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2021/2022

SEBENTA DE 1.º SEMESTRE

TEORIA GERAL DO
DIREITO CIVIL
Ana Beatriz Moreira

Com os apontamentos de
Maria Cavadas
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

NOTA INTRODUTÓRIA
Esta sebenta de Teoria Geral de Direito Civil, disponibilizada pela Comissão de Curso
dos alunos do 2º. ano da licenciatura em Direito da Faculdade de Direito da Universidade
do Porto no ano letivo 2021/2022, foi elaborada pela estudante Ana Moreira, com a ajuda
e colaboração de Maria Cavadas, que elaborou os apontamentos semanais da Unidade
Curricular em questão, e de Vítor Costa, que reviu, posteriormente, o conteúdo deste
documento.

O material utilizado foi, maioritariamente, o conteúdo lecionado pela docente Maria


Raquel de Almeida Graça Silva Guimarães (assim como as apresentações exibidas pela
docente nas aulas teóricas), bem como a leitura do Manual Teoria Geral do Direito Civil
de Carlos Alberto Mota Pinto, nomeadamente, a sua 4ª edição e, também, a leitura do
Manual Teoria Geral do Direito Civil de Orlando de Carvalho, nomeadamente a sua 3ª
edição de novembro de 2012. Procurou-se, ainda, complementar com alguns dos artigos
indicados pela docente nos sumários e recomendados em sede de aula teórica, artigos
esses que são, à medida que surge o conteúdo deles retirado, indicados em nota de rodapé.

Informa-se todos os utilizadores desta sebenta que é necessário fazerem-se acompanhar


para o exame de Teoria Geral de Direito Civil de legislação para além do CC. Para que
seja mais pragmático, a Comissão de Curso disponibilizou na drive um documento avulso
que enumera todos os materiais legislativos necessários.

A Comissão de Curso relembra que esta sebenta constitui, somente, um complemento de


estudo, não dispensando, por isso, a presença nas aulas práticas e teóricas, assim como a
leitura das obras obrigatórias.

Bom Estudo!

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Ana Moreira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

ÍNDICE

1. Introdução ao Direito Civil e ao seu método ............................................................................. 3


Distinção entre Direito Público e Direito Privado .................................................................. 4
Autonomização de Outros Ramos do Direito Privado ............................................................ 6
Direito Civil ............................................................................................................................ 8
História do Código Civil ......................................................................................................... 9
Técnicas legislativas utilizadas ............................................................................................. 17
Terminologia ......................................................................................................................... 17
2. Princípios fundamentais de Direito Civil ................................................................................ 19
Reconhecimento da pessoa e dos Direitos de Personalidade ................................................ 22
Princípio da Liberdade contratual e autonomia privada ....................................................... 24
A Responsabilidade Civil e os princípios a ela associados ................................................... 42
Proteção da Propriedade Privada .......................................................................................... 45
Proteção da Família ............................................................................................................... 46
3. Teoria geral da relação jurídica ............................................................................................... 47
Perspetiva Funcional ............................................................................................................. 49
Perspetiva Estrutural ............................................................................................................. 50
Direitos Subjetivos ................................................................................................................ 50
Classificações das Relações Jurídicas ................................................................................... 67
A Dinâmica da Relação Jurídica ........................................................................................... 69
Vicissitudes das Relações Jurídicas ...................................................................................... 87
4. Teoria geral dos sujeitos da relação jurídica .......................................................................... 88
4.1. A Pessoa e a tutela da Personalidade ....................................................................................... 89

Personalidade Humana e o Direito ....................................................................................... 90


Projeção Física, em concreto .............................................................................................. 102
Projeção Vital, em concreto ................................................................................................ 105
Projeção Moral, em concreto .............................................................................................. 113
Autolimitação dos Direitos de Personalidade e consentimento do ofendido ...................... 116
4.2. As Incapacidades e o Acompanhamento .............................................................................. 118
Instituto dos Maiores Acompanhados ................................................................................. 126
Ilegitimidades Conjugais .................................................................................................... 132
Noção de Domicílio ........................................................................................................... 132
4.3. Pessoas Coletivas: Doutrina Geral ........................................................................................ 134

Classificação de Pessoas Coletivas ..................................................................................... 138


Pessoas Coletivas de Direito Privado ................................................................................. 139
Capacidade das Pessoas Coletivas ...................................................................................... 144

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1. INTRODUÇÃO AO DIREITO CIVIL E


AO SEU MÉTODO
No centro da disciplina do Direito Civil está a proteção da personalidade do
individuo.

Temos como cerne do Direito Civil a tutela da pessoa, algo que só é possível a
partir de uma ideia de autodeterminação do individuo, que de uma forma autónoma/livre
compõe os seus interesses. Isto porque sabemos que o Homem é um ser social, que vive
e se desenvolve em sociedade. E, como sabemos, a vida social gera conflitos e o Direito
será chamado a resolvê-los. Há um pressuposto na base do Direito que surge com vista a
diminuir conflitos que surgem no meio social.

Os bens são escassos, são económicos, tanto materiais como imateriais (cultura,
educação), o que gera necessariamente conflitos na sociedade.

COMO SE DIMINUEM ESTES CONFLITOS?

Composição de Imposição autoritária


interesses espontânea
• composição de interesses • imposição autoritária de
espontânea consertada uma certa
pelos próprios indivíduos, escala/organização desses
no âmbito da sua interesses.
autonomia.

Estas 2 possibilidades correspondem a 2 sentidos da palavra “Direito”:

® direito subjetivo (right; faculdade: direito à vida); O uso de maiúscula


® Direito objetivo (law; o juíz dita o Direito). e minúscula é
propositado.

Estas 2 visões do direito não estão assim tão distanciadas uma da outra:

® Perspetiva legalista: todas as nossas faculdades partem das normas.


® Jusracionalismo: não existe norma que não seja expressão das faculdades
humanas (na base temos os direitos inalienáveis das pessoas e daí advém as
normas).

Grosso-modo temos aqui 2 grandes visões de Direito: uma corresponderá mais ao Direito
Público (comandos e imposições) e outra ao Direito Privado (direito enquanto poder e
faculdade).

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A distinção que contrapõe o Direito Público e Direito Privado foi dada em ID.

DISTINÇÃO ENTRE DIREITO PÚBLICO E DIREITO PRIVADO


É uma distinção já antiga, da época do Digesto. Existem vários critérios que distinguem
estes dois grandes ramos.

Atendendo ao critério do interesse,

Direito Público Direito Privado

• O Direito Público visa prosseguir • o Direito Privado visa prosseguir


os interesses públicos. os interesses individuais.

Todo o Direito, em termos gerais, visa, simultaneamente, proteger interesses públicos e


particulares. Em última instância, o Direito visa o fundamental interesse da coletividade,
que seria a realização do Direito (a certeza, segurança). Existem interesses comuns ao
Direito Privado e Público, o que dificulta a sua demarcação/delimitação.

Exemplo 1: regras administrativas para ingresso no ensino superior à interesse particular de


cada individuo é tutelado por essas regras, mas é feito num interesse público.

Exemplo 2: artigo 875ºCC- vendas de imóveis sujeitas a escritura pública® defender as partes
(contra a ligeireza e precipitação) e defender os interesses públicos (assegurando a segurança
do comércio jurídico).

Correção do critério: o Direito Público protege predominantemente interesses públicos


e o Direito Privado protege predominantemente interesses privados.

Mesmo com a correção feita no critério, este não é um critério 100% fiável:

® Impossível ver-se, em muitos casos, qual o interesse predominante. Muitas vezes,


na tentativa de averiguar se, naquele caso, prevalece o interesse público ou
privado, não teríamos resposta ou teríamos somente respostas incertas.
® Há normas que, pela sua inserção, e de acordo com a tradição, são normas
classificadas como normas de Direito Privado e, no entanto, visam proteger o
interesse público;

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Critério da posição relativa dos sujeitos

Direito Público: Direito Privado:

•Uns sujeitos aparecem numa posição de •Os sujeitos surgem numa relativa igualdade
supremacia e outros de subordinação. (paridade)
•No Direito Público, porém, há sujeitos onde •No Direito Privado há posições relativas de
as relações são de paridade – exemplo: supra-subordinação – exemplo: relações entre
autarquias. pais e filhos ou patrão e empregado.

Só tendencialmente se pode adotar este critério – no Direito Público, tendencialmente,


os sujeitos aparecem numa posição de supremacia e outros de inferioridade; no Direito
Privado, tendencialmente, os sujeitos surgem numa relativa igualdade (paridade).

Critério dos sujeitos

Direito Público: Direito Privado:

• Os sujeitos são dotados de • Os sujeitos são privados, ou então, é


prerrogativas estaduais (ius o Estado despido do seu poder de
imperium) e este regula as suas império como se de um privado se
relações. Um dos sujeitos deve tratasse.
ser titular de imperium.

Existe, inclusive, uma relação especial entre Direito Público e Direito Privado (este
último surge primeiro, sendo que o Público só surge com o Estado).

Importância da distinção entre Direito Público e Direito Privado

A distinção entre Direito Público e Direito Privado é de extrema relevância, pois vai
muitas vezes determinar as vias judiciais a que o particular, que se considera lesado pelo
Estado/autarquia, deve recorrer (ou vice-versa).® Manual de Mota Pinto

Por vezes uma determinada relação jurídica pode ser simultaneamente regulada
por regras de Direito Público e regras de Direito Privado.

Exemplo: morte (facto jurídico natural + facto jurídico para efeitos sucessórios). É
preciso saber a quem entregamos os bens do de cuius à Direito das Sucessões. Depois
disso o Direito Público entrará para tributar (como imposto sucessório) os bens. à o
Direito Público só pode atuar depois do Direito Privado.

Responsabilidade do Estado: quando quem provoca determinados danos é o Estado,


existe um regime jurídico diferente para os atos praticados pelo Estado na sua gestão
privada e na sua gestão pública (Lei 67/2007) + artigo 501º CCO.

® Direito Privado: os comportamentos são ditados pela lei e o resolver de conflitos


decorre diretamente da lei com pouca margem de mudança pelos particulares.

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® Direito Público: Direito especial em relação ao Direito Privado.

No Direito Privado regula-se a relação jurídica em geral, enquanto o Direito Público


regula só uma certa espécie de relação jurídica (aquela onde um dos sujeitos atua
dotada de prerrogativas de império).

AUTONOMIZAÇÃO DE OUTROS RAMOS DO DIREITO PRIVADO


O Direito Civil não esgota o Direito Privado, embora tal fosse a realidade num passado
histórico.

A evolução social, económica, foi, ao longo dos tempos, exigindo regras especiais,
regimes jurídicos próprios, finalidades específicas à ao longo dos tempos fomos
assistindo à autonomização, dentro do próprio Direito Privado, de outros ramos do
Direito. Estes novos ramos são Direitos especiais porque se aplicam a determinados
casos com regime próprio, porém continua-se a aplicar o Direito Civil, sempre que não
existe, nestes Direitos especiais, regra autónoma. ® Direito Civil surge, muitas vezes,
como Direito subsidiário.

Direito Civil = Direito Privado comum.

Exige-se, assim, uma autonomização do Direito Civil (em relação ao conceito de Direito
Privado) e uma autonomização dos restantes ramos de Direito Privado do conceito de
Direito Privado e de Direito Civil.

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Direito Comercial

•Merece um tratamento distinto porquê? Para maior celeridade, interesses de


reforço do crédito, facilidade para terminar negócios, simplicidade de forma.
•Objeto deste Direito: disciplina do comércio/atividade de circulação lucrativa de
bens.
•art.1º do Código Comercial – regula os atos de comércio (atos objetivamente
comerciais, definidos pela lei comercial como tal), independentemente de quem
os pratique; art.2º - regula atos praticados pelos comerciantes nessa qualidade.
Maior simplicidade quanto à forma e celeridade na conclusão de negócios.
•Neste Direito há uma maior simplicidade quanto à forma (exemplo: contrato de
mútuo – art.1143º CC, na lei civil há determinados requisitos, mas no mútuo
comercial os requisitos são aligeirados.
•Especificidade da legislação + especialização judicial (nos Tribunais de
Comarca). Não temos especialidade ao nível do processo.

Direito do Trabalho

•Referimo-nos apenas ao conjunto de normas com natureza jusprivatística porque


o Direito Laboral também integra normas de Direito Público (exemplo:
contravenções laborais, contratação coletiva).
•Quando dizemos natureza jusprivatística está em causa a disciplina do trabalho
subordinado/dependente.
•O que temos hoje é apenas o art. 1152º CC – definição de contrato de trabalho.
•Houve a necessidade de expurgar este contrato de trabalho do Código Civil e
tratar autonomamente no código de trabalho – que tem vindo a ser alterado.
•O que justificou a autonomização? A repercussão que o trabalho tem na vida
económica e social do trabalhador e até no estatuto da pessoa. Houve
necessidade de afastar do regime geral de contratos do Código Civil.
•Lei especial do trabalho + Juízos de trabalho + Código de Processo de Trabalho
(distinto do Código de Processo Civil)

Direito do Consumo

•Já há inúmera legislação especial nesta área e há uma lógica própria e


necessidades próprias da proteção do consumidor que justificam a
autonomização do Direito de Consumo.
•Aplica-se sempre que há uma relação onde há um consumidor e onde, do outro
lado, temos um profissional (se fosse outra relação aplicava-se o Direito Civil,
como é consumidor-profissional é o Direito de Consumo).

Direito Bancário
•Autonomização até do Direito Comercial. Grau de maturação e especialidade
suficiente para extrair o Direito Bancário do Comercial.

Em determinadas áreas ainda não temos o grau de maturação/de especialidade necessário


para falarmos de ramos de direito autónomos (direitos de autor, de família).

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No Direito Privado surge também o Direito Internacional Privado.

Já falamos de relações jurídicas que se estabelecem entre 2 sujeitos ou mais, com um


objeto e desencadeadas por um determinado facto jurídico, que dá origem à relação.

Exemplo: A e B celebram um contrato de arrendamento (sujeitos: A e B; facto: contrato


que dá origem à relação; objeto: prédio arrendado) à relação de Direito Privado.

Supondo que esta relação jurídica apresenta conexões com diferentes ordens jurídicas, ou
seja, A e B são portugueses, o contrato foi celebrado no Reino Unido, o prédio encontra-
se na Argentina. à primeiramente temos que saber que Direito aplicar (essa resposta é
nos dada pelo DIPrivado).

DIPrivado é constituído por normas que se limitam a indicar qual é a lei que regula
determinada relação que está em conexão com várias ordens jurídicas (não nos resolve a
questão, diz apenas que lei aplicar).

Exemplo de norma de conflito: 25º CC

DIPrivado é Direito Privado porque as relações em causa são de Direito Privado, mas não
está no mesmo plano que Direito do Trabalho, Comercial, Bancário, porque tem uma
natureza instrumental.

O DIREITO CIVIL
Direito Civil regula a atividade de convivência humana, na medida em que a convivência
humana gera conflitos e o Direito Civil atua conferindo autonomia para comporem os
seus conflitos (com alguma autonomia, mas existem regras imperativas).

Definição de Mota Pinto:

“O Direito Civil contém a disciplina positiva da atividade de convivência da pessoa


humana com as outras pessoas. Tutela os interesses dos homens em relação com outros
homens nos vários planos da vida onde essa cooperação entre pessoas se processa,
formulando as normas a que ela se deve sujeitar.”

Supõe uma igualdade/paridade na situação jurídica dos sujeitos que intervêm nas relações
jurídicas em causa e uma autonomia da pessoa no desenvolvimento da sua personalidade.

O Direito Civil é uma espécie de bibliografia do Homem.

Fontes do Direito Civil

Fontes num sentido tradicional: Como surge o Direito Civil? Como se produz o Direito
Civil?

Nos artigos iniciais do Código Civil temos essa referência às fontes e ainda temos
algumas regras que têm uma incidência geral.

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® 1º artigo CC: fontes imediatas;


® 2º artigo CC: assentos que desapareceram;
® 3º artigo CC: valor jurídico dos usos (usos depende se a lei lhes atribui valor);
® 4º artigo CC: referência à equidade.

Temos como fonte do Direito Civil as leis, que aqui se configuram fundamentalmente
pela Constituição (diploma fundamental do Direito Civil).

A Constituição vigente é a de 1976 (mas já foi objeto de revisão).

O princípio constitucional que encerra a essência do Direito Civil à art.13º CRP,


princípio da igualdade perante a lei.

O Código Civil

Os artigos iniciais do Código, suprarreferidos, referentes a fontes, lacunas, interpretação,


aplicação da lei no tempo, apesar de serem parte integrante do Código Civil, extravasam
o Direito Civil, tendo um papel de “base” importante para todo o ordenamento jurídico.

O Código Civil, apesar de não ser a primeira codificação, nem ser o primeiro código Civil,
é a primeira codificação com esta sistematização/organização.

HISTÓRIA DO CÓDIGO CIVIL


Começou pelas ordenações, existiram várias - Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, assim
como outros diplomas avulsos -, mas o que chegou até 1868 (quando entrou em vigor o
primeiro CC) foram as Ordenações Filipinas, que no Brasil chegaram até 1917, quando
entrou em vigor o seu primeiro Código Civil.

Filipinas
Afonsinas século XV Manuelinas séc. XVI
Séc. XVII

O primeiro CC português teve 1 autor: Visconde de Seabra (que era juiz), recebendo a
nomenclatura de Código de Seabra (este visconde era do Porto). Este Código tinha uma
comissão que o revia, da qual fazia parte Alexandre Herculano.

Já tínhamos tentado a codificação em 1700, mas havia fracassado; tornava-se, no século


seguinte, uma necessidade, pois as Ordenações estavam profundamente desatualizadas.
Havia muita legislação avulsa, como a Lei da Boa Razão, mas a codificação tornava-se
cada vez mais uma necessidade.

O Código de Seabra já tinha uma divisão sistemática em 4 partes e cada parte em Livros,
mas esta divisão era antropocêntrica/individuocêntrica na medida em que coloca a pessoa
no centro desta divisão. Há um primado da pessoa sobre a norma - visível desde logo
no 1º artigo desse Código.

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Segue abaixo a estrutura do Código:

•Artigos 1º a 358º
•Da Capacidade Civil
Parte I

•Artigos 359º a 2166º


•Da aquisição dos direitos
•Livro I (art 359º a 640º): dos direitos originários e dos que se adquirem por facto e
vontade própria independentemente da cooperação de outrem;
Parte II •Livro II (art 641 a 1722): dos direitos que se adquirem por facto e vontade própria e de
outrem conjuntamente;
•Livro III (art 1723º a 2166º): dos direitos que se adquirem por mero facto de outrem, e
dos que se adquirem por simples disposição da lei;

•Artigos 2167 a 2360


•Do direito de propriedade
Parte III

•Artigos 2361 a 2438;


•Da ofensa dos direitos, e da sua reparação
Parte IV

Parte 1- Da capacidade civil

Livro Único

Título I- Da capacidade Civil, e da lei que a regula em geral

Artigo 1º - “Só o Homem é suscetível de direitos e obrigações. Nisto consiste a sua


capacidade jurídica ou personalidade.”

Isto em termos de sistematização é original na medida em que se afasta das


sistematizações anteriores, porque se afasta da época romana e do CC francês. Porém, em
termos de conteúdo, tinha influências romanas, canónicas e do liberalismo resultante da
Revolução Francesa e ainda da doutrina oitocentista.

O Código vigorou durante cerca de 100 anos e ao longo destes foi sofrendo várias
alterações/modificações. Até porque há vários acontecimentos históricos que trazem uma
necessidade de mudança sendo que a mais importante de todas é: a Implantação da
República.

Há imensas alterações que surgem com a Implantação da República, desde logo, nas leis
da família: leis do divórcio, registo civil obrigatório, etc. Mais tarde temos ainda a

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concordata, o Direito Civil acolhe-a, reconhecendo o casamento católico, sendo mais


tarde abolidos os divórcios para o casamento católico.

A maioria destas alterações foram realizadas a partir de legislação extravagante, tornando


urgente a publicação de um novo Código em 1966, que entrou em vigor em 1967. Esta
preparação foi muito demorada e começou logo em 1944, com uma comissão composta
por vários civilistas.

Código de 1966

Esta sistematização é completamente diferente, 5 partes, livros, capítulos, títulos, etc. Mas
o que destaca é o Código abrir com uma Parte Geral.

A diferença na abordagem da pessoa:

® A pessoa aparece-nos sem um especial destaque, aparece-nos a pessoa humana ao


lado da pessoa jurídica ou da pessoa coletiva.
® Interessa-nos a pessoa enquanto sujeito de relação jurídica.

Sistema externo do código

• A organização/arrumação da matéria;
• (Filipe Eck);
• Característica formal do Código, não se pode atribuir relevo a esta arrumação
para ter respostas para situações jurídicas.

Sistema interno do código

• A própria matéria jurídica e as suas conexões reais que compõem o Código;


• As respostas às questões jurídicas vamos buscar ao sistema interno do Código.

Embora se tenda a haver correspondência entre ambas, não podemos assumir tal como
verdade.

Exemplo: quando qualificamos um direito como um direito obrigacional ou real, o


facto dele se encontrar previsto no 2º livro de Direito das Obrigações não significa que
não o cataloguemos como direito real à temos de ver para além da arrumação, temos
de ver a própria matéria e os princípios adjacentes.

Abaixo indica-se a estrutura externa do novo Código:

• A abertura do Código ocorre com uma Parte Geral – regras relativas às leis e
interpretação das leis e as regras do DIPrivado.
• Direito das Obrigações: obrigações em geral e contratos em especial.
• Direito das Coisas/Reais: Posse, uso, habitação…
• Direito da Família: disposições gerais e casamento, filiação, adoção e alimentos.
• Direito das Sucessões: geral e sucessão legitima, legitimária, testamentária.

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Há uma relação entre Parte Geral e parte especial. Dentro de cada livro em especial
existem as disposições gerais, específicas do ramo, mas gerais em relação às relações
abordadas.

O que está na base desta organização é a relação jurídica. Cada livro se dedica a um tipo
de relação jurídica:

O Direito das Obrigações (os direitos de crédito), ou seja, aqueles direitos em que uma
pessoa tem o direito de exigir o cumprimento de uma prestação (credor) a outra pessoa
(devedor), seja essa prestação uma quantia, uma coisa ou a realização de um facto positivo
ou negativo. Relação jurídica através das quais uma pessoa fica adstrita perante outra à
realização de uma prestação (397º CC).

Quando falamos da entrega de uma coisa falamos numa prestação de dare, quando
falamos de uma prestação de facto falamos de um facere se o facto for positivo e se for
negativo non facere.

Se A empresta o seu computador a B, a relação que se estabelece entre A e B é uma


relação de crédito ou uma relação obrigacional em que B fica obrigado a restituir o
objeto emprestado e esta relação tem eficácia apenas entre estes dois sujeitos (todos os
outros sujeitos são irrelevantes para esta relação).

O Direito das Coisas/Reais: estes direitos têm um efeito erga omnes, contra todos. Se A
é proprietário do terreno Z, todos os outros indivíduos estão obrigados a respeitar o direito
de propriedade de A sobre o terreno Z.

Temos um conjunto de direitos absolutos catalogados em 3 modalidades:

® gozo (propriedade, usufruto, superfície e servidão à uso e fruição de uma coisa


em diferentes graus);
® garantia (consignação de rendimentos (656º CC), penhor, hipoteca, determinação
do prazo (777º CC), direito de retenção (754º CC) à garantem uma determinada
obrigação);
® aquisição (contrato promessa à garantia de ingresso na titularidade de um direito
real).

Se A é proprietário do terreno X, A tem vários poderes sobre X. Todos os outros


particulares estão obrigados a respeitar os poderes que A tem sobre o seu terreno.

São os direitos reais, porque incidem sobre uma res, sobre uma coisa.

Direito da Família: relações que emergem do casamento (1577º), do parentesco, da


afinidade e da adoção (1576º CC).

A definição de casamento foi se alterando. Anteriormente dizia “contrato entre duas


pessoas de sexo diferente” - desapareceu de forma a abranger o casamento homossexual.
Também desapareceu um “legitimamente”, uma vez que se assumia que para a família
ser legítima tinha de haver casamento.
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Na parte da família também temos o parentesco (1580 e 1581º CC):

A A é pai de B e C.

B e C são irmãos.
B C B é pai de D.

C é pai de E.
D E

Há dois tipos de linhas de parentesco presentes no gráfico:

® Linha reta; (A+B; A+C; B+D; C+E) -> quando a ligação é só de um lado.
® Linha colateral; (B+C; B+E; C+D; D+E) -> quando a ligação passa pelos 2 lados
do gráfico.

O avô e o neto são parentes de segundo grau – ver art.1581º CC - na linha reta os graus
são tantos quanto as pessoas na linha excetuando o progenitor comum.

D e E (primos) são parentes em 4º grau.

Porquê?

Porque, dá-se uma “volta” à arvore genealógica da seguinte forma: D -> B-> ignora-se o
A (progenitor comum) -> C -> E. Posto isto, temos 4 pessoas= 4º grau.

E se C se casar com X?

X é afim dos parentes de C, exatamente nos mesmos graus e linhas. X é parente em linha
reta de 1º grau de A (sogro). Na linha colateral é parente de 2º grau de B (cunhado) à
não depende dos laços de sangue, é um vínculo criado juridicamente.

Direito das Sucessões: operam a transmissão dos bens por morte do titular. Transmissão
mortis-causa dos bens (art.2024º e ss). A lei prevê:

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Sucessão voluntária

testamentária contratual
É possível a sucessão testamentária (ato Em princípio não é possível realizar contratos
unilateral, livremente irrevogável– 2033º CC). mortis causa (2028º/2 CC).

Sucessão legal
sucessão legitima legitimária (2156º e ss CC)
É uma solução supletiva, pode ser afastada por É imperativa, não pode ser afastada por
vontade do titular (2027º CC). vontade do autor (de cuius).

A lei atua (e esta questão é discutida e eventualmente pode ser mudada) dizendo que
existindo determinadas pessoas à morte de alguém elas têm direito a suceder nas suas
relações jurídicas. Parte do património é reservado aos herdeiros legitimários: cônjuge,
descendentes e ascendentes pela ordem prevista na sucessão legítima (cônjuges e
descendentes OU cônjuges e ascendentes, isto é, os ascendentes não herdam se existirem
descendentes).

A parte disponível chama-se quota disponível. Se alguém morrer e não tiver cônjuges,
ascendentes ou descendentes todo o património é quota disponível.

Críticas direcionadas à ESTRUTURA do nosso Código (de


conceção germânica/pandectística) e as Vantagens da mesma

Devemos começar por dizer, como nos elucida Mota Pinto, que não é consensual a
existência de uma disciplina de Teoria Geral do Direito Civil, assim como não é pacífica
a existência de uma Parte Geral no Código Civil® Ambas estão, normalmente, ligadas,
mas não forçosamente.

O autor diz-nos a respeito da disciplina suprarreferida que a autonomização, pelo


CC, de uma Parte Geral justifica e reforça a existência de uma disciplina que a
tome como objeto de análise, facilitando a tarefa de consulta tanto na vida prática
como no ensino universitário.,

A apreciação crítica desta sistematização é feita por Orlando de Carvalho.

O sistema pandectístico (o utilizado pelo nosso Código) é um dos sistemas entre vários
possíveis (o Código de Seabra tem um sistema diferente, tal como o francês) e este é
apenas o sistema externo (modo de arrumação das matérias do Direito Civil), que não tem
relevo para as soluções jurídicas.

Este sistema externo tem um valor didático, assim como interesse em como esclarecer
a matéria do Direito. Qualquer opção de arrumação de matérias do Direito Civil é uma

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atividade generalizadora, simplificadora e necessariamente deformante e até datada em


termos temporais.

Esta forma de arrumação das matérias apresenta vantagens em termos de racionalidade


da matéria. A ideia de agrupar aquilo que é comum num primeiro livro tem vantagens
face a constantes repetições ou remissões (são, naturalmente, evitadas) – vantagem de
economia. Dá nos uma panorâmica sobre o complexo dos institutos.

Porém, existem as críticas e questionamentos que não podem deixar de ser


feitos, podendo-se, por isso, questionar:
• Critérios para elaborar o Código Civil;
• A Parte Geral gerou quebra nas matérias que poderiam estar juntas;
• Despersonalização do Direito Civil;
• Confusão entre o sistema interno e externo do Código (plenitude no sistema
jurídico).

1. Quais os critérios para elaborar a Parte Geral e o próprio CC?

O critério que é utilizado para autonomizar os vários livros, em especial, não é um


critério unitário, os 4 livros não estão autonomizados com base no mesmo critério,
havendo alguma incoerência:

® O Direito das Coisas e o Direito das Obrigações estão autonomizados com base
num critério estrutural (depende da relação onde alguém tem direito sobre uma
coisa (coisas) ou a uma coisa (obrigações));
® O Direito da Família e o Direito das Sucessões são baseados num critério
institucional (instituição família ou instituição sucessões).

Não há obrigatoriedade de haver um critério único, mas esta crítica que se faz ganha
importância na perspetiva pandectística (funciona como matemática do Direito,
certeza), onde tudo era perfeitamente arrumado. É na perspetiva pandectística que a
disparidade de critérios é criticada, visto que não é tão matemático/exato como seria
suposto ser.

2. A Parte Geral não terá gerado quebras entre matérias que deveriam estar
juntas? (Exemplo: a noção de coisa na Parte Geral que está desligada do Direito
de propriedade (Direitos Reais), onde a noção de coisa é bastante pertinente).

3. Despersonalização.

Direitos de personalidade (70º e ss CC), integrados na Parte Geral, são direitos da pessoa
sobre elementos vitais, com dignidade na arrumação das matérias do Direito Civil. A

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diluição dos direitos de personalidade na Parte Geral pode conduzir à despersonalização


do Direito Civil.

Em termos de sistemática, o Homem não nos aparece no cerne do Direito Civil, aparece-
nos sim o conceito de relação jurídica (conceito operativo que distribui as matérias ao
longo do Código).

Algo que, por si só já foi criticado, visto que o Código de Seabra tinha uma
estrutura externa muito antropocêntrica.

4. Confusão entre os sistemas do Código (plenitude lógica do ordenamento


jurídico).

Esta arrumação também pode levar a uma confusão entre o sistema interno e externo
do Código. A antecipação de uma Parte Geral sugere que na Parte Geral está a disciplina
de fundo que se destina a preencher tudo o que não se diga nas partes especiais – leva a
crer que há uma plenitude lógica do ordenamento jurídico.

Convém que se saliente que o sistema não é perfeito, apresenta lacunas, e se olharmos em
pormenor e se passarmos naquilo que é o sistema interno do Direito Civil vemos que no
artigo 10º/3 CC, fica patente a descrença na plenitude lógica do ordenamento jurídico
porque o legislador prevê outro tipo de soluções.

A tese da desvalorização da personalidade é refutada:

Como vemos no manual de Mota Pinto, várias vozes levantam-se contra o facto da base
do Direito Civil ser a noção de relação jurídica, por considerarem que submerge a pessoa
humana na noção formal e abstrata de sujeito de relação jurídica. Consideram que a
pessoa humana se inclui dentro desse conceito no mesmo nível que as pessoas coletivas
que têm também a qualidade de sujeit+os de relações jurídicas. ® Esta critica é
demasiadamente centrada no sistema externo do Código e carece de analisar o seu sistema
interno, o verdadeiro conteúdo. ® Porém, o autor alerta-nos para o facto de que não
podemos olvidar-nos de que o escopo do Direito Civil é a personalidade do individuo
humano.

Temos uma cláusula geral de tutela de personalidade com uma abrangência enorme
(70º CC) – é um progresso significativo relativamente ao Direito anterior e a outros
sistemas que nos inspiraram (alemão).

Devemos perceber quais são os princípios que estão na base do Direito Civil, as traves-
mestras do nosso sistema e para conhecermos o Direito Civil não nos podemos guiar
apenas pela forma como as matérias nos aparecem arrumadas.

Ou seja, devemos valorizar, no conhecimento do nosso Direito Civil não só o


sistema externo (meramente organizativo) como também o interno (focado na
matéria).

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O artigo 70º é uma expressão da centralidade do Homem no Direito Civil. O Homem


continua no Código, só que não é a abertura do Código (ao contrário do que acontecia no
de Seabra) - apenas se trata disso no artigo 70º, após a resolução de todas as tecnicidades
existentes.

O início da personalidade começa no artigo 66º CC – “A personalidade adquire-se no


momento do nascimento completo e com vida” – neste artigo não se diz que “todo o
Homem tem personalidade jurídica”, usa-se outra formulação apenas, no fundo ninguém
fica à margem do Direito. A fórmula atualmente utilizada simplesmente não tem a
subjetividade de outras fórmulas utilizadas historicamente.

Mais para a frente, o artigo 496º CC reconhece a indemnização de danos morais - tal
como esta, também há outras normas que representam um progresso em termos de
soluções.

TÉCNICAS LEGISLATIVAS UTILIZADAS:


® O Código adota conceitos fixos ou determinados (como o Código alemão).

Método de elaboração de tipos e situações da vida mediante conceitos que são


definidos/recortados – conceitos determinados. O julgador deve subsumir as situações do
dia-a-dia a estes conceitos.

Os conceitos têm uma zona nuclear onde não há dúvidas, onde há unanimidade quanto ao
seu sentido, mas noutras zonas, as periféricas, a sua fixidez está mais diluída.

A utilização desses conceitos traz segurança, mas também apresenta rigidez que pode
dificultar a adaptação ao caso concreto.

O legislador acaba por mitigar estes conceitos fixos e determinados com:

® cláusulas gerais (standards, critérios valorativos de apreciação, que se opõem à


enumeração casuística- exemplos: artigos que mencionam a boa-fé e os bons
costumes, a ordem pública, como é o caso do artigo 280º);
® conceitos indeterminados (necessitam de preenchimento valorativo pelo
intérprete na sua aplicação, permitindo adaptabilidade conforme as circunstâncias
do caso; exemplos: bom pai de família, artigo 487ºCC; boa-fé, bons costumes)

Pretende-se um maior grau de flexibilidade de soluções através da junção dos conceitos


determinados + cláusulas gerais + conceitos indeterminados.

TERMINOLOGIA
Terminologia técnica e especializada. A terminologia é uma opção política (Código suíço
tem uma formulação diferente, casuística).

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Nós apelamos a um “Direito dos juristas”, linguagem técnica – “escrevemos as leis de


forma a que só os juristas as compreendam”.

A leitura da lei necessita da intervenção do jurista.

Está inerente alguma descrença na possibilidade de se enumerar na lei todas as situações


possíveis e imaginárias que se podem aplicar à podia ser mais fácil para o leigo, mas
mais desatualizável e não iria abranger todas as situações.

Alterações/Modificações/Revisões

O Código manteve-se inalterado até 1977, e em 1977 sofreu alterações significativas (11
anos sem alterações, relembrando que ele data de 1966). ® Alterações que surgem com
a mudança de regime e, desde logo, com a mudança da Constituição (democrática, com
novos princípios), que impõem uma alteração significativa na legislação de Direito Civil.

Se analisarmos o Código, em termos de soluções jurídicas, não encontramos grandes


diferenças em muitos campos do Código de Seabra face ao Código de 1966 – não há uma
quebra, é um contínuo (com algumas diferenças provenientes da república).
Encontramos, sim, verdadeiras novidades quando comparamos o Código na versão
original de 1966 com o Código pós 1977.

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Exemplos:

Maioridade
• CC (DL 496/77) traz novidades logo no artigo 122º - maioridade à a maioridade era
atingida aos 21 anos; com a aprovação da Constituição, baixou a maioridade do
código dos 21 para os 18 anos (porque a Constituição introduz a idade eleitoral aos 18
anos).
• Extra: Alguns artigos relativos à emancipação de menores foram revogados, após a
diminuição da idade de maioridade – permanece apenas a emancipação por casamento.
Liberdade de associação
• Também se vê uma alteração nas pessoas coletivas (nas associações), há profundas
alterações: art.158º CC (que só surge em 1977) - decorre do princípio da liberdade de
associação, coisa que antigamente não poderia acontecer.

Direito da Família
• Profundas alterações no Direito da Família, devido ao princípio da igualdade.
Alterações profundas, desde logo no casamento.
• 1601º CC – idade núbil do homem e da mulher, agora é 16 anos; antigamente
havia uma idade núbil diferente para o homem e para a mulher;
• Princípio da igualdade dos cônjuges no casamento;
• Alterações nos fundamentos do divórcio (os deveres no casamento eram distintos,
logo os fundamentos para o divórcio também eram diferentes);
• Filiação (distinção entre filhos legítimos e ilegítimos foi eliminada, pode haver
filhos fora ou dentro do casamento, mas tal não altera a sua legitimidade).
• Possibilidade de divórcio para os casamentos católicos – concordata de 1970;
• Alterações em termos sucessórios - o cônjuge sobrevivo passa a principal herdeiro
(é herdeiro forçado, legitimário, e aparece na primeira posição na sucessão
legítima) – 2133º CC.

Depois disso, o Código foi sofrendo alterações no Direito do arrendamento, no Direito da


Família (tem evoluído nos últimos anos), mas o marco de 1977 não tem paralelo posterior,
foi, sem dúvida, a maior alteração.

2. PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DE
DIREITO CIVIL
® Reconhecimento da pessoa e dos direitos de personalidade – indiscutivelmente o
1º dos princípios; + princípio da personificação das pessoas coletivas;
® Princípio da igualdade;
® Princípio da liberdade contratual e autonomia privada;
® Princípio da responsabilidade civil e os princípios a ela associados;
® Princípio do reconhecimento e proteção da propriedade privada;
® Princípio do reconhecimento e proteção da família.
(Mota Pinto fala-nos ainda no fenómeno sucessório- transmissão de bens mortis causa e
na boa-fé).

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Dissemos que a fonte de Direito Civil é a Constituição. A Constituição está


no topo da pirâmide das fontes do Direito Civil. A CRP tem uma vertente programática,
carácter meramente indicativo. Nas palavras de Mota Pinto, a CRP contém, na verdade,
uma “força geradora” de Direito Privado.® Porquê? ® As suas normas são
vinculativas e devem ser acatadas pelo legislador, pelo juiz e demais órgãos estaduais.

A aplicação direta da CRP às relações de Direito Civil surge logo no artigo 18º/1 CRP.

