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Filosofia do

Direito
1. O conceito de justiça. Sentido lato de Justiça, como valor universal. Sentido estrito de Justiça, como valor jurídico-
político. Divergências sobre o conteúdo do conceito. ...................................................................................................... 3
1.1 O Conceito de Justiça ....................................................................................................................................... 3
1.2 A Justiça em sentido mais do que Lato ............................................................................................................. 4
1.3 A justiça em sentido Lato.................................................................................................................................. 4
1.4 Justiça em sentido estrito ................................................................................................................................. 5
1.5 Espécies de Justiça ........................................................................................................................................... 6
1.5.1 Justiça Social ............................................................................................................................................. 6
1.5.2 Justiça Distributiva.................................................................................................................................... 6
1.5.3 Justiça Comutativa.................................................................................................................................... 7
1.6 Da Justiça Universal .......................................................................................................................................... 7
1.7 Da Justiça Formal ............................................................................................................................................. 7
1.8 Conceitos de Justiça ......................................................................................................................................... 8
1.8.1 Utilitarismo............................................................................................................................................... 9
1.8.2 Kelsen....................................................................................................................................................... 9
1.8.3 Alf Ross..................................................................................................................................................... 9
1.8.4 A ideia de justiça de John Rawls ................................................................................................................ 9
1.8.5 Conceito de Justiça segundo Jürgen Habermas ....................................................................................... 11
1.8.6 Conceito se Justiça segundo Chaïm Perelman ......................................................................................... 11
1.8.7 Conceito de justiça em Santo Agostinho ................................................................................................. 11
1.8.8 Conceito de justiça em São Tomás de Aquino ......................................................................................... 11
2. Ponto 2 – O conceito de Direito. Equidade. Direito e Moral. ................................................................................... 12
2.1 O Conceito de Direito ..................................................................................................................................... 12
2.1.1 Autores Internacionais............................................................................................................................ 12
2.1.2 Autores Nacionais................................................................................................................................... 12
2.1.3 Conceito de Direito segundo a teoria de Hans Kelsen.............................................................................. 13
2.1.4 Conceito de Direito segundo a teoria de Miguel Reale ............................................................................ 14
2.1.5 Conceito de Direito segundo a teoria de Alf Ross .................................................................................... 16
2.1.6 Jusnaturalismo ....................................................................................................................................... 17
2.2 Equidade ........................................................................................................................................................ 17
2.2.1A equidade como fonte do direito .................................................................................................................. 17
2.2.1 A Integração de lacunas pela Equidade ................................................................................................... 18
2.2.2 Níveis de possível incidência da equidade ............................................................................................... 18
2.3Direito, Moral e Ética ............................................................................................................................................ 20
2.3.1Distinção entre Direito e Moral ...................................................................................................................... 21
3. Ponto 3 – A interpretação do Direito. A superação dos métodos de interpretação mediante puro raciocínio lógico-
dedutivo. O método de interpretação pela lógica do razoável. ...................................................................................... 22
3.1A interpretação do direito. Superação do raciocínio lógico dedutivo ..................................................................... 22
3.1.1 A lógica jurídica como solução de antinomias ......................................................................................... 22
1. O conceito de justiça. Sentido lato de Justiça, como valor
universal. Sentido estrito de Justiça, como valor jurídico-
político. Divergências sobre o conteúdo do conceito.
1.1 O Conceito de Justiça
O conceito de justiça não é um termo de fácil definição. Ao contrário, ao longo da história ele recebeu uma complexa
teia de significados, de sentidos que foram elaborados pelos mais distintos teóricos.

Platão já identificava a justiça como um bem mais precioso do que o próprio ouro, identificando uma sinonímia entre
justiça e virtude, igualando os dois conceitos, mas assim mantendo-os num espaço mais limitado que pouco permitia a
sua aplicabilidade as contradições da realidade, pois para ser possível a sua visão do conceito ele precisou de uma
sociedade igualmente idealizada.

Foi, contudo, Aristóteles que marcou o pensamento ocidental ao longo do século IV, discípulo de Platão, foi um dos
primeiros a constituir um olhar sobre o conceito de justiça, contribuindo para o pensamento ocidental, assim, como um
dos principais referenciais em torno desse conceito, uma vez que ele compreendia o conceito de justiça num sentido
mais amplo, sem, contudo, perder a noção da própria realidade social.

Para Aristóteles a justiça não é somente uma qualidade particular de um determinado sujeito, é muito mais. A justiça é
o próprio modo de ser enquanto sujeito consciente do entorno que o cerca e que com ele interage.

A função da justiça é realizar distribuição. Por isso a justiça é uma virtude interpessoal, porque a existência da justiça
envolve uma coletividade de pessoas. A justiça é uma virtude que tem a ver com a coletividade.

Para Aristóteles eu só posso ser justo em relação ao meu semelhante.

Aristóteles dizia que o ser humano é um animal político. São Tomas de Aquino dizia que o ser humano é um animal
social. É impossível a vida sem interdependência e a justiça é a virtude que vai resolver esse problema da dependência
mutua entre as pessoas.

Aristóteles afirma que é preciso entender o justo em conjunto com o seu alter ego: o injusto.

Assim, destaca que o injusto é um conceito utilizado para constituir a figura daquele que transgride, contraria a Lei ou,
ainda, aquele que busca querer mais do que lhe é devido, portanto, é prática do sujeito iníquo.

Em outro sentido, o justo é quem observa a Lei, respeitando a igualdade e a equidade. A equidade é aqui fundamento
essencial para a ideia de justiça, pois ela consiste numa adaptação/aplicação de uma regra existente a uma situação
concreta, e ao buscar essa adptação sem perder os limites da igualdade e da justiça a equidade permite uma melhor
capacidade de adaptação da regra a um caso específico, o que lhe permite ao fim deixá-la mais justa.

A justiça é considerada como a virtude por excelência, porque ela é a prática dessa mesma virtude.

O justo e o injusto, limites de significado e existência da justiça determinam-se no espaço das relações dos sujeitos e,
são mediadas por todos os bens exteriores que permitem o exercício do agir justo e do agir injusto.

Importa destacar que a justiça e a virtude, como a justiça e a igualdade também não são elementos absolutamente
iguais, pois na essência são distintas: a primeira, a justiça é uma disposição do ser, em sua existência primeira, em
relação a um agir em relação ao outro; já a virtude é uma certa disposição do ser em não ser iníquo com o outro.
Tem a justiça, portanto, um caráter prático, objetivo, já que está numa condição de relacionamento do ser com o ser.
Ela é uma virtude completa, e aqui completa não significa que ela é em absoluto, irrestrita em abstrato, mas na relação
do sujeito com os outros sujeitos.

Prática, a justiça compreende todas as virtudes na medida em que ela se compreende como todos os atos exteriores e,
a partir desses atos exteriores ao sujeito, isto é, o seu agir em sociedade, se pode fundar alguma base para o seu
julgamento.

A virtude requer repetição, hábito, costume e a esses hábitos, repetições e costumes se insere a justiça, no que resulta
em uma virtude completa, quer dizer, exercitável pelos sujeitos na sua relação com os outros e com o mundo que os
cerca.

A Lei é uma possibilidade de experimento da vida ética, pois a felicidade dos sujeitos somente se encontra numa
condição de existência ética e esta existência só pode se realizar sob o domínio de uma comunidade ao mesmo tempo
ética e política, fundamentada sob um regime político, qual seja, uma Constituição, a Lei, que em muitos sentidos é a
razão de sua própria existência.

A justiça é realizável, desta forma, tanto num sentido normativo, isto é, a partir da experiência da Lei, que permite o
julgamento das relações dos sujeitos com outros, bem assim traz também um sentido de igualdade, restrito as ações
daquelas relações que buscam a distribuição e a pretensão daqueles bens constitutivos da relação humana.

1.2 A Justiça em sentido mais do que Lato


Aqui, a justiça é uma ideia ideal, pois ela seria um conjunto complexo de todas as virtudes experimentadas pelos
sujeitos (tais como amizade, temperança, honestidade, igualdade, equidade etc.). Neste caso ela está mais para uma
condição de existência de um sujeito ideal que encontra neste agir absolutamente justo uma condição categórica de
existir. Ela é a “justiça perfeita porque é a prática da justiça perfeita, perfeita porque quem a possui pode usá-la para
com o outro”.1
É categórica na medida em que um sujeito não busca o seu uso apenas em seu próprio benefício, mas igualmente na
relação com os outros. Aqui, a justiça é algo compartilhado, pois se realiza na condição de realizar-se em si e no outro,
numa capacidade absoluta de constituir-se como uma ‘transitividade social’, quer dizer, como condição para a própria
relação individual/social.

1.3 A justiça em sentido Lato


Aqui, em sentido lato, diferentemente do sentido anterior a justiça tem não uma natureza geral, ao contrário, ela é
somente um conjunto daquelas virtudes sociais que fundamentam a base da relação do sujeito com outros, sendo
assim, uma condição necessária para a sociedade humana existir.

No sentido lato, o papel do outro é condição essencial, pois é na presença desse outro que toda e qualquer realização
da virtude ética acontece, existe na condição de que humano é tudo aquilo que diz respeito a existência do outro, uma
vez que o existir ético está na medida das ações do sujeito com o outro, agindo em variadas e distintas ações éticas e
nas condições resultantes destas mesmas ações para si e para os outros.

