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Dicionário de Saneamento Básico: pilares para uma gestão participativa nos


municípios

Book · July 2022

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3 authors, including:

Uende Gomes João Luiz Pena


Federal University of Minas Gerais Federal University of Minas Gerais
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Projeto SanBas View project

Estudos para concepção, formulação e gestão do Programa Nacional de Saneamento Rural - PNSR View project

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Dicionário de Saneamento Básico: Pilares para uma Gestão Participativa nos Municípios
é uma iniciativa do Projeto SanBas – metodologias para planejamento
participativo em saneamento, com o apoio da Fundação Nacional de Saúde
(Funasa) e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Organizadores: Uende Aparecida Figueiredo Gomes,


João Luiz Pena e Josiane Teresinha Matos de Queiroz
Copidesque: Pedro Biondi (Jequitibá Comunicações e Artes), com colaboração
de André Merli, Eloise De Vylder, Marcelo Carota e Tatiana Lotierzo
Revisão: Pedro Biondi
Leitura do original e revisão final: Uende Aparecida Figueiredo Gomes,
João Luiz Pena e Josiane Teresinha Matos de Queiroz
Capa e projeto gráfico: Rubens Rangel Silva (Estúdio Borogodó)
Diagramação: Juliana Fernandes e Rubens Rangel Silva (Estúdio Borogodó)

Projeto SanBas - Duração 2018-2022


Coordenadora: Uende Aparecida Figueiredo Gomes

Grupo de Pesquisa SanBas – metodologias para planejamento participativo em saneamento


Universidade Federal de Minas Gerais. Escola de Engenharia.
Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental.
Avenida Antônio Carlos – Campus Pampulha, nº 6627
Bloco I, 4º andar, sala 4526 - CEP 31270-901 - Telefone: (31) 3409-1958
E-mail: uende@desa.ufmg.br - Site: https://sanbas.eng.ufmg.br

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Dicionário de saneamento básico [livro eletrônico] : pilares para uma gestão participativa nos
municípios / [organização Uende Aparecida Figueiredo Gomes, João Luiz Pena, Josiane Teresinha
Matos de Queiroz]. -- Belo Horizonte, MG : Projeto SanBas, 2022.
PDF

Bibliografia.
ISBN 978-65-997733-0-3

1. Dicionários técnicos 2. Municípios - Administração pública 3. Saneamento básico 4. Saúde pública


I. Gomes, Uende Aparecida Figueiredo. II. Pena, João Luiz. III. Queiroz, Josiane Teresinha Matos de.

22-109382 CDD-354.8103

Índices para catálogo sistemático:


1. Planos Municipais de Saneamento Básico : Administração pública : Dicionário técnico
354.8103
Eliete Marques da Silva - Bibliotecária - CRB-8/9380
Dedicamos o dicionário a todas as
vítimas da Covid-19 no Brasil, que,
em 1º de abril de 2022, totalizavam
660.065 vidas perdidas.

Choramos a morte de pai, tio e tia,


vivenciamos o luto e nos solidarizamos
com todas as pessoas que sofrem.

Que este trabalho seja instrumento


de enfrentamento das doenças
infectocontagiosas que tanta dor
já causaram nestas terras.
SUMÁRIO

como utilizar 15
apresentação 17

Acessibilidade financeira
A 23
Administração direta e indireta 28
Agência reguladora, regulação e seus fundamentos 32
Agroecologia 40
Agrotóxicos 47
Águas subterrâneas e aquíferos: 54
importância e riscos de contaminação
Aproveitamento de lodo, biogás e efluente 61
Áreas urbanas e rurais 67

B
Bacia hidrográfica 72
Balanço hídrico em um sistema de abastecimento de água 78

Caminhos das águas


C 82
Censo demográfico 88
Chuva 92
Ciclo hidrológico 97
Cobrança pelo manejo das águas pluviais 102
Cobrança pelos serviços de saneamento 106
Comunicação no território 111
Conceito de saneamento 115
Conflitos por água 127
Consumo per capita de água 133
Contingência e emergência 139
Contribuição de esgoto sanitário 145
Controle e vigilância da qualidade da água para 149
consumo humano e seu padrão de potabilidade
156 Controle social
164 Convênio de cooperação
167 Cooperativa/associação de materiais recicláveis e inclusão de catadores
172 Crescimento populacional
176 Custos de serviços

D
180 Densidade demográfica
183 Desastres
189 Dessalinização da água
196 Determinação social e os determinantes sociais de saúde
202 Diagnóstico de condições de vida e situação de saúde
205 Direitos Humanos à Água e ao Esgotamento Sanitário
210 Disposição final de resíduos
215 Dispositivos de proteção do sistema de abastecimento de água
218 Doenças relacionadas ao saneamento ambiental inadequado (DRSAIs)
225 Domicílio

E
228 Economias e ligações de água
232 Educação popular em saúde e saneamento
238 Efluentes industriais
243 Enquadramento de corpos d’água e padrão de lançamento
250 Epidemiologia
256 Esgoto sanitário
260 Estrutura operacional, gerencial e fiscalizatória de resíduos sólidos

F
265 Financiamento do saneamento
270 Fiscalização dos serviços
273 Funasa: relato histórico da atuação nos municípios
277 Fundos de universalização de saneamento
G
Gênero e saneamento 282
Gerenciamento de resíduos sólidos 289
Gestão associada 293
Gestão compartilhada ou consorciada de resíduos sólidos 296
Gestão de ativos 301
Gestão do risco de inundações 305
Gestão dos serviços de saneamento básico 309

Impacto do lançamento de esgoto sanitário em corpos d’água


I
313
Indicadores aplicados aos serviços de manejo de resíduos sólidos 318
Indicadores de saúde ambiental 324
Intersetorialidade 330
Inundações 334

Lei 11.445/2007 e a aprovação da Lei 14.026/2020


L
339
Limpeza urbana 351
Logística reversa 357

Macromedição e micromedição
M
364
Manejo de águas pluviais 368
Manejo integrado de vetores 374
Manual de Saneamento 380
Melhorias sanitárias domiciliares 386
Migração 391
Mobilização social 395

Notificação compulsória de doenças e agravos (NCDA)


N
400
0
406 Operação e manutenção do sistema de abastecimento de água
411 Operação, manutenção e conservação nas
soluções de esgotamento sanitário
415 Organização administrativa
419 Organização jurídico-institucional

P
424 Participação social
429 Perdas de água
434 Planejamento dos serviços
438 Plano de segurança da água:
Etapas e benefícios para os municípios
442 Plano de Segurança da Água: Importância e componentes
446 Plano Diretor, planos setoriais e o PMSB
450 Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB)
457 Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab)
463 Planos de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos (PGIRSs)
467 Planos de Saneamento Básico à luz da Lei 14.026/2020
473 Política federal para o saneamento básico
482 Política Municipal de Saneamento Básico
488 Poluição
495 População
499 Populações do campo, da floresta e das águas (PCFAs)
504 Prestação direta dos serviços
507 Prestação indireta ou prestação delegada dos serviços
510 Prestação integrada dos serviços
513 Prestação regionalizada dos serviços
516 Privatização dos serviços públicos de saneamento
básico no Brasil e a onda neoliberal radicalizada
522 Profissionais do saneamento
525 Programa Nacional de Saneamento Rural (PNSR)
531 Projeção populacional
535 Projeto dos sistemas de drenagem de águas pluviais
Q
Qualidade das águas pluviais 541

Recuperação de áreas degradadas por lixões


R
546
Redução, reutilização, reciclagem e 551
compostagem dos resíduos sólidos
Registros e estatísticas vitais 557
Regulação dos serviços de saneamento básico 560
Regulação na gestão de resíduos sólidos 564
Resíduos sólidos 568
Riscos pedológicos e geológicos 573

Saneamento ambiental
S
577
Saneamento e arboviroses 583
Saneamento e democracia substantiva 595 ]
Saneamento ecológico 604
Saneamento em comunidades tradicionais 610
Saneamento indígena 618
Saneamento, saúde e ambiente: reflexões para a sociedade 626
Saúde pública 636
Setores censitários 642
Sistema de abastecimento de água (SAA) 645
Sistemas de drenagem das águas pluviais 650
Sistemas de Informações de Saneamento – Nacional e Municipal 655
Soluções coletivas de esgotamento sanitário 664
Soluções de abastecimento de água 668
Soluções individuais de esgotamento sanitário 673
Subsídios 679
Sustentabilidade 685
Sustentabilidade no esgotamento sanitário 690
T
695 Técnicas compensatórias em drenagem
700 Técnicas de mapeamento
705 Técnico de vigilância em saúde (TVS)
712 Técnico em saneamento
717 Tecnologia social
724 Territorialização em Saúde
729 Território
734 Tratamento de água
742 Tratamento do esgoto

U
750 Unidades de triagem e valoração dos resíduos sólidos
755 Urbanização
761 Uso e ocupação do solo

V
766 Valoração energética de resíduos sólidos
774 Vazões de cheia
779 Vigilância em saúde
786 Vulnerabilidade socioambiental
AUTORES

Alan Freihof Tygel Juliana de Senzi Zancul


Alexandre Pessoa Dias Juliana Valentim Chaiblich
Ana Britto Karen Friedrich
Ana Claudia Santiago Lásaro Linhares Stephanelli
de Vasconcellos Léo Heller
Ana Paula Lucas Caetano Liséte Celina Lange
André Monteiro Costa Lívia Cristina da Silva Lobato
André Vianna Dantas Luiz Roberto Santos Moraes
Andreiva Lauren Vital do Carmo Márcio Otávio Figueiredo Júnior
Antonio Carlos da Silva Oscar Júnior Marco Túlio da Silva Faria
Antonio Natanael Costa Sancho Maria Amelia Costa
Bárbara Campos Silva Valente Mariana Lima Nogueira
Bárbarah Brenda Silva Marta Gomes da Fonseca Ribeiro
Berenice de Souza Cordeiro Matheus Valle de
Bernardo Aleixo de Sousa Cruz Carvalho e Oliveira
Carlos Machado de Freitas Maurício Monken
César Rossas Mota Filho Maurício Rios de Almeida
Cynthia Fantoni Alves Ferreira Patrícia Campos Borja
Diógenes Otero Galhardo Braga Paula Rafaela Silva Fonseca
Edilene de Menezes Pereira Priscila Almeida Faria
Elenice Machado da Cunha Priscila Neves Silva
Ernani Ciríaco de Miranda Priscilla Macedo Moura
Fabiana Lopes Del Rei Passos Rafael Kopschitz Xavier Bastos
Fabiana Vaz de Melo Rafaela Priscila Sena do Amaral
Felipe Bagatoli Silveira Arjona Raiane Fontes de Oliveira
Fernanda Deister Moreira Rainier Pedraça de Azevedo
Fernando Ferreira Carneiro Raphael Castanheiro Brandão
Gisela P. Zapata Ricardo Luiz Chagas
Gislei Siqueira Knierim Rodolfo José das Neves Pereira
Gladys Miyashiro Miyashiro Ronaldo Figueiró
Grácia Maria de Miranda Gondim Sabrina Dionísio Rubinger
Izabel Cristina Chiodi de Freitas Sonaly Rezende
Jacqueline Evangelista Fonseca Talita Fernanda das Graças Silva
Járvis Campos Tatiana Nascimento Docile
João Batista Peixoto Tatiana Santana Timóteo Pereira
Jorge Machado Uende Aparecida Figueiredo Gomes
José Esteban Castro Vânia Rocha
José Irineu Rangel Rigotti Vitor Carvalho Queiroz
Josiane Teresinha Matos Queiroz
COMO UTILIZAR ESTE DICIONÁRIO

Título do
dicionário.

Subtítulo de
verbete.

Letra de ordenação
dos verbetes.
Título do verbete.

Descrição do
verbete.

Paginação.
Verbete pricipal da
página dupla.
Letra de indexação
lateral.

Subtítulo do
verbete.

Paginação.

15
APRESENTAÇÃO

O Projeto SanBas, como contribuição para a área de saneamento, busca novas


formas de comunicação com a sociedade. De nome SanBas, a passarinha que
simboliza a iniciativa também reflete esta dimensão. É, ao mesmo tempo, um
elemento de identidade visual e a representação de um posicionamento po-
lítico: a busca de que o saneamento alcance a todas e todos – especialmente,
aqueles grupos e segmentos historicamente alijados do necessário para uma
vida digna e condizente com os direitos assegurados em nossa Constituição
(veja os sites https://sanbas.eng.ufmg.br/ e https://infosanbas.org.br/).
Gestado no segundo semestre do ano de 2018, o Projeto teve na sua es-
sência a promoção do saneamento básico humanizado. Tal humanização
representa um grande desafio e perpassa uma mudança teórica e prática
de atuação na área. Nesse sentido, desde o início da execução da iniciati-
va, em janeiro de 2019, reconhecemos os obstáculos que se relacionam à
comunicação e à formação.
O Dicionário de Saneamento Básico: Pilares para uma Gestão Participa-
tiva nos Municípios é concebido em um contexto de compreensão das
dificuldades de diálogo sobre esta temática decorrentes da perspectiva
tecnicista que a caracterizou ao longo de sua história no país. No Brasil,
predomina uma abordagem que resume o saneamento às obras de infra-
estrutura, o que dificulta a assimilação das dimensões da gestão, da edu-
cação, da participação e da garantia de direitos humanos essenciais ao
exercício da cidadania e ao pleno gozo da vida.
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO BÁSICO

A elaboração deste dicionário é um dos produtos do projeto de pesquisa


“Capacitação e elaboração de planos municipais de saneamento básico em
municípios com população de até 50.000 habitantes do estado de Minas
Gerais: uma pesquisa-ação no campo tecnológico, do controle social, da
comunicação e do empoderamento nas políticas públicas de saneamento
básico”. Coordenada pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),
por meio de parceria com a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), a ini-
ciativa tem como objetivo central capacitar e elaborar planos municipais
de Saneamento Básico (PMSBs) em 30 municípios mineiros desse porte.
O dicionário integra a coleção Selo Projeto SanBas, contribuição cien-
tífica, técnica e pedagógica desenvolvida em conjunto com a Funasa e
com especialistas que atuam no Projeto, consultorias e pesquisadores
de campo, tendo como parceiros o Coletivo às Margens, a Cooperativa
Eita, a Aicó Culturas, a Jequitibá Comunicações e Artes, o Estúdio Bo-
rogodó e a Plug & Boom. A coleção envolve um caderno ilustrado com
nove facilitações gráficas e dez notas técnicas. Também desenvolvemos,
em parceria com o Coletivo Às Margens, seis jogos para capacitações e
oficinas nos municípios contemplados pelo Projeto. Ao lado disso, com
Às Margens e a Plug & Boom criamos uma plataforma de jogos online
e com a Eita aprimoramos o InfoSanBas, uma plataforma de informa-
ção na internet programada em código aberto. O objetivo é facilitar o
acesso e a visualização de dados relacionados ao saneamento no Brasil,
tendo como foco o município.
O Projeto SanBas atua, ainda, em atividades destinadas à formação e
à capacitação de recursos humanos e à agregação de especialistas para a
UFMG e para os municípios selecionados, de modo a contribuir para a
execução de pesquisas, a adoção de metodologias participativas, desen-
volvimento tecnológico e inovação. Capacitamos 35 estudantes de gradu-
ação, 25 profissionais autônomos/bolsistas, 25 auxiliares técnicos muni-
cipais, três estudantes de mestrado e dois de doutorado.
Lançado em versão digital, o Dicionário de Saneamento Básico: Pilares para
uma Gestão Participativa nos Municípios tem abrangência nacional, com ên-
fase para as municipalidades de até 50.000 habitantes. Está em consonân-
cia com o Termo de Referência para a Elaboração de Plano Municipal de

18
APRESENTAÇÃO

Saneamento Básico, versão 2018 (https://t.ly/1H4x), da Funasa, visando


fortalecer as políticas municipais da área, e as demais políticas públicas, na
perspectiva da garantia dos direitos humanos.
A natureza desta publicação aproxima-se do que a biblioteconomia
classifica como um dicionário conceitual ou enciclopédico, a exemplo do
Dicionário da Educação do Campo, da EPSJV/Fiocruz. Com ele, pretende-
-se alcançar gestores, técnicos e atores sociais de municípios envolvidos
no planejamento, na execução e na avaliação dos PMSBs. O Termo de
Referência da Funasa fala destes atores, ao tratar do Comitê Executivo
e do Comitê de Coordenação. Em geral são sujeitos com saber diverso e
rico acerca do território, mas sem familiaridade com a linguagem acadê-
mica e técnica característica deste campo.
O alcance do dicionário compreende, além dos segmentos mais direta-
mente vinculados ao setor, um conjunto de agentes públicos, lideranças lo-
cais, atores sociais, moradores e movimentos sociais que compõem as áreas
das políticas públicas com interfaces com esta.
Ousamos acreditar que o conteúdo desperte o interesse da população
como um todo para que as pessoas possam compreender, apropriar-se e
fazer parte do conjunto da gestão de saneamento em seu município.
No volume são apresentados termos, conceitos, situações no âmbito do
saneamento básico e sobre temas correlatos, importantes para a compre-
ensão e para uma visão mais abrangente da necessidade da oferta justa
e digna de serviços do setor. O conteúdo abarca os quatro componentes
dispostos em legislação: abastecimento de água; esgotamento sanitário;
manejo de resíduos sólidos e limpeza pública; e manejo de águas pluviais
e drenagem. Compreende também aspectos econômico-financeiros, co-
municação e territorialização, leitura demográfica do território, gestão do
saneamento, territorialização em saúde e temas transversais.
Para a construção do processo de elaboração do Selo SanBas, contamos
com especialistas que se dispuseram a atender aos objetivos traçados. Rea-
lizamos oficinas, encontros presenciais e virtuais. Em um esforço coletivo
e comprometido, definimos os principais temas a serem contemplados, a
linguagem a ser usada em cada produto e como as contribuições da coleção
seriam interligadas.

19
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO BÁSICO

Nesse contexto, foram elaborados 142 verbetes, compondo um pano-


rama que tem a pretensão de apresentar a realidade, a terminologia e os
principais debates do saneamento básico, responder a dúvidas e, quem
sabe, engajar novos militantes pelos direitos envolvidos.
Ressalta-se que no Brasil prevalece um quadro geral de exclusão de aces-
so ao saneamento. Além de alcançar patamares inaceitáveis para um país
que já foi reconhecido como a sexta maior economia do globo, esse déficit
distribui-se de forma desigual na nossa sociedade. O atraso do passado
acirra as iniquidades no presente e ameaça o futuro. A universalização do
acesso a esses serviços é condição para que a totalidade das brasileiras e
brasileiros possa exercer sua cidadania. Para tal, são necessárias políticas
públicas efetivas, eficazes e eficientes. O Plano Municipal de Saneamento
Básico é o principal instrumento para a construção dos programas, pro-
jetos e ações na área, e para a estruturação da atuação pública, conforme
reconhecido pelo marco legal do setor, a Lei Federal 11.445/2007.
As alterações nesse cenário provocadas pela Lei Federal 14.026/2020 cer-
tamente prejudicarão sobremaneira a população mais vulnerável, aquelas
pessoas que habitam as regiões periurbanas das cidades médias e grandes, as
sedes de municípios muito pouco populosos, o campo, a floresta e as águas.
Assim, os organizadores/as e autores/as esperam que o Selo SanBas
atinja ampla repercussão e que o Dicionário de Saneamento Básico for-
neça bases para uma gestão participativa e inclusiva, constituindo-se,
ainda, em fonte de consulta confiável, acessível e instigante para toda a
sociedade brasileira.

20
21
A

ACESSIBILIDADE FINANCEIRA

A acessibilidade financeira é um dos a outros bens e serviços essenciais reco-


elementos constitutivos dos direitos hu- nhecidos como direitos humanos, como a
manos à água e ao esgotamento sanitá- alimentação, a habitação, a saúde, a vesti-
rio, reconhecidos pela Organização das menta e a educação.
Nações Unidas (ONU) em 2010 e 2015,
respectivamente.1 A ONU estabelece que As desigualdades e seu
o acesso à água potável segura e ao esgo- impacto na realização dos direitos
tamento sanitário é essencial para a rea-
lização de todos os direitos humanos, am- Usualmente, o gasto associado aos servi-
pliando o conceito de acesso para além da ços é relativo ao pagamento de tarifas ou
ligação e da infraestrutura física: o acesso taxas. No entanto, existem outros custos
deve considerar a quantidade, a qualida- que devem ser avaliados, tanto financei-
de, a acessibilidade física e econômica e ros, quanto não financeiros. Em relação
a aceitabilidade dos serviços, que devem aos primeiros, pode-se citar o pagamento
ser culturalmente apropriados e sensíveis pela conexão a uma rede de água e esgoto
às questões de gênero. e pelas construções de redes ou estru-
Apesar da incorporação do conceito de turas intradomiciliares que garantam
acessibilidade financeira à Lei de Sanea- o acesso a esses direitos. O tempo gasto
mento Básico (Lei 11.445/2007), as pro- para o deslocamento, seja para coletar
fundas desigualdades socioeconômicas água, seja na realização de qualquer ou-
e regionais do Brasil impedem o acesso tra atividade necessária para assegurar o
equitativo das famílias de baixa renda acesso aos serviços de saneamento repre-
aos serviços de saneamento básico. senta uma série de custos não financeiros
Essa dimensão requer que o uso das que devem ser observados. Isso é válido
instalações e serviços públicos de sane- sobretudo diante da constatação de que
amento seja acessível financeiramen- tais atividades costumam ser exercidas
te a todas as pessoas. O pagamento por por mulheres ou crianças – o que reforça
esses serviços não pode limitar o acesso diversas desigualdades sociais existentes.
EIXO 1 - ASPECTOS ECONÔMICO-FINANCEIROS

Em 2017, por exemplo, a maioria da A questão da sustentabilidade


população global (90%) tinha acesso, em
domicílio ou a uma distância de até 30 A discussão sobre a acessibilidade financei-
minutos do local de residência, a fontes ra tem como pano de fundo o debate em re-
de água melhoradas, tais como poços lação à sustentabilidade e à recuperação
tubulares; poços escavados protegidos; total dos custos. Busca-se responder se é
mananciais protegidos; água de chuva; possível equilibrar os objetivos de susten-
chafariz ou torneiras públicas de água e tabilidade econômica, social e ambiental,
água encanada até o local de consumo. sem que a prerrogativa dos direitos hu-
Ainda assim, 207 milhões de pessoas – manos à água e ao esgotamento sanitário
em sua maior parte, mulheres – ainda (Dhaes – ver p. 205) se perca, sobretudo em
se deslocavam mais de 30 minutos por um contexto em que as normas de regula-
dia para coletar água, principalmente na ção dos serviços de saneamento tendem a
África Subsaariana. priorizar a sustentabilidade econômico-fi-
Nesse mesmo ano, na América Latina e nanceira da prestação dos serviços em re-
no Caribe, cerca de 21 milhões de pessoas gime de eficiência.5 Portanto, o sistema de
não tinham acesso a serviços de abasteci- cobrança pelos serviços (ver p. 106) deve
mento de água potável; já o acesso a servi- buscar, na composição de taxas e tarifas, a
ços de esgotamento sanitário era vedado modicidade tarifária, mediante uma políti-
a 83 milhões de pessoas.2 ca de subsídios que garanta efetivamente a
No Brasil, desigualdades socioeconô- acessibilidade financeira. O estabelecimen-
micas e regionais que são fruto de fatores to da tarifa social pode ser um importante
históricos, políticos, econômicos e sociais instrumento nesse contexto, desde que ela
incidem no acesso aos serviços de sanea- seja estruturada e bem alinhada com os
mento básico, atingindo particularmente princípios e elementos dos Dhaes.
aqueles grupos afetados por uma carên- É válido pontuar que a Lei de Saneamento
cia de outros serviços essenciais, como Básico inclui aspectos importantes de con-
educação, saúde e habitação, a saber, fa- trole social. Além disso, tal normativa
mílias de baixa renda e de menor escola- determina, em seu artigo 12, que a regula-
ridade, pessoas residindo no Norte e no ção, apesar de priorizar a sustentabilidade
Nordeste do país e a população rural e a econômica da prestação dos serviços, tam-
de periferias urbanas.3 Em 2017, apenas bém deve definir “as normas econômicas e
49% da população do país tinha acesso financeiras relativas às tarifas, aos subsí-
a serviços seguros de esgotamento sani- dios e aos pagamentos por serviços pres-
tário, que permitissem descartar em se- tados aos usuários e entre os diferentes
gurança os dejetos humanos no local, ou prestadores envolvidos”.6
realizar seu transporte e tratamento ex- Assim sendo, a acessibilidade financei-
terno. Além disso, o déficit de cobertura ra deve ser entendida como um elemento
nas zonas rurais do país era maior do que central da prestação dos serviços de sane-
nas áreas urbanas. Apenas pequena parte amento, pois tem um impacto direto na
da população rural, em contraste com os renda familiar e na promoção da saúde.
moradores urbanos, possuía acesso a ser- Consequentemente, ela cumpre um papel
viços de esgotamento sanitario.4 decisivo na diminuição das profundas de-

24
ACESSIBILIDADE FINANCEIRA

sigualdades sociais e na universalização abastecimento de água e saneamento são A


do acesso aos serviços públicos de sanea- maiores do que 5% da renda doméstica.9
mento básico no Brasil.
Acessibilidade
Medindo a financeira e planejamento
acessibilidade financeira
O conceito de acessibilidade financeira é
Recentemente, a questão da acessibilidade parte integrante da noção de universa-
financeira foi incluída explicitamente nos lização do acesso aos serviços de sane-
Objetivos do Desenvolvimento Sustentá- amento – um princípio consolidado no
vel (ODS), através da meta 6.1, que esta- Brasil a partir da Lei 11.445/2007, que
belece o compromisso de alcançar o acesso implica a possibilidade de acesso igual
universal e equitativo à água potável e se- para todas as pessoas, sem qualquer
gura para todas as pessoas até 2030. barreira, seja legal, econômica, física ou
A forma mais tradicional de avaliar essa cultural. Nesse sentido, o Plano Nacional
acessibilidade é o indicador de compro- de Saneamento Básico (Plansab – ver p.
metimento de renda, a proporção de gas- 457) – instrumento de implementação da
to com serviços em relação ao gasto total Política Federal de Saneamento Básico –
ou à renda familiar total.7 Há estudos que representou avanços no que diz respeito à
indicam valores limites a serem empenha- universalização e mostrou que a cobrança
dos, sugerindo que uma quantia entre 2% aos usuários pela prestação dos serviços
e 6% da renda familiar seja comprometida não é e, em muitos casos, não deve ser, a
com serviços.8 No entanto, tanto o indica- única forma de alcançar sua sustentabili-
dor quanto os limites sugeridos são alvos dade econômico-financeira.
de diversas críticas, sendo as principais as Uma das dificuldades no estabeleci-
seguintes: os valores médios distorcem os mento de avaliação e monitoramento
valores extremos; visto que o problema de adequados da acessibilidade financeira é
acessibilidade financeira está relacionado seu caráter de questão local.11 Diante des-
10

aos mais pobres, não é possível avaliar se se obstáculo, o planejamento municipal


o gasto com tais serviços impacta o aces- de saneamento torna-se estratégico para
so a outros direitos básicos, nem avaliar a a definição de políticas, diretrizes e cri-
qualidade dos serviços. térios, assim como para a designação de
Um relatório do Programa Conjunto fontes de recursos que assegurem a aces-
de Monitoramento (JMP, por sua sigla sibilidade financeira.
em inglês) para o abastecimento de água, Por essa razão, deve-se perguntar se o
saneamento e higiene da Organização serviço prestado é cobrado; quais são os
Mundial da Saúde (OMS) e do Fundo das meios usados na cobrança (taxas, tarifas
Nações Unidas para a Infância (Unicef) ou outros preços públicos); se existe al-
traz algumas estimativas de acessibi- gum tipo de subsídio para a população de
lidade financeira. Segundo o relatório, baixa renda (como a tarifa social) e como
a região da América Latina e do Cari- ele funciona. Essas questões devem com-
be apresenta proporção significativa de por o exercício das funções de regulação
população cujos gastos com serviços de e fiscalização do saneamento por parte

25
EIXO 1 - ASPECTOS ECONÔMICO-FINANCEIROS

dos municípios, especialmente com rela- pais com a saúde pública, tanto com rela-
ção aos contratos de prestação de serviços ção aos serviços de atenção básica, quanto
por agentes públicos e privados. Portan- das internações hospitalares, reduzindo
to, na definição dos objetivos e metas de os impactos do saneamento inadequado
saneamento, desdobrados em programas, sobre o Sistema Único de Saúde (SUS). Afi-
projetos e ações, a acessibilidade financei- nal, as populações que mais necessitam do
ra deve ser contemplada. SUS são aquelas com maior vulnerabilida-
Além disso, é preciso reforçar que a aces- de socioambiental (ver p. 786) e com maior
sibilidade financeira reduz gastos munici- urgência da acessibilidade financeira.

Referências bibliográficas
‘Notas de fim’
1 UN. The human right to water and sanitation: resolution adopted by the General
Assembly 64/292. New York: UN, 2010. Disponível em: https://digitallibrary.un.org/
record/687002. UN. The human rights to water and sanitation: resolution adopted
by the General Assembly 70/169. New York: UN, 2015. Disponível em: https://www.
un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/RES/70/169.
2 WHO/UNICEF JMP. Progress on household drinking water, sanitation and hy-
giene 2000-2017: special focus on inequalities. New York: WHO/UNICEF JMP,
2019. Disponível em: https://washdata.org. Acesso em: 19 out. 2019.
3 MCIDADES. Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab). Brasília: MCidades,
2014. Disponível em: https://www.cidades.gov.br/images/stories/ArquivosSNSA/
PlanSaB/plansab_texto_editado_para_download.pdf.
4 ALEIXO, B.; REZENDE, S.; PENA, J. L.; ZAPATA, G. P; HELLER, L. 2016. Direito
humano em perspectiva: desigualdades no acesso à água em uma comunidade rural
do nordeste brasileiro. Ambiente & Sociedade, São Paulo, v. 19, n. 1, p. 63-82, 2016.
Disponível em: https://doi.org/10.1590/1809-4422asoc150125r1v1912016.
5 BROWN, C.; HELLER, L. Affordability in the provision of water and sanitation ser-
vices: Evolving strategies and imperatives to realise human rights. International
Journal of Water Governance, v. 5, n. 2, p. 19-38, 2017. Disponível em: http://
www.ijwg.eu/pub/65.
6 QUEIROZ, V. C.; OLIVEIRA, M. V. C. Regulação e direitos humanos à água e ao esgo-
tamento sanitário. In: CONGRESSO NACIONAL DE SANEAMENTO DA ASSEMAE,
47, 2017, Campinas. Anais – 21ª Exposição de Experiência Municipais em Sanea-
mento. Assemae, 2017.
7 BRASIL. Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007. Estabelece as diretrizes nacionais
para o saneamento básico, cria o Comitê Interministerial de Saneamento Básico.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/_Ato2007-2010/2007/Lei/
L11445.htm.
8 HUTTON, G. Monitoring “Affordability” of water and sanitation services after
2015: review of global indicator options. A paper submitted to the UN Office of the
High Commissioner for Human Rights. 2012.

26
ACESSIBILIDADE FINANCEIRA

9 SMETS, H. Quantifying the affordability standard. In: LANGFORD, M.; RUSSELL, A. A


(ed.). The human right to water: theory, practice and prospects. Cambridge: Cam-
bridge University Press, 2017.
10 WHO/UNICEF JMP. Progress on drinking water, sanitation and hygiene: 2017
update and SDG Baselines. Geneva: WHO; Unicef, 2017. Disponível em: https://
www.who.int/water_sanitation_health/publications/jmp-2017/en.
11 TEODORO, M. Measuring household affordability for water and sewer utilities.
Journal Awwa, Denver, v. 110, n. 1, p. 13-24, 2018. Disponível em: https://doi.
org/10.5942/jawwa.2018.110.0002.

Para saber mais

COSTA, J. D. Direito Humano à água. In: CONTI, I. L; SCHROEDER, E. O. (org.) Convi-


vência com o Semiárido Brasileiro – v. 2. Autonomia e Protagonismo Social. Brasí-
lia: Editora Iabs, 2013. p. 147-157. Disponível em: http://plataforma.redesan.ufrgs.
br/biblioteca/mostrar_bib.php?COD_ARQUIVO=17909.
KISHI, S. Acesso à água potável e ao saneamento básico como direito humano fun-
damental no Brasil. Página web do MPF. Brasília: MPF, 2014. Disponível em:
http://w w w.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr4/dados-da-atuacao/projetos/
qualidade-da-agua/boletim-das-aguas/artigos-cientificos/acesso-a-agua-po-
tavel-e-ao-saneamento-basico-como-direito-humano-fundamental-no-brasil/
view.

Vídeo
SANEAMENTO básico como direito humano. Debatedores: Leo Heller e Guilherme
Franco Netto. 1 vídeo (120 min). Rio de Janeiro: CEE/FIOCRUZ, 2016. (Série Futu-
ros do Brasil). Disponível em: http://www.cee.fiocruz.br/?q=node/435.

Autoria deste verbete

Gisela P. Zapata. Doutora em Geografia Humana pela Universidade de Newcastle (In-


glaterra). Professora do Departamento de Demografia e pesquisadora do Centro de De-
senvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG).

Vitor Carvalho Queiroz. Engenheiro civil e mestre em saneamento, meio ambiente e


recursos hídricos pela UFMG. Possui experiência, principalmente, com políticas públi-
cas e gestão de saneamento e recursos hídricos.

27
EIXO 8 - GESTÃO DO SANEAMENTO

A
ADMINISTRAÇÃO DIRETA E INDIRETA

A forma de organização da administra- próprias do ente público, inclusive as


ção pública é elemento importante para funções de gestão de serviços públicos
o adequado exercício das funções e das relativas ao planejamento, à regulação e
atividades de responsabilidade do poder fiscalização e à prestação dos serviços.
público. A maioria das atividades públi- No entanto, por não serem pessoas ju-
cas pode ser realizada por organismos rídicas autônomas, não podem ser su-
administrativos diretamente vinculados jeitos de direitos e obrigações, ou seja,
à estrutura organizacional administra- não podem assumir responsabilidades
tiva do Poder Executivo municipal, es- próprias em relações jurídicas entre si
truturados conforme as áreas e objetivos ou com outras pessoas. A maioria dos
de sua atuação. No entanto, algumas ati- municípios ainda presta os serviços mu-
vidades e serviços públicos, em razão do nicipais de esgotamento sanitário, de
porte populacional e de suas complexi- manejo de resíduos sólidos e de manejo
dades técnicas e administrativas, reque- de águas pluviais por meio de órgãos da
rem a instituição de entidades públicas respectiva administração direta.
dotadas de personalidade própria, de Entidades autônomas são instituições
capacidades e competências específicas, e públicas ou estatais, com personalidade
de autonomia de gestão administrativa e jurídica própria, integrantes da admi-
financeira, para a maior eficiência e efeti- nistração indireta do ente federativo
vidade na realização de suas funções. que as criar, legalmente constituídas pa-
Conforme a Constituição Federal1, a or- ra a execução de atividades administra-
ganização administrativa dos entes federa- tivas típicas da Administração Pública,
dos (União, estados, municípios e Distrito inclusive as referidas funções de gestão
Federal) pode ter uma estrutura centrali- de serviços públicos.
zada – administração direta – constituída A administração direta pode execu-
por órgãos públicos internos (secretarias, tar determinada atividade ou prestar o
departamentos, coordenadorias etc.) e serviço público de forma concentrada,
uma estrutura descentralizada – adminis- em que todas as atribuições pertinentes
tração indireta – constituída por entida- são exercidas por um único órgão; ou de
des autônomas (autarquia, fundação, em- forma desconcentrada, em que as atri-
presa pública ou de economia mista). buições são repartidas entre diferentes
Órgãos públicos são unidades órgãos, conforme sua especialidade ad-
organizacionais da administração dire- ministrativa e técnica.
ta, sem personalidade jurídica própria, A entidade da administração indireta
integrantes de uma única pessoa jurídi- somente pode ser criada ou autorizada
ca (município), com competências para sua instituição por meio de lei específica,
execução de atividades administrativas conforme dispõe a Constituição Federal:

28
ADMINISTRAÇÃO DIRETA E INDIRETA

“Art. 37. ............. segurança nacional ou a interesse coletivo A


XIX – somente por lei específica poderá relevante. A empresa pública pode assumir
ser criada autarquia e autorizada a insti- qualquer das formas societárias admitidas
tuição de empresa pública, de sociedade em direito (sociedade anônima, sociedade
de economia mista e de fundação, caben- de responsabilidade limitada, comandita
do à lei complementar, neste último caso, etc.), bem como pode ter o capital formado
definir as áreas de sua atuação com a participação de entidades da admi-
XX - depende de autorização legislati- nistração indireta do poder público que a
va, em cada caso, a criação de subsidiá- instituir, e também de outros entes da Fe-
rias das entidades mencionadas no inciso deração e suas entidades.
anterior, assim como a participação de A empresa estatal instituída como
qualquer delas em empresa privada;” sociedade de economia mista difere da
A autarquia é definida no Decreto-Lei empresa pública quanto à composição do
Federal 200/19672 como sendo: “o serviço capital, que deve ter participação majori-
autônomo, criado por lei, com personali- tária absoluta do poder público no capital
dade jurídica, patrimônio e receitas pró- com direito a voto (ações ordinárias) e o
prias, para executar atividades típicas da comando da empresa, admitida a partici-
Administração Pública, para seu melhor pação de capital privado minoritária no
funcionamento, gestão administrativa e capital votante e ilimitada no capital não
financeira descentralizada”. Esta é a for- votante (ações preferenciais). Difere tam-
ma de organização de grande parte dos bém quanto à forma societária, que deve
serviços municipais de saneamento bási- ser obrigatoriamente sociedade anônima.
co, instituídos como serviços autônomos. No aspecto tributário, os entes fede-
A fundação pode ser constituída como rados e suas entidades de direito públi-
personalidade jurídica pública ou privada, co (autarquia, fundação) têm imunida-
caracterizando-se e atuando como espécie de tributária recíproca garantida pela
de autarquia especial, quando instituída Constituição Federal (art. 150, V, a; §2º).
para um fim específico, com patrimônio Jurisprudências do Supremo Tribunal
integralmente público e regida pelo direi- Federal (STF) admitem a extensão da
to público. Podendo ser atribuídas a ela imunidade tributária a empresas públi-
quaisquer funções administrativas pró- cas e a sociedades de economia mista
prias da administração pública, a exemplo prestadoras de serviço público de natu-
da Fundação Nacional de Saúde (Funasa). reza essencial e objeto exclusivo3. A imu-
Neste aspecto difere da autarquia somente nidade tributária significa que estas en-
quanto ao processo de instituição. tidades não estão sujeitas ao pagamento
A empresa pública é instituída com de impostos e contribuições da mesma
personalidade jurídica de direito privado, natureza cobrados por outros entes da
com patrimônio próprio e capital integral- Federação, como o Imposto de Renda da
mente público, constituída especialmente Pessoa Jurídica (IRPJ) e a Contribuição
para a prestação descentralizada de servi- para o Financiamento da Seguridade So-
ço público, ou para exploração de ativida- cial (Cofins) da União e o Imposto sobre
de econômica, quando esta for necessária a Propriedade de Veículos Automotores
para atender demandas imprescindíveis à (IPVA) dos estados.

29
EIXO 8 - GESTÃO DO SANEAMENTO

O convênio de cooperação é uma for- No entanto, quando houver constitui-


ma de associação administrativa entre ção de obrigações entre o município e o
entes públicos para a realização de servi- consórcio público, tal como a outorga da
ços e obras públicas sem constituir pes- prestação de serviço público, esta se pro-
soa jurídica autônoma. Quando o convê- cessará mediante a celebração de contra-
nio tiver por objeto a gestão associada to de programa, caracterizando neste ca-
dos entes federados para a prestação do so regime diferente da prestação direta.
serviço público de um deles por entidade A controversa Lei nº 14.026, de 20205,
pertencente ao outro, a prestação do ser- incluiu o §8º ao art. 13 da Lei nº 11.107,
viço é outorgada e regida por contrato de de 2005, vedando a formalização de novos
programa, conforme prevê a Lei Federal contratos de programa para a prestação de
11.107, de 2005 (art. 13)4. serviços públicos e saneamento básico. No
O consórcio público, por sua vez, é entanto, em claro conflito com essa nor-
uma associação entre entes federados. ma, a mesma lei incluiu o §1º ao art. 8º da
Pode ser constituído como associação Lei nº 11.445, de 2007, confirmando a pos-
pública, sob a forma de autarquia inter- sibilidade de gestão associada desses ser-
federativa regida pelo direito público, ou viços por meio de consórcio público ou por
como pessoa jurídica de direito privado convênio de cooperação entre entes da Fe-
sob a forma de associação civil. O con- deração, inclusive a sua prestação, porém,
sórcio público é constituído por contrato sem especificar o respectivo instrumento
cuja celebração depende da prévia subs- de outorga ou de delegação e restringindo
crição de protocolo de intenções e sua a referida vedação de formalização de con-
ratificação, mediante lei de cada um dos trato de programa apenas com sociedade
entes consorciados. de economia mista ou empresa pública de
O consórcio público constituído como ente consorciado ou conveniado.
associação pública (autarquia interfedera- A elaboração do Plano Municipal de Sa-
tiva) integra a administração indireta de neamento Básico (PMSB – ver p. 450) cons-
todos os entes da Federação consorciados. titui momento e oportunidade para que os
O município pode lhe outorgar funções ad- municípios identifiquem e avaliem a situa-
ministrativas, inclusive funções de plane- ção de sua organização administrativa para
jamento e de regulação e fiscalização dos a gestão desses serviços, bem como os de-
serviços de saneamento básico, custeadas safios e as ações necessárias para a sua ade-
por meio de contratos de rateio. quada (re)organização e (re)estruturação.

Referências bibliográficas

1 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm.
Acesso em: 31 ago. 2019.
2 BRASIL. Decreto-lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967. Dispõe sobre a organização
da administração federal e estabelece diretrizes para a reforma administrativa. Dis-
ponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0200.htm. Acesso
em: 12 set. 2019.

30
ADMINISTRAÇÃO DIRETA E INDIRETA

3 STF. Súmula nº 76. As sociedades de economia mista não estão protegidas pela imu- A
nidade fiscal do art. 31, V, a, Constituição Federal. Disponível em: http://www.stf.
jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumarioSumulas.asp?sumula=4104. Acesso em:
12 set. 2019.
4 BRASIL. Lei nº 11.107, de 06 de abril de 2005. Dispõe sobre normas gerais de con-
tratação de consórcios públicos. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/cci-
vil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11107.htm. Acesso em: 14 ago. 2020.
5 BRASIL. Lei nº 14.026, de 15 de julho de 2020. Atualiza o marco legal do sanea-
mento básico e altera a Lei nº 9.984, de 17 de julho de 2000, para atribuir à Agência
Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) competência para editar normas de
referência sobre o serviço de saneamento, a Lei nº 10.768, de 19 de novembro de
2003, para alterar o nome e as atribuições do cargo de Especialista em Recursos Hí-
dricos, a Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005, para vedar a prestação por contrato de
programa dos serviços públicos de que trata o art. 175 da Constituição Federal, a Lei
nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, para aprimorar as condições estruturais do sane-
amento básico no País, a Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, para tratar dos prazos
para a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos, a Lei nº 13.089, de
12 de janeiro de 2015 (Estatuto da Metrópole), para estender seu âmbito de aplica-
ção às microrregiões, e a Lei nº 13.529, de 4 de dezembro de 2017, para autorizar a
União a participar de fundo com a finalidade exclusiva de financiar serviços técni-
cos especializados. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-
2022/2020/Lei/L14026.htm. Acesso em: 14 ago. 2020.

Para saber mais

DI PIETRO, M. S. Z. Direito administrativo. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2007.


MELLO, C. A. B. de. Curso de direito administrativo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
CUNHA, D. Administração Pública: uma visão ampla da administração pública direta
e indireta. Jusbrasil, 26 ago. 2014. Disponível em: https://douglascr.jusbrasil.com.
br/artigos/135764506/administracao-publica-uma-visao-ampla-da-administracao-
-publica-direta-e-indireta. Acesso em: 12 set. 2019.
BRASIL. Lei nº 11.445, de 05 de janeiro de 2007. Estabelece diretrizes nacionais
para o saneamento básico. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
ato2007-2010/2007/lei/l11445.htm. Acesso em: 14 ago. 2020.
MCIDADES. Instrumentos das políticas e da gestão dos serviços públicos de Sane-
amento Básico. Brasília: MCidades, 2009. (Coletânea Lei Nacional de Saneamento
Básico: perspectivas para as políticas e gestão dos serviços públicos, livro 1). Dispo-
nível em: https://www.mdr.gov.br/images/stories/ArquivosSNSA/Arquivos_PDF/
Coletanea_Lei11445_Livro1_Final.pdf.
MCIDADES. Prestação dos serviços públicos de Saneamento Básico. Brasília: MCidades,
2009. (Coletânea Lei Nacional de Saneamento Básico: perspectivas para as políticas e
gestão dos serviços públicos, livro 2). Disponível em: https://www.mdr.gov.br/images/
stories/ArquivosSNSA/Arquivos_PDF/Coletanea_Lei11445_Livro2_Final.pdf.

31
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO BÁSICO

PEIXOTO, J. B. (org.). Criação e estruturação de serviços municipais e intermunici-


pais de saneamento básico. Brasília: Funasa; Assemae, 2017.

Autoria deste verbete

João Batista Peixoto. Consultor independente em gestão de serviços de saneamento


básico. Economista. Pós-graduado em Administração Financeira e Contábil pela Fun-
dação Getulio Vargas de São Paulo (FGV-SP).

A
AGÊNCIA REGULADORA, REGULAÇÃO E SEUS FUNDAMENTOS

A regulação do saneamento básico no cial”, a regulação tem origem nos países


Brasil foi uma das mais importantes ino- da common law (termo em inglês usado
vações da Lei 11.445/2007. A regulação nas ciências jurídicas para se referir a um
deve ser exercida por uma entidade pú- sistema de Direito cuja aplicação de nor-
blica autárquica que pode ser municipal, mas e regras não está escrita, mas sancio-
estadual ou mesmo constituída através nada pelo costume ou pela jurisprudên-
de um consórcio de municípios, a depen- cia). Nesses países, como o Reino Unido,
der da opção feita pelo município. Embo- a regra é a ausência de intervenção do Es-
ra essa atividade seja recente no setor e tado na atividade econômica, podendo o
ainda haja questionamentos sobre seus agente privado atuar livremente. Quando
limites e potencialidades, principalmen- o poder público impõe algum limite, diz-
te do ponto de vista jurídico, várias en- -se que a atividade está sendo regulada.
tidades ou agências reguladoras têm A lógica em países como o Brasil é di-
desempenhado importante papel. De ferente. A atividade regulatória dissemi-
acordo com a legislação, ao regulador nou-se no país ao longo dos anos 1990,
cabe estabelecer normas de caráter social, associada ao projeto de desestatização,
operacional e econômico, destacando-se quando foram separadas as atividades de
neste âmbito a definição das tarifas pa- elaboração da política, execução da ativi-
gas pelos usuários dos serviços. Ao regu- dade pelo agente privado e a regulação.
lador cabe também a função de fiscalizar Aqui, na medida em que um setor inicial-
a aplicação pelos prestadores das regras mente fechado se abria à participação do
estabelecidas no contrato de prestação, setor privado – quase sempre um serviço
assim como o estabelecimento de meca- prestado por empresa pública em caráter
nismos de averiguação e resolução de re- de monopólio –, criava-se uma agência re-
clamações de usuários. guladora com a finalidade, sobretudo, de
Como tarefa central do poder público estabelecer regras tarifárias e operacio-
no contexto do chamado “Estado geren- nais. A importação da figura da regulação

32
AGÊNCIA REGULADORA, REGULAÇÃO E SEUS FUNDAMENTOS

para o Direito brasileiro tem demandado ferentes demandantes tanto a qualidade A


adaptações e ajustes, ocorrendo de forma quanto o preço do bem ou serviço oferta-
lenta e por vezes conflituosa. do, o que impõe a necessidade de regula-
Existem no Brasil quase 50 agências ção da prestação destes serviços.
reguladoras de saneamento básico, com Em tese, a principal característica
foco quase sempre em água e esgoto. Esse das agências reguladoras é sua autono-
conjunto numeroso de agências regulado- mia técnica, administrativa e financeira
ras se justifica pelo fato de a titularidade em relação aos órgãos governamentais.
do saneamento ser municipal. Assim, o Isso estaria garantido pela existência de
município pode criar uma agência muni- mandatos fixos não coincidentes para os
cipal, instituir regulação consorciada com dirigentes, o que daria certa continuida-
outros municípios ou delegar a atribuição de às posições e decisões da agência, para
para o ente estadual. A recente atualiza- além dos ciclos governamentais.
ção do Marco Regulatório do Saneamen- Em geral, os membros do órgão dire-
to Básico atribuiu à Agência Nacional de tivo de uma agência são indicados pelo
Águas e Saneamento Básico (ANA) a com- titular do Executivo, mas dependem de
petência para definição de normas de re- uma sabatina no Legislativo. Subjacente
ferência para a atuação das agências regu- está a ideia liberal de que o fator políti-
ladoras de maneira a minimizar distintas co prejudicaria os processos de tomada
práticas regulatórias dentre as quase 50 de decisões técnicas. Assim, a tecnicida-
agências reguladoras. de das decisões das agências, ao lado da
transparência, seria outra característica
Contra “falhas de mercado” marcante dessas entidades. Existe uma
discussão teórica sobre os limites des-
Do ponto de vista econômico, as agências sa autonomia e os riscos de captura do
reguladoras justificam-se como instru- regulador pelo regulado,1-4 para além da
mentos para corrigir falhas de mercado. A evidência de que nenhuma instituição se
perspectiva liberal considera o mercado encontra blindada a influências externas.
a melhor forma de alocação de bens e ser- De todo modo, a razão de ser do regula-
viços, uma vez que a relação entre oferta e dor é buscar o equilíbrio em uma relação
demanda desses em um mercado competi- assimétrica entre três atores principais:
tivo com vários ofertantes e demandantes
levaria às melhores escolhas individuais e • prestador de serviços (às vezes, um
aos melhores resultados sociais possíveis. agente privado ou movido por uma ló-
Entretanto, alguns setores não permitem gica privada);
que essas escolhas ocorram. Quando de- • titular dos serviços (um ente do Estado);
terminado setor se configura como um • usuários dos serviços (sociedade em
monopólio natural, a estrutura de oferta geral).
dos serviços se dá de forma mais eficiente
por meio de um único prestador. Por outro O prestador de serviços está em situa-
lado, nessa condição, como é o caso dos ção de vantagem em relação aos demais,
serviços de água e de esgoto, este único pois gera e detém toda a informação re-
ofertante tem condições de impor aos di- levante, enquanto os usuários são hipos-

33
EIXO 1 - ASPECTOS ECONÔMICO-FINANCEIROS

suficientes em relação aos demais. Assim, prestador – que equivale ao valor arreca-
a despeito da semelhança, a relação regu- dado com o pagamento de todas as faturas
latória não se enquadra nos modelos de – deve cobrir pelo menos seus custos e os
governança, que supõem uma horizon- investimentos necessários para operação,
talidade entre as partes que raramente a qualidade e a universalização dos servi-
ocorre na prática. A autonomia em rela- ços. Eventuais prejuízos, porém, podem
ção a interesses ilegítimos seria, assim, comprometer a qualidade dos serviços.
requisito para essa busca de equilíbrio. Uma das tarefas da regulação, portan-
Contudo, um estudo recente encontrou to, é harmonizar esses dois elementos
que, dadas as dificuldades administrati- (modicidade tarifária e equilíbrio econô-
vas, técnicas e financeiras e as taxas re- mico-financeiro), sempre atentando para
gulatórias imperantes, o modelo regula- os benefícios coletivos de serviços com
tório preconizado pela Lei de Saneamen- qualidade para a sociedade atual e gera-
to implica a inviabilidade financeira de ções futuras. Ao incentivar o aumento da
uma entidade de regulação em 97% dos eficiência, o regulador busca fazer com
2.523 municípios analisados.5 que o prestador alcance o mesmo resul-
tado usando menos insumos ou alcance
Regulação na legislação resultado melhor usando os mesmos in-
sobre saneamento sumos. Dessa forma, diminui-se o custo
da prestação dos serviços e torna-se pos-
A Lei 11.445/2007 define, no art. 2°, prin- sível repassar ao usuário parte desse ga-
cípios que orientam a atuação do regu- nho na forma de redução na tarifa. Essa,
lador, nomeadamente: universalização, pelo menos, é a teoria.
atenção às peculiaridades locais, eficiên- A legislação estabelece, ainda, diretri-
cia e sustentabilidade econômica, dentre zes para a definição das tarifas pelo re-
outros. O art. 22 define, entre os objetivos gulador no artigo 29, entre as quais vale
da regulação, a definição de tarifas que citar: “ampliação do acesso aos serviços
“assegurem tanto o equilíbrio econômico-fi- para cidadãos e localidades de baixa renda;
nanceiro dos contratos quanto a modicidade geração dos recursos necessários para re-
tarifária, por mecanismos que gerem eficiên- alização dos investimentos; inibição do
cia e eficácia dos serviços e que permitam o consumo supérfluo; recuperação de custos
compartilhamento dos ganhos de produtivi- em regime de eficiência; e remuneração do
dade com os usuários” (destaques nossos). capital investido” (destaques nossos).
A capacidade de definir tarifas, portan- Há três formas principais de financiar
to, é um dos principais instrumentos para as obras necessárias à expansão e me-
o regulador realizar os objetivos previstos lhoria dos sistemas de água e de esgoto:
na legislação, conciliando fatores e inte- recursos do orçamento público (pagos
resses opostos. Para o prestador de servi- principalmente com tributos), recursos
ços, a tarifa é a principal fonte de receita tarifários (pagos pelos próprios usuários)
e deve garantir a sustentabilidade eco- e transferências (créditos ou doações,
nômica da prestação dos serviços. Para o normalmente de organismos internacio-
usuário, trata-se de obter o melhor serviço nais). No Brasil, existe um déficit histó-
ao menor custo possível. A receita total do rico para a universalização dos serviços

34
AGÊNCIA REGULADORA, REGULAÇÃO E SEUS FUNDAMENTOS

no saneamento, o que demanda investi- podem ser estabelecidas novas regras para A
mentos vultosos e também significativos a prestação de serviços, podendo-se intro-
recursos para financiar estes investi- duzir mecanismos de indução à eficiência
mentos. A tarifa pode ser instrumento (estabelecer incentivos para a redução de
importante de financiamento das obras custos, por exemplo), de geração de recur-
necessárias, o que colocaria o regulador sos financeiros para o cumprimento das
em uma posição importante na condução metas de ampliação do atendimento, entre
das políticas públicas, embora os países várias outras medidas. É também no pro-
que atingiram a universalização o te- cesso de revisão tarifária que o regulador
nham feito utilizando majoritariamente costuma ter espaço para reestruturação da
recursos orçamentários. tabela tarifária, que estabelece a regra de
cobrança dos usuários ou, em outras pa-
Regulação econômica e tarifária lavras, a forma como se divide a receita do
dos serviços de saneamento prestador entre as diferentes categorias de
usuários e níveis de consumo.
A atuação do regulador em matéria eco- Em geral, a regulação tarifária funcio-
nômica dá-se, sobretudo, por meio de na na forma de ciclos tarifários, que cor-
dois processos de alteração das tarifas: respondem ao período entre duas revi-
o reajuste tarifário e a revisão tarifária. sões tarifárias. Nesse intervalo, vigoram
O reajuste tarifário é o procedimento de determinadas regras para a evolução dos
atualização dos valores das tarifas para serviços e as tarifas são mantidas cons-
recompor perdas sofridas com a inflação tantes em termos reais, sendo seus valo-
em determinado período. Quando se diz, res meramente reajustados a cada ano. Ao
portanto, que “as tarifas foram reajusta- final do ciclo, o regulador observa qual foi
das”, quer-se unicamente informar que o nível de aumento da eficiência (chama-
houve uma atualização dos preços consi- do “ganho de produtividade”) e o reparte
derando o impacto da inflação sobre os com os usuários via redução nas tarifas.
custos da prestação dos serviços. O rea- Novas regras são definidas para o próxi-
juste anual das tarifas de água e esgoto mo ciclo, de modo que o prestador tenha
serve, assim, para absorver esses aumen- sempre algum aspecto para aprimorar.
tos, mantendo o mesmo nível de receita A duração dos ciclos influencia a efetivi-
real e garantindo as condições para que os dade dos incentivos, oscilando normal-
serviços sejam prestados pelo menos no mente entre dois e cinco anos, podendo
mesmo nível de qualidade e abrangência. ser inferior em casos especiais. A defini-
A revisão tarifária, por outro lado, é ção precisa da duração do ciclo depende
procedimento mais complexo e tem fina- de fatores como: nível de informações do
lidade distinta. Para além da atualização regulador sobre o prestador, déficit dos
de valores perante a inflação, na revisão serviços e necessidades de investimento.
tarifária reavaliam-se as condições da Além dos processos de reajuste e revi-
prestação dos serviços e reconstroem-se sões tarifárias, a regulação econômica
os custos do prestador, podendo ocorrer trata de outros assuntos, especialmente
aumento ou diminuição do nível de re- relacionados à forma como a receita ta-
ceita, a depender da situação. Além disso, rifária estabelecida para os prestadores

35
EIXO 1 - ASPECTOS ECONÔMICO-FINANCEIROS

de serviços será cobrada dos usuários. O do consumo efetivo, cobriria os custos


conjunto de regras que consolida a forma variáveis recorrentes – energia elétrica,
de cobrança é sintetizado nas tabelas ta- materiais de tratamento, pessoal etc.
rifárias. Elas indicarão como o usuário Independentemente do modelo, a recei-
irá pagar de acordo com o seu consumo ta total do prestador deve ser a mesma.
dos serviços, com sua categoria (residen- Esse ponto é importante, pois, por trás de
cial, comercial, industrial ou pública) e questionamentos recorrentes, sobretudo
com o serviço que está sendo prestado na justiça, a respeito da tarifa com consu-
(água e/ou esgoto). Para a construção mo mínimo, existe a ideia de que o pres-
das tabelas tarifárias, o regulador busca tador estaria cobrando “a mais”, isto é, de
atender a três princípios fundamentais que estaria “lucrando indevidamente” à
estabelecidos pela legislação: custa do usuário. Isso não procede, pois
o nível de receita do prestador é definido
• aderência aos custos incorridos pelo pela agência reguladora e rateado entre
prestador; os usuários de acordo com a forma de co-
• sinalização do consumo consciente de brança. Além disso, muitos prestadores
água pelos usuários; são autarquias e não têm fins lucrativos.
• e capacidade de pagamento dos usuários.
Progressividade
Consumo mínimo x tarifa
com partes fixa e variável Seguindo os objetivos estabelecidos na
legislação, o regulador deve procurar in-
A modalidade da cobrança pelo consumo centivar o consumo consciente por meio
mínimo – originária do Plano de Sanea- de tarifas progressivas. Assim, as tari-
mento Básico do regime militar, o Pla- fas aumentam conforme a faixa de con-
nasa –, é a mais comum no Brasil. Nesse sumo, o que significa dizer que quanto
caso, o usuário pagaria no mínimo o valor maior o consumo, maior o valor do m³. A
equivalente a um consumo de 10 metros progressividade tende a ser maior para a
cúbicos (m³) – em alguns casos 6 m³ –, categoria residencial, de modo que o uso
mesmo se tiver consumido menos que es- essencial é associado a tarifas menores
sa quantidade no mês. e o consumo supérfluo é desestimulado
No modelo da tarifa com partes fixa e com tarifas maiores. As faixas de baixo
variável, procura-se garantir que o pres- consumo têm tarifas subsidiadas, pois se
tador tenha uma receita garantida; que o trata de volume destinado a necessidades
usuário diminua seu nível de consumo; básicas de consumo, higiene e saúde, em
que o volume de fato consumido seja inte- linha com a própria abordagem do direi-
gralmente contado na fatura. A parte fixa to humano à água.
refere-se à distribuição dos custos fixos As faixas intermediárias referem-se a
com a infraestrutura de prestação dos uso misto, agrupando famílias maiores
serviços aos usuários como um todo, pa- que possuem consumo consciente e fa-
ra que contribuam financeiramente para mílias com poucos integrantes, mas que
sua disponibilização. A parte variável, consomem acima do necessário. Estas
medida no hidrômetro e paga em função faixas devem possuir tarifas intermedi-

36
AGÊNCIA REGULADORA, REGULAÇÃO E SEUS FUNDAMENTOS

árias, sem subsídios e próximas do custo pagar pelo serviço. Muitas vezes nem se- A
médio de produção. Já faixas de consumo quer se conecta à rede pública, tornando
maiores caracterizam-se por agrupar uni- ociosa a infraestrutura implantada pelo
dades com consumo supérfluo, variando prestador. Nessa dinâmica, é importante
em grande medida devido ao nível de ri- ponderar a existência de dois benefícios
queza do usuário e à pouca preocupação diferenciados na prestação dos serviços:
com o uso consciente da água. Neste caso, benefício individual do usuário via coleta
espera-se que haja uma tarifação elevada, e afastamento do esgoto (saúde) e benefí-
que busque inibir excessos dos usuários e cio coletivo da bacia via tratamento (am-
que permita, em parte, o financiamento biental). Tais aspectos devem ser perce-
de subsídios (ver p. 679). bidos pelos reguladores na definição das
tarifas de esgotamento sanitário.
Tarifas de esgoto
Tarifa social
Enquanto a cobrança da água se dá pela
medição do consumo no hidrômetro, a Vigora no setor de saneamento a ideia de
cobrança pelo serviço de esgoto decor- que se deve pagar pelo serviço, com o cus-
re também do consumo da água. Nesse to coberto pelas tarifas cobradas. Entre-
sentido, o volume consumido de água tanto, nem sempre os usuários têm condi-
é a referência usual para aplicação das ções de fazê-lo. Nesse sentido, o regulador
tarifas de esgoto. Essas, por sua vez, são pode estabelecer subsídios, diminuindo
estabelecidas também como um percen- os valores cobrados de alguns e compen-
tual da tarifa de água. Tal configuração sando com aumento nos valores cobrados
regulatória existe em função da impos- dos demais. Dessa discussão, surge a tari-
sibilidade econômica de medir os esgotos fa social, que concede reduções de tarifa
gerados nos imóveis. aos usuários com baixa capacidade de pa-
Dessa maneira, por mais que nem toda gamento. Essas medidas têm fundamento
a água consumida seja direcionada para nos conceitos de equidade (tratamento
as redes públicas de esgotamento sanitá- diferenciado dos diferentes, para equali-
rio, o mais comum no Brasil é espelhar zar desigualdades) e focalização (conjun-
a cobrança pelos serviços de esgoto no to de ações específicas para determinado
consumo de água dos usuários. Tratan- tipo de público – no caso, usuários sem
do especificamente da construção das capacidade de pagamento).
tarifas de esgoto, o regulador deve estar Existem diferentes critérios para a
atento aos incentivos dados e subsídios focalização, isto é, para a definição dos
gerados. É possível, por exemplo, que as beneficiários da tarifa social. Alguns de-
tarifas de água subsidiem as tarifas de es- les (a exemplo de área do imóvel, volume
goto, pois os custos desse serviço são em consumido, tipo de construção e locali-
geral superiores aos de água. Enquanto o zação do imóvel) não refletem necessa-
abastecimento de água é uma necessidade riamente a condição socioeconômica do
(deseja-se ter acesso ao serviço), o usuá- usuário. Seu uso pelo regulador poderia
rio em geral se satisfaz em ver-se livre do levar a distorções: atribuir desconto a
esgoto e, assim, nem sempre se dispõe a usuário sem necessidade ou excluir usuá-

37
EIXO 1 - ASPECTOS ECONÔMICO-FINANCEIROS

rio que tem necessidade do desconto. Por as metas estabelecidas. Como os recur-
isso, é importante que o regulador este- sos para investimento são escassos, a
ja atento e procure estabelecer critérios tarifa torna-se fonte importante para o
socioeconômicos. prestador realizar as obras necessárias
No Brasil, entretanto, o critério que para a ampliação do acesso e melhoria
vem sendo empregado de maneira cres- na qualidade dos serviços. Regulação e
cente é a renda do usuário. E, para per- regulador são, assim, agentes implemen-
ceber qual é a renda dos usuários dos tadores das disposições do PMSB, que
serviços, os reguladores utilizam geral- aponta a direção a seguir.
mente o Cadastro Único (CadÚnico). Esse Munido das informações apresentadas
aspecto da regulação tarifária é extre- no PMSB, especialmente no que trata da
mamente importante em um país como necessidade de investimentos em sanea-
o Brasil, marcado pela desigualdade so- mento no município, o regulador, no pro-
cial, sobretudo em um contexto em que cesso de revisão tarifária, poderá avaliar
restrições orçamentárias colocam a tarifa o que está considerado no planejamento
como fonte essencial de recursos para in- municipal de saneamento, dotando o
vestimento no saneamento. Trata-se, ali- prestador de serviços de capacidade fi-
ás, de uma das principais dimensões do nanceira para execução das obras.
direito humano à água e ao esgotamento Para uma adequada consideração dos re-
sanitário (Dhaes – ver p. 205). cursos para os investimentos previstos no
planejamento municipal de saneamento, o
Regulação e PMSB regulador avalia o impacto desta incorpo-
ração nas tarifas. Procurando balancear
Segundo a atual regulamentação da Lei necessidade de investimentos com capaci-
de Saneamento, os municípios, como titu- dade de pagamento dos usuários, ele pode
lares dos serviços de saneamento, devem optar por um processo mais gradual de in-
editar por meio de legislação específica corporação do PMSB nas tarifas, a fim de
algumas normas de regulação, especifica- não onerar em excesso os usuários. Outro
mente no que se refere aos “direitos e obri- aspecto relevante associado à análise de
gações dos usuários e prestadores, bem como viabilidade econômica das ações do Plano
às penalidades a que estarão sujeitos”; e aos nas tarifas é a capacidade de execução dos
“procedimentos e critérios para a atuação das investimentos pelo prestador. Não há sen-
entidades de regulação e de fiscalização”.6 Por tido em dotar a tarifa de vultuosos recursos
sua vez, compete à entidade de regulação se o prestador não é capaz de executá-los.
ajudar o município a exercer sua atribui- De toda forma, o planejamento muni-
ção de regulação pública e editar normas cipal de saneamento é fundamental para
referentes às dimensões técnica, econô- uma correta construção das tarifas pelo
mica e social de prestação dos serviços. regulador, que deverá perceber as neces-
Entendendo o Plano Municipal de Sa- sidades indicadas pelo município. Em sín-
neamento Básico (PMSB – ver p. 450) co- tese, embora haja questionamentos sobre
mo o pacto local para a universalização seus limites e potencialidades, a regula-
dos serviços, a regulação econômica deve ção, como ingrediente essencial da gestão
trabalhar no sentido de operacionalizar dos serviços de saneamento municipal, é

38
AGÊNCIA REGULADORA, REGULAÇÃO E SEUS FUNDAMENTOS

uma ferramenta-chave para garantir que neamento Básico quando a prestação dos A
os contratos de prestação dos serviços serviços acontecer de forma regionaliza-
por agentes públicos ou privados visem da. Na existência dos planos regionais, fica
à universalização do acesso aos serviços, dispensada a elaboração dos planos muni-
e consequentemente à redução das desi- cipais para aqueles municípios que inte-
gualdades sociais e ao desenvolvimento grem a prestação regional. De todo modo,
socioeconômico do município. mesmo numa configuração regionalizada,
Necessário destacar que a atualização o plano de saneamento se apresenta como
do Marco Regulatório Nacional do Sane- instrumento fundamental para a elabora-
amento Básico apresentou a possibilidade ção das tarifas pela Regulação nos termos
da elaboração de planos regionais de Sa- discutidos nesta seção.

Referências bibliográficas

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federais: abrangência e limites. Âmbito Jurídico, Rio Grande, v. 15, n. 98, mar. 2012.
Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/o-po-
der-normativo-e-regulador-das-agencias-reguladoras-federais-abrangencia-e-limites/.
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subnacional dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário sob a Lei
11/445/2007. Revista Científica da Abes, São Paulo, v. 13, n. 2, p. 134-43, abr./jun. 2008.
3.GALVÃO JUNIOR, A. C. Desafios para a regulação do saneamento básico no Brasil.
In: PROENÇA, J. D.; COSTA, P. V.; MONTAGNER, P. (ed.). Desafios da regulação no
Brasil. . Brasília: Enap, 2009. p. 275-307.
4. RAMALHO, P. I. S. Regulação e agências reguladoras: reforma regulatória na década
de 1990 e desenho institucional das agências no Brasil. In: RAMALHO, P. I. S (org.).
Regulação e agências reguladoras: governança e análise de impacto regulatório.
Brasília: Anvisa, 2009.
5. GALVÃO JUNIOR, A. C.; TUROLLA, F. A.; PAGANINI, W. S. Viabilidade da regula-
ção subnacional dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário sob
a Lei 11/445/2007. Revista Científica da Abes, São Paulo, v. 13, n. 2, p. 134-43, abr./
jun. 2008.
6. BRASIL. Decreto 7.217, de 21 de junho de 2010. Regulamenta a Lei nº 11.445, de 5 de ja-
neiro de 2007, que estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/decreto/d7217.htm.

Para saber mais

BUTTO, S. Implantação da regulação e sistema de indicadores: pré-diagnóstico e de-


safios. Setor de água e esgotamento sanitário. Abes; BID, 2014. (Projeto de Regulação
do Setor de Água e Saneamento). Disponível em: http://abes-dn.org.br/regulacao/ar-
qs/parte%202%20-%20Implantacao%20Regulacao%20e%20Indicadores%20-%20
Sebastian%20Butto.pdf.

39
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO BÁSICO

MENEGUIN, F. B.; PRADO, I. P. Os serviços de saneamento básico, sua regulação e


o federalismo brasileiro. Brasília: Núcleo de Estudos e Pesquisas/Conleg/Senado,
2018. Textos para discussão n. 248. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/
publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/textos-para-discussao/td248.
MONTENEGRO, M. H. Regulação dos serviços públicos de saneamento e qualidade
da água para consumo humano. Brasília: Adasa, 2011. Disponível em: http://www.
fiocruz.br/omsambiental/media/MontenegroSaneamento.pdf.

Autoria deste verbete

Raphael Castanheiro Brandão. Economista com graduação e mestrado pela UFMG.


Coordenador de Regulação Econômica na Agência Reguladora de Serviços de Abasteci-
mento de Água e Esgotamento Sanitário do Estado de Minas Gerais (Arsae-MG).

Matheus Valle de Carvalho e Oliveira. Graduado em Direito pela UFMG, mestre em


Sociologia e doutor em Geografia pela Université Sorbonne Nouvelle – Paris (França)
e pós-doutor pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Exerceu cargos de assessor da
Coordenadoria Econômica e chefe de gabinete na Arsae-MG.

Gisela P. Zapata. Doutora em Geografia Humana pela Universidade de Newcastle (In-


glaterra). Professora do Departamento de Demografia e pesquisadora do Centro de De-
senvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da UFMG.

Vitor Carvalho Queiroz. Engenheiro civil e mestre em Saneamento, Meio ambiente e Re-
cursos Hídricos pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Possui experiência
principalmente com políticas públicas e gestão de saneamento e recursos hídricos.

A
AGROECOLOGIA

A agroecologia, entendida como um pro- pansão da agricultura urbana e periur-


cesso de transição para a produção de bana, presente em diversas cidades do
alimentos saudáveis na perspectiva da país. Sua relação com as tecnologias so-
soberania alimentar, já é uma realida- ciais de saneamento ecológico amplia as
de no Brasil, seja nos agroecossistemas potencialidades de territórios saudáveis
no campo, nos sistemas agroflorestais e sustentáveis, com geração de trabalho
agroecológicos ou nas práticas de cul- e renda e organização comunitária.
tivo e extrativismo das populações das O modelo de agricultura hegemônica
florestas e das águas. Ou, ainda, na ex- no Brasil está marcado por profundas

40
AGROECOLOGIA

injustiças socioambientais, impulsiona- pesquisa sobre princípios ecológicos de A


das pela chamada Revolução Verde – um produção agrícola, contribuindo para
modelo responsável por doenças e mor- estudos, para o desenho e o manejo dos
tes, que tem no uso de agrotóxicos uma agroecossistemas. A partir disto, torna-
expressão de seu potencial destrutivo.1 -se possível propor alternativas ao atual
modelo agropecuário, fundamentado na
Fortalecendo relações com monocultura e no uso de agrotóxicos, de
a produção de alimentos transgênicos e de fertilizantes sintéti-
cos. Enquanto prática social da agricul-
Diversos estudos têm comprovado os tura, a agroecologia está associada a um
impactos à saúde do uso crescente e conjunto de experiências de trabalho,
perigoso de agrotóxicos no Brasil, por incluindo o manejo do solo (entendido
exemplo, o Dossiê Abrasco: Impactos dos como um organismo vivo), das águas,
Agrotóxicos na Saúde.2 dos efluentes, dos resíduos orgânicos,
De autoria de relatores do Conselho de das agroflorestas e, consequentemente,
Direitos Humanos da Organização das da biodiversidade. Por fim, a agroecolo-
Nações Unidas (ONU), o relatório Efeitos gia consiste em um programa político
dos Agrotóxicos no Direito à Alimentação3 construído historicamente pelas popu-
reporta os graves impactos ambientais lações do campo, da floresta e das águas
e à saúde humana desses produtos e re- em defesa de seus territórios e de seus
comenda a promoção da agroecologia. modos de vida, da produção e reprodu-
Segundo esse documento, há estudos ção da vida cotidiana, em intensa rela-
indicando que a agroecologia é capaz de ção com a natureza – um movimento so-
produzir alimentos em quantidade sufi- cial. Desse modo, a agroecologia resgata
ciente para toda a população mundial e e busca fortalecer relações com a produ-
garantir sua nutrição adequada.4 ção de alimentos que a Revolução Verde
Diante da crise ambiental e civilizatória buscou destruir.
evidenciada na destruição da natureza e
de suas consequências visíveis – como as Histórico da agroecologia no Brasil
mudanças climáticas, o aumento da fome
e da pobreza e o aprofundamento das de- No nosso país, muitas alternativas téc-
sigualdades sociais –, tornam-se necessá- nicas e organizacionais hoje consagradas
rias a superação de concepções cartesia- na agroecologia foram promovidas pelas
nas, produtivistas e elitistas e a afirmação comunidades eclesiais de base (CEBs). A
da ecologia de saberes, envolvendo ciên- partir da valorização dos ambientes lo-
cia, cultura e arte, e visando à democra- cais de organização sociopolítica criados
tização dos sistemas agroalimentares.5,6 por elas, o movimento agroecológico no
Pode-se dizer que a agroecologia está país deu seus primeiros passos.7
formada por três dimensões: a produ- Em vários estados brasileiros, o proces-
ção científica, a agricultura como prá- so de mobilização junto ao campesinato8
tica social e a atuação como movimen- tornou-se sistemático no final da década
to social. Enquanto ciência, essa área de 1970. Estima-se que existiam, nessa
constitui uma fonte de informação e época, cerca de 80 mil CEBs em atuação.7

41
EIXO 9 - TERRITORIALIZAÇÃO EM SAÚDE

Elas organizavam suas ações a partir do No final da década de 1990, movi-


cotidiano das famílias, articulando-o a mentos sociais populares do campo,
dimensões mais amplas, relacionadas à em especial aqueles vinculados à Via
resistência contra o modelo hegemônico Campesina, incorporam o debate agro-
de desenvolvimento rural. Eram valoriza- ecológico à sua estratégia política, com
das as práticas culturais locais, as inicia- contribuições e experiências relevan-
tivas inovadoras das famílias e as formas tes para a área.11 Ainda nessa década,
de convívio social e cooperação voltadas encontros de agroecologia começam a
a otimizar o uso dos recursos locais para acontecer e, em 2002, a Articulação Na-
a construção de níveis crescentes de au- cional de Agroecologia (ANA) é consti-
tonomia material, soberania alimentar e tuída. Esse é um espaço de articulação e
conhecimento nas comunidades rurais. convergência entre movimentos, redes e
Em 1983, após um trabalho de identi- organizações da sociedade civil brasilei-
ficação de experiências bem-sucedidas, ra, engajadas em experiências concretas
pautadas pelo estímulo ao uso de tecno- de promoção das práticas agroecológi-
logias e processos alternativos à Revo- cas, de fortalecimento da produção fa-
lução Verde e fundadas nas capacidades miliar e de construção de alternativas
organizativas locais, foi criado o Projeto sustentáveis de desenvolvimento rural.
Tecnologias Alternativas (PTA), vincu- Em 2004, cria-se a Associação Brasileira
lado institucionalmente à Federação de de Agroecologia (ABA), reunindo prin-
Órgãos para Assistência Social e Educa- cipalmente pesquisadores, professores
cional (Fase). A partir de 1988, equipes universitários, técnicos da extensão ru-
locais do PTA criaram ONGs e trabalhos ral, entidades e movimentos sociais.12
em agroecologia em sindicatos, como a Essas entidades e seus agrupamentos
Assessoria e Serviços a Projetos em Agri- em rede passam a atuar como sujeitos
cultura Alternativa (AS-PTA).7 políticos e pedagógicos, interferindo di-
O uso do termo agroecologia popula- retamente não apenas em atividades em
rizou-se nos anos 1980, a partir dos tra- escala local, mas também na elaboração
balhos de Miguel Altieri.9 A pesquisadora de políticas públicas, a exemplo da Polí-
Ana Primavesi,10, importante referência tica Nacional de Agroecologia e Produção
da área, foi pioneira no entendimento do Orgânica (Pnapo), regulamentada pelo
solo como organismo vivo e na crítica à Decreto 7.794/2012,13 e de diversas polí-
utilização de tecnologias importadas.11 ticas e iniciativas estaduais e municipais.
A agroecologia tem como princípio fun-
damental o reconhecimento dos agricul- Uma prática social
tores e seus familiares, das comunidades
camponesas e de todos os povos tradi- A agroecologia é uma prática social ances-
cionais, atribuindo-lhes centralidade no tral e contemporânea que se constitui na
manejo dos agroecossistemas. Eles são, interface entre a ciência e a sabedoria po-
portanto, os principais promotores agro- pular e um movimento político de trans-
ecológicos e é a partir de sua atuação que formação. Ela propõe, mais do que um mo-
as práticas e ações de promoção de sanea- do de fazer agricultura de base ecológica,
mento e de saúde se desenvolvem. uma estratégia para promover equilíbrio

42
AGROECOLOGIA

no convívio em sociedade, com justiça so- ambiental (ver p. 577), por exemplo, au- A
cial, valorização cultural, fortalecimento mentando a permeabilidade dos solos,
comunitário, conservação ambiental e evitando erosões e reduzindo a demanda
produção de alimentos saudáveis. Desse de drenagem. Outros impactos positivos
modo, a agroecologia visa configurar siste- consistem na ampliação da demanda por
mas alimentares integrados e virtuosos, compostagem de resíduos orgânicos, re-
tanto em seus componentes de produção, dução dos usos inadequados de terrenos
distribuição e consumo em diferentes esca- baldios e da presença de vetores, contri-
las – local, regional e global –, quanto em buindo para a melhoria das condições
seus componentes de produção e reprodu- climáticas, e fortalecimento das relações
ção da vida em diferentes territórios. comunitárias e da educação popular em
Em diversas cidades do Brasil e em ou- saneamento e saúde (ver p. 232).
tros países, a agricultura urbana e periur-
bana de base agroecológica já é um impor- Em defesa da soberania alimentar
tante vetor de geração de trabalho, renda
e qualidade de vida. Em muitos casos, A soberania alimentar, como estraté-
adere à perspectiva da economia solidária, gia da agroecologia, é definida como o
operando por meio de cooperativas, feiras conjunto de políticas públicas e sociais
agroecológicas e orgânicas, quintais pro- adotadas em povoados, municípios, re-
dutivos e sistemas agroflorestais (SAFs), giões e países para garantir que, em cada
entre outras modalidades de articulação. localidade, a população tenha o direito e
Além disso, em algumas cidades, tem-se as condições de produzir seus próprios
ampliado, com apoio do poder público, a alimentos saudáveis e diversificados,
escala da produção agrícola, que passa a valorizando culturas, técnicas e saberes
ser realizada na zona rural e na área pe- tradicionais. Assim, o agricultor e sua fa-
riurbana, tornando-se um componente mília são entendidos como parte de um
importante da urbanidade, da resiliência ecossistema produtor de um ambiente
nos centros urbanos e do desenvolvimento saudável e de bem-viver. Entender que o
saudável e sustentável dos municípios. acesso à água e ao esgotamento sanitário
Na perspectiva do saneamento, a agro- é um direito humano é determinante pa-
ecologia pode ser entendida como uma ra garantir soberania alimentar.
área estratégica, com o potencial de con- Ao considerar o saneamento e desen-
tribuir para a elaboração de soluções volvimento rural solidário e sustentável
sanitárias em diferentes dimensões: na como um de seus marcos referenciais, o
adequação das tecnologias utilizadas às Programa Nacional de Saneamento Rural,
condições locais, aos objetivos sanitários atualmente denominado como Programa
almejados e aos insumos disponíveis e Saneamento Brasil Rural (PSBR – ver p.
também no uso combinado dessas tec- 525), é um divisor de águas na atualiza-
nologias em função das necessidades de ção teórico-conceitual dessa problemática,
produção de alimentos. uma vez que indica a relevância da cor-
A expansão desses programas e pro- relação entre produção agrícola e sanea-
jetos em curso pode trazer grandes mento básico para a promoção da saúde:
benefícios em matéria de saneamento “A agricultura familiar, além do extrativismo,

43
EIXO 9 - TERRITORIALIZAÇÃO EM SAÚDE

decorre das práticas e técnicas das experiên- A2.3 - Promover articulações com os ór-
cias de vida das comunidades tradicionais, dos gãos ambientais, de assistência técnica,
quilombolas e dos povos indígenas. Por outro extensão rural e agropecuários das esferas
lado, carrega em si a possibilidade da transi- municipal, estadual e federal, visando à
ção agroecológica. Neste modelo de produção, proteção, preservação e recuperação das co-
a visão integrada do agroecossistema conduz leções hídricas."
a uma produção livre de agrotóxicos e fertili-
zantes, adaptada às condições locais, com in- Nesse sentido, a interação dos agentes
sumos geralmente produzidos a partir de ma- públicos do saneamento, da saúde, da edu-
térias-primas geradas na propriedade. Além cação e da assistência técnica e extensão
disso, a agroecologia se utiliza de tecnologias rural – cujo maior contingente com capila-
sociais, que contribuem para a preservação e ridade se encontra nas áreas rurais –, com
recuperação dos solos e das águas.”14 os agentes sociais, entidades, movimentos
Consta da diretriz do PSBR15 a reco- sociais e população em geral é fundamen-
mendação de “adotar estratégias que as- tal para sua qualificação profissional, com
segurem a interlocução, articulação e in- benefícios para o planejamento, a elabora-
tersetorialidade das ações de saneamento ção e a efetividade das ações estruturais e
rural com as políticas públicas afins e com estruturantes desempenhadas.
planos municipais, estaduais e regionais de Assim, quando o planejamento munici-
saneamento, visando garantir a implemen- pal do saneamento considera estratégias
tação do programa”. Para implementá-la, específicas de atuação em territórios agro-
destacam-se as estratégias A2.1 e A2.3: ecológicos, além de fortalecer essa prática
no município, contribui para uma maior
"A2.1 - Articular ações e programas de sane- efetividade e sustentabilidade das ações
amento rural com outras políticas correlatas, de saneamento. Isso ocorre no momento
promovendo integração e cooperação técnica em que tais ações deixam de ser vistas
entre as equipes de saneamento, de saúde, de apenas como tecnologias ou práticas de
educação, de assistência técnica e extensão ru- saneamento, tornando-se soluções apro-
ral e demais políticas públicas que alcancem as priadas, conforme o modo de produção e
áreas rurais. reprodução da vida desses agricultores.

Referências bibliográficas

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EIXO 9 - TERRITORIALIZAÇÃO EM SAÚDE

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Natália Neves. Brasília: TV Brasil, 12 mar. 2020. 1 vídeo (26 min). (Caminhos da
Reportagem). Disponível em: https://tvbrasil.ebc.com.br/caminhos-da-reporta-
gem/2019/04/agricultura-urbana. Acesso em: 30 nov. 2019.
AGROFLORESTA é mais. Direção e roteiro: Beto Novais. Argumento: Jonas Aparecido
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MIGUEL Altieri. Direção: Emilio Rodrigues. Produção: Ângela Santos e Augusto Espe-
rança. São Paulo: TV Cultura, 26 abr. 2004. 1 vídeo (79 min). (Roda Viva). Disponível
em: https://tvcultura.com.br/playlists/51_roda-viva-educacao_PTd-NzZStEQ.html.
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O QUE é agrofloresta. Produção: Orgânico Filmes. São Paulo: Orgânico Simples, 8 ago.
2017. 1 vídeo (6 min). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=fdxPs-
0-gx2k. Acesso em: 1 fev. 2020.

Autoria deste verbete

Alexandre Pessoa Dias. Engenheiro civil sanitarista, mestre em Engenharia Ambien-


tal, doutor em Medicina Tropical. Professor-pesquisador do Laboratório de Educação
Profissional em Vigilância em Saúde (Lavsa) da Escola Politécnica de Saúde Joaquim
Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz).

Bernardo Aleixo de Sousa Cruz. Graduado em Engenharia Civil pela Universidade Fe-
deral de Minas Gerais (UFMG), mestre e doutor em Saneamento, Meio Ambiente e
Recursos Hídricos pela UFMG. Servidor da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), com
experiência na área de engenharia sanitária e saneamento rural.

Gislei Siqueira Knierim. Psicóloga/pedagoga, mestre em Saúde Pública, doutoranda em


Agroecologia e Desenvolvimento Territorial. Pedagoga-pesquisadora do Programa de
Promoção à Saúde, Ambiente e Trabalho da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em Bra-
sília. Membro do Grupo da Terra.

Raiane Fontes de Oliveira. Geógrafa, doutoranda em Geografia Física, mestre em


Geografia. Professora-pesquisadora do Laboratório de Educação Profissional em

46
AGROTÓXICOS

Vigilância em Saúde (Lavsa) da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio A


(EPSJV), Fundação Oswaldo Cruz.

A
AGROTÓXICOS

Os agrotóxicos representam um grave pro- insetos considerados nocivos; fungici-


blema de saúde ambiental e humana. O das, para controle dos fungos.
Brasil alterna com os Estados Unidos a po-
sição de maior consumidor de agrotóxicos Impactos socioambientais
do mundo, resultando em crescente con-
taminação ambiental das águas, do solo, O livro Primavera Silenciosa, de Rachel Car-
da atmosfera, da biota e dos alimentos. Pa- son, publicado em 1962, é um marco da
ra o saneamento básico, essa contamina- denúncia sobre os impactos socioambien-
ção química traz grandes problemas para tais dos agrotóxicos.2 A força das denún-
a preservação dos mananciais, a tratabili- cias levou à proibição do DDT nos Estados
dade das águas e o manejo de resíduos só- Unidos em 1972 e impulsionou a criação
lidos perigosos, e sua mobilidade é expan- da agência norte-americana de proteção
dida pelo escoamento das águas pluviais ao ambiente (EPA). O Brasil estabeleceu o
e pela irrigação. Ações para a redução dos banimento do DDT somente em 2009.
agrotóxicos precisam ser realizadas com Estudos recentes indicam que os im-
objetivo de promover o saneamento am- pactos dos agrotóxicos no mundo aconte-
biental e a saúde pública. cem principalmente nos países de baixa e
De acordo com a Lei 7.802/1989, os média renda. Estima-se que estes países
agrotóxicos são “produtos e componentes concentrem 3 milhões de casos de intoxi-
de processos físicos, químicos ou biológicos cação aguda e 300 mil mortes por ano.3
destinados ao uso nos setores de produção, As intoxicações por agrotóxicos são
armazenamento e beneficiamento de pro- agravos de notificação obrigatória pelo
dutos agrícolas, nas pastagens, na produção sistema de saúde brasileiro. Assim, é pos-
de florestas nativas ou implantadas, e em sível observar o crescimento das ocorrên-
outros ecossistemas e também ambientes ur- cias de intoxicações no país desde 2007,
banos, hídricos e industriais; cuja finalidade quando 2.726 casos foram notificados, até
seja alterar a composição da flora e da fauna, 2017, quando o número chegou a 7.200.
a fim de preservá-las da ação danosa de seres Porém, o próprio Ministério da Saúde
vivos considerados nocivos”.1 reconhece uma alta taxa de subnotifica-
Nesse sentido, podem ser divididos em ção,4 seja porque no meio rural o acesso
classes de uso, tais como: herbicidas, uti- ao sistema de saúde é mais difícil, seja por
lizados para matar plantas consideradas conta da pressão exercida pelo agronegó-
invasoras; inseticidas, para o controle de cio, que deseja silenciar o problema.

47
EIXO T - TEMAS TRANSVERSAIS

O modelo agrícola adotado no Brasil, regulação endócrina), reprodutivo, de pe-


baseado no latifúndio e nas monocultu- le e do tecido subcutâneo. E eles podem
ras para exportação, é favorável ao uso causar diretamente um conjunto de do-
intensivo de agrotóxicos. Cerca de 80% enças, como neoplasias (cérebro, leuce-
do uso ocorre nas lavouras de soja, mi- mias, linfoma, intestino, pulmão, mama,
lho, cana-de-açúcar e algodão. De acordo pâncreas, rim, bexiga, próstata, testículo,
com o Censo Agropecuário, a concentra- ovário), ou favorecer a manifestação de
ção de terras no Brasil vem aumentando: outras enfermidades, sofrimento físico
em 2017, 1% dos estabelecimentos agro- e mental, mortes acidentais e suicídios.9
pecuários (51 mil) ocupavam 47,6% da Os efeitos dos agrotóxicos na saúde va-
área total. Em 2006, este número era de riam de acordo com seu grupo químico. Os
44%. Na outra ponta, 90% dos estabele- organofosforados e carbamatos, por exem-
cimentos (4,6 milhões) espremiam-se plo, podem causar efeitos neurotóxicos tar-
em 20,5% da área total. 5 dios e alterações no material genético. Já
O uso de sementes transgênicas, ou seja, os piretroides sintéticos, muito usados em
aquelas modificadas geneticamente para inseticidas domésticos, podem causar des-
(entre outros fins) tornar a planta resis- de convulsões até asma brônquica.6
tente aos agrotóxicos; os monocultivos que Recentes estudos que apontam a rela-
destroem a biodiversidade; os latifúndios ção entre a mortalidade de abelhas e ou-
que reduzem a população rural e expulsam tros polinizadores e os agrotóxicos têm
a mão de obra do campo; e a especialização ganhado destaque no Brasil e no mundo.
da agricultura em commodities para expor- No início de 2019, estados brasileiros (RS,
tação são fatores que explicam o uso inten- SC, SP e MS) registraram meio bilhão de
sivo de agrotóxicos no Brasil, especialmen- abelhas mortas, a maioria no Rio Grande
te desde o início da década de 2000. do Sul.10 Em 2018, a União Europeia de-
Portanto, esta problemática, além das cidiu banir uma série de agrotóxicos da
doenças decorrentes por contaminação classe dos neonicotinoides, por serem
química, insere-se no contexto da de- prejudiciais aos polinizadores. As abelhas
terminação social da saúde, com diver- são estratégicas para a biodiversidade e a
sos impactos socioambientais às popu- preservação da natureza.
lações do campo, da floresta e das águas
(ver p. 499).6-8 Implicações para o saneamento
As intoxicações por agrotóxicos provo-
cam sintomas que podem ser agudos, ou Os impactos dos agrotóxicos na saúde hu-
seja, que ocorrem logo após o contato com mana não se limitam aos trabalhadores
a substância, ou crônicos, quando doen- da agricultura, populações camponesas
ças se manifestam após longo período. e consumidores de alimentos contami-
De acordo com pesquisas realizadas pe- nados. A extensão das fontes difusas de
la Fiocruz, as consequências dos agrotó- contaminação das coleções hídricas su-
xicos na saúde humana incluem alergias, perficiais e subterrâneas evidencia que os
alterações nos sistemas hematopoiético, problemas dos agrotóxicos também são
imunológico, nervoso, gastrointestinal, relevantes quando se trata de políticas
respiratório, circulatório, endócrino (des- públicas de saneamento.

48
AGROTÓXICOS

A portaria do Ministério da Saúde que da água para consumo humano neces- A


estabelece os procedimentos de contro- sita avançar no mapeamento das áreas
le e de vigilância da qualidade da água contaminadas por agrotóxicos e de sua
para consumo humano e seu padrão de notificação que interferirem nos ma-
potabilidade11 (ver p. 149) é revisado com nanciais, seja pelas informações dos ór-
periodicidade, devido à evolução da po- gãos competentes, seja por processos de
luição hídrica, incluindo-se novos tipos vigilância investigativa.
de produtos químicos disponibilizados
no mercado e o aumento na produção e Necessidade de vigilância da
no uso de agrotóxicos no Brasil, devendo, qualidade de água rigorosa
por conseguinte, a portaria de potabilida-
de ser cada vez mais restritiva. Em 2018, dados do Sistema de Informa-
A norma estabelece que os prestadores ção de Vigilância da Qualidade da Água
de serviço de abastecimento de água de- para Consumo Humano (Sisagua), do
vem elaborar monitoramento ambiental Ministério da Saúde, obtidos por meio
de cada sistema e solução e prescreve: “o da Lei de Acesso à Informação, foram
plano de amostragem para os parâmetros compilados e divulgados pelo portal Por
de agrotóxicos deverá considerar a ava- Trás do Alimento. O estudo demonstrou
liação dos seus usos na bacia hidrográfica que um quarto dos municípios tiveram
do manancial de contribuição, bem como detecção dos 27 tipos de agrotóxicos tes-
a sazonalidade das culturas”. Ou seja, a tados, e que mais de 50% dos municípios
análise dos agrotóxicos mais utilizados não realizam os testes.
em cada território, mesmo que não este- O padrão de potabilidade de água es-
jam na lista mínima obrigatória daqueles tabelece valores máximos para as subs-
previstos na norma vigente, é altamente tâncias químicas que representam risco à
recomendada para conhecer os principais saúde, dentre elas agrotóxicos e metabó-
impactos em cada contexto. litos.11 Esses valores geram intensas polê-
No entanto, uma grande limitação micas entre os pesquisadores, uma vez que
dessa etapa importante da vigilância os limites estabelecidos dos diversos prin-
em saúde é a capacidade analítica dos cípios ativos sofrem grandes diferenças
laboratórios instalados nas diferen- de acordo com os pressupostos metodo-
tes regiões do país para atenderem as lógicos, bem como as políticas públicas de
demandas dos territórios, que tem se proteção social estabelecidas pelos países.
mostrado insuficiente. Nesse sentido, Agrotóxicos utilizados em solos brasilei-
os laboratórios da rede pública, como os ros são produzidos majoritariamente por
Laboratórios Centrais de Saúde Pública indústrias sediadas na União Europeia
(Lacens),12 devem ser estruturados para (UE), onde essas mesmas substâncias são
atender as demandas advindas da utili- proibidas, ou permitidas em quantida-
zação de agrotóxicos nos territórios. des muito menores, tanto nos alimentos
Essa avaliação é fundamental para quanto na água para consumo humano.
proteção à saúde pública, considerando No caso do herbicida glifosato, que apre-
a presença de agrotóxicos nas bacias hi- senta alto potencial de transporte em água
drográficas. A vigilância da qualidade associado aos sedimentos e dissolvido em

49
EIXO T - TEMAS TRANSVERSAIS

água,13 o Brasil permite na água potável, ção de agrotóxicos na água de consumo é


de acordo com o padrão de potabilidade, o similar à encontrada nos mananciais. Os
valor máximo de 500 microgramas por li- processos de desinfecção e abrandamen-
tro (μg/L), concentração 5 mil vezes maior to podem alterar a estrutura dos agrotó-
do que o recomendado pela UE.14 xicos e, em alguns casos, sua remoção ou
O glifosato é o agrotóxico mais vendi- degradação, o que pode acarretar a for-
do no Brasil e foi classificado, em 2015, mação de subprodutos (metabólitos) de
como provável cancerígeno humano do maior ou menor risco.17
grupo 2A pela Agência Internacional de É preocupante também a deficiente
Pesquisa em Câncer (Iarc).15 Em outros remoção desses microcontaminantes
países, já há precedentes de responsabi- orgânicos em estações de tratamento de
lização penal das empresas pelos danos água. A maioria delas não é projetada
ambientais. Em 2012, a Syngenta pagou para a retirada de agrotóxicos das águas
US$ 105 milhões para encerrar um pro- para consumo humano (ver Sistema de
cesso em que foi acusada pela contamina- abastecimento de água – p. 645). Até
ção de milhares de sistemas de abasteci- porque, à luz do conhecimento atual,
mento de água nos Estados Unidos com o não existem tecnologias disponíveis que
agrotóxico atrazina.16 sejam eficazes para a remoção dos agro-
tóxicos da água diante da quantidade de
Impactos no tratamento de água estruturas químicas de agrotóxicos utili-
zados. Também a diversidade de produ-
A determinação das concentrações de tos de degradação formados adiante de
agrotóxicos distintos nos mananciais condições climáticas e ambientais das
utilizados nos sistemas de abastecimen- diferentes regiões do país torna esse pla-
to público e nas etapas dos processos de nejamento complexo.
tratamento é de fundamental importân-
cia para controle operacional, avaliação Logística reversa e poluição difusa
de risco e proposição de práticas de con-
trole e de monitoramento para assegurar Quanto aos resíduos sólidos, de acordo
a saúde pública. Esse controle encontra com art. 33 da Lei 12.305/2010, que insti-
desafios referentes aos diversos tipos de tui a Política Nacional de Resíduos Sólidos,
agrotóxicos utilizados e à elevada varia- é obrigatória a logística reversa, mediante
ção de sua concentração nos mananciais retorno dos produtos após o uso pelo con-
ao longo do tempo. A presença de matéria sumidor, de forma independente do servi-
orgânica nos mananciais em associação ço público de limpeza urbana e de manejo
com agrotóxicos também pode interferir dos resíduos sólidos, os fabricantes, im-
negativamente no tratamento.13 portadores, distribuidores e comercian-
Normalmente o tratamento conven- tes.18 Isso se aplica aos agrotóxicos, seus
cional (coagulação/floculação, decanta- resíduos perigosos e embalagens.
ção e filtração) não é eficiente na remoção Apesar de o setor privado afirmar que
de agrotóxicos móveis (hidrofílicos ou recolhe grande parte das embalagens de
lipofóbicos) de águas superficiais ou sub- agrotóxicos, o processo estabelecido não
terrâneas. Em muitos casos, a concentra- é adequado à agricultura familiar, pois

50
AGROTÓXICOS

exige complexo procedimento de lava- saudáveis na perspectiva da soberania A


gem e agendamento eletrônico da entre- alimentar já é uma realidade no Brasil
ga em postos muitas vezes centenas de em diversos territórios. Experiências de
quilômetros distantes. agroecologia no campo e de agricultura
A contaminação ambiental dos agrotó- urbana sem uso de agrotóxicos têm se ex-
xicos pode ser ampliada pela poluição di- pandido e comprovando sua viabilidade.
fusa devido à maior mobilidade das subs- Neste sentido, tramita atualmen-
tâncias tóxicas em função do escoamento te na Câmara Federal o Projeto de Lei
das águas pluviais e pela irrigação, alcan- 6.670/2016, que busca instituir a Política
çando áreas distantes ao ponto de aplica- Nacional de Redução de Agrotóxicos, com
ção. A própria pulverização aérea é algo instrumentos para o incentivo à agroeco-
perigoso e danoso para as populações do logia e restrições, por exemplo, à pulveri-
campo, da floresta e das águas que cap- zação aérea de agrotóxicos.20
tam para consumo humano águas de chu- De acordo com a Fundação Oswaldo
va, que podem se contaminar através da Cruz (Fiocruz), já existe ampla docu-
poluição atmosférica, tornando-se águas mentação em nível mundial de que sis-
residuárias (ver Qualidade das águas plu- temas agrícolas baseados na diversidade
viais – p. 541). e na eliminação dos insumos químicos
têm a capacidade de armazenar carbono
Por uma alternativa possível no solo, conservar a biodiversidade, e,
principalmente, garantir a produção de
No âmbito legislativo, proposta da chama- alimentos no longo prazo.21
da “bancada ruralista” (PL 6.299/2002)19 Os riscos e danos causados pelo uso de
busca reescrever a atual lei que rege o te- agrotóxicos na saúde ambiental e hu-
ma de forma mais permissiva, eliminando mana requerem ações intersetoriais de
inclusive o termo “agrotóxico”. saneamento ambiental, de proteção do
Por outro lado, a transição agroe- meio ambiente, de uma produção agrícola
cológica para a produção de alimentos solidária, saudável e sustentável.

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Vídeos

NUVENS de veneno. Direção e roteiro: Beto Novaes. Produção: Terra Firme, Video-
Saúde e MP2 Produções. VideoSaúde – Distribuidora da Fiocruz, 2013. 1 vídeo (22
min). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=jZ1QUAxFaxs. Acesso
em: 18 abr. 2020.
O VENENO está na mesa. Direção e roteiro: Silvio Tendler. Fotografias e entrevistas:
Aline Sasahara. Pesquisa e produção: Hélene Paihous. Produção executiva: Ana Rosa
Tendler. Rio de Janeiro: Caliban Produções Cinematográficas; EPSJV/Fiocruz, 2011.
1 vídeo (49 min). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=SHkRoIvahpg.
Acesso em: 18 abr. 2020.

53
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO BÁSICO

Autoria deste verbete

Alexandre Pessoa Dias. Engenheiro civil sanitarista, mestre em Engenharia Ambien-


tal, doutor em Medicina Tropical. Professor-pesquisador do Laboratório de Educação
Profissional em Vigilância em Saúde (Lavsa) da Escola Politécnica de Saúde Joaquim
Venâncio, Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Alan Freihof Tygel. Engenheiro de Computação e doutor em Informática pela Universi-


dade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Membro da coordenação da Campanha Perma-
nente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida.

Karen Friedrich. Biomédica, mestre e doutora em Saúde Pública com ênfase em Toxicolo-
gia. Tecnologista em Saúde Pública do Centro de Estudos em Saúde do Trabalhador e Eco-
logia Humana, Escola Nacional de Saúde Pública, Fiocruz. Professora do Departamento de
Saúde Coletiva da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) e membro do
Grupo Temático Saúde e Ambiente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).

A
ÁGUAS SUBTERRÂNEAS E AQUÍFEROS:
IMPORTÂNCIA E RISCOS DE CONTAMINAÇÃO

As águas subterrâneas são parte integrante Já os aquíferos são formações geológi-


do ciclo hidrológico, representada pela água cas permeáveis e originam-se das águas
de chuva que segue de forma lenta, desde de chuvas que percolam2 lentamente pelo
a zona de recarga, onde geralmente se in- solo – em velocidades que podem ser da
filtram as precipitações, até a zona de des- ordem de centímetros por dia1. Em outras
carga, lugar onde as águas subterrâneas vão palavras, aquíferos são uma reserva de
se transformar em corpos de água superfi- água subterrânea, abastecida pela chuva,
ciais, como rios e lagos. e funcionam como uma espécie de caixa
A denominação “águas subterrâneas” d’água que alimenta os rios.2 Uma par-
avançou desde a determinação das reser- cela desses fluxos deságua na superfície
vas de águas disponíveis no subsolo, das dos terrenos, formando as fontes e olhos
vazões de produção das obras de captação d’água e abastecendo os poços.1
ou dos poços tubulares, para uma análi-
se mais abrangente das suas condições Classificação
de uso e proteção, a partir da década de
1960.1 O termo compreende, então, toda Os aquíferos são classificados em função
a água que ocorre abaixo da superfície de da pressão das águas nas suas superfícies
uma determinada área. limítrofes e também em função da

54
ÁGUAS SUBTERRÂNEAS E AQUÍFEROS: IMPORTÂNCIA E RISCOS DE CONTAMINAÇÃO

capacidade de transmissão de água das considerado o principal aquífero brasilei- A


respectivas camadas limítrofes:3 ro, ainda que haja indícios de que o Alter
do Chão tenha volume superior.1, 4
Aquífero livre – Também chamado de
freático ou não confinado, é aquele cujo Importância para o abastecimento
limite superior é a superfície de saturação
ou freático na qual todos os pontos se en- As águas subterrâneas possuem elevada
contram à pressão atmosférica; importância para o abastecimento de água
Aquífero confinado – Também cha- (ver p. 645) nos municípios brasileiros, e o
mado de aquífero sob pressão, é aquele controle, para evitar contaminações dos
no qual a pressão da água em seu topo é aquíferos, deve ser prioridade de governos
maior do que a pressão atmosférica. Em e da sociedade. Em áreas rurais, por exem-
função das camadas limítrofes pode ser plo, a captação de água subterrânea consis-
definido como: confinado não drenante e te na principal forma de acesso à água. Da-
confinado drenante; dos do Programa Nacional de Saneamento
• Aquíferos confinado não drenante – É Rural (PNSR) atualmente denominado Pro-
aquele em que as camadas limítrofes, grama Saneamento Brasil Rural, indicam
inferior e superior, são impermeáveis. que o atendimento por poço ou nascente
Na captação por sondagem nesse tipo (dentro e fora da propriedade) mantém-se
de aquífero, a água pode jorrar natu- historicamente como solução hegemônica
ralmente, sem necessidade de bom- nas áreas rurais brasileiras. Enquanto em
beamento: são os poços denominados 1991, em 60% dos domicílios rurais a fonte
“jorrantes” ou “artesianos”; de água era poço ou nascente, em 2010, per-
• Aquífero confinado drenante – É aquele manecendo no mesmo patamar de impor-
em que pelo menos uma das camadas tância, esta porcentagem foi de 55%.5
limítrofes é semipermeável, permitin- A exploração de água subterrânea está
do a entrada ou a saída de fluxos.3 condicionada a três fatores:6

A Agência Nacional de Águas e Sane- Quantitativo, intimamente ligado à


amento Básico (ANA) desenvolve um condutividade hidráulica e ao coeficiente
projeto para conhecer melhor as águas de armazenamento dos aquíferos;
subterrâneas brasileiras. Segundo dados Qualitativo, influenciado pela compo-
do projeto o Brasil possui, de acordo com sição das rochas e condições climáticas e
as estimativas, 112 mil quilômetros cú- de renovação das águas;
bicos de reservas de águas subterrâneas. Econômico, que depende da profun-
Em princípio, sabe-se que o Brasil conta didade do aquífero e das condições de
com dois dos maiores aquíferos do mun- bombeamento.
do: o Guarani, localizado sob as regiões
Centro-Oeste, Sul e Sudeste, e o Alter O aperfeiçoamento das técnicas de
do Chão, na Região Norte. A ANA ainda construção de poços e dos métodos de
observa que os aquíferos ocupam 48% da bombeamento permite a extração de
área territorial do Brasil. Ao todo, o país água em volumes e profundidades cada
dispõe de 27 aquíferos. O Guarani ainda é vez maiores e possibilita o suprimento de

55
EIXO 4 - ABASTECIMENTO DE ÁGUA

água às localidades e outros usos. Rela- (outorga de direito de uso de recursos


cionam-se como fatores desencadeadores hídricos, declaração de uso isento, licen-
do uso das águas subterrâneas a crescen- ça de perfuração etc.). A Lei 9.433/97
te oferta de energia elétrica e a poluição (Lei das Águas) estabelece, no artigo 49:
(ver p. 488) das fontes hídricas superfi- “Constitui infração das normas de utilização
ciais (rios, córregos, lagos etc.).6 de recursos hídricos superficiais ou subterrâ-
No caso dos poços, eles podem ser di- neos: I - derivar ou utilizar recursos hídricos
vididos em duas categorias principais: 1) para qualquer finalidade, sem a respectiva
poços tubulares, popularmente chama- outorga de direito de uso; V - perfurar poços
dos de artesianos ou semiartesianos, e 2) para extração de água subterrânea ou operá-
poços escavados, que recebem diversos -los sem a devida autorização”;
nomes segundo a região do Brasil7. - a possibilidade de cobrança pelo uso
O poço tubular consiste numa perfu- do recurso hídrico, se esse instrumento
ração realizada por meio de máquinas de estiver implantado na bacia hidrográfica
forma vertical, cilíndrica. Pode atingir pro- ou por instituições governamentais;
fundidades de até 2.000 metros (m). O po- - a necessidade de realizar monitora-
ço artesiano é aquele em que a água eleva- mento da qualidade da água.7
-se de forma natural, sem ajuda de bombas, Outra questão envolve a construção de
podendo jorrar acima da superfície do solo. poços fora do padrão recomendado pela
Nem todo poço tubular é artesiano. No en- Associação Brasileira de Normas Técnicas
tanto, algumas companhias perfuradoras (ABNT), o que pode fazer do poço um ve-
utilizam de forma equivocada o termo po- tor de contaminação do aquífero pela co-
ço artesiano como sinônimo para qualquer nexão criada entre a superfície e a zona sa-
poço tubular perfurado. Já o poço semiar- turada ou, também, entre as porções mais
tesiano é aquele do tipo poço tubular com rasas do aquífero e as mais profundas.
profundidades menores que 50-60 m.7 Em áreas onde a falta de rede pública de
Por fim, o poço escavado é perfurado e água obriga a população a perfurar poços
construído de forma manual e revestido de abastecimento indiscriminadamente e
por bloco cerâmico, tijolo ou anel de con- sem critérios, como nos casos em que es-
creto para retirada de água do aquífero. tes poços são furados juntos ou próximos a
Geralmente, esses poços possuem até 25 fossas rudimentares, isso pode expor a po-
m de profundidade e diâmetro de 1 a 2 m. pulação a doenças de veiculação hídrica
Esse tipo de poço também é denominado (ver Doenças relacionadas ao saneamento
de cacimba, poço raso, poço caipira, poço ambiental inadequado – DRSAIs, p. 218).8
amazonas, poção etc.7 Apesar de os aquíferos protegidos apre-
sentarem uma proteção natural contra
Exigências legais e cuidados contaminação em função do solo sobre-
posto e das camadas confinantes, se a
O uso das águas subterrâneas está condi- água subterrânea for contaminada, os
cionado à obediência de diversas forma- custos e o tempo para a descontamina-
lidades legais que incluem:7 ção são superiores aos das águas super-
- o registro do poço e a obtenção de au- ficiais – em muitos casos, inviabilizam
torizações no âmbito dos órgãos públicos seu uso. Em geral, quando se detecta

56
ÁGUAS SUBTERRÂNEAS E AQUÍFEROS: IMPORTÂNCIA E RISCOS DE CONTAMINAÇÃO

contaminação nas águas subterrâneas, cia, relacionado ao afundamento abrupto A


necessita-se de um intenso trabalho de ou gradativo da superfície da terra.
investigação para determinar a origem do São várias as fontes/formas de contami-
problema, que pode ter ocorrido há vários nação/poluição das águas subterrâneas:10-15
anos ou em locais distantes do poço con-
taminado. Nas áreas de afloramento das • Fossas rudimentares e construídas a
formações geológicas, ou seja, onde a ro- montante de poços de captação de água;
cha está exposta ou recoberta apenas por • Vazamentos de redes de distribuição
camadas de solo, a recarga dos aquíferos, de esgotos;
isso é, a infiltração de água, é direta. Por • Depósitos de lixo a céu aberto ou em
isso, nessas áreas a vulnerabilidade ao aterros controlados e de aterros sa-
risco de contaminação é maior6. nitários que não foram implantados
As águas subterrâneas são a única fonte corretamente;
de água potável para algumas populações • Depósitos de esgotos domésticos ou in-
e qualquer poluente que entre em contato dustriais no solo sem os cuidados ne-
com o solo pode contaminá-las, contami- cessários (lagoas de estabilização, escoa-
nação que tende a ser irreversível. mento superficial, irrigação com esgotos);
• Práticas agrícolas como o uso indiscri-
Fontes de comprometimento minado de fertilizantes e agrotóxicos;
das reservas • Despejos de lodo de esgoto no solo sem
cuidados necessários;
No Brasil, os problemas mais comuns das • Deposição e infiltração de poluentes
águas subterrâneas estão relacionados atmosféricos, pois a água retida na pri-
com a superexplotação (ou superexplora- meira camada da zona não saturada po-
ção), a impermeabilização do solo e a po- de voltar à atmosfera pela evaporação,
luição oriunda das atividades antrópicas. a partir do solo, ou pela transpiração,
A superexplotação, ou seja, quando a através da vegetação;
extração de água ultrapassa o volume in- • Intrusão de água salgada;
filtrado, pode afetar o escoamento básico • Derramamentos acidentais de produ-
dos rios, secar nascentes, influenciar os tos nocivos;
níveis mínimos dos reservatórios, provo- • Infiltração de águas do escoamento
car subsidência (afundamento) dos terre- superficial;
nos, induzir o deslocamento de água con- • Cemitérios;
taminada, salinizar, provocar impactos • Depósitos de resíduos radioativos;
negativos na biodiversidade e até mesmo • Atividades inadequadas de armazena-
a exaustão completa do aquífero. mento, manuseio e descarte de maté-
Em áreas litorâneas, a superexplotação rias primas,
de aquíferos pode provocar a movimen- • Produtos, efluentes e resíduos em ativi-
tação da água do mar no sentido do con- dades industriais, como indústrias quí-
tinente, ocupando os espaços deixados micas, petroquímicas, metalúrgicas,
pela água doce (processo conhecido como eletroeletrônicas, alimentícias, galva-
intrusão da cunha salina).9 Em outros ca- noplastias e curtumes;
sos pode levar ao fenômeno da subsidên- • Atividades minerárias que expõem o

57
EIXO 4 - ABASTECIMENTO DE ÁGUA

aquífero (a exploração de alguns miné- dade está relacionada com a capacidade


rios, com ou sem utilização de substân- de armazenamento de água, enquanto
cias químicas em sua extração, produz a permeabilidade relaciona-se com o
rejeitos líquidos e/ou sólidos que po- movimento da água subterrânea;
dem contaminá-los); • Processo natural de tratamento que
• Vazamento de substâncias tóxicas (de ocorre no meio subterrâneo, através de
tanques em postos de combustíveis, mecanismos de filtração, absorção, tro-
oleodutos e gasodutos, além de aciden- ca de íons, diluição e dispersão.
tes no transporte de substâncias tóxi-
cas, combustíveis e lubrificantes); Um aspecto a considerar no proces-
• Poços mal construídos e/ou abandona- so de infiltração da água no subsolo é a
dos (construídos sem critérios técnicos, existência de fraturas em rochas con-
com revestimento corroído/rachado, sem solidadas, as quais poderão permitir a
manutenção e abandonados sem o fecha- penetração do líquido poluído a grandes
mento adequado – tamponamento). profundidades ou distâncias.
Visando minimizar as possíveis cau-
Essas fontes poluidoras podem resultar sas de contaminação em águas subter-
em infiltração e percolação de microrga- râneas, algumas ações e procedimen-
nismos patogênicos, contaminantes quími- tos devem ser adotados por proprietá-
cos ou metais pesados, os quais podem al- rios de poços. O Relatório de Qualidade
cançar os aquíferos freáticos ou artesianos. das Águas Subterrâneas no Estado de São
Os aquíferos freáticos são geralmente Paulo destaca:10
contaminados a partir de impurezas que
se infiltram nos terrenos situados acima • Ações de prevenção na perfuração e no
deles. Os aquíferos artesianos, por sua uso de poços tubulares;
vez, são abastecidos através de áreas de • Atendimento às normas de constru-
recarga, nem sempre vizinhas, que devem, ção de poços (laje de proteção, tubo de
portanto, serem identificadas. Atividades boca etc.);
desenvolvidas em áreas de recarga podem • Observância do perímetro imediato de
resultar na infiltração de poluentes.15 proteção de 10 metros e cercado;
Entre os fatores envolvidos na conta- • Distanciamento, nas perfurações, de rios
minação de aquíferos pode-se citar:15 poluídos ou fontes potenciais de poluição;
• Monitoramento da qualidade das águas
• Natureza do contaminante que percola de acordo com estabelecido pelo Minis-
junto com a água; tério da Saúde;
• Hidráulica do sistema de escoamento: • Tamponamento de poços desativados,
movimento da água no subsolo. Este evitando que se tornem caminhos pre-
escoamento pode ser alterado pela ação ferenciais de contaminação;
do homem, através de bombeamentos • Ações de prevenção nos empreendi-
ou da injeção de líquidos; mentos com potencial de poluição;
• Características físicas e químicas do • Substituição de tanques de matérias-
meio geológico: porosidade, permeabi- -primas enterrados por tanques aéreos,
lidade; composição química. A porosi- quando possível;

58
ÁGUAS SUBTERRÂNEAS E AQUÍFEROS: IMPORTÂNCIA E RISCOS DE CONTAMINAÇÃO

• Manutenção da estanqueidade de redes • Instalação de poços de monitoramento A


coletoras de esgoto; conforme norma ABNT NBR 15.495-
• Impermeabilização de lagoas de arma- 1/2007 Versão Corrigida, observando
zenamento ou tratamento de efluentes; a necessidade de diversas sondagens
• Impermeabilização de locais mais su- para elaboração de mapa potenciomé-
jeitos a acidentes com cargas tóxicas, trico e posterior localização dos poços
inclusive acostamentos de rodovias; de monitoramento.
• Impermeabilização de aterros, confor-
me normas técnicas; Ações de prevenção para evitar a con-
• Em cemitérios, respeito à distância mí- taminação em águas subterrâneas devem
nima entre o fundo dos jazigos e o nível ser práticas constantes para os perfura-
mais alto do aquífero livre; dores de poços, governos e comitês de ba-
• Manejo adequado do tratamento de cias. A preservação depende da consciên-
resíduos no solo e fertirrigação, que cia do usuário, da ação de órgãos gestores,
necessitam de projetos que considerem órgão ambiental e Vigilância Sanitária.
minimamente: características da área, Os aquíferos do território brasileiro
características do resíduo/efluente, abastecem uma parcela considerável da
profundidade do aquífero livre, proxi- população. Diante do cenário exposto,
midade de rios e matas, taxa de aplica- reafirma-se a necessidade de estudos e de
ção e monitoramento; controle da qualidade da água subterrânea
• Uso racional de insumos agrícolas para consumo humano, assim como da
(agrotóxicos e fertilizantes); quantidade explorada para diversos usos.

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59
EIXO 4 - ABASTECIMENTO DE ÁGUA

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60
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Autoria deste verbete

Maurício Rios de Almeida. Engenheiro civil, especialista nas áreas de educação am-
biental, engenharia rodoviária e engenharia de estruturas. Mestre em Engenharia Ge-
otécnica pela Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop).

Josiane Teresinha Matos Queiroz. Engenheira civil especialista nas áreas sanitária
e ambiental. Mestre, doutora e pós-doutora em Saneamento, Meio Ambiente e Re-
cursos Hídricos pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), pós-doutora em
Políticas Públicas em Saneamento e Saúde pelo Instituto René Rachou, da Fundação
Oswaldo Cruz (Fiocruz).

A
APROVEITAMENTO DE LODO, BIOGÁS E EFLUENTE

O planejamento municipal deve identifi- disposição e, por outro, na recuperação


car possibilidades de implementar e/ou de produtos com potencial valor eco-
otimizar o gerenciamento dos subprodu- nômico para a própria estação de trata-
tos gerados durante o tratamento de es- mento de esgoto (ETE) ou comunidade
gotos. O aproveitamento desses subpro- do entorno.
dutos gerados pode evitar problemas fu- Existem três subprodutos do trata-
turos na operação e manutenção desses mento de esgoto: em estado sólido, o lodo
sistemas e, ainda, amortecer os custos ou biossólido; em estado gasoso, o biogás,
dos serviços de esgotamento, agregando que é somente gerado quando se usam
valor econômico. processos anaeróbios; e em estado líqui-
De forma geral, o aproveitamento de do, o próprio efluente final tratado. O
subprodutos, aliado ao tratamento do mau gerenciamento desses subprodutos
esgoto doméstico, também aumenta pode acarretar problemas na eficiência do
a sustentabilidade do processo. Isso tratamento e no aumento de custos ope-
ocorre, por um lado, por meio da mi- racionais, além de impossibilitar o reúso
nimização de resíduos com custos de de água e nutrientes.

61
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO BÁSICO

O aproveitamento de lodo, biogás e Para que o lodo seja aproveitado, de-


efluente tratado, ou seja, o aproveita- ve-se ter uma etapa de tratamento da
mento de subprodutos do tratamen- fase sólida. O lodo descartado é ainda
to de esgoto (ver p. 61) é definido como muito líquido, tendo em torno de 0 a
primordial para a sustentabilidade no 15% de teor de sólidos e, quando passa
esgotamento sanitário. Segundo o Ins- pelas etapas do tratamento, reduz sua
tituto Nacional de Ciência e Tecnologia umidade, tornando-se um produto com
em ETEs Sustentáveis (INCT ETEs Sus- teores sólidos entre 30% e 40%. 2 Tal
tentáveis), apesar de ser muito impor- eficiência depende do processo adotado
tante a realização dessa recuperação e o para o tratamento do lodo, sendo as
aproveitamento de subprodutos, poucas principais fases3:
ETEs no Brasil a fazem.1 Outra forma
de caracterizar-se esse aproveitamento • Adensamento: é a etapa de remoção da
é por meio do fechamento de ciclo no umidade e, portanto, de volume. Pode
sistema, o que permitiria, em vez de se ser feito por gravidade, centrífuga, fil-
trabalhar com um processo linear, uti- tro prensa ou flotação;
lizar-se um processo circular, em que • Estabilização: é a etapa de remoção de
os subprodutos são usados em outros sólidos voláteis, ou seja, da matéria or-
circuitos produtivos (agrícolas e indus- gânica. Pode ser feita por digestão aeró-
triais, por exemplo). Existem diversas bia ou anaeróbia, tratamento térmico
formas de uso desses subprodutos, que ou estabilização química;
são descritas a seguir. • Desidratação: é outra etapa de remoção
da umidade. Pode ser feita por leitos
Lodo de secagem, lagoas de lodo, sistemas
alagados construídos, filtro prensa,
A geração de lodo é dependente da tecno- secagem térmica ou filtro a vácuo;
logia de tratamento. Existem sistemas de • Higienização: é a etapa de remoção de
tratamento que não exigem um descarte microrganismos patogênicos, isto é,
contínuo do lodo, como é o caso das lagoas organismos que transmitem doenças.
de estabilização. Reatores anaeróbios, no Pode ser feita por adição de cal, trata-
entanto, podem requerer descarte eventu- mento térmico, compostagem ou téc-
al e, no caso de lodos ativados, é necessário nicas de radiação;
um descarte contínuo desse subproduto. • Disposição final ou aproveitamento: é a
Embora em menor volume, os sistemas etapa de destinação final do subprodu-
individuais – como as fossas, biodigesto- to, podendo ser aterro sanitário, inci-
res e reatores compactos – também geram neração, uso não agrícola, uso agrícola
lodo, que deve ser gerenciado, de preferên- e recuperação de áreas degradadas.
cia, localmente, para ali ser aproveitado e
fomentar, então, a economia circular. Isto A maior parte do lodo no Brasil ainda é
significa que o lodo do sistema de trata- destinada a aterros sanitários, enquan-
mento de esgoto pode ativar o desenvolvi- to em outros países – como França, Itália,
mento e a economia local, gerando maior Suíça e Noruega – o aproveitamento desse
autonomia e renda às famílias. subproduto para áreas agrícolas e flores-

62
APROVEITAMENTO DE LODO, BIOGÁS E EFLUENTE

tais é de 30% a quase 60%.4 Examinando como combustível, gerando energia elé- A
as possibilidades de aproveitamento do trica para a própria ETE.
lodo, nota-se que existem diversas alter-
nativas que podem ser mais exploradas Biogás
para desenvolver a sustentabilidade no
esgotamento sanitário. Algumas opções O biogás é o gás gerado durante o proces-
podem ser aplicadas em pequenos mu- so anaeróbio de tratamento do esgoto ou
nicípios e comunidades para fortalecer a do lodo aeróbio, em reatores de mistura
economia local e regional: completa, reatores de alta taxa, como
Uasb ou Ralf, filtros anaeróbios e bio-
• Uso agrícola: o principal objetivo do digestores rurais, por exemplo. É com-
uso do lodo em solos agrícolas é me- posto por uma mistura de vários gases,
lhorar a produção de culturas, visto cujo componente encontrado em maior
que esse biossólido é rico em macro e concentração é o metano (CH4). Devido
micronutrientes. Além disso, aumen- ao grande poder calorífico do metano,
ta a retenção de umidade, melhora a esse gás pode ser usado como combustí-
permeabilidade e a capacidade de in- vel na geração de energia térmica em cal-
filtração. Para utilização do lodo em deiras, em energia elétrica em motores
solo agrícola é importante conhecer de cogeração ou, ainda, purificado para
suas características físico-químicas uso na rede de gás natural ou como com-
e ter cautela na escolha do cultivo, bustível veicular. Assim, o biogás possui
uma vez que, mesmo com a fase de grande potencial de aproveitamento
higienização, ainda é possível que or- energético e pode ser utilizado tanto
ganismos patogênicos estejam presen- nas próprias ETEs como em indústrias
tes. 5 No Brasil, a Resolução Conama próximas ou em residências e pequenas
375/2006 estabelece critérios para es- comunidades do entorno.8
se aproveitamento.6 No Brasil, porém, essas aplicações
• Recuperação de áreas degradadas: áre- ainda se encontram em estágios iniciais
as com solos degradados possuem defi- e muitas ETEs apenas realizam a quei-
ciência de matéria orgânica e nutrien- ma do biogás, o que, além de represen-
tes. O lodo de esgoto apresenta po- tar desperdício de potencial energético,
tencial para recuperação dessas áreas, promove emissões de gases que agra-
pois, ao ser aplicado no solo, cria condi- vam o efeito estufa.
ções adequadas para o restabelecimen- De acordo com a forma de aproveita-
to das comunidades vegetais e para a mento do biogás, pode ser necessário
ciclagem de nutrientes.7 É importante submetê-lo a algum tratamento (benefi-
conhecer as características químicas ciamento), antes de sua utilização, para
do lodo e do solo a ser recuperado para remover compostos não desejáveis, como
verificar possíveis impactos. o sulfeto de hidrogênio, gás altamente
• Uso não agrícola: o lodo pode ser incor- corrosivo. Técnicas como filtração, adsor-
porado na produção de lajotas e cerâmi- ção e lavagem de gás podem ser aplicadas,
ca vermelha, entre outros materiais da e a escolha de cada uma dependerá do ní-
construção civil. Pode, ainda, ser usado vel de tratamento desejado.

63
EIXO 5 - ESGOTAMENTO SANITÁRIO

A seleção do processo de aproveita- vistas ao aquecimento de água para utili-


mento desse subproduto dependerá de zação em fornos e fogões. A economia com
características como a concentração a substituição do botijão de gás (o gás GLP)
de metano e a produção diária do bio- ou lenha/carvão pode ser bastante signifi-
gás. As alternativas de aproveitamento cativa. Adicionalmente, pode-se desenvol-
mais usuais e aplicáveis no Brasil são ver um ramo econômico local a partir da
descritas a seguir.9 capacitação das pessoas da comunidade.

Utilização do biogás em estações Efluente


de tratamento de esgoto:
O reúso de água tem sido uma alternati-
• Secagem e higienização térmica de lo- va para enfrentar a crise hídrica que atin-
do: o biogás aquecido em contato com ge diversos territórios. Nesse contexto, o
o lodo possibilita evaporação da água, aproveitamento do efluente gerado em
trazendo como consequência, além da ETEs tem crescido e se tornado uma im-
secagem (com teor de sólidos totais su- portante solução para diversos setores.
perior a 80%), a inativação de organis- Existem diversas formas de utilizar o
mos transmissores de doenças. Com o efluente de tratamento de esgoto evitando
lodo seco e higienizado, torna-se mais que seja lançado em corpos d’água e, as-
factível seu aproveitamento, conforme sim, reduzindo o impacto do seu descarte.
descrito no item anterior. A crescente exigência em remoção de
• Cogeração de energia: a cogeração nutrientes no tratamento de esgoto – que,
(CHP) é a geração simultânea de eletri- por consequência, eleva os seus custos
cidade e calor, sendo este derivado do – revela uma necessidade de reciclar os
aquecimento do motor na geração de nutrientes por meio das diversas modali-
energia elétrica. Desta forma, o calor dades de aproveitamento do efluente. Es-
que seria perdido para o ambiente pode sas práticas necessitam de algum nível de
ser localmente aproveitado sob forma permissão ou controle, dentre elas estão:
de vapor, água quente e/ou fria, para
uma aplicação secundária. A eletrici- • descarga de sanitários;
dade produzida pode ser utilizada em • limpeza de ruas;
quaisquer equipamentos necessários • combate a incêndios;
ao funcionamento da ETE, e o calor po- • usos ornamentais e paisagísticos;
de ser usado na secagem do lodo, con- • irrigação de culturas;
forme explicado acima. • aquicultura;
• hidroponia.
Utilização de biogás em residências:
Cada alternativa exige um nível de
Cozimento de alimentos e aquecimento de qualidade. Por exemplo, para irrigar
água para banho: a depender da distância culturas, o rigor é muito maior – neces-
entre a ETE e a comunidade do entorno, sitando, principalmente, da remoção de
pode ser possível canalizar o biogás gera- organismos patogênicos – se compara-
do até as casas ou espaços coletivos, com do à descarga de sanitários ou limpeza

64
APROVEITAMENTO DE LODO, BIOGÁS E EFLUENTE

de ruas. O aproveitamento de efluentes adequada. No Brasil, não há regulamen- A


em áreas agrícolas tem se mostrado be- tação sobre a qualidade do efluente para
néfico devido à presença de matéria or- o aproveitamento e, por isto, sugere-se
gânica, que serve como melhorador do seguir recomendações da Organização
solo. Contudo, esta opção exige áreas Mundial da Saúde (OMS) e da Agência
extensas, sendo principalmente interes- Americana de Proteção Ambiental (Use-
sante para municípios de menor porte pa), seguidas pela maioria dos países que
ou áreas rurais. Além disso, o tratamen- possuem uma legislação sobre o reúso.
to de esgoto por lagoas de estabilização O fechamento de ciclo é muito impor-
– seguido do aproveitamento do efluente tante em todas as atividades econômicas
– tem se mostrado uma excelente alter- pois reduz custos, otimiza os serviços e
nativa, uma vez que nas lagoas há remo- diminui a geração de resíduos. Em mu-
ção natural de patógenos. nicípios de pequeno porte pode ser que
Independentemente da destinação esco- o retorno seja em prazo maior pelo fato
lhida para o aproveitamento do efluente, de tratar volume menor de esgoto. No
deve-se estar atento que existem riscos entanto, os gestores não devem ver isso
relacionados à saúde e ao meio ambien- como um entrave na execução da recupe-
te que devem ser explorados, antes de ser ração desses subprodutos e sim como um
tomada a decisão sobre a destinação mais incentivo à otimização dos seus serviços.

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EIXO 5 - ESGOTAMENTO SANITÁRIO

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Autoria deste verbete

Fernanda Deister Moreira. Engenheira sanitarista e ambiental pela Universidade Fe-


deral de Juiz de Fora (UFJF). Mestranda em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos
Hídricos na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Paula Rafaela Silva Fonseca. Engenheira sanitarista e ambiental pela Universidade Fe-
deral de Juiz de Fora. Mestre e doutoranda em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos
Hídricos na Universidade Federal de Minas Gerais.

Lívia Cristina da Silva Lobato. Engenheira civil e doutora em Saneamento, Meio Am-
biente e Recursos Hídricos pela UFMG.

Fabiana Lopes Del Rei Passos. Doutora em Engenharia Ambiental pela Universitat Po-
litècnica de Catalunya (UPC), Espanha. Professora adjunta do Departamento de Enge-
nharia Sanitária e Ambiental da UFMG.

66
ÁREAS URBANAS E RURAIS

A
A
ÁREAS URBANAS E RURAIS

Políticas públicas de saneamento bá- entre estes, do saneamento básico. As


sico, eficientes e justas, requerem o co- áreas rurais, por sua vez, são caracteriza-
nhecimento da base territorial e as de- das espacialmente, pela dispersão dos do-
finições de suas áreas. Geralmente, os micílios, ou presença de estabelecimentos
termos são específicos e desconhecidos, agropecuários. Apesar da predominância
e mesmo aqueles mais comuns podem da baixa densidade espacial dos domicílios
ter significados nem sempre coincidentes nestas áreas, a definição comporta vários
com o senso comum. Normalmente, as níveis de aglomerações rurais, segundo
definições dos recortes geográficos, legais as categorias dos setores censitários.1
ou institucionais definem as tipologias Entretanto, a definição legal não é su-
das áreas urbanas e rurais, que por sua ficiente para o pleno entendimento des-
vez classificam a população como urbana sas tipologias geográficas, haja vista
e rural, ou seja, os residentes destes locais que somente as áreas urbanas são defini-
previamente definidos. das pelas legislações municipais, sendo
No caso dos recortes legais, apesar de as áreas rurais todas aquelas que não se
publicados pelo Instituto Brasileiro de encontram nos perímetros urbanos de-
Geografia e Estatística (IBGE), não são finidos. Portanto, também é necessário
de responsabilidade da instituição. Tra- compreender os recortes institucionais
ta-se de áreas administrativas definidas utilizados pelo IBGE.
por leis ou atos normativos. Por outro la-
do, os recortes institucionais são áreas Definições
produzidas pelo IBGE, para fins de coleta
e operacionalização dos censos e demais Os domicílios que se encontram dentro
pesquisas. Também subsidiam os estudos das áreas estabelecidas como urbanas
geográficos do instituto, muito utilizados pela legislação municipal são classifica-
no planejamento, na gestão pública e nos dos pelo IBGE como situação urbana,
investimentos, sendo assim fundamentais que pode conter as sedes municipais ou
para áreas carentes de saneamento básico.1 distritais (vilas), ou ainda áreas isoladas,
A definição legal de áreas urbanas, tam- mesmo que não sejam áreas urbanizadas
bém denominadas de zonas urbanas ou – no sentido dado pela legislação, que se
perímetro urbano legal, apresenta nítida restringe a aspectos físicos e um mínimo
conotação espacial, pois elas devem ser de infraestrutura (Lei 5.172/1966). Em
representadas cartograficamente, por contrapartida, todos os domicílios locali-
memorial descritivo, mapas ou produtos zados fora destes perímetros são classifi-
similares. As áreas urbanas são criadas cados como situação rural.2
por lei municipal, para fins tributários, Consequentemente, a classificação da
zoneamentos ou para o planejamento, população urbana ou rural (ver p. 495) não

67
EIXO 3 - LEITURA DEMOGRÁFICA DO TERRITÓRIO

incorpora nenhum atributo que não seja a mente funcionais). Assim, o raio definido
situação do domicílio de residência. Por- pode excluir áreas com características fí-
tanto, independe de outras características, sicas consideradas rurais, segundo outros
tais como modos de produção, ocupação, critérios. Na verdade, o critério de distân-
costumes, práticas e saberes culturais. cia procura representar uma aproximação
Estas limitações têm provocado muitos para a acessibilidade, pois quanto mais
debates, principalmente relacionados à de- próxima for uma área de aglomerações ur-
finição de rural e suas consequências para banas maiores e mais diversificadas, mais
o atendimento de serviços básicos para as inserida estará na rede urbana.4
comunidades locais. A literatura nacional é
rica em discussões e propostas de redefini- Reclassificações
ções para as áreas rurais, muitas vezes fun-
damentadas em exemplos internacionais. A provável exclusão de povos tradicionais
No contexto contemporâneo de urbani- e carentes de serviços básicos residentes
zação, é cada vez mais difícil delimitar as em áreas legal ou institucionalmente de-
áreas rurais. Definições há muito se tor- finidas como rurais levou o Programa Na-
naram antigas, como, por exemplo, aque- cional de Saneamento Rural (PNSR – ver p.
las que determinam um percentual de 525), atualmente denominado Programa
pessoas ocupadas no setor agropecuário Saneamento Brasil Rural (PSBR), a propor
e nas áreas tradicionais da economia, que uma alternativa para a definição de áreas
exigem trabalho manual. Por um lado, há rurais no Brasil.5 Os atributos então sele-
décadas que grande parte dos agricultores cionados foram os mais utilizados, mais
residem nas sedes municipais ou vilas, as- simples e menos controversos nos estudos
sim como profissionais de alta escolarida- nacionais e internacionais – densidade de-
de, qualificação e renda dos setores de alta mográfica relativamente baixa e vizinhan-
tecnologia e serviços sofisticados moram ça com características físicas tradicional-
em áreas definidas como rurais. De fato, mente definidoras do meio rural. Para não
os deslocamentos diários para trabalho excluir pequenas áreas, inclusive aquelas
ou estudo em municípios diferentes da- próximas aos grandes centros urbanos e
queles de residência têm se tornado um regiões metropolitanas, o estudo inovou
fato cada vez mais comum.3 ao adotar o setor censitário como unidade
Por outro lado, existem áreas de baixa básica para as reclassificações. Como resul-
densidade de domicílios, pequeno porte tado, quase 10 milhões de pessoas foram
populacional, locais de residência de po- reclassificadas como residentes em áreas
vos tradicionais, em contato mais direto que poderiam ser consideradas rurais.6 As
com a natureza, que são consideradas ofi- áreas reclassificadas devem, então, ser en-
cialmente como urbanas. Também é co- tendidas como locais onde potencialmente
mum novas propostas de regionalizações vivem populações muitas vezes invisíveis
adotarem, para classificações do rural, um ao poder público.7
limiar de distância mínima em relação às Nas áreas urbanas ou rurais, reclas-
grandes cidades ou regiões metropolita- sificadas ou não, moram pessoas per-
nas (estas últimas, definidas por critérios tencentes a grupos socioeconômicos e
político-administrativos e não necessaria- de tradições culturais tão diversificados

68
ÁREAS URBANAS E RURAIS

que seria praticamente impossível qual- dos movimentos sociais, outrora confi- A
quer definição universal de população nados aos contornos da cidade, atingiu os
urbana ou rural, pois inevitavelmente habitantes das mais diversas formas de
esta seria conceitualmente insuficiente assentamentos. No Brasil atual, o campo
e historicamente obsoleta, o que se de- não é mais sinônimo do isolamento con-
fine é a situação dos domicílios, que por cebido pela lógica industrial. Ao contrá-
sua vez caracteriza a população residente rio, as populações do campo, das florestas
como urbana ou rural. Áreas de pequeno e das águas são parte de um espaço mor-
tamanho populacional espalhadas por fologicamente entrelaçado, em um tecido
todo o território nacional, no campo ou difuso e resiliente que rompeu a divisão
nas cidades, podem estar situadas em um urbano-rural.
vasto e emaranhado tecido urbano, fruto Em suma, para a elaboração das políticas
de um mesmo processo de urbanização. de saneamento torna-se crucial o conheci-
Fundamental para as políticas de sane- mento da base territorial brasileira, mas
amento é a inclusão de grupos vulnerá- também o reconhecimento das limitações
veis do ponto de vista socioambiental. das definições legais e institucionais de
Para isso, a noção de população do campo, áreas urbanas e rurais. Estas devem ser
da floresta e das águas (ver p. 499), defi- caracterizadas de acordo com a finalidade
nidas na Portaria 2.866/2011, identifica dos planos e ações de saneamento básico.
de maneira muito mais precisa e apro- De fato, as soluções sanitárias podem
priada os povos e comunidades para os variar de acordo com as características
quais a oferta de serviços de saneamen- das áreas e seus domicílios, tanto em
to adequado deve ser prioritária. Esta termos de economia de escala quanto
população, extremamente diversificada, das ações para a oferta de serviços – por
constitui-se de camponeses, comunida- exemplo, coletivas e organizadas em mo-
des tradicionais, população ribeirinha e delos de gestão estruturados, ou carac-
atingida por barragens, quilombolas, re- terizadas por práticas individuais com
sidentes em unidades de conservação e gestão menos organizada.6 Contudo, o es-
pescadores, para citar alguns exemplos.7 sencial é que a população mais vulnerável
A luta pela participação na construção e menos visível ao poder público seja loca-
das políticas públicas, tais como a Políti- lizada no território com a maior precisão
ca Nacional de Saúde Integral das Popula- possível e tenha seus históricos direitos e
ções do Campo, da Floresta e Águas (PN- reivindicações de acesso adequado ao sa-
SIPCF)5, apresenta como a politização neamento plenamente atendidos.

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EIXO 3 - LEITURA DEMOGRÁFICA DO TERRITÓRIO

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Santa Cruz do Sul, 28 set. a 1 out. 2004. Disponível em: https://www.unisc.br/site/
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MOURA, R. O complexo diálogo entre o urbano e o regional. Revista Brasileira de De-
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de, Fundação Nacional de Saúde. Brasília: Funasa, 2019. Disponível em: ht-
t p://w w w.f u n a s a .gov.br/do c u me nt s/20182 /3 8 56 4 / M N L _ PNSR _ 2019.
pdf/08d94216-fb09-468e-ac98-afb4ed0483eb.

Autoria deste verbete

José Irineu Rangel Rigotti. Doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e


Planejamento Regional (Cedeplar) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Professor associado do Cedeplar/UFMG.

Jarvis Campos. Doutor em Demografia pelo Cedeplar/UFMG. Professor adjunto do


Departamento de Demografia e Ciências Atuariais (DDCA) da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte (UFRN).

71
B

BACIA HIDROGRÁFICA

A bacia hidrográfica é a área ou região tro, a água escoa em direção a outro rio,
de drenagem de um rio principal e seus ou a outra bacia hidrográfica.1
afluentes. É a porção do espaço em que Na Figura 1 estão representados os in-
as águas das chuvas, das montanhas, terflúvios e vertentes de uma bacia hi-
subterrâneas ou de outros rios escoam drográfica. As vertentes são superfícies
em direção a um determinado curso inclinadas que permitem o escoamento
d’água, abastecendo-o.1 da água para os pontos mais baixos,
O que separa uma bacia hidrográfica de onde está localizado o rio, ou leito fluvial.
outra são os divisores de água (ou inter- Importante ressaltar que juntamente
flúvios, também chamados de divisores com a água que escoa pelas vertentes, são
topográficos). Eles são as cristas das ele- também carreados sedimentos. Assim,
vações do terreno que determinam para em vertentes muito inclinadas e sem a
qual lado a água vai escoar. Os divisores presença de vegetação nas suas encostas,
de água podem ser entendidos como uma muitos sedimentos são carreados em dire-
espécie de fronteira em que, de um lado, ção ao leito fluvial, ocasionando o seu as-
a água escoa em direção a um rio e, de ou- soreamento, e tornando o rio mais raso.2

Figura 1 – Representação esquemática dos interflúvios (ou diviso-


res de água) e vertentes existentes em uma bacia hidrográfica
Fonte: adaptado de CDCC/USP, s.d.
BACIA HIDROGRÁFICA

Classificação de rios nascentes, onde o volume de água ainda é


baixo. Os rios de segunda ordem corres-
Em uma bacia hidrográfica há o rio prin- pondem à junção de dois rios de primeira B
cipal, mais volumoso, que é formado pelo ordem, e os de terceira ordem, à junção de
encontro de riachos e rios menores que dois de segunda – e assim sucessivamente,
deságuam nele e são denominados de formando uma hierarquia, o que compõe a
afluentes. Além da água superficial, toda rede hidrográfica,2 como pode ser obser-
a água que infiltra e a água subterrânea vado na Figura 2.
também fluem em direção ao ponto mais Desta forma, quanto maior a ordem,
baixo da bacia hidrográfica, que é deno- mais volumoso é o rio. Quanto maior for
minado de exutório. a ordem do rio principal, maior será a
Dentro de uma bacia hidrográfica os rios quantidade de rios existentes na respec-
são classificados em diferentes ordens. Os tiva bacia hidrográfica, e maior será tam-
rios de primeira ordem correspondem às bém a sua extensão.2

Figura 2 – Representação esquemática da hierarquia flu-


vial e formação de uma rede hidrográfica
Fonte: adaptado de CDCC/USP, s.d.

Ao contrário do que pode ser senso co- escoam nesses locais tendem a se direcio-
mum, uma bacia hidrográfica não é for- nar para um rio.1
mada apenas por um rio principal e seus Neste sentido, a bacia hidrográfica,
afluentes, mas abrange tudo aquilo que além de referir-se a uma demarcação de
está dentro da área delimitada pelos divi- uma região geográfica de um território,
sores de água da bacia em questão, como permite o planejamento das atividades a
matas, cidades e pastagens. Uma pessoa, serem desenvolvidas nesta região, tendo
ao andar pelas ruas ou em uma floresta, em vista que tudo aquilo que é realizado
por exemplo, está necessariamente an- nas partes mais altas afeta positiva ou
dando sobre a área de uma bacia hidro- negativamente as partes mais baixas. A
gráfica, pois as águas que eventualmente qualidade da água dos rios está direta-

73
EIXO T - TEMAS TRANSVERSAIS

mente relacionada ao grau de conserva- a preservação e o aproveitamento de


ção de suas respectivas bacias. águas pluviais.
Neste contexto o planejamento muni-
cipal em saneamento deve necessaria- O Sistema Nacional de Gerencia-
mente trabalhar com o conceito de bacia mento de Recursos Hídricos, respon-
hidrográfica, para que os programas, pro- sável pela implementação da política
jetos e ações propostos sejam adequados, nacional da área, é composto pelos se-
tendo em vista a preservação dos recur- guintes integrantes:
sos naturais, não somente dentro dos
limites municipais, mas em toda a área • o Conselho Nacional de Recursos Hí-
da(s) bacia(s) em que eles estão inseridos. dricos e a Agência Nacional de Águas;
• os conselhos de Recursos Hídricos dos
Legislação estados e do Distrito Federal;
• os comitês de bacia hidrográfica;
No Brasil, a bacia hidrográfica é consi- • os órgãos dos poderes públicos federal,
derada como uma unidade de gestão ou estaduais, do Distrito Federal e munici-
de planejamento dos recursos hídri- pais cujas competências se relacionem
cos. Segundo a Lei Federal 9.433/1997, com a gestão de recursos hídricos;
conhecida como a Lei das Águas, “a ba- • as agências de Águas. 
cia hidrográfica é a unidade territorial
para a implementação da Política Nacio- A legislação nacional estimula a inte-
nal de Recursos Hídricos e atuação do gração entre diferentes instituições e
Sistema Nacional de Gerenciamento de o envolvimento comunitário, por meio
Recursos Hídricos”. 3 da atuação dos comitês de bacia hidro-
Em linhas gerais, a Política Nacional gráfica (CBHs), para promover o plane-
de Recursos Hídricos apresenta dire- jamento regional. A bacia é a unidade
trizes e instrumentos para o gerencia- principal de planejamento e nesta pers-
mento dos recursos hídricos, com os pectiva deve sobrepor-se aos limites mu-
seguintes objetivos:3 nicipais, estaduais e nacionais.

I - assegurar à atual e às futuras Descentralização


gerações a necessária disponibilidade
de água, em padrões de qualidade ade- A atuação dos comitês de bacia, com-
quados aos respectivos usos; postos por representantes dos poderes
II – promover a utilização racional e in- públicos em suas três instâncias (nacio-
tegrada dos recursos hídricos, incluin- nal, estadual e municipal), usuários de
do o transporte aquaviário, com vistas água e representantes da sociedade civil,
ao desenvolvimento sustentável; materializa a descentralização previs-
III - assegurar a prevenção e a defesa ta para a gestão das águas. Compete ao
contra eventos hidrológicos críticos de comitê, dentre outras funções, debater
origem natural ou decorrentes do uso as questões relacionadas aos recursos
inadequado dos recursos naturais; hídricos, arbitrar conflitos e aprovar o
IV - incentivar e promover a captação, Plano de Recursos Hídricos, que prevê

74
BACIA HIDROGRÁFICA

uma série de ações para preservação e como secretaria executiva para o(s) comi-
melhoria da quantidade e qualidade das tê(s) atendido(s) por ela.
águas, conciliando com a necessidade de B
desenvolvimento econômico e social da Conselhos
bacia em questão.
A cobrança pelo uso dos recursos hí- Ainda sobre a gestão das águas, são inte-
dricos é um dos instrumentos previstos grantes do Sistema Nacional de Gerencia-
na Lei das Águas e tem como objetivo in- mento de Recursos Hídricos o Conselho
centivar o seu uso racional, reconhecer a Nacional de Recursos Hídricos (CNRH)
água como bem econômico e obter recur- e os conselhos de Recursos Hídricos dos
sos financeiros para financiar programas estados e do Distrito Federal. Dentre as
e ações previstos nos planos de Recursos competências do CNRH elencadas na Lei
Hídricos, que devem ser elaborados para 9.433 destacam-se:
cada bacia hidrográfica.
Onde a cobrança já foi implantada, ca- • deliberar sobre as questões encami-
be aos comitês de bacia eleger as ações e nhadas pelos conselhos estaduais de
projetos a serem financiados com os re- Recursos Hídricos (CERHs) ou pelos
cursos arrecadados, o que é operacionali- comitês de bacia;
zado pelas respectivas agências de bacia • arbitrar, em última instância adminis-
hidrográfica, que prestam apoio técnico, trativa, os conflitos existentes entre
administrativo e financeiro aos comitês. os CERHs;
A depender da dominialidade do rio, • aprovar propostas de instituição dos
se federal (quando sua extensão abrange comitês;
mais de um estado brasileiro ou atravessa • acompanhar a execução e aprovar o
as fronteiras do país) ou estadual (quando Plano Nacional de Recursos Hídricos.
o rio nasce e deságua dentro dos limites de
um único estado), os recursos financeiros Todos os estados brasileiros têm con-
são arrecadados pelos órgãos gestores de selho de Recursos Hídricos ou entidade
recursos hídricos, federal (representado equivalente. Tais colegiados são compos-
pela Agência Nacional de Águas – ANA) ou tos, na sua maioria, por representantes
estadual (por exemplo, o Instituto Minei- dos poderes públicos, dos usuários de água
ro de Gestão das Águas – Igam, no estado e da sociedade civil. Têm como atribui-
de Minas Gerais). Estes órgãos gestores ções: deliberar e acompanhar a execução
repassam os recursos às respectivas agên- do plano estadual de recursos hídricos;
cias de bacia para que elas planejem, exe- promover a articulação das políticas seto-
cutem e acompanhem as ações, projetos e riais relacionadas à água; e arbitrar confli-
programas aprovados e deliberados pelos tos pelo uso da água de domínio estadual.4
respectivos comitês. Por meio da Resolução 32/2003, o
Os representantes do comitê de bacia Conselho Nacional de Recursos Hídricos
hidrográfica são voluntários, eleitos por propôs a divisão do território brasileiro
um colegiado, e, portanto, os comitês não em regiões hidrográficas, que foram
possuem personalidade jurídica. Por isso, definidas como o “espaço territorial bra-
cabe à agência de bacia hidrográfica atuar sileiro compreendido por uma bacia, grupo

75
EIXO T - TEMAS TRANSVERSAIS

de bacias ou sub-bacias hidrográficas contí- • CBH do Rio Grande


guas com características naturais, sociais e • CBH do Rio Paraíba do Sul
econômicas homogêneas ou similares, com • CBH do PCJ (Rios Piracicaba, Capivari
vistas a orientar o planejamento e gerencia- e Jundiaí)
mento dos recursos hídricos”. 5 • CBH do Rio Paranapanema
• CBH do Rio Piranhas-Açu
Cenário brasileiro
Além dos comitês federais existem 222
Conforme definido na Resolução 32 do comitês estaduais. Somente os estados
CNRH, o Brasil foi dividido em 12 regi- de Roraima, Amapá, Acre e Pará não pos-
ões hidrográficas. São elas6: suem nenhum CBH instituído.
Nem sempre a criação dos comitês de
• Região Hidrográfica Amazônica bacia em nível federal coincide com a di-
• Região Hidrográfica do Tocantins-Araguaia visão do país em regiões hidrográficas,
• Região Hidrográfica Atlântico Nordes- proposta pelo CNRH, o que é um reflexo
te Ocidental da diversidade existente em relação à ca-
• Região Hidrográfica do Parnaíba pacidade de organização e articulação de
• Região Hidrográfica Atlântico Nordes- diferentes setores da sociedade, para de-
te Oriental bater sobre o tema água. Em locais de es-
• Região Hidrográfica do São Francisco cassez acentuada, ou onde a necessidade
• Região Hidrográfica Atlântico Leste de desenvolvimento econômico e social
• Região Hidrográfica do Sudeste foi (e, em muitos casos, ainda é) motivada
• Região Hidrográfica do Paraná por interesses diversos e prementes, ace-
• Região Hidrográfica do Paraguai leraram o processo de criação dos comi-
• Região Hidrográfica do Uruguai tês, que têm como uma de suas funções
• Região Hidrográfica Atlântico Sul arbitrar os conflitos existentes, na pers-
pectiva do desenvolvimento sustentável.
Em relação aos comitês de bacia hidro- A Agência Nacional de Águas e Sanea-
gráfica (CBHs), no Brasil existem dez em mento Básico promove, periodicamente,
nível federal, também chamados de co- cursos de capacitação de recursos hu-
mitês interestaduais. São eles:7 manos para a gestão de recursos hídricos.
Os cursos são gratuitos, todos possuem
• CBH do Rio Parnaíba material didático e muitos são ministra-
• CBH do Rio São Francisco dos por meio de educação a distância.
• CBH do Rio Verde Grande Indicamos a página e alguns dos cursos
• CBH do Rio Paranaíba disponíveis na área “Para saber mais”
• CBH do Rio Doce (abaixo das referências).

Referências bibliográficas

1. BRASIL ESCOLA. O que é bacia hidrográfica?. Brasil Escola. Disponível em: https://
brasilescola.uol.com.br/o-que-e/geografia/o-que-e-bacia-hidrografica.htm. Acesso
em: 30 abr. 2020.

76
BACIA HIDROGRÁFICA

2. CDCC/USP. Bacias Hidrográficas. Página web da Universidade Federal de São Car-


los (Ufscar). Disponível em: http://www.ufscar.br/aprender/aprender/2010/06/ba-
cias-hidrograficas. Acesso em: 30 abr. 2020. B
3. BRASIL. Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997. Institui a Política Nacional de Re-
cursos Hídricos, cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9433.htm.
4. ANA. Comitês de Bacia Hidrográfica. Página web da Agência Nacional de Águas e
Saneamento Básico (ANA). Disponível em: https://www.ana.gov.br/aguas-no-brasil/
sistema-de-gerenciamento-de-recursos-hidricos/comites-de-bacia-hidrografica. Aces-
so em: 3 mar. 2020.
5. CNRH. Resolução nº 32, de 15 de outubro de 2003. Institui a Divisão Hidrográ-
fica Nacional, em regiões hidrográficas, com a finalidade de orientar, fundamentar
e implementar o Plano Nacional de Recursos Hídricos. Disponível em: http://www.
cnrh.gov.br/divisao-hidrografica-nacional/74-resolucao-n-32-de-15-de-outubro-
-de-2003/file. Acesso em: 3 mar. 2020.
6. ANA. Divisões Hidrográficas. Página web da Agência Nacional de Águas e Sanea-
mento Básico (ANA). Disponível em: www.ana.gov.br/panorama-das-aguas/diviso-
es-hidrograficas. Acesso em: 30 abr. 2020.
7. ANA. Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos. Página web da Agência Nacional
de Águas e Saneamento Básico (ANA). Disponível em: http://progestao.ana.gov.br/
portal/progestao/conselhos-estaduais-de-recursos-hidricos. Acesso em: 30 abr. 2020.

Para saber mais

ANA. Cursos e capacitação. Página web da Agência Nacional de Águas e Saneamen-


to Básico (ANA). Disponível em: https://www.ana.gov.br/programas-e-projetos/
cursos-e-capacitacao.
ANA. Curso: Hidrologia Básica. Unidade 1. Disponível em: https://capacitacao.ana.
gov.br/conhecerh/bitstream/ana/66/2/Unidade_1.pdf.
ANA. Curso: O Comitê de Bacia Hidrográfica: o que é e o que faz? Disponível em:
http://capacitacao.ana.gov.br/conhecerh/bitstream/ana/7/2/Cadernos%20de%20ca-
pacita%c3%a7%c3%a3o%204%20Agencia%20de%20agua.pdf.
ANA. Curso: Cobrança pelo uso de recursos hídricos. Disponível em:
http://arquivos.ana.gov.br/institucional/sge/CEDOC/Catalogo/2014/CadernosdeCa-
pacitacaoemRecursosHidricosVol7.pdf.
ANA. Curso: Agência de Água: o que é, o que faz e como funciona? Disponível em:
https://capacitacao.ana.gov.br/conhecerh/bitstream/ana/7/2/Cadernos%20de%20ca-
pacita%c3%a7%c3%a3o%204%20Agencia%20de%20agua.pdf.

Autoria deste verbete

Jacqueline Evangelista Fonseca. Bióloga, mestre em Saneamento, Meio Ambiente e


Recursos Hídricos pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Coordenadora
técnica na Agência de Bacia Hidrográfica Peixe Vivo.
77
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO BÁSICO

B
BALANÇO HÍDRICO EM UM SISTEMA DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA

Um sistema de abastecimento de água sistema e seus usos. Ele constitui uma


(SAA) tem como finalidade levar à popu- ferramenta de gestão, pois gera diver-
lação água com qualidade adequada, em sos indicadores operacionais. Há várias
quantidade suficiente e sem descontinui- maneiras de desenvolver um balanço hí-
dades. O SAA realiza a captação de água drico em um SAA. A mais utilizada é uma
bruta em mananciais –que podem incluir matriz proposta pela International Water
águas subterrâneas e superficiais. O des- Association (IWA), com um conjunto de
perdício de água provocado pelo consumo variáveis que representam os fluxos e o
excessivo dos usuários ou pelas perdas na uso da água no sistema.
produção e na distribuição gera impactos As componentes da matriz são o volu-
ambientais e econômicos, pois exige que me de água que entra no sistema, o con-
um maior volume seja retirado dos ma- sumo autorizado, as perdas de água, o
nanciais, aumentando o custo do trata- consumo autorizado faturado, o consumo
mento e bombeamento da água. autorizado não faturado, as perdas apa-
O conhecimento do volume de água rentes, as perdas reais, a água faturada e
que entra no sistema e do volume de a água não faturada.
água que é distribuído à população é O volume de água que entra no siste-
fundamental para a gestão adequada do ma ou volume fornecido ao sistema é o
serviço de abastecimento de água. A di- volume anual de água produzido no siste-
ferença entre esses dois volumes é deno- ma de abastecimento. Trata-se da parcela
minada balanço hídrico. principal no cálculo do balanço hídrico.
No planejamento municipal de sanea- Essa informação também é disponibiliza-
mento básico, conhecer o balanço hídrico da no Sistema Nacional de Informações
pode auxiliar na análise de eficiência do sobre Saneamento (SNIS), com o código
SAA existente, pois permite quantificar AG006, que designa o “volume anual de
perdas, identificar o consumo de água água disponível para consumo”.
necessário para a manutenção do sistema, O volume anual compreende a água
avaliar a quantidade não contabilizada de captada pelo prestador de serviços e a
água produzida e os impactos dessas va- água bruta importada (AG016) – que
riáveis para a sustentabilidade ambiental recebem tratamento na(s) unidade(s) do
e econômico-financeira do sistema atual. prestador de serviços – e é medido ou esti-
mado na(s) saída(s) da(s) estações de tra-
Matriz de avaliação de fluxos tamento de água (ETAs) ou nas unidades
de água no sistema de tratamento simplificado (UTSs), onde
ocorre a desinfecção da água e a aplicação
O balanço hídrico pode ser entendido de flúor (processos utilizados quando a
como a avaliação dos fluxos de água no água do manancial de abastecimento pos-

78
BALANÇO HÍDRICO EM UM SISTEMA DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA

sui boa qualidade e não demanda outras peza de ruas, em incêndios e em outras
medidas em seu tratamento). Além disso, atividades de interesse similares. No
o volume fornecido ao sistema inclui os SNIS é possível acessar essa informação B
volumes de água captada pelo prestador pelo código AG024, que recebe a denomi-
de serviços ou de água bruta importada nação de “volume de serviço”.
(AG016), disponibilizados para consumo A diferença entre o volume disponibili-
sem tratamento e medidos na(s) respecti- zado e o consumo autorizado resulta nas
va(s) entrada(s) do sistema de distribui- perdas de água (ver p. 429), incluindo toda
ção.1 A água bruta importada refere-se à a parcela que não chega aos usuários devi-
água recebida de outros prestadores de do a problemas de vazamentos ou furtos.
serviços, seja para tratamento ou para Erros nos dispositivos de medição de vo-
distribuição direta. lume consumido de água também são con-
siderados nessa contabilização. Há as per-
Componentes relativas das aparentes, oriundas de fraudes, erro
ao consumo de leitura nos hidrômetros ou problemas
de cadastros dos usuários e as perdas fí-
Consumo autorizado é o volume anual sicas, relacionadas a problemas na rede de
micromedido (contabilizado por hidrôme- distribuição, tais como os vazamentos, e à
tros ou estimado) da água fornecida aos água perdida na limpeza dos filtros.1, 2 As
usuários do serviço de abastecimento, da perdas geram impactos financeiros e am-
água utilizada pela prestadora dos servi- bientais, uma vez que aumentam desne-
ços para limpeza ou manutenção do SAA e cessariamente a produção de água tratada
da água consumida na própria empresa ou e a exploração dos corpos hídricos.
exportada a outras companhias. Divide-se O valor faturado ou água faturada
em consumo autorizado faturado e con- é o valor pago pelo volume de água mi-
sumo autorizado não faturado. cromedido ou estimado nas residências,
O consumo autorizado faturado cor- contabilizado em reais por ano. Tal valor
responde ao volume de água cujo uso é é resultado da multiplicação do volume
cobrado dos usuários e que, portanto, re- indicado nas contas dos clientes pela ta-
sulta em receita para a concessionária. Ele rifa adotada. No SNIS, o indicador equi-
consiste na somatória dos volumes me- valente é o FN002, denominado “receita
didos nas residências dos usuários pelos operacional direta de água”.
hidrômetros, juntamente com o volume
estimado para aqueles que não possuem Monitorar para gerir
micromedidores. No SNIS, é possível obter
esta informação através do código AG011. O volume não faturado ou água não fa-
Consumo autorizado não faturado é o turada representa a diferença entre o
volume de água que não gera rendimen- volume total anual de água que entra no
tos para a concessionária de saneamen- sistema e o consumo autorizado faturado.
to, mas cujo uso é conhecido. Ele inclui Esses volumes incorporam as perdas reais
a água utilizada na limpeza de redes e e aparentes, assim como o consumo auto-
reservatórios, na manutenção de jardins, rizado não faturado. É importante notar
no abastecimento de carros-pipa, na lim- que o desperdício de água realizado pelos

79
EIXO 4 - ABASTECIMENTO DE ÁGUA

usuários, desde que medido, não é conta- O município deve realizar levantamen-
bilizado como perda. Além disso, a água tos das informações necessárias para o
usada em favelas e ocupações irregulares balanço hídrico, de forma a identificar
pode, por consenso, ser contabilizada co- as perdas e assim poder traçar metas de
mo consumo autorizado não faturado.3 redução, assim como desenvolver progra-
O balanço hídrico permite o conheci- mas e ações para seu devido controle. Um
mento das perdas, que têm forte impacto plano de ação deve ser elaborado, com
sobre o usuário, pois podem resultar em vistas à substituição regular de hidrôme-
aumento de tarifas e em agravos para o tros, à implantação de micromedição em
meio ambiente, visto que acarretam o au- regiões em que os usuários não possuam
mento da demanda de água para a ope- o equipamento, a melhorias no processo
ração do SAA. Dessa forma, a busca pela de leitura dos equipamentos e à manuten-
redução das perdas deve ser constante. ção de um cadastro atualizado de clientes.

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Para saber mais

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80
BALANÇO HÍDRICO EM UM SISTEMA DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA

MCIDADES (org.). Gerenciamento de perdas de água e de energia elétrica em sistemas


de abastecimento de água: guia do profissional em treinamento: – nível 2. Brasília:
MCidades, 2009. (Série Abastecimento de Água). Disponível em: https://www.mdr. B
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mento de água e esgotamento sanitário. Barueri: Manole, 2012.

Autoria deste verbete

Antonio Natanael Costa Sancho. Mestrando em Saneamento, Meio Ambiente e Re-


cursos Hídricos na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Engenheiro am-
biental pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e engenheiro civil pela Universida-
de de Fortaleza (Unifor).

César Rossas Mota Filho. Doutor em Engenharia Civil e Ambiental pela North Carolina
State University, EUA. Professor Associado do Departamento de Engenharia Sanitária
e Ambiental (Desa) da Universidade Federal de Minas Gerais.

81
C

CAMINHOS DAS ÁGUAS

A metodologia pedagógica “Caminhos manejo das águas à luz das leis da na-
das águas”, que considera a água como tureza e das relações ecológicas.
central na produção e reprodução da vida,
segue a trajetória da luta pelo direito à Experiências
água. Em suas diversas escalas e dimen-
sões, como tema gerador1, a água revela Um exemplo da pedagogia das águas está
a potência da construção coletiva de uma na experiência da convivência com o Se-
pedagogia das águas em busca da eman- miárido brasileiro, na superação do para-
cipação social nos territórios. digma de combate à seca a partir de novas
Tal método fundamenta-se na peda- formas de se pensar e agir sobre outros
gogia do movimento,2 uma construção modos de viver e de ser na região, mobi-
política e pedagógica dos movimentos so- lizados por necessidades e fortalezas. Isso
ciais populares do campo, da floresta e das resultou na Articulação Semiárido Brasi-
águas. Essa base de ensino e aprendizagem leiro (ASA),7 constituída por uma rede de
põe em movimento a própria pedagogia, mais de 3 mil organizações da sociedade
mobilizando diversas matrizes pedagógi- civil de distintas naturezas, sindicatos
cas como as da luta social, da organização rurais, associações de agricultores, coope-
coletiva, da terra, da cultura e da história. rativas, organizações não governamentais
No contexto da atual crise socioam- (ONGs) e movimentos sociais.7, 8
biental, as águas estão cada vez mais Essas organizações ouviram as vozes
poluídas, contaminadas, turbulentas, dos territórios,9 dos saberes populares
represadas, privatizadas, exportadas, e dos processos de educação territoria-
desperdiçadas e maltratadas. Os impac- lizada (educação do campo, educação
tos socioambientais do hidronegócio3 contextualizada, educação popular), e
atingem escala mundial4,5 e ampliam a contribuíram para a construção de polí-
pobreza, as iniquidades em saúde e os ticas públicas de acesso à água, fortale-
conflitos pela água.6 A pedagogia das cendo processos democráticos, políticos e
águas requer apresentar alternativas de organizacionais, a exemplo do programa
CAMINHOS DAS ÁGUAS

Um Milhão de Cisternas10 e do Programa dagogia libertadora, a partir da educação


Água para Todos11. popular (ver p. 232) e da pedagogia da
Nesse processo foram elaboradas as li- alternância, possibilitando à juventude
nhas de luta pelas águas, que são: (i) as quilombola e pesqueira compreender os
águas domiciliares para beber e higiene processos sociais, econômicos, políticos e
C
pessoal; (ii) as águas de produção vege- culturais, bem como ter acesso a conteú-
tal e animal; (iii) as águas comunitárias dos pedagógicos antes não disponíveis. É
para uso comum, como banho, lavagem uma experiência autogerida pelos povos
de roupas; (iv) as águas de emergência, das águas voltada ao resgate da identida-
enquanto fontes de água alternativas de do território pesqueiro e ao pertenci-
utilizadas com o prolongamento das es- mento.18 O currículo inclui aulas denomi-
tiagens; e (v) as águas do meio ambiente, nadas “formação dos saberes”, nas quais
visando à proteção dos mananciais e das pescadores e pescadoras idosos ensinam
áreas de preservação ambiental.12 Cada os conhecimentos tradicionais, as técni-
uma dessas linhas apresenta uma diver- cas e a cultura da pesca.
sidade de tecnologias sociais na capta-
ção, armazenamento e manejo das águas, Ligação múltipla com
incorporando a perspectiva do saber po- o saneamento
pular e da mobilização social, de funda-
mental importância para a consolidação Analisando os componentes do sanea-
da convivência com o Semiárido.13 mento básico no Brasil, observa-se que
O método dos caminhos das águas a perspectiva dos caminhos das águas
vem sendo desenvolvido em processos engloba, além do abastecimento de água,
formativos de educação em saúde am- o manejo das águas pluviais, dos esgotos
biental para as populações do campo14-17 sanitários (uma das formas das águas re-
por meio do mapeamento dos cursos siduárias. E tem relação direta com o ma-
d’água, desde as suas fontes até as diver- nejo dos resíduos sólidos.
sas formas de consumo humano. Parte No conceito mais amplo de saneamen-
do pressuposto de que a água educa em to ambiental (ver p. 577), as intervenções
suas trajetórias e dimensões. não devem se reduzir ao ponto de capta-
É possível, junto às comunidades, ava- ção das águas, mas proteger as coleções
liar os manejos das águas, em termos de hídricas, em especial dos mananciais
qualidade e quantidade, seus fatores de utilizados para o consumo humano, pro-
risco, suas narrativas, bem como as pro- mover a preservação das florestas e das
postas de melhorias sanitárias domicilia- matas ciliares, realizar ações de moni-
res (ver p. 386) e comunitárias. O mesmo toramento, de forma a evitar a poluição
se aplica às águas residuárias, cujos cami- (ver p. 488) física, química e biológica
nhos e destinação final precisam ser ade- dos corpos hídricos, além de avançar na
quados ao ciclo das águas como um todo. escala das bacias hidrográficas, enquanto
A Escola das Águas e do Movimento territórios de gerenciamento das águas.
dos Pescadores e Pescadoras Artesanais Sob a forma de chuva, granizo, neve, gelo,
(MPP), desde 2011, percorre territórios vapor, umidade, rios, riachos, igarapés, len-
tradicionais pesqueiros e propõe uma pe- çol freático, lagoas, lagunas, praias, man-

83
EIXO 2 - COMUNICAÇÃO E TERRITORIALIZAÇÃO

gues e marés, a água é fonte de vida (nas- gem das águas para as futuras estiagens,
cente) e nisso reside seu valor intrínseco. os tempos dos movimentos das águas e
É componente dos seres vivos, é ali- das marés, compreendendo o tempo alar-
mento, possui história19 e se relaciona gado da experiência vivida,26 da cultura,
com a ocupação humana, as habitações, do conhecimento compartilhado, da au-
as fontes, chafarizes e aquedutos, a cons- tonomia e da emancipação humanas.27
trução das cidades, sua urbanização (ver O projeto Territórios Saudáveis e Sus-
p. 755), a política, os usos múltiplos das tentáveis da Região do Semiárido Brasi-
riquezas naturais, a cultura, o sagrado, leiro, uma cooperação entre a Fundação
os povos das águas continentais e da or- Nacional de Saúde (Funasa) e a Fundação
la marítima, o trabalho, os pescadores e Oswaldo Cruz (Fiocruz), elaborou, a partir
marisqueiras, o direito à água e o direi- da identificação, articulação e avaliação
to da água e o bem-viver, o lúdico, a re- das agendas sociais territorializadas, a
creação, a higiene, as vacinas, além das realização de cursos de vigilância popu-
relações água-gênero, água-terra, água- lar e manejo das águas nas comunidades
-solo-planta, água-saúde e água-estéti- dos territórios do Vale do Sambito e do
ca. Também se expressa nas águas das Vale do Rio Guaíbas, no Piauí.16 As estraté-
indústrias, mineradoras, hidronegócio, gias pedagógicas do processo de formação
desastres (ver p. 183), águas residuárias abrangeram a territorialização em saúde
e a água-mercadoria. ambiental (ver p. 724) e sua ênfase nos ca-
minhos das águas como eixo orientador e
Necessidade de novos caminhos estruturador do conteúdo programático,
com uso da cartografia social e da estraté-
Novos caminhos precisam avançar por gia da pedagogia da alternância.28
meio das tecnologias sociais,20, 21 do sane- A estruturação do curso na perspecti-
amento ecológico (ver p. 604) e da agroe- va da pedagogia das águas deu-se pelos
cologia (ver p. 40),22 viabilizando o reúso seguintes eixos:
das águas e dos biossólidos, os usos múl-
tiplos e a geração de renda e de conhe- Eixo 1: Território, Trabalho e Tecnologia
cimentos, de forma distributiva, para a – Águas do meio ambiente;
promoção de territórios (ver p. 729) sau- Eixo 2: Saúde e Saneamento Rural – Água
dáveis e sustentáveis. Seguir os caminhos domiciliar, comunitária e de emergência;
das águas permite a percepção das cone- Eixo 3: Agroecologia e Soberania Alimen-
xões humanas com a natureza. Essa inte- tar – Água de produção animal e vegetal;
ração vital materializa-se na possibilida- Eixo 4: A Vigilância dos Territórios Sau-
de de acesso em todo seu percurso, nas di- dáveis e Sustentáveis no Semiárido –
versas expressões da vida, da natureza,23 Águas para vida;
da determinação social da saúde24 e da
existência humana25. Esse processo de aprendizagem po-
A pedagogia das águas reconhece o de, dependendo do nível de organização
tempo da relação da natureza com as po- comunitária, ser estruturado em ações
pulações do campo, da floresta e das águas pedagógicas de educação formal e não
(ver p. 499), bem como o tempo de estoca- formal, rodas de conversa e técnicas de

84
CAMINHOS DAS ÁGUAS

mapeamento, que apresentam diversos A partir desses processos formativos,


formatos, mas que, fundamentalmente, da participação social e da mobiliza-
sejam uma construção coletiva e de per- ção social é possível fortalecer o pla-
tencimento, em que apareçam os sujeitos nejamento municipal e estabelecer um
políticos, visando ampliar a capacidade plano de ações na escala das habitações,
C
de mobilização (ver p. 395) e participa- dos espaços comunitários, e na qualida-
ção social (ver p. 424), comunicação (ver de dos serviços públicos de saneamento,
p. 111) e espaços de controle social (ver p. de forma a contribuir com as políticas
156). O processo de aprendizagem abran- públicas de saneamento, de meio am-
ge componentes teóricos e metodológicos biente e de saúde.
construídos a partir das experiências e No Fórum Alternativo Mundial da
modos de vida, e suas relações ecológicas Água, realizado em Brasília, em 2018, o
e de produção, mediadas pelo trabalho e colombiano Oscar Oliveira finalizou sua
pelas tecnologias. É sistêmico e incorpora intervenção com a frase: “Não temos que
ações e narrativas das comunidades em ser duros como aço, mas transparentes,
interação com seus territórios, a partir da alegres e sempre em movimento, como
visão de que a água educa. as águas”. 29

Referências bibliográficas

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85
EIXO 2 - COMUNICAÇÃO E TERRITORIALIZAÇÃO

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ciculo-3-metodologias. Acesso em: 1 mar. 2020.
15. BARCELOS, E. A. S.; CASTRO, G.; BRAGA, L. Q. V.; BÚRIGO, A. C. (org.). Curso Téc-
nico em Meio Ambiente – Tramas e tessituras. Territórios. Rio de Janeiro: EPSJV,
2017. v. 4. Disponível em: http://www.epsjv.fiocruz.br/publicacao/livro/fasciculo-
-4-territorios. Acesso em: 1 mar. 2020.
16. MELO, F. V. et al. Territórios saudáveis e sustentáveis no semiárido piauiense: por
uma vigilância de base territorial popular e manejo das águas. In: CONFERÊNCIA
DE PROMOÇÃO DA SAÚDE DA FIOCRUZ, 1, Rio de Janeiro, 2019. MELO, F. V. et al.
Territórios saudáveis e sustentáveis no semiárido piauiense: por uma vigilância de
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http://www.epsjv.fiocruz.br/noticias/acontece-na-epsjv/educacao-popular-em-sau-
de-ambiental. Acesso em: 19 ago. 2019.
18. ALVES, T. S.; GONÇALVES, C. U. Educar para as águas: experiências formativas
nos territórios pesqueiros. In: SIMPÓSIO BAIANO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA, 2,
2017, Salvador. Anais [...]. Salvador: Ufba, 2017. Disponível em: https://2sbga2017.
ufba.br/sites/2sbga2017.ufba.br/files/eixo4_taise_claudio.pdf.
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ença. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2005.
20. DAGNINO, R. (org.). Tecnologia social: ferramenta para construir outra sociedade.
Campinas: Koedi, 2010.
21. DIAS, A. P.; SHUBO, T.; MORAES NETO, A. H. A.; GONDIM, G. M. M. Educação
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86
CAMINHOS DAS ÁGUAS

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ÁGUA DE CHUVA, 9, 2014, Feira de Santana.
22. ALTIERI, M. Agroecologia: bases científicas para uma agricultura sustentável. Rio
de Janeiro: Expressão Popular; AS-PTA, 2012.
23. LEFF, E. Epistemologia ambiental. São Paulo: Cortez, 2006.
C
24. BREILH, J. Epidemiologia Crítica: ciência emancipadora e interculturalidade. Rio
de Janeiro: Fiocruz, 2016.
25. BACHELARD, G. A água e os sonhos. Ensaio sobre a imaginação da matéria. São
Paulo: Martins Fontes, 1997.
26. KEHL, M. R. O tempo e o cão: a atualidade das depressões. São Paulo: Boitempo, 2009.
27. FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.
28. NOSELLA, P. Educação no campo: origens da pedagogia da alternância no Brasil.
Vitória: Edufes, 2012.
29. FAMA. Página web do Fórum Alternativo Mundial da Água (Fama). Disponível
em: http://fama2018.org. Acesso em: 11 mar. 2020.

Para saber mais

FRANCESCHINI, A.; IZIDORA, I.; BATISTA, L. V.; GONÇALVES, M. A. Cartilha 9 di-


cas para nadar nos rios de Belo Horizonte. Coletivo Às Margens. Belo Horizonte:
Rona Editora, 2016.

Autoria deste verbete

Alexandre Pessoa Dias. Engenheiro civil sanitarista, mestre em Engenharia Ambien-


tal, doutor em Medicina Tropical. Professor-pesquisador do Laboratório de Educação
Profissional em Vigilância em Saúde (Lavsa) da Escola Politécnica de Saúde Joaquim
Venâncio (EPSJV), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Jorge Machado. Médico sanitarista, doutor em Saúde Pública e pós-doutor em Vigilân-


cia em Saúde do Trabalhador. Professor e tecnologista em Saúde Pública da Diretoria
Regional de Brasília da Fiocruz.

Gislei Siqueira Knierim. Psicóloga e pedagoga, mestre em Saúde Pública, doutoranda em


Agroecologia e Desenvolvimento Territorial. Pedagoga-pesquisadora do Programa Pro-
moção a Saúde, Ambiente e Trabalho da Fiocruz-Brasília. Membro do Grupo da Terra.

Fabiana Vaz de Melo. Historiadora ambiental, especialista em Estado e Direito de Po-


vos e Comunidades Tradicionais. Compõe a equipe técnica do Programa Saúde, Am-
biente e Trabalho da Fundação Oswaldo Cruz.

87
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO BÁSICO

C
CENSO DEMOGRÁFICO

A palavra "censo" tem origem no latim o número de indivíduos, sua distribuição


census, que quer dizer “conjunto dos da- espacial, estrutura etária e de sexo, con-
dos estatísticos dos habitantes de uma dições de vida e outras características
cidade, província, estado, nação, etc.”.1 socioeconômicas importantes. Tais in-
De acordo com a Organização das Nações formações fornecem as bases para a boa
Unidas (ONU), um censo demográfico governança, a formulação de políticas
pode ser definido como “o processo total (incluindo as políticas de saneamento),
de coleta, compilação, avaliação, análise o planejamento de desenvolvimento, a
e publicação ou disseminação de dados redução de riscos, a resposta a crises, os
demográficos, econômicos e sociais per- programas de bem-estar social e as análi-
tencentes, em um determinado período, a ses de mercado.3
todas as pessoas em um país ou em uma Segundo o Instituto Brasileiro de Ge-
parte bem delimitada de um país”.2 ografia e Estatística (IBGE)1, a realização
A realização de censos demográficos, decenal dos censos é importante porque,
pelas diversas nações que deles fazem caso essa periodicidade não fosse respei-
uso, requer um grande esforço de plane- tada, seria necessária a realização de re-
jamento intelectual e financeiro, consi- composições de populações nacionais com
derando a elevada necessidade de recur- base em edições anteriores ou posteriores,
sos e mão de obra especializada para a o que seria bastante difícil, e exigiria re-
coleta, o tratamento e a análise dos da- cursos financeiros e grande preparo lo-
dos. A condução de um recenseamento gístico.1 Os censos demográficos captam
populacional demanda “o mapeamento informações fundamentais para a análise
da totalidade do país, a mobilização e e o acompanhamento do crescimento po-
treinamento de um grande número de pulacional (ver p. 172) e sua distribuição
recenseadores, a promoção de campa- geográfica, além de um conjunto de ca-
nhas de conscientização pública, a in- racterísticas sobre a população, ao longo
vestigação do total de famílias, o moni- do tempo. Essas informações são centrais
toramento cuidadoso das atividades do para a identificação de áreas de investi-
censo e a análise, disseminação e uso mentos prioritários em saúde, educação,
dos dados resultantes [...] envolvendo a e habitação, dentre outros setores do de-
completa enumeração da população em senvolvimento social.
um país, território ou área”. 3
De acordo com o Fundo de População Os censos na história
das Nações Unidas (UNFPA), os censos
demográficos devem ser realizados pelo A história dos censos demográficos no
menos uma vez a cada dez anos, gerando mundo é antiga. O primeiro conhecido
um grande volume de informações sobre foi realizado na China, em 2238 antes de

88
CENSO DEMOGRÁFICO

Cristo (a.C.), e abrangeu a população e as so é composto por informações comuns


lavouras cultivadas no território chinês. aos dois questionários, e representa in-
Desde então, há registros de censos rea- formações básicas censitárias obtidas pa-
lizados por romanos e gregos, no perío- ra 100% da população entrevistada.
do entre 1700 a.C. e o século 1 depois de Segundo o IBGE, essas informações
C
Cristo (d.C). foram determinadas em função da ne-
Na Idade Média, destacam-se os regis- cessidade dos dados, tendo em vista a
tros na Península Ibérica, entre os sécu- construção de uma série de indicadores
los 7 e 15, ao passo que, nas Américas, demográficos e socioeconômicos básicos (e
muito antes de Cristóvão Colombo, os universais) – nos níveis geográficos mais
incas já registravam dados de população. detalhados, como o setor censitário – com
No Brasil, o primeiro censo – o Censo o objetivo de viabilizar estudos de plane-
Geral do Império – foi realizado em 1872, jamento intramunicipal (e de acordo com
sendo que, até aquele ano, os dados da po- as necessidades do país). Do ponto de vista
pulação eram obtidos de forma indireta. estatístico, a amostra não é suficiente para
Nos anos seguintes, ocorreram operações representar as informações no nível dos
censitárias em 1890, 1900 e 1920. Em setores censitários, sendo que os dados
1936 foi criado o IBGE e, com o instituto, do questionário amostral são agregados
inaugurou-se a fase moderna dos recen- para o nível do município; e, a partir do
seamentos no Brasil. Da edição de 1940 Censo 2000, para as áreas de ponderação,
até a atual, os censos tiveram a amplia- que correspondem, por sua vez, a um agre-
ção da abrangência temática, a partir de gado de setores censitários.5
informações como emprego, rendimento, O questionário básico tem como obje-
fecundidade e migrações.4 tivo, também, a garantia da coleta em até
Mais recentemente, foi implementada três meses, dado que pesquisa censitária
a Contagem Populacional de 1996, e, na não deve ser prolongada para um período
década seguinte, a Contagem Populacio- muito distante da data de referência (1° de
nal de 2007.4 Estes fatos ocorreram no agosto), sem considerar a possibilidade de
contexto do aumento das demandas por parcela da população mudar de residência.
informações nos períodos intercensitá- Partindo dessas premissas, o conteúdo do
rios, por parte de órgãos públicos e priva- questionário básico do Censo 2010 abran-
dos – tais como a demanda por informa- geu 37 quesitos, segundo o IBGE,5 distri-
ções acerca do tamanho dos municípios, buídos em seis blocos de questões, a saber:
especialmente os municípios menores, características do domicílio (oito quesitos);
mais dependentes dos recursos do Fundo emigração internacional (seis quesitos);
de Participação dos Municípios. relação com o responsável pelo domicílio
(dois quesitos); lista de moradores (três
Questionários básico e amostra quesitos); características do morador (13
quesitos); mortalidade (cinco quesitos).5
Em relação à estrutura da pesquisa, o No que diz respeito à amostra, o processo
Censo Demográfico é organizado a partir de estimação dos pesos (ou fatores de ex-
de dois questionários: o básico (ou uni- pansão) leva em consideração a calibração
verso) e a amostra. O conjunto do univer- das estimativas amostrais em relação aos

89
EIXO 3 - LEITURA DEMOGRÁFICA DO TERRITÓRIO

valores conhecidos do universo, para um Censo 2010 incorporou quesitos acerca do


conjunto de variáveis auxiliares comuns à entorno dos domicílios – se a rua onde o
amostra, e ao universo de cada área de inte- domicílio está localizado possui pavimen-
resse da estimação.5 De acordo com o IBGE, tação, iluminação pública, dentre outros –,
o questionário da amostra tem 108 quesi- informações estas disponíveis no questio-
tos, dos quais 70 direcionados às pessoas nário básico. Ou seja, esses quesitos estão
(aos indivíduos) e o restante aos domicílios disponíveis por setores censitários, o que
e ao entorno, sendo que “a aplicação desses se constitui em informações estratégicas
70 quesitos aos moradores [...] dependeu para o planejamento em saneamento.
da idade e do sexo de cada pessoa”.5 Por O Censo 2020, por sua vez, excluiu esse
exemplo, as perguntas relativas a trabalho conjunto de informações, além de outras,
são respondidas pela população acima de tais como a condição do domicílio (se pró-
10 anos de idade. Os quesitos sobre migra- prio, alugado ou cedido por empregador)
ção, por sua vez, são aplicados às pessoas e a parte referente a emigração interna-
que nem sempre moraram no município de cional. Após sucessivos adiamentos pelo
residência, na data de referência do censo. governo, esta edição tem a realização de-
Os quesitos do questionário da amos- terminada para 2022 pelo Supremo Tri-
tra estão divididos da seguinte forma, bunal Federal. Mais um exemplo de re-
no Censo 2010: características do do- trocesso na disponibilização diz respeito
micílio (22 quesitos); emigração inter- aos indicadores sobre educação. No Censo
nacional (seis quesitos); relação com o 2010 foi retirado o quesito sobre “última
responsável pelo domicílio (dois quesi- série concluída com aprovação”, o que
tos); lista de moradores (três quesitos) impede, por exemplo, o cálculo do indi-
características do morador (70 quesitos); cador “média de anos de estudo”, além
mortalidade (cinco quesitos). 5 de outros indicadores de fluxo escolar, da
Organização das Nações Unidas para a
Planejamento em saneamento Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
O Censo Demográfico levanta grande
No contexto do saneamento, o conheci- volume e diversidade de informações –
mento, por parte do gestor, acerca das sobre tamanho e estrutura da população,
variáveis disponíveis ao longo dos censos educação, renda, trabalho e atividade, defi-
demográficos – bem como suas potencia- ciência, religião, composição do domicílio,
lidades e limitações para a produção de fecundidade, mortalidade, migração, den-
indicadores socioeconômicos – é elemento tre outros, inclusive quesitos diretamente
central para o planejamento de políticas e relacionados ao saneamento, a exemplo de
medidas estratégicas em saneamento. destino dos resíduos sólidos e existência
Por exemplo, o Censo 2000 inovou ao de esgotamento sanitário. Em que pesem
incorporar quesitos relativos à pendula- algumas limitações e retrocessos, isso, so-
ridade (oscilações de deslocamentos) das mado à sua capacidade de desagregação
pessoas, e a edição de 2010 aprofundou dessas informações no espaço municipal
a temática, ao captar informações sobre e intramunicipal, faz desses recenseamen-
o motivo relacionado à pendularidade tos ferramentas indispensáveis para pla-
(se por motivo de trabalho ou estudo). O nejamento e gestão em saneamento.

90
CENSO DEMOGRÁFICO

Referências bibliográficas

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4. IBGE. Histórico dos censos. Página web do Núcleo Virtual da Rede de Memória do
IBGE. Disponível em: https://memoria.ibge.gov.br/sinteses-historicas/historicos-
-dos-censos/panorama-introdutorio. Acesso em: mar. 2020.
5. IBGE. Metodologia do censo demográfico 2010. Rio de Janeiro: IB-
GE, 2016. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/
biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=296501.

Para saber mais

HAKKERT, R. Fontes de dados demográficos. Belo Horizonte: Abep, 1996.


IBGE. Censo 2020. Disponível em: https://censo2020.ibge.gov.br/. Acesso em: mar.
2020.
IBGE. Censo Demográfico 2010: resultados gerais da amostra. Rio de Janeiro: IBGE,
2012. Disponível em: https://censo2010.ibge.gov.br/resultados.html.
UN. Manual I: methods of estimating total population for current dates. New York:
Population Division/DSA, 1952. Disponível em: https://www.un.org/en/develop-
ment/desa/population/publications/manual/estimate/appraise-data.asp.

Autoria deste verbete

José Irineu Rangel Rigotti. Doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e


Planejamento Regional (Cedeplar), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Professor associado do Cedeplar.

Járvis Campos. Doutor em Demografia pelo Cedeplar/UFMG. Professor adjunto do


Departamento de Demografia e Ciências Atuariais (DDCA) da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte (UFRN).

91
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO BÁSICO

C
CHUVA

A água está presente na atmosfera nos atmosfera, mediante determinadas con-


três estados físicos da matéria: gaso- dições de temperatura e pressão de vapor,
so (vapor d’água), líquido (gotículas de condensa-se em gotículas de água que
água) e sólido (cristais de gelo). A chuva dão origem às nuvens. Nas nuvens, as go-
é a precipitação da água atmosférica na tículas se agrupam ao redor de pequenas
forma líquida, na superfície da Terra. partículas de poeira, fumaça e sais que se
Precipitações diferentes da chuva tam- encontram em suspensão na atmosfera,
bém podem ocorrer, por exemplo, na for- aumentando de tamanho e ganhando pe-
ma de neve, granizo ou orvalho. Mas para so até conseguirem vencer a resistência
a gestão dos serviços de saneamento no das correntes de ar e se precipitarem na
Brasil, especialmente para o manejo das superfície terrestre.
águas pluviais, a chuva é a precipitação A chuva pode ser classificada em diferen-
atmosférica de maior relevância. É graças tes tipos, de acordo com o processo que lhe
à chuva que se precipita sobre os terrenos deu origem. É importante conhecer os pro-
que acontece a recarga de aquíferos e o cessos formadores das chuvas e suas carac-
aumento das vazões dos rios e dos volu- terísticas inerentes, porque eles determi-
mes de água armazenados em reservató- nam como será o impacto do escoamento
rios (ver Ciclo hidrológico – p. 97). superficial gerado sobre os sistemas de dre-
Sob a ótica do manejo das águas plu- nagem, em uma dada bacia hidrográfica.
viais (ver p. 368), a chuva que escoa sobre Chuvas orográficas são aquelas em
a superfície dos terrenos – o escoamento que massas de ar úmido são impedidas
superficial – precisa ser corretamente di- de se deslocar horizontalmente, devido
recionada através de estruturas de micro à existência de barreiras naturais – por
e macrodrenagem, evitando prejuízos exemplo, uma serra muito alta. Por não
materiais e sanitários, entre outros, de- conseguir se deslocar horizontalmente, a
correntes da ação das águas. Este verbete massa de ar sobe, ganhando altitude e se
apresentará o processo de formação da resfriando, o que possibilita a ocorrência da
chuva e suas variáveis características. condensação do vapor d’água e a formação
Também será discutida a importância do de nuvens de chuva. Esse tipo de chuva, em
monitoramento da chuva para o mane- geral, é de ocorrência localizada, atingindo
jo das águas pluviais e os equipamentos áreas relativamente pequenas.
atualmente utilizados para tal finalidade. As chuvas convectivas ou chuvas de
verão são rápidas, localizadas e muito
Tipos de chuva intensas. Devido a essas características,
essas chuvas podem causar problemas
O processo de formação das chuvas ini- de inundação em pequenas bacias hi-
cia-se quando o vapor d’água presente na drográficas e são difíceis de prever. Elas

92
CHUVA

ocorrem em regiões de clima tropical: esporadicamente e chuvas pouco inten-


em dias muito quentes, o ar próximo ao sas são mais comuns.
solo se aquece, ganha umidade e é con- Nos projetos relacionados ao manejo
duzido a altitudes maiores, resfriando- das águas pluviais, a variável utilizada
-se. Acontece, então, a condensação e a para avaliar a frequência dos eventos
C
formação de nuvens de chuva. chuvosos é o tempo de retorno dado
As chuvas frontais resultam do encon- em anos, também conhecido como tem-
tro de duas massas de ar com temperaturas po de recorrência. O tempo de retorno
e umidades distintas. A massa de ar quen- estima o período médio em que um de-
te é menos densa e, ao se encontrar com terminado evento de chuva será iguala-
uma massa de ar mais fria, ganha mais do ou superado. Por exemplo, para uma
altitude e se resfria, o que dá início ao pro- dada duração, um evento chuvoso com
cesso de condensação. Esse tipo de chuva, tempo de retorno igual a dez anos terá
em geral, é de longa duração e pode atingir sua intensidade igualada ou superada,
áreas bastante extensas e causar enchen- em média, uma vez a cada dez anos.
tes em grandes bacias hidrográficas. Para uma mesma duração, um evento
chuvoso com tempo de retorno de 50
Caracterização do evento chuvoso anos terá sua intensidade igualada ou
superada, em média, uma vez a cada 50
Um evento chuvoso é caracterizado pela anos, sendo, portanto, um evento mais
altura de chuva e por sua duração, inten- raro do que o primeiro. É importante
sidade e frequência. A altura de chuva, ou destacar que o termo “em média” pres-
altura pluviométrica, corresponde à es- supõe que podem ocorrer dois eventos
pessura média, comumente dada em mi- chuvosos com tempo de retorno de 50
límetros (mm), da lâmina d’água sobre a anos em dois anos consecutivos, assim
superfície atingida pela chuva. A duração como pode não ocorrer nenhum evento
da chuva representa o intervalo de tempo chuvoso com tal intensidade ao fim de
decorrido entre o início e o final da precipi- um ciclo de 50 anos.
tação e pode ser dada em minutos (min) ou
horas (h), dependendo das características Variação espaço-temporal
do evento chuvoso.
A intensidade da chuva é a razão en- Em uma dada localidade, precipitações com
tre a altura pluviométrica e a duração da diferentes características de altura pluvio-
chuva, geralmente fornecida na unidade métrica, duração e frequência podem ocor-
de milímetros por hora (mm/h). Consi- rer. Dessa forma, para a concepção dos pro-
derando-se uma determinada duração jetos de manejo de águas pluviais, o proje-
de chuva, a frequência indica a rarida- tista deverá estabelecer uma chuva padrão
de do evento chuvoso: quanto menor a com altura pluviométrica, duração e frequ-
frequência, mais dificilmente tal evento ência definidas, a partir da qual o sistema
é observado. Para uma dada duração, será dimensionado, adquirindo plena capa-
quanto maior a intensidade da chuva, cidade de escoar as vazões decorrentes de
menor a sua frequência, ou seja, chuvas tal evento chuvoso. Essa chuva padrão é
muito intensas, em geral, ocorrem mais denominada chuva de projeto.

93
EIXO 7 - MANEJO DE ÁGUAS PLUVIAIS

As chuvas variam de um local para outro mulado ao longo de 24 horas é recolhido


e também variam no tempo. Por exemplo, pelo operador que faz a leitura da altura
em Belo Horizonte, Minas Gerais (estação pluviométrica, usando provetas especifi-
meteorológica 83587 do Instituto Nacio- camente graduadas para o pluviômetro.
nal de Meteorologia – Inmet), a precipita- No Brasil, a leitura dos pluviômetros que
ção média máxima mensal, consideran- fazem parte da rede hidrometeorológica
do-se o período de 1961 a 1990, ocorre no nacional, coordenada pela Agência Nacio-
mês de dezembro e equivale a 292 mm; a nal de Águas e Saneamento Básico (ANA),
precipitação média mínima mensal ocorre é realizada sempre às 7 horas da manhã.2
no mês de junho e equivale a 11,5 mm.1 Em As medições obtidas por meio de plu-
Porto Alegre, Rio Grande do Sul (estação viômetros referem-se à chuva que se pre-
meteorológica 83967 do Inmet), a precipi- cipitou ao longo de um dia, ou seja, são
tação média máxima mensal, no período dados com resolução temporal diária. O
considerado, é registrada no mês de maio manejo das águas pluviais em pequenas
e equivale a 138 mm; a precipitação média bacias hidrográficas, especialmente em
mínima mensal ocorre no mês de abril e áreas urbanas e periurbanas sujeitas a
equivale a 77,3 mm.1 Em Manaus, Amazo- precipitações convectivas, requer o moni-
nas (estação meteorológica 82331 do In- toramento das precipitações em escalas
met), a precipitação média máxima mensal temporais subdiárias, por exemplo, a ca-
no mesmo intervalo de anos é registrada da hora ou a cada dez minutos. Para esses
no mês de março e equivale a 335,4 mm; a casos, o pluviógrafo ou o pluviômetro au-
precipitação média mínima mensal ocorre tomático devem ser utilizados.
no mês de agosto e equivale a 47,3 mm.1 Pluviógrafos são aparelhos mecânicos
que, além da superfície coletora, possuem
Medição de chuva um recipiente que armazena a água de
chuva, conectado a uma balança. À medi-
Os sistemas de drenagem (ver p. 650) de- da que a chuva se acumula no recipiente,
vem ser dimensionados para conduzir seu peso faz com que a balança se deslo-
com segurança o escoamento superficial que. Esse movimento vai sendo registra-
proveniente das chuvas que ocorrem em do de forma contínua, em um papel que
uma dada bacia hidrográfica. Monitorar reveste um cilindro giratório, por meio
os eventos chuvosos ou, em outras pala- de uma caneta associada à balança. O ci-
vras, medir a quantidade de chuva que se lindro executa uma rotação completa em
precipita em um dado local é, portanto, torno do seu eixo a cada 24 horas.
muito importante para o manejo adequa- Gradativamente, os pluviógrafos me-
do das águas pluviais. cânicos estão sendo substituídos por
O pluviômetro foi o primeiro tipo pluviômetros automáticos digitais, que
de equipamento utilizado para medir a coletam a água de chuva em recipien-
quantidade de chuva precipitada em um tes de pequeno volume e registram os
dado local. Esse equipamento consiste dados em uma memória (ou datalogger)
em um recipiente metálico com dimen- ao longo de intervalos de tempo tão cur-
sões padronizadas, que recolhe e arma- tos que se aproximam de uma medida
zena a chuva. O volume de chuva acu- contínua. Uma das grandes vantagens

94
CHUVA

da utilização de pluviômetros automá- é chamada de refletividade e está relacio-


ticos é que, quando conectados a redes nada com a intensidade da chuva em uma
de transmissão de dados, esses equipa- dada região. Para transformar a refletivi-
mentos podem fornecer informações dade medida pelo radar em altura pluvio-
atualizadas sobre a chuva em um dado métrica, é necessário fazer sua calibração,
C
local, possibilitando a gestão em tempo utilizando dados de uma rede de pluviôme-
real do risco de inundação. tros. Ainda pouco empregados no Brasil, os
Pluviômetros e pluviógrafos devem ser radares meteorológicos fornecem estimati-
instalados ao abrigo do vento, em locais vas que podem apresentar incertezas con-
livres de obstáculos que possam interferir sideráveis, devido a variações nos tipos de
nas medições, como edificações e árvores. precipitação e nas condições atmosféricas
É necessário também tomar precauções e à presença ventos, entre outros fatores.4
para evitar vandalismo, roubo e o acesso Mais recentemente, tem sido avaliado o
de pessoas não autorizadas aos equipa- potencial de sensores instalados em saté-
mentos. É importante observar que plu- lites para fornecer estimativas de precipi-
viômetros e pluviógrafos medem a chuva tações em grandes escalas espaciais – o que
que se precipita em um dado local. Como as ainda constitui um objeto de pesquisas.5
precipitações variam no espaço, para obter Em grande parte dos casos, as redes plu-
dados representativos, o monitoramento viométricas já existentes e operadas por
de eventos chuvosos em uma bacia hidro- órgãos nacionais ou estaduais – a exemplo
gráfica deve ser feito por meio de uma re- da ANA e do Inmet – não possuem a reso-
de de pluviômetros. A título de exemplo, lução temporal ou a distribuição espacial
Belo Horizonte implementou e opera des- adequada para o manejo das águas pluviais
de 2011 um sistema de monitoramento nos municípios. Dessa forma, é essencial
hidrológico composto por 42 estações, que o Plano Municipal de Saneamento Bá-
todas dotadas de sensores automáticos sico (PMSB – ver p. 450) e a Política Muni-
de precipitação que registram e enviam cipal de Saneamento Básico contemplem
os dados a cada dez minutos, via General o monitoramento pluviométrico em um
Packet Radio Service (GPRS), ao Banco de dado município ou em um conjunto de mu-
Dados Hidrológicos do município.3 nicípios em uma dada bacia hidrográfica.
O radar meteorológico também pode Os avanços tecnológicos dos últimos
ser utilizado para estimar a precipitação anos disponibilizaram uma ampla gama
em grandes áreas. Ele emite pulsos de ra- de equipamentos pluviométricos a custos
diação eletromagnética que são refletidos acessíveis. Não apenas a aquisição desses
pelas gotículas de chuva na atmosfera e equipamentos deve estar prevista no pla-
captados pela antena do equipamento. A nejamento municipal, como também os
intensidade do sinal captado pelo radar custos e mão de obra necessários para sua
em relação à intensidade do sinal emitido operação e manutenção.

Referências bibliográficas

1. RAMOS, A. M.; SANTOS, L. A. R; FORTES, L. T. G. (org.). Normais Climatológicas


do Brasil 1961-1990. Brasília: Inmet, 2009.

95
EIXO 7 - MANEJO DE ÁGUAS PLUVIAIS

2. COLLISCHONN, W.; DORNELLES, F. Hidrologia para engenharia e ciências am-


bientais. 2. ed. Porto Alegre: ABRH, 2015.
3. SIQUEIRA, R. C. Proposição de metodologia para construção de gráfico de risco de
inundações em bacias urbanas: estudo de caso Bacia do Córrego Cachoeirinha. 2017.
Dissertação (Mestrado em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos) - Univer-
sidade Federal de Minas Gerais, Escola de Engenharia, Belo Horizonte, 2017. Disponível
em: http://www.smarh.eng.ufmg.br/defesas/978M.PDF. Acesso em: 5 fev. 2020.
4. KAISER, I. M.; PORTO, R. M. Campos de precipitação parte I: fundamentos teóri-
cos e estudos preliminares. Revista Brasileira de Recursos Hídricos, Porto Alegre,
v. 10, n. 4, p. 99-111, 2005. Disponível em: https://abrh.s3.sa-east-1.amazonaws.
com/Sumarios/26/1d4272c28e915f5e4122329aa40969c0_c8799404adca3d95caa-
8476706795a8a.pdf. Acesso em: 9 jan. 2020.
5. PEREIRA, G. et al. Avaliação dos dados de precipitação estimados pelo satélite TR-
MM para o Brasil. Revista Brasileira de Recursos Hídricos, Porto Alegre, v. 18,
n. 3, p.139-148, 2013. Disponível em: https://abrh.s3.sa-east-1.amazonaws.com/
Sumarios/109/d048c00bdaedc63c049413cff59b4209_55d02d0208b13874e-
cb3648e589459c0.pdf. Acesso em: 9 jan. 2020.

Para saber mais

COMO funciona o pluviômetro. São Paulo: IPT, 2018. 1 vídeo (3 min). Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=Z0lSxYsIJKs.
O QUE É um pluviômetro? Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA)
explica. Brasília: ANA, 2015. 1 vídeo (4 min). Disponível em: https://www.youtube.
com/watch?v=3Xg1ofhUOGw.

Autoria deste verbete

Talita Fernanda das Graças Silva. Engenheira civil, mestre em Sistemas Aquáticos
e Gestão da Água pela Ecole des Ponts Paris Tech (França), doutora em Saneamen-
to, Meio Ambiente e Recursos Hídricos pela Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG) e pela Université Paris-Est (França). Professora do  Departamento de Enge-
nharia Hidráulica e Recursos Hídricos (EHR) da UFMG.

Priscilla Macedo Moura. Engenheira civil, mestre em Saneamento, Meio Ambiente


e Recursos Hídricos pela UFMG, doutora pelo Institut National des Sciences Appli-
quées de Lyon (França). Professora do  Departamento de Engenharia Hidráulica e
Recursos Hídricos, UFMG.

Marco Túlio da Silva Faria. Tecnólogo em Gestão Ambiental, engenheiro ambiental


e sanitarista, doutorando e mestre em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hí-
dricos pela UFMG.

