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BITTAR, Eduardo C. B.; ALMEIDA, Guilherme Assis de.

Curso de filosofia do
direito. Sã o Paulo: Atlas, 2005.

SOFISTAS (p. 55/63)


O movimento sofista surge no século V a.C., apó s um momento na Grécia
onde dominava o pensamento místico, a cosmologia e a religiosidade. Com o
surgimento de uma democracia ateniense e formas mais inclusivas de participaçã o
popular na conduçã o dos assuntos pú blicos, na Grécia daquela época, o debate
pú blico assume uma importâ ncia capital. As discussõ es na á gora – espécie de praça
central da cidade – eram o espaço onde se constituía a esfera pú blica. Era ali que as
decisõ es políticas acerca do rumo da cidade eram tomadas. Neste ambiente marcado
pelo debate e pela orató ria, floresceram os sofistas, especialistas na arte do discurso.
Com os sofistas, o homem e as coisas humanas passam a ser o centro das atençõ es.
O surgimento destes especialistas em retó rica nã o uma conseqü ência da
necessidade de treinamento no campo do discurso. Se é através da discussã o que os
assuntos da cidade sã o decididos, aqueles com a melhor capacidade de
convencimento possuem um enorme poder.
Os sofistas, porém, nã o constituíram uma escola, como o pensamento
platô nico ou aristotélico. Cada um deles possui suas particularidades. Provém de
cidades distintas, formulam idéias diferentes, porém uma tradiçã o de Platã o e
Aristó teles costumou colocá -los como um grupo indistinto e depreciar sua imagem.
Em realidade, o principal responsá vel por uma imagem negativa dos sofistas parece
ser Só crates, que nos diá logos de Platã o trava discussõ es com importantes sofistas
da Antiguidade (como Gó rgias e Protá goras) mostrando como estes, apesar de
afirmar possuir determinado conhecimento, de fato nã o possuem a verdade.
A Justiça grega naquele momento era decidida sempre a partir do caso
concreto a partir dos discursos feitas perante os magistrados, daí a importâ ncia da
prá tica sofista para o direito grego. Nã o havia um conceito prévio de justo e injusto,
estes eram construídos no debate.
Para os sofistas, nã o havia um conceito prévio de justiça, uma lei natural
como depois virá a afirmar Platã o e Aristó teles. Aqui, o domínio é do homem, como
afirma a célebre frase de Protá goras “o homem é a medida de todas as coisas”.
Homens diferentes em culturas diferentes tem concepçõ es distintas sobre o que é o
justo.
Nesta linha, temos a concepçã o acerca da justiça do sofista Trasímaco,
conforme apresentada por Platã o no primeiro livro da Repú blica. Para o primeiro, a
justiça é a “conveniência do mais forte” - o que significa afirmar que a justiça é a lei -
e nã o representa nenhum benefício ao subalterno. Como a lei é mutá vel e
transitó ria, também o será aquilo que temos como justo.

SÓ CRATES (p. 64/76)


Só crates representa um divisor de á guas na histó ria do pensamento
ocidental, separando a prá tica dos sofista daquilo que viria a ser conhecida como a
filosofia clá ssica grega.
O filó sofo utilizava um método chamado de maiêutica, palavra relacionada
com o trabalho do parto, através do qual buscava fazer com que seu interlocutor
chegasse ele pró prio a perceber o erro de suas impressõ es e opiniõ es através do
diá logo. A tarefa do filó sofo, entã o, é educar os homens, mas esta missã o foi também
a que trouxe o fim de Só crates. Acusado de corromper a juventude, o filó sofo aceitou
a decisã o judicial e tomou o veneno que levou à sua morte, conforme determinava a
sentença. A lei e sua aplicaçã o, mesmo equivocada, deve ser respeitada, diz Só crates
no diá logo Críton de Platã o, pois e ela que separa a civilizaçã o da barbá rie.
Só crates nã o deixou nenhuma obra escrita, portanto apenas temos contato
com sua obra a partir de fontes indiretas, principalmente os diá logos de Platã o.
A ética ocupa um lugar central na filosofia de Só crates, através perguntas
como o que é a justiça e o que é o bem. O homem deve buscar o conhecimento e a
felicidade. O conhecimento permite discernir o bem do mal. A felicidade está na
verdadeira virtude, no controle das paixõ es e na realizaçã o do saber.
Apesar de Só crates afirmar que a verdade pode ser buscada no interior de
cada homem, no plano ético o indivíduo nã o pode querer sobrepor-se ao plano
coletivo. Como vimos no caso de sua morte, mesmo estando a cidade de Atenas
equivocada em condenar Só crates à morte por supostamente corromper a
juventude, o filó sofo afirma a importâ ncia de se sujeitar à vontade do povo e ao
funcionamento de suas leis. O lugar do homem é integrado à polis (cidade) e negar a
aplicaçã o da lei da cidade seria rejeitar o lugar que é natural ao homem, aquele onde
ele deve estar - fora da vida civil, nã o há vida que valha a pena ser vivida.
Há aqui uma clara distinçã o em relaçã o aos sofistas. Enquanto que estes
afirmavam a volatilidade das leis, Só crates afirma sua inderrogabilidade. Nã o é uma
questã o de serem justas ou injustas, mas que a elas se deve uma obediência
inafastá vel frente a serem o meio através do qual os homens cultivam coletivamente
suas virtudes. Caso contrá rio, todos fugiriam da aplicaçã o da lei quando cressem
fossem essas equivocadas ou injustas, ou até mesmo apenas por interesse pessoal, e
nã o haveria possibilidade de uma vida comunitá ria como a da polis grega. O cidadã o
virtuoso é aquele que se submete à s leis, mesmo que criticando-as.