O sentido Lato da justiça traz, portanto, a presença de uma fundamental alteridade. É essa alteridade que dá o tom e a
caracterização de todas as virtudes da ética, permitindo que todas estas virtudes sejam alguma forma de justiça, naquilo
que Aristóteles chamou de ‘rainha de todas as virtudes’.
1.4 Justiça em sentido estrito
Aqui, o conceito de justiça diz respeito à virtude como uma condição especial. Quer dizer: sua condição essencial é dar a
outrem o que lhe é devido, numa condição de igualdade marcada por uma condição de simplicidade e
proporcionalidade. É uma relação aqui que apresenta três características:

1. dar a outrem (pluralidade e alteridade)


2. o que lhe é devido
3. segundo uma igualdade (que é uma qualidade)

Em relação à primeira característica já se desenvolveu reflexão, pois como se afirmou anteriormente, a condição
relacional da justiça somente tem condições de existir a partir de uma pluralidade de sujeitos, uma vez que o sujeito
somente se reconhece na medida em que reconhecendo o outro pode se perceber.

Quanto à segunda característica (*Quanto ao devido).

Essa característica é fundamental na medida em que tal obrigatoriedade e exigibilidade para a realização da justiça
permitem que a Lei exerça uma função de realizar o exigível, impondo condutas permissivas e proibidas aos indivíduos.
É como se afirmar que a justiça tem uma natureza de atributividade, que por sinal vem a ser uma das características
essenciais da norma jurídica. É o que se afirma como um traço característico da justiça, o direito à exigibilidade.

Este deve ser exigido do particular somente aquilo que é o devido legal, buscando-se com isso proibir quaisquer abusos
ou excessos indiscriminados por parte das instituições encarregadas da sua exigência.

No que tange à terceira característica (* Quanto à igualdade):

A igualdade é fundamental na condição em que permite o equilíbrio entre a alteridade e o devido, já que se utiliza de
princípios normativos para garantir a realização daquelas outras duas características.

Ela é realizada de forma objetiva, concreta, pois é mais do que uma ideia ideal, do que uma pretensão subjetiva. A
igualdade na justiça é o seu ‘justo meio’, como quer Aristóteles ou, de forma um tanto equivocada o ‘meio termo’
escolástico medieval.

O ‘justo meio’ aristotélico é uma condição razoável entre dois extremos equidistantes, independentes de quais venham
a serem tais extremos, já o meio termo é uma medida algébrica, racional e estratégica, determinada pelas condições
objetivas e concretas de cada sujeito quando decide uma dada situação.

A solidariedade contribui para o alcance de uma sociedade justa e pacífica, fundada no respeito e manutenção do “bem
comum”, por meio de um ato de cooperação.

Destaque-se que a solidariedade deve acontecer tanto no plano interno quanto no plano externo, isto é, deve ser
executada no/dentro do próprio Estado, mas também na/dentro da comunidade internacional, fazendo com que os
Estados se solidarizem de forma mútua, ajudando aqueles mais dependentes economicamente.
1.5 Espécies de Justiça
É possível, apesar de toda a problemática em torno deste conceito estabelecer três espécies de justiça

1. Social
2. Distributiva
3. Comutativa ou corretiva ou sinalagmática

1.5.1 Justiça Social


A justiça social pode ser compreendida como aquela virtude pela qual os sujeitos dão à comunidade uma efetiva
contribuição para a realização do ‘bem comum’, desde que observando uma igualdade de disposição geométrica.
também é conhecida por Justiça geral ou legal.

A igualdade é proporcional e real, pois cada pessoa deve contribuir conforme sua capacidade. Os governantes e donos
de empresas devem contribuir com a maior parte.

1.5.2 Justiça Distributiva


Essa é a justiça que regula a relação da sociedade com os sujeitos que a constituem, organizando e racionalizando a
aplicação dos recursos da coletividade aos mais distintos espaços do social. Pode ser compreendida:

1. Fixação de impostos
2. Progressividade dos impostos devidos
3. Garantia do voto plural
4. Participação dos empregados nos lucros das empresas
5. Aplicação do salário, etc.

Observando-se os exemplos acima destacados se pode perceber que a justiça distributiva está presente em alguns
ramos do direito, tais como o direito administrativo, civil, trabalho, etc.

Pode-se, destarte, destacar como principais aplicações da justiça distributiva os seguintes aspectos:

1. Há um primeiro dever negativo e preliminar, que consiste em respeitar os limites dos direitos fundamentais
dos membros da sociedade
2. A sociedade deve garantir aos seus indivíduos as condições de respeito desses direitos fundamentais diante
de possíveis violências, degradações e atentados praticados pelos sujeitos e pelo próprio Estado. Quer
dizer: a sociedade deve garantir a ordem, a segurança e as mínimas condições de paz social
3. Os indivíduos devem ter garantias de uma repartição equitativa dos benefícios de ordem material e moral
que informam o conceito de bem comum. Não se há de falar na possibilidade de exclusão de sujeitos
4. A distribuição desse bem comum deve se dar a partir de uma garantia de igualdade
5. A distribuição do bem comum não é um objetivo apenas para o tempo presente, mas igualmente nele deve
estar subsumido uma capacidade de distribuição para o futuro, já que a sociedade é um instituto temporal
e o bem comum deve, apesar das particularidades do momento histórico, sempre ser projetado para a
realização das gerações futuras

Nesta justiça, portanto, a equidade e a igualdade são fundamentais para a realização efetiva do bem comum, já que é a
obrigação precípua do social garantir as condições de ordem, paz e segurança entre os seus membros sem perder-se de
vista a regra da proporcionalidade do bem comum.
1.5.3 Justiça Comutativa
O significado comutativo é uma influência do tomismo (pensamento filosófico do final da Idade Média, representado
por São Tomás de Aquino), significando meramente uma condição de reciprocidade, a partir de uma sociedade baseada
no justo a partir da realização da fé e da Lei divina, que se impõe sobre a Lei humana, legitimando, desta forma, as
condições dessa justiça.

É a justiça compreendida como aquela que rege a relação entre sujeitos, mas não no que diz respeito a condição social
igualitária destes.

Suas características são:

1. pluralidade de pessoas (alteridade)


2. relação entre particulares
3. um devido rigoroso e estrito
4. Uma igualdade de natureza simples ou absoluta (aritmética)

Desta forma, se um determinado sujeito contribui com 50, ele deverá receber 50. Quer dizer, implica uma permuta de
bens e serviços de forma a possibilitar a utilização da produção alheia, sendo necessária a retribuição segundo a
quantidade a fim de que haja uma equivalência entre os bens trocados pelos sujeitos da relação.

1.6 Da Justiça Universal


Em relação à justiça universal esta corresponderia quer na visão aristotélica, quer numa visão kantiana a um exercício
de virtude completa e perfeita ou a existência possível dos imperativos categóricos comuns ao homem.

Isso significa afirmar que ela se constitui numa virtude completa porque é exercida pelo indivíduo em relação não
somente a si mesmo, mas igualmente ao próximo.

Importa destacar uma ressalva neste momento: quando se afirma uma justiça exercida em relação a si próprio não se
trata propriamente de ‘justiça’, uma vez que ninguém pode afirmar que está sendo justo em relação a si mesmo, não
baseando tal afirmação em um argumento de ‘justiça’, pois essa percepção individualista é resultante de uma condição
egocêntrica sustentada pela própria consciência que nem sempre se deixa reger pela ideia social da justiça. Neste caso,
não se trata de justiça, mas apenas de uma disposição de caráter.

A justiça é sempre uma condição relacional, observada em relação ao outro, marcadamente constituída pela alteridade
mesmo quando a partir de uma perspectiva íntima, autocentrada, mas que tem obrigatoriamente uma correlação, uma
contrapartida em outro ser humano. Ela é a realização de valores universais do homem e não de um homem em
especial, acontecendo na própria condição de existência da humanidade. E é isso que a diferencia de uma justiça de
natureza particular, pois aqui há uma referência à distribuição de ‘bens’, isto é, de honras, vantagens e coisas.

1.7 Da Justiça Formal


Conforme afirmou Aristóteles,

“Uma vez que aquele que viola a lei é, como vimos, injusto e aquele que respeita a lei é justo, é evidente que todas as
ações legítimas são em certo sentido justas, pois que ‘legítimo’ é o que o poder legislativo definiu como tal e nós
chamamos ‘justo’ a todo o procedimento legislativo particular”2
A justiça formal tem condições de excluir as arbitrariedades, as preferências ideológicas e exige uma previsão não
apenas de decisões judiciárias, mas, igualmente, no exercício do campo político. É o que se consagrou como: GOVERNO
DE LEIS E NÃO DE HOMENS.
Aqui, as normas jurídicas podem ser justas ou injustas em seu sentido formal. Ela se aplica tanto às normas morais como
àquelas jurídicas.

Em Hobbes e em outros tantos filósofos dos séculos XVII a XIX, o conceito de justiça é usado exclusivamente em seu
sentido formal, quando não em sentido fundamentalmente jurídico. Consequência da emergência da modernidade e de
seus institutos, tais como o Estado Nacional Absolutista, o racionalismo científico, o método cartesiano, etc.

Portanto, o agir justo é o agir conforme o respeito de tudo aquilo que é comando da Lei, a partir do fato de que elas
foram promulgadas pelo poder legitimamente constituído e capaz de pertencer a uma estrutura de fazê-las respeitar-se
sobre a própria individualidade egocêntrica do sujeito humano.

1.8 Conceitos de Justiça


A modernidade inaugura um período de relativismo, ainda vivido por nos. A modernidade inaugura um período em
que o relativismo prevalece sobre o pensamento antigo.

Os antigos e os medievais viam o mundo como uma ordem, e os campos do conhecimento como a gente costuma
separar, por exemplo, direito, justiça, religião, política, filosofia. Havia uma ligação entre esses ramos do
conhecimento. O direito para os antigos era necessariamente justo. Com relação à política a mesma coisa, a política era
pensada em função da ética. Isso porque os antigos desenvolveram uma noção de virtude.

Na modernidade há um rompimento afeta a política, afeta o direito, afeta todos os ramos do conhecimento humano.
Com relação à política, Maquiavel, no campo da política acaba inaugurando esse mundo moderno, porque rompe com a
noção de virtude, passa ver a política de um modo que se pretende realista.

Isso significa uma quebra de unidade, vigora o relativismo.