96
CICLO HIDROLÓGICO

C
CICLO HIDROLÓGICO
C
A água é um elemento-chave para a pro- vatório subterrâneo, que alimentaria rios,
dução e reprodução da vida, a prevenção nascentes, mares e poços. Trezentos anos
de doenças e a proteção e promoção da depois, o arquiteto romano Marcos Vitrú-
saúde ambiental e humana. Conhecer vio defendeu a ideia de que a chuva e a neve
os caminhos que a água percorre entre que caíam nas montanhas infiltravam-se
as diversas esferas do nosso planeta e na superfície da terra para depois aparecer
compreender as mudanças que ela sofre nas nascentes, rios e áreas mais baixas.
nesse percurso, assim como as potenciali- Observando os fenômenos hidrológi-
dades e os fatores de risco envolvidos em cos, o renascentista Leonardo da Vinci,
seus usos, é de grande importância para no século 15, e o engenheiro Bernard Pa-
o profissional que atua no saneamento e lissy, no século 16, conseguiram, de for-
para a população em geral. ma independente, ter um entendimento
No ciclo hidrológico ou ciclo da água, do funcionamento do ciclo da água mais
a água está em constante movimento: do próximo ao que temos atualmente.1 Mas
oceano à atmosfera; da atmosfera, pre- foi somente a partir do século 18 que os
cipitando-se sobre a superfície terrestre estudiosos começaram a medir, ainda
e daqui, de volta ao oceano. Esse ciclo que de forma rudimentar, a quantidade
compreende vários subciclos, que serão de água nas diferentes etapas do ciclo hi-
apresentados neste verbete. Também se- drológico, podendo confirmar ou refutar
rão apresentadas informações sobre co- as ideias propostas até então.2
mo o conhecimento dos seres humanos Durante três anos, Pierre Perrault, con-
acerca do ciclo da água evoluiu ao longo siderado o pai da hidrologia científica,
dos anos e sobre conceitos hidrológicos mediu a chuva que caía na bacia hidrográ-
utilizados na área do saneamento: bacia fica do Rio Sena, na França. Ele também
hidrográfica, rede hidrográfica, recar- mediu a vazão do rio e verificou que a
ga de rios e aquíferos, rios perenes e quantidade de chuva que se precipitava na
intermitentes e escoamento superfi- área da bacia hidrográfica era suficiente
cial, entre outros termos. para corresponder às vazões escoadas pe-
lo rio. O astrônomo inglês Edmond Halley
Primeiras teorias sobre mediu a taxa de evaporação no Mar Me-
o ciclo hidrológico diterrâneo, concluindo que a quantidade
de água evaporada era suficiente para
Antes que se desenvolvesse a compreensão corresponder às vazões dos rios que desa-
atual do ciclo hidrológico, estudiosos do guavam no mar. Com o passar dos anos,
passado fizeram várias especulações. No novas técnicas e equipamentos de me-
século 8 a.C., o poeta grego Homero acre- dição foram criados e o monitoramento
ditava na existência de um grande reser- mais preciso dos fenômenos hidrológicos

97
EIXO 7 - MANEJO DE ÁGUAS PLUVIAIS

contribuiu para uma melhor compreensão solo a água necessária para o seu desen-
dos processos físicos envolvidos.1 volvimento. Boa parte dessa água evapo-
ra para a atmosfera através de poros loca-
Processos do ciclo hidrológico lizados nas folhas das plantas.
Devido às dificuldades de medição se-
Sabe-se hoje que a força motriz do movi- parada da evaporação e da transpiração e
mento da água em nosso planeta é o sol, ao fato de que, em grande parte dos casos,
que fornece a energia necessária para a o interesse dos mensuradores recai sobre
evaporação da água presente nos rios, la- a quantidade total de água que evapora
gos, oceanos e na superfície terrestre, as- em um dado local, é bastante comum en-
sim como para a perda de água das plan- contrar referências ao processo de evapo-
tas por transpiração. transpiração, que considera a evaporação
Na evaporação, a água no estado líquido em conjunto com a transpiração. Na escala
é transferida para a atmosfera na forma anual, a evapotranspiração representa um
de vapor (água em estado gasoso). Quan- importante processo no ciclo hidrológi-
to maior a quantidade de vapor d’água em co, em termos de quantidade de água. No
uma massa de ar, maior a umidade do ar. continente africano, estima-se que a eva-
Quando uma massa de ar se torna satu- potranspiração represente 80% da quan-
rada, ou seja, quando ela atinge sua capa- tidade de chuva precipitada anualmente.
cidade máxima de conter vapor d’água, a Nas Américas e na Ásia, estima-se que ela
evaporação num dado local deixa de acon- corresponda a cerca de 55% da quantida-
tecer até que essa massa seja deslocada de de chuva precipitada anualmente e, na
pela ação do vento e substituída por outra Oceania e na Europa, a cerca de 65%.4
massa de ar, ainda não saturada. Dessa Ao ganhar altitude na atmosfera, a mas-
forma, o vento, a radiação solar, a tem- sa de ar úmido resfria-se e o vapor d’água
peratura e a umidade do ar cumprem um é condensado, voltando à fase líquida.
papel importante na evaporação. Gotículas de água se agrupam em torno
No reservatório de Sobradinho, na de núcleos higroscópicos, que podem
Bahia, por exemplo, a maior taxa mensal ser partículas de sais ou resíduos de com-
de evaporação, de 207 milímetros (mm), bustão. Esse agrupamento de gotículas
ocorre em outubro, em razão dos maiores aumenta de tamanho e ganha peso à me-
valores de insolação, temperatura do ar e dida que colide com outros agrupamentos
velocidade do vento e dos menores valores similares. Em altitudes muito elevadas,
de umidade do ar. A menor taxa mensal de temperaturas abaixo de zero levam à for-
evaporação, de 134 mm, ocorre no mês de mação de cristais de gelo. Quando as gotas
junho, que se caracteriza pela baixa tem- d’água ou cristais de gelo adquirem massa
peratura do ar e pela baixa insolação, por suficiente para vencer a resistência do ar, a
velocidades do vento correspondentes à precipitação ocorre na forma de chuva (ver
média anual e pela alta umidade do ar.3 p. 92), granizo, geada, orvalho ou neve.
O processo de transpiração vegetal A chuva precipitada sobre a superfície
também está relacionado à transferên- terrestre pode ficar retida nas folhas das
cia de vapor d’água para a atmosfera. Por plantas e em outras superfícies. Esse pro-
meio de suas raízes, as plantas retiram do cesso é denominado interceptação ou in-

98
CICLO HIDROLÓGICO

tercepção. A chuva interceptada retorna À vazão que chega às seções dos rios e
à atmosfera pela evaporação. A parcela da córregos, proveniente do escoamento sub-
chuva que não é interceptada pode chegar terrâneo, dá-se o nome de vazão de base.
ao solo e ficar retida em depressões, até As águas subterrâneas mantêm as vazões
evaporar ou infiltrar-se no solo. A retenção durante o período seco em rios perenes,
C
da água de chuva em poças e depressões no ou seja, rios que não secam durante a es-
terreno é um processo hidrológico denomi- tiagem. No caso dos rios intermitentes,
nado armazenamento em depressões. aqueles que secam durante a estiagem, o
A infiltração é a entrada de água da su- lençol freático está abaixo do fundo do
perfície para o interior dos solos, que são rio, não sendo possível ter contribuição de
formados por uma mistura de partículas águas subterrâneas durante o período seco.
minerais, matéria orgânica, água e ar. Os Uma parcela da água infiltrada no solo
vazios ou poros dos solos são os espaços não percola em direção a camadas mais
existentes entre as partículas sólidas e profundas e fica retida em poros de menor
podem ser preenchidos pela água ou pelo tamanho graças à ação da capilaridade.
ar. Quando todos os poros do solo estão Essa água pode ser usada pela vegetação.
cheios d’água, ele encontra-se saturado. A infiltração é, portanto, um importante
O tipo, o uso e as condições de umidade processo para a recarga de aquíferos sub-
do solo e a existência ou não de cober- terrâneos, para manutenção das vazões
tura vegetal são fatores que interferem nos rios durante o período de estiagem e
na quantidade de água infiltrada. Solos para o crescimento da vegetação.
arenosos possuem poros maiores e maior Quando a intensidade da precipitação
capacidade de drenar a água infiltrada, excede a capacidade de infiltração do so-
em comparação com solos argilosos. A ve- lo, a parcela de água da chuva que não foi
getação protege o solo do efeito de com- interceptada e não se infiltrou escoa pela
pactação causado pela queda das gotas superfície do solo, dando origem ao esco-
de chuva. Também devido à existência de amento superficial. A parcela da chuva
vegetação, fissuras no solo, produzidas que vira escoamento superficial também é
pelas raízes e por insetos, aumentam a chamada de chuva efetiva. Ela escoa pe-
capacidade de infiltração. Por fim, se no la superfície do terreno, desde cotas mais
início da chuva o solo já estiver úmido, ou elevadas até cotas mais baixas, chegando
seja, se a maior parte de seus poros já es- aos córregos que desaguarão em rios maio-
tiver preenchida pela água, a capacidade res que, por sua vez, chegarão aos oceanos.
de infiltração será menor. A água na superfície de rios, lagos e ocea-
À medida que os poros do solo vão sen- nos pode retornar à atmosfera por meio da
do ocupados, a água percola, ou seja, des- evaporação, fechando o ciclo hidrológico.
ce para as camadas mais profundas, sob a
ação da gravidade – o que contribui para Bacia hidrográfica
a recarga de aquíferos subterrâneos. A
água nesses reservatórios escoa lenta- Neste momento da leitura, em que os pro-
mente, passando pelos poros no solo e cessos do ciclo hidrológico já foram apre-
entre fissuras nas rochas e alimentando sentados, é oportuno introduzir ao leitor
poços e nascentes de rios. o conceito de bacia hidrográfica. Uma ba-

99
EIXO 7 - MANEJO DE ÁGUAS PLUVIAIS

cia hidrográfica é uma área delimitada são conduzidas pelas instalações prediais
por divisores topográficos, onde ocorre de esgoto até a rede de coletora de esgoto,
a captação natural e a condução dos flu- que fará seu transporte até a estação de
xos de água gerados pela precipitação a tratamento de esgoto (ETE). Nas ETEs,
um único ponto de saída – o exutório ou as águas servidas passarão por processos
seção fluvial exutória. Os divisores topo- físicos, biológicos e químicos que reduzirão
gráficos são as cristas das elevações do sua carga poluidora a níveis aceitáveis para
terreno e separam a drenagem resultante seu lançamento em corpos hídricos.
da precipitação entre duas bacias hidro- Outra etapa do ciclo da água nas cida-
gráficas adjacentes. Uma bacia hidrográ- des é a condução do escoamento super-
fica pode ser dividida em sub-bacias que, ficial pelos sistemas de drenagem (ver p.
por sua vez, também podem ser conside- 650) até os corpos hídricos. Essa etapa do
radas bacias hidrográficas. Os córregos, ciclo urbano da água pode ser negativa-
rios e lagos que drenam água em uma da- mente impactada pelos resíduos sólidos
da bacia hidrográfica compõem sua rede urbanos (ver p. 568), que requerem gestão
de drenagem ou rede hidrográfica. adequada para que não sejam conduzidos
até os corpos hídricos, gerando poluição,
O ciclo da água nas cidades e para que não obstruam as instalações e
dispositivos dos sistemas de drenagem –
Nas cidades, vilas, povoados e outros tipos o que pode provocar a ocorrência de ala-
de aglomerações humanas, pode-se consi- gamentos e inundações (ver p. 334).
derar que um subciclo adicional é acrescen- O ciclo da água nas cidades está direta-
tado ao ciclo hidrológico, em razão dos usos mente relacionado aos componentes do
da água que são praticados pela população. saneamento: abastecimento, esgotamento
De forma breve, o ciclo da água nas cidades sanitário, manejo dos resíduos sólidos e
inicia-se com a captação da água bruta de manejo de águas pluviais. Portanto, a ges-
um manancial superficial (rios, córregos, tão dos serviços de saneamento no âmbito
lagos ou reservatórios) ou subterrâneo. A dos municípios não só interfere direta-
água bruta é conduzida por meio de tubula- mente no ciclo hidrológico como pode ser
ções até a estação de tratamento de água impactada pelos processos hidrológicos,
(ETA), onde processos físicos e químicos especialmente em casos de eventos extre-
serão empregados com o objetivo de tornar mos, a exemplo de cheias e secas.
a água potável, ou seja, adequada para o A Lei 11.445/2007 designa o municí-
consumo humano. Em seguida, a água tra- pio (ou um conjunto de municípios) como
tada é conduzida até as residências, edifi- a unidade territorial responsável pela
cações comerciais e industriais por meio da gestão dos serviços de saneamento. En-
rede de distribuição de água potável. tretanto, tendo em vista a forte interação
Nas edificações, a água tratada é condu- entre esses serviços e o ciclo da água nas
zida por meio das instalações prediais de cidades, torna-se evidente a importância
água até os pontos de consumo – por exem- de se considerar, em sua gestão, a inser-
plo, a pia da cozinha, a descarga do vaso sa- ção do município (ou do conjunto de mu-
nitário e o chuveiro, entre outros pontos. nicípios) no território de uma ou mais
Depois de utilizadas, as águas servidas bacias hidrográficas.

100
CICLO HIDROLÓGICO

Referências bibliográficas

1. VIESSMAN JÚNIOR, W.; KNAPP, J. W.; LEWIS, G. L. Introduction to Hydrology.


2. ed. New York: Harper & Row Publishers, 1977. (IEP Series in Civil Engineering).
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3. PEREIRA, S. B. Evaporação no lago de Sobradinho e disponibilidade hídrica no
rio São Francisco. Tese (Doutorado em Engenharia Agrícola) - Departamento de
Engenharia Agrícola, Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, 2004. Disponível em:
https://www.locus.ufv.br/bitstream/handle/123456789/9701/texto%20completo.
pdf?sequence=1&isAllowed=y.
4. TUNDISI, J. G. et al. Water availability, water quality water governance: the fu-
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ences, v. 366, p. 75-79, 10 abr. 2015. Disponível em: http://dx.doi.org/10.5194/
piahs-366-75-2015. Acesso em: 12 out. 2019.

Para saber mais

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capacitacao.ead.unesp.br/dspace/bitstream/ana/66/2/Unidade_1.pdf.
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Righes. Brasília: ANA, 2016. 1 vídeo (11 min). Disponível em: https://capacitacao.
ana.gov.br/conhecerh/handle/ana/307.
O CICLO da água. Brasília: ANA, 2014. 1 vídeo (3 min). Disponível em: https://www.
youtube.com/watch?v=vW5-xrV3Bq4.

Autoria deste verbete

Talita Fernanda das Graças Silva. Engenheira civil, mestre em Sistemas Aquáticos
e Gestão da Água pela Ecole des Ponts Paris Tech (França), doutora em Saneamen-
to, Meio Ambiente e Recursos Hídricos pela Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG) e pela Université Paris-Est (França). Professora do  Departamento de Enge-
nharia Hidráulica e Recursos Hídricos (EHR) da UFMG.

Priscilla Macedo Moura. Engenheira civil, mestre em Saneamento, Meio Ambiente e


Recursos Hídricos pela UFMG, doutora pelo Institut National des Sciences Appliquées
de Lyon (França). Professora do Departamento de Engenharia Hidráulica e Recursos
Hídricos, UFMG.

Marco Túlio da Silva Faria. Tecnólogo em Gestão Ambiental, engenheiro ambiental e


sanitarista, doutorando e mestre em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos
pela UFMG.

101
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO BÁSICO

C
COBRANÇA PELO MANEJO DAS ÁGUAS PLUVIAIS

Este verbete apresenta questões sobre a A falta de integração entre o serviço de


importância da prática de cobrança pelo manejo das águas pluviais (ver p. 368) e
manejo das águas pluviais nos municí- os demais serviços de saneamento – prin-
pios brasileiros, evidenciando aspectos cipalmente, os serviços de esgotamento
conceituais e legais a respeito do tema. sanitário e manejo dos resíduos sólidos
Além disso, o texto apresenta o exemplo (ver p. 568) –, assim como as dificuldades
de um município brasileiro que cobra por de manutenção da infraestrutura e de
esse tipo de serviço. Os recursos prove- planejamento urbano, são uma realidade
nientes dessa fonte poderiam auxiliar no nos municípios brasileiros. Há também
planejamento municipal e na execução de uma carência de prioridade política: o se-
projetos relacionados a essa área. Assim, tor fica à mercê de decisões tomadas por
o texto trata da cobrança pela prestação secretários ou diretores que não possuem
do serviço como uma resposta ao proble- capacidade técnica para solucionar os
ma da falta de recursos financeiros. problemas municipais existentes.
Não há preocupação com a adoção de
Desafios do presente medidas preventivas frente aos problemas
de inundações (ver p. 334) e enchentes, por
Conforme a Lei 11.445/2007,1 nos mu- exemplo, nem recursos técnicos e financei-
nicípios brasileiros, o manejo das águas ros suficientes. Dessa forma, ações pontu-
pluviais é de responsabilidade do Poder ais são realizadas após eventos chuvosos
Executivo municipal. Poucos municí- prejudiciais nos municípios, para depois
pios dispõem de secretarias específicas serem rapidamente esquecidas, até que
e pessoal destacado para atuar nessa eventos danosos aconteçam outra vez.2
área, sendo mais comum que o setor fi-
que a cargo das secretarias de obras mu- Aspectos conceituais e legais
nicipais. A falta de conhecimento sobre
o sistema de drenagem já implantado Nos municípios brasileiros, parte do or-
(características, condições operacionais çamento municipal é destinada ao mane-
e de conservação), a precariedade do co- jo das águas pluviais, que também recebe
nhecimento sobre os processos hidroló- financiamentos pontuais dos governos
gicos e o comportamento hidráulico do estadual e federal e mesmo emprésti-
sistema, a falta de preparo das equipes mos de bancos e agências de fomento.
técnicas e gerenciais responsáveis e a A cobrança pela prestação do serviço de
falta de recursos financeiros específicos manejo das águas pluviais encontra res-
para emprego exclusivo nesse serviço paldo nas legislações brasileiras relativas
são problemas presentes na maior parte ao tema, como se pode verificar no artigo
dos municípios brasileiros.2 145, inciso II, da Constituição Federal de

102
COBRANÇA PELO MANEJO DAS ÁGUAS PLUVIAIS

19883 e no artigo 29 da Lei 11.445/2007.1 dos valores a cobrar em função da área dos
Entretanto, a questão legal envolvendo a domicílios, bem como das áreas imperme-
cobrança e a questão técnica implicada áveis que eles ocupam. Esse cálculo não é
não são triviais. A forma mais comumen- simples, e uma dificuldade adicional resi-
te citada de cobrança no Brasil é o estabe- de em definir de que maneira cada usuário
C
lecimento de uma taxa de drenagem pro- contribui para o uso desse serviço. A títu-
porcional à área impermeável do lote.4, 5 lo de orientação, pode-se analisar a área
Conforme a definição adequada, uma de solo impermeabilizada e a adoção de
taxa ou tarifa para a prestação de um de- uma ponderação do fator de declividade
terminado serviço deve auxiliar no cum- do terreno. Por isso, uma alternativa é a
primento de seis funções: cobrir os custos elaboração de estudos específicos para um
de produção dos serviços; gerar os recur- município ou conjunto de municípios com
sos financeiros para a expansão da rede realidade econômica e social semelhante,
de serviços; sinalizar para o consumidor numa mesma bacia hidrográfica.
a escassez relativa da oferta; colaborar De fato, o manejo das águas pluviais
para o consumo consciente; remunerar deve ser planejado, executado, mantido e
o capital utilizado na produção e ser ins- operado na escala da bacia hidrográfica
trumento da política social do governo.6, 5 e não somente em escala municipal, visto
Devido à quantidade de tributos cobra- que os problemas relacionados a esse tema
dos atualmente e à existência de popula- geralmente extrapolam os limites dos mu-
ção de baixa renda, em especial nos muni- nicípios. Em especial, em municípios de
cípios de pequeno porte populacional, são pequeno porte, há duas razões para a ado-
necessárias ações de mobilização social ção de medidas intermunicipais em escala
(ver p. 395) e sensibilização antes de pro- de bacia hidrográfica: particularmente no
por uma medida de cobrança pelos servi- tocante aos recursos hídricos, os impactos
ços de drenagem urbana nos municípios de políticas ambientais realizadas em um
com valor adequado à realidade financeira município refletem-se em outros municí-
da população do município. Tais ações de- pios de uma mesma bacia hidrográfica; e
vem ter como objetivo explicar à popula- nos casos em que é considerada impossível
ção a necessidade de cobrar pelos serviços. e/ou injustificável a manutenção de equi-
Uma das possibilidades de obtenção pes especializadas e atualizadas para a
dos recursos a serem empregados no sis- adequada gestão dos sistemas de manejo
tema de manejo das águas pluviais é a das águas pluviais nos municípios de pe-
cobrança de uma taxa específica dentro queno porte populacional, tais medidas
do Imposto sobre Propriedade Territorial resultariam em uma economia de escala.2
Urbana (IPTU). A cobrança de uma taxa Mesmo quando constatada a necessida-
com essa finalidade cumpriria o papel de de de criação de uma taxa específica para
sensibilizar a população, uma vez que, di- o manejo das águas pluviais, alguns obstá-
reta ou indiretamente, todos os morado- culos podem surgir. Eles devem ser anali-
res contribuem para possíveis problemas sados conjuntamente entre os poderes Exe-
ocorridos em eventos chuvosos. cutivo, Legislativo e Judiciário, para evitar
A literatura específica4, 5 traz técnicas e possíveis desgastes políticos, principal-
metodologias que auxiliam na estimativa mente nos municípios de pequeno porte.

103
EIXO 7 - MANEJO DE ÁGUAS PLUVIAIS

Exemplos e possibilidades melhoria, 27 (0,59%) por cobrança de ta-


xa específica e dez (0,27%) possuem outra
A título de exemplificação, o município de forma de cobrança.8
Santo André (SP) foi pioneiro no Brasil ao Com a implantação de uma taxa nos
instituir a cobrança pelos serviços de dre- municípios – e estando os poderes públi-
nagem urbana, a partir da promulgação cos municipais cientes da situação finan-
de lei municipal em 1997. De acordo com ceira que afeta o Brasil –, eles podem criar
o Serviço Municipal de Saneamento Am- medidas que reduzam os valores cobra-
biental de Santo André (Semasa), “[a] taxa dos. Uma alternativa é o incentivo à im-
de drenagem foi instituída pela Lei Municipal plantação de áreas permeáveis em cada
7.606/97, com o objetivo de remunerar os domicílio, para que haja a redução do es-
custos com a manutenção do sistema de dre- coamento superficial das águas pluviais.
nagem urbana, ou seja, limpeza de bocas-de- Alguns municípios, como São Carlos,
-lobo, galerias, limpeza e desassoreamento de Guarulhos, Guaíra e Sorocaba (SP) e
córregos, manutenção dos piscinões existen- Uberlândia (MG), concedem redução no
tes na cidade etc. Forma de cobrança: o cálcu- IPTU aos imóveis residenciais que ado-
lo leva em conta o tamanho da área coberta tam medidas relacionadas à proteção do
(impermeabilizada) do imóvel e, portanto, meio ambiente – como práticas que redu-
o volume lançado no sistema de drenagem. zem o volume do escoamento superficial
Este volume é calculado de acordo com índice das águas pluviais.9
pluviométrico médio histórico (dos últimos 30 Assim sendo, entende-se que as legis-
anos), conforme dados do Departamento de lações relacionadas ao manejo das águas
Água e Energia Elétrica (DAEE)”.7 pluviais respaldam a cobrança pelos ser-
De acordo com o Sistema Nacional de viços de drenagem, cabendo, portanto,
Informações sobre Saneamento (SNIS), aos gestores municipais instituí-la ou não.
dos 3.733 municípios que participaram Entende-se que os custos de operação,
da coleta de dados sobre a prestação de ampliação e manutenção dos serviços de
serviço de manejo de águas pluviais no manejo das águas pluviais são elevados e
ano de 2017, apenas 223 (5,97%) pos- as receitas municipais são escassas para
suem alguma forma de cobrança ou de suprir a realização de tais ações. Dessa for-
ônus indireto pelo uso ou disposição ma, a participação da população no finan-
dos serviços de drenagem e manejo das ciamento desses serviços tem o potencial
águas pluviais urbanas (Dmapu). Quanto de aliviar as contas públicas, assume um
aos mecanismos de cobrança, 132 muni- caráter educativo, ao conscientizar sobre
cípios (3,54%) cobram pelos serviços de as implicações das alterações da permea-
Dmapu por meio da inclusão como fator bilidade do solo nos municípios e, conse-
de cálculo na formulação do IPTU, 43 quentemente, produz um impacto positi-
(1,15%) por cobrança de contribuição de vo no manejo das águas pluviais.

Referências bibliográficas

1. BRASIL. Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007. Estabelece as diretrizes nacionais


para o saneamento básico, cria o Comitê Interministerial de Saneamento Básico.

104
COBRANÇA PELO MANEJO DAS ÁGUAS PLUVIAIS

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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm.
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nagem urbana: uma reflexão. RBRH – Revista Brasileira de Recursos Hídricos, v.
13, n. 3, p. 93-104, 2008. Disponível em: 10.21168/rbrh.v13n3.p93-104.
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na de águas pluviais: bases conceituais e princípios microeconômicos. RBRH – Re-
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10.21168/rbrh.v11n2.p15-25.
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In: REZENDE, F.; PAULA, T. B. (coord.). Infra-estrutura: perspectivas de reorganiza-
ção e financiamento. Brasília: IPEA, 1998 apud CANÇADO, V.; NASCIMENTO, N. O.;
CABRAL, J. R. Cobrança pela drenagem urbana de águas pluviais: bases conceituais
e princípios microeconômicos. RBRH – Revista Brasileira de Recursos Hídricos, v.
11, n. 2, p. 15-25, 2006. Disponível em: 10.21168/rbrh.v11n2.p15-25.
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9. DAL-PRÁ, L. L. Drenagem urbana. Crea-PR, 2016. (Série de Cadernos Técnicos da
Agenda Parlamentar). Disponível em: https://www.crea-pr.org.br/ws/wp-content/
uploads/2016/12/drenagem-urbana.pdf.

Para saber mais

CUCIO, M. S. Taxa de drenagem urbana: o que é? Como cobrar? Seminário – disciplina


PHD 2537, Departamento de Engenharia Hidráulica e Sanitária (PHA), Escola Poli-
técnica da Universidade de São Paulo (USP), 2009.
FORGIARINI, F. R.; SOUZA, C. F.;  SILVEIRA, A. L. L.  ;  SILVEIRA, G. L.  ; TUCCI, C.
E. M. Avaliação de cenários de cobrança pela drenagem urbana de águas pluviais.
In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE RECURSOS HÍDRICOS, 17., 2007, São Paulo. XVII
Simpósio [...]. ABRHidro. Disponível em: https://www.abrhidro.org.br/SGCv3/pu-
blicacao.php?PUB=3&ID=19&SUMARIO=4673&ST=avaliacao_de_cenarios_de_co-
branca_pela_drenagem_urbana_de_aguas_pluviais.
LENGLER, C.; MENDES, C. A. B. O financiamento da manutenção e operação do sis-

105
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO BÁSICO

tema de drenagem urbana de águas pluviais no Brasil: taxa de drenagem. Revista


Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, v. 15, n. 1, p.201-218, 2013. Disponível
em: http://dx.doi.org/10.22296/2317-1529.2013v15n1p201.
SILVEIRA, G. L. Cobrança pela drenagem urbana de águas pluviais: incentivo à sus-
tentabilidade (relatório de pós-doutorado). 2008.

Autoria deste verbete

Marco Túlio da Silva Faria. Tecnólogo em Gestão Ambiental, engenheiro ambiental e


sanitarista, mestre e doutorando em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos
pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Talita Fernanda das Graças Silva. Engenheira civil, mestre em Sistemas Aquáticos e
Gestão da Água pela Ecole des Ponts Paris Tech (França), doutora em Saneamento,
Meio Ambiente e Recursos Hídricos pela UFMG e pela Université Paris-Est (França),
professora do Departamento de Engenharia Hidráulica e Recursos Hídricos da UFMG.

Priscilla Macedo Moura: engenheira civil, mestre em Saneamento Meio Ambiente e


Recursos Hídricos, doutora  pelo  Institut National des Sciences Appliquées de Lyon,
professora do Departamento de Engenharia Hidráulica e Recursos Hídricos da  UFMG.

C
COBRANÇA PELOS SERVIÇOS DE SANEAMENTO

A cobrança pelos serviços é uma das Tarifa


principais fontes de financiamento
do setor de saneamento. Neste A cobrança pela prestação de serviços
verbete, a discussão está ancorada por regime de preço público (tarifário)
na Lei 11.445/2007, cujo artigo 29 necessita de alguns requisitos, conforme
determina que os serviços terão sua o Código Tributário Nacional (CTN):
sustentabilidade econômico-financeira • que a adesão do usuário ao serviço seja
assegurada, sempre que possível, voluntária e contratual, não podendo ser
mediante cobrança por seu uso. Antes de imposta pelo poder público ou prestador;
entrar na especificidade de cada serviço, • que o serviço seja específico, quando
é necessário compreender os aspectos puder ser prestado de forma destacada
legais e econômicos das diferentes formas em unidades autônomas, para
de cobrança, basicamente preços públicos atendimento de usuários determinados
(tarifas) e taxas. ou de necessidades públicas específicas,

106
COBRANÇA PELOS SERVIÇOS DE SANEAMENTO

e divisível, quando permitir o uso planejamento, indicadores epidemioló-


individual por cada usuário; gicos e socioeconômicos.
• que o serviço seja efetivamente
prestado e utilizado pelo usuário, e seu Alguns dos objetivos e diretrizes da
uso seja mensurável por instrumento LNSB sugerem elevação das tarifas, en-
C
ou critério técnico e objetivo de aferição quanto outros pressionam por sua redução,
ou quantificação.1 gerando, portanto, uma tensão permanen-
te na definição da política tarifária. A arti-
O estabelecimento da tarifa deve aten- culação entre as funções da política pública
der a uma série de diretrizes da Lei de Di- é essencial para mediar essa relação.
retrizes Nacionais para o Saneamento O titular do serviço estabelece a política
Básico (LNSB), e também deve estar vin- pública municipal, e o planejamento; con-
culada aos objetivos da política tarifária sequentemente, apresenta os contornos da
local, que por sua vez está diretamente ali- política tarifária. O ente regulador deve
nhada com a política pública de saneamen- trabalhar tecnicamente para traduzir os
to. O grande desafio da estruturação da objetivos e diretrizes em regras e mecanis-
política tarifária é conciliar os distintos mos de cobrança das tarifas, dialogando
objetivos sociais, ambientais, econômicos com a sociedade, por meio dos instrumen-
e tecnológicos, ou seja, a sustentabilidade tos de controle social, e com os prestado-
da prestação dos serviços. A tarifa deve: res dos serviços, devendo considerar as
diferentes condições socioeconômicas de
• gerar recursos necessários para a realiza- grupos populacionais, com os direitos hu-
ção dos investimentos, visando ao cum- manos à água e ao esgotamento sanitário
primento das metas e objetivos do plane- (Dhaes – ver p. 205) como princípio.
jamento; ampliar o acesso dos cidadãos e
localidades de baixa renda aos serviços; Taxa
• inibir o consumo supérfluo e o
desperdício; A cobrança por meio de taxas, segundo o
• recuperar os custos incorridos na presta- CTN, exige que o serviço seja:
ção do serviço, em regime de eficiência; • específico e divisível;
• remunerar adequadamente o capital in- • passível de utilização efetiva ou potencial
vestido pelos prestadores dos serviços; pelos usuários e, neste caso, sendo com-
• estimular o uso de tecnologias moder- pulsório, que seja posto de fato a seu uso;
nas e eficientes, compatíveis com os • efetivamente prestado ou posto à dis-
níveis exigidos de qualidade, continui- posição do usuário, mediante atividade
dade e segurança na prestação dos ser- administrativa em efetivo funciona-
viços, entre outros; mento, para que o usuário possa utili-
• impedir as práticas deletérias na uti- zá-lo quando necessitar.1
lização dos recursos públicos, que en-
volvem não só atos de corrupção, mas A principal diferença é que os serviços
também a má utilização de recursos de natureza compulsória só podem ser
públicos por meio da priorização de cobrados mediante taxa, sendo que sua
ações sem observar os instrumentos de cobrança é condicionada à prévia autoriza-

107
EIXO 1 - ASPECTOS ECONÔMICO-FINANCEIROS

ção orçamentária, conforme a Súmula 545 distintos, embora a atualização da Lei


do STF.2 Esta decisão de 1969 foi impor- Federal nº 11.445 tenha colocado o
tante para fixar o entendimento acerca da princípio da prestação concomitante
questão, mas novos desafios e alterações dos dois serviços. Em Minas Gerais,
normativas ao longo destas cinco déca- por exemplo, a concessionária estadual
das trazem a necessidade de revisitá-la.3 (Copasa) e sua subsidiária (Copanor)
No caso do saneamento, tal discussão é operam sistemas de abastecimento
especialmente importante devido à possi- de água em 629 municípios e em 263
bilidade de cobrança compulsória dos ser- sistemas de esgotamento sanitário. 5
viços mediante tarifas, o que atualmente Isso ainda é oriundo do antigo Plano
não encontra respaldo legal. Nacional de Saneamento (Planasa), que
priorizava investimentos em sistemas
Diferentes lógicas de abastecimento de água e locais com
autossustentabilidade financeira.
A Lei de Diretrizes para o Saneamento Essa situação é regular em municípios
Básico sugere as modalidades de cobrança que possuem concessão apenas de água e
de acordo com o serviço prestado. O repassam os serviços de esgotamento, pois
abastecimento de água e o esgotamento essa posição pode ser tomada com base
sanitário, preferencialmente, serão na opinião da população, que resiste ao
cobrados na forma de tarifas e outros pagamento das tarifas pelo esgotamento
preços públicos; a limpeza urbana e o sanitário. A prestação dos serviços de água
manejo de resíduos sólidos, por meio de e esgoto por operadores distintos onera
taxas ou tarifas e outros preços públicos; os custos, tendo como consequência o
e o manejo de águas pluviais urbanas, aumento dos valores a serem cobrados ou
preferencialmente na forma de tributos, a inexistência/má qualidade dos serviços
inclusive taxas.4 Tais recomendações da de esgotamento sanitário.
legislação são decorrentes da natureza de A cobrança pelos serviços de limpeza
cada um dos serviços. pública (ver p. 351) e manejo de resíduos
A maioria dos serviços de abastecimento sólidos (ver p. 568) talvez seja a mais
de água (ver p. 645) é cobrada mediante polêmica. Primeiro porque existem
estabelecimento de tarifas. O serviço diferenças entre os componentes de
de esgotamento sanitário (ver p. 256), limpeza pública e a coleta e destinação final
quando cobrado em conjunto com o dos resíduos, segundo os critérios do Código
de água, usualmente é tarifado, pois Tributário Nacional. A limpeza pública
pode ser mensurado a partir do volume não é um serviço divisível, portanto não
de consumo. No entanto, em casos de pode ter nem a aplicação de taxa nem de
prestadores distintos, existe dificuldade tarifa, devendo ser custeada com recursos
maior para cobrança mediante tarifa, em do orçamento municipal. A coleta e a
decorrência das dificuldades operacionais destinação final, usualmente, são cobradas
e inviabilidade econômica no atendimento por meio de taxas, sendo que em alguns
do requisito de mensuração. casos mediante tarifa, como em Joinville
Ainda é muito comum a prestação (SC), embora nestes casos haja uma
de serviços de água e esgoto por entes enorme discussão jurídica. A atualização

108
COBRANÇA PELOS SERVIÇOS DE SANEAMENTO

do marco regulatório do saneamento no sistema de drenagem pluvial. Nos


trouxe mudanças em relação à cobrança existentes, é cobrada uma taxa de acordo
pelos serviços de limpeza urbana e manejo com a área impermeabilizada.7
de resíduos sólidos. O art. 35 acrescentou
os seguintes aspectos que poderão ser Cobrança e os planos municipais
C
observados na cobrança: o peso ou volume de Saneamento Básico
médio coletado por habitante ou por
domicílio; consumo de água e frequência Na elaboração do Plano Municipal de
de coleta. Além disso, o mesmo artigo Saneamento Básico (PMSB – ver p.
trouxe a possibilidade de utilizar a fatura 450), o diagnóstico deve identificar a
de consumo de outros serviços públicos existência de cobrança pela prestação
com a anuência da prestadora. E, por de cada um dos serviços, tanto nas áreas
último, foi inserido que a não proposição urbanas quanto nas áreas rurais. Na fase
de instrumento de cobrança pelo titular no de formulação dos programas, projetos e
prazo de 12 meses configura renúncia de ações, em consonância com os objetivos
receita e exigirá do titular a comprovação e metas propostos, devem ser dadas as
do disposto na Lei Complementar nº 101 diretrizes para o posterior detalhamento
de 2000, o que pode ocasionar penalização da política de cobrança, considerando
com base na referida lei. os entes envolvidos, especialmente o
O serviço de drenagem, quando regulador e o de controle social.
disponível, não pode excluir nenhum Tal política não necessita de
usuário, ou seja, todos têm o direito uniformidade entre os serviços, nem
ao acesso ao manejo de águas pluviais entre as regiões e grupos populacionais
e drenagem urbana (ver p. 368). Tal do município. Pelo contrário, deve ser
característica econômica dificulta ajustada de acordo com o grau de evolução
sobremaneira a cobrança pela utilização institucional de cada serviço e com a
desse serviço.6 A realidade da maioria realidade socioeconômica da população, de
dos municípios brasileiros é financiar forma que os municípios possam caminhar
os sistemas de manejo de águas pluviais na estratégia da universalização do
com utilização de recursos oriundos de direito ao saneamento básico.
impostos. No entanto, existe a possibilidade A cobrança é fundamental para garantir
de cobrança por meio de taxas, sendo que o a sustentabilidade econômico-financeira
principal desafio é definir uma base para a dos serviços de saneamento, porém não
instituição da cobrança. pode ser confundida com a autossustenta-
Alguns municípios, como Santo André bilidade ou recuperação total dos custos,
(SP) e Porto Alegre (RS), já adotaram a em que cada município ou sistema deve ter
cobrança de taxas. Na cidade da Grande sustentabilidade individualmente. Existem
São Paulo, a base para o cálculo é a área subsídios e fontes de recursos adicionais
impermeabilizada do lote. Na capital que devem ser estruturados quando neces-
gaúcha, a legislação cobra a manutenção da sário para garantir o acesso universal e os
vazão anterior à urbanização do lote. Nos direitos humanos à água e ao esgotamento
novos empreendimentos, o proprietário sanitário (ver p. 205), inclusive quanto à
só pode lançar uma determinada vazão acessibilidade financeira (ver p. 23).

109
EIXO 1 - ASPECTOS ECONÔMICO-FINANCEIROS

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Fiocruz, 2013. p. 502-524.
2. STF. Súmula nº 545. Preços de serviços públicos e taxas não se confundem. Disponível em:
http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumarioSumulas.asp?sumula=2346.
3. RIBEIRO, W. A. Uma proposta para o saneamento básico (parte 3). Revista Consul-
tor Jurídico, 19 out. 2018. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-out-19/
wladimir-ribeiro-proposta-saneamento-basico-parte. Acesso em: 31 ago. 2019.
4. BRASIL. Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007. Estabelece as diretrizes nacionais para
o saneamento básico, cria o Comitê Interministerial de Saneamento Básico. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/Ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Lei/L11445.htm.
5. COPASA. Release de Resultados 3T19, de 5 de novembro de 2019. Disponível em:
https://apicatalog.mziq.com/filemanager/d/8bdb3906-0618-4e78-bbe3-a0be9f-
02d8cc/941b05ed-24f0-962f-fc92-d9e26ad8481b?origin=1.
6. CANÇADO, V.; NASCIMENTO, N. O.; CABRAL, J. R. Cobrança pela drenagem urbana
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Brasileira de Recursos Hídricos, Porto Alegre, v. 11, n. 2, p. 15‐25, abr./jun. 2006.
7. TUCCI, C. E. M. Gerenciamento da drenagem urbana. RBRH – Revista Brasileira
de Recursos Hídricos, Porto Alegre: v. 7, n. 1, p. 5‐27, jan./mar. 2002. Disponível
em: https://abrh.s3.sa-east-1.amazonaws.com/Sumarios/99/6137a1ef8fc1c04f81a-
9a6b46a3093dd_c80b83451c8ed0911a8b63bc1f8850cd.pdf.

Para saber mais

Fundação Nacional de Saúde (Funasa). http://www.funasa.gov.br.


Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento (Assemae). http://www.
assemae.org.br.
Agência Reguladora de Serviços de Abastecimento de Água e de Esgotamento Sanitário
do Estado de Minas Gerais (Arsae-MG). http://www.arsae.mg.gov.br.

Autoria deste verbete

Gisela P. Zapata. Doutora em Geografia Humana pela Universidade de Newcastle


(Inglaterra). Professora do Departamento de Demografia e pesquisadora do Centro
de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG).

Vitor Carvalho Queiroz. Engenheiro civil e mestre em saneamento, meio ambiente


e recursos hídricos pela UFMG. Possui experiência, principalmente, com políticas
públicas e gestão de saneamento e recursos hídricos.

110
COMUNICAÇÃO NO TERRITÓRIO

C
COMUNICAÇÃO NO TERRITÓRIO
C
A comunicação é imprescindível para que nais e diretos de se comunicar, baseados
a participação social se realize para além na relação face a face, na palavra falada.
das práticas oficiais dos órgãos públicos, São pouco visíveis e se articulam cada vez
como jornais, sites, audiovisuais e espa- mais em rede contribuindo na produção
ços institucionalizados, fazendo com que dos territórios de vida.1
o uso do conceito de território – seus ato- Esses atores locais possuem saberes
res e regras sociais de convivência – tor- que produzem artefatos, literatura,
ne-se central no planejamento munici- música e até economia alternativa que
pal de saneamento. podem subsidiar estratégias de planeja-
As formas de agir dos setores de sa- mento, produzindo ideias de cultura não
neamento e saúde a partir de processos hegemônica que reafirmam os territó-
comunicacionais são marcadas por uma rios para a reprodução da vida social. Os
lógica profissional centrada de “fazer pa- saberes e práticas populares – associa-
ra” e não “fazer com”, em que o discurso dos ao saber científico e institucional –
cientificista e vertical não contempla a conformam novo conhecimento, situado
participação da população como protago- e contextualizado, que pode ser incorpo-
nista que vai receber as ações determina- rado com efetividade por diferentes ato-
das pelas instituições públicas. res do território.
Diversos impasses e obstáculos comu-
nicacionais interpõem-se à realização As escalas no território
plena do direito à saúde e ao saneamento,
principalmente no sentido de como este Com o papel que a informação e a comu-
setor tem interagido com a sociedade, so- nicação alcançaram nos dias de hoje, em
bretudo no que se refere aos territórios todos os aspectos da vida social, o coti-
(ver p. 729) e seus saberes. Para romper diano de todas as pessoas vem sendo
esses desafios torna-se fundamental ca- acrescido de novas dimensões para as
minhar em direção aos territórios, co- relações sociais e o território destaca-se
nhecendo “por dentro” a sua realidade, como a mais importante de todas.
como ferramenta ao processo de comuni- Vivemos um momento histórico de
cação e de mobilização social (ver p. 395). profundas alterações nos modos de vida
As igrejas, clubes, museus, grafiteiros, da sociedade e dos territórios, com uma
grupos artísticos, associações de todos intensificação dos fluxos de circulação e
os tipos, além das redes comunitárias de de troca de informações instantâneas,
apoio social que atuam no território, são materialidades e pessoas. O cotidiano
cruciais em processos comunicativos pa- transforma-se com novas dimensões que
ra envolver e mobilizar a população. São produzem mais densidade nas relações
protagonistas dos modos mais tradicio- humanas, dado o papel que a informação

111
EIXO 2 - COMUNICAÇÃO E TERRITORIALIZAÇÃO

e a comunicação alcançaram em todos os nas por meio de relações de comunicação


aspectos da vida social.2 entre elas. Ao mesmo tempo em que aco-
O território acolhe influências de toda lhe as influências “externas”, é também
ordem, provenientes de várias escalas – o contraponto de resistência a elas, de
da local à global – e se apresenta tam- construção de alternativas políticas efeti-
bém como resistência às normas, leis e vas de comunicação a partir do cotidiano
regras externas que se apropriam dos compartilhado existente ali.
recursos locais. Os recursos comunicativos do terri-
A ordem local está associada aos recur- tório abrem possibilidades de coope-
sos e às relações sociais reunidos no ter- ração entre as pessoas, favorecido pela
ritório e por isso regidos pela interação identidade estabelecida entre elas na
social. O território vivido – cada vez mais convivência cotidiana, potencializando
carregado de densidade de relações sociais, a capacidade local de promover coletiva-
advindas das novas formas de informação mente melhorias nas condições de vida
e comunicação e de objetos criados pela so- e programar ações específicas em acordo
ciedade – torna-se o quadro de referência com sua identidade.4
prática da vida cotidiana, como produto da O reconhecimento no território de
interação social compartilhada. atores, como os grupos socioculturais
A ordem local é resultado da interação que se apropriam e utilizam dos recur-
social no cotidiano, da “copresença, vizi- sos locais de comunicação, é fundamen-
nhança, intimidade, emoção, cooperação tal para incorporar saberes populares na
e na socialização fruto da interdepen- produção e veiculação de conteúdos rela-
dência e da contiguidade física no terri- cionados aos territórios, seus problemas
tório”.3 Ela territorializa porque reúne os e potencialidades, no intuito de organi-
atores sociais, as pessoas, empresas, ins- zar ações participativas e comunicativas
tituições, formas sociais e jurídicas no co- em saúde e saneamento. 5
tidiano imediato, localmente vivido, tra- São atores sociais do território que estão
ço de união e garantia da comunicação. cada vez mais se utilizando de meios de
Já as influências externas, principal- comunicação como rádio, jornais, inter-
mente dos processos de globalização, po- net, televisão comunitária, blogs e sites, a
dem desterritorializar, ou efetivar terri- música, a poesia, o repente, além de au-
torializações precárias de populações. As diovisuais cujos conteúdos são produzidos
normas e regras vindas de fora e que não por entidades civis que atuam localmente.
são pactuadas localmente desestruturam É importante destacar que chegam
modos de vida afetando as formas de vi- também ao território mensagens dis-
ver e muitas vezes excluem socialmente torcidas, que veiculam informações
populações de seu território. diversas por meios e pessoas com dis-
cursos e poderes que, muitas vezes, não
As vozes do território condizem com a realidade. Estes atuam
na perspectiva de construir hegemonia
O território local é a referência direta das e quebra da ordem social, que propugna
pessoas com o mundo, onde acontece a vi- bem-estar e qualidade de vida compar-
da e toda variedade de situações cotidia- tilhada, introjetando valores diversos

112
COMUNICAÇÃO NO TERRITÓRIO

que se opõem àqueles que asseguram vai depender dos diferentes modos de vida,
democracia e liberdade. dos atores e suas diversas formas de exercí-
Em qualquer circunstância, saber “ouvir cio de poder. Uma rádio comunitária, por
a voz do território”6 é crucial para o pro- exemplo, pode possuir forte capacidade co-
cesso de planejamento. A territorialização municativa em um determinado território
C
de informações como estratégia de reco- e impacto menor em outro contexto.
nhecimento das condições de vida e saúde Em processos comunicativos territoria-
de populações e instrumento de pesquisa lizados intervêm relações de interlocução
oferece subsídio para a elaboração de pla- e de interação que criam, alimentam e
nos municipais de Saneamento Básico, e restabelecem a identidade e os laços so-
deve identificar e incluir esses atores. ciais que partilham as mesmas referên-
cias históricas locais. Arte e cultura são
Laços sociais grandes aliados da popularização da ci-
ência e da comunicação.7
O poder de fazer e de agir socialmente São exemplos que podem fortalecer as
dos diferentes atores sociais do território, ações de saneamento e de promoção da
por meio de suas tecnologias societárias e saúde: uma coleta de material reciclado
culturais, produz práticas cotidianas que com veículos automotivos divulgando
dialogam com a identidade das pessoas músicas (forró, rap, funk, cordel, samba e
e o pertencimento ao lugar. Os diversos outros) com conteúdo sobre cuidados com
modos de produzir sociabilidade e cultura a filtração domiciliar e a cloração, e letra
envolvidos no cotidiano constituem re- que fortaleça a importância dos cuidados
pertório importante para os atores locais com as águas paradas ou turbulentas ou,
criarem conteúdos significativos por meio ainda, uma exposição museológica cujo te-
de mídias como o rádio, a internet e a te- mas são os rios, seus usos e movimentos.
levisão, e para a interação face a face. São Como comunicar tem como significado
recursos poderosos capazes de dar voz ao pôr em comum, as diferentes interpreta-
saber popular e embasar processos comu- ções, visões de mundo, interesses e proje-
nicativos como base para a elaboração de tos dos atores locais encontrados na reali-
discursos que, para além de ação, são so- dade social dos territórios se configuram
bretudo interação social e comunicacional. em situações objetivas que resultam de
Diferentes formas de acesso aos recursos negociações e pactuações sociais origi-
comunicativos terão efeitos distintos quan- nadas de pontos de vista mais ou menos
to à capacidade de ação no território. Isto compartilhados localmente.6

Referências bibliográficas

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MALAGÓN DE SALAZAR, L.; LUJÁN VILLAR, R. C. (ed.). Springer, 2018. Disponível
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EIXO 2 - COMUNICAÇÃO E TERRITORIALIZAÇÃO

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lo: Editora da Universidade de São Paulo, 2008.4. PASTI, A. A comunicação, os usos
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Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 22, n. 10, 2017. Disponível em: https://
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6. SANTOS, M. O país distorcido: o Brasil, a globalização e a cidadania. RIBEIRO, W.
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7. MONKEN, M.; GONDIM, G. M. M. Território: o lugar onde a vida acontece. In: BOR-
NSTEIN, V. J. et al. Curso de Aperfeiçoamento em Educação Popular em Saúde:
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Para saber mais

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São Paulo, ano 7, n. 12, jan./jun. 2010. Disponível em: https://www.alaic.org/revis-
ta/index.php/alaic/article/view/181.
SODRÉ, M. Antropológica do espelho: uma teoria da comunicação linear e em rede.
Petrópolis: Vozes, 2009.
CABRAL, A.; BOLAÑO, C.; Araujo, D.; ANDACHT, F; PAULINO, F. (ed.). Nuevos con-
ceptos y territorios en América Latina. São José dos Pinhais: Página 42. Disponí-
vel em: http://www.pagina42.com.br/pdfs/New_concepts_and_territories_in_La-
tin_America.pdf.
BORGES, R. M. R. O território geográfico como categoria metodológica dos estudos
em Comunicação Social e Jornalismo. Revista Contemporânea, Rio de Janeiro, n.
21, ano 11, v. 1, p. 48-61, 2013. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/
FIOCRUZ. Página web da Exposição Rios em Movimento. Museu da Vida da Fundação
Oswaldo Cruz. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/noticia/exposicao-rios-em-
movimento-entra-em-cartaz-no-dia-18-12-no-museu-da-vida. Acesso em: 13 mar. 2020.

Vídeo

ENCONTRO com Milton Santos ou o mundo global visto do lado de cá. Direção de
Silvio Tendler. Produção executiva de Ana Rosa Tendler. 1 vídeo (89 min). Caliban,
2006. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ifZ7PNTazgY.

114
CONCEITO DE SANEAMENTO

Autoria deste verbete

Maurício Monken. Geógrafo, doutor em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saú-
de Pública Sergio Arouca (Ensp), da Fundação Oswaldo Cruz. Professor-pesquisador
e coordenador da Estação de Territorialização da Escola Politécnica de Saúde Joaquim
C
Venâncio (EPSJV), da Fiocruz.

Grácia Maria de Miranda Gondim. Arquiteta, doutora em Saúde Pública pela Escola
Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca. Professora e pesquisadora da Escola Politéc-
nica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV) e da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (UFRN).

Alexandre Pessoa Dias. Engenheiro civil sanitarista, mestre em Engenharia Ambiental,


doutor em Medicina Tropical. Professor-pesquisador do Laboratório de Educação Pro-
fissional em Vigilância em Saúde (Lavsa) da EPSJV, Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Rodolfo José das Neves Pereira. Psicólogo. Professor da Escola Politécnica de Saúde
Joaquim Venâncio (EPSJV) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

C
CONCEITO DE SANEAMENTO

Considerando as condições de vida das áreas integrantes dos serviços de promo-


civilizações antigas, é provável que, em ção da saúde, ou seja, a limpeza pública
sua época, a preocupação com ações de (ver p. 351), a drenagem de águas pluviais
natureza sanitária tenha sido relativa (ver p. 650) e o controle de vetores, o que
ao suprimento de água, para consumo pode ser atribuído à interpretação dos
humano e irrigação, e à disposição dos benefícios oriundos do conjunto de ações
efluentes. Todavia, o desenvolvimento relativas a estas áreas.
das sociedades, a urbanização e o aden- Neste cenário, a noção de saneamento,
samento populacional trouxeram con- ao longo do tempo, assumiu conteúdos
sigo o incremento da geração de rejeitos distintos de acordo com a cultura, em
líquidos e sólidos, a impermeabilização função da relação existente entre homem
dos solos, dentre outros fatores que re- e natureza, e também de acordo com a
sultaram em novas situações de perigo à classe social, em função das condições
saúde humana. materiais de existência e dos níveis de
Essas novas formas representativas de informação e conhecimento. A incorpo-
nocividade à saúde humana, e também ao ração de questões de ordem ambiental,
meio ambiente, foram assimiladas como além daquelas de ordem sanitária, às

115
EIXO T - TEMAS TRANSVERSAIS

preocupações no campo do saneamento incluem ações como o saneamento dos


resultaram na perda de força da visão alimentos, das habitações e dos locais
antropocêntrica que vigorava, dando lu- de trabalho, além da higiene industrial
gar a uma nova perspectiva da relação e do controle da poluição (ver p. 488) at-
sociedade-ambiente. mosférica e sonora.1
No Brasil, a Lei Federal 11.445/2007
O conceito de saneamento define saneamento básico como o conjun-
e suas dissonâncias to de serviços, infraestruturas e instala-
ções operacionais de:
Observa-se a inexistência de um conceito
único de saneamento no Brasil. Quando a) abastecimento de água potável:
comparadas as abordagens nos níveis constituído pelas atividades, infraestru-
nacional e internacional constata-se que turas e instalações necessárias ao abaste-
também há divergências. Destaca-se o cimento público de água potável, desde a
amplo enfoque dado, em ambos os níveis, captação até as ligações prediais e respec-
aos serviços de abastecimento de água e tivos instrumentos de medição,
esgotamento sanitário em detrimento b) esgotamento sanitário: constituído
das demais ações consideradas, no Brasil, pelas atividades, infraestruturas e insta-
como integrantes do saneamento. lações operacionais de coleta, transporte,
O conceito de saneamento, classicamen- tratamento e disposição final adequados
te, baseia-se na formulação da Organiza- dos esgotos sanitários, desde as ligações
ção Mundial da Saúde (OMS): “controle de prediais até o seu lançamento final no
todos os fatores do meio físico do homem, meio ambiente,
que exercem ou podem exercer efeitos c) limpeza urbana e manejo de resíduos
deletérios sobre seu estado de bem-estar sólidos: conjunto de atividades, infraes-
físico, mental ou social”. Fica evidente o truturas e instalações operacionais de co-
vínculo do saneamento com o enfoque leta, transporte, transbordo, tratamento
ambiental e a abordagem preventiva da e destino final do lixo doméstico e do lixo
saúde, tendo em conta que a própria OMS originário da varrição e limpeza de logra-
considera o bem-estar físico, mental e so- douros e vias públicas,
cial como definição de saúde. d) drenagem e manejo das águas plu-
Esta conceituação mais geral admite viais, limpeza e fiscalização preventiva
amplas interpretações sobre as ações das respectivas redes urbanas: conjunto
abrangidas e disciplinas envolvidas. de atividades, infraestruturas e instala-
Identificam-se desde definições absolu- ções operacionais de drenagem urbana
tamente estreitas até limites mais am- de águas pluviais, de transporte, deten-
plos para seu significado. De um lado, ção ou retenção para o amortecimento
em 1971 o Plano Nacional de Saneamen- de vazões de cheias, tratamento e dispo-
to (Planasa) definiu saneamento básico sição final das águas pluviais drenadas
como apenas as ações de abastecimen- nas áreas urbanas.2, 3
to de água e esgotamento sanitário.
Em contrapartida, algumas definições O arcabouço teórico referente ao sane-
de saneamento ambiental (ver p. 577) amento, abordado nos meios técnico, aca-

116
CONCEITO DE SANEAMENTO

dêmico-científico e político-institucional de captação para água de abastecimento


no Brasil, mostra-se bastante abrangente. público; a inadequação de projetos de re-
É tendência no país considerar como in- des de drenagem de águas pluviais e de
tegrantes deste setor as seguintes ações: esgotamento sanitário pode dificultar o
abastecimento de água; esgotamento sani- processo de tratamento de esgotos e oca-
C
tário; limpeza pública; drenagem pluvial; sionar poluição de cursos d’água; e falhas
e controle de vetores de doenças trans- no planejamento, na implementação e na
missíveis. Entretanto, não há consenso fiscalização relativos a todos estes servi-
sobre a definição do termo “saneamento”, ços citados podem propiciar o surgimento
e pode-se ressaltar também a existência e desenvolvimento de vetores de doenças
de conflito com o setor da saúde a respeito transmissíveis. Essa interação conduz à
de responsabilidades relativas ao controle reflexão sobre maneiras mais adequadas
de vetores, área esta desconsiderada como de se referir, tanto ao saneamento quanto
integrante do saneamento na Lei 11.445, aos seus respectivos serviços.
promulgada em 5 de janeiro de 20072 (al- A Política Municipal de Saneamen-
terada em 2016 pela Lei 13.3083, que to de Belo Horizonte, Lei Municipal
determinou a manutenção preventiva das 8.260/2001, conceitua o saneamento co-
redes de drenagem pluvial). mo: “o conjunto de ações entendidas como
A significação precisa e a definição das de saúde pública, compreendendo o abaste-
áreas que constituem o saneamento são cimento de água em quantidade suficiente
conflitantes também no que diz respeito para assegurar higiene adequada e conforto
às abordagens adotadas em outros países, e com qualidade compatível com os padrões
o que pode ocasionar relativa dificuldade de potabilidade; a coleta, o tratamento e a
de diálogo a respeito do tema, entre os disposição adequada dos esgotos e dos resí-
profissionais brasileiros e estrangeiros. duos sólidos; a drenagem urbana das águas
Enorme ênfase é dada aos temas água e pluviais e o controle de vetores transmissores
esgoto, tanto em nível nacional quanto e de reservatórios de doenças”.4
internacional, fato este corroborado pela Os Manuais de Saneamento da Fun-
denominação de empresas de saneamento dação Nacional de Saúde (Funasa), anti-
àquelas que prestam serviços de produção ga Fundação Serviços de Saúde Pública
e distribuição de água e coleta e disposi- (Fsesp), constituem um acervo de impor-
ção de esgotos, resultado das políticas de tantes registros relativos ao saneamento
saneamento implantadas na década de e suas respectivas atividades, sendo fonte
1970. Entretanto, observa-se uma intrin- de consulta para profissionais da área ao
cada relação entre as áreas consideradas longo dos anos. A primeira publicação da-
no Brasil como integrantes do saneamen- ta de 1950, sendo as seguintes publicadas
to – o abastecimento de água potável à em 1964, 1972, 1981, 1991, 1994, 1999,
população resulta inevitavelmente na ge- 2004 e 2006 (cronologia informada pela
ração de esgotos; a inadequada disposição coordenadoria regional da Funasa Minas
de resíduos sólidos comumente acarreta Gerais). No que se refere à forma de con-
obstrução de redes de drenagem de águas ceituar o saneamento, as abordagens nas
pluviais e resulta em poluição de cursos publicações do Manual apresentam-se va-
d’água superficiais, muitas vezes fonte riadas, conforme quadro a seguir.

117
EIXO T - TEMAS TRANSVERSAIS

Manual de Saneamento “Saneamento é a aplicação de medidas,


Fsesp, publicação de 19505 modificando condições do meio
ambiente, que procuram interromper
o elo da cadeia de transmissão de
certas doenças. O Saneamento, aliado
à Educação Sanitária é, portanto, base
de um programa de Saúde Pública.”

“Os principais elementos que se


utilizam para fazer o saneamen-
to das casas e cidades são:

1. Suprimento de água adequado


2. Destino dos dejetos
3. Controle dos animais trans-
missores de doenças
4. Cuidados e manuseio dos alimentos
5. Coleta e destino do lixo”

Manuais de Saneamento “Saneamento segundo a definição


Fsesp/Funasa, publicações clássica é o conjunto de medidas
de 1964, 1972, 1981, visando modificar as condições do
1991 e 19946-10 meio ambiente com a finalidade de
prevenir a doença e promover a saúde.

É uma definição física, material,


que na sua expressão não leva em
conta fatores humanos. Segundo
a ‘International Foundation’ [nos
manuais não é feita referência alguma
sobre esta fonte citada] , Saneamento é
um modo de vida, é qualidade de viver
expressa em condições de salubridade
com casa limpa, vizinhança limpa,
comércio e indústria limpos, fazendas
limpas. Sendo um modo de vida
deve vir do povo, é alimentado pelo
saber e cresce como um ideal e uma
obrigação nas relações humanas”

118
CONCEITO DE SANEAMENTO

Manuais de Saneamento “Saneamento ambiental é o conjunto


Funasa, publicações de de ações socioeconômicas que têm
1999, 2004 e 200611-13 por objetivo alcançar níveis de
Salubridade Ambiental, por meio de
C
abastecimento de água potável, coleta
e disposição sanitária de resíduos
sólidos, líquidos e gasosos, promoção
da disciplina sanitária de uso do
solo, drenagem urbana, controle de
doenças transmissíveis e demais
serviços e obras especializadas, com
a finalidade de proteger e melhorar
as condições de vida urbana e rural”

Fonte: MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1950, 1964, 1972, 1981,


1991, 1994, 1999, 2004, 2006.

No âmbito técnico-científico há publicações de uma gama de conceitos e definições


de saneamento. Alguns se encontram apresentados a seguir como demonstração da
variedade de formas de abordagem – às vezes de forma sucinta, às vezes muito ampla
– do tema saneamento, assim como engenharia sanitária e saúde pública.

Saneamento pode ser definido como a regulação e o controle da saúde pública”.14

“As práticas da engenharia sanitária incluem as seguintes atividades:

1. Elaboração de questionários, relatórios, projetos, revisões, direcionamen-


to, gerenciamento, operação, e investigação de trabalhos ou programas para:
(a) Distribuição e tratamento de águas de abastecimento.
(b) Coleta, tratamento e disposição dos resíduos comunitários e esgotos do-
mésticos e industriais, e refugos, incluindo a recuperação de componentes
úteis de tais resíduos.
(c) Controle da poluição de águas superficiais e subterrâneas e dos solos
superficiais e subterrâneos.
(d) Saneamento do leite e de alimentos.
(e) Saneamento residencial e institucional.
(f) Controle ou erradicação de insetos e vermes.
(g) Saneamento de áreas rurais, campestres e de recreação.

119
EIXO T - TEMAS TRANSVERSAIS

(h) Controle da poluição atmosférica e da qualidade do ar e da luz, ruídos,


vibrações e materiais tóxicos, incluindo aplicação em espaços de trabalho
de estabelecimentos industriais (engenharia de higiene industrial).
(i) Prevenção contra a exposição à radiação.
(j) Outros campos que tenham como objetivo maior o controle de fatores
ambientais que possam afetar a saúde.

2. Execução de pesquisas profissionais e desenvolvimento de trabalhos que


deem suporte às atividades listadas em 1.

3. Responsabilidade pelo ensino dos assuntos relativos à engenharia sani-


tária em instituições educacionais de posição reconhecida.”15
(Tradução do original em inglês).

“A Engenharia Sanitária, segundo Sallovizt [não é feita referência sobre


esta fonte citada], tem por objeto resolver no terreno técnico construtivo,
todos os problemas que apresenta a higiene, como resultado dos princípios
que sustenta. Segundo Earle Phelps [não é feita referência sobre esta fonte
citada], professor de ciência sanitária da Universidade de Colúmbia (sic),
‘é a arte de dirigir as fôrças (sic) e atividades da natureza para a proteção e
melhoramento da saúde pública’.

Devido à complexidade da engenharia sanitária, têm-se procurado espe-


cializações, com ramificações próprias e interdependentes na ciência das
construções.

O engenheiro sanitário deve construir obras que proporcionem ótimas con-


dições de vida sã, procurando com suas construções assegurar as quatro
exigências fundamentais seguintes:

1.º) Higiene da água;


2.º) Higiene do solo;
3.º) Higiene do ar;
4.º) Higiene do corpo;
estando compreendida nesta última, a Higiene alimentar.

Os problemas principais a serem tratados pela engenharia sanitária são os


seguintes:

120
CONCEITO DE SANEAMENTO

a) Abastecimento público de água potável (...)


b) Afastamento rápido dos dejetos das habitações humanas (...)
c) Tratamento dos dejetos das habitações (...)
d) Drenagem dos terrenos pantanosos ou úmidos (...)
C
e) Fornecimento de gêneros alimentícios sãos (...)
f) Fornecimento de banhos públicos (...)
g) Traçados urbanísticos das cidades (...)
h) Estudos e construções destinados a hospitais, maternidades, creches, sa-
natórios, preventórios, leprosários etc.
i) Estudos e construção de obras e aparelhos para condicionamento do ar,
nos hospitais, sanatórios, escritórios, teatros, fábricas etc. (...)
j) Saneamento rural (...).”16

“Chamamos de saneamento a prevenção de doenças por eliminação ou con-


trole dos fatores ambientais que formam os elos da cadeia de transmissão.
Um esquema deste aspecto de trabalho de sanidade pública é o seguinte:

1. Abastecimento de água
2. Eliminação de excretas e resíduos sólidos
3. Controle de insetos
4. Controle de roedores
5. Saneamento dos alimentos
6. Instalações prediais
7. Acondicionamento de ar e purificação da atmosfera
8. Iluminação
9. Alojamento
10. Saneamento institucional
11. Higiene industrial
12. Saneamento de piscinas de natação
13. Supressão de incômodos
14. Proteção contra radiações.”17
(Tradução do original em inglês).

“Com relação à terminologia de saúde, é interessante transcrever algumas


definições apresentadas pela Organização Mundial da Saúde e que foram

121
EIXO T - TEMAS TRANSVERSAIS

aprovadas no Primeiro Congresso Interamericano de Higiene, em Havana em


setembro de 1952.

a) Saúde. É um estado completo de bem-estar físico, mental e social e não


somente a ausência de doenças.
b) Salubridade. É a ciência e a arte de organizar e dirigir os esforços coletivos
para proteger, fomentar e reparar a saúde.
c) Higiene. É o conjunto de normas de vida que asseguram ao indivíduo o
exercício pleno de todas as suas funções.
d) Saneamento. É o ramo da salubridade destinado a eliminar os riscos do am-
biente natural, sobretudo resultantes da vida em comum, e criar e promover
nele as condições ótimas para a saúde.

Cabe destacar o fato de que esta última definição, caracterizada pelo concei-
tual, não só pretende, através do saneamento, eliminar os riscos do ambiente
para evitar a transmissão de doenças, senão alcançar o completo bem-estar
físico, mental e social que inclui agrado, bem-estar, conforto e alegria de vi-
ver de nossas comunidades, direitos inalienáveis de todo indivíduo que forma
nossa sociedade. Os riscos potenciais do ambiente natural que podem originar
transtornos de origem orgânica, fisiológica, psíquica ou social, expandem-se
em proporções diretas à densidade da população existente no meio. Para eli-
minar estes riscos ou reduzi-los a limites compatíveis com a civilização atual,
é necessário dispor de princípios, técnicas, normas e métodos que se apliquem
ao meio, e estes princípios, técnicas, normas e métodos são proporcionados
pela engenharia sanitária, que tende a solucionar os problemas de prevenção
e eliminação de uma importante gama de doenças e a satisfação de viver em
um meio são e confortável.”18
(Tradução do original em espanhol).

“Saneamento do Meio, conforme conceito definido por um grupo de especialistas


reunido pela Organização Mundial da Saúde, é o controle de todos os fatores do
meio físico do homem, que exercem ou podem exercer efeito deletério sobre.”19

“Para Winslow [não é feita referência sobre esta fonte citada no texto], ‘Saúde
Pública é a ciência e a arte de prevenir a doença, prolongar a vida e promover

122
CONCEITO DE SANEAMENTO

a saúde e a eficiência física e mental, através de esforços organizados da comu-


nidade no sentido de realizar o saneamento do meio e o controle de doenças
infectocontagiosas; promover a educação do indivíduo baseada em princípios
de higiene pessoal; organizar serviços médicos e de enfermagem para o diag-
C
nóstico precoce e tratamento preventivo das doenças; assim como desenvolver
a maquinaria social de modo a assegurar, a cada indivíduo da comunidade, um
padrão de vida adequado à manutenção da saúde’.

O Saneamento, uma das armas da Saúde Pública, é um conjunto de medidas


relacionadas, principalmente, ao solo, à água, ao ar, à habitação e aos alimentos,
nas quais se destaca a ação do Engenheiro, visando a quebrar os elos das cadeias
de transmissão das doenças.

Para a Organização Mundial de Saúde, Saneamento é o controle de todos os


fatores do meio físico do homem que exercem ou podem exercer efeito deletério
sobre seu bem-estar físico, mental ou social.”20

“Conjunto das medidas destinadas a assegurar a higiene e salubridade de ca-


sas e lugares em geral. É de responsabilidade do Estado desde que o congestio-
namento das cidades, na Idade Moderna, e o baixo nível salarial das popula-
ções, impuseram-lhe a defesa da saúde pública.”21

“O conceito de saneamento pode ser sintetizado mediante uma definição, ex-


clusivamente qualitativa, segundo a qual este é um campo da engenharia cujo
objetivo é a coleta e o transporte de águas residuárias e o tratamento tanto
desta como de seus subprodutos gerados no curso dessas atividades, de forma
que sua evacuação produza o mínimo impacto ao meio ambiente.”22
(Tradução do original em inglês).

“Saneamento ambiental – série de medidas destinadas a controlar, reduzir ou


eliminar a contaminação do ambiente para garantir melhor qualidade de vida
para os seres vivos, e especialmente para o homem.”23

123
EIXO T - TEMAS TRANSVERSAIS

“Saneamento: Higiene pública; praticar métodos higiênicos e manter am-


bientes sanitários para evitar doenças.”24

A designação do saneamento como saneamento”, quando na verdade deveria


instrumento para a promoção da saúde ser “água e esgoto”.
é possível de ser identificada em todas A ênfase dada às ações voltadas para
as citações apresentadas. Entretanto, o abastecimento de água e o esgotamen-
algumas destas definições são bastante to sanitário, característica marcante da
limitadas quanto aos objetivos do sanea- história do saneamento no Brasil, é ní-
mento, enquanto a maioria delas aborda tida em levantamentos de dados relati-
com significativa abrangência as relações vos ao tema, publicações de instituições
entre as áreas da saúde pública e do sa- nacionais e internacionais, publicações
neamento, assim como as ações de res- acadêmicas e reportagens da mídia es-
ponsabilidade da engenharia sanitária. crita e televisiva. 28-33
Observa-se que, em algumas citações, é Assim, é possível inferir a ausência de
explícita a definição de saneamento como um consenso acerca da definição de sa-
sinônimo de esgotamento sanitário. neamento nos meios técnico, acadêmico-
Como consequência desta distinção en- -científico e político-institucional no Bra-
tre a maneira de se referir ao termo sa- sil e, principalmente, quando cotejadas
neamento, identificam-se equívocos na as abordagens adotadas no Brasil e em
conversão de determinados textos do es- outros países. Ressalta-se a importância
panhol e do inglês para o português.25-27 de uma reflexão relativa à real acepção
Dessa forma, textos, originalmente escri- do conceito de saneamento, assim como
tos nos idiomas citados, são divulgados de seus serviços, para os vários setores
em português de forma errônea, ou seja, da sociedade, com vistas à captação das
onde se lê “water and sanitation” e “agua verdadeiras metas a serem vislumbradas
y saneamiento” traduz-se para “água e e respectivos benefícios logrados.

Referências bibliográficas

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Revista Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 3, n. 2, p. 73-84, 1998. Disponí-
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em: http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/_Ato2007-2010/2007/Lei/L11445.htm.
3. BRASIL. Lei nº 13.308, de 6 de julho de 2016. Altera a Lei nº 11.445, de 5 de janeiro
de 2007, que estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico, determinan-
do a manutenção preventiva das redes de drenagem pluvial. Disponível em: http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Lei/L13308.htm.

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CONCEITO DE SANEAMENTO

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7. MS. FSESP. Manual de Saneamento. 3 ed., V. 1, Rio de Janeiro: Fsesp, 1972.
8. MS. FSESP. Manual de Saneamento. 2 ed., Rio de Janeiro: Fsesp, 1981.
9. MS. FNS. Manual de Saneamento. 2 ed., Brasília: Deope/FNS, 1991.
10. MS. FNS. Manual de Saneamento. 2 ed., Brasília: Deope/FNS, 1994.
11. MS. FNS. Manual de Saneamento. 1 ed. Brasília: Deope/FNS, 1999.
12. MS. FNS. Manual de Saneamento. 1 ed. Brasília: Deope/FNS, 2004.
13. MS. FNS. Manual de Saneamento. 1 ed. Brasília: Deope/FNS, 2006.
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ramericana, 1961.
18. OPAZO, F. U; CORDERO, S. M. S. Ingeniería sanitaria aplicada a saneamiento y
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19. OLIVEIRA, W. E. Ensino de saneamento do meio nas escolas de saúde pública.
Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 9, n. 2, p. 263-268, 1975. Disponível em: ht-
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20. DACACH, N. G. Saneamento básico. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científi-
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21. SANEAMENTO. In: ENCICLOPÉDIA Barsa. São Paulo: Encyclopaedia Britannica
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22. MONTSORÍU, J. D. T. El saneamiento. Historia reciente, estado actual y pers-
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23. GLOSSÁRIO DE ECOLOGIA. São Paulo: Academia de Ciências de São Paulo, 2.
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24. ART, H. W. Dicionário de ecologia e ciências ambientais. São Paulo: Melhora-
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Disponível em: http://hdr.undp.org/sites/default/files/hdr2006_portuguese_
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125
EIXO T - TEMAS TRANSVERSAIS

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Para saber mais

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nicipais de Saneamento (Assemae). Disponível em: http://www.assemae.
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-brasil-e-em-portugal?highlight=WyJyZXZpc2l0YW5kbyIsIm8iLCJjb25jZWl0byI-
sImRlIiwic2FuZWFtZW50byIsIidzYW5lYW1lbnRvIiwicmV2aXNpdGFuZG8gbyI-
sInJldmlzaXRhbmRvIG8gY29uY2VpdG8iLCJvIGNvbmNlaXRvIiwibyBjb25jZWl-
0byBkZSIsImNvbmNlaXRvIGRlIiwiY29uY2VpdG8gZGUgc2FuZWFtZW50byI-
sImRlIHNhbmVhbWVudG8iXQ==.

Autoria deste verbete

Sabrina Dionísio Rubinger. Engenheira civil. Mestre em Saneamento, Meio Ambiente e


Recursos Hídricos pelo Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental (Desa) da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

126
CONFLITOS POR ÁGUA

C
CONFLITOS POR ÁGUA
C
Os conflitos por água têm se intensificado cassez hídrica,2 o que implicará aumento
no Brasil e no mundo. Ocorrem no meio dos conflitos por água. As barragens são
rural ou urbano e decorrem da captura da estratégias para a captura das águas em
água por uma das partes envolvidas. Estas vários continentes. Está prevista a cons-
podem ser nações, empresas ou governos e trução de cerca de 1.400 barragens trans-
podem envolver dimensões étnicas. fronteiriças no mundo, o que deflagrará
Segundo a Organização das Nações conflitos em todos os continentes.
Unidas para a Educação, a Ciência e a Sejam para a produção de energia, pa-
Cultura (Unesco), 2 bilhões de pessoas vi- ra abastecimento humano ou para irri-
vem sob estresse hídrico, fonte potencial gação, essas construções têm relevância
de conflitos, e dois terços da população muito grande como fontes de conflitos.
mundial passam por estresse hídrico ao O seu potencial de deslocamento hu-
menos um mês por ano.1 mano - de populações rurais a cidades
Os conflitos internacionais ocor- inteiras – gera conflitos na instalação
rem em rios transfronteiriços, sobre- das obras, bem como processos de vul-
tudo no Oriente Médio e na África. nerabilização. A remoção de populações
Nestas regiões, os conflitos pela água tradicionais, obrigadas a reconstruir
são históricos. No Oriente Médio, os seu modo de vida fora de seu território
Estados Árabes têm o maior estresse (ver p. 729), provoca sofrimento mental
hídrico do mundo e vivem sob tensão dessas populações por décadas. E, em
decorrentes de conflitos por água na geral, o setor beneficiado nos territórios
região dos rios Tigre e Eufrates. O foco adjacentes é o agronegócio.
dos conflitos ocorre entre o Iraque, Tur- O agronegócio é um grande promotor
quia e Síria. E há o conflito dos palesti- de conflitos no mundo, por terra e água.
nos que acusam Israel pela captura das A tendência é que se agravem e se tor-
águas das Colinas de Golan, restringin- nem crônicos, em função das mudanças
do o acesso à água. climáticas geradas por esse modelo de
Na África rios transfronteiriços têm desenvolvimento predatório e alicer-
conflitos, caso do Rio Nilo, entre o Egito, çado no desmatamento e na queima de
a Etiópia e o Sudão; e do Rio Okavango, combustíveis fósseis.
entre Namíbia, Sudão e Angola. O setor primário é o que mais consome
água, sobretudo relacionado ao neoex-
Barragens trativismo e à produção de commodities
– grãos, carne e extração de minérios.
A Organização das Nações Unidas para a Segundo a FAO, a agropecuária responde
Alimentação e a Agricultura (FAO) estima por cerca de 70% do consumo de água no
que, em 2050, viveremos em regime de es- Brasil, seguido pelo setor industrial, com

127
EIXO T - TEMAS TRANSVERSAIS

20%, e pelo consumo humano (sobretudo mento para plantio do eucalipto e com os
nas áreas urbanas), com 10%.2 riachos secando em maiores altitudes.
A ineficiência desses setores é muito O processo de degradação das águas
elevada, com perdas de água (ver p. 429) decorrente de sua espoliação pelo agrone-
de 43% no consumo na agricultura e de gócio costuma ter os seguintes impactos:
cerca de 50% no consumo humano. E ain-
da se prevê crescimento de 50% na produ- • desmate;
ção de alimentos por irrigação até 2050, • compactação e redução da infiltração
o que acarretará um impacto imenso no no solo;
desmatamento e nas águas. • redução da recarga e do fluxo de base de
aquíferos;
A “grande aceleração” • aumento do escoamento superficial;
• assoreamento e redução da vazão dos
A escassez progressiva nas últimas déca- rios;
das constituiu a água como um bem de • redução e alteração dos ciclos da chuva;
disputa gerador. O processo histórico que • aumento das disputas por água.
contribuiu para transformar o “planeta-
-água” em territórios de conflitos foi ace- Este processo leva à escassez e à exaustão,
lerado a partir sobretudo das emissões acarretando vulnerabilização socioam-
de gás carbônico (CO2) na atmosfera em biental (ver p. 786) a povos e comunida-
decorrência, principalmente, da queima des tradicionais que vivem secularmente
de combustíveis fósseis e do desmata- em seus territórios, inviabilizando seus
mento para o agronegócio. Os cientistas modos de vida e sua reprodução social.
das mudanças climáticas caracterizam O principal exemplo no Brasil é o con-
esse processo como a “grande aceleração”, flito de Correntina, no Sistema Aquífero
que se inicia em 1945, no pós-guerra, e Urucuia (SAU), região do Cerrado do Oes-
torna-se perceptível nos anos 1960.3 A te Baiano. Desde os anos 1970 o desmata-
convergência dos dois vetores de degra- mento local e a sobre-exploração do aquí-
dação – mudanças no clima e corte de fero Urucuia “matam” ribeirões e rios. Em
florestas – produz conflitos por água no 2015, a diminuição verificada no fluxo de
Brasil desde a década de 1970. base do SAU chegava a 49%. Tal contexto
Nos anos 1960, pesquisadores já alerta- produz conflitos em comunidades de fun-
vam para os limites do planeta decorrentes do de pasto. No mais famoso deles, em
da agricultura industrial e da queima de torno do Rio Arrojado, cerca de mil tra-
derivados do petróleo. Em 1972, foi reali- balhadores invadiram e depredaram duas
zada a Conferência das Nações Unidas so- fazendas do Grupo Higarashi em novem-
bre o Meio Ambiente Humano, em Estocol- bro de 2017 para denunciar a espoliação
mo (Suécia), para avaliar os impactos am- de suas águas por essa empresa.
bientais desses processos de degradação
ambiental e os limites do planeta. Nesta Boom e consequências
mesma década, são visibilizados os confli-
tos por água no Cerrado do norte de Minas O Painel de Especialistas em Mudanças
Gerais e do oeste da Bahia, com o desmata- Climáticas (IPCC) da ONU alertou em

128
CONFLITOS POR ÁGUA

2019 que desmatamento pelo agronegó- Novo perfil


cio contribui de forma relevante para as
emissões de CO2. A conjuntura descrita mudou o perfil dos
Nas últimas décadas houve um aumen- conflitos no campo na década de 2000.
to significativo de conflitos no campo Aqueles que tinham por objeto a ocupação
C
relacionados ao binômio terra-água em de terra foram suplantados por conflitos
função da expansão do agronegócio e da em territórios de povos e comunidades
devastação ambiental. Esse fenômeno tradicionais (PCTs), como atestam os da-
está ligado ao boom (ou superciclo) das dos da Comissão Pastoral da Terra (CPT),
commodities, ocorrido sobretudo na dé- a partir de 2008.5 Houve um refluxo na
cada de 2000, e relaciona-se à liquidez ocupação de terras nos anos 2000 e o au-
internacional na economia e ao cresci- mento da invasão de terras dos PCTs. Esse
mento chinês, que em vários anos ficou processo está relacionado ao fenômeno
em torno de 13%. que ficou conhecido como land grabbing
Houve um processo de reprimarização ou “corrida por terras” e ocorreu sobretu-
da economia, com sua centralidade na do na América Latina e na África, após a
exportação de minérios, grãos, álcool, pe- crise de 2008, quando o capital financeiro
tróleo, carne etc., que passaram por forte necessitou ancorar seus ativos em investi-
alta em seus preços. Esse fenômeno ocor- mentos com lastro. No Brasil, concentrou-
reu nos países subdesenvolvidos ou em -se na região conhecida como Matopiba,
desenvolvimento, sobretudo na América em áreas do Cerrado do Maranhão, do To-
Latina e na África. Este cenário acirrou os cantins, do Piauí e da Bahia.
conflitos no campo, incluídos aqueles que Os conflitos por água no campo pas-
têm por objeto a água. saram a ser registrados pela CPT, ligada
A expansão da economia primária à Conferência Nacional dos Bispos do
contribuiu para diminuir a participa- Brasil (CNBB), em 2002. No último ano
ção dos produtos industrializados no (2019), tiveram aumento de 77% em re-
Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, lação ao período anterior. Foram 489,
que caiu de 35% para 12% entre as déca- classificados por: apropriação particular
das de 1990 à de 2010, e em 2019 foi de (contra a apropriação privada dos recur-
11%. Uma das maiores desindustrializa- sos hídricos e a cobrança do uso da água
ções da história da economia mundial, no campo); barragens e açudes; e uso e
segundo o economista sul-coreano Ha- preservação das águas. O levantamento
-Joon Chang.4 contabilizou nessas categorias, respecti-
Esse fenômeno fortaleceu o poder de vamente, 72 conflitos (14,7%), 126 confli-
alas políticas retrógradas, como a cha- tos (26%) e 291 conflitos (59,5%).
mada “bancada do boi”. As mudanças A tragédia do petróleo que afetou
legislativas e a pressão exercida por tais comunidades ao longo do litoral nor-
grupos contra os direitos de povos indí- destino e do Sudeste emergiu como um
genas e povos e comunidades tradicio- novo fenômeno relativo a uso e preser-
nais contribuiu para o aumento da vio- vação das águas, e pela característica da
lência no campo. expansão territorial – do Maranhão ao
Rio de Janeiro – já é considerada a maior

129
EIXO T - TEMAS TRANSVERSAIS

do Atlântico Sul. Os rompimentos das gestão de serviços públicos de abasteci-


gigantescas barragens de mineração mento de água (ver p. 645) e esgotamento
em Brumadinho e Mariana, em Minas sanitário (ver p. 256). O episódio remonta
Gerais, tiveram muita relevância devido à onda de privatização iniciada nos anos
ao número de famílias vulnerabilizadas 1980, a reboque dos governos ultralibe-
e de mortes. rais de Margaret Thatcher na Inglaterra
Essa soma de fatores, por vezes associa- e de Ronald Reagan nos Estados Unidos.
dos, aumenta a pressão sobre indígenas, Houve uma sequência de privatizações
quilombolas, geraizeiros, quebradoras de em toda a Europa e em países subdesen-
coco babaçu, moradores de fundos e fecho volvidos, em menor intensidade.
de pasto, veredeiros, vazanteiros, catin- Após o prazo das concessões, cerca de
gueiros e outras comunidades tradicionais. 25 a 30 anos, ocorreu uma onda inver-
O caso que ficou conhecido como a sa, de reestatização da gestão desses
“guerra pela água” ou “roubo da água” serviços. Foram 884 casos em vários
no Ceará, na região do Lagamar do tipos de serviços públicos, como ener-
Cauípe, também está relacionado ao gia elétrica, resíduos sólidos, abasteci-
neoextrativismo, com denúncias de gra- mento de água e esgotamento sanitário,
ves ilegalidades relacionadas ao proces- em que a gestão privada voltou para os
so de licenciamento das obras de poços municípios no mundo – desses, 265 de
horizontais para abastecer o Complexo saneamento. E em muitos lugares de-
Industrial e Portuário do Pecém (Cipp). sencadeou-se uma revolta popular para
A área de dunas foi assolada pela cons- a volta do controle estatal.
trução de adutoras para captação de No caso boliviano, a população revol-
água destinada a alimentar siderúrgica tou-se contra o governo pela privatização
no Porto do Pecém, rebaixando o lençol dos serviços de água e esgotos, entregues
freático e secando lagoas. As comunida- à empresa Aguas del Tunari, devido aos
des da área de abrangência do Cipp fo- precários serviços e às tarifas elevadas
ram vulnerabilizadas pela diminuição em cerca de 300%. Houve proibição in-
do acesso à água.6 clusive de as pessoas coletarem água de
No mesmo estado, em 2020, oito im- chuva, e a intensidade dos protestos da
portantes conflitos pela água ocorrem repressão policial caracterizou ou que foi
simultaneamente: Ubajara (uma área chamado de “guerra pela água”.
com parque nacional e cachoeiras), For- Em Jacarta, na Indonésia, o tribunal
tim e Aracati (contaminação da água por superior rompeu os contratos com duas
petróleo), Arneiroz, Quixadá, Tamboril, empresas privadas da gestão dos servi-
Parambu e Quiterianópolis (mineração). ços. Segundo a FAO,2 no mundo cerca de
2 bilhões de pessoas vivem em situação
No espaço urbano de conflito por água, relativos a 263 la-
gos e bacias fluviais e cerca de 300 aquí-
Por sua amplitude e sua intensidade, a feros, e faltam normas de compartilha-
chamada Guerra da Água ou Guerra de mentos dessas águas (ver Direitos huma-
Cochabamba, na Bolívia, em 2000, sim- nos à água e ao abastecimento sanitário
boliza o fracasso do modelo neoliberal na – p. 205).

130
CONFLITOS POR ÁGUA

Quadro brasileiro midores de água. As condições hídricas


do Rio São Francisco são um exemplo de
No nosso país, segundo o Mapa de Con- conflito de consumo urbano, industrial
flitos Envolvendo Injustiça Ambiental e e do agronegócio, em contexto de crise
Saúde no Brasil, na maior parte dos con- hídrica desde 2012. Também o Rio Pa-
C
flitos ambientais, a questão da água sur- raíba do Sul passa pelo mesmo proble-
ge em sua relação direta com o metabo- ma de conflitos por usos múltiplos e pelo
lismo social dos processos de extração drama do acesso à água em metrópoles.
de recursos naturais, produção de com- O Ceará está em processo de captação da
modities e de energia, no caso particular água do mar e dessalinização para con-
das barragens e hidrelétricas. Ocorrem sumo humano e industrial.
pelas disputas quanto ao uso, mas tam- Barreiras de escassez hídrica têm
bém pela contaminação hídrica decor- gerado conflitos impensáveis décadas
rente da produção de rejeitos presentes atrás, inclusive em contextos de usos
no agronegócio, na mineração e em ati- múltiplos, e nada tem sido aventado no
vidades industriais.7 sentido de mudança do modelo econô-
Siderúrgicas e termoelétricas têm au- mico hidrointensivo. O conflito dos
mentado a demanda por água e dispu- usos múltiplos das águas no Distrito
tando com o consumo humano, criando Federal entre o urbano e o rural, entre
tensão entre distintos tipos de consumi- abastecimento humano e irrigação pelo
dores. Esse é também um sinal dos bai- agronegócio é um claro exemplo de es-
xos níveis de água represada nas hidro- cassez e exaustão e, neste caso, sobre o
elétricas, o que gera demanda de setores Cerrado e seus inúmeros aquíferos, que
produtivos por energia de outras fontes. alimentam oito das 12 grandes bacias
E as termoelétricas são grandes consu- hidrográficas brasileiras.

Referências bibliográficas

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131
EIXO T - TEMAS TRANSVERSAIS

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nal.org.br/publicacoes/noticias/acoes-dos-movimentos/4101-nota-publica-cansa-
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Para saber mais

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cem-conflitos-devido-ao-uso-da-agua-no-brasil/#:~:text=Privilegiado%20por%20
possuir%20mais%20de,e%20%C3%A0%20gest%C3%A3o%20dos%20recursos.
Acesso em: 1 jun. 2020.

132
CONSUMO PER CAPITA DE ÁGUA

Vídeos

DAS águas gerais – a resistência de um povo. MAB; Cine Etinerrante; CPT; Rede de
Educomunicadores da Bacia do Rio São Francisco, 2011. 1 vídeo (18 min). Disponível
em: https://www.youtube.com/watch?v=JzE5aSaoEuM.
C
LA GUERRA del agua. 1 vídeo (17 min). Disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v=Vqc3N-qrzDA.
MATOPIBA baixa. Produção executiva: Pedro Ribeiro e Rafael Oliveira. Produção au-
diovisual: Gustavo Ohara. CPT, 2016. 1 vídeo (28 min). Disponível em: https://www.
youtube.com/watch?.
INSURGÊNCIA. Direção: André Monteiro. Imagens e edição: Filipe Mendes. Bei-
ras D’Água, 2017. 1 vídeo (5 min). Disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v=iFTosuHoiw0.

Autoria deste verbete

André Monteiro Costa. Engenheiro de Saúde Pública, doutor em Saúde Pública pela
Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Pesquisador titular e coordenador do Laboratório
de Saúde, Ambiente e Trabalho do Instituto Aggeu Magalhães (IAM/Fiocruz). Membro
do Grupo de Trabalho (GT) de Saúde e Ambiente da Associação Brasileira de Saúde
Coletiva (Abrasco) e do GT Águas e Saneamento da Fiocruz.

Fernando Ferreira Carneiro. Biólogo, doutor em Epidemiologia pela Universidade


Federal de Minas Gerais (UFMG), pós-doutor em Sociologia pela Universidade de
Coimbra (Portugal). Pesquisador da Fiocruz/Ceará e membro do GT de Saúde e Am-
biente da Abrasco e do Observatório de Saúde das Populações de Campo, Floresta e
Águas (Obteia).

C
CONSUMO PER CAPITA DE ÁGUA

A água é essencial para a manutenção da O conhecimento da quantidade de água


saúde das pessoas e realização de ativida- que cada habitante ou usuário do sistema
des cotidianas, tais como higiene pessoal, de abastecimento de água (SAA) necessita
preparo de refeições, limpeza de ambien- por dia é de fundamental importância pa-
tes, descarga de dejetos e manutenção de ra os gestores municipais. Tendo como ba-
jardins, bem como para a produção in- se essas quantidades, é possível prever, em
dustrial, serviços públicos e hospitais. um horizonte de tempo, o volume de água

133
EIXO 4 - ABASTECIMENTO DE ÁGUA

que será demandado do manancial de cioeconômicas e climáticas semelhantes.


abastecimento e pelo SAA. Todas as etapas O consumo per capita, quando estimado
e unidades de um sistema de abastecimen- pela medição de hidrômetro, é denomi-
to de água são dimensionadas com base no nado consumo per capita micromedido ou
consumo per capita. efetivo, pois não inclui as perdas no SAA.4
Comumente abreviado para qpc, o con- Segundo os dados do Sistema Nacio-
sumo per capita é o volume de água con- nal de Informações sobre Saneamento
sumido (em média) por um indivíduo em (SNIS), em 2017, a média de consumo
um dia, incluindo volumes requeridos pa- per capita nacional era de 153,6L/hab/
ra satisfazer aos consumos doméstico, co- dia. Para a região Norte, 132,3L/hab/dia;
mercial, público e industrial. Deve tam- Nordeste, 113,6L/hab/dia; Centro-O-
bém considerar as perdas no sistema de este, 146,1L/hab/dia; Sudeste, 180,3L/
abastecimento. O qpc é multiplicado por hab/dia; e Sul, 145,2L/hab/dia.5 Entre os
coeficientes durante o cálculo da vazão de anos de 2007 e 2017, a média nacional do
água requerida no dia e horário de maior consumo per capita de água variou entre
consumo. Estimar o valor de qpc é impor- 149,6L/hab/dia e 167,5L/hab/dia, sendo
tante para a determinação da demanda o maior valor registrado no ano de 2012.5
de água do sistema de abastecimento do Para soluções de abastecimento (ver p.
município a para o dimensionamento de 668) desprovidas de ligações domicilia-
todos os seus componentes. Sua unidade res, os valores de consumo médio per ca-
usual é litros/habitante dia (L/hab dia).1 pita para projeto variam entre 30 e 100L/
O consumo doméstico refere-se ao uso hab/dia.6 Para a Organização Mundial da
da água para ingestão, higiene pessoal e Saúde (OMS), a quantidade mínima di-
doméstica, descarga hídrica e preparo de ária de água necessária para que um ser
alimentos. O uso da água para fins do- humano viva em condições de baixo risco
mésticos em quantidade suficiente é pri- à saúde varia entre 50 e 100L por dia7. As-
mordial para promover a saúde e evitar a sim, a média per capita nacional e por re-
disseminação de doenças.2, 3 gião mostra-se adequada para assegurar
a qu alidade de vida da população brasi-
Média nacional e leira. Entretanto, os dados são para siste-
diferentes realidades mas com rede e com medidores de vazão
instalados. Na zona rural, o consumo per
O consumo per capita pode ser estimado capita sofre grandes variações devido à
de três maneiras: 1) com base nos valores ocorrência de descontinuidade no abaste-
dos volumes medidos nos hidrômetros cimento, falta de rede e de equipamentos
(isto é, medidores domiciliares de vazão, de medição de consumo.8
ou micromedidores, ou “reloginhos”, co- No consumo comercial estão inseridos
mo são comumente conhecidos); 2) com os consumos de hotéis, bares, restauran-
base nos valores medidos pelos macro- tes, escolas, hospitais, postos de gasolina
medidores (medidores de vazão do ma- e oficinas mecânicas, entre outros esta-
crossistema), na saída dos reservatórios; belecimentos. Quando desprovidos de
ou 3) por semelhança, utilizando dados dados, faz-se necessária a consulta de ta-
de município de porte, características so- belas orientativas.4

134
CONSUMO PER CAPITA DE ÁGUA

O consumo público está relacionado à não é contabilizado como volume utili-


manutenção de parques e jardins, monu- zado pelos consumidores, seja por vaza-
mentos, aeroportos, terminais rodoviá- mentos, falhas nos sistemas de medição
rios, limpeza de vias, prevenção de incên- ou ligações clandestinas.
dio, entre outros, além do abastecimento Os índices de perda da distribuição
C
dos próprios prédios públicos. podem ser classificados em faixas: supe-
O consumo industrial varia de acordo riores a 40% representam más condições
com diversos fatores – tais como o tipo e do sistema quanto às perdas; entre 25% e
o porte das indústrias – e com os procedi- 40% são uma condição média em relação à
mentos de economia de água utilizados. gestão de perdas; índices inferiores a 25%
O uso de água na indústria pode ocorrer indicam uma boa gestão de perdas no sis-
como matéria-prima, no processamento tema.9 O Plano Nacional de Saneamento
de materiais, na limpeza, no resfriamen- Básico (Plansab – ver p. 457) estipulou
to, como meio de transporte e de trans- como meta nacional que até 2023 o índice
missão mecânica, nas instalações sanitá- de perda na distribuição seja reduzido
rias, cozinhas e refeitórios. O consumo para o percentual de 34% e que até 2033
de água entre os tipos de indústrias é dis- este índice seja de 31%.10 Assim, há um
crepante, sendo de difícil padronização e grande desafio no setor para implementa-
mensuração. Há uma tendência de redu- ção de ações contra fraudes, instalação ou
ção do consumo de água nas indústrias, substituição de hidrômetros, verificação
por meio do uso racional de água, que de estanqueidade no sistema, entre ou-
compreende a redução, o aproveitamento tras que possam ser efetivas no combate
de águas da chuva e o reúso de efluentes.1 às perdas de água (ver p. 429).
Tendo em vista a preocupação com os
Perdas de água recursos hídricos e com o custo do con-
sumo de energia, é importante que sejam
A todos os valores de consumo per capita estabelecidas ações contínuas estruturais
(doméstico, comercial, público e indus- e estruturantes para o uso racional da
trial), deve ser adicionado o valor das água. Ações para a redução do consumo
perdas na distribuição e no processo de per capita consistem, por exemplo, em:
potabilização em estações de tratamento
de água (ETAs). As perdas na distribuição • sensibilização da população;
correspondem à diferença entre o volume • educação em saneamento e saúde;
de água produzido pela estação de trata- • incentivos para instalação de dispositi-
mento de água e o volume que chega às vos sanitários de baixo consumo, equi-
ligações domiciliares, medido pelos hi- pamentos e dispositivos poupadores de
drômetros. Já as perdas na ETA corres- água;
pondem ao uso para lavagem dos filtros, • hidrometração individualizada em
decantadores e demais unidades (ver condomínios;
Tratamento de água – p. 734). Em 2017, o • programas de uso racional de água com
índice médio de perdas na distribuição no orientações técnicas por parte dos pres-
Brasil foi de 38,3%.5 Ou seja, em média, tadores do serviço de abastecimento;
38,3% do volume de água disponibilizado • pesquisa, desenvolvimento e inovação

135
EIXO 4 - ABASTECIMENTO DE ÁGUA

tecnológica; industrializadas apresentam um qpc


• adequação de tarifas que penalizam maior quando comparadas com as peque-
consumos excessivos etc.5 nas ou com baixos níveis de industriali-
zação. O potencial turístico das munici-
O conhecimento do consumo per ca- palidades também afeta seu consumo de
pita para uso doméstico, comercial, água. Em períodos comemorativos ou de
público e industrial auxilia no controle férias, os destinos turísticos elevam sua
operacional do sistema de abastecimen- população, resultando em um consumo
to. E, aliado à educação sobre o uso ra- maior de água.1
cional da água, contribui para a redução A administração do sistema de abas-
dos impactos ambientais dos sistemas tecimento de água também determina
de abastecimento, para a preservação o consumo per capita. A ausência de sis-
do meio ambiente e para a redução dos temas de micromedição pode ocasionar
custos e riscos operacionais, além de ser desperdício de água. A instalação de
fundamental para a elaboração de pro- hidrômetros incentiva o uso racional da
jetos de engenharia. água e inibe seu desperdício. A existên-
cia de uma tarifação progressiva, pe-
Fatores que influenciam la qual o valor do metro cúbico (m³) de
o consumo água aumenta conforme determinadas
faixas de consumo, também é fator limi-
São diversos os fatores que influenciam tante. A existência de rede coletora de
o consumo per capita de água, entre os esgoto sanitário também pode elevar o
quais destacam-se o nível socioeconômi- consumo de água, pois a população dei-
co da população, o clima, o porte da ci- xa de se preocupar com a capacidade da
dade, a topografia e a administração do fossa séptica.1, 4
sistema de abastecimento de água (SAA Outro fator que afeta o consumo é a
– ver p. 645). pressão de operação do sistema, prin-
Em relação à situação socioeconômica cipalmente em razão da elevação do ín-
da população, quanto mais privilegiada, dice de perdas de água na rede. Quanto
maior será seu consumo de água. Esta maior a pressão na rede, maior será a
parcela da população realiza atividades perda de água.4 No país, existem causas
e utiliza itens que consomem mais água, de sobrepressão decorrentes dos proces-
como o uso de máquinas de lavar roupas sos inadequados de operação e de manu-
ou pratos, piscina, duchas de alta vazão, tenção dos sistemas, ampliando as per-
lavagem de carro e rega de jardins.1, 4 das públicas e os desperdícios de água
Com relação ao clima, no verão o uso de nas habitações.
água é maior que nas outras estações. A
baixa umidade do ar influencia o aumen- Coeficientes para
to do consumo de água e as chuvas tam- operação adequada
bém constituem um fator de influência.4
O porte da cidade está diretamente re- Há grandes variações no consumo de
lacionado ao número de habitantes e ao água pela população ao longo do dia.
grau de industrialização. Cidades mais Para que o sistema de abastecimento de

136
CONSUMO PER CAPITA DE ÁGUA

água opere adequadamente em períodos há reservatório de distribuição. Ambos


de pico de vazão, na fase de projeto, os podem ser calculados especificamente
valores de qpc são multiplicados por co- para o local de execução do projeto, des-
eficientes de majoração. Um coeficiente, de que haja monitoramento do consumo
denominado K 1, é utilizado no projeto por sistemas de macromedição ou micro-
C
do sistema para que este opere de ma- medição (ver p. 364).
neira adequada, mesmo no dia de maior O prognóstico do consumo de água é
consumo do ano. Outro coeficiente, o K 2, primordial para o projeto, o planejamen-
é aplicado no projeto para que não falte to e o gerenciamento do SAA, influen-
água durante a hora de maior demanda, ciando inclusive sua manutenção e sua
no dia de maior consumo do ano.6 O co- operação. O conhecimento do consumo
eficiente do dia de maior consumo (K 1) é per capita auxilia a atuação de gestores,
obtido por meio da divisão do máximo agindo de forma a atender a população
consumo diário verificado no período de em quantidades adequadas para o bem-
um ano pelo consumo médio diário du- -estar dos habitantes e a promoção da
rante o mesmo ano. saúde pública. Além disso, tal conheci-
No Brasil, o valor usualmente adota- mento contribui para diminuir os im-
do pela Associação Brasileira de Normas pactos do consumo sobre os recursos
Técnicas (ABNT) para K1 é 1,20.11 O coe- hídricos, agindo na redução de perdas
ficiente da hora de maior consumo (K2) é nos sistemas e influenciando direta-
obtido pela divisão do máximo consumo mente o consumo de água, reduzindo-o
horário verificado no dia de maior consu- e prolongando o horizonte de projeto do
mo do ano pelo consumo médio horário sistema de abastecimento. A previsão da
do mesmo dia. Em geral, o consumo de demanda de água também ajuda os ges-
água é maior nos horários de refeições tores e a municipalidade a identificar o
e menor durante a madrugada. O valor momento de iniciar a busca por recursos
adotado pela ABNT para K2 é 1,50.11 financeiros para ampliação do sistema
Adota-se o coeficiente K 1 no cálculo de ou instalação de um novo SAA que deve
todas as unidades do sistema, enquanto estar previsto no Plano Municipal de Sa-
o K 2 é usado somente no dimensiona- neamento Básico (PMSB – ver p. 450).
mento da rede de distribuição, quando

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137
EIXO 4 - ABASTECIMENTO DE ÁGUA

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MCIDADES (org.). Abastecimento de água: gerenciamento de perdas de água e de
energia elétrica em sistemas de abastecimento de água. Guia do profissional em
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138
CONTINGÊNCIA E EMERGÊNCIA

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C
Autoria deste verbete

Antonio Natanael CostaSancho. Engenheiro ambiental pela Universidade Federal do


Ceará (UFC) e engenheiro civil pela Universidade de Fortaleza (Unifor). Mestrando em
Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos pela Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG).

César Rossas Mota Filho. Doutor em Engenharia Civil e Ambiental pela Universidade
Estadual da Carolina do Norte (EUA). Professor Associado do Departamento de Enge-
nharia Sanitária e Ambiental (Desa) da Universidade Federal de Minas Gerais.

C
CONTINGÊNCIA E EMERGÊNCIA

As ações emergenciais e de contingência e prognósticos que procurem promover


precisam envolver aspectos gerenciais, a ampliação e a melhoria contínua dos
tecnológicos, de mobilização e de par- componentes do saneamento básico.
ticipação social, de forma intersetorial, A literatura sobre saneamento básico,
tanto na mitigação das causas dos riscos bem como documentos e leis que tratam
sobre os componentes de saneamento co- desse assunto, referem-se a emergência e
mo nos seus efeitos. Mesmo estando con- contingência como ações complementa-
templados nas regulamentações do setor res. No sentido etimológico, segundo o
do saneamento básico, verifica-se uma Dicionário Aurélio1, “emergência é uma situ-
abordagem ainda insuficiente nas políti- ação crítica, acontecimento perigoso ou for-
cas públicas municipais. tuito, incidente, portanto de circunstância
Um exemplo disso está na falta de re- acidental”, ou seja, a ocorrência ou situa-
comendação de um Plano de Contingên- ção imprevista, porém já estabelecida. A
cia, Emergência e Desastres que possa contingência refere-se “à qualidade do que
orientar a articulação das ações de forma é contingente, o que pode ou não suceder – a
preventiva, sinérgica e cumulativa ou eventualidade, a incerteza sobre se uma coi-
mesmo a elaboração consistente de ações sa acontecerá ou não”, portanto se trata de
territorializadas, a partir de diagnósticos conter uma eventual ocorrência.

139
EIXO 2 - COMUNICAÇÃO E TERRITORIALIZAÇÃO

Monitoramento, prevenção elementos importantes para estabelecer


e mitigação ações de Contingência e Emergência, são
desconsideradas nos planos.
Mais do que compreender a diferença
entre um termo e outro, é importante Componentes
ressaltar que ambos, quando relacio-
nados ao setor de saneamento básico, As ações devem contemplar os quatro
pressupõem a realização de uma série de componentes do saneamento básico:
ações com objetivo de monitorar fatores sistema de abastecimento de água; sis-
de risco pré-estabelecidos, identificar e tema de esgotamento sanitário; limpeza
prevenir possíveis acidentes, bem como urbana e manejo de resíduos sólidos; dre-
mitigar danos e prejuízos causados pela nagem e manejo de águas pluviais. Esses
ocorrência de situações passíveis de pre- componentes, por sua vez, têm relação
visão, porém muitas vezes inevitáveis2. direta com o manejo integrado de vetores
Para a saúde pública, são ações funda- (ver p. 374) e as alterações das populações
mentais, pois direta ou indiretamente de animais peçonhentos.
previnem agravos, ou evitam surtos e Na fase de diagnóstico para elaboração
epidemias relacionadas à inadequação do Plano de Contingência, Emergência
dos serviços de saneamento básico. e Desastres é necessário sistematizar as
As equipes responsáveis pela elabora- informações entre a espacialização dos
ção do planejamento municipal de sane- componentes de saneamento básico, as-
amento devem propor ações de contin- sociadas àquelas relativas às condições de
gência e emergência de forma integrada, operação e manutenção da infraestrutura
apontando soluções factíveis com a capa- sanitária e à distribuição das doenças re-
cidade de resposta do município, no sen- lacionadas ao saneamento ambiental ina-
tido de assegurar a prestação de serviços dequado (DRSAIs – ver p. 218). É preciso
públicos de saneamento de forma segura, reunir, ainda, as informações fornecidas
regular e dentro de padrões de qualidade pelo Corpo de Bombeiros e pela Defesa
estabelecidos por lei. Civil, dentre outros órgãos e instituições.
Porém, esta não é a realidade encon- A necessidade de apresentar ações
trada na maior parte dos municípios contingenciais e emergenciais está pre-
brasileiros. Quando há planos efetivos, vista na Lei Federal 11.445/20074 e no
são elaborados a partir de metodologias Decreto 7.217/2010.5 As ações devem
inadequadas, apresentando normas e ser definidas de acordo com um diag-
regras sem estabelecer um diálogo entre nóstico detalhado elaborado a partir de
os desafios técnicos, organizacionais e análise situacional de cada localidade,
políticos a serem enfrentados, ou ainda buscando apontar soluções territoriali-
valorizam aspectos econômicos em de- zadas para situações mais frequentes ou
trimento da dimensão socioambiental críticas enfrentadas para cada um dos
dos problemas de saneamento básico. 3 componentes do saneamento básico.
Desta forma, as incertezas envolvidas Vale lembrar que o Brasil tem 5.570 mu-
nos componentes do saneamento bá- nicípios, com população variando apro-
sico e a identificação de riscos futuros, ximadamente entre mil e 12 milhões de

140
CONTINGÊNCIA E EMERGÊNCIA

habitantes, e que tais municipalidades requer entender as vulnerabilidades


se distribuem em cinco regiões com re- socioambientais, para construir uma
alidade socioeconômica, cultural e am- visão abrangente e contextualizada dos
biental distinta. fatores de riscos e da determinação so-
É por meio destas medidas que os cial da saúde.
C
órgãos gestores municipais ou presta- Nesse sentido, as condições de ope-
dores de serviços se responsabilizam ração dos componentes do saneamen-
pela redução de impactos causados por to básico também podem gerar crises
situações emergenciais e de desastres socioambientais que impactam a vi-
que podem ocorrer com as instalações da da sociedade e provocam doenças e
e seus sistemas – problemas que, mui- agravos, a exemplo da interrupção da
tas vezes, reduzem a qualidade dos ser- prestação de serviços essenciais (saú-
viços e, consequentemente, acarretam de, educação, energia, telefonia, água,
riscos à saúde da população. Tais riscos transporte, iluminação etc.); o aumento
constituem fator central para a tomada dos custos de saúde e internações hos-
de decisão, seja no âmbito das políticas pitalares; prejuízos econômicos; desem-
públicas em saneamento básico ou espe- prego; empobrecimento, iniquidade e
cificamente no planejamento das ações desigualdade; desvalorização das mo-
de contingência e emergência contidas radias, edificações e comércio; danifi-
nos planos. cação e interrupção de vias e estradas;
e aumento da poluição e contaminação
Problemas de saúde hídrica, edáfica e atmosférica.

Diversas situações relacionadas às con- Participação social


dições de operação dos componentes do
saneamento básico podem acarretar dife- Para assegurar o cumprimento das
rentes tipos de problemas de saúde para ações estruturais e estruturantes do
população, como: saneamento (ver Plano Nacional de Sa-
neamento Básico, p. 457) e de seus obje-
• as DRSAIs; tivos, a previsão de ações de contingência
• os agravos por acidentes, quedas e e emergência deve envolver diferentes
lesões; agentes públicos e atores sociais.
• transtornos psicossociais e mentais, es- Além de um corpo técnico formado
tresse, dificuldade de concentração, insô- por representantes de variados setores
nia, amnésia, fobias, ansiedade, pânico, da estrutura organizacional do municí-
depressão, perda do apetite, fadiga, abu- pio, equipes contratadas e assessorias
so no consumo de álcool e medicamentos; técnicas, o plano deve contar com repre-
• potencialização das doenças crônicas, sentantes da sociedade civil organizada,
tais como hipertensão e diabetes. professores, pesquisadores e estudantes
de universidades e institutos de pesqui-
Os riscos à saúde não estão dissocia- sa, bem como populações com vulnera-
dos dos processos socioambientais em bilidades socioambientais, no sentido de
que são gerados. Compreender os riscos elaborar diagnósticos precisos e sugerir

141
EIXO 2 - COMUNICAÇÃO E TERRITORIALIZAÇÃO

possíveis intervenções. na quantidade necessárias para o consu-


Avaliar os planos em andamento e pro- mo humano, ao passo que o esgotamento
por aprimoramentos constantes também sanitário e o manejo de águas pluviais
são tarefas executáveis por estes atores. devem operar com a capacidade de esco-
amento adequada mediante os serviços
Cenários de operação e manutenção preditiva,
além de terem o tratamento eficiente. O
As ações de operação e manutenção dos manejo de resíduos sólidos deve estar di-
componentes de saneamento básico po- mensionado em todas suas etapas para os
dem ser categorizadas em cenários que resíduos gerados e promover a redução, o
permitam o planejamento e a gestão dos reúso e a reciclagem (ver p. 551).
recursos que envolvam os sistemas cole- O cenário atípico é aquele que eventu-
tivos, bem como as soluções individuais almente opera em não conformidade com
para que operem de forma adequada. o projetado, trazendo riscos tecnológicos,
Para tanto, os componentes de sanea- ambientais e à saúde. Exemplos: a inter-
mento básico podem considerar distin- mitência no abastecimento de água; o
tamente os seguintes cenários atuais e entupimento da rede coletora de esgoto;
prospectivos: o assoreamento das tubulações de drena-
gem e o entupimento das bocas de lobo;
• ausência de etapas dos componentes; a ineficiência das estações de tratamento
• normal; de água e de esgoto; o manejo inadequado
• atípico; de chorume e o aumento da presença de
• emergencial; vetores na coleta ou disposição final dos
• desastre. rejeitos; alagamentos e empoçamentos.
O prolongamento do cenário atípico
O cenário de ausência de etapas dos pode resultar no colapso do sistema,
componentes de saneamento inclui a não configurando o cenário emergencial.
universalização do acesso aos serviços de Casos como a interrupção do forneci-
saneamento decorrentes da falta de de- mento de água e a utilização de carro-
terminadas etapas ou de ampliação dos -pipa, o transbordamento de esgoto
sistemas, seja do tratamento ou da dis- sanitário nas vias públicas, a inter-
tribuição de água potável, do sistema de rupção ou o atraso na coleta de resíduos
coleta e tratamento de esgoto sanitário, sólidos, as inundações devido ao asso-
da logística que compõe o manejo dos re- reamento de canais e galerias por falta
síduos sólidos ou das estruturas de mane- dos serviços de limpeza, desobstrução e
jo de águas pluviais. dragagem gerando uma combinação de
Já o cenário normal, estabelece que doenças, de agravos e de prejuízo ao pa-
os componentes de saneamento básico trimônio público e privado.
devam ser executados conforme esta- Cenários atípicos não devem ser con-
belecido em projeto, e ter operações e siderados normais, e a ausência dos
manutenções adequadas. No sistema serviços de operação e manutenção ade-
de abastecimento de água, isso significa quados resulta no comprometimento da
fornecimento contínuo na qualidade e eficiência e eficácia destes, na sua depre-

142
CONTINGÊNCIA E EMERGÊNCIA

ciação antecipada, em custos maiores e pontes, ou ainda situações críticas co-


para as ações de contingência e emer- mo contextos de escassez de água por
gência e no aumento dos riscos para as seca, estiagem ou crise hídrica, que de-
estruturas e infraestruturas sanitárias mandam intensificação da vigilância em
e que consequentemente pode afetar a saúde (ver p. 779).
C
saúde da população. Os desastres relacionados ao sanea-
mento resultam de um evento climático
Desastre extremo ou de uma ameaça tecnológi-
ca associados a problemas crônicos. A
O cenário de desastre é caracterizado combinação leva determinado território
por uma interrupção grave do funcio- a ultrapassar seu limite de resiliência.
namento de uma comunidade ou so- Trata-se de alterações de tal intensidade
ciedade que gera perdas humanas e/ou e extensão que, combinadas a vulnera-
significativas perdas materiais, econô- bilidade socioambiental e institucional,
micas ou ambientais. Vendavais, inun- dificultam a volta às condições anterio-
dações, deslizamentos, prolongamento res, o que exige ações de resgate, recu-
de seca e estiagens, incêndios florestais, peração e reconstrução.
acidentes tecnológicos ou com produtos A partir dos cenários descritos, o pla-
perigosos, entre outros eventos, desen- nejamento municipal pode propor, entre
cadeiam uma crise cuja fase aguda exige as ações de contingência e emergência,
ações emergenciais. Podem acontecer aquelas ligadas ao plano de racionamen-
rompimento de adutoras de água, en- to, à demanda temporária e ao plano
tupimento de coletores de esgoto, in- operacional para situações críticas, além
terrupção do abastecimento por conta- de indicar diretrizes para o Plano de Se-
minação de mananciais ou por falta de gurança da Água (ver p. 442 e p. 438) e
energia elétrica, interdição de estradas para a articulação com os planos locais de
risco e de contingência existentes.

Referências bibliográficas

1. Ferreira, A. B. H. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3 ed.


totalmente rev. e ampl. Rio de Janeiro, 1999, Nova Fronteira.
2. MS; FUNASA. Termo de referência para elaboração de plano municipal de sane-
amento básico. Brasília: Funasa, 2018. Disponível em: http://www.funasa.gov.br/
termo-de-referencia-tr-para-pmsb.
3. PEREIRA, T. S.; HELLER, L. Planos municipais de saneamento básico: avaliação de
18 casos brasileiros. Engenharia Sanitária e Ambiental, v. 20, n. 3, p. 395-404,
set. 2015. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/esa/v20n3/1413-4152-e-
sa-20-03-00395.pdf.
4. BRASIL. Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007. Estabelece as diretrizes nacionais
para o saneamento básico, cria o Comitê Interministerial de Saneamento Básico.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/_Ato2007-2010/2007/Lei/
L11445.htm.

143
EIXO 2 - COMUNICAÇÃO E TERRITORIALIZAÇÃO

5. BRASIL. Decreto nº 7.217, de 21 de junho de 2010. Regulamenta a Lei nº 11.445,


de 5 de janeiro de 2007. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
ato2007-2010/2010/decreto/d7217.htm.

Para saber mais

MS. Cartilha de orientação à população no período de alerta de chuvas intensas.


Brasília: MS, 2017. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/car-
tilha_orientacao_populacao_chuvas_intensas.pdf.
MS. Guia de preparação e resposta à emergência em saúde pública por inundação.
Brasília: MS, 2017. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/
guia_preparacao_respostas_emergencia_saude_publica_inundacao.pdf.

Vídeos

O RASTRO no rio Doce. Reportagem: Lucas Ferraz e Avener Prado. Fotografia: Avener
Prado. Roteiro e montagem: Bia Bittencourt. TV Folha, 2 dez. 2015. 1 vídeo (6 min).
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=cj29pGcsXuw.
SECA, condições de vida e saúde no Semiárido. Coordenação: Carlos Machado de
Freitas e Vânia Rocha. Roteiro: Aderita Sena e Daniel Garcia. Direção: Daniel Gar-
cia. Fiocruz, UFRJ, UFF e Defesa Civil/RJ, 22 nov. 2014. 1 vídeo (14 min). (Curso
Agentes Locais em Desastres Naturais). Disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v=xm3RawnDGno.
VIGILÂNCIA em saúde nos desastres – a experiência de Rio Branco (AC). Argumento:
Grupo Técnico Enchentes. Roteiro e direção: Iêda Rozenfeld. Assessoria de conteúdo:
Dulce Fátima Cerutti. Coordenação de produção: Sergio Brito. VideoSaúde Distri-
buidora da Fiocruz e Secretaria de Vigilância em Saúde/MS, 2010. 1 vídeo (20 min).
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=4SRzCgjD3YU.

Autoria deste verbete

Vânia Rocha. Bióloga, mestre em Ensino de Biociência e Saúde e doutora em Saúde Pública.
Professora visitante do Laboratório de Geo-Hidroecologia e Gestão de Riscos (Geoheco),
Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Alexandre Pessoa Dias. Engenheiro civil sanitarista, mestre em Engenharia Ambien-


tal, doutor em Medicina Tropical. Professor-pesquisador do Laboratório de Educação
Profissional em Vigilância em Saúde (Lavsa) da Escola Politécnica de Saúde Joaquim
Venâncio (EPSJV), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Juliana Valentim Chaiblich. Geógrafa, mestre em Saúde Coletiva, doutoranda em Saú-


de Pública. Professora-pesquisadora do Lavsa e pesquisadora do Centro de Estudos e
Pesquisas em Emergências e Desastres em Saúde (Cepedes), da Fiocruz.

144
CONTRIBUIÇÃO DE ESGOTO SANITÁRIO

Raiane Fontes de Oliveira. Geógrafa, doutoranda em Geografia. Professora-pesquisa-


dora do Laboratório de Educação Profissional em Vigilância em Saúde da EPSJV, Fun-
dação Oswaldo Cruz.
C
C
CONTRIBUIÇÃO DE ESGOTO SANITÁRIO

No âmbito do planejamento municipal, racionais (ver Sistemas de drenagem de


conhecer as contribuições de esgoto sa- águas pluviais – p. 650).1
nitário é essencial para planejar e proje-
tar as redes coletoras, estações elevató- Contribuição de esgoto doméstico
rias, estações de tratamento de esgoto e
a disposição final. Superdimensionar ou A contribuição de esgoto doméstico de-
subdimensionar o sistema de esgotamen- pende de alguns fatores, como a popu-
to sanitário contribuiria para a má ges- lação da área atendida pelo sistema de
tão dos recursos. Soluções adequadas de esgotamento sanitário, o consumo per
esgotamento sanitário evitam a poluição capita de água (ver p. 133), ou seja, por
(ver p. 488) do meio ambiente e proble- pessoa, e o coeficiente de retorno esgoto.2
mas de saúde pública, promovendo me- São necessários estudos populacionais
lhoria da qualidade de vida. para compreender a contribuição do esgo-
A contribuição de esgoto sanitário, me- to doméstico em uma dada região ao lon-
dida por meio da vazão, é a relação entre go do período de planejamento (ver Cen-
o volume de esgoto e o período de tempo so demográfico – p. 88). No caso de áreas
em que este é transportado. turísticas, como municípios costeiros e
Ao fazer o planejamento do sistema de cidades históricas, por exemplo, é comum
esgotamento sanitário de um município, a variação populacional ao longo do ano.
deve-se considerar as contribuições do Portanto, é essencial que estudos sejam
esgoto doméstico (em fração mais ex- realizados para compreender a contri-
pressiva), dos efluentes industriais (ad- buição desta população flutuante, que,
missíveis no tratamento conjunto com ao gerar esgoto, impacta o sistema de co-
esgoto doméstico, respeitados os padrões leta, transporte e tratamento do esgoto,
de lançamento – ver p. 243), da contri- devendo ser considerada no seu dimen-
buição pluvial parasitária (parcela do sionamento. Essa variação pode ocorrer
escoamento superficial inevitavelmente tanto em relação ao aumento da popula-
absorvida pela rede coletora de esgoto ção contribuinte como à contribuição per
sanitário) e das águas de infiltração, que capita de esgoto doméstico de populações
não deveriam se incorporar ao esgoto e, com hábitos distintos.
quando ocorrem em proporções signifi- O consumo per capita de água influen-
cativas, trazem diversos problemas ope- cia diretamente a contribuição per capita

145
EIXO 5 - ESGOTAMENTO SANITÁRIO

de esgoto doméstico. Esse consumo pode a localização e tipo da residência, clima


variar de acordo com a localidade, uma vez e condições da rua – se é pavimentada
que depende da disponibilidade, do acesso ou não –, as águas utilizadas para irriga-
e da acessibilidade à água, das condições ção etc. Quando não é possível realizar
edafoclimáticas (relativas ao clima e ao o cálculo do coeficiente de retorno, ado-
solo), do porte da comunidade, do grau ta-se o valor de 0,8 (80%), conforme re-
de industrialização local, das condições comendado pela Norma Brasileira (NBR)
socioeconômicas, da pressão da água e da 9.648/1986 da Associação Brasileira de
medição do consumo residencial. Normas Técnicas (ABNT)2.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) A contribuição per capita de esgoto do-
estabelece que, para que cada ser humano méstico é o consumo per capita de água
viva em condições de baixo risco de saúde, multiplicado pelo coeficiente de retorno.
o consumo de água deve ser de 50 a 100 Considerando um coeficiente de retorno
litros (l) por dia.3 Pode-se estimar faixas médio de 80%, para municípios menores
médias de consumo de água por tamanho ou vilas, a contribuição per capita de es-
da população, ciente de que em situações goto média é de 72 a 128 l de esgoto por
de escassez o consumo é geralmente mais habitante, por dia; em grandes cidades,
baixo que o normal. Populações menores, 240 l produzidos por habitante, por dia;
como em vilas e povoados, consomem me- e, em municípios com até 50 mil habitan-
nos água, podendo variar entre 90 e 160 tes, a contribuição varia entre 88 e 144 l
l por habitante, por dia. Já em cidades de esgoto por dia.4
grandes, com mais de 250 mil habitan-
tes, o consumo diário pode variar de 150 Variação da vazão de
a 300 l por habitante.4 Municípios de até esgoto doméstico
50 mil habitantes apresentam consumo
diário de 110 a 180 l por habitante .4 Além Como comentado anteriormente, a vazão
das residências, precisa-se conhecer o de esgoto doméstico depende, principal-
consumo de água em instituições, comér- mente, do consumo de água. Como esse
cios e outros estabelecimentos. A título de consumo varia ao longo do dia (variações
exemplo, um posto de gasolina consome horárias), dos dias da semana (variações
de 15 a 30 l de água por veículo servido diárias) e dos meses do ano (variações sa-
pelo chamado “lava-jato” (lava a jato), um zonais), essa variação também é observa-
restaurante consome de 30 a 50 l de água da na vazão de esgoto. Tais variações são
por refeição e um banheiro público, de 10 de interesse ao se projetar uma solução de
a 25 l por usuário.4 esgotamento sanitário (ver p. 664 e 673).
O coeficiente de retorno representa Como na maioria dos casos não é viável
a quantidade de esgoto gerada a partir fazer essas medições, três coeficientes são
do consumo de água, ou seja, é a relação sugeridos pela ABNT para projeto de sis-
entre o volume de esgoto gerado e o vo- temas de esgotamento sanitário, que são
lume de água consumido pela população. os mesmos para o sistema de abastecimen-
Esse coeficiente usualmente está com- to de água, considerando que os picos de
preendido entre 0,5 e 0,9, sendo que tal consumo de água são correspondentes aos
valor varia de acordo com o uso da água, picos de vazão de esgoto:

146
CONTRIBUIÇÃO DE ESGOTO SANITÁRIO

• K1: coeficiente do dia de maior con- Contribuições industriais


sumo, é a relação entre a maior vazão e infiltrações
diária e a vazão média diária anual.
O valor usual adotado para projeto é Para dimensionar o sistema de coleta,
K1=1,2. transporte e tratamento de esgoto sani-
C
• K2: coeficiente da hora de maior consu- tário, deve-se considerar outras contri-
mo, é a relação entre a maior vazão ho- buições que possam vir a ser incorpora-
rária e a vazão média horária do mesmo das ao esgoto doméstico:
dia. O valor usual adotado para projeto
é K2=1,5. • Vazão industrial: as contribuições das
• K3: coeficiente da hora de menor con- indústrias dependem do tipo e porte
sumo, é a relação entre a vazão mínima da indústria, processamento, recicla-
e a vazão média anual. O valor usual gem, existência de pré-tratamento etc.
adotado para projeto é K3= 0,5. É necessário conhecimento das vazões
industriais que são lançadas na rede co-
Durante o dia, a vazão atinge seu maior letora de esgoto doméstico, pois podem
pico normalmente entre 6h e 12h e o se- influenciar o projeto e a operação da
gundo pico entre 18h e 22h, relacionados, estação de tratamento de esgoto (ETE).
em geral, aos horários em que todas as Deve-se buscar, principalmente, obter
pessoas estão em casa despertas, ou na dados de vazão, pontos de lançamen-
faixa da saída para o trabalho ou do re- to, regime de lançamento (contínuo ou
torno da jornada. Na madrugada, a vazão intermitente; duração e frequência) e
atinge seu valor mínimo4. eventual mistura com esgoto domésti-
Além dessas variações relacionadas ao co e águas pluviais.
consumo de água, a variação de vazão po- • Vazão de infiltração: é a água
de ser influenciada por condições climáti- proveniente do subsolo que penetra
cas, qualidade do sistema, tipo do esgoto, na rede coletora de esgoto através de
qualidade dos serviços de conservação e tubos defeituosos, conexões, juntas ou
manutenção das redes coletoras de esgoto. paredes de poços de visita. A quantida-
Ligações clandestinas de águas de chuva de de água que entra na rede coletora
nas redes coletoras de esgoto também po- depende da extensão e diâmetro das
dem induzir a grandes variações na vazão tubulações, área de contribuição para
de esgoto, principalmente em épocas chu- a rede coletora, tipo de solo, topografia
vosas, podendo impactar diretamente o da região, densidade populacional (nú-
tratamento do esgoto. Quando isto ocor- mero de conexões por unidade de área)
re, causa uma sobrecarga nas estações de e profundidade do lençol freático. Uti-
tratamento de esgoto (ETEs), forçando o lizar materiais de boa qualidade e prá-
sistema, que, muitas vezes, não é capaz de ticas construtivas a favor da seguran-
receber essa vazão adicional, podendo ser ça diminuem a taxa de infiltração. No
necessário extravasar parte do esgoto não projeto da rede coletora de esgoto, a
tratado para o corpo d’água. Essas ligações NBR 9.648/1986 da ABNT recomenda
clandestinas de água de chuva também po- adotar valores médios de infiltração
dem interferir na eficiência de tratamento. entre 0,05 e 1 l/s.km. O valor adota-

147
EIXO 5 - ESGOTAMENTO SANITÁRIO

do deve ser justificado, considerando O diagnóstico da contribuição de es-


existência de lençol freático, nature- goto de um município é necessário para
za do subsolo, material da tubulação, o dimensionamento do sistema de esgo-
qualidade da execução da rede e tipo tamento sanitário de forma adequada.
de junta utilizada. 5 A contribuição de esgoto sanitário de-
• Contribuição pluvial parasitária: é a pende diretamente de como se desen-
parcela de águas da chuva que entra em volveu a ocupação do município, das
sistemas de esgotamento pelas inter- ações já realizadas e da participação da
ligações de galerias de águas pluviais e população. O planejamento municipal
tampões dos poços de visita. No período deve considerar a projeção populacional
chuvoso, a vazão afluente à ETE pode au- (ver p. 531) para um horizonte futuro,
mentar bastante, levando à sobrecarga que deve contemplar a contribuição de
das ETEs, podendo prejudicar ainda a esgoto dessa futura população, tendo
eficiência do tratamento e impactando em vista a necessidade de se dimensio-
os corpos d’água. Em um estudo realiza- nar um sistema de esgotamento sanitá-
do no estado de São Paulo foi verificado rio que não se torne obsoleto em pouco
que a contribuição de águas de chuva nos tempo. Os gestores precisam estar cien-
sistemas de esgotamento sanitário va- tes de que planejar os componentes do
riou de 26% a 283% em relação à vazão saneamento tem relação com a capaci-
do período sem chuvas, o que impacta as dade de planejamento de outros setores,
ETEs que precisam extravasar o esgoto a exemplo das políticas habitacionais e
sem tratamento para o corpo d’água.6 de meio ambiente.

Referências bibliográficas

1. ABNT. NBR.9648:1986. Estudo de concepção de sistemas de esgoto sanitário. Rio


de Janeiro: ABNT, 1986.
2. TSUTIYA, M. T.; SOBRINHO, P. A. Coleta e transporte de esgoto sanitário. 3. ed.
Rio de Janeiro: Abes, 2011.
3. HOWARD; G.; BARTRAM, J. Domestic water quantity, service level and health.
WHO: Geneva, 2003. Disponível em: https://apps.who.int/iris/handle/10665/67884.
4. VON SPERLING, M. Introdução à qualidade das águas e ao tratamento de esgo-
tos. v. 1. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014. (Coleção Princípios do tratamento
biológico de águas residuárias).
5. ABNT. NBR 9.649:1986. Projeto de redes coletoras de esgoto sanitário. Rio de Ja-
neiro. 1986.
6. TSUTIYA, M. T.; BUENO, R. C. R. Contribuição de águas pluviais em sistemas de
esgoto sanitário no estado de São Paulo. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGE-
NHARIA SANITÁRIA E AMBIENTAL, 23, 2005, Campo Grande. Anais [...]. Rio de
Janeiro: Abes, 2005.
7. JORDÃO, E. P.; PESSOA, C. A. Tratamento de esgotos domésticos. 7. ed. Rio de
Janeiro: Abes, 2014.

148
CONTROLE E VIGILÂNCIA DA QUALIDADE DA ÁGUA PARA CONSUMO
HUMANO E SEU PADRÃO DE POTABILIDADE

Para saber mais

FUNASA. Manual de saneamento. 4. ed. Brasília: Funasa, 2015. Disponível em:


http://www.funasa.gov.br/documents/20182/38564/Mnl_Saneamento.pdf/
ae1d4eb7-afe8-4e70-ae9a-0d2ae24b59ea.
C
TSUTIYA, M. T.; et al. Contribuição de águas pluviais em sistemas de esgotos
sanitários: estudo de caso da cidade de Franca, Estado de São Paulo. In: CONGRES-
SO BRASILEIRO DE ENGENHARIA SANITÁRIA E AMBIENTAL, 22, 2003, Joinvil-
le. Anais [...]. Rio de Janeiro: Abes, 2003.

Autoria deste verbete

Fernanda Deister Moreira. Engenheira sanitarista e ambiental pela Universidade Fe-


deral de Juiz de Fora (UFJF). Mestranda em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos
Hídricos na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Lívia Cristina da Silva Lobato. Engenheira civil e doutora em Saneamento, Meio Am-
biente e Recursos Hídricos pela UFMG.

Fabiana Lopes Del Rei Passos. Doutora em Engenharia Ambiental pela Universitat Po-
litècnica de Catalunya (UPC), Espanha. Professora adjunta do Departamento de Enge-
nharia Sanitária e Ambiental da UFMG.

C
CONTROLE E VIGILÂNCIA DA QUALIDADE DA ÁGUA PARA
CONSUMO HUMANO E SEU PADRÃO DE POTABILIDADE
Este verbete foi elaborado na vigência da Portaria de Consolidação 5 de 2017, do Ministério da
Saúde, que foi substituída pela Portaria GM/MS 888, publicada em 4 de maio de 2021.

O acesso à água de qualidade e em quanti- pio deve garantir o abastecimento de água


dades adequadas é um direito humano re- potável à população. Chama-se assim a
conhecido pela Organização das Nações água que atende a um conjunto de parâme-
Unidas (ONU). Há uma estreita relação tros e padrões de qualidade e que é submeti-
entre saúde pública e abastecimento de da a procedimentos de controle e vigilância
água. Em 2015, a Organização Mundial definidos por um aparato normativo que
de Saúde (OMS) registrou um total de estabelece os requisitos de potabilidade.
172.454 casos de cólera e 1.304 mortes O atendimento ao padrão de potabilida-
decorrentes do consumo de água de qua- de garante a segurança sanitária da água
lidade inadequada, em 42 países.1, 2 que é fornecida pelos prestadores dos ser-
No Brasil, como forma de promover a viços de abastecimento de água, tanto em
saúde e a dignidade humana, todo municí- regime de solução coletiva, quanto indi-

149
EIXO 4 - ABASTECIMENTO DE ÁGUA

vidual. O não atendimento ao padrão de potável não é sinônimo de água pura,


potabilidade torna a água insegura para quimicamente falando. Na realidade, a
consumo – o que pode ocasionar doenças água potável é uma solução que contém
causadas por agentes infecciosos ou por uma infinidade de substâncias, incluindo
substâncias tóxicas. não só as substâncias presentes natural-
O planejamento municipal de sanea- mente, mas também as introduzidas pela
mento básico tem como uma das suas ação antrópica. Estas últimas devem es-
principais funções promover o abasteci- tar presentes na água em concentrações
mento de água de qualidade para todos, abaixo dos limites estabelecidos pelo pa-
independentemente de classe social. As- drão de potabilidade.4
sim, um Plano Municipal de Saneamento O aparato normativo que estabelece os
Básico (PMSB – ver p. 450) deve ouvir a padrões de potabilidade e os procedimen-
população, considerando sua percepção tos de controle e vigilância da qualidade
dos serviços de abastecimento e incorpo- da água deve ser periodicamente revi-
rando essas informações ao diagnóstico sado, levando em conta o avanço do co-
técnico, realizado por profissionais do nhecimento científico e os novos conta-
setor. O PMSB, como um instrumento da minantes, constantemente sintetizados,
política pública municipal de saneamento com atenção aos agrotóxicos (ver p. 47) e
básico, deve estabelecer ações e programas outras substâncias químicas.
que garantam a continuidade dos servi- A experiência norte-americana, que
ços e a qualidade do abastecimento ofe- muito influencia o aparato normativo
recido à população, promovendo saúde. nacional, envolveu uma série de revisões
dos padrões de qualidade, estabelecidos,
Normas de potabilidade pela primeira vez, em 1914. O processo
de padronização da qualidade da água
No Brasil, está em vigência a Portaria de nos Estados Unidos incluiu revisões em
Consolidação n° 5/2017, do Ministério da 1925, 1942, 1961 e 1974, quando foi
Saúde (MS), que estabelece os padrões de aprovada uma lei de água de consumo se-
potabilidade da água, ou seja, os valores- guro, denominada Safe Drinking Water
-limite das substâncias que podem estar Act (SDWA).4, 5 A SDWA foi alterada em
presentes na água. Os prestadores dos 1986 e em 1996. Sob responsabilidade da
serviços de abastecimento devem respei- United States Environmental Protection
tar esses valores na realização de proces- Agency (Usepa) – a agência ambiental
sos de vigilância e controle da qualidade norte-americana –, essa norma passa por
da água fornecida em cada município.3 revisão sistemática a cada seis anos. Sua
No contexto brasileiro, portanto, a água quarta revisão está prevista para o início
potável é aquela que atende aos padrões de 2023.
de potabilidade e aos procedimentos Já a experiência brasileira de normati-
de controle e vigilância da qualidade da zação é mais recente. O primeiro padrão
água estabelecidos pela referida portaria. de potabilidade foi estabelecido há pouco
A água potável é uma água que po- mais de 40 anos, pela Portaria 56/1977, e
de ser consumida sem causar danos à passou por revisões referendadas nas por-
saúde ou rejeições organolépticas. Água tarias 36/1990, 518/2005 e 2914/2011.4

150
CONTROLE E VIGILÂNCIA DA QUALIDADE DA ÁGUA PARA CONSUMO
HUMANO E SEU PADRÃO DE POTABILIDADE

Vale ressaltar que a portaria de 2017 do A caracterização da água bruta é usa-


MS não materializa modificações no al- da para definir os parâmetros de projeto
cance dos dispositivos consolidados, nem e os parâmetros operacionais da ETA.
de sua força normativa. Ela apenas inte- As características da água bruta são va-
gra normas em um único diploma legal.5 riáveis ao longo do ano, pois sofrem in-
terferências de chuvas, períodos secos e
Vigilância e controle da contaminação pontual e difusa. Durante
qualidade da água o processo de tratamento (ver p. 734), a
amostragem em cada etapa permite que
Ao longo dos anos, a noção de vigilância os gestores avaliem se as condições ope-
da qualidade da água foi fortalecida pe- racionais da estação estão conseguindo
las portarias citadas. Porém, se conside- atender os padrões potabilidade. Após o
rarmos a relevância das ações executadas tratamento, a verificação da qualidade da
e a magnitude de seus impactos, a vigi- água na rede e nos reservatórios de água
lância ainda é tímida e foi fragilizada pe- tratada permite identificar pontos em
los arranjos estruturais dos executores, que há contaminação em consequência
que são os municípios.5 Nesse sentido, é de vazamentos ou infiltrações, indicando
importante que os municípios brasileiros a necessidade de interromper o forneci-
se organizem para realizar a vigilância mento de água e realizar reparos ou lim-
da qualidade da água distribuída e para peza na rede. Assim, tal processo confere
manter atualizado o Sistema de Infor- garantias de que os usuários receberão
mações de Vigilância da Qualidade da água com segurança sanitária. As conces-
Água para Consumo Humano (Sisagua). sionárias de saneamento devem lançar
A portaria de consolidação publicada boletins de qualidade, a fim de manter
em 2017 estabelece que o controle da a população informada sobre a água que
qualidade da água para consumo huma- chega às torneiras. Os titulares do serviço
no refere-se ao conjunto de atividades de abastecimento devem elaborar planos
exercidas regularmente pelo responsável de amostragem da água, informando a
pelo sistema ou por solução alternativa frequência da análise e o local de coleta
coletiva de abastecimento de água, com a da amostra. Esses planos devem ser apro-
finalidade de verificar se a água fornecida vados junto a uma ou mais autoridades
à população é potável e assegurar a ma- de saúde pública, como a Secretaria de
nutenção dessa condição.3 Saúde municipal e/ou estadual. Os planos
O controle da qualidade da água deve de amostragem levam em consideração o
ser frequente e estar em conformidade tipo de sistema (coletivo, alternativo co-
com cada parâmetro, podendo ser horá- letivo ou alternativo individual) e a popu-
rio, diário, semanal, mensal ou trimes- lação que ele atende.
tral. Ele deve incluir as análises físico-
-químicas e microbiológicas previstas Características da água e o
do padrão de potabilidade. A amostragem processo de potabilização
da água deve ser realizada antes, durante
e depois de sua passagem pela estação de Sobre o processo de potabilização, ob-
tratamento de água (ETA). serva-se que a água bruta proveniente

151
EIXO 4 - ABASTECIMENTO DE ÁGUA

do manancial de abastecimento contém que 1 uT para os demais tipos de trata-


impurezas. Os contaminantes presentes mento.3 Quanto maior a turbidez, maior
na água podem impactar as característi- a presença de sólidos em suspensão que
cas físicas, químicas e biológicas dessa possam servir de abrigo para microrga-
substância. Por isso, a qualidade da água nismos, protegendo-os dos processos de
bruta e tratada deve ser avaliada, com ba- desinfecção. Além disso, a turbidez tem
se no padrão de potabilidade, de forma a importância sanitária por ser um indica-
garantir tratamento adequado. dor indireto da presença de formas espo-
As características de natureza física ruladas de protozoários e helmintos.
incluem os aspectos visuais, o odor e o Os sólidos presentes na água podem ser
sabor da água, que podem levar à sua re- classificados como sedimentáveis, sus-
jeição pelos consumidores. As principais pensos, coloides e dissolvidos.4 Sólidos
características avaliadas são: sedimentáveis são aqueles que se diri-
gem ao fundo quando o líquido está em
• o gosto; repouso ou parado por um determinado
• o cheiro; tempo. Sólidos suspensos são partículas
• a cor; com diâmetros maiores que 1 micrôme-
• a turbidez; tro (µm) e que não são capazes de passar
• a presença, quantidade, concentração e em um papel de filtro com tamanho de
teor de resíduos sólidos; poro especificado. Coloides são partícu-
• a temperatura; las muito pequenas, que ficam em sus-
• a condutividade. pensão na água e possuem diâmetro que
varia no intervalo de 0,001 e 1 µm. Sóli-
Gosto e odor podem ter origem bioló- dos dissolvidos são aqueles com dimen-
gica, sendo resultantes do crescimento de sões menores que 0,001 µm, tal como o
microrganismos, ou origem química, sendo sal de cozinha, e que não são removidos
subprodutos da desinfecção, ou denotando por processo de filtração convencional.
a presença de amônia, sulfeto de hidrogê- Os microrganismos como os vírus e bac-
nio ou sólidos dissolvidos.4 A cor pode ser térias estão na faixa entre coloides e sóli-
causada pela presença de matéria orgânica, dos em suspensão.
de ferro e/ou outros metais, ou pela conta- Costuma-se classificar os sólidos pre-
minação por efluentes industriais. sentes na água como sólidos em sus-
A turbidez é um parâmetro que mede pensão e sólidos dissolvidos.6 A sepa-
a quantidade de sólidos em suspensão na ração consiste na filtração da amostra
água e tem grande importância no pro- por membrana filtrante, com poros de
cesso de tratamento da água bruta, pois tamanho igual a 1,2 µm. Os sólidos re-
indica a quantidade de produtos quími- tidos pela membrana são denominados
cos a ser utilizada durante o tratamento sólidos suspensos e os que passam pela
e também influi na seleção da tecnologia membrana são classificados como sóli-
de tratamento adequada. A turbidez da dos dissolvidos. Os sólidos ainda podem
água tratada deve ser menor que 0,5 uni- ser classificados como sólidos fixos ou
dades de turbidez (uT) para tecnologias voláteis. Sólidos fixos são aqueles que,
convencionais de tratamento e menor quando aquecidos a uma temperatura

152
CONTROLE E VIGILÂNCIA DA QUALIDADE DA ÁGUA PARA CONSUMO
HUMANO E SEU PADRÃO DE POTABILIDADE

de 550 graus Celsius (°C), não se volatili- tem a finalidade de evitar cáries na po-
zam. Recebem o nome de sólidos voláteis pulação, auxiliando assim nos cuidados
aqueles que sofrem volatilização quando bucais, principalmente para os usuários
atingem tal temperatura. mais vulneráveis economicamente, com
Em relação às características químicas menores condições de acesso a serviços
da água, os principais parâmetros consi- odontológicos.
derados na definição do padrão de potabi- Há substâncias que podem ser tóxicas
lidade são o pH, a dureza, o cloro residual para os seres humanos e que podem estar
e a presença de substância tóxicas. O pH presentes na água, tais como toxinas de
influencia o consumo de insumos para o algas, pesticidas, substâncias carcinogê-
tratamento da água bruta, a precipitação nicas e compostos radioativos. A Portaria
de metais e a corrosão e a incrustação de de Consolidação n° 5/2017, do Ministério
componentes do sistema de abastecimen- da Saúde, indica um conjunto de substân-
to, sendo assim um parâmetro de contro- cias que devem ser analisadas e seus limi-
le no tratamento da água. O pH da água tes máximos permitidos.3
distribuída não pode estar abaixo de 6 e
nem acima de 9,5. Preocupação com microrganismos
A dureza é medida pela concentração
de minerais dissolvidos, em especial o A preocupação com as características mi-
carbonato de magnésio (MgCO3) e o car- crobiológicas da água está relacionada à
bonato de cálcio (CaCO3). Elevadas con- presença de microrganismos tais como
centrações desses sais levam à formação fungos, bactérias, algas, vírus, protozoá-
de crostas em tubulações, gerando entu- rios e helmintos. Esses seres microscópi-
pimentos. A água com elevada dureza, cos incluem patógenos, agentes patogê-
popularmente chamada de água dura, nicos ou microrganismos patogênicos,
também reduz a formação de espuma de ou seja, espécies que são capazes de cau-
sabões e detergentes. O valor máximo sar doenças em seres humanos. As enfer-
permitido para a água de distribuição midades que são transmitidas pela água
é a concentração de dureza total de 500 contaminada são chamadas de doenças
miligramas por litro (mg/l) de carbonato de veiculação hídrica e incluem o cólera,
de cálcio. O cloro é um agente antimicro- a hepatite A, a gastroenterite e a giardíase.
biano que se adiciona na última etapa do Organismos patogênicos estão presen-
tratamento de água para eliminar mi- tes na natureza. Entretanto, devido à ele-
crorganismos patogênicos. O Ministério vada quantidade desses seres nas excretas
da Saúde (MS) recomenda que a água tra- humanas, elas são as principais responsá-
tada possua cloro residual na concentra- veis pela transmissão de doenças.7 A iden-
ção mínima de 0,2 mg/l.3 O cloro residual tificação e a quantificação desses organis-
ajuda a garantir a segurança microbioló- mos em amostras de água são de difícil
gica da água, em caso de eventual conta- execução e têm custos elevados – o que
minação durante a distribuição. pode inviabilizar o controle de qualida-
Outra característica química importan- de microbiológica da água. Dessa forma,
te na água tratada é a concentração de utilizam-se microrganismos indicadores
flúor. A adição de flúor à água distribuída de contaminação fecal como forma de de-

153
EIXO 4 - ABASTECIMENTO DE ÁGUA

tectar o contato da água com fezes huma- que levam à necessidade de consultas e
nas ou animais de sangue quente e a pos- tratamentos. Assim, a intervenção pre-
sível presença de organismos patogênicos. vencionista decorrente do acesso à água
A Portaria de Consolidação n°5/2017, do de qualidade resulta em uma redução de
Ministério da Saúde (MS), utiliza micror- despesas médicas.
ganismos coliformes termotolerantes e a Os gestores municipais devem estar
Escherichia coli para avaliação da qualida- cientes de que ações positivas em sanea-
de microbiológica da água tratada. Tais mento, como a instalação e/ou ampliação
organismos são empregados por estarem do abastecimento de água, trazem desen-
presentes nas fezes dos animais e dos volvimento para o município, reduzindo
seres humanos, sendo a E. coli exclusiva- os índices de mortalidade infantil, o nú-
mente de origem fecal. Essas bactérias mero de internações e os custos com tra-
apresentam uma resistência ligeiramente tamentos de doenças evitáveis que têm
maior a processos de desinfecção do que como origem a água. Através do acesso à
a maioria dos microrganismos patogêni- água em quantidade, qualidade e de for-
cos. Os indicadores e os patógenos são re- necimento contínuo, promove-se a digni-
movidos pelos mesmos mecanismos nas dade humana. Devem ser implementados
estações de tratamento de água (ETAs). instrumentos para o monitoramento da
Assim, a ausência de organismos indica- qualidade da água fornecida à população,
dores de contaminação fecal sugere que a assim como mecanismos de exigibilida-
água também está livre de contaminação de para que os titulares dos serviços asse-
por organismos patogênicos e pode ser gurem os padrões de potabilidade.
distribuída aos usuários.8 A qualidade mi- A manutenção da qualidade da água do
crobiológica da água é atestada por meio manancial de abastecimento deve estar
da ausência desses microrganismos em sempre em pauta, principalmente quan-
100 mililitros (ml) da amostra, conforme do o corpo hídrico é de responsabilidade
a portaria de consolidação do MS.3 do município. Instrumentos adequados,
como a regulação de uso e ocupação do
Responsabilidade pública solo (ver p. 761) nas margens dos corpos
hídricos e a elaboração dos planos de ba-
O planejamento municipal de saneamen- cia hidrográfica, devem ser utilizados de
to básico deve considerar metas de aten- forma a contribuir para um aumento na
dimento dos padrões de potabilidade da eficiência do tratamento da água.
água fornecida aos munícipes. Além dis- Os usuários devem receber frequente-
so, ele deve incluir ações de emergência e mente informações simples e claras sobre
contingência (ver p. 139) para o enfrenta- a qualidade da água que lhes é fornecida.
mento de eventos críticos, identificando Também devem participar de ações de edu-
responsáveis pelas ações. cação ambiental e sanitária para o uso ade-
A garantia de acesso à água potável quado e racional da água. aprendendo a re-
(que atende os padrões de potabilidade) alizar a limpeza regular das caixas d’água,
tem impactos positivos no sistema pú- de modo a evitar o comprometimento de
blico de saúde, pois contribui para a re- sua qualidade, assim como os procedimen-
dução de doenças de veiculação hídrica tos adequados de higiene no manejo da

154
CONTROLE E VIGILÂNCIA DA QUALIDADE DA ÁGUA PARA CONSUMO
HUMANO E SEU PADRÃO DE POTABILIDADE

água para ingestão. Por fim, é importante 442 e p. 438), que visam ao controle e mo-
que os municípios promovam a elaboração nitoramento da qualidade da água, desde o
dos planos de segurança da água (ver p. manancial, até as residências dos usuários.

Referências bibliográficas

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2016. Disponível em: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/250142/
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Nova York: WHO; Unicef, 2018. Disponível em: https://data.unicef.org/resources/
wash-in-schools. Acesso em: dez. 2019.
3. MS. Portaria de Consolidação nº 5, de 28 de setembro de 2017. Consolidação das
normas sobre as ações e os serviços de saúde do Sistema Único de Saúde. Disponível
em: https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2018/marco/29/PRC-5-Por-
taria-de-Consolida----o-n---5--de-28-de-setembro-de-2017.pdf.
4. LIBÂNIO, M. Fundamentos de qualidade e tratamento de água. Campinas: Átomos,
2010. p. 29-36.
5. FORTES, A. C. C.; BARROCAS, P. R. G.; KLIGERMAN, D. C. A vigilância da qualida-
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6. HELLER, L.; PÁDUA, V. L. (coord.). Abastecimento de água para consumo huma-
no. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2016. p. 151-218.
7. FEACHEM, R. G.; BRADLEY, D. J.; GARELICK, H.; MARA, D. D. Sanitation and
disease: health aspects of excreta and wastewater management. Chichester: John
Wiley & Sons, 1983. p. 3. Disponível em: http://documents.worldbank.org/curated/
pt/704041468740420118/pdf/multi0page.pdf.
8. VON SPERLING, M. Introdução à qualidade das águas residuárias e ao tratamen-
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Para saber mais

MS. Diretriz nacional do Plano de Amostragem da Vigilância da Qualidade da Água


para Consumo Humano. Brasília: MS, 2016. Disponível em: http://bvsms.saude.
gov.br/bvs/publicacoes/diretriz_nacional_plano_amostragem_agua.pdf.
MCIDADES. Amostragem, preservação e caracterização físico-química e microbio-
lógica de águas de abastecimento. Guia do profissional em treinamento: nível 1.
Belo Horizonte: ReCesa, 2008.
MCIDADES. Qualidade da água e padrões de potabilidade. Guia do profissional em
treinamento: nível 1. Belo Horizonte: ReCesa, 2007.
MCIDADES. Qualidade da água e padrões de potabilidade. Guia do profissional em
treinamento: nível 2. Belo Horizonte: ReCesa, 2007.

155
EIXO 2 - COMUNICAÇÃO E TERRITORIALIZAÇÃO

MCIDADES. Abastecimento de água: construção, operação e manutenção de redes de


distribuição de água. Guia do profissional em treinamento: nível 2. Belo Horizonte:
ReCesa, 2008. Disponível em:https://www.mdr.gov.br/images/stories/ArquivosSNSA/
Arquivos_PDF/recesa/construcaooperacaoemanutencaoderedesdedistribuicaodeagua-
-nivel2.pdf.
MS. Cuidados com água para consumo humano. Folheto educativo. Disponível em:
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/folder/cuidados_agua_consumo_humano_2011.
pdf. Acesso em: 12 dez. 2019.
PHILIPPI JR., A. (ed.). Saneamento, saúde e ambiente: fundamentos para um desen-
volvimento sustentável. Barueri: Manole, 2005.
PHILIPPI JR., A.; GALVÃO JR., A. C. (ed.). Gestão do saneamento básico: abasteci-
mento de água e esgotamento sanitário. Barueri: Manole, 2012.
UN. Water. Página web das UN (em inglês). Disponível em: https://www.un.org/en/
sections/issues-depth/water/index.html. Acesso em: jul. 2019.
RIBEIRO, M. C. M. Nova portaria de potabilidade de água: busca de consenso para via-
bilizar a melhoria da qualidade de água potável distribuída no Brasil. Revista DAE,
São Paulo, n. 189, mai./ago. 2012, p. 8-14.
WHO. Safer water, better health. Geneva: WHO, 2019. Disponível em: https://www.
who.int/water_sanitation_health/publications/safer-water-better-health/en/.

Autoria deste verbete

Antonio Natanael Costa Sancho. Engenheiro ambiental pela Universidade Federal do Ceará
(UFC) e engenheiro civil pela Universidade de Fortaleza (Unifor). Mestrando em Saneamen-
to, Meio Ambiente e Recursos Hídricos pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

César Rossas Mota Filho. Doutor em Engenharia Civil e Ambiental pela Universidade
Estadual da Carolina do Norte (EUA). Professor Associado do Departamento de Enge-
nharia Sanitária e Ambiental (Desa) da Universidade Federal de Minas Gerais.

C
CONTROLE SOCIAL

A noção de controle social, originalmen- pelo consenso quer pela coerção, sobre o
te como categoria do campo da filosofia conjunto da vida social.
política e presente desde os clássicos da No Brasil recente, o controle social é um
modernidade que abordaram os temas do modo de ação política constituído por di-
Estado, do poder e do direito, remete ao versos segmentos organizados da classe
processo de manutenção da ordem, quer trabalhadora e dos movimentos sociais no

156
CONTROLE SOCIAL

país. Sua ressignificação teve início como O controle social no campo


modo de ação política dos segmentos orga- da saúde e do saneamento
nizados da classe trabalhadora e dos movi-
mentos sociais no Brasil contemporâneo, No Brasil, o campo da saúde foi pioneiro
nos campos da saúde e em sua relação com na criação de conselhos que anunciavam
o saneamento básico, a democracia partici- a pretensão de ampliação da participação
pativa e a soberania popular no Brasil. política. São da década de 1970, em São
Na década de 1990, foi promulgada a Paulo, os primeiros conselhos populares
legislação que versa sobre as instâncias de de Saúde, criados na esteira dos movi-
controle social, formalizando a inversão mentos sociais da área, atuantes desde
do sentido original e indicando o que se- a década anterior. Já na década de 1980
ria então o controle das ações do Estado, este movimento nacionaliza-se. À época
entendido como máquina pública e admi- eram comuns os conselhos comunitá-
nistrativa, pela chamada sociedade civil. rios, os conselhos populares e os con-
Essa forma de participação política, selhos administrativos que, conjugados,
especialmente por meio de conselhos atendiam às necessidades de tomada de
institucionalizados, tem sido objeto de conhecimento das demandas da comu-
controvérsias nas últimas décadas, mas, nidade por parte das lideranças políticas
sobretudo, por parte de estudiosos, mili- locais, de defesa da autonomia das co-
tantes, gestores e demais profissionais de munidades ante o Estado e aos partidos
diversas áreas. políticos, e, ainda, de gerenciamento di-
O termo participação tornou-se parte reto e participativo das unidades presta-
do vocabulário e da agenda das nações doras de serviços. Sua origem expressava
ocidentais a partir dos anos 1960 e é a necessidade de construir a organização
uma das palavras mais utilizadas no popular para a solução dos problemas de
vocabulário político, científico e po- saúde, o que implicava, portanto, conce-
pular da modernidade.¹ Marcos Nobre ber a saúde para muito além do registro
confirma-nos o lugar de destaque que saúde-doença e incluía ora soluções autô-
a experiência participativa do Brasil nomas e independentes, ora pressões de
conquistou no cenário internacional, mobilização sobre o poder público.6
nesse período.² Maria Vianna,³ porém, Mais tarde, quando do fim da ditadura
alerta-nos para a despolitização que empresarial-militar (1964-1985), na his-
acompanhou tamanha expansão e que tórica 8ª Conferência Nacional de Saúde,
talvez nos ajude a explicar não só a una- como parte do processo de lutas sociais
nimidade em torno do fenômeno 4 como em torno do direito à saúde, a partici-
também a aparente incongruência entre pação social (ver p. 424) e a descentrali-
esta forma de organização da participa- zação são apresentadas como princípios
ção, que mobiliza conselheiros por todo que deveriam subsidiar a criação de um
o país na casa dos milhares, e a acele- sistema de saúde que veio a ser instituído
rada regressão política dos últimos anos e institucionalizado com a criação do Sis-
na América Latina, 5 diante das expecta- tema Único de Saúde (SUS), presente co-
tivas progressistas em contrário. mo importante conquista do movimento
popular na Constituição Federal de 1988.

157
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

Inscrito nas leis pela discussão nacional do saneamen-


to básico, o que também se refletiu nas
O controle social foi inscrito na Lei conferências nacionais destes mesmos
8.142/1990, que dispõe sobre a partici- setores. A realização do controle social
pação da comunidade na gestão do SUS. em quatro conselhos de setores diversos,
Tal legislação determina que as instân- além de outros conselhos que também
cias colegiadas de controle social em ca- pautam oficialmente o saneamento bási-
da esfera de governo são: as conferên- co, ampliava a possibilidade de que fosse
cias e os conselhos de saúde. As atri- exercida a intersetorialidade. Apesar de
buições destes são, respectivamente: todos esses colegiados, recentemente, foi
“avaliar a situação de saúde e propor as decretado o fim de muitos destes pelo De-
diretrizes para a formulação da política creto 9.759/2019, mantendo-se apenas
de saúde” e “formulação de estratégias os conselhos  criados por lei específica e
e [...] controle da execução da política excluindo os criados por decreto ou nor-
de saúde”. Se as conferências são com- ma com menor força, o que marca um no-
postas pela “representação de vários vo período de restrição da participação e
segmentos sociais”, os conselhos, cujo do controle social.
caráter é deliberativo, devem compor-se
de “representantes do governo, presta- Controle social no contexto dos
dores de serviço, profissionais de saúde planos de saneamento básico
e usuários” na proporção de 50% de usu-
ários, 25% de trabalhadores da Saúde e A participação e o controle social são dife-
25% por prestadores e gestores. O SUS rentes formas de intervenção nas políti-
garante aos estados, Distrito Federal e cas públicas. A participação social (ver p.
municípios a autonomia para adminis- 424) está mais relacionada ao debate en-
trar os recursos da saúde, de acordo com tre os cidadãos e o Estado, e pode se dar
a sua condição de gestão, mas para isso por diferentes mecanismos (a exemplo de
é preciso que cada estado, município e órgãos colegiados e consultas públicas).
região tenham seu Conselho de Saúde Já o controle social é uma forma de par-
formalmente constituído.7 ticipação que tem como premissa básica
No campo do saneamento básico, o o acompanhamento e a fiscalização das
marco legal da instituição do controle ações governamentais, exigindo um cer-
social deu-se no ano de 2007, com a pro- to grau de formalização e especialização
mulgação da Lei 11.445, e com o decre- nos seus mecanismos de execução (como
to de regulamentação 7.217, em 2010, os conselhos de políticas públicas).9
que estabeleceu as diretrizes nacionais. No Plano Nacional de Saneamento Bá-
O controle social foi estabelecido como sico (Plansab – ver p. 457) a participação
um dos princípios norteadores da polí- e o controle social representam um dos
tica pública e dos serviços públicos de sete princípios fundamentais, figurando
saneamento básico. Os conselhos nacio- ao lado de universalização, equidade, in-
nais de Saúde, Meio Ambiente, Recursos tegralidade, intersetorialidade, sustenta-
Hídricos e das Cidades foram definidos bilidade e matriz tecnológica. Esses prin-
como os órgãos colegiados responsáveis cípios são interdependentes e precisam

158
CONTROLE SOCIAL

ser norteadores das ações nos âmbitos – comitê, grupo de trabalho, grupo ges-
federal, estadual e municipal. tor, entre outros. Em razão da sua seme-
No programa estruturante do Plan- lhança com conselhos de políticas públi-
sab são estabelecidas diretrizes para cas (espaço institucionalizado, colegiado,
assegurar a participação e o controle social, composto por membros do governo e da
envolvendo estratégias de fortalecimento sociedade civil),12 podem ser conside-
da cultura de participação e controle dos rados instâncias de controle social pa-
serviços de saneamento básico; de avalia- ra acompanhamento da elaboração dos
ção do reconhecimento legal e do caráter PMSBs. Indica-se sua formação por ato
deliberativo das instâncias participativas; normativo do prefeito ou prefeita, bus-
e de capacitação voltadas para os membros cando a legalidade de sua instituição.
dessas instâncias, entre outras.8, 9 O Plan- A formação de um grupo em tais moldes
sab estabelece a existência de instância de é fundamental para a eficácia e efetivida-
controle social (com concepção e estrutura de do PMSB, uma vez que é a instância na
suficientes para acompanhar e fiscalizar qual conflitos entre os diversos segmen-
o uso do recurso público) como possível tos poderão ser discutidos, buscando solu-
critério na seleção dos projetos a serem fi- ções de interesse da coletividade (e não
nanciados via programas no seu âmbito.9 individuais), além de dar transparência
Fruto do Plansab, o Programa Sanea- ao processo de construção do PMSB. Esses
mento Brasil Rural (PSBR – ver p. 525), grupos devem ser envolvidos em todas as
publicado em 2019, também traz no com- etapas de elaboração do plano, e recomen-
ponente de gestão dos serviços de sanea- da-se a capacitação de seus membros sobre
mento estratégias voltadas a participação cada um desses momentos, a fim de nive-
e controle social nos processos de plane- lar o conhecimento, dada a multidiscipli-
jamento em saneamento básico.10 naridade de saberes do grupo.
No contexto dos Planos Municipais de O grupo de acompanhamento deve in-
Saneamento Básico (PMSB – ver p. 450), cluir representantes da sociedade civil e
a formação de grupos multidisciplinares do poder público, de forma a assegurar a
para acompanhamento da elaboração dos paridade na representação das duas es-
planos tem sido o formato amplamente feras.13 Contudo, tem-se observado que a
utilizado no Brasil, conforme destacado presença do Poder Executivo municipal
em pesquisa sobre o seu processo de ela- predomina sobre a do segmento da so-
boração. Na pesquisa em questão foram ciedade civil.11 Além disso, é recomenda-
analisados termos de referência e planos do que a indicação dos membros da so-
de saneamento de todas as regiões do pa- ciedade parta do próprio segmento e não
ís, identificando que 73% dos 176 planos do Executivo, para evitar que as decisões
analisados utilizaram essa formação.11 favoreçam apenas os interesses do po-
der público e dos prestadores de servi-
Acompanhamento a ços.14 Destaca-se ainda, a importância
favor da efetividade da participação do Poder Legislativo nos
grupos de acompanhamento, uma vez
Esses grupos de acompanhamento po- que os planos passam por aprovação na
dem apresentar variadas denominações Câmara Municipal, de forma que o docu-

159
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

mento do PMSB seja aprovado sem ne- também para acesso a recursos de outras
cessidade de emendas. fontes. Uma das exigências para recebi-
Na pesquisa mencionada sobre a elabo- mento desses repasses é que o município
ração de PMSB no Brasil,11 constatou-se comprove a existência de conselho espe-
que os setores do Poder Executivo com cífico para a área, que tenha competência
maior presença nos grupos de acompa- para acompanhar, fiscalizar e controlar o
nhamento são saúde (62,6%), meio am- fundo municipal de Saneamento.17
biente e agricultura (57,9%) e infraestru-
tura, obras e serviços públicos (52,3%).11 O Caráter consultivo predominante
maior percentual de participação do setor
de saúde na elaboração dos planos não so- Os dados da Munic 2017 demonstraram
mente indica a relação interdependente que, dentre os conselhos de Saneamento
entre saneamento e saúde como expressa existentes, 16,1% eram, simultaneamen-
a capilaridade da força de trabalho da saú- te, de caráter fiscalizador, deliberativo
de nos municípios. Nesse sentido, torna-se e normativo, enquanto 83,9% eram ape-
central a cooperação intersetorial, bem nas consultivos. Conselhos deliberativos
como a participação da população, tendo têm competência para tomada de decisão
como objetivo estratégico a promoção de em instância final, podendo encaminhar
territórios saudáveis e sustentáveis. as decisões ao Executivo para implemen-
tação. Exemplo desse modelo no Brasil
Depois da elaboração são os conselhos municipais de Saúde. Os
conselhos consultivos possuem compe-
Para além da elaboração do PMSB, a exis- tências para dar parecer, opinar, sugerir,
tência de instância de controle social é sem direito de deliberar.
essencial para o seu o monitoramento A não autonomia para tomada de de-
e a avaliação da execução. O Decreto cisões pode gerar insatisfação dos con-
7.217/2010 estabelece os órgãos colegia- selheiros e da população, que acabam
dos como um dos mecanismos de contro- considerando os conselhos apenas como
le social para a formulação da política de ratificadores de decisões já tomadas, o
saneamento básico, bem como no seu pla- que tende a enfraquecê-los.18
nejamento e avaliação,15 podendo ser es- Outro limitador da efetividade dos con-
pecíficos ou integrar as discussões do sa- selhos está relacionado ao nível de forma-
neamento. Segundo informações da Pes- ção dos conselheiros, principalmente dos
quisa de Informações Básicas Municipais representantes da sociedade civil,19 que
(Munic), em 2011, 3,5% dos municípios podem perder embates políticos sobre
brasileiros possuíam conselhos específi- certas decisões em função da maior pos-
cos para o saneamento básico, índice que sibilidade de se articular dos membros
subiu para 17,2% em 2017.16 O Plansab fi- do governo20 devido a sua inserção na
xa a meta de que em 2033 esse percentual máquina pública. Daí a importância de
seja de 90% dos municípios brasileiros, se buscar a efetivação das estratégias do
estabelecendo estratégias para atingi-la.9 Plansab para fortalecimento do controle
A existência de órgão colegiado de Sa- social e desenvolvimento de ações de ca-
neamento Básico passou a ser critério pacitação voltadas para conselheiros.

160
CONTROLE SOCIAL

Ainda, é assegurado aos órgãos colegia- tação nos processos deliberativos também
dos de controle social o acesso a quaisquer está relacionada a esse elemento.21.
documentos e informações produzidos so- Para que o controle social seja exer-
bre o saneamento básico, preferencialmen- cido com qualidade, deve haver trans-
te garantido na internet.15 Essa questão parência e comunicação pública das
tem sido negligenciada pelos municípios. informações, recursos, ações e decisões
Pesquisa sobre o processo de elaboração de sobre o saneamento básico, o que torna
PMSB mostra que 54,9% de uma amostra ainda mais importantes as estratégias
de 390 planos não possuem os documentos apresentadas no Plansab e no PSBR pa-
disponíveis na internet. A não disponibili- ra fomentar o acesso às informações, de
zação das informações em meios de fácil maneira compreensível à população, e a
acesso dificulta o exercício do controle so- implementação de mecanismos de con-
cial, uma vez que a capacidade de argumen- trole e monitoramento.

Referências bibliográficas

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2007. (Coleção Questões de Nossa Época, v. 84).
2. NOBRE, M. Participação e deliberação na teoria democrática: uma introdução. In:
COELHO, V. S.; NOBRE, M. (org.). Participação e deliberação – teoria democrática e
experiências institucionais no Brasil contemporâneo. São Paulo: 34, 2004.
3. VIANNA, M. L. T. W.; CAVALCANTI, M. L.; CABRAL, M. P. Participação em saúde:
do que estamos falando?. Sociologias, Porto Alegre, n. 21 (ano 11), p. 218-251, jan./
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In: MONTAÑO, C. (org.). O canto da sereia – crítica à ideologia e aos projetos do
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latino-americana em debate. São Paulo: Elefante, 2018.
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www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8142.htm. Acesso em: 25 fev. 2020.
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2014. Disponível em: https://www.cidades.gov.br/images/stories/ArquivosSNSA/
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9. MDR. Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab). Documento em revisão submeti-
do à apreciação dos conselhos nacionais de Saúde, Recursos Hídricos e Meio Ambiente. Bra-
sília: MDR, 2019. Disponível em: https://www.mdr.gov.br/images/stories/ArquivosSDRU/
ArquivosPDF/Versao_Conselhos_Resolu%C3%A7%C3%A3o_Alta_-_Capa_Atualizada.

161
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

10. MS; FUNASA. Programa Nacional de Saneamento Rural. Brasília: Funasa,


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11. AMARAL, R. P. S. Participação social em saneamento: uma análise do processo de
elaboração de planos municipais de saneamento básico no Brasil. 2019. Dissertação
(Mestrado em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos) – Escola de Enge-
nharia, Universidade Federal de Minas Geraisi Belo Horizonte, 2019. Disponível em:
http://www.smarh.eng.ufmg.br/defesas/1345M.PDF. Acesso em: 22 mar. 2020.
12. MORONI, J. A. O direito à participação no Governo Lula. In: FLEURY, S.; LOBA-
TO, L. V. C. (org.). Participação, democracia e saúde. Rio de Janeiro: Cebes, 2009.
Disponível em: http://cebes.org.br/site/wp-content/uploads/2013/10/livro_par-
ticioacao.pdf.
13. MS; FUNASA. Termo de referência para elaboração de plano municipal de sane-
amento básico. Brasília: Funasa, 2018. Disponível em: http://www.funasa.gov.br/
termo-de-referencia-tr-para-pmsb.
14. OLIVEIRA, T. G.; REZENDE, S. C. A participação social em duas experiências de
gestão privada do saneamento no Brasil. In: HELLER, L.; AGUIAR, M. M.; REZENDE,
S. C. (org.). Participação e controle social em saneamento básico: conceitos, poten-
cialidades e limites. Belo Horizonte: UFMG, 2016. p. 233-249.
15. BRASIL. Decreto nº 7.217, de 21 de junho de 2010. Regulamenta a Lei nº 11.445,
de 5 de janeiro de 2007, que estabelece diretrizes nacionais para o saneamento bá-
sico. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/
decreto/d7217.htm. Acesso em: 24 mar. 2020.
16. IBGE. Pesquisa de Informações Básicas Municipais – MUNIC. Página web do Ins-
tituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Disponível em: https://www.
ibge.gov.br/estatisticas/sociais/educacao/10586-pesquisa-de-informacoes-basicas-
-municipais.html?=&t=resultados. Acesso em: 22 mar. 2020.
17. ARSAE-MG. Resolução 110, de 28 de junho de 2018. Estabelece o mecanismo de
reconhecimento tarifário do repasse de parcela da receita direta dos prestadores re-
gulados pela Arsae-MG a fundos municipais de saneamento. Disponível em: http://
www.arsae.mg.gov.br/images/documentos/audiencia_publica/Resolucao_110_Re-
passesTarifaFundosSaneamento.pdf. Acesso em: 25 mar. 2020.
18. MELLO, M. C. C; REZENDE, S. C. Perspectivas de controle e participação social na
trajetória do Conselho Municipal de Saneamento de Belo Horizonte In: HELLER, L.;
AGUIAR, M. M.; REZENDE, S. C. (org.). Participação e controle social em sanea-
mento básico: conceitos, potencialidades e limites. Belo Horizonte: UFMG, 2016. p.
273-293.
19. AGUIAR, M. M.; MELO, E. M; HELLER, L. A participação social em três modelos
institucionais de sistema de abastecimento de água e de esgotamento sanitário no
Espírito Santo. In: HELLER, L.; AGUIAR, M. M.; REZENDE, S. C. (org.). Participação
e controle social em saneamento básico: conceitos, potencialidades e limites. Belo
Horizonte: UFMG, 2016. p. 203-231.
20. TATAGIBA, L. Os conselhos gestores e a democratização das políticas públicas no

162
CONTROLE SOCIAL

Brasil. In: DAGNINO, E. (org). Sociedade civil e espaços públicos no Brasil. São Pau-
lo: Paz e Terra, 2002. p. 143-192.
21. HABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tradução: Flá-
vio Sibeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. v. 1 e 2.

Para saber mais

CORREIA, M. V. C. Controle social. Dicionário da Educação Profissional em Saúde.


Rio de Janeiro: EPSJV/Fiocruz, 2009. Disponível em: http://www.sites.epsjv.fio-
cruz.br/dicionario/verbetes/consoc.html.
GURGEL, C.; JUSTEN, A. Controle social e políticas públicas: a experiência dos
Conselhos Gestores. Revista de Administração Pública – RAP, Rio de Janeiro,
v. 47, n. 2, p. 357-378, mar./abr. 2013. Disponível em: https://www.redalyc.org/
pdf/2410/241026045004.pdf.
PÓLIS. Controle social das políticas públicas. Repente: Participação Popular na Cons-
trução do Poder Local, São Paulo, n. 29, ago. 2008. Disponível em:
http://epsm.nescon.medicina.ufmg.br/dialogos3/Biblioteca/Artigos_pdf/Controle_
Social_das_politicas_publicas-REPENTE_Instituto_Polis.pdf.

Autoria deste verbete

Rafaela Priscila Sena do Amaral. Tecnóloga em Gestão Ambiental pelo Instituto Supe-
rior de Ciências da Saúde (Incisa), mestre em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos
Hídricos pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

André Vianna Dantas. Historiador pela Universidade Federal Fluminense (UFF), dou-
tor em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Servidor
público federal da Fundação Oswaldo Cruz, lotado na Escola Politécnica de Saúde Joa-
quim Venâncio (EPSJV).

Mariana Lima Nogueira. Doutora em Políticas Públicas e Formação Humana, mestre


em Enfermagem e especialista em Educação Profissional em Saúde. Professora-pes-
quisadora do Laboratório de Educação Profissional em Atenção à Saúde (Laborat) da
EPSJV/Fiocruz.

Tatiana Santana Timóteo Pereira. Engenheira civil pela Universidade Federal de Minas


Gerais (UFMG). Especialista em Gestão e Tecnologia do Saneamento pela Escola Nacio-
nal de Saúde Pública (Ensp), Fundação Oswaldo Cruz.

Alexandre Pessoa Dias. Engenheiro civil sanitarista, doutor em Medicina Tropical.


Professor-pesquisador do Laboratório de Educação Profissional em Vigilância em Saú-
de (Lavsa/EPSJV), Fundação Oswaldo Cruz.

163
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

C
CONVÊNIO DE COOPERAÇÃO

A cooperação federativa, ou seja, a atua- outro município. Do mesmo modo, um ou


ção conjunta de entes federativos visan- diversos municípios podem se associar
do ao alcance de objetivos comuns, é um individualmente com o respectivo estado
dos principais instrumentos para tornar para a execução delegada das referidas
mais ágil e eficiente a administração pú- funções por entidade pública reguladora
blica e melhor atender às demandas da ou prestadora estadual. Esta é uma das
sociedade pela universalização do acesso hipóteses de gestão associada que carac-
a serviços públicos de qualidade. Na reali- terizam a prestação regionalizada pre-
dade brasileira, tanto os municípios como vista na Lei 11.445/2007 (artigos 2º, XIV;
os estados possuem grandes diferenças 3º, IV; 17), cujo âmbito e escala territorial
em sua capacidade financeira e de gestão. compreende as áreas dos municípios con-
Se um município não é capaz de exercer veniados para o mesmo fim.
isoladamente uma determinada atribui-
ção, isto pode ser resolvido por meio da Lei de cada ente envolvido
cooperação com outros municípios e/ou
com os respectivos estados, podendo ain- Conforme dispõe o art. 241 da Constitui-
da contar com apoio da União. ção Federal e a Lei 11.107/2005, o convê-
Dois ou mais municípios, preferencial- nio de cooperação deve ser ratificado ou
mente contíguos, podem se associar, por previamente disciplinado por lei editada
meio de convênios de cooperação bilate- por cada um dos entes conveniados –
rais, para a gestão associada de serviços municípios e estado –, sendo que a dele-
de saneamento básico. O convênio de gação das atividades de regulação deve
cooperação é o instrumento jurídico-ad- ser formalizada por meio de contrato ou
ministrativo que autoriza e disciplina a outro instrumento administrativo, e a
gestão associada entre municípios e apli- delegação da prestação de serviço deve
ca-se especialmente para o exercício das ser formalizada, obrigatoriamente, por
funções de regulação e de prestação des- meio de contrato de programa, confor-
ses serviços. me prevê o art. 13 da referida lei. A ins-
Autorizado pelo convênio de coope- tituição e a implantação deste regime de
ração, um município pode delegar ati- gestão associada são mais ágeis e menos
vidades administrativas de regulação burocráticas do que o consórcio público,
para uma entidade reguladora (agência pois exige apenas a celebração individua-
ou autarquia), bem como pode delegar lizada de atos bilaterais de convênio de
a prestação de serviços de saneamento cooperação e de contrato de programa.
básico para um órgão ou uma entidade Observa-se que a controversa Lei nº
pública prestadora desses serviços, per- 14.026, de 2020, incluiu o §1º do art.
tencentes à administração indireta de 8º da Lei nº 11.445, de 2007, cujo inci-

164
CONVÊNIO DE COOPERAÇÃO

so II veda de formalização de contrato início dos anos 1970, direcionou e con-


de programa com sociedade de econo- dicionou o desenvolvimento e a execu-
mia mista ou empresa pública de ente ção das políticas públicas relativas aos
consorciado ou conveniado. serviços de abastecimento de água e de
O convênio de cooperação entre dois esgotamento sanitário por meio de com-
municípios pode ser uma alternativa mais panhias estaduais de águas e esgotos.
eficaz para a prestação dos serviços de sa- Esta intervenção inibiu o avanço de um
neamento básico por órgão ou autarquia modelo cooperativo de atuação da União
municipal de um deles e aplica-se, particu- com centenas de municípios, por meio
larmente, a municípios próximos, em que da extinta Fundação Serviços de Saúde
um deles enfrente dificuldades para organi- Pública (Fsesp), precursora da Fundação
zar e prestar satisfatoriamente os serviços Nacional de Saúde (Funasa), desmontou
ao passo que o outro já tenha uma adequa- algumas experiências de atuação coope-
da organização e capacidade para a pres- rativa que vinham sendo desenvolvidas
tação desses serviços, principalmente em entre alguns estados e municípios, e ain-
regiões onde haja dificuldades geográficas, da retirou competências constitucionais
logísticas ou técnicas, ou mesmo políticas, históricas de gestão desses serviços do
para organização de consórcio público. âmbito dos municípios que aderiram a es-
Mesmo não havendo obstáculos para se plano, centralizando-as em instâncias
a criação de consórcio de municípios em estaduais e da União.
determinada região, em certas situações Neste contexto, instituiu-se um mo-
o convênio de cooperação pode ser a solu- delo impositivo de cooperação entre
ção mais adequada para a organização de estados e municípios, com o objetivo de
três ou mais municípios, entre si ou com desenvolver a gestão pública e ampliar
o estado, para a prestação de serviços pú- de forma mais rápida a cobertura dos
blicos de seu interesse comum de forma serviços de abastecimento de água e de
cooperativa e regionalizada. esgotamento sanitário. Sua implantação,
Este arranjo também facilita a elabora- porém, deu-se mediante instrumentos
ção dos planos municipais de Saneamen- precários de convênios ou inadequados
to Básico (PMSBs – ver p. 450) de forma e leoninos contratos de concessão, unila-
conjunta, com menores custos e maior teralmente estabelecidos, sem levar em
qualidade. Neste caso, ao adotar regula- consideração a autonomia e o interesse
ção uniforme e planejamento integrado público e sem a adoção de mecanismos
dos serviços objeto da cooperação, pode de cooperação para o desenvolvimento da
haver significativos ganhos administrati- gestão municipal dos serviços.
vos e operacionais decorrentes da escala Embora o país fosse definido como uma
e abrangência territorial propiciada pela república federativa, a situação institucio-
associação de vários municípios. nal vigente durante o regime militar (1964
– 1984) era a de um Estado unitário, no
Contexto histórico qual prevalecia o controle da União sobre
estados e municípios, restringindo a sua
A concepção do Plano Nacional de Sa- autonomia e relativizando o valor de ins-
neamento (Planasa), implementado no trumentos de cooperação federativa, como

165
EIXO 8 - GESTÃO DO SANEAMENTO

os consórcios públicos, então vistos como dos municípios por soluções para a gestão
focos de poder concorrentes com o poder associada dos resíduos sólidos urbanos e
central, sendo assim reduzidos, juridica- de outros serviços públicos.
mente, a meros pactos de colaboração. Esses consórcios foram constituídos
como associações civis regidas pelo Di-
Autonomia restituída reito privado. No entanto, a viabilidade
e efetividade da cooperação federativa
A Constituição Federal (CF) de 1988 res- exigiam instrumentos jurídicos mais
tituiu a autonomia e as competências dos adequados para formalização de con-
estados e municípios para a gestão de su- vênios de cooperação e para a criação e
as políticas públicas, e a Emenda Consti- organização de consórcios públicos, com
tucional 19/1998, que alterou o art. 241 competências apropriadas para a gestão
da CF, possibilitou o início de um lento eficiente e descentralizadas de diversas
processo, ainda em curso, de construção políticas públicas.
das bases de um federalismo moderno Esta condição foi atendida com a edição
dotado de instrumentos jurídicos ade- da Lei 11.107, que em 2005 disciplinou o
quados para a instituição e o efetivo fun- art. 241 da Constituição, estabelecendo as
cionamento de arranjos institucionais de normas gerais para a criação de consórcios
cooperação entre os entes federativos pa- públicos, para a celebração de convênios de
ra a gestão associada de serviços púbicos cooperação entre entes federativos e para
e para o compartilhamento de atividades os instrumentos jurídico-administrativos
administrativas e de recursos materiais e contratuais necessários para o exercício
de seus interesses comuns. da gestão associada de serviços públicos.
Como resultado desse processo, o Ins- Ao lado dos consórcios públicos, a ges-
tituto Brasileiro de Geografia e Estatísti- tão associada por meio de convênios de
ca (IBGE) detectou, no ano de 2000, por cooperação entre municípios, ou destes
meio da Pesquisa Nacional de Sanea- com os respectivos estados, pode ser solu-
mento Básico (PNSB), a existência de ção regional ou microrregional bastante
18 consórcios atuando na área de resí- adequada para a organização intermu-
duos sólidos (ver p. 568) e registrou, em nicipal ou interfederativa da prestação
2001, na publicação Perfil dos Municípios dos serviços de saneamento básico, par-
Brasileiros – Gestão Pública, a existência ticularmente em regiões em que não se
de 1.969 municípios consorciados para a viabilize a criação de consórcio público,
gestão de serviços de saúde. Embora pou- como forma de criar condições de sus-
co significativa, a quantidade de consór- tentabilidade e acelerar a universaliza-
cios atuando na área indicava a demanda ção dos serviços em todos os municípios.

Referências bibliográficas

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166
CONVÊNIO DE COOPERAÇÃO

sobre o Saneamento Básico. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_


Ato2007-2010/2007/Lei/L11445compilado.htm. Acesso em: 31 ago. 2019.
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Para saber mais

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pais de saneamento básico. Brasília: Funasa; Assemae, 2017.

Autoria deste verbete

João Batista Peixoto. Economista, pós-graduado em Administração Financeira e Con-


tábil pela Fundação Getulio Vargas em São Paulo (FGV-SP). Consultor independente
em gestão de serviços de saneamento básico.

C
COOPERATIVA/ASSOCIAÇÃO DE MATERIAIS
RECICLÁVEIS E INCLUSÃO DE CATADORES

Os catadores de materiais recicláveis de- os Sólidos (PNRS). De modo geral, atuam


sempenham papel fundamental na imple- nas atividades de coleta seletiva, triagem,
mentação da Política Nacional de Resídu- classificação, processamento e comerciali-

167
EIXO 6 - MANEJO DE RESÍDUOS SÓLIDOS

zação dos resíduos reutilizáveis e reciclá- população em situação de risco, já exposta


veis, contribuindo de forma significativa ao trabalho com os resíduos, gerando em-
para a cadeia produtiva da reciclagem. O prego e renda.
envolvimento dos gestores municipais
também é fundamental na construção de Prioridade estabelecida em lei
novos modelos de gestão dos resíduos só-
lidos que levem em consideração a inclu- Além disso, a PNRS incentiva a criação
são social desses trabalhadores. e o desenvolvimento de cooperativas
O fortalecimento da organização pro- ou de outras formas de associação de
dutiva dos catadores em cooperativas e catadores de materiais reutilizáveis e
associações com base nos princípios da recicláveis e define que sua participação
economia solidária e do acesso a oportu- nos sistemas de coleta seletiva e de lo-
nidades de trabalho representa um passo gística reversa deverá ser priorizada. A
fundamental para ampliar o leque de atu- esse respeito, destaca-se a Lei Nacional
ação desta categoria profissional na im- de Saneamento Básico, que estabelece
plementação da PNRS, em especial na ca- as diretrizes nacionais para a área1. Nela
deia produtiva da reciclagem. Traduz-se já havia sido estabelecida a contratação
em oportunidades de geração de trabalho de cooperativas e associações de catado-
e renda, dentre as quais: a comercializa- res de materiais recicláveis, por parte do
ção em rede, a prestação de serviços, a lo- titular dos serviços públicos de limpeza
gística reversa (ver p. 357) e a valorização urbana e manejo de resíduos sólidos,
dos materiais. Os desafios para aumentar dispensável de licitação.
a escala dos sistemas de coleta seletiva As cooperativas e associações assu-
com inserção dos catadores são muitos, mem um lugar estratégico de parceiros
mas com potencialidades na inserção do da limpeza urbana (ver p. 351), elevando
mundo do trabalho. as condições de trabalho, renda e quali-
A PNRS (ver p. 525) estabelece o novo dade de vida. As principais vantagens do
marco regulatório para a área de resíduos trabalho conjunto com essas entidades
sólidos, assumindo como um dos princí- são: geração de emprego e renda; resgate
pios básicos “o reconhecimento do resíduo da cidadania dos catadores; redução das
reutilizável e reciclável como um bem eco- despesas com os programas de reciclagem;
nômico e de valor social, gerador de traba- organização do trabalho dos catadores
lho e renda e promotor de cidadania”. Isso nas ruas evitando problemas na coleta e
implica, dentre outras exigências, ações o armazenamento de materiais em vias
voltadas “à inclusão social e à emancipa- públicas ou mesmo em suas residências;
ção econômica de catadores de materiais redução de despesas com a coleta, o
reutilizáveis e recicláveis” – os municípios transbordo e a disposição final dos re-
devem priorizar esses trabalhadores em síduos separados pelos catadores que,
seus programas de reciclagem, auxiliando portanto, não serão coletados, transpor-
na formalização de associações ou coope- tados e dispostos em aterro pelo sistema
rativas que atuem na gestão de resíduos de limpeza urbana do município.
realizando tanto a reciclagem como a com- A forma de integração do catador de-
postagem. Esta iniciativa visa incluir essa penderá da natureza do projeto, das de-

168
COOPERATIVA/ASSOCIAÇÃO DE MATERIAIS RECICLÁVEIS E INCLUSÃO DE CATADORES

ficiências levantadas, das possibilidades desempenho da coleta seletiva solidária


e dos resultados almejados. Para que o está diretamente ligada ao seu processo
envolvimento se dê de forma mais con- de trabalho e à sua forma de organiza-
sistente, é recomendado que ocorra desde ção em autogestão e do processamento
a fase de concepção do projeto. Fala-se, dos resíduos recicláveis. Deve, portanto,
assim, de uma construção coletiva e par- compreender todas as etapas e atividades
ticipativa. Participação na identificação da coleta seletiva solidária, que incluem:
dos problemas, na proposição de soluções a) mobilização da população para a sepa-
e alternativas, e no compromisso pela im- ração e disposição adequada dos resídu-
plementação das ações propostas. Ações os, b) operação de coleta e transporte dos
voltadas para a geração de trabalho e ren- recicláveis, c) triagem e beneficiamento
da para os catadores devem priorizar a primário dos resíduos3.
experiência por eles adquirida no campo A integração da cooperativa ou asso-
dos resíduos sólidos2. ciação dos catadores deve ser acompa-
É importante que o poder público nhada de sua contratação, pois a enti-
possibilite o investimento nas associações dade prestará um serviço ao município,
e cooperativas, com o repasse de recursos comparativamente a uma terceirização.
financeiros e também com o apoio em in- Esta contratação pode ocorrer de acordo
fraestrutura, por exemplo: construção de com a Lei de Licitações e Contratos Ad-
galpões de reciclagem; aquisição de mesa ministrativos (LLCA)4, que estabelece a
de triagem, balança, prensas, elevadores de viabilidade de contratação direta, com
fardos, uniformes, EPIs etc., de modo a per- dispensa de licitação, das organizações
mitir a valorização dos produtos a serem de catadores pelos municípios para a exe-
comercializados no mercado de recicláveis. cução dos serviços de coleta seletiva. A
Após a implantação de uma organização de Política Nacional de Resíduos Sólidos vai
catadores é importante que o poder público ao encontro dessa diretriz de integração
continue oferecendo apoio institucional de das organizações de catadores ao siste-
forma a suprir carências básicas que preju- ma público de resíduos sólidos prevendo,
dicam seu bom desempenho, notadamente inclusive, a disponibilização de linhas de
no início de sua operação. financiamento do governo federal espe-
ciais e prioritárias para os municípios.
Contratação das cooperativas O território municipal tem o poder e
e associações dever de formalizar esse processo admi-
nistrativo para validar a contratação das
O princípio de remuneração pelos ser- organizações de catadores, especialmente
viços prestados pelas organizações de em relação à precificação dos serviços a
catadores para o poder público requer a serem prestados. A dispensa de licitação
precificação e um contrato de prestação apenas torna desnecessária a realização
de serviços com o município, em bases de uma competição prévia para a seleção
bem estabelecidas, que contemple todos da organização de catadores a ser contra-
os custos envolvidos no sistema de coleta tada. Como se trata de uma relação jurídi-
seletiva de resíduos sólidos. A composi- ca formal com dispêndio de recursos pú-
ção da remuneração das organizações no blicos, as organizações de catadores terão

169
EIXO 6 - MANEJO DE RESÍDUOS SÓLIDOS

que cumprir todas as exigências legais nhecidos pelo poder público local como
e contratuais, como estar em dia com o catadores de materiais recicláveis.
pagamento dos tributos incidentes sobre
a sua atuação ao longo do período de exe- Gestão dos serviços prestados
cução do contrato3. pelas associações ou cooperativas
A atuação dos catadores de materiais
reutilizáveis e recicláveis, cuja atividade Com a formalização dos serviços via con-
profissional é reconhecida pelo Ministé- tratação, além da capacidade técnica para
rio do Trabalho e Emprego desde 2002, projetar sistemas eficientes, é necessário
segundo a Classificação Brasileira de desenvolver capacidades de gestão, con-
Ocupações (CBO), contribui para o au- siderando, inclusive, a manutenção da
mento da vida útil dos aterros sanitários autonomia administrativa das organiza-
e para a diminuição da demanda por re- ções de catadores. Para tanto, devem ser
cursos naturais, na medida em que abas- projetadas ferramentas, metodologias e
tece as indústrias recicladoras para rein- rotinas de gestão3:
serção dos resíduos em suas ou em outras
cadeias produtivas, em substituição ao • transparência: trazer ao conhecimento
uso de matérias-primas virgem. do público em geral e dos administra-
A Lei Nacional de Saneamento Básico, dores a forma como o serviço foi presta-
em seu artigo 57, acrescentou o inciso XX- do, com dados e indicadores importan-
VII ao artigo 24 da LLCA para estabelecer tes e a disponibilidade de atendimento;
a viabilidade de contratação direta me- • continuidade (ou regularidade): o ser-
diante dispensa de licitação das organiza- viço público, em regra, deve ser presta-
ções de catadores, nos termos que seguem: do ao usuário de maneira ininterrupta,
“Art. 25: na contratação da coleta, pro- a não ser em situações excepcionais;
cessamento e comercialização de resíduos • eficiência: a eficiência reclama que o
sólidos urbanos recicláveis ou reutilizáveis, prestador se atualize com os novos pro-
em áreas com sistema de coleta seletiva de cessos tecnológicos, de modo que a exe-
resíduo efetuado por associações ou coope- cução do serviço seja feita com o menor
rativas formadas exclusivamente por pesso- custo, sem perda da qualidade;
as físicas de baixa renda reconhecidas pelo • generalidade (ou universalidade): de
poder público como catadores de materiais acordo com esse princípio, todos os
recicláveis, com o uso de equipamentos com- usuários que satisfaçam as condições
patíveis com as normas técnicas, ambientais legais fazem jus à prestação do ser-
e de saúde pública” 3. viço, sem qualquer discriminação ou
A LLCA prevê, ainda, que o serviço con- privilégio. Todos devem ser tratados
tratado deverá ser prestado por associa- isonomicamente;
ções ou cooperativas legalmente estabe- • controle (incluindo controle social): por
lecidas, viabilizando, assim, a emissão de se tratar de um serviço a que os cidadãos
nota fiscal para fins de recebimento dos têm direito e pelo qual já pagam com re-
serviços prestados. Mais do que isso, es- cursos públicos, deve haver um controle
sas organizações deverão ser formadas rigoroso dos custos e da qualidade, com
por associados ou cooperativados reco- transparência na prestação de contas.

170
COOPERATIVA/ASSOCIAÇÃO DE MATERIAIS RECICLÁVEIS E INCLUSÃO DE CATADORES

Cenário brasileiro seletiva municipal com inclusão de cata-


dores de materiais recicláveis.
O Compromisso Empresarial para a Re- O estado de Minas Gerais concede in-
ciclagem (Cempre5) mantém um banco centivo financeiro com a finalidade de mi-
de dados com os nomes de cooperativas, nimizar o acúmulo do volume de rejeitos e
sucateiros e recicladores de todo o Brasil, a pressão sobre o meio ambiente às coope-
além de disponibilizar o Ciclosoft, uma rativas e associações de catadores de mate-
pesquisa atualizada da coleta seletiva riais recicláveis, observadas as diretrizes
em cidades brasileiras. Segundo o Cem- e prioridades estabelecidas pelo Comitê
pre, 1.227 municípios brasileiros (22%) Gestor da Bolsa Reciclagem. As associa-
operam programas de coleta seletiva. A ções e cooperativas de catadores de mate-
maior parte dos municípios ainda realiza riais recicláveis devem estar cadastradas
a coleta porta a porta (80%) por meio de no programa e comprovar que executam
PEVs (45%) e cooperativas (61%). ações de segregação, de enfardamento e de
O Instituto Nenuca de Desenvol- comercialização dos materiais.
vimento Sustentável (Insea) oferece Outro exemplo é a coleta seletiva por-
cursos em formato de EaD (educação a ta a porta de Belo Horizonte, realizada
distância) no site www.insea.org.br/ead, por seis associações e cooperativas de
com formação direcionada a técnicos catadores de materiais recicláveis desde
das prefeituras, ONGs, empresas e ato- setembro de 2019. Elas atendem uma
res que tenham interesse pela temática população aproximada de 388 mil ha-
dos resíduos sólidos. O curso abrange bitantes de 36 bairros, contratadas pela
temas promovendo a reciclagem inclu- Superintendência de Limpeza Urbana
siva e a economia solidária a partir de para executar a mão de obra, enquanto a
conhecimentos técnicos e metodologias autarquia continua responsável pelo pla-
de implantação de programas de coleta nejamento e pela fiscalização do serviço.

Referências bibliográficas

BRASIL. Lei nº 11.445, de 05 de janeiro de 2007. Estabelece diretrizes nacionais


para o saneamento básico. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
ato2007-2010/2007/lei/l11445.htm.
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gem. Brasília: MCidades, 2008. Disponível em: https://www.mma.gov.br/estruturas/
srhu_urbano/_publicacao/125_publicacao20012011032243.pdf.
LIMA, F. P. A. (org.). Prestação de serviços de coleta seletiva por empreendimentos
de catadores: instrumentos metodológicos para contratação. Belo Horizonte: Insea,
2013. Disponível em: http://www.insea.org.br/cadernos/INSEA_contratacao_de_
empreendimentos_PORTUGUES.pdf.
BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Institui normas para licitações e con-
tratos da Administração Pública. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/cci-
vil_03/leis/l8666cons.htm.

171
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

5. CEMPRE. Ciclosoft - pesquisa anual sobre a coleta seletiva. São Paulo: Cempre,
2018. Disponível em: http://cempre.org.br/ciclosoft/id/9.

Para saber mais

BRASIL. Decreto nº 7405, de 23 de dezembro de 2010. Institui o Programa Pró-Ca-


tador. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/
Decreto/D7405.htm.
BRASIL. Lei nº 12.305, de 02 de agosto de 2010. Institui a Política Nacional de Re-
síduos Sólidos. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
2010/2010/lei/l12305.htm.
IPEA. Relatórios Situação social das catadoras e dos catadores de material reciclá-
vel e reutilizável. Brasília: Ipea, 2013. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/por-
tal/index.php?option=com_content&view=article&id=19836&catid=10&Itemid=9.
VILHENA, A. (coord.). Lixo municipal: manual de gerenciamento integrado. 4. ed.
São Paulo: Cempre, 2018. Disponível em: http://cempre.org.br/upload/Lixo_Mu-
nicipal_2018.pdf.

Autoria deste verbete

Liséte Celina Lange. Professora titular do Departamento de Engenharia Sanitária e


Ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais (Desa/UFMG). Doutora em Tec-
nologia Ambiental pela Universidade de Londres, Inglaterra.

Cynthia Fantoni Alves Ferreira. Engenheira civil, sanitarista e ambiental. Doutora em


Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos – Universidade Federal de Minas Ge-
rais (UFMG). Pesquisadora pós-doutoral do Departamento de Engenharia Sanitária e
Ambiental da UFMG.

C
CRESCIMENTO POPULACIONAL

Indicador fundamental para as políti- sua vez, reflete as tendências gerais do


cas públicas em geral, e de saneamento comportamento demográfico do país.
em particular, o crescimento populacio- Do ponto de vista técnico, o cresci-
nal permite monitorar o acesso aos ser- mento populacional (ou crescimento
viços básicos e o seu planejamento para demográfico) pode ser calculado em
o futuro. Para tal, é preciso conhecer a termos absolutos ou relativos, sendo
dinâmica demográfica local, que, por mais comum o cálculo de uma taxa ge-

172
CRESCIMENTO POPULACIONAL

ométrica média anual.1 Normalmente, o o aumento quanto para a diminuição do


crescimento populacional pode ser con- crescimento populacional, contanto
siderado um indicador que sintetiza a que os saldos sejam positivos ou negati-
comparação da diferença do tamanho da vos, respectivamente.
população de um dado local, em períodos Deve-se atentar que um saldo nulo não
diferentes, o que reflete as tendências e significa, necessariamente, ausência de
dinâmicas do comportamento demográ- migrações, o que poderia ocorrer quando
fico do país. Este, por sua vez, resulta da o número de imigrantes fosse igual ao de
interação entre as componentes básicas emigrantes.2 Esta possibilidade exempli-
da demografia, isto é, a fecundidade, a fica os cuidados necessários na interpre-
mortalidade e as migrações. tação de qualquer indicador, uma vez que
A fecundidade refere-se à relação en- um pequeno saldo migratório pode ser
tre os nascimentos vivos e mulheres em resultado de um grande número, embora
idade reprodutiva, sendo uma medida semelhante, de entradas e saídas de pes-
determinante da natalidade, normal- soas. Além disso, caso o perfil dos que en-
mente expressa pela proporção de nasci- tram e dos que saem seja diferente – em
mentos vivos no total da população. Por termos de idade, sexo, renda ou local de
sua vez, a mortalidade geralmente se re- moradia, por exemplo –isso pode ter con-
presenta pelo total de óbitos verificado sequências importantes para os planos e
em um dado período – geralmente, um ações dos serviços como os de saúde, sa-
ano calendário – dividido pela popula- neamento, educação, moradias, tanto no
ção total, ou seja, aqueles que estão sob o presente como no futuro.
risco de vir a falecer naquele período.1 A O uso de uma taxa de crescimento po-
diferença entre a natalidade e a mortali- pulacional só faz sentido se contextu-
dade define parte do crescimento popu- alizada histórica e espacialmente. Para
lacional, conhecida como crescimento isso, a transição demográfica tem sido
natural ou crescimento vegetativo. Se o embasamento explicativo mais ampla-
nascem mais pessoas do que morrem, o mente adotado para a contextualização
crescimento natural será positivo; caso do crescimento. Esta pode ser entendi-
contrário, negativo. da como a passagem de um regime de
altas para baixas taxas de fecundidade
Migrações e mortalidade.
Até meados do século passado, o padrão
Ao crescimento natural devem ser acres- demográfico brasileiro podia ser conside-
centados os saldos migratórios, que ge- rado estável, com níveis de fecundidade
ralmente expressam a diferença entre a e mortalidade relativamente elevados. A
entrada (imigração) e a saída (emigra- família ainda era tipicamente agrária, ca-
ção) de pessoas em um período definido. racterizada por casais com muitos filhos e
Caso haja mais entradas do que saídas, taxas de fecundidade total variando entre
o saldo será positivo; ao contrário, se sete e nove filhos por mulher, dependen-
as saídas excederem a entrada, o saldo do da região. A partir da década de 1940,
migratório será negativo. Portanto, as a mortalidade experimentou uma signi-
migrações podem contribuir tanto para ficativa diminuição. Os motivos desta re-

173
EIXO 3 - LEITURA DEMOGRÁFICA DO TERRITÓRIO

dução são complexos, mas pode-se citar, didade de 2,1 filhos por mulher no perí-
entre eles, a expansão dos sistemas de odo reprodutivo.
saúde pública e previdência social, a in- Uma das consequências da queda brusca
fraestrutura urbana e a regulamentação do número de filhos por mulher é a dimi-
das leis trabalhistas, a partir dos anos 30. nuição da proporção de crianças e jovens
Além desses fatores internos, fatores ex- no total da população e aumento da parti-
ternos, como importação de tecnologias cipação de idosos, processo conhecido co-
advindas dos avanços da indústria quími- mo envelhecimento populacional.3, 4
co-farmacêutica, ajudaram a controlar e Evidentemente, os patamares iniciais
reduzir muitas doenças.3 da mortalidade e da fecundidade varia-
A diminuição na mortalidade não foi vam bastante entre as regiões, mas pode-
seguida imediatamente pelo declínio da -se dizer que, atualmente, a diminuição
natalidade. Por isso, o crescimento de- do ritmo de crescimento populacional
mográfico brasileiro teve uma aceleração e a intensificação do envelhecimen-
entre 1940 e 1960: de 2,4% ao ano, nos to são fenômenos interconectados que
anos de 1940, passou para uma taxa em atingiram todas as áreas do país e todos
torno de 3% ao ano, nas duas décadas os grupos sociais – uma evidência do
seguintes. Portanto, sob uma perspec- avançado processo de urbanização no
tiva histórica, este patamar representa Brasil. Como visto, a transição demográ-
o ápice do crescimento natural do pa- fica enfatiza os eventos vitais, fecundida-
ís, uma vez que a imigração procedente de e mortalidade, mas o crescimento cau-
de outros países era proporcionalmente sado pelas migrações também deve ser
muito pequena e pouco contribuiu para considerado, devido ao seu potencial de
o aumento da população. mudança no contexto local ou regional,
algo imprescindível para a política muni-
Queda histórica cipal de saneamento.
As dimensões temporal e espacial
A fecundidade experimentou diminuição são essenciais para a compressão dos
significativa a partir de meados dos anos possíveis efeitos das migrações sobre
1960, um processo que não mais se re- os planos e ações de saneamento básico.
verteu; ao contrário, o Brasil apresentou Até por volta dos anos de 1970, o caso
uma das mais expressivas quedas histó- brasileiro era caracterizado por grandes
ricas da fecundidade.4, 5 A disponibilida- perdas de população em áreas de peque-
de de anticoncepcionais, o aumento da no porte populacional e baixa densi-
escolaridade das meninas, o aumento dade demográfica. As pessoas que dei-
da participação feminina no mercado de xaram estas áreas eram jovens, em sua
trabalho e maiores custos para a criação maioria, mas também havia uma perda
dos filhos ajudam a explicar a passagem relativamente maior de mulheres. Isso
de uma fecundidade ao redor de seis fi- reforçou ainda mais o gradativo enve-
lhos por mulher antes da transição da lhecimento populacional de muitas áre-
fecundidade para menos de 1,8, em 2010 as rurais, devido à diminuição da nata-
– portanto, abaixo do nível de reposição lidade e, portanto, redução do número
populacional, que corresponde à fecun- de crianças.

174
CRESCIMENTO POPULACIONAL

Migrações desaceleram Em suma, o crescimento populacional


é um indicador-chave para o planeja-
Assim como a queda da fecundidade tor- mento municipal de saneamento, uma
nou-se uma das mais claras tendências da vez que fornece uma visão geral e sinte-
transição demográfica, mais recentemente tizada da realidade local. Ele é composto
as migrações têm sofrido uma desacelera- pelo crescimento natural e pelo saldo
ção em sua capacidade de redistribuição migratório líquido.
populacional. O Censo Demográfico 2010 Na medida do possível, este indicador
apontou uma diminuição no número total deve ser complementado com outras infor-
de migrantes no Brasil.6, 7 Mas a tendência mações importantes, como a fecundidade/
geral do país pode esconder muitas especi- natalidade, a mortalidade e as migrações.
ficidades locais. Mas, se contextualizado adequadamente,
Quanto menores as áreas e sua popu- pode dar uma ideia dos processos demo-
lação residente, mais difícil torna-se o gráficos subjacentes. Por exemplo, uma ta-
prognóstico do impacto das migrações xa de crescimento local relativamente mais
sobre o crescimento da população. Por alta ou mais baixa do que a média brasilei-
exemplo, a implantação ou fechamento ra sugere um aumento populacional decor-
de um grande estabelecimento indus- rente da imigração ou diminuição causada
trial ou comercial, ou ainda a alteração pela emigração, respectivamente.
da estrutura fundiária em uma peque- Como as diferenças dos níveis de fe-
na localidade, podem alterar significa- cundidade estão cada vez menores en-
tivamente o balanço demográfico local tre as regiões, as migrações – ainda que
e mudar a tendência de crescimento po- também estejam diminuindo, em geral
pulacional. Estes são fatores difíceis de – tendem a explicar, em maior parte, as
se prever, especialmente no longo prazo. alterações no crescimento da população,
Daí a necessidade de se conhecer a reali- especialmente em pequenas áreas.
dade local e regional.

Referências bibliográficas

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básicos e medidas em demografia. 2. ed. rev. reimp. São Paulo: Abep, 1998. Disponí-
vel em: http://www.abep.org.br/publicacoes/index.php/textos/article/view/8/6.
2. RIGOTTI, J. I. R. Dados censitários e técnicas de análise das migrações no Brasil: avan-
ços e lacunas. In: CUNHA, J. M. P. (org.). Mobilidade espacial da população: desafios
teóricos e metodológicos para o seu estudo. Campinas: Nepo/Unicamp, 2011. Disponí-
vel em: https://www.nepo.unicamp.br/publicacoes/livros/mobilidade/cap7.pdf.
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cia brasileira nos anos 90. Brasília: Unicef, 1998.
4. CARVALHO, J. A. M.; WONG, L. R. O rápido processo de envelhecimento popu-
lacional do Brasil: sérios desafios para as políticas públicas. Revista Brasileira de
Estudos de População, São Paulo, v. 23, n. 1, p. 5-26, jan./jun. 2006. Disponível em:
https://www.scielo.br/pdf/rbepop/v23n1/v23n1a02.