As normas relativas a DLG’s são diretamente aplicáveis e vinculam entidades públicas e


privadas – eficácia imediata perante os particulares.

Todas as entidades privadas estão sujeitas ao dever geral de respeito e de não perturbação
dos direitos fundamentais: os atos jurídicos que forem contrários aos DLG’s são nulos,
não são válidos sob pena de gerar responsabilidade civil (e, se for mais grave,
responsabilidade criminal).

Exemplo: Quando A renuncia a sua liberdade em função de B (torna-se escravo de B),


põe em causa a dignidade da pessoa, a liberdade pessoal, o livre desenvolvimento à o
negócio é nulo, violação de direitos fundamentais + violação de direitos de
personalidade (70º CC) e recai sobre o artigo 280º CC (são nulos os contratos
contrários à ordem pública). A solução da nulidade do negócio não está na
Constituição, está sim no Código Civil (280º) e é no CC que encontramos a
consequência da responsabilidade, indemnização (70º/2 + 483º CC).

A tutela da efetividade dos direitos fundamentais e dos princípios constitucionais


opera-se através de instrumentos de Direito Civil (exemplo: nulidade dos contratos, da
responsabilidade civil).

Os institutos do Direito Civil acautelam (garantem/protegem/recebem) os princípios


constitucionais. O respeito dos princípios constitucionais é, no seio das relações
privatísticas, assegurado pelos princípios de Direito Privado. Aqueles (princípios
constitucionais) são rececionados (no Direito Privado) através de cláusulas gerais e dos
princípios de tutela da personalidade.

A aplicação das normas constitucionais nas relações jurídico-privadas pode admitir


diferentes concretizações:

® É possível aplicarem-se mediante cláusulas gerais e conceitos indeterminados, a


integração destas cláusulas gerais e conceitos indeterminados é levada a cabo
mediante o conteúdo dos princípios constitucionais. (280º e 70º CC -são
exemplos)
® Há normas de Direito Privado que têm um conteúdo idêntico a normas
constitucionais (como se repetissem o conteúdo de normas constitucionais – 26º
CRP <-> 72º CC; 80º CC <-> 26º CRP)
® Há situações residuais onde os princípios e valores constitucionais não têm
diretamente acolhimento nas normas de Direito Privado nem através de cláusulas

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gerais e conceitos indeterminados, e poderão ser aplicadas sem intervenção das


normas positivas do Direito Civil.
É sempre possível chamar a aplicação direta e mediata das normas constitucionais
(até porque há matérias em que elas (normas constitucionais) surgem com um
maior desenvolvimento do que no Direito Civil – art.35º CRP, em sede de proteção
de cidadãos, não há paralelo no Direito Civil).
Na aplicação imediata e direta dos preceitos constitucionais temos de ter alguma cautela.
Há que interpretar o artigo 18º CRP, que funciona como regra supletiva, na medida em
que o ordenamento civil nos fornece o enquadramento das situações e, sobretudo, é no
Direito Civil que estão os instrumentos que permitem a tutela efetiva dos direitos
fundamentais e a sua reintegração em caso de violação.

O PRINCÍPIO DA IGUALDADE

A CRP consagra o princípio da igualdade dos Homens perante a lei – serve de base para
a distinção das relações jurídicas entre particulares e no Direito Público (onde não
há essa igualdade).

Um dos aspetos essenciais da CRP que se integra no sistema interno do Código Civil
é o princípio da igualdade perante a lei. Tem consagração expressa na Constituição -
artigo 13º/1 – princípio da igualdade: desenvolvimento deste princípio em várias sedes
- CRP art.36º (vários tipos de igualdade familiar), 47º, 50º, 58º -, que depois se consagram
e integram nas soluções do Direito Civil.

O princípio da igualdade vincula o legislador, os entes da administração e os


particulares. Este princípio é objetivo na ordem jurídica privada, é um princípio de
Direito Civil.

Proibição da discriminação (desde logo as enumeradas no art.13º CRP) para qualquer


ato ou negócio jurídico.

Segundo Mota Pinto, o princípio da igualdade impõe uma proibição do arbítrio na


diferenciação das hipóteses legais. Impõe que o legislador não possa tratar arbitrariamente
o essencialmente igual como desigual (e vice-versa).

O princípio da igualdade vai se traduzir num limite, externo, da liberdade


contratual/negocial/autonomia privada. O que significa que a sua violação acarretará a
invalidade dos atos e dos negócios e uma obrigação da reparação dos danos causados por
essa violação (isto no âmbito das relações jurídico-privadas, nomeadamente as negociais).

O princípio impõe-se aos titulares de posições de poder social (grandes empresas,


associações, media) o que demandará que, dentro dos poderes normativos destas
entidades e nos diplomas (regulamentos, acordos, estatutos) emanados delas, se acautele
do princípio da igualdade.

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Mesmo assim, são possíveis tratamentos distintos sempre que se trate de situações que
material e objetivamente justifiquem um tratamento desigual – tratar de forma diferente
o que é diferente é uma dimensão do princípio da desigualdade.

A justiça pressupõe que o que é diferente se trate de forma diferente e o que é


igual se trate de forma igual.

Mais legislação sobre o princípio da igualdade

® Carta dos direitos fundamentais da UE:


ü Art.20º princípio da igualdade perante a lei;
ü Art.21º princípio da não discriminação.
® Variada legislação avulsa, que vem no fundo densificar o princípio em diferentes
domínios:
ü L45/2019 – prevê uma revisão da linguagem utilizada nas convenções
internacionais para não ser discriminatória;
ü L38/2018 – autodeterminação da identidade de género e expressão de
género em condições de igualdade;
ü L93/2017 – regime jurídico da prevenção, proibição e combate a qualquer
forma de discriminação em função da origem racial étnica, território de
origem, cor, ascendência…;
ü L14/2008 – lei proíbe discriminação em função do sexo no acesso a bens
e serviços e seu fornecimento; entre outros diplomas que sejam
discriminatórios…
Para além destas hipóteses, o Código teve de se adaptar ao princípio da igualdade: as
soluções do Direito Civil do Código acolhem o princípio da igualdade, que sempre será
integrador da ordem pública, nomeadamente para efeito de celebração de negócios
jurídicos (280ºCC) e tutela de personalidade jurídica (70ºCC).

RECONHECIMENTO DA PESSOA E DOS DIREITOS DE PERSONALIDADE

O princípio da igualdade é uma vertente da tutela da pessoa e dos seus direitos de


personalidade, que é, no fundo, a essência do Direito Civil. A ideia da proteção da pessoa
e do livre desenvolvimento da sua personalidade é o principal objetivo do Direito Civil.
O Direito em geral (e o Civil) tem como pressuposto a dignidade humana.

Como diz Mota Pinto, o reconhecimento da ideia de pessoa ou personalidade é “a


aceitação de uma estrutura lógica sem a qual a própria ideia de Direito não é possível”.
O autor relembra-nos que o Direito é um fenómeno social e humano.

Quando se fala em pessoas, fala-se em ter a aptidão para ser sujeito de direitos e titular
de obrigações – encabeçar uma determinada esfera jurídica. Neste sentido técnico, o
conceito de pessoa para o Direito não é exatamente sobreposto ao conceito de pessoa
humana. As pessoas em sentido jurídico não são necessariamente pessoas humanas -
podemos ter organizações de pessoas (humanas), como associações, sociedades, etc.

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Ana Moreira
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Historicamente, nem todos os seres humanos eram vistos como pessoas para o Direito,
por exemplo, os escravos. No sistema atual todas as pessoas humanas são pessoas para
o Direito.

Se todas as pessoas humanas são, necessariamente, pessoas para o Direito, também é


verdade que nem todas as pessoas para o Direito são necessariamente pessoas
humanas.

O conceito de pessoa no nosso sistema é mais amplo que o conceito de pessoas humanas.
O conceito técnico engloba pessoas humanas e pessoas coletivas (organizações coletivas
ou massas de bens dotadas de personalidade jurídica).

® Art.66º CC – só no momento do nascimento completo e com vida é que se adquire


personalidade jurídica® Desta noção pressupõe-se que ninguém fica excluído do
conceito de personalidade jurídica - o Direito reconhece-a a todas e quaisquer
pessoas humanas (princípio universal).

O que significa ser pessoa para o Direito?

ü Ser pessoa para o Direito, ter personalidade jurídica, significa que é ser titular
de direitos subjetivos.

Com o nascimento, com a aquisição da personalidade jurídica, toda a pessoa humana é


imediatamente, pelo simples facto de ser pessoa, titular de um conjunto de direitos que
são os seus direitos de personalidade, direitos absolutos que visam a tutela da pessoa e
das diferentes vertentes da sua personalidade. A condição de ser sujeito para o Direito
implica a titularidade de direitos, não há esferas jurídicas vazias. A esfera jurídica é o
conjunto de relações jurídicas encabeçadas por um sujeito.

Está em causa a vida, a saúde física, a integridade física e psicológica, a honra, a


liberdade, a imagem, o nome, a vida privada… à aspetos que irradiam da personalidade
do indivíduo e que merecem a proteção do Direito, compõem a espessura mínima da
esfera jurídica de cada sujeito. Cabem na cláusula geral da personalidade do 70º CC.

O Direito Civil prevê consequências para a violação destes direitos de personalidade,


que constituíram ilícitos civis, pelo menos, com a consequência da responsabilidade
civil. Prevê-se também a possibilidade de requerer outras providências que possam ser
adequadas no artigo 70º/2. A lei prevê, no 70º/2 CC, a possibilidade de reagir contra
violações e a possibilidade de tentar acautelar essas violações – não é uma tutela
totalmente repressiva. Mota Pinto ainda nos avisa que a violação de alguns destes direitos
é um facto ilícito criminal, que desencadeia punição prevista no Código Penal, consoante
o tipo legal de crime.

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Dada a intensidade ético-jurídica, estes direitos de personalidade são direitos


irrenunciáveis.

Todos beneficiamos deles e não podemos renunciar a estes direitos.

O que a lei permite, em alguns casos, é a limitação voluntária do seu exercício, admite
que, mediante consentimento do titular, os direitos possam ser limitados.

Estas autolimitações são sempre revogáveis (a lei admite um arrependimento à


autolimitação dos direitos de personalidade e ainda estabelece que a autolimitação é ela
própria limitada pelos princípios de ordem pública). Cláusula geral da ordem pública a
limitar a autolimitação dos direitos de personalidade – não é possível limitar direitos de
personalidade além das fronteiras da ordem pública.

Na prática, o que significa esta limitação pelos princípios da


ordem pública?

Exemplo 1: se num contrato alguém consentir a que seja mutilado (autolimitação do


direito à integridade física), o contrato é nulo porque vai contra a ordem pública, não
obstante o consentimento do lesado. A autolimitação aqui presente é ilícita.

Exemplo 2: alguns exemplos lícitos de autolimitação do direito à integridade física são


as tatuagens, piercings, cirurgias estéticas, etc.

Não se pode abdicar de direitos subjetivos, mas pode-se autolimitar.

Mesmo com a banalização da imagem e a autolimitação da imagem (selfies e publicação


nas redes). Eu não posso abdicar do direito à imagem, mas posso autolimitar esse direito.

Exemplo: postar fotografias; permitir que nos fotografem num evento e/ou espaço
escolar.

REFORÇANDO:

Trave-mestra do sistema: reconhecimento da pessoa e reconhecimento da personalidade


e o livre desenvolvimento da pessoa. Princípio natural e essencial à ideia de Direito, um
dos fundamentos do próprio Direito Civil.

PRINCÍPIO DA LIBERDADE CONTRATUAL E AUTONOMIA PRIVADA

“A autonomia- quer no aspeto da liberdade de exercer ou não poderes ou faculdades


de que se é titular, quer no aspeto, mais completo, da possibilidade de conformar e
compor, conjuntamente com outrem ou por ato unilateral, os interesses próprios- é uma
ideia fundamental do Direito Civil.” _ Mota Pinto

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O autor supracitado considera que a dimensão mais visível da autonomia privada é a


liberdade contratual (artigo 405ºCC) e informa-nos que este princípio tem tutela
constitucional nos artigos 26/1º e 61ºCRP.

Este autor relembra-nos a importância da autonomia privada dizendo que esta “consiste
no poder reconhecido aos particulares de autorregulamentação dos seus interesses, de
autogoverno da sua esfera jurídica”, manifestando-se na realização de negócios jurídicos
e no “poder de livre exercício dos seus direitos ou de livre gozo dos seus bens pelos
particulares”.

Princípio que exprime melhor a essência da autodinamia do Direito Civil.

São como 2 faces da mesma moeda porque a proteção da pessoa pressupõe a liberdade e
autonomia da pessoa.

Liberdade
Príncipio de proteção da
pessoa (base do
ordenamento civil)
Autonomia

A ordem jurídico-privada reconhece que cada pessoa pode adquirir direitos (dentro do
limite da lei) e é sujeito de obrigações. O Direito Privado põe à sua disposição
instrumentos para a realização da sua autonomia.

O Direito Privado é um espaço de composição paritária e autónoma dos interesses do


individuo. No cerne do Direito Civil está a autonomia privada.

O reconhecimento da pessoa, da personalidade jurídica, é co-natural à ideia de Direito e


a autonomia privada é o princípio que melhor exprime a essência do Direito Civil.

Autonomia privada decorre do princípio da autodeterminação do Homem: reconhece a


cada indivíduo o poder de autogerir os seus interesses, gerir a sua esfera jurídica de acordo
com a sua vontade. O instrumento privilegiado para a realização dessa autonomia é o
negócio jurídico.

A autonomia tem diferentes gradações no Direito Civil e tem uma expressão mais
expressiva no âmbito negocial.

O negócio jurídico é um instrumento preferencial da autonomia privada, embora não seja


a única manifestação de autonomia privada. O poder de autogerir os seus interesses
também se revela através do exercício dos seus direitos - a pessoa pode exercer ou não os
direitos de que é titular.

Exemplo: eu, enquanto arrendatária, tenho preferência na aquisição do imóvel que sou
arrendatária – opção de exercer ou não este direito é reflexo da minha autonomia.

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ü Noção de negócio jurídico: facto jurídico, voluntário (a base é a


vontade), cujo núcleo essencial é composto por uma ou mais declarações
de vontade, com vista à produção de efeitos jurídicos.

Efeitos jurídicos: constituição, modificação ou extinção de relações


jurídicas.

A autonomia privada como princípio basilar do Direito Civil não se verifica em todo o
Direito Civil, estamos a pensar na área de modelação da vida social, visto que há uma
zona do Direito Civil onde não está presente a autonomia privada – tutela e defesa dos
direitos que se constituíram no domínio da modelação por defesa à autonomia privada
(exemplo: responsabilidade civil).

Na zona da modelação da vida social – influência da autonomia privada.

A autonomia privada também não se verifica com a mesma intensidade em todos os


negócios jurídicos. Teremos diferentes modalidades de negócios jurídicos.

Negócio jurídico unilateral


Uma declaração de vontade ou várias
declarações de vontade na mesma
direção.

Negócio jurídico Contratos


bilateral unilaterais
Negócio jurídico
Também designado por Obrigações para uma
contratos. Precisamos de das partes.
pelo menos duas
manifestações de Contratos bilaterais
vontade, se as vontades
forem diferentes devem Obrigações para as
ser convergentes. duas partes.

Nestes contratos temos a verificação muito mais intensa do princípio da autonomia


privada.

Nos negócios bilaterais vigora o princípio da liberdade contratual.

Os negócios unilaterais - a lei apenas admite os negócios unilaterais previstos na lei –


457º CC. Princípio da tipicidade.

Há uma maior liberdade de celebração de negócios no âmbito contratual. Neste âmbito,


o CC consagra um princípio de liberdade contratual (405º CC). Ao mesmo tempo,
consagrado o princípio da liberdade contratual, estipula-se, no artigo 406º CC, uma regra
de acordo com a qual nenhuma relação jurídica contratual pode ser modificada
unilateralmente, a menos que a lei o preveja – nenhuma das partes do contrato pode
modificar ou extinguir o disposto no mesmo contrato à Princípio da pontualidade
(pacta sunt servanda), ou seja, eles formam-se por mútuo consentimento e só por
consenso das partes é que o contrato pode ser extinto ou modificado, em regra.

“Princípio da pontualidade” porque o contrato deve ser cumprido ponto por ponto.

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O princípio da liberdade contratual só é importante na medida em que pode ser exercido.


A partir do momento em que contrato, eu fico vinculada ao contrato, fico obrigada aos
termos do mesmo, logo há uma perda de liberdade – art.406º CC.

® 405º CC - Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente
o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste Código
ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouverem.

O que salta à vista são as possibilidades que a lei confere, no momento de celebração dos
contratos, quanto à modelação/fixação do conteúdo dos contratos.

Vertente da liberdade contratual, implícita no artigo, que antecede a liberdade de


modelação do conteúdo dos contratos: liberdade de celebração dos contratos.

405º CC = Liberdade de celebração do contrato + liberdade de modelação do


conteúdo dos contratos.

Liberdade de celebração de contratos: Implica que a ninguém possa ser imposto um


contrato contra a sua vontade – ninguém é obrigado a contratar e ninguém é sancionado
se não contratar. E ninguém é obrigado a não contratar. -“consiste na faculdade de
livremente realizar contratos ou recusar a sua celebração”, Mota Pinto.

O nosso sistema compreende limitações à celebração de contratos.

Limites à liberdade de contratação:

® Situações onde as pessoas têm o dever jurídico de contratar – ou seja, o não


contratar é um ato ilícito que implica sanções; (ex: seguro de responsabilidade
civil);
ü O dever de contratar decorre do próprio exercício da liberdade contratual
e impõe-se às partes do contrato: contrato-promessa.
Contrato-promessa: alguém celebra o contrato cujo objeto é a obrigação de celebrar um
contrato no futuro.

Ao abrigo da liberdade contratual, A e B celebram um contrato e mediante esse


contrato obrigam-se a celebrar um contrato, por exemplo, de compra e venda. A
decisão de comprar e vender no futuro deixa de ser uma decisão livre – há uma
obrigação jurídica a contratar (eles auto-obrigaram-se a um determinado
comportamento), a recusa de celebração desse contrato é ilícita e tem consequências
(nomeadamente em termos indemnizatórios).

ü Empresas concessionárias de serviços públicos (água, gás, energia


elétrica, transportes): empresas que desenvolvem atividades de bens
essenciais à vida das pessoas e, às vezes em situações de
monopólio/oligopólio, elas não se podem recusar a contratar.
Na medida em que X esteja em condições para receber energia elétrica, ela tem de ser
fornecida.
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® Proibição de contratar.
ü Determinadas categorias de pessoas por razões variadas.
Exemplos:
Acesso de menores a determinados estabelecimentos (onde há uma idade mínima
para aceder a determinados estabelecimentos ou atividades);
Se tiver a ser discutida, judicialmente, a titularidade de um direito, a lei proíbe que
um juiz, que atue na área que está a ser discutido, adquira direitos respetivos
(evitar parcialidades, conflitos de interesses);

Pais e avós não podem vender a filhos ou a netos (a consequência era a


anulabilidade do contrato). O contrato só é válido se os outros irmãos autorizarem.
® 877º CC – proibição de venda a filhos e a netos.

Problema da compra e venda de pais a filhos ou avós a netos: a prática tem


demonstrado que estas compras entre pais e filhos e avós e netos são simuladas.
Os pais podem favorecer uns filhos em relação aos outros, mas a lei quer manter
um tratamento igualitário.

ü Doações: Artigo 953º CC- O que resulta daqui, concretamente dos


artigos 2194º/2196º CC – será que: é nula a doação da pessoa com
quem o doador cometeu adultério. Também é nula a disposição feita a
favor de notário, ou a doação feita a favor do médico ou enfermeiro
que tratar do doador, ou do sacerdote que lhe dê aconselhamento
espiritual.
® Situações em que há a necessidade do consentimento de alguém para o
contrato ser válido:
ü Autorização de uma autoridade pública – compra e venda de
explosivos, por exemplo;
ü Operações do mercado de valores imobiliários:
As ofertas e vendas em bolsa dependem da comissão de valores imobiliários;

ü Conjunto de limitações da liberdade de contratar que se impõem


aos cônjuges. O facto de alguém ser casado impõe restrições –
1682º/1 CC.
Alineações relativas a imóveis ou a estabelecimentos comerciais dependem do
consentimento dos dois cônjuges, a menos que estejam em separação de bens (mas se o
caso for a casa de morada de família carece sempre do consentimento de ambos os
cônjuges - 1682º/2 a).

3 regimes de bens:

o Comunhão geral de bens;


o Comunhão de bens adquiridos;
o Separação de bens.

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Art.1682º/2b) – arrendamento da casa de morada de família - os negócios aí previstos


necessitam do consentimento dos 2 cônjuges.

O facto de alguém ser casado comporta limitações nos contratos – estas existem para
preservar a estabilidade da família.

Se devia ter havido consentimento e não houve o negócio é anulável (1687º CC): “o
direito de anulação pode ser exercido nos 6 meses subsequentes à data em que o
requerente teve conhecimento do ato, mas nunca depois de decorridos três anos sobre a
sua celebração”.

Se o cônjuge só tem conhecimento do negócio 4 anos depois, ele não pode arguir a
anulabilidade.

O regime geral da anulabilidade dos negócios é o do artigo 287º CC – regra geral: 1


ano a contar da cessação do vício. Regime especial: no artigo 1687º CC o prazo é mais
curto, o legislador impõe ao cônjuge que não consente alguma celeridade.

ü Situações dos maiores acompanhados: necessidade do


consentimento do acompanhante para os atos do maior.
Artigo 145º/2 d) CC.

Os atos do maior estão sujeitos ao consentimento de alguém, a validade depende do


consentimento.

ü Representantes legais dos demais incapazes: a lei, às vezes, até


exige autorização do tribunal – 1889º CC (atos para os pais
relativamente aos bens dos filhos que dependem de autorização do
tribunal). Norma paralela, 1938º CC – atos do tutor que dependem
de autorização do tribunal.

Liberdade de modelar/fixar o conteúdo dos contratos:

Trata-se da “faculdade conferida aos contraentes de fixarem livremente o conteúdo dos


contratos do tipo previsto no CC, com ou sem aditamentos, ou estipulando contratos de
conteúdo diverso dos que a lei estipula.” -Mota Pinto

O clausulado contratual pode ser livremente fixado pelas partes.

Artigo 405º CC:

As partes podem:

® Celebrar contratos típicos (escolhem um dos modelos de contrato previstos na


lei – no Código ou noutras leis) – tipicidade do contrato, regime tipificado na lei.
Contratos típicos não são exatamente o mesmo que contratos nominados.

Contratos nominados: os que a lei dá um nome, mas não prevê o seu regime jurídico.

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ü A estes contratos típicos podemos aditar cláusulas diferentes.


Contrato de compra e venda pode ter uma condição ou adicionar uma cláusula penal ou
uma cláusula de responsabilidade.

ü Podemos juntar dois contratos típicos (exemplo: compra e venda e


locação OU um arrendamento e uma prestação de serviço).
O leasing surge como mistura de compra e venda e locação – contrato atípico que depois
a lei começa a prever o seu regime.

Há, no entanto, um problema, por vezes, em saber a tipologia do contrato em questão,


veja-se o seguinte exemplo:

Exemplo: contrato de compra e venda: A vende a B um terreno que custa 100 mil euros,
fixam o preço de 50 mil euros. Este não é exatamente um contrato de compra e venda:

Porque é que este não é um contrato de compra e venda?

SE o preço é 50 mil euros porque A (vendedor) é mau negociante e não consegue o preço
de mercado, este é um mau contrato de compra e venda, MAS se ele quis beneficiar o
comprador este contrato passa a ser um contrato de compra e venda com doação.

® Celebrar contratos atípicos (completamente originais e inovadores).


Normalmente é muito difícil.

Temos de atender às restrições legais. Artigo 405º CC: “dentro dos limites da lei”.

Limites da lei: o legislador entendeu que há fronteiras que não podem ser ultrapassadas,
por exemplo:

ü Artigo 280ºCC. O que se prevê é que são nulos os contratos que


sejam contrários à lei, à ordem pública, aos bons costumes…
ü Artigo 282º CC - Negócios usurários (estes negócios são
anuláveis) + artigo 1146º CC relativo ao contrato de mútuo (os juros
têm limites).

Alguns limites à liberdade de modelar/fixar o conteúdo dos


contratos

o Princípio da boa-fé que limita a conduta das partes nos contratos;


Artigo 227º CC + artigo 437º CC;

o Contratos normativos/contratos-tipo;
Conteúdo previamente fixado (convenções coletivas de trabalho, por exemplo).

o Normas avulsas dispersas que impõem limites;


o Proibição de cláusulas que afastem princípios de ordem pública – Artigo
800º/2;

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o Proibição da doação de coisa futura - 942º CC;


o Introdução de uma condição não é possível em todos os contratos (exemplo:
casamento, o casamento não pode ter condição);
o Conjunto de restrições que não resulta propriamente da lei (não são limites de
índole jurídico-positiva); mas que são limites de facto à liberdade de modelação
dos contratos e à liberdade de celebração dos contratos: contratos de adesão/ por
adesão. ® Contratos em que uma das partes não tem qualquer intervenção na
preparação do conteúdo dos contratos.

Contratos de/por adesão

O conteúdo dos contratos é pré-redigido e é unilateral, todo o conteúdo é determinado e


é oferecido à contraparte que fica numa posição de pegar ou largar – ou a contraparte
aceita em bloco as cláusulas que são propostas ou, como a contraparte não pode alterar
as cláusulas nem adicionar, terá de optar por não contratar.

Normalmente estamos perante partes desiguais (grande empresa – consumidor), mas


também podemos ter 2 profissionais ou 2 pessoas singulares não profissionais.

economia de Existem vantagens económicas


custos. para as empresas- transferência
de riscos para a outra parte.
igualdade de
Vantagens tratamento e “Estandardização” dos
soluções. contratos que são dirigidos a
um nº incalculável de clientes.
celeridade. (Racionalização e agilidade na
matéria contratual).

O que acontece é: ou
tenho o contrato e
usufruo do bem ou não
Contratos de assino e não tenho o
adesão bem;
possibilidade de Quem tem o poder
Desvantagens celebração que de determinar o
não é livre. conteúdo do
contrato, irá colocar-
o legislador se na posição mais
começou com o vantajosa, deixando
princípio da boa-fé e que os outros
da concorrência.
arquem com os
Depois percebeu-se
Solução que era necessária custos.
legislação específica
nestas matérias para
reequilibrar a Restrição da liberdade de contratar do
posição das partes
consumidor; surgem soluções pesadas e
nestes contratos.
desequilibradas, com favorecimentos
unilaterais; adoção de condições
semelhantes em todas as empresas do
setor, levando a que quem não as aceite
seja excluído do tráfico jurídico.

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Exemplo de celebração não livre: Seguro de responsabilidade civil/fornecimento de


água: são bem imprescindíveis ao consumidor, levando a que estes tenham a
obrigação/necessidade extrema de os adquirir. Assim, o fornecedor pode determinar o
conteúdo do contrato, determinando para si as vantagens do contrato e fazendo recair
sobre a outra parte (consumidor) as desvantagens e os custos do contrato. Tal deve-se à
desigualdade económica/social e informacional e posicional.

Ainda nas soluções, diga-se:

Portugal foi dos pioneiros a ter legislação específica – exemplo: DL 446/85, 25 de outubro
– estabelece o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais.

Parte da noção de cláusula contratual geral.

Contratos de adesão

mediante cláusulas
mediante cláusulas
contratuais
contratuais gerais
individualizadas.

Nem todos os contratos de adesão são mediados por cláusulas contratuais gerais à
Contratos de adesão são mais amplos que os contratos mediante cláusulas contratuais
gerais.

Cláusulas contratuais gerais: Cláusulas pensadas para um contrato, mas que são pré-
elaboradas, unilateralmente e que se destinam a uma generalidade de aderentes
(vários destinatários).

Também se aplicam a contratos individualizados – destinam-se não a uma


generalidade de pessoas, só se destinam a A e B, mas A já pré-redigiu e B só poderia
dizer que sim (são imodificáveis).

DL: 446/85 – análise

O DL 446/85 é um diploma com um conjunto de normas materiais sobre o conteúdo dos


contratos (cláusulas contratuais gerais), mas também contém normas importantes de
natureza processual.

Analisando o âmbito de aplicação do diploma, aplica-se e visa-se atacar o problema


dos contratos de adesão/contratos por adesão.

• Pré-formulação, imodificabilidade e generalização – Características das


cláusulas contratuais gerais à 1º/1, DL 446/85.

Dentro dos contratos de adesão, o que especialmente preocupou o legislador, que


podemos ver pelo preâmbulo do diploma, foram os contratos massificados (dirigidos a

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centenas, ou mesmo milhares, de pessoas), mas também se incluem no âmbito do diploma


os contratos de adesão redigidos especialmente para uma pessoa à 1º/2, DL 446/85: o
diploma aplica-se a contratos individualizados (apesar de não ser o principal problema
que se quis acautelar com este diploma).

Contratos celebrados mediante cláusulas gerais

Contratos celebrados mediante cláusulas gerais:

1. Pré-formulação;
2. Generalização;
3. Imodificabilidade;
• Artigo 1º/1;
• Contratos individualizados;
• Artigo 1º/2.

Este diploma, com estas cláusulas contratuais gerais, permite-nos controlar o conteúdo
destas cláusulas mesmo que elas não sejam utilizadas – podemos proibir x instituição de
as utilizar mesmo que nunca tenham sido utilizadas até agora – carácter preventivo.

O que se prevê em termos de remédios (soluções):

• A preocupação do legislador é que o aderente conheça o contrato, saiba


qual o conteúdo do contrato. A primeira preocupação prende-se com a
comunicação destas cláusulas – art.5º DL 446/85.
NOTA: a lei exige que o aderente seja colocado em condições de conhecer o contrato,
não obriga o aderente a conhecer.

Artigo 5º/2, DL 446/85: “A comunicação tem de ser feita de modo adequado, com a
antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão
e complexidade das cláusulas, se torne possível o conhecimento completo e efetivo por
quem use de comum diligência” à temos de ver caso a caso se a comunicação foi
adequada e se foi feita com a antecedência necessária, o que depende dos fatores acima
destacados (importância/extensão e complexidade) à ónus da comunicação.

® Ónus: traduz-se na necessidade de adotar um comportamento. A não apresentação


do ónus não é um ato ilícito (por exemplo: se no ónus da prova, este não for
apresentado nada acontece de ilícito, simplesmente não se prova o que a pessoa
poderia querer provar).

Ónus é a figura mais próxima do dever jurídico. Saiba-se que a não


apresentação de um ónus traduz-se numa consequência desfavorável e não num
ato ilícito (sendo este último o que acontece no dever jurídico).

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A não comunicação não é um facto ilícito, mas nos termos do artigo 8º a), as cláusulas
não comunicadas têm-se como excluídas do contrato, não compõem o contrato. Quem
redige de antemão, ou as comunica de forma adequada ou as cláusulas não vão compor o
contrato. ® Veja-se aqui a consequência desfavorável como a exclusão do contrato
dessas cláusulas.

Dever jurídico:

• Artigo 6º, DL 446/85: Dever de informar, de acordo com as circunstâncias


do caso. É um dever recorrente do princípio da boa-fé.
Artigo 8ºb), DL 446/85. as cláusulas também são excluídas do contrato, a omissão de um
dever de informação viola um dever – poderá haver uma indemnização pela omissão de
um dever de informação (omitir é um comportamento ilícito), poderá acarretar
responsabilidade pela violação de um princípio de boa-fé.

• Artigo 8º, DL 446/85


São excluídas as cláusulas surpresa (8º/c) (que pela contextualização do contrato
passem despercebidas), e as cláusulas que são previstas depois da assinatura do
aderente (8º/d).

• Excluídas as cláusulas do contrato, os contratos mantêm-se e, se houver


lacunas, serão colmatadas (9º, DL 446/85) de acordo com as regras gerais,
supletivas. Se ficar sem conteúdo, o contrato fica nulo. O princípio é o da
manutenção do contrato. A nulidade do contrato sem mais pode
prejudicar o aderente.

Em Suma….

® Ónus da comunicação;
® Dever de informação;
® Proibição de cláusulas surpresa;
® Redução automática do contrato.

São tudo instrumentos/meios de obter a justiça contratual e impedir que a liberdade


contratual seja ludibriada para que se engane outra contraente que adira posteriormente.

Depois disso coloca-se a questão de saber se o conteúdo é ou não nocivo para o


aderente.

O que a lei prevê em termos de interpretação das cláusulas contratuais gerais – é uma
remissão para as regras do Código Civil e em caso de dúvida manda que prevaleça o
sentido mais favorável ao aderente (11º/2, DL 446/85). Havendo ambiguidade procura-
se o sentido que um declarante normal quereria alcançar, mas se a dúvida persistir
prevalece o sentido mais favorável.

Interpretadas as cláusulas, devemos ver se devem ser consideradas válidas ou não.

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A linha de fronteira é o princípio da boa-fé (15º, DL 446/85). São proibidas as cláusulas


contrárias à boa-fé. Este princípio serve de controlo para qualquer contrato, mas aqui o
legislador considerou como princípio a boa-fé e concretizou o que entende por
cláusulas contrárias à boa-fé (existem listas negras de cláusulas e listas cinzentas, em
função da gravidade da proibição).

Artigo 12º, DL 446/85: são nulas as cláusulas que são contrárias à boa-fé.

Artigo 18º e ss, DL 446/85 – tipificação, exemplificativa, de algumas cláusulas que, pela
experiência, o legislador encontrou em contratos e entendeu que considerava proibidas.

Umas são absolutamente proibidas e outras são relativamente proibidas (listas negras
ou cinzentas, respetivamente).

Cláusulas absolutamente proibidas: Cláusulas relativamente proibidas.

• As absolutamente proibidas são • Nas relativamente proibidas –


sempre proibidas. Se a cláusula aqui há margem para apreciação
está tipificada no 18º ou 21º, DL do julgador; o juízo a que se apela
446/85, não há margem para não é um juízo do caso concreto, a
apreciação – é logo declarada a lei manda apelar ao quadro
nulidade. negocial padronizado (19º e 22º,
DL 446/85).

Quadro negocial padronizado: não é o contrato em concreto, mas sim o tipo de contrato
onde a cláusula se insere.

Exemplo: se é um contrato de concessão de crédito, de seguro, de depósito de


mercadoria…

Existem estas cláusulas nas relações entre empresários e os consumidores finais ®


O legislador entendeu distinguir entre relações entre empresários e consumidores
finais, com vista a proteger mais o consumidor. à Especificidade da lei portuguesa.

Distinção em função dos sujeitos que aderem a estes contratos: empresários ou


consumidores:

® Artigo 20º, DL 446/85: nas relações com consumidores finais também são
proibidas as cláusulas elencadas nas relações entre empresárias à ou seja, todas
as cláusulas se aplicam às relações com consumidores (dupla proteção dos
consumidores).
® 18º e 19º, DL 446/85 à só para os empresários.

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Controlo do conteúdo

Cláusulas absolutamente proibidas: Cláusulas relativamente proibidas:


• Nas relações entre empresários: artigo • Nas relações entre empresários: artigo
18º, DL 446/85; 19º, DL 446/85;
• Nas relações com consumidores finais: • Nas relações com consumidores finais:
artigos 21º+18º, DL 446/85. artigos 22º+19º, DL 446/85;

• A sua proibição depende do "quadro


negocial padronizado".

As listas elencam cláusulas proibidas de forma exemplificativa e não taxativa. Com a


evolução temporal, as listas estão sempre a ser modificadas. O juiz pode entender que
uma cláusula que não esteja elencada também pode ser proibida porque viola o princípio
da boa-fé.

Artigo 16º, DL 446/85 - Critérios de confiança das partes quanto ao sentido global do
contrato. Na lei a concretização da boa-fé passa por alguns capítulos discutíveis à
Entram outros fatores cobertos pela boa-fé.

A estas cláusulas, foi aditada uma nova cláusula (depois de vários anos), muito
recentemente à 21º, DL 446/85. Foi aditada uma alínea, a i) à onde o legislador só quis
especificar a questão da apresentação gráfica:

® “São em absoluto proibidas, designadamente, as cláusulas contratuais gerais


que”:
® Alínea i): “Se encontrarem redigidas com um tamanho de letra inferior a 11 ou
2,5milímetros e com espaçamento entre linhas inferior a 1,15”;

Já demos em termos substantivos o controlo que o legislador oferecia aos aderentes nos
contratos não negociados, controlo quanto à inclusão das próprias cláusulas no contrato
e controlo quanto ao seu conteúdo.

Falta analisar as disposições de carácter processual e o alcance de aplicação deste


regime nos contratos não negociados.

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Regras de natureza processual

Controlo • Apreciação da validade das CCG no contexto de um


conflito concreto instalado entre um predisponente e um
incidental aderente.

• Ação inibitória (artigo 25º, DL 446/85);


Controlo • Carácter coletivo;
abstrato • Eficácia "ultra partes";
• Legitimidade: artigo 26º+ 13º da Lei nº 24/96 de 31.07

Quando se levanta a questão da análise do conteúdo destes contratos, o problema das


cláusulas contratuais gerais pode-se levantar em 2 contextos distintos:

• Contrato não negociado celebrado entre 2 profissionais, ou um profissional e um


consumidor.
A e B são partes num contrato, A pré-formulou as cláusulas, B não as pode alterar e B
entende que determinadas cláusulas do contrato não são válidas (violam princípios como
a boa-fé, por exemplo). Neste caso concreto, o aderente alega a nulidade de determinadas
cláusulas, incluídas no seu contrato. O tribunal irá apreciar se naquele contrato as
cláusulas são válidas ou devem ser consideradas nulas/e eram proibidas à controlo
incidental.

Se o tribunal entender que a cláusula é nula, a nulidade valerá apenas para aquele contrato
em concreto, celebrado entre A e B.

Se as cláusulas declaradas nulas são cláusulas contratuais gerais que foram utilizadas
numa infinidade de contratos iguais ao celebrado entre A e B, a nulidade declarada
naquela ação não pode ser invocada pelos demais aderentes. A cláusula continua a ser
utlizada nos demais contratos celebrados pelos outros aderentes.

• Outra hipótese, com alcance mais alargado: as cláusulas serem apreciadas em


abstrato.
Através de uma ação inibitória – art.25º DL 446/85 -, que venha apreciar a validade das
cláusulas para a sua utilização futura, independentemente de serem ou não incluídas em
determinados contratos em concreto.

