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DIREITO CIVIL I:

TEORIA GERAL

Cinthia Louzada
Ferreira Giacomelli
Revisão técnica:

Gustavo da Silva Santanna


Bacharel em Direito
Especialista em Direito Ambiental Nacional
e Internacional e em Direito Público
Mestre em Direito
Professor em cursos de graduação
e pós-graduação em Direito

S725d Sousa, Cássio Vinícius Steiner de.


Direito civil I: teoria geral [recurso eletrônico ] / Cássio
Vinícius Steiner de Sousa, Cinthia Louzada Ferreira
Giacomelli; [revisão técnica: Gustavo da Silva Santanna]. –
Porto Alegre: SAGAH, 2018.

ISBN 978-85-9502-444-1

1. Direito civil. I. Giacomelli, Cinthia Louzada Ferreira.


II.Título.
CDU 347.1

Catalogação na publicação: Karin Lorien Menoncin - CRB -10/2147


Evolução histórica
do Direito Civil
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Apontar as influências do Direito romano no Direito Civil


contemporâneo.
 Identificar a importância da codificação das normas de Direito Civil.
 Explicar a evolução histórica do Direito Civil brasileiro.

Introdução
O Direito do Ocidente, tanto no que se refere à organização quanto no
que se refere à base de entendimento dos principais conceitos aplicados
atualmente, é legado do Direito romano. Assim, considerando a influência
do Direito romano para o Direito atual, percebemos que as codificações
também exerceram importante função, o que resultou na instituição de
códigos para organizar e evoluir o Direito brasileiro. O Código Civil foi
o primeiro deles, promulgado em 1916 e, depois de longas discussões,
substituído pelo Código Civil de 2002, atualmente vigente.
Neste capítulo, você vai conhecer as principais influências do Direito
romano, a importância da codificação e a evolução do Direito Civil no
Brasil, desde o advento da Constituição Imperial de 1824.

As influências do Direito romano


O Direito do Ocidente é legado do Direito romano, seja no quesito organização ou
no que se refere à base de entendimento dos principais conceitos aplicados hoje.
Silvio Venosa (2012, p. 30) destaca a importância histórica do Direito romano:

[...] o Direito atual é baseado em compilações vazadas no Direito romano; a sua


importância deve-se também ao fato de ser considerado um modelo, porque
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os romanos tiveram aptidão especial para o Direito, criando uma inteligência


e uma forma de raciocínio jurídicas que nos seguem até o presente. Ademais,
o estudo do Direito romano deve ser visto como um auxiliar precioso para o
estudo de todos os povos de influência romano-germânica, como o nosso, es-
tando, a todo o momento, a explicar e especificar nossas instituições jurídicas.

Na história de Roma, o conhecimento e a interpretação das normas jurídicas


eram restritos aos sacerdotes. Apenas no final do século IV a.C. é que surgiram
os peritos leigos, chamados de jurisconsultos, importantes personagens da
história do Direito romano, cujo respeito advinha de uma notória sabedoria.
As atividades desses jurisconsultos consistiam em indicar os atos processuais
aos magistrados e às partes, elaborar documentos jurídicos e emitir pareceres
mediante provocação de particulares e magistrados. A partir do século I
a.C., esses pareceres passaram a ter força de lei. Entre os jurisconsultos da
época, destacam-se Sabinus, Ulpianus e Gaius, autor de uma das obras mais
importantes do Direito romano clássico, Instituciones.
Contudo, com o passar do tempo, o poder dos jurisconsultos foi sendo
reduzido para que se concentrasse cada vez mais na atuação dos imperadores.
Trata-se do período entre os anos 230 e 530, marcado por uma decadência
da ciência do Direito, pois os imperadores não conseguiram conduzir os
estudos jurídicos e passaram a copiar as obras dos jurisconsultos clássicos
e os seus métodos.
A partir do ano 530, o imperador Justiniano atribuiu a um grupo de juristas
a elaboração de uma compilação das melhores decisões da história do direito
romano, que seria conhecida por Digesto, ou Pandecta. Essa fase foi marcada
pela intenção do imperador em restaurar a unidade religiosa e política de Roma
e, embora não a tenha realizado, trouxe importante contribuição para a história
do Direito: o Digesto resultou na reunião dos mais importantes pareceres e
obras dos jurisconsultos do Direito romano clássico.

