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Seminário René David

Terceira Parte -
Common law

Professora Debora Bonat

https://orcid.org/0000-0002-0245-2380
2021

Seminário 1: Os Grandes
Sistemas do Direito
Contemporâneo
Terceira parte - Common law
René David

Organização:
. PMPD - Programa de Mestrado Profissional
em Direito UnB - DF
.Disciplina de Cortes Superiores e a Força
dos Precedentes

Apresentações, Debates e Produção Acadêmica sobre


a terceira parte do Livro Os Grandes Sistemas do Direito
Contemporâneo
Imagem disponível no site:
https://images.app.goo.gl/fF5VtReNHyGMc4wS8
De forma concisa, este relatório tem por objetivo apresentar
informações relativas ao seminário referente a René David,
realizado no dia 21 de setembro de 2021, como parte das
atividades da disciplina de Cortes Superiores e a Força dos
Precedentes, do Programa de Mestrado Profissional em Direito da
Universidade de Brasília – UnB, ministrada pela professora
doutora Debora Bonat.

Ao longo do seminário, a equipe apresentadora discorreu


oralmente, apoiada por slides ilustrativos, sobre a vida e obra de
René David, um autor clássico, e seu livro Os grandes sistemas
do direito contemporâneo, mais especificamente da sua terceira
parte, intitulada A common law.

Logo após a exposição, abriu-se espaço para interessantes


provocações feitas pela professora Debora e para debates
envolvendo os demais discentes sobre as contribuições dadas
por René David ao direito de um modo geral.
O seminário apresentado teve como escopo apresentar aspectos
históricos, sociais e estruturais do sistema inglês do common law,
traduzido sob a perspectiva de René DAVID, jurista francês, que
traçou um paralelo distintivo com a experiência dos países do
continente europeu de tradição do civil law.

A partir da análise crítica do texto selecionado, foram realizados


debates sobre as características marcantes do common law,
construído na longa trajetória de formação do direito na Inglaterra, a
fim de desmistificar conceitos e proposições equivocadas de
juristas de formação romano-germânica, notadamente os
relacionados à construção de precedentes vinculantes.
Depois de compreendidas as nuanças que envolvem o judge
made law, com destaques aos traços essenciais do sistema de
precedentes no common law – formação, aplicação e revisão –, o
passo seguinte na dinâmica de debates foi exatamente destacar
a necessidade de um olhar crítico à fórmula adotada pelo Código
de Processo Civil de 2015, de clara inspiração no instituto
alienígena, com o objetivo de identificar os problemas
decorrentes da introdução de precedentes vinculantes, sem
observância de elementos fundamentais ao seu bom
funcionamento.
O relatório que ora se apresenta é resultado do planejamento,
organização, acompanhamento e debates do Seminário “Os
grandes sistemas do Direito contemporâneo”, que tratou
especificamente do common law na Inglaterra, conduzido pela
professora doutora Debora Bonat da Faculdade de Direito da
Universidade de Brasília – UnB, na disciplina Cortes Superiores e
Força dos Precedentes, ministrada no Programa de Mestrado
Profissional em Direito, Regulação e Políticas Públicas da mesma
Universidade no segundo semestre de 2021.
O discente Tiago Irber iniciou a exposição falando um pouco sobre a
vida de René David, destacando seus estudos sobre direitos sui
generis, como o Soviético, o Hindu, o Chinês o Judaico e o
Paquistanês.

Começou a exposição do Livro “Os grandes sistemas do direito


contemporâneo”, edição de 2002, mais especificamente da sua
terceira parte, intitulada A common law, começando pelo Capítulo I -
História do direito inglês.

Contextualizou a importância histórica do direito inglês, no sentido


de que todo o estudo da common law deve começar pelo seu estudo,
mesmo que hoje em dia os sistemas de direitos decorrentes sejam
diferentes do direito inglês, por ele foram profundamente marcados.
Abordou os quatro principais períodos da história do direito inglês,
começando pelo período anglo-saxônico, explicando que é o período
anterior à conquista normanda de 1066. Continuou expondo sobre o
segundo período, que foi o de formação da common law, indo de
1066, com a conquista normanda, até 1485, com o advento da
dinastia dos Tudors. Expôs, também, que o terceiro período foi de
1485 a 1832, o denominado período de rivalidade com a equity. Por
fim, terminou essa parte da exposição trazendo o denominado
período moderno, o quarto, que começou em 1832.