Na medida em que determinada entidade utiliza ou pretende utilizar determinadas


cláusulas contratuais gerais é possível propor uma ação, independentemente de serem ou
não incluídas em determinados contratos concretos. A ação é proposta contra essa
entidade no sentido de a proibir de continuar a usar essas cláusulas e inibe-a de voltar a
utilizar as referidas cláusulas.

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Ana Moreira
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A sentença que declare a nulidade de determinadas cláusulas contratuais gerais vale para
todos os aderentes que contrataram ou virão a contratar com aquela entidade que tenham
utilizado aquelas cláusulas contratuais gerais.

Valerá com eficácia ultra-partes.

A ação inibitória tem carácter coletivo e eficácia muito alargada relativamente a um


controlo do caso concreto, na medida em que a sentença pode ser utilizada por todos os
que sejam afetados por ela. A proibição só abrange aquela entidade em causa, a que foi
demandada na ação inibitória (mas também é possível propor uma ação para várias
entidades com cláusulas idênticas).

Problema: as pessoas que contrataram com as entidades que foram condenadas a abster-
se de determinadas cláusulas, podem não saber que as cláusulas foram declaradas nulas.
É necessária a ideia de publicidade.

A ação inibitória aparece-nos no artigo 25º e ss DL 446/85. O artigo 26º, DL 446/85, diz-
nos quem tem legitimidade para propor a ação.

Temos estas 2 possibilidades e as proibições que nos surgem no diploma (as listas
negras e cinzentas de cláusulas e o princípio da boa-fé e outras regras) aplicam-se no
âmbito das ações inibitórias e concretas.

A lei prevê que estas cláusulas declaradas nulas sejam publicitadas – 34º DL 446/85. As
cláusulas abusivas sentenciadas pelos tribunais encontram-se publicitadas no site da
dgsi/igfej.

A publicação da sentença, que a lei prevê, num jornal, para que seja conhecido o seu
conteúdo – medida que não é tão utilizada, mas a própria lei prevê a possibilidade de ser
requerida essa publicação (30º DL 446/85).

Há uma preocupação grande do legislador que se prende com a publicidade destas


proibições. O regime pode falhar por parte do desconhecimento dos aderentes de que
aquelas cláusulas já foram declaradas nulas nestas ações inibitórias. Qualquer pessoa que
seja parte de um contrato que tenha cláusulas declaradas nulas, pode valer-se dessa
nulidade, dessa proibição, porque as cláusulas inibitórias têm esse carácter.

Diretiva [UE] 2019/2161, 27.11

A Diretiva de 2019 da UE, impõe que as legislações nacionais consagrem sanções para o
incumprimento destas regras. ® Segue-se, abaixo, o artigo 8º dessa Diretiva:

Na Diretiva 93/13/CEE, é inserido o seguinte artigo:

® Artigo 8º B:
1. Os Estados-Membros estabelecem as regras relativas às sanções aplicáveis
em caso de violação das disposições nacionais adotadas nos termos da
presente diretiva e tomam todas as medidas necessárias para garantir a sua

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Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

aplicação. As sanções previstas devem ser efetivas, proporcionadas e


dissuasivas.
2. Os Estados-Membros podem restringir essas sanções às situações em que as
cláusulas contratuais sejam expressamente definidas como abusivas segundo
o direito nacional ou em que o profissional continue a recorrer a clausulas
que tenham sido consideradas abusivas numa decisão definitiva adotada nos
termos do artigo 7º/ nº2.
3. Os Estados-Membros asseguram que na aplicação de uma sanção, são tidos
em conta, sem que for caso disso, os seguintes critérios não exaustivos e
indicativos:
a) A natureza, gravidade, dimensão e duração da infração cometida;
b) As medidas eventualmente adotadas pelo profissional para atenuar ou
reparar os danos causados aos consumidores;
c) As eventuais infrações cometidas anteriormente pelo profissional em
causa;
d) Os benefícios financeiros obtidos ou os prejuízos evitados pelo
profissional em virtude da infração cometida, se os danos em causa
estiverem disponíveis;
e) As sanções impostas ao profissional pela mesma infração noutros
Estados-Membros, em situações transfronteiriças caso a informação
sobre essas sanções esteja disponível através do mecanismo
estabelecido pelo Regulamento (UE) 2017/2394 do Parlamento
Europeu e do Conselho;
f) Qualquer outro fator agravante ou atenuante aplicável às
circunstâncias do caso concreto;
4. Sem prejuízo do nº2 do presente artigo, os Estados-Membros asseguram que,
aquando da aplicação de sanções nos termos do artigo 21º do Regulamento
(UE) 2017/2394, essas sanções controlam a possibilidade de aplicar coimas
por meio de procedimentos administrativos ou de intentar uma ação judicial
para aplicação de coimas, ou ambas, sendo o montante máximo dessas
coimas de, pelo menos, 4% do volume de negócios anual do profissional nos
Estados-Membros em causa.

A Diretiva de 2019 estabelece algumas regras em matérias de cláusulas contratuais gerais


– os Estados-membros devem consagrar sanções quando forem utilizadas cláusulas
proibidas.

Esta Diretiva de 2019 vai levar a que a lei das cláusulas contratuais gerais venha a acolher
as sanções que aí se preveem. Ainda não tinha sido transposta, quando foi dada em sede
de aula teorica (foi transposta PARCIALMENTE dia 10/12), mas a transposição vai
implicar alterações na matéria das sanções a aplicar. Há que ser mais severo no momento
de aplicar sanções e prever consequências para a utilização de cláusulas proibidas.

Nesta medida teremos alterações na nossa lei, a curto prazo.

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Este tema tem uma aplicação prática imensa - todos os dias os tribunais aplicam este
regime e é algo que temos de conhecer.

Ainda no contexto dos contratos não negociados:

Lei 23/96 - regime especial de contratos de adesão, pensado para os serviços públicos
essenciais (referidos abaixo). São contratos de adesão e para além do regime do DL
446/85 (que se continua a aplicar). estes contratos são merecedores de cláusulas especiais.

Âmbito de aplicação objetivo: serviços públicos

a) Serviço de fornecimento de água;


b) Serviço de fornecimento de energia elétrica;
c) Serviço de fornecimento de gás natural e gases de petróleo liquefeitos
canalizados;
d) Serviço de comunicações eletrónicas;
e) Serviços postais;
f) Serviço de recolha e tratamento de águas residuais;
g) Serviço de gestão de resíduos sólidos urbanos;
h) Serviço de transporte de passageiros (Lei nº51/2019, de 29 de julho).

Celebrados entre um prestador de serviço (entidade pública ou privada) a uma pessoa


singular ou coletiva. Não é uma lei privativa dos consumidores.

Utente: pessoa a quem é prestado o referido serviço.

Particularizou o quê nesta lei?

• Reafirmou o principio da boa-fé – artigo 3º L 23/96.


• Regra dedicada ao dever de informação, semelhante ao DL 446/85. Informar de
forma clara e conveniente e com todos os esclarecimentos necessários.
REGRAS ESPECIAIS

• Artigo 5º L 23/96: proibição da suspensão do fornecimento sem pré-aviso


adequado.
O aviso pode ser por escrito e com uma antecendência mínima de 20 dias, é preciso
explicar porque é que vai haver essa interrupção e os meios necessários para evitar a
suspensão do fornecimento. Ninguém pode ser surpreendido por um abrupto apagão, por
exemplo.

• A prestação dos serviços tem de obeceder a elevados padrões de qualidade –


artigo 7º L23/96. O legislador diz que o serviço deve ser oferecido com um
elevado padrão de qualidade elevado.
• Proibição de cobrança de consumos mínimos – artigo 8º L 23/96, ainda que
sejam a título de aluguer de equipamentos, taxas…
• Confere ao utente o direito a uma fatura (mensal) pormenorizada – artigo 9º L
23/96.
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• Prescrição.
Prazo de prescrição muito mais curto que os previstos no CC, para benefício do utente. A
lei vem prever, no artigo 10º L 23/96, que o direito do recebimento do preço de serviço
prescreve no prazo de 6 meses (o prazo geral de prescrição do CC é de 20 anos, embora
a lei estabeleça outros prazos mais curtos – 439º e ss CC).

O prazo de 6 meses é relativamente ao recebimento do preço, conta-se a partir da


prestação do serviço.

• Se for cobrado um valor que exceda o consumo, o valor em


excesso é abatido numa fatura futura, acertos – artigo 12º L
23/96;
• Referência ao ónus da prova – artigo 11º L 23/96.
O ónus relativo aos vários deveres que são impostos à entidade recai sobre a sua pessoa.

Será ela, a entidade, que tem de provar que informou e prestou todos os esclarecimentos,
que comunicou com a antecedência devida a suspensão do serviço…

• Carácter injuntivo dos direitos consagrados neste diploma – artigo 13º L


23/96.
Serão nulos quaisqueres acordos que venham excluir ou limitar os direitos conferidos ao
utente na L 23/96.

Em suma:

Princípios a preservar nos contratos de serviços públicos:

® Princípio da boa-fé;
® Dever de informação;
® Proibição da suspensão do fornecimento sem aviso prévio;
® Exigência de elevado padrão de qualidade;
® Proibição de cobrança de consumos mínimos;
® Direito a faturação pormenorizada.

Outras regras:

® Prazo de prescrição especial;


® Ónus da Prova;
® Carácter injuntivo dos direitos;

Esta L 23/96 não se sobrepõe ao DL 446/85, é regime especial dentro do regime que visa
controlar o conteúdo dos contratos e a celebração dos contratos de adesão, mas aplica-se
especificamente a este setor da prestação de serviços públicos essenciais.

Findamos, assim, a análise da Lei 23/96.

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® No âmbito dos contratos com eficácia real, que interferem com os direitos reais
(contratos onde temos a constituição, modificação ou extinção de um direito real)
há liberdade de celebração dos contratos, mas as partes não podem constituir
direitos reais distintos dos fixados por lei à princípio da tipicidade nos direitos
reais existentes, não há margem para autonomia, para criar novos direitos reais.
® Nos contratos familiares há liberdade de celebração de contratos, há restrições
ao nível de modelação dos contratos. Dá para distinguir entre contratos familiares
com efeitos pessoais e com efeitos patrimoniais – maior liberdade ao nível de
modelação dos contratos com incidência patrimonial.
® Contratos sucessórios: a regra é a da proibição. Contratos com efeitos
sucessórios são proibidos (é a regra), a liberdade contratual sofre muitas
restrições. Artigo 1700º CC - em sede de direito da família, prevê-se a
possibilidade de realizar pactos com efeitos mortis causa, mas esta é uma situação
excecional.

Apesar da liberdade contratual, enquanto ilação da autonomia privada, ser um principio


estruturante do Direito Civil, ela manifesta-se com uma intensidade diferente nas
diferentes áreas do Direito Civil.

A RESPONSABILIDADE CIVIL E OS PRINCÍPIOS A ELA ASSOCIADOS

A figura que, a seguir aos contratos, tem maior importância na criação das obrigações,
é a responsabilidade civil.

Há inúmeras situações da vida social em que alguém sofre danos (algum bem foi
destruído, A e B têm uma discussão…) - a questão que se levanta é: quem suporta esses
prejuízos?

Ou seja, alguém sofre um prejuízo e temos de saber se arca ele próprio com o prejuízo ou
se pode transferir para outra pessoa. Regra geral: cada um arca com os seus prejuízos,
mas há determinadas situações onde podemos transferir os prejuízos para outras pessoas.

Responsabilidade civil: instituto que visa tornar o lesado indemne.


(indemnização=tornar indemne=tornar sem dano)® Podemos definir a responsabilidade
civil como a necessidade que a lei impõe a alguém, que causa prejuízos na esfera de
outrem, de colocar o ofendido na situação em que estaria que se não tivesse sofrido o
dano.

Principios fundamentais: 483º CC + 562º CC

566º CC: em primeiro lugar deve-se privilegiar a reconstituição natural da situação – a


reintegração da situação que existia antes da verificação do dano. Como regra temos o
princípio da reconstituição natural. Só quando esta reconstituição natural não for
possível, ou não for suficiente, ou se for exccessivamnte onerosa, é que entramos com

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uma restituição por equivalente, com uma indemnização em dinheiro, com vista a
cobrir os danos patrimoniais que o lesado tenha sofrido.

A reconstituição natural quase nunca é suficiente ou possível, a indeminização é que é


de longe o mecanismo mais frequente que surge nestas situações.

Danos:

• Danos reais: perdas sofridas pelo lesado em virtude de um determinado facto


danoso.
Exemplo: destruição de um determinado bem, ferimentos causados a uma pessoa,
estragos no automóvel…

• Dano patrimonial: reflexo do dano real no património do lesado.


Exemplo: B bate na traseira do automóvel do A à o dano real é o dano do automóvel
(que ficou deteriorado), o reflexo disso no seu património é o dano patrimonial (o
impacto do dano real no património do lesado).

Chegamos ao valor do dano patrimonial com uma diferença. Temos de comparar o


património do lesado na situação em que ele se encontra e a situação em que se encontraria
se não tivesse sofrido o dano - a diferença é o que deve ser indemnizado.

A lei compreende os danos emergentes (efetivamente causados nos bens do lesado no


momento em que ocorreu o facto danoso), mas também os benefícios que o lesado deixa
de obter em consequência da lesão - 564º CC.

• São contabilizados aqui os danos não patrimoniais. O legislador refere no artigo


496º CC.
Danos que não são avaliáveis em dinheiro, atingem bens que não são contabilizáveis
em termos de números (saúde, bem-estar, liberdade…), não são bens de natureza
patrimonial, mas o legislador manda atender a estes danos.

Neste caso não se trata de indemnizar, mas de compensar o lesado pelos danos que
sofreu. (Correspondem aos danos morais - que aprendemos em ID - não são
indemnizáveis, mas sim compensáveis)

A realidade é que estes danos não patrimoniais nunca são supridos pelo montante da
compensação atribuído (tal não é possivel, não podemos atribuir um valor à dor de
outrem), no entanto, a alternativa à compensação é a não compensação, por isso o lesado
poderá minorar a sua dor através da compensação das lesões que poderá ter sofrido.

Para que se desencadeie a responsabilidade civil é preciso que tenham sido provocados
danos, mas não basta, há que haver:

® Nexo de causalidade entre o facto lesivo e o dano.

O dano foi causado por aquele facto, não são acontecimentos sem nexo, de coincidência.
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® Temos de ter ilicitude. O facto tem de ser ilícito e violar interesses, direitos
subjetivos (em regra).
® Em regra, teremos de ter culpa.

A culpa exprime um juízo de censura, juízo de reprovação pela conduta do lesante.


Considera-se que, face às circunstâncias do caso, o autor da lesão podia e devia ter agido
de outro modo.

A culpa pressupõe um nexo entre o facto lesivo e a vontade do agente.

Culpa, 2 formas:

• Dolo
Modalidade de culpa mais grave, onde a conduta do agente se torna mais censurável,
porque há uma ligação mais estreita entre o facto danoso e a vontade do agente. –
“conduta desrepeitadora dos interesses tutelados pelo Direito” que resulta “da existência
de uma intenção de causar dano violando uma proibição.”- Mota Pinto.

• Negligência
Omissão de um comportamernto diligente do agente. O grau de censura é mais ténue.

Dá para graduar a negligência.

Os interesses que se visam acautelar com a responsabilidade civil são os interesses


individuais do lesado, coisa diferente acontece com a responsabilidade criminal
(interesses fundamentais da sociedade).

A responsabilidade penal só entra em última rácio - as reações da responsabilidade


criminal são mais fortes, aplicando sanções que privam a liberdade, visto que está em
causa castigar o agente e também a prevenção geral e especial. Estas finalidades não se
verificam na responsabilidade civil – aqui só se quer tornar o lesado indemne.

Pode acontecer que o mesmo facto ilícito desencadeie responsabilidade civil e criminal
(exemplo: crime de difamação…).

Na responsabilidade civil, como regra, exige-se, para haver direito a uma indemnização,
um comportamento culposo. Está na base uma responsabilidade subjetiva, fundada em
culpa – 483º CC.

Responsabilidade objetiva/sem culpa

No entanto, a lei prevê situações – responsabilidade objetiva/responsabilidade sem


culpa - onde não será necessário o requisito da culpa para a responsabilidade ser
desencadeada.

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Nesta responsabilidade objetiva, o agente irá suportar danos em virtude de uma


causalidade material (e não por vontade).

Este desvio à regra (regra sendo a responsabilidade com culpa) é cada vez mais frequente.

Houve a necessidade de fazer alguém suportar determinados danos apesar de não ter culpa
desses danos, como por exemplo, a entidade patronal a suportar danos ao trabalhador pela
atividade que desenvolve (a entidade patronal é que beneficia com a atividade do
trabalhador: se o trabalhador sofre danos, a responsabilidade tem de ser suportada pela
entidade patronal, mesmo que sem culpa).

Exemplos de responsabilidade objetiva:

Artigos 500º - 503º CC + outras situações em legislação avulsa.

Responsabilidade por factos lícitos

Situações de responsabilidade por factos lícitos:

Quando a lei dispensa a ilicitude do facto danoso. São situações excecionais.

Alguém atua em conformidade com a lei, não obstante, causa danos a um terceiro e tem
de suportar os danos, porque não parece justo ser o terceiro a suportar com o prejuizo que
lhe foi causado por determinada situação.

Há uma preponderação dos interesses, um reequilibrio de coisas, prevalece um interesse


em relação a outro, mas mesmo assim há direito a uma indemnização.

Exemplo: artigo 339º CC. Exemplos nos direitos reais: artigos 1349º/3 CC; 1348º/2 CC;
1367º CC.

Distinção entre responsabilidade contratual/obrigacional VS


responsabilidade extracontratual/aquiliana

Distinção clássica.

® Responsabilidade contratual/obrigacional: deriva do incumprimento de um


contrato ou obrigação ou mesmo de um negócio jurídico unilateral.
Incumprimento de obrigações (artigos 798º e ss).
® Responsabilidade extracontratual/aquiliana: surge em virtude da violação de
direitos absolutos ou prática de atos ilícitos, e não de atos relativos.

É possível que o mesmo facto origine responsabilidade obrigacional e não obrigacional.

PROTEÇÃO DA PROPRIEDADE PRIVADA

62º CRP: garante o direito à propriedade, e à sua transmissão entre vivos e por morte.

(de notar referências nos artigos 61º, 82º e 86º, também da CRP)

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A proteção da propriedade é desenvolvida no âmbito do Direito Civil – um dos pilares do


Direito Civil.

Hoje falamos numa propriedade diferente das que vimos no Direito Romano, por
exemplo. A propriedade deixou de ser um atributo da personalidade do indivíduo e,
atualmente, a propriedade protegida é uma propriedade relativizada, um direito mais
limitado e até com uma função social (implica, para os proprietários, deveres que visam
o benefício da sociedade em geral).

Ainda é um direito subjetivo, por excelência, que se impõe à generalidade dos membros
da comunidade. É um direito absoluto, que se impõe erga-omnes, mas que tem deveres,
obrigações, ónus…

O CC não define direito de propriedade, porém o artigo 1305º caracteriza-o, dizendo que
“o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição
das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei, com observância das restrições
por ela impostas.” - Mota Pinto avisa-nos que convém lembrar que o sistema introduz
cláusulas de limitação sobre esses poderes, quer por legislação avulsa, quer através de
uma cláusula geral como a do artigo 334ºCC.

PROTEÇÃO DA FAMÍLIA

A proteção da família está prevista constitucionalmente – artigos 36º, 67º, 68º e 69º CRP
- e ganha no Direito Civil uma regulamentação própria.

A família também sofreu evoluções importantes (como já tínhamos verificado aquando


da lecionação da história do nosso CC atual):

® Atualmente, a família é mais reduzida ao seu núcleo mais restrito (existem até
famílias monoparentais) - a grande família que exerceu importantes funções
sociais, há uns séculos atrás, é, hoje, uma realidade longínqua.
® A família foi perdendo funções (influência do individualismo liberal). Muitas
funções assumidas pela família, são agora assumidas pelo Estado (assistência aos
mais velhos, guarda dos mais novos…).

Mantém-se a proteção da família como grupo social relevante.

A família não assenta necessariamente num casamento.

O conceito de família legítima e ilegítima desaparecem em 1977.

O casamento também sofre evoluções:

® É uma comunidade de vida entre os cônjuges e não serve só para procriar;


® A igualdade dos cônjuges;
® A igualdade dos filhos nascidos fora e dentro do casamento;
® A independência da mulher face ao marido.

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3. TEORIA GERAL DA RELAÇÃO JURÍDICA


Estudaremos os vários elementos da relação jurídica, devido à importância que esta
carrega para a Parte Geral do Código. Mota Pinto diz-nos, inclusive, que a relação jurídica
é utilizada como meio técnico de arrumação/exposição de Direito, por ser considerado
um conceito adequado para exprimir a realidade social- conceito dotado de adequação e
transparência na expressão da realidade social expressada pelo Direito.

Mais uma vez a importância da conceção do Direito enquanto fenómeno social e


humano.

Interessa a relação jurídica de Direito Privado (porque a relação jurídica mercantil,


laboral (etc) é a mesma que a de Direito Civil, propriamente dita).

Esta relação jurídica de Direito Privado é uma relação em que o Estado não
intervém, ou pelo menos não intervém com as suas vestes de poder de império.

O Direito tem como função regular, disciplinar, as relações das pessoas na sociedade –
relações que careçam de regulamentação e organização.

Quando falamos de relação jurídica, em geral/num sentido amplo, falamos das


relações da vida social produtivas de efeitos jurídicos e, portanto, disciplinadas pelo
Direito à relações que produzem consequências jurídicas/que são juridicamente
relevantes.

Na relação jurídica em sentido amplo, podemos distinguir:

® Relações jurídicas em sentido estrito


Reporta a um determinado vínculo. “Relação da vida social disciplinada pelo Direito
mediante atribuição a uma pessoa de um direito subjetivo e a imposição a outra de um
dever jurídico ou sujeição”. -Mota Pinto

Relação entre o credor e o devedor, relação entre senhorio e arrendatário, pai e filho (por
exemplo).

® Situação jurídica
O nosso Código parte de uma noção de relação jurídica, mas poderíamos partir da noção
de situação jurídica (como faz OA). A verdade é que toda a relação é estaticamente uma
situação e toda a situação é dinamicamente uma relação.

A perspetiva da relação é a que melhor expressa a ideia de conflitualidade que a vida


social encerra. A relação e situação são duas faces de uma mesma moeda.

A relação jurídica tradicionalmente surge-nos numa perspetiva estrutural, que


decompõe a sua estrutura nos seus vários elementos.

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É importante apelarmos, em determinados contextos, a uma ideia funcional da relação


jurídica e, sobretudo, a relação entre uma perspetiva funcional e estrutural.

Relação jurídica enquanto relação da vida social, disciplinada pelo Direito, mediante a
atribuição de um direito subjetivo a uma pessoa; em oposição, a outra pessoa está
sujeita a um dever jurídico ou sujeição.

Conceitos de relação jurídica:

Em sentido abstrato: Em sentido concreto:


• Não pensamos em nenhuma relação • Reporta-nos a uma realidade
jurídica que se tenha existente, a uma relação
constituído/determinado, mas sim individualizada entre pessoas
uma relação jurídica ideal – é um determinadas, sobre um objeto
modelo de relação jurídica. determinado.
• Trata-se de um • Exemplo: A é pai de B, há uma
modelo/paradigma/esquema contido relação jurídica entre A e B, em
na lei. virtude do parentesco.
• Exemplo: relação jurídica pela qual o
senhorio pode exigir a renda do
arrendatário.

A relação jurídica distingue-se do instituto jurídico.

® Instituto jurídico: conjunto de normas que disciplinam uma determinada relação


jurídica em sentido abstrato.

O instituto reporta-nos à disciplina das relações jurídicas. A relação jurídica é a matéria


que é regulada pelo instituto.

Exemplo: instituto do arrendamento, da compra e venda, das responsabilidades


parentais…

Dentro da relação jurídica, no sentido estrutural, podemos verificar que ela integra
diferentes elementos:

Relação
Jurídica

Sujeitos da Objeto da
Relação Relação Facto Jurídico Garantia
Jurídica Jurídca

® SUJEITOS: Pelo menos 2 pessoas jurídicas (sujeitos entre os quais a relação se


estabelece – a pessoa que é titular do direito e a outra pessoa a quem é imposto
um dever) – sujeito ativo e sujeito passivo, respetivamente.

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® OBJETO: Incide sobre determinado objeto (objeto do Direito). ® Pode ser uma
coisa, mas pode ser uma prestação.
® FACTO JURÍDICO: facto que dá origem a uma relação jurídica. Exemplo:
contrato que A celebra com B – de casamento, de compra e venda – que gera uma
relação.
Mas pode ser um facto natural: nascimento de alguém faz surgir uma relação familiar
entre a pessoa que nasce e os seus pais. A morte também, visto que existem herdeiros.

O facto jurídico é o elemento causal, o que dá origem à relação jurídica.

® GARANTIA: assegura que é uma relação protegida pelo Direito. ®


Estabelecem-se sanções para o desrespeito relativo a esse exercício de direitos. 1
A garantia é o elemento que confere à relação jurídica o seu carácter jurídico e a distingue
das demais relações sociais que se estabelecem entre pessoas. Trata-se da possibilidade
de o titular do direito pôr em movimento o aparelho sancionatório estadual para reintegrar
a situação correspondente ao seu direito (em caso de infração) ou para impedir violação
receada/iminente.

As relações sociais, contrariamente, têm sanções próprias de natureza social, sem carácter
coercitivo.

Há um vínculo que se estabelece entre os sujeitos. Esse vínculo é integrado por um direito
subjetivo e um dever jurídico, mas há outras posições ativas e passivas que podem ainda
confluir numa relação jurídica.

PERSPETIVA FUNCIONAL
Na base da relação jurídica em sentido estrutural está uma relação, que pode ser analisada
numa perspetiva funcional que antecede a relação estrutural e a intervenção do Direito.

Relação jurídica numa perspetiva em sentido funcional: relação que reconhece a


qualquer indivíduo a possibilidade de gerir autonomamente a sua esfera de
interesses.

A relação social juridicamente relevante pressupõe um conflito de interesses entre


pessoas humanas em que se entende que o interesse de um deverá prevalecer face ao
interesse do outro.

Como se faz prevalecer o interesse de um face ao interesse de outro? Entra o Direito,


atribuindo a um dos sujeitos (ao que tem o interesse que deve prevalecer) o direito
subjetivo e fazendo recair sobre o outro um dever jurídico ou uma sujeição.

1
Esta Sebenta integra o essencial do Manual de Mota Pinto, porém, na matéria da Garantia, recomenda-
se, a quem possa dispor desse tempo, a leitura das páginas 663 a 669, para uma noção mais detalhada neste
tópico.

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Em suma, a perspetiva funcional tem inerente a ideia de autoconsertação de ideias e


a prevalência de um interesse sobre os outros interesses.

Iremos centrar-nos na análise da relação jurídica e dos seus elementos – perspetiva


estrutural -, mas temos sempre subjacente uma perspetiva funcional da relação jurídica
que pode ser chamada a intervir.

Ideia básica da relação jurídica funda-se numa composição paritária de interesses, tendo
como base a autodeterminação do indivíduo. Poder do individuo criar a sua própria lei –
poder jurisgénico (Orlando de Carvalho).

Nas relações sociais, havendo conflitos de interesses, vai haver a composição paritária de
interesses e a uma pessoa vai ser reconhecida a prevalência do interesse sobre o interesse
dos demais.

O poder jurisgénico é um poder que o Direito reconhece - ele não é atribuído pelo Direito,
é sim um poder que existe sob sanção do ordenamento jurídico em vigor. Não está à
sombra do Direito, mas um poder que incorpora o próprio controlo do Direito e se adequa
a este, submetendo-se aos limites da lei.

PERSPETIVA ESTRUTURAL
Pressupõe que o Direito intervém sobre a relação jurídica e a transforma, no sentido de
acautelar os interesses que se revelam na perspetiva funcional. Na perspetiva estrutural o
Direito acautela os interesses prevalecentes através do reconhecimento de um direito
subjetivo, a um determinado sujeito, e a imposição aos outros sujeitos de um dever
jurídico ou sujeição.

Núcleo da relação jurídica: vínculo que se estabelece entre os sujeitos (direito subjetivo
e o respetivo dever jurídico ou sujeição).

DIREITOS SUBJETIVOS
O exercício de um direito subjetivo é colocado na dependência da vontade do seu titular.
O titular do direito é que, de acordo com a sua autonomia (o exercício de direitos
subjetivos é uma manifestação da autonomia privada), irá exercer, ou não, o direito de
que é titular.

O direito subjetivo é um instrumento da autodeterminação da pessoa e um


mecanismo de tutela da sua própria autonomia.

A tutela que a ordem jurídica assegura através do direito subjetivo, só entra em


movimento, só é desencadeada, sob o impulso da vontade do titular do direito. Não é o
Estado que pode desencadear por si o exercício do direito subjetivo pelos seus titulares,
ou solicitar aos seus titulares que exerçam o direito.

O não exercício do direito também é uma manifestação de autonomia.

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Com o exercício do direito, a norma, que reconhece o direito subjetivo, é apropriada pelo
titular do direito (o titular do direito torna a norma como coisa sua no exercício desse
direito subjetivo).

Definição de direito subjetivo 2

Inúmeras definições atendendo a diferentes critérios:

® Noção ampla de direito subjetivo: Poder de autodeterminação.

O direito subjetivo é visto como um poder, mas esta não é a única posição possível, há
outras posições que incluem a ideia de interesse:

o Iering: o direito subjetivo se traduz num interesse juridicamente


protegido.
Porém, a conceção do direito subjetivo como poder tem sido a definição tradicionalmente
aceite.

A proteção do interesse é o fim para o qual a ordem jurídica confere/reconhece o direito


subjetivo. A razão pela qual o titular do direito está habilitado a exercê-lo é para a
proteção dos seus interesses.

O interesse constitui o substrato do direito subjetivo, mas não é inerente à sua


estrutura/função. Apesar da prossecução do interesse ser o objetivo do exercício do
direito, ele não se confunde com o poder em que este direito se consubstancia.

Mais, pode não haver sobreposição entre direito subjetivo e interesse juridicamente
tutelado. É verdade que a todo o direito subjetivo corresponde um interesse, mas o
inverso já não é verdadeiro, isto é, pode haver interesses tutelados pelo Direito objetivo,
aos quais não corresponde um direito subjetivo, porque a tutela desses direitos é
organizada através de outros mecanismos (que não os de direito subjetivo).

Exemplo: legislação que impõe o uso de máscaras em determinados locais, visa-se


proteger interesses gerais de saúde pública e interesses individuais (para não haver
contaminação). O facto de a lei proteger os interesses não significa que as pessoas
tenham um direito subjetivo correspondente e, logo, que eu tenha o direito de exigir a
outra pessoa para ela colocar a sua máscara. Mesmo sendo interesse sendo tutelado eu
não tenho esse direito subjetivo.
O exercício do direito subjetivo não está circunscrito ao interesse que justificou o
seu reconhecimento.

Quando se atribui o poder jurídico a alguém para prosseguir o seu interesse, depois, o
titular do direito não está vinculado a exercer o poder na estrita medida do interesse que

2
A matéria do manual do Professor Mota Pinto foi amplamente integrada nesta sebenta, porém, recomenda-
se, a quem puder dispensar tempo para tal, a leitura das páginas 178 a 186 para um maior aprofundamento
da matéria de Direitos Subjetivos e Potestativos.

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Ana Moreira
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o justificou, ou seja, o titular do direito subjetivo pode utilizar esse direito para prosseguir
um interesse diverso, isto como regra geral. Exceto as situações limite que iremos ver.

O facto do direito subjetivo se traduzir num poder de autodeterminação não exclui que se
delimite rigorosamente o poder de autodeterminação e que ele seja exercido apenas nos
termos em que se encontra definido.

O direito subjetivo tem os seus limites internos:

® Exercício destes direitos não pode violar a lei, não pode contender com normas
estruturais/princípios inequívocos do sistema.
O exercício do direito subjetivo tem de se encontrar dentro dos limites que a lei desenha
para o seu exercício. Há que interpretar a lei para definir rigorosamente a estrutura do
direito.

Exemplo: a lei atribui legitimidade para alguém propor uma ação com vista à
limitação da capacidade (situação de acompanhamentos de maior) e alguém propõe
com intuito meramente vexatório (para diminuir o visado) à não é direito subjetivo. O
direito tem como finalidade proteger o visado e não diminuí-lo aos olhos dos demais.
Nessa medida, com a interpretação da norma, diríamos que o exercício deste direito
viola a própria lei.

® O exercício de direitos subjetivos também está limitado pelo princípio da boa-


fé e pelos bons costumes: controlo mais fluído (falamos de normas em branco).

Bons costumes (280º CC) Boa-fé, num sentido objetivo

• Princípios dos ditames da moral • Princípio geral que impõe uma


pública. Princípios com conteúdo conduta leal, correta, honesta, numa
ético, e não jurídico, que prevalecem especifica relação interpessoal.
numa determinada sociedade. • Pressupõe sempre uma relação
• Estes ditames funcionam como limite interpessoal, ainda que não seja
à liberdade de cada um: a atuação negocial, que pressuponha a
contrária aos bons costumes acarreta existência de legítimas despesas (age-
a sanção da nulidade dos atos em se de boa ou má-fé perante outra
causa e a irrelevância do exercício pessoa). A atuação contrária à boa-fé
dos direitos correspondentes. também é ilícita.

Na sindicação da ilicitude temos, em primeiro, a própria lei (a lei que tem de ser
interpretada e delimita o exercício dos direitos); em segundo, cláusulas gerais como os
bons costumes e a boa-fé e, num terceiro nível uma sindicação limite que é o abuso do
direito.

Abuso do direito

Desconformidade entre a imagem que é estruturalmente correta do direito subjetivo e a


finalidade que está na sua base.

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Estamos perante uma extrema ratio de sindicação da ilicitude. A doutrina refere-se ao


abuso do direito como “válvula de escape”. Está em causa saber se o direito é exercido
de acordo com o modelo existente, ou seja, se está a obedecer aos limites de
autodeterminação que é reconhecido ao sujeito.

No nosso ordenamento jurídico, temos uma proibição expressa do exercício abusivo de


posições jurídicas – artigo 334º CC – cuja redação tem sido criticada pela doutrina, na
medida em que a epígrafe mistura os diferentes patamares de fiscalização da ilicitude, o
que poderia criar a aparência de que a situação de exercício abusivo de direito resulta da
soma das várias situações referidas no artigo 334º CC.

A doutrina também tem divergido na forma de encarar este instituto.

Manuel Andrade/1ºs Outras conceções/ Pires


civilistas Varela
• Preocupados em reagir contra • Coloca uma tónica na
práticas abusivas que prossecução de um exercício
(aparentemente) o Direito Civil que exorbita o fim do próprio
não censurava, tratavam como direito: consideram que é um
abuso do direito: hipóteses em limite interno do direito.
que a invocação de um direito • Mas parece que não
resultaria numa ofensa precisamos de recorrer a
intolerável ao sentimento ético- ordens extrajurídicas para
jurídico. entender esta problemática.
• Faziam reportar estas situações
limites ao abuso do direito a
uma desconformidade ético-
jurídica que parece não ser
aceitável hoje em dia.

A ideia do direito subjetivo enquanto poder de autodeterminação, poder arbitrário que


está na dependência do seu titular, fica posta em causa se considerarmos que existem
limites internos ao exercício do próprio direito.

A hipótese de travar o exercício de um direito subjetivo, na medida em que ele seja


abusivo, em casos limite, deve ser ainda jurídica® a sindicalização não pode ficar à mercê
de sensibilidades do juiz que vai avaliar o exercício do direito num caso concreto.

Há abuso do direito quando se usa o direito subjetivo fora do poder que se tem de
utilizar esse direito, lesando interesses de outrem (ou havendo a potencialidade de lesar
interesses de outrem). Só nestas situações é que o exercício abusivo do direito poderá ser
travado com este fundamento.

Na medida em que o direito seja exercido apenas para negar interesses de outrem,
estaremos perante o exercício abusivo do direito, dado que se potenciam prejuízos para
outrem.

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Exemplo: um arrendatário A, nem queria comprar o imóvel X, querendo ir morar


noutro local, porém para impedir que o sujeito B o compre, vai exercer do seu direito
de preferência e comprá-lo (prejudicou o interesse de outrem). Este exercício em
concreto do direito parece contrariar os interesses que justificaram, num primeiro
momento, o reconhecimento do seu poder de autodeterminação daquele caso. Temos
um invólucro do direito subjetivo, mas vazio de conteúdo. Este exercício de direito
subjetivo seria abusivo, configurando um abuso do direito e sendo, por isso, ilegítimo.

Rejeitamos uma conceção subjetiva de abuso do direito e entendemo-lo como este


terceiro degrau de verificação de ilicitude, não como um limite interno ao próprio
direito, mas como um limite externo ao seu exercício.

334º CC: O exercício do direito é ilegítimo (no sentido de ilícito) quando um titular
exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim
social ou económico desse direito.

QUAL É O PROBLEMA?

O enunciado no artigo, em si, não tem qualquer problema.

O problema está em como este dispositivo tem na epígrafe “abuso do direito” e o facto
de parecer que o legislador está a enunciar o conjunto de critérios pelos quais
aparentemente definiria o exercício abusivo do direito à não podemos concordar. O
abuso do direito não é uma soma destas várias partes.

Ou o legislador disse mais do que o que queria na própria epígrafe porque deveria ter dito
“exercício ilegítimo do direito”, ou disse mais no artigo porque misturou os bons
costumes e a boa-fé com o exercício abusivo do direito.

De qualquer das formas, vemos que este artigo é passível de críticas.

Portanto, estamos perante situações diferentes de sindicação da ilicitude que devem ser
distinguidas e não confundidas, sob pena de, em última instância, termos uma
interferência do poder judicial sob o poder legislativo. Neste caso o próprio princípio de
separação de poderes poderia ser posto em causa porque, na medida em que a lei
reconhece um direito subjetivo, não poderá o tribunal negar o exercício desse direito, com
base em relações subjetivas.