Uma figura importante da modernidade é KANT. A contribuição importante de Kant para a ideia de justiça é fundar a
justiça a partir da ideia de liberdade. Para Kant o cerne da justiça é a liberdade, ou seja, a essência da justiça é a
liberdade.

Daí essa ideia ser importante para o surgimento da ideia de soberania popular. Eu sou livre a partir do momento que eu
ajo como cidadão e agir como cidadão significa produzir as leis que eu devo cumprir. As leis que eu cumpro elas devem
vir da minha vontade e não da vontade de outra pessoa que não a minha.

Então, eu sou livre a partir do momento em que eu me submeto ás minhas próprias leis. Com isso, a ação justa tem a
ver com liberdade, a justiça nasce dessa liberdade com autonomia. Eu sou livre a partir do momento em que eu produzo
as minhas leis, e ai a justiça vai se fixar sob uma base de liberdade, sobre essa base de soberania popular, é o primeiro
requisito pra que as leis sejam produzidas.

Kant dizia, justa é somente a ação cuja máxima liberdade de arbítrio de cada um pode coexistir com a liberdade de
todos. Então a justiça é uma espécie de coexistência entre as várias liberdades. Esse é o fundamento, por exemplo, de
toda a teorização dos direitos fundamentais que vão aparecer durante a revolução francesa.
1.8.1 Utilitarismo
É uma filosofia que fez muito sucesso no mundo anglo saxão, principalmente na Inglaterra. São filósofos utilitaristas, por
exemplo, Bentham, John Stuart Mill. Todos esses filósofos ingleses, por isso utilitarismo é uma teoria filosófica muito
própria do mundo inglês.

A ideia de justiça dos utilitaristas diz que o homem é um animal que age a partir daquilo que chamam de princípio da
satisfação. Isso significa que o homem sempre busca o prazer, a satisfação, o bem estar e evita a dor (princípio da
satisfação).

Para os utilitaristas toda a ação humana, os preceitos éticos, morais, os preceitos de justiça, todos se fundamentam
nessa ideia de que o que é fundamental é o interesse.

1.8.2 Kelsen
Kelsen vai dizer o seguinte:

“Dar a cada um aquilo que é seu é uma definição totalmente vazia, pois a questão decisiva – o que é realmente que
cada um pode considerar como seu – permanece sem resposta”.
Kelsen pretende retirar da teoria do direito, a justiça. Daí o nome teoria pura do direito, porque a pretensão de Kelsen
era obter um direito purificado, um direito livre das influências da política, da economia, ciência, da religião, e da justiça.
Kelsen pretendia conhecer o direito como ele é, e isso então implica apenas o estudo das normas jurídicas.

Para Kelsen, não se pode estudar a justiça dentro do direito, mas a justiça na forma que se acredita é uma justiça
relativa, é a justiça da tolerância, é a justiça do respeito pelos outros, existe uma justiça, só que essa justiça faz uma
justiça mínima, a justiça consiste em tolerar, respeitar a opinião alheia.

1.8.3 Alf Ross


É um dinamarquês, mas radical que Kelsen.

Para ele, “Uma pessoa que sustenta que certa regra ou conjunto de regras – por exemplo, um sistema tributário – é
injusto, não indica nenhuma qualidade discernível nas regras; não apresenta nenhuma razão para sua atitude.
Simplesmente se limita a manifestar uma expressão emocional. Tal pessoa diz: “Sou contra essa regra porque é injusta’.
O que deveria dizer é: “Esta regra é injusta porque sou contra ela”.

Alf Ross nega a justiça. Ele diz: a justiça é uma reação emocional do homem, ele diz que é injusto aquilo que o
desagrada. Eu não sou capaz de conhecer a justiça, ele nega a possibilidade de se conhecer a justiça, então justiça não
tem nada a ver com direito.

1.8.4 A ideia de justiça de John Rawls


John Rawls é um autor recente, norte-americano que faleceu em 2002. Tem feito atualmente muito sucesso no campo
do direito constitucional. É um autor cuja principal obra se chama “Uma teoria da justiça”.

Nessa obra, ele percebe que na tradição democrática moderna há um problema com relação à coordenação, a
composição entre três valores, que são aqueles valores que são o lema da revolução francesa: igualdade, liberdade e
fraternidade.

Nós vimos que a ideia de justiça aparece no mundo antigo, na antiguidade como uma ideia relacionada ao conceito da
igualdade. Nós vimos também que com Kant o valor da liberdade entra naquilo que se costuma pensar que seja o
conceito de justiça. A partir de Kant a justiça passa a ser uma espécie de composição entre a ideia de igualdade e a ideia
de liberdade. E com a revolução francesa surge o terceiro valor, formando uma tríade em relação à questão da justiça,
que é a questão da fraternidade.

A proposta de Rawls vai no sentido de criar uma regra de que significa uma ação justa, uma regra daquilo que significa
justiça e essa regra vai buscar consagrar esses três valores dentro dessa regra.

Portanto, a proposta de Rawls pode ser explicitada do seguinte modo. Ele vai dizer que justiça significa o seguinte:

1) Cada pessoa tem o mesmo direito inalienável a um sistema plenamente adequado de liberdades fundamentais iguais
que seja compatível com o sistema idêntico de liberdades para todos;

2) As desigualdades sociais e econômicas devem satisfazer duas condições: a) elas devem estar vinculadas a cargos e
funções abertos a todos em condições de igualdade equitativa de oportunidades; b) elas devem redundar no maior
benefício possível para os membros menos privilegiados da sociedade.

Essa proposta de justiça de Rawls vai, portanto, tentar conciliar a liberdade, com a igualdade e com a fraternidade.

Esse primeiro aspecto da justiça é a tentativa de consagrar o valor da liberdade, no sentido que todos devem ter a
mesma liberdade. Todos tem o mesmo direito inalienável a um tratamento igual no que diz respeito à liberdade.

O segundo ponto do conceito de justiça dele se divide em duas ideias: em primeiro lugar, o Rawls vai buscar conciliar a
ideias de liberdade igual para todos com a ideias de igualdade. A ideias de igualdade vai aparecer no conceito de justiça
de Rawls como igualdade de oportunidades. O que significa dizer que a sociedade deve se estruturar de um modo em
que ela ofereça situações de oportunidades iguais a cada um do cidadão. Não no sentido de que o que nós devemos
buscar seja a igualdade total, ou seja, a igualdade de todos e tudo, porque essa busca pela igualdade absoluta é uma
busca infrutífera pelo simples fato de que as pessoas definitivamente são desiguais.

A proposta que Rawls vai buscar consagrar a proposta da igualdade enquanto mesmo ponto de partida para cada uma
das pessoas dentro da sociedade. O que é justo é a sociedade oferecer a cada um de nós o mesmo ponto de partida. Daí
pra frente, se todos nós temos a mesma condição, por exemplo, educacional, é oferecido a todos os membros da
sociedade um ensino público com uma qualidade razoável.

A partir do momento que essa sociedade garante aquilo que, por exemplo, Barroso chama de mínimo existencial, a
partir do momento em que a sociedade garante esse mínimo existencial a cada um está garantindo a possibilidade de
que se tenha o mesmo ponto de partida. Mas isso não elimina a possibilidade de haver diferença entre as pessoas e
suas capacidades.

Neste ponto, a proposta do Rawls é tentar conciliar esses três valores expressos no lema da revolução francesa:
igualdade, liberdade e fraternidade. Ele busca uma teoria da justiça para as democracias. E como ele busca uma teoria
da justiça para as democracias ele vai se deparar com um problema muito próprio das democracias: o pluralismo.

O que caracteriza as democracias modernas é aquilo que ele chama de “o fato do pluralismo”. As sociedades
democráticas elas são compostas por pessoas que tem as mais diferentes visões de mundo.

Dentro da nossa sociedade brasileira, por exemplo, nós temos uma serie de religiões socialmente aceitas. Então é
possível ser católico, ser espírita, ser evangélico, ser das religiões africanas. É possível manifestar uma ideologia liberal,
uma ideologia socialista, é possível você adotar uma moral clássica, uma moral moderna, uma moral utilitarista.
Portanto, uma justiça que busca pensar o mundo democrático, vai ter que buscar conciliar essas várias visões de mundo
presentes dentro da sociedade democrática.
Assim, para John Rawls, a justiça na democracia só pode ser uma justiça relativa. É necessário pensar uma ideia de
justiça que possa conciliar várias visões de mundo.

Rawls vai dizer que o limite dessa justiça relativa se encontra no razoável. E para ele razoável significa aquela justiça que
respeita as liberdades do cidadão e as igualdades do cidadão.

Veja bem, dentro dessa ideia de uma justiça que respeita a liberdade e a igualdade do cidadão, é possível uma série de
matizes, é possível se adotar uma serie de posições igualmente válidas. Daí porque ele diz que é possível uma sociedade
se estruturar de uma forma justa tanto se a sociedade se estruturar economicamente como uma sociedade socialista
democrática, como se a sociedade se estruturar economicamente de uma forma capitalista.

Ele diz o seguinte: diferentemente das sociedades antigas em que as pessoas se estruturavam em torno de uma
determinada religião, de uma determinada filosofia, de uma determinada visão de mundo, as sociedades modernas se
estruturam em torno da Constituição.

Portanto a busca num mundo democrático, na justiça democrática, é a busca pelo consenso.

Nesse cenário, o princípio das razões públicas assume um papel importante. Esse princípio deriva da ideia de ‘razões
públicas’, que tem origem na filosofia kantiana, mas foi desenvolvida mais recentemente pelo filósofo político John
Rawls, suscitando intendo debate que envolvei vários outros autores. A ideia de razões públicas é a de que, na esfera
política, ao lidar com temas essenciais, como os que concernem aos direitos humanos, só são admissíveis argumentos
independentes de doutrinas religiosas ou metafísicas controvertidas a que cada cidadão adira. No campo privado, das
discussões privadas nas famílias, nas entidades religiosas, nas associações etc., esse limite não se aplica. Mas na
discussão pública, os cidadãos devem apresentar argumentos também públicos, que possam ser racionalmente aceitos
pelos seus interlocutores, independentemente das respectivas crenças religiosas ou metafísicas.
O dever de observância do uso público da razão na hermenêutica constitucional decorre dos princípios republicano e
do Estado Democrático de Direito (art. 1º, Constituição Federal).