Destacou as principais características de cada período e ressaltou


que o primeiro foi caracterizado pela existência de leis bárbaras, que
eram redigidas em latim, quando predominava o período tribal, com
um direito estritamente local.
Relatou que no segundo período a existência de um poder forte e
centralizado na Inglaterra fez desaparecer o sistema tribal e o direito
local, tendo sido instaladas Cortes reais e um sistema de justiça
centralizado, criando um direito comum a todos os ingleses. Ainda
nesse período, acentuou que o êxito dos Tribunais Reais foi
gradativo, mas definitivo, criando as bases da common law que
marcou o direito inglês de forma duradoura em alguns aspectos,
como o interesse dos juristas ingleses concentrado no processo,
bem como a rejeição da distinção entre o direito público e privado.
Evidenciou, no terceiro período, que a dependência e limitação da
common law pelos processos formalistas e estruturados, fez surgir
um “sistema rival”, chamado de equity, que era o recurso direto ao
Rei, daqueles insatisfeitos com as decisões proferidas pelos
Tribunais Reais. Explicou que nesses tribunais de equity não havia as
amarras procedimentais que existiam na common law, fazendo com
que sua importância e de suas decisões “mais justas” fossem
aumentando ao longo do tempo, ganhando grande apoio real em sua
atuação.

Discorreu que a crescente importância da equity fatalmente a levou


a um choque com a common law em razão dos conflitos de
jurisdição, culminando em um compromisso entre os dois sistemas
em 1616, para que ambas subsistissem, lado a lado, em equilíbrio de
forças, dentro do sistema de justiça inglês.
Por fim, retratou o último período chamado moderno, ressaltando
que foi também uma época de transformação fundamental na
história do direito inglês em que houve um desenvolvimento sem
precedentes da legislação, com reformas e modernização do direito,
modificação da organização judiciária, com ab-rogação de leis em
desuso e sistematização de regras, bem como a supressão da
distinção formal dos tribunais da common law e do Tribunal de
equity da Chancelaria, passando todas as jurisdições inglesas a ter
competência para aplicar do mesmo modo as regras da common law
e as de equity.
O discente Leandro Moreira fez a apresentação da segunda parte do
Seminário, no qual foi abordada a estrutura do direito inglês. Nesse
ponto, ponderou-se sobre a diferença entre o civil law, de origem
românico-germânica, marcado pela existência de leis escritas, ao
passo que no direito inglês ou common law, ao menos nessa fase
histórica, é marcada pela ausência de diplomas legislativos, sendo a
construção do direito decorrente da interpretação judicial nos casos
concretos que lhe são submetidos, daí a denominação direito
jurisprudencial.
A partir desse breve introito, o discente aprofundou a distinção, no
direito inglês, entre a common law e a equity, cuja aplicação era
feita, quanto ao primeiro instituto, pelos Tribunais Reais de
Westminster, onde os denominados common lawyers atuavam, cuja
característica principal consistia na fixação de indenização de
perdas e danos em face do inadimplemento de uma obrigação que,
de forma alguma, podia ter sua execução forçada determinada pelos
referidos Tribunais.
Asseverou que, por outro lado, a equity era aplicada pelos Tribunais
da Chancelaria, cuja atuação era dos equity lawyers, onde, ao
contrário dos tribunais reais, podia haver uma determinação, sob
pena de prisão ou penhora de bens, da ordem emanada pelo
Chanceler, geralmente um clérigo. Cumpre ressaltar que o autor dos
textos aponta a rivalidade inicial entre estes dois sistemas que
foram se aproximando diante da necessidade social de uma
resposta justa e adequada que, em muitos casos, não ocorria com a
mera fixação de indenização, que era suprida pela equity, porquanto
é conferida ao Chanceler maior discricionariedade na tomada de
decisões, tomando iniciativas não permitidas aos juízes dos
Tribunais reais.
Ressaltou que outro traço distintivo entre os referidos Tribunais era
a impossibilidade de participação de um Júri perante o Tribunal da
Chancelaria, cuja jurisdição era exercida exclusivamente pelo
Chanceler, que necessariamente deveria seguir os princípios da
common law (equity follows the law), não estando estritamente
vinculado a estas regras, podendo complementá-las com escopo de
aperfeiçoar, no interesse da moral, o sistema de direito aplicado ao
caso concreto.

