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Introdução ao Estudo do Direito I

(Prof. David Duarte)

Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa


Ano letivo 2020/2021
Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021

Índice
1. O direito como artefacto relativo à regulação da ação humana ....................... 4

1.1. O ser e o dever ser: o direito como estado ideal de coisas e a Guilhotina de
Hume….………………………………………………………………………………………5

1.2. O direito e os ordenamentos jurídicos ........................................................... 6

1.3. Outros significados de “direito” ...................................................................... 8

1.4. As condições necessárias do direito ............................................................. 8

1.4.1. A norma de reconhecimento .................................................................. 8

1.4.2. A mediação linguística .......................................................................... 12

1.4.3. O conjunto de normas .......................................................................... 12

1.4.4. A Efetividade ......................................................................................... 13

1.5. As condições possíveis do direito ................................................................ 13

1.5.1. A Moral .................................................................................................. 14

1.5.2. A Coerção ............................................................................................. 17

1.6. A função de regulação da ação humana: a normatividade ......................... 19

1.6.1. Um ou vários graus de normatividade?................................................ 19

1.6.2. A normatividade e os agentes deônticos ............................................. 20

2. A Ciência Jurídica ............................................................................................ 21

2.1. A ciência jurídica: o direito como objeto de conhecimento ......................... 21

2.2. A cientificidade da ciência jurídica ............................................................... 22

2.2.1. A ciência jurídica como ciência normativa: mapa da ciência............... 22

2.2.2. Os critérios de cientificidade ................................................................. 23

2.2.3. A cientificidade “softcore” e a relevância dos valores epistémicos ..... 25

2.3. A ciência jurídica geral e as ciências jurídicas especiais ............................ 25

2.3.1. A ciência jurídica geral.......................................................................... 25

2.3.2. As ciências jurídicas especiais ............................................................. 25

2.4. As proposições normativas da ciência jurídica ........................................... 26

2.4.1. As normas e as proposições normativas ............................................. 26

2.4.2. Os tipos de proposições normativas .................................................... 27

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2.4.3. As proposições normativas descritivas e hipotéticas........................... 29

2.4.4. A predicação da verdade ...................................................................... 31

2.5. Outras atividades de conhecimento relativas ao direito .............................. 31

3. As normas do direito ........................................................................................ 32

3.1. Os enunciados de norma e as normas ........................................................ 32

3.1.1. As categorias de enunciados ............................................................... 33

3.1.2. A teoria dos “speech acts” .................................................................... 33

3.2. A individuação normativa e a estrutura da norma ....................................... 34

3.2.1. Os elementos materiais ........................................................................ 35

3.2.2. Os elementos subjetivos....................................................................... 38

3.3. Categoria de normas ................................................................................ 39

3.3.1. As normas gerais e as normas particulares (decisões) ....................... 39

3.3.2. As normas primárias e as secundárias (Hart) ...................................... 39

3.3.3. As normas regulativas e as normas com constitutividade ................... 40

3.3.4. As normas impositivas, as proibitivas e as permissivas ...................... 41

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1. O direito como artefacto relativo à regulação da ação


humana
O Direito é uma palavra polissémica, que tem vários significados. A cada significado
corresponde um conceito. Usamos a mesma palavra para diversos conceitos.
Há certas condições sem as quais uma determinada representação de qualquer
coisa, não pode dizer respeito a qualquer outra coisa.
No direito não há um consenso generalizado, ao contrário de outras áreas do
conhecimento, em que têm acordo quanto ao objeto de estudo. Isto não acontece com
a ciência jurídica e com o Direito.
Temos uma zona de certeza e uma orla de incerteza do que é direito. Significa que,
como não há concordância na comunidade científica, cada conceito é, no fundo, uma
determinação daquilo que a pessoa em causa acha que é o direito, é normativo.
O direito é uma representação mental, é uma realidade imaterial sem existência física
exterior. Não é possível termos nenhuma interação física com mesmo. Esta
imaterialidade não é uma negação da sua existência, mas é uma criação mental dos
seus autores.
O direito não é relativo a um determinado mundo descritivo, mas sim a um dever ser.
E como é que o direito chega a quem é suposto? Através da linguagem. Não há
direito sem linguagem, este precisa de ser comunicado.
E.g.: um rex pensa que não é correto as pessoas se matarem. Como transmite isso
às pessoas? Grita à janela ou escreve nalgum documento, edital, jornal oficial, etc.,
assim, na leitura desse documento, surge na mente dos destinatários a representação
mental de que é proibido matar.
A isto se chama o circuito linguístico das normas, em que alguém tem a norma na
representação mental, a passa a linguagem (enunciado normativo) e como nós
conhecemos a linguagem, ela passa para uma constituição na nossa cabeça.
A linguagem é um instrumento comunicativo, é um instrumento do direito, das
entidades normativas, para transmitir conteúdos de dever ser.
O facto de a linguagem ser um instrumento essencial dá-lhe uma posição principal
no direito, porque nunca podemos conhecer o direito sem a mediação dada pela
linguagem.
Prescrições linguísticas: o que usamos para descrever a realidade observável do
Direito. E.g.: quando abro a constituição, deparo-me com prescrições linguísticas.
Tudo o que não forem prescrições linguísticas e/ou que não estejam previstos por
estas, é pura metafísica, não fazem parte do Direito.

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Perspetiva interna: Diz respeito à nossa conduta. E.g.: eu por saber que é proibido
matar tenho uma razão para não matar;
Perspetiva externa: é uma descrição do Direito. E.g.: no direito português é proibido
matar.

1.1. O ser e o dever ser: o direito como estado ideal de coisas e


a Guilhotina de Hume
O mundo em que o Direito se coloca é o chamado “Estado Ideal de Coisas” (É
proibido matar), que é diferente do nosso “Estado Real de Coisas” (A matou o B).
O SER diz respeito ao nosso “Estado Real de Coisas” e o DEVER SER diz respeito
ao “Estado Ideal de Coisas”. Por algo estar previsto no DEVER SER, não quer dizer que
se verifique no mundo do SER.
Em caso de correspondência dos dois Estados, estamos perante um cumprimento
do Direito. Em caso contrário, o desfasamento dos Estados, é o que chamamos de
incumprimento do Direito. E.g.: quando falamos que alguém violou algo, estamos a
querer dizer que ele não cumpriu com o Estado Ideal de Coisas.
Todavia, estes mundos praticamente não se tocam, porque o Direito é imune à
realidade prática. O incumprimento do Direito, não o modifica.

David Hume celebrizou a frase “No ought from an is” (i.e. Nenhum dever ser advém
de um ser). É isso a que se chama a Guilhotina de Hume, é errado retirar um “ought” de
um “is”, um dever ser, de um ser. Quem, igualmente, utilizar argumentos empíricos com
consequências normativas, também está a fazer uma falácia naturalista. A norma que
incumpra a Guilhotina de Hume traduz-se numa falácia naturalista.
É um axioma de qualquer sistema normativo, é uma verdade que está na base do
funcionamento de um sistema. Da Guilhotina de Hume decorrem os seguintes
corolários:
• As condutas ou ações no plano do Ser, não têm capacidade modificativa
ou transformativa do Direito;
• Só as normas do Direito é que têm efeito noutras normas. Só o Direito é
que altera o Direito (só plano de dever ser; circuito fechado). e.g.: a legítima
defesa só existe, porque existe uma norma que diz que, às vezes, matar
não é proibido. O que modifica o resultado do direito não é o ser
(realidade), mas outra norma no dever ser;
• Argumentos de caráter empírico não têm relevância normativa. Só as
normas afetam as normas, não podemos utilizar argumentos empíricos

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para retirar consequências normativas. E.g.: Este ano não vou pagar
impostos porque está frio, e dou essa justificação às finanças, que vão
responder que o frio é um argumento empírico que não justifica o
incumprimento do Direito;
• Os juízos de valor não podem afetar o Direito. E.g.: Este ano não pago
impostos porque são injustos. Juízo de valor moral sobre o Imposto. Se os
argumentos morais não tiverem forma de impactar o sistema (outra norma)
são empíricos;

Possíveis exceções à Guilhotina de Hume:


• Uma norma que aponte para a realidade. E.g.: “Se chover devo usar
guarda chuva.” Não é uma exceção à guilhotina porque o “se chover” é
uma delimitação do âmbito do dever ser, não estou a fazer nenhuma
transição do ser para o dever ser;
• Inefetividade. Esta é utilizada para descrever uma ocorrência em que uma
norma, um conjunto de normas ou um sistema que não é cumprido e não
é aplicado. Incumprimento reiterado, sem consequências. O Direito deixa
de regular a conduta das pessoas. Podia ser uma exceção, mas resta
saber se esta violação reiterada não é o nascimento de outra norma. E.g.
conduzir em excesso de velocidade, sem consequências.
• Momento Zero. Chicken egg problem (como nasce o direito). De onde vem
essa norma primeira? É a grande exceção. Os agentes da comunidade
política vão construir um novo ordenamento jurídico. Existe um dever ser
surgido de um ser. A decisão normativa número um, está tão desligada da
realidade que tem, desde logo, uma natureza distinta.

Deôntico é aquilo que é relativo ao Dever Ser, ao Direito.

1.2. O direito e os ordenamentos jurídicos

Direito com significado de Ordenamento Jurídico, conceito de partida, e o que


começamos por utilizar.
Uma autoridade normativa, relativamente a determinada comunidade em que há
agentes, tem a competência de produzir normas. Com esta produção muda o direito, ou
seja, o ordenamento jurídico vai-se alterando, é mutável. Além de produzir normas
novas (promulgação), pode retirar normas (revogação).

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➔ Sistema jurídico: ordenamento jurídico num determinado tempo.


O direito português é composto por conjuntos sucessivos de vários sistemas
jurídicos, dentro dum mesmo ordenamento jurídico. Onde, com cada alteração,
transitamos para outro sistema jurídico.
➔ Caso jurídico: qualquer problema jurídico, com certas propriedades, que requer
uma solução jurídica (o estatuto deôntico da ação - qual o dever ser sobre aquilo).
E.g. A matou B às 3 da manhã, num sítio escuro, após o ameaçar de morte. (i.e.
o dever ser é proibido, A não podia ter feito o que fez)

➔ Sanção - punição

É o sistema, que vigora em determinado momento, que estabelece o estatuto


deôntico aplicável a essa situação.
Direito, enquanto ordenamento jurídico, tem relação com o tempo e com o espaço.

