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Evolução histórica do

Direito Comercial
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Descrever a evolução normativa do Direito Comercial brasileiro.


 Analisar a teoria da empresa como novo paradigma do Direito
Comercial.
 Apresentar as fontes do Direito Empresarial.

Introdução
A troca de produtos entre os seres humanos ocorre desde os tempos
mais remotos da nossa história. No entanto, a necessidade de constituir
uma legislação que disciplinasse esse instituto tornou-se cada vez mais
evidente ao longo dos anos. Inicialmente, o Código Comercial de 1850
foi estabelecido para disciplinar as relações mercantis entre os cidadãos.
Mais tarde, já em 2002, o Código Civil apresentou um livro que disciplina
os atos empresarial e empresário.
Neste capítulo, estudaremos a evolução e as fases do Direito Comercial
brasileiro, bem como o surgimento e as fontes da teoria da empresa.

Evolução do Direito Comercial brasileiro


O ato de trocar produtos e serviços sempre existiu entre os seres humanos, antes
mesmo de ser denominado comércio. Ao longo da história da humanidade,
inúmeros grupos cultivavam produtos e, caso a colheita fosse bem-sucedida
e suficiente para prover o sustento de todos os seus integrantes, o restante
era usado como moeda de troca para que obtivessem provisões, alimentos e
ferramentas que facilitassem as tarefas diárias.
Inicialmente, as trocas se estabeleceram em função da necessidade imediata
de subsistência, mas, mais tarde, percebeu-se a vantagem de produzir uma
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quantidade excedente que servisse como futuro escambo. Nesse primeiro


período, caracterizado pela permuta de mercadorias e pela inexistência de
uma moeda semelhante às que conhecemos hoje, sucedeu o que identificamos
como troca direta (PORTO, 2014). Nessa fase, não havia a real presença do
comércio categoricamente estabelecido, pois os produtos se reservavam apenas
para o sustento, de modo que os contingentes ainda não cultivavam com vistas
a trocas remanescentes, como sucederia com o transcorrer do tempo.
Conforme leciona Martins (2000, p. 1):

No início da civilização, os grupos sociais procuravam bastar-se a si mesmos,


produzindo material de que tinham necessidade ou se utilizando daquilo do
que poderiam obter facilmente da natureza para a sua sobrevivência alimentos,
armas rudimentares, utensílios. O natural crescimento das populações, com
o passar dos tempos, logo mostrou a impossibilidade desse sistema, viável
apenas nos pequenos aglomerados humanos. Passou-se, então, à troca dos bens
desnecessários, excedentes ou supérfluos para certos grupos, mas necessários
a outros [...]. Inegavelmente, a troca melhorou bastante a situação de vida de
vários agrupamentos humanos.

Nos tempos primitivos, os seres humanos viviam em grupos, sendo a


maioria nômade e pertencente à mesma família. Eles viviam afastados uns dos
outros, fator que exigia a autossuficiência do grupo. Todavia, com o decurso
do avizinhamento, iniciou-se a primeira forma de comércio propriamente
dita: a troca, que ocasionou melhor aproveitamento das riquezas e maior
dedicação do homem ao desenvolvimento das culturas, como cereais, gado,
ferramentas, etc.
O Direito Comercial se divide em quatro períodos. O primeiro se situa entre
meados do século XII e fins do XVI, momento em que o Direito era aplicado
somente a integrantes da corporação dos comerciantes, seguindo, portanto,
um critério subjetivo para a sua aplicação (TRABALLI, 2016). Nesse período,
cada país adotava um modo particular de desenvolver o comércio. A Grécia se
baseava nos costumes e foi responsável pelos primeiros contratos relativos à
comercialização marítima, assim como pela lei escrita. Já em Roma, o comércio
se fundamentava no jus gentium (do latim “direito das gentes” ou “direito
do povo”) e compunha-se de normas que eram aplicáveis aos estrangeiros,
visto que a prática do comércio não era bem aceita pela aristocracia, pois era
apontado como degradante (MEDEIROS, 2011).
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Etimologicamente, o vocábulo comércio advém do latim commercium, que podemos


traduzir como “tráfico de mercadorias”. Na acepção do termo, indica o câmbio espon-
tâneo de mercadorias ou serviços por produtos diversos ou valores (MEDEIROS, 2011).

