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SEBENTA DE
DIREITOS
FUNDAMENTAIS
Hugo Almeida
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
Nota Introdutória
Esta sebenta de Direitos Fundamentais, disponibilizada pela Comissão de Curso dos
alunos do 2.º ano da licenciatura em Direito da Faculdade de Direito da Universidade do
Porto no ano letivo 2021/2022, foi elaborada pelo estudante Hugo Almeida, tendo por
base as aulas lecionadas pela Professora Luísa Neto, os apontamentos semanais do
estudante André Rosa, e os manuais “Novos direitos: ou novos objetos para o direito?”,
da Professora Luísa Neto, e “Manual de Direito Constitucional” de Jorge Miranda
(Tomo IV – Direitos Fundamentais), sendo que a bibliografia específica a determinados
capítulos (com base nos documentos disponibilizados do Sigarra) é referida no início do
respetivo capítulo.
A sebenta é um mero complemento ao estudo e não dispensa a presença nas aulas e a
leitura da bibliografia indicada na unidade curricular de Direitos Fundamentais
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Índice
Parte I - A problemática dos direitos fundamentais ........................................................4
Capítulo I – Sentido dos direitos fundamentais .........................................................................4
O que são os Direitos Fundamentais? ..................................................................................4
A criação dos Direitos Fundamentais: perspetivas e gerações ..............................................5
A articulação multinível entre Direitos Fundamentais e Direitos Humanos .........................8
A evolução histórica dos Direitos Fundamentais nas perspetivas filosófica, política e
jurídica ..................................................................................................................................9
Liberdade dos Antigos e Liberdade dos Modernos .............................................................12
Pluridimensionalidade dos Direitos Fundamentais .............................................................12
Teorias sobre o Sentido dos Direitos Fundamentais ...........................................................14
Capítulo II – O princípio da dignidade da pessoa humana: novos desafios ............................16
Capítulo III – Conceitos afins e categorias de direitos fundamentais......................................20
Características dos DF ......................................................................................................20
Conceitos afins aos DF ......................................................................................................23
Regime Comum dos Direitos Fundamentais ...................................................................24
Capítulo IV – Direitos fundamentais e sistemas constitucionais.............................................28
Mecanismos de defesa internacional dos direitos fundamentais.........................................28
Dificuldades do reconhecimento da proteção internacional...............................................29
Parte II – Regime dos direitos fundamentais ..................................................................35
Artigo 18.º - regime material específico dos DLG ..........................................................35
Regime orgânico específico dos DLG ..............................................................................43
Regime específico de revisão dos DLG ............................................................................43
Regime Específico dos DESC ...............................................................................................44
Dogmática Unitária dos Direitos Fundamentais.................................................................45
Parte III - Direitos Fundamentais em Especial ................................................................47
Capítulo I – Da Identidade à Intimidade Genética ..................................................................47
Evolução do conceito de Genética e de Pessoa ...................................................................49
Os caveats da Biomedicina e da Biotecnologia: a Bioética .............................................49
Previsão internacional dos Direitos de Identidade e Intimidade Genética ...................52
O Direito Fundamental à Identidade Genética na CRP ................................................57
Intimidade e Proteção de Dados Genéticos .....................................................................57
Quem podem ser os interessados no acesso a estes dados genéticos? .................................58
Proteção através de normas infraconstitucionais .................................................................62
Capítulo II – A Reserva da Vida Privada: Novos Contextos e Novos Desafios e Proteção de
Dados ......................................................................................................................................63
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Segundo Jorge Miranda, são “posições jurídicas subjetivas das pessoas enquanto tais
(individual ou institucionalmente consideradas) assentes na Constituição”.
• Esta definição assenta na posição jurídica subjetiva, de que são direitos (e
deveres, p.ex. o dever de defesa e proteção da saúde – 64.º/1 CRP) inerentes
às pessoas.
• Com “individual ou institucionalmente consideradas” refere-se ao
reconhecimento das pessoas coletivas como centros de imputação de DF.
O n.º2 do art. 12.º faz esta equiparação “As pessoas coletivas gozam dos
direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza”
(trata-se de uma cláusula geral, que carece da aplicação casuística pelo
intérprete. Certos direitos, como os direitos políticos (maxime sufrágio – art.
49.º CRP) ou à família – art. 36.º , não são compatíveis com a sua natureza,
outros já serão, como o direito de propriedade privada – art. 62.º
Segundo Jorge Miranda, há direitos fundamentais de titularidade
individual, mas exercício coletivo (como a liberdade de associação – art.
46.º CRP).
• Com “assentes na Constituição” está-se, por um lado, a distinguir dos
direitos subjetivos previstos em lei ordinária (e em instrumentos
internacionais) como os Direitos de Personalidade, com os DF previstos na
Constituição.
Ø José de Melo Alexandrino define DF como: “a situação jurídica das pessoas
perante os poderes públicos, consagradas na Constituição”.
Crítica: Esta definição é incompleta, pois vê os DF apenas na ótica da
relação jurídica com o Estado – como “veículos de defesa contra os poderes
públicos”, noção que corresponde à ideia clássico-liberal de DF, associada
aos Direitos de 1.ª Geração. Porém, atualmente, o regime material dos
DLG (e também dos DESC, para a Dogmática Unitária dos DF) têm eficácia
(drittwirkung) horizontal e vertical, vinculando também entidades
privadas.
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Por um lado, os Direitos fundamentais são uma criação recente e frágil1, associada à
génese do Estado Moderno de Tipo Europeu e do constitucionalismo moderno, na
sequência das Revoluções liberais do século XVIII:
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Com a passagem do Estado Liberal para o Estado Social de Direito, alarga-se o leque
de Direitos fundamentais (DLG, DF de 1ª geração + DESC, DF de 2ª geração). O
conceito de geração de DF deve-se a Bobbio e Vasak.
2
E, sucessivamente, a Petition of Rights (1628), o Habeas Corpus Act (1679), a Bill of Rights (1689),
que juntamente com a Magna Carta, compõe a constituição material britânica enquanto Estado de
Direito. Em todos estes documentos, o conteúdo essencial consiste na limitação de poderes do soberano e
reconhecimento/garantia de direitos, estamentais ou individuais.
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Gomes Canotilho, “O Estado de Direito é um Estado de Direitos Fundamentais”
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A garantia da existência de um mínimo de concretização através da fiscalização jurisdicional do TC
(em especial a Fiscalização por Omissão, como garantia da efetivação legal da previsão constitucional) e
os limites materiais de revisão, que no caso dos DESC, apenas abrangem “os direitos dos trabalhadores,
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das comissões de trabalhadores e das associações sindicais” (art. 288.º al .e)) e não os DESC em geral,
estando nesse aspeto menos protegidos que os DLG, que são integralmente um limite de revisão.
5
Se a proteção da Identidade Genética do ser humano (Cf. Parte III) não fosse introduzida na Revisão
Constitucional de 1997, qualquer descoberta ou intervenção de estudo sobre o genoma humano poderia
ter sido patenteada. Ainda assim, alguns autores entendem que o Princípio da Dignidade da Pessoa
Humana poderia sempre ser usada como “válvula de escape”.
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Um exemplo seria na: “Declaração sobre os direitos das pessoas pertencentes a minorias nacionais
étnicas, religiosas e linguísticas” (ONU, 1992)
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Para além do extenso elenco de DF que resulta da CRP, que não difere
essencialmente daquele do Direito Internacional Humanitário, o legislador
constituinte assegurou a receção dos Direitos Humanos. Através dos artigo
16.º/1– Princípio da Cláusula Aberta/Não Tipicidade, a força jurídica de
quaisquer outros direitos fundamentais resultantes do DIP ou da lei
ordinária. Através do 16.º/2, recebe formalmente a DUDH, servindo de base
de interpretação e integração de lacunas para todos os DF
constitucionalmente previstos.
Problemas:
a. Não há dúvidas quanto à densificação jurídica dos Direitos Humanos, apenas
quanto à efetividade política dos mesmos. Dado que os tribunais internacionais
não tem a capacidade de aplicar coercivamente sanções.
b. Com a proliferação de textos que preveem direitos humanos, o problema não é
a falta de previsão, mas a sua sobreposição. Nomeadamente saber que
mecanismo de tutela/efetivação dos Direitos Humanos é aplicável (p.ex., se for
invocada a CEDH, estará na jurisdição do TEDH, mas se for invocada a Carta
dos Direitos Fundamentais da UE já será a jurisdição do TJUE).
• Pluralismo dos sistemas de proteção de DH
A evolução histórica dos Direitos Fundamentais nas perspetivas filosófica,
política e jurídica
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Um legado curioso desta atitude está na palavra “hostilidade”, que vem de hostis, o termo grego antigo
para “estrangeiro”.
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Já Cícero (influenciado pelo estoicismo), mais tarde, afirmou que não se deve tratar
apenas da igualdade biológica e antropológica, mas também da igualdade filosófica e
política dos seres humanos.
● Com o Cristianismo, reconhece-se, a par da igualdade biológica e antropológica, e
filosófica e política, uma igualdade de dignidade.
Evolução da conceção de igualdade:
a. Biológica: reconhecida pelos estoicos e sofistas;
b. Filosófica e Política: contributo de Cícero;
c. de Dignidade: do Cristianismo.
A ideia de Liberdade passa também a ser vista em duas vertentes:
a. Externa
b. Interna: Liberdade de pensamento, consciência e religião (na dimensão de fé
pessoal). Não só as exteriorizações de comportamentos que devem ser
protegidas, mas a sua própria os aspetos mais íntimos da consciência são dignos
de proteção. (Vide art. 41.º CRP: Liberdade de Consciência, Religião e Culto).