O Digesto era composto por 50 livros, nos quais estavam compilados trechos esco-
lhidos de cerca de dois mil livros. Os compiladores recrutados por Justiniano podiam
modificar livremente os trechos escolhidos para harmonizá-los com os princípios do
Direito da época, considerando que o trabalho de pesquisa envolvia obras de quatro
séculos anteriores.
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Justiniano também foi responsável pela organização da coleção completa


de todas as constituições imperiais, ou seja, das regras que eram elaboradas
pelos imperadores, o chamado Codex. A compilação original se perdeu e
Justiniano ordenou a elaboração de um novo Codex, que era, portanto, a
reunião das mais importantes regras dos imperadores, em especial do período
do Dominato, que se refere ao fim do período jurídico clássico e ao início
do período jurídico pós-clássico. Além disso, Justiniano ordenou uma nova
versão para Instituciones, de Gaius, que se tornaram as Institutas de Justiniano.
Nos anos seguintes, até pouco antes do seu falecimento, Justiniano também
criou novas regras e novas constituições imperiais, que posteriormente foram
publicadas como Novellae.
Silvio Venosa (2004, p. 316) comenta que:

[...] se, por um lado, o Código foi a primeira tentativa de unificação legislativa
e o Digesto, essa obra grandiosa, as Institutas são um breve manual de estu-
do. Foram preparadas ao mesmo tempo que o Digesto e elaboradas por três
membros da comissão do Digesto, Triboniano, Doroteu e Teófilo.

O autor complementa afirmando que:

[...] a segunda edição do Codex (534) não paralisou a atividade legiferante de


Justiniano. Continuou ele a editar outras constituições importantes, entre 535
e 565. Essas novas constituições são conhecidas por “Novelas”. A maioria foi
editada em língua grega e contém reformas fundamentais, como no Direito
hereditário e no Direito matrimonial.

O conjunto das obras de Justiniano, que abrange o Digesto, as Institutas, o


Codex e as Novellae, é conhecido como o Código de Justiniano, ou Corpus
Iuris Civilis (Instituições de Direito Civil), e são a base do Direito que é
estabelecido atualmente, especialmente no que se refere ao Direito Privado.

Importância da codificação
Considerando a influência do Direito romano para o Direito atual, percebemos
que as codificações exerceram importante função, desde antes de Justiniano.
Historicamente, destaca-se o Código de Hamurabi, reconhecido como o pri-
meiro conjunto de normas escritas e, só mais tarde, na segunda fase do Direito
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romano, a Lei das XII Tábuas, que é um documento fundamental do Direito


do Ocidente e, assim como o Código de Hamurabi, caracteriza-se por ser uma
consolidação de usos e costumes.

A palavra código advém de codex que, para os romanos, indicava uma coleção de leis.
A codificação de Justiniano e outras posteriores no Direito romano não se tratavam
de códigos tal qual conhecemos hoje: eram compilações do Direito conhecido na
época, uma coleção, um conjunto de normas cuja organização permaneceu vigente
até o início do século XIX.

No Brasil, a história da codificação está ligada ao Direito português que,


por sua vez, assimilou o Direito Civil romano a exemplo de países como
Alemanha, França e Espanha. Em Portugal, a adaptação do Direito romano
se deu, em especial, pela Universidade de Coimbra.
Como desenvolvimento histórico, podemos citar primeiramente as Orde-
nações Alfonsinas, de 1446, cujas disposições determinavam a aplicação do
Direito romano nos casos não previstos pela lei, pelos costumes ou pelo Direito
canônico. Já no início do século XVI, surgiram as Ordenações Manuelinas,
sucedidas pelas Ordenações Filipinas e pela Lei da Boa Razão, em 1769:
promulgada pelo Marquês de Pombal, a lei proibia a aplicação do Direito
canônico no foro civil e considerava como “boa razão” aquela decorrente do
Direito das gentes, como produto de bom senso universal.
Atualmente, os códigos se caracterizam por organizar um núcleo da vida
em sociedade. Trata-se de uma organização que permite um ponto de partida
para a interpretação da lei e o desenvolvimento do raciocínio. É um marco na
cultura jurídica e facilita a compreensão do Direito, mesmo que seja neces-
sário recorrer a leis complementares que suplementam os códigos. A parte
geral do Código Civil e do Código Penal, por exemplo, trazem as normas que
estruturam o pensamento jurídico e a aplicação do Direito nessas áreas. Para
Silvio Venosa (2004, p. 220):

