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TEORIA GERAL DO
DIREITO CIVIL
Ana Beatriz Moreira
Com os apontamentos de
Maria Cavadas
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
NOTA INTRODUTÓRIA
Esta sebenta de Teoria Geral de Direito Civil, disponibilizada pela Comissão de Curso
dos alunos do 2º. ano da licenciatura em Direito da Faculdade de Direito da Universidade
do Porto no ano letivo 2021/2022, foi elaborada pela estudante Ana Moreira, com a ajuda
e colaboração de Maria Cavadas, que elaborou os apontamentos semanais da Unidade
Curricular em questão, e de Vítor Costa, que reviu, posteriormente, o conteúdo deste
documento.
Bom Estudo!
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ÍNDICE
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Temos como cerne do Direito Civil a tutela da pessoa, algo que só é possível a
partir de uma ideia de autodeterminação do individuo, que de uma forma autónoma/livre
compõe os seus interesses. Isto porque sabemos que o Homem é um ser social, que vive
e se desenvolve em sociedade. E, como sabemos, a vida social gera conflitos e o Direito
será chamado a resolvê-los. Há um pressuposto na base do Direito que surge com vista a
diminuir conflitos que surgem no meio social.
Os bens são escassos, são económicos, tanto materiais como imateriais (cultura,
educação), o que gera necessariamente conflitos na sociedade.
Estas 2 visões do direito não estão assim tão distanciadas uma da outra:
Grosso-modo temos aqui 2 grandes visões de Direito: uma corresponderá mais ao Direito
Público (comandos e imposições) e outra ao Direito Privado (direito enquanto poder e
faculdade).
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A distinção que contrapõe o Direito Público e Direito Privado foi dada em ID.
Exemplo 2: artigo 875ºCC- vendas de imóveis sujeitas a escritura pública® defender as partes
(contra a ligeireza e precipitação) e defender os interesses públicos (assegurando a segurança
do comércio jurídico).
Mesmo com a correção feita no critério, este não é um critério 100% fiável:
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•Uns sujeitos aparecem numa posição de •Os sujeitos surgem numa relativa igualdade
supremacia e outros de subordinação. (paridade)
•No Direito Público, porém, há sujeitos onde •No Direito Privado há posições relativas de
as relações são de paridade – exemplo: supra-subordinação – exemplo: relações entre
autarquias. pais e filhos ou patrão e empregado.
Existe, inclusive, uma relação especial entre Direito Público e Direito Privado (este
último surge primeiro, sendo que o Público só surge com o Estado).
A distinção entre Direito Público e Direito Privado é de extrema relevância, pois vai
muitas vezes determinar as vias judiciais a que o particular, que se considera lesado pelo
Estado/autarquia, deve recorrer (ou vice-versa).® Manual de Mota Pinto
Por vezes uma determinada relação jurídica pode ser simultaneamente regulada
por regras de Direito Público e regras de Direito Privado.
Exemplo: morte (facto jurídico natural + facto jurídico para efeitos sucessórios). É
preciso saber a quem entregamos os bens do de cuius à Direito das Sucessões. Depois
disso o Direito Público entrará para tributar (como imposto sucessório) os bens. à o
Direito Público só pode atuar depois do Direito Privado.
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A evolução social, económica, foi, ao longo dos tempos, exigindo regras especiais,
regimes jurídicos próprios, finalidades específicas à ao longo dos tempos fomos
assistindo à autonomização, dentro do próprio Direito Privado, de outros ramos do
Direito. Estes novos ramos são Direitos especiais porque se aplicam a determinados
casos com regime próprio, porém continua-se a aplicar o Direito Civil, sempre que não
existe, nestes Direitos especiais, regra autónoma. ® Direito Civil surge, muitas vezes,
como Direito subsidiário.
Exige-se, assim, uma autonomização do Direito Civil (em relação ao conceito de Direito
Privado) e uma autonomização dos restantes ramos de Direito Privado do conceito de
Direito Privado e de Direito Civil.
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Direito Comercial
Direito do Trabalho
Direito do Consumo
Direito Bancário
•Autonomização até do Direito Comercial. Grau de maturação e especialidade
suficiente para extrair o Direito Bancário do Comercial.
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Supondo que esta relação jurídica apresenta conexões com diferentes ordens jurídicas, ou
seja, A e B são portugueses, o contrato foi celebrado no Reino Unido, o prédio encontra-
se na Argentina. à primeiramente temos que saber que Direito aplicar (essa resposta é
nos dada pelo DIPrivado).
DIPrivado é constituído por normas que se limitam a indicar qual é a lei que regula
determinada relação que está em conexão com várias ordens jurídicas (não nos resolve a
questão, diz apenas que lei aplicar).
DIPrivado é Direito Privado porque as relações em causa são de Direito Privado, mas não
está no mesmo plano que Direito do Trabalho, Comercial, Bancário, porque tem uma
natureza instrumental.
O DIREITO CIVIL
Direito Civil regula a atividade de convivência humana, na medida em que a convivência
humana gera conflitos e o Direito Civil atua conferindo autonomia para comporem os
seus conflitos (com alguma autonomia, mas existem regras imperativas).
Supõe uma igualdade/paridade na situação jurídica dos sujeitos que intervêm nas relações
jurídicas em causa e uma autonomia da pessoa no desenvolvimento da sua personalidade.
Fontes num sentido tradicional: Como surge o Direito Civil? Como se produz o Direito
Civil?
Nos artigos iniciais do Código Civil temos essa referência às fontes e ainda temos
algumas regras que têm uma incidência geral.
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Temos como fonte do Direito Civil as leis, que aqui se configuram fundamentalmente
pela Constituição (diploma fundamental do Direito Civil).
O Código Civil
O Código Civil, apesar de não ser a primeira codificação, nem ser o primeiro código Civil,
é a primeira codificação com esta sistematização/organização.
Filipinas
Afonsinas século XV Manuelinas séc. XVI
Séc. XVII
O primeiro CC português teve 1 autor: Visconde de Seabra (que era juiz), recebendo a
nomenclatura de Código de Seabra (este visconde era do Porto). Este Código tinha uma
comissão que o revia, da qual fazia parte Alexandre Herculano.
O Código de Seabra já tinha uma divisão sistemática em 4 partes e cada parte em Livros,
mas esta divisão era antropocêntrica/individuocêntrica na medida em que coloca a pessoa
no centro desta divisão. Há um primado da pessoa sobre a norma - visível desde logo
no 1º artigo desse Código.
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•Artigos 1º a 358º
•Da Capacidade Civil
Parte I
Livro Único
O Código vigorou durante cerca de 100 anos e ao longo destes foi sofrendo várias
alterações/modificações. Até porque há vários acontecimentos históricos que trazem uma
necessidade de mudança sendo que a mais importante de todas é: a Implantação da
República.
Há imensas alterações que surgem com a Implantação da República, desde logo, nas leis
da família: leis do divórcio, registo civil obrigatório, etc. Mais tarde temos ainda a
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Código de 1966
Esta sistematização é completamente diferente, 5 partes, livros, capítulos, títulos, etc. Mas
o que destaca é o Código abrir com uma Parte Geral.
• A organização/arrumação da matéria;
• (Filipe Eck);
• Característica formal do Código, não se pode atribuir relevo a esta arrumação
para ter respostas para situações jurídicas.
Embora se tenda a haver correspondência entre ambas, não podemos assumir tal como
verdade.
• A abertura do Código ocorre com uma Parte Geral – regras relativas às leis e
interpretação das leis e as regras do DIPrivado.
• Direito das Obrigações: obrigações em geral e contratos em especial.
• Direito das Coisas/Reais: Posse, uso, habitação…
• Direito da Família: disposições gerais e casamento, filiação, adoção e alimentos.
• Direito das Sucessões: geral e sucessão legitima, legitimária, testamentária.
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Há uma relação entre Parte Geral e parte especial. Dentro de cada livro em especial
existem as disposições gerais, específicas do ramo, mas gerais em relação às relações
abordadas.
O que está na base desta organização é a relação jurídica. Cada livro se dedica a um tipo
de relação jurídica:
O Direito das Obrigações (os direitos de crédito), ou seja, aqueles direitos em que uma
pessoa tem o direito de exigir o cumprimento de uma prestação (credor) a outra pessoa
(devedor), seja essa prestação uma quantia, uma coisa ou a realização de um facto positivo
ou negativo. Relação jurídica através das quais uma pessoa fica adstrita perante outra à
realização de uma prestação (397º CC).
Quando falamos da entrega de uma coisa falamos numa prestação de dare, quando
falamos de uma prestação de facto falamos de um facere se o facto for positivo e se for
negativo non facere.
O Direito das Coisas/Reais: estes direitos têm um efeito erga omnes, contra todos. Se A
é proprietário do terreno Z, todos os outros indivíduos estão obrigados a respeitar o direito
de propriedade de A sobre o terreno Z.
São os direitos reais, porque incidem sobre uma res, sobre uma coisa.
A A é pai de B e C.
B e C são irmãos.
B C B é pai de D.
C é pai de E.
D E
® Linha reta; (A+B; A+C; B+D; C+E) -> quando a ligação é só de um lado.
® Linha colateral; (B+C; B+E; C+D; D+E) -> quando a ligação passa pelos 2 lados
do gráfico.
O avô e o neto são parentes de segundo grau – ver art.1581º CC - na linha reta os graus
são tantos quanto as pessoas na linha excetuando o progenitor comum.
Porquê?
Porque, dá-se uma “volta” à arvore genealógica da seguinte forma: D -> B-> ignora-se o
A (progenitor comum) -> C -> E. Posto isto, temos 4 pessoas= 4º grau.
E se C se casar com X?
X é afim dos parentes de C, exatamente nos mesmos graus e linhas. X é parente em linha
reta de 1º grau de A (sogro). Na linha colateral é parente de 2º grau de B (cunhado) à
não depende dos laços de sangue, é um vínculo criado juridicamente.
Direito das Sucessões: operam a transmissão dos bens por morte do titular. Transmissão
mortis-causa dos bens (art.2024º e ss). A lei prevê:
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Sucessão voluntária
testamentária contratual
É possível a sucessão testamentária (ato Em princípio não é possível realizar contratos
unilateral, livremente irrevogável– 2033º CC). mortis causa (2028º/2 CC).
Sucessão legal
sucessão legitima legitimária (2156º e ss CC)
É uma solução supletiva, pode ser afastada por É imperativa, não pode ser afastada por
vontade do titular (2027º CC). vontade do autor (de cuius).
A lei atua (e esta questão é discutida e eventualmente pode ser mudada) dizendo que
existindo determinadas pessoas à morte de alguém elas têm direito a suceder nas suas
relações jurídicas. Parte do património é reservado aos herdeiros legitimários: cônjuge,
descendentes e ascendentes pela ordem prevista na sucessão legítima (cônjuges e
descendentes OU cônjuges e ascendentes, isto é, os ascendentes não herdam se existirem
descendentes).
A parte disponível chama-se quota disponível. Se alguém morrer e não tiver cônjuges,
ascendentes ou descendentes todo o património é quota disponível.
Devemos começar por dizer, como nos elucida Mota Pinto, que não é consensual a
existência de uma disciplina de Teoria Geral do Direito Civil, assim como não é pacífica
a existência de uma Parte Geral no Código Civil® Ambas estão, normalmente, ligadas,
mas não forçosamente.
O sistema pandectístico (o utilizado pelo nosso Código) é um dos sistemas entre vários
possíveis (o Código de Seabra tem um sistema diferente, tal como o francês) e este é
apenas o sistema externo (modo de arrumação das matérias do Direito Civil), que não tem
relevo para as soluções jurídicas.
Este sistema externo tem um valor didático, assim como interesse em como esclarecer
a matéria do Direito. Qualquer opção de arrumação de matérias do Direito Civil é uma
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® O Direito das Coisas e o Direito das Obrigações estão autonomizados com base
num critério estrutural (depende da relação onde alguém tem direito sobre uma
coisa (coisas) ou a uma coisa (obrigações));
® O Direito da Família e o Direito das Sucessões são baseados num critério
institucional (instituição família ou instituição sucessões).
Não há obrigatoriedade de haver um critério único, mas esta crítica que se faz ganha
importância na perspetiva pandectística (funciona como matemática do Direito,
certeza), onde tudo era perfeitamente arrumado. É na perspetiva pandectística que a
disparidade de critérios é criticada, visto que não é tão matemático/exato como seria
suposto ser.
2. A Parte Geral não terá gerado quebras entre matérias que deveriam estar
juntas? (Exemplo: a noção de coisa na Parte Geral que está desligada do Direito
de propriedade (Direitos Reais), onde a noção de coisa é bastante pertinente).
3. Despersonalização.
Direitos de personalidade (70º e ss CC), integrados na Parte Geral, são direitos da pessoa
sobre elementos vitais, com dignidade na arrumação das matérias do Direito Civil. A
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Em termos de sistemática, o Homem não nos aparece no cerne do Direito Civil, aparece-
nos sim o conceito de relação jurídica (conceito operativo que distribui as matérias ao
longo do Código).
Algo que, por si só já foi criticado, visto que o Código de Seabra tinha uma
estrutura externa muito antropocêntrica.
Esta arrumação também pode levar a uma confusão entre o sistema interno e externo
do Código. A antecipação de uma Parte Geral sugere que na Parte Geral está a disciplina
de fundo que se destina a preencher tudo o que não se diga nas partes especiais – leva a
crer que há uma plenitude lógica do ordenamento jurídico.
Convém que se saliente que o sistema não é perfeito, apresenta lacunas, e se olharmos em
pormenor e se passarmos naquilo que é o sistema interno do Direito Civil vemos que no
artigo 10º/3 CC, fica patente a descrença na plenitude lógica do ordenamento jurídico
porque o legislador prevê outro tipo de soluções.
Como vemos no manual de Mota Pinto, várias vozes levantam-se contra o facto da base
do Direito Civil ser a noção de relação jurídica, por considerarem que submerge a pessoa
humana na noção formal e abstrata de sujeito de relação jurídica. Consideram que a
pessoa humana se inclui dentro desse conceito no mesmo nível que as pessoas coletivas
que têm também a qualidade de sujeit+os de relações jurídicas. ® Esta critica é
demasiadamente centrada no sistema externo do Código e carece de analisar o seu sistema
interno, o verdadeiro conteúdo. ® Porém, o autor alerta-nos para o facto de que não
podemos olvidar-nos de que o escopo do Direito Civil é a personalidade do individuo
humano.
Temos uma cláusula geral de tutela de personalidade com uma abrangência enorme
(70º CC) – é um progresso significativo relativamente ao Direito anterior e a outros
sistemas que nos inspiraram (alemão).
Devemos perceber quais são os princípios que estão na base do Direito Civil, as traves-
mestras do nosso sistema e para conhecermos o Direito Civil não nos podemos guiar
apenas pela forma como as matérias nos aparecem arrumadas.
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Mais para a frente, o artigo 496º CC reconhece a indemnização de danos morais - tal
como esta, também há outras normas que representam um progresso em termos de
soluções.
Os conceitos têm uma zona nuclear onde não há dúvidas, onde há unanimidade quanto ao
seu sentido, mas noutras zonas, as periféricas, a sua fixidez está mais diluída.
A utilização desses conceitos traz segurança, mas também apresenta rigidez que pode
dificultar a adaptação ao caso concreto.
TERMINOLOGIA
Terminologia técnica e especializada. A terminologia é uma opção política (Código suíço
tem uma formulação diferente, casuística).
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Alterações/Modificações/Revisões
O Código manteve-se inalterado até 1977, e em 1977 sofreu alterações significativas (11
anos sem alterações, relembrando que ele data de 1966). ® Alterações que surgem com
a mudança de regime e, desde logo, com a mudança da Constituição (democrática, com
novos princípios), que impõem uma alteração significativa na legislação de Direito Civil.
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Exemplos:
Maioridade
• CC (DL 496/77) traz novidades logo no artigo 122º - maioridade à a maioridade era
atingida aos 21 anos; com a aprovação da Constituição, baixou a maioridade do
código dos 21 para os 18 anos (porque a Constituição introduz a idade eleitoral aos 18
anos).
• Extra: Alguns artigos relativos à emancipação de menores foram revogados, após a
diminuição da idade de maioridade – permanece apenas a emancipação por casamento.