Na idade média, S. Tomás de Aquino discorre sobre a conceção de Direito Natural,
que é o fundamento de legitimidade e se impõe sobre todo o Direito Positivo. A
incongruência do Direito Positivo com o Direito Natural dá lugar ao Direito de
Resistência (atualmente este DF está consagrado no artigo 21.º, que permite, quando
não for possível recorrer a autoridade pública, a resistência a qualquer ordem ofensiva
dos DLG. Na formulação de Aquino, o Direito de Resistência legitimava-se na
discordância entre uma “lei humana” e a “lei natural”, devendo-se recusar acatar uma lei
injusta). Com isto, os DF (no seu conceito filosófico, relacionado com o Direito
Natural divino/de fundamento teológico), passa a estar na base de legitimação do
próprio poder político.
O Renascimento vem trazer um alargamento da mundividências. Há uma
secularização do Direito e do Direito Natural, rejeitando-se um fundamento divino (a
“lei natural” que sucede da “lei divina” para Aquino, é substituída por entendimento do
Direito Natural de base antropológica e racional).
Com o surgimento do Estado Moderno de Tipo Europeu, cujo uma das características é
a Laicidade, a não-identificação do Estado com fins religiosos. Outra circunstância
importante do Renascimento é a questão em torno do reconhecimento de direitos nos
territórios recém-descobertos, bem como dos direitos dos indígenas.
Foi importante, quer na questão da secularização do Direito Natural, quer dos
direitos dos indígenas e habitantes dos territórios descobertos, o contributo de
Francisco de Vitoria e de Bartolomeu de Las Casas8. No jusracionalismo, o
contributo de Hugo Grócio.
8
No século XVII, a escravatura dos índios no recém-descoberto continente americano, era fundamentado
na ideia de, por estes povos terem práticas que eram vistas como contrárias ao Direito Natural, deviam ser
subjugadas e catequisadas para suprir a percebida falta de ordem social. De Las Casas, não só defendeu os
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Idade Moderna:
1. No séc. XVII, autores como Thomas Paine referem a luta pela liberdade
religiosa no centro da luta pelas liberdades políticas (contexto pós reforma
protestante e contrarreforma). Para Thomas Paine, o conceito de dignidade
humana, baseava-se em dois conceitos: a livre escolha e a tolerância (perante
as escolhas livres)
2. A tolerância como uma fonte de pluralismo: o Estado deve abrir-se a uma
multiplicidade de culturas e credos.
● No séc. XVIII, há duas ideias fundamentais - por um lado, surge a necessidade de
limitar o poder político e, por outro, há uma via jus racionalista e universalista que
leva à ideia de que devem ser previstos DF a todos os Homens, nas mesmas
circunstâncias:
Ø Contributo da linha universalista: O Estado não cria ou concede DF, mas
reconhece-os. Os DF são naturais ao Homem e inerentes à sua essência.
• Ideia que esteve no cerne das revoluções liberais: “All Man are Created Equal“
– Declaração da Independência (1776), “Os Homens nascem e são livres e iguais
em direitos. As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade
comum” (art. 1.º da DDHC).
direitos dos indígenas, como afirmou que os princípios do Direito Natural que se impõe à lei humana
devem ser entendidos pelo referencial da “razão humana”.
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Relembrando a classificação de Karl Loewenstein, dada em Direito Constitucional: Constituições
normativas – correspondência entre a Constituição formal e material (no caso dos DF: correspondência
entre a previsão/catálogo de DF e a sua efetivação); Constituições nominais e Constituições semânticas
(há previsão, mas não corresponde à realidade, sendo que o desfasamento é maior na semântica).
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Associado ao Despotismo Esclarecido, do séc. XVIII, no qual o poder política era exercido pelo
déspota em nome da racionalidade ou do bem comum.
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Trata-se da noção, que advém do constitucionalismo liberal, de proteção dos direitos das minorias
face à “tirania da maioria” e garantia da integridade do texto constitucional e dos Direitos nele
consignados face às vicissitudes parlamentares.
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Vieira de Andrade, defende que o artigo 23.º CRP, que prevê Provedor de
Justiça, é um DF Formal (porque encontra-se na Parte I), mas não Material
(porque não é uma norma de DF, mas sim uma norma orgânica).
Dois problemas:
1. Qual o critério para decidir se um DF passa da constituição material para a
constituição formal?
A resposta simples seria usar como critério a dignidade da pessoa humana,
mas, como veremos em diante, a sua relativa indefinição levanta alguns
problemas.
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• À luz desta dimensão, todos temos igual dignidade, porém, algumas pessoas
precisam de uma especial proteção em virtude de se encontrarem em situações
de especial vulnerabilidade ou fragilidade. Fala-se, desde logo, dos chamados
casos suspeitos de discriminação clássicos (religião, género, etnia, idade –
elenco exemplificativo do artigo 13.º/2 CRP).
Nestas situações, a proteção da Dignidade Humana poderá implicar, não só a
proibição de discriminação negativa, com fundamento nesses critérios, mas
políticas de discriminação positiva (que não deve ser entendidas como um
“privilégio”, mas uma tutela acrescida com fundamento na Constituição).
• Note-se que a aferição da situação de vulnerabilidade dá-se, não pela subsunção
a uma determinada categoria abstrata, mas sim prestando atenção às concretas
circunstâncias de vulnerabilidade que qualquer pessoa pode apresentar (o
estado de vulnerabilidade pode ser temporário e aproximar qualquer um, não é
definido pela pertença a nenhuma categoria, mas sim por um juízo de
necessidade concreto).
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esta passa a corresponder a um direito “catch all”, uma conceção de tal forma
abrangente - dado que quase todas as situações se podem enquadrar nestes direitos – que
o conceito se torna vazio de conteúdo e irrelevante na discussão jurídica.
Outra problemática recorrente da abrangência e carência de densificação do conceito de
Dignidade da Pessoa Humana, é o perigo de se converter numa fórmula banal. Isto é, de
se tornar um “conversation stopper” ou um “knockout argument”. Ninguém afirma
discordar da existência e importância do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. O
que pode existir, geralmente, são diferenças relativamente ao conteúdo e ao escopo
deste conceito. Sendo possível que duas posições irreconciliáveis e opostas se baseiem
ambas na Dignidade da Pessoa Humana.
A dignidade da pessoa humana (artigo 1.º da CRP) pode, em termos filosóficos, ser
vista como um valor (os valores são sempre absolutos), enquanto princípio (que são
relativos, carecendo de harmonização e articulação com outros princípios) ou enquanto
regra (também absoluta, sem possibilidade de harmonização).
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Para Paulo Otero, o conceito de DPH tem um núcleo central (situações, quer negativas
- de violação - quer positivas - de garantia, que são certamente abrangidas pela DPH) e
uma auréola (zona de imprecisão). No núcleo central, estabelece várias componentes,
entre as quais:
Características dos DF
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Sendo que, para Paulo Otero, para além de um Estado de Direitos Fundamentais, é um Estado de
Direitos Humanos.
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• Quanto à titularidade,
Quanto à força e regime (a única distinção que tem reflexos constitucionais expressos):
• DLG e DESC. Dentro dos DLG, temos direitos (proteção de um bem jurídico),
liberdades (espaço livre de intervenção alheia) e garantias
(instrumentais/adjetivas). Existem DLG pessoais (24.º - 47.º), de participação
política (48.º-52.º) e dos trabalhadores (53.º-57.º). Do mesmo modo, dentro dos
DESC, encontramos direitos económicos (58.º-62.º), sociais (63.º - 72.º) e
culturais (73.º-79.º). Trata-se de categorias diferentes, um DF, por regra, não
preenche simultaneamente estas categorias.
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Ø Se defendermos a Dogmática Unitária que, embora não diga que não existe uma
diferença de categorias (reconhece-se que os DLG têm estruturas e natureza
distintas), afirma que o regime material (incluindo o regime de restrição) dos
DLG e DESC deveria ser idêntico – mas já não o regime formal e orgânico.
Ø Os DLG correspondem a uma liberdade “para” alguma coisa (liberdade de
expressão – liberdade “para” se exprimir), enquanto os DESC são uma
liberdade “de” alguma coisa (ex.: direito à alimentação – liberdade “da”
fome).
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Todos os cidadãos gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na Constituição.” - art.
12.º/1 CRP. Outros deveres consignados na Constituição incluem: o dever dos pais de “educação e
manutenção dos filhos” - art. 36.º/5, dever cívico de sufrágio - art. 49.º, “o dever de defender um
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Ø Alguns autores defendem que deveria haver uma previsão geral na constituição
relativamente aos deveres universais. No artigo 2.º da DUDH, consta que os
indivíduos estão sujeitos aos deveres necessários numa sociedade democrática.
Tal cláusula geral não existe na CRP. Também há deveres no âmbito dos quais
identificamos direitos.
ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado” - art. 66.º/1, “o dever de preservar,
defender e valorizar o património cultural” - art. 78.º/1
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● Artigo 12.º n.º2 CRP: Cláusula de Limitação. Os direitos e deveres das pessoas
coletivas são aqueles que são compatíveis com a sua natureza. As pessoas
coletivas podem ter um substrato corporativo/pessoal (resultam de uma associação
de pessoas – corporações, que podem ser associações ou sociedades) ou patrimonial
(afetação de um património a um determinado fim – fundações), existindo
necessidades de natureza diferente para cada um destes tipos;
• Existe uma questão em torno do fundamento último dos direitos das pessoas
coletivas. Pode-se dizer que correspondem a uma margem de atuação dos
cidadãos através de meios institucionais, associativos. São ainda uma forma
de auto-organização dos indivíduos;
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● Artigo 21.º: Direito de Resistência. Todos têm o direito a resistir a qualquer ordem
que ofenda os seus DLG, de acordo com a letra da lei. Contudo, este direito aplica-se a
todos os direitos fundamentais, não só aos DLG.
v Remissão para o artigo 271.º (os funcionários são responsáveis pelos atos
lesivos que pratiquem). É uma responsabilidade solidária face ao particular
lesado. Face ao funcionário, o Estado tem o direito de regresso (o poder de
exigir, perante o funcionário ou agente que provocou um dano aos direitos
ou interesses do cidadão, com culpa ou dolo, a liquidação da indemnização
que foi paga pela Administração Pública ao cidadão pelos danos).
v A lei 67/2007 prevê a responsabilidade resultante das funções legislativa,
administrativa e jurisdicional, ainda que esta responsabilidade seja muito
limitada na função legislativa e jurisdicional;
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v A par do artigo 20.º, entra nos mecanismos de defesa dos DF. Não é um
mecanismo de defesa jurisdicional (20.º e 268.º/4 da CRP), mas sim não
jurisdicional (tal como o direito de petição do artigo 52.º, que é dirigido, nos
termos do artigo, aos órgãos de soberania ou das RA, ou qualquer autoridade –
nos termos do art. 23.º é dirigido ao Provedor de Justiça).
v A existência do provedor de Justiça é uma forma de garantia e defesa dos
direitos.
v Nota: Existem outros mecanismos de defesa não jurisdicionais, como a
comunicação à identidade administrativa independente prevista no art. 35.º/2
(por violações do Direito à Proteção de Dados), ou à entidade prevista no art.