PLATÃ O (p. 77/89)


Platã o, assim como Só crates, possui uma grande preocupaçã o com a virtude e
a ética, mas, diferente deste, nã o se volta para as atividades prá tico-políticas na rua
como o fazia Só crates, mas ensina na Academia.
Platã o divide o homem em três almas: logística, ligada à mente e à atividade
do filó sofo; irascível, ligada à coragem e atividade cavalheiresca; apetitiva, ligada aos
artesã o e ao povo. Somente a alma logística é capaz de alcançar o conhecimento
daquilo que é certo e imutá vel, das ideias perfeitas - esta é a tarefa do filó sofo.
Cada parte da alma humana possui uma funçã o e a virtude esta em
equacionar corretamente estas funçõ es através da atividade da alma racional - ou
seja, em domar as paixõ es e apetites através da razã o. O filó sofo deve se afastar do
corpo e cultivar a busca da verdade sem se deixar levar pelos desejos do mundo
terreno.
Esta busca pela verdade, pelo conhecimento, pela vida ética, é a busca pela
Ideia. Em Platã o, o que vemos no mundo sã o apenas sombras das ideias verdadeiras.
A á rvore que vemos é uma có pia imperfeita da ideia perfeita da á rvore que existe no
plano das Ideais. As ideias puras estã o latentes na nossa alma e a tarefa do busca
pelo conhecimento é relembrar delas.
Admitindo a noçã o de que existem ideias puras e perfeitas acerca dos
conceito que usamos, admitisse a existência de um conceito perfeito de Justiça.
Platã o, ao narrar o mito de Er na República, conta a histó ria de como os justos sã o
recompensados na sua vida apó s a morte, enquanto que os injustos sofrem a dor
que infringiram de forma multiplicada.
Para que a vida seja vivida de forma justa, Platã o utiliza uma analogia entre o
Estado e a alma do homem. Da mesma forma que a razã o deve governar o homem,
no Estado é a razã o, representada pelos filó sofos, que deve tomar as rédeas da
conduçã o política da cidade. À s outras duas almas - uma ligada à coragem e outra
aos apetites - corresponde uma classe social igualmente subordinada à classes dos
filó sofos. A justiça na cidade está em respeitar esta divisã o. Nenhuma classe deve se
imiscuir no trabalho da outra para além do que lhe cabe.
O Estado ideal platô nico é o meio através do qual se faz a justiça na terra.

ARISTÓ TELES (p. 90/125)