Liberdade de associação
• Também se vê uma alteração nas pessoas coletivas (nas associações), há profundas
alterações: art.158º CC (que só surge em 1977) - decorre do princípio da liberdade de
associação, coisa que antigamente não poderia acontecer.
Direito da Família
• Profundas alterações no Direito da Família, devido ao princípio da igualdade.
Alterações profundas, desde logo no casamento.
• 1601º CC – idade núbil do homem e da mulher, agora é 16 anos; antigamente
havia uma idade núbil diferente para o homem e para a mulher;
• Princípio da igualdade dos cônjuges no casamento;
• Alterações nos fundamentos do divórcio (os deveres no casamento eram distintos,
logo os fundamentos para o divórcio também eram diferentes);
• Filiação (distinção entre filhos legítimos e ilegítimos foi eliminada, pode haver
filhos fora ou dentro do casamento, mas tal não altera a sua legitimidade).
• Possibilidade de divórcio para os casamentos católicos – concordata de 1970;
• Alterações em termos sucessórios - o cônjuge sobrevivo passa a principal herdeiro
(é herdeiro forçado, legitimário, e aparece na primeira posição na sucessão
legítima) – 2133º CC.
2. PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DE
DIREITO CIVIL
® Reconhecimento da pessoa e dos direitos de personalidade – indiscutivelmente o
1º dos princípios; + princípio da personificação das pessoas coletivas;
® Princípio da igualdade;
® Princípio da liberdade contratual e autonomia privada;
® Princípio da responsabilidade civil e os princípios a ela associados;
® Princípio do reconhecimento e proteção da propriedade privada;
® Princípio do reconhecimento e proteção da família.
(Mota Pinto fala-nos ainda no fenómeno sucessório- transmissão de bens mortis causa e
na boa-fé).
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A aplicação direta da CRP às relações de Direito Civil surge logo no artigo 18º/1 CRP.
Todas as entidades privadas estão sujeitas ao dever geral de respeito e de não perturbação
dos direitos fundamentais: os atos jurídicos que forem contrários aos DLG’s são nulos,
não são válidos sob pena de gerar responsabilidade civil (e, se for mais grave,
responsabilidade criminal).
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O PRINCÍPIO DA IGUALDADE
A CRP consagra o princípio da igualdade dos Homens perante a lei – serve de base para
a distinção das relações jurídicas entre particulares e no Direito Público (onde não
há essa igualdade).
Um dos aspetos essenciais da CRP que se integra no sistema interno do Código Civil
é o princípio da igualdade perante a lei. Tem consagração expressa na Constituição -
artigo 13º/1 – princípio da igualdade: desenvolvimento deste princípio em várias sedes
- CRP art.36º (vários tipos de igualdade familiar), 47º, 50º, 58º -, que depois se consagram
e integram nas soluções do Direito Civil.
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Mesmo assim, são possíveis tratamentos distintos sempre que se trate de situações que
material e objetivamente justifiquem um tratamento desigual – tratar de forma diferente
o que é diferente é uma dimensão do princípio da desigualdade.
Quando se fala em pessoas, fala-se em ter a aptidão para ser sujeito de direitos e titular
de obrigações – encabeçar uma determinada esfera jurídica. Neste sentido técnico, o
conceito de pessoa para o Direito não é exatamente sobreposto ao conceito de pessoa
humana. As pessoas em sentido jurídico não são necessariamente pessoas humanas -
podemos ter organizações de pessoas (humanas), como associações, sociedades, etc.
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Historicamente, nem todos os seres humanos eram vistos como pessoas para o Direito,
por exemplo, os escravos. No sistema atual todas as pessoas humanas são pessoas para
o Direito.
O conceito de pessoa no nosso sistema é mais amplo que o conceito de pessoas humanas.
O conceito técnico engloba pessoas humanas e pessoas coletivas (organizações coletivas
ou massas de bens dotadas de personalidade jurídica).
ü Ser pessoa para o Direito, ter personalidade jurídica, significa que é ser titular
de direitos subjetivos.
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O que a lei permite, em alguns casos, é a limitação voluntária do seu exercício, admite
que, mediante consentimento do titular, os direitos possam ser limitados.
Exemplo: postar fotografias; permitir que nos fotografem num evento e/ou espaço
escolar.
REFORÇANDO:
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Este autor relembra-nos a importância da autonomia privada dizendo que esta “consiste
no poder reconhecido aos particulares de autorregulamentação dos seus interesses, de
autogoverno da sua esfera jurídica”, manifestando-se na realização de negócios jurídicos
e no “poder de livre exercício dos seus direitos ou de livre gozo dos seus bens pelos
particulares”.
São como 2 faces da mesma moeda porque a proteção da pessoa pressupõe a liberdade e
autonomia da pessoa.
Liberdade
Príncipio de proteção da
pessoa (base do
ordenamento civil)
Autonomia
A ordem jurídico-privada reconhece que cada pessoa pode adquirir direitos (dentro do
limite da lei) e é sujeito de obrigações. O Direito Privado põe à sua disposição
instrumentos para a realização da sua autonomia.
A autonomia tem diferentes gradações no Direito Civil e tem uma expressão mais
expressiva no âmbito negocial.
Exemplo: eu, enquanto arrendatária, tenho preferência na aquisição do imóvel que sou
arrendatária – opção de exercer ou não este direito é reflexo da minha autonomia.
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A autonomia privada como princípio basilar do Direito Civil não se verifica em todo o
Direito Civil, estamos a pensar na área de modelação da vida social, visto que há uma
zona do Direito Civil onde não está presente a autonomia privada – tutela e defesa dos
direitos que se constituíram no domínio da modelação por defesa à autonomia privada
(exemplo: responsabilidade civil).
“Princípio da pontualidade” porque o contrato deve ser cumprido ponto por ponto.
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® 405º CC - Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente
o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste Código
ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouverem.
O que salta à vista são as possibilidades que a lei confere, no momento de celebração dos
contratos, quanto à modelação/fixação do conteúdo dos contratos.
® Proibição de contratar.
ü Determinadas categorias de pessoas por razões variadas.
Exemplos:
Acesso de menores a determinados estabelecimentos (onde há uma idade mínima
para aceder a determinados estabelecimentos ou atividades);
Se tiver a ser discutida, judicialmente, a titularidade de um direito, a lei proíbe que
um juiz, que atue na área que está a ser discutido, adquira direitos respetivos
(evitar parcialidades, conflitos de interesses);
3 regimes de bens:
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O facto de alguém ser casado comporta limitações nos contratos – estas existem para
preservar a estabilidade da família.
Se devia ter havido consentimento e não houve o negócio é anulável (1687º CC): “o
direito de anulação pode ser exercido nos 6 meses subsequentes à data em que o
requerente teve conhecimento do ato, mas nunca depois de decorridos três anos sobre a
sua celebração”.
Se o cônjuge só tem conhecimento do negócio 4 anos depois, ele não pode arguir a
anulabilidade.
As partes podem:
Contratos nominados: os que a lei dá um nome, mas não prevê o seu regime jurídico.
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Exemplo: contrato de compra e venda: A vende a B um terreno que custa 100 mil euros,
fixam o preço de 50 mil euros. Este não é exatamente um contrato de compra e venda:
SE o preço é 50 mil euros porque A (vendedor) é mau negociante e não consegue o preço
de mercado, este é um mau contrato de compra e venda, MAS se ele quis beneficiar o
comprador este contrato passa a ser um contrato de compra e venda com doação.
Temos de atender às restrições legais. Artigo 405º CC: “dentro dos limites da lei”.
Limites da lei: o legislador entendeu que há fronteiras que não podem ser ultrapassadas,
por exemplo:
o Contratos normativos/contratos-tipo;
Conteúdo previamente fixado (convenções coletivas de trabalho, por exemplo).
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O que acontece é: ou
tenho o contrato e
usufruo do bem ou não
Contratos de assino e não tenho o
adesão bem;
possibilidade de Quem tem o poder
Desvantagens celebração que de determinar o
não é livre. conteúdo do
contrato, irá colocar-
o legislador se na posição mais
começou com o vantajosa, deixando
princípio da boa-fé e que os outros
da concorrência.
arquem com os
Depois percebeu-se
Solução que era necessária custos.
legislação específica
nestas matérias para
reequilibrar a Restrição da liberdade de contratar do
posição das partes
consumidor; surgem soluções pesadas e
nestes contratos.
desequilibradas, com favorecimentos
unilaterais; adoção de condições
semelhantes em todas as empresas do
setor, levando a que quem não as aceite
seja excluído do tráfico jurídico.
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Portugal foi dos pioneiros a ter legislação específica – exemplo: DL 446/85, 25 de outubro
– estabelece o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais.
Contratos de adesão
mediante cláusulas
mediante cláusulas
contratuais
contratuais gerais
individualizadas.
Nem todos os contratos de adesão são mediados por cláusulas contratuais gerais à
Contratos de adesão são mais amplos que os contratos mediante cláusulas contratuais
gerais.
Cláusulas contratuais gerais: Cláusulas pensadas para um contrato, mas que são pré-
elaboradas, unilateralmente e que se destinam a uma generalidade de aderentes
(vários destinatários).
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1. Pré-formulação;
2. Generalização;
3. Imodificabilidade;
• Artigo 1º/1;
• Contratos individualizados;
• Artigo 1º/2.
Este diploma, com estas cláusulas contratuais gerais, permite-nos controlar o conteúdo
destas cláusulas mesmo que elas não sejam utilizadas – podemos proibir x instituição de
as utilizar mesmo que nunca tenham sido utilizadas até agora – carácter preventivo.
Artigo 5º/2, DL 446/85: “A comunicação tem de ser feita de modo adequado, com a
antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão
e complexidade das cláusulas, se torne possível o conhecimento completo e efetivo por
quem use de comum diligência” à temos de ver caso a caso se a comunicação foi
adequada e se foi feita com a antecedência necessária, o que depende dos fatores acima
destacados (importância/extensão e complexidade) à ónus da comunicação.
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A não comunicação não é um facto ilícito, mas nos termos do artigo 8º a), as cláusulas
não comunicadas têm-se como excluídas do contrato, não compõem o contrato. Quem
redige de antemão, ou as comunica de forma adequada ou as cláusulas não vão compor o
contrato. ® Veja-se aqui a consequência desfavorável como a exclusão do contrato
dessas cláusulas.
Dever jurídico:
Em Suma….
® Ónus da comunicação;
® Dever de informação;
® Proibição de cláusulas surpresa;
® Redução automática do contrato.
O que a lei prevê em termos de interpretação das cláusulas contratuais gerais – é uma
remissão para as regras do Código Civil e em caso de dúvida manda que prevaleça o
sentido mais favorável ao aderente (11º/2, DL 446/85). Havendo ambiguidade procura-
se o sentido que um declarante normal quereria alcançar, mas se a dúvida persistir
prevalece o sentido mais favorável.
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Artigo 12º, DL 446/85: são nulas as cláusulas que são contrárias à boa-fé.
Artigo 18º e ss, DL 446/85 – tipificação, exemplificativa, de algumas cláusulas que, pela
experiência, o legislador encontrou em contratos e entendeu que considerava proibidas.
Umas são absolutamente proibidas e outras são relativamente proibidas (listas negras
ou cinzentas, respetivamente).
Quadro negocial padronizado: não é o contrato em concreto, mas sim o tipo de contrato
onde a cláusula se insere.
® Artigo 20º, DL 446/85: nas relações com consumidores finais também são
proibidas as cláusulas elencadas nas relações entre empresárias à ou seja, todas
as cláusulas se aplicam às relações com consumidores (dupla proteção dos
consumidores).
® 18º e 19º, DL 446/85 à só para os empresários.
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Controlo do conteúdo
Artigo 16º, DL 446/85 - Critérios de confiança das partes quanto ao sentido global do
contrato. Na lei a concretização da boa-fé passa por alguns capítulos discutíveis à
Entram outros fatores cobertos pela boa-fé.
A estas cláusulas, foi aditada uma nova cláusula (depois de vários anos), muito
recentemente à 21º, DL 446/85. Foi aditada uma alínea, a i) à onde o legislador só quis
especificar a questão da apresentação gráfica:
Já demos em termos substantivos o controlo que o legislador oferecia aos aderentes nos
contratos não negociados, controlo quanto à inclusão das próprias cláusulas no contrato
e controlo quanto ao seu conteúdo.
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Se o tribunal entender que a cláusula é nula, a nulidade valerá apenas para aquele contrato
em concreto, celebrado entre A e B.
Se as cláusulas declaradas nulas são cláusulas contratuais gerais que foram utilizadas
numa infinidade de contratos iguais ao celebrado entre A e B, a nulidade declarada
naquela ação não pode ser invocada pelos demais aderentes. A cláusula continua a ser
utlizada nos demais contratos celebrados pelos outros aderentes.
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A sentença que declare a nulidade de determinadas cláusulas contratuais gerais vale para
todos os aderentes que contrataram ou virão a contratar com aquela entidade que tenham
utilizado aquelas cláusulas contratuais gerais.
Problema: as pessoas que contrataram com as entidades que foram condenadas a abster-
se de determinadas cláusulas, podem não saber que as cláusulas foram declaradas nulas.
É necessária a ideia de publicidade.
A ação inibitória aparece-nos no artigo 25º e ss DL 446/85. O artigo 26º, DL 446/85, diz-
nos quem tem legitimidade para propor a ação.
Temos estas 2 possibilidades e as proibições que nos surgem no diploma (as listas
negras e cinzentas de cláusulas e o princípio da boa-fé e outras regras) aplicam-se no
âmbito das ações inibitórias e concretas.
A lei prevê que estas cláusulas declaradas nulas sejam publicitadas – 34º DL 446/85. As
cláusulas abusivas sentenciadas pelos tribunais encontram-se publicitadas no site da
dgsi/igfej.
A publicação da sentença, que a lei prevê, num jornal, para que seja conhecido o seu
conteúdo – medida que não é tão utilizada, mas a própria lei prevê a possibilidade de ser
requerida essa publicação (30º DL 446/85).
A Diretiva de 2019 da UE, impõe que as legislações nacionais consagrem sanções para o
incumprimento destas regras. ® Segue-se, abaixo, o artigo 8º dessa Diretiva:
® Artigo 8º B:
1. Os Estados-Membros estabelecem as regras relativas às sanções aplicáveis
em caso de violação das disposições nacionais adotadas nos termos da
presente diretiva e tomam todas as medidas necessárias para garantir a sua
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Esta Diretiva de 2019 vai levar a que a lei das cláusulas contratuais gerais venha a acolher
as sanções que aí se preveem. Ainda não tinha sido transposta, quando foi dada em sede
de aula teorica (foi transposta PARCIALMENTE dia 10/12), mas a transposição vai
implicar alterações na matéria das sanções a aplicar. Há que ser mais severo no momento
de aplicar sanções e prever consequências para a utilização de cláusulas proibidas.
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Este tema tem uma aplicação prática imensa - todos os dias os tribunais aplicam este
regime e é algo que temos de conhecer.
Lei 23/96 - regime especial de contratos de adesão, pensado para os serviços públicos
essenciais (referidos abaixo). São contratos de adesão e para além do regime do DL
446/85 (que se continua a aplicar). estes contratos são merecedores de cláusulas especiais.
• Prescrição.
Prazo de prescrição muito mais curto que os previstos no CC, para benefício do utente. A
lei vem prever, no artigo 10º L 23/96, que o direito do recebimento do preço de serviço
prescreve no prazo de 6 meses (o prazo geral de prescrição do CC é de 20 anos, embora
a lei estabeleça outros prazos mais curtos – 439º e ss CC).
Será ela, a entidade, que tem de provar que informou e prestou todos os esclarecimentos,
que comunicou com a antecedência devida a suspensão do serviço…
Em suma:
® Princípio da boa-fé;
® Dever de informação;
® Proibição da suspensão do fornecimento sem aviso prévio;
® Exigência de elevado padrão de qualidade;
® Proibição de cobrança de consumos mínimos;
® Direito a faturação pormenorizada.
Outras regras:
Esta L 23/96 não se sobrepõe ao DL 446/85, é regime especial dentro do regime que visa
controlar o conteúdo dos contratos e a celebração dos contratos de adesão, mas aplica-se
especificamente a este setor da prestação de serviços públicos essenciais.
