticas públicas e os desafios para a coordenação
federativa frente à autonomia dos entes federados.
 Discutir os novos arranjos institucionais e as relações
interfederativas para a implementação das políticas
públicas.
O que é o Estado Federativo?

 Estado Federativo X Estado unitário


 FEDERAÇÃO ↔ latim foedus = pacto
 aquele em que um governo central convive com unidades
federativas independentes, sejam elas províncias, estados,
municípios, cantões etc. (ARRETCHE, 2008).
 forma de organização político-territorial baseada no
compartilhamento tanto da legitimidade como das
decisões coletivas entre mais de um nível de governo
(ABRUCIO, FRANZECE, 2007).
 implica em repartição e compartilhamento de poderes e
competências entre os diversos níveis territorias ↔
descentralização ↔ preservar a unidade na diversidade
Compartilhamento da
soberania nacional

+
Coexistência de entes FEDERALISMO
autônomos Pacto
Federativo =
+ complexo
conjunto de
Relações mais
contratuais/pactuais alianças
que hierárquicas
self-rule plus shared rule
+ (Elazar, 1987)
Autogoverno + regras
Autonomia + compartilhadas
Interdependência
O que é Federalismo?
 “é uma forma de organização territorial do Estado que define
como as partes da nação devem se relacionar entre si”.
 Federalismo ↔ democracria ↔ construção do Estado
Moderno.
 “Federalismo é uma das soluções mais bem sucedidas para
equacionar democraticamente o conflito entre os níveis de
governo” (ABRÚCIO)
 Os formas de governo e estado federativo distinguem-se por:
1. mais de um governo agindo legitimamente na definição
e elaboração das políticas públicas.
2. os governos subnacionais têm algum tipo de
representação ou participação junto ao centro.
(bicameralismo; corte federal de Justiça, fóruns)
Elementos Históricos do Federalismo
 Federalismo moderno - Estados Unidos, em 1787.
 A garantia do pacto federativo = Constituição + instituições
federativas que estabeleçam cotrapesos entre os governos (Senado
e Suprema Corte) + incentivos à cooperação e de processos
intergovernamentais de decisão conjunta.
 No BRASIL: “tivemos União antes de ter estados, tivemos o todo
antes das partes” (Rui Barbosa)
 Não resultou de um pacto entre unidades autônomas, mas de um
processo de descentralização de poder do centro para os estados.
 Adota a fórmula federativa desde 1891, mesmo com supressões nos
períodos de exceção (Revolução de 30, Estado Novo e Regime
Militar).
 No vocabulário político brasileiro federalismo é sinônimo de
descentralização e não a criação de um poder central.
Elementos Históricos do Federalismo
.

 Constituição de 1891, pós Proclamação da República, traz como


elementos centrais: presidencialismo e federalismo.
 Nas Constituições de 1937, 1967 e 1967 traz-se apenas o
federalismo nominal.
 Constituição de 1988 – federalismo cooperativo = “caracterizado por
formas de ação conjunta de governo, em que as unidades
subnacionais mantêm significativa autonomia decisória e capacidade
de autofinanciamento” (ALMEIDA, 2005, p. 31)
Por que Federalismo?
 Grande extensão ou diversidade territorial; coexistência de múltiplos
grupos étnicos ou linguísticos; desigualdades regionais de caráter
cultural, político ou socioeconômico; e/ou diferenças ou rivalidades
no processo de formação das elites e das sociedades locais.
 A ação política baseada no ideal da unidade na diversidade, capaz de
concomitantemente manter unidas e autônomas as partes de um
mesmo território (BURGESS, 1993 apud ARRETCHE, 2004).
 Atualmente, existem pouco mais de duas dezenas de países que
adotam a forma federal.
 As “situações federalistas” ou motivos pela adoção do Federalismo
variam: heterogeneidade socioeconômica e grande extensão
territorial (Brasil, Argentina, EUA etc.), menor área (Bélgica, Suíça
etc.), grande extensão (Canadá, Índia etc.)
Na atualidade, o federalismo
brasileiro tende é realmente
cooperativo, descentralizado, forte
e robusto?
Tipos de Federalismo

 Federalismo centralizado: quando há vários entes que


estão executando atividades decididas pela esfera central
(governos estaduais e locais como agentes do governo
federal)
 Federalismo cooperativo: ação conjunta de diferentes
esferas, com autonomia decisória e autofinanciamento
(comporta graus diversos de intervenção do poder federal)
 Federalismo dualista: entes exercem poderes de forma
independente (EUA antes de 1930)
Tipos de Federalismo