Explicou que, por meio dos “Judicature Acts”, expedidos entre 1873-
1875, essa dicotomia formal acabou, na medida em que todas as
jurisdições inglesas passaram a ter competência para ordem tanto
as soluções de equity como as da common law sendo que, em caso
de conflito na aplicação dos referidos sistemas, deveria prevalecer a
primeira solução.
Após a explanação dos principais elementos distintivos entre os
sistemas, o discente passou a discorrer a respeito do instituto
denominado trust, conceituado como um negócio jurídico pelo qual
determinada pessoa (settlor of the trust) determina que certos bens
serão administrados por um ou vários trustes, no melhor interesse
dos cestius que trust.
Diferenciou, quanto aos aspectos práticos das controvérsias
jurídicas, as posturas adotadas nos sistemas supracitados pois, na
sistemática do commom law, o trustee não é um mero administrador
dos bens constitutivos do trust, tendo, pelo contrário, diversos
poderes inerentes ao direito de propriedade, ressalvada eventuais
disposições em contrário estabelecidas pelo constituinte, bem como
as regras da moral ou da equity, sendo que, em caso de má gestão,
os cestius que trust não poderiam requerer perdas e danos,
porquanto não seriam, propriamente, detentores de qualquer direito,
o que levou estes casos a serem submetidos aos Tribunais da
Chancelaria, governados pela consciência, nos quais era possível a
obtenção de uma tutela jurisdicional justa.
O discente ainda abordou o instituto das tenures, conceituado como
qualquer direito real sobre bens móveis, no qual Rene David teceu
considerações quanto às figuras do joint tenncy, geralmente
desenvolvidas pelos trustes, e os tenants in common, desenvolvidas
cestuis que trust. Nesse tópico, ponderou-se quanto a diferença entre
a tenancy in common, equivalente à nossa co-propriedade, no qual o
sucessor é chamado a suceder ao titular do direito que falecer, ao
passo que na joint tenancy isso não ocorre, de forma que o direito
que pertencia em comum, originalmente, a vários proprietários, vai
sendo restringido gradualmente aos titulares sobreviventes.
Por fim, o discente abordou a dicotomia do que seria uma regra do
direito e legal rule levando em consideração o sistema românico-
germânico e o inglês, cujas regras são extraídas a partir da ratio
decidendi das decisões tomadas pelos Tribunais Superiores da
Inglaterra, ao passo que as obter dicta não tem o condão de criar
regras de direito, que se confundem no primeiro sistema com as
normas positivadas.
O discente Marcos Brayner fez a apresentação da terceira e última
parte do seminário, ressaltando a importância de se conhecer as
nuanças histórico-culturais de um país ou grupo de países, para
entender como o direito e o sistema jurídico de cada sociedade se
desenvolveram e assumiram determinadas características.

Enfatizou o estreitamento das distâncias e mitigação das fronteiras


nas últimas décadas, circunstâncias que induziram a troca de
experiências e aproximação dos sistemas, provocando novas
reflexões.

Chamou a atenção para o fato de que as diferenças entre os


sistemas jurídicos podem inspirar mudanças, em busca de uma
justiça mais eficiente e igualitária. Contudo, advertiu que, nesse
processo, não se pode perder de vista o contexto de onde são
extraídos conceitos e institutos, sob pena de descaracterizá-los a tal
ponto que os tornem inservíveis.
Passou, em seguida, a falar de cada uma das fontes do direito inglês,
ressaltando a constatação de que se trata de um direito
eminentemente jurisprudencial (case law), formado, em essência,
pela atuação de juízes (judge made law), o que está em consonância
com os traços históricos mencionados no início do seminário.

Nesse ponto, aludiu à complexidade da organização judiciária inglesa


e suas várias transformações ocorridas a partir do século passado,
apontando a estratificação principal entre a chamada “Alta Justiça” –
formada pelos tribunais superiores, cujas decisões constituem
precedentes que devem ser seguidos no futuro – e a “Baixa Justiça” –
administrada por uma série de jurisdições inferiores ou por
organismos "quase-judiciários", sendo esta responsável pela solução
da maior parte dos conflitos. Foi evidenciado o papel também
jurisdicional do Comitê de Apelação (Appellate Committee) da Câmara
dos Lordes, responsável por julgar os (raros) recursos interpostos
contra decisões da Corte de Apelação (Court of Appeal).
Apresentou um paralelo entre o sistema de precedentes inglês e o
sistema nele inspirado concebido pelo Código de Processo Civil
brasileiro de 2015, com especial destaque à enorme quantidade de
processos julgados pelas Altas Cortes do Brasil, circunstância que
implica dificuldades de produção de precedentes fortes. Outra
peculiaridade para a qual chamou a atenção é a ausência de
Ministério Público na Inglaterra.