A limitação do direito subjetivo e a querela doutrinal

Direito subjetivo como um poder/instrumento de autodeterminação da pessoa. É através


do exercício de direitos subjetivos que a autonomia privada se manifesta.

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Ana Moreira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

Este direito subjetivo como poder arbitrário, colocado na dependência do sujeito, fica
posto em causa se admitirmos que há limites que vêm internamente limitar o exercício do
direito subjetivo.

Não podemos afirmar que é um instrumento de autodeterminação e depois admitir que o


exercício deste direito está vinculado a limitações internas.

No entanto, esta é a posição seguida por boa parte da doutrina: entendem que os direitos
devem obedecer, no seu exercício, a uma norma implícita ou explícita de correção de
moralidade ou a uma regra acima da lei, - isto leva a uma relativização do direito
subjetivo, a uma vulnerabilização do mesmo a intrusões que venham corrigir a liberdade
individual, assim como a uma administrativização da vida cívica.

O exercício do direito que a lei reconhece é travado por uma outra entidade, com base no
critério subjetivo. É um critério inviável, que limita a autonomia com base num critério
meramente subjetivo e valorativo.

Exemplificação: Quando a lei diz que A tem direito a x (a lei reconhece-lhe um direito
subjetivo) e, quando este vai a exercê-lo, surge uma entidade acima dele (tribunais) que
vem dizer que A tem um direito mas não o pode exercer, porque não é conforme os
critérios morais (ou seja, critérios subjetivos). É o mesmo que dizer que não se podem
exercer os direitos quando estes são exercidos da forma que alguém entende que não
corresponde à forma como devem ser exercidos.

O exercício do direito tem limites (o reconhecimento de um direito deve ser


interpretado), de forma a evitar comportamentos desonestos e danosos.

Porém, para além destas delimitações está-se a introduzir um controlo extraordinário que
se baseia numa conceção subjetiva. Não há dúvida que, em determinadas situações, deve
haver uma última fiscalização da licitude do exercício de direitos para além das cláusulas
gerais (boa-fé e bons costumes), mas não pode ser baseado em critérios subjetivos -
tem de ser ainda dentro da lei.

Rejeição do abuso do direito como controlo para além da lei (à mercê das sensibilidades,
que podem variar) ® o que se advoga é uma fiscalização do direito, dentro dos limites da
lei, em que vemos se o seu exercício está de acordo com o modelo existente, se estamos
ainda dentro dos interesses que a norma visou proteger, se ainda estamos dentro dos
poderes de autodeterminação que justificaram o reconhecimento do direito.

Há um apelo à perspetiva funcional da relação jurídica, à análise dos interesses que


justificaram o reconhecimento do direito e à garantia de que o exercício do direito se
enquadra nos interesses que a norma quer proteger.

Se o exercício do direito já não corresponder aos interesses que justificaram o


reconhecimento do direito e esse exercício prejudicar os interesses de outrem, há uma

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situação de exercício ilegítimo do direito, há ilicitude e há a necessidade de cessar esse


exercício, repondo a situação anterior à abuso de direito. A utilização do direito sem o
interesse que justificou o seu reconhecimento e com a lesão do interesse de outrem
constitui um abuso do direito de autodeterminação.

Direito subjetivo em sentido amplo:

Poder jurídico de livremente exigir ou pretender de outrem um comportamento positivo


ou negativo (uma ação ou uma omissão) + poder jurídico de, por ato de vontade, só de
per si, ou integrado num ato de autoridade pública, produzir efeitos que se impõem
necessariamente à contraparte.

Nesta definição de direito subjetivo em sentido amplo abrangemos duas modalidades de


direito subjetivo:

® Direito subjetivo em sentido estrito


® Direito potestativo

Direito Direito
subjetivo Direito Subjetivo
(sentido Potestativo (sentido
estrito) amplo)

Direito subjetivo em sentido estrito

Poder jurídico de livremente exigir ou pretender de outrem um comportamento positivo


ou negativo (uma ação ou uma omissão).

Corresponde a este direito subjetivo em sentido estrito, do lado passivo, um dever


jurídico. O dever jurídico recai sobre a pessoa que tem que adotar o comportamento
positivo ou negativo exigido.

Aqui, o legislador distingue a possibilidade de exigir ou pretender o comportamento


de outra pessoa. Na maioria das vezes, o direito subjetivo traduz-se na possibilidade de
exigir um comportamento de outrem, mas às vezes não chega a tanto (é mais raro).

Na quase totalidade das hipóteses, se a contraparte não cumpre o seu dever jurídico, o
titular do direito subjetivo pode obter dos tribunais (e autoridades subordinadas a estes)
providências coercitivas para satisfazer o seu interesse.

Está-se ainda no âmbito de um direito subjetivo? Sim, porque, ainda que moderada, há
uma garantia jurídica. Deve, nestes casos, falar-se do tal “poder de exigir”.

Há, contudo, um círculo de hipóteses, largamente minoritário, em que o titular do direito


não pode reagir contra o adversário: se este não adotar um comportamento que é prescrito.
Porém, mesmo nestes casos, entende-se que o adversário está perante dever jurídico.

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Mota Pinto, diz-nos que aqui estamos perante o “poder de pretender” e diz-nos que é o
que se sucede nos casos das obrigações naturais.

Exemplo: Imagine-se que A deve a B uma quantia de dinheiro que foi emprestada há
muitos anos e agora quem emprestou vai cobrar. Passado o prazo de prescrição
(prescrever - o direito já não pode ser exigido judicialmente),(304º CC – passado o
prazo da prescrição, o beneficiário pode recusar-se a cumprir a prestação), A pode
recusar-se a pagar a quantia.

A exigência de pagamento que o credor faz ainda é o exercício de um direito, porque


apesar de não o poder exercer coercitivamente, é certo que se o devedor pagar
voluntariamente (ou seja, ele não invoca a prescrição e paga o que deve), o credor não
tem que devolver.

Imagine-se que o devedor paga uma dívida que não sabia que estava prescrita e alguém o
informa que estava - não pode exigir que lhe devolvam o dinheiro, porque estava a
cumprir a prestação prescrita. Não tem direito a receber de volta o montante em causa,
porque o seu comportamento se traduziu no cumprimento de uma obrigação (304º/2 CC)
- princípio da não repetição do indevido. A obrigação (civil) que ele tinha
transformou-se numa obrigação natural, nas quais vigora o princípio da não repetição
do indevido, ou seja, ainda estamos perante uma garantia jurídica, ainda que mais ténue
do que as obrigações civis.

Obrigações naturais: artigos 402º e ss CC. O artigo 403º CC vale para as dívidas
prescritas, mas também vale para as situações em que o jogo e a aposta são contratos
válidos, o que não é regra (1245º CC).

Mota Pinto dá-nos exemplos de direitos subjetivos propriamente ditos: direitos de crédito,
direitos reais, direitos de personalidade, direitos de família (quando não forem poderes-
deveres), etc.

Direito potestativo:

Poder jurídico de, por ato de vontade, só de per si, ou integrado num ato de autoridade
pública, produzir efeitos que se impõem necessariamente à contraparte. Este poder vai
traduzir-se num poder que constitui ou modifica ou extingue uma relação jurídica.

Pode traduzir-se num direito que é exercido, sem mais, pelo titular ou exigir a intervenção
de uma autoridade pública (nomeadamente uma decisão judicial).

Aos direitos potestativos corresponde-lhes a sujeição, “a situação de necessidade em que


se encontra o adversário de ver-se produzir forçosamente uma consequência na sua
esfera jurídica por mero efeito do exercício do direito pelo seu titular”. Mota Pinto alerta-
nos para o facto de que, por vezes, quando um direito potestativo resulta da lei (e não de
via contratual), afeta-se a esfera de outrem sem que exista o seu consentimento prévio.

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No âmbito de um direito potestativo temos:

® Sujeito ativo (titular do direito);


® Sujeito passivo (contraparte, a quem o direito do 1º é imposto).

A posição passiva traduz-se na necessidade de suportar o exercício do direito subjetivo.


Estando, verdadeiramente, numa posição de sujeição, ele não tem a possibilidade de se
opor ao exercício do direito.

O titular do direito tem uma posição mais forte porque ao exercer o direito vai interferir
de forma inelutável numa relação jurídica, recaindo sobre o sujeito passivo uma posição
de sujeição. Este sujeito passivo limita-se a ser um espetador do exercício do direito
potestativo sem que se possa obviar aos efeitos desse exercício, porque esses efeitos se
lhe vão impor inelutavelmente. Aqui a garantia é muito mais forte.

Modalidades de direito potestativo:

® Direito potestativo constitutivo;


® Direito potestativo modificativo; exemplos: artigos 1568º; 1794º do Código
Civil;
® Direito potestativo extintivo® exercício do direito leva à extinção de uma relação
jurídica (mais frequentes);
3 modalidades, consoante os efeitos que eles produzem (constituição, modificação ou
extinção de uma relação jurídica).

Os direitos potestativos extintivos podem ser exercidos mediante a simples declaração


de vontade do titular, sem a intervenção do tribunal. Exemplos: artigos 1047º; 1055º;
265/2 e 1170º; 1569/2 e 3; 1773º do Código Civil.

Exemplo: resolução de um contrato (432º, 437º CC…); revogação de um contrato


(1170º); rescisão de um contrato por um trabalhador com justa causa (impõe-se à
contraparte que não pode obviar); direito ao divórcio; havendo um direito de servidão
de passagem – a extinção da mesma.

Os direitos potestativos constitutivos de uma relação jurídica podem ser exercidos


através de um ato unilateral do titular do direito. Exemplos: artigos 1550º; 1370º; 1380º;
1409º; 1535º do Código Civil.

Exemplo: Suponhamos a hipótese de existir um prédio encravado (1550º CC) – A é


proprietário de um terreno e B é proprietário de outro terreno, mas o terreno de B está
no meio do terreno de A. A lei diz que o proprietário de um prédio encravado pode
pedir judicialmente que o tribunal determine a constituição de uma servidão de
passagem através do terreno contíguo, podendo pagar uma indemnização se causar
algum prejuízo. Nesta situação, o tribunal decreta que B tem direito de passar pelo
terreno de A por um determinado sítio.

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O direito de constituição de uma servidão é um direito potestativo – A não pode impedir


B de usar o seu direito de passagem.

Mas A pode impedir B de passar (colocando minas ou colocando uma cerca com
eletricidade, por exemplo) - o direito de passar não é direito potestativo, é um direito
subjetivo em sentido estrito.

O direito à servidão é um direito potestativo e constitutivo e pode acontecer que seja


necessário mudar a servidão e a lei permite que o faça (1568º CC). Nesse caso, esse direito
já será um direito potestativo modificativo.

A garantia do exercício do direito é infalível – não há como obviar o exercício deste


direito. ® No direito potestativo há mesmo uma paralisia do sujeito passivo, impedindo
qualquer atuação que impeça o exercício do direito.

Faculdades jurídicas vs. direitos potestativos

Não podemos confundir direitos potestativos com faculdades de produzir efeitos


jurídicos que são simples manifestações da capacidade jurídica.
Direitos potestativos

Poderes,
faculdades Poderes em que se
especiais, que desdobra o poder de
autodeterminação,
Faculdades jurídicas

competem apenas
a determinadas através das quais a
pessoas que estão pessoa se transforma
numa situação num sujeito de
particular. Há relação jurídica.
uma relação pré-
existente.

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Nas faculdades jurídicas temos, depois 2 subtipos:

Faculdades jurídicas primárias Faculdades jurídicas secundárias

• São anteriores a uma relação jurídica • Algo que surge depois do direito
e potenciam a existência de uma. subjetivo, irradiações de um direito
• Exemplo: poder de ser proprietário, subjetivo.
poder de casar, poder de doar, etc. • Exemplo: eu sou titular do direito
• Independentemente da situação da de créditos sobre B, e, por isso,
pessoa, ela tem estes poderes. tenho o poder de o
Precedem as concretas situações de interpelar/recorrer a um tribunal para
poder em que existem direitos pedir o meu crédito. Estes poderes
subjetivos. São um prius em relação só existem porque eu tenho um
ao direito subjetivo. Pode até direito subjetivo. E a estes poderes
considerar-se estas faculdades como que decorrem do direito, nós
emanações, num sentido amplo, do chamamos faculdades jurídicas
direito geral de personalidade secundárias.
(tornando-as, aí, faculdades
secundárias).

Deve-se incluir, na noção de direito subjetivo, os poderes deveres/poderes


funcionais?

Há quem diga que não, considerando-os algo distinto dos direitos subjetivos. Mas
estruturalmente estamos perante a mesma realidade, ou seja, não há razão para fazer sair
do quadro estes poderes funcionais.

Que poderes funcionais são estes? A particularidade é que há uma separação entre
a titularidade do direito e o interesse que o direito visa prosseguir.

Temos um sujeito que é titular de um direito subjetivo e vai exercer esse direito no
interesse de outra pessoa (exemplo: responsabilidades parentais).

A questão é: são direitos subjetivos ou são coisas diferentes? Parece-nos que são
direitos subjetivos, não prosseguem interesses próprios, mas sim interesses de outras
pessoas. O exercício destes direitos não é livre, é funcionalizado ao interesse das outras
pessoas (dos filhos, por exemplo, no caso das responsabilidades parentais).

Há interesses próprios e interesses de outrem e os de outrem prevalecem. Há separação


entre o titular do poder e o titular do interesse, embora ainda estejamos perante direitos
subjetivos.

Exemplo: responsabilidades parentais; poder tutelar; administração legal na ausência


(89º CC); administração legal no acompanhamento de maiores, de filiação…

Existem ainda situações jurídicas que ainda não são direitos subjetivos, ainda não são
situações de prevalência em que se traduzem os direitos subjetivos, mas são já um passo

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no caminho da constituição desses direitos subjetivos (antecâmara de direitos


subjetivos).

Estas situações que precedem a constituição de um direito subjetivo são situações que são
já juridicamente tuteladas. Distinguem-se das simples esperanças de vir a adquirir um
direito subjetivo.

As simples esperanças não são, em regra, protegidas pelo ordenamento jurídico (exemplo:
esperança de o filho vir a suceder ao património do pai são simples expectativas).

As expectativas jurídicas: não há ainda direito, mas já temos uma situação intermédia,
mais ou menos consistente, que já produz certos efeitos jurídicos, ainda que não produza
os efeitos próprios da titularidade do direito subjetivo.

Exemplo 1: posição de um filho quando um pai morre e este está prestes a aceitar a
herança - artigos 2047º, 2067º CC

Exemplo 2: doação sujeita à condição. Um pai que doa a um filho um automóvel se ele
se licenciar em direito no final do ano – a doação não produz imediatamente todos os
seus efeitos (efeito jurídico principal: transmissão de propriedade), a transmissão está
suspensa porque está sujeita a uma condição. Porém, perante o contrato, o filho tem
expectativas às quais a lei já confere alguns efeitos.

Exemplo 3: doação a nascituros.

Poder-se-ia apelar a uma formação progressiva do direito, mas não é exatamente isso
que ocorre – porque há um momento em que não se é titular de direito e num outro
momento já se é (não há meios direitos), não se vai formando aos poucos (tanto que para
a produção de alguns efeitos é necessário saber o momento concreto de
reconhecimento/aquisição de direito).

Outra parte da doutrina entende que o direito já existe e que temos um estado de
indeterminação do sujeito titular do direito.

Estudamos direitos subjetivos e impõe-se fazer distinções/classificações entre estes


direitos, existindo inúmeros critérios que podemos utilizar e inúmeras classificações, mas
pegando em aspetos mais importantes, distinguimos:

Direitos subjetivos inatos e não inatos (adquiridos)

O critério de distinção baseia-se na existência ou não de uma relação intrínseca entre o


direito e a pessoa.

• Direitos inatos: têm uma relação intrínseca;


• Direitos adquiridos: não têm uma relação intrínseca.
Os direitos inatos surgem a partir do momento em que nasce a pessoa (pois estes nascem
com a pessoa) ® classificação mais próxima do Jusnaturalismo, pois está interligada com
a conceção de Direito Natural;
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Direitos inatos são, por exemplo, direitos de personalidade (direitos que se prendem com
o facto de a pessoa ser pessoa e a proteção dos bens de personalidade), contudo há alguns
direitos de personalidade que são adquiridos:

o Direitos de autor- prendem-se com a realização de uma obra (não surgem


com o nascimento, só surgem se a pessoa proceder à realização de uma obra);
o Direito ao nome- a proteção do nome só surge quando o nome é registado
e não quando a pessoa nasce.

Direitos essenciais ou não essenciais

A distinção é baseada na relação intrínseca ou extrínseca que os direitos estabelecem com


certos estados da pessoa.

Por exemplo: direitos inerentes ao casamento; direitos que decorrem da relação filial
(pais e filhos);

Trata-se de direitos cuja pessoa não se pode privar deles sem abdicar do estado em que
se encontra.

Direitos pessoais ou patrimoniais

Está em causa saber os bens em jogo e saber se estes são redutíveis a um equivalente
patrimonial:

o Direito de crédito, direito de propriedade® natureza patrimonial;


o Direito de reserva da vida privada® natureza pessoal (não tem
equivalente pecuniário);

Quando os direitos de natureza pessoal são violados não existe possibilidade de


indemnização porque não existe valor monetário correspondente ao bem violado ® é
apenas possível uma compensação.

Direitos absolutos ou relativos

A distinção passa por saber quem são os sujeitos passivos destes direitos (a quem se
impõem estes direitos subjetivos).

• Direitos relativos: o sujeito passivo é uma ou mais pessoas que são certas e
determinadas.

Exemplo: A vende um objeto a B, B tem de pagar o preço respetivo. O direito de A a


receber o preço de B é um direito relativo. Dever jurídico de B; direito subjetivo de A.

• Direitos absolutos: impõem-se a todos aqueles que se encontram numa situação


passível de pôr em causa um direito absoluto.

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Exemplo: direito de propriedade – A é proprietário de um terreno. Quais são os


sujeitos passivos nesta relação jurídica que tem como sujeito ativo A? Todos aqueles
que se encontram em circunstâncias de poder violar o direito de A, não dá para
determinar todas essas pessoas.

Existe aqui uma obrigação passiva universal. Os direitos absolutos impõem-se erga
omnes.

Problema: O facto de a obrigação passiva se impor a uma generalidade das pessoas


leva a que uma parte da doutrina duvide que se trate aqui de uma relação jurídica.

Todo o mundo é sujeito passivo do direito de A? Os residentes do continente asiático são


sujeitos passivos do direito de A que tem uma propriedade em Portugal? Qual é o limite
dos sujeitos passivos? Serão apenas os sujeitos que estão numa posição passível
(geograficamente, por exemplo).

Ao sujeito passivo deste direito absoluto exige-se um dever geral de abstenção – non
facere, não perturbem o direito absoluto em causa.

Vale para os direitos reais assim como para os direitos de personalidade.

Direitos disponíveis ou indisponíveis

Suscetibilidade que o titular tem de abdicar/dispor desse direito.

• Direitos disponíveis: titular pode dispor do direito;


• Direitos indisponíveis: titular não pode dispor do direito;

Há direitos indisponíveis e há graus de indisponibilidade.

Exemplo1: direitos de personalidade – o direito à vida é indisponível (algo que é posto


em causa com a Eutanásia); mas no direito à integridade física podemos dispor desse
direito, com regras e limites. Podemos, por exemplo, consentir na doação de um
órgão/intervenção cirúrgica em benefício próprio.

Exemplo2: A consente que B lhe corte um braço, o consentimento não é valido porque
é contrário à ordem pública e aos bons costumes. O ato de disposição de A seria ilícito.

Assim, a integridade física, apesar de ser disponível, não é disponível sem limites.

Em regra: direitos com natureza pessoal não serão disponíveis e os direitos com natureza
patrimonial serão.

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Perspetiva estrutural dos direitos subjetivos:

Estruturalmente há uma grande distinção:

® Potestativos

Aqueles que têm uma estrutura particular que se caracteriza pela inevitabilidade dos
direitos subjetivos.
® Subjetivos em sentido estrito

Traduzem-se no poder de exigir de outro um comportamento (positivo ou negativo).

Potestativos
Direitos
subjetivos
Subjetivos em
sentido estrito

Contudo podemos especificar mais distinções estruturais dentro dos direitos


subjetivos em sentido estrito:

® Personalidade

Direitos da pessoa sobre si própria. O objeto do direito é um bem da personalidade do


próprio titular do direito.

Estes direitos de personalidade são absolutos (impõem-se erga omnes).

No entanto, contrariamente ao que acontece nos direitos reais (por exemplo), o que se
exige dos sujeitos passivos não é simplesmente uma obrigação geral de não perturbar o
exercício do direito (como nos direitos de propriedade), é sim uma obrigação geral de
respeito pelo direito em causa, que encerra prestações positivas (dever geral de auxílio).

Não é um simplesmente “não fazer nada”, deve-se auxiliar para minimizar os danos
possíveis à Obrigação positiva de auxiliar.

Ex: A vê B ferido na rua a sangrar imenso. A tem o dever de prestar auxílio, mediante
tenha ao seu alcance, como chamar uma ambulância.

® Direitos de crédito

Exige-se um comportamento positivo ou negativo: – dare, facere, non facere (entregar,


fazer algo ou não fazer algo).

Este comportamento impõe-se a uma pessoa certa e determinada.

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® Direitos reais

Do lado ativo, o direito subjetivo: poder direto e imediato a uma coisa – não é necessária
uma mediação entre o direito e a coisa.

Do lado passivo, impõe-se uma obrigação passiva universal (abstenção).

Dentro destes direitos reais há os de gozo, de aquisição, de garantia.

Personalidade

Direito subjetivo
(sentido estrito)
[Perspetiva Crédito
estrutural]

Reais

Perspetiva funcional do direito subjetivo:

Tendo em conta os interesses que se visam tutelar com estes direitos subjetivos.

® Direitos da pessoa:
Os que visam tutelar a pessoa.

Temos direitos de personalidade, mas não só, também temos os direitos potestativos
(81º/2 CC), os direitos de crédito – 70º/2 CC, e os direitos reais.

® Direitos de obrigações

Encontramos direitos de crédito, mas também direitos reais de garantia (garantia das
obrigações, como o penhor e hipoteca), mas também direitos potestativos (direito de
resolução por incumprimento, por exemplo).

® Direito das coisas:


Trata da ordenação do domínio sob os bens.

Temos direitos reais – gozo, aquisição…; também temos direitos potestativos (constituir
uma servidão de passagem); direitos de crédito: indemnizações (artigos
1333º/1334º/1337º CC)

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® No âmbito da família:

Direitos sob a pessoa de outrem – no caso das relações parentais; direitos potestativos:
direito ao divórcio, direito à separação judicial de pessoas e bens; direitos de crédito entre
os cônjuges; direitos reais: efeitos patrimoniais – regimes de bens no casamento.

® Direitos sucessórios

Existem os direitos potestativos: de aceitar a herança; os direitos reais: domínio da


herança; os direitos de crédito.

Na perspetiva funcional misturam-se as modalidades de direitos que podemos


distinguir em termos estruturais. O nosso CC, devido à forma como as matérias estão
agrupadas, acaba por misturar estas distinções estruturais e institucionais.

Direitos da pessoa

Direito subjetivo Direito das


Obrigações
(sentido estrito)
[Perspetiva
Direitos das Coisas
Funcional-
considera os
interesses] No âmbito familiar

Direitos sucessórios

Em suma:

Do lado passivo, surge-nos o dever jurídico como contrapolo do direito subjetivo em


sentido estrito e a sujeição como contrapolo do direito potestativo (onde a garantia é
absoluta).

Direito subjetivo em sentido estrito

A posição do sujeito ativo é protegida pelo ordenamento – há várias possibilidades para


que o sujeito ativo veja o seu direito a ser cumprido (pode recorrer a meios judiciais). Há,
no entanto, um comportamento que fica dependente do sujeito passivo (em última
instância o sujeito passivo pode dizer que não faz, havendo, no entanto, sanções).

Direito potestativo

O exercício do direito potestativo traduz-se na modificação do status quo existente (criar,


modificar ou extinguir relações jurídicas). O sujeito passivo limita-se a assistir ao
exercício do direito, sem nada poder fazer para obviar esse exercício – a garantia é perfeita
e o direito subjetivo impõe-se inelutavelmente ao sujeito passivo.

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Para além destas figuras, temos os ónus:

Ónus

A não adoção deste comportamento não se traduz num ilícito, logo não existem as sanções
do ordenamento jurídico. Num ónus, devemos adotar o comportamento previsto para
obtermos uma vantagem pessoal, posto isto, a não adoção do ónus apenas acarreta uma
desvantagem.

Exemplo mais característico: ónus da prova; 342º CC.

342º CC e ss: o que invoca um direito tem de provar os factos constitutivos desse direito,
se não provar não se pode valer desse direito à não provar não é um ilícito, só não tem
a vantagem inerente ao direito que pretendia invocar.

CLASSIFICAÇÕES DAS RELAÇÕES JURÍDICAS

Singulares vs plurais

® Singulares: 1 única pessoa como sujeito ativo e 1 única como sujeito passivo. Na
prática, não é muito comum, geralmente, as relações jurídicas são mais complexas
que isso.

Exemplo: A e B celebram contrato compra e venda-> ambos são sujeitos ativos e


passivos (temos 2 passivos e 2 ativos, logo não se trata de uma relação singular).

Bilaterais vs. plurilaterais

Distingue-se consoante os polos de interesse que existem.

Exemplo: compra e venda (usado acima): 2 polos de interesse à bilateral.

Exemplo: sociedade comercial: haverá tantos polos de interesses como o número de


sócios à plurilateral.

Instantâneas vs. duradouras

O critério é temporal: relações que se esgotam num determinado marco temporal ou que
se prolongam no tempo.

® Duradouras: prolongam-se no tempo;

Exemplo de relações duradouras: pagar uma propriedade a prestações; casamento.

® Instantâneas: esgotam-se num determinado marco temporal, mas podem ter


efeitos que se prolongam no tempo;

Exemplo: um contrato de compra e venda pago no ato - esgota-se no momento, mas tem
como efeito um direito de propriedade que se mantém no tempo.

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Autónomas vs. não autónomas

® Autónomas: independentes de outras relações;


® Não autónomas: dependentes de outras relações.
Exemplo: entre pais e filhos - dependem da relação de parentesco existente entre eles.

Simples vs. Complexas

As relações jurídicas não tendem a ser simples, onde um sujeito é o ativo e tem o direito
e o outro, passivo, tem o dever.

Normalmente, temos um emaranhado de relações entre sujeitos ativo e passivo – temos


uma complexidade de relações, de deveres laterais, ónus…

Singulares
Singulares vs.
plurais
plurais

Bilaterais
Bilaterais vs.
Plurilaterais
Plurilaterais

Classificação de Instânteas
relações Instantâneas vs.
juridicas duradouras
Duradouras

Autónomas
Autónomas vs.
não autónomas
Não autónomas

Simples
Simples vs.
Complexas
Complexas

A propósito das relações jurídicas complexas…

Muitas vezes as relações jurídicas, devido à sua complexidade, não nos aparecem
isoladas, mas sim interligadas (combinações de relações jurídicas).

Existem 2 tipos de combinações de relações jurídicas:

® Vertical/relação de acessoriedade: temos uma relação jurídica que é meramente


instrumental relativamente a outra. Uma será a relação jurídica principal e a outra
a relação jurídica acessória.

Exemplo: Garantias - garantias, como o penhor e a hipoteca, estão dependentes de um


direito de crédito. Há uma relação de base em que um sujeito é credor de outro sujeito e,
para garantia do crédito, surge outra relação em que é constituída uma hipoteca ou penhor.

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A importância de perceber a existência desta combinação reside em saber que uma relação
está dependente da outra – extinguindo-se a relação principal extingue-se a acessória
(se o crédito é satisfeito termina a hipoteca/penhor). Artigos 627º/2 CC; 632º/1 CC; 251º
CC.

® Horizontal/ relação de pertinência: é uma combinação horizontal porque não


há uma relação de dependência. Temos relações jurídicas que convergem num
polo comum.
Exemplo 1: Esfera jurídica.

Esfera Jurídica: não é mais que uma combinação pertinencial de relações jurídicas -
combinação das relações jurídicas ativas e passivas do mesmo sujeito. A minha esfera
jurídica é o conjunto de relações em que eu sou sujeito ativo e/ou sujeito passivo.

Exemplo 2: Património (conjunto de relações jurídicas de carácter patrimonial). A


posição do sujeito ativo e passivo reconduz-se a um valor patrimonial/pecuniário.

A DINÂMICA DA RELAÇÃO JURÍDICA


Quando estudamos a relação jurídica, não a estudamos de forma estática, estudamos a
vida da relação jurídica, as vicissitudes da relação jurídica ao longo da sua vida: aquisição;
modificação; extinção de direitos.

Aquisição de direitos

Vamos ver aqui algumas distinções relevantes.

Aquisição vs. constituição de direitos

® Constituição de um direito: o aparecimento/surgimento do direito pela primeira


vez na ordem jurídica – é o “nascimento do direito”, o surto inicial de um direito.

Exemplos: direitos de autor - alguém escreve um livro e o direito surge no momento em


que surge a obra (a constituição e a aquisição dão-se no mesmo instante); nascimento,
altura em que se constituem direitos de personalidade; Casamento também leva à
constituição de direitos específicos desse estado civil.

® Aquisição: o direito ingressa na esfera jurídica de um sujeito.

O direito é adquirido por uma pessoa quando esta se torna titular dele. Aquisição de
direitos é, pois, a ligação de um direito a uma pessoa. (Mota Pinto)

Exemplo: A vende o imóvel Y a B, o direito de propriedade transita da esfera de A para


a esfera de B. Existe aquisição de direito por parte de B, mas o direito de propriedade
sobre o imóvel Y já existia na ordem jurídica.

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Ana Moreira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

Normalmente, quando temos a constituição de um direito, temos também a sua


aquisição, porque o direito nasce e, ao mesmo tempo, ingressa na esfera jurídica de um
sujeito.

No entanto, há situações em que, excecionalmente, temos direitos sem sujeito. Ou seja,


o direito surge e o sujeito ainda não existe (ou não está determinado) e leva a que o direito
momentaneamente (excecionalmente) exista sem pertencer a um sujeito. ® Há ainda
autores que não acreditam nesta possibilidade, defendendo que a existência de um direito
depende da existência de um sujeito, ou seja, sem sujeito não existe direito.

Mota Pinto defende que toda a constituição de um direito implica a sua aquisição, pois
este considera não existirem direitos sem sujeito.

Se a constituição de direitos está relacionada com a aquisição, o contrário já não é


verdade. A esmagadora maioria dos casos de aquisição de direitos traduzem-se em
situações em que o direito já existia, apenas transita de uma esfera jurídica para outra.

A aquisição pode dividir-se em 2 hipóteses:

Aquisição originária vs derivada

® Originária;

Temos um direito que surge ex novo, no sentido em que não depende juridicamente nem
geneticamente do direito anterior, dependendo somente do facto aquisitivo.

Não depende da existência ou extensão de um direito anterior, que pode nem existir - caso
exista, o direito não foi adquirido por causa desse, mas apesar dele.

Exemplo: Usucapião (1287º e seguintes). A posse com determinadas características, num


determinado período de tempo, leva a que a pessoa adquira a propriedade. Vale para bens
móveis e imóveis, com regras e prazos diferentes.

Este direito (de propriedade), apesar de existir anteriormente na esfera de outra pessoa,
(sendo, por isso, de aquisição), só depende do facto aquisitivo usucapião - este adquire-
se CONTRA o direito anterior, não dependendo do mesmo.

Hipótese: Se X adquire a propriedade A, significa que Y, o antigo proprietário, deixa de


o ser.® Existe um corte na cadeia de transmissão, não um elo de ligações (ao
contrário de compra e venda).

Este direito adquirido impõe a extinção de um direito anterior – são incompatíveis, impõe-
se contra outro direito. O anterior extingue-se por decadência.

® Derivada;

O direito depende do facto aquisitivo, mas também jurídica e geneticamente de um direito


anterior.

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Ana Moreira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

Depende do direito anterior quanto:

o À sua existência ® se o direito anterior não existir, o novo também não


existe;
o Ao seu conteúdo ® o conteúdo do direito novo tem de ser absorvível pelo
conteúdo do direito anterior; o conteúdo do direito novo não pode ser mais
denso/extenso que o direito anterior;
o Amplitude® o objeto do direito novo não pode ser mais amplo que o
direito anterior;

Hipótese 1: A pretende vender a B uma coisa que não é sua. B adquire? Não, seria uma
aquisição derivada e é preciso que o direito existisse na esfera de A para que transite para
a esfera de B, coisa que não acontece.

Hipótese 2: A é não proprietário, mas usufrutuário (usufruto é mais restrito que direito
de propriedade: a coisa não é sua, mas pode usá-la). Não pode vender a B porque não está
na sua esfera jurídica – porque o objeto do direito que B adquire ao comprar o bem é mais
amplo que o direito que A tem enquanto usufrutuário.

O contrário já pode acontecer: A, proprietário, pode fazer com que B seja o usufrutuário
– o direito de propriedade é mais amplo que o direito de usufruto.

Hipótese 3: Se A tem o direito de propriedade sobre um terreno com 1000 m2 não pode
vender um terreno com 2000 m2 – não pode ser mais amplo que o objeto do direito do
transmitente. No entanto, A pode vender apenas 500 m2.

Este fenómeno da aquisição derivada encontramos em qualquer contrato de transmissão


de um direito real (venda, transmissão, doação), na cessão da posição contratual, cessão
do crédito…

As três configurações da aquisição derivada (translativa,


constitutiva e restitutiva)

Aquisição
derivada

Aquisição Aquisição Aquisição


derivada derivada derivada
translativa constitutiva restitutiva

® Aquisição derivada translativa


Quando o direito que é adquirido coincide com o direito anterior – mesmo conteúdo e
mesma amplitude.

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Exemplo: Quando A vende a B o seu automóvel, há uma aquisição derivada translativa


por parte de B.

Também se aplica em direitos mortis causa.

Transmissão parcial: A tem um terreno de 1000m e vende apenas 500. ® Continua a


ser translativa porque…. na aquisição derivada translativa: o direito transita de uma
esfera para outra. Não tem que ser a TOTALIDADE do direito. O conteúdo é o mesmo,
ainda que transmita apenas parcialmente será uma derivada translativa.

® Aquisição derivada constitutiva


Constituição de um direito novo que se filia num direito anterior.

Temos então um direito progenitor e um direito filial. O direito novo tem um conteúdo
diferente, mas absorvível pelo anterior- forma-se à custa dele, mas limitando-
o/comprimindo-o.

Exemplo: se A, proprietário, constitui o usufruto do imóvel de que é proprietário a favor


de B, esse direito de gozo (usufruto) é um direito novo, mas o conjunto de poderes que o
usufrutuário vai ter já existiam na esfera de A enquanto proprietário à O conjunto de
poderes de A fica comprimido, o sujeito A autolimita o seu direito de propriedade. Se o
direito de usufruto se extinguir, a propriedade expande-se novamente.

Direito de propriedade é elástico, pode-se moldar.

® Aquisição derivada Restitutiva

Fenómeno oposto ao da aquisição derivada constitutiva. Existe quando o direito filial se


extingue e o progenitor se reexpande.® O direito real deixa de estar limitado.

Podemos falar de sucessão com um sentido semelhante à aquisição derivada (como


se fossem sinónimos). Sucessão tem um sentido mais amplo – sub-ingresso de alguém na
esfera jurídica de outra pessoa (posições ativas e passivas). Segundo Mota Pinto, a sermos
rigorosos, coincide apenas com a aquisição derivada translativa, pois é nesta que o direito
é o mesmo do anterior titular.

Quando falamos em suceder, falamos em assumir (assunção de) obrigações.® Apesar de


também se usar o conceito “sucessão” em âmbito de mortis causa.

Sucessão refere-se a dívidas e direitos e não só a direitos (como no caso da aquisição).

Interesse prático nesta distinção: esta distinção permite-nos perceber uma série de
regimes.

® Na aquisição originária: o direito adquirido não depende do direito anterior,


depende apenas do facto/título aquisitivo;

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Ana Moreira
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® Na aquisição derivada: o direito adquirido depende do anterior à isto é, se o


direito anterior não existe, não pode ser adquirido qualquer direito. Depende do
conteúdo do facto aquisitivo e da amplitude do direito (não podendo ser maior que
o direito anterior).
Esta distinção permite-nos perceber uma série de regimes, inclusive o princípio de que
“ninguém pode transmitir mais direito do que é titular”® Nemo plus iuris in alium
transfere potest quam ipse habet.

Esta regra é uma regra fundamental de direito que justifica, por exemplo, o artigo 892º
CC.

No entanto, esta regra tem exceções, 2 exceções que se justificam por 2 ordens de razões:

® Exceção que deriva das regras do registo;


® Exceção que deriva da proteção da boa-fé.

Exceção que deriva das regras do registo 3

Exemplos de registo: registo civil, registo predial, registo automóvel, registo


comercial…

O que é comum ao registo, em geral, é o objetivo de dar publicidade aos atos


registados.

Exemplo: registo civil regista um ato de nascimento, morte, casamento – forma de


publicitar estes atos.

Desde há muito tempo se entendeu que haveria necessidade de proteger as pessoas


relativamente às consequências deste princípio. Havia situações em que os negócios que
podiam afetar terceiros (porque envolviam elevados valores pecuniários, por exemplo…)
não eram suficientemente conhecidos/públicos (exemplo: contratos sobre imóveis,
navios, aeronaves…), então instituiu-se a necessidade de registos de aquisições.

Temos um Código de Registo Predial – regula o registo relativo ao registo de imóveis.

Em 1995, foi aprovado um código de registo de automóveis que nunca entrou em vigor
porque não foi regulamentado – continua em vigor o DL 54/75 e, em falta de
regulamentação, aplica-se o Registo Predial.

O Registo Predial entre nós obedece ao princípio do trato sucessivo – 34º Código do
Registo Predial. O registo depende da prévia inscrição dos bens em nome de quem os
transmite.

Hipótese: A é proprietário de um terreno que transmite a B, que transmite a C, que


transmite a D. A registou, B registou, C não registou e transmitiu a D.

3
Caso exista necessidade de aprofundar esta matéria, veja-se as páginas 365 a 371 do Manual de Mota
Pinto.

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A B
C
-proprietário- também D
não registou.
Registou. regista.

Entenda-se, no esquema acima apresentado, cada seta entre caixas de texto como
“transmitiu”.