O TIPO DE FEDERALISMO AFETA O GRAU DE


DESCENTRALIZAÇÃO DA FEDERAÇÃO:

 Transferências da capacidade fiscal (mais


transferência, mais descentralização administrativa)
 Transferências das responsabilidades na
implementação de programas.
 Transferência de atribuições para o setor privado
(mais descentralizado o sistema, e menos autonomia
no nível local)
Federalismo no Brasil
Após a Constituição de 1988 , o contexto de prefeitos e
governadores demandando descentralização financeira.,
implica em alguns resultados federalistas:

 ICMS transferido para os Estados, sendo 25% para


os municípios,
 receitas subnacionais para incremento dos fundos
de participação,
 expansão de mecanismos tributários e políticos
desenhados para acomodar as desigualdades
regionais. (ARRETCHE, 2006)
Federalismo no Brasil
 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

 Sistema de três níveis (triplo federalismo)

 Legislativos próprios

 Esferas federal e estadual com judiciários próprios

 Estados representados no Legislativo (Senado), mas não


no Executivo

 Possibilidade de intervenção federal


Estrutura Federalista no Brasil

AUTONOMIA União Estados DF Municípios

Constituição Constituição
Organizacional Lei Orgânica Lei Orgânica
Federal Estadual

Governador
Governamental Presidente Governador Prefeito
Distrital

Administrativa e Tributos e Tributos e Tributos e Tributos e


Financeira Orçamento Orçamento Orçamento Orçamento

Congresso Assembléia Câmara Câmara


Legislativa
Nacional Legislativa Legislativa Municipal
Federalismo no Brasil
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
 Unidades com poderes e competências iguais.

 FEDERALISMO SIMÉTRICO em uma FEDERAÇÃO


ASSIMÉTRICA
 Outras regras que fortalecem o modelo simétrico:
 Competências, recursos e políticas públicas das
entidades subnacionais são capítulos detalhados da
Constituição.
 Decisões do STF: todo direito relevante é um direito
federal – mantém um controle sobre as decisões
importantes
Federalismo no Brasil
 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
 Emendas à Constituição Federal não requerem
ratificação das assembléias estaduais, assumindo-se
que os representantes dos estados no Senado são os
guardiões dos interesses estaduais. A maioria de 2/3
em duas sessões legislativas em cada Câmara (dos
Deputados e Senado) é o requisito essencial para
sua aprovação(ex contrário: EUA)

 Constituições próprias dos estados, promulgadas


em 1989, e leis orgânicas municipais próprias,
promulgadas em 1990
Desde 1988 vivemos um “Federalismo Truncado”
As políticas de saúde, educação, assistência social foram
municipalizadas com controle social previsto para os respectivos
conselhos que passaram a ser criados.
Predominância no poder do prefeito e o efeito da prefeiturização.
Federalismo truncado (nem centralizado, nem descentralizado) –
alguns problemas:
 aumento das desigualdades entre as regiões e fragmentação
a prestação de serviços;
 pode ser um mecanismo para a omissão e
desresponsabilização;
 não há uma preocupação resdistributiva;
 aposta na seletividade dos municípios.
Descentralização
A descentralização político-administrativa nas esferas
federais, estaduais e municipais, amplamente valorizada,
têm uma aceitação unânime entre políticos e
administradores brasileiros. Se por um lado “é favorável à
soberania popular, por meio da facilitação de
oportunidades para o exercício do controle social”, por
outro traz efeitos contraditórios sob o ponto de vista da
democratização, já que “tende a criar uma variação
inaceitável de padrões de atendimento entre os vários
municípios” (Campos, 1998, p.13).
Descentralização
 Com a Constituição de 1988: há ampliação legal e
qualitativa da proteção social para além da vinculação
com o emprego formal.
 O papel do Governo Federal passa a ser de
coordenação e não de execução direta das ações públicas
– novo pacto federativo – descentralização.
 Descentralização (poder) X Desconcentração (funções)
 Motivos da descentralização: aumentar a eficiência e
eficácia do gasto, já que aproxima dos problemas e gestão.
 Conflitos entre modelos de garantia de direitos e
cidadania, de modo descentralizado e participativo X
clientelismo, cooptação etc.
Equilíbrio e Coordenação
 Distribuição e equilíbrio de autoridade entre as unidades federativas
depende de:
 diferentes instituições políticas,
 regras de representação das unidades federativas nas arenas
decisórias nacionais;
 regras que regem sua autonomia política;
 distribuição de recursos tributários e fiscais;
 distribuição de competências.