O tratamento de Aristó teles da justiça é decorrência da sua compreensã o da
natureza humana. Para o filó sofo, o homem é gregá rio por natureza. Nã o nasceu
para viver isolado, mas para organizar-se em comunidade. Além de político, o
homem é naturalmente racional e da junçã o destes dois fatores temos a visã o da
cidade guiada pela razã o como o local de vivência do homem. Onde ele travará todas
suas relaçõ es sociais e onde a justiça se dará . A justiça e a ética sã o questõ es
prá ticas, formas de viver na pólis, e apenas através do cultivo destas virtudes a vida
em sociedade pode se dar de forma harmoniosa.
Em Aristó teles nã o é possível separar a questã o da justiça da ética, inclusive
o principal texto que trata da primeira é o seu Ética à Nicômaco, um tratado, em
primeiro lugar, sobre ética. Isto ocorre pois a justiça, em Aristó teles, é uma virtude e,
assim como as demais, deve ser analisada junto as demais virtudes, na ciência ética,
que Aristó teles enquadra dentre as ciências éticas.
A ética se ocupa com as aspectos individuais e sociais do comportamento
humano, pois o homem só se realiza plenamente vivendo em sociedade e a conduta
ética é o ú nico meio de se alcançar a verdadeira felicidade.
A justiça é uma virtude - como a coragem e temperança. As virtudes se
caracterizam pelo fato de que o viver virtuoso nã o é igual para todos. O que é a
coragem para um, nã o necessariamente o será para outro. A forma da virtude se
manifestar em cada lhe é particular, mas o ponto em comum é que o viver virtuoso
está em tomar-se o caminho do meio - evitando o excesso, mas sem cair na falta.
Ser justo é praticar atos justos e isto se constitui com a prá tica, daí a
importâ ncia da educaçã o, na reiteraçã o das açõ es virtuosas.
A diferença em relaçã o à s demais virtudes é que, na justiça, a oposiçã o nã o
está entre dois conceito distintos (como covardia e imprudência, no caso da
coragem), mas entre o mesmo ponto: injustiça por excesso ou injustiça por falta. A
justiça se encontra no meio.
Aristó teles identifica que a palavra justiça possui diversos significados e trata
de detalhar melhor alguns deles. O primeiro é a noçã o de justiça total: a observâ ncia
da lei (em um sentido amplo, incluindo costumes, tradiçõ es e outras fontes de
normatividade nã o-formais), do que legítimo e do que tende ao bem da comunidade.
O objetivo da lei é o bem comum. Esta é a justiça legal e será justo, neste
sentido, aquele que agir de acordo com as normas legais. Logo a açã o conforme à lei
tende à satisfaçã o do bem comum e a açã o contrá ria à lei se opõ e a todos os
cidadã os.
Aristó teles, neste ponto, iguala a justiça à legalidade. “O justo total é a
observâ ncia do que é regra social de cará ter vinculativo.” (bittar, p. 97)
Além da justiça total, que relaciona o homem com todos os demais membros
do meio social, Aristó teles fala da justiça particular, que é aquela que se manifesta
nas relaçõ es diretas entre indivíduos.
O justo particular se divide em dois: justiça distributiva e justiça corretiva. A
primeira trata da distribuiçõ es de bens, cargos e honrarias pelo Estado. A segunda
se refere a erros ou falhas na assimetria das relaçõ es, estabelecendo formas de se
corrigir algo de errado que tenha passado garantindo a bilateralidade das
transaçõ es.
Na justiça distributiva, temos uma relaçã o entre o Estado e os cidadã os. A
partir da relaçã o de subordinaçã o entre o primeiro os segundos, os governantes
realizam a distribuiçã o dos bens e status e a açã o justa ou injusta é praticada por
estes líderes. A justiça estará em receber o que lhe é devido e a injustiça em receber
em excesso ou de forma deficiente, daí a noçã o de caminho do meio como forma de
agir virtuosa. Portanto, a igualdade que se produz por esta justiça nã o está numa
distribuiçã o matematicamente igual dos bens e status, mas numa proporcionalidade
considerando as características particulares de cada um, seu mérito.
O justo corretivo nã o trata de relaçõ es de subordinaçã o, mas de coordenaçã o,
pois aqui a justiça trata das relaçõ es individuais. Aqui o critério nã o será a
proporcionalidade, mas a igualdade em seu sentido mais rigoroso. A todos cabe a
mesma porçã o quando se trata de justiça corretiva.
Esta igualdade perfeita é decorrência da natureza das relaçõ es submetidas à
justiça corretiva. Estas podem ser de dois tipos: quando provenientes de relaçõ es
nas quais ambas as partes participam com sua vontade (como uma compra e
venda); relaçõ es involuntá rias provenientes de uma violência ou ilicitude (como no
roubo ou homicídio). Nestes casos, uma parte pratica o ato injusto e a outra o sofre.
É papel da justiça corretiva re-normalizar a situaçã o entre as partes, por exemplo