D adquiriu o direito e quer registar o terreno em seu nome (indo à conservatória com o
contrato de compra e venda que celebrou com C). Para a conservatória, B é o proprietário,
C aos olhos do registo não existe, não é titular de nenhum direito. Para D se poder registar,
C tem de se registar primeiro e só depois D regista (isto não afeta o direito de propriedade
de D).

Princípio do trato sucessivo:

Não pode haver elos interrompidos na cadeia de transmissão.

Se A vender a B sem que B o registe, o direito de propriedade não é afetado, apenas não
é oponível a terceiros. Porém, para uma eventual futura venda, B precisa de registar antes
de vender a C. à Só se pode registar havendo um registo anterior do transmitente.

O nosso sistema é um sistema de registo declarativo: o registo é mera condição de


eficácia e não de validade de aquisição. Não sendo feito um registo, o titular do direito,
apesar de ser titular desse direito, não o pode opor relativamente a terceiros.

Exceção do sistema de registo declarativo - regime constitutivo: hipoteca é um direito


real de garantia (687º CC). Para a hipoteca tem de haver registo, se a hipoteca não for
registada ela não produz efeitos.

O registo começou por ser facultativo, era um ónus, mas agora já não é assim. O 8º -A do
Código de Registo Predial diz-nos que o registo é obrigatório e prevê consequências
para a falta de registo. Registam-se as mudanças de titularidade, registam-se as
aquisições.

Efeitos do registo

Para além dos efeitos laterais do registo, como: 291º CC, 1294º CC, 1298º CC, etc; temos,
como efeitos principais:

® O primeiro efeito do registo – efeito imediato/automático:


Presunção de titularidade do direito (art.7º Código do Registo Predial)

® O efeito mais importante – efeito central do registo, resulta da conjugação de 2


regras:

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Oponibilidade a terceiros (art.5º Código do Registo Predial) + prioridade do registo


(art.6º Código do Registo Predial).

Enquanto a aquisição não for registada, ela não é oponível relativamente a terceiros.

Terceiros como noção técnica4. Artigo 5º/4 do Código do Registo Predial – “Terceiros,
para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos
incompatíveis entre si.”

Hipótese 1: A é proprietário de um terreno, registou o seu direito de propriedade, e agora


vende-o a B. B não regista. O negócio é válido, produz os efeitos entre A e B, mas o
direito de B não é oponível a terceiros.

O mesmo A vende a C. A pretende transmitir uma coisa que já não é sua (o direito de
propriedade é de B), tal não é possível, logo C não adquire nada à este negócio é nulo
(892º CC) porque o negócio de A com B é válido.

A
Proprietário de um
terreno, com registo

Vende a

B C
Proprietário que não (A vende a C depois
regista de vender a B)

B tem direito de C não adquire nada,


propriedade. O porque A não pode
negócio é válido. transmitir a C um
Mas o direito de B direito de
não é oponível a propriedade que já
terceiros não detém.

4
Páginas 271 a 281 de Orlando de Carvalho.

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Mas em termos registais, a presunção de titularidade do direito está sobre A.

Isto é indiferente?® NÃO.

Se C for ao registo predial ver quem é o proprietário, acreditando no registo, vê que é A


(desconhece B).

Apesar de B ser proprietário, B não pode invocar o seu direito às pessoas que do
mesmo disponente (A) adquiram direitos total ou parcialmente conflituantes
(terceiro). Neste caso, C é um terceiro para termos de registo.

Isto tudo se altera completamente se C registar (e pode). Se isso acontecer, C passa a ser
o proprietário e o direito de B extinguiu-se pela superveniência de um direito
incompatível.

Com a inoponibilidade dos direitos não registados a terceiros e a prioridade dos direitos
registados, ou seja, com o efeito central do registo (conjugação dos artigos 5º e 6º do
Código do Registo): C registando, adquire a propriedade, o direito de B extingue-se por
decadência.

Hipótese 2: A vende a B, B não regista. A constitui um usufruto a favor de C (aquisição


derivada constitutiva, que na verdade não é porque A não é proprietário) ® este negócio
é nulo. C regista o usufruto. B é proprietário, e C é usufrutuário, o direito de propriedade
de B simplesmente fica comprimido à neste caso os direitos são conflituantes.

A
A A constitui
Proprietário de um
vende terreno, com registo um usufruto
aB a favor de C

B C
Proprietário que (Este usufruto é
não regista constituído após a venda
a B)

B tem direito de Devíamos ter uma aquisição


propriedade. O derivada constitutiva, porém,
negócio é válido. como A não é o proprietário, não
Mas o direito de B não pode constituir usufruto: C não é
é oponível a terceiros. verdadeiro usufrutuário

Porém, se C regista o
usufruto, torna-se
usufrutuário, comprimindo o
direito de propriedade de B.

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Hipótese 3: A vende a B, B não regista. A vende a C (algo que não pode fazer visto que
o negócio entre A e B é válido, logo o negócio de A e C é nulo) e, para além disso, esse
negócio tem vício de forma (falta de forma).

A
Proprietário de um
terreno, com registo

B C
Proprietário que (A vende a C depois
não regista de vender a B)

B tem direito C não adquire nada, porque A não


de pode transmitir a C um direito de
propriedade. O propriedade que já não detém.
negócio é
válido.
Mas o direito Este negócio, para
de B não é além de nulo, tem
oponível a vício de forma.
terceiros

Neste caso, mesmo que C vá fazer


o registo, este não apaga vícios de
forma. O proprietário é B.

Conclusão: o proprietário é B, porque o registo permite a aquisição quando o problema


está na falta de legitimidade de transmitir do titular do direito originário, mas o registo
não apaga vícios/invalidades (o registo não é constitutivo de direitos).

O nosso registo não é constitutivo, mas o legislador arranjou uma forma de obrigar a
registar. Se as pessoas não registam ficam numa situação que poderá ser abalada pela
aquisição superveniente de um terceiro.

2ª exceção do princípio de acordo com o qual ninguém transmite mais direitos que
aqueles que é titular – exceção que deriva do princípio da boa-fé.

Regra geral: artigo 289º CC: quando é declarada a nulidade ou anulação, essa
declaração tem efeitos retroativos devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado.

Há uma espécie de dominó, se um negócio é inválido (ou nulo ou anulável) cessam os


seus efeitos e cessam os efeitos dos negócios anteriores a esse.

Situação: A vende a B um determinado bem, B vende a C o mesmo bem.

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Hipótese 1: O negócio celebrado entre A e B é nulo (por alguma razão não especificada).
Se o negócio entre A e B é nulo, B não tem legitimidade para transmitir a C. O negócio
entre A e B é nulo, não produz efeitos, nomeadamente a transmissão do bem de A para
B. B não adquire o direito e não o pode transmitir a C à se o primeiro negócio é nulo, o
segundo também o é.

Hipótese 2: Se o negócio entre A e B não é nulo, mas tem um vício que o torna anulável
e B aliena a C. O negócio, depois, vem a ser anulado. Com a anulação do primeiro negócio
os efeitos que tinham sido produzidos são destruídos retroativamente e C também não
adquire nada.

Em determinadas situações, excecionais, o legislador entende que o terceiro deverá


ser protegido. Estas hipóteses surgem em 2 contextos - simulação e generalidade dos
vícios que conduzem à nulidade ou anulação:

Simulação – 243º CC

Situação: A e B celebram um negócio, mas na realidade nenhum deles o quer celebrar


(querem aparentemente celebrar, mas a vontade real não coincide com a vontade efetiva).
A não quer que aquele bem esteja no seu património e simula um negócio com B.

Requisitos para que exista simulação:

o Divergência entre a vontade e a declaração de ambas as partes (vontade real


e efetiva são divergentes);
o Acordo simulatório entre ambos (combinado);
o Intenção de enganar terceiros.

“O negócio simulado é nulo” – 240º/2 CC.

Hipótese: A e B celebram o negócio simulado, portanto é nulo, e B, depois, vende a coisa


a C. O primeiro negócio é nulo, B não tem legitimidade para transmitir a C. No entanto,
entendeu-se aqui que este terceiro está numa situação peculiar, visto que o 1º negócio foi
feito precisamente para enganar terceiros. Aqui, o legislador vem proteger a posição do
terceiro (desde que este se encontre de boa-fé), querendo também um “castigo” para os
simuladores.

O artigo 243º CC vem proteger a posição do terceiro, desde que ele se encontre de
boa-fé.

Boa-fé neste caso: desconhecimento da simulação no momento em que celebrou o


negócio – regra privativa das hipóteses de simulação.

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Generalidade dos vícios que conduzem à anulabilidade ou


anulação - 291ºCC

A vende a B, que vende a C.

O primeiro negócio não é simulado, mas é nulo por um vício de forma – 220º CC. Nestas
hipóteses não se aplica o 243º CC, aplica-se o 291º CC – este artigo também protege
terceiros que estejam de boa-fé que tenham sido afetados por nulidades anteriores.

Terceiro aqui no 291º CC (também noção técnica) são sujeitos que veem a sua posição
afetada em virtude de uma ou mais invalidades anteriores ao negócio em que eles são
partes.

O que a lei pretende evitar é que os efeitos avassaladores do 289º CC (efeito dominó
que destrói tudo o que está para trás) se produzam.

Apesar da noção de terceiro se demonstrar nos artigos 243º e 291º CC, o que exige aos
terceiros para proteção é muito diferente entre um artigo e outro:

® 243ºCC: diz-nos que o terceiro está protegido (ou seja, o terceiro adquire o
direito), se estiver de boa-fé. A noção de boa-fé para efeitos do 243º CC é uma
noção pouco exigente.
243º/2 CC “A boa-fé consiste na ignorância da simulação ao tempo em que foram
constituídos os respetivos direitos.”.

Se a simulação era cognoscível, mas não era conhecida, o terceiro estava de boa-fé. Se
a simulação era patente e ele, distraído, não o sabia, ele estava de boa-fé. A lei só exige
o desconhecimento da simulação.

Se os negócios em causa são formais, as ações com vista à declaração à nulidade relativas
aos imóveis têm de ser registadas – art.3º Código de Registo Predial.

243º/3 CC: “Considera-se sempre de má-fé o terceiro que adquiriu o direito


posteriormente ao registo da ação de simulação, quando a este haja lugar.”.

Hipótese:
Ação com vista à
Negócio simulado. declaração da nulidade. Negócio com terceiro é
03.2020 celebrado em 03.2021.
01.2021

Considera-se aqui que o terceiro está sempre de má-fé, visto que a ação é registada e
publicitada.

MAS se a ação é proposta em abril, após a celebração do negócio em março, o terceiro


desconhece e adquire o direito.

® Artigo 291º CC protege terceiros de boa-fé, nas situações em que temos um vício
que afeta a validade do primeiro negócio. Um vício qualquer desde que conduza
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à nulidade ou anulabilidade (não cabem aqui os vícios que levam à inexistência


do negócio).
A nulidade/anulabilidade do negócio não afeta a posição do terceiro de boa-fé, desde que
se verifiquem alguns requisitos - o regime do 291º CC é mais exigente que o 243º - aqui
a lei especifica os requisitos apertados para que a proteção se verifique.

Requisitos do 291º CC:

o Ter um terceiro, que vê a sua posição afetada por uma invalidade anterior.
o O terceiro tem de estar de boa-fé, porém a boa-fé mais exigente.
291º/3 CC: “É considerado de boa-fé o terceiro adquirente que no momento de
celebração do negócio desconhecia, sem culpa, o vício do negócio nulo ou anulável”.
“Sem culpa”® não conhece, nem deve conhecer, ou seja, este vicio não pode ser
cognoscível.

o O objeto do negócio tem de ser um imóvel ou móvel sujeito a registo.


291º CC se o objeto do negócio for uma coisa móvel não sujeito a registo, este artigo não
se aplica.

o O negócio que o terceiro é parte tem de ser oneroso.


Se fosse uma doação, não se aplicaria.

Oneroso: impõe/envolve/está sujeito a ónus, encargo ou obrigação.

o O terceiro tem de registar a aquisição (o que pressupõe que todos na cadeia de


transmissão a tenham registado).
O 291ºCC conjuga a proteção do terceiro de boa-fé com a necessidade de registo.

o O terceiro tem de registar antes que seja proposta uma ação de invalidade do
negócio que o afeta.
o Os direitos do terceiro não são reconhecidos, de acordo com o 291º/2 CC, se a
ação for proposta ou registada nos 3 anos subsequentes à conclusão do negócio.
Há um negócio inválido com uma estabilidade temporal, os terceiros confiam porque
ninguém propôs uma ação durante algum tempo.

Nota: O terceiro tem uma pretensão de crédito sobre B, sempre que não puder
adquirir (por não preencher os critérios do artigo 291º), por vias do efeito dominó
presente no artigo 289º CC.® C não consegue adquirir, mas não deixa de poder exigir
de B o ressarcimento do dinheiro (pretensão de crédito).

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Hipótese 1: A vende a B – negócio celebrado em 01/2019. O negócio entre B e C foi


celebrado em 11/2021 e ele registou.

C adquiriu ou não?

Temos de ver se foi proposta uma ação. Se foi proposta a ação em 2020, o terceiro não
adquire nada porque só está protegido se não for proposta uma ação nos 3 anos
subsequentes do primeiro negócio.

Hipótese 2: A vende a B – negócio celebrado em 01/2019. Se a ação surgir em 03/2022,


o terceiro adquire os direitos em janeiro de 2022. ® altura em que faz 3 anos da
celebração do 1º negócio.

Hipótese 3: Se o 1º negócio entre A e B foi celebrado em 01/2015, B vende a C em


11/2019. C adquire em 11/2019, no momento de registo da aquisição (tem de se preencher
todos os requisitos). Tal acontece porque, no momento da aquisição, já tinha passado os
3 anos subsequentes.

Hipótese com mais que um vício:

A celebra
negócio com B celebra C celebra D celebra
B negócio com com D com E
(nulo por C
(anulável). (simulação). (e E regista).
vício de
forma). 2017 2021 2021
2016

Se E desconhecia toda esta cadeia (tem de provar o desconhecimento) à E, terceiro, está


de boa-fé.

Porém, para entendermos se E adquire teria que ser avaliado cada um dos negócios, tendo
em consideração prazos e os requisitos de cada um!

MODIFICAÇÃO DE DIREITOS

Situações em que o direito se mantém, mas há uma mudança num dos seus elementos.

Podemos distinguir entre modificação subjetiva e objetiva.

® Subjetiva

Diz respeito ao sujeito titular do direito. E temos, na modificação subjetiva a


substituição, a multiplicação e a concentração.

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Ana Moreira
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o Substituição: Substitui-se um sujeito pelo outro.

Exemplo 1: A vende a B, nessa relação jurídica há o direito de propriedade. O sujeito


deixou de ser A e passou a ser B – mesmo direito de propriedade, mesmo objeto, o que
mudou foi o sujeito.

Exemplo 2: Se A morre e sucede o filho B – aquisição derivada translativa mortis causa


– o sujeito era A e passou a ser B.

Simplesmente se altera o sujeito; o direito e o objeto são os mesmos.

Acontece nas aquisições derivadas translativas. Temos simultaneamente uma aquisição


derivada translativa e uma extinção subjetiva do direito numa esfera de um sujeito para
outro.

o Multiplicação: a um sujeito ativo substituem-se vários.

Sucessão inter vivos ou mortis causa

Exemplo 1: A vende a B e C – tínhamos inicialmente 1 proprietário A e agora temos 2


sujeitos ativos, 2 proprietários B e C.

Exemplo 2: Se A morre e sucedem os 2 filhos – modificação subjetiva por multiplicação


dos sujeitos.

Adjunção

O primitivo titular do direito mantém-se com essa titularidade, mas agrega um novo
sujeito à mesma titularidade do direito.

Exemplo: A vende 50% do seu direito a B. Transmite, onerosa ou gratuitamente,


parcialmente o seu direito. A e B são titulares do direito que inicialmente só existia na
esfera jurídica de A. O sujeito primitivo agrega um novo sujeito na titularidade de direito.

É uma adjunção e não uma transmissão de um sujeito para outros dois (ou mais).

o Concentração: a vários sujeitos ativos sucede um único titular

Fenómeno inverso da multiplicação - onde tínhamos mais que um sujeito que era titular
de um direito, passamos a ter apenas um.

Se de 5 sujeitos passamos a ter 2 também é concentração, portanto é concentração sempre


que diminua o número de sujeitos titulares do direito.

Exemplo: A e B, comproprietários de um terreno, vendem a C.

® Objetiva

A modificação objetiva ocorre quanto ao conteúdo do direito ou quanto ao objeto do


direito.

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o Alteração do conteúdo

Vários exemplos de alteração de conteúdo:

Usufruto

O usufruto é um direito real limitado que se constitui à custa do direito de propriedade –


aquisição derivada constitutiva.

Há uma prestação de uma caução por parte do usufrutuário – 1468ºb) CC: “Prestar
caução, se esta lhe for exigida, tanto para a restituição dos bens ou do respetivo valor,
sendo bens consumíveis, como para a reparação das deteriorações que venham a
padecer por sua culpa, ou para o pagamento de qualquer outra indemnização que seja
devida.”

O usufrutuário é alguém que goza uma coisa que é propriedade de outra pessoa.

1470º CC: “Se o usufrutuário não prestar a caução devida, tem o proprietário a
faculdade de exigir que os imóveis se arrendem ou ponham em administração, que os
móveis se vendam ou lhe sejam entregues, que os capitais, bem como a importância dos
preços das vendas, se dêem a juros ou se empreguem em títulos de crédito nominativos,
que os títulos ao portador se convertam em nominativos ou se depositem nas mãos de
terceiro, ou que se adotem outras medidas adequadas” à Tendo o usufrutuário de
prestar caução, e não prestando, a lei prevê hipóteses para acautelar a posição do
proprietário. O direito que o usufrutuário teria modifica-se – ele teria a possibilidade
de usar a coisa, sem limitações, mas porque não prestou caução, o uso da coisa vai ser
prejudicado para acautelar a posição do proprietário. O conteúdo do direito é
transformado, é limitado, em função do proprietário.

1482º CC: “O usufruto não se extingue, ainda que o usufrutuário faça mau uso da coisa
usufruída; mas, se o abuso se tornar consideravelmente prejudicial ao proprietário, pode
este exigir que a coisa lhe seja entregue, ou que se tomem as providências previstas no
artigo 1470.º, obrigando-se, no primeiro caso, a pagar anualmente ao usufrutuário o
produto líquido dela, depois de deduzidas as despesas e o prémio que pela sua
administração lhe for arbitrado” à no caso de mau uso há providências que irão alterar
o conteúdo do usufruto.

A própria construção de um usufruto (direito real limitado) é uma modificação objetiva,


de alteração de conteúdo, porque comprime o direito de propriedade.

o Alteração do objeto

O direito mantém o conteúdo, mas passa a incidir sobre um objeto diferente.

Substituição ou reforço da hipoteca:

701º CC: “Quando, por causa não imputável ao credor, a coisa hipotecada perecer ou a
hipoteca se tornar insuficiente para segurança da obrigação, tem o credor o direito de

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Ana Moreira
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exigir que o devedor a substitua ou reforce; e, não o fazendo este nos termos declarados
na lei de processo, pode aquele exigir o imediato cumprimento da obrigação ou,
tratando-se de obrigação futura, registar hipoteca sobre outros bens do devedor.”.

Para garantia de um determinado crédito que é concedido, alguém constitui uma hipoteca
sobre a sua casa – se não pagar, o credor será o primeiro a beneficiar da venda de casa
para o seu crédito.

Exemplo: Se a casa arder, o credor tem o direito de exigir que se substitua a garantia que,
até então, era a casa.

Acessão (1325º CC)

Há acessão quando uma coisa que é propriedade de uma pessoa se une a uma coisa que
não lhe pertencia.

Esta pode ser natural ou industrial.

• A acessão pode ser natural:


Exemplo: A é proprietário de um terreno. B é proprietário de um terreno confinante.
Entre os dois terrenos passa um rio. Por força da corrente/natureza, o rio vai desgastando
um dos terrenos, o que leva à sedimentação das terras no outro terreno - assim, o terreno
de um expande-se, enquanto o do outro se comprime. Temos, aqui coisa alheia se junta a
uma coisa própria, por força da natureza.

Exemplos: 1330ºCC- mudança de leito; 1328ºCC e 1329ºCC, etc.

• A acessão pode ser industrial (derivada da ação do Homem):


Se eu sou proprietária de um bloco de mármore e um escultor faz uma escultura nesse
meu bloco – junta o seu trabalho à minha matéria-prima – quem é o proprietário final?
Nestes casos, o objeto inicial de um direito altera-se. É uma questão que exige grande
sensibilidade, visto que agrega a matéria-prima de um proprietário e o trabalho de outro.

Modificações na obrigação

Alterações que podem ocorrer no lado passivo da relação – são sempre subjetivas, têm
sempre a ver com o sujeito.

Temos as hipóteses de substituição, multiplicação e concentração.

® Substituição: há uma modificação da garantia geral quando ocorre inter vivos;


quando ocorre mortis causa o património é o mesmo;

A substituição do sujeito passivo é premente, na medida em que se o sujeito passivo é


modificado, isso irá significar uma modificação no que diz respeito ao património que
responde àquela obrigação. Se o sujeito passivo se altera, essa alteração é importantíssima

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para o sujeito ativo porque significa uma alteração no património que, em última
instância, representa o cumprimento da obrigação.

Na sucessão mortis causa o património que corresponde é o mesmo – porque é o


património do de cuius que responde pelas dívidas da herança.

Exemplo: transmissão singular da dívida: assunção translativa – artigo 595º CC, exige-
se declaração expressa do credor.

® Multiplicação
o Sucessão: se ao de cuius sucede mais que uma pessoa.

O devedor originário é substituído por vários devedores que respondam aos bens da
herança.

Exemplo: A (devedor de D) morre e sucedem-lhe B e C.

o Adjunção:

Ao primitivo devedor se soma um novo devedor – artigo 595º/2 CC.

Se alguém que tem uma posição passiva a transmite a outra pessoa, se o credor (sujeito
ativo), não concordar, o primitivo devedor mantém-se obrigado – a transmissão não tem
o efeito de desresponsabilizar o primitivo sujeito passivo relativamente à sua posição,
vai-se somar ao novo sujeito passivo.

® Concentração

Existem vários sujeitos passivos e a estes sucede-se um único sujeito, quer por negócio
entre vivos, quer por via sucessória.

Extinção De Direitos

Desaparecimento de um direito da esfera jurídica de uma pessoa.

Hipótese de extinção subjetiva e objetiva.

® Extinção subjetiva

A extinção é uma extinção só na perspetiva do titular do direito. O direito mantém-se, só


não existe na esfera do titular inicial. Pode ocorrer:

1. Por vontade do titular: quando A vende a B – aquisição derivada translativa por


parte de B; modificação subjetiva no direito -, na perspetiva de A temos uma
extinção subjetiva do direito.
2. Sem a vontade do titular: Quando se extingue pela morte e são os titulares
respetivos quem ficam com os direitos na sua esfera jurídica (herdeiros a quem a
lei supletivamente designa - herdeiros legítimos); à sucessão intestada- sem que
haja testamento.

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3. Contra a vontade do titular: se ele não quiser a extinção e ocorrer


imperativamente da lei; exemplos: expropriação; execução de bens; sucessão
legitimária.
® Extinção objetiva

O direito deixa de existir; não há transmissão ou aquisição derivada translativa.

1. Destruição do objeto: o direito deixa de existir quando o objeto sobre o qual ele
incide se destrói.
2. Abandono do objeto: o direito deixa de existir quando o objeto sobre o qual ele
incide é abandonado.
Coisas móveis abandonadas - o direito que sobre elas incidiam extingue-se, podendo ser
adquiridas depois por ocupação (alguém encontra e ocupa - aquisição originária).

3. Não exercício: direito extingue-se pelo seu não exercício.


4. Decadência: o direito extingue-se pela superveniência de um outro direito
incompatível derivado pela tutela da boa-fé e do registo;

Exemplo 1: direito que se extinguia pela superveniência de outro direito derivado pela
tutela da boa-fé e pela tutela do registo – tutela de terceiros para efeitos de registo; tutela
de terceiros para efeitos boa-fé (291º CC).

Exemplo 2: quando se forma o direito de C à propriedade, por efeitos do registo (quando


B não regista), o direito de B extingue-se por decadência.

Hipóteses da extinção objetiva por não exercício

® Não uso:

Há direitos que se extinguem pelo não uso.

Concretamente, nos direitos de uso limitado, temos os artigos 1476º CC (usufruto), 1490º
CC (direito de uso ou habitação), 1569º/1 b), CC (servidões).

Há direitos que não se extinguem com o não uso – o direito de propriedade, por exemplo
(posso ser proprietária de um determinado bem e não o utilizar e continuo a ser
proprietária – os poderes da propriedade são tão amplos que incluem o não uso da
propriedade).

® Renúncia:

Abandono da situação de prevalência do direito, a chamada renúncia abdicativa.

Exemplo 1: O procurador - 265º/1 CC - renuncia à procuração.

Exemplo 2: 302º CC: prescrição, pode renunciar a invocar a prescrição (só é possível
depois de recorrido o prazo de prescrição).

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Há direitos que são irrenunciáveis – direito de personalidade; o pai não pode renunciar às
responsabilidades parentais…

Artigos relevantes: 265º/1; 302º; 867º, 1476º/1 e); 2057º/1; 2170º do CC.

As duas situações seguintes (prescrição e caducidade) são situações em que os direitos se


extinguem ao fim de um determinado período de tempo.

® Prescrição:

Extinção de um direito pelo decurso do tempo.


Direitos subjetivos em sentido estrito.
304º CC.
Exemplo: direitos de crédito. 309º CC: prazo ordinário de prescrição – 20 anos (embora
se prevejam prazos mais curtos). Depois de passado o tempo da prescrição, o sujeito
passivo pode recusar-se a adotar o comportamento que lhe era imposto e o sujeito ativo
já não pode exigir esse comportamento, só pode pretender.

® Caducidade:

Direitos potestativos – nomeadamente direitos de acionar (exemplo: arguir a


anulabilidade).

Exemplo: 125º CC; Prazo geral de anulabilidade (287º CC); 1085º CC.

VICISSITUDES DAS RELAÇÕES JURIDICAS


® Pendência;

Quando a relação jurídica não funciona plenamente porque não temos ainda o sujeito
ativo (não existe ou não está determinado) e está em causa uma relação jurídica que ainda
não funcionou.

Hipótese 1: A constitui um usufruto, por via contratual, a favor de B, mas a constituição


desse usufruto está sujeita a uma condição suspensiva. O contrato não produz já os efeitos,
fica à espera de saber se se verifica ou não a condição.

Relação jurídica com um titular de um direito de usufruto, só que este direito ainda não
se constituiu (isto não é o mesmo de não haver contrato nenhum), mas já há uma série de
efeitos - não é juridicamente indiferente, mas a aquisição do direito não vai ocorrer para
já.

Neste tempo a relação jurídica está numa situação de pendência.

(Condição: cláusula acessória de um contrato, que se traduz na subordinação dos efeitos


do negócio a um acontecimento futuro ou incerto.)

“Acontecimento futuro e incerto”® exemplo: “Se não houver um novo confinamento até
ao Natal”

87
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Hipótese 2: A constitui um usufruto a favor de um nascituro – ainda não há sujeito, está


numa situação de pendência.

® Quiescência
Hipótese 1: A vende a B, sujeito a condição suspensiva. A relação jurídica que tem um
núcleo o direito de propriedade, funcionou plenamente tendo como sujeito ativo A, e
agora devia funcionar tendo como sujeito ativo B, mas o facto jurídico está sujeito a
condição, a relação fica como congelada.

A relação jurídica não é nova, já funcionava relativamente a A, mas B não sub-ingressou


na posição de A, neste ínterim - a relação jurídica está numa situação quiescente.

Hipótese 2: Se já houver uma doação a um nascituro – a relação jurídica está à espera do


sujeito; quando o sujeito surge, a relação pode devidamente funcionar com a titularidade
daquele direito por parte do sujeito.

® Revivescência;

Quando o obstáculo que existe na condição de pendência ou de quiescência desaparece –


se a condição se verificar, B (o sujeito que estava pendente ou quiescente de ser o titular)
vai ser titular do direito.

A situação jurídica volta a funcionar plenamente (se fosse uma situação de quiescência)
ou começa a funcionar plenamente (se a situação anterior era de pendência).

Na relação jurídica, temos pelo menos 2 sujeitos e é sobre eles que incidiremos o
nosso estudo.

4. TEORIA GERAL DOS SUJEITOS DA RELAÇÃO


JURÍDICA
Notas prévias:

Uma coisa é o direito, outra o objeto e outra os poderes em que se consubstancia o direito.
Quanto ao objeto da relação jurídica: sobre o que incide o direito subjetivo. Os próprios direitos, as pessoas
(inclusive as titulares do direito), as prestações podem ser objetos de direito.

Há quem conteste que há direitos sem sujeito, mas sem sujeito não significa sem objeto.

O facto jurídico: facto gerador da relação jurídica (normalmente falamos de contratos; sucessão mortis-causa) ®
«
estudo do facto jurídico surgirá no 2º SM.

Garantia: elemento da relação jurídica que imprime juridicidade à relação jurídica.


Prevêem-se determinadas providências adequadas – 70º/2 CC e também se prevê a sanção pecuniária compulsória
à heterotutela de direitos: recurso ao Estado, aos meios que este dispõe, para garantir a satisfação dos interesses
em causa.

A autotutela do direito, como regra, não é admitida (ninguém pode fazer justiça pelas próprias mãos). A lei prevê
algumas hipóteses de auto-defesa dos direitos (hipóteses excecionais para não pôr em causa o estado de direito):

• Ação direta (336º CC)


• legítima defesa (337ºCC) 88
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4.1. A PESSOA E A TUTELA DA PERSONALIDADE


Sujeitos de direito são, de acordo com Mota Pinto, os entes suscetíveis de serem titulares
de direitos e obrigações e de serem titulares de relações jurídicas. São, por isso, pessoas,
quer singulares, quer coletivas.

Personalidade jurídica é a qualidade de ser pessoa, de ser sujeito de direito –


suscetibilidade abstrata de ser titular autónomo de relações jurídicas.

Inerente à personalidade jurídica está a ideia de capacidade jurídica/capacidade de


gozo – artigo 67º CC. A capacidade de gozo nunca pode faltar a um indivíduo (não
podemos ter uma pessoa e não ter capacidade jurídica). Pode a capacidade jurídica sofrer
limitações, mas ninguém pode ser desprovido de todo de capacidade jurídica. A qualidade
de pessoa implica necessariamente a capacidade de gozo.

Mota Pinto: Fala-se de capacidade jurídica “para referir a aptidão jurídica para
ser titular de um círculo, maior ou menor, de relações jurídicas- pode ter-se uma
medida maior ou menor de capacidade, segundo certas circunstâncias ou
situações, sendo-se sempre pessoa, seja qual for a medida da capacidade.”

Distinta da capacidade de gozo é a capacidade de exercício de direitos, tida como


aptidão do sujeito de produzir efeitos jurídicos por mera atuação pessoal – o sujeito
exercita a sua capacidade por atos próprios. Em termos mais rigorosos, a capacidade de
exercício de direitos confere ao seu titular a capacidade de usufruto de direitos e assunção
de obrigações, por ato próprio e exclusivo, sem a necessidade de intervenção de um
representante legal5 - o sujeito exercita a sua capacidade jurídica de forma direta e própria.
Por outro lado, o titular poderá fazer-se representar por um representante voluntário ou
procurador.

Em último sentido, a capacidade de exercício configura um desenvolvimento da


capacidade de gozo.

Ao contrário do que acontece na capacidade de gozo, em que nunca nenhum sujeito se


pode ver despojado desta capacidade, o mesmo não se passa relativamente à capacidade
de exercício. A suscetibilidade de atuar por si próprio pressupõe
vontade/querer/esclarecimento, coisa que as pessoas nem sempre têm (seja porque não a
têm - capacidade dos menores; ou porque têm outras qualidades limitadoras da vontade,
ou ainda condições de demência…).

Exemplo: a lei diz que a capacidade de exercício é reconhecida a todos os sujeitos


como regra, mas apenas a partir dos 18 anos de idade (130º CC).

5
A pessoa com capacidade de exercício não precisa de ser substituída por um representante legal, porém,
não deixa de ter plena capacidade de exercício se em algum momento por ESCOLHA PRÓPRIA decidir
fazer-se representar por um representante voluntário ou procurador (escolhido pelo próprio). Exemplo:
alguém que mora fora do país e passa uma procuração a familiar/amigo para que este trate de alguns dos
seus problemas.

89
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É de salientar que nem só os menores são desprovidos de capacidade de exercício (artigo


123ºCC).

Capacidade de exercício nas pessoas coletivas (essa questão coloca-se em moldes


distintos): aqui, a atuação das pessoas coletivas depende de uma atuação orgânica, de uma
relação orgânica entre a pessoa coletiva e os seus órgãos.

Em suma:

Inicialmente temos a qualidade de ser pessoa (suscetibilidade abstrata de ser titular de


direitos), inerente à pessoa está a capacidade de gozo (suscetibilidade concreta de ser
titular de direitos) e a possibilidade de exercer os direitos por ato próprio através da
capacidade de exercício.

Ou seja,
Qualidade de ser pessoa → capacidade de gozo → capacidade de exercício.

Uma pessoa incapaz, tem capacidade de gozo, mas não tem capacidade de exercício.

Perante a ligação entre a personalidade e a capacidade questiona-se se


necessariamente os direitos têm de ser titulados por um determinado
sujeito (direitos sem sujeito).
Direitos sem sujeito: situações em que o sujeito não existe ou ainda não está
determinado, mas já existem os direitos.

Surge a seguinte questão: este direito existe e não tem sujeito ou nem sequer existe
o direito?

• Para os que entendem que não há direitos sem sujeito ® o direito nem existe.
• Para quem admite a existência de direitos sem sujeito ® há uma situação
transitória, excecional, onde o direito está formado há espera de que o sujeito
esteja apto para depois se formar/ingressar na sua esfera jurídica.

PERSONALIDADE HUMANA E O DIREITO


A relação entre a personalidade humana e o Direito é uma relação com determinadas
exigências: a personalidade humana demanda ao Direito determinado tipo de tutela que
permita o livre desenvolvimento da personalidade humana.

90
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Identifica-se uma série de características: 6

® Essencialidade:

Logo que haja personalidade humana e enquanto houver personalidade humana tem de
haver personalidade jurídica. Não pode haver um desfasamento entre a existência de
personalidade humana e existência de personalidade jurídica, uma é inerente à outra.

® Inseparabilidade:

A personalidade jurídica é indissociável da personalidade humana. A personalidade


jurídica é, por isso, irrecusável: ninguém pode recusar ser pessoa para o Direito, nem
ninguém pode ser expropriado da sua personalidade jurídica (o Estado não pode privar
ninguém da sua personalidade jurídica).

® Indisponibilidade

Impossibilidade de dispor da personalidade jurídica – pode haver direitos de


personalidade relativamente disponíveis (exemplo: o direito à imagem). A personalidade
como um todo é indisponível. A personalidade não é alienável.
® Inadiável

Tem de surgir no momento em que surge a pessoa (no nascimento completo e com vida).
Não há prazos.
® Ilimitabilidade

A tutela tem que ser tão ilimitada que tem de abranger todas as projeções previsíveis e
imprevisíveis da personalidade, acautelando o livre desenvolvimento da personalidade,
mesmo que não seja conhecido esse potencial de desenvolvimento no momento da tutela.

A personalidade humana reivindica do Direito uma tutela, e a personalidade jurídica é


esse instrumento de Direito que serve para assegurar certos objetivos, com uma amplitude
imensa.
Artigo 70º CC.
Quando surge a personalidade?

66º CC – “A personalidade adquire-se no momento do nascimento completo e com


vida.”.

A redação de “completo e com vida” é criticada, poderia ser um nascimento “com vida
e completo” à vida + (entende-se o nascimento como completo com a) separação do
corpo da mãe (corte do cordão umbilical).

62º/2 CC – a lei reconhece direitos ao nascituro (exemplo: 952º CC – permite a doação


ao nascituro; direitos de natureza sucessória - 2033º/1 CC, 2023º/2 CC, 1798º CC).

6
Página 191 de Orlando de Carvalho

91
Ana Moreira
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Este último artigo (1798º CC) estabelece um prazo relativamente ao momento da


conceção, relevante para efeitos sucessórios. Entre a conceção e o momento do
nascimento ocorrem 300 dias, a conceção ocorreu algures nos primeiros 120 dias desses
300 dias; o testamento para efeitos sucessórios ao nascituro deve estar algures nesses 120
dias (se o testamento for feito antes dos 300 dias é feito a um concepturo (não concebido)).

120 dias O testamento, para efeitos sucessórios deve estar algures


nestes primeiros 120 dias (ou depois). NUNCA ANTES.
X________________________x
Porquê?

Porque, para efeitos legais a conceção é fixada nos primeiros


300 dias 120 dias dos 300 que antecedem o nascimento.

Considera-se o filho concebido nos primeiros 120 dias dos 300 que antecedem o
nascimento.® “quem nasce 300 dias depois da doação ou da morte do autor da herança
reputa-se, em princípio como não concebido, e quem nasce dentro desses 300 dias
reputa-se como concebido” - Orlando de Carvalho.

Isto é para afirmar que o prazo é valido, mesmo com a ausência de testamento.

Condição jurídica do nascituro?7

A doutrina diverge. A lei diz-nos que a personalidade surge no momento do nascimento


completo e com vida, ainda assim:

• Alguma doutrina considera que, em virtude desta tutela (66º/2CC – onde a lei
confere direitos aos nascituros), deveríamos entender que a pessoa surge antes do
nascimento (surge no momento da conceção);
• Outros entendem que a personalidade surge só no momento do nascimento, mas
há uma retroatividade para justificar os direitos que podem surgir em momento
anterior ao nascimento.
A tutela jurídica do nascituro não se esgota nos casos que a lei reconhece. O Direito
reconhece, de acordo com a medicina, que a pessoa não surge no momento do nascimento
- isto justifica que se a personalidade jurídica do nascituro for afetada mesmo antes do
nascimento, esses danos são acautelados pela lei, porém estes danos só se consubstanciam
no momento de nascimento e é aí também que existe o direito à sua reparação.