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® No âmbito dos contratos com eficácia real, que interferem com os direitos reais
(contratos onde temos a constituição, modificação ou extinção de um direito real)
há liberdade de celebração dos contratos, mas as partes não podem constituir
direitos reais distintos dos fixados por lei à princípio da tipicidade nos direitos
reais existentes, não há margem para autonomia, para criar novos direitos reais.
® Nos contratos familiares há liberdade de celebração de contratos, há restrições
ao nível de modelação dos contratos. Dá para distinguir entre contratos familiares
com efeitos pessoais e com efeitos patrimoniais – maior liberdade ao nível de
modelação dos contratos com incidência patrimonial.
® Contratos sucessórios: a regra é a da proibição. Contratos com efeitos
sucessórios são proibidos (é a regra), a liberdade contratual sofre muitas
restrições. Artigo 1700º CC - em sede de direito da família, prevê-se a
possibilidade de realizar pactos com efeitos mortis causa, mas esta é uma situação
excecional.
A figura que, a seguir aos contratos, tem maior importância na criação das obrigações,
é a responsabilidade civil.
Há inúmeras situações da vida social em que alguém sofre danos (algum bem foi
destruído, A e B têm uma discussão…) - a questão que se levanta é: quem suporta esses
prejuízos?
Ou seja, alguém sofre um prejuízo e temos de saber se arca ele próprio com o prejuízo ou
se pode transferir para outra pessoa. Regra geral: cada um arca com os seus prejuízos,
mas há determinadas situações onde podemos transferir os prejuízos para outras pessoas.
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uma restituição por equivalente, com uma indemnização em dinheiro, com vista a
cobrir os danos patrimoniais que o lesado tenha sofrido.
Danos:
Neste caso não se trata de indemnizar, mas de compensar o lesado pelos danos que
sofreu. (Correspondem aos danos morais - que aprendemos em ID - não são
indemnizáveis, mas sim compensáveis)
A realidade é que estes danos não patrimoniais nunca são supridos pelo montante da
compensação atribuído (tal não é possivel, não podemos atribuir um valor à dor de
outrem), no entanto, a alternativa à compensação é a não compensação, por isso o lesado
poderá minorar a sua dor através da compensação das lesões que poderá ter sofrido.
Para que se desencadeie a responsabilidade civil é preciso que tenham sido provocados
danos, mas não basta, há que haver:
O dano foi causado por aquele facto, não são acontecimentos sem nexo, de coincidência.
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® Temos de ter ilicitude. O facto tem de ser ilícito e violar interesses, direitos
subjetivos (em regra).
® Em regra, teremos de ter culpa.
Culpa, 2 formas:
• Dolo
Modalidade de culpa mais grave, onde a conduta do agente se torna mais censurável,
porque há uma ligação mais estreita entre o facto danoso e a vontade do agente. –
“conduta desrepeitadora dos interesses tutelados pelo Direito” que resulta “da existência
de uma intenção de causar dano violando uma proibição.”- Mota Pinto.
• Negligência
Omissão de um comportamernto diligente do agente. O grau de censura é mais ténue.
Pode acontecer que o mesmo facto ilícito desencadeie responsabilidade civil e criminal
(exemplo: crime de difamação…).
Na responsabilidade civil, como regra, exige-se, para haver direito a uma indemnização,
um comportamento culposo. Está na base uma responsabilidade subjetiva, fundada em
culpa – 483º CC.
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Este desvio à regra (regra sendo a responsabilidade com culpa) é cada vez mais frequente.
Houve a necessidade de fazer alguém suportar determinados danos apesar de não ter culpa
desses danos, como por exemplo, a entidade patronal a suportar danos ao trabalhador pela
atividade que desenvolve (a entidade patronal é que beneficia com a atividade do
trabalhador: se o trabalhador sofre danos, a responsabilidade tem de ser suportada pela
entidade patronal, mesmo que sem culpa).
Alguém atua em conformidade com a lei, não obstante, causa danos a um terceiro e tem
de suportar os danos, porque não parece justo ser o terceiro a suportar com o prejuizo que
lhe foi causado por determinada situação.
Exemplo: artigo 339º CC. Exemplos nos direitos reais: artigos 1349º/3 CC; 1348º/2 CC;
1367º CC.
Distinção clássica.
62º CRP: garante o direito à propriedade, e à sua transmissão entre vivos e por morte.
(de notar referências nos artigos 61º, 82º e 86º, também da CRP)
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Hoje falamos numa propriedade diferente das que vimos no Direito Romano, por
exemplo. A propriedade deixou de ser um atributo da personalidade do indivíduo e,
atualmente, a propriedade protegida é uma propriedade relativizada, um direito mais
limitado e até com uma função social (implica, para os proprietários, deveres que visam
o benefício da sociedade em geral).
Ainda é um direito subjetivo, por excelência, que se impõe à generalidade dos membros
da comunidade. É um direito absoluto, que se impõe erga-omnes, mas que tem deveres,
obrigações, ónus…
O CC não define direito de propriedade, porém o artigo 1305º caracteriza-o, dizendo que
“o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição
das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei, com observância das restrições
por ela impostas.” - Mota Pinto avisa-nos que convém lembrar que o sistema introduz
cláusulas de limitação sobre esses poderes, quer por legislação avulsa, quer através de
uma cláusula geral como a do artigo 334ºCC.
PROTEÇÃO DA FAMÍLIA
A proteção da família está prevista constitucionalmente – artigos 36º, 67º, 68º e 69º CRP
- e ganha no Direito Civil uma regulamentação própria.
® Atualmente, a família é mais reduzida ao seu núcleo mais restrito (existem até
famílias monoparentais) - a grande família que exerceu importantes funções
sociais, há uns séculos atrás, é, hoje, uma realidade longínqua.
® A família foi perdendo funções (influência do individualismo liberal). Muitas
funções assumidas pela família, são agora assumidas pelo Estado (assistência aos
mais velhos, guarda dos mais novos…).
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Esta relação jurídica de Direito Privado é uma relação em que o Estado não
intervém, ou pelo menos não intervém com as suas vestes de poder de império.
O Direito tem como função regular, disciplinar, as relações das pessoas na sociedade –
relações que careçam de regulamentação e organização.
Relação entre o credor e o devedor, relação entre senhorio e arrendatário, pai e filho (por
exemplo).
® Situação jurídica
O nosso Código parte de uma noção de relação jurídica, mas poderíamos partir da noção
de situação jurídica (como faz OA). A verdade é que toda a relação é estaticamente uma
situação e toda a situação é dinamicamente uma relação.
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Relação jurídica enquanto relação da vida social, disciplinada pelo Direito, mediante a
atribuição de um direito subjetivo a uma pessoa; em oposição, a outra pessoa está
sujeita a um dever jurídico ou sujeição.
Dentro da relação jurídica, no sentido estrutural, podemos verificar que ela integra
diferentes elementos:
Relação
Jurídica
Sujeitos da Objeto da
Relação Relação Facto Jurídico Garantia
Jurídica Jurídca
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® OBJETO: Incide sobre determinado objeto (objeto do Direito). ® Pode ser uma
coisa, mas pode ser uma prestação.
® FACTO JURÍDICO: facto que dá origem a uma relação jurídica. Exemplo:
contrato que A celebra com B – de casamento, de compra e venda – que gera uma
relação.
Mas pode ser um facto natural: nascimento de alguém faz surgir uma relação familiar
entre a pessoa que nasce e os seus pais. A morte também, visto que existem herdeiros.
As relações sociais, contrariamente, têm sanções próprias de natureza social, sem carácter
coercitivo.
Há um vínculo que se estabelece entre os sujeitos. Esse vínculo é integrado por um direito
subjetivo e um dever jurídico, mas há outras posições ativas e passivas que podem ainda
confluir numa relação jurídica.
PERSPETIVA FUNCIONAL
Na base da relação jurídica em sentido estrutural está uma relação, que pode ser analisada
numa perspetiva funcional que antecede a relação estrutural e a intervenção do Direito.
1
Esta Sebenta integra o essencial do Manual de Mota Pinto, porém, na matéria da Garantia, recomenda-
se, a quem possa dispor desse tempo, a leitura das páginas 663 a 669, para uma noção mais detalhada neste
tópico.
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Ideia básica da relação jurídica funda-se numa composição paritária de interesses, tendo
como base a autodeterminação do indivíduo. Poder do individuo criar a sua própria lei –
poder jurisgénico (Orlando de Carvalho).
Nas relações sociais, havendo conflitos de interesses, vai haver a composição paritária de
interesses e a uma pessoa vai ser reconhecida a prevalência do interesse sobre o interesse
dos demais.
O poder jurisgénico é um poder que o Direito reconhece - ele não é atribuído pelo Direito,
é sim um poder que existe sob sanção do ordenamento jurídico em vigor. Não está à
sombra do Direito, mas um poder que incorpora o próprio controlo do Direito e se adequa
a este, submetendo-se aos limites da lei.
PERSPETIVA ESTRUTURAL
Pressupõe que o Direito intervém sobre a relação jurídica e a transforma, no sentido de
acautelar os interesses que se revelam na perspetiva funcional. Na perspetiva estrutural o
Direito acautela os interesses prevalecentes através do reconhecimento de um direito
subjetivo, a um determinado sujeito, e a imposição aos outros sujeitos de um dever
jurídico ou sujeição.
Núcleo da relação jurídica: vínculo que se estabelece entre os sujeitos (direito subjetivo
e o respetivo dever jurídico ou sujeição).
DIREITOS SUBJETIVOS
O exercício de um direito subjetivo é colocado na dependência da vontade do seu titular.
O titular do direito é que, de acordo com a sua autonomia (o exercício de direitos
subjetivos é uma manifestação da autonomia privada), irá exercer, ou não, o direito de
que é titular.
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Com o exercício do direito, a norma, que reconhece o direito subjetivo, é apropriada pelo
titular do direito (o titular do direito torna a norma como coisa sua no exercício desse
direito subjetivo).
O direito subjetivo é visto como um poder, mas esta não é a única posição possível, há
outras posições que incluem a ideia de interesse:
Mais, pode não haver sobreposição entre direito subjetivo e interesse juridicamente
tutelado. É verdade que a todo o direito subjetivo corresponde um interesse, mas o
inverso já não é verdadeiro, isto é, pode haver interesses tutelados pelo Direito objetivo,
aos quais não corresponde um direito subjetivo, porque a tutela desses direitos é
organizada através de outros mecanismos (que não os de direito subjetivo).
Quando se atribui o poder jurídico a alguém para prosseguir o seu interesse, depois, o
titular do direito não está vinculado a exercer o poder na estrita medida do interesse que
2
A matéria do manual do Professor Mota Pinto foi amplamente integrada nesta sebenta, porém, recomenda-
se, a quem puder dispensar tempo para tal, a leitura das páginas 178 a 186 para um maior aprofundamento
da matéria de Direitos Subjetivos e Potestativos.
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o justificou, ou seja, o titular do direito subjetivo pode utilizar esse direito para prosseguir
um interesse diverso, isto como regra geral. Exceto as situações limite que iremos ver.
O facto do direito subjetivo se traduzir num poder de autodeterminação não exclui que se
delimite rigorosamente o poder de autodeterminação e que ele seja exercido apenas nos
termos em que se encontra definido.
® Exercício destes direitos não pode violar a lei, não pode contender com normas
estruturais/princípios inequívocos do sistema.
O exercício do direito subjetivo tem de se encontrar dentro dos limites que a lei desenha
para o seu exercício. Há que interpretar a lei para definir rigorosamente a estrutura do
direito.
Exemplo: a lei atribui legitimidade para alguém propor uma ação com vista à
limitação da capacidade (situação de acompanhamentos de maior) e alguém propõe
com intuito meramente vexatório (para diminuir o visado) à não é direito subjetivo. O
direito tem como finalidade proteger o visado e não diminuí-lo aos olhos dos demais.
Nessa medida, com a interpretação da norma, diríamos que o exercício deste direito
viola a própria lei.
Na sindicação da ilicitude temos, em primeiro, a própria lei (a lei que tem de ser
interpretada e delimita o exercício dos direitos); em segundo, cláusulas gerais como os
bons costumes e a boa-fé e, num terceiro nível uma sindicação limite que é o abuso do
direito.
Abuso do direito
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Há abuso do direito quando se usa o direito subjetivo fora do poder que se tem de
utilizar esse direito, lesando interesses de outrem (ou havendo a potencialidade de lesar
interesses de outrem). Só nestas situações é que o exercício abusivo do direito poderá ser
travado com este fundamento.
Na medida em que o direito seja exercido apenas para negar interesses de outrem,
estaremos perante o exercício abusivo do direito, dado que se potenciam prejuízos para
outrem.
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334º CC: O exercício do direito é ilegítimo (no sentido de ilícito) quando um titular
exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim
social ou económico desse direito.
QUAL É O PROBLEMA?
O problema está em como este dispositivo tem na epígrafe “abuso do direito” e o facto
de parecer que o legislador está a enunciar o conjunto de critérios pelos quais
aparentemente definiria o exercício abusivo do direito à não podemos concordar. O
abuso do direito não é uma soma destas várias partes.
Ou o legislador disse mais do que o que queria na própria epígrafe porque deveria ter dito
“exercício ilegítimo do direito”, ou disse mais no artigo porque misturou os bons
costumes e a boa-fé com o exercício abusivo do direito.
Portanto, estamos perante situações diferentes de sindicação da ilicitude que devem ser
distinguidas e não confundidas, sob pena de, em última instância, termos uma
interferência do poder judicial sob o poder legislativo. Neste caso o próprio princípio de
separação de poderes poderia ser posto em causa porque, na medida em que a lei
reconhece um direito subjetivo, não poderá o tribunal negar o exercício desse direito, com
base em relações subjetivas.
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Este direito subjetivo como poder arbitrário, colocado na dependência do sujeito, fica
posto em causa se admitirmos que há limites que vêm internamente limitar o exercício do
direito subjetivo.
No entanto, esta é a posição seguida por boa parte da doutrina: entendem que os direitos
devem obedecer, no seu exercício, a uma norma implícita ou explícita de correção de
moralidade ou a uma regra acima da lei, - isto leva a uma relativização do direito
subjetivo, a uma vulnerabilização do mesmo a intrusões que venham corrigir a liberdade
individual, assim como a uma administrativização da vida cívica.
O exercício do direito que a lei reconhece é travado por uma outra entidade, com base no
critério subjetivo. É um critério inviável, que limita a autonomia com base num critério
meramente subjetivo e valorativo.
Exemplificação: Quando a lei diz que A tem direito a x (a lei reconhece-lhe um direito
subjetivo) e, quando este vai a exercê-lo, surge uma entidade acima dele (tribunais) que
vem dizer que A tem um direito mas não o pode exercer, porque não é conforme os
critérios morais (ou seja, critérios subjetivos). É o mesmo que dizer que não se podem
exercer os direitos quando estes são exercidos da forma que alguém entende que não
corresponde à forma como devem ser exercidos.
Porém, para além destas delimitações está-se a introduzir um controlo extraordinário que
se baseia numa conceção subjetiva. Não há dúvida que, em determinadas situações, deve
haver uma última fiscalização da licitude do exercício de direitos para além das cláusulas
gerais (boa-fé e bons costumes), mas não pode ser baseado em critérios subjetivos -
tem de ser ainda dentro da lei.
Rejeição do abuso do direito como controlo para além da lei (à mercê das sensibilidades,
que podem variar) ® o que se advoga é uma fiscalização do direito, dentro dos limites da
lei, em que vemos se o seu exercício está de acordo com o modelo existente, se estamos
ainda dentro dos interesses que a norma visou proteger, se ainda estamos dentro dos
poderes de autodeterminação que justificaram o reconhecimento do direito.
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Direito Direito
subjetivo Direito Subjetivo
(sentido Potestativo (sentido
estrito) amplo)
Na quase totalidade das hipóteses, se a contraparte não cumpre o seu dever jurídico, o
titular do direito subjetivo pode obter dos tribunais (e autoridades subordinadas a estes)
providências coercitivas para satisfazer o seu interesse.
Está-se ainda no âmbito de um direito subjetivo? Sim, porque, ainda que moderada, há
uma garantia jurídica. Deve, nestes casos, falar-se do tal “poder de exigir”.