anulando um acordo feito sob erro ou punindo aquele que cometeu um furto. Em
ambos os casos, a justiça estará no restabelecimento da igualdade entre as partes.
Aristó teles também fala em justo político e justo doméstico. O primeiro se
refere à aplicaçã o da justiça distributiva e corretiva no â mbito da cidade,
organizando a vida social e garantindo a estabilidade da vida comunitá ria. Esta
forma de justiça está ligada à legalidade, pois sã o as normas que estruturarã o a
justiça política na cidade.
A justiça doméstica é aquela aplicada à queles excluídos da justiça política:
mulheres, escravos e filhos. Na justiça doméstica, temos a regra do mérito - aos mais
importantes, cabe um poder e responsabilidades maiores -, o que nã o exclui
totalmente a coordenaçã o, por exemplo entre marido e mulher.
A justiça política se aplica apenas as cidadã os - uma parcela dos habitantes
da cidade grega, excluídos os estrangeiros, menores, mulheres e escravos -, pois
apenas estes participam na processo de conduçã o política da cidade. Os cidadã os
sã o iguais, na medida em que sua coordenaçã o gere a cidade e enquanto
subordinados à lei. À queles que nã o sã o cidadã os, nã o se aplica a justiça política. O
filho do cidadã o e o escravo sã o vistos como “parte” do cidadã o, logo os atos
cometidos contra estes nã o justo ou injustos quanto à justiça política, a nã o ser
metaforicamente, pois nã o se pode cometer uma injustiça contra si mesmo.
A justiça política se divide em duas formas. A primeira é a justiça legal, que
corresponde à aplicaçã o das normas da cidade, ou seja, surge com a criaçã o da
norma. A justiça legal, portanto, nã o é algo fixo, mas relativo, que pode mudar de
acordo com as alteraçõ es nas convençõ es estabelecidas pelos legisladores. As
sentenças e decisõ es concretas também fazem parte da justiça legal, pois compõ em
a justiça política enquanto essenciais para a vida na pólis.
A segunda é o justiça natural, que deriva da pró pria natureza, nã o depende
de qualquer opiniã o ou decisã o humana para existir, porém também nã o é imutá vel,
pois tudo muda com o passar do tempo, inclusive aquilo que é natural. O conceito de
natureza em Aristó teles, daquilo que é natural a algo, é um conceito teleoló gico, ou
seja, o natural de certa coisa é o fim a que ela tende. O justo natural, assim, consiste
nas regras que encontram respeito universal, nã o dependendo da vontade de um
legislador específico. Estes princípios compartilhados derivam da natureza racional
do homem, como a puniçã o do homicídio. Pode ser que de cidade para cidade varie a
forma como o assassino é punido, mas a compreensã o de que o homicida deve ser
punida é um princípio universal.
Sendo a justiça natural decorrência da razã o humana, e sendo esta aquilo que
deve guiar o homem na sua atuaçã o no mundo, a justiça legal deve se embasar
naquela. Logo, o justo legal pode nascer corrompido, assim como a vida na cidade
pode estar corrompida, pois submetida nã o ao governo em prol do bem comum, mas
manipulada em benefício de um grupo (oligarquia) ou de apenas um homem
(tirania).
Aristó teles também precisa a distinçã o entre equidade e justiça. A legislaçã o
é sempre genérica, pois nã o se poderia querer uma lei específica para cada caso.
Diante das particularidades do casa concreto, pode ser que a aplicaçã o cega da
justiça legal leve a uma injustiça e nã o necessariamente isto será culpa do legislador,
pois é da pró pria natureza da lei, enquanto ditame geral, nã o se adequar
perfeitamente a todos os casos possíveis. Neste ponto entra a equidade, como um
corretivo da justiça legal, temperando seus rigores, assim como adaptando-a quando
a lei se torna obsoleta, através da atividade do julgador, baseado na razã o e na
natureza.
A equidade, a se relacionar a uma capacidade do julgador de fazer a justiça do
caso concreto, é também uma virtude. A equidade enquanto virtude está na
capacidade do homem ver além da justiça legal e no homem que “nã o se aferra aos
seus direitos em mau sentido, mas tende a tomar menos do que seu quinhã o embora
tenha a lei por si, é equitativo; e essa disposiçã o de cará ter é a equidade” (Et. Nic.
1137b, 37-1138a, 3)
Assim como a equidade, a amizade também é ressaltada por Aristó teles como
importante componente para a realizaçã o efetiva da justiça. Ambas sã o virtudes que
possibilitam uma melhor vida em comunidade. A amizade é aquilo que une os
membros da sociedade, entendida como um laço desinteressado. Na amizade, os
homens se vêem como semelhantes, o que permite a realizaçã o da justiça, já que nã o
interagirã o buscando apenas o interesse pessoal, mas a satisfaçã o do bem de todos.