➔ Ordenamento jurídico: conjunto de normas, selecionadas com base em


determinado critério, aplicadas a um determinado espaço (i.e. correspondente à
comunidade politicamente organizada. E.g. Direito português aplica-se a
Portugal).

O paradigma do ordenamento jurídico, é o ordenamento estadual.


Contudo, existem ordenamentos jurídicos supraestaduais (E.g. Direito Internacional,
Direito da EU, que têm efeitos em Portugal).
➔ Pluralismo jurídico: no mesmo território do espaço soberano, vigoram,
simultaneamente, mais que um ordenamento jurídico (E.g. direitos étnicos,
comunidades populacionais com o seu próprio ordenamento jurídico - problema
possível: soluções contraditórias entre estes);

➔ Convergência de ordenamentos jurídicos: quando um ordenamento jurídico


remete para outros ordenamentos jurídicos (E.g. Direito internacional privado -
pequeno conjunto de normas, de direito interno, que definem o direito aplicável
num caso que faça convergir vários ordenamentos jurídicos - Português casa com
italiana em França e quer-se divorciar dela na Alemanha);

Premissa de base do Direito


O conteúdo do direito (normas que vigoram num determinado ordenamento jurídico)
é contingente. Ou seja, é meramente possível, não é necessariamente possível. O

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direito depende duma determinada vontade das autoridades normativas (E.g. Direito
português é o que é, porque as autoridades normativas portuguesas assim o quiseram).

Sendo o conteúdo do direito variável, há, no entanto, invariantes - propriedades ou


aspetos que não variam. São os aspetos que, não sendo relativos ao conteúdo, não
estão dependentes da vontade da autoridade normativa (E.g. Norma jurídica - a norma,
enquanto estrutura de regulação da ação, é exatamente a mesma coisa em Portugal ou
no Japão, o seu conteúdo é que varia). Estas invariantes são condições necessárias
para termos um ordenamento jurídico (vide pág. 22).

1.3. Outros significados de “direito”

Polissemia da palavra direito - A palavra direito poder ser usada em vários sentidos
diferentes:
• Como posição jurídica (E.g. "Tenho direito a que me devolvas o livro que te
emprestei");
• Enquanto ordenamento jurídico (numa equiparação à da posição jurídica);
• Descrição da lei, ou de norma jurídica (E.g. "O direito que agora vigora em
matéria de caça aos pombos, já não permite fazer isso");
• Equivalente a justiça (E.g. "Não há direito de terem feito isso");
• Como solução do caso (E.g. "O tribunal determina que o direito é A pagar 50€
ao B").

1.4. As condições necessárias do direito


As condições sem as quais não há direito. No seu conjunto elas são suficientes para
se ser direito.
• Instanciação: verificar de condições necessárias universais. E.g.: Um gato
é um gato?
O Professor considera existirem quatro condições necessárias para chamarmos
algum conteúdo de Direito.

1.4.1. A norma de reconhecimento


Na definição da norma de reconhecimento (identificação), partimos de dois
problemas:
• Saber como se cria o Direito, como ele cria uma identidade;

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• Saber como se determina o que pertence ou não, quais são os critérios e


o âmbito do que pertence a essa identidade (e.g.: direito francês não vigora
em Portugal, há algo que defina isso).

São três os autores principais a discorrer sobre este tópico e a procurar dar respostas
ao problema:

Hans Kelsen - Um fervoroso cumpridor da Guilhotina de Hume. O Dever Ser só podia


provir do Dever Ser. Os Ordenamentos Jurídicos estão ordenados em formato piramidal,
por exemplo, no Ordenamento Jurídico Português, com vários níveis de "importância"
dentro deste:

Constituição

Assembleia da república

Autarquias locais, ordens emanadas

Há um ponto em que temos de justificar esta cadeia. É assim que Kelsen fala na
norma fundamental (Groundnorm) que está no topo da cadeia hierárquica, um
pressuposto hipotético, ela não existe. É esta norma que dá identidade e pertença a
todo o ordenamento jurídico. Esta norma é prescritiva e daí se deriva tudo o resto. O
professor discorda porque:
• É pouco explicativa da realidade, difícil de explicar o que deriva numa fraca
capacidade justificativa do ordenamento jurídico, e;
• Problema da primeira causa, o que nasceu primeiro (E.g. "se tudo provém
de Deus, de onde provém Deus?").

Herber Hart – No seu livro “The Concept of Law” dá uma resposta genericamente
aceite: a norma de reconhecimento que delimita os Direitos. A norma de
reconhecimento é uma regra de conduta, que tem por conteúdo a prática reiterada dos
órgãos oficiais de aplicação do direito (administrativos, jurisdicionais). Faz parte do
direito, todo o direito que provenha dos modos de produção normativa que esses
officials reconhecem como tal, pela sua prática reiterada. Esta norma de
reconhecimento vai beber também ao Direito Inglês e à sua matriz consuetudinária. A

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norma de reconhecimento surge, assim, em oposição à norma fundamental. Demonstra-


se mais explicativa porque é mais credível. Contudo, a norma de reconhecimento deixa
alguns problemas, um deles é a circularidade. Quem cria os officials? É precisamente o
direito. E se são eles que fazem o direito, é completamente circular.

Eugénio Bulygin - os Ordenamentos Jurídicos têm dois critérios de pertença, um de


legalidade e um de dedutibilidade:
• O critério de legalidade: aquele, segundo o qual, faz parte do direito,
aquilo que seja criado nos termos do direito (pelo próprio direito);
• Critério de dedutibilidade: fazem parte dos ordenamentos jurídicos, as
consequências lógicas que o sistema tem relativamente às suas próprias
normas, quer individualmente consideradas, quer em conjugação com
outras.

Estes dois critérios criariam um conjunto de normas independentes, que


compreenderia uma norma de competência ao abrigo da qual são criadas outras
normas. Ou seja, temos um pequeno conjunto de normas, que estabelecem um critério
de dedutibilidade e legalidade, que me diz que tudo o que provir, ou for uma derivação
lógica, das normas que o ordenamento já tem, pertence ao sistema e ao ordenamento.
Daqui sabemos como se introduzem e removem normas, o que nos diz como é que o
ordenamento vai evoluindo entre vários sistemas jurídicos, de acordo com essas
modificações.
Problema: o que são essas normas independentes? Ele não responde. Sujeitando-
se às mesmas críticas que Kelsen. Questão da pertinência é totalmente omissa, quanto
à constituição e à identidade do ordenamento.
Tendo em conta todo o exposto, considerando os seus defeitos e virtudes, o
professor constrói que o sistema jurídico originário, em determinado ordenamento
jurídico, deve ser composto pelas seguintes normas:

Norma de reconhecimento ou critérios de identificação (ideia do professor, com


base nos outros autores): Acolher a designação de normas de identificação, que ilustram
o modo constitutivo de um ordenamento e estabelecem quais os critérios de pertença,
porque elas são os critérios identitários, são os critérios de inclusão no conjunto. Os
ordenamentos são compostos de um sistema originário, composto por normas
prescritivas:
• Norma de competência originária: norma em que a comunidade de
agentes assume a vontade de constituição de um ordenamento jurídico.

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Assume a competência de criação de normas, que pode ficar na


comunidade de agentes (que gera só normas consuetudinárias) ou é
atribuída a um ou vários órgãos, por exemplo, a um parlamento, para criar
uma Constituição com várias normas de competência e várias normas de
conduta. A Constituição já é o sistema dois, que é uma alteração ao
sistema um, com mais normas que a do sistema um;
• Norma de conduta originária (legalidade): É uma norma com critério de
legalidade. Norma que determina que devemos considerar como válidas,
qualificar como pertencendo ao ordenamento jurídico, todas as normas
produzidas ao abrigo da norma de competência originária e subsequentes.
Por isso, não aceitamos outras normas que não sejam do nosso sistema.
É o critério de pertença ao ordenamento jurídico. É uma imposição
(obrigação), o que implica, obrigatoriamente, uma permissão positiva, o
que permite ver que há uma terceira norma no sistema originário que
decorre de uma implicação lógica;
• Norma de conduta originária (critério de dedutibilidade): surgem os
mesmos critérios que Bulygin, legalidade (norma de conduta) e a
dedutibilidade que prevê que, devem fazer parte do conjunto, as normas
que são mera dedução logica das normas que o conjunto já detém. Deixa
de existir o problema da circularidade da norma de reconhecimento (norma
de conduta - norma de reconhecimento do Hart, que dizia que fazia parte
do direito aquilo que os agentes de aplicação do Direito dissessem que
fazia – problema surge porque ainda não sabemos, no sistema originário,
quem são esses). O que faz parte do Direito é o que cumpre a norma de
conduta do sistema um.

Doutrina Julia Roberts: os Tribunais também cometem erros, o Direito ser diferente
daquele que os tribunais aplicam. Se um Tribunal português aplica uma pena prevista
noutro ordenamento, cometem um erro de não seguir a norma de conduta originária. O
Direito não é aquilo que os Tribunais dizem que é, mas sim o que a norma de conduta
originária define que cabe a todos os agentes.
O sistema um não pode sair do ordenamento, se houver revogação das normas do
sistema originário, o sistema desaparece. É o que acontece numa revolução, as normas
são substituídas por outras. E.g.: 25 de Abril, comunidade de agentes atribuiu a um
parlamento a competência para criar uma nova CRP. Era um novo sistema originário
constituído por duas normas consuetudinárias, e uma de dedutibilidade.

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1.4.2. A mediação linguística

Mediação Linguística: Decorre da imaterialidade do Direito. É ontologicamente


imaterial. Precisa de ser comunicado, e é-o através da linguagem e de uma língua
natural. São mediados por várias normas, códigos linguísticos, conhecidos e que nos
dão um significado. É a interpretação da Lei. Há sempre interpretação, temos de
desconstruir o enunciado. A comunicação é feita através de qualquer forma de
publicitação. O ato de fala (speech acts) da autoridade normativa (uso enunciativo de
normas) é uma utilização das palavras de forma muito específica. A maneira que
interpretamos o direito não pode ser feita da mesma forma que a nossa utilização
coloquial da linguagem:
• O falante e ouvinte, o que escreve e o que lê, são sujeitos muito
específicos. O falante é institucional (parlamento, governo), o que significa
que os aspetos da comunicação coloquial se diluem significativamente;
• O leitor, por outro lado, é indeterminado, não existe a lógica conversacional
que existe numa conversa normal. Falante e ouvinte não participam no
mesmo jogo de linguagem;
• O uso enunciativo de normas é context-independent, ou seja, não está a
depender do contexto. Há, contudo, um conjunto macro. E.g.: estado do
país. Falante e leitor, não partilham o mesmo contexto.