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Mota Pinto, diz-nos que aqui estamos perante o “poder de pretender” e diz-nos que é o
que se sucede nos casos das obrigações naturais.
Exemplo: Imagine-se que A deve a B uma quantia de dinheiro que foi emprestada há
muitos anos e agora quem emprestou vai cobrar. Passado o prazo de prescrição
(prescrever - o direito já não pode ser exigido judicialmente),(304º CC – passado o
prazo da prescrição, o beneficiário pode recusar-se a cumprir a prestação), A pode
recusar-se a pagar a quantia.
Imagine-se que o devedor paga uma dívida que não sabia que estava prescrita e alguém o
informa que estava - não pode exigir que lhe devolvam o dinheiro, porque estava a
cumprir a prestação prescrita. Não tem direito a receber de volta o montante em causa,
porque o seu comportamento se traduziu no cumprimento de uma obrigação (304º/2 CC)
- princípio da não repetição do indevido. A obrigação (civil) que ele tinha
transformou-se numa obrigação natural, nas quais vigora o princípio da não repetição
do indevido, ou seja, ainda estamos perante uma garantia jurídica, ainda que mais ténue
do que as obrigações civis.
Obrigações naturais: artigos 402º e ss CC. O artigo 403º CC vale para as dívidas
prescritas, mas também vale para as situações em que o jogo e a aposta são contratos
válidos, o que não é regra (1245º CC).
Mota Pinto dá-nos exemplos de direitos subjetivos propriamente ditos: direitos de crédito,
direitos reais, direitos de personalidade, direitos de família (quando não forem poderes-
deveres), etc.
Direito potestativo:
Poder jurídico de, por ato de vontade, só de per si, ou integrado num ato de autoridade
pública, produzir efeitos que se impõem necessariamente à contraparte. Este poder vai
traduzir-se num poder que constitui ou modifica ou extingue uma relação jurídica.
Pode traduzir-se num direito que é exercido, sem mais, pelo titular ou exigir a intervenção
de uma autoridade pública (nomeadamente uma decisão judicial).
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O titular do direito tem uma posição mais forte porque ao exercer o direito vai interferir
de forma inelutável numa relação jurídica, recaindo sobre o sujeito passivo uma posição
de sujeição. Este sujeito passivo limita-se a ser um espetador do exercício do direito
potestativo sem que se possa obviar aos efeitos desse exercício, porque esses efeitos se
lhe vão impor inelutavelmente. Aqui a garantia é muito mais forte.
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Mas A pode impedir B de passar (colocando minas ou colocando uma cerca com
eletricidade, por exemplo) - o direito de passar não é direito potestativo, é um direito
subjetivo em sentido estrito.
Poderes,
faculdades Poderes em que se
especiais, que desdobra o poder de
autodeterminação,
Faculdades jurídicas
competem apenas
a determinadas através das quais a
pessoas que estão pessoa se transforma
numa situação num sujeito de
particular. Há relação jurídica.
uma relação pré-
existente.
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• São anteriores a uma relação jurídica • Algo que surge depois do direito
e potenciam a existência de uma. subjetivo, irradiações de um direito
• Exemplo: poder de ser proprietário, subjetivo.
poder de casar, poder de doar, etc. • Exemplo: eu sou titular do direito
• Independentemente da situação da de créditos sobre B, e, por isso,
pessoa, ela tem estes poderes. tenho o poder de o
Precedem as concretas situações de interpelar/recorrer a um tribunal para
poder em que existem direitos pedir o meu crédito. Estes poderes
subjetivos. São um prius em relação só existem porque eu tenho um
ao direito subjetivo. Pode até direito subjetivo. E a estes poderes
considerar-se estas faculdades como que decorrem do direito, nós
emanações, num sentido amplo, do chamamos faculdades jurídicas
direito geral de personalidade secundárias.
(tornando-as, aí, faculdades
secundárias).
Há quem diga que não, considerando-os algo distinto dos direitos subjetivos. Mas
estruturalmente estamos perante a mesma realidade, ou seja, não há razão para fazer sair
do quadro estes poderes funcionais.
Que poderes funcionais são estes? A particularidade é que há uma separação entre
a titularidade do direito e o interesse que o direito visa prosseguir.
Temos um sujeito que é titular de um direito subjetivo e vai exercer esse direito no
interesse de outra pessoa (exemplo: responsabilidades parentais).
A questão é: são direitos subjetivos ou são coisas diferentes? Parece-nos que são
direitos subjetivos, não prosseguem interesses próprios, mas sim interesses de outras
pessoas. O exercício destes direitos não é livre, é funcionalizado ao interesse das outras
pessoas (dos filhos, por exemplo, no caso das responsabilidades parentais).
Existem ainda situações jurídicas que ainda não são direitos subjetivos, ainda não são
situações de prevalência em que se traduzem os direitos subjetivos, mas são já um passo
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Estas situações que precedem a constituição de um direito subjetivo são situações que são
já juridicamente tuteladas. Distinguem-se das simples esperanças de vir a adquirir um
direito subjetivo.
As simples esperanças não são, em regra, protegidas pelo ordenamento jurídico (exemplo:
esperança de o filho vir a suceder ao património do pai são simples expectativas).
As expectativas jurídicas: não há ainda direito, mas já temos uma situação intermédia,
mais ou menos consistente, que já produz certos efeitos jurídicos, ainda que não produza
os efeitos próprios da titularidade do direito subjetivo.
Exemplo 1: posição de um filho quando um pai morre e este está prestes a aceitar a
herança - artigos 2047º, 2067º CC
Exemplo 2: doação sujeita à condição. Um pai que doa a um filho um automóvel se ele
se licenciar em direito no final do ano – a doação não produz imediatamente todos os
seus efeitos (efeito jurídico principal: transmissão de propriedade), a transmissão está
suspensa porque está sujeita a uma condição. Porém, perante o contrato, o filho tem
expectativas às quais a lei já confere alguns efeitos.
Poder-se-ia apelar a uma formação progressiva do direito, mas não é exatamente isso
que ocorre – porque há um momento em que não se é titular de direito e num outro
momento já se é (não há meios direitos), não se vai formando aos poucos (tanto que para
a produção de alguns efeitos é necessário saber o momento concreto de
reconhecimento/aquisição de direito).
Outra parte da doutrina entende que o direito já existe e que temos um estado de
indeterminação do sujeito titular do direito.
Direitos inatos são, por exemplo, direitos de personalidade (direitos que se prendem com
o facto de a pessoa ser pessoa e a proteção dos bens de personalidade), contudo há alguns
direitos de personalidade que são adquiridos:
Por exemplo: direitos inerentes ao casamento; direitos que decorrem da relação filial
(pais e filhos);
Trata-se de direitos cuja pessoa não se pode privar deles sem abdicar do estado em que
se encontra.
Está em causa saber os bens em jogo e saber se estes são redutíveis a um equivalente
patrimonial:
A distinção passa por saber quem são os sujeitos passivos destes direitos (a quem se
impõem estes direitos subjetivos).
• Direitos relativos: o sujeito passivo é uma ou mais pessoas que são certas e
determinadas.
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Existe aqui uma obrigação passiva universal. Os direitos absolutos impõem-se erga
omnes.
Ao sujeito passivo deste direito absoluto exige-se um dever geral de abstenção – non
facere, não perturbem o direito absoluto em causa.
Exemplo2: A consente que B lhe corte um braço, o consentimento não é valido porque
é contrário à ordem pública e aos bons costumes. O ato de disposição de A seria ilícito.
Assim, a integridade física, apesar de ser disponível, não é disponível sem limites.
Em regra: direitos com natureza pessoal não serão disponíveis e os direitos com natureza
patrimonial serão.
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® Potestativos
Aqueles que têm uma estrutura particular que se caracteriza pela inevitabilidade dos
direitos subjetivos.
® Subjetivos em sentido estrito
Potestativos
Direitos
subjetivos
Subjetivos em
sentido estrito
® Personalidade
No entanto, contrariamente ao que acontece nos direitos reais (por exemplo), o que se
exige dos sujeitos passivos não é simplesmente uma obrigação geral de não perturbar o
exercício do direito (como nos direitos de propriedade), é sim uma obrigação geral de
respeito pelo direito em causa, que encerra prestações positivas (dever geral de auxílio).
Não é um simplesmente “não fazer nada”, deve-se auxiliar para minimizar os danos
possíveis à Obrigação positiva de auxiliar.
Ex: A vê B ferido na rua a sangrar imenso. A tem o dever de prestar auxílio, mediante
tenha ao seu alcance, como chamar uma ambulância.
® Direitos de crédito
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® Direitos reais
Do lado ativo, o direito subjetivo: poder direto e imediato a uma coisa – não é necessária
uma mediação entre o direito e a coisa.
Personalidade
Direito subjetivo
(sentido estrito)
[Perspetiva Crédito
estrutural]
Reais
Tendo em conta os interesses que se visam tutelar com estes direitos subjetivos.
® Direitos da pessoa:
Os que visam tutelar a pessoa.
Temos direitos de personalidade, mas não só, também temos os direitos potestativos
(81º/2 CC), os direitos de crédito – 70º/2 CC, e os direitos reais.
® Direitos de obrigações
Encontramos direitos de crédito, mas também direitos reais de garantia (garantia das
obrigações, como o penhor e hipoteca), mas também direitos potestativos (direito de
resolução por incumprimento, por exemplo).
Temos direitos reais – gozo, aquisição…; também temos direitos potestativos (constituir
uma servidão de passagem); direitos de crédito: indemnizações (artigos
1333º/1334º/1337º CC)
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® No âmbito da família:
Direitos sob a pessoa de outrem – no caso das relações parentais; direitos potestativos:
direito ao divórcio, direito à separação judicial de pessoas e bens; direitos de crédito entre
os cônjuges; direitos reais: efeitos patrimoniais – regimes de bens no casamento.
® Direitos sucessórios
Direitos da pessoa
Direitos sucessórios
Em suma:
Direito potestativo
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Ónus
A não adoção deste comportamento não se traduz num ilícito, logo não existem as sanções
do ordenamento jurídico. Num ónus, devemos adotar o comportamento previsto para
obtermos uma vantagem pessoal, posto isto, a não adoção do ónus apenas acarreta uma
desvantagem.
342º CC e ss: o que invoca um direito tem de provar os factos constitutivos desse direito,
se não provar não se pode valer desse direito à não provar não é um ilícito, só não tem
a vantagem inerente ao direito que pretendia invocar.
Singulares vs plurais
® Singulares: 1 única pessoa como sujeito ativo e 1 única como sujeito passivo. Na
prática, não é muito comum, geralmente, as relações jurídicas são mais complexas
que isso.
O critério é temporal: relações que se esgotam num determinado marco temporal ou que
se prolongam no tempo.
Exemplo: um contrato de compra e venda pago no ato - esgota-se no momento, mas tem
como efeito um direito de propriedade que se mantém no tempo.
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As relações jurídicas não tendem a ser simples, onde um sujeito é o ativo e tem o direito
e o outro, passivo, tem o dever.
Singulares
Singulares vs.
plurais
plurais
Bilaterais
Bilaterais vs.
Plurilaterais
Plurilaterais
Classificação de Instânteas
relações Instantâneas vs.
juridicas duradouras
Duradouras
Autónomas
Autónomas vs.
não autónomas
Não autónomas
Simples
Simples vs.
Complexas
Complexas
Muitas vezes as relações jurídicas, devido à sua complexidade, não nos aparecem
isoladas, mas sim interligadas (combinações de relações jurídicas).
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A importância de perceber a existência desta combinação reside em saber que uma relação
está dependente da outra – extinguindo-se a relação principal extingue-se a acessória
(se o crédito é satisfeito termina a hipoteca/penhor). Artigos 627º/2 CC; 632º/1 CC; 251º
CC.
Esfera Jurídica: não é mais que uma combinação pertinencial de relações jurídicas -
combinação das relações jurídicas ativas e passivas do mesmo sujeito. A minha esfera
jurídica é o conjunto de relações em que eu sou sujeito ativo e/ou sujeito passivo.
Aquisição de direitos
O direito é adquirido por uma pessoa quando esta se torna titular dele. Aquisição de
direitos é, pois, a ligação de um direito a uma pessoa. (Mota Pinto)
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Mota Pinto defende que toda a constituição de um direito implica a sua aquisição, pois
este considera não existirem direitos sem sujeito.
® Originária;
Temos um direito que surge ex novo, no sentido em que não depende juridicamente nem
geneticamente do direito anterior, dependendo somente do facto aquisitivo.
Não depende da existência ou extensão de um direito anterior, que pode nem existir - caso
exista, o direito não foi adquirido por causa desse, mas apesar dele.
Este direito (de propriedade), apesar de existir anteriormente na esfera de outra pessoa,
(sendo, por isso, de aquisição), só depende do facto aquisitivo usucapião - este adquire-
se CONTRA o direito anterior, não dependendo do mesmo.
Este direito adquirido impõe a extinção de um direito anterior – são incompatíveis, impõe-
se contra outro direito. O anterior extingue-se por decadência.
® Derivada;
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Hipótese 1: A pretende vender a B uma coisa que não é sua. B adquire? Não, seria uma
aquisição derivada e é preciso que o direito existisse na esfera de A para que transite para
a esfera de B, coisa que não acontece.
Hipótese 2: A é não proprietário, mas usufrutuário (usufruto é mais restrito que direito
de propriedade: a coisa não é sua, mas pode usá-la). Não pode vender a B porque não está
na sua esfera jurídica – porque o objeto do direito que B adquire ao comprar o bem é mais
amplo que o direito que A tem enquanto usufrutuário.
O contrário já pode acontecer: A, proprietário, pode fazer com que B seja o usufrutuário
– o direito de propriedade é mais amplo que o direito de usufruto.
Hipótese 3: Se A tem o direito de propriedade sobre um terreno com 1000 m2 não pode
vender um terreno com 2000 m2 – não pode ser mais amplo que o objeto do direito do
transmitente. No entanto, A pode vender apenas 500 m2.
Aquisição
derivada
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Temos então um direito progenitor e um direito filial. O direito novo tem um conteúdo
diferente, mas absorvível pelo anterior- forma-se à custa dele, mas limitando-
o/comprimindo-o.
Interesse prático nesta distinção: esta distinção permite-nos perceber uma série de
regimes.
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Esta regra é uma regra fundamental de direito que justifica, por exemplo, o artigo 892º
CC.
No entanto, esta regra tem exceções, 2 exceções que se justificam por 2 ordens de razões:
Em 1995, foi aprovado um código de registo de automóveis que nunca entrou em vigor
porque não foi regulamentado – continua em vigor o DL 54/75 e, em falta de
regulamentação, aplica-se o Registo Predial.
O Registo Predial entre nós obedece ao princípio do trato sucessivo – 34º Código do
Registo Predial. O registo depende da prévia inscrição dos bens em nome de quem os
transmite.
3
Caso exista necessidade de aprofundar esta matéria, veja-se as páginas 365 a 371 do Manual de Mota
Pinto.
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A B
C
-proprietário- também D
não registou.
Registou. regista.
Entenda-se, no esquema acima apresentado, cada seta entre caixas de texto como
“transmitiu”.
D adquiriu o direito e quer registar o terreno em seu nome (indo à conservatória com o
contrato de compra e venda que celebrou com C). Para a conservatória, B é o proprietário,
C aos olhos do registo não existe, não é titular de nenhum direito. Para D se poder registar,
C tem de se registar primeiro e só depois D regista (isto não afeta o direito de propriedade
de D).
Se A vender a B sem que B o registe, o direito de propriedade não é afetado, apenas não
é oponível a terceiros. Porém, para uma eventual futura venda, B precisa de registar antes
de vender a C. à Só se pode registar havendo um registo anterior do transmitente.
O registo começou por ser facultativo, era um ónus, mas agora já não é assim. O 8º -A do
Código de Registo Predial diz-nos que o registo é obrigatório e prevê consequências
para a falta de registo. Registam-se as mudanças de titularidade, registam-se as
aquisições.
Efeitos do registo
Para além dos efeitos laterais do registo, como: 291º CC, 1294º CC, 1298º CC, etc; temos,
como efeitos principais:
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Enquanto a aquisição não for registada, ela não é oponível relativamente a terceiros.