1.8.5 Conceito de Justiça segundo Jürgen Habermas


O jurista Jürgen Habermas analisa as instituições jurídicas e propõe modelo onde se interpenetram justiça, razão
comunicativa e modernidade, com o fito de sustentar sua teoria do agir comunicativo, discutida em sua obra Direito e
Democracia: entre facticidade e validade.

1.8.6 Conceito se Justiça segundo Chaïm Perelman


O filósofo Chaïm Perelman, na sua obra Ética e Direito, ao examinar os diferentes sentidos da noção de justiça, para
deles extrair um substrato comum – a igualdade, que o conduz ao conceito de justiça formal ou abstrata.

Após rebater recorrentes conceitos de justiça, Perelman sustenta que a justiça deve ser compreendida a partir do caso
concreto, a partir do ideal de igualdade, visto que, para ele, o ato justo depende do tratamento isonômico entre as
pessoas envolvidas em um conflito de interesses.

1.8.7 Conceito de justiça em Santo Agostinho


Em Agostinho, a justiça é uma virtude concedida ao homem pelo Sumo Bem (Deus). Desse modo, ela procede de Deus e
considerando que Deus é a manifestação primorosa do amor, entende Agostinho que a justiça é atribuir a cada um o
que lhe é devido, sendo que a medida para essa prática é o amor.

1.8.8 Conceito de justiça em São Tomás de Aquino


Para Aquino, o objeto de direito é a justiça. A partir dessa compreensão, com forte influência aristotélica, Tomás de
Aquino sustenta que a justiça é um hábito pelo qual, com vontade constante e perpétua, atribuímos a cada um o que
lhe pertence.
2. Ponto 2 – O conceito de Direito. Equidade. Direito e Moral.
2.1 O Conceito de Direito
2.1.1 Autores Internacionais
“O direito é, pois, o conjunto de condições sob as quais o arbítrio de um se pode harmonizar com o arbítrio do outro,
segundo uma lei universal da liberdade” (Kant, Metafísica dos Costumes, Parte I, p. 36, edições 70). Encontra-se na obra
de Kant os seguintes pressupostos, a partir dos quais se pode desenvolver a ideia de direito: A noção de direito refere-se
à relação exterior e prática de uma pessoa com outra, na medida em que as suas ações possam influir sobre outras
ações; essa noção diz respeito à relação do arbítrio do agente com o arbítrio do outro.

“O domínio do direito é o espírito em geral; aí, a sua base própria, o seu ponto de partida está na vontade livre, de tal
modo que a liberdade constitui a sua substância e o seu destino e que o sistema do direito é o império da liberdade
realizada, o mundo do espírito produzido como uma segunda natureza a partir de si mesmo” (Hegel, Princípios de
Filosofia do Direito, p.12, Ed. Martins Fontes, trad. Orlando Vitorino, Martins Fontes, S. Paulo, 1997).

O direito é fato social. Mas não qualquer fato, e sim um que se destaca acima dos demais por ter fundamento social
capaz de impor sanções, perda de patrimônio e privação da liberdade, mais contundentes do que as sanções dos outros
fatos sociais. (Émile Durkheim)

Direito é uma estrutura, parte da superestrutura estatal, que serve à classe dominante, meio oficial de dominar o
proletariado (Karl Marx)

“Direito é, pois, a realidade que possui o sentido de estar ao serviço do valor jurídico, da Ideia de direito. O ‘conceito”
de direito acha-se assim dependente da ‘Ideia’ de direito” (Gustav Radbruch, Filosofia do Direito, p. 86, Armênio Amado
Editor, Coimbra, 1997, 6ª edição, tradução de L. Cabral de Moncada);

“O direito é um corpo de procedimentos regularizados e de padrões normativos, considerados justificáveis num dado
grupo social, que contribui para a criação e prevenção de litígios, e para a sua resolução por meio de um discurso
argumentativo, articulado com a ameaça de força” (Boaventura de Souza Santos, Crítica da Razão Indolente, p. 290,
Cortez Editora, s. Paulo, 2000);

“O direito é um sistema de normas que (1) formula uma pretensão de correção, (2) consiste na totalidade das normas
que pertencem a uma Constituição em geral eficaz e não são extremamente injustas, como assim também na totalidade
das normas promulgadas de acordo com esta Constituição e que possuem um mínimo de eficácia social ou de
probabilidade de eficácia e não são extremamente injustas e ao que (3) pertencem os princípios e outros argumentos
normativos em que se apoia o procedimento de aplicação do direito e/ou tem que apoiar-se a fim de satisfazer a
pretensão de correção” (Robert Alexy, El concepto y la validez delderecho, p. 123, Gedisa editorial, 2ª edición,
Barcelona, 2004);

Hans Kelsen define Direito como “um conjunto de regras que possui o tipo de unidade que entendemos por sistema”.

2.1.2 Autores Nacionais


“Direito é a ordenação heterônoma, coercível e bilateral atributiva das relações de convivência, segundo uma
integração normativa de fatos segundo valores” (…) “Direito é a concretização da ideia de justiça na pluridiversidade de
seu dever ser histórico, tendo a pessoa como fonte de todos os valores” (Miguel Reale, Lições Preliminares de Direito, p.
67, Saraiva, S. Paulo, 2005).

De acordo com Paulo Dourado de Gusmão, Direito é um “conjunto de normas executáveis coercitivamente,
reconhecidas ou estabelecidas e aplicadas por órgãos institucionalizados”.
Já Wilson Campos de Souza Batalha, afirma que Direito é um “conjunto de comandos, disciplinando a vida externa e
relacional dos homens, bilaterais, imperativo-atributiva, dotador de validade, eficácia e coercibilidade, que tem o
sentido de realizar os valores da justiça, segurança e bem comum, em uma sociedade organizada”.

Também pode-se citar o conceito de Direito de Vicente Rao, sendo um “sistema de disciplina social fundado na natureza
humana que, estabelecendo nas relações entre os homens uma proporção de reciprocidade nos poderes e deveres que
lhe atribui, regula as condições existenciais dos indivíduos e dos grupos sociais e, em consequência, da sociedade,
mediante normas coercitivamente impostas pelo Poder Público”.

Ainda pode-se incluir o conceito de Paulo Nader, que diz que Direito é um “conjunto de normas de conduta social,
imposto coercitivamente pelo Estado, para realização de segurança, segundo critérios de justiça”.

Direito quântico, de Goffredo Telles Jr.: “O Direito Objetivo é um Direito artificial. É um Direito que não exprime a
realidade biótica da sociedade. É um Direito corrompido e corruptor. Ele forçará o surgimento de interações humanas à
margem do campo de sua competência. Grande parte da vida social se processará fora de seus domínios”. Daí que por
meio de uma concepção que supera as visões tradicionais, o professor Goffredo foi o construtor de uma nova teoria –
a Teoria do Direito quântico – evidenciando que o comportamento humano depende das mensagens emitidas pelas
moléculas de DNA, e que a Biologia e o Direito são ciências interligadas. E nisto reside a grandiosidade de sua teoria: na
demonstração da relação entre a movimentação das partículas quânticas e a atividade humana.

2.1.3 Conceito de Direito segundo a teoria de Hans Kelsen


Deve-se à Kelsen a conhecida Teoria Pura do Direito.

Para Kelsen, alhear o fenômeno jurídico de contaminações exteriores à sua ontologia seria conferir-lhe cientificidade; o
isolamento do método jurídico seria a chave para a autonomia do Direito como ciência. Kelsen pretendeu “libertar a
ciência jurídica de todos os elementos que lhe são estranhos”, porquanto, para ele, o Direito deve se ocupar apenas e
tão somente da ordem normativa. A norma seria uma moldura, a qual comporta vários sentidos – metáfora da moldura.

Na teoria kelseniana, o papel que se atribui ao intérprete é o de “compor” essa moldura, indicando os vários sentidos
lógicos que as normas jurídicas apresentam, de modo que o juiz, ao aplicar o Direito no caso concreto, desenvolve uma
atividade criadora, ao escolher, voluntariamente, dentre os vários sentidos contidos na norma, aquele que vai aplicar
em sua decisão.

Para Kelsen, o sistema jurídico é unitário, orgânico, fechado, completo e autossuficiente; nele, nada falta para seu
aperfeiçoamento; normas hierarquicamente inferiores buscam seu fundamento de validade em normas
hierarquicamente superiores. O ordenamento jurídico resume-se a esse complexo emaranhado de relações normativas.
Qualquer abertura para fatores extra jurídicos comprometeria sua rigidez e completude, de modo que a norma
fundamental (o fundamento último de validade de todo um sistema jurídico) desempenha esse papel importante de
fechamento do sistema normativo escalonado.

O positivismo kelseniano entende que o ponto de apoio de todo o sistema jurídico está centrado numa estrutura
escalonada de normas, onde a última aparece como norma fundamental, ápice de uma pirâmide de relações
normativas. Onde há hierarquia, há interdependência entre normas, onde há interdependência, a validade da norma
inferior é extraída da norma superior, e assim até a última norma, a norma fundamental.

A norma fundamental possui uma natureza puramente pensada como forma de estancar o regresso ad infinitum do
movimento cadenciado de busca do principium de validade de toda a estrutura piramidal do ordenamento jurídico;
trata-se de uma ficção do pensamento, na busca de determinar logicamente um começo e um fim.