1.4.3. O conjunto de normas

Ordenamentos jurídicos enquanto conjunto de normas: se o ordenamento


conduz com o sistema um, existe uma permissão fraca (Uma norma permissiva é uma
norma que autoriza a realização de uma ação. Mas pode haver uma conduta que não
seja permitida, mas também não seja proibida nem imposta. Uma permissão fraca
resulta de uma falta de norma que regule a mesma. Já uma permissão forte trata-se de
uma conduta que está assim regulada. Um sistema um, sem nenhuma conduta
regulada, vigorava uma permissão fraca). No entanto, temos ordenamentos jurídicos
como conjuntos finitos, sob o critério de inclusão de legalidade; cada norma entra e sai
de acordo com determinada vontade produzida pela autoridade normativa; finitude dos
ordenamentos jurídicos; funcionam de forma fechada. O critério de inclusão inclui as
normas dedutíveis, que dependem de outras. Só são dedutíveis as normas que sejam
implicações lógicas, mas estas, não têm progressão aritmética. A dedutibilidade é
resultado da interação de todas as normas.

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1.4.4. A Efetividade

Efetividade: Não confundir com eficácia. Efetividade utiliza-se para perceber que
não são a mesma coisa.
• Eficácia: a norma está a produzir efeitos jurídicos. E.g.: aprovada,
publicada, entra em vigor e a produzir efeitos – início da vigência.
A efetividade é um estado de coisas, relativo ao ser, em que as normas de um
sistema se aplicam reiteradamente. É importante a contrario sensu, porque o seu
contrário é a Inefetividade. Apesar de preenchidas as condições, não são aplicadas,
nem as autoridades normativas aplicam as sanções. Convicção de norma que não é
para aplicar.
A Inefetividade parece ser uma exceção à Guilhotina de Hume, estamos a retirar
consequências normativas de uma realidade empírica. Um ser a alterar um dever ser –
falácia naturalista.
O professor discorda nesta matéria, seja uma norma, seja um ordenamento
inefetivos.
Ao nível da norma isolada (não é o nosso enfoque de estudo), é uma situação em
que há um incumprimento tão massivo da norma. Um conjunto múltiplo de
oportunidades de sancionar que não são aplicadas, e o nascimento de uma consciência
de dever ser de não cumprimento. Dá-se uma revogação da norma, para uma de sentido
contrário, uma nova norma de raiz consuetudinária.
Quanto à efetividade do ordenamento jurídico, o ordenamento jurídico é efetivo na
medida em que as normas do sistema um se mantenham em todos os sistemas
sucessivos. Quando há uma revogação do sistema um, torna-se o ordenamento jurídico
inefetivo.
Temos novas normas jurídicas a substituir outras normas. Como o sistema um é a
base, só deixa de vigorar quando dá lugar a outras normas originárias. E aí, temos um
novo sistema jurídico.

1.5. As condições possíveis do direito


Para além das condições necessárias para a existência de direito, verifica-se que
possam existir outras duas, que, apesar de serem dispensáveis, contribuem para a sua
melhor compreensão.

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1.5.1. A Moral
Independente do Direito, existe uma ordem normativa de caráter moral (e.g.: “Deves
cumprir as tuas promessas”). O problema prende-se em saber como articular o
ordenamento jurídico com a ordem moral.
Ordem Moral - Trata-se de um conjunto de normas relativos ao bem, goodness, que
impõem uma conduta de correção da ação humana, para a realização de uma forma de
bem. Na opinião de David Duarte esta é sobrevalorizada, não tem o relevo que lhe é
dado pelos estudiosos de direito, atendendo ao totalitarismo normativo que os
ordenamentos jurídicos têm atualmente.
Um dos critérios utilizados para distinguir a moral é o de que esta tem a ver com
as componentes interiores de motivação das nossas condutas, enquanto que o direito
tem a ver com as componentes exteriorizadas. Segundo David Duarte esta leitura é
equívoca, por assentar num pressuposto falso, na medida da moral incidir apenas sobre
a motivação (interior), enquanto que o direito se cinge ao exterior, uma vez que o
comportamento exterior também é relevante moralmente (e.g.: Prometer a alguém ir ao
cinema, e não comparecer no dia e hora marcados. i.e.: Violo a norma moral de cumprir
as minhas promessas, mas poderei ter uma obrigação moral superior que me impediu
de cumprir a primeira). De outro modo, o direito também regula ações mentais, mental
actions (interiores), este estabelece muitas formas de conduta não exteriorizáveis, ou
independentes da exteriorização que vierem a ter (e.g: Normas sobre operações a
realizar no direito: interpretar enunciados normativos, fazer ponderações, qualificar
certas normas como revogáveis, etc.)
Tendo isto em conta, e atendendo às características do sistema um, o que separa o
ordenamento jurídico do ordenamento moral é o facto das respetivas normas, dos
respetivos sistemas originários, serem diferentes.
No ordenamento moral, as normas do sistema um são distintas. A norma de
competência é atribuída à própria comunidade, a moral é consuetudinária. E a norma
de conduta é uma norma seletiva, que diz: são apenas normas morais, as normas que
incorporem uma determinada forma de bem.
Estes dois ordenamentos são distintos. No ordenamento jurídico há autoridades
normativas (legislador, vários órgãos produtores de competências e normas), e órgãos
de competência (tribunais), cuja competência é aplicar o direito aos casos concretos,
definindo qual o direito aplicável e, eventualmente, as sanções que daí advêm. Por outro
lado, “Não há legisladores, nem tribunais morais”.
Outra diferença tem a ver com a própria identificação dos ordenamentos. Enquanto
é fácil entender o ordenamento jurídico português (Direito Português), porque há factos
sociais constitutivos do modo de produção normativa visíveis, o mesmo não acontece

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num ordenamento moral, onde esta produção tangível não se verifica. Mais difícil, ainda,
seria identificar normas neste ordenamento, pois estariam dependentes da moralidade
de cada indivíduo numa sociedade.
Derivado à conclusão da ideia, segundo a qual, estes dois ordenamentos têm
critérios de inclusão no conjunto distintos (diferentes normas no sistema um), obriga à
consideração de uma separação necessária entre estes – tese positivista
(positivismo excludente/radical).
Esta tese do positivismo excludente, defendida pelo Professor David Duarte,
afirma que a ordem moral e normativa são dois conjuntos de normas distintos e
separados, não implica que não se verifique a sua intercessão ou consunção, ou seja,
nada invalida que as autoridades normativas jurídicas possam introduzir normas no
sistema jurídico iguais às normas existentes no sistema moral (e.g: Direito português
dizer que é proibido matar). Esta igualdade é mera coincidência, elas não entram no
sistema como normais morais, mas sim como normas jurídicas que satisfazem os
critérios da norma de conduta do sistema um do direito.
Esta separação necessária não invalida que o direito possa remeter para normas
morais, em que o próprio direito diz que a solução jurídica de um caso deve ser
determinada ao abrigo das normais morais aplicáveis. Isto é um fenómeno de remissão
e recessão, da mesma forma que o direito português pode remeter para o Direito
Espanhol, nada impede a um conjunto que contém umas normas, remeter para outro
conjunto com outras normas.
Em coerência com esta linha, não podemos afirmar que as normas morais sejam um
critério de validade do direito. Apenas concluir que não há limitações morais à inclusão
de normas no direito.

Resumo Positivismo Excludente:


Os ordenamentos jurídico e moral são, necessariamente, distintos. As normas morais
não são um critério de validade do direito. Não há limitações morais à inclusão de
normas no direito, e a mera reprovação moral não implica a exclusão da qualidade
jurídica de certas normas. Ainda que possa existir uma intersecção ou, mesmo, uma
consumpção entre os dois ordenamentos, tal trata-se de uma mera coincidência. E é
irrelevante, no sentido em que serão normas jurídicas independentemente da sua
identidade com normas morais.
Os argumentos utilizados para sustentar a conclusão apresentada: (i) os
ordenamentos moral e jurídico compreendem distintas normas de identificação; (ii) ao
passo que o ordenamento jurídico é identificado, atendendo aos factos sociais
constitutivos dos modos de produção normativa, é difícil identificar o ordenamento

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Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021

moral, assim como as normas no mesmo compreendidas; (iii) contrariamente ao que


sucede nos ordenamentos jurídicos, no ordenamento moral não existe legislador,
tribunais, etc; (iv) fazer depender o direito da moral faria com que o primeiro fosse a
única coisa criada pelo Homem exclusivamente boa.
Já numa linha de pensamento distinta, o Positivismo inclusivo (Herbert Hart) – o
conceito de direito pode ser definido sem apelo a pautas morais. Ou seja, apesar de não
existirem conexões necessárias entre o direito e a moral, nada impede que os critérios
definidos pela norma de identificação (na terminologia hartiana, norma de
reconhecimento) apelem a valorações morais. Hart continua a assumir que o conteúdo
do direito decorre de factos sociais e, por isso, a relevância dessas valorações morais
está dependente de uma prática convergente entre os aplicadores do direito, no sentido
de considerarem como pertencentes, ao ordenamento jurídico, não só normas
produzidas de acordo com os critérios de produção normativa, mas também aquelas
que não contrariam normas morais.
A questão da moralidade dos ordenamentos jurídicos teve especial impacto nos
julgamentos Nuremberg e Tokyo após 2ª Guerra Mundial. O ordenamento jurídico da
Alemanha Nazi tinha normas que são consideradas moralmente hediondas.
Questionou-se se, em razão dessa imoralidade extrema das normas, estas deveriam
ser entendidas como não sendo direito. A este tipo de posição costuma chamar-se o
jusnaturalismo, ou antipositivismo. David Duarte diz que estas questões não se devem
confundir. A reprovação moral duma norma não deve implicar a sua anulação, pois não
há critérios de inclusão relativo à moral. O Direito, seguindo essa ideia, só existiria se
fosse bom.
Das posições antipositivistas mais importantes referem-se as seguintes:
• One system picture (Ronald Dworkin): o direito é apenas uma parte de
um ordenamento jurídico maior, que é o ordenamento moral. Impõe-se a
questão do que fazer com normas que são moralmente neutras (i.e.: Dever
de conduzir pela direita);
• A Fórmula de Radbruch (Gustav Radbruch): nos termos da sua
formulação mais difundida, corresponde à posição que considera que, as
normas que são intoleravelmente ou extremamente injustas, não podem
ser direito, ainda que, em regra, as normas jurídicas possam ser injustas.
Esta posição distingue-se do positivismo inclusivo porque a restrição
associada ao direito extremamente injusto não tem de advir de um facto
social, fazendo necessariamente parte do conceito de direito. Mas quando
sabemos que estamos perante uma extrema injustiça?