175
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

5. RIGOTTI, J. I. R. Transição demográfica. Educação & Realidade, Porto Ale-


gre, v. 37, n. 2, p. 467-490, mai./ago. 2012. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/
educacaoerealidade/article/view/29499.
6. RIGOTTI, J. I. R.; FAZITO, D.; CAMPOS, J. A distribuição espacial de mão de obra
qualificada no brasil é um entrave ao crescimento econômico de maior valor agregado
no interior do país? In: OLIVEIRA, M. P. P.; NASCIMENTO, P. A. M. M.; MACIENTE,
A. N.; CARUSO, L. A.; SCHNEIDER, E. M. (ed.). Rede de pesquisa formação e mercado
de trabalho: coletânea de artigos: tendências e aspectos demográficos do mercado de
trabalho. Brasília: Ipea; ABDI, 20 14. v. 1, p. 75-116. Disponível em: https://www.ipea.
gov.br/portal/images/stories/PDFs/livros/livros/abdi-ipea-volume1.pdf.
7. RIGOTTI, J. I. R.; CAMPOS, J.; HADAD, R. M. Migrações internas no Brasil: (des)
continuidades regionais à luz do Censo Demográfico 2010. Revista Geografias, Belo
Horizonte, Edição Especial – Dossiê Migrações, 2017. Disponível em: https://perio-
dicos.ufmg.br/index.php/geografias/article/view/13444.

Para saber mais

RIGOTTI, J. I. R. Transição demográfica. Educação & Realidade, Porto Alegre,


v. 37, n. 2, p. 467-490, maio/ago. 2012. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/
educacaoerealidade/article/view/29499.

Autoria deste verbete

José Irineu Rangel Rigotti. Doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e


Planejamento Regional (Cedeplar), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Professor associado do Cedeplar.

Járvis Campos. Doutor em Demografia pelo Cedeplar/UFMG. Professor adjunto do


Departamento de Demografia e Ciências Atuariais (DDCA) da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte (UFRN).

C
CUSTOS DE SERVIÇOS

A estrutura de custos dos serviços de sa- Como o próprio nome indica, o primei-
neamento básico pode ser categorizada ro grupo compreende as despesas com a
em quatro grupos: custos operacionais; operação dos serviços, como gastos de
tributos e outras obrigações; custos de pessoal, serviços de terceiros, energia
capital; e receitas irrecuperáveis. elétrica, manutenção e material de tra-

176
CUSTO DE SERVIÇOS

tamento.1 Em geral, essas despesas são preende somente os recursos necessários


consideradas como custos variáveis, ou para os investimentos e o pagamento de
seja, custos que mudam de acordo com empréstimos contraídos.
o volume de serviços. Dentre os custos De todo modo, em ambos os casos, in-
operacionais, os gastos com pessoal e formações oriundas do Plano Municipal
com energia elétrica são os mais repre- de Saneamento Básico (PMSB – ver p.
sentativos, especialmente quando se 450) tornam-se ainda mais fundamen-
consideram os serviços de abastecimen- tais para o processo de construção das
to de água e de esgotamento sanitário. tarifas do prestador de serviços e ajuste
Essa parcela das despesas representa da parcela de custos de capital.
algo em torno de 50% a 60% da receita Sendo a parcela de gastos associados
tarifária do prestador.1- 4 ao pagamento pelos investimentos, os
O segundo grupo de despesas contem- custos de capital são considerados co-
pla os gastos com os diferentes tributos mo custos ou despesas fixas. Tais des-
e contribuições presentes na operação pesas são aquelas que não variam com
dos serviços de saneamento, como PIS a demanda pelos serviços. Os serviços
e Cofins, impostos e contribuições fe- de saneamento são caracterizados por
derais, estaduais e municipais. Para os possuir grandes parcelas de custos fixos,
prestadores de serviços de água e de sendo que, nos casos de água e de esgoto,
esgoto, este item de despesas também a participação deste item gira em torno
pode considerar contribuições para uso de 45% das despesas totais.1- 4
de recursos hídricos (captação de água O último item de despesas trata da
e lançamento de efluentes). inadimplência observada na arrecada-
O terceiro item de despesas está ção das tarifas ou das taxas pela presta-
associado aos gastos com amortiza- ção dos serviços. Este item se traduz co-
ção e remuneração dos investimentos mo um custo financeiro para o prestador
realizados, quando houver a prestação de serviços, que não receberá a receita
de serviços por um concessionário com projetada em função da inadimplência.
finalidade lucrativa. Enquanto a amor- Em geral, este item dos custos de servi-
tização é ligada ao pagamento pelo ços representa de 1% a 2% da receita do
investimento feito, a parcela da remu- prestador de serviços.1- 4
neração é o retorno devido ao investidor
pelo fato de ele ter adiantado recursos Custos de serviços e os PMSBs
para a realização dos investimentos. A
partir da amortização e da remuneração, Aspecto essencial para a elaboração de
o prestador terá recursos para o paga- um PMSB, o estudo de viabilidade eco-
mento dos impostos sobre a renda, dos nômico-financeira deve considerar pro-
lucros, dos empréstimos contraídos e os jeções relacionadas a todos os elementos
reinvestimentos necessários. que compõem os custos dos serviços.
Por outro lado, quando a prestação dos E, a depender de como tais projeções
serviços se dá por entidade sem finalida- forem feitas, as tarifas ou as taxas re-
de lucrativa, como uma autarquia muni- sultantes do estudo de viabilidade serão
cipal, a parcela dos custos de capital com- maiores ou menores. Nesse sentido, para

177
EIXO 1 - ASPECTOS ECONÔMICO-FINANCEIROS

uma apuração adequada da viabilidade capital (investimentos e financiamentos).


do plano, que entregue a tarifa mais mó- O primeiro e o segundo grupo de da-
dica possível, as projeções devem ser fei- dos estão sintetizados na informação de
tas de forma a identificar patamares mais “Despesas de exploração” (código FN015
eficientes dos custos avaliados. do SNIS), que consolida os gastos com
Uma das formas de observar patama- pessoal, produtos químicos, energia
res eficientes de custos dá-se através da elétrica, serviços de terceiros, tributos,
comparação entre prestadores de servi- dentre outras despesas operacionais. Por
ços em municípios com características se- sua vez, os dados sobre os investimentos
melhantes. Tal dinâmica de comparação realizados e sobre as despesas com finan-
com municípios comparáveis denomina- ciamento estão distribuídos em outras
-se benchmarking,5 para a qual a literatura variáveis, conforme apresentado no Glos-
especializada aponta diversas técnicas sário de Informações do SNIS.
possíveis. Como resultado, as projeções
utilizadas para os estudos de viabilidade Custos de serviços e
poderão utilizar indicadores de custos, construção tarifária
como, por exemplo, despesa de pessoal
por ligação de água, observando as me- Além da elaboração dos estudos de viabi-
lhores práticas do setor. lidade econômico-financeira, as informa-
Para a montagem das projeções dos ções relacionadas aos custos de serviços
custos dos serviços e a realização das téc- são essenciais para o processo de constru-
nicas de benchmarking, são necessárias ção das tarifas da prestação dos serviços
informações de qualidade dos prestado- de saneamento promovidas pelas agên-
res de serviços em diferentes municípios. cias reguladoras do setor.
Para tanto, existe o Sistema Nacional de Nesse sentido, para que a agência regu-
Informações sobre o Saneamento (SNIS). ladora consiga definir tarifas equilibra-
Com abrangência nacional, o SNIS reúne das e capazes de financiar os objetivos
informações de caráter institucional, ad- previstos no PMSB, é necessário obter
ministrativo, operacional, gerencial, eco- uma apuração precisa dos gastos com
nômico-financeiro, contábil e de qualidade custos operacionais e tributos, dos inves-
da prestação de serviços de saneamento timentos realizados e da necessidade de
básico em áreas urbanas dos quatro com- ações planejadas no Plano e da inadim-
ponentes do saneamento básico.6 plência percebida pelo prestador.
A partir destas características, o Sistema Ou seja, as informações geradas e for-
Nacional configura-se como instrumento necidas pelos sistemas de informação dos
fundamental para a elaboração das proje- prestadores de serviços devem ser estru-
ções de custos dos serviços e, consequen- turadas não somente para a prestação de
temente, dos estudos de viabilidade eco- contas para órgãos de controle externo e
nômico-financeira e dos próprios PMSBs. Receita Federal, mas também para o ge-
De forma mais específica sobre os custos renciamento da própria prestação do ser-
de serviços, o SNIS compreende um conjun- viço e para o fornecimento de dados para
to abrangente de dados sobre gastos opera- os trabalhos tarifários e de fiscalização
cionais, sobre tributos e sobre os custos de das agências reguladoras.

178
CUSTO DE SERVIÇOS

As agências usarão estas informações informações no setor de Saneamento


para a formatação das tarifas de forma a Básico, dentre outros objetivos. Além
financiar a universalização e a melhoria de compreender uma metodologia para
na qualidade dos serviços. a certificação das informações encami-
Neste contexto, há de se destacar nhadas ao SNIS pelos prestadores de
uma iniciativa do governo federal, de- serviços, o Acertar possui um manual
nominada Projeto Acertar, que visa à das melhores práticas de gestão das in-
promoção de melhorias na geração de formações sobre o saneamento.7

Referências bibliográficas

1. ARSAE-MG. Nota técnica CRFEF 69/2017 – revisão tarifária da Copasa. 30 jun. 2017.


Disponível em: http://www.arsae.mg.gov.br/images/documentos/audiencia_publi-
ca/15/NTCRFEF_69_2017_RevCopasa_resultado_final.pdf. Acesso em: 15 mar. 2020.
2. ARSAE-MG. Nota técnica GRT 10/2019 – revisão tarifária do Saae de Itabira. Out.
2017. Disponível em: http://arsae.mg.gov.br/images/documentos/legislacao/2019/
NT_GRT_10_2019_Itabira_RTP_Ps_Ap.pdf. Acesso em: 15 mar. 2020.
3. ARSAE-MG. Nota técnica GRT 03/2020 – revisão tarifária do Saae de Passos. Jan.
2020. Disponível em: http://arsae.mg.gov.br/images/documentos/audiencia_publi-
ca/29/NT_GRT_03_2020_Passos_RTP_Pos_Ap.pdf. Acesso em: 15 mar. 2020.
4. ARSAE-MG. Nota técnica GRT 06/2020 – revisão tarifária da Companhia de Sa-
neamento Municipal de Juiz de Fora (Cesama). Fev. 2020. Disponível em: http://
www.arsae.mg.gov.br/images/documentos/audiencia_publica/30/Doc_finais/NT_
GRT_06_2020_Cesama_RTP_Pos_Ap.pdf. Acesso em: 15 mar. 2020.
5. GALVÃO JR., A. C.; MELO, A. J. M.; MONTEIRO, M. A. P. (org.) Regulação do Sane-
amento Básico. 1. ed. Barueri: Manole, 2013.
6. MDR. Glossário de informações do SNIS 2018 – água e esgotos. 29 mar. 2019. Dis-
ponível em: http://www.snis.gov.br/diagnosticos. Acesso em: 15 mar. 2020.
7. ACERTAR. Página web do Projeto Acertar. Disponível em: http://www.acertarbra-
sil.com. Acesso em: 15 mar. 2020.

Autoria deste verbete

Raphael Castanheira Brandão. Economista e mestre em Economia pelo Centro de De-


senvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG). Coordenador de Regulação Econômica da Agência Reguladora de Ser-
viços de Abastecimento de Água e de Esgotamento Sanitário do Estado de Minas Ge-
rais (Arsae-MG).

Vitor Carvalho Queiroz. Engenheiro civil e mestre em Saneamento, Meio Ambiente e


Recursos Hídricos pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

179
D

DENSIDADE DEMOGRÁFICA

Segundo o Instituto Brasileiro de Geogra- A Organização para a Cooperação e De-


fia e Estatística (IBGE), a densidade de- senvolvimento Econômico (OCDE) adota a
mográfica consiste na relação do núme- densidade demográfica para a elaboração e
ro de habitantes por determinada área, a avaliação de políticas de desenvolvimen-
sendo que as categorias são normalmente to econômico, social e político dos países-
definidas pelo número de habitantes por -membros, com foco na definição de tipolo-
quilômetro quadrado.1 A densidade de- gias sobre a situação de domicílio (urbano
mográfica, portanto, mede o grau de con- ou rural). A partir dessas classificações, a
centração da população no território, OCDE avalia as condições socioeconômicas
que é dado pelo quociente entre o volume de regiões passíveis de comparação do pon-
total de população da área e sua extensão to de vista geográfico (de suas ocupações),
territorial (hab./km2).3 entre áreas rurais e urbanizadas. Dentre os
Também chamada de densidade critérios utilizados para a delimitação das
populacional ou população relati- áreas, destacam-se a densidade demográfi-
va, a densidade demográfica permite ca; a quantidade e a proporção de popula-
analisar a distribuição da população ção que vive em grandes centros urbanos;
no espaço e a dinâmica populacional, e a acessibilidade, definida pelo tempo de
bem como os fatores que influenciam deslocamento entre os centros urbanos
os níveis de concentração das pessoas e as áreas não urbanas (ver p. 67 – Áreas
numa dada área. A partir da densida- urbana e rural). No Brasil, o IBGE desen-
de demográfica pode-se definir se uma volveu uma proposta de classificação dos
área é muito ou pouco povoada ou po- espaços rurais e urbanos na escala mu-
pulosa. As áreas populosas são aquelas nicipal, muito embora o próprio Instituto
com elevado número de habitantes reconheça que se trata de uma generali-
(população absoluta), ao passo que as zação, pois dentro dos municípios há uma
áreas povoadas estão relacionadas à grande variedade de tipos de ocupação e
grande quantidade de pessoas por qui- densidade demográfica, desde áreas rurais
lômetro quadrado. até as grandes densidades urbanas.1
DENSIDADE DEMOGRÁFICA

Base para a gestão do território quanto as regiões Norte e Nordeste apre-


sentavam densidades inferiores à média
De acordo com o IBGE, a tipologia é im- nacional, a Região Sudeste apresentou a
portante para orientar outros estudos de maior densidade demográfica durante to-
gestão territorial e de tomada de deci- do o período de urbanização, entre 1940
sões políticas de âmbito regional, e, assim e 2000, ao passo que a Região Norte apre-
como no caso da OCDE, a densidade de- sentou o maior crescimento da densidade
mográfica é utilizada como critério fun- observada nesse período. D
damental para a definição das tipologias,
além de outras informações, como a aces- Mapeamento dasimétrico
sibilidade a centro com alto nível hierár-
quico em relação à rede urbana. Portanto, No caso de unidades territoriais ainda
a análise da densidade demográfica tem mais desagregadas, tais como os municí-
o potencial de contribuir para os estudos pios, distritos, bairros, ou mesmo setores
de avaliação dos impactos ambientais censitários, os mapas de densidade de-
que levam em consideração a distribuição mográfica apresentam uma relação com
espacial da população (ver p. 495), auxi- as manchas urbanas e de ocupação hu-
liando na proposição de alternativas para mana de uma mesma região visíveis em
os problemas relacionados à concentra- imagens de satélite. Assim, quanto mais
ção populacional, tais como a poluição, o desagregada for a unidade territorial ma-
desmatamento e o saneamento. peada, mais próxima a distribuição de
Segundo o IBGE,2 a densidade demo- densidade será da realidade observada.
gráfica do Brasil aumentou de 4,8 hab./ Esse tipo de aplicação, também conhecida
km2 em 1940 para 19,9 hab./km2 em como mapeamento dasimétrico, ajuda
2000, e revela o grande crescimento po- na delimitação de áreas urbanas.
pulacional (ver p. 172) acumulado no Intrinsecamente relacionado ao con-
período, resultado do segundo estágio ceito de densidade demográfica, tal
da transição demográfica. Pelas estima- mapeamento nada mais é do que a re-
tivas do Instituto, a população brasileira distribuição geográfica de dados popula-
em 2019 era de 210.147.125 habitantes. cionais com um maior nível de detalha-
Dividindo-se pela área aproximada do mento espacial a partir da utilização de
país, de 8.516.000 km2, a densidade de- dados auxiliares – normalmente as ima-
mográfica brasileira na atualidade é de gens de satélite – através do registro das
aproximadamente 24,7 hab./km2. informações populacionais em células
Contudo, a análise da densidade em uni- de resolução espacial fixa, o que permi-
dades geográficas menores ajuda a com- te a análise da distribuição espacial da
preender como a população é distribuída população no espaço contínuo, de forma
dentro do país. A população brasileira independente dos limites administrati-
está concentrada nas regiões litorâneas, vos. Esses modelos permitem discrimi-
em detrimento do interior. Contudo, o in- nar estruturas do espaço físico não ocu-
terior das regiões Sudeste e Sul apresenta padas (como vegetação e rios).
uma maior densidade demográfica quan- A aplicação mais importante de ma-
do comparado ao das demais regiões. En- peamento dasimétrico no país consiste

181
EIXO 3 - LEITURA DEMOGRÁFICA DO TERRITÓRIO

na grade estatística, criada por Bueno 4 ser utilizados como ferramenta para
e disponibilizada em plataforma digital a elaboração de políticas públicas nas
pelo IBGE. 5 Ela fornece grades de células mais diversas áreas. No caso do sanea-
vetoriais com resolução de 200 m2 para mento, a densidade demográfica pode
as áreas urbanas e 1 km 2 para as áreas ser utilizada como ferramenta para a
rurais, e disponibiliza informações so- avaliação da demanda de consumo em
bre o tamanho da população a partir de pequenas áreas, bem como do potencial
dados do Censo 2010. Os mapeamentos de novos mananciais para o abasteci-
dasimétricos (como a grade estatística) mento futuro, além de auxiliar as polí-
permitem elaborar mapas de densidade ticas municipais de desenvolvimento na
demográfica muito precisos, que podem área do saneamento.6

Referências bibliográficas

1. IBGE. Classificação e caracterização dos espaços rurais e urbanos do Brasil: uma


primeira aproximação. Rio de Janeiro: IBGE, 2017. Disponível em: https://servicoda-
dos.ibge.gov.br/Download/Download.ashx?http=1&u=biblioteca.ibge.gov.br/visuali-
zacao/livros/liv100643.pdf.
2. IBGE. Tendências demográficas: uma análise da população com base nos resultados
dos Censos Demográficos 1940 e 2000. Rio de Janeiro: IBGE, 2007. Disponível em:
https://servicodados.ibge.gov.br/Download/Download.ashx?http=1&u=biblioteca.
ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv34956.pdf.
3. IBGE. Atlas do Censo Demográfico 2010: glossário. Rio de Janeiro: IBGE, 2010. Dis-
ponível em: https://servicodados.ibge.gov.br/Download/Download.ashx?http=1&u=-
biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv64529_ref_glossario_equipetec.pdf.
4. BUENO, M. C. D. Grade estatística: uma abordagem para ampliar o potencial
analítico de dados censitários. 2014. Tese (Doutorado em Demografia) – Institu-
to de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campi-
nas, 2014. Disponível em: http://www.repositorio.unicamp.br/bitstream/REPO-
SIP/281097/1/Bueno_MariadoCarmoDias_D.pdf.
5. IBGE. Grade Estatística. Rio de Janeiro: IBGE, 2016.
6. MS; FUNASA. Termo de referência para elaboração de plano municipal de sane-
amento básico. Brasília: Funasa, 2018. Disponível em: http://www.funasa.gov.br/
termo-de-referencia-tr-para-pmsb.

Para saber mais

NAKANO, A. K. Elementos demográficos sobre a densidade urbana da produção


imobiliária: São Paulo, uma cidade oca? 2015. Tese (Doutorado em Demografia)
– Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas,
Campinas, 2015. Disponível em: http://repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/RE-
POSIP/281170/1/Nakano_AndersonKazuo_D.pdf.
SANTOS, A. M.; HOLMES, D. C. S. C.; RAMOS, H. F. Densidade demográfica: um

182
DENSIDADE DEMOGRÁFICA

estudo comparativo de duas metodologias a partir de imagens orbital e suborbital


na cidade de Aparecida de Goiânia/Goiás. Ateliê Geográfico, Goiânia, v. 12., n. 1,
p. 175-200, abr. 2018. Disponível em: https://www.revistas.ufg.br/atelie/article/
view/45968/25981.

Autoria deste verbete

José Irineu Rangel Rigotti. Doutor em Demografia peloCentro de Desenvolvimento e D


Planejamento Regional (Cedeplar) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Professor associado do Cedeplar.

Járvis Campos. Doutor em Demografia pelo Cedeplar/UFMG. Professor adjunto do


Departamento de Demografia e Ciências Atuariais (DDCA) da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte (UFRN).

D
DESASTRES

Os desastres estão cada vez mais frequen- pública, defesa civil, saneamento, assis-
tes no mundo e no Brasil, resultando em tência social e meio ambiente.
impactos nas condições de vida e traba- Embora os desastres possam ter co-
lho das comunidades atingidas. Podem mo eventos ou processos disparadores
variar no espaço (desde pequenas localida- aqueles relacionados aos ciclos naturais
des até um conjunto de países) e no tempo do planeta (terremotos, vulcões, fura-
(para além dos impactos imediatos, envol- cões, inundações, secas) ou aos ciclos
vendo outros que podem se prolongar por dos processos produtivos (produção
semanas, meses, anos e décadas). de produtos químicos, energia nuclear
A ampliação ou redução dos riscos e e mineração, entre outros) é a combina-
danos, doenças e agravos sobre a saúde, ção com os processos sociais, econô-
dependerá da combinação entre o tipo de micos e políticos de uso e ocupação do
desastre (de origem natural ou tecnológi- solo, de produção de bens e serviços, de
ca; intensivos e abruptos, como rupturas distribuição dos benefícios e malefícios
de barragens e terremotos, ou extensi- à sociedade, que produz os desastres.
vos e de médio prazo, como inundações Nesta perspectiva, a infraestrutura sa-
e secas) e sua magnitude, as condições nitária inadequada pode contribuir para
de vulnerabilidade social da população o agravamento dos danos gerados pelos
exposta e atingida e as capacidades de desastres, que por sua vez podem com-
respostas e ações institucionais dos di- prometer os componentes essenciais do
ferentes setores envolvidos, como saúde saneamento básico.

183
EIXO 9 - TERRITORIALIZAÇÃO EM SAÚDE

Nas concepções dominantes na atu- tariam cada vez mais suscetíveis frente
alidade, o desastre é definido como às ameaças, com menores meios de pre-
interrupção grave do funcionamento venção, de resgate, de recuperação e de
de uma comunidade ou sociedade que reconstrução em cenários de desastres2.
gera perdas humanas e/ou significati- O saneamento básico inadequado, por
vas perdas materiais, econômicas ou exemplo, gera situações socioambientais
ambientais. Um contexto que excede a que potencializam os riscos de doenças
capacidade da comunidade ou socieda- após a ocorrência de desastre: abasteci-
de afetada de lidar com a situação uti- mento de água deficiente, esgotamento
lizando seus recursos próprios. Assim, sanitário inadequado, a contaminação
um desastre é uma função do processo por resíduos sólidos (ver p. 568) o manejo
de risco, resultado da combinação de inadequado e insuficiente das águas plu-
ameaças, condições de vulnerabilidade viais (ver p. 541), bem como as condições
e capacidade insuficiente ou medidas precárias das habitações.
para reduzir as consequências negativas Na atualidade, esta concepção vem sen-
e potenciais do risco1. do ampliada, para o tema da vulnerabili-
Essas concepções resultam de um longo dade socioambiental, que é compreendi-
debate acadêmico e político sobre a natu- da pela capacidade, de uma pessoa ou gru-
reza dos desastres. Até os anos 1990, o po social, de antecipar, enfrentar, resistir e
entendimento dominante sobre os desas- recuperar-se de um impacto, ou seja, está
tres era baseado nas ciências da natureza relacionada à resistência e à resiliência
ou engenharias, atribuindo aos ciclos na- dos indivíduos e da sociedade afetada3, 4.
turais ou a falhas (quase sempre atribuí- As condições de vulnerabilidade socioam-
das como falhas humanas) nos processos biental estão relacionadas aos seres huma-
tecnológicos. A partir dos anos 1990, en- nos e seus meios de subsistência e infraes-
tram em cena concepções que têm como trutura diante de uma ameaça. Um evento
base perspectivas críticas das ciências ou uma combinação de eventos só podem
sociais e baseadas em estudos comparati- caracterizar-se como fatores de risco de
vos, demonstrando como países, comuni- desastre caso determinada população es-
dades e populações expostas aos mesmos teja em situação de vulnerabilidade. Caso
tipos de eventos poderiam sofrer maior contrário, o evento ocorrerá sem a conota-
ou menor impacto a depender do maior ção de fator de risco (ou ameaça)5.
ou menor domínio e/ou acesso aos recur- Os desastres caracterizam-se em inten-
sos, bens e benefícios; riscos, danos e ma- sivos ou extensivos. Os intensivos são
lefícios. Nesse contexto, as condições de marcados por apresentar baixa frequência,
vulnerabilidade surgem como aspectos mas com grande potencial de perdas, da-
centrais para a análise. nos e mortalidade – por exemplo, desliza-
mentos de terra e inundações bruscas.
Vulnerabilidade Já os extensivos representam 96%
dos eventos no mundo – como a seca e
As sociedades com maiores condições de as inundações graduais – apresentan-
vulnerabilidade em sua conjuntura so- do baixa severidade de perdas e danos
cial, política, econômica e ambiental es- e alta frequência de eventos. Apesar de

184
DESASTRES

não ter números significativos de óbitos gerar reservas financeiras ou de arma-


neste tipo de desastre, são responsáveis zenar alimentos e demais insumos 8. A
por grande proporção de danos à infraes- seca e a estiagem são os principais de-
trutura local e às habitações e condições sastres no Brasil, representando 51%
de vida das comunidades e sociedades destas ocorrências, e se concentram nos
de baixa renda6. Os desastres extensivos estados do Nordeste e no norte do esta-
potencializam as condições de vulnera- do de Minas Gerais 6.
bilidades sociais, podendo aumentar os Outro exemplo é o desastre tecnológi- D
problemas de saúde na população. co, como aconteceu no rompimento das
Os processos sociais, políticos, econô- barragens de rejeitos de minério em Ma-
micos e culturais nos últimos anos têm riana e Brumadinho, no estado de Minas
acarretado um aumento populacional Gerais. Ambos foram considerados alta-
acelerado e desordenado, principalmente mente impactantes pela sua importân-
em áreas urbanas. Somada a modelos de cia socioambiental, afetando de forma
produção (industrial e agrícola) lastrea- grave os municípios atingidos pela lama
dos a na exploração intensiva de recursos de rejeitos. Muitas empresas acabam
naturais e dos ciclos biogeoquímicos essa construindo essas barragens pelo bai-
transformação tem ampliado situações xo custo na construção, porém, quando
que representam risco às populações e ocorre negligência da própria empresa e/
comunidades6. A ocorrência de desastres ou do poder público fiscalizador, há uma
historicamente acompanha o crescimen- suscetibilidade para o rompimento, po-
to da população, o que permite dizer que dendo causar riscos à saúde da população
na atualidade os impactos gerados pe- e danos socioambientais. A vulnerabili-
los desastres são cada vez maiores, pois dade socioambiental pode estar associa-
acontecem em locais mais modificados e da à vulnerabilidade institucional, que
mais ocupados pelas pessoas7. remete às atribuições das instâncias dos
A estiagem e a seca são exemplos de governos federal, estaduais e municipais.
desastres de origem natural climato- Os desastres têm sua relevância na saú-
lógicos que podem provocar múltiplos de pública pela forma que ocorrem e ge-
efeitos sobre a população. A estiagem es- ram seus efeitos e impactos na vida das
tá associada à redução das precipitações pessoas, como: desabrigados, desaloja-
pluviométricas, relacionada ao atraso dos, mortes, doenças e agravos, sequelas
dos períodos chuvosos ou à ausência de psíquicas e mentais, perdas materiais e
chuvas previstas para uma determinada econômicas, situações precárias das habi-
temporada, com perda de umidade do tações e saneamento, contaminação/falta
solo superior à sua reposição. Já a seca é de alimentos e medicamentos, danos am-
uma estiagem prolongada, caracteriza- bientais e sociais que afetam a subsistên-
da por provocar uma redução sustenta- cia dos indivíduos.
da das reservas hídricas existentes 8, 9. O
desastre oriundo da seca gera impactos Prevenção
sociais e potencializa situação de pobre-
za e estagnação econômica. A economia O aumento da resiliência das nações e das
local é paralisada, sem a capacidade de comunidades frente aos desastres foi te-

185
EIXO 9 - TERRITORIALIZAÇÃO EM SAÚDE

ma do chamado Marco de Ação de Hyogo ficou algumas áreas estratégicas para o


2005-2015 (MAH), durante 2ª Conferên- aperfeiçoamento da capacidade do país
cia Mundial sobre a Redução do Risco de para detectar e responder às emergên-
Desastres, em 2005. Representantes de cias de saúde pública, com o objetivo
todo mundo se comprometeram em di- de subsidiar a preparação dos informes
minuir as vulnerabilidades aos desastres anuais à Organização Mundial da Saúde
oriundos de ameaças naturais. Conside- (OMS), na implementação do Regula-
rando a experiência e os avanços do Mar- mento Sanitário Internacional (2005).
co de Hyogo, houve uma necessidade, em Desta forma, as ações resultaram em sé-
2015, de constituir o Marco de Sendai ries de ações de avaliação e capacitação
2015-2030, na 3ª Conferência. de profissionais nas esferas estaduais
No Marco de Sendai foram pactuadas e municipais nos planos de resposta às
ações focadas nos âmbitos intra e inter- emergências de saúde pública.12
setorial promovidas pelos Estados nos ní- Em 2011, o Decreto Presidencial 7.616
veis local, nacional, regional e global, es- estabeleceu parâmetros e procedimentos,
tabelecendo algumas áreas prioritárias, e foi criada a Força Nacional do SUS, para
como: compreender os riscos de desastres atuação frente às emergências de saúde
em todas as suas dimensões de vulnera- pública de importância nacional, que in-
bilidade; e investir na redução do risco de cluem epidemias, desastres e situações
desastres, aumentando a resiliência dos de desassistência. Em 2014, foi elabora-
sistemas nacionais de saúde, especial- do pela SVS/MS o Plano de Resposta às
mente em nível local.10 Emergências de Saúde Pública, que tem
Em vários países, o órgão responsável como objetivo, entre outros, o estabele-
pela organização de ações preventivas e cimento de uma resposta rápida, coor-
de resposta aos desastres é a Defesa Ci- denada e efetiva em nível federal a estas
vil, que se constitui em sistemas abertos emergências, subsidiando a elaboração de
com a participação dos governos locais planos estaduais e municipais.12
e da população. No Brasil, a Defesa Ci- Na prevenção, mitigação e preparação
vil começou a se estruturar em função de risco de desastre, faz-se necessário
de fortes chuvas que assolaram a região um trabalho de pesquisa e construção de
Sudeste entre 1966 e 1967. A Política Na- diagnóstico das condições de vida (ver p.
cional de Defesa Civil (criada em 1995) e 202) das pessoas (características socio-
o Sistema Nacional de Proteção e Defesa ambientais) e de sua situação de saúde,
Civil (Sinpdec, criado em 2005) foram identificando áreas de maior vulnerabi-
legalmente instituídos com a Lei Federal lidade para desastres. Isso consiste em
12.608/2012, estabelecendo princípios, analisar para intervir na realidade dos
objetivos, diretrizes e estratégias para territórios, necessitando sempre atuali-
garantir a proteção e a segurança da so- zar dados e informações, pois o território
ciedade frente aos riscos de desastres11. é dinâmico, ou seja, está em constante
A Secretaria de Vigilância em Saúde do transformação2. As condições inadequa-
Ministério da Saúde (SVS/MS) concluiu, das dos componentes de saneamento, se-
no ano de 2010, a avaliação das capaci- ja pela defasagem de sua ampliação, pela
dades de vigilância e resposta, e identi- restrição ao acesso aos serviços públicos,

186
DESASTRES

ou ainda pela operação e pela manutenção mento Básico (PMSB), de acordo com o ar-
precárias, resultam em condições atípi- tigo 25 do Decreto 7.217/2010, estabelece
cas, emergenciais, que, se se prolongarem que deve esse plano conter a proposição de
de forma crônica ao logo do tempo e do ações de emergência e de contingência (ver
espaço, podem contribuir para o agrava- p. 139). Entretanto, o desafio para o poder
mento dos eventos agudos dos desastres. público municipal está na estruturação
e capacidade técnica e de gerenciamento
Saneamento básico para a implantação de planos de Emergên- D
cia e Contingência de Saneamento Básico
Na área do saneamento básico, as ações que considerem as condições de operação
de emergência e de contingência têm por e manutenção dos componentes da área
objetivo monitorar presumíveis fatores e o seu monitoramento por meio de indi-
de risco, identificar e prevenir possíveis cadores de operação, de desempenho e da
acidentes – passíveis de acontecer ou não vigilância em saúde.
– bem como atuar na mitigação de danos Em casos específicos – nos municípios
e prejuízos causados por acidentes e de- que possuam um histórico de desastres
sastres naturais ou antrópicos, além de recorrentes – pode ser necessária a ela-
prevenir agravos à saúde relacionados aos boração de um plano integrado de sane-
serviços de saneamento básico.13 amento, defesa civil e saúde para redu-
O termo de referência14 da Funasa para ção dos riscos de desastres, na perspec-
elaboração de Plano Municipal de Sanea- tiva da intersetorialidade.

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https://www.unisdr.org/files/26462_guiagestorespublicosweb.pdf.

Autoria deste verbete

Juliana Valentim Chaiblich. Geógrafa, mestre em Saúde Coletiva, doutoranda em Saú-


de Pública. Professora-pesquisadora do Laboratório de Educação Profissional em Vigi-
lância em Saúde (Lavsa) da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV) e
pesquisadora do Centro de Estudos e Pesquisas em Emergências e Desastres em Saúde
(Cepedes), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

188
DESSALINIZAÇÃO DA ÁGUA

Carlos Machado de Freitas. Historiador, doutor em Saúde Pública e pós-doutorado em


Ciências Ambientais. Pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp) e co-
ordenador do Centro de Estudos e Pesquisas em Emergências e Desastres em Saúde
(Cepedes), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Raiane Fontes de Oliveira. Geógrafa, mestre em Geografia e doutoranda em Geografia


Física. Professora-pesquisadora do Laboratório de Educação Profissional em Vigilância
em Saúde (Lavsa) da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), Fundação D
Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Alexandre Pessoa Dias. Engenheiro civil sanitarista, mestre em Engenharia Ambien-


tal, doutor em Medicina Tropical. Professor-pesquisador do Laboratório de Educação
Profissional em Vigilância em Saúde (Lavsa) da Escola Politécnica de Saúde Joaquim
Venâncio (EPSJV), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

D
DESSALINIZAÇÃO DA ÁGUA
Este verbete foi elaborado na vigência da Portaria de Consolidação 5 de 2017, do Ministério da
Saúde, que foi substituída pela Portaria GM/MS 888, publicada em 4 de maio de 2021.

O crescimento da população, junta- salinização. O planejamento munici-


mente com o aumento da demanda de pal de saneamento básico deve estudar
água, pode levar à necessidade de busca adequadamente a oferta e a demanda de
constante por novas fontes de água para água no município, além de estabelecer
abastecimento. A escassez hídrica é um programas e ações que visem à manu-
dos grandes desafios a serem enfrenta- tenção da qualidade dos corpos d’água,
dos pela humanidade e tem-se agrava- com a proposição de soluções adequadas
do em várias regiões do Brasil em razão de saneamento para cada realidade den-
de fatores como estiagem, mudanças tro do município.
climáticas e pluviométricas, má gestão A água limpa e de qualidade é neces-
das soluções de abastecimento de água sária para manutenção da saúde e para
e poluição dos mananciais – causada pe- diversas atividades como uso domésti-
lo despejo de esgotos não tratados, uso co e industrial. A exploração excessiva
exagerado de pesticidas na agricultura e dos recursos hídricos resulta em de-
pela intrusão de água salina. terioração da qualidade da água, redu-
A escassez pode obrigar gestores de zindo a capacidade de autodepuração
soluções de abastecimento a captar de rios, elevando a salinidade da água,
águas salinas ou salobras (ambas com aumentando sua turbidez, entre ou-
elevados teores de sal dissolvido), que tros agravantes. Isto causa impacto na
exigem técnicas não convencionais de biota aquática e na própria solução de
tratamento, tal como o processo de des- abastecimento de água, que terá que se

189
EIXO 4 - ABASTECIMENTO DE ÁGUA

adaptar às variações nas características para abastecimento humano tem sido


físico-químicas da água bruta, elevando cada vez mais frequente.
seus custos de produção. Além disso, as O uso descontrolado dos aquíferos
perdas de água nas soluções de abaste- pode causar contaminação do lençol
cimento de água contribuem para o au- freático, a subsidência – que é o afun-
mento da demanda. damento do terreno devido a perda da
capacidade de sustentação do solo pelo
Mananciais sob pressão rebaixamento do nível da água subter-
rânea – e a intrusão salina (em cidades
O lançamento de efluentes de maneira litorâneas). Em geral, para a perfuração
desregulada nos corpos hídricos tam- de poços é necessária a autorização de
bém provoca queda na qualidade da órgão responsável pela gestão da água
água bruta. O despejo de esgotos do- (por exemplo, através da solicitação de
mésticos e/ou industriais provoca mor- outorga), que exige informações sobre
tandade de peixes e produção de algas a vazão a ser bombeada e a realização
em excesso, e pode contribuir para a de estudos sobre a capacidade do aquí-
elevação da quantidade de sais na água fero. A perfuração de poços deve aten-
de abastecimento. A falta de proteção der às normas NBR 12.244/20063 e
dos mananciais também influencia sua 12.212/20174 da Associação Brasileira
qualidade. Os mananciais de abaste- de Normas Técnicas (ABNT), que exi-
cimento devem possuir uma proteção gem um profissional responsável habili-
vegetal em suas margens, denominada tado e a instalação de equipamentos de
mata ciliar, que funciona como cílios proteção do poço para evitar contami-
e serve como barreira parcial à entra- nação do aquífero. Muitas vezes, poços
da de contaminantes nos rios1. A Lei são perfurados sem as devidas autoriza-
12.651/20122 (conhecida como “novo ções e controle. Em cidades litorâneas,
Código Florestal”) protege essas áreas o uso indiscriminado de água do lençol
para a preservação dos reservatórios e freático provoca desequilíbrio entre o
corpos d’água. 2 aquífero e a água do mar, fazendo com
A água subterrânea é um recurso que esta avance em direção ao continen-
natural originado principalmente da te, aumentando a salinidade da água
infiltração da água da chuva no solo, dos poços, fenômeno este denominado
eventualmente com contribuição de intrusão salina.
lagos ou rios. A profundidade na qual
se encontra varia conforme sua forma- Opção pela dessalinização
ção, podendo atingir grandes marcas.
Os aquíferos estão menos suscetíveis à Algumas formações geológicas formam
contaminação em comparação às águas naturalmente aquíferos com elevada sa-
superficiais, porém, quando contami- linidade. Conforme a Portaria de Con-
nados, exigem processo de descontami- solidação 5/2017 do Ministério da Saú-
nação mais demorado, complexo e de de, o valor máximo permitido de sódio
maior custo. Com o aumento da deman- em água para abastecimento humano
da de água, a exploração de aquíferos é de 200 miligramas por litro (mg/l). 5

190
DESSALINIZAÇÃO DA ÁGUA

No Semiárido brasileiro, há um grande Principal método


número de aquíferos cuja água apresen-
ta elevadas concentrações de sais (água O processo de dessalinização consiste na
salobra), o que impossibilita sua pota- remoção de boa parte dos sais existentes
bilização por meio de processos conven- na água por meio de processos físicos ou
cionais de tratamento. Esta região apre- químicos, tais como a eletrólise, destilação
senta baixo índice de chuvas e, portanto, e osmose inversa (OI), a opção mais usada
necessita de soluções técnicas apropria- no mundo. Estima-se que, em 2018, exis- D
das de tratamento de água salobra (sis- tiam mais de 15.906 estações de dessali-
temas de dessalinização). nização, localizadas em 177 países, produ-
Conforme a Organização das Nações zindo em torno de 95 milhões de metros
Unidas (ONU), cerca de 500 milhões de cúbicos (m³) de água para consumo huma-
pessoas no mundo vivem em áreas em no.7 A osmose inversa (OI) corresponde a
que o consumo de água excede o dobro 89% das plantas de dessalinização e 69%
da capacidade de manutenção natu- do volume de água potável produzido por
ral dos recursos hídricos. Áreas de alta processos de dessalinização.7
vulnerabilidade hídrica ficam cada vez A OI consiste em separação por uma
mais dependentes de infraestrutura pa- membrana sintética pela qual é possível
ra transferência de água de áreas com a remoção de substâncias de baixos valo-
maior abundância hídrica e de fontes de res de massa molar, tais como sais inorgâ-
abastecimento alternativas. Isso inclui nicos ou pequenas moléculas orgânicas8.
partes da Índia, China, região mediterrâ- O processo exige membranas com poros
nea e Oriente Médio, Ásia Central, partes muito pequenos, que somente a água atra-
áridas da África subsaariana, Austrália, vesse. Esta tecnologia exige a aplicação de
América do Sul e Central, bem como par- alta pressão, que implica um elevado custo
te da América do Norte.6 energético. Um percolado (ou salmoura)
Neste contexto, tem-se o uso de des- é gerado como subproduto no processo, e
salinizadores como alternativa para au- contém os sais retidos pela membrana.
mentar a oferta de água, permitindo, in- No Brasil, o processo de dessalinização
clusive, a utilização do mar como manan- tem sido utilizado no projeto Água Doce,
cial de abastecimento. Há um aumento lançado em 2004, que viabilizou a distri-
mundial da retirada do sal da água do buição de equipamentos de dessaliniza-
mar para uso humano decorrente da es- ção para municípios do Semiárido– inclu-
cassez de água ou das concentrações de ídos os dos estados do Nordeste e de Mi-
sais nas águas subterrâneas. Processos de nas Gerais – com a finalidade de realizar
dessalinização de água para abastecimen- o tratamento de água salobra de poços
to humano apresentam elevados custos para abastecimento humano. Em relação
de aquisição e operação, equipamentos de ao uso da água do mar para abastecimen-
elevada complexidade e elevado consumo to, tem-se o exemplo de Fernando de No-
elétrico, além de demandar insumos e ronha, que possui um sistema de dessa-
materiais importados. Portanto, só têm linização capaz de produzir cerca de 720
sido utilizados quando não há disponibi- m3 de água por dia, suficiente para suprir
lidade de água não salobra ou salina. 40% da demanda hídrica do arquipélago.9

191
EIXO 4 - ABASTECIMENTO DE ÁGUA

A dessalinização da água do mar por m³),12 valor bem inferior ao estimado pa-
membranas é de grande utilização em pa- ra a OI (de 3 a 7 kWh/m³)10.
íses árabes. A dificuldade da aplicação da A salmoura originada no processo de OI
tecnologia no Brasil deve-se ao seu eleva- deve ser destinada adequadamente, pois
do custo de operação e manutenção, ten- contém elevada concentração de sais e clo-
do em vista a necessidade de mão de obra retos, o que pode provocar contaminação
qualificada e o fato de que as membranas do solo e corpos hídricos. Em geral, os pro-
precisam ser substituídas quando sua ca- cessos de dessalinização geram 1,5 litro (l)
pacidade de produção de água é reduzida. de salmoura para cada litro de água potá-
Por não serem produzidas no país, seu vel produzido. Seu descarte no mar pode
custo de aquisição é elevado. trazer impactos negativos à fauna aquáti-
ca e redução do oxigênio dissolvido.7
Valores médios A Companhia Pernambucana de Sa-
neamento (Compesa) está produzindo
Os custos de implantação de um siste- cloro para desinfecção de água e esgotos,
ma de OI para tratamento de água sa- a partir da salmoura oriunda do proces-
lobra são estimados entre US$ 1.300 e so de dessalinização da água do mar em
2.500 por m³/dia de capacidade instala- Fernando de Noronha. Isto reduz os im-
da, e os custos de produção variam en- pactos dos resíduos originados, que são
tre US$ 0,26 e 0,54 por m³ produzido, transformados em insumo.13
para sistemas de grande escala, e entre
US$ 0,56 e US$ 12,99 por m³ produzido Outros processos de
para pequenos sistemas.10 Para dessali- dessalinização
nização de água do mar (salina) os cus-
tos de produção variam de US$ 0,45 e Outra tecnologia que podem ser aplica-
a 0,66 por m³, para sistemas de grande das na dessalinização de água é a eletro-
porte (100 mil a 320 mil m³/dia), US$ diálise (ED), que faz uso de membrana
0,48 a 1,62 por m³, para sistemas de mé- polarizada (polo positivo, polo negativo
dio porte (15 mil a 60 mil m³/dia), e US$ e neutro) para a remoção dos sais pre-
0,70 e 1,72 por m³, para pequenos siste- sentes na água através da introdução de
mas (1.000 a 4.800 m³/dia)11. uma corrente elétrica. Há também pro-
Conforme dados do Sistema Nacio- cessos térmicos, como o processo flash
nal Sobre Saneamento (SNIS)12, o custo em múltiplos estágios (MSF), a destila-
médio das despesas totais do serviço de ção em múltiplos efeitos (MED) e a des-
abastecimento de água no Brasil é de R$ tilação solar (DS). Todos esses métodos
3,57/m³. Este indicador é composto pelo utilizam calor para evaporação da água,
valor das despesas totais da concessioná- seguida de resfriamento para condensa-
ria, dividido pelo volume de água fatura- ção. Cada tecnologia tem suas vantagens
do, dando uma estimativa do custo final e desvantagens, que devem ser analisa-
da produção de água. A demanda energé- das conforme os contextos locais, para a
tica média das concessionárias brasilei- escolha adequada.
ras para o tratamento de água é de 0,71 A eletrodiálise possui como vantagens
quilowatt-hora por metro cúbico (kWh/ a elevada remoção de sais (acima de 94%),

192
DESSALINIZAÇÃO DA ÁGUA

a durabilidade da membrana (acima de gens a capacidade de tratar água com


15 anos) e a alta capacidade de segrega- elevada concentração de sais (70.000
ção de metais, porém apresenta elevados mg/l), a facilidade de operação e o fato
custos de implantação em comparação à de não possuir limitações de escala. A
OI, além de suas membranas serem mais principal desvantagem reside no cus-
suscetíveis a entupimentos.10, 14 O custo to energético (entre 13,5 e 27,25 kWh/
do metro cúbico tratado de água por uma m³),10, 11 mais elevado que o das tecnolo-
planta de ED varia entre US$ 0,6, para gias MED, ED, DS e OI. O custo envolvi- D
larga produção, e US$ 1,05, para peque- do na implantação varia entre US$ 1.700
nas plantas tratando água salobra (até 10 e 2.900 por m³/dia10, e o custo de opera-
mil partes por milhão – ppm). Para des- ção, em torno de US$ 0,56 a 1,75 por m³
salinização de água salobra, ED e OI são produzido para o tratamento de água do
as tecnologias que apresentam os meno- mar,11 também o maior dentre as tecno-
res custos de produção.11 logias aqui apresentadas.
A destilação em múltiplos estágios A destilação em múltiplos efeitos
(MSD) é um processo que envolve várias (MED) é um processo similar ao MSD,
câmaras de evaporação consecutivas, porém envolve o aquecimento somente
com redução de pressão e temperatu- no primeiro estágio. Os compartimen-
ra a cada estágio. A água é inserida no tos seguintes são mantidos a pressão
sistema por meio de uma tubulação que reduzida. A água com sais é pulverizada
atravessa os compartimentos de desti- por cima de uma tubulação com vapor
lação, resfriando o vapor formado em quente, parte da água evapora, em se-
cada célula, seguindo para um trocador guida se condensa e é coletada, livre de
de calor, onde é aquecida a uma tempe- sais. A água não evaporada segue para
ratura superior a 100 graus Celsius (ºC). uma câmara com pressão menor que a
Em seguida, é liberada rapidamente na anterior, o que torna o ponto de ebuli-
primeira câmara, o vapor gerado é res- ção menor. O vapor de água é novamen-
friado, ocorre condensação e a água tra- te condensado e coletado. O processo
tada é coletada. A salmoura gerada, que repete-se conforme a quantidade de
ainda apresenta temperatura elevada, módulos presentes.
segue para o segundo estágio, em que Dentre as vantagens deste processo
se dá o mesmo processo de resfriamen- está a possibilidade da combinação com
to e condensação. Finalmente, a água fontes de energia renováveis, que for-
rica em sal segue para a última etapa, necem energia de forma intermitente e
na qual o vapor novamente é resfriado operam com temperatura menor em re-
e condensado, e se coleta a água desti- lação ao processo de MSD. Como desvan-
lada. A salmoura segue para tratamento tagens tem a elevada demanda energéti-
e descarte. Há processos que reciclam ca (de 6 a 11 kWh/m³) e a necessidade de
a solução salina no próprio sistema de adição de produtos anti-incrustantes.10,
dessalinização antes do descarte final. 14
Os custos de implantação variam en-
A tecnologia MSD corresponde a 18% tre US$ 1.700 e 2.700/m³/dia10 e os cus-
das plantas de dessalinização existentes tos de operação podem variar entre US$
no mundo7. Ela apresenta como vanta- 0,52 e US$ 1,01/m³, para sistemas de

193
EIXO 4 - ABASTECIMENTO DE ÁGUA

larga escala (91.000–320.000 m3/dia), e sendo desenvolvidos para substituição


de US$ 2 a US$ 8/m³, para sistemas de de componentes por produtos mais eco-
menor porte (menos de 100 m³/dia) tra- nômicos a fim de reduzir os custos de
tando água do mar.11 implantação, operação e manutenção.
A destilação solar (DS) é um processo A dessalinização é uma solução que
simples, baseado no fenômeno do efeito tem sido usada em situações de extre-
estufa. Um recipiente contendo água sa- ma escassez hídrica e que tem grande
lina é coberto por um telhado de vidro e aplicabilidade no Brasil em regiões em
exposto ao sol. A água evapora e o vapor que há crise no abastecimento de água,
d’água condensa-se na superfície de vidro, seja pela baixa qualidade do manancial
escorrendo então para um coletor. A van- ou por períodos de estiagem. Ela pode
tagem desta tecnologia está no seu baixo ser uma tecnologia complementar ao
custo, porém possui baixa capacidade de tratamento convencional, com o ob-
produção (entre 4 e 6 l/m3),11 podendo ser jetivo de aumentar a oferta de água à
utilizada como solução individual em regi- população em época de escassez hídri-
ões áridas e com baixa densidade popula- ca. Deve ser feito o manejo adequado
cional. O custo da água tratada fica entre do subproduto gerado no processo (sal-
US$ 1,3/m³ e US$ 6,5/m³ 11. moura) para minimizar os impactos no
meio ambiente. A tecnologia de dessali-
Soluções mais sustentáveis nização mais adequada depende de fa-
tores locais. O planejamento municipal
Novos estudos estão sendo realizados de saneamento básico tem o importante
para minimizar a demanda energética papel de identificar conflitos pelo uso
das tecnologias tradicionais de dessali- da água e propor soluções adequadas
nização. Assim, a associação dos proces- para o abastecimento de água para cada
sos ao uso de energias renováveis tem realidade, prever ações de proteção dos
ganhado destaque para reduzir os custos mananciais e de educação ambiental e
com energia e tonar as plantas sustentá- sanitária para a população.
veis. Além disso, novos materiais estão

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Autoria deste verbete

Antonio Natanael Costa Sancho. Engenheiro ambiental pela Universidade Federal do


Ceará (UFC) e engenheiro civil pela Universidade de Fortaleza (Unifor). Mestrando em
Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos pela Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG).

César Rossas Mota Filho. Doutor em Engenharia Civil e Ambiental pela Universidade
Estadual da Carolina do Norte (EUA). Professor Associado do Departamento de Enge-
nharia Sanitária e Ambiental (Desa) da Universidade Federal de Minas Gerais.

D
DETERMINAÇÃO SOCIAL E OS DETERMINANTES SOCIAIS DE SAÚDE

De acordo com a Lei 8.080/1990,1 que es- dos indicadores de saúde, epidemiológi-
tabelece o Sistema Único de Saúde (SUS), cos, ambientais e socioeconômicos, além
a saúde tem como fatores determinantes do impacto destes nas condições de vida
e condicionantes, entre outros, a alimen- das populações. Não menos importante é
tação, a moradia, o saneamento básico, o a relação com outros setores, como habi-
meio ambiente, o trabalho, a renda, a edu- tação, proteção ambiental e desenvolvi-
cação, o transporte, o lazer e o acesso aos mento urbano, dentre outros, pois, além
bens e serviços essenciais. de o saneamento ser determinante para
O saneamento atua na prevenção de seu bom desenvolvimento, esses setores
doenças e promove dignidade e bem- também estão voltados para a qualidade
-estar humano. Segundo a Organização de vida da população.
Mundial da Saúde (OMS), “saneamento é Nos Objetivos do Desenvolvimento
o controle de todos os fatores ambientais Sustentável, o saneamento é considerado
que podem exercer efeitos nocivos sobre um dos pilares para o desenvolvimento,
o bem-estar, físico, mental e social dos posto que o sexto objetivo busca “asse-
indivíduos”. Por outro lado, a falta de sa- gurar a disponibilidade e gestão susten-
neamento contribui para o aparecimento tável da água e saneamento para todas
de doenças negligenciadas, promovendo e todos”.  Contudo, diante do contexto
iniquidades em saúde, geradas pelos de- mundial de avanço do neoliberalismo
terminantes sociais da saúde (DSS). no plano político e econômico de gestão
O planejamento municipal de sanea- – pelo qual se forja na sociedade um no-
mento básico deve considerar a análise vo pensar e modo de viver – torna-se um

196
DETERMINAÇÃO SOCIAL E OS DETERMINANTES SOCIAIS DE SAÚDE

desafio para as políticas públicas de sane- trofes naturais. Desde então, pesquisas
amento e saúde, no processo de análise foram desenvolvidas buscando compre-
das condições de vida e situação de saúde, ender a determinação social da saúde e da
compreender os determinantes sociais doença, associando à classe social e con-
do processo saúde-doença e considerar o dições de vida, e também entre pobreza
modelo de determinação social da saú- e níveis socioeconômicos.
de como construto acadêmico do modelo
teórico histórico e social. Caráter biológico ou social D

Breve histórico Ao final dos anos de 1960 a América Lati-


na intensificou a discussão sobre o cará-
Na Europa do século 19, investigações ter da doença, questionando-o se essen-
sobre surtos epidêmicos, mortalidade cialmente biológico ou, diferentemente,
infantil, doenças ocupacionais e outros social. Esse movimento efetuou mudan-
problemas de saúde evidenciaram dife- ças profundas no paradigma dominante
renças nas formas de adoecer e morrer que a conceitua como fenômeno exclusivo
entre grupos sociais. Desde essa época, da biologia e do indivíduo.
ficava clara a relação entre condições de O período foi marcado por grande crise
vida e trabalho, situação de saúde de gru- social e política, tanto em países avan-
pos e pessoas e a distribuição desigual de çados quanto nos dependentes, forjando
recursos materiais da sociedade em terri- novo patamar de lutas sociais, as quais
tórios (ver p. 729) singulares. colocavam sob suspeita, de formas dis-
Em plena Revolução Industrial, Engels tintas e com perspectivas de alcance va-
descreveu a desigualdade de condições de riável, o modo dominante de satisfazer as
vida da classe trabalhadora na Inglaterra e necessidades da classe trabalhadora. 3
John Snow investigou, em Londres, epide- A crítica tratava do modo de como for-
mias de cólera, relacionando-as à contami- mular a compreensão dos diferentes pro-
nação de poços de água que abasteciam a blemas consoante aos interesses das po-
cidade. Na França, Louis Pasteur analisou pulações, com vistas a originar práticas
nas tecelagens os ambientes insalubres do sociais de natureza inclusiva e inovado-
trabalho e Virchow, em minas da Silésia, ra. As lutas populares inspiraram novas
debruçou-se sobre as epidemias de tifo e correntes do pensamento político-social,
a má qualidade do meio. Todos esses es- dando espaço para formulações demo-
tudos relacionavam condições de vida e cráticas e participativas em diferentes
situação de saúde, destacando o aumento áreas das políticas públicas, como sane-
de riscos à vida e seus determinantes, en- amento, saúde, educação, assistência so-
tre as camadas mais pobres da população.2 cial, dentre outras.4-6
No século 20, países das Américas Nesse cenário, foi necessário redefinir
constataram existir diferenciais signifi- o objeto de estudo da medicina social, a
cativos entre a saúde de pessoas ricas e qual não dissociava a saúde da doença,
pobres, quando submetidas às mesmas vista como processo social e histórico,
tensões político-sociais e econômicas, marcado pelas condições de vida e traba-
decorrentes de guerras, recessão, catás- lho. Havia o dilema de entender a doença

197
EIXO 9 - TERRITORIALIZAÇÃO EM SAÚDE

para além da causalidade, situando-a agravos à saúde de diferentes naturezas,


como fenômeno processual articulado a principalmente, para definição de ações e
outros processos sociais, remetendo, ine- estratégias de proteção e promoção para
vitavelmente, às suas determinações.7 o seu enfrentamento.2, 5, 7
A articulação entre o processo social e o Os determinantes sociais de saúde
processo de saúde-doença demonstra que (DSS) são características socioeconômi-
este último tem características distintas, cas, culturais e ambientais de uma socie-
ligadas ao modo com que cada grupo se dade que influenciam as condições de vi-
insere na produção e relaciona-se com os da e de trabalho dos seus integrantes. São
demais grupos. Ficou claro que o caráter exemplos a habitação, o trabalho, o sane-
social do processo saúde-doença se mani- amento, os serviços de saúde e de educa-
festa mais claro ao nível da coletividade ção e as redes sociais e comunitárias. Os
que do indivíduo, e que o esclarecimento DSS estão, intrinsecamente, vinculados
conceitual e a consolidação metodológica às questões das desigualdades sociais.
do trabalho de investigação sobre a deter-
minação social da saúde devem se dar em Distintas, mas convergentes
relação íntima com os problemas e neces-
sidades estratégicas da luta coletiva.3, 8 Desigualdades sociais e desigualdades
em saúde não são sinônimos, embora con-
Modos de viver, adoecer e morrer virjam para compreensão de como a distri-
buição desigual da riqueza material incide
No campo da saúde coletiva latino-a- sobre a vida das pessoas e da coletividade,
mericana, os fenômenos saúde, doença e forjando diferenças nos modos e estilos
as formas de intervenção sustentaram a de vida. Para conhecer, estudar ou inter-
perspectiva social e científica da aborda- vir nas condições de vida e na situação de
gem marxista, ou seja, que realiza, simul- saúde de um grupo social ou comunidade
taneamente, crítica às teorias e aos proce- é fundamental conhecer essa distinção.6,7
dimentos da ciência hegemônica, e propõe Desigualdades sociais são diferenças
estratégias necessárias para construção produzidas no processo social em decor-
de novas formas de pensar a saúde e no- rência das diferentes posições de posse
vos modos de organizar e desenvolver as e poder dos grupos sociais em uma da-
práticas sanitárias. Esse enfoque social da formação histórica. Essa concepção
entende que, no capitalismo, as relações incorpora a dimensão de justiça social e
sociais de produção e reprodução da vida faz emergir o conceito de iniquidade no
são permeadas e expressam contradições sentido político de repartição da riqueza
inerentes aos diferentes projetos de classe na sociedade. Traz a ideia de necessidade
e, por sua vez, materializam formas desi- – cujo princípio afirma que os indivíduos
guais de viver, adoecer e morrer7. possuem diferentes carências – e que não
O tema da determinação social e de de- seria a simples partilha igualitária de re-
terminantes associados ao adoecer e mor- cursos que as supriria.2, 8
rer de indivíduos e coletivos humanos Desigualdades em saúde são diferen-
torna-se fundamental para compreensão ças produzidas pela inserção social dos
de contextos produtores de mal-estar e indivíduos e estão relacionadas com as-

198
DETERMINAÇÃO SOCIAL E OS DETERMINANTES SOCIAIS DE SAÚDE

simetrias absolutas nas condições de vida cados em determinado território. Desse


de diferentes populações ou através de modo, as desigualdades sociais vão se
diferenças relativas entre elas. Existem traduzir em desigualdades em saúde,
formas de medir essa condição, como “li- por meio de diferenças nas formas de
nhas de pobreza” e “níveis de privação”, viver, adoecer e morrer nas dimensões
que se referem tanto à quantidade de re- individual e coletiva.
cursos disponíveis para suprir necessida- As ações de saneamento, ao incidir so-
des básicas quanto à qualidade do que é bre elementos do território (água, resídu- D
ofertado pelo Estado às populações para os, solo, habitação e outros), evitam que
manutenção da vida.2, 8 pessoas e comunidades – com diferentes
No Brasil, grupos marginalizados, como inserções sociais – exponham-se a pe-
população residente em assentamentos in- rigos que podem levar ao adoecimento
formais, sem-teto, comunidades rurais e e até à morte. Significa compreender a
pobres em geral, sofrem mais do que outros saúde e a doença para além da dimensão
grupos com a falta de serviços – incluindo o biológica individual. Enxergá-la como
saneamento – cuja trajetória acompanhou processo social, produzido no cotidiano e
de perto aspectos do desenvolvimento eco- determinado pelas relações de produção e
nômico, político e social em cada tempo e reprodução da vida, que, no capitalismo,
lugar. Esse cenário está associado à urba- materializam-se em territórios na forma
nização precária e ao crescimento desor- de desigualdades sociais e em saúde.
denado das cidades brasileiras, que tem No processo de planejamento munici-
como uma de suas consequências a exclu- pal de saneamento, é central que sejam
são dos mais vulneráveis.9 analisadas as condições de vida e a situ-
O saneamento é um dos sistemas de ação de saúde de populações, por meio do
proteção relacionados com as condições reconhecimento e da contextualização da
de vida das pessoas e a organização po- determinação social e dos determinantes
lítico-social das sociedades. Os modos e sociais de saúde, os quais materializam
estilos de vida expõem o quão desigual em territórios singulares as desigualda-
ou equânime é uma dada formação so- des sociais expressas em diferenças de
cial, suscitando intervenções diferencia- indicadores que revelam desigualdades e
das consoantes aos problemas identifi- iniquidades em saúde.

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TAMBELLINI, A. T.; SCHÜTZ, G. E. Contribuição para o debate do Cebes sobre a “De-
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https://www.who.int/water_sanitation_health/sanitation-waste/sanitation/
sanitation-guidelines/en.

Vídeos

DR. JAIME BREILH. Determinación social de la salud. Hacia una salud colectiva efi-
ciente. Punto de Partida, 2013. 1 vídeo (7 min). Disponível em: https://www.youtu-
be.com/watch?v=wBT_NpB-vew.
COMO e por que as desigualdades sociais fazem mal à saúde. Entrevista com Ri-
ta Barradas Barata. Direção de Marco Antônio Campos. Roteiro e apresentação
de Renato Farias. Produção executiva de Valéria Mauro. Cepidss/Fiocruz, 2013.
1 vídeo (24 min). (Ciência & Letras). Disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v=nBWdUkQe6Q0.

Autoria deste verbete

Grácia Maria de Miranda Gondim. Arquiteta, doutora em Saúde Pública pela Escola
Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, da Fiocruz. Professora e pesquisadora da
Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da Fiocruz, e da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte.

Edilene de Menezes Pereira. Geógrafa, mestre em Práticas em Desenvolvimento Sustentá-


vel pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Professora e pesquisadora
da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Raiane Fontes de Oliveira. Geógrafa, doutoranda em Geografia Física, mestre em


Geografia. Professora-pesquisadora do Laboratório de Educação Profissional em Vi-
gilância em Saúde (Lavsa) da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV),
Fundação Oswaldo Cruz.

201
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

D
DIAGNÓSTICO DE CONDIÇÕES DE VIDA E SITUAÇÃO DE SAÚDE

Desde o início do século 20, a relação entre A análise de condições de vida e situa-
saúde e condições de vida ocorre de for- ção de saúde tem sido desafio constante
mas diversas e com intensidades distintas, no âmbito das políticas públicas de saú-
em múltiplas abordagens conceituais e te- de – como também de saneamento – na
óricas sobre as causas das doenças. perspectiva de compreender a determi-
As condições de vida podem ser decom- nação social da saúde, para definição de
postas em duas categorias analíticas fun- estratégias de ação e avaliação de impacto
damentais: os modos de vida, vinculados das intervenções para superar problemas
ao modelo de produção vigente – a venda e atender a necessidades de populações.
de mão de obra em troca de remuneração
e as condições de trabalho; e os estilos de Processo contínuo
vida, materializados em comportamen-
tos, hábitos, atitudes e formas de viver. É importante o reconhecimento dos ter-
Assim, condições de vida expressam es- ritórios e de seus contextos de uso pelos
tágios materiais da existência humana atores sociais. Essa forma de pensar so-
(pessoas e grupos) em uma sociedade, re- bre o que fazer para produzir desenvolvi-
lacionados à sua vinculação a uma classe mento social e saúde implica um processo
social e à inserção na estrutura produtiva, contínuo de coleta, análise e sistemati-
em um determinado tempo histórico. zação de dados - demográficos, ambien-
Já a situação de saúde, associada às tais, socioeconômicos, políticos, cultu-
condições de vida – em um certo tempo rais, epidemiológicos e sanitários – em
e lugar – possibilita compreender as desi- determinado território e situação.2
gualdades nas formas de adoecer e mor- Na direção do desenvolvimento social
rer de pessoa ou grupo, moduladas pelo igualitário, compreender essa dinâmica
desenvolvimento da vida material em do território é estratégico para a elabo-
um território (ver p. 729) singular. Desse ração do planejamento municipal de
modo, cada família, pessoa, comunidade Saneamento, que preconiza a elabora-
ou população, em cada momento de sua ção de um diagnóstico técnico-partici-
existência, tem necessidades e riscos que pativo. Isto significa que o diagnóstico
lhes são característicos em função de sua do lugar permite que atores sociais (Es-
inserção socioeconômica (idade, loca- tado e sociedade civil) – em um diálogo
lização geográfica, sexo, cultura e nível entre saber técnico e saber popular, e
educacional, dentre outros), que traduz sintonizados com a melhoria das con-
um perfil de problemas de saúde-doença dições de vida e da situação de saúde –
peculiar, que pode contribuir ou dificul- reconheçam o território, identificando
tar, em maior ou menor grau, sua realiza- determinantes sociais, riscos, causas,
ção como sujeito social.1 vulnerabilidades e potencialidades.

202
DIAGNÓSTICO DE CONDIÇÕES DE VIDA E SITUAÇÃO DE SAÚDE

Essa caracterização do território evi- cial (ver p. 424) e ao controle social (ver p.
dencia a determinação social da saúde, 156), em todas as suas etapas.
localizando espaços de pobreza e comuni-
dades onde há condições de vida precárias, Territorialização em saúde e
que levam ao adoecimento, e para defini- o diagnóstico de condições de
ção de ações que permitam acesso a saú- vida e situação da saúde
de, lazer, transporte, mobilidade urbana
e saneamento, dentre outros serviços. As O processo de elaboração de diagnósticos D
dimensões da vida das comunidades pre- territoriais de condições de vida e situação
cisam ser articuladas com as políticas de de saúde deve estar relacionado tecnica-
saneamento, no sentido de compreender mente ao trinômio estratégico informa-
como as ações de saneamento impactam ção-decisão-ação.3 Trata-se de investiga-
as condições de vida das populações, e ção de campo, cuja produção de informação
podem revelar as desigualdades sociais e resulta em obtenção de dados (primários e
explicar os processos de segregação terri- secundários), sistematização, análise e dis-
torial e o quadro de vulnerabilidade socio- seminação, com o objetivo de apresentar
ambiental (ver p. 786) e de saúde. evidências para tomada de decisão.
As informações analisadas dão suporte O diagnóstico pode ter caráter descriti-
ao planejamento de políticas setoriais, vo, para levantar questões e dialogar sobre
como as de saúde e as que envolvem o problemas na comunidade, mas também,
saneamento ambiental de municípios. analítico, quando for necessário estabele-
Políticas públicas, formuladas democra- cer associações ou redes causais entre ele-
ticamente com a participação direta dos mentos do território e a situação de saúde.
sujeitos do território, tornam-se possibi-
lidades de ação efetiva do Estado na reso- Territorializar para compreender
lução de problemas de populações.
Na atualidade, críticas aos saberes téc- Muitas vezes, na elaboração de diagnósti-
nicos dos formuladores de políticas pú- cos, os elementos constitutivos da repro-
blicas apontam para o distanciamento de dução da vida social dos lugares são lista-
propostas (planos, projetos, estratégias e dos e tratados como conteúdos desarticu-
ações) em relação à realidade social dos lados do território analisado. Do mesmo
territórios. O caminho indicado para su- modo, em algumas análises de situação
perar esse desafio dá-se por meio da de- de saúde, os conteúdos do território são
mocratização das decisões estatais, pos- descritos e analisados como se este fosse
sibilitando à sociedade civil constituir-se mero receptáculo que contém determina-
como sujeito e ator social atuante na for- das características e aspectos. Portanto,
mulação das políticas públicas. incorporar a territorialização (ver p. 724)
No âmbito do saneamento, para uni- como método para a elaboração de diag-
versalização de ações e infraestrutura é nósticos consiste em reconhecer a ordem
necessário que o planejamento municipal da realidade, das coisas que ela própria
de saneamento seja focado na construção tem, de compreensão da totalidade con-
coletiva, por meio de mobilização social creta, ao abordar a realidade como uma
(ver p. 395) e fomento à participação so- “totalidade dos estados das coisas e das

203
EIXO 9 - TERRITORIALIZAÇÃO EM SAÚDE

situações existentes”,4 considerando a vi- que compartilha a criação de novos co-


da em sua integridade. nhecimentos, pois, para além dos dados
O processo de territorialização é técni- acumulados, pode levar à reformulação
ca essencialmente pedagógica, que ensi- de observações preconcebidas por meio
na a melhor forma de reconhecer terri- da descoberta de novos caminhos. Desse
tórios (diagnosticar, analisar, intervir), modo, a territorialização torna-se ins-
para formular políticas conforme as es- trumento participativo que permite, aos
pecificidades identificadas. diversos atores sociais locais, efetivar o
Ela constitui processo de manifesta- controle social sobre as intervenções e os
ções e interações com a realidade social, usos do território de interesse coletivo.5

Referências bibliográficas

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Para saber mais

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CASTRO, I. E. Geografia e política: território, escalas de ação e instituições. Rio de
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Vídeos

DR. JAIME BREILH. Determinación social de la salud. Hacia una salud colectiva efi-
ciente. Punto de Partida, 2013. 1 vídeo (7 min). Disponível em: https://www.youtu-
be.com/watch?v=wBT_NpB-vew.
COMO e por que as desigualdades sociais fazem mal à saúde. Entrevista com Rita Barradas
Barata. Direção de Marco Antônio Campos. Roteiro e apresentação de Renato Farias.

204
DIREITOS HUMANOS À ÁGUA E AO ESGOTAMENTO SANITÁRIO

Produção executiva de Valéria Mauro. Cepidss/Fiocruz, 2013. 1 vídeo (24 min). (Ciên-
cia & Letras). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=nBWdUkQe6Q0

Autoria deste verbete

Grácia Maria de Miranda Gondim. Arquiteta, doutora em Saúde Pública pela Ensp da
Fundação Oswaldo Cruz. Professora e pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Jo-
aquim Venâncio/Fiocruz e da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). D

Maurício Monken. Geógrafo, doutor em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pú-
blica Sérgio Arouca (Ensp), da Fiocruz. Professor, pesquisador e coordenador da Estação
de Territorialização da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da Fiocruz.

Edilene de Menezes Pereira. Geógrafa, mestre em Práticas em Desenvolvimento Sus-


tentável pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Professora e pes-
quisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV).

Felipe Bagatoli Silveira Arjona. Geógrafo, doutorando em Geografia pela Pontifícia


Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Professor e pesquisador do Labo-
ratório de Educação Profissional em Vigilância em Saúde (Lavsa) da EPSJV/Fiocruz.

Raiane Fontes de Oliveira. Geógrafa, doutoranda em Geografia Física, mestre em Geo-


grafia. Professora-pesquisadora do Laboratório de Educação Profissional em Vigilância
em Saúde (Lavsa) da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), Fundação
Oswaldo Cruz.

D
DIREITOS HUMANOS À ÁGUA E AO ESGOTAMENTO SANITÁRIO

O reconhecimento de que a água é ele- ao acesso à água potável em quantidade


mento fundamental para atender as ne- e qualidade suficientes para garantir as
cessidades básicas dos seres humanos necessidades básicas. Desde então, foram
foi inicialmente estabelecido em 1977, desenvolvidos vários planos de ação reco-
durante a Conferência das Nações Unidas nhecendo a água e o esgotamento sani-
sobre Água, em Mar del Plata, na Argenti- tário como direitos humanos.1
na. O plano de ação desenvolvido durante Por essa razão, o Comitê das Nações
aquela conferência determinava que to- Unidas sobre os Direitos Econômicos,
das as pessoas, independentemente da Sociais e Culturais adotou, em 2002, o
situação econômica e social, têm direito Comentário Geral 15 sobre o direito hu-

205
EIXO T - TEMAS TRANSVERSAIS

mano à água. Segundo o Comitê, o direito dos signatários da Convenção Internacio-


à água enquadra-se no direito a uma vida nal sobre os Direitos Econômicos, Sociais
com qualidade e está diretamente relacio- e Culturais devem orientar suas ações
nado aos direitos à saúde, à alimentação tendo como base esse entendimento.
e à moradia digna, previstos no Pacto Desde então, os Estados-membros que
Internacional sobre Direitos Econômicos, assinaram e ratificaram a Convenção de-
Sociais e Culturais, ratificado pela maio- vem garantir, progressivamente, os direi-
ria dos Estados-membros da Organização tos humanos à água e ao esgotamento
das Nações Unidas (ONU).2 sanitário (Dhaes), empregando o máxi-
Esse direito foi oficialmente reconheci- mo de recursos disponíveis, incluindo a
do por Resolução da Assembleia Geral das obrigatoriedade de reconhecê-los nos or-
Nações Unidas de julho de 20103 e pelo denamentos jurídicos nacionais.
Conselho de Direitos Humanos da ONU Eles têm a obrigação de respeitar, pro-
em outubro daquele ano4. Na resolução teger e promover estes direitos. Ao respei-
de julho, a Assembleia Geral reconhece tá-los, o Estado está impedido de violá-los;
que “o direito à água de consumo humano ao protegê-los, deve impedir que terceiros
segura e ao esgotamento sanitário é um promovam violação; e, ao promovê-los, de-
direito humano essencial para o pleno ve se responsabilizar em elaborar políti-
desfrute da vida e de todos os direitos hu- cas públicas que visem à consolidação dos
manos”. Isso pode ser compreendido em direitos. Isso não implica, necessariamen-
articulação com um conjunto de outras te, que o Estado seja o provedor do serviço,
resoluções e declarações sobre direitos mas cabe a ele monitorar e regulamentar
humanos, como a Declaração de Direitos os prestadores, além de impedir a violação
Humanos de Viena, em que se estabelece dos direitos.2 Com isso, o reconhecimen-
que todos os direitos humanos são uni- to dos Dhaes potencializa a utilização de
versais, indivisíveis e interdependen- novo referencial teórico na regulamenta-
tes, e estão relacionados entre si.5 ção dos serviços de água e esgotamento
No que se refere ao Conselho, em sua sanitário, requalificando o debate e con-
resolução de outubro, ele reafirma que o tribuindo de maneira significativa para a
direito humano à água e ao esgotamento elaboração e implementação de políticas
sanitário “deriva do direito a um nível de públicas de saneamento.
vida adequado e está indissoluvelmente
associado ao direito ao mais alto nível Definições dos Dhaes: conteúdo
possível de saúde física e mental, assim normativo e princípios
como ao direito à vida e à dignidade hu- dos direitos humanos
mana”. Cabe ressaltar que, em 2015, o es-
gotamento sanitário foi reconhecido pela A normativa específica para os Dhaes
Assembleia dos Direitos Humanos como apresenta um conteúdo normativo, as-
um direito independente.6 Dessa forma, o sim os definindo para o abastecimento
acesso à água e ao esgotamento sanitário de água:2, 7
adquiriu um status vinculante, ou seja,
passou a ter força semelhante à de uma • Disponibilidade, significando que as
lei, com vínculo jurídico, e todos os Esta- instalações de água devem ser continu-

206
DIREITOS HUMANOS À ÁGUA E AO ESGOTAMENTO SANITÁRIO

amente acessíveis e compatíveis com as apresentar odor, sabor e aparência


necessidades da população no presente aceitáveis, evitando que o indivíduo
e no futuro. A água deve ser suficiente busque fontes alternativas não segu-
para assegurar o uso pessoal e domés- ras, e as instalações devem ser aceitá-
tico, incluindo sua utilização no preparo veis para o uso pretendido, especial-
dos alimentos e bebidas, na lavagem das mente para a higiene pessoal.
mãos, dos pertences, na realização da • Em relação ao esgotamento sanitário,
higiene menstrual e no manejo das fe- as condições são definidas como:2, 7 D
zes. Esta quantidade pode variar depen- • Disponibilidade, compreendendo que o
dendo da cultura, do clima, do estilo de serviço de esgotamento sanitário deve
vida e das condições econômicas. estar disponível dia e noite em núme-
• Acessibilidade física, significando que a ro suficiente de instalações visando as-
infraestrutura deve estar localizada de segurar que todas as necessidades indi-
maneira efetivamente acessível, com viduais sejam atendidas.
considerações a pessoas que enfrentam • Acessibilidade física, também signifi-
barreiras específicas, como crianças, cando que a infraestrutura deve estar
idosos e pessoas mobilidade reduzida. localizada de maneira efetivamente
Além disso, o caminho percorrido pa- acessível a todos, sem discrimina-
ra coleta não deve apresentar riscos de ção, e que assegure a segurança física,
ataque, seja de animais ou de pessoas, sobretudo para as mulheres.
estar sujeito a ocorrência de violência • Qualidade e segurança, implicando a
física ou sexual, ou passar por terrenos segurança no uso das instalações e
perigosos, áreas pouco iluminadas e a prevenção do contato das pessoas e
vias de tráfego intenso. Sugere-se que animais com excretas, incluindo a pos-
exista uma fonte de água dentro, ou sibilidade de mulheres realizarem sua
nas proximidades, da casa, do trabalho, higiene menstrual. Devem dispor de
da escola e de instituições de saúde. água para a higiene pessoal.
• Qualidade e segurança, de forma a • Acessibilidade financeira, asseguran-
proteger a saúde dos usuários, sendo do que as pessoas possam arcar com
que a água deve ser segura para o con- os custos relativos ao acesso ao esgo-
sumo humano e para a higiene pesso- tamento sanitário sem comprometer
al e doméstica. o acesso a outros serviços essenciais à
• Acessibilidade financeira, de tal for- sobrevivência.
ma que as pessoas possam arcar com • Aceitabilidade, dignidade e privacida-
os custos relativos ao acesso à água, de. A solução deve atender aos padrões
sem comprometer sua capacidade de sociais e culturais das pessoas, sendo
adquirir outros bens e serviços bási- que as instalações devem ser aceitá-
cos, incluindo alimentação, moradia, veis do ponto de vista de seu projeto,
saúde e educação, garantidos por ou- posição e condições de uso, levando em
tros direitos humanos. conta as particularidades de gênero e
• Aceitabilidade, dignidade e privaci- a privacidade das mulheres. Além de
dade, atendendo aos padrões sociais aceito cultural e socialmente, e capaz
e culturais das pessoas. A água deve de garantir a privacidade, ele deve as-

207
EIXO T - TEMAS TRANSVERSAIS

segurar a dignidade humana. Entre as esgotamento sanitário, a escolha da tec-


inadequações dos serviços de esgota- nologia e do tipo de serviço que será uti-
mento sanitário pode-se citar a defe- lizado não pode prejudicar o acesso das
cação a céu aberto e as instalações que futuras gerações, e a manutenção regu-
não permitem a separação higiênica en- lar dos equipamentos deve ser realizada
tre o ser humano e a excreta. de forma a evitar o retrocesso.
• Adicionalmente aos conteúdos norma-
tivos, devem ser rigorosamente obser- Ao analisar o conteúdo normativo es-
vados os princípios que regem os di- tabelecido pelo Dhaes e os princípios dos
reitos humanos em geral:2, 7, 8 diretos humanos, verifica-se que grande
• Não discriminação e igualdade - diferen- parte da população brasileira, em especial
ças de cor, sexo, idioma, religião, origem, as pessoas em situação de vulnerabilida-
entre outras condições, não devem inter- de, ainda não têm acesso adequado. Por-
ferir na capacidade de gozo dos direitos; tanto, torna-se importante estimular que
• Acesso à informação e à transparência as políticas públicas sejam permeadas pe-
– cabe aos Estados promover o direito lo referencial de Dhaes, com o intuito de
humano de acesso à informação, de contribuir para que todos, principalmente
modo que seja assegurada sua disponi- os considerados em situação de vulnerabi-
bilidade a todos os cidadãos; lidade, estejam representados e tenham o
• Participação – todos os grupos sociais acesso a estes serviços assegurado.
potencialmente afetados pelas toma- Cabe lembrar que a questão do sanea-
das de decisão podem participar dos mento perpassa toda a Agenda 2030,
processos decisórios com o intuito de aprovada em 2015 pelos Estados-mem-
ampliar a possibilidade de eficácia e pe- bros da ONU. Os Objetivos de Desenvol-
renidade das intervenções; vimento Sustentável, que devem ser atin-
• Prestação de contas (accountability) – gidos até 2030, reafirmam a importância
corresponde a um conjunto de meca- desses direitos por meio de um objetivo
nismos para que a população possa as- específico, ODS 6, que visa assegurar a
segurar que os governos estejam cum- disponibilidade e a gestão sustentável
prindo as obrigações em relação aos da água e do esgotamento sanitário para
direitos humanos. todos. Contudo, ressalta-se a necessidade
• Realização progressiva – os Estados são de um acesso adequado a estes serviços
obrigados a utilizar o máximo dos recur- para atingir as metas de vários outros
sos que têm disponíveis, com a finalida- objetivos, como o ODS 3 (saúde de quali-
de de alcançar progressivamente a reali- dade), o ODS 11 (cidades e assentamentos
zação dos direitos para toda a população. humanos inclusivos, seguros, resilientes
Exclui-se a possibilidade de medidas e sustentáveis), o ODS 4 (voltado para a
regressivas, em especial as que possam educação), o ODS 5 (igualdade de gêne-
aumentar as desigualdades existentes. ro), o ODS 8 (crescimento econômico) e
• Sustentabilidade – a realização progres- o ODS 13 (enfrentamento de desastres e
siva dos direitos humanos deve acon- danos relacionados ao clima).9
tecer de maneira sustentável. No que Portanto, a relevância dos Dhaes deve
se refere aos direitos humanos à água e ser divulgada à população, para que esta

208
DIREITOS HUMANOS À ÁGUA E AO ESGOTAMENTO SANITÁRIO

possa entender, reconhecer e exigir seus de Saneamento Básico (PMSB – ver p.


direitos, seja por meio do controle social 450), o conteúdo normativo e princí-
(ver p. 156), seja pela a participação pios que regem os Dhaes, visando tam-
ativa na elaboração das políticas públi- bém alcançar a universalização com
cas em seu território. O planejamento equidade, conforme proposto na Lei
municipal da área deve considerar, em 11.445/2007.10
seus instrumentos, o Plano Municipal
D
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https://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/70/203.
8. ALBUQUERQUE, C. Realizing the human rights to water and sanitation: a hand-
book by the UN Special Rapporteur Catarina de Albuquerque. Introduction. Portu-
gal, 2014. Disponível em: https://www.ohchr.org/Documents/Issues/Water/Han-
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9. UNGA. Resolution adopted by the General Assembly on 25 September 2015.
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209
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

Para saber mais

ALBUQUERQUE, C. Realizing the Human Right to Water and Sanitation. A han-


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Geneva: Unga, 2012  . Disponível em: https://documents-dds-ny.un.org/doc/UN-
DOC/GEN/N12/456/53/PDF/N1245653.pdf.

Autoria deste verbete

Priscila Neves Silva. Doutora em Saúde Coletiva pelo Instituto René Rachou e pós-dou-
toranda no grupo de pesquisa de Políticas Públicas e Direitos Humanos em Saúde e
Saneamento, Fundação Oswaldo Cruz-MG (Fiocruz).

Léo Heller. Pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz e relator especial da Organização das
Nações Unidas (ONU) sobre os Direitos Humanos à Água e ao Esgotamento Sanitário.

D
DISPOSIÇÃO FINAL DE RESÍDUOS

Um sistema de gerenciamento de re- ações integradas entre si, pode envolver


síduos sólidos, como um conjunto de as etapas de coleta, transporte, trans-

210
DISPOSIÇÃO FINAL DE RESÍDUOS

bordo, tratamento, destinação de re- Legislação


síduos e disposição final de rejeitos.
O gerenciamento envolve a articulação Segundo a Lei 12.305/20101 a destina-
de ações normativas, de planejamento, ção final ambientalmente adequada
operacionais e financeiras que uma ad- significa “destinação de resíduos que inclui
ministração municipal desenvolve, ne- a reutilização, a reciclagem, a compostagem,
cessariamente considerando aspectos a recuperação e o aproveitamento energético
sanitários, ambientais e econômicos. ou outras destinações admitidas pelos órgãos D
É de responsabilidade da administração competentes do Sistema Nacional de Meio
municipal e deverá acompanhar crite- Ambiente (SISNAMA), do Sistema Nacional
riosamente todo o ciclo dos resíduos, de Vigilância Sanitária (SNVS) e do Sistema
desde a geração até sua disposição final. Unificado de Atenção à Sanidade Agropecu-
Contudo, as etapas de destinação e dis- ária (SUASA), entre elas a disposição final,
posição final têm sido desafiadoras para observando normas operacionais específicas
os municípios brasileiros, os quais têm de modo a evitar danos ou riscos à saúde pú-
apresentado grande dificuldade em im- blica e à segurança e a minimizar os impactos
plementar ações efetivas. ambientais adversos”. 
Embora o Brasil inclua na sua Política A disposição final ambientalmente
Nacional de Resíduos Sólidos (ver p. 463) adequada é definida como “distribuição
as definições de destinação e disposição ordenada de rejeitos em aterros, observan-
final atreladas respectivamente a resídu- do normas operacionais específicas de modo
os e rejeitos, percebe-se que na prática a evitar danos ou riscos à saúde pública e
as comunidades, especialmente aquelas à segurança e a minimizar os impactos am-
cidades com população inferior a 50.000 bientais adversos”1.
habitantes, não observam essa distinção O Plano Municipal de Saneamento Bá-
nas suas discussões, intervenções e im- sico, quando engloba o Plano Municipal
plementações da política. Esse fato ocorre de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos
em função de um cenário de escassez de (ver p. 463), deverá apresentar as pro-
recursos e baixo investimento no setor, postas do município quanto as ações de
além do quase inexistente envolvimento destinação e disposição final de resíduos,
dos diferentes atores sociais ao longo da atendendo a Lei Federal 11.445/20072 e a
cadeia dos resíduos. Consequentemente, Lei Federal 12.305/20101.
a destinação, que envolve ações de reú- A Lei 14.026/2020, que atualiza o mar-
so, reaproveitamento e reciclagem (ver p. co legal do saneamento, define no seu
551) como exemplos, não é explicitamen- artigo 54 que “a disposição final ambiental-
te abordada e articulada para fazer parte mente adequada dos rejeitos deverá ser im-
da planificação da comunidade. Conse- plantada até 31 de dezembro de 2020, exceto
quentemente, o conceito de rejeito apre- para os municípios que até essa data tenham
senta dificuldade de se concretizar. Isso elaborado plano intermunicipal de resíduos
demonstra que a existência de legislação sólidos ou plano municipal de gestão inte-
sobre o tema no país não é suficiente pa- grada de resíduos sólidos e que disponham de
ra que ocorram efetivas mudanças na ges- mecanismos de cobrança que garantam sua
tão dos resíduos nos municípios. sustentabilidade econômico-financeira, nos

211
EIXO 6 - MANEJO DE RESÍDUOS SÓLIDOS

termos do art. 29 da Lei nº 11.445/ 2007. requisitos mínimos para localização, pro-
Nos casos em que a disposição de rejeitos em jeto, implantação, operação e encerramen-
aterros sanitários for economicamente in- to de aterros sanitários de pequeno porte
viável, poderão ser adotadas outras soluções, (aqueles que recebem até 20 toneladas de
observadas normas técnicas e operacionais resíduos por dia ou menos). Ademais, os
estabelecidas pelo órgão competente, de mo- aterros sanitários podem ter ou não a ge-
do a evitar danos ou riscos à saúde pública ração de energia. O aterro sanitário com
e à segurança e a minimizar os impactos geração de energia é aquele que utiliza a
ambientais.”3 drenagem dos gases gerados nos processos
O aterro sanitário é a tecnologia uni- de decomposição anaeróbia dos resíduos e
versal de disposição final de resíduos sóli- os encaminha, por meio de tubos coletores,
dos urbanos, imprescindível, mesmo nos para uma unidade de geração de energia.
países onde existem outras tecnologias O aterro sanitário é um método de
de tratamento, como incineração, com- disposição final de resíduos sólidos urba-
postagem e reciclagem. nos, e, portanto, resíduos não perigosos
No Brasil, seu uso predomina como téc- (Classe IIA), sobre terreno natural, atra-
nica de tratamento e disposição final de vés do seu confinamento em camadas co-
resíduos. Em 2017, a Abrelpe4 registrou bertas com material inerte – geralmente
59,1% do montante anual de resíduos enca- solo –, segundo normas específicas, de
minhados para esses locais, corresponden- modo a evitar danos ao meio ambiente,
do a aproximadamente 43 milhões de to- em particular à saúde e à segurança pú-
neladas de resíduos aterrados em 2017. As blica. Nele deve-se implantar medidas
regiões Sul e Sudeste destacam-se quanto para coleta e tratamento de efluentes
a maior concentração de aterros no Brasil. (chorume ou lixiviado) e gases produzi-
Na América Latina5, são gerados 541 dos (biogás), bem como planos de moni-
milhões de toneladas de resíduos por dia, toramento ambiental e geotécnico.
sendo que 145 milhões de toneladas/dia A primeira etapa de um projeto de ater-
ainda são dispostos em lixões. Um outro ro sanitário é a escolha de uma área onde
dado alarmante é que cerca de 40 milhões ele será implantado e operado. O que se
de pessoas ainda não têm acesso a coleta deseja dessa área é identificar aquela com
de resíduos. menor potencial para geração de impac-
tos ambientais, maior vida útil, baixos
Normas de referência custos de instalação e operação e aceita-
bilidade da comunidade. Após a escolha
Os aterros sanitários são normalizados da área apropriada, na elaboração de um
pela Associação Brasileira de Normas projeto deve-se considerar: forma de ope-
Técnicas (ABNT) com duas normas de re- ração, sistemas de drenagem das águas
ferência – a NBR 8.419/1992 (versão cor- pluviais, sistemas de impermeabilização
rigida de 1996) e a NBR 15.849/2010. A da base do aterro, cobertura final, drena-
primeira versa sobre as condições mínimas gem de lixiviados, drenagem do biogás,
exigíveis para a apresentação de projetos sistemas que assegurem a estabilidade do
de aterros sanitários de resíduos sólidos, maciço de terra e resíduos, monitoramen-
enquanto a segunda tem como escopo os to e fechamento do aterro.

212
DISPOSIÇÃO FINAL DE RESÍDUOS

Durante a elaboração do projeto de- • aterro em área: caracterizado pela dis-


fine-se o método construtivo a ser esta- posição em áreas planas acima da cota
belecido em função das características do terreno natural.
topográficas da área selecionada, volume
de resíduos a dispor, tipo do solo local, A unidade de aterro sanitário é passível
profundidade do lençol freático, dentre de licenciamento ambiental.
outros elementos. Os aterros sanitários Um projeto de aterro sanitário é uma
podem ser classificados de acordo com a obra de engenharia, portanto deverá ter D
forma em que são projetados para a insta- um projeto executivo constituído de me-
lação para disposição de RS no solo 5: morial descritivo, memorial técnico, crono-
grama de execução e estimativa de custos,
• aterro em vala: em escavação com profun- desenhos ou plantas. O projeto deverá ser
didade limitada e largura variável, confi- desenvolvido por profissional com regis-
nada em todos os lados, dando oportuni- tro no Conselho Regional de Engenharia e
dade a uma operação não mecanizada; Agronomia (Crea), com indicação de anota-
• aterro em trincheira: em escavação sem ção de responsabilidade técnica (ART).
limitação de profundidade e largura, Portanto, todo município brasileiro
que se caracteriza por confinamento deve se adequar e implantar aterro sani-
em três lados e operação mecanizada; tário para disposição final adequada de
• aterro em encosta: usa taludes pré- seus rejeitos, seja por forma compartilha-
-existentes, geralmente em áreas de da ou consorciada, seja implantando em
ondulações ou depressões naturais, en- seu território municipal. Além de atender
costas de morros ou pedreiras e áreas à legislação pertinente, estará contri-
de mineração desativadas; buindo para a saúde pública e ambiental.

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EIXO 6 - MANEJO DE RESÍDUOS SÓLIDOS

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relacionados%20a%20res%c3%adduos%20s%c3%b3lidos%20urbanos%20no%20
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Para saber mais

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Autoria deste verbete

Liséte Celina Lange. Professora titular do Departamento de Engenharia Sanitária e


Ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais (Desa/UFMG). Doutora em Tec-
nologia Ambiental pela Universidade de Londres, Inglaterra.

Cynthia Fantoni Alves Ferreira. Engenheira civil, sanitarista e ambiental. Doutora em


Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos – Universidade Federal de Minas Ge-
rais (UFMG). Pesquisadora pós-doutoral do Departamento de Engenharia Sanitária e
Ambiental da UFMG.

214
DISPOSITIVOS DE PROTEÇÃO DO SISTEMA DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA

D
DISPOSITIVOS DE PROTEÇÃO DO SISTEMA
DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA

Os sistemas de abastecimento de água água (SAA – ver p. 645), sendo os princi- D


(SAAs) operam sob pressão e variações pais: bloco de ancoragem, proteção contra
de velocidade, além de estarem expostos corrosão, dispositivos antigolpe de aríete,
a condições climáticas e ao meio (solo, antivórtices, e dispositivos de remoção de
biota, lençol freático etc.) que envolve as ar na tubulação.
tubulações e acessórios. Desta forma, as Blocos de ancoragem são estruturas de
instalações hidráulicas encontram-se concreto armado que têm como finali-
sujeitas a esforços, mudanças bruscas dade receber os esforços mecânicos das
de escoamento e de pressões, além dos tubulações. Vários componentes do SAA
efeitos de corrosão do material. Assim, funcionam sob pressões elevadas e que
é crucial que as tubulações desses siste- exercem esforços de grande magnitude
mas possuam dispositivos que as prote- nos componentes do sistema. Existem
jam, evitando problemas de vazamento, pontos notórios nos quais as solicitações
contaminação da água e paralisação na tubulação são maiores: curvas, re-
dos serviços. duções, tê, válvulas e conexões, ou nas
O Plano Municipal de Saneamen- bolsas das tubulações aéreas quando em
to Básico (PMSB – ver p. 450) inclui o terreno com elevada declividade.
diagnóstico técnico-operacional. Este As adutoras conduzem a água para
documento engloba uma avaliação de- os componentes dos SAA, podendo ser
talhada das condições atuais do sistema canais ou tubulações. Quando o trans-
de abastecimento de água, com análise porte da água ocorre por condutos
crítica dos principais indicadores de forçados, ou seja, tubulações que estão
caracterização e desempenho operacio- sob pressão, estes se dão em tubos de
nal. Também traz descrição de toda a aço, ferro, PVC ou por polietileno re-
infraestrutura existente – desde a cap- forçado com fibra de vidro (PRFV). Os
tação até a chegada ao domicílio dos tubos metálicos estão sujeitos ao pro-
usuários – para os sistemas coletivos cesso natural de corrosão.
constituídos de rede e a caracterização A corrosão é definida como a dete-
dos sistemas coletivos desprovidos de rioração de um material, geralmente
rede e dos sistemas individuais. metálico, por ação química ou eletro-
química, aliada ou não a esforços
Principais dispositivos mecânicos.1 O processo pode ocorrer
de segurança devido a: exposição da tubulação aérea
(não enterrada) à agressividade da at-
Existem diversos dispositivos de segu- mosfera; contato com o solo, que pode
rança em um sistema de abastecimento de deteriorar o material em função da umi-

215
EIXO 4 - ABASTECIMENTO DE ÁGUA

dade, da composição química ou do pH Desta forma, é fundamental um


(este, por presença de sais, ácidos ou programa de manutenção frequente
bases na água); processos de natureza dos componentes metálicos do sistema.
eletroquímica; ou, ainda, outras formas Tubos de ferro fundido danificados e
tais como a atividade de microrganismos que possuam diâmetro maior que 150
e a fadiga de materiais.1 milímetros(mm) podem ser recuperados
Como forma de proteger as adutoras por meio do uso da técnica de revestimento
metálicas do processo de corrosão, uti- com argamassa de cimento, processo
liza-se a proteção catódica, que pode econômico quando comparado com a
ser entendida como um processo eletro- substituição da tubulação. Porém, para
químico que transforma a tubulação em tubos de menor diâmetro, recomenda-se
uma pilha por meio da geração de uma trocar a tubulação por uma nova. 3
corrente elétrica. São dois tipos de siste- O SAA funciona em muitos momentos
mas que podem ser utilizados e que pos- em regime permanente, no qual a velo-
suem o mesmo princípio de funciona- cidade de escoamento da água e a pressão
mento: a proteção catódica galvânica (ou no sistema são constantes. Por vezes, é
por anodos galvânicos ou de sacrifício) e necessária sua paralisação – programa-
a proteção catódica por corrente impres- da ou não – ou a abertura e fechamento
sa ou forçada.2 de válvulas. A parada brusca do escoa-
Na proteção catódica galvânica, a dife- mento gera um fenômeno hidráulico
rença de potencial existente entre a tu- denominado golpe de aríete. Aríete era
bulação metálica e o anodo de sacrifício uma arma antiga utilizada para quebrar
gera a corrente elétrica, sendo os anodos portões na Idade Média, na qual um
de zinco, magnésio, e de alumínio os tronco forte com uma ponta de aço faz
mais utilizados devido à maior diferença um movimento de pêndulo em direção
de potencial gerada.1 Na proteção cató- aos portões. O fenômeno hidráulico re-
dica por corrente impressa, o fluxo de cebe esse nome devido ao movimento
corrente é adicionado ao sistema por similar que ocorre dentro da tubulação
meio de uma fonte gerada de corrente quando uma válvula é fechada brusca-
contínua, tal como baterias, retificado- mente. Ao encontrar uma barreira que
res e geradores.1 Essa solução apresenta cessa o escoamento de forma bruta, a
grande vantagem em estruturas metáli- água gera ondas com movimentos pen-
cas de grandes extensões e por não so- dulares. Este movimento gera pressões
frer interferência de outras correntes (se negativas e positivas que podem resultar
estiverem próximas a linhas de metrô, em colapso da tubulação.
por exemplo), podendo, assim, ser utili-
zadas em zonas urbanas. Proteções para a
proteger a tubulação
Necessidade de
manutenção frequente De forma a proteger a tubulação são uti-
lizados dispositivos antigolpe: válvula
A corrosão leva ao desgaste do de retenção, tanque hidropneumático,
material, provocando vazamentos. dispositivos de admissão e saída de ar,

216
DISPOSITIVOS DE PROTEÇÃO DO SISTEMA DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA

tanque de alimentação unidirecional evada, sendo o ar expulso da tubulação


(TAU) e torre de equilíbrio. pelas válvulas, reduzindo a pressão in-
terna da tubulação.
• A válvula de retenção tem por finali- • Tanque de alimentação unidirecional
dade proteger equipamentos eletro- (TAU) é um reservatório que tem como
mecânicos (bombas), impedindo que função injetar água no sistema para
a água escoe no sentindo contrário do elevar a pressão dentro da tubulação
fluxo em uma paralisação não prevista, quando esta chega a um nível que pode D
como a queda de energia. Caso não haja levar à ruptura. A torre de equilíbrio
este dispositivo, a reversão do fluxo de tem funcionamento similar ao TAU,
escoamento pode levar o rotor do equi- porém ela pode tanto alimentar a tu-
pamento a girar no sentido contrário, bulação para aumentar a pressão –
danificando-o. evitando que o sistema trabalhe em
• O tanque hidropneumático é um re- subpressão – como retirar água da tu-
servatório que contém água e ar com- bulação para diminuir a pressão inter-
primido e tem como finalidade intro- na, quando necessário.
duzir água na tubulação quando há
parada brusca da bomba, fazendo com Os responsáveis e titulares da
que as ondas provocadas pelo fenôme- prestação de serviços de abastecimento
no do golpe de aríete cessem. de água para consumo humano devem
• As válvulas de admissão e saída de ar verificar com frequência as condições
são dispositivos instalados na tubu- destes dispositivos de segurança, uma
lação que permitem a entrada e a saída vez que o funcionamento incorreto
de ar. As ondas provocadas pela paral- acarreta problemas operacionais e au-
isação brusca do fluxo de água geram menta o índice de perdas de água (ver p.
pressões positivas e negativas dentro 429). Isso gera impacto para os usuári-
da tubulação. Quando a tubulação en- os, devido a paralisações do sistema, e
contra-se com pressão negativa, as vál- para o titular dos serviços, que terá cus-
vulas permitem a entrada de ar atmos- tos adicionais oriundos da elevação de
férico para aumentar a pressão interna perdas, da quebra de equipamentos ou
dos tubos, evitando que haja colapso. O do incremento desnecessário do volume
inverso ocorre quando a pressão é el- produzido.

Referências bibliográficas

1. TSUTIYA, M. T. Abastecimento de água. 3. ed. São Paulo: PHA/Poli/USP, 2006.


2. GENTIL, V. Corrosão. 6. ed. reimpr. Rio de Janeiro: LTC, 2017. p. 288-291.
3. MCIDADES (org.). Abastecimento de água: construção, operação e manutenção de
redes de distribuição de água. Guia do profissional em treinamento: nível 2. Belo
Horizonte: ReCesa, 2008.

217
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

Para saber mais

AZEVEDO NETTO, J. M.; FERNÁNDEZ, M. F. Manual de hidráulica. 9. ed. São


Paulo: Blucher, 2018.
MCIDADES. Peças técnicas relativas a planos municipais de saneamento básico. 1.
ed. Brasília: MCidades, 2011.
HELLER, L.; PÁDUA, V. L. (coord.). Abastecimento de água para consumo humano. 3.
ed. Belo Horizonte: Editora UFMG. 2016. v. 2.
MCIDADES (org.). Abastecimento de água: operação e manutenção de estações elevatórias
de água. Guia do profissional em treinamento: nível 1. Belo Horizonte: ReCesa, 2008.

Autoria deste verbete

Antonio Natanael Costa Sancho. Engenheiro ambiental pela Universidade Federal do Ceará
(UFC) e engenheiro civil pela Universidade de Fortaleza (Unifor). Mestrando em Saneamen-
to, Meio Ambiente e Recursos Hídricos pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

César Rossas Mota Filho. Doutor em Engenharia Civil e Ambiental pela Universidade
Estadual da Carolina do Norte (EUA). Professor Associado do Departamento de Enge-
nharia Sanitária e Ambiental (Desa) da Universidade Federal de Minas Gerais.

D
DOENÇAS RELACIONADAS AO SANEAMENTO
AMBIENTAL INADEQUADO (DRSAIS)

O saneamento é importante para os ria, ambiental, epidemiológica, técnica,


municípios, não somente para evitar as econômica e cultural.
doenças relacionadas com as diversas O saneamento constitui-se em eficiente
formas de utilização das águas e dos re- estratégia de prevenção, proteção e pro-
síduos, como para a preservação ambien- moção da saúde, de bem-estar social e de
tal, das coleções hídricas, dos ecossiste- proteção ambiental, contribuindo para a
mas, da promoção da vida e da amplia- qualidade de vida humana e não humana.
ção de suas potencialidades. Aprofundar Um conjunto extenso de doenças são evi-
a compreensão dos diversos grupos de táveis por meio do uso de práticas sociais
doenças relacionadas ao saneamento e de tecnologias que contribuem para
ambiental revela sua importância estra- uma vida saudável e ambientes salubres.
tégica para o planejamento dos terri- A dicotomia entre existência ou ine-
tórios e para as condições de vida das xistência de saneamento em um dado
populações, em suas dimensões sanitá- território é melhor compreendida em

218
DOENÇAS RELACIONADAS AO SANEAMENTO AMBIENTAL INADEQUADO (DRSAIS)

termos de adequação/inadequação, amplo que o saneamento básico, permi-


pois possibilita a apreensão de níveis de te considerar as relações ecológicas que
cobertura e de qualidade no acesso aos o termo possui, ampliando suas ações
sistemas, serviços públicos e soluções estruturais e estruturantes, bem como a
sanitárias individuais. É importante intersetorialidade necessária.
apreender como e, em que medida, dá- As DRSAIs podem estar relacionadas
-se o acesso ao saneamento para se atu- à inadequação dos sistemas e serviços
ar sobre o que caracteriza e determina de saneamento: abastecimento de água, D
a inadequação. No Brasil, o saneamen- esgotamento sanitário, resíduos sólidos,
to básico é um direito assegurado pela manejo de águas pluviais, proliferação
Constituição. A Lei 11.445/20071 de- de vetores; ou às condições precárias das
fine-o como o conjunto dos serviços, in- habitações.2
fraestrutura e instalações operacionais Na década de 1970, pesquisadores
de abastecimento de água; esgotamento propuseram uma classificação das in-
sanitário; limpeza urbana e manejo de fecções relacionadas ao saneamento de
resíduos sólidos; e drenagem urbana e acordo com seu modo de transmissão e
manejo de águas pluviais1 . não pelo tipo de organismo ou pelo efei-
to no paciente. 3
Rotas de transmissão Posteriormente, foi realizada uma me-
lhoria, ao se considerar a classificação
As doenças relacionadas ao saneamen- por rotas de transmissão, em vez de por
to ambiental inadequado (DRSAIs) doenças, porque algumas delas podem
constituem um conjunto de agravos ser transmitidas por mais de uma via.
transmissíveis à saúde, relacionados ao Isso contribuiu para redobrar o interesse
contexto ambiental, à infraestrutura, aos no processo de transmissão, que é a pre-
serviços e às instalações operacionais que ocupação de todos aqueles que buscam
contribuem ou dificultam a reprodução controlar doenças por ações sobre o am-
da vida. Monitorar e avaliar as incidên- biente, em vez de por imunização ou por
cias e prevalências desses agravos e sua tratamento de pacientes.
distribuição espaço-temporal são papéis
essenciais da gestão pública, no sentido Cinco categorias
de contribuir para o planejamento, pro-
jetos, implantação de sistemas e serviços A classificação das DRSAIs foi adaptada
que contribuam para o acesso universal e de Cairncross e Feachem.3 Com a finali-
adequado ao saneamento. dade de conhecer sua incidência e pre-
Há um espectro amplo de condições de valência por meio dos sistemas de In-
vida e situações de acesso ao saneamen- formações de Saúde, foram definidas as
to – como qualidade da infraestrutura, doenças transmissíveis relacionadas ao
cobertura e condições de operação e saneamento ambiental.
manutenção dos serviços – que são im- As DRSAIs consistem em grupos de do-
portantes para sua expressão na quali- enças distribuídas em cinco categorias,
dade de vida e de saúde. O saneamento selecionadas em função das diversas ro-
ambiental (ver p. 577), conceito mais tas de transmissão:

219
EIXO 9 - TERRITORIALIZAÇÃO EM SAÚDE

1. doenças de transmissão feco-oral; Quando a população tem acesso aos


2. doenças transmitidas por inseto vetor; serviços públicos ou soluções individuais
3. doenças transmitidas através do de saneamento adequados, a transmissão
contato com a água; de doenças pode ser controlada e reduzi-
4. doenças relacionadas com a higiene; da, bem como as iniquidades em saúde5
5. geo-helmintos e teníases. – por serem evitáveis e injustas – o que
contribui para um ambiente salubre e pa-
Esta classificação permite conhecer, ra a melhoria da qualidade de vida.
monitorar, avaliar e intervir nas situa- As DRSAIs estão apresentadas no Qua-
ções de saúde dos territórios relacionadas dro 1, em categorias, de acordo com as ro-
às condições de saneamento ambiental, tas de transmissão. São apresentados os
bem como reduzir os gastos com saúde códigos internacionais de Classificação
e não apenas prevenir doenças, mas pro- Estatística Internacional de Doenças e
mover a saúde ambiental e humana.2, 4 Problemas Relacionados à Saúde de 1996
(CID-10) e os de 2018 (CID-11).6-9

Categorias Doenças CID-10(1) CID-11(2)


Febre tifoide e
A01 A07
1. Doenças de paratifoide
transmissão A00;
A00-A09; A20-A24;
feco-oral Diarreias A02-A04;
A30-A36; A40; F6G
A06-A09
Hepatite A B15 E50.0

Dengue A90; A91 D20-D22; D2Z


Chikungunya - D40
Zika vírus - D48

2. Doenças Febre amarela A95 D47


transmitidas por Febre do Oropouche - D43
inseto vetor
Leishmanioses B55 F54
Filariose B74 F66.30
Malária B50-B54; C-61; F40-F42; F45
Doença de Chagas B57 F53
3. Doenças Esquistossomose B65 F86; F86.4
transmitidas
através do contato
com a água Leptospirose A27 B91

220
DOENÇAS RELACIONADAS AO SANEAMENTO AMBIENTAL INADEQUADO (DRSAIS)

Doenças dos olhos - 9E1Z


4. Doenças Tracoma A71 C23
relacionadas com Conjuntivites H10 A60
a higiene Doenças da pele L02; L08 EA40; EA60
Micoses superficiais B35; B36 F28, F2B; F2C; F2J
B68; B69; F6B; F6G; F62;
5. Geo-helmintos Helmintíases
B71; B76-B83 F65; F68.0-F68.2 D
e teníases
Teníases B67 F70; F76

Quadro 1. Doenças Relacionadas ao Saneamento Ambien-


tal Inadequado (DRSAIs). Fonte: COSTA, A. M. et al. (2013).

(1) OMS. Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados


à Saúde (CID-10), rev. 1996, divulgada em 1997; 2009.
(2) Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saú-
de (CID - 11), Versão 4/2019.
Obs. 1 - Doenças diarreicas e CID: cólera - A00; outras doenças por salmonelas - A02;
shiguelose - A03; outras infecções intestinais bacterianas - A04; outras intoxicações
alimentares bacterianas, não classificadas em outra parte - A05; amebíase - A06; ou-
tras doenças intestinais por protozoários - A07; infecções intestinais virais e outras
especificadas - A09; diarreia e gastroenterite de origem infecciosa presumível - A10.
Obs. 2 - Chikungunya e zika vírus não foram inseridos no CID-10.

As cinco categorias das DRSAIs expres- A categoria 2, das doenças transmitidas


sam as doenças de importância sanitária por inseto vetor, as arboviroses – sobre-
do país e devem ser atualizadas ao longo tudo as transmitidas pelo Aedes aegypti –
do tempo, a partir de doenças emergentes têm se constituído em grande problema
(novas doenças descobertas em um deter- de saúde pública, sobretudo a epidemia
minado território) e reemergentes (que re- de dengue, iniciada em 1986. A partir de
aparecem com o aumento de casos, voltan- 2014, as doenças emergentes e de grande
do a representar ameaça à saúde pública). impacto sanitário, como zika vírus e chi-
kungunya, intensificaram a importân-
Categorias de maior cia sanitária das arboviroses no Brasil.
relevância epidemiológica Outras arboviroses, mesmo com poucos
casos, precisam estar sob vigilância epi-
Dentre as DRSAIs, as categorias 1 e 2 são demiológica – como a febre de Mayaro e a
as de maior relevância epidemiológica. A doença do Nilo Ocidental, que, se tiverem
primeira refere-se às doenças de transmis- o aumento da sua incidência (ou seja, de
são feco-oral, e tem nas diarreias agudas a casos novos) podem passar a fazer parte
maior quantidade de registro nos sistemas das DRSAIs.
de saúde, com a maior expressão em ter- As demais categorias têm uma associa-
mos de casos e de internação hospitalar. ção maior com a pobreza e as condições

221
EIXO 9 - TERRITORIALIZAÇÃO EM SAÚDE

materiais de vida precárias, com expres- • inexistência ou precariedade na manu-


são epidemiológica menor que as anterio- tenção de redes de esgoto sanitário e de
res. Circunscrevem-se a territórios com seu tratamento;
características específicas, mas sua erra- • precariedade no manejo de águas plu-
dicação enfrenta dificuldades. viais e dos corpos hídricos, que podem
O conjunto dessas categorias tem sua se constituir em criadouros dos mosqui-
persistência e mesmo a emergência em tos Culex quinquefasciatus e do A. aegypti,
contexto de iniquidade social e, também, ambos transmissores do zika vírus.
em decorrência da baixa articulação in-
tersetorial para seu enfrentamento arti- A Organização das Nações Unidas
culado. A centralidade do controle quími- (ONU) instituiu, a partir de 2008, o re-
co para as arboviroses tem se mostrado latório anual sobre os Indicadores de De-
ineficiente e perdulária. É necessária a senvolvimento Sustentável (IDS), que
articulação intersetorial buscando rom- passaram a ser adotados pelo Instituto
per o ciclo doença-pobreza. Brasileiro de Geografia e Estatística (IB-
GE). São quatro dimensões de indicadores:
Insalubridade ambiental ambiental, social, econômica e institucio-
nal. Há um tema específico para a saúde
O quadro epidemiológico que configura na dimensão social e um indicador das
insalubridade ambiental é atribuído às DRSAIs4, 11: “Internações hospitalares por
instalações de equipamentos e processos doenças relacionadas ao saneamento am-
tecnológicos de saneamento inadequa- biental inadequado”, por 100 mil/habitan-
dos. Pode, ainda, associar-se ao manejo tes (https://sidra.ibge.gov.br/pesquisa/
inadequado das águas e resíduos que con- ids/tabelas). Sua parametrização deu-se
tribuem para a contaminação dos corpos a partir dos estudos desenvolvidos para
hídricos e dos solos e para a proliferação a Fundação Nacional de Saúde (Funasa),
de vetores de doenças.10 sistematizados no relatório “Impactos na
A interface saneamento-saúde requer saúde e no Sistema Único de Saúde decor-
observar processos que ocorrem por insu- rentes de doenças relacionadas a um sane-
ficiência e inadequação de infraestrutura amento ambiental inadequado”.6
e de serviços prestados à população, como: Os dados referentes a esse indicador
estão disponíveis a partir de 2000, para
• abastecimento de água irregular e o Brasil e para as grandes regiões, e por
descontínuo, principalmente em áre- unidade da Federação (UF), a partir de
as onde moram pessoas com maior 2008. Podem ser acessados para o con-
vulnerabilidade socioambiental – o junto das DRSAIs ou por categorias de
que contribui para reproduzir a ini- doenças (descritas no Quadro 1).
quidade social; Mesmo se considerando a relevância
• armazenamento indevido da água em desses indicadores, eles podem ser con-
recipientes que se tornam criadouros siderados subestimados devido à grande
do mosquito Aedes aegypti; subnotificação dos casos de morbimorta-
• limpeza pública precária em áreas ca- lidade em algumas UFs, em especial nas
rentes e acúmulo de resíduos sólidos; regiões Norte e Nordeste.4

222
DOENÇAS RELACIONADAS AO SANEAMENTO AMBIENTAL INADEQUADO (DRSAIS)

É relevante analisar a distribuição espa- As DRSAIs já são apresentadas em di-


cial das DRSAIs, de forma agregada, por versos planos municipais de Saneamento
categorias e por agravos e, nas escalas mi- Básico (PMSBs – ver p. 450), com maior
crorregional, municipal e inframunicipal, destaque para as doenças de notificação
considerando os desafios para o acesso compulsória. O desafio está em produzir
aos bens e serviços de saneamento e suas e obter na escala municipal os dados de
dimensões operacionais: geográfica, so- doenças que as instituições não são obri-
ciocultural, organizacional e econômica. gadas a notificar que podem representar D
Esta abordagem sistêmica permite moni- importantes indicadores de eficiência
torar, avaliar e incidir nos equipamentos dos componentes de saneamento. Am-
e nos diversos serviços de saneamento. A pliar essas informações, de forma quan-
compreensão das condições sanitárias e de titativa ou qualitativa, contribui para
sua determinação social requer também a qualificar o planejamento municipal em
apropriação dos indicadores socioeconô- saneamento e o seu monitoramento, e
micos – como renda, escolaridade, raça e para afirmar a promoção da saúde públi-
gênero – para a melhor compreensão das ca como objetivo estratégico da área.
relações sociais com o saneamento.

Referências bibliográficas

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Ato2007-2010/2007/Lei/L11445.htm. Acesso em: 19 ago. 2019.
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gov.br/visualizacao/livros/liv53096_cap3.pdf. Acesso em: 19 nov. 2019.
3. CAIRNCROSS, S.; FEACHEM, R. Environmental health engineering in the trop-
ics: an introductory text. Chichster: Wiley, 1993.
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ro: IBGE, 2015. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/
liv94254.pdf. Acesso em: 19 ago. 2019.
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grave doença: comentários sobre o documento de referência e os trabalhos da Co-
missão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde. Cadernos de Saúde Pública,
Rio de Janeiro, v. 22, n. 9, set. 2006. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/csp/
v22n9/26.pdf. Acesso em: 19 nov. 2019.
6. COSTA, A. M.; PONTES, C. A. A.; GONÇALVES, F. R.; LUCENA, R. C. C. B.; CAS-
TRO, C. C. L.; GALINDO, E. F.; MANSUR, M. C. Impactos na saúde e no Sistema
Único de Saúde decorrentes de agravos relacionados a um saneamento ambiental
inadequado. In: FUNASA. 1º Caderno de pesquisa em engenharia de saúde públi-
ca. 1. ed. 3. reimp. Brasília: Funasa, 2013. p. 7-27. Disponível em: http://bvsms.
saude.gov.br/bvs/publicacoes/1_caderno_pesquisa_engenharia_saude_publica.
pdf. Acesso em: 19 nov. 2019.
7. MS. Portaria de consolidação nº 4, de 28 de setembro de 2017. Capítulo 1: Da Lis-

223
EIXO 9 - TERRITORIALIZAÇÃO EM SAÚDE

ta Nacional de Notificação Compulsória. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.


br/bvs/saudelegis/gm/2017/prc0004_03_10_2017.html. Acesso em: 19 nov. 2019.
8. OMS. Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relaciona-
dos à Saúde (CID-10), rev. 1996, divulgada em 1997. Tradução Centro Colaborador
da OMS para a classificação de Doenças em Português. 10 ed. rev. 1 reimp. São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo, 2009.
9. OMS. Estatística de Mortalidade e Morbidade. Classificação Estatística Interna-
cional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-11). Versão 4/2019.
Disponível em: https://icd.who.int/browse11/l-m/en#/http://id.who.int/icd/enti-
ty/181637364. Acesso em: 19 ago. 2019.
10. MS; FUNASA. Termo de referência para elaboração de plano municipal de sane-
amento básico. Brasília: Funasa, 2018. Disponível em: http://www.funasa.gov.br/
documents/20182/23919/TR+PMSB+2018+Funasa+WEB.pdf/89aefa32-ee9a-4e-
96-924d-ad50f98b39c1. Acesso em: 19 nov. 2019.
11. FIOCRUZ. IBGE utiliza indicador de saúde ambiental da Fiocruz. Agência Fiocruz
de Notícias. 3 jun. 2009. Disponível em: https://agencia.fiocruz.br/ibge-utiliza-indi-
cador-de-sa%C3%BAde-ambiental-da-fiocruz. Acesso em: 19 nov. 2019.
12. FUNASA. Impactos na saúde e no sistema único de saúde decorrentes de agra-
vos relacionados a um saneamento ambiental inadequado. Brasília: Funasa, 2010.
Disponível em: http://www.funasa.gov.br/site/wp-content/files_mf/estudosPesqui-
sas_ImpactosSaude.pdf.

Para saber mais

http://www.ensp.fiocruz.br/portal-ensp/informe/site/materia/detalhe/49018
http://www.funasa.gov.br/site/wp-content/files_mf/estudosPesquisas_ImpactosSaude.pdf

Autoria deste verbete

André Monteiro Costa. Engenheiro de Saúde Pública, doutor em Saúde Pública.


Pesquisador titular do Laboratório de Saúde, Ambiente e Trabalho (Lasat) do De-
partamento de Saúde Coletiva do Instituto Aggeu Magalhães (IAM), da Fundação
Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Alexandre Pessoa Dias. Engenheiro civil sanitarista, doutor em Medicina Tropical.


Professor-pesquisador do Laboratório de Educação Profissional em Vigilância em Saú-
de (Lavsa) da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz).

Raiane Fontes de Oliveira. Geógrafa, doutoranda em Geografia. Professora-pesquisa-


dora da Estação de Territorialização do Lavsa/EPSJV, Fundação Oswaldo Cruz.
Lásaro Linhares Stephanelli. Farmacêutico, mestre em Educação Profissional em Saú-
de. Professor-pesquisador do Laboratório de Educação Profissional em Vigilância em
Saúde, da Fiocruz.

224
DOMICÍLIO

D
DOMICÍLIO

Segundo o Instituto Brasileiro de Geo- -se em permanente e improvisado, além


grafia e Estatística (IBGE),1 domicílio dos domicílios fechados. Os permanen- D
é o “local estruturalmente separado e tes são aqueles construídos para fins
independente que se destina a servir de exclusivamente de habitação. Já os im-
habitação a uma ou mais pessoas, ou que provisados são aqueles cuja edificação
esteja sendo utilizado como tal”. é destinada a outra(s) finalidade(s), po-
A separação física é caracterizada pela rém, na data de referência da pesquisa,
existência de paredes, muros ou cercas, estavam ocupados por morador(es). Os
cobertos por um teto, de modo que per- exemplos incluem prédios em constru-
mita a separação das pessoas que nele ha- ção, tendas e barracas.
bitam das demais, e que tenha a finalida- Os domicílios particulares fechados
de de dormitório, consumo de alimentos são aqueles que sabidamente possuíam
e de proteção do ambiente externo, além moradores na data de referência, mas
da manutenção (total ou parcial) das des- que não tiveram entrevista realizada,
pesas relativas à alimentação ou moradia. independentemente do motivo da não
Já o conceito de independência está rela- realização da pesquisa. Nesses casos,
cionado ao acesso direto, que permita aos foram realizados procedimentos de im-
moradores a entrada e saída do domicílio putação. 3 Por sua vez, os domicílios
sem a necessidade de passar pela moradia coletivos correspondem às instituições
de outras pessoas. Para a realização das ou estabelecimentos nos quais a relação
pesquisas censitárias, o IBGE considera entre as pessoas (moradoras ou não) era
as informações de moradores de domicí- restrita a normas de subordinação ad-
lios particulares ocupados, de domicílios ministrativa. Pertencem a essa categoria
particulares permanentes fechados e de os hotéis, pensões, penitenciárias, presí-
domicílios coletivos com morador.1, 2 dios, quartéis e postos militares, asilos,
orfanatos, conventos, hospitais e aloja-
Particulares e coletivos mentos, entre outros.
Resultados do Censo Demográfico de
Os domicílios particulares correspon- 2010 mostram o predomínio dos domi-
dem àqueles marcados por laços de cílios particulares permanentes (99,8%),
parentesco, de dependência doméstica do tipo casa (88,7%), próprios (73,3%),
ou por normas de convivência entre os e com uma média de 3,3 moradores por
ocupantes. A dependência doméstica domicílio. Em relação ao saneamento
está relacionada à subordinação dos básico, relatórios do IBGE apontam que,
empregados domésticos e agregados em embora se tenha observado melhorias
relação ao responsável pelo domicílio. significativas na década de 2000, o país
Os domicílios particulares subdividem- ainda convive com desigualdades estru-

225
EIXO 3 - LEITURA DEMOGRÁFICA DO TERRITÓRIO

turais no acesso às condições adequadas é constituída por indivíduos que possuem


de habitação.2 relação de parentesco e/ou indivíduos em
O Censo 2010 avançou na investigação corresidência, constituindo grupos que vi-
das informações relativas aos domicílios, vem juntos no mesmo espaço físico.
com a incorporação do quesito referente ao Contudo, é possível que, dentro de um
revestimento das paredes externas do do- domicílio, haja mais de uma família. Os
micílio, além da ampliação do número de censos demográficos (ver p. 88) captam
bens investigados, incluindo quesitos re- a informação do responsável/chefe pelo
lativos à posse de motocicleta, de telefone domicílio, e, eventualmente, a família de
fixo e/ou celular e ao acesso à internet. So- um membro do domicílio pode estar resi-
ma-se a esses novos quesitos um conjunto dindo no mesmo local. Por exemplo, o res-
de informações sobre número de cômodos, ponsável pelo domicílio possui um filho
dormitórios, energia elétrica, situação do casado que, por sua vez, tem uma filha.
domicílio, tipo de domicílio, condição de Em relação ao responsável pelo domicílio,
ocupação no domicílio, número de banhei- a relação de parentesco da esposa do filho
ros, entre outras, além de outro conjunto é captada como “nora” no quesito referente
de informações diretamente relacionadas à “relação com o responsável pelo domicí-
ao saneamento básico, tais como canali- lio”, enquanto a filha do casal, é captada
zação de água, forma de abastecimento como neta. Os quesitos de família (que dei-
de água, tipo de esgotamento sanitário e xaram de serem captados no Censo 2010)
destino dos resíduos sólidos. permitiriam a identificação da família re-
sidindo no domicílio citado no exemplo,
Famílias informação considerada estratégica para
inúmeros estudos nas áreas de demogra-
Os censos brasileiros de 1960 a 2000 pes- fia da família, na sociologia, e para a ela-
quisaram as características dos domicílios boração de políticas públicas que tenham
e das famílias e a relação entre elas. Já a como foco a composição familiar. Mesmo
edição de 2010 deixou de adotar o conceito os quesitos de família disponíveis nos cen-
das famílias, fornecendo apenas as infor- sos anteriores ao de 2010 não são suficien-
mações de domicílio, o que representou tes para tratar da temática das famílias de
uma limitação nos estudos sobre a compo- maneira ampla, devido à sua restrição aos
sição familiar. Como afirma Wajman, a fa- indivíduos com laços de parentesco e que
mília domiciliar é a interseção entre duas convivem no mesmo domicílio.
categorias de intermediação da população,
sendo a primeira o grupo familiar, com- Importância dos domicílios
posto pelas pessoas ligadas por relações de para o saneamento
parentesco; e a segunda, o grupo domici-
liar, definido pelo conjunto de pessoas que Além da importância do conhecimento
vivem em uma unidade residencial e com- acerca dos quesitos disponíveis nos cen-
partilham bens públicos, além de trocas sos e demais pesquisas para a análise
facilitadas pela proximidade física, inde- de diagnóstico nos estudos sobre sanea-
pendentemente de terem ou não laços de mento básico, é importante que o gestor
parentesco.4 Portanto, a família domiciliar municipal busque informações sobre as

226
DOMICÍLIO

tendências de crescimento do número de e projeções domiciliares, normalmente


domicílios, elemento fundamental para o baseadas em metodologias de projeção
planejamento em relação à demanda fu- de taxas de chefia.5 Esses estudos podem
tura de infraestrutura em saneamento. oferecer insumos importantes para a to-
O IBGE, por exemplo, disponibiliza pro- mada de decisão em relação a recursos
jeções de população para os municípios e infraestrutura na área de saneamento,
brasileiros, mas o ritmo de crescimento embasando a avaliação da capacidade de
dos domicílios segue um padrão diferen- cobertura dos serviços, o cálculo da taxa D
te daquele da população de uma mesma de atendimento da rede de abastecimen-
localidade. Sendo assim, há pesquisado- to ou ainda estudos sobre consumo, entre
res e instituições que realizam estudos outros indicadores.

Referências bibliográficas

1. IBGE. Censo Demográfico 2010: resultados gerais da amostra. Rio de Janeiro: IB-
GE, 2012. Disponível em: https://censo2010.ibge.gov.br/resultados.html.
2. IBGE. Base de informações do Censo Demográfico 2010: resultados do universo
por setor censitário – documentação do arquivo. Rio de Janeiro: IBGE, 2011.
3. IBGE. Metodologia do censo demográfico 2010. 2 ed. Rio de Janeiro: IBGE, 2016.
(Relatórios metodológicos, v. 41). Disponível em: https://servicodados.ibge.gov.br/
Download/Download.ashx?http=1&u=biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/
liv95987.pdf.
4. WAJNMAN, S. Demografia das famílias e dos domicílios brasileiros. Tese (pro-
fessor titular). Departamento de Demografia, Faculdade de Ciências Econômicas,
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2012. 2012.
5. GIVISIEZ, G. H. N., OLIVEIRA, E. L. Demanda futura por moradias: demografia,
habitação e mercado. 1 ed. Niterói: Pró-Reitoria de Pesquisa, Pós-Graduação e Ino-
vação/ UFF, 2018.

Para saber mais

IBGE. Censo Demográfico 2010: Características da População e dos Domicílios, resul-


tados do Universo. Rio de Janeiro: IBGE, 2011.

Autoria deste verbete

José Irineu Rangel Rigotti. Doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e


Planejamento Regional (Cedeplar) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Professor associado do Cedeplar.

Járvis Campos. Doutor em Demografia pelo Cedeplar/UFMG. Professor adjunto do


Departamento de Demografia e Ciências Atuariais (DDCA) da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte (UFRN).

227
E

ECONOMIAS E LIGAÇÕES DE ÁGUA

A caracterização dos sistemas de abas- Classificação das ligações


tecimento de água é fundamental para
seu planejamento e avaliação. Na elabo- As ligações de água são importantes,
ração de um Plano Municipal de Sanea- tanto para caracterização do sistema como
mento Básico (PMSB), um dos documen- para análise de eficiência e planejamento.
tos mais importantes é o diagnóstico Elas auxiliam na construção de indicado-
técnico-participativo. Este consiste no res, permitindo assim a avaliação do SAA.
levamento de informações a respeito As ligações podem ser classificadas como
das componentes do saneamento básico ativas, cortadas, factíveis, potenciais, su-
municipal (abastecimento de água, es- primidas ou inativas.
gotamento sanitário, resíduos sólidos e Ligações ativas são aquelas que estão
manejo das águas pluviais). em pleno funcionamento, com geração
O sistema de abastecimento de água de fatura para pagamento pelos usuários.
(SAA – ver p. 645) apresenta informações Essas ligações são de grande importân-
importantes para sua caracterização cia para o gerenciamento de perdas no
global, tais como população atendida, sistema, funcionando como pontos de
quantidade de ligações e economias, controle para contabilização da água que
extensão da rede e volumes. São infor- chega à residência dos usuários. São uti-
mações necessárias para o entendimento lizadas para cálculo de indicadores, tais
do sistema e para auxiliar na avaliação do como índice de hidrometração, perdas
SAA e da prestadora de serviço. por ligações e consumo por ligação. Estas
A população atendida representa o informações auxiliam no gerenciamento
alcance do sistema dentro do município. adequado do SAA. Por meio do Sistema
Esta informação permite analisar se o Nacional de Informações sobre o Sanea-
SAA em operação está trabalhando den- mento (SNIS)1, é possível o acesso a esta
tro das condições de projeto ou se precisa informação através do código AG002 pa-
de ampliação, por exemplo. Além disso, ra todos os prestadores de serviços que
também é um indicador da universaliza- responderam o questionário.
ção dos serviços de saneamento.
ECONOMIAS E LIGAÇÕES DE ÁGUA

Economias e ligações de água • Ligações ativas são aquelas que estão


em pleno funcionamento, com gera-
A caracterização dos sistemas de abaste- ção de fatura para pagamento pelos
cimento de água é fundamental para seu usuários. Essas ligações são de grande
planejamento e avaliação. Na elaboração importância para o gerenciamento de
de um Plano Municipal de Saneamento perdas no sistema, funcionando como
Básico (PMSB), um dos documentos mais pontos de controle para contabiliza-
importantes é o diagnóstico técnico- ção da água que chega à residência dos
-participativo. Este consiste no levamen- usuários. São utilizadas para cálculo
to de informações a respeito das compo- de indicadores, tais como índice de hi- E
nentes do saneamento básico municipal drometração, perdas por ligações e con-
(abastecimento de água, esgotamento sumo por ligação. Estas informações
sanitário, resíduos sólidos e manejo das auxiliam no gerenciamento adequado
águas pluviais). do SAA. Por meio do Sistema Nacional
O sistema de abastecimento de água de Informações sobre o Saneamento
(SAA – ver p. 645) apresenta informações (SNIS)1, é possível o acesso a esta infor-
importantes para sua caracterização glo- mação através do código AG002 para
bal, tais como população atendida, quan- todos os prestadores de serviços que
tidade de ligações e economias, extensão responderam o questionário.
da rede e volumes. São informações ne- • Ligações cortadas são aquelas que es-
cessárias para o entendimento do siste- tão conectadas à rede, porém estão
ma e para auxiliar na avaliação do SAA e com o serviço de abastecimento sus-
da prestadora de serviço. penso devido a problemas de paga-
A população atendida representa o al- mento, com a possibilidade de reesta-
cance do sistema dentro do município. Es- belecer o serviço após quitação do dé-
ta informação permite analisar se o SAA bito pelo usuário. Este dado auxilia na
em operação está trabalhando dentro das identificação de contas a receber pela
condições de projeto ou se precisa de am- prestadora de serviços.
pliação, por exemplo. Além disso, também • Ligações factíveis representam os imó-
é um indicador da universalização dos veis que, embora estejam na região em
serviços de saneamento. que há rede de abastecimento de água,
por algum motivo não se encontram
Classificação das ligações ligados. A identificação destes imóveis
permite a realização de ações para sensi-
As ligações de água são importantes, bilização dos proprietários para adesão
tanto para caracterização do sistema aos serviços de abastecimento.
como para análise de eficiência e plane- • Ligações potenciais consistem nos imó-
jamento. Elas auxiliam na construção de veis situados em uma localidade des-
indicadores, permitindo assim a avalia- provida de abastecimento de água, mas
ção do SAA. As ligações podem ser clas- próxima a uma rede de distribuição de
sificadas como ativas, cortadas, factíveis, água. O conhecimento desta população
potenciais, suprimidas ou inativas. permite estudar a ampliação do SAA pe-
la companhia, verificando sua viabilida-

229
EIXO 4 - ABASTECIMENTO DE ÁGUA

de. Ressalta-se que tanto as ligações po- • As economias do tipo residencial são
tenciais como as factíveis não existem aquelas com fins exclusivamente de
fisicamente. Elas são contabilizadas so- moradia;
mente para efeito de planejamento pelo • As comerciais são para o exercício de
prestador de serviço. atividade não classificada na catego-
• Ligações suprimidas ou inativas são ria residencial;
aquelas em que houve suspensão dos • As economias do tipo industrial são
serviços de abastecimento de água. Não aquelas destinadas para o exercício de
se emite fatura para elas e, desta ma- atividade industrial;
neira, não contribuem para o fatura- • Economias do tipo público são para
mento da prestadora de serviços. Com exercício de atividades de órgãos dos
esta informação pode-se calcular o ín- poderes Executivo, Legislativo ou Judi-
dice de ligações inativas, o qual repre- ciário, ou autarquias e fundações vin-
senta a participação destas em relação culadas aos poderes públicos;
ao total de ligações. • As do tipo misto são imóveis que pos-
suem mais de uma categoria de uso;
O somatório das ligações ativas e in- • As economias do tipo entidades
ativas resulta na quantidade total de filantrópicas são aquelas que exercem
ligações. Esse número auxilia no cálcu- atividades sem fins lucrativos.
lo de extensão de rede por ligação, que Assim como as ligações, as economias
representa a distância média entre as exercem um papel importante na carac-
ligações, importante na caracterização terização do sistema de abastecimento de
do sistema. O valor médio da extensão água. Um indicador importante e muito
de rede por ligação pode ser utilizado utilizado é a densidade de economias
para planejamento prévio do sistema de por ligação. Igual ou superior a 1, ele for-
abastecimento de água. A informação nece informação sobre o índice de verti-
da quantidade total de ligações de água calização da região, e está disponível pa-
e o índice de rede por ligação estão dis- ra consulta no SNIS por meio do código
poníveis no SNIS, por meio dos códigos IN001. Entre os indicadores que utilizam
AG021 e IN020. as economias para seu cálculo também
estão os de consumo de água faturada
Tipos de economia por economia, perdas por economia, mi-
cromedição por economia e participação
As economias são edifícios ou subdi- das economias residenciais.
visão de edifício com ocupações com-
provadamente independentes entre si, A caracterização do sistema de abas-
que utilizam uma única instalação de tecimento de água através das informa-
abastecimento de água e são classificados ções de ligações e economia possibilita
para efeito de faturamento de acordo com comparar dois ou mais sistemas e en-
sua modalidade, podendo ser comercial, tender o comportamento de consumo e
residencial, industrial, pública, entidade demanda de uma região. Por exemplo,
filantrópica ou mista. se duas áreas possuem o mesmo índice
de perdas por ligação, aquela que pos-

230
ECONOMIAS E LIGAÇÕES DE ÁGUA

suir o maior consumo per capita (ver p. de cada SAA existente dentro do muni-
133) tem o melhor desempenho opera- cípio e que servirá como base para ela-
cional 2. O PMSB (ver p. 450) tem como boração do prognóstico do sistema exis-
um dos seus principais documentos o tente, auxiliando na tomada de decisão
diagnóstico técnico-operacional, que dos planejadores.
deve trazer a caracterização detalhada

Referências bibliográficas
E
1. SNIS. Página web do Sistema Nacional de Informações Sobre Saneamento (SNIS).
Disponível em: http://www.snis.gov.br/. Acesso em: jul. 2020.
2. PHILIPPI JR., A.; GALVÃO JR., A. (ed.). Gestão do saneamento básico: abasteci-
mento de água e esgotamento sanitário. Barueri: Manole, 2012. p.308-309.

Para saber mais

GONÇALVES, R. F. (coord.). Conservação de água e energia em sistemas pre-


diais e públicos de abastecimento de água. Prosab. Rio de Janeiro: Abes,
2009. Disponível em: http://www.finep.gov.br/images/apoio-e-financiamento/
historico-de-programas/Prosab/Prosab5_tema_5.pdf. Acesso em: out. 2019.
HELLER, L.; PÁDUA, V. L. (coord.). Abastecimento de água para consumo humano.
3. ed. Belo Horizonte: Editora UFMG. 2016. v. 2.
SABESP. Glossário. Página web da Companhia de Saneamento Básico do Estado de
São Paulo (Sabesp). Disponível em: http://site.sabesp.com.br/site/sociedade-meio-
ambiente/glossario.aspx?secaoId=122. Acesso em: dez. 2019.

Autoria deste verbete

Antonio Natanael Costa Sancho. Engenheiro ambiental pela Universidade Federal do


Ceará (UFC) e engenheiro civil pela Universidade de Fortaleza (Unifor). Mestrando em
Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos na UFMG.

César Rossas Mota Filho. Doutor em Engenharia Civil e Ambiental pela Universidade
Estadual da Carolina do Norte (EUA). Professor Associado do Departamento de Engen-
haria Sanitária e Ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais.

231
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

E
EDUCAÇÃO POPULAR EM
SAÚDE E SANEAMENTO

O manejo adequado dos componentes do • não formal – visa ensinar e aprender,


saneamento básico requer a superação porém não vinculada ao sistema formal
das ações educativas reduzidas às cam- de ensino, com conteúdos, objetivos e
panhas e cartilhas esporádicas e necessi- ambientes não regulamentados; ou
ta de processos permanentes de educação • informal – sem a prévia intenção de en-
popular em saúde e saneamento com a sinar e aprender, ocorrendo em diver-
população. Isso significa reconhecer suas sos ambientes e relações sociais.4, 5
experiências, culturas, conhecimentos e
técnicas, bem como ampliar os processos Esses três modos coexistem e devem
formativos dos profissionais, em especial se complementar na sociedade com obje-
os do saneamento, da saúde, da educação tivos, conteúdos, métodos, metodologia,
e de assistência técnica e extensão rural. ambientes e atores diferentes.
A educação é uma das ações estruturan-
tes do saneamento básico.1 Educação popular
A educação desenvolve-se de diversas
formas, por diferentes pessoas e em dis- A educação popular, concepção teó-
tintos espaços. Ela é influenciada por rica das ciências da educação, é uma
aspectos culturais, políticos e organi- metodologia sistematizada por Paulo
zacionais, e pelo modo de produção, re- Freire (patrono da educação brasileira
sultando do contexto social em que está e reconhecido internacionalmente)6 na
inserida. Assim, não existe apenas uma década de 1960. Ela valoriza e incentiva
educação, mas várias.2 o saber popular e busca a formação do
De acordo com a Lei de Diretrizes e Ba- sujeito político, para além do ensino dos
ses da Educação, em seu artigo 1º, “a edu- conhecimentos acumulados pela socie-
cação abrange os processos formativos que dade e selecionados pelo sistema formal
se desenvolvem na vida familiar, na convi- de ensino. Portanto, uma educação que
vência humana, no trabalho, nas institui- difere em teoria e prática de outros pro-
ções de ensino e pesquisa, nos movimentos cessos educativos presentes no Brasil até
sociais e organizações da sociedade civil e meados do século 20.7
nas manifestações culturais”.3 Freire iniciou o trabalho com alfabeti-
A educação expressa-se nos modos: zação de jovens e adultos em 1961, quan-
do participava do Movimento de Cultura
• formal – com o propósito de ensinar e Popular do Recife. Era um momento em
aprender, vinculada ao sistema formal que vários grupos de cultura popular se
de ensino, com conteúdos, objetivos e estruturavam no Brasil, como os centros
ambientes regulamentados; de cultura popular do movimento estu-

232
EDUCAÇÃO POPULAR EM SAÚDE E SANEAMENTO

dantil e o Movimento de Educação de Ba- dor pelo modo de vida ali produzido. Essas
se da Igreja Católica, no qual se discutia a culturas, por não serem reconhecidas pelo
cultura popular e a educação popular.7, 8 conhecimento científico, são consideradas
Essa proposta intencionava a formação como inferiores, por isto, não críveis, tor-
de sujeitos conscientes da sua realidade, nando-se assim invisíveis.14
que dialogassem sobre a cultura que pro- A educação popular não nega o conhe-
duzem e suas condições de vida. Assim, cimento técnico-científico, mas busca
mais do que ler e escrever, o educando proporcionar o diálogo entre esses conhe-
buscaria soluções para os problemas do cimentos de maneira a produzir processos
seu território. Para Freire, “a leitura do de trabalho mais compartilhado, com a E
mundo precede a leitura da palavra”. 9 elaboração de uma metodologia que tenha
A proposta da educação popular assume maior proximidade com a realidade (ver
a práxis pedagógica (reflexão-ação-refle- caminhos das águas – p. 82). Este é o de-
xão) que implica o comprometimento do safio para o profissional educador que se
educador consigo mesmo e com a socieda- traduz na democratização desses saberes,
de. O ato de comprometer-se com o movi- promovendo a organização comunitária e
mento permanente de teoria e prática leva sua participação na melhoria das condi-
a transpor os limites impostos pelo mun- ções sanitárias e da qualidade de vida.
do e, assim, provocar junto a população a
transformação da realidade social.10 A Educação popular em saúde
educação transformadora implica a res-
ponsabilização do profissional educador Ao longo do processo histórico, Silva et al.15
com a população. Neste sentido, o conhe- apresentam uma trajetória da educação
cimento técnico com o qual foi formado em saúde no Brasil, desde o final do século
deve ser ampliado pelas experiências de 19 – quando se organizaram as primeiras
vida, técnicas, saberes populares e nar- iniciativas ampliadas do Estado brasileiro
rativas, na perspectiva de uma melhor no campo da saúde – até a criação do Sis-
interação com a comunidade por ser nes- tema Único de Saúde (SUS).
ta interação que se desenvolve a confian- No período anterior aos anos de 1920 –
ça, o acesso e a cooperação social. Estar sob a égide da educação higiênica ou hi-
aberto às formas de saberes na sociedade gienismo16, 17 – o educador exercia o papel
aponta para a perspectiva de não reduzir de controlador, por meio da polícia sani-
a realidade apenas ao presente e ao que tária.15 A partir dos anos de 1920, com a
está aparente, ou seja, ao pragmatismo.11 educação sanitária, o papel do educador
É na interação, no diálogo, que é possível passou a ser de divulgador e comunica-
perceber como e porque foi produzido dor. Nos anos 1940 e 1950, por meio do
o contexto social e a possibilidade de se Serviço Especial de Saúde Pública (Sesp)
construir o “inédito viável”.12, 13 e da Fundação Serviço Especial de Saúde
Existe uma diversidade de práticas so- (Fsesp), o educador passou a exercer o pa-
ciais no território, seja nas cidades ou en- pel de interventor e treinador. Nos anos
tre as populações do campo, da floresta e 1960 e 1970, o educador em saúde pas-
das águas (ver p. 499, que faz necessária sou a cumprir suas funções basicamente
a presença curiosa e respeitosa do educa- como treinador. A partir dos anos 80, o

233
EIXO 2 - COMUNICAÇÃO E TERRITORIALIZAÇÃO

educador – enquanto mediador – pas- A EPS emerge na prática do diálogo,


sou a promover a educação em saúde e a emancipatória e participativa, cuja lógica
educação popular em saúde.15, 18 Mesmo conduz o profissional da saúde e a popu-
considerando o termo educação sanitária lação para a superação de situações que
obsoleto, observa-se que ainda é referen- impedem uma melhor qualidade de vida.
ciado com frequência na atualidade.18, 19 Assim, em 2003, a Política Nacional de
A educação popular em saúde (EPS) Educação Popular em Saúde foi instituí-
surge na década de 70, a partir da apro- da pelo Ministério da Saúde, tendo como
ximação dos profissionais da saúde com princípios: diálogo; amorosidade; proble-
a educação popular. O contexto era o da matização; construção compartilhada do
inacessibilidade das camadas populares conhecimento; emancipação; e compro-
aos precários serviços públicos, da in- misso com a construção do projeto demo-
serção marginal no mercado de trabalho crático e popular.21
– que excluía os trabalhadores dos bene-
fícios da seguridade social (previdência, A caminho da educação popular
assistência social e saúde) – bem como em saúde e saneamento
das péssimas condições de renda, mora-
dia e alimentação. Nesse período, inten- A educação popular em saúde e sanea-
sifica-se a criação dos departamentos de mento torna-se um campo de conheci-
Medicina Preventiva e Social e os proje- mentos em que novos saberes oriundos
tos de Medicina de Família e Comunida- das classes populares levam os profis-
de nas universidades brasileiras, assim sionais do saneamento e da saúde a re-
como a constituição e fortalecimento do dimensionarem suas práticas e constru-
campo da saúde coletiva e de experimen- írem mediações necessárias a reflexões.
tação de projetos de extensão universitá- O conceito ampliado de saúde, relacio-
ria aderentes ao movimento da saúde e nado às condições de vida, leva a incluir
medicina comunitárias.20 novos determinantes do processo saú-
A educação em saúde, até esse período, de-doença-cuidado-manejo das águas e
era voltada para práticas mecanicistas e resíduos, com vista a articular a luta pe-
rotineiras dos serviços de saúde, de modo la saúde e pelo saneamento, entendidos
verticalizado, com objetivo de instituir na como direitos humanos.
população normas e prescrições de com- A Lei Orgânica do Sistema Único de
portamentos tidos como ideais, porém Saúde (SUS) afirma que saúde é um con-
distantes da realidade social. Estavam junto de determinantes e condicionan-
fundamentadas apenas no conhecimento tes (alimentação, moradia, saneamento
científico com o entendimento de que a básico, meio ambiente, trabalho, renda,
população não tinha capacidade de maior educação, atividade física, transporte, la-
compreensão.7 Nesse contexto, os movi- zer e acesso a bens e serviços essenciais) e
mentos de educação popular se organiza- indica a formulação de políticas públicas
ram e produziram propostas da educação para superação das desigualdades sociais
popular na área da saúde, proporcionan- e iniquidades em saúde.22
do, na década de 1990, a criação da Rede A melhoria das condições de vida e de
de Educação Popular em Saúde. trabalho da população está relacionada

234
EDUCAÇÃO POPULAR EM SAÚDE E SANEAMENTO

ao saneamento como determinante da A educação, como ação estruturante


saúde. A política de saneamento apresen- do saneamento, é estratégica para a im-
tada pela Fundação Nacional de Saúde plantação dos Planos Municipais de Sa-
(Funasa) no Programa Saneamento Bra- neamento Básico (PMSB – ver p. 450) nas
sil Rural (PSBR) - tem como estratégia os áreas urbanas e rurais, considerando os
eixos: a gestão, a tecnologia e a educação aspectos da ruralidade. A participação
e participação social a fim de promover popular como estratégia do PMSB deve
a saúde pública e a inclusão social por vir ao encontro da metodologia proble-
meio das ações de saneamento e saúde matizadora da educação popular, cuja
ambiental23. prática pedagógica dialógica e emancipa- E
A educação em saúde ambiental, de- tória para tomada de decisões sobre ques-
senvolvida pela Funasa, é conceituada tões relacionadas à saúde e ao saneamen-
como um conjunto de práticas peda- to, proporciona melhorias na qualidade
gógicas e sociais, de conteúdo técnico, de vida e saúde da população.
político, científico e cultural, que, no Os espaços institucionalizados de par-
contexto da saúde ambiental e do sanea- ticipação social na elaboração do plane-
mento, devem ser desenvolvidas de for- jamento e da política pública municipal
ma permanente e contínua. Assim, essa de saneamento – incluindo os comitês de
educação deve favorecer as relações dia- bacias hidrográficas, conferências, au-
lógicas entre as instituições públicas e diências públicas, conferências, assem-
privadas e a coletividade, para constru- bleias e fóruns – favorecem o diálogo e
ção de valores, saberes, conhecimentos a construção coletiva do conhecimento
e práticas voltadas à promoção da saúde por meio da educação não formal, que
e ações cada vez mais sustentáveis da ocorre em espaços não regulamentados
sociedade humana. 23, 24 do sistema de ensino.
A busca pela diminuição das iniqui- Participação, mobilização e controle
dades em saúde25 deve estar associada social na elaboração do planejamento
a uma política que fortaleça a coesão municipal de saneamento correspon-
nas comunidades com vulnerabilidade dem a um conjunto de ações políticas e
socioambiental (ver p. 786) e promova pedagógicas que, além de qualificar os
a mobilização social (ver p. 395), a par- planos e propiciar sua efetividade, am-
ticipação social (ver p. 424), o controle plia a organização social das diversas
social (ver p. 156) e a comunicação no comunidades que constituem os mu-
território (ver p. 111) na perspectiva da nicípios, condição imprescindível para
redução das desigualdades e injustiças as políticas municipais de saneamento
evitáveis, com a finalidade de contribuir básico, a promoção da saúde e a demo-
para a promoção da saúde. cracia no país.

Referências bibliográficas

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235
EIXO 2 - COMUNICAÇÃO E TERRITORIALIZAÇÃO

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Ato2011-2014/2012/Lei/L12612.htm. Acesso em: 13 fev. 2020.
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Santos, 1923.
18. DIAS, A. P. Tecnologias sociais em saneamento e educação para o enfrenta-
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Ceará. Tese (Doutorado em Medicina Tropical) - Instituto Oswaldo Cruz/Fundação
Oswaldo Cruz: Rio de Janeiro, 2017.

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EDUCAÇÃO POPULAR EM SAÚDE E SANEAMENTO

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aperfeiçoamento em Educação Popular em Saúde: textos de apoio. BORNSTEIN, V.
J. et al. (org.). p. 47-51. Rio de Janeiro: EPSJV, 2016.
20. MS. Política Nacional de Educação Popular em Saúde. Brasília: SGEP, 2012. Dis-
ponível em: http://www.crpsp.org.br/diverpsi/arquivos/PNEPS-2012.PDF. Acesso
em: 20 ago. 2019
21. MS. Caderno de educação popular e saúde. Brasília: MS, 2007.
22. BRASIL. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para
a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos
serviços correspondentes. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ E
leis/L8080.htm. Acesso em: 13 fev. 2020.
23. DIAS, A. P. Educação Popular em Saúde Ambiental. In: Aspectos Teórico-Concei-
tuais da Gestão, Educação e Participação Social. v. 3. 2019. (Série Subsídios ao Pro-
grama Nacional de Saneamento Rural).
24. FUNASA. Manual de saneamento. 4. ed. Brasília: Funasa, 2015. Disponível
em: http://www.funasa.gov.br/documents/20182/38564/Mnl_Saneamento.pdf/
ae1d4eb7-afe8-4e70-ae9a-0d2ae24b59ea.
25. BUSS, P. M.; PELLEGRINI FILHO, A. Iniquidades em saúde no Brasil, nossa mais
grave doença: comentários sobre o documento de referência e os trabalhos da Co-
missão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde. Cadernos de Saúde Pú-
blica, Rio de Janeiro, v. 22, n. 9, 2006. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.
php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2006000900033. Acesso em: 19 nov. 2019

Para saber mais

PAULO Freire. Apresentador: Renato Farias. Convidados: Gaudêncio Frigotto e Ja-


ne Paiva. Roteiro: Renato Farias. Produção: Ramon Mello. Direção: Marco Antô-
nio Campos. . Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, Canal Saúde, 2014. 1 vídeo (26 min).
(Programa Ciências e Letras). Disponível em: https://portal.fiocruz.br/video/
ciencia-e-letras-paulo-freire.
MS; Fiocruz. Página web do Programa de Qualificação em Educação Popular em
Saúde (EdPopSUS). MS; EPSJV/Fiocruz. Disponível em: http://www.edpopsus.
epsjv.fiocruz.br.

Autoria deste verbete

Priscila Almeida Faria. Pedagoga, mestre em Ciências Aeroespaciais. Professora-pesqui-


sadora do Laboratório de Educação Profissional em Vigilância em Saúde (Lavsa) da Esco-
la Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Marta Gomes da Fonseca Ribeiro. Pedagoga, mestre em Divulgação da Ciência, Tec-


nologia e Saúde. Professora-pesquisadora do Laboratório de Educação Profissional em
Vigilância em Saúde, EPSJV/Fiocruz.

237
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

Alexandre Pessoa Dias. Engenheiro civil sanitarista, mestre em Engenharia Ambien-


tal, doutor em Medicina Tropical. Professor-pesquisador do Lavsa, da Escola Politécni-
ca de Saúde Joaquim Venâncio, Fundação Oswaldo Cruz.

E
EFLUENTES INDUSTRIAIS

Os processos industriais utilizam água dade e toxicidade para compreensão do


para diversos usos e finalidades. Dentre efluente gerado na indústria e entender
eles, destacam-se: matéria-prima; pro- quais seriam seus impactos na rede co-
cessamento de materiais; elemento para letora ou no corpo d’água, com objetivo
produção de vapor; meio de transporte; de estabelecer diretrizes para o seu tra-
solventes; meio de troca de calor; elemen- tamento e despejo de forma adequada,
to de transmissão mecânica; agente de conforme as normas vigentes.
limpeza; dessedentação humana; e ins- No planejamento municipal de sanea-
talações hidrossanitárias. O uso da água mento, deve ser considerada a existência
nas indústrias gera os chamados efluen- de indústrias e seus respectivos poten-
tes industriais, que são despejos prove- ciais poluidores, a fim de definir estraté-
nientes dessas diversas atividades e que gias para o lançamento de seus efluen-
possuem uma ampla variabilidade de ca- tes. Para isso, é necessário fazer um
racterísticas qualitativas e quantitativas. levantamento das indústrias nos muni-
Esses efluentes devem passar por um cípios e suas condições de lançamento
processo de tratamento antes de serem de efluentes, bem como o seu monito-
lançados na rede coletora de esgoto sa- ramento por parte dos empreendedores
nitário ou no corpo d’água, seguindo os e fiscalização sob responsabilidade do
padrões de lançamento de efluentes (ver órgão ambiental.
p. 243) vigentes definidos pela legislação
federal ou estadual para corpos d’água. Características qualitativas
Também devem cumprir diretrizes de
lançamento na rede coletora da con- As características qualitativas dos
cessionária de serviços de esgotamento efluentes industriais diferem das ca-
sanitário do município. Nesse contexto, racterísticas do esgoto doméstico e, por
entende-se que os efluentes industriais isso, há importância em caracterizar es-
podem estar presentes na rede coletora ses despejos visando compreender seus
de esgoto, podendo alterar as caracte- impactos na rede coletora ou no corpo
rísticas do esgoto doméstico. Por isso, d’água. A concentração da matéria or-
é necessário viabilizar estudos de suas gânica nos despejos industriais pode
características físico-químicas, além de ser menor ou maior do que a presente no
testes de biodegradabilidade, tratabili- esgoto de origem doméstica a ser trata-

238
EFLUENTES INDUSTRIAIS

do, assim como a disponibilidade de nu- Nem todos os efluentes industriais po-
trientes nesse despejo pode ser aquém dem ser tratados por método biológico e
da necessária para os microrganismos por isso o conceito de biodegradabilida-
responsáveis pelo tratamento biológico de é importante. Trata-se da capacidade
de efluentes, necessitando um incre- dos despejos de serem degradados por
mento de nutrientes ou a mistura com microrganismos. Uma forma de saber o
o esgoto doméstico. Por exemplo, indús- grau de biodegradabilidade do efluente é
trias do ramo alimentício e relacionadas usar a relação DQO/DBO,1 sendo DQO a
a criadouros de animais apresentam de- demanda química de oxigênio:
manda bioquímica de oxigênio (DBO) E
elevada, se comparada à do esgoto do- • DQO/DBO < 2,5 – Fração biodegra-
méstico, podendo variar de 200 a 50.000 dável elevada. Indicado tratamento
miligramas por litro (mg/l), enquanto biológico.
no caso do esgoto doméstico esta va- • 2,5 < DQO/DBO < 4 – Fração biode-
riação está na faixa de 250 a 400 mg/l.1 gradável não é elevada. Necessidade de
Por outro lado, no caso de efluentes da ensaios de tratabilidade para saber se o
indústria de laticínios, onde a carga de tratamento biológico é adequado.
efluente é proveniente de higienização, • DQO/DBO > 4 – Fração não biodegra-
descartes e vazamentos ou derrama- dável (inerte) é elevada. Tratamen-
mentos2, há baixa concentração de maté- to biológico não indicado, possibi-
ria orgânica e nutrientes (no caso da não lidade de tratamento por processos
presença do soro do leite, que deve ser físico-químicos.
preferencialmente recuperado). Por isso,
nesse caso pode haver a necessidade de Além de conhecer a biodegradabilida-
complementação de nutrientes, uma vez de do efluente, é necessário fazer ensaios
que há a necessidade de uma relação de de tratabilidade, para saber se é viável
100:5:1 de DBO:Nitrogênio:Fósforo em tratá-lo por métodos biológicos, e estu-
mg/l para viabilizar o tratamento por dos da toxicidade, para saber se existe
meio biológico.2, 3 algum poluente inibidor do crescimento
Além da matéria orgânica e de nu- de microrganismos essenciais para esse
trientes, os efluentes industriais apre- tipo de tratamento5. A opção biológica
sentam variações de cor, sólidos e ou- não é a única para esses efluentes, e os
tros poluentes. Nesta categoria, cabe tratamentos físico-químicos mostram-
citar os metais e os micropoluentes se efetivos principalmente para efluen-
orgânicos comuns em efluentes de si- tes com elevada fração não biodegradá-
derurgia, metalurgia, mineradoras, fa- vel. Os tratamentos físico-químicos são
bricação de agrotóxicos e fertilizantes, aqueles em que a remoção de matéria
galvanoplastia e indústria farmacêuti- orgânica e nutrientes não é realizada
ca, entre outras atividades de fabrica- por microrganismos, mas pela adição de
ção de produtos químicos, que podem produtos químicos (coagulação e flocu-
inibir os microrganismos responsáveis lação, ozonização, processos oxidativos
pelo tratamento biológico em razão de avançados) ou processos físicos (filtra-
sua toxicidade. ção, membranas, flotação). 5

239
EIXO 5 - ESGOTAMENTO SANITÁRIO

Características quantitativas certa indústria tem o equivalente popula-


cional de 1.000 pessoas, significa que uma
Assim como as características qualita- população de 1.000 habitantes gera a mes-
tivas, as características quantitativas ma carga poluidora que aquela indústria,
dos efluentes industriais variam con- em termos de matéria orgânica (quilogra-
forme a tipologia industrial, o processo ma de DBO por dia). Por exemplo, uma cer-
de fabricação, os produtos fabricados e vejaria tem um equivalente populacional
o porte da indústria. Mesmo dentro de entre 150 e 350 pessoas, ao passo que uma
uma mesma tipologia industrial, o volu- indústria têxtil pode ter seu equivalente
me de efluente gerado pode ser bastante populacional entre 550 e 4.500 pessoas1.
variável em razão do porte e do proces-
samento realizado na planta industrial, Soluções para o lançamento
bem como pode ser impactado em ra- de efluentes industriais
zão de ações decorrentes de programas
de uso racional de água – que incluam Os efluentes industriais podem ser lan-
economia e recirculação de água, apro- çados em corpos d’água após tratamento
veitamento de águas pluviais e reúso de completo, para atendimento aos padrões
águas residuárias. de lançamento, ou no sistema público de
Para alguns sistemas industriais, co- coleta de esgoto sanitário (ver p. 256) pas-
mo por exemplo a indústria de laticí- sando ou não por um pré-condicionamen-
nios, há um processo denominado clean to. Além disso, ao realizar o tratamento
in place (CIP) para reúso da água de la- completo, a indústria pode fazer reúso do
vagem dos equipamentos.6 Neste pro- efluente, diminuindo ou até mesmo evi-
cesso, evita-se o despejo de água após a tando o lançamento no corpo d’água. Con-
higienização que é realizada a cada novo tudo, infelizmente, prática comum é o lan-
processamento do leite, fazendo a recir- çamento de efluentes clandestinamente
culação da água e dos produtos quími- em corpos d’água sem aprovação do órgão
cos, que são armazenados para a próxi- ambiental, fora do horário de fiscalização
ma higienização. No entanto, nem todas – geralmente de madrugada – trazendo
as indústrias de laticínios, bem como riscos ao meio ambiente e à população.
outros tipologias de indústrias, adotam Lançar o efluente industrial na rede
esse processo de recirculação de água em pública pode gerar bons resultados ao in-
seus processos. Dessa forma, a vazão do tegrar este material com os efluentes do-
efluente dessas indústrias será diferente mésticos, para posterior tratamento na
mesmo sendo da mesma tipologia indus- estação de tratamento de esgoto (ETE).
trial ou de mesmo porte. Para isso, há necessidade de realizar um
Para caracterizar o despejo industrial, é prévio tratamento desses efluentes a fim
comum utilizar o parâmetro equivalente de remover contaminantes que possam
populacional (EP). O EP representa, em causar problemas na operação da rede co-
termos de matéria orgânica, o número de letora, contaminantes no efluente da ETE
pessoas que produziria a mesma carga po- e toxicidade ao tratamento biológico do
luidora que aquela indústria gera por meio esgoto e ao tratamento do lodo. Caso a
de seus efluentes. Logo, ao dizer que uma indústria opte por fazer uso do efluente

240
EFLUENTES INDUSTRIAIS

em outra atividade como irrigação ou re- monitoramento dos efluentes é respon-


ciclagem da água no processo industrial, sabilidade dos empreendedores, que
deve-se atentar à necessidade de atender podem terceirizar o serviço ou fazer por
requisitos de saúde pública e padrões conta própria.
para reúso na atividade de destino (ver As concessionárias são responsáveis
Aproveitamento de subprodutos – p. 61). por estabelecer diretrizes e padrões para
Portanto, no planejamento municipal de o lançamento na sua rede coletora. A
saneamento, coletar informações sobre Companhia de Saneamento de Minas Ge-
efluentes industriais é prática que deve rais (Copasa), por exemplo, estabeleceu o
estar presente, principalmente no con- Programa de Recebimento e Controle de E
trole de poluição e preservação dos ser- Efluentes Não Domésticos (Precend), que
viços de esgotamento sanitário, uma vez estabelece, por meio da Norma Técnica T
que ligações clandestinas na rede coletora 187/4, as condições e os padrões de lan-
podem prejudicar o tratamento de esgo- çamento desses efluentes na rede coleto-
to. Logo, é essencial diagnosticar a locali- ra de esgoto sanitário, visando destinar
zação, a tipologia e o porte das indústrias adequadamente os efluentes líquidos ge-
do município, desenvolver planos de ação rados nos processos produtivos6,7.
para combate ao lançamento irregular de Ao órgão ambiental estadual ou mu-
efluentes industriais – seja na rede co- nicipal – o âmbito do processo de licen-
letora de esgoto ou no corpo d’água – e ciamento depende do porte da indústria,
monitorar, via órgãos ambientais, o cum- e as secretarias devem ser consultadas
primento das condicionantes ambientais anteriormente para buscar essas infor-
exigidas aos empreendedores. Eles devem mações – cabe a responsabilidade de
se comprometer com a causa ambiental e analisar e acompanhar o processo de
sanitária, que é também uma causa de licenciamento ambiental, que exige es-
saúde pública. tudos de avaliação do impacto ambien-
tal por parte das empresas. Além disso,
Responsabilidades durante a vigência da licença é responsa-
bilidade do empreendedor enviar relató-
Além de estar cientes dos possíveis rios requisitados pelo órgão ambiental.
processos de tratamento de efluentes A Deliberação Normativa 217/2017, do
industriais visando reduzir a carga Conselho Nacional de Meio Ambiente
poluidora que chega à rede pública de (Conama), estabelece os potenciais po-
coleta de esgoto ou ao corpo d’água, o luidores na água, no ar e no solo de cada
gestor de saneamento de um município tipo de indústria e seu porte de acordo
deve entender as responsabilidades que com sua atividade, definindo, assim, que
tangem esses serviços. O tratamento e o nível de licenciamento é requerido.8

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EIXO 5 - ESGOTAMENTO SANITÁRIO

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biental. Universidade Federal de Viçosa, UFV, 2011. Disponível em: https://www2.
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São Paulo: Engenho, 2016.
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mésticos no sistema de esgotamento sanitário da Copasa. Disponível em: http://arsae.
mg.gov.br/images/documentos/nota_tecnica_t_187_4_efluente_nao_domestico.pdf.
7. COPASA. Cartilha do PRECEND. Belo Horizonte: Copasa, 2016.
8. COPAM/MG. Deliberação normativa COPAM nº 217, de 6 de dezembro de 2017.
Estabelece critérios para classificação, segundo o porte e potencial poluidor, bem
como os critérios locacionais a serem utilizados para definição das modalidades de
licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades utilizadores de recursos
ambientais no Estado de Minas Gerais.. Disponível em: http://www.siam.mg.gov.br/
sla/download.pdf?idNorma=45558.

Para saber mais

COPASA. Programa de Recebimento e Controle de Efluentes Não Domésticos


(PRECEND). Disponível em: http://www.copasa.com.br/wps/portal/internet/
esgotamento-sanitario/PRECEND.
CONAMA. Resolução nº 430, de 13 de maio de 2011. Dispõe sobre as condições e
padrões de lançamento de efluentes. Disponível em: http://www2.mma.gov.br/port/
conama/res/res11/propresol_lanceflue_30e31mar11.pdf.

Autoria deste verbete

Fernanda Deister Moreira. Engenheira sanitarista e ambiental pela Universidade Fe-


deral de Juiz de Fora (UFJF). Mestranda em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos
Hídricos na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Lívia Cristina da Silva Lobato. Engenheira civil e doutora em Saneamento, Meio Am-
biente e Recursos Hídricos pela UFMG.

Fabiana Lopes Del Rei Passos. Doutora em Engenharia Ambiental pela Universitat Po-
litècnica de Catalunya (UPC), Espanha. Professora adjunta do Departamento de Enge-
nharia Sanitária e Ambiental da UFMG.

242
ENQUADRAMENTO DE CORPOS D'ÁGUA E PADRÃO DE LANÇAMENTO

E
ENQUADRAMENTO DE CORPOS D’ÁGUA
E PADRÃO DE LANÇAMENTO

A gestão dos recursos hídricos deve e econômicos. Assim, o enquadramento


sempre proporcionar o uso múltiplo das deve estar baseado não necessariamen-
águas. Para tanto, vários instrumentos te no seu estado atual, mas nos níveis E
de gestão existem para regrar sua utili- de qualidade que ele deveria apresentar
zação e garantir atendimento e acesso a para atender às necessidades da comuni-
esse recurso, visando ao máximo a pre- dade. A classe de um corpo d’água está
servação dos corpos hídricos e a melhoria relacionada com condições e padrões
contínua da qualidade das águas. específicos de qualidade das águas para
O enquadramento dos corpos d’água atender ao seu principal uso ou, ainda,
em classes, segundo os usos preponde- usos previstos para o futuro. Por exem-
rantes da água, é um dos instrumentos da plo, um rio que tem como uso atual a
Política Nacional de Recursos Hídricos navegação deve atender os padrões de
(PNRH), instituída a partir da promul- qualidade para essa atividade. Contudo,
gação da Lei 9.433/1997,1 que apresenta se para o futuro se espera que o rio possa
importante interface com a área de sane- ser usado para pesca e contato primário
amento. Esse instrumento visa “assegu- (contato direto e prolongado com a água,
rar às águas qualidade compatível com como natação e mergulho), o ideal é que
os usos mais exigentes a que forem des- o enquadramento daquele corpo d’água
tinadas e a diminuir os custos de comba- seja estabelecido de forma que se atenda
te à poluição das águas, mediante ações a qualidade para esses usos futuros. Vis-
preventivas permanentes”.1 Em síntese, to que o enquadramento expressa metas
busca proporcionar os usos múltiplos e, finais a alcançar, podem ser fixadas me-
assim, auxilia na tomada de decisão, por tas progressivas intermediárias, obriga-
exemplo, da escolha de manancial para tórias, visando a sua efetivação.2
abastecimento de água para consumo
humano. A classificação dos corpos de Padrões a seguir
água e as diretrizes ambientais para o seu
enquadramento são definidas pela Reso- Um corpo d’água é muitas vezes o destino
lução 357/2005 do Conselho Nacional de final de efluentes tratados em estações de
Meio Ambiente (Conama)2. tratamento de esgoto (ver p. 742). Para que
O enquadramento expressa as metas esse efluente possa ser lançado em um cor-
ou objetivos que se deseja alcançar pa- po d’água sem interferir na sua qualidade,
ra a qualidade da água (classe) de um devem-se seguir padrões de lançamento
corpo d’água, ou seja, corresponde ao estabelecidos em normativas federais e
resultado final de um processo que leve estaduais. Atender a essas legislações é
em conta os fatores ambientais, sociais importante também para não prejudicar

243
EIXO 5 - ESGOTAMENTO SANITÁRIO

a capacidade de autodepuração e, con- mento de efluente, é necessário conhecer


sequentemente, não inviabilizar os usos os parâmetros de qualidade da água. Es-
previstos do corpo d’água. Os padrões de ses parâmetros servem como indicadores
lançamento de efluente condicionam o para compreender se um curso d’água
nível de tratamento a que o esgoto sani- apresenta qualidade compatível com seus
tário deve ser submetido para ser lançado usos preponderantes, bem como para ca-
em um determinado corpo d’água. As con- racterizar os esgotos sanitários.
dições, padrões e exigências relativas ao
lançamento de efluente em corpos d’água, Parâmetros da qualidade
em nível federal, são definidas pela Reso- das águas
lução 430/2011 do Conselho Nacional do
Meio Ambiente (Conama).3 As águas naturais possuem impurezas
Nos casos em que a implantação de es- que apresentam características físicas
tação de tratamento de esgoto (ETE) (presença de sólidos), químicas (orgâni-
tiverem custo elevado e que, associado a cos ou inorgânicos), biológicas (presença
isso, o município apresentar restrição fi- de microrganismos), organolépticas e ra-
nanceira, pode ser adotada a etapalização diológicas. O conjunto dessas caracterís-
da qualidade do efluente, também conhe- ticas representa a qualidade da água:4
cida como escalonamento, estagiamento
ou metas progressivas. Essa etapalização Características físicas
permite que o padrão de lançamento de
efluente seja alcançado aos poucos, sen- • Cor: é responsável pela coloração da
do estabelecidas metas para a evolução água e seu principal constituinte são os
nesse atendimento. Assim, há uma redu- sólidos dissolvidos. Sua origem natural
ção inicial dos custos com a obra e uma pode estar relacionada à decomposição
redução, mesmo que parcial, em riscos de da matéria orgânica, presença de ferro
saúde pública e ambientais. e manganês ou outros minérios exis-
Pode ser implementada em primeira tentes na matriz geológica. Contudo, a
etapa uma ETE com um processo menos presença de cor em corpos d’água tam-
eficiente para remoção de alguns poluen- bém está relacionada a despejos indus-
tes (ex.: tratamento preliminar e reatores triais, de esgoto sanitário ou derivados
anaeróbios), deixando para uma segun- de águas residuárias, provenientes, por
da etapa a evolução para um tratamen- exemplo, de atividades de mineração.
to mais eficiente e completo (ex.: filtro • Turbidez: é o grau de interferência de
biológico percolador). Salienta-se que os sólidos em suspensão na água, que alte-
órgãos ambientais devem estabelecer e ram a passagem de luz, atribuindo uma
fiscalizar o cumprimento das metas es- aparência turva. Sua origem natural es-
tabelecidas, de forma a evitar que uma tá relacionada às partículas de rochas,
solução provisória se torne definitiva. A argila e silte, algas e outros microrga-
possibilidade de estagiamento deve ser nismos, mas também pode ter origem
analisada caso a caso. antropogênica, ou seja, proveniente de
Para compreender o enquadramento atividades humanas, como despejos do-
dos corpos d’água e os padrões de lança- mésticos e industriais e erosão do solo.

244
ENQUADRAMENTO DE CORPOS D'ÁGUA E PADRÃO DE LANÇAMENTO

• Sólidos: todas as impurezas presentes e sabor diferentes do esperado podem


na água (exceto os gases dissolvidos) levar os consumidores a questionar a
contribuem para o aporte de sólidos. sua confiabilidade.
Os sólidos podem ser classificados em
orgânicos ou inorgânicos e, ainda, em Características químicas
voláteis e fixos (não voláteis). Se forem
classificados por suas características • pH: é uma indicação sobre as condições
físicas podem ser dissolvidos, coloi- de alcalinidade, neutralidade ou acidez
dais, em suspensão ou sedimentáveis. da água e sua faixa vai de 0 a 14. O pH
• Temperatura: é a medição da intensi- pode ser influenciado por dissolução de E
dade de calor e tem como origem natu- rochas, absorção de gases na atmosfera,
ral a transferência de calor através da oxidação da matéria orgânica, fotossín-
radiação solar, da condução e da con- tese e despejos domésticos (oxidação da
vecção. Despejos industriais no corpo matéria orgânica) e industriais (uso de
d’água, de lavanderias e de torres de produtos químicos ácidos ou alcalinos).
resfriamento, por exemplo, também • Alcalinidade: é a capacidade da água
podem interferir na temperatura da de neutralizar ácidos, isto é, de resis-
água. Elevações de temperatura do cor- tir às mudanças de pH. Em elevadas
po d’água podem resultar em desequilí- concentrações pode conferir um gosto
brio ecológico e diminuir a solubilidade amargo à água.
dos gases, como o oxigênio dissolvido. • Dureza: relacionada à presença de cál-
Além disso, aumentam a transferência cio e manganês (nas suas formas de cá-
desses gases, o que pode acabar geran- tions bivalentes), que, em condição de
do mau cheiro, no caso da liberação de supersaturação, reagem com os ânions
gases com odor desagradável. da água, formando precipitados. É
proveniente principalmente de dis-
Características organolépticas solução de rochas calcárias e despejos
industriais. Em certas concentrações, a
• Sabor e odor: são parâmetros de dureza pode causar efeitos laxativos e
natureza organoléptica, uma vez que sabores desagradáveis. Além disso, re-
despertam os sentidos humanos. Na- duz a formação de espuma, induzindo
turalmente, águas podem contrair sa- ao maior consumo de sabão.
bor e odor devido à decomposição de • Acidez: é a capacidade de resistir às
matéria orgânica, gases dissolvidos e mudanças de pH causada pelas bases. Sua
microrganismos. Além disso, despejos origem natural se deve ao gás carbônico
industriais e domésticos nos corpos absorvido da atmosfera, presença de gás
d’água podem alterar esses parâme- sulfídrico e decomposição da matéria
tros. A água destinada ao consumo orgânica. O despejo de efluentes indus-
humano não deve apresentar gosto triais (ver p. 238) ou a passagem do corpo
ou odor perceptível (ver Controle e d’água por regiões de mineração ou mi-
vigilância da qualidade da água para nas abandonadas também pode conferir
consumo humano e seu padrão de po- acidez à água, em razão do fenômeno da
tabilidade – p. 149). Águas com odor drenagem ácida. Águas de abastecimen-

245
EIXO 5 - ESGOTAMENTO SANITÁRIO

to com acidez elevada podem causar cor- celular de microrganismos, além dos
rosão na tubulação. despejos industriais, sanitários e fer-
• Ferro e manganês: são compostos pro- tilizantes. É um elemento indispen-
venientes de dissolução de solos ou de sável para crescimento de algas e mi-
despejos industriais e de mineração. crorganismos responsáveis pela esta-
Em pequenas concentrações podem bilização da matéria orgânica.
conferir cor à água e em altas concen- • Oxigênio dissolvido: é o parâmetro
trações, sabor e odor. mais utilizado para caracterização da
• Cloretos: são advindos da dissolução qualidade de um corpo d’água, pois é
de sais e minerais na água, intrusão de fundamental para a respiração de mi-
águas salinas ou de despejos industriais, crorganismos aeróbios responsáveis por
águas de irrigação e despejos domésticos. realizar a degradação da matéria orgâ-
Podem conferir sabor salgado à água. nica, essenciais no fenômeno de auto-
• Nitrogênio: é constituinte de proteínas depuração dos corpos d’água. Caracte-
e outros compostos biológicos e está rizar o oxigênio dissolvido pode indicar
presente também na composição celu- os efeitos da poluição nos corpos d’água.
lar de microrganismos. De origem an- • Matéria orgânica: é a causadora do
tropogênica, encontra-se em despejos principal problema de poluição (ver p.
industriais, domésticos, fertilizantes e 488) dos corpos d’água, que consiste no
fezes de animais. O nitrogênio pode se consumo de oxigênio do meio aquático,
apresentar de cinco formas no meio lí- por microrganismos, na sua degradação.
quido: molecular (N2), que escapa para a Pode ter origem natural, proveniente dos
atmosfera; nitrogênio orgânico; amônia próprios microrganismos ou de matéria
(NH3); nitrito (NO-2); e nitrato (NO-3). orgânica animal e vegetal, ou ter origem
Na forma de nitrato, pode causar a me- antropogênica, por meio dos despejos
taemoglobinemia, também conhecida industriais e domésticos. Devido à difi-
como síndrome do bebê azul. Na forma culdade de determinar em laboratório os
de amônia livre, pode ser tóxico aos pei- diversos componentes da matéria orgâ-
xes. No processo de transformação da nica (proteínas, gorduras, carboidratos),
amônia em nitrito, há consumo de oxi- a quantificação da matéria orgânica pre-
gênio do meio. Além disso, o nitrogênio sente no esgoto é usualmente realizada
é essencial para o crescimento de algas de forma indireta, através de testes em
e, quando em elevadas concentrações, laboratório, sendo os mais usados:
pode acarretar seu crescimento exage- - demanda bioquímica de oxigênio
rado, levando à eutrofização. Em um (DBO), que mede a quantidade de
corpo d’água, a presença de nitrogênio oxigênio requerido para estabilizar a
na forma orgânica ou de amônia está matéria orgânica presente na amostra
associada a uma poluição (ver p. 488) re- de água, por meio de processos bio-
cente, enquanto a forma de nitrato está químicos, realizada inteiramente por
associada a uma poluição mais remota. microrganismos, após um dado tem-
• Fósforo: proveniente de dissolução po (padrão, cinco dias) e temperatura
de compostos do solo, decomposição (padrão: 20ºC). É, portanto, capaz de
de matéria orgânica e da composição fornecer uma indicação aproximada

246
ENQUADRAMENTO DE CORPOS D'ÁGUA E PADRÃO DE LANÇAMENTO

da parcela biodegradável presente no animais invertebrados. Particularmen-


esgoto e das taxas de degradação do te para o saneamento e para a saúde
esgoto e de consumo de oxigênio em pública, os organismos de maior inte-
função do tempo. resse são os organismos transmisso-
- demanda química de oxigênio res de doenças, também conhecidos
(DQO), que corresponde à quanti- como patógenos ou organismos pato-
dade de oxigênio necessária para gênicos. A fim de monitorar esses mi-
que ocorra a oxidação/degradação crorganismos faz-se uso de indicadores
química de toda a matéria orgânica. de poluição, como as bactérias do grupo
Embora seja um teste mais rápido coliformes. Este grupo de bactérias ha- E
que o da DBO (leva cerca de duas a bita naturalmente o intestino humano
três horas), é o teste de DBO que as e de outros animais, por isso é usado
legislações federais usam para esta- como indicador de contaminação fe-
belecer os padrões de lançamento de cal. Todos os dias cada pessoa elimina
efluente, classificação e enquadra- milhares de bactérias desse grupo e,
mento. A DQO não fornece a taxa de quanto maior a presença desses mi-
consumo de oxigênio em função do crorganismos na água, maior a chance
tempo, além de estar mais suscetível de ter sido contaminada por fezes.5 Por
a erros, pois constituintes inorgâ- isso, devem ser feitos testes de colifor-
nicos que sofrem oxidação, como o mes, já que uma quantidade maior que
ferro e o manganês, podem dar um a permitida na legislação indica conta-
falso resultado de excesso de maté- minação por esgoto e/ou outros despe-
ria orgânica, quando na verdade não jos fecais nocivos à saúde humana.
foi a matéria orgânica que se oxidou,
e sim os constituintes inorgânicos. Enquadramento e classificação
• Micropoluentes: podem ser inorgânicos de corpos d’água
(principalmente os metais) ou orgâni-
cos (detergentes, agrotóxicos, produtos A Resolução 357 do Conama é a diretriz
químicos) e em grande parte estão rela- federal que classifica os corpos d’água de
cionados à toxicidade. A origem natu- acordo com seus usos previstos. Os corpos
ral desses micropoluentes é de menor d’água nacionais são classificados em nove
importância, uma vez que sua origem é classes, sendo cinco classes de água doce
predominantemente antropogênica, re- (baixa quantidade de sais minerais: salini-
lacionada a despejos industriais, agrotó- dade < 0,05%), duas de água salina (salini-
xicos, atividades de garimpo e minerado- dade > 3,0%) e duas de águas salobras (alta
ras, hormônios e fármacos, além de pro- quantidade de sais minerais: salinidade
cessamento e refinamento de petróleo. entre 0,05 e 3,0%). Os trechos dos corpos
d’água são enquadrados em classes de acor-
Características biológicas do com os seus usos.2 Muitos corpos d’água
no país ainda não foram classificados.
• Microrganismos: os principais gru- As águas doces são enquadradas de
pos encontrados são vírus, bactérias, classe especial (uso mais nobre, por
protozoários, algas, fungos, plantas e exemplo: abastecimento de água para

247
EIXO 5 - ESGOTAMENTO SANITÁRIO

consumo humano) até a classe 4 (uso (OD) deve ser maior que 6 miligramas
menos nobre, ex.: navegação e harmonia por litro (mg/l); a de sólidos dissolvidos
paisagística). A cada uma dessas classes totais, menor que 500 mg/l; DBO, até
corresponde uma determinada qualida- 3 mg/l; turbidez, até 40 UNT; e mate-
de, avaliada por condições e padrões es- riais flutuantes e óleos e graxas devem
pecíficos, a ser mantida no corpo d’água. ser virtualmente ausentes. Ainda para a
Assim, a classificação possibilita um classe 1, para o uso de recreação de con-
maior controle de poluição e monitora- tato primário deverão ser obedecidos os
mento das condições dos corpos d’água, padrões de qualidade de balneabilidade.
garantindo que a qualidade da água seja Para os demais usos, não deverá ser
compatível com os usos previstos. excedido um limite de 200 coliformes
A classe especial das águas doces é termotolerantes por 100 mililitros (ml).
aquela que apresenta melhor qualidade Já o padrão de qualidade para classe 4 es-
para o abastecimento humano, precisan- tabelece que o OD deve estar acima de 2
do apenas de uma etapa de desinfecção. mg/l e o pH entre 6 e 9, sem estabelecer
Essas águas também são destinadas à restrição aos outros parâmetros.2
preservação do equilíbrio natural das Além da importância no controle da po-
comunidades aquáticas e à preservação luição dos corpos d’água, o enquadramento
dos ambientes aquáticos em unidades é referência para os demais instrumentos
de conservação de proteção integral. de gestão de recursos hídricos (outorga,
Nessas águas é vedado o lançamento de cobrança, planos de bacia), assim como
efluentes ou disposição de resíduos do- para instrumentos de gestão ambiental
mésticos, agropecuários, de aquicultura, (licenciamento, monitoramento).
industriais e de quaisquer outras fontes
poluentes, mesmo que tratados.3 Padrão de lançamento
Para o abastecimento de água para de efluentes
consumo humano, as águas doces en-
quadradas até classe 3 podem ser usadas A Resolução 430/2011 do Conama é
desde que passem por tratamento. Os a diretriz federal que dispõe sobre as
corpos d’água classe 1 podem ser des- condições e padrões de lançamento de
tinados ao abastecimento se passarem efluentes. Os padrões de lançamento não
por tratamento simplificado. Já os cor- variam de acordo com o corpo d’água, ou
pos d’água de classe 2 devem passar por seja, independentemente de onde será
tratamento convencional, e os de classe lançado, o esgoto deve atender a todos os
3, por tratamento convencional ou avan- requisitos estabelecidos nesta resolução.
çado. Os corpos d’água de classe 4 têm As legislações estaduais devem ser sem-
como usos preponderantes a navegação pre consultadas, pois tendem a ser mais
e harmonia paisagística, não podendo restritivas que a federal. Por exemplo,
ser usados para consumo humano, con- na legislação federal, o limite para lan-
tato primário ou secundário ou desse- çamento de DBO é de 120 mg/l.3 Na De-
dentação de animais. Como exemplo liberação Normativa Conjunta Copam/
dos padrões de qualidade, na classe 1, CERH-MG 1/2008, o limite é de 60 mg/l.4
a concentração de oxigênio dissolvido As legislações estaduais podem estabele-

248
ENQUADRAMENTO DE CORPOS D'ÁGUA E PADRÃO DE LANÇAMENTO

cer padrão igual ou mais restritivo que a efetividade das políticas públicas citadas.
federal, nunca menos restritivo. O descumprimento do padrão de lança-
No caso em que o efluente satisfaça os mento compromete a qualidade dos corpos
padrões de lançamento, mas não satisfaça d’água, sendo bastante crítico em casos
os padrões de qualidade do corpo d’água, o em que impede a condição de tratabilida-
tratamento deverá ser realizado para aten- de das águas para o consumo humano. Nos
der aos padrões do corpo d’água quando períodos de crise hídrica, há ainda maior
este é mais restritivo. Essa situação pode comprometimento da qualidade das águas,
acontecer em corpos d’água com baixa ca- uma vez que se reduz a capacidade de dilui-
pacidade de autodepuração e diluição. Caso ção do despejo, o que interfere na capacida- E
o esgoto satisfaça o padrão de qualidade do de de autodepuração dessas coleções hídri-
corpo d’água, mas não satisfaça o padrão cas. Medidas estruturantes são essenciais
de lançamento, o órgão ambiental poderá para garantir que as políticas ambientais e
autorizar o lançamento com valores aci- de saneamento sejam efetivas.
ma do padrão estabelecido pela resolução É necessário comprometimento da
vigente. No entanto, essas situações são gestão pública em fiscalizar os lançamentos
excepcionais e, geralmente, ocorrem quan- de efluentes nos corpos d’água, gerenciar
do o corpo d’água tem boa capacidade de os recursos hídricos de forma que não haja
autodepuração e de diluição. Neste caso, conflito de usos da água e nem se necessite
é importante a realização de estudos am- fazer racionamento do abastecimento pa-
bientais para avaliar se a qualidade da água ra consumo humano, além de sensibilizar
permanecerá dentro dos padrões estabele- toda a sociedade por meio de programas
cidos para sua classe de enquadramento. de educação continuada sobre as consequ-
É importante ressaltar que o não ências de se despejar os esgotos brutos nos
cumprimento da legislação interfere na corpos d’água.

Referências bibliográficas

1. BRASIL. Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997. Institui a Política Nacional de Re-


cursos Hídricos, cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9433.htm.
2. CONAMA. Resolução nº 357, de 17 de março de 2005. Dispõe sobre a classificação
dos corpos de água e diretrizes ambientais para o seu enquadramento, bem como
estabelece as condições e padrões de lançamento de efluentes. Disponível em: http://
www2.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=459.
3. CONAMA. Resolução nº 430, de 13 de maio de 2011. Dispõe sobre as condições e
padrões de lançamento de efluentes. Disponível em: http://www2.mma.gov.br/port/
conama/res/res11/propresol_lanceflue_30e31mar11.pdf.
4. VON SPERLING, M. Introdução à qualidade das águas e ao tratamento de esgo-
tos. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014. (Coleção Princípios do tratamento bioló-
gico de águas residuárias, v. 1).
5. MS. Vigilância e controle da qualidade da água para consumo humano. Brasília:
MS, 2006.

249
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

6. COPAM/CERH-MG. Deliberação normativa conjunta nº 1, de 5 de maio de 2008.


Dispõe sobre a classificação dos corpos de água e diretrizes ambientais para o seu en-
quadramento, bem como estabelece as condições e padrões de lançamento de efluen-
tes. Disponível em: http://www.siam.mg.gov.br/sla/download.pdf?idNorma=8151.

Para saber mais

ANA. Planos de recursos hídricos e o enquadramento de corpos d´á-


gua. Brasília: ANA, 2017. Disponível em: https://www.ana.gov.br/videos/
planos-de-recursos-hidricos-e-o-enquadraento-de-corpos-dagua.

Autoria deste verbete

Fernanda Deister Moreira. Engenheira sanitarista e ambiental pela Universidade Fe-


deral de Juiz de Fora (UFJF). Mestranda em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos
Hídricos na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Lívia Cristina da Silva Lobato. Engenheira civil e doutora em Saneamento, Meio Am-
biente e Recursos Hídricos pela UFMG.

Fabiana Lopes Del Rei Passos. Engenheira civil e doutora em Engenharia Ambiental
pela Universitat Politècnica de Catalunya (UPC), Espanha. Professora adjunta do De-
partamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFMG.

E
EPIDEMIOLOGIA

A palavra epidemiologia tem origem nas • propõe medidas específicas de preven-


raízes gregas: “epi” (sobre), “demo” (po- ção e controle;
pulação), “logos” (tratado, ciência). • subsidia o planejamento, a administra-
A epidemiologia é o campo das ciências ção e a avaliação das ações em saúde
da saúde que: por meio de indicadores.

• estuda o processo saúde-doença e ana- É a área que analisa os fatores ambien-


lisa a distribuição das enfermidades, tais e socioeconômicos que possam ter re-
danos e eventos relacionados à saúde lação com o aparecimento de doenças, as
em coletividades humanas; condições de vida e a situação de saúde.1
• descreve, explica e analisa as causas ou A epidemiologia usa saberes de disciplinas
fatores determinantes das doenças; como biologia, clínica médica, medicina so-

250
EPIDEMIOLOGIA

cial, saúde pública, matemática, estatísti- vam-se mal. Essas condições favoreceram
ca, demografia, ciências sociais e geografia. a propagação de doenças infectocontagio-
A epidemiologia coloca em evidência a sas e o aparecimento de epidemias.
distribuição desigual das doenças, identi- Duas correntes explicavam o apareci-
fica populações vulneráveis e expostas a mento das doenças: a Teoria Contagio-
riscos de contrair doenças e agravos por nista buscava uma causa específica e as
saneamento inadequado no município e medidas estavam centradas no indivíduo;
fornece subsídios para a caracterização e a Teoria da Constituição Epidêmica
territorial e a priorização das ações. (anticontagionista ou miasmática) enfa-
A maneira de perceber a saúde, a do- tizava a importância da predisposição do E
ença e suas causas influenciou a forma corpo, do modo de vida, da ocupação, das
de conceber a epidemiologia ao longo da condições insalubres no surgimento das
história. Segundo as concepções vigen- doenças, focando as medidas de controle
tes à época, variaram as formas de pre- no ambiente. Seus adeptos protagoniza-
venção e de intervenção sobre doenças ram reformas urbanas para melhorar as
e danos relacionados à saúde. A histó- condições sanitárias das cidades e a qua-
ria da epidemiologia confunde-se com a lidade de vida dos trabalhadores.
história da medicina e da saúde pública Em inícios do século 19, a cólera che-
(ver p. 636), e com as teorias de causali- gou à Europa e, em Londres, aconteceu
dade das doenças. uma epidemia no período de 1849-1854.
O médico e filósofo grego Hipócrates O médico John Snow descobriu a causa e
(século 5 a.C.) – considerado o pai da a maneira de transmissão da cólera pela
medicina, pois a transformou em ciên- água contaminada do Rio Tâmisa, antes
cia – estudou as doenças epidêmicas e da descoberta dos microrganismos como
as relacionou com variações geográficas, agentes causadores de doenças.3 Snow é
alimentação, estações do ano, alterações considerado o pai da epidemiologia mo-
climáticas, ventos, águas e outras influ- derna devido à organização lógica de suas
ências ambientais.2 observações por meio da descrição e da
Na Idade Média (séculos 5 a 15) as epi- análise da epidemia. O Vibrio cholerae,
demias eram produzidas por punição di- agente etiológico da cólera, foi descoberto
vina, segundo o clero, ou por conjunções quase 30 anos depois, em 1883. O estudo
astrológicas, climáticas, ambientais, sa- de Snow permitiu detectar a companhia
nitárias, segundo os médicos. Durante o responsável pelo fornecimento de água
Renascimento e o Iluminismo (séculos 16 contaminada – entre as várias existentes
a 19), ocorreram grandes transformações em Londres – e tomar as medidas neces-
na maneira de compreender o mundo e in- sárias para a resolução do problema.4, 5
tenso desenvolvimento do conhecimento. No século 20, houve mudanças signifi-
No século 19, com a urbanização e o cativas na investigação epidemiológica. A
desenvolvimento industrial, a popula- partir dos anos 1960, houve incorporação
ção das cidades europeias cresceu rapi- da computação eletrônica com forte in-
damente. As moradias eram precárias, fluência das matemáticas. Na década de
sem saneamento, as jornadas de trabalho 1970, houve grande desenvolvimento de
eram extensas e os operários alimenta- técnicas de coleta e análise de dados epi-

251
EIXO 9 - TERRITORIALIZAÇÃO EM SAÚDE

demiológicos e foram propostos modelos • Qual o número de casos de dengue?


matemáticos para inúmeras doenças. • Qual a taxa de incidência de gestantes
Na década de 1980, surgem na América com zika?
Latina e na Europa abordagens mais crí- • Qual o percentual de domicílios que pos-
ticas da epidemiologia que reafirmam a suem fornecimento adequado de água?
historicidade do processo saúde-doença • O número de casos de leptospirose é
e o fundamento econômico e político de maior em áreas de manejo de águas
seus determinantes. Atualmente, a epi- pluviais e manejo de resíduos sólidos
demiologia aponta para novas tendên- inadequados?
cias ampliando o objeto de conhecimento
como epidemiologia molecular, etno- É necessário conhecer algumas infor-
epidemiologia, farmacoepidemiologia, mações para responder essas questões,
epidemiologia genética, epidemiologia como: a população do município, distri-
dos serviços de saúde.6 tos e agregados menores (comunidades,
assentamentos, quilombolas, áreas indí-
Diagnósticos genas), a estrutura por idade e sexo da po-
pulação, taxa de migração e estatísticas
A epidemiologia pode ser classificada, vitais; as principais causas de morbimor-
segundo a utilização do método epi- talidade; acesso da população aos servi-
demiológico, em: descritiva, analítica, ços públicos de saneamento no território.
experimental e de avaliação. Das dife- A epidemiologia utiliza indicadores de
rentes abordagens, a descritiva é a mais saúde para descrever uma situação, avaliar
adequada na realização do diagnóstico mudanças durante o tempo e comparar si-
técnico-participativo do planejamento tuações de saúde em diferentes territórios.
municipal de saneamento.7 Ela tem como No caso da elaboração do planejamento
objetivo informar sobre a distribuição municipal de saneamento, é prioritária a
de eventos em saúde. Na epidemiologia utilização de indicadores de morbimor-
descritiva é essencial a utilização de da- talidade, sobretudo os ligados às doenças
dos sobre a saúde da população de fontes relacionadas ao saneamento ambiental
de informações confiáveis e a organiza- inadequado (DRSAIs – ver p. 218), e indi-
ção de uma base adequada de dados. cadores socioambientais, como o acesso
O primeiro passo é conhecer a popula- aos componentes do saneamento.
ção em estudo, seja do município, distri- As informações necessárias na epide-
to – o agregado de menor tamanho – e o miologia são obtidas por meio das per-
número de pessoas que está “sob risco” de guntas: 8, 9
determinados eventos. Para definir este
perfil, por exemplo, pode-se responder a • Qual é o problema de saúde, doen-
estas questões: ça, agravo ou evento, e quais são as
características?
• Qual a mortalidade infantil por doen- • Quem está exposto ao problema? (Con-
ças diarreicas? siderar características como idade, sexo,
• Qual a mortalidade em menores de 5 grupo étnico, escolaridade, estado civil,
anos por doenças diarreicas? renda, ocupação, classe social, hábitos.)

252
EPIDEMIOLOGIA

• Onde ocorre o problema (país, região, lidade infantil por doenças específicas,
estado, município, distrito, bairro, rua, mortalidade geral por diferentes causas
área urbana, área rural, periferia, fa- de doenças, mortalidade proporcional
vela, área de risco, assentamento, área por grupos de causas, letalidade por do-
quilombola, área indígena)? enças infecciosas.
• Quando acontece o problema (déca- As taxas ou coeficientes de incidência e
da, ano, mês, semana, dia, hora, esta- de prevalência representam os principais
ção do ano, períodos chuvosos e não indicadores epidemiológicos de morbida-
chuvosos)? de (doença). Esses indicadores são funda-
• Como ocorre o problema/doença? Qual mentais para a identificação de variações E
a associação com condições específicas, de eventos ao longo do tempo (séries his-
com agentes etiológicos, vetores, fontes tóricas) ou comparações de frequências de
de infecção, grupos susceptíveis, falta doenças em diferentes grupos e territórios.
de infraestrutura sanitária? A taxa de incidência é uma medida de
• Por que o problema ocorre e quais os risco: mede o número de novos casos (do-
motivos para sua persistência? entes) que ocorrem em uma população
• E então, qual foi o resultado? definida, em um período especificado de
• Quais intervenções foram implementa- tempo – geralmente, um ano. É o melhor
das? Houve melhoria? indicador para evidenciar se um even-
to está aumentando, diminuindo ou se
Os dados disponíveis nas fontes de in- permanece estático. É utilizada na vigi-
formações estão geralmente em forma de lância epidemiológica – uma das formas
números absolutos (ex.: 32 casos de den- operacionais da vigilância em saúde (ver
gue; 1.567 casos de doença diarreica). Es- p. 779)– para avaliar programas de saúde,
tes dados são utilizados para monitorar a sendo apropriada para medir doenças de
ocorrência de doenças infectocontagio- curta duração como doenças diarreicas e
sas – sobretudo em surtos e epidemias dengue. Já a taxa de prevalência mede
– quando as populações envolvidas estão o número total de casos existentes (no-
restritas a um local e tempo. vos e antigos) em uma população e em
Os indicadores de saúde mais utili- determinado tempo. Serve para medir
zados são os de morbimortalidade e problemas crônicos como doença de Cha-
de oferta de serviços de saúde. Estes gas, leishmaniose e hipertensão arterial,
últimos referem-se ao acesso a progra- apresentando o panorama do problema
mas e serviços de saúde (agentes de saú- de saúde na população.
de, posto e centro de saúde, hospitais), Para fins de elaboração do planeja-
educação em saúde, disponibilidade de mento municipal em saneamento, é
alimentos e nutrição, acesso aos compo- importante destacar os casos novos de
nentes do saneamento básico, prevenção doenças, apresentados em números ab-
e controle de doenças endêmicas, saúde solutos, e as respectivas taxas de inci-
materno-infantil, acesso a medicamen- dência. A utilização de números absolu-
tos e tecnologias médicas.10 tos para fins de comparação pode levar
Entre os indicadores de mortalidade a conclusões errôneas. Por isso, para re-
mais importantes estão: taxa de morta- alizar comparações é essencial o cálculo

253
EIXO 9 - TERRITORIALIZAÇÃO EM SAÚDE

da taxa de incidência, que relativiza os informações geradas nos territórios po-


casos novos de doença pela população dem ser apresentadas na forma de tabe-
do território. A taxa de incidência ser- las, gráficos e mapas.
ve para realizar comparações entre du- O raciocínio e os indicadores epide-
as populações de diferentes tamanhos miológicos fornecem subsídios para a
(com números diferentes de pessoas sob elaboração do diagnóstico do território,
risco) – por exemplo, distritos populosos o planejamento de ações e a tomada de
e outros de população pequena – e é fun- decisões que favoreçam a priorização das
damental para conhecer as populações ações estruturais e estruturantes, tendo a
expostas a riscos de adoecimento. As saúde pública como objetivo estratégico.

Referências bibliográficas

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Janeiro: MedBook, 2013.
2. CAIRUS, H. F.; RIBEIRO JR., W. A. Textos hipocráticos: o doente, o médico e a do-
ença. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2005
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ro: Hucitec; Abrasco, 1990.
4. COSTA, D. C.; COSTA, N. do R. Teoria do Conhecimento e Epidemiologia: um convite
à leitura de John Snow. In: COSTA, D. C. Epidemiologia, teoria e objeto. São Paulo;
Rio de Janeiro: Hucitec; Abrasco, 1990. p. 167-202.
5. UJVARI, S. C. O perigo escondido na água. In: Meio Ambiente & Epidemias. São
Paulo: Editora Senac São Paulo, 2004. p. 58-63. (Série Meio Ambiente 2).
6. ALMEIDA FILHO, N. Uma breve história da epidemiologia. In: Rouquayrol, M.
Z.; Almeida Filho, N. (org.). Epidemiologia & Saúde. 5. ed. Rio de Janeiro: Medsi,
1999. p. 1-13.
7. MS; FUNASA. Termo de referência para elaboração de plano municipal de sane-
amento básico. Brasília: Funasa, 2018. Disponível em: http://www.funasa.gov.br/
termo-de-referencia-tr-para-pmsb. Acesso em: 18 dez. 2019.
8. PEREIRA, M. G. Epidemiologia: teoria e prática. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, 2003.
9. PALMEIRA, G.; MIYASHIRO, G. M.; CHAIBLICH, J. V. Epidemiologia. In: GONDIM,
G. M. M.; CHRISTÓFARO, M. A. C.; MIYASHIRO, G. M. (org.). Técnico em Vigilância
em Saúde: fundamentos. v. 2. Rio de Janeiro: EPSJV, 2017. Disponível em: http://
www.epsjv.fiocruz.br/publicacao/livro/tecnico-de-vigilancia-em-saude-fundamen-
tos. Acesso em: 20 nov. 2019.
10. VAUGHAN, J. P.; MORROW, R. H. Epidemiologia para municípios: manual para
gerenciamento dos distritos sanitários. 3. ed. (Saúde em Debate, 54). São Paulo:
Hucitec, 2002.

254
EPIDEMIOLOGIA

Para saber mais

CONCEITOS de Epidemiologia. Reportagem: Maria Tereza Cordeiro. Coordenação ge-


ral: Maria José Baldessar. Roteiro: Adriane Canan e Marcelo Esteves. Coordenação
de produção: Tânia Machado de Andrade. UNA-SUS; UFSC, 2011. 1 vídeo (7 min).
(Conceitos e Ferramentas da Epidemiologia). Disponível em: https://www.youtube.
com/watch?v=BwQ2AhPC-ek.
INDICADORES de Saúde. Reportagem: Maria Tereza Cordeiro. Coordenação geral:
Maria José Baldessar. Roteiro: Adriane Canan e Marcelo Esteves. Coordenação de
produção: Tânia Machado de Andrade. UNA-SUS; UFSC. 1 vídeo (9 min). (Concei- E
tos e Ferramentas da Epidemiologia). Disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v=xzGalHQv8e0

Autoria deste verbete

Gladys Miyashiro Miyashiro. Médica, mestre em Saúde Pública. Professora-pesquisa-


dora do Laboratório de Educação Profissional em Vigilância em Saúde (Lavsa) da Esco-
la Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Bárbara Campos Silva Valente. Biomédica, doutoranda em Saúde Coletiva, mestre em


Saúde Coletiva. Professora-pesquisadora do Laboratório de Educação Profissional em
Vigilância em Saúde (Lavsa) da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV),
Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Juliana Valentim Chaiblich. Geógrafa, mestre em Saúde Coletiva, doutoranda em Saú-


de Pública. Professora-pesquisadora do Laboratório de Educação Profissional em Vigi-
lância em Saúde (Lavsa) da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV) e
pesquisadora do Centro de Estudos e Pesquisas em Emergências e Desastres em Saúde
(Cepedes), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Elenice Machado da Cunha. Enfermeira, doutora em Saúde Pública. Professora-


-pesquisadora do Laboratório de Educação Profissional em Vigilância em Saúde
(Lavsa) da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), Fundação
Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Raiane Fontes de Oliveira. Geógrafa, mestre em Geografia, doutoranda em Geografia


Física. Professora-pesquisadora do Laboratório de Educação Profissional em Vigilância
em Saúde (Lavsa) da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), Fundação
Oswaldo Cruz (Fiocruz).