39.º/1, para assegurar os direitos relativos à regulação da comunicação social.
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Relembrando a posição de Paulo Otero de que o Estado de Direito não é só um Estado de Direitos
Fundamentais, mas também de Direitos Humanos.
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I. Gerais/parauniversais
II. Regionais
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o A UE aderiu à CEDH, por força do art. 6.º/2 TUE, sendo uma parte da
Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Isto pode gerar problemas a
nível das jurisdições.
• E.g. As sentenças do TIJ não são vinculativas, mas as do TEDH e TJUE já são.
• O TEDH permite o acesso direto por indivíduos, nas condições do artigo 35.º
CEDH, já no TJUE as questões de DF podem chegar a título prejudicial (por via
de um tribunal nacional) e no TIJ por intermédio dos Estados.
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4.ª Dificuldade: Perceber que, ao contrário do que em tempos se entendeu, não existe
um real mínimo denominador comum no que diz respeito à proteção de direitos
fundamentais. É quase impossível encontrar convergência entre as conceções díspares
sobre DF entre os vários Estados.
Ø Segundo a professora Luísa Neto, é uma “dificuldade inultrapassável”, as
diferenças políticas e culturais não permitem que se chegue a um consenso na
matéria.
Ø Mesmo quanto a direitos que aparentam a ser perfeitamente consensuais, como o
Direito à Vida ou à Integridade Física, têm graus e amplitudes de proteção
diferentes entre sociedades (por exemplo, um Estado poderá reconhecer, em
abstrato, o direito à vida, mas admitir a pena de morte, que é incompatível com a
conceção de direito à vida da nossa ordem constitucional).
Existem formas institucionais (relatórios, inquéritos, queixas de Estados e de
indivíduos) e não institucionais (informações recíprocas de Estados, processos
diplomáticos de comunicação de violações de direitos fundamentais).
Princípio do esgotamento prévio dos meios ou recurso internos: leva-nos a assumir
que a proteção dos Direitos Humanos face à proteção dos Direitos Fundamentais tem
caráter subsidiário. Se não tiver funcionado a proteção interna e se não tiver funcionado
em tempo devido, é que intervém a proteção a nível internacional. Esta ideia ajuda
também a não ser tão evidente o problema com a soberania estadual: se qualquer pessoa
que se sentisse lesada pudesse imediatamente recorrer a meios internacionais haveria
uma maior afetação da ideia de soberania. O cidadão só recorre à proteção internacional
a título supletivo.
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As normas que preveem DLG, por regra, são normas de execução imediata,
imediatamente eficazes, não necessitando da intervenção do legislador ordinário.
Importa traçar a distinção entre normas preceptivas vs. normas programáticas e normas
exequíveis vs. normas não exequíveis por si mesmas.
Uma norma pode ser preceptiva mas não ser exequível por si mesma, na medida em
que prevê expressamente um direito ou dever (e não um objetivo para o Estado
concretizar), mas a sua força jurídica depende da intervenção do legislador ordinário -
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exemplo: artigo 35.º CRP “os cidadãos têm direito ao acesso aos dados informatizados
que lhe digam respeito (…) nos termos da lei”.
Mesmo que não houvesse a previsão do art. 18.º/1, a aplicabilidade direta seria sempre
uma consequência do artigo 3.º/3 (Princípio da Constitucionalidade).
Nota: Certos direitos, originalmente pensados apenas contra o Estado (eficácia vertical)
podem, por uma interpretação evolutiva, também ser usados contra entidades privadas
(exemplos: art. 27.º/2, 34.º/3, 37.º/4 e 50.º/2), na medida em que podem, de forma
análoga, também ser violados por privados (o direito a não ser prejudicado, no acesso
aos cargos públicos, por ter exercido cargos políticos - art. 50.º/2, pode, apesar de
apenas estar previsto contra entidades públicas, ser aplicável em situações análogas em
que o mesmo direito é lesado por um privado).
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• Função Jurisdicional: Para além da previsão geral, que já resulta do art. 18.º/1, a
vinculação dos tribunais à Constituição resulta do art. 204.º (Fiscalização Difusa
da Constitucionalidade - resulta dos tribunais não poderem aplicar normas que
infrinjam o disposto na CRP, o que incluí normas violadoras dos DF). Todos os
tribunais têm o dever de desaplicar normas lesivas de DF (fiscalização difusa).
Outras importantes garantias da vinculação dos DLG a entidades públicas estão nos
arts. 22.º e 271.º
Artigo 13.º: Em casos de erro judiciário que cause lesão de DLG (p.ex. uma
privação injustificada da liberdade, que viole o disposto no art. 27.º CRP) ou
violação do direito a decisão judicial num prazo razoável (prevista pelo art.
20.º/5 CRP, durante muito tempo houve uma inconstitucionalidade por omissão,
porque não havia forma de responsabilizar os tribunais por não decidirem num
prazo razoável).
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• Existem outros meios de defesa dos DLG face atuações da Função Jurisdicional
e Administrativa: Habeas Corpus - art. 31.º CRP; Intimação urgente para a
proteção de DLG (109.º a 111.º CPTA, é uma ação interposta nos tribunais
administrativos, para proteger com celeridade o cidadão de violações de DLG
pelos poderes públicos).
→ Não podem haver “restrições gratuitas”, i.e. um DLG nunca pode ser restrito só
porque sim. A restrição não é um fim em si mesmo, mas um meio de harmonização e
salvaguarda de um DF de outro titular ou interesse constitucionalmente protegido.
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• ex: o Direito à Criação Artística (art. 42.º), no seu tatbestand alargado, enquanto
direito prima facie, incluiria todas as demonstrações artísticas possíveis. Mas na
medida em que esse direito conflitua com outros, p.ex. tocar trombone às 3 da
manhã, perturbando os vizinhos, podia ser visto como infringido na sua reserva
de vida privada. Por isso, o direito à criação artística, no seu tatbestand restrito,
como DF ultima facie, não protege essa dimensão, mas apenas o seu núcleo
essencial, que não intersecta com mais nenhum direito ou interesse.
Em suma: quando olhamos para o texto constitucional tiramos uma previsão muito
abrangente e ilimitada da facti species normativa dos DF. Estes direitos inevitavelmente
vão entrar em contradição uns com os outros (a lógica de que são restrições implícitas
ou limites imanentes - um DF acaba onde começa o outro). Pelo que, para chegar ao
direito ultima facie, à previsão definitiva que aquele DF compreende, é preciso retirar as
situações de sobreposição negativa.
1. Só a lei em sentido formal pode restringir DLG - a restrição tem que operar
pela via legislativa (requisito orgânico). Qual a forma dos atos legislativos? Art.
165.º/1 al. b) - matéria da reserva relativa da AR → DL Autorizado ou Lei da
AR; exceto se tratar de uma situação de restrições de direitos em relações
especiais de poder (militares e forças de segurança), aí já será matéria da
reserva absoluta da AR - art. 164.º al. o). Nota: A restrição de DLG não pode
ser objeto de Decretos Legislativos Regionais (mesmo autorizados pela AR), o
artigo 227.º/1 al. b) expressamente preclude a capacidade das RA legislarem
nesta matéria.
Hugo Almeida 39
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4. Tem que ser uma lei geral e abstrata (18.º/3) - as leis individuais (que se
aplicam a um número determinado de destinatários) são inconstitucionais, mas a
restrição de DLG nunca pode ser feita por leis-medida (ou seja, leis concretas,
que não revestem de abstração), que se aplicam a um número determinado de
situações - p.ex. não se admite a restrição legal de DLG numa lei que foi criada
para uma situação de seca. Note-se que, contrariamente à suspensão de DF - art.
19.º, em situações de Estado de Exceção Constitucional, as restrições de DF tem
carácter permanente (sem prejuízo de poderem ser revogadas por lei posterior).
Daí a necessidade de qualquer restrição ter carácter abstrato
Hugo Almeida 40
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que exemplifica bem uma colisão entre o direito individual à integridade física e
o interesse/bem comunitário da saúde pública. Devemo-nos questionar se a
vacinação obrigatória já constitui uma lesão da integridade física que constitui
uma violação do núcleo essencial do DF do art. 25.º , pelo que seria uma
restrição inconstitucional à luz do critério da lesão (art. 18.º/3), ou se é uma
restrição que não afeta o conteúdo essencial pelo que, respeitando os princípio
da concordância prática e da proporcionalidade, seria uma solução admissível.
“Os órgãos de soberania não podem suspender o exercício de DLG, exceto em casos de
Estado de Sítio ou Estado de Emergência” – artigo 19.º/1 CRP - excecionalidade da
suspensão do exercício de DLG.
Hugo Almeida 41
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Cf. Acórdão TC 352/2021, estudado nas aulas práticas, sobre a suspensão de direitos.
O professor Jorge Miranda entende que a lei deveria se mover no sentido de uma
maior proximidade com os DLG, e não o contrário (através do seu
condicionamento)
Hugo Almeida 42
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Regime geral – 165.º n.º 1 b) CRP. Em regra, a matéria de DLG compete à lei da AR
ou Decreto-Lei Autorizado do Governo, (nunca é competência das RA - art. 227.º/1 al.
b)).