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Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021

1.5.2. A Coerção
A coerção é a aplicação de sanções. Estas sanções resultam do facto de os
ordenamentos jurídicos serem estaduais, aos quais está associado o aparelho de força,
que prevê a aplicação, pela força, das sanções previstas pelo direito. Os Ordenamentos
Jurídicos contêm normas que regulam a ação e outras que, regulando a ação, aplicam
sanções (i.e.: Norma proibido matar. E existe outra norma que diz que caso a norma
substantiva tiver sido violada, ao agente cabe uma determinada penalidade).
Cabe então distinguir estas normas. Fazemo-lo em:
• Normas primárias - regulam o comportamento;
• Normas secundárias - contêm a sanção. Estas últimas não deixam de ser
de conduta, mas em vez de regularem a conduta dos agentes da ação,
regulam a conduta dos órgãos competentes para impor a sanção (i.e.:
uma norma não pode ter dois significados diferentes. Assim, quando
temos uma norma que a previsão regula a conduta e a estatuição é uma
sanção, estamos perante uma norma secundária).

De acordo com o professor as sanções distinguem-se em duas grandes categorias:


• Relativas a ações deônticas (de dever ser) – invalidade (e.g.: Celebrar
contrato de compra e venda com X, para a qual a lei prevê determinada
forma, escrita no caso e objeto de autenticação. O incumprimento destes
requisitos, leva à invalidade do contrato, a consequência da invalidade é
uma forma de sanção. Este tipo de consequência, é uma sanção
específica para estas condutas que produzem efeitos jurídicos, como
celebrar um contrato);
• Relativas a ações empíricas - sanções em sentido estrito.

Muitas vezes, a mesma conduta pode ter sanções das duas categorias (e.g.: Autor
de um ato ilegal, que confere licença ilegal, podemos ver consequências dirigidas a esse
ato ilegal, e consequências dirigidas ao autor desse ato – estas últimas sendo sanções
em sentido estrito).
Para Miguel Nogueira de Brito, todas as sanções são deônticas e dividem-se em:
➔ Meramente jurídica – desvalor da ação;
➔ Jurídico-materiais – sobre o autor.
Já Miguel Teixeira de Sousa não faz qualquer distinção (vide pag. 98 do Manual)

Há vários tipos de sanções, que podemos definir quanto:

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Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021

➔ À matéria:
• Civil – relacionadas com o estado das coisas;
• Disciplinar - relacionadas com o vínculo laboral do agente;
• Financeira – relacionadas com a interferência no património;
• Criminal – Essencialmente punitiva;
• Administrativa – relacionada com as relações entre o sujeito e o Estado;
• Contraordenacional.

➔ Ao fim:
• Compulsória
• Preventiva
• Reconstitutiva
• Compensatória
• Punitiva

A lógica da sanção é um algo falível. O direito cria sanções na convicção de que a


sanção é a criação de um mal, ou o termo de um bem (i.e., Condenação de privação de
liberdade. Há a convicção de que isto é um mal que se produz sobre o agente. Isto é
uma generalização falível, será um mal para a maioria das pessoas, mas poderá haver
quem prefira estar preso).
Associadas às normas sancionatórias há normas que não se devem confundir (i.e.:
Temos a norma sancionatória em si - estabelecendo uma pena, ou obrigação de
indemnizar - diferente desta é a norma de competência - que diz que o juiz é competente
para aplicar a sanção, bem como a norma que me permite despertar uma ação no juiz
e.g. desejo de procedimento criminal).
Não devemos confundir a sanção, com outras normas de competência que
autorize/habilite a aplicação da sanção.
Interessa perceber que não há razão, do ponto de vista lógico, que nos permita retirar
uma norma primária de uma secundária (sancionatória).
A proibição de uma conduta vale como proibição, quer esta esteja associada a uma
punição, ou não. Vale como imposição, esteja ou não associada a uma sanção. No
entanto, não é normal acontecer. Mas o ordenamento não perderia a validade.

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Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021

1.6. A função de regulação da ação humana: a normatividade

Normatividade - é a propriedade relativa àquilo que devemos fazer. O que é


normativo é o que diz respeito ao que devemos fazer. Em caso de incumprimento, está
o infrator sujeito a uma sanção.
• Função do Direito: regulação da conduta/ação humana – O direito
constituir um fenómeno de regulação da conduta, significa que é
normativo. Esta é a função prioritária, todas as funções retiradas do direito,
são derivadas desta principal. Isto significa criar segurança, prevenir
conflitos, conferir previsibilidade aos comportamentos. A razão da criação
do direito é para que a conduta dos agentes esteja deonticamente
moralizada.

Há mais funções associadas ao direito, mas serão estas possíveis de ser associadas
universalmente, ou serão associadas a um Direito com um certo conteúdo? (e.g.:
Proteção de valores materiais, proteção da propriedade. Ou proteção das tutelas
individuais). Mas estas funções são contingentes, basta criar ordenamentos jurídicos
onde estas funções não se realizem.

1.6.1. Um ou vários graus de normatividade?

Coloca-se o problema de saber se existem um ou vários graus de intensidade na


normatividade. Há uma posição maioritária que prevê que, dentro da normatividade,
entendemos dois graus desta: a normatividade meramente formal e a normatividade
material/robusta (full-blooded normativity).
Temos uma normatividade mais fraca, associada às diretivas técnicas (e.g.
regras dos jogos ou da moda). E uma normatividade mais forte, associada à moral e
ao direito.
Fenómenos naturais (e.g.: chover): a maneira como os interiorizamos, fazemo-lo
com uma estrutura condicional (se chove, levamos um guarda-chuva) mas não há uma
normatividade aqui. São informativos, e a informação nunca pode resultar duma
formulação prescritiva, não é normativa.
Recomendações/sugestão, (e.g. recomenda-se utilização por apenas uma
pessoa). Recomendação é apenas a informação relativamente a uma preferência, faz
parte do que chamamos de:
Soft law - Estamos perante uma imperatividade diminuída e sem sanção (e.g.
recomendações, códigos de conduta e boas práticas).

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Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021

Diretivas técnicas (e.g. no manual da TV diz: para ligar a televisão carregue no


botão azul): não há regulação da conduta, mas dada uma informação sobre uma
causalidade, é meramente descritiva.
Há dois casos complexos.
• Linguagem, e as normas da linguagem: saber se as normas da
linguagem são efetivamente normativas (e.g. processos de aquisição de
competências linguísticas, que acontece com crianças a aprender a falar,
através da repetição, não são normativos).
Discute-se se as normas linguísticas não serão efetivamente normas, ao regularem
a conduta dos agentes. Usar uma palavra para descrever um objeto, utiliza uma norma
semântica do português. Mas também não é claro se não será apenas uma diretiva
técnica.
• Normas dos jogos, nestas também é possível que se combinem casos
de normatividade com casos de não normatividade e.g. regras do xadrez,
podem ser consideradas meras diretrizes técnicas. Mas a norma que diz
que quem faz xeque-mate ganha, determina uma qualidade para os
agentes, há, claramente, normatividade.

Segundo David Duarte ou há normatividade ou não há. A discussão desta matéria


está muito marcada pela conceção semântica das normas, que descura os
componentes pragmáticos da normatividade. i.e., “Um conteúdo é normativo, se ele é o
resultado de uma utilização prescritiva da linguagem. Só se alguém está a obrigar outro
alguém a fazer alguma coisa, é que há normatividade”. O que é pertinente perceber é
que as formulações destas normas têm uma função pragmática de ordenar a conduta.
O conteúdo normativo, depende do teor prescritivo que atribuo à frase. (E.g. Joana
fecha a porta (“.” ”!” ”?”). Com a mesma frase dou três entoações do valor prescritivo
que atribuo à frase.

1.6.2. A normatividade e os agentes deônticos

A normatividade dirige-se a alguém. Não há normas sem destinatários - agentes


deônticos. Havendo modalização deôntica da ação, ação e agente, significa que o direito
cria posições jurídicas. Estas posições jurídicas pressupõem que os agentes tenham
consciência de si próprios e tenham capacidade de realização de ações mentais (i.e., A
Joana para saber que tem de fechar a porta, tem de saber que ela própria é a Joana, e
tem que saber o que significa fechar a porta. tem de fazer uma representação mental
do conteúdo normativo que lhe foi dado). Por esta razão, é que a normatividade é restrita

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Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021

à condição humana. Só os agentes humanos é que criam direito e são destinatários do


direito.
É importante a ressalva para a separação da capacidade do direito de criar
personalidade jurídica a pessoas coletivas (que são conjuntos de pessoas).
Os animais e plantas não são agentes deônticos, estes não têm posições jurídicas.
Os animais não têm direitos, eles podem ser protegidos ao abrigo de normas que geram
deveres.