SANTO AGOSTINHO (p. 174/195)


Um dos grandes méritos da filosofia medieval está na síntese da filosofia
grega com os postulados religiosos da igreja cató lica. Um de seus principais
representantes é Santo Agostinho, responsá vel pela compatibilizaçã o do platonismo
com os dogmas da Igreja Cató lica.
A filosofia produzida por Santo Agostinho tinha como ponto de partida a
verdade revelada através da fé, servindo como forma nã o de adaptar o fenô meno
religioso à razã o, mas pelo contrá rio.
O pensamento de Agostinho acerca da justiça possui a marca de todos o seu
pensamento filosó fico, a transcendência - o que também mostra sua aproximaçã o
com o platonismo. A justiça em Agostinho está relacionada com a relaçã o entre a
Cidade de Deus e a Cidade dos Homens, entre a lei humana e a lei divina.
O dualismo platô nico entre corpo e alma, mundo concreto imperfeito e
mundo das ideias perfeiras, se expressa na concepçã o de Agostinho acerca da
justiça. Esta pode ser humana ou divina.
A justiça humana é aquela realizada através da lei humana, é aquela que se dá
pela mã os dos homens e como produto da sua atuaçã o. Portanto, é limitada no
tempo, no espaço e na sua capacidade de compreender os fenô menos humanos, pois
o homem é, ele pró prio, sempre limitado, pois apenas Deus possui acesso à
plenitude do conhecimento.
A justiça divina é a que decorre da lei divina e, portanto, é imutá vel, perfeita e
infalível. Assim como é boa e justa hoje, o foi antes e o será sempre. Nã o se submete
as particularidades de cada sociedade, como a justiça humana, mas é universal e a
todos se aplica. Logo, a lei divina deveria ser a fonte da lei humana, o que tornaria
esta ú ltima também divina, porém o homem é falho e, por conseguinte, também o
será sua lei. Esta possibilidade de afastamento entre a lei divina e a lei humana é
conseqü ência e prova do livre-arbítrio do homem.
A lei divina ordena tudo de forma perfeita e dá ao justo a recompensa pela
vida virtuosa no momento de seu julgamento perante Deus, assim como pune o
ímpio pela vida desregrada. A justiça divina é inafastá vel, mas destacasse que
apenas faz sentido em falar nela considerando que o homem é dotado de livre-
arbítrio. Se o homem nã o pudesse escolher livremente entre agir de acordo ou
contrariamente à lei divina (que se encontra dentro do homem, bastando que ele se
volte para a fé verdadeira para descobri-la) , nã o seria justa uma puniçã o posterior
pelo ato contrá rio à vontade divina.
A principal preocupaçã o da lei divina é com o bem-estar da alma e com a vida
de acordo com a lei de Deus. Seu objetivo é a ascensã o da alma, a perfeiçã o. Já a lei
humana apenas indiretamente trata destas questõ es, seu foco é a ordenaçã o da vida
em sociedade, sem se preocupar com as paixõ es que corrompem as almas dos
homens, ao menos até o momento em que estas tomem a forma de uma açã o externa
que prejudique alguém.
A lei humana é necessá ria para a vida em sociedade. Apenas através dela
temos a ordenaçã o e estabilizaçã o da vida social, componentes essenciais para que o
homem possa cumprir seu dever espiritual para com Deus. Agostinho, porém,
afirma a prevalência da lei divina. O direito só será direito se respeitar os ditames da
justiça verdadeira, da lei divina, pois separar o direito da justiça é aceitar que as
instituiçõ es humanas se afastem do fim a que devem tender os homens, a vontade
de Deus.
A sociedade deve ser regida tendo como fim sempre o bem comum, com
justiça, caso contrá rio a lei nã o seria propriamente lei, mas apenas vontade
despó tica do governante. Todo poder que nã o se pauta e respeita as leis de Deus nã o
é legítimo - o mesmo vale para o direito. “Nã o há repú blica sem ordem, nã o há
ordem sem direito, nã o há direito sem justiça.” (bittar, p. 185)
Assim, o Estado deve ser o meio através do qual a lei eterna é aplicada aos
homens. Nã o há uma separaçã o entre assuntos espirituais e assuntos temporais -
tudo está sob a égide da fé cristã .