No segundo período, entre os séculos XVI e XVIII, destacou-se o aperfei-


çoamento do critério subjetivo, uma vez que surgiu o instituto da sociedade
anônima, adequado aos empreendimentos da expansão colonial que ocorriam
no momento.
Já no terceiro período, entre o século XIX e a primeira metade do XX,
fixou-se o critério objetivo sob a influência dos ideais iluministas da Revolução
Francesa, quando enfim o Direito dos comerciantes se tornou o Direito dos
atos do comércio, adotando o sistema francês. Em meados do século XX,
aconteceu a unificação das normas do Direito Privado, de forma que o Direito
Comercial deixava de indicar “atos de comércio” e passava a referir “empresa”,
adotando o sistema italiano (TRABALLI, 2016).
No que tange ao Brasil, ainda que o comércio desenvolvido no período
colonial fosse intenso, o País submetia-se às regras da Coroa Portuguesa, sob
regência do Rei Felipe II. Em 1603, ele editou as Ordenações Filipinas, em
alusão ao seu nome, o que vigorou até determinado momento após a chegada
de Dom João VI ao Brasil, em 1808. Pressionada por Napoleão, que ameaçou
invadir Portugal, a Corte Lusitana refugiou-se no Brasil, então sob a condição
de sede provisória da Coroa, e produziu profundas mudanças de caráter eco-
nômico para a colônia, medidas que incontestavelmente contribuíram para o
desenvolvimento da atividade mercantil (MORAES, 2011). A respeito desse
momento histórico, é importante destacarmos o Decreto da Abertura dos
Portos às Nações Amigas, promulgado em Salvador em 1808. Esse decreto
determinava a reinstituição do Tribunal da Junta do Comércio, Agricultura,
Fábricas e Navegação no Rio de Janeiro, bem como a criação do Banco do
Brasil, medidas que foram tomadas no mesmo ano da promulgação do docu-
mento (MORAES, 2011).
Em 1832, José Lino Coutinho, que ocupava o cargo de Ministro da Re-
gência do Império, compôs uma comissão e nomeou José Antonio Lisboa,
Inácio Ratton, Guilherme Midosi e Lourenço Westin, considerados os ne-
gociadores, para, sob a presidência do magistrado Antonio Limpo Abreu,
posteriormente substituído por José Clemente Pereira, apresentar um projeto
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de código comercial. Tal projeto foi apresentado em 1834 e encaminhado à


Câmara dos Deputados. Após os trâmites, o Código Comercial foi aprovado
em 1845 e remetido ao Senado, de onde retornou com emendas. O texto final
foi aprovado em 6 de março de 1850, sancionado em 25 de abril desse ano e
promulgado pouco tempo depois, em 25 de junho, transformando-se na Lei
Federal nº. 556, que formalmente instituía o Código Comercial do Império
do Brasil (FRANÇA, 1977-1982).
Na Figura 1, você pode conferir uma reprodução do Código Comercial
de 1850.

Figura 1. Reprodução da imagem original do Código Comercial do Império do Brasil, de 1850.


Fonte: Ança (1977–1982).

Regido por uma forte influência francesa, o Código Comercial brasileiro


acolheu a teoria dos atos de comércio, que considerava como comerciante todo
o indivíduo que realizasse compra e venda de mercadorias e de algumas classes
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de serviços de forma profissional. Para que os comerciantes desfrutassem das


benesses da legislação comercial, havia a obrigatoriedade disposta no art. 4°,
que solicitava a inscrição nos tribunais do comércio, mais tarde denominados
juntas comerciais (MORAES, 2011).
Surpreendentemente, mesmo com todas as mudanças, não houve enume-
ração dos chamados atos do comércio, diferentemente do que se encontrava
no Código francês da época, que enumerava todos esses atos. Assim, somente
após a edição do Regulamento nº. 737, em 25 de novembro de 1850, que o art.
19 disciplinou as diversas operações de câmbio, seguros, banco e corretagem,
bem como a compra com o objetivo de posterior revenda de bens móveis ou
semoventes, transporte de mercadorias, entre outros, como podemos verificar:

Art. 19 Considera-se mercancia:


§ 1º A compra e venda ou troca de bens móveis ou semoventes, para os ven-
der por grosso ou a retalho, na mesma espécie ou manufaturados, ou para
alugar o seu uso.
§ 2º As operações de câmbio, banco e corretagem.
§ 3º As empresas de fábricas, de comissões, de depósito, de expedição, con-
signação e transporte de mercadorias, de espetáculos públicos.
§ 4º Os seguros, fretamentos, riscos; e quaisquer contratos relativos ao co-
mércio marítimo.
§ 5º A armação e expedição de navios (BRASIL, 1850, documento on-line).