2. A Ciência Jurídica
2.1. A ciência jurídica: o direito como objeto de conhecimento

Importa agora enquadrar o Direito, de uma perspetiva científica, no âmbito das


ciências.
O Direito é um objeto da ciência, um objeto de conhecimento, cuja atividade de
conhecimento tem a pretensão de beneficiar do valor social associado à ciência, e que
para isso tem de reunir determinadas condições de cientificidade.
O Direito aqui é visto na perspetiva de conhecer o direito e de o poder descrever, e
saber que ele pode alterar a nossa conduta. Falamos do direito de uma perspetiva
externa.
Estamos no domínio daquilo que é observável. É o que resulta das prescrições
linguísticas, aquilo que é produzido pelas autoridades normativas.
Esta ideia é plena de consequências:
• Não se pode associar nada ao direito que não tenha a ver com essas
prescrições linguísticas. Logo, quando se fala de valores, ou interesses, só
podem ser associadas ao direito caso as prescrições linguistas produzidas
pelas autoridades normativas sejam, de alguma forma, demonstráveis;
• A ciência jurídica é o direito que é posto (que é produzido), e cabe à ciência
jurídica explicá-lo e descrevê-lo, e não fazer juízos de valor;
• Não cabe à ciência jurídica conceber alternativas de regulação para o direito.
Quando se diz que a lei não devia ser A, mas sim B, isto não é ciência jurídica,
mas sim política jurídica (Hans Kelsen).
Distanciamento entre a ciência jurídica e o objeto - não é modificável pelo cientista
do direito. O Direito só é modificável nos seus próprios termos. Logo, a ciência não poder
ter percussão qualquer no objeto de conhecimento.
A ciência jurídica geral tem dois domínios essenciais:

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Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021

• Determinação do conteúdo das normas. Olha para o objeto observável,


emanado pela autoridade, e determina o estatuto deôntico da ação. Saber se
uma determinada conduta é permitida, proibida ou imposta. Pode analisar um
enunciado individualmente ou num plano all norms considered;
• Invariantes do Direito: aspetos de cada ordenamento que não estão
marcados pela contingência dos conteúdos. Aqueles que se assemelham em
todos os ordenamentos. A estrutura das normas. As posições jurídicas. São
iguais em todo o lado.

Domínios da Ciência Jurídica:


• Ciência Jurídica Geral (Teoria do Direito): dedica-se às invariantes do
Direito e à determinação dos conteúdos das normas que são gerais a todo
o Direito. Normas que operam sobre outras normas sejam elas quais forem
(princípios, normas interpretativas gerais);
• Ciências Jurídicas Especiais: Designam-se por dogmática. Mas dogmática
ou é ciência jurídica, ou é irrelevante.
A Ciência Jurídica estuda o Direito do ponto de vista deôntico, enquanto
entidade do dever ser. Não se estudam os factos, mas sim as normas propriamente
consideradas. A Ciência Jurídica, com a sua pretensão de cientificidade, tem de
preencher certas condições de cientificidade, condições que incidem na ideia de ciência
na sua ambiguidade entidade-produto. Quando usamos a palava interpretação, tanto
nos podemos referir à interpretação (atividade), como ao resultado.

2.2. A cientificidade da ciência jurídica


2.2.1. A ciência jurídica como ciência normativa: mapa da ciência

• Ciências Formais;
• Ciências Naturais;
• Ciências Sociais - Têm por objeto o comportamento humano na sua interação
na sociedade – Economia e Sociologia;
• Ciências Normativas – É o ramo onde se inclui a ciência jurídica. Outros
exemplos: Ética e linguística.

A Ciência Jurídica é uma ciência normativa, visto que nada tem a ver com o
comportamento do homem na sociedade, mas essencialmente tem a ver com a questão
do dever ser.

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Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021

Contudo, a ciência jurídica não é estritamente isolada, todas as ciências são


contributivas para o conhecimento do direito. No entanto, as áreas de conhecimento que
mais contribuem para a Ciência Jurídica são a linguística e a filosofia da linguagem, por
um lado, e a lógica, por outro, sendo muito importantes para o objeto de conhecimento.
A linguística é fundamental porque o Direito é mediado através da linguagem, a
mediação linguística é uma barreira incontornável. Quanto à lógica, é importante porque,
através dos seus axiomas, permite-nos criar verdades formais, e contribui
especialmente quando existem conflitos entre normas. Existe a lógica deôntica que
aplica algumas matérias a conhecimentos com modalidade deôntica.
Quando é que se pode dizer que um determinado conhecimento é científico? Quando
este respeitar as condições de cientificidade, que são de identificação possível, e de
intensidade variável. Enquanto antigamente havia uma demarcação vincada entre o que
era e o que não era ciência, agora existe uma linha de variação entre mais e menos
ciência. Conhecimento mais ou menos científico, consoante as condições se verificam
e com mais ou menos intensidade.
➔ Hardcore sciences: ciências em que as condições estão todas preenchidas e
com enorme intensidade;
➔ Softcore sciences: são o oposto, menos condições, e menor intensidade, mais
recurso a valores epistémicos.

A Ciência Jurídica encontra-se numa zona em que já se pode considerar uma ciência
softcore com capacidade de progressão.

2.2.2. Os critérios de cientificidade

Verdade: Não há ciência sem verdade, é uma condição necessária. Existe a verdade
sintética, tem a ver com a relação entre uma proposição e o mundo (E.g.: Os corpos
dilatam com o calor. É uma proposição verdadeira se, efetivamente, os corpos dilatarem
com o calor); e a verdade analítica, que resulta do encadeamento das proposições (E.g.:
Se A igual a B e B igual a C. Então A é igual a C);
Predição: Condição de cientificidade ligada às ciências naturais. Raramente se
manifesta, sem ser nas ciências exatas. É a capacidade que as condições da ciência
têm de antecipar conhecimentos futuros;
Cientificação: O conhecimento científico deve ser simples. Isto implica dois aspetos,
primeiramente, que o conhecimento científico é dirigido à redução da complexidade

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Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021

(simplificação), e o segundo aspeto tem a ver com o discurso da ciência, que deve ser
simples, claro, preciso e rigoroso;
Crescimento Cognitivo: Conhecimento que é capaz de progredir, no sentido que se
aproxima cada vez mias da verdade. Logo, certas teorias podem ser substituídas por
outras, se se comprovar que essas mesmas teorias estão mais próximas da verdade;
Demonstrabilidade ou Falsificabilidade: Verifica-se nas ciências normativas.
Suscetibilidade da proposição da ciência ser comprovada, logo, tem de haver prova e
refutação daquilo que está a ser estudado;
Universalidade (Importante): A ciência jurídica estabelece os seus próprios
universos de validade. A universalidade restringe-se àquilo que é o seu domínio de
validade. Embora, nas invariantes do direito, essa validade já é universal;
Objetividade (Importante): É a condição que determina que o exercício da ciência
deve realizar-se através de processos e métodos que sejam objetivos, ou seja, que não
contenham qualquer tipo de preferência, que não usem preconceitos e que sejam o mais
adequados possível aos objetivos de ciência que visa. É também a intersubjetividade,
ou seja, é aquilo que se atinge quando o resultado pode ser atingido em qualquer
circunstância de tempo e lugar. É uma área de conhecimento muito sensível à
subjetividade. Logo, a ciência jurídica tanto quanto mais objetiva seja;
Explicação: A ciência tem de ser explicativa, logo, só existe ciência se ela for capaz
de ser explicada.

Há aqui duas condicionantes: primeiro, o objeto de conhecimento ser apto à


verificação de cada uma das condições; tem a ver com a forma como a ciência se realiza
em cada uma das áreas. Temos, assim, ciências mais científicas que outras.
Quanto mais caminhamos para as hardcores, menos vulneráveis são, ou devem ser,
as ciências, à má prática e violação das condições de cientificidade. E.g.: a interpretação
corretiva é um exemplo de má ciência, é mudar o objeto de conhecimento.
Segundo, e sendo a ciência jurídica tão vulnerável, temos uma variação entre boa e
má ciência jurídica. Há máximas que podemos formular no sentido de que a ciência
jurídica se deve adequar:
• Princípios da pertinência – só tem pertinência na ciência jurídica aquilo que
tenha a ver com o estatuto deôntico da ação e como lá chegar;
• Verdade – posso predicar as proposições que a ciência jurídica produz, como
verdadeiras ou falsas;
• Princípio da relação linguagem-norma – as palavras utilizadas para escrever
normas, são a aplicação de normas sintáticas e semânticas, são o código de
interpretação;

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Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021

• Respeito pela relação fonte-norma – não há normas sem fonte, estas


precisam de uma certa formulação, segundo critérios de identidade do
ordenamento jurídico;
• Explicabilidade – determinar o porquê dum resultado ser este e não outro,
que garanta que a explicação se integre num todo de forma coerente, esta é
decisiva;
• Intangibilidade do direito – a ciência jurídica não modifica o direito, este é
apenas modificável por parte dos órgãos competentes para o fazer.

2.2.3. A cientificidade “softcore” e a relevância dos valores epistémicos


O direito, ao contrário das ciências naturais, é um produto humano, que é melhor
feito consoante mais se sabe sobre o mesmo. O crescimento cognitivo no domínio da
ciência jurídica, de certos fenómenos normativos, vai influenciar na criação de direito
pelas autoridades normativas.

A Ciência Jurídica encontra-se numa zona em que já se pode considerar uma ciência
softcore, com capacidade de progressão. Na escala gradativa das ciências, “the more
softcore a science is, the greater has to be the normativity of its epistemological
approach”. O contrário se verifica nas ciências, ditas, exatas.

2.3. A ciência jurídica geral e as ciências jurídicas especiais


2.3.1. A ciência jurídica geral
Ciência jurídica geral, podemos designar como Teoria do Direito. Estudo das normas
gerais do Direito, e as invariantes dos direitos.

2.3.2. As ciências jurídicas especiais


Estas ciências separam-se consoante determinados critérios. Falamos de partes
dum ordenamento que foram sendo separadas, de algum modo, pedagogicamente ou
cientificamente, e que criaram um domínio científico específico, onde chegam a haver

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Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021

metodologias próprias, nestas, para o estudo das áreas específicas do ordenamento


jurídico.
2.3.2.1. A distinção entre direito público e direito privado
Há um critério, atualmente aceite, distintivo entre o direito público e o direito privado
- critério do exercício de uma função estadual.
i.e.: O direito público é o subconjunto de normas, num ordenamento jurídico, que
compreende as normas reguladores do exercício de uma função estadual, enquanto
normas prioritárias (comuns) do exercício dessa função.
O direito privado, por oposição, é o subconjunto de normas num ordenamento jurídico
que regula a atividade dos agentes, independentemente do exercício de uma função
estadual.

2.3.2.2. A divisão do direito em ramos


Estudo do direito, através da isolação de parte deste, como ramo autónomo,
estudado através duma ciência jurídica especial.