255
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

E
ESGOTO SANITÁRIO

A geração do esgoto sanitário é o motivo sanitário – é composto 99% por água ad-
pelo qual os serviços de esgotamento sa- vinda de urina, da descarga sanitária, de
nitário são requeridos no planejamento banho e/ou lavagem, e o outro 1% é com-
de um domicílio, bairro e/ou município. posto por sólidos orgânicos e inorgânicos,
Os serviços de esgotamento sanitário como fezes, papel, restos de alimentos e
compreendem a coleta, o transporte, o sabão.2 Em geral, o esgoto doméstico é
tratamento e a disposição final, com- constituído por3:
pondo um dos quatro componentes do
saneamento básico. Se o esgoto não for • Esgoto fisiológico ou fecal: também
corretamente destinado, pode haver di- conhecido por águas fecais, é aquele
versos impactos do seu lançamento ina- proveniente de descarga de sanitá-
dequado no meio ambiente e na saúde do rios, contribuindo para alta carga de
ser humano, o que por sua vez pode vir a microrganismos patogênicos, ou seja,
afetar a saúde pública e a expectativa e a microrganismos transmissores de do-
qualidade de vida. enças. É o componente que traz mais
O termo "esgoto sanitário" é usado riscos sanitários.
para caracterizar despejos originados • Esgoto de cocção: é proveniente de
das seguintes fontes: doméstico, in- atividades de preparo e limpeza de
dustrial, e águas de infiltração.1 A com- alimentos nas cozinhas e, por isto, é ca-
posição do esgoto e sua contribuição racterizado por altas concentrações de
devem ser estimadas para se projetar o óleos e gorduras. Devido a essa contri-
sistema de tratamento. Nesse sentido, buição, é necessária a instalação de cai-
é preciso definir o nível de tratamento xas de gordura para reter esses compos-
de esgoto que se deve adotar e escolher tos antes desses despejos serem mistu-
um processo tecnológico que melhor se rados com o esgoto fecal e profilático a,
adeque à realidade local. posteriormente, tratar.
• Esgoto profilático: também conhecido
Características como águas servidas, é o esgoto prove-
niente da limpeza do corpo, roupas e am-
Os esgotos sanitários têm, comumente, bientes, contendo detergentes e sabões.
características bem definidas e são ori-
ginados principalmente de atividades Atualmente, o esgoto profilático e o es-
domiciliares ou de edifícios comerciais, goto de cocção, juntos, são chamados de
escolas e outras instituições, provenien- águas cinzas. Esta divisão entre águas
tes das águas utilizadas em banheiros, fecais e cinzas surge no âmbito do apro-
lavanderias e cozinhas. O esgoto domés- veitamento dos subprodutos do trata-
tico – o principal contribuinte do esgoto mento dos esgotos, visando o reúso, que

256
ESGOTO SANITÁRIO

é uma alternativa para rota do esgoto a água foi submetida. Existem, ainda, ou-
tratado que não o corpo receptor. Como o tras condicionantes, como a disponibili-
esgoto possui uma série de compostos de dade de água na região, as interconexões
interesse e valor agregado, os subprodu- com o manejo de águas pluviais (ver p.
tos líquidos sólidos e gasosos provenien- 368), contribuições de efluentes indus-
tes do tratamento podem ser usados, de- triais (ver p. 238) e alterações nas carac-
pendendo das condições, na agricultura, terísticas do esgoto ao longo do tempo.
na indústria e no meio urbano. Os parâmetros são os mesmos que os de
Embora ainda não exista um consenso qualidade das águas e, geralmente, para
sobre essas denominações (águas cinzas esgoto doméstico apresentam-se com ca- E
e águas fecais) e as soluções coletivas de racterísticas específicas6:
esgotamento sanitário no Brasil (ver p.
664) não fazerem a coleta, o transporte • Temperatura: ligeiramente superior à
e o tratamento separado dessas águas, da água de abastecimento e varia con-
esses termos vêm sendo utilizados prin- forme as estações do ano.
cipalmente ao referir-se ao uso dessas • Cor: no esgoto fresco a cor é ligeiramente
águas para outras atividades. O trata- cinza e no esgoto séptico, ou seja, aquele
mento separado desses dois efluentes mais ‘’velho’’, cinza escuro ou preta.
pode ser benéfico em termos de eficiên- • Odor: no esgoto fresco o odor é razoavel-
cia de tratamento, custo-benefício da mente desagradável, similar ao cheiro de
instalação e aproveitamento de subpro- mofo. enquanto no esgoto séptico é mui-
dutos gerados. Diversas soluções indivi- to desagradável devido ao gás sulfídrico
duais de esgotamento sanitário (ver p. e outros produtos da sua decomposição.
673) vêm sendo implementadas com se- • Turbidez: em esgotos mais frescos ou
paração de águas cinzas e fecais. mais concentrados a turbidez é maior,
No caso das águas cinzas, é importante uma vez que é causada por uma grande
que a caixa de gordura seja dimensiona- variedade de sólidos em suspensão.
da de forma correta e que a manutenção • Sólidos totais: podem ser classificados
seja periódica. O entupimento das tubu- como orgânicos e inorgânicos, sedi-
lações domiciliares devido à falta dessa mentáveis ou suspensos e dissolvidos.
estrutura ou à manutenção deficiente é Os sólidos são responsáveis pela cor e
um grave problema sanitário que ocorre turbidez. Em um esgoto forte, ou seja,
tanto nas cidades quanto nas áreas ru- muito concentrado, esperam-se valores
rais. Por isso, deve-se instalar correta- típicos de 1.160 miligramas por litro
mente as caixas de gordura de acordo com (mg/l) de sólidos totais e, no esgoto
a NBR 8.160/1999.5 fraco, ou pouco concentrado, 370mg/l.
• Matéria orgânica: é a mistura de
Composição do esgoto diversos compostos orgânicos, co-
mo proteínas, carboidratos e lipídios,
Assim como as águas naturais têm seus e representada como demanda bio-
parâmetros de qualidade , o esgoto bru- química de oxigênio (DBO), que, nos
to deve ser caracterizado quanto a esse esgotos domésticos varia entre 100 e
aspecto – que vai depender do uso ao qual 400mg/l, ou pela demanda química de

257
EIXO 5 - ESGOTAMENTO SANITÁRIO

oxigênio (DQO), que nos esgotos do- gânica. Valores muito baixos de alca-
mésticos vai de 200 a 800mg/l. No es- linidade podem indicar condições de
goto doméstico, a relação DQO/DBO baixo pH, o que afeta a taxa de cresci-
varia entre 1,7 e 2,4, caracterizando mento dos microrganismos.
elevada biodegradabilidade e indica- • Cloretos: estão presentes na excreta
ção de tratamento biológico. humana e, por isso, sempre também
• Nitrogênio total: no esgoto, o nitrogê- no esgoto. No entanto, os tratamen-
nio – na forma orgânica ou amoniacal tos convencionais praticamente não
– provém, principalmente, das fezes os removem.
e da urina. A presença de nitritos ou • Óleos e graxas: aqueles presentes no es-
nitratos no esgoto bruto caracteriza goto são provenientes do uso de óleos e
um esgoto mais velho ou despejo de gorduras utilizados na cozinha.
efluentes industriais. A presença do ni-
trogênio é essencial para o crescimento Problemas interligados
dos microrganismos responsáveis pelo
tratamento de esgoto. No esgoto mais Problemas na gestão das águas acarre-
concentrado, o valor típico de nitrogê- tam problemas no esgotamento sanitá-
nio total é de 85 mg/l ao passo que para rio, tanto nas medidas estruturais quan-
o esgoto fraco, ou menos concentrado, to estruturantes. No caso de escassez hí-
fica em 20 mg/l. drica há interferência direta na geração
• Fósforo: no esgoto apresenta-se na de esgoto e isso também interfere nas
forma de fosfatos nas formas inor- suas características físicas, químicas e
gânica (proveniente de detergentes e biológicas, uma vez que este fica mais
produtos químicos domésticos) e or- concentrado. Em muitos casos, quando
gânica (fezes e urina). A presença do há racionamento, os picos de consumo
fósforo é essencial para o crescimento de água são maiores em horários defini-
dos microrganismos responsáveis pela dos devido a essa intermitência, assim
estabilização da matéria orgânica. No como os picos de vazão nas estações de
esgoto mais concentrado, o valor típi- tratamento de esgoto.
co de fósforo total é de 20mg/l. Já para Para a gestão do saneamento é impor-
o esgoto fraco, ou menos concentrado, tante conhecer a composição do esgoto,
de 5mg/l. principalmente para casos de escassez
• pH: indica as características básicas ou hídrica. Conhecer o esgoto que o municí-
ácidas do esgoto. O valor típico varia pio gera permite pensar em alternativas
entre 6,5 e 7,5 para esgoto fresco e va- de tratamento visando o reúso ou apro-
lores inferiores a 6 para esgoto séptico. veitamento e recuperação dos subprodu-
• Alcalinidade: a alcalinidade é um im- tos. Com os devidos cuidados, pode-se
portante parâmetro a ser determi- optar por efluentes tratados para usos
nado no processo de tratamento do menos nobres como lavagem de carros,
esgoto, uma vez que identifica se há galpões e calçadas – que consomem mui-
variações de pH que poderiam estar ta água e não necessitam da mesma qua-
afetando os microrganismos respon- lidade que a água para consumo – , sem
sáveis pela oxidação da matéria or- risco para a saúde humana.

258
ESGOTO SANITÁRIO

Referências bibliográficas

1. ABNT. NBR 9.648:1986. Estudo de concepção de sistemas de esgoto sanitário. Rio


de Janeiro: ABNT, 1986.
2. VON SPERLING, M. Introdução à qualidade das águas e ao tratamento de esgo-
tos. v. 1. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014. (Coleção Princípios do tratamento
biológico de águas residuárias).
3. AZEVEDO NETTO, J. M.; BOTELHO, M. H. C.; GARCIA, M. A Evolução dos Sistemas de
Esgotos. Engenharia sanitária e ambiental, Rio de Janeiro: v. 22, n. 2, p. 226-228, 1983.
4. REBÊLO, M. M. P. S. Caracterização de águas cinzas e negras de origem residen- E
cial e análise da eficiência de reator anaeróbio com chicanas. 2011. Dissertação
(Mestrado em Recursos Hídricos e Saneamento) – Centro de Tecnologia, Universi-
dade Federal de Alagoas, Maceió, 2011.
5. ABNT. NBR 8.160:1999: Sistemas prediais de esgoto sanitário – Projeto e execução.
Rio de Janeiro: ABNT, 1999.
6. JORDÃO, E. P.; PESSOA, C. A. Tratamento de esgotos domésticos. 7. ed. Rio de
Janeiro: Abes, 2014.

Para saber mais

DIAS, A. P.; ROSSO, T. C. A. Os sistemas de saneamento na cidade do Rio de Ja-


neiro – parte 1. Rio de Janeiro: Coamb/FEN/Uerj, 2012. (Série Recursos hídricos
e saneamento, v. 2).

Autoria deste verbete

Fernanda Deister Moreira. Engenheira sanitarista e ambiental pela Universidade Fe-


deral de Juiz de Fora (UFJF). Mestranda em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos
Hídricos na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Lívia Cristina da Silva Lobato. Engenheira civil e doutora em Saneamento, Meio Am-
biente e Recursos Hídricos pela UFMG.

Izabel Cristina Chiodi de Freitas. Engenheira civil pela UFMG, especialista em Saúde
Pública pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Fabiana Lopes Del Rei Passos. Doutora em Engenharia Ambiental pela Universitat Po-
litècnica de Catalunya (UPC), Espanha. Professora adjunta do Departamento de Enge-
nharia Sanitária e Ambiental da UFMG.

259
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

E
ESTRUTURA OPERACIONAL, GERENCIAL E
FISCALIZATÓRIA DE RESÍDUOS SÓLIDOS

A gestão dos serviços de limpeza urbana e Os municípios com frequência não têm
de manejo de resíduos sólidos constitui- um órgão específico e independente de-
-se em um dos maiores desafios enfrenta- dicado exclusivamente à prestação dos
dos pelas administrações públicas. A falta serviços de limpeza urbana (ver p. 351)
de planejamento integral dos sistemas ca- e gestão dos resíduos sólidos (ver p. 289).
racteriza o principal entrave para a gestão Também é comum, nos municípios de
adequada, com situações inapropriadas pequeno porte, a divisão das atividades
em diversos municípios, como: coleta que entre duas secretarias municipais, como
não atende a malha urbana total e também a de obras e a de meio ambiente. A estru-
das áreas rurais sem o registro e a otimi- tura administrativa responsável apresen-
zação de rotas; sistemas de disposição final ta-se integrada à administração direta do
inadequados; falta de dispositivo legal que município ou, em alguns casos, organiza-
regulamente e promova a cobrança dos ser- -se sob a forma de autarquia.
viços; e soluções individuais predominan- Segundo a Associação Brasileira de
tes, com custos de implantação e operação Empresas de Limpeza Pública e Resíduos
per capita muito maiores nos pequenos mu- Especiais (Abrelpe)1, na maior parte das
nicípios pela ausência de escala. cidades do país, o atual modelo de gestão
A estrutura operacional, gerencial e fis- dos resíduos e dos serviços de limpeza ur-
calizatória (ver p. 260) é uma temática bana está focado na sua implementação
presente na elaboração dos Planos de Ges- e fiscalização, enquanto o planejamen-
tão Integrada de Resíduos Sólidos (PGIRSs) to, com uma visão de longo prazo, ainda é
e um dos principais instrumentos da Polí- pouco fomentado. A fiscalização da pres-
tica Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). tação dos serviços e avaliação da resposta
Deve-se avaliar se e a equipe operacio- do munícipe usuário é deficiente e, em
nal é suficiente para o atendimento; se é geral, consiste em verificar se os resídu-
realizado o mapeamento das áreas aten- os foram dispostos em local ou horário
didas pelos roteiros de coleta; se há medi- inadequados, fato que é dificilmente veri-
ção da quantidade dos resíduos; como são ficado na inspeção de rotina dos agentes
realizados o tratamento e a destinação públicos que passam a agir a partir de de-
final desses resíduos; quais as secreta- núncias, com total dependência da infra-
rias responsáveis pelos serviços, equipa- estrutura disponibilizada por seus órgãos
mentos e veículos utilizados; se existem para verificar os fatos in loco.
indicadores de desempenho para monito- A prioridade no gerenciamento do
ramento dos serviços, ou seja, como fun- manejo dos resíduos é um planejamento
ciona a estrutura operacional, gerencial e específico das atividades. Segundo a Polí-
fiscalizatória da área. tica Nacional de Resíduos Sólidos, a ati-

260
ESTRUTURA OPERACIONAL, GERENCIAL E FISCALIZATÓRIA DE RESÍDUOS SÓLIDOS

vidade envolvida no Plano de Gestão In- gias de valorização e tratamento (tria-


tegrada dos Resíduos Sólidos (PGIRS) de- gem, reciclagem, compostagem – ver p.
ve definir os procedimentos operacionais 351 e 551) e tecnologias térmicas com ou
relativos às etapas do gerenciamento de sem recuperação de energia (ver p. 766).
resíduos sólidos sob responsabilidade do As instituições responsáveis pelo sis-
gerador e também considerar as peculia- tema de gestão dos resíduos sólidos
ridades locais de cada município, com de- devem contar com a existência de uma
finição do sistema de avaliação dos servi- estrutura operacional gerencial, com
ços, se por meio da administração direta equipe dedicada para esta finalidade, de
ou da indireta. No segundo caso, se pela forma que forneça o suporte necessá- E
adoção da modalidade autarquia ou em- rio ao desenvolvimento das atividades
presa pública, ou ainda sociedade de eco- do sistema. A concepção desse sistema
nomia mista ou fundação. abrange vários subsistemas com funções
Na elaboração do PGIRS (ver p. 463), diversas, como de planejamento estra-
a estrutura operacional, gerencial e fis- tégico, técnico, operacional, gerencial e
calizatória está inserida no diagnós- de recursos humanos. Esta concepção é
tico e deverá apresentar uma análise condicionada pela escala e pelo grau de
qualitativa e um registro quantita- complexidade do manejo dos resíduos
tivo dos recursos humanos, veículos e sólidos e pela disponibilidade de recur-
equipamentos disponibilizados para o sos financeiros e humanos, como tam-
gerenciamento, por órgão responsável: bém pelo grau de mobilização e de par-
de limpeza urbana, fiscalização, servi- ticipação e controle social.
ços públicos, meio ambiente e outros. O Para municípios de pequeno porte ob-
registro dessas informações permitirá serva-se que o sistema de gestão dos
identificar as fragilidades e pontos for- resíduos sólidos urbanos constitui-se
tes da estrutura operacional e gerencial em uma das gerências da Secretaria de
dos municípios, abrindo espaço para a Saneamento Ambiental da prefeitura,,
discussão de soluções consorciadas e es- assistida pelo Conselho de Saneamen-
táveis para a gestão dos resíduos. to Ambiental, formado por segmentos
representativos da comunidade e da
Estrutura operacional e gerencial prefeitura, com função de contribuir e
atuar na fiscalização dos empreendi-
A estrutura operacional é vista como mentos para o controle do sistema. A
elemento essencial para a gestão de resí- esta gerência de resíduos sólidos, com
duos sólidos no município. É composta por atribuição técnica de planejamento,
diversos elementos que viabilizam a exe- projeto e operação, estão subordinados
cução dos serviços relacionados à gestão os setores de fiscalização e atendimento,
de resíduos sólidos por meio de rotas tec- a quem compete o acompanhamento do
nológicas. Toda e qualquer rota tecnológi- desempenho das atividades e a comuni-
ca de gerenciamento de resíduos tem um cação com a população quanto a deman-
sistema de coleta indiferenciada ou dife- das e esclarecimentos, sem estruturas
renciada e um aterro sanitário, podendo próprias de suporte jurídico, financeiro
ter entre estes dois uma ou mais tecnolo- e administrativo2.

261
EIXO 6 - MANEJO DE RESÍDUOS SÓLIDOS

Os tipos de modelos institucionais vantes da prestação dos serviços e possa


disponíveis no âmbito do manejo dos re- ser aplicada em toda a diversidade de ges-
síduos sólidos, o que inclui a gestão dos tão dos resíduos sólidos.
resíduos sólidos, são a terceirização, a Iniciativas fiscalizatórias para a regu-
concessão e o consórcio. lação com uso de indicadores de desem-
penho vêm sendo estudadas e aplicadas
• Na concessão, a concessionária planeja, internacionalmente, com ênfase em
organiza, executa e coordena o serviço, processos de comparação, na tentativa,
podendo inclusive terceirizar opera- em geral, de simular a concorrência em
ções e arrecadar os pagamentos refe- um serviço caracterizado pelo monopólio
rentes à sua remuneração, diretamente natural. Na medida da consolidação dos
dos usuários/beneficiários dos servi- sistemas de indicadores (ver p. 318), é
ços. As concessões, em geral, são objeto interessante buscar a harmonização de
de contratos a longo termo que possam definições e critérios de cálculo entre os
garantir o retorno dos investimentos diversos sistemas, no intuito de viabilizar
aplicados no sistema; a comparação de desempenho, tendo por
• Na terceirização consolida-se o concei- base os mesmos parâmetros de análise en-
to próprio da administração pública, de tre os diferentes prestadores de serviços.
exercer as funções prioritárias de pla- Estudo da Universidade Federal de São
nejamento, coordenação e fiscalização; Carlos (UFSCar) propõe a adoção de in-
• O consórcio caracteriza-se como um dicadores sob a perspectiva de cinco di-
acordo entre municípios com o objetivo mensões: ambiental, econômica, social,
de alcançar metas comuns previamente política e cultural. A estratégia adotada
estabelecidas. Para tanto, recursos hu- para a elaboração dos indicadores foi a
manos ou financeiros dos municípios in- identificação dos problemas prioritários
tegrantes são reunidos sob a forma con- para a gestão dos resíduos sólidos urbanos,
sorciada a fim de viabilizar a implantação por meio de consultas aos gestores muni-
de ação, programa ou projeto desejado3. cipais4. Um exemplo é o Sistema Nacio-
nal sobre Informações do Saneamento
Estrutura fiscalizatória (SNIS), o qual consolida e sistematiza os
dados dos municípios relativos às condi-
A atividade de fiscalização deve ser in- ções da prestação dos serviços públicos
corporada no modelo de gestão adotado de manejo de resíduos sólidos, e disponi-
visando garantir sua efetividade como biliza indicadores de desempenho, para as
parte do processo de operação e manu- dimensões técnicas e econômicas.
tenção. Sob esta ótica o planejamento do
sistema deveria prever um escopo claro, Cenário brasileiro
especificando a qualidade dos serviços a
serem prestados e estruturas necessárias. É possível orientar a aferição das metas de
O desafio no desenho de sistema de políticas públicas por meio da avaliação de
avaliação de desempenho é definir uma desempenho dos serviços nos municípios
relação de indicadores que, ao mesmo brasileiros com base no Diagnóstico do
tempo, represente todos os aspectos rele- Manejo de Resíduos Sólidos, que apre-

262
ESTRUTURA OPERACIONAL, GERENCIAL E FISCALIZATÓRIA DE RESÍDUOS SÓLIDOS

senta uma série histórica coletada desde realizadas por administração pública dire-
2002. Entre as principais informações ta5. Também é possível encontrar dados e
apontadas, tem-se a elevada cobertura do informações em pesquisas nacionais como
serviço regular da coleta indiferenciada a da Associação Brasileira de Limpeza Pú-
domiciliar de resíduos sólidos de 98,8% da blica (Abrelpe), que desde 2003 mapeia o
população urbana, para a coleta seletiva cenário nacional da área por meio do Pa-
apontou a presença do serviço em 22,4% norama dos Resíduos Sólidos no Brasil6.
dos municípios brasileiros. A despesa total Ressalta-se a necessidade de a comunica-
com manejo de resíduos sólidos no ano de ção pública das informações sobre os resí-
2017 foi de R$ 121,62 por habitante5. duos sólidos estar atualizada, de forma que E
A fragilidade da sustentabilidade fi- possa prestar contas da qualidade dos ser-
nanceira mantém-se no setor: apenas viços à sociedade, e para que a população
46,3% dos municípios fazem cobrança possa avaliar a efetividade do cumprimen-
pelos serviços e 56,2% da prestação dos to das metas do planejamento, visando à
serviços de manejo de resíduos sólidos são promoção da saúde e da qualidade de vida.

Referências bibliográficas

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São Paulo: Selur; ABLP, 2010. Disponível em: https://selur.org.br/publicacoes/
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Disponível em: https://www.finep.gov.br/images/apoio-e-financiamento/historico-
-de-programas/Prosab/ProsabArmando.pdf.
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Rio de Janeiro: Ibam, 2001. Disponível em: http://www.ibam.org.br/media/arqui-
vos/estudos/manual_girs.pdf.
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Sanitária e Ambiental. v. 14, n. 3, p. 411- 420, 2009. Disponível em: http://www.abes-
-dn.org.br/publicacoes/engenharia/resaonline/v14n03/RESAv14n3_p411-20.pdf
5 SNIS. Diagnóstico do manejo de resíduos sólidos urbanos – série histórica. Dispo-
nível em: http://app4.mdr.gov.br/serieHistorica.
6 ABRELPE. Panorama dos resíduos sólidos no Brasil 2017. São Paulo: Abrelpe, 2018.
Disponível em: http://abrelpe.org.br/pdfs/panorama/panorama_abrelpe_2017.pdf.

Para saber mais

BRASIL. Lei nº 12.305, de 02 de agosto de 2010. Institui a Política Nacional de Re-


síduos Sólidos. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
2010/2010/lei/l12305.htm.

263
EIXO 6 - MANEJO DE RESÍDUOS SÓLIDOS

NUCASE. Gestão integrada de resíduos sólidos urbanos: guia do profissional em trei-


namento – nível 1. Belo Horizonte: ReCesa. (Série Resíduos sólidos). Disponível em:
https://www.mdr.gov.br/images/stories/ArquivosSNSA/Arquivos_PDF/ReCesa/ges-
taointegradaderesiduossolidosurbanos-nivel1.pdf.
Prosab. Coletânea de livros sobre saneamento básico. Disponível em: http://www.finep.
gov.br/apoio-e-financiamento-externa/historico-de-programa/Prosab/produtos.
VILHENA, A. (coord.). Lixo municipal: manual de gerenciamento integrado. 4. ed. São
Paulo: Cempre, 2018. Disponível em: http://cempre.org.br/upload/Lixo_Munici-
pal_2018.pdf.

Autoria deste verbete

Liséte Celina Lange. Professora titular do Departamento de Engenharia Sanitária e


Ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais (Desa/UFMG). Doutora em Tec-
nologia Ambiental pela Universidade de Londres, Inglaterra.

Cynthia Fantoni Alves Ferreira. Engenheira Civil, Sanitarista e Ambiental. Doutora


em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos – Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG). Pesquisadora pós-doutoral do Departamento de Engenharia Sanitária
e Ambiental da UFMG.

264
F

F
FINANCIAMENTO DO SANEAMENTO

O saneamento é um setor intensivo em Recuperação dos custos


demandas por recursos financeiros, ou direitos humanos
principalmente no que tange à constru-
ção de infraestrutura. Assim, o finan- Diferentes racionalidades norteiam as
ciamento para execução das ações possui discussões sobre como superar o desafio
uma relação direta com o planejamento, do financiamento do saneamento, com
uma vez que os planos setoriais devem prevalência do princípio da recuperação
identificar a origem dos recursos para de custos pelo próprio usuário via tarifa.
realizá-las. Por essa razão é importante Nessa perspectiva, há posições distintas
refletir sobre as diferentes fontes dispo- que oscilam entre a recuperação total e
níveis para tal fim, assim como um breve a recuperação sustentável dos custos.2
histórico das políticas de financiamento Enquanto na primeira todos os custos
do saneamento no Brasil. deveriam ser suportados pelo usuário,
É essencial levar em conta que a escolha na segunda, parte deles seria coberta por
da forma com que se financia a política outras fontes, públicas ou privadas. Este
pública para a área influencia significati- mecanismo asseguraria fluxos de caixa
vamente seu efeito redistributivo.1 futuros e seguros com a combinação de
Existem diversos mecanismos para tarifas, taxas e transferências e da uti-
obtenção de recursos, conforme será lização de tais receitas como base para a
apresentado a seguir. Porém, em últi- atração de fontes rotativas ou emprésti-
ma instância, os custos serão realizados mos, a depender da situação.3
mediante tarifação ou tributação. Sob A defesa do modelo de recuperação to-
outro enfoque, a escolha do método de tal dos custos pelos órgãos multilaterais,
financiamento implica uma decisão acer- bancos de desenvolvimento, entre outros,
ca de quem deve pagar – se o usuário do foi bastante contundente entre a década
serviço ou o contribuinte, bem como as de 1980 e o início dos anos 2000. Com os
diversas modalidades de subsídios. sucessivos fracassos do modelo, especial-
EIXO 1 - ASPECTOS ECONÔMICO-FINANCEIROS

mente em países em desenvolvimento, o nismos deveriam ser instituídos no âmbi-


discurso passou a reconhecer a importân- to de políticas públicas para que ocorresse
cia de outras fontes de financiamento. a efetivação daquele direito.8 Os Dhaes
De todo modo, há que se atentar para a implicam obrigações dos Estados que de-
capacidade de pagamento, por meio de vem ser efetivados paulatinamente, em
sistemas de subsídios cruzados e estru- conformidade com as realidades locais.9
turas tarifárias adequadas.2 Entretanto,
quanto maiores forem as tarifas, mais Histórico do financiamento
difícil é fechar a equação. A experiência do saneamento no Brasil
mostra que o apelo a recursos privados
nem sempre traz os benefícios espera- Para compreender o financiamento do sa-
dos.4 Há evidências de que o sucesso da neamento no Brasil, são discutidas algu-
participação privada no saneamento em mas características dos quatro períodos
países em desenvolvimento é limitado e marcantes da política pública de sanea-
pontual.5 Além de ser ineficiente, em fun- mento no país:
ção da estrutura de monopólio natural do
setor de saneamento, que impede o esta- 1) o Plano Nacional de Saneamento Bá-
belecimento de um mercado competitivo, sico (Planasa), em vigor do fim da década
os agentes privados não objetivam pro- de 60 até meados da década de 80;
mover os direitos humanos à água e ao es- 2) o vazio institucional (entre meados
gotamento sanitário (Dhaes – ver p. 205). da década de 80 e inícios dos anos 2000);
Muitas vezes, os vencedores das licita- 3) a Política Nacional de Saneamento
ções excluem a população que não tem Básico (PNSB), do início dos anos 2000
condições de pagar pelos serviços.6 Em até 2014;
outras não têm interesse pela concessão 4) o período recente.
de determinados componentes de sanea-
mento ou mesmo de etapas específicas da No escopo do Planasa, o financia-
prestação dos serviços de abastecimento mento dessa política tinha como agente
de água, esgotamento sanitário, manejo principal o Banco Nacional de Habita-
de resíduos sólidos, limpeza urbana, ma- ção (BNH), que no ano de 1968 passou a
nejo de águas pluviais e drenagem urbana induzir a criação de fundos intermunici-
em áreas com baixa rentabilidade. pais, estaduais e regionais de Saneamen-
Os Dhaes são reconhecidos pela to. Esse período é marcado por decisões
Organização das Nações Unidas (ONU) centralizadas e autoritárias, com priori-
como direitos humanos na sua Resolução zação para investimentos em sistemas de
64/292, de 2010.7 Embora não tenham re- abastecimento de água em áreas urbanas
conhecimento formal similar, os serviços e fortalecimento das companhias esta-
de manejo de resíduos sólidos e de águas duais. Neste período, os recursos eram
pluviais são entendidos como direitos pela compostos tanto por superávits tarifá-
legislação brasileira em função do princí- rios quanto por recursos de orçamentos
pio da universalidade. Assim, para além federal e estaduais. Ou seja, sob a pers-
da capacidade de pagamento do usuário ou pectiva do financiamento, tratava-se de
da atratividade econômica do setor, meca- um modelo híbrido.10

266
FINANCIAMENTO DO SANEAMENTO

Com o fim do Planasa, já na segunda durante a elaboração da Lei Nacional de


metade dos anos 1980, a política de sa- Saneamento Básico.11 Tais críticas são
neamento passou por um vazio institu- validadas a partir de auditoria realizada
cional, diante das tentativas frustradas pelo Tribunal de Contas da União (TCU)
de aumento da participação da iniciativa para avaliar as obras de saneamento fi-
privada durante os anos 90. Nesse perío- nanciadas com recursos federais. Os
do, havia pouquíssimos recursos disponí- resultados do trabalho apontaram ir-
veis para ações de saneamento. regularidades com a maioria das obras,
Na primeira década dos anos 2000, que ocasionaram atrasos e paralisações,
dois fatores foram decisivos para o setor entre outros problemas.12
de saneamento. Em 2003, foi criado o Mi- Desde os anos 2010, os investimentos
nistério das Cidades e, em 2007, foi pro- não onerosos foram diminuindo grada-
F
mulgada a Lei Federal 11.445, que esta- tivamente até os anos de 2014 e 2015,
belece a Política Nacional de Saneamento quando houve uma virada na política de
Básico (PNSB – ver p. 473). A criação da financiamento do setor. No período mais
Secretaria Nacional de Saneamento Am- recente, o governo federal tem trabalha-
biental, vinculada ao Ministério, pode ser do na perspectiva de aumento da parti-
considerada emblemática, uma vez que cipação da iniciativa privada. Editou du-
proporcionou ao setor um endereço ins- as medidas provisórias (MPs) com esse
titucional.11 A partir de 2003, houve uma intuito – 844/2018 e 868/2018 –, que
inflexão na trajetória dos investimen- perderam eficácia diante da ausência de
tos, com aumento dos recursos dispo- manifestação do Congresso Nacional no
níveis, sobretudo os não onerosos (sem prazo legal, e depois propôs um projeto
necessidade de reembolso), o que atingiu de lei de atualização da Lei Federal nº
seu ápice em 2009. Em 2007, ocorreu a 11.445, que foi aprovado pelo Congresso
criação do Programa de Aceleração do Nacional. Além disso, o governo federal
Crescimento (PAC), que consistiu em um reduziu drasticamente os recursos para
programa de investimentos em infraes- o saneamento e interrompeu o repasse
trutura com objetivo de promover o de- de recursos não onerosos do Orçamento
senvolvimento econômico e social. O PAC Geral da União (OGU), mantendo ape-
1 vigorou entre 2007 e 2010, e em 2011 nas os projetos que já estavam contra-
foi criado o PAC 2. tados, consequência direta da promul-
Em relação ao PAC 1, não obstante gação da Emenda Constitucional 95, que
reconhecer que o programa gerou massi- estabeleceu o congelamento do teto dos
vos investimentos em saneamento, atin- gastos públicos.
gindo patamares inéditos quando com-
parados com os últimos anos, existem Fontes de financiamento
críticas quanto à ausência de orientação para os PMSBs
sobre a aplicação destes recursos por um
plano nacional para o setor, bem como Os planos municipais de Saneamento Bá-
a inobservância de processos democráti- sico (PMSBs – ver p. 450) são responsáveis
cos construídos com controle social (ver por propor os programas, projetos e ações
p. 156), diferentemente do que ocorreu para atendimento dos objetivos da políti-

267
EIXO 1 - ASPECTOS ECONÔMICO-FINANCEIROS

ca municipal de Saneamento. Segundo a de quem os assumiu. Tal delegação po-


Fundação Nacional de Saúde (Funasa), as de se dar mediante convênio de coope-
principais fontes de financiamento para o ração e contrato de programa com en-
saneamento no Brasil são:13 tes da federação ou mediante concessão
para iniciativa privada por meio de con-
• Cobrança pela prestação do serviço: a cessão plena ou parceria público-priva-
mais representativa para os serviços da (PPP);
públicos, é feita mediante tarifas ou • Cobrança pelo uso dos recursos hídri-
taxas, e as diretrizes específicas estão cos: a Política Nacional de Recursos
definidas no capítulo VI da Lei 11.445; Hídricos (Lei 9.433/1997) estabeleceu
• Subsídios públicos ou privados: o sub- o instrumento de cobrança pelo uso da
sídio público é o principal mecanismo água, para financiar programas e inter-
de financiamento para a universaliza- venções previstas nos planos de recur-
ção e garantia de acesso aos usuários sos hídricos. Dentre estas encontram-
de baixa renda. O subsídio privado se -se ações de saneamento;
dá dentro do mecanismo de cobrança, • Proprietário de imóvel urbano: finan-
de forma mais recorrente no subsídio ciamento da infraestrutura diretamen-
tarifário; te pelos donos de imóveis. Contribui-
• Inversão direta de capitais públicos: ção de caráter compulsório que tem
mediante investimentos diretos por sido pouca aplicada no Brasil.
meio de autarquias, consórcios ou
empresas estatais, constituídas com Usualmente os PMSBs apontam alta
o objetivo exclusivo de prestar esses demanda de recursos financeiros para
serviços; execução de suas ações em decorrência
• Empréstimos de fundos públicos e pri- do déficit de infraestrutura e gestão na
vados, agências multilaterais e bancos: política de saneamento. Por isso, a identi-
quando o recurso disponibilizado deve ficação e a definição de fontes e formas de
ser reembolsado, ainda que parcial- financiamento adquire especial relevân-
mente e/ou com juros subsidiados. No cia no desenvolvimento do planejamento
Brasil as principais fontes são o Fun- municipal de saneamento, especialmente
do de Garantia do Tempo de Serviço para os municípios de menor porte. Por
(FGTS) e o Fundo de Amparo ao Traba- outro lado, a dívida histórica do país com
lhador (FAT); o saneamento básico exige uma políti-
• Fundos de universalização: constitui- ca de Estado que priorize investimentos
ção de fundos para obtenção e aplicação públicos de órgãos federais. Entre outros
de recursos de saneamento, especial- objetivos, ela deve evitar o aumento de
mente com parcelas das receitas dos custos na saúde pública decorrentes da
prestadores; incidência das doenças relacionadas ao
• Delegação dos serviços para terceiros: saneamento ambiental inadequado (DR-
ao delegar a prestação dos serviços, a SAIs – ver p. 218), além de ser um fator
captação de recursos para investimen- de desenvolvimento local nos municípios,
tos também passa a responsabilidade gerador de renda e de trabalho.

268
FINANCIAMENTO DO SANEAMENTO

Referências bibliográficas

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gerenciais. In: HELLER, L.; CASTRO, J. E. (coord.). Política pública e gestão de ser-
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2. OECD. Managing water for all: an OCDE perspective on pricing and financing. Par-
is: OECD Publishing, 2009.
3. OECD. Innovative financing mechanisms for the water sector. Paris: OECD Pub-
lishing, 2010.
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sation: putting water back into public hands. Amsterdam: TNI, 2012.
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politics, governance and social struggles. New York: Earthscan, 2012. p. 206-222.
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eral Assembly 64/292. New York: UN, 2010. Disponível em: https://digitallibrary.
un.org/record/687002.
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Possibility. WIREs Water, v. 2, n. 2, p. 97-105, 2015. Disponível em: https://doi.
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9. ALBUQUERQUE, C. Prefácio. In: CASTRO, J. E.; MORAIS, M. P.; HELLER, L. O di-
reito à água como política pública: uma explicação teórica e empírica. Brasília: Ipea;
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lítica pública (2003-2009). 2010. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Sus-
tentável) – Centro de Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília, Brasí-
lia, 2010. Disponível em: https://repositorio.unb.br/handle/10482/7847.
11. BRITTO, A. L. N. P.; LIMA, S. C. R. B.; HELLER, L.; CORDEIRO, B. S. Da fragmen-
tação à articulação: a política nacional de saneamento e seu legado histórico. Revista
Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, Rio de Janeiro, v. 14, n. 1, p. 65-83, 2012.
12. TCU. Acórdão nº 593/2015. Plenário: ministro-substituto Weder de Oliveira. Pro-
cesso TC 003.997/2014-6. Sessão 25 mar. 2015.
13. FUNASA. Gestão econômico-financeira no setor de saneamento. 2 ed. Brasília:
Funasa, 2014.

Para saber mais

MMA. Mapa de Financiamento para Gestão de Resíduos Sólidos. Brasília: MMA,


2019. Disponível em: https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiOWFlZGNiMDQ-
tYWVhMi00OWI1LThiZDctN2JmNTM0ODg2MTkxIiwidCI6IjJiMjY2ZmE5LTN-

269
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

mOTMtNGJiMS05ODMwLTYzNDY3NTJmMDNlNCIsImMiOjF9.

Autoria deste verbete

Gisela P. Zapata. Doutora em Geografia Humana pela Universidade de Newcastle (In-


glaterra). Professora do Departamento de Demografia e pesquisadora do Centro de De-
senvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da UFMG.

Vitor Carvalho Queiroz. Engenheiro civil e mestre em saneamento, meio ambiente e


recursos hídricos pela UFMG. Possui experiência, principalmente, com políticas públi-
cas e gestão de saneamento e recursos hídricos.

F
FISCALIZAÇÃO DOS SERVIÇOS

Em sentido amplo, a fiscalização é sociais e maior demanda pela instituição


função por meio da qual o Estado exerce e adequada gestão das políticas públicas
a atividade administrativa de controle e de interesse coletivo da sociedade (como
verificação do cumprimento das normas as de saúde, segurança, educação, meio
jurídicas e regulamentares por parte da ambiente e saneamento básico). De outro
sociedade e dos próprios organismos pú- lado, a evolução tecnológica e a populari-
blicos, e de aplicação de penalidades pelos zação dos meios de comunicação permi-
abusos e transgressões cometidas. tem à sociedade maior acesso e, por conse-
Na moderna administração pública, a quência, maior cobrança por informações
função fiscalizatória ampliou a sua abran- e transparência da atuação da adminis-
gência para além do exercício do poder de tração pública na gestão dessas políticas,
polícia do Estado na vigilância da aplica- particularmente quanto ao provimento
ção dos diversos regulamentos e códigos dos serviços delas decorrentes, exercen-
de posturas editados pelo poder público do uma forma voluntária de fiscalização e
(Código Sanitário, Código Ambiental, Có- controle social (ver p. 156).
digo de Uso e Ocupação do Solo, Código Como função de gestão dos serviços
de Trânsito etc.) e de repressão às suas públicos, juntamente com a função de
transgressões, passando a atuar também regulação, a fiscalização não era ade-
no controle e na vigilância da gestão das quada e suficientemente normatizada,
próprias atividades públicas e da atuação desempenhando papel secundário e sub-
dos seus gestores. serviente às políticas de governos, e pou-
A evolução das sociedades democráti- co ou nada evoluiu enquanto prevaleceu
cas traz consigo a ampliação dos direitos no Brasil o regime de prestação pública e

270
FISCALIZAÇÃO DOS SERVIÇOS

estatal dos serviços e utilidades públicas No âmbito da prestação de serviços pú-


(energia elétrica, telefonia, gás canaliza- blicos delegados a terceiros sob qualquer
do, água e esgoto etc.). dos referidos regimes, o papel da regula-
ção e da fiscalização assume maior impor-
Formalização tância, visto que, neste caso, existe clara
contraposição de interesses públicos e
O impulso para a instituição formal de privados. Assim, a atividade de fiscaliza-
instrumentos e mecanismos de regula- ção deve se concentrar, especialmente, no
ção e fiscalização da prestação de servi- controle do cumprimento dos contratos de
ços públicos, e pela criação de organismos delegação e das normas relativas aos di-
públicos independentes para o exercício reitos e obrigações dos prestadores e dos
dessas funções, foi dado com a aprovação usuários, contemplando todos os aspec-
F
da Lei 8.987/1995, que trata das conces- tos da prestação dos serviços e objetivan-
sões e permissões de serviços públicos, e do zelar pela adequada prestação de forma
cujas disposições essenciais foram poste- universal e integral, garantindo as condi-
riormente incorporadas pela Lei 11.107/ ções de regularidade, continuidade, efi-
2005 (art. 13), para a regulação e a fis- ciência, segurança, atualidade, cortesia
calização dos contratos de programa, no e modicidade dos custos para a sociedade.
regime de gestão associada. Neste contexto, as funções de fiscaliza-
Observa-se que estas normas reforçam ção e de regulação são indissociáveis, e a
o exercício da regulação e da fiscalização fiscalização será mais eficiente quanto me-
como função condicional do dever-po- lhor for regulação e vice versa. Portanto,
der do Estado, que não pode se abster de para que a fiscalização seja eficiente é ne-
exercitá-la de forma permanente e conti- cessário que a regulação legal, regulamen-
nuada, conforme destacam os seguintes tar, contratual e normativo-executiva seja
dispositivos da Lei 8.987: correta, objetiva, abrangente e claramente
“Art. 3º As concessões e permissões sujei- estabelecida e suficientemente detalhados
tar-se-ão à fiscalização pelo poder concedente os procedimentos e meios de sua aplicação.
responsável pela delegação, com a cooperação
dos usuários. (...) Administração
Art. 23. São cláusulas essenciais do con-
trato de concessão as relativas: No aspecto administrativo, a fiscaliza-
VII - à forma de fiscalização das instalações, ção dos serviços públicos consiste na ati-
dos equipamentos, dos métodos e práticas de vidade prática de verificação, controle
execução do serviço, bem como a indicação dos e monitoramento da aplicação e do fiel
órgãos competentes para exercê-la; (...) cumprimento das normas legais e técni-
Art. 29. Incumbe ao poder concedente: cas, da execução dos contratos, nos casos
I - regulamentar o serviço concedido e fisca- de serviços delegados, e da execução dos
lizar permanentemente a sua prestação (...) planos de gestão, nos casos de prestação
Art. 30. No exercício da fiscalização, o poder direta, cujo exercício deve ser atribuído
concedente terá acesso aos dados relativos à ad- a organismo público funcional e tecnica-
ministração, contabilidade, recursos técnicos, mente bem qualificado e estruturado por
econômicos e financeiros da concessionária.” profissionais habilitados.

271
EIXO 8 - GESTÃO DO SANEAMENTO

Neste sentido, a ação de fiscalização de- Os usuários também podem/devem


ve abranger os diferentes aspectos da pres- exercer relevante papel na fiscalização
tação dos serviços cuidando, além do cum- dos serviços. Este papel é destacado na Lei
primento formal das normas de regulação: 8.987/1995, quando atribui aos usuários
a obrigação de “levar ao conhecimento do
• das condições organizacionais e estru- poder público e da concessionária as irregu-
turais da gestão; laridades de que tenham conhecimento, refe-
• das condições técnicas relativas à im- rentes ao serviço prestado” e de “comunicar às
plantação e operação das infraestrutu- autoridades competentes os atos ilícitos pra-
ras, conforme os requisitos estabeleci- ticados pela concessionária na prestação do
dos nos planos, especificações, regula- serviço” (art. 7º, incisos IV e V), bem como
mentos e cláusulas contratuais; ao conferir-lhes o direito de exercer a fis-
• da situação e das condições de viabilida- calização periódica dos serviços median-
de e sustentabilidade econômico-finan- te participação em comissão juntamente
ceira, ambiental e social da prestação; com representantes do poder concedente e
• da qualidade dos serviços prestados. da concessionária (art. 30, § único).
Do mesmo modo, a Lei 11.445/2007,
Resumidamente, o Decreto Fede- cria espaços para que os cidadãos – usu-
ral 7.217/2010, que regulamenta a Lei ários efetivos ou potenciais dos serviços
11.445/2007, define a fiscalização co- de saneamento básico – possam partici-
mo: “atividades de acompanhamento, mo- par ativamente da fiscalização dos servi-
nitoramento, controle ou avaliação, no sen- ços ao definir que o poder público titular
tido de garantir o cumprimento de normas deve estabelecer mecanismos de controle
e regulamentos editados pelo poder público social nas atividades de planejamento,
e a utilização, efetiva ou potencial, do ser- regulação e fiscalização dos serviços
viço público”. (art. 9º e art. 11, §2º, V).

Referências bibliográficas

BRASIL. Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. Dispõe sobre o regime de concessão


e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição
Federal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8987cons.htm.
Acesso em: 7 fev. 2020.
BRASIL. Lei nº 11.445, de 05 de janeiro de 2007. Estabelece as diretrizes nacionais sobre
o Saneamento Básico. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-
2010/2007/Lei/L11445compilado.htm. Acesso em: 31 ago. 2019.
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrati-
vos. 12. ed. São Paulo: Dialética, 2008.

Para saber mais

ASSIS, J. B. L.; LIMA, U. M. Regulação, fiscalização e sustentabilidade sob a ótica


dos diretos dos usuários dos serviços de Saneamento Básico. In: CORDEIRO, B. S.

272
FISCALIZAÇÃO DOS SERVIÇOS

(coord.). Prestação dos serviços públicos de saneamento básico. (Lei Nacional de


Saneamento Básico: perspectivas para as políticas e gestão dos serviços públicos,
v. 3). Brasília: MCidades, 2009. p. 162-202. Disponível em: https://web.bndes.gov.
br/bib/jspui/bitstream/1408/2161/1/Lei%20nacional%20de%20saneamento%20
basico_Livro%20III_P_BD.pdf.
NETO, Floriano A. M. A Regulação no setor de saneamento. In: CORDEIRO, B. S. (co-
ord.). Prestação dos serviços públicos de saneamento básico. (Lei Nacional de
Saneamento Básico: perspectivas para as políticas e gestão dos serviços públicos,
v. 3). Brasília: MCidades, 2009. p. 162-202. Disponível em: https://web.bndes.gov.
br/bib/jspui/bitstream/1408/2161/1/Lei%20nacional%20de%20saneamento%20
basico_Livro%20III_P_BD.pdf.
PEIXOTO, J. B. (org.). Criação e estruturação de serviços municipais e intermunici-
F
pais de saneamento básico. Brasília: Funasa; Assemae, 2017.

Autoria deste verbete

João Batista Peixoto. Economista, pós-graduado em Administração Financeira e Con-


tábil pela Fundação Getulio Vargas em São Paulo (FGV-SP), consultor independente em
gestão de serviços de saneamento básico.

F
FUNASA: RELATO HISTÓRICO DA ATUAÇÃO NOS MUNICÍPIOS

A Fundação Nacional de Saúde (Funa- tituição, na década de 1940, quando o


sa), vinculada ao Ministério da Saúde, então Serviço Especial de Saúde Pública
é uma instituição do Estado brasilei- (Sesp) – uma das instituições antecesso-
ro que tem como missão “promover a ras da Funasa – iniciou as ações de assis-
saúde pública e a inclusão social por tência à saúde e ações de saneamento na
meio de ações de saneamento e saúde região amazônica e no Vale do Rio Doce,
ambiental”, bem como por formular e por meio de convênio firmado entre os
implementar ações de promoção e pro- governos brasileiro e norte-americano.
teção à saúde relacionadas com as ações Aquelas ações faziam parte do esforço
estabelecidas pelo Subsistema Nacional de guerra visando à produção do látex e
de Vigilância em Saúde Ambiental. Tem à extração do minério de ferro, voltadas
como foco de atuação municípios com para a exportação. Ao término da guerra,
até 50 mil habitantes e áreas rurais de o Estado brasileiro optou por manter as
todas as municipalidades brasileiras. ações do Sesp, inclusive ampliando sua
A atuação conjunta com os municí- área de atuação, com recursos do Minis-
pios é realizada desde a origem da ins- tério da Saúde. Em 1960 o Serviço trans-

273
EIXO T - TEMAS TRANSVERSAIS

formou-se na Fundação Sesp (Fsesp). Ao um empréstimo contraído pelo governo


mesmo tempo que, no âmbito das ações brasileiro com o Banco Interamericano de
de saúde e saneamento, eram realizadas Desenvolvimento (BID), a Fsesp gerenciou
ações de educação sanitária com ênfase o Programa das Pequenas Comunida-
na visitação domiciliar, foram iniciadas des. O Programa consistiu na construção
as ações de saneamento no domicílio e de sistemas públicos de abastecimento de
também de abrangência coletiva. Desta água em 91 cidades, com população entre
maneira, pequenas cidades então isola- 5 mil e 40 mil habitantes, em vários esta-
das e localidades rurais passaram a con- dos. Para a sua viabilidade, os municípios
tar com ações de excelência no âmbito da contemplados implantaram autarquias
saúde pública. municipais, os Serviços Autônomos de
Assim, a constatação de que a condi- Água e Esgoto (Saaes), para a prestação
ção sanitária do domicílio impacta di- do serviço de abastecimento de água, re-
retamente a condição de saúde do mo- sultado das obras. Ressalta-se que o em-
rador levou o Sesp a buscar formas de préstimo foi pago integralmente pelos mu-
mitigar os problemas nesse campo. Por nicípios atendidos, com recursos oriundos
meio das ações das visitadoras sanitá- da tarifa de água.
rias e dos auxiliares de saneamento foi De forma geral, a atuação do Sesp e
instituído o Programa de Melhorias Sa- da Fsesp era realizada diretamente nos
nitárias Domiciliares (ver p. 386), com municípios e pequenas comunidades,
a participação dos moradores a serem condição não mais possível com a orga-
atendidos na execução das ações. Com o nização federativa da Constituição de
crescimento do programa, foram criadas 1988 e a consequente criação do Siste-
as Oficinas de Saneamento, entendidas ma Único de Saúde (SUS).
como lugar de ofício, onde eram feitas
peças pré-moldadas em concreto para Criação da Funasa como
a confecção de tanques de lavar roupa, desdobramento do SUS
vasos sanitários, pias de cozinha, reser-
vatórios de água, fossas sépticas e até as Com a criação do SUS, por meio da Lei
paredes do próprio banheiro. Nas Ofici- 8.080/1990, as ações de saúde que eram
nas também era possível que os mora- realizadas diretamente passaram para a
dores das comunidades recebessem por gestão municipal. A Fundação Nacional
empréstimo ferramentas para que pu- de Saúde foi criada em 1991, pela fusão
dessem melhorar suas moradias. da Fsesp e da Superintendência de Cam-
Na atuação de abrangência coletiva cabe panhas de Saúde Pública (Sucam), com a
destacar importantes inovações no nível missão institucional de promover a saúde
municipal como a criação do primeiro Ser- pública e a inclusão social por meio de
viço Autônomo de Água e Esgoto (Saae), ações de saneamento e saúde ambiental.
em 1952, em Governador Valadares (MG), Assim, a atuação nas localidades pas-
bem como a primeira cidade da América sou a se dar de forma indireta, priori-
Latina a realizar a fluoretação de água em zando a transferência de recursos por
sistema público, Baixo Guandu (ES), em meio de termos de convênio, mantendo a
outubro de 1953. Em 1966, por meio de execução direta apenas em caráter suple-

274
FUNASA: RELATO HISTÓRICO DA ATUAÇÃO NOS MUNICÍPIOS

tivo, em função de demandas do governo Como forma de promover a inclu-


federal. Condição essa que representa são social e sanitária da população
uma mudança na forma de relação com rural, tanto a difusa quanto a concen-
o município, atuando como financiador trada em núcleos, o governo brasileiro
de ações e distanciando das questões promoveu o lançamento do Programa
operacionais e gestão dos serviços de sa- Saneamento Brasil Rural (PSBR), em
neamento municipal. No âmbito do SUS, dezembro de 2019. O Programa será ge-
a Funasa ficou responsável também pela renciado pela Funasa e representa um
Política Nacional de Saúde Indígena, en- novo e desafiante capítulo da história
tre os anos de 1999 e 2010. da instituição.
Devido à capilaridade territorial, que Com presença em todo o Brasil por meio
facilita a relação com os municípios, e à das superintendências estaduais vincula-
F
capacidade de gestão e operacionalização das diretamente à sua presidência, a Fu-
de investimentos, herdadas principal- nasa atua no campo da saúde ambiental,
mente da Fundação Sesp, a Funasa teve pelos eixos de Ações Estratégicas em Saú-
papel importante na implementação de de Ambiental, compreendendo a atuação
grandes projetos de investimento em em situações de desastres e o Plano de Se-
infraestruturas de saneamento, como o gurança da Água; de Educação em Saúde
Projeto Alvorada em 2001 e o Programa Ambiental; e de Controle de Qualidade da
de Aceleração do Crescimento (PAC) en- Água. No âmbito da engenharia de saúde
tre 2007 e 2014. No caso do PAC, além de pública sua atuação ocorre nos seguintes
ter sido a responsável pelo apoio com re- eixos de trabalho:
cursos por meio de termos de repasse aos
municípios abaixo de 50 mil habitantes, • sistemas de abastecimento de água;
a Fundação contratou projetos básicos e • sistemas de esgotamento sanitário;
executivos de sistemas de abastecimen- • melhorias sanitárias domiciliares;
to de água e esgotamento sanitário para • melhorias habitacionais para o contro-
municípios que não dispunham deles, le da doença de Chagas;
através de seleção pública. • resíduos sólidos urbanos;
• saneamento rural;
Funasa hoje • cooperação técnica em saneamento.

Atualmente, os desafios sanitários co- Os municípios, parceiros preferen-


locados para um país continental – o ciais para atuação descentralizada
quadro epidemiológico da incidência com transferência de recursos por meio
das doenças emergentes e reemergentes, de termos de repasse, podem pleitear o
bem como das vulnerabilidades sociais apoio da Funasa a partir de chamamen-
e ambientais decorrentes das mudanças tos públicos divulgados anualmente em
climáticas, das alterações dos ecossiste- função da disponibilidade orçamentária.
mas e das recorrentes crises hídricas – A instituição também oferece assesso-
fazem com que a Funasa esteja sempre ria e orientação técnica em engenharia
buscando atuar de forma mais conjunta de saúde pública e saúde ambiental aos
com os municípios. municípios, consórcios de saneamento

275
EIXO T - TEMAS TRANSVERSAIS

e associações comunitárias formalmen- Este breve relato das ações já realiza-


te instituídas. Tal atendimento é reali- das, em execução e programadas pela
zado pelo corpo técnico da instituição, Funasa atesta sua importância para a
composto por arquitetos, auxiliares de qualidade de vida da população brasilei-
saneamento, educadores em saúde am- ra. Ao verificar que a área de atuação da
biental, engenheiros, farmacêuticos fundação pode contemplar 100% dos mu-
bioquímicos, geólogos, e inspetores de nicípios brasileiros (com até 50 mil habi-
saneamento, principalmente. tantes), percebe-se que os setores inter-
Ressalta-se a importância do Plano ligados de saneamento e saúde têm uma
Municipal de Saneamento (PMSB – ver entidade com corpo técnico especializado
p. 450) como fator de desenvolvimento responsável por promover a inclusão so-
sociossanitário do município. A Funasa cial por meio de ações para prevenção e
tem apoiado os municípios na elabora- controle de doenças. Diante dos desafios
ção de PMSBs não apenas com a utiliza- das políticas públicas em um contexto fe-
ção de convênios através de termos de derativo no século 21, a instituição faz a
repasse, como também por meio de ter- reflexão da busca de um novo perfil, que
mos de execução descentralizada com retoma parte da forma de atuar da Fun-
instituições de ensino. dação Sesp em meados do século 20.

Referências bibliográficas

BASTOS, N. C. B. SESP/Fsesp – 1942 – evolução histórica – 1991. 2. ed. Brasília:


FNS, 1996.
MS. Página web do Centro Cultural do Ministério da Saúde. Disponível em: http://
www.ccs.saude.gov.br/sus/principios.php. Acesso em: 26 abr. 2020.
MS. Página web do Ministério da Saúde. Disponível em: https://www.saude.gov.br/
sistema-unico-de-saude/principios-do-sus. Acesso em: 26 abr. 2020.
FUNASA. Condições sanitárias e ambientais das comunidades quilombolas de Ala-
goas – relatório. Brasília: Funasa, 2013.
FUNASA. 100 anos de saúde pública. Disponível em: http://www.funasa.gov.br/site/
wp-content/files_mf/livro_100-anos.pdf. Acesso em: 27 abr. 2020.
OLIVEIRA, J. M. Inquérito sanitário – comunidades quilombolas de Alagoas. Traba-
lho apresentado na Reunião Semanal de Prefeitos da Associação dos Municípios Ala-
goanos, 2017.
GRYNFOGIEL, J. D. Avaliação do Programa das Pequenas Comunidades – Fsesp/
BID. Trabalho apresentado no 11º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e
Ambiental, Fortaleza, 1981.

Para saber mais

FUNASA. Página web da Fundação Nacional de Saúde (Funasa). Disponível em: ht-
tp://www.funasa.gov.br/a-funasa1.

276
FUNDOS DE UNIVERSALIZAÇÃO DE SANEAMENTO

Autoria deste verbete

Diógenes Otero Galhardo Braga. Engenheiro civil pelas Faculdades Reunidas Nuno Lis-
boa, especialista em Arquitetura do Sistema de Saúde pelo Ministério da Saúde (MS) e
pela Universidade de Brasília (UnB); em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde
Pública (Ensp) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz); e em Altos Estudos de Política e
Estratégia pela Escola Superior de Guerra (ESG). Engenheiro da Funasa.

F
F
FUNDOS DE UNIVERSALIZAÇÃO DE SANEAMENTO

O fundo de universalização no setor bano (FNDU). Além disso, recomendou a


pode ser um instrumento fundamental orientar e induzir a criação de fundos es-
para fazer os serviços de saneamento taduais e municipais com esse objetivo.2
chegarem a todos, de forma a cumprir Diante da competência constitucional
os direitos relacionados ao acesso a tais comum da União em promover progra-
serviços. Neste verbete serão abordados mas de saneamento, o Poder Legislativo
os aspectos relacionados aos fundos tem promovido alguns esforços em iden-
com referência à Lei Nacional de Sane- tificar fontes de financiamento para
amento Básico (LNSB). o setor de saneamento. Tramitaram ou
A aprovação da Lei 11.445/2007 apre- estão em tramitação no Congresso Nacio-
sentou uma contribuição importante ao nal diversos projetos de lei que contem-
reconhecer expressamente a possibilida- plam a criação de fundo nacional para
de de instituição de fundos pelos entes atender o setor de saneamento, porém
federados, isoladamente ou em consór- em nenhuma das iniciativas a proposta
cios públicos, aos quais poderão ser des- foi efetivada até o momento.
tinadas, entre outros recursos, parcelas
das receitas dos serviços.1 Em linhas ge- Baixa presença nos
rais, um fundo consiste em uma parcela estados e municípios
patrimonial de uma pessoa física ou jurí-
dica que, em conjunto ou isoladamente, é Nos marcos regulatórios em âmbito
destinado a alguma finalidade específica. estadual, foi identificada a existência de
O Plano Nacional de Saneamento Bási- fundos em seis unidades da Federação: São
co (Plansab – ver p. 457) propôs estraté- Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul,
gias para utilização de fundos de Sanea- Rio Grande do Norte, Goiás e Santa Cata-
mento. Sugeriu avaliar a constituição de rina. No entanto, em nenhum dos casos o
fundo nacional para a universalização fundo foi efetivamente implementado.3, 4
dos serviços, articulado com o Fundo Na- A maioria dos municípios brasileiros
cional de Apoio ao Desenvolvimento Ur- ainda não utiliza o instrumento de fundos

277
EIXO 1 - ASPECTOS ECONÔMICO-FINANCEIROS

municipais de Saneamento Básico (FMS- Vários aspectos devem ser observados


Bs). No perfil dos municípios brasileiros para se compor uma avaliação mais glo-
realizado pelo Instituto Brasileiro de Ge- bal da utilização dos fundos de universa-
ografia e Estatística (IBGE), em 2017, 580 lização. Se, por um lado, o instrumento
municípios (10,4%) declararam ter FMSB, garante a estabilidade de recursos que
enquanto, em 2011, eram 215 (3,9%). O permite a efetivação da política pública
levantamento também mostra uma gran- de saneamento, vários pontos devem
de disparidade entre regiões e entre mu- ser vistos com atenção: a qualidade do
nicípios de diferente porte populacional. gasto é um elemento central para a cre-
Enquanto 257 municípios (21,6%) da Re- dibilidade social dos fundos, e, nesse
gião Sul declararam possuir o fundo, na sentido, o controle social (ver p. 156), a
Região Nordeste esse índice foi de apenas regulação (ver p. 560) e o planejamento
5,9%. Nas cidades com população maior são essenciais.
do que 500.000 habitantes, 31% declara-
ram contar com o fundo, enquanto nos Controle social e os FMSBs
municípios com menos de 50.000 habi-
tantes, a taxa variou entre 7,7% e 10,5%. O controle social objetiva a inclusão da
No caso de Minas Gerais, 8,8% dos muni- sociedade no processo de tomada de de-
cípios declararam possuir FMSB, e para os cisão em relação à utilização do recurso
municípios menores do que 50.000 habi- dos fundos, e tem potencial de inibir o
tantes, a taxa foi de 7,8%.5 desvio de finalidade da alocação de recur-
Tal declaração se refere à existência sos, ainda muito recorrente em fundos
formal do Fundo Municipal de Sanea- públicos, e até mesmo práticas de corrup-
mento Básico. A quantidade de municí- ção. No entanto, não é a mera existência
pios que realmente efetivaram o instru- de órgão de controle social que garante
mento, com destinação e aplicação de o êxito de tal função. O conselho pode
recursos, é bastante inferior. exercer desde um papel meramente legiti-
Mesmo com o avanço normativo do no- mador das políticas vigentes até o de oxi-
vo marco regulatório em relação ao esta- genar o processo de tomada de decisão.6
belecimento dos fundos, não houve avan- Algumas características são fundamen-
ço efetivo na sua concretização. Algumas tais para que os órgãos de controle social
agências reguladoras, como a Agência sejam capazes de atingir seus objetivos:
Reguladora dos Serviços de Abasteci- ser deliberativo, ou seja, suas decisões
mento de Água e Esgotamento Sanitário sejam efetivadas no âmbito da política de
do Estado de Minas Gerais (Arsae-MG) e saneamento; disponibilizar as informa-
a Agência Reguladora de Saneamento e ções de maneira acessível, pois, diante
Energia do Estado de São Paulo (Arsesp), da assimetria de informação e conheci-
criaram instrumentos para normatizar a mento existente entre os participantes,
possibilidade de destinação de parcelas é necessário que existam mecanismos de
das receitas dos prestadores regulados capacitação dos conselheiros e facilitação
a fundos municipais. Tal movimento re- não só de acesso como de compreensão
acendeu a discussão sobre fundos, espe- dos dados e informações; atuar em inter-
cialmente municipais. setorialidade, já que deve existir um di-

278
FUNDOS DE UNIVERSALIZAÇÃO DE SANEAMENTO

álogo com outros conselhos, como os de Os critérios gerais são os mesmos. Ad-
saúde, meio ambiente e das cidades.7 mitem a transferência para os FMSB de
Nesse sentido, o sucesso da utilização até 4% da receita líquida tarifária acumu-
dos fundos está condicionado a um bom lada pelo prestador de serviço regulado
processo de controle social e de comunica- em cada cidade, desde que o município
ção pública. Portanto, um órgão delibera- atenda a critérios como contar com:
tivo e fortalecido é importante para garan-
tir uma boa gestão dos recursos do FMSB. • Plano Municipal de Saneamento Básico
(PMSB);
Regulação • Fundo Municipal ou Intermunicipal de
Saneamento Básico, criado por lei;
A regulação possui relação direta com • Conselho Municipal de Saneamento
F
o financiamento (ver p. 265) dos servi- Básico, que deverá participar da defini-
ços de saneamento, pois deve garantir o ção das diretrizes e mecanismos para o
cumprimento das condições e metas es- acompanhamento, fiscalização e con-
tabelecidas por meio dos planos de sanea- trole do Fundo de Saneamento.
mento, e, principalmente, editar normas
e regras associadas à cobrança, obtenção No caso da Arsae, o potencial de re-
e aplicação de recursos financeiros nos passe para os FMSBs anualmente é de
prestadores de serviços. R$ 155 milhões em valores de 2018.11Já
O ente regulador pode criar mecanismos no primeiro ano, 60 municípios tiveram
de financiamento que se assemelham aos o repasse reconhecido, e destes, 51 pos-
fundos, com a diferença de que eles deverão suem população menor do que 50.000
ser internos ao prestador. Nesse sentido, a habitantes, perfazendo um montante de
Arsae-MG desenvolveu o conceito de desti- aproximadamente R$ 70 milhões anuais.
nação específica para itens que devam ter Os normativos são um passo importan-
um tratamento regulatório diferenciado. O te, em especial no avanço rumo à univer-
percentual da receita associado a cada um salização dos serviços, pois possibilitam
desses itens deverá ser depositado em uma o investimento também no manejo de
conta vinculada e somente poderá ser aces- resíduos sólidos (ver p. 568) e de águas
sado pelo prestador para cumprir os objeti- pluviais (ver p. 368). Além disso, ao con-
vos acordados com o regulador.8 dicionar os repasses à existência de con-
Além dessa possibilidade, alguns regu- selho e do PMSB, trabalha-se na direção
ladores têm trabalhado para incentivar a de articular o fundo com o planejamento,
criação de FMSBs, por meio do reconheci- o controle social e a própria regulação.
mento tarifário do repasse de parcela da
receita dos prestadores a fundos munici- Planejamento e os
pais de Saneamento. Um ponto interes- fundos municipais
sante é que o repasse independe dos pres-
tadores, diminuindo o poder de barganha O alinhamento das ações financiadas
que estes utilizavam. Tanto a Arsae (MG) pelos fundos com os planos faz com que
quanto a Arsesp (SP) publicaram norma- os recursos utilizados atendam aos obje-
tivos com esse objetivo.9, 10 tivos da política pública. Grande parte

279
EIXO 1 - ASPECTOS ECONÔMICO-FINANCEIROS

dos PMSBs elaborados prevê a criação de de planejamento, 20 anos. Daí, o papel


fundos municipais de saneamento, mas da priorização das ações se torna ainda
poucos foram efetivados. mais central. O investimento em ações
Usualmente a demanda de recursos de apoio à gestão e a ações estruturantes
financeiros para execução das ações dos deve ser priorizado, uma vez que, além de
PMSBs é muito volumosa, especialmente consumirem menos recursos, possuem
pelas ações estruturais, ou seja, a reali- um efeito multiplicador, ampliando o be-
zação de obras. Entretanto, as fontes de nefício das ações e melhorando a qualida-
financiamento, inclusive os fundos, rara- de dos gastos e a capacidade de gerencia-
mente são suficientes para atender toda a mento dos municípios.
demanda, mesmo para o horizonte total

Referências bibliográficas

1. BRASIL. Lei nº 11.445, de 05 de janeiro de 2007. Estabelece as diretrizes nacionais


sobre o Saneamento Básico. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
Ato2007-2010/2007/Lei/L11445compilado.htm.
2. MDR. Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), 2014. Disponível em: www.
cidades.gov.br/images/stories/ArquivosSNSA/Arquivos_PDF/plansab_06-12-2013.
pdf. Acesso em: 3 out. 2019.
3. GALVÃO JR., A. C.; NISHIO, S. R.; BOUVIER, B. B.; TUROLLA, F. Marcos regulató-
rios estaduais em saneamento básico no Brasil. Revista de Administração Pública
– RAP, Rio de Janeiro, jan./fev. 2009.
4. QUEIROZ, V. C. Uma análise dos fundos como instrumento para a universaliza-
ção do saneamento: aplicação no Estado de Minas Gerais. 2016. Dissertação (Mes-
trado em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos) – Escola de Engenharia,
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2016.
5. IBGE. Perfil dos municípios brasileiros: saneamento básico: aspectos gerais da ges-
tão da política de saneamento básico: 2017. Rio de Janeiro: IBGE, 2018.
6. GOMES, U. A. F.; HELLER, L. Participação em saneamento por meio de conselhos ges-
tores: controle social ou legitimação política?. In: Participação e controle social em sa-
neamento básico: conceitos, potencialidades e limites. Belo Horizonte: UFMG, 2016.
7. GALVÃO JUNIOR, A. C.; XIMENES, M. M. F. Desafios para os conselhos de sane-
amento básico. In: GALVÃO JUNIOR, A. C.; XIMENES, M. M. F. (ed.). Regulação:
controle social da prestação de serviços de água e esgotos. Fortaleza: Abar, 2007.
8. ARSAE-MG. Nota técnica CRFEF 01/2016 – detalhamento do cálculo da revisão
tarifária periódica de 2016 da Companhia de Saneamento Municipal de Juiz de Fora
– Cesama. Belo Horizonte: Arsae-MG, 2016.
9. ARSAE-MG. Resolução 110/2018. Estabelece o mecanismo de reconhecimento ta-
rifário do repasse de parcela da receita direta dos prestadores regulados pela Arsae-
-MG a fundos municipais de saneamento. Belo Horizonte: Arsae-MG, 2018.
10. ARSESP. Deliberação nº 870/2019. Estabelece os critérios e as condições para o
reconhecimento tarifário do repasse de parcela da receita direta dos prestadores,

280
FUNDOS DE UNIVERSALIZAÇÃO DE SANEAMENTO

regulados pela Arsesp, aos fundos municipais de saneamento básico. São Paulo:
Arsesp, 2019.
11. ARSAE-MG. Nota técnica GRT 08/2017 – mecanismo de reconhecimento dos re-
passes tarifários para fundos de saneamento básico. Belo Horizonte: Arsae-MG, 2018.

Para saber mais

ARSAE-MG. Habilitação de Fundos Municipais de Saneamento Básico. Página web


da Arsae-MG. Disponível em: http://www.arsae.mg.gov.br/component/gmg/
page/821-repasses-tarifarios-do-fundo-de-saneamento.

Autoria deste verbete


F
Gisela P. Zapata. Doutora em Geografia Humana pela Universidade de Newcastle (In-
glaterra). Professora do Departamento de Demografia e pesquisadora do Centro de De-
senvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da UFMG.

Vitor Carvalho Queiroz. Engenheiro civil e mestre em saneamento, meio ambiente e


recursos hídricos pela UFMG. Possui experiência, principalmente, com políticas públi-
cas e gestão de saneamento e recursos hídricos.

281
G

GÊNERO E SANEAMENTO

O que o gênero das pessoas tem a ver com das soluções implantadas e das políticas
o saneamento e seus componentes? públicas relacionadas.
Para adentrar a questão, primeiramen- Os papéis desempenhados são determi-
te se faz fundamental a compreensão do nados pelo que chamamos de “relações de
conceito de gênero, que pode ser definido gênero”, que consistem em um conjunto
como: “o papel, posição, atributos sociais e de comportamentos associados à mascu-
oportunidades associados a como ser homem linidade e feminilidade, em um grupo ou
ou mulher. Gênero compete ao que é espera- sistema social. O processo de produção
do, permitido e valorizado em uma mulher desses comportamentos não se dá de for-
ou um homem. Faz parte do sociocultural ma individual, mas depende das posições
mais amplo, situação econômica e política. que esses indivíduos ocupam em uma de-
Esses atributos e as oportunidades são so- terminada coletividade e em situações
cialmente construídos pelos contextos, pelo sociais concretas.2
tempo e são mutáveis”.1 (Tradução de UN
Women, 2015). Mulheres mais impactadas
Atualmente, contudo, vale ressaltar
que gênero não se refere mais à bina- No que tange ao saneamento, é perceptí-
ridade dos sexos – homem e mulher –, vel que as funções são atribuídas confor-
mas também inclui a transgeneridade, me os papéis de gênero socialmente esta-
que consiste na autorrepresentação de belecidos e refletidos na divisão sexual
uma pessoa. Assim, além dos heteros- do trabalho, que atribui responsabilida-
sexuais ou cisgêneros, é importante des diferentes aos homens e às mulheres.
destacar que toda a variedade de identi- A definição das atividades se deve à cons-
dade de gênero ou de orientação sexual, trução histórico-cultural da sociedade,
reconhecida pela sigla LGBTQ+, pode es- ainda muito embasada no patriarcado.
tabelecer relações distintas com o sane- O termo designa o sistema social em que
amento no que tange às responsabilida- homens adultos mantêm o poder primá-
des e aos possíveis impactos decorrentes rio e predominam em funções de lideran-
GÊNERO E SANEAMENTO

ça política, autoridade moral, privilégio Locais diferentes possuem lógicas or-


social e controle das propriedades. No ganizacionais diferentes, a exemplo de
domínio da família, o pai mantém a au- áreas rurais e áreas urbanas. Assim, os
toridade sobre as mulheres e as crianças. impactos negativos são sentidos de for-
Sobretudo onde as soluções de sanea- ma e intensidade diferentes por mulhe-
mento adotadas são ausentes ou consi- res, a depender de fatores interseccio-
deradas precárias (por não conseguirem nais como renda, idade, escolaridade,
atender adequadamente as necessidades cor, classe ou status social, etnia, casta,
da população contemplada), as desigual- localização do domicílio, deficiência ou
dades no acesso e os impactos na vida outro tipo de morbidade, orientação se-
das mulheres são mais intensas quan- xual ou identidade de gênero.
do comparadas às dos homens.3 Isso se
deve ao fato de que as atividades cujas Relações de gênero
responsabilidades recaem sobre elas são no componente
executadas cotidianamente, tomando- abastecimento de água G
-lhes tempo e dedicação, sobrecarregan-
do a sua já intensa jornada de trabalho Em localidades onde não há abastecimen-
doméstico ou resultando em uma jornada to de água (ver p. 645) com canalização
de trabalho dupla, quando as mulheres interna é papel das mulheres e meninas
trabalham fora do seu domicílio. buscar água para o uso doméstico e con-
Assim, entender as diferentes relações sumo da família.5, 6 Essa água geralmente
dos gêneros no saneamento significa, além é coletada em fontes coletivas como cha-
de buscar o alcance da equidade de gênero, farizes, caixas d’água comunitárias, rios,
a promoção de soluções mais adequadas e o represas, açudes, cacimbas, barreiros e
acesso realmente universal ao saneamento. poços artesianos. Geralmente a água é le-
As soluções sanitárias têm impactos vada até os domicílios em baldes, bacias
diretos na vida das pessoas, tanto pela ou galões carregados nos braços, na cabe-
sua presença quanto pela sua ausência. ça ou com auxílio de animais ou carrinho
O saneamento constitui um direito bá- de mão. Quanto maior o tempo gasto pa-
sico de todo cidadão ou cidadã, e está ra buscar água, maior é a chance de a mu-
intrinsicamente relacionado à melhor lher exercer esta função em relação ao ho-
qualidade de vida, saúde, educação e o mem.7 Especialmente em regiões semiári-
alcance a outros direitos básicos.4 Quan- das, as mulheres submetem-se a intensas
do presente, as mulheres – as principais caminhadas sob sol forte. Não raro, são
responsáveis por funções relacionadas necessárias duas ou mais viagens para
– podem dedicar seu tempo a outras suprir toda a demanda de água no domi-
atividades e não sofrem com o estresse cílio. Além do desgaste físico, que desen-
de não conseguir ou ter dificuldades de cadeia dores crônicas nos braços, pescoço,
desempenhar atividades por falta de sa- coluna e pernas,8 é também identificado
neamento. Em contrapartida, quando o o aumento do estresse pela carga emo-
saneamento é ausente ou considerado cional negativa, pelos seguintes motivos:
precário, uma série de responsabilidades não conseguir suprir a demanda de água
e impactos recaem sobre elas. do domicílio com quantidade e qualidade

283
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

adequada;9 ter que destinar muito tempo luções privadas e seguras,15 sobretudo
a estas funções, impedindo a dedicação no período menstrual16-18. Fatores como
a trabalhos remunerados, estudo ou até boa localização no terreno, privacidade,
mesmo lazer;9 ter seu trabalho doméstico segurança para uso e o acesso, tamanho
dificultado; submeter-se ao risco de ata- e boa ventilação influenciam a aceitação
que de animais, violência sexual ou ou- da solução, que pode ter a sua sustenta-
tros tipos de coerções durante o caminho bilidade comprometida a depender do
ou a coleta da água.10-12 julgamento delas. É pertinente destacar
Nos domicílios, é tarefa feminina a que a instalação sanitária também deve
gestão da água coletada, seja no trata- ser capaz de proporcionar um local
mento domiciliar, por meio da filtração, adequado para os banhos.
cloração ou fervura; no acondicionamen- Quando a solução sanitária é
to dessa água em garrafas, potes de barro ausente, ou as pessoas optam pela de-
ou outros materiais disponíveis; ou na fecação a céu aberto, as mulheres são
divisão da água para os diferentes usos, desproporcionalmente expostas a uma
como ingestão, higiene, limpeza, desse- série de riscos como a violência sexual,
dentação animal e cultivo de hortas.13 ataque de animais, estresse psicossocial,
São as mulheres as primeiras a perceber ameaças à sua dignidade e à sua privacida-
quando a água está com alguma altera- de19 e comprometimento da higiene, que
ção organoléptica, ficando a cargo delas pode acarretar sérios problemas de saúde.
o direcionamento para usos menos no- A falta de destinação final dos efluen-
bres ou descarte da água quando alguma tes sanitários ou a disposição direta das
alteração é notada.5 A baixa quantidade excretas no terreno expõe as mulheres a
de água também compromete a higiene maiores riscos de contaminação pela ex-
adequada – sobretudo no período mens- posição direta.19 As crianças, cujo cuida-
trual – e implica maiores dificuldades ou do diário recai sobre as mulheres, tam-
constrangimentos no banho. bém são muito expostas a estes riscos
de contaminação. Uma vez que algum
No esgotamento sanitário e no integrante da família se contamine com
manejo de resíduos sólidos doenças relacionadas à falta de sanea-
mento, seu cuidado também fica sob a
Por permanecerem maior tempo no do- responsabilidade das mulheres.
micílio, também são as mulheres as mais São também as mulheres, majoritaria-
impactadas por instalações ausentes ou mente, que se incubem da gestão domici-
precárias de esgotamento sanitário (ver p. liar dos resíduos sólidos (ver p. 568): fazem
256).14 Quando as soluções estão presentes, a higienização dos locais de armazena-
elas são as responsáveis pela limpeza dos mento, o recolhimento, a sua separação
banheiros e assumem um papel impor- (quando realizada) e os dispõem para a
tante de orientação e incentivo ao uso da coleta e sua destinação final.20 Em locali-
solução pelos demais membros da família. dades onde não há coleta dos resíduos, são
Recai mais fortemente sobre as mulhe- elas quem se encarregam de fazer a dispo-
res fatores como o pudor e a vergonha e, sição final (ver p. 210), seja pela queima ou
por isso, elas têm maior demanda por so- pelo aterramento destes materiais.

284
GÊNERO E SANEAMENTO

A realização destas tarefas também im- saneamento e também as maiores impac-


plica a exposição maior ao risco de con- tadas, e questões como a privacidade e a
taminação ou ferimentos pelo manuseio dignidade também são abordadas.
dos resíduos. Embora se tenha avançado muito no re-
conhecimento do papel fundamental de-
Do cenário internacional sempenhado pelas mulheres, pouco deste
à realidade brasileira reconhecimento consegue ser traduzido
para ações concretas e realmente empo-
A primeira vez que foi lançada luz sob a deradoras para as mulheres.21, 22, 18 Na área
perspectiva de gênero no saneamento foi acadêmica ainda faltam estudos que evi-
em 1979, durante a Cedaw (Convenção denciem, em profundidade, as questões de
sobre a eliminação de todas as formas de gênero no saneamento, especialmente nos
discriminação contra as mulheres). No variados contextos brasileiros. A ausência
ano seguinte, quando a Organização das de dados e estatísticas internacionais so-
Nações Unidas (ONU) instituiu a Década bre indicadores de gênero do setor da água G
da Água, fazendo alusão à participação dificulta a elaboração de metas e o monito-
das mulheres. Em 1992, durante a Con- ramento das ações correlatas.
ferência Internacional sobre Água e Meio
Ambiente (Eco-92), a questão ganhou Caminho necessário
maior notoriedade quando foi reconheci-
do o papel fundamental das mulheres na O caminho para a resolução desta proble-
provisão de água e na gestão e na prote- mática é o reconhecimento e a valoriza-
ção dos recursos hídricos. Posteriormen- ção do trabalho realizado pelas mulheres
te, houve a criação de importantes ins- no contexto do saneamento, sem, con-
trumentos como os Objetivos do Milênio tudo, intensificá-lo. Para tanto, o ideal é
(ODM), em 2000, que davam destaque à criar políticas públicas de gênero23 – e
promoção da equidade de gêneros e ao não apenas para mulheres –, objetivando
empoderamento feminino. uma relação mais equitativa, promoven-
Quinze anos depois, em 2015, os ODM do transformações para todos os gêneros
foram revisados, dando lugar aos Obje- e ampliando a participação feminina pa-
tivos de Desenvolvimento Sustentável ra outras esferas, além da domiciliar. Esta
(ODS – ver p. 205), em que a igualdade de construção perpassa, primariamente, pe-
gênero e o empoderamento feminino tor- la sensibilização dos gestores e formula-
naram-se um objetivo específico e as neces- dores de políticas públicas quanto às dis-
sidades sanitárias de mulheres e meninas crepâncias no acesso, gestão, participação
foram tratadas com clareza no Objetivo 6. e impactos para os diferentes gêneros nas
Em 2010, foram lançados os direitos ações relacionadas ao saneamento.
humanos à água e ao esgotamento sani- Estudiosos das questões de gênero e
tário (Dhaes – ver p. 205), que reservam políticas públicas no Brasil ressaltam que
atenção especial às mulheres e meninas o Estado aparece como intensificador das
entre os seus princípios normativos. Elas relações patriarcais quando coloca as mu-
foram reconhecidas como as principais lheres à margem do processo de decisão,
responsáveis pelas ações relacionadas ao penalizando-as ao excluí-las da condição

285
EIXO T - TEMAS TRANSVERSAIS

de planejadoras dos programas ou de be- cos legais de infraestrutura, habitação,


neficiárias diretas, enquanto os homens geração de renda e trabalho, produção
atuam como protagonistas.24-26 É dessa e saúde no campo, educação formal e
forma que leis e políticas neutras podem continuada, dentre outros. Faz-se evi-
ser discriminatórias para as mulheres. dente a percepção de que o acesso, gestão
A participação feminina nos processos e uso da água não são formados apenas
decisórios deve ser promovida observan- por fatores econômicos e ambientais, mas
do-se as suas particularidades: lugares de também por fatores socioculturais, den-
acesso e horário viável, tendo em vista as tre eles, a questão de gênero. Assim, uma
suas responsabilidades; poder de fala; e visão estritamente técnica, com ênfase
não serem realizados em ambientes que no aumento da cobertura, deve ser supe-
possam ser dominados pelos homens, ou rada em busca de políticas e estratégias
que tenham qualquer característica que claras que possam guiar e incorporar as
possa restringir a sua participação. questões de gênero nos diferentes níveis
Uma maior equidade de gênero no sa- e etapas dos projetos, promovendo me-
neamento exige também políticas públi- lhorias e maior adequabilidade das ações
cas transversais, nas quais as relações implantadas, resultando em uma maior
de gênero sejam reconhecidas em mar- sustentabilidade das soluções.27

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GERENCIAMENTO DE RESÍDUOS SÓLIDOS

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un.org/doc/UNDOC/GEN/G16/166/97/PDF/G1616697.pdf?OpenElement.

Podcast

EP #050: Água é uma questão feminista. Convidadas: Daniela Nogueira e


Rosana Evangelista. Olhares Podcast, 2019. Disponível em: http://olharespodcast.
com.br/ep-050-mulheres-e-agua.

Vídeos

FALTA de acesso à água e saneamento é pior para as mulheres, alerta ONU. Entre-
vistadas: Sonaly Rezende e Bárbara Brenda. Produção e reportagem: Soraia Fide-
lis. TV UFMG, 2018. 1 vídeo (2 min). Disponível em: https://www.youtube.com/ G
watch?v=rqumMO9JHdY.
RELAÇÕES de gênero no saneamento. Com Bárbarah Silva. INCT ETEs Sus-
tentáveis, 2020. 1 vídeo (6 min). Disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v=iQQXD-370fw.

Filme

A Fonte das Mulheres, 135 min. Diretor: Radu Mihaileanu. Elenco: Hiam Abbass, Leila
Bekhti, Hafsia Herzi, Zinedine Soualem . País de origem: França/Bélgica/Itália. Ano
de produção: 2011

Autoria deste verbete

Bárbarah Brenda Silva. Mestre e doutoranda em Saneamento, Meio Ambien-


te e Recursos Hídricos na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Cientista
socioambiental.

G
GERENCIAMENTO DE RESÍDUOS SÓLIDOS

O gerenciamento de resíduos sólidos é síduos sólidos que devem ser coletados,


uma preocupação diária e comum em transportados, tratados e dispostos tem
todas as cidades brasileiras, sejam estas aumentado ano a ano. Esse aumento de-
grandes ou pequenas. O volume de re- ve-se a fatores como crescimento da po-

289
EIXO 6 - MANEJO DE RESÍDUOS SÓLIDOS

pulação, e também à mudança nas formas Ao considerar que a problemática da


de comercialização e consumo. Assim, os gestão dos resíduos sólidos é ampla e
problemas enfrentados pelos municípios diversa, deve-se indagar aos atores so-
brasileiros, em geral, relacionam-se com ciais, aos geradores e aos gestores dos re-
a falta de locais específicos e de soluções síduos na comunidade: quais os volumes
apropriadas às necessidades e particu- e tipos de resíduos produzidos? Quais os
laridades das cidades para a disposição problemas enfrentados (sociais, ambien-
final adequada. Soma-se a isso a falta de tais, financeiros, de logística, de convi-
tecnologias para reciclagem e de recursos vência, entre outros) e como são abor-
econômicos, bem como a falta de apoio às dados pelo governo local e pela comuni-
organizações sociais que trabalham com dade? Qual a logística e qual o roteiro de
a separação dos resíduos e com a recupe- coleta dos resíduos na comunidade? Com
ração de materiais recicláveis, além da la- que frequência os resíduos são coletados e
cuna de metas e mecanismos de controle que problemas surgem com a coleta? Mui-
para implementação de políticas públicas. tas outras perguntas podem ser feitas.
A Política Nacional de Resíduos Só- Assim, percebe-se que a definição des-
lidos1 (PNRS – ver p. 568) define ge- se conjunto de ações (coleta, transporte,
renciamento de resíduos sólidos como destinação e disposição final) deve se de-
o “conjunto de ações exercidas, direta ou senvolver num processo de gestão parti-
indiretamente, nas etapas de coleta, trans- cipativa (ver p. 296) e de planificação da
porte, transbordo, tratamento e destinação gestão dos resíduos sólidos. A gestão par-
final ambientalmente adequada dos resídu- ticipativa poderá gerar ferramentas para
os sólidos e disposição final ambientalmente o diagnóstico e a planificação de forma a
adequada dos rejeitos, de acordo com plano solucionar situações complexas das co-
municipal de gestão integrada de resíduos munidades. A planificação implica tam-
sólidos ou com plano de gerenciamento de re- bém que, antes de tomar decisões sobre
síduos sólidos, exigidos na forma desta Lei”. o que se fazer e onde investir nas diver-
Nos processos de gestão e gerenciamento sas etapas do gerenciamento dos resídu-
de resíduos sólidos, deve ser observada a os, realize-se uma análise das condições
seguinte ordem de prioridade1: “não ge- atuais, dos atores sociais afetados e das
ração, redução, reutilização, reciclagem, tra- possíveis mudanças para a oferta de solu-
tamento dos resíduos sólidos e disposição fi- ções. A planificação é fundamental por-
nal ambientalmente adequada dos rejeitos”.  que permite romper com a imagem tra-
As necessidades e a operacionalização de dicional do manejo de resíduos sólidos,
cada etapa, seu monitoramento, legislação, promovendo a ideia da gestão integrada
aspectos financeiros (cobrança, taxas, tari- dos resíduos sólidos como algo acordado,
fas etc.), fiscalização e informação deverão de maneira profissional e transparente,
ser amplamente discutidas na comunidade com toda a comunidade.
para sua implementação e principalmente A PNRS define também gestão inte-
cooperação. Esse conjunto particular de grada de resíduos sólidos como “conjunto
etapas e aspectos de gestão de uma cidade de ações voltadas para a busca de soluções
específica é o que entendemos como um para os resíduos sólidos, de forma a con-
sistema de limpeza urbana (ver p. 351). siderar as dimensões política, econômica,

290
GERENCIAMENTO DE RESÍDUOS SÓLIDOS

ambiental, cultural e social, com controle com atividades compatíveis com as dos
social e sob a premissa do desenvolvimento demais sistemas do saneamento ambien-
sustentável”. Num Plano Municipal de Sa- tal, sendo essencial a participação ativa e
neamento Básico pode ser apresentado o cooperativa dos setores públicos e priva-
Plano Municipal de Gestão Integrada de dos, e da população em geral.
Resíduos Sólidos (ver p. 463), atendendo o Alguns princípios devem ser nortea-
preconizado na Lei Federal 11.445/20071 dores do conjunto de ações que formam
e na Lei Federal 12.305/20102. o gerenciamento dos resíduos de uma co-
A Lei 14.026/2020, que atualiza o mar- munidade. São eles:
co legal do saneamento, define no seu ar-
tigo 17 que “o serviço regionalizado de sa- • equidade: todos os cidadãos têm direito a
neamento básico poderá obedecer a plano um sistema de manejo de resíduos apro-
regional de saneamento básico elaborado priado por razões de saúde ambiental;
para o conjunto de municípios atendidos • efetividade: o modelo de gestão de re-
e o plano regional de saneamento básico síduos aplicado resultará na eliminação G
dispensará a necessidade de elaboração e segura de todos os resíduos;
publicação de planos municipais de sane- • eficiência: o manejo de todos os resídu-
amento básico”3. os é realizado por meio de maximizar
Portanto, o termo gestão é empregado os benefícios, minimizar os custos e
para definir decisões, ações e procedimentos otimizar o uso de recursos;
adotados em nível estratégico, enquanto o • sustentabilidade: o sistema de mane-
gerenciamento visa à operação dos siste- jo de resíduos é apropriado às condi-
mas de limpeza urbana. ções locais e viável desde uma pers-
Assim, a prioridade dada à redução de pectiva técnica, ambiental, social,
resíduos ou a uma determinada tecnolo- econômica, financeira, institucional
gia de destinação final é uma tomada de e política. O sistema pode manter-se
decisão em nível de gestão. Para viabili- no tempo sem esgotar os recursos do
zar essa tomada de decisão é imprescin- qual o sistema depende.
dível estabelecer as condições políticas,
institucionais, legais, financeiras, sociais Cenário brasileiro
e ambientais apropriadas.
Por sua vez, os aspectos tecnológicos e Segundo a Associação Brasileira de Em-
operacionais relacionados a determinado presas de Limpeza Pública e Resíduos Es-
programa de redução na fonte ou a imple- peciais (Abrelpe)4, o Brasil coletou apro-
mentação de um aterro de disposição de ximadamente 71,6 milhões de toneladas
rejeitos – o que envolve também os fato- de resíduos sólidos (RS) no ano de 2017,
res administrativos, econômicos, sociais, com um índice de cobertura de coleta de
entre outros – são de atribuição do geren- 91,24%. Da totalidade dos municípios
ciador do sistema de limpeza pública. brasileiros, 3.923 municípios apresenta-
O gerenciamento de resíduos sólidos ram alguma iniciativa de coleta seletiva
urbanos deve ser integrado, ou seja, de- (ver p. 551), embora em muitos municí-
ve englobar etapas articuladas entre si, pios essas atividades não abrangessem a
desde a não geração até a disposição final, totalidade de sua área urbana.

291
EIXO 6 - MANEJO DE RESÍDUOS SÓLIDOS

A análise da composição gravimétri- restantes, contudo, ainda enviam seus


ca é uma atividade fundamental para o resíduos para lixões ou aterros contro-
correto gerenciamento dos resíduos. A lados, perfazendo um montante de 29,2
composição nacional dos RS é a seguinte: milhões de toneladas por ano envia-
matéria orgânica (50%), papel e papelão das para unidades inadequadas (ver p.
(9%), plásticos (13%), vidro (3%), metais 210). Deve-se ainda ressaltar que o que
(3%), rejeitos e outros (22%). Observa-se é enviado para a disposição em aterros
que a maior contribuição pertence à fra- não atende o que é preconizado na Lei
ção orgânica, o que reforça a importância 12.305/2010, afinal enviam-se os resí-
da implantação de estratégias regionali- duos e não os rejeitos. Isso demonstra
zadas para seu reaproveitamento5. claramente a necessidade de se investir
Quanto à disposição final adequada na gestão e gerenciamento integrado dos
(aterros sanitários), 59,1% dos municí- resíduos nas cidades brasileiras.
pios enviaram para essas unidades. Os

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Para saber mais

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Prosab. Coletânea de livros sobre saneamento básico. Disponível em: http://www.finep.
gov.br/apoio-e-financiamento-externa/historico-de-programa/Prosab/produtos.

Autoria deste verbete

Liséte Celina Lange. Professora titular do Departamento de Engenharia Sanitária e


Ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais (Desa/UFMG). Doutora em Tec-
nologia Ambiental pela Universidade de Londres, Inglaterra.

Cynthia Fantoni Alves Ferreira. Engenheira civil, sanitarista e ambiental. Doutora em


Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos – Universidade Federal de Minas Ge-
rais (UFMG). Pesquisadora pós-doutoral do Departamento de Engenharia Sanitária e
Ambiental da UFMG. G

G
GESTÃO ASSOCIADA

A gestão associada de serviços públicos com qualidade e modicidade dos custos.


é o instrumento de atuação cooperativa Em princípio, a gestão associada dos ser-
entre entes da Federação, previsto no viços, seja por consórcio ou por convênio
artigo 241 da Constituição Federal, para de cooperação entre municípios, é técnica
o exercício pleno ou parcial das funções e economicamente mais vantajosa e viável
de planejamento, regulação ou fiscaliza- do que a gestão municipal individualizada.
ção e da prestação de serviços públicos. Entretanto, a definição do arranjo orga-
A organização institucional e administra- nizacional e da forma de gestão associada
tiva é disciplinada por meio de consórcio depende da elaboração de estudo de viabi-
público ou de convênio de cooperação, lidade para avaliar os âmbitos territoriais
constituídos conforme as disposições da mais apropriados para o agrupamento
Lei 11.107/2005 e do Decreto 6.017/2007, dos municípios, por meio de consórcio ou
que a regulamentou. de convênio de cooperação. É preciso con-
A cooperação entre entes federativos siderar os aspectos relacionados a: demo-
para a gestão associada de serviços pú- grafia, extensão territorial, logística de
blicos é um eficiente mecanismo para a transporte e acesso, disponibilidade de
viabilidade e a sustentabilidade técnica, recursos humanos e materiais, situação
econômica, ambiental e social e para a e capacidades administrativas, técnicas
universalização da disposição e do aces- e econômicas dos municípios, situação da
so aos serviços de saneamento básico, prestação dos serviços etc.

293
EIXO 8 - GESTÃO DO SANEAMENTO

Quando a gestão associada envolver ou atividades que compõem os serviços


particularmente a prestação dos serviços, de saneamento básico. No caso do servi-
também deve ser avaliado o escopo e a es- ço de manejo de resíduos, por exemplo,
cala ótima de cada um dos serviços cuja é possível haver gestão direta do conjun-
prestação se pretende delegar a um con- to de atividades que compõem o serviço,
sórcio ou a um ente conveniado, pois nem com a execução das atividades de coleta
todas as atividades fins e suas infraestru- convencional e seletiva e de processa-
turas são compartilháveis fisicamente ou mento de materiais recicláveis por órgão
com as mesmas condições de eficiência ou entidade local e, complementarmente,
técnica e/ou de racionalidade econômica. gestão associada com a execução da ativi-
dade de disposição final em unidade de
Arranjo propício à regulação aterro compartilhado realizada direta
ou indiretamente por consórcio ou por
A função de regulação pode ser mais efi- convênio de cooperação.
ciente se exercida no âmbito da gestão Em qualquer das situações deve-se
associada, por meio de consórcio público considerar também as relações político-
constituído para esse fim, pelo maior nú- -administrativas existentes entre os mu-
mero de municípios da sua região de abran- nicípios, visto que a constituição do con-
gência, ou por meio de agência reguladora sórcio depende da adesão voluntária dos
estadual da mesma unidade da Federação, municípios e só se viabiliza com a efetiva
visto que, em ambos os casos, existem me- cooperação entre esses entes.
lhores condições institucionais e estru-
turais para a organização e qualificação Gestão associada por
técnica dos agentes reguladores. consórcio público
Do mesmo modo, a função de planeja-
mento pode ter maior eficiência e eficá- O consórcio público é uma associação
cia se exercida por consórcio constituído pública integrada exclusivamente por
com esta competência por municípios de entes federados, podendo ser constituído
determinada região geográfica e economi- como pessoa jurídica de direito público
camente mais integrada, assim como as e natureza autárquica ou como pessoa
atividades de apoio técnico e administrati- jurídica de direito privado, conforme os
vo aos municípios e aos prestadores locais requisitos previstos na legislação civil
dos serviços de saneamento básico. Obser- para as associações civis.
va-se, neste caso, que a função de planeja- O consórcio constituído como autar-
mento não pode ser delegada a outro ente quia intermunicipal admite a atuação
federativo por meio de convênio de coo- conjunta dos municípios para a organi-
peração ou qualquer outro instrumento zação e o exercício pleno das funções de
jurídico, sem prejuízo de que o município planejamento, regulação, fiscalização e
possa receber apoio técnico e financeiro de prestação dos serviços de saneamento
outros entes da Federação para esse fim. básico. Já o consórcio constituído juridi-
A cooperação federativa permite ar- camente como associação civil somente
ranjos de gestão associada e de gestão pode exercer a função de prestação destes
local direta para determinadas etapas e de outros serviços públicos.

294
GESTÃO ASSOCIADA

Além de possibilitar aos municípios a • realização de processos de licitações


associação em âmbito territorial mais coletivas de bens e serviços comuns
amplo, obtendo escalas administrativas aos municípios;
e operacionais mais viáveis e sustentá- • implantação e execução de serviços de
veis para a prestação dos serviços de informática para gestão orçamentária
saneamento básico, a gestão associada e contábil, gestão comercial dos servi-
permite que o consórcio público reali- ços (cadastro, medição, faturamento,
ze diversas atividades administrativas cobrança e arrecadação) etc.;
e técnicas de interesse dos municípios, • aquisição e compartilhamento de
com economia de escala, maior racio- máquinas, veículos e equipamentos.
nalidade e eficiência administrativa e
menores custos para cada município, Gestão associada por
tais como: convênio de cooperação

• apoio técnico qualificado para os pres- A gestão associada por meio de convênio G
tadores locais dos serviços; de cooperação (ver p. 164) é realizada me-
• realização de concursos públicos, capa- diante a associação bilateral entre dois
citação e desenvolvimento de pessoal; entes federados para a execução de quais-
• realização de programas de educação quer atividades de interesse comum.
ambiental; No caso dos serviços de saneamento
• implantação e gestão de programas básico, o município pode delegar a en-
de controle de perdas e de eficiência tidades públicas de outro município ou
energética; do estado, por meio de convênio de coo-
• implantação e gerenciamento de labo- peração, as atividades administrativas e
ratório regional de controle da quali- técnicas de regulação e fiscalização ou a
dade da água para o consumo humano; prestação desses serviços.

Referências bibliográficas

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm.
Acesso em: 31 ago. 2019.
BRASIL. Lei nº 11.445, de 05 de janeiro de 2007. Estabelece as diretrizes nacio-
nais sobre o Saneamento Básico. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/cci-
vil_03/_Ato2007-2010/2007/Lei/L11445compilado.htm. Acesso em: 31 ago. 2019.
BRASIL. Lei nº 11.107, de 06 de abril de 2005. Dispõe sobre normas gerais de contra-
tação de consórcios públicos. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
Ato2004-2006/2005/Lei/L11107.htm. Acesso em: 31 ago. 2019.
BRITTO, A. L. Gestão do saneamento em áreas urbanas no Brasil: as novas perspec-
tivas apontadas pela lei de consórcios intermunicipais. In: ENCONTRO NACIONAL
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anpur.org.br/index.php/anaisenanpur/article/view/1044.
CRUZ, M. C. M. T; SANTANA, I. J.; INOJOSA, R. M.; BATISTA, S. Consórcios inter-

295
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

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MONTENEGRO, M. H. Perspectivas da gestão associada nos serviços públicos
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Para saber mais

BRITTO, A. L. Gestão regionalizada e consórcios públicos: perspectivas para cooperação


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B. S. (coord.). Instrumentos das políticas e da gestão dos serviços públicos de Sanea-
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tivas para as políticas e gestão dos serviços públicos, v. 1). Brasília: MCidades, 2009. p.
131-146. Disponível em: https://web.bndes.gov.br/bib/jspui/bitstream/1408/2161/2/
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MONTENEGRO, M. H. Potencialidade da regionalização da gestão dos serviços públi-
cos de saneamento básico. In: CORDEIRO, B. S. (coord.). Prestação dos serviços pú-
blicos de saneamento básico. Brasília: MCidades, 2009. (Lei Nacional de Saneamen-
to Básico: perspectivas para as políticas e gestão dos serviços públicos, v. 3). p. 147-
162. Disponível em: https://web.bndes.gov.br/bib/jspui/bitstream/1408/2161/2/
Lei%20nacional%20de%20saneamento%20basico_Livro%20I_P_BD.pdf.
PEIXOTO, J. B. (org.). Criação e estruturação de serviços municipais e intermunici-
pais de saneamento básico. Brasília: Funasa; Assemae, 2017.

Autoria deste verbete

João Batista Peixoto. Economista, pós-graduado em Administração Financeira e Con-


tábil pela Fundação Getulio Vargas em São Paulo (FGV-SP). Consultor independente
em gestão de serviços de saneamento básico.

G
GESTÃO COMPARTILHADA OU CONSORCIADA
DE RESÍDUOS SÓLIDOS

Os consórcios têm sido vistos como uma cípios que buscam alternativas de local
alternativa no campo da gestão de resí- para a disposição final como para o ga-
duos sólidos (RS), tanto para os muni- nho de escala.

296
GESTÃO COMPARTILHADA OU CONSORCIADA DE RESÍDUOS SÓLIDOS

A constituição dos consórcios entre os O consórcio público é regido pela Lei


municípios possibilita a racionalização 11.107/2005 e apresenta como definição
no uso de recursos financeiros, um me- “pessoa jurídica formada exclusivamente
lhor tratamento dos resíduos, o aumento por entes da Federação, para estabelecer
da capacidade de cooperação técnica e a relações de cooperação federativa, inclusive
regulação de políticas públicas regionali- a realização de objetos de interesse comum,
zadas, bem como a minimização dos im- constituída como associação pública, com
pactos ambientais. Permite atender a um personalidade jurídica de direito privado sem
maior número de municípios, com maior fins econômicos.” Pode atuar em diferentes
potencial de sustentabilidade na gestão áreas temáticas, como saúde, transporte,
dos RS para todos. infraestrutura, turismo, saneamento ilu-
No Brasil a predominância de municí- minação e resíduos sólidos.
pios de pequeno porte, com população até Os consórcios atuantes nas áreas de
50.000 habitantes, é de 89%1. Essas mu- resíduos podem desenvolver diversas
nicipalidades têm apresentado estrutura atividades, como: elaboração de Planos G
fragilizada frente aos modelos tradicio- de Gerenciamento Integrado de Resíduos
nalmente adotados, associada à ausência Sólidos (ver p. 463), serviços de coleta
de desenvolvimento institucional e de convencional e/ou coleta seletiva (ver p.
sustentabilidade financeira dos sistemas 551), implantação de unidades de trata-
implantados, e à incapacidade técnica e mento e disposição e operação de ater-
operacional. Embora tenha sido identifi- ro sanitário, entre outras atividades de
cado um aumento da disposição em ater- acordo com os interesses e necessidades
ros sanitários, verifica-se que vazadouros dos entes associados. Para sua constitui-
a céu aberto (lixões) e aterros controlados ção são necessárias as seguintes etapas:
ainda estão presentes em 3.352 (59,1%) elaboração e assinatura do protocolo de
municípios2. intenções; leis autorizativas; aprovação
Os municípios são os beneficiados de do estatuto do consórcio; obtenção de
forma mais direta pelos consórcios, por CNPJ e conta bancária; contrato de ra-
meio da associação para a realização de teio e contrato de programa.
serviços comuns entre si, seja somente A formação dos consórcios é incenti-
entre as prefeituras, ou de forma con- vada pela Política Nacional de Resíduos
junta com a União ou com estados. É um Sólidos (PNRS). Ela prioriza o acesso aos
instrumento que traz um ganho de efici- recursos da União aos municípios que op-
ência na gestão dos RS e na execução das tarem por soluções consorciadas ou com-
políticas públicas. De acordo com o Sis- partilhadas de acordo com a citada Lei dos
tema Nacional de Informações sobre o Consórcios Públicos (Lei 11.107/2005),
Saneamento (SNIS), no Brasil em 2017 recomendando que a regionalização dos
foram identificados 168 consórcios para resíduos seja considerada com um dos
gestão de resíduos sólidos, abrangendo objetivos centrais das políticas públicas
2.073 municípios, os quais declararam municipais. Segundo a Lei, “é dever do
ser integrantes ou possuir lei autoriza- Estado apoiar e priorizar as iniciativas
tiva. Portanto, nem todos encontram-se do município de soluções consorciadas
em fase de operação3. ou compartilhadas entre dois ou mais

297
EIXO 6 - MANEJO DE RESÍDUOS SÓLIDOS

municípios”. Um dos objetivos do Plano ficação de arranjos territoriais entre mu-


de Ação do Ministério do Meio Ambien- nicípios, contíguos ou não, com o objetivo
te, na Agenda Nacional de Qualidade de compartilhar serviços ou atividades de
Ambiental, para o tema resíduos sólidos interesse comum, de modo a maximizar
é o fortalecimento dos consórcios inter- os recursos humanos e financeiros, assim
municipais. O Plano estabelece este ano como a infraestrutura, gerando economia
(2020) como o fim do prazo para imple- de escala. Os estudos devem considerar:
mentação dos consórcios, a qual deverá a proposição de arranjos intermunicipais
ocorrer por meio de articulação entre os por meio de indicação de áreas poten-
atores potenciais e atualização das bases cialmente favoráveis para a destinação
de dados existentes4. ambientalmente adequada de resíduos
Apesar da legislação específica (Lei sólidos e o estabelecimento de critérios
11.107/2005) e do incentivo da PNRS, de agregação de municípios para a identi-
os consórcios intermunicipais para a ficação dos arranjos5.
gestão dos RS ainda não são uma mo- A construção dos arranjos territo-
dalidade muito usual no Brasil, embora riais se inicia com o estabelecimento de
a sua adoção venha se estruturando de critérios técnicos para os estudos. Os
forma mais significativa. Os consórcios critérios recomendados consideram as-
ainda não operam de forma adequada, pectos físicos, ambientais e socioeconô-
de acordo com as diretrizes propostas micos e de gestão dos RS como: a área de
na PNRS, apresentando fragilidades abrangência pretendida para o consórcio
técnicas e operacionais. Predominam os (distância máxima entre municípios);
municípios consorciados apenas para o contiguidade territorial; bacia hidrográ-
compartilhamento da etapa de disposi- fica; condições de acesso (infraestrutura
ção final (ver p. 210). de transporte); similaridade quanto às
características ambientais e sociocul-
Estudos de regionalização turais; existência de fluxos econômicos
entre municípios; arranjos regionais
O estudo preliminar do Ministério do pré-existentes (compartilhamento de
Meio Ambiente (MMA) para constitui- unidades); experiências comuns na ges-
ção de futuros consórcios públicos para tão de resíduos; dificuldades em localizar
gestão de resíduos sólidos, nos moldes da áreas adequadas para manejo em alguns
Lei 11.107/2005, e da Lei 11.445/2007, é municípios; existência de municípios po-
o marco referencial para uma visão inte- lo com liderança regional; existência de
grada à respectiva legislação, ao lado da pequenos municípios que não podem ser
Política Nacional de Resíduos Sólidos. A segregados do arranjo regional; núme-
elaboração dos estudos de regionalização ro de municípios envolvidos; população
consta das diretrizes mínimas estabe- total a ser atendida (rateio de custos); e
lecidas pelo MMA para a elaboração de volume total de resíduos gerados6.
Planos Estaduais de Resíduos Sólidos. A Lei 14.026/2020, que atualiza o
O estudo apresenta-se como uma ferra- marco legal do saneamento, define no
menta de planejamento da conformação seu artigo 8º- A que “é facultativa a ade-
do espaço territorial por meio da identi- são dos titulares dos serviços públicos

298
GESTÃO COMPARTILHADA OU CONSORCIADA DE RESÍDUOS SÓLIDOS

de saneamento de interesse local às es- serviços públicos de saneamento básico os


truturas das formas de prestação regio- consórcios intermunicipais de saneamento
nalizada.” E no seu artigo 17 define que básico terão como objetivo, exclusivamente,
“o serviço regionalizado de saneamento o financiamento das iniciativas de implan-
básico poderá obedecer a plano regional tação de medidas estruturais de, limpeza
de saneamento básico elaborado para o urbana, manejo de resíduos sólidos, vedada
conjunto de municípios atendidos". a formalização de contrato de programa com
sociedade de economia mista ou empresa pú-
Gestão associada: blica, ou a subdelegação do serviço prestado
contrato de programa pela autarquia intermunicipal sem prévio
procedimento licitatório”.
A gestão associada de serviços públicos,
segundo a Lei 11.107/2005, “se refere aos Cenário brasileiro
serviços públicos que possam ser remunera-
dos por taxa ou tarifa, tais como os serviços Segundo a Agenda Nacional de Qualida- G
de saneamento básico. Por exemplo, um con- de Ambiental Urbana: Resíduos sólidos,
sórcio intermunicipal de saúde que tenha por existem no Brasil 217 consórcios atuan-
objetivo prestar os serviços de saúde direta- tes na gestão dos RS. Noventa deles se
mente à população, ainda que sejam servi- localizam na Macrorregião Nordeste,
ços públicos em sentido estrito, não tem por com destaque para o estado do Ceará,
finalidade a gestão associada. Neste caso, com 30. Ainda de acordo com a publica-
conforme as citadas normas, o que ocorre é ção, apenas 12,4% dos consórcios insti-
a “transferência total ou parcial de encargos, tuídos com atuação em resíduos sólidos
serviços, pessoal e bens essenciais à conti- e saneamento básico elaboraram seus
nuidade dos serviços transferidos”, que serão Planos de Gestão Integrada de Resíduos
regidas pelo contrato de consórcio e seus es- Sólidos4 (PGIRS – ver p. 463).
tatutos e cujas despesas serão custeadas me- A gestão compartilhada ou consorcia-
diante contrato de rateio com os entes con- da pode apresentar mais vantagens aos
sorciados". Essa informação é importante, municípios que, além de contemplar todo
porque onde houver gestão associada de o território, considerem em seu planeja-
serviços públicos sempre deverá haver o mento municipal de saneamento a pers-
contrato de programa. pectiva de proporcionar qualidade de vi-
A Lei 14.026/2020 que atualiza o mar- da à população com promoção da saúde e
co legal do saneamento define no seu melhorias ambientais.
artigo 8º que “exercem a titularidade dos

Referências bibliográficas

1 IBGE. Disponível em: https://www.ibge.gov.br. Acesso em: 12 maio 2019.


2 ABRELPE. Panorama dos resíduos sólidos no Brasil 2017. São Paulo: Abrelpe, 2018.
Disponível em: http://abrelpe.org.br/pdfs/panorama/panorama_abrelpe_2017.pdf.
3 SNIS. Diagnóstico do manejo de resíduos sólidos urbanos – série histórica. Dispo-
nível em: http://app4.mdr.gov.br/serieHistorica.

299
EIXO 6 - MANEJO DE RESÍDUOS SÓLIDOS

4 MMA. Agenda Nacional de Qualidade Ambiental Urbana. Programa Nacional


Lixão Zero. Fase 2: Resíduos Sólidos Urbanos. Brasília: MMA, 2019. Disponível
em: https://www.mma.gov.br/images/agenda_ambiental/residuos/programali-
xaozero_saibamais.pdf.
5 MMA. Planos Estaduais de Resíduos Sólidos: orientações gerais. Brasília: MMA,
2011. Disponível em: https://www.mma.gov.br/estruturas/srhu_urbano/_arqui-
vos/pers_orientacoesmma_28_06_11_125.pdf.
6 MMA. Plano Nacional de Resíduos Sólidos. Brasília: MMA, 2012. Disponível em:
https://sinir.gov.br/images/sinir/Arquivos_diversos_do_portal/PNRS_Revisao_
Decreto_280812.pdf.

Para saber mais

MMA. Manual para implantação de sistema de apropriação e recuperação de cus-


tos dos consórcios prioritários de resíduos. Brasília: MMA, 2010. Disponível em:
https://www.mma.gov.br/estruturas/srhu_urbano/_arquivos/2_manual_implan-
tao_sistema_apropriao_rec_custos_cp_rs_125.pdf.
PEIXOTO, J. B. Manual de implantação de consórcios públicos de saneamen-
to. Brasília: Cooperação técnica Funasa/Assemae, 2008. Disponível em: http://
www.funasa.gov.br/documents/20182/38564/Manual+de+Implanta%C3%A7%-
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pdf/742cae7b-da38-4982-8e49-2e2f73eb7102.
BRASIL. Lei nº 11.107, 06 de abril de 2005. Dispõe sobre normas gerais de contrata-
ção de consórcios públicos. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
Ato2004-2006/2005/Lei/L11107.htm.
BRASIL. Lei nº 11.445, 05 de janeiro de 2007. Estabelece diretrizes nacionais para o
saneamento básico. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
2010/2007/lei/l11445.htm.
BRASIL. Lei nº 12.305, de 02 de agosto de 2010. Institui a Política Nacional de
Resíduos Sólidos. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
2010/2010/lei/l12305.htm.
BRASIL. Lei nº 14.026, de 15 de julho de 2020. Atualiza o marco legal do sane-
amento básico. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-
2022/2020/lei/L14026.htm

Autoria deste verbete

Liséte Celina Lange. Professora titular do Departamento de Engenharia Sanitária e


Ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais (Desa/UFMG). Doutora em Tec-
nologia Ambiental pela Universidade de Londres, Inglaterra.

Cynthia Fantoni Alves Ferreira. Engenheira civil, sanitarista e ambiental. Douto-


ra em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos – Universidade Federal de

300
GESTÃO DE ATIVOS

Minas Gerais (UFMG). Pesquisadora pós-doutoral do Departamento de Engenharia


Sanitária e Ambiental da UFMG.

G
GESTÃO DE ATIVOS

A definição contábil de ativo o define co- em 2008, pelo Institute of Asset Manage-
mo conjunto de bens, valores, créditos, ment (IAM) com a colaboração do British
direitos e assemelhados que formam o pa- Standards Institute (BSI).
trimônio de uma pessoa singular ou cole-
tiva e que são avaliados pelos respectivos Versão brasileira G
custos. São considerados neste verbete
apenas os ativos tangíveis, ou seja, os bens A série brasileira NBR ISO 55.000, publi-
materiais que compreendem a estrutura cada no mesmo ano, foi traduzida pela
física de um determinado sistema. Comissão de Estudos Especiais de Gestão
Em seu contexto mais amplo, a gestão de Ativos (CEE-251) da Associação Brasi-
de ativos representa a ação coordenada leira de Normas Técnicas (ABNT) e cor-
de uma organização para obter o má- responde à reprodução idêntica em conte-
ximo benefício do ativo, equilibrando údo técnico, estrutura e redação à norma
os princípios de mínimo custo, máximo internacional ISO 55.000/2014.
desempenho e menor risco. Pode ser apli- A coletânea de normas técnicas NBR
cável às organizações ativo-intensivas, ISO 55.000, 55.001 e 55.002 reflete o
como no setor de saneamento, no qual consenso sobre as boas práticas em ges-
os ativos são um fator-chave (crítico) pa- tão de ativos e estabelece um conjunto
ra alcançar os objetivos estratégicos da de requisitos e diretrizes para implan-
empresa.1 Neste verbete será abordada a tação do sistema de gestão de ativos,
relação do conceito com o saneamento e, concebendo para as organizações o de-
mais especificamente, os Planos Munici- safio de quantificar a sua eficiência em
pais de Saneamento Básico. termos de riscos.
A obtenção de valor através dos ativos Os fundamentos da gestão de ativos
representou um marco e uma mudança estão pautados no valor que o ativo pro-
cultural no planejamento estratégico das porciona para a empresa e no alinhamen-
organizações a partir da publicação mun- to aos objetivos estratégicos da organiza-
dial da série ISO 55.000/2014.2-4 ção, assim como no comprometimento de
As normas ISO 5500X consistem em toda empresa, por meio de sua liderança,
uma visão mais ampla da única referên- para operacionalizar os processos ineren-
cia internacional em gestão de ativos até tes às fases do ciclo de vida do ativo e na
então, conhecida como Publicly Available garantia de que os ativos cumpram com os
Specification (PAS-55), disponibilizada, propósitos requeridos pela organização.

301
EIXO 1 - ASPECTOS ECONÔMICO-FINANCEIROS

A adoção das práticas de gestão de ati- execução de planos de manutenção pre-


vos pode proporcionar às empresas diver- ventiva ou preditiva da infraestrutura
sos benefícios e melhorias nos seguintes existente. A manutenção dos ativos crí-
aspectos: performance financeira, toma- ticos, bem como dos sistemas de água e
da de decisão, gerenciamento de riscos, esgoto, é realizada somente por meio de
sustentabilidade operacional e melhoria manutenções corretivas não programa-
de processos, procedimentos e desempe- das, o que reforça o entendimento de que
nho dos ativos. a maturidade do setor de saneamento em
Assim, a gestão de ativos e o seu respec- gestão de ativos ainda é incipiente.
tivo sistema, quando implantados e inte- No Brasil, o setor elétrico revela-se
grados em uma estrutura de governança mais desenvolvido em relação às práti-
e risco mais ampla de uma organização, cas de gestão de ativos, e foi uma empre-
podem contribuir com o alcance dos re- sa geradora de energia do setor elétrico
sultados esperados de uma empresa. brasileiro que conquistou a primeira
certificação ISO da América Latina
Gestão de ativos, no âmbito do 55.001, no escopo “Operação e manu-
saneamento e da regulação tenção de usinas hidrelétricas e peque-
nas centrais hidrelétricas”, incluindo
Como o setor de saneamento é caracteri- gestão de reservatórios e processos de
zado por empresas ativo-intensivas, ou geração de energia e de suporte.
seja, que dependem de seus ativos para Buscando eliminar a lacuna que o se-
prestar serviços, tornam-se necessários tor de saneamento ainda tem com a in-
investimentos constantes em sua infra- fraestrutura, especialmente com relação
estrutura. Para as empresas que prestam à coleta e tratamento de esgoto, a Lei
serviços em abastecimento de água e es- 11.445/2007 estabeleceu diretrizes na-
gotamento sanitário, esses investimentos cionais para o setor. Elas apresentam
são realizados basicamente na implan- princípios, conceitos e modelos, impondo
tação de novos ativos, na reposição de a necessidade de planejamento e regula-
unidades depreciadas bem como na am- ção dos serviços. Nesse contexto, a Lei
pliação e crescimento vegetativo dos sis- estabeleceu a obrigação da elaboração do
temas. No âmbito da gestão de ativos, há Plano Municipal de Saneamento Básico
de considerar, também, as manutenções e (PMSB – ver p. 450) como instrumento
seus custos para manter os ativos dispo- indispensável de planejamento para a
níveis e operando adequadamente. prestação dos serviços públicos de sanea-
Apesar de ser um fator de importância mento básico, o qual tem objetivos e me-
estratégica para os setores de infraestru- tas, bem como programas e ações, para
tura, as empresas de saneamento ainda alcançar a universalização dos serviços.
apresentam fragilidade no tema e, de um
modo geral, a gestão de ativos limita-se Gestão de ativos e PMSBs
ao controle patrimonial, à elaboração de
inventários e acompanhamento da sua de- Nesse sentido, os prestadores devem rea-
preciação contábil. Além disso, no setor de lizar investimentos em consonância com
saneamento não é comum a elaboração e o PMSB. Porém, na maioria dos casos, o

302
GESTÃO DE ATIVOS

Plano indica a necessidade de se realizar sa análise, o regulador deverá comprovar


um grande volume de investimentos em à agência que realizou os investimentos
infraestrutura, visto que boa parte dos dentro dos princípios da prudência.
sistemas de esgotamento sanitários exis- Com base na especificidade técnica do
tentes no Brasil representa apenas 50% da ativo e das alternativas existentes bem
demanda atual. Dessa forma, as compa- como os seus respectivos custos a agência
nhias de saneamento, além de geralmen- avalia se o investimento foi prudente. Em
te não dispor da quantidade suficiente de caso de avaliação negativa, o prestador
recursos para realizar os investimentos e poderá sofrer algum tipo de penalidade,
manutenções necessárias, têm uma capa- inclusive glosa do valor do respectivo ativo
cidade de investimentos limitada, uma na base de ativos, que, por sua vez, terá im-
vez que não possuem o nível de planeja- pacto negativo na tarifa. Esse instrumento
mento e execução adequado para investir visa coibir prática de investimentos impru-
no ritmo que precisam, mesmo que os re- dentes e ineficazes para a prestação de ser-
cursos estejam disponíveis. viços, sobretudo para a própria empresa. G
Do ponto de vista da regulação, é im- Ademais, outro instrumento regula-
portante que as agências reguladoras (ver tório que se pode implementar, sob o
p. 32) façam, durante o processo de revi- aspecto de mecanismo de incentivo ta-
são tarifária periódica, o balanceamento rifário, é incentivar que as empresas de
entre as necessidades de investimentos saneamento busquem a certificação ISO
indicadas no planejamento municipal de 55.000. O incentivo será aplicado somen-
saneamento com a capacidade de investi- te quando a companhia conquistar a cer-
mentos do prestador antes de validar os tificação por empresa de auditoria espe-
planos de investimentos. Assim, a valida- cializada reconhecida no mercado.
ção e homologação desse plano, bem como O propósito desse mecanismo de incen-
o seu acompanhamento, pelo ente regula- tivo é fazer com que o setor de saneamen-
dor torna-se um importante instrumento to se adeque às melhores práticas de ges-
regulatório. Sua análise visa identificar e tão de ativos, respaldada pelo conjunto
eliminar possíveis distorções ou dese- das normas ISO 55.000, e possibilitar que
quilíbrios de investimentos, tornando o os investimentos então sejam realizados
plano de investimentos balanceado e mais visando atingir os objetivos traçados no
factível com a realidade do prestador e co- plano estratégico da organização. Conco-
erente com a modicidade tarifária (ver mitantemente, esse novo modelo de ges-
Acessibilidade financeira – p. 23). tão pode assegurar aos usuários que os
A análise de prudência é outro instru- investimentos serão planejados e realiza-
mento importante relacionado a investi- dos à luz das melhores práticas, gerando
mentos no âmbito da regulação e alinhado maior eficiência na tomada de decisão e
às práticas de gestão de ativos. De acordo observância da racionalidade econômi-
com contexto regulatório, um investi- ca sem prejuízo à qualidade dos serviços
mento é considerado prudente quando prestados, o que pode favorecer no longo
foi construído ou adquirido pelo mínimo prazo, a modicidade tarifária.
custo e se a escolha técnica foi adequada Por meio dos instrumentos e mecanis-
no momento da tomada de decisão. Nes- mos da gestão de ativos, a regulação bus-

303
EIXO 1 - ASPECTOS ECONÔMICO-FINANCEIROS

ca garantir a sustentabilidade econômi- dos serviços prestados aos usuários no


co-financeira (ver p. 106) e as condições âmbito de investimento, operação e ma-
operacionais adequadas, baseadas nos nutenção dos sistemas.
requisitos de continuidade e qualidade

Referências bibliográficas

1. ALEGRE, H.; COELHO, S. T.; Infrastructure asset management of urban wa-


ter systems. In: OSTFELD, A. (ed.). Water supply system analysis – select-
ed topics. Avi Ostfeld; IntechOpen, 2013. Disponível em: https://www.
i ntec hopen.com / book s/water - supply- s ystem-a n a lysis - selec ted-topics/
infrastructure-asset-management-of-urban-water-systems.
2. ABNT. NBR ISO 55000:2014. Gestão de Ativos – Visão Geral, princípios e termino-
logia. Rio de Janeiro: ABNT, 2014. Disponível em: https://www.abntcatalogo.com.
br/norma.aspx?ID=310017.
3. ABNT. NBR ISO 55001:2014. Gestão de Ativos – Sistemas de Gestão – Requisitos.
Rio de Janeiro: ABNT, 2014. Disponível em: https://www.abntcatalogo.com.br/nor-
ma.aspx?ID=310018.
4. ABNT. ABNT NBR ISO 55002:2014. Gestão de ativos — Sistemas de gestão — Dire-
trizes para a aplicação da ABNT NBR ISO 55001. Rio de Janeiro: ABNT, 2014. Dispo-
nível em: https://www.abntcatalogo.com.br/norma.aspx?ID=310019.

Autoria deste verbete

Gisela P. Zapata. Doutora em Geografia Humana pela Universidade de Newcastle (In-


glaterra). Professora do Departamento de Demografia e pesquisadora do Centro de De-
senvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG).

Márcio Otávio Figueiredo Júnior. Engenheiro civil, mestre em Saneamento, Meio Am-
biente e Recursos Hídricos pela UFMG. Gerente de Ativos Regulatórios na Agência Re-
guladora de Serviços de Abastecimento de Água e de Esgotamento Sanitário do Estado
de Minas Gerais (Arsae-MG).

Vitor Carvalho Queiroz. Engenheiro civil e mestre em saneamento, meio ambiente e
recursos hídricos pela UFMG. Possui experiência, principalmente, com políticas públi-
cas e gestão de saneamento e recursos hídricos.

304
GESTÃO DO RISCO DE INUNDAÇÕES

G
GESTÃO DO RISCO DE INUNDAÇÕES

As inundações podem ser naturais ou se- gum dano – por exemplo, uma determi-
rem agravadas – e até mesmo causadas – nada edificação pode ser mais vulnerável
pela ação humana na bacia hidrográfica. que outra em função do padrão construti-
Estão entre os desastres mais devastado- vo e do tipo de acabamento.
res e onipresentes em todo o mundo. No A gestão do risco de inundação é uma
Brasil, grande parte das municipalidades abordagem relativamente recente, que
sofre anualmente com inundações. As- considera não apenas a redução da pro-
sim, estratégias de ações para seu com- babilidade de ocorrência da inundação –
bate devem ser consideradas nos planos tradicionalmente realizada por meio de G
municipais de Saneamento Básico (PMS- medidas estruturais – mas também a re-
Bs – ver p. 450), envolvendo atuação no dução dos danos associados à ocorrência
planejamento do uso e ocupação do so- de um evento inevitável.
lo e no manejo de águas pluviais1 (ver p. Até poucas décadas atrás, os esforços,
368). Além disso, ações para emergências sobretudo dos gestores públicos, eram
e contingências devem estar contidas nos centrados no combate às inundações ou
PMSBs, conforme a Lei 11.445/2007,2 ar- na redução dos seus danos. Esses esfor-
tigo 19, inciso IV. ços davam-se quase majoritariamente por
Uma inundação (ver p. 334) ocorre meio de intervenções físicas, que ainda
quando o curso d’água ultrapassa os limi- deixavam um risco residual. A percepção
tes do seu leito e atinge áreas adjacentes. de que as estratégias até então adotadas
Caso se trate de local desocupado, ela não não neutralizariam o risco – advinda, so-
acarreta danos. Entretanto, se acontece bretudo, da crescente consciência a respei-
em local ocupado, o dano – ou a conse- to das mudanças climáticas – começou a
quência – varia conforme o tipo de ocu- ocorrer na década de 90. Neste momento
pação. Assim, dois fatores condicionam o passou-se a pensar na gestão do risco de
risco de inundação: o primeiro fator é a inundação dentro de uma lógica de gestão
probabilidade de ocorrência da inunda- de desastres e aceitação do risco.
ção em um determinado local (perigo), A gestão de desastres no Brasil é regi-
associado ao evento climático e à sua lo- da pela Lei 12.608/20123, que instituiu a
calização; e o segundo, as consequências Política Nacional de Proteção e Defesa
associadas à ocorrência desse evento. Civil (PNPDEC) e categoriza as inun-
Estas dependem da exposição e da vul- dações como desastres. A PNPDEC deve
nerabilidade. A exposição quantifica um estar integrada com diversas políticas
receptor, que podem ser pessoas, edifica- setoriais, dentre elas as de ordenamen-
ções, fauna e flora atingidas. Por sua vez, to territorial, desenvolvimento urbano,
a vulnerabilidade descreve o potencial de saúde, meio ambiente, infraestrutura
um determinado receptor de sofrer al- e educação, visando à promoção do de-

305
EIXO 7 - MANEJO DE ÁGUAS PLUVIAIS

senvolvimento sustentável. Ela atribui dade e da exposição, tanto das popula-


responsabilidades à União e aos estados ções como da infraestrutura física;
e municípios. • detalhamento das responsabilidades e
Aos municípios, compete, dentre ou- atribuições de cada órgão em emitir o
tras ações: alerta, realizar a evacuação e resgate de
locais, além dos cuidados relacionados
• executar e coordenar as ações da PNP- com a saúde da população;
DEC em âmbito local, em articulação • levantamento dos recursos do plano,
com a atuação dos estados e União; tais como pessoal, equipamentos e
• incorporar no planejamento municipal suprimentos;
as ações de defesa civil; • organograma com o sistema de co-
• mapear áreas de risco e impedir novas mando, com os contatos dos responsá-
ocupações nesses locais com planeja- veis, além de aspectos gerais do plano,
mento para realocação adequada da po- como os locais que poderão ser utili-
pulação já residente nas áreas; zados para abrigar e alojar as pessoas
• planejar e executar ações no caso da que sofreram danos.
previsão e ocorrência de inundações,
tais como: alerta à população, evacua- Quando ocorrem desastres, a tomada
ção preventiva de áreas e abrigos para de decisão deve ser rápida em resposta
a população. ao evento. Assim, um plano de contin-
gência bem elaborado e atualizado tem
Plano de contingência importância fundamental na proteção
de vidas e do patrimônio.
Os municípios que tenham áreas de risco
em seus territórios devem elaborar Plano Prevenção, preparação e resposta
de Contingência de Proteção e Defesa
Civil.1 Esse documento descreve as ações A gestão do risco de inundações deve
antes da emergência e na fase de mitiga- compreender suas causas e efeitos. As
ção, detalhando os procedimentos de pre- políticas para o tema devem ser elabora-
venção e preparação e as orientações para das em nível municipal e projetar, inves-
o momento de crise. O sucesso na sua efe- tir e implementar medidas que minimi-
tivação depende do estado de prontidão zem seus impactos,4 em conjunto com os
dos envolvidos para agir. municípios que compartilham a mesma
O Plano de Contingência – também bacia hidrográfica ou cursos d’água. Mui-
conhecido como Plano de Emergências tas vezes os investimentos precisam de
– pode ser geral, contemplando todos os apoio dos estados e da União.
tipos de desastres (ver p. 183) ou especí- Tal gestão inicia-se com a prevenção
fico para inundações. Em ambos os casos, do risco, através de medidas não estru-
deve reunir os seguintes elementos: turais. De forma prática, elas consistem
em conhecer e mapear as áreas inundá-
• descrição dos riscos locais e do histórico veis e impedir, ou limitar, seu uso e ocu-
de desastres (ou de inundações); análise pação, além da educação ambiental e da
de riscos, com descrição da vulnerabili- educação para o risco.

306
GESTÃO DO RISCO DE INUNDAÇÕES

O mapeamento das áreas perigosas é A gestão integral do


feito por meio de estudos hidrológicos e risco de inundações
hidráulicos e apoiado sobre a topografia
da bacia hidrográfica. Nele são delimi- A chamada gestão integral do risco de
tadas as áreas inundáveis para vários inundações4 inclui, além das medidas não
períodos de retorno, assim como as pro- estruturais descritas previamente, medi-
fundidades de submersão e velocidades das estruturais, obras que promoverão a
de escoamento. Essas áreas são também redução do risco desses desastres ou dos
chamadas de manchas de inundação. É danos causados. As medidas que promo-
importante que esse tipo de mapeamento vem redução do risco são obras de drena-
seja periodicamente atualizado em fun- gem em geral – tais como canalizações –,
ção de modificações no uso e na ocupação que muitas vezes reduzem o risco local,
do solo e com base na aquisição de dados mas aumentam o risco a jusante; e técni-
hidrológicos mais atuais. cas de tratamento de fundo de vale (ver
Após a fase de prevenção, vem a de pre- sistemas de drenagem – p. 650) ou de con- G
paração para o risco, que consiste em trole de escoamento – as chamadas técni-
medidas que irão prever os efeitos e da- cas compensatórias (ver p. 695).
nos ocasionados pela inundação. Podem Outras medidas estruturais consti-
ser implantados sistemas de monitora- tuem-se em proteção das áreas inun-
mento, previsão e alerta de cheias, que dáveis para que a subida das águas não
permitirão reduzir o risco na medida em atinja áreas vulneráveis. São exemplos
que áreas inundáveis poderão ser evacua- a construção de diques e a proteção das
das, por exemplo. edificações com barreiras.
O sistema de previsão de cheias é A gestão do risco de inundações deve
composto por pontos de monitoramento usar uma abordagem sistêmica e mul-
hidrológico e, a partir dos dados monito- tidisciplinar, e ser feita a longo termo,
rados, elabora-se um modelo hidrológico com base no diagnóstico da situação atu-
(geralmente com dados de previsão me- al e no planejamento das ações de gestão
teorológica ou baseado no nível d’água) a longo prazo.
para realizar previsão de eventos hidroló-
gicos críticos – com antecedência de dias Danos
ou horas – em função das características
físicas da bacia hidrográfica. Outra estratégia para a gestão do risco é
Em seguida, vem a fase de resposta ao conhecer os danos associados às inunda-
evento (descrita no Plano de Contingên- ções. Danos são definidos como todo efeito
cia), que consiste em ações de socorro e prejudicial a pessoas, bens, infraestrutura
assistência à população afetada, além de e meio ambiente. Podem ser classificados
quantificação dos danos, a serem restau- como danos tangíveis ou intangíveis. Os
rados na fase de reconstrução.5 danos tangíveis são aqueles que têm va-
loração monetária mais simples, tais como
danos à infraestrutura ou às proprieda-
des, e os intangíveis são aqueles que não
se consegue valorar facilmente, tais como

307
EIXO 7 - MANEJO DE ÁGUAS PLUVIAIS

os danos à saúde pelo contato com a água, De qualquer maneira, inundações de-
ou danos ao meio ambiente. Além dessa vem ser tratadas como desastres que tra-
definição, os danos podem ser definidos zem graves efeitos para toda a sociedade.
como diretos, aqueles causados pelo con- Entretanto, no que diz respeito à habita-
tato direto com a água da inundação, ou ção, elas normalmente atingem as par-
indiretos, aqueles oriundos da inundação, celas mais desfavorecidas da população,
de forma indireta, tais como prejuízos aos que vivem em áreas de risco.6
sistemas produtivos locais.6 A gestão municipal de desastres deve
Com relação à escala municipal, permitir o desenvolvimento regional
as inundações urbanas e rurais são da maneira mais sustentável possível, le-
bastante distintas. As rurais podem atin- vando em consideração as especificidades
gir extensas áreas e a população que vive locais, mas também as etapas de geren-
nelas. As urbanas são geralmente mais ciamento do risco, que são prevenção e
difíceis de gerenciar e são mais danosas mitigação, preparação, resposta e recu-
devido à densidade populacional e de peração. Um município que tem uma boa
equipamentos nessas áreas. Além disso, gestão de riscos é considerado resiliente,
nas áreas costeiras a inundação pode ser ou seja, resiste, absorve, acomoda e se re-
afetada pelas marés. cupera de um desastre.

Referências bibliográficas

1. MS; FUNASA. Termo de referência para elaboração de plano municipal de sane-


amento básico. Brasília: Funasa, 2018. Disponível em: http://www.funasa.gov.br/
termo-de-referencia-tr-para-pmsb.
2. BRASIL. Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007. Estabelece diretrizes nacionais
para o saneamento básico. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
ato2007-2010/2007/lei/l11445.htm
3. BRASIL. Lei nº 12.608, de 10 de abril de 2012. Institui a Política Nacional de
Proteção e Defesa Civil – PNPDEC. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/cci-
vil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12608.htm. Acesso em: 14 jan. 2019.
4. JHA, A. K; Bloch, R.; LAMOND, J. Cities and flooding: a guide to integrated urban
flood risk management for the 21st century. Washington: WB; GFDRR, 2012. Dispo-
nível em: http://hdl.handle.net/10986/2241.
5. MIGUEZ, M. G.; VÉROL, A. P.; REZENDE, O. M. Drenagem urbana: do projeto tra-
dicional à sustentabilidade. 1. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2016.
6. MIGUEZ, M. G.; VÉROL, A. P.; DI GREGÓRIO, L. T. Gestão de riscos e desastres
hidrológicos. 1. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2018.

Para saber mais

MDR. Diagnóstico de drenagem e manejo de Águas Pluviais – 2018. Brasília: SNIS,


2019. Disponível em: http://www.snis.gov.br/diagnostico-anual-aguas-pluviais/
diagnostico-do-servico-de-aguas-pluviais-2018.

308
GESTÃO DO SERVIÇOS DE SANEAMENTO BÁSICO

MIN. Módulo de formação: elaboração de plano de contingência: livro base. Brasília:


MIN, 2017. Disponível em: https://www.mdr.gov.br/images/stories/ArquivosDefe-
saCivil/ArquivosPDF/publicacoes/II---Plano-de-Contingencia---Livro-Base.pdf.
CEMADEN. Página web do Cemaden. Disponível em: http://www.cemaden.gov.br/.

Autoria deste verbete

Priscilla Macedo Moura. Engenheira civil, mestre em Saneamento, Meio Ambiente e


Recursos Hídricos, doutora  pelo  Institut National des Sciences Appliquées de Lyon.
Professora do  Departamento de Engenharia Hidráulica e Recursos Hídricos (EHR),
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Talita Fernanda das Graças Silva. Engenheira civil, mestre em Sistemas Aquáticos e
Gestão da Água pela Ecole des Ponts Paris Tech (França), doutora em Saneamento,
Meio Ambiente e Recursos Hídricos pela UFMG e pela Université Paris-Est (França). G
Professora do EHR/UFMG.

Marco Túlio da Silva Faria. Tecnólogo em Gestão Ambiental, engenheiro ambiental e


sanitarista, mestre e doutorando em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos
pela UFMG.

G
GESTÃO DOS SERVIÇOS DE SANEAMENTO BÁSICO

Gestão dos serviços de saneamento bási- exclusiva, por meio dos órgãos e entidades
co é tratada na Lei Federal 11.445/2007 integrantes de sua administração direta
como a organização administrativa e o e indireta, e também pode compartilhar
exercício das funções de planejamento, a execução dessas funções com outros
regulação, fiscalização e prestação dos municípios e com o estado, sob o regime
serviços de abastecimento de água, de es- de gestão associada, por meio de consórcio
gotamento sanitário, de limpeza urbana público ou de convênio de cooperação.
e manejo dos resíduos sólidos e de drena-
gem e manejo das águas pluviais, a que se Planejamento
deve incorporar a avaliação sistemática
dos serviços e o controle social como ins- O planejamento é função indispensável
trumentos e mecanismos de gestão. para a implantação e a adequada gestão,
As funções relativas à gestão dos ser- bem como para o desenvolvimento e a
viços são de competência originária do sustentabilidade de qualquer empreen-
município, que pode realizá-las de forma dimento. O desenvolvimento da cultura

309
EIXO 8 - GESTÃO DO SANEAMENTO

do planejamento e o investimento em jurídico-institucionais, administrativos,


recursos estruturais e funcionais para a econômicos, técnicos e sociais da organi-
execução dessa função são condições ne- zação e da gestão dos serviços de sanea-
cessárias para a boa gestão dos serviços mento básico, o que tem se refletido nas
de saneamento básico (ver p. 309). dificuldades enfrentadas pelos entes fede-
Além das atividades executivas pontu- rativos – particularmente os municípios –
ais de elaboração e revisão formal do pla- para a elaboração e a implementação dos
no municipal ou dos planos individuais respectivos planos de saneamento básico.
dos serviços de saneamento básico, a fun-
ção de planejamento inclui as atividades Regulação e fiscalização
continuadas de: monitoramento e avalia-
ção sistemática da execução dos progra- Nenhuma função ou atividade pública
mas, projetos e ações do plano municipal; pode ser exercida sem a devida previ-
elaboração, monitoramento, avaliação são legal e a necessária regulamentação
e revisão contínua dos planos diretores normativo-executiva. Neste sentido, a
estruturais e operacionais dos serviços; regulação da Política Municipal de Sanea-
elaboração, avaliação e revisão contínua mento Básico (ver p. 482), especialmente
dos planos de gestão administrativa e da organização jurídico-institucional e
econômico-financeira da prestação dos administrativa e das funções de gestão
serviços; avaliação sistemática e atuali- dos serviços de saneamento básico, é atri-
zação da organização jurídico-institucio- buição constitucional privativa do Poder
nal e administrativa e dos instrumentos Legislativo (edição de leis) e do Poder
de regulação da gestão dos serviços; re- Executivo municipal (edição de decretos
alização de pesquisas e estudos de de- e outros atos jurídico-administrativos)
senvolvimento gerenciais e tecnológicos; (ver Organização administrativa, p. 415).
desenvolvimento, manutenção e monito-
ramento de sistemas de informação e de Prestação dos serviços
comunicação social; etc.
De modo geral, a função de planeja- A prestação dos serviços é a função com
mento do saneamento básico nos municí- maior peso e complexidade administra-
pios, quando existente, tem se concentra- tiva da gestão dos serviços, pois requer
do tradicionalmente nos aspectos técni- grande estrutura funcional e operacional
cos estruturais e operacionais, tais como: e diversificada capacidade técnica.
planos diretores dos sistemas de abaste- No regime de prestação direta, a pres-
cimento de água, de esgotamento sanitá- tação dos serviços pode ser organizada e
rio e de manejo de águas pluviais; plane- exercida por meio de órgãos da adminis-
jamento de soluções tecnológicas (rotas tração direta (secretaria, departamento,
tecnológicas); e logística operacional do gerência etc.) ou de entidades da admi-
manejo de resíduos sólidos urbanos. nistração indireta (autarquia, empresa
Em todos os níveis de governo nota-se pública ou de capital misto), legalmente
a falta de maior dedicação e envolvimento instituídos para esse fim (ver p. 415).
de recursos (humanos e financeiros) com No regime de gestão associada, o muni-
o planejamento integrado dos aspectos cípio pode delegar a prestação dos serviços

310
GESTÃO DO SERVIÇOS DE SANEAMENTO BÁSICO

a consórcio público do qual participe; ou a Controle social


órgão ou entidade pública de outro ente fe-
derado, por meio de contrato de programa Embora não caracterize função adminis-
autorizado por contrato de consórcio públi- trativa, a participação da sociedade na
co ou por convênio de cooperação entre en- formulação da política e do plano muni-
tes federados, conforme a Lei 11.107/2005. cipal de saneamento básico e o controle
No regime de concessão ou permissão, social da gestão dos serviços são meca-
mediante autorização legislativa do poder nismos e instrumentos essenciais para
público titular, a prestação dos serviços po- a validação da política pública e para o
de ser delegada integral ou parcialmente a alcance dos seus objetivos sociais.
qualquer entidade privada ou estatal, por A participação social na formulação da
meio de contrato precedido de licitação na política de saneamento básico e no pla-
modalidade de concorrência pública, con- nejamento e avaliação dos serviços pode
forme a Lei Federal 8.987/1995 (conces- ser amplamente estimulada e promovida
são comum) ou a Lei Federal 11.079/2004 mediante a realização de debates, audiên- G
(concessão administrativa ou patrocina- cias, consultas públicas e conferências. O
da – parceria público-privada). controle social da gestão dos serviços po-
Em determinadas situações, a pres- de ser exercido mediante a participação e
tação dos serviços ou de suas ativida- representação dos segmentos sociais nos
des pode ser delegada a cooperativas órgãos colegiados consultivos e delibera-
ou associações de usuários, conforme tivos sobre as políticas públicas de sane-
determinar a legislação, mediante ato amento, de saúde, de habitação, de meio
de autorização do Executivo municipal, ambiente e de desenvolvimento urbano,
quando se tratar de núcleo habitacional inclusive no seu planejamento e avalia-
isolado e localidade de pequeno porte, ção; e/ou representação em organismos
urbana ou aglomeração rural. de regulação e fiscalização.
No caso específico das atividades de co- A boa gestão, mediante a adequada or-
leta seletiva, processamento e destinação ganização e estruturação e o exercício
adequada de materiais recicláveis, a sua qualificado e eficiente das funções de pla-
prestação pode ser contratada com associa- nejamento, de regulação e fiscalização e de
ção ou cooperativa formada exclusivamen- prestação dos serviços, com atuante parti-
te por pessoas físicas de baixa renda reco- cipação e controle social, é condição neces-
nhecidas pelo poder público como catado- sária para a viabilidade e sustentabilidade
res de materiais recicláveis, conforme a Lei técnica, econômico-financeira, ambiental e
Federal 8.666/1993 (art. 24, inciso XXVII). social dos serviços de saneamento básico.

Referências bibliográficas

BRASIL. Lei nº 11.445, de 05 de janeiro de 2007. Estabelece diretrizes nacionais


para o saneamento básico. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
ato2007-2010/2007/lei/l11445.htm. Acesso em: 31 ago. 2019.
BRASIL. Lei nº 11.107, de 06 de abril de 2005. Dispõe sobre normas gerais de contra-

311
EIXO 8 - GESTÃO DO SANEAMENTO

tação de consórcios públicos. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_


Ato2004-2006/2005/Lei/L11107.htm. Acesso em: 31 ago. 2019.
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amento Básico. Brasília: M Cidades, 2009. (Coletânea Lei Nacional de Saneamento
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nível em: https://www.mdr.gov.br/images/stories/ArquivosSNSA/Arquivos_PDF/
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MCIDADES. Prestação dos serviços públicos de Saneamento Básico. Brasília: MCidades,
2009. (Coletânea Lei Nacional de Saneamento Básico: perspectivas para as políticas e
gestão dos serviços públicos, livro 2). Disponível em: https://www.mdr.gov.br/images/
stories/ArquivosSNSA/Arquivos_PDF/Coletanea_Lei11445_Livro2_Final.pdf.
PEIXOTO, J. B. (org.). Criação e estruturação de serviços municipais e intermunici-
pais de saneamento básico. Brasília: Funasa/Assemae, 2017.

Para saber mais

HELLER, L.; CASTRO, J. E. (org.). Política pública e gestão de serviços de saneamen-


to. Belo Horizonte: Editora UFMG; Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2013.
FUNASA. Gestão econômico-financeira no setor de saneamento. 2 ed. Brasília: Fu-
nasa, 2014.
CONSTANTINO, G. L. P. Regulação de serviços públicos: conceitos e evolução históri-
ca. Conteúdo Jurídico, 20 ago. 2014. Disponível em: https://conteudojuridico.com.
br/consulta/Artigos/40567/regulacao-de-servicos-publicos-conceitos-e-evolucao-
-historica. Acesso em: 9 jan.2020.

Autoria deste verbete

João Batista Peixoto. Consultor independente em gestão de serviços de saneamento


básico. Economista. Pós-graduado em Administração Financeira e Contábil pela Fun-
dação Getulio Vargas de São Paulo (FGV-SP).

312
I

IMPACTO DO LANÇAMENTO DE ESGOTO


SANITÁRIO EM CORPOS D’ÁGUA

I
Em 2018, de acordo com dados do Siste- físico-químicas e biológicas decorrentes
ma Nacional de Informações em Sanea- de poluentes, como: matéria orgânica,
mento (SNIS), 53,7% do esgoto sanitário nutrientes e microrganismos patogênicos,
(mais de metade) gerado pela população que são microrganismos causadores de
brasileira era disposto sem nenhum tra- doenças. Essas alterações na natureza do
tamento em corpos d’água.1 Existe um corpo d’água podem acarretar prejuízos
problema grave de limitações do moni- aos usos da água que dele são feitos. Para
toramento ambiental das coleções hí- retornar ao seu estado de equilíbrio, após
dricas no Brasil, diante dos inúmeros o lançamento de matéria orgânica presente
corpos hídricos que um país continen- no esgoto sanitário, há uma série de etapas
tal possui. Vários estão com suas águas que se sucedem – fenômeno conhecido co-
comprometidas e mesmo assim sendo mo autodepuração do corpo d’água.
consumidas pelas populações do campo, Lagos e represas são mais impactados
das florestas e das águas (ver p. 499), e pelo lançamento de esgoto sanitário sem
das cidades. Diante da crise hídrica que tratamento, pois sua capacidade de auto-
o Brasil enfrenta, fruto tanto da omissão depuração é geralmente mais lenta pelo
de políticas públicas quanto da crescen- menor teor de oxigênio dissolvido. Nes-
te escassez hídrica, faz-se fundamental ses corpos d’água é mais comum ocorrer
reduzir o déficit do acesso a soluções de o fenômeno da eutrofização, que pode
esgotamento sanitário. acontecer devido ao excessivo aporte de
O lançamento de esgoto sem tratamen- nutrientes pelo esgoto. O esgoto contém
to, também chamado esgoto bruto ou in microrganismos patogênicos – princi-
natura, em corpos d’água (rios, riachos, la- palmente, bactérias, vírus, protozoários
gos, lagoas, represas, açudes, mares) pode e ovos de helmintos – que afetam a saú-
resultar em impactos ao equilíbrio do meio de da população que entra em contato
ambiente aquático por meio de alterações com a água contaminada.
EIXO 5 - ESGOTAMENTO SANITÁRIO

Relação direta a redução do teor de oxigênio dissolvi-


do, devido ao processo de decomposição
O impacto do lançamento de esgoto sani- da matéria orgânica presente no esgoto.
tário em corpos d’água relaciona-se dire- A concentração de oxigênio dissolvido na
tamente com as condições de saneamento água é baixa, não ultrapassando 9 mili-
de um município. Um alto índice de aten- gramas por litro (mg/l), enquanto no ar
dimento por adequadas soluções de esgota- esse valor é de aproximadamente 270
mento sanitário coletivas (ver p. 664) ou in- mg/l. Dessa forma, a entrada de uma fon-
dividuais (ver p. 673) é de extrema impor- te de poluição na água, que eleva o consu-
tância para evitar a poluição (ver p. 488) mo de oxigênio dissolvido, traz impactos
dos corpos d’água, que podem ser utiliza- a toda a comunidade aquática. Em um
dos também como mananciais de captação corpo d’água com concentrações de OD
para o abastecimento de água (ver p. 645). igual a 2 mg/l, não haverá vida aquática;
Caso o corpo d’água seja um manancial e com OD igual a 0 mg/l têm-se condições
de captação e esteja recebendo o despejo de anaerobiose (ausência de oxigênio),
de esgoto, o tratamento da água será afe- com possível geração de maus odores.
tado, uma vez que será necessário maior A dimensão do impacto da poluição
esforço financeiro e técnico para torná-la depende da carga poluidora e da capaci-
apropriada para o consumo humano, po- dade de autodepuração do corpo d’água.
dendo até mesmo inviabilizar seu uso. Esse é um fator determinante para es-
Além da poluição hídrica, o lançamen- tabelecer a qualidade permitida para o
to de esgoto sanitário gera alterações nos efluente a ser lançado no corpo d’água,
solos (com a ocorrência de erosões e asso- incluindo o nível de tratamento necessá-
reamentos); o desprendimento de gases rio e a eficiência a ser atingida na remo-
e odores; impactos ao meio biótico, com ção de matéria orgânica.
o desaparecimento de espécies, morte e Em um corpo d’água, a autodepuração
deslocamento da fauna; a proliferação de relaciona-se à quantidade de oxigênio dis-
vetores; alterações na biodiversidade e na solvido e à sua capacidade de restabelecer o
cadeia alimentar. Em termos socioeconô- equilíbrio no meio aquático, reduzindo os
micos e das condições de vida da popula- impactos da poluição, por meio da decom-
ção, a poluição hídrica acarreta prejuízos posição da matéria orgânica realizada por
aos usos da água, desvalorização de áreas, processos naturais, físicos e bioquímicos.
impactos sobre a saúde e a qualidade de Como a autodepuração é um processo
vida da população, redução do poten- que ocorre ao longo do tempo e da exten-
cial pesqueiro e turístico, gerando pre- são do corpo d’água, pode-se determinar
juízos para as famílias, comunidades quatro zonas após o lançamento de esgoto:
e os municípios.
• zona de degradação: aquela em que o
Poluição por matéria orgânica e esgoto sanitário é lançado e há alta con-
capacidade de autodepuração centração de matéria orgânica;
• zona de decomposição ativa: o oxigênio
A principal consequência da poluição das atinge a sua menor concentração, cor-
águas pelo lançamento de esgoto bruto é respondendo ao pior estado;

314
IMPACTO DO LANÇAMENTO DE ESGOTO SANITÁRIO EM CORPOS D'ÁGUA

• zona de recuperação: a água está mais Os gestores devem sempre recorrer a esse
clara e a matéria orgânica se encontra conhecimento para definir o uso e a ocupa-
em grande parte estabilizada e; ção do solo (ver p. 761) em uma bacia hidro-
• zona de águas limpas: a água apresenta- gráfica e para fiscalizar o lançamento de es-
-se novamente limpa e com aparência si- goto, estações de tratamento e indústrias.
milar à anterior à ocorrência da poluição.
Eutrofização
Parâmetros
A eutrofização consiste no crescimen-
As condições de mistura do esgoto com o to excessivo de plantas aquáticas nos
corpo d’água no ponto de lançamento do corpos d’água, podendo prejudicar os
despejo são importantes na avaliação do usos desejáveis da água. O principal fator
impacto subsequente sobre a qualidade causador desse fenômeno é a presença de
da água. Ademais, a capacidade de dilui- nutrientes (principalmente nitrogênio e
ção exerce grande influência na habilida- fósforo) que provêm de ações relaciona-
de do corpo receptor em assimilar a carga das ao uso e à ocupação do solo na bacia
poluidora do despejo. Um curso d’água hidrográfica. Os nutrientes podem ser I
com pequena capacidade de diluição so- advindos de ocupação por matas e flores-
frerá de forma mais expressiva os efei- tas, por agricultura ou por cidades, dis-
tos da poluição, ao passo que um corpo tritos e aglomerações (ocupação urbana e
d’água de grande vazão, ao receber uma rural), sendo observado um aumento no
pequena carga poluidora, poderá não so- nível do processo de eutrofização com as
frer impactos tão significativos. alterações do uso e ocupação do solo.
Só se deve considerar uma água depu- A poluição por esgoto sanitário está re-
rada, ou seja, limpa, quando suas caracte- lacionada à ocupação urbana e rural e con-
rísticas são compatíveis com a utilização tribui com excessivo aporte de nitrogênio
prevista para cada trecho do corpo d’água, e fósforo advindo de urina, fezes, restos de
de acordo com a classificação das águas alimentos e outros subprodutos de ativi-
estabelecida no seu enquadramento. Uma dades humanas. Ademais, nessas áreas, a
água pode ser considerada depurada se for drenagem pluvial urbana contribui com
destinada à navegação e à harmonia pai- uma carga adicional de nutrientes.
sagística, por exemplo, mesmo que apre- A eutrofização ocorre, principalmente,
sente microrganismos patogênicos. Entre- nos lagos e represas. Em rios também
tanto, se estiver prevista a utilização dessa pode acontecer esse fenômeno, mas geral-
água para consumo humano, ela não po- mente as condições são desfavoráveis ao
derá ser considerada depurada, e precisará crescimento de plantas e algas, como tur-
passar por tratamento. A importância de bidez e velocidades elevadas, por exem-
se compreender o processo da autodepura- plo.2 Esse problema pode tornar inviável
ção, portanto, está intimamente relacio- o uso recreacional (por deixar a água com
nada à manutenção da qualidade desejada aparência ruim), reduzir a navegação e
da água em função dos seus usos previstos a capacidade de transporte, e também a
(ver Enquadramento de corpos d’água e pa- atração turística; causar eventuais maus
drão de lançamento – p. 243). odores, mortandade de peixes, florações

315
EIXO 5 - ESGOTAMENTO SANITÁRIO

e proliferação de plantas, algas e insetos, a transmissão por contato com a pele


ou problemas de toxicidade; e desvalori- é responsável pela esquistossomose,
zar áreas próximas. Ademais, a eutrofi- mais conhecida como “xistose” ou bar-
zação acarreta maior dificuldade e uma riga d’água. Ela afeta o fígado e é si-
elevação nos custos de tratamento de lenciosa, podendo apresentar sintomas
água, podendo até mesmo inviabilizar o quando já em fase avançada. Um dos
uso da água do lago ou da represa para o graves problemas de saúde pública no
abastecimento humano. Brasil, a esquistossomose pode ser con-
Essas consequências podem ser evita- traída quando se entra em um corpo
das se o esgoto passar por tratamento d’água, por exemplo, para lavar roupas
para remoção de poluentes e nutrien- ou vasilhas. Entre as doenças em que a
tes antes de ser despejado nos corpos água é veículo indireto estão a malária,
d’água.3 Nesse caso, conhecer as caracte- a febre amarela, a dengue, zika e chikun-
rísticas dos corpos d’água e do efluente gunya transmitidas por mosquitos que
a ser despejado é de muita importância. põem ovos na água.
O controle do uso e da ocupação do solo A maioria dos agentes transmissores
na bacia hidrográfica e a manutenção das de doenças encontra no trato intestinal
áreas de preservação permanente (APPs) humano as condições ideais para crescer
também precisam ser observados. e se reproduzir. Quando o esgoto é lan-
çado sem tratamento nos corpos d’água,
Organismos patogênicos esses microrganismos vão procurar hos-
pedeiros para não morrer, porque na água
O lançamento de esgoto bruto contribui as condições são adversas e eles tendem
com um grande aporte de microrganis- a decrescer em número, caracterizando o
mos transmissores de doenças, também assim chamado decaimento bacteriano.5
chamados de microrganismos patogê- No ponto de lançamento do esgoto, ocor-
nicos, causando restrições aos usos da re a concentração máxima desses micror-
água.4 A presença de bactérias, protozo- ganismos e ao longo do corpo d’água essa
ários, ovos de helmintos, vermes e/ou concentração diminui.
vírus traz consequências para a saúde da A contaminação das águas por micror-
população, que corre risco de contami- ganismos patogênicos traz consequên-
nação, mostrando a necessidade de co- cias indesejáveis à saúde pública, como
nhecer como esses microrganismos com- maior incidência de doenças, aumento
portam-se nos corpos d’água. da mortalidade infantil, queda na pro-
As doenças relacionadas ao uso da água dutividade e redução da expectativa de
contaminada podem ser ocasionadas pe- vida. Aumenta os custos hospitalares e
lo contato direto (ingestão ou contato impacta economicamente os municípios
com a pele) ou através de contato indi- e a qualidade de vida da população.
reto (limpeza de alimentos ou irrigação As águas do Brasil devem ser prote-
de hortaliças). As principais doenças de gidas, com o adequado monitoramento
veiculação hídrica por via oral são: fe- ambiental, controle e fiscalização pelos
bre tifoide e paratifoide, cólera, diarreia, órgãos ambientais. Os padrões de lan-
disenteria, hepatite e poliomielite.4 Já çamento de efluentes e de qualidade dos

316
IMPACTO DO LANÇAMENTO DE ESGOTO SANITÁRIO EM CORPOS D'ÁGUA

corpos d’água vigentes no estado devem do lançamento de efluentes nos corpos


ser rigidamente seguidos para minimi- d’água. Assim, cabe ao gestor municipal
zar os impactos na qualidade de vida hu- estabelecer diretrizes para a organização
mana e no ecossistema aquático. e prestação de serviços de saneamento,
É um direito da população municipal bem como fortalecer uma análise crítica
saber sobre a qualidade das águas de seu da população, a partir de programas de
território utilizadas para usos múltiplos. educação continuada com informações
É papel do poder público municipal rea- que apresentem os benefícios de proteger
lizar o planejamento dos serviços de sa- o corpo d’água em prol da saúde pública e
neamento visando reduzir os impactos do meio ambiente.6

Referências bibliográficas

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ços de água e esgotos – 2018. Brasília: MDR, 2019. Disponível em: http://www.snis.
gov.br/downloads/diagnosticos/ae/2018/Diagnostico_AE2018.pdf. I
2. VON SPERLING, M. Introdução à qualidade das águas e ao tratamento de esgo-
tos. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014. (Coleção Princípios do tratamento bioló-
gico de águas residuárias, v. 1).
3. MOTA, S.; VON SPERLING, M. Introdução. In: MOTA, S.; VON SPERLING, M. Nu-
trientes de esgoto sanitário: utilização e remoção. Rio de Janeiro: Abes, 2009.
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HELLER, L.; PÁDUA, V. L. de. (coord.). Abastecimento de água para consumo hu-
mano. v. 1. 3. ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2016. cap. 4, p. 151-212.
5. JORDÃO, E. P.; PESSOA, C. A. Tratamento de esgotos domésticos. 7. ed. Rio de
Janeiro: Abes, 2014.
6. MCIDADES. Qualificação de gestores públicos em saneamento. Guia do profissio-
nal em treinamento: nível 3. Transversal. Brasília: MCidades, 2008.

Para saber mais

BRASIL. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do


Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6938.htm.
BRASIL. Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997. Institui a Política Nacional de Recursos
Hídricos, cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Disponí-
vel em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9433.htm.
CONAMA. Resolução nº 357, de 17 de março de 2005. Dispõe sobre a classificação
dos corpos de água e diretrizes ambientais para o seu enquadramento, bem como
estabelece as condições e padrões de lançamento de efluentes. Disponível em: http://
www2.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=459.

317
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

FUNASA. Manual de saneamento. 4. ed. Brasília: Funasa, 2015. Disponível em:


http://www.funasa.gov.br/documents/20182/38564/Mnl_Saneamento.pdf/
ae1d4eb7-afe8-4e70-ae9a-0d2ae24b59ea.

Autoria deste verbete

Fernanda Deister Moreira. Engenheira sanitarista e ambiental pela Universidade Fe-


deral de Juiz de Fora (UFJF). Mestranda em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos
Hídricos na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Lívia Cristina da Silva Lobato. Engenheira civil e doutora em Saneamento, Meio Am-
biente e Recursos Hídricos pela UFMG.

Izabel Cristina Chiodi de Freitas. Especialista em Saúde Pública pela Fundação Oswal-
do Cruz (Fiocruz), engenheira civil pela UFMG.

Fabiana Lopes Del Rei Passos. Doutora em Engenharia Ambiental pela Universitat Po-
litècnica de Catalunya (UPC), Espanha. Professora adjunta do Departamento de Enge-
nharia Sanitária e Ambiental da UFMG.

I
INDICADORES APLICADOS AOS SERVIÇOS
DE MANEJO DE RESÍDUOS SÓLIDOS

Uma importante ferramenta para auxi- indicadores, como indicadores de segu-


liar os municípios no entendimento dos rança (por exemplo, exames periódicos
serviços prestados para o planejamento de saúde), indicadores de velocidade
e a gestão dos resíduos sólidos visan- (exemplo: carros), indicadores ambien-
do a ampliação do acesso e melhoria tais (ex.: plantas, animais que podem in-
na sua qualidade e monitoramento são dicar a qualidade do ar, solo, águas). Os
os indicadores aplicados aos serviços de indicadores podem ajudar a converter
manejo de resíduos sólidos, que envol- dados relevantes em informações preci-
vem uma logística dependendo do porte sas sobre esforços de desempenho geren-
e complexidade dos territórios. cial, operacional ou de monitoramento.
“Indicar” significa anunciar, divulgar Devem apresentar as informações de
ou fazer sabido publicamente. Um indi- forma compreensível e útil. Para avaliar
cador é algo que conta o que está acon- um sistema necessita-se selecionar um
tecendo ou que está para acontecer 1. número suficiente de indicadores rele-
No dia a dia deparamo-nos com muitos vantes e compreensíveis, refletindo a

318
INDICADORES APLICADOS AOS SERVIÇOS DE MANEJO DE RESÍDUOS SÓLIDOS

natureza e escala das operações que se ca Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS


pretende avaliar. – ver p. 568), instituída pela Lei 12.305,
A Lei 11.445/2007, que estabelece as de 2 de agosto de 2010, e regulamentada
diretrizes nacionais para o saneamen- pelo Decreto 7.404, de 23 de dezembro
to básico em nosso país, prevê o instru- de 2010. A PNRS está basicamente an-
mento de avaliação de desempenho da corada nesse sistema de informações, e
prestação dos serviços, por meio de “(i) a evolução de sua concepção envolverá o
estabelecimento de padrões de indicadores Sistema Nacional de Informações sobre
de qualidade da prestação de serviços; (ii) Meio Ambiente (Sinima) e o Sistema Na-
metas progressivas de expansão e de quali- cional de Informações Sobre Saneamen-
dade dos serviços e os respectivos prazos; (iii) to (SNIS). Este objetiva coletar e siste-
monitoramento dos custos; (iv) avaliação da matizar dados relativos às condições da
eficiência e eficácia dos serviços prestados; prestação dos serviços públicos de sanea-
e (v) padrões de atendimento ao público e mento básico, disponibilizar estatísticas,
mecanismos de participação e informação”2. indicadores e outras informações rele-
Nesse contexto, a utilização de indicado- vantes para a caracterização da demanda
res de desempenho surge como uma fer- e da oferta de serviços públicos de sane- I
ramenta extremamente importante. amento básico. Também visa permitir e
A Lei 11.445 prevê a elaboração de um facilitar o monitoramento e avaliação da
Plano Municipal de Saneamento Básico eficiência e da eficácia da prestação dos
(PMSB – ver p. 450) para cada municí- serviços de saneamento básico.
pio brasileiro. Um Plano de Gestão Inte-
grada de Resíduos Sólidos (PGIRS – ver Indicadores de
p. 463) poderá compor o PMSB e apre- desempenho ambiental
sentar, além da descrição das atividades
existentes e planejadas para o municí- A Norma Técnica NBR 14.031/2015 de-
pio no que tange ao manejo de resíduos fine indicador de desempenho (ID) como
sólidos, o estabelecimento de metas, uma medida quantitativa de um aspecto
informações e indicadores que buscam particular do desempenho de uma en-
velar pela eficiência e qualidade dos ser- tidade gestora ou do seu nível de servi-
viços prestados. ço. A NBR 14.031 – Gestão Ambiental,
A Lei 14.026/2020 que atualiza o mar- Avaliação de Desempenho Ambiental
co legal do saneamento define no seu – Diretrizes4 relata que as informações
artigo 17 que “o serviço regionalizado de transferidas por meio de indicadores
saneamento básico poderá obedecer a plano para a avaliação de desempenho podem
regional de saneamento básico elaborado pa- ser expressas como medições diretas ou
ra o conjunto de municípios atendidos e o pla- relativas, ou como informações indexa-
no regional de saneamento básico dispensará das. Esses indicadores podem ser agre-
a necessidade de elaboração e publicação de gados ou ponderados de acordo com a
planos municipais de saneamento básico” 3. natureza da informação e o uso preten-
O Sistema Nacional de Informações dido. Alguns exemplos relacionados às
sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos características de dados a serem utiliza-
(Sinir) é um dos Instrumentos da Políti- dos como indicadores:

319
EIXO 6 - MANEJO DE RESÍDUOS SÓLIDOS

• medições diretas ou cálculos: dados ou construção civil; Coleta seletiva; Resídu-


informações básicas, como toneladas os serviços de saúde; Varrição; Capina
de resíduos aterrados; e roçada; Catadores; Outros serviços; e
• medições relativas ou cálculos: dados Unidades de processamento. A seguir,
ou informações comparados ou relacio- são apresentados exemplos de indicado-
nados a outro parâmetro, como tonela- res para cada grupamento5.
das de resíduos da construção civil por
toneladas de resíduos domiciliares; Indicadores sobre despesas
• indexada: dados ou informações des- e trabalhadores
critivas convertidos para unidades ou
uma forma que relacione a informação 1. Taxa de empregados em relação à po-
a um padrão ou base de referência esco- pulação urbana – empregados/1.000
lhido, como porcentagem da cobertura habitantes
de coleta em determinado ano base; 2. Despesa média por empregado alocado
• agregada: dados ou informações descri- nos serviços do manejo de RSU – R$/
tivas do mesmo tipo, mas de diferentes empregados
fontes, coletados e expressos como um 3. Incidência das despesas com o manejo
valor combinado, como toneladas to- de RSU nas despesas correntes da pre-
tais de resíduos perigosos por tonela- feitura – %
das de resíduos sólidos em determina-
do ano base; Indicadores sobre coleta
• ponderada: dados ou informações des- domiciliar e pública
critivas modificados pela aplicação de
um fator relacionado a sua significância. 1. Taxa de cobertura do serviço de coleta
domiciliar direta (porta a porta) da po-
Indicadores de desempenho pulação urbana do município – %
para os serviços públicos 2. Taxa de cobertura do serviço de coleta de
resíduo doméstico orgânico (RDO) em re-
Quando se reflete sobre os indicadores lação à população total do município – %
de desempenho para os serviços públi- 3. Taxa de cobertura do serviço de coleta de
cos, especificamente considerando a RDO em relação à população urbana – %
limpeza pública, considera-se o banco
de dados do SNIS, o qual armazena in- Indicadores sobre coleta
formações de caráter cadastral, ope- seletiva e triagem
racional, financeiro, administrativo e
de qualidade. O SNIS disponibiliza em 1. Taxa de cobertura do serviço de coleta
seu site (www.snis.gov.br) todo o acer- seletiva porta a porta em relação à po-
vo de informações, indicadores, textos, pulação urbana do município – %
gráficos, métodos e glossários dos 16 2. Taxa de recuperação de materiais re-
consecutivos em que está em operação cicláveis (exceto matéria orgânica e
(2002-2018). O SNIS Resíduos Sólidos rejeitos) em relação à quantidade total
(SNIS-RS) contém as seguintes famílias (RDO + RSU) coletada – %
de informações: Gerais; Coleta; Resíduos 3. Massa recuperada per capita de mate-

320
INDICADORES APLICADOS AOS SERVIÇOS DE MANEJO DE RESÍDUOS SÓLIDOS

riais recicláveis (exceto matéria orgâ- 2. Massa de RCC per capita em relação à
nica e rejeitos) em relação à população população urbana – kg/habitante/dia
urbana – kg/habitante/ano
4. Massa per capita de materiais reciclá- Em sua publicação Agenda Nacional de
veis recolhidos via coleta seletiva – kg/ Qualidade Ambiental Urbana: Programa
habitante/ano· Nacional Lixão Zero6, o Ministério do Meio
Ambiente apresenta um agrupamento de
Indicadores sobre coleta de indicadores visando agregar outros con-
resíduos de serviços de saúde juntos de dados para o acompanhamento
do desempenho dos serviços de manejo de
1. Massa de RSS coletada per capita em resíduos. O primeiro, relacionado a indica-
relação à população urbana – kg/1.000 dores para o tema Banco de dados, os quais
habitantes/dia permitem observar a representatividade
2. Taxa de RSS coletada em relação à de municípios participantes do SNIS-RS e
quantidade total coletada – % a população correspondente. Um segundo
grupo de indicadores, referentes aos Pla-
Indicadores sobre serviços de nos de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos I
varrição, capina e roçada (PGIRS), que permite observar a aderên-
cia dos municípios quanto ao cumpri-
1. Taxa de terceirização dos varredores – % mento da PNRS e representa os esforços
2. Taxa de terceirização da extensão var- destes para solucionar os problemas exis-
rida – % tentes sob sua competência de atuação.
3. Custo unitário médio do serviço de var- Um terceiro grupo de indicadores sobre
rição (prefeitura + empresas contrata- o tema Coleta convencional de RSU, visan-
das) – R$/km do demonstrar o acréscimo de domicílios
4. Produtividade média dos varredores abrangidos pelo serviço de coleta pública.
(prefeitura + empresas contratadas) O quarto grupo de indicadores, sobre o
– kg/empregados/dia tema Valorização de resíduos orgânicos, em
5. Taxa de varredores em relação à po- que ocorre a informação sobre resíduos
pulação urbana – empregados/1.000 orgânicos enviados para unidades de com-
habitantes postagem, biodigestores, tratamento me-
6. Extensão total anual varrida per capita cânico-biológico, entre outros. Um quinto
– km/habitante/ano grupo sobre o tema Coleta seletiva, para
7. Taxa de capinadores em relação à po- monitorar os municípios com essa prá-
pulação urbana – empregados/1.000 tica e a representatividade da população
habitantes atendida, bem como participação de coo-
perativas e associações de catadores. Um
Indicadores sobre serviços sexto grupo sobre o tema de Reciclagem de
de construção civil resíduos recicláveis secos busca uma inter-
pretação mais qualificada sobre a recupe-
1. Taxa de resíduos sólidos da construção ração de materiais recicláveis em relação à
civil (RCC) coletada pela prefeitura em quantidade total de resíduos domiciliares.
relação à quantidade total coletada – % Um sétimo grupo de indicadores, para o

321
EIXO 6 - MANEJO DE RESÍDUOS SÓLIDOS

tema Disposição final ambientalmente ade- prioritários para a operação da gestão co-
quada, para verificar o aumento da dispo- mo: produtividade, eficiência do serviço,
sição de resíduos em aterros sanitários. manutenção (veículos e equipamentos),
Por fim, um oitavo grupo de indicadores qualidade, segurança, econômico, gestão,
sobre Capacidade institucional para enten- operação e finanças.
der sobre a autossuficiência financeira das
prefeituras no manejo de seus resíduos e a Cenário brasileiro
representatividade da cobrança.
O Instituto de Pesquisas Tecnológicas O SNIS disponibiliza em seu site (www.
(IPT) e o Compromisso Empresarial para snis.gov.br) todo o acervo de informações,
a Reciclagem (Cempre)7 propõem a ado- indicadores, textos, gráficos, métodos e
ção de indicadores operacionais e de ges- glossários do seu período de existência.
tão sob a perspectiva de regulação para No Quadro 1, a exemplificação de um
manejo de resíduos sólidos, tendo como grupo de indicadores levantados para a
estratégia adotada para a elaboração dos cidade de Curitiba (PR), entre os anos de
indicadores a identificação dos problemas 2009 a 20138.

Quadro 1: Indicadores sobre serviços de varrição, capina e roça-


da da cidade de Curitiba tendo como base o SNIS. Fonte: SNIS.

O Índice de Sustentabilidade da Os autores responsáveis pelo desen-


Limpeza Urbana (Islu)9, desenvolvido volvimento do Islu ressaltam que ele
pelo Sindicato das Empresas de Limpeza não tem como propósito avaliar qual é
Urbana (Selur), em parceria com a empre- o melhor ou o mais eficiente modelo de
sa PricewaterhouseCoopers (PwC), consi- prestação dos serviços de limpeza. Se-
dera algumas dimensões com o objetivo gundo declaram, os resultados gerados
de medir a aderência de uma determina- pelo cálculo do índice dizem respeito,
da cidade às premissas da Política Nacio- exclusivamente, ao município perante
nal de Resíduos Sólidos: (i) Dimensão E: o cumprimento da PNRS e destacam o
Engajamento do município; Dimensão S: contexto peculiar a que cada cidade es-
Sustentabilidade financeira; Dimensão tá submetida (população, renda, relevo,
R: Recuperação dos recursos coletados; clima, cultura, educação etc.)
Dimensão I: Impacto ambiental. O uso de indicadores, os mais variados,

322
INDICADORES APLICADOS AOS SERVIÇOS DE MANEJO DE RESÍDUOS SÓLIDOS

auxilia na gestão dos resíduos. Contudo, dos serviços, o território terá condições de
sabe-se que elaborar indicadores adequa- elaborar políticas públicas para atender
dos à realidade de cada local é um desa- o manejo de resíduos sólidos e do sanea-
fio que demanda uma coleta de dados de mento básico como um todo. Participar
qualidade. Somente com a elaboração de com seriedade da coleta de dados do SNIS/
indicadores básicos, como o da qualidade SNIR é de fundamental importância.

Referências bibliográficas

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2022/2020/lei/L14026.htm I
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Lixão Zero. Fase 2: Resíduos Sólidos Urbanos. Brasília: MMA, 2019. Disponível
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Para saber mais

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síduos Sólidos. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
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FUNASA. Manual de saneamento. 4. ed. Brasília: Funasa, 2015. Disponível em:
http://www.funasa.gov.br/documents/20182/38564/Mnl_Saneamento.pdf/
ae1d4eb7-afe8-4e70-ae9a-0d2ae24b59ea.

323
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

Autoria deste verbete

Liséte Celina Lange. Professora titular do Departamento de Engenharia Sanitária e


Ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais (Desa/UFMG). Doutora em Tec-
nologia Ambiental pela Universidade de Londres, Inglaterra.

Cynthia Fantoni Alves Ferreira. Engenheira civil, sanitarista e ambiental. Doutora em


Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos – Universidade Federal de Minas Ge-
rais (UFMG). Pesquisadora pós-doutoral do Departamento de Engenharia Sanitária e
Ambiental da UFMG.

I
INDICADORES DE SAÚDE AMBIENTAL

O acesso aos serviços públicos de sanea- sileira; e a dificuldade no planejamento de


mento básico é condição fundamental à ações de ampliação do acesso aos serviços
dignidade humana, assim como o acesso de saneamento embasadas por estudos
aos serviços de saúde, à moradia e à edu- diagnósticos e critérios de prioridade.
cação. Por isso, é importante a elaboração Uma das estratégias possíveis para
de políticas e programas que tenham co- a resolução ou mitigação das questões
mo objetivo principal a universalização apresentadas é a definição de indicadores
da oferta dos componentes do saneamen- que sejam eficazes para orientar o pla-
to em sua integralidade. Os indicadores nejamento de ações no campo do sanea-
de saúde ambiental são fundamentais mento. O uso de indicadores específicos
para o monitoramento da efetividade dos pode elucidar as consequências da inade-
planos municipais de Saneamento Básico quação dos serviços de saneamento para
e a avaliação da Política Municipal de Sa- o meio ambiente (ex.: intermitência no
neamento Básico, cujos serviços adequa- abastecimento de água, lançamento de
dos geram impactos diretos no estado de esgoto in natura em corpos hídricos etc.)
saúde da população, imprescindível para e para a saúde humana (ex.: aumento dos
o exercício da cidadania.1 casos de doenças diarreicas e arboviroses
Dentre os fatores que podem explicar etc.), facilitando a tomada de decisão pa-
a oferta reduzida de serviços de sanea- ra investimentos neste setor.
mento e o acesso limitado a eles em di- Nessa perspectiva, os indicadores de
versas regiões do Brasil, os principais são: saúde ambiental apresentam-se como
a fragmentação e a descontinuidade das os mais apropriados, uma vez que ex-
políticas públicas e programas elabora- pressam de forma clara as inter-rela-
dos; a falta de instrumentos de regulação ções entre o meio ambiente e a saúde
e fiscalização adequados à realidade bra- das populações. Ou seja, esta categoria

324
INDICADORES DE SAÚDE AMBIENTAL

de indicadores, quando usada de forma são sobre a temática “Saúde e ambiente”


sistemática, combina indicadores epi- fosse ampliada para a escala global.
demiológicos, que trazem informações No século 20, mais precisamente nos
sobre a saúde de populações ou de gru- anos 1960, autoridades de diversos pa-
pos, e indicadores ambientais, que re- íses iniciaram os primeiros debates vol-
velam informações sobre as condições tados à inserção de fatores ambientais
do ambiente onde a população vive (ou no escopo dos indicadores sociais. Nesse
trabalha, no caso de estudos ocupacio- período, houve grande mobilização para
nais). Por isso, os indicadores de saúde difundir amplamente a ideia de que “a
ambiental podem representar uma fer- qualidade do meio ambiente em que se
ramenta importante para a vigilância vive traz importantes reflexos nas con-
em saúde (ver p. 779) e para a orientação dições de vida da população”.
de programas e planos de alocação de re- Anos mais tarde, em 1972, aconteceu a
cursos na área do saneamento.2 primeira conferência das Nações Unidas
pelo meio ambiente, em Estocolmo, na
Histórico da saúde ambiental Suécia. Este evento merece destaque por
ter reunido mais de uma centena de che- I
Os estudos que conduziram à constru- fes de Estado para debater e pensar um
ção de indicadores de saúde ambiental modelo de desenvolvimento econômico
remontam à Antiguidade. O filósofo Hi- que respeitasse o meio ambiente, gerando
pócrates (400 a.C.), conhecido como o pai o menor impacto possível. Duas décadas
da medicina, foi o primeiro pensador a depois de Estocolmo, houve uma nova
sugerir que o adoecimento do organismo conferência, desta vez no Rio de Janeiro,
humano poderia estar associado às con- com foco no conceito de “desenvolvimen-
dições ambientais. Em seu livro Ares, to sustentável”. Durante esta conferên-
Águas e Lugares, Hipócrates descreve de cia, amplamente conhecida como Rio-92
que maneira a qualidade da água usada ou Eco-92, foi produzido o documento
para consumo e higiene, as característi- “Agenda 21”, que consiste em um plano
cas do solo onde os alimentos são cultiva- de ação para viabilizar o crescimento eco-
dos e do ar que é inalado podem interfe- nômico das nações mantendo, porém, o
rir no funcionamento do corpo humano equilíbrio com o meio ambiente. O capítu-
e, consequentemente, gerar doenças ou lo 40 da Agenda 21 trata especificamente
comprometer a qualidade de vida. da temática “Informação para a tomada de
Ao longo dos séculos, as intervenções decisão”. Este capítulo reforça a importân-
humanas no ambiente natural aumenta- cia do uso de indicadores que contribuam
ram bastante, principalmente com o ad- para a sustentabilidade ambiental.
vento da Revolução Industrial, no século Ainda nos anos 1990, a Organização
18. As mudanças no modo de produção e a Mundial da Saúde (OMS) apresentou o
chegada de um novo modelo de desenvol- conceito de saúde ambiental, após uma
vimento econômico acarretaram profun- reunião de especialistas na Bulgária, com
das transformações na organização da so- o seguinte texto: “Saúde ambiental compre-
ciedade e no meio ambiente. A construção ende os aspectos da saúde humana, incluindo
desse novo cenário fez com que a discus- a qualidade de vida, que são determinados por

325
EIXO 2 - COMUNICAÇÃO E TERRITORIALIZAÇÃO

fatores físicos, químicos, biológicos, sociais Além disso, revelam tendências e podem
e psicológicos no meio ambiente. Também se ser usados para elaboração e avaliação de
refere à teoria e a prática de valorar, corrigir, políticas públicas. Nesse sentido, em 2011,
controlar e evitar aqueles fatores do meio am- o Ministério da Saúde (MS) publicou um
biente que potencialmente podem prejudicar a guia básico para a construção de indicado-
saúde das gerações atuais e futuras”.3 res de saúde ambiental.5
Apesar de o debate sobre o uso e a im-
portância dos indicadores remeter ao sé- Matriz FPSEEA
culo 20, o conceito do termo “indicador”
não pode ser considerado recente. Esta Admitindo o pressuposto de que o esta-
palavra vem do latim, indicare, e tem co- do de saúde de populações humanas é
mo significado apontar, estimar, desven- resultado das condições socioambientais,
dar ou trazer ao conhecimento público. a Organização Mundial da Saúde desen-
Assim, os indicadores servem para tornar volveu a Matriz FPSEEA para descrever
um fenômeno evidente ou facilitar a sua e analisar as consequências destas in-
percepção e interpretação.4 ter-relações e, ao mesmo tempo, propor
A construção dos indicadores depende ações de mitigação.6
da sua matéria-prima, que são os dados. A matriz FPSEEA, também conheci-
Estes podem ser quantitativos (um núme- da como Matriz de Corvalan, é dividida
ro bruto que ainda não passou por trata- em seis estágios ou componentes: força
mentos estatísticos, ou um valor quantita- motriz, pressão, situação, exposição, efeito e
tivo referente a um fato ou circunstância), ação7, 8. Estes se organizam de forma con-
ou podem ter natureza qualitativa, quan- catenada, de maneira que cada estágio é
do se referem a registros de avaliações ou resultado do anterior.
percepções de atores sociais.4 O primeiro componente da matriz é
É importante ressaltar que existem denominado força motriz e correspon-
diversas categorias de indicadores - por de a fatores macro que promovem alte-
exemplo, os indicadores sociais, demo- rações substanciais no meio ambiente e
gráficos, econômicos, sanitários e am- têm grande potencial de interferir nega-
bientais. Os indicadores de saúde am- tivamente na saúde das populações hu-
biental fazem a síntese de alguns destes, manas. Tomando o setor do saneamento
e são constituídos por combinações entre como eixo de análise, podemos listar co-
indicadores de saúde e de meio ambiente mo forças motrizes o crescimento desor-
que se apresentam de maneira encadeada, denado em áreas periféricas de grandes
devido às suas possíveis inter-relações. centros urbanos e a ausência de políticas
Podem ser úteis para facilitar o entendi- e programas de saneamento básico que
mento sobre a complexidade das relações não atendem às demandas da sociedade.
que existem entre saúde e ambiente e, por As forças motrizes geram pressões
isso, são ferramentas importantes para (segundo componente da matriz), que
subsidiar a tomada de decisão dos gesto- podem ser decorrentes de modelos de
res, principalmente em estudos diagnósti- desenvolvimento econômico, processos
cos para definição de prioridades, alocação produtivos e estratégias de ocupação hu-
de recursos e planejamento estratégico. mana nos territórios. Considerando os

326
INDICADORES DE SAÚDE AMBIENTAL

exemplos de forças motrizes relaciona- componente efeito, podem ser elaboradas


das ao saneamento, as pressões geradas ações de curto prazo. Um exemplo seria o
seriam: intermitência ou ausência de atendimento de pessoas em unidades bá-
abastecimento de água e ausência de re- sicas de saúde (UBSs) para tratamento de
des coletoras de esgoto. doenças diarreicas.
O resultado das pressões é a mudança Esse modelo é adotado em alguns seto-
na situação do meio ambiente (terceiro res do Ministério da Saúde – por exemplo,
componente da matriz). Como exemplo, pelo programa de vigilância da qualidade
podemos dizer que as pressões citadas da água para consumo humano (Vigiagua)
acima acarretariam contaminação de e pelo sistema de informação para a vigi-
corpos hídricos, contaminação da água lância da qualidade da água para consumo
para consumo humano e aumento de áre- humano (Sisagua), na Secretaria de Vigi-
as com solo contaminado. lância em Saúde. O Vigiagua desempenha
As mudanças na situação do meio am- um papel importante para garantir a qua-
biente aumentam as chances de exposi- lidade e a segurança da água para consu-
ção (quarto componente) humana a fato- mo humano no Brasil, assegurando saúde
res ambientais de risco, como consumo e qualidade de vida à população quando a I
de água e alimentos contaminados. água é distribuída em quantidade suficien-
Os efeitos (quinto componente da ma- te e com qualidade que atenda ao padrão
triz) na saúde dependem de alguns fato- de potabilidade estabelecido na legislação
res, como o local de exposição, a duração, vigente.10 O sistema de informação utili-
a via de exposição, a suscetibilidade do zado no Vigiagua é o Sisagua, que realiza
indivíduo (sabe-se que crianças e idosos coleta e análise de dados, subsídios im-
costumam ser mais sensíveis que indiví- portantes para a formulação e avaliação de
duos em idade adulta) e da vulnerabilidade políticas públicas de saneamento básico.
socioambiental (ver p. 786). Alguns exem-
plos de efeitos na saúde relacionados ao Desafios
saneamento são o aumento dos casos de
doenças relacionadas ao saneamento am- Em geral, os indicadores de saúde am-
biental inadequado (DRSAIs – ver p. 218).9 biental já são amplamente reconhecidos
As ações são um dos componentes da como uma forma de estratégia para a
matriz e correspondem à elaboração de resolução ou mitigação das políticas pú-
políticas públicas voltadas à promoção, blicas. Essa ferramenta facilita a toma-
recuperação ou reabilitação da saúde e à da de decisão por parte de governantes
redução da vulnerabilidade socioambien- e gestores. Além disso, muitos bancos
tal, que podem ser aplicadas em qualquer de dados já estão disponíveis e acessí-
um dos outros cinco componentes lista- veis para pesquisa dos indicadores, de-
dos. No caso de ações destinadas ao com- monstrando que são estudos de baixo
ponente força motriz, deve-se pensar em custo orçamentário para os governos.
propostas de trabalho de longo prazo, co- Entretanto, ainda são muitos os desafios.
mo a elaboração de políticas e programas Por exemplo, são necessários estudos para
adequados de universalização do sanea- produzir dados que ainda não estão dispo-
mento básico. Por outro lado, no caso do níveis e isso exige mão de obra qualificada,

327
EIXO 2 - COMUNICAÇÃO E TERRITORIALIZAÇÃO

necessária para a elaboração, o monitora- e dados sobre qualidade ambiental, ex-


mento e a atualização dos planos munici- posição humana e efeitos à saúde relacio-
pais de Saneamento Básico. O país precisa nados com o meio – que já existem e são
aprimorar o Sistema Nacional de Infor- produzidos e estão em uso no Brasil – são
mações sobre Saneamento (SNIS), bem relevantes e devem continuar sendo uti-
como implantar os sistemas municipais lizados. Entre eles, estão os indicadores
de informações de saneamento básico, de cobertura de serviços de saneamento
por meio da cooperação entre as instân- básico (água, esgoto e resíduo sólido), pre-
cias dos poderes públicos. sença de vetores de doenças e níveis de
Apesar de os indicadores não traduzi- poluentes no meio ambiente. Alguns dos
rem a realidade em toda sua complexida- indicadores já existentes devem ser modi-
de, seu papel é trazer um panorama pre- ficados ou dar origem a outros, de maior
liminar e orientar a tomada de decisão relevância à vigilância ambiental para a
do caminho que vai se trilhar para novos saúde. Por exemplo: indicadores da quali-
estudos, pesquisas e gestão. Eles possibi- dade da água que chega no domicílio, de
litam uma triangulação do cenário, ne- populações de animais importantes para
cessitando assim de estudos epidemioló- a transmissão de doenças, da intensidade
gicos, ambientais, sociais etc. das atividades econômicas e de poluentes
Outro desafio é que as escolhas dos in- relevantes para a saúde pública.11
dicadores precisam estar associadas aos A própria elaboração e incorporação
aspectos geográficos (territórios e esca- dos indicadores de saúde ambiental é,
las) e populacionais de cada cidade. O ela própria, um indicador de que os mu-
conhecimento do território (ver p. 729) nicípios estão avançando com as ações
é fundamental na escolha dos indicado- estruturantes de planejamento e de ges-
res, que muitas vezes não contemplam as tão do saneamento e de transparência
desigualdades existentes nos locais, co- pública de suas ações, cuja continuidade
mo as variáveis socioeconômicas (renda, permitirá uma gradual ampliação da sus-
gênero, cor de pele, nível de escolaridade, tentabilidade técnica, econômica e orga-
migração, entre outros). nizacional das políticas públicas visando
Deve-se levar em conta a participação o desenvolvimento dos municípios brasi-
social (ver p. 424) no processo de definição leiros e a melhoria das condições de vida
e uso dos indicadores. Várias informações e de trabalho de suas populações.

Referências bibliográficas

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vel em: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_docman&view=down-
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328
INDICADORES DE SAÚDE AMBIENTAL

4. BELLEN, H. M. VAN. Indicadores de sustentabilidade: uma análise comparativa.


Rio de Janeiro: FGV, 2005.
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2011. (Série B. Textos Básicos de Saúde). Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/
bvs/publicacoes/saude_ambiental_guia_basico.pdf. Acesso em: 2 nov. 2019.
6. VON SCHIRNDING, Y. E. R. Indicadores para o estabelecimento de políticas e a
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OMS. Não publicado.
7. CORVALÁN, C.; BRIGGS, D.; KJELLSTRÖM, T. Development of environmental
health indicators. In: BRIGGS, D.; CORVALÁN, C.; NURMINEM, M. (ed.). Linkage
methods for environment and health analysis – general guidelines. Geneva: OMS,
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suplemento de la 45ª edición, octubre de 2006. Disponível em: http://www.who.int/
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9. MS. Análise de indicadores relacionados à água para consumo humano e doenças
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indicadores da Organização Mundial da Saúde (OMS). Brasília: MS, 2015. Disponí-
vel em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/analise_indicadores_agua_con-
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10. MS. Diretriz Nacional do Plano de Amostragem da Vigilância da Qualidade da Água
para Consumo Humano. MS, 2016. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/pu-
blicacoes/diretriz_nacional_plano_amostragem_agua.pdf. Acesso em: 10 out. 2019.
11. OPAS/OMS. La salud en las Américas. Washington: Opas, 1998. v. 2. Disponível
em: http://www.paho.org/salud-en-las-americas-2012/dmdocuments/salud-ameri-
cas-1993-1996-vol2.pdf. Acesso em: 25 out. 2019.

Para saber mais


MS. Saúde ambiental: guia básico para construção de indicadores. Brasília: MS, 2011.
(Série B. Textos Básicos de Saúde). Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/
publicacoes/saude_ambiental_guia_basico.pdf.

Autoria deste verbete


Ana Claudia Santiago de Vasconcellos. Bióloga, doutora em Saúde Pública. Professora-pes-
quisadora do Laboratório de Educação Profissional em Vigilância em Saúde (Lavsa) da Es-
cola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Raiane Fontes de Oliveira. Geógrafa, mestre em Geografia e doutoranda em Geografia


Física. Professora-pesquisadora do Laboratório de Educação Profissional em Vigilância
em Saúde, da EPSJV, Fundação Oswaldo Cruz.

329
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

Tatiana Nascimento Docile. Bióloga, doutora em Ecologia. Professora-pesquisadora do


Instituto de Aplicação Fernando Rodrigues da Silveira (CAp) da Universidade do Esta-
do do Rio de Janeiro (Uerj) e do Lavsa/EPSJV da Fiocruz.

Alexandre Pessoa Dias. Engenheiro Civil, doutor em Medicina Tropical. Professor-


-pesquisador e coordenador do Lavsa, da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Ve-
nâncio, da Fiocruz.

I
INTERSETORIALIDADE

O conceito de intersetorialidade tem si- palavra setorial, que significam, respec-


do gradativamente incorporado na for- tivamente, “entre uma coisa e outra” e
mulação, na execução e na gestão das “que faz referência a um setor”.
diferentes políticas públicas no Brasil. Uma conceitualização mais crítica e
É um dos princípios do marco regulató- abrangente propõe entender a interse-
rio da Lei 11.445/2007, que estabelece a torialidade como “a articulação de sabe-
Política Nacional de Saneamento Bási- res e experiências com vistas ao plane-
co (PNSB – ver p. 473), e de um dos seus jamento, para a realização e a avaliação
instrumentos, o Plano Nacional de Sane- de políticas, programas e projetos, com o
amento Básico (Plansab). Entretanto, os objetivo de alcançar resultados sinérgi-
desafios para a sua efetividade e insti- cos em situações complexas”. Portanto, a
tucionalização na gestão pública no país intersetorialidade remete à necessidade
ainda requerem uma maior capacidade de um olhar integral para dar resposta
de planejamento, tomada de decisão e às necessidades cada vez mais complexas
participação social para a melhoria da das sociedades contemporâneas, princi-
qualidade e acesso às políticas públicas palmente no que diz respeito ao desen-
de saneamento básico nos municípios. volvimento de soluções para problemas
O dicionário da língua portuguesa públicos. Na prática, isto demanda o
define intersetorial como (algo) “que reconhecimento da natureza comum
se efetiva ou se desenvolve entre dois que perpassa pelos problemas sociais e a
ou mais setores; que compreende mais articulação entre as distintas esferas da
de um ramo, domínio, subdivisão ou sociedade e do aparato governamental;
seção”. Também é definido como (algo) e, em particular, das distintas políticas
“que envolve mais de uma divisão ou públicas sociais de saneamento, meio
subdivisão de um órgão público ou de ambiente, recursos hídricos, saúde, edu-
uma empresa responsável por um ser- cação, emprego, habitação, transportes
viço ou assunto específico”. O termo etc., com vistas à superação da fragmen-
deriva da junção do prefixo inter com a tação das mesmas.

330
INTERSETORIALIDADE

Articulação advoga que as políticas públicas devem ir


além das metas setoriais, e focar na iden-
A importância da articulação entre o cam- tificação de problemas e soluções concre-
po do saneamento e outras políticas seto- tas em territórios (ver p. 729) com desa-
riais para a consecução de objetivos sociais fios similares para melhorar as condições
– como o combate à pobreza, a promoção de vida das populações. Isto implica mu-
da saúde, o desenvolvimento urbano, rural danças institucionais e dos espaços de
e regional e a proteção do meio ambiente – participação social (ver p. 424) e controle
tem sido apontada por vários autores. Nes- social (ver p. 156).
te sentido, a intersetorialidade aparece co- Mais especificamente, a política seto-
mo um “conceito com potencialidade para rial de Saneamento Básico – regulada pe-
elevar a eficácia e a efetividade do setor, na la Lei 11.445/2007 – introduziu a interse-
direção de soluções mais inclusivas e que se torialidade como um pilar para a presta-
sustentem ao longo do tempo”. ção dos serviços públicos de saneamento
No escopo do pacto federativo de 1988, básico no Brasil, ao estabelecer que estes
o saneamento configura-se como parte in- devem ser proporcionados com base na
tegral dos direitos relativos à saúde, que, “articulação com as políticas de desenvol- I
por sua vez é de competência do Sistema vimento urbano e regional, de habitação,
Único de Saúde (SUS), instituição respon- de combate à pobreza e de sua erradica-
sável por “participar da formulação da polí- ção, de proteção ambiental, de promoção
tica e da execução das ações de saneamento da saúde e outras de relevante interesse
básico”. Subsequentemente, a Lei Orgânica social voltadas para a melhoria da quali-
da Saúde (Lei 8.080/1990) contempla a dade de vida, para as quais o saneamento
intersetorialidade como parte central da básico seja fator determinante”1.
organização, implementação e gestão das
ações e serviços de saúde. Esta lei estabele- Integralidade no
ceu a criação de comissões intersetoriais saneamento básico
com a finalidade de “articular políticas e
programas de interesse para a saúde, cuja Foi em 2014, com o Plano Nacional de Sa-
execução envolva áreas não compreendi- neamento Básico (Plansab – ver p. 457) –
das no âmbito do Sistema Único de Saúde ratificado em sua revisão, em 2019 – que
(SUS)”, em especial as atividades de sanea- se tentou consolidar a intersetorialidade
mento e meio ambiente, vigilância sanitá- como conceito norteador e, portanto,
ria e saúde do trabalhador, dentre outras. orientador das ações de saneamento no
Foi com a Política Nacional de Assis- Brasil, enfatizando sua importância pa-
tência Social do Conselho Nacional de ra atender aos princípios fundamentais
Assistência Social (Resolução 145/2004 da universalidade, equidade, integrali-
do CNAS) que se explicitou e se instituiu dade e sustentabilidade (ver p. 106) dos
a centralidade da articulação interseto- serviços de saneamento estabelecidos na
rial na formulação, execução e gestão das Lei. Para a operacionalização do conceito
diferentes políticas públicas, buscando de intersetorialidade, o Plansab concebe
constituir uma forma organizacional o saneamento básico como campo polí-
mais dinâmica e efetiva. Este documento tico no qual operam atores com diversos

331
EIXO 1 - ASPECTOS ECONÔMICO-FINANCEIROS

interesses, e a política pública de sanea- salidade que caracterizam a formulação e


mento como estruturadora da cidade, en- implementação de soluções no setor.5 A
fatizando suas interfaces com a dinâmica interdependência entre os componentes
social, urbana e rural. Assim, o Plansab do saneamento e destes com os demais
constitui-se como um novo patamar da serviços de infraestrutura requer ações
política setorial, que busca acabar com a integradas. Intervenções de saneamen-
tradicional visão unissetorialista do sa- to requerem o envolvimento de diversos
neamento, incorporando uma visão de órgãos públicos para a execução e amplia-
planejamento intersetorial nas suas ma- ção dos componentes envolvidos. As situ-
crodiretrizes, estratégias e programas.2 ações de contingência ou emergência (ver
No âmbito do planejamento no muni- p. 139), ou mesmo de desastres, que têm
cípio, a intersetorialidade é listada como se ampliado no país em decorrência das
um dos critérios a serem levados em con- mudanças climáticas requerem esforços
sideração na dimensão institucional dos articulados entre diversos órgãos públi-
planos municipais de Saneamento Básico cos e a população, a exemplo dos desas-
(PMSBs – ver p. 450), no que se refere à tres decorrentes do prolongamento das
metodologia empregada pelos municípios estiagens ou das inundações.
para a hierarquização das propostas de Uma análise recente de 18 planos muni-
programas, projetos e ações programa- cipais de Saneamento Básico – abrangen-
das. Os delineamentos do PMSB alertam do cinco macrorregiões e 14 estados do pa-
para as possíveis interfaces com outras ís –, à luz dos princípios norteadores da Lei
políticas públicas (meio ambiente, gestão de saneamento básico, constatou que, de
de recursos hídricos, habitação, desen- modo geral, os planos são limitados com
volvimento local, entre outras). Como um relação à articulação com outras políticas
tipo de ação implementada em uma área associadas ao saneamento básico como
impacta positivamente uma outra área, o a política urbana e plano diretor, habita-
saneamento pode se beneficiar de outras ção; combate à pobreza; recursos hídricos
fontes de financiamento, como recursos e planos de bacias; proteção do meio am-
advindos de fundos das outras políticas biente; e política de gênero, entre outras.
públicas envolvidas ou de programas de fi- Para além do escopo do saneamento
nanciamento dos outros níveis de governo básico, a conceituação de saneamento
que promovem o trabalho intersetorial. ambiental (ver p. 577) – prescrita, por
Alguns autores defendem que os prin- exemplo, no Estatuto da Cidade – indica
cipais desafios para a prática efetiva da a necessidade do crescimento das ações
intersetorialidade parecem estar associa- intersetoriais para uma área de atuação
dos ao próprio desenvolvimento do setor mais ampla. Em síntese, apesar de estar
de saneamento no Brasil, principalmente contemplada no pacto federativo e nas leis
à inércia institucional e à persistência de e planos de Saneamento Básico, a interse-
uma visão tecnocentrista que dificulta a torialidade, por meio da articulação den-
implementação de ações mais transver- tre e entre instituições governamentais e
sais; assim como à incapacidade da má- a sociedade civil, persiste como um desafio
quina estatal de enxergar a complexida- para a gestão pública do setor nas diferen-
de, a multidimensionalidade e a transver- tes estruturas governamentais no Brasil.

332
INTERSETORIALIDADE

Referências bibliográficas

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5. NOGUEIRA, A. L. et al. Da fragmentação à articulação: a política nacional de sanea-
mento e seu legado histórico. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, I
Rio de Janeiro, v. 14, n. 1, p. 65-83, 2012.
6. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm.
7. BRASIL. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para
a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos
serviços correspondentes. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
leis/L8080.htm.
8. MDS. Política Nacional de Assistência Social – PNAS/2004. Brasília: MDS, 2005.
Disponível em: http://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/
Normativas/PNAS2004.pdf.
9. MS; FUNASA. Termo de referência para elaboração de plano municipal de sanea-
mento básico. Brasília: Funasa, 2018. Disponível em: http://www.funasa.gov.br/
termo-de-referencia-tr-para-pmsb.
10. PEREIRA, T. S.; HELLER, L. Planos municipais de saneamento básico: avaliação de
18 casos brasileiros. Engenharia Sanitária e Ambiental, Rio de Janeiro v. 20, n. 3,
p. 395-404, 2015.

Para saber mais

FIOCRUZ. O desafio da intersetorialidade na Agenda 2030. Fiocruz, 2015. Disponí-


vel em: https://cee.fiocruz.br/?q=node/88.
FUNASA. Programa Sustentar – Saneamento e Sustentabilidade em Áreas Ru-
rais. Brasília: Funasa, 2008. Disponível em: http://www.funasa.gov.br/docu-
ments/20182/21862/sustentar_publicacao/915644d2-f b28-409c-a7ca-c3cf-
f0e59e98.

333
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

INSTITUTO TRATA BRASIL. Planos Municipais ou Regionais – exigência legal. Car-


tilha de Saneamento. São Paulo: Instituto Trata Brasil, 2009. Disponível em: http://
www.tratabrasil.org.br/datafiles/uploads/Cartilha_de_saneamento.pdf.

Autoria deste verbete

Gisela P. Zapata. Doutora em Geografia Humana pela Universidade de Newcastle


(Inglaterra). Professora do Departamento de Demografia e pesquisadora do Centro de
Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da UFMG.

Vitor Carvalho Queiroz. Engenheiro civil e mestre em Saneamento, Meio Ambiente e


Recursos Hídricos pela UFMG. Possui experiência, principalmente, com políticas públi-
cas e gestão de saneamento e recursos hídricos.