A autonomia do Direito, para Kelsen, só se alcança isolando o jurídico do não jurídico. Isso quer dizer que o Direito,
como ciência, deve significar um estudo lógico-estrutural seja da norma jurídica, seja do sistema jurídico de normas.
Nesse emaranhado de ideias, a própria interpretação se torna um ato, cognoscitivo (ciência do direito) ou não
cognoscitivo (jurisprudência), de definição dos possíveis sentidos da norma jurídica. A interpretação do juiz, ato
prudencial, por natureza, para Kelsen, transforma-se no ato de criação de uma norma individual.

Para Kelsen, a interpretação feita pelo órgão aplicador do Direito é sempre autêntica. Ela cria o Direito. E admite,
inclusive, que o órgão judiciário possa “produzir uma norma que se situe completamente fora da moldura que a norma
a aplicar representa”. Já a interpretação feita pela ciência jurídica não é autêntica, sendo “pura determinação
cognoscitiva do sentido das normas jurídicas”, não tendo o poder de “criação jurídica”, além de ser “incapaz de
colmatar as pretensas lacunas do direito”, e isso porque o preenchimento das lacunas jurídicas “é uma função criadora
de Direito que somente pode ser realizada por um órgão aplicador do mesmo”. Portanto, para ele há uma ficção da
univocidade das normas jurídicas.

A crítica que se faz ao normativismo kelseniano é no sentido de que a “pureza” do jurista produz uma aplicação alienada
do Direito, haja vista que a norma é “contaminada”, já na sua origem, quando da edição da lei. Portanto, se o olhar do
jurista for “puro”, com a abstração dos fatores ideológicos, psicológicos, sociológicos, éticos (ou morais) e políticos na
análise da norma, isso levará ao tecnicismo jurídico, em que se dá mais valor às técnicas de aplicação da norma do que
aos efeitos concretos que ela produz no mundo dos fatos.

2.1.4 Conceito de Direito segundo a teoria de Miguel Reale


Para Miguel Reale, o Direito corresponde à exigência essencial e indeclinável de uma convivência ordenada, pois
nenhuma sociedade poderia subsistir sem um mínimo de ordem, de direção e solidariedade. O Direito é um fato ou
fenômeno social, não existe senão na sociedade e não pode ser concebido fora dela.

Enquanto a ciência do Direito estuda o fenômeno jurídico tal como ele se concretiza no espaço e no tempo, a Filosofia
do Direito indaga das condições mediante as quais essa concretização é possível. A ciência do Direito é uma forma de
conhecimento positivo da realidade social segundo normas ou regras objetivadas, ou seja, tornadas objetivas, no
decurso do processo histórico.

Em sua obra voltada especificamente à Filosofia do Direito, Miguel Reale o define como a “realidade histórico-cultural
ordenada de forma bilateral atributiva, segundo valores de convivência”.

Atribui-se a Miguel Reale a Teoria Tridimensional do Direito, que se distingue das demais de caráter genérico ou
específico, por ser concreta e dinâmica, isto é, por afirmar que:

1) “Fato, valor e norma estão sempre presentes e correlacionados em qualquer expressão da vida jurídica, seja ela
estudada pelo filósofo ou pelo sociólogo do direito, ou pelo jurista como tal, ao passo que, na tridimensionalidade
genérica ou abstrata, caberia ao filósofo apenas o estudo do valor, ao sociólogo o do fato e ao jurista o da norma”.

2) “A correlação entre aqueles elementos é de natureza funcional e dialética, dada a implicação-polaridade existente
entre fato e valor, de cuja tensão resulta o momento normativo, como solução superadora e integrante nos limites
circunstanciais de lugar e tempo”. Ou em outras palavras, da tensão dialética entre fato e valor surge a norma, como
solução superadora do conflito.

A respeito dessa tensão dialética entre fatos e valores, pode-se dizer que ela ocorre porque as exigências axiológicas,
como visto, podem ser as mais diversas, distribuindo-se por meio de uma escala de tendências de ordem espiritual,
moral, intelectual, econômica etc. Por outro lado, as condições fáticas igualmente variam com maior ou com menor
intensidade e extensão, por meio da história e em função do meio social em que o direito é vivido. Entre esse complexo
de situações fáticas e o complexo de exigências axiológicas existe uma permanente tensão, chegando, às vezes, a haver
aberto contraste.

Vê-se, pois, que o conceito de Direito implica, outrossim, o elemento do Poder (donde se depreende ser uma realidade
ordenada), assim como o de sociedade: O Direito é a vinculação bilateral-atributiva da conduta humana para a
realização ordenada dos valores de convivência. Temos, assim, de maneira geral, a sociedade como condição do Direito,
a justiça como fim último, a bilateralidade atributiva como forma ordenatória específica e o Poder como garantia de sua
atuação.

De acordo com a Teoria Tridimensional do direito, não há norma legal sem a motivação axiológica dos fatos sobre os
quais os valores incidem. Daí a compreensão da norma jurídica como elemento integrante da relação fático-valorativa.
Daí também a necessidade, segundo Reale, de ser a norma jurídica sempre objeto de interpretação, não como um
objeto ideal (como se fosse uma asserção lógico-sintética), mas sim como um enunciado em necessária correlação com
a base fático-axiológica. É a razão pela qual se distingue o “normativismo jurídico concreto” de Miguel Reale do
“normativismo puro” de Hans Kelsen. Portanto, para Reale Direito é o fato social, mais o sentido (jurídico) da norma, ao
que se soma o valor atribuído pelo intérprete. Nessa concepção, Direito é um fenômeno plural- pluralismo jurídico- ao
contrário do que pensava Kelsen, para quem o Direito contém somente normas.

Realizar o Direito é realizar a sociedade como comunidade concreta, a qual não se reduz a um conglomerado fortuito de
indivíduos, mas é uma ordem de cooperação e de coexistência, uma comunhão de fins, com os quais é mister que se
conciliem fins irrenunciáveis do homem como pessoa, ou seja, como ente que tem consciência de ser o autor de suas
ações, de valer como centro axiológico autônomo, o que só será possível com igual reconhecimento da personalidade
alheia.

O Direito é dever-ser que se projeta necessariamente no plano da existência concreta, para que caiba o seu a cada um
dos membros da comunidade e à comunidade mesma.

A coação liga-se ao dever-ser do Direito, pois quando a norma jurídica primária, que contém o preceito de conduta, não
é espontaneamente cumprida, impõe-se o advento de dadas consequências, as quais podem consistir no cumprimento
forçado da regra infringida, ou em uma pena correspondente ao valor do Direito cuja reintegração haja se tornado
impossível.

Compreendida como exigência axiológica do Direito, a coação pulsa de força ética, quer ao tornar efetivos, graças a
processos vários, os resultados que normalmente derivariam da conduta espontânea do obrigado (por meio da penhora
e hasta pública, por exemplo), quer ao se impor ao transgressor uma pena retributiva do mal irremediavelmente
praticado (a condenação do homicida não restitui, por certo, o bem da vida, mas normativamente faz valer o valor
atingido).

Outra decorrência da atributividade é a predeterminação formal do Direito. De todas as formas de experiência humana,
o Direito é a que mais exige forma predeterminada e certa em suas regras. Não se compreende o direito sem um
mínimo de legislação escrita, de certeza, de tipificação da conduta e de previsibilidade genérica.

A certeza do Direito vai até o ponto de exigir a constituição de um Poder do Estado, cuja finalidade precípua é ditar, em
concreto, o sentido das normas. Ligada, portanto, ao princípio da certeza do Direito, temos a compreensão mesma da
função jurisdicional. A moral, ao contrário, posto que fundada na espontaneidade e insuscetível de coação, pode
dispensar a rigorosa tipicidade de seus imperativos, que, aliás, não devem, por sua natureza, se desdobrar em
comandos casuísticos.

Uma crítica pode ser feita à teoria de Reale, porque assenta na norma o fator determinante do Direito, sendo de todos
sabido que a norma não acompanha a evolução da sociedade (ex: união estável, jogo do bicho etc). Portanto, nesse
ponto sua teoria se aproxima do normativismo de Kelsen, porquanto para o tridimensionalismo, não importa a
valoração da sociedade e sim o valor imposto pela norma. Para essa corrente, a norma “filtra” as condutas positivas ou
negativas que a sociedade deve valorar, e assim, acaba por ser, em última análise, expressão do positivismo.
2.1.5 Conceito de Direito segundo a teoria de Alf Ross
O conceito de Direito pode ser caracterizado por dois pontos. Em primeiro lugar, o Direito consiste em regras que
concernem ao exercício da força. Vista em relação às normas jurídicas derivadas ou normas jurídicas em sentido
figurado, a força aparece como uma sanção, isto é, como uma pressão para produzir o comportamento desejado.

Em segundo lugar, o direito consiste não só em normas de conduta, mas também em normas de competência, as quais
estabelecem um conjunto de autoridades públicas para aprovar normas de conduta e exercer a força em conformidade
com elas. Devido a isto, o direito tem o que se pode denominar de caráter institucional. Funciona por meio de uma
maquinaria jurídica que visa à legislação, o juízo e a execução, e se afigura, portanto, ante os olhos do indivíduo, como
algo objetivo e externo. É a expressão de uma comunidade supraindividual, uma ordem social, enraizada numa
consciência jurídica formal.

Realismo jurídico (= efetividade social das normas jurídicas) x Idealismo

A interpretação do conceito de direito vigente pode ser caracterizada, para o autor, como teoria jurídica realista em
contraposição à teoria jurídica idealista.

O idealismo se apoia na suposição de que existem dois mundos distintos, aos quais correspondem dois métodos de
conhecimento. De um lado, o mundo da realidade, que alcança todos os fenômenos físicos e psíquicos no tempo e no
espaço que aprendemos por meio da experiência dos sentidos; de outro, o mundo das ideias ou validade que abarca
vários conjuntos de ideias normativas absolutamente válidas (a verdade, o bem, a beleza) que aprendemos
imediatamente por meio de nossa razão. Este último conhecimento é, assim, independente da experiência dos sentidos
e, portanto, denominado “a priori”.