Sob a perspectiva da jurisprudência como fonte principal de direito,


Brayner contrastou as peculiaridades distintivas do sistema do
common law, criada pelos Tribunais Reais de Westminster, com as
do sistema do civil law do continente europeu, assentado
essencialmente na lei escrita: significado e alcance da regra; forma
dos julgamentos ingleses; técnica das distinções (ratio decidendi e
obter dictum); regra do precedente na equidade (equity); e regra do
precedente e norma escrita (statute law).
Em seguida, passou à análise da lei como fonte de direito, que
assume papel secundário para os ingleses – porque precisa da
“convalidação” de decisões judiciais para delimitar seu alcance e
efetividade –, mas crescente nas últimas décadas, movimento que
vai ao encontro da necessidade de aproximação dos países vizinhos
do continente.

Também falou do costume geral imemorial do reino unido, o qual não


transforma o direito inglês em consuetudinário, como falsamente se
propala. Sem embargo, sobrelevou a relevância de costumes locais
e comerciais como fatores de inspiração de leis ou consagrados
pela jurisprudência, descaracterizando o costume como fonte direta
de direito.
Ao final, teceu considerações conclusivas, essencialmente a
necessidade de abandono da ideia equivocada de que o direito
inglês é um direito consuetudinário, raciocínio construído por muitos
juristas do continente europeu que partem da alternativa: ou o
direito é um direito escrito, fundado sobre os códigos, ou não é um
direito escrito e, por conseguinte, é consuetudinário; é, sim, um
direito jurisprudencial. No ponto, ressaltou, mais uma vez, que o
common law teve por efeito fazer desaparecer o direito
consuetudinário da Inglaterra, existente nos costumes locais.

Aludiu à importância crescente da lei no direito inglês,


principalmente nas últimas décadas, em que o direito escrito foi
ganhando espaço, movido pelas necessidades prementes de
soluções rápidas para novos problemas do reino, por isso
assumindo um caráter mais casuístico.
Marcos Brayner reafirmou a característica marcante do common law
inglês de ser um direito histórico, sem rupturas, lastreado no judge
made law, em que a jurisprudência exerce papel de grande
importância no sistema jurídico.

Asseverou que a regra do precedente não implica engessamento,


tampouco automatismo, das decisões, porque distinções
(distinguishing) dos novos casos podem ensejar alteração da
solução – embora sempre exigindo muito esforço dos atores
processuais –, o que decorre da rápida evolução da sociedade, a
exigir mais flexibilidade e adaptações.
Dentro desse contexto contemporâneo, explicou que a doutrina, por
muito tempo subestimada na Inglaterra, passa a ocupar mais espaço
na formação universitária dos juristas ingleses, refletindo na
dinâmica tradicional dos operadores do direito.

Concluiu apontando para a noção de razão, como via intermediária


comum entre o sistema do common law inglês e o civil law dos
países europeus do continente, elemento determinante para ambos
construírem decisões coesas, o que pressupõe inevitavelmente um
raciocínio lógico nesse processo.
O Seminário sobre a vida e obra de René David, propôs a análise e a
discussão da terceira parte de seu livro, Os grandes sistemas do
direito contemporâneo, mais especificamente da sua terceira parte,
denominada A common law. A partir das explanações e dos debates
realizados em aula, as seguintes conclusões foram alcançadas:

O objetivo do seminário foi atingido, uma vez que foram


desempenhadas atividades expositivas e questionamentos
sobre a contribuição da visão do autor sobre o direito inglês,
desde a sua formação até os dias atuais, incluindo como se
pode ver a correlação de suas bases com a nossa atual
concepção de direito, bem como a visão prática de todo o
sistema com as atividades realizadas pelos discentes em suas
atuações no Superior Tribunal de Justiça;
A atividade proporcionou espaço de debate e problematização
sobre a common law, a importância histórica do direito inglês, a
sua formação, o surgimento da equity, chegando às estruturas e
fontes, permitindo aos participantes um aprofundamento dos
assuntos e a absorção de um instrumental teórico que, espera-
se, qualifique a prática profissional dos envolvidos;

A produção de conteúdo sobre a temática gerou explanações e


debates de 3 horas e 30 minutos, com a participação de 18
alunos e a professora da disciplina.
. DAVID, René. Os grandes sistemas do Direito Contemporâneio. Trad.
Hermínio A. Carvalho. São Paulo: Martins Fontes, 2002
. BARBOZA, Estefânia Maria Queiroz Barboza. As origens históricas do
civil law e do common law. Revista Quaestio Iuris, vol. 11, nº 03, Rio
de Janeiro, 2018, p. 1456-1486.

. MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 6.ª ed. São


Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019. E-book.

. TARUFFO, Michelle. Precedente e Jurisprudência. Trad. Chiara de


Teffé. Civilistica.com. Rio de Janeiro, a. 3, n. 2, jul-dez./2014.
Disponível em: http://civilistica.com/precedente-e-jurisprudencia/.
Acesso em 20/11/2021.

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