I
INUNDAÇÕES

Inundação pode ser definida como o discutidas estratégias para se reduzir a


transbordamento de um sistema hidro- susceptibilidade a inundações através
gráfico natural ou artificial.1 Este trans- do planejamento municipal.
bordamento pode ser decorrente de Os cursos d’água naturalmente possuem
um evento extremo e ser um processo três níveis principais: seu leito menor, ou
natural do curso d’água ou ser causado calha principal, por onde escoam cheias
em função de modificações antrópicas. mais frequentes que ocorrem em média a
Embora a Lei 11.445/20072 não contem- cada dois anos; o leito maior, ou calha se-
ple diretamente as inundações, as ações cundária, que escoa cheias que ocorrem
para combate a inundações devem ser com frequência menor do que dois anos e;
consideradas nas políticas municipais as planícies de inundação que são rara-
de saneamento, envolvendo atuação mente ocupadas pelas águas fluviais.
no planejamento de uso e ocupação do Ocupações humanas – seja pela urba-
solo e do manejo de águas pluviais (ver nização, ou para agricultura ou pecuária
p. 761 e 368), além do planejamento – do leito maior e da planície de inunda-
de contingência quando da ocorrência ção aumentam o risco de danos causados
de eventos geradores de danos. 3 Neste pela inundação. Além disso, com a ocu-
verbete, além da inundação, serão tra- pação há redução da seção de escoamen-
zidos outros fenômenos relacionados ao to do curso d’água, aumentando assim
excesso de precipitação e à inexistência o nível d’água e acarretando inundações
ou deficiência do manejo das águas plu- de áreas antes não inundáveis. As en-
viais, seus efeitos adversos, assim como chentes, muitas vezes confundidas com

334
INUNDAÇÕES

as inundações, ocorrem quando o nível riscos à saúde em virtude da possibilida-


d’água na calha do curso d’água atinge de de criação de habitats para vetores de
seu valor máximo, mas sem a ocorrência doenças, tais como as arboviroses (den-
de extravasamento.1 gue, chikungunya, febre amarela e zika
Eventos extremos de precipitação po- – ver Doenças relacionadas ao saneamen-
dem levar a três consequências princi- to ambiental inadequado, p. 218).
pais: as inundações, os alagamentos e As inundações podem ser subdivididas
as enxurradas. As inundações ocorrem em dois tipos de acordo com a rapidez
devido ao transbordamento do curso de subida do nível d’água: as inunda-
d’água e ocupação de áreas normalmente ções lentas e as inundações bruscas. As
não ocupadas pelas águas. São caracteri- inundações bruscas trazem consigo o
zadas pelo aumento na vazão escoada, se- elemento surpresa, ocorrendo de poucos
ja por efeito de um evento de precipitação minutos a poucas horas após o início da
intenso, seja por aumento do volume es- chuva, em bacias hidrográficas de peque-
coado em função da impermeabilização no porte. A previsão desse tipo de inun-
do solo. Podem, ainda, decorrer de uma dação é muito difícil e impõe grandes
redução da calha fluvial, por assoreamen- desafios à gestão do risco de inundação. I
to ou desmoronamento, por exemplo.1 As inundações lentas podem ocorrer em
Nas áreas urbanas, podem ocorrer ala- algumas dezenas de horas ou até dias
gamentos, que são caracterizados pelo após o evento chuvoso e ocorrem em ba-
acúmulo de água, advindos de eventos cias hidrográficas de grande porte. Ten-
de precipitação nas superfícies urbanas, do em vista o grande intervalo de tempo
em função da insuficiência da infraes- entre o evento chuvoso e a inundação,
trutura de drenagem implantada.1 Essa podem ser previstas com maior precisão,
insuficiência pode ser na captação ou na em tempo hábil para colocar em prática
condução das águas, sem causa natural. ações preventivas e emergenciais.
Alagamentos podem também ser causa-
dos por interferência de obras de infra- Inundações e urbanização
estrutura, tais como adutoras ou pontes,
com o sistema de drenagem implantado. Em áreas urbanizadas as inundações são
Por sua vez, as enxurradas são carac- mais frequentes, atingem cotas e áreas
terizadas por grande volume de água maiores e são mais danosas do que as
escoando superficialmente com grande inundações que ocorrem em áreas com
velocidade e energia, e podem ser causa- pouca ou nenhuma ocupação urbana. Por
das pelo escoamento superficial ou pelo um lado, a ocupação urbana provoca a im-
próprio curso d’água. São ocasionadas permeabilização do solo, levando assim
por chuvas intensas, normalmente em a maiores volumes escoados em tempos
pequenas bacias com altas declividades, mais curtos, ocasionados pela aceleração
apresentando grande potencial destruti- do escoamento e pela presença da infra-
vo.4 Outro processo que ocorre em áreas estrutura de drenagem clássica (ver Sis-
mal drenadas – mas não necessariamen- temas de drenagem das águas pluviais – p.
te consequência de eventos extremos – é 650). Por outro lado, a inadequação do
o empoçamento, que pode trazer sérios planejamento urbano permite a ocupação

335
EIXO 7 - MANEJO DE ÁGUAS PLUVIAIS

de áreas inundáveis, áreas de várzea ou Além dos prejuízos sociais, as inunda-


fundos de vale, aumentando os prejuízos ções causam prejuízos econômicos e fi-
gerados pelas inundações e normalmente nanceiros, trazendo danos às atividades
afetando as populações mais vulneráveis desenvolvidas nas áreas atingidas, assim
socioeconômica e ambientalmente. como às atividades desempenhadas pe-
Os tipos de desastre mais frequentes las pessoas que nelas habitam. Os danos
no Brasil, em número de pessoas afeta- sociais podem estar associados à saúde
das, são as secas e estiagens, seguidas de física, tendo em vista o contato com água
perto pelas enxurradas e inundações. Em contaminada, e mental, em função do
contrapartida, o número de mortes oca- trauma vivido. Os danos financeiros ad-
sionadas pelas enxurradas corresponde vêm da perda de bens móveis e imóveis, de
a quase 60% das mortes por desastres no lavouras e criação animal, além de danos à
país. Somados os percentuais de mortes infraestrutura viária e sanitária existente.
em desastres dos tipos inundações, enxur-
radas e alagamentos atinge-se 72% dos Minimização de danos
mortos e 33% das ocorrências. Os dados
citados aqui e no parágrafo seguinte são A minimização dos danos causados pelas
referentes à série histórica de desastres no águas das chuvas passa por medidas es-
Brasil, de 1991 a 2012, registrados pelas truturais e não estruturais. As medidas
coordenadorias estaduais de Defesa Civil e estruturais são intervenções físicas – que
pela Defesa Civil Nacional, e publicados no podem ser na bacia hidrográfica – visan-
Atlas Brasileiro de Desastres Naturais.5 do à redução da geração de escoamento,
Com relação aos alagamentos, tem des- tais como as técnicas compensatórias de
taque o número de mortes na Região Su- drenagem e intervenções hidráulicas, a
deste: 21 das 27 mortes registradas no exemplo dos sistemas de micro e macro-
período no Brasil. Isso pode ser justifica- drenagem. As medidas não estruturais
do por esta região conter a maior parcela são aquelas que objetivam a redução do
da população urbana do país. Os alaga- risco de inundação, conformando-se em
mentos são os fenômenos relacionados medidas regulatórias e educacionais e sis-
ao manejo de águas pluviais com causas temas de previsão e alerta.6
essencialmente antrópicas e associadas à De maneira geral, a prevenção da ocu-
gestão de saneamento, tendo em vista in- pação de áreas atingidas, deixando as
terferências do sistema de drenagem com áreas ribeirinhas como zonas de passa-
o sistema de esgotamento sanitário e com gem da inundação, é uma das melhores
os serviços de limpeza urbana (ver p. 351). maneiras de reduzir os impactos causa-
Pode haver ligações de esgoto conectadas dos. No planejamento urbano pode-se
indevidamente nas redes de drenagem – e prever uso de áreas ribeirinhas como áre-
vice-versa – e a sobrecarga nas redes de es- as de parques e de equipamentos urbanos
goto pelas águas pluviais pode ser a causa para serem utilizadas quando não inun-
do alagamento. Além disso, a inadequada dadas. Além disso, a municipalidade deve
disposição de resíduos sólidos pode levar garantir a utilização dos espaços confor-
à obstrução das estruturas de captação e me estabelecido no plano diretor ou có-
condução das águas pluviais. digo de obras, impedir ligações cruzadas

336
INUNDAÇÕES

entre as redes de drenagem e esgotamen- na fonte, minimizando as enxurradas,


to sanitário, garantir o serviço de varri- além de reduzir a erosão hídrica dos ter-
ção e a coleta de resíduos sólidos para que renos e, consequentemente, a chegada
estes não atinjam os cursos d’água ou o de sedimentos à infraestrutura de dre-
sistema de microdrenagem, prejudicando nagem e aos cursos d’água. Em locais de
seu funcionamento. ocupação consolidada, deve-se realizar
A municipalidade deve ainda investir o levantamento de pontos de alagamen-
esforços na normatização para dimen- to e empoçamento, áreas inundáveis e
sionamento dos sistemas de drenagem susceptíveis a enxurradas, a fim de dar
que evitarão alagamentos e basear os subsídios ao planejamento das medidas
sistemas de manejo de águas pluviais de redução de danos, sejam ações de in-
em técnicas de controle do escoamento tervenção física ou regulatória.

Referências bibliográficas

1. CASTRO, A. L. C de. Glossário de defesa civil estudos de riscos e medicina de de-


sastres. 2. ed. Brasília: Ministério do Planejamento e Orçamento, 1998. I
2. BRASIL. Lei nº 11.445, de 05 de janeiro de 2007. Estabelece diretrizes nacionais
para o saneamento básico. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
ato2007-2010/2007/lei/l11445.htm. Acesso em: 25 out. 2019.
3. MS; FUNASA. Termo de referência para elaboração de plano municipal de sane-
amento básico. Brasília: Funasa, 2018. Disponível em: http://www.funasa.gov.br/
termo-de-referencia-tr-para-pmsb.
4. MIN. Portaria conjunta nº 148, de 18 de dezembro de 2013. Estabe-
lece o Protocolo de Ação Integrada para os casos de Inundação Gradu-
al. Disponível em: pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.
jsp?data=24/12/2013&jornal=1&pagina=58&totalArquivos=168.
5. UFSC. Atlas brasileiro de desastres naturais. Volume Minas Gerais. Florianópolis:
Ceped/UFSC, 2013. Disponível em: http://www.ceped.ufsc.br/atlas-brasileiro-de-
-desastres-naturais-1991-a-2012. Acesso em: 10 set. 2019.
6. MIGUEZ, M. G.; VÉROL, A. P.; REZENDE, O. M. Drenagem urbana: do projeto tra-
dicional à sustentabilidade. 1. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2016.

Para saber mais

RIGHETTO, A. M. (coord.). Manejo de águas pluviais urbanas. Rio de Janeiro: Abes,


2009. Disponível em: https://www.finep.gov.br/images/apoio-e-financiamento/his-
torico-de-programas/Prosab/Prosab5_tema_4.pdf.

Vídeo
ENTRE rios: a urbanização de São Paulo. Direção de Caio Silva Ferraz. Produção de
Joana Scarpelini. São Paulo: Editora Contexto, 2011. 1 vídeo (25 min). Disponível
em: https://www.youtube.com/watch?v=Fwh-cZfWNIc.

337
EIXO 7 - MANEJO DE ÁGUAS PLUVIAIS

Autoria deste verbete

Priscilla Macedo Moura. Engenheira civil, mestre em Saneamento Meio Ambiente e


Recursos Hídricos. Doutora  pelo  Institut National des Sciences Appliquées de Lyon.
Professora do Departamento de Engenharia Hidráulica e Recursos Hídricos da UFMG.

Talita Fernanda das Graças Silva. Engenheira Civil, mestre em Sistemas Aquáticos e
Gestão da Água pela Ecole des Ponts Paris Tech (França). Doutora em Saneamento,
Meio Ambiente e Recursos Hídricos pela UFMG e Université Paris-Est (França). Profes-
sora do Departamento de Engenharia Hidráulica e Recursos Hídricos da UFMG.

Marco Túlio da Silva Faria. Tecnólogo em Gestão Ambiental, engenheiro ambiental


e sanitarista. Doutorando e mestre em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hí-
dricos pela UFMG.

338
L

LEI 11.445/2007 E A APROVAÇÃO DA LEI 14.026/2020

O Brasil passou a dispor, em 2003, de en- vigência de 2014 a 2033. O Plansab con-
dereço para o saneamento básico no país, tém metas de curto, médio e longo pra-
com a criação do então Ministério das zos, três programas (dois com medidas
Cidades (MCidades) e de sua Secretaria estruturais-expansão de ativos e um com
L
Nacional de Saneamento Ambiental, e a medidas estrururantes-gestão de ativos)
destinar mais recursos públicos à área, e investimentos previstos de R$ 508,45
principalmente por meio das duas edi- bilhões, atualizados para R$ 597,88 bi-
ções do Programa de Aceleração do Cres- lhões em sua revisão realizada em 2019.
cimento (PAC 1 e PAC 2) e, no âmbito de- O setor privado não se mostrou satisfeito
le, o PAC Saneamento. com a Lei 11.445 nem com o Plansab e, ao
Em janeiro de 2007, o país passou a con- longo do tempo, realizou seguidas inves-
tar com um marco legal regulatório para tidas para modificá-los.
o saneamento básico (a Lei 11.445/2007), Em outubro de 2015, o Partido do Mo-
que, finalmente, estabeleceu as diretrizes vimento Democrático Brasileiro (PMDB–
nacionais para a área e para a respectiva atual Movimento Democrático Brasileiro,
política federal (ver p. 473). Essa lei regu- MDB) apresentou à sociedade brasileira o
lamentou o artigo 21, inciso XX, da Cons- documento Uma Ponte para o Futuro, que
tituição Federal de 1988, contemplando veio a se constituir nas bases do novo pro-
princípios como a universalização, a jeto político-social do governo Temer (ago.
integralidade, tecnologias apropriadas 2016 – dez. 2018). Na área de saneamento
e controle social (ver p. 156), bem como básico, o documento expôs um conjunto
diretrizes e instrumentos. de estratégias para a alteração do marco le-
Em junho de 2010, foi editado o De- gal regulatório, visando à formação de um
creto 7.217/2010, que regulamentou a ambiente para uma expressiva ampliação
referida lei. Em dezembro de 2013 o go- da atuação da iniciativa privada na presta-
verno federal lançou o Plano Nacional de ção dos serviços públicos, principalmente
Saneamento Básico (Plansab), elaborado os de abastecimento de água (ver p. 645) e
por meio de processo participativo, com de esgotamento sanitário (ver p. 256).
EIXO T - TEMAS TRANSVERSAIS

Nessa direção, diversas iniciativas fo- que se fizerem necessárias, concessões am-
ram adotadas: plas em todas as áreas de logística e infra-
estrutura, parcerias para complementar a
• a promulgação da Lei 13.303/2016;1 oferta de serviços públicos e retorno a regime
• o lançamento da Medida Provisória anterior de concessões na área de petróleo,
(MP) 727/2016, convertida na Lei dando-se a Petrobras o direito de preferên-
13.334/2016, que criou o Programa de cia”12 (ver Privatização dos serviços pú-
Parcerias de Investimentos (PPI);2 blicos de saneamento básico no Brasil e a
• a divulgação, a um grupo seleto de en- onda neoliberal radicalizada – p. 516).
tidades e órgãos, dos documentos Diag-
nóstico Saneamento, em 14 de setembro Desde sua posse como presidente inte-
de 2016,3 e sua versão seguinte, intitu- rino, Michel Temer comandou apressa-
lada Modernização do Marco Regulatório damente diversas inciativas para fazer
do Saneamento Básico, em 7 de novem- avançar o ideário contido no documen-
bro de 2017;4 to-guia de seu partido. Na área de sane-
• o lançamento das medidas provisórias amento básico o cenário foi de realizar
844, em 6 de julho de 20185, e 868, em profundas mudanças no marco legal
27 de dezembro daquele ano;6 regulatório, no papel das instituições e
• os projetos de lei 3.261/20197 e no financiamento. No campo legal me-
4.162/20198, esse último do Poder Exe- recem destaque:
cutivo federal, aprovado pelo Congres-
so Nacional em 24 de junho de 2020, 1. L ei 13.303/20161, que estabelece o es-
cuja lei resultante (14.026, de 15 de tatuto jurídico das empresas públicas,
julho)9 altera a Lei Nacional de Sanea- sociedades de economia mista e de
mento Básico (11.445/2007)10 e a Lei suas subsidiárias (estatais), fortemen-
9.984/2000, que cria a Agência Nacio- te questionada por atropelar as com-
nal de Águas11; petências dos entes federativos e por
• e mais cinco outras leis. pretender disciplinar todos os tipos
de empresas estatais (concorrência
Reorientação ou monopólio, sob o regime de direito
privado ou de direito público), dentre
A “ponte para o futuro", após o impeach- outros motivos.
ment da presidenta Dilma Rousseff, pre- 2. MP 727/2016, editada no mesmo dia
vê a reorientação da atuação estatal no da posse do presidente então interi-
campo das políticas públicas e sociais, no (12 de maio) e convertida na Lei
o que inclui o saneamento básico. O do- 13.334/2016,2 que cria o Programa de
cumento preconiza o que pode ser cha- Parcerias de Investimentos (PPI), pre-
mado de um neoliberalismo subalterno vendo um conjunto de mecanismos
e subordinado ao rentismo e ao mercado. para fortalecer a interação do Estado
Dentre as propostas de tal documento, com a iniciativa privada, retomando o
pode-se destacar: “executar uma política Programa Nacional de Desestatização
de desenvolvimento centrada na iniciativa – Lei 9.491/199713 do governo Fernan-
privada, por meio de transferências de ativos do Henrique Cardoso –, amplamente

340
LEI 11.445/2007 E A APROVAÇÃO DA LEI 14.026/2020

questionado pelos prejuízos que trouxe 1. a lterar o marco legal regulatório do sa-
à nação com a venda do patrimônio pú- neamento básico (Lei 11.445/2007)10,
blico à iniciativa privada. e a Lei dos Consórcios Públicos
3. Emenda Constitucional (EC) 95/201614, (11.107/2005)17 – principalmente nos
que institui o Novo Regime Fiscal, o artigos que permitem a dispensa de
qual congela por 20 anos os gastos pú- licitação na celebração de contrato de
blicos em saúde, educação e assistência programa entre entes federados para
social, com impacto negativo no sane- a prestação dos serviços públicos por
amento básico. A Lei Complementar meio de gestão associada – e a legis-
141/2012 estabelece como os recursos lação ambiental, a exemplo da Lei de
da saúde podem ser utilizados em ações Crimes Ambientais e resoluções do
e serviços públicos de saneamento bá- Conselho Nacional do Meio Ambiente
sico (saneamento básico de domicílios (Conama), no intuito de introduzir no-
ou de pequenas comunidades e sanea- vas diretrizes para possibilitar/facilitar
mento básico dos distritos sanitários a participação privada;
especiais indígenas e de comunidades 2. ampliar a participação privada na pres-
remanescentes de quilombos).15 tação dos serviços "no mercado de sa-
4. Proposta de Emenda à Constituição neamento" por meio de concessões,
(PEC) 65/2012, aprovada pela Comis- abertura de capitais e parcerias públi-
L
são de Constituição e Justiça e Cidada- co-privadas (PPPs);
nia do Senado Federal. Definia que, a 3. atribuir funções relacionadas ao sane-
partir da simples apresentação de um amento básico à Agência Nacional das
estudo de impacto ambiental (EIA) Águas (ANA), para a regulação por meio
pelo empreendedor, uma obra não de diretrizes regulatórias federais, ge-
poderá ser suspensa ou cancelada. Se renciando sistemas de informação, ca-
aprovada a PEC, na prática, os proce- pacitando as empresas de saneamento
dimentos previstos na Lei da Política básico para gestão de contratos e orien-
Nacional de Meio Ambiente e em toda tando municípios na elaboração de pla-
a legislação ambiental aplicada atual- nos municipais de Saneamento Básico
mente seriam duramente fragilizados. (PMSBs – ver p. 450) – estratégia que
A proposição foi arquivada e substituí- dá centralidade à regulação e fragiliza o
da pelo Projeto de Lei do Senado (PLS) planejamento e o poder local;
168/2018,16 do mesmo autor, que en- 4. revisar as competências das instituições
contra-se em tramitação e apresenta do governo federal, com destaque para
conteúdo mais flexível que o Projeto a Fundação Nacional de Saúde (Funasa),
de Lei 3.729/2004. que deixaria de atuar nos municípios de
população menor que 50.000 habitan-
As iniciativas para a desconstrução das tes, e transferência da "maior parte das
políticas públicas de saneamento básico competências (e orçamento) para o Mi-
foram detalhadas no Diagnóstico Sane- nistério das Cidades", atual Ministério
amento, da Casa Civil da Presidência da de Desenvolvimento Regional;
República,3 que apresentou 13 propostas, 5. revisar o Plano Nacional de Saneamento
as quais em seu conjunto visavam: Básico (Plansab), considerado um "Plano

341
EIXO T - TEMAS TRANSVERSAIS

Panfleto", visando introduzir a participa- latório do Saneamento Básico, ela trazia o


ção privada nas diretrizes e propostas; seguinte roteiro: "I - Motivação; II - Diag-
6. criar linhas de crédito especiais no Ban- nóstico: pontos a serem enfrentados; e III
co Nacional de Desenvolvimento Econô- - Modificações nas Leis nos 9.984/2000
mico e Social (BNDES) e na Caixa Eco- e 14.445/2007” (sic – trata-se da Lei
nômica Federal para viabilizar as PPPs 11.44510), com poucas modificações em re-
e acordos com acionistas para garantir lação ao documento anterior. Mantinha a
interesses dos sócios minoritários; lógica de garantir segurança jurídica para
7. garantir segurança jurídica aos inves- subdelegações, concessões e PPPs, aten-
timentos em áreas irregulares consoli- dendo aos interesses do setor privado.
dadas e avaliar as soluções provisórias A partir daí travou-se uma disputa in-
para as não consolidadas, demostrando terna no governo, com alguns ministé-
um tratamento econômico e normati- rios defendendo que as modificações na
vo/legal para uma questão relacionada Lei 11.445 fossem realizadas por projeto
à problemática da segregação socioes- de lei, enquanto outros defendiam que
pacial das cidades brasileiras. fosse por medida provisória. Venceu a ala
liderada pelo então MCidades e, assim, as
O conteúdo do Diagnóstico Saneamento modificações foram também incluídas na
espelha não só as propostas expressas no MP 844, lançada pelo então presidente da
documento Uma Ponte para o Futuro, mas República em 6 de julho de 2018, e publi-
também o modus operandi do governo Te- cada no Diário Oficial da União no dia 9.5
mer: construir propostas que atendem Além disso, a referida MP trouxe em
aos interesses do setor privado, consoli- seu bojo diversos artigos que modifica-
dando o mercado do saneamento básico vam a Lei de criação da Agência Nacio-
no Brasil, e promover a desconstrução nal de Águas (9.984/2000)11 e a LNSB
das políticas públicas de saneamento bá- (11.445/2007), delegando competências
sico por meio da revisão açodada do mar- à ANA para instituir normas nacionais de
co legal, contando com a participação de referência para a regulação da prestação
entidades ligadas ao setor privado e ex- dos serviços públicos de saneamento bá-
cluindo a participação social. sico e a coordenação nacional das ativida-
des de regulação. Condicionava o acesso a
Reação e revisão recursos públicos federais ou a financia-
mentos com recursos da União operados
A reação de entidades da área de sanea- por órgãos ou entidades da Administra-
mento básico à minuta de medida provisó- ção Pública Federal, quando destinados a
ria– que só deve ser utilizada, segundo a serviços públicos de saneamento básico,
Constituição Federal de 1988, em matéria ao cumprimento, pela entidade regula-
de relevância e urgência, o que não era o dora, das normas de referência nacionais
caso – em reunião convocada pelo então estabelecidas pela Agência. A atuação da
ministro das Cidades levou o governo ANA (órgão gestor das águas) em área es-
federal, por meio da Casa Civil, a apre- pecífica de um dos usuários das águas, no
sentar uma nova versão do documento. caso o saneamento básico, poderá causar
Intitulada Modernização do Marco Regu- privilégios, prejuízos e conflitos no âmbi-

342
LEI 11.445/2007 E A APROVAÇÃO DA LEI 14.026/2020

to do Sistema Nacional de Gerenciamen- vidaram e envidam vários esforços para


to de Recursos Hídricos (Singreh). ampliar a atuação da iniciativa privada
na área de saneamento básico, mesmo
Na contramão com a existência de instrumentos no pa-
ís que já garantem a segurança jurídica
Todo o esforço da MP 844 (e de sua re- para as empresas privadas atuarem na
edição, a MP 868) foi o de possibilitar a área de saneamento básico. São exem-
ampliação da participação privada na plos as leis das Contratações Públicas
prestação dos serviços públicos de sane- (8.666/1993)19, das Concessões Públicas
amento básico no Brasil. No entanto, no (8.987/1995)20 e das Parcerias Público-
mundo inteiro está acontecendo um mo- -Privadas (11.079/2004)21.
vimento de remunicipalização/reesta- Por outro lado, essas parcerias já se
tização dos serviços públicos, incluindo mostram inviáveis em diversos países do
os de água, esgoto e resíduos sólidos. Em mundo, como afirmado no relatório do
um levantamento mundial, realizado de Tribunal de Contas Europeu de 2018.22
2000 até outubro de 2019, é mostrado Esse relatório apresenta o resultado de
que 312 municípios de 36 países, em di- auditoria realizada em uma amostra de
versos continentes, remunicipalizaram/ PPPs de quatro países, mostrando as di-
reestatizaram seus serviços públicos de versas mazelas das parcerias e os prejuí-
L
água e/ou esgoto e 85 municípios fizeram zos para os países. Conclui que os países
o mesmo em relação aos serviços públicos europeus não estão preparados, com qua-
de resíduos sólidos. Paris (França), Atlan- dros técnicos e jurídicos, para essa mode-
ta (Estados Unidos), Berlim (Alemanha), lagem de concessão de serviços públicos à
Budapeste (Hungria), Buenos Aires (Ar- iniciativa privada.
gentina), Maputo (Moçambique), La Paz Se nos países da União Europeia as
(Bolívia) e Kuala Lumpur (Malásia) se- PPPs apresentam graves problemas, no
guiram esse caminho. O estudo de Kishi- Brasil a situação é muito pior. O governo
moto, Steinfort e Petitjean18 mostra que Bolsonaro (assim como o antecessor) e a
as empresas privadas que assumiram os iniciativa privada promovem a apropria-
serviços públicos de saneamento básico ção de recursos e serviços públicos de
não cumpriram o que estava estabeleci- maneira açodada e sem debate com a so-
do nos contratos, as tarifas cobradas aos ciedade. O principal discurso oficial pa-
usuários e o custo dos serviços para os ra justificar tal projeto é que, em face da
municípios muitas vezes aumentaram de crise fiscal, a aplicação de recursos dos
maneira descomedida, gerando uma rea- parceiros privados para viabilizar os em-
ção muito grande dos usuários locais e do preendimentos na área de saneamento
poder público municipal. O levantamento básico torna-se necessária. Na prática,
destaca, ainda, que a qualidade do serviço porém, até 90% dos recursos utilizados
prestado não melhorou. são viabilizados pelo poder público, via
Enquanto o movimento em nível mun- Caixa Econômica Federal (CEF), BNDES
dial segue nessa direção, no Brasil o go- ou Banco do Nordeste (BNB) – ou seja,
verno federal (a gestão Temer e a atual, recursos de bancos estatais a juros me-
de Jair Bolsonaro) e o setor privado en- nores que os de bancos privados, en-

343
EIXO T - TEMAS TRANSVERSAIS

quanto a iniciativa privada investe o mí- as atribuições do Ministério das Cidades)


nimo com recursos próprios. proposta conjunta sobre a referida MP com
O governo federal também não divulga a revogação de diversos dispositivos.24
que 38,27% do Orçamento Geral da União Em sua tramitação no Congresso Na-
(OGU) executado em 2019 foi gasto para cional, com prazo limite de 3 de junho de
pagar juros e amortização da dívida públi- 2019, foram realizadas audiências para
ca enquanto com saneamento foram gas- discutir a MP 868. A equipe de Bolsonaro
tos apenas 0,02%, ou seja, um valor 1.913 apresentou ao relator da comissão mista
vezes menor. Logo, a questão passa pela alterações em alguns dispositivos. Entre
prioridade na alocação dos recursos. elas, a inclusão de um artigo propondo a
alteração da Lei 12.305/2010, que institui
Resistência e pressa no Congresso a Política Nacional de Resíduos Sólidos,23
com o estabelecimento de novos prazos
A pressão das entidades da área de sane- para a disposição ambientalmente ade-
amento básico, de entidades municipais quada dos rejeitos, conforme o porte da
e de entidade de regulação dos serviços população do município. Como não houve
fez com que o Congresso Nacional não acordo para sua aprovação pelo Congresso,
aprovasse a Medida Provisória 844 no a medida provisória caducou.
prazo estabelecido (até 19 de novembro Em 3 de junho o senador Tasso Jereis-
de 2018). Mostrando o compromisso as- sati (PSDB-CE) deu entrada no PL 3.261,
sumido com o capital, o governo Temer, similar à MPV 868/2018. O Projeto foi
perto de seu término, editou em 27 de- aprovado no Senado em apenas três dias
zembro nova MP, a 868, de teor pratica- e encaminhado à apreciação da Câmara
mente igual ao da anterior. em 12 de junho, com oito PLs apensados,
Publicada no Diário Oficial da União em inclusive o 10.996/2018. Numa manobra
28 de dezembro, foi imediatamente re- com o apoio do presidente da Câmara,
chaçada pelas entidades da área de sanea- Rodrigo Maia (DEM-RJ), o deputado fe-
mento básico, como a Associação Nacional deral Geninho Zuliani (DEM-SP) – indi-
dos Serviços Municipais de Saneamento cado por ele relator na comissão especial
(Assemae), a Associação Brasileira de En- que aprovou a proposição, encaminhou
genharia Sanitária e Ambiental (Abes), a parecer sobre o PL 4.162/2019 desapen-
Associação Brasileira das Empresas Esta- sado do PL 10.996/2018, enviado pelo
duais de Saneamento (Aesbe), a Associação Poder Executivo sobre a mesma matéria
Brasileira de Agências de Regulação (Abar), e de teor similar. O texto foi votado pe-
a Federação Nacional dos Urbanitários lo Plenário em 17 de dezembro e seguiu
(FNU), a Frente Nacional pelo Saneamento então para análise dos senadores. Estes
Ambiental (FNSA) e a Frente Nacional de aprovaram o parecer de Tasso sem uma
Prefeitos (FNP), com nota pública conjun- modificação sequer no PL, em sessão vir-
ta. Em fevereiro de 2019, Assemae, Aesbe, tual de 24 de junho, em plena pandemia
Abar e Abes apresentaram à Secretaria da Covid-19. O Projeto foi sancionado pe-
Nacional de Saneamento do Ministério de lo presidente da República em 15 de julho
Desenvolvimento Regional (que na estru- com 18 vetos, que estão sendo apreciados
tura do governo federal atual incorporou pelo Congresso Nacional.

344
LEI 11.445/2007 E A APROVAÇÃO DA LEI 14.026/2020

Mudanças na LNSB nômico-financeira para a prestação dos


mesmos, estabelecidos no respectivo
Dentre as muitas alterações introduzi- plano de saneamento básico;
das na Lei 11.44510 pela Lei 14.0269 po- • a permissão, no art. 11-A, ao prestador
de-se citar: do serviço de subdelegar até 25% do
valor do contrato, desde que haja previ-
• a modificação do princípio fundamen- são contratual ou autorização expressa
tal de utilização de tecnologias apro- do titular dos serviços, além de reali-
priadas (artigo 3º, inciso VIII, da LNSB) zar licitação e contratação de parceria
para estímulo à pesquisa, ao desenvol- público-privada;
vimento e à utilização de tecnologias • a redefinição da competência dos ser-
apropriadas – um recuo quanto à ne- viços públicos de saneamento básico
cessidade de adequar o padrão tecno- quando a LNSB assim passa a estabele-
lógico às realidades socioeconômicas, cer no art. 8º: “I - Os Municípios e o Dis-
culturais, ambientais e institucionais trito Federal são os titulares dos serviços
locais, favorecendo o uso de tecnolo- públicos de saneamento básico, restritos
gias convencionais que beneficiam o as suas respectivas áreas geográficas;
setor privado; II - O Estado, em conjunto com os muni-
• a vedação, no art. 10 da LNSB, median- cípios, que compartilham efetivamente
L
te contrato de programa, à prestação instalações operacionais integrantes de
dos serviços públicos de saneamento regiões metropolitanas, aglomerações ur-
básico por entidade que não integre a banas e microrregiões, instituídas por lei
administração do titular (eliminando a complementar estadual; e § 1º por gestão
possibilidades das companhias estadu- associada, mediante consórcio público ou
ais de água e esgoto de renovarem seus convênio de cooperação, nos termos do art.
contratos de programa com os municí- 241 da Constituição Federal”;25
pios ou firmarem contratos de progra- • o estabelecimento, no art. 11-B da
ma com novos municípios); LNSB, de metas de universalização nos
• a revogação, no mesmo artigo, de dois contratos de prestação dos serviços que
parágrafos, incisos e alíneas que per- garantam o atendimento de 99% da
mitiam ao poder público autorizar a população com água potável e de 90%
prestação dos serviços públicos de sa- da população com coleta e tratamento
neamento básico para usuários organi- de esgotos até 31 de dezembro de 2033
zados em cooperativas ou associações (o § 1º estabelece que até 31 de março
(prejudicando, do ponto de vista legal, a daquele ano os contratos em vigor que
continuidade de atuação no saneamen- não possuírem essas metas deverão in-
to rural dos modelos Central na Bahia, cluí-las e que nos casos que os estudos
Sisar no Ceará e Piauí e similares); para a licitação da prestação regiona-
• a supressão, no inciso II do art. 11 da lizada apontarem para a inviabilidade
LNSB, dos termos “universal” e “inte- econômico-financeira da universali-
gral” da prestação dos serviços públicos zação, fica permitida a ampliação do
de saneamento básico, nos estudos que prazo, desde que não ultrapasse 1º de
comprovem a viabilidade técnica e eco- janeiro de 2040, conforme o § 9º);

345
EIXO T - TEMAS TRANSVERSAIS

• a flexibilização da elaboração do Pla- programa vigentes, com vigência expirada


no Municipal de Saneamento Básico ou sem contrato poderão ser reconhecidos
(PMSB) para a validade dos contra- como contratos de programa e formaliza-
tos de prestação dos serviços, visando dos ou renovados mediante acordo entra
atender aos interesses das empresas as partes, até 31 de março de 2022,9 por
privadas. O novo art. 17 da LNSB passa uma prazo máximo de 30 anos.
a estabelecer, quando da existência de
serviço regionalizado de saneamento Monopólio natural
básico, a elaboração de plano regio-
nal de Saneamento Básico, que poderá Nenhuma nação do mundo universalizou
contemplar um ou mais componentes o saneamento básico sem que o Estado,
do saneamento. Suas disposições pre- como ente que deve assegurar o bem-estar
valecerão sobre aquelas constantes no coletivo, tivesse forte participação. Ainda
PMSB, e o plano regional dispensará hoje, avaliando os modelos de prestação
a necessidade de elaboração e publica- dos serviços, constata-se que a matriz
ção de PMSB. O art. 19, § 4º, da LNSB é pública. Ao induzir à privatização dos
amplia o prazo para a revisão dos pla- serviços públicos de saneamento básico
nos de saneamento básico para até dez no Brasil, a “ponte para o futuro” e atos
anos. Já o art. 19 da Lei 14.026/2020 relacionados do último governo e do atu-
estabelece que os titulares dos serviços al colocam-se na contramão da história.
deverão publicar seus PMSBs e, em seu Constata-se, como mencionado, um movi-
§ único, que “serão considerados planos mento em todo o mundo de remunicipali-
de saneamento básico os estudos que zação dos serviços, dado o reconhecimen-
fundamentem a concessão ou a priva- to dos limites da atuação privada em uma
tização, desde que contenham os requi- área que se constitui em um monopólio
sitos legais necessários”9. Com isso, a natural, um serviço essencial, um direito
necessidade de elaboração do PMSB fi- humano e social. Ela impõe investimen-
ca fragilizada, assim como a participa- tos significativos e não permite o diálogo
ção e o controle social no seu processo. com a lógica do capital, já que a sua lucra-
Tal previsão representa um retrocesso tividade está condenada à cobrança de
significativo, já que a dispensa do plano tarifas elevadas, qualidade dos serviços
participativo debilita os rumos da uni- declinantes, exclusão das populações com
versalização, da fiscalização e do con- baixa capacidade de pagamento, manu-
trole social da prestação dos serviços. tenção das desigualdades de atendimento
e problemas contratuais para fazer frente
Dentre os vetos do presidente Bolsona- às situações de risco, quer seja econômico
ro ao PL 4.162 aprovado, aquele que está como ambientais e de obsolescência dos
gerando maior reação política é o do art. sistemas, dentre outros.
16 da Lei 14.026. Negociado entre os go- Nenhum dispositivo do PL 4.162,
vernadores e o presidente da Câmara, o atual Lei 14.026, considera o acesso à
dispositivo estabelece uma sobrevida para água e ao esgotamento sanitário como
as companhias estaduais de água e esgo- direito humano essencial (Resolução A/
to, quando considera que os contratos de RES/64/292, de 28 de julho de 2010, da

346
LEI 11.445/2007 E A APROVAÇÃO DA LEI 14.026/2020

Assembleia Geral da Organização das 14.026/202026,27, parecem ser inconsti-


Nações Unidas – ONU). Ao contrário: tucionais, porque ferem a autonomia e a
seu texto estabelece instrumentos no organização dos municípios e do Distrito
sentido da privatização dos serviços pú- Federal, bem como diversos dispositivos
blicos de saneamento básico (induzindo da CF. Três ações diretas de inconstitu-
à criação de um monopólio privado) e cionalidade (ADI 6.583, ADI 6.536 e ADI
condiciona o acesso a recursos federais 6.492) referentes à Lei 14.026 foram ajui-
à adesão dos municípios a unidades re- zadas pela Assemae e por cinco partidos
gionais a serem criadas, bem como res- políticos e encontram-se em apreciação
tringe a autonomia municipal; veda os no Supremo Tribunal Federal (STF).
contratos de programa, eliminando a A Lei desestrutura completamente a
possibilidade de gestão associada entre política de saneamento básico do país,
entes federados – art. 241 da Consti- ampliando a exclusão social e as desi-
tuição Federal (CF) de 1988 – e a con- gualdades regionais – porque contribui
tinuação da efetiva atuação das compa- para a privatização seletiva dos serviços
nhias estaduais de água e esgoto; obriga rentáveis/superavitários, enquanto dei-
o município a instituir, no prazo de um xa aqueles déficitários para serem finan-
ano, a cobrança de tarifas para manejo ciados/atendidos com recursos finan-
de resíduos sólidos, sob pena de configu- ceiros/fiscais dos estados e municípios,
L
rar-se renúncia de receita, levando o/a penalizados pela distribuição tributária
gestor/a à punição por improbidade ad- vigente. Além disso, ao vedar o contra-
ministrativa; revoga os dispositivos que to de programa e praticamente a gestão
permitiam a possibilidade de modelos associada de serviços públicos de sanea-
de autogestão na prestação dos serviços mento básico, destrói o subsídio cruzado
públicos de saneamento rural (Central, praticado pelas companhias estaduais
Sisar e similares existentes em área ru- de água e esgoto, com a imposição do
rais), dentre outras questões. modelo de contrato de concessão, com
Os artigos 4º-A, 4º-B e 48 alteram a Lei um discurso enganoso de competição/
9.984/2000, que dispõe sobre a criação da concorrência na prestação dos serviços.
ANA, agora Agência Nacional de Águas e Nele prevalece o interesse privado da
Saneamento Básico, que não conta com atividade econômica, o não atendimento
expertise nem quadro técnico na sua no- das populações da periferia das grandes
va área de atuação. Atribuem também à cidades, de pequenos municípios e dos
Agência competência pela instituição de povos do campo, da floresta e das águas
normas de referência para a regulação (ver p. 499), a violação de direitos huma-
dos serviços públicos de saneamento bá- nos, a manutenção das desigualdades e
sico, passando na prática a regular todo e riscos à degradação ambiental, contrá-
qualquer aspecto dos serviços. rios ao interesse social da área de sane-
Os artigos 8º, §1º, I, II e § 4º; 8º-B; 10; amento básico configurado na univer-
10-A; 10-B; 11, II; 11-B, §§ 2º e 8º; 13; salização de acesso e atendimento aos
23, §§ 1º, 1º-A e 1º-B; 30 caput; 35 caput serviços e na modicidade tarifária.
e 50, que alteram a Lei 11.445 e os ar- As prioridades para a área no país
tigos 2º, 3º, 5º, 7º, 9º, 11, 13 e 15 da Lei deveriam incluir a formulação e imple-

347
EIXO T - TEMAS TRANSVERSAIS

mentação de política pública de sanea- ção do gasto público. Diante do cenário


mento básico que visasse atender a toda de desconstrução atual dessa política,
a população urbana e rural com serviços a sociedade brasileira e os grupos orga-
de qualidade e a preços módicos, a im- nizados devem buscar pautar suas lutas
plementação efetiva do Plansab, a alo- na defesa intransigente do saneamento
cação de recursos públicos necessários e público e no controle social e popular da
de forma perene, bem como a qualifica- gestão dos serviços.

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Agência Nacional de Águas competência para editar normas de referência nacionais
sobre o serviço de saneamento, a Lei nº 10.768, de 19 de novembro de 2003, para al-
terar as atribuições do cargo de Especialista em Recursos Hídricos, e a Lei nº 11.445,
de 5 de janeiro de 2007, para aprimorar as condições estruturais do saneamento
básico no País. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-
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co legal do saneamento básico e altera a Lei nº 9.984, de 17 de julho de 2000, para
atribuir à Agência Nacional de Águas competência para editar normas de referência
nacionais sobre o serviço de saneamento; a Lei nº 10.768, de 19 de novembro de
2003, para alterar as atribuições do cargo de Especialista em Recursos Hídricos; a Lei
nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, para aprimorar as condições estruturais do sane-
amento básico no País; e a Lei nº 13.529, de 4 de dezembro de 2017, para autorizar
a União a participar de fundo com a finalidade exclusiva de financiar serviços técni-
cos especializados. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-
2018/2018/Mpv/mpv868.htm. Acesso em: 28 dez. 2018.
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348
LEI 11.445/2007 E A APROVAÇÃO DA LEI 14.026/2020

saneamento básico e altera a Lei nº 9.984, de 17 de julho de 2000, para atribuir à


Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico competência para editar normas
de referência sobre o serviço de saneamento; a Lei nº 10.768, de 19 de novembro de
2003, para alterar as atribuições do cargo de Especialista em Recursos Hídricos e
Saneamento Básico; a Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005, para vedar a prestação por
contrato de programa dos serviços públicos de que trata o art. 175 da Constituição;
a Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, para aprimorar as condições estruturais do
saneamento básico no País; a Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, para tratar de
prazos para a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos [...]. Disponível
em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/137118. Aces-
so em: 4 ago. 2019.
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Atualiza o marco legal do saneamento básico e altera a Lei nº 9.984, de 17 de julho
de 2000, para atribuir à Agência Nacional de Águas competência para editar normas
de referência sobre o serviço de saneamento; a Lei nº 10.768, de 19 de novembro de
2003, para alterar as atribuições do cargo de Especialista em Recursos Hídricos e
Saneamento Básico; a Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005, para vedar a prestação por
contrato de programa dos serviços públicos de que trata o art. 175 da Constituição;
a Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, para aprimorar as condições estruturais do
L
saneamento básico no País; a Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, para tratar dos
prazos para a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos [...]. Disponí-
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9. BRASIL. Lei no 14.026, de 15 de março de 2020. Atualiza o marco legal do sanea-
mento básico e altera a Lei nº 9.984, de 17 de julho de 2000, para atribuir à Agência
Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) competência para editar normas de
referência sobre o serviço de saneamento, a Lei nº 10.768, de 19 de novembro de
2003, para alterar o nome e as atribuições do cargo de Especialista em Recursos Hí-
dricos, a Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005, para vedar a prestação por contrato
de programa dos serviços públicos de que trata o art. 175 da Constituição Federal,
a Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, para aprimorar as condições estruturais
do saneamento básico no País, a Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, para tratar
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EIXO T - TEMAS TRANSVERSAIS

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20. BRASIL. Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. Dispõe sobre o regime de conces-
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ção Federal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8987cons.
htm. Acesso em: 17 dez. 2018.
21. BRASIL. Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004. Institui normas gerais para
licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pú-
blica. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/
Lei/L11079.htm. Acesso em: 17 dez. 2018.
22. TCE. Parcerias público privadas na UE: insuficiências generalizadas e benefícios

350
LIMPEZA URBANA

limitados. Relatório especial no 09. Luxemburgo: UE, 2018. Disponível em: https://
www.eca.europa.eu/Lists/ECADocuments/SR18_09/SR_PPP_PT.pdf.
23. BRASIL. Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010. Institui a Política Nacional de
Resíduos Sólidos. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
2010/2010/lei/l12305.htm.
24. ABAR; ABES; AESBE; ASSEMAE. Versão final da proposta conjunta das associa-
çãoes nacionais sobre a MP 868/2018. Brasília, 2019. Não publicado.
25. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em:
17 dez. 2018.
26. STF. Medida Cautelar na ADI 6536. Min. relator Luiz Fux, 26 de agosto de
2020b. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.as-
p?id=15344214093 &ext=.pdf. Acesso em: 1 set. 2020.
27. STF. ADI 6583. Ação Direta de Inconstitucionalidade, com pedido de medida cau-
telar, ajuizada pela Assemae, em 15 de outubro de 2020. Disponível em: http://
redir. stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/Consultar-
ProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=6028297. Acesso em: 17 out. 2020.

Autoria deste verbete


L
Luiz Roberto Santos Moraes. Engenheiro civil, sanitarista e de Segurança do Trabalho,
doutor em Saúde Ambiental. Professor titular em Saneamento (aposentado) e partici-
pante especial (voluntário) da Universidade Federal da Bahia (Ufba).

Patrícia Campos Borja. Engenheira sanitarista e ambiental, doutora em Arquitetura


e Urbanismo. Professora associada e pesquisadora do Departamento de Engenharia
Ambiental da Escola Politécnica da Ufba.

L
LIMPEZA URBANA

As comunidades, povoados e cidades bra- O objetivo básico do manejo dos resí-


sileiras enfrentam diariamente desafios duos é manter as comunidades limpas
que dificultam a prestação de serviços e promover a saúde pública e ambien-
para o manejo de resíduos sólidos. Es- tal. As ações que envolvem essa lim-
ses desafios podem ser operacionais ou peza são as mais diversas e a esse con-
financeiros, falta de planejamento, ques- junto de ações os gestores denominam
tões políticas e ambientais. de limpeza urbana. A Lei 11.445/2007

351
EIXO 6 - MANEJO DE RESÍDUOS SÓLIDOS

estabelece as diretrizes nacionais para trando o planejamento do município,


o saneamento ambiental e define o ser- com um levantamento de dados e infor-
viço de limpeza urbana e de manejo de mações existentes, trabalhos realizados e
resíduos sólidos urbanos como “conjunto estabelecimento de metas.
de atividades, infraestruturas e instalações A Lei 14.026/2020 define no seu artigo
operacionais de coleta, transporte, trans- 17 que “o serviço regionalizado de sanea-
bordo, tratamento e destino final do lixo mento básico poderá obedecer a plano regio-
doméstico e do lixo originário da varrição nal de saneamento básico elaborado para o
e limpeza de logradouros e vias públicas”. conjunto de municípios atendidos e o plano
Esse conjunto de atividades envolve a regional de saneamento básico dispensará a
coleta, transporte e transbordo dos resí- necessidade de elaboração e publicação de
duos domésticos e de vias públicas, bem planos municipais de saneamento básico”2.
como a sua triagem para fins de reúso Algumas questões, contudo, podem
ou reciclagem, tratamento, inclusive por ser levantadas quando uma comunidade
compostagem, e disposição final desses reflete sobre esse conjunto de ações que
resíduos. Além disso, serviços de varri- envolvem a limpeza urbana. Por exemplo,
ção, capina e poda de árvores em vias e uma questão de base seria: qual a razão
logradouros públicos e outros eventuais da necessidade da limpeza urbana? Outro
serviços que sejam pertinentes à limpe- questionamento pertinente seria se a mi-
za pública urbana1. nha comunidade necessariamente deverá
Em 2020 foi atualizado o marco legal ter todo esse conjunto de atividades em
do saneamento com a Lei 14.026, para seu planejamento.
aprimorar as condições estruturais do sa- Considerando as questões pondera-
neamento básico no país, no seu artigo 3º, das, pode-se apontar dois aspectos im-
inciso I, a qual descreve limpeza urbana e portantes, sendo um relacionado aos
manejo de resíduos sólidos como sendo impactos associados a uma limpeza
“constituídos pelas atividades e pela dispo- urbana ausente ou deficiente e outro,
nibilização e manutenção de infraestruturas sobre a definição dessas atividades, per-
e instalações operacionais de coleta, varrição tinência e extensão de cada uma delas
manual e mecanizada, asseio e conservação (como áreas rurais, comunidades com
urbana, transporte, transbordo, tratamento população dispersa, comunidades tradi-
e destinação final ambientalmente adequada cionais), considerando especialmente o
dos resíduos sólidos domiciliares e dos resí- caso de cidades com população inferior
duos de limpeza urbana”2. a 50.000 habitantes.
Esse conjunto de atividades deverá ser
planejado, operado, monitorado e ampa- Impactos associados a uma
rado legalmente, bem como financeira- limpeza urbana precária
mente, pelo poder público. Em um Plano
Municipal de Saneamento Básico (ver p. As comunidades que apresentam siste-
450), em que pode constar o Plano Muni- mas deficientes de limpeza urbana po-
cipal de Gestão Integrada de Resíduos Só- dem apresentar problemas de ordem sa-
lidos (ver p. 463), essas etapas da limpeza nitária, estética, de segurança, política,
urbana deverão ser descritas, demons- econômica e ambiental.

352
LIMPEZA URBANA

Um sistema de limpeza urbana inexis- As atividades da limpeza urbana


tente ou sem o planejamento adequado
pode resultar na prevalência e incidên- A primeira ação ou atividade a ser reali-
cia de doenças pela presença de resí- zada em um município em relação a sis-
duos nas ruas ou em terrenos baldios, tematização da limpeza urbana e manejo
os quais podem ser um meio propício à dos resíduos sólidos é conhecer as prá-
proliferação de vetores e de animais pe- ticas, hábitos e atividades existentes
çonhentos, além de causar danos à saúde relacionadas aos resíduos. Quais devem
resultantes de poeira em contato com os se encerrar por serem perigosas, ilegais
olhos, ouvidos, nariz e garganta e do au- e prejudiciais ao ambiente? Quais são
mento de acidentes e da vulnerabilidade atividades e práticas positivas e que po-
socioambiental. A inadequação de um dem melhorar? Quais demonstram ser
componente de saneamento básico traz totalmente apropriadas e devem conti-
reflexos negativos para os demais com- nuar? Essas ações devem ser levantadas
ponentes devido à sua interdependência. em conjunto com a comunidade, com os
Os aspectos estéticos associados à representantes da municipalidade, entre
limpeza de logradouros públicos tam- outros atores. Essa etapa é fundamental,
bém são fortes colaboradores nas polí- de forma a envolver a participação da co-
ticas e ações de incremento da imagem munidade, aprofundar os diálogos e bus-
L
das cidades. Os resíduos dispostos de car soluções conjuntas deixando possí-
maneira desordenada podem ainda oca- veis diferenças à margem.
sionar danos a veículos, causados por Em paralelo, deve-se levantar o con-
impedimentos ao tráfego, como galha- texto político, cultural, social e econômi-
das e objetos cortantes; comprometer a co da comunidade envolvida de forma a
segurança do tráfego, pois a poeira e a planejar e implementar ações de limpeza
terra podem causar derrapagens de veí- urbana condizentes com a realidade de
culos; assim como deflagrar incêndios, cada localidade.
além de entupir o sistema de drenagem Quais seriam então as atividades for-
de águas pluviais – dois riscos associa- mais da limpeza urbana? Como pre-
dos a folhas e capim secos. Ambiental- conizado na Lei 14.445/2007 e na Lei
mente, o solo e as águas superficiais e 14.026/2020, tem-se coleta, transbordo,
subterrâneas podem ser afetados pela transporte, tratamento e destinação final,
decomposição dos resíduos orgânicos e além de varrição e limpeza de logradouros
pela presença de resíduos perigosos, en- e vias públicas. Todas essas atividades são
tre outros elementos. importantes, mas sem dúvida a coleta, o
Ambientes insalubres atuam de for- transporte e a destinação adequada po-
ma negativa nos hábitos e costumes da dem ser considerados como essenciais.
população, que acaba desvalorizando Coleta e transporte: coletar o resíduo
os espaços públicos e comunitários significa recolher o material descartado
em decorrência da falta de políticas que e acondicionado por quem o produz para
expressem o cuidado do poder público encaminhá-lo, mediante transporte ade-
com a população, os bens públicos e seus quado, a uma possível estação de trans-
equipamentos sociais. bordo, a um eventual tratamento e à dis-

353
EIXO 6 - MANEJO DE RESÍDUOS SÓLIDOS

posição final. A coleta está condicionada coleta pode ser regular, especial e também
a uma ação prévia que é o acondiciona- aquela executada pelo próprio gerador.
mento ou armazenamento.
O acondicionamento é uma etapa im- • O sistema regular de coleta é executado
portante, pois prepara os resíduos para a nas residências a intervalos determina-
coleta de forma sanitariamente adequa- dos, correspondendo a remoção de re-
da, bem como compatível com o tipo e a síduos domiciliar, comercial e público.
quantidade desses resíduos. Um acondi- • A coleta especial é executada mediante
cionamento adequado pode ajudar a evitar escala acima do padrão convencional
acidentes e proliferação de vetores, mini- de resíduo domiciliar gerado ou a pe-
mizar impacto visual e olfativo, reduzir a dido do interessado. Como exemplos
heterogeneidade dos resíduos e certamen- têm-se a coleta seletiva de recicláveis
te facilitar a coleta. Os resíduos a serem em residências, a coleta de resíduos pe-
coletados podem ser comerciais, públicos, rigosos, a coleta de resíduos volumosos
da construção civil, serviços de saúde e do- e a coleta de podas.
mésticos – incluídos aí resíduos domésticos • A coleta realizada pelo próprio gerador
perigosos, como pilhas e baterias, ou volu- é aquela que corresponde a grandes vo-
mosos, como sofás e fogões e geladeiras. lumes de resíduos com características
Para cada um desses resíduos são utili- especiais ou não (de supermercados,
zados recipientes diversos. No Brasil, são shopping centers, hospitais etc.).
muito usados sacos plásticos e contêine-
res plásticos e metálicos, com capacidade A coleta eficiente se concretiza com o
de volume diferenciada, para resíduos do- transporte do resíduo de maneira ade-
mésticos, comerciais e públicos. Para re- quada, seja por caminhões, carroças, tra-
síduos da construção civil, normalmente tores, carrinhos de mão, balsas, depen-
utilizam-se caçambas, enquanto para os dendo dos recursos disponíveis no ter-
de serviços de saúde se usam sacos e con- ritório, relevo, tipo de material e equipe
têineres segundo a classificação daqueles. de trabalho, entre outras variáveis. Por-
Já para os resíduos públicos, as papeleiras tanto, são componentes para a definição
de rua, cestas coletoras e grandes contê- nesta etapa:
ineres estacionários.
A coleta possui relação direta com a 1. Frequência: é o número de vezes na se-
forma como as famílias manuseiam os mana que é feita a remoção de resíduos
resíduos em casa antes de os colocarem em uma determinada localidade do
para ser coletados. A análise crítica e a município, podendo ser diária ou em
eventual atualização da legislação muni- dias alternados. Essa definição depen-
cipal que estabelece os procedimentos e de das condições locais como densidade
critérios de embalagem, volume, pontos populacional, área central ou com in-
e frequência de coletas, dentre outros, é tenso comércio etc.
fundamental para a eficiência das fases 2. Horário: é o período do dia no qual é
subsequentes dos serviços públicos. realizada a coleta, podendo ser diurno
A etapa de coleta é, portanto, definida ou noturno. A coleta noturna normal-
pelo tipo de resíduo e sua quantidade. A mente ocorre em áreas determinadas

354
LIMPEZA URBANA

de grandes cidades, pois acarreta um permuta para veículos coletores de resí-


custo adicional significativo. duos, de menor porte, a fim de permitir
3. Itinerário ou roteiro: é o trajeto que o retornem à coleta encurtando as distân-
veículo deve percorrer dentro de um cias e otimizando o tempo e preferencial-
mesmo setor, num mesmo período, co- mente os custos de transporte de grandes
letando e transportando o máximo de distâncias. Recomendável para grandes
resíduos com um mínimo de percurso centros urbanos.
improdutivo e com o menor desgaste Tratamento dos resíduos: é uma eta-
dos seus trabalhadores. pa que varia de acordo com os recursos
4. Equipe: trabalhadores que recolhem e ar- da comunidade, sempre no intuito de va-
mazenam o resíduo no caminhão ou ou- loração, geração de renda e boas práticas
tro veículo durante a coleta. Seu número ambientais. Entre os tratamentos usuais
depende do tipo de equipamento para está a compostagem, que é a degradação
transporte, disponibilidade de pessoal, biológica dos resíduos orgânicos (podas,
volumes e quantidades de resíduos, rele- restos de alimentos). Essa técnica é re-
vo, produtividade e limpeza desejada. comendável para municípios de peque-
no e médio porte. Outra técnica são os
Para determinar a frota necessária tratamentos térmicos como a incinera-
de veículos para coleta deve-se definir: ção, que pode ser uma alternativa para
L
quantidade de resíduos a ser coletada por grandes regiões metropolitanas em con-
dia e calcular o tempo gasto pelo trans- junto com outras ações, como redução,
porte de cada viagem até a área de des- reaproveitamento e reciclagem de forma
tinação ou disposição final, bem como o a garantir que os materiais que vão para
número possível de viagens dentro de um o tratamento térmico sejam os rejeitos.
dia de trabalho (oito horas). Para isso, é De maneira geral, os aglomerados urba-
preciso levar em conta a capacidade dos nos e rurais devem priorizar a separação
veículos coletores, a extensão das vias e a dos resíduos na fonte geradora (casas,
velocidade média da coleta. comércio, entre outros) de forma a con-
Nos períodos de chuvas aumentam as duzir materiais ditos recicláveis como
demandas das equipes de coleta, tendo papel, plástico e metais para unidades
em vista a movimentação dos resíduos de recuperação, para destinação a pro-
decorrentes das águas pluviais e da ne- cessos industriais, podendo gerar renda
cessidade da desobstrução de ralos e bo- a essa comunidade.
cas de lobo, eliminação de empoçamen- Disposição final: é o envio dos rejeitos
tos, remoção de resíduos nas margens de a aterros sanitários, sempre observan-
rios, galerias, praias etc. Em situações do as normas operacionais específicas.
de contingência e emergência ou mesmo Pela Política Nacional de Resíduos Sóli-
nos desastres, os trabalhos se intensi- dos os aterros sanitários devem receber
ficam pela necessidade de ações de res- somente os rejeitos – portanto, a fração
gate, recuperação ou mesmo construção orgânica deve ir para tratamento, como a
das áreas impactadas. compostagem, e os recicláveis devem ser
Estação de transbordo ou transferên- triados e enviados para comercialização
cia: sua finalidade é servir como local de (ver p. 551). Essas ações levarão em conta

355
EIXO 6 - MANEJO DE RESÍDUOS SÓLIDOS

o tamanho da comunidade, sua proximi- total de resíduos aumentou 1% no mesmo


dade com grandes centros, condições eco- período, atingindo um total de 214.868
nômicas e culturais e presença de catado- toneladas diárias no país.
res, entre outros fatores. A quantidade de RSU coletados em
Varrição: consiste na remoção de resí- 2017 cresceu em todas as regiões em com-
duos em vias e logradouros públicos com paração ao ano anterior, e manteve uma
o objetivo de minimizar riscos à saúde cobertura um pouco acima de 90%. A re-
pública, mantendo a cidade limpa e pre- gião Sudeste continua respondendo por
venindo a obstrução de bocas de lobo, cerca de 53% do total de resíduos cole-
empoçamentos, assoreamento das cole- tados, e apresenta o maior percentual de
ções hídricas, alagadiços e inundações. cobertura dos serviços de coleta do país.
Seu planejamento depende de delimita- A Abrelpe projeta que 3.923 municípios
ção das áreas, extensão das vias, condi- apresentam alguma iniciativa de coleta
ções de tráfego, relevo, uso do solo, circu- seletiva, ressaltando que em muitos deles
lação de pedestres, localização de feiras, as atividades de coleta seletiva não abran-
parques, paradas de ônibus etc. Pode ser gem a totalidade de sua área urbana.
manual ou mecanizada. A disposição final adequada de RSU re-
Outras modalidades de limpeza de lo- gistrou um índice de 59,1% do montante
gradouros e vias públicas: além da var- anual encaminhado para aterros sanitá-
rição tem-se a capina de vias, limpeza de rios. As unidades inadequadas como li-
boca de lobo, limpeza de fundo de vale, lim- xões e aterros controlados, porém, ainda
peza de cestos coletores. Essas ações devem estão presentes em todas as regiões do
ser devidamente programadas ao longo do país e receberam mais de 80 mil tonela-
planejamento da gestão do manejo de resí- das de resíduos por dia, com um índice
duos, pois são fundamentais no controle de superior a 40%, com elevado potencial
vetores e na prevenção de inundações. de poluição ambiental e impactos nega-
tivos à saúde.
Cenário brasileiro A limpeza pública é um direito e ao
mesmo tempo um dever cidadão. Ao
Segundo a Associação Brasileira de Em- poder público cabe garantir a oferta dos
presas de Limpeza Pública e Resíduos Es- serviços de maneira integral, sempre com
peciais (Abrelpe)3, a população brasileira equidade e qualidade e de maneira a ga-
apresentou um crescimento de 0,75% en- rantir qualidade de vida ao cidadão. A
tre 2016 e 2017, enquanto a geração per este, por sua vez, compete participar de
capita de resíduos sólidos urbanos (RSU) forma ativa e responsável.
apresentou aumento de 0,48%. A geração

Referências bibliográficas

1. BRASIL. Lei nº 11.445, de 05 de janeiro de 2007. Estabelece diretrizes nacionais


para o saneamento básico. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
ato2007-2010/2007/lei/l11445.htm.
2. BRASIL. Lei nº 14.026, de 15 de julho de 2020. Atualiza o marco legal do sa-

356
LOGÍSTICA REVERSA

neamento básico. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-


2022/2020/lei/L14026.htm
3. ABRELPE. Panorama dos resíduos sólidos no Brasil 2017. São Paulo: ABRELPE,
2018. Disponível em: http://abrelpe.org.br/pdfs/panorama/panorama_abrel-
pe_2017.pdf.

Para saber mais

BRASIL. Lei nº 12.305, de 02 de agosto de 2010. Institui a Política Nacional de Re-


síduos Sólidos. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
2010/2010/lei/l12305.htm.
FUNASA. Manual de saneamento. 4. ed. Brasília: Funasa, 2015. Disponível em:
http://www.funasa.gov.br/documents/20182/38564/Mnl_Saneamento.pdf/
ae1d4eb7-afe8-4e70-ae9a-0d2ae24b59ea.
NUCASE. Gestão integrada de resíduos sólidos urbanos: guia do profissional em trei-
namento – nível 1. Belo Horizonte: ReCesa. (Série Resíduos sólidos). Disponível em:
https://www.mdr.gov.br/images/stories/ArquivosSNSA/Arquivos_PDF/ReCesa/ges-
taointegradaderesiduossolidosurbanos-nivel1.pdf.
Prosab. Coletânea de livros sobre saneamento básico. Disponível em: http://www.finep.
L
gov.br/apoio-e-financiamento-externa/historico-de-programa/Prosab/produtos.
SNIS. Diagnóstico do manejo de resíduos sólidos urbanos – série histórica. Disponí-
vel em: http://app4.mdr.gov.br/serieHistorica.

Autoria deste verbete

Liséte Celina Lange. Professora titular do Departamento de Engenharia Sanitária e


Ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais (Desa/UFMG). Doutora em Tec-
nologia Ambiental pela Universidade de Londres, Inglaterra.

Cynthia Fantoni Alves Ferreira. Engenheira civil, sanitarista e ambiental. Doutora em


Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos – Universidade Federal de Minas Ge-
rais (UFMG). Pesquisadora pós-doutoral do Departamento de Engenharia Sanitária e
Ambiental da UFMG.

L
LOGÍSTICA REVERSA

As cidades brasileiras têm sido desafia- para uma gestão mais eficiente de resí-
das diariamente na prestação de serviços duos sólidos no que tange a seus aspec-

357
EIXO 6 - MANEJO DE RESÍDUOS SÓLIDOS

tos sociais, operacionais, financeiros e cipação do poder público local na coleta


ambientais. Esses desafios são marcados seletiva e na logística reversa, além das
pela falta de diversos elementos: áreas ações relativas à responsabilidade com-
específicas e tecnologias adequadas para partilhada pelo ciclo de vida dos produ-
a disposição final dos resíduos; tecnologia tos. O PGIRS é um dos planos de ação que
para reciclar; recursos econômicos para a pode compor o Plano Municipal de Sa-
construção e a manutenção de instala- neamento Básico em conformidade com
ções de tratamento que permitam dimi- a Lei de Saneamento Básico1 , em 2020
nuir os volumes crescentes de materiais a foi atualizado o marco legal do sanea-
serem depositados em aterros sanitários; mento com a Lei 14.026 2, para aprimorar
e o apoio a organizações sociais que tra- as condições estruturais do saneamento
balham com a separação dos resíduos, re- básico no País e a Política Nacional de
cuperando materiais recicláveis. Resíduos Sólidos (PNRS)3.
Acredita-se que esses desafios só pos- A Política Nacional de Resíduos define
sam ser enfrentados por meio da parti- a logística reversa como um “instrumen-
cipação dos seus cidadãos, levando a um to de desenvolvimento econômico e social
caminho de reflexão conjunta para en- caracterizado por um conjunto de ações,
contrar soluções para seus problemas. procedimentos e meios destinados a viabi-
Mundialmente, discutem-se ações lizar a coleta e a restituição dos resíduos
referentes a não geração de resíduos, sólidos ao setor empresarial, para reapro-
redução, reutilização, reciclagem (ver p. veitamento, em seu ciclo ou em outros ciclos
551). Muitas comunidades pensam nas produtivos, ou outra destinação final am-
suas ações de minimização na geração bientalmente adequada”.
de resíduos, de forma a possibilitar a
inserção desses materiais na cadeia pro- Objetivos
dutiva, racionalizando o uso de recursos
naturais no processo produtivo de novos Mas o que se objetiva, de fato, com a im-
itens e também fomentando a indústria plementação de tal sistema? Pode-se es-
de reciclagem. Em conjunto, as cidades tabelecer quatro macro-objetivos:
com seus gestores e cidadãos pensam na
geração de renda, empregos, e na susten- • melhorar fisicamente a gestão dos re-
tabilidade ambiental. Para tal, existem síduos: aumentar a reciclagem e con-
ferramentas que auxiliam na dinâmica sequentemente reduzir o número de
desse fluxo, sendo uma delas a logística aterros e incineradores, e de resíduos
reversa dos materiais recicláveis pre- perigosos dispostos de forma perigosa
sentes nos resíduos sólidos. no ambiente; viabilizar a coleta e a
Cabe aos municípios, por meio do Plano restituição dos resíduos sólidos ao setor
de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos empresarial, para reaproveitamento,
(PGIRS) (ver p. 463), traçar o seu plane- em seu ciclo ou em outros ciclos
jamento para o atendimento dos objeti- produtivos, ou outra destinação final
vos referentes a minimização de resíduos ambientalmente adequada;
por meio da logística reversa. Deverão ser • transferir responsabilidade e custos
descritas as formas e os limites da parti- dos municípios para as empresas: al-

358
LOGÍSTICA REVERSA

ternar fluxos financeiros; operaciona- Sistemas de logística reversa


lizar o princípio do “poluidor-pagador”;
incentivar à substituição dos insumos Os sistemas de logística reversa (SLRs)
das empresas e serviços por outros que em funcionamento antes mesmo da PN-
não degradem o meio ambiente; RS, por força de resoluções do Conselho
• aumentar a eficiência no uso dos recur- Nacional de Meio Ambiente (Conama),
sos naturais: incentivar a produção e o são: agrotóxicos, seus resíduos e em-
consumo de produtos derivados de ma- balagens (Resolução 334/2003); pneus
teriais reciclados e recicláveis; inservíveis (Resolução 416/2009); óleos
• ampliar o uso de produtos ambien- lubrificantes usados ou contaminados
talmente “amigáveis”: criar condições (Oluc), seus resíduos e embalagens (Re-
para que as atividades produtivas al- solução 362/2005); pilhas e baterias (re-
cancem níveis elevados de eficiência e soluções 401/2008 e 424/2010). O art.
sustentabilidade; buscar alternativas 33 da Lei 12.305/2010, regulamentada
que eliminem ou reduzam os custos da pelo Decreto 7.404/2010, obriga a es-
logística reversa, como reduzir a quan- truturar e a implementar SLR, por meio
tidade de embalagens, aumentar a vida de retorno dos produtos após o uso do
útil dos produtos e aumentar as etapas consumidor, de forma independente do
de pré-reciclagem. serviço público de limpeza urbana e de
L
manejo dos RSU, todos aqueles carac-
É necessário esclarecer aos gestores de terizados como fabricantes, importado-
municípios com população inferior a 50 res, distribuidores e comerciantes dos
mil habitantes que ações, procedimentos seguintes produtos: agrotóxicos; pilhas
e meios destinados a viabilizar a coleta e baterias; pneus; óleo lubrificante; lâm-
e a restituição dos resíduos sólidos padas fluorescentes, de vapor de sódio e
ao setor empresarial não quer dizer, mercúrio e de luz mista; e produtos ele-
necessariamente, trazer de volta ao troeletrônicos e seus componentes2.
fabricante o seu produto ou usar o mesmo A PNRS estabelece ainda que os SL-
frete de ida no retorno. Em alguns casos Rs devem ser estendidos aos produtos
visa assegurar a coleta e a destinação fi- comercializados em embalagens plásti-
nal adequada dos resíduos. cas, metálicas ou de vidro e aos demais
A participação das prefeituras muni- produtos e embalagens, considerando,
cipais na implantação de sistemas de prioritariamente, o grau e a extensão
logística reversa potencializa as ações do impacto à saúde pública e ao meio
e geram maior volume de resíduos des- ambiente dos resíduos gerados2. Nesse
cartados, o que, por muitas vezes, via- sentido, as embalagens em geral e os
biliza e cria sustentabilidade econômica medicamentos inservíveis também es-
e financeira para as operações. Neste tão sendo tratados pelo governo federal
processo, a prefeitura que dispõe de pro- como prioritários para a implantação
gramas de coleta seletiva pode ampliar desses sistemas. Os novos conceitos
o maior número de materiais cobertos contidos nessa lei trazem à tona a res-
pela coleta, sendo gerador de escala para ponsabilidade compartilhada pelo ci-
viabilidade das operações. clo de vida do produto, com atribuições

359
EIXO 6 - MANEJO DE RESÍDUOS SÓLIDOS

individualizadas e encadeadas entre to- implicações tributárias, instrumentos


dos os elos do sistema produtivo, bem financeiros e o controle governamental,
como com responsabilidades para o con- bem como o controle social.
sumidor e o poder público. No que diz respeito aos aspectos logísti-
Para implementar a logística reversa, cos, deve-se considerar o modelo operacio-
foram definidos três instrumentos na nal a ser adotado, sempre estabelecendo
PNRS: regulamentação direta, acordo parcerias com associações e cooperativas
setorial e termo de compromisso, sendo de catadores (ver p. 167) para suporte ope-
que os dois últimos são pactuados entre racional ao SLR, estabelecer um comitê de
o governo e o setor privado. O acordo acompanhamento da implantação do sis-
setorial é um “ato de natureza contratual tema, de forma a implementar os ajustes
firmado entre o poder público e fabrican- necessários para a eficácia do modelo; de-
tes, importadores, distribuidores ou co- talhar o fluxo de informações e interfaces
merciantes, tendo em vista a implantação com o Sistema Nacional de Informações
da responsabilidade compartilhada pelo sobre a Gestão de Resíduos (Sinir), bem co-
ciclo de vida dos produtos”. É necessário mo as condições e o processo de formaliza-
que cada município busque, além da le- ção e cadastro das organizações gestoras.
gislação federal, observar em seu estado Importante estabelecer incentivo à pes-
quais os acordos e chamadas de termos quisa, desenvolvimento e inovação, ava-
de compromisso em discussão para os liar a infraestrutura existente e necessária
diferentes setores. e atrelar o licenciamento ambiental à lo-
Por permitir efetivamente a partici- gística reversa, de forma a definir condi-
pação social, o acordo setorial tem sido ções técnicas para certificação de recicla-
escolhido pelo Comitê Orientador, presi- doras. Alguns produtos pós-consumo, es-
dido pelo Ministério do Meio Ambiente, pecialmente as embalagens, terão relação
como o instrumento preferencial para a direta com os sistemas de coleta seletiva.
implantação da logística reversa. O comi- Entrando nos aspectos sociais, é im-
tê conduz as ações de governo para a im- portante capacitar mão de obra na área
plantação de sistemas de logística rever- de gestão e operação dos SLRs, bem como
sa, e tem centrado esforços na elaboração apoiar a estruturação das organizações
de acordos setoriais visando implemen- de catadores. A educação em saúde am-
tar a responsabilidade compartilhada pe- biental e saúde do trabalhador é compo-
lo ciclo de vida dos produtos. nente fundamental para a melhoria das
Além da pactuação, que deverá ser feita condições de trabalho e para o diálogo
nas diferentes esferas e entre os diferen- com a população. Os catadores podem
tes atores do ciclo de vida dos produtos, ser considerados como agentes populares
um município necessita discutir questões promotores de saúde ambiental.
ligadas a leis e políticas públicas, e a A participação da população pode ser
operacionalização dos serviços, nortea- efetivada de várias formas. Uma delas es-
do pelos aspectos sociais. tá no fomento a programas de educação
Quanto aos aspectos políticos e legais, ambiental, de educação em saneamento e
a comunidade deve observar: necessidade de saúde e sensibilização. Trata-se de in-
de legislação e normatização municipal, vestir nos canais de comunicação local de

360
LOGÍSTICA REVERSA

forma a dialogar com a cultura das comu- separa, classifica, prensa e comercializa
nidades do comerciante e de suas equipes o material reciclável para um reciclador.
quanto ao manuseio saudável e sustentá-
vel e à segregação adequada e posterior Coleta em pontos de entrega voluntários
devolução dos resíduos, bem como pro- – PEVs
mover ações de mobilização e de parti-
cipação social, a partir de metodologias (Ex.: pilhas, celulares, óleo comestível)
participativas, dialógicas e problemati- O consumidor leva seu resíduo a um pon-
zadoras, necessárias para as transforma- to de entrega voluntário (PEV), geralmen-
ções socioambientais nos territórios. te instalado junto ao comércio ou à rede
de assistência técnica. Quando é reunido
Modelos existentes um volume pré-definido, ou segundo um
para os sistemas calendário estabelecido, o operador de lo-
gística passa e recolhe os resíduos, enca-
Os sistemas de logística reversa (SLRs) minhando-os à reciclagem. Os fabrican-
têm assumido três formatos distintos, tes/ importadores financiam a operação,
definidos em função da forma como os re- muitas vezes em parceria com o comércio.
síduos pós-consumo são coletados. Esses
modelos não são obrigatórios, e é desejá- Coleta por sistema itinerante
L
vel que novos arranjos sejam propostos junto ao comércio
considerando a experiência das empre-
sas, dos gestores públicos e dos cidadãos (Pneus, óleo lubrificante, baterias auto-
nesse tipo de atividade. Porém, até então, motivas etc.)
as soluções abaixo têm se mostrado ade- O resíduo não chega ao consumidor (embo-
quadas, podendo inspirar a formatação ra possa haver exceções), é retido no ponto
dos sistemas pelas empresas, bem como de geração – em geral postos de gasolina,
a busca de novas metodologias4. concessionárias ou oficinas. Quando se
reúne um volume pré-definido, ou segundo
Ponto de entrega voluntário (PEV), um calendário estabelecido, o operador de
coleta seletiva ou central de logística passa e recolhe os resíduos, enca-
triagem/entidades de catadores minhando-os à reciclagem. Os fabricantes
e importadores financiam a operação, mui-
(Exemplos: embalagens de cosméticos, tas vezes em parceria com os distribuido-
limpeza, alimentos, bebidas) res ou comerciantes dos produtos.
O consumidor entrega seus resíduos re- Cada município deve discutir o seu mo-
cicláveis em algum PEV, ou tem seu resí- delo segundo os resíduos gerados. Para
duo recolhido por meio de coleta seletiva municípios menores é muito importante
(realizada pelas entidades de catadores, a ideia de estruturas para armazenamen-
pela prefeitura municipal ou por empre- to desses materiais, a fim de gerar ganho
sas contratadas por ela). O material co- em escala, além do consorciamento com
letado é destinado à central de triagem, outros municípios.
em geral sob gestão de uma associação A logística reversa tem potencial de
ou cooperativa de catadores. A central transformar a gestão de resíduos, alte-

361
EIXO 6 - MANEJO DE RESÍDUOS SÓLIDOS

rando fluxos financeiros, promovendo in- a viabilizar essa ferramenta exigida pela
clusão social de catadores, criando novos PNRS. Todas as partes relacionadas ao
negócios e colaborando para aumentar processo deverão contribuir para o enca-
índices de reciclagem e fomentar a in- minhamento dos produtos ao fim da vida
serção de produtos mais sustentáveis. É útil para a reciclagem ou uma destinação
necessário que a sociedade amadureça as final ambientalmente adequada.
discussões e regulamentações de forma

Referências bibliográficas

1. BRASIL. Lei nº 11.445, de 05 de janeiro de 2007. Estabelece diretrizes nacionais


para o saneamento básico. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
ato2007-2010/2007/lei/l11445.htm.
2. BRASIL. Lei nº 12.305, de 02 de agosto de 2010. Institui a Política Nacional de
Resíduos Sólidos. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
2010/2010/lei/l12305.htm.
3.BRASIL. Lei nº 14.026, de 15 de julho de 2020. Atualiza o marco legal do sane-
amento básico. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-
2022/2020/lei/L14026.htm
4. CETESB. Modelos existentes para os sistemas de logística rever-
sa – SLR. Disponível em: www.cetesb.sp.gov.br/logisticareversa/
modelos-existentes-para-os-sistemas-de-logistica-reversa-slr/2019.

Para saber mais

ABDI. Logística reversa de equipamentos eletroeletrônicos: análise de viabilidade


técnica e econômica. Brasília: ABDI, 2013. Disponível em: http://www.mdic.gov.br/
arquivos/dwnl_1416934886.pdf.
ABDI. Logística reversa para o setor de medicamentos. Brasília: ABDI, 2013.
ABRELPE. Panorama dos resíduos sólidos no Brasil 2017. São Paulo: Abrelpe, 2018.
Disponível em: http://abrelpe.org.br/pdfs/panorama/panorama_abrelpe_2017.pdf.
CONAMA. Resolução nº 416, de 30 de setembro de 2009. Disponível em: https://
www.mma.gov.br/estruturas/a3p/_arquivos/conama_416_09_36.pdf.
IBAM. Estudo de viabilidade técnica e econômica para implantação da logísti-
ca reversa por cadeia produtiva. Componente: produtos e embalagens pós-con-
sumo. Brasília: Ibam, 2012. Disponível em: https://sinir.gov.br/images/sinir/
LOGISTICA_REVERSA/EVTE_PRODUTOS_EMBALAGENS_POS_CONSUMO.
IBAMA. Relatório de pneumáticos 2013 – Resolução Conama no 416/2009. Bra-
sília: Ibama, 2013. Disponível em: http://ibama.gov.br/relatorios/pneumaticos/
relatorio-de-pneumaticos.
INPEV. Relatório de sustentabilidade 2013. São Paulo: Inpev, 2014. Disponível em:
https://relatoweb.com.br/inpev/2013.
RECICLANIP – Programa Nacional de Coleta e Destinação de Pneus Inservíveis da As-

362
LOGÍSTICA REVERSA

sociação Nacional da Indústria de Pneumáticos. Disponível em:


SNIS. Diagnóstico do manejo de resíduos sólidos urbanos – série histórica. Disponí-
vel em: http://app4.mdr.gov.br/serieHistorica.

Links interessantes para logística reversa

Programa Jogue Limpo – Embalagens plásticas usadas de lubrificantes


https://www.joguelimpo.org.br/institucional/index.php
Programa Descarte Consciente Abrafiltros – Filtro de óleo automotivo
https://www.abrafiltros.org.br/descarteConsciente
Programa Óleo Sustentável – Óleo comestível
http://www.oleosustentavel.org.br
Programa Descarte Green – Pilhas e baterias portáteis
https://www.greeneletron.org.br/pilhas
Programa Dê a Mão para o Futuro – Embalagens em geral
http://maoparaofuturo.org.br
Sistema Campo Limpo – Embalagens de agrotóxicos
http://www.inpev.org.br/index
Sistema de Logística Reversa de Baterias inservíveis de chumbo-ácidos
L
https://iberbrasil.org.br
Sistema Reciclanip – Pneus inservíveis
http://www.reciclanip.org.br/v3
Programa Descarte Green – Eletroeletrônicos
https://www.greeneletron.org.br/descartegreen
Programa Abas Cidade Sustentável
http://as.org.br/programa-cidade-sustentavel-2
Programa Reciclus – Logística reversa de Lâmpadas fluorescentes, de vapor de
sódio, mercúrio e de luz mista
http://www.reciclus.org.br
Fundação Estadual do Meio Ambiente de Minas Gerais (Feam)
http://www.feam.br/logistica-reversa

Autoria deste verbete

Liséte Celina Lange. Professora titular do Departamento de Engenharia Sanitária e


Ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais (Desa/UFMG). Doutora em Tec-
nologia Ambiental pela Universidade de Londres, Inglaterra.

Cynthia Fantoni Alves Ferreira. Engenheira civil, sanitarista e ambiental. Doutora em


Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos – Universidade Federal de Minas Ge-
rais (UFMG). Pesquisadora pós-doutoral do Departamento de Engenharia Sanitária e
Ambiental da UFMG.

363
M

MACROMEDIÇÃO E MICROMEDIÇÃO

A boa gestão dos sistemas de abasteci- quais há maior perda de água ou menor
mento de água (SAAs) é indispensável pressão de serviço; no cálculo do consu-
para a sustentabilidade econômico-fi- mo de água por habitante e na avaliação
nanceira (ver p. 685) da entidade respon- deste indicador ao longo do tempo; no
sável pelo serviço e para proporcionar a cálculo dos custos das perdas de água (ver
universalização do acesso e garantir p. 429) e do impacto do volume de água
subsídios para populações de baixa ren- retirada do manancial.
da, além de garantir a funcionalidade do
sistema. Para isso, fazem-se necessários Em diversas etapas
a constante atualização dos usuários, a do fornecimento
avaliação do atendimento, o acompanha-
mento da operação do sistema e o moni- A macromedição corresponde à medi-
toramento da qualidade e quantidade da ção de grandes volumes ou vazões do
água produzida e distribuída. SAA. Podem ocorrer em etapas distin-
Neste sentido, o conhecimento das va- tas, incluindo a medição da pressão do
zões, da quantidade de água retirada dos sistema em pontos notáveis e o nível dos
mananciais e do volume de água tratada reservatórios de água no manancial de
que chega aos usuários é de fundamen- abastecimento. De modo geral, refere-se
tal importância para a operação adequa- às medições de vazões, pressões e níveis
da do sistema em todas as suas etapas: de reservatórios, da captação até o pon-
captação, adução de água bruta, trata- to imediatamente anterior à chegada da
mento, adução de água tratada, reser- água ao usuário.1 Os medidores de gran-
vação e distribuição, além do controle des vazões são denominados macrome-
dos custos do SAA. didores e são instalados em tubulações
Portanto, as vazões macro e micro- de maiores dimensões. Um adequado sis-
medidas do SAA (ver p. 645) são usadas tema de macromedição é obtido através
em diagnósticos técnico-operacionais: de projeto, incluindo a determinação da
na identificação de pontos críticos – nos localização adequada dos macromedido-
MACROMEDIAÇÃO E MICROMEDIAÇÃO

res, que pode ser baseada em sistema de furtos (“gatos”) ou locais em que a água
informações e deve levar em consideração não está chegando.
o porte do sistema (população atendida).2
A micromedição corresponde à Medições no Brasil
medição individualizada dos volumes
consumidos pelos usuários. Por meio dela Dados do Sistema Nacional de Informa-
é possível realizar a cobrança com base na ções Sobre Saneamento (SNIS) mostram
quantidade de água consumida. Os medi- que em 2017 a média nacional de ma-
dores de vazões utilizados na micromedi- cromedição era de 78,5%.3 O indicador
ção são denominados micromedidores. é calculado com base no volume de água
O equipamento utilizado é o hidrômetro, medido dividido pelo volume total de água
popularmente chamado de relógio. disponibilizado. Assim, para 2017, 21,5%
A medição do consumo de água em do total de água injetada no sistema não
diversas etapas do SAA possibilita a de- foi medida. A falta desta informação im-
terminação dos custos de manutenção pede que a prestadora tenha controle do
e operação por volume de água produ- que está ocorrendo no sistema, não sendo
zido, a avaliação de pontos críticos em possível saber se este volume de água chega
unidades distintas do SAA, além da às residências dos usuários ou se é perdido
identificação de vazamentos. Portanto, na distribuição. Em 2007, a média nacional
essa ação possui papel fundamental na era de 75,1%, ou seja, marca um aumento
gestão de perdas de água no SAA e sen- de 3,4 pontos percentuais em dez anos.
sibilização de usuários quanto ao uso ra- As regiões Sudeste e Centro-Oeste M
cional da água. Por isso, contribui para apresentam índices de macromedição
a preservação do meio ambiente, pois de 90,2% e 83,8%, respectivamente. As
pode auxiliar esforços de diminuição de regiões Norte, Nordeste e Sul do Brasil
desperdícios de água por parte do con- apresentam índice de macromedição
sumidor. A existência de macro e micro- de 41,8%, 67,4% e 65,4%, respectiva-
medidores permite a quantificação das mente, todos abaixo da média nacional.
perdas e auxilia na localização destas e Apesar de o Plano Nacional de Sanea-
na gestão financeira da companhia de mento Básico (Plansab – ver p. 457) não
saneamento. Representam, assim, ferra- ter meta estabelecida para o índice de
mentas indispensáveis do sistema. macromedição, seu aumento contribui
A setorização da rede de distribuição diretamente para o controle de perdas,
de água permite estabelecer priorida- para o qual o Plansab estipula metas de
des entre setores e controlar as perdas redução nacional com os valores de 36%,
por meio da comparação entre os valo- 34% e 31%, em 2018, 2023 e 2033, res-
res dos volumes de água macromedidos pectivamente. Desta forma, as presta-
e micromedidos. A comparação entre a doras de serviço de saneamento devem
quantidade de água que entra num de- trabalhar para a elevação do índice de
terminado setor de rede e a quantidade macromedição para realização de efetivas
de água que é efetivamente consumida ações na redução de perdas.
pelos usuários do mesmo setor permite Quanto à micromedição, o indicador
identificar trechos onde há vazamentos, mais utilizado é o índice de hidrometra-

365
EIXO 4 - ABASTECIMENTO DE ÁGUA

ção, que indica o percentual de ligações quantidade de movimento e energia.


de água que possuem hidrômetros. O Dentre os medidores desse tipo estão o
SNIS calcula o índice de hidrometração tipo venturi, bocal, medidores de placa
(IN009- código da planilha que é disponi- de orifício, rotâmetro e o tubo de Pitot
bilizada para consulta no site) dividindo (ou tubo pitot). As principais vantagens
a quantidade de ligações ativas de água desses instrumentos estão no seu baixo
micromedidas (AG0047) pela quantida- custo de instalação, na baixa demanda
de de ligações ativas de água (AG0027). por manutenção e na alta precisão. Po-
Ligações ativas são aquelas que se en- rém, apresentam como desvantagem o
contravam em pleno funcionamento no aumento da perda de carga ou pressão no
último dia do ano de referência da coleta sistema e necessitam de equipamentos
de dados3. Em 2017, conforme dados do secundários para a detecção e registo dos
SNIS, a média nacional de hidrometra- diferenciais de pressão.4, 5
ção foi de 92,4%.3 O índice cresceu 3,6 Medidores de deslocamento positivo
pontos percentuais em dez anos. ou volumétricos são dispositivos que
As regiões Norte e Nordeste apresentam em geral medem o volume acumulado
valores abaixo da média nacional, 62,2% durante um determinado período. Con-
e 87,9%, respectivamente. Em 2017, os sistem em um equipamento no qual há
percentuais de hidrometração para as re- um elemento que é movido pelo fluxo do
giões Sudeste, Centro-Oeste e Sul foram fluido, ativando um conjunto de engrena-
de 94,4%, 97% e 98,8%, respectivamente. gens e contabilizando o volume de água
Baixos índices de hidrometração podem que passa pela seção do tubo.4, 5
resultar no aumento do consumo de água Medidores tipo turbina são similares
e na redução da arrecadação das pres- aos de deslocamento positivo: apresen-
tadoras de serviços, pois, na ausência de tam em seu interior um conjunto de rotor
medidores, a tarifa é única, ou, em alguns e aletas que giram conforme a velocidade
casos, não é cobrada, independentemente do fluido. Estes medidores são mais indi-
do consumo, o que pode levar ao uso não cados para fluidos de baixa viscosidade,
racional de água pelos usuários. como a água. Nesta categoria estão os
hidrômetros utilizados pelas concessio-
Equipamentos mais usados nárias de saneamento, bem como os me-
didores tipo Woltmann e turbina. A prin-
Há diversos tipos de medidores de va- cipal vantagem desse tipo de medidor é
zões, podendo ser classificados em medi- a facilidade de instalação e o fato de não
dores de pressão diferencial, medidores demandar energia elétrica para funciona-
de deslocamento positivo, medidores ti- mento. As principais desvantagens são a
po turbina, medidores eletromagnéticos, sensibilidade à interrupção do escoamen-
medidores ultrassônicos, vertedouros e to de forma brusca – alguns instrumentos
medidores de regime crítico.4 Medido- exigem a paralisação do sistema para sua
res de pressão diferencial ou deprimo- manutenção – e suscetibilidade a danos
gênios utilizam a diferença de pressão na presença de impurezas no fluido.4, 5
entre dois pontos definidos. Calcula-se Medidores eletromagnéticos funcio-
a vazão por aplicação das equações de nam através de eletrodos inseridos na

366
MACROMEDIAÇÃO E MICROMEDIAÇÃO

tubulação e são submetidos a um campo Medidores de regime crítico tam-


magnético. Esse tipo de medidor pode bém são usados para medições em ca-
ser utilizado nos mais diversos fluidos, nais. Seu funcionamento baseia-se na
tais como corrosivos, com sólidos em redução da largura do carnal ou na mo-
suspensão e lama. Porém, não podem dificação do nível do fundo do canal ou
ser usados em fluidos que apresentam ainda na combinação de ambos. Nesta
óleos e gorduras ou propriedades mag- categoria encontra-se a calha Parshall,
néticas. A principal desvantagem é que um dos dispositivos de medição mais
necessitam de uma fonte de energia pa- adotados pelas companhias de sanea-
ra seu funcionamento.4, 5 mento para macromedição.4, 6
Medidores ultrassônicos são Em síntese, o tipo de equipamento de
instrumentos que utilizam a medição a ser adotado depende de um
velocidade de propagação do som no conjunto de fatores, tais como caracterís-
meio para medir a vazão. Possuem co- ticas do fluido a ser medido, da vazão, do
mo maior vantagem o não contato com tipo de escoamento, dos custos envolvi-
o fluido. Sua desvantagem está na ne- dos e da precisão exigida.
cessidade de fonte de energia, na baixa Os sistemas de macro e micromedição
exatidão em comparação aos demais e constituem uma ferramenta poderosa
no elevado custo de aquisição.4, 5 para o controle de perdas e mensura-
Os medidores tipo vertedouro são em- ção do consumo de água pela popula-
pregados em canais abertos e funcionam ção. As informações geradas por esses
por meio da diferença de nível da água equipamentos são fundamentais para M
e por estrangulamento da seção ou pela um bom planejamento do SAA. Sua
utilização de um obstáculo de fundo. As existência auxilia na preservação do
principais vantagens desses tipos de me- meio ambiente, tanto pela redução do
didores são seu baixo custo e o fato de consumo de energia como pelo impacto
não necessitarem energia elétrica para causado pela captação de água nos ma-
seu funcionamento. Enquadram-se nessa nanciais, além de contribuir no desem-
categoria vertedouros triangulares, tra- penho financeiro das concessionárias.
pezoidais, retangulares e circulares.4, 5

Referências bibliográficas

1. TSUTIYA, M. T. Abastecimento de água. 3. ed. São Paulo: PHA/Poli/USP, 2006.


2. FUNASA. Redução de perdas em sistemas de abastecimento de água. Brasília:
Funasa, 2014.
3. MDR. Diagnóstico dos serviços de água e esgotos – 2017. Brasília: MDR, 2019.
4. HELLER, L.; PÁDUA, V. L. (coord.). Abastecimento de água para consumo humano.
3. ed. Belo Horizonte: Editora UFMG. 2016. v. 2.
5. GOMES, A. S. (org.). Guias práticos: técnicas de operação em sistemas de abasteci-
mento de água. v. 1. Brasília: MCidades, 2007.
6. MCIDADES. Operação e manutenção de estações de tratamento de água. Guia do
profissional em treinamento: nível 2. Brasília: MCidades, 2009.

367
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

Para saber mais

GONÇALVES, R. F. (coord.). Conservação de água e energia em sistemas prediais e


públicos de abastecimento de água. Prosab. Rio de Janeiro: Abes, 2009. Disponível
em: http://www.finep.gov.br/images/apoio-e-financiamento/historico-de-progra-
mas/Prosab/Prosab5_tema_5.pdf. Acesso em: out. 2019.
MCIDADES. Abastecimento de água: gerenciamento de perdas de água e de energia
elétrica em sistemas de abastecimento de água. Guia do profissional em treinamen-
to: nível 1. Brasília: MCidades, 2009.
MCIDADES. Programa Nacional Combate ao Desperdício Água – PNCDA. Página
web do Programa de Modernização do Setor Saneamento (PMSS). Disponível em:
http://www.pmss.gov.br/index.php/biblioteca-virtual/programa-nacional-combate-
-ao-desperdicio-agua-pncda. Acesso em: out. 2019.
UFPB. Página web do Laboratório de Eficiência Energética e Hidráulica em Saneamento
(Lenhs). Disponível em: http://www.lenhs.ct.ufpb.br. Acesso em: nov. 2019.

Autoria deste verbete

Antonio Natanael Costa Sancho. Engenheiro ambiental pela Universidade Federal do


Ceará (UFC) e engenheiro civil pela Universidade de Fortaleza (Unifor). Mestrando em
Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos na UFMG.

César Rossas Mota Filho. Doutor em Engenharia Civil e Ambiental pela Universidade
do Estado da Carolina Norte (EUA). Professor Associado do Departamento de Enge-
nharia Sanitária e Ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais.

M
MANEJO DE ÁGUAS PLUVIAIS

Quando não é interceptada pela vegetação nado para evitar problemas, como empo-
nem se infiltra no solo, a água da chuva çamentos e proliferação de vetores, inun-
transforma-se em escoamento superfi- dações (ver p. 334) e deslizamentos.1
cial e escoa pela superfície da bacia hi- A Lei 11.445/2007 (artigo 3º, alínea d)
drográfica até chegar a um rio, córrego ou e a Lei nº 13.308/2016 estabelecem que
outro elemento da rede hidrográfica. Em a drenagem e o manejo das águas plu-
áreas de ocupação humana, é necessário viais (ver p. 368), assim como a limpeza
reduzir ao máximo a parcela de chuva que e a fiscalização preventiva das redes plu-
se transforma em escoamento superficial viais urbanas, compreendem um conjun-
e este precisa ser adequadamente direcio- to de atividades, infraestruturas e ins-

368
MANEJO DE ÁGUAS PLUVIAIS

talações operacionais para drenagem, O homem e as águas pluviais


transporte, detenção ou retenção para
o amortecimento de vazões de cheias, A necessidade de realizar o manejo das
tratamento e disposição final das águas águas pluviais tem acompanhado a evolu-
pluviais drenadas nas áreas urbanas.2 ção da sociedade humana. Em 3000 antes
Embora a legislação não faça menção de Cristo (a.C.), as primeiras aglomerações
às áreas rurais, esse serviço também se humanas que passaram a ocupar determi-
aplica a elas, que, legalmente, também nados territórios em caráter permanente
devem ser abrangidas pelos Planos Mu- estabeleceram-se nos vales de rios, a exem-
nicipais de Saneamento Básico. 3 plo da civilização egípcia no Rio Nilo e a
De maneira mais sintética, o manejo das civilização mesopotâmica nos rios Tigre e
águas pluviais também pode ser entendi- Eufrates. Para esses povos, a localização
do como o planejamento, a administração privilegiada próxima aos rios era garantia
e execução de ações estruturais e estrutu- de água para abastecimento, higiene e irri-
rantes que visem potencializar os bene- gação, disponibilidade de terrenos férteis,
fícios do manejo adequado e eliminar ou um meio de transporte, comunicação e até
reduzir os efeitos negativos provocados mesmo de defesa contra o ataque de ou-
pelas águas pluviais. tros povos. As inundações decorrentes das
O homem, ao ocupar um espaço no cheias dos rios era um preço que deveria
território, interfere no ciclo hidrológico ser pago diante de tantos benefícios que a
(ver p. 97). Por exemplo, para construir localização oferecia.4
uma casa em um terreno é necessário Na Idade Antiga, à medida que a popu- M
retirar a vegetação, reduzindo o proces- lação nessas aglomerações foi crescendo,
so de interceptação e a água que ficaria a questão de como lidar com as águas
retida nas folhas das plantas acaba re- pluviais tornou-se foco de maior aten-
tornando à atmosfera por evaporação. ção. A primeira barragem do mundo ti-
Ainda, ao construir a edificação imper- nha como objetivo evitar inundações na
meabiliza-se o solo e reduz-se a parcela antiga cidade de Mênfis e foi construída
de água que se infiltraria nesse terreno pelos antigos egípcios por volta de 2500
e, eventualmente, evaporaria ou contri- a.C. Após mais de uma década em cons-
buiria para a recarga do lençol freático. trução, a barragem foi destruída durante
Reduzindo-se a interceptação, evapora- um evento de chuva mais extremo, sem
ção e infiltração, durante um evento de nunca ter sido finalizada. Na capital do
chuva, a parcela de água correspondente império romano, construída em uma re-
ao escoamento superficial aumentará e gião de charco nas margens do Rio Tibre,
poderá trazer problemas de alagamen- a busca pela mitigação de inundações e
to, enxurrada e inundação (ver p. 334). por técnicas de drenagem de áreas baixas
Outro exemplo de transtornos e prejuí- foi notável. Uma complexa rede de canais
zos durante eventos chuvosos é quando abertos e de tubulações subterrâneas foi
ocorre a ocupação, durante o período de construída para escoar as águas pluviais
estiagem, de áreas ribeirinhas que fa- e também o esgoto.5
zem parte da zona de inundação do rio Durante a Idade Média, não somente
durante o período de chuvas. não foram registrados avanços no manejo

369
EIXO 4 - ABASTECIMENTO DE ÁGUA

das águas pluviais dentro das cidades, co- águas pluviais tornou-se sinônimo de
mo a infraestrutura que havia sido cons- transferir rapidamente para jusante as
truída nos séculos anteriores se deterio- águas pluviais e águas servidas, prefe-
rou por falta de manutenção. Na ausência rencialmente por canais subterrâneos e
de sistemas de escoamento das águas usando a gravidade como força motriz.
pluviais e servidas, o esgoto era lançado Tal abordagem foi denominada como
nas ruas. Como a parcela mais pobre da abordagem higienista e prevaleceu até
população ocupava as áreas mais baixas a segunda metade do século 20. 5
das cidades, ela não só estava mais vul- No contexto brasileiro, a evolução do
nerável a eventos de inundação, como manejo das águas pluviais guarda seme-
também recebia o esgoto proveniente da lhanças com o processo histórico descrito
população mais rica que ocupava as áreas acima. Em São Paulo, por exemplo, até
mais elevadas.4 o final do século 19, o núcleo urbano da
A partir do século 19, a Revolução In- cidade ocupava o alto de uma colina e as
dustrial levou à expansão de cidades co- cheias dos rios “eram esperadas como as
mo Londres e Paris e provocou o cresci- estações do ano, não provocavam gran-
mento da população urbana para níveis des tragédias na pequena cidade, já que
nunca antes alcançados na história da se evitava ocupar baixadas e várzeas”.6 A
humanidade. Mão de obra era necessária partir do século 20, a explosão demográfi-
para garantir o funcionamento de um nú- ca e a especulação imobiliária motivaram
mero cada vez maior de indústrias e hou- a expansão da mancha urbana, que ocor-
ve intensa migração da população rural reu sem o devido planejamento e resultou
para as áreas urbanas. As cidades, no en- em inundações cada vez mais frequentes
tanto, não estavam preparadas para abri- e em uma ocupação socialmente estratifi-
gar a crescente população: a desigualdade cada do território urbano paulistano: as
social era marcante, a classe trabalhado- famílias mais abastadas localizando-se
ra recebia salários baixos, tinha péssimas em cotas mais altas e distantes das águas,
condições de trabalho, vivia em guetos as famílias economicamente desfavoreci-
com elevada densidade populacional e das habitando a periferia distante ou as
precária infraestrutura sanitária. Foi áreas inundáveis de rios e córregos.6 O
nesse contexto que grandes epidemias de processo de ocupação urbana ocorreu e
cólera e tifo devastaram muitas cidades continua ocorrendo de forma semelhante
europeias nesse período.4 tanto em municípios de grande e médio
Mas foi também durante o século 19 porte, como o Rio de Janeiro7 e Joinville
que grandes avanços foram feitos nas (SC)8, quanto em cidades pequenas.
áreas da biologia e da epidemiologia A abordagem higienista foi ampla-
(estudo das epidemias – ver p. 250). Foi mente aplicada nas cidades brasileiras
também um período marcado pela ideia por meio da canalização, da retilineari-
de que o homem deveria exercer maior zação (eliminação de curvas) e da cober-
controle sobre o meio natural e sobre a tura de rios e córregos, que resultaram
organização social. A presença de água no progressivo desaparecimento dos
nas cidades passou a ser percebida como cursos d’água da paisagem urbana. Se,
nociva à saúde humana e o manejo das por um lado, essas medidas higienistas

370
MANEJO DE ÁGUAS PLUVIAIS

conduziram a uma notável redução na vida. Ao contrário da abordagem higie-


incidência de doenças de veiculação hí- nista, as técnicas compensatórias de dre-
drica e nas taxas de mortalidade, por nagem (ver p. 695) buscam controlar na
outro lado, desde o final do século 19, o fonte o excesso de escoamento superfi-
crescimento populacional, com a inten- cial produzido em razão da intervenção
sificação da urbanização – acompanhada humana no ciclo hidrológico (ver p. 97) e
de mudanças no uso e ocupação do so- retardar sua transferência para jusante.
lo e impermeabilização das superfícies A retenção e infiltração do escoamento
–, tem levado à obsolescência gradativa superficial são promovidas por meio de
das redes de micro e macrodrenagem técnicas compensatórias de drenagem,
concebidas sob a ótica higienista. tais quais telhados verdes, jardins de
Com a rápida transferência para jusante chuva, poços de infiltração, entre outras.
das águas pluviais, as inundações passa- O manejo sustentável das águas plu-
ram a se tornar cada vez mais frequentes. viais não se restringe a construção,
Com o aumento das fontes de poluição operação e manutenção de estruturas
pontual e difusa nas bacias hidrográficas, de drenagem dessas águas, sejam elas
os corpos d’água passaram a ficar cada técnicas compensatórias ou estruturas
vez mais poluídos, e os usos da água, cada de micro e macrodrenagem concebidas
vez mais limitados. Diante dessa conjun- sob a ótica higienista. O uso e a ocupa-
tura, o manejo das águas pluviais evoluiu, ção do solo, a manutenção de áreas ver-
primeiramente, para uma abordagem des e permeáveis na bacia hidrográfica,
corretiva que buscava melhorar a quali- a manutenção do traçado e das superfí- M
dade da água por meio do tratamento da cies de revestimento naturais dos cursos
poluição, em especial a poluição de ori- d’água, o reúso da água de chuva, a revi-
gem pontual – através da construção de talização dos fundos de vale e a não ocu-
redes coletoras e estações de tratamento pação de áreas de risco também são es-
de esgotos. Em um segundo momento, a tratégias que devem fazer parte do Pla-
partir da década de 1990, passou-se a al- no Municipal de Saneamento Básico
mejar uma abordagem mais sustentável naquilo que concerne às águas pluviais.
para o manejo das águas pluviais. Ainda, o manejo sustentável das águas
pluviais deve considerar os desafios con-
O manejo sustentável temporâneos, como aqueles impostos
pelas variações climáticas e pela maior
O manejo sustentável das águas plu- ocorrência de eventos hidrológicos ex-
viais está centrado na preservação do tremos que podem impactar fortemente
sistema natural e no tratamento do todos os serviços de saneamento.
escoamento superficial na sua fonte de Nesse contexto, o planejamento muni-
geração por meio de sua retenção tem- cipal de saneamento deve buscar integrar
porária, com infiltração e reúso, quando e articular os demais serviços de sanea-
possível. Tal abordagem mais susten- mento ao manejo sustentável das águas
tável busca atender – além de aspectos pluviais, visto que esses sistemas são in-
técnicos e sanitários – a conservação terdependentes. Para isso, é fundamental
ambiental e a melhoria da qualidade de abranger todos os componentes do sane-

371
EIXO 4 - ABASTECIMENTO DE ÁGUA

amento e deste com as demais infraestru- das águas pluviais requer uma aborda-
turas e equipamentos sociais, visando à gem em escala de bacia hidrográfica,
promoção da saúde e a melhoria da quali- o que, na maioria dos casos, extrapola
dade de vida da população. a área do município. Isso significa que
Quando o manejo dos resíduos sólidos o sucesso no manejo das águas pluviais
não é adequadamente realizado, durante em um dado município depende também
o período chuvoso, resíduos podem che- de adequada articulação com municípios
gar até as estruturas de drenagem das localizados à montante e à jusante e, por
águas pluviais, causando obstruções, isso, o planejamento municipal de sane-
problemas de inundação e de contami- amento deve se articular com planos de
nação. Se o esgoto coletado não é enca- bacia hidrográfica e outros instrumen-
minhado para o devido tratamento, es- tos de planejamento nas esferas regio-
ses efluentes chegarão até a rede de dre- nal, estadual ou mesmo federal.
nagem e aos corpos hídricos, resultando Por fim, mas não menos importante,
em riscos à saúde da população pela tal planejamento deve abranger o servi-
disseminação de águas poluídas e conta- ço de manejo das águas pluviais tanto na
minadas, bem como em uma degradação área urbana como na área rural. Os prin-
das condições ambientais e condições cípios do manejo sustentável das águas
operacionais dos patrimônios público e pluviais são os mesmos nas duas áreas:
privado. Se o escoamento superficial não redução e retardo do escoamento super-
é tratado e controlado, ele pode carrear ficial na fonte. No entanto, nas áreas ru-
sólidos em suspensão em excesso para rais, em geral, as oportunidades de ado-
mananciais de abastecimento, impac- tar estratégias mais sustentáveis nessa
tando a qualidade da água e reduzindo a prática são maiores porque, se compara-
vida útil de reservatórios. do com as áreas urbanas, a porcentagem
O planejamento para a área também de áreas impermeáveis no meio rural é
deve ser coerente com outros planos e menor e isso gera um menor volume de
legislações no âmbito do município, por escoamento superficial; e as áreas rurais
exemplo: o plano diretor, a legislação não são tão densamente ocupadas, de
urbanística, a lei de uso e ocupação do modo que há mais espaço para implanta-
solo, a lei orgânica e o plano de drena- ção de técnicas compensatórias.
gem. Além disso, o manejo sustentável

Referências bibliográficas

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para o saneamento básico. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
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372
MANEJO DE ÁGUAS PLUVIAIS

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5. MIGUEZ, M. G.; VÉROL, A. P.; REZENDE, O. M. Drenagem urbana: do projeto tra-
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br/revistaagcrj/a-enchente-de-1929-na-cidade-de-sao-paulo-memoria-historia-e-
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ratos. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 27, 2013, Natal. Anais [...]. Natal:
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anais/27/1364687738_ARQUIVO_andreacasanovamaiaanpuh2013.pdf. Acesso
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8. SILVEIRA, W. N. Análise Histórica de inundação no município de Joinville–SC,
com enfoque na bacia hidrográfica do rio Cubatão do Norte. 2018. Dissertação
(Mestrado em Engenharia Ambiental) – Universidade Federal de Santa Catarina,
Florianópolis, 2008. Disponível em: http://www.labhidro.ufsc.br/Artigos/analise-
joinville.pdf. Acesso em: 13 nov. 2019.
M
Para saber mais

RIGHETTO, A. M. (coord.). Manejo de águas pluviais urbanas. Rio de Janeiro: Abes,


2009. Disponível em: https://www.finep.gov.br/images/apoio-e-financiamento/his-
torico-de-programas/Prosab/Prosab5_tema_4.pdf
JOHNSON, S. O mapa fantasma: como a luta de dois homens contra o cólera mudou a
destino de nossas metrópoles. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

Vídeo

ENTRE rios: a urbanização de São Paulo. Direção de Caio Silva Ferraz. Produção de
Joana Scarpelini. São Paulo: Editora Contexto, 2011. 1 vídeo (25 min). Disponível
em: https://www.youtube.com/watch?v=Fwh-cZfWNIc.

Autoria deste verbete

Talita Fernanda das Graças Silva. Engenheira civil, mestre em Sistemas Aquáticos
e Gestão da Água pela Ecole des Ponts Paris Tech (França). Doutora em Saneamen-
to, Meio Ambiente e Recursos Hídricos pela Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG) e pela Université Paris-Est (França). Professora do  Departamento de Enge-
nharia Hidráulica e Recursos Hídricos (EHR) da UFMG.

373
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

Priscilla Macedo Moura. Engenheira civil, mestre em Saneamento, Meio Ambiente e


Recursos Hídricos. Doutora  pelo  Institut National des Sciences Appliquées de Lyon
(França). Professora do Departamento de Engenharia Hidráulica e Recursos Hídricos
da UFMG.

Marco Túlio da Silva Faria. Tecnólogo em Gestão Ambiental, engenheiro ambiental e


sanitarista. Doutorando e mestre em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos
pela Universidade Federal de Minas Gerais.

M
MANEJO INTEGRADO DE VETORES

Os vetores, animais transmissores de do- Maior contato entre os seres


enças, têm relações com todos os compo- humanos e os vetores
nentes do saneamento básico. As ações
de saneamento contribuem para a dimi- O avanço da urbanização e o consequente
nuição de criadouros, evitando fornecer desmatamento ocasionaram mudanças
água parada, abrigo, acesso e alimento no ciclo de vida de vetores e um maior
(denominados 4A) para os vetores. contato do ser humano com esses trans-
De acordo com a Organização Mun- missores de doenças. Além disso, a con-
dial da Saúde (OMS)1, os serviços de centração humana em um território sem
saneamento inadequados figuram en- os serviços públicos de saneamento ade-
tre os principais fatores determinantes quados aumenta a poluição e a produção
para a ocorrência de diversas doenças, de resíduos, favorecendo a proliferação
muitas dessas transmitidas por veto- desses vetores. Por exemplo, em áreas nas
res, ao lado da urbanização precária, da quais o fornecimento de água é intermi-
grande mobilidade da população e das tente, ou seja, descontínuo, a necessidade
mudanças cli­m áticas. de seu armazenamento – muitas vezes im-
Os vetores podem transmitir um agen- próprio –, por longos períodos, pode con-
te etiológico (vírus, bactérias, protozoá- tribuir para a transmissão dessas doenças.
rios, helmintos) de um hospedeiro para Redes coletoras de esgoto inadequadas
outro. Dividem-se em duas classificações: ou ausentes, manejo inadequado de resí-
duos sólidos (manuseio intradomiciliar,
• vetor biológico - quando o agente etio- na coleta, condicionamento e destinação
lógico (causador da doença) se desen- final), áreas de alagamentos, empoça-
volve no organismo; mentos e inundações3 podem favorecer a
• vetor mecânico, quando apenas serve permanência de focos desses vetores.4
de transporte ao agente causal.2 No Brasil e na maioria dos outros paí-
ses, os principais vetores relacionados ao

374
MANEJO INTEGRADO DE VETORES

saneamento inadequado são três grupos Um dos conceitos mais recentes de con-
de insetos: os culicídeos (mosquitos), os trole de doenças define-o como uma bus-
flebotomíneos (moscas hematófagas) e ca de esforços e intervenções integradas,
os triatomíneos (barbeiros). As doenças dirigidas à população, visando prevenir,
envolvidas são as arboviroses (dengue, diagnosticar precocemente ou tratar um
zika, chikungunya, Mayaro, febre do Nilo agravo à saúde.5
Ocidental e febre amarela), filariose, ma- A Organização Mundial de Saúde pro-
lária, leishmaniose, doença de Chagas. pôs o termo manejo integrado de veto-
Para fins operacionais e práticos alguns res (MIV) como um processo de toma-
roedores e caramujos são considerados da de decisão racional que otimiza os
vetores.5 De forma mais precisa, do pon- recursos disponíveis para o controle de
to de vista da biologia, os roedores são vetores. O objetivo é melhorar a eficácia,
entendidos como reservatórios. Trata- o custo, a efetividade e a sustentabilida-
-se de organismos de natureza animal ou de ao longo prazo do controle de doen-
vegetal nos quais um agente etiológico ças  transmitidas por vetores.6; 7 A OMS
é capaz de viver e se multiplicar, sendo reconheceu que o enfrentamento a essas
capaz de, a partir destes, infectar outros doenças requer não apenas recursos fi-
hospedeiros.2 Por exemplo, roedores si- nanceiros e tecnológicos e compromisso
nantrópicos (adaptados ao estilo de vida político, mas também estratégias e li-
humano e que convivem com ele) das es- nhas operacionais de responsabilidade.
pécies Rattus norvegicus (ratazana ou rato Os principais elementos da estratégia
de esgoto), R. rattus (rato de telhado ou do MIV são: M
rato preto) e Mus musculus (camundongo
ou catita) são considerados os principais • O estudo local sobre a ecologia dos ve-
reservatórios da leptospirose.5 Os cara- tores, padrões de transmissão da doen-
mujos do gênero Biomphalaria que trans- ça, condições socioeconômicas e am-
mitem a esquistossomose são considera- bientais para direcionar as estratégias
dos hospedeiros intermediários, pois e intervenções; 
alojam o parasito em sua fase larvária.2 • Regulamentação e legislação da saúde
pública de forma a assegurar a imple-
Problema de saúde pública mentação efetiva e sustentável das in-
tervenções para prevenção de doenças
As doenças transmitidas por vetores transmitidas por vetores;
constituem importante causa de mor- • Mobilização social para assegurar a
bidade e mortalidade no Brasil e no participação e comprometimento  para
mundo, sendo um dos principais pro- o  planejamento e a implementação de
blemas de saúde pública. Entretanto, intervenções de controle vetorial.
os agentes etiológicos possuem formas
complexas, alto potencial de reprodu- Diversas ações combinadas
ção e mutações, o que dificulta seu con-
trole e a produção de vacinas. Em tais Portanto, o manejo integrado dos veto-
circunstâncias, o controle de vetores res se constitui em ações combinadas de
geralmente é o mais eficaz. controle jurídico, controle físico, controle

375
EIXO 9 - TERRITORIALIZAÇÃO EM SAÚDE

educacional, controle genético, controle beração no meio ambiente apenas os


biológico e controle químico.1, 5-9 machos podem ser liberados, uma vez
que não se alimentam de sangue como
• Controle jurídico: conjunto de leis e/ou as fêmeas (transmissoras de doenças).
portarias que regulamentam as ações Assim se reduz o risco de picadas e a
para controle de vetores e determinam transmissão de doenças. Esse controle
os responsáveis para cada parcela do pode eliminar diretamente a população
controle. Por exemplo: liberação para do vetor ou levar, com o tempo, à elimi-
ações em casas abandonadas e desti- nação de sua população.
nação correta de pneus. • Controle biológico: é o uso de parasi-
• Controle físico ou mecânico: consiste tas, patógenos, plantas ou predadores
na adoção de práticas capazes de elimi- naturais para o controle de populações
nar o vetor e os criadouros ou limitar do vetor. Exemplos são a bactéria  Ba-
o contato com o homem. As principais cillus thuringiensis israelensis (BTI), que
atividades desse controle envolvem a libera dentro do vetor toxinas como
proteção individual contra os mosqui- óleos essenciais de plantas com ativi-
tos (com roupas, por exemplo), a des- dade larvicida; e peixes e invertebrados
truição ou a destinação adequada de aquáticos que se alimentam das larvas
criadouros, a drenagem de reservató- e pupas de mosquito. Atualmente está
rios e a instalação de telas nas janelas sendo investigado o uso da Wolbachia,
e portas das casas. No caso dos ratos, uma bac­téria inofensiva ao homem e a
o uso de ratoeiras e cercas eletrificadas animais domésticos, encontrada natu-
para eliminação do roedor. ralmente em mais de 60% dos insetos.
• Controle educacional: uso de processos A Wolbachia é capaz de reduzir pela me-
dentro da educação e de mobilização tade o tempo de vida de um mosquito
social. Por exemplo, a abordagem eco- adulto e é capaz de impedir que trans-
biossocial destaca-se pela aplicação de mita o vírus da dengue. Já no caso do
conceitos e práticas relacionados à edu- controle de roedores poderiam ser uti-
cação social e ao cuidado com o meio lizados predadores como aves, gatos,
ambiente como aliados do controle cães e outros mamíferos.
vetorial. Na prática, consiste em uma • Controle químico: consiste no uso de
abordagem conduzida por vários seto- produtos químicos específicos para ma-
res da comunidade, que inclui a educa- tar larvas e insetos adultos. É um tipo
ção em saúde e a educação ambiental, e de controle que deve ser de uso racional
incentiva o uso de ferramentas mecâni- e seguro para o meio ambiente e para
cas sem a utilização de inseticidas para a população, devido à possibilidade
controle vetorial.9, 10 de aumento de vetores resistentes aos
• Controle genético: as estratégias ge- produtos e da geração de impactos am-
néticas também estão sendo desen­ bientais. Esse controle deve ser apenas
volvidas para o controle de vetores, complementar as ações de vigilância
principalmente de mosquitos. No caso e controle físico. No caso do controle
de mosquitos modificados genetica- químico de roedores é feito com produ-
mente, para a criação em massa e li- tos desenvolvidos especialmente para

376
MANEJO INTEGRADO DE VETORES

causar a morte dos ratos, conhecidos não apenas do vetor. Devem ser levados
como raticidas. Inicialmente os ratici- em consideração diversos componentes
das eram de ação aguda, estes foram que participam do processo de surgimen-
proibidos e atualmente os raticidas to da doença. Por exemplo, para as arbo-
são de ação crônica. Apresentam me- viroses, o manejo do território abordaria
nor toxidade para outros animais e são questões como o saneamento, a urbani-
apresentados na forma de granulados, zação, o desmatamento e diversos fatores
blocos parafinados e pó de contato. A ambientais. Já o manejo do hospedeiro
utilização de produtos químicos para o engloba questões sobre imunidade, ali-
controle de vetores e roedores já resul- mentação, carga genética. Além disso, é
tou em diversos problemas de saúde do necessário o manejo do doente, em que
trabalhador devido à exposição aguda serão discutidos aspectos epidemiológi-
ou crônica a esses produtos.11 cos, clínicos, atenção ao paciente, inter-
nações. Esse manejo integrado das arbo-
Processo cíclico viroses faz parte da vigilância em saúde
e deve ser contextualizada no território.
O Guia de Vigilância em Saúde12, em sua O marco regulatório que estabelece as
parte relativa aos problemas entomoló- diretrizes nacionais do saneamento bási-
gicos, explica que a adoção do manejo co13 não considera o manejo integrado de
integrado de vetores deve obedecer a um controle de vetores um componente do sa-
processo cíclico que envolve, resumida- neamento básico, o que dificulta a compre-
mente, as seguintes atividades12: ensão de que o saneamento é determinan- M
te para seu enfrentamento. Entretanto,
• Análise situacional: utilização inte- o Manual de Saneamento5, da Fundação
grada de informações epidemiológicas Nacional de Saúde (Funasa) – ver p. 380 e
e entomológicas e de outros determi- 273 –, traz capítulos específicos sobre os
nantes da doença (meio ambiente e artrópodes e os roedores. Isso se justifica
infraestrutura, entre outros). Isso per- pela importância sanitária das ações de
mitirá identificar as áreas prioritárias saneamento no controle de vetores e pelo
no planejamento das intervenções de fato de as doenças transmitidas por veto-
controle. res serem uma das categorias das doenças
• Desenho das operações: parte do pro- relacionadas ao saneamento ambiental
cesso em que serão identificadas as me- inadequado (DRSAIs – ver p. 218).14
lhores ferramentas de controle.
• Implementação: a adoção das ferramen- Desafio do município
tas de controle previamente escolhidas.
• Monitoramento e avaliação: fase em O desafio na elaboração do planejamen-
que se avalia o êxito dos resultados das to municipal de Saneamento é mapear
medidas implementadas, que servirão os indicadores operacionais referentes à
de base para um planejamento futuro. existência dos componentes dos serviços
públicos da área, bem como os indicado-
O processo descrito permite a reflexão res de desempenho que possam avaliar a
da necessidade de um manejo integrado e qualidade de operação e manutenção.

377
EIXO 8 - GESTÃO DO SANEAMENTO

Para isso, o município precisa ter fontes mações, levando em conta a distribuição
de informações adequadas para o mapea- espacial dos casos das doenças transmi-
mento com a espacialização dos indicado- tidas pelos vetores, possibilita orientar as
res operacionais dos componentes de sa- prioridades das ações de ampliação e ade-
neamento básico, bem como indicadores quação dos componentes do saneamento
de desempenho que possam avaliar a qua- básico, assim como as ações de saneamen-
lidade dos serviços. A análise dessas infor- to ambiental (ver p. 577).

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378
MANEJO INTEGRADO DE VETORES

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Autoria deste verbete

Tatiana Docile. Bióloga e entomóloga, mestre e doutora em Ecologia pela Universidade


Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professora e pesquisadora do Laboratório de Edu-
cação Profissional em Vigilância em Saúde (Lavsa) da Escola Politécnica de Saúde Joa-
quim Venâncio (EPSJV), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), e professora substituta no
Instituto de Aplicação Fernando Rodrigues da Silveira (CAp), da Universidade Estadual
do Rio de Janeiro (Uerj). 

Ronaldo Figueiró. Biólogo com mestrado e doutorado em ecologia pela UFRJ. Professor M
adjunto da Fundação Centro Universitário Estadual da Zona Oeste (Uezo), docente do
Centro Universitário de Volta Redonda (UniFOA) e da Universidade Castelo Branco (UCB).

Gladys Miyashiro Miyashiro. Médica, mestre em Saúde Pública pela Escola Nacional de
Saúde Pública (Fiocruz). Professora-pesquisadora do Laboratório de Educação Profis-
sional em Vigilância em Saúde (Lavsa) da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venân-
cio (EPSJV), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Alexandre Pessoa Dias. Engenheiro civil sanitarista, mestre em Engenharia Ambiental


pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), doutor em Medicina Tropical pelo
Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz). Professor-pesquisador do Laboratório de Educação
Profissional em Vigilância em Saúde (Lavsa) da Escola Politécnica de Saúde Joaquim
Venâncio (EPSJV), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Raiane Fontes de Oliveira. Geógrafa, doutoranda em Geografia Física pela Universida-


de Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), mestre em Geografia pela Uerj. Professora-pes-
quisadora do Laboratório de Educação Profissional em Vigilância em Saúde (Lavsa)
da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), Fundação Oswaldo Cruz
(Fiocruz).

379
EIXO 2 - COMUNICAÇÃO E TERRITORIALIZAÇÃO

M
MANUAL DE SANEAMENTO

O Manual de Saneamento da Fundação ria. Posteriormente, a obra foi traduzida


Nacional de Saúde (Funasa), que comple- para outros idiomas. 5
tou 75 anos em 2019, é uma referência A versão com o título atual foi publicada
histórica sobre o saneamento no Brasil. definitivamente em 1950, mas houve an-
Trata-se de uma expressão dos esforços de tecedentes. O Manual para o Guarda Sa-
diversas gerações de sanitaristas para am- nitário6, 7, precursor do Manual de Sanea-
pliar o acesso ao saneamento em um país mento, é considerado sua primeira versão.
de escala continental, marcado por pro- Ele foi elaborado em 1944 e distribuído
fundas desigualdades socioambientais. como material didático para os cursos de
Desde sua origem, o Manual apresenta formação de guardas sanitários, minis-
claramente a compreensão de que o obje- trados inicialmente na Amazônia pelo
tivo estratégico do saneamento é a saúde Serviço Especial de Saúde Pública (Sesp).
pública.1 Falar de sua trajetória é reafir- Depois, passou a ser utilizado em outras
mar a importância de ampliar as informa- regiões do país.
ções e os processos formativos na área da A organização desse manual, ainda
educação permanente em saúde2 para os como apostila, em edição datilografada
profissionais dos setores de saneamento e e reproduzida em mimeógrafo, coube a
saúde e para a população em geral.3 profissionais brasileiros e estrangeiros,
Atualmente em sua quinta edição como o engenheiro sanitarista norte-a-
(2019), o Manual1 faz referência aos prin- mericano Emil T. Chanlett, do Instituto
cípios de atendimento universal, equi- de Assuntos Interamericanos (Iaia) no
dade, integralidade, participação e con- Brasil.5, 8 Além dos conteúdos produzidos
trole social, gestão e responsabilidade pelos sanitaristas, importantes contri-
pública, em consonância com o marco buições anônimas de guardas sanitários,
regulatório das diretrizes nacionais para inspetores e auxiliares de saneamento fo-
o saneamento básico4. ram incorporadas ao documento.
Saneamento, de acordo com essas pri-
Versões iniciais (1944-1964) meiras versões, “significa a aplicação de me-
didas para evitar a transmissão de doenças
Essa publicação, pioneira no país, foi nas nossas casas e cidades”, pois “existem
feita para suprir a carência de material muitas doenças perfeitamente evitáveis e
didático em português, com linguagem os trabalhos de saneamento visam justa-
técnica adequada e, ao mesmo tempo, mente evitar as doenças comunicáveis”.6
capaz de ser compreendida por agentes Se nas décadas de 1940 e 1950 o papel
públicos e atores sociais. Essa é, talvez, do educador era atuar como inspetor e in-
uma das maiores inovações do Manual, terventor, nos anos de 1960 e 1970 ele se
entre muitas que marcaram sua trajetó- tornou um treinador. Agora predominava

380
MANUAL DE SANEAMENTO

a visão de que as pessoas tinham que ser e Saúde Ambiental da Escola Nacional de
basicamente “treinadas” e esse termo era Saúde Pública Sérgio Arouca, da Funda-
usado segundo os fundamentos da higie- ção Oswaldo Cruz (Fiocruz).7
ne e do sanitarismo. A educação sani-
tária de então consistia em informação, Tecnologias sociais em destaque
adestramento, inspeção e coerção.8
Mesmo com as limitações dos referen- A partir da atuação do Sesp (1942-1960)
ciais políticos e pedagógicos da época, e da Fsesp (1960-1990), instituições que
houve avanços com novas tecnologias antecederam a Funasa, estruturaram-se
de medicina preventiva, formas de ge- Serviços Autônomos de Água e Esgoto
renciamento institucional, tecnologias (Saae) em diversos municípios. As ativi-
educacionais9, programas de formação dades das unidades sanitárias do Sesp
e treinamento de guardas e visitadores incluíam garantir a participação da mu-
sanitários. A atuação desses trabalhado- nicipalidade e da comunidade em seus
res da saúde envolvia atribuições distin- projetos. Essa recomendação tinha obje-
tas.8 Com o tempo, as atividades passa- tivos educativos e a forma adotada para
ram a incorporar a educação de grupos incentivar a participação dos interessa-
de trabalho e o incentivo à participação dos na execução de benfeitorias era partir
comunitária. O treinamento envolvia o de um princípio solidariamente funda-
manejo domiciliar das águas, das hortas, mentado na prática, com a percepção de
das práticas higiênicas e da vacinação, que “cada um cuida sempre mais daquilo
entre outras atividades.8, 10 para que contribui”.15 M
O livro Municipal and Rural Sanitation Mesmo considerando o importante tra-
(1927), traduzido para o português com balho do Sesp/Fsesp e sua contribuição à
o título de Saneamento Urbano e Rural e configuração de valores e práticas ainda ho-
lançado no Brasil em 1948,11 tornou-se je vigentes na chamada educação em saú-
referência nacional e serviu como fonte de,9 as limitações da atuação verticalizada,
de subsídios para as publicações poste- quase militarizada e estritamente técnica7
riores do Manual. 5, 12 dos educadores sanitários dificultavam o
Em 1964, o Manual de Saneamento foi diálogo intercultural com as populações
publicado pela Fundação Serviço Especial do campo, da floresta e das águas (ver p.
de Saúde Pública (Fsesp), com o propó- 499). Essas limitações foram sendo supera-
sito de corrigir todos os erros da edição das gradualmente pela educação em saúde
provisória e, especialmente, preencher as e, de forma mais consistente, pelas refle-
lacunas deixadas pela falta de desenhos. xões político-pedagógicas da educação po-
Sua elaboração contou com a valiosa co- pular em saúde (ver p. 232).3, 16
laboração do pesquisador e engenheiro Entre suas atribuições, o Sesp e a Fsesp
sanitarista Szachna Eliasz Cynamon, que eram responsáveis por preparar os pro-
muito contribuiu para o saneamento no fissionais para o trabalho em saúde pú-
Brasil.13, 14 Cynamon, que entrou para os blica, incluindo o aperfeiçoamento de
quadros do Serviço Especial de Saúde Pú- médicos e engenheiros sanitaristas e a
blica (Sesp) em 1952,12 foi o criador, em formação de enfermeiros, assim como a
1965, do Departamento de Saneamento capacitação de pessoal de nível técnico e

381
EIXO 2 - COMUNICAÇÃO E TERRITORIALIZAÇÃO

de auxiliares. Atuando como um labora- Uma obra sempre atual


tório de inovações sociotécnicas, foram
criadas as Oficinas de Saneamento,17, 18 Em suas edições, revisões e reimpres-
locais abertos à comunidade com o pro- sões, lançadas nos anos de 1944, 1950,
pósito de realizar reparos nas instalações 1964, 1972, 1979, 1981, 1991, 1994,
hidráulico-sanitárias de seus domicílios, 1999, 2004, 2006, 2007, 2015 e 2019, os
assim como projetos e pesquisas aplica- capítulos do Manual sofreram alterações
das sobre o aproveitamento de materiais de conteúdo. Isso fez com que, ao longo
locais, o emprego de novas técnicas, a re- de décadas, o livro continuasse refletin-
dução de custos e o aperfeiçoamento dos do a evolução conceitual e operativa do
trabalhos de campo. Assim, as Oficinas saneamento em uma perspectiva que se
buscavam desenvolver tecnologias apro- aproximou, a partir de 1999, do conceito
priadas, hoje denominadas tecnologias de saneamento ambiental (ver p. 577), de-
sociais (ver p. 717).19-21 senvolvido em meio ao contexto da Con-
Tecnologias sociais e inovadoras fo- ferência das Nações Unidas sobre o Meio
ram apresentadas ao longo das diversas Ambiente e o Desenvolvimento, realizada
edições do Manual, a exemplo da publi- no Rio de Janeiro, em 1992 (mais conhe-
cação de 1950, que já continha a primei- cida como Rio-92 ou Eco-92).24
ra referência ao aproveitamento de água O controle de artrópodes e roedores é
de chuva, no capítulo Suprimento d’água tema presente nas edições do Manual e,
adequado, que continha o tópico específi- devido à sua relevância para a saúde pú-
co Saneamento das cisternas.22 Esse tópico blica, ele ganhou substancial incremen-
incluía desenhos detalhados, mostran- to na quarta edição (2015).1 Embora o
do a importância sanitária de procedi- atual marco legal (Lei 11.445/2007) não
mentos para os descartes das primeiras contemple o manejo integrado de vetores
águas de chuva, o uso de tampa hermeti- (ver p. 374) como um dos componentes do
camente fechada, a retirada da água por saneamento básico, sabe-se que a ação
bombeamento manual ou torneira e a fi- sanitária é fundamental para o controle
xação de telas nas aberturas para evitar de arboviroses como a dengue, a zika e a
a entrada de insetos. O tema do aprovei- chikungunya, transmitidas pelo mosqui-
tamento de águas de chuva foi mantido to Aedes aegypti.
nas edições seguintes.1 Já dois temas presentes na obra duran-
As tecnologias sociais apresentadas te décadas, que indicavam a necessidade
e divulgadas nacionalmente através do de atenção no interior dos domicílios e
Manual vão de dispositivos para lavagem demais habitações, deixaram de constar
das mãos a filtros práticos de areia para do livro. O capítulo Saneamento na escola
escolas rurais23, passando pelos filtros de foi removido a partir da terceira edição
vela para tratamento de água domiciliar e (1999)25 e o capítulo Saneamento dos ali-
pelo bombeamento pelo carneiro hidráu- mentos foi suprimido na seguinte.1
lico, chegando ao filtro de carvão ativado O Manual também sobreviveu a mu-
de osso bovino, ao destilador solar e à danças político-institucionais, como a
fossa verde para tratamento de esgoto,1 criação da Funasa, incorporando as atri-
entre outras inovações técnicas. buições da Fsesp e da Superintendência

382
MANUAL DE SANEAMENTO

de Campanhas de Saúde Pública (Su- perspectiva da educação sanitária até a


cam), em 1991. edição de 1999, quando passa a compor
Na quarta edição, comemorativa de o subitem Educação ambiental. Na quarta
seus 70 anos, o Manual, além das ques- edição,1 o tema é aprofundado por meio de
tões técnicas abordadas anteriormente, um capítulo específico, intitulado Educação
procurou proporcionar ao leitor uma vi- em saúde ambiental e saneamento, com con-
são mais conceitual dos problemas liga- ceitos fundamentados, intervenções, prin-
dos ao meio ambiente, agregando novos cípios e formas de atuação relativos a essa
conceitos, informação sobre tecnologias área. Tal atualização é fundamental para o
e legislação e, sobretudo, temas atuais.1 fortalecimento das ações estruturantes de
O saneamento ambiental (ver p. 577) saneamento nos municípios.
ficou definido como o conjunto de ações
socioeconômicas que têm por objetivo O Manual e seu público
alcançar níveis de salubridade ambien-
tal, por meio de abastecimento de água O Manual dialoga com um amplo espec-
potável, coleta e disposição sanitária de tro de leitores, sendo dirigido especial-
resíduos sólidos, líquidos e gasosos, pro- mente aos profissionais ligados ao sa-
moção da disciplina sanitária de uso do neamento e à saúde pública, gestores e
solo, drenagem urbana, controle de doen- técnicos municipais e estaduais, profes-
ças transmissíveis e demais serviços e sores, pesquisadores e estudantes, ins-
obras especializadas, com a finalidade de tituições públicas e privadas nacionais
proteger e melhorar as condições de vida e estrangeiras, mas sem descuidar dos M
urbana e rural.1 interesses da população em geral.
A conceituação do saneamento ambien- Sua história revela a aproximação e a
tal, incorporando dimensões técnicas e complementaridade das ações de sane-
culturais, é um referencial importante amento e saúde, e, consequentemente, a
para subsidiar a elaboração dos Planos necessidade de maior articulação entre
Municipais de Saneamento Básico.25 esses setores, inclusive na elaboração e
Ainda na edição comemorativa de execução dos PMSBs.
2015, atualizada e revisada em 2019, foi O desafio que persiste está em ampliar
elaborado o capítulo Saneamento em si- a elaboração, comunicação e difusão dos
tuações especiais, que aborda, entre outros manuais e materiais pedagógicos em sa-
assuntos, a situação dos desastres am- neamento, bem como dos planos muni-
bientais e dos planos de contingência e cipais de Saneamento Básico, atualizan-
emergências – temas fundamentais para do conceitos e práticas que promovam a
a elaboração dos PMSBs.1 Mas é impor- apropriação tecnológica – o que inclui as
tante lembrar o capítulo Saneamento em tecnologias sociais –, reconhecendo e va-
época de emergência e em casos de calamida- lorizando as culturas locais, as experiên-
de pública, já presente na edição de 1972. cias, conhecimentos e técnicas populares
A abordagem da educação é uma das que possam fortalecer o saneamento am-
marcas importantes do Manual, desde sua biental, a organização comunitária e os
primeira versão. Esse tópico aparece como processos de participação, mobilização,
parte de vários capítulos e é abordado na comunicação e controle social. Esse é um

383
EIXO 2 - COMUNICAÇÃO E TERRITORIALIZAÇÃO

passo fundamental na promoção da efeti- dir da formação e do um esforço conjunto


vidade das políticas públicas municipais dos agentes públicos e dos atores sociais
de saneamento, a qual não pode prescin- nos territórios.

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MANUAL DE SANEAMENTO

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385
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

Para saber mais

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Disponível em: http://pnsr.desa.ufmg.br/linhadotempo/. Acesso em: 18 ago. 2019.

Autoria deste verbete

Alexandre Pessoa Dias. Engenheiro civil sanitarista, mestre em Engenharia Ambien-


tal, doutor em Medicina Tropical. Professor-pesquisador do Laboratório de Educação
Profissional em Vigilância em Saúde (Lavsa) da Escola Politécnica de Saúde Joaquim
Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz).

Rainier Pedraça de Azevedo. Engenheiro civil, especialista em Engenharia de Saúde


Pública, mestre em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia. Servidor
da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) – Superintendência Estadual do Amazonas.

Agradecimento

A Juliana de Senzi Zancul, da Coordenação de Saneamento em Áreas Rurais e Comunida-


des Tradicionais (Cosar) e da Coordenação Geral de Engenharia Sanitária (Cgesa) do De-
partamento de Engenharia de Saúde Pública (Densp) da Funasa, pela revisão do verbete.

M
MELHORIAS SANITÁRIAS DOMICILIARES

As ações de saneamento devem ser com- e para as melhorias das condições de vi-
preendidas de formas distintas e comple- da e de trabalho nos municípios.1
mentares a depender de sua escala, seja Persiste no Brasil um quadro sani-
nos domínios públicos, comunitários ou tário preocupante, com agravamento
habitacionais. Mesmo em territórios on- da incidência de doenças emergentes e
de não há o acesso aos serviços públicos reemergentes. O lançamento de esgoto
de saneamento básico, as populações re- doméstico sem tratamento no solo ou
alizam de alguma forma os manejos das nos corpos hídricos, a defecação a céu
suas águas e de seus resíduos. O sanea- aberto2 ou em privadas rudimentares
mento domiciliar desempenha um papel não higiênicas, a falta de instalações
fundamental para a promoção da saúde hidráulicas para a limpeza das mãos e

386
MELHORIAS SANITÁRIAS DOMICILIARES

a carência de água com armazenamen- micílios gera impactos socioeconômi-


to seguro e devidamente tratada e de cos e de qualidade de vida importantes
locais inapropriados para banho ou la- e dialoga diretamente com a meta 6.2
vagem de roupa no domicílio são condi- do ODS 6, que preconiza o acesso a “sa-
ções que ampliam os fatores de risco de neamento e higiene adequados e equitati-
um conjunto de doenças relacionadas ao vos para todos, e acabar com a defecação
saneamento ambiental inadequado (DR- a céu aberto, com especial atenção para
SAIs – ver p. 218). Trata-se de moléstias as necessidades das mulheres e meninas e
transmitidas pela via feco-oral ou por daqueles em situação de vulnerabilidade”.
inseto vetor ou contato com a água em Alinha-se, ainda, à meta 3.3 do ODS 3,
que o vetor desenvolve seu ciclo de vida, que orienta a “acabar com as epidemias
e que resultam em maior vulnerabilida- de AIDS, tuberculose, malária e doen-
de socioambiental (ver p. 786). ças tropicais negligenciadas, e combater
a hepatite, doenças transmitidas pela
Intervenções nos domicílios água, e outras doenças transmissíveis”
até 2030.
De acordo com a Fundação Nacional de
Saúde (Funasa), o Programa de Melho- Programa longevo
rias Sanitárias Domiciliares (MSD) com-
preende intervenções nos domicílios A necessidade de promover soluções
com o objetivo de atender às necessida- individualizadas de saneamento, prin-
des básicas de saneamento das famílias, cipalmente nas populações dispersas, M
por meio de instalações hidrossanitá- pequenas localidades e periferias das
rias mínimas, relacionadas ao uso da cidades, fez o Serviço Especial de Saúde
água, à higiene e ao destino adequado Pública (Sesp) criar pioneiramente na
dos esgotos domiciliares. 3 década de 1940,4 na Amazônia, o proje-
Baseia-se no princípio da continuida- to de sentinas (latrinas ou privadas de
de, que estabelece não excluir domicílio fossa seca). A iniciativa posteriormente
algum que necessite das ações de MSD, se transformou em um dos componen-
bem como o princípio da complementa- tes do Programa de MSD, uma das mais
ridade, que considera o que já existe de antigas e contínuas políticas públicas de
manejo adequado das águas de consumo saneamento do país: completou 75 anos
humano, das águas pluviais, dos esgotos em 2019 e ainda integra uma importan-
domésticos e dos resíduos sólidos. Tais te atividade desenvolvida pela Fundação
pressupostos convergem com os dos di- Nacional de Saúde (Funasa).5 Além do Va-
reitos humanos à água e ao esgotamento le do Amazonas, atividades similares fo-
sanitário (Dhaes – ver p. 205), bem como ram desenvolvidas pelo Sesp no estado de
aos Objetivos do Desenvolvimento Sus- Goiás e no Vale do Rio Doce, entre Minas
tentável da Agenda 2030, com ênfase ao Gerais e Espírito Santo.6
ODS 6 (água potável e saneamento) e ao Desde o nascimento do Programa po-
ODS 3 (saúde e bem-estar). dem ser destacados três aspectos im-
A disponibilização de instalações hi- prescindíveis para sua efetividade: a
dráulico-sanitárias adequadas nos do- realização do inquérito sanitário domi-

387
EIXO 9 - TERRITORIALIZAÇÃO EM SAÚDE

ciliar, a participação dos beneficiários e Ampliação


o apoio técnico e material.
O inquérito sanitário domiciliar, O apoio técnico prestado pelos profissio-
item obrigatório até 2013, consistia no nais de saneamento do Sesp ampliou-se
levantamento das condições de sanea- a partir da segunda metade do século 20
mento de todos os domicílios existen- com a implantação do galpão de sanea-
tes na área de abrangência do projeto mento, uma estrutura física construída
(povoado, distrito, vila, sede e outros). nas áreas das unidades de saúde onde as
A partir das necessidades identificadas melhorias sanitárias eram confecciona-
possibilitava-se a execução das melho- das. Posteriormente, esse galpão evolui
rias, levando em consideração o que já para a oficina municipal de Saneamen-
existia de manejo sanitário e a cultura to,8 onde havia o desenvolvimento de
local, bem como as tecnologias adequa- tecnologias sociais (ver p. 717) com a cria-
das às instalações e a disponibilidade de ção de técnicas e artefatos de baixo custo
recursos necessários.7 destinados ao manejo das águas, esgotos
Na versão do programa instituída em e dos resíduos.
2014, foi criada a ficha de levantamen- Essa oficina é caracterizada por um
to de necessidades (Lene), substituindo espaço físico organizacional, aberto à
o inquérito. 3 Nesse formulário, os fun- população, estruturado e equipado para
cionários da prefeitura fazem o registro o desenvolvimento das ações de sanea-
do levantamento em cada domicílio. É mento, mais especificamente aquelas re-
importante que as melhorias sejam re- lacionadas ao Programa de MSD, como a
almente executadas, complementando fabricação de utensílios sanitários, usan-
o que já existe ou implantando algo que do tecnologias apropriadas, simplificadas
o domicílio não tenha. Não deverá ser e de baixo custo.3, 8
marcado sistema ou utensílio já existen- Bastos9 relata que, com a consolidação
te e que esteja em boas condições de uso. das atividades nas oficinas, os inspetores
A participação dos moradores é im- e auxiliares de saneamento passaram a
prescindível e faz com que a população contribuir não apenas com orientações
valorize e se aproprie da tecnologia apro- técnicas, mas atuando diretamente na
priada, contribuindo para a manuten- execução das melhorias. Construíram
ção e a conservação das melhorias nos e aperfeiçoaram diversos dispositivos
domicílios. A apropriação tecnológica para uso doméstico, como bebedouros,
requer processos combinados de ações caixas d’água, lavatórios, pias de cozi-
estruturais (relacionada à infraestru- nha e tanques de lavar roupa.
tura) e estruturantes (relacionadas ao O programa da Funasa compreende
apoio à gestão, à prestação de serviços, ações e artefatos que envolvem a imple-
à formação e qualificação técnica, ao de- mentação de suprimento de água potá-
senvolvimento científico e tecnológico, vel (ligação domiciliar/intradomiciliar,
à comunicação e divulgação) de sanea- poço freático, captação e armazenamen-
mento, contemplando nesta a participa- to da água de chuva e reservatórios),
ção social e a educação popular em saúde utensílios sanitários (conjunto sanitá-
e saneamento (ver p. 424 e 232). rio/vaso e descarga, pia de cozinha, tan-

388
MELHORIAS SANITÁRIAS DOMICILIARES

que de lavar roupa, filtro doméstico e re- soluções, aumentando os custos para a Fu-
cipiente para resíduos sólidos – lixeira) e nasa, além de resultar na apropriação in-
destinação de águas residuais (tanque devida pelos moradores, ao desconsiderar
séptico/filtro biológico, sumidouro, va- seus aspectos socioculturais e econômicos.
las de filtração ou infiltração, sistema de
aproveitamento de água e ligação intra- Critérios e embasamento
domiciliar de esgoto).
O Programa de MSD pode ser conside-
Atualização necessária rado como um importante instrumento
para auxiliar o país a alcançar na univer-
Em que pesem as melhorias previstas pa- salização do acesso ao saneamento, em
ra cada um dos componentes, fica eviden- especial para as populações do campo, da
te que as MSDs não se limitam àquelas floresta e das águas (ver p. 499). Nesse
apresentadas na publicação da iniciativa. sentido, deve constar nos planejamentos
É fundamental viabilizar recursos finan- municipais e no sistema de informações
ceiros e assessoria técnica para novas a relação de déficit de acesso às soluções
tecnologias sociais que estão sendo de- adequadas de saneamento domiciliar.
senvolvidas e que devem ser apropriadas, O critério de elegibilidade e priorida-
de acordo com as especificidades locais e de no enquadramento do município no
os condicionantes socioambientais.3 programa deve ser norteado por condi-
Dos vários tipos de melhorias disponí- cionantes epidemiológicos, sanitários e
veis e financiáveis pela Funasa, o módu- socioambientais, geralmente focalizando M
lo sanitário é o que desperta atualmente as de maiores déficits proporcionais em
maior interesse da municipalidade para serviços de saneamento, em articulação
sua construção. Compreende um conjunto com outros programas governamentais.
de melhorias sanitárias, formado por, no Um dos critérios de prioridade do finan-
mínimo, abrigo com vaso sanitário e des- ciamento do programa deve estar associa-
tino adequado dos dejetos (tanque séptico do à existência de um Plano Municipal de
e sumidouro ou ligação à rede de esgoto). Saneamento Básico (PMSB – ver p. 450).
Atualmente, com o desenvolvimento Levando-se em conta o Programa de
de novas tecnologias sociais de manejo MSD e considerando a oportunidade da
das águas, dos esgotos domésticos e dos atualização do Plano Nacional de Sane-
resíduos sólidos, associados com o mane- amento Básico (Plansab – ver p. 457), da
jo dos solos e das plantas, ampliaram-se implementação do Programa Saneamen-
as perspectivas promocionais de saúde e to Brasil Rural (PSBR – ver p. 525), bem
de geração de renda.3, 7, 10-12 como pelo planejamento municipal por
Entretanto, o Programa de MSD deve meio dos PMSBs, os municípios devem
manter a possibilidade da apropriação das avaliar a possibilidade da implementação
técnicas e sua complementaridade a par- das oficinas municipais de Saneamento.
tir do inquérito sanitário domiciliar para Elas devem ser encaradas como espaços
sua efetividade no domicílio. Reduzir o de interação entre os trabalhadores do
programa aos módulos sanitários padro- saneamento e da saúde e a população, na
nizados pode restringir a diversidade de perspectiva da intersetorialidade e da

389
EIXO 9 - TERRITORIALIZAÇÃO EM SAÚDE

sustentabilidade das intervenções de sa- ação não estiver associada a um progra-


neamento no território (ver p. 729). ma de educação em saneamento e saúde
As intervenções realizadas com as que interaja com a população para o uso
MSDs podem impactar significativamen- e a manutenção correta das estruturas
te a saúde da população, a política muni- sanitárias disponibilizadas e do manejo
cipal de saneamento básico e, de forma habitacional. Portanto, o planejamento
intersetorial, o desenvolvimento dos mu- municipal pode ampliar o acesso ao Pro-
nicípios. Há de se lembrar, porém, que a grama de MSD visando à efetividade das
simples implantação das melhorias pode soluções sanitárias individuais adequa-
não trazer os benefícios esperados se a das nas habitações.

Referências bibliográficas

1. CAIRNCROSS, S.; BLUMENTHAL, U.; KOLSKY, P.; MORAES, L.; TAYEH, A. The pu-
blic and domestic in the transmission of disease. Tropical Medicine International
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2. SILVEIRA, A. B. G. Saúde sem banheiros? Evolução da defecação a céu aberto e do
acesso a banheiros no Brasil. In: Revista de Políticas Públicas, São Luís, v. 20, n. 1,
p. 185-200, jan./jun. 2016.
3. FUNASA. Manual de orientações técnicas para elaboração de propostas para o
Programa de Melhorias Sanitárias Domiciliares. Brasília: Funasa, 2014.
4. SESP. Manual para Guarda Sanitário (original datilografado). Casa de Oswaldo
Cruz. Acervo Fundação Sesp 1. Sesp, 1944.
5. AZEVEDO, R. P. Análise dos critérios de financiamento do Programa de Melho-
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Nacional de Saneamento, Cuiabá, 2019.
6. REZENDE, S. C.; HELLER, L. O saneamento no Brasil: políticas e interfaces. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2002.
7. FUNASA. Elaboração de projetos de melhorias sanitárias domiciliares. Brasília:
Funasa, 2013.
8. FUNASA. Oficina municipal de saneamento. 1. reimp. Brasília: Funasa, 2006.
9. BASTOS, N. C. B. SESP/Fsesp – 1942 – evolução histórica – 1991. Brasília: FNS, 1996.
10. MS; FUNASA. CataloSan: catálogo de soluções sustentáveis de saneamento – ges-
tão de efluentes domésticos. Campo Grande: UFMS, 2018. Disponível em: http://
www.funasa.gov.br/documents/20182/39040/CATALOSAN.pdf/ab32c6fc-c7ee-
-406f-b2cd-7eba51467453. Acesso em: out. 2019.
11. FUNASA. Compostagem familiar. Brasília: Funasa, 2009.
12. SILVA, W. T. L.; MARMO, C. R.; LEONEL, L. F. Memorial descritivo: montagem e
operação da fossa séptica biodigestora. São Carlos: Embrapa Instrumentação, 2017.
Disponível em: https://www.embrapa.br/instrumentacao/busca-de-publicacoes/-/
publicacao/1081476/memorial-descritivo-montagem-e-operacao-da-fossa-septica-
-biodigestora. Acesso em: out. 2019.

390
MELHORIAS SANITÁRIAS DOMICILIARES

Autoria deste verbete

Rainier Pedraça de Azevedo. Engenheiro civil, especialista em Engenharia de Saúde


Pública, Mestre em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia. Servidor
da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), Superintendência Estadual do Amazonas.

Alexandre Pessoa Dias. Engenheiro civil sanitarista, mestre em Engenharia Ambien-


tal, doutor em Medicina Tropical. Professor-pesquisador do Laboratório de Educação
Profissional em Vigilância em Saúde (Lavsa) da Escola Politécnica de Saúde Joaquim
Venâncio, Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Raiane Fontes de Oliveira. Geógrafa, doutoranda em Geografia Física, mestre em Geo-


grafia. Professora-pesquisadora do Laboratório de Educação Profissional em Vigilância
em Saúde (Lavsa) da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), Fundação
Oswaldo Cruz.

M
MIGRAÇÃO
M

Do ponto de vista demográfico, a migra- pelo menos os últimos 12 meses ou preten-


ção é a mudança do local de residên- de viver por pelo menos 12 meses. Nos dois
cia habitual de indivíduos ou famílias, casos, não é considerada a ausência tempo-
quando há o deslocamento de uma uni- rária, por motivo de férias ou trabalho.1
dade administrativa ou política para ou- No caso dos censos demográficos (ver p.
tra. Normalmente, as migrações podem 88) brasileiros, a migração pode ser resulta-
ser intermunicipais, interestaduais, do de uma intenção de se residir habitual-
intraestaduais, rural-urbanas, ou ain- mente em uma nova região, por motivo de
da internacionais, entre outros recortes trabalho, independentemente da duração
espaciais possíveis. de residência na data do recenseamento.2
Além das fronteiras espaciais, a dimen-
são temporal é essencial. Quanto tempo Motivos para investigar
uma pessoa deve morar em outro lugar pa- o fenômeno
ra ser considerada “residência habitual”?
Nos casos mais comuns, é aplicado um li- Afinal, por que estudar a migração? Jun-
mite de 12 meses: (a) o local em que a pes- tamente com a natalidade e a morta-
soa viveu continuamente durante a maior lidade, a migração é um dos três com-
parte dos últimos 12 meses, ou pretende ponentes da mudança demográfica,
viver por pelo menos 6 meses; (b) o local alterando o tamanho, a distribuição e a
em que a pessoa viveu continuamente por composição da população (ver p. 495). A

391
EIXO 3 - LEITURA DEMOGRÁFICA DO TERRITÓRIO

identificação de padrões demográficos é Conceitos


essencial para descobrir as tendências
da população, suas causas e consequên- Existem várias sutilezas envolvendo as
cias, ou mesmo para desenvolver teorias definições de migração, de acordo com a
sobre as mudanças demográficas. disponibilidade dos dados. Cada tipo de
Os padrões revelados nos dados de mi- pergunta em um censo ou pesquisa produ-
gração podem ser usados para​​ derivar zirá um resultado diferente e revelará um
várias medidas, como médias, taxas e determinado aspecto do processo migra-
proporções, para descrever e analisar a tório. Neste sentido, alguns conceitos são
distribuição espacial da população, sua importantes e usualmente utilizados na
concentração, crescimento e tendências literatura demográfica, como estes defini-
no espaço, bem como os fluxos de uma dos a seguir.
unidade geográfica para outra. Percebe-
-se que as migrações não podem ser des- Estoque x fluxos de migrantes
consideradas nos planos e ações de sane-
amento, sob pena de se propor soluções O estoque de migrantes pode ser defi-
não sustentáveis, particularmente no nido, em geral, como o conjunto de pes-
médio e longo prazos. soas que já mudaram de seu antigo local
Ao estudar a migração, uma pessoa que de residência habitual. No momento de
chega a uma área geograficamente defi- coleta dos dados, a pessoa deve ter vivi-
nida é chamada de imigrante, enquanto do pelo menos um período, como previa-
a pessoa que deixou para trás o local de mente definido, em uma área diferente
residência é denominada emigrante. O daquela em que vivia anteriormente.1
saldo da migração entre dois períodos (a Especificamente, a “migração acumula-
diferença entre o número de pessoas que da” é um termo que se refere ao conjunto
entram e saem de uma área), conhecido de pessoas que, na data do censo ou da
como migração líquida, contribuirá para pesquisa, vivia em um local diferente do
o (de)crescimento demográfico de uma local de nascimento. 3
área específica, bem como sua compo- Por sua vez, os fluxos de migração con-
sição por sexo e idade. Por exemplo, nas sistem no número total de movimentos
áreas rurais onde muitas pessoas muda- que ocorrem durante um intervalo tem-
vam para trabalhar nas regiões metropo- poral, tendo áreas comuns de origem e
litanas, especialmente mulheres jovens, destino. Na maioria das vezes, os dados
o local de origem muitas vezes passa por sobre migração estão disponíveis em cen-
um processo de envelhecimento e predo- sos e pesquisas demográficas, e, por isso,
minância da população masculina, além o conjunto de migrantes representados
de uma diminuição populacional. Por refere-se apenas aos sobreviventes até a
outro lado, as áreas de destino destas data do censo ou pesquisa.
pessoas provavelmente experimentarão
aumento da população, não apenas por Migração bruta x líquida
um efeito direto, mas também por uma
quantidade maior de nascimentos no lo- A migração bruta abrange todos os mo-
cal de destino das mães. vimentos de pessoas que mudaram de

392
MIGRAÇÃO

residência habitual, dentro e fora de uma regiões metropolitanas. Durante décadas,


região. Geralmente, envolve todos os mi- este tipo de movimento contribuiu para o
grantes que sobreviveram até a data do rejuvenescimento populacional de grandes
censo ou da pesquisa. aglomerações urbanas, não apenas devido
Já a migração líquida representa a di- à entrada de jovens, mas também como
ferença entre os números de imigrantes contribuição à natalidade destes locais.
e emigrantes dentro de um intervalo de Diferentemente, áreas de exploração de
tempo definido, ou o mesmo que saldo minérios ou desflorestamento geralmente
líquido migratório. se caracterizam por imigração de homens
jovens. Devido à própria natureza ambien-
Migrações e saneamento talmente predatória destas atividades,
a residência destes trabalhadores pode
Esses conceitos gerais são úteis quando ser pouco duradoura, ocasionando novos
se faz necessária uma análise de dados movimentos migratórios de curto prazo,
de migrantes, mas, para além dos aspec- quando os recursos naturais se esgotam.
tos técnicos, a relevância de se levar em Trata-se de apenas dois exemplos entre
conta as migrações em planos e ações de tantos possíveis, mas mostram a neces-
saneamento básico está na sua capacida- sidade de compreensão das migrações,
de de alterar a dinâmica demográfica especialmente na escala local. Por um la-
local. Mesmo em casos nos quais o saldo do, um saldo positivo de mulheres jovens
migratório for nulo – isto é, igual entrada deverá aumentar a demanda por serviços
e saída de pessoas – pode haver alterações de saúde materno-infantil e de sanea- M
consideráveis na composição da popu- mento básico, pois a população tenderá
lação, por sexo, idade, níveis de renda e a crescer e a se rejuvenescer. Por outro
escolaridade, para citar alguns exemplos. lado, a demanda por saneamento tam-
Isso normalmente ocorre porque as mi- bém aumentaria em áreas de exploração
grações não são um fenômeno aleatório. de recursos naturais, mas o crescimento
Como salientado anteriormente, um populacional tende a ser apenas de cur-
exemplo seriam os volumosos fluxos to prazo, podendo até mesmo vir a ser
emigratórios de mulheres jovens a par- negativo, posteriormente. Diferentes
tir de áreas rurais, durante o período de contextos exigirão diferentes soluções
industrialização e urbanização acelera- de saneamento básico, daí a importância
das, ocorrido no Brasil a partir dos anos de se considerar a dinâmica demográfica,
1950. Essas pessoas estavam à procura de em geral, e as migrações, em particular –
oportunidade de trabalho, em geral nas especialmente em pequenas áreas.

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2. IBGE. Censo Demográfico 2010. Manual do recenseador – CD-1.09. Rio de Janeiro:

393
EIXO 3 - LEITURA DEMOGRÁFICA DO TERRITÓRIO

IBGE, 2010. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/instrumen-


tos_de_coleta/doc2601.pdf. Acesso em: 10 mar. 2020.
3. UN. Manual VI: methods of measuring internal migration. New York: UN Pub-
lications, 1970. Disponível em: https://www.un.org/development/desa/capaci-
ty-development/tools/tool/manual-vi-methods-of-measuring-internal-migration.

Para saber mais

CARVALHO, J. A. M.; MACHADO, C. C. Quesitos sobre migrações no Censo Demográ-


fico de 1991. Revista Brasileira de Estudos de População, Rio de Janeiro, v. 9, n. 1,
p. 22-34, jan./jul. 1992. Disponível em: https://www.rebep.org.br/revista/article/
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CARVALHO, J. A. M.; RIGOTTI, J. I. R. Os dados censitários brasileiros sobre migra-
ções internas: algumas sugestões para análise. Revista Brasileira de Estudos de Po-
pulação, Rio de Janeiro, v. 2, n. 15, p. 7-18, 1999. Disponível em: https://www.rebep.
org.br/revista/article/view/402.
RIGOTTI, J. I. R. Técnicas de mensuração das migrações, a partir de dados censitá-
rios: aplicação aos casos de Minas Gerais e São Paulo. 1999. mimeo. Tese (Doutorado
em Demografia), Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional, Universida-
de Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1999. cap. 2. Disponível em: https://
repositorio.ufmg.br/bitstream/1843/MCCR-7RQNTT/1/tese.pdf.
RIGOTTI, J. I. R. Información de los censos demográficos del Brasil sobre migracio-
nes internas: críticas e sugerencias para el análisis. Notas de Población, Santiago
de Chile, n. 88, p. 219-244, 2010. Disponível em: https://repositorio.cepal.org/
handle/11362/12852.
RIGOTTI, J. I. R.; CAMPOS, J.; HADAD, R. Migrações internas no Brasil: (des)conti-
nuidades regionais à luz do Censo Demográfico 2010. Geografias, Belo Horizonte,
Edição Especial – Dossiê Migrações, p. 8-24, 2017. Disponível em: https://periodi-
cos.ufmg.br/index.php/geografias/article/view/13444/10675.

Autoria deste verbete

José Irineu Rangel Rigotti. Doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e


Planejamento Regional (Cedeplar) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Professor associado do Cedeplar.

Járvis Campos. Doutor em Demografia pelo Cedeplar. Professor adjunto do Departa-


mento de Demografia e Ciências Atuariais (DDCA) da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (UFRN).

394
M
MOBILIZAÇÃO SOCIAL

A mobilização social faz parte da realiza- favorecendo o controle destas ações pa-
ção da democracia e promove o controle ra grupos que mantêm poder político e
popular dos processos decisórios. Con- econômico, seja pelo cooptação, pela co-
tribui para a busca da autonomia dos ter- erção ou por ambos.
ritórios e para a promoção e implantação
de políticas públicas territorializadas. Mobilização e saneamento básico
Agir coletivamente fortalece a identi-
dade de grupos sociais, potencializando No final da década de 1980 são estrutu-
a promoção da saúde e o fortalecimento rados no Brasil novos movimentos so-
de redes comunitárias. A mobilização ciais populares com o fim do regime di-
social para a elaboração do planejamento tatorial. Entre 1970 e 1988, ocorre uma
municipal de saneamento incorpora ao ampla mobilização social que resulta no
conhecimento técnico os saberes locais movimento da Reforma Sanitária. Esse
para efetivação do saneamento universal processo buscou debater as estratégias
que abarque os desejos e necessidades da necessárias para mudanças nas ações de
população atendida. saúde pública no país. Houve mobiliza- M
O ato de mobilizar consiste na neces- ção de setores da sociedade civil – orga-
sidade de organização da sociedade para nizada ou não – de conselhos de saúde,
participação ativa nas questões cotidia- sindicatos e instituições de ensino e pes-
nas que influenciam a composição da es- quisa. Essa conjuntura teve seu ápice na
trutura social, por meio de ações coleti- 8ª Conferência Nacional de Saúde, que
vas visando objetivos comuns. “Mobilizar contou com ampla participação popular,
torna-se, assim, condição essencial para a fazendo emergir pautas da sociedade vin-
participação social.”1 culadas à democratização da saúde.3
A imobilização precede o ato de mo- A mobilização social em saúde e em
bilizar um grupo social. Para analisar a saneamento básico surge como uma es-
ação popular nos processos políticos de tratégia marcada por lutas e militâncias
intervenção, é preciso compreender os de segmentos sociais excluídos. Não de-
momentos em que há desinteresse co- ve se resumir à validação das políticas
letivo sobre as questões que envolvem a públicas e/ou serviços sociais nas áreas
vida da população. A organização da so- de saúde e saneamento básico, mas de-
ciedade capitalista contribui com a alie- ve contemplar as reivindicações de di-
nação dos sujeitos para que não tenham reitos na luta social pelas boas práticas
voz e autonomia frente às mudanças sanitárias e pela promoção da qualidade
políticas em sua vida cotidiana. Somos de vida e do direito humano à água e ao
organizados para sermos receptores e esgotamento sanitário (Dhaes – ver p.
não promotores de políticas públicas, 205). Isto se evidencia na constatação de

395
EIXO 2 - COMUNICAÇÃO E TERRITORIALIZAÇÃO

que o acesso aos serviços de saneamento neamento e tornar efetiva a participação


básico ainda é precário e déficitário em social (ver p. 424). A mobilização da socie-
grande parte de todas as regiões do Bra- dade para o planejamento municipal tem
sil, em especial para as comunidades de sido recomendada pelas políticas, planos
baixa renda, com maior vulnerabilidade e programas de saneamento e pelos ór-
socioambiental (ver p. 786). gãos federais por meio da constituição de
A mobilização precede e ocorre de for- um comitê de coordenação, formado por
ma simultânea à participação popular, representantes da sociedade civil organi-
e se traduz pelo engajamento político zada e do poder público, devendo ser as-
da sociedade a partir da realidade e das segurada a paridade na representação das
necessidades da população. Viabiliza o duas esferas.5
conhecimento das doenças relacionadas A identificação dos grupos e atores
ao saneamento ambiental inadequado sociais é atividade fundamental para
(DRSAIs – ver p. 218), doenças evitáveis, abrangência das ações de mobilização
mas que afetam a saúde humana pela ine- social no município. Consideram-se gru-
ficiência e/ou ausência dos componentes pos estratégicos as comunidades tradi-
dos serviços públicos ou das soluções in- cionais e os povos originários– tais como
dividuais de saneamento básico.  os povos indígenas, os remanescentes de
As práticas educativas são processos quilombos, seringueiros, caiçaras, que-
indispensáveis para o estímulo da mo- bradeiras de coco-de-babaçu, pescadores
bilização e da participação popular, en- artesanais, jangadeiros, catingueiros – as
gajada e consciente, no enfrentamento comunidades de favelas e outros aglome-
dessa questão.4 rados urbanos precários, dentre outros.
A participação popular na formulação Exercem também um papel importante
do planejamento municipal, na implemen- grupos e organizações situadas nas vilas
tação e na posterior execução das ações e e na sede do município, como associações
intervenções de saneamento básico local de moradores, sindicatos, cooperativas,
possibilita incorporar o cidadão e os atores movimentos sociais, associação comer-
chaves na condução das políticas públicas cial e organizações sociais.
para o setor. É necessário romper com a Cada território (ver p. 729) possui uma
ideia de que obras de saneamento “não dão história e experiências coletivas de mobi-
voto porque estão debaixo da terra”, para lização social que precisam ser considera-
mobilizar a população e relacionar o direi- das como ponto de partida, tendo-se co-
to ao saneamento universal com o direito mo estratégia o fortalecimento das polí-
à saúde ambiental e humana. ticas municipais de saneamento básico. A
identificação dos setores de mobilização
Estratégia é método para territorialização das ações
em todo município, com vista na amplia-
A construção da Estratégia de Mobiliza- ção da abrangência dos atores e grupos
ção, Participação Social e Comunicação sociais. A mobilização deve ser planejada
tem o intuito de sensibilizar os atores so- e adotar estratégias para que sejam con-
ciais desde o primeiro momento da elabo- templadas todas as áreas do município,
ração do planejamento municipal de sa- inclusive as rurais e remotas.

396
MOBILIZAÇÃO SOCIAL

Doenças relacionadas A estratégia de mobilização, participa-


ao saneamento ção social e comunicação pode se dividir
em duas frentes: local (ouvidorias coleti-
É característica de territórios onde há vas, mapeamento de atores sociais, jor-
população em níveis de pobreza a con- nais locais, comunicação e reuniões) e em
vivência com DRSAIs, seja pelo não rede, frente em que a tecnologia e as mí-
atendimento ou pelo atendimento pre- dias sociais são utilizadas para alcançar
cário. A vivência com surtos dessas do- diferentes públicos. 
enças e o desconhecimento da popula- Cabe aos municípios garantir os direi-
ção causam momentos de ansiedade e tos à ampla participação social na formu-
pânico, podendo aumentar o interesse lação da política pública de saneamento
popular nos serviços de saúde pública. básico. São eles, também,  responsáveis
Evidenciam-se questões relacionadas ao pelas convocatórias de reuniões, audiên-
atendimento precário do abastecimento cias públicas e conferências, nas quais
de água, do esgotamento sanitário, do a principal estratégia de mobilização
manejo de resíduos sólidos e dos proble- social é a elaboração e a realização de
mas no manejo das águas pluviais. Este eventos públicos ou eventos setoriais de
contexto é favorável para a reprodução mobilização social.
de vetores, aumento nos indicadores de
morbimortalidade ou mesmo nas ocor- Educação popular e mobilização
rências de epidemias, tornando neces-
sárias as intervenções urgentes de sane- As propostas de mobilização comunitária M
amento básico. e social devem estar baseadas nos proces-
As organizações sociais locais devem sos de educação popular em saúde e sa-
pleitear os direitos estabelecidos na neamento, que problematizam a realida-
Constituição Federal de 1988, que pre- de do território e proporcionam espaços
vê o direito ampliado à saúde, sobretu- de participação dos coletivos, favorecen-
do gratuita e universal, como direito de do as discussões das situações de saúde e
todos e dever do Estado. Direito que em saneamento. Ações que têm como pers-
alguns territórios é violado pelo Estado pectivas a atuação de atores estratégicos
aos moradores de áreas de maior vulnera- das comunidades nas reivindicações e
bilidade socioambiental.  propostas de práticas voltadas para  mo-
Dessa forma, a mobilização social  é um bilização da população, que demandem
processo comunicativo e estratégico que planejamento político, democratização e
proporciona aos representantes das ins- a socialização do saber. 
tituições, comunidades e grupos sociais A organização da população propor-
o engajamento e articulação de esforços ciona a reflexão da realidade vivida nos
no enfrentamento e nas reivindicações de territórios, que geram diagnósticos de
ações de saúde e saneamento básico para demandas ou problemas do coletivo.
cobrar o poder público em relação à cria- Nesse sentido, atos isolados não ga-
ção e implementação de políticas priori- rantem o sucesso da participação so-
tárias para a promoção e melhoria das cial, pois a proposta de mobilização se
condições de vida da população. dá pelos esforços de forma planejada e

397
EIXO 2 - COMUNICAÇÃO E TERRITORIALIZAÇÃO

construída pelo grupo, seja pelo coleti- ganha notoriedade a partir da globalização
vo de instituições ou pelos movimentos das mídias sociais, que se tornaram ferra-
sociais e populares. mentas estratégicas para a comunicação
Trata-se de uma perspectiva freiria- nos territórios, pois ultrapassam as fron-
na de organização na forma de diálogos, teiras da localidade e dão voz aos excluídos. 
pautada na construção de hipóteses e A mobilização social é uma ação fun-
transformação da realidade social, que damental para democratização de po-
está centrada na superação das contra- líticas públicas. A territorialização das
dições, pela qual o povo e as lideranças ações do Estado é um processo de cons-
aprendem e constroem juntos.6 trução conjunta com a sociedade para a
Embora a mobilização social ainda recor- criação de vínculos de pertencimento.
ra aos meios de comunicação tradicionais A mobilização em torno da saúde e do
(tais como mapeamento dos atores, jornal saneamento básico é caminho para a
local, ouvidorias coletivas e reuniões co- busca do direito à universalização dos
munitárias), é crescente a mobilização por serviços – com equidade e integralidade
meio de ações de comunicação em rede, – enfrentando as iniquidades e as desi-
mais rápidas e populares. Esse processo gualdades territoriais.

Referências bibliográficas

1. HENRIQUES, M. S.; MAFRA, R. L. M. Mobilização social em saúde. In: SANTOS,


A. (org.). Caderno mídia e saúde pública. Belo Horizonte: ESP-MG; Funed, 2006.
p. 101. Disponível em: http://www.esp.mg.gov.br/images/documentos/caderno_mi-
dia_e_saude_publica.pdf.
2. LOCKE, John. Carta sobre a tolerância. Tradução João da Silva Gama. Lisboa: Edi-
ções 70, 1987.
3. PAIM, J. S. Reforma sanitária brasileira: contribuição para a compreensão e crítica.
Salvador: Edufba; Rio de Janeiro: Fiocruz, 2008.
4. MCIDADES. Programa de Educação Ambiental e Mobilização Social em Saneamen-
to. Caderno metodológico para ações de Educação ambiental e mobilização social
em saneamento. Brasília: MCidades, 2009. Disponível em: https://www.mma.gov.
br/estruturas/educamb/_publicacao/20_publicacao06062011041901.pdf. Acesso
em: 16 jun. 2019.
5. MS; FUNASA. Termo de referência para elaboração de plano municipal de sane-
amento básico. Brasília: Funasa, 2018. Disponível em: http://www.funasa.gov.br/
termo-de-referencia-tr-para-pmsb.
6. FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 44. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.

Para saber mais

FUNASA; UFF. Cadernos Temáticos Saneamento Básico – Mobilização Social. 2016.


Disponível em: http://www.saneamentomunicipal.com/o-projeto/capacitacao/
cadernos-tematicos.

398
MOBILIZAÇÃO SOCIAL

VALLA, V. V. Educação popular, saúde comunitária e apoio social numa conjuntura


de globalização. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 15, p. S7-S14, 1999.
Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/csp/v15s2/1283.pdf.

Vídeo

PROGRAMA de Educação Ambiental e Mobilização Social em Saneamento (PEAMSS).


1 vídeo (6 min). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=TysTvLko8zw.

Autoria deste verbete

Felipe Bagatoli Silveira Arjona. Geógrafo, doutorando em Geografia pela Pontifícia


Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Professor-Pesquisador no Labora-
tório de Educação Profissional em Vigilância em Saúde (Lavsa) da Escola Politécnica de
Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Ana Paula Lucas Caetano. Professora, doutoranda em Saúde Coletiva pelo IFF/Fiocruz.
Professora-pesquisadora no Laboratório de Educação Profissional em Vigilância em
Saúde (Lavsa) da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), da Fundação
Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Tatiana Santana Timóteo Pereira. Engenheira civil, especialista em Gestão e Tecnolo- M


gia do Saneamento pela Escola Nacional de Saúde pública (Ensp) da Fiocruz. Participou
da elaboração e da implementação do Plansab no Ministério das Cidades e hoje atua na
educação ambiental no Ministério do Meio Ambiente.

Priscila Almeida Faria. Pedagoga, mestre em Ciências Aeroespaciais. Professora-pes-


quisadora no Laboratório de Educação Profissional em Vigilância em Saúde (Lavsa)
da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), da Fundação Oswaldo
Cruz (Fiocruz).

Alexandre Pessoa Dias. Engenheiro civil sanitarista, mestre em Engenharia Ambien-


tal, doutor em Medicina Tropical. Professor-pesquisador do Laboratório de Educação
Profissional em Vigilância em Saúde (Lavsa) da Escola Politécnica de Saúde Joaquim
Venâncio (EPSJV), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

399
N

NOTIFICAÇÃO COMPULSÓRIA DE DOENÇAS E AGRAVOS (NCDA)

A notificação compulsória de doenças e Ao longo dos anos houve atualizações


agravos (NCDA) é a principal fonte de da- no sistema com o intuito de diminuir as
dos para as ações de vigilância epidemio- subnotificações e padronizar a coleta e o
lógica e tem o propósito de produzir in- processamento de dados sobre doenças e
formações e, consequentemente, o fluxo agravos de notificação no país.4
que envolve informação, decisão e ação. A Em 2015, uma grande atualização da fi-
notificação é o ato de comunicar às au- cha de notificação incorporou os campos
toridades sanitárias a ocorrência de de- referentes às populações em situação de
terminada doença ou agravo à saúde. Ela rua, às populações privadas de liberdade,
pode ser feita por profissionais de saúde aos profissionais de saúde e imigrantes.4
ou pela própria população.1
As informações derivadas da notifica- Atualização constante
ção tornam possível identificar localida-
des atingidas, grupos populacionais vul- A Lista Nacional de Notificação Compul-
neráveis e eventos em saúde pública. Com sória (LNNC), instituída pelo Ministério
isso, é possível realizar intervenções de da Saúde, apresenta revisões e atualiza-
controle por meio de políticas públicas de ções tendo em vista as alterações da ocor-
saneamento, vigilância, promoção, assis- rência das doenças e dos fatores de risco à
tência, proteção e recuperação da saúde. saúde e a respectiva atualização dos proce-
No Brasil, as atividades relacionadas à dimentos de controle e monitoramento do
coleta de informações e ao fluxo de envio Sistema Único de Saúde (SUS).
de dados de notificação compulsória de De acordo com a Portaria 204/2016, a
doenças são realizadas por meio do Siste- lista consta de 48 itens, incluindo, além
ma de Informação de Agravos de Notifi- das doenças, os agravos provocados por
cação (Sinan).2 O Sinan surgiu na década circunstâncias nocivas, tais como aciden-
de 1970, em meio às ações de erradicação tes de trabalho ou com animais, intoxica-
da varíola, para o registro dos casos e da ções por substâncias químicas, abuso de
cobertura das campanhas de vacinação.3 drogas e violência.5
NOTIFICAÇÃO COMPULSÓRIA DE DOENÇAS E AGRAVOS (NCDA)

As ocorrências de notificação compul- de cada caso. A notificação, dependendo


sória são: do evento de saúde, precisa ser comuni-
cada imediatamente às autoridades sani-
• as doenças transmissíveis; tárias, ou, quando há menos gravidade e
• agravos (acidentes e violências); magnitude, pode ser comunicada em até
• eventos de saúde pública (ESPs); uma semana.
• eventos adversos pós-vacinação.
Subnotificação
A inclusão precisa atender a critérios co-
mo magnitude, potencial de dissemina- A investigação da ocorrência de doenças e
ção, transcendência e vulnerabilidade.6 agravos apresenta uma série de obstáculos
Os ESPs são situações que, em face dos decorrentes das dificuldades dos sistemas
critérios mencionados, podem constituir de saúde e de outras políticas públicas, nas
potencial ameaça à saúde pública: surto instâncias municipais, estaduais e federal,
ou epidemia, doença ou agravo de causa que com frequência geram subnotificação.
desconhecida, alteração no padrão clínico A subnotificação das doenças, com
epidemiológico das doenças conhecidas, destaque para as infectocontagiosas e
epizootias ou agravos decorrentes de de- parasitárias,7 é um grande desafio para
sastres ou de acidentes.1, 5 o sistema de informações em saúde,
Na saúde humana, os desastres (ver p. uma vez que possui multicausalidades
183) podem trazer sérios impactos e se- e multidimensionalidades ao longo do
rem considerados eventos de saúde pública fluxo de informações, desde a infecção
quando as consequências geram agravos, até a confirmação do caso devidamente
doenças e óbitos. Essas ocorrências podem notificado. N
ser notificadas no momento do desastre e De forma esquemática, podem ser apre-
também, conforme a necessidade, em mé- sentadas as seguintes barreiras (B) que
dio e longo prazos. Desta forma, dada a dificultam a correspondência entre os
gravidade e a relevância dos impactos so- dados disponíveis e a realidade sanitária,
ciais que os desastres podem acarretar, é resultando em subnotificação:
necessário monitorar e prevenir para que
esses tipos de ESP não ocorram. • B1. Indivíduos infectados que não de-
O surgimento de novas doenças (emer- senvolvem as doenças, mas podem
gentes) ou o retorno de outras que estavam transmiti-las, direta ou indiretamente,
sob controle (reemergentes), influenciadas a outros indivíduos (exposição);
também por descobertas científicas, resul- • B2. Indivíduos doentes assintomáticos
tam na necessidade de atualizações perió- – a sintomatologia não molesta os indi-
dicas da lista de notificação. víduos nem causa reações em outros in-
Os dados de notificação compulsória divíduos a ponto de os levarem às uni-
de doenças e de agravos são registrados, dades assistenciais de saúde (processos
obrigatoriamente, em formulário padro- imunológicos e culturais);
nizado: ficha individual de notificação • B3. Indivíduos doentes que não vão às
(FIN) do Sinan. Na FIN, são registradas unidades assistenciais de saúde por desin-
características clínicas e epidemiológicas formação (acessibilidade informacional);

401
EIXO 9 - TERRITORIALIZAÇÃO EM SAÚDE

• B4. Indivíduos doentes que não se mo- ças que não estão na lista de notificações,
tivam a ir às unidades assistenciais de mas que são de grande importância sani-
saúde por dificuldades financeiras, dis- tária, a exemplo das doenças diarreicas.
tâncias, filas, precariedade das unida-
des de saúde etc. (acessibilidade física, Doenças relacionadas
econômica e organizacional); ao saneamento
• B5. No atendimento em saúde não é es-
tabelecida a suspeita de diagnóstico da Dentre os indicadores de saúde associa-
doença (anamnese); dos ao saneamento, destacam-se, além da
• B6. A suspeita é estabelecida, porém diarreia: a mortalidade infantil; as para-
o indivíduo não é submetido a exame sitoses intestinais causadas por helmin-
clínico (acessibilidade econômica e tos (verminoses) e por protozoários (ex.
técnica-laboratorial); giardíase e amebíase); os índices antropo-
• B7. A notificação não é realizada ou é métricos, tracoma, doenças dermatológi-
parcialmente realizada nos prontuá- cas, entre outras8.
rios médicos (erro na prescrição médica Estudos sobre os impactos na saúde e
e precarização do processo de trabalho); no SUS decorrentes de agravos ligados
• B8. Necessidade de se confirmar os ca- ao saneamento7 resultaram no indica-
sos notificados, prováveis e suspeitos. dor das doenças relacionadas ao sanea-
mento básico inadequado (DRSAIs – ver
A superação dessas múltiplas barreiras p. 218), incorporado ao Instituto Brasi-
requer que o SUS, no âmbito dos municí- leiro de Geografia e Estatística (IBGE).
pios, tenha um sistema eficaz de vigilân- A precariedade dos componentes de
cia em saúde (ver p. 779), de educação em saneamento, bem como o saneamento
saúde, de acessibilidade à informação, aos domiciliar e a higiene pessoal inade-
estabelecimentos assistenciais de saúde quados, constituem ameaças à saúde da
e aos laboratórios. É fundamental que os população, sobretudo para os grupos so-
profissionais de saúde estejam devida- ciais com maior vulnerabilidade socio-
mente capacitados e com condições de ambiental (ver p. 786). Entre as doenças
trabalho que permitam realizar a pres- de transmissão feco-oral, as diarreias
crição médica, bem como o envio dos for- ocupam o primeiro lugar, sendo respon-
mulários de notificação para o sistema de sáveis pela maior parte das internações
informação. por DRSAIs.9
Essas informações geram indicadores Em relação às diarreias, a vigilância em
de saúde de morbimortalidade neces- saúde é feita pela monitoração das doen-
sários para orientar as prioridades das ças diarreicas agudas (DDA), que consiste
ações de saúde e de saneamento nos ter- no registro de dados básicos dos doentes
ritórios (ver p. 729). Além das doenças de (residência, idade, plano terapêutico) em
notificação compulsória, para uma maior unidades de saúde. No entanto, em casos
compreensão da eficácia dos sistemas de de surto, a notificação de DDA é compul-
saneamento básico, é necessário obter in- sória e imediata (até 24 horas do conheci-
formações do monitoramento ambiental mento do evento) à secretaria municipal
das águas, dos solos, da biota e de doen- de Saúde, à secretaria estadual de Saúde e

402
NOTIFICAÇÃO COMPULSÓRIA DE DOENÇAS E AGRAVOS (NCDA)

ao Ministério da Saúde (MS).6 inspeção, investigação e educação em


O Programa de Monitoração das Do- saúde. São informações necessárias para a
enças Diarreicas Agudas (MDDA) foi es- elaboração dos planos municipais de Sanea-
tabelecido para os estados pela Secretaria mento Básico (PMSBs – ver p. 450).
de Vigilância em Saúde do MS. Seu obje- A utilização de indicadores de saúde,
tivo é auxiliar as unidades locais de saúde tanto provenientes das doenças e agra-
com instrumentos ágeis e simplificados vos de notificação compulsória como das
que permitam uma análise semanal dos outras doenças, é fundamental para a re-
episódios de doença nos municípios para alização dos estudos epidemiológicos. Es-
a busca de relação entre os eventos (local tes visam uma melhor compreensão dos
das diarreias, fontes de transmissão, gru- processos de saúde-doença-cuidado nos
pos envolvidos, gravidade da doença etc.). territórios e podem orientar as ações de
Isso permite detectar casos, surtos e epi- planejamento das ações de saneamento
demias em tempo oportuno, possibilitan- básico, seja nos domicílios, por meio de
do a investigação precoce de suas causas e soluções individuais, seja no domínio pú-
impedindo seu alastramento.10 blico, por meio dos serviços coletivos de
Os determinantes socioambientais das saneamento adequados. Portanto, apesar
DRSAIs são múltiplos, sofrem alterações dos desafios, é pressuposto da adminis-
no espaço e no tempo e configuram tração municipal oferecer capacitação
complexa cadeia causal, o que requer ações continuada aos profissionais de saúde
sistemáticas de vigilância, tais como: sobre a necessidade de notificar correta-
controle, monitoramento, fiscalização, mente as doenças e agravos.

N
Referências bibliográficas

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de vigilância em saúde: contexto e identidade. Rio de Janeiro: EPSJV, 2017. Disponí-
vel em: http://www.epsjv.fiocruz.br/sites/default/files/livro1.pdf. Acesso em: 15 mar.
2020.
2. MS. Portaria nº. 104/GM, de 25 de janeiro de 2011. Define as terminologias ado-
tadas em legislação nacional, conforme o disposto no Regulamento Sanitário Inter-
nacional 2005 (RSI 2005), a relação de doenças, agravos e eventos em saúde pública
de notificação compulsória. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saude-
legis/gm/2011/prt0104_25_01_2011.html.
3. CUNHA, E. M.; VARGENS, J. M. C. Sistemas de informação do Sistema Único de
Saúde. In: GONDIM, G. M. M., CHRISTÓFARO, M. A. C.; MIYASHIRO, M. G. (org.). Técni-
co de Vigilância em Saúde: fundamentos. v. 2. Rio de Janeiro: EPSJV, 2017. Disponível
em: http://www.epsjv.fiocruz.br/sites/default/files/livro2.pdf. Acesso em: 19 mar. 2020.
4. ROCHA, M. S.; BARTHOLOMAY, P.; CAVALCANTE, M. V.; DE MEDEIROS, F. C.;
CODENOTTI, S. B.; PELISSARI, D. M. et al. Notifiable Diseases Information System
(SINAN): main features of tuberculosis-related notification and data analysis. Epi-
demiologia e Serviços de Saúde, v. 29, n. 1, 2020.

403
EIXO 9 - TERRITORIALIZAÇÃO EM SAÚDE

5. BRASIL. Portaria nº 204, de 17 de fevereiro de 2016. Define a Lista Nacional de


Notificação Compulsória de doenças, agravos e eventos de saúde pública nos serviços
de saúde públicos e privados em todo o território nacional, nos termos do anexo, e
dá outras providências. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/
gm/2016/prt0204_17_02_2016.html. Acesso em: 30 jun. 2019.
6. AYRES, A. R. G.; MIYASHIRO, G. M.; CHAIBLICH, J. V.; SILVA, M. N. Vigilância Epi-
demiológica. In: GONDIM, G. M. M.; CHRISTÓFARO, M. A.C.; MIYASHIRO, G. M.
(org.). Técnico de vigilância em saúde: contexto e identidade. 1. ed. Rio de Janeiro:
MS; EPSJV/Fiocruz, 2017. p. 308. Disponível em: http://www.epsjv.fiocruz.br/sites/
default/files/livro1.pdf. Acesso em: 19 mar. 2020.
7. MS. Doenças infecciosas e parasitárias: guia de bolso. 8. ed. rev. Brasília: MS, 2010.
Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/doencas_infecciosas_
parasitaria_guia_bolso.pdf. Acesso em: 30 jun. 2019.
8. HELLER, L. Saneamento e saúde. Brasília: Opas; OMS, 1997. Disponível em: ht-
tps://www.paho.org/bra/index.php?option=com_docman&view=download&a-
lias=303-saneamento-e-saude-3&category_slug=saneamento-ambiental-712&Ite-
mid=965. Acesso em: 30 jun. 2019.
9. KRONEMBERGER, D. M. P.; PEREIRA, R. S.; FREITAS, E. A. V.; SCARCELLO, J. A.;
CLEVELARIO JUNIOR, J. Saneamento e meio ambiente. In: IBGE. Atlas de Sanea-
mento 2011. Rio de Janeiro: IBGE, 2011. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.
br/visualizacao/livros/liv53096_cap3.pdf. Acesso em: 30 jun. 2019.
10. FUNASA. Impactos na saúde e no Sistema Único de Saúde decorrentes de agra-
vos relacionados a um saneamento ambiental inadequado – relatório final. Bra-
sília: Funasa, 2003. Disponível em: http://www.funasa.gov.br/site/wp-content/fi-
les_mf/estudosPesquisas_ImpactosSaude.pdf. Acesso em: 30 jun. 2019.

Para saber mais

MS. Diretriz Nacional do Plano de Amostragem da Vigilância da Qualidade da


Água para Consumo Humano. Brasília: MS, 2016. Disponível em: http://bvsms.sau-
de.gov.br/bvs/publicacoes/diretriz_nacional_plano_amostragem_agua.pdf. Acesso
em: 20 mar. 2019.
MS. Vigidesastres. Página web do Ministério da Saúde. Disponível em: http://www.
saude.gov.br/vigilancia-em-saude/vigilancia-ambiental/vigidesastres. Acesso em:
27 maio 2020.
MS. Diretrizes Nacionais para a Vigilância em Saúde de Populações Expostas a
Agrotóxicos. Brasília: MS, 2016. Disponível em: https://central3.to.gov.br/arqui-
vo/276619. Acesso em: 20 mar. 2019.

Autoria deste verbete

Bárbara Campos Silva Valente. Graduada em Biomedicina, mestre em Saúde Coletiva,


doutoranda em Saúde Coletiva. Professora-pesquisadora do Laboratório de Educação

404
NOTIFICAÇÃO COMPULSÓRIA DE DOENÇAS E AGRAVOS (NCDA)

Profissional em Vigilância em Saúde (Lavsa) da Escola Politécnica de Saúde Joaquim


Venâncio (EPSJV), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Alexandre Pessoa Dias. Engenheiro civil sanitarista, doutor em Medicina Tropical.


Professor-pesquisador do Laboratório de Educação Profissional em Vigilância em
Saúde (Lavsa) da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), Fundação
Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Juliana Valentim Chaiblich. Geógrafa, mestre em Saúde Coletiva, doutoranda em Saú-


de Pública. Professora-pesquisadora do Laboratório de Educação Profissional em Vigi-
lância em Saúde (Lavsa) da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV) e
pesquisadora do Centro de Estudos e Pesquisas em Emergências e Desastres em Saúde
(Cepedes), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Raiane Fontes de Oliveira. Geógrafa, doutoranda em Geografia Física, mestre em Geo-


grafia. Professora-pesquisadora do Laboratório de Educação Profissional em Vigilância
em Saúde (Lavsa) da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), Fundação
Oswaldo Cruz (Fiocruz).

405
0

OPERAÇÃO E MANUTENÇÃO DO SISTEMA


DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA
Este verbete foi elaborado na vigência da Portaria de Consolidação 5 de 2017, do Ministério da
Saúde, que foi substituída pela Portaria GM/MS 888, publicada em 4 de maio de 2021.

O sistema de abastecimento de água garantindo seu bom funcionamento e a


(SAA) deve ter como finalidade oferecer qualidade da água fornecida. Essa che-
a seus usuários água potável em quanti- cagem periódica engloba a garantia de
dade suficiente, com qualidade adequada estanqueidade das tubulações, as condi-
e de forma contínua. Para que os serviços ções de operação do sistema, operações
de abastecimento sejam regularmente de rotina, o levantamento cadastral e a
prestados, sem paralisações que afetem a verificação da eficiência hidráulica.
população, o SAA deve ter operação e ma- A manutenção preventiva deve ser re-
nutenção adequadas. alizada regularmente, com frequência
O planejamento municipal de sane- adequada. É nesse momento que se rea-
amento deve prever programas de ma- liza o serviço de limpeza dos componen-
nutenção e indicadores operacionais tes de segurança da tubulação – como as
para verificação da eficiência e gestão do ventosas que têm a função de expulsar o
sistema. Além disso, ele deve conter um ar de dentro da tubulação – para permitir
plano de emergência e contingência (ver o adequado escoamento da água. Outro
p. 139) , voltado à ocorrência eventual de procedimento consiste na limpeza dos
sinistros no abastecimento de água. reservatórios de água e a inspeção dos
tubos de ventilação, para que se possa
A manutenção do SAA identificar possíveis obstruções ou danos
à tela de proteção.
A manutenção adequada do SAA permite A busca por vazamentos na rede de dis-
a continuidade no tratamento e na dis- tribuição de água (RDA) também deve
tribuição de água. As manutenções po- estar prevista, de forma a reduzir perdas.
dem ser classificadas como preventivas, A manutenção do cadastro do sistema
programadas e de urgência. de abastecimento é fundamental para
A manutenção preventiva tem como o bom desempenho do SAA. Entende-se
finalidade preservar o SAA (ver p. 645), por cadastro o conjunto de desenhos e
OPERAÇÃO E MANUTENÇÃO DO SISTEMA DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA

informações que retratam fielmente as A manutenção emergencial inclui os


instalações existentes do sistema. Nele, é serviços realizados quando algum pro-
possível verificar a localização e diâmetro blema no SAA afeta negativamente a
da tubulação, sua profundidade e a posi- população, levando a uma suspensão no
ção dos equipamentos e registros. Toda abastecimento - por exemplo, quando o
modificação realizada na rede deve ser pavimento é danificado, quando há pa-
atualizada no cadastro. ralisação no tráfego de veículos e merca-
Estão incluídas, ainda, na manuten- dorias ou quando outros transtornos são
ção preventiva as placas de identificação causados aos usuários. Entre os exemplos
e advertência, assim como as estruturas de manutenção emergencial, estão o re-
de isolamento das estações de tratamen- paro de vazamentos de adutoras, a troca
to e edificações pertencentes ao SAA. A ou reparo de registros e a paralisação pa-
ausência destes pode acarretar ocupações ra manutenção de bombas.
irregulares na propriedade da compa-
nhia, acidentes envolvendo pessoas es- Rotina operacional
tranhas aos serviços de abastecimento e
acidentes de trabalho. A rotina operacional do SAA inclui ativida-
É importante que os municípios te- des voltadas aos cuidados com a qualidade
nham informações referentes à manu- da água tratada, ao correto acionamento
tenção e ao estado de conservação dos dos equipamentos eletromecânicos (moto-
equipamentos e edificações do sistema bombas) para o monitoramento e controle
de abastecimento de água. Uma lista da pressão na rede de abastecimento de
pode ser utilizada para auxiliar no le- água e ao gerenciamento das perdas.
vantamento dos dados.1 Além disso, as A água que chega às residências deve
municipalidades e os prestadores do ser- atender ao chamado padrão de potabili-
viço devem orientar-se por programas dade (ver p. 149), um conjunto de requisi-
O
e ações direcionados à adequada manu- tos físicos, químicos e biológicos estabele-
tenção e à elaboração do plano de manu- cidos pelo Ministério da Saúde, por meio
tenção preventiva. da Portaria de Consolidação 05/2017.2
A manutenção programada tem por Os mananciais estão suscetíveis a sazo-
finalidade a realização dos serviços de nalidades, podendo haver degradação da
reparo de problemas de baixa gravidade qualidade da água do corpo hídrico em
identificados previamente. Ela não causa determinados períodos (por exemplo, as
impacto negativo no abastecimento e os estações chuvosas, que resultam em ele-
reparos necessários podem ser pré-agen- vada turbidez em águas superficiais). Por
dados e realizados a posteriori. Caso seja essa razão, os titulares dos serviços de
necessária, a paralisação do abasteci- abastecimento devem monitorar a água
mento precisa ser informada à população bruta e a tratada.
com antecedência adequada. Os serviços A caracterização da água bruta per-
de manutenção programada incluem a mite que, na estação de tratamento de
substituição de válvulas antigas, a limpe- água (ETA), sejam tomadas medidas
za da tubulação, o reforço de estruturas e para adequar sua qualidade ao consu-
a substituição de tubulações. mo. A caracterização da água tratada é

407
EIXO 4 - ABASTECIMENTO DE ÁGUA

essencial para a garantia da segurança cavitação pode provocar paralisação do


sanitária. Conforme determinação da abastecimento, além de trazer prejuízos
Portaria 05/2017, os responsáveis pelo para as prestadoras de serviço.
controle de qualidade da água do SAA Os equipamentos eletromecânicos
e da Solução Alternativa Coletiva (SAC) apresentam elevados custos de aquisição
de abastecimento de água para consu- e manutenção. Assim, é preciso realizar a
mo humano devem elaborar o plano de manutenção preventiva periódica desses
amostragem de cada sistema e solução e equipamentos, a fim de checar parafusos
submetê-lo à análise da autoridade mu- e porcas, identificar ruídos estranhos ao
nicipal de saúde pública, respeitando os seu funcionamento (indicativos de cavi-
planos mínimos de amostragem deta- tação), proceder com a limpeza periódica
lhados em seus anexos.2 e a desinfecção do poço de sucção e das
tubulações de recalque e a manutenção
Cuidados nos procedimentos dos avisos de segurança.
A pressão na rede (que deve ser de,
Deve-se ter cuidado ao fazer o esvazia- no mínimo, 10 metros de coluna d’água)
mento ou despressurização das tubula- cumpre um papel importante no abaste-
ções de água, pois a baixa pressão na rede cimento de água, pois garante que a água
pode permitir a entrada de água conta- chegue aos pontos mais extremos da rede
minada no sistema. Além disso, deve-se de distribuição de água (RDA). Caso exis-
evitar que a água dos reservatórios fique tam trincas ou rachaduras nos tubos, a
parada por muito tempo, pois isso pode pressão evita que água estranha ao sis-
prejudicar sua qualidade. Outro ponto tema (poluída ou contaminada) entre na
importante para a manutenção da quali- tubulação em funcionamento e deteriore
dade da água de abastecimento é a limpe- a qualidade da água do SAA. Porém, a
za frequente dos filtros, que deve ocorrer pressão na rede não deve ser muito ele-
quando a perda de carga no filtro estiver vada: ela não deve ultrapassar os 50 me-
acima de um determinado valor. tros de coluna d’água, de modo a garantir
Em um SAA, os componentes eletro- a redução do volume de água perdido em
mecânicos exercem funções importan- vazamentos, a diminuir os impactos para
tes. Por meio deles, é possível levar água os mananciais e os custos de tratamento,
para os locais mais diversos, vencendo a reduzir a frequência de rompimento de
distâncias e subindo morros. O aciona- tubulações, a minimizar a ocorrência de
mento do conjunto motobomba exige cui- danos nas instalações de água dos usu-
dados especiais: é necessário realizar o ários e a reduzir o consumo de água que
expurgo de ar e de vapores do interior dos esteja relacionado à pressão.3
tubos. Esse processo é denominado es- Dessa forma, a RDA deve funcionar
corva e pode ser realizado manualmente entre 10 e 50 megapascais (MPa), con-
ou automaticamente. O escorvamento da forme preconiza a Norma 12.218/2017
bomba é necessário para que não ocorra a da ABNT.4 A pressão mínima garante
cavitação, ou seja, a formação de bolhas que a água chegue aos domicílios dos
de ar na água bombeada, que colidem com usuários e suba até as caixas d’água. Já a
partes do equipamento e o danificam. A máxima tem como finalidade assegurar

408
OPERAÇÃO E MANUTENÇÃO DO SISTEMA DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA

a integridade das tubulações e acessó- da rede, em qualquer momento, e sobre


rios, evitando vazamentos. os níveis dos reservatórios.
A gestão de perdas é essencial para a Dotados de transmissores e recepto-
sustentabilidade do sistema. Uma per- res, os sistemas automatizados enviam
da é toda a água que deixa de chegar às informações frequentes a uma central,
residências dos usuários devido a vaza- onde um operador pode acompanhar o
mentos, furtos e erros de medição no que está ocorrendo. A automação permite
sistema. As perdas causam impactos a ativação e a desativação automática ou
ambientais e financeiros, pois aumen- remota das bombas, por meio de um co-
tam de forma desnecessária a produção mando do operador.
de água. Em 2017, o índice de perdas Para a implementação de um sistema de
médio na distribuição foi de 38,3%, se- controle e automação, é necessária a elabo-
gundo dados do Sistema Nacional de ração de um plano de execução prevendo
Informações Sobre Saneamento (Snis). 5 a aquisição do material, a contratação de
O Plano Nacional de Saneamento Básico profissionais, a capacitação, o investimen-
(Plansab – ver p. 457)6 adotou como me- to necessário e um cronograma de instala-
ta a redução desse percentual para 31% ção. O projeto de automação deve envolver
até 2023, o que exige que os titulares sobretudo os setores responsáveis pela
dos serviços de abastecimento, em sua operação e pela manutenção do SAA, para
rotina de operação, concentrem esforços que eles possam auxiliar na elaboração da
em medidas preventivas (manutenção), proposta e comunicar as dificuldades en-
na instalação de hidrômetros nas resi- contradas para a gestão do abastecimento.
dências que ainda não os possuem e em Por fim, o Plano Municipal de Sanea-
ações antifraudes. mento Básico (PMSB – ver p. 450) deve
contemplar um plano de operação e manu-
Melhorias operacionais tenção do SAA, para que os titulares dos
O
serviços de abastecimento realizem cons-
A introdução de dispositivos de auto- tantes melhorias no sistema, garantindo
mação nos sistemas de abastecimento qualidade e continuidade no abastecimen-
de água pode melhorar suas condições to de água. Os programas e ações de opera-
operacionais, possibilitando maior con- ção e manutenção propostos no PMSB ne-
trole de perdas e do consumo de energia. cessitam ser fiscalizados pelas agências de
Também um aumento da quantidade de regulação dos serviços (ver p. 560), o que
informações coletadas – por exemplo, deveria ajudar nos esforços para executar
informações sobre vazão, velocidade de o que estiver proposto no PMSB.
escoamento e pressão em vários pontos

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2. MS. Portaria de Consolidação nº 5, de 28 de setembro de 2017. Consolidação das
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409
EIXO 4 - ABASTECIMENTO DE ÁGUA

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taria-de-Consolida----o-n---5--de-28-de-setembro-de-2017.pdf.
3. YOSHIMOTO, P. M.; FILHO, J. T.; SARZEDAS, G. L. Programa Nacional de Comba-
te ao Desperdício de Água (PNCDA) – DTA1: Controle de Pressão na Rede. Brasília:
Sedu/PR, 1999.
4. ABNT. NBR 12.218:2017: Projeto de rede de distribuição de água para abastecimen-
to público – procedimento. Rio de Janeiro: ABNT, 2017. Disponível em: https://
www.abntcatalogo.com.br/norma.aspx?ID=370933.
5. MDR. Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento: diagnóstico dos servi-
ços de água e esgotos - 2017. Brasília: MDR, 2019. Disponível em: http://www.snis.
gov.br/diagnostico-anual-agua-e-esgotos/diagnostico-ae-2017.
6. MCidades. Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab). Brasília: MCidades,
2013. Disponível em: https://www.cidades.gov.br/images/stories/ArquivosSNSA/
Arquivos_PDF/plansab_06-12-2013.pdf.

Para saber mais

MS. Boas práticas no abastecimento de água: procedimentos para a minimização de


riscos à saúde. Brasília: MS, 2006. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/
publicacoes/boas_praticas_agua.pdf.
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Belo Horizonte: Editora UFMG, 2016.
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to/historico-de-programas/Prosab/Prosab5_tema_5.pdf. Acesso em: out. 2019.
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treinamento: nível 1. Brasília: MCidades, 2009. Disponível em: https://www.mdr.
gov.br/images/stories/ArquivosSNSA/Arquivos_PDF/ReCesa/gerenciamentodeper-
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MCIDADES (org.). Abastecimento de água: gerenciamento de perdas de água e de
energia elétrica em sistemas de abastecimento de água. Guia do profissional em
treinamento: nível 2. Brasília: MCidades, 2009. Disponível em: https://www.mdr.
gov.br/images/stories/ArquivosSNSA/Arquivos_PDF/ReCesa/gerenciamentodeper-
dasdeaguaedeenergiaeletricaemsistemasdeabastecimentodeagua-nivel2.pdf.
MCIDADES. Programa Nacional Combate ao Desperdício Água - PNCDA. P página
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http://www.pmss.gov.br/index.php/biblioteca-virtual/programa-nacional-comba-
te-ao-desperdicio-agua-pncda. Acesso em: out. 2019.
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água. Guia do profissional em treinamento: nível 2. Brasília: MCidades, 2008. Dis-
ponível em: https://www.mdr.gov.br/images/stories/ArquivosSNSA/Arquivos_PDF/

410
OPERAÇÃO, MANUTENÇÃO E CONSERVAÇÃO NAS SOLUÇÃO DE ESGOTAMENTO SANITÁRIO

ReCesa/construcaooperacaoemanutencaoderedesdedistribuicaodeagua-nivel2.pdf.
MCIDADES (org.). Operação e manutenção de estações elevatórias de água. Guia do
profissional em treinamento: nível 2. Brasília: MCidades, 2008.
MCIDADES (org.). Operação e manutenção de estações de tratamento de água. Guia
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FUNASA. Redução de perdas em sistemas de abastecimento de água. 2. ed. Brasília:
Funasa, 2014.
PHILIPPI JR., A. (ed.). Saneamento, saúde e ambiente: fundamentos para um desen-
volvimento sustentável. Barueri: Manole, 2005.
PHILIPPI JR., A.; GALVÃO JR., A. C. (ed.). Gestão do saneamento básico: abasteci-
mento de água e esgotamento sanitário. Barueri: Manole, 2012.
RIBEIRO, M. C. M. Nova portaria de potabilidade de água: busca de consenso para via-
bilizar a melhoria da qualidade de água potável distribuída no Brasil. Revista DAE,
São Paulo, n. 189, p. 8-14, mai./ago. 2012. Disponível em: http://revistadae.com.br/
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TSUTIYA, M. T. Abastecimento de água. São Paulo: Departamento de Engenharia Hi-
dráulica e Sanitária da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, 2006.

Autoria deste verbete

Antonio Natanael Costa Sancho. Engenheiro ambiental pela Universidade Federal do


Ceará (UFC) e engenheiro civil pela Universidade de Fortaleza (Unifor). Mestrando em
Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos da UFMG.