A diferença entre o direito e a moral pode, segundo o ponto de vista idealista, ser expressa da seguinte maneira:
enquanto a norma moral se origina na pura razão, inclusive no seu conteúdo, a validade do direito se vincula a um
conteúdo terreno e temporal- o direito positivo com seu conteúdo historicamente determinado.

Ao contrário do idealismo, que supõe que o direito pertence a dois mundos, ou seja, que entende que o conhecimento
do direito está simultaneamente fundado tanto na experiência externa quanto no raciocínio “a priori”, o realismo
entende que há somente um mundo e um conhecimento, ou seja, que toda a ciência está, em última instância,
interessada no mesmo corpo de fatos, e todos os enunciados científicos sobre a realidade, isto é, aqueles que não têm
cunho puramente lógico-matemático, estão sujeitos à prova da experiência.

Todas as teorias realistas concordam em interpretar a vigência do direito em termos de efetividade social das normas
jurídicas, ou seja, deve haver certa correspondência entre um conteúdo normativo ideal e os fenômenos sociais. Uma
norma vigente difere de um mero projeto de lei ou de uma petição de reforma legislativa porque o conteúdo ideal
normativo da norma vigente é ativo na vida jurídica da comunidade.

O realismo psicológico descobre a realidade do direito nos fatos psicológicos. Uma norma é vigente se é aceita pela
consciência jurídica popular (ou seja, é aplicado porque é vigente). O fato dessa regra ser também aplicada pelos
tribunais é, de acordo com esse ponto de vista, derivado e secundário, uma consequência normal da consciência jurídica
popular que é, inclusive, determinante das reações do juiz.

A objeção principal ao realismo psicológico é que consciência jurídica é um conceito que pertence à psicologia do
indivíduo. Ao vincular o conceito de direito vigente à consciência jurídica individual, esse ramo do realismo converte o
direito num fenômeno individual que se acha num plano idêntico ao da moral.

Já o realismo comportamentista encontra a realidade do direito nas ações dos tribunais. Uma norma é vigente se
houver fundamentos suficientes para se supor que será aceita pelos tribunais como base de suas decisões (ou seja, é
vigente porque é aplicado). O fato de tais normas se compatibilizarem com a consciência jurídica predominante é,
segundo esse ponto de vista, derivado e secundário; trata-se de um pressuposto normal, porém não essencial da
aceitação por parte dos tribunais.

Para o autor, só é possível atingir uma interpretação sustentável da vigência do direito por meio de uma síntese do
realismo psicológico e do realismo comportamental.

2.1.6 Jusnaturalismo
Com base no magistério de Norberto Bobbio, podem ser vislumbradas duas teses básicas do movimento jusnaturalista.

A primeira tese é a pressuposição de duas instâncias jurídicas: o direito positivo e o direito natural – O direito positivo
corresponderia ao fenômeno jurídico concreto, apreendido através dos órgãos sensoriais, sendo, deste modo, o
fenômeno jurídico empiricamente verificável, tal como ele se expressa através das fontes de direito, especialmente
aquelas de origem estatal. Por sua vez, o direito natural corresponderia a uma exigência perene, eterna ou imutável de
um direito justo, representada por um valor transcendental ou metafísico de justiça.

A segunda tese do jusnaturalismo é a superioridade do direito natural em face do direito positivo. Neste sentido, o
direito positivo deveria, conforme a doutrina jusnaturalista, adequar-se aos parâmetros imutáveis e eternos de justiça.
O direito natural, enquanto representativo da justiça serviria como referencial valorativo (o direito positivo deve ser
justo) e ontológico (o direito positivo injusto deixa de apresentar juridicidade), sob pena de a ordem jurídica identificar-
se com a força ou o mero arbítrio. O direito vale caso seja justo e, pois, legítimo, daí resultando a subordinação da
validade à legitimidade da ordem jurídica.

O jusnaturalismo pode ser agrupado nas seguintes categorias: a) o jusnaturalismo cosmológico, vigente na Antiguidade
Clássica; b) o jusnaturalismo teológico, surgido na Idade Média, tendo como fundamento jurídico a ideia da divindade
como ser onipotente, onipresente e onisciente; c) o jusnaturalismo racionalista, surgido no seio das revoluções liberais
burguesas dos séculos XVII e XVIII, tendo como fundamento a razão humana universal; d) o
jusnaturalismo contemporâneo, gestado no século XX, que enraíza a justiça no plano histórico e social, atentando para
as diversas acepções culturais acerca do direito justo.

2.2 Equidade
Derivado do latim aequitas, deaequus (igual, equitativo), antigamente era tido em sentido análogo ao de justiça, pelo
que, por vezes se confundiam.

Para Aristóteles, existe um gênero de justo que envolve a Lei e a equidade, que são espécies desse gênero. Dessa forma,
a Lei e a equidade são penetradas pela ideia do justo, num espaço de justiça, mas com ela não podem ser confundidos,
pois não raro ele constata a existência de algo que não é justo, ainda assim ser bom e vice-versa.

O legislador não é onisciente e, assim, pode constituir uma Lei que apresente uma lacuna que vem a ferir o exercício de
direitos subjetivos. Esta lacuna, fruto da ação do legislador, pode se ocorrer pela negligência do próprio legislador sem
que isso represente a sua vontade ou, reconhecendo que a Lei não pode ser absoluta, por sua vontade ele estatui
princípios gerais que fomentam a existência da lacuna.

Ora, em sendo a lei geral, fica difícil para ela atender às condições excepcionais que acabam ocorrendo a partir da
imensa variedade das relações humanas e de sua consequente complexidade. Para poder se manter numa perspectiva
universal é que a justiça se mantém próxima da equidade, pois este é o justo independente da Lei escrita, na verdade,
é uma condição de existência da própria Lei em relação ao espaço social distinto e indeterminável. Com a espécie de
equidade, a justiça pode desdobrar-se sem perder a capacidade de, guardada a sua condição de universalidade,
perceber o particular, o específico.

2.2.1A equidade como fonte do direito


A equidade é tipicamente um critério formal de decisão de casos singulares e não um critério normativo, pois não se
eleva e nem necessita elevar-se à formulação de regras. Ela dita soluções para casos, atendendo às peculiares
características destes. Não elabora regras, pois não tem intuito generalizador; não lhe interessam outros casos, embora
semelhantes.

Não é de se aplaudir a qualificação da equidade como fonte do direito. Se fontes do direito são os modos de formação
e revelação de regras jurídicas, a equidade, como critério formal de decisão, está inteiramente fora desta noção. Não só
por meio dela não se criam regras com a própria solução do caso não se faz por meio da medição de uma regra suposta,
embora elaborada pelo intérprete de modo a abranger a categoria em que o caso em análise se enquadra, mas tão-
somente pelo exame das características do caso concreto.

2.2.1 A Integração de lacunas pela Equidade


A equidade representa o mais significativo processo extrassistemático de integração de lacunas. Nestes processos, a
solução a que se chegar não tem de ter conformidade ao sistema, ao conjunto das disposições vigentes; pode extravasar
delas e fundar-se em outros princípios.

A solução pela equidade é a que se dá em harmonia com as circunstâncias do caso concreto, e não com quaisquer
injunções, mesmo indiretas, do sistema jurídico. A equidade, segundo a definição que referimos, é a justiça do caso
concreto, ao qual se adapta plenamente, porque valoriza as circunstâncias de cada espécie.

Observe-se que, mesmo quando a lei remete para a equidade, como para qualquer outro critério formal de solução, não
deixa de haver uma lacuna de regulamentação.

Perante a referência aos princípios gerais do direito, da primitiva lei de introdução ao CC brasileiro, houve quem
pretendesse que era afinal a equidade que se tinha em vista; e posições análogas têm sido defendidas perante a nova
lei.

Artigo 127 do CPC brasileiro, em virtude do qual o juiz só decidirá pela equidade nos casos previstos em lei.

Quando decide segundo a equidade, o juiz não decide segundo uma norma, mas segundo as características do caso
concreto. Não abstrai procurando uma solução adequada a todos os casos daquele tipo – uma regra – mas pelo
contrário considera o caso nas duas particularidades, de maneira a encontrar uma solução que a ele especificamente se
adapte, à luz do valor da justiça.

2.2.2 Níveis de possível incidência da equidade


A equidade, como a justiça, está constantemente presente na ordem jurídica, e aliás mantém com a justiça uma relação
dialética, pois pode surgir-nos como sua manifestação, ou como sua rival.

Para melhor apurar-se o significado da equidade, a seguir é feita uma série de distinções quanto aos níveis de incidência
possível desta:

1ª) Aplicação da regra: Na aplicação da regra não se pode buscar tudo em sede de interpretação; há um plus que se tem
de ir buscar à própria análise do caso concreto. Esta adaptação da regra generalizadora às circunstâncias do caso
concreto não será justamente a equidade?

A ser assim, a equidade não deveria ser entendida como um processo alternativo da aplicação da lei, mas como um
modo indispensável da aplicação da lei às circunstâncias do caso. Este entendimento é certo: o ajustamento da regra
ao caso é função da equidade.
2ª) Complemento das cláusulas gerais: A lei limita-se muito frequentemente a uma orientação ampla e vaga, como
veremos a seguir, obrigando ao intérprete a uma acrescida intervenção para a solução do caso concreto.

Põe-se aqui com maior acuidade o problema da qualificação da atuação do intérprete. A sua intervenção, dentro do
amplo campo de manobra que lhe é deixado pela regra, não será justamente uma intervenção equitativa? Também aqui
a resposta deverá ser afirmativa.