SÃ O TOMÁ S DE AQUINO (p. 196/216)


Assim como Santos Agostinho unia a fé cristã com o platonismo, Sã o Tomá s
de Aquino subsitui este segundo elemento pelo Aristotelismo.
Segundo o filó sofo, o homem é composto de corpo (corruptível, material e
mortal) e alma (incorruptível, imaterial e imortal). A alma humana combina as
característica da alma vegetativa (pró pria dos vegetais e se refere à atividades que
operam sem a vontade, como as fisioló gicas), alma sensitiva (pró pria dos animas) e
alma racional (exclusiva nos homens que lhes permite compreender e conhecer).
A partir das experiência de sua vida, através dos sentidos, o homem conhece
o mundo e constró i o conhecimento. Nada existe na mente do homem que nã o tenha
sido de alguma forma derivado de seu contato com os objetos do mundo. As
percepçõ es nã o sã o a ú nica base do conhecimento, que apenas se constitui através
da razã o que filtra estes dados, os ordena e lhes confere sentido.
O homem é livre na escolha de seus fins e quais objetos e bens desejar a
partir de suas experiências e conhecimento acumulado. A vida ética está em
escolher o bem ao invés do mal, graças à atuaçã o da razã o prá tica. No plano coletivo,
a ética esta na conduçã o da sociedade tendo como fim o bem comum.
Em ambos os casos, ética individual e social, a percepçã o daquilo que é o bem
se dá através da experiência e uso da razã o prá tica. O ú nico fim da atividade humana
é o bem. A escolha do mal é uma escolha feita em erro, se acreditando ser o mal um
bem. Aquele que sabe distingui-los nunca escolheria livremente o mal.
Através do há bito e da experiência, o homem conhece os conceitos de bem e
de justo e sã o estes princípios deduzidos pela razã o prá tica que constituem a lei
natural.
A justiça é uma prá tica, uma virtude, que se adquire com o há bito. Através
dela, determinamos o que é devido à cada um. A justiça é, assim, um postulado ético.
O direito é um objeto da justiça, pois seu objetivo deve ser alcançar a justiça. Logo, o
direito nã o é justiça, mas a busca por ela.
O direito, a lei, nã o possui apenas um sentido, mas quatro: lei eterna, lei
divina, lei humana e lei comum.
A lei eterna é aquela ditada por Deus e a tudo rege. Esta é eterna e nã o se
subordina à s particularidades da vida humana, nã o é relativa a cada sociedade. A lei
eterna é aquela que ordena o universo - é imperativa e rege tudo e todos. Assim, a lei
eterna nã o é propriamente direito, mas fato.
A lei natural é aquela que rege a natureza, homens e animais - é uma forma
da razã o participar na lei eterna, pois extrai da forma deste ú ltima reger o mundo
normas. A lei natural e a justiça natural, assim como em Aristó teles, nã o imutá veis e
permanentes, como a lei eterna, mas podem mudar de acordo com a razã o humana.
Logo, da lei natural podemos deduzir uma lei comum a todos homens.
A lei natural é racional, pois produto da razã o prá tica, mas é apenas o
governo do homem de si mesmo. Apenas lhe diz o que ele individualmente deve
fazer, considerando os há bitos que adquiriu em sua vida. A lei natural, por si só , nã o
ordena a vida social, sendo, portanto, insuficiente e incompleta. A lei se torna
necessá ria para preencher este vá cuo.
A lei humana é produto das convençõ es humanas. Ela nã o possui força por si
só , mas depende das instituiçõ es humana para se efetivar. A lei humana só surge
apó s a atividade do legislador, mas ela nã o é arbitrá ria - deve refletir a lei natural. A
lei humana contrá ria à lei natural é direito injusto, mas isto nã o autoriza o
desrespeito a norma equivocada. A desobediência da norma criada pelos homens só
é autorizada quando este contrariar a lei divina, a lei eterna conhecida pelo homem.
A lei humana, ao pautar-se pela lei natural e lei divina, se torna um
instrumento em prol do bem-comum, que abarca nã o só o bem da sociedade, mas
também dos particulares.
Além de dividir o conceito de lei, Sã o Tomá s também separa a justiça em
comutativa e distributiva. A primeira regula a relaçã o entre os indivíduos e segunda
coordena estes à sociedade, dando a cada um o que lhe é devido. Assim, a igualdade
se manifesta de maneira distinta. Na justiça comutativa, a igualdade está na simetria
perfeita, pois, por exemplo, numa compra e venda, ao final da transaçã o uma das
partes nã o deve ter auferido vantagem à s custas da outra. Já na justiça distributiva, a
igualdade é proporcional, pois o critério é o mérito, pois alguns, por exemplo em
razã o de sua posiçã o social, merecem receber mais que outros.
Sã o Tomá s de Aquino também afirma o primado da lei. Entre uma sociedade
regida pelas decisõ es de homens ou pela lei, o autor defende que a segunda é a mais
adequada, pois o julgador sempre pode ser contaminado por sentimentos quando
for decidir um caso concreto e a lei lhe impede de sair do quadro estabelecido pelos
legisladores que, ao estarem distantes da situaçã o concreta, podem criar normas
gerais mais justas em sua generalidade.
A atividade do julgador é efetiva a justiça a partir da lei individualizando-a. A
justiça - lembrando que esta é uma prá tica, um consequência do uso da razã o frente
a casos concretos - nã o é possível sem o ato de julgar. O juiz deve dar a cada um o
que é seu e ninguém mais pode julgar, pois sua competência nesta matéria é
exclusiva. Apesar da justiça só se fazer através da atividade do juiz, isto nã o lhe
confere liberdade para fazer a justiça do caso concreto apenas através do uso da sua
razã o prá tica, pelo contrá rio. O juiz deve ter sempre como parâ metro limitador a lei.
Por ú ltimo, Sã o Tomá s de Aquino discute também a questõ es dos direitos
naturais. Se há uma lei natural, esta pode incluir direitos que sã o de todos os
homens e o padre defende tal tese. A propriedade privada, apesar de nã o ter sido
instituída pela lei natural, nã o é contrá ria a ela e uma fez estabelecida a lei humana
deve regulá -la de acordo com a má xima da lei natural: a cada um o que é seu. O
matrimô nio é decorrente da lei natural, pois a família é o nú cleo social natural de
agregaçã o do homem.