César Rossas Mota Filho. Doutor em Engenharia Civil e Ambiental pela North Carolina
State University (EUA). Professor Associado do Departamento de Engenharia Sanitá-
O
ria e Ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

0
OPERAÇÃO, MANUTENÇÃO E CONSERVAÇÃO NAS
SOLUÇÕES DE ESGOTAMENTO SANITÁRIO

O planejamento municipal deve não só desnecessários devido à falta de manu-


apresentar as soluções de esgotamen- tenção ou operação inadequada. O princi-
to sanitário escolhidas, mas também os pal objetivo da operação e da manuten-
caminhos para que elas funcionem de ção é garantir o perfeito funcionamento
forma adequada. Para isso, são necessá- do sistema e identificar a necessidade de
rias ações estruturantes vinculadas às reformulações e possíveis ampliações,
rotinas operacionais para que haja con- além de deficiências dos sistemas, visan-
servação dos sistemas, evitando gastos do aplicar ações corretivas.1

411
EIXO 5 - ESGOTAMENTO SANITÁRIO

Os custos operacionais de um siste- As inconformidades também englobam a


ma de esgotamento sanitário envolvem segurança dos operadores dos sistemas
contratação de pessoal, aquisição de pro- que devem usar equipamentos de proteção
dutos químicos que eventualmente são individual (EPIs) e receber adicional de in-
utilizados, gastos com energia elétrica salubridade pelos seus serviços. Em Minas
e outras despesas, como contratação de Gerais, por exemplo, a Agência Reguladora
serviços de terceiros, custos com trans- dos Serviços de Água e Esgoto (Arsae-MG)
porte e aluguel de equipamentos. Além é a responsável por regulamentar e fiscali-
dos custos operacionais que são fixos, zar os serviços públicos de abastecimento
existem os custos para manutenção do de água e de esgotamento sanitário dos
sistema para solucionar vazamentos, municípios atendidos pela Companhia
entupimentos, danos em equipamentos, Estadual de Saneamento (Copasa) e pela
corrosão e odores. Companhia de Saneamento no Norte de
Assim, conservar um sistema de esgo- Minas (Copanor), e de outros municípios
tamento sanitário requer planejamento, do Estado de Minas Gerais ou consórcios
recursos humanos e financeiros. A uni- públicos que expressamente concederem
versalização está relacionada não só ao autorização à Arsae-MG para a realização
acesso aos serviços, mas à garantia de que dessas atividades.
esses serviços sejam de qualidade e cons- Para acompanhar a qualidade da pres-
tantes. Diante disso, é importante que tação dos serviços e da operação dos sis-
existam planos de contingência e emer- temas deve-se ter sempre atualizados
gência para as soluções de esgotamento os indicadores operacionais. Exemplos
sanitário que contemplem ações estraté- desses indicadores são: número de ex-
gicas para resolver eventos inesperados, travasamento de esgoto por ano, número
como rompimento de tubulações, falhas de inspeções nos poços de visita por ano,
de equipamentos, roubos, danos, aciden- frequência de inspeção em estação eleva-
tes, condições meteorológicas extremas, tória por ano, substituição de redes cole-
inundações ou descartes indevidos, de toras em porcentagem por ano, ruptura
forma que esses imprevistos não interfi- de conexões, reparo ou troca de poços de
ram no acesso aos serviços por parte dos visita, falha nas bombas em horas por
usuários.2 bomba por ano, entupimentos de esta-
ções elevatórias, calibração de medidores.
Regulação Servem para acompanhar o desempenho
do sistema de esgotamento sanitário3 e
Para fiscalizar a conservação dos sistemas, podem ser utilizados tanto para audito-
as agências reguladoras dos serviços de sa- rias internas quanto pelas agências re-
neamento têm a função de auditar desde guladoras dos serviços de saneamento.
a coleta até as estações de tratamento de Nas localidades rurais ou remotas, on-
esgoto, buscando verificar possíveis in- de predominam as soluções descentra-
conformidades da prestação de serviços lizadas ou individuais, a gestão dos ser-
e cobrar que as prestadoras solucionem viços é multiescalar e a operação desses
as inadequações e alcancem as metas sistemas acontece em escala local e/ou
propostas no planejamento municipal. domiciliar por meio de atores da comu-

412
OPERAÇÃO, MANUTENÇÃO E CONSERVAÇÃO NAS SOLUÇÃO DE ESGOTAMENTO SANITÁRIO

nidade ou dos próprios moradores. Dife- um ovo podre é indicativo de que há gás
rentemente das áreas urbanas, em que os sulfídrico (H2S) sendo liberado em trata-
usuários dependem das prestadoras dos mentos anaeróbios, e isso é um indício de
serviços, nessas áreas eles devem parti- que pode haver escuma acumulada, alto
cipar ativamente da operação e da ma- teor de sulfetos, turbulência nos locais de
nutenção rotineira dos sistemas.4 Dessa transferência de esgoto e lodo ou inade-
forma, é importante que os usuários se- quação na mistura do reator.7 Se o trata-
jam capacitados para que possam prestar mento for aeróbio e o odor for perceptível
essas funções, a partir de ações do poder é sinal de que há deficiência de oxigênio
público e dos prestadores de serviço. e/ou mistura inadequada.7 Para solucio-
Essas operações de sistemas, sejam nar esses problemas, a equipe de opera-
unifamiliares ou semicoletivas, integram ção e manutenção deve estar qualificada
ações que devem ser feitas em cooperação para tomar medidas contingenciais.
com o poder público, como limpeza da área Nos casos de soluções individuais, um
do entorno; desobstrução de unidades co- problema comum é o acúmulo de gor-
mo tubulações e caixas de gordura; e ins- dura no sistema, que pode causar obs-
peção da integridade física e estrutural das truções nas tubulações e consequentes
unidades. Em geral, essas ações são pouco extravasamentos. Por isso, é importante
frequentes e simplificadas se comparadas que a caixa de gordura nas residências e
aos sistemas coletivos de esgotamento sa- também em atividades comerciais e insti-
nitário, menos custosas financeiramente e tucionais seja implementada e que passe
pouco dependentes de serviços externos.5 por inspeção pelo menos de seis em seis
meses para evitar transtornos.5 Além dis-
Potenciais problemas em sistemas so, é importante que detritos não sejam
de esgotamento sanitário descartados nas peças sanitárias. Assim
como em soluções individuais, as soluções
O
Tanto as redes de coleta e transporte de coletivas também podem apresentar pro-
esgoto quanto as estações de tratamento blemas de obstrução. Esse entupimento
de esgoto (ETEs) são potenciais fontes de das redes coletoras e de transporte de es-
geração de gases e odores provenientes goto ocorre devido ao mau uso. Parte dos
de componentes do esgoto, e a intensi- usuários jogam no vaso sanitário itens
dade varia em função de suas caracte- que deveriam descartar na lixeira. Obje-
rísticas e do próprio processo de trata- tos comumente encontrados são fraldas,
mento. Esses odores não são comuns e cotonetes, cabelo, absorventes, fio den-
são, geralmente, percebidos em caso de tal, guimbas de cigarros, algodão, preser-
operação ou manutenção deficiente. Os vativos, entre outros que podem compro-
principais produtos responsáveis pelo meter todo o funcionamento do sistema,
odor e pela corrosão das tubulações são gerando gastos para manutenção.8
também tóxicos ao ser humano. Repre- Nas soluções coletivas e individuais po-
sentam, assim, um perigo potencial para dem ocorrer vazamentos devido a corro-
os operadores desses sistemas.6 sões nas tubulações ou por meio de jun-
Por exemplo, no caso de estações de tas mal executadas.8 Esse problema não é
tratamento, se o odor for similar a de fácil de ser detectado, uma vez que a água

413
EIXO 5 - ESGOTAMENTO SANITÁRIO

infiltra no solo e fica indetectável a não nhar o desempenho e qualidade desses,


ser em estágios avançados. Algumas situ- uma vez que cabe a ele a titularidade e
ações são indicadoras de vazamentos em a responsabilidade de fornecer sanea-
sistemas de esgotamento sanitário, co- mento a toda a população, seja em áreas
mo abatimento do pavimento que aponta urbanas ou rurais.
o local em que está ocorrendo o vazamen- A operação e a manutenção dos siste-
to, e lençol freático contaminado, sendo mas são essenciais para que os recursos
de difícil identificação o local exato em públicos investidos nos serviços de esgo-
que ocorre o problema.8 As ligações clan- tamento sanitário não sejam inutilizados
destinas em soluções coletivas também ou desperdiçados, prejudicando os usu-
causam sérios problemas na operação do ários dos serviços. Portanto, é essencial
sistema, uma vez que impactam a vazão que haja ações informativas, de educa-
que chega na estação de tratamento. Po- ção continuada em saneamento e saúde
dem causar danos estruturais, técnicos e com atividades de sensibilização com os
financeiros, e também ambientais, pois usuários, para que façam bom uso das so-
pode ocorrer o extravasamento de efluen- luções de esgotamento sanitário. A pres-
tes não tratados, comprometendo a quali- tadora dos serviços deve apresentar um
dade da água de corpos d’água. manual de operação e manutenção com
indicações de procedimentos rotineiros,
Titular e responsável frequência, fichas de operação, medidas
de segurança do trabalho e problemas
O município, independentemente de ser operacionais mais frequentes, indicando
o prestador dos serviços, deve acompa- os procedimentos para solucioná-los.

Referências bibliográficas

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avaliação da qualidade dos serviços de esgotamento sanitário. 2010. Dissertação
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nharia, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2010.
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munidades isoladas: referencial para a escolha de soluções. Campi-
nas: Biblioteca/Unicamp, 2018. Disponível em: http://www.fec.unicamp.
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Rio de Janeiro: Abes, 2011.

414
ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA

7. JORDÃO, E. P.; PESSOA, C. A. Tratamento de esgotos domésticos. 7. ed. Rio de


Janeiro: Abes, 2014.
8. MCIDADES (org.). Esgotamento sanitário: operação e manutenção de redes coletoras
de esgotos: guia do profissional em treinamento – nível 2. – Brasília: MCidades, 2008.

Para saber mais

ACHKAR, A. E. Controle externo operacional no Saneamento Básico. In: PHILLIPI JR.,


A; GALVÃO JR., A. C. Gestão do saneamento básico: abastecimento de água e esgo-
tamento sanitário. Barueri: Manole, 2012.
MCIDADES (org.). Esgotamento sanitário: operação e manutenção de estações elevató-
rias de esgotos: guia do profissional em treinamento – nível 1. Brasília: MCidades, 2008.

Autoria deste verbete

Fernanda Deister Moreira. Engenheira sanitarista e ambiental pela Universidade Fe-


deral de Juiz de Fora (UFJF). Mestranda em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos
Hídricos na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Lívia Cristina da Silva Lobato. Engenheira civil e doutora em Saneamento, Meio Am-
biente e Recursos Hídricos pela UFMG.

Fabiana Lopes Del Rei Passos. Doutora em Engenharia Ambiental pela Universitat Po-
litècnica de Catalunya (UPC), Espanha. Professora adjunta do Departamento de Enge-
nharia Sanitária e Ambiental da UFMG.
O

O
ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA

A expressão “organização administrati- tração para executar suas funções e ativi-


va”, no sentido de estrutura ou sistema dades, compreendendo as ações e os atos
orgânico, corresponde à forma em que a administrativos de criação (dar existên-
estrutura orgânica e funcional (organogra- cia), instalação e estruturação funcional e
ma) da Administração é constituída para material dos organismos que a compõem.
executar suas funções e atividades. No Portanto, a organização administrativa
sentido dinâmico do ato de organização, a do município para a execução das fun-
expressão significa o processo de constituir ções de gestão do saneamento básico (ver
e organizar estruturalmente a Adminis- p. 309) compreende tanto a estrutura

415
EIXO 8 - GESTÃO DO SANEAMENTO

orgânica como o processo – ações e atos • Órgão(s) ou entidade(s) responsável(is)


administrativos – de criação, instalação pela coordenação executiva
e estruturação funcional e material dos da elaboração e revisão e pelo
organismos responsáveis pelo exercício monitoramento e avaliação sistemática
dessas funções. da execução do plano municipal ou dos
Conforme as diretrizes da Lei Federal planos individuais dos serviços, po-
11.445/2007, a organização administra- dendo ser o(s) próprio(s) prestador(es)
tiva do município para a gestão do sane- dos serviços de saneamento básico, se
amento básico deve ter uma estrutura or- este(s) integrar(em) a administração
gânica funcional constituída para execu- municipal ou o consórcio público do
tar as seguintes funções descritas abaixo. qual o município participe.
• O(s) prestador(es) dos serviços como
Planejamento responsável(is) pela elaboração e revi-
são e pelo monitoramento dos planos
A função planejamento é definida no De- diretores executivos dos serviços; e
creto 7.217/2010, que regulamenta a Lei • O ente regulador e fiscalizador como
Federal 11.445, como “as atividades ati- responsável pelo monitoramento e ve-
nentes à identificação, qualificação, quan- rificação do cumprimento do PMSB
tificação, organização e orientação de todas pelos prestadores dos serviços (Lei
as ações, públicas e privadas, por meio das 11.445/2007, art. 20);
quais o serviço público deve ser prestado ou
colocado à disposição de forma adequada” Devido às suas interfaces multisseto-
(art. 2º). riais e com outras políticas públicas, as
Neste contexto, o planejamento carac- atividades pontuais de coordenação da
teriza-se como função administrativa elaboração ou da revisão periódica do
permanente, de natureza dinâmica e con- Plano Municipal de Saneamento Básico
tinuada, que não se limita aos momentos podem ser atribuídas a organismos ins-
de elaboração e de revisões periódicas do tituídos transitoriamente para este fim,
Plano Municipal de Saneamento Básico como o comitê de coordenação e o comi-
(PMSB – ver p. 450) e requer uma estru- tê executivo propostos no Termo de Re-
tura administrativa constituída por orga- ferência para Elaboração de Plano Muni-
nismos permanentes, tecnicamente qua- cipal de Saneamento Básico, editado pela
lificados e com atuação continuada. As Fundação Nacional de Saúde (Funasa).
atividades permanentes e continuadas do
planejamento do saneamento básico nor- Regulação e fiscalização
malmente são competências e atribuições
dos seguintes organismos: A regulação normativa-legal da Política
Municipal de Saneamento (ver p. 482),
• Órgão ou entidade responsável inclusive suas funções de gestão, é atri-
pelas atividades executivas do buição constitucional privativa do Poder
planejamento municipal, inclusive a Legislativo (edição de leis) e do Poder
elaboração e o monitoramento do Pla- Executivo municipal (edição de decretos
no Diretor do município; e outros atos jurídico-administrativos).

416
ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA

A regulação e a fiscalização, como fun- bitrar entre o poder público e o prestador,


ções de gestão administrativa do sanea- pois este integra a administração munici-
mento básico, podem ter suas competên- pal e atua de forma subordinada ao Poder
cias e atividades administrativas outor- Executivo. Neste caso, as atividades ad-
gadas pelo poder público titular a “órgão ministrativas de regulação e fiscalização
ou entidade de direito público que possua seriam exercidas normalmente por ór-
competências próprias de natureza re- gãos específicos da própria Administra-
gulatória, independência decisória e não ção, conforme suas funções e atribuições.
acumule funções de prestador dos servi- Outros intérpretes admitem que, neste
ços regulados”, conforme define o art. 2º, caso, o ente regulador e fiscalizador po-
inciso IV, do Decreto 7.217. deria ser um órgão colegiado, de natureza
O ente regulador e fiscalizador pode pública não estatal (conselho, comitê, câ-
ser instituído como órgão ou entidade in- mara técnica etc.), legalmente instituído,
tegrante da administração municipal, in- com capacidade técnica e competência
clusive consórcio público do qual o muni- deliberativa, recursal e mediadora entre
cípio participe. O município também pode usuários e prestador. Pelos mesmos mo-
delegar competências e atividades admi- tivos, este órgão não careceria de auto-
nistrativas de regulação e fiscalização dos nomia administrativa e financeira, inde-
serviços de saneamento básico a uma enti- pendência decisória e arbitral, visto que
dade reguladora integrante de outro ente não haveria relações contratuais ou con-
federativo ou a um consórcio público do flitos de interesses entre o poder público
qual ele não participe, preferencialmente e o prestador. Esta forma de organização
os constituídos dentro do respectivo esta- do ente regulador tem sido adotada com
do, mediante convênio de cooperação. eficácia e sucesso por diversos municí-
Lacunas e aspectos formais da legislação pios, entre eles os que têm apresentado o
levam a divergentes interpretações sobre melhor desempenho técnico, econômico-
O
a natureza e capacidade jurídica do ente -financeiro e social na prestação dos ser-
regulador dos serviços públicos de sanea- viços. Com a adequada regulação norma-
mento básico, e até mesmo sobre a necessi- tiva e com o qualificado suporte técnico,
dade de sua existência, conforme o regime este pode ser o modelo de regulação mais
e a forma de prestação dos serviços. apropriado para os serviços prestados di-
Algumas correntes de pensamento ad- retamente pelos municípios.
mitem que, se a gestão dos serviços for
exclusivamente municipal e a prestação Prestação dos serviços
direta por órgão ou entidade pública mu-
nicipal, não haveria necessidade da cons- A organização administrativa da presta-
tituição de entidade reguladora autárqui- ção dos serviços de saneamento básico
ca dotada de independência decisória e depende do regime e da forma de pres-
autonomia administrativa, orçamentária tação estabelecidos pela regulação legal
e financeira, conforme previsto na Lei da organização jurídico-institucional da
11.445 (artigos 9º, II e 21), visto que, nes- gestão dos serviços.
te caso, não haveria relações contratuais No regime de prestação direta, a ins-
ou conflitos de interesses a regular ou ar- tituição e a organização e estruturação

417
EIXO 8 - GESTÃO DO SANEAMENTO

administrativa funcional e operacional racional da prestação dos serviços. O


do(s) órgão(s) ou entidade(s) responsá- mesmo se aplica quando a execução de
vel(is) pela prestação dos serviços são da atividades da prestação dos serviços for
competência do Poder Público municipal. autorizada para associações comunitá-
Se a prestação dos serviços for realiza- rias ou cooperativas de usuários ou for
da em regime de gestão associada, a orga- contratada com associação ou coopera-
nização administrativa da prestação será tiva formada exclusivamente por pesso-
responsabilidade do consórcio público ao as físicas de baixa renda reconhecidas
qual o município outorgou esta função, pelo poder público como catadores de
ou compartilhada com o ente federativo materiais recicláveis.
com o qual o município tenha celebrado Nestes últimos casos, além das funções
convênio de cooperação para o exercício de planejamento e de regulação e fiscali-
desta função. zação, o município deve se estruturar ad-
No regime de concessão ou permissão ministrativamente para o gerenciamento
a prestação dos serviços é contratada da execução da prestação dos serviços
com terceiros, a quem compete orga- pelo consórcio ou pelas entidades contra-
nizar a administração funcional e ope- tadas ou conveniadas.

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de janeiro de 2007, que estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/decre-
to/d7217.htm.
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MCIDADES. Instrumentos das políticas e da gestão dos serviços públicos de Sane-
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nível em: https://www.mdr.gov.br/images/stories/ArquivosSNSA/Arquivos_PDF/
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PEIXOTO, J. B. (org.). Criação e estruturação de serviços municipais e intermunici-
pais de saneamento básico. Brasília: Funasa/Assemae, 2017.

418
ORGANIZAÇÃO JURÍDICO-INSTITUCIONAL

Para saber mais

FUNASA. Gestão econômico-financeira no setor de saneamento. 2 ed. Brasília: Fu-


nasa, 2014.
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Autoria deste verbete

João Batista Peixoto. Consultor independente em gestão de serviços de saneamento


básico. Economista. Pós-graduado em administração financeira e contábil pela Funda-
ção Getulio Vargas de São Paulo (FGV-SP).

0
ORGANIZAÇÃO JURÍDICO-INSTITUCIONAL

A expressão “organização jurídico-ins- tura organizacional de uma instituição


titucional”, no sentido de estrutura ou ou entidade jurídica, pública ou privada.
O
sistema organizacional, corresponde ao Também pode se constituir em um siste-
regime e à forma em que a administração ma composto por diferentes órgãos e en-
pública é juridicamente instituída e orga- tidades jurídicas, públicas e privadas.
nicamente constituída para executar suas Deste modo, a organização jurídico-
funções ou atividades. No sentido verbal -institucional do município para a execu-
a expressão significa o processo de orga- ção da Política Municipal de Saneamen-
nizar juridicamente a administração pú- to Básico (ver p. 482) compreende tanto
blica, compreendendo as ações e os atos o sistema organizacional como o proces-
jurídicos de instituição ou criação dos so – ações e atos jurídicos – de institui-
seus organismos e de regulação de suas ção, criação, designação, delegação ou de
competências, atribuições e obrigações, contratação dos organismos responsáveis
da forma de se organizarem internamen- pela execução das funções de gestão do
te e do modo em que devem funcionar. saneamento básico, bem como de regu-
Esta estrutura ou sistema pode ser lação de suas competências, atribuições e
constituído de órgãos (secretaria, depar- obrigações, da forma de se organizarem
tamento, gerência etc.), sem personali- internamente e do modo como devem
dade jurídica própria, compondo a estru- funcionar ou atuar.

419
EIXO 8 - GESTÃO DO SANEAMENTO

Conforme as diretrizes da Lei Federal p. 164), quando o prestador não for o


11.445/2007, a organização jurídico- próprio consórcio;
-institucional do município para a gestão • O(s) prestador(es) dos serviços como
do saneamento básico deve ter um siste- responsável(is) pela elaboração e revi-
ma constituído pelo menos pelas instân- são e pelo monitoramento dos planos
cias e organismos indicados a seguir. diretores executivos dos serviços; e
• O ente regulador e fiscalizador como
Instância de planejamento responsável pelo monitoramento e veri-
ficação do cumprimento do plano muni-
Entendido o planejamento como função cipal de saneamento básico pelos presta-
multissetorial permanente, de natureza dores dos serviços (Lei 11.445, art. 20);
dinâmica e continuada, é ideal que a ins-
tância de planejamento do saneamento bá- Também podem ser instituídos or-
sico seja formalmente instituída em cará- ganismos colegiados com atuação em
ter permanente, podendo alguns dos seus períodos transitórios na instância de
organismos ter sua composição formaliza- planejamento, tais como o comitê de co-
da para atuação em períodos transitórios. ordenação e o comitê executivo, quando
As atividades permanentes e continu- constituídos apenas para a elaboração e/
adas do planejamento do saneamento ou revisão periódica do Plano Municipal
básico normalmente são competências e de Saneamento Básico (PMSB – ver p.
atribuições dos seguintes organismos: 450), conforme propõe o Termo de Refe-
rência para Elaboração de Plano Munici-
• Órgão ou entidade responsável pelo pal de Saneamento Básico, editado pela
planejamento municipal ou pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa).
coordenação executiva da elaboração e
pelo monitoramento do Plano Diretor Ente regulador e fiscalizador
do município;
• Órgão(s) ou entidade(s) responsável(is) O exercício da função de regulação dos
pela coordenação executiva serviços públicos se desenvolve em dois
da elaboração e revisão e pelo níveis. No primeiro nível ocorre a regula-
monitoramento do plano municipal ção jurídico-institucional, a qual é exerci-
ou dos planos individuais dos servi- da pelo poder público titular dos serviços,
ços, podendo ser o(s) próprio(s) pres- mediante a edição de leis (Legislativo), de
tador(es) dos serviços de saneamento decretos, contratos e outros atos jurídi-
básico, se este(s) integrar(em) a admi- co-administrativos (Executivo) que ins-
nistração municipal ou o consórcio tituem a política pública correspondente
público do qual o município participe, e que criam, organizam, regulamentam e
entendendo-se que essas atividades implantam os organismos e os instrumen-
não podem ser atribuídas a prestadores tos que compõem o sistema de gestão dos
contratados em regime de concessão serviços, compreendendo o planejamento,
ou permissão, ou em regime de gestão a regulação, a fiscalização e a prestação.
associada (ver p. 293) por consórcio No segundo nível ocorre a regulação
público ou convênio de cooperação (ver executiva da prestação dos serviços, rela-

420
ORGANIZAÇÃO JURÍDICO-INSTITUCIONAL

tiva aos aspectos elencados no art. 23 da relações contratuais ou conflitos de inte-


Lei Federal 11.445, e cujas competências resses entre o poder público (Executivo) e
normativas, atividades de fiscalização e o prestador, pois este integra aquele.
função arbitral, assim como as atividades Por outro lado, se for prestação in-
administrativas correspondentes, podem direta, em regime de concessão ou per-
ser outorgadas pelo poder público titu- missão ou mediante gestão associada,
lar ao ente regulador. Este ente deve ser em que existe relação contratual entre o
“órgão ou entidade de direito público que poder público titular e o prestador, o en-
possua competências próprias de nature- te regulador deve atender a todos esses
za regulatória, independência decisória requisitos (ver p. 507).
e não acumule funções de prestador dos
serviços regulados”, conforme define o Prestador(es) dos serviços
art. 2º, inciso IV, do Decreto 7.217/2010,
que regulamenta a referida lei. No regime de prestação direta, o presta-
O ente regulador pode ser um órgão dor ou prestadores dos serviços podem
ou entidade integrante da administração ser órgão da administração direta (secre-
municipal, inclusive consórcio público do taria, departamento, gerência etc.) ou en-
qual o município participe, bem como po- tidade da administração indireta (autar-
de ser entidade reguladora de outro ente quia, empresa pública ou de capital mis-
federativo ou consórcio público do qual o to), legalmente instituídos para esse fim.
município não participe, a quem as ativi- No regime de gestão associada, o muni-
dades de regulação podem ser delegadas cípio pode delegar a prestação dos servi-
mediante convênio de cooperação. ços a consórcio público do qual participe
A natureza jurídica do ente regulador e ou a órgão ou entidade pública de outro
as condições de sua atuação, a serem con- ente federado, por meio de contrato de
sideradas no ato de sua instituição ou de- programa autorizado por contrato de
O
signação, ou de delegação das atividades consórcio público ou por convênio de coo-
regulatórias, dependem do tipo de gestão peração entre entes federados, de acordo
e da forma de prestação dos serviços. com a Lei 11.107/2005.
Se a gestão for exclusivamente muni- No regime de concessão ou permissão a
cipal e a prestação direta, por órgão ou prestação dos serviços pode ser delegada
entidade municipal, o ente regulador pode integral ou parcialmente, mediante autori-
ser um órgão colegiado, de natureza públi- zação legislativa do poder público titular, a
ca não estatal (conselho, comitê, câmara qualquer entidade privada ou estatal, por
técnica etc.), legalmente instituído, com meio de contrato precedido de licitação na
capacidade técnica e competência delibe- modalidade de concorrência pública, con-
rativa, recursal e mediadora entre usuá- forme a Lei Federal 8.987/1995 (conces-
rios e prestador. Neste caso, não se requer são comum) ou a Lei Federal 11.079/2004
a instituição de entidade reguladora au- (concessão administrativa ou patrocina-
tárquica, com autonomia administrativa da – parcerias público-privadas).
e financeira, independência decisória e ar- Em determinadas situações, a presta-
bitral, conforme previsto no artigo 21 da ção dos serviços ou de suas atividades
Lei 11.445, de 2007, visto que não existem pode ser delegada a cooperativas ou asso-

421
EIXO 8 - GESTÃO DO SANEAMENTO

ciações de usuários, mediante ato de au- • participação de órgãos colegiados de ca-


torização do Executivo municipal, quan- ráter consultivo na formulação da po-
do se tratar de condomínio habitacional lítica de saneamento básico, bem como
e localidade de pequeno porte, urbana ou no seu planejamento e avaliação; e/ou
de aglomeração rural. • representação em organismos de regu-
No caso específico das atividades de co- lação e fiscalização.
leta seletiva, processamento e destinação
adequada de materiais recicláveis a sua A falta de qualificação da gestão mu-
prestação pode ser contratada com asso- nicipal tem sido o maior desafio para a
ciação ou cooperativa formada exclusiva- instituição da adequada organização ju-
mente por pessoas físicas de baixa renda rídico-institucional do município para o
reconhecidas pelo poder público como exercício das funções de gestão dos ser-
catadores de materiais recicláveis, con- viços públicos de saneamento básico. Isto
forme a Lei Federal 8.666/1993 (art. 24, tem resultado em situações de acentuada
inciso XXVII). ineficiência e precariedade da prestação
dos serviços na maioria os municípios
Mecanismos de participação brasileiros, conforme atestam os diag-
e controle social nósticos históricos do Sistema Nacional
de Informações sobre saneamento Básico
A participação e o controle social na gestão (SNIS). Eles mostram também que os mu-
dos serviços podem ser exercidos, entre ou- nicípios com os melhores indicadores de
tros, por meio dos seguintes mecanismos: desempenho técnico e econômico, quan-
titativo e qualitativo, são os que estão
• debates e audiências públicas; mais bem organizados, jurídica, institu-
• consultas públicas; cional e administrativamente.
• conferências das cidades;

Referências bibliográficas

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:


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422
ORGANIZAÇÃO JURÍDICO-INSTITUCIONAL

tação de consórcios públicos. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_


Ato2004-2006/2005/Lei/L11107.htm. Acesso em: 31 ago. 2019.
BRASIL. Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. Dispõe sobre o regime de concessão
e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição
Federal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8987cons.htm.
BRASIL. Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004. Institui normas gerais para licitação
e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública. Disponí-
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BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da
Constituição Federal e institui normas para licitações e contratos da Administração
Pública. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm.
MCIDADES. Instrumentos das políticas e da gestão dos serviços públicos de Sane-
amento Básico. Brasília: M Cidades, 2009. (Coletânea Lei Nacional de Saneamento
Básico: perspectivas para as políticas e gestão dos serviços públicos, livro 1). Dispo-
nível em: https://www.mdr.gov.br/images/stories/ArquivosSNSA/Arquivos_PDF/
Coletanea_Lei11445_Livro1_Final.pdf.
PEIXOTO, J. B. (org.). Criação e estruturação de serviços municipais e intermunici-
pais de saneamento básico. Brasília: Funasa/Assemae, 2017.

Para saber mais

FUNASA. Gestão econômico-financeira no setor de saneamento. 2 ed. Brasília: Fu-


nasa, 2014.
HELLER, L.; CASTRO, J. E. (org.). Política pública e gestão de serviços de saneamen-
to. Belo Horizonte: Editora UFMG; Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2013.
O
Autoria deste verbete

João Batista Peixoto. Consultor independente em gestão de serviços de saneamento


básico. Economista. Pós-graduado em Administração Financeira e Contábil pela Fun-
dação Getulio Vargas de São Paulo (FGV-SP).

423
P

PARTICIPAÇÃO SOCIAL

“Todo poder emana do povo” – e “deve Fragmentação e descontinuidade


ser exercido por meio de representantes
eleitos ou diretamente”.1 É o que diz o ar- Não se pode considerar que tais direitos
tigo 1º da Constituição Federal, no qual são assegurados e garantidos. De uma
estão definidos os fundamentos do Esta- forma geral, as intervenções de sanea-
do Democrático de Direito da República mento no Brasil têm sido fragmentadas e
Federativa do Brasil. Pode-se dizer que ali descontínuas, com desperdício de recur-
foi reconhecido o direito à participação sos e baixa eficácia das ações implanta-
social, que posteriormente foi regula- das. As tecnologias adotadas muitas ve-
mentado em leis que aprovaram diversas zes não são compatíveis com as condições
políticas públicas. socioeconômicas e culturais das popula-
A participação e o controle social são ções, e os processos de decisão quanto
princípios fundamentais da Política Na- às políticas, aos programas e aos projetos
cional de Saneamento Básico (ver p. 473) têm se dado segundo uma lógica tecno-
considerados no Plano Nacional de Sa- burocrática, sem a participação das po-
neamento Básico, imprescindíveis para pulações e da sociedade civil organizada.4
a qualidade e a efetividade das políticas Se, por um lado, a participação social é
municipais da área.2 legalmente reconhecida, por outro temos
Segundo Heller et al., participação e uma realidade de processos participati-
controle social consistem na “participa- vos formais frágeis ou inexistentes, em
ção de usuários e não-usuários dos ser- grande parte das políticas públicas de di-
viços de saneamento na sua provisão, no versos setores, sejam elas nacionais, esta-
acompanhamento e fiscalização da sua duais ou municipais.
prestação e, ou, no processo de tomada de O desconhecimento da população em
decisão sobre políticas e programas”. 3 geral sobre as instâncias de participação
PARTICIPAÇÃO SOCIAL

social torna a representação uma ação de • Nível 2: A comunidade é consultada;


interesse de determinados grupos, que • Nível 3: A comunidade opina;
nem sempre compreendem a amplitude • Nível 4: Elaboração conjunta;
e diversidade das questões sociais dos di- • Nível 5: A comunidade tem poder
versos territórios. Os processos participa- delegado;
tivos são inerentes à democracia e ambos • Nível 6: A comunidade controla.
têm demonstrado sinais de que ainda pre-
cisam ser amadurecidos e fortalecidos. A formulação de políticas públicas po-
A participação social é concebida e pra- de ser realizada por meio desses vários
ticada de acordo com as visões de mundo níveis de participação. O que vai definir
e dos interesses individualistas ou cole- se serão processos meramente formais,
tivos de quem a conduz. Por isso, pode re- ou se realmente o poder público está
presentar mecanismos para a construção aberto a compartilhar decisões com a
de uma sociedade mais justa e igualitária, sociedade, é o quanto um governo está
ou ser utilizada para legitimar práticas e determinado a exercer processos demo-
se constituir em ação manipuladora.5 cráticos para construção de políticas pú-
Os processos participativos não se re- blicas territorializadas.
sumem a processos formais e burocráti- Em muitos casos, na realização de
cos. Em muitos momentos da história do processos participativos, o poder públi-
Brasil, a população se mobilizou para lutar co e suas estruturas governamentais re-
por direitos e por transformações políticas velam suas incoerências e conflitos com
e sociais. Vários momentos e conquistas seus programas, pois se deparam com
históricas do povo brasileiro são fruto do realidades territoriais em que fomentar
protagonismo popular, desde as resistên- a democracia é um caminho que deman-
cias indígenas e negras, movimentos cam- da mais cuidado, mais tempo, mais es-
poneses – como Canudos – lutas abolicio- forços, sem se ater ao fato de que, conse-
nistas e da Independência, a luta pelo fim quentemente, poderá orientar políticas
da ditadura militar, pela Reforma Sani- e serviços públicos mais inclusivos, com
tária e pela Constituição Federal.6; 7 maior sustentabilidade e mais acessí- P
veis à população.
Níveis de participação social
Transformações
Os processos relativos à participação social
foram hierarquizados por vários autores. Até o final do século 19, no Brasil, as
Em 2011, o Guia para a Elaboração de Pla- ações de participação sobre saneamento
nos Municipais de Saneamento Básico esta- eram exíguas, pois os processos prima-
beleceu, a partir da adaptação dos degraus vam pelos interesses dos colonos portu-
de participação cidadã de Arnstein, os se- gueses. Era um período precário na saúde
guintes níveis de participação social nos e saneamento no Brasil Colônia, pois o
planos municipais de Saneamento Básico:8 descarte dos dejetos sanitários nos rios
e mares, assim como o abastecimento de
• Nível 0: Nenhuma; água da elite burguesa, eram realizados
• Nível 1: A comunidade recebe informação; por pessoas escravizadas.

425
EIXO 2 - COMUNICAÇÃO E TERRITORIALIZAÇÃO

Com o crescimento (ver p. 172) e o de- cia Nacional e o Conselho Nacional das
senvolvimento do país, a expansão ur- Cidades (ConCidades), que possuía, em
bana suscitou o início do debate para a sua estrutura, o Comitê Técnico de Sa-
construção de políticas públicas para o neamento Ambiental.
atendimento das demandas sociais de O Conselho esteve em funcionamento
infraestrutura urbana, que posterior- entre 2003 e 2019, quando foi oficial-
mente sucedeu “uma série de mudanças mente encerrado por decreto presiden-
estruturais na sociedade brasileira, que cial que extinguiu e estabeleceu diretri-
refletiram na abolição da escravatura, zes, regras e limitações para colegiados
na subvenção à imigração e na Procla- da administração pública federal.2 A ex-
mação da República”. 3 tinção foi um retrocesso sem preceden-
A consolidação das ações públicas de tes. O ConCidades era composto por seg-
saneamento no Brasil foi marcada pelas mentos do poder público e da sociedade
ações de participação social, uma discus- civil e contribuiu com os principais mar-
são conduzida pela alta sociedade pleite- cos do saneamento básico no Brasil, ain-
ando uma reforma sanitária, tendo em da vigentes, como a Lei do Saneamento e
vista a vulnerabilidade da população às o Plano Nacional de Saneamento Básico
crescentes enfermidades de epidemias – (Plansab – ver p. 457), com diretrizes pa-
como a de cólera. ra a elaboração dos Planos Municipais
Essa situação acirra-se pela ausência de Saneamento Básico (PMSB – ver
de ações governamentais para o abasteci- p.450), para a criação e implementação
mento de água, já que inicialmente este de instrumentos de participação e con-
foi um privilégio da elite, cenário que ge- trole social nos municípios. Além disto,
rou uma revolta popular, através de rei- o ConCidades funcionava como espaço
vindicações coletivas que posteriormente de controle social, no qual eram apresen-
resultaram na reestruturação dos servi- tadas e discutidas informações sobre a
ços de saneamento urbano no Brasil.3 aplicação de investimentos e implemen-
tação da política no setor.
O Plansab8 prevê a elaboração e execu-
Decisões sobre o ção do Programa de Saneamento Estrutu-
saneamento básico rante a partir de recursos orçamentários e
ações de apoio à gestão, à prestação de ser-
No Brasil, os processos formais de par- viços, à formação e qualificação técnica, ao
ticipação social relativos ao saneamen- desenvolvimento científico e tecnológico,
to básico são recentes, instituídos pelo à comunicação e divulgação, associado ao
marco regulatório do saneamento, a Programa Saneamento Brasil Rural (PSBR
Lei 11.445/2007. Por ela foi fomentada – ver p. 525) e ao Programa de Saneamen-
a participação nos três níveis: nacional, to Básico Integrado. Isto é fundamental
estadual e municipal. para apoiar os municípios no exercício de
No âmbito nacional, os principais me- suas titularidades, no aprimoramento da
canismos de participação e controle so- gestão municipal e dos prestadores públi-
cial da política de saneamento básico que cos de serviços, na estruturação e fortale-
já existiram no Brasil foram a Conferên- cimento da participação social e na melho-

426
PARTICIPAÇÃO SOCIAL

ria da qualidade e na ampliação do acesso orientam a elaboração do PMSB reco-


aos serviços, fatores imprescindíveis para mendam a criação de dois grupos for-
alcançar a universalização do saneamento mais de acompanhamento e participa-
básico no Brasil. ção para essa tarefa: o comitê executivo
Borja destaca, nos processos participa- e o comitê de coordenação.
tivos, dentre outras, estas possibilidades:5 O comitê de coordenação é proposto
como uma instância consultiva e deli-
• criar as condições de distribuição mais berativa, formalmente institucionali-
justa dos recursos públicos; zada por meio de decreto municipal.9
• permitir que os sujeitos-cidadãos par- Sua composição deve incluir lideranças
ticipem da definição de diretrizes e da comunitárias, de comunidades tradicio-
formulação de políticas públicas; nais e povos originários, movimentos
• possibilitar o contato mais direto entre sociais e as demais organizações da so-
sociedade e poder público e a conse- ciedade civil. Para isso, é preciso que as
quente incorporação de suas demandas atividades de mobilização social se ba-
e necessidades; seiem num diagnóstico das lideranças
• criar novas formas de gestão que neu- locais e em ações de sensibilização para
tralizem o clientelismo; ampliação do conhecimento da popula-
• aproximar o cidadão do processo ção sobre os planos municipais de Sane-
decisório; amento Básico.
• qualificar os protagonistas sociais e su- É importante que a população parti-
as demandas; cipe desde a realização de diagnósticos
• proporcionar a disseminação do conhe- das condições de vida, situação do sane-
cimento sobre a máquina do Estado e amento básico, da saúde e demais áreas
seus limites; correlatas, na elaboração do planejamen-
• criar instâncias para qualificar e pro- to municipal de saneamento e nas outras
mover negociações e consensos; etapas do processo, como os momentos
• ampliar e consolidar a cultura demo- propositivos e de aprovação.
crática na gestão de políticas públicas. As informações produzidas – consi- P
derando as percepções, conhecimentos
Estes limites e possibilidades elucidam a e saberes populares – têm caráter edu-
necessidade de aprimorar a gestão demo- cativo e mobilizador, além de incorporar
crática e os processos participativos, o que ao plano as reais condições do território.
também contribuirá para o aprimoramen- O planejamento, em todas as suas fases,
to da gestão pública e da formulação de pode ser uma possibilidade para a comu-
políticas públicas, bem como para a melho- nhão de saberes de toda a população que
ria e a ampliação do acesso a serviços pú- vive nos territórios: tendo como objetivo
blicos, dentre eles o de saneamento básico. a promoção da saúde pública, pode con-
tribuir no aprimoramento dos processos
Recomendação decisórios, de representação, de partici-
pação direta e da própria democracia.
Os documentos da Funasa e do Minis-
tério do Desenvolvimento Regional que

427
EIXO 2 - COMUNICAÇÃO E TERRITORIALIZAÇÃO

Referências bibliográficas

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7. PAIM, J. S. Reforma sanitária brasileira: contribuição para a compreensão e crítica.
Salvador: Edufba; Rio de Janeiro: Fiocruz, 2008.
8. MCIDADES. Guia para a elaboração de planos municipais de saneamento bási-
co. 2. ed. Ministério das Cidades: Brasília, 2011. Disponível em: http://www.cida-
des.gov.br/images/stories/ArquivosSNSA/Arquivos_PDF/Guia_WEB.pdf . Acesso
em: 25 out. 2019.
9. MS; FUNASA. Termo de referência para elaboração de plano municipal de sane-
amento básico. Brasília: Funasa, 2018. Disponível em: http://www.funasa.gov.br/
termo-de-referencia-tr-para-pmsb.

Para saber mais

https://www.mdr.gov.br/images/stories/ArquivosSNSA/Arquivos_PDF/cartilha_con-
trole_social_saneamento.pdf
http://www.funasa.gov.br/site/wp-content/uploads/2013/05/luiz_roberto.pdf
https://www.scielo.br/pdf/rieb/n63/0020-3874-rieb-63-0141.pdf

428
PERDAS DE ÁGUA

Autoria deste verbete

Tatiana Santana Timóteo Pereira. Engenheira civil, especialista em Gestão e Tecnolo-


gia do Saneamento pela Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz. Como analista
de infraestrutura, atuou na elaboração e implementação do Plansab no Ministério das
Cidades; hoje, atua na educação ambiental no Ministério do Meio Ambiente.

Felipe Bagatoli Silveira Arjona. Geógrafo, doutorando em Geografia pela Pontifícia


Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Professor-pesquisador no Lavsa,
da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da Fiocruz.

Ana Paula Lucas Caetano. Professora, doutoranda em Saúde Coletiva pelo IFF/Fiocruz.
Professora-pesquisadora no Laboratório de Educação Profissional em Vigilância em
Saúde (Lavsa) da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), da Fundação
Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Alexandre Pessoa Dias. Engenheiro civil sanitarista, doutor em Medicina Tropical.


Professor-pesquisador do Laboratório de Educação Profissional em Vigilância em Saú-
de (Lavsa/EPSJV), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

P
PERDAS DE ÁGUA

Garantir a disponibilidade da água em gando a mais de 40% nas regiões Norte


quantidade e qualidade para as gerações e Nordeste. Isso resulta em graves impac- P
futuras é um dos grandes desafios da atu- tos econômicos, financeiros, ambientais e
alidade no Brasil. Com o crescimento da para a saúde pública.
população e do uso industrial da água, os É necessário priorizar ações que possam
sistemas de abastecimento de água (SA- identificar as perdas de água, assim como
As – ver p. 645) exigem maiores vazões suas causas, ocorrências e impactos para
dos recursos hídricos, podendo levar à a sociedade e para as prestadoras de ser-
importação de água de bacias hidrográ- viços. Essas ações podem ter influência
ficas vizinhas e elevando os custos do direta na redução do consumo per capita
sistema de abastecimento. Além disso, há de água (ver p. 133), contribuindo para re-
elevadas perdas de água ocasionadas por duzir a demanda por água bruta a ser re-
vazamentos, erros de medição e fraudes, tirada dos corpos hídricos e o volume de
além do uso de água para a manutenção água tratada produzido pelas estações de
dos componentes do próprio sistema de tratamento de água (ETAs). O Programa
tratamento, com índices de perda che- de Uso Racional da Água (Pura) tem essa

429
EIXO 4 - ABASTECIMENTO DE ÁGUA

finalidade: ele visa desenvolver equipa- ao volume estritamente necessário para


mentos que reduzam o consumo, imple- esse tipo de operação, o uso de água para
mentar leis que incentivem o uso racional procedimentos operacionais não deve ser
de água, incentivar a população a adotar considerada uma perda.2
hábitos de economia de água e promover As perdas físicas trazem prejuízos
a inclusão de disciplinas relacionadas aos ao faturamento dos serviços de sanea-
assuntos nos centros educativos.1 Quando mento, pois demandam maiores gastos
o percentual de perdas diminui, reduz-se em energia elétrica e produtos químicos
também o consumo de energia pelo SAA. para o tratamento da água. A falta de
Assim, há uma redução nos custos de pro- manutenção do sistema e a gestão ina-
dução e distribuição de água. dequada das perdas físicas podem levar
o sistema ao limite de produção antes do
Perdas aparentes e reais tempo previsto em projeto. Além de ris-
cos operacionais, os vazamentos podem
As perdas podem ser divididas em apa- trazer riscos sanitários, decorrentes da
rentes e reais. A diferenciação entre esses contaminação da água. Além disso, pro-
dois tipos é importante para que se possa blemas recorrentes com vazamentos e
adotar a melhor estratégia de redução de paralisações no abastecimento podem
perdas e as ferramentas mais adequa- levar à perda de credibilidade do servi-
das para sua gestão.2 As perdas aparen- ço de abastecimento junto à população.1
tes, também classificadas como perdas O gerenciamento das perdas deve ser
não físicas, correspondem ao volume de visto como parte integrante da gestão de
água consumido pelo usuário final e, de recursos hídricos, uma vez que elevados
alguma forma, não contabilizado. Enqua- índices de perda causam o aumento da
dram-se nessa classificação os volumes de demanda por água.4 As perdas de água
água não contabilizados devido a proble- também geram um aumento nos custos
mas em hidrômetros (medidores de con- de abastecimento e podem elevar a tarifa
sumo residencial), a fraudes no sistema de água para os usuários.
de abastecimento (furto de água da rede), A principal causa das perdas reais é a
a erros de leitura feitos pelos operadores má qualidade da infraestrutura do sis-
e a falhas no cadastro da instituição, en- tema de abastecimento, o que se observa,
tre outras questões.2;3 principalmente, na rede de distribuição.
As perdas reais ou perdas físicas Outros fatores podem aumentar os va-
são os volumes de água produzidos e zamentos, por exemplo, a pressão de
disponibilizados para a distribuição que serviço na rede de distribuição, seguida
não chegam ao consumidor final, em da qualidade da manutenção (tempo de
decorrência de vazamentos no sistema resposta para o conserto de vazamen-
de abastecimento de água. Também estão tos) e das condições de assentamento das
incluídas nessa categoria a água utiliza- tubulações.5
da para a lavagem dos filtros da estação Os principais fatores que afetam as
de tratamento de água e a água usada na perdas aparentes são problemas com me-
descarga para limpeza da rede de distri- didores de vazões, erros de instalação e o
buição.3 Quando esse consumo se refere envelhecimento do sistema.4

430
PERDAS DE ÁGUA

Balanço hídrico e de água na distribuição e auxilia na ava-


avaliação das perdas liação da proporção do volume perdido
em relação ao volume de água produzido
O cálculo das perdas é realizado por meio pelos prestadores de serviços de abaste-
de um balanço hídrico, que leva em con- cimento de água, sejam as perdas reais
sideração o volume produzido, o volume ou aparentes. Esse indicador é calculado
consumido pelo usuário final e o volume pela diferença entre o volume de água
previsto para a manutenção do sistema e produzido e o volume de água consumido,
os serviços de emergências. O volume de dividido pelo volume de água produzido.
perda é o resultado da subtração do vo-
lume produzido pelo volume consumido. Índices verificados no Brasil
As perdas de água são avaliadas por
meio de indicadores de desempenho. Em 2017, o índice de perdas na distri-
Tais indicadores caracterizam-se como buição média no Brasil foi de 38,3%.
estratégicos, dada sua forte vinculação Isso significa que, em razão de vazamen-
com muitos processos organizacionais, tos, falhas nos sistemas de medição ou
sejam eles principais, de apoio ou geren- ligações clandestinas, em média 38,3%
ciais. Muitas são as métricas que caracte- da água disponibilizada não foi conta-
rizam as perdas de água: há medições re- bilizado como volume utilizado pelos
alizadas em termos percentuais de perda, consumidores. As macrorregiões Norte
outras em litros por ligação ativa por dia, e Nordeste apresentaram os maiores va-
outras em percentual de litros/ligação/ lores desse índice, com 55,1% e 46,3%,
dia. Com frequência, são incluídos indi- respectivamente. As regiões Sul, Sudeste
cadores para avaliação de perdas reais e e Centro-Oeste apresentaram índices mé-
aparentes. Os indicadores de perdas mais dios de perda de 36,5%, 34,4% e 34,1%,
utilizados são os índices percentuais, o respectivamente.2 A gestão de perdas
índice de perdas por ramal de ligação, o pode ser classificada como boa quando o
índice de perdas por extensão de rede e índice está abaixo de 25%; regular, para
o índice infraestrutural de perdas, que valores entre 25% e 40% e má, quando os P
permite a comparação entre sistemas valores são superiores a 40%.7
distintos.6 A média nacional para o índice de per-
O Sistema Nacional de Informações das por ligação, em 2017, foi de 340,94 l/
sobre Saneamento (SNIS) inclui indica- ligação/dia.2 Em cada ligação, portanto,
dores de perdas em sistemas de abaste- perdeu-se um volume de água suficiente
cimento de água, com base em três uni- para satisfazer as necessidades de água
dades diferentes: em percentual – índice de aproximadamente três pessoas, consi-
de perdas na distribuição (IN049) –, em derando-se um consumo per capita de 120
litros por ligação por dia – índice de per- litros por dia.
das por ligação (IN051) – e em metros O índice bruto de perdas lineares médio,
cúbicos por quilômetro de rede por dia – em 2017, foi de 26,6 m³/km/dia. Esses va-
índice bruto de perdas lineares (IN050). lores mostram que as perdas são um proble-
O índice de perdas na distribuição é um ma para os serviços de abastecimento, com
indicador volumétrico do nível de perdas sérios impactos na qualidade e nos custos

431
EIXO 4 - ABASTECIMENTO DE ÁGUA

dos serviços de abastecimento. Além disso, panhadas, medidas e reavaliadas com


contribuem para a escassez hídrica. frequência, visando à melhoria contínua
do sistema. Para a implementação de uma
Como reduzir perdas estrutura de controle, é necessário reali-
zar um diagnóstico da situação, identifi-
As ações básicas para a redução das perdas cando-se a real condição do sistema, defi-
reais devem considerar o gerenciamento nindo metas e escolhendo os indicadores
de pressões na rede de distribuição, bus- operacionais que melhor as representem.
cando-se a setorização do sistema e sua Em seguida, deve-se elaborar um plano
operação com pressões de serviço adequa- de ação, com priorização de ações.
das, seja por meio de reservatórios de dis- O estabelecimento de um programa de
tribuição, válvulas redutoras de pressão redução de perdas de água em um muni-
(VRPs) em áreas mais baixas ou bombe- cípio requer uma análise da oferta e de-
amento nas tubulações, com a instalação manda do sistema de abastecimento em
de boosters – pressurizadores que  fazem todas as suas etapas, das condições de
a elevação e pressurização constante de operação e de manutenção e das proje-
redes de abastecimento de água – em pon- ções de ampliação dos serviços. Esse ti-
tos mais altos da rede. O controle ativo de po de análise habilita o estabelecimento
vazamentos deve ser realizado, a fim de de um prognóstico, incluindo um plano
identificar vazamentos não visíveis nas de melhorias que contemple um moni-
tubulações, por meio de técnicas acústicas toramento contínuo dos resultados. A
de detecção. Tais técnicas contrapõem-se manutenção preventiva e preditiva re-
ao chamado controle passivo, que repara duz os custos e os riscos decorrentes das
apenas os vazamentos que afloram na su- manutenções corretivas. Esses estudos
perfície do terreno. É necessário consertar, qualificam e oferecem diversos subsídios
com agilidade e qualidade na execução, os para a elaboração dos planos municipais
vazamentos visíveis e não visíveis detec- de Saneamento Básico (PMSBs – ver p.
tados e realizar a renovação preventiva 450) e para sua efetividade.
da infraestrutura, substituindo as tubu-
lações (redes e ramais) que apresentarem Plano Nacional de
maior possibilidade de vazamentos.5 Saneamento Básico
Para o controle das perdas aparentes,
deve ser feita a substituição periódica e O conhecimento e o controle das per-
preventiva dos hidrômetros, a substitui- das de água têm grande relevância pa-
ção imediata de hidrômetros com defeito, ra a preservação dos recursos hídricos
o combate às fraudes com investigação de e para a redução dos custos de energia
denúncias, análises de variações atípicas elétrica. São de fundamental importân-
de consumo e de quaisquer outros indí- cia para a sustentabilidade econômica e
cios ou evidências de perdas e o aprimo- financeira das prestadoras de serviços e
ramento da gestão comercial das compa- para o controle do valor da água cobrado
nhias (cadastros e sistemas comerciais). dos usuários.
Ações de controle das perdas de água O Plano Nacional de Saneamento Básico
devem ser planejadas, executadas, acom- (Plansab – ver p. 457) estipulou como

432
PERDAS DE ÁGUA

meta nacional a redução do índice de de saneamento e o poder público traba-


perdas para 34% até 2023 e para 31% até lhem em conjunto, com foco na redução
2033. Até o final do horizonte do planeja- das perdas, por meio de ações e progra-
mento, o Plansab determina a redução do mas que contribuam para o cumprimento
índice de perdas a 33% nas regiões Norte da meta. Além disso, a população deve
e Nordeste. Nas demais regiões, o Plano ser sensibilizada, para que os habitantes
determina sua redução a 31%.8 compartilhem essa responsabilidade e
Os índices atuais são muito elevados e contribuam para a redução dos impactos
demandam que os titulares dos serviços causados pelas perdas.

Referências bibliográficas

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senvolvimento sustentável. Barueri: Manole, 2005.
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www.snis.gov.br/diagnostico-anual-agua-e-esgotos/diagnostico-ae-2017.
3. HELLER, L.; PÁDUA, V. L. (coord.). Abastecimento de água para consumo humano.
Belo Horizonte: Editora UFMG, 2016. p. 801-820.
4. TSUTIYA, M. T. Abastecimento de água. São Paulo: PHA/Poli/USP, 2006. p.
457-514.
5. FILHO, J. T. Aspectos relevantes do controle de perdas em sistemas públicos de abas-
tecimento de água. Revista DAE, São Paulo, n. 201, p. 6-20, abr. 2016. Disponível
em: http://revistadae.com.br/artigos/artigo_edicao_201_n_1622.pdf.
6. MCIDADES (org.). Abastecimento de água: gerenciamento de perdas de água e de
energia elétrica em sistemas de abastecimento de água. Guia do profissional em
treinamento: nível 2. Brasília: MCidades, 2009. Disponível em: https://www.mdr.
gov.br/images/stories/ArquivosSNSA/Arquivos_PDF/ReCesa/gerenciamentodeper-
dasdeaguaedeenergiaeletricaemsistemasdeabastecimentodeagua-nivel2.pdf. P
7. GONÇALVES, R. F. (coord.). Uso racional de água e energia: conservação de água
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Abes, 2009. Disponível em: http://www.finep.gov.br/images/apoio-e-financiamen-
to/historico-de-programas/Prosab/Prosab5_tema_5.pdf. Acesso em: out. 2019.
8. MCIDADES. Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab). Brasília: MCidades,
2013. Disponível em: https://www.cidades.gov.br/images/stories/ArquivosSNSA/
Arquivos_PDF/plansab_06-12-2013.pdf.

Para saber mais

FECOMERCIO. Cartilha uso racional da água no comércio. São Paulo: Fecomercio,


2010. Disponível em: http://site.sabesp.com.br/site/uploads/file/asabesp_doctos/
cartilha_fecomercio.pdf. Acesso em: out. 2019.
MCIDADES. Programa Nacional Combate ao Desperdício Água – PNCDA. Página web

433
EIXO 8 - GESTÃO DO SANEAMENTO

do PMSS. Disponível em: http://www.pmss.gov.br/index.php/biblioteca-virtual/


programa-nacional-combate-ao-desperdicio-agua-pncda. Acesso em: out. 2019.
MCIDADES. Abastecimento de água: construção, operação e manutenção de redes de
distribuição de água. Guia do profissional em treinamento: nível 2. Belo Horizonte:
ReCesa, 2008. Disponível em: https://www.mdr.gov.br/images/stories/ArquivosS-
NSA/Arquivos_PDF/ReCesa/construcaooperacaoemanutencaoderedesdedistribui-
caodeagua-nivel2.pdf.
PINTO, L. C. B. Gestão de perdas no saneamento básico. In: PHILIPPI JR., A.; GALVÃO
JR., A. C. (ed.). Gestão do saneamento básico: abastecimento de água e esgotamen-
to sanitário. Barueri: Manole, 2012. p. 355-391.
SABESP. Glossário. Página web da Companhia de Saneamento Básico do Estado de
São Paulo (Sabesp). Disponível em: http://site.sabesp.com.br/site/sociedade-meio-
ambiente/glossario.aspx?secaoId=122. Acesso em: out. 2019.

Autoria deste verbete

Antonio Natanael Costa Sancho. Engenheiro ambiental pela Universidade Federal do


Ceará (UFC) e engenheiro civil pela Universidade de Fortaleza (Unifor). Mestrando em
Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos pela Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG).

César Rossas Mota Filho. Doutor em Engenharia Civil e Ambiental pela Universidade
Estadual da Carolina do Norte (EUA). Professor associado do Departamento de Enge-
nharia Sanitária e Ambiental (Desa) da Universidade Federal de Minas Gerais.

PLANEJAMENTO DOS SERVIÇOS

É inquestionável a importância do pla- orientar as ações presentes para sua con-


nejamento para a gestão de qualquer tinuidade e correção de eventuais desvios
empreendimento ou atividade socioe- de seus objetivos e/ou metas, bem como
conômica. No entanto, o significado e a de prognóstico das situações futuras, tra-
prática do planejamento nem sempre são çando os caminhos a serem percorridos
bem compreendidos, sendo muitas vezes mediante previsão dos objetivos e metas
utilizados de forma equivocada. a serem alcançados e definição dos pro-
O planejamento é um processo perma- gramas, projetos e ações para realizá-los.
nente de diagnóstico (conhecimento), Neste sentido, consiste em instru-
avaliação e monitoramento da situa- mento indispensável para a boa gestão
ção atual de qualquer atividade, visando dos serviços de saneamento básico,

434
PLANEJAMENTO DOS SERVIÇOS

tanto para o poder público titular dos ra eventuais situações de emergências e


serviços como para os seus prestadores, de contingências;
e deve ser adotado de forma permanen- • monitorar, controlar e fiscalizar a gestão
te e sistemática. No entanto, o emprego dos serviços, em especial a sua prestação.
desse processo não tem sido usual na
gestão dos serviços públicos de sanea- Objetivos e metas
mento básico no país. Para grande par-
te dos municípios brasileiros pode ser a Os objetivos e as metas são determinan-
causa mais relevante tanto da ineficiên- tes para definição do plano de investi-
cia e inviabilidade na prestação de tais mentos requeridos. A escala e o nível de
serviços quanto dos elevados e persis- integração entre diferentes serviços são
tentes déficits de atendimento dos mes- essenciais para se determinar o arranjo
mos, particularmente o esgotamento mais racional e eficiente para a organi-
sanitário e o manejo adequado dos resí- zação e prestação dos serviços, visando
duos sólidos urbanos. proporcionar maior qualidade e menor
A Lei 11.445/2007 define o planeja- custo para os usuários e uma política de
mento como função determinante para subsídios mais justa.
a gestão dos serviços públicos de sanea- A função e as ações de planejamento
mento básico, entendido como o conjunto dos serviços públicos de saneamento bá-
de atividades referentes a identificação, sico ocorrem em dois níveis. No primei-
qualificação, quantificação, organiza- ro nível, ocorre o planejamento geral da
ção e orientação de todas as ações, pú- Política Municipal de Saneamento Básico,
blicas e privadas, por meio das quais um cujo processo se inicia com a elaboração
serviço público deve ser prestado ou co- do Plano Municipal de Saneamento Básico
locado à disposição de forma adequada e, (PMSB – ver p. 450), ou dos planos espe-
consequentemente, definindo o modelo cíficos de cada serviço, inclusive o Plano
de gestão a ser adotado, incluindo o sis- Municipal de Gestão Integrada de Resí-
tema de regulação. Neste contexto, o pla- duos Sólidos, e prossegue continuamente
nejamento é instrumento essencial para, com as ações permanentes de monitora- P
entre outras, as seguintes atribuições: mento e avaliação sistemática de sua exe-
cução e com suas revisões periódicas.
• diagnosticar a situação em que se en- Neste contexto, o PMSB constitui-se
contram os serviços e definir as ações em um instrumento de planejamento de
necessárias para torná-los adequados natureza abrangente da Política Munici-
à população; pal de Saneamento Básico, contemplando
• estabelecer objetivos e as metas que todos os seus aspectos jurídico-institu-
se pretende alcançar com a gestão dos cional, geográfico, demográfico e social,
serviços; ambiental, sanitário, organizacional,
• definir escalas ótimas e níveis de inte- estrutural, administrativo, econômico
gração a serem adotados para a presta- e técnico-operacional. Com conteúdo de
ção dos serviços; caráter analítico da situação do sane-
• definir as prioridades das ações; amento básico existente (diagnóstico),
• identificar e definir medidas e ações pa- prospectivo para situação futura deseja-

435
EIXO 4 - ABASTECIMENTO DE ÁGUA

da e propositivo para os objetivos e me- a organização e a gestão dos serviços,


tas e para os programas, projetos e ações principalmente a regulação, a fiscaliza-
necessários para alcançá-los, tem ainda ção e a prestação (ver Organização ad-
caráter vinculante para a atuação do po- ministrativa – p. 415).
der público titular na organização e na Nestes casos, como as relações entre os
gestão dos serviços. entes integrantes do sistema de gestão
O PMSB é condição necessária para dos serviços (município e prestador) e su-
a validade de contratos de delegação as ações não são formalizadas por meio
da prestação dos serviços (ver p. 504) e de contratos administrativos, o plano de
vinculante para os seus prestadores, se- gestão pode ser um meio eficaz para deta-
ja em regime de concessão ou de gestão lhar os objetivos, as metas e as ações pre-
associada (ver p. 293). O conteúdo míni- vistas no PMSB, bem como para orientar
mo e os requisitos e procedimentos es- os procedimentos técnicos e administra-
senciais para a elaboração do Plano e de tivos de sua execução, conforme as dire-
suas revisões estão definidos no artigo trizes e requisitos regulatórios previstos
19 da Lei 11.445/2007, e nos artigos 25 na Lei 11.445.
e 26 do Decreto 7.217/2010. Neste sentido, o plano de gestão pode
ser a base ou se converter no próprio ins-
Instrumento orientador trumento de contrato de gestão entre o
para os serviços Poder Executivo e os órgãos ou entida-
des da sua administração, responsáveis
Em segundo nível ocorre o planejamento pelas funções de gestão dos serviços, co-
executivo da gestão dos serviços. Embora mo forma de comprometer os seus ges-
não seja instrumento sistemático previs- tores com o cumprimento dos objetivos
to na Lei 11.445/2007, o plano de gestão e metas e dos programas definidos no
é uma ferramenta de planejamento de PMSB, conforme prevê o art. 37, § 8º, da
caráter executivo e estratégico das ações Constituição Federal, que diz: “a autono-
administrativas e técnicas, constituindo- mia gerencial, orçamentária e financeira da
-se no instrumento orientador da presta- administração direta e indireta poderá ser
ção dos serviços para os gestores e presta- ampliada mediante contrato, a ser firmado
dores, bem como para instituição da base entre seus administradores e o poder públi-
normativa da sua regulação e fiscalização co, que tenha por objeto a fixação de metas
e para a atuação dos entes reguladores. de desempenho para o órgão ou entidade,
Nos casos em que os serviços são cabendo à lei dispor sobre: I – o prazo de
prestados diretamente pelo titular, por duração do contrato; II – os controles e cri-
órgãos ou entidades vinculadas à sua térios de avaliação de desempenho, direitos,
administração (departamentos, autar- obrigações e responsabilidade dos dirigen-
quias ou empresas públicas ou mistas), tes; III – a remuneração do pessoal”.
o plano de gestão assume particular Nos casos dos serviços delegados a
importância, tendo em vista que, geral- terceiros, a Lei 11.445/2007 já impõe
mente, é insuficiente ou precário o orde- uma série de requisitos e elementos
namento legal e jurídico (leis, decretos, obrigatórios de planejamento para a
estatutos e regimentos) que disciplina celebração dos contratos de delegação

436
PLANEJAMENTO DOS SERVIÇOS

(contratos de concessão ou de progra- sua estruturação, implantação e fun-


ma). Neste caso, se não requerido como cionamento, e à regulação da prestação;
parte do processo de delegação, o pla- • no âmbito estratégico e executivo, de-
no de gestão pode ser um instrumento talhar os objetivos e metas, e os pro-
complementar, de caráter executivo, gramas, projetos e ações; definir a es-
para o detalhamento e normatização trutura administrativa e operacional,
técnica e administrativa dos objetivos, os planos administrativos, operacio-
metas e ações contempladas nos referi- nais e de investimentos, os recursos
dos contratos, a ser disciplinado e moni- necessários, assim como os critérios
torado pelo ente regulador. e procedimentos para sua execução;
O plano de gestão tem, entre outros, os definir e normatizar os instrumentos,
seguintes objetivos gerais: parâmetros, padrões e indicadores de
acompanhamento e avaliação de de-
• no âmbito institucional, detalhar e dis- sempenho dos gestores e dos presta-
ciplinar as diretrizes, políticas e ações dores dos serviços e de cumprimento
relativas à organização dos serviços, dos objetivos e metas.

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ceituais e metodológicos. In: CORDEIRO, B. S. (coord.). Instrumentos das polí-
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Para saber mais

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Assemae. 2 ed. Brasília: Funasa, 2014. Disponível em: http://www.funasa.gov.br/
biblioteca-eletronica/publicacoes/engenharia-de-saude-publica/-/asset_publisher/
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PEIXOTO, J. B. (org.). Criação e estruturação de serviços municipais e intermunici-
pais de saneamento básico. Brasília: Funasa; Assemae, 2017.

437
EIXO 4 - ABASTECIMENTO DE ÁGUA

Autoria deste verbete

João Batista Peixoto. Economista, pós-graduado em Administração Financeira e Con-


tábil pela Fundação Getulio Vargas em São Paulo (FGV-SP). Consultor independente
em gestão de serviços de saneamento básico.

P
PLANO DE SEGURANÇA DA ÁGUA: ETAPAS E
BENEFÍCIOS PARA OS MUNICÍPIOS
Este verbete foi elaborado na vigência da Portaria de Consolidação 5 de 2017, do Ministério da
Saúde, que foi substituída pela Portaria GM/MS 888, publicada em 4 de maio de 2021.

O fornecimento de água potável em o controle da qualidade da água para além


quantidade adequada e sem interrup- do laboratório, tanto com relação à água
ções é essencial para a promoção da saú- bruta, quanto à água tratada. Dessa for-
de pública. A garantia do acesso à água ma, o plano abrange todo o ciclo do abas-
com segurança sanitária é dever dos tecimento de água, desde o manancial até
gestores municipais e dos responsáveis a chegada nas residências, com ações volta-
pelo abastecimento coletivo ou descen- das à prevenção e controle da contamina-
tralizado de água. ção. São objetivos das ações do PSA a prote-
A ingestão de água de qualidade ina- ção dos mananciais de abastecimento, vi-
dequada leva à ocorrência de doenças de sando evitar a contaminação; o tratamento
veiculação hídrica, tais como hepatite, adequado da água; a prevenção contra sua
diarreia, cólera e doenças gastrointesti- contaminação dentro do sistema de abas-
nais. Para garantir a segurança da água tecimento (nas tubulações e reservatórios);
de abastecimento, a Portaria de Conso- e a identificação de pontos críticos no sis-
lidação 5/2017, do Ministério da Saúde,1 tema, nos quais há maior probabilidade de
estabelece que a avaliação regular do sis- contaminação dessa substância vital.
tema em todas as suas etapas, incluindo o São inúmeros os benefícios que a imple-
manancial, é de competência dos respon- mentação do PSA proporciona aos respon-
sáveis pelo abastecimento de água para sáveis pelo abastecimento de água. Entre
consumo humano, sendo ele realizado eles, destacam-se o controle da deterio-
por solução coletiva alternativa (SAC) ração do manancial, que permite reduzir
ou não. A mesma normativa estabelece custos no tratamento; a identificação de
que essa avaliação deve acatar as reco- pontos frágeis no processo, que podem
mendações da Organização Mundial da acarretar a contaminação da água trata-
Saúde (OMS), desenvolvendo-se com base da; a garantia de atendimento ao padrão
nos princípios dos planos de segurança de potabilidade (ver p. 149); a confiança
da água (PSAs). aumentada dos consumidores e respostas
O PSA (ver p. 438 e 442) é um instru- mais rápidas a ocorrências que afetem o
mento de prevenção que objetiva realizar sistema de abastecimento de água.

438
PLANO DE SEGURANÇA DA ÁGUA: ETAPAS E BENEFÍCIOS PARA OS MUNICÍPIOS

Gerenciamento de riscos entre outras ações. Uma adequada gestão


documental é desejável para que as boas
O princípio das múltiplas barreiras ba- práticas sejam implementadas. Assim, é
seia-se na implementação de vários me- indispensável que os responsáveis pelos
canismos de proteção. Ele prevê que, serviços de abastecimento criem procedi-
mediante a existência de uma falha no mentos operacionais padrão (POPs), ou
desempenho de um mecanismo, outro seja, documentos que descrevem todas as
mecanismo estará presente para evitar, atividades a serem executadas por meio
eliminar ou minimizar a contaminação. de um roteiro, levando em consideração
No sistema de abastecimento de água as normas vigentes quanto à segurança
(SAA – ver p. 645), esse princípio é im- do trabalho, o padrão de potabilidade, as
plementado para a proteção e manuten- recomendações do Ministério da Saúde e
ção da vegetação nativa, que evita a de- as normas de engenharia.
gradação da qualidade da água bruta nos A análise de perigos e pontos críticos de
corpos d'água, em situações em que há controle é uma ferramenta de produção
controle do uso e ocupação do solo nas utilizada principalmente na indústria de
proximidades do manancial. alimentos e tem como finalidade a iden-
Nas estações de tratamento, o mesmo tificação de pontos de controle e perigos
princípio é aplicado no monitoramento em todas as etapas do abastecimento de
da água bruta e tratada, na verificação água em que haja a possibilidade de danos
dos pontos de controle no processo de à segurança sanitária desta. O perigo pode
potabilização da água e em manobras ser entendido como a capacidade de um ou
operacionais, como o aumento da dosa- mais agentes de causar efeitos adversos à
gem de produtos químicos para tratar saúde. Por sua vez, o risco é a probabili-
uma água que teve sua qualidade alte- dade de ocorrência de um evento. Perigo
rada devido à contaminação difusa, ou e risco estão associados. Entretanto, nem
a alguma interferência climática. Nas sempre um perigo se traduz em um ris-
tubulações, tem-se como barreira a ma- co à saúde, uma vez que é necessário um
nutenção de pressões máximas e míni- conjunto de condições para que os riscos P
mas, com a finalidade de evitar que haja apareçam, como a presença de uma dose
contaminação externa e garantir a pre- infectante a ponto de causar uma infecção,
sença de cloro residual. Há, além dessas, o estado de saúde da pessoa exposta ou as
outras ações e ferramentas que podem condições de sua exposição ao agente físi-
ser utilizadas como barreiras. co, químico ou biológico perigoso.3
As boas práticas são um conjunto de Na metodologia da APPCC, primei-
ações e procedimentos que têm por finali- ramente são identificados os pontos
dade assegurar a qualidade da água ofer- de controle, ou seja, os locais onde há
tada. São medidas que devem ser adota- possibilidade de contaminação. A partir
das desde o momento de concepção do do monitoramento desses locais, devem
sistema. São exemplos de boas práticas a ser traçadas estratégias para prevenir,
manutenção preventiva das tubulações, eliminar ou reduzir o perigo a níveis to-
a limpeza dos reservatórios e o atendi- leráveis, por meio da estratégia de múl-
mento às normas reguladoras vigentes, tiplas barreiras. O monitoramento deve

439
EIXO 4 - ABASTECIMENTO DE ÁGUA

seguir os parâmetros estabelecidos e formações necessárias. Nessa etapa, são


seus respectivos limites. Em se tratando definidas metas de saúde, podendo-se
de água para consumo humano, devem- utilizar critérios,3 como
-se utilizar os padrões de potabilidade
para água tratada e, no manancial, indi- • evidências epidemiológicas;
cadores como a presença de cianobacté- • avaliação quantitativa de risco químico
rias e turbidez. e microbiológico;
A análise de risco tem como finalida- • estabelecimento de nível de risco ou
de a hierarquização e a priorização dos carga de doença tolerável;
riscos e serve para auxiliar sua avaliação • avaliação da qualidade da água e/ou
e gerenciamento. A metodologia desse avaliação de desempenho do sistema
tipo de análise consiste na elaboração de de tratamento.
uma matriz hierárquica, na qual os ris-
cos são priorizados de forma qualitativa A avaliação do sistema de abasteci-
(exemplo: insignificante, baixo, modera- mento consiste na descrição do sistema
do, grave e muito grave), assinalando-se existente como um todo, na elaboração e/
a etapa em que eles podem ocorrer e o ou validação do fluxograma de tratamen-
tipo de agente causador, assim como sua to, na identificação e hierarquização dos
probabilidade de ocorrência (ex.: quase riscos, no estabelecimento de pontos crí-
certo, muito frequente, frequente, pouco ticos de controle e nas definições de ações
frequente e raro). A matriz de risco pode de controle. O monitoramento operacio-
ser elaborada de forma semiqualitativa. nal consiste na determinação de medidas
Nesse método, a ocorrência e o impacto de controle para o SAA, na definição de
recebem uma nota e a hierarquização parâmetros de monitoramento e limites
ocorre por meio da nota resultante da críticos e de ações corretivas.
multiplicação da probabilidade de ocor- Os planos de gestão traduzem as ações
rência pelo impacto. Quanto maior o va- que serão realizadas e apresentam uma
lor, maior o risco. descrição dos procedimentos que consti-
tuem a rotina operacional e daqueles ado-
Etapas na construção do PSA tados em situações de emergência. Eles
também indicam procedimentos para a
Os passos para a elaboração do PSA se- organização documental, a comunicação
guem o ciclo planejar, dirigir, checar e de riscos, a verificação das metas de saú-
agir (PDCA), uma ferramenta de gestão de e a eficiência do PSA.
que visa ao controle e à melhoria contí- A revisão do PSA busca atualizar o do-
nua de processos. As etapas na constru- cumento quanto a mudanças no fluxo de
ção do PSA são: preliminar, avaliação do tratamento, alterações nos mananciais,
sistema, monitoramento operacional, melhorias das ações de emergência e à
planos de gestão, revisão do PSA e vali- verificação de novos riscos, conferindo
dação. Na etapa preliminar, realizam-se dinamismo e atualidade ao plano, em
o planejamento de ações a serem desen- busca de melhorias constantes. O plano
volvidas e a montagem da equipe técnica deve ser revisto periodicamente, con-
que irá elaborar o plano e levantar as in- forme um intervalo de tempo pré-esta-

440
PLANO DE SEGURANÇA DA ÁGUA: ETAPAS E BENEFÍCIOS PARA OS MUNICÍPIOS

belecido ou após eventos de emergência. • se os limites críticos têm sido definidos,


Vale ressaltar que esse instrumento tem • se as ações corretivas têm sido aplicadas
interfaces com outros planos setoriais, • e se os procedimentos de gerenciamen-
tais como os planos de bacia hidrográfi- to têm sido estabelecidos.
ca e de saneamento básico, o Plano Di-
retor de Desenvolvimento Urbano e os A validação do PSA é fundamental pa-
planos de gestão de recursos hídricos es- ra conferir se a água de abastecimento
taduais e/ou federais. Assim, sua revisão está atingindo os padrões de potabilida-
deve incluir a verificação da atualização de e, dessa forma, se a saúde pública está
desses outros instrumentos. sendo promovida. Todos os colaborado-
A etapa de validação consiste na verifi- res relacionados ao processo de trata-
cação do cumprimento de metas de saúde mento da água precisam conhecer o PSA
e na avaliação da funcionalidade e apli- e ser adequadamente capacitados para
cabilidade do plano. Auditorias internas implementar o plano.
e externas devem ser realizadas periodi- O PSA é um poderoso instrumento pa-
camente. Na análise da eficácia do PSA, ra a manutenção da saúde pública, ga-
deve-se verificar2 rantindo a segurança da água que chega
à população, prevenindo, eliminando ou
• se todos os perigos e eventos perigosos reduzindo os riscos de contaminação. Os
vêm sendo identificados, gestores municipais devem ter conhe-
• se medidas adequadas de controle têm cimento desse instrumento e exigir dos
sido implementadas, responsáveis pelo abastecimento de água
• se os procedimentos de monitoramento sua adequada implementação.
operacional têm sido estabelecidos,

Referências bibliográficas

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normas sobre as ações e os serviços de saúde do Sistema Único de Saúde. Disponível P
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taria-de-Consolida----o-n---5--de-28-de-setembro-de-2017.pdf.
2. MS. Plano de segurança da água: garantindo a qualidade e promovendo a saúde - um
olhar do SUS. Brasília: Ministério da Saúde, 2013, p. 15-50. Disponível em: https://
www.saude.gov.br/images/pdf/2015/maio/19/plano-seguranca-agua-2013-web.pdf.
3. PÁDUA, V. L. (coord.). Remoção de microrganismos emergentes e microcontami-
nantes orgânicos no tratamento de água para consumo humano. Rio de Janeiro:
Abes, 2009, p. 331. Disponível em: https://www.finep.gov.br/images/apoio-e-finan-
ciamento/historico-de-programas/Prosab/Prosab5_tema_1.pdf.

Para saber mais

BARTRAM, J.; CORRALES, L.; DAVISON, A.; DEERE, D.; DRURY, D.; GORDON, B.;
HOWARD, G; RINEHOLD, A.; STEVENS, M. Water safety plan manual: step-by-

441
EIXO 4 - ABASTECIMENTO DE ÁGUA

step risk management for drinking-water suppliers. Geneva: WHO, 2009. Disponív-
el em: https://apps.who.int/iris/handle/10665/75141.
RICKERT, B.; SCHMOLL, O.; RINEHOLD, A.; BARRENBERG, E. Water safety plan: a
field guide to improving drinking-water safety in small communities. Copenhagen:
Regional Office for Europe of WHO, 2014. Disponível em: http://www.euro.who.int/
en/publications/abstracts/water-safety-plan-a-field-guide-to-improving-drinking-
water-safety-in-small-communities. Acesso em: 15 mar. 2020.
WHO. Guidelines for drinking-water quality: 4th edition in-
corporating the first addendum. Geneva: WHO, 2017. Disponí-
vel em: https://www.who.int/water_sanitation_health/publications/
drinking-water-quality-guidelines-4-including-1st-addendum/en.

Autoria deste verbete

Antonio Natanael Costa Sancho. Mestrando em Saneamento, Meio Ambiente e Re-


cursos Hídricos da UFMG. Engenheiro ambiental pela Universidade Federal do Ceará
(UFC) e engenheiro civil pela Universidade de Fortaleza (Unifor).

César Rossas Mota Filho. Doutor em Engenharia Civil e Ambiental pela North Carolina
State University (EUA). Professor associado do Departamento de Engenharia Sanitária
e Ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

P
PLANO DE SEGURANÇA DA ÁGUA:
IMPORTÂNCIA E COMPONENTES

Planos de segurança da água (PSA) são minimizar chances de falhas na opera-


definidos como ferramentas de avalia- ção rotineira de um sistema de abasteci-
ção e gestão de risco aplicadas de forma mento de água. O plano também inclui
abrangente em todas as etapas de um planos de contingência para responder
sistema de abastecimento – do manan- a falhas no sistema e a eventos impre-
cial ao consumidor –, tendo em vista vistos que possam ter impacto na qua-
fornecimento, de forma sistemática de lidade da água, como secas severas ou
água segura para consumo humano, ou chuvas fortes.
seja, que pode ser consumida por toda a Trata-se, pois, de uma abordagem
vida, sem apresentar risco significativo preventiva, que representa uma mudan-
para a saúde.1 ça de paradigma em termos de controle
Em essência, um PSA é um processo de qualidade da água para consumo hu-
estruturado e organizado, que objetiva mano, superando a tradicional aborda-

442
PLANO DE SEGURANÇA DA ÁGUA: IMPORTÂNCIA E COMPONENTES

gem corretiva, baseada na verificação, monitoramento operacional e o estabe-


por meio de análises laboratoriais, da lecimento de planos de gestão.
conformidade do produto final (a água A avaliação do sistema de abasteci-
tratada e distribuída para consumo). mento de água, em todos os seus compo-
Do ponto de vista conceitual e meto- nentes (do manancial ao consumidor), tem
dológico, os PSAs constituem um passo o propósito de verificar sua capacidade e
além da tradicional “inspeção sanitária” sua confiabilidade na produção e no for-
e se têm por base princípios/conceitos necimento de água segura para consumo.
e instrumentos já consolidados em ou- Essa etapa inclui as seguintes atividades:
tros setores (por exemplo, na indústria
de alimentos), tais como: boas práti- • descrição do sistema de abastecimento,
cas,2 múltiplas barreiras,1, 3 análise de com identificação de vulnerabilidades;
perigos e pontos críticos de controle • identificação de perigos e de eventos
(APPCC),4 análise de risco (avaliação, perigosos em cada um dos componen-
gestão e comunicação de risco)5 e siste- tes de um sistema de abastecimento, de
ma de gestão da qualidade (ISO 9000). forma a compreender onde e como peri-
Por boas práticas, entende-se um con- gos podem ser introduzidos no sistema;
junto de recomendações quanto aos • avaliação do risco associado a cada pe-
procedimentos mais bem ajustados aos rigo identificado, com base na proba-
objetivos pretendidos – nesse caso, a bilidade de ocorrência e na severidade
minimização dos riscos associados ao de seus efeitos para a saúde, seguida de
abastecimento de água para consumo hu- priorização de eventos perigosos/peri-
mano2. A expressão “múltiplas barreiras” gos a serem controlados;
é utilizada para indicar que cada com- • identificação de medidas de controle
ponente do sistema de abastecimento para os perigos priorizados, incluindo
de água deve constituir uma barreira de a identificação de medidas já existentes
proteção contra a introdução de perigos e comprovadamente eficazes na remo-
no sistema, ou uma barreira de remoção ção/redução dos perigos e a previsão de
de perigos do sistema, de forma que even- medidas a serem aprimoradas e de no- P
tuais falhas em uma barreira possam ser vas medidas a serem implementadas.
absorvidas nas barreiras seguintes. O
sistema APPCC consiste em uma aborda- A palavra “perigos”, aqui utilizada,
gem sistematizada e estruturada de iden- refere-se aos agentes físicos, químicos
tificação de perigos e da probabilidade ou biológicos que podem causar efeitos
da sua ocorrência em todas as etapas da adversos à saúde. Eventos perigosos
produção, estabelecendo os devidos me- são ocorrências que proporcionam a in-
canismos de controle. trodução de perigos em um sistema de
abastecimento de água, ou que compro-
Componentes do PSA metem a remoção de perigos desse siste-
ma. Já “risco” é definido como a possibi-
Um PSA inclui, fundamentalmente, três lidade de que um perigo venha a causar
componentes centrais: a avaliação do efeitos adversos à saúde da população
sistema de abastecimento de água, o exposta a ele 3,6.

443
EIXO 4 - ABASTECIMENTO DE ÁGUA

Para cada medida de controle identifi- Um PSA deve incluir, além disso, planos
cada devem ser definidos programas de de comunicação interna (por exemplo,
monitoramento operacional. Tais pro- com os responsáveis pela vigilância da
gramas devem determinar os parâme- qualidade da água) e externa (com o pú-
tros a serem monitorados (quantitativos/ blico consumidor).
mensuráveis ou qualitativos/observacio-
nais), em que pontos do sistema (pontos Verificação contínua e
de controle, pontos críticos de controle) e avaliação permanente
qual a frequência de monitoramento ne-
cessária para cada um. Os resultados do Em suma, planos de segurança da água
monitoramento devem ser confrontados são instrumentos que identificam e prio-
com metas de desempenho operacional rizam perigos e riscos em um sistema de
(limites operacionais) ou limites crí- abastecimento, no intuito de estabelecer
ticos, de tal forma que qualquer desvio medidas para reduzi-los ou eliminá-los
com relação ao desempenho desejado (por meio do controle da contamina-
possa ser prontamente corrigido. Isso ção dos mananciais, da otimização dos
significa que medidas corretivas também processos de tratamento da água e da
devem estar previstas. prevenção da contaminação da água no
Ponto crítico de controle, a propósito, é sistema de distribuição). Visam também
a etapa do processo de produção na qual estabelecer processos para verificação
um controle essencial deve ser aplicado contínua da eficácia dos sistemas na
para evitar ou eliminar um perigo, ou produção e fornecimento de água segura
para reduzi-lo a um nível aceitável. Li- para consumo humano.
mite operacional (ou nível de alerta), por Assim, os PSAs devem ser objeto de
sua vez, é um critério que indica se uma avaliação e atualização permanentes
medida de controle cumpre efetivamen- e, para tanto,. devem ser submetidos a
te sua função. Por fim, limite crítico é a auditorias internas e, principalmente,
linha divisória entre a aceitabilidade e a externas - no caso do Brasil, por exem-
não conformidade do produto4, 6. plo, pelo setor de saúde, responsável pe-
Os planos de gestão devem incluir a la vigilância da qualidade da água para
documentação do desenvolvimento e consumo humano.
da implementação das etapas anterio- Por fim, cabe notar que os PSAs podem
res (descrição e avaliação do sistema de variar em escala e complexidade e que a
abastecimento de água, descrição das metodologia que embasa seu desenvol-
rotinas de operação e de monitoramen- vimento é adaptável e aplicável a condi-
to) e de protocolos de ação para períodos ções bastante diversas, tanto em termos
de operação normal; devem ainda ser de porte do sistema de abastecimento de
previstos planos de contingência (ver p. água quanto da realidade socioeconômica
139) voltados à condições incidentais, da população atendida.
tais como acidentes com cargas perigo-
sas no manancial, interrupção do forne-
cimento de água e falhas no sistema de
tratamento, para citar alguns exemplos.

444
PLANO DE SEGURANÇA DA ÁGUA: IMPORTÂNCIA E COMPONENTES

Referências bibliográficas

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ing-water quality from catchment to consumer. Geneva: WHO, 2005. Disponível em:
https://www.who.int/water_sanitation_health/publications/wsp0506/en.
2. BOAS-PRÁTICAS. In: Dicionário infopédia da Língua Portuguesa. Porto: Por-
to Editora, 2003-2020. Disponível em: https://www.infopedia.pt/dicionarios/
lingua-portuguesa/boas-práticas.
3. WHO. Guidelines for drinking-water quality: 4th edition incorporating the first adden-
dum. Geneva: WHO, 2017. Disponível em: https://www.who.int/water_sanitation_health/
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4. VAN SCHOTHORST, M. A simple guide to understanding and applying the haz-
ard analysis critical control point concept. 3. ed. Brussels: Ilsi, 2004. Disponível em:
https://ilsi.eu/wp-content/uploads/sites/3/2016/06/2004-HACCP-3rd-ed.pdf.
5. BENFORD, D. Principles of risk assessment of food and drinking water related
to human health. Brussels: Ilsi, 2001. Disponível em: https://ilsi.eu/wp-content/
uploads/sites/3/2016/06/C2001Prin_Risk.pdf.
6. BARTRAM, J.; CORRALES, L.; DAVISON, A.; DEERE, D.; DRURY, D.; GORDON, B.;
HOWARD, G; RINEHOLD, A.; STEVENS, M. Water safety plan manual: step-by-
step risk management for drinking-water suppliers. Geneva: WHO, 2009. Disponí-
vel em: https://apps.who.int/iris/handle/10665/75141.

Para saber mais

WHO. Water safety planning for small community water supplies: step-by-step
risk management guidance for drinking-water supplies in small communities.
Geneva: WHO, 2012. Disponível em: https://apps.who.int/iris/bitstream/hand-
le/10665/75145/9789241548427_eng.pdf?sequence=1.
WHO. A guide to equitable water safety planning: ensuring no one is left behind. P
Geneva: WHO, 2019. Disponível em: https://apps.who.int/iris/bitstream/han-
dle/10665/311148/9789241515313-eng.pdf.
WHO.A practical guide to auditing water safety plans. Geneva: WHO, 2016.
Disponível em: https://www.who.int/water_sanitation_health/publications/
auditing-water-safety-plans/en/

Autoria deste verbete

Rafael Kopschitz Xavier Bastos. Engenheiro civil pela Universidade Federal de Juiz de
Fora (UFJF), com especialização em Engenharia de Saúde Pública pela Escola Nacional
de Saúde Pública Sérgio Arouca (Ensp) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). PhD em
Public Health Engineering pela Universidade de Leeds (Reino Unido). Assessor/consul-
tor do Ministério da Saúde, da Organização Pan-Americana da Saúde e da Organização
Mundial da Saúde, em temas relacionados à qualidade da água para consumo humano.

445
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

P
PLANO DIRETOR, PLANOS SETORIAIS E O PMSB

O Plano Municipal de Saneamento Bá- ambiental para sua região ou para o país.
sico (PMSB) é uma ferramenta de pla- O Plano Diretor tem o objetivo de fazer
nejamento, com objetivos e metas para com que a propriedade cumpra sua fun-
garantir a qualidade, a continuidade e a ção social, conforme determina a Cons-
implementação sustentável dos serviços tituição Federal do Brasil. Uma proprie-
de saneamento em seu processo de uni- dade urbana cumpre sua função social
versalização, com vistas à promoção da quando satisfaz os critérios de uso e ocu-
saúde pública. Diversos tipos de planos pação do solo e é efetivamente utilizada
setoriais existentes são instrumentos conforme a lei municipal, ou ainda quan-
importantes no planejamento municipal, do sua não utilização diga respeito à fina-
revelando-se fundamentais para a elabo- lidade de preservação do meio ambiente.2
ração do PMSB. Entre eles, estão o Plano Uma das etapas da elaboração do PD-
Diretor de Desenvolvimento Urbano, o DU é o diagnóstico dos serviços de sa-
Plano de Habitação e Interesse Social, o neamento, que inclui o levantamento de
Plano de Recursos Hídricos e os planos informações sobre os serviços, o cadastra-
diretores setoriais de abastecimento de mento da infraestrutura existente e a ava-
água, esgotamento sanitário, gestão in- liação de ações de saneamento na redução
tegrada de resíduos sólidos e manejo das de riscos à saúde e ao meio ambiente e de
águas pluviais e drenagem urbana. seu impacto para a qualidade de vida da
população. Além disso, o Plano deve fazer
O Plano Diretor recomendações para a superação dos pro-
blemas diagnosticados nos serviços de sa-
O Plano Diretor de Desenvolvimento neamento e desenvolver ações que visem
Urbano (PDDU) tem como finalidade pla- minimizar ou evitar impactos desses pro-
nejar o crescimento do município, regula- blemas no desenvolvimento urbano.
mentar o uso e ocupação do solo, a mobili-
dade urbana, a urbanização, o turismo e o Abordagem generalista
saneamento. Conforme a Lei 10.257/2001,
conhecida como Estatuto da Cidade,1 o O Plano Diretor possui caráter generalista
PDDU é obrigatório para todos os municí- em relação ao setor de saneamento e tem
pios com população superior a 20 mil ha- como finalidade estabelecer a relação en-
bitantes, para os municípios integrantes de tre o saneamento e o planejamento da
regiões metropolitanas e aglomerações ur- cidade. Na etapa do diagnóstico, os res-
banas, para aqueles com áreas de interesse ponsáveis pela elaboração do PMSB (ver
turístico especial ou que estejam situados p. 450) devem buscar, no Plano Diretor,
em áreas de influência de empreendimen- as seguintes informações:3 parâmetros de
tos ou atividades com significativo impacto uso e ocupação do solo, definição do perí-

446
PLANO DIRETOR, PLANOS SETORIAIS E O PMSB

metro urbano da sede e dos distritos do precárias e antecipar a necessidade de


município, definição das Zonas Especiais construção de futuras edificações desti-
de Interesse Social (Zeis) e identificação da nadas à população de baixa renda.
ocupação irregular em áreas de preserva- Dessa forma, o PMSB deve buscar infor-
ção permanente (APPs) urbanas. mações no Plano Local de Habitação de
Eles também devem buscar as definições Interesse Social, que visa o planejamento
de zoneamento – por exemplo, as áreas de e a execução de ações voltadas à garantia
aplicação dos instrumentos de parcelamen- de acesso à moradia para a população em
to e edificação compulsórios, as áreas para situação de vulnerabilidade econômica.
investimento em habitação de interesse O PMSB deve incluir, em seu diagnósti-
social, as áreas para investimento em ha- co, as seguintes informações:3
bitação por meio do mercado imobiliário, a
identificação da situação fundiária e eixos • organização institucional, objetivos, pro-
de desenvolvimento da cidade e dos proje- gramas e ações do Plano de Habitação;
tos de parcelamento e/ou urbanização. • quadro da oferta habitacional, com
Esse conjunto de informações auxiliará identificação da oferta de moradias e
no diagnóstico do município – permitin- identificação do solo urbanizado, so-
do a identificação da demanda pela amplia- bretudo para verificar a disponibilida-
ção dos sistemas existentes, ou por um no- de de serviços de saneamento básico;
vo sistema de abastecimento de água (SAA • condições de acesso às modalidades de in-
– ver p. 645) em áreas em expansão –, na tervenção e financiamento habitacional;
tomada de decisão quanto às soluções de • disponibilidade de solo urbanizado
abastecimento de água e na previsão da de- para a população de baixa renda e, em
manda industrial. Do Plano Diretor, tam- particular a existência de Zonas Espe-
bém é retirada a estimativa de crescimento ciais de Interesse Social;
populacional, devendo ser atualizada pelo • levantamento das necessidades habi-
PMSB, de maneira a verificar se o estudo tacionais, através da caracterização da
está em conformidade com o crescimento demanda por habitação e investimen-
real do município. Ressalta-se que, assim tos em habitação, considerando-se as P
como o PMSB, o Plano Diretor deve passar características sociais locais, o déficit
por revisão periódica a cada dez anos. habitacional quantitativo e qualitativo,
a caracterização de assentamentos pre-
Plano Local de Habitação cários (favelas e afins) e outros aspectos;
de Interesse Social • análise das projeções do déficit habi-
tacional, visando identificar e avaliar
O PMSB deve estar alinhado com as de- seus impactos para as demandas de sa-
mandas sociais de habitação. Dessa for- neamento básico.
ma, tal instrumento deve identificar e
analisar a necessidade de abastecimento Política Nacional de
de água para a população de baixa renda, Recursos Hídricos
para promover a saúde pública, fortalecer
o planejamento municipal em favelas, as- O abastecimento de água depende de
sentamentos e demais áreas de moradias um manancial para atender a vazão de

447
EIXO 4 - ABASTECIMENTO DE ÁGUA

produção de água tratada, enquanto o es- dos usos da água, respeitando a capaci-
gotamento sanitário necessita realizar a dade de suporte do corpo d’água e cal-
disposição final dos efluentes tratados culando a cobrança aos grandes usuários
que, em geral, são corpos hídricos. Os re- pela água consumida, com vistas à uni-
cursos hídricos, sejam eles aproveitados versalização do acesso à água.
direto da natureza ou mediante obras de O planejamento no âmbito da bacia
infraestrutura, têm usos múltiplos para o consiste no diagnóstico físico, ambiental,
abastecimento humano, o abastecimen- social e econômico dessa unidade territo-
to industrial, a manutenção ecológica, a rial e na elaboração de um prognóstico de
navegação, a criação de animais e a agri- como será garantido o adequado acesso à
cultura. Desse modo, eles são foco de uma água a todos os usuários, estabelecendo
disputa de interesses permanente. prioridades e programas de proteção dos
De forma a controlar o uso adequado recursos hídricos, por meio da constru-
dos cursos d’água, a Política Nacional ção de cenários. Também devem ser en-
de Recursos Hídricos (PNRH), institu- quadrados os corpos de água presentes
ída pela Lei 9.433/97, exige o planeja- na bacia e a aplicação do instrumento de
mento dos usos e demandas relativas à cobrança pelo uso, denominado outorga.
água, por meio da elaboração de planos
de gestão dos recursos hídricos, tanto Plano de gestão de água
em âmbito nacional, quanto estadual e e planos setoriais
das bacias hidrográficas.
O Plano Nacional de Recursos Hídri- Assim como o PMSB, o plano de gestão
cos busca estabelecer as diretrizes para de água deve envolver todas as esferas
a implementação da PNRH. Para o país da sociedade (pública, privada, ONGs e
como um todo, são elaborados um pano- representantes da sociedade), de modo
rama e um prognóstico com linhas ge- a decentralizar a tomada de decisão. É
rais de planejamento, que leva em conta importante que o PMSB esteja alinhado
as especificidades de cada região. Esses com os planos de gestão de água, tendo
instrumentos servem de base para a ela- em vista seu impacto sobre a disputa pelo
boração das políticas estaduais de Re- uso desse recurso, seja no que se refere à
cursos Hídricos (PERHs). As PERHs vi- exploração da água bruta para tratamen-
sam quantificar a oferta de água dispo- to e posterior distribuição para o abaste-
nível nos estados, diagnosticar as bacias cimento humano ou ao uso de manancial
existentes, resolver conflitos e elaborar para lançamento de esgoto doméstico
linhas de recursos para a implementação tratado como forma de disposição final.
do planejamento no âmbito da bacia hi- Na etapa de diagnóstico do plano de sa-
drográfica. Também têm como finalida- neamento, é preciso levantar as informa-
de resolver problemas que ultrapassam o ções sobre o uso e a ocupação do solo ao
âmbito desta. redor das bacias, o enquadramento dos
A bacia hidrográfica é uma unidade corpos d’água, a oferta de água existente,
de planejamento delimitada pelo curso as zonas de recarga de aquíferos e o esta-
d’água e pela topografia. Os planos lo- do da vegetação de proteção dos manan-
cais de bacia buscam garantir a equidade ciais, bem como a atual disputa pelo uso

448
PLANO DIRETOR, PLANOS SETORIAIS E O PMSB

da água e a dependência da população em à demanda atual e futura pelos serviços.


relação a cada curso d’água. No prognós- Dessa forma, o PMSB tem o papel de revi-
tico, a demanda futura para o sistema de sar, atualizar a partir de novos estudos e
abastecimento de água deve ser compa- incorporar esses planos diretores.
rada com a demanda atual na escala da O Plano Municipal de Saneamento
bacia hidrográfica, verificada pela capaci- Básico é um instrumento da gestão mu-
dade dos recursos ali situados. nicipal. Deve conversar com os outros
Em relação aos planos setoriais de sa- planos existentes no município para que
neamento básico, algumas cidades con- se possa agregar informações e compar-
tam com planos específicos, relativos a tilhar ações, com vistas à melhoria do
um segmento, seja o abastecimento de bem-estar da população. A elaboração
água, o esgotamento sanitário, a gestão do PMSB deve ser participativa e precisa
de resíduos sólidos ou a drenagem urbana. incluir os gestores municipais e a popu-
Durante a etapa de elaboração do PMSB, lação, de modo a levantar as demandas
é necessário verificar a pertinência desses existentes e permitir a construção cole-
planos diretores individuais com relação tiva do futuro.

Referências bibliográficas

1. BRASIL. Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183


da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras
providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/
l10257.htm. Acesso em: 28 jan. 2020.
2. DENALDI, R.; CAVALCANTI, C. B; SOUZA, C. V. C. (org.). Parcelamento, edificação
ou utilização compulsórios e IPTU progressivo no tempo: caderno técnico de re-
gulamentação e implementação, v. 2. Brasília: MCidades, 2015, p. 11. Disponível em:
https://www.caubr.gov.br/wp-content/uploads/2017/10/CAPACIDADES2.pdf.
3. MCIDADES. Peças técnicas relativas a planos municipais de saneamento básico. Bra-
sília: MCidades, 2011, p. 111-112. Disponível em: https://www.mdr.gov.br/images/sto- P
ries/ArquivosSNSA/Arquivos_PDF/Peças_Tecnicas_WEB.pdf. Acesso em: 28 jan. 2020.

Para saber mais

MCIDADES. Planos de Saneamento Básico. Curso a distância (módulo 4 – Estudos


para a elaboração do diagnóstico). Brasília: MCidades, 2015.
MCIDADES. Política e Plano de Saneamento Ambiental: experiências e recomenda-
ções. 2. ed. Brasília: MCidades, 2011. Disponível em: http://www.capacidades.gov.
br/biblioteca/detalhar/id/177/titulo/politica-e-plano-municipal-de-saneamento-
-ambiental. Acesso em: 28 jan. 2020.
PHILIPPI JR., A. (ed.). Saneamento, saúde e ambiente: fundamentos para um desen-
volvimento sustentável. Barueri: Manole, 2005.
PHILIPPI JR., A.; GALVÃO JR., A. C. (ed.). Gestão do saneamento básico: abasteci-
mento de água e esgotamento sanitário. Barueri: Manole, 2012.

449
EIXO T - TEMAS TRANSVERSAIS

PINTO-COELHO, R. M.; HAVENS, K. Gestão de recursos hídricos em tempos de cri-


se. Porto Alegre: Artmed, 2016.

Autoria deste verbete

Antonio Natanael Costa Sancho. Mestrando em Saneamento, Meio Ambiente e Re-


cursos Hídricos da UFMG. Engenheiro ambiental pela Universidade Federal do Ceará
(UFC) e engenheiro civil pela Universidade de Fortaleza (Unifor).

César Rossas Mota Filho. Doutor em Engenharia Civil e Ambiental pela North Carolina
State University (EUA). Professor Associado do Departamento de Engenharia Sanitá-
ria e Ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais.

P
PLANO MUNICIPAL DE SANEAMENTO BÁSICO (PMSB)

O Plano Municipal de Saneamento Básico, construir um pacto social entre o poder


comumente denominado PMSB, constitui público e a população, sobretudo suas
o meio pelo qual o município pode se or- representações sociais. Nesse processo,
ganizar para universalizar o acesso e me- os conflitos e as contradições precisam
lhorar a qualidade dos serviços prestados emergir, porque os consensos produzi-
à população. Neste sentido, é um instru- dos artificialmente não transformam a
mento de redução das desigualdades so- realidade. A participação popular na for-
ciais e de proteção dos recursos naturais e mulação da política pública e o controle
ambientais. Para que isto aconteça, é fun- social sobre a gestão dos serviços são o
damental que o PMSB – parte integrante caminho para fazer com que o PMSB in-
da Política Municipal de Saneamento (ver verta as prioridades de investimentos,
p. 482) – seja tratado como peça importan- na direção de incluir os grupos socioe-
te do planejamento nessa esfera. conômicos e ambientais vulneráveis,
O momento de elaboração do PMSB é a os grupos minoritários e as populações
oportunidade para construir uma leitura tradicionais com atendimento adequado
integrada do território, entender como e de contribuir para melhorar a situação
o saneamento impacta e é impactado por de salubridade ambiental.
outras políticas públicas, como o desen-
volvimento urbano e regional, a saúde, o Tecnicismo e autoritarismo
meio ambiente, a habitação, o combate à como tradição
pobreza e outras de relevante interesse
social. Contudo, para que um PMSB re- Ao analisar as diferentes escolas de pla-
alize todo esse potencial é indispensável nejamento, observa-se que as experiên-

450
PLANO MUNICIPAL DE SANEAMENTO BÁSICO (PMSB)

cias nesse sentido vivenciadas em nosso marco legal estabelecido em nível nacio-
país foram influenciadas por fatores que nal que é inovador, apesar de transcorri-
determinaram a formação social brasi- da mais de uma década, porque estabele-
leira, bem como marcadas pela orienta- ce que os serviços prestados à população
ção política que se imprimiu ao plane- devem ser necessariamente planejados
jamento no âmbito do projeto nacional de forma participativa e integrada, sub-
de desenvolvimento predominante em metidos à regulação pública e ao contro-
cada época. A associação intrínseca en- le social. Conformam os pilares deste
tre planejamento e plano, este como uma marco legal a Lei 11.445/2007 e o seu
peça meramente técnica, predominou em Decreto 7.217/2010 sobre as diretrizes
grande parte da história da administra- nacionais para o saneamento básico e a
ção pública no Brasil. Nessa vertente, o política federal, que tem o Plano Nacional
planejamento é visto como um processo de Saneamento Básico (Plansab – ver p.
estritamente técnico, dominado por es- 457) como seu principal instrumento de
pecialistas e burocratas. Acreditava-se implementação; a Lei 12.305/2010 sobre
que o plano certo seria suficiente para a Política Nacional de Resíduos Sólidos
atingir os resultados esperados. Porém, (PNRS – ver p. 463); e a Lei 11.107/2005,
são inúmeras as experiências fracassadas sobre gestão associada e consórcios públi-
que se pautaram em planos que na teoria cos (ver p. 293 e 296). Talvez o maior de-
se mostravam perfeitos. safio que se tem seja o de transformar o
Olhando desse lugar, o saneamento que está na lei em agenda pública, em prol
no Brasil acumula um atraso históri- do desenvolvimento do município.
co do ponto de vista da injustiça social A legislação atual determina que o
e da degradação ambiental, decorrente PMSB é condição para pleitear recursos
da hegemonia de uma visão de negócio à União e é também instrumento nor-
e tecnicista. Esse legado resulta do tra- mativo dos contratos de prestação dos
ço de centralização e autoritarismo serviços por agentes públicos ou priva-
que caracterizou o setor, desde o Plano dos. Define que o Plano deve englobar
Nacional de Saneamento (Planasa), integralmente o território do titular, P
formulado na ditadura militar, bem co- o que significa incluir as áreas urbana e
mo das próprias orientações do Estado rural do município, inclusive povos e co-
brasileiro, particularmente na década de munidades que têm seus modos de vida,
1990 e mais recentemente desde meados produção e reprodução social relaciona-
de 2016, com medidas que pautam sobre dos predominantemente com o campo, a
a obrigatoriedade de haver concorrência floresta e as águas, além das áreas onde
nas contratações de serviços na área, mora população de baixa renda (favelas,
abrindo caminho para aumento da parti- ocupações irregulares, assentamentos
cipação da iniciativa privada no setor. precários, entre outras denominações).
A legislação vigente que regulamenta o Portanto, o PMSB deve propor progra-
setor ensaiou uma ruptura com essa tra- mas, projetos e ações tanto para o sanea-
jetória. Atualmente o saneamento brasi- mento urbano quanto para o saneamen-
leiro está institucionalizado no âmbito to rural (ver p. 525), mediante soluções,
do pacto federativo, sob a égide de um inclusive, tecnológicas, compatíveis com

451
EIXO T - TEMAS TRANSVERSAIS

as características socioculturais e am- do que existe no município em termos de


bientais de cada realidade. Além disto, instalações e equipamentos, nem aos ín-
o saneamento básico deve ser tratado na dices gerais de cobertura no município e
perspectiva da integralidade, ou seja, à descrição dos principais problemas ope-
abranger o abastecimento de água, o es- racionais. Óbvio que essas informações
gotamento sanitário, o manejo de resídu- são necessárias, mas não são suficientes.
os sólidos e o manejo de águas pluviais. A análise precisa capturar as condições
O componente de resíduos sólidos (ver de acesso e os tipos de atendimento (se
p. 568) tem uma característica peculiar adequado ou precário), e qualificar quais
porque historicamente conta com uma as pessoas sem atendimento, pois são
forte participação de agentes privados em situações que variam segundo aspectos
todas as etapas do manejo. A elaboração sociais de renda, gênero, étnico-raciais
do Plano de Gestão Integrada de Resíduos e, sobretudo, em termos de estrutura
Sólidos (PGIRS – ver p. 463), instrumen- territorial, seja na área urbana, seja na
to da PNSR, harmoniza as diferentes res- área rural do município. A lei também
ponsabilidades – do poder público, dos determina que o Plano deve ser elabora-
agentes privados, do cidadão e da cidadã. do com horizonte de 20 anos e que deve
Ele pode estar inserido no próprio PMSB, ser compatível e orientador da legislação
desde que contemplado o disposto no art. orçamentária subsequente, ou seja, a re-
19 da Lei 12.305/2010. visão do PMSB deverá ocorrer em prazo
não superior a quatro anos, anteriormen-
Do que o Plano deve tratar te ao Plano Plurianual (PPA), para que
este garanta a previsão orçamentária dos
O conteúdo mínimo do PMSB é defini- recursos necessários para implementação
do no art. 19 da Lei 11.445/2007, e deve das suas propostas.
abranger: o diagnóstico da situação, as Para alcançar a universalização, o
metas e os objetivos, os programas, proje- PMSB admite soluções graduais e pro-
tos e as ações, inclusive para emergências gressivas e deve, necessariamente, pro-
e contingências, com indicação das fontes por ações estruturantes (de gestão) e
de financiamento, bem como os mecanis- estruturais (de infraestrutura). Sabe-se
mos para acompanhamento e avaliação. que, historicamente, o investimento em
O diagnóstico é a base orientadora do saneamento no Brasil privilegiou a im-
PMSB. Deve consolidar dados e informa- plantação de obras, sendo inúmeros os
ções sobre a situação dos serviços, segun- exemplos de aterro transformado em
do indicadores epidemiológicos, de saúde, lixão, de estação de tratamento sem es-
sociais, ambientais e econômicos, bem goto ou que lança esgoto sem tratar, de
como sobre o impacto nas condições de rede de água que provê abastecimento
vida da população, além de informação irregular e água fora dos padrões de po-
de políticas correlatas ao saneamento, tabilidade, de drenagem que promove
particularmente a compatibilidade com inundação e perdas materiais e huma-
o Plano Diretor e o Plano de Bacia. Con- nas, de prestadores e usuários causado-
tudo, é preciso considerar que o diagnós- res de desperdício de água e de geração
tico não se restringe à mera abordagem excessiva de resíduos sólidos com baixo

452
PLANO MUNICIPAL DE SANEAMENTO BÁSICO (PMSB)

nível de reutilização e de reciclagem, en- podem se consorciar para instituir um


tre outras mazelas. Contudo, hoje resta ente regional, gerando ganhos de escala
claro que a gestão é o elemento necessá- e de escopo, em uma atividade que requer
rio para transformar infraestrutura em expertise técnica para atender aos dispo-
serviço prestado à população com segu- sitivos legais que tratam especificamente
rança, qualidade e regularidade. dessa matéria. Embora a fiscalização seja,
Para melhor compreensão de como ela- em geral, uma função mais recorrente na
borar um PMSB em conformidade com administração municipal, é preciso que o
a legislação, é preciso entender que o ci- PMSB identifique como é feita, por quem
clo da gestão compreende as funções de e quais as dificuldades enfrentadas. Na
planejamento, regulação, fiscalização e legislação em vigor, a fiscalização (ver p.
prestação dos serviços e o controle social, 270) ganha um escopo mais abrangente,
que perpassa todas as outras. Chama-se a uma vez que se associa diretamente a tu-
atenção do município para o entendimen- do que diz respeito à regulação.
to de que o planejamento é uma função Ainda no campo das funções de ges-
indelegável do titular dos serviços. A mu- tão, a prestação dos serviços (ver p. 504)
nicipalidade deve, portanto, conduzir todo é estruturante para o exercício de titular
o processo de formulação da Política e de pelo município. A lei estabelece que a
elaboração do seu PMSB, indiferentemen- existência do PMSB é uma das condições
te de como irá executar esta tarefa, se di- para a validade dos contratos, que te-
retamente com a equipe técnica da prefei- nham por objeto a prestação dos serviços,
tura ou com algum apoio técnico externo, devendo prever:
seja por meio de uma instituição de ensino
ou de uma consultoria especializada, en- • a autorização para a contratação dos
tre outros. Seja qual for o arranjo institu- serviços, indicando os respectivos pra-
cional a ser adotado, o PMSB, assim como zos e a área a ser atendida;
a Política, deve ser elaborado com partici- • a inclusão das metas progressivas e gra-
pação popular, e as etapas de implantação, duais de expansão dos serviços, de qua-
monitoramento, avaliação e revisão de- lidade, de eficiência e de uso racional P
vem ser submetidas ao controle social. da água e energia e de outros recursos
É muito importante compreender que naturais, em conformidade com os ser-
a regulação (ver p. 564) se submete à Po- viços a serem prestados;
lítica e ao PMSB, que, por sua vez, deve • as prioridades de ação, compatíveis
orientar os contratos a serem firmados, com as metas estabelecidas;
desde que sejam antes informados e de- • as condições de sustentabilidade eco-
batidos em audiências públicas, como nômico-financeira da prestação dos
prevê a lei. A regulação deve ser exercida serviços, em regime de eficiência, in-
obrigatoriamente por uma entidade pú- cluindo o sistema de cobrança e a com-
blica e que integre a unidade da federação posição de taxas e tarifas, a sistemáti-
a qual o município pertence. A regulação ca de reajustes e de revisões, a política
configura-se como uma boa oportuni- de subsídios;
dade de cooperação por meio de gestão • os mecanismos de controle social nas
associada (ver p. 293), pois municípios atividades de planejamento, regulação,

453
EIXO T - TEMAS TRANSVERSAIS

fiscalização e prestação dos serviços; para cobrir o custo integral dos serviços.
• as hipóteses de intervenção e de reto- Também integra o ciclo da gestão a
mada dos serviços. função do controle social (ver p. 156) que,
como já mencionado, deve perpassar to-
A legislação em vigor, assim como ino- das as demais. Por definição, as instân-
vou com relação à regulação, avança sig- cias instituídas de participação popular
nificativamente na questão da renume- e de controle social englobam os conse-
ração dos serviços, outrora denominada lhos municipais de políticas públicas, as
política tarifária. O art. 45 do Decreto conferências municipais, as audiências
7.217/2010 estabelece que a sustentabi- públicas e os fóruns temáticos, entre ou-
lidade econômico-financeira (ver p. 106) tros e, sobretudo, expressam a influên-
dos serviços públicos de saneamento bá- cia da população no processo decisório
sico será assegurada, sempre que possí- do saneamento no município. O Decreto
vel, mediante remuneração que permita 8.211/2014 da Presidência da República
a recuperação dos custos dos serviços determina que municípios que se inte-
prestados em regime de eficiência. Isso ressarem em pleitear recursos da União
significa que: i) a cobrança tem que ser devem contar com o órgão colegiado já
feita para cobrir custos de serviços que instituído para exercer o controle social.
sejam prestados com eficiência, ou seja, Contudo, esse prazo expirou em 31 de
com níveis admissíveis de perdas, condi- dezembro de 2014.
ções adequadas de acesso e de qualida- A Lei 11.445/2007 traz no seu art. 3º
de; ii) a expressão “sempre que possível” uma definição clara e consistente sobre
aplica-se a cobrar de quem pode pagar, o que se entende por controle social:
devendo a Política prever as situações “conjunto de mecanismos e procedimentos
em que não haja capacidade de paga- que garantem à sociedade informações, re-
mento dos usuários, pois esse não pode presentações técnicas e participações nos
ser motivo para não alcançar as metas de processos de formulação de políticas, de
universalização (§ 6º do art. 22). planejamento e de avaliação relacionados
Fica claro, portanto, que a sustentabi- aos serviços de saneamento básico”. Esse é
lidade econômico-financeira dependerá um conceito que envolve a democratiza-
da combinação de mecanismos baseados ção das relações de poder nas arenas nas
na cobrança por meio de taxas, tarifas e quais se define como os serviços públicos
outros preços públicos, que deve obser- de saneamento básico são planejados,
var as diretrizes do art. 46 (prioridade organizados e prestados à população.
de atendimento, ampliação do acesso de Envolve a democratização das relações
comunidades de baixa renda, inibição do de poder porque, ao garantir acesso à in-
consumo supérfluo e de desperdício, es- formação e representações técnicas, bus-
tímulo ao uso de tecnologias adequadas, ca qualificar a participação social e, mais
entre outros), e a adoção de uma política do que isso, reduzir assimetrias, pois
de subsídios, que podem ser tarifários ou representantes da população podem não
não tarifários, para os usuários e locali- estar em igualdade de condições para
dades que não tenham capacidade de pa- participar dessas arenas onde ocorrem
gamento ou escala econômica suficiente embates, negociações e pactuações.

454
PLANO MUNICIPAL DE SANEAMENTO BÁSICO (PMSB)

Assim, a elaboração do PMSB deve ser Recomenda-se também que seja pro-
ancorada em uma metodologia que seja: videnciada a apreciação e validação do
PMSB pelo órgão colegiado e, preferen-
• participativa, em relação às lideranças cialmente, por outros conselhos munici-
comunitárias e aos agentes sociais com pais afetos à Política de Saneamento (de
representação nas instâncias colegia- saúde, de meio ambiente, de recursos hí-
das existentes, e fomentadora do exer- dricos, da cidade, se houver). Feito isso, e
cício do controle social e da participa- previamente ao envio ao Legislativo mu-
ção popular durante todo o processo; nicipal, a minuta da proposição deve ser
• promotora de integração com as demais encaminhada à Procuradoria do Muni-
políticas públicas, nas quais o sanea- cípio para uma revisão visando garantir
mento básico seja fator determinante, conformidade com a técnica legislativa e
desde o diagnóstico até a proposição evitar contradições entre os dispositivos
dos programas, projetos e ações; e inseridos no PMSB com as demais nor-
• interativa, no que toca o envolvimento mas vigentes. Só então, essa versão final
e a capacitação do corpo técnico-po- apreciada e aprovada segundo os trâmi-
lítico do município responsável pela tes e instâncias descritos e, já sob forma
gestão dos serviços públicos de sane- de projeto de lei, deve ser encaminhada
amento básico e de políticas públicas pela prefeitura à Câmara, para apreciação
correlatas, incluindo os conselheiros e votação pelos vereadores e vereadoras.
municipais dessas políticas, movimen- Com o amparo da legislação, o que se
tos sociais que militam no tema e de- espera ao longo do processo de elabora-
mais lideranças comunitárias. ção, implementação, avaliação e revisão
do PMSB é que o município emerja for-
O caminho legal talecido na sua condição de titular dos
serviços, assumindo cada vez com mais
Por fim, falta tratar da aprovação do propriedade técnica e legitimidade social
PMSB, que deve se dar por meio de projeto o comando da política e da gestão dos ser-
de lei (PL) a ser enviado pelo Poder Execu- viços de saneamento básico. E que o faça P
tivo municipal para apreciação e aprovação garantindo a participação social para al-
no Poder Legislativo municipal, o que justi- cance do objetivo central de um plano que
fica a necessidade de uma estratégia de en- é a universalização do acesso com atendi-
volvimento da Câmara de Vereadores(as) mento adequado e a melhoria da qualida-
no processo. Nesse sentido, algumas medi- de dos serviços prestados à população e,
das devem ser definidas previamente para consequentemente, a afirmação do sane-
pavimentar a implementação e o sucesso amento como direito.
dessa estratégia. As atividades prepara- Para isso, é preciso entender que plane-
tórias para aprovação do PMSB consistem jar não constitui um ato neutro. Existe
em elaborar uma minuta de PL e submetê- diferença entre método e conteúdo. Em-
-la à discussão com a população durante a bora, como mencionado, sejam muitas as
audiência pública ou conferência munici- metodologias disponíveis para o planeja-
pal, convocada para esse fim, e agregar as mento público, estas apenas fornecem di-
contribuições resultantes desse evento. retrizes sobre como conduzir o processo.

455
EIXO T - TEMAS TRANSVERSAIS

Por outro lado, o conteúdo não é ditado vulneráveis (como preconiza o Plansab).
pelo método. Assim, os métodos, sejam Dessa forma, é a visão de quem plane-
de corte mais normativo ou pretensa- ja que orienta o que se quer alcançar com
mente estratégico, tanto podem servir o planejamento. Considerados a legisla-
para um planejamento que privilegie uma ção em vigor e o mote deste projeto, indi-
visão do saneamento como mercadoria e ferentemente do nome que se queira dar
a provisão dos serviços como um negócio (planejamento subversivo, democrático
(como orientavam o Planasa e, de tempos ou colaborativo, entre outras denomina-
em tempos, as tentativas de privatização ções), a aposta que se faz é na participa-
do setor), quanto podem conter uma vi- ção social que delibera e que, deste lugar,
são do saneamento como direito e privile- problematiza, tensiona e orienta a ação
giar o atendimento das populações mais do poder público.

Referências

MS; FUNASA. Termo de referência para elaboração de plano municipal de sanea-


mento básico. Brasília: Funasa, 2018. Disponível em: http://www.funasa.gov.br/
termo-de-referencia-tr-para-pmsb.
FUNDAÇÃO VALE. Guia para qualificação de agentes locais. Capacitação em política
e gestão dos serviços de saneamento básico. Brasília: Fundação Vale; Unesco, 2013.
Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000223070.
HELLER, L.; REZENDE, S. Planejamento em saneamento básico: aspectos teórico-
-metodológicos. Brasília: Fundação Vale, 2013. Disponível em: https://unesdoc.
unesco.org/ark:/48223/pf0000223068.
RANDOLPH, R. Do planejamento colaborativo ao planejamento “subversivo”: refle-
xões sobre limitações e potencialidades de planos diretores no Brasil. Scripta No-
va. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales. Barcelona: Universidad
de Barcelona, v. XI, n. 245, 17, ago. 2007. Trabalho apresentado no IX Colóquio In-
ternacional de Geocrítica, 2007, Porto Alegre. Disponível em: http://www.ub.edu/
geocrit/9porto/rainer.htm.

Para saber mais

http://www.funasa.gov.br/site/wp-content/uploads/2016/09/PMSB.pdf
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_plano_municipal_saneamento_
basico_2_ed.pdf

Autoria deste verbete

Berenice de Souza Cordeiro. Doutora e mestre em Planejamento Urbano e Regional


(Ippur/UFRJ); engenheira sanitarista (ENSP/Fiocruz); especialista em Direito Social
(Uerj). Consultora de política e gestão de saneamento em organismos internacionais
(Opas/Unesco/Iica/Pnud/BID).

456
PLANO NACIONAL DE SANEAMENTO BÁSICO (PLANSAB)

PLANO NACIONAL DE SANEAMENTO BÁSICO (PLANSAB)

O histórico do planejamento do sanea- sidades, nas diferentes regiões do país.


mento básico no Brasil tem como principal Foram realizados cinco seminários re-
marco contemporâneo o Plano Nacional gionais – em Manaus, Recife, Belo Ho-
de Saneamento Básico, também conheci- rizonte, Porto Alegre e Brasília – que
do pela sigla Plansab. Ao orientar a polí- contaram com aproximadamente 500
tica pública do setor para os próximos 20 participantes de diversos segmentos que
anos a partir de 2014 e ao se colocar como compõem o setor de saneamento: mem-
referência para os planos estaduais e mu- bros de governo, profissionais autôno-
nicipais a serem elaborados por determi- mos, movimentos sociais, usuários, tra-
nação legal, o Plansab tem uma importân- balhadores, prestadores de serviço e re-
cia estratégica. Trata-se do primeiro plano presentantes da iniciativa privada. Além
para o setor elaborado após a Constituição disso, diversas reuniões e oficinas com
de 1988. Ele permite introduzir uma visão especialistas e equipes do governo fede-
de longo prazo para enfrentar os desafios ral foram realizadas nas etapas interme-
do saneamento no país. diárias do trabalho, para pensar coleti-
A formulação do Plano foi determinada vamente os cenários de planejamento e
pela Lei 11.445/2007, em seu artigo 52, compartilhar decisões estratégicas.
segundo o qual ficaria a cargo da União
elaborá-lo sob a coordenação do Ministé- Consulta pública e atualização
rio das Cidades (MCidades). O processo
de elaboração teve como marco inicial a Em 2012, o documento preliminar foi
formulação do “Pacto pelo Saneamento submetido a consulta pública, realizada
Básico: mais saúde, qualidade de vida e a partir da apresentação de contribuições P
cidadania” em 2008. Em seguida, entre em local específico no site do MCidades.
2009 e 2010, sob a coordenação de uma As propostas recebidas totalizaram 537
equipe da Universidade Federal de Minas registros, contendo 649 contribuições,
Gerais (UFMG), em parceria com equipes apresentadas por 108 diferentes autores,
da Universidade Federal da Bahia (UFBA) por meio de manifestações individuais
e da Universidade Federal do Rio de Janei- ou de entidades, com ênfase para aquelas
ro (UFRJ), foi elaborado um extenso estu- com assento no Conselho Nacional das
do denominado Panorama do Saneamento Cidades (ConCidades).
Básico no Brasil, que teve como um de seus Uma vez recebidas as contribuições, a
produtos a versão preliminar do Plansab. Secretaria Nacional de Saneamento Am-
Esta versão contou com ampla parti- biental (SNSA), do MCidades, assessora-
cipação de agentes de governo e da so- da pela UFMG e pela UFRJ, desenvolveu
ciedade, através de oficinas organizadas uma atenta avaliação de cada uma delas,
por equipe do Ministério e das univer- em um esforço de, a um só tempo, procu-

457
EIXO T - TEMAS TRANSVERSAIS

rar acomodar as visões da sociedade e não macrodiretrizes e estratégias e programas


comprometer a coerência e a consistên- (Saneamento Básico Integrado, Sanea-
cia do Plano. A análise final das emendas mento Rural e Saneamento Estruturan-
revelou um total de 448 contribuições, te) e critérios de seleção e hierarquização
depois de agregar aquelas com redação das demandas aos programas. Por fim, o
idêntica. Destas, 42,6% foram acatadas, capítulo 10 abrange o monitoramento, a
integral ou parcialmente. Não foram aca- avaliação sistemática e a revisão do plano.
tadas 30,4% das contribuições por razões
diversas, especialmente pela necessidade Princípios do Plansab
de se manter a direção geral dada ao plano.
Com a publicação do Censo Demo- A elaboração do plano foi baseada em
gráfico de 2010 e de novas edições do princípios da política de saneamento
Sistema Nacional de Informações so- básico, a maior parte deles presente na
bre Saneamento (SNIS) e do Sistema de Lei 11.445/2007. No capítulo 3 são ex-
Vigilância da Qualidade da Água para plicitados esses princípios, pressupondo-
Consumo Humano (Sisagua), em 2013 -se que o planejamento não é neutro ou
o Plansab passou por atualização, tendo uma atividade apoiada apenas em méto-
sido em seguida apreciado pelo ConCi- dos e técnicas. Muito ao contrário: cada
dades e pelos Conselhos Nacionais de escolha de caminhos, cada método, cada
Saúde (CNS), Meio Ambiente (Conama) proposição, recebe a influência da visão
e Recursos Hídricos (CNRH). de mundo e de sociedade dos agentes so-
Em dezembro de 2013, na abertura da ciais que se envolvem no processo partici-
5ª Conferência Nacional das Cidades, a pativo de planejamento.
então presidente Dilma Rousseff assinou São princípios do Plansab:
o decreto instituindo o Plano Nacional
de Saneamento Básico, após cerca de dois • a universalidade, entendida como o
anos de esforços de várias entidades do acesso de todos os domicílios ocupados
setor. O Plansab é composto por dez capí- ao saneamento básico;
tulos. Após a introdução (capítulo 1), são • a equidade, assumindo a noção de
apresentadas as bases legais e competên- equidade vertical, entendida como o
cias institucionais (cap. 2) e os princípios tratamento desigual para desiguais,
fundamentais (cap. 3) que orientam todo priorizando aqueles que mais necessi-
o conteúdo do Plano. O capítulo 4 cor- tam para que se possa alcançar a uni-
responde à análise situacional, composta versalização do acesso;
pelo déficit em saneamento básico, inves- • a integralidade, que se caracteriza pela
timentos em saneamento básico, progra- integração entre os quatro componen-
mas e ações do governo federal e avalia- tes do saneamento (abastecimento de
ção político-institucional. No capítulo 5, água, esgotamento sanitário, drena-
apresentam-se os cenários para a política gem e manejo de águas pluviais urba-
de saneamento básico no país. Os capítu- nas, manejo de resíduos sólidos), propi-
los 6, 7, 8 e 9 correspondem aos seguin- ciando à população o acesso, conforme
tes temas: metas de curto, médio e longo suas necessidades, e maximizando a
prazos, necessidades de investimentos, eficácia das ações e resultados;

458
PLANO NACIONAL DE SANEAMENTO BÁSICO (PLANSAB)

• a intersetorialidade, em que se busca produziram os estudos situacionais, en-


considerar, nos programas e ações, to- tendendo que o planejamento não é mo-
das as inter-relações com as políticas nopólio de quem planeja.
públicas que têm interface com o sanea- Assim, foram identificados possíveis
mento básico, como a gestão ambiental, futuros, denominados de cenários, com
a gestão dos recursos hídricos e o uso e base em análise da situação atual e pre-
ocupação do solo, a saúde e a habitação; gressa. Partiu-se da premissa de que não
• a sustentabilidade, compreendida nas é possível predizer o futuro, apenas fazer
suas quatro dimensões: a ambiental, previsões de possibilidades, procurando
relativa à conservação e gestão dos re- reduzir os riscos das incertezas e propi-
cursos naturais e à melhoria da quali- ciar ferramentas que facilitem a definição
dade ambiental; a social, relacionada à de estratégias. Foram selecionados, atra-
percepção dos usuários em relação aos vés da metodologia adotada, três cená-
serviços e à sua aceitabilidade social; a rios plausíveis, denominados de Cenários
da governança, envolvendo mecanis- 1, 2 e 3, sendo o Cenário 1 eleito como
mos institucionais e culturas políticas, referência para a política de saneamento
com o objetivo de promover uma gestão básico no país no período 2014-2033.
democrática e participativa, pautada O Plansab inovou conceitualmente
em mecanismos de prestação de con- na elaboração do diagnóstico em sane-
tas; e a econômica, que concerne à via- amento apresentado na análise situa-
bilidade econômica dos serviços; cional, ao construir uma definição para
• o controle social e a participação, em déficit que contempla, além da infra-
que se busca na gestão do saneamento estrutura implantada, os aspectos so-
avançar na instituição de práticas de- cioeconômicos e culturais e também a
mocráticas substantivas e superar a qualidade dos serviços ofertados ou da
cisão de linguagem, a visão setorial e a solução empregada. A nova metodologia
resiliência das organizações e proces- para a caracterização das condições de
sos que dificultam o diálogo entre os saneamento permitiu uma visão mais
saberes técnico e popular. realista do atendimento adequado. Ela P
contrasta com a visão possibilitada ape-
Abordagem de nas pelos dados de cobertura dos censos
planejamento adotada demográficos do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), revelando
A lógica adotada para a elaboração do um déficit superior ao demonstrado pelas
Plansab é a de um planejamento que dá informações daquela fonte.
ênfase a uma visão estratégica de fu- Além disso, a análise situacional en-
turo. Nesse modelo, o futuro não é sim- volveu um conteúdo amplo que abrangeu
plesmente uma realidade desenhada pe- os investimentos realizados em sanea-
la equipe de planejamento, abordagem mento básico, aportados em diferentes
esta usual no planejamento tradicional. setores, em programas e ações do gover-
Foram incorporadas tanto a visão da so- no federal, mostrando a predominân-
ciedade, manifestada nos seminários re- cia de ações fragmentadas e dispersas.
gionais, quanto a dos especialistas, que Importante dimensão dessa análise foi

459
EIXO T - TEMAS TRANSVERSAIS

a avaliação político-institucional, que to das ações em medidas estruturantes


discorreu sobre o legado institucional das assegurará crescente eficiência, efetivi-
políticas públicas de saneamento e sobre dade e sustentação aos investimentos em
os desafios inerentes à descentralização, medidas estruturais. As medidas estru-
à intersetorialidade, à regulação (ver p. turantes visam capacitar e fortalecer os
560), à participação (ver p. 424) e ao con- prestadores e gestores para assegurarem
trole social (ver p. 156) no que diz respei- que as instalações físicas implantadas
to à gestão dos serviços de saneamento. cumpram seu papel de fornecer serviço
com qualidade e adequado às necessida-
Medidas estruturais des da população. Elas propiciam tam-
e estruturantes bém o fortalecimento das outras funções
relacionadas à gestão, como a regulação e
Uma definição central que acompanha o controle social, e do desenvolvimento
toda a estrutura do Plano é a adoção dos científico e tecnológico do setor.
conceitos de medidas estruturais e me- O estudo das necessidades de inves-
didas estruturantes. As primeiras cor- timentos em expansão e reposição de
respondem aos tradicionais investimen- serviços de saneamento básico, segundo
tos em obras, com intervenções físicas metas de curto, médio e longo prazos,
nos territórios, para a implantação das pressupõe recursos provenientes das
infraestruturas físicas de abastecimen- esferas federal, estaduais e municipais,
to de água potável, esgotamento sanitá- e oriundos dos prestadores e agentes
rio, limpeza urbana e manejo de resíduos internacionais. Está alinhado com os
sólidos e drenagem e manejo das águas preceitos do cenário de referência do
pluviais urbanas. São evidentemente Plansab. O modelo de projeção dos in-
necessárias para suprir o déficit de co- vestimentos assentou-se em parâme-
bertura pelos serviços e a proteção da tros de identificação e caracterização da
população quanto aos riscos epidemio- demanda para cada componente do sa-
lógicos, sanitários e patrimoniais. As neamento básico, e da oferta, estabeleci-
medidas estruturantes são entendidas da na vertente de medidas estruturais e
como aquelas que fornecem suporte po- de medidas estruturantes.
lítico e gerencial para a sustentabilidade
da prestação dos serviços. Encontram- Programas
-se tanto na esfera do aperfeiçoamento
da gestão, em todas as suas dimensões, O Plansab está organizado em três
quanto na da melhoria cotidiana e roti- programas:
neira da infraestrutura física.
Dessa forma, o Plansab procura deslo- • Programa 1: Saneamento Básico In-
car o tradicional foco dos planejamentos tegrado, que visa ao investimento em
clássicos em saneamento básico, pautados ações estruturais, abrangendo prefe-
na hegemonia de investimentos em obras rencialmente mais de um componente
físicas, para um melhor balanceamento do saneamento básico (abastecimento
destas com medidas estruturantes, a par- de água potável, esgotamento sanitá-
tir do pressuposto de que o fortalecimen- rio, limpeza urbana e manejo de resí-

460
PLANO NACIONAL DE SANEAMENTO BÁSICO (PLANSAB)

duos sólidos, drenagem e manejo das com suas metas de curto prazo, a Secreta-
águas pluviais urbanas), tendo como ria Nacional de Saneamento do Ministério
público-alvo titulares e prestadores de do Desenvolvimento Regional (SNS/MDR)
serviços de abastecimento de água e promoveu sua revisão, estimulando a par-
esgotamento sanitário e os municípios ticipação de representantes do governo
responsáveis pelos serviços de limpeza federal, de associações, universidades, con-
urbana e manejo de resíduos sólidos, selhos e da sociedade civil em reuniões e
drenagem e manejo das águas. consultas públicas pela internet, no segun-
• Programa 2: Saneamento Rural, que do semestre de 2018. Em março de 2019
visa ao atendimento da população ru- foram realizadas duas audiências públicas
ral, povos indígenas e comunidades e foi aberta a consulta pública, encerrada
tradicionais, no conjunto das neces- em 22 de abril de 2019. Foram recebidas
sidades dos componentes do sanea- 2.653 contribuições, das quais 39% foram
mento básico. O programa tem como acatadas ou acatadas parcialmente.
público-alvo as administrações muni- A versão do Plansab após a revisão abran-
cipais, consórcios ou prestadores de ge a atualização de conteúdos dispostos
serviços e instâncias de gestão para o na primeira versão, mantendo os elemen-
saneamento rural, como cooperativas tos conceituais que deram o tom à com-
e associações comunitárias. posição de todas as outras etapas: a aná-
• Programa 3: Saneamento Estrutu- lise situacional do déficit em saneamento
rante, que visa ao apoio à gestão dos básico e dos programas e ações federais, a
serviços com vistas à sustentabilida- avaliação político-institucional do setor, a
de para o adequado atendimento da análise dos investimentos, a visão estraté-
população, financiando medidas para gica para o saneamento básico no Brasil e
a melhoria da gestão e da prestação a elaboração de novos cadernos temáticos,
de serviços e de forma a qualificar os em complementação ao conteúdo presente
investimentos em medidas estrutu- nos 13 cadernos temáticos lançados no Pa-
rais. Tem como público-alvo titulares, norama do Saneamento Básico no Brasil,
consórcios e outras modalidades de subsidiando a versão original do Plano. P
gestão, prestadores públicos, gestores, Embora apresente um fraco alinha-
entidades de ensino e pesquisa. mento com os princípios dos direitos hu-
manos à água e ao esgotamento sanitário
A unificação do Plano nos três progra- (ver p. 205), aos quais o Brasil aderiu
mas teve por objetivo dar mais raciona- em 2010, a revisão mantém a lógica de
lidade, mais clareza na política pública e planejamento pautada em uma visão es-
maior capacidade de coordenação, consi- tratégica do futuro. Os cenários de pla-
derando que havia uma grande dispersão nejamento foram atualizados, de forma
de iniciativas até então. a se ajustarem à realidade esperada nos
próximos anos de sua vigência, já ante-
Revisão do Plansab vista na versão original do Plansab, mas
tratada como um cenário alternativo.
Após o primeiro período de implementa- Outro ponto na revisão do plano diz
ção do Plansab (2014-2017), coincidente respeito à manutenção do equilíbrio en-

461
EIXO T - TEMAS TRANSVERSAIS

tre as medidas estruturais e as estrutu- ce de crescente eficiência, efetividade e


rantes, reforçando a importância de se sustentação aos investimentos em me-
fortalecerem as segundas para o alcan- didas estruturais.

Referências bibliográficas

1. MCIDADES. Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab). Brasília: MCidades,


2014. Disponível em: https://www.mdr.gov.br/images/stories/ArquivosSNSA/Plan-
SaB/plansab_texto_editado_para_download.pdf.
2. HELLER, L. (coord.). Panorama do Saneamento Básico no Brasil. Brasília: MCida-
des, 2014. 7 v.

Nota

Este verbete foi produzido a partir de elementos do Panorama do Saneamento Básico no


Brasil, desenvolvido por equipes da UFMG, da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e da
UFRJ. O estudo está disponível no site do Ministério do Desenvolvimento Regional, no
link: https://www.mdr.gov.br/saneamento/plansab/processo-de-elaboracao-de-plano/
panorama-do-saneamento-basico-no-brasil.

Para saber mais

SILVEIRA, R. B; HELLER, L.; REZENDE, S. Identificando correntes teó-


ricas de planejamento: uma avaliação do Plano Nacional de Saneamen-
to Básico (Plansab). Revista de Administração Pública, Rio de Janei-
ro, v. 47, n. 3, p. 601-622, 2013. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo
php?script=sci_arttext&pid=S0034-76122013000300004&lng=pt&nrm=iso.

Autoria deste verbete

Ana Britto. Geógrafa pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-
-Rio), mestre em Planejamento Urbano e Regional pela UFRJ, doutora em Urbanismo
pelo Institut D’Urbanisme de Paris – Université de Paris XII. Professora associada da
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) e do Programa de Pós-Graduação em
Urbanismo (Prourb) da UFRJ.

Sonaly Rezende. Engenheira civil e mestre em Saneamento pela UFMG, doutora em De-
mografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da Univer-
sidade. Professora do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental e do Programa
de Pós-Graduação em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos da UFMG.

Léo Heller. Pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e relator especial das
Nações Unidas sobre os Direitos Humanos à Água e ao Esgotamento Sanitário.

462
PLANOS DE GESTÃO INTEGRADA DE RESÍDUOS SÓLIDOS (PGIRSS)

P
PLANOS DE GESTÃO INTEGRADA DE RESÍDUOS SÓLIDOS (PGIRSS)

Os municípios, sobretudo os de pequeno de resíduos sólidos, como: domiciliares;


porte, têm apresentado estrutura fragili- de limpeza urbana; de estabelecimentos
zada frente aos modelos tradicionalmen- comerciais e prestadores de serviços; dos
te adotados para a gestão dos resíduos serviços públicos de saneamento; indus-
sólidos (RS). Essa fragilidade se associa à triais; de serviços de saúde; da constru-
ausência de desenvolvimento institucio- ção civil; agrossilvopastoris; de serviços
nal, à incapacidade técnica e operacional de transportes; e de mineração. Assim,
e à insustentabilidade financeira dos sis- é importante compreender o que são os
temas implantados. Embora tenha sido planos de gestão integrada de resíduos e
identificado um aumento da disposição suas etapas.
em aterros sanitários, verifica­-se que va- Os PGIRSs devem considerar a mudan-
zadouros a céu aberto (lixões) e aterros ça de hábitos e de comportamento da so-
controlados ainda estão presentes na ciedade como um todo, com a participação
maior parte dos municípios brasileiros de de vários segmentos sociais, e abranger
pequeno porte. desde a geração do resíduo, com a identi-
A busca por soluções na área reflete a ficação do ente gerador, até a disposição fi-
necessidade de mudança da sociedade nal (ver p. 210) ambientalmente adequada
motivada pelos elevados custos socioe- dos rejeitos. O plano deverá apresentar a
conômicos e ambientais. A planificação situação atual do sistema de limpeza ur-
é parte de um processo de pensar ferra- bana, com a pré-seleção das alternativas
mentas transformadoras para construir mais viáveis, e o estabelecimento de ações
políticas públicas de longa duração com integradas e diretrizes sob os aspectos
grande alcance social buscando provo- ambientais, econômicos, administrativos, P
car, de maneira gradual e contínua, mu- técnicos, sociais e legais para todas as fa-
danças de atitudes e hábitos na sociedade ses de gestão dos resíduos sólidos.
brasileira quanto à geração e à destinação
final de resíduos. Responsabilização
Os Planos de Gestão Integrada de
Resíduos Sólidos (PGIRSs) são um Esse instrumento de planejamento deve-
dos principais e mais importantes rá passar pela responsabilização do setor
instrumentos da Política Nacional de Re- público, titular ou concessionário, do con-
síduos Sólidos (PGIRSs – ver p. 568), po- sumidor, do cidadão e do setor privado na
dendo ser elaborados em nível nacional, adoção de soluções que minimizem os efei-
estadual, intermunicipal, municipal, bem tos negativos para a saúde pública e para o
como em nível dos geradores, conforme meio ambiente. O PGIRS é o planejamento
descrito na PNRS. O escopo do plane- que um município faz para um cenário de
jamento trata de uma ampla variedade 20 anos com revisões pelo menos a cada

463
EIXO 6 - MANEJO DE RESÍDUOS SÓLIDOS

quatro anos sobre a gestão e o gerencia- gionalizado de saneamento básico poderá


mento de resíduos sólidos que pretende obedecer a plano regional de saneamento
realizar. As peculiaridades locais e regio- básico elaborado para o conjunto de mu-
nais e, principalmente, a capacidade de nicípios atendidos.
articulação dos agentes e gestores envol- Os PGIRSs deverão conter etapas como
vidos definirão a abrangência do plano de a mobilização (ver p. 395) e a participação
gestão – se regional ou municipal1. social (ver p. 424). Nas etapas de diagnós-
Segundo a PNRS, a elaboração dos tico técnico participativo e prognóstico
Planos Municipais de Gestão Inte- dos serviços de gestão dos resíduos são
grada de Resíduos Sólidos (PMGIRSs) necessárias avaliações completas da situ-
é condição necessária para que os muni- ação, para que na etapa referente aos pro-
cípios tenham acesso aos recursos da gramas, projetos e ações sejam propostas
União destinados à limpeza urbana e a soluções para os problemas identificados
gestão de resíduos sólidos. Para muni- e por meio dos indicadores se possa im-
cípio com até 20.000 habitantes, o PM- plementar e aferir os resultados.
GIRS tem conteúdo simplificado. A elaboração de um plano para a ges-
O PMGIRS pode estar inserido no Pla- tão dos resíduos sólidos não é uma ati-
no de Saneamento Básico (ver p. 450), vidade que se realiza em poucos dias. É
integrando-se com os planos de água, um processo que envolve atores sociais
esgoto e drenagem urbana, previstos nas que têm algum vínculo com a geração,
leis 11.445/2007 e 14.026/2020, respei- a gestão dos resíduos e o ambiente. Os
tado o conteúdo mínimo definido nos atores sociais são pessoas, organiza-
documentos legais (um único plano aten- ções, empresas e instituições que têm
dendo as Leis 11.445/2007, 14.026/2020 interesse ou uma participação particu-
e 12.305/2010). Os municípios que opta- lar sobre esse processo. Participam ati-
rem por soluções consorciadas intermu- vamente na comunidade, têm o poder
nicipais para gestão dos resíduos sólidos e a capacidade na mobilização e seus
estarão dispensados da elaboração do resultados podem apresentar-se de ma-
PMGIRS, desde que o plano intermunici- neira tanto positiva ou negativa.
pal atenda ao conteúdo mínimo previsto
na PNRS (um único plano atendendo a Diagnóstico técnico
vários municípios associados). As pecu- participativo e prognóstico
liaridades de cada localidade deverão
definir o formato do plano regional ou O diagnóstico deve orientar como será
municipal, tendo como referência o con- realizada a coleta de informações, co-
teúdo mínimo estipulado na Lei. mo: pesquisa bibliográfica, recuperação
A Lei 14.026/2020 que atualiza o mar- de documentos disponíveis nos órgãos,
co legal do saneamento define no seu ar- reuniões com os responsáveis pelos de-
tigo 8º- A que “è facultativa a adesão dos mais setores da prefeitura e levanta-
titulares dos serviços públicos de sane- mento de dados em campo. Os dados e
amento de interesse local às estruturas informações coletados devem ser trata-
das formas de prestação regionalizada.” E dos e analisados, no intuito de apresen-
no seu artigo 17 define que “o serviço re- tar um panorama da situação atual dos

464
PLANOS DE GESTÃO INTEGRADA DE RESÍDUOS SÓLIDOS (PGIRSS)

diferentes tipos de resíduos, e subsidiar definidos os seus indicadores de desem-


o prognóstico – programas e ações com penho operacional e ambiental (ver p.
soluções voltadas a minimizar a geração 318). Também deverão estar abordadas as
de resíduos em todas as etapas da ges- ações e programas de capacitação técnica
tão. O diagnóstico também deve ser rea- e de educação ambiental, com a prioriza-
lizado de forma participativa, envolven- ção das ações voltadas à inclusão produ-
do as lideranças e os agentes sociais que tiva dos catadores de materiais reciclá-
possam fornecer informação e análises veis e suas organizações (ver p. 167). Os
sobre a situação a ser diagnosticada. planos municipais ou intermunicipais de
O prognóstico deve orientar o cálcu- gestão integrada de resíduos sólidos farão
lo da estimativa da geração futura de a definição de metas de redução, reutili-
resíduos sólidos ao longo do horizonte zação, coleta seletiva e reciclagem (ver p.
do plano para o planejamento das ações 551), e dos seus mecanismos de fiscaliza-
necessárias de adequação da gestão de ção e controle, e deverão contemplar a re-
resíduos sólidos e descrição dos cenários cuperação e a valorização máxima dos di-
de referência. Uma análise e a seleção versos materiais, incorporando soluções
das alternativas de intervenção visando para redução da disposição dos rejeitos
à melhoria das condições sanitárias re- nos aterros1.
lacionadas com a limpeza urbana (ver p. As diretrizes e estratégias dos Planos
351) e gestão de resíduos sólidos em que de Gestão deverão traduzir com clareza
vivem as populações urbanas e rurais (ver a ordem de prioridades imposta pela
p. 495). Tais alternativas terão por base Política Nacional de Resíduos Sólidos, da
as carências atuais desses serviços e me- precedência obrigatória de não geração,
didas mitigadoras para saná-las. redução, reutilização e reciclagem sobre o
tratamento e a disposição final, de for-
Programas, projetos e ações ma a não inibir a concretização da logís-
tica reversa e da responsabilidade com-
Nesta etapa orienta-se o município em partilhada pela gestão, peças centrais
função da situação que se visa alcançar, da PNRS. Os indicadores de desempenho P
mediante a execução dos programas e a dos programas devem ser elaborados com
realização das ações previstas para atin- objetivo de aferir os resultados produzi-
gir os objetivos e as metas do Plano. Os dos com a implementação das políticas
programas devem operacionalizar as so- públicas para permitir que os gestores
luções propostas estabelecendo as medi- avaliem os programas. As metas podem
das e insumos necessários para a realiza- ser de natureza quantitativa ou qualitati-
ção dos objetivos. va, a depender das especificidades de ca-
O Plano deverá promover a definição da caso, e devem ter aspectos temporais e
das responsabilidades, entre as quais as espaciais. Podem ser distribuídas ao lon-
dos geradores sujeitos a planos de geren- go do horizonte do Plano (20 anos) e clas-
ciamento específico e a dos responsáveis sificadas como: imediata ou emergencial,
pela logística reversa (ver p. 357). Os pro- curto, médio e longo prazo.
cedimentos operacionais nos serviços pú- Deve-se estimar os valores requeridos
blicos deverão ser abordados, bem como para implementar os programas e ações.

465
EIXO 6 - MANEJO DE RESÍDUOS SÓLIDOS

Segundo o Ministério do Meio Ambiente1 Levantamentos efetuados pelo governo


um aspecto central, a ser inserido tanto federal, por meio do Instituto Brasileiro de
por exigência da Lei 12.305/2010 como Geografia e Estatística (IBGE) e publicados
por exigência do novo marco regulatório em 2014 e 2018 (anos-base 2013 e 2017),
da Lei de Saneamento Básico, é a solução no perfil dos 5.569 municípios brasileiros,
para recuperação dos custos da presta- possibilitaram a consolidação do número
ção dos serviços públicos de limpeza ur- de municipalidades que apresentam PM-
bana e de gestão de resíduos sólidos e a GIRS. De acordo com os dados apresenta-
sua forma de cobrança. dos, existiam 1.865 municípios no ano de
2013 e 3.053 em 2017 com esse plano2.
Cenário brasileiro Recentemente foi lançado o Sistema
Nacional de Informações sobre a Gestão
De acordo com dados sobre a gestão dos dos Resíduos Sólidos (Sinir), que atuará
resíduos sólidos, desde a sanção da PNRS, sob a coordenação do MMA e deverá cole-
verifica-se que 19 estados e o Distrito Fede- tar dados relativos aos serviços públicos
ral elaboraram seus planos Estaduais de e privados de gestão e gerenciamento na
Resíduos Sólidos (Perss), considerando o área, assim como verificar quais os muni-
período entre 2010 e 2016. Para os estados cípios elaboraram os seus planos, possi-
de Rondônia, Bahia, Minas Gerais e Espíri- bilitando o monitoramento, a fiscalização
to Santo encontram-se em elaboração. No e a avaliação da eficiência da gestão e do
Amapá, em Roraima e Mato Grosso ainda gerenciamento dos resíduos, inclusive
não foram elaborados (MMA, 20192). dos sistemas de logística reversa.

Referências bibliográficas

1 MMA. Planos de gestão de resíduos: manual de orientação. Brasília: MMA; Iclei,


2012. Disponível em: https://www.mma.gov.br/estruturas/182/_arquivos/manu-
al_de_residuos_solidos3003_182.pdf.
2 MMA. Agenda Nacional de Qualidade Ambiental Urbana – Fase 2: Resíduos Sóli-
dos Urbanos. Programa Nacional Lixão Zero. Brasília: Ed. MMA, 2019. Disponível
em: https://www.mma.gov.br/images/agenda_ambiental/residuos/programali-
xaozero_saibamais.pdf.

Para saber mais

BRASIL. Lei nº 12.305, de 02 de agosto de 2010. Institui a Política Nacional de Re-


síduos Sólidos. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
2010/2010/lei/l12305.htm.
BRASIL. Lei nº 14.026, de 15 de julho de 2020. Atualiza o marco legal do saneamento
básico. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20192022/2020/
lei/L14026.htm.
MMA. Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos. Dis-
ponível em: https://sinir.gov.br.

466
OS PLANOS DE SANEAMENTO BÁSICO À LUZ DA LEI 14.026/2020

NUCASE. Plano de gestão de resíduos sólidos urbanos: guia do profissional em trei-


namento – nível 2. Belo Horizonte: ReCesa, 2007. (Série Resíduos sólidos). Dispo-
nível em: https://www.mdr.gov.br/images/stories/ArquivosSNSA/Arquivos_PDF/
ReCesa/planodegestaointegradaderesiduossolidosurbanos-nivel2.pdf.

Autoria deste verbete

Liséte Celina Lange. Professora titular do Departamento de Engenharia Sanitária e


Ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais (Desa/UFMG). Doutora em Tec-
nologia Ambiental pela Universidade de Londres, Inglaterra.

Cynthia Fantoni Alves Ferreira. Engenheira civil, sanitarista e ambiental. Doutora em


Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos – Universidade Federal de Minas Ge-
rais (UFMG). Pesquisadora pós-doutoral do Departamento de Engenharia Sanitária e
Ambiental da UFMG.

P
OS PLANOS DE SANEAMENTO BÁSICO À LUZ DA LEI 14.026/2020

A gestão plena dos serviços de sanea- As ações em saneamento básico estão


mento básico compreende cinco funções interligadas à promoção da saúde da po-
públicas principais: 1) organização, 2) pulação e à melhoria da qualidade do
planejamento, 3) regulação e fiscali- meio ambiente. São ações que, quando
zação, 4) prestação dos serviços, e 5) aplicadas, resultam em maiores níveis de
participação e controle social. O pla- salubridade ambiental. Compreendem o P
nejamento, objeto deste texto, desta- abastecimento de água em quantidade e
ca-se como o instrumento estratégico em qualidade adequadas (ver p. 645); a
da gestão, que compreende o conjunto coleta e o tratamento adequados dos es-
de atividades atinentes à identificação, gotos sanitários (ver p. 256); a limpeza ur-
qualificação, quantificação, organização bana (ver p. 351), a coleta, o tratamento e
e orientação de todas as ações, públicas a destinação dos resíduos sólidos urbanos
e privadas, por meio das quais o serviço (ver p. 568), com disposição final adequa-
público de saneamento básico deve ser da dos rejeitos; e a drenagem e o manejo
prestado ou colocado à disposição de das águas pluviais urbanas (ver p. 368).
forma adequada. As definições a seguir sintetizam os
Este verbete é construído à luz da Lei quatro componentes do saneamento bá-
Nacional do Saneamento Básico (LNSB) – sico, conforme definido na Lei 11.445,
Lei 11.445/2007 –, recentemente revisa- segundo nova redação estabelecida pela
da pela Lei 14.206, de 15 de julho de 2020. Lei 14.026:

467
EIXO T - TEMAS TRANSVERSAIS

• Abastecimento de água potável: consti- ções para a prestação dos serviços públi-
tuído pelas atividades e pela disponibili- cos do setor, de forma a que cheguem a
zação e manutenção de infraestruturas todo cidadão e cidadã, integralmente, sem
e instalações operacionais necessárias interrupção, com eficiência e qualidade.
ao abastecimento público de água potá- Os planos têm ainda como objetivos dotar
vel, desde a captação até as ligações pre- o gestor público de instrumento de plane-
diais e seus instrumentos de medição; jamento de curto, médio e longo prazos,
• Esgotamento sanitário: constituído de forma a atender as necessidades pre-
pelas atividades e pela disponibiliza- sentes e futuras de infraestrutura sanitá-
ção e manutenção de infraestruturas e ria do município, além de contribuir para
instalações operacionais necessárias à preservar a saúde pública e as condições de
coleta, ao transporte, ao tratamento e à salubridade do habitat humano, bem como
disposição final adequados dos esgotos possibilitar a participação da sociedade e
sanitários, desde as ligações prediais o controle por parte dela.
até sua destinação final para produção Nos termos da LNSB, o planejamen-
de água de reúso ou seu lançamento de to dos serviços do setor no município é
forma adequada no meio ambiente; realizado por meio do Plano Municipal de
• Limpeza urbana e manejo de resíduos Saneamento Básico (PMSB – ver p. 450)
sólidos: constituídos pelas atividades e ou do Plano Regional de Saneamento
pela disponibilização e manutenção de Básico (PRSB), conforme a organização
infraestruturas e instalações operacio- for concebida e articulada. A citada lei es-
nais de coleta, varrição manual e me- timula a prestação regionalizada, enten-
canizada, asseio e conservação urbana, dida como modalidade de prestação inte-
transporte, transbordo, tratamento e grada de um ou mais componentes dos
destinação final ambientalmente ade- serviços públicos de saneamento básico
quada dos resíduos sólidos domiciliares em determinada região cujo território
e dos resíduos de limpeza urbana; abranja mais de um município. Tal moda-
• Drenagem e manejo das águas pluviais: lidade deve contar com uma estrutura e
constituídos pelas atividades, pela in- uma entidade de governança federativas,
fraestrutura e pelas instalações opera- com a participação de todos os entes que
cionais de drenagem de águas pluviais, dela fazem parte.
transporte, detenção ou retenção para o Assim, no caso de prestação regionaliza-
amortecimento de vazões de cheias, tra- da, esta poderá ter um PRSB com vistas à
tamento e disposição final das águas plu- otimização do planejamento e da presta-
viais drenadas, contempladas a limpeza ção dos serviços. É preciso registrar que a
e a fiscalização preventiva das redes. LNSB admite que as disposições constan-
tes dos planos regionais prevaleçam sobre
Objetivos e responsabilidades aquelas constantes dos planos municipais,
quando existirem. Além disso, segundo
São objetivos dos planos de Saneamento a Lei 11.44/2007, o PRSB dispensa a ne-
Básico promover a saúde, a qualidade de cessidade de elaboração e publicação de
vida e do meio ambiente, contribuir para PMSB. Entretanto, faz toda diferença cada
organizar a gestão e estabelecer as condi- município ter plano próprio.

468
OS PLANOS DE SANEAMENTO BÁSICO À LUZ DA LEI 14.026/2020

Nestes termos, a responsabilidade pela sistema de indicadores sanitários, epide-


elaboração do PMSB é de cada município miológicos, ambientais e socioeconômi-
individualmente e a do PRSB é da entida- cos e apontando as causas das deficiên-
de de governança federativa da prestação cias detectadas;
regionalizada, mas sempre contando com II - objetivos e metas de curto, médio e
a participação de cada municipalidade longo prazos para a universalização, ad-
pertencente à região objeto do Plano. mitidas soluções graduais e progressivas,
Cabe esclarecer que o município e o Dis- observando a compatibilidade com os de-
trito Federal são sempre os titulares dos mais planos setoriais;
serviços públicos de saneamento básico. III - programas, projetos e ações neces-
Eles exercem a titularidade diretamen- sários para atingir os objetivos e as metas,
te quando os serviços forem de interesse de modo compatível com os respectivos
local, ou juntamente com estado e muni- planos plurianuais e com outros planos
cípios que compartilham efetivamente governamentais correlatos, identificando
instalações operacionais integrantes de possíveis fontes de financiamento;
regiões metropolitanas, aglomerações IV - ações para emergências e contin-
urbanas e microrregiões, nos serviços de gências; e
interesse comum. V - mecanismos e procedimentos para a
avaliação sistemática da eficiência e eficá-
Conteúdo mínimo cia das ações programadas.

Os planos devem incluir os quatro com- A Lei admite que os municípios com
ponentes do saneamento básico, deter- população inferior a 20 mil habitantes
minando um planejamento integrado apresentem plano simplificado, com
que tenha o território (ver p. 729) como menor nível de detalhamento dos aspec-
lócus de soluções completas para a ques- tos previstos neste conteúdo mínimo. O
tão sanitária e ambiental. No entanto, marco legal, porém, não define o nível de
é preciso ressalvar que a LNSB permite simplificação permitido, o que pede regu-
planos específicos para cada componen- lamentação posterior. P
te, desde que o titular realize a consoli- Segundo a LNSB, os planos de sane-
dação e compatibilização desses planos amento básico deverão ser compatíveis
específicos de cada serviço. com os planos das Bacias Hidrográficas
Os planos, sejam municipais ou regio- e com o Plano Diretor dos municípios
nais, devem abranger todo o território em que estiverem inseridos, ou com os
dos municípios, urbano e rural, inclusive planos de Desenvolvimento Urbano In-
favelas, ocupações irregulares, assenta- tegrado das unidades regionais por eles
mentos, comunidades tradicionais, qui- abrangidas. É também muito importante
lombolas e indígenas, entre outras que buscar a articulação com as políticas de
existam no perímetro abrangido. habitação, de combate à pobreza e de sua
O conteúdo mínimo dos planos é defini- erradicação, de proteção ambiental, de
do na própria LNSB, devendo contemplar: recursos hídricos, de promoção da saú-
I - diagnóstico da situação e de seus im- de e outras de relevante interesse social
pactos nas condições de vida, utilizando voltadas para a melhoria da qualidade de

469
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

vida, para as quais o saneamento básico inspeções de campo, os dados secundários


seja fator determinante. coletados nos órgãos públicos e entidades
que trabalham com o assunto e os dados
Participação e controle social primários coletados nas localidades inse-
ridas na área de estudo. O trabalho deve
É fundamental destacar a necessidade de adotar uma abordagem sistêmica, cru-
ampla mobilização e comunicação social zando informações sociais, econômicas,
no processo de elaboração e implementa- de saúde, ambientais, técnicas e institu-
ção dos planos, visando estimular a parti- cionais, de modo a caracterizar e registrar,
cipação da sociedade e promover a sensibi- com a maior precisão possível, a situação
lização quanto à sua relevância, devendo- antes da implementação dos planos.
-se prever os mecanismos e procedimentos Na parte propositiva, os planos devem
para o controle social (ver p. 156) durante a apontar objetivos, metas e soluções pa-
elaboração e após a aprovação dos planos. ra o saneamento básico, tendo por base a
Neste sentido, convém enfatizar que análise situacional apresentada no diag-
o controle social é um dos princípios da nóstico. Todas as propostas devem con-
LNSB, nela definido como o conjunto de templar definições com o detalhamento
mecanismos e procedimentos que garan- adequado e suficiente para que seja pos-
tem à sociedade informações, representa- sível formular os projetos técnicos para
ções técnicas e participação nos processos a sua implementação, assim como para
de formulação de políticas, de planeja- detalhar e implementar as medidas de
mento e de avaliação relacionados com os gestão necessárias. Devem ser propostas
serviços públicos de saneamento básico. soluções criativas com a utilização de tec-
No processo de participação (ver p. 424) nologias adequadas à realidade local, a
e controle social deve ser assegurada am- custos compatíveis com a capacidade de
pla divulgação das propostas dos planos e pagamento e suficientes para que a infra-
dos estudos que as fundamentem, inclusi- estrutura de saneamento básico disponi-
ve com a realização de audiências e con- bilizada para a comunidade seja adequa-
sultas públicas, cujas quantidades devem damente operada e mantida.
ser definidas no planejamento da mobili- Os programas e ações necessários pa-
zação e comunicação social. Tais ativida- ra atingir os objetivos e metas devem ser
des não desobrigam a equipe de elabora- compatíveis com os respectivos planos
ção dos planos da necessidade de realizar plurianuais e com outros planos governa-
reuniões, oficinas e outros momentos de mentais correlatos, identificando possí-
discussão dos trabalhos com a sociedade, veis fontes de financiamento e as formas
ao longo de todas as etapas, no que couber. de acompanhamento e avaliação e de in-
tegração entre si e com outros programas
Detalhamento e adequação e projetos de setores afins. Como parte da
à realidade proposta, deve ser estabelecida uma pro-
gramação de ações imediatas, servindo
Quanto ao diagnóstico dos serviços públi- de instrumento de ligação entre as de-
cos de saneamento básico, este deve tomar mandas de serviços, ações existentes nas
por base as informações bibliográficas, as administrações municipais e os planos.

470
OS PLANOS DE SANEAMENTO BÁSICO À LUZ DA LEI 14.026/2020

Por fim, um destaque relevante é a de- Embora a LNSB permita a revisão em


finição de mecanismos e procedimentos prazo de até dez anos, entende-se que
para a avaliação sistemática da eficiên- este prazo é muito longo e poderá trazer
cia, eficácia e efetividade dos planos, em enormes prejuízos aos ajustes dos pla-
especial focando nos objetivos, metas e nos, sobretudo decorrentes de mudan-
resultados dos programas e ações. Além ças nos cenários econômico e político,
da metodologia de monitoramento e que, no Brasil, acontecem normalmente
avaliação, nesta parte dos planos devem em prazos curtos.
estar compreendidos os indicadores so- É importante que as propostas dos pla-
ciais, técnicos, operacionais, econômico- nos sejam apresentadas para curto prazo
-financeiros, ambientais e de saúde. Espe- (um a quatro anos), médio prazo (entre
cial atenção deve ser dada aos indicadores quatro e oito anos) e longo prazo (de oito
de acesso e de qualidade dos serviços. a 20 anos).
Para subsidiar a avaliação sistemática
dos planos, a LNSB determina que o ti- Implementação e administração
tular dos serviços implante um sistema
de informações sobre as condições de A implementação dos planos é de res-
salubridade ambiental e dos serviços de ponsabilidade do município, quando
saneamento básico. Torna-se necessário este não participar de prestação regio-
que se garanta o acesso às informações nalizada, e da entidade de governança
dessa plataforma a todos os órgãos e enti- federativa quando houver a prestação
dades da sociedade civil e à população em regionalizada, mas sempre contando
geral, de forma que ele se constitua num com a participação do município, so-
instrumento de cidadania. É desejável bretudo nas tomadas de decisões. Ou-
que o sistema seja desenvolvido e implan- tros agentes, públicos e privados, com
tado no mesmo processo de elaboração responsabilidade sobre os serviços, em
dos planos. especial os prestadores de serviços e as
entidades de regulação e fiscalização,
Horizonte e prazos participam da implementação dos pla- P
nos. A União e os estados devem contri-
Embora a LNSB não defina, é recomen- buir com ela.
dável que os planos municipais e regio- Na implementação é fundamental uma
nais tenham um horizonte de 20 anos, programação segura tanto para os inves-
mesmo prazo de vigência definido na timentos quanto para as ações de cunho
Lei para os planos de responsabilidade legal e institucional. Neste sentido, as
da União (Plano Nacional e planos das diretrizes e estratégias dos planos, as-
Regiões Integradas de Desenvolvimento sim como os programas e ações, devem
Econômico – Rides). Também de forma ter uma programação conectada com os
similar a esses planos, a avaliação dos objetivos e as metas, hierarquizando as
planos municipais e regionais deve ser prioridades e os beneficiários, definindo
anual, e as revisões periódicas, a cada o custo estimado, as fontes de financia-
quatro anos em datas compatíveis com mento disponíveis, os agentes responsá-
os planos plurianuais. veis e as parcerias potenciais.

471
EIXO T - TEMAS TRANSVERSAIS

Quando a prestação dos serviços for de planejamento sejam observadas para


contratada, o contrato deve levar em con- eventuais ajustes.
ta os planos já elaborados, em especial as A sistemática de avaliação prevista
metas de expansão e de qualidade, assim nos próprios planos deve ser aplicada,
como os investimentos necessários. Caso com periodicidade mínima de um ano, de
já exista um prestador de serviços con- forma que eventuais desvios do planeja-
tratado deve ser feita a compatibilização mento original sejam corrigidos para as-
entre o contrato existente e os planos segurar a eficiência, a eficácia e a efetivi-
aprovados e, quando necessário, o reequi- dade dos planos. Ou seja, deve haver, no
líbrio econômico-financeiro do contrato. mínimo, um relatório anual de avaliação.
Ainda em relação às responsabilida- Especial atenção deve ser dada ao mo-
des sobre os planos, incumbe à entidade nitoramento e à avaliação dos programas
reguladora e fiscalizadora dos serviços a e ações com foco nos resultados e anali-
verificação do cumprimento dos planos sando o cumprimento ou não dos objeti-
de saneamento básico por parte dos pres- vos, metas, diretrizes e estratégias defi-
tadores de serviços, na forma das disposi- nidos nos planos. Os desvios porventura
ções legais, regulamentares e contratuais. verificados devem ser objeto de correção
tão logo detectados com medidas admi-
Monitoramento e avaliação nistrativas e técnicas, mas também com
decisões de política pública.
A administração e o acompanhamento É importante nesse processo estimular
da implementação dos planos devem ser a participação e o controle social, com
contínuos e permanentes, com as neces- ampla divulgação das informações e
sárias tomadas de decisões no dia a dia. indicadores, de forma transparente e de-
As etapas de monitoramento, avalia- mocrática. É recomendável a realização
ção e ajustes são fundamentais para o de reuniões, oficinas e outros momen-
êxito dos planos, cuja implementação é tos de discussão dos resultados junto à
um processo dinâmico, sujeito a possíveis sociedade.
variações de cenários não previstos no O sistema de informações é parte fun-
planejamento original. Assim, por meio damental do monitoramento e da avalia-
dessas atividades os planos devem ser ção e deve ser implantado, operado e con-
avaliados e permanentemente confirma- tinuamente atualizado.
dos, de forma que mudanças no ambiente

Referências bibliográficas

1. BRASIL. Lei nº 14.026, de 15 de julho de 2020. Atualiza o marco legal do sane-


amento básico. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-
2022/2020/Lei/L14026.htm.
2. BRASIL. Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007. Estabelece as diretrizes nacionais
para o saneamento básico. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
ato2007-2010/2007/lei/l11445.htm.

472
POLÍTICA FEDERAL PARA O SANEAMENTO BÁSICO

3. MS; FUNASA. Manual de orientações para municípios de pequeno porte refe-


rente à celebração de convênios de cooperação e contratos de programa. Brasília:
Funasa, 2020.
4. MS; FUNASA. Termo de referência para elaboração de plano municipal de sane-
amento básico. Brasília: Funasa, 2018. Disponível em: http://www.funasa.gov.br/
termo-de-referencia-tr-para-pmsb.
5. MDR. Curso a distância de autoinstrução – Planos de Saneamento Básico. Mó-
dulo 1 – O Saneamento Básico no Brasil – Aspectos Fundamentais. Brasília: Portal
Capacidades.
6. MCIDADES. Termo de Referência (TDR) para Elaboração de Plano Municipal de
Saneamento Básico (PMSB). Brasília: MCidades, 2016.

Autoria deste verbete

Ernani Ciríaco de Miranda. Graduado em Engenharia Civil, mestre em Tecnologia Am-


biental e Recursos Hídricos pela Universidade de Brasília (UnB). Tem mais de 30 anos de
experiência em políticas públicas, planejamento, projetos e gestão de saneamento básico.

P
POLÍTICA FEDERAL PARA O SANEAMENTO BÁSICO

Em 5 de janeiro de 2007, a Lei 11.445 es- com o governo norte-americano, no âm-


tabeleceu as diretrizes nacionais para o bito dos preparativos e esforços de guer-
saneamento básico e para uma política ra. Em 1960, o Sesp foi transformado
federal voltada à área no Brasil.1 Chama em fundação, a Fundação Sesp, que, em P
atenção o ato de que, no âmbito dos an- 1991, fundida com a Superintendência
tecedentes históricos que construíram o de Campanhas de Saúde Pública (Sucam),
percurso para essa promulgação, somen- deu origem à atual Fundação Nacional de
te em meados do século 20 o governo fe- Saúde (Funasa).
deral passou a participar de forma mais A atuação da Fundação Sesp/Funasa
incisiva das políticas de saneamento. É pautou-se por uma parceria com os mu-
também deste período a formulação das nicípios, tentando viabilizar o funcio-
primeiras legislações federais relativas à namento de serviços municipais de sa-
área no país. neamento básico. Neste período, foram
Conforme observam Costa e Ribeiro,2 criados os primeiros Serviços Autônomos
o marco na estrutura legal e institucional de Água e Esgoto (Saaes), autarquias mu-
do saneamento no Brasil foi a criação, em nicipais que prestavam serviços de sane-
1942, do Serviço Especial de Saúde Pú- amento2 (ver Funasa: relato histórico da
blica (Sesp), originado de um convênio atuação nos municípios – p. 273).

473
EIXO T - TEMAS TRANSVERSAIS

Planos e diretrizes nacionais poluição ambiental – inclusive por resídu-


os sólidos –, controle das modificações ar-
No entanto, foi somente na década de tificiais das massas de água e controle de
1960 que as políticas para a área no Bra- inundações e de erosões.2
sil passaram a ser orientadas por planos Entre as atribuições do Consane esta-
nacionais de Saneamento, bem como por belecidas pela Lei estava a elaboração do
diretrizes nacionais e políticas federais Plano Nacional de Saneamento.3 Conhe-
estabelecidas em leis específicas que defi- cido pela sigla Planasa, ele orientou a po-
niam e organizavam o papel da União, dos lítica de saneamento em todo o período
estados e municípios e do Distrito Federal do regime militar no Brasil e só seria su-
em relação ao saneamento básico. Nes- perado com a promulgação da Lei 11.445,
te contexto, podem ser destacados dois em janeiro de 2007 – mas durante os anos
principais momentos: o período militar – de existência não passava de decisões do
regido pela Lei 5.318/1967 e pelo Planasa Consane, ressaltando que este não tinha
(1971 a 1986)3; e o período dos governos peso legal, não envolvia participação
Lula e Dilma Rousseff – regido pela Lei social e não oferecia a devida transparên-
11.445/20071 e pelo Plansab (2013)4. cia. Somente em 1978 um texto legal veio
Sobre o primeiro período, Costa e Ri- a mencionar expressamente o Planasa,
beiro2 destacam dois marcos normativos inclusive demonstrando que o Ministério
editados em 1967: o Decreto-Lei 2485 e do Interior havia controlado completa-
a Lei 5.3183. O Decreto-Lei instituiu a mente a política de saneamento.2
Política Nacional de Saneamento Básico, Ainda durante a vigência do Planasa, en-
que era entendida como um conjunto de tre 1970 e 1986, as intervenções resulta-
diretrizes destinadas à fixação do pro- ram em um processo decisório centrali-
grama governamental a ser aplicado nos zado, sem participação da opinião pública
setores de abastecimento de água (ver p. e baseado na autossustentação tarifária.
645) e esgotamento sanitário (ver p. 256), Com isso, o modelo de intervenção em
sem abranger, nesse conceito, as demais saneamento básico que predomina ainda
componentes do saneamento.5 O mesmo no Brasil, em razão da influência que o
decreto criou o Conselho Nacional de Sa- Planasa exerce na área até os dias atuais,
neamento Básico. A Lei 5.318, por sua vez, é pautado na seletividade, o que acirra
instituiu a Política Nacional de Saneamen- as desigualdades, mantendo a população
to e criou o Conselho Nacional de Sanea- das periferias urbanas e das áreas rurais
mento (Consane). É fundamental saber desprovida dos serviços de saneamento.6
que, para o referido marco legal, “sanea- Cabe ressaltar que o Planasa estabe-
mento” era considerado mais abrangente leceu como metas principais prover, até
que “saneamento básico”, ampliando o 1980, cerca de 80% da população urba-
escopo da política federal. Segundo aquela na com abastecimento de água potável e
lei, o saneamento básico compreenderia elevar para pelo menos 50% a proporção
o abastecimento de água, sua fluoretação de atendimento com rede coletora de es-
e destinação de dejetos, e o esgotamento gotamento sanitário.7 A porcentagem de
sanitário. Além desses serviços, abrangia população urbana com acesso à rede ge-
esgotos pluviais e drenagem, controle da ral de abastecimento de água passou no

474
POLÍTICA FEDERAL PARA O SANEAMENTO BÁSICO

período de 51,2%, em 1970, para 84,5%, décadas entre os dois planos, algumas
em 1984. Em relação ao esgotamento sa- tentativas foram realizadas no sentido
nitário, a expansão é de 15,8 pontos per- de promulgar uma lei federal que disci-
centuais, bem abaixo dos 50 pontos per- plinasse a área de saneamento básico no
centuais almejados quando da criação do país. Entre as propostas apresentadas,
Plano. Assim, em 1984, apenas 36% da está o Projeto de Lei (PL) 199/1991, que
população urbana brasileira tinha acesso alcançou grande consenso e entre suas
à rede geral de esgotamento sanitário.8 principais proposições trazia a criação
de um Conselho Nacional de Saneamen-
Novas iniciativas to e de um fundo. Este PL foi aprovado
pela Câmara dos Deputados e pelo Se-
Sob o aspecto político-institucional, ob- nado Federal, mas foi integralmente
servaram-se várias iniciativas no sentido vetado em 1995 pelo então presidente
de se estabelecer um novo marco legal e Fernando Henrique Cardoso, que aca-
institucional para o saneamento no país, bou ampliando por 12 anos o vazio ins-
porém, sem sucesso até meados da déca- titucional da área.2 A razão do veto re-
da de 2000. Após o esvaziamento do Pla- lacionou-se à dimensão econômica, uma
nasa, no fim da década de 1980, o Brasil vez que, alinhado à lógica neoliberal, o
passou por um período de “vazio institu- governo decidiu por evitar que o Estado
cional” e de intensas discussões na área assumisse compromissos com o sanea-
de saneamento. Apenas em 2007 foi ins- mento básico, o que poderia gerar gastos
tituído o novo marco legal para o sane- públicos. À época, a solução escolhida
amento básico, a partir da promulgação para investimentos em serviços públicos
da Lei 11.445, regulamentada, em 2010, eram as concessões e privatizações.2
pelo Decreto 7.217.1, 9, 10 Na linha neoliberal, foi apresentado,
A Lei estabeleceu os princípios de uni- em 1996, o PL 266, de autoria do sena-
versalidade, integralidade, qualidade e dor José Serra (PSDB-SP), que visava
regularidade da prestação dos serviços, tornar o saneamento atrativo para a ini-
transparência das ações, integração das ciativa privada. Reações contrárias de P
políticas e controle social, circunscrevendo sindicatos, organizações da sociedade
o saneamento como direito social e suas civil e outros grupos ligados à área de
ações como serviços públicos essenciais.11 saneamento básico fizeram com que este
A Lei 11.445/2007 também previu a projeto de lei fosse arquivado em 2003.
elaboração do Plano Nacional de Sanea- Como continuidade ao PL 266, foi envia-
mento Básico (Plansab). Juntos, essa lei e do à Câmara – e também arquivado – o
seu decreto regulamentador estabelecem PL 4.147/2001.2
os princípios que orientam a prestação de Entretanto, em termos de legislação,
serviços públicos de saneamento, redefi- especialmente durante o período de rede-
nindo também a estrutura de gestão de mocratização do país e como consequên-
serviços, que passa a ser caracterizada pe- cia deste, algumas importantes normas
los aspectos de planejamento, regulação, foram promulgadas e apresentam inter-
prestação, fiscalização e controle social.12 faces com a área de saneamento básico.
Vale observar que, durante as duas

475
EIXO T - TEMAS TRANSVERSAIS

Na Constituição RH como o enquadramento dos corpos


d’água em classes e a outorga pelo uso da
Ainda na década de 1980, destaca-se a pró- água, ambos com múltiplos impactos na
pria Constituição Federal (CF), que, entre área de saneamento básico. Outros aspec-
outros, definiu no artigo 21 que é compe- tos fundamentais, com diversas implica-
tência da União instituir as diretrizes para ções para área de saneamento, referem-se
o saneamento básico. No artigo 30, a Cons- ao estabelecimento de que, em situações
tituição define que está entre as competên- de escassez, o uso prioritário dos recur-
cias dos municípios organizar e prestar, sos hídricos é para o consumo humano
diretamente ou sob regime de concessão e a dessedentação de animais; e de que a
ou permissão, os serviços públicos de inte- bacia hidrográfica é a unidade territorial
resse local. Já no artigo 196, a Constituição para implementação da PNRH.15
de 1988 estabeleceu que saúde é direito de Mais um corpo legal de grande relevân-
todos e dever do Estado, garantida me- cia para área de saneamento é o Estatuto
diante políticas sociais e econômicas que da Cidade, promulgado em 2001. Segundo
visem à redução do risco de doença e de essa lei (10.257), a política urbana tem por
outros agravos, bem como ao acesso uni- objetivo ordenar o pleno desenvolvimento
versal e igualitário às ações e serviços para das funções sociais da cidade e da proprie-
sua promoção, proteção e recuperação. A dade urbana, mediante diretrizes gerais
CF ainda estabeleceu, no artigo 200, que tais como: a garantia do direito a cidades
compete ao Sistema Único de Saúde (SUS), sustentáveis, entendido como o direito à
além de outras atribuições, participar da terra urbana, à moradia, ao saneamento
formulação da política e da execução das ambiental e à infraestrutura urbana; e a
ações de saneamento básico.13 Assim, a proteção, a preservação e a recuperação do
titularidade municipal, a relação entre meio ambiente natural e construído.16
saúde e saneamento e o dever do Estado A Lei 11.107 (Lei dos Consórcios Pú-
em sua ampliação estão estabelecidos no blicos), promulgada em 6 de abril de
âmbito da Constituição Federal. 2005, representa, em conjunto com a Po-
Já no ano de 1990, a Lei Orgânica da lítica Nacional de Resíduos Sólidos (Lei
Saúde estabeleceu que esta tem como fa- 12.305/2010),17, 18 uma importante con-
tores determinantes e condicionantes, tribuição que apresenta o potencial para o
entre outros, o saneamento básico, o meio desenvolvimento de um novo quadro polí-
ambiente e o acesso aos bens e serviços es- tico-institucional do saneamento no país.
senciais. Também reafirmou que entre as
competências da área de saúde está a par- Ministério, secretaria e plano
ticipação na formulação da política e na
execução de ações de saneamento básico.14 Importante ressaltar a criação, em 2003,
Ainda na década de 1990, mais precisa- do Ministério das Cidades (MCidades)
mente em 1997, a Lei 9.433, estabeleceu – atualmente Ministério do Desenvol-
a Política Nacional de Recursos Hídricos vimento Regional (MDR) – e, no âmbi-
(PNRH). Essa política apresenta diversas to dessa pasta federal, a da Secretaria
interfaces com a área de saneamento bá- Nacional de Saneamento Básico (SNSB).
sico, destacando-se instrumentos da PN- Entre as ações conduzidas pela SNSB,

476
POLÍTICA FEDERAL PARA O SANEAMENTO BÁSICO

esteve a coordenação da elaboração do entre outros. O reconhecimento do aces-


Plano Nacional de Saneamento Básico so a tais serviços como direito humano
(Plansab), aprovado por meio da Portaria colocou em pauta a necessidade de ações
Interministerial 171/2013. que modifiquem o contexto vulnerável
O Plansab foi formulado por meio de um em que se encontra parcela significativa
processo planejado em três etapas: a formu- da população mundial.22 Vale observar
lação do “Pacto pelo Saneamento Básico: que, a partir de 2016, o brasileiro Léo
mais saúde, qualidade de vida e cidadania”, Heller passou a ocupar o cargo de relator
que marcou o início do processo de elabora- especial para o direito humano à água e
ção no ano de 2008; a elaboração, de 2009 a ao esgotamento sanitário, ainda exercen-
2010, do estudo “Panorama do saneamen- do este cargo (setembro de 2020).
to básico no Brasil”; e uma consulta pública
que submeteu a versão preliminar à socie- Cenário instável e
dade. O Plano definiu a elaboração de três intenção privatista
programas: um de saneamento estrutural,
um de saneamento estruturante e um de Especialmente durante o segundo go-
saneamento rural. Este último foi lançado verno da presidenta Dilma Rousseff
em 2019, com o nome Programa Sanea- (2015 a 2016), a política nacional ges-
mento Brasil Rural (PSBR). tada durante o governo Lula começou a
Cabe frisar também que o Brasil é sig- passar por instabilidades. O ano de 2015
natário dos direitos humanos à água e foi marcado pela paralisação no desen-
ao esgotamento sanitário (Dhaes – ver volvimento de um conjunto de políticas
p. 205), reconhecidos recentemente pela públicas em função do processo de impe-
Organização das Nações Unidas (ONU). achment, iniciado em dezembro de 2015,
Em 2010, durante a Assembleia Geral das que resultou na cassação do mandato da
Nações Unidas, o Conselho de Direitos presidenta e na ascensão do governo de
Humanos (CDH) da ONU reconheceu o Michel Temer.12
acesso à água como um direito humano Assim, a partir de 2016, a instabili-
“essencial para o pleno gozo da vida e de dade política, econômica e social que P
todos os direitos humanos”.19, 20 Por sua se abateu sobre o país tem representa-
vez, esgotamento sanitário foi reconhe- do riscos de alteração do marco jurídi-
cido pela Assembleia dos Direitos Huma- co-institucional estabelecido pela Lei
nos como um direito independente em 11.445/2007. Ainda durante o governo
2015.21 Dessa forma, o acesso a ambos os Temer, foi editada a Medida Provisória
serviços adquiriu um status vinculante, (MP) 844/2018, que perdeu sua vigên-
ou seja, passou a ter força semelhante à de cia,23 porém foi prontamente substituí-
uma lei, com vínculo jurídico, e todos os da pelo Projeto de Lei 3.261/2019, de au-
Estados signatários da convenção, entre toria do senador Tasso Jereissati (PSDB-
eles o Brasil, devem orientar suas ações -CE), relator do texto da comissão mista
tendo como base esse entendimento.19, 20 da MP. O PL foi arquivado,24 ao passo
Portanto, os Dhaes devem ser conside- que a MP 844/2018 foi alterada pela MP
rados como os direitos a saúde, educação, 868, de 27 de dezembro daquele ano.25
habitação, trabalho e desenvolvimento, Esta reedição, bem como as alterações

477
EIXO T - TEMAS TRANSVERSAIS

propostas, foram base para uma ação di- medidas provisórias apresentadas para
reta de inconstitucionalidade.25, 26 fins de alteração do marco legal da área
A MP 868/2018 acabou perdendo eficá- de saneamento. A MP 844/2018 foi rejei-
cia em 19 de novembro de 2019.27 No en- tada por 85% dos participantes, e a MP
tanto, entrou em tramitação o Projeto de 868/2018, por 90% dos participantes.23, 25
Lei 4.162/2019, quarta tentativa de reno- Outra relevante contraposição às di-
vação das regras do saneamento em um retrizes da MP 868 é a tramitação, no
período de 15 meses. Tasso Jereissati foi Congresso Nacional, de quatro propos-
o relator do projeto de lei, que acabou sen- tas de emenda à Constituição (PECs)
do aprovado em sessão do Senado Federal – três na Câmara (PEC 93/2015, PEC
do dia 15 de julho de 2020 e transforma- 328/2017 e PEC 425/2018) e uma no Se-
do na Lei 14.026/2020.28, 29 Segundo seus nado (PEC 2/2016) – que atendem a luta
promotores, os objetivos do texto são de entidades da sociedade civil e visam
centralizar a regulação dos serviços de consagrar o saneamento básico como
saneamento na esfera federal, instituir a direito social. 32 As PECs 328 e a 426
obrigatoriedade de licitações e regionali- encontram-se apensadas à PEC 93, que
zar a prestação a partir da montagem de recebeu parecer pela admissibilidade do
blocos de municípios. Duas ações diretas relator na Comissão de Constituição,
de inconstitucionalidade foram propos- Justiça e Cidadania em 20 de novembro
tas ainda nos primeiros meses seguintes de 2019. O passo seguinte é de consti-
a aprovação da Lei 14.026.30, 31 tuição e instalação de comissão especial
para julgamento do mérito e daí para o
Na contramão Plenário, que a apreciará em dois tur-
nos, sendo que para ser aprovada deverá
A análise da nova lei de 2020 revela que as contar com o voto favorável de 3/5 (308)
propostas de alterações das diretrizes na- ou mais deputados. 26
cionais e da política federal de saneamen- A Lei 11.445/2007 proporcionou no-
to apontam para a tentativa de acirra- vas perspectivas e possibilidades para o
mento da participação privada no setor, saneamento básico no Brasil. Porém, a
caminhando na contramão do que tem si- efetivação de seus princípios depende-
do observado em grande parte do mundo rá de como o arcabouço normativo será
ocidental, inclusive com movimentos no cumprido. Como observa Cynamon: “A
sentido de reestatização dos serviços de implantação de medidas de saneamento
saneamento em razão do fracasso da ten- depende de decisão política neste mundo
tativa de mercantilização da água. Além de jogo de interesses e a decisão política ou
disso, a promulgação da Lei 11.445/2007 políticas dependem da força popular. As leis
ancorou-se em duas décadas de intensas vêm e vão ao sabor do interesse dos que po-
discussões na área de saneamento, de dem legislar. A lei só vale quando aplicável
forma que não é apropriado suplantá-la e aplicada, e para tanto é necessário o co-
por um processo muito centralizado nas nhecimento, a melhoria constante do nível
esferas federais executivas e legislativas. cultural da população”. 33
É preciso observar que as consultas pú-
blicas revelaram oposição em relação às

478
POLÍTICA FEDERAL PARA O SANEAMENTO BÁSICO

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POLÍTICA FEDERAL PARA O SANEAMENTO BÁSICO

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CORDEIRO, B. S. (coord.). Instrumentos das políticas e da gestão dos serviços públi-


cos de Saneamento Básico. Brasília: MCidades, 2009. (Lei Nacional de Saneamen-
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nacional%20de%20saneamento%20basico_Livro%20I_P_BD.pdf.
CORDEIRO, B. S. (coord.). Prestação dos serviços públicos de Saneamento Básico.
Brasília: MCidades, 2009. (Lei Nacional de Saneamento Básico: perspectivas para as
políticas e gestão dos serviços públicos, v. 3). Disponível em: https://web.bndes.gov.
br/bib/jspui/bitstream/1408/2161/1/Lei%20nacional%20de%20saneamento%20
basico_Livro%20III_P_BD.pdf.

Autoria deste verbete

Uende Aparecida Figueiredo Gomes. Doutora em Saneamento pela Universidade Federal


de Minas Gerais (UFMG). Professora adjunta do Departamento de Engenharia Sanitária
e Ambiental (Desa) da UFMG. Coordenadora geral do Projeto SanBas: https://sanbas.eng.
ufmg.br.

P
POLÍTICA MUNICIPAL DE SANEAMENTO BÁSICO

A compreensão de tudo que consiste a Po- política municipal para a área, devendo,
lítica Municipal de Saneamento Básico é para tanto, aprovar as leis e editar os re-
de fundamental importância para a sua gulamentos e os atos administrativos ne-
instituição e para a correta organização e cessários para a sua regulação e execução,
gestão dos serviços de saneamento básico incluída a forma como são organizadas e
(ver p. 309). De modo simplificado, pode- como são exercidas as funções de gestão
-se definir essa política como o conjunto de dos serviços de saneamento básico relati-
normas legais e regulamentares e de atos vas ao planejamento, à regulação e fisca-
jurídicos e administrativos que definem lização e à prestação e, interagindo com
os princípios e diretrizes e estabelecem todas elas, o controle social.
como ela deve ser executada. Isso inclui O saneamento básico representa um di-
os planos, programas, projetos e ações que reito social coletivo e de caráter universal
devem ser implementados visando atender associado à saúde e à moradia (arts. 6º, 196
as demandas e garantir o acesso de toda a e 200 da CF), e suas infraestruturas inte-
população a soluções de saneamento bási- gram o desenvolvimento urbano (art. 182
co, sanitária e ambientalmente adequadas. da CF). Assim, a política municipal de sane-
Conforme estabelece o art. 30 da Cons- amento básico deve observar os princípios
tituição Federal (CF), o município tem au- e as diretrizes nacionais instituídos por le-
tonomia e competência para instituir sua gislação federal (art. 21, inciso XX, da CF).

482
POLÍTICA MUNICIPAL DE SANEAMENTO BÁSICO

Os princípios e as diretrizes nacionais para • sustentabilidade (capacidade técnica e


o saneamento básico estão estabelecidos econômica de implantação e manuten-
na Lei Federal 11.445/2007 e em suas al- ção ativa e produtiva dos serviços ao
terações, bem como, complementarmente, longo do tempo, com gestão eficiente,
na Lei Federal 12.305/2010, que trata da eficácia no alcance das metas pretendi-
Política Nacional de Resíduos Sólidos. das e efetividade dos resultados).
A Lei 11.445 define o saneamento
básico como o conjunto de serviços, in- Ao definir estes princípios o municí-
fraestruturas, atividades e instalações pio sinaliza o tratamento que adotará
operacionais de abastecimento de água, na formulação das diretrizes da política
esgotamento sanitário, limpeza urbana pública de saneamento básico, especial-
e manejo de resíduos sólidos e de drena- mente quanto à organização e ao mode-
gem e manejo de águas pluviais. Entre- lo de gestão dos serviços. Neste aspecto,
tanto, a política municipal pode ser mais poderá considerar o saneamento básico
abrangente, abarcando também ações e como serviços públicos essenciais e uni-
atividades do campo da saúde pública e versais, cujo provimento se constitui em
ambiental, como o controle de vetores de direito social e obrigação-dever do poder
doenças e da poluição do ambiente. público; ou como utilidades de interes-
se público, dotadas de valor econômico,
Princípios e diretrizes cujo provimento pode ser realizado dire-
tamente ou mediante delegação a tercei-
Os princípios fundamentais mais rele- ros, competindo ao poder público o pla-
vantes e que devem orientar a política nejamento e o exercício das funções de
municipal de saneamento básico são: regulação e fiscalização.
Por sua vez, as diretrizes definem os ob-
• universalidade (acesso aos serviços co- jetivos e as ações e metas prioritárias para
mo direito de todos os cidadãos); alcançá-los, bem como a forma de atuação
• equidade (todos os cidadãos têm direi- do poder público na execução da política
to a serviços de qualidade); municipal de saneamento básico, definin- P
• integralidade (acesso ao conjunto dos do a abrangência e forma de organização e
serviços de acordo com a necessidade o modelo de gestão dos serviços, especial-
dos cidadãos); mente a prestação e sua regulação.
• participação e controle social (atua-
ção dos cidadãos na gestão pública); Formalização jurídico-institucional
• intersetorialidade (articulação e in-
tegração da política e dos programas, Para que a Política Municipal de Sanea-
projetos e ações de saneamento básico mento Básico assuma o status de política
com as políticas de saúde, desenvolvi- pública do município e não do governo do
mento urbano, habitação, meio am- momento, ela deve ser formalizada por
biente, recursos hídricos e outras); meio de lei municipal, precedida e resul-
• qualidade dos serviços (padrões sa- tante de ampla discussão e de acordos
nitários, ambientais, de segurança, de consensuais com toda a sociedade, obser-
regularidade e continuidade); e vando as diretrizes da Lei Federal 11.445.

483
EIXO 8 - GESTÃO DO SANEAMENTO

A política municipal normalmente é for- • a organização jurídico-institucional


malizada por meio de diferentes instru- (ver p. 419) das funções de gestão dos
mentos legais e regulatórios, na medida serviços, definindo a forma como serão
em que os serviços de saneamento básico organizadas e exercidas as funções de
vão sendo organizados e implantados. En- planejamento, regulação, fiscalização e
tretanto, os seus aspectos legais podem de prestação, incluídos os mecanismos
ser formalizados, de forma consolidada, de participação e de controle social nes-
em uma lei específica e seu regulamento, tas funções (art. 9º, Lei 11.445/2007);
se o município já tiver uma política pública • a instituição e organização de órgãos
claramente definida e/ou consolidada. da administração direta (secretaria,
Assim como outras políticas públicas, departamento) e/ou de entidades da
os aspectos essenciais da Política Muni- administração indireta (autarquia,
cipal de Saneamento Básico devem ter os empresa pública ou de economia mista)
seus elementos centrais previstos na Lei responsáveis pela prestação dos servi-
Orgânica Municipal (LOM), visando dar ços (art. 9º, Lei 11.445/2007); ou
maior estabilidade a esta política pública, • a autorização para a eventual delega-
particularmente os princípios e diretri- ção da prestação dos serviços e suas
zes fundamentais; a forma como os ser- condições gerais, inclusive a hipótese
viços podem ser organizados e prestados, de intervenção e retomada da operação
inclusive as hipóteses de delegação da dos serviços delegados, bem como a ins-
prestação a terceiros; a exigência do pla- tituição ou definição do ente responsá-
nejamento dos serviços; e a política de vel pela sua regulação e fiscalização, e
cobrança (ver p. 106) pela disposição e os procedimentos de sua atuação (Lei
prestação dos serviços. 11.445/2007, art. 9º);
Quando não tratados na Lei Orgânica, • os direitos e deveres de todos os usuá-
os aspectos essenciais da Política Muni- rios efetivos ou potenciais e das garan-
cipal de Saneamento Básico também po- tias de acesso a todos os cidadãos onde
dem ser definidos, exclusiva ou comple- houver disponibilidade dos serviços
mentarmente, na Lei do Plano Diretor. públicos (Lei 11.445, mesmo artigo);
Os aspectos da política municipal de • a política de cobrança de taxas e/ou
saneamento básico que devem ser neces- de tarifas e outros preços públicos pe-
sariamente regulados por lei são: la disposição e pela prestação dos ser-
viços de saneamento básico, incluída a
• a forma de gestão institucional, prin- política de subsídios tarifários, tributá-
cipalmente se o município optar pela rios e/ou orçamentários (CF, arts. 150 e
gestão associada (ver p. 293) de todas 175; Lei 11.445, art. 11, §2º e art. 29);
ou de parte das funções de gestão dos
serviços – planejamento, regulação, Completam o arcabouço normativo da
fiscalização e prestação –, por meio de política municipal de saneamento básico:
consórcio público ou de convênio de
cooperação com outro ente federati- • os decretos de regulamentação das leis
vo - município ou estado (art. 8º, Lei que tratam do saneamento básico;
11.445/2007);

484
POLÍTICA MUNICIPAL DE SANEAMENTO BÁSICO

• os contratos de delegação da prestação de planejamento, responsáveis pela


dos serviços – contrato de concessão elaboração e revisão periódica do plano
ou permissão (Leis 8.987/1995 e Lei municipal de saneamento básico e pelo
11.079/2004), contrato de programa monitoramento e avaliação sistemática
(Lei 11.107/2005) – e os contratos ad- de sua execução;
ministrativos de prestação/terceiriza- b) o ente regulador e fiscalizador
ção de serviços ou atividades vincula- da prestação dos serviços; e
das aos serviços de saneamento básico c) os prestadores dos serviços.
(Lei 8.666/1993); e
• as normas de regulação editadas pe- Contexto histórico e político
lo ente regulador dos serviços (Lei
11.445/2007, art. 23). A regulação normativa, a organização e a
gestão dos serviços públicos de saneamen-
Execução to básico no Brasil sofreram as influências
centralizadoras típicas do Estado unitá-
O Plano Municipal de Saneamento Básico rio em boa parte do período colonial e no
(PMSB – ver p. 450) é o principal instru- período imperial, e convivem com mode-
mento da execução da política municipal, los híbridos de gestão desde a instauração
cuja elaboração é exigência prevista no da república federativa (1891) até os dias
art. 9º da Lei 11.445, conforme os requi- atuais, em que a União, os estados e os
sitos mínimos estabelecidos no art. 19 da municípios interagem cooperativa e con-
mesma lei. correntemente de diversas formas.
Para ter efeito vinculante e este seja A União marcou forte presença na
efetivo para o poder público municipal gestão dos serviços de abastecimento de
que o elaborou, inclusive suas entida- água e esgotamento sanitário de 1940
des da administração indireta, e para os até o início da década de 1990. Atuava
prestadores delegatários dos serviços, o por meio da extinta Fundação Serviços
PMSB deve ser formalmente aprovado de Saúde Pública (Fsesp), precursora da
por lei ou por decreto, conforme o que es- Fundação Nacional de Saúde (Funasa), P
tabelecer a Lei Orgânica do Município ou na implantação e administração desses
a Lei do Plano Diretor municipal sobre os serviços em cooperação com centenas
planos de políticas públicas setoriais, ou a de municípios em praticamente todos os
lei específica que trate da Política Munici- estados brasileiros. O governo federal se
pal de Saneamento Básico. mantém até hoje como principal respon-
No aspecto administrativo, a execução sável pelo financiamento do setor.
da política municipal compete aos órgãos Com presença forte no Nordeste e par-
e entidades municipais ou entidades de- ticipação menos ostensiva nas demais re-
legatárias responsáveis pelas funções de giões até a década de 1960, os estados se
gestão dos serviços de saneamento bási- tornaram na década de 1970, por meio de
co, compreendendo: suas empresas de saneamento, nos maio-
res agentes da prestação dos serviços mu-
a) os organismos permanentes e nicipais de abastecimento de água e, em
transitórios que integram a instância menor grau, de esgotamento sanitário,

485
EIXO 8 - GESTÃO DO SANEAMENTO

em consequência do modelo adotado com • atos normativos estaduais constitucio-


o Plano Nacional de Saneamento (Plana- nalmente questionáveis em face da ti-
sa), instituído em 1969 conforme a Lei tularidade municipal dos serviços;
5.318/1967. • delegações municipais baseadas em ins-
O caráter centralizador da gestão dos trumentos jurídicos insuficientes, ina-
serviços de abastecimento de água e dequados ou sem o devido suporte legal;
esgotamento sanitário induzido pelo • delegações municipais irregulares, ven-
Planasa fez com que parte das políticas cidas ou sem qualquer instrumento ju-
locais de saneamento básico fosse gerida rídico que as validem; e
por instituições federais (Ministério do • convênios de cooperação e contratos
Interior, Banco Nacional de Habitação e de programa celebrados entre municí-
seus sucessores) e dos estados (compa- pios e estados e as respectivas empre-
nhias estaduais), sem levar em conside- sas de saneamento para a prestação
ração a realidade e o interesse local ou a dos serviços de abastecimento de água
necessidade de contribuir com o desen- e esgotamento sanitário, sem obser-
volvimento socioeconômico e com a ges- var, em essência, os artigos 30, 175 e
tão administrativa local. 241 da Constituição Federal e as leis
Embora a autonomia municipal para a 11.107/2005 e 11.445/2007.
gestão dos serviços de interesse local se-
ja reconhecida em todas as constituições O primeiro passo para a superação
republicanas – condição fortalecida pela dessa situação é a tomada de decisão da
Constituição de 1988 com o reconhecimen- elaboração do PMSB, construído com a
to dos municípios como entes federados –, efetiva participação da sociedade e com
o efetivo poder de gestão dos municípios o apoio de instituições e de profissionais
sobre os serviços públicos de saneamento especializados, e orientado por instru-
básico continua limitado até os dias atuais. mentos normativos e orientativos sobre
Em consequência, o cenário atual reflete os procedimentos e os aspectos essen-
um panorama da política e da gestão dos ciais do planejamento. O processo de
serviços de saneamento básico, em que elaboração do PMSB e de suas revisões é
convivem em algumas localidades com: o mecanismo catalisador para a constru-
• situações em que não há política mu- ção e instituição da Política Municipal de
nicipal formalmente instituída ou Saneamento Básico, cuja consolidação se
quaisquer instrumentos normativos ou dará com a realização dos seus objetivos
regulatórios; e metas, mediante a execução dos seus
• legislações e regulação municipais in- programas, projetos e ações, conduzidos
suficientes ou inadequadas para a ges- por uma gestão qualificada e estável, sob
tão dos serviços; permanente controle social.

Referências bibliográficas

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm.
Acesso em: 31 ago. 2019.

486
POLÍTICA MUNICIPAL DE SANEAMENTO BÁSICO

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Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/decre-
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tação de consórcios públicos. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
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BRASIL. Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. Dispõe sobre o regime de concessão
e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição
Federal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8987cons.htm.
BRASIL. Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004. Institui normas gerais para lici-
tação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Lei/
L11079.htm.
BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da
Constituição Federal e institui normas para licitações e contratos da Administração
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nível em: https://www.mdr.gov.br/images/stories/ArquivosSNSA/Arquivos_PDF/
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Para saber mais

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nasa, 2014.
MS; FUNASA. Política e plano municipal de saneamento básico: convênio Funasa/
Assemae. 2 ed. Brasília: Funasa, 2014. Disponível em: http://www.funasa.gov.br/
biblioteca-eletronica/publicacoes/engenharia-de-saude-publica/-/asset_publisher/
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PEIXOTO, J. B. (org.). Criação e estruturação de serviços municipais e intermunici-
pais de saneamento básico. Brasília: Funasa/Assemae, 2017.

487
EIXO 8 - GESTÃO DO SANEAMENTO

Autoria deste verbete

João Batista Peixoto. Consultor independente em gestão de serviços de saneamento


básico. Economista. Pós-graduado em Administração Financeira e Contábil pela Fun-
dação Getulio Vargas de São Paulo (FGV-SP).