A personalidade cessa naturalisticamente com a morte (68º CC)

7
Neste tema é importante relembrar as posições do Direito sem sujeitos. Se não admitimos a existência de
direito sem sujeitos, devemos seguir o primeiro ponto. Caso se defenda a tese da existência de direitos sem
sujeito, deve adotar-se a segunda posição. Evitam-se, assim incongruências.

92
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Com a morte, a esfera jurídica desprende-se do sujeito, os direitos de natureza pessoal


extinguem-se, mas os de natureza patrimonial transferem-se para os herdeiros (aquisição
derivada translativa, sucessão).

Artigo 71º CC: “Os direitos de personalidade gozam igualmente de protecção depois da
morte do respectivo titular.” - isto leva alguma doutrina a defender que afinal a
personalidade não cessa com a morte (exemplo: posição de Antunes Varela).

Mota Pinto discorda veementemente desta posição, alegando que a tutela do artigo
71º/1CC é uma tutela dos interesses e direitos das pessoas vivas (indicadas no nº2
do mesmo artigo), que seriam (notoriamente) afetadas por atos ofensivos da
memória (e integridade moral) do falecido.

Os interesses do falecido também são tutelados à tutela post mortem.

A tutela que a pessoa tem em vida justifica o “prolongamento” da tutela (visto que a
própria personalidade cessa com a morte, só subsiste a tutela) para os mortos (apesar de
não podermos considerar que são direitos do falecido).

496º/2 CC: o dano relativo ao direito à vida passível de ser compensado (compensação
em termos pecuniários).

Exemplo: A mata B. B tinha o direito à vida e foi privado desse direito por A. A
consequência civilística é uma compensação pecuniária. No momento da morte, há um
último direito que ingressa na sua esfera jurídica: direito a ser compensado/ressarcido
pela sua morte (simplesmente não será o B a exercê-lo).

Assim, este direito é de B, mas este não está vivo para o exercer, então a própria lei diz
quem o exerce.

Este facto (morte), tal como o nascimento (artigo 1º a) Código Registo Civil (CRC)) está
sujeito a registo – artigo 1º p) CRC.

Artigo 193º CRC - a quem compete esta declaração/registo da morte.

Algumas referências ao Código do registo civil (CRC) relativas ao óbito.

Artigo 194º CRC - certificado de óbito. 200º CRC e ss – o regime do registo de óbito está
aqui previsto; 201º CRC requisitos do assento de óbito…

Com a morte, o cadáver transforma-se em coisa - ainda que se entenda que é uma coisa
com especial estatuto, cabe no 202º/2 CC (“Consideram-se, porém, fora do comércio
todas as coisas que não podem ser objeto de direitos privados, tais como as que se
encontram no domínio público e as que são, por sua natureza, insuscetíveis de
apropriação individual.”), enquanto coisa fora do comércio jurídico. O estatuto especial
do cadáver justifica-se pelo respeito pelo que ele significou em vida.

93
Ana Moreira
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A lei regula a relação especial da possibilidade de o cadáver ser utilizado para fins de
ensino e investigação científica, por meio de dissecação e extração de peças à DL
274/99. Para isto acontecer, a pessoa, em vida, tem de declarar expressamente o seu
consentimento para esse fim, se assim não for, o cadáver não pode ser utilizado, com
exceção dos cadáveres não identificados/reclamados.

Situações em que temos a morte conjunta de várias pessoas levantam um


problema sucessório.

Hipótese: A e B são casados, não têm filhos, mas cada um tem um irmão. Há um acidente
automóvel onde morrem ambos e é preciso de determinar a hora da morte de cada um
deles, para saber como será a sucessão de cada um deles.

Se for possível determinar a Se não for possível determinar quem


hora da morte, tudo bem, morreu primeiro, o que acontece na
seguem-se as regras respetivas - maioria dos casos, a lei aqui faz uma
haveria sucessão para o cônjuge presunção no artigo 68º/2 CC – presunção
sobrevivo e desse cônjuge (que de comoriência -, que nos diz que: não se
morreu no acidente, mas mais podendo apurar, presume-se que morreram
tarde) para o herdeiro legítimo. os dois ao mesmo tempo, o que significa,
na prática, que não há sucessão entre eles.

Este é o sistema do nosso Código português, não é o único possível, o Código francês
tem em conta o sexo e idade das pessoas, por exemplo.

Hipótese de desaparecimento

Hipótese de desaparecimento - 68º/3 CC: “Tem-se por falecida a pessoa cujo cadáver
não foi encontrado ou reconhecido, quando o desaparecimento se tiver dado em
circunstâncias que não permitam duvidar da morte dela.”

A noção de desaparecimento é uma noção ética. A hipótese em que as circunstâncias são


tais que não se permite duvidar da morte da pessoa, mas o cadáver não é encontrado nem
reconhecido.

Atentar aos artigos 204º CRC e ss; em especial os artigos 207º e 208º CRC.

Hipótese da ausência 8

8
Páginas 197 a 202 de Orlando de Carvalho.

94
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Hipótese de ausência- situação em que não se reconhece o paradeiro de uma determinada


pessoa, sem possibilidade de contacto, a pessoa não dá notícias, e é necessário prover à
administração dos seus bens. - artigos 89ºCC e ss.

Estabelece 3 tipos de medidas:

• Curadoria provisória;

A pessoa está ausente, não há qualquer notícia sobre a mesma, porém acredita-se que o
ausente irá regressar.

• Curadoria definitiva;

A pessoa está ausente e a hipótese de regressar equipara-se à hipótese de a pessoa estar


morta, ou de esta não regressar.

• Morte presumida

A pessoa está ausente e acredita-se que a pessoa efetivamente morreu.

Ou seja, a aplicação de medidas depende de a probabilidade da pessoa regressar.


Em qualquer destes casos estamos numa situação de ausência. Se não se souber da pessoa
e não houver bens a administrar, não há problema.

Curadoria provisória

A curadoria provisória – 89º CC e ss: a pessoa está ausente, não se sabe notícias dela, é
necessário prover à administração dos seus bens e a pessoa em causa não deixou
representante (nem legal, no caso de ser incapaz, nem procurador, no caso de ser capaz).

Segundo Mota Pinto, mesmo que haja representante, se este não exercer as
suas funções, pode ser requerida a curadoria provisória.

A curadoria provisória pode ser requerida pelo Ministério Público ou por qualquer
interessado (escusam de ser os herdeiros, pode ser, por exemplo, um credor) – 91º CC.
O curador pode ser o cônjuge, um(s) herdeiro(s) presumido(s) ou um interessado na
conservação dos bens.

Os bens terão de ser equacionados e o tribunal fixará uma caução (os curadores prestarão
contas posteriormente, para que a caução seja respeitada). O regime aplicado é o regime
do contrato de mandato – quando alguém encarrega outrem de praticar um ato em seu
nome.

Esta situação mantém-se até que o ausente regresse ou se ele determinar de outra forma
a administração dos seus bens (nomeando alguém para administrar os seus bens, por
exemplo); a situação também terminará se houver notícias da morte do ausente.

95
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O ausente, durante o período de ausência, está inibido das suas responsabilidades


parentais.

Esta termina nos termos do artigo 98ºCC.

Curadoria definitiva:

Regime que não acredita tanto no regresso do ausente – equaciona que ele não venha a
regressar.

Requisitos:

® Hipótese de ausência;
® Terem passado 2 anos sobre as últimas noticias, caso não tenha deixado
procurador, ou 5 anos, caso tenha deixado procurador.

99º CC – ultrapassados os prazos, pode o Ministério Público ou um interessado requerer


a justificação da ausência.

100º CC – são interessados na justificação de ausência o cônjuge, herdeiros e todos os


que tenham direitos que dependam da sua morte.

Abrem-se os testamentos e entregam-se os bens àquelas pessoas que, àquela data, seriam
os herdeiros do ausente. Aquelas pessoas irão administrar os bens na qualidade de
curadores definitivos e não proprietários - não administram coisa própria/em título
próprio, mas sim alheia – 101º a 104º CC.

O tribunal pode exigir caução, se assim entender.

As pessoas terão direito a parte dos rendimentos dos bens que administrarem.

A curadoria termina nos termos do artigo 112ºCC.® Se ele regressar os bens ser-lhe-ão
entregues.

Morte presumida

Passam prazos mais longos: pressupõe a passagem de 10 anos desde que foram dadas
as últimas notícias, a menos que o ausente tenha completado 80 anos – aí, a data é 5
anos. Se o desaparecido for menor, a lei diz que só é declarada a morte presumida
depois de decorrerem 5 anos a partir da data em que o ausente atingir a maioridade
(ou seja 23 anos).

115º CC (“A declaração de morte presumida produz os mesmos efeitos que a morte, mas
não dissolve o casamento, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.”). Os efeitos da
morte presumida e da morte são idênticos, mas com uma especificidade curiosa: a morte
presumida não dissolve o casamento, mas pode casar novamente – aqui a lei tolera a
bigamia. Se o desaparecido voltar considera-se o primeiro casamento finito à data da
morte presumida.

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Ana Moreira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

Caso o ausente volte:

119º CC – O património é devolvido no estado em que se encontrar, ou então entregues


os bens adquiridos com os bens alienados, ou o dinheiro obtido com a alienação destes.

Nos casos de boa-fé, os herdeiros não são obrigados a indemnizar porque achavam que
os bens eram deles. Nos casos de má-fé, quando os sucessores sabiam que o ausente
sobreviveu à data da morte presumida (119º/3 CC), o ausente tem de ser indemnizado
(119º/2 CC).

O ausente não regressa, mas há notícias que morreu numa data diferente da morte
presumida, aplica-se o 118º CC – óbito em data diversa. O direito à herança compete
àqueles que, naquela data, deviam suceder (pode acontecer que, as pessoas que eram
herdeiras na 1ª data não seriam herdeiras na 2ª data).

Exemplo: No dia 13.01.2018, declara-se a morte presumida, porém recebe-se a notícia


de que ele morreu de Covid o ano anterior - aplica-se o artigo 118ºCC, porque pode
acontecer que as pessoas que eram herdeiras na 1ª data não seriam herdeiras na 2ª data
(morte de um irmão, por exemplo).

Proteção que a lei confere à Personalidade

Artigo 70º CC – princípio geral nesta matéria e o fundamento da proteção dos direitos de
personalidade.

Esta proteção dos bens da personalidade é concedida pelo Direito Civil (direitos de
personalidade), mas também no Direito Constitucional pela CRP, nos direitos
fundamentais).

Também há direitos de personalidade no Código do Trabalho - o legislador entendeu que


há aspetos particulares no Código do Trabalho que justificavam direitos distintos. Ainda,
o Direito Penal também reage relativamente às violações do direito de personalidade,
embora a atuação do DP seja em último ratio.

Na proteção dos direitos de personalidade, temos uma ideia de:

• Essencialidade;
• Ilimitabilidade:
• Inseparabilidade;
Ø Irrecusabilidade;
Ø Inexpropriabilidade;
Ø Indisponibilidade;
Ø Inadiabilidade.

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Ana Moreira
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Tutela de personalidade no Direito português

Multinível da personalidade (do topo para a base):

CRP Direitos fundamentais

Código
Penalização de condutas que violam direitos de personalidade.
Penal

Código Civil Artigos 70º e seguintes.

Código do Trabalho Artigos 14º a 22º.

Tutela constitucional - direitos fundamentais

Direito à
Direito à vida
art.24º Liberdade
Integridade
de criação
Pessoal Cultural
art25º art42º
Outros
(bom nome,
Liberdade de
imagem,
vida
privada...)
CRP informação e
expressão
art37º
art26º

Direito à Utilização
liberdade e informátic
à segurança Inviolabilida a artigo
art 27º de do 35º
domícilio e
correspondê
ncia art 34º

No Direito Civil há uma tutela geral e uma tutela de aspetos parcelares da


personalidade.

Temos uma cláusula geral de proteção e depois temos diversos aspetos parcelares
protegidos.

A cláusula geral está no artigo 70º CC – direito geral de personalidade como


fundamento dos aspetos parcelares que iremos ver. Através da cláusula geral, a
personalidade é protegida no seu todo.
Nesta tutela geral, a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa à sua personalidade
física ou moral. Independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, a pessoa
ameaçada ou ofendida pode requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso,
com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida.

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Ana Moreira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

Centrando no regime do CC, a cláusula geral de tutela da personalidade abrangerá


todas as manifestações possíveis da personalidade, conhecidas ou desconhecidas,
previsíveis ou não – direito ao livre desenvolvimento da personalidade humana/da pessoa
na sua natural evolução.

É um direito da pessoa sobre si mesma – o objeto da tutela é o sujeito titular do direito


(jus in se ipsum).

Em abstrato é um direito ilimitado e ilimitável; concretamente, ele vai conhecer


limitações.

• A personalidade sendo ilimitável estrutura-se em diferentes zonas, nós vamos


distinguir diferentes bens ou diferentes projeções para na prática aplicarmos a
tutela. Para sabermos se há ou não violação dos direitos de personalidade temos
de verificar a projeção da personalidade que está em causa.
• Limites que decorrem da chamada adequação social, que decorre da vida em
sociedade que, por si, impõe determinadas limitações aos direitos de
personalidade.
• Tem de haver uma ponderação entre diferentes direitos: colisão de direitos. Um
direito que à partida seria ilimitado, vai ter de ser limitado porque há que proteger
o direito de outra pessoa. Se há colisão entre direitos de personalidade de várias
pessoas isso significa uma compressão dos direitos a favor dos direitos dos outros.
O CC autonomiza alguns aspetos parcelares da personalidade – artigos 70º a 80º CC.
Ø Integridade física e moral;
Ø Nome;
Ø Pseudónimo;
Ø Cartas missivas confidenciais, memórias familiares e outros escritos
confidenciais;
Ø Imagem;
Ø Honra;
Ø Reserva sobre a intimidade da vida privada.
• Aspetos parcelares da personalidade protegidos no Código do Trabalho
(artigos 14 a 22º):
Ø Liberdade de expressão e de opinião;
Ø Integridade física e moral;
Ø Reserva da intimidade da vida privada;
Ø Proteção de dados pessoais;
Ø Testes e exames médicos;
Ø Meios de vigilância à distância;
Ø Confidencialidade de mensagens e de acesso à informação.
O Código do Trabalho, os bens da personalidade, são protegidos para ambas as partes,
não são direitos do trabalhador apenas.

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Ana Moreira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

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Direitos especiais/parcelares

® Direito à vida

Direito à conservação da vida (não é um direito à sua obtenção), entendida como a


existência biológica do indivíduo.

O direito à vida era um direito indisponível, mas vai deixar de ser – lei da eutanásia altera
os princípios básicos da tutela de personalidade que é a indisponibilidade do direito à
vida. O CP prevê ainda o homicídio a pedido da vítima e o incitamento ao suicídio como
crimes (131º CP e ss, especificamente 134º e 135º).

O direito à vida tem para além de uma tutela civil, uma tutela constitucional (artigo 24º)
e uma tutela penal.

Haverá direito de reparação (496º CC) – último direito que integra o património do de
cuius que será exercido pelos seus herdeiros. Os danos em causa são danos não
patrimoniais – danos diretos provocados por violação do direito à vida, aos quais se junta
a reparação de danos não patrimoniais laterais –, danos dos conviventes.

A vida, pode ela própria ser um dano? Wrongful life/birth – alguém que nasceu em
condições menos ideais, com problemas/deficiências graves, pode questionar a vida como
um dano (e, em alguns casos processam os médicos e mesmo os próprios progenitores).
Tem se entendido que a vida nunca pode ser um dano - a propósito da indissociação
entre personalidade humana e personalidade jurídica. Os danos, a existirem, estarão na
esfera jurídica dos pais, e não na criança.

A norma ainda em vigor do testamento vital – L 25/2012, 16 julho – artigo 5ºb)

® Direito à integridade física

Está em causa a integridade físico-psíquica (o direito à integridade física e sanidade


mental).

Beneficia da tutela civil, constitucional (art 25º CRP) e penal para este bem. O CP prevê
nos artigos 143º e ss que a lei penal só se justifica quando as ofensas à integridade física
são mais graves. Na perspetiva civil, qualquer ofensa à integridade física é ilícita.

Novas dimensões de agressão (novos meios eletrónicos): virtual mobbing, cyberbullying.

TUTELA ESPECÍFICA- Diplomas que são pertinentes como regimes especiais:

• L 12/2009, 26 de março (colheita e transplante de órgãos, tecidos e células de


origem humana);
• L 25/2012, 16 julho (lei do testamento vital);

9
Páginas 207 à 216 de Orlando de Carvalho

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Ana Moreira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

• L 12/93, 22 de abril (colheita e transplante de órgãos, tecidos e células de


origem humana para fins terapêuticos ou de transplante) – especial
atenção para esta lei.
Colheita de órgãos:

Em vida - admitidas, mas com requisitos importantes. A colheita só pode ser feita no
interesse terapêutico do recetor e desde que não esteja disponível outra situação.

Colheita de órgãos ou tecidos não regeneráveis – só é possível com permissão da


Entidade de Verificação da Admissibilidade da Colheita para Transplante (EVA);

Colheita de órgãos regeneráveis - já se admite, bem como relativamente a menores,


desde que não haja outro dador compatível. Só é possível entre irmãos e sempre que a
dádiva seja necessária para a vida à requisitos cumulativos do artigo 6º/5 da Lei 12/93
de 22 de abril

O 5º da Lei 12/93 de 22 de abril estabelece o princípio da gratuitidade da doação de


órgãos.

• L 32/2006, 26 julho (procriação medicamente assistida)


4º L 32/2006 - Estabelece que a procriação medicamente assistida é um método
subsidiário e não alternativo de procriação.

8 º L 32/2006 - Gestação de substituição era proibida. Os contratos eram nulos à A lei


foi alterada e foi permitida a gestação de substituição com base contratual.

® Direito à liberdade
Liberdades físicas à deslocação;

Liberdades morais à religiosa, política.

Liberdade positiva: Abrange o poder da pessoa se autoconformar dentro dos limites


impostos pelo respeito dos direitos dos outros, da ordem pública e dos bons costumes -
possibilidade de fazer algo.

Liberdade negativa: Compreende a possibilidade de recusa de um determinado


comportamento, mesmo que este seja juridicamente imposto (sujeitando-se às sanções
correspondentes). Impede a execução específica das limitações aos direitos de
personalidade. ® (exemplo: deixar de cumprir um contrato; isto é um ilícito, não cumpre
com o dever). Porém, ninguém pode ser compelido a cumprir.

Tutela específica: lei da liberdade religiosa (podem-se gerar conflitos entre a proteção
da liberdade religiosa e a defesa da vida ou da integridade física, por exemplo) – L
16/2001, 22 junho.

® Direito à igualdade
Não discriminação em função de diversos fatores que a CRP autonomiza.
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Ana Moreira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

Este direito tem de ser compatibilizado com o princípio da autonomia privada e da


liberdade contratual (artigo 405º CC).

Tutela específica: L 93/2017, 23 agosto (regime jurídico da prevenção, da proibição e do


combate à discriminação); L 14/2008, 12 março (proíbe e sanciona a discriminação em
função do sexo no acesso a bens e serviços e seu fornecimento).

® Direito à inviolabilidade pessoal


Abrange vários direitos parcelares:

Projeção física Projeção vital Projeção moral

• Direito à imagem; • Direito ao carácter; •Direito à honra;


• Direito à palavra. • Direito à história
pessoal;
• Direito à intimidade da
vida privada;
• Direito à proteção de
danos.

PROJEÇÃO FÍSICA, EM CONCRETO


O DIREITO À IMAGEM
Está em causa um direito a controlar a captação e divulgação de imagem.

Não está em causa a “boa imagem”, - isso é o direito à honra; aqui é imagem em termos
físicos (captar a imagem e divulgar). Pode não ser um retrato, pode ser um aspeto físico
que permita identificar a pessoa, pode não ser uma captação mecânica (pode ser uma
imitação ou uma caricatura).

Sendo o direito à imagem um direito a controlar a captação e divulgação da imagem, a


forma mais grave de agressão será a divulgação da imagem, mas a simples captação não
autorizada já traduzirá um ilícito.

Este direito apesar de ser um direito de personalidade, inato, é um direito disponível,


pode ser limitado pelo seu titular – a lei admite com alguma largueza esta limitação. Esta
limitação até pode ser objeto de um contrato (exemplos: modelos, atores de cinema).

O direito à imagem tem consagração legal – 79º CC e este artigo diz “O retrato de uma
pessoa não pode ser exposto, reproduzido ou lançado no comércio sem o consentimento
dela; depois da morte da pessoa retratada, a autorização compete às pessoas designadas
no n.º 2 do artigo 71.º, segundo a ordem nele indicada” – inerente a isto está a captação,
que confere proteção após a morte, dizendo que as pessoas com legitimidade para
autorização são as designadas no artigo 71º/2 CC.

Estabelece como princípio geral a necessidade do consentimento, no entanto o nº2 prevê


um conjunto de razões (de natureza objetiva e subjetiva) que justificam a limitação do
direito à imagem sem consentimento do titular:

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Ana Moreira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

® Razões de natureza objetiva


• Polícia e justiça;
As exigências de polícia ou de justiça surgirão quando alguém, por exemplo, anda fugido
e é divulgado o retrato.

• Finalidades científicas, didáticas e culturais;


Finalidades científicas, didáticas e culturais: procura-se que a pessoa não seja
reconhecível (fotografias médicas, por exemplo).

• Lugares públicos;
• Factos de interesse público;
Nos factos de interesse público não está em causa o retrato da pessoa, é possível a
captação da imagem, desde que não foque especificamente na pessoa.

• Factos decorridos publicamente;

® Razões de natureza subjetiva


• Notoriedade da pessoa;
• Cargo a desempenhar.
Exemplo: Primeiro-Ministro vai a uma reunião e é fotografado nesse contexto; devido ao
cargo que ocupa, essa fotografia pode ser captada sem consentimento.

Artigo 79º/3 CC (“O retrato não pode, porém, ser reproduzido, exposto ou lançado no
comércio, se do facto resultar prejuízo para a honra, reputação ou simples decoro da
pessoa retratada.”) – limite da honra: se esta for posta em causa não se justifica a
limitação do direito à imagem.

Este direito à honra impõe-se a razões objetivas e subjetivas, mas também é um limite à
própria limitação da imagem. A limitação da imagem deve ter em conta a honra. A honra
coloca-se num patamar superior ao direito à imagem.

A referência à honra neste artigo é a única referência à honra na sistematização que o


Código faz nestes aspetos parcelares dos direitos de personalidade.

O tema da honra será abordado mais adiante, porém esta informação é de extrema
importância.

Novos problemas relacionados com o direito à imagem:

Captação de imagens autorizadas, as pessoas passam a vida a fotografarem-se, seguindo-


se a sua divulgação nas redes sociais.

Captação de imagens não autorizadas: programas maliciosos de computador e telemóvel


que acionam as câmaras, que captam imagens ou acedem às nossas imagens.

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Ana Moreira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

Existem também várias captações de imagens ilícitas que se tornam difíceis de identificar
porque resultam da generalização das camaras fotográficas e da sua ligação a aparelhos
de transmissão de dados - hoje em dia, toda a gente anda com uma câmara, nem que seja
de telemóvel.

Também está estudado que o alerta que é dado a uma imagem quando esta é divulgada
leva a que a imagem seja muito mais visualizada – efeito streinsand. A reação é
particularmente difícil porque os meios que se põem à disposição do lesado (às vezes até
meios judiciais) podem ter o efeito de agravar mais ainda a lesão do direito à imagem.

Ainda assim o regime previsto é o tradicional – a lei estará desadaptada a estes novos
fenómenos.

Questões que chegaram a tribunais:

• Cedência dos direitos à imagem por equipas profissionais: contratos que


estabelecem a cedência de exploração de imagem de desportistas/artistas a
equipas/empresas.
Relativamente a esta questão surge a problemática de saber se estes contratos são uma
mera cedência e limitação do direito de imagem ou se, na verdade, alienam esse direito e
o exploram comercialmente.

• (Acórdão do STJ, de 3/11/2015) caso Revenge Porn. Imagens captadas com o


consentimento de ambos, mas não com o consentimento da queixosa para a
publicação/divulgação. Os danos eram os danos da divulgação - está em causa o
direito à imagem, o direito à honra, o direito à reserva da vida privada.
O tribunal não apurou quem fez a divulgação da imagem, mas entendeu-se que, como as
imagens estavam guardadas no computador do membro do casal não queixoso, que pelo
menos teria havido uma violação do dever de guarda e cuidado, e esta negligência
potenciou a divulgação.
• Relações laborais: a interferência destas imagens publicadas nas relações
laborais – em alguns casos, houve trabalhadores que foram despedidos em virtude
da sua conduta online (abrangia imagens e aspetos da vida privadas), porque a
entidade patronal entendia que a pessoa não tinha o perfil indicado.
• iPad Babys – bebés que nascem praticamente a interagir com tecnologia.
Um tribunal português já se pronunciou relativamente ao excesso de exposição dos filhos
às redes sociais. Este tema está relacionado com as responsabilidades parentais;
questiona-se se os pais se agem no interesse dos filhos - pode ter influência na repartição
dos poderes paternais e até na inibição dos mesmos.
DIREITO À PALAVRA (ESCRITA OU FALADA)

Não faz referência ao conteúdo das palavras, mas sim à palavra de voz enquanto elemento
identificador da pessoa. Também são protegidos os aspetos orais que identificam a
pessoa.

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Ana Moreira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

Diferente do direito de autor – estes direitos de autor protegem o conteúdo do discurso


e as ideias de cada um.

Exemplo: É colocado online um vídeo de uma pessoa sem qualquer autorização.

• Hipótese 1: vídeo é mudo. –> Violação do direito à imagem.


• Hipótese 2: Para além do direito à imagem existem elementos orais (som, ou seja,
direito à palavra) - nesta 2º hipótese há um agravamento do facto ilícito. ->
violação do direito à imagem e direito à palavra.

O legislador não se refere, no nosso Código, especificamente ao direito à palavra.


Entende-se que se vai aplicar analogicamente o regime do 79º CC (regime do direito à
imagem).

Pode não estar em causa somente a captação - o direito à palavra pode ser violado pela
escuta (viola a reserva da vida privada para além de violar o direito à palavra), pela
imitação, etc.

PROJEÇÃO VITAL, EM CONCRETO


O DIREITO AO CARÁCTER

Este é um direito a não ser sujeito a avaliações de carácter não autorizadas (exames
psíquicos, exames de grafologia, etc).

Pode ser limitado legalmente por razões de justiça, nomeadamente em sede penal,
prevê-se avaliações de carácter para saber se a pessoa é imputável ou inimputável.

Mas hoje, surge um problema - o das novas avaliações de carácter:

• A questão do carácter está na ordem do dia porque, com a utilização de meios


eletrónicos, são feitas avaliações de carácter, através do nosso comportamento
online, sem que seja prestado consentimento. Tem-se concluído que os
computadores avaliam o nosso carácter analisando a nossa conduta, com uma
precisão muito maior do que a feita por um humano.
Existe o problema da falta do consentimento e o problema dos fins destas avaliações -
para que é que estas servem? Maioritariamente para marketing dirigido: a publicidade
personalizada (no Google, Youtube, Gmail, Pinterest…). Surgem também em sites como
a Amazon e o EBay onde é formado o perfil do consumidor, com base nas nossas
pesquisas e no nosso comportamento na internet.

• Surge um problema, particularmente grave, relacionado com a utilização das


redes sociais para avaliação do carácter pela entidade empregadora.
Já não é uma análise do currículo, passa para uma análise do seu carácter. Chegam a
existir perfis falsos (undercover profiles) - há quem construa uma conduta, com
determinadas características para uma (melhor) avaliação no trabalho.

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Ana Moreira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

A Carta Portuguesa dos Direitos Humanos na Era Digital (CPDHED) - L27/2021, 17 de


maio prevê, no seu artigo 14, algo relativamente à proteção do perfil.

A proposta é:

“1 — Na utilização de plataformas digitais, todos têm o direito de:

c) Ver garantida a proteção do seu perfil, incluindo a sua recuperação se necessário,


bem como de obter cópia dos dados pessoais que lhes digam respeito nos termos previstos
na lei;”

DIREITO À HISTÓRIA PESSOAL

Cada um tem direito à não divulgação da sua história, enquanto percurso pessoal. Existe
uma proibição quanto à publicação de biografias não autorizadas, visto que estas violam
o direito à história pessoal.

Este direito justifica o direito ao esquecimento - direito ao apagamento dos dados


biográficos publicados pelo próprio online.

A história pessoal (tutela post mortem) tem um limite de proteção até 50 anos a contar da
morte, assim como nos direitos de autor.
10
DIREITO À INTIMIDADE DA VIDA PRIVADA
Direito especial central, prende-se com a reserva da vida privada e tem consagração
expressa no artigo 80º CC – “1. Todos devem guardar reserva quanto à intimidade da
vida privada de outrem”

Está em causa um direito a controlar a informação da vida privada de cada um, mas
também abrange um conteúdo negativo, no sentido de um direito à solidão (direito de
reserva a um derradeiro reduto de solidão) à right to be left alone.

Distinguem-se diferentes esferas de privacidade:

Esfera Esfera Esfera de


privada pessoal segredo

10
As docentes que lecionam a Unidade Curricular (Maria Raquel Guimarães e Maria Regina Rendinha)
escreveram um artigo sobre a privacidade nos tempos da pandemia mundial, sob o ponto de vista português.
O link para o artigo, de modo a complementar este tópico é:
https://www.intersentiaonline.com/publication/coronavirus-and-the-law-in-europe/57 e foi disponibilizado
no sigarra.

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Ana Moreira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

• Esfera privada

Mais ampla, que abrangerá aspetos que são privados, mas não são propriamente pessoais.

Pode ser violada com a publicação de fotografias do interior da casa de alguém ou


informação sobre os animais de estimação de alguém. Há uma intromissão numa esfera
de privacidade que é privada, do ambiente doméstico, mas não propriamente pessoal, não
diz respeito à pessoa diretamente.

Outros exemplos: locais frequentados, fornecedores, etc.

• Esfera pessoal

Círculo mais circunscrito em relação à esfera privada: são aspetos mais ligados à própria
pessoa, cabem os gostos e preferências das pessoas (exemplo: relações amorosas…).
• Esfera de segredo:

Informações secretas que se podem dividir em 2 conjuntos:

Ø Informações naturalmente secretas: dados íntimos, passwords,


dados médicos/clínicos, códigos secretos, etc.
Ø Informações secretas por determinação do próprio: informações
que são secretas porque o próprio quer que elas sejam objeto de
segredo; Exemplo: uma obra inédita que a pessoa não quer que seja
conhecida.

É de notar o interesse prático destas distinções porque a violação da esfera secreta é


claramente mais grave que a violação das outras duas esferas (há um crescendo de
gravidade desde a violação da esfera privada atá à esfera de segredo).

A distinção entre dados naturalmente secretos ou secretos por determinação do próprio


tem interesse prático porque nesta esfera de segredo, o ónus da prova das “informações
secretas por determinação do próprio” cabe ao autor que alega a violação do seu direito à
intimidade da vida privada.

Existem alguns problemas, são levantadas várias questões:

Ø Reality shows: situações em que alguém é filmado 24h por dia e a


sua imagem é divulgada.
Questiona-se a licitude destes programas, a pessoa é exposta (estão em causa direitos de
personalidade como o direito à imagem, à palavra, a reserva da vida privada, a liberdade),
mas quando alguém é divulgado 24h por dia, qual é o espaço da reserva privada – o
direito é alineado ou só há uma compressão (autolimitação) desse direito?

Aqui vemos direitos de personalidade enquanto objeto de um contrato celebrado mediante


cláusulas contratuais gerais; artigo 81º/1CC: o limite da ordem pública.

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Ana Moreira
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• Spam/publicidade não autorizada (por mensagens, email…) entra no nosso


espaço privado (pela internet) e mete-nos em realidades que não escolhemos, e
isso pode ser violento.
• Assédio contratual/comercial.
Tutela Específica:
Dois documentos Legais: L 41/2004, de 18 de agosto e DL 57/2008, de 26 de março
• L 41/2004 à proibição de envio de mensagens não solicitadas, exceção das
pessoas coletivas. Proteção de dados pessoais e proteção da privacidade no setor
das comunicações eletrónicas.
13º-A, L 41/2004:

“1 - Está sujeito a consentimento prévio e expresso do assinante que seja pessoa singular,
ou do utilizador, o envio de comunicações não solicitadas para fins de marketing direto,
designadamente através da utilização de sistemas automatizados de chamada e
comunicação que não dependam da intervenção humana (aparelhos de chamada
automática), de aparelhos de telecópia ou de correio eletrónico, incluindo SMS (serviços
de mensagens curtas), EMS (serviços de mensagens melhoradas) MMS (serviços de
mensagem multimédia) e outros tipos de aplicações similares.”

Isto é: princípio da necessidade de consentimento prévio do destinatário para o envio de


mensagens publicitárias, nomeadamente através de correio eletrónico.

“2 - O disposto no número anterior não se aplica aos assinantes que sejam pessoas
coletivas, sendo permitidas as comunicações não solicitadas para fins de marketing
direto até que os assinantes recusem futuras comunicações e se inscrevam na lista
prevista no n.º 2 do artigo 13.º-B.”

Exceções: pessoas coletivas ou quando os destinatários já são clientes, porém recusaram


o envio da publicidade.

“3 - O disposto nos números anteriores não impede que o fornecedor de determinado


produto ou serviço que tenha obtido dos seus clientes, nos termos da Lei de Proteção de
Dados Pessoais, no contexto da venda de um produto ou serviço, as respetivas
coordenadas eletrónicas de contacto, possa utilizá-las para fins de marketing direto dos
seus próprios produtos ou serviços análogos aos transacionados, desde que garanta aos
clientes em causa, clara e explicitamente, a possibilidade de recusarem, de forma
gratuita e fácil”

Deve haver um endereço ou um meio fácil de utilização que permita aos “clientes” recusar
comunicações posteriores.

108
Ana Moreira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

• DL 57/2008 - 12º c)
“São consideradas agressivas, em qualquer circunstância, as seguintes práticas
comerciais:

c) Fazer solicitações persistentes e não solicitadas, por telefone, fax, e-mail ou qualquer
outro meio de comunicação à distância, exceto em circunstâncias e na medida em que
tal se justifique para o cumprimento de obrigação contratual;”

Isto dará lugar à anulabilidade/modificação/redução do contrato + responsabilidade +


contraordenação.

Tutela específica?
• Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital (CPDHED)- Lei
nº27/2021, de 17 de maio
Suscita dúvidas (por parte da Prof.) sobre ser tutela específica sobre a reserva da vida
privada.

Artigo 8º/1 e 2 CPDHED:

“1 — Todos têm direito a comunicar eletronicamente usando a criptografia e outras


formas de proteção da identidade ou que evitem a recolha de dados pessoais,
designadamente para exercer liberdades civis e políticas sem censura ou discriminação.

2 — O direito à proteção de dados pessoais, incluindo o controlo sobre a sua recolha, o


registo, a organização, a estruturação, a conservação, a adaptação ou alteração, a
recuperação, a consulta, a utilização, a divulgação por transmissão, difusão ou qualquer
outra forma de disponibilização, a comparação ou interconexão, a limitação, o
apagamento ou a destruição, é assegurado nos termos legais.”

Parece que a epígrafe do artigo não corresponde ao seu conteúdo - se a intenção do


legislador era proteger a reserva da vida privada, parece que acaba por proteger mais os
dados.
No entanto esta carta tem alguma preocupação relativamente à reserva da vida privada
(exemplos: spam no artigo 6º e o artigo 17º vem proteger a geolocalização abusiva).

NOTA: limitações voluntárias dos direitos de personalidade têm limites como a ordem
pública e os bons costumes (280º CC).

DIREITO À PROTEÇÃO DE DADOS


É um segmento de especial do direito à reserva da vida privada.

Temos legislação específica – diploma de 2016 (regulamento 2016/679 do parlamento


europeu e do conselho, de 27 de abril), de origem europeia. E temos uma lei nacional de
58/2019, de 8 de agosto.
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Ana Moreira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

Sendo o primeiro diploma relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito
ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados e que revoga a Diretiva
95/46/CR (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados - RGPD).

O que está em causa quando se fala em “proteção de dados?”

Fala-se em dados pessoais, ou seja, informações, conforme se diz no artigo 4º/1 R


2016/679, relativas a uma pessoa singular, identificada ou identificável - atendendo à
tecnologia disponível à data do tratamento e à evolução tecnológica (afasta, desde logo,
as pessoas coletivas e o diploma também não confere este direito a pessoas falecidas).

Exclui dados anónimos = a identificação tem que ser prevenida de forma irreversível:
artigo 5º/1/e) e 26º R 2016/679.

Dados pseudonimizados: são considerados dados pessoais porque é possível chegar-se à


identificação de uma pessoa. Ver artigos: 4º/5; 25º/1 e 6º/4/e R 2016/679

Proteção post mortem: o regulamento europeu não protege as pessoas falecidas, contudo
a nossa lei nacional alargou a proteção a pessoas falecidas, no artigo 17º L 58/2019,
embora não relativamente a todos os dados.

Artigo 17º
“1 - Os dados pessoais de pessoas falecidas são protegidos nos termos do RGPD e da
presente lei quando se integrem nas categorias especiais de dados pessoais a que se
refere o n.º 1 do artigo 9.º do RGPD, ou quando se reportem à intimidade da vida privada,
à imagem ou aos dados relativos às comunicações, ressalvados os casos previstos no n.º
2 do mesmo artigo.
2 - Os direitos previstos no RGPD relativos a dados pessoais de pessoas falecidas,
abrangidos pelo número anterior, nomeadamente os direitos de acesso, retificação e
apagamento, são exercidos por quem a pessoa falecida haja designado para o efeito ou,
na sua falta, pelos respetivos herdeiros.
3 - Os titulares dos dados podem igualmente, nos termos legais aplicáveis, deixar
determinada a impossibilidade de exercício dos direitos referidos no número anterior
após a sua morte.”
Isto traduz-se no direito de acesso aos dados, retificação ou apagamento dos dados.

A CPDHED prevê no artigo 18º - direito ao testamento digital - a possibilidade de a


pessoa manifestar antecipadamente a sua vontade sobre os seus dados (perfis)
pessoais/conteúdo exposto online.