 A estabilidade da fórmula adotada, depende que a a União não invada a


autoridade das jurisdições, transformando-as em meras unidades
administrativas ou, por outro lado, que a autoridade central seja
enfraquecida a ponto de ameaçar a unidade do Estado-nação.

 A adoção da modalidade de sobre-representação das “minorias” X


estabilidade democrática em federações assimétricas depende
essencialmente de regras de sobre-representação. (ARRETCHE, 2006)
Coordenação Federativa e Repartição de
Competências
 A descentralização implica na repartição e compartilhamento de
poder, competências e recursos entre os vários níveis territoriais.
 No caso brasileiro, a descentralização não é apenas político-
legislativa, mas administrativa; há uma repartição constitucional de
competências.
 PROBLEMAS:
1- articulação de competências legislativas entre os entes
federados (quais matérias devem ser disciplinadas pelo poder
central, estados e municípios?),
2- articulação de competências na execução de políticas
públicas (quais políticas públicas serão executadas de modo
centralizado ou com base em decisões subnacionais?)
Coordenação Federativa e Repartição de
Competências
 Não é possível haver cooperação sem coordenação.
 A repartição de competências é o cerne do arranjo federativo e pode
ser classificada quanto aos destinatários (União e estados
federados, incluindo os municípios) e quanto ao objeto de
competência (legislativo, político e fiscal).
 DESTINATÁRIOS DA REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS
 Competências enumeradas / competências remanescentes
(ex.: EUA, Argentina, Austrália, México, Suíça etc.)
 Repartição enumerada e de competências tributárias
(federalismo fiscal)
 Competências comuns e concorrentes (CF 1988)
Competências Comuns e Concorrentes
 COMUM: a mesma competência é atribuída a mais de um ente
federado, sem distinção
 CONCORRENTE: embora a legislação sobre uma mesma matéria seja
atribuída a mais de um ente, cada um deles tem uma esfera que lhe
é própria e não deve avançar na esfera dos outros.
 O texto constitucional de 1988 define competências:
• PRIVATIVAS DA UNIÃO (Art. 21 e 22)
• PRIVATIVAS DOS MUNICÍPIOS (Art. 30, I)
• COMUNS DA UNIÃO, ESTADOS, DF e MUNICÍPIOS (Art. 23)
• CONCORRENTES DA UNIÃO, ESTADOS e DF (Art. 24)
• RESIDUAIS DOS ESTADOS (Art. 25, § 1º)
• SUPLEMENTARES DOS MUNICÍPIOS (Art. 30, III)
Objeto da Repartição de Competências:
leis, políticas e tributos
 Os objetos são: leis, políticas e tributos (fiscal)
 As leis e políticas são disciplinadas pela CF 1988, Título III (“Da
organização do Estado”)
 A questão fiscal é definida pela CF 1988, Título IV (“Da tributação e do
orçamento”)
 “A arrecadação de tributos é extremamente desigual no plano
horizontal, isto é, entre os governos subnacionais “(ARRETCHE, 2004)
 “Sistemas tributários e fiscais caracterizados por elevado nível de
dependência de transferências fiscais e ausência de vínculo entre quem
taxa e quem gasta tendem a produzir baixo compromisso com o
equilíbrio fiscal por parte dos governos subnacionais (Rodden, 2001),
tendência esta que no caso brasileiro foi limitada pela Lei de
Responsabilidade Fiscal” (ARRETCHE, 2004)
Os problemas de interpretação da repartição de
competências legislativas
 Dificuldade conceitual-material: diz respeito à definição do
significado de termos e expressões utilizados pela Constituição.
Ocorre no âmbito das competências privativas arts. 22 e 25, § 1º, e
30, I)
EXEMPLOS:
- leis estaduais e municipais que proíbem a cobrança pelo uso de
estacionamentos em centros comerciais e similares.
- Lei Cidade Limpa, em São Paulo.
 Dificuldade conceitual-formal: ocorre no âmbito das competências
concorrentes (art. 24, , §1º e , § 2º - o que é norma geral e
específica?)
EXEMPLOS: leis sobre a proteção do patrimônio arquitetônico barroco
brasileiro e de MG e BA.
Federalismo e Políticas Públicas
 Competências administrativas, materiais e ou políticas.
 Além das competências elencadas no art. 23 da CF 1988, há as que
dizem respeito as políticas de saúde (arts. 196 e 200), políticas
educacionais (arts. 205 e 214), culturais (arts. 215 e 216) etc.
 DEBATE E EMBATES: definição das políticas como sendo de
competência de todos os entes federados, sem definição de
detalhes em relação às responsabilidades de cada um – a questão da
coordenação.
 A dispersão de poder tenderia a gerar dispersão de
responsabilidades e superposição de competências, podendo gerar
um vácuo em algumas políticas, sobreposição ou disputa entre os
entes envolvidos numa mesma política (Waver, Rockman, 1993 apud
SILVA, 2010)
 Depende dos instrumentos do poder central para coordenar.
Federalismo e Políticas Públicas
POR QUE A COORDENAÇÃO FEDERAL DOS PROGRAMAS SOCIAIS?
 Coordenação das decisões dos governos locais quanto para corrigir desigualdades
de capacidade de gasto entre Estados e municípios.
 Pesquisas sobre as políticas implementadas pelos governos locais não concluíram
que exista relação significativa entre as decisões de governo e o pertencimento às
siglas partidárias nacionais (Rodrigues, 2003; Marques; Arretche, 2003).
VANTAGENS DA COORDENAÇÃO FEDERAL:
 a União o papel de principal financiador, bem como de normatização e
coordenação das relações intergovernamentais.
 permite reduzir o risco de que os diferentes níveis de governo imponham conflitos
entre programas e elevação dos custos da implementação, cuja ocorrência é mais
provável em Estados Federativos (Weaver; Rockman, 1993).
 a concentração do financiamento no governo federal permitiria alcançar
resultados redistributivos (Banting; Corbett, 2003), reduzindo desigualdades
horizontais de capacidade de gasto.
Federalismo e Políticas Públicas: alguns exemplos

