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PGFN/CAT/No 457/2011
II
1.1. Mencionado Acordo, assinado pelo Advogado-Geral da União, Dr. Luiz Inácio
Lucena Adams, pela Procuradora-Geral da Fazenda Nacional, Dra. Adriana Queiroz de
Carvalho, pelo Procurador-Geral Federal, Dr. Antônio Roberto Basso, e pelo
Advogado-Geral do Estado de Minas Gerais, Dr. Marco Antônio Rebelo Romanelli, foi
homologado por decisão proferida pelo excelentíssimo Ministro do Superior Tribunal
de Justiça (STJ) Humberto Martins, datada de 18/08/2010 e publicada no DJE de
20/08/2010.
1
No documento original da SRFB há erro na numeração dos questionamentos a partir daquele que seria o de
nº 5, e que foi indicado como tendo o nº 4, em repetição ao número do anterior (o verdadeiro nº 4). Neste
parecer, faremos referência aos questionamentos seguindo sua numeração correta.
1.2. Em síntese apertada, pode-se dizer que o Acordo em tela põe termo à discussão
instaurada nos autos do Mandado de Segurança – Processo nº 1999.38.00017.818-2,
cujo objeto é a vinculação previdenciária dos servidores estaduais não titulares de cargo
efetivo e a exigência do crédito tributário relativo às contribuições previdenciárias
incidentes sobre a remuneração paga ou creditada a ditos servidores, com os
respectivos consectários legais.
Art. 13. O servidor civil ou militar da União, dos Estados, do Distrito Federal
ou dos Municípios, bem como o das respectivas autarquias e fundações, é
excluído do Regime Geral de Previdência Social consubstanciado nesta lei,
desde que esteja sujeito a sistema próprio de previdência social. (original sem
destaque)
2.2. Aclarando essa definição, o art. 2º, inciso II, da Orientação Normativa
MPS/SPS nº 02, de 2009, assim dispôs:
2.5. Essa transferência automática dos servidores não titulares de cargo efetivo para
o Regime Geral de Previdência Social – RGPS ocorreu na data da promulgação da
Emenda Constitucional (16/12/1998), como se pode verificar pela leitura do seguinte
dispositivo do Regulamento da Previdência Social – RPS, aprovado pelo Decreto nº
3.048, de 1999, in verbis:
Art. 13. O servidor civil ocupante de cargo efetivo ou o militar da União, dos
Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, bem como o das respectivas
autarquias e fundações, são excluídos do Regime Geral de Previdência Social
consubstanciado nesta Lei, desde que amparados por regime próprio de
previdência social. (original sem destaque)
2.7. Basicamente, com algum simplismo, pode-se dizer que o servidor público estará
vinculado, obrigatoriamente, ao Regime Geral de Previdência Social – RGPS se não
estiver amparado por Regime Próprio de Previdência Social – RPPS, assim entendido o
regime de previdência que assegure, em lei, os benefícios de aposentadoria e pensão
por morte, ressaltando-se, porém, que, após a promulgação da Emenda Constitucional
nº 20, de 1998, esse regime próprio ficou restrito ao servidores públicos titulares de
cargo efetivo.
3.1. Com relação ao benefício da pensão por morte, sabe-se que a legislação
estadual sempre garantiu tal benefício aos dependentes dos servidores públicos,
inclusive os não titulares de cargo efetivo. Contudo, como a instituição de Regime
Próprio de Previdência Social exige a garantia concomitante da aposentadoria e da
pensão por morte e, como dito acima, no âmbito estadual, a aposentadoria acha-se
restrita ao ‘funcionário ocupante de cargo de provimento efetivo’, o Regime Próprio de
Previdência Social do Estado de Minas Gerais fica, então, circunscrito aos servidores
titulares de cargo efetivo.
3.2. É bem de ver, assim, que o Regime Próprio de Previdência Social – RPPS do
Estado de Minas Gerais não sofreu os impactos da Emenda Constitucional nº 20, de
1998, porquanto, historicamente, somente os servidores estaduais titulares de cargo
efetivo se encontravam submetidos a RPPS (Lei nº 869/52), sendo que as demais
categorias de servidores estavam/estão vinculadas ao RGPS.
3.3. Apenas a título de esclarecimento, vale assinalar que o tão noticiado Instituto de
Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais – IPSEMG não assegurava o
benefício da aposentadoria aos servidores públicos estaduais, mas apenas concedia o
benefício da pensão por morte aos dependentes dos servidores públicos estaduais, além
de outros benefícios/serviços.
K) A assinatura do acordo não exclui o cumprimento de obrigações acessórias por ambas as partes.
Essa conclusão pode ser extraída pela leitura da leitura da inicial, que deflagrou
a impetração. Naquela peça processual foi citada, para fundamentar o direito invocado,
apenas a legislação previdenciária, que veio disciplinar as inovações trazidas pela
Emenda Constitucional nº 20/98. Veja-se que a Emenda Constitucional nº 20 é de
dezembro/1998 e a referida ação mandamental foi impetrada em maio/1999. Em
momento algum, na inicial ou nas decisões proferidas naquela ação, foi tratada ou
ventilada matéria relativa à vinculação previdenciária dos servidores estaduais em
período anterior à Emenda Constitucional nº 90/98.
Ali consta que ‘O Estado de Minas Gerais [...] reconhece que os servidores a
seguir listas são contribuintes do Regime Geral de Previdência Social desde a
promulgação da Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, e,
conseqüentemente, que a União é credora de todas as contribuições previdenciárias
relativas a esses servidores’.
Sustenta o Estado de Minas Gerais que esse dispositivo descreveu, nos incisos I
a V, os servidores vinculados ao RGPS e o período em que reconhece essa vinculação
– posterior à Emenda Constitucional nº 20/98 (e, ainda, com observância da decadência
qüinqüenal). Dessa forma, não estaria acolhendo qualquer vinculação que extrapole
essas categorias de servidores ou outro lapso temporal.
Porém, a leitura dos termos acordados não dão conta de que seja essa,
exatamente, a interpretação que se pode extrair do pactuado.
Frisa-se, aqui, que existem inúmeros lançamentos feitos para fatos geradores
ocorridos antes da promulgação da Emenda Constitucional nº 20/98, cujo montante,
como se disse, atinge a cifra de bilhões de reais. Tais lançamentos acham-se escorreitos
e, obviamente, serão revistos para adequação à Súmula Vinculante nº 08/2008, não se
justificando, porém, a incidência do Acordo para nulificá-los ou retificá-los.
8. Adiante, DINARMARCO fornece exemplos de transação com objeto maior que aquele
do processo judicial5:
“É transação ampliativa, p.ex., o ato com que, no curso do processo de despejo,
o locador acede no prosseguimento da locação, em troca da revisão dos alugueres para
mais (vantagem que não estava pleiteada no processo); ou o ajuste feito por empresas
no curso de processo em que se pedisse a cessão das atividades de uma delas em
virtude de concorrência desleal, recebendo a autora uma indenização e também
autorizando a ré a instalar outras lojas ou unidades industriais do mesmo ramo.”
2
Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. O preceito está assim redigido: “Art. 840. É lícito aos interessados
prevenirem ou terminarem o litígio mediante concessões mútuas.”
3
É esta a redação atual do preceito, dada pela Lei nº 11.232, de 22 de dezembro de 2005: “Art. 269. Haverá
resolução de mérito: [...] III – quando as partes transigirem;”. Ele está inserido em capítulo do CPC intitulado
“DA EXTINÇÃO DO PROCESSO”.
4
Instituições de Direito Processual Civil, vol. III, São Paulo: Malheiros, 2002, 2ª ed., p. 266.
5
Instituições, cit., p. 266.
6
Manual de Direito Processual Civil, vol. 2, São Paulo: Saraiva, 1986, p. 204.
7
Sobre cláusulas translativas de direito na transação, vide adiante.
8
Instituições, cit., p. 267.
11. Como afirma o mesmo autor9, a homologação judicial desses atos negociais se faz
necessária apenas para que “operem o efeito processual de extinguir o processo”, “bem como para
serem títulos executivos judiciais”10. Ou, nas palavras de SÍLVIO VENOSA11: “A homologação
apenas empresta valor processual à transação.” A homologação é necessária, ademais, porque ela – no
dizer de HUMBERTO THEODORO JUNIOR12 – “vai repercutir sobre a relação processual, que é de
direito público e envolve também o juiz, único sujeito processual que tem poderes para extingui-la.”
12. Distingue, assim, a doutrina, na transação judicial (que é aquela destinada a terminar
13
litígio) , dois momentos, com eficácias jurídicas próprias: o ato negocial em si e sua homologação
pelo juízo. HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, a esse propósito, esclarece14:
“A transação, como negócio jurídico destinado a extinguir litígio já deduzido
em juízo, tem dois momentos distintos de eficácia:
9
Instituições, cit., p. 267.
10
Sobre a sentença homologatória de transação como título executivo judicial, vide adiante.
11
Direito Civil, vol. 2, São Paulo, Atlas, 2006, 6ª ed., p. 283.