➔ Direito administrativo – direito regulador da função administrativa


➔ Direito constitucional – direito regulador da função legislativa
➔ Direito processual – direito regulador da função jurisdicional

2.4. As proposições normativas da ciência jurídica


2.4.1. As normas e as proposições normativas
Proposições da ciência jurídica: são conteúdos de afirmações de ciência sobre o
direito.
Devem ser separadas de outras entidades discursivas, com as quais não se devem
confundir.
Diferença entre:
• Enunciado normativo – speech act, realizado pela autoridade normativa e
que comunica a norma. É um texto, um enunciado;
• Norma – Conteúdo que o agente, através da interpretação, retira do
enunciado.
Num outro plano, temos as proposições normativas - que são enunciados de
ciência, feitos da perspetiva externa do observador externo, sobre o direito. São uma
descrição do Direito que existe. Estas não se podem confundir com a norma.
• E.g. Art. 24º - A vida humana é inviolável – enunciado normativo

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Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021

• Descodifico o enunciado, e retiro o significado do enunciado – norma


• “No direito português, existe uma norma segundo a qual é proibido matar”,
descrever o direito que existe, descrição do direito - proposição normativa.

Proposição - ideia de afirmação de ciência.

Teorias científicas - são agregados de várias proposições de diferente natureza. Ao


construir teorias, são conjuntos complexos de várias proposições de diferentes
naturezas. Teoria de ciência e proposição diferem na grandeza, ou complexidade, que
a teoria tem relativamente à proposição, que é mais simples.

2.4.2. Os tipos de proposições normativas


As proposições da ciência jurídica têm um certo paradigma - proposição relativa
ao estatuto deôntico da ação - definir o estatuto deôntico da ação. I.e., quando digo
que matar é proibido, o que estou a fazer é a definir o estatuto deôntico da ação.
Este tipo de proposição sobre o estatuto deôntico da ação pode ser:
➔ Proposição incompleta - proposição meramente “protanto” (prima facie), ou;
➔ Proposição completa - all norms considered;
i.e., Olhando para o Art. 24 da CRP e ao descrever o direito português em “é proibido
matar”, estamos perante uma afirmação inconclusiva, porque nada invalida que o direito
português não contenha outras normas que sejam excecionais relativamente àquela
proibição genérica (e.g. A mata B em legitima defesa). Esta afirmação é incompleta,
porque tenho de avaliar se, genericamente, haverá outras normas que tenham
exceções.
Enquanto que, se se disser, “em princípio, no direito português, é proibido matar”
esta afirmação já tem algum valor científico, porque se diz que, tendo apenas em conta
esta norma, o que esta norma diz é que para todas as situações é proibido matar. Ainda
assim é uma afirmação incompleta. Continua a faltar verificar as normas com exceções
a esta proibição.
A forma completa da proposição dá-se por “no direito português é proibido matar,
embora seja permitido nos casos A, B e C”, esta é uma proposição all norms considered.
São estas proposições completas sobre o direito, o paradigma da ciência jurídica. Sendo
o objeto da ciência jurídica o conjunto de normas que regula a conduta humana, o que
importa saber é as condições em que, determinada conduta, para um determinado
universo de destinatários, essa conduta é permitida, proibida ou imposta.

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Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021

Esta proposição, segundo a qual se diz em que condições, certa conduta é proibida
e permitida ao mesmo tempo, é uma proposição complexa. As proposições complexas
são um agregado de proposições simples – que são aquelas que não são
decomponíveis, ou que realizam uma função de descrição marcadamente autónoma.

Categorias de proposições simples (cada uma já tem valor):

• Interpretativas - são relativas à descodificação linguística do enunciado. Em que


se afirma que este enunciado significa isto. Mas estas proposições interpretativas
podem ser complexas. (Estas são referidas primeiro, pois as outras proposições
simples acabam por supor as proposições interpretativas. i.e., no fundo, temos
sempre que interpretar o enunciado);
• Básicas - dizem respeito às condições gerais de uma norma poder ser aplicada.
Refere-se às proposições de pertença ao sistema (membership), ou com as que
dizem respeito a quaisquer condições gerais de aplicação de uma norma a um
caso. E.g. domínio de aplicação;
• Subsuntivas - Subsunção é a operação pela qual verificamos se determinado
estado de coisas preenche um antecedente de uma norma (e.g. se chover são
distribuídos guarda-chuvas gratuitamente – “se chover” é o antecedente da
norma). Sendo as normas condicionais, só se verificada a condição é que a
condicionalidade da norma se desencadeia, e só nessas circunstâncias é que a
consequência deve ser verificada.
• Conflitivas – relativa a conflitos de normas. As proposições do domínio da
conflitualidade normativa;
• Inferenciais - Totalmente analíticas. Deduzem conteúdos de normas
preexistentes. Aplicam a norma de dedutibilidade do sistema um de cada
ordenamento jurídico.
• Sistemáticas - ligadas à proposição paradigma (da definição do estatuto
deôntico da ação). São as que têm a ver com o estabelecimento de semelhanças
e diferenças. Ao estabelecer classificações de normas, tabelando posições
jurídicas, ou uma operação descritiva que estabelece semelhança e diferença,
estas posições são proposições sistemáticas. Essenciais enquanto formas de
criação de conhecimento para realizar as proposições das demais categorias.
• Estritamente teóricas - limitam-se a descrever aspetos invariantes do direito
(e.g. dizer “a hierarquia é o resultado de uma norma que estabelece que outra é
superior a outra”).

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Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021

Assim, quando se determina o estatuto deôntico da ação - all norms considered -,


essencialmente, juntam-se vários tipos de proposições.
➔ E.g. Pergunta: No Direito Português, qual é o estatuto deôntico da ação
relativamente a matar em legitima defesa?
o O que fazer? Primeiro, uma proposição interpretativa, e ler os
enunciados das normas com relevo para o caso. Depois, fazer uma
proposição subsuntiva, verificar se os antecedentes das normas se
preencheram ou não. Seguidamente, tenho de resolver o conflito entre a
norma que proíbe matar, e a norma que permite matar em legitima defesa,
através da aplicação de uma norma terceira, que é uma norma de
conflitos, que diz que a norma especial prevalece sobre a norma geral.

i.e. Para produzir a proposição complexa/completa relativa ao estatuto


deôntico da ação, tudo considerado, verifica-se a necessidade de somar várias
proposições simples.

2.4.3. As proposições normativas descritivas e hipotéticas


Grande questão relativamente às proposições da ciência jurídica: Saber se estas
proposições são passiveis duma predicação de verdade, ou seja, se as afirmações que
faço de direito podem ser verdadeiras e falsas. Nesta questão temos de diferenciar as
proposições descritivas das proposições hipotéticas (especulativas ou normativas).
Para compreendermos esta diferenciação, temos de perceber que o direito, enquanto
objeto de conhecimento, oferece dois tipos de cenário:
➔ Certeza normativa - aquele cenário que se verifica sempre que, das prescrições
linguísticas, relativamente à proposição que estiver em causa, há uma
objetividade suficiente que permita que possamos descrever o direito de maneira
a que seja intersubjetivo, ou seja, do ponto de vista macro. E.g. o que o sujeito X
diz sobre o direito, será o mesmo que o Y e Z dizem. As proposições
interpretativas, relativamente a um enunciado, que sejam de certeza normativa,
não havendo indeterminação linguística significativa, não suscita dúvidas. E.g.
Os maiores de 18 anos podem votar.
➔ Incerteza normativa - cenários de incerteza devido a razões adveniente de duas
grandes áreas; a área da linguagem e a área dos conflitos normativos. E.g. Os
adultos podem votar – linguagem normativa; Conflito de direitos de imagem de
figura pública (papa) e direitos de liberdade artística (satirização do papa) – zona
de conflito normativo.

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Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021

Quando o direito gera incerteza, a ciência jurídica pode continuar a criar proposições
meramente descritivas, ao escrever todas as alternativas presentes, sem realizar
nenhuma escolha. E.g. sobre a norma que diz que No direito português os adultos
podem votar: no direito português é permitido votar, garantidamente se for uma pessoa
acima dos 30 anos; não é permitido se for uma pessoa abaixo dos 12 ou 13 anos; e no
meio “logo se vê”.
Estas proposições desenham o quadro das opções alternativas, descrevendo os
cenários de certeza e os cenários de incerteza. Quando há incertezas, há sempre
alternativas. Mas, a mera descrição de alternativas dos cenários de incerteza, são
insuficientes, pois abdica-se de analisar parte significativa do direito, ao demitir-se de
abordar e analisar estas situações.
Aqui entra a ideia de proposições hipotéticas, em que a ciência jurídica,
reconhecendo o cenário de incerteza, coloca as hipóteses, mas avança com a ideia,
segundo a qual, uma hipótese é mais explicativa do que a outra. E.g. pergunta: Pode
uma pessoa de 18 anos votar no direito português, no caso de o direito português conter
um enunciado a dizer que apenas os adultos podem votar? Gera-se a questão sobre se
pessoa de 18 anos é adulta. Resolução: há que emitir uma proposição descritiva a dizer
que há uma permissão de votar para a pessoa adulta, uma proibição de votar para não
adultos e que, para o estatuto deôntico da ação para uma pessoa de 18 anos, há uma
hipótese de ser permitido, sendo esta pessoa adulta, por dadas razões, e a hipótese
contrária de não ser adulto tem outras razões, mais fracas.
No fundo, apresenta-se um conjunto de razões explicativas para a que aparenta ser
a melhor hipótese explicativa.

2.4.3.1. O caso e a questão jurídica na ciência do direito


Voltando às proposições completas sobre o estatuto deôntico da ação all norms
considered – respondem a determinada pergunta, como todas as proposições da
ciência. Refere-se a saber qual é o dever ser (estatuto deôntico) da ação, nas condições
em que a ação se verifica – o caso jurídico.
Um “caso” identifica o problema jurídico, que suscita determinada resposta do direito.
Situação do direito que suscita determinação do estatuto deôntico da ação. Este serve
de modelo para se colocar a pergunta (questão jurídica). A resposta a esta pergunta é
a tal proposição completa, que diz se a conduta, nas condições em causa, é permitida,
proibida ou imposta. Todos os casos são um conjunto finito de propriedades, em que

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Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021

apenas algumas propriedades são relevantes. Cabe saber quais as propriedades


relevantes.
Isto posto, o estatuto deôntico de uma ação, tendo em conta todas as normas
relevantes, é uma resposta a uma pergunta, para a qual é necessário perceber as
propriedades do caso.