P
POLUIÇÃO

A Política Nacional do Meio Ambiente, lho, trazendo no seu bojo muitos avanços
instituída pela Lei 6.938/1981, concei- e muitos problemas. A industrialização
tua poluição “como a degradação da qua- daí advinda exigiu uma nova territoria-
lidade ambiental, resultado de atividades lização, concentrando riquezas, meios de
que, por alterar de forma adversa as ca- produção e aglomerados humanos, geran-
racterísticas e o equilíbrio natural do meio do alterações no meio físico, social, eco-
ambiente, direta ou indiretamente, preju- nômico e ambiental.
diquem a saúde, a segurança e o bem-estar Para alcançar uma produção sem limi-
da população; criem condições adversas às te, sob a justificativa de gerar conforto
atividades sociais e econômicas; lancem e condição de vida, também provocou
matérias ou energia em desacordo com os uma exploração desenfreada dos recur-
padrões ambientais vigentes; e afetem a sos naturais, criando um consumo cada
biota e as condições estéticas e sanitárias vez maior. Isso levou a um aumento na
do meio ambiente”.1 Quando a atividade geração de resíduos, muito maior que
envolve a presença de organismos pa- a capacidade de absorção e reciclagem
togênicos, que provocam doenças, ou desses pelo meio ambiente, acarretando,
substâncias em concentração nociva ao por conseguinte, um desequilíbrio am-
ser humano, a poluição passa a denomi- biental, bem como impactos negativos
nar-se contaminação. Ressalta-se que a no âmbito social.
poluição, portanto, nem sempre provoca Como exemplos de resíduos gerados,
uma contaminação, ou seja, nem sempre podem ser citados resíduos sólidos,
trará riscos à saúde. Contudo, toda con- efluentes industriais, emissões de par-
taminação proveniente de ação humana tículas e de gases e radioatividade. Ao
é relacionada à poluição.2 não serem reaproveitados quando possí-
O impacto da ação humana na natureza vel, ou dispostos adequadamente, geram
atingiu um novo patamar com a Revolu- poluição. Ademais, o modelo econômico
ção Industrial. Esse marco na história da atual – que tem como pilar o consumis-
humanidade provocou uma grande alte- mo, estimulado pelo mercado, criando e
ração no modelo norteador da vida em recriando novas necessidades, num sis-
comunidade e na organização do traba- tema em que tudo e todos os seres pas-

488
POLUIÇÃO

sam a ser valorados como mercadoria de acordo com a industrialização, a ur-


– cria uma instabilidade na cadeia eco- banização (ver p. 755) e processos con-
lógica. O ser humano, que antes era uma siderados civilizatórios da população.
parte dessa cadeia, agora se coloca como As populações do campo, da floresta e das
o centro de demandas, fazendo o siste- águas (ver p. 599) fazem usos individuais
ma produzir cada vez mais e gerando e coletivos das riquezas naturais e bens
cada vez mais resíduos, efluentes, emis- comuns, como solo e água, e geram me-
sões e, consequentemente, poluição. 3 nos resíduos que uma população que resi-
de em área urbanizada e industrializada.
Falta de saneamento adequado Nesse caso, não só a quantidade é mais
impactante nas áreas urbanizadas e in-
Além da poluição causada por diferentes dustrializadas, mas também a qualidade
processos industriais, a falta de serviços desses resíduos, que geralmente são mais
adequados de saneamento também po- complexos e danosos, bem como mais di-
de causar diversos problemas ambientais, fíceis de serem tratados biologicamente
como a poluição e contaminação de corpos e destinados adequadamente em áreas
d’água, do solo e do ar. Tais impactos po- altamente adensadas. Em síntese, quan-
dem atuar como um fator limitante para o to mais alto o nível de poluição, maiores
desenvolvimento dos municípios, uma vez são os recursos financeiros, tecnológicos
que a falta de tais serviços pode acarretar e humanos para combatê-la.
problemas de saúde para a população, fo-
mentar a pobreza e influenciar a manu- Interdependência
tenção de outros direitos humanos como
saúde, habitação e educação de qualidade. No âmbito da extensão da poluição, a
As diversas formas de poluição dos cor- qualidade e a quantidade dos poluen-
pos d’água, do solo e do ar causam impac- tes são interdependentes. Para melhor
tos na biota e nos ecossistemas e variam compreensão dessa variável é importante
em termos quantitativos, como extensão levar em conta as duas tipologias de
comprometida e carga poluidora, e qua- fontes poluidoras, a pontual e a difusa, P
litativos, como o surgimento de novos pois são fatores importantes para a ex-
resíduos relacionados a atividades regio- tensão da poluição. A poluição pontual
nais. São três as variáveis fundamentais ou localizada é aquela lançada no meio
da poluição, de acordo com o Engenheiro em um ponto específico, de forma con-
Breno Marcondes:3 nível, extensão e pon- centrada, na qual é possível identificar a
to de vista. Segundo o autor, todas essas fonte do poluente por meio de tubulações
variáveis são indispensáveis à avaliação da e chaminés, como é o caso do lançamen-
poluição, pois não são independentes. to de esgoto doméstico ou industrial em
Em relação aos níveis de poluição, en- cursos d’águas e das emissões gasosas de
tende-se que a poluição natural é aque- processos industriais.4 Já a fonte difusa
la de baixa intensidade, relacionada às ou dispersa é aquela que contribui de
atividades sem interferência do ser hu- forma distribuída no espaço, como a dre-
mano. Das atividades com interferência nagem de águas pluviais (ver p. 650), que
humana, a poluição tem nível crescente escoa poluentes provenientes da superfí-

489
EIXO 5 - ESGOTAMENTO SANITÁRIO

sumo e a descartabilidade de objetos.


cie; a poluição por agrotóxicos (ver p. 47)
aplicados na agricultura e dispersos no Estratégias para o controle
ar, carregados pelas chuvas para os rios
ou para o lençol freático; e as emissões Considerando essas três variáveis, parte-
gasosas de veículos automotores.5, 6 A ex- -se para a discussão sobre o controle da
tensão da poluição está relacionada não poluição, que deve considerar as neces-
só à tipologia da fonte poluidora, mas, sidades da natureza, do ser humano e de
também, à carga lançada do poluente e as outros seres vivos sob o ponto de vista da
condições do meio físico – por exemplo, qualidade ambiental e preservação dos
se esse tem capacidade de se recuperar recursos naturais. Nesse contexto, po-
naturalmente e, se sim, com que velocida- dem ser adotadas medidas corretivas e
de é capaz de voltar ao equilíbrio anterior preventivas. As primeiras, de caráter re-
à poluição. ativo, são adotadas para conter ou mini-
O nível e a extensão elevados da polui- mizar os impactos da atividade poluidora
ção podem, por exemplo, comprometer a após a sua ocorrência. Baseiam-se na re-
tratabilidade das águas de captação para mediação, que busca reparar um impacto
abastecimento, dificultando que as águas já existente, ou o controle dos poluentes
sejam potabilizáveis, ampliando-se com no final do processo produtivo. Essas me-
isso o estresse hídrico nos territórios. didas são insuficientes, além de serem
Processos como a eutrofização dos cor- mais difíceis de implantar e, em geral,
pos d’água podem aumentar os custos de demandarem maiores recursos financei-
tratabilidade das águas ou mesmo inter- ros. No entanto, sua ausência levaria ao
romper o fornecimento de água às popu- aumento dos níveis de poluição.
lações. A título de exemplo, tem-se o caso Importante ressaltar que cabe ao polui-
do Rio Guandu, principal manancial do dor a obrigação de recuperar e/ou indeni-
estado do Rio de Janeiro, que tem sofri- zar os danos causados. Causar poluição
do com uma crise hídrica proveniente da de qualquer natureza em níveis tais que
eutrofização em decorrência da poluição resultem ou possam resultar em danos
por lançamento de esgoto doméstico e à saúde humana ou ao meio ambiente é
efluentes industriais. A identificação da considerado crime ambiental, conforme
tipologia da fonte poluidora é essencial previsto na Lei 9.605/1998.7
para se definir a melhor técnica de con- Por outro lado, as medidas preventivas
trole a ser adotada. são adotadas a fim de impedir ou minorar
A variável ponto de vista pode depen- os possíveis impactos de uma atividade
der de inúmeros fatores, como culturais, poluidora, e exigem menores recursos
educacionais, socioeconômicos, ambien- financeiros para sua implantação. Nes-
tais, tecnológicos e gerenciais. Os mode- sa abordagem de prevenção da poluição,
los de desenvolvimento e a história de deve se buscar medidas que previnam a
cada território influenciam na formação formação de resíduos nos processos pro-
do ponto de vista da população relaciona- dutivos, de forma a promover o uso dos
do à poluição. O atual modelo desenvol- recursos naturais de forma sustentável,
vimentista negligencia o cuidado com o consoante com o conceito de economia
ambiente físico ao incentivar o hipercon- circular e ao ideal dos 5Rs: repensar, re-

490
POLUIÇÃO

duzir, reutilizar, reciclar e recuperar. da água. Devem ser adotadas em conjun-


Para o efetivo controle da poluição é to com as medidas estruturais, visando
essencial uma mudança de conceitos, manter e ampliar os objetivos e a eficiên-
desconstruindo a ideia que os recursos cia/eficácia destas últimas.6
são infinitos e superando a abordagem Visando compatibilizar as dimensões
da remediação dos impactos e controle econômicas, sociais e ambientais da sus-
dos poluentes apenas ao final do processo tentabilidade, a Política Nacional de Meio
produtivo, para a abordagem da preven- Ambiente instituiu o Conselho Nacional
ção da poluição e também de mudança de Meio Ambiente (Conama). Levou, as-
de hábitos, buscando o consumo res- sim, para a arena deliberativa do governo
ponsável.8 Ademais, é de fundamental federal a representação dos diversos seg-
importância o planejamento do uso e da mentos sociais. Nessa instância se anali-
ocupação do solo de forma compatível sa a situação ambiental e definem-se nor-
com os padrões de qualidade ambiental mas para o controle da poluição nas suas
e preservação dos recursos naturais, em variadas formas, estabelecendo padrões
particular no tocante ao desmatamento e de qualidade mínimos para proteção dos
à impermeabilização do solo. recursos naturais. Podem ser citadas:

Medidas estruturais • a Resolução 5/1989, que dispõe sobre


e estruturantes o Programa Nacional de Controle da
Qualidade do Ar (Pronar);9
As medidas de controle de poluição tam- • a Resolução 357/2005, que dispõe so-
bém podem ser classificadas em estru- bre a classificação dos corpos de água
turais, aquelas que envolvem a execução e diretrizes ambientais para o seu en-
de obras e a instalação de equipamentos quadramento, bem como estabelece as
(exemplos: estações de tratamento de condições e padrões de lançamento de
esgoto doméstico e aterros sanitários; efluentes;10
filtros para remoção de material parti- • a Resolução 460/2013, que apresen-
culado de efluentes industriais lançados ta critérios e valores orientadores de P
na atmosfera), e estruturantes, soluções qualidade do solo quanto à presença de
que procuram atuar nas causas que po- substâncias químicas.11
dem originar ou agravar o impacto de
uma atividade poluidora, impedindo que Estados e municípios podem estabe-
ocorra ou que pelo menos seja controlado lecer padrões mais restritivos de lan-
(ex.: áreas de proteção ambiental; utiliza- çamento de poluentes em relação à le-
ções de fontes de energias alternativas; gislação federal, visando beneficiar a
adoção de processos produtivos mais população, visto que o solo, o ar e a água
sustentáveis). As medidas estruturantes – destinos dos poluentes – afetam direta-
também ocorrem na forma de legislações mente a qualidade de vida e a saúde das
ambientais, que definem, por exemplo, pessoas. Um exemplo está em Minas Ge-
mecanismos de monitoramento, contro- rais, que estabelece normativas mediante
le e fiscalização, bem como os padrões e análise e aprovação do Conselho Esta-
indicadores de qualidade do ar, do solo e dual de Política Ambiental (Copam). Vi-

491
EIXO 5 - ESGOTAMENTO SANITÁRIO

sando ao controle da poluição industrial saúde, com as ações de controle efetua-


e comercial, o Copam instituiu a Delibe- das pelo setor de saúde e por outros res-
ração Normativa 217/2017, que define as ponsáveis, se for o caso.16
modalidades de licenciamento ambiental Estamos às voltas com os efeitos das
requeridas para uma atividade ou empre- mudanças climáticas, da crise ambiental
endimento, com base na relação entre e hídrica, do atual modelo de desenvol-
localização e porte e potencial poluidor vimento que tem ampliado no país os
nessas três variáveis ambientais e seus processos de poluição e de desastres (ver
impactos sociais.12 p. 183), dos impactos socioambientais de
grandes empreendimentos, das minera-
Vigilância em saúde ambiental doras e garimpos, da ampliação do uso
dos agrotóxicos, do déficit dos componen-
Posterior à Portaria 1.172/2004, que tes do saneamento básico nas áreas urba-
criou a vigilância em saúde (ver p. nas e rurais. Nesse cenário, é imperativo
779),13 a Instrução Normativa 1/2005 fortalecer e ampliar os serviços de sane-
do Ministério da Saúde14 criou o Subsis- amento e da vigilância em saúde, bem
tema Nacional de Vigilância em Saúde como da atuação dos órgãos de controle
Ambiental (Sinvsa): “Este compreende ambiental, nas instâncias do poder públi-
o conjunto de ações e serviços relativos à co federal, estadual e municipal.
vigilância em saúde ambiental, visando o Na medida em que os riscos e danos à
conhecimento e a detecção ou prevenção de saúde ampliam-se, é necessário maior con-
qualquer mudança nos fatores determinan- trole por parte das políticas públicas muni-
tes e condicionantes do meio ambiente que cipais de saneamento, de recursos hídricos
interferem na saúde humana, com a fina- e de meio ambiente. No intuito de melhor
lidade de recomendar e adotar medidas de equacionar o problema da poluição, as
promoção da saúde ambiental, prevenção e ações dos órgãos públicos com a participa-
controle dos fatores de riscos relacionados ção social (ver p. 424) devem ser integradas
às doenças e outros agravos à saúde”. Co- e intersetoriais, visando à melhoria contí-
mo áreas de atuação do Sinvsa podem nua da proteção social e ambiental.
ser citados os programas nacionais de Investimentos na área de saneamen-
Vigilância da Qualidade da Água para to ambiental (ver p. 577) e de controle
Consumo Humano (Vigiágua), Vigilân- da poluição, enquanto medidas estru-
cia em Saúde de Populações Expostas a turantes, devem ser considerados como
Poluentes Atmosféricos (Vigiar), Vigi- investimentos, e não como gastos, para
lância em Saúde de Populações Expostas o desenvolvimento dos municípios, por
a Contaminantes Químicos (Vigipeq), reduzir custos com ações corretivas ou
Vigilância em Saúde Ambiental Rela- mesmo o esgotamento dos recursos na-
cionada aos Riscos Decorrentes de De- turais. No âmbito do planejamento mu-
sastres (Vigidesastres) e Vigilância em nicipal é importante identificar, mapear
Saúde Ambiental Relacionada aos Fato- e quantificar as fontes de poluição e os
res Físicos (Vigifis).15 Portanto, o Sinvsa seus impactos nos corpos d’água, no solo
atua no controle de poluentes ambien- e no ar, visando implementar programas,
tais e em situações de risco iminente à projetos e ações voltados para proteção e

492
POLUIÇÃO

recuperação ambiental. tratado para reduzir os riscos de poluição


No tocante às ações de saneamento, do solo e corpos d’água e que os resíduos
é importante que as indústrias sejam sólidos sejam coletados, tratados e desti-
monitoradas para que o lançamento de nados de forma adequada. Deve-se bus-
efluentes industriais (ver p. 238) sigam car que esses serviços conjuguem as três
os padrões ambientais vigentes, que o es- dimensões da sustentabilidade – econô-
goto sanitário (ver p. 256) seja coletado e mica, social e ambiental.

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7. BRASIL. Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e
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nível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9605.htm.
8. KIPERSTOK, A. et al. Prevenção da poluição. Brasília: Senai-DN, 2002.
9. CONAMA. Resolução nº 5, de 15 de junho de 1989. Dispõe sobre o Programa Na-
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dos corpos de água e diretrizes ambientais para o seu enquadramento, bem como
estabelece as condições e padrões de lançamento de efluentes. Disponível em: http://
www2.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=459.
11. CONAMA. Resolução nº 460, de 30 de dezembro de 2013. Altera a Resolução Co-
nama nº 420, de 28 de dezembro de 2009, que dispõe sobre critérios e valores orien-
tadores de qualidade do solo quanto à presença de substâncias químicas. Disponível

493
EIXO 5 - ESGOTAMENTO SANITÁRIO

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Estabelece critérios para classificação, segundo o porte e potencial poluidor, bem
como os critérios locacionais a serem utilizados para definição das modalidades de
licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades utilizadores de recursos
ambientais no Estado de Minas Gerais. Disponível em: http://www.siam.mg.gov.br/
sla/download.pdf?idNorma=45558.
13. MS. Portaria nº 1.172, de 15 de junho de 2004. Regulamenta a NOB SUS 01/96
no que se refere às competências da União, Estados, Municípios e Distrito Federal,
na área de Vigilância em Saúde. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/sau-
delegis/gm/2004/prt1172_15_06_2004.html.
14. MS. Instrução normativa nº 1, de 7 de março de 2005. Regulamenta a Portaria
nº 1.172/2004/GM, no que se refere às competências da União, estados, municípios
e Distrito Federal na área de vigilância em saúde ambiental. Disponível em: http://
bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/svs/2005/int0001_07_03_2005_rep.html.
15. MS. Vigilância Ambiental. Página web do Ministério da Saúde (MS). Disponível
em: http://www.saude.gov.br/vigilancia-em-saude/vigilancia-ambiental.
16. MS. Textos de epidemiologia para vigilância ambiental em saúde. Brasília: MS;
Funasa, 2002. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/funasa/
textos_vig_ambiental.pdf.

Para saber mais

ANA. Poluição hídrica (Editorial). Página web da Agência Nacional de Águas (ANA).
Disponível em: https://www.ana.gov.br/noticias-antigas/poluiassapso-hadrica-edi-
torial.2019-03 15.5899418854. Acesso em: 22 set. 2019.
CHAIM, A.; FERRACINI, V. L.; Lima, M. A. O ar que respiramos: o que estamos fazen-
do com o nosso ambiente? Jaguariúna: Embrapa Meio Ambiente, 2004. (Cartilhas
dos jogos ambientais da Ema, 6). Disponível em: https://www.infoteca.cnptia.em-
brapa.br/infoteca/bitstream/doc/110119/1/EMA6AR.pdf.
FUNASA. Lixo e saúde: aprenda a cuidar corretamente do lixo e como ter uma vida
mais saudável. Brasília: Funasa, 2013. Disponível em: http://www.funasa.gov.br/si-
te/wp-content/files_mf/cart_lixo_e_saude_2.pdf.

Vídeo

DICAS de proteção à saúde sobre poluição atmosférica: introdução. Roteiro e


evisão de conteúdo: Sharmenia Nuto, Lizaldo Maia, Sandra Hacon e Edeni-
lo Barreira Filho. Animação: Alan Regis Albuquerque. Locução: Carô Carvalho.
Atendimento e produção: Anne Gabrielle Vieira Madeiro. Rio de Janeiro: Fio-
cruz, 2019. 1 vídeo (16 min). Disponível em: https://portal.fiocruz.br/video/
dicas-de-protecao-saude-sobre-poluicao-atmosferica-introducao.

494
POPULAÇÃO

Autoria deste verbete

Fernanda Deister Moreira. Engenheira sanitarista e ambiental pela Universidade Fe-


deral de Juiz de Fora (UFJF). Mestranda em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos
Hídricos na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Lívia Cristina da Silva Lobato. Engenheira civil e doutora em Saneamento, Meio Am-
biente e Recursos Hídricos pela UFMG.

Fabiana Lopes Del Rei Passos. Doutora em Engenharia Ambiental pela Universitat Po-
litècnica de Catalunya (UPC), Espanha. Professora adjunta do Departamento de Enge-
nharia Sanitária e Ambiental da UFMG.

Alexandre Pessoa Dias. Engenheiro civil sanitarista, mestre em Engenharia Ambien-


tal, doutor em Medicina Tropical. Professor-pesquisador do Laboratório de Educação
Profissional em Vigilância em Saúde da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio,
Fundação Oswaldo Cruz.

P
POPULAÇÃO

Para o termo “população” apresentam- de habitantes, para se ter conhecimento


-se conceitos-chave baseados em docu- da força militar que poderia ser recru-
mentos de referência legal e teórica, que tada e o número de escravos, bem como
contemplam a historicidade, bem como para a determinação do volume de im- P
suas diferentes interpretações, dentre as postos que poderia ser arrecadado. Da
quais aquelas relacionadas e que contri- mesma forma, os líderes das sociedades
buem para os processos de planejamen- tribais queriam conhecer o número de
to e avaliação em saneamento. famílias e divisões tribais, para se es-
A palavra população é oriunda do la- timar o tamanho das áreas necessárias
tim “populatio, onis”, termo que provém, para as pastagens sazonais.1
por sua vez, do vocábulo igualmente la- Nos tempos modernos, as funções dos
tino “populus”, que representa “povo”. Se- governos tornaram-se cada vez mais
gundo a Organização das Nações Unidas complexas, passando a atuar no planeja-
(ONU), as informações sobre o tamanho mento de políticas econômicas e sociais,
da população de um país têm sido pro- o que, ao longo do tempo, tem demanda-
curadas desde os tempos antigos. Desde do um conhecimento mais preciso sobre
antigos impérios foram feitos esforços o tamanho da população dos países, suas
para a apuração do número aproximado cidades e estados, bem como informações

495
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

sociodemográficas cada vez mais detalha- dem uns dos outros, compartilhando o
das sobre esses territórios1 (ver p. 729). mesmo ambiente e formando uma comu-
Segundo o dicionário Michaelis,2 popu- nidade viva (ou biocenose).6
lação corresponde ao conjunto dos habi- Na biologia evolutiva, o conceito de
tantes de um determinado lugar, região população constitui um ponto de partida
ou país; ou, ainda, ao conjunto de pessoas para o estudo da diversidade dos orga-
que compõem uma categoria particular. nismos vivos e os processos que a produ-
Para o Dicionário Multilíngue Demográfi- ziram. No campo da genética, não é pos-
co do Instituto Brasileiro de Geografia e sível definir de maneira clara o conceito
Estatística (IBGE),3 a população de uma de população devido à dificuldade de es-
determinada área corresponde a todos os tabelecer os limites (ou barreiras) entre
habitantes dessa mesma área, embora o diferentes comunidades genéticas, dado
termo também seja utilizado para desig- que comunidades geneticamente isoladas
nar subgrupos populacionais. Contudo, representam casos de exceção.4-6
o conceito de população varia conforme a Já na antropologia o conceito de popu-
área de conhecimento. lação enquanto comunidade reprodutiva é
essencial na análise da variabilidade bio-
Acepções em variadas ciências lógica humana e na explicação sobre a ma-
neira como esta surge no tempo e no es-
Na estatística, qualquer conjunto de ele- paço. A antropologia enfatiza os processos
mentos distintos (finitos ou infinitos) em de mudança que operam nas populações
estudo pode ser chamado de população humanas, intimamente ligados à vida so-
ou universo.3, 4 No início dos anos 1800, cial e à cultura, indo além das questões
no contexto do aumento no número de técnicas, com a história da população co-
aplicações de métodos quantitativos e de mo eixo orientador das pesquisas.5, 6
leis da probabilidade para estudos sobre Nas ciências sociais, o termo “popu-
a população europeia, tornou-se comum lação” pode ter dois significados: um
utilizar a metáfora do “l’homme moyen” construto hipotético dependente de te-
(o homem comum, ou médio). Esse termo oria (cuja base não é definida) e como
solidificou a visão das populações huma- um “universo” empiricamente definido
nas como sendo definidas a partir de suas (usado como um quadro de amostra-
qualidades intrínsecas, estas entendidas gem). Nenhuma das definições oferece
como características em relação a diversos critérios sistemáticos para decidir, em
aspectos, tais como altura e peso, taxas de termos teóricos ou práticos, quem e o
nascimento e morte, faculdades intelec- que é uma população. 5
tuais e propriedades morais.5
Na ecologia, o termo população repre- A ciência dedicada ao
senta o conjunto de indivíduos de uma estudo das populações
mesma espécie que habitam uma deter-
minada região.3 Para um significado mais A ciência que estuda a população é a demo-
complexo no mesmo campo de conheci- grafia. A palavra “demografia” foi criada
mento, a população representa diferentes pelo belga Achille Guillard, na publicação
espécies (animais e plantas), que depen- do trabalho Eléments de Statistique Humaine

496
POPULAÇÃO

(ou Démographie Comparée), em 1855, que utiliza o tamanho da população (do mu-
definiu esta ciência como a história natural nicípio ou de uma dada área ou território)
e social das espécies humanas, bem como como denominador de taxas de cobertura
o conhecimento matemático das popula- dos mais diversos serviços de saneamento.
ções, ou de suas mudanças gerais, suas con- Nesse contexto, o quantitativo da popula-
dições físicas, civil, intelectual e moral.7 ção é elemento determinante, por exem-
Nos tempos atuais, a demografia po- plo, para a análise de áreas não atendidas
de ser definida como o estudo científico pelo serviço público de abastecimento de
das populações humanas, incluindo o água, identificando e mapeando quais são
tamanho, a distribuição, a composição essas áreas e qual a proporção da popula-
e fatores que determinam a mudança ção afetada em cada área.9 Outro exemplo
populacional, além do estudo sobre as da importância da população no plane-
características sociais, econômicas e ét- jamento de políticas de saneamento é o
nicas das populações.1, 7, 8 levantamento e a análise de todas as so-
No âmbito do planejamento mu- luções individuais usadas pela população
nicipal de saneamento, o município que não é atendida pelo serviço público de
deve considerar uma oportunidade de esgotamento sanitário.
transformação da realidade local, por
meio da construção de um pacto social Base para o planejamento
para melhorar as condições de vida da
população e do meio em que vive. Nesse Assim como a importância do conheci-
sentido, o planejamento deve englobar mento sobre a população e de suas caracte-
integralmente o território, o que signi- rísticas sociodemográficas para a realiza-
fica incluir, além das áreas urbana e ru- ção de análises situacionais de diagnóstico
ral dos municípios, todo o conjunto da sobre o saneamento básico, o uso de esti-
população, independentemente da ca- mativas e de projeções populacionais (ver
racterística étnica ou socioeconômica. p. 531) pode fornecer insumos para o pla-
Nesse contexto, a população indígena, nejamento. A realização de estudos sobre
as comunidades quilombolas e tradicio- o crescimento populacional (ver p. 172) e a P
nais, assim como a população de baixa dinâmica demográfica do município repre-
renda (residente em favelas, ocupações senta um elemento-chave para a avaliação
irregulares e assentamentos precários) da necessidade de utilização de possíveis
mostram a amplitude e diversidade novos mananciais para abastecimento fu-
de significados do termo “população”, turo da população local (urbana e rural),
quando utilizado para fins de planeja- indicando, também preliminarmente, as
mento e gestão do saneamento básico. possibilidades mais prováveis.9
Na análise da situação das áreas corres- Outro elemento que incorpora o concei-
pondentes à população de baixa renda, o to de população diz respeito ao direito da
planejamento municipal de saneamento população à informação, que passa pela
tem como princípio fundamental a uni- garantia a qualidade da água para o con-
versalização do acesso aos serviços de sumo humano e os riscos à saúde, con-
saneamento básico. Para tanto, deve ser forme o Decreto 5.440/2005 e o marco
usado um conjunto de indicadores que regulatório de saneamento básico.

497
EIXO 3 - LEITURA DEMOGRÁFICA DO TERRITÓRIO

Referências bibliográficas

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CBED/IBGE, 1969. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/li-
vros/liv14136.pdf
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xico.com/en/definition/population. Acesso em: 1. jul. 2019.
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controversies, and implications for understanding “population health” and rectifying
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of Anthropology, v. 11, n. 2-4, p. 15-18, 1996. Disponível em: https://link.springer.
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7. SHRYOCK, H. S., SIEGEL, J. S. The methods and materials of demography. 2. ed. Wash-
ington: US Government Printing Office, 1973. Disponível em: https://www.science-
direct.com/book/9780126411508/the-methods-and-materials-of-demography.
8. SWANSON, D. A.; SIEGEL, J. S. Introduction. In: SIEGEL, J. S.; SWANSON, D. A.
(org.). The methods and materials of demography. San Diego: Elsevier Academic.
Press, p. 561-602, 2004. Disponível em: https://demographybook.weebly.com/uplo-
ads/2/7/2/5/27251849/david_a._swanson_jacob_s._siegel_the_methods_and_
materials_of_demography_second_edition__2004.pdf.
9. MS; FUNASA. Termo de referência para elaboração de plano municipal de sane-
amento básico. Brasília: Funasa, 2018. Disponível em: http://www.funasa.gov.br/
termo-de-referencia-tr-para-pmsb.

Autoria deste verbete

José Irineu Rangel Rigotti. Doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e


Planejamento Regional (Cedeplar), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Professor associado do Cedeplar.

Járvis Campos. Doutor em Demografia pelo Cedeplar/UFMG. Professor adjunto do


Departamento de Demografia e Ciências Atuariais (DDCA) da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte (UFRN).

498
POPULAÇÕES DO CAMPO, DA FLORESTA E DAS ÁGUAS (PCFAs)

P
POPULAÇÕES DO CAMPO, DA FLORESTA
E DAS ÁGUAS (PCFAS)

Para compreender melhor as iniquida- Por visibilidade e direitos


des sociais, dentre elas as de saúde, é
necessário um olhar mais atento aos PCFA é uma denominação contemporâ-
indicadores de acesso ao saneamento nea dos movimentos sociais populares e
no Brasil. As variáveis socioeconômi- integra a luta histórica contra a invisibi-
cas de renda, cor da pele, gênero, nível lidade destas populações dentro da insti-
de escolaridade, população indígena x tucionalidade brasileira na defesa de seus
não indígena, população urbana x rural direitos e dos seus territórios de vida. Es-
indicam que o saneamento reflete as sa terminologia destaca que sua cultura,
desigualdades sociais e que sua univer- o modo de vida, a produção e reprodução
salização exige políticas municipais de cotidiana da vida, as relações com a natu-
saneamento que ampliem a acessibili- reza e os cuidados populares precisam ser
dade dos seus serviços públicos às po- reconhecidos e valorizados em toda sua
pulações do campo, da floresta e das sociobiodiversidade.
águas (PCFAs).1 Engloba, assim, os camponeses5 – sejam
Historicamente, a descrição do rural eles agricultores familiares, trabalhado-
no Brasil contrapõe-se ao modo de vida res rurais assentados ou acampados, as-
urbano. Nas primeiras descrições, cor- salariados e temporários que residam ou
respondia a um lugar cuja existência era não no campo –, os povos e comunidades
antiquada e triste, tornando-se, com o tradicionais e extrativistas, como os in-
passar do tempo, um lugar de atraso, que dígenas, quilombolas, pescadores arte-
representava um entrave ao desenvolvi- sanais, ribeirinhos, marisqueiros e caiça- P
mento urbano e industrial.2 ras, e, ainda, as populações atingidas por
Um momento histórico que represen- barragens, entre outras.
ta esse pensamento foi a criação da Liga As PCFAs compartilham saberes, pro-
Pró-Saneamento em 1918, que pode ser duzem conhecimentos, culturas, tecno-
considerada uma das primeiras ações de logias e saneamento por meio do manejo
Estado voltada para a saúde das PCFAs. das águas e dos resíduos nas escalas do-
Essa liga moveu uma campanha pelo miciliares e comunitárias, associadas ao
saneamento rural com impacto signi- manejo agrícola, da floresta e dos cami-
ficativo sobre a sociedade brasileira, nhos das águas (ver p. 82).
pois o governo federal passou a abordar De acordo com o artigo 231 da Cons-
a doença como um problema político, tituição Federal, são reconhecidos aos
constatando o atraso e o abandono em índios sua organização social, costumes,
que se encontrava a quase totalidade da línguas, crenças e tradições, e os direitos
população rural. 3, 4 originários sobre as terras que tradicio-

499
EIXO 2 - COMUNICAÇÃO E TERRITORIALIZAÇÃO

nalmente ocupam, competindo à União cabendo ao Ministério da Saúde garantir a


demarcá-las, proteger e fazer respeitar implantação da PNSIPCFA”.1
todos os seus bens. Tal conceito, já adotado a partir de mui-
tos debates nos relatórios e documentos
Especificidades da 14ª e da 15ª conferências nacionais
de Saúde, nasceu no Grupo da Terra.7 O
Na área indígena, as ações de saneamento agrupamento formou-se em 2003, por
estão sob responsabilidade da Secretaria meio de intensa mobilização e organi-
Especial de Saúde Indígena (Sesai) do Mi- zação de entidades representativas da
nistério da Saúde. O saneamento e a saú- PCFA, resultando como um espaço de in-
de indígena possuem sistemas próprios, terlocução dos movimentos sociais com a
incluindo o sistema de informações.2 gestão pública, pesquisadores e colabora-
Desta forma, o diagnóstico e prognósti- dores, para juntos discutirem as proble-
co, bem como o monitoramento em um máticas de saúde vivenciadas por esses
Plano Municipal de Saneamento Básico sujeitos em seus territórios. 7
(PMSB – ver p. 450), devem subsidiar
metas específicas e investimentos neces- Do rural para a ruralidade
sários estabelecidos no Plano Nacional de
Saneamento Básico (Plansab – ver p. 457) A divisão entre áreas rurais e urbanas
e contemplados pelo Programa Sanea- ainda é estabelecida basicamente por
mento Brasil Rural (PSBR – ver p. 525). critérios legais ou político-administrati-
Os movimentos sociais, entidades e vos, na qual os perímetros urbanos (e os
representações da PCFA participaram de rurais, por exclusão) são delimitados por
forma efetiva na construção de diversas decisão legislativa dos municípios, o que
políticas públicas no Brasil, em especial é influenciável por questões tributárias
nas áreas da saúde, saneamento, meio tendendo a superestimar sua população
ambiente, educação, agroecologia (ver urbana.8 Estudos demográficos realiza-
p. 40) e agricultura familiar.6 A Política dos pelo PNSR apontaram a necessidade
Nacional de Saúde Integral das Popula- de ampliação dos critérios de classifica-
ções do Campo da Floresta e das Águas ção da população rural no Brasil.9
(PNSIPCFA) foi instituída pela Portaria O conceito de ruralidade é necessá-
2.866/2011 do Ministério da Saúde. rio para que as políticas públicas no país
O texto da política reconhece a neces- possam ser promotoras de saúde para as
sidade de superação do modelo de desen- PCFAs. A ruralidade, para além da antiga
volvimento agrícola dominante na busca e estigmatizada visão do rural, tem sido
de relações homem–natureza responsá- designada para o estudo de fenômenos
veis e promotoras da saúde e a extensão sociais que influenciam na construção
de ações e serviços de saúde que atendam de uma identidade nos territórios das
as populações, respeitando suas especifi- PCFAs. Nesse contexto, precisa ser con-
cidades. Para isso, assume a “transversali- siderado em perspectiva ampla, à luz de
dade como estratégia política e a interseto- antecedentes históricos, dos modos de vi-
rialidade como prática de gestão, norteado- da, das relações ambientais, dos processos
ras da execução das ações e serviços de saúde, socioeconômicos e culturais e da interde-

500
POPULAÇÕES DO CAMPO, DA FLORESTA E DAS ÁGUAS (PCFAS)

pendência com os centros urbanos. Devem duzindo a biodiversidade e provocando a


ser analisadas, ainda, as contradições que desterritorialização das PCFAs. A dinâ-
estabelecem padrões de ocupação distin- mica de apropriação desigual das rique-
tos e geradores de desigualdades sociais. zas naturais e bens comuns, a exporta-
A ruralidade como uma forma específi- ção virtual da água, o comprometimento
ca de vida social é caracterizada pela pre- das reservas e a escassez em algumas re-
dominância da natureza e das relações giões sob estresse hídrico aliam-se com a
de interconhecimento, que implicam o geração de efluentes e resíduos, gerando
reconhecimento das formas de produção a contaminação atmosférica, hídrica e
e trabalho de natureza comunitária e/ou edáfica (do solo).13
familiar, responsáveis pela vitalidade so-
cial dos espaços rurais.10 Acessibilidade ao
saneamento básico
Saúde e ambiente
A área do saneamento básico, a partir da
De acordo com o marco regulatório do primeira versão do Plansab, de 2013, ado-
saneamento básico no Brasil, por meio tou uma maior amplitude para a caracte-
da Lei 11.445/2007, um dos objetivos da rização do déficit em saneamento básico
Política Federal de Saneamento Básico no Brasil. Ela conduziu à necessidade de
é proporcionar condições adequadas de construir uma definição que contemplas-
salubridade ambiental aos povos indíge- se, além da infraestrutura implantada, os
nas e outras populações tradicionais com aspectos socioeconômicos e culturais e,
soluções compatíveis com suas caracte- também, a qualidade dos serviços ofer-
rísticas socioculturais, além de propor- tados ou da solução empregada, conside-
cionar condições adequadas de salubri- rando como déficit, além da ausência de
dade ambiental às populações rurais e de serviços, o atendimento precário.
pequenos núcleos urbanos isolados.11 O termo acesso aos componentes do
As PCFAs sofrem das doenças e agra- saneamento básico adequado estabe-
vos da pobreza gerados pelo modelo de leceu de forma mais efetiva as condições P
desenvolvimento. Os grandes empreen- sanitárias dos diversos grupos populacio-
dimentos a partir de um modelo desen- nais. Entretanto, para melhor compreen-
volvimentista, neoextrativista e hidroin- der as barreiras ainda existentes para as
tensivo resultam em severos impactos às PCFAs e populações com vulnerabilidade
condições de vida e à situação de saúde, socioambiental (ver p. 786), o conceito de
inclusive para o saneamento, em grandes acessibilidade difundido pela área da saú-
extensões do território nacional, o que de pública, bem como na perspectiva dos
ameaça o “Bem Viver” desses povos.12 direitos humanos, permite identificar as
O uso de agrotóxicos (ver p. 47), a ex- sucessivas barreiras que precisam ser su-
pansão das fronteiras de monocultura, o peradas por parte dessas populações, com
desmatamento, a mineração, a instala- apoio das instâncias do poder público fe-
ção de complexos industriais, as barra- deral, estadual e municipal.
gens, os perímetros irrigáveis, os gran- A acessibilidade pode ser considera-
des loteamentos de condomínios vêm re- da como uma das dimensões do acesso.

501
EIXO 2 - COMUNICAÇÃO E TERRITORIALIZAÇÃO

Dessa forma, para o saneamento, diz Como lição para orientar novas políticas,
respeito à relação entre suas caracterís- deve se ressaltar o fracasso das propostas
ticas e as da população que ele atende, de caráter desintegrado, centralizado,
ou ainda, ao grau de ajuste entre as ca- curativo, urbano, não universais, em de-
racterísticas da população e da oferta trimento de ações como as de saneamento
de serviços públicos. Verifica-se para as rural, de estímulo à participação social e
PCFAs a necessidade de alcançar o acesso de ampla utilização de agentes de saúde.15
aos componentes do saneamento básico, Considerando-se os marcos referenciais
enquanto direito humano, em termos do PNSR Brasil 2019 para o saneamento bá-
qualiquantitativos, considerando: aces- sico como direito humano, como promotor
sibilidade geográfica, física e financei- da saúde, para a erradicação da extrema po-
ra, em moldes culturalmente aceitáveis; breza e o desenvolvimento rural solidário
disponibilidade, segurança, privacidade; e sustentável,9 verifica-se a sua relevância
equidade de gênero, dignidade e direi- para além do controle de doenças. Sua ga-
to à informação e à participação social; rantia contribui para a promoção de terri-
acessibilidade jurídica, não discrimina- tórios saudáveis e sustentáveis das PCFAs,
ção e democracia participativa.14 de forma que o Estado possa sanar uma dí-
vida histórica com essas populações.

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502
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12. ACOSTA, A. O Bem Viver: uma oportunidade para imaginar outros mundos. Tra-
dução: Tadeu Breda. São Paulo: Autonomia Literária; Elefante, 2016. Disponível em:
https://rosalux.org.br/wp-content/uploads/2017/06/Bemviver.pdf.
13. MS; FUNASA. Termo de referência para elaboração de plano municipal de sane-
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termo-de-referencia-tr-para-pmsb.
14. CRUZ, B. A. S. Acesso à água na perspectiva dos direitos humanos: análise dos
efeitos de uma intervenção do Sisar na comunidade de Cristais, Ceará. 2019. Tese
(Doutorado em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos) – Escola de Enge-
nharia, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2019. Disponível em:
http://www.smarh.eng.ufmg.br/defesas/1123D.PDF.
15. CARNEIRO, F. F.; PESSOA, V. (org.); TEIXEIRA, A. C. A. (org.) Campo, floresta e
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Para saber mais P

https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_saude_populaco-
es_campo.pdf
http://www.saudecampofloresta.unb.br/nosso-portal/a-politica-nacional/

Autoria deste verbete

Alexandre Pessoa Dias. Engenheiro civil sanitarista, doutor em Medicina Tropical.


Professor-pesquisador do Laboratório de Educação Profissional em Vigilância em Saú-
de da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Fundação Oswaldo Cruz.

Fernando Ferreira Carneiro. Biólogo, especialista em Vigilância em Saúde Ambiental,


mestre em Saúde Ambiental, doutor em Epidemiologia e pós-doutor em Sociologia.
Pesquisador da Fiocruz Ceará, na área de Saúde e Ambiente.

503
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

P
PRESTAÇÃO DIRETA DOS SERVIÇOS

A prestação direta é caracterizada na delegadas à Secretaria de Fazenda ou de


Constituição Federal (artigos 30 e 175) Finanças e assim vai.
em contraposição à prestação indireta Em ambos os casos, por racionalida-
mediante delegação a terceiros em regime de econômica e executiva, as atividades
de concessão ou permissão. Neste senti- meio, comuns a toda administração – tais
do, define-se como prestação direta do como: gestão de pessoal, processos de li-
serviço quando esta é realizada por órgão citação, assessoria jurídica, contabilida-
da administração direta, de forma cen- de, serviços de informática – devem ca-
tralizada, ou por entidade da administra- ber aos órgãos específicos da prefeitura.
ção indireta, de forma descentralizada, A criação e a estrutura funcional desses
envolvendo diferentes aspectos institu- órgãos e suas atribuições devem ser es-
cionais, administrativos e estruturais. tabelecidas e disciplinadas em lei e regu-
lamentos da organização administrativa
Prestação direta centralizada municipal (ver p. 415).

Na prestação direta centralizada as ati- Prestação direta descentralizada


vidades fins, gerenciais e executivas dos
serviços podem ser concentradas em um Na prestação direta descentralizada, por
único órgão (secretaria, departamento, di- sua vez, o poder público outorga a respon-
visão etc.), conforme a estrutura organiza- sabilidade pela prestação dos serviços
cional do Poder Executivo municipal (pre- municipais a entidade de sua adminis-
feitura), e se constituir em uma boa forma tração indireta. Esta entidade pode ser
de organização da gestão dos serviços, se instituída sob a forma de autarquia ou
integrar os quatro serviços de saneamento fundação pública (autarquia especial),
básico, facilitando o seu planejamento e o criada e disciplinada por lei específica e
gerenciamento orçamentário e financeiro. seu regulamento e regida pelo Direito
Essas atividades também podem ser público em todos os aspectos.
atribuídas a diferentes órgãos, conforme Também pode ser instituída como em-
suas especificidades, particularmente em presa pública ou sociedade de economia
municípios de menor porte. Por exemplo: mista, comumente denominada de em-
atividades administrativas, atribuídas à presa estatal, e sua criação depende de
Secretaria de Administração; atividades lei autorizativa específica, que também
de projetos, de obras e de manutenção, deve estabelecer seus objetivos, área,
sob responsabilidade de departamentos condições e limites de atuação, bem como
ou divisões da Secretaria de Obras e/ as condições de participação do muni-
ou Serviços Urbanos; atividades comer- cípio no capital e na gestão da empresa,
ciais (leitura, faturamento, cobrança), particularmente a de capital misto.

504
PRESTAÇÃO DIRETA DOS SERVIÇOS

Quando criada exclusivamente pa- e tecnicamente, para prestar diretamente


ra a prestação de serviços públicos, a os serviços que lhe foram transferidos
empresa estatal é regida duplamente pelos entes consorciados.
pelo Direito privado, para as questões Cada município pode transferir ao
tipicamente empresariais e comerciais consórcio todos ou alguns dos serviços
(como contabilidade, finanças, regime de saneamento básico, podendo ainda
de pessoal, societárias), e pelo Direito a transferência ser integral (por exem-
público administrativo, para alguns plo: todo o abastecimento de água) ou
aspectos de seu funcionamento (licita- somente de determinadas atividades ou
ções públicas, contratação de pessoal etapas desses serviços (p. ex.: implanta-
por concurso público, controle externo ção e operação de estação de tratamento
pelo tribunal de contas, regulação e fis- de água ou de esgoto ou de aterro sani-
calização dos serviços etc.). tário), situação em que poderá haver,
De acordo com jurisprudências do Su- simultaneamente, prestação direta cen-
premo Tribunal Federal (STF), a empre- tralizada e descentralizada de partes ou
sa pública municipal, criada específica etapas de um mesmo serviço.
e exclusivamente para a prestação dos Embora caracterizada como presta-
serviços públicos de saneamento bási- ção direta, mediante outorga ratificada
co, inclusive para outros municípios, em legalmente, neste caso a relação jurídica
regime de gestão associada (ver p. 293), entre o município e o consórcio público
pode ter o mesmo tratamento fiscal e tri- do qual participe deve ser formalizada
butário da autarquia, como a imunidade por contrato de programa, visando
de impostos de competências de outras estabelecer as condições particulares
esferas federativas. de cada município para a prestação do
serviço outorgado e dar garantia e se-
Prestação direta por gurança jurídica para estabilidade da
consórcio público prestação e sua continuidade, no caso
de retirada do município de sua partici-
Conforme estabelece a Lei 11.107/2005 pação no consórcio. P
(Lei dos Consórcios Públicos), o consór- Os contratos de programa serão sem-
cio público instituído com personalida- pre individualizados para cada muni-
de jurídica de direito público integra a cípio consorciado, podendo ser espe-
administração indireta de todos os entes cíficos para cada serviço, conforme os
da Federação consorciados. Da interpre- serviços e/ou suas atividades ou etapas
tação desta norma pode-se considerar co- transferidas ao consórcio, assim como
mo uma forma de prestação direta quan- as respectivas regulações. Porém, quan-
do a prestação do serviço de saneamento do a prestação pelo consórcio se carac-
básico for outorgada ao consórcio com a terize como prestação regionalizada, os
condição de que a prestação seja feita por contratos de programa observarão cri-
meio de sua própria estrutura adminis- térios uniformes de regulação, fiscali-
trativa e operacional. Nesta hipótese, o zação e remuneração.
consórcio deve estar organizado e ade- A criação destas entidades da admi-
quadamente estruturado, administrativa nistração indireta, inclusive o consórcio

505
EIXO 8 - GESTÃO DO SANEAMENTO

público, permite integrar em uma única nistrativa e técnica, e quando integrar os


instituição as atividades fim e meio, tor- quatro serviços de saneamento básico, a
nando mais eficiente o processo de plane- prestação direta descentralizada tende a
jamento e a gestão administrativa, econô- ser, em princípio, a forma mais racional
mico-financeira e técnica da prestação dos e adequada de prover estes serviços, em
serviços, evitando os conflitos de compe- razão dos ganhos de escala (abrangência
tências e a dispersão de recursos, que po- da atuação) e de escopo (integração do
deria ocorrer na hipótese de prestação por conjunto de serviços) em termos econô-
órgão(s) da administração direta. micos, estruturais e operacionais, espe-
Desta forma pode-se afirmar que, em cialmente se a prestação for realizada por
condições de satisfatória eficiência admi- consórcio público.

Referências bibliográfica

BRASIL. Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. Dispõe sobre o regime de conces-


são e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constitui-
ção Federal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8987cons.
htm. Acesso em: 7 fev. 2020.
BRASIL. Lei nº 11.445, de 05 de janeiro de 2007. Estabelece as diretrizes nacionais
sobre o Saneamento Básico. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
Ato2007-2010/2007/Lei/L11445compilado.htm. Acesso em: 31 ago. 2019.
CORDEIRO, B. S. (coord.). Instrumentos das políticas e da gestão dos serviços públi-
cos de Saneamento Básico. Brasília: MCidades, 2009. (Lei Nacional de Saneamen-
to Básico: perspectivas para as políticas e gestão dos serviços públicos, v. 1). Dis-
ponível em: https://web.bndes.gov.br/bib/jspui/bitstream/1408/2161/2/Lei%20
nacional%20de%20saneamento%20basico_Livro%20I_P_BD.pdf.
CORDEIRO, B. S. (coord.). Prestação dos serviços públicos de saneamento bási-
co. Brasília: MCidades, 2009. (Lei Nacional de Saneamento Básico: perspectivas
para as políticas e gestão dos serviços públicos, v. 3). Disponível em: https://
web.bndes.gov.br/bib/jspui/bitstream/1408/2161/2/Lei%20nacional%20de%20
saneamento%20basico_Livro%20I_P_BD.pdf.

Para saber mais

DI PIETRO, M. S. Z. Direito administrativo. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2007.


MELLO, C. A. B. Curso de direito administrativo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
CUNHA, D. Administração pública: uma visão ampla da administração pública direta
e indireta. Jusbrasil. 26 ago. 2014. Disponível em: https://douglascr.jusbrasil.com.
br/artigos/135764506/administracao-publica-uma-visao-ampla-da-administracao-
-publica-direta-e-indireta. Acesso em 12 set. 2019.
PEIXOTO, J. B. (org.). Criação e estruturação de serviços municipais e in-
termunicipais de saneamento básico. Brasília: Funasa; Assemae, 2017.

506
PRESTAÇÃO INDIRETA OU PRESTAÇÃO DELEGADA DOS SERVIÇOS

Autoria deste verbete

João Batista Peixoto. Economista, pós-graduado em Administração Financeira e Con-


tábil pela Fundação Getulio Vargas em São Paulo (FGV-SP). Consultor independente
em gestão de serviços de saneamento básico.

P
PRESTAÇÃO INDIRETA OU PRESTAÇÃO DELEGADA DOS SERVIÇOS

Em contraposição à prestação direta, a cooperativas de usuários, em localida-


prestação indireta do serviço público des de pequeno porte ou determinados
se dá por meio da delegação da execu- condomínios imobiliários. Nesse caso,
ção integral ou parcial de suas ativida- a formalização depende de previsão em
des a entidades que não fazem parte da lei do titular do serviço e é feita median-
administração do titular, sejam estas te ato administrativo de autorização do
entidades públicas, estatais ou privadas. poder público e celebração de contrato
A prestação indireta pode ocorrer no ou convênio administrativo ou de termo
âmbito da gestão municipal exclusiva ou de parceria, conforme o art. 116 da Lei
da gestão associada. 8.666/1993.
Na gestão municipal exclusiva, a de-
legação da prestação dos serviços de sa- Gestão associada
neamento básico mediante contrato de
concessão ou de permissão se processa, No âmbito da gestão associada a prestação
obrigatoriamente, por meio de licitação indireta pode ser delegada por convênio de
pública cuja validade depende do cum- cooperação ou por consórcio público. P
primento das condições previstas na Lei
11.445/2007 (artigo 11). O processo de Prestação indireta por
licitação pode ser realizado individual e convênio de cooperação
independentemente pelo município, ou
coletivamente, por intermédio do con- O convênio de cooperação é o instru-
sórcio, para um conjunto de municípios mento que formaliza a associação entre
consorciados, visando ampliar os ganhos dois entes da Federação, ou entre o con-
de escala e a atratividade da concorrên- sórcio público e um ente da Federação
cia. Neste caso, a licitação resultaria em não consorciado, para o exercício da fun-
contratos individuais de concessão ce- ção de prestação de serviço público.
lebrados por cada município de forma Neste caso a prestação indireta do ser-
independente. viço pelo município ocorre com a trans-
Também se caracteriza como presta- ferência da prestação integral ou parcial
ção indireta a delegação a associações ou do serviço de saneamento básico para um

507
EIXO 8 - GESTÃO DO SANEAMENTO

órgão ou uma entidade pública prestado- poderá ser celebrado contrato coletivo
ra integrante da administração indireta (um contrato em nome dos municípios
de outro município ou do Estado, forma- consorciados) para o conjunto de serviços
lizada por meio de contrato de programa. transferidos ou para cada um deles, no
Este regime de gestão associada é o que se caso de caracterizar prestação regionali-
aplica há bastante tempo para a prestação zada (ver p. 513), conforme as condições
dos serviços municipais de abastecimento estabelecidas no contrato de constituição
de água e de esgotamento sanitário pelas do consórcio (protocolo de intenções) e
companhias estaduais de Saneamento. nos contratos de programas celebrados
entre o consórcio e cada um dos municí-
Prestação indireta por pios consorciados.
consórcio público
Prestação indireta mediante
A lei 11.107/2005 permite que os municí- contrato de programa
pios consorciados autorizem o consórcio
a prestar indiretamente os serviços que O consórcio público também pode de-
lhe foram transferidos, de forma integral legar a prestação integral ou parcial dos
ou parcial. A prestação poderá ser delega- serviços que lhe foram transferidos pelos
da em regime de concessão ou permis- municípios mediante a celebração de con-
são, em regime de gestão associada com trato de programa com entidade pública
ente não consorciado, ou ainda mediante de ente consorciado, observando as con-
autorização, quando se tratar de associa- dições estabelecidas no protocolo de in-
ção ou cooperativas de usuários. tenções e nos contratos de programas ce-
lebrados entre o consórcio e cada um dos
Prestação indireta mediante municípios, bem como as disposições do
concessão ou permissão art. 13 da Lei 11.107/2005 e do art. 31 do
Decreto 6.017/2007. Este arranjo admite
A delegação da prestação integral do três hipóteses de delegação da prestação
serviço a terceiros ou de parte dele, pelo dos serviços pelo consórcio:
consórcio, pode ser feita mediante con-
cessão comum ou permissão, regidas • delegação a uma entidade pública (au-
pela Lei 8.987/1995 (Lei de Concessões) tarquia) pertencente à administração
ou, no âmbito da parceria público-priva- indireta de um dos entes consorciados;
da (PPP), mediante concessão adminis- • delegação a uma entidade pública (au-
trativa ou patrocinada regida pela Lei tarquia) pertencente à administração
11.079/2004. Em todos os casos, sempre indireta de ente da Federação não inte-
precedida de licitação pública. grante do consórcio, neste caso autori-
O contrato de concessão ou permissão é zada por meio de convênio de coopera-
celebrado entre o consórcio e o prestador ção celebrado com o consórcio ou com
ou prestadores selecionados, e poderão cada ente consorciado;
ser celebrados contratos individuais pa- • delegação a uma empresa pública inter-
ra cada município consorciado e/ou para municipal, constituída por todos ou
cada serviço transferido pelo mesmo, ou por parte dos municípios consorciados.

508
PRESTAÇÃO INDIRETA OU PRESTAÇÃO DELEGADA DOS SERVIÇOS

Prestação indireta serviço em seus territórios, quando in-


mediante autorização viável a participação ou criação de con-
sórcio para o mesmo fim.
Desde que previsto no protocolo de inten- Observa-se, no entanto, que a contro-
ções, o consórcio também poderá delegar versa Lei nº 14.026, de 2020, incluiu o
a prestação integral ou parcial de serviços §8º ao art. 13 da Lei nº 11.107, de 2005,
que lhe forem transferidos a associações vedando a formalização de novos con-
comunitárias ou cooperativas de usuá- tratos de programa para a prestação de
rios em localidades de pequeno porte e serviços públicos e saneamento básico.
em determinados condomínios imobiliá- No entanto, em claro conflito com essa
rios. A delegação se processará mediante norma, a mesma lei incluiu o §1º ao art.
ato de autorização aprovado pela assem- 8º da Lei nº 11.445, de 2007, confirman-
bleia geral do consórcio e a celebração de do a possibilidade de gestão associada
contrato ou administrativo ou de termo desses serviços por meio de consórcio
de parceria, conforme o art. 116 da Lei nº público ou por convênio de cooperação
8.666, de 1993 ou a Lei nº 9.790, de 1999. entre entes da Federação, inclusive a
O convênio de cooperação entre muni- sua prestação, porém, sem especificar o
cípios próximos, para a prestação indire- respectivo instrumento de outorga ou
ta do serviço por entidade pública (autar- de delegação e restringindo a referida
quia) pertencente a um deles, pode ser so- vedação de formalização de contrato de
lução técnica e econômica mais racional, programa apenas com sociedade de eco-
eficiente e adequada para a viabilidade e nomia mista ou empresa pública de ente
sustentabilidade técnica e econômica do consorciado ou conveniado.

Referências bibliográficas

BRASIL. Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. Dispõe sobre o regime de concessão


e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição
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Acesso em: 7 fev. 2020.
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Ato2004-2006/2005/Lei/L11107.htm. Acesso em: 14 ago. 2020.
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saneamento básico. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
2010/2007/lei/l11445.htm. Acesso em: 14 ago. 2020.
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em: https://www.mdr.gov.br/images/stories/ArquivosSNSA/Arquivos_PDF/Coleta-
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ASSIS, J. B. L.; LIMA, U. M. Regulação, fiscalização e sustentabilidade sob a ótica dos
diretos dos usuários dos serviços de Saneamento Básico. In: CORDEIRO, B. S. (co-

509
EIXO 8 - GESTÃO DO SANEAMENTO

ord.). Prestação dos serviços públicos de saneamento básico. (Lei Nacional de Sa-
neamento Básico: perspectivas para as políticas e gestão dos serviços públicos, v. 3).
Brasília: MCidades, 2009. Disponível em: https://web.bndes.gov.br/bib/jspui/bits-
tream/1408/2161/1/Lei%20nacional%20de%20saneamento%20basico_Livro%20
III_P_BD.pdf.

Para saber mais

DI PIETRO, M. S. Z. Direito administrativo. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2007.


MELLO, C. A. B. de. Curso de direito administrativo. 27. ed. São Paulo: Malheiros,
2010.
CUNHA, D. Administração Pública: uma visão ampla da administração pública direta
e indireta. Jusbrasil, 26 ago. 2014. Disponível em: https://douglascr.jusbrasil.com.
br/artigos/135764506/administracao-publica-uma-visao-ampla-da-administracao-
-publica-direta-e-indireta. Acesso em: 12 set. 2019.
PEIXOTO, J. B. (org.). Criação e estruturação de serviços municipais e intermunici-
pais de saneamento básico. Brasília: Funasa; Assemae, 2017.

Autoria deste verbete

João Batista Peixoto. Economista, pós-graduado em Administração Financeira e Con-


tábil pela Fundação Getulio Vargas em São Paulo (FGV-SP). Consultor independente
em gestão de serviços de saneamento básico.

P
PRESTAÇÃO INTEGRADA DOS SERVIÇOS

A prestação integrada dos serviços de sa- imediatos, combinados com a ausência, até
neamento básico caracteriza-se quando a o passado recente, de uma política nacional
prestação de dois um mais serviços for rea- efetiva de Saneamento Básico e do seu pla-
lizada por um único prestador. Tal inte- nejamento induziram a que fosse prioriza-
gração gera economia de escala das estru- da a organização da prestação isolada des-
turas e atividades administrativas e técni- ses serviços, situação que perdura até hoje.
cas, com significativa redução dos custos No cenário atual da gestão dos servi-
consolidados desses serviços. A prestação ços de saneamento básico, revelado pelos
integrada também facilita e racionaliza o diagnósticos anuais do Sistema nacional
planejamento e a regulação dos serviços. de Informações sobre o Saneamento Bási-
O nível de essencialidade e a premência co (SNIS), indica que a maioria dos muni-
de solução dos problemas sanitários mais cípios prestam os serviços de limpeza ur-

510
PRESTAÇÃO INTEGRADA DOS SERVIÇOS

bana e manejo de resíduos sólidos de for- vidades fins, visto que, quanto maiores
ma isolada, enquanto menos de 10% dos forem as áreas urbanas do município, re-
municípios prestam de forma integrada querem estruturas e atividades operacio-
os quatro serviços de saneamento básico. nais mais específicas para cada serviço.
Da mesma fonte estima-se que em pouco Para os municípios de menor porte,
mais de 40% dos municípios existe pres- os ganhos de escala ocorrem em níveis
tação integrada dos serviços de abasteci- significativos, e inversamente crescentes,
mento de água e esgotamento sanitário. em termos relativos, em todas as ativida-
des meios e fins, pois permite maior com-
Correlações partilhamento dos recursos humanos e
materiais e das atividades operacionais.
O conjunto dos municípios onde ocorre a
prestação integrada pelo menos dos ser- Sustentabilidade financeira
viços de abastecimento de água e esgota-
mento sanitário e de manejo de resíduos Nem todos os municípios têm política de
sólidos inclui localidades de pequeno, cobrança pela disposição e prestação dos
médio e grande portes, indicando que serviços de manejo de resíduos sólidos e,
a racionalidade e a viabilidade da pres- entre os que cobram, são raros aqueles em
tação integrada destes serviços não têm que a receita obtida é suficiente para cobrir
correlação com esta variável e sim com os seus custos. As economias obtidas com
a eficiente organização, estruturação e a integração, juntamente com uma ade-
gestão dos serviços, inclusive a regula- quada política de cobrança pela disposição
ção, e com a existência de adequada polí- e prestação dos serviços, possibilitam me-
tica de cobrança. lhorar as condições de sua sustentabilida-
Geralmente são mais perceptíveis os de econômico-financeira (ver p. 685).
elementos integradores da prestação dos Os ganhos de escala obtidos podem ser
serviços de abastecimento de água e de aproveitados para diversas finalidades, nos
esgotamento sanitários, tanto do ponto aspectos econômicos e sociais, tais como:
de vista gerencial administrativo e téc- P
nico como do ponto de vista operacional • reduzir o custo agregado dos serviços
e estrutural. No entanto, são significati- e seu reflexo na modicidade das tarifas
vos os ganhos consolidados para o mu- e taxas;
nicípio com a integração desses serviços • melhorar as condições de viabilidade e
com os de limpeza urbana e manejo de sustentabilidade dos serviços;
resíduos sólidos. • promover uma política de subsídios
Para os municípios de maior porte, e de acesso dos cidadãos aos serviços
os ganhos de escala normalmente são mais justa e flexível;
mais significativos nas atividades meios • acelerar as metas de universalização e/
(administração geral, gestão comercial e ou de melhoria da gestão.
financeira) e nas atividades de apoio téc-
nico (estudos e projetos, almoxarifado, Os diagnósticos do SNIS mostram tam-
oficinas eletromecânicas etc.), e menos bém que, mesmo em número não muito
representativos e decrescentes nas ati- expressivo, a prestação integrada de dois

511
EIXO 8 - GESTÃO DO SANEAMENTO

ou mais serviços de saneamento básico Embora ainda seja praticamente ine-


tem melhores resultados quando organi- xistente a prestação integrada dos ser-
zada sob as formas de autarquia e de em- viços de saneamento básico por meio de
presa municipal, particularmente nos consórcio público, esta pode se conver-
municípios de maior porte, visto que re- ter na forma mais racional e eficiente de
quer estrutura administrativa e operacio- organização para a prestação integrada
nal mais complexa e especializada, além destes serviços, em todos os aspectos da
de maior autonomia para o planejamento gestão, constituindo-se em solução apro-
e para a gestão administrativa e finan- priada para o alcance e a manutenção das
ceira (ver Prestação direta dos serviços, condições de viabilidade e de sustentabi-
p. 504, e Prestação indireta ou prestação lidade técnica, econômica, ambiental e
delegada dos serviços, p. 507). social para todos os municípios.

Referências bibliográficas

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para o saneamento básico, cria o Comitê Interministerial de Saneamento Básico.
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Para saber mais

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512
PRESTAÇÃO REGIONALIZADA DOS SERVIÇOS

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e da gestão dos serviços públicos de Saneamento Básico. Brasília: MCidades, 2009.
(Lei Nacional de Saneamento Básico: perspectivas para as políticas e gestão dos ser-
viços públicos, v. 1). p. 147-162. Disponível em: https://www.mdr.gov.br/images/sto-
ries/ArquivosSNSA/Arquivos_PDF/Coletanea_Lei11445_Livro1_Final.pdf.
PEIXOTO, J. B. (org.). Criação e estruturação de serviços municipais e intermunici-
pais de saneamento básico. Brasília: Funasa; Assemae, 2017.

Autoria deste verbete

João Batista Peixoto. Economista, pós-graduado em Administração Financeira e Con-


tábil pela Fundação Getulio Vargas em São Paulo (FGV-SP). Consultor independente
em gestão de serviços de saneamento básico.

P
PRESTAÇÃO REGIONALIZADA DOS SERVIÇOS

O conceito de prestação regionalizada No entanto, o conceito de prestação re-


de serviços de saneamento básico tem gionalizada admitido pela Lei 11.445/2007
origem em experiências internacionais, (artigos 2º, XIV; 3º, VI; 24) foi alargado
como as da Itália e da França, na orga- para abarcar a forma como a organização
nização dos municípios em diferentes da prestação dos serviços de saneamento
formatos de instituições públicas de básico evoluiu e consolidou-se no Brasil.
cooperação intermunicipal (consórcio, Esse processo levou à forte centralização
sindicato, associação), com base em de- da prestação dos serviços de abastecimen- P
terminadas características territoriais to de água e esgotamento sanitário por
regionais (bacia hidrográfica, província, empresas estaduais, promovida na era do
região administrativa, conurbação etc.) Plano Nacional de Saneamento (Planasa),
para a gestão conjunta desses serviços, incluindo a forma atual de atuação predo-
especialmente a prestação. minante das referidas empresas, que desde
Este conceito é o que fundamenta o então passou a ser formalizada por meio de
modelo de gestão associada previsto no convênio de cooperação e a celebração indi-
artigo 241 da Constituição Federal bra- vidualizada de contrato de programa com
sileira e as normas legais estabelecidas os municípios em que atuam.
pela Lei 11.107/2005, para a criação de A alteração do art. 3º da Lei nº 11.445,
consórcio público ou a celebração de con- de 2007, pela Lei nº 14.026, de 2020, es-
vênios de cooperação para a prestação de tendeu a caracterização da prestação re-
serviços públicos municipais de interes- gionalizada de serviços de saneamento
se comum de forma regionalizada. básico quando estruturada em:

513
EIXO 8 - GESTÃO DO SANEAMENTO

• região metropolitana, aglomeração ur- os contratos de cada município observem


bana ou microrregião, instituídas pe- normas e critérios uniformes de regula-
los Estados mediante lei complemen- ção e de fiscalização dos serviços, inclusive
tar, de acordo com o § 3º do art. 25 da as normas de remuneração da prestação,
Constituição Federal; entre elas a política e o regime tarifário
• unidade regional de saneamento bási- e a política de subsídios e/ou contrapresta-
co instituída pelos Estados mediante ção a cargo dos municípios contratantes,
lei ordinária, constituída pelo agru- nos casos de serviços remunerados por ta-
pamento de Municípios não necessa- xas ou contratados em regime de parceria
riamente limítrofes, para atender ade- público-privada (PPP).
quadamente às exigências de higiene e Portanto, não se caracteriza como pres-
saúde pública, ou para dar viabilidade tação regionalizada quando um prestador
econômica e técnica aos Municípios (público, estatal ou privado) for contratado
menos favorecidos; ou por vários municípios dispersos em dife-
• bloco de referência constituído por rentes regiões, ou quando, sendo da mesma
agrupamento de Municípios não ne- região, as regras contratuais da prestação
cessariamente limítrofes, estabelecido sejam diferentes, ou os respectivos planos
pela União nos termos do § 3º do art. de saneamento sejam incompatíveis, inclu-
52 da Lei nº 11.445, de 2007, e formal- sive se o prestador for consórcio público.
mente criado por meio de gestão asso-
ciada voluntária dos titulares. Diferentes perfis de prestador

Condições O prestador regionalizado dos serviços


pode ser qualquer órgão ou entidade pú-
Este entendimento se deduz da inter- blica, inclusive consórcio público, constitu-
pretação da referida lei, cujo regula- ídos para este fim, contratados em regime
mento (Decreto 7.217/2010) assim de- de gestão associada, por meio de contratos
fine resumidamente o conceito de pres- de programa. Pode ser também qualquer
tação regionalizada: “aquela em que um empresa privada ou de capital público ou
único prestador atende a dois ou mais misto, contratada em regime de conces-
titulares, com uniformidade de fiscali- são, inclusive nas modalidades de PPP.
zação e regulação dos serviços, inclusi- A contratação pode ser feita individu-
ve de sua remuneração, e com compati- almente por cada município integrante
bilidade de planejamento”. da prestação regionalizada, ou coletiva-
Verifica-se então que, embora não restri- mente, por meio de consórcio público que
tiva, a prestação regionalizada caracteriza- represente todos os municípios contra-
-se quando existe um só prestador contra- tantes, mediante contratos de programa
tado simultaneamente, de forma isolada ou de concessão, que observem uniformi-
ou coletiva, por vários municípios de uma dade da regulação e compatibilidade do
determinada região, mesmo que não sejam planejamento dos serviços.
contíguos. Mas esta condição não basta. É Por suposto, a uniformidade de regula-
necessário que haja compatibilidade en- ção e fiscalização que caracteriza a pres-
tre os planos de Saneamento Básico e que tação regionalizada só pode ser garantida

514
PRESTAÇÃO REGIONALIZADA DOS SERVIÇOS

se estas funções forem exercidas por um (ver Agência reguladora, regulação e seus
só ente regulador, que pode ser: entida- fundamentos, p. 32).
de reguladora de ente da Federação a que Do mesmo modo, a compatibilidade
cada titular tenha delegado o exercício do planejamento dos serviços pressupõe
dessas competências por meio de convê- a elaboração dos planos municipais de
nio de cooperação; ou consórcio público Saneamento Básico de forma conjunta e
de direito público integrado pelos titula- considerando o âmbito regional da pres-
res dos serviços e instituído para este fim tação dos serviços.

Referências bibliográficas

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para o saneamento básico, cria o Comitê Interministerial de Saneamento Básico.
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L11445.htm. Acesso em: 14 ago. 2020.
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tação de consórcios públicos. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
Ato2004-2006/2005/Lei/L11107.htm. Acesso em: 14 ago. 2020.
BRASIL. Decreto nº 7.217, de 21 de junho de 2010. Regulamenta a Lei nº 11.445, de 5 de
janeiro de 2007, que estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico. Disponí-
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tão Associada de Serviços Públicos de Saneamento Básico. PMSS. Brasília, 7 de
novembro de 2006.

Para saber mais

BRITTO, A. L. Gestão regionalizada e consórcios públicos: perspectivas para coopera-


ção intermunicipal e gestão integrada das águas em áreas metropolitanas. In: COR-
DEIRO, B. S. (coord.). Instrumentos das políticas e da gestão dos serviços públicos
de Saneamento Básico. Brasília: MCidades, 2009. (Lei Nacional de Saneamento Bá-
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Disponível em: https://www.mdr.gov.br/images/stories/ArquivosSNSA/Arquivos_
PDF/Coletanea_Lei11445_Livro1_Final.pdf.

515
EIXO T - TEMAS TRANSVERSAIS

MONTENEGRO, M. H. Potencialidade da regionalização da gestão dos serviços públi-


cos de Saneamento Básico. In: CORDEIRO, B. S. (coord.). Instrumentos das políticas
e da gestão dos serviços públicos de Saneamento Básico. Brasília: MCidades, 2009.
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PEIXOTO, J. B. (org.). Criação e estruturação de serviços municipais e intermunici-
pais de saneamento básico. Brasília: Funasa; Assemae, 2017.

Autoria deste verbete

João Batista Peixoto. Economista, pós-graduado em Administração Financeira e Con-


tábil pela Fundação Getulio Vargas em São Paulo (FGV-SP). Consultor independente
em gestão de serviços de saneamento básico.

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PRIVATIZAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE SANEAMENTO
BÁSICO NO BRASIL E A ONDA NEOLIBERAL RADICALIZADA
 

Em 1996, no auge do receituário do Con- tor a seu atraso intelectual, dados a atu-
senso de Washington, José Saramago alidade e o reconhecimento de seu legado
(1922-2010) proclamou a sua indigna- à literatura mundial contemporânea. Po-
ção em relação ao processo agressivo de-se, então, arguir que tal insensatez de-
de privatização de empresas estatais e ve-se à sua pouca intimidade com temas
serviços públicos na América Latina: que mais se relacionam a um debate téc-
“Privatize-se Machu Picchu, privatize-se nico e econômico. Ora, ao final, Saramago
Chan Chan, privatize-se a Capela Sistina, mais se aproximava das letras e da poesia
[...] privatize-se a cordilheira dos Andes, do que do mundo dos negócios. Perdoai-o
privatize-se tudo, privatize-se o mar e o porque ele não sabia o que dizia.
céu, privatize-se a água e o ar, privatize-se O debate sobre a privatização dos
a justiça e a lei, privatize-se a nuvem que serviços públicos é permeado de es-
passa, privatize-se o sonho, sobretudo se tratégias que buscam desqualificar o
for o diurno e de olhos abertos. E finalmen- interlocutor atribuindo suas posições a
te, para florão e remate de tanto privatizar, rompantes românticos, a devaneios utó-
privatizem-se os Estados, entregue-se por picos, a falta de conhecimento técnico-
uma vez a exploração deles a empresas pri- -econômico e, por fim, a meras opções
vadas, mediante concurso internacional”.1 político-ideológicas. Assim, a desquali-
Não se pode atribuir essa declaração a ficação é um mecanismo usual para en-
um rompante juvenil por parte do escri- cerrar o debate e simplificá-lo.

516
PRIVATIZAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE SANEAMENTO BÁSICO
E A ONDA NEOLIBERAL RADICALIZADA

Pensamento único no saneamento Diz respeito à estrutura social e ao mode-


lo de desenvolvimento socioeconômico e
Engendrada pelo filósofo e economista ambiental. Enfim, diz respeito ao projeto
Francis Fukuyama e disseminada pelos político de sociedade. Sim, refere-se ao
neoliberais após o esgotamento do pac- debate sobre interesses privados diante
to da social-democracia do pós-guerra dos interesses e direitos da coletividade,
e do fracasso do socialismo real, a tese do bem comum. Diz respeito aos ganhos
do pensamento único chega no deba- éticos civilizatórios em torno dos direi-
te sobre a privatização dos serviços, o tos humanos, como direito à vida digna,
que inclui os de saneamento básico. à moradia e, recentemente, os direitos hu-
Constrói-se, com forte apoio da mídia, manos à água e ao esgotamento sanitário
o consenso na sociedade de que a resis- (Dhaes – ver p. 205), estes últimos final-
tência à privatização envolve questões mente reconhecidos pela ONU em 2010.
puramente político-ideológicas. Disse- Assim, como anuncia Saramago, não
mina-se a ideia de que não importa se é possível deixar de enfrentar a questão
o serviço é público ou privado, mas se o político-ideológica de fundo no debate
serviço é bem prestado. Afirma-se que sobre a privatização de serviços públicos
o Estado não tem dinheiro e que, as- como os de saneamento básico, que por
sim, a parceria com o privado é a única sua natureza devem estar em mãos pú-
alternativa. Proclama-se que basta uma blicas, como a educação, a saúde e a
forte regulação por parte do Estado e água, dada a sua essencialidade à vida
uma boa modelagem do negócio para se e à emancipação humana.
garantir bons serviços. Nessa discussão é importante demar-
O historiador Perry Anderson, já nos car que no capitalismo avançado e fi-
anos 1990, afirmava que a maior obra do nanceirizado a fronteira entre o públi-
neoliberalismo foi produzir o consenso na co e o privado fica cada vez mais tênue.
sociedade, “disseminando a simples ideia Não que no Estado da seguridade social
de que não há alternativas para os seus ou do bem-estar social engendrado no
princípios”.2 Nada de estranho para as te- pós-guerra não houvesse tais relações. P
ses de Poulantzas e Gramsci, para os quais Lá, como hoje, o papel do Estado é sal-
a manutenção da ordem social envolve a vaguardar a produção, reprodução e va-
produção do consenso e a legitimação do lorização do capital.
poder e dos projetos políticos dos grupos A questão é que hoje o regime de acu-
hegemônicos. Então, proclama-se: não há mulação e o modo de regulação altera-
diferença entre público e o privado, o que ram-se substancialmente se comparados
há é apenas um debate político-ideológico. aos anos 40 a 60. Ontem políticas nacio-
Sim, o que há é um debate sobre o papel nalistas, pleno emprego, promoção do
do Estado no pós-fordismo e o lugar das consumo de massa e políticas de seguri-
políticas públicas e sociais. É um debate dade social universalistas para manter
recorrente sobre justiça e direitos sociais o crescimento econômico e os ganhos
nas sociedades avançadas. É um debate so- do capital. Com a crise dos anos 70, a
bre os processos de acumulação e distri- internacionalização do capital e a re-
buição da riqueza socialmente produzida. estruturação produtiva, o Estado passa

517
EIXO T - TEMAS TRANSVERSAIS

a assumir cada vez mais a regulação e a Nesse momento, as políticas sociais do


produzir substantivas modificações nas período fordista, imprescindíveis para
relações de trabalho e no seu papel nas garantir a solução keynesiana do consu-
políticas sociais, modificações estas que mo de massa, a proteção do trabalho e a
se aprofundam com a crise de 2008. valorização do capital, agora podem ser
também submetidas à lógica pura deste, o
“Parcerias” com as corporações que as leva à condição de mercadoria. As-
sim, é que a previdência social vem sen-
Antes pacto entre capital e trabalho, do desmontada e as relações de trabalho
agora pactos, “parcerias”, com as gran- vêm sendo precarizadas. Retomam-se os
des corporações, que, como nunca an- níveis de desemprego, ao passo que saú-
tes, impõem aos Estados-nação fragi- de e educação passam a ser mercadorias,
lizados suas políticas sustentadas na assim como a prestação dos serviços pú-
financeirização de todas as relações blicos de saneamento básico. Os patrimô-
sociais, apoderando-se cada vez mais nios culturais e naturais também passam
dos gastos públicos com seus mega- a responder às necessidades do capital.
empreendimentos e negócios. Atores
privados assumem o papel mais impor- Outras dimensões
tante na formulação das políticas e na
sua implementação. Atribuições típicas Mas aqui é importante também demar-
do Estado passam para mãos privadas e car que uma análise sobre a privatização
as transnacionais colocam-se à frente não se esgota na questão político-ideo-
do poder estatal. Nesse contexto, como lógica ou do caráter das relações capita-
afirmaram Marx e Engels no final do sé- listas de produção e reprodução. Deve-
culo 20, “tudo que é sólido se desmancha -se aprofundar outras dimensões, como
no ar”. Assim, no capitalismo avançado, a social, a ambiental, a econômica e a
o público e privado são fronteiras a se- político-institucional.
rem removidas. Tais limites tornam-se A despeito da propagada da eficiência do
um mero debate ideológico. setor privado, a experiência internacional
Com a crise do capital de 2008 o re- no campo do saneamento básico demons-
ceituário do Consenso de Washington tra as ineficiências com elevação de tari-
e as políticas de ajuste estrutural são fas, redução da qualidade da prestação
radicalizadas. Como em todas as grandes dos serviços e baixos níveis de investi-
crises, o Estado competitivo (nas palavras mento em novas infraestruturas, o que
de Hirsch) organiza-se para manter a va- tem justificado a retomada dos serviços
lorização do capital. Amplia-se o leque de públicos de água e/ou esgoto em 312 cida-
negócios e suas modalidades.3 A falência des/municípios de 36 países e de resíduos
dos Estados-nação e o acúmulo de riqueza sólidos em 85 cidades de 11 países de dife-
das corporações formam uma confluência rentes continentes do mundo.4, 5
perversa que aponta para a supremacia Também, a propagada de maior imuni-
do capital financeiro sobre o produtivo e dade às influências políticas e baixos níveis
a retirada de direitos sociais, sustentadas de corrupção não se sustenta na realidade,
na débil resistência da sociedade. vide os escândalos de corrupção do grupo

518
PRIVATIZAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE SANEAMENTO BÁSICO
E A ONDA NEOLIBERAL RADICALIZADA

Vivendi na França e a promiscuidade ro à contratada, na época Foz do Brasil/


entre homens de negócios e dos governos, Odebrecht Ambiental, hoje BRK Ambien-
o que inclui a dança das cadeiras, ambas tal – a contraprestação do serviço é as-
questões reveladas no documentário Wa- segurada pelo direcionamento dos paga-
ter Makes Money. No Brasil, o assédio das mentos dos usuários adimplentes direta-
empresas junto aos governos torna-se mente para a conta bancária da empresa.
uma prática. É oferecido um conjunto de Dessa forma, além de ganhar mais pela
“vantagens” aos gestores a partir de pro- prestação dos serviços, a empresa privada
postas que nem chegam a ser estudadas e tem assegurado o seu faturamento sem
avaliadas responsavelmente, já que estão riscos. Outra questão do ente regulador é
submetidas ao mantra mágico de que o que, não só no Brasil como no mundo, a
privado é melhor que o público. regulação e suas instâncias estão subme-
tidas aos interesses do capital e, longe de
Questões político-institucionais dispor de autonomia, estão sob a égide do
largo poder das corporações, que inclusi-
No campo político-institucional dois ve influenciam suas normas, o ritmo e o
pontos merecem destaque. O primeiro alcance de suas ações e a definição de seu
diz respeito à regulação. O discurso da corpo diretivo.
defesa da participação privada é que o Outra questão relacionada à dimen-
ente regulador, autônomo política e fi- são político-institucional diz respeito ao
nanceiramente, vai salvaguardar os inte- nível de adesão dos projetos e contratos
resses públicos (ver Agência reguladora, às políticas setoriais que, em geral, le-
regulação e seus fundamentos – p. 32). varam décadas para serem formuladas
A questão é que não basta dispor de um e conquistadas pela sociedade. No caso
ente regulador para assegurar bons con- da saúde, por exemplo, até que ponto os
tratos. Os contratos já são concebidos contratos de PPP respondem aos precei-
para garantir a rentabilidade do capital e tos constitucionais do direito de todos
controlar os riscos associados ao negócio, à saúde, esta entendida como um con-
via de regra sob forte financiamento dos junto de ações de prevenção, proteção P
bancos públicos, a despeito da proclama- e promoção da saúde? O que se observa
da falta de recursos. hoje na atuação da iniciativa privada na
Assim é que na Região Metropolita- saúde é o fortalecimento do complexo
na do Recife, a parceria público-privada médico-hospitalar de assistência in-
(PPP) para a prestação dos serviços públi- dividual em detrimento das ações de
cos de esgotamento sanitário, realizada promoção à saúde e prevenção de enfer-
pela empresa estadual de água e esgoto midades. No campo da educação, área
e garantida com recursos do BNDES, ex- reconhecida como de alta lucratividade,
cluiu a periferia da cidade do Recife, de- o que se vê avançar são conglomerados
tentora do maior déficit.  Também a PPP monopolistas que tem transformado a
da empresa estadual de água e esgoto da educação em uma mera mercadoria. No
Bahia para a implantação e operação do campo do saneamento básico, princí-
Sistema de Disposição Oceânica do Ja- pios que conformam o que hoje pode-se
guaribe assegurou, via contrato, risco ze- chamar do ideário da política pública da

519
EIXO T - TEMAS TRANSVERSAIS

área, presentes na Lei Nacional de Sa- social. Sobre esse ponto diversos exem-
neamento Básico de 2007 (LNSB) e no plos podem ser citados. O primeiro e o
Plano Nacional de Saneamento Básico mais emblemático foi o de Cochabamba,
(Plansab), serão duramente fragilizados na Bolívia, onde a empresa norte-ame-
com a participação privada na prestação ricana Bechtel promoveu aumentos de
dos serviços. O saneamento básico na tarifas tão significativos que excluiu os
visão neoliberal e privatista será defini- mais vulnerabilizados do acesso aos ser-
tivamente uma obra de infraestrutura viços públicos de abastecimento de água,
e um serviço a ser prestado aos clientes gerando uma revolta social que veio a ser
capazes de pagar. conhecida como a Guerra da Água (ver
A visão recentemente construída do Conflitos por água – p. 127).
saneamento básico como direito, como No Brasil, a crise hídrica de São Pau-
uma obra social, ou dito de outra forma, lo foi gestada, entre outros fatores, pela
o saneamento promocional,6 que nem falta de investimentos em infraestrutura
sequer se conseguiu praticar, está fada- em contraposição à garantia dos dividen-
da a uma imagem difusa e irrealizável. dos dos acionistas, já que a Companhia
Assim, a universalidade, a integralida- de Saneamento Básico do Estado de São
de e a intersetorialidade serão princí- Paulo (Sabesp) abriu seu capital e hoje o
pios de difícil realização nesse cenário. estado detém apenas 50,3% das ações.
Também, a utilização de tecnologias O segundo ponto que merece desta-
apropriadas às realidades sociais será que na dimensão social relaciona-se ao
um mero deleite de projetos demons- controle social (ver p. 156), um pilar da
tração. Os esforços para a preservação LNSB. Diante dos processos de fragiliza-
de mananciais que exigem políticas in- ção dos movimentos sociais e de esquerda
tegradas e intersetoriais no campo do no Brasil, somados à pouca permeabilida-
desenvolvimento urbano, do desenvolvi- de e à resistência das empresas privadas
mento agrário, da gestão das águas e do aos processos participativos autônomos e
meio ambiente estarão fadadas à margi- críticos, o que se espera são recuos subs-
nalidade e à fragmentação, condição em tantivos nos mecanismos de controle so-
que já se encontram. cial recentemente conquistados na LNSB
e ainda nem postos em prática.
Desigualdade, exclusão e
falta de controle social Radicalização conservadora

Ainda considerando as diversas dimen- Diante do exposto, a promoção da parti-


sões da análise chega-se à social. Dois cipação privada nos serviços públicos de
pontos merecem destaque: um deles diz saneamento básico responde à lógica do
respeito à desigualdade e à exclusão. capitalismo avançado que assume no Bra-
Certamente, um modelo de prestação sil contornos altamente conservadores,
de serviços que se assenta na lógica da o que se poderia chamar de um neolibe-
eficiência econômica e da lucratividade ralismo conservador radical de direita.
do capital não vai responder a outras Assim, a proposta do governo Temer,
lógicas como a da justiça e da inclusão anunciada no documento Uma Ponte para

520
PRIVATIZAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE SANEAMENTO BÁSICO
E A ONDA NEOLIBERAL RADICALIZADA

o Futuro, nada mais foi do que a radicali- o monopólio privado do abastecimen-


zação do projeto neoliberal que já vinha to de água e esgotamento sanitário no
sendo colocado em prática desde o go- país. Essa lei resultou do Projeto de Lei
verno do presidente José Sarney (1985- 4.162/2019, aprovado no Senado Federal
1990); que tomou mais força no primeiro em plena pandemia da COVID-19, em ju-
governo do presidente Fernando Henri- nho de 2020, depois de três tentativas de
que Cardoso (1995-1998); e que ganhou renovar as regras da área de saneamento
segurança institucional e jurídica nos go- básico em um período de 15 meses (ver
vernos de Lula e Dilma (2003-2016). Política federal para o saneamento básico,
No governo Temer (2016-2018), o tom p. 473, e Lei 11.445/2007 e a aprovação
agressivo apresentado para a área de sa- da Lei 14.026/2020, p. 339).
neamento básico no país cristaliza-se Caberá, nesse cenário, à sociedade bra-
com a Lei 13.334/2016, que cria o Progra- sileira, aos profissionais e aos militantes
ma de Parcerias de Investimentos (PPI), do saneamento básico criar as condições
e com o anúncio do programa de conces- políticas e sociais para a resistência
sões proposto pela União para a área de a esta nova investida ultraneoliberal
saneamento básico, iniciado nos estados que colocará em risco a universaliza-
de Alagoas, Amapá, Rio de Janeiro e ção do saneamento básico no Brasil. A
Acre.7 Essa linha radicaliza-se mais ainda água, direito humano essencial, não é
no atual governo com a Lei 14.026/2020, mercadoria e nem pode ser tratada como
que desconfigura a Lei 11.445/2007, de- um ativo financeiro!
sestrutura a política vigente e institui

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521
EIXO 8 - GESTÃO DO SANEAMENTO

Para saber mais

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tion.org/front/page/home.
KISHIMOTO, S.; PETITJEAN, O. La recuperación de los servicios públicos: cómo ciu-
dades y ciudadanía estánescribiendo el futuro de los servicios públicos. Ámsterdam;
París: TNI; Observatorio de las Multinacionales; AK; Fsesp-Epsu; ISF; ISP-PSI; Psiru;
We Own It; Fagforbundet; MSP; SCFP-Cupe. Disponível em: https://ondasbrasil.
org//wp-content/uploads/2019/07/livro-La-recuperaci%C3%B3n-de-los-servicios-
p%C3%BAblicos.pdf.

Autoria deste verbete

Patrícia Campos Borja. Engenheira sanitarista e ambiental, doutora em Arquitetura


e Urbanismo. Professora associada e pesquisadora do Departamento de Engenharia
Ambiental da Escola Politécnica da Ufba.

Luiz Roberto Santos Moraes. Engenheiro civil, sanitarista e de Segurança do Trabalho,


doutor em Saúde Ambiental. Professor titular em Saneamento (aposentado) e partici-
pante especial (voluntário) da Universidade Federal da Bahia (Ufba).

P
PROFISSIONAIS DO SANEAMENTO

O mundo do trabalho na área de sanea- operadores/as de redes e estações múlti-


mento é diverso e heterogêneo. Os pro- plas de tratamento de esgoto ou resíduos
fissionais têm características muito di- sólidos e técnicos/as em biologia/informá-
ferentes, o que contribui para alcançar o tica/educação e mobilização social, dentre
objetivo comum, que é o de bem prestar vários outros profissionais.
um serviço essencial à saúde pública e ao Não há uma formação específica pa-
meio ambiente no geral. Neste universo ra os profissionais do saneamento. Há
temos engenheiros e engenheiras, garis, muitos cursos técnicos e superiores, mas

522
PROFISSIONAIS DO SANEAMENTO

sempre com um determinado viés focado ou ressignificadas, assimilando a cha-


em uma área de atuação. mada “cultura de Gabriela” – como na
No âmbito da formação dos engenhei- canção: “Eu nasci assim, eu cresci assim/
ros e engenheiras, a Resolução 2, de 24 de Eu sou mesmo assim...”. Isso comprome-
abril de 2019 institui as diretrizes curri- te uma reflexão sobre o modo de fazer ou
culares para os cursos de engenharia.1 O o modo de pensar os desafios que o dia a
texto introduz vários aspectos que, se dia impõe 4.
forem observados na íntegra, poderão Segundo a Secretaria Nacional de Sa-
formar um profissional mais generalis- neamento, o universo do saneamento
ta, integrado ao mundo que o rodeia e era assim constituído em meados da dé-
compreendendo que a engenharia é uma cada de 2000:
ferramenta que pode servir ao bem co-
mum, melhorando a vida das pessoas e • Água e esgoto: 194.075 trabalhadores
respeitando o meio ambiente e as outras diretos;
espécies, sem perder o foco nem reduzir • Resíduos sólidos: 315.700 trabalhado-
sua competência técnica específica. res diretos;
Autores destacam a necessidade de su- • Participação da despesa com pessoal to-
perar, nas escolas em geral e na engenha- tal nas despesas de exploração: 59,8 %.
ria em particular, o modelo oficina-esco-
la/escola-oficina. A educação profissional Isto indica o tamanho do problema que
não pode ser fragmentada, improvisada, temos para falar de um universo tão amplo
e deve levar em conta a formação peda- e tão diverso, com cerca de meio milhão de
gógica. É fundamental “estabelecer a di- trabalhadores diretos à época da pesquisa.
ferença entre ensinar práticas e ensinar
os saberes sobre essas práticas”.2 Capacitação necessária

Diagnóstico Considerando as mudanças que o proces-


so de trabalho experimenta neste novo
Na década de 1990, um diagnóstico reali- século, os profissionais de saneamento P
zado pelo Programa de Modernização do requerem uma capacitação profissio-
Setor Saneamento (PMSS), depois aper- nal continuada. Ela deve consistir num
feiçoado quando da criação do Ministério programa efetivo e eficaz voltado aos
das Cidades e da Secretaria Nacional de prestadores de serviços, com recursos e
Saneamento Ambiental, nos anos 2004- estratégias a curto, médio e longo prazo6.
2007, percebeu esta diversidade no mun- conforme reafirmou o Plano Nacional de
do do saneamento.3 Saneamento, revisto em 2019,7 em uma
Os profissionais do saneamento en- de suas ações.
contram dificuldades cotidianas pela Segundo o texto do Plansab, “Ações
falta de experiência ou de formação pro- estruturantes de capacitação e assistência
fissional prévia para o desempenho de técnica: serão concebidas para o aporte de
suas funções, fazendo com que a maioria assistência técnica para gestores e prestado-
adote a prática institucional com os ví- res e incluirá um programa nacional de capa-
cios inerentes às rotinas não recicladas citação, nos moldes da ReCesa, adotando-se

523
EIXO T - TEMAS TRANSVERSAIS

como referência a concepção pedagógica de- fissionais do saneamento requer maior


senvolvida no âmbito da referida rede e como qualificação, tanto na dimensão técni-
público alvo o universo de trabalhadores que ca propriamente dita, quanto também
atuam nos serviços de saneamento, indepen- e obrigatoriamente na dimensão ética,
dente do nível de escolaridade.” Ações, es- social, do trabalho em equipe diversa,
sas, ainda não implementadas. e, principalmente, que implique apren-
É fundamental ressaltar o caráter mul- der a aprender.
tiprofissional e transdisciplinar desse É fundamental, ainda, que esses pro-
agente que, ao agir ou deixar de agir, po- fissionais estejam aptos a ouvir os usuá-
de ampliar ou reduzir problemas ligados rios dos serviços e apreender as práticas
a outras áreas, como o desenvolvimento historicamente utilizadas por estes para
regional, urbano ou rural, os recursos hí- suprir suas demandas (ver Tecnologia
dricos, o meio ambiente e a saúde pública. social – p. 717). Essa escuta permite re-
As ações de saneamento deveriam construir conjuntamente os serviços, se
ter, por força de sua natureza, integra- e quando for o caso, sem imposição de
lidade nos serviços, intersetorialidade técnicas que podem ser avançadas po-
nas políticas e planejamento partici- rém impróprias para tal lugar ou tais
pativo. Para isso, a formação dos pro- condições físicas e sociais objetivas.

Referências bibliográficas

MEC. Resolução nº 2, de 24 de abril de 2019. Disponível em: http://www.in.gov.br/web/


dou/-/resolu%C3%87%C3%83o-n%C2%BA-2-de-24-de-abril-de-2019-85344528.
CHIODI FREITAS, I. C. ; MENEZES, A. B. S. ; OLIVEIRA, F. G. ; PINTO, T. D. C. Capa-
citação de trabalhadores como estratégia para melhoria dos serviços de saneamento.
In: CONGRESSO INTERAMERICANO DE ENGENHARIA SANITÁRIA E AMBIEN-
TAL, 33, 2012, Salvador.
MCIDADES. Estudo sobre capacitação em Saneamento Ambiental: identificação e
qualificação da oferta e da demanda. Relatório consolidado. PMSS. Brasília: MCida-
des, 2005.
FREITAS, I. C. C.; LOBATO, L. C. S. ReCesa – Rede nacional de capacitação e extensão
tecnológica em saneamento ambiental. Relatório final de atividades, organização e
elaboração. Brasília: MCidades, jun. 2009.
MDR. Sistema Nacional de Informações em Saneamento (SNIS). Disponível em: ht-
tp://www.snis.gov.br.
GALVÃO, E. A.; GALVÃO, A. K. A. Capacitação profissional na área de saneamento bá-
sico. In: Rezende, S. C. (org.). Cadernos temáticos para o panorama do saneamento
básico no Brasil. Versão preliminar. Brasília: MCidades, 2011. p. 529-560. (Panora-
ma do Saneamento Básico no Brasil, v. 7).
MDR. Plano Nacional de Saneamento Básico – PLANSAB, mais saúde, qualidade de
vida e cidadania. Página web do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR).
Disponível em: https://www.mdr.gov.br/saneamento/plansab/texto-do-plansab.
Acesso em: 13 maio 2020.

524
PROGRAMA NACIONAL DE SANEAMENTO RURAL (PNSR)

Para saber mais

Links com conteúdo para capacitação profissional:

http://abes-es.org.br/wp-content/uploads/2018/03/Apostila-ReCesa.pdf
http://www.dec.uem.br/mbr/Saneamento%20IV/aterro/aterro_sanitario.pdf.
http://www.crea-mg.org.br/images/cartilhas/Plano-de-gestao-de-residuos-solidos-
-urbanos.pdf

Autoria deste verbete

Izabel Cristina Chiodi de Freitas. Especialista em Saúde Pública pela Fundação Oswal-
do Cruz (Fiocruz). Engenheira civil pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

P
PROGRAMA NACIONAL DE SANEAMENTO RURAL (PNSR)

Antecedentes e histórico do do século 21, com a criação da Secretaria


processo de formulação Nacional de Saneamento Ambiental (SN-
SA), órgão encarregado de fazer emergir
O Programa Nacional de Saneamento as bases da política nacional.
Rural (PNSR) foi lançado em dezembro de A SNSA coordenou o amplo debate que
2019, por meio da Portaria 3.174/2019 do resultou em um pacto intersetorial, le-
Ministério da Saúde, quando passou a ser vando áreas ligadas ao saneamento, como
denominado Programa Saneamento Bra- as de saúde e meio ambiente, a organiza- P
sil Rural (PSBR). Sob coordenação da Fun- rem uma pauta comum, capaz de refletir
dação Nacional de Saúde (Funasa), “tem a as demandas sociais do país. Fruto dessa
finalidade de articular e incrementar as articulação legitimada pelo Congresso
ações que visem à universalização do aces- Nacional em 2007, a Lei 11.4452 é a peça
so ao saneamento básico em áreas rurais e central da política instituída, por estar
comunidades tradicionais” (artigo 1º).1 em sintonia com perspectivas de gestão
O conteúdo do PNSR, dividido em no- instrumentalizadas por estruturas de
ve capítulos, agrega conceitos e métodos planejamento, regulação, fiscalização,
necessários à sua composição, e temas prestação e controle social, pautadas em
essenciais à concepção, à formulação e princípios de direitos sociais.
à gestão do saneamento básico para as A materialização de novas ideias para
áreas rurais do Brasil. O programa reflete o saneamento se deu em um ambiente
marcos referenciais definidos em um pro- de apropriação, pelos governos e pela
cesso que se iniciou nos primeiros anos sociedade, de conceitos como os de uni-

525
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

versalização, integralidade, equidade e go e construção coletiva, assumindo, as-


sustentabilidade, que, em meio a outros sim, o desafio de se realizar articulações
princípios constituídos na Lei, nortearam interinstitucionais e multidisciplinares
o Plano Nacional de Saneamento Bási- desde a etapa de formulação.1
co (Plansab).3 Trata-se da primeira ação Neste sentido, a incorporação do Gru-
concreta de planejamento da política de po da Terra (colegiado que compunha
saneamento em âmbito nacional e impul- a estrutura do Ministério da Saúde à
sionou a criação de um programa nacional época da formulação do PNSR) à equipe
em atenção às demandas de saneamento de acompanhamento da formulação do
das áreas rurais, reconhecendo-as como PNSR, foi fundamental para a mobiliza-
de responsabilidade do poder público, ção e articulação de representantes de
único ente capaz de garantir que os pres- diversas organizações sociais e de movi-
supostos da universalização, com equida- mentos do campo, floresta e águas, moti-
de e integralidade, sejam alcançados. vando a participação nas oficinas, deba-
Em 2014, após a aprovação do Plansab, tes e consultas públicas realizados.
e a partir de suas diretrizes para o sa- Além do objetivo de proporcionar diálo-
neamento rural, a Funasa iniciou o pro- gos entre diversos atores e debater ampla-
cesso de planejamento do PNSR. No ano mente as questões relativas ao saneamen-
seguinte, foi estabelecida parceria com to rural, procurou-se reconhecer as par-
a Universidade Federal de Minas Gerais ticularidades regionais das populações e
(UFMG), e foram iniciados os estudos territórios rurais, a partir da realização de
que resultariam na formulação do pro- uma série de oficinas. A oficina nacional,
grama, incluindo a análise situacional do realizada em dezembro de 2016, concen-
saneamento rural no país e as propostas trou esforços na formulação das diretri-
de diretrizes para os três eixos definidos zes e estratégias para os componentes do
– Tecnologia, Gestão e Educação e Partici- saneamento rural. As oficinas regionais,
pação Social – e das metas e investimen- ocorridas entre abril e julho de 2017, nas
tos necessários, assim como a proposição cinco macrorregiões do país, proporcio-
da gestão do programa. naram intensa troca de saberes técnicos
Desde o início do processo de concep- e populares entre os diversos atores en-
ção do PNSR entendeu-se a necessidade volvidos, com destaque para representan-
de se levar o debate para além da esfera tes de órgãos públicos das três esferas de
governamental, buscando tanto a apro- governo (municipal, estadual e federal),
ximação com as instituições de pesquisa de instituições de ensino e pesquisa e da
em políticas públicas de saneamento co- sociedade civil organizada. Ao final do
mo a abertura à participação da socieda- processo de formulação, em setembro de
de civil, com destaque aos representan- 2018, foi realizado um seminário nacio-
tes das populações do campo, da floresta nal para apresentação e discussão da ver-
e das águas (ver p. 499). Considerou-se, são preliminar do programa, e lançamen-
portanto, a relevância de se abranger os to da consulta pública.
diversos atores envolvidos nas questões Destaca-se também a realização de 17
de saneamento rural, garantindo-lhes estudos de campo (15 em áreas rurais
ampla participação nos espaços de diálo- e dois em terras indígenas), nas diver-

526
PROGRAMA NACIONAL DE SANEAMENTO RURAL (PNSR)

sas macrorregiões e biomas brasileiros, ção desigual do poder público no territó-


abrangendo vários tipos de populações rio e marcada pela priorização de centros
– quilombolas, ribeirinhos, assentados e urbanos em detrimento de áreas rurais e
extrativistas, dentre outras. Considera- periferias urbanas.
-se que a tradução da situação sanitária A classificação adotada pelo PNSR re-
dessas comunidades, por meio do olhar sultou em quatro categorias de ruralida-
qualitativo, possibilitou uma compre- de. A primeira agregou setores censitários
ensão mais apurada da realidade, que a urbanos de baixa densidade demográfica
mera análise de dados secundários pro- a setores rurais considerados de extensão
venientes de pesquisas nacionais não urbana, que passaram a compor o grupo
permitiria alcançar. intitulado Aglomerações próximas do urba-
Os resultados do processo de formula- no, composto de 9.945.562 habitantes re-
ção do PNSR são representados pela Série sidindo em 2.957.204 domicílios. Outras
PNSR, que conta com material de subsí- três categorias foram criadas: Aglomera-
dio à formulação do programa, pela Me- ções mais adensadas isoladas, caracteriza-
mória do PNSR, que detalha elementos das por setores censitários originalmente
estruturantes utilizados em sua constru- definidos como urbanos pelo IBGE, que
ção, e pelo Documento Central, que reúne agregavam 1.291.422 habitantes residen-
os principais conteúdos e compreende a tes em 381.233 domicílios; Aglomerações
sequência de temas tratados a seguir. menos adensadas isoladas, que reuniam
4.558.856 habitantes em 1.210.558 do-
As ruralidades para o saneamento micílios dispostos no território de forma
integrada, mas em situação de maior dis-
Ao considerar as peculiaridades inerentes persão e menor adensamento; e Sem aglo-
aos distintos modos de vida das popula- merações, com domicílios relativamente
ções rurais, o PNSR assumiu como essen- próximos de aglomerações ou isolados,
cial a discussão dos conceitos de “rural” correspondendo a 24.118.575 habitantes
e “ruralidade”. O primeiro representa em 6.643.101 domicílios.
um dado território; o segundo o qualifi- De acordo com a classificação ado- P
ca, revelando suas múltiplas dimensões tada pelo PNSR são consideradas
e significados. As nuances percebidas por 39.914.415 pessoas residindo em áreas
meio da visão de distintas ruralidades rurais no Brasil (21% do total), número
possibilitaram a identificação das varia- significativamente superior ao definido
das demandas, configuradas não apenas pelo IBGE no Censo Demográfico de 2010,
pela clássica distribuição dos domicílios cerca de 29,54 milhões de habitantes
segundo respectivas formas de atendi- (15,57% do total).
mento: individual ou coletivo.
O estudo que redefiniu o rural reclas- Análise situacional
sificou os setores censitários do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IB- A análise situacional de atendimento e
GE), do Censo Demográfico de 2010, pau- déficit e da atuação dos principais ór-
tando-se na realidade sanitária do país, gãos do governo federal em saneamento
historicamente determinada pela atua- rural no Brasil é apresentada por meio

527
EIXO T - TEMAS TRANSVERSAIS

de informações que tratam os quatro possuem situação sanitária menos pre-


componentes do saneamento básico na cária do que a encontrada em domicílios
perspectiva quantitativa – aspectos re- distribuídos de forma dispersa no terri-
lativos ao atendimento segundo diferen- tório, sendo a precariedade tanto maior
tes ruralidades, macrorregiões, biomas e quanto maior é essa dispersão.
atributos demográficos – e na qualitati- De maneira análoga, encontram-se em
va – aspectos captados em 17 localidades desvantagem as macrorregiões Norte e
situadas em distintos lugares do País, Nordeste do País, bem como os respecti-
considerando peculiaridades em suas vos biomas que nelas predominam, Caa-
diferentes formas de se relacionar com tinga, Cerrado e Amazônia. Quando se vis-
o ambiente em que vivem e entre si, des- lumbram os aspectos demográficos, como
tacando-se suas especificidades no que a cor da pele, o sexo e a escolaridade do
concerne à cultura e aos fatores socioe- (da) chefe de domicílio, é patente a maior
conômicos que tendem a influenciar as precariedade em domicílios chefiados por
respectivas situações sanitárias. pessoas negras, de baixa escolaridade e do
Os resultados revelados mostram desi- sexo feminino. Em síntese, pode-se fazer
gualdades de diversas naturezas no aten- um paralelo entre as condições adversas
dimento à população rural. A começar de saneamento e a pobreza estrutural que
pelas disparidades existentes no atendi- atinge os referidos grupos populacionais.
mento segundo os quatro componentes
do saneamento básico. Os dados do Cen- Eixos estratégicos
so Demográfico de 2010 mostram que o
abastecimento de água é a ação prioriza- Os eixos estratégicos do PNSR configu-
da pelo poder público nas áreas rurais do ram um tripé que se apoia em ações vin-
Brasil, onde cerca de 41% da população culadas à tecnologia, gestão e educação e
conta com atendimento adequado.4 O participação social, sem o estabelecimen-
mesmo não ocorre com o esgotamento to de hierarquia, em termos de relevância.
sanitário e o manejo de resíduos sóli- São orientados por diretrizes e estraté-
dos, que, de acordo com a mesma fonte gias articuladas aos marcos referenciais
de dados, apresentam déficits bastantes do programa. A tecnologia representa as
significativos, respectivamente, 79,4% e medidas estruturais, aquelas que resul-
76,1%. Sobre o manejo de águas pluviais tam em obras físicas ou infraestruturas,
é difícil alcançar valores que permitam enquanto a gestão, a educação e a parti-
uma interpretação ideal do déficit, por se cipação social abrangem um conjunto de
tratar de uma ação pouco abrangida pelas ações intituladas medidas estruturan-
fontes de dados oficiais. tes, às quais se atribui o sucesso das es-
Também há particularidades no que truturais, tanto em seu estabelecimento
diz respeito ao atendimento segundo quanto na perenidade.
as distintas ruralidades. A despeito de A gestão dos serviços prevê a atuação
ainda receberem pouca atenção do poder dos diversos atores locais, seja em ope-
público, domicílios situados nas áreas ru- rações rotineiras, seja em ações de maior
rais mais próximas dos centros urbanos e complexidade, buscando maior ade-
em aglomerações de maior adensamento rência às peculiaridades intrínsecas às

528
PROGRAMA NACIONAL DE SANEAMENTO RURAL (PNSR)

distintas demandas. Está ancorada em sua visão de futuro, calcada na redução


princípios que buscam a sustentabilida- do déficit e na ampliação da equidade no
de e a perenidade das ações, por meio da atendimento, para que a universalização
conjugação de esforços de usuários, ope- possa ser vislumbrada em um momento
radores locais, gestores técnicos, admi- posterior ao horizonte do PNSR.
nistrativos e públicos. A caracterização do déficit, a composi-
O eixo da tecnologia abrange matri- ção de matrizes tecnológicas e de estru-
zes de soluções individuais e coletivas turas de gestão, educação e participação
para o abastecimento de água, o esgota- social, assim como a fixação de metas
mento sanitário, o manejo dos resíduos de curto, médio e longo prazos, fomen-
sólidos e o manejo das águas pluviais. taram o desenvolvimento do estudo das
Essas matrizes compõem-se de técni- necessidades de investimento em sanea-
cas capazes de fomentar o atendimen- mento rural no Brasil, na perspectiva do
to adequado da população, levando em PNSR. Ao se identificarem as demandas
conta as suas especificidades. existentes, relativas ao abastecimento de
A educação pressupõe requisitos for- água, ao esgotamento sanitário, ao ma-
mais (garantidos a partir da inserção es- nejo dos resíduos sólidos e ao manejo das
colar), não formais (obtidos por intermé- águas pluviais, foram previstas medidas
dio de cursos de capacitação e treinamen- estruturais por meio de um modelo de
tos) e informais (próprios das relações cálculo orientado por ações de expansão
interpessoais cotidianas) para a sensibili- de infraestruturas e sua reposição nes-
zação de usuários e técnicos, habilitando- ses diferentes tempos. Até o último ano
-os a assumirem determinadas posturas do horizonte do PNSR, 2038, deverão ser
indispensáveis ao bom funcionamento investidos R$ 179,53 bilhões em medidas
das técnicas e à efetividade da gestão. estruturais, o que representará 82% do
A participação social, por sua vez, é total, e R$ 39,41 bilhões em medidas es-
uma importante aliada da educação por truturantes. O investimento total previs-
estabelecer uma base para que a popu- to até o ano de 2038, em medidas estru-
lação compreenda seu importante papel turais e estruturantes, deverá alcançar P
no âmbito da gestão, ao mesmo tempo R$ 218,94 bilhões.
assumindo conduta proativa diante das
ações, no sentido de comprometer-se Gestão do programa
com elas, na medida da sua capacidade,
e de cobrar do poder público a sua A gestão do programa foi proposta con-
implementação e manutenção. siderando os diversos atores envolvidos,
com diferentes interesses, recursos, com-
Metas e necessidade petências e papéis, o que demanda uma
de investimentos complexa coordenação que abrange as
atividades de planejamento, implemen-
As metas de curto, médio e longo prazos tação, acompanhamento e monitora-
do PNSR refletem as metas do Plansab, mento das ações.
considerando-se que o programa resulta A coordenação do programa é de res-
de pressupostos assumidos no Plano e na ponsabilidade do Ministério da Saúde,

529
EIXO T - TEMAS TRANSVERSAIS

por meio da Funasa, e ocorrerá a partir da territórios, a partir de articulações, par-


criação de novas instâncias e instrumen- cerias e apoios, reconhecendo possibili-
tos de coordenação, como a instituição dades de aprendizados conjuntos.
de fóruns nos níveis federal e estadual e Após a formulação do PNSR, despontam
a constituição de salas de situação para como desafios a implementação, o monito-
acompanhamento das ações. ramento e a avaliação do programa, consi-
Um dos desafios para a gestão do PNSR derando sua necessária articulação com os
refere-se à ausência ou fragilidade de da- demais entes federados. Trata-se de abor-
dos e informações sobre o saneamento dagem recente para o setor, de pouca atu-
nas áreas rurais, o que faz atividade im- ação estruturada na área de saneamento
prescindível o estímulo à implantação do rural, inclusive pelos estados e municípios.
Sistema Nacional de Informações em Sa- Nesse sentido, o PNSR buscará pro-
neamento Básico (Sinisa). mover a incorporação de suas diretrizes
e estratégias nos planos de Saneamento
Experiências identificadas Básico, ou seja, nas políticas estaduais
pelo Programa e proposta e municipais, identificando também as
dos Jardins do PNSR atividades e responsabilidades para im-
plementação do programa em nível local.
Na etapa de formulação foram identi- Dentre as diretrizes e estratégias
ficadas diversas iniciativas e soluções apontadas no PNSR, destaca-se a de
tecnológicas, de gestão e de educação “Estimular a integração entre os planos
e participação social em saneamento municipais e estaduais de saneamento
rural existentes nas regiões do Brasil. básico e demais planejamentos seto-
Denominadas como “Jardins do PNSR”, riais, fortalecendo uma visão integrada,
essas experiências práticas, com seus a partir das necessidades dos territó-
êxitos e dificuldades, compartilham de rios, com ênfase no rural”.1
diretrizes e estratégias preconizadas É necessário, pois, que o planejamento
pelo programa. da política de saneamento no âmbito
A partir da sua implementação, o PNSR municipal garanta que as demandas das
pretende também potencializar e mul- áreas rurais sejam debatidas e devida-
tiplicar as experiências existentes nos mente contempladas.

Referências bibliográficas

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2019. Disponível em: http://www.funasa.gov.br/documents/20182/38564/MNL_
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cionais para o saneamento básico, cria o Comitê Interministerial de Saneamen-
to Básico. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/_Ato2007-
2010/2007/Lei/L11445.htm.
3. MCIDADES. Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab). Brasília: MCidades,
2013. Disponível em: https://www.cidades.gov.br/images/stories/ArquivosSNSA/

530
PROJEÇÃO POPULACIONAL

Arquivos_PDF/plansab_06-12-2013.pdf.
4. IBGE. Censo Demográfico 2010. Rio de Janeiro: IBGE, 2010. Disponível em: http://
www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/default.shtm. Acesso em:
15 jul. 2017.

Para saber mais

ENAP. Formulação Participativa do Programa Nacional de Saneamento Rural. In:


Ações premiadas no 22º Concurso Inovação no Setor Público 2017. Brasília: Enap,
2019. p. 205 a 224. Disponível em: https://repositorio.enap.gov.br/handle/1/4140.
FUNASA. Funasa lança Programa Saneamento Brasil Rural. Página web da
Fundação Nacional de Saúde (Funasa). Funasa, 2019. http://www.fu-
nasa.gov.br/web/g uest/ home/-/asset _publisher/ihdKjCvMf50A /content/
governo-federal-lanca-programa-saneamento-brasil-rural.

Autoria deste verbete

Sonaly Rezende. Engenheira civil, mestre em Saneamento pela Universidade Federal


de Minas Gerais (UFMG), doutora em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e
Planejamento Regional (Cedeplar) da UFMG. Professora do Departamento de Enge-
nharia Sanitária e Ambiental (Desa) e do Programa de Pós Graduação em Saneamento,
Meio Ambiente e Recursos Hídricos (SMARH) da UFMG.

Juliana de Senzi Zancul. Mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São


Paulo (USP), especialista em Direito Sanitário pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Analista de Infraestrutura com atuação na Fundação Nacional de Saúde (Funasa), na
Coordenação de Saneamento em Áreas Rurais e Comunidades Tradicionais (Cosar), do
Departamento de Engenharia de Saúde Pública (Densp).
P

P
PROJEÇÃO POPULACIONAL

Projeções populacionais podem ser defi- composição e no crescimento de uma da-


nidas como cálculos que mostram o desen- da população, ao longo do tempo.
volvimento futuro da população a partir Mudanças no tamanho e na composi-
da adoção de certos pressupostos sobre o ção da população (ver p. 495) apresentam,
curso futuro da fecundidade, da morta- por sua vez, fortes implicações sociais,
lidade e da migração.1, 2 As projeções, as- econômicas, ambientais e políticas, e,
sim, permitem a análise das implicações por essa razão, diversos tipos de projeção
dessas três componentes no tamanho, na são usualmente produzidos (por domi-

531
EIXO 3 - LEITURA DEMOGRÁFICA DO TERRITÓRIO

cílio, por níveis educacionais, renda e mente são utilizadas metodologias que
mercado de trabalho, entre outras). Isso utilizam grande quantidade de cenários
faz das projeções uma das técnicas demo- alternativos para explorar as incertezas
gráficas mais utilizadas tanto no setor dos resultados ambientais, e as proje-
público como no setor privado.1-7 ções correspondem a variáveis externas
No setor público, as projeções atuam na aos modelos, em geral relacionadas à de-
antecipação das mais variadas demandas manda futura por consumo de alimentos,
dos governos, como nas áreas da saúde de energia ou de serviços, e apresentam
e do envelhecimento populacional, da grandes horizontes temporais e diversos
educação, do saneamento, ou mesmo do cenários possíveis.4, 5
potencial social, e, de um modo geral, no
planejamento do impacto econômico e Variáveis
ambiental. No setor privado, o foco prin-
cipal é no marketing comercial e na esti- As projeções populacionais diferem so-
mação do tamanho potencial de merca- bremaneira na cobertura geográfica e no
dos futuros, a partir de projeções de indi- horizonte temporal. Dimensões espa-
cadores socioeconômicos, como renda e ciais abrangem desde áreas locais (como
consumo, e por local de residência.1-3, 5,-7 cidades) e população de pequenas áreas,
Projeções podem, ainda, ser utilizadas cuja tendência é de um menor horizonte
para a análise dos determinantes da mu- temporal de projeção, até escalas agrega-
dança populacional, ou seja, da mudança das, como países, no qual o horizonte po-
no comportamento das componentes de se estender por décadas. Por sua vez,
demográficas, como é o caso de estudos essas projeções de longo prazo são elabo-
sobre a identificação do crescimento (ver radas por um número limitado de vari-
p. 172) e da composição da população áveis, não raro o conjunto da população
resultantes da manutenção das taxas de desagregado por idade e sexo.
fecundidade e mortalidade correntes, ou Já nas populações de pequenas áreas,
da incorporação de um determinado tipo costuma-se avaliar outras características,
ou fluxo de migração. Por outro lado, são como composição educacional e da força
comuns estudos que analisam quais se- de trabalho, tipo de domicílio ou residên-
riam as taxas de fecundidade, mortalida- cia urbana, bem como variáveis sintomá-
de e migração necessárias para se alcançar ticas da mudança populacional, tais como
uma população de determinado tamanho, imagens de satélite, dados de matrícula
num dado intervalo de tempo.4, 7 escolar, número de eleitores etc.
Ainda há casos em que a variável po- Os riscos de estimação das projeções
pulação corresponde apenas a uma com- aumentam quanto menor a área e quan-
ponente de análises mais amplas, como to maior o intervalo temporal, na medida
a mudança climática, a degradação de em que imprevistos como mudanças na
ecossistemas ou, no caso do saneamento fecundidade e a ocorrência de fluxos mi-
básico, projeções para a análise da taxa gratórios tendem a produzir comporta-
de atendimento do serviço de saneamen- mentos diferenciados entre as hipóteses
to, bem como a capacidade de suporte de estabelecidas (população projetada) e a
infraestrutura. Nesses casos, normal- população observada no futuro.5

532
PROJEÇÃO POPULACIONAL

Dentre os principais órgãos que pro- cas) como para a projeção de populações
duzem projeções no Brasil, destacam- de áreas menores, ou mais desagregadas.
-se: o Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE), que divulga proje- Método a escolher
ções para o país, unidades federativas
e municípios; a Fundação Sistema Es- Na literatura acadêmica não há um con-
tadual de Análise de Dados Estatísti- senso sobre um método de projeção
cos (Seade), que disponibiliza projeções específico que possa ser considerado
para os municípios para o estado de São sistematicamente superior aos demais.
Paulo; o Centro de Desenvolvimento e Assim, a escolha do método dependerá
Planejamento Regional (Cedeplar) da da disponibilidade e da qualidade dos da-
Universidade Federal de Minas Gerais dos, da unidade de análise, do período de
(UFMG) e o Departamento de Demo- projeção, dos objetivos que se pretende
grafia e Ciências Atuariais (DDCA) da alcançar, do perfil da área a ser projetada,
Universidade Federal do Rio Grande do da relação da área projetada com condi-
Norte (UFRN), que, esporadicamente, cionantes (econômicos ou não) do cres-
publicam projeções para o país, unida- cimento populacional, e de todos esses
des federativas e municípios. elementos associados à análise do custo e
Os erros nas projeções aumentam da dificuldade de aplicação.4, 5, 7
sistematicamente com o aumento do in- Nenhum método de projeção, não im-
tervalo de projeção, com o tamanho da porta quão complexo e sofisticados se-
população projetada e com o nível de de- jam, é capaz de melhorar a acurácia das
senvolvimento do país ou região. Contu- projeções, dadas as incertezas quanto
do, as projeções foram se tornando mais ao comportamento futuro da população.
acuradas conforme melhoraram os da- Métodos simples como os de extrapola-
dos dos censos demográficos (ver p. 88) ção proveem o mesmo nível de incerteza
dos países em desenvolvimento, espe- sobre o futuro da população, especial-
cialmente na definição das estimativas mente em intervalos mais curtos de tem-
iniciais das componentes demográficas. po e para projeções da população total.2 P
Ademais, mudanças no comportamento Métodos de extrapolação e métodos
das componentes decorrentes da tran- baseados em razão necessitam apenas
sição demográfica em diferentes países de dados da população total, para dois
contribuíram para a redução dos erros pontos no tempo, ou um ponto no tempo.
nas estimativas ao longo do tempo. 3 Já os modelos mais complexos requerem
Além dos avanços na definição dos dados de nascimentos, óbitos e migra-
pressupostos acerca das transformações ção, e da composição demográfica da po-
no comportamento das componentes pulação. Modelos de sistemas urbanos
demográficas, a contínua melhoria na demandam informações com caráter es-
qualidade dos registros ou estatísticas pacial, como rede de transportes, áreas
vitais permitiu o desenvolvimento de no- livres, zoneamento urbano, imagens de
vos métodos de projeção, tanto voltados satélite, dentre outros.
para a projeção da população por subgru- Ou seja, os modelos mais complexos li-
pos (ou por características socioeconômi- dam com uma quantidade ainda maior de

533
EIXO 3 - LEITURA DEMOGRÁFICA DO TERRITÓRIO

variáveis, aumentando a dificuldade na lise de prognóstico quanto à utilização de


precisão das estimativas. Eis a importân- possíveis novos mananciais para abaste-
cia de se buscar sempre a precisão nos es- cimento futuro, bem como as possibilida-
tudos de projeção a partir de modelos que des mais prováveis de implementação.8
levam em consideração um número maior Para o suporte ao desenvolvimento de
de variáveis e indicadores socioeconômi- políticas municipais de saneamento bási-
cos, sem deixar de lado a perspectiva dos co é possível utilizar metodologias de pro-
modelos mais simples, cujos resultados jeção populacional aplicadas pelo IBGE,
costumam não diferir em muito dos mo- e para estudos mais desagregados, caso
delos complexos, especialmente em pe- sejam necessários nos territórios do mu-
quenos horizontes temporais e quando a nicípio, pode-se usar métodos de projeção
população é analisada em sua totalidade.2 específicos a populações de pequenas áre-
as, por meio do uso de informações sinto-
No saneamento máticas do crescimento populacional, tais
como dados de matrícula escolar, número
No contexto do saneamento, projeções de de eleitores, dados de registro imobiliário
população têm o potencial de fornecer in- (como cadastros multifinalitários), ima-
sumos para o planejamento, como a aná- gens de satélite, dentre outros.

Referências bibliográficas

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ington: US Government Printing Office, 1973. Disponível em: https://www.science-
direct.com/book/9780126411508/the-methods-and-materials-of-demography.
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tions: methodology and analysis. New York; Boston; Dordrecht; London; Moscow:
Kluwer Academic Publishers, 2002. Disponível em: https://link.springer.com/
book/10.1007/0-306-47372-0.
3. BONGAARTS, J.; BULATAO, R. A. Beyond six billion: forecasting the world’s
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ulation, Commission on Behavioral and Social Sciences and Education, Nation-
al Research Council, 2000. Disponível em: https://www.nap.edu/catalog/9828/
beyond-six-billion-forecasting-the-worlds-population.
4. GEORGE, M. V.; SMITH, S. K.; SWANSON, D. A.; TAYMAN, J. Population projec-
tions. In: SIEGEL, J. S.; SWANSON, D. A. (org.) The methods and materials of de-
mography. San Diego: Elsevier Academic Press, 2004. p. 561-602.
5. O’NEILL, B. C.; BALK, D.; BRICKMAN, M.; EZRA, M. A guide to global population
projections. Demographic Research, Rostock, v. 4, n. 8, p. 203-288, jun. 2001. Dis-
ponível em: https://www.demographic-research.org/volumes/vol4/8/4-8.pdf.
6. PRESTON, S. H.; HEUVELINE, P.; GUILLOT, M. Demography: measuring and mod-
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7. UN. Manuals on methods of estimating population: manual III – methods for pop-
ulation projections by sex and age. Population Studies, n. 25. New York: UN, 1956.

534
PROJETO DOS SISTEMAS DE DRENAGEM DE ÁGUAS PLUVIAIS

Disponível em: https://www.un.org/en/development/desa/population/publica-


tions/pdf/manuals/projections/manual3/chapter2.pdf.
8. FUNASA. Termo de Referência para Elaboração de Plano Municipal de Sa-
neamento Básico. Brasília: Funasa, 2018. Disponível em: http://www.fu-
nasa.gov.br/documents/20182/23919/TR _PMSB _Rev isado_marco_ 2018.
pdf/17b783a9-84a0-429c-b52d-1edd849d07ba.

Autoria deste verbete

José Irineu Rangel Rigotti. Doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e


Planejamento Regional (Cedeplar), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Professor associado do Cedeplar.

Járvis Campos. Doutor em Demografia pelo Cedeplar/UFMG. Professor adjunto do


Departamento de Demografia e Ciências Atuariais (DDCA) da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte (UFRN).

P
PROJETO DOS SISTEMAS DE DRENAGEM DE ÁGUAS PLUVIAIS

O sistema de drenagem público é compos- existem dois sistemas independentes: o


to principalmente pelas guias das calçadas, sistema de esgotamento sanitário e o sis-
sarjetas, bocas de lobo, redes, canais e ga- tema de drenagem. Esse tipo de sistema é
lerias, além de reservatórios de amorteci- chamado de separador absoluto.
mento. Não há norma nacional para pro- Existem ainda em algumas localida- P
jetos de drenagem, assim cada município des sistemas únicos, que são chamados
tem suas próprias normas e critérios. O de sistemas mistos, mas esse tipo de
projeto dos sistemas públicos de drenagem sistema não tem sido mais implantado
pluvial deve ser realizado em conjunto com (ver Sistemas de drenagem das águas
outros projetos de infraestrutura, sobre- pluviais – p. 650).
tudo os projetos do sistema viário.
As águas que chegam aos sistemas pú- Contexto rural
blicos de drenagem são provenientes das
ligações das áreas particulares e públicas, Nas áreas rurais, a existência de muitas
além da água que escoa sobre os passeios superfícies permeáveis e vegetadas possibi-
e o sistema viário, composto pelas ruas, lita a infiltração do excesso de escoamento
avenidas e outras vias. Deve-se reforçar superficial proveniente das áreas imperme-
que as águas pluviais e os esgotos sani- abilizadas. Além disso, a menor densidade
tários não devem se misturar, para isso demográfica permite que a infraestrutura

535
EIXO 7 - MANEJO DE ÁGUAS PLUVIAIS

de drenagem seja mais simplificada, com- Projetos dos sistemas


parativamente às áreas urbanas. de microdrenagem
Em geral, o sistema viário nas áreas ru-
rais é composto por vias em terra com o Os projetos dos sistemas de microdrena-
adequado abaulamento, sarjetas em terra gem têm como base o projeto geométri-
e bacias de contenção de cheias em locais co do sistema viário, que deve mostrar a
onde o escoamento superficial tiver volu- configuração final do sistema viário pro-
me superior à capacidade de infiltração jetado, em planta e perfil. A partir dele
das áreas adjacentes. Tais bacias de con- são delimitadas as áreas de contribuição
tenção de cheias ou bacias de acumula- para a drenagem e se define a concepção
ção consistem em estruturas com a fina- do projeto de microdrenagem, o cami-
lidade de armazenar o escoamento super- nhamento das redes e seu lançamento no
ficial que será posteriormente infiltrado. sistema de macrodrenagem.
Para projetar os sistemas de drenagem
Fases de projeto é necessário estimar a vazão que será es-
coada por eles. Essa vazão depende da su-
Geralmente, os projetos de dispositivos de perfície de contribuição bem como do seu
drenagem ou de qualquer infraestrutura uso e de sua ocupação, que influenciarão
de engenharia seguem três fases: o ante- qual parcela da precipitação se transfor-
projeto, que consiste dos estudos de viabi- ma em escoamento superficial. O estudo
lidade e alternativas, definindo a configu- das vazões de escoamento em projetos de
ração geral da obra; o projeto básico, que drenagem se chama estudo hidrológico.
apresenta elementos para caracterizar a Além da definição das áreas de contribui-
obra e possibilitar a avaliação do seu custo ção, a estimativa da vazão de escoamento
e a definição dos métodos e prazo de exe- depende da chuva de projeto.
cução e; o projeto executivo, que contém Para o estabelecimento da chuva de
o conjunto dos elementos necessários e projeto de uma determinada localidade,
suficientes à execução completa da obra.1 dois parâmetros são de suma importân-
Após a implantação dos projetos men- cia: a duração da chuva e o tempo de
cionados, o as built das estruturas deve retorno. A duração da chuva de projeto
ser elaborado. Esse termo vem do in- para estruturas de drenagem convencio-
glês e significa “como construído”. Ele nal é correspondente à duração que pro-
consiste na representação de todas as voca a maior vazão possível no exutório
estruturas construídas tal como foram (ponto de menor altitude para onde se
executadas. Muitas vezes o que esta- converge todo o escoamento superficial)
va previsto no projeto tem que sofrer da área de drenagem. Assim, sua duração
adaptações durante a obra. O as built é normalmente é igual ao tempo de con-
importante, pois representa a estrutu- centração (ver Vazões de cheia – p. 774)
ra que foi efetivamente construída. Seu da área de drenagem.
conhecimento é fundamental nas opera- Para estruturas de microdrenagem os
ções de manutenção dos sistemas assim tempos de concentração calculados são
como para o planejamento de outras in- muito curtos, da ordem de poucos minu-
tervenções próximas a essas estruturas. tos, de forma que normalmente as mu-

536
PROJETO DOS SISTEMAS DE DRENAGEM DE ÁGUAS PLUVIAIS

nicipalidades preestabelecem valores de que permita à água escoar. O perfil lon-


cinco a dez minutos. O tempo de retorno gitudinal das vias é chamado de greide.
(ver Chuva – p. 92) da precipitação deve Junto à guia do passeio são implantadas
ser escolhido em função do risco de falha as sarjetas, que podem ser em concreto ou
da obra. Como a falha em obras de micro- em paralelepípedo e funcionam como pe-
drenagem acarreta baixos riscos, o tempo quenas canaletas com formato triangular.
de retorno também é estabelecido a priori Sua capacidade de escoamento depende da
e, em geral, varia entre dois e dez anos. sua geometria, do material de revestimen-
De posse da duração da chuva e do pe- to e da sua declividade. A água escoa e à
ríodo de retorno pode-se obter a intensi- medida que a vazão aumenta vai ocupan-
dade da precipitação, por meio de uma do uma largura maior, podendo ultrapas-
equação intensidade-duração-frequên- sar a largura da sarjeta e escoar também
cia (IDF) do local do projeto. As equações em parte da via. No ponto onde a largura
IDF são obtidas por meio de estudos esta- máxima permitida para o escoamento é
tísticos dos dados históricos de precipita- atingida, ou seja, a capacidade máxima de
ção e válidas somente para os postos plu- escoamento da sarjeta é atingida, deve ser
viométricos, ou localidades, para os quais instalada uma caixa de captação (ver Sis-
foram desenvolvidas.2 temas de drenagem – p. 650).

Vazão versus Caixas de captação,


capacidade hidráulica conexões e redes

A chuva de projeto é então transformada As caixas de captação normalmente são


em vazão, a partir de métodos de trans- padronizadas pelas prefeituras e têm sua
formação chuva-vazão.2 A vazão de pro- capacidade de engolimento dependen-
jeto é então confrontada com a capacidade te da sua geometria, configuração e dos
hidráulica de escoamento dos diversos dis- materiais utilizados. Elas devem também
positivos e assim os diversos dispositivos ser instaladas em pontos baixos das vias
são dimensionados, utilizando-se equa- e antes das travessias de pedestres. Sua P
ções clássicas da hidráulica. O escoamen- capacidade de engolimento é também in-
to quase sempre se dá por gravidade. Os fluenciada pela presença de resíduos só-
dispositivos utilizados nos sistemas de lidos e pela declividade do greide da via.
microdrenagem são as sarjetas, caixas de Dali a água vai para o tubo de ligação que
captação, tubos de ligação, poços de visita, vai conduzir a água da caixa até o poço de
caixas de passagem e as redes. visita ou caixa de passagem.
Nas áreas urbanas, as vias pavimenta- As conexões de condutos de drenagem
das devem ter a seção transversal abau- não são diretas. São sempre realizadas por
lada ou ter uma única inclinação longi- meio de caixas. Essas caixas podem ser
tudinal, propiciando o escoamento da poços de visita, que, além de fazer a junção
água em direção às suas laterais, próximo de trechos de rede, permitem acesso à re-
à guia da calçada. Além disso, longitudi- de, com a finalidade de realização de ações
nalmente, as vias nunca devem ser pla- de manutenção. A distância máxima entre
nas – devem ter uma inclinação mínima dois poços de visita depende do diâmetro

537
EIXO 7 - MANEJO DE ÁGUAS PLUVIAIS

da rede e deve ser estabelecida nas normas drenagem e passa a ocorrer nos dispositi-
locais de projeto. Os poços de visita são vos de macrodrenagem. A lógica de pro-
normalmente executados a partir de pro- jeto dos sistemas de macrodrenagem é
jetos padrão, em alvenaria e concreto, com bastante similar à dos dispositivos de mi-
uma tampa em ferro fundido. As caixas de crodrenagem. A grande diferença entre
passagem fazem a conexão entre trechos eles é a concepção. O sistema de micro-
de redes e são também executadas em alve- drenagem é dependente da configuração
naria e concreto. Dos poços de visita ou cai- do sistema viário, enquanto os sistemas
xas de passagem, a água vai para as redes. de macrodrenagem seguem o caminha-
As redes de drenagem são executadas mento dos escoamentos naturais.
sob as vias pavimentadas e têm sua ca- A melhor solução para a macrodrena-
pacidade de escoamento dependente da gem é a do conceito de tratamento de
geometria da seção transversal, do mate- fundo de vale, ou seja, buscar a melhor
rial de revestimento e da sua declividade alternativa para cada local, com a menor
de instalação. A declividade de instala- intervenção possível. Em muitas cida-
ção das redes não pode ser muito peque- des brasileiras encontram-se avenidas
na, para permitir o escoamento mesmo sanitárias, que são canais de macrodre-
quando a vazão é baixa. Essa declividade nagem, normalmente executados em
também não pode ser muito alta, de mo- concreto, com vias de tráfego nas duas
do a evitar que o escoamento atinja velo- margens que servem à implantação de
cidades elevadas que poderiam levar ao infraestrutura de saneamento, inclusive
desgaste do material de revestimento. interceptores de esgoto.
O funcionamento das redes é sempre por Os sistemas de macrodrenagem são
gravidade, com pressão atmosférica. Assim compostos de canais (abertos) e galerias
nunca se considera em projeto a rede com- (subterrâneas). Seu dimensionamento
pletamente ocupada por água, deixando-se depende também de um estudo hidroló-
normalmente uma folga de 20% da altura gico para estabelecimento do hidrogra-
do conduto.3 As redes são normalmente ma ou da vazão de projeto.
executadas com tubos pré-moldados de A primeira etapa do estudo hidrológi-
concreto ou polietileno de alta densidade co é a delimitação da área de contribui-
(Pead). Em locais onde as vazões escoadas ção, que depende da topografia da área
superficialmente são pequenas e a configu- e da configuração da microdrenagem. A
ração territorial permita, pode-se dispensar área de contribuição da macrodrenagem
a implantação de rede de microdrenagem. pode ser muito mais ampla do que a área
Nesses casos o escoamento ocorre pela su- de intervenção e ultrapassar o limite mu-
perfície das vias e sarjetas e é encaminhado nicipal. A partir da delimitação da área de
diretamente para a macrodrenagem. contribuição estima-se o tempo de con-
centração do escoamento. O tempo de re-
Projeto dos sistemas de torno de projeto é estabelecido em função
macrodrenagem do risco e normalmente varia entre 15 e
50 anos, algumas vezes chegando a 100
Quando a área de contribuição aumenta, anos. A partir das equações e da curva
o escoamento não mais se dá pela micro- IDF se obtém a chuva de projeto.3

538
PROJETO DOS SISTEMAS DE DRENAGEM DE ÁGUAS PLUVIAIS

Muitas vezes nos projetos de macro- quação da velocidade e energia do esco-


drenagem necessita-se do hidrograma amento, dispositivos dissipadores de
de projeto (ver Vazões de cheia – ver. p. energia devem ser utilizados.
774) e não somente da vazão máxima
de escoamento, usualmente suficiente Projetos de técnicas
quando se dimensiona os dispositivos de compensatórias de drenagem
microdrenagem. Para a obtenção do hi-
drograma utilizam-se modelos de trans- Muitas municipalidades, com a finali-
formação chuva-vazão que, em geral, se dade de não saturar a infraestrutura de
baseiam nas condições de uso e ocupação drenagem existente e/ou aumentar a
do solo (ver p. 761) da área de drenagem sustentabilidade do manejo das águas
e na precipitação de projeto.2 pluviais, têm estabelecido vazões de res-
trição. Trata-se de vazões de escoamento
Canais e galerias máximas (ou volumes máximos) que po-
dem ser lançadas na rede pública de dre-
O dimensionamento dos canais e gale- nagem. Esses valores limite são normal-
rias depende da sua geometria, materiais mente estabelecidos como a vazão que a
de revestimento e declividade longitudi- área escoaria antes da sua ocupação, ou
nal. As galerias subterrâneas, apesar de seja, com a área permeável.
muito presentes nas áreas urbanas, estão Para atendimento a esses limites, a uti-
caindo em desuso, pois seus impactos nos lização de técnicas compensatórias (ver p.
cursos d’água são muito grandes. Entre- 695) de drenagem é normalmente preco-
tanto, em áreas densamente urbanizadas nizada. Elas também podem ser utiliza-
ainda podem ser utilizadas. Elas são ge- das nos sistemas de drenagem públicos,
ralmente construídas em concreto ou são seja nos sistemas de microdrenagem, co-
tubulações metálicas pré-fabricadas. Os mo técnicas de controle na fonte, seja no
canais, dispositivos abertos, podem ter sistema de macrodrenagem, com o uso de
geometrias e forma bastante variadas, bacias de detenção, por exemplo.
podendo ser construídos em concreto Os projetos das técnicas compensató- P
ou gabiões, com revestimento vegetal ou rias são mais complexos do que os das es-
permanecer em solo. Idealmente os ca- truturas de drenagem convencional, ten-
nais de macrodrenagem devem manter- do em vista sua variedade de tipologias
-se o mais próximo possível às condições e possibilidades de arranjos. Os projetos
naturais do canal, mas intervenções são iniciam-se com o estudo de viabilidade
necessárias quando há modificação nas e alternativas, no qual se define a confi-
vazões que chegam a eles. guração do sistema para em seguida ser
Nos limites das áreas de intervenção realizado o estudo hidrológico, seguido
a macrodrenagem deve ser conectada do dimensionamento.
aos corpos receptores naturais. Para tal O estudo hidrológico para as técnicas
deve-se assegurar que o escoamento não compensatórias tem uma diferença fun-
chegue com grande velocidade e ener- damental em relação aos dos demais siste-
gia, o que poderia gerar erosão no corpo mas: a duração da precipitação que leva à
d’água natural. Com a finalidade de ade- pior situação não é mais igual ao tempo de

539
EIXO 7 - MANEJO DE ÁGUAS PLUVIAIS

concentração da área de contribuição, pois pode definir a priori qual é a duração


a lógica do dimensionamento dos sistemas crítica da precipitação. Várias durações
não é a de que eles sejam capazes de devem ser testadas.
conduzir o escoamento e sim controlá-lo. Assim, passa-se a testar várias chu-
A situação mais crítica para esses sis- vas de projeto com tempo de retorno
temas é aquela que conduz à estrutura pré-definido e várias durações, obtidas
o maior volume de água. Dado que a sa- através da equação IDF local. Obtém-se,
ída de água dos sistemas é controlada, a partir de métodos de transformação
seja por um valor de vazão de restrição chuva-vazão, os hidrogramas de projeto
ou pela infiltração da água do solo, a du- e, por balanço entre os volumes de entra-
ração do evento chuvoso é muito curta da, armazenado e de saída das estrutu-
quando comparada ao tempo de esva- ras, a cada passo de tempo, realiza-se o
ziamento da estrutura. Assim, não se seu dimensionamento.

Referências bibliográficas

1. BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da
Constituição Federal e institui normas para licitações e contratos da Administração
Pública. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm.
2. TUCCI, C. E. M. Hidrologia: ciência e aplicação. 4. ed. Porto Alegre: ABRH, 2012.
3. WILKEN, P. S. Engenharia de drenagem superficial. São Paulo: Cetesb, 1978.

Para saber mais

DAEE; CETESB. Drenagem urbana: manual de projeto. São Paulo, 1979.


TUCCI, C. E. M.; PORTO, R. L. L.; BARROS, M. T. Drenagem urbana. Porto Alegre: Ed.
Universidade/UFRGS; ABRH, 1995. v. 5, p. 15-36.

Autoria deste verbete

Priscilla Macedo Moura. Engenheira civil, mestre em Saneamento, Meio Ambiente e


Recursos Hídricos, doutora  pelo  Institut National des Sciences Appliquées de Lyon
(França). Professora do Departamento de Engenharia Hidráulica e Recursos Hídricos
(EHR) da Universidade Federal de Minas Gerais.

Talita Fernanda das Graças Silva. Engenheira civil, mestre em Sistemas Aquáticos e
Gestão da Água pela Ecole des Ponts Paris Tech (França), doutora em Saneamento,
Meio Ambiente e Recursos Hídricos pela UFMG e pela Université Paris-Est (França).
Professora do EHR/UFMG.

Marco Túlio da Silva Faria. Tecnólogo em Gestão Ambiental, engenheiro ambiental e


Sanitarista, doutorando e mestre em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos
pela Universidade Federal de Minas Gerais.

540
Q

QUALIDADE DAS ÁGUAS PLUVIAIS

A água das chuvas, ao se precipitar e pos d’água escondeu a poluição que tinha
escoar sobre a bacia hidrográfica, entra origem no escoamento das águas de chuva
em contato com diferentes tipos de po- sobre as superfícies das bacias hidrográfi-
luentes, tanto na atmosfera como na su- cas.1 No primeiro caso, o esgoto lançado
perfície terrestre, que podem levar à sua nos corpos d’água é tido como uma fonte
contaminação e impedir seu uso para di- de poluição pontual porque a carga polui-
versas finalidades – por exemplo, jardina- dora é lançada de forma concentrada em
gem, irrigação, limpeza pública e recarga um dado local. Por sua vez, o escoamento
de aquíferos. superficial é visto como uma fonte de po-
Os sedimentos arrastados pelas águas luição difusa porque os poluentes chegam
pluviais podem assorear redes e estru- ao corpo d’água de forma distribuída ao
turas de drenagem, assim como corpos longo de toda a sua extensão.2
d’água. Além disso, a água de chuva que Somente à medida que as técnicas de
escoa superficialmente pode carrear ou- tratamento das águas residuárias foram
tros poluentes até os corpos hídricos, sendo desenvolvidas e disseminadas, no- Q
degradando a qualidade da água e, em tadamente nos países desenvolvidos,
alguns casos, comprometendo o abasteci- que os problemas decorrentes da polui-
mento público. ção presente no escoamento superficial
Dessa forma, a qualidade das águas de passaram a ser objeto de preocupação
chuva é um aspecto muito relevante para dos gestores e especialistas da área.2 A
o manejo das águas pluviais (ver p. 368). partir dos anos 1980, surgiram nos Es-
tados Unidos, na França e em outros paí-
Poluição oculta ses europeus as primeiras legislações em
âmbito nacional que tinham como foco
Durante muitos anos, a poluição prove- o combate à poluição difusa.3, 4 No Bra-
niente dos esgotos domésticos e indus- sil, o tema ainda não é tratado por uma
triais lançados sem tratamento nos cor- legislação nacional específica, embora se
EIXO 7 - MANEJO DE ÁGUAS PLUVIAIS

reconheça, principalmente nas áreas ur- zantes. Os sedimentos provêm de áreas


banas, que a poluição das águas difusas é em construção, áreas com solo expos-
um grave problema ambiental e também to e susceptíveis a processos erosivos,
sanitário devido à sua relação com ende- desgaste de pneus, vias e pavimentos.
mias e doenças de veiculação hídrica.5 Os resíduos animais e o lançamento
Na superfície das bacias hidrográficas, inadequado de efluentes domésticos
ao longo do período sem chuvas, acumu- são fontes de organismos patogênicos,
lam-se depósitos atmosféricos, partícu- ao passo que os efluentes e resíduos de
las erodidas dos revestimentos das vias e processos industriais e a queima de
diversos tipos de resíduos, como aqueles combustíveis fósseis são fontes de me-
provenientes da circulação de veículos e tais-traço. Pesticidas e produtos sin-
de atividades industriais, resíduos sólidos téticos têm origem relacionada ao uso
(ver p. 568), resíduos animais e vegetais, de herbicidas, fungicidas e pesticidas,
fertilizantes e agrotóxicos (ver p. 47), en- além da lavagem de solos contamina-
tre outros poluentes. Ao se precipitar, a dos. Óleos e graxas têm como fonte a
água de chuva incorpora poluentes atmos- circulação de veículos, combustíveis
féricos e, quando escoa superficialmente, fósseis e resíduos industriais. 5
lava e erode as superfícies carreando es- Em áreas rurais, a poluição difusa es-
ses poluentes. Em alguns casos extremos, tá fortemente associada às atividades
como em locais com muita queima de agrícolas, especialmente quando há uma
combustíveis fósseis, os gases emitidos carência de boas práticas de manejo do
por veículos, indústrias e termoelétricas solo e uso indiscriminado de fertilizantes
combinam-se com a água na atmosfera e agrotóxicos. A água de chuva ao escoar
formando ácidos (ácido sulfúrico, ácido por áreas agrícolas com essas característi-
nítrico e ácido nitroso). Nestas condições, cas provocará a lavagem de partículas de
a água atmosférica, ao se precipitar, ocor- solo, nutrientes (nitrogênio e fósforo) e
re na forma de chuva ácida, que destrói agrotóxicos que serão transportados até
a cobertura vegetal e provoca acidificação rios, córregos e lagos e podem também
dos solos e das águas de rios e lagos. contaminar águas subterrâneas. Áreas
destinadas à silvicultura, pastagens com
Particularidades urbanas e rurais animais não confinados e terrenos de mi-
nas abandonadas também podem ser fon-
Em áreas com ocupação urbana, os tes de poluição difusa em áreas rurais.6
principais poluentes encontrados no A partir das fontes de poluentes lis-
escoamento superficial são nitrogê- tadas acima é possível perceber que a
nio, fósforo, sedimentos, organismos qualidade da água do escoamento su-
patogênicos, pesticidas, produtos perficial será afetada pelas condições de
sintéticos, óleos, graxas e metais-traço uso e ocupação do solo (ver p. 761) e pe-
como o chumbo, cádmio, zinco, mercú- las atividades humanas desenvolvidas na
rio, alumínio. O nitrogênio e o fósforo bacia hidrográfica. Também são fatores
têm origem em sistemas de esgotamen- que influem na qualidade das águas es-
to sanitário inadequados, erosão do coadas superficialmente, entre outros: a
solo, resíduos animais e uso de fertili- intensidade da chuva; o número de dias

542
QUALIDADE DAS ÁGUAS PLUVIAIS

secos que a precederam; as características das trincheiras, poços e valas de infiltra-


da rede de drenagem, como dimensões e ção e jardins de chuva. Adicionalmente,
materiais utilizados; as características fí- ao se infiltrar, a carga poluidora presente
sicas da bacia hidrográfica, como a forma, na água será reduzida por meio de pro-
área, relevo, tipo de solo. cessos físico-químicos e biológicos, como
No caso de áreas urbanizadas, a imper- a filtração, adsorção, precipitação, reação
meabilização das superfícies contribui química e biodegradação. Por outro la-
para aumentar a velocidade e o potencial do, o controle do escoamento superficial
erosivo do escoamento superficial, levan- na fonte faz uso da retenção temporária
do a um maior aporte de sedimentos às para evitar sua rápida transferência para
redes e estruturas de drenagem e aos rios, jusante e esse processo favorece a depo-
lagos e reservatórios. O assoreamento sição das partículas em suspensão e dos
das estruturas de drenagem e dos corpos poluentes associados a elas.7
hídricos leva à redução de sua capacidade Visando reduzir a carga de poluição
de escoar vazões e contribui para o au- difusa, o manejo sustentável das águas
mento do risco de inundações (ver p. 334) pluviais também preconiza que as redes
em um dado local. de microdrenagem possuam dispositi-
A poluição das águas pluviais, além dos vos para a retenção de resíduos sólidos
impactos negativos já mencionados, pode e sedimentos. Eles, assim como as redes,
levar à mortandade de peixes e à degra- devem passar por limpeza periódica. Ou-
dação da qualidade da água e dos ecossis- tras medidas de caráter estruturante in-
temas aquáticos, ao aumento dos custos cluem: manutenção periódica de técnicas
financeiros relacionados à remoção de compensatórias; manutenção periódica
poluentes e ações de limpeza e a prejuí- do pavimento de vias para evitar a de-
zos sociais decorrentes da inutilização sagregação e a erosão do pavimento e de
de áreas de lazer, visto que o contato ou sua camada base a partir de trincas e pe-
ingestão acidental de águas contamina- quenas aberturas; varrição periódica das
das pode causar doenças, como irritações vias urbanas; coleta e correta destinação
cutâneas e infecções intestinais.5 dos resíduos sólidos (ver p. 210); retirada
de material sólido por meio de dragagem
Lidando com a questão de dos corpos hídricos assoreados; conser- Q
maneira sustentável vação de áreas verdes; fiscalização, iden-
tificação e eliminação de lançamentos
O manejo sustentável das águas pluviais, irregulares de efluentes na rede de águas
ao se basear no controle do escoamento pluviais; conscientização e educação am-
superficial na sua fonte de geração, pro- biental da população.5
picia também uma redução da poluição Em áreas rurais, as práticas mais efeti-
de origem difusa (ver Manejo de águas vas e econômicas para controle da polui-
pluviais – p. 368). Isso ocorre, por um ção difusa baseiam-se em práticas de ma-
lado, porque se busca reduzir o volume nejo e conservação do solo, a exemplo do
de escoamento superficial por meio de plantio direto, rotação de culturas, terra-
técnicas compensatórias (ver p. 695) que ços, racionalização do uso de fertilizantes
possibilitam sua infiltração, a exemplo e de água para irrigação, entre outras6,8.

543
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

Monitorar para gerenciar da água e dos locais a serem monitora-


dos e sobre a definição da frequência de
O combate à poluição difusa passa tam- amostragem e dos procedimentos para
bém pelo monitoramento da qualidade coleta, preservação e análise das amos-
da água do escoamento superficial, que tras estão disponíveis no livro Manejo
tem como objetivo conhecer e quantifi- de Águas Pluviais Urbanas. 5
car seus constituintes. As informações Portanto, pode-se afirmar que a polui-
adquiridas por meio do monitoramento ção das águas pluviais acarreta impac-
indicarão os locais mais críticos em ter- tos sanitários, ambientais, econômicos
mos de carga poluidora e as técnicas mais e sociais. Para evitar ou reduzir tais
apropriadas para a remoção dos poluen- impactos negativos, o planejamento
tes presentes. Além disso, tais dados são municipal de saneamento deve incluir
necessários para o correto dimensiona- medidas estruturais e estruturantes
mento das técnicas a serem empregadas. que assegurem a qualidade das águas
É imprescindível destacar que o pluviais. O gestor municipal de Sanea-
monitoramento da qualidade da água mento deve estar atento aos potenciais
deve ocorrer simultaneamente ao benefícios que podem ser extraídos des-
monitoramento da quantidade de água sas águas. Assim, o planejamento para a
(ver Vazões de Cheia – p. 774). Somente área pode também incentivar o aprovei-
dessa forma os resultados do monitora- tamento desse recurso hídrico para fi-
mento poderão embasar ações de geren- nalidades compatíveis com sua qualida-
ciamento para efetivamente reduzir a de, como irrigação de jardins e parques,
carga de poluição difusa no escoamen- reserva de proteção contra incêndio,
to superficial 5. Mais informações sobre limpeza urbana e recarga de aquíferos.
a escolha dos parâmetros de qualidade

Referências bibliográficas

1. VALIRON, F.; TABUCHI, J. P. Maitrise de la pollution urbaine par temps de pluie.


Etat de l’art. Paris: Tec & Doc Lavoisier, 1992.
2. VON SPERLING, M. Introdução à qualidade das águas e ao tratamento de esgotos.
4. ed. Belo Horizonte: UFMG, 2014. (Princípios do Tratamento Biológico das Águas
Residuárias, v. 1).
3. EPA. Results of the nationwide urban runoff program. Final report. Washington:
EPA, 1983. v. 1.
4. TABUCHI, J. P. La depollution des rejets urbains par temps de pluie: une approche
globale. In: TASSIN, B.; THEVENOT, D. Rejets urbains par temps de pluie: pollu-
tions et nuisances. Paris: Presses de l’Ecole nationale des ponts et chaussées, 1992.
Disponível em: https://hal.archives-ouvertes.fr/hal-01180122. p. 201-208.
5. RIGHETTO, A. M. (coord.). Manejo de águas pluviais urbanas. Projeto Prosab. Rio
de Janeiro: Abes, 2009. p. 346-366. Disponível em: https://www.finep.gov.br/ima-
ges/apoio-e-financiamento/historico-de-programas/Prosab/Prosab5_tema_4.pdf.
6. SODRÉ, F. F. Fontes difusas de poluição da água: características e métodos de con-

544
QUALIDADE DAS ÁGUAS PLUVIAIS

trole. Artigos Temáticos do AQQUA, Brasília, n. 1, p. 9-16, 2012. Disponível em:


http://www.aqqua.unb.br/images/Artigos/Tematicos/difusa.pdf.
7. BAPTISTA, M.; NASCIMENTO, N.; BARRAUD, S. Técnicas compensatórias em dre-
nagem urbana. 2. ed. Porto Alegre: ABRH, 2005.
8. PRUSKI, F. F. Conservação do solo e água. 2. ed. Viçosa: UFV, 2009.

Para saber mais

HEIJNEN, H. A captação de água da chuva: aspectos de qualidade da água, saú-


de e higiene. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE CAPTAÇÃO E MANEJO DE ÁGUA
DE CHUVA, 8, 2012, Campina Grande. Anais [...]. Campina Grande: Abcmac,
2012. Disponível em: http://www2.al.rs.gov.br/forumdemocratico/LinkClick.
aspx?fileticket=Zv8iFiAtyTk%3D.

Autoria deste verbete

Talita Fernanda das Graças Silva. Engenheira civil, mestre em Sistemas Aquáticos e
Gestão da Água pela Ecole des Ponts Paris Tech (França), doutora em Saneamento,
Meio Ambiente e Recursos Hídricos pela Universidade Federal de Minas Gerais e pela
Université Paris-Est (França), professora do Departamento de Engenharia Hidráulica
e Recursos Hídricos (EHR) da UFMG.

Priscilla Macedo Moura: engenheira civil, mestre em Saneamento Meio Ambiente e


Recursos Hídricos, doutora  pelo  Institut National des Sciences Appliquées de Lyon,
professora do Departamento de Engenharia Hidráulica e Recursos Hídricos da  UFMG.

Marco Túlio da Silva Faria. Tecnólogo em Gestão Ambiental, engenheiro ambiental e


sanitarista, mestre e doutorando em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos
pela Universidade Federal de Minas Gerais.

545
R

RECUPERAÇÃO DE ÁREAS DEGRADADAS POR LIXÕES

A erradicação das áreas de lixões e sua águas e do ar, promovendo a degradação


recuperação envolve gestores municipais, humana, territorial e ambiental.
bem como a população, e tem represen- Área degradada, por definição, é uma
tado um grave passivo ambiental para a “área impossibilitada de retornar por
maioria das cidades brasileiras. uma trajetória natural, a um ecossistema
No Brasil e na América Latina, uma que se assemelhe a um estado conhecido
grande quantidade de comunidades, po- antes, ou para outro estado que poderia
voados e cidades, especialmente as pe- ser esperado” 2.
quenas (com menos de 30.000 habitan- Segundo a Associação Brasileira de
tes), enfrentam condições que dificultam Empresas de Limpeza Pública e Resíduos
a prestação de serviços para a gestão dos Especiais (Abrelpe)3, 40,9% dos resíduos
resíduos sólidos de forma eficiente, seja coletados no Brasil são dispostos em locais
operacionalmente, financeiramente ou inadequados, totalizando 29 milhões de
até mesmo sob a ótica da sustentabilidade toneladas em lixões ou aterros controla-
ambiental. Assim, a destinação e disposi- dos, ocasionando danos diretos à saúde da
ção final (ver p. 210) dos resíduos e rejei- população e ao meio ambiente. Se conside-
tos é resolvida mediante soluções inapro- rarmos que o índice de cobertura da coleta
priadas, como lançamento em praias, no no Brasil está em 91,2%, acrescentam-se
mar ou em quaisquer corpos hídricos; lan- a esse montante 6,9 milhões de toneladas
çamento in natura a céu aberto ou lixão; de resíduos que não foram alvo da coleta,
queima a céu aberto ou em recipientes, com uma destinação inadequada.
instalações e equipamentos não licencia-
dos para essa finalidade. Todas essas des- Impactos associados a
tinações e disposições citadas são proibi- áreas com lixões
das por lei federal1 por causar impactos ao
meio ambiente, notadamente à saúde da As áreas que recebem resíduos sólidos de
população, além da poluição do solo, de maneira desordenada propiciam a polui-
RECUPERAÇÃO DE ÁREAS DEGRADADAS POR LIXÕES

ção do solo, do ar e da água, a prolifera- Os lixões, mesmo apresentando uma


ção de vetores e de animais peçonhentos, situação insalubre e de periculosidade,
zoonoses e problemas de saúde, doenças devido ao valor dos materiais dispostos,
e agravos para a população sob área de atraem populações de baixa renda. Essas
influência direta e indireta, bem como a pessoas ficam sujeitas a condições sub-hu-
desvalorização imobiliária das áreas vizi- manas, mas buscam na catação (a separa-
nhas e impacto visual. ção de materiais de interesse comercial,
Segundo a Associação Internacional de como os materiais recicláveis) uma alter-
Resíduos Sólidos (Iswa, na sigla em in- nativa de trabalho e sustento. Acrescenta-
glês)4, lixão é o local no qual ocorre dispo- -se ainda o total descontrole desses locais
sição indiscriminada de resíduos sólidos quanto aos materiais dispostos e a entrada
no solo com nenhuma, ou no máximo me- de animais. Dentre os resíduos deposita-
didas bem limitadas de controle das ope- dos pode-se citar os resíduos domiciliares,
rações e proteção do ambiente do entorno. os de origem industrial, de serviços de saú-
O solo e as águas superficiais e subter- de, as carcaças de animais e os eletroele-
râneas podem ser contaminados pela de- trônicos, dentre outros resíduos perigosos.
composição dos resíduos orgânicos ou pela
presença de resíduos perigosos, entre ou- Encerramento e reabilitação
tros, decorrentes da formação, do escoa- de áreas de lixões
mento superficial e da percolação no solo
do chorume ou lixiviado. Os lixiviados Em função da elevada probabilidade de
são líquidos resultantes do processo de in- ocorrência de problemas socioambien-
filtração da água de chuva ou da umidade tais, o simples abandono e fechamento
natural dos resíduos e da decomposição das áreas utilizadas para disposição final
dos materiais orgânicos por bactérias. de resíduos sólidos deve ser descartado,
O chorume é um líquido de tratabilidade cabendo aos municípios buscar técnicas
complexa, devido ao elevado potencial po- que minimizem os impactos. Ademais, o
luidor, de composição química e biológica fechamento da área degradada deve ser
variável ao longo do tempo, bem como da feito em cumprimento à legislação. Se-
variação dos resíduos que são encaminha- gundo a Iswa4, o fechamento de um lixão
dos aos depósitos. O ar pode ser poluído pe- requer um sistema alternativo de gestão
la emissão de materiais particulados e de de resíduos sólidos com planejamen-
gases que geram doenças e odores desagra- to adequado, capacidade institucional R
dáveis, além de intensificarem o efeito es- e administrativa, recursos financeiros,
tufa. Há também a possibilidade da com- apoio social e, finalmente consenso po-
bustão espontânea, comum em áreas de lítico. Planos de Recuperação de Áreas
lixões. Ademais, a disposição inadequada Degradadas (Prads) têm como objetivo
causa impacto visual e áreas normalmente principal a adoção de medidas corretivas
instáveis pela deposição sem critério de nessas áreas que possibilitem um uso
um material heterogêneo, em decomposi- compatível com as metas estabelecidas a
ção, podendo causar deslizamentos que serem atingidas após a intervenção, ado-
podem trazer impactos ambientais, com tando-se dessa forma o princípio da “ap-
danos humanos e patrimoniais. tidão para o uso” 2.

547
EIXO 6 - MANEJO DE RESÍDUOS SÓLIDOS

Os lixões devem ser substituídos por nicas a utilizar. As atividades deverão


sistemas integrados de gestão de resí- ser mensuradas e mapeadas, para pos-
duos sólidos, envolvendo4: terior monitoramento;
• elementos físicos: infraestrutura de c) prognóstico: deverá apresentar al-
acondicionamento, coleta, transporte, ternativas para o uso futuro da área e
transferência, reciclagem, recuperação, definição de um programa de monito-
tratamento e disposição dos resíduos; ramento da estabilidade do maciço; do
• atores: governos municipais, regionais estado de manutenção dos sistemas de
e nacionais, geradores de resíduos/ drenagem (pluvial, gases e lixiviados);
usuários de serviços, fabricantes, pres- da qualidade das águas superficiais e
tadores de serviços, sociedade civil, subterrânea; de crescimento e controle
organizações não governamentais e da cobertura vegetal; de sistemas de si-
agências internacionais; nalização e isolamento da área.
• aspectos estratégicos: aspectos políticos,
de saúde, institucionais, sociais, econô- A escolha da melhor técnica a adotar
micos, financeiros, ambientais e técnicos. deverá ser pautada por um estudo pré-
vio detalhado do local, que avalie as
Um projeto de encerramento e re- condições físicas e o comprometimento
cuperação de uma área degradada pela ambiental da área. Esse estudo deve con-
atividade do lixão deverá contemplar, templar, no mínimo, a realização de le-
minimamente: vantamento planialtimétrico do terreno,
estudos de sondagem e caracterização ge-
a) diagnóstico: tem por finalidade mos- otécnica, análises de águas superficiais e
trar a atual situação da área no entorno subterrâneas, entre outros.
do lixão, estimando o total de resíduos Esse estudo, bem como os projetos e as
dispostos na área e a quantidade de li- operações de recuperação, devem ser rea-
xiviado e biogás produzidos, uma vez lizados sob a supervisão técnica de profis-
que este tipo de área degradada não sionais habilitados, procedendo-se ao re-
dispõe de controle de entrada e saída gistro das anotações de responsabilidade
de materiais. Deve apresentar uma técnica (ART) nos respectivos conselhos
caracterização regional e local da área profissionais. Tais estudos e projetos de-
quanto ao clima, bioma, fitofisiono- verão ser submetidos ao órgão ambiental
mia, bacia e microbacia hidrográfica a com a documentação pertinente ao pro-
que pertence, situação da área antes da cesso de licenciamento do novo local para
degradação e atual. Também deverá ser disposição final ou tratamento dos resí-
realizada uma avaliação da contamina- duos sólidos urbanos5. A Instrução Nor-
ção do solo e água subterrânea na área mativa 4/2011 do Instituto Brasileiro do
degradada, de acordo com as diretrizes Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
estabelecidas pelo órgão ambiental; Renováveis (Ibama) dispõe de um formu-
b) objetivos da ação de recuperação: lário para aplicação de questionários so-
o projeto deverá apresentar quais as bre a área degradada.
ações a serem tomadas para recupera- São possíveis alternativas de
ção da área, informando métodos e téc- recuperação5:

548
RECUPERAÇÃO DE ÁREAS DEGRADADAS POR LIXÕES

• técnicas de desativação com a remoção • recuperação como aterro sanitário:


dos resíduos: envolvem a remoção e o pode ser viável quando o lixão está lo-
transporte desses resíduos para outro calizado em uma área que atende aos
local, previamente preparado e regula- requisitos mínimos estabelecidos na
rizado no órgão ambiental competente. NBR 13.896/1997 da Associação Brasi-
Essa alternativa só é viável quando a leira de Normas Técnicas (ABNT) e as
quantidade de resíduos a ser removida dimensões e características do terreno
e transportada não é muito grande; possibilitam a sua utilização adicional
• técnicas de desativação com recuperação por um período superior a 15 anos. Nes-
simples: solução que deve ser avaliada se caso, recomenda- se que a elaboração
quando for inviável a remoção dos re- dos projetos e estudos ambientais seja
síduos, em função da quantidade e de pautada na legislação ambiental e nas
dificuldades operacionais, quando a normas técnicas da ABNT pertinen-
extensão da área ocupada por eles não tes, notadamente a NBR 13.896/1997
for muito grande e, sobretudo, quando e a NBR 8.419/1992 (Versão Corrigida
o local não puder ser recuperado como 1996). Para os aterros sanitários de pe-
aterro controlado ou aterro sanitário; queno porte, recomenda-se observar a
• técnicas de desativação com recuperação NBR 15.849/2010 da ABNT.
parcial: esta opção pode ser utilizada
pelos municípios maiores e, nos casos A reabilitação da área deve proporcio-
excepcionais, pelos municípios menores nar uma integração à paisagem do entor-
quando a situação do lixão não se enqua- no e acima de tudo atender às necessida-
drar na recuperação simples devido às des da comunidade local.
restrições observadas durante os estudos A Lei 14.026/2020, que atualiza o
prévios de avaliação da área, que incluem marco legal do saneamento, define no
a avaliação da água subterrânea quanto seu artigo 54º que “a disposição final
à contaminação. Na recuperação parcial ambientalmente adequada dos rejeitos
reflete-se na elaboração de um projeto deverá ser implantada até 31 de dezem-
conceitual e um projeto executivo que bro de 2020, exceto para os municípios
contemple minimamente uma reconfor- que até essa data tenham elaborado pla-
mação geométrica da área de deposição; no intermunicipal de resíduos sólidos
uma conformação do platô superior; con- ou plano municipal de gestão integrada
trole na emissão e tratamento de lixivia- de resíduos sólidos e que disponham de R
dos; coleta e desvio de águas superficiais; mecanismos de cobrança que garantam
controle da emissão e queima dos gases; sua sustentabilidade econômico-finan-
isolamento da área; e implantação da co- ceira, nos termos do art. 29 da Lei nº
bertura vegetal simples; 11.445/ 2007”.
• adequação provisória como aterro Infelizmente, os lixões ainda são uma
controlado: solução possível para ci- realidade. Em 2017, constatou-se a exis-
dades com menos de 20.000 habitan- tência de 3 mil deles no Brasil, afetando
tes e desde que se tenha certeza de a vida de 76,5 milhões de pessoas, com
que na área não houve a deposição de prejuízos de saúde pública, econômicos
resíduos perigosos; e sociais. A proibição dos lixões está em

549
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

vigor na legislação brasileira desde 1981 var o município e seus gestores a enfren-
e foi reforçada pelo atendimento à Po- tar ações judiciais e estabelecimento de
lítica Nacional de Resíduos Sólidos. O termos de ajuste de conduta (TACs) pelo
descumprimento da legislação pode le- Ministério Público.

Referências bibliográficas

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Resíduos Sólidos. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
2010/2010/lei/l12305.htm.
2. IBAMA. Instrução normativa nº 4, de 13 de abril de 2011. Disponível em: https://
www.ibama.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&legislacao=118064.
3. ABRELPE. Panorama dos resíduos sólidos no Brasil 2017. São Paulo: Abrelpe, 2018.
Disponível em: http://abrelpe.org.br/pdfs/panorama/panorama_abrelpe_2017.pdf.
4. SILVA FILHO, C. R. V. (org.). Roteiro para encerramento de lixões – os lugares mais
poluídos do mundo. São Paulo: Abrelpe; Iswa, 2017. Disponível em: https://abrelpe.
org.br/roteiro-para-encerramento-de-lixoes.
5. FEAM; FIP. Reabilitação de áreas degradadas por resíduos sólidos urbanos. Belo
Horizonte: Feam, 2010. Disponível em: http://www.feam.br/images/stories/Flavia/
areas_degradadas.pdf.

Para saber mais

ABNT. NBR 8849. Apresentação de Projetos de Aterros Controlados de Resíduos Sóli-


dos Urbanos: classificação. Rio de Janeiro, 1985.
ABNT. NBR 13896. Aterros de resíduos não perigosos - Critérios para projeto, implan-
tação e operação. Rio de Janeiro, 1997.
ABNT. NBR 15849:2010. Resíduos sólidos urbanos – Aterros sanitários de pequeno
porte – Diretrizes para localização, projeto, implantação, operação e encerramento.
Disponível em: https://www.abntcatalogo.com.br/norma.aspx?ID=59538.
ABNT. NBR 8419:1992 Versão Corrigida: 1996. Apresentação de projetos de aterros
sanitários de resíduos sólidos urbanos. Disponível em: https://www.abntcatalogo.
com.br/norma.aspx?ID=2584.
BRASIL. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do
Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6938.htm.
BRASIL. Lei nº 11.445, de 05 de janeiro de 2007. Estabelece diretrizes nacionais
para o saneamento básico. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
ato2007-2010/2007/lei/l11445.htm.
BRASIL. Lei nº 14.026, de 15 de julho de 2020. Atualiza o marco legal do saneamento
básico. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/
lei/L14026.htm
FUNASA. Manual de saneamento. 4. ed. Brasília: Funasa, 2015. Disponível em:

550
REDUÇÃO, REUTILIZAÇÃO, RECICLAGEM E COMPOSTAGEM DOS RESÍDUOS SÓLIDOS

http://www.funasa.gov.br/documents/20182/38564/Mnl_Saneamento.pdf/
ae1d4eb7-afe8-4e70-ae9a-0d2ae24b59ea.
NUCASE. Gestão integrada de resíduos sólidos urbanos: guia do profissional em trei-
namento – nível 1. Belo Horizonte: ReCesa. (Série Resíduos sólidos). Disponível em:
https://www.mdr.gov.br/images/stories/ArquivosSNSA/Arquivos_PDF/ReCesa/ges-
taointegradaderesiduossolidosurbanos-nivel1.pdf.
Prosab. Coletânea de livros sobre saneamento básico. Disponível em: http://www.finep.
gov.br/apoio-e-financiamento-externa/historico-de-programa/Prosab/produtos.
SNIS. Diagnóstico do manejo de resíduos sólidos urbanos – série histórica. Disponí-
vel em: http://app4.mdr.gov.br/serieHistorica.

Autoria deste verbete

Liséte Celina Lange. Professora titular do Departamento de Engenharia Sanitária e


Ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais (Desa/UFMG). Doutora em Tec-
nologia Ambiental pela Universidade de Londres, Inglaterra.

Cynthia Fantoni Alves Ferreira. Engenheira civil, sanitarista e ambiental. Doutora em


Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos – Universidade Federal de Minas Ge-
rais (UFMG). Pesquisadora pós-doutoral do Departamento de Engenharia Sanitária e
Ambiental da UFMG.

R
REDUÇÃO, REUTILIZAÇÃO, RECICLAGEM
E COMPOSTAGEM DOS RESÍDUOS SÓLIDOS

O manejo dos resíduos sólidos pressu- vida útil dos sistemas de disposição final.
põe uma abordagem que tenha como re- Os processos de valorização dependem R
ferência a redução, a reutilização direta simultaneamente das características dos
dos produtos, a reciclagem dos materiais resíduos, da capacidade e da vontade do
e a compostagem dos resíduos orgânicos. produtor/responsável em viabilizá-los
O reaproveitamento dos resíduos consis- técnica e economicamente, consideran-
te em ações sustentáveis que trazem co- do também a repercussão sobre o meio
mo benefícios a valorização de resíduos, ambiente. A redução na fonte, tida como
a preservação da natureza e a promoção uma das principais formas de valoriza-
das relações ecológicas, com redução do ção, pode ocorrer por meio de mudanças
uso de recursos naturais e da poluição, no produto, pelo uso de boas práticas de
geração de emprego e renda e aumento da gestão e/ou por meio de mudanças tecno-

551
EIXO 6 - MANEJO DE RESÍDUOS SÓLIDOS

lógicas ou, ainda dos insumos do proces- os programas de valorização de resíduos


so responsável pela geração do resíduo. sólidos não estão em operação. O que se
Estas ações têm maior eficiência quan- percebe, todavia, é que o modelo de ges-
do associadas a redução, reutilização, re- tão utilizado nesses territórios pouco
ciclagem e compostagem, por utilizarem difere do adotado nos grandes centros
como matéria-prima resíduos de melhor urbanos, cujas características são com-
qualidade, contribuindo diretamente pa- pletamente distintas. Algumas localida-
ra a melhoria do saneamento e a redução des mantêm programas de coleta seletiva
do uso de recursos naturais e da poluição. incompatíveis com a realidade local.
A Política Nacional de Resíduos
Sólidos (PNRS – ver p. 568) estabelece a Redução e reutilização
seguinte ordem de prioridade para ges-
tão e gerenciamento: “não geração, redu- A redução consiste em repensar a compra
ção, reutilização, reciclagem, tratamento dos de bens desnecessários e com pouca dura-
resíduos sólidos e disposição final ambiental- bilidade, evitando produtos com excesso
mente adequada dos rejeitos”. Assim, a im- de embalagens e reduzindo o desperdício.
plantação da coleta seletiva é uma ação A reutilização visa ao uso dos produtos de
obrigatória para os municípios e faz parte uma forma diferente e criativa antes de
do conteúdo mínimo que deve constar descartá-los ou reciclá-los. Lógica passa
nos Planos Municipais de Gestão de Re- pela recusa a produtos com obsolescên-
síduos (ver p. 463). cia programada, ou seja, concebida para a
Segundo a Associação Brasileira de Em- substituição em tempo curto – que amplia
presas de Limpeza Pública e Resíduos Es- a margem de lucro da produção, porém ge-
peciais (Abrelpe)1, a geração per capita de ra resíduos de forma desnecessária.
resíduos sólidos urbanos (RSU) no Bra- A redução e a reutilização fazem parte
sil, entre 2016 e 2017, aumentou de apro- de um processo educativo, que tem por
ximadamente 1,032 kg/dia para 1,035 objetivo uma mudança de hábitos no co-
kg/dia. Para municípios com população tidiano dos cidadãos e cidadãs. A questão
de pequeno porte (até 30.000 habitantes) chave é cada um a repensar seus valores
a média individual é de 0,81 kg/dia2. e práticas, e reduzir o consumo exagera-
Dessa forma, a preocupação com a re- do e o desperdício. A separação na fon-
dução de resíduos presente na lei é asser- te e a educação ambiental são fatores
tiva, pois cada vez a população brasileira fundamentais deste processo e que poderá
está consumindo mais produtos e, por- conferir um equilíbrio entre descartáveis
tanto, gerando mais resíduos. A coleta se- e reutilizáveis. Além disso, é necessário
letiva é incipiente nos municípios brasi- que as políticas públicas viabilizem tal
leiros, e quando existente, não abrange a transformação, principalmente no pro-
totalidade do território municipal. Ainda cesso de transição, considerando os custos
segundo a Abrelpe, dos 5.565 municípios não somente como gastos de curto prazo,
que o país tinha em 2017, 3.923 apresen- mas como investimentos de curto, médio e
tavam alguma iniciativa nessa prática. longo prazos, de forma cumulativa.
Nos pequenos territórios, nas po- Isso implica uma mudança de paradig-
pulações dispersas, salvo raras exceções, ma que deve estar associada à capacidade

552
REDUÇÃO, REUTILIZAÇÃO, RECICLAGEM E COMPOSTAGEM DOS RESÍDUOS SÓLIDOS

de planejamento que os municípios preci- Várias são as orientações para a im-


sam desenvolver, contando com a política plantação de programas de reciclagem.
municipal de saneamento na perspecti- É fundamental, em primeiro lugar, a
va da promoção da saúde. Programas de verificação da existência de mercado
redução na geração de resíduos são im- economicamente forte para absorver os
portantes porque priorizam um sistema reciclados e pagar valores que remune-
circular no qual a quantidade de resíduos rem adequadamente os envolvidos. Em
reaproveitados seja cada vez maior e a de segundo lugar, é necessário um progra-
resíduos gerados, cada vez menor4. ma consistente de segregação na fonte e
procedimentos para que sejam impedidas
Reciclagem a mistura e a contaminação com outros
tipos de resíduos. A reciclagem pode ser
A reciclagem é o processo pelo qual os entendida como uma corrente em que a
resíduos retornam ao sistema produti- segregação, a reutilização, a pesquisa de
vo como matéria-prima. Compreende as mercado de recicláveis, a coleta seletiva, a
fases de coleta, triagem, revalorização comercialização, o tratamento e a dispo-
e transformação de materiais. As duas sição final são os elos e devem funcionar
primeiras etapas envolvem processos de em perfeito equilíbrio4.
conscientização da população para a co- Deve ser considerada em todos os pro-
leta seletiva e investimentos em logísti- cessos a saúde do trabalhador por meio
ca e distribuição do material selecionado de condições adequadas de trabalho,
para destinos adequados. Na revaloriza- com uso correto dos equipamentos de se-
ção, faz-se a descontaminação e a ade- gurança individual (EPIs), salubridade e
quação do material coletado, de forma a redução dos riscos envolvidos.
possibilitar seu uso como matéria-prima
para a produção de novos produtos. O Compostagem
último passo é, então, o efetivo uso do
material revalorizado como insumo na Uma das formas de aproveitamento da
indústria de transformação3. parcela orgânica do material recolhido nos
Não é difícil enumerar os benefícios territórios é a compostagem. Tal processo é
obtidos com a reciclagem. Ao reutilizar capaz de dar tratamento adequado ao ma-
um material dado como resíduo, ele deixa terial orgânico coletado possibilitando seu
a condição residual e se transforma em retorno ao mercado produtivo na forma R
matéria útil, e assim será enquanto con- de adubos utilizados no setor agrícola.
tinuar sendo reaproveitado. Dessa forma, A compostagem é o processo natural
reduz-se a quantidade de resíduo produ- de decomposição biológica de materiais
zida e a extração de recursos naturais. orgânicos, de origem animal e vegetal,
Dois outros proveitos residem na redução pela ação de microrganismos. Para que
de áreas necessárias para aterro e ganhos ocorra não é necessário à adição de qual-
econômicos, a exemplo de materiais que quer componente físico ou químico à
não perdem suas propriedades físicas ao massa do resíduo.
serem reciclados e, assim, podem ser re- O resultado deste processo é um pro-
processados continuamente. duto final suficientemente estabilizado, a

553
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

que se dá o nome de composto orgânico, aproveitamento no que diz respeito à


com propriedades e características com- geração de energia elétrica.
pletamente diferentes do material que Para territórios de pequeno porte é ne-
lhe deu origem. Ele pode ser aplicado no cessário verificar a caracterização e quan-
solo com várias vantagens sobre os ferti- tificação dos resíduos orgânicos a fim de
lizantes químicos de síntese. indicar soluções de tratamento como a
A compostagem aeróbia é o processo compostagem. Como exemplo, estudos
mais adequado ao tratamento do resíduo realizados em pequenos municípios cons-
domiciliar. A decomposição é realizada por tataram que boa parte da população local
microrganismos que só vivem na presença utiliza restos de comida para alimentar
de oxigênio. A temperatura pode chegar a animais domésticos4. Da mesma forma,
60ºC, os odores emanados não são agres- em pesquisa realizada no Vale do Jequiti-
sivos e a decomposição é mais veloz. nhonha, “a pobreza das cidades se reflete
Existem dois tipos principais de matéria também nos resíduos sólidos”6.
orgânica utilizados para a compostagem: Uma planta de compostagem deve
a de origem domiciliar (restos de comida, prever, no mínimo, as seguintes instala-
frutas e gêneros alimentícios em geral) e a ções: recepção e triagem; pátio de com-
de origem pública (podas de árvores e jar- postagem; depósito coberto (para esto-
dins). No caso da matéria orgânica domici- cagem do composto orgânico produzido);
liar o ideal é que seja separada dos demais instalações de apoio (administração, re-
resíduos na fonte, uma vez que a triagem a feitório, vestiários, sanitários etc.).
posteriori, por mais bem-feita que seja, aca- O pátio de compostagem deve ser pavi-
ba prejudicando a qualidade do composto mentado e ter declividade suficiente para
orgânico. Os resíduos da poda de árvores permitir o escoamento das águas pluviais
e jardins podem ser misturados à matéria e do lixiviado gerado durante a decompo-
orgânica de origem domiciliar, desde que sição da matéria orgânica, que deve rece-
sejam previamente triturados5. ber tratamento adequado sob o ponto de
Quanto aos impactos econômicos no vista sanitário.
contexto brasileiro, a compostagem tem O processo tem início com a formação de
grande importância, uma vez que cerca leiras no pátio de compostagem, onde os
de 50% do resíduo municipal é constituí- resíduos permanecem até a estabilização
do por material orgânico. da matéria orgânica. Nessa fase, que dura
As principais vantagens da composta- de 45 a 60 dias, é necessário o reviramen-
gem são a diminuição nos investimentos to periódico das leiras para oxigenação e
para a instalação dos aterros sanitários, o controle permanente da umidade. Após
em função da redução da quantidade de a estabilização vem a fase de maturação
resíduos sólidos com esse destino; o apro- (humificação e mineralização da matéria
veitamento agrícola da matéria orgânica; orgânica), que dura cerca de 30 dias.
a reciclagem de nutrientes para o solo, re-
duzindo os custos da produção agrícola; e Vermicompostagem
a economia com tratamento de efluentes.
A compostagem é um tratamento Um exemplo de tecnologia social que está
dado aos resíduos orgânicos sem sendo divulgada para locais com restrição

554
REDUÇÃO, REUTILIZAÇÃO, RECICLAGEM E COMPOSTAGEM DOS RESÍDUOS SÓLIDOS

de espaço, sendo, geralmente, adotado (PEVs) estrategicamente distribuídos nas


em unidades habitacionais é a vermicom- ruas. Estas bombonas, corretamente ve-
postagem. Ela utiliza, para o tratamento dadas, impedem a proliferação de vetores
e a reciclagem dos resíduos orgânicos, de doenças. Sua coleta é feita pelos jovens
minhocas – que desempenham natural- integrantes do projeto com carrinhos ma-
mente um papel fundamental na decom- nuais, que encaminham os resíduos para
posição da matéria orgânica7. tratamento e reciclagem em um pátio de
A vermicompostagem é realizada em compostagem comunitário7.
estruturas apropriadas para atuação das Baseando-se na gestão comunitária
minhocas na decomposição dos orgâni- de resíduos orgânicos e na promoção da
cos, chamadas minhocários. Trata-se de agricultura urbana, o projeto realiza
um método prático e simples, que deman- trabalho de sensibilização das famílias
da pouco espaço. É possível fazer minho- para a correta separação da fração orgâ-
cários caseiros, com baldes e tampas, ou nica dos resíduos na origem. Além disso,
ainda os comprar em sítios eletrônicos estimula o cultivo de hortas em escolas e
especializados, em diversos tamanhos. quintais das residências, geração de tra-
Os minhocários são fechados e cobertos, balho e renda, inclusão social, sanidade
evitando, assim, a fuga das minhocas e o ambiental e segurança alimentar.
excesso de umidade. Usam-se, geralmen-
te, caixas de plástico empilhadas com pas- Redução
sagens e furos entre si para que o líquido
resultante do processo possa escoar e não A redução é considerada prioridade na
se acumule no local onde ficam as minho- problemática de resíduos sólidos. Para
cas. Nesse processo, é necessário adicionar promovê-la, a maioria dos países funda-
matéria seca (restos de folhas, serragem, menta suas ações na taxação, sendo que
celulose), fonte de carbono aos resíduos, e ações mais estruturadas são voltadas
as minhocas devem ser de espécie que con- para a redução de embalagens. A dimi-
suma resíduos frescos, como as california- nuição da quantidade de resíduos gera-
nas ou as gigantes africanas7. dos também está intimamente ligada a
melhorias no sistema de produção de
Compostagem comunitária: bens materiais e à influência que o mer-
Revolução dos Baldinhos cado consumidor pode exercer sobre a
indústria, exigindo a maior oferta de R
Outro projeto de tecnologia social é a ini- produtos que agridam menos o ambien-
ciativa conhecida como Revolução dos Bal- te, que apresentem menos embalagens
dinhos, criada em 2008 na comunidade e que, consequentemente, tornam-se
Chico Mendes, no bairro Monte Cristo, mais acessíveis.
em Florianópolis (SC). O projeto atua na Nos territórios de pequeno porte, on-
distribuição de baldes às famílias interes- de a produção de resíduos é pequena se
sadas para segregação dos orgânicos nas comparada a dos grandes centros urba-
residências, que, posteriormente, alimen- nos, recomendam-se estudos de viabi-
tam bombonas (grandes recipientes) loca- lidade para avaliar a possibilidade de
lizadas em pontos de entrega voluntária implantação da valorização de resíduos

555
EIXO T - TEMAS TRANSVERSAIS

como a compostagem e reciclagem, e a logia social (compostagem comunitária,


possibilidade de implementar a tecno- vermicompostagem etc.).

Referências bibliográficas

1. ABRELPE. Panorama dos resíduos sólidos no Brasil 2017. São Paulo: Abrelpe, 2018.
Disponível em: http://abrelpe.org.br/pdfs/panorama/panorama_abrelpe_2017.pdf.
2. URBAN, R. C. Índice de adequação do gerenciamento de resíduos sólidos urbanos como
ferramenta para o planejamento: aplicação no estado de São Paulo. Revista Engenharia
Sanitária e Ambiental, v. 21, n.2, p. 367-377, jun. 2016. Disponível em: http://www.scie-
lo.br/scielo.php?pid=S1413-41522016005001110&script=sci_abstract&tlng=pt.
3. EPE. Nota técnica DEN 06/08. Avaliação preliminar do aproveitamento energético
dos resíduos sólidos urbanos de Campo Grande, MS. Rio de Janeiro: EPE, 2008. (Série
Recursos energéticos). Disponível em: https://cetesb.sp.gov.br/biogas/wp-content/
uploads/sites/3/2014/01/mme_epe_aproveitamento_rsu_ms.pdf.
4. BRITO, K. G. Q.; PEREIRA NETO, J. T.; CEBALLOS, B. S. O. Estimativa dos ganhos
socioeconômicos obtidos com a reciclagem e compostagem de lixo de Coimbra
– MG: estudo de caso. In: CONGRESSO INTERAMERICANO DE ENGENHARIA SA-
NITÁRIA E AMBIENTAL, 27, Porto Alegre, 2000.
5. BRANDÃO, R. J. Análise de sistemas de valorização de resíduos via compostagem
e reciclagem e sua aplicabilidade nos municípios de pequeno porte. Dissertação
(Mestrado em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos) – Escola de Enge-
nharia, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2006. Disponível em:
http://www.smarh.eng.ufmg.br/defesas/206M.PDF.
6. KNAUER, L. G.; ANDRADE, L. M.; NOGUEIRA, M. D. P. Gestão de resíduos sólidos
urbanos: avaliação de cursos de capacitação nos municípios do médio Jequitinho-
nha, Minas Gerais. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE QUALIDADE AMBIENTAL,
4, 2004, Porto Alegre. Anais do IV Simpósio Internacional de Qualidade Ambiental
– Qualidade Ambiental e Responsabilidade Social. Porto Alegre: PUC-RS, 2004. p.
226-1-226-7.
7. MMA. Caderno temático 4: valorização de resíduos orgânicos. Brasília: MMA, 2019.
Disponível em: https://www.mdr.gov.br/images/stories/ArquivosSNSA/Arquivos_
PDF/plansab/4-CadernotematicoValorizacaodeResiduosOrganicos.pdf.

Para saber mais

BRASIL. Lei nº 12.305, de 02 de agosto de 2010. Institui a Política Nacional de Re-


síduos Sólidos. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
2010/2010/lei/l12305.htm.
NUCASE. Gestão integrada de resíduos sólidos urbanos: guia do profissional em trei-
namento – nível 1. Belo Horizonte: ReCesa. (Série Resíduos sólidos). Disponível em:
https://www.mdr.gov.br/images/stories/ArquivosSNSA/Arquivos_PDF/ReCesa/ges
taointegradaderesiduossolidosurbanos-nivel1.pdf.

556
REGISTROS E ESTATÍSTICAS VITAIS

Prosab. Coletânea de livros sobre saneamento básico. Disponível em: http://www.fi-


nep.gov.br/apoio-e-financiamento-externa/historico-de-programa/Prosab/produtos.
VILHENA, A. (coord.). Lixo municipal: manual de gerenciamento integrado. 4. ed.
São Paulo: Cempre, 2018. Disponível em: http://cempre.org.br/upload/Lixo_Mu-
nicipal_2018.pdf.

Autoria deste verbete

Liséte Celina Lange. Professora titular do Departamento de Engenharia Sanitária e


Ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais (Desa/UFMG). Doutora em Tec-
nologia Ambiental pela Universidade de Londres, Inglaterra.

Cynthia Fantoni Alves Ferreira. Engenheira civil, sanitarista e ambiental. Doutora


em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos – Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG). Pesquisadora pós-doutoral do Departamento de Engenharia Sanitária
e Ambiental da UFMG.

R
REGISTROS E ESTATÍSTICAS VITAIS

No Brasil há dois sistemas sobre estatís- nasc fornecem, além de dados de óbitos
ticas vitais: as estatísticas do Registro e nascimentos atualizados anualmente,
Civil, de responsabilidade do Instituto um conjunto de informações fundamen-
Brasileiro de Geografia e Estatística (IB- tais para o delineamento e gestão de po-
GE), e os Sistemas de Estatísticas Vitais, líticas na área da saúde.1
do Ministério da Saúde, formados pelo
Sistema de Informações sobre Nascidos Histórico
Vivos (Sinasc) e pelo Sistema de Infor-
mação sobre Mortalidade (SIM). O primeiro ato documentado sobre o R
O Registro Civil compreende infor- Registro Civil data de 1814, quando foi
mações dos cartórios sobre o acompa- proibido o enterro de pessoas sem certi-
nhamento da evolução da população dão emitida por médico. No entanto, foi a
brasileira, com dados sobre os nascidos partir do Decreto 70.210, de 1972, que o
vivos, casamentos e óbitos, e tem como Registro Civil passou a organizar e siste-
objetivo fornecer à sociedade informa- matizar os dados de nascidos vivos, casa-
ções sobre as ocorrências de nascimen- mentos, óbitos e óbitos fetais informados
tos e óbitos para o monitoramento da pelos cartórios de Registro Civil de Pes-
evolução populacional numa dada área soas Naturais, além de divórcios infor-
(município, estado etc.). Já o SIM e o Si- mados pelas varas de família, varas cíveis

557
EIXO 3 - LEITURA DEMOGRÁFICA DO TERRITÓRIO

e tabelionatos. O Serviço de Estatística nos hospitais e outras instituições, já


Demográfica, Moral e Política, do Minis- para os partos ocorridos em domicílios e
tério da Justiça, era o órgão responsável que são registrados, as informações vêm
pelo controle dos registros, sendo que, a dos cartórios de Registro Civil. Nessa
partir do decreto, o IBGE assumiu a cole- metodologia, perde-se a informação dos
ta e apuração das informações. partos ocorridos em domicílios e não
Em relação ao SIM, em 1976 foi criado registrados, muito embora pesquisas te-
o Centro Brasileiro de Classificação de nham mostrado que este número é mui-
Doenças (CBCD), que foi responsável pela to pequeno e vem diminuindo ao longo
codificação das causas de morte, com o dos anos.2 A Declaração de Nascimento,
objetivo de dar a devida importância ao documento exigido por lei que deve ser
preenchimento correto dos atestados de apresentado para que o registro possa ser
óbito. A utilização de um conceito úni- efetivado, contém informações sobre o
co e padronizado de declaração de óbito local de ocorrência, data de nascimento,
permitiu a uniformização dos dados, sexo, peso ao nascer, índice de Apgar, du-
resultando na melhoria dos dados cole- ração da gestação, tipo de gravidez e tipo
tados.2 O sistema, por sua vez, foi criado de parto, além de dados sobre a mãe, tais
em 2000, por meio de portaria, com o como nome, idade, grau de instrução, re-
objetivo de suprir as falhas do Registro sidência e número de filhos.
Civil, para um melhor acompanhamento
do perfil epidemiológico da mortalida- Integração recomendada
de no país.2 Na análise da mortalidade, os
óbitos classificados como mal definidos – Ainda que as diferentes finalidades jus-
para os quais não foi possível determinar tifiquem a existência das duas fontes de
a causa da morte, tendo ou não ocorrido informações, a Organização das Nações
atendimento médico – representam uma Unidas (ONU), por meio da sua Divisão de
lacuna importante no conhecimento da Estatística, sugere a integração numa úni-
distribuição das causas de óbito. Na déca- ca fonte de dados, para que haja concen-
da de 1980, os óbitos mal definidos repre- tração de esforços a fim de alcançar uma
sentavam mais de 20% do total dos óbitos maior cobertura e qualidade das informa-
captados pelo SIM. Em 1990 a redução foi ções. Com o objetivo de melhoria da enu-
para cerca de 16%, e nos anos 2000 a fre- meração dos eventos vitais, ao longo do
quência era de aproximadamente 13%. tempo foram criadas metodologias de cál-
Já o Sinasc teve sua origem motivada culo dos sub-registros para as estimativas
por pesquisas que, ao comparar os dados dos totais de nascidos vivos e óbitos. Em
dos registros de nascimentos com outras paralelo à divulgação das informações do
fontes, mostraram o problema de cober- Registro Civil, o IBGE divulga anualmente
tura do Registro Civil.2 Criado em 1989, os resultados do pareamento entre as duas
esse sistema tem como objetivo concen- bases de dados (do Instituto e do Ministé-
trar as informações de nascimento de rio da Saúde), fornecendo uma estimativa
todo o país numa única base. No caso dos dos nascimentos totais ocorridos no país,
partos realizados nos estabelecimentos bem como as estimativas do sub-registro e
de saúde, as informações são captadas da cobertura dos sistemas de informação.

558
REGISTROS E ESTATÍSTICAS VITAIS

No caso do Registro Civil, os eventos de Pessoas Naturais para todos os brasi-


não registrados, bem como o atraso na leiros, o que ajudou bastante na redução
realização do registro – seja pela dificul- do sub-registro. Em 2015, a cobertura
dade dos familiares em acessar os cartó- dos eventos vitais já era de 96,6%.1 Sobre
rios, ou por desconhecerem a importân- a cobertura dos nascidos vivos, o valor
cia do registro –, além de outras limita- mais baixo foi observado em Roraima
ções, tais como a existência de cemitérios (78,2%), em contraponto aos estados lo-
clandestinos, resultam em problemas de calizados no Centro-Sul do país, que ex-
sub-registro das informações coletadas.3 perimentaram cobertura dos registros
Outros problemas também são identifica- de nascimentos acima de 91%, em todas
dos, como a coleta insuficiente das ocor- unidades da Federação.1
rências municipais e o registro incorreto Os registros e as estatísticas vitais são
do local de residência.3 O registro atrasa- ferramentas para o delineamento de po-
do de nascimentos, por exemplo, é um fa- líticas e ações na área do saneamento
tor que contribui para o desconhecimen- básico. A análise dos eventos vitais em
to do número de nascimentos a cada ano. pequenas áreas, como, por exemplo, a ob-
Embora haja diferenças quando se leva servação das causas de morbimortalidade
em conta os registros realizados no ano em municípios pequenos, tem o potencial
seguinte ao nascimento, e apesar dos de fornecer insumos sobre os impactos
problemas de cobertura nos primeiros da baixa cobertura dos serviços de sanea-
anos de vida, esta era do Sinasc de pelo mento em algumas localidades.
menos 90% dos registrados em cartório Além da importância para a compreen-
em 1998, sendo que pesquisas recentes são da relação entre a cobertura de sane-
realizadas pelo IBGE mostram uma me- amento e o perfil epidemiológico da po-
lhoria da cobertura do registro civil de pulação, as estatísticas vitais (e todas as
nascimento no Brasil desde o ano 2000. informações que são disponibilizadas) são
Até 1997, o Registro Civil e a certidão elementos-chave para a construção de es-
não eram cobrados apenas para as pesso- timativas e projeções de população (ver p.
as comprovadamente pobres. Porém, em 495) para pequenas áreas, que constituem
lei aprovada naquele mesmo ano, deter- informações também relevantes para o
minou-se a gratuidade do Registro Civil planejamento em saneamento básico.

Referências bibliográficas R

1. IBGE. Sistemas de Estatísticas Vitais no Brasil: avanços, perspectivas e desafios.


OLIVEIRA, A. T. R. (org.). Rio de Janeiro: IBGE, 2018. Disponível em: https://ser-
vicodados.ibge.gov.br/Download/Download.ashx?http=1&u=biblioteca.ibge.gov.br/
visualizacao/livros/liv101575.pdf.
2. JORGE, M. H. P. M.; LAURENTI, R.; GOTLIEB, S. L. D. Análise da qualidade das
estatísticas vitais brasileiras: a experiência de implantação do SIM e do SINASC. Ci-
ência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 12, n. 3, p. 643-654, 2007.
3. WALDVOGEL, B. C.; FERREIRA, C. E. C.; FREITAS, R. M. V. et al. Integração das
bases de estatísticas vitais: uma possível realidade. In: ENCONTRO NACIONAL DE

559
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

ESTUDOS POPULACIONAIS, 17, 2010, Caxambu. Anais [...]. Abep: Belo Horizonte,
2010. Disponível em: http://www.abep.org.br/publicacoes/index.php/anais/article/
view/2413/2367.

Autoria deste verbete

José Irineu Rangel Rigotti. Doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e


Planejamento Regional (Cedeplar) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Professor associado do Cedeplar.

Járvis Campos. Doutor em Demografia pelo Cedeplar. Professor adjunto do Departa-


mento de Demografia e Ciências Atuariais (DDCA) da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (UFRN).

R
REGULAÇÃO DOS SERVIÇOS DE SANEAMENTO BÁSICO

Em sentido amplo, a regulação de ativi- garantir estabilidade, previsibilidade e


dades, bens e serviços, tanto na esfera segurança jurídica nas relações entre o
pública como privada, pode ser definida Estado e os agentes econômicos incumbi-
como um conjunto de regras impostas dos do provimento dos serviços; proteger
pelo poder público aos indivíduos e orga- o Estado e a sociedade de abusos do poder
nizações, condicionando-lhes as relações econômico desses agentes; garantir direi-
entre si e com o Estado e suas decisões e tos sociais e o acesso universal a todos
ações que possam afetar de algum modo os cidadãos a atividades e serviços públi-
a coletividade. Entre os aspectos envol- cos essenciais (a exemplo de segurança,
vidos podem estar propriedade de bens saúde, educação, saneamento, meio am-
materiais e imateriais, titularidade ou biente e transporte coletivo urbano); e
direito sobre atividades, condições de proteger o usuário/consumidor nas suas
acesso a bens e serviços, preços, partici- relações com os provedores de serviços de
pação no mercado, qualidade, segurança, interesse ou de relevante utilidade públi-
sanitária, ambiental e outros. ca (telefonia, energia, rodovias, transpor-
No sentido estrito, a regulação de ati- tes, petróleo e gás etc.).
vidades ou serviços públicos de compe-
tência estatal, inclusive a organização Setor complexo
e o funcionamento de suas instituições,
constitui-se em obrigação-dever consti- O saneamento básico constitui um dos
tucional do poder público. Ela objetiva, setores mais complexos, do ponto de vis-
entre outras funções: regulamentar e ta regulatório, entre os setores de infra-

560
REGULAÇÃO DOS SERVIÇOS DE SANEAMENTO BÁSICO

estruturas urbanas em sistemas de redes • definição das atividades e infraestrutu-


e que envolvam serviços de acesso univer- ras componentes de cada serviço e das
sal. Além de ter como foco principal o for- regras gerais relativas à prestação e à
necimento de bens e serviços essenciais utilização destes;
para a vida da população, característica • processo de planejamento;
de serviço público em estrito senso, es- • mecanismos e formas de participação
tes serviços envolvem atividades típicas no controle social;
e passíveis de exploração econômica, • organização jurídico-institucional e
entre outras: o fornecimento de água administrativa da gestão dos serviços,
para usos não essenciais ou como insu- definindo e disciplinando:
mo industrial, a coleta e tratamento de • a regulação e fiscalização – objetivos,
efluentes industriais, a coleta ou o rece- atividades e a forma como será exercida
bimento e destinação final de resíduos de a função de regulação normativo-exe-
atividades econômicas. Apresenta, ainda, cutiva dos serviços e sua fiscalização,
uma infinidade de interfaces com outras compreendendo a instituição ou desig-
importantes políticas públicas com regu- nação do ente regulador e fiscalizador
lações específicas, como as de saúde, meio municipal, inclusive consórcio público,
ambiente, recursos hídricos e urbanismo. suas atribuições e funcionamento; ou
No âmbito das diretrizes nacionais os critérios para a delegação da regula-
para o saneamento básico, estabelecidas ção e fiscalização, contemplando a for-
pela Lei 11.445, de 2007, a função de re- ma de atuação e a abrangência das ati-
gulação é definida como: “todo e qualquer vidades administrativas de regulação
ato que discipline ou organize determinado e fiscalização a serem desempenhadas
serviço público, incluindo suas característi- pela entidade reguladora delegatária e
cas, padrões de qualidade, impacto socioam- pelo município;
biental, direitos e obrigações dos usuários e • a prestação – a forma como os serviços
dos responsáveis por sua oferta ou prestação são prestados; a criação, as atribuições,
e fixação e revisão do valor de tarifas e ou- a organização administrativa e funcio-
tros preços públicos” (Decreto 7.217/2010, namento do órgão e/ou entidade mu-
artigo 2º). nicipal prestadora; ou a outorga e as
Neste contexto, a regulação da Política condições da prestação por consórcio
Municipal de Saneamento Básico (ver p. público e/ou a autorização e as con-
450) consiste, em primeiro plano, na edi- dições da delegação da prestação dos R
ção de normas legais (Poder Legislativo) e serviços em regime de concessão, os
de decretos regulamentares e outros atos respectivos processos de contratação e
jurídicos (Poder Executivo), bem como no termos contratuais; os direitos e obri-
exercício de ações e atividades administra- gações dos usuários e dos prestadores e
tivas envolvendo os seguintes aspectos: das penalidades;
• a política de cobrança – o sistema de
• definição dos princípios e diretrizes cobrança, a composição de taxas, tari-
gerais que o município deve observar fas e outros preços públicos e a siste-
na execução da sua política de sanea- mática de reajustes e de revisões, polí-
mento básico; tica de subsídios.

561
EIXO 8 - GESTÃO DO SANEAMENTO

Plano executivo Lei 11.445/2007 estabelece que a atua-


ção do ente regulador deve observar os
Em segundo plano, a regulação consiste princípios de “independência decisória e
na edição de normas executivas dos as- autonomia administrativa, orçamentária
pectos técnicos, econômicos e sociais da e financeira da entidade reguladora” em
prestação dos serviços previstos na regu- relação ao poder público titular e ao pres-
lação normativa legal e regulamentar e tador contratado, bem como os princípios
nos contratos de delegação (contrato de de “transparência, tecnicidade, celerida-
concessão ou de programa). Ela se realiza de e objetividade das decisões”.
mediante ações administrativas do ente
responsável por esta regulação visando Prestação direta
garantir e dar efetividade aos instrumen-
tos e objetivos da regulação, contemplan- Os princípios e objetivos gerais da re-
do pelo menos os aspectos elencados no gulação aplicam-se também quando os
art. 23 da Lei 11.445 e seu regulamento, serviços de saneamento básico são pres-
cujo foco essencial pode ser resumido em tados diretamente pelo poder público
três grandes objetivos: a universalização titular (município), por meio de seus ór-
dos serviços, a qualidade e a eficiência gãos e entidades, conforme se verifica de
da prestação e a modicidade tarifária. interpretação mais ampla da Lei 11.445
De modo geral, os modelos de sistemas e de seu regulamento. No entanto, co-
regulatórios de serviços públicos existen- mo neste caso não existem conflitos de
tes em alguns países, bem como os repro- interesses entre o titular e o prestador
duzidos no Brasil para diferentes setores – pois integram a mesma administração
(energia, telecomunicações, transporte e o Poder Público tem plena soberania
etc.), inclusive o saneamento básico, fo- e controle sobre o prestador –, a função
ram concebidos para cuidar, particular- regulatória tem como objetivo principal
mente, da atuação dos agentes privados promover a eficiência da gestão pública
e estatais na prestação de serviços pú- e garantir o cumprimento dos direitos
blicos, em regime de concessão ou outra sociais inerentes aos serviços de sane-
forma de delegação, visando equilibrar e amento básico, entre eles o acesso uni-
arbitrar os interesses públicos, estatais versal e integral, a qualidade e a modici-
e privados envolvidos, principalmente dade dos custos, conforme os objetivos
os socioeconômicos. No caso do Brasil expressos no art. 22 da referida lei:
isto também se aplica aos serviços “I. estabelecer padrões e normas para a
delegados em regime de gestão associada, adequada prestação dos serviços e para a sa-
para entidades públicas ou estatais tisfação dos usuários;
pertencentes a outro ente federativo, II. garantir o cumprimento das condi-
como os casos das delegações dos serviços ções e metas estabelecidas nos contratos
municipais de abastecimento de água (ver de prestação de serviços e nos planos mu-
p. 645) e de esgotamento sanitário (ver p. nicipais ou de prestação regionalizada de
256) para empresas estaduais. saneamento básico;
Objetivando garantir a eficácia dessa III. prevenir e reprimir o abuso do poder
função regulatória é que o artigo 21 da econômico, ressalvada a competência dos

562
REGULAÇÃO DOS SERVIÇOS DE SANEAMENTO BÁSICO

órgãos integrantes do sistema nacional de Outro objetivo importante da regulação


defesa da concorrência; e é garantir aos usuários dos serviços públi-
IV. definir tarifas que assegurem tan- cos de saneamento básico amplo acesso a
to o equilíbrio econômico e financeiro dos informações sobre os serviços prestados,
contratos como a modicidade tarifária, por especialmente o conhecimento prévio dos
mecanismos que gerem eficiência e eficá- seus direitos e deveres e das penalidades a
cia dos serviços e que permitam o compar- que podem estar sujeitos e o recebimento
tilhamento dos ganhos de produtividade de atualizações periódicas sobre a qualida-
com os usuários.” de da prestação dos serviços.

Referências bibliográficas

BRASIL. Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007. Estabelece as diretrizes nacionais


para o saneamento básico, cria o Comitê Interministerial de Saneamento Básico.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/_Ato2007-2010/2007/Lei/
L11445.htm. Acesso em: 14 ago. 2020.
BRASIL. Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005. Dispõe sobre normas gerais de contra-
tação de consórcios públicos. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
Ato2004-2006/2005/Lei/L11107.htm. Acesso em: 14 ago. 2020.
BRASIL. Decreto nº 7.217, de 21 de junho de 2010. Regulamenta a Lei nº 11.445, de
5 de janeiro de 2007, que estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/decre-
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ASSIS, J. B. L.; PINHEIRO, J. I.; LIMA, U. M. Controle social na regulação da prestação
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PINTO, B. Regulamentação efetiva dos serviços e utilidade pública. Edição Revista e
Anotada por Alexandre Santos de Aragão. Rio de Janeiro: Forense, 2001.
CORDEIRO, B. S. (coord.). Instrumentos das políticas e da gestão dos serviços públi-
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Básico: perspectivas para as políticas e gestão dos serviços públicos, v. 1). Disponível
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NETO, F. A. M. Agências reguladoras independentes: fundamentos e seu regime jurí-
dico. Belo Horizonte: Fórum, 2005.

Para saber mais

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ord.). Instrumentos das políticas e da gestão dos serviços públicos de Saneamen-
to Básico. Brasília: MCidades, 2009. (Lei Nacional de Saneamento Básico: perspec-

563
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

tivas para as políticas e gestão dos serviços públicos, v. 1). p. 163-191. Disponível
em: https://www.mdr.gov.br/images/stories/ArquivosSNSA/Arquivos_PDF/Coleta-
nea_Lei11445_Livro1_Final.pdf.
PEIXOTO, J. B. (org.). Criação e estruturação de serviços municipais e intermunici-
pais de saneamento básico. Brasília: Funasa; Assemae, 2017.

Autoria deste verbete

João Batista Peixoto. Economista, pós-graduado em Administração Financeira e Con-


tábil pela Fundação Getulio Vargas em São Paulo (FGV-SP). Consultor independente
em gestão de serviços de saneamento básico.

R
REGULAÇÃO NA GESTÃO DE RESÍDUOS SÓLIDOS

A regulação na gestão dos resíduos sóli- resíduos1. Os tipos de órgãos concessio-


dos é essencial para garantir que as me- nários têm duas principais característi-
tas propostas sejam alcançadas, por meio cas: as empresas privadas predominam
da definição de condições e parâmetros nas agências reguladoras de saneamento
para a qualidade dos serviços prestados e, básico (ARSBs) estaduais e de consórcios,
também verificar o cumprimento das dis- enquanto nas ARSBs municipais a maior
posições normativas em procedimentos concentração é de autarquias, departa-
de fiscalização, controle e divulgação de mentos ou prefeitura1.
informações. Em termos gerais, no país, A Política Nacional de Saneamento
a cobrança dos serviços de limpeza urba- Básico (PNSB – ver p. 473) traz um capí-
na é arrecadada em conjunto com outros tulo específico para a regulação dos resí-
tributos, dificultando o acesso preciso duos sólidos. Ele estabelece as diretrizes
ao montante arrecadado e destinado aos nacionais para a regulação e a remunera-
serviços ligados ao gerenciamento dos ção pela cobrança dos serviços de sanea-
resíduos sólidos. mento básico, ao lado do dever de assegu-
Ainda é pouco disponível a experiência rar, sempre que possível: a sustentabili-
de regulação dos serviços de gestão de dade econômica e financeira da prestação
resíduos sólidos no Brasil. As agências do serviço; o estabelecimento de padrões
reguladoras do setor de saneamento, em e normas para a adequada prestação dos
sua grande maioria, são extremamente serviços e para a satisfação dos usuários;
recentes e ainda se encontram em perío- e o monitoramento dos custos, subsídios
do de estruturação. Das 67 agências que tarifários e não tarifários, requisitos ope-
regulam água e esgoto no Brasil, apenas racionais e de manutenção do sistema,
19 têm alguma iniciativa para a área de dentre outros2.

564
REGULAÇÃO NA GESTÃO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS

É imprescindível que os municípios Regulação econômica


elaborem seus Planos de Gestão Integra-
da de Resíduos Sólidos (PGIRSs – ver p. A regulação econômica define um con-
463), ferramenta para a regulação téc- junto de regras específicas para a insti-
nica e econômica dos resíduos, que pro- tuição de tarifas e preços induzindo os
picia instrumentos para as normativas operadores a produzir o que é desejável,
técnicas e mecanismos para a cobrança de forma a alcançar resultados ótimos no
e estruturação tarifária. que concerne aos preços praticados, às
Especificamente para as atividades de quantidades produzidas e aos padrões de
limpeza urbana (ver p. 351) e gestão de qualidade oferecidos5.
resíduos, as formas de cobrança previs- O processo de estabelecimento de ta-
tas são taxas ou tarifas e outros preços xas e/ou tarifas para estes envolve a
públicos, em conformidade com o regime compreensão dos diferentes tipos de ser-
de prestação do serviço. A estrutura de viços oferecidos, a forma em que são pro-
cobrança dos serviços públicos de sanea- visionados, quem são os clientes e o que
mento básico poderá levar em considera- eles estão dispostos a pagar pelo serviço.
ção as categorias de usuários, a utilização Deve-se considerar os custos e as condi-
do serviço e a capacidade de pagamento ções institucionais para a prestação dos
dos consumidores. serviços e, finalmente, avaliar todas as
Com relação às diretrizes da tarifa so- fontes de receita, incluindo taxas, tarifas
cial e às políticas de subsídios vinculadas e outras fontes (recursos do estado).
aos resíduos sólidos, o novo marco legal Os custos são compostos segundo uma
do Saneamento (Lei 14.026/2020) esta- ampla gama de atividades geradoras.
belece que as taxas ou tarifas devam levar Podem estar relacionados à coleta, ao
em conta a adequada destinação dos resí- transporte, ao transbordo, ao tratamento
duos e poderão considerar, principalmen- ou à disposição final. Em qualquer caso,
te: o nível de renda da população da área o sistema de custeio adotado diferen-
atendida, de forma isolada ou combinada3. cia seus componentes entre diretos e
Diante da complexidade do sistema de indiretos.
prestação do serviço de limpeza urbana e Os custos diretos são referentes
manejo de resíduos sólidos, e pela diversi- às despesas com itens que podem ser
dade de regimes de prestação possíveis, a apropriados diretamente a determinado
função regulatória a ser exercida por agên- objeto de custeio, bastando haver uma R
cia reguladora variará conforme a natu- forma objetiva e economicamente viável
reza da atividade empreendida, bem como para isto.
do regime jurídico da respectiva prestação. Os custos indiretos referem-se àquelas
Para as atividades de coleta, transbordo despesas que não têm claramente itens
e transporte, por suas características in- geradores de sua utilização, através de
trínsecas, vislumbra-se maior facilidade uma medida objetiva, ou até têm, mas é
na realização da regulação econômica e economicamente inviável medi-los, em
dificuldades na regulação técnica; nas ati- situações em que o custo para alocar va-
vidades de triagem, tratamento e disposi- lores pode ser maior do que o benefício
ção final (ver p. 210) ocorre o inverso4. resultante da informação obtida.