3ª) Medida da consequência jurídica: A equidade tem uma intervenção precisa, como medida de uma solução. Muitas
vezes, o efeito jurídico exige uma quantificação. A indenização devida terá de ser especificada; o preço não fixado
deverá ser reduzido a um valor exigível; até a prisão terá de ser medida num lapso temporal, abandonando-se a
variação abstrata da pena aplicável. Ex.:

“3. O acórdão recorrido, examinando a complexidade da causa, o grau de zelo dos profissionais, bem como os demais
elementos fáticos presentes nos autos e as circunstâncias processuais envolvidas, reduziu o valor arbitrado pela
sentença de mérito utilizando-se de critérios de equidade. Não se revelando exorbitante o montante fixado, mostra-se
absolutamente inoportuna a intervenção desta Corte Superior, devendo ser integralmente mantida a quantia
estabelecida pelo Tribunal de origem.

4. Recurso especial não provido.

(REsp 1409631/RS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/08/2014, DJe
15/08/2014)
Esta concretização só é possível atendendo às circunstâncias do caso. De nenhuma regra será possível concluir que a
indenização consistirá em 80, ou em 81, ou em 82. Só à equidade se poderá ir buscar este suplemento que nos permite
um desenvolvimento a que a lei pode já atender.

A lei dá conta deste fenômeno: fala-se por vezes em retribuição equitativa ou, neste sentido, em retribuição justa. Mas
parece importante notar que, mesmo onde a lei nada diz, o efeito não pode deixar de ser o mesmo. Quando a lei
comete ao juiz a função de fixar uma retribuição, sem nada acrescentar, o juiz só pode chegar a esse desiderato por
meio de critérios equitativos, mediante a ponderação das circunstâncias do caso concreto. Só poderá fixar uma
retribuição equitativa.

4ª) Permissão legal ou negocial: A lei atribui por vezes à equidade a solução do caso. Diz que se resolverá segundo a
equidade ou, o que é o mesmo, atendendo às circunstâncias do caso. Também as partes podem determinar que se
paute pela equidade a solução dos litígios que se suscitem. Ver art. 2º da Lei 9.307/96:

“Art. 2º A arbitragem poderá ser de direito ou de equidade, a critério das partes.


§ 1º Poderão as partes escolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não haja
violação aos bons costumes e à ordem pública.
§ 2º Poderão, também, as partes convencionar que a arbitragem se realize com base nos princípios gerais de direito,
nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio.”
Art. 8º da CLT
Art. 8º – As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão,
conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito,
principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre
de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.
“CPC, art. 20, §4°:
§ 4o Nas causas de pequeno valor, nas de valor inestimável, naquelas em que não houver condenação ou for vencida a
Fazenda Pública, e nas execuções, embargadas ou não, os honorários serão fixados consoante apreciação equitativa do
juiz, atendidas as normas das alíneas a, b e c do parágrafo anterior.”
“CC, art. 413:
A penalidade deve ser reduzida equitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o
montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio”
Art. 108, IV, do CTN
Art. 108. Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará
sucessivamente, na ordem indicada: I – a analogia; II – os princípios gerais de direito tributário; III – os princípios gerais
de direito público; IV – a equidade.
5ª) Lacuna da lei: Vimos a propósito da integração das lacunas, o que pensar quanto à equidade como método de
integração.

6ª) Substituição da lei: A equidade pode servir como critério de decisão, por afastamento dos critérios legais. É esta
talvez a matéria que está mais frequentemente em causa nas discussões sobre equidade.

Nestes dois últimos casos, porém, a lei é muito restritiva na admissão da equidade, como sabemos: o trecho
fundamental é o do referido art. 127 do CPC.

Podemos dizer que, havendo solução ou critério legal, só se pode chegar a uma decisão pela equidade:

a) quando disposição especial o permitir;

b) quando houver acordo das partes nesse sentido.

2.3 Direito, Moral e Ética


Para o pensamento grego, os elementos do direito e da moral ainda que não venham a se constituir como institutos
obrigatoriamente relacionados, em algumas situações se aproximavam, outras não.

Isso era assim porque para Aristóteles o caminho da ética e o caminho do direito não eram exatamente iguais, uma
vez que o caminho da ética é marcado pela predominância da virtude, enquanto o do direito é marcado pela presença
da norma.

Desde a Antiguidade Clássica a relação desses elementos é assim tumultuada, o que gerou um conjunto de teorias ao
longo dos séculos, que ora buscam compreender o direito e a moral como institutos que não podem prescindir um do
outro, ora aceitam a distinção afirmando que direito e moral são elementos distintos. Podem ser resumidas a partir
destas seguintes teses:

• Os mandamentos jurídicos e morais coincidem (tese da identidade);


• As regras jurídicas constituem o núcleo das regras morais (tese do direito como mínimo ético);
• As regras morais constituem o núcleo do direito, que compreende muitas normas moralmente indiferentes
(tese da moral como mínimo jurídico);
• As regras jurídicas são aparentadas com as morais, sendo impossível criar e interpretar o direito sem levar
em consideração a moral (tese da conexão);
• Entre ambos os ordenamentos há plena e absoluta separação (tese da separação).

Somam-se a estas teses da relação do direito com a moral, as escolas que buscaram compreender a ética e os seus
efeitos, quando possível, no direito:

1. AS NATURALISTAS, derivando do positivismo, sem esquecer Bergson e sua Lebensphilosophie;


2. AS HISTORICISTAS, derivando do culturalismo, aí incluídas suas vertentes hermenêuticas (Dilthey,
Heidegger, Gadamer e Paul Ricoeur), fenomenológicas (Husserl e Max Scheler) e existencialistas
(Kierkegaard, Jaspers e Sartre);
3. A DESCONSTRUTIVISTA, em grande parte advindo de Nietzsche e do niilismo em geral, bem como de Freud
e sua psicologia

A MORAL consiste numa instância de justificação da própria conduta segundo valores experimentados pelos sujeitos,
enquanto indivíduos e, enquanto sujeitos sociais. Seu centro de legitimidade está na própria vida do homem a partir de
suas experiências repetidas até o momento destas se tornarem em memória coletiva do grupo e do indivíduo (Morus);
valoriza a conduta nela mesma, plenamente, mantendo uma relação com a condição do sujeito, sem qualquer limitação;
tem na consciência o seu espaço fundamental; valoriza as ações dos indivíduos em si mesmas.

O DIREITO consiste numa instância de justificação da própria conduta segundo normas constituídas legalmente no
direito positivo e que exalam a força do Estado em se fazer soberano do agir social-político; valoriza a conduta a partir
de uma relação relativa, a Lei, buscando alcançar os sujeitos e a sociedade como um todo; no direito há uma
ponderação das relações dos sujeitos com os outros sujeitos, isto é, a partir de uma organização da vida social.

Finalmente, o ‘moralmente devido’ e o ‘juridicamente devido’ não podem ser sinônimos. Isto porque além de não
serem conceitos sinônimos tais termos, igualmente, não são co-extensivos.
Em muitos casos aquilo que é moralmente devido necessariamente não será juridicamente devido. O ‘moralmente
devido’ também não pode ser compreendido como um hipônimo daquilo que é ‘juridicamente devido’, isto é,
compreendendo o hipônimo como uma palavra ou frase cujo alcance semântico (significado) é incluído dentro de outra
palavra. Moralmente devido não é extensão e nem está contida no juridicamente devido e vice-versa.

2.3.1 Distinção entre Direito e Moral


Direito Moral

a) bilateral e atributivo a) unilateral


b) visa mais ao ato exteriorizado, b) visa mais à intenção, partindo da
Quanto à valoração do ato partindo da intenção. exteriorização do ato.

c) pode ser heterônomo


d) incoercível c) nunca heterônoma
e) especificamente predeterminado d) incoercível
e certo, assim como objetivamente e) não apresenta igual
Quanto à forma certificável. predeterminação tipológica.

f) visa de maneira imediata e f) visa de maneira imediata e


prevalecente ao bem social, ou aos prevalecente ao bem individual, ou
Quanto ao objeto ou conteúdo valores de convivência. aos valores da pessoa.

Quanto à sanção g) sanção organizada g) sanção difusa


O QUE É ÉTICA?

A Ética é uma ciência, com princípios próprios, que tem por objeto o estudo da moral; se ocupa com o estudo
sistematizado da moral e os seus diversos desdobramentos; é um conhecimento racional que, a partir da análise de
comportamentos concretos, se caracteriza pela preocupação em definir o bem, enquanto a moral preocupa-se com a
escolha da ação que, em determinada situação, deve ser empreendida.
3. Ponto 3 – A interpretação do Direito. A superação dos
métodos de interpretação mediante puro raciocínio lógico-
dedutivo. O método de interpretação pela lógica do razoável.
3.1 A interpretação do direito. Superação do raciocínio lógico dedutivo
O método dedutivo, de base racionalista pressupõe que apenas a razão pode conduzir ao conhecimento verdadeiro

Superação do raciocínio lógico-dedutivo pelo “lógico jurídico” ou pela retórica (técnica de argumentação).

3.1.1 A lógica jurídica como solução de antinomias


3.1.1.1 Introdução
Um sistema jurídico será considerado lógico apenas se revelar unidade e coerência. Para alcançar esse status, o
sistema deve ser integrado por normas compatíveis entre si. Todavia, o fato de haver normas conflitantes no mesmo
sistema não pode ser suficiente para comprometer seu estado harmônico.

A partir dos ensinamentos de Chaim Perelman, se empreenderá uma visão crítica do método lógico-dedutivo do
positivismo jurídico, buscando-se uma recondução à problematicidade do fato concreto, de modo que a retórica torna-
se instrumento poderoso na fundamentação das decisões.

A lógica jurídica que essencialmente tem por escopo a aferição do raciocínio dos juristas na produção do direito traz
métodos mais adequados para a compreensão dos fenômenos da sociedade contemporânea.