12
Curso de Direito Processual Civil, vol. I, Rio de Janeiro: Saraiva, 1987, 3ª ed., p. 350
13
Em contraposição à transação extrajudicial, que tem por fim prevenir litígio processual – artigo 840 do
NCC. Essa terminologia (transação judicial e extrajudicial) se encontra, inter alia, em SERPA LOPES (Curso
de Direito Civil, vol. II, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1989, p. 263; WASHINGTON DE BARROS
MONTEIRO (Curso de Direito Civil, vol. 2, São Paulo: Saraiva, 1987, 21ª ed., pp. 309-310); SILVIO
RODRIGUES, Direito Civil, vol. 2, São Paulo: Saraiva, 1987, 17ª ed., pp. 266-267); SÍLVIO VENOSA (ob.
cit., p. 281) e ARNOLDO WALD (Obrigações e Contratos, Obrigações e Contratos, São Paulo: RT, 1994, 11ª
ed., p. 101) , MARIA HELENA DINIZ (Curso de Direito Civil Brasileiro, 2º vol., São Paulo: Saraiva, 1991, 6ª
ed., pp. 263-264).
14
Curso, cit., p. 349.
15
Curso, cit., p. 350.
16
Comentários ao Código de Processo Civil, II vol., Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 567.
reconhecimento do pedido, a transação e a renúncia ao direito têm a eficácia própria
dos negócios jurídicos e vinculam na medida da aplicação da máxima pacta sunt
servanda [..].”
18. Segundo DINAMARCO23, a homologação pelo juiz de atos dispositivos das partes
processuais:
“é um invólucro [...] cujo conteúdo substancial é representado pelo negócio jurídico
realizado por elas. Ao homologar um ato autocompositivo celebrado entre as partes, o
juiz não soluciona questão alguma, referente ao meritum causae, nem decide sobre a
pretensão deduzida na inicial. Limita-se a envolver o ato nas formas de uma sentença,
sendo-lhe absolutamente vedada qualquer verificação da conveniência dos negócios
celebrados e muito menos avaliar as oportunidades de vitória porventura desperdiçadas
por uma das partes ao negociar. ‘Essas atividades das partes constituem um limite ao
poder do juiz, no sentido de que trazem em si o conteúdo de sua sentença’
(Chiovenda). Se o ato estiver formalmente perfeito e a vontade das partes manifestada
de modo regular, é dever do juiz resignar-se e homologar o ato de disposição do
direito, ainda quando contrário à sua opinião. Sugestivamente, disse a doutrina
brasileira que diante de um ato autocompositivo nada adianta a convicção do juiz
(Clito Fornaciari Júnior). Penetrar no conteúdo do ato importaria violação à liberdade
negocial e aos preceitos com que a lei institui a eficácia vinculante dos contratos”.
19. E arremata24:
“Por isso, cumpre ao juiz proceder apenas ao exame externo dos atos
dispositivos, mediante uma atividade que se chama de delibação: assim como o
enólogo prova pequenas doses do vinho em busca da descoberta de seu saber e
controle de qualidade, assim também o juiz permanece na periferia do ato das partes,
em busca dos requisitos de sua validade e eficácia.”
17
Curso, cit., p. 349.
18
Ob. cit., p. 567.
19
Ob. cit., p. 263.
20
Ob. cit., p. 569.
21
Curso, cit., p. 349.
22
Sobre a coisa julgada nas transações judiciais, vide adiante.
23
Instituições, cit., pp. 267-268.
24
Instituições, cit., p. 268.
20. É ainda DINAMARCO25 quem aponta como sendo cinco (5) os pontos que cumpre ao
juiz verificar diante um pedido de homologação de autocomposição formulado pelas litigantes – não
sendo “nenhum deles referente aos possíveis direitos das partes”:
“a) se realmente houve um reconhecimento, transação ou renúncia; b) se a matéria
comporta ato de disposição (CC, art. 1.03526); c) se os contratantes são titulares do
direito sobre o qual dispõem total ou parcialmente; d) se são capazes de transigir; e) se
estão adequadamente representados.”
21. E, afirmando que esses pontos “dizem respeito à ordem pública”, constituindo dever
do juiz o seu exame, de ofício ou mediante provocação, cumprindo-lhe “negar homologação ao ato se
lhe faltar algum dos requisitos, um só que seja”, anota o mesmo doutrinador27:
“Ao proceder a esse exame, o juiz exerce atividade tipicamente estatal, caracterizada
como jurisdição28. É jurisdicional o ato homologatório, em oposição ao caráter
negocial do ato a ser homologado. Somados, ambos, produzem o mesmo resultado de
uma sentença que efetivamente julgasse o meritum causae e é por isso que o Código de
Processo Civil animou-se a encaixá-los no tratamento da extinção do processo com
julgamento do mérito” 29.
22. Preleciona, também, DINAMARCO30 que, em tal situação, a coisa julgada – que torna
definitiva, no âmbito processual, a solução encontrada pelas partes31 – incide tão-somente sobre o ato
de homologação judicial, e não sobre o ato negocial – isto porque somente atos de natureza
jurisdicional que resolvem o mérito da causa (qualidade que a lei processual brasileira32 atribui à
sentença homologatória de atos de disposição entre as partes) podem sofrer os efeitos da res
judicata.
23. A conseqüência disso – segundo nosso autor33 – é que para a invalidação do ato
homologatório será cabível a ação rescisória (artigo 485 do CPC); mas a invalidação da própria
transação, o meio cabível é o da ação anulatória do artigo 486 do CPC34 – que configura a via
ordinária para a anulação dos atos negociais em geral.
24. Explica DINAMARCO35:
“As vias ordinárias são representadas por um processo de conhecimento da
competência do juízo do primeiro grau de jurisdição, tal como se dá sempre para o
pleito de anulação ou declaração de nulidade dos atos negociais em geral [...], que
25
Instituições, cit., p. 268.
26
Hoje, artigo 841 do NCC, que estabelece: “Art. 841. Só quanto a direitos patrimoniais disponíveis de
caráter privado se permite a transação.”
27
Instituições, cit., p. 269.
28
ERNANE FIDÉLIS DOS SANTOS vai além e a chama de jurisdição voluntária, já que a sentença,
necessária embora para extinguir o processo, “é de simples delibação, onde o juiz se limita a apurar a
validade formal do ato.” (Ob. cit., p. 205).
29
Ou, “com resolução de mérito”, segundo a nova terminologia do CPC (vide transcrição supra do artigo 269
do CPC). A propósito, informa MONIZ DE ARAGÃO que “É por esse motivo que CARNELUTTI [considera a
transação judicial] como um ‘equivalente jurisdicional’, pois a lide é composta [em seu mérito] sem
intervenção do juiz, mas com resultado igual ao que seria alcançado por seu intermédio.” (Ob. cit., p. 567-
568).
30
Instituições, cit., p. 270.
31
Conforme a lição de HUMBERTO THEODORO JÚNIOR supracitada.
32
Artigo 269 do CPC.
33
Instituições, cit., p. 270.
34
“Art. 486. Os atos judiciais, que não dependem de sentença, ou em que esta for meramente
homologatória, podem ser rescindidos, como os atos jurídicos em geral, nos termos da lei civil.”
35
Instituições, cit., pp. 270-271.
segundo o art. 1.030 do Código Civil36 pode dar-se em virtude de ‘dolo, violência ou
erro essencial quanto à pessoa ou coisa controversa’.”
“Impõe-se a ação rescisória sempre que a parte não esteja a alegar vícios internos do
ato [negocial das partes], mas a sustentar que ele não deveria ter sido homologado
porque para tanto faltaria algum requisito. Já não se está falando de requisitos internos,
vontade livre e conscientemente manifestada etc., mas de pressupostos externos ao ato
negocial, em cuja falta o juiz não deveria ter homologado o que homologou.”
36
Hoje, artigo 849 do NCC, que estabelece: “Art. 849. A transação só se anula por dolo, coação, ou erro
essencial quanto à pessoa ou coisa controversa. Parágrafo único. A transação não se anula por erro de
direito a respeito das questões que foram objeto de controvérsia entre as partes.”
37
Vide atrás.
38
Ob. cit., p. 275.
39
Curso, cit., p. 350.
40
Vide adiante.
41
Ob. cit., pp. 279-280.
42
Assim é no direito francês, italiano e espanhol, segundo a notícia de CARLOS ALBERTO DABUS MALUF,
in RICARDO FIÚZA (Coord.): Novo Código Civil Comentado. São Paulo: Saraiva, 2004, 2ª ed., p. 770; no
direito argentino, consoante informação de VENOSA (ob. cit., p. 289); e também no alemão e austríaco,
conforme SERPA LOPES (ob. cit., pp. 257-258).
30. Isso tem por conseqüência, como afirma o mesmo VENOSA44, “a aplicação [às
transações] da exceção de contrato não cumprido [...] e toda a parte geral do direito contratual”,
“sendo inelutável que se [lhes] apliquem os regimes das anulabilidades”.