No decorrer dos anos, inúmeros dispositivos do Código Comercial foram


suprimidos por novas regras, isto é, por leis que se adequassem melhor à evo-
lução do comércio. Como exemplos, temos a Lei de Falências e Concordatas,
de 1945, a Lei das Sociedades Anônimas, de 1976, etc. Igualmente impor-
tante foi a edição da Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que instituiu o
Código Civil e suprimiu quase todos os artigos que ainda regulavam os atos
comerciais datados de 1850. Subsistiram apenas os que faziam referência ao
comércio marítimo.
A nossa legislação civil contemporânea foi influenciada pelo modelo do
Código Civil italiano de 1942, que motivou a combinação legislativa entre o
Direito Privado, agregando regras básicas dos Direitos Civil e Comercial. Com
isso, o Código adveio para regular matérias específicas do Direito Comercial,
como empresários, empresas, livros empresariais, registro público de empresas,
nome empresarial, entre outras matérias (MORAES, 2011).
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Teoria da empresa
Juridicamente, a empresa surgiu na Europa no século XVII. No entanto, o Código
Civil italiano de 1942 foi o verdadeiro marco no âmbito legislativo, sobretudo para
os países que utilizavam o sistema da comercialidade, como o Brasil. Desde então,
contemplava-se empresa mediante a adoção de leis esparsas que se adequassem
ao caso concreto. Portanto, o Código italiano foi o instrumento que validou,
de fato, o sistema normativo da empresa, visto que trouxe o estatuto jurídico
qualificador do empresário, assim como o conceito de azienda (“empresa” em
italiano). Dessa forma, ele organizou as atividades desenvolvidas e regulou as
relações interpessoais de trabalho frente à empresa e em torno dela, todas as
partes integradas de um único sistema de unificação obrigacional, suplementado
por uma lei de falências independente (BULGARELLI, 1985).
Logo, o Código Civil italiano associou a teoria da empresa à indispen-
sabilidade de uma figura que se aplicasse a diversos moldes de atividades
econômicas. A empresa foi inserida nessa circunstância como uma associação
entre atividade econômica e organização. O legislador italiano não se ateve
aos conceitos e particularidades, além de haver preterido a doutrina e a juris-
prudência à atribuição de investigar esses elementos na esfera jurídica, nivelar
princípios tradicionais em prol do lucro e da habitualidade, que são elementos
determinantes do conceito de empresa (PACIELLO, 1978).
Inúmeros jurisconsultos italianos se aplicaram ao estudo do conceito da
empresa. Cesar Vivante (1932) defendia a ideia de que empresa é um organismo
econômico que, por seu próprio risco, recolhe e põe em atuação sistemati-
camente os elementos necessários para obter um produto destinado à troca.
O doutrinador Waldírio Bulgarelli (1985), por sua vez, acrescenta que essa
combinação dos fatores, sejam eles naturais, capitais ou trabalhistas, produ-
ziriam resultados impossíveis de serem alcançados de maneira individual.
Juntamente com o risco que o empresário assumiria para produzir uma nova
riqueza, eles se tornariam requisitos indispensáveis à empresa.
Atualmente, para conceituarmos empresa, é necessário atentarmos a quatro
subdivisões que objetivam facilitar a administração e, ao mesmo tempo, evitar
prejuízo. Como explica Coelho (2012), a persecução do lucro, a atividade
econômica, o método do labor e a profissionalidade, aplicados de forma simul-
tânea e harmônica, reduzem a probabilidade de eventuais perdas financeiras.
Rubens Requião (2012) cita o parecer do professor Fábio Asquini ao explicar
que a empresa não apresenta um único conceito devido à sua mutabilidade,
de modo que é necessário pensarmos nela como um evento poliédrico, isto é,
dividido em quatro formas (REQUIÃO, 2012):
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1. Perfil subjetivo — a empresa é analisada perante a figura do seu


administrador.
2. Perfil funcional — a instituição é analisada como investimento.
3. Perfil objetivo ou patrimonial — estuda a função dos bens da empresa,
o que não engloba o estabelecimento empresarial, diferenciando, assim,
o que é patrimônio individual do empresário.
4. Perfil corporativo — a empresa é analisada enquanto instituição, o
que inclui o seu administrador e os funcionários.