Regime específico – 164,º al. o) CRP, no âmbito das relações especiais de poder.
Os “direitos, liberdades e garantias dos cidadãos” (art. 288.º al. d) ) são um limite
material de revisão. A previsão “dos cidadãos” aponta para que os DLG das pessoas
coletivas não sejam considerados limites materiais de revisão (a cláusula de
equiparação às pessoas coletivas do Princípio da Universalidade - art. 12.º CRP, pelo
qual estas têm os DF compatíveis com a sua natureza, não está abrangido pelos limites
materiais de revisão, apenas os DLG das pessoas individuais).
• Apenas é necessário que haja um capítulo (no nosso caso, é o Título II da Parte I) na
Constituição que preveja DLG (visão minimalista);
Hugo Almeida 43
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• O catálogo de DLG que existe na Constituição é intocável (pode-se expandir, mas não
subtrair ou eliminar), todos os DLG são, individualmente, limites de revisão, não
podendo haver retrocesso na sua proteção, (visão maximalista);
Nota: Releva apontar que a questão dos limites materiais de revisão apenas se coloca no
âmbito das restrições aos DLG, e não nos acrescentos.
• Outra questão que surge é se a previsão da alínea e) do art. 288.º (”os direitos
dos trabalhadores, das comissões de trabalhadores e associações sindicais”) se
trata de uma proteção dos DLG dos trabalhadores (Capítulo III do Título II,
arts. 53.º a 57.º), ou se são os DESC dos trabalhadores (arts. 58.º e 59.º). Parte
da doutrina entende que, devido à redundância de estar a prever outra vez os
DLG (que já eram abrangidos pela al. d), deve-se interpretar que a al. e) prevê
como limite material os DESC dos trabalhadores (e também das associações e
comissões sindicais, que são pessoas coletivas).
Hugo Almeida 44
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• O mesmo já não vale para o regime orgânico e formal - sendo a restrição dos
DLG, genericamente, de matéria da reserva relativa da AR17 - art. 165.º/1 al.
b), e os DESC, genericamente, matéria concorrencial.
• Nem para o regime de revisão (apenas os DLG dos cidadãos são, na sua
totalidade, limite material de revisão - art. 288.º al. d), para os DESC, seriam, no
máximo, os dos trabalhadores - al. e)).
A Dogmática Unitária defende que as características de cada regime material (dos DLG
- art. 18.º, e dos DESC - que como vimos, são resultado do labor doutrinal) não são
realmente específicas de uma categoria de DF, sendo aplicáveis a ambos:
• Todos os direitos têm Aplicabilidade Direta. I.e., por força do art. 3.º/3
(Princípio da Constitucionalidade) todas as normas constitucionais (e por isso,
todos os DF previstos na Constituição, sejam DLG ou DESC) vinculam todas as
leis e demais atos do Estado. O grau de vinculatividade é que pode ser
diferente, na medida em que os DESC têm maior dependência da efetivação
pelo legislador ordinário (mas como veremos, também a efetivação dos DLG
depende nalguns casos de lei ordinária).
• Os DESC também têm Eficácia Horizontal e Vertical, ou seja, vinculam
entidades públicas e privadas, dado que, por serem normas constitucionais,
todos estão sujeitos ao seu cumprimento (e.g. a previsão do “dever de defender o
ambiente” do artigo 66.º/1 é aplicável contra particulares, não é uma norma
programática que vincule apenas o Estado).
• O Princípio da Proporcionalidade na sua restrição também se deve impor sobre
os DESC, desde logo por ser um princípio adjetivo do Estado de Direito (art.
2.º CRP), pelo que se aplicaria mesmo que não tivesse previsto no artigo 18.º/2
17
Também se coloca a questão se os DF de Natureza Análoga, que o artigo 17.º equipara aos DLG, está
sujeita ao mesmo regime orgânico. Jorge Miranda entende que não.
Hugo Almeida 45
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• A Dependência Legal também se aplica aos DLG, i.e., há DLG que dependem
da intervenção do legislador ordinário para a sua concretização (e.g. art. 35.º/1
CRP “todos os cidadãos têm direito de acesso aos dados (…) nos termos da
lei”). - aplica-se aos DLG que são normas programáticas não exequíveis por
si mesmas;
• A ideia do Não Retrocesso, como já referido, foi hoje superada pela
jurisprudência e substituída pela ideia da Proteção da Confiança, que, por se
tratar de um subprincípio do Estado de Direito, aplica-se a ambas as categorias;
• Por fim, a Reserva do Possível (não só financeiramente possível, mas também
tecnologicamente possível) também não é exclusiva dos DESC. Apesar de
tendencialmente os DLG não exigiram uma prestação do Estado, podem
acarretar custos (por exemplo: o tratamento e acesso a dados - art. 35.º CRP - e o
direito à segurança - art. 27.º - implicam custos para a administração).
• Podem ser direitos avulsos (previstos no texto constitucional, mas fora do Título
II, quer seja na parte dos DESC - e.g. Direito à Propriedade - art. 63.º -, quer seja
fora da Parte dos DF - art. 268.º - DF dos Administrados);
• Ou podem ser direitos extravagantes (por força do Princípio da Cláusula
Aberta - 16.º/1 - são recebidos de instrumentos internacionais), ao classificar
estes direitos temos que verificar se têm natureza e estrutura semelhante à
dos DLG ou à dos DESC (p.ex., o PIDCP prevê direitos com a estrutura de
DLG, já o PIDESC prevê, quer direitos com natureza de DESC, quer de DLG,
Hugo Almeida 46
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• Alguns autores defendem que o critério de qualificação material dos DLG deve
ser Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Rejeitamos esta ideia, dado que a
Dignidade da Pessoa Humana é um fundamento de todos os DF (e não só os
DLG).
• Outros consideram que são posições jurídicas de vantagem em relação ao
Estado. Porém, também este critério é comum a DESC e DLG.
• O critério mais consensual é o da determinabilidade constitucional do
conteúdo do direito. Assim sendo, tem a natureza de DLG o DF que impõe ao
Estado uma atitude de respeito e reconhecimento e tem a estrutura de DESC o
que impõe uma atitude de contribuição e efetivação.
Hugo Almeida 47
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19
Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e da Dignidade do Ser Humano face às Aplicações
da Biologia e Medicina
20
Como a Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos e a Declaração
Internacional sobre os Dados Genéticos Humanos, ambas da UNESCO, de 1997 e 2004 respetivamente.
Hugo Almeida 48
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genoma, em especial, deste que é variável de pessoa para pessoa, é uma parte da
sua identidade que se infere na esfera íntima: os dados genéticos pessoais são
dados íntimos.
• Por esta razão, a proteção da identidade genética e da informação genética
pessoal está abrangida pelo núcleo íntimo da vida privada.
Evolução do conceito de Genética e de Pessoa
• Luís Archer apelidou a Genética de “ciência do futuro”, dizendo que “o gene é a
semente do que há de vir”.
• Jorge Sequeiros falava em “Horóscopo genético”, aludindo à natureza preditiva
que os genes têm sobre o futuro dos indivíduos.
Esta definição põe à vista a questão da possibilidade de redução da pessoa às suas
características genéticas.
• Para esta discussão, cabe-nos definir os conceitos biológico, filosófico e
psicológico de pessoa, bem como distinguir pessoa de indivíduo e a
personalidade da capacidade jurídica.
Eis algumas destas visões:
a. Para Niceto Blazquez, o ser humano é um conceito biológico, ao passo que
pessoa é um conceito filosófico e psicológico. (Assim sendo: é em virtude do
nosso genoma humano comum que somos “seres humanos”, no entanto, o
conceito de “pessoa” não se confunde com a expressão dos genes, é um conceito
filosófico e social).
b. Para Immanuel Kant, “pessoa” é o sujeito cujas ações são suscetíveis de
imputação – a pessoa é uma centro de imputação moral e jurídica, não sendo um
mero sinónimo de indivíduo.
c. Lucien Séve e Jean Bernard – a pessoa como “forma-valor”.
d. A personalidade jurídica tem um cariz qualitativo (i.e., é uma qualidade da
“pessoa” para o Direito, que se inicia com o nascimento completo e com vida21,
da qual resulta a suscetibilidades de direitos e obrigações), já a capacidade tem
um cariz quantitativo (apesar da capacidade jurídica ser imanente à
personalidade, diz respeito ao conjunto/quantidade de direitos e obrigações que
cada pessoa pode ser titular ou exercer).
A grande questão está em tentar perceber se eventualmente o conceito filosófico de
pessoa vai ser reduzido ao conceito de gene. Entende-se que os genes são parte do que
constitui a pessoa, constituindo uma potencialidade cuja expressão dependerá do
ambiente natural e social de cada indivíduo, pelo que o conceito de normativo e social
de pessoa vai muito para além da informação codificada nos seus genes.
Ø A “identidade genética” não se circunscreve à identidade pessoal, mas relaciona-
se intimamente com ela.
Os caveats da Biomedicina e da Biotecnologia: a Bioética
21
Isto não significa que não haja considerações de Direito fora do período entre o nascimento e a morte,
e.g. proteção do feto/embrião e leis sobre as autópsias.
Hugo Almeida 49
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Instrumentos internacionais:
• Declaração Ibero-Latino-Americana sobre Ética e Genética ou Declaração de
Manzanillo, de 1996, revista em Buenos Aires em 1998. Que estabelece a Rede
Ibero-Americana sobre Bioética, Direito e Genética.
22
Multifatoriais são relacionadas com vários genes ou até fatores não genéticos. Já as doenças
monogénicas estão diretamente relacionadas com um gene.