[...] o Código da era moderna regula unitariamente um ramo do Direito,


enquanto nos Códigos antigos e medievais a tendência era regular todos os
campos. [...] O código moderno é sistemático e científico, pois os antigos
eram empíricos e não sistematizados. Muitos dos antigos códigos eram meras
compilações ou justaposições de leis.
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Sobre os antigos códigos, é importante destacar que eram compilações


que geralmente obedeciam a um critério cronológico.

Entre as compilações e os códigos, há as consolidações: além de compilar as leis


anteriormente existentes, tratam de ordenar, adaptar redações e criar sequências lógicas
tendo como base as normas que, via de regra, não se alteram substancialmente. No
Brasil, a Consolidação das Leis Civis, elaborada pelo jurista Teixeira de Freitas, surgiu
antes do Código Civil.

Caio Mário Pereira (2014, p. 65) destaca que “[...] codificar o Direito é co-
ordenar as regras pertinentes às relações jurídicas de uma só natureza, criando
um corpo de princípios dotados de unicidade e deduzidos sistematicamente”.
Não se trata, portanto, de uma simples reunião de disposições legais relativas
a um determinado assunto.
Com relação aos códigos atuais, destaca-se uma vantagem: a codificação
pode ser adaptada e atualizada em virtude de fatos da vida cotidiana que não
podem ser previstos no momento da elaboração das leis. É essa característica
que permite a permanência de um código, contribuindo para a aplicação
ordenada do Direito em busca da sua finalidade essencial, que é a regulação
da vida em sociedade.
Contudo, o sistema de códigos também apresenta uma desvantagem: a
alteração de dispositivos de um código exige cuidados especiais, sob pena
de comprometer a sua logicidade. Assim, muitas vezes, o legislador prefere
editar leis a alterar o código, o que resulta em uma multiplicidade de normas
que pode confundir e dificultar a convivência dos códigos com os chamados
microssistemas. Microssistemas, também conhecidos por estatutos (ou até
mesmo códigos, como o Código de Trânsito Brasileiro e o Código das Águas),
referem-se a leis abrangentes que tratam de um setor específico e facilmente
identificável no ordenamento jurídico. É o caso do Estatuto do Idoso e o
Estatuto do Torcedor, por exemplo.
Sobre os microssistemas, Caio Mário Pereira (2014, p. 66) ressalta:

[...] são leis especiais, cujo objetivo é a disciplina de um setor isolado de


atividade, que só por eufemismo mal-empregado recebem aqueles nomes
pomposos. Não há cogitar de Código onde falta espírito de sistema e dedução
científica e harmônica de princípios.
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Dessa forma, a codificação representa a aplicação de uma técnica legis-


lativa apurada que permite a compreensão de um tema sob o mesmo sistema
de interpretação.