De acordo com Requião (2012), a lição elaborada por Asquini demonstra que
a empresa é compreendida como uma atividade organizada sem fins lucrativos,
de forma que não há confusão entre a figura da empresa e a do estabelecimento.
Como lecionam Valente, Castro Neto e Dias (2013), devemos lembrar que ela
apresenta como foco principal produzir determinado bem ou serviço, além de
obter lucro sobre o que foi investido inicialmente. Por outro lado, o estabele-
cimento é o espaço para o funcionamento da empresa e, consequentemente, é
fundamental na elaboração do produto ou na execução do serviço em questão.
No século XIX, a doutrina passou a reconhecer a importância da relação
existente entre as pessoas jurídicas do comércio, de modo a envolvê-las em
parcerias que proporcionassem produtividade em larga escala, otimizassem
a produção e reduzissem os custos. No século XX, no entanto, como explica
Mamede (2008), torna-se essencial atentar às organizações com fins lucrativos,
visto que objetivavam suprir as diversas exigências do público-alvo. Dessa
forma, ocorre a transposição da teoria do comércio para a teoria da empresa.
Notemos que a teoria da empresa transferiu a ocorrência do Direito Co-
mercial de uma atividade (a prática de atos de comércio) para um indivíduo (o
empresário), seja ela natural ou jurídica. A essência dessa teoria fundamenta-
-se justamente nesse indivíduo economicamente estabelecido e determinado
à produção e ou à circulação de bens e serviços que se denomina empresa.
No Brasil, a reforma do Código Civil (BRASIL, 2002) permitiu a inserção
de um livro específico para tratar do Direito de Empresa. Durante o processo
de reforma do Código, o doutrinador Miguel Reale, que era supervisor da
comissão elaborada para estabelecer o novo código, afirmou:

O Código mantém, com efeito, a estrutura do Código anterior, porém com as


modificações fundamentais, entre elas, a inserção de uma parte relativa ao
Direito de Empresa, o qual veio dar colorido novo ao Direito Comercial. O
Direito Comercial que teve no Brasil e tem ainda desde Mendonça até agora,
grandes cultores, o Código Comercial mudou de significado e de represen-
tatividade no momento em que surgiram atividades outras iguais senão su-
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periores ao do próprio comércio. A indústria e o poderoso ramo dos serviços


tornaram indispensável levar em consideração o conceito de empresa, para
estabelecer a unidade das obrigações civis e comerciais que já se tornara uma
realidade no Brasil em virtude do obsoletismo do Código Comercial de 1850.
Os juristas não faziam mais referência ao Código, de 1850, mas em matéria
de Direito Obrigacional tinham presente especificamente o Código Civil. A
unidade das obrigações civis e comerciais já era, portanto, uma realidade
vigente nos Tribunais e na doutrina quando eu assumi a responsabilidade de
elaborar uma nova codificação. Este ponto de partida é fundamental para a
noção daquilo que se entende por Código Civil de 2002. É que na realidade,
nós não pretendemos fazer a codificação toda do Direito Privado, mas pura
e simplesmente a unificação das obrigações civis e comerciais (Tribunal de
Contas do Município de São Paulo [TCMSP], 2003, documento on-line).

Assim, sob a responsabilidade do comercialista brasileiro Sylvio Marcon-


des, o Direito de Empresa encontra-se disciplinado no Livro II do Código
Civil de 2002. O seu art. 966 disciplina o que o termo “empresário” refere:
“[...] considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade eco-
nômica organizada para produção ou circulação de bens ou de serviços”
(BRASIL, 2002, documento on-line). Segundo Nery Júnior e Nery (2008), a
definição de empresário dá-se a partir da tarefa organizada com a finalidade
de produzir lucro, ao gerar a disponibilidade de bens no mercado, combinando-
-se ou não com os serviços prestados. Nesse sentido, o caráter de administrar
os recursos disponíveis concede ao empresário um dos fatores inerentes ao
bom desempenho da instituição, visto que a boa administração garante um
menor índice de prejuízos aos investidores (VALENTE; CASTRO NETO;
DIAS, 2013).
Miranda (2009) defende que a empresa é o evento criado pelo ser humano
como resultado do desenvolvimento instrumental e da evolução ideológica
da sociedade, cuja finalidade é buscar os resultados esperados pelo empreen-
dedor. Assim, o empresário coordena as funções exercidas na empresa com o
objetivo de alcançar a meta definida. Podemos concluir, então, que a empresa
é a instituição administrada pelo empresário com o intuito de produzir bens
e serviços, enfocando o lucro (VALENTE; CASTRO NETO; DIAS, 2013).