Hugo Almeida 52
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23
Fonte: https://portal.oa.pt/publicacoes/revista-da-ordem-dos-advogados-roa/ano-2003/ano-63-vol-i-ii-
abr-2003/artigos-doutrinais/jose-de-oliveira-ascensao-intervencoes-no-genoma-humano-validade-etico-
juridica/
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estudo aprofundado das questões éticas, sociais e legais despertadas pela análise do
genoma humano e o subsequente tratamento da informação genética.
Ø Este parecer do CNECV (Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida)
surge na sequência do Projeto de Lei n.º 455/VII “Informação Genética
Pessoal”, já posterior ao Programa Genoma Humano ter sequenciado o genoma,
possibilitando o diagnóstico e rastreio de inúmeras doenças genéticas.
Artigo 3.º da Declaração Internacional sobre Dados Genéticos Humanos (UNESCO,
1997):
Cada indivíduo tem uma constituição genética característica. No entanto, não se pode
reduzir a identidade de uma pessoa a características genéticas, uma vez que ela é
constituída pela intervenção de complexos fatores educativos, ambientais e pessoais,
bem como das relações afetivas, sociais, espirituais e culturais com outros indivíduos, e
implica um elemento de liberdade”.
Estas declarações têm uma dupla-finalidade: afastar o reducionismo genético – o
indivíduo é mais do que a soma dos seus genes – e o determinismo genético – a
informação genética é apenas predizente e indica potencialidades/predisposição (em
vez de uma certeza), não eliminando a liberdade e autonomia humana para o livre
desenvolvimento e formação no plano social e normativo. Bem como de garantir a
inerente diversidade genética (diversidade dos indivíduos e grupos face ao eugenismo
dos Estados e dos privados).
Ø Parecer 40/CNECV/01 “duas pessoas, mesmo que genotipicamente idênticas,
acabarão por ter sempre uma personalidade distinta (…) não é possível clonar
a identidade pessoal, uma vez que ela é fruto da liberdade, originalidade e da
forma de se e de estar que compõe a vida de cada um”.
• Stela Barbas propõe uma diferenciação entre a identidade pessoal e a identidade
genética. A identidade pessoal inclui, mas transcende, a identidade genética.
Artigo 4.º da DIDGDH – Especificidade dos dados genéticos
Ø Serem preditivos de predisposições genéticas do indivíduo (indicam uma
probabilidade);
Ø Poderem de ter impacto significativo sobre a família, sobretudo a
descendência, ao longo de várias gerações, e em certos casos sobre todo o grupo
a que pertence a pessoa em causa (devido à heritabilidade/carácter geracional
da informação, a especificidade da informação genética não se cinge ao
indivíduo, mas também aos seus ascendentes e descendentes. A comunalidade
de genes entre familiares pode criar conflitos, na medida em que a partilha de
informações genéticas por um indivíduo – por exemplo, que esteja relacionada
com a predisposição para uma certa doença – pode levar a que os seus
descendentes sejam discriminados com base nessa predisposição genética);
Ø Poderem conter informações cuja importância não é necessariamente
conhecida no momento em que são recolhidas amostras biológicas (p.ex. genes
cujos efeitos ainda não são completamente conhecidos);
Ø Poderem revestir-se de importância cultural para pessoas e grupos (para além
do genoma ser património comum da humanidade, os dados genéticos presentes
Hugo Almeida 54
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Hugo Almeida 55
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Convenção de Oviedo
(1997 - Entrada em vigor na ordem jurídica portuguesa: 1/12/2001)
• Artigo 2.º (Primado do ser humano): “O interesse e o bem-estar do ser humano
devem prevalecer sobre o interesse único da sociedade ou da ciência”.
• Artigo 13º (Intervenções sobre o genoma humano): “(…) não pode ser levada a
efeito senão por razões preventivas, de diagnóstico ou terapêuticas e somente
se não tiver por finalidade introduzir uma modificação no genoma da
descendência.”
• Artigo 14º (Não seleção do sexo): “Não é admitida a utilização de técnicas de
procriação medicamente assistida para escolher o sexo da criança a nascer, salvo
para evitar graves doenças hereditárias ligadas ao sexo.”
• Protocolo Adicional: proíbe clonagem.
São proibidas as intervenções sobre o genoma humano que tenham finalidades
modificativas do genoma da descendência, de seleção de sexo ou clonagem reprodutiva.
Apenas são permitidas as intervenções que visem o tratamento, diagnóstico ou
prevenção de doenças hereditárias.
Hugo Almeida 56
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Relembrando que a informação genética, pelo seu carácter sensível, revelando o mais
íntimo da essência pessoal ou familiar, encontra-se na esfera íntima do indivíduo (o
“núcleo duro” do direito à reserva da vida privada), devendo ser protegidas contra
todas as manifestações de ingerência alheia.
Relembram-se os arts 2.º (tipos de dados genéticos: associados, dissociados e
irreversivelmente dissociados a uma pessoa identificável), 4.º (especificidade dos dados
genéticos, em virtude de serem predizentes, geracionais, poderem revelar informação
que não é conhecida à data da colheita e a sua importância para familiares ou como
património cultural de grupos) e 14.º DIDGH (proteção da vida privada).
Ø Art. 10.º Convenção de Oviedo: qualquer pessoa tem direito ao respeito pela
vida privada no que toca às suas informações de saúde.
O direito à intimidade genética é instrumental na garantia da igualdade, liberdade
(autonomia) e dignidade. Serve, sobretudo, duas finalidades:
I. Garantir a diversidade genética e evitar a discriminação genética:
Hugo Almeida 57
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•
Segundo o National Human Genome Research Institute a discriminação
genética ocorre quando as pessoas são tratadas injustamente em função de
diferenças no DNA que aumentam as suas chances de contrair determinada
doença. Tratando-se de uma avaliação que tem por base na constituição
genética das pessoas e não os seus méritos ou aptidões individuais. É uma
ingerência na sua privacidade e esfera íntima e discriminação com base em
características fora do seu controle.
Ø Art. 7.º DIDGH (Não discriminação e não-estigmatização): impõe que o uso de
dados genéticos, bem como as conclusões e interpretações dos estudos de
genética das populações, não sejam usados para fins contrários à dignidade
humana, aos direitos humanos e liberdades fundamentais ou que conduzam à
estigmatização de um indivíduo, família, grupo ou comunidades.
Ø Ver, no mesmo sentido art. 11.º DUBDH e art. 11.º da Convenção sobre os
Direitos do Homem e a Biomedicina.
Ø Art. 21.º Carta dos Direitos Fundamentais da UE: Princípio da Não
Discriminação (é um elenco exemplificativo, como o nosso art. 13.º/2 CRP, mas
que prevê expressamente a constituição genética como causa de discriminação).
1. A comunidade científica
A comunidade científica (investigadores, médicos, indústria farmacêutica) poderá ter
interesse nos dados genéticos, por exemplo, para investigação de doenças raras, estudos
de populações, etc.
Hugo Almeida 58
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2. O Estado
O Estado pode ter interesse nos dados genéticos em variadas situações, entre as quais:
i. Recursos de saúde pública – relacionados com a alocação de
recursos, p.ex., se souber que doença x genética é mais prevalente na
sua população do que doença y, favorecerá a despesa médica nesta.
ii. Biobancos: São bases de dados, que podem existir, quer para
identificação civil, quer para identificação criminal. No nosso
ordenamento são regulados pela Lei n.º 5/2008, que prevê um
sistema misto, com possibilidade de recolha voluntária de amostras
(art. 6.º e 7.º da Lei n.º 5/2008) quanto à identificação civil
(carecendo sempre de consentimento) ou investigação criminal
(sendo, neste caso, obrigatória para crimes dolosos com pena de
prisão a partir de 3 anos – art. 8.º).
Para além das vantagens na investigação criminal, ao nível da
identificação civil, pode ser uma forma de identificar das vítimas de
em caso de catástrofes naturais, ou o seu cadáver e paradeiro.
Nota: Alerta-se para a necessidade de respeitar o Princípio da
Finalidade, ao abrigo do qual os dados fornecidos devem servir uma
finalidade clara e expressa, devendo o seu tratamento persistir apenas
enquanto existir essa finalidade. Um exemplo real é de um referendo
na Islândia, no qual estava em causa a criação de uma Base de
Dados de Identificação Civil de toda a população islandesa, tendo a
população aprovado o referendo, com a finalidade de criar essa base
de dados universais. Porém, o Estado islandês depois vende esta base
de dados à farmacêutica privada Roche, um uso que extravasa o
consentimento que tinha sido prestado
iii. Imigração: Já foi proposto (na França), em situações que permitem
aos filhos acompanhar sempre os pais na entrada em determinado
país, para além do documento de prova (que é passível de
falsificação) exigir um teste de ADN para comprovar, acrescentando
um elemento de certeza.
3. Os familiares consanguíneos:
Pode haver interesse dos pais em ter acesso às informações genéticas dos seus filhos.
Hugo Almeida 59
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5. As entidades empregadoras
As avaliações das situações supra podem ser feitas através de duas diferentes
técnicas:
• Genetic monitoring (monitorização genética ou acompanhamento genético),
que envolve a análise periódica de trabalhadores com o objetivo de avaliar as
possíveis alterações do seu material genético, ou a evidência do aumento da
ocorrência de mutações moleculares.
• Genetic screen (rastreio genético) – aplicação de testes genéticos para avaliar a
composição genética dos empregados ou candidatos a emprego sobre
determinadas características hereditárias.
Qual é a relevância da análise destes dados por estas entidades? As entidades
empregadoras podem dizer que não são responsáveis por uma determinada doença
profissional, porque um dos seus funcionários já tinha nos seus dados genéticos uma
forte probabilidade de contrair tal doença.
Argumentos favoráveis:
• Necessidade de proteção da saúde do próprio trabalhador que justifique evitar a
exposição a determinadas substâncias presentes no ambiente de trabalho.
• Dever do empregador de zelar pela segurança e higiene no ambiente de trabalho.
• Proteção dos demais trabalhadores e/ou clientes, evitando-se o “risco coletivo”.
• Direito da entidade empregadora zelar pela preservação do património.