2.4.3.2. Os “hardcases” e os “easycases”

É necessário distinguir entre hard cases e easy cases, casos difíceis e casos fáceis.
A distinção dá-se, quando, num caso sobre o estatuto deôntico da ação, que requeira
uma resposta completa/complexa, onde se compreenda várias proposições simples,
basta que uma dessas seja uma proposição hipotética, uma proposição que requer que
se façam escolhas, para se considerar um caso difícil.

2.4.4. A predicação da verdade

A relevância disto está no facto das proposições hipotéticas não poderem ter um
valor de verdade em correspondência, não podem ser predicadas de verdade, ou
verdadeiras, nos mesmos termos das proposições meramente descritivas, em que se
pode estabelecer existência ou inexistência de uma correspondência com a verdade.
Mas pode existir a verdade pragmática, a que é aceite por verdade por parte da
comunidade científica.

2.5. Outras atividades de conhecimento relativas ao direito

Filosofia do direito é a área do conhecimento que mais se confunde com a ciência


jurídica, mas é possível estabelecer algumas linhas de separação.
Esta projeta, sobre o objeto do direito, as três grandes áreas de reflexão típica de
filosofia:
➔ Conhecimento– epistemologia jurídica
➔ Filosófica – ontologia jurídica, estuda o ser
➔ Ética – o que trata da moral
Estas áreas não são da ciência jurídica, pois pressupõe opções de fundo de questões
especificamente filosóficas.
Segundo o professor, ou estamos a considerar conteúdos de normas ou a estudar
aspetos invariantes dos ordenamentos jurídicos, e estamos no domínio da ciência
jurídica.

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Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021

Mas se estamos a problematizar relações do direito com a moral, a discutir a posição


ontológica das normas e do direito genericamente considerado, ou ainda as condições
sobre as quais podemos conhecer o direito e tratá-lo segundo exigências de
cientificidade, encontramo-nos no domínio da filosofia do direito.

3. As normas do direito
3.1. Os enunciados de norma e as normas

A norma jurídica é o foco central de todo o estudo do Direito, compreendê-la é


essencial como ferramenta de conhecimento, que podemos utilizar em toda a Ciência
Jurídica.
As autoridades normativas produzem normas através do uso de uma língua natural
e da sua formulação escrita. Não podemos confundir o ato de fala e o significado efetivo
da norma. O que vemos é a formulação de um ato de fala speech act, e não a norma
em si.
Quando o legislador está a escrever a norma, está preocupado com muitos aspetos
(economia da linguagem, estilo da escrita, etc.), o que leva a que muitos enunciados
não correspondem à norma. Temos, assim, que aplicar um critério de individuação
normativa. Casos comuns de falta de correspondência:
• Mesmo enunciado conter várias normas (art.º 26/1 da CRP);
• As normas são escritas no presente do indicativo. Criam a ideia de serem
meras asserções sobre um determinado estado de coisas. Parece que o
legislador está a descrever uma situação, contudo, esta está exposta num
verbo deôntico. A autoridade não descreve um estado de coisas, mas sim um
estado ideal de coisas;
• Os enunciados escondem a previsão das normas. Certos enunciados, como
é difícil escrever a previsão, cortam-na (“todos têm liberdade de expressão”);
• A autoridade normativa esconde a ação na consequência. As normas não
dizem respeito à ação, mas sim a estados de coisas (“o estado deve garantir
condições de qualidade de vida”), estamos a descrever uma espécie de
estados de coisas a atingir. Leva a entender que não há aqui qualquer dever
ser a atingir. Mas há, uma obrigação do estado para levar a que determinada
coisa se venha a atingir.

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Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021

Estes casos de falta de correspondência são alertas para perceber que não podemos
olhar para um enunciado e dizer que aquilo é a norma. Não se interpretam normas, mas
sim enunciados. O enunciado pode esconder diversas normas.

3.1.1. As categorias de enunciados

Nem todos os enunciados são escritos, há outras formas de enunciados que o Direito
compreende, contudo, é só o enunciado na língua natural, e na sua formulação escrita,
que nos importa. Assim temos:
• Enunciados orais (e.g.: ordem de dispersão da polícia);
• Normas através de gestos (e.g.: ordem de agente regulador de trânsito);
• Enunciados formulados através de símbolos pictóricos ou cores (e.g.:
sinalização semafórica, sinais de trânsito);
• Enunciados sonoros (e.g.: estações de comboios

No entanto, estes enunciados, estão previamente enunciados numa formulação


escrita (e.g.: código da estrada), que contem normas definitórias que nos dão
equivalência escrita a um enunciado de outra forma.
No costume, a norma é enunciada através do comportamento reiterado do agente.
O enunciado da norma, e o cumprimento da norma, são a mesma coisa. Adequam a
sua conduta a uma norma que pensam que vigora (e.g.: se todos vão à água, à fonte,
ao sábado e ao domingo, ficamos a saber que existe uma norma que os obriga a ir só
nesses dias”).

3.1.2. A teoria dos “speech acts”

A comunicação de uma norma por uma autoridade normativa é um ato de fala -


speech act -, que compreende:
• Locutor: quem escreve;
• Interlocutor: quem é o destinatário da locução;
• Locução propriamente dita: que é a própria norma que é transmitida.

A locução pode ter certas características pragmáticas, pode ser:


• Realizada com diferentes funções (função ilocutória): função, força ou valor
que o locutor pretende dar à locução – é nesta que nos focamos no nosso
estudo;

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Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021

• Produzir diferentes efeitos (função perlocutória): função, força ou valor criado


no destinatário.

3.1.2.1. A especificidade do uso enunciativo de normas

A utilização da linguagem feita pelas autoridades normativas é muito especifica, não


se podendo confundir com a linguagem das nossas conversações coloquiais, o que
conduz a que entendamos que, de todas formas de linguagem, o uso enunciativo de
normas, feito pelo legislador, é um ato de fala que tem certas características, das quais
têm que resultar certas consequências. Possui certos fatores diferenciadores dos
nossos usos linguísticos normais:
• Locutor é institucional: as vontades por detrás dos atos de fala, não são
personalizáveis, são vindas de um órgão. Perdem-se os aspetos
motivacionais da linguagem;
• Destinatários são indeterminados: muitas vezes nem se sabe quem é o
interlocutor, sabemos apenas que são pessoas. Há uma total desvalorização
do contexto;
• Não é conversacional: ninguém vai falar com o legislador. Toda a estratégia
de apuramento do significado, baseia-se numa comunicação unilateral.
Quanto mais fatores diferenciadores elencamos, mais verificamos que o uso
enunciativo de normas está, cada vez mais, obrigado a um contexto de estrita
e pura objetividade;
• Não há partilha de espaço e tempo (decisivo): partilham num macro
contexto, mas não há mais nenhum contexto partilhado entre locutor e
interlocutor. O facto de o uso enunciativo de normas ser context-independent,
não estar dependente do contexto, é determinante na impossibilidade de
aceitar que, quaisquer componentes pragmáticos (estão totalmente
afastadas), possam contribuir para o significado. Só o significado objetivo,
dado pela semântica, é que pode contribuir para a interpretação dos
enunciados.

3.2. A individuação normativa e a estrutura da norma

A individuação normativa é a determinação da norma enquanto unidade. Quando é


que tenho uma norma e quais os elementos necessários para ter uma norma completa,
e que regule a conduta. É importante, mas pouco estudada (Kelson; Bentham, e; Joseph
Raz).

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Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021

Joseph Raz tem um livro onde define que a individuação normativa é uma convenção
científica, em que deve ser partilhado um conceito de norma ou de norma completa. A
norma é apenas o conjunto das condições necessárias para regular uma conduta.
Determinar a norma passa por saber o que é preciso para uma norma regular a conduta,
as suas condições necessárias:
• Ação / consequência Elemento

• Modalização deôntica da conduta; Material

• Conjunto de condições que tornam operativa essa modalização;


• Destinatários. Elemento subjetivo

Quer isto dizer que, temos três elementos materiais e um subjetivo. É daqui que surge
a ideia de estrutura da norma jurídica.
Uma componente material:
• Consequência;
• Operador deôntico;
• Previsão ou antecedente.
Uma componente subjetiva:
• Sujeitos destinatários.
Com estes elementos, temos o conceito de individuação normativa, minimalista, mas
extremamente operativo, daqui resulta o que é uma norma.
Uma norma é um conjunto de elementos estruturais, em que se estabelecem
condições, relativas a ações, que são deonticamente modalizadas e que têm
destinatários.
Exemplo: se chover é obrigatório distribuir guarda-chuvas gratuitamente

Previsão Modalidade Ação / consequência


deôntica de
obrigação

3.2.1. Os elementos materiais


3.2.1.1. A consequência

A consequência compreende sempre uma ação. Que pode variar, como ações
básicas ou específicas, como fumar, dormir, matar. Ou inespecíficas, como ser boa
pessoa. Muitas vezes, há normas em que não parece sequer haver ação na
consequência. Nas normas ought to be, também está regulada a ação. O que está em
causa é que haja sempre uma identificação da ação, mais ou menos específica.

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Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021

3.2.1.2. O operador deôntico

O operador deôntico, muitas vezes, não é diferenciado da consequência,


frequentemente integram o operador deôntico na estatuição, e referem só existir
previsão e estatuição. Contudo, o operador deôntico é, absolutamente, incontornável,
uma vez que é este que dá um sentido de dever ser à norma. É no operador deôntico
que ganha normatividade. O operador deôntico só pode ser:
• Obrigação / imposição
• Permissão / autorização
• Proibição
Estes três operadores remontam a Aristóteles e ao seu quadrado da oposição alética
(verdade), quanto às alternativas ao estado de coisas, e chegou à conclusão de que só
há quatro:

Mais tarde, um autor percebeu que as modalidades aléticas correspondem, de certa


forma, às nossas modalidades deônticas.