Evolução do Direito Civil


No Brasil, com a promulgação da Constituição Imperial de 1824, foi re-
comendada a organização de um Código Civil e de um Código Criminal
que atendessem às necessidades brasileiras da época. Em meados de 1855,
o governo imperial entendeu que, antes da codificação, seria interessante
elaborar uma consolidação das leis civis, o que aconteceu em 1858, pelo
jurista Teixeira de Freitas.
O mesmo jurista foi contratado, então, para elaborar o Código Civil previsto
pela Constituição Imperial. Contudo, o jurista unificou leis civis com leis
comerciais e o projeto não foi aceito. Designou-se para essa missão, então,
Nabuco Araújo, que, não pode realizar o trabalho antes da sua morte. Mais
uma vez, o Código Civil brasileiro foi adiado. Já em 1889, o ministro da Justiça
Cândido de Oliveira nomeou uma comissão para a elaboração de um projeto;
porém, com o advento da República, a comissão se dissolveu.
Em 1893, Coelho Rodrigues também apresentou um projeto de Código
Civil que, concluído em 1893, também não foi aprovado. Contudo, ao as-
sumir a Presidência da República, Campos Salles nomeou, em 1899, o
cearense Clóvis Bevilácqua para cumprir a tarefa. No final do mesmo ano,
ele apresentou um projeto que, após 16 anos de debates e críticas, foi
aprovado e promulgado em 1º de janeiro de 1916, tendo entrado em vigor
um ano depois.
No entanto, o Código Civil de 1916 não atendia por completo às necessida-
des da época, pois, como afirma Caio Mário Pereira (2014, p. 71), “já nasceu
velho”. Para o autor, o Código estava:

[...] muito preso ao excessivo individualismo predominante no século XIX,


não soube desvencilhar-se dele. Deixou de inserir conquistas já existentes,
e outras que despontavam e proporcionavam a abertura para a inspiração
solidária do Direito no século XX (PEREIRA, 2014, p. 71).

Nesse sentido, Maria Helena Diniz (2017, p. 65) comenta que:


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[...] com o escopo de atualizar o Código Civil de 1916, atendendo aos reclamos
sociais, várias leis, que importaram em derrogação do diploma de 1916, foram
publicadas, dentre elas: a do estatuto da mulher casada, a do divórcio, as da
união estável, a dos direitos autorais, a dos registros públicos [...] O Direito
Civil, então inclinou-se às contingências sociais criadas por leis especiais,
acolhendo as transformações ocorridas, aluvionalmente, para atender às
aspirações da era atual.

Reconhecida a necessidade de adequações, em virtude também das inú-


meras transformações sociais e econômicas, juristas designados propuseram o
anteprojeto de um Código das Obrigações em 1941. Contudo, objeto de críticas,
o anteprojeto não prosperou principalmente devido ao fato de atentar contra
o critério orgânico do Direito codificado, que seria rompido com a aprovação
isolada de um código que regulamentasse somente as relações obrigacionais.
De 1963 a 1991, propostas de revisão do Código Civil foram apresentadas
e tramitaram no Congresso Nacional. Até que, em 1991, o último projeto
foi desarquivado na Câmara dos Deputados e revisado, tendo recebido seu
parecer final em 1997, com ressalvas de que deveria ser revisto, considerando
o advento da Constituição Federal de 1988. Em 2002, portanto, o Código
Civil foi sancionado pelo presidente da República e entrou em vigor em todo
o país um ano depois.
O Código Civil de 2002 divide-se em duas partes: uma geral e uma es-
pecial. A parte geral é formada por três livros: das pessoas, dos bens e dos
fatos jurídicos. A parte especial divide-se em do direito das obrigações, do
direito de empresa, do direito das coisas, do direito de família, do direito
das sucessões e o livro complementar, que apresenta as disposições finais e
transitórias. Caio Mário Pereira (2014, p. 78) comenta que:

[...] tomando como ponto de partida o Código Civil de 1916, sua preceituação
e a sua filosofia, percebe-se que o Direito Civil seguiu por rumo bem defini-
do. Acompanhando o desenvolvimento de cada instituto, vê-se que, embora
estanques, os segmentos constituíram uma unidade orgânica, obediente no
seu conjunto a uma sequência evolutiva uniforme.

Considerando a evolução do Direito Civil, é de se considerar, no estágio


atual, a forte incidência dos princípios constitucionais e dos direitos funda-
mentais consolidados no ordenamento jurídico brasileiro com o advento da
Constituição Federal de 1988.
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DINIZ, M. H. Compêndio de introdução à ciência do Direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
PEREIRA, C. M. S. Instituições de Direito Civil. 27. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. v. I.
VENOSA, S. S. Direito Civil: parte geral. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2012.
VENOSA, S. S. Introdução ao estudo do Direito: primeiras linhas. São Paulo: Atlas, 2004.
Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para
esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual
da Instituição, você encontra a obra na íntegra.

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