HUME (p. 254/266)


David Hume é um dos principais representantes do empirismo inglês e um de
seus mais radicais. Hume abandona a razã o como forma ú ltima de se alcançar o
conhecimento e afirma ser as percepçõ es sensoriais a ú nica base para se conhecer. A
experiência é a fonte do conhecimento. A ética, portanto, nã o possui uma base
metafísica como a vontade de Deus, mas é uma decorrência do conceito de utilidade
– o bom é o que nos traz satisfaçã o e o mal desprazer.
A experiência faz com que no decorrer do processo histó rico percebamos a
utilidade da virtude e da justiça. As leis e o Estado passam entã o a tender ao bem da
humanidade, pois esta finalidade é ú til a todos os homens. Caso o Estado fosse inú til
– ou seja, caso no estado pré-cívico os homens se respeitassem mutuamente e nã o
restringissem a liberdade de nenhum outro -, ele nunca teria surgido. O fato de que
existe mostra-nos que é uma vantagem para seus integrantes, pois garante a paz que
nã o estaria assegurada na ausência de um poder social legítimo.
A justiça nasce do mesmo processo – é percebida como algo ú til para a
sociedade. Sem a justiça, nã o é possível a manutençã o de uma sociedade organizada.
Ela é essencial para a vida em sociedade, nã o por motivos divinos, naturais ou
deduzidos da razã o, mas por que o desenrolar da histó ria mostrou aos homens,
através da experiência, que a justiça é ú til e necessá ria em qualquer sociedade.
A necessidade e a utilidade da justiça nã o sã o, porém, uma característica
natural da pró pria justiça. Elas sã o uma conseqü ência da escassez de bens
disponíveis no mundo. Caso os bens existissem no mundo em abundâ ncia para
todos, nã o haveria a necessidade de justiça. Ela esta na regulaçã o do que é escasso,
pois a divisã o, transmissã o, aquisiçã o e defensa dos bens é a principal fonte de
conflito, logo o principal motivo para que a justiça se torne ú til e necessá ria.
Da mesma forma que a abundâ ncia de bens torna o conceito de justiça
desnecessá rio, a escassez absoluta o torna dispensá vel. Num ambiente no qual nã o
há o suficiente nem mesmo para se suprimir a adequadamente as necessidades de
poucos e muitos disputam o mesmo pedaço de pã o, nã o há que se falar em regras de
justiça para ordenar a divisã o de bens. A lei que imperará será a lei do mais forte.
Nossas sociedades, porém, nã o vivem em nenhum dos dois extremos. Nem
perfeita abundâ ncia, nem escassez total. Daí a utilidade da justiça. Para ordenar o
caminho do meio.
A lei particular é uma decorrência da lei suprema de segurança do povo. O
papel da sociedade organizada é garantir a segurança de seus integrantes e as leis
devem refletir as características de cada povo em particular, e nã o almejar apenas
refletir supostos princípios universais. A necessidade de lei nasce de um contexto
social concreto e é baseado nela que as normas devem ser pensadas – a partir dos
costumes, clima, religiã o e situaçã o de cada sociedade.
A justiça tem na utilidade pú blica o ú nico critério está vel. Ela é o produto da
convençã o humana. Convençã o nã o no sentido de um acordo de vontade no estilo de
Hobbes ou Locke, mas como um sentimento de interesse comum que faz com que as
açõ es tendam à utilidade pú blica.
A sociedade possui uma moralidade coletiva que atribui valor ou desvalor à s
açõ es individuais, conforme estejam de acordo ou desacordo com a utilidade
pú blica, pois uma açã o individual pode parecer a produçã o de um mal se vista
isoladamente, mas pode constituir um bem do ponto de vista da coletividade. Hume
dá o exemplo da herança. Esta nas mã os de um filho mau, pode vir a gerar
malefícios, mas o direito de herança em si é benéfico para a sociedade, logo deve ser
respeitado, mesmo que em alguns momentos possa vir a causar algum dano social.
Cada indivíduo através do uso da razã o poderia ser capaz de perceber as
regras que funcionam em prol da utilidade pú blica, porém esta razã o individual é
muitas vezes falha e incompleta. Por este motivo, as leis positivas se tornam uma
necessidade e neste ponto Hume constró i uma interessante defesa da atividade do
magistrado, pois a lei também pode falhar. Na falha da lei, recorre-se aos
precedentes diretos. Na falha destes, buscam-se precedentes indiretos, analogia ou
comparaçõ es. A finalidade é garantir a aplicaçã o da justiça.

KANT (p. 267/282)


A filosofia de Kant é como uma reaçã o aos pensadores anteriores a ele, como
Hume. Para Kant, a experiência é o ponto de partida do conhecimento, mas apenas
ela nã o o explica. Apenas compreendendo o funcionamentos das categorias mentais
e faculdades que nos permitem lidar com a experiência é que se entende como se
produz o conhecimento. O sentidos percebem e a razã o trabalha em cima destes
dados.
A ética kantiana busca afastar-se ao má ximo da experiência e dos costumes
como fonte daquilo que é correto. Kant formula uma lei moral universal aplicá vel a
todos os seres racionais. Esta lei se expressa através da má xima do imperativo
categó rico: “age só , segundo uma má xima tal, que possas querer ao mesmo tempo
que se torne lei universal”.
O imperativo categó rico nã o é um produto das experiências do homem, mas
da razã o pura. É , portanto, a priori, e vá lido independentemente do contexto
concreto em que opere. Esta má xima nã o comporta nenhuma finalidade. O respeito
ao imperativo categó rico, nã o visa a um fim. Ele é seu pró prio fim.
A açã o ética é aquela realizada conforme o imperativo categó rico e apenas
em razã o deste. Aquele que é honesto com outro em uma transaçã o comercial
apenas por causa do medo d uma possível sançã o, nã o age eticamente. Apesar da
sua açã o externamente ser igual a daquele que é honesto apenas em virtude do
imperativo categó rico, a primeira nã o é ética, pois visa a um fim, evitar a sançã o.
O homem é um fim em si mesmo. Sua liberdade é plena e livre de qualquer
influência externa que possa heteronomamente condicioná -la. O homem é
autô nomo por natureza, daí a possibilidade do agir moral. O homem
verdadeiramente livre e ético através da razã o opta por agir sempre de acordo com
o imperativo categó rico, mesmo em prejuízo de outras inclinaçõ es e desejos
particulares.
A açã o ética será aquele que, ao conformar-se com o imperativo categó rico,
está de acordo com a autonomia da vontade. Toda açã o contraria a esta ou tendente
a diminuí-la, nã o será moralmente correta.
A ética e o direito sã o, portanto, distintos. Na primeira, uma açã o é realizada
apenas em virtude da lei universal moral, já a açã o conforme o direito nã o é
realizada apenas em funçã o da existência de uma lei positiva, mas principalmente
por causa de outros incentivos, como o medo da sançã o. A moralidade é o campo da
autonomia. O direito é o campo da heteronomia, da coercitividade, tendo como
funçã o garantir a coexistência entre as distintas vontades e liberdades. Através do
direito se garante a cada um o exercício de sua liberdade, na mesma medida em que
usufruem os demais, e permite que os indivíduos persigam os fins que escolheram
para si.
Nas palavras de Bobbio, em Kant “o direito é liberdade; mas é liberdade
limitada pela presença da liberdade dos outros” (bobbio, 1997, p. 78).