31. E deve ser assim tanto para as transações extrajudiciais como para as judiciais.
SILVIO RODRIGUES45, aliás, invoca, quanto às judiciais, afirmação de CARNELUTTI – que
qualifica como genial – no sentido de que “a ‘transação é a solução contratual da lide’ e, por isso, ‘o
equivalente contratual da sentença’.”
32. Ora, sendo ampla a liberdade das partes na transação para prevenir litígio46, não há
razão para, sem mais, entender-se deva a transação para terminar litígio limitar-se à temática do feito
processual em cujos autos se requer sua homologação. Até porque são idênticos os requisitos exigidos
de ambas as espécies para a validade intrínseca desse ato negocial47, sendo a homologação necessária
– como já vimos – apenas para dar à transação o preciso efeito processual de terminar ou extinguir a
lide, quando já submetida ao Poder Judiciário.
33. Ressalte-se que é majoritário na doutrina o entendimento de que a transação pode ter
efeitos constitutivos e também translativos de direito – e não os exclusivamente declaratórios
pretendidos pelo artigo 843 do NCC48.
34. SERPA LOPES49, anotando que em toda transação deve haver concessões – ou
renúncias a pretensões – mútuas, e após expor as diferentes correntes de pensamento sobre a pretensa
natureza exclusivamente declaratória da transação, pontifica:
“O que se tem de convir é que a transação não pode ser tida, de um modo
absoluto, como declaratória. Assim o caso em que a contraprestação consiste na
atribuição de um direito, isto é, sem um recíproco reconhecimento de um direito
litigioso, mas atribuição de um direito novo, não objeto do litígio.”
43
Exemplificativamente: SERPA LOPES (ob. cit., p.258), SILVIO RODRIGUES (ob. cit., pp. 260-262) e
WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO (ob. cit., pp. 142 e 310). Mesmo autores como CAIO MÁRIO DA
SILVA PEREIRA (Instituições de Direito Civil, vol. II, Rio de Janeiro: Forense, 1987, 8ª ed., p. 173) e MARIA
HELENA DINIZ (ob. cit., p. 264), que não reconhecem expressamente ter a transação natureza contratual,
vêm nela uma modalidade especial de negócio jurídico que se aproxima do contrato, na sua constituição, e
do pagamento, nos seus efeitos.
44
Ob. cit., pp. 285-286.
45
Ob. cit., p. 262.
46
Ressalvados, evidentemente, os direitos indisponíveis.
47
Capacidade das partes, objeto lícito, etc. Ressalva-se, no ponto, a distinção – feita pelo artigo 842 do Novo
Código Civil – quanto ao documento em que incorporada: se extrajudicial, será bastante o instrumento
particular, se a lei o admite; se judicial, será necessário o instrumento público ou termo nos autos do
processo.
48
Assim dispõe o preceito: “Art. 843. A transação interpreta-se restritivamente, e por ela não se transmitem,
apenas se declaram ou reconhecem direitos”. Regra idêntica se fazia presente no artigo 1.027 do Código de
1916.
49
Ob. cit., p. 267.
50
Ob. cit., p. 175.
36. VENOSA51 é do mesmo parecer:
“[...] é difícil entender a transação com caráter tão-só e exclusivamente
declaratório. Sendo de sua essência a reciprocidade de concessões, ‘possui ela caráter
constitutivo ou translativo, por inevitável a modificação a que tais concessões
conduzem’ (Maluf, 1985:82). Ademais, entendendo-se o instituto como um contrato,
difícil defender seu aspecto simplesmente declaratório.
Ressalta o efeito translativo na transação quando esta adquire um caráter
complexo, quando outros direitos, que não os exclusivamente litigiosos, são colocados
em seu bojo.”52
37. Disso – que pensamos ser aplicável para ambas as modalidades de transação (judicial e
extrajudicial) – deflui que deliberações das partes sobre outros direitos, diversos daqueles que
constituem o objeto estrito da ação, podem figurar na transação para terminar litígio.
38. De registrar-se, aliás, que a transação também pode ser menor que a lide judicial, ou
seja, pode limitar-se a item ou parte da controvérsia posta em juízo. PONTES DE MIRANDA
ensina53:
“A transação pode ser parcial, se os pedidos são separáveis. Se isso ocorre, o
processo continua (a relação jurídica sofre corte longitudinal [...]) no tocante às
questões que permanecem irresolvidas.”
40. VENOSA55 manifesta o mesmo pensamento, ao dizer que: “As partes podem transigir
sobre um dos múltiplos pedidos propostos, ou sobre parte de um único pedido, deixando o restante
para ser decidido com a sentença.”56
41. Voltando à idéia de que a transação judicial pode ter objeto maior que o do processo,
tem-se, outrossim, que o próprio direito processual civil legislado atual admite-o expressamente. Leia-
se, no ponto, o que estabelece, em sua parte final, o artigo 475-N do CPC:
“Art. 475-N. São títulos executivos judiciais:
[...]
III – a sentença homologatória de conciliação ou de transação, ainda que
inclua matéria não posta em juízo;”
51
Ob. cit., p. 281.
52
Daí a crítica de CARLOS ALBERTO DABUS MALUF: “Melhor teria o novo Código andado se tivesse
seguido a linha de conduta do art. 804 do Anteprojeto de Código Civil de Obrigações do Prof. Caio Mário da
Silva Pereira, que, em face da nova conceituação de tipicidade contratual da transação, admite que as
concessões recíprocas das partes podem criar, modificar ou extinguir relações iguais ou diversas da que tiver
dado origem à pretensão ou contestação.” (Ob. cit., pp. 771-772)
53
Comentários ao Código de Processo Civil, tomo III, Rio de Janeiro: Forense, 1996, 3ª ed., p. 512.
54
Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, 2º vol., São Paulo: Saraiva, 1990, 13ª ed., p. 107.
55
Ob. cit., p. 286.
56
No mesmo sentido: ARNOLDO WALD (ob. cit., p. 103) e WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO (ob.
cit., p. 312).
42. Sobre a cláusula final desse preceito (transcrita em negrito)57, assim se manifesta
HUMBERTO THEODORO JÚNIOR58:
“A sentença de homologação de conciliação ou transação, de que fala o art. 475-N, III,
refere-se a negócio jurídico estabelecido entre as partes para pôr fim a processo
pendente (art. 269, III). O acordo, todavia, não precisa limitar-se ao objeto do processo
findo. Como explicita o inciso III do art. 475-N, a transação ou conciliação operada em
juízo pode, também, se expandir para incluir matéria nova ainda que não posta em
juízo. Numa ação de cobrança de alugar, por exemplo, podem as partes entrar em
acordo par alterar clausula do contrato locatício, ou podem ajustar a sua rescisão; ou
numa ação renovatória podem, em lugar da prorrogação postulada, convencionar a
cessão do contrato ou seu encerramento findo um determinado prazo.”
45. De tudo, vê-se que é perfeitamente legítimo que as partes de um processo judicial
incluam na transação para terminar o respectivo litígio outras matérias não objeto da ação.
46. Nada obsta, outrossim, que um único ato negocial de transação contemple a solução de
diferentes questões controvertidas entre as partes em mais de uma ação judicial, de modo a serem
extintas, todas elas, com a resolução do mérito de cada qual, na forma do artigo 269, III, do CPC,
como foi – explicitamente – o caso do Acordo celebrado entre a União, o INSS e o Estado de Minas
Gerais, aqui em exame61.
47. Cumpre, portanto, concluir este tópico afirmando que, em tese, as partes no processo
judicial em que homologado, por primeiro, o Acordo aqui em exame não estavam impedidas de incluir
nele disposição solucionando (i) a questão de saber a que regime de previdência social se deveriam
57
Essa cláusula, com diferentes redações, foi, por primeiro, introduzida no inciso III do artigo 584 do CPC,
pela Lei nº 8.953, de 13 de dezembro de 1994; em seguida, foi revogada pela Lei nº 9.307, de 23 de
setembro de 1996; e, a final, reintroduzida pela Lei nº 10.358, de 27 de dezembro de 2001. A Lei nº 11.232,
de 22 de dezembro de 2005, que criou o artigo 475-N em lugar do artigo 584, a manteve, dando-lhe a atual
redação.
58
As Novas Reformas do Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2007, 2ª ed., p. 174.
59
A Reforma da Reforma, São Paulo: Malheiros, 2002, p. 253.
60
Código de Processo Civil Reformado, Belo Horizonte: Del Rey, 1995, pp. 207-208.
61
Veja-se que à página 3 do Acordo aqui em exame, os transatores (União, INSS e o Estado de MG)
expressamente afirmam que “formulam a presente petição de acordo, que posteriormente será levada à
homologação em cada processo judicial em curso que versar o objeto do acordo”. (Destaque no original)
considerar vinculados os servidores não efetivos do Estado de Minas Gerais antes do advento da EC
nº 20, de 1998 – isto é, se ao RGPS ou ao RPPS mineiro –, e, em conseqüência, solucionando (ii) a
questão de saber se são devidas ou não, pelo Estado, contribuições ao RGPS relativamente a tais
servidores no período em tela, embora essas questões não fossem, como de fato não eram, objeto
daquele processo – que, como bem anotado pela SRFB, somente versava sobre o período pós EC nº
20, de 1998.