Zombies digitais: milhões de pessoas mortas - com a AI (inteligência artificial), surge a


possibilidade de a pessoa continuar a interagir online, mesmo depois de morta.

Artigo 18.º- Direito ao testamento digital.

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Ana Moreira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

“1 - Todas as pessoas podem manifestar antecipadamente a sua vontade no que concerne


à disposição dos seus conteúdos e dados pessoais, designadamente os constantes dos
seus perfis e contas pessoais em plataformas digitais, nos termos das condições
contratuais de prestação do serviço e da legislação aplicável, inclusive quanto à
capacidade testamentária.
2 - A supressão póstuma de perfis pessoais em redes sociais ou similares por herdeiros
não pode ter lugar se o titular do direito tiver deixado indicação em contrário junto dos
responsáveis do serviço.”

Relação entre o direito à proteção de dados e o direito à reserva


da vida privada:

O direito à proteção de dados autonomizou-se em relação à reserva da vida privada. Como


vivemos num mundo de dados e os dados são tratados de forma massiva, justificou-se
esta autonomização.

Reserva da vida privada: Proteção de dados:

- É o Direito a controlar a - Direito ativo, de controlo relativamente ao


informação relativa à esfera processamento de dados, de modo a que este seja justo,
pessoal, privada e de segredo para objetivos específicos e baseado no consentimento.
da pessoa. - Titular com capacidade de controlo do processamento
através de prerrogativas que a lei prevê.
- Impõe aos demais um dever
geral de respeito e abstenção. -Compreende o direito de acesso aos dados, à sua
retificação, supervisão do seu processamento por uma
- Compreende a esfera privada entidade competente.
de cada um, por contraposição
à esfera pública, cujo âmbito -Abrange qualquer processamento de dados
varia caso-a-caso. independentemente da sua natureza privada.

Estes dois direitos sobrepõem-se, apenas, parcialmente. Há informações relativas à vida


privada que não são dados e vice-versa.

Proteção Exemplo 1: Dados relativos à religião, opções políticas,


de dados sexuais à vida privada + dados relativos a uma pessoa
identificável - esta informação obtém proteção nos dois
direitos.
Reserva da
Exemplo 2: Determinada empresa tem um conjunto de
vida
trabalhadores e elaboram umas folhas Excel com o nome dos
Privada
trabalhadores e o seu vencimento à é um tratamento de
dados, não põe em causa o direito à reserva da vida privada.
Mas, se a lista for publicada online, aí já contempla a reserva
da vida privada. 111
Ana Moreira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD – 5º)

Princípios básicos:

• Princípio do tratamento lícito, leal e transparente.


É preciso que o tratamento seja autorizado, ou que se verifique uma das outras
justificações que a lei prevê no artigo 6º/1 (+ artigo 39º).

• Princípio da limitação das finalidades.


Os dados devem ser tratados para finalidades específicas e só se devem tratar os dados
necessários - artigo 6º/4 (+ 50º e 39º).
• Princípio da minimização dos dados.
• Princípio da exatidão dos dados.
Os dados devem corresponder à verdade - (artigo 39º).

• Princípio da limitação da conservação.


Quando os dados já não forem precisos devem ser eliminados.

• Princípio da segurança dos dados (artigos 32º, 33º/1, 34º) + 39º.


• Princípio da responsabilidade dos que tratam dos dados (artigos 24º, 25º, 30º,
37º-39º).

Direitos dos titulares dos dados

• Direito à informação (artigos 12º-14º)


Direito a saber se e quais dados pessoais estão a ser objeto de tratamento.

• Direito de acesso aos dados (artigo 15º).


• Direito de retificação de dados (artigo 16º).
• Direito de apagamento/esquecimento dos dados (artigo 17º).
O que tem obrigação de apagar tem de adotar todos os procedimentos para o efeito - o
que não quer dizer que consiga.

• Direito à limitação do tratamento (artigos 18º, 19º).


• Direito de portabilidade (artigo 20º).
• Direito de oposição (artigo 21º).
• Direito relativo a decisões automatizadas (artigo 22º).
• Remédios: responsabilidade, compensação (artigos 77º-84º).
DIREITO À VERDADE PROFUNDA
Surge-nos como direito de administrar a verdade, não é um direito à mentira.

Questão pertinente no âmbito do direito de trabalho. Exemplo: na seleção de candidatos


para um emprego, uma pessoa omite certas características suas que podiam ser

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Ana Moreira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

importantes para a sua não seleção. Essa conduta é ou não lícita? Está em causa o direito
à verdade.

Direito à confidencialidade. Impede a utilização de meios de deteção da mentira sem


autorização da pessoa.

PROJEÇÃO MORAL, EM CONCRETO (ARTIGOS 79/3 + 484º CC)


DIREITO À HONRA
É um direito central.

O direito à honra não tem uma alusão direta no CC, surge no direito à imagem - 79º/3 CC
-, como limitação do direito à imagem.

Temos o aprofundamento da honra nos direitos das obrigações – artigo 484º CC “Quem
afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer
pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados”. à Os atentados à honra
geram responsabilidade.

O que está em causa?

• Honra externa: a imagem que nós projetamos na sociedade, a imagem que os


outros têm de nós, que não tem de corresponder necessariamente à honra interna
ou à realidade.

Para efeitos de violação do direito à honra é indiferente se as informações sobre a pessoa


são verdadeiras ou falsas. Exceptio veritatis = o direito à honra pode ser violado pela
divulgação de uma informação verdadeira.

Para efeitos penais, a verdade é relevante (crime de difamação, injúria), mas para efeitos
civis não. Tutela penal: artigos 180º, 181º CP; difamação, injúria.

A honra pode ser invocada pelas pessoas coletivas.

A honra tem 2 círculos:

® Círculo invariável de pessoa para pessoa;

Constituído pela honra propriamente dita: Honra igual para todos. É o aspeto mais ligado
à dignidade da própria pessoa. Núcleo da honra.

Exemplos: honra pessoal, familiar, honestidade, retidão.

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Ana Moreira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

® Círculos variáveis de pessoa para pessoa;

Por si só constituído por 3 outros círculos:

Ø Honra deontológica e profissional;


Tutelada de formas diferentes dependendo da profissão (exemplo: um cirurgião com mão
instável é mais grave que um talhante com essa característica…) – refere-se ao bom nome
e reputação.
Ø Honra económica;
Relacionado maioritariamente com direitos de crédito (por exemplo, se é bom ou mau
pagador, se cumpre ou não).
Ø Decoro.
Único aspeto da honra que é disponível, que pode ser objeto de limitação. Relativo a
hábitos sociais, formas de vestir…

O direito à honra é indisponível, contudo este direito pode-se limitar com base no direito
ao esclarecimento, quando a informação for necessária num cargo político; informação
necessária por um motivo de força maior.

A distinção dos diferentes círculos permite-nos avaliar a gravidade da agressão e


determinar a disponibilidade do direito pelo seu titular (a honra propriamente dita é
indisponível).
CPDHED: 12º “Todos têm direito à identidade pessoal, ao bom nome e à reputação, à
imagem e à palavra, bem como à sua integridade moral em ambiente digital.”

DIREITO A IDENTIDADE PESSOAL


É um direito inato, surge com o nascimento.

É o direito à identificação da pessoa (não confundibilidade) e à identidade em sentido


estrito.
Abrange direito aos meios de identificação pessoal:

• Direito (e proteção) ao nome – artigo 72º CC, que é um direito adquirido. A lei
permite a homonímia – o nome não é de uso exclusivo, porém os que têm o mesmo
nome não podem usar o mesmo nome fazendo-se passar por outra pessoa.
• Proteção do pseudónimo: goza da proteção conferida ao próprio nome (74º CC).
Abrange o direito à verdade pessoal:

Direito a que não se deforme a verdade através de informações falsas; é violado pela
mentira, ainda que não denegatória.

CPDHED: direito à identidade pessoal (artigo 12º). Para além disso, o legislador
acrescenta que incumbe ao estado combater a usurpação de identidade (artigo 12º/2).
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Ana Moreira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

DIREITO À CRIAÇÃO PESSOAL


Direito inato, embora abranja a proteção do direito de autor, que não é um direito inato.

Está em causa o direito a criar e é violado quando se limita a liberdade artística/científica


de alguém.

Compreende o direito moral de autor (direito adquirido), que já pressupõe o surgimento


de uma obra (de engenho) original e objetivada num suporte sensível, e se encontra
tutelado pelo Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos.

Tutela post mortem: 50 anos

Direito de autor tem duas vertentes:

• Direito patrimonial;
Direitos reais, exploração patrimonial da obra.

• Direito moral de autor;


Aquele em que a disciplina se foca.

É uma vertente nos direitos de personalidade – direito de criatividade.

Surge quando surge uma obra. Só vemos protegido este direito quando somos autores.

O que é uma obra?

Obra tem de ser original, embora possa não o ser totalmente, e objetivada num suporte
sensível.

A obra que ainda está na mente do autor não é considerada - precisa de ser exteriorizada,
escusa de ser num suporte material, por exemplo: a música ser cantada, mesmo não
estando numa pauta.

Existe o Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos à Código específico para
estes direitos.

O que abrange o direito moral de autor?

Abrange várias faculdades jurídicas secundárias:

Ø Direito à paternidade da obra: Todo o autor tem direito a que seja


reconhecido a autoria da obra.
Ø Direito ao inédito: Controlar a divulgação da obra. E nos casos em que a
obra é divulgada, o autor tem direito a, se quiser, recolher a obra, decidir
em sentido contrário e terminar a divulgação.
Ø Direito de intangibilidade da obra: Direito à obra não ser alterada.
Ø Direito à dignidade da obra: A obra pode não ser alterada, mas, por
exemplo, o livro pode ser editado e colocado numa categorização

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Ana Moreira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

diferente da intenção original sendo posta em causa a sua dignidade


(contrário ao espírito do livro, por exemplo; se pusermos um livro de
poesia numa categoria técnica…).
Ø Direito de sequência: O autor aproveitar as valorizações extraordinárias
da obra (série inspirada num livro de um autor - esse autor pode continuar
a usufruir desses direitos).
Tutela específica:
DL 252/94: artigo 1º/2.
CPDHED: artigo 16º.

AUTOLIMITAÇÃO DOS DIREITOS DE PERSONALIDADE


CONSENTIMENTO DO OFENDIDO
Uns direitos podem ser limitados, outros não.

Quando se fala do consentimento não falamos da extinção do direito de personalidade,


apenas de uma compressão do mesmo.

Limites à autolimitação têm ainda no topo o direito à vida (deixará de assim ser com a lei
da eutanásia) - as limitações da integridade física não podem pôr em causa o direito à
vida. Têm como limite inferior as exigências da vida em sociedade.

Estes limites têm de se conformar com princípios da ordem pública e dos bons costumes:
artigo 81º/1 CC “1. Toda a limitação voluntária ao exercício dos direitos de
personalidade é nula, se for contrária aos princípios da ordem pública.”

Têm de contar também com o artigo 280º/2 CC. Quando a autolimitação dos direitos é
objeto de um contrato, temos as balizas da ordem pública.

Se a limitação de um direito de personalidade se justificar com base no consentimento do


ofendido e se este for ilícito, a limitação dos direitos de personalidade é ilícita, visto que
não há fundamento que permitia a limitação.

Formas de consentimento

Distinções (por Orlando de Carvalho):

• Consentimento vinculante
Confere um poder jurídico de agressão.

O consentimento é prestado no contexto de um negócio jurídico, a maioria das vezes num


contrato. O objeto desse contrato é alguém prestar um serviço que limita o direito de outra
pessoa.

Artigo 81º/2, 1º parte CC “A limitação voluntária, quando legal, é sempre revogável”.

Se o consentimento é prestado para a efetivação do contrato, a revogação do


consentimento importa o incumprimento do contrato.

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Ana Moreira
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• Consentimento autorizante
Poder fáctico de agressão (e não jurídico).

O consentimento não é prestado a nível contratual, há um compromisso apenas.

A revogação deste consentimento autorizante dá apenas lugar à indemnização das


expectativas frustradas, sendo, por isso, possível a todo o tempo.

Artigo 81º/2, 2º parte CC “ainda que com obrigação de indemnizar os prejuízos causados
às legítimas expectativas da outra parte”.

• Consentimento tolerante
Consentimento que não confere um poder de agressão, apenas constitui uma justificação
da ação = consentimento manifestado em benefício próprio. A lei admite que este
consentimento possa ser presumido (340º/1 CC), se o visado não estiver em condições de
o prestar (exemplo: estar no hospital a necessitar de uma operação, mas a pessoa está
inconsciente).

O consentimento pode ser presumido, mas isto é diferente de dizer que o consentimento
tolerante é sempre presumível.

Se o consentimento for um negócio, os que não têm capacidade para celebrar negócios
não têm capacidade para consentirem.

Capacidade dos menores para consentirem:

• Consentimento autorizante e vinculante: têm de ser prestados pelo próprio (desde


que tenha discernimento) juntamente com o seu representante, pois requerem
capacidade negocial.
• Consentimento tolerante: pode existir um consentimento do representante
(admite-se, inclusive, um consentimento presumido).

Não se exige capacidade negocial: o menor pode consentir se tiver


discernimento/maturidade para entender as implicações da agressão (artigo 38º/3, Código
Penal: 16 anos).

Artigo 16º L 58/2019 – consentimento de menores na lei da proteção de dados, baixou a


idade em causa para os 13 anos.

Artigo 16.º
Consentimento de menores
“1 - Nos termos do artigo 8.º do RGPD, os dados pessoais de crianças só podem ser
objeto de tratamento com base no consentimento previsto na alínea a) do n.º 1 do
artigo 6.º do RGPD e relativo à oferta direta de serviços da sociedade de informação
quando as mesmas já tenham completado 13 anos de idade.
2 - Caso a criança tenha idade inferior a 13 anos, o tratamento só é lícito se o

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Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

consentimento for dado pelos representantes legais desta, de preferência com recurso
a meios de autenticação segura.”
Em suma, revogabilidade.

Consentimento é revogável a todo o tempo, tem de ser sempre revogável (Artigo 81º/2,
1º parte).

Sendo vinculante gera incumprimento contratual, sendo autorizante dá lugar à


indemnização dos prejuízos causados com a frustração das expectativas.

Vamos começar com a matéria da capacidade.

4.2 AS INCAPACIDADES E O ACOMPANHAMENTO


Já havíamos feito a distinção entre capacidade jurídica e capacidade de gozo e
capacidade de exercício.

No âmbito negocial, ou seja, na celebração de negócios temos:

Capacidade negocial de gozo

Nas situações em que falha a capacidade negocial de gozo, em regra, a consequência será
a nulidade dos negócios jurídicos. Porém, existem algumas exceções.

A incapacidade negocial de gozo é insuprível, o que significa que não temos meios para
ultrapassar esta falta de capacidade de gozo.

Capacidade negocial de exercício.

Já no caso da incapacidade de exercício a consequência levará à anulabilidade dos


negócios celebrados, que é uma forma de invalidade mais leve, menos grave.

A incapacidade negocial de exercício é suprível, ou seja, a lei prevê meios para ultrapassar
esta falta de capacidade de exercício de direitos. Prevê-se:

• O instituto da representação;
• O instituto da assistência.

Representação

Meio de suprir a incapacidade de exercício de direitos. ® O representante legal atua em


nome e no interesse do representado.

Podemos distinguir entre:

• Representação voluntária;
Quando eu nomeio um representante, sendo eu plenamente capaz.

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Ana Moreira
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• Representação legal;
Quando a pessoa não tem capacidade para agir por ela própria.

Assistência

Surge quando a lei admite que o incapaz atue por ele próprio, mas designa alguém para
acompanhar o incapaz nessa sua atuação, impedindo essa atuação ou autorizando-a. Nos
casos em que se aplica o instituto da assistência, é o próprio incapaz que atua, não há
substituição.

Representação: mais grave; assistência: não tão grave.

Concretamente, temos o instituto da representação legal como meio de suprir a


incapacidade dos menores.

Relativamente aos maiores acompanhados, poder-se-á verificar:

® A representação legal em situações mais graves;


® A assistência em situações menos graves;
® A possibilidade de que não se aplique nenhum instituto.

A regra é a da capacidade de gozo, nos termos do artigo 67º CC. Mas há algumas
exceções, incapacidades de gozo motivadas por diferentes razões. As mais importantes
prendem-se:

• Com as incapacidades nupciais, nomeadamente incapacidade para casar –


artigos 1601º e 1602º CC.
1601º CC “São impedimentos dirimentes, obstando ao casamento da pessoa a quem
respeitam com qualquer outra:

a) A idade inferior a dezasseis anos;

b) A demência notória, mesmo durante os intervalos lúcidos, e a decisão de


acompanhamento, quando a sentença respetiva assim o determine;

c) O casamento anterior não dissolvido, católico ou civil, ainda que o respetivo assento
não tenha sido lavrado no registo do estado civil.”

É uma incapacidade importante, justificada pela falta de maturidade (1601º a)), ou por
outras razões, nomeadamente psicológicas.

• Com incapacidades para perfilhar – 1850º CC “1 - Têm capacidade para


perfilhar os indivíduos com mais de 16 anos, se não forem maiores
acompanhados com restrições ao exercício de direitos pessoais nem forem
afetados por perturbação mental notória no momento da perfilhação.”.

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Ana Moreira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

• relativamente aos testamentos - 2189º CC “São incapazes de testar: a) Os


menores não emancipados; b) Os maiores acompanhados, apenas nos casos em
que a sentença de acompanhamento assim o determine.”.
NOTA: Quando o artigo 67º CC diz “salvo disposição legal em contrário” podemos
colocar os artigos 1601º, 1850º e 2189º CC.

Situações de indisponibilidade relativa:

Já conhecemos hipóteses de indisponibilidade relativa que nos surgiram no testamento


e que eram aplicadas às doações, a propósito das restrições à liberdade contratual e à
autonomia privada (artigos 2192º, 2194º, 2196º CC).

Também existe indisponibilidade relativa nos casos em que a limitação não tem a ver
com o sujeito, mas com a relação relativamente a outro sujeito (exemplo: venda de pais
a filhos ou de avós a netos - 877º CC) - não é uma incapacidade de gozo, a pessoa é
plenamente capaz, só não pode celebrar um negócio com aquele sujeito em específico.

NOTA: Pessoas coletivas: a personalidade jurídica é uma personalidade


instrumental. Elas terão uma capacidade determinada pelo fim que prosseguem e,
nesses casos, a capacidade de gozo e de exercício coincidem – são sobrepostas.
Elas podem exercer todos os direitos de que são titulares.

As pessoas, no que diz respeito à capacidade de exercício, têm direito à capacidade de


exercício a partir da maioridade – artigos 30º + 133º CC (efeitos).

Este discernimento, ou a falta deste, pode surgir relativamente a maiores (devido à perda
de qualidades em função da idade, ou as qualidades psíquicas da pessoa) daí surgir o
instituto dos maiores acompanhados.

Estes dois institutos (a maioridade e o acompanhamento) surgem com a finalidade de


proteger o menor incapaz.

Artigo 1682º CC – a possibilidade de celebrar negócios está limitada em função da pessoa


ser casada. Nestas hipóteses (ilegitimidades conjugais) o objetivo é proteger o cônjuge
e não o próprio.

Menoridade

Artigos 122º a 133º CC.

É menor quem não completou ainda 18 anos de idade – artigo 122º CC.

Artigo 123º CC: A incapacidade dos menores é a regra. A incapacidade dos menores é
de âmbito geral, cobre todas as atuações dos menores.

A capacidade dos menores corresponde a situações excecionais (previstas pela lei). Três
exceções, previstas no 127º CC, são de atuação dos menores que levam a negócios
válidos; duas delas têm a ver com a possibilidade de o menor trabalhar (remete-nos para

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Ana Moreira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

o Código do Trabalho). Por exemplo, o menor pode trabalhar com 16 anos, com
determinados requisitos, obviamente, ou seja, pode celebrar um contrato de trabalho.

Artigo 127º CC.

127º/1 a) CCà Quando o menor trabalha, tem rendimentos e adquire bens com os seus
rendimentos, ele pode praticar atos relativamente a esses bens (alienar, administrar…).

127º/1 c) CCà Negócios relativos à profissão: se o menor exerce uma profissão e se


essa profissão implica a celebração de contratos (determinados negócios jurídicos) para
esses negócios jurídicos relativos à profissão, ele tem capacidade e são válidos.

127º/1 b) CCà Temos um conjunto de conceitos indeterminados; haverá que se ver em


cada caso quais são os negócios próprios da “vida corrente do menor”. Depende, desde
logo, da idade do menor - as despesas que temos com 1 ou 2 anos, ou mesmo com 12,
não são as mesmas que temos com 17 anos. “Despesas (…) de pequena importância” -
pode ser relevante à situação económica do menor, e nessa medida haverá que interpretar
os diferentes conceitos em cada situação concreta.

O menor a partir dos 16 anos pode contrair casamento – a idade núbil é 16 anos para
ambos os sexos. Embora que com a oposição dos pais ao casamento seja posta em causa
a validade do casamento – 1604º/a CC.

1649º CC à A idade núbil é aos 16 anos, mas se o menor com 16 anos casar e não tiver
consentimento dos pais/tutores, o menor continua menor para efeitos de administração
dos bens, ou seja, os pais/tutores continuam a administrar os bens.

Consequências do casamento de menores

132º CC: O menor será emancipado.

133º CC “A emancipação atribui ao menor plena capacidade de exercício de direitos,


habilitando-o a reger a sua pessoa e a dispor livremente dos seus bens como se fosse
maior, salvo o disposto no artigo 1649.º”.

Atos praticados por menores

O que acontece quando um menor celebra negócios jurídicos (sem ser nos casos
previstos na lei)? Esses negócios são anuláveis. O 125º CC estabelece um regime
próprio (foge ao regime geral do artigo 287º CC): prazos para arguir a anulabilidade e a
legitimidade para arguir a anulabilidade.

125º CC:“1. Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 287.º, os negócios jurídicos
celebrados pelo menor podem ser anulados:

a) A requerimento, conforme os casos, do progenitor que exerça o poder paternal, do


tutor ou do administrador de bens, desde que a ação seja proposta no prazo de um ano
a contar do conhecimento que o requerente haja tido do negócio impugnado, mas nunca

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Ana Moreira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

depois de o menor atingir a maioridade ou ser emancipado, salvo o disposto no artigo


131.º;

b) A requerimento do próprio menor, no prazo de um ano a contar da sua maioridade ou


emancipação;

c) A requerimento de qualquer herdeiro do menor, no prazo de um ano a contar da morte


deste, ocorrida antes de expirar o prazo referido na alínea anterior”

Se o menor morre durante esse prazo, os herdeiros podem arguir a anulabilidade no prazo
de um ano a contar da data de morte do menor.

A verificar os artigos 125º (regra especial) e 287º (regra geral) acima citados.

A anulabilidade pode ser:


• por via de ação (ação intentada para o efeito por quem tem legitimidade para tal);
• por via de exceção (exceções do processo civil – defesa por exceção).
Exemplo: Contrato não cumprido, o comprador propõe uma ação porque diz que o
preço não foi pago. O réu defende-se dizendo “eu não paguei porque o contrato é
anulável” à convoca a anulabilidade por via de exceção.

Nas hipóteses em que há dolo do menor, o menor não pode arguir a anulabilidade.

Artigo 126º CC – “Não tem o direito de invocar a anulabilidade o menor que para
praticar o ato tenha usado de dolo com o fim de se fazer passar por maior ou
emancipado”.

“Com dolo” significa que o menor agiu fazendo-se passar por maior ou emancipado.

Para se considerar que há dolo não basta dizer que é maior, o dolo exige algo mais
elaborado. Exige documentação falsa ou criação de uma situação para fingir que é maior,
por exemplo à cria artifícios para provar que é maior para além de invocar a maioridade.

Aqui, uma vez que é atingida a maioridade, o menor não tem legitimidade para arguir a
anulabilidade. O regime da anulabilidade é feito para proteger o menor, mas nesta norma
(126º CC), o legislador olha para os interesses da contraparte (que foi enganada pelo
menor), mas não se chega ao ponto de a contraparte poder arguir a anulabilidade, mesmo
que fundamente invocando a menoridade - nunca se chega a esse ponto).

Em caso de falecimento do menor:

A possibilidade de os herdeiros arguirem a anulabilidade depende da própria


possibilidade de o menor o fazer.

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Ana Moreira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

Se, em caso de atuação com dolo do menor, este não puder arguir a anulabilidade, os
herdeiros (em caso de falecimento do mesmo) também não o podem fazer, não podem
“corrigir” a atuação do menor.

A questão que se coloca é se o 126º CC vale para os representantes legais (detentores


do poder paternal, por exemplo)? A doutrina diverge:

• Há quem acredite que ninguém tem capacidade de arguir a anulabilidade, ou seja,


o próprio menor não tem legitimidade para arguir a anulabilidade nem a têm os
representantes.
• Há quem defenda que, olhando para o papel dos representantes, que é corrigir a
atuação do menor, fará sentido que possam arguir a anulabilidade, durante a
menoridade (respeitando os prazos).
A menoridade é suprida através da representação legal. Na representação legal privilegia-
se as responsabilidades parentais.

Direito da família – 1878º CC – “1. Compete aos pais, no interesse dos filhos, velar
pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação,
representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens.”.

As responsabilidades parentais pertencem aos pais – 1901º CC.

Ao lado das responsabilidades parentais podemos ter a administração de bens – 1967º


CC: surge nos casos do 1922º CC - “Será instituído o regime de administração de bens
do menor previsto nos artigos 1967.º e seguintes:

a) Quando os pais tenham sido apenas excluídos, inibidos ou suspensos da administração


de todos os bens do incapaz ou de alguns deles, se por outro título se não encontrar
designado o administrador;”

Os poderes que os pais têm são poderes-deveres/poderes funcionais (um sujeito que
tem o poder ser exercer um direito subjetivo no interesse de outrem).

As responsabilidades parentais incluem uma vertente pessoal: 1885º CC – educação;


1886º CC - educação religiosa; 1887º CC – abandono do lar; 1878º/1 e 1897º CC poderes
com natureza patrimonial.

1888º CC – exclusão da administração. Excluem-se da administração dos pais, por


exemplo, bens que foram doados aos filhos contra vontade dos pais, bens dos menores
adquiridos pelo próprio em função do seu trabalho (quando este tem 16 anos) …

1889º CC: atos cuja validade depende da intervenção/autorização do tribunal.

A violação do disposto nestes artigos implica a anulabilidade dos atos praticados pelos
pais – 1893º CC

123
Ana Moreira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

A tutela surge de acordo com o 1921º CC, nos seguintes casos:


“1. O menor está obrigatoriamente sujeito a tutela:

a) Se os pais houverem falecido;

b) Se estiverem inibidos do poder paternal quanto à regência da pessoa do filho;

c) Se estiverem há mais de seis meses impedidos de facto de exercer o poder


paternal;

d) Se forem incógnitos.”

Sempre que não for constituído o apadrinhamento civil (mais adiante).

Artigo 1927º CC- tutela exercida pelo tutor.

Conselho de família – 1951º e ss CC.

O tutor não tem poderes tão amplos como os pais têm na representação dos menores.

Porquê?

O legislador entende que os pais são mais próximos dos menores e por isso administrarão
melhor os seus interesses. A lei estabelece limites mais apertados para a ação do tutor.

O regime da tutela aparece no 1927º e ss CC

1937º CC: estabelece quais os atos proibidos ao tutor.

1928º CC: atos dependentes da autorização do tribunal.

Há atos que os pais podem praticar livremente, mas que o tutor precisa de autorização do
tribunal. Por sua vez, há atos que os pais podem praticar com a autorização do tribunal e
o tutor está proibido.

A consequência da violação destas regras será a “nulidade” dos atos praticados pelo
tutor – 1939º CC.

Temos “nulidade” ao invés de nulidade (sem aspas), porque esta não é


verdadeiramente uma hipótese de nulidade, mas sim invalidade mista.

Apesar da lei dizer que os atos são nulos: esta nulidade não pode ser
invocada pelo tutor; se fosse uma verdadeira nulidade o tutor poderia
invocá-la.

124
Ana Moreira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

Acompanhamento de Maiores

Com os 18 anos, a incapacidade para o exercício de direitos termina, mas pode acontecer
que, ainda durante a menoridade, seja proposta uma ação com vista a retratar uma medida
de acompanhamento do maior – 131º CC “Estando pendente contra o menor, ao atingir
a maioridade, ação de acompanhamento, mantêm-se as responsabilidades parentais ou
a tutela até ao trânsito em julgado da respetiva sentença.”.

Incapacidade que a lei prevê – acompanhamento de maiores – L49/2018, de 14/08

Um regime muito recente na nossa ordem jurídica, de 2018.

Aparece nos artigos 138º e ss CC.

Evolução da Legislação face aos maiores incapacitados

Anteriormente existia: Atualmente:

Regime da interdição e inabilitação Os regimes da Interdição e da


(revogados, dando origem a um novo regime) Inabilitação dão lugar a este novo
instituto:
Regime de interdição:
Acompanhamento de maiores
Todos aqueles que por anomalia psíquica,
surdez-mudez ou cegueira se mostrem Princípio de capacidade: por
incapazes de governar suas pessoas e bens. regra, todas as pessoas deviam ser
capazes.
É uma incapacidade geral: o maior é
transformado em menor, o regime é idêntico ao Para as pessoas serem vistas como
regime da menoridade só que para pessoas capazes, o regime dos maiores
maiores, com um dos fundamentos acompanhados aproxima-se do
mencionados acima (normalmente, anomalia regime da inabilitação.
psíquica).
A lei diz que se aplica aos maiores
Regime de inabilitação: impossibilitados, por razões de
saúde, deficiência, ou pelo seu
Indivíduos cuja anomalia psíquica, surdez- comportamento, de exercer, plena,
mudez ou cegueira, embora de carácter pessoal e conscientemente, os seus
permanente, não seja de tal modo grave que direitos ou de, nos mesmos termos,
justifique a sua interdição, assim como aqueles cumprir os seus deveres – 138º CC
que, pela sua habitual prodigalidade ou pelo
abuso de bebidas alcoólicas ou de Este regime depende de um
estupefacientes, se mostrem incapazes de reger processo judicial.
convenientemente o seu património.

Mesmos fundamentos que a interdição, mas 125


menos
Ana graves, a pessoa conseguia ter alguma
Moreira
autonomia.
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

INSTITUTO DOS MAIORES ACOMPANHADOS 11


® Pressuposto:

Impossibilidade de exercer, plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos ou de


cumprir os seus deveres por razões de saúde, deficiência, ou pelo seu comportamento. à
O fundamento pode ser uma qualidade natural da pessoa, intrínseca (deficiência, por
exemplo) e a questão só se coloca na maioridade porque na menoridade está protegida;
ou quando a pessoa foi perdendo qualidades em função de idades (doença
degenerativa, por exemplo); ou comportamental (abuso de bebidas alcoólicas e
estupefacientes). Artigo 138º CC.

® Objetivo:

Não está em causa o castigo, o objetivo é proteger o maior. 140º CC.

® Princípios ordenadores do regime:

Proteção do acompanhado 140º/1 CC (acima) e 146º/1 CC– ele deverá atuar na


diligência de um bom pai de família e manter contacto permanente com o acompanhado.
Contacto permanente: A lei especifica que o acompanhante deverá visitá-lo, no
mínimo, com uma periodicidade mensal – 146º/2 CC.
Supletividade: este é um regime supletivo - 140º/2 CC.
Se houver outra solução que garanta o bem-estar do acompanhado, o cumprimento das
suas obrigações e o exercício dos seus direitos, esta solução é preferida ao
acompanhamento de menores.

Exemplo: dever de assistência do cônjuge no casamento.

Estrita necessidade do acompanhamento de maiores: só será decretado se for


estritamente necessário, isto é, a sentença deverá limitar-se ao mínimo, privilegiar a
capacidade e só decretar incapacidades/limitações à capacidade quando for estritamente
necessário – 145º/1 CC.

11
Relativamente a este tópico recomenda-se, para um maior aprofundamento da matéria a leitura do artigo:
https://periodicos.unifor.br/rpen/article/view/9569/pdf, que a docente da Unidade Curricular disponibilizou
na página do Sigarra.

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Ana Moreira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

® -Legitimidade para requerer

Cônjuge, unido de facto


ou parente sucessível Ministério
Próprio Público
mediante autorização do
próprio

O esquema enumera quem pode requerer - denote-se que o Ministério Público pode
requerer sem dependência de autorização do próprio.

® Acompanhante

Quem pode ser acompanhante? 143º CC.

1 Escolha do Acompanhado 2 Designação no Processo

É uma novidade que, no regime de Se não houver escolha do acompanhado,


acompanhamento de maiores, o o tribunal deverá designar a pessoa que
acompanhante possa ser escolhido melhor salvaguarda o interesse do
pelo acompanhado, até visado.
antecipadamente.

Quanto à designação no processo, temos no artigo 143º/2 CC uma enumeração


meramente exemplificativa:

“a) Ao cônjuge não separado, judicialmente ou de facto;


b) Ao unido de facto;
c) A qualquer dos pais;
d) À pessoa designada pelos pais ou pela pessoa que exerça as responsabilidades
parentais, em testamento ou em documento autêntico ou autenticado;
e) Aos filhos maiores;
f) A qualquer dos avós;
g) À pessoa indicada pela instituição em que o acompanhado esteja integrado;
h) Ao mandatário a quem o acompanhado tenha conferido poderes de
representação;
i) A outra pessoa idónea.”
A lei prevê que possam ser designados vários acompanhantes com funções diferentes
(a sentença especifica quais são os atos que os acompanhantes podem ter), não tem de ser
uma pessoa única.

® Âmbito de atuação (artigo 145º CC).

O âmbito do acompanhamento dos maiores depende da sentença – 145º CC.

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Ana Moreira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

Pela delimitação do tribunal, as hipóteses são:

• Um exercício das responsabilidades parentais (regime das


responsabilidades parentais – incapacidade de exercício, os pais atuam em
vez do maior);
• Representação geral ou representação especial só para determinados atos;
• Administração total ou parcial de bens;
• Autorização prévia para determinados atos ou categorias de atos;
• Outras medidas explicitadas pelo tribunal.
O legislador dá-nos hipóteses que a sentença poderá adotar, mas depois deixa-nos uma
hipótese residual (145º/2 e) CC), dando margem para que a sentença designe algo distinto.

Nestas diferentes hipóteses cabem regimes semelhantes aos que tínhamos até 2018
(interdição e inabilitação).

Artigo 145º/3 CC “Os atos de disposição de bens imóveis carecem de autorização


judicial prévia e específica.”

® Princípio da capacidade – 147º CC

Vale para os direitos pessoais e para a celebração de negócios da vida corrente.

A menos que seja dito algo da sentença em sentido contrário, no que toca à celebração de
negócios da vida corrente, a atuação do maior acompanhado é livre, assim como é
livre também quanto à celebração de negócios da vida pessoal.

Exemplos de direitos pessoais:

Casar ou constituir união;


Procriar;
Perfilhar ou adotar;
Cuidar e educar filhos;
Escolha de profissão;
Deslocação no país ou no estrangeiro;
Fixação de domicílio e residência;
Estabelecimento de relações;
Testar.

® Acompanhado – capacidade – artigo 154º CC.

128
Ana Moreira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

do
Anúncio
início
dodo
início Decisão Registo
re da
Maioridade
maiori do Decisã
final gis
sentença
dade processo o final to

Incap anulabili Anul anul


acida
Incapacidade Anulabilidade
dade Anulabilidade
abilid Anulável
ável
de
acidental diferida
diferida ade
condicionada
condicionada ao prejuízo
ao prejuízo

Antes da maioridade os negócios são anuláveis. A partir da maioridade, a capacidade


de exercício é regra, e os negócios são válidos.

Atingida a maioridade, a hipótese que temos de ressalvar é a hipótese desta pessoa não
ter uma medida de acompanhamento; aplicar-se-á o regime da incapacidade acidental
(257º CC).

O artigo 257º CC não é um instituto que tem como única finalidade proteger o incapaz,
este artigo atende a vários interesses, também se aplicando a situações em que alguém é
naturalmente incapaz, mesmo sendo juridicamente capaz e permanentemente capaz,
mas transitoriamente numa situação de incapacidade.

Se a incapacidade era conhecida da contraparte, ou se deveria ser à (cognoscente:


a contraparte era capaz de perceber que a pessoa não estava em condições de efetuar o
negócio), o negócio é nulo. O 257º CC aplica-se em qualquer situação em que uma pessoa
capaz esteja acidentalmente/temporariamente incapaz e também quando alguém é
naturalmente incapaz.

257º CC: “1. A declaração negocial feita por quem, devido a qualquer causa, se
encontrava acidentalmente incapacitado de entender o sentido dela ou não tinha o livre
exercício da sua vontade é anulável, desde que o facto seja notório ou conhecido do
declaratário.”

Os interesses do incapaz e da contraparte têm de ser compatibilizados.

Momento onde é atingida a maioridade, não há a situação de acompanhamento e é


realizado um negócio jurídico: a única solução que temos para arguir a anulabilidade é
com o fundamento da incapacidade acidental – artigo 154º/3 CC.

Se estamos perante uma das situações em que a pessoa é naturalmente incapaz, durante
a menoridade, a lei permite que uma ação (para acompanhamento) seja proposta
durante a menoridade, no último ano, com vista à produção de efeitos logo quando é
atingida maioridade – artigos 142º CC (“O acompanhamento pode ser requerido e

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Ana Moreira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

instaurado dentro do ano anterior à maioridade, para produzir efeitos a partir desta.”)
e 131º CC (“Estando pendente contra o menor, ao atingir a maioridade, ação de
acompanhamento, mantêm-se as responsabilidades parentais ou a tutela até ao trânsito
em julgado da respetiva sentença.”).

Porque é que a lei prevê esta possibilidade?

A possibilidade de antecipar essa ação de declaração de incapacidade visa impedir


que haja hiatos temporais em que a pessoa tem total capacidade.

Nesta situação,

Não temos naturalisticamente um acontecimento como a maioridade; para haver


limitação à capacidade tem de haver sentença, a sentença não existe ex abrupto de um
dia para o outro, há um processo judicial a decorrer.

Há alguém que é maior, a ação já foi proposta, já foi publicitada, mas ainda não há
sentença.