HEGEL (p. 283/305)


Hegel constró i sua teoria a partir de um racionalismo idealista, porém muito
se afasta do racionalismo kantiano já apresentado. Em Hegel, ao invés de ser e
dever-ser constituírem categorias apartadas, estas se unem através do movimento
dialético. Através da dialética, o espírito se realiza no curso da histó ria. Frente a
todo acontecimento, temos pressuposto seu oposto e estes se reconciliam na síntese
dando marcha ao desenvolvimento histó rico.
Segundo Hegel, “o que é racional é real e o que é real é racional”. Isto nã o
significa que todo o real é racional, mas que o racional deve ordenar o real,
tornando-o racional.
O idealismo hegeliano se manifesta no estudo do espírito, em todas suas
dimensõ es: espírito subjetivo – espírito enquanto algo distinto da realidade onde
este está , que é alma, consciência e razã o; espírito objetivo - espírito enquanto ser
de liberdade, que é direito, moralidade e costume; espírito absoluto – espírito
enquanto consciente e conhecedor de si, que é arte, religiã o e filosofia.
O direito é a objetivaçã o do espírito na sua relaçã o com o mundo exterior, é a
liberdade em si. Na moral o espírito se afirma e valora os objetos e acontecimentos
ao seu redor. O costume é a síntese destes dois. Ele objetiva a moralidade e o
espírito aqui nã o está mediado pela coisa conhecida, mas pelo pró prio movimento
dialético. A coisa aqui é coisa no mundo, em suas relaçõ es laborais, jurídicas e
sociais.
O direito, portanto, é o espaço da mais ampla liberdade, pois é nele que esta
se determina da forma mais ampla a liberdade – já que abrange o maior nú mero de
sujeitos e fixa o justo e o injusto, o lícito e o ilícito.
Segundo Hegel, o objeto da Filosofia do Direito é o conceito de direito e sua
realizaçã o, sua idéia, pois se o conceito existe e é racional, nele estará toda a idéia de
“liberdade do espírito enquanto agente da realidade exterior” (bittar, p. 290). A ideia
de justiça é a efetivaçã o do direito enquanto liberdade efetiva, pois é através da lei,
manifestaçã o concreta do direito, que os homens atuam no mundo e regulam suas
relaçõ es – é através do direito que os homens sã o livres.
Os atos de legisladores e juízes sã o expressõ es de querer, vontades: “O
direito é, entã o, algo de conhecido e reconhecido, e querido universalmente e
adquire a sua validade e realidade objetiva pela mediaçã o desse saber e desse
querer.” (Hegel, §209, princípios da filosofia do direito)
O querer que caracteriza o direito nã o é um desejo arbitrá rio, mas o querer
da razã o. A vontade do direito é de organizar e preservar as liberdades. Assim como
o direito é a expressã o da liberdade absoluta, o querer que ele expressa na realidade
deve ter o mesmo sentido.
Assim como a liberdade se desenvolve no processo histó rico dialético, o
direito também se apresenta de diversas formas. O direito, ele pró pria, é a liberdade
absoluta, mas as diversas formas do direito – ou seja, as formas através do qual os
homens organizam o direito – sã o expressã o destas distintas fases da liberdade no
curso da histó ria.
A criaçã o da lei e sua aplicaçã o - sendo concretizaçã o do direito abstrato
enquanto liberdade absoluta, portanto racional – devem ser racionais. O direito in
concretu deve constituir um sistema, seja do ponto de vista da organizaçã o das leis,
seja através da institucionalizaçã o da aplicaçã o da lei.
Enquanto que fora da esfera cívica, frente ao ato injusto o direito abstrato
confere o direito de coaçã o, pois aquele é uma violência contra a liberdade do
indivíduo, dentro da ordem jurídica o ato ilícito é, em primeiro lugar, uma
contrariedade à ordem. O crime, portanto, é a negaçã o da pró pria razã o do direito e
do Estado, a ordem racional. A coaçã o estatal, a puniçã o, tem como objetivo
preservar a ordem racional criada pelo direito, visando garantir que o exercício da
liberdade de um nã o viole o espaço de liberdade do outro.

MARX (p. 306/327)


Para Marx, as relaçõ es jurídicas nã o podem ser entendidas como algo
separado dos fatores sociais e econô micos que as circundam. Pelo contrá rio, toda
relaçã o jurídica está baseada num contexto só cio-econô mico concreto, das relaçõ es
materiais existente na sociedade onde aquelas se dã o. Assim, o direito e o Estado sã o
superestruturas condicionadas pela estrutura de produçã o – a dominaçã o do
proletariado sedimentada na divisã o social de classes. O Estado nasce como forma
da sociedade defender a si, mas logo a passa a servir como instrumento da classe
dominante.
A ordem jurídica garante a manutençã o do estado de desigualdade e
opressã o e o papel do revolucioná rio é proporcionar o desmonte do direito e do
Estado. O fim é a justiça social, que só ocorre com a re-organizaçã o das forças
produtivas em serviço de toda a populaçã o apó s o fim do Estado.

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