3.1.1.2 Aspectos Conceituais da Lógica Jurídica: da Lógica Formal à Nova Retórica


A ideia de lógica remonta a Idade Antiga (a partir de 500 a.c), inspirada nas teorias de Parmênides e de Heráclito, que
por sinal são completamente antagônicas. Para o primeiro, nada podia mudar nem se transformar, além de não se
poder confiar nos sentidos, pois tudo sempre existiu, sendo que a razão era a única forma de se levar ao
conhecimento, partindo-se de uma realidade estática. Já para o segundo, o mundo estava permeado de contrastes e
em constante mutação e movimento, havendo-se de confiar nos sentidos, partindo-se de uma realidade dinâmica.
Tratam-se, portanto, de dois métodos clássicos de resolver os problemas epistemológicos, sendo que um não afasta o
outro, havendo-se que eleger qual método melhor se adéqua à solução do problema em exame.

Estas teorias foram aperfeiçoadas ao longo do tempo por diversos filósofos, sendo que a Teoria de Parmênides pode ser
equiparada à Lógica Formal e a Teoria de Heráclito à Dialética nas suas atuais concepções.

A Lógica Formal é uma maneira de organização do raciocínio sem considerar o conteúdo, partindo-se de premissas
para se chegar a uma conclusão, não interessando a veracidade ou falsidade da proposição, apenas a sustentação da
validade do argumento.

Já a Dialética, atua a partir de um método que agrega o fato ao fenômeno, analisando-o dentro de um contexto
universal, pautando-se em contraditórios, conhecendo o que o objeto é a partir do que ele não é.

O Direito não pode, portanto, ser considerado um sistema completo, estático e imutável, em que se possa invocar o
silogismo como solução para todo e qualquer caso concreto, havendo que se considerar outras ferramentas de
interpretação e integração das normas jurídicas.

O cientista jurídico deve ampliar o alcance da razão, reconhecendo que não existe verdade universal, como existe para a
ciência matemática.
Para se aplicar o Direito ou dar a solução para o caso concreto, nada impedirá se reinterpretar princípios, se opor ao
texto ou espírito da lei, refutar o que revela a experiência, interpretando os termos da lei de modo mais rígido ou
flexível, conforme as circunstâncias. Eis o caminho para a superação das antinomias jurídicas.

3.1.1.3 A Lógica Jurídica na Perspectiva Evolutiva do Direito


Partindo-se dos ensinamentos trazidos pelo marco teórico deste estudo, verifica-se que a compreensão da Lógica
Jurídica passa, necessariamente, por uma análise preliminar da evolução do Direito. Isto porque a concepção do próprio
conceito de Direito evolui conforme as mudanças por que passa a sociedade ao longo do tempo.

De forma bastante didática, Chaim Perelman, distingue três grandes períodos da história do Direito:

a) a escola da exegese (até 1880);


b) a escola funcional ou sociológica (até 1945); e
c) a concepção tópica do raciocínio judiciário (influenciado pelos excessos do regime nacional socialista e pelo
julgamento de Nuremberg).

Na escola da Exegese, o Direito era considerado um sistema dedutivo, semelhante aos sistemas axiomáticos da
geometria ou aritmética. Para a solução do caso concreto, bastaria a subsunção do fato à norma. Todavia, dificuldades
concretas surgiram nos casos de lacunas, obscuridades e insuficiências das normas, além dos casos de antinomias
jurídicas, pois passou a haver uma dependência da formulação de conceitos cada vez mais precisos dos termos das leis
por parte da doutrina e jurisprudência, considerando um sistema jurídico absolutamente fechado (compreendido como
uma ordem jurídica apoiada na jurisprudência e dominada pela ideia de codificação).

Já para a escola funcional, o Direito é apenas o meio do qual se serve o legislador para atingir seus fins e para a
promoção de certos valores, podendo ser compreendido somente a partir do meio social ao qual é aplicável. Não se
limita a um sistema fechado em que as soluções para os casos concretos são obtidas unicamente a partir da utilização
de métodos dedutivos. O juiz deve pautar-se na intenção do legislador quando da positivação de determinada norma,
valendo o fim e o espírito da lei.

Foi então a partir do processo de Nuremberg e dos excessos cometidos pelo regime nacional socialista que passou haver
uma orientação antipositivista, acentuando-se a tendência de se aumentar o poder dos juízes e abrindo-se verdadeiro
espaço na interpretação e aplicação da lei, desprendidas do que estivesse necessariamente codificado, em busca de
uma solução equitativa, razoável, aceitável, justa e conciliável com o Direito em vigor, admitindo-se, portanto, um
sistema jurídico mais aberto e flexível.

Não se pode reconhecer a validade de um regime totalitário, por exemplo, pelo simples fato de ter se constituído
mediante lei. É preciso transcender os limites formais em busca de razoabilidade nas decisões, permitindo-se aos
juristas o desprezo ao inaceitável e a busca pelo aceitável.

3.1.1.4 O Problema das Antinomias Jurídicas


O Direito deve ser construído e aplicado de modo a considerar a evolução do meio social no tempo. Assim, não é
possível que os textos legais sejam capazes de abarcar todas as mutações pelas quais passa a sociedade ao longo de sua
história.

Por este motivo é que não se pode admitir como justa a solução dada pelo aplicador do Direito a determinado caso
concreto pautada na simples subsunção do fato a norma, sem qualquer margem para interpretação ou integração.

A partir daí torna-se relevante a compreensão das antinomias, para que seja possível a utilização da lógica jurídica
como instrumento de superação de conflitos normativos na aplicação do Direito aos casos concretos e como forma de
se alcançar a coerência e unidade que se espera do ordenamento jurídico.
As antinomias jurídicas surgem como elementos do sistema jurídico, cuja construção requer a solução de conflitos
normativos, pois todo sistema deve e pode alcançar uma coerência interna. Por isso o intérprete e aplicador do direito
devem perseguir a coerência lógica, a qual é condição necessária do pensamento jurídico, o que vai depender de um
processo interpretativo do jurista.

A doutrina tradicional reconhece três critérios mais comuns para a solução de antinomias, quais sejam: o
critério cronológico, o da especialidade e o hierárquico.

3.1.1.5 A Lógica Jurídica como Solução de Antinomias


O raciocínio jurídico tem por escopo a solução de uma controvérsia, na qual argumentações em sentidos diversos
objetivam fazer prevalecer um determinado valor para ser aceito em um meio num determinado momento.

O Direito, tal qual está determinado nos textos legais formalmente válidos, não reflete necessariamente a realidade
jurídica, principalmente porque, como já foi dito, as regras positivadas nem sempre acompanham a evolução do meio
social que é, em verdade, sua finalidade máxima.

Somente se alcançará a paz judicial se a solução (aceita socialmente) estiver acompanhada de uma sólida argumentação
jurídica.

É claro, porém, que existe a preocupação do judiciário de utilizar meios de conciliar a solução aceitável com a fidelidade
à lei. Porém, há que se reconhecer que a existência de um Estado de Direito implica em um Poder Judiciário
independente. Por exemplo, no caso de uma antinomia entre uma disposição do direito positivo e uma regra de Direito
não escrita, pode-se limitar o alcance do texto e criar-se uma lacuna que o juiz preencherá de acordo com a regra do
direito não escrito. Isto é perfeitamente possível se for para garantir uma decisão justa e aceitável.

O fato de o juiz submeter-se à lei ressalta a primazia do legislativo na elaboração das regras de Direito, o que não
significa monopólio do legislativo na formação do Direito. O juiz possui um poder complementar de adaptar a lei aos
casos específicos, torná-la mais flexível, jamais olvidando-se de motivar suas decisões.

A lei não é todo Direito, mas instrumento que guia o juiz na sua tarefa de dar solução ao caso concreto. Esta solução
deve ser razoável, aceitável (pela ordem de juristas e instâncias superiores), nem subjetiva e nem arbitrária, capaz de se
tornar precedente para outros casos.

É na justificação da decisão que se especifica o raciocínio jurídico e que se demonstra às partes que não houve tomada
de posição arbitrária. Assim, o Direito se desenvolve equilibrando uma dupla exigência. Uma de ordem sistemática, a
partir da elaboração de uma ordem jurídica coerente, e outra de ordem pragmática, a partir da busca de soluções
aceitáveis pelo meio.

Em casos de conflitos normativos, caberá ao intérprete e aplicador do Direito ponderar qual valor ou finalidade cada
uma das normas antinômicas pretende preservar, considerando-se que esta possibilidade de sopesamento de razões e
contrarrazões não é privativa dos princípios, mas também de toda e qualquer regra conflitante, o que não significa a
necessária declaração de invalidade de uma norma para que a outra possa ser aplicada ao caso concreto.

A paz e justiça social somente serão alcançadas se houver fundamentação válida.


3.1.1.6 Considerações Finais
É preciso reconhecer a incompletude do Direito, sua capacidade de evolução e de sofrer alterações. O sistema jurídico
é provisório e exprime o estado de conhecimento de seu tempo, por isso não pode ser definitivo nem fechado.

Seria utópico admitir a existência de um ordenamento jurídico sem lacunas ou antinomias, porque isto é consequência
da compreensível impossibilidade de o Direito, enquanto conjunto de normas jurídicas, acompanhar o ritmo da
evolução e mutação social. Cabe aos juristas garantir o desenvolvimento de técnicas que permitam dar a solução aos
casos concretos de modo a manter a coerência e unidade do sistema.

Certo é que os profissionais do Direito estão, ou pelo menos deveriam estar, sempre se utilizando das técnicas da
retórica, visando uma solução que lhe seja mais favorável. O advogado deve ser o mais claro e convincente possível ao
invocar suas razões em uma sustentação oral. O parlamentar deve ser persuasivo ao tentar convencer outros pares a
votarem favoravelmente algum projeto de lei de sua autoria. E o juiz, ao proferir uma decisão, tenta fundamentá-la de
forma bem consubstanciada, para que o tribunal superior não a reforme.

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