Terceiros como noção técnica4. Artigo 5º/4 do Código do Registo Predial – “Terceiros,
para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos
incompatíveis entre si.”
O mesmo A vende a C. A pretende transmitir uma coisa que já não é sua (o direito de
propriedade é de B), tal não é possível, logo C não adquire nada à este negócio é nulo
(892º CC) porque o negócio de A com B é válido.
A
Proprietário de um
terreno, com registo
Vende a
B C
Proprietário que não (A vende a C depois
regista de vender a B)
4
Páginas 271 a 281 de Orlando de Carvalho.
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Apesar de B ser proprietário, B não pode invocar o seu direito às pessoas que do
mesmo disponente (A) adquiram direitos total ou parcialmente conflituantes
(terceiro). Neste caso, C é um terceiro para termos de registo.
Isto tudo se altera completamente se C registar (e pode). Se isso acontecer, C passa a ser
o proprietário e o direito de B extinguiu-se pela superveniência de um direito
incompatível.
Com a inoponibilidade dos direitos não registados a terceiros e a prioridade dos direitos
registados, ou seja, com o efeito central do registo (conjugação dos artigos 5º e 6º do
Código do Registo): C registando, adquire a propriedade, o direito de B extingue-se por
decadência.
A
A A constitui
Proprietário de um
vende terreno, com registo um usufruto
aB a favor de C
B C
Proprietário que (Este usufruto é
não regista constituído após a venda
a B)
Porém, se C regista o
usufruto, torna-se
usufrutuário, comprimindo o
direito de propriedade de B.
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Hipótese 3: A vende a B, B não regista. A vende a C (algo que não pode fazer visto que
o negócio entre A e B é válido, logo o negócio de A e C é nulo) e, para além disso, esse
negócio tem vício de forma (falta de forma).
A
Proprietário de um
terreno, com registo
B C
Proprietário que (A vende a C depois
não regista de vender a B)
O nosso registo não é constitutivo, mas o legislador arranjou uma forma de obrigar a
registar. Se as pessoas não registam ficam numa situação que poderá ser abalada pela
aquisição superveniente de um terceiro.
2ª exceção do princípio de acordo com o qual ninguém transmite mais direitos que
aqueles que é titular – exceção que deriva do princípio da boa-fé.
Regra geral: artigo 289º CC: quando é declarada a nulidade ou anulação, essa
declaração tem efeitos retroativos devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado.
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Hipótese 1: O negócio celebrado entre A e B é nulo (por alguma razão não especificada).
Se o negócio entre A e B é nulo, B não tem legitimidade para transmitir a C. O negócio
entre A e B é nulo, não produz efeitos, nomeadamente a transmissão do bem de A para
B. B não adquire o direito e não o pode transmitir a C à se o primeiro negócio é nulo, o
segundo também o é.
Hipótese 2: Se o negócio entre A e B não é nulo, mas tem um vício que o torna anulável
e B aliena a C. O negócio, depois, vem a ser anulado. Com a anulação do primeiro negócio
os efeitos que tinham sido produzidos são destruídos retroativamente e C também não
adquire nada.
Simulação – 243º CC
O artigo 243º CC vem proteger a posição do terceiro, desde que ele se encontre de
boa-fé.
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O primeiro negócio não é simulado, mas é nulo por um vício de forma – 220º CC. Nestas
hipóteses não se aplica o 243º CC, aplica-se o 291º CC – este artigo também protege
terceiros que estejam de boa-fé que tenham sido afetados por nulidades anteriores.
Terceiro aqui no 291º CC (também noção técnica) são sujeitos que veem a sua posição
afetada em virtude de uma ou mais invalidades anteriores ao negócio em que eles são
partes.
O que a lei pretende evitar é que os efeitos avassaladores do 289º CC (efeito dominó
que destrói tudo o que está para trás) se produzam.
Apesar da noção de terceiro se demonstrar nos artigos 243º e 291º CC, o que exige aos
terceiros para proteção é muito diferente entre um artigo e outro:
® 243ºCC: diz-nos que o terceiro está protegido (ou seja, o terceiro adquire o
direito), se estiver de boa-fé. A noção de boa-fé para efeitos do 243º CC é uma
noção pouco exigente.
243º/2 CC “A boa-fé consiste na ignorância da simulação ao tempo em que foram
constituídos os respetivos direitos.”.
Se a simulação era cognoscível, mas não era conhecida, o terceiro estava de boa-fé. Se
a simulação era patente e ele, distraído, não o sabia, ele estava de boa-fé. A lei só exige
o desconhecimento da simulação.
Se os negócios em causa são formais, as ações com vista à declaração à nulidade relativas
aos imóveis têm de ser registadas – art.3º Código de Registo Predial.
Hipótese:
Ação com vista à
Negócio simulado. declaração da nulidade. Negócio com terceiro é
03.2020 celebrado em 03.2021.
01.2021
Considera-se aqui que o terceiro está sempre de má-fé, visto que a ação é registada e
publicitada.
® Artigo 291º CC protege terceiros de boa-fé, nas situações em que temos um vício
que afeta a validade do primeiro negócio. Um vício qualquer desde que conduza
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o Ter um terceiro, que vê a sua posição afetada por uma invalidade anterior.
o O terceiro tem de estar de boa-fé, porém a boa-fé mais exigente.
291º/3 CC: “É considerado de boa-fé o terceiro adquirente que no momento de
celebração do negócio desconhecia, sem culpa, o vício do negócio nulo ou anulável”.
“Sem culpa”® não conhece, nem deve conhecer, ou seja, este vicio não pode ser
cognoscível.
o O terceiro tem de registar antes que seja proposta uma ação de invalidade do
negócio que o afeta.
o Os direitos do terceiro não são reconhecidos, de acordo com o 291º/2 CC, se a
ação for proposta ou registada nos 3 anos subsequentes à conclusão do negócio.
Há um negócio inválido com uma estabilidade temporal, os terceiros confiam porque
ninguém propôs uma ação durante algum tempo.
Nota: O terceiro tem uma pretensão de crédito sobre B, sempre que não puder
adquirir (por não preencher os critérios do artigo 291º), por vias do efeito dominó
presente no artigo 289º CC.® C não consegue adquirir, mas não deixa de poder exigir
de B o ressarcimento do dinheiro (pretensão de crédito).
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C adquiriu ou não?
Temos de ver se foi proposta uma ação. Se foi proposta a ação em 2020, o terceiro não
adquire nada porque só está protegido se não for proposta uma ação nos 3 anos
subsequentes do primeiro negócio.
A celebra
negócio com B celebra C celebra D celebra
B negócio com com D com E
(nulo por C
(anulável). (simulação). (e E regista).
vício de
forma). 2017 2021 2021
2016
Porém, para entendermos se E adquire teria que ser avaliado cada um dos negócios, tendo
em consideração prazos e os requisitos de cada um!
MODIFICAÇÃO DE DIREITOS
Situações em que o direito se mantém, mas há uma mudança num dos seus elementos.
® Subjetiva
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Adjunção
O primitivo titular do direito mantém-se com essa titularidade, mas agrega um novo
sujeito à mesma titularidade do direito.
É uma adjunção e não uma transmissão de um sujeito para outros dois (ou mais).
Fenómeno inverso da multiplicação - onde tínhamos mais que um sujeito que era titular
de um direito, passamos a ter apenas um.
® Objetiva
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o Alteração do conteúdo
Usufruto
Há uma prestação de uma caução por parte do usufrutuário – 1468ºb) CC: “Prestar
caução, se esta lhe for exigida, tanto para a restituição dos bens ou do respetivo valor,
sendo bens consumíveis, como para a reparação das deteriorações que venham a
padecer por sua culpa, ou para o pagamento de qualquer outra indemnização que seja
devida.”
O usufrutuário é alguém que goza uma coisa que é propriedade de outra pessoa.
1470º CC: “Se o usufrutuário não prestar a caução devida, tem o proprietário a
faculdade de exigir que os imóveis se arrendem ou ponham em administração, que os
móveis se vendam ou lhe sejam entregues, que os capitais, bem como a importância dos
preços das vendas, se dêem a juros ou se empreguem em títulos de crédito nominativos,
que os títulos ao portador se convertam em nominativos ou se depositem nas mãos de
terceiro, ou que se adotem outras medidas adequadas” à Tendo o usufrutuário de
prestar caução, e não prestando, a lei prevê hipóteses para acautelar a posição do
proprietário. O direito que o usufrutuário teria modifica-se – ele teria a possibilidade
de usar a coisa, sem limitações, mas porque não prestou caução, o uso da coisa vai ser
prejudicado para acautelar a posição do proprietário. O conteúdo do direito é
transformado, é limitado, em função do proprietário.
1482º CC: “O usufruto não se extingue, ainda que o usufrutuário faça mau uso da coisa
usufruída; mas, se o abuso se tornar consideravelmente prejudicial ao proprietário, pode
este exigir que a coisa lhe seja entregue, ou que se tomem as providências previstas no
artigo 1470.º, obrigando-se, no primeiro caso, a pagar anualmente ao usufrutuário o
produto líquido dela, depois de deduzidas as despesas e o prémio que pela sua
administração lhe for arbitrado” à no caso de mau uso há providências que irão alterar
o conteúdo do usufruto.
o Alteração do objeto
701º CC: “Quando, por causa não imputável ao credor, a coisa hipotecada perecer ou a
hipoteca se tornar insuficiente para segurança da obrigação, tem o credor o direito de
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exigir que o devedor a substitua ou reforce; e, não o fazendo este nos termos declarados
na lei de processo, pode aquele exigir o imediato cumprimento da obrigação ou,
tratando-se de obrigação futura, registar hipoteca sobre outros bens do devedor.”.
Para garantia de um determinado crédito que é concedido, alguém constitui uma hipoteca
sobre a sua casa – se não pagar, o credor será o primeiro a beneficiar da venda de casa
para o seu crédito.
Exemplo: Se a casa arder, o credor tem o direito de exigir que se substitua a garantia que,
até então, era a casa.
Há acessão quando uma coisa que é propriedade de uma pessoa se une a uma coisa que
não lhe pertencia.
Modificações na obrigação
Alterações que podem ocorrer no lado passivo da relação – são sempre subjetivas, têm
sempre a ver com o sujeito.
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para o sujeito ativo porque significa uma alteração no património que, em última
instância, representa o cumprimento da obrigação.
Exemplo: transmissão singular da dívida: assunção translativa – artigo 595º CC, exige-
se declaração expressa do credor.
® Multiplicação
o Sucessão: se ao de cuius sucede mais que uma pessoa.
O devedor originário é substituído por vários devedores que respondam aos bens da
herança.
o Adjunção:
Se alguém que tem uma posição passiva a transmite a outra pessoa, se o credor (sujeito
ativo), não concordar, o primitivo devedor mantém-se obrigado – a transmissão não tem
o efeito de desresponsabilizar o primitivo sujeito passivo relativamente à sua posição,
vai-se somar ao novo sujeito passivo.
® Concentração
Existem vários sujeitos passivos e a estes sucede-se um único sujeito, quer por negócio
entre vivos, quer por via sucessória.
Extinção De Direitos
® Extinção subjetiva
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1. Destruição do objeto: o direito deixa de existir quando o objeto sobre o qual ele
incide se destrói.
2. Abandono do objeto: o direito deixa de existir quando o objeto sobre o qual ele
incide é abandonado.
Coisas móveis abandonadas - o direito que sobre elas incidiam extingue-se, podendo ser
adquiridas depois por ocupação (alguém encontra e ocupa - aquisição originária).
Exemplo 1: direito que se extinguia pela superveniência de outro direito derivado pela
tutela da boa-fé e pela tutela do registo – tutela de terceiros para efeitos de registo; tutela
de terceiros para efeitos boa-fé (291º CC).
® Não uso:
Concretamente, nos direitos de uso limitado, temos os artigos 1476º CC (usufruto), 1490º
CC (direito de uso ou habitação), 1569º/1 b), CC (servidões).
Há direitos que não se extinguem com o não uso – o direito de propriedade, por exemplo
(posso ser proprietária de um determinado bem e não o utilizar e continuo a ser
proprietária – os poderes da propriedade são tão amplos que incluem o não uso da
propriedade).
® Renúncia:
Exemplo 2: 302º CC: prescrição, pode renunciar a invocar a prescrição (só é possível
depois de recorrido o prazo de prescrição).
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Há direitos que são irrenunciáveis – direito de personalidade; o pai não pode renunciar às
responsabilidades parentais…
Artigos relevantes: 265º/1; 302º; 867º, 1476º/1 e); 2057º/1; 2170º do CC.
® Prescrição:
® Caducidade:
Exemplo: 125º CC; Prazo geral de anulabilidade (287º CC); 1085º CC.
Quando a relação jurídica não funciona plenamente porque não temos ainda o sujeito
ativo (não existe ou não está determinado) e está em causa uma relação jurídica que ainda
não funcionou.
Relação jurídica com um titular de um direito de usufruto, só que este direito ainda não
se constituiu (isto não é o mesmo de não haver contrato nenhum), mas já há uma série de
efeitos - não é juridicamente indiferente, mas a aquisição do direito não vai ocorrer para
já.
“Acontecimento futuro e incerto”® exemplo: “Se não houver um novo confinamento até
ao Natal”
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® Quiescência
Hipótese 1: A vende a B, sujeito a condição suspensiva. A relação jurídica que tem um
núcleo o direito de propriedade, funcionou plenamente tendo como sujeito ativo A, e
agora devia funcionar tendo como sujeito ativo B, mas o facto jurídico está sujeito a
condição, a relação fica como congelada.
® Revivescência;
A situação jurídica volta a funcionar plenamente (se fosse uma situação de quiescência)
ou começa a funcionar plenamente (se a situação anterior era de pendência).
Na relação jurídica, temos pelo menos 2 sujeitos e é sobre eles que incidiremos o
nosso estudo.
Uma coisa é o direito, outra o objeto e outra os poderes em que se consubstancia o direito.
Quanto ao objeto da relação jurídica: sobre o que incide o direito subjetivo. Os próprios direitos, as pessoas
(inclusive as titulares do direito), as prestações podem ser objetos de direito.
Há quem conteste que há direitos sem sujeito, mas sem sujeito não significa sem objeto.
O facto jurídico: facto gerador da relação jurídica (normalmente falamos de contratos; sucessão mortis-causa) ®
«
estudo do facto jurídico surgirá no 2º SM.
A autotutela do direito, como regra, não é admitida (ninguém pode fazer justiça pelas próprias mãos). A lei prevê
algumas hipóteses de auto-defesa dos direitos (hipóteses excecionais para não pôr em causa o estado de direito):
Mota Pinto: Fala-se de capacidade jurídica “para referir a aptidão jurídica para
ser titular de um círculo, maior ou menor, de relações jurídicas- pode ter-se uma
medida maior ou menor de capacidade, segundo certas circunstâncias ou
situações, sendo-se sempre pessoa, seja qual for a medida da capacidade.”
5
A pessoa com capacidade de exercício não precisa de ser substituída por um representante legal, porém,
não deixa de ter plena capacidade de exercício se em algum momento por ESCOLHA PRÓPRIA decidir
fazer-se representar por um representante voluntário ou procurador (escolhido pelo próprio). Exemplo:
alguém que mora fora do país e passa uma procuração a familiar/amigo para que este trate de alguns dos
seus problemas.
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Em suma:
Ou seja,
Qualidade de ser pessoa → capacidade de gozo → capacidade de exercício.
Uma pessoa incapaz, tem capacidade de gozo, mas não tem capacidade de exercício.
Surge a seguinte questão: este direito existe e não tem sujeito ou nem sequer existe
o direito?
• Para os que entendem que não há direitos sem sujeito ® o direito nem existe.
• Para quem admite a existência de direitos sem sujeito ® há uma situação
transitória, excecional, onde o direito está formado há espera de que o sujeito
esteja apto para depois se formar/ingressar na sua esfera jurídica.
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® Essencialidade:
Logo que haja personalidade humana e enquanto houver personalidade humana tem de
haver personalidade jurídica. Não pode haver um desfasamento entre a existência de
personalidade humana e existência de personalidade jurídica, uma é inerente à outra.