48. Dito isto, cumpre verificar se o Acordo efetivamente traz ou contém uma solução para
essas questões. E, bem assim, se se pode extrair dos termos do Acordo a solução que a SRFB afirma
estar sendo defendida pelo Estado de Minas Gerais nos processos relativos a autuações fiscais sobre
contribuições ao RGPS do período pré EC nº 20, de 1998. Ou seja: se se pode extrair do Acordo –
com alegada base numa interpretação a contrario sensu da limitação temporal constante da sua
Cláusula “A” ao período pós EC nº 20, de 1998 – um reconhecimento, implícito, por parte da União e
do INSS, de que os servidores não efetivos daquele Estado estavam vinculados ao RPPS mineiro no
período pré EC nº 20, de 1998, a implicar a insubsistência das referidas autuações fiscais.
49. Pensamos que a resposta a essas indagações precisa ser feita à luz do conteúdo de
outro questionamento formulado pela SRFB, qual seja, aquele do item 9 da sua consulta, que tem
conexidade com o assunto. Transcrevamo-lo:
“9) Caso se entenda que o período anterior à Emenda Constitucional nº 20, de
1998, integra o Acordo e que os lançamentos envolvendo fatos geradores daquele
período relativo a servidores descritos nos inciso I a V da alínea ‘A’ do Acordo
devem ser anulados, sob o entendimento de que, naquele tempo, ditos servidores
eram do RPPS, existe possibilidade de se exigir do Estado de Minas Gerais o
compromisso formal de assumir o pagamento dos benefícios previdenciários
desses servidores em relação a esse período?
O Acordo prevê que os servidores descritos nos incisos I a V de sua alínea ‘A’
são do Regime Geral de Previdência Social – RGPS desde a promulgação da Emenda
Constitucional nº 20/98.
Essa previsão, contudo, não constou do Acordo. Pelo contrário, a alínea ‘A’
registra que o INSS responsabilizar-se-á ‘por todos os benefícios decorrentes da
inclusão desses servidores no Regime Geral de Previdência Social – RGPS’.
Não é difícil perceber que o Estado pretende auferir dupla vantagem: a) anular
todos os lançamentos efetuados pelo Fisco federal relativo[s] aos servidores não
titulares de cargo efetivo cujos fatos geradores ocorreram anteriormente à Emenda
Constitucional nº 20/98 e b) não responder por sua obrigação na compensação
financeira em relação ao período em questão (que seria do RPPS).
Cabe observar, neste ponto, que a questão da compensação financeira não pode
ser tida como alheia à área tributária e que faleceria competência à Procuradoria da
Fazenda Nacional para avaliá-la. Observe-se que os procedimentos fiscais de revisão
dos lançamentos serão feitos por força do Acordo celebrado entre a União, o INSS e o
Estado de Minas Gerais e no qual constou que não haveria prejuízo para a União.
Não se discute, aqui, que o Acordo poderá pôr fim à conturbada situação que,
ao longo dos anos, se instalou entre o INSS e o Estado de Minas Gerais. Mas, o que se
pede é que, na transação, haja coerência de entendimento, impondo-se deveres e
direitos respectivos.
Vale informar, por fim, que, na reunião ocorrida nesta Superintendência no dia
31/08/2010, indagados os representantes do Estado de Minas Gerais sobre como
participariam da compensação financeira em relação ao período em que os débitos
seriam anulados, eles se limitaram a responder que essa questão estaria sendo tratada
com o INSS.
Ocorre, porém, que, nos termos em que se encontra redigido o Acordo, fica a
impressão de que o INSS irá se responsabilizar integralmente pelos benefícios
previdenciários dos servidores não titulares de cargo efetivo, sem a participação do
Estado de Minas Gerais na compensação financeira prevista na Lei nº 9.796, de 1999, o
que onerará excessivamente a União.
Enfim, caso seja reconhecida a extensão dos termos do Acordo para o período
anterior à Emenda Constitucional nº 20/98, com anulação dos lançamentos tributários
respectivos, há necessidade de se colocar, formalmente, a responsabilidade do Estado
de Minas Gerais na compensação financeira em relação a esse período.” (Destaques no
original)
53. Sobre essa regra legal de hermenêutica62, SERPA LOPES – que a afirma também
presente nos direitos argentino e francês – diz encontrar ela sua justificativa “no fato de conter toda
transação uma renúncia e esta comportar sempre interpretação restritiva” 63.
54. WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO64 emite opinião que segue o mesmo
rumo:
“Transação implica renúncia de direitos. Presume-se que o renunciante procede sempre
da maneira menos onerosa possível, em relação a seus direitos e interesses. Cumpre
assim, nessa matéria, arredar-se interpretação extensiva ou ampliativa; a interpretação é
sempre restritiva.”
62
Sobre essa espécie de regra, leciona CARLOS MAXIMILIANO: “As regras de Hermenêutica incluídas em
um Código”, nada obstante devam também interpretadas, como todos os demais dispositivos, segundo as
condições sociais, “têm a mesma força compulsória que os outros preceitos ali consolidados”. (Hermenêutica
e Aplicação do Direito, Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 98).
63
Ob. cit., p. 264.
64
Ob. cit., pp. 313-314.
65
Ob. cit., p. 175.
“Na sua interpretação, vigora o princípio de que [a transação] se deve entender
restritivamente, não só porque envolve renúncia de direitos66, como também em razão
da finalidade extintiva da obrigação, não sendo jurídico que alguém, na hermenêutica
do negócio, estenda a vontade liberatória para além dos termos estritos em que se
manifestou”.
57. Esse entendimento, aliás, é cônsono com o que dispõe o NCC em seu artigo 114 em
matéria de interpretação de renúncia a direitos:
Optava-se pela exegese restritiva quando a fórmula era ampla em excesso, uma
linguagem imprecisa fazia compreender no texto mais do que planejaram incluir no
mesmo: potius dixit quam voluit – ‘disse mais do que pretendeu exprimir.” 70
61. Assim, a interpretação extensiva, “não faz avançar as raias do preceito; ao contrário,
como a aparência legal leva ao recuo, a exegese impele os limites [da] regra até ao seu verdadeiro
66
Na verdade, a renúncia, nas transações, pode não necessariamente a direitos, mas a simples pretensões.
É que, na lição do mesmo CAIO MÁRIO (ob. cit., p. 174), para a caracterização da situação de incerteza que
gera nas partes o interesse em prevenir ou encerrar litígio mediante concessões mútuas (transação), é
bastante, no direito brasileiro, a dúvida subjetiva quanto à existência dos direitos em jogo, isto é, basta que
as partes entendam ser titulares das pretensões, ainda que infundadas, a que renunciam.
67
Ob. cit., p. 263.
68
No CC de 1916 o preceptivo correspondente ao atual não mencionava a renúncia: “Art. 1.090. Os
contratos benéficos interpretar-se-ão estritamente.”
69
Ob. cit., pp. 197-201.
70
Ob. cit., pp. 197-198.
71
Ob. cit., p. 198.
posto”.72 E “[s]emelhante advertência, mutatis mutandis, tem cabimento a respeito da interpretação
restritiva: não reduz o campo da norma; determina-lhe as fronteiras exatas; [...] evita a dilatação,
porém não suprime coisa alguma”.73
62. Em sua feliz síntese:
“Num caso [interpretação extensiva] dilata-se o alcance do preceito; no outro
[interpretação restritiva, ou estrita] não se restringe: deixa-se de dilatar.” 74
64. Aliás, isso se reflete com ainda maior força na interpretação dos contratos ou dos
negócios jurídicos em geral – que é a que devemos encetar neste parecer, e na qual prevalece, mais
que na interpretação das leis, a busca da verdadeira vontade das partes, idéia que, no Brasil, se
encontra expressa no artigo 112 do NCC:
“Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas
consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem.”
65. VENOSA assim explica esse preceptivo: “Não se trata de procurar o pensamento
íntimo do declarante, mas a intenção materializada na declaração”76. E prossegue: “Nos atos
unilaterais, é permitida maior investigação da vontade íntima; nos contratos, como há necessidade de
harmonizar duas vontades, é indispensável um cotejamento mais profundo de ambas as posições
interpretativas”77. No entanto, segundo o mesmo autor: “ao intérprete não é dado simplesmente
abandonar a vontade materialmente expressa e livremente investigar a vontade dos declarantes”78.
66. Aplicando todos esses ensinamentos à interpretação das transações, pensamos poder
afirmar que, à luz dos artigos 843, 114 e 112 do NCC, é vedado, no Brasil, que dessa interpretação
resulte a extensão das renúncias presentes no respectivo instrumento para além daquelas que foram
ali expressamente previstas. Isto, como modo de não onerar os renunciantes além de sua vontade ou
intenção, tal como no instrumento manifestada.
67. Cientes de tudo isso, vejamos as disposições constantes do Acordo aqui em exame, no
ponto de contato com os questionamentos de nº 2 e 9, que estamos analisando.