Fontes do Direito Empresarial


As fontes do Direito Empresarial são os meios pelos quais as normas jurídicas
se manifestam externamente e podem ser divididas em diretas ou primárias e
indiretas ou secundárias. As fontes diretas, ou primárias, englobam as leis
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comerciais, como o próprio Livro I do Código Civil de 2002 (BRASIL, 2002),


que dispõe acerca dos contratos mercantis e dos títulos de crédito, ou o seu
Livro II, que estabelece o Direito de Empresa. Ademais, há leis autônomas,
de cunho comercial, como a Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº. 6.404, de
15 de dezembro de 1976); a Lei do Registro de Empresas (Lei nº. 8.934, de 18
de novembro de 1994); a Lei da Propriedade Industrial (Lei nº. 9.279, de 14 de
maio de 1996); a Lei sobre o Sistema Financeiro Nacional (Lei nº. 4.595, de
31 de dezembro de 1964); o Código de Defesa do Consumidor (CPC) (Lei nº.
8.078, de 11 de setembro de 1990), entre tantas outras. Já as fontes indiretas,
ou secundárias, consistem nas analogias, nos costumes e nos princípios gerais
do Direito. Elas são utilizadas para preencher eventuais lacunas legislativas
que possam surgir, complementando o sistema normativo.

Fontes na época das corporações de ofício


No século X, a atenção se voltou ao comércio, que ganhava força e se expandia
pelo mundo por meio das vias marítimas, o que fez com que a agricultura
deixasse de ser a atividade econômica principal. Em virtude da tendência
volante do ofício dos comerciantes desse período, a maior parte da população
se instalava às margens dos feudos, movimento que originou as vilas e os
burgos, desenvolvendo uma ligação entre os núcleos urbanos e a economia
(MACHADO, 2005). Na época, não havia sistema regulamentar para ordenar
a dinâmica mercantil em fase de desenvolvimento. Em consequência disso, as
fontes adotadas no Direito do Comércio eram os usos e costumes dos próprios
mercadores. É relevante salientarmos que, a partir da necessidade de ordem
nas relações mercantis, surgiu o Direito, então conhecido pela expressão
latina ius mercatorum.
Dessa forma, os mercadores criaram as corporações de ofício. Havia in-
tegrantes de cada uma das especialidades de comerciantes: carpinteiros,
tecelões, ferreiros, artesãos, etc., todos ordenados e obedientes ao rito que
regia o período, ou seja, os já mencionados usos e costumes. Tais regras eram
manipuladas por um cônsul, que atuava como juiz ao julgar na esfera dos
tribunais consulares de cada corporação. Contudo, além dos usos e costumes,
a jurisprudência elaborada pelos cônsules e os estatutos das corporações
mercantis também integravam o ius mercatorum (BARREIRA, 2017).
Essa fase inicial do Direito Comercial seguia os regramentos advindos das
fontes anteriormente citadas. Todavia, eles se aplicavam somente aos comer-
ciantes associados a uma corporação, o que configurava, portanto, um direito
subjetivo. Afinal, a regra era aplicada com base na interpretação individual,
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logo, valia para o indivíduo, mas poderia não ser válida para todos. Porém,
alterações nesse cenário não tardam, uma vez que as monarquias absolutistas
se encontravam em ascendência, gerando tamanha insatisfação ao ponto de se
extinguirem ao fim do século XVII. Em meio à Revolução Francesa, inicia-se a
próxima fase de desenvolvimento do Direito Empresarial (BARREIRA, 2017).

Fontes na época dos atos de comércio


Com o Absolutismo em declínio e a Revolução Francesa em ebulição, no
ano de 1804, Napoleão Bonaparte coroou-se imperador e implementou um
novo sistema de governo, com novas regras. As fontes advindas da primeira
fase, como os usos e costumes, os estatutos das corporações mercantis e a
jurisprudência dos tribunais consulares, serviram como base para a elaboração
do Código Comercial de 1808 na França, que passou a ser a fonte direta desse
ramo do Direito (BARREIRA, 2017).
Assim, o Estado criava leis, corporificadas pelos códigos, e se tornava a
fonte principal do Direito. A teoria dos atos do comércio foi utilizada como
critério objetivo de incidência do Direito Comercial e listava os atos costu-
meiros praticados pelos comerciantes, sendo que os demais atos ficavam a
cargo do Código Civil. A edição do Código francês trouxe o objetivismo e a
segunda fase, que substitui o subjetivismo do sistema corporativista vigente
na primeira fase de andamento do Direito Empresarial.