® Inseparabilidade:
® Indisponibilidade
Tem de surgir no momento em que surge a pessoa (no nascimento completo e com vida).
Não há prazos.
® Ilimitabilidade
A tutela tem que ser tão ilimitada que tem de abranger todas as projeções previsíveis e
imprevisíveis da personalidade, acautelando o livre desenvolvimento da personalidade,
mesmo que não seja conhecido esse potencial de desenvolvimento no momento da tutela.
A redação de “completo e com vida” é criticada, poderia ser um nascimento “com vida
e completo” à vida + (entende-se o nascimento como completo com a) separação do
corpo da mãe (corte do cordão umbilical).
6
Página 191 de Orlando de Carvalho
91
Ana Moreira
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Considera-se o filho concebido nos primeiros 120 dias dos 300 que antecedem o
nascimento.® “quem nasce 300 dias depois da doação ou da morte do autor da herança
reputa-se, em princípio como não concebido, e quem nasce dentro desses 300 dias
reputa-se como concebido” - Orlando de Carvalho.
Isto é para afirmar que o prazo é valido, mesmo com a ausência de testamento.
• Alguma doutrina considera que, em virtude desta tutela (66º/2CC – onde a lei
confere direitos aos nascituros), deveríamos entender que a pessoa surge antes do
nascimento (surge no momento da conceção);
• Outros entendem que a personalidade surge só no momento do nascimento, mas
há uma retroatividade para justificar os direitos que podem surgir em momento
anterior ao nascimento.
A tutela jurídica do nascituro não se esgota nos casos que a lei reconhece. O Direito
reconhece, de acordo com a medicina, que a pessoa não surge no momento do nascimento
- isto justifica que se a personalidade jurídica do nascituro for afetada mesmo antes do
nascimento, esses danos são acautelados pela lei, porém estes danos só se consubstanciam
no momento de nascimento e é aí também que existe o direito à sua reparação.
7
Neste tema é importante relembrar as posições do Direito sem sujeitos. Se não admitimos a existência de
direito sem sujeitos, devemos seguir o primeiro ponto. Caso se defenda a tese da existência de direitos sem
sujeito, deve adotar-se a segunda posição. Evitam-se, assim incongruências.
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Ana Moreira
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Artigo 71º CC: “Os direitos de personalidade gozam igualmente de protecção depois da
morte do respectivo titular.” - isto leva alguma doutrina a defender que afinal a
personalidade não cessa com a morte (exemplo: posição de Antunes Varela).
Mota Pinto discorda veementemente desta posição, alegando que a tutela do artigo
71º/1CC é uma tutela dos interesses e direitos das pessoas vivas (indicadas no nº2
do mesmo artigo), que seriam (notoriamente) afetadas por atos ofensivos da
memória (e integridade moral) do falecido.
A tutela que a pessoa tem em vida justifica o “prolongamento” da tutela (visto que a
própria personalidade cessa com a morte, só subsiste a tutela) para os mortos (apesar de
não podermos considerar que são direitos do falecido).
496º/2 CC: o dano relativo ao direito à vida passível de ser compensado (compensação
em termos pecuniários).
Exemplo: A mata B. B tinha o direito à vida e foi privado desse direito por A. A
consequência civilística é uma compensação pecuniária. No momento da morte, há um
último direito que ingressa na sua esfera jurídica: direito a ser compensado/ressarcido
pela sua morte (simplesmente não será o B a exercê-lo).
Assim, este direito é de B, mas este não está vivo para o exercer, então a própria lei diz
quem o exerce.
Este facto (morte), tal como o nascimento (artigo 1º a) Código Registo Civil (CRC)) está
sujeito a registo – artigo 1º p) CRC.
Artigo 194º CRC - certificado de óbito. 200º CRC e ss – o regime do registo de óbito está
aqui previsto; 201º CRC requisitos do assento de óbito…
Com a morte, o cadáver transforma-se em coisa - ainda que se entenda que é uma coisa
com especial estatuto, cabe no 202º/2 CC (“Consideram-se, porém, fora do comércio
todas as coisas que não podem ser objeto de direitos privados, tais como as que se
encontram no domínio público e as que são, por sua natureza, insuscetíveis de
apropriação individual.”), enquanto coisa fora do comércio jurídico. O estatuto especial
do cadáver justifica-se pelo respeito pelo que ele significou em vida.
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Ana Moreira
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A lei regula a relação especial da possibilidade de o cadáver ser utilizado para fins de
ensino e investigação científica, por meio de dissecação e extração de peças à DL
274/99. Para isto acontecer, a pessoa, em vida, tem de declarar expressamente o seu
consentimento para esse fim, se assim não for, o cadáver não pode ser utilizado, com
exceção dos cadáveres não identificados/reclamados.
Hipótese: A e B são casados, não têm filhos, mas cada um tem um irmão. Há um acidente
automóvel onde morrem ambos e é preciso de determinar a hora da morte de cada um
deles, para saber como será a sucessão de cada um deles.
Este é o sistema do nosso Código português, não é o único possível, o Código francês
tem em conta o sexo e idade das pessoas, por exemplo.
Hipótese de desaparecimento
Hipótese de desaparecimento - 68º/3 CC: “Tem-se por falecida a pessoa cujo cadáver
não foi encontrado ou reconhecido, quando o desaparecimento se tiver dado em
circunstâncias que não permitam duvidar da morte dela.”
Atentar aos artigos 204º CRC e ss; em especial os artigos 207º e 208º CRC.
Hipótese da ausência 8
8
Páginas 197 a 202 de Orlando de Carvalho.
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Ana Moreira
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• Curadoria provisória;
A pessoa está ausente, não há qualquer notícia sobre a mesma, porém acredita-se que o
ausente irá regressar.
• Curadoria definitiva;
• Morte presumida
Curadoria provisória
A curadoria provisória – 89º CC e ss: a pessoa está ausente, não se sabe notícias dela, é
necessário prover à administração dos seus bens e a pessoa em causa não deixou
representante (nem legal, no caso de ser incapaz, nem procurador, no caso de ser capaz).
Segundo Mota Pinto, mesmo que haja representante, se este não exercer as
suas funções, pode ser requerida a curadoria provisória.
A curadoria provisória pode ser requerida pelo Ministério Público ou por qualquer
interessado (escusam de ser os herdeiros, pode ser, por exemplo, um credor) – 91º CC.
O curador pode ser o cônjuge, um(s) herdeiro(s) presumido(s) ou um interessado na
conservação dos bens.
Os bens terão de ser equacionados e o tribunal fixará uma caução (os curadores prestarão
contas posteriormente, para que a caução seja respeitada). O regime aplicado é o regime
do contrato de mandato – quando alguém encarrega outrem de praticar um ato em seu
nome.
Esta situação mantém-se até que o ausente regresse ou se ele determinar de outra forma
a administração dos seus bens (nomeando alguém para administrar os seus bens, por
exemplo); a situação também terminará se houver notícias da morte do ausente.
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Curadoria definitiva:
Regime que não acredita tanto no regresso do ausente – equaciona que ele não venha a
regressar.
Requisitos:
® Hipótese de ausência;
® Terem passado 2 anos sobre as últimas noticias, caso não tenha deixado
procurador, ou 5 anos, caso tenha deixado procurador.
Abrem-se os testamentos e entregam-se os bens àquelas pessoas que, àquela data, seriam
os herdeiros do ausente. Aquelas pessoas irão administrar os bens na qualidade de
curadores definitivos e não proprietários - não administram coisa própria/em título
próprio, mas sim alheia – 101º a 104º CC.
As pessoas terão direito a parte dos rendimentos dos bens que administrarem.
A curadoria termina nos termos do artigo 112ºCC.® Se ele regressar os bens ser-lhe-ão
entregues.
Morte presumida
Passam prazos mais longos: pressupõe a passagem de 10 anos desde que foram dadas
as últimas notícias, a menos que o ausente tenha completado 80 anos – aí, a data é 5
anos. Se o desaparecido for menor, a lei diz que só é declarada a morte presumida
depois de decorrerem 5 anos a partir da data em que o ausente atingir a maioridade
(ou seja 23 anos).
115º CC (“A declaração de morte presumida produz os mesmos efeitos que a morte, mas
não dissolve o casamento, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.”). Os efeitos da
morte presumida e da morte são idênticos, mas com uma especificidade curiosa: a morte
presumida não dissolve o casamento, mas pode casar novamente – aqui a lei tolera a
bigamia. Se o desaparecido voltar considera-se o primeiro casamento finito à data da
morte presumida.
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Ana Moreira
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Nos casos de boa-fé, os herdeiros não são obrigados a indemnizar porque achavam que
os bens eram deles. Nos casos de má-fé, quando os sucessores sabiam que o ausente
sobreviveu à data da morte presumida (119º/3 CC), o ausente tem de ser indemnizado
(119º/2 CC).
O ausente não regressa, mas há notícias que morreu numa data diferente da morte
presumida, aplica-se o 118º CC – óbito em data diversa. O direito à herança compete
àqueles que, naquela data, deviam suceder (pode acontecer que, as pessoas que eram
herdeiras na 1ª data não seriam herdeiras na 2ª data).
Artigo 70º CC – princípio geral nesta matéria e o fundamento da proteção dos direitos de
personalidade.
Esta proteção dos bens da personalidade é concedida pelo Direito Civil (direitos de
personalidade), mas também no Direito Constitucional pela CRP, nos direitos
fundamentais).
• Essencialidade;
• Ilimitabilidade:
• Inseparabilidade;
Ø Irrecusabilidade;
Ø Inexpropriabilidade;
Ø Indisponibilidade;
Ø Inadiabilidade.
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Código
Penalização de condutas que violam direitos de personalidade.
Penal
Direito à
Direito à vida
art.24º Liberdade
Integridade
de criação
Pessoal Cultural
art25º art42º
Outros
(bom nome,
Liberdade de
imagem,
vida
privada...)
CRP informação e
expressão
art37º
art26º
Direito à Utilização
liberdade e informátic
à segurança Inviolabilida a artigo
art 27º de do 35º
domícilio e
correspondê
ncia art 34º
Temos uma cláusula geral de proteção e depois temos diversos aspetos parcelares
protegidos.
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Direitos especiais/parcelares
® Direito à vida
O direito à vida era um direito indisponível, mas vai deixar de ser – lei da eutanásia altera
os princípios básicos da tutela de personalidade que é a indisponibilidade do direito à
vida. O CP prevê ainda o homicídio a pedido da vítima e o incitamento ao suicídio como
crimes (131º CP e ss, especificamente 134º e 135º).
O direito à vida tem para além de uma tutela civil, uma tutela constitucional (artigo 24º)
e uma tutela penal.
Haverá direito de reparação (496º CC) – último direito que integra o património do de
cuius que será exercido pelos seus herdeiros. Os danos em causa são danos não
patrimoniais – danos diretos provocados por violação do direito à vida, aos quais se junta
a reparação de danos não patrimoniais laterais –, danos dos conviventes.
A vida, pode ela própria ser um dano? Wrongful life/birth – alguém que nasceu em
condições menos ideais, com problemas/deficiências graves, pode questionar a vida como
um dano (e, em alguns casos processam os médicos e mesmo os próprios progenitores).
Tem se entendido que a vida nunca pode ser um dano - a propósito da indissociação
entre personalidade humana e personalidade jurídica. Os danos, a existirem, estarão na
esfera jurídica dos pais, e não na criança.
Beneficia da tutela civil, constitucional (art 25º CRP) e penal para este bem. O CP prevê
nos artigos 143º e ss que a lei penal só se justifica quando as ofensas à integridade física
são mais graves. Na perspetiva civil, qualquer ofensa à integridade física é ilícita.
9
Páginas 207 à 216 de Orlando de Carvalho
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Em vida - admitidas, mas com requisitos importantes. A colheita só pode ser feita no
interesse terapêutico do recetor e desde que não esteja disponível outra situação.
® Direito à liberdade
Liberdades físicas à deslocação;
Tutela específica: lei da liberdade religiosa (podem-se gerar conflitos entre a proteção
da liberdade religiosa e a defesa da vida ou da integridade física, por exemplo) – L
16/2001, 22 junho.
® Direito à igualdade
Não discriminação em função de diversos fatores que a CRP autonomiza.
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Não está em causa a “boa imagem”, - isso é o direito à honra; aqui é imagem em termos
físicos (captar a imagem e divulgar). Pode não ser um retrato, pode ser um aspeto físico
que permita identificar a pessoa, pode não ser uma captação mecânica (pode ser uma
imitação ou uma caricatura).
O direito à imagem tem consagração legal – 79º CC e este artigo diz “O retrato de uma
pessoa não pode ser exposto, reproduzido ou lançado no comércio sem o consentimento
dela; depois da morte da pessoa retratada, a autorização compete às pessoas designadas
no n.º 2 do artigo 71.º, segundo a ordem nele indicada” – inerente a isto está a captação,
que confere proteção após a morte, dizendo que as pessoas com legitimidade para
autorização são as designadas no artigo 71º/2 CC.
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Ana Moreira
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• Lugares públicos;
• Factos de interesse público;
Nos factos de interesse público não está em causa o retrato da pessoa, é possível a
captação da imagem, desde que não foque especificamente na pessoa.
Artigo 79º/3 CC (“O retrato não pode, porém, ser reproduzido, exposto ou lançado no
comércio, se do facto resultar prejuízo para a honra, reputação ou simples decoro da
pessoa retratada.”) – limite da honra: se esta for posta em causa não se justifica a
limitação do direito à imagem.
Este direito à honra impõe-se a razões objetivas e subjetivas, mas também é um limite à
própria limitação da imagem. A limitação da imagem deve ter em conta a honra. A honra
coloca-se num patamar superior ao direito à imagem.
O tema da honra será abordado mais adiante, porém esta informação é de extrema
importância.
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Existem também várias captações de imagens ilícitas que se tornam difíceis de identificar
porque resultam da generalização das camaras fotográficas e da sua ligação a aparelhos
de transmissão de dados - hoje em dia, toda a gente anda com uma câmara, nem que seja
de telemóvel.
Também está estudado que o alerta que é dado a uma imagem quando esta é divulgada
leva a que a imagem seja muito mais visualizada – efeito streinsand. A reação é
particularmente difícil porque os meios que se põem à disposição do lesado (às vezes até
meios judiciais) podem ter o efeito de agravar mais ainda a lesão do direito à imagem.
Ainda assim o regime previsto é o tradicional – a lei estará desadaptada a estes novos
fenómenos.
Não faz referência ao conteúdo das palavras, mas sim à palavra de voz enquanto elemento
identificador da pessoa. Também são protegidos os aspetos orais que identificam a
pessoa.
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Pode não estar em causa somente a captação - o direito à palavra pode ser violado pela
escuta (viola a reserva da vida privada para além de violar o direito à palavra), pela
imitação, etc.
Este é um direito a não ser sujeito a avaliações de carácter não autorizadas (exames
psíquicos, exames de grafologia, etc).
Pode ser limitado legalmente por razões de justiça, nomeadamente em sede penal,
prevê-se avaliações de carácter para saber se a pessoa é imputável ou inimputável.
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A proposta é:
Cada um tem direito à não divulgação da sua história, enquanto percurso pessoal. Existe
uma proibição quanto à publicação de biografias não autorizadas, visto que estas violam
o direito à história pessoal.
A história pessoal (tutela post mortem) tem um limite de proteção até 50 anos a contar da
morte, assim como nos direitos de autor.
10
DIREITO À INTIMIDADE DA VIDA PRIVADA
Direito especial central, prende-se com a reserva da vida privada e tem consagração
expressa no artigo 80º CC – “1. Todos devem guardar reserva quanto à intimidade da
vida privada de outrem”
Está em causa um direito a controlar a informação da vida privada de cada um, mas
também abrange um conteúdo negativo, no sentido de um direito à solidão (direito de
reserva a um derradeiro reduto de solidão) à right to be left alone.
10
As docentes que lecionam a Unidade Curricular (Maria Raquel Guimarães e Maria Regina Rendinha)
escreveram um artigo sobre a privacidade nos tempos da pandemia mundial, sob o ponto de vista português.
O link para o artigo, de modo a complementar este tópico é:
https://www.intersentiaonline.com/publication/coronavirus-and-the-law-in-europe/57 e foi disponibilizado
no sigarra.