68. As cláusulas mais importantes do Acordo são duas: a Cláusula “A”, que se refere a
servidores não titulares de cargos efetivos, e a Cláusula “D”, que é pertinente a servidores que o
Acordo chama de “efetivados”, “nos termos da legislação mineira”.
72
Ob. cit. p. 200.
73
Ob. cit., pp. 200-201.
74
Ob. cit., p. 201 (inserções e negritos nossos).
75
Ob. cit., p. 200. Isto, evidentemente, não autoriza a desconsideração pura e simples do texto normativo, de
sua redação e expressões.
76
Ob. cit., p. 449. Isto, aliás, está em consonância com a interpretação histórica apresentada por JOSÉ
CARLOS MOREIRA ALVES, autor da parte geral do anteprojeto que resultou no NCC, como se vê em sua
obra “A Parte Geral do Projeto de Código Civil Brasileiro: Subsídios Históricos para o Novo Código Civil
Brasileiro”, São Paulo: Saraiva, 2003, 2ª ed., p. 108.
77
Ob. cit., pp. 449-450.
78
Ob. cit., p. 449. À luz do artigo 112 do NCC, o intérprete dos negócios jurídicos deve, no dizer de ROSE
MELO VENCELAU, buscar a “identificação do perceptível”, e não dirigir a interpretação à vontade das partes
“no seu aspecto interno”: “Desse modo, o novo Código Civil mais parece ter pendido para uma teoria
intermediária, como a teoria da confiança, entre a vontade real do agente e a declaração por ele levada a
efeito”. (“O Negócio Jurídico e suas Modalidades, in GUSTAVO TEPEDINO (coord.), “A Parte Geral do Novo
Código Civil: Estudos na Perspectiva Civil-Constitucional, São Paulo: Renovar, 2003, 2ª ed., pp. 179-228 –
vide pp. 199 e 200).
69. A Cláusula “A” do Acordo contém o reconhecimento, pelo Estado de Minas Gerais, de
que “desde a promulgação da Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998” os
servidores não titulares de cargos efetivos (elencados nos seus itens de I a V) “são contribuintes do
Regime Geral de Previdência Social” “e, conseqüentemente, que a União é credora de todas as
contribuições previdenciárias relativamente a esses servidores, mencionadas no art. 2º da Lei Federal
nº 11.457/2007” 79.
70. A seu turno, a Cláusula “D” do Acordo contém o reconhecimento, por parte da União
e do INSS, de que os servidores “efetivados nos termos da legislação mineira” (“especialmente
aqueles enquadrados nas espécies” listadas nos seus itens I e II) “integram o Regime Próprio de
Previdência dos Servidores Públicos de Minas Gerais”.
71. Notam-se duas diferenças significativas na redação dessas duas cláusulas:
I - a primeira é de ordem temporal: na Cláusula “A”, o Estado reconhece o vínculo dos
servidores ali elencados ao RGPS “desde a promulgação da Emenda Constitucional nº 20, de 15 de
dezembro de 1998”; já na Cláusula “D”, não se faz qualquer limitação temporal ao reconhecimento, ali
feito pela União e pelo INSS, quanto ao vínculo ao RPPS mineiro dos servidores nele listados.
II – a segunda é de ordem temática: na Cláusula “A”, o Estado reconhece que a União
é credora “de todas as contribuições previdenciárias” relativas aos servidores ali listados; já na
Cláusula “D”, não há qualquer disposição sobre contribuições previdenciárias.
72. Essas diferenças induzem, primo ictu oculi, à impressão de que a vontade das partes,
ao firmarem o Acordo, era diversa conforme se tratasse, de um lado, de servidores não efetivos, e de
outro lado, de servidores ditos “efetivados”:
I - para os primeiros, o reconhecimento, pelo Estado, de seu vínculo com o RGPS
estaria limitado ao período posterior à EC nº 20, de 1998, limite que também atingiria o conseqüente
direito da União, ali reconhecido, de cobrar as contribuições ao RGPS previstas no artigo 2º da Lei nº
11.457, de 2007, referentes a tais servidores, por força do vínculo deles, em tal período, a esse regime;
II - para os segundos, o reconhecimento da União e do INSS de seu vínculo com o
RPPS mineiro não estaria limitado a qualquer lapso de tempo – podendo, assim, aparentemente, ser
interpretado como a abranger tanto o período pré como aquele pós EC nº 20, de 1998, num grande e
único continuum.
73. Essa impressão é reforçada (i) pela circunstância de a CLÁUSULA “E” determinar que
os ditames da CLÁUSULA “D”, que é relativa apenas aos servidores “efetivados”, “aplicam-se a
todos os processos administrativos relacionados com as contribuições a que ele se refere, inclusive
futuros”, e (ii) pela circunstância de não haver, no Acordo, cláusula ou disposição similar referente aos
servidores não efetivos da Cláusula “A”.
74. É que da conjugação da Cláusula “E” com a ausência de limitação temporal na Cláusula
“D” parece viável interpretar-se terem as partes pretendido dizer que o vínculo dos servidores
“efetivados” exclusivamente para com o RPPS mineiro, reconhecido na Cláusula “D”, referir-se-ia
tanto no período pré como no pós EC nº 20, de 1998, falecendo, de conseguinte, à União legitimidade
para cobrar quaisquer contribuições do Estado para o RPGS quanto a referidos servidores (inclusive
para o futuro, como ali expresso), devendo os processos administrativos de cobrança existentes à data
do Acordo ser, em conseqüência, extintos, aí incluídos – na linha desse raciocínio – aqueles com
autuações referentes tanto ao período anterior aos diplomas legislativos mineiros que “efetivaram”
ditos servidores, como anteriores à EC nº 20, de 1998. Isto, aliás, seria acorde com a idéia de que
ditas “efetivações” se deram, como normalmente acontece, com efeito retroativo à data das
designações ou contratações.
79
As contribuições mencionadas no artigo 2º da Lei nº 11.457, de 16 de março de 2007, são aquelas
previstas nas alíneas a, b e c do parágrafo único do artigo 11 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991. São
elas: alínea a: contribuições das empresas, incidentes sobre a remuneração paga ou creditada aos
segurados a seu serviço; alínea b: contribuições dos empregadores domésticos (alheias ao caso vertente); e
alínea c: contribuições dos trabalhadores, incidentes sobre o seu salário-de-contribuição, e aquelas que
vierem a ser instituídas a título de substituição.
75. O que exsurge emblemático, porém, é o aparente silêncio do Acordo quanto à situação
previdenciária dos servidores não efetivos (de que trata a Cláusula “A”) no período pré EC nº 20, de
1998, já que no Acordo, de fato, nada se diz expressamente quanto a vincularem-se eles quer ao RPPS
quer ao RGPS, nada se dizendo, em conseqüência, quanto a qual desses regimes de previdência deve
contribuir o Estado de Minas Gerais em relação a tais servidores, no que concerne àquele período.
76. Esse aparente silêncio ganha contornos ainda mais inquietantes à luz da constatação –
bem delineada pela SRFB em sua consulta – da existência de um outro silêncio no Acordo (este, bem
palpável), consistente em nada dizer ele quanto a dever o Estado de Minas Gerais compensar o RGPS
(na forma do artigo 201, § 9º, da Constituição Federal) quando da aposentação, por esse regime, dos
servidores não efetivos de que trata a Cláusula “A”, o que poderia ser um indicador de que as partes
teriam deliberado, ainda que implicitamente, pelo vínculo deles no período pré EC nº 20, de 1998, ao
RPPS mineiro. Nem essa pista, porém, dá-nos o Acordo.
77. O que significaria, então, tudo isso:
I – que as partes, conscientemente, nada quiseram dispor no Acordo quanto ao vínculo
dos servidores não efetivos (de que trata a Cláusula “A”), no período pré EC nº 20, de 1998, a
qualquer dos regimes de previdência social em apreço (isto é, quer ao RPPS, quer ao RGPS), tendo
preferido, em conseqüência, quedarem-se livres para prosseguir discutindo – administrativa e
judicialmente – sobre a legitimidade da cobrança pela União das contribuições ao RGPS relacionadas
a tais servidores no período?
II – ou que as partes do Acordo, ao reconhecer o vínculo desses servidores com o
RGPS após a EC nº 20, de 1998, teriam pretendido reconhecer, implicitamente, o vínculo deles com o
RPPS mineiro no período pré EC nº 20, de 1998, e conseqüentemente, reconhecer, também
implicitamente, a inexistência de contribuições em favor do RGPS a cobrar nesse período?
78. Qualquer das respostas traria, contudo, novas perplexidades.
79. Se a resposta está em “I”, qual seria a conseqüência de uma “vitória” do Estado nos
processos administrativos e judiciais existentes sobre o assunto, além daquela, óbvia, de não ter de
recolher contribuições ao RGPS no período? Poderia o Estado deixar de aportar recursos a seu RPPS,
referentes ao período de vinculação dos servidores não efetivos a este último regime? Ou fazer os
correlatos aportes a seu RPPS, mas deixar de compensar o RGPS, quando da aposentação dos
servidores pela Previdência Social (sob o argumento de inexistir dispositivo expresso no Acordo
obrigando-o a tanto)? Seria isso, aliás, condizente com o princípio da boa-fé, que há de inspirar toda e
qualquer interpretação de negócios jurídicos80?