Fontes na época da teoria da empresa


Em decorrência da decadência da segunda fase, a teoria da empresa conquistou
espaço e suprimiu a prática dos atos de comércio, de modo a se articular em
direção ao desenvolvimento da atividade econômica organizada para reco-
nhecer, na figura do empresário, o sujeito do ordenamento empresarial. Eis
que se instaurou a terceira fase (BARREIRA, 2017), cujas fontes diretas ou
primárias englobam as leis comerciais. Dessa forma, a lei é a principal fonte
do Direito Comercial, que se fragmenta hierarquicamente em Constituição,
Código Civil e legislação comercial extravagante, compreendendo regras que
não estavam elencadas nos códigos.
As fontes indiretas ou secundárias apresentam-se como ferramentas aces-
sórias utilizadas na falta de uma lei que regule a matéria. Fazem parte desse rol
os costumes, a analogia, a doutrina, a jurisprudência, a equidade e os princípios
gerais do Direito. Tais fontes têm a função de se incorporar ao Direito para
auxiliar em prol da melhor resolução do caso concreto.
Evolução histórica do Direito Comercial 11

Costume

É a prática reiterada de hábitos sociais que, ao longo do tempo, tornam-se


arraigados no espírito social, de forma que passa a transitar como se fosse lei.
A aplicação frequente de atos ou hábitos incorpora-se ao costume e eles passam
a ser percebidos como obrigatórios, momento em que a conduta repetitiva
de uma ação ou hábito assume caráter de costume. Entre as diversas fontes
subsidiárias, o costume alcança singular importância no âmbito empresarial
e pode inclusive ser levado a registro na junta comercial. No entanto, esse
registro não é necessário para ser levado a juízo, embora facilite a prova
(ALBANO, 2012).

Analogia

Consiste em um método de interpretação jurídica empregado mediante a


verificação de uma lacuna na lei, ou seja, em função da ausência de previsão
específica. Nesse caso, adota-se uma norma que disciplina casos semelhantes.
O CPC de 2015 contempla essa importante fonte secundária, estabelecendo que
o juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuri-
dade da lei. No julgamento da lide, cabe a ele aplicar as normas legais; não as
havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de Direito.

Doutrina

Segundo a perspectiva dos especialistas no assunto, a doutrina resulta do


estudo dos mestres, filósofos, estudiosos do Direito e operadores do sistema
que, nas suas obras, retratam o verdadeiro sentido das normas.

Jurisprudência

É o agrupamento de deliberações judiciais cujos veredictos constantemente


versam sobre casos semelhantes. Trata-se da resolução reiterada dos júris a
respeito de casos de igual nexo fático.

Equidade

Compreende o exercício do bom senso ao se exercer a coerência e a adequação


da regra ao caso concreto.
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Princípios gerais do Direito

São convicções normativas de valor generalizado que adéquam e guiam o


entendimento do ordenamento jurídico, de maneira a auxiliar a aplicação e a
composição ou atualização das normas. Assim, os princípios gerais do Direito
são convicções essenciais dessa faculdade do conhecimento humano. É o Direito
que lhe confere embasamento e coesão com o respaldo da justiça, da liberdade,
da igualdade, da democracia, da dignidade, e de toda e qualquer fonte de proteção
fundamental em caráter geral incorporado ao seu âmbito de atuação.
De acordo com Reale (2003, p. 37):

Princípios são enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e


orientam a compreensão do ordenamento jurídico, a aplicação e integração ou
mesmo para a elaboração de novas normas. São verdades fundantes de um sistema
de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido
comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional,
isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da práxis.

No mesmo sentido, ao elucidar o significado de princípios, o doutrinador


Delgado (2011, p. 180) leciona: “[...] princípio traduz, de maneira geral, a noção
de proposições fundamentais que se formam na consciência das pessoas e
grupos sociais, a partir de certa realidade, e que, após formadas, direcionam-se
à compreensão, reprodução ou recriação dessa realidade”.

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Leituras recomendadas
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COSTA, J. M. A sociedade em conta de participação no direito de empresa no código civil de
2002. 2006. Dissertação (Mestrado em Direito) — Programa de Estudos Pós-Graduados
em Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2006.
REQUIÃO, R. Curso de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 1995. v. 1.
Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para
esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual
da Instituição, você encontra a obra na íntegra.
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