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Ana Moreira
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• Esfera privada
Mais ampla, que abrangerá aspetos que são privados, mas não são propriamente pessoais.
• Esfera pessoal
Círculo mais circunscrito em relação à esfera privada: são aspetos mais ligados à própria
pessoa, cabem os gostos e preferências das pessoas (exemplo: relações amorosas…).
• Esfera de segredo:
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“1 - Está sujeito a consentimento prévio e expresso do assinante que seja pessoa singular,
ou do utilizador, o envio de comunicações não solicitadas para fins de marketing direto,
designadamente através da utilização de sistemas automatizados de chamada e
comunicação que não dependam da intervenção humana (aparelhos de chamada
automática), de aparelhos de telecópia ou de correio eletrónico, incluindo SMS (serviços
de mensagens curtas), EMS (serviços de mensagens melhoradas) MMS (serviços de
mensagem multimédia) e outros tipos de aplicações similares.”
“2 - O disposto no número anterior não se aplica aos assinantes que sejam pessoas
coletivas, sendo permitidas as comunicações não solicitadas para fins de marketing
direto até que os assinantes recusem futuras comunicações e se inscrevam na lista
prevista no n.º 2 do artigo 13.º-B.”
Deve haver um endereço ou um meio fácil de utilização que permita aos “clientes” recusar
comunicações posteriores.
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• DL 57/2008 - 12º c)
“São consideradas agressivas, em qualquer circunstância, as seguintes práticas
comerciais:
c) Fazer solicitações persistentes e não solicitadas, por telefone, fax, e-mail ou qualquer
outro meio de comunicação à distância, exceto em circunstâncias e na medida em que
tal se justifique para o cumprimento de obrigação contratual;”
Tutela específica?
• Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital (CPDHED)- Lei
nº27/2021, de 17 de maio
Suscita dúvidas (por parte da Prof.) sobre ser tutela específica sobre a reserva da vida
privada.
NOTA: limitações voluntárias dos direitos de personalidade têm limites como a ordem
pública e os bons costumes (280º CC).
Sendo o primeiro diploma relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito
ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados e que revoga a Diretiva
95/46/CR (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados - RGPD).
Exclui dados anónimos = a identificação tem que ser prevenida de forma irreversível:
artigo 5º/1/e) e 26º R 2016/679.
Proteção post mortem: o regulamento europeu não protege as pessoas falecidas, contudo
a nossa lei nacional alargou a proteção a pessoas falecidas, no artigo 17º L 58/2019,
embora não relativamente a todos os dados.
Artigo 17º
“1 - Os dados pessoais de pessoas falecidas são protegidos nos termos do RGPD e da
presente lei quando se integrem nas categorias especiais de dados pessoais a que se
refere o n.º 1 do artigo 9.º do RGPD, ou quando se reportem à intimidade da vida privada,
à imagem ou aos dados relativos às comunicações, ressalvados os casos previstos no n.º
2 do mesmo artigo.
2 - Os direitos previstos no RGPD relativos a dados pessoais de pessoas falecidas,
abrangidos pelo número anterior, nomeadamente os direitos de acesso, retificação e
apagamento, são exercidos por quem a pessoa falecida haja designado para o efeito ou,
na sua falta, pelos respetivos herdeiros.
3 - Os titulares dos dados podem igualmente, nos termos legais aplicáveis, deixar
determinada a impossibilidade de exercício dos direitos referidos no número anterior
após a sua morte.”
Isto traduz-se no direito de acesso aos dados, retificação ou apagamento dos dados.
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Princípios básicos:
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importantes para a sua não seleção. Essa conduta é ou não lícita? Está em causa o direito
à verdade.
O direito à honra não tem uma alusão direta no CC, surge no direito à imagem - 79º/3 CC
-, como limitação do direito à imagem.
Temos o aprofundamento da honra nos direitos das obrigações – artigo 484º CC “Quem
afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer
pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados”. à Os atentados à honra
geram responsabilidade.
Para efeitos penais, a verdade é relevante (crime de difamação, injúria), mas para efeitos
civis não. Tutela penal: artigos 180º, 181º CP; difamação, injúria.
Constituído pela honra propriamente dita: Honra igual para todos. É o aspeto mais ligado
à dignidade da própria pessoa. Núcleo da honra.
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O direito à honra é indisponível, contudo este direito pode-se limitar com base no direito
ao esclarecimento, quando a informação for necessária num cargo político; informação
necessária por um motivo de força maior.
• Direito (e proteção) ao nome – artigo 72º CC, que é um direito adquirido. A lei
permite a homonímia – o nome não é de uso exclusivo, porém os que têm o mesmo
nome não podem usar o mesmo nome fazendo-se passar por outra pessoa.
• Proteção do pseudónimo: goza da proteção conferida ao próprio nome (74º CC).
Abrange o direito à verdade pessoal:
Direito a que não se deforme a verdade através de informações falsas; é violado pela
mentira, ainda que não denegatória.
CPDHED: direito à identidade pessoal (artigo 12º). Para além disso, o legislador
acrescenta que incumbe ao estado combater a usurpação de identidade (artigo 12º/2).
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• Direito patrimonial;
Direitos reais, exploração patrimonial da obra.
Surge quando surge uma obra. Só vemos protegido este direito quando somos autores.
Obra tem de ser original, embora possa não o ser totalmente, e objetivada num suporte
sensível.
A obra que ainda está na mente do autor não é considerada - precisa de ser exteriorizada,
escusa de ser num suporte material, por exemplo: a música ser cantada, mesmo não
estando numa pauta.
Existe o Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos à Código específico para
estes direitos.
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Limites à autolimitação têm ainda no topo o direito à vida (deixará de assim ser com a lei
da eutanásia) - as limitações da integridade física não podem pôr em causa o direito à
vida. Têm como limite inferior as exigências da vida em sociedade.
Estes limites têm de se conformar com princípios da ordem pública e dos bons costumes:
artigo 81º/1 CC “1. Toda a limitação voluntária ao exercício dos direitos de
personalidade é nula, se for contrária aos princípios da ordem pública.”
Têm de contar também com o artigo 280º/2 CC. Quando a autolimitação dos direitos é
objeto de um contrato, temos as balizas da ordem pública.
Formas de consentimento
• Consentimento vinculante
Confere um poder jurídico de agressão.
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• Consentimento autorizante
Poder fáctico de agressão (e não jurídico).
Artigo 81º/2, 2º parte CC “ainda que com obrigação de indemnizar os prejuízos causados
às legítimas expectativas da outra parte”.
• Consentimento tolerante
Consentimento que não confere um poder de agressão, apenas constitui uma justificação
da ação = consentimento manifestado em benefício próprio. A lei admite que este
consentimento possa ser presumido (340º/1 CC), se o visado não estiver em condições de
o prestar (exemplo: estar no hospital a necessitar de uma operação, mas a pessoa está
inconsciente).
O consentimento pode ser presumido, mas isto é diferente de dizer que o consentimento
tolerante é sempre presumível.
Se o consentimento for um negócio, os que não têm capacidade para celebrar negócios
não têm capacidade para consentirem.
Artigo 16.º
Consentimento de menores
“1 - Nos termos do artigo 8.º do RGPD, os dados pessoais de crianças só podem ser
objeto de tratamento com base no consentimento previsto na alínea a) do n.º 1 do
artigo 6.º do RGPD e relativo à oferta direta de serviços da sociedade de informação
quando as mesmas já tenham completado 13 anos de idade.
2 - Caso a criança tenha idade inferior a 13 anos, o tratamento só é lícito se o
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consentimento for dado pelos representantes legais desta, de preferência com recurso
a meios de autenticação segura.”
Em suma, revogabilidade.
Consentimento é revogável a todo o tempo, tem de ser sempre revogável (Artigo 81º/2,
1º parte).
Nas situações em que falha a capacidade negocial de gozo, em regra, a consequência será
a nulidade dos negócios jurídicos. Porém, existem algumas exceções.
A incapacidade negocial de gozo é insuprível, o que significa que não temos meios para
ultrapassar esta falta de capacidade de gozo.
A incapacidade negocial de exercício é suprível, ou seja, a lei prevê meios para ultrapassar
esta falta de capacidade de exercício de direitos. Prevê-se:
• O instituto da representação;
• O instituto da assistência.
Representação
• Representação voluntária;
Quando eu nomeio um representante, sendo eu plenamente capaz.
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• Representação legal;
Quando a pessoa não tem capacidade para agir por ela própria.
Assistência
Surge quando a lei admite que o incapaz atue por ele próprio, mas designa alguém para
acompanhar o incapaz nessa sua atuação, impedindo essa atuação ou autorizando-a. Nos
casos em que se aplica o instituto da assistência, é o próprio incapaz que atua, não há
substituição.
A regra é a da capacidade de gozo, nos termos do artigo 67º CC. Mas há algumas
exceções, incapacidades de gozo motivadas por diferentes razões. As mais importantes
prendem-se:
c) O casamento anterior não dissolvido, católico ou civil, ainda que o respetivo assento
não tenha sido lavrado no registo do estado civil.”
É uma incapacidade importante, justificada pela falta de maturidade (1601º a)), ou por
outras razões, nomeadamente psicológicas.
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Também existe indisponibilidade relativa nos casos em que a limitação não tem a ver
com o sujeito, mas com a relação relativamente a outro sujeito (exemplo: venda de pais
a filhos ou de avós a netos - 877º CC) - não é uma incapacidade de gozo, a pessoa é
plenamente capaz, só não pode celebrar um negócio com aquele sujeito em específico.
Este discernimento, ou a falta deste, pode surgir relativamente a maiores (devido à perda
de qualidades em função da idade, ou as qualidades psíquicas da pessoa) daí surgir o
instituto dos maiores acompanhados.
Menoridade
É menor quem não completou ainda 18 anos de idade – artigo 122º CC.
Artigo 123º CC: A incapacidade dos menores é a regra. A incapacidade dos menores é
de âmbito geral, cobre todas as atuações dos menores.
A capacidade dos menores corresponde a situações excecionais (previstas pela lei). Três
exceções, previstas no 127º CC, são de atuação dos menores que levam a negócios
válidos; duas delas têm a ver com a possibilidade de o menor trabalhar (remete-nos para
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o Código do Trabalho). Por exemplo, o menor pode trabalhar com 16 anos, com
determinados requisitos, obviamente, ou seja, pode celebrar um contrato de trabalho.
127º/1 a) CCà Quando o menor trabalha, tem rendimentos e adquire bens com os seus
rendimentos, ele pode praticar atos relativamente a esses bens (alienar, administrar…).
O menor a partir dos 16 anos pode contrair casamento – a idade núbil é 16 anos para
ambos os sexos. Embora que com a oposição dos pais ao casamento seja posta em causa
a validade do casamento – 1604º/a CC.
1649º CC à A idade núbil é aos 16 anos, mas se o menor com 16 anos casar e não tiver
consentimento dos pais/tutores, o menor continua menor para efeitos de administração
dos bens, ou seja, os pais/tutores continuam a administrar os bens.
O que acontece quando um menor celebra negócios jurídicos (sem ser nos casos
previstos na lei)? Esses negócios são anuláveis. O 125º CC estabelece um regime
próprio (foge ao regime geral do artigo 287º CC): prazos para arguir a anulabilidade e a
legitimidade para arguir a anulabilidade.
125º CC:“1. Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 287.º, os negócios jurídicos
celebrados pelo menor podem ser anulados:
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Se o menor morre durante esse prazo, os herdeiros podem arguir a anulabilidade no prazo
de um ano a contar da data de morte do menor.
A verificar os artigos 125º (regra especial) e 287º (regra geral) acima citados.
Nas hipóteses em que há dolo do menor, o menor não pode arguir a anulabilidade.
Artigo 126º CC – “Não tem o direito de invocar a anulabilidade o menor que para
praticar o ato tenha usado de dolo com o fim de se fazer passar por maior ou
emancipado”.
“Com dolo” significa que o menor agiu fazendo-se passar por maior ou emancipado.
Para se considerar que há dolo não basta dizer que é maior, o dolo exige algo mais
elaborado. Exige documentação falsa ou criação de uma situação para fingir que é maior,
por exemplo à cria artifícios para provar que é maior para além de invocar a maioridade.
Aqui, uma vez que é atingida a maioridade, o menor não tem legitimidade para arguir a
anulabilidade. O regime da anulabilidade é feito para proteger o menor, mas nesta norma
(126º CC), o legislador olha para os interesses da contraparte (que foi enganada pelo
menor), mas não se chega ao ponto de a contraparte poder arguir a anulabilidade, mesmo
que fundamente invocando a menoridade - nunca se chega a esse ponto).
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Se, em caso de atuação com dolo do menor, este não puder arguir a anulabilidade, os
herdeiros (em caso de falecimento do mesmo) também não o podem fazer, não podem
“corrigir” a atuação do menor.
Direito da família – 1878º CC – “1. Compete aos pais, no interesse dos filhos, velar
pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação,
representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens.”.
Os poderes que os pais têm são poderes-deveres/poderes funcionais (um sujeito que
tem o poder ser exercer um direito subjetivo no interesse de outrem).
A violação do disposto nestes artigos implica a anulabilidade dos atos praticados pelos
pais – 1893º CC
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d) Se forem incógnitos.”
O tutor não tem poderes tão amplos como os pais têm na representação dos menores.
Porquê?
O legislador entende que os pais são mais próximos dos menores e por isso administrarão
melhor os seus interesses. A lei estabelece limites mais apertados para a ação do tutor.
Há atos que os pais podem praticar livremente, mas que o tutor precisa de autorização do
tribunal. Por sua vez, há atos que os pais podem praticar com a autorização do tribunal e
o tutor está proibido.
A consequência da violação destas regras será a “nulidade” dos atos praticados pelo
tutor – 1939º CC.
Apesar da lei dizer que os atos são nulos: esta nulidade não pode ser
invocada pelo tutor; se fosse uma verdadeira nulidade o tutor poderia
invocá-la.
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Acompanhamento de Maiores
Com os 18 anos, a incapacidade para o exercício de direitos termina, mas pode acontecer
que, ainda durante a menoridade, seja proposta uma ação com vista a retratar uma medida
de acompanhamento do maior – 131º CC “Estando pendente contra o menor, ao atingir
a maioridade, ação de acompanhamento, mantêm-se as responsabilidades parentais ou
a tutela até ao trânsito em julgado da respetiva sentença.”.
® Objetivo:
11
Relativamente a este tópico recomenda-se, para um maior aprofundamento da matéria a leitura do artigo:
https://periodicos.unifor.br/rpen/article/view/9569/pdf, que a docente da Unidade Curricular disponibilizou
na página do Sigarra.
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O esquema enumera quem pode requerer - denote-se que o Ministério Público pode
requerer sem dependência de autorização do próprio.
® Acompanhante
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Nestas diferentes hipóteses cabem regimes semelhantes aos que tínhamos até 2018
(interdição e inabilitação).
A menos que seja dito algo da sentença em sentido contrário, no que toca à celebração de
negócios da vida corrente, a atuação do maior acompanhado é livre, assim como é
livre também quanto à celebração de negócios da vida pessoal.
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do
Anúncio
início
dodo
início Decisão Registo
re da
Maioridade
maiori do Decisã
final gis
sentença
dade processo o final to
Atingida a maioridade, a hipótese que temos de ressalvar é a hipótese desta pessoa não
ter uma medida de acompanhamento; aplicar-se-á o regime da incapacidade acidental
(257º CC).
O artigo 257º CC não é um instituto que tem como única finalidade proteger o incapaz,
este artigo atende a vários interesses, também se aplicando a situações em que alguém é
naturalmente incapaz, mesmo sendo juridicamente capaz e permanentemente capaz,
mas transitoriamente numa situação de incapacidade.
257º CC: “1. A declaração negocial feita por quem, devido a qualquer causa, se
encontrava acidentalmente incapacitado de entender o sentido dela ou não tinha o livre
exercício da sua vontade é anulável, desde que o facto seja notório ou conhecido do
declaratário.”