80. Se a resposta está em “II”, como explicar o silêncio do Acordo quanto ao dever
correlato do Estado de efetuar a compensação exigida pelo artigo 201, § 9º, da Carta Política da
Nação? Teria o Estado pretendido não efetuar qualquer compensação ao RGPS? Pior, teria a União
implicitamente dispensado o Estado de efetuá-la? (Seria, aliás, legítima essa interpretação à luz do
artigo 843 do NCC, retrocitado, que veda renúncias implícitas nas transações?) Ou teriam entendido
as partes ser desnecessário constar esse dever no Acordo, porque a Carta Política de 1988 obrigaria o
Estado a tanto independentemente de cláusula nesse sentido na avença?
81. Tudo isso se complica sobretudo quando se constata que não há, no processo
administrativo em que celebrado o Acordo, informações seguras quanto a ter o Estado de Minas
Gerais efetuado aportes a seu RPPS quanto aos servidores não efetivos no período pré EC nº 20, de
1998, sendo que, sobre o assunto, o Ministério da Previdência Social faz apenas suposições quanto a
terem esses aportes acontecido – como se verá adiante, num transcrição de texto que faremos. Já a
Superintendência da SRFB em Minas Gerais, em sua consulta, afirma, com certo grau de certeza, que
o RPPS mineiro jamais concedeu, antes da EC nº 20, de 1998, aposentadoria aos servidores não
efetivos, mas apenas pensão por morte a seus dependentes, o que não seria suficiente para dispensar o
80
Nesse sentido, o art. 113 do NCC: “Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a
boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.”
Estado de Minas Gerais do recolhimento das contribuições correlatas ao RGPS no período, dado o
princípio constitucional da universalidade de cobertura previdenciária, já então vigorante.
82. Como é fácil intuir, os métodos gramatical, lógico e sistemático de interpretação81,
aplicáveis, mutatis mutandis, também aos negócios jurídicos82, de que lançamos mão neste parecer até
agora, parecem insuficientes para dar uma resposta adequada a esse problema.
83. Diante disso, cabe, na seqüência, e na linha das lições dos mestres em hermenêutica
jurídica, apelarmos para o uso do método histórico de interpretação dos atos jurídicos83.
84. Em ordem cronológica, o que primeiro se deve mencionar aqui é que na primeira
minuta de Acordo – aquela que está anexa ao PARECER PGFN/CAT/Nº 2.832/2009, de 17 de
dezembro de 2009, e que se encontra às fls. 9-16 do processo administrativo nº 10951.001296/2009-
37, no bojo do qual a avença veio a ser, a final, celebrada – a Cláusula ‘A’ não fazia qualquer
limitação temporal ao período pós EC nº 20, de 1998, quanto ao reconhecimento, pelo Estado, do
vínculo dos servidores não efetivos ao RGPS. À semelhança, aliás, do que acontecia e acontece com a
Cláusula “D” na matéria por ela regida.
85. Leia-se a Cláusula ‘A’ tal como então se encontrava redigida na primitiva minuta:
Minuta Original:
81
Vide CARLOS MAXIMILIANO, ob. cit., pp. 106-133; e R. LIMONGI FRANÇA, “Hermenêutica Jurídica”, São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, 10ª ed., pp. 23-25.
82
Vide MARIA HELENA DINIZ, Curso de Direito Civil, 3º vol., São Paulo: Saraiva, 1989, 6ª ed., p. 57;
VENOSA, ob. cit., p. 448; e CARLOS MAXIMILIANO, ob. cit., p. 340.
83
Em especial, CARLOS MAXIMILIANO, ob. cit., pp. 137-147. Na utilização do método histórico de
interpretação dos negócios jurídicos é perfeitamente possível recorrer-se aos documentos produzidos e aos
atos externos a eles praticados pelas partes, em direção à sua concretização, tal como ocorre com relação
às normas do direito positivo legislado.
86. Cotejando-se essa redação com aquela da versão final do Acordo (isto é aquela que foi
assinada pelas partes), verifica-se, a par de modificações nos itens III e V (sugeridas pelo INSS e que
não interessa aqui enfocar), uma substancial diferença no caput da cláusula, que é justamente a
inexistência, na versão antiga, da expressão “desde a promulgação da Emenda Constitucional nº 20,
de 15 de dezembro de 1998”, que consta da versão final.
87. Para melhor visualização, reproduzimos a Cláusula “A” da versão assinada,
sublinhando o trecho que não constava da minuta primeira:
Versão final assinada:
[...].”
91. Para entendermos as razões dessa solicitação do MPS, faz-se necessário analisar as
manifestações da Consultoria Jurídica daquela Pasta.
92. De ver-se, inicialmente, o que afirma o referido órgão jurídico no
PARECER/CONJUR/MPS/Nº 114/2010, de 24 de março de 2010, encartado às fls. 105-132 do
processo administrativo retrocitado, emitido na vez primeira em que chamado a opinar sobre a
proposta de Acordo em tela, o que fez à luz da primitiva minuta (qual seja, aquela constante às fls. 9-
16 dos autos):
“(B) DO MÉRITO: OS REGIMES PRÓPRIOS DE PREVIDÊNCIA SOCIAL – RPPS
E SUA DESTINAÇÃO À COBERTURA EXCLUSIVA DE SERVIDORES
EFETIVOS
‘Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é
assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário,
mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e
inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio
financeiro e atuarial e o disposto neste artigo. (...)’. – grifos acrescidos.
36. Por sua vez, a Lei nº 9.717, de 27 de novembro de 1998 (a Lei Geral dos
Regimes Próprios de Previdência Social), editada com base na competência prevista no
art. 24, § 1º, da Constituição Federal, estabelece o seguinte:
‘Art. 3º (...)
§ 3º Os servidores titulares de cargo efetivo do ente federativo que não tenha
editado lei instituidora de RPPS são vinculados obrigatoriamente ao RGPS’.
– grifos acrescidos.
42. Em suma, com base no regramento instituído pela Emenda Constitucional nº 20,
de 1998 e a partir desta, os servidores efetivos devem ser filiados ao RPPS e os
servidores não efetivos devem ser filiados ao RGPS.
43. Nessa linha, convém assinalar que as controvérsias enfeixadas nos autos
resultam de disposições da legislação estadual que, não obstante a determinação da
Constituição Federal, vincularam servidores estaduais não efetivos ao RPPS do Estado
de Minas Gerais, mesmo após a Emenda Constitucional nº 20, de 2008. A LC Estadual
nº 100, de 2007, teria a finalidade de corrigir os enquadramentos.
45. Por sua vez, a minuta de acordo, observado o disposto nas Cláusulas ‘A’ e ‘D’
encaminha a matéria no sentido da eliminação dos litígios e controvérsias, com duas
importantes observações, a saber:
47. Nesses termos, é força convir que o disposto no art. 8º da LC Estadual nº 100,
de 2007, não deveria gerar obrigações previdenciárias retroativas ao RGPS,
especialmente porque nada se dispôs sobre as contribuições sociais já arrecadadas dos
servidores e do próprio Estado de Minas Gerais, na qualidade de patrocinador do
RPPS.
49. Neste cenário, o natural seria o Estado de Minas Gerais certificar, perante o
RGPS, o tempo de contribuição prestado até a vigência da LC Estadual nº 100, de
2007 (mediante Certidão de Tempo de Contribuição – CTC) e, posteriormente, efetuar
o pagamento da compensação financeira ao RGPS, na forma prevista pela Lei nº 9.796,
de 5 de maio de 1999, na medida em que os benefícios fossem requeridos e concedidos
pelo INSS, mediante utilização do método da contagem recíproca.
51. Por sua vez, a Lei nº 8.213, de 1991, disciplina a matéria no seu art. 94, a saber:
‘Art. 94. Para efeito dos benefícios previstos no Regime Geral de Previdência
Social ou no serviço público é assegurada a contagem recíproca do tempo de
contribuição na atividade privada, rural e urbana, e do tempo de contribuição
ou de serviço na administração pública, hipótese em que os diferentes sistemas
de previdência social se compensarão financeiramente. (...)’. – grifos
acrescidos.
52. Quanto à compensação financeira, considerando o RGPS como regime
instituidor, assim preceitua o art. 3º da Lei nº 9.796, de 5 de maio de 1999:
§ 5º O valor de que trata o § 2º deste artigo será reajustado nas mesmas datas
e pelos mesmos índices de reajustamento do benefício pela Previdência Social,
devendo o Regime Geral de Previdência Social comunicar a cada regime de
origem o total por ele devido em cada mês como compensação financeira.