Sistema Único de Saúde (SUS)


Sistema Único de Assistência Social (SUAS)
Sistema Nacional de Cultura (SNC)
 Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do
Ensino Fundamental e de Valorização do
Magistério (FUNDEF)

Quais as principais diferenças e semelhanças?


Referências
BÁSICA:
ABRUCIO, F.; FRANZESE, C.; SANO, H. Coordenação e cooperação no federalismo brasileiro: avanços e desafios. In:
CUNHA, A.S.; MEDEIROS; B. A.; AQUINO. L. M. Estado, Instituições e Democracia: república. Brasília: IPEA, 2010. (Série
Eixos Estratégicos do Desenvolvimento Brasileiro; Fortalecimento do Estado, das Instituições e da Democracia, livro 9, v.
1).
ARRETCHE, M. Federalismo. In: AVRITZER, L.; ANASTASIA,F. Reforma política no Brasil. Belo Horizonte: Editora UFMG,
2007. Disponível em: www.democraciaparticipativa.org.br
_____. Federalismo e relações intergovernamentais no Brasil: a reforma dos programas sociais. Dados - Revista de
Ciências Sociais, v.45, n.3, p.431-57, 2002.
SILVA, V. A. Federalismo e articulação de competências no Brasil. In: PETERS, B. G.; PIERRE, J. Administração Pública.
Coletânea. Tradução: Sonia Midori Yamamoto, Miriam Oliveira. São Paulo: UNESP, Brasília: ENAP, 2010.
SOUZA, C. Federalismo e gasto social no Brasil: tensões e tendências. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, São Paulo, n.
52, 2001. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-64452001000100002 Acesso
em 05 nov. 2012
_____.Coordenação de políticas públicas. Brasília: Enap, 2018.
COMPLEMENTAR:
ABRUCIO, F. L.; FRANZESE, C. Federalismo e Políticas Públicas: o impacto das relações intergovernamentais no Brasil. In:
ARAÚJO, Maria Fátima Infante; BEIRA, Lígia. (Org.). Tópicos de Economia Paulista para Gestores Públicos. 1 ed. São
Paulo: Edições FUNDAP, 2007, v. 1, p. 13-31
ARRETCHE, M. Federalismo e Políticas Sociais no Brasil: o problema da coordenação e autonomia. São Paulo em
Perspectiva, 18, v. 2, São Paulo: SEADE, p. 17-26, 2004
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil – 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Acesso em 20 jan. 2013
CAMPOS, M. S. Direitos Sociais no Brasil. Estudos, v.26, n.4, Goiânia: UCG, p.547-557, out./dez. 1999.
SOUZA, C. Federalismo e Descentralização na Constituição de 1988: Processo Decisório, Conflitos e Alianças. Dados—

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