Se estamos perante uma das situações em que a pessoa é naturalmente incapaz, durante
a menoridade, a lei permite que uma ação (para acompanhamento) seja proposta
durante a menoridade, no último ano, com vista à produção de efeitos logo quando é
atingida maioridade – artigos 142º CC (“O acompanhamento pode ser requerido e
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instaurado dentro do ano anterior à maioridade, para produzir efeitos a partir desta.”)
e 131º CC (“Estando pendente contra o menor, ao atingir a maioridade, ação de
acompanhamento, mantêm-se as responsabilidades parentais ou a tutela até ao trânsito
em julgado da respetiva sentença.”).
Nesta situação,
Há alguém que é maior, a ação já foi proposta, já foi publicitada, mas ainda não há
sentença.
257º CC da capacidade acidental será sempre aplicável até para os negócios para os quais
o maior tenha capacidade. Na medida que é aplicável a todos os capazes, também é
aplicável aos espaços de capacidade dos menores acompanhados.
Poderá haver atos para os quais o maior acompanhado tem plena capacidade, mas se
relativamente a esse ato o maior não está capaz de entender as declarações negociais,
aplica-se o 257º CC.
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Mandato (com ou sem representação): contrato típico, regime previsto no artigo 1157º
CC e ss: uma das partes se obriga a praticar um ou mais atos jurídicos por conta da outra.
Antes de 2018: se A celebrasse um contrato com B, estabelecendo com B que este era o
mandatário para celebrar negócios por sua conta e se A se tornasse incapaz, o contrato
cessava, não produzia efeitos.
A lei agora prevê que as pessoas celebrem contratos de mandato com vista a um
acompanhamento. A lei vem prever que alguém consiga fazer um contrato de mandato
com vista a incapacidades futuras – artigo 156º CC.
Nomeando alguém mandatário para estes efeitos, o regime aplicado é o regime geral do
contrato de mandato (156º/2 CC).
O tribunal terá em conta este mandato para definir o âmbito de proteção e para a
designação do acompanhante. O tribunal poderá avaliar este mandato (poderá acrescentar,
poderá cessar…) – 156º/3 CC.
Quem pode ser padrinho civil? Maiores de 25 anos, desde que tenham sido habilitados
para o efeito – processo de habilitação, da Segurança Social. A lei prevê a possibilidade
de ser constituída uma bolsa de padrinhos civis que pode ser utilizada se necessária à
pouca aplicação prática.
Outra hipótese é (com mais probabilidade de sucesso e mais interessante): nos casos em
que os menores já estão confiados à guarda de alguém, essa pessoa habilitar-se para
efeitos de apadrinhamento civil.
Os padrinhos podem ser indicados até pelos pais, podem ser indicados pelo próprio
menor, mas terão de ser habilitados para o efeito.
Podem ser afilhados civis os menores de 18 anos, numa situação de acolhimento (numa
instituição), ou em situação de perigo. No caso de serem menores com 12 anos (ou mais),
os próprios menores terão de intervir neste compromisso de apadrinhamento.
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Na base de uma relação deste género: compromisso escrito e confirmado pelo tribunal
ou então teremos uma sentença do tribunal.
Aqui não se quebra o vínculo existente com os pais. A lei prevê que os pais
possam ter um regime de visitas e acompanhamento do menor, se tal for possível.
A lei prevê uma série de benefícios, fiscais, por exemplo, aos padrinhos – regime de
faltas/férias, como se se tratassem de descendentes de 1º grau.
O legislador pretendeu arranjar uma terceira via prática para determinadas situações, mas,
na prática, é pouco utilizada.
ILEGITIMIDADES CONJUGAIS:
Há atos que carecem do consentimento de ambos os cônjuges, em qualquer regime de
bens (mesmo no de separação de bens) – (artigos 1682º-A/2 e 1682º -B).
NOÇÃO DE DOMICÍLIO
As pessoas encontram-se radicadas em determinados locais. Já vimos essa questão pela
negativa a propósito do regime de ausência (pessoas não se encontram no local onde estão
radicadas e não há notícias do seu paradeiro).
O domicílio encontra-se nos artigos 82º CC e ss. A ideia geral é a do local de organização
da vida de uma determinada pessoa.
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A relação entre a pessoa e o local onde está radicada tem relevância jurídica em vários
aspetos:
Artigo 82º CC: a regra é que a pessoa tem domicílio no lugar da sua residência habitual
– domicílio voluntário geral.
A noção de paradeiro é o local onde a pessoa se encontra em cada momento; não há noção
deste conceito, mas o artigo 225º CC menciona-o: “A declaração pode ser feita mediante
anúncio publicado num dos jornais da residência do declarante, quando se dirija a
pessoa desconhecida ou cujo paradeiro seja por aquele ignorado”.
Se a pessoa não tiver residência habitual, a sua residência ocasional poderá funcionar
como domicílio.
Artigo 82º/2 CC: “Na falta de residência habitual, considera-se domiciliada no lugar da
sua residência ocasional ou, se esta não puder ser determinada, no lugar onde se
encontrar”.
Artigo 83º CC – “1. A pessoa que exerce uma profissão tem, quanto às relações que a
esta se referem, domicílio profissional no lugar onde a profissão é exercida.
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Artigo 85º CC - “1. O menor tem domicílio no lugar da residência da família; se ela não
existir, tem por domicílio o do progenitor a cuja guarda estiver.”.
Artigo 87º CC - “1. Os empregados públicos, civis ou militares, quando haja lugar certo
para o exercício dos seus empregos, têm nele domicílio necessário, sem prejuízo do seu
domicílio voluntário no lugar da residência habitual.”.
Como pessoas físicas, humanas, temos limitações; atribuir personalidade jurídica a outras
entidades permite que nos desenvolvamos e nos superemos em determinados aspetos –
“juntos fazemos a força”.
Exemplo: Uma sociedade comercial permite agrupar o capital para desenvolver uma
determinada atividade que dificilmente uma pessoa sozinha consegue captar.
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Com este instrumento, cada uma das pessoas que compõe a sociedade vai mais longe na
prossecução dos seus interesses do que poderia ir se não estivesse agrupada.
Embora apresentem uma grande diversidade (visto que há inúmeras possibilidades) estão
sujeitas ao princípio da tipicidade - só se podem constituir pessoas coletivas segundo o
previsto na lei.
Como surgem?
Para que surja uma pessoa coletiva são precisos 2 elementos, ou seja, há 2 elementos na
base da pessoa coletiva, são eles:
Substrato:
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Vamos aplicar os requisitos gerais dos negócios jurídicos, nomeadamente no que respeita
ao objeto, ou seja o artigo 280º CC.
280º CC:
“1. É nulo o negócio jurídico cujo objeto seja física ou legalmente impossível,
contrário à lei ou indeterminável.
Constatando que temos uma pessoa coletiva que vai contra a lei ou os bons costumes, o
Ministério Público pode ter iniciativa de arguir e apurar o que está na base dessa pessoa
coletiva.
O fim ainda tem que ser comum aos vários membros que compõem a pessoa coletiva: é
um fim partilhado por todos - embora possa haver interesses divergentes nos vários
membros, o fim tem de ser único/comum.
Isso explica a regra do 994º CC relativa ao contrato de sociedade que nos diz que é nulo
o pacto leonino.
Exemplo pacto leonino: O contrato de sociedade que visa o lucro e os lucros são
distribuídos por todos menos pelos membros X e Y.
Podemos constituir uma sociedade para um determinado fim com uma duração limitada,
o fim não tem de se prolongar indefinidamente (exemplo: o Porto organiza os próprios
jogos olímpicos, constitui-se uma sociedade de dia X ao dia Y – tem morte marcada - é
completamente válido).
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Estes órgãos podem ser singulares ou colegiais, isto é, os órgãos podem ser compostos
por uma só pessoa ou várias pessoas. O órgão singular decide, emite uma decisão; o órgão
colegial delibera (temos uma deliberação que resulta do consenso).
Elemento de Direito
Artigo 5º CSC “As sociedades gozam de personalidade jurídica e existem como tais a
partir da data do registo definitivo do contrato pelo qual se constituem, sem prejuízo do
disposto quanto à constituição de sociedades por fusão, cisão ou transformação de
outras.”.
Só com o registo é que temos personalidade jurídica, não basta haver um conjunto de
pessoas, é necessário que elas se organizam segundo o previsto na lei e é preciso o registo.
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Dizemos que as pessoas coletivas de Direito Público têm poderes de império, em menor
ou maior grau, ou então são organismos que integram o Estado nas suas diferentes
configurações (seja direta ou indiretamente).
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Cooperativas
Existem pessoas coletivas de Direito Privado que se encontram entre as pessoas coletivas
de Direito Privado de utilidade pública e de utilidade particular – são as cooperativas.
Não visam o lucro (ao contrário da sociedade), ainda que possam visar um excedente.
• Associações;
• Fundações;
• Sociedades.
Sociedades
Qualquer sociedade visa o lucro como seu fim. Na base das sociedades existe um conjunto
de pessoas que quer maximizar o lucro e por isso se junta.
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Sociedades
Sociedades Sociedades
Sociedades Sociedades
em nome em
por quotas anónimas
coletivo comandita
Os sócios respondem apenas pelas suas entradas, quem responde pelas perdas da
sociedade é o capital social.
Contudo os sócios respondem solidariamente pelas entradas (as entradas não precisam de
ser todas realizadas no momento da constituição da sociedade, os sócios podem diferir a
entrada em momento posterior).
• Sociedades anónimas:
Artigo 271º CSC- cada sócio limita a sua responsabilidade apenas às suas ações. Cada
sócio arrisca apenas o valor das suas próprias ações.
• Sociedades em comandita:
Tem pouca expressão na realidade e é, no fundo, uma mistura de 2 tipos de sociedades
anteriores – sociedades de nome coletivo + sociedades anónimas.
Pode ser uma sociedade em comandita simples OU por ações. ® Nas sociedades em
comanditas por ações aplica-se aos sócios comanditários o regime das sociedades
anónimas.
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Sociedades
Sociedades civis
Sociedades Sociedades civis
sob a forma
comerciais simples
comercial
Adotam um dos 4 tipos ditos acima (a maioria dos tipos é por quotas ou anónimas) e
regem-se pelo CSC.12
Qualquer sociedade tem na sua base num núcleo de pessoas que visa alcançar lucro. Se
praticar a atividade comercial/empresarial, vai ser sociedade comercial. Artigo 5º CSC.
No entanto, pode uma sociedade visar obter lucro e a atividade prosseguida não ser
comercial, pode ser agrícola, por exemplo… e, por isso, a lei prevê:
• Sociedades civis simples: são sociedades civis que não se dedicam ao comércio
nem adotam um dos tipos de sociedades comerciais.
Não se constitui nos termos do CSC.
Levanta-se a dúvida de saber se têm ou não personalidade jurídica (numa sociedade
com 5 sócios, para além das 5 personalidades jurídicas pessoais dos sócios, ainda se soma
outra coletiva (da sociedade)).
Que regime se aplica? O regime do CC. O CC regula a sociedade por contrato (no Livro
das Obrigações à contratos em especial), nos artigos 980º CC e ss encontramos o
contrato de sociedade.
12
CSC® Código das Sociedades Comerciais
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Artigos 157º CC e ss - essas regras previstas na parte (disposições) geral são aplicáveis
“às associações que não tenham por fim o lucro económico dos associados, às fundações
de interesse social, e ainda às sociedades, quando a analogia das situações o justifique.”.
A verdade é que as sociedades civis não aparecem na Parte Geral como pessoas jurídicas,
contudo já dissemos que o argumento sistemático não é decisivo nesta questão, é apenas
um mero argumento.
Há várias posições doutrinais sobre a sociedade civil ter ou não personalidade jurídica -
há quem defenda que sim, como é o caso de Oliveira Ascensão.
Associações
Têm na sua base um negócio jurídico plurilateral com os vários associados, que,
segundo o artigo 158º CC, deve constar de escritura pública sem prejuízo do que consta
de uma lei especial.
A lei especial, neste caso, é a Lei 40/2007 que prevê um processo simplificado de
constituição de associações.
A lei exige publicidade para a constituição da associação tal como também a exige quando
exista uma alteração posterior.
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Fundações:
Para além das regras do CC (artigos 185º e ss) temos a L24/2012, 9 de julho (Lei-Quadro
das Fundações) que estabelece as normas gerais que regem as fundações + DL
157/2019, entrou em vigor o ano passado que nos dá regime do registo das fundações.
Na base das fundações temos um negócio unilateral (é uma diferença importante face a
sociedades e associações). A fundação surge através de um negócio unilateral que pode
ser negócio entre vivos ou mortis causa (acontece várias vezes, decorre de vontade
testamentária).
Artigo 185º/2, 1º parte, CC - Se for um negócio entre vivos deve constar de escritura
pública (forma prevista), salvo o disposto em lei especial.
O fundador indica os bens destinados à fundação e o fim que se pretende – artigo 186º/1
CC.
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Os estatutos devem ser definidos pelo instituidor, quando tal não acontece aplica-se o
disposto no artigo 187º CC.
Em matéria de capacidade, rege o artigo 160º CC que diz “A capacidade das pessoas
colectivas abrange todos os direitos e obrigações necessários ou convenientes à
prossecução dos seus fins”. à capacidade de gozo. Que direitos e obrigações cabem na
esfera jurídica de uma pessoa coletiva? Sabemos que esta capacidade de gozo é mais
restrita que a capacidade de gozo de pessoas singulares. O artigo 160º CC apenas se refere
a direitos e obrigações necessários e convenientes à prossecução dos seus fins.
A doutrina defende que o artigo 160º CC consagra o princípio da especialidade dos fins,
ainda que de uma forma mitigada.
Diz-se que, com a redação do artigo 160º CC, o legislador distingue capacidades gerais
e capacidades estritas.
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cabem direitos e obrigações inseparáveis da pessoa humana – uma pessoa coletiva não
poderá casar, perfilhar, etc.).
A pessoa coletiva também não terá direitos que a lei especialmente lhes negue – artigo
1443º CC (usufruto – a constituição de um usufruto é possível a favor de uma pessoa
coletiva, mas por um máximo de 30 anos).
Temos direitos e obrigações que são necessários à prossecução de fins, mas também
temos direitos e obrigações que não são necessários, mas sim convenientes. Portanto,
dentro destas balizas, ainda temos uma personalidade relativamente alargada.
Exemplo: Uma sociedade comercial poderá agora no Natal oferecer cabazes aos seus
clientes habituais? Isto cabe no fim? Eles não visam o lucro? No fundo, não sendo um ato
necessário, é um ato conveniente porque estas campanhas promovem produtos e compras
de valores mais elevados, colocando a possibilidade de ganhar cabazes se atingirem
determinado valor à lucro mediato.
Quando a sociedade coletiva atua fora das suas capacidades, para além da sua capacidade,
temos como consequência a nulidade dos negócios – artigos 160º CC e 294º CC.13
Há quem entenda que estes negócios praticados fora da capacidade de gozo devem ser
anuláveis e não nulos, visto que no caso das associações entraria o artigo 177º CC das
deliberações sociais, na medida em que teria na sua base uma deliberação contrária à lei.
Representação
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Recomenda-se que efetuem uma remissão do artigo 160º para o artigo 294º, ambos do Código Civil.
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Responsabilidade
A designação da sede é obrigatória quanto às fundações, tendo que estar prevista nos
estatutos – artigo 186º/2 CC + estatuto das associações (artigo 167º/1 CC).
Denominação social das pessoas coletivas (artigo 167º CC), por correspondente ao
nome das pessoas singulares, tem como função identificar a pessoa coletiva.
14
Recomenda-se que efetuem uma remissão do artigo 165º do CC para o artigo 500º do mesmo.
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Artigo 36º DL 129/98 à as denominações devem dar a conhecer a sua natureza, podem
usar siglas, expressões de fantasia ou composições. O objetivo é a não confundibilidade.
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Pede-se que se individualizem todos os sócios: é importante saber o nome dos sócios
porque, em última instância, será o património dos sócios que responderá pela dívida
social.
Se não tiver o nome de todos os sócios deve haver uma menção para dizer que há mais
sócios.
Exemplo: Firma com o nome “A, B e C” – deve individualizar e dizer os nomes. Se for:
“A e Companhia”, deve dizer o nome do A e dos restantes sócios também.
Se for incluído no nome da firma alguém que não é sócio, diz o artigo 177º/2 CSC que
“ficará sujeito à responsabilidade imposta aos sócios no artigo 175º.”.
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