53. Por outro lado, se porventura se almeja solução diversa no presente acordo, é
dizer, se a finalidade é justamente atribuir efeitos retroativos ao art. 8º da LC Estadual
nº 100, de 2007, anulando-se, por via indireta todos os efeitos da legislação estadual
antecedente, bem como as normas federais sobre contagem recíproca e compensação
financeira, se isso for possível em tese, entende esta Consultoria Jurídica que deveria
ser estudada a viabilidade de acréscimo de nova cláusula à proposta, com vistas a
equacionar o problema resultante de tal providência.
58. Ora, não se pode perder de vista que, a princípio, tudo indica que os servidores
não efetivos do Estado de Minas Gerias, listados no atual art. 8º da LC Estadual nº
100, de 2007, permaneceram, de fato, segurados ao RPPS, mesmo após o advento da
Emenda Constitucional nº 20, de 1998, a despeito de não se enquadrarem no conceito
de servidores efetivos.
93. Após fazer, na seqüência, ponderações sobre cada uma das cláusulas da minuta de
Acordo, em que dá concretude às preocupações descritas nos tópicos acima reproduzidos, a
CONJUR/MPS assim conclui o seu parecer:
“III – CONCLUSÕES
94. É este o resumo que a própria CONJUR/MPS fez desse entendimento 84:
[...]
84
Tal resumo se encontra no PARECER/CONJUR/MPS/Nº 284/2010, que foi o segundo parecer emitido pela
CONJUR/MPS no processo, como veremos adiante.
financeira, se isso for possível em tese, entende esta Consultoria Jurídica o acréscimo
de nova cláusula à proposta.
95. Como se vê, preocupava-se a CONJUR/MPS com o fato de a Cláusula “A” da minuta
de Acordo não delimitar a partir de quando se deveriam considerar vinculados ao RGPS os servidores
não efetivos do Estado de Minas Gerais, e, conseqüentemente, a partir de quando se deveriam
considerar devidas as contribuições ao RGPS a eles relativas.
96. Nessa linha – e umbilicalmente ligado ao que dissemos no item acima – preocupava-se
a CONJUR/MPS com o fato de não se encontrar na minuta de Acordo deliberação referente à
obrigação do Estado de fazer a necessária compensação ao RPGS quanto aos aportes ao RPPS
mineiro relativos ao período em que se considerariam ditos servidores vinculados a este último regime
previdenciário.
97. Indicava, portanto, a CONJUR/MPS, a possibilidade, em tese, de ser adotada uma das
seguintes alternativas negociais, com clara preferência, do ponto de vista jurídico, pela primeira delas:
a) considerar o Acordo tais servidores como vinculados ao RGPS somente a partir da
vigência da legislação mineira que assim os considerou, isto é, somente a partir do advento da Lei
Complementar Estadual nº 100, de 2007, devendo o Estado certificar, perante o RGPS, o tempo de
contribuição ao RPPS mineiro até a vigência do referido diploma, mediante “Certidão de Tempo de
Contribuição - CTC” e, posteriormente, proceder ao pagamento da compensação financeira ao RGPS,
ao tempo da aposentação desse pessoal pelo INSS, nos termos da legislação nacional pertinente; ou
b) considerar o Acordo tais servidores como vinculados ao RGPS de forma retroativa,
isto é, também no período anterior ao da edição da legislação estadual mineira que assim os
considerou, situação em que a CONJUR/MPS defendeu não ser suficiente que, no Acordo, o Estado
se obrigasse a adimplir o pagamento das contribuições ao RGPS do período, mediante parcelamento e
quejandos, sendo necessária, na verdade, a inserção, no Acordo, de cláusula que não só assegurasse
(i) “a justa contrapartida” à anulação retroativa – que pelo Acordo se acabaria por operar – do
vínculo desses servidores ao RPPS mineiro, mas também estabelecesse (ii) a filiação retroativa deles
ao RGPS.
98. Ocorre que a Consultoria-Geral da União, da AGU, ao receber o processo
administrativo com a manifestação de todos os órgãos envolvidos na negociação do Acordo, acabou
não analisando essas observações e sugestões da CONJUR/MPS. Isto obrigou a CONJUR/MPS, ao
receber da AGU, passo adiante, uma segunda minuta de avença – que não trazia solução para os
problemas que suscitara, mas apenas para aqueles abordados pelo INSS – insistir, por meio de novo
Parecer (PARECER/CONJUR/MPS/Nº 968/2010), na necessidade de exame, pela AGU, daquela
temática.
99. Assim se expressou a CONJUR/MPS nesse segundo parecer:
“19. Constata-se [...] que não foram enfrentadas no [...] Parecer da CGU todas as
ressalvas pontuadas por esta CONJUR/MPS no bojo do PARECER/CONJUR/MPS/Nº
114/2010. Analisou-se tão-somente a questão relativa ao valor do acordo e a
necessidade de aprovo por parte do Ministro de Estado da Previdência Social. E
recomendou-se a cientificação das autoridades fiscais do Estado de Minas Gerais
apenas no que toca às alterações sugeridas pelo INSS, nada dispondo sobre a
necessidade de reflexão quanto aos pontos levantados por esta CONJUR/MPS.
20. Do mesmo modo, o despacho de aprovo do Exmo. Consultor-Geral da União
[...] consigna que a proposta de acordo relativo ao Estado de Minas Gerais é idêntica à
efetivada junto ao Estado de São Paulo nos autos da ACO nº 1.059/STF, mas nada
dispõe sobre as considerações levantadas por esta CONJUR/MPS.
[...]
40. Em relação à cláusula ‘A’ [...], não pode ser desperezado que um ponto de
extrema importância suscitado por esta CONJUR/MPS, quando da primeira
análise do presente acordo, não foi apreciado pela Consultoria Jurídica da União,
nem tampouco pelo Estado de Minas Gerais.
41. É preciso salientar que o Presidente do INSS [...] ressalvou que os aspectos
jurídicos do acordo deveriam ser apreciados por esta CONJUR/MPS (vide fl. 154).
45. Assim, se a legislação estadual de Minas Gerais insere os servidores de que trata
a Cláusula ‘A’ em regime próprio de previdência até 2007, recolhe e verte as
contribuições previdenciárias em prol do RPPS, em detrimento do RGPS, arcando com
o ônus da opção, não se justificaria vincular tais servidores ao RGPS neste período
(entre o advento da EC nº 20/1998 e novembro de 2007), em que estiveram
efetivamente vinculados e protegidos pelo RPPS.
[...]
49. Aliás, a própria LC Estadual nº 100/2007 estabeleceu em seu art. 11 que ficaria
a cargo da Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão a emissão, para os
servidores elencados nos incisos I a IV do art. 8º da referida LC, de ‘certidão de
contribuição relativa ao período em que estiveram vinculados ao regime próprio,
com vistas a contagem recíproca a que se refere o § 9º do art. 201 da Constituição
Federal’.
50. A legislação estadual que vincula os servidores não efetivos ao RPPS (de que
trata a Cláusula ‘A’) teria seus efeitos salvaguardados até o advento da LC Estadual nº
100/2007, que efetivou a desvinculação daqueles servidores ao RPPS. E nesse caso,
bastaria ao Estado de Minas Gerais confessar perante a União as dívidas decorrentes
das contribuições previdenciárias relativas aos exercícios seguintes ao advento da LC
Estadual nº 100/2007 (de 5.11.2007 em diante) e não em relação a todo o período
compreendido entre dezembro de 1998 e novembro de 2007.
51. Deve-se recordar que a Lei Complementar Estadual nº 64, de 25.3.2002, que
instituiu o Regime Próprio de Previdência dos servidores públicos do Estado de Minas
Gerais, destinado primordialmente aos servidores titulares de cargo efetivo, dispôs em
seu art. 79 a possibilidade de assegurar aposentadoria aos servidores não titulares de
cargo efetivo. Vejamos:
52. Assim, pelos termos desse dispositivo, conclui-se que os servidores não efetivos
ali elencados, ao que tudo indica, permaneceram vinculados ao RPPS, percebendo
benefícios, e, por conseguinte, recolheram contribuições previdenciárias em prol do
RPPS, em detrimento do RGPS e do INSS.
53. Essa situação permaneceu até o ano de 2007, quando foi editada a Lei
Complementar Estadual nº 100, de 5.11.2007. Citada Lei dispôs em seu art. 7º sobre
quais servidores seriam considerados titulares de cargo efetivo e, em seu art. 8º,
esclareceu quais servidores detentores de cargos não efetivos seriam considerados
vinculados ao RGPS.
54. Frise-se que parte dos servidores não efetivos foram efetivados pela citada Lei e
continuaram vinculados ao RPPS. Já o art. 9º da Lei Complementar assegurou a
continuidade de percepção dos benefícios já concedidos com fulcro no art. 79 da LC nº
64/2002.
61. De todo modo, essa escolha deve ser apreciada por todas as partes celebrantes
do Acordo e, se considerarem pertinente, proceder a eventuais adequações na minuta.