• Como acentuou o CNECV nunca se poderá admitir que a empresa promova a
realização destes testes apenas para assegurar que os mais resistentes assumem
as funções mais arriscadas para a saúde, assim poupando nos seus custos de
higiene e segurança no trabalho.
Argumentos desfavoráveis:
• Direito à intimidade genética do trabalhador e do candidato a emprego.
• Respeito pelo princípio da confidencialidade ao qual o profissional de saúde
especializado está, em regra, adstrito.
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O direito relativo à Reserva da vida privada está consagrado na CRP desde 1976, no
artigo 26.º/1CRP (mantendo a formulação original formulação “a todos são
reconhecidos os direitos (...) à reserva da vida privada e familiar).
Para além da sua previsão como Direito Fundamental, este direito encontra-se plasmado
em instrumentos internacionais e comunitários, tais como:
• art. 12.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH),
• art. 7.º e Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP);
• art. 8.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH)24.
Apesar de não existir uma previsão expressa de um “direito à privacidade”, a proteção
da privacidade está abrangida pela Reserva da Vida Privada.
Do prima constitucional, a Privacidade é protegida em duas perspetivas: como
Privacidade Comportamental, um Direito de 1.ª Geração (uma liberdade negativa,
que exige do Estado respeito pelas decisões individuais, pela esfera do particular e não
ingerência nesta) associada à Reserva de Vida Privada em sentido estrito, do art. 26.º/1
CRP, bem como a Privacidade/Autodeterminação Informacional, um direito mais
circunscrito, de 3.ª Geração (que não está relacionada com a estrutura do Direito, mas
sim com o momento seu surgimento – Alemanha na década de 70), que encontra
consagração no Direito à Proteção de Dados do art. 35.º CRP.
O contexto social em que hoje se coloca o Direito à Privacidade é de um conceito em
vias de extinção25: o autor David Brin cunha o termo “The Transparent Society” na
24
Também chamada de Convenção dos Direitos do Homem e Liberdades Fundamentais, adotada no
Conselho da Europa (organização internacional completamente independente das instituições
comunitárias) em 1950.
25
Esta expressão foi originalmente adotada num artigo do Expresso de 1998.
Hugo Almeida 63
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sua obra epónima de 1998, onde alerta para o risco de extinção da privacidade, já o TC
Alemão de o “homem de cristal”, numa sentença de 15/12/83. Atualmente, o direito a
um resquício de privacidade é progressivamente posto em causa pela interconectividade
permanente em que vivemos. Não obstante, é inegável a existência de uma ampla
proteção jurídica da privacidade, quer na previsão constitucional, infraconstitucional ou
internacional.
Apesar disto, o âmbito da proteção da Vida Privada vai muito para além do que à
partida se consideraria como “Privacidade” no sentido tradicional, incluindo dimensões
como a liberdade de consciência (plasmada no art. 41.º CRP, mas que é considerada
uma decorrência e garantia da vida privada), respeito pelas decisões individuais, vida
familiar, a honra e a imagem.
Restrição do Direito à Reserva da Vida Privada
• Tratando-se de um DLG (no entanto, o mesmo regime material de restrição
valeria se não fosse, adotando a Dogmática Unitária dos DF), pode ser objeto de
restrição nos termos do art. 18.º CRP, em caso de conflito com outros DF, ou
colisão com interesses constitucionalmente protegidos, sendo a sua
harmonização sujeita ao Princípio da Concordância Prática/Ponderação
Casuística (i.e., não existe uma hierarquização dos DF, a restrição é um modo
de, caso a caso, chegar a um direito definitivo), e a sua restrição ao critério da
lesão (atendendo-se ao tipo e intensidade da lesão) e princípio da
proporcionalidade
• O exercício e restrição de todo o DF está sujeito aos Limites Imanentes da
Constituição, i.e., os limites implícitos estruturantes da ordem constitucional,
tais como a Dignidade da Pessoa Humana, o Estado de Direito, etc.
• Na tutela contra violações da reserva da vida privada, deve-se atender à Teoria
da Insignificância/T. Bagatelar (remissão para o Direito Penal), que exclui a
relevância de lesões de baixa importância. Releva aqui o critério da lesão – na
necessidade de atender à gravidade e intensidade da lesão, de modo a aferir a
necessidade de tutela do DF in casu, bem como o critério da conformação
social – há lesões que são normalizadas.
Previsão da Reserva da Vida Privada em Instrumentos Internacionais
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26
N.B. Os Direitos à Inviolabilidade de Domicílio, de Correspondência, Reserva da Vida Familiar e o
Direito à Honra são todos DF e, por isso, não são hierarquicamente inferiores ao Direito de Vida Privada.
A sua qualificação como direito menor (ou instrumental) está relacionada com o facto de servirem de
garantia do “direito maior” (Reserva da Vida Privada), que é mais abrangente e no qual estão incluídos.
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remete o regime das “Bases de Dados Genéticos” para a lei de proteção de dados
– atualmente, RPGD e lei 59/2019).
- Previsão na CRP:
Ø Art. 25.º/1: inviolabilidade da integridade física e moral.
Parte da doutrina entende que a integridade física e moral pressupõe o respeito
pela individualidade física e moral e pelas decisões dos indivíduos nessas
dimensões.
27
Entende-se que a falta do adjetivo “livre” na previsão do Direito ao Livre Desenvolvimento da
Personalidade (projeção estática da Reserva da Vida Privada) trata-se de uma omissão do legislador, não
se podendo extrair dela qualquer significado.
Hugo Almeida 67
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28
Fotos tiradas sem o consentimento do fotografado. Atualmente são outras as questões que provocam
discussões na problemática da autolimitação do direito à reserva da vida privada, como exposição nas
redes sociais, participação em reality shows, contratos que conferem direitos de imagem sobre um
indivíduo por longos períodos de tempo, etc.
Hugo Almeida 68
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29
Podendo-se, no entanto, considerar que já está nele incluído. I.e., o DF à Proteção de Dados como
resulta do art. 35.º CRP decorreria do art. 26.º/1.
Hugo Almeida 69
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Hugo Almeida 70
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Hugo Almeida 71
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ii) Na 2.ª metade do século XX, o Dataschutz (alemão para “proteção de dados”) surge
com o advento dos dados informatizados, mas é uma proteção generalizada a todos os
dados, informatizados ou não);
iii) estamos agora numa 3.ª era, do Risco tecnológico web 2.0./3.0., em que se fala
dum Direito à Integridade informacional, e os riscos estão associados a algoritmos,
inteligência artificial, redes sociais e formas menos controláveis de tratamento dos
dados pessoais.
Adotamos a posição de que a privacidade informacional é instrumental/adjetiva30 à
privacidade comportamental e que esta tem o seu fundamento último na liberdade e no
right to be let alone, que formam a base da Reserva da Vida Privada.
Ø Em caso de conflito, deve prevalecer a Privacidade Comportamental (Reserva da
Vida Privada) sobre a Privacidade Informacional.
30
Em semelhança a como a Intimidade Genética é instrumental à Identidade Genética.
Hugo Almeida 72
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31
Antes destas diretivas: a Convenção 108 de 1981, do Parlamento Europeu, e Comissão para o
enquadramento das novas tecnologias em 1982: informática e procriação medicamente assistida.
Hugo Almeida 73
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c) Responsabilidade e sanções:
Hugo Almeida 74
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Hugo Almeida 75
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Hugo Almeida 76
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Ø Direito de oposição (art. 21.º RGPD): direito do titular dos dados a não permitir
que os seus dados sejam usados para determinadas operações de tratamento.
Inclui o direito a opor-se a decisões tomadas exclusivamente com base em perfis
automatizados (art. 22.º RPGD);
Ø Direito ao esquecimento/apagamento dos dados (art. 18.º RGPD): é introduzido
ex novo pelo RGPD, pelo que suscitou muita discussão;
• Quando é que existe?
i) Os dados deixam de ser necessários para a finalidade que
motivou a recolha ou tratamento;
ii) O titular retira o consentimento;
iii) O titular opõe-se ao tratamento e não existem interesses
legítimos prevalecentes que o justificam;
iv) Os dados foram tratados ilicitamente;
v) Os dados têm de ser apagados para o cumprimento de uma
obrigação jurídica;
Ø Direito de retificação (art. 17.º RGPD)
Ø Direito de portabilidade (art. 20.º RGPD): direito de receber os dados pessoais
que tenham sido fornecidos a um responsável pelo tratamento, num formato
estruturado, de uso corrente e de leitura automática, bem como o direito a
transmitir esses dados a outro responsável.
O artigo 23.º RGPD fornece um elenco exemplificativo das situações em que estes
direitos podem ser limitados (p.ex., segurança pública e do Estado, independência
judiciária, defesa dos direitos e liberdades de outrem), exige-se que “respeite a essência
dos direitos e liberdades fundamentais e constitua uma medida necessária e
proporcionada” para assegurar outros direitos ou interesses (requisitos idênticos aos
termos gerais do artigo 18.º para a restrição de DLG).
Órgãos de garantia destes direitos:
• Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida;
• Comissão Nacional de Proteção de Dados;
• Comissão de Ética
Surge novamente a problemática, que já vimos na proteção internacional de DF, que a
proliferação de textos normativos e instâncias de garantia, pode causar problemas de
articulação e saber qual o órgão a dirigir-se em cada situação.
Artigo 9.º RGPD (Categorias especiais de dados)
• Proibição de tratamento de dados que revelam a origem racial, convicções
políticas, religiosas, filosóficas, filiação sindical (…) dados genéticos,
biométricos (…) relativos à orientação sexual de uma pessoa. (análogo ao elenco
previsto no art. 35.º/4 CRP – são as chamadas “categorias especiais” ou “dados
sensíveis”, há uma grande elasticidade da noção de dados sensíveis). O n.º2 do
artigo 9.º RGPD prevê exceções.
• No âmbito da anterior lei da proteção de dados - Lei n.º 67/98 (art. 7.º, o
tratamento destes “dados sensíveis” só era permitido mediante disposição legal
ou autorização da CNPD).