Neste ínterim é celebrado um negócio, o negócio é válido ou não? Quem contrata


com esta pessoa contrata com um maior, juridicamente capaz. O que é que a lei diz?

Tudo depende da resposta da sentença. Estes negócios negociados serão válidos ou


inválidos consoante causem ou não causem prejuízo ao maior e dependendo da sorte
da sentença.

Artigo 154º/1 b) CC – anulável depois de anunciado o início do processo, mas apenas


após a decisão final.

Será assim até ao registo da sentença de acompanhamento.

Depois da decisão final o negócio ainda não é anulado, o regime da anulabilidade


só se aplica/só pode ser arguido depois do registo – artigo 154º/1 a) CC.

Publicidade: 153º CC (“A publicidade a dar ao início, ao decurso e à decisão final do


processo de acompanhamento é limitada ao estritamente necessário para defender os
interesses do beneficiário ou de terceiros, sendo decidida, em cada caso, pelo tribunal.”)

257º CC da capacidade acidental será sempre aplicável até para os negócios para os quais
o maior tenha capacidade. Na medida que é aplicável a todos os capazes, também é
aplicável aos espaços de capacidade dos menores acompanhados.

Poderá haver atos para os quais o maior acompanhado tem plena capacidade, mas se
relativamente a esse ato o maior não está capaz de entender as declarações negociais,
aplica-se o 257º CC.

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Ana Moreira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

® Novidade do regime: mandato com vista a um futuro acompanhamento.

A lei prevê no artigo 156º CC a possibilidade de celebrar um contrato de mandato com


vista a um futuro acompanhamento.

Mandato (com ou sem representação): contrato típico, regime previsto no artigo 1157º
CC e ss: uma das partes se obriga a praticar um ou mais atos jurídicos por conta da outra.

Antes de 2018: se A celebrasse um contrato com B, estabelecendo com B que este era o
mandatário para celebrar negócios por sua conta e se A se tornasse incapaz, o contrato
cessava, não produzia efeitos.

A lei agora prevê que as pessoas celebrem contratos de mandato com vista a um
acompanhamento. A lei vem prever que alguém consiga fazer um contrato de mandato
com vista a incapacidades futuras – artigo 156º CC.

Nomeando alguém mandatário para estes efeitos, o regime aplicado é o regime geral do
contrato de mandato (156º/2 CC).

O tribunal terá em conta este mandato para definir o âmbito de proteção e para a
designação do acompanhante. O tribunal poderá avaliar este mandato (poderá acrescentar,
poderá cessar…) – 156º/3 CC.

Regime do apadrinhamento civil - L 103/2009

A relação de apadrinhamento civil é uma originalidade do legislador nacional. A


ideia foi criar um instituto que fica entre a tutela e a adoção restrita – é mais que tutela e
menos que adoção.

Aspeto perigoso: trata-se de um vínculo tendencialmente perpétuo, diferente da tutela.


Ele mantém-se após a maioridade, não cessa com a maioridade, ainda que cessem as
responsabilidades parentais.

Quem pode ser padrinho civil? Maiores de 25 anos, desde que tenham sido habilitados
para o efeito – processo de habilitação, da Segurança Social. A lei prevê a possibilidade
de ser constituída uma bolsa de padrinhos civis que pode ser utilizada se necessária à
pouca aplicação prática.

Outra hipótese é (com mais probabilidade de sucesso e mais interessante): nos casos em
que os menores já estão confiados à guarda de alguém, essa pessoa habilitar-se para
efeitos de apadrinhamento civil.

Os padrinhos podem ser indicados até pelos pais, podem ser indicados pelo próprio
menor, mas terão de ser habilitados para o efeito.

Podem ser afilhados civis os menores de 18 anos, numa situação de acolhimento (numa
instituição), ou em situação de perigo. No caso de serem menores com 12 anos (ou mais),
os próprios menores terão de intervir neste compromisso de apadrinhamento.

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Ana Moreira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

Na base de uma relação deste género: compromisso escrito e confirmado pelo tribunal
ou então teremos uma sentença do tribunal.

Em princípio poderá ser pedido o consentimento dos pais.

Os padrinhos irão exercer as responsabilidades parentais – artigos 1936º e 1941º CC.

Aqui não se quebra o vínculo existente com os pais. A lei prevê que os pais
possam ter um regime de visitas e acompanhamento do menor, se tal for possível.

A lei prevê uma série de benefícios, fiscais, por exemplo, aos padrinhos – regime de
faltas/férias, como se se tratassem de descendentes de 1º grau.

Não existem efeitos sucessórios entre padrinhos e afilhados, havendo, no entanto,


obrigação de alimentos recíproca, que se mantém ao longo da vida.

Se a relação se vier a revogar, mantém-se um regime de acompanhamento e visitas por


parte do padrinho.

O legislador pretendeu arranjar uma terceira via prática para determinadas situações, mas,
na prática, é pouco utilizada.

ILEGITIMIDADES CONJUGAIS:
Há atos que carecem do consentimento de ambos os cônjuges, em qualquer regime de
bens (mesmo no de separação de bens) – (artigos 1682º-A/2 e 1682º -B).

Estas situações distinguem-se de verdadeiras incapacidades.

NOÇÃO DE DOMICÍLIO
As pessoas encontram-se radicadas em determinados locais. Já vimos essa questão pela
negativa a propósito do regime de ausência (pessoas não se encontram no local onde estão
radicadas e não há notícias do seu paradeiro).

Há uma ligação importante entre as pessoas e os lugares à noção de domicílio.

O domicílio encontra-se nos artigos 82º CC e ss. A ideia geral é a do local de organização
da vida de uma determinada pessoa.

132
Ana Moreira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

A relação entre a pessoa e o local onde está radicada tem relevância jurídica em vários
aspetos:

Em termos positivos, Em termos negativos:


Nos aspetos processuais, como regra geral, é competente o tribunal O facto de alguém quebrar a
do domicílio do réu (80º Código Processo Civil (CPC). relação que tem com o lugar do
seu domicílio, sem dar
Regras no Direito das Obrigações relativamente ao cumprimento
notícias, faz desencadear
das obrigações, nomeadamente o princípio geral em matéria de
vários regimes como o regime
cumprimento (772º CC); se a obrigação se tratar de uma obrigação
da ausência.
pecuniária (774º CC), a prestação deve ser efetuada no domicílio
do credor.
2031º CC – Em termos sucessórios, “A sucessão abre-se no
momento da morte do seu autor e no lugar do último domicílio
dele.”

Artigo 82º CC: a regra é que a pessoa tem domicílio no lugar da sua residência habitual
– domicílio voluntário geral.

Noção de domicílio VS. noção de paradeiro

A noção de paradeiro é o local onde a pessoa se encontra em cada momento; não há noção
deste conceito, mas o artigo 225º CC menciona-o: “A declaração pode ser feita mediante
anúncio publicado num dos jornais da residência do declarante, quando se dirija a
pessoa desconhecida ou cujo paradeiro seja por aquele ignorado”.

A pessoa pode estar num paradeiro e ter domicílio noutro local.

Noção de domicílio VS. residência habitual

Se a pessoa não tiver residência habitual, a sua residência ocasional poderá funcionar
como domicílio.

Artigo 82º/2 CC: “Na falta de residência habitual, considera-se domiciliada no lugar da
sua residência ocasional ou, se esta não puder ser determinada, no lugar onde se
encontrar”.

Noção de domicílio profissional

Artigo 83º CC – “1. A pessoa que exerce uma profissão tem, quanto às relações que a
esta se referem, domicílio profissional no lugar onde a profissão é exercida.

2. Se exercer a profissão em lugares diversos, cada um deles constitui domicílio para as


relações que lhe correspondem.”.

Refere-se à profissão, às relações jurídicas que têm a ver com a profissão.

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Ana Moreira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

Noção de domicílio eletivo

É o domicílio escolhido para determinados afetos/negócios. Artigo 84º CC.

Exemplo: A e B celebram um contrato e para este efeito elas estão domiciliados em


determinado sítio – tudo o que será trocado será nesse domicílio estipulado: a lei manda
notificar no local desse domicílio que foi escolhido pelas partes.

Noção de domicílio legal

Domicílios que a própria lei estabelece independentemente da vontade do próprio.

® Domicílio dos menores e dos maiores acompanhados

Artigo 85º CC - “1. O menor tem domicílio no lugar da residência da família; se ela não
existir, tem por domicílio o do progenitor a cuja guarda estiver.”.

® Domicílio dos empregados públicos, civis ou militares

Artigo 87º CC - “1. Os empregados públicos, civis ou militares, quando haja lugar certo
para o exercício dos seus empregos, têm nele domicílio necessário, sem prejuízo do seu
domicílio voluntário no lugar da residência habitual.”.

® Agentes diplomáticos portugueses

Artigo 88º CC - “Os agentes diplomáticos portugueses, quando invoquem a


extraterritorialidade, consideram-se domiciliados em Lisboa”.

No contexto do domicílio, o artigo 86º CC - domicílio legal da mulher casada - foi


revogado em virtude da aplicação do princípio da igualdade dos cônjuges no casamento.

4.3. PESSOAS COLETIVAS: DOUTRINA GERAL


Sabemos que existem determinadas realidades às quais a lei atribui personalidade
jurídica. A personalidade jurídica não é privativa da pessoa humana, contudo, a
personalidade jurídica da pessoa humana está num patamar diferente do que as restantes
pessoas jurídicas).

Em última instância, o reconhecimento da personalidade jurídica das pessoas


coletivas tem como objetivo a proteção da pessoa humana. A pessoa coletiva permite a
superação da pessoa humana.

Como pessoas físicas, humanas, temos limitações; atribuir personalidade jurídica a outras
entidades permite que nos desenvolvamos e nos superemos em determinados aspetos –
“juntos fazemos a força”.

Exemplo: Uma sociedade comercial permite agrupar o capital para desenvolver uma
determinada atividade que dificilmente uma pessoa sozinha consegue captar.

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Ana Moreira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

Com este instrumento, cada uma das pessoas que compõe a sociedade vai mais longe na
prossecução dos seus interesses do que poderia ir se não estivesse agrupada.

Pessoas jurídicas/pessoas coletivas

Embora apresentem uma grande diversidade (visto que há inúmeras possibilidades) estão
sujeitas ao princípio da tipicidade - só se podem constituir pessoas coletivas segundo o
previsto na lei.

Apesar da diversidade que podem apresentar, se olharmos para o substrato da pessoa


coletiva, temos 2 modalidades:

• Pessoas coletivas com substrato pessoal;


As chamadas corporações. As corporações reconduzem-se a conjuntos de pessoas.

• Pessoas coletivas com substrato patrimonial;


Não são um conjunto de pessoas, trata-se de uma massa de bens, um património, à qual é
conferida personalidade jurídica. As chamadas fundações.

Como surgem?

Para que surja uma pessoa coletiva são precisos 2 elementos, ou seja, há 2 elementos na
base da pessoa coletiva, são eles:

• Elemento de facto: o substrato - temos sempre de ter um conjunto de pessoas ou


uma massa patrimonial.
• Elemento de Direito: reconhecimento, a atribuição de personalidade jurídica a
este elemento de facto.

Substrato:

• O substrato traduz-se num elemento pessoal (corporações, conjunto de pessoas)


ou patrimonial (fundações, massa de bens que é reunida para um determinado
fim).
Nas corporações também há uma massa patrimonial, mas não é o elemento determinante,
o que é decisivo é o conjunto de pessoas.

• Além deste elemento pessoal ou patrimonial, ainda distinguimos no substrato um


elemento teleológico, ou seja, o fim a que a pessoa coletiva se propõe.
No caso das corporações temos maior margem em termos teleológicos; os fins podem
ser egoísticos (exemplo: obtenção de lucros, no caso das sociedades) ou altruísticos.

Nas fundações o fim é necessariamente altruístico, as fundações têm de ter um fundo


social, nunca podendo ter um fim egoístico.

O fim tem de obedecer aos critérios gerais dos negócios jurídicos.

135
Ana Moreira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

Vamos aplicar os requisitos gerais dos negócios jurídicos, nomeadamente no que respeita
ao objeto, ou seja o artigo 280º CC.

280º CC:

“1. É nulo o negócio jurídico cujo objeto seja física ou legalmente impossível,
contrário à lei ou indeterminável.

2. É nulo o negócio contrário à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes.”

Estes requisitos gerais aplicam-se às pessoas coletivas. O artigo 158º-A CC di-lo


expressamente.

Constatando que temos uma pessoa coletiva que vai contra a lei ou os bons costumes, o
Ministério Público pode ter iniciativa de arguir e apurar o que está na base dessa pessoa
coletiva.

O fim ainda tem que ser comum aos vários membros que compõem a pessoa coletiva: é
um fim partilhado por todos - embora possa haver interesses divergentes nos vários
membros, o fim tem de ser único/comum.

Isso explica a regra do 994º CC relativa ao contrato de sociedade que nos diz que é nulo
o pacto leonino.

Exemplo pacto leonino: O contrato de sociedade que visa o lucro e os lucros são
distribuídos por todos menos pelos membros X e Y.

Estas cláusulas são nulas porque o fim é comum a todos.

O artigo 994º CC é aplicado às sociedades comerciais. Temos regime paralelo para as


fundações.

O fim tem de ter um caracter duradouro? Há exigência temporal?


Parece que não, pode ser um elemento a considerar para as fundações, mas não é um
requisito necessário.

Podemos constituir uma sociedade para um determinado fim com uma duração limitada,
o fim não tem de se prolongar indefinidamente (exemplo: o Porto organiza os próprios
jogos olímpicos, constitui-se uma sociedade de dia X ao dia Y – tem morte marcada - é
completamente válido).

• Elemento intencional: vontade de criar uma nova pessoa coletiva – animus


personificandi.
• Elemento organizatório que se reconduz aos órgãos da pessoa coletiva.
A pessoa coletiva atua através de órgãos; os estatutos da pessoa coletiva regulam essa
atuação. Os estatutos serão a “constituição” da pessoa coletiva e determinam os órgãos
que a compõem. Os órgãos pensam e atuam em nome da pessoa coletiva.

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Ana Moreira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

Temos órgãos deliberativos, que pensam e fazem as escolhas em nome da pessoa


coletiva, a sua ação tem eficácia interna e formam a vontade da pessoa coletiva; e órgãos
executivos, que exteriorizam essa vontade para um mundo exterior - a eficácia da atuação
dos órgãos executivos será uma eficácia externa.

Estes órgãos podem ser singulares ou colegiais, isto é, os órgãos podem ser compostos
por uma só pessoa ou várias pessoas. O órgão singular decide, emite uma decisão; o órgão
colegial delibera (temos uma deliberação que resulta do consenso).

Elemento de Direito

O Direito vem atribuir personalidade jurídica ao substrato pessoal ou substrato


patrimonial.

Pode ser um reconhecimento normativo ou individual/por concessão.

• Reconhecimento normativo: A lei estabelece determinados requisitos e,


preenchidos esses requisitos, é adquirida a personalidade jurídica. A
personalidade depende do preenchimento dos pressupostos legais fixados.
Ø Reconhecimento normativo incondicionado: Basta-nos o substrato para
haver personalidade jurídica, se estiverem reunidos os elementos que
compõem o substrato temos personalidade jurídica.
Ø Reconhecimento normativo condicionado: A lei estabelece requisitos
adicionais, para além do substrato, para que seja atribuída a personalidade
jurídica.
Reconhecimento normativo condicionado acontece relativamente às sociedades.

Sociedades comerciais – 1º Código Sociedades Comerciais (CSC) “2 - São sociedades


comerciais aquelas que tenham por objecto a prática de actos de comércio e adoptem o
tipo de sociedade em nome colectivo, de sociedade por quotas, de sociedade anónima, de
sociedade em comandita simples ou de sociedade em comandita por acções.
3 - As sociedades que tenham por objecto a prática de actos de comércio devem adoptar
um dos tipos referidos no número anterior.” – as sociedades têm de adotar um dos 4 tipos
previstos na lei.

Artigo 5º CSC “As sociedades gozam de personalidade jurídica e existem como tais a
partir da data do registo definitivo do contrato pelo qual se constituem, sem prejuízo do
disposto quanto à constituição de sociedades por fusão, cisão ou transformação de
outras.”.

Só com o registo é que temos personalidade jurídica, não basta haver um conjunto de
pessoas, é necessário que elas se organizam segundo o previsto na lei e é preciso o registo.

O mesmo se passa com as associações – artigo 158º CC– as associações adquirem


personalidade jurídica por escritura pública; a lei exige forma para que a associação se
constitua.

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Fundações: Artigo 158º/2 CC “2 - As fundações referidas no artigo anterior adquirem


personalidade jurídica pelo reconhecimento, o qual é individual e da competência da
autoridade administrativa”.

O artigo 158º CC foi alterado em 1977 (mudanças no Código em virtude do 25 de abril e


da nova Constituição): aparece na CRP o princípio da liberdade de associação. Antes, não
havia reconhecimento normativo para as associações, era individual, caso a caso, pela AP
(porque não havia liberdade associativa). Agora, as associações, tendo fixado e cumprido
os requisitos previstos na lei, adquirem personalidade jurídica.

• Reconhecimento individual: A personalidade jurídica é concedida caso a caso,


pela Administração Pública. É um ato administrativo de uma autoridade que irá
caso a caso decidir se a personalidade é atribuída ou não.

CLASSIFICAÇÃO DE PESSOAS COLETIVAS


Existem vários critérios e, consequentemente, diversas classificações que a doutrina
avança. Algumas referências das classificações mais importantes:
• Distinção com base no substrato: entre corporações (substrato pessoal, um
conjunto de pessoas com uma vontade comum) e fundações (substrato
patrimonial, uma massa de bens, com um fim de natureza social determinado pelo
fundador e têm na sua base um ato unilateral de instituição).
• Distinção entre pessoas coletivas de Direito Público e de Direito Privado (e
ainda de Direito Eclesiástico).
É uma distinção controversa porque vários critérios são levantados, podendo atender-se
aos diferentes critérios existentes.

Dizemos que as pessoas coletivas de Direito Público têm poderes de império, em menor
ou maior grau, ou então são organismos que integram o Estado nas suas diferentes
configurações (seja direta ou indiretamente).

Pessoas coletivas de Direito Eclesiástico: constituídas a partir do Direito Canónico,


gozando da liberdade da organização da própria Igreja Católica.

A importância da distinção entre Direito Público e Direito Privado é porque o Direito


aplicável é distinto – pessoas coletivas de Direito Público regem-se por normas de Direito
Público (como Direito Administrativo - os tribunais competentes serão os Tribunais
Administrativos.) e as pessoas coletivas de Direito Privado regem-se por normas de
Direito Privado.

PESSOAS COLETIVAS DE DIREITO PRIVADO


Centrar-nos-emos nas pessoas coletivas de Direito Privado.

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Ana Moreira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

Existem pessoas coletivas de Direito privado que prosseguem fins distintos:

• Pessoas coletivas de Direito Privado com fins de utilidade pública - apesar de


ser uma instituição privada, pode ter utilidade pública.
• Pessoas coletivas de Direito Privado com fins de utilidade particular.

Cooperativas

Existem pessoas coletivas de Direito Privado que se encontram entre as pessoas coletivas
de Direito Privado de utilidade pública e de utilidade particular – são as cooperativas.

As cooperativas têm lei própria – Lei 119/2015, de 31 de agosto (Código Cooperativo).

Não visam o lucro (ao contrário da sociedade), ainda que possam visar um excedente.

O capital e a constituição podem ser variáveis: a ideia é haver cooperação e entreajuda


entre os vários membros para satisfazer necessidades comuns (económicas, sociais,
culturais, de ensino…).

A lei define os setores cooperativos (agricultura, consumo, ensino, construção, pescas…),


não se pode fazer uma cooperativa por um motivo qualquer.

Segundo o Código Cooperativo, as cooperativas adquirem personalidade jurídica com


o registo.

Aplica-se subsidiariamente às cooperativas o Direito Comercial.

Classificação de pessoas coletivas que a lei oferece (57º CC e ss):

• Associações;
• Fundações;
• Sociedades.

Sociedades

As sociedades são um exemplo de pessoas coletivas de Direito Privado.

Qualquer sociedade visa o lucro como seu fim. Na base das sociedades existe um conjunto
de pessoas que quer maximizar o lucro e por isso se junta.

O Código das Sociedades Comerciais (CSC) prevê 4 tipos de sociedades, cuja


distinção está, sobretudo, relacionada com o tipo de responsabilidade dos sócios face a
terceiros:

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Ana Moreira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

Sociedades

Sociedades Sociedades
Sociedades Sociedades
em nome em
por quotas anónimas
coletivo comandita

• Sociedades em nome coletivo:


Os sócios respondem individualmente pelas suas entradas e respondem de forma solidária
e subsidiária pelas dívidas da sociedade – artigo 175º CSC.

• Sociedade por quotas:

Os sócios respondem apenas pelas suas entradas, quem responde pelas perdas da
sociedade é o capital social.
Contudo os sócios respondem solidariamente pelas entradas (as entradas não precisam de
ser todas realizadas no momento da constituição da sociedade, os sócios podem diferir a
entrada em momento posterior).
• Sociedades anónimas:
Artigo 271º CSC- cada sócio limita a sua responsabilidade apenas às suas ações. Cada
sócio arrisca apenas o valor das suas próprias ações.

• Sociedades em comandita:
Tem pouca expressão na realidade e é, no fundo, uma mistura de 2 tipos de sociedades
anteriores – sociedades de nome coletivo + sociedades anónimas.

Nestas sociedades existem dois tipos de sócios: comanditados e comanditários. Os


comanditados respondem pelas dívidas da sociedade da mesma forma que respondem os
sócios da sociedade em nome coletivo. Os comanditários têm a sua responsabilidade
limitada.

São sócios com envolvimentos diferentes.

Pode ser uma sociedade em comandita simples OU por ações. ® Nas sociedades em
comanditas por ações aplica-se aos sócios comanditários o regime das sociedades
anónimas.

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Ana Moreira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

As sociedades podem ser:

Sociedades

Sociedades civis
Sociedades Sociedades civis
sob a forma
comerciais simples
comercial

• Sociedades comerciais: pessoas coletivas de Direito Privado, que visam o lucro,


reguladas pelo Código das Sociedades Comerciais.
As sociedades comerciais têm como objeto a prática de atos de comércio.

Adotam um dos 4 tipos ditos acima (a maioria dos tipos é por quotas ou anónimas) e
regem-se pelo CSC.12

Adquirem personalidade jurídica com o registo.

Qualquer sociedade tem na sua base num núcleo de pessoas que visa alcançar lucro. Se
praticar a atividade comercial/empresarial, vai ser sociedade comercial. Artigo 5º CSC.
No entanto, pode uma sociedade visar obter lucro e a atividade prosseguida não ser
comercial, pode ser agrícola, por exemplo… e, por isso, a lei prevê:

• Sociedades civis sob a forma comercial: não prosseguem atividades comerciais,


mas a lei prevê que adotem tipos comerciais.
Adquirem personalidade jurídica com o registo e aplica-se na mesma o CSC, ou seja,
estas sociedades civis sob a forma comercial são reguladas nos mesmos termos que as
sociedades comerciais.

• Sociedades civis simples: são sociedades civis que não se dedicam ao comércio
nem adotam um dos tipos de sociedades comerciais.
Não se constitui nos termos do CSC.
Levanta-se a dúvida de saber se têm ou não personalidade jurídica (numa sociedade
com 5 sócios, para além das 5 personalidades jurídicas pessoais dos sócios, ainda se soma
outra coletiva (da sociedade)).

Que regime se aplica? O regime do CC. O CC regula a sociedade por contrato (no Livro
das Obrigações à contratos em especial), nos artigos 980º CC e ss encontramos o
contrato de sociedade.

12
CSC® Código das Sociedades Comerciais

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Ana Moreira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

A palavra “sociedade” tem duplo sentido jurídico:

• Como pessoa coletiva;


• “Sociedade” designa também o contrato que está na base da constituição da
sociedade (contrato que origina a sociedade propriamente dita).
Regras aplicáveis a estas sociedades? Artigos 980º e ss CC.

Os sócios destas sociedades simples respondem pelas dívidas sociais pessoal e


solidariamente (987º/1CC).

Artigos 157º CC e ss - essas regras previstas na parte (disposições) geral são aplicáveis
“às associações que não tenham por fim o lucro económico dos associados, às fundações
de interesse social, e ainda às sociedades, quando a analogia das situações o justifique.”.

Artigo 158º CC - aquisição de personalidade – dita-nos a regra da aquisição de


personalidade das associações e fundações e nada diz acerca das sociedades civis. Não
encontramos em lado nenhum algo que diga se as sociedades civis têm personalidade
jurídica nem há regra para a aquisição de personalidade jurídica destas sociedades.

A verdade é que as sociedades civis não aparecem na Parte Geral como pessoas jurídicas,
contudo já dissemos que o argumento sistemático não é decisivo nesta questão, é apenas
um mero argumento.

Há várias posições doutrinais sobre a sociedade civil ter ou não personalidade jurídica -
há quem defenda que sim, como é o caso de Oliveira Ascensão.

Associações

Têm na sua base um negócio jurídico plurilateral com os vários associados, que,
segundo o artigo 158º CC, deve constar de escritura pública sem prejuízo do que consta
de uma lei especial.

A lei especial, neste caso, é a Lei 40/2007 que prevê um processo simplificado de
constituição de associações.

Segundo o artigo 167º CC – “O acto de constituição da associação especificará os bens


ou serviços com que os associados concorrem para o património social, a denominação,
fim e sede da pessoa colectiva, a forma do seu funcionamento, assim como a sua duração,
quando a associação se não constitua por tempo indeterminado”.

Se a associação se constituir contra estas regras tem como consequência a nulidade


do ato constitutivo – aplicação, por exemplo do artigo 220º CC quando falta a forma.
Se faltar a publicidade que a lei exige para a constituição, a consequência, prevista no
artigo 168º/3 CC é a ineficácia relativamente a terceiros.

A lei exige publicidade para a constituição da associação tal como também a exige quando
exista uma alteração posterior.

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Ana Moreira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

As associações extinguem-se nos termos do artigo 182º/1 CC:

“As associações extinguem-se:

a) Por deliberação da assembleia geral;


b) Pelo decurso do prazo, se tiverem sido constituídas temporariamente;
c) Pela verificação de qualquer outra causa extintiva prevista no acto de
constituição ou nos estatutos;
d) Pelo falecimento ou desaparecimento de todos os associados;
e) Por decisão judicial que declare a sua insolvência”.

As associações também se extinguem por disposição da lei (182º/2 CC) ou através de


uma sentença judicial.

Fundações:

Para além das regras do CC (artigos 185º e ss) temos a L24/2012, 9 de julho (Lei-Quadro
das Fundações) que estabelece as normas gerais que regem as fundações + DL
157/2019, entrou em vigor o ano passado que nos dá regime do registo das fundações.

Na base das fundações temos um negócio unilateral (é uma diferença importante face a
sociedades e associações). A fundação surge através de um negócio unilateral que pode
ser negócio entre vivos ou mortis causa (acontece várias vezes, decorre de vontade
testamentária).

Artigo 185º/2, 1º parte, CC - Se for um negócio entre vivos deve constar de escritura
pública (forma prevista), salvo o disposto em lei especial.

Se for um negócio mortis causa temos de verificar as regras em matéria de forma –


artigos 2204º CC e ss.

A instituição é irrevogável para os herdeiros do fundador (185º/3 CC), e é irrevogável,


segundo o 185º/2 CC, a instituição por atos entre vivos “logo que seja requerido o
reconhecimento ou principie o respetivo processo oficioso.”.

Será necessária publicidade para que a instituição da fundação, os estatutos e as


alterações posteriores produzam efeitos para terceiros – artigo 185º/4 CC (regime do
Código Comercial).

O fundador indica os bens destinados à fundação e o fim que se pretende – artigo 186º/1
CC.

Também deve o fundador “providenciar ainda sobre a sede, organização e


funcionamento da fundação, regular os termos da sua transformação ou extinção e fixar
o destino dos respetivos bens”à artigo 186º/2 CC.

è Estas decisões são discricionárias.

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Ana Moreira
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Os estatutos devem ser definidos pelo instituidor, quando tal não acontece aplica-se o
disposto no artigo 187º CC.

O reconhecimento, artigo 188º CC, pode ser um reconhecimento individual ou por


concessão e pressupõe um ato administrativo de reconhecimento.

O reconhecimento pode ser negado – artigo 188º/3 CC:

“O reconhecimento pode ser negado:


a) Se os fins da fundação não forem considerados de interesse social pela
entidade competente, designadamente se aproveitarem ao instituidor ou sua
família ou a um universo restrito de beneficiários com eles relacionados;
b) Se o património afetado for insuficiente ou inadequado, designadamente se
estiver onerado com encargos que comprometam a realização dos fins
estatutários ou se não gerar rendimentos suficientes para garantir a realização
daqueles fins;
c) Se os estatutos apresentarem alguma desconformidade com a lei.”

Autoridade competente para o reconhecimento é o Primeiro-Ministro segundo o disposto


na lei-quadro.

O património destinado à fundação será um ato isolado e deve-se clarificar este


património e o fim da fundação.
Extinção das fundações: quando se verificarem as causas do artigo 192º CC.

CAPACIDADE DAS PESSOAS COLETIVAS


As pessoas coletivas têm capacidade jurídica. Inerente à personalidade jurídica está a
ideia de capacidade. A suscetibilidade abstrata de ser titular de direitos e obrigações
(personalidade jurídica) supõe a suscetibilidade concreta (capacidade).

Em matéria de capacidade, rege o artigo 160º CC que diz “A capacidade das pessoas
colectivas abrange todos os direitos e obrigações necessários ou convenientes à
prossecução dos seus fins”. à capacidade de gozo. Que direitos e obrigações cabem na
esfera jurídica de uma pessoa coletiva? Sabemos que esta capacidade de gozo é mais
restrita que a capacidade de gozo de pessoas singulares. O artigo 160º CC apenas se refere
a direitos e obrigações necessários e convenientes à prossecução dos seus fins.

A doutrina defende que o artigo 160º CC consagra o princípio da especialidade dos fins,
ainda que de uma forma mitigada.

Diz-se que, com a redação do artigo 160º CC, o legislador distingue capacidades gerais
e capacidades estritas.

Dentro da capacidade das pessoas coletivas cabem os direitos e obrigações necessários e


convenientes à prossecução dos fins, que não sejam de natureza pessoal (ou seja, não

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Ana Moreira
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cabem direitos e obrigações inseparáveis da pessoa humana – uma pessoa coletiva não
poderá casar, perfilhar, etc.).

A pessoa coletiva também não terá direitos que a lei especialmente lhes negue – artigo
1443º CC (usufruto – a constituição de um usufruto é possível a favor de uma pessoa
coletiva, mas por um máximo de 30 anos).

Temos direitos e obrigações que são necessários à prossecução de fins, mas também
temos direitos e obrigações que não são necessários, mas sim convenientes. Portanto,
dentro destas balizas, ainda temos uma personalidade relativamente alargada.

Exemplo: Uma sociedade comercial poderá agora no Natal oferecer cabazes aos seus
clientes habituais? Isto cabe no fim? Eles não visam o lucro? No fundo, não sendo um ato
necessário, é um ato conveniente porque estas campanhas promovem produtos e compras
de valores mais elevados, colocando a possibilidade de ganhar cabazes se atingirem
determinado valor à lucro mediato.

Quando a sociedade coletiva atua fora das suas capacidades, para além da sua capacidade,
temos como consequência a nulidade dos negócios – artigos 160º CC e 294º CC.13

Há quem entenda que estes negócios praticados fora da capacidade de gozo devem ser
anuláveis e não nulos, visto que no caso das associações entraria o artigo 177º CC das
deliberações sociais, na medida em que teria na sua base uma deliberação contrária à lei.

A capacidade de exercício corresponde à capacidade de gozo. O artigo 160º CC delimita


a capacidade de gozo da pessoa coletiva que corresponde à capacidade de exercício.

Não há o desfasamento como há nas esferas das pessoas humanas - a capacidade de


exercício afere-se de formas diferentes das pessoas singulares. É preciso um certo
discernimento nas pessoas humanas. As pessoas coletivas não podem atuar como as
pessoas humanas, têm de se munir dos seus órgãos.

Representação

Artigo 163º CC – “A representação da pessoa colectiva, em juízo e fora dele, cabe a


quem os estatutos determinarem ou, na falta de disposição estatutária, à administração
ou a quem por ela for designado.”.

è Representação estatutária ou pela administração: representação orgânica da


pessoa coletiva;
è Se a representação for feita pelos designados pela administração: representação
nos termos gerais; concretamente, representação voluntária à qual se aplica o
regime geral da representação voluntária (artigos 158º CC e 162º CC e ss).
Atuar em nome da pessoa coletiva é diferente da representação orgânica.

13
Recomenda-se que efetuem uma remissão do artigo 160º para o artigo 294º, ambos do Código Civil.

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Responsabilidade

Repercussões para efeitos de responsabilidade contratual.

No artigo 163º CC, do outro lado da moeda (representação), retira-se a responsabilidade.


A atuação implica responder pelos danos causados pela mesma.

Na medida em que o órgão estatutário ou a administração cause danos a terceiros com


a sua atuação, aplica-se o disposto nos artigos 762º CC e ss e 792º CC e ss – a pessoa
coletiva responde diretamente pelos danos causados em sede de responsabilidade
contratual.

Responsabilidade extracontratual: Artigo 165º CC - “responsabilidades civil das


pessoas coletivas”, sentido estrito de apenas responsabilidade extracontratual. Artigo 165º
CC14 – “As pessoas colectivas respondem civilmente pelos actos ou omissões dos seus
representantes, agentes ou mandatários nos mesmos termos em que os comitentes
respondem pelos actos ou omissões dos seus comissários.”-, que remete diretamente para
o artigo 500º CC da responsabilidade objetiva/pelo risco.

Artigo 500º CC: responsabilidade independentemente de culpa, visto que o comitente


responde sempre que o comissário tenha de responder. A pessoa coletiva responderá pelos
danos causados sempre que o seu funcionário/órgão cause danos a terceiros.

Sede das pessoas coletivas

Sede das pessoas coletivas equivalente domicílio das pessoas singulares.

A designação da sede é obrigatória quanto às fundações, tendo que estar prevista nos
estatutos – artigo 186º/2 CC + estatuto das associações (artigo 167º/1 CC).

Denominação Social das Pessoas Coletivas

Denominação social das pessoas coletivas (artigo 167º CC), por correspondente ao
nome das pessoas singulares, tem como função identificar a pessoa coletiva.

Obedece a vários princípios:

• Da verdade (registo nacional de pessoas coletivas – DL 129/98 (artigo 32º - as


denominações devem ser verdadeiras e não induzir em erro);
• Da novidade (para não haver confusão);
• Da legalidade;
• Da proibição de usar firmas que sejam proibidas por lei, ofensivas da moral ou
bons costumes;
• Exclusividade (35º DL 129/98).

14
Recomenda-se que efetuem uma remissão do artigo 165º do CC para o artigo 500º do mesmo.

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A exclusividade (artigo 35º DL 129/98) será em todo o território nacional quando o


objeto seja extensível ao território nacional (aplica-se apenas no âmbito geográfico onde
são levadas a cabo as atividades).

Falávamos da denominação social, ou seja, o nome das pessoas coletivas e referíamos


as regras gerais quanto à construção destas denominações.

Artigo 36º DL 129/98 à as denominações devem dar a conhecer a sua natureza, podem
usar siglas, expressões de fantasia ou composições. O objetivo é a não confundibilidade.

Regras específicas da denominação das sociedades comerciais:

As regras específicas constam no Código Sociedades Comerciais (CSC).

“Firmas” é a denominação social das sociedades comerciais.

Artigo 10º CSC – Requisitos da firma

“1 - Os elementos característicos das firmas das sociedades não podem sugerir


actividade diferente da que constitui o objecto social.

2 - Quando a firma da sociedade for constituída exclusivamente por nomes ou


firmas de todos, algum ou alguns sócios deve ser completamente distinta das que
já se acharem registadas.

3 - A firma da sociedade constituída por denominação particular ou por


denominação e nome ou firma de sócio não pode ser idêntica à firma registada
de outra sociedade, ou por tal forma semelhante que possa induzir em erro.

4 - Não são admitidas denominações constituídas exclusivamente por vocábulos


de uso corrente, que permitam identificar ou se relacionem com actividade,
técnica ou produto, bem como topónimos e qualquer indicação de proveniência
geográfica.

5 - Da denominação das sociedades não podem fazer parte:

a) Expressões que possam induzir em erro quanto à caracterização jurídica da


sociedade, designadamente expressões correntemente usadas na designação de
organismos públicos ou de pessoas colectivas sem finalidade lucrativa;

b) Expressões proibidas por lei ou ofensivas da moral ou dos bons costumes.”

Há uma repetição dos princípios do registo nacional de pessoas coletivas.

O CSC estabelece regras próprias para as firmas de cada tipo de sociedade:

• Sociedades em nome coletivo – artigo 177º/1 CSC.

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Ana Moreira
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Pede-se que se individualizem todos os sócios: é importante saber o nome dos sócios
porque, em última instância, será o património dos sócios que responderá pela dívida
social.

Se não tiver o nome de todos os sócios deve haver uma menção para dizer que há mais
sócios.

Exemplo: Firma com o nome “A, B e C” – deve individualizar e dizer os nomes. Se for:
“A e Companhia”, deve dizer o nome do A e dos restantes sócios também.

Se for incluído no nome da firma alguém que não é sócio, diz o artigo 177º/2 CSC que
“ficará sujeito à responsabilidade imposta aos sócios no artigo 175º.”.

• Sociedade por quotas – artigo 200º CSC.


Na denominação até pode ser uma firma mista - com o nome dos sócios e com a
denominação relativamente à atividade -, mas deve sempre dizer “limitada” ou a sua
abreviatura “Lda.”. Sempre que virmos “limitada” sabemos que é uma sociedade por
quotas.

• Sociedades anónimas – artigo 275º CSC.


A lei admite firma-denominação, mas têm de conter a indicação “S.A” ou “sociedade
anónima”.

• Sociedade em comandita – artigo 467º CSC.


Dois tipos de sócios: os comanditados e os comanditários. A firma das sociedades é
constituída pelo nome de, pelo menos, um dos sócios comanditados e a indicação “em
comandita” ou em “comandita por ações”.

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Ana Moreira

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