62. De outra parte, caso não seja essa a solução almejada pelas partes do
Acordo, e se a intenção é justamente atribuir efeitos retroativos ao art. 8º da LC
Estadual nº 100, de 2007, anulando-se por via indireta todos os efeitos da
legislação estadual antecedente, esta Consultoria Jurídica do MPS entende que
merece ser resguardada a situação não apenas daqueles servidores (não efetivos)
que já estão percebendo benefícios pelo RPPS, conforme ressalvou o inciso II da
Cláusula ‘D’ do Acordo, mas igualmente a situação daqueles servidores que já
haviam implementado todos os requisitos para a concessão do benefício até a
edição da LC Estadual nº 100/2007.
64. Desse modo, deveria ser analisada a viabilidade de inserir pequena modificação
ao inciso II da Cláusula ‘D’ do Acordo a fim de esclarecer que os servidores os quais já
poderiam ter requerido benefícios com fulcro no art. 79 da LC nº 64/2002, por terem
implementado todos os requisitos necessários e não formalizaram o pedido até o
advento da LC nº 100/2007 (que revogou aludido art. 79) também permanecerão
enquadrados no RPPS, nos termos do inciso II da Cláusula ‘D’.
[...]
68. Em face de tudo quanto exposto no presente parecer, e não obstante tenha o
Estado de Minas Gerais acolhido as alterações sugeridas pelo Presidente do INSS, não
pode ser desprezado que as partes do Acordo não avaliaram as condições
formalizadas por esta CONJUR/MPS, constantes do “item II (B)’ do
PARECER/CONJUR/MPS/Nº 114/2010, de 24.3.2010, devidamente referendado
pelo Ministro desta Pasta através do Aviso nº 053/2010/GM/MPS, de 25.3.2010.
69. Daí a necessidade de tais condições serem avaliadas pela douta Advocacia-
Geral da União e pelas partes celebrantes do Acordo.
70. E como a minuta de acordo não delimitou, expressamente, a data em que será
retroagida a cobertura previdenciária dos servidores ora declarados servidores do
RGPS, de que trata a Cláusula ‘A’, o que traz insegurança jurídica para o INSS, assim
como para os próprios servidores, vislumbramos a necessidade de ser dirimida aludida
lacuna.
III - CONCLUSÕES
85
Na E.M. a AGU – sobre o assunto – fala apenas que “o Senhor Ministro de Estado da Previdência Social
manifestou anuência para com o acordo, sugerindo algumas modificações nas cláusulas da avença, (fls.
204), que foram prontamente atendidas.” Isto está no quarto parágrafo.
86
Registre-se também que não há nos autos parecer ou manifestação desta PGFN ou da SRFB sobre a
versão final assinada do Acordo, motivo pelo qual não podemos nos louvar no entendimento que esses
107. Esse silêncio, porém, parece não ter maiores conseqüências quando se trata do período
pós EC nº 20, de 1998, que está expressamente consignado na Cláusula “A” do Acordo, já que, pelo
princípio da boa-fé contratual, deve-se imaginar que o Estado de Minas Gerais não tenha pretendido,
nem vá pretender no futuro, fugir ao seu dever constitucional de promover a compensação entre
regimes previdenciários, quanto a esse período, quando for chamado a fazê-lo, por ocasião da
concessão das aposentadorias, nos termos da legislação pertinente sobre o assunto.
108. Mas esse silêncio torna-se problemático quando se tem em vista o período pré EC nº
20, de 1998, sobre o qual também silencia – como adequadamente suscitado pela SRFB em sua
consulta – o Acordo. É que essa conjugação de silêncios no Acordo, quanto a esse período, tem sido
utilizada pelo Estado de Minas Gerais para demandar, nos processos relativos a autuações fiscais
sobre fatos geradores dessa época, relativos a contribuições ao RGPS do pessoal listado na referida
Cláusula “A”, sejam tais autuações tornadas insubsistentes, sem que haja no Acordo qualquer garantia
de que o Estado vá adimplir sua obrigação constitucional de efetuar a necessária compensação ao
RGPS no momento próprio, caso tenha aportado recursos nesse período ao RPPS em relação ao
referido pessoal (aporte sobre o qual não há, inclusive, prova nos autos).
109. É certo que a inserção do marco temporal (pós EC nº 20, de 1998) na Cláusula “A” do
Acordo teve o considerável mérito de deixar explícita a decisão das partes de vincular os servidores
não efetivos ao RGPS desde a data do advento da EC nº 20, de 1998, e não a partir da LC Estadual
nº 100, de 2007, o que, aparentemente, consubstanciou um significativo avanço na solução das
controvérsias judiciais existentes entre as partes. Contudo, deixou num limbo hermenêutico a situação
pretérita àquela Emenda, como se comprova pela simples existência da presente consulta da SRFB.
110. Veja-se, no ponto, outrossim, que a CONJUR/MPS, em suas suas duas manifestações,
jamais defendeu que o Acordo estabelecesse uma retroação do vínculo ao RGPS dos servidores não
efetivos ao período anterior à EC nº 20, de 1998, mas defendeu, no item 61 do seu primeiro parecer,
que também quanto a esse período fosse inserida cláusula no Acordo obrigando o Estado a proceder à
necessária compensação financeira ao RGPS, dado que a aposentação desse pessoal se há de dar por
esse regime. Transcrevemos, novamente, esse item para melhor clareza:
“61. Uma última ressalva é importante. Quanto aos períodos de cobertura
previdenciária de servidores não efetivos anteriores à Emenda Constitucional nº 20, de
1998, dada a inexistência de obrigatoriedade de filiação ao RGPS (porquanto
inexistente a norma do § 13 do art. 40, da Constituição Federal), deveria, em tese, o
próprio Estado de Minas Gerais assegurar a manutenção da filiação previdenciária ao
seu RPPS, competindo-lhe o compromisso de futura expedição das correspondentes
Certidões de Tempo de Contribuição – CTC, para averbação junto ao RGPS, quando
solicitado.”
111. Essa sugestão, contudo, também não foi acatada pelas partes, nada constando no
Acordo sobre o assunto, circunstância que, de resto, parece militar em prol da tese de que o Acordo
simplesmente não disciplina – nem as partes pretenderam disciplinar – as relações entre elas em
matéria de vínculo a regimes previdenciários (e suas respectivas contribuições) do pessoal não efetivo
do Estado de Minas Gerais no período pretérito à EC nº 20, de 1998.
112. Diante de tudo isso, pensamos que a prudência está a recomendar postura hermenêutica
no sentido de que, dada a inexistência, no Acordo, de cláusula em que o Estado de Minas Gerais se
comprometa a efetuar a compensação ao RGPS quando da concessão de benefícios previdenciários
pelo INSS aos servidores não efetivos relativamente aos recolhimentos ao RPPS do período pré EC nº
20, de 1998, não há como interpretar-se o Acordo como contendo deliberação sobre a vinculação
desses servidores, nesse período, quer ao RPPS, quer ao RGPS, nem conseqüentemente, como
órgãos acaso tenham firmado sobre a opção a final adotada para a problemática suscitada pela
CONJUR/MPS.
contendo deliberação sobre o recolhimento das correspondentes contribuições previdenciárias –
matéria objeto da preocupação da consulta da SRFB a esta PGFN.
113. Essa interpretação, aliás, rende homenagem à regra dos artigos 843 e 114 do Código
Civil brasileiro em vigor, mais acima referida. Isto porque nos parece configurar interpretação
extensiva aquela a dizer que a União teria renunciado, implicitamente – e sem maiores garantias por
parte do Estado de Minas Gerais de promover a compensação financeira de que trata o artigo 201, §
9º, da Lei Maior Brasileira – à cobrança de contribuições previdenciárias no período pré EC nº 20, de
1998, quanto ao pessoal em apreço, por fruto de uma interpretação a contrario sensu da limitação
temporal inserida na Cláusula “A” do Acordo.
114. De conseguinte, segundo pensamos, a Superintendência da SRFB em Minas Gerais não
deve tornar insubsistentes as autuações fiscais relativas às contribuições ao RGPS do pessoal não
efetivo do Estado de Minas Gerais do período pré EC nº 20, de 1998, porque o Acordo, tal como
celebrado, não as abrange.
115. Parece-nos, todavia, recomendável que as partes celebrem aditivo ao Acordo,
deliberando expressamente a respeito dessas questões, para espancarem-se as dúvidas que a redação
que restou a final aprovada para a Cláusula “A” acabou suscitando, em detrimento da solução das
pendências administrativas e judiciais existentes entre as partes, que o Acordo, decerto, tentou
alcançar (sem, como se percebe, sucesso integral, lamentavelmente).
116. Esse aditivo poderia, inclusive, veicular cláusula atinente ao próprio período pós EC nº
20, de 1998, mediante a qual o Estado de Minas também assegurasse, no que diz respeito ao lapso que
vai da data da edição da EC nº 20, de 1998, até a data da edição da LC Estadual nº 100, de 2007, a
compensação entre os regimes, em atendimento às recomendações da CONJUR/MPS.
IV
117. Temos por respondidos, assim, os questionamentos de nº 2 e 9 da consulta da SRFB,
ficando os demais para serem examinados noutro(s) trabalho(s).
É o parecer. À consideração superior.
FABRÍCIO DA SOLLER
Procurador-Geral da Fazenda Nacional Substituto