Hugo Almeida 77
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• A Lei de Bases da Saúde - Lei n.º 48/90 determina que o conceito de “ato
médico” é definido na lei. Porém, nunca chegou a ser legalmente definido.
Atualmente, devido à crescente tendência para o reconhecimento da
multidisciplinaridade do trabalho hospital, tem-se falado menos em atos e
responsabilidade médica, mas em “cuidados de saúde”, que incluem a atuação,
não só de médicos, mas também enfermeiros e funcionários. Na mesma linha, já
não se fala de “erro médico”, mas “erro na medicina” e em responsabilidade por
danos em saúde.
• O artigo 6.º do Regulamento n.º 698/2019, de 5 de setembro, normativo com o
valor de regulamento interno, da Ordem dos Médicos, contem uma definição de
ato médico que inclui, não só o tratamento, diagnóstico, prognose, perícias e
execução de técnicas médicas, mas também a promoção da saúde física, mental
e social de pessoas e grupos, a prevenção e a investigação e educação para a
saúde.
• A relação entre o “tratamento médico” e o consentimento na exclusão da
ilicitude das intervenções médicas (que são, ilícitos de ofensas à integridade
física, caso não haja consentimento livre e informado do lesado) será
aprofundada neste capítulo. Bem como a objetivação da responsabilidade por
“danos em saúde” e a relevância de tratamentos puramente estéticos enquanto
tratamentos médicos.
Hugo Almeida 78
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Começando por ser uma preocupação meramente local nas sociedades antigas, assistiu-
se a uma progressiva institucionalização no Império Romano e garantia da saúde
pública através de infraestruturas como banhos públicos e inspeções de saneamento.
Com o Estado Social de Direito, após a 1.ª Guerra Mundial, a Saúde Pública passou a
ser vista como um bem comunitário (e não somente individual), cuja promoção ativa e
proteção cabia ao Estado:
• art. 25.º DUDH (1948) - direito de cada pessoa ao nível de vida suficiente para
assegurar a si e à sua família saúde e bem estar, direito à segurança na doença e
invalidez.
• art. 12.º PIDESC (1966) - diminuição da mortalidade materna e infantil;
melhoramento da higiene do meio ambiente e industrial; profilaxia, tratamento e
controlo das doenças epidémicas, endémicas.
• Na sua totalidade, o Direito à Saúde, deve ser entendido, não só pela vertente
positiva, como DESC, um direito a prestações que surge no Estado Social. Mas
também na vertente negativa, como direito de natureza análoga a um DLG
(aplica-se o art. 17.º CRP) de defesa contra a intervenção do Estado e terceiros
privados na integridade pessoal (art. 25.º CRP).
• Acresce-se uma dimensão comunitária, como garantia do DF à Proteção da
Saúde. Esta incluí um serviço nacional de saúde universal e geral e
tendencialmente gratuito (”tendo em conta as condições económicas e sociais
dos cidadãos”) - n.º2 al. a), e a criação de condições económicas, sociais e
ambientais, que incluem a promoção de práticas saudáveis, da educação, cultura
física e desportiva (art. 79.º CRP), melhoria das condições de trabalho (Cf. art.
Hugo Almeida 79
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59.º al. c) - saúde e higiene como direitos dos trabalhadores, bem como dos
consumidores - art 60.º/1 CRP).
• A dimensão comunitária inclui as incumbências do Estado para a assegurar o
direito à proteção da saúde (art. 64.º/3) , v.g.: o acesso universal independente
de condições económicas (gratuitidade tendencial, e.g. isenção de taxas
moderadoras), cobertura de todo país/alocação eficiente de recursos,
complementaridade de sistemas (SNS e privados) - articulação com instituições
privadas, etc.
• A saúde (pública) é um interesse público, que todos os cidadãos, individual ou
coletivamente (através de associações de defesa) podem proteger através do
direito de ação popular - art. 52.º/3 e 268.º/4 CRP + 58.º/2 CPA - garantia dos
administrados para defesa de interesses públicos. Garantindo-se a sua tutela
jurisdicional efetiva (art. 20.º CRP).
Hugo Almeida 80
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A Integridade Física, enquanto DF (art. 25.º CRP), pode ser objeto de autolimitação
i.e., o “enfraquecimento” parcial voluntário pelo titular de um DF, p.ex., participação
em ensaios clínicos ou doação de órgãos em vivo. Na ótica da Teoria da Fórmula
Objeto de Durig, a autolimitação deve estar limitada por um mínimo de dignidade
humana objetiva, de que ninguém pode, nem autonomamente abdicar, p.ex. ninguém
pode escolher tornar-se escravo de outrem, renúncia do exercício, em situações como
nas Diretivas antecipadas da vontade e em especial a nomeação de um procurador de
cuidados de saúde, na qual o titular escolhe delegar o exercício - mas não a titularidade
- dos seus DF e autonomia decisória, ou até em situações como a recusa de uma
transfusão sanguínea devido a convicções religiosas.
Hugo Almeida 81
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• Objetivo (art. 1.º CO): proteção do ser humano e da sua dignidade face às
aplicações da biologia e medicina.
• Primado do ser humano (art. 2.º): o interesse e bem-estar do ser humano
devem prevalecer sobre o interesse único da sociedade ou ciência; (na ótica dos
princípios da bioética: a não-maleficência do indivíduo deve prevalecer sobre a
beneficência da coletividade).
• Consentimento (art. 5.º): Qualquer intervenção no domínio da saúde só pode
ser efetuada, tendo sido prestado pela pessoa em causa o consentimento livre e
esclarecido - que pressupõe informação adequada do objetivo, natureza, riscos e
consequências da intervenção. O consentimento é livremente revogável a
qualquer momento.
• Consentimento do menor de quem careça de capacidade (art. 6.º): Qualquer
intervenção só poderá ser usada em seu benefício real e direto. A opinião do
menor deve ser progressivamente tomada em conta, em função da idade e
capacidade de discernimento. A investigação em pessoas sem capacidade para
consentir é de ultima ratio, depende da não oposição do lesado e redução a
escrito da autorização do representante legal (art. 17.º)
Hugo Almeida 82
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Outros instrumentos:
Atividade médica
O consentimento no tratamento médico
Contudo, o consentimento não pode ser visto só como um “momento único” em que se
exclui a ilicitude da intervenção. O consentimento deve ser visto como um processo,
no qual há da parte dos médicos responsáveis deveres de informação à cerca dos riscos
e consequências, bem como a natureza e finalidade, quer se trate de uma intervenção
médica ou de investigação clínica. Sendo que, no caso das investigações clínicas, o
sujeito deverá ainda ser informado dos seus direitos e garantias legais (art. 16.º al. iv.
Convenção de Oviedo) e do meio adequado para exprimir o consentimento, que deverá,
sempre que possível, ser por escrito. Já nas intervenções médicas, não é sempre
necessário que o consentimento se dê por escrito, mas tem que ser sempre informado.
Hugo Almeida 83
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haver um dever de explicar a terminologia médica dum modo que seja compreensível
para o paciente.
Consentimento Presumido
Quanto ao modo de obtenção do consentimento, o modo mais comum é este ser dado
por escrito, através de formulários. A doutrina critica este método (ver, neste sentido, a
Circular Informativa nº 15/DSPCS, de 23/3/98, da Direção Geral da Saúde).
Recusa do Consentimento
Não só não cabe aos valores maioritários (ou dos profissionais de saúde) imporem-se
sobre os valores individuais e os legítimos interesses do paciente, mas o respeito pelos
seus valores, mesmo colocando a vida do paciente em risco, é “uma força positiva para
o confortado paciente se ele estiver seguro de que os mesmos serão respeitados”.
Hugo Almeida 84
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Ou seja, a recusa do consentimento não é tão livre nos exercício do poder paternal por
pais e educadores, como é quando a decisão é apenas individual. Já que há um dever de
altruisticamente exercer o poder paternal em prol dos interesses do menor, sendo que,
em caso de conflito entre os valores e a integridade física ou vida do menor, deve
prevalecer esta última.
Hugo Almeida 85
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Tipos de responsabilidade
– Disciplinar (deontológica);
– Penal.
Pressupostos de responsabilidade
– Ato ilícito;
Hugo Almeida 86
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Transplantes
Previsão em instrumentos internacionais:
Hugo Almeida 87
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Artigo 14.º/2: O facto da morte se realizar em condição que imponha autópsia, não
impede a realização da colheita.
Hugo Almeida 88
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Articulação com outras leis: Lei nº141/99 (Princípios em que se baseia a verificação
da morte); DL n.º 274/99 (Colheita de órgãos para ensino e investigação); Lei n.º
12/2009 (regime que garante a qualidade e segurança da colheita).
32
Segundo uma Resolução da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa de 2012: Protecting
human rights and dignity by taking into account previously expresses wishes of patients
Hugo Almeida 89
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Hugo Almeida 90
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Hugo Almeida 91
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O Estado Moderno de Tipo Europeu, tipo histórico de Estado que surge no séculos
XIV e XV. Englobou três fases:
33
N.b. O conceito constitucional de povo refere-se ao conjunto de pessoas que apresentam com o Estado
o vínculo jurídico político da cidadania, o que permite uma heterogeneidade de grupos étnicos e
religiosos dentro do mesmo povo.
34
As características do Estado, já não só da tipologia do Estado Moderno de Tipo Europeu, são:
autonomia em relação à sociedade civil, territorialidade, coercibilidade, complexidade organizativa e de
atuação, e institucionalização
Hugo Almeida 92
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Durante a Idade Média, noções escolásticas e religiosas, através de autores como Tomás
de Aquino, tiveram grande importância na fundamentação do que viria a ser a previsão
dos direitos fundamentais e em especial o reconhecimento da igual dignidade de cada
um.
O primeiro momento em que a proteção das minorias foi expressamente previsto foi
na Conferência de Paz (Paris, 1919), que levou à criação da Sociedade das Nações.