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Introdução ao Estudo do Direito I 2020/2021

A relação de contrariedade diz-nos que não podem ser ambos verdadeiros, mas
podem ser ambos falsos.
A relação de subcontrariedade diz-nos que não podem ser ambos falsos, mas podem
ser ambos verdadeiros.
A permissão (positiva) e na não obrigatoriedade (permissão negativa), temos
um problema porque não há outra correspondência na língua natural.
A permissão unilateral é uma modalidade deôntica incompleta. Para ser completa
tem de se casar com outra. Nasce a permissão bilateral, a conjugação das permissões
unilaterais. Podemos escolher entre a ação positiva e a ação negativa (e.g.: é permitido
fumar. Podemos optar por fumar ou não fumar).
Do ponto de vista deôntico temos 4 modalidades, mas do ponto de vista pragmático
temos só 3. Passamos assim a um triângulo com uma permissão bilateral.
Permissões fracas são aquelas que não há nada a regular, não há norma a regular
a conduta, mas que temos noção do que é permitido.
Permissões fortes são as que estão explícitas nalgum sistema jurídico. Cumprem a
função de impedir o exercício de autoridades subordinadas. I.E.: Se as autoridades
subordinadas estabelecerem proibições, nunca podem ir contra a permissão forte, mas
quanto a uma permissão fraca já não há nada a fazer (E.g.: O líder de uma tribo
estabelece que é permitido caçar à terça e à quinta, nada diz quanto aos outros dias.
Contudo, na existência de um sublíder, se ele quiser regular a caça, nunca a vai poder
proibir à terça e à quinta, porque existia uma permissão emanada de um órgão superior.
Contudo, nos restantes dias, poderá fazê-lo, pois vigora uma permissão fraca).
Todas as normas, de uma maneira ou outra, num momento do meio, vão ter
sempre uma proibição, uma imposição ou uma permissão.

3.2.1.3. O antecedente

Antecedente ou previsão é a parte da norma que estabelece as condições


específicas para que a norma se aplique.
Uma coisa, é a norma estar em vigor, outra, é a norma ser efetivamente aplicada,
num determinado contexto. Isso acontece quando se preenchem os elementos do
antecedente (e.g.: só quando chover). Só depois de verificadas as condições do
antecedente (subsunção), é que se aciona a ação. Todas as normas têm sempre
condições, porque todas têm não condições. Não há nenhuma ação para a qual todas
as condições e estados de coisas sejam sempre condição (e.g.: todos devem ser justos.
Parece que se aplica em qualquer situação, mas há situações em que não se aplica.

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Quando ligo a televisão não se aplica, não é preciso ser justo ou não. Só tenho de ser
justo quando a situação necessita que se coloque, mas há várias em que não se coloca).
Há ações que são valorativamente neutras, em que não importa ser justo ou não ser.
Temos direito à liberdade de expressão, mas isso não se aplica em todas as situações,
só naquelas em que é necessário ter liberdade de expressão. Von Wright demonstrou
que, mesmo que o antecedente não esteja escrito, está lá sempre uma condição de
oportunidade de realização da ação. Só se aplica quando há oportunidade de realizar a
ação.
Todas as normas são condicionais, quer esteja, ou não esteja, escrita uma condição
no enunciado normativo, porque, pelo menos, está sempre sujeita uma condição de
oportunidade de realização da ação (e.g.: fecha a porta! Se a porta estiver fechada, não
se verifica o estado de coisas para acionar o dever ser e a consequência).

3.2.2. Os elementos subjetivos

Componente subjetiva das normas, é a componente relativa a destinatários (sobre


quem incide a modelização deôntica da ação).

3.2.2.1. Os sujeitos da consequência

“Se chover é obrigatório distribuir guarda chuvas” – só conhecemos a componente


material, resta conhecer a componente subjetiva. Sobre quem é que incide esta
obrigação? Uma visão estritamente material é redutora. Temos de adicionar uma
componente subjetiva.
Que universo de destinatários é? Aquele que autoridade normativa refere, e que já
definiu anteriormente. Pode ser “todos”, que é a maior permissão possível, ou grupos
específicos (trabalhadores, jovens, mulheres gravidas). Quando o universo dos
destinatários é composto apenas por um destinatário ou um universo definido.

3.2.2.2. Os sujeitos implicados

Correlatividade é a situação em que a verificação de uma situação, implica,


necessariamente, a verificação de outra. Certas pessoas estão em certas posições, que
resulta que outras pessoas estão noutras posições (mãe pressupõe a existência de um
filho/a e vice-versa). Havendo um devedor, implica existir um credor (e.g.: O estado tem
obrigação de providenciar cuidados de saúde – Estado está obrigado a prestar cuidados
de saúde a alguém, a pessoas). Algumas normas põem um sujeito em contacto com

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outros. Mas, na opinião do professor, não são algumas, mas são todas as normas que
implicam correlatividade. Urge assim que o universo de destinatários das normas não é
só um, mas sim dois. Um direta e um indiretamente implicado. O Estado é o destinatário
com dever de prestar cuidados, mas as pessoas que precisam dos cuidados também
estão implicadas como quem tem direito a saúde.

3.3. Categoria de normas


3.3.1. As normas gerais e as normas particulares (decisões)

A convenção normal define a norma como geral e abstrata:


• Geral (Generalidade) porque se aplica a destinatários indeterminados ou
indetermináveis, e opõe-se à individualidade. Uma norma é particular
(individualidade) no sentido oposto, quando são determinados ou
determináveis;
• Abstração é a propriedade da norma que tem condições indeterminadas de
repetição. É a norma que se pode aplicar várias vezes, num conjunto de
circunstâncias indeterminadas no tempo. Opõe-se à concreção (concretude),
que é a norma que não é repetível na sua aplicação.
Esta visão tradicional coloca um problema, sempre que temos mais que um critério,
corremos o risco que eles entrem em colisão. Neste caso, podemos ter conteúdo gerais
e concretos, e conteúdos que sejam individuais e abstratos. Quando assim for, qual é a
solução? Quando entrarem em conflito, prevalece a generalidade, que tem a ver com a
ideia mais profunda da igualdade da Lei, e da forma em como ela se aplica a todos da
mesma maneira. Já a abstração, é um critério estrito de tempo e repetibilidade de um
determinado comando. Só importa saber se um conteúdo é Geral ou não, a abstração
é um apêndice desnecessário.
O que fazer agora com a questão da correlatividade? Podemos ter dois universos,
sendo um deles particular, com um sujeito determinado e outro geral. Qual dos dois
utilizamos para determinar a existência ou não da generalidade? Professor considera
que temos de rever os conceitos de generalidade.

3.3.2. As normas primárias e as secundárias (Hart)


• Normas primárias: são normas que regulam a conduta humana (e.g.: é
permitido fumar);

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• Normas secundárias: normas, no Direito, que têm por objeto outras normas
(e.g.: o parlamento é competente em matéria de DLG). Normas relativas à
competência e à aplicação de normas.
Hart considera que o que fez evoluir dos ordenamentos jurídicos incipientes para os
hodiernos, foi passar de existir só uma regulação da conduta, para existirem normas
que passam a regular a maneira como as normas são feitas ou se aplicam.
Opõe-se o professor porque considera que Hart utiliza dois critérios para definir as
normas secundárias: que não são normas de conduta, e; que são normas sobre normas.
Então não há normas sobre normas que são normas de conduta? A existirem, a teoria
do Hart perde todo o sentido. Então porque é que as normas secundárias não são
também normas de conduta?
Normas sobre a ação são as chamadas mental actions, que são ações estritamente
intelectuais, como interpretar uma lei. Grande parte das normas que não são
consideradas ser sobre a conduta (segundo Hart), são normas sobre estas mental
actions. Temos uma norma interpretativa que prevê que a interpretação deve ser feita
de determinada maneira, é a regulação da conduta, mas de uma conduta mental, que é
menos evidente porque não implica a exteriorização.
A opinião do professor é que todas as normas são reguladoras da ação, o que
implica, e pressupõe, que grande parte das normas que não são tidas como reguladoras
da ação, são tidas como mental actions.
O que Hart poderia ter feito era a distinção de normas de ação mental e normas de
ação exterior, sendo que, grande parte das normas que o Hart determinava como não
sendo normas de conduta, são normas de ação mental com relação ao direito.
Chamamos norma de competência à norma que habilita a produzir efeitos jurídicos.
Para o Hart, seria uma norma secundária. Contudo, se falarmos de revogação, uma
norma que revoga outra é uma norma secundária. Mas desaparece, porque lhe
reconhecemos esse efeito. A revogação é uma norma de conduta, determina que o
agente à qual a norma se dirige deve ser retirada do sistema, portanto uma norma de
conduta. A revogação acontece porque alguém segue o efeito jurídico que a mesma
impõe.
É uma distinção importante, mas que o professor coloca em causa com uma opinião,
que é minoritária, mas que é a dele e que identifica como a posição correta. Isto porque
a ação pode ser estritamente mental.

3.3.3. As normas regulativas e as normas com constitutividade


• Normas regulativas: x então y;

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• Normas constitutivas: x counts as y.


Esta ideia de constitutividade diz que, algures no tempo, se aplicou o esquema de x
counts as y, e se definiu que isto vale como aquilo (e.g.: uma nota equivale a uma
quantia monetária e não a papel).
Esta é a base das normas constitutivas, que nos permitem criar equivalências (e.g.:
quando digo nota de 10€ eu sei ao que equivale). Contudo, Searle entendeu que estas
normas não tinham operador deôntico, ou seja, uma espécie de uma explicação de que
isto equivale aquilo. Padece então de um problema, o da aceitação. Eu aceitei uma
convenção, porque sei que é aceite por todos, mas como se cria essa aceitação? A
aceitação acaba por surgir como uma obrigação de aceitar determinada equivalência. É
uma mental action. Uma coisa é a equivalência, outra é a aceitação dessa equivalência.
Não parece ser correto contrapor normas regulativas com constitutivas, mas sim
compreender que dentro das regulativas também há normas que são constitutivas, ou
seja, que, no fundo, não se trata das normas constitutivas serem normas sem operador
deôntico, mas sim que algumas delas têm uma propriedade de constituir qualquer coisa
de novo. Não invalida que sejam também regulativas.
Normas de competência são regulativas, mas ao mesmo tempo são constitutivas.
Ter competência significa produzir efeitos no direito, alterar o direito. Ter uma habilidade
para a execução de uma ação que não existia se a norma não existisse.
As normas definitórias (introdução de certas leis) são exemplos de normas
constitutivas, que são normas que dizem que a palavra x tem um significado y. O objetivo
é eliminar e reduzir a ambiguidade. Contudo, constituem uma equivalência a
determinada palavra.
Ser constitutivo é uma característica, que se traduz numa forma de equivalência, algo
nova passa a existir quando introduzido pela própria norma.

3.3.4. As normas impositivas, as proibitivas e as permissivas


Critério de classificação resulta do conteúdo do operador deôntico, como já falamos.
A norma tem o sentido que o seu operador deôntico lhe atribuir.

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