Declarou-se “a igualdade de todas as pessoas perante a lei, a igualdade de direitos civis
e políticos, a igualdade de tratamento e a segurança de minorias”. Sucessivamente, com
as Nações Unidas, proliferaram as normas internacional de direitos de liberdade e
igualdade de tratamento religiosa, bem como da proteção de minorias religiosas:
• Art. 1.º Carta das Nações Unidas: “promovendo e estimulando o respeito pelos
direitos do homem e pelas liberdades fundamentais para todos, sem distinção de
raça, sexo, língua ou religião”
• Art. 18.º DUDH35: “Todo o ser humano tem direito à liberdade de pensamento,
consciência e religião; esse direito inclui a liberdade de mudar de religião ou
crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença pelo ensino, pela
prática, pelo culto em público ou em particular”.
• Art. 22.º DUDH: direito à realização dos direitos (...) culturais indispensáveis
à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade36;
35
A DUDH é materialmente recebida na Constituição Instrumental através do art. 16.º/2, tendo valor
interpretativo e integrativo de lacunas. Isto significa que, ao interpretar o art. 41.º CRP, como à frente
veremos, é necessário interpretá-lo em conformidade com as dimensões da liberdade religiosa que a
DUDH prevê, incluindo: a liberdade de mudança de crença, de não professar ou crer em religião e de
exprimir ou não exprimir essa mesa crença através da educação e a liberdade de culto em público ou
particular.
36
A religião é uma manifestação da cultura, pelo que os instrumentos de proteção das minorias e de
proteção e promoção da cultura, incluem também os aspetos religiosos.
Hugo Almeida 93
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Nota: o conceito de minoria não tem que assentar numa questão numérica, mas sim de
marginalização ou desigualdade no acesso e exercício de direitos civis e políticos (voto,
acesso aos cargos políticos,...), bem como económicos, sociais e culturais (educação,
saúde, habitação,...). (Um exemplo é na África do Sul da era Apartheid, no qual a
população maioritária era uma minoria marginalizada).
Hugo Almeida 94
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O art. 288.º al c) consagra “A separação das Igrejas do Estado” como limite material
da revisão. É importante o uso da expressão “igrejas” no plural porque desde logo
reconhece a existência de mais do que uma confissão religiosa no país, bem como a
equidistância do Estado em relação a todas as igrejas.
→ Não identificação:
37
Sistema no qual cabe ao chefe do Estado a regulação das doutrina e assuntos religiosos, não havendo
uma separação entre o poder político e religioso. Difere da Teocracia na qual o chefe do Estado é, em
primeiro lugar, o líder religioso, tendo a religião precedência na sua identificação.
Hugo Almeida 95
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Oposição:
38
O laicismo (não confundir com Estado laico), do qual a França é o exemplo mais conhecido, defende a
total separação do governo e da igreja, o que inclui a proibição de qualquer símbolo religioso em espaços
públicos e o não apoio pelo Estado a qualquer instituição religiosa (diferente de haver colaboração entre a
Igreja e o Estado, numa ótica de imparcialidade e apoio às funções culturais, educativas e assistenciais – o
que é permitido num Estado Laico/Secularismo). Já o Estado Ateu, que existiu nos Estados Comunistas,
é caracterizado pelo anticlericalismo e a identificação expressa do Estado como irreligioso.
39
Nota: A liberdade de religião está incluída na liberdade de consciência, e a de culto na de religião e
consciência – são liberdades concêntricas. O art. 41.º CRP faz uma gradação da liberdade mais
abrangente à mais estrita, bem como da dimensão mais interna/individual, para a mais externa/social.
Hugo Almeida 96
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Hugo Almeida 97
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Hugo Almeida 98
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Note-se ainda que a promoção da língua portuguesa (art. 9.º al. f) e 11.º) e
políticas ligadas à identidade nacional (como a promoção da nossa cultura no
estrangeiro - art. 78.º/2 al. d)) e as políticas de democratização da educação e
cultura, com vista a expandir o seu acesso e atingir uma verdadeira “democracia
cultural” (arts. 73.º ss.) não são contrárias ao artigo 43.º/2, na medida em que
visam a realização do Estado de Direito Democrática e respeitam o pluralismo.
- 69.º, 70.º e 72.º: o acesso à cultura em todas as faixas etárias, mas em especial a
efetivação dos direitos sociais e culturais na infância, juventude e terceira idade, visando
o seu desenvolvimento integral (expressão do 69.º/1), realização pessoal e
participação ativa na comunidade (72.º/2). O artigo 70.º al. a) prevê a proteção
especial para a efetivação dos DESC no ensino, formação e culturas, prevê-se também a
colaboração com “associações e fundações de fins culturais e as coletividades de cultura
e recreio” (mais uma vez a ideia de não-exclusivismo do Estado) e a criação de
Hugo Almeida 99
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condições para o gosto pela criação livre (incentivando o exercício do direito de criação
cultural, que é um DLG – art. 42.º).
- 73.º - Direito à Educação e à Cultura
• Para além de se poder considerar o ensino e a criação científica incluído nos
direitos culturais, o art. 73.º/3 prevê especificamente a democratização da
cultura (garantia da “democracia cultural” do artigo 2.º), através da colaboração
com agentes, incluindo órgãos de comunicação social (neste aspeto, a existência
de uma imprensa e meios de comunicação sociais lives – garantidas pelo art.
38.º - são garantias da criação, quer da divulgação e acesso à cultura).
- 74.º al. d) “garantir a todos os cidadãos, segundo as suas capacidades, o acesso aos
graus mais elevados de ensino, da investigação científica e da criação artística”
- 79.º: Cultura Desportiva
- 37.º Liberdade de Expressão e Comunicação
- 26.º/1 Direito à Identidade Pessoal e Livre Desenvolvimento da Personalidade (como
foi estudado no Capítulo II, a reserva da vida privada, bem como a sua dimensão
dinâmica – o livre desenvolvimento da personalidade – abrangem os direitos de livre
expressão e criação cultural e intelectual)
- 225.º: A autonomia das RAA e RAM tem uma base cultural.
- 58.º/2 al. d) Direito ao Trabalho (DESC): Incumbe ao Estado promover a formação
cultural dos trabalhadores.
- 66.º/2 al c) (Património arquitetónico, paisagístico e ambiental como dimensões do
património cultural material do país, cujo interesse público histórico ou artístico deve
ser preservado).
- 90.º Objetivos dos Planos: “coordenação da política económica com a política social,
educativa e cultural”
Os vários sentidos de cultura
Do mais amplo ao mais estrito:
a) A cultura como expressão da identidade de uma comunidade/povo
(pode incluir símbolos, formas de apreensão e transmissão do
conhecimento, costumes e usos, dieta, língua e dialeto, formas de cultivo
da terra e do mar)
b) A cultura como educação, ciência e cultura stricto ou strictissimo sensu
(esta é aceção de cultura defendida no art. 74.º)
c) Cultura por exclusão da educação ou ciência (em termos negativos),– em
termos positivos: a criação e fruição de “bens culturais40” (art. 78.º)
40
O conceito de Bem Cultural é jurídico. O art. 14.º/1 da Lei de Bases define os bens culturais como
“bens móveis ou imóveis (...) que representam um testemunho material com valor civilizacional ou de
cultura”, no cerne da qualificação de um bem cultural está interesse cultural, que consiste no bem
refletir valores de memória, antiguidade, originalidade, raridade, singularidade ou exemplaridade (art.
2.º/2 Lei de Bases).
• Constituição de 1911
É uma Constituição relativamente pobre em matéria educativa, no entanto é marcada
por dois grandes avanços:
i) consagra, não só a gratuitidade (do ensino primário), mas a obrigatoriedade do
ensino;
ii) prevê, pela primeira vez, a neutralidade religiosa do ensino. No entanto, esta
previsão, mais do que prever a secularidade do ensino público, prevê uma verdadeira
“laicidade”, sendo que, não só o ensino público, mas também o privado, estavam
sujeitos a esta neutralidade religiosa.
• Constituição de 1933
A liberdade de aprender e ensinar era prevista no título relativo às “liberdades e
garantias individuais” (análogos aos DLG) – regime cujo legislador constituinte
remete para a lei ordinário -, mas a Educação, Ensino e Cultura estavam reguladas
num título próprio.
Sendo a 1.ª Constituição portuguesa do Estado Social, foi a primeira a prever a dupla-
vertente da Educação, quer como DLG individual, quer como Direito Social:
Ø Na dimensão de direito social, apresenta quatro vetores fundamentais:
a. reforçar o papel das famílias na educação; (conceção
corporativista)
b. funcionalização da política educativa aos valores próprios do
Estado Novo; (em total oposição com o nosso art. 36.º/2 CRP,
que proíbe a programação ideológica do ensino)
c. verdadeira incumbência estatal de assegurar a oferta de ensino –
acentuada pela revisão constitucional de 1971 que estabeleceu
progressivamente a oferta generalizada dos vários graus de
ensino e elevou a obrigatoriedade do ensino primário para o
ensino básico;
d. garantia de existência do ensino privado, através do
reconhecimento da liberdade de criação e funcionamento de
escolas privadas, com “ampla margem de atuação”
e. Abandona-se a “laicidade educativa” preconizada na Constituição
de 1911, para prever um ensino público “independente de
qualquer religião, mas que não a deve hostilizar”, abrindo
caminho à admissibilidade da oferta do ensino religioso no ensino
público.
• Na Revisão constitucional de 1935, prevê-se que “o ensino público seria
orientado pelos princípios da doutrina e moral cristãs tradicionais do país”,
abandona-se o regime de isenção (independência a qualquer religião) da redação
original.
• Este movimento havia de culminar na Revisão de 71 que previa a religião
católica apostólica romana como religião tradicional danação portuguesa
v Constituição de 1976
41
Atualmente: DL n.º 152/2013 – Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo não superior.
42
Conteúdo da Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro – Lei de Bases do Sistema Educativo.