565
EIXO 6 - MANEJO DE RESÍDUOS SÓLIDOS

Esta distinção tem importância no lece que, “a não proposição de instrumen-


momento do rateio de custos. O grupo to de cobrança pelo titular do serviço,
dos custos indiretos tem um tratamen- no prazo de 12 (doze) meses de vigência
to especial, pois agrega alguns itens que desta Lei, configura renúncia de receita e
são integralmente relacionados aos ser- crime de responsabilidade fiscal” 3.
viços que compõem a taxa de coleta de
resíduos urbanos e outros que o são ape- Regulação técnica
nas parcialmente.
Na cadeia produtiva dos resíduos sóli- Na regulação técnica destaca-se o esta-
dos podem ser identificadas etapas com belecimento de normas de conduta e
custos de comportamento variável e ou- criação de instrumentos de incentivos
tras do tipo predominantemente fixo – as para que sejam cumpridos. A elaboração
atividades administrativas são exemplo de indicadores é necessária para avaliar
do segundo tipo. Pode-se dizer também e possibilitar a fiscalização direta e indi-
que a atividade de coleta possui custos reta das atividades de coleta, transpor-
fixos, pois no curto prazo não mudam te, transbordo, tratamento e destina-
sensivelmente com a variação da geração ção final dos resíduos. Estudo realizado
de RS. Por outro lado, as atividades de pela Universidade de São Carlos propõe
transbordo, tratamento e disposição fi- a adoção de indicadores (ver p. 318) sob
nal possuem custos variáveis, sendo que a perspectiva de cinco dimensões: am-
normalmente os contratos dos aterros biental, econômica, social, política e cul-
sanitários são por quantidade (toneladas tural. A estratégia adotada para a elabo-
depositadas pela coleta ou transbordo). ração dos indicadores foi a identificação
Dessa forma, esse custo poderá ser consi- dos problemas prioritários para a gestão
derado como variável dentro da composi- integrada dos RS, por meio de consultas
ção dos custos do serviço. aos gestores municipais5.
Em 2020 foi atualizado o marco legal Outro exemplo é o Sistema Nacio-
do saneamento com a Lei 14.026, para nal sobre Informações do Saneamento
aprimorar as condições estruturais do (SNIS), que consolida e sistematiza os
saneamento básico no País. No artigo 29 dados dos municípios relativos às condi-
estabelece que “os serviços públicos de sa- ções da prestação dos serviços públicos de
neamento básico terão a sustentabilidade manejo de resíduos sólidos, e disponibi-
econômico financeira assegurada por meio liza indicadores de desempenho, para as
de remuneração pela cobrança dos serviços, dimensões técnicas e econômicas.
e, quando necessário, por outras formas O desafio no desenho de sistema de
adicionais, como subsídios ou subvenções, avaliação de desempenho com uso de
vedada a cobrança em duplicidade de cus- indicadores é definir uma relação de in-
tos administrativos ou gerenciais a serem dicadores que, ao mesmo tempo, repre-
pagos pelo usuário, nos serviços de limpe- sente todos os aspectos relevantes da
za urbana e manejo de resíduos sólidos, na prestação dos serviços e possa ser apli-
forma de taxas, tarifas e outros preços pú- cada em toda a diversidade da gestão de
blicos, conforme o regime de prestação do resíduos sólidos.
serviço ou das suas atividades”, e estabe-

566
REGULAÇÃO NA GESTÃO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS

Cenário brasileiro gum tipo de cobrança, o valor arrecadado


cobre em média apenas 54,6% dos custos
Segundo a Associação Brasileira de Em- referentes a prestação dos serviços, o que
presas de Limpeza Pública e Resíduos leva a um déficit financeiro 8.
Especiais (Abrelpe)7, o Brasil coletou Ressalta-se a necessidade do contro-
aproximadamente 71,6 milhões de tone- le social e do controle do aumento da
ladas de resíduos sólidos urbanos (RSU) cobrança pela prestação dos serviços,
no ano de 2017, com um índice de cober- assim como de controle rigoroso dos
tura de coleta de 91,24%. Os dados refe- custos e da qualidade, com transparên-
rentes a coleta de resíduos na área rural cia na prestação de contas. O modelo de
não são disponibilizados. cobrança a ser adotado deve balancear
Quanto à cobrança pelos serviços pres- adequadamente a sustentabilidade fi-
tados, dos 46,3% dos municípios brasilei- nanceira do serviço, respeitando, porém,
ros que cobram, a grande maioria o faz a capacidade contributiva dos geradores,
por meio de taxa e no mesmo boleto do o tipo e a quantidade dos resíduos gera-
IPTU. Nos municípios que realizam al- dos e os serviços demandados.

Referências bibliográficas

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lia: Abar, 2019. Disponível em: http://abar.org.br/mdocs-posts/
coletanea-regulacao-do-saneamento-basico-2019.
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Resíduos Sólidos. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
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3. BRASIL. Lei nº 14.026, de 15 de julho de 2020. Atualiza o marco legal do sa-
neamento básico. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-
2022/2020/lei/L14026.htm
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2016, Jaraguá do Sul. Brasília: Assemae, 2016. Disponível em: https://trabalhosas-
semae.com.br/2016/xxeems/trabalhos/t489t19e10a2016.pdf.
5 MARQUES, R. C. A regulação dos serviços de abastecimento de água e de saneamen- R
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tão Municipal de Resíduos Sólidos Urbanos: um estudo para São Carlos (SP). Enge-
nharia Sanitária e Ambiental. v. 14, n. 3, p. 411- 420, 2009. Disponível em: http://
www.abes-dn.org.br/publicacoes/engenharia/resaonline/v14n03/RESAv14n3_
p411-20.pdf
7 ABRELPE. Panorama dos resíduos sólidos no Brasil 2017. São Paulo: Abrelpe, 2018.
Disponível em: http://abrelpe.org.br/pdfs/panorama/panorama_abrelpe_2017.pdf.
8 SNIS. Diagnóstico do manejo de resíduos sólidos urbanos – série histórica. Dispo-
nível em: http://app4.mdr.gov.br/serieHistorica.

567
EIXO 6 - MANEJO DE RESÍDUOS SÓLIDOS

Para saber mais

PLANSAB. Caderno temático 5: cobrança específica para os serviços de resíduos só-


lidos urbanos. Brasília, 2019. Disponível em: https://www.mdr.gov.br/images/sto-
ries/ArquivosSNSA/Arquivos_PDF/plansab/5-CadernotematicoCobrancaespecifi-
caparaosservicosderesiduossolidosurbanos.pdf.

Autoria deste verbete

Liséte Celina Lange. Professora titular do Departamento de Engenharia Sanitária e


Ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais (Desa/UFMG). Doutora em Tec-
nologia Ambiental pela Universidade de Londres, Inglaterra.

Cynthia Fantoni Alves Ferreira. Engenheira Civil, Sanitarista e Ambiental. Doutora


em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos – Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG). Pesquisadora pós-doutoral do Departamento de Engenharia Sanitária
e Ambiental da UFMG.

R
RESÍDUOS SÓLIDOS

O manejo sustentável dos resíduos sóli- do contato ou acúmulo destes. Desta-


dos é uma temática presente nas discus- cam-se as arboviroses emergentes e re-
sões sobre saúde, ambiente, economia e emergentes (dengue, zika e chikungunya)
sociedade. O Brasil, segundo dados da por propiciar o acúmulo de água e conse-
Associação Brasileira de Empresas de Lim- quentemente o desenvolvimento das lar-
peza Pública e Resíduos Especiais (Abrel- vas do mosquito, e também a proliferação
pe)1 gerou 78,4 milhões de toneladas de de animais, como os escorpiões. Assim,
resíduos no ano de 2017. Ainda segundo é importante compreender o que são os
a Abrelpe, dos resíduos coletados, 40,9% resíduos e suas diferentes características.
seguem para destinos inadequados, tota- Popularmente conhecido como lixo,
lizando mais de 29 milhões de toneladas o resíduo sólido recebe a seguinte de-
de resíduos destinados a lixões ou aterros finição da Lei 12.305/20102: “material,
controlados, os quais não são sistemas substância, objeto ou bem descartado resul-
adequados para a proteção da saúde da tante de atividades humanas em sociedade,
população e tampouco do meio ambiente. a cuja destinação final se procede, se propõe
A sistemática disposição final (ver p. proceder ou se está obrigado a proceder, nos
210) inadequada dos resíduos leva a con- estados sólido ou semissólido, bem como ga-
taminação do solo, águas e ar, além de ses contidos em recipientes e líquidos cujas
problemas de saúde pública decorrentes particularidades tornem inviável o seu lan-

568
RESÍDUOS SÓLIDOS

çamento na rede pública de esgotos ou em à expansão da consciência coletiva com


corpos d’água, ou exijam para isso soluções relação ao meio ambiente. Assim, o ma-
técnica ou economicamente inviáveis em fa- nejo ambientalmente adequado de resí-
ce da melhor tecnologia disponível.” Essa lei duos sólidos deve ir além do simples de-
institui a Política Nacional de Resíduos pósito ou aproveitamento dos resíduos, e
Sólidos (PNRS – ver p. 568). buscar a resolução da causa fundamental
Importante refletir que o “resíduo” do problema, procurando mudar os pa-
não se faz presente na natureza sem co- drões não sustentáveis de produção e
mumente passar por ciclos naturais. A consumo e estimular a adoção dos con-
ideia do resíduo como algo incômodo, que ceitos de não geração, redução, reutiliza-
impacta o equilíbrio do meio ambiente, ção, reciclagem e tratamento dos resíduos
tem, normalmente, origem antrópica (ver p. 551), assim como a disposição final
(ação do ser humano). Com isso, o con- adequada dos rejeitos, em todas as etapas
ceito perpassa por percepções de ordem de desenvolvimento.
social, econômica, jurídica e ambiental. Segundo a Constituição Federal, as ins-
Assim, uma outra definição para o termo tituições responsáveis pelos resíduos só-
tem sido mundialmente adotada por di- lidos municipais e perigosos, no âmbito
ferentes esferas sociais. Define-se resíduo nacional, estadual e municipal, são deter-
sólido como qualquer material ou objeto minadas nos seguintes artigos3:
desprezado por seu proprietário e des-
cartado em um certo momento e em um - artigo 23 (incisos VI e IX), que estabe-
certo local. Ou seja, a condição de resíduo lece ser competência comum da União,
pode ser transitória e depende de aspec- dos estados, do Distrito Federal e dos
tos como tecnologia, situação econômica, municípios proteger o meio ambiente
informação, cultura, políticas públicas. e combater a poluição em qualquer das
Aquilo que já não apresenta serventia suas formas, bem como promover pro-
para quem o descarta, para outro pode se gramas de construção de moradias e a
tornar matéria-prima para um novo pro- melhoria do saneamento básico;
duto ou processo ou até fonte de renda. - artigo 30 (incisos I e V), que estabe-
Cabe ressaltar que a PNRS define tam- lece como atribuição municipal legislar
bém rejeitos como os “resíduos sólidos que, sobre assuntos de interesse local, es-
depois de esgotadas todas as possibilidades pecialmente quanto à organização dos
de tratamento e recuperação por processos seus serviços públicos, como é o caso da R
tecnológicos disponíveis e economicamente limpeza urbana.
viáveis, não apresentem outra possibilidade
que não a disposição final ambientalmente Assim, os municípios passaram a ter
adequada”2. Destaca-se aqui que a dispo- maior autonomia e ser detentores da titula-
sição final ambientalmente adequada é ridade dos serviços de limpeza urbana (ver
aquela que dispõe os rejeitos em aterros p. 351) e do manejo dos resíduos sólidos.
de maneira sistemática e ordenada. Em 1998 foi aprovada a Lei de Crimes
A preocupação com os resíduos vem Ambientais (LCA – Lei 9.605)3 e os resí-
sendo discutida há algumas décadas nas duos sólidos foram tratados nos seguin-
esferas nacional e internacional, devido tes artigos3:

569
EIXO 6 - MANEJO DE RESÍDUOS SÓLIDOS

- artigo 54, o qual institui que se a polui- Assim, este marco legal atualizado,
ção ocorrer por lançamentos de resíduos bem como a Lei 12.305/2010 (PNRS), são
sólidos, líquidos ou gasosos, ou detritos, importantes instrumentos legais no pro-
óleos ou substâncias oleosas, em desa- cesso de reversão do quadro relativo aos
cordo com as exigências estabelecidas impactos negativos dos resíduos sólidos
em leis ou regulamentos, a pena nesse no Brasil, e são as leis norteadoras para
caso é de reclusão, de um a cinco anos; elaboração do Plano Municipal de Sanea-
- artigo 56, o qual determina que comete mento Básico (PMSB – ver p. 450).
crime, com pena de reclusão de um a qua-
tro anos e multa, quem manipula, acon- Classificação
diciona, armazena, coleta, transporta,
reutiliza, recicla ou dá destinação final  A Política Nacional de Resíduos Sólidos2
a resíduos perigosos de forma diversa da abrange todos os tipos desses resíduos
estabelecida em lei ou regulamento. e define diretrizes, princípios e instru-
mentos. Os tipos são classificados tanto
Em 2007 foi aprovada a Lei 11.445, es- segundo a origem como quanto à pericu-
tabelecendo as diretrizes nacionais para losidade. Quanto à origem:
o saneamento básico e a elaboração da
Política Nacional de Saneamento Bási- a) resíduos domiciliares: os originá-
co. Entre várias definições, no seu artigo rios de atividades domésticas em resi-
3º, inciso I, descreve limpeza urbana e dências urbanas; 
manejo de resíduos sólidos como sendo b) resíduos de limpeza urbana: os ori-
o “conjunto de atividades, infraestrutu- ginários da varrição, da limpeza de lo-
ras e instalações operacionais de coleta, gradouros e vias públicas e de outros
transporte, transbordo, tratamento e serviços de limpeza urbana; 
destino final do resíduo doméstico e do c) resíduos sólidos urbanos: os engloba-
resíduo originário da varrição e limpeza dos nos itens “a” e “b”; 
de logradouros e vias públicas”4. d) resíduos de estabelecimentos comer-
Em 2020 foi atualizado o marco legal ciais e prestadores de serviços: os ge-
do saneamento com a Lei 14.026, para rados nessas atividades, excetuados os
aprimorar as condições estruturais do referidos nos itens “b”, “e”, “g”, “h” e “j”; 
saneamento básico no País, no seu artigo e) resíduos dos serviços públicos de
3º, inciso I, a qual descreve limpeza ur- saneamento básico: os gerados nessas
bana e manejo de resíduos sólidos como atividades, excetuados os referidos no
sendo “constituídos pelas atividades e pe- item “c”; 
la disponibilização e manutenção de in- f) resíduos industriais: os gerados nos
fraestruturas e instalações operacionais processos produtivos e instalações da
de coleta, varrição manual e mecanizada, indústria; 
asseio e conservação urbana, transporte, g) resíduos de serviços de saúde: os
transbordo, tratamento e destinação final gerados nesses serviços, conforme de-
ambientalmente adequada dos resídu- finido em regulamento ou em normas
os sólidos domiciliares e dos resíduos de estabelecidas pelos órgãos do Sistema
limpeza urbana”5. Nacional do Meio Ambiente (Sisnama)

570
RESÍDUOS SÓLIDOS

e do Sistema Nacional de Vigilância nicípios brasileiros por meio do Diag-


Sanitária (SNVS);  nóstico do Manejo de Resíduos Sólidos,
h) resíduos da construção civil: os gera- o qual apresenta uma série histórica
dos nas construções, reformas, reparos e coletada desde 20026. Também é possí-
demolições de obras e de construção civil, vel encontrar dados e informações em
incluídos os resultantes da preparação e pesquisas nacionais como a da Abrelpe,
escavação de terrenos para obras civis;  que desde 2003 publica informações
i) resíduos agrossilvopastoris: os gera- sobre o cenário dos RSU no Brasil por
dos nas atividades agropecuárias e sil- meio da publicação do Panorama dos
viculturais, incluídos os relacionados a Resíduos Sólidos no Brasil1, assim co-
insumos utilizados nessas atividades;  mo o Instituto Brasileiro de Geografia
j) resíduos de serviços de transportes: e Estatística (IBGE) com um banco de
os originários de portos, aeroportos, dados multidimensional de estatísti-
terminais alfandegários, rodoviários e cas e o sistema IBGE de recuperação
ferroviários e passagens de fronteira;  automática7. Recentemente foi lançado
k) resíduos de mineração: os gerados na o Sistema Nacional de Informações so-
atividade de pesquisa, extração ou be- bre a Gestão dos Resíduos Sólidos8, que
neficiamento de minérios.  estava previsto em lei desde 2010, mas
só foi finalizado na atual gestão. Atua-
Quanto à periculosidade:  rá sob a coordenação do Ministério de
Meio Ambiente (MMA) e deverá coletar
a) resíduos perigosos: aqueles que, em dados relativos aos serviços públicos e
razão de suas características de infla- privados de gestão e gerenciamento de
mabilidade, corrosividade, reatividade, resíduos sólidos, possibilitando o moni-
toxicidade, patogenicidade, carcinoge- toramento, a fiscalização, a avaliação da
nicidade, teratogenicidade e mutageni- eficiência da gestão e o gerenciamento
cidade, apresentam significativo risco desses resíduos, inclusive dos sistemas
à saúde pública ou à qualidade ambien- de logística reversa (ver p. 357).
tal, de acordo com lei, regulamento ou Nenhuma das bases de dados citadas
norma técnica;  faz referência ou distinção de resíduos
b) resíduos não perigosos: aqueles não sólidos urbanos e rurais. Portanto, ressal-
enquadrados no item “a”.  ta-se a necessidade de considerar todo o
território municipal para o planejamento R
Cenário brasileiro de saneamento e se possível, criar indica-
dores que estabeleçam as realidades ur-
É possível analisar o atual cenário dos bana e rural (ver p. 67).
resíduos sólidos urbanos (RSU) nos mu-

Referências bibliográficas

1 ABRELPE. Panorama dos resíduos sólidos no Brasil 2017. São Paulo: Abrelpe, 2018.
Disponível em: http://abrelpe.org.br/pdfs/panorama/panorama_abrelpe_2017.pdf.
2 BRASIL. Lei nº 12.305, de 02 de agosto de 2010. Institui a Política Nacional de

571
EIXO 6 - MANEJO DE RESÍDUOS SÓLIDOS

Resíduos Sólidos. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-


2010/2010/lei/l12305.htm.
3 BRASIL. Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e
administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9605.htm.
3 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. Disponível em: http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 30 maio 2019.
4 BRASIL. Lei nº 11.445, de 05 de janeiro de 2007. Estabelece diretrizes nacionais
para o saneamento básico. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
ato2007-2010/2007/lei/l11445.htm.
5 BRASIL. Lei nº 14.026, de 15 de julho de 2020. Atualiza o marco legal do sane-
amento básico. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-
2022/2020/lei/L14026.htm.
6 SNIS. Diagnóstico do manejo de resíduos sólidos urbanos – série histórica. Dispo-
nível em: http://app4.mdr.gov.br/serieHistorica.
7 IBGE. Disponível em: https://www.ibge.gov.br. Acesso em: 12 maio 2019.
8 MMA. Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos. Dis-
ponível em: https://sinir.gov.br.

Para saber mais

BRASIL. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do


Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6938.htm.
FUNASA. Manual de saneamento. 4. ed. Brasília: Funasa, 2015. Disponível em:
http://www.funasa.gov.br/documents/20182/38564/Mnl_Saneamento.pdf/
ae1d4eb7-afe8-4e70-ae9a-0d2ae24b59ea.
NUCASE. Gestão integrada de resíduos sólidos urbanos: guia do profissional em trei-
namento – nível 1. Belo Horizonte: ReCesa. (Série Resíduos sólidos). Disponível em:
https://www.mdr.gov.br/images/stories/ArquivosSNSA/Arquivos_PDF/ReCesa/ges-
taointegradaderesiduossolidosurbanos-nivel1.pdf.
Prosab. Coletânea de livros sobre saneamento básico. Disponível em: http://www.finep.
gov.br/apoio-e-financiamento-externa/historico-de-programa/Prosab/produtos.

Autoria deste verbete

Liséte Celina Lange. Professora titular do Departamento de Engenharia Sanitária e


Ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais (Desa/UFMG). Doutora em Tec-
nologia Ambiental pela Universidade de Londres, Inglaterra.

Cynthia Fantoni Alves Ferreira. Engenheira civil, sanitarista e ambiental. Doutora em


Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos – Universidade Federal de Minas Ge-

572
RISCOS PEDOLÓGICOS E GEOLÓGICOS

rais (UFMG). Pesquisadora pós-doutoral do Departamento de Engenharia Sanitária e


Ambiental da UFMG

R
RISCOS PEDOLÓGICOS E GEOLÓGICOS

O solo serve de suporte a várias ativi- de drenagem determinando, portanto, a


dades humanas que ao serem desenvol- viabilidade de utilizá-lo como suporte às
vidas podem modificar suas caracterís- construções e a variadas infraestruturas.
ticas químicas, físicas e biológicas. No O histórico dos usos passados dos solos
contexto do saneamento, o solo propor- também é relevante no contexto do pla-
ciona suporte à infraestrutura neces- nejamento municipal, pois é necessário
sária e também atua como um compo- evitar o uso de áreas contaminadas para
nente de subsistemas que empregam atividades como agricultura. Além disso,
a infiltração e a exploração de águas o relevo deve ser levado em consideração
subterrâneas. No âmbito do manejo das no planejamento. Por exemplo, as regiões
águas pluviais (ver p. 368), a interação com altas declividades devem ser manti-
não controlada entre as águas de chuva das com a vegetação natural.
e os solos pode acarretar desde danos Nos ciclos da natureza é fundamental
econômicos, sociais e ambientais, sendo o papel do solo. Com a água não é diferen-
esse o caso de processos erosivos, até a te: há uma grande interface entre o ciclo
ocorrência de desastres (ver p. 183) com hidrológico (ver p. 97) e os solos. Parte
potencial perda de vidas humanas, como da água precipitada infiltra-se no solo e
é o caso dos deslizamentos de terra. fica armazenada, podendo ser absorvida
Serão apresentadas informações sobre pelas plantas ou transportada até chegar
alterações ocasionadas no solo que podem aos aquíferos. A parte que escoa superfi-
ter impactos no saneamento, saúde, qua- cialmente pode desagregar partículas de
lidade de vida e na segurança das popula- solo e provocar seu carreamento até lo-
ções. Nesse contexto, será dado enfoque a cais onde o escoamento tem velocidades
dois importantes fenômenos relacionados menores e condições propícias ao depósi- R
aos solos: os processos de erosão e assore- to das partículas.
amento – riscos pedológicos -, e os movi-
mentos de massa – riscos geológicos. Erosão e suas variadas causas
O solo é um recurso natural constitu-
ído por partículas com diferentes compo- O processo de desgaste, transporte e de-
sições mineralógicas e orgânicas. Sob o posição dos solos é chamado de erosão.
ponto de vista do planejamento munici- A erosão pode ser ocasionada por outros
pal, as características físicas e químicas fatores além da água, tais como o vento
dos solos são aspectos importantes, pois ou a neve. O processo físico, químico e
condicionam sua resistência e capacidade biológico que leva ao desgaste dos solos

573
EIXO 7 - MANEJO DE ÁGUAS PLUVIAIS

e rochas é chamado de intemperismo. O paisagem que levam ao agravamento de


material transportado recebe o nome de processos naturais de erosão.1
sedimento e seu transporte ocorre pela A erosão danifica os solos e prejudica
ação da gravidade, podendo ser em sus- as atividades nele realizadas. Em áreas de
pensão junto com a água ou por arraste agricultura, a erosão é responsável pela
junto à superfície por onde a água está es- perda anual de milhões de toneladas de
coando. A erosão pode ser de vários tipos, solo fértil, devido principalmente a práti-
conforme o agente atuante. cas equivocadas de ocupação e manejo do
A erosão pluvial é causada pela água da solo1. A erosão também ocorre em áreas
chuva. O primeiro fenômeno que ocor- urbanas, sobretudo em áreas com solos
re nos solos e que leva à desagregação de expostos, mas também ocorrem em su-
partículas é o impacto das gotas de chuva. perfícies pavimentadas.
Além disso, partículas são desagregadas
pelo escoamento da água na superfície do Problema carregado para os rios
terreno. Esses fenômenos são agravados
quando o solo não tem cobertura vegetal. Os materiais erodidos vão, através da ação
O fluxo da água na superfície leva à for- da água, ser depositados em cursos d’água
mação de ravinas. Essas ravinas, se não provocando assoreamento. O assorea-
controladas, vão formando sulcos cada mento leva a prejuízos ecossistêmicos
vez maiores até atingirem o lençol freá- para os corpos hídricos, em consequência
tico, passando então a ser chamadas de do aumento da turbidez da água que escoa
voçorocas (ou boçorocas). A partir daí, durante o período chuvoso ou das altera-
tornam-se de difícil controle, uma vez que ções na dinâmica fluvial com a redução dos
já não dependem mais da água da chuva leitos fluviais e dos volumes de reservató-
para aumentar. rios. Além dos impactos nos corpos hídri-
A erosão fluvial, causada pelas águas cos, o assoreamento causa impactos dire-
dos rios, assemelha-se à pluvial, entre- tos no abastecimento de água, com risco
tanto ficando restrita às margens desses de problemas na saúde e na qualidade de
cursos d’água. Outro tipo consiste na vida da população abastecida.
erosão marinha, causada pela água do A erosão descontrolada mostra um
mar, desgastando as rochas e solos ma- desequilíbrio dos sistemas hídrico e
rítimos. É responsável pela formação de geomorfológico, e traz consequências para
praias e falésias. A erosão glacial é oca- a sociedade, tais como risco e incremento
sionada pelo gelo, ocorrendo quando há o em custos para recuperação de áreas de-
congelamento do solo. Um tipo que não é gradadas e o abastecimento de água.2
causado pela água é a erosão eólica, cau- O controle dos processos erosivos passa
sada pela ação do vento. Ela é bem mais por práticas de conservação do solo e da
lenta que as erosões causadas pela água, água, através de manutenção da vegetação,
mas os sedimentos erodidos podem ser uso racional do solo e a correta destinação
carreados por distâncias bem maiores. do escoamento das águas pluviais. As prá-
Finalmente, há a erosão antrópica, cau- ticas para recuperação de locais erodidos
sada pela ação do homem, decorrente de contemplam a recuperação das coberturas
movimentos de terra e de alterações na vegetais e do relevo. A recuperação dos cur-

574
RISCOS PEDOLÓGICOS E GEOLÓGICOS

sos d’água assoreados pode ser realizada do solo se dá em uma superfície, chamada
por meio de dragagem do material depo- superfície de ruptura. Essa pode ser cur-
sitado. Entretanto, ações de restauração vada, e o deslizamento classificado como
fluvial são mais adequadas, uma vez que rotacional, ou ser plana, e o movimento
contemplam toda a área de drenagem e, ser chamado de translacional.
assim, evitam os processos de assoreamen- Os fluxos de detritos e lama são
to, buscando intervir no curso d’água para também chamados de corridas de massa
que este volte a uma condição de equilíbrio. e ocorrem devido à perda de estabilida-
de do solo causada pela sua saturação. É
Deslizamentos o tipo de deslizamento mais dependente
das condições de chuva.
Outro fenômeno que envolve os solos são O quarto tipo de fenômeno, caracteri-
os movimentos de massa, popularmen- zado por colapso de cavidades, redução
te conhecidos como deslizamentos. Os da porosidade ou deformação do solo, e é
movimentos podem ser de solos, rochas chamado de subsidência ou colapso.
ou detritos e normalmente ocorrem sob o
efeito da gravidade, muitas vezes poten- Fator agravador ou desencadeador
cializados pela infiltração da água. Eles
são de ocorrência frequente no Brasil, As ações antrópicas (do ser humano)
tendo em vista as condições do relevo, agravam ou são os fatores desencadeado-
com porções bastante acidentadas, e do res dos movimentos de massa. Nas áreas
clima, com chuvas intensas.3 urbanas a retirada de vegetação, modifica-
Os movimentos de massa ocorrem ções na topografia e má drenagem são os
em diversas formas, das quais os tipos principais fatores agravantes. Assim, os
principais são: quedas/tombamentos/ gestores municipais devem garantir o ma-
rolamentos; deslizamentos/escorrega- peamento e impedir a ocupação das áreas
mentos; fluxo de detritos e lama; e sub- de risco. Essas áreas são, a priori, locais de
sidência e colapsos. relevo íngreme.
As quedas são caracterizadas pela queda O risco da ocorrência dos movimentos
livre de blocos rochosos. Quando o movi- de massa é potencializado por infraes-
mento do bloco rochoso é de rotação no truturas sanitárias precárias. A infiltra-
sentido da encosta ele é chamado de tom- ção de esgotos ou de água potável prove-
bamento. Os rolamentos são os movimen- niente de vazamentos nas redes ou a falta R
tos de blocos rochosos ao longo da encosta. de infraestrutura de drenagem podem
Os deslizamentos ou escorregamen- ser aspectos desencadeadores de movi-
tos ocorrem quando o desprendimento mentos de massa.

Referências bibliográficas

1. BRANCO, P. M. O intemperismo e a erosão. Página web do Serviço Geológico do Brasil


(CPRM). http://www.cprm.gov.br/publique/Redes-Institucionais/Rede-de-Bibliotecas-
---Rede-Ametista/O-Intemperismo-e-a-Erosao-1313.html. Acesso em: 19 jan. 2020.
2. MATHIAS, D. T.; CUNHA, C. M.; CARVALHO, P. F. Avaliação de técnicas de monitora-

575
EIXO 7 - MANEJO DE ÁGUAS PLUVIAIS

mento de processos erosivos acelerados em área peri-urbana – São Paulo. In: SEMINÁRIO
LATINO AMERICANO DE GEOGRAFIA FÍSICA, 6; SEMINÁRIO IBERO AMERICANO
DE GEOGRAFIA FÍSICA, 2, Coimbra, 2010. Actas [...]. Coimbra: Cegot, 2010.
3. CEMADEN. Movimento de massa. Página web do Cemaden. Disponível em: ht-
tps://www.cemaden.gov.br/deslizamentos. Acesso em: 17 fev. 2020.

Para saber mais

ANDRADE, T; ANDRADE, A. G.; LIMA, J. A. S.; PORTOCARRERO, H. Recuperação


de áreas degradadas por erosão no meio rural. Niterói: Programa Rio Rural,
2012. Disponível em: https://www.infoteca.cnptia.embrapa.br/infoteca/bitstream/
doc/950896/1/Recuperacaoareasdegradadas2012.pdf.

Autoria deste verbete

Priscilla Macedo Moura. Engenheira civil, mestre em Saneamento, Meio Ambiente e


Recursos Hídricos, doutora  pelo  Institut National des Sciences Appliquées de Lyon
(França). Professora do Departamento de Engenharia Hidráulica e Recursos Hídricos
(EHR) da Universidade Federal de Minas Gerais.

Talita Fernanda das Graças Silva. Engenheira civil, mestre em Sistemas Aquáticos e
Gestão da Água pela Ecole des Ponts Paris Tech (França), doutora em Saneamento,
Meio Ambiente e Recursos Hídricos pela UFMG e pela Université Paris-Est (França).
Professora do EHR/UFMG.

Marco Túlio da Silva Faria. Tecnólogo em Gestão Ambiental, engenheiro ambiental e


Sanitarista, doutorando e mestre em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos
pela Universidade Federal de Minas Gerais.

576
S

SANEAMENTO AMBIENTAL

O saneamento básico, voltado à preven- vel. O termo saneamento básico foi cunha-
ção de doenças e à melhoria da qualida- do no Brasil em fins da década de 1950, re-
de de vida, é determinante para a situa- ferindo-se às intervenções para garantir o
ção de saúde das populações. Entretanto, abastecimento de água potável e o esgota-
seus componentes per se, mesmo sendo mento sanitário, com o intuito de estabe-
prioritários em diversas localidades, não lecer o que era mínimo e, portanto, funda-
são suficientes para a promoção de terri- mental para a vida humana, num quadro
tórios saudáveis e sustentáveis. Nesse de reduzidos recursos governamentais pa-
sentido, a área de saneamento básico nos ra essas medidas.3 Tal expressão ganhou
municípios precisa ampliar seus esforços força nas décadas de 1970 e 1980, com a
e suas redes sociotécnicas colaborati- implantação do Plano Nacional de Sane-
vas, adotando a perspectiva do sanea- amento (Planasa), voltado prioritaria-
mento ambiental (ver p. 577). mente à ampliação do sistema de abasteci-
Diante da evolução qualiquantitativa mento de água, ao esgotamento sanitário
da poluição hídrica, edáfica (dos solos), de forma secundária e a (poucas) ações de
atmosférica, da biota e dos ecossistemas; drenagem dos centros urbanos.3, 4
da exploração das riquezas e bens natu- De acordo com a Lei 11.445/2007,5 que
rais; do aquecimento global; dos desas- estabelece as Diretrizes Nacionais para o
tres socioambientais e tecnológicos e dos Saneamento Básico e para a Política Fede-
problemas sanitários são necessárias a ral de Saneamento Básico, este contempla,
revisão teórico-conceitual e a ampliação no conjunto de seus serviços, infraestrutu-
das intervenções, metodologias, experi- ra e instalações operacionais, os seguintes
ências e pesquisas participativas em sa- componentes: (1) abastecimento de água S
neamento, visando à promoção da saú- potável; (2) esgotamento sanitário; (3)
de1 e à racionalidade ambiental.2 limpeza urbana e manejo de resíduos só-
lidos; (4) drenagem e manejo das águas
Sanear é preciso pluviais, limpeza e fiscalização preventiva
das respectivas redes urbanas.
Saneamento, por sua etimologia, significa No escopo dessa regulamentação, o
a ação de sanear, ou seja, de tornar saudá- componente relativo à drenagem e ma-
EIXO 9 - TERRITORIALIZAÇÃO EM SAÚDE

nejo das águas pluviais foi direcionado às como o direito à terra urbana, à moradia,
áreas urbanas, quando deveria ser consi- ao saneamento ambiental, à infraestrutura
derado também para as áreas rurais, ou urbana, ao transporte e aos serviços públi-
seja, para todo o território nacional. cos, ao trabalho e ao lazer para as presentes
A intersetorialidade está contemplada e futuras gerações”.
na referida lei, uma vez que os princípios A publicação da Política e Plano Munici-
fundamentais da regulamentação orien- pal de Saneamento Ambiental: Experiências
tam-se pela integração da infraestrutura e Recomendações,7 do Ministério das Ci-
e dos serviços com a gestão eficiente dos dades e da Organização Pan-Americana
recursos hídricos, destacando sua articu- da Saúde (Opas), define que: “Saneamento
lação com as políticas de desenvolvimen- ambiental envolve o conjunto de ações téc-
to urbano e regional, de habitação, de nicas e sócio-econômicas entendidas funda-
combate e erradicação da pobreza, de pro- mentalmente como de saúde pública, tendo
teção ambiental e de promoção da saúde, como objetivo alcançar níveis crescentes
entre outras políticas de interesse social de salubridade ambiental, compreendendo
relevante voltadas à melhoria da qualida- o abastecimento de água em quantidade e
de de vida, que reconhecem o saneamen- dentro dos padrões de potabilidade vigentes,
to básico como um fator determinante.5 o manejo de esgotos sanitários, de águas plu-
O manejo integrado de vetores e pragas viais, de resíduos sólidos e emissões atmosfé-
(ver p. 374), o manejo agrícola, a irri- ricas, o controle ambiental de vetores e reser-
gação, o tratamento dos efluentes in- vatórios de doenças, a promoção sanitária e o
dustriais, a proteção dos mananciais, a controle ambiental do uso e ocupação do solo
eliminação da poluição difusa por agrotó- e a prevenção do controle do excesso de ru-
xicos (ver p. 47), a prevenção e o controle ídos, tendo como finalidade promover e me-
da poluição atmosférica e os cuidados lhorar as condições de vida urbana e rural”.
com o saneamento domiciliar, ainda que Enquanto concepção, o saneamento
marcados pela profunda interdependên- básico é reconhecido sobretudo como um
cia dos serviços públicos de saneamento orientador de ações técnicas. Mas um
básico, não estão definidos diretamente entendimento mais aprofundado de sua
como parte de seu escopo. dimensão socioeconômica amplia a com-
preensão dos processos envolvidos nessa
Uma nova definição atividade. Passa-se a compreender o sa-
de saneamento neamento não como uma atividade que
apenas produz custos para o poder pú-
A Lei 10.257/2001, conhecida como Es- blico, mas como uma ação promotora de
tatuto da Cidade 6, estabelece as diretri- saúde,8 que também constitui uma fonte
zes gerais da política urbana. Em seu ar- de renda para as famílias e de oportuni-
tigo 2º, o Estatuto afirma que a política dades para os municípios.
urbana tem por objetivo ordenar o pleno As ações de saneamento não devem fi-
desenvolvimento das funções sociais da car restritas a doenças específicas, mas
cidade e da propriedade urbana, tendo sim atuar na prevenção de um conjunto
entre suas diretrizes gerais: “I – garantia de doenças relacionadas ao saneamento
do direito a cidades sustentáveis, entendido ambiental inadequado (DRSAIs – ver p.

578
SANEAMENTO AMBIENTAL

218),9 promovendo o manejo habitacio- decorrência de atividades econômicas hi-


nal, comunitário e público dos compo- drointensivas e poluentes11 e a negação do
nentes do saneamento através de uma direito à água – aspectos de uma política
rede de questões de saúde. Enquanto pública que tem gerado diversos conflitos
conceito positivo, multidimensional e in- socioambientais no Brasil e na América
tercultural, o saneamento assume os ob- Latina.12 O hidronegócio que atua na
jetivos da promoção da saúde.1, 10 mercantilização das águas ultrapassa os
Associa-se à ampliação das ações téc- limites de resiliência da natureza e con-
nicas e socioeconômicas a dimensão siste numa prática insustentável, perigo-
cultural – um aspecto fundamental não sa e geradora de iniquidades em saúde.13
somente no que se refere à apropriação
tecnológica por parte das populações das Compreender os
cidades, das periferias, do campo, da caminhos das águas
floresta e das águas na aplicação de seus
métodos e práticas, mas também no re- Compreender os caminhos das águas (ver
conhecimento de que tais populações são p. 82) e dos resíduos implica em reconhe-
produtoras de conhecimentos, técnicas cer não somente seus fatores de risco, mas
e experiências relativas ao manejo das também as vulnerabilidades socioambien-
águas, dos resíduos, da agricultura, do tais (ver p. 786), valorizando o acesso à
solo, das habitações e dos bens comuns água como direito humano, com vistas
naturais em seus territórios. à justiça ambiental e à promoção da saú-
Essas ações intersetoriais devem es- de.14 O manejo das águas deve ser consi-
tar articuladas a melhorias sanitárias derado uma fonte geradora de trabalho e
domiciliares (ver p. 386), à preservação renda, seja no consumo domiciliar, seja na
das coleções hídricas – em especial, dos produção agrícola, na criação de animais,
mananciais e das matas ciliares –, ao no reúso de águas, no aproveitamento das
reflorestamento, ao uso racional das águas pluviais ou na manutenção dos sis-
águas e a seus usos múltiplos, à irriga- temas ecológicos, segundo a perspectiva
ção sustentável, à prevenção e contro- do saneamento ambiental.11, 15
le da poluição causada pelos efluentes O adjetivo ambiental, em referência à
industriais e demais águas residuárias palavra saneamento, não se limita a uma
– incluindo-se a redução em sua geração ampliação do escopo das ações de sane-
–, às técnicas de reúso, manejo e apro- amento básico, mas deve propor uma
veitamento das águas pluviais, às tecno- atualização teórica-conceitual com des-
logias sociais agroecológicas e a ações dobramentos nas metodologias de inter-
estruturantes de gestão, participação venção, nos atores socais envolvidos, nas S
social (ver p. 424) e educação popular matrizes e apropriação tecnológica e,
(ver p. 232) em saúde ambiental. fundamentalmente, na democratização
A crise hídrica nos impõe uma análise dos processos políticos, tecnológicos, de
qualiquantitativa das águas, envolvendo conhecimento, de gestão e de poder nos
o estudo de suas fontes e de sua apro- territórios. Esses aspectos são determi-
priação desigual, a exportação virtual, o nantes para a eficácia e efetividade do
comprometimento de suas reservas em saneamento no país.

579
EIXO 9 - TERRITORIALIZAÇÃO EM SAÚDE

Em sua dimensão política, a ampliação melhores condições de saúde, por meio da


da visão setorial dos técnicos e especia- prevenção, proteção e promoção da saú-
listas do saneamento básico para a área de, da qualidade de vida e de trabalho e
do saneamento ambiental passa a contar de proteção, preservação e recuperação
com um maior apoio dos agentes públicos ambiental, visando à promoção de terri-
da saúde, da educação, da assistência téc- tórios saudáveis e sustentáveis.
nica e extensão rural e da defesa civil, en-
tre outros segmentos profissionais. Essa Desafios da ação intersetorial
transformação também promove a parti-
cipação social da população em geral, das Os desafios no processo de elaboração do
organizações não governamentais, dos planejamento municipal de saneamen-
movimentos sociais, de ambientalistas, to – da mobilização social inicial para a
agricultores, comunidades e povos tradi- elaboração dos planos a sua efetividade
cionais, fortalecendo a mobilização social e atualizações – incluem o mapeamento
(ver p. 395) para reverter a visão elitista, das informações de saneamento básico e
fragmentada e imediatista e contribuir sua associação a informações de saúde, a
para superar a dívida histórica do Estado informações sobre as condições das cole-
brasileiro com o saneamento. ções hídricas, sobre as fontes de poluição
A relação com o território no tecni- pontuais e difusas e os diversos impactos
cismo é instrumental, atemporal e su- ambientais gerados pelos grandes empre-
postamente neutra, baseada de forma endimentos nos componentes do sanea-
reducionista na solução puramente téc- mento básico. Para tanto, a ação interse-
nica. As ações intersetoriais viabilizam torial dos órgãos públicos e desses com
transformações socioambientais de ca- os movimentos sociais e com a população
ráter emancipatório, permitindo arran- em geral é imprescindível.
jos comunitários, organização coletiva A concepção e a implementação de me-
e gestão pública participativa, assim todologias participativas para o sanea-
como uma evolução nos processos polí- mento ambiental permitem a identifica-
ticos e pedagógicos. ção dos fatores limitantes do saneamento
O saneamento ambiental, em seu sen- básico nos territórios e da necessidade de
tido mais amplo, pode ser caracterizado mudanças de rumo, de modo que as polí-
pela mediação do ser humano com seu ticas públicas de saneamento nos muni-
ambiente, por meio do manejo adequado cípios sejam estratégicas para as trans-
das águas e dos resíduos, com a finalida- formações necessárias à valorização da
de de propiciar soberania alimentar16, biodiversidade e à promoção da saúde
segurança alimentar e nutricional e humana e ambiental.

Referências bibliográficas

1. SOUZA, C. M. N.; COSTA, A. M.; MORAES, L. R. S.; FREITAS, C. M. Saneamento:


promoção da saúde, qualidade de vida e sustentabilidade ambiental. Rio de Janeiro:
Fiocruz, 2015.
2. LEFF, E. Epistemologia ambiental. São Paulo: Cortez, 2006.

580
SANEAMENTO AMBIENTAL

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581
EIXO 9 - TERRITORIALIZAÇÃO EM SAÚDE

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http://www.epsjv.fiocruz.br/sites/default/files/l191.pdf.

Autoria deste verbete

Alexandre Pessoa Dias. Engenheiro civil sanitarista, doutor em Medicina Tropical.


Professor-pesquisador do Laboratório de Educação Profissional em Vigilância em Saú-
de (Lavsa) da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo
Cruz (EPSJV/Fiocruz).

André Monteiro Costa. Engenheiro de Saúde Pública, doutor em Saúde Pública. Pesqui-
sador titular do Laboratório de Saúde, Ambiente e Trabalho (Lasat) do Departamento
de Saúde Coletiva do Instituto Aggeu Magalhães (IAM) da Fiocruz.

Luiz Roberto Santos Moraes. Engenheiro civil sanitarista e de Segurança do Trabalho,


PhD em Saúde Ambiental. Professor titular em Saneamento (aposentado) e participan-
te especial (voluntário) da Universidade Federal da Bahia (Ufba).

Patrícia Campos Borja. Engenheira sanitarista e ambiental, doutora em Arquitetura


e Urbanismo. Professora associada e pesquisadora do Departamento de Engenharia
Ambiental da Escola Politécnica da Ufba.

Raiane Fontes de Oliveira. Geógrafa, doutoranda em Geografia Física, mestre em Geo-


grafia. Professora-pesquisadora do Laboratório de Educação Profissional em Vigilância
em Saúde (Lavsa) da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), Fundação
Oswaldo Cruz.

582
SANEAMENTO E ARBOVIROSES

S
SANEAMENTO E ARBOVIROSES

Arboviroses como dengue, Zika, chi- ses. Heller enfatiza que o acesso à água
kungunya e febre amarela são doenças e ao esgotamento sanitário diminui a
causadas por arbovírus e transmiti- prevalência de doenças como a tríplice
das por artrópodes, especialmente por epidemia (dengue, chikungunya e Zi-
mosquitos hematófagos (aqueles que ka) e adverte que o controle vetorial
se alimentam de sangue). Alguns des- deve ser adotado como uma política de
ses vírus são suscetíveis a altas taxas prevenção e promoção da saúde que
de mutação e têm alto potencial de dis- não se restrinja unicamente ao com-
persão. Assim, eles se adaptam de for- bate direto ao mosquito. 5 Afinal, não
ma eficiente a hospedeiros vertebrados existem estratégias mais eficientes e
e invertebrados. sustentáveis de controle do que as me-
A maior parte dos arbovírus perten- lhorias sanitárias, incluindo o aumento
ce aos gêneros Alphavirus e Flavivirus.1, da cobertura do saneamento básico e a
2
O vírus da chikungunya (CHIKV) – é redução das desigualdades em saúde (ver
classificado como alfavírus e os da den- Manejo integrado de vetores – p. 374).
gue (DENV), Zika (ZIKV) e febre amare-
la, entre outros, como flavivírus. 3, 4 As arboviroses emergentes
Nos últimos anos, as altas taxas de e reemergentes no Brasil
incidência das arboviroses citadas vêm
causando dor e sofrimento à população, A chegada do vírus DENV4 ao Brasil, no
afetando especialmente as pessoas que final de 2011, e dos vírus ZIKV e CHIKV,
se encontram em situação de maior vul- entre 2014 e 2015, expôs a fragilidade
nerabilidade socioambiental e sobrecar- dos modelos vigentes de combate e pre-
regando o setor de saúde. Diante desse venção de epidemias. A entrada de di-
desafio, pesquisadores, o poder público ferentes sorotipos de dengue (DENV1,
e a sociedade têm permanecido em esta- em 1986; DENV2, em 1991; DENV3,
do de alerta. A promoção do saneamen- em 2001 e DENV4, em 2011) no país,
to básico é primordial para o controle por exemplo, foi acompanhada, desde os
das epidemias e para a superação desse anos 1980, pelo aparecimento de novas
desafio prioritário para a saúde pública epidemias em cada período – o que mos- S
no Brasil (ver Doenças relacionadas ao tra que os modelos de prevenção ado-
saneamento ambiental inadequado, DR- tados não têm sido efetivos. Com a cir-
SAIs – p. 218). culação de diferentes sorotipos, a com-
A indisponibilidade de serviços de plexidade das arboviroses aumentou,
saneamento pode contribuir para a dis- uma vez que novos grupos de população
seminação de diversas enfermidades suscetível vêm surgindo, em diferentes
já conhecidas, inclusive as arboviro- áreas geográficas. 6,3

583
EIXO 9 - TERRITORIALIZAÇÃO EM SAÚDE

Dengue Chikungunya

A dengue é uma doença reemergente no Há estudos que contribuem para uma


Brasil.7 As razões de tal reemergência são recuperação histórica importante ao in-
complexas e ainda não totalmente com- formar que, após um desaparecimento de
preendidas, constituindo na atualidade aproximadamente 200 anos, o vírus chi-
um dos maiores problemas de saúde pú- kungunya voltou aos trópicos americanos
blica mundial. Embora haja relatos de em 2013. O vírus é mantido em um ciclo
transmissão em áreas rurais, a dengue é zoonótico silvestre complexo em algu-
considerada uma doença de foco antro- mas localidades do continente africano,
púrgico (criado pela ação humana sobre a com risco de escapar para ciclos urbanos,
natureza) sobretudo, cuja ocorrência está causando pandemias globais.12, 13
associada ao modo de organização das po- As epidemias urbanas de chikun-
pulações humanas em ambiente urbano.8 gunya caracterizam-se por uma rápida
As epidemias de dengue afetam popu- disseminação e altas taxas de infecção,
lações em mais de 100 países ao redor do produzindo, na maioria dos casos, sin-
mundo, especialmente em áreas tropi- tomas semelhantes aos da dengue. Os
cais. A dengue figura hoje entre os maio- sintomas tendem a desaparecer dentro
res problemas de doenças infecciosas do de uma semana. Entretanto, alguns in-
mundo, com grande potencial de provo- divíduos podem permanecer com dor
car um quadro grave ou letal no paciente nas articulações e fadiga por dois anos
e fortes impactos econômicos e sociais. ou mais, após contraírem o vírus. Em
Os casos brasileiros representam qua- contraste com o DENV, o CHIKV in-
se 80% do total relatado nas Américas e fecta células endoteliais e fibroblastos.
61% dos casos mundiais.9 Continua a ser um mistério sua forma
Ações de combate ao mosquito Aedes de interação com o sistema imunológico
aegypti levadas a cabo nos anos 1980 humano e os mecanismos pelos quais a
chegaram a erradicá-lo do território na- patogênese se manifesta. O vírus CHI-
cional. Entretanto, depois disso não fo- KV é um sorotipo com quatro genótipos
ram mais registrados grandes êxitos nas identificados. Pesquisas indicam que ca-
medidas aplicadas para sua eliminação.10 da genótipo pode apresentar adaptações
Na atualidade, a dengue é amplamente e padrões distintos de infectividade e
prevalente em todas as cinco regiões do transmissibilidade nos vetores14 – o que
país, com altos índices de mortalidade e pode contribuir para a rápida dissemi-
morbidade devido à doença. Após uma nação do vírus.15
infecção por um dos quatro sorotipos cir- No Brasil, casos importados surgiram a
culantes já mencionados, adquire-se imu- partir de junho de 2014. Em setembro do
nidade vitalícia a esse sorotipo e proteção mesmo ano, foi detectado o primeiro caso
parcial e transitória contra uma infecção com transmissão autóctone, no estado
subsequente por qualquer outro sorotipo. do Amapá. No mesmo mês, um surto pelo
Porém, uma infecção sequencial aumenta CHIKV foi detectado em Feira de Santana
o risco de doença mais grave, resultando (BA). A partir daí, dois genótipos começa-
na febre hemorrágica da dengue.11 ram a circular no país.13, 16

584
SANEAMENTO E ARBOVIROSES

Zika
Embora apenas uma em cada cinco
A disseminação explosiva do vírus zika pessoas infectadas com ZIKV apresente
– ZIKV – em toda a América do Sul, na sinais ou sintomas – geralmente leves
América Central, nas Ilhas do Caribe e – da doença, existe uma preocupação
na Polinésia Francesa deixou em aler- com infecções que têm consequências
ta as agências internacionais de saúde, graves como o aparecimento de micro-
provocando intercâmbios médicos entre cefalia e outros problemas congênitos
nações e alastrando preocupações em de desenvolvimento neurológico em
meio à população. O vírus foi identifica- crianças, que pode acontecer quando o
do pela primeira vez, de forma episódi- vírus é contraído pela mãe durante a
ca, na floresta de Zika, em Uganda, em gravidez, e casos de desenvolvimento
1947, durante atividades de vigilância da síndrome de Guillain-Barré em pes-
da febre amarela.17 soas adultas.19-26
Até 2007, o ZIKV havia ficado restrito às Os genótipos de ZIKV são divididos em
regiões equatoriais da África e da Ásia.18 duas linhagens principais: a africana e a
Foi então que ele se propagou, a partir de asiática/americana. Ainda não está total-
uma surpreendente epidemia na ilha de mente esclarecido se a rápida dissemina-
Yap, na Micronésia: de uma população ção da ZIKV nas Américas está associada
total de 6.700 habitantes, aproximada- a mutações específicas.27, 28
mente 5.000 foram infectados. Após essa É importante comentar a declaração
epidemia, registrou-se um suposto desa- de fim do estado de emergência para zika
parecimento do vírus, por seis anos. O e microcefalia, feita pelo Ministério da
ZIKV ressurgiu na Polinésia Francesa, em Saúde, em maio de 2017. Tal declaração
2013,19 em várias ilhas do Pacífico, entre foi recebida com tristeza, sobretudo pe-
2014 e 2016, e nas Américas, a partir de las mulheres cujos filhos foram afetados
março de 2015.20, 21 Embora tenha apare- pela síndrome congênita e/ou pelo apa-
cido no Brasil em 2015, estudos indicam recimento da microcefalia e por aquelas
que ele já estaria circulando no país desde com planos de engravidar ou que esta-
2013 ou 2014.21, 23, 24 De todo modo, o ví- vam grávidas naquele momento. Ações
rus espalhou-se rapidamente, com trans- importantes – como o repelente contra
missão local em 26 países das Américas mosquitos – não estão contempladas no
do Sul e Central, México e Caribe.25 pré-natal. Não há informação  sobre os
Quando se propagou pela América do riscos de transmissão sexual da doença
Sul, esse vírus seguiu essencialmente o e sobre os riscos de transmissão nas
mesmo percurso feito pelo CHIKV um escolas e nos hospitais, e  não houve S
ano antes. Apesar de o ZIKV não ser mudanças efetivas nas políticas sociais
novo e guarde muitas semelhanças com para proteger as crianças afetadas. As
outras flavoviroses, ainda resta muito a mães  foram esquecidas e abandonadas,
descobrir a seu respeito. Não se sabe, por como se a epidemia tivesse evaporado
exemplo, se esse vírus sofreu uma muta- do país. Contudo, a Zika não desapare-
ção que possa ter facilitado a emergência ceu, ela foi apenas silenciada.29
da explosiva epidemia.22

585
EIXO 9 - TERRITORIALIZAÇÃO EM SAÚDE

Febre amarela No Brasil, desde 1937, utiliza-se a vaci-


na que contém o vírus atenuado. A vacina,
A febre amarela é causada por um ví- produzida pelo Laboratório Bio-Mangui-
rus transmitido por mosquitos, com nhos, da Fundação Oswaldo Cruz, está
relevante impacto na saúde pública em disponível para a população na rede públi-
países da África Central e da América ca a partir dos nove meses de idade, sendo
do Sul. No continente americano, dois bastante eficaz e segura. Seu efeito prote-
ciclos de transmissão são observados: tor inicia-se no décimo dia pós-vacinal e
um urbano e outro silvestre. No ciclo permanece por, no mínimo, dez anos.34
silvestre, primatas não humanos (PNHs)
(macacos) são os principais hospedei- Outras arboviroses
ros, enquanto mosquitos dos gêneros circulantes no país
Haemagogus e Sabethes são os vetores
primários. Nesse ciclo, os humanos são Outras arboviroses existentes podem
hospedeiros acidentais. 30 constituir ameaças de circulação epidêmi-
No Brasil, a febre amarela é conside- ca no Brasil. Já foram isolados 210 tipos
rada endêmica na região amazônica. de arbovírus no país, dos quais 196 foram
Entretanto, sua reemergência para fora inicialmente identificados na Amazônia
dessa área nas últimas décadas, associa- brasileira. Desses últimos tipos, 110 são
da à expansão da área de circulação viral comprovadamente novos para a ciência e
nas proximidades das grandes capitais 34 estão associados a infecções humanas.35
metropolitanas, vem reacendendo a pre- Há circulação de arboviroses endêmi-
ocupação das autoridades de saúde.31 cas, como Mayaro, Oropouche, Oeste do
A importância epidemiológica da do- Nilo, Rocio e encefalite Saint Louis em
ença diz respeito a seu elevado potencial certas localidades do país. Essas doenças
de disseminação, ao risco de reurbani- têm potencial para se tornarem epidêmi-
zação da transmissão e à sua gravidade cas. Todas podem ser associadas a qua-
clínica, com taxa de letalidade em torno dros graves, além de se mostrarem ca-
de 50%, entre os casos graves. 32 pazes de ser transmitidas por artrópodes
Entre dezembro de 2016 e maio de urbanos, como Culicoides paraensis, Aedes
2017, o vírus emergiu no extremo leste ssp. e Culex ssp., detectados em ampla
brasileiro, causando um surto de febre área de ocorrência no país.
amarela que envolveu principalmente os
estados de Minas Gerais, Espírito Santo, Os principais vetores: Aedes
São Paulo e Rio de Janeiro. A reemergên-
cia afetou mais de 7 mil primatas não Existem aproximadamente 155 espécies
humanos, com 1.412 epizootias confir- de Aedes no mundo.4 As duas espécies de
madas – o maior impacto já documenta- Aedes que se tornaram vetores das prin-
do em populações de PNHs no país. Por- cipais arboviroses no Brasil apresentam
tanto, além da preocupação com a fauna, diferenças quanto à sua frequência em
é importante a contribuição da vigilância distintos ambientes modificados: os am-
desses animais para mitigar os efeitos da bientes urbanos favorecem a presença de
transmissão na população humana.33 Aedes aegypti (vetor primário), enquanto

586
SANEAMENTO E ARBOVIROSES

o Aedes albopictus (potencial vetor) pre- infestação, a dispersão de inseticidas, o


domina em áreas com elevada cobertu- uso de novos agentes de controle quími-
ra vegetal, embora venha demonstran- co e biológico e de procedimentos mo-
do uma alta capacidade de adaptação leculares para o controle populacional
a outros ambientes, sendo encontrado dos mosquitos. 38
também em áreas de transição entre o Com relação ao monitoramento e con-
ambiente urbano e as zonas florestadas. trole do Aedes aegypti, merece destaque
Nessas áreas, aliás, há coexistência das a experiência que vem sendo desenvol-
duas espécies de mosquito. A abundância vida na Universidade Federal de Mi-
dos vetores é um dos principais determi- nas Gerais (UFMG), por meio de uma
nantes da intensidade de transmissão parceria entre a Pró-Reitoria de Admi-
de doenças por eles transmitidas, assim nistração, do Departamento de Gestão
como a circulação e a cocirculação dos Ambiental (DGA), e o Laboratório de
sorotipos virais. Inovação e Empreendedorismo em Con-
A grande capacidade de adaptação do trole de Vetores (Lintec), sob orientação
Aedes aegypti ao ambiente urbano impõe do professor Álvaro Eiras, do Instituto
a muitos pesquisadores o desafio de co- de Ciências Biológicas (ICB/UFMG).
nhecer sua bioecologia e desvendar seus Nessa iniciativa, armadilhas GAT (Gra-
hábitos e comportamentos na natureza vid Aedes Trap) são distribuídas pelos
e no espaço habitado pelos humanos, campi Saúde e Pampulha para capturar
visto que esse vetor tem demonstrado o inseto. As armadilhas recebem visto-
uma grande capacidade de adaptação rias semanais para coleta dos mosquitos
a diferentes situações ambientais con- capturados, que são enviados para aná-
sideradas desfavoráveis. É o caso, por lise em laboratório, com o intuito de ve-
exemplo, das larvas encontradas em rificar se estão infectados com dengue,
água poluída e dos mosquitos adultos Zika ou chikungunya. Em 2019, o pro-
em altitudes elevadas.6, 36 O Aedes aegyp- jeto foi ampliado, passando a usar um
ti já foi considerado erradicado do Brasil, larvicida em bocas de lobo no campus
mas ocorreu sua reintrodução no país, Saúde. O uso do larvicida, desenvolvi-
ocasionada por falhas na vigilância epi- do sob orientação do professor Jadson
demiológica e pelo crescimento popula- Belchior, do Departamento de Química
cional. Atualmente, o mosquito está pre- da UFMG, tem se mostrado eficiente no
sente em todos os estados brasileiros, controle dos focos desse mosquito nos
em 4.523 municípios.6 equipamentos de microdrenagem.
Conclui-se pela necessidade de reforçar
Tecnologias de controle a relação entre as condições sanitárias e S
dos vetores as arboviroses. A resolução do problema
requer a adoção de mudanças profundas,
Estão em desenvolvimento diversas estruturais e de longo prazo – como a
tecnologias e técnicas combinadas para expansão da oferta de serviços de sane-
controlar e combater os vetores, utili- amento – no enfrentamento dos fatores
zando diferentes mecanismos de ação, que estão impedindo o Brasil de lidar ade-
tais como o monitoramento seletivo da quadamente com as arboviroses.16

587
EIXO 9 - TERRITORIALIZAÇÃO EM SAÚDE

A associação entre taleza (CE)56 e na comunidade de Pau da


arboviroses e saneamento Lima, em Salvador (BA),57 apresentam re-
sultados que consideram que o descarte
Estudos indicam que existe uma relação irregular de resíduos sólidos encontrados
direta entre o acesso a serviços de sanea- na área peridomiciliar (em torno do do-
mento e as arboviroses, no Brasil e em ou- micílio) é o principal causador de doenças
tros países, como Peru,39 Tailândia,40 Es- como a dengue.
panha,41 Filipinas,42 China43 e Colômbia.44 Somam-se a esses os estudos que en-
No Brasil, a falta e/ou irregularidade de fatizam que as epidemias identificadas
serviços de abastecimento de água faz com são, em sua maior parte, causadas pela
que a população a armazene. Essa variável ineficiência do planejamento urbano e
foi associada à incidência de casos de den- pelo descaso do poder público, afetando
gue, por exemplo, em estudos realizados a saúde da população, e que, nas áreas
em Recife (PE)45 e na cidade do Rio de Ja- periféricas das cidades e nos aglomera-
neiro (RJ)46. Além disso, outros estudos, dos subnormais, localizados em terrenos
realizados em localidades do Acre,47 na ci- inadequados para a habitação humana,
dade do Rio de Janeiro48 e em Guanambi predominam a falta de condições sani-
(BA),49 demostraram que a ausência de es- tárias – o que favorece a proliferação de
gotamento sanitário possibilita o acúmulo epidemias. É o que se verifica em Altami-
de água parada em valas rudimentares nas ra (PA),58 em Manaus (AM),59 em Montes
proximidades das residências, oferecendo Claros (MG),60 em Itabuna (BA)61 e em
condições para a manutenção de criadou- São José do Rio Preto (SP).62
ros de mosquitos vetores.
Pesquisas mostram que a ocorrência Prioridade
da dengue reflete a estrutura social de
um determinado território, notabilizan- Dessa forma, o risco sanitário e ambien-
do fatores de risco e de vulnerabilidade tal a que a população permanece exposta
socioambiental (ver p. 786). A infestação deve ser considerado um tema prioritário
domiciliar pelo vetor se faz presente em na busca de esforços para o controle das
diversas localidades, mas a letalidade arboviroses: essa não só uma demanda de
é maior em meio à população mais vul- grupos de moradores, mas também um
nerável economicamente, com índices direito, como reivindicam os pesquisado-
de cobertura precários dos serviços de res de um estudo realizado na comunida-
abastecimento de água, esgotamento de da Rocinha, Rio de Janeiro.63
sanitário e coleta de resíduos sólidos. É Observa-se que a implementação ina-
o que foi constatado em pesquisas rea- dequada de eixos integrantes do planeja-
lizadas em uma área considerada como mento municipal de saneamento, limpeza
favela na cidade do Rio de Janeiro,50 na urbana (ver p. 351) e drenagem e manejo
capital do estado do Rio de Janeiro,55 em das águas pluviais (ver p. 368) possibili-
Porto Velho (RO),51 em Oiapoque (AP),52 ta a ocorrência de focos do Aedes aegypti.
na Ilha da Conceição (Niterói, RJ)53 e em Afinal, de acordo com a OMS,64 os mos-
São Luís (MA)54. Estudos localizados, por quitos Aedes também se multiplicam em
exemplo, em uma comunidade em For- áreas alagadas e inundadas e em canais

588
SANEAMENTO E ARBOVIROSES

abertos de drenagem de águas pluviais. dades já afetadas e em outras localida-


Assim, tornam-se necessárias limpeza e des que possam apresentar altos índices
manutenção frequentes dos equipamen- de agravos.
tos de drenagem nos municípios – espe- As políticas públicas voltadas ao con-
cialmente das bocas de lobo – para redu- trole das arboviroses devem ser interse-
zir os focos de mosquitos. toriais e integradas, com base nas carac-
No entanto, essas atividades são bas- terísticas de cada território e privilegian-
tante comprometidas pela falta de recur- do modelos diferentes dos verticalizados,
sos humanos e financeiros, aliada à falta adotados atualmente pelo poder público,
de vontade política e ao desconhecimento que dificultam a participação efetiva da
das relações existentes entre o saneamen- população. Como as questões culturais
to básico e a ocorrência de arboviroses. e sociais influenciam as práticas sanitá-
É importante salientar que apenas as rias, torna-se imprescindível a participa-
variáveis sanitárias não explicam total- ção ativa das comunidades na elaboração
mente a heterogeneidade das doenças, dessas políticas.64 Os diversos grupos
pois as arboviroses têm causas múltiplas, sociais devem ser ouvidos e convocados a
determinadas por variados aspectos e fa- contribuir com o planejamento das ações,
tores, embora o acesso adequado ao sane- com base nos princípios de não discrimi-
amento constitua um elemento essencial nação, participação social (ver p. 424),
para o controle de sua disseminação. informação, transparência e responsabi-
Outra questão que não deve ser des- lização. Reafirma-se assim que a partici-
prezada na formulação de políticas pú- pação da comunidade é parte essencial na
blicas de enfrentamento às arboviroses construção de políticas municipais que
é a subnotificação de casos, que pode visem à melhoria do acesso aos serviços
atingir grandes proporções, resultando de saneamento e, consequentemente, ao
em análises imprecisas e ocultando reais controle das arboviroses.
necessidades de intervenções em locali-

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EIXO 9 - TERRITORIALIZAÇÃO EM SAÚDE

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594
SANEAMENTO E DEMOCRACIA SUBSTANTIVA

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pus-saude-recebe-projeto-de-monitoramento-e-combate-ao-aedes-aegypti.
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para combater o Aedes nos bueiros. Página web da Enfermagem/Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG). Disponível em: http://www.enf.ufmg.br/index.
php/noticias/1663-campus-saude-e-departamento-de-quimica-criam-larvicida-pa-
ra-combater-o-aedes-nos-bueiros.

Autores

Josiane Teresinha Matos Queiroz. Engenheira civil especialista nas áreas sanitária e
ambiental, mestre, doutora e pós-doutora em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos
Hídricos, pós-doutora em Políticas Públicas em Saneamento e Saúde pelo Instituto Re-
né Rachou da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Marco Túlio da Silva Faria. Tecnólogo em Gestão Ambiental, engenheiro ambiental e


sanitarista, mestre e doutorando e em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídri-
cos pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

S
SANEAMENTO E DEMOCRACIA SUBSTANTIVA

O conceito de democracia é derivado da segura das excretas e moradia em um


experiência histórica dos países ociden- ambiente limpo.
tais. A compreensão de democracia nes- O estabelecimento de direitos e deveres
te verbete é mais abrangente e incorpora para regular as relações humanas com re-
noções de direitos e deveres estabele- lação a tais bens e serviços tem a idade da
cidos pelas sociedades humanas para história escrita. Os princípios que os sus- S
regular o acesso aos bens e serviços que tentam integram o legado das diferentes
contemporaneamente incluímos no ter- sociedades e foram introduzidos muito
mo saneamento. antes do desenvolvimento da assim cha-
Estes incluem principalmente os ser- mada democracia ocidental. Além disso,
viços essenciais para a sobrevivência é importante lembrar que essa verten-
das pessoas, como água segura para te abriga diversas tradições, que repre-
beber, cozinhar e higienizar-se, gestão sentam princípios, valores e interesses

595
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

materiais diferentes e até incompatíveis mento. Na Europa medieval, ao lado das


entre si. Isso se reflete nas suas aborda- autoridades, a provisão do acesso à água
gens conceituais e práticas, sobretudo era assumida por membros da nobreza e
nos campos da legislação e das políticas das ordens religiosas, como um ato de fi-
públicas, com relação aos bens e serviços lantropia, mas também como forma de
essenciais, incluindo o saneamento. clientelismo e geração de poder político e
Para diferenciar, este verbete dá prefe- prestígio social. Porém, também existem
rência à noção de democracia substantiva, registros históricos do desenvolvimento
a democracia dos direitos e deveres funda- de experiências auto-organizadas, em
mentais, incluindo o dever dos governan- que diferentes setores sociais articula-
tes e dos setores privilegiados de garantir o vam alianças para construir e gerir siste-
direito de acesso universal aos bens e servi- mas cooperativos de aprovisionamento
ços essenciais, como o saneamento. de água como um bem comunitário, por
exemplo na Itália.
Precedentes históricos Na América Latina, os povos originá-
rios desenvolveram tradições nas quais
A água tem sido um objeto de apropria- a água, juntamente com outros bens
ção desigual e conflito, bem como símbo- naturais como a terra e as florestas,
lo de riqueza e de poder social e político não só é considerada um bem comum,
nas mãos das elites. Ainda assim, até as mas também um ser vivo. Como resul-
sociedades mais desiguais introduziram tado dos processos de colonização, as
sistemas de direitos e deveres baseados diversas tradições europeias foram im-
no princípio de que a água para consu- postas, adotadas ou adaptadas nos di-
mo essencial, incluindo a dessedentação versos territórios, incluindo o Brasil. Às
dos animais, é um bem comum. Entre os vezes se deu a integração dos diferentes
mais importantes, destaca-se o dever de princípios e práticas – caso das leis co-
proteger os setores vulneráveis e garan- loniais de águas –, mas frequentemen-
tir-lhes o direito de acesso a um volume te persistiram sistemas de deveres e
de água suficiente para a sobrevivência, direitos paralelos. Neles, as tradições
como previsto no “direito de sede” das dos povos indígenas e afrodescendentes
antigas sociedades islâmicas, pelo qual sobrevivem até hoje, subordinadas, e
ninguém podia ser impedido de aceder a frequentemente em confrontação, com
água para beber, ainda que não pudesse os regimes dominantes herdados dos
pagar pelo acesso. Trata-se de um princí- processos de colonização.
pio ainda vigente no século 21. Neste sentido, um dos aspectos mais
Nas antigas sociedades europeias, o conflituosos na relação entre sanea-
acesso à água nas cidades era frequente- mento e democracia substantiva são
mente organizado pelas autoridades, des- precisamente as desigualdades e injus-
tacando-se o caso do Império Romano, tiças estruturais históricas que carac-
pela sua influência histórica na sistema- terizam a situação de marginalização e
tização do regime de direitos e deveres e exclusão dos povos indígenas e afrodes-
pelo desenvolvimento massivo de infra- cendentes com respeito ao acesso aos
estruturas públicas de serviços de sanea- serviços essenciais.

596
SANEAMENTO E DEMOCRACIA SUBSTANTIVA

Saneamento e democracia vatista de que o acesso a esse serviço era


capitalista um luxo limitado a quem pudesse pagar o
custo, um serviço de provisão de um bem
O regime de direitos e deveres associa- privado, que devia estar nas mãos de em-
dos à provisão de serviços de saneamento presas privadas monopólicas desregula-
entrou em nova etapa a partir do fim do das, sem intervenção do Estado.
século 18, como resultado dos processos Este modelo elitista e antidemocrático
interligados da Revolução Industrial, li- do fornecimento de água predominou
derada pela Inglaterra, e dos processos de nos países capitalistas avançados duran-
democratização capitalista aprofundados te boa parte do século 19 e foi adotado,
a partir da Revolução Francesa, em 1789. adaptado, ou imposto em nível interna-
Por um lado, a Revolução Industrial cional, inclusive no Brasil. Os serviços
trouxe avanços marcantes nas áreas de esgotamento sanitário, até então, não
científicas e tecnológicas, particular- resultavam atrativos para as empresas
mente na química, na biologia, na física, privadas, e os graves problemas de saúde
na engenharia e em outras disciplinas. pública causados por epidemias relacio-
Eles transformaram a capacidade de for- nadas com o fornecimento deficiente de
necimento de água limpa, particular- água e a falta de saneamento ambiental
mente diante da demanda crescente dos determinaram a ação decisiva do Estado
centros urbanos e, posteriormente, desde em seu desenvolvimento.
a segunda metade do século 19, o desen-
volvimento de sistemas sofisticados de Privatismo em xeque
filtração e de esgotamento sanitário. Por
outro lado, em estreita relação com as O modelo privatista de organização dos
transformações da Revolução Industrial, serviços de saneamento foi confrontado
as revoluções democráticas consolidaram desde o início por diversos grupos sociais,
a emergência de tradições intelectuais e que incluíram não somente os movimen-
políticas rivais, até incompatíveis, que tos higienistas e de trabalhadores organi-
determinaram em grande medida o de- zados, mas também importantes setores
senvolvimento dos serviços de sanea- das burguesias industrial e comercial e
mento a partir do século 18. das elites políticas. Eles compreenderam
A tradição dominante nas democra- que existe uma estreita relação entre a
cias capitalistas avançadas do momento, provisão de serviços essenciais, particu-
Inglaterra e França, e posteriormente os larmente saneamento, e os princípios e
Estados Unidos, era o liberalismo indi- valores que, ao menos formalmente, defi-
vidualista, marcado pelo ethos privatista nem uma sociedade democrática. S
característico das burguesias capitalistas As lutas pela democratização da polí-
transformadas em nova classe dominan- tica e da gestão do saneamento contri-
te. Como resultado, a partir da década buíram para expor o fracasso do modelo
de 1870, particularmente na Inglaterra, privatista e antidemocrático, centrado no
o Estado impulsionou um modelo de or- princípio de garantir o lucro privado e ne-
ganização e gestão do serviço de forneci- gar o dever do Estado de proteger a saúde
mento de água centrado no princípio pri- pública e garantir o acesso universal aos

597
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

serviços essenciais. Como resultado, o das correspondeu ao desenvolvimento


regime privatista foi progressivamente precoce dos direitos de cidadania, num
superado nos países capitalistas avan- processo caracterizado por recorrentes
çados, que adotaram um modelo cen- lutas sociais de grandes consequências,
trado na atuação do Estado, integrando como as revoluções iniciadas na França
os avanços do conhecimento científico em 1848, que se espalharam pelo con-
e técnico com a organização burocráti- tinente europeu. As condições de vida
ca especializada, com prioridade para precárias das enormes massas urbanas
o planejamento de longo prazo e para o geradas pelos processos de industriali-
investimento público maciço, financiado zação e urbanização (ver p. 755), que in-
principalmente com dívida pública e ar- cluíam a falta de acesso a serviços de sa-
recadação de impostos para construir e neamento adequados e de saúde pública,
manter as infraestruturas requeridas. foram um fator central dessas lutas, nas
Na Inglaterra, onde se tinha originado quais o modelo privatista de saneamen-
o modelo privatista, a inícios do século to, excludente e antidemocrático, virou
20, os serviços de saneamento eram geri- um alvo central.
dos por empresas públicas, uma tendência Neste contexto, os direitos de cidada-
que também se registrou nos Estados Uni- nia, que no modelo liberal-individualis-
dos, na maior parte dos países europeus ta dominante restringiam-se ao direito
e posteriormente no Brasil. Em algumas à propriedade, foram expandidos para
democracias capitalistas avançadas, como incluir o direito a participar em eleições,
a França, onde continuou a participação limitado inicialmente aos homens pro-
de empresas privadas, o Estado manteve o prietários e posteriormente, já no século
controle e a responsabilidade pelo investi- 20, estendido às mulheres. Nesse percur-
mento no setor de saneamento. O modelo so também foram sendo transformados
privatista de saneamento não se espalhou tanto as relações entre usuários e forne-
com a mesma intensidade nos diversos cedores dos serviços de água e esgota-
territórios. Por exemplo, em muitos paí- mento sanitário como o próprio status do
ses europeus embora o abastecimento de saneamento. Por um lado, as lutas contra
água sempre tenha sido uma atividade dos o modelo privatista excludente contribu-
governos municipais, nas áreas rurais e pe- íram para a consolidação de novas iden-
quenas cidades tal serviço foi desenvolvido tidades sociais, como a do “consumidor”
frequentemente por associações comunitá- dos serviços, figura intimamente ligada
rias e cooperativas. Ainda hoje, em países à do cidadão, com direito e capacidade de
como Finlândia e Dinamarca existem mi- reclamar pela qualidade e pela acessibi-
lhares de cooperativas que proveem água. lidade do serviço, entre outros aspectos.
Por outro lado, tanto a introdução de
Saneamento como bem público regulações cada vez mais estritas sobre
e como direito de cidadania os fornecedores privados de água desde
a metade do século 19 – como o contro-
O período de desenvolvimento inicial le ou a provisão direta dos serviços de
dos modernos sistemas de saneamen- saneamento por parte do Estado ou de
to nas democracias capitalistas avança- entidades comunitárias, sem fim de lu-

598
SANEAMENTO E DEMOCRACIA SUBSTANTIVA

cro – foram consolidando o status destes trema, nunca aceitaram que os serviços
serviços como um bem público, cuja pro- de saneamento sejam considerados um
visão deve ser universal e não pode estar bem público e um direito social, e defen-
sujeita à lógica mercantil. dem até hoje o regime privatista, em que
No século 20, como resultado dos im- a provisão de água e esgotamento sanitá-
pactos da Segunda Guerra Mundial, o rio são considerados bens privados, que
desenvolvimento do Estado de bem-es- devem ser fornecidos por empresas pri-
tar social nas democracias capitalistas, vadas não reguladas, debilmente regula-
principalmente na Europa, consolidou a das ou autorreguladas. Neste enfoque, a
transformação do status dos serviços pú- relação entre saneamento e democracia,
blicos essenciais, incluído o saneamento, como na etapa privatista iniciada ao fim
que passaram a ser reconhecidos como di- do século 18, deve-se limitar a uma re-
reitos sociais da cidadania, cujo acesso lação contratual entre empresa e usuá-
deve ser garantido pelo Estado, indepen- rio: o direito democrático de cidadania
dentemente da capacidade de pagamento é restringido ao direito de propriedade,
dos usuários. O regime de democracia um intercâmbio mercantil. Este regime
social resultante, em suas diversas ver- de democracia restringida na política e a
sões, consolidou a provisão dos serviços gestão do saneamento foi reintroduzido
de saneamento nas mãos de empresas desde o fim da década de 1980 com a pri-
públicas, particularmente municipais vatização das empresas de saneamento
ou regionais. É nesta etapa, aproximada- na Inglaterra e em Gales e difundido em
mente a partir da década de 1960, que os nível global pelas instituições interna-
países europeus, entre eles a Inglaterra, cionais de desenvolvimento e financia-
conseguiram atingir a universalização mento desde a década de 1990, inclusive
do acesso a estes serviços. no Brasil. Apesar do fracasso deste pro-
jeto neoprivatista na Europa, na África,
O processo de democratização na Ásia na América Latina e nos Estados
da política e da gestão dos Unidos, ele continua a ser impulsionado
serviços de saneamento pelos setores que defendem um modelo
de democracia subordinada aos interes-
Essa transformação do status do sanea- ses do mercado.
mento entre o fim do século 18 e metade Em segundo lugar, apesar dos grandes
do século 20, tem sido objeto de confron- avanços que representou a transforma-
tações políticas e frequentes retrocessos. ção do status do saneamento em bem pú-
Está na raiz de iniciativas que procuram blico e direito social entre os séculos 19
aprofundar o processo de democratização e 20, o regime da democracia social, em S
substantiva da política e da gestão dos suas diferentes versões, não conseguiu
serviços de saneamento, incluindo for- aprofundar o processo de democratiza-
mas que procuram superar as limitações ção substantiva na política e na gestão
da democracia capitalista. do saneamento. Por um lado, fora do cír-
Em primeiro lugar, os representantes culo das democracias capitalistas, com
da tradição liberal-individualista, parti- poucas exceções, o regime de política e
cularmente em sua versão privatista ex- gestão do saneamento centrado no papel

599
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

do Estado e de empresas públicas centra- cidadania. Em alguns casos, as empresas


lizadas não logrou reduzir as enormes públicas têm sido obrigadas a mudar seus
desigualdades e injustiças que persistem objetivos prioritários como prestadores
no acesso aos serviços. de um serviço público e dar centralidade
O caso do Brasil é um exemplo gritante: à geração de lucro, inclusive lucro para
apesar dos grandes avanços tecnológicos e acionistas privados, que, direta ou indi-
de contar com algumas das melhores em- retamente passam a ter controle das em-
presas públicas de saneamento do mundo, presas, em ausência de mecanismos de
o país apresenta enormes deficiências na controle democrático destes processos.
cobertura e na qualidade dos serviços, Em terceiro lugar, deve-se considerar
particularmente em esgotamento sanitá- as diversas iniciativas para aprofundar
rio. Setores expressivos da população po- os processos de democratização supe-
bre nas áreas urbanas e rurais continuam rando as formas tradicionais da demo-
a ser excluídos do acesso a serviços de qua- cracia capitalista, tanto das expressões
lidade mínima, um problema que assume privatistas como dos regimes centrados
formas extremas no caso das comunida- no papel do Estado e na consideração do
des indígenas e afrodescendentes. saneamento como um bem público e um
Por outro lado, ainda nos casos em que direito social. Alguns destes processos
o modelo público-estatal foi bem suce- tiveram início na década de 1960, como
dido em estender a cobertura dos servi- parte das lutas sociais pela democrati-
ços no marco da expansão dos direitos zação das sociedades, que no caso dos
de cidadania social, as lutas sociais para serviços de saneamento tiveram expres-
aprofundar os processos de democratiza- são numa diversidade de experiências,
ção substantiva, para além da democracia inclusive mutuamente contraditórias,
eleitoral, têm exposto as graves deficiên- baseadas numa crítica ao déficit demo-
cias na política e na gestão dos serviços crático da política e da gestão do sanea-
públicos, caracterizados por organiza- mento centralizadas no Estado.
ções burocráticas verticais, sem trans-
parência na publicação de contas, com “Escala humana”
forte resistência a aceitar a participação
dos usuários, dos trabalhadores, e da ci- Algumas destas experiências estão vin-
dadania no governo e no monitoramento culadas com os movimentos em favor de
das atividades e resultados das entidades tecnologias alternativas, “de escala hu-
de governo e das empresas responsáveis mana”, rejeitando as grandes obras de in-
pelo saneamento. Adicionalmente, como fraestrutura centralizadas e promovendo
resultado das iniciativas para reinstalar sistemas de escala local, descentralizados,
o regime de democracia restringida, pri- geridos pelas comunidades, autossusten-
vatista, desde a década de 1990, muitas táveis financeiramente, que permitiriam
empresas públicas têm sido obrigadas a mais participação e controle por parte dos
adotar aspectos do modelo privatista de usuários e autonomia em relação ao Esta-
gestão, introduzindo o princípio de que do e às grandes empresas privadas.
os serviços de saneamento são um pro- Vertentes deste movimento foram
duto mercantil, não um direito social de influenciadas em alguma medida pe-

600
SANEAMENTO E DEMOCRACIA SUBSTANTIVA

la iniciativa neoprivatista da década de de saneamento como um bem público e


1990, já que, na concepção das políticas como um direito de cidadania, apesar de
de privatização de empresas públicas do diversas contradições existentes no inte-
período, qualquer forma que permitisse rior dos movimentos.
retirar o Estado das atividades de pro- Uma dessas contradições tem a ver com
visão dos serviços era válida, inclusive a o papel do Estado nacional, dado que mui-
transferência da responsabilidade estatal tos movimentos consideram que a demo-
às próprias comunidades locais. Outras cratização do saneamento requer uma
se vincularam com as antigas tradições maior centralidade dos governos e das
do cooperativismo e do associativismo, organizações sociais locais. Outra surgiu
que têm uma presença importante na Eu- com a emergência, a partir da década de
ropa e na América Latina, incluindo em 1990, sobretudo na América Latina, de
algumas regiões do Brasil, assim como uma maior participação política das co-
com as tradições municipalistas, particu- munidades indígenas, que mantêm uma
larmente na Europa e em algumas regiões desconfiança histórica em relação ao Es-
dos Estados Unidos. Este tipo de inicia- tado, produto dos processos de genocídio
tivas descentralizadas, participativas, foi e marginalização sofridos, que levam in-
responsável pela expansão de serviços clusive a uma rejeição do conceito de “di-
de provisão de água em muitas regiões reito à água” desenvolvido no marco das
da América Latina. No entanto, em re- tradições da democracia capitalista. Esta
trospectiva, muitas destas experiências continua a ser uma séria contradição ain-
não conseguiram ser autossustentáveis da não resolvida, que produz divisões im-
no longo prazo, obrigando a interven- portantes entre os movimentos que lutam
ção do Estado para manter estes serviços pela democratização substantiva da políti-
descentralizados. Apesar de excelentes ca e da gestão do saneamento. Finalmente,
exemplos bem-sucedidos, continua uma outra iniciativa importante é a dos defen-
questão aberta entender em que medida sores do papel do Estado com respeito aos
estas experiências podem ter contribuído deveres de garantir o exercício dos direitos
para o aprofundamento dos processos de ao acesso universal e à participação no go-
democratização substantiva da política e verno e controle democrático da política e
da gestão do saneamento. da gestão do saneamento. Estes atores re-
Têm surgido diversas iniciativas em conhecem que a atuação estatal e das em-
resposta ao avanço das políticas de pri- presas públicas de saneamento frequen-
vatização impulsionadas a partir da dé- temente dista muito de ser democrática e
cada de 1990 pelos defensores do regime que, pelo contrário, estes são responsáveis
democrático privatista. Por uma parte, em grande medida pelas desigualdades e S
estão as iniciativas populares, notavel- injustiças estruturais que continuam afe-
mente na América Latina, mas também tando setores expressivos da população.
na Europa, nos Estados Unidos e na Ásia, Neste caso, as iniciativas existentes pro-
que levaram ao cancelamento de muitos curam a democratização das instituições
processos de privatização por meio de lu- públicas, que deveriam estar sujeitas a um
tas democráticas centradas na defesa da controle democrático efetivo dos usuários
água como um bem comum e dos serviços e da cidadania.

601
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

Futuros ligados damento das desigualdades e injustiças


estruturais no acesso ao saneamento.
A relação entre saneamento e democracia As lutas pela democratização subs-
tem sido e continua a ser problemática. Is- tantiva das sociedades, que incluem a
to não é pela natureza intrínseca dos ser- luta pela democratização da política
viços de saneamento, que estão orientados e da gestão do saneamento, têm sido
a satisfazer necessidades essenciais dos lideradas principalmente por movi-
seres humanos, das suas sociedades e dos mentos sociais de todo tipo, incluindo
sistemas socioecológicos que compõem. movimentos indígenas, afrodescenden-
Os grandes avanços científicos nos cam- tes e sindicais, assim como por setores
pos das ciências físico-naturais e das disci- acadêmicos e políticos comprometidos
plinas tecnológicas têm fornecido os fun- com esses processos. Para serem bem-
damentos para prover soluções aos mais -sucedidas, essas lutas pela democracia
complexos desafios para poder universali- substantiva – ou seja, baseada numa
zar o acesso às condições necessárias para noção de direitos e deveres subordina-
uma vida digna, entre elas os serviços de da aos princípios da defesa da vida, da
saneamento. Porém, a provisão destes ser- igualdade, da inclusão, da solidarieda-
viços essenciais é grandemente determi- de – devem necessariamente provocar
nada pelos princípios, valores e interesses transformações radicais nas formas do-
materiais que prevalecem na sociedade, minantes existentes da democracia ca-
que orientam, e impõem, as escolhas de pitalista e, potencialmente, contribuir à
política pública que são implementadas. emergência de formas mais humanas e
As democracias capitalistas, que em justas de organização social.
suas muitas versões constituem a forma O futuro dos serviços de saneamen-
dominante de governo em nível mundial, to está intimamente ligado ao futuro da
respondem a tradições diversas, rivais e democracia e suas transformações, que,
até mutuamente incompatíveis. Desde a pela perspectiva da democracia substan-
década de 1990, a tradição privatista ex- tiva, requer transformações estruturais
trema da democracia capitalista tem con- de grande envergadura para confrontar
seguido hegemonizar muitos aspectos da exitosamente os desafios que apresentam
organização dos serviços públicos essen- as forças desumanas e até barbáricas que
ciais no plano internacional, com graves parecem prevalecer nas primeiras déca-
consequências, que incluem o aprofun- das do século 21.

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Autoria deste verbete

José Esteban Castro. Pesquisador principal do Conselho Nacional de Pesquisas Cientí-


ficas e Técnicas (Conicet), Universidade Nacional de General Sarmiento (UNGS), Bue-
nos Aires, Argentina. Professor emérito da Universidade de Newcastle, Reino Unido.

S
SANEAMENTO ECOLÓGICO

O saneamento ecológico é um conceito Os subprodutos gerados durante os


ainda em construção, que vem ganhan- processos de tratamento de esgoto do-
do evidência no Brasil por meio da méstico e de resíduos, como o lodo, o
atuação de comunidades e diversos mo- efluente tratado e o biogás, não devem ser
vimentos sociais. Essa abordagem ex- tratados como rejeitos, visto que podem
pande o conceito de saneamento, prio- voltar como matéria-prima na cadeia cí-
rizando o manejo das águas e dos resí- clica de produção de materiais e energia.2
duos a partir das relações ecológicas, Nesse sentido, o processo de saneamento
com as quais a atuação humana intera- ecológico deve integrar-se localmente,
ge de maneira sustentável por meio de valorizando a economia e o desenvolvi-
princípios, metodologias e tecnologias mento local autônomo.
sociais, a exemplo da agroecologia1 (ver
p. 40) e da permacultura. Respeito às leis naturais
O déficit histórico de saneamento bá-
sico no Brasil fez com que as populações Seguindo essa lógica, a utilização das
buscassem promover o saneamento do- águas para irrigação (maior consumo hí-
miciliar e comunitário por seus próprios drico no Brasil), sem considerar o manejo
meios. Uma das diferenças em relação ao agrícola sustentável do solo e das plantas,
conceito padrão de saneamento básico re- gera desperdício e escassez desse recurso.
side na forma de construir alternativas, Segundo a precursora da agroecologia no
a partir das experiências do trabalho das Brasil, Ana Primavesi,2 “ficamos cientes
populações do campo, da floresta e das de que, onde a técnica se choca com as
águas (ver p. 499) e das necessidades sani- leis naturais, a natureza é que prevalece e
tárias, ambientais e de produção da vida. domina”. Agricultores familiares que pro-

604
SANEAMENTO ECOLÓGICO

duzem alimentos em sistemas agrários são do todo, dialogando com os princípios


de agrofloresta, em vez de somente cap- da integralidade e da intersetorialidade
tar águas superficiais ou subterrâneas, sobre os quais versa o marco regulató-
passam a ser produtores de água. rio do saneamento básico. O segundo é a
Em uma comunidade rural, o lodo po- integração entre a tecnologia e a gestão,
de ser usado para fins agrícolas e o bio- amplamente discutidos pelo Plano Nacio-
gás proveniente de tratamento anaeróbio nal de Saneamento Básico (Plansab – ver
pode servir como combustível, reduzindo p. 457). Como terceiro princípio tem-se a
a necessidade de queima da lenha para redução da poluição, como um processo
cozinhar. O manejo ecológico do solo, em de longo prazo, por meio da conversão em
vez de requerer insumos sintéticos, pas- matéria-prima para outros processos.5
sa a promover a ciclagem de nutrientes, Por isso, essa abordagem considera to-
de microrganismos e de energia. O solo do o ciclo de vida dos produtos, em rela-
vivo é mais permeável e, portanto, mais ção à natureza, à produção agrícola e, em
favorável ao manejo das águas pluviais e especial, à agroecologia. Tal relação tor-
à recarga de aquíferos.3 na-se mais evidente por meio de soluções,
O saneamento ecológico prioriza um tecnologias ou práticas de saneamento
equilíbrio saudável entre o desenvolvi- que possibilitam o aproveitamento das
mento local, a saúde da comunidade e sua águas e dos nutrientes presentes nos
integração com os bens naturais. Nesse esgotos e nos resíduos orgânicos, contri-
sentido, é importante ressaltar que para buindo para sistemas alimentares mais
definição e apropriação de qualquer in- integrados. Essa perspectiva é reforçada
terferência na estrutura de saneamen- no Programa de Saneamento Brasil Rural
to, a participação social (ver p. 424) é (PSBR), que evidencia a relação da agroe-
imprescindível, e não somente na execu- cologia com o saneamento para o desen-
ção dos sistemas e serviços públicos ou volvimento rural sustentável.6
soluções individuais.
A atuação de um técnico especializa- Tecnologias sociais
do – seja para implementar ou verificar a
operação e a manutenção dos equipamen- Para explicar a relação entre agroecolo-
tos e dispositivos dos componentes do gia e saneamento, trazemos uma situa-
saneamento – deve se dar feita por meio ção hipotética de ausência de soluções
de ampla comunicação com os anseios da adequadas de saneamento para, poste-
comunidade. As soluções de saneamento riormente, refletir como algumas solu-
ecológico não são uma receita pronta e ções de saneamento ecológico podem ser
dependem do contexto do território em utilizadas com o objetivo de modificar S
que serão implementadas.4 essa realidade e contribuir para a quali-
dade de vida:
Princípios "Em um domicílio na área rural, os esgotos
são direcionados para uma fossa rudimentar,
O saneamento ecológico baseia-se em que extravasa na época de chuvas devido à
três princípios, sendo o primeiro a abor- proximidade do lençol freático com o nível
dagem holística, ou seja, uma compreen- do terreno. Os resíduos orgânicos e não or-

605
EIXO 5 - ESGOTAMENTO SANITÁRIO

gânicos são jogados em um local do terreno e, de águas pluviais, podem ser construídas
de tempos em tempos, queimados. Os vidros barraginhas capazes de evitar enxurra-
e metais tornam-se potenciais recipientes das, manter o solo úmido por mais tempo
para acúmulo de água e proliferação de ve- e recarregar o lençol freático.12
tores e doenças. A falta de manejo adequado Em relação ao abastecimento de água,
da água da chuva provoca pequenas erosões há um cuidado com as fontes usadas para
próximo ao domicílio." essa finalidade, conservando nascentes,
Esse cenário é comum no meio rural bra- estruturando usos da água da chuva e
sileiro, historicamente marginalizado por buscando minimizar e otimizar o uso pa-
falta de políticas públicas e infraestrutura, ra irrigação e produção de alimentos. As
se comparado ao meio urbano. No entan- práticas de saneamento ecológico tam-
to, nesses casos o uso de soluções dentro bém são benéficas para ajudar na promo-
da perspectiva de um saneamento ecológi- ção da qualidade da água em mananciais
co – como reúso e manejo das águas, tra- de abastecimento para consumo humano,
tamento biológico de efluentes, gestão dos principalmente superficiais, por incre-
resíduos sólidos e manejo das águas plu- mentarem o uso de fertilizantes naturais
viais – pode ser feito de forma integrada, produzidos por meio do aproveitamento
visando fortalecer práticas agroecológicas de subprodutos, evitando o uso de adubos
de desenvolvimento local, contribuindo sintéticos e agrotóxicos.
assim para modificar essa realidade.
Existem diversas possibilidades de tec- Dinâmica interligada
nologias sociais7 (ver p. 717) que fomen-
tam a economia circular e a recuperação Todos esses são exemplos de tecnologias
de subprodutos, visando ao fechamento adequadas para tratamento de esgotos e
de ciclo em uma unidade domiciliar. A resíduos, com geração de valor e ativação
água da chuva pode ser armazenada em da economia local, além da preservação
cisternas para fins potáveis ou não8 e as da saúde ambiental e humana. O conceito
águas cinzas geradas após uso podem ser de saneamento ecológico envolve todos
tratadas em círculo de bananeiras. As fe- os componentes do saneamento básico
zes, direcionadas para uma bacia de eva- e não poderia ser de outra forma, já que
potranspiração (também conhecida por tudo se interliga na dinâmica dos ecossis-
fossa verde)9, podem ser destinadas ao temas, das habitações e dos moradores.
reuso na agricultura ou fertirrigação. A Melhorias expressivas no acesso aos
urina pode ser utilizada, com os devidos componentes do saneamento têm resulta-
cuidados sanitários, como fertilizante do da atuação de redes sociotécnicas que
natural9 e os resíduos orgânicos podem se envolvem comunidades, movimentos so-
destinar à geração de composto orgânico ciais, instituições acadêmicas e de pesquisa
para plantações de produção orgânica.10, em sintonia com a natureza, seus biomas
11
No caso dos resíduos não orgânicos, e as vocações regionais. Nos territórios do
parte pode ser reciclada ou reutilizada no Semiárido brasileiro, por exemplo, atuam
próprio domicílio, e a parcela de rejeitos diversas entidades que compõem a Arti-
pode ser destinada à coleta de resíduos culação Semiárido Brasileiro (ASA), rea-
sólidos. No que diz respeito ao manejo plicando tecnologias sociais de manejo das

606
SANEAMENTO ECOLÓGICO

águas, de esgoto sanitário e de resíduos No caso de algum problema com a tec-


sólidos e fomento de sementes crioulas na nologia, seja por falta de manutenção ou
perspectiva do saneamento ecológico, pro- por implementação ou execução inadequa-
movendo territórios (ver p. 729) saudáveis das do projeto, deve-se ter apoio técnico
e sustentáveis.12 Entretanto, para que essas do município para que os usuários não de-
ações ganhem escala, integralidade e sus- sacreditem das tecnologias adotadas. Por
tentabilidade, é preciso ampliar os recur- isso, é interessante que haja capacitação
sos de políticas públicas intersetoriais. dos usuários e operadores dos sistemas
As soluções que seguem os princípios para que as tecnologias sejam utilizadas e
do saneamento ecológico são importan- compreendidas de forma adequada.
tes para a sustentabilidade dos serviços As soluções individuais (ver p. 673) e co-
de esgotamento sanitário, manejo de re- letivas (ver p. 664) em contextos periféri-
síduos sólidos, abastecimento de água e cos e marginalizados são essenciais para
manejo de águas pluviais. Como ponto o alcance da universalização dos serviços
positivo, entende-se que o aproveitamen- de saneamento básico. Portanto, é neces-
to dos subprodutos gerados no próprio sário implantar soluções que se adequem
território aproxima o usuário da tecnolo- às necessidades da população, principal-
gia e da busca da sustentabilidade. mente em áreas rurais. Nesse sentido, a
população se apropria mais das soluções
Articulação de saneamento quando estas interagem
com os modos de viver e contribuem para
Essas soluções devem ser operadas e o fortalecimento da agroecologia e tam-
mantidas pelos próprios moradores e, por bém dos laços comunitários. Por isso, é
isso, a gestão municipal deve ser muito importante que o planejamento munici-
bem articulada com a comunidade, cole- pal considere as soluções e práticas inte-
tivos, organizações da sociedade civil ou gradas de saneamento ecológico, contri-
associações de moradores, visando tanto buindo para a melhoria da qualidade de
à promoção dessas tecnologias como a sua vida da população e para a universaliza-
operação e sua manutenção adequadas. ção do saneamento.

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SANEAMENTO ECOLÓGICO

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mesmo seu sistema de saneamento ecológico. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2019.

Vídeos

AGROFLORESTA é mais. Direção e roteiro: Beto Novais. Argumento: Jonas Aparecido


de Souza. Produção: Projeto Educação através das imagens (UFRJ). Rio de Janeiro:
VídeoSaúde, distribuidora da Fiocruz, 2019. 1 vídeo (33 min). Disponível em: ht-
tps://portal.fiocruz.br/video/agrofloresta-e-mais. Acesso em: 1 fev. 2020.
MIGUEL Altieri. Direção: Emilio Rodrigues. Produção: Ângela Santos e Augusto Es-
perança. São Paulo: TV Cultura, 2004. 1 vídeo (79 min). (Roda Viva). Disponível
em: https://tvcultura.com.br/playlists/51_roda-viva-educacao_PTd-NzZStEQ.html.
Acesso em: 30 nov. 2019.

Autoria deste verbete

Fernanda Deister Moreira. Engenheira sanitarista e ambiental pela Universidade Fe-


deral de Juiz de Fora (UFJF). Mestranda em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos
Hídricos na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Bernardo Aleixo de Sousa Cruz. Engenheiro civil, mestre e doutor em Saneamento,


Meio Ambiente e Recursos Hídricos pela UFMG. Servidor da Fundação Nacional de
Saúde (Funasa) com experiência na área de engenharia sanitária e saneamento rural.

Fabiana Lopes Del Rei Passos. Doutora em Engenharia Ambiental pela Universidade


Politécnica da Catalunha (UPC), Espanha. Professora adjunta do Departamento de En-
genharia Sanitária e Ambiental (Desa) da UFMG.

Alexandre Pessoa Dias. Engenheiro civil sanitarista, mestre em Engenharia Ambien-


tal, doutor em Medicina Tropical. Professor-pesquisador do Laboratório de Educação S
Profissional em Vigilância em Saúde (Lavsa) da Escola Politécnica de Saúde Joaquim
Venâncio (EPSJV), Fundação Oswaldo Cruz.

609
EIXO T - TEMAS TRANSVERSAIS

S
SANEAMENTO EM COMUNIDADES TRADICIONAIS

Povos e comunidades tradicionais são pre-vivas, pantaneiros, morroquianos,


definidos como “grupos culturalmente di- povos pomeranos, catadores de manga-
ferenciados e que se reconhecem como tais, ba, quebradeiras de coco babaçu, retirei-
que possuem formas próprias de organiza- ros do Araguaia, comunidades de fundos
ção social, que ocupam e usam territórios e fechos de pasto, ribeirinhos, cipozeiros,
e recursos naturais como condição para andirobeiros, caboclos e juventude de po-
sua reprodução cultural, social, religiosa, vos e comunidades tradicionais.
ancestral e econômica, utilizando conhe- Os povos e comunidades tradicionais,
cimentos, inovações e práticas gerados e ou PCTs, ainda não são totalmente conhe-
transmitidos pela tradição”.1 cidos e reconhecidos no país. Para o Pro-
Estes grupos começaram a organizar- grama das Nações Unidas para o Desen-
-se localmente e, ao tentarem emergir da volvimento (Pnud), estes grupos podem
invisibilidade, ações governamentais fo- ser representados por 5 milhões de brasi-
ram pleiteadas, principalmente pela pres- leiros, e ocupam 25% do território nacio-
são dos movimentos sociais. No ano de nal.5 A partir de 2010, depois de reivindi-
2004, o governo federal criou a Comissão cações de movimentos sociais, o Cadastro
Nacional de Desenvolvimento Sustentá- Único para Programas Sociais (CadÚnico)
vel dos Povos e Comunidades Tradicio- apresenta um cadastramento diferenciado
nais (CNPCT), visando implementar uma como grupos populacionais tradicionais
política nacional dirigida a eles.2, 3 específicos (GPTEs). Neste cadastro, as fa-
Em 2007, o Decreto 6.040 instituiu a mílias pertencentes aos GPTEs estão pre-
Política Nacional de Desenvolvimento dominantemente em áreas rurais, onde
Sustentável e Comunidades Tradicio- estão também algumas das piores situa-
nais (PNPCT) e decretou a CNPCT como ções de serviços de saneamento básico.2, 6
responsável por coordenar sua imple- As dificuldades encontradas para o
mentação.1 Atualmente, a instância é atendimento às populações rurais podem
denominada como Conselho Nacional estar relacionadas a aspectos diversos,
dos Povos e Comunidades Tradicionais, tais como o fato de essas populações es-
instituído pelo Decreto 8.750/2016.4 tarem distribuídas em um espaço físico
Nele, 29 categorias são representadas: disperso, dificultando, assim, compre-
indígenas, quilombolas, povos e comuni- ender as demandas específicas de cada
dades de terreiro e de matriz africana, ci- comunidade ou até mesmo o isolamento
ganos, pescadores artesanais, extrativis- geográfico e/ou o difícil acesso a essas
tas costeiros e marinhos, caiçaras, faxi- comunidades. Mas também se devem à
nalenses, benzedeiros, ilhéus, raizeiros, inexistência ou a insuficiência de políticas
geraizeiros, catingueiros, vazanteiros, públicas de saneamento rural, nas esfe-
veredeiros, apanhadores de flores sem- ras municipais, estaduais e federais, bem

610
SANEAMENTO EM COMUNIDADES TRADICIONAIS

como à limitação financeira ou de pessoal, Com o intuito de atender as demandas


por parte dos municípios, o que dificulta das áreas rurais e comunidades tradicio-
a execução dos serviços voltados para o nais brasileiras e universalizar o acesso
saneamento. Talvez a principal causa, ou ao saneamento, recentemente o governo
ao menos um agravante, seja a falta de federal elaborou o Programa Saneamen-
iniciativas governamentais voltadas espe- to Brasil Rural (PSBR), em parceria com
cificamente a essas populações, sob uma instituições do governo e entes do setor
abordagem interdisciplinar e que busque de saneamento. Gerida pela Funasa e com
a participação social e o empoderamento participação direta de diversos órgãos fe-
de indivíduos e comunidades.6, 7 derais, a iniciativa possui duração de 20
anos (2019-2038) e suas metas foram
Programas com ações estabelecidas para horizontes de curto,
de saneamento médio e longo prazos, com investimentos
totais de R$ 218,94 bilhões, distribuí-
A Fundação Nacional de Saúde (Funasa) dos entre ações estruturais (R$ 179,53
é o órgão do governo federal responsável bilhões) e estruturantes (R$ 39,41 bi-
pela atuação em saneamento básico em lhões), contemplando os quatro compo-
áreas rurais e comunidades tradicionais. nentes do saneamento.8, 9
Destaca-se que as ações de saneamento Outra iniciativa do governo federal
desenvolvidas pela Funasa em áreas ru- com articulação na área de saneamento
rais e comunidades tradicionais são cus- no âmbito das comunidades tradicionais
teadas por meio de recursos não onerosos é o Programa Brasil Quilombola, criado
do Orçamento Geral da União (OGU). Até em 2004 e gerido pela Secretaria de Po-
2019, as ações desenvolvidas pela Funda- líticas de Promoção da Igualdade Racial
ção nessas áreas abrangiam implantação, (Seppir)8. O Programa tem como finalida-
ampliação ou melhoria de sistemas de de a coordenação de todas as ações gover-
abastecimento de água (ver p. 645) e de namentais voltadas para as comunidades
esgotamento sanitário (ver p. 256); elabo- remanescentes dos quilombos, articulan-
ração de projetos desses sistemas; e im- do-as em quatro eixos: acesso à terra; in-
plementação de melhorias das condições fraestrutura e qualidade de vida; inclusão
sanitárias domiciliares (ver p. 386) e/ou produtiva e desenvolvimento local; e di-
coletivas de pequeno porte.8 reitos e cidadania. O eixo do programa de
Embora a Lei Federal 11.445/2007 defi- infraestrutura e qualidade de vida prevê
na o saneamento básico composto por qua- ações voltadas ao saneamento.10
tro componentes, ao analisar as metas do Destaca-se também o Programa Água
governo federal presentes no Plano Pluria- Para Todos. Foi instituído pelo Decreto S
nual (PPA) 2012-2015 e no Plano Pluria- 7.535/2011, como uma estratégia para
nual 2016-2019 nota-se que estas contem- redução da extrema pobreza, “destinado a
plam ações de saneamento em áreas rurais promover a universalização do acesso à água
e comunidades tradicionais somente para em áreas rurais para consumo humano e pa-
os componentes de abastecimento de água ra a produção agrícola e alimentar, visando
e esgotamento sanitário, havendo, por- ao pleno desenvolvimento humano e à segu-
tanto, ausência da integralidade.9 rança alimentar e nutricional de famílias em

611
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

situação de vulnerabilidade social”.11 e à intolerância religiosa, além do baixo


As técnicas e tecnologias de saneamen- investimento para o desenvolvimento em
to básico apropriadas para áreas rurais e bases sustentáveis.3, 14, 15
comunidades tradicionais, adequadas à Somente 100 anos após o fim da escra-
realidade dos que vivem nesses locais, po- vidão que os remanescentes dos quilom-
dem promover a melhoria da qualidade bos foram lembrados na legislação bra-
de vida dessa parcela da população. Difi- sileira, reaparecendo na Constituição da
cilmente são admitidas soluções padroni- República Federativa do Brasil de 1988,
zadas, uma vez que cada realidade requer nos artigos 215 e 216, como possuidores
sua própria e única solução de promoção de direitos culturais e constituintes do
da saúde e do saneamento.6, 7 patrimônio cultural brasileiro, e no art.
68 do Ato das Disposições Constitucio-
Quilombolas nais Transitórias: “Aos remanescentes
das comunidades dos quilombos que este-
Um grupo tradicional que representa a vi- jam ocupando suas terras é reconhecida a
vência em situação sanitária precária no propriedade definitiva, devendo o Estado
país e em áreas rurais são os quilombolas. emitir-lhes os títulos respectivos”.6, 16
Eles organizaram-se a partir de valores A responsabilidade de realizar o reco-
socioculturais trazidos por africanos ao nhecimento das comunidades remanes-
Brasil no período da escravidão. Almejan- centes dos quilombos, bem como confe-
do uma vida de liberdade, os negros escra- rir-lhes a titulação das terras por elas
vizados fugiam e se estabeleciam em áreas ocupadas, prevista pela Constituição Fe-
isoladas e de difícil acesso, formando as- deral, foi determinada à Fundação Cultu-
sim as comunidades quilombolas, de mo- ral Palmares (FCP).17 A Portaria 98/2007
do que seus remanescentes vivem, atual- da FCP define-os como “os grupos étnicos
mente e em sua maioria, em zonas rurais.6, raciais, segundo critérios de autoatribui-
7, 12
Para os negros escravizados, construir ção, com trajetória histórica própria, dota-
um quilombo era um imperativo de sobre- dos de relações territoriais específicas, com
vivência, tendo em vista que foram aban- presunção de ancestralidade negra relacio-
donados à própria sorte, desprovidos de nada com formas de resistência à opressão
patrimônio, vivendo na mais absoluta mi- histórica sofrida”.18
séria. Para superar essa condição constitu- Dados apontam que 3.432 comunida-
íram territórios próprios caracterizados des quilombolas foram certificadas pela
pela vivência comunitária.3, 13 Fundação Cultural Palmares até 21 de fe-
Autores afirmam que, historicamente, vereiro de 2020, e mais de 200 comuni-
o modelo de desenvolvimento universa- dades estão com processo de certificação
lista e homogêneo ignorou a diversidade em etapa de análise técnica.19 No entan-
humana destas comunidades, submeten- to, no período entre 2005 e 2018 foram
do-os à invisibilidade e ao isolamento. emitidos somente 127 títulos de territó-
Assim, as comunidades foram expostas rio quilombola, havendo 1.749 processos
a todo tipo de conflito para manter suas de titulação em andamento.20 Além disso,
terras, ao empobrecimento, à degradação até fevereiro de 2020, 186.642 famílias
ambiental, à expulsão de seus territórios quilombolas estavam cadastradas no Ca-

612
SANEAMENTO EM COMUNIDADES TRADICIONAIS

dÚnico, sendo 133.417 destas beneficiá- visibilidade territorial por povos e comuni-
rias do Programa Bolsa Família.21 dades tradicionais. A regularização fundi-
ária torna-se imprescindível para a garan-
Serviços inexistentes ou precários tia dos direitos constitucionais e humanos,
portanto, o que passa pela inserção destas
Em muitas comunidades quilombolas, populações nas políticas públicas.3
os serviços de saneamento prestados são Com um processo histórico de resistên-
inexistentes ou precários. Normalmente, cia, delimitações territoriais nem sempre
o abastecimento de água é individual, por oficializadas, construção e reconstrução
meio de poços, fontes de água, cisternas de identidades coletivas, os quilombolas
ou outras fontes, sem tratamento. Apenas enfrentam diversos obstáculos para a ga-
as comunidades localizadas em áreas peri- rantia de sua sobrevivência. Ainda exis-
féricas aos centros urbanos recebem água tem lacunas legislativas e desafios ope-
tratada. A coleta e o tratamento de esgoto racionais da identificação e do reconhe-
são praticamente inexistentes. O destino cimento territorial.3 A falta de oferta de
dos esgotos sanitários são valas a céu aber- serviços básicos de infraestrutura como
to, fossas rudimentares ou o lançamento de saneamento, saúde e habitação decor-
direto em corpos hídricos. Quanto aos re- re do contexto socioambiental de vulne-
síduos sólidos, poucas comunidades têm rabilidade em que estas populações estão
coleta realizada pelo município. Na maio- inseridas. A segregação racial e seus re-
ria dos domicílios, os resíduos são jogados sultados, como o desemprego e a baixa
a céu aberto em terrenos baldios, enterra- escolaridade,37 dificultam o acesso a po-
dos no fundo das residências ou queima- líticas públicas, e completam esse quadro
dos.10 Estudos realizados nos últimos anos que ameaça a reprodução cultural, social,
apontam que estas comunidades sofrem religiosa, ancestral e econômica, podendo
com a exclusão sanitária, com a vulnera- agravar a violência no campo.3
bilidade socioambiental (ver p. 786), com
índices de prevalência e incidência de do- O Plano Municipal de Saneamento
enças decorrentes da ausência de serviços Básico e os povos tradicionais
de saneamento e em condições precárias
de habitação.3, 6, 14, 22-36 Importante instrumento da Política Nacio-
Outro fator que estas comunidades en- nal de Saneamento Básico, o Plano Muni-
frentam é a complexa questão territorial. cipal de Saneamento Básico (PMSB – ver p.
Algumas estão inseridas em áreas consi- 450) deve compreender, considerar e res-
deradas de conservação e preservação am- saltar a importância da inclusão destes po-
biental, sem que se tenha considerado sua vos e comunidades em todas as suas etapas. S
inserção nas legislações, o que gera confli- É necessário atentar para as proposições
tos e indefinições territoriais. Reconheci- de utilização de tecnologias sociais (ver p.
mentos e titulações são agravados quando 717), considerando as particularidades ge-
interesses como os do agronegócio, da mi- ográficas, econômicas e socioculturais das
neração e dos setores energético (nos pro- comunidades tradicionais. Trata-se de tec-
jetos de hidrelétricas, por exemplo) e imo- nologias baseadas nos princípios de fácil
biliário estão presentes nas negociações de implementação e manutenção, baixo custo

613
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

e execução de metodologias participativas, inclusão das comunidades tradicionais


somando os saberes técnicos e populares. são extremamente importantes para a
Assim, políticas governamentais dire- melhoria da qualidade de vida desses
cionadas e específicas que favoreçam a cidadãos brasileiros.

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ccivil_03/LEIS/L7668.htm.
18. FCP. Portaria nº 98, de 26 de novembro de 2007. Regulamenta o procedimento
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DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

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Para saber mais

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tps://www.saneamentobrasilrural.com.br.

616
SANEAMENTO EM COMUNIDADES TRADICIONAIS

MMA. Comissão Nacional para o Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comu-


nidades Tradicionais (CNPCT). Disponível em: http://portalypade.mma.gov.br.
MDR. Programa Água para Todos. Página web do Ministério do Desenvolvimento Regio-
nal (MDR). Disponível em: https://www.mdr.gov.br/contato/317-secretaria-nacional-de-
-programas-urbanos/agua-para-todos/6076-agua-para-todos.
BRASIL. Implantar saneamento em áreas rurais e comunidades tradicionais – popula-
ções específicas. Página web do governo federal. Disponível em: https://www.gov.
br/pt-br/categorias/saude-e-vigilancia-sanitaria/prevencao/populacoes-especificas.
SILVA, A. R. F. Políticas públicas para comunidades quilombolas: uma luta em constru-
ção. Política & Trabalho, João Pessoa, v. 1, n. 48, p. 115-128, 2018. Disponível em:
https://periodicos.ufpb.br/index.php/politicaetrabalho/article/view/27650.
SANEAMENTO em comunidades quilombolas (resultado de busca). Google Scho-
lar. Disponível em: https://scholar.google.com.br/scholar?start=20&q=saneamen-
to+em+comunidades+quilombolas&hl=pt-BR&as_sdt=0,5.
CAPOBIANGO, G. V. Reflexões sobre o processo de seleção de soluções de saneamen-
to em uma comunidade quilombola na Zona Da Mata (MG): participação e percep-
ção da comunidade, diálogos entre os saberes técnico e popular. 2019. Dissertação
(Mestrado em Engenharia Civil) – Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, 2019.
Disponível em: https://www.locus.ufv.br/bitstream/handle/123456789/27508/
texto%20completo.pdf?sequence=1&isAllowed=y.
MPMG. Direitos dos povos e comunidades tradicionais. Cimos/MPMG, 2014. Dispo-
nível em: https://conflitosambientaismg.lcc.ufmg.br/wp-content/uploads/2014/04/
Cartilha-Povos-tradicionais.pdf.

Autoria deste verbete

Andreiva Lauren Vital do Carmo. Engenheira ambiental, especialista em Gestão Am-


biental, mestre em Engenharia Civil pela Universidade Federal de Viçosa (UFV).

Josiane Teresinha Matos Queiroz. Engenheira civil especialista nas áreas sanitária
e ambiental, mestre, doutora e pós-doutora em Saneamento, Meio Ambiente e Re-
cursos Hídricos pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), pós-doutora em
Políticas Públicas em Saneamento e Saúde pelo Instituto René Rachou, da Fundação
Oswaldo Cruz (Fiocruz).

617
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

S
SANEAMENTO INDÍGENA

A 8ª Conferência Nacional de Saúde de seus ecossistemas;


(CNS), realizada em de março de 1986, • deve ser assegurada a cidadania plena,
foi um dos momentos mais importantes com todos os direitos constitucionais,
na história política da Saúde do Estado como determinante do estado de saúde
brasileiro, na reconstrução do Estado dos povos indígenas; e
democrático de direito e da definição do • é preciso promover o acesso das nações
Sistema Único de Saúde (SUS). Durante indígenas às ações e serviços de saúde
cinco dias de debates, mais de 4 mil par- e sua participação na organização, na
ticipantes aprofundaram a discussão em gestão e no controle destes.
três temas fundamentais: a saúde como
dever do Estado e direito do cidadão, a re- Em 23 de setembro de 1999, foi pro-
formulação do Sistema Nacional de Saúde mulgada a Lei 9.836, que determinou
e o financiamento setorial. a regulamentação das condições para
No mesmo espaço realizou-se a 1ª Con- promoção, proteção e recuperação da
ferência Nacional de Proteção à Saúde do saúde dos povos indígenas, complemen-
Índio (CNSPI), primeiro evento de caráter tando a Lei 8.080/ 1990. A nova lei disci-
nacional e com legitimidade para discutir plinou a organização e o funcionamento
política de saúde dos povos indígenas bra- dos serviços de saúde e de saneamento
sileiros. Esta conferência considerou alguns em áreas indígenas, assim instituindo o
princípios em relação às nações indígenas Subsistema de Atenção à Saúde Indíge-
brasileiras, reconhecidas as suas multipli- na (SasiSUS), que garante a atenção in-
cidade, diversidade étnico-cultural e espe- tegral à saúde dos povos indígenas, com
cificidades históricas e de contato: respeito às suas diversidades étnicas,
geográficas e socioculturais. A popu-
• a saúde das nações indígenas é defi- lação indígena passa, então, a construir
nida em um espaço e tempo histórico o seu sistema de saúde, com acesso ade-
determinados, na particularidade de quado e assistência especializada.
seu contato com a sociedade nacional É formulada e aprovada a Política Na-
e pela forma de ocupação de seu terri- cional de Atenção à Saúde dos Povos In-
tório e adjacências; dígenas (Pnapsi), que passa a figurar na
• é necessário garantir a autonomia, a Política Nacional de Promoção da Saúde
posse territorial e o uso exclusivo pe- (PNPS), compatibilizando as determi-
las nações indígenas dos recursos na- nações da Lei Orgânica da Saúde com as
turais do solo e do subsolo em seu ter- da Constituição Federal, que reconhece
ritório, de acordo com as necessidades aos povos indígenas suas especificidades
e especificidades étnico-culturais de étnicas e culturais, bem como estabele-
cada nação, bem como a integridade ce seus direitos sociais, sublinhando a

618
SANEAMENTO INDÍGENA

importância dos serviços de saneamen- ção de programas de atenção à saúde para


to para a melhoria da qualidade de vida a população indígena, e o setor de sanea-
dessas comunidades. mento e de edificações na área indígena.
No nível central, as ações de sanea-
Distrito sanitário especial indígena mento indígena são coordenadas pelo
Departamento de Saneamento e Edi-
O distrito sanitário especial indígena ficações de Saúde Indígena (Dsesi),
(Dsei) é a unidade gestora descentrali- com a responsabilidade de implementar
zada do Subsistema de Atenção à Saúde as ações que visem prevenir doenças
Indígena. Trata-se de um modelo de or- e agravos decorrentes do saneamento
ganização de serviços orientado para um ambiental inadequado, auxiliando na
espaço etnocultural dinâmico, geográ- recuperação e na promoção da saúde da
fico, populacional e administrativo bem população indígena.
delimitado, que contempla um conjunto Recentemente, através do Decreto
de atividades técnicas que se fundamen- 9.795/2019, essa divisão passa a se de-
tam em medidas racionalizadas e quali- nominar Departamento de Determi-
ficadas de atenção à saúde. Além disso, nantes Ambientais Saúde Indígena
promove a reordenação da rede de saúde e (Deamb), com as competências de plane-
das práticas sanitárias por meio de ativi- jar, coordenar, supervisionar, monitorar
dades administrativo-gerenciais necessá- e avaliar as ações referentes a saneamen-
rias à prestação da assistência, com base to e a edificações de saúde em território
no controle social (ver p. 156). indígena. O Deamb estabelece diretrizes
No Brasil, há 34 Dseis divididos estra- para a implantação e manutenção das
tegicamente por critérios territoriais, infraestruturas de saneamento e das
tendo como base a ocupação geográfica unidades de saúde, bem como a opera-
das comunidades indígenas, sem obede- cionalização das ações de saneamento
cer aos limites dos estados. em apoio às equipes dos distritos sanitá-
O território indígena não é construído rios especiais indígenas. Constituem-se
e/ou entendido de maneira isolada. Ele como áreas de atuação sua:
decorre das articulações estruturais e
das conjunturas a que essas comunida- • implantação, reforma e ampliação de
des estão submetidas, em determinada unidades de saúde voltadas para o aten-
época, determinada vida e determinada dimento em território indígena;
forma de produção e de relação com a • implantação, reforma e ampliação das
natureza. Estes aspectos de forma pro- infraestruturas de abastecimento de
cessual de relações de suas vidas dentro água; S
do território é que constituirá o proces- • implantação de melhorias sanitárias
so da territorialidade. domiciliares;
Como estrutura descentralizada, o • elaboração de documentos técnicos de
Dsei é composto de duas áreas técnicas referência;
operativas fundamentais da atenção • monitoramento e acompanhamento de
primária da saúde (APS): o da atenção à obras;
saúde, que orienta e apoia a implementa- • operacionalização e manutenção da in-

619
EIXO T - TEMAS TRANSVERSAIS

fraestrutura de abastecimento de água, O trabalho do Aisan é estar atento e


melhorias sanitárias domiciliares e de- vigilante para atuar na prevenção dos fa-
mais edificações; tores de risco ambientais que ocasionam
• ações de garantia da qualidade da água as doenças relacionadas ao saneamento
para consumo humano: inspeção sani- ambiental inadequado (DRSAIs – ver p.
tária nas infraestruturas de abasteci- 218), relacionando ao ambiente desde as
mento de água, monitoramento de qua- doenças de veiculação hídrica até as que
lidade da água, tratamento da água; são transmitidas por vetores, que podem
• gerenciamento de resíduos sólidos: do- ser controladas com medidas de sanea-
mésticos e de serviços de saúde; mento e saúde ambiental. As técnicas e
• atuação em surto de doenças relaciona- ações socioeconômicas do saneamento
das ao saneamento; e ambiental compreendem:
• educação em saúde relacionada ao sanea-
mento ambiental e às práticas de higiene. a) a forma como se trabalha o mane-
jo dos territórios, das habitações, das
Saneamento ambiental nas aldeias águas dos rios, dos lagos, das chuvas e
das águas do subsolo (subterrâneas);
A Política Nacional de Atenção à Saúde b) o manejo de esgoto sanitário e
do Povos Indígenas (Pnasp) contempla o de efluentes industriais e agrícolas,
modelo de atenção integral à saúde indí- de resíduos sólidos e de emissões
gena com ações de saneamento ambien- atmosféricas;
tal compondo uma estratégia imprescin- c) o controle ambiental dos vetores
dível de promoção à saúde e prevenção transmissores de doenças e do uso e
de doenças. Cabe à Secretaria Especial ocupação do solo;
de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério d) a educação e a mobilização social na
da Saúde (MS), intensificar e promover promoção da saúde, tendo como finali-
ações de saneamento ambiental nos ter- dade melhorar as condições de vida dos
ritórios indígenas. povos das florestas, das populações do
A saúde ambiental é um importante com- campo e das cidades.
ponente da atenção primária à saúde (APS)
e envolve diretamente a atuação dos agen- Equipes multidisciplinares
tes indígenas de saúde e de saneamento de saúde indígena
(Aisans) e da equipe multidisciplinar de
saúde indígena (Emsi). O Aisan foca suas As atividades de atenção primária da
atividades no manejo do ambiente, detec- saúde (APS) que ocorrem nas aldeias são
tando, identificando, analisando, preve- desenvolvidas pelas equipes multidisci-
nindo e corrigindo riscos ambientais para plinares de saúde indígena (Emsis), que
a saúde. É necessário, portanto, que os ser- constituem a base da estrutura de atendi-
viços de saúde e de saneamento na aldeia mento à população indígena. As equipes
e no Dsei trabalhem juntos para melhorar são compostas por médicos, enfermeiros,
a saúde da comunidade, visto que grande odontólogos, nutricionistas, técnicos de
parte das doenças são causadas pela falta enfermagem, técnicos de consultório
de saneamento na aldeia. dentário e de higiene dental, agentes in-

620
SANEAMENTO INDÍGENA

dígenas de saúde (AISs), agentes indíge- concebido para fortalecer a organização


nas de saúde e de saneamento (Aisans), dos serviços de atenção primária nos
técnicos em saneamento, agentes de en- Dseis, e sua qualificação é vista pela Secre-
demias e microscopistas. taria Especial de Saúde Indígena (Sesai),
Os agentes indígenas de saúde e sane- do Ministério da Saúde (MS), como estra-
amento (Aisans) são escolhidos de for- tégia importante para fortalecer a orga-
ma participativa pelos componentes da nização dos serviços de atenção primária
aldeia para atuarão em seu desenvolvi- nas aldeias, pois os AISs e Aisans fazem
mento social, sanitário e ambiental. É im- parte das equipes de saúde indígena e são
portante que o Aisan saiba ler e escrever, membros de sua comunidade, o que ajuda
mas isso não é um critério excludente. Ele a identificar seus próprios problemas na
será capacitado para analisar situações e comunicação e ação na aldeia.
problemas que envolvam saneamento e O processo de capacitação e de forma-
saúde ambiental. Com essa capacitação ção dos Aisans constitui o Programa de
pode tomar decisões com a Emsi, orientar Qualificação de Recursos Humanos da
a comunidade e mobilizar para atividades Saúde Indígena, que utiliza em sua for-
e desenvolvimentos de novos hábitos, de mação uma metodologia problematiza-
forma a contribuir com a educação am- dora para capacitar pessoas da própria
biental e de saúde de sua comunidade em comunidade para atuar nos sistemas de
conjunto com o agente indígena de saúde saneamento das aldeias. Em seu conteú-
(AIS) e a equipe. Os Aisans, portanto, atu- do de formação compõem uma grade de
am como promotores da saúde ambiental, 500 horas de atividades contemplando os
realizando as seguintes atividades: seguintes objetivos pedagógicos:
• monitoramento das coleções de água
na bacia hidrográfica; • Área Temática I – Promoção da saúde
• manejo dos resíduos perigosos da al- no território indígena
deia e da unidade de saúde (manejo de • Unidade I – Territórios e Povos Indíge-
resíduos sólidos e manejo do esgoto); nas no Brasil
• atuação com as escolas na promoção de • Unidade II – Saúde, doença e atenção
educação ambiental; nos territórios indígenas
• discussão com a comunidade de formas • Unidade III – Políticas de saúde e
de prevenção de fogo e de desmata- atenção primária no Brasil e na saúde
mento das matas ciliares dos rios e das indígena
nascentes; • Unidade IV – Promoção e educação em
• elaboração de plano de sustentabilida- saúde indígena
de dos recursos naturais da bacia hi- • Área temática II – Prevenção e opera- S
drográfica do território; e cionalização de ações e procedimentos
• definição de estratégias de controle de técnicos na área de saneamento
vetores transmissores de doenças. • Unidade I – Ambiente e Saúde
• Unidade II – Manejo das águas, dos es-
A capacitação dos Aisans está estabele- gotos e dos resíduos sólidos
cida no Programa de Formação de Agen- • Área temática III – O processo de tra-
tes Indígenas de Saúde e de Saneamento, balho do Aisan

621
EIXO T - TEMAS TRANSVERSAIS

• Unidade I – Produção de informação ção e distribuição da água à comunidade


em saneamento e saúde ambiental no pelos chafarizes ou rede de distribuição
contexto da atenção básica aos povos com ligações domiciliares.
indígenas Nas aldeias sem energia elétrica, o sis-
• Unidade II – Processo de trabalho do tema de bombeamento se dá através de
Aisan e sua atuação na equipe de saúde energia solar com placas fotovoltaicas.
• Sistemas de saneamento ambiental Visando à garantia de uma água potável
e de qualidade, são utilizados como ma-
Os serviços de saneamento em áreas nanciais poços profundos, bombeamento,
indígenas têm um caráter básico vol- reservação e distribuição. Por se caracte-
tado para atividades sanitárias e pa- rizarem como sistemas simplificados de
ra a melhoria da qualidade de vida das abastecimento de água, pela sua baixa
comunidades indígenas e das doenças complexidade tecnológica e pela facilidade
relacionadas com o saneamento, prin- de adequação à realidade local, possuem
cipalmente nas morbidades causadas sistema de tratamento de água através da
por doenças infecto-parasitárias, como cloração por meio do clorador de pastilhas
diarreias e outras de veiculação hídrica, de cloro com dosagem fixa.
as inadequações das condições sanitárias
e a consequente necessidade de ações de Esgoto e esgotamento sanitário
saneamento determinadas por critérios
epidemiológicos, sanitários, ambien- Em aldeias com concentração da popula-
tais e socioculturais. ção e produção de esgotos domésticos for-
O distrito sanitário especial indígena é mados por fezes, urina e água usada no
a unidade responsável pelas ações de pro- banho, na lavagem de roupas, de vasilhas
moção do saneamento nas aldeias, elabo- e de alimentos, é necessária a construção
rando e executando projetos e obras em de sistemas de esgotamento sanitário
sua área de abrangência. Cuida também da que afastem os esgotos do contato com a
capacitação e do treinamento dos– Aisans. comunidade, as águas de abastecimento,
Os sistemas de abastecimento de os animais domésticos, os insetos (mos-
água da área indígena são definidos pe- cas e baratas) e os alimentos, tendo em
la Portaria 2.914/2011 como “solução vista que o esgoto é uma fonte de conta-
alternativa coletiva de abastecimento de minação e de disseminação de doenças. A
água para consumo humano: modalidade solução para os problemas relacionados à
de abastecimento coletivo destinada a for- exposição dos esgotos pode ser individu-
necer água potável, com captação subterrâ- al ou coletiva.
nea ou superficial, com ou sem canalização As soluções individuais para o esgota-
e sem rede de distribuição”. mento sanitário são adotadas nas peque-
Estes sistemas buscam resolver pro- nas comunidades, com a construção de
blemas de abastecimento das comunida- privadas higiênicas. A escolha do tipo de
des indígenas, de forma a garantir água privada será feita de acordo com as condi-
potável em quantidade suficiente para ções locais, podendo ser privada de fossa
o consumo da aldeia. São formados por seca, na qual as fezes e a urina são lança-
captação, adução, tratamento, reserva- das diretamente, sem o auxílio de água; e

622
SANEAMENTO INDÍGENA

privada com vaso sanitário, onde as fezes as áreas mais preservadas desta região
e a urina são depositadas e depois trans- estão localizadas principalmente nelas e
portadas por meio da água até o tanque nas unidades de conservação. Entretan-
séptico e em seguida para o sumidouro. to, a poluição ambiental (ver p. 488) é um
problema cada vez mais comum nos terri-
Resíduos sólidos tórios indígenas. Ela acontece quando são
introduzidas substâncias no ambiente
Um dos principais enfoques dos resí- acima de sua capacidade de depuração e
duos sólidos nas aldeias indígenas é o que podem causar danos à saúde huma-
trabalho de educação em saúde, envol- na. É gerada pela mineração, por garim-
vendo a comunidade, o conselho local pos, atividade madeireira e empreendi-
de saúde, a comunidade escolar, os AISs mentos do agronegócio, que contaminam
e Aisans, na segregação de resíduos e na as coleções de água com a disposição de
utilização de resíduos orgânicos através agrotóxicos (ver p. 47) e outros produ-
da compostagem domiciliar. tos químicos e nos rios, lagos e igarapés,
O Programa de Gerenciamento de Resí- provocando a morte dos peixes e outros
duos nas aldeias envolve as escolas indíge- animais que habitam estes ambientes ou
nas com coletores seletivos, com o objetivo utilizam suas águas para consumo.
fundamental de aumentar a consciência
sanitária da comunidade escolar na se- Informação em saúde e
paração dos resíduos. Por serem resíduos saneamento ambiental
perigosos e contaminantes, os resíduos de
saúde de origem produzidos nas unidades A produção de informação do saneamen-
de saúde, são coletados por empresas espe- to ambiental indígena se dá pela aplica-
cializadas. É realizada a política de logís- ção de dois instrumentos: o primeiro,
tica reversa principalmente para resíduos que registra as condições sanitárias
perigosos como as pilhas. Nas aldeias se da aldeia, e o segundo, que registra as
estimula a aplicação de quatros Rs – reuti- condições sanitárias das moradias da
lização, reciclagem, retorno e redução. aldeia. Ambos são estruturados para fa-
cilitar a coleta dos dados pelos Aisans e
Sustentabilidade permitir a coleta de coordenadas geográ-
ficas, pelo GPS, determinando os pontos
O conhecimento tradicional dos povos espaciais, dos domicílios e de elementos
indígenas no manejo dos recursos natu- relacionados ao saneamento e à saúde
rais nos seus territórios já é reconhecido ambiental da aldeia.
em pesquisas como importantes fator de São coletadas informações e coordena- S
sustentabilidade desses recursos no pla- das geográficas da existência de associação
neta, pois a maior parte das áreas verdes comunitária ou cooperativa indígena, es-
e com floresta que ainda restam é habi- paços para rituais ou plantios e a necessi-
tada por povos indígenas. No Brasil, por dade de intervenção de saneamento, como
exemplo, as terras indígenas têm con- a construção de abastecimento de água e
tribuído muito na proteção dos ecossis- melhorias sanitárias. A coleta e a sistemati-
temas existentes na Amazônia, porque zação abrangem informações referentes a:

623
EIXO T - TEMAS TRANSVERSAIS

• abastecimento de água com suas Com ele é possível, também, organizar


características; dados e gerar informações que mostram
• esgotamento sanitário; a realidade das aldeias do país. Trata-se
• resíduos sólidos; de uma base para tomar decisões de in-
• sistema de transporte e comunicação; vestimento, formular políticas públicas e
• atividades econômicas; estabelecer planos de ação para melhoria
• impactos ambientais. das condições sanitárias, visando à saúde
ambiental das comunidades.
O Sistema de Informação da Atenção
à Saúde Indígena (Siasi) registra infor- O Plano Distrital de
mações referentes a nome, gênero, etnia, Saúde Indígena
nomes dos pais, data de nascimento,
condições de saúde do bebê, aldeia, polo Segundo as diretrizes da Política Nacional
base e Dsei, entre outros dados. Apoia- de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas, a
-se no Sistema Georreferenciado de In- gestão da saúde indígena atuará de acordo
formações de Saneamento Indígenas com as metas e ações pactuadas no Plano
(Geosi), através do qual são coletados e Distrital de Saúde Indígena, que é um ins-
lançados os dados sanitários das aldeias trumento de planejamento e organização
e de seus imóveis. Informatizado, Ge- do processo de trabalho nas aldeias do Dsei.
osi agrega as informações referentes às Este plano é formulado a cada quatro anos,
condições sanitárias e à localização das sendo avaliado e reformulado anualmente,
aldeias e dos imóveis existentes nelas. e nele, além do planejamento, constam o
Este sistema permite conhecer a reali- orçamento e a forma de gestão do distrito.
dade referente ao saneamento da aldeia Este plano é elaborado de forma a permitir
e de cada imóvel existente nela (número a avaliação e o monitoramento de todas
de residências, características do abas- as metas de saúde e saneamento previstas
tecimento de água, se há sanitários em para a execução no âmbito dos distritos
todas as casas, como é o tratamento de sanitários especiais indígenas, que serão
água, qual o destino do lixo, entre outros apresentadas e aprovadas no Conselho
dados que compõem as informações em Distrital de Saúde Indígena, órgão máxi-
saúde ambiental). mo de deliberação do Dsei.

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624
SANEAMENTO INDÍGENA

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Para saber mais

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Disponível em: https://www.saude.gov.br/saude-indigena/sobre-a-sesai. Acesso em:
18 abr. 2020.

Autoria deste verbete

Ricardo Luiz Chagas. Mestre em Saúde Coletiva pela Universidade Federal do Mato
Grosso (UFMT), engenheiro sanitarista pós-graduado em Saúde Pública pela Escola

625
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Ex-diretor do


Departamento Nacional de Saúde Indígena, da Fundação Nacional de Saúde (Funasa),
e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Cuiabá (Unic).

S
SANEAMENTO, SAÚDE E AMBIENTE:
REFLEXÕES PARA A SOCIEDADE

Este texto apresenta algumas questões Ressalta-se que este texto foi elaborado
que precisam de reflexão urgente e não em meio à pandemia da Covid-19 (março/
são percebidas no cotidiano de todas as abril 2020), que está interferindo na saú-
pessoas. É preciso atentar sobre questões de global com mortes e internações, so-
e situações que demonstram a relação brecarregando o sistema de saúde e seus
entre o saneamento, saúde pública e a de- profissionais, causando isolamento social
gradação ambiental para que possam ser sem precedentes na história recente da
internalizadas, refletidas, e talvez par- humanidade. Muitas perguntas ainda sem
tir para ações individuais e/ou coletivas respostas, tais como: se existe mutação vi-
de mudanças de paradigmas, atitudes, ral, como é a imunidade pessoal, se ocorre
comportamentos, pensamentos, seja na reinfecção. Neste sentido, pesquisadores
participação social, no controle social estão estudando as vias de contaminação
de políticas públicas, seja na mudança como a possibilidade da persistência do
de consumo imposta pela mídia e pelas vírus em águas naturais e no esgoto, e
grandes empresas. também por meio de gotículas (aerossóis)
As questões aqui apresentadas são de provenientes do esgoto infectado.1
particular importância para o poder pú- Portanto, inicia-se com a questão ur-
blico em todas as suas esferas, especial- gente e básica do saneamento.
mente na municipal, onde a vida acontece,
para a (re)formulação de políticas públicas. Algumas questões que estão
Quando o assunto é ambiente, muitas impactando o ambiente e a saúde
pessoas não percebem que o ser humano
é integrante da natureza e, portanto, suas Saneamento
ações vão ocasionar consequências em seu
corpo físico e mental, e também impactar A ausência de acesso ao saneamento bá-
seu meio ambiente. Neste contexto, a saúde sico e as condições precárias de vida de
humana e ambiental está interrelacionada determinadas populações em diferentes
com as condições salubres ou insalubres do regiões do planeta são fatores intima-
meio em que vive. Assim, é essencial uma mente ligados com o ambiente, ocasio-
visão integrada das ações antrópicas para nando violação de direitos humanos,
compreensão dessas relações. sacrifícios, proliferação e transmissão de

626
SANEAMENTO, SAÚDE E AMBIENTE: REFLEXÕES PARA A SOCIEDADE

doenças, com mortes que poderiam ser das águas e a gestão dos resíduos sólidos
evitadas (ver Doenças relacionadas ao sa- (ver p. 568), com o aumento de resíduos
neamento ambiental inadequado – p. 218) descartados incorretamente. Estes im-
e contaminação ambiental. A relação en- pactam a drenagem das águas de chuva,
tre saneamento e saúde já está consoli- e estas podem ocorrer de maneira extre-
dada com dados, pesquisas e estudos das ma, causadas pelas mudanças climáticas,
realidades nacional e internacional. ocasionando enchentes, inundações (ver
Os impactos da falta de serviços bá- p. 334) e perdas de vidas.
sicos de saneamento distribuem-se de Milhões de brasileiros não têm acesso
forma desigual, afetando de forma mais à coleta e ao tratamento de esgotos, e is-
intensa mulheres e meninas (ver Gê- so pode gerar consequências negativas,
nero e saneamento – p. 282), que geral- com a contaminação do solo, das águas,
mente percorrem longas distâncias com do ar, e comprometer seriamente a saú-
o pesado fardo de buscar e ter água em de humana, causando a eutrofização de
casa, populações vulneráveis, que so- cursos d’água, que são fontes de capta-
frem com a exclusão social por serem ção de abastecimento público e já estão
minorias, por estarem em situação de poluídas e podem estar com volumes
pobreza e por terem seus domicílios lo- afetados pelas mudanças climáticas.
calizados em zonas rurais e periféricas. Portanto, estamos sempre em um ciclo
Sendo assim, as populações expostas à de ações e consequências que afetam a
vulnerabilidade social, econômica e saúde humana e ambiental.
ambiental são as mais impactadas com
a privação de serviços básicos de sanea- Mudanças climáticas
mento e, consequentemente, com a falta
de dignidade humana, privacidade e Ao longo dos últimos anos, o aqueci-
qualidade de vida. mento global vem se intensificando, e,
E como tudo está interligado, a oferta por consequência, os níveis do mar têm
de água doce é impactada pelas mudan- aumentado, as regiões de glaciares estão
ças climáticas, pois alteram o regime de derretendo, os padrões de precipitação
chuvas e, consequentemente, pioram a sofreram alterações e eventos climáticos
situação de pessoas que já não têm água extremos tornaram-se mais intensos e
para consumo humano por vários moti- frequentes, com consequente impacto
vos (secas, ausência de políticas públicas, na saúde humana. Estas mudanças são
escassez, má qualidade da água, baixa oriundas das atividades humanas visan-
qualidade do serviço de abastecimento de do suprir o consumismo desenfreado de
água), e vão estocar incorretamente água, parte da população global, enquanto ou- S
o que propicia o aumento dos criadouros tra parte não consegue consumir nem o
de mosquitos que transmitem doenças essencial, e todos sentem as consequên-
como as arboviroses (ver Saneamento cias. Globalmente, o número de desastres
e arboviroses – p. 583). Quando se tra- naturais triplicou desde 1960, e todos os
ta de consumo, isso vai impactar tanto anos esses desastres resultam em mais de
na extração de matérias-primas, como 60 mil mortes, principalmente em países
na poluição (ver p. 488) do ar, do solo, pobres. As altas temperaturas agravam

627
EIXO T - TEMAS TRANSVERSAIS

doenças cardiovasculares e respiratórias, boviroses – p. 583). Esses transmissores,


bem como alergias e problemas respirató- que anteriormente estavam no interior
rios, como a asma, que afeta cerca de 300 das matas, passam a buscar outros locais
milhões de pessoas. Uma avaliação da Or- para se abrigar e conseguir alimento, le-
ganização Mundial da Saúde (OMS) me- vando com eles vírus e outros organismos
dindo os efeitos do aquecimento global patogênicos. Impactam a vida de popula-
na saúde concluiu que, da década de 1970 ções indígenas e das florestas. Alteram a
até 2004, o aquecimento causou mais de qualidade do ar, do solo e dos regimes das
140 mil mortes por ano.2 chuvas, e a biodiversidade.3
O desmatamento acontece, geralmente,
Exaustão de matérias-primas para dar lugar a grandes pastagens de ani-
mais, monoculturas e a retirada da ma-
Tudo que é consumido e produzido no deira nobre, que é exportada para outros
planeta – como produtos alimentícios, países. Além da perda de potenciais fontes
móveis, aparelhos eletrônicos, carros, o naturais de novos agentes farmacológicos,
asfalto das ruas e estradas, as habitações, causam a desertificação de grandes áreas.
roupas, calçados, ou seja, tudo ao nosso A expansão da fronteira agrícola ocorre
redor – teve origem nas matérias-primas sobre o custo da destruição de biomas na-
que a natureza nos oferece e a extração tivos.6 A destruição é ainda maior quando
tem sido predatória e exploratória. E a se utilizam grandes correntes para arras-
Terra não consegue repor o que foi reti- tar os troncos de árvores (muitas delas,
rado na mesma velocidade. Algumas ma- centenárias), aniquilando tudo por onde
térias-primas são formadas ao longo de passam, como árvores menores, arbus-
milhares ou milhões de anos. Tudo que tos, vegetação rasteira, animais, a parte
é de plástico vem da extração do petró- orgânica que protege o solo. Essa prática
leo. Tudo que é feito de madeira e papel pode causar desertificação, voçorocas, em-
vem das árvores, produtos de metal como pobrecer a carga nutriente do solo, deixar
ferro, alumínio, cimento, areia, vidros e o solo descoberto e causar assoreamento
tijolos vêm da extração mineral, assim de cursos d’água (alguns já não existem
como os carros, os celulares, os compu- mais). O desmatamento afeta negativa-
tadores, que têm componentes com me- mente populações tradicionais, e, indire-
tais pesados e até mesmo preciosos, como tamente, toda a população global.
ouro, prata, lítio e nióbio. E os impactos
no ambiente são imensuráveis: perdas de Extração mineral
biodiversidade, de biomas, de histórias,
culturas e vidas humanas. Os  impactos socioambientais  da mine-
ração  são diversos e apresentam-se em
Desmatamento/desflorestamento variadas escalas, desde problemas locais
específicos até alterações biológicas, do
Quando se desmatam ambientes flores- solo, hídricas e atmosféricas de grandes
tais, pode-se acelerar o surgimento de proporções.4, 5 E mortes humanas, da bio-
doenças, principalmente aquelas ocasio- diversidade, de cursos d’água, de localida-
nadas por vetores (ver Saneamento e ar- des inteiras. Entre esses impactos estão:

628
SANEAMENTO, SAÚDE E AMBIENTE: REFLEXÕES PARA A SOCIEDADE

• Remoção da vegetação em todas as áre- de Mariana, no ano de 2016, e Bruma-


as de extração; dinho, em 2019.
• Poluição dos recursos hídricos (super-
ficiais e subterrâneos) pelos produtos Também a água a engarrafar é
químicos utilizados na extração de considerada como recurso mineral pe-
minérios; las políticas públicas. Os interesses das
• Contaminação dos solos por elementos grandes corporações que operam com o
tóxicos; comércio da água trabalham para que,
• Proliferação de processos erosivos, so- em vez de um direito, ela seja reconheci-
bretudo em minas antigas ou desati- da como uma necessidade a ser provida
vadas que não foram reparadas pelas pela iniciativa privada e absorvida pela
empresas mineradoras; lógica mercantil.6-11
• Sedimentação e poluição de rios pelo Existe uma oligarquia internacional
descarte indevido do material produzi- que está privatizando e mercantilizando
do não aproveitado (rochas, minerais e a água em todo o mundo, e este fenômeno
equipamentos danificados); aumentou nos últimos anos. Essa oligar-
• Poluição do ar a partir da queima ao ar quia produz conhecimento, dá a direção
livre de mercúrio (muito utilizado na do discurso, tem o poder da narrativa,
extração de vários tipos de minérios); influencia a mídia e determina a agenda
• Mortandade de peixes em áreas de rios mundial do assunto. Poderosas empresas
poluídos pelos elementos químicos transnacionais detêm atualmente a pos-
oriundos de minas; se de grandes reservas de água doce para
• Evasão forçada de animais silvestres envase.12 ,13 A crescente oferta mundial de
previamente existentes na área de ex- água em garrafas e garrafões não pode ser
tração mineral; considerada como uma solução definitiva
• Poluição sonora gerada em ambientes para substituir o direito básico da popula-
e cidades localizados no entorno das ção que carece de água potável. A ampliação
instalações, embora a legislação vigen- e o aperfeiçoamento do sistema público de
te limite a extração mineral em áreas abastecimento de água com qualidade po-
urbanas atualmente; dem ser mais factíveis para proporcionar
• Contaminação de águas superficiais fontes seguras e sustentáveis.
(doce e salgada) pelo vazamento direto A superexplotação (ou superexplora-
dos minerais extraídos ou seus compo- ção) de aquíferos, a produção de insumos
nentes, tais como o petróleo;4, 5 para as embalagens plásticas e seu des-
• Acidentes e desastres ambientais com carte e o transporte do produto envasado
consequências incalculáveis, mortes são consequências da indústria de envase S
humanas, adoecimento físico e mental de água. Tudo isso tem gerado conflitos
grave da população sobrevivente, inter- socioambientais, relatados ao redor do
rupção de histórias, aniquilamento de mundo em países como Índia, EUA, Mé-
comunidades, contaminação do solo e xico, Brasil e Paquistão, além de países
das águas, morte e perda da biodiversi- africanos.14-18 Os danos são sentidos por
dade, como nos rompimentos de barra- todos, e principalmente pelas camadas
gens em Minas Gerais, nos municípios mais vulneráveis da população.

629
EIXO T - TEMAS TRANSVERSAIS

Em todo o nosso país, conflitos em timos 65 anos levou o material a ultra-


relação ao envase de água começaram a passar qualquer outro fabricado.
germinar a partir do momento em que As mesmas propriedades que tornam os
algumas estâncias hidrominerais viram plásticos tão versáteis tornam esses ma-
seu patrimônio hídrico comprometido teriais difíceis ou impossíveis de serem
pela má utilização dos aquíferos, pela assimilados pela natureza. Sem contar
industrialização e pelo crescimento ur- que quando ficam expostos no ambien-
bano desenfreado. Os exploradores de te eles se dividem em “microplásticos”,
águas ditas “minerais”, apegados a uma que são espalhados nos oceanos e viram
legislação dispersa e ultrapassada, não se “alimento” não só dos animais marinhos,
preocupam com o esgotamento do recur- como também para o ser humano, que
so nem com os conflitos decorrentes da está no topo da cadeia alimentar.19 Na in-
exploração. A corrida ao “ouro azul” com- ternet estão disponíveis várias informa-
preende a licenciosa disputa pelos merca- ções e vídeos sobre as ilhas de plásticos
dos e propriedade de fontes, poluindo o espalhadas nos oceanos, cenas de animais
ambiente com suas incontáveis garrafas mortos ou morrendo sufocados com ma-
e garrafões, aumentando a carga de po- teriais plásticos. Já foram encontrados
luentes atmosféricos no transporte e cau- microplásticos em fontes de água sub-
sando desabastecimento de água e confli- terrâneas e superficiais e em águas en-
tos em comunidades ao redor do mundo. garrafadas. Sem uma estratégia de geren-
ciamento bem projetada para os plásticos,
Mundo de plástico os seres humanos estão caminhando para
um descontrole em escala global, no qual
O plástico veio para ficar no dia a dia das bilhões de toneladas desse material se
pessoas pela sua versatilidade, e por isso acumularão em todos os principais ecos-
está presente em quase tudo: embala- sistemas terrestres e aquáticos.19
gens, móveis, peças de automóveis, apa-
relhos eletroeletrônicos, descartáveis etc. Obsolescência programada
Por mais campanhas que existam no
mundo, ainda assim a porcentagem de O termo obsolescência programada
plástico que é de fato reciclada é de ape- refere-se à prática de tornar um pro-
nas 9%. Segundo a revista National Geo- duto lançado no mercado inutilizável ou
graphic, a produção de plástico teve início obsoleto em um período de tempo rela-
em 1950 e cresceu tanto que hoje totaliza tivamente curto de forma proposital,
aproximadamente 8,3 bilhões de tonela- ou seja, quando empresas lançam mer-
das de materiais descartáveis espalhados cadorias para que sejam rapidamente
pelo mundo afora. Esse número deixou descartadas e estimulam o consumidor
os próprios cientistas horrorizados. Para a comprar novamente. Esse ciclo infini-
piorar a situação, outro estudo constatou to de consumo acaba tornando-se um
que está cada vez mais difícil adminis- grave problema. O aumento de resíduo
trar a quantidade de plástico produzida eletrônico e tóxico, bem como a falta
no planeta, que sobe a cada ano. O cres- de informações claras sobre como deve
cimento da produção de plástico nos úl- ser realizado o descarte destes produtos

630
SANEAMENTO, SAÚDE E AMBIENTE: REFLEXÕES PARA A SOCIEDADE

obsoletos, têm provocado impactos ao têm incentivado o uso desses produtos na


ambiente e à qualidade de vida da popu- agricultura. O país oferece mais benefí-
lação mundial ao longo dos anos. cios ao cultivo baseado no uso de agrotó-
Atualmente, a população mundial xicos do que aos cultivos orgânicos.22
consome cerca de 30% a mais do que o
planeta pode suportar e repor. Aliado a Disruptores endócrinos
tal fato há, ainda, a necessidade de se
reduzir em mais de 40% a emissão dos Disruptores endócrinos são agentes e
gases provenientes do efeito estufa, a substâncias químicas que promovem
fim de que a temperatura global não au- alterações no sistema endócrino huma-
mente mais do que 2 graus Celsius nas no e nos hormônios. Estão presentes em
próximas décadas.20, 21 O problema de produtos de higiene pessoal, cosméticos,
descartes irregulares, ou mesmo do re- aditivos alimentares, embalagens, reci-
síduo produzido pela população, é uma pientes de plástico e medicamentos, e
questão séria e pode ser de difícil solu- podem ir para o ambiente pela urina, nas
ção para o poder público municipal. águas de banhos e no descarte incorreto
de resíduos sólidos. Substâncias persis-
Agrotóxicos tentes no ambiente, acumulam-se no solo
e nos sedimentos de rios e são facilmente
Segundo a Rede Mobilizadores, o Brasil é transportados a longas distâncias. Acu-
o maior consumidor mundial de agrotó- mulam-se ao longo da cadeia trófica,
xicos. Estima-se que cada brasileiro ingi- representando um sério risco à saúde hu-
ra uma média de 5,2 litros de venenos por mana e ambiental.23
ano, o equivalente a duas garrafas e meia Podem causar efeitos tóxicos crôni-
de refrigerante, ou a 14 latinhas de cerve- cos, tais como a disfunção tireoidiana, a
ja. E muitos dos venenos que são utiliza- disfunção pancreática, a diminuição na
dos no país já foram banidos em outros quantidade de esperma, o aumento de
países devido à comprovação de seus efei- câncer de mama em mulheres e o aumen-
tos nocivos. Além dos perigos que repre- to de certas anormalidades no sistema re-
sentam para a saúde dos trabalhadores produtivo humano, em animais aquáticos
rurais e dos consumidores, sabe-se que os e em aves. Estudos apontam que já são
resíduos de agrotóxicos no ambiente po- encontrados em águas de abastecimento
dem provocar diversos efeitos negativos, humano e a maioria das estações de tra-
como a contaminação do solo, do ar, de tamento de água e de esgoto não conse-
cursos d’água. guem remover essas substâncias com tra-
Por que o Brasil se tornou o maior con- tamentos convencionais.24 S
sumidor mundial de agrotóxicos? Isso se
deu em função de dois fatores prioritá- Modelo atual em xeque
rios: a opção por um modelo de desenvol-
vimento baseado em latifúndios mono- Outras questões merecem atenção da so-
cultores voltados para exportação, e uma ciedade, como a exploração de animais
série de políticas, como a redução e a isen- silvestres, o tipo de alimentação, confi-
ção de impostos que, ao longo do tempo, namento e abate de animais para consu-

631
EIXO T - TEMAS TRANSVERSAIS

mo humano, o agronegócio desenfreado, árvore nos remete ao desenho da nossa


a urbanização desordenada, a poluição digital do dedo polegar). E também rela-
marinha e de ambientes costeiros com a ções sociais que não perpetuem tantas
perda de recifes e corais, o uso e extração desigualdades e exclusão social e, ao mes-
de combustíveis fósseis, ou seja, toda e mo tempo, garantam a saúde pública, a
qualquer ação humana exploratória e vida da biodiversidade e a sustentabilida-
predatória que impacta o ambiente e a de do ambiente. Começam a surgir ou se
saúde humana. consolidar práticas que apontam para um
As questões de saneamento, ambien- novo universo de valores, como a agricul-
tais e os impactos na saúde precisam ser tura orgânica, a agricultura sintrópica,
percebidos e compreendidos por toda a as agroflorestas, o uso de plantas com-
sociedade para a busca de novas formas panheiras e as hortas urbanas comuni-
de pensar e agir, individual e coletiva- tárias, que proporcionam um senso de
mente. Isso implica mudanças de para- união e mostram a importância das pro-
digmas e no modelo de desenvolvimento priedades coletivas.
que adotamos hoje. Talvez buscar novos Despertar para o consumo conscien-
caminhos e modelos de produção de te, participar de decisões das políticas
“coisas” sem o atual acesso desigual das públicas, entender e exigir os direitos
necessidades humanas, ter uma visão ho- conquistados – assim como cumprir os
lística e conectada com a natureza, pois deveres –, utilizar mais o acolhimento
somos parte dela (a representação de uma com afeto, são atitudes que podem me-
bacia hidrográfica nos remete ao desenho lhorar a jornada humana na Terra.
do contorno de uma folha de árvore as- Muitos afirmam que a vida no planeta
sim como da nossa corrente sanguínea, não será mais como antes da pandemia
o corte transversal de um tronco de uma da Covid-19. Resta saber como será...

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VivaDecora. Como criar hortas urbanas? VivaDecora. Disponível em: https://www.
vivadecora.com.br/pro/arquitetura/hortas-urbanas.

Vídeos

OBSOLESCÊNCIA programada. Roteiro e direção: Cosima Dannoritzer. Arte France;


Televisión Española; Televisió de Catalunya, 2010. 1 vídeo (52 min) Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=H7EUyuNNaCU.
THE STORY of stuff. Roteiro e direção: Annie Leonard. Direção: Louis Fox. Produ- S
ção: Erica Priggen. Tides Foundation and the Funders Workgroup for Sustainable
Production and Consumption, 2007. 1 vídeo (21 min). Disponível em: https://www.
youtube.com/results?search_query=stuff+project.
O HOMEM. Por Steve Cutts. Produção: End Times, 1 vídeo (4 min). Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=RbpL5xGCXx8

635
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

Autoria deste verbete

Josiane Teresinha Matos Queiroz. Engenheira civil especialista nas áreas sanitária
e ambiental, mestre, doutora e pós-doutora em Saneamento, Meio Ambiente e Re-
cursos Hídricos pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), pós-doutora em
Políticas Públicas em Saneamento e Saúde pela Instituto René Rachou, da Fundação
Oswaldo Cruz (Fiocruz).

S
SAÚDE PÚBLICA

Saúde pública pode ser conceituada como em saúde, como ambiente, saneamento,
campo de saberes e conjunto de práticas educação, transporte e segurança pública.
que permitem o planejamento e a execu-
ção de intervenções com a finalidade de Saneamento e saúde
melhorar as condições de vida e a situa-
ção de saúde das populações. Tais inter- O saneamento, ação de sanear, é indis-
venções, independentemente de quem as pensável para garantir qualidade de vida
executa, precisam do respaldo da ciência das populações. Intercessões entre sa-
e/ou da anuência do aparato estatal, em neamento e saúde são observadas desde
acordo às legislações e normas vigentes. tempos remotos. Na Antiguidade, sem
Para transpor o conceito de saúde pú- o conhecimento sobre microrganismos,
blica para a prática profissional no Bra- existia a noção de que as doenças eram
sil é pertinente a compreensão do que é transmitidas a partir do meio em que as
“saúde”, que a partir de 1988 passou a ser pessoas viviam. O médico e filósofo gre-
interpretada como “condição que deve go Hipócrates, no século 5 antes de Cris-
ser garantida mediante políticas sociais e to (a.C.), destacou no livro Ares, Águas e
econômicas que visem à redução do risco Lugares os fatores ambientais ligados à
de doença e de outros agravos e ao acesso saúde e à doença: "Quem quer que estude
universal e igualitário às ações e serviços medicina deve investigar os seguintes aspec-
para sua promoção, proteção e recupera- tos: primeiro, o efeito das estações do ano.
ção”.1 A incorporação desse conceito pelo Depois, os ventos, quentes ou frios, caracte-
Estado brasileiro implicou uma série de rísticos da região. O efeito da água não deve
atribuições em diferentes áreas político- ser esquecido... Por último deve-se conside-
-administrativas e de prestação de ser- rar o modo de vida das pessoas".2
viços que abarcam desde as instituições Observam-se registros de práticas de
responsáveis pela atenção à saúde nos âm- saneamento desde civilizações antigas
bitos curativos e preventivos até setores ao norte da Índia e no Egito, com a exis-
afins, imprescindíveis para a promoção tência de sistema de coleta de esgoto e

636
SAÚDE PÚBLICA

hábitos higiênicos.3 Essas práticas ga- e também política. Progressivamente,


nharam expressão na Roma Antiga com durante os dois séculos seguintes esse fe-
utilização de aquedutos, termas, esgotos nômeno propagou-se por toda a Europa e
e drenagem, a exemplo da Cloaca Máxima países de outros continentes.
(sistema de esgotos). Contudo, durante a Além da nova conformação social/tra-
Idade Média (séc. 5 ao 15), na formação balho/espaço geográfico, as descobertas
das primeiras cidades, houve intenso re- da microbiologia contribuíram para os
trocesso nas ações de saneamento, prin- saberes que compuseram a Saúde Pública
cipalmente com relação ao suprimento de em fins do século 19.4, 5 Foram essas desco-
água para consumo, ao destino dos resí- bertas que propiciaram o estudo da imu-
duos sólidos e à limpeza das ruas. nologia e o desenvolvimento das vacinas.
Essa situação manteve-se na Idade Mo- No Brasil, entre fins do século 19 e iní-
derna (1473 a 1789). Porém, a partir de cio do século 20, o Estado preconizou,
meados do século 19, o embate entre as como modus operandi da Saúde Pública,
condições de vida e o processo de adoeci- ações de saneamento dos espaços de
mento de grupos populacionais, na Europa produção, armazenamento e circulação
central, dá início ao desenvolvimento da dos produtos que tinham valor para a
saúde pública como atribuição do aparato exportação. Saúde Pública como parte
estatal. Para compreender esse panorama do aparato estatal deveria erradicar ou
é oportuno reportar-se a meados do século controlar doenças que poderiam provo-
18, na Inglaterra, quando a demanda por car prejuízos ao modelo econômico da
matéria-prima para atender ao emergente época, baseado principalmente na pro-
processo de industrialização determinou dução e exportação do “café”.6 Fizeram
o deslocamento de parte do contingente parte dessa estratégia as campanhas de
populacional e promoveu a formação de vacinação contra a varíola e ações de sa-
conglomerados urbanos e periurbanos. neamento para controle da febre amare-
Esse deslocamento redefiniu drasticamen- la e da peste bubônica.
te as formas de ocupação dos espaços ge-
ográficos e contribuiu para a modificação Presença no território, articulação
do padrão epidêmico até então observado4 nacional e institucionalização
(ver Epidemiologia – p. 250).
Durante a segunda década do século 20, o
Ameaça para o lucro e as movimento médico sanitarista brasileiro
famílias de posses propôs que, além das campanhas de va-
cinação, a intervenção em saúde partisse
Além de interferir na manutenção da da atuação em centros de Saúde, priori- S
força de trabalho, do modo de produção zando a educação sanitária e assumin-
capitalista em sua raiz industrial, surtos do funções como estatísticas de saúde,
e epidemias também se constituíam em pré-natal, higiene da criança, controle
ameaça para as famílias que tinham me- de doenças transmissíveis, saneamento e
lhores condições de vida. Consequente- exames de saúde.
mente, a preocupação com a saúde passou Diante das precárias condições de vi-
a ser entendida como questão econômica da da população, principalmente as que

637
EIXO 9 - TERRITORIALIZAÇÃO EM SAÚDE

viviam na zona rural, o saneamento foi nal de Previdência Social (INPS). Desde
a pauta que uniu médicos e engenhei- então se observou o progressivo favore-
ros sanitaristas em torno do desenvol- cimento da prática médica individual
vimento de uma política nacional de curativa previdenciária em detrimento
Saúde Pública.7 Um marco sobre o sane- da atuação por centros de Saúde, que visa-
amento rural, o livro Saneamento do Bra- vam também a prevenção e eram voltadas
sil, do médico sanitarista Belisário Pen- para a população em geral. Em decorrên-
na,8 dava ênfase às doenças e à falta de cia, também se esvaziaram as tentativas
saneamento rural a partir da descoberta de articulação entre saúde e saneamento.
dos sertões pelas expedições científi-
cas, organizadas pelo Instituto Oswal- Novo marco
do Cruz.7 Penna fez severas críticas aos
poderes públicos e às elites governa- A visão de saúde pública passou por mu-
mentais quanto ao flagelo da miséria danças conjunturais e estruturais a par-
do povo e das doenças endêmicas como tir da Declaração de Alma-Ata, aprovada
"as verminoses" como principal alvo de na Conferência Internacional sobre Cui-
uma campanha nacional de saneamento dados Primários de Saúde, em 1978.11 À
e educação higiênica.8 época, o relatório final estabeleceu um
A partir dessas expedições foi criado, novo conceito de saúde, alçando-o ao
em 1918, o movimento denominado Li- centro dos direitos humanos e dos obje-
ga Pró-Saneamento. Esse movimento tivos da comunidade internacional:"saú-
reivindicava o papel do Estado no campo de é o estado de completo bem-estar físico,
da Saúde Pública, compreendendo que os mental e social, e não simplesmente a ausên-
problemas de saúde estavam relaciona- cia de doença ou enfermidade; é um direito
dos com o abandono de grande parte da humano fundamental, e que a consecução
população e com as precárias condições do mais alto nível possível de saúde é a mais
de vida que estavam submetidas.9 importante meta social mundial, cuja reali-
Por outro lado, seguindo uma tendên- zação requer a ação de muitos outros setores
cia mundial, a partir de 1923, instauram- sociais e econômicos, além do setor saúde”.11
-se no país as caixas de Aposentadorias Os preceitos de Alma-Ata estimularam
e Pensões (CAPs), destinadas ao amparo modificações nos sistemas de saúde de
previdenciário do trabalhador formal e vários países, e ajudaram a impulsionar o
dependentes, o que incluía a atenção mé- movimento de reforma sanitária no Bra-
dica como benefício. Essa medida favore- sil. Este movimento foi relevante para for-
ceu quase exclusivamente categorias mais mulação de ideias que se materializaram
organizadas e empresas de maior porte, na instituição do Sistema Único de Saúde
que em sua maioria se situavam nas capi- (SUS) na Constituição de 1988. Na Carta
tais e nos grandes centros urbanos.10 Magna, consta que “a saúde é direito de to-
Na década de 1930, houve a transforma- dos e dever do Estado, garantido mediante
ção das CAPs em institutos de Aposen- políticas sociais e econômicas que visem
tadorias e Pensões (IAPs). Em meados à redução do risco de doença e de outros
da década de 1960, a partir da fusão dos agravos e ao acesso universal e igualitá-
IAPs, constituiu-se o Instituto Nacio- rio às ações e serviços para sua promoção,

638
SAÚDE PÚBLICA

proteção e recuperação” (artigo 196).15 Em A saúde pública no Brasil pauta-se nos


face desse artigo constitucional os deter- seguintes princípios:
minantes e condicionantes sociais da
saúde assumem destaque na elaboração • universalidade do acesso aos serviços
de políticas voltadas para melhores con- de saúde em todos os níveis de atenção
dições de vida, dentre eles o saneamento. à saúde;
• integralidade da assistência;
Avanços e limitações • preservação da autonomia das pessoas na
defesa de sua integridade física e moral;
A Saúde Pública no país atualmente se • igualdade da assistência à saúde;
destaca na redução da mortalidade por • direito à informação, das pessoas assis-
algumas doenças infecciosas como cóle- tidas, sobre sua saúde;
ra, diarreia infantil, doença de chagas, • divulgação de informações;
esquistossomose e Aids. Por outro lado, • utilização da epidemiologia para o esta-
faltam estratégias de controle efetivas e belecimento de prioridades;
eficazes para arboviroses (a exemplo de • participação da comunidade;
dengue, zika e chikungunya – ver p. 583) • descentralização político-administrati-
e leishmaniose visceral, que são doenças va, principalmente nos municípios;
infecciosas transmitidas por vetores que • integração entre saúde, meio ambiente
fazem parte das doenças relacionadas ao e saneamento básico;
saneamento ambiental inadequado (DR- • conjugação dos recursos da União,
SAIs – ver p. 218). Outro problema cres- dos estados, do Distrito Federal e dos
cente é o aumento das doenças crônicas e municípios;
da mortalidade por causas externas como • capacidade de resolução dos serviços
homicídios e acidentes. Estes compõem em todos os níveis de assistência;
os principais desafios da saúde pública, • organização de atendimento público
sobretudo em territórios (ver p. 729) específico e especializado para mulhe-
marcados pela desigualdade, que preci- res e vítimas de violência doméstica em
sam de políticas públicas de promoção da geral, que garanta, entre outros, aten-
equidade em saúde. dimento, acompanhamento psicológico
A Lei 8.080/1990,12 que regulamentou e cirurgias plásticas reparadoras.
o Sistema Único de Saúde (SUS), apre-
senta como obrigação desse sistema pro- Com exceção do último princípio, in-
mover, proteger e recuperar a saúde, serido na Lei apenas em 2017, essas são
englobando a promoção de ações de sane- as bases da saúde pública no país desde
amento básico e de vigilância em saúde 1990, quando a Lei Orgânica da Saúde S
(ver p. 781). A noção de saúde contempla- entrou em vigor.
da na Lei considera como fatores deter-
minantes e condicionantes, entre outros, Concepção ampliada
a alimentação, a moradia, o saneamento
básico, o meio ambiente, o trabalho, a Vale ressaltar que a concepção de sanea-
renda, a educação, o transporte, o lazer e mento, anteriormente reconhecido como
o acesso aos bens de serviços essenciais. orientador de técnicas e ações para sane-

639
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

ar ambientes e para o enfrentamento das tégico das ações de saneamento.13 Entre-


doenças decorrentes de condições insa- tanto, verifica-se ainda amplo distancia-
lubres em uma percepção monocausal, mento entre os campos do saneamento
ampliou-se ao considerar as dimensões básico e da saúde pública no Brasil.
econômica e política na sua finalidade Os efeitos do processo histórico resul-
de alcançar níveis crescentes de salubri- taram na progressiva marginalização das
dade, abarcando e buscando intervir em ações de saneamento da agenda política do
elementos de todo ambiente, consideran- setor de saúde a partir da década de 1960,
do as especificidades culturais. com sua posterior transferência para os
À Fundação Nacional de Saúde (Fu- setores de habitação e desenvolvimento
nasa), vinculada ao Ministério da Saú- urbano nas décadas seguintes.14 O papel
de, compete realizar ações de saneamen- centralizador do Plano Nacional de Sanea-
to para o atendimento, prioritariamen- mento Básico (Planasa) na década de 1970
te, a municípios com população inferior priorizou a criação de concessionárias
a 50 mil habitantes e em comunidades estaduais nas áreas urbanas, com ênfase
quilombolas e de assentamentos. A au- basicamente no abastecimento de água.
tarquia tem como missão "promover Além disso, o primeiro marco regulatório
a saúde pública e a inclusão social por do saneamento no país somente ocorreu
meio de ações de saneamento e saúde com a Lei 11445/2007.16 A primeira edição
ambiental". Na sua visão de futuro: "A do Plano Nacional de Saneamento Básico
Funasa, integrante do SUS, contribuin- (Plansab – ver p. 457) foi elaborada seis
do para as metas de universalização do anos depois, com revisão em 2019.
saneamento no Brasil, será referência O saneamento básico é um direito hu-
nacional e internacional nas ações de sa- mano.17 A definição de suas intervenções
neamento e saúde ambiental. nos territórios e populações deve atender
Nesse sentido, a melhoria da saúde da a critérios de elegibilidade e dar priorida-
população é considerada objetivo estra- de à saúde pública no Brasil.

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SAÚDE PÚBLICA

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11. DECLARAÇÃO de Alma-Ata. In: CONFERÊNCIA INTERNACIONAL SOBRE CUI-
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serviços correspondentes. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
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17. FRANCO NETTO, G. (coord.). Saneamento e Saúde: entre os direitos humanos, a
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Para saber mais

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http://www.funasa.gov.br/documents/20182/38564/Mnl_Saneamento.pdf/
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S
Vídeos

O QUE é saúde? Convidados: Dina Czeresnia e Naomar de Almeida Filho. Dire-


ção de Marco Antônio Campos. Roteiro e apresentação de Renato Farias. Pro-
dução executiva de Valéria Mauro. Rio de Janeiro: Canal Saúde Oficial, 2012. 1
vídeo (25 min). (Ciência & Letras). Disponível em: https://www.youtube.com/
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641
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

A HISTÓRIA da saúde pública no Brasil - 500 anos na busca de soluções. Direção: Sylvia
Jardim. Rio de Janeiro: VideoSaúde Distribuidora da Fiocruz, 2015. 1 vídeo (17 min).
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=7ouSg6oNMe8.
ABERTURA do ano letivo da ENSP 2014 – palestra com Jairnilson Paim. Rio de Janei-
ro: Ensp/Fiocruz, 2014. 1 vídeo (67 min). Disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v=J6Mgvi_ga3U.

Autoria deste verbete

Bárbara Campos Silva Valente. Biomédica, mestre em Saúde Coletiva, doutoranda


em Saúde Coletiva. Professora-pesquisadora do Laboratório de Educação Profissio-
nal em Vigilância em Saúde (Lavsa) da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio
(EPSJV) da Fiocruz.

Maria Amelia Costa. Geógrafa, mestre em Planejamento Urbano e Regional, doutora


em Ciências. Professora-pesquisadora do Laboratório de Educação Profissional em Vi-
gilância em Saúde da EPSJV, Fundação Oswaldo Cruz.

Elenice Machado da Cunha. Enfermeira, mestre e doutora em Saúde Pública. Professo-


ra-pesquisadora do Lavsa, da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Fundação
Oswaldo Cruz.

Alexandre Pessoa Dias. Engenheiro civil sanitarista, doutor em Medicina Tropical.


Professor-pesquisador do Laboratório de Educação Profissional em Vigilância em Saú-
de da EPSJV/Fiocruz.

Raiane Fontes de Oliveira. Geógrafa, doutoranda em Geografia Física, mestre em Geo-


grafia. Professora-pesquisadora do Laboratório de Educação Profissional em Vigilância
em Saúde (Lavsa) da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), Fundação
Oswaldo Cruz.

S
SETORES CENSITÁRIOS

Os setores censitários são unidades tística (IBGE1). A base territorial dos se-
territoriais georreferenciadas, criadas tores é marcada por áreas contíguas que
para o controle cadastral das coletas das respeitam os limites políticos-adminis-
pesquisas censitárias realizadas pelo trativos, tais como distritos, subdistritos
Instituto Brasileiro de Geografia e Esta- e divisões municipais.1 O processo de ela-

642
SETORES CENSITÁRIOS

boração dos setores para um dado censo cílios, de modo a tornar possível a realiza-
envolve a análise de um grande volume de ção da pesquisa censitária num prazo de
mapas, cadastros alfanuméricos e bases 30 dias. Já os setores urbanos de áreas não
cartográficas de instituições parceiras, urbanizadas preveem entre 150 e 250 do-
além de registros das malhas setoriais micílios, ou ainda de 100 a 200 estabeleci-
dos censos demográficos anteriores.2 mentos agropecuários. No caso dos setores
Em função do detalhamento das infor- rurais, o tamanho varia em torno de 150
mações coletadas no nível desses setores, a 250 domicílios ou 100 a 200 estabeleci-
que correspondem a unidades geográficas mentos agropecuários. Além disso, as ex-
muito desagregadas, a cada censo o IBGE tensões territoriais não podem ultrapassar
adota um conjunto de medidas de pro- 500 quilômetros quadrados (km2), além do
teção dos dados, com o objetivo de não tempo máximo de 60 dias de pesquisa.3
permitir a identificação dos informantes O primeiro dígito dos 15 algarismos
das pesquisas.3 Além de apresentar as in- que compõem o código do setor censitá-
formações com registros anônimos, o IB- rio diz respeito à composição da área do
GE disponibiliza as informações do ques- setor de 2010 em relação ao seu posicio-
tionário básico das pesquisas censitárias namento no censo anterior. O segundo
de forma agregada. Em outras palavras, dígito faz a distinção entre os setores
os microdados não são disponibilizados que foram mantidos, subdivididos e ex-
no nível dos indivíduos e domicílios, tintos, entre os censos de 2000 e 2010.
mas no nível dos próprios setores Já o terceiro dígito indica a modificação
censitários. Além disso, nos setores com político-administrativa ou na situação do
menos de cinco domicílios é omitida a setor (urbano ou rural), entre os censos
maioria das informações, mantendo-se de 2000 e 2010.
apenas as variáveis estruturais, tais co-
mo as subdivisões geográficas, o número Município em detalhes
de domicílios e população por sexo.
Em 2010, o Brasil contava com 316.574 Por um lado, os setores censitários pos-
setores censitários, dos quais 6.460 não sibilitam aos pesquisadores e gestores
possuíam domicílios e 6.295 (2%) tive- públicos, bem como à iniciativa privada,
ram seus dados omitidos. Segundo o IB- o acesso gratuito a um grande volume de
GE, as malhas dos setores do Censo 2010 informações dos microdados do universo
contaram com um maior refinamento dos censos demográficos (ver p. 88) desde
na identificação das situações urbana e o Censo 2000. São dezenas de informa-
rural, segundo a legislação vigente. Os ções do questionário básico, disponíveis
aglomerados subnormais, marcados por na escala intramunicipal, sobre tama- S
residências densas e desordenadas que nho e estrutura da população, educação,
ocupam propriedades alheias e carentes renda, trabalho e atividade, deficiência,
de serviços públicos básicos, precisam religião, composição do domicílio, fecun-
conter no mínimo 51 domicílios3 para didade, mortalidade e migração, dentre
que constituam setores censitários. outros recortes, inclusive quesitos direta-
O tamanho dos setores urbanos de áreas mente relacionados ao saneamento, tais
urbanizadas prevê entre 250 e 400 domi- como destino dos resíduos sólidos e exis-

643
EIXO 3 - LEITURA DEMOGRÁFICA DO TERRITÓRIO

tência de esgotamento sanitário. do a análise da distribuição da população


Por outro lado, a subdivisão e a exclusão no espaço contínuo, de forma indepen-
de setores censitários, a criação de novos dente dos limites político-administrati-
setores e, principalmente, a mudança nos vos. A aplicação mais importante de ma-
contornos e limites administrativos dos peamento dasimétrico no país consiste
setores entre os censos demográficos – na grade estatística, disponibilizada em
decorrentes das mudanças de densidade plataforma digital pelo IBGE.4
e da dinâmica de redistribuição espacial Apesar dos problemas de incompati-
da população (ver p. 495) – resultam em bilidade dos limites de área, os setores
grandes desafios para a utilização dos somados às informações censitárias
dados ao longo do tempo. Isto porque a constituem-se em fontes de dados estra-
incompatibilidade entre os setores difi- tégicos para o delineamento de políticas
culta a integração de dados ao longo do na área do saneamento básico. Embora
tempo e a realização de estudos que en- haja pesquisas específicas sobre sanea-
volvam análises temporais. Esse tipo de mento, com um volume muito maior de
limitação é conhecido como problema de informações e variáveis específicas so-
unidade de área modificável, ou Maup, bre a temática, as informações sobre es-
do inglês modifiable areal unit problem. sa área nos censos abrangem grande par-
Nesse sentido, há um conjunto de mé- te do território nacional. Isso, somado à
todos de interpolação de área que permite periodicidade de informações e, prin-
solucionar os problemas de transforma- cipalmente, ao nível de desagregação,
ção das unidades espaciais dos setores a permite o uso das variáveis censitárias
partir da construção de superfícies mais para a caracterização das populações de
refinadas da distribuição populacional. pequenas áreas, seja em relação às suas
Trata-se dos métodos dasimétricos, que características sociodemográficas, seja
recorrem a dados auxiliares (normalmen- em relação às informações sobre destino
te imagens de satélite) para redistribuir dos resíduos sólidos, tipo de esgotamen-
os dados populacionais em grades de cé- to sanitário ou abastecimento de água,
lulas fixas, ao longo do tempo, permitin- dentre outras variáveis.

Referências bibliográficas

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2. IBGE. Censo Demográfico 2010: características da população e dos domicílios: re-
sultados do universo. Rio de Janeiro: IBGE, 2011. Disponível em: https://censo2010.
ibge.gov.br/resultados.html.
3. IBGE. Metodologia do Censo Demográfico 2010. Rio de Janeiro: IBGE, 2016. Disponível
em: https://biblioteca.ibge.gov.br/pt/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=295987.
4. IBGE. Grade estatística. Rio de Janeiro, 2016. Disponível em: https://agencia-
denoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/relea-
ses/15273-grade-estatistica-permite-obter-dados-do-censo-2010-para-diversos-
-recortes-espaciais.

644
SISTEMA DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA (SAA)

Autoria deste verbete

José Irineu Rangel Rigotti. Doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e


Planejamento Regional (Cedeplar) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Professor associado do Cedeplar.

Járvis Campos. Doutor em Demografia pelo Cedeplar. Professor adjunto do Departa-


mento de Demografia e Ciências Atuariais (DDCA) da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (UFRN).

S
SISTEMA DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA (SAA)

O sistema de abastecimento de água sem que houvesse uma preocupação com


(SAA) para consumo humano pode ser sua qualidade microbiológica. No passa-
definido como o conjunto de atividades, do, somente o aspecto visual era levado
infraestruturas e instalações necessárias em consideração.3 Posteriormente, surgiu
para o abastecimento público de água a preocupação com o transporte de água
potável, desde a captação até as ligações por canais, tubulações e aquedutos; a cap-
prediais e respectivos instrumentos de tação da água subterrânea, feita pelos
medição.1 Deve ser concebido de forma a egípcios e chineses e, depois dela, a preo-
garantir água de maneira contínua e se- cupação com o armazenamento, o trata-
gura para a população, com qualidade e mento, a compreensão física da condução
em quantidade suficientes. Em geral, os da água e a gestão dos serviços.2
componentes do SAA são: manancial de O acesso à água potável em quantidade
abastecimento, captação, adutora, estação suficiente (no mínimo, de 50 a 100 litros/
de tratamento de água (ETA), estação ele- habitante dia) é um dos componentes do
vatória, reservatório, rede de distribuição direito humano à água, reconhecido pe-
e ligação predial.2 Há diversas soluções la Assembleia Geral da Organização das
possíveis, implementadas por meio da Nações Unidas (ONU), em julho de 2010.
combinação desses componentes, para o Os custos de acesso à água não devem ex-
adequado abastecimento da população. ceder 3% da renda familiar mensal.4 S
A precariedade ou ausência de acesso
A importância da água potável à água potável traz inúmeros problemas
de saúde para a população, podendo le-
As necessidades de abastecimento de água var à morte, além de onerar o sistema
foram associadas inicialmente ao supri- de saúde com o tratamento das doenças
mento dessa substância vital para a agri- infectocontagiosas decorrentes do con-
cultura, a pecuária e o consumo humano, sumo de água contaminada. A falta ou

645
EIXO 4 - ABASTECIMENTO DE ÁGUA

dificuldade de acesso à água potável tam- convencionais de SAA – o foco deste ver-
bém pode ser um fator limitante para o bete – e por soluções alternativas, tanto
desenvolvimento de certos territórios as coletivas, quanto as individuais.
(ver p. 729) nos municípios. Água con- Os mananciais são as fontes de água
taminada e saneamento precário estão disponível para abastecimento, que podem
entre as principais causas de mortalidade ser superficiais (rios, açudes, lagos etc.),
infantil no mundo. A diarreia infantil es- subterrâneas (poços) ou a própria água de
tá intimamente associada ao suprimento chuva (daí falar-se em aproveitamento de
insuficiente e inadequado de água, com- águas pluviais). Os poços podem ser rasos
preendida no âmbito das doenças relacio- – poços amazonas –, ou fundos, conheci-
nadas ao saneamento ambiental inade- dos como – poços tubulares. Mananciais
quado (DRSAIs – ver p. 218). Estima-se devem ter oferta de água em quantidade,
que a diarreia cause 1,5 milhão de mortes com qualidade e regularidade adequadas
infantis por ano, principalmente entre às necessidades de consumo da população.
crianças menores de 5 anos que vivem em A qualidade da água do manancial tem
países em desenvolvimento.4 forte influência na escolha da tecnologia
de tratamento de água. Mesmo as águas
Marcos legais e padrões subterrâneas, geralmente consideradas de
qualidade superior por terem passado por
Conforme o Sistema Nacional de Infor- tratamento natural – filtração no próprio
mações sobre Saneamento (SNIS), em solo –, devem ter sua qualidade para con-
2017, cerca de 93% da população brasilei- sumo humano avaliada.
ra – o que equivale a 160 milhões de pes- A Resolução 357/2005, do Conselho
soas – eram atendidos por um sistema de Nacional de Meio Ambiente (Conama),7
abastecimento de água em rede.6 enquadra os corpos d’água em classes –
A universalização do saneamento bá- o que inclui as classes de 1 a 4 e a classe
sico, do qual o abastecimento de água é especial. Somente as classes especial, 1, 2
um dos componentes, é um dos princí- e 3 podem ser utilizadas para o abasteci-
pios fundamentais da Lei 11.445/2007, mento de água, após passarem por, res-
conhecida como Lei do Saneamento Bá- pectivamente, desinfecção, tratamento
sico. Essa norma define a universalização simplificado, tratamento convencional e
como a ampliação progressiva do acesso tratamento convencional ou avançado.
ao saneamento básico para todos os do- A NBR 12216/1992, da Associação Bra-
micílios ocupados. O acesso universal aos sileira de Normas Técnicas (ABNT), esta-
serviços de água e esgoto, manejo de re- belece padrões sanitários a serem aten-
síduos e de águas pluviais está amparado didos, conforme o tipo de manancial e o
de forma implícita e explícita em várias nível mínimo de tratamento requerido
legislações, inclusive de áreas afins, como para cada tipo.8
as referentes a recursos hídricos, de meio
ambiente, de saúde pública, de defesa do Da captação ao tratamento
consumidor e de desenvolvimento urba-
no.5 A universalização dos serviços de sa- A captação compreende o conjunto de
neamento pode ser realizada por soluções dispositivos destinados a retirar água

646
SISTEMA DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA (SAA)

do manancial de abastecimento, enca- passou pelas unidades de tratamento. O


minhando-a para as demais unidades. nome booster é utilizado quando o bom-
A configuração do sistema de captação beamento instalado destina-se a aumen-
depende do tipo de manancial. Há, por tar a pressão e/ou a vazão em tubulações
exemplo, os sistemas de bombas flutuan- ou redes de distribuição.
tes em mananciais superficiais, a tubula-
ção e caixa de tomada d’água e o sistema Reservação
de bombeamento de poços profundos, en-
tre outros métodos de captação. A reservação é a etapa do SAA destinada
A adutora é o conjunto de tubulações, a regularizar as variações entre as vazões
canais ou galerias destinados a transportar de produção e de distribuição e garantir
a água entre as unidades do SAA. É pressões adequadas na rede de distribui-
denominada adutora de água bruta quan- ção. Pode ser classificada conforme sua lo-
do transporta água ainda não tratada. calização em relação à rede de distribuição
Após o tratamento, passa a ser denomina- de água ou em relação ao nível do terreno.
da adutora de água tratada, que transporta Os chamados reservatórios de mon-
essa água para o sistema de reservatórios e tante estão localizados antes da rede e
para o sistema de distribuição. fornecem água para o sistema. Os reser-
A estação de tratamento de água vatórios de jusante localizam-se no final
(ETA) é o conjunto de unidades destina- da rede de distribuição e têm como finali-
das a adequar a qualidade da água bruta dade receber ou fornecer água, conforme
ao padrão de potabilidade brasileiro. As- o período do dia. São também conhecidos
sim, a água será considerada potável após como reservatórios de sobras.
passar por todas as unidades do sistema Os reservatórios podem ser denomi-
que assegura sua qualidade para consu- nados elevados, quando seu fundo está
mo humano. O tratamento convencional, em nível mais elevado que a superfície
também denominado ciclo completo, in- do terreno. Reservatórios enterrados
clui as etapas de coagulação, floculação, encontram-se totalmente abaixo do ní-
decantação, filtração e desinfecção. vel do terreno. Reservatórios semienter-
Os processos necessários para alcançar rados ficam parcialmente acima do nível
a potabilidade dependem da qualidade do terreno. Por último, tem-se o reserva-
da água do manancial de abastecimento. tório apoiado, cujo fundo está no mesmo
(ver Tratamento de água – p. 734). nível do terreno.
As estações elevatórias de água
(EEAs) são o conjunto de obras e Distribuição
equipamentos destinados a transportar S
a água de um nível ou cota topográfica A rede de distribuição de água (RDA) é o
mais baixo a outro mais alto. Também conjunto de canalizações, conexões e vál-
são denominados sistemas de recalque. vulas responsáveis por conduzir a água
Recebem o nome de estação elevatória potável para as residências de forma con-
de água bruta quando bombeiam a água tínua, com pressão que garanta que a água
não tratada e estação elevatória de água chegue ao ponto mais distante da rede
tratada quando bombeiam a água que já com segurança, livre de contaminações.

647
EIXO 4 - ABASTECIMENTO DE ÁGUA

As ligações prediais, por meio do hi- conta de água se dá igualmente entre os


drômetro, definem o limite entre o moradores. Atualmente, várias compa-
sistema público e o privado. Logo, a nhias de saneamento exigem medição
qualidade da água antes de chegar ao individualizada. Assim, cada unidade
hidrômetro é de responsabilidade da deve ter seu próprio hidrômetro.
prestadora do serviço de saneamento O planejamento adequado do sistema de
básico. Após sua passagem pelo hidrô- abastecimento de água de um município
metro, a responsabilidade pela manu- requer conhecimento e o necessário levan-
tenção da qualidade da água e por seu tamento de informações sobre todas as
manejo é do usuário. As ligações pre- etapas constituintes do SAA. O Plano Mu-
diais podem ser categorizadas, a de- nicipal de Saneamento Básico (PMSB – ver
pender do tipo do imóvel (o número de p. 450) é uma ferramenta com vigência de
economias – unidades residenciais ou 20 anos, que se torna uma lei no municí-
funcionais a serem abastecidas), como pio. Por essa razão, ele deve estar bem em-
residenciais, comerciais, industriais e basado e conter informações confiáveis.
públicas. Em geral, cada economia tem O PMSB deve buscar informações sobre
uma única ligação com a rede. Em edi- todas as partes do SAA, com a finalidade
fícios multifamiliares, ainda é comum de embasar a etapa seguinte do plano – o
encontrar uma única ligação e um úni- prognóstico técnico participativo.
co medidor, de modo que a divisão da

Referências bibliográficas

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nais para o saneamento básico. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/cci-
vil_03/_Ato2007-2010/2007/Lei/L11445.htm. Acesso em: jun. 2019.
2. HELLER, L.; PÁDUA, V. L. (coord.). Abastecimento de água para consumo hu-
mano. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2016. p. 34-38; 65-77.
3. PÁDUA, V. L. (coord.). Remoção de microrganismos emergentes e microconta-
minantes orgânicos no tratamento de água para consumo humano. Rio de Ja-
neiro: ABES, 2009. p. 19. Disponível em: https://www.finep.gov.br/images/apoio-
-e-financiamento/historico-de-programas/Prosab/Prosab5_tema_1.pdf.
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no Brasil. Revista Panamericana de Salud Pública, Washington, v. 25, n. 6, , p.
548-556, 2009.
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dos serviços de água e esgotos – 2017. Brasília: MDR, 2019. Disponível em: http://
www.snis.gov.br/diagnostico-anual-agua-e-esgotos/diagnostico-ae-2017.
7. CONAMA. Resolução nº 357, de 17 de março de 2005. Dispõe sobre a classifica-
ção dos corpos de água e diretrizes ambientais para o seu enquadramento, bem

648
SISTEMA DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA (SAA)

como estabelece as condições e padrões de lançamento de efluentes. Disponível


em: http://www2.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=459. Acesso
em: 23 out. 2019.
8. ABNT. NBR 12216-NB-592: Projeto de estações de tratamento de água para
abastecimento público. Rio de Janeiro: ABNT, 1992.

Para saber mais

MS; FUNASA. Manual de saneamento. 4. ed. Brasília: Funasa, 2015. Disponível


em: http://www.funasa.gov.br/documents/20182/38564/Mnl_Saneamento.pdf/
ae1d4eb7-afe8-4e70-ae9a-0d2ae24b59ea.
GALVÃO JR., A.; SOBRINHO, G. B.; SAMPAIO, C. C. A informação no contexto dos
planos de saneamento. Fortaleza: Expressão Gráfica, 2010.
PHILIPPI JR., A. (ed.). Saneamento, saúde e ambiente: fundamentos para um de-
senvolvimento sustentável. Barueri: Manole, 2005.
PHILIPPI JR., A.; GALVÃO JR., A. C. (ed.). Gestão do saneamento básico: abasteci-
mento de água e esgotamento sanitário. Barueri: Manole, 2012.
LIBÂNIO, M. Fundamentos de qualidade e tratamento de água. Campinas: Áto-
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ção de água. Guia do profissional em treinamento: nível 1. Brasília: MCidades,
2008. Disponível em: https://www.mdr.gov.br/images/stories/ArquivosSNSA/
Arquivos_PDF/ReCesa/construcaooperacaoemanutencaoderedesdedistribuicao-
deagua-nivel1.pdf.
MCIDADES (org.). Construção, operação e manutenção de redes de distribuição de
água. Guia do profissional em treinamento: nível 2. Brasília: MCidades, 2008. Dis-
ponível em: https://www.mdr.gov.br/images/stories/ArquivosSNSA/Arquivos_PDF/
ReCesa/construcaooperacaoemanutencaoderedesdedistribuicaodeagua-nivel2.pdf.
MCIDADES. Planos de Saneamento Básico. Curso a distância (módulo 4 – Estudos
para a elaboração do diagnóstico). Brasília: MCidades, 2015.
MS. Cuidados com água para consumo humano. Folheto educativo. Disponível em:
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/folder/cuidados_agua_consumo_humano_2011.
pdf. Acesso em: 12 set. 2019.
NASCIMENTO, A. C. S.; SILVA, D. C.; ESTEVES, T. C.; MARTINS, V. C. D. Água e
comunidade: construindo soluções sustentáveis. Cartilha de educação ambiental.
Marabá: Unifesspa, 2017. Disponível em: https://capacitacao.ana.gov.br/conhe- S
cerh/bitstream/ana/236/6/cartilha.pdf. Acesso em: 23 out. 2019.
SABESP. Glossário. Página web da Companhia de Saneamento Básico do Estado
de São Paulo (Sabesp). Disponível em: http://site.sabesp.com.br/site/sociedade-
-meioambiente/glossario.aspx?secaoId=122. Acesso em: 23 out. 2019.
TSUTIYA, M. T. Abastecimento de água. São Paulo: PHA/Poli/USP, 2006. p. 3.

649
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

Autoria deste verbete

Antonio Natanael Costa Sancho. Engenheiro ambiental pela Universidade Federal do


Ceará (UFC) e engenheiro civil pela Universidade de Fortaleza (Unifor). Mestrando
em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos pela Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG).

César Rossas Mota Filho. Doutor em Engenharia Civil e Ambiental pela Universidade
Estadual da Carolina do Norte (EUA). Professor associado do Departamento de Enge-
nharia Sanitária e Ambiental (Desa) da Universidade Federal de Minas Gerais.

S
SISTEMAS DE DRENAGEM DAS ÁGUAS PLUVIAIS

Os sistemas de drenagem pluvial são quando da reconstrução da cidade – en-


aqueles que asseguram os serviços de tão, e até a unificação da Alemanha, um
drenagem e manejo das águas pluviais, Estado soberano – devido a um incêndio.2
apontados pela Lei 11.445/2007 (alínea
d, artigo 3º) como parte dos serviços pú- Tipos de sistemas
blicos de saneamento básico, essenciais
à saúde pública e à segurança da vida e Inicialmente o sistema de escoamento
dos patrimônios público e privado.1 das águas nas cidades era único, rece-
O desenvolvimento de sistemas de dre- bendo as águas residuárias e de escoa-
nagem urbanos tais quais os conhecemos mento superficial e compondo, assim,
atualmente se iniciou no século 19, com o sistema misto de esgotos. No fim do
a crescente urbanização ocasionada pela século 19 já havia reflexão sobre a me-
revolução industrial. Nessa época, cons- lhor alternativa para a evacuação das
tata-se uma modificação da visão dos se- águas, propondo-se sistemas separati-
res humanos sobre as águas nas cidades vos, compostos de redes para drenagem
e, a partir das grandes epidemias de có- pluvial separadas das redes de esgotos.
lera que assolaram a Europa, surgem os Nessa época já havia projetos de siste-
princípios do higienismo (ver Epidemio- mas separativos em algumas cidades dos
logia – p. 250). Preconizava-se a evacua- Estados Unidos4 e mesmo no Brasil (por
ção das águas, para mais longe e o mais exemplo, Santos e no Rio de Janeiro)5. A
rapidamente possível, os sistemas de disseminação dos sistemas separativos,
drenagem eram baseados nas técnicas do entretanto, começou a ocorrer entre a
“tout à l’égout” (tudo ao esgoto, em fran- primeira e a segunda guerras mundiais
cês). O primeiro sistema construído com em função dos elevados custos de cons-
este conceito foi em Hamburgo, em 1843, trução da rede unitária.

650
SISTEMA DE DRENAGEM DAS ÁGUAS PLUVIAIS

No sistema separador, uma rede seria pa- nas áreas lindeiras às vias, incluindo áreas
ra recolhimento dos esgotos, fazendo a li- particulares, para que o escoamento se infil-
gação entre os domicílios e os meios recep- tre ou para que seja direcionado a um curso
tores, ao passo que na rede de drenagem, d’água existente. No caso em que a capaci-
bem mais curta, prevaleceria o escoamento dade de infiltração do solo ou a disponibili-
da água em superfície, através de canais. As dade de área não sejam suficientes para que
redes e galerias somente seriam utilizadas ocorra a infiltração completa do escoamen-
quando não houvesse viabilidade de escoa- to superficial advindo das sarjetas, estrutu-
mento dessa forma. Uma evolução desses ras de armazenamento e posterior infiltra-
sistemas é o sistema separador absoluto, ção das águas pluviais devem ser instaladas.
que preconiza o escoamento da drenagem, A drenagem dos terrenos particulares deve
assim como do esgoto, por redes distintas. ser realizada dentro do próprio terreno, e o
Apesar dessa evolução, a lógica de con- escoamento, diretamente infiltrado ou lan-
cepção dos sistemas de drenagem con- çado na drenagem natural.
tinuava sendo baseada nos preceitos de
evacuação rápida das águas pluviais, Em áreas urbanas
base dos chamados sistemas clássicos de
drenagem. No Brasil, tais sistemas foram Os sistemas de drenagem são subdividi-
adotados efetivamente a partir da procla- dos, segundo o porte, em duas categorias:
mação da República em 1889,3 em sinto- os sistemas de microdrenagem e o siste-
nia com as ideias do positivismo então ma de macrodrenagem. O sistema de mi-
dominantes. A lógica de tentar evacuar as crodrenagem é aquele que drena as águas
águas pluviais o mais rapidamente e para precipitadas sobre as áreas particulares, os
o mais longe possível continua a vigorar passeios, vias e demais áreas públicas até
até hoje nas cidades brasileiras, mesmo lançar a água escoada no sistema de ma-
que modernizada por aportes científicos crodrenagem, que as conduz, em geral por
e tecnológicos, como a análise de risco ou gravidade, ao meio receptor. Os sistemas
a adoção do sistema separador absoluto de microdrenagem visam à proteção con-
para águas pluviais e esgoto sanitário. tra alagamentos enquanto o sistema de
macrodrenagem oferece proteção contra
Em áreas rurais inundações (ver p. 334). Assim, o período
de retorno de projeto para o sistema de
Nas áreas rurais, os sistemas de drenagem microdrenagem é pequeno, em geral de
apresentam diferenças substanciais quan- cinco a dez anos, enquanto para o sistema
do comparados aos sistemas das áreas ur- de macrodrenagem os períodos de retorno
banas. No meio urbano, os sistemas de adotados em projeto são sensivelmente S
drenagem recebem o escoamento de toda a maiores, podendo chegar a 100 anos.
área de contribuição. Já no meio rural, de
maneira geral, a drenagem pública recebe Sistema de microdrenagem
o escoamento proveniente exclusivamen-
te das vias, através das sarjetas. A lógica O sistema público de microdrenagem tem
norteadora da drenagem rural é, assim que sua configuração orientada segundo o ar-
possível, lançar o escoamento das sarjetas ruamento, e suas concepções, composi-

651
EIXO 7 - MANEJO DE ÁGUAS PLUVIAIS

ções, características e dimensões depen- bo pode ser consideravelmente reduzida


dem do regime pluviométrico local. Nas devido à presença inadequada de resíduos
áreas urbanas o sistema público recebe sólidos (ver p. 568) decorrente da ausên-
as águas escoadas nos terrenos particula- cia de manutenção adequada.
res, sobre as vias, passeios e demais áreas A ligação entre as bocas de lobo e as
públicas. O sistema é composto por sarje- galerias de águas pluviais é efetuada
tas, caixas de captação, redes e galerias. pelos condutos de ligação ou tubos de
O projeto destes equipamentos precisa ligação. As redes de microdrenagem são
levar em consideração também o regime redes de condutos subterrâneos, em geral
pluviométrico, as condições de uso e ocu- tubulares e pré-moldados, que recebem
pação do solo (ver p. 761), e a existência de o escoamento captado pelas bocas de
corpos d’água. Cabe ressaltar que em al- lobo e o encaminham para o sistema de
gumas localidades, em função de baixos macrodrenagem. As redes são localizadas
volumes pluviométricos, os sistemas de em geral no eixo das vias. As redes
microdrenagem podem apresentar confi- subterrâneas, assim como os condutos
gurações mais simplificadas. de ligação, não podem ter curvatura ou
As sarjetas, depressões paralelas ao mudanças de declividade. Assim, quando
leito das vias, são projetadas para cole- há necessidade de junção de condutos de
tar água da chuva que escoa sobre essas ligação com redes, ou quaisquer mudanças
superfícies. Quando seu limite de capa- geométricas na rede, há necessidade de
cidade de escoamento é atingido no meio instalação de caixas de passagem ou poços
urbano, a água deve ser captada por meio de visita (poços de inspeção). O segmento
das bocas de lobo, que são localizadas de rede entre dois poços de visita ou caixas
junto às guias do meio fio. de passagem é denominado trecho.
As caixas de captação, mais conheci- Além de ligarem trechos de rede, os po-
das como bocas de lobo ou ainda, bocas ços de visita prestam-se a tornar a rede
de leão, são estruturas enterradas que acessível quando houver a necessidade de
captam a água escoada nas sarjetas e a ações de manutenção. O acesso ao poço de
encaminha a galerias de águas pluviais. visita se dá por meio de aberturas nas vias,
As bocas de lobo permitem um pequeno que são cobertas por tampões metálicos.
armazenamento e disciplinamento do
fluxo de água, podendo ser construídas Sistemas de macrodrenagem
em alvenaria ou pré-moldadas em con-
creto e instaladas sob o passeio ou vias. Os sistemas de macrodrenagem são de
Têm variadas configurações, podendo maior porte que os de microdrenagem,
consistir simplesmente em aberturas nas escoando águas captadas nos sistemas
guias de meio fio (boca de lobo longitudi- de microdrenagem e encaminhando-as
nal ou de guia); ter somente uma abertu- ao meio receptor. Seguem a configura-
ra na sarjeta, sendo dotada de grade ou ção da drenagem natural dos terrenos
grelha para impedir a entrada de resíduos e corpos hídricos e são compostos por
sólidos; ou ser combinada, quando possui dispositivos de condução, constituídos
aberturas na guia e na sarjeta. A capaci- de canais abertos ou galerias subterrâ-
dade de coleta da água pelas bocas de lo- neas, ou pelos próprios rios. Em geral

652
SISTEMA DE DRENAGEM DAS ÁGUAS PLUVIAIS

esses dispositivos conduzem as águas de mas de poluição dos corpos receptores.


cursos d’água que se encontram nas áre- Atualmente o conceito de canalização
as a serem saneadas. tem sido substituído pelo tratamen-
A maior parte dos grandes equipamen- to de fundo de vale, uma abordagem
tos de saneamento existentes até hoje na mais ampla que basicamente considera
Europa foi construída no fim do século outras alternativas que não a condução
19 e início do século 20, e no Brasil, ao dos cursos d’água urbanos em galerias
longo do século 20. As suas dimensões, fechadas. No tratamento de fundo de
calculadas na época, permitiram um bom vale, busca-se a alternativa de projeto
funcionamento por alguns anos em mui- mais adequada para cada trecho fluvial,
tas localidades. Entretanto, com a urba- considerando-se aspectos técnicos, mas
nização intensiva, especialmente após a também urbanísticos e sociais.
Segunda Guerra Mundial, insuficiências Para rios e córregos já canalizados ou
nestes sistemas passaram a ser registra- altamente degradados, a requalificação
das em maior número. Rapidamente se fluvial mostra-se como a alternativa mais
revelaram em inundações que, historica- sustentável a ser adotada. Trata-se de uma
mente, atingem com maior frequência e proposta para, na medida do possível, re-
intensidade populações economicamente cuperar a qualidade ambiental dos ecossis-
desfavorecidas que habitam as margens temas fluviais, compatibilizando o objetivo
de rios e córregos.6 Além disso, pode-se ambiental com as atividades sociais e eco-
observar o agravamento dos impactos nômicas desenvolvidas no corpo d’água e
oriundos das mudanças climáticas, com em seu entorno. A lógica dessa requalifica-
períodos de seca extrema e chuvas inten- ção está baseada na melhoria das condições
sas e concentradas. fluviais, começando pela interrupção da
degradação do rio e seguindo em direção a
Sistemas mais sustentáveis técnicas e estratégias para diminuir o risco
de inundações, recuperar as características
Os sistemas clássicos de drenagem são geomorfológicas e melhorar a qualidade da
caracterizados pela implantação de condu- água e do estado ecológico.7
tos que promovem uma maior eficiência hi- Em bacias hidrográficas rurais ou em
dráulica do escoamento, que passa a ocor- condições mais naturais, a requalificação
rer com maior velocidade. Porém, eles apre- fluvial pode ser atingida, por exemplo,
sentam inconveniências: com o aumento restaurando-se as áreas de vegetação ri-
da velocidade do escoamento, as cheias são pária e as características morfológicas do
propagadas para jusante mais rapidamente rio. Em áreas urbanas, como o ciclo hidro-
e as áreas urbanas de montante causam lógico (ver p. 97) já foi bastante impacta- S
inundações nas áreas de jusante. do pelas interferências humanas, deve-se
A ideia de que esses sistemas consti- requalificar toda a bacia hidrográfica, em
tuem a única solução possível vigorou vez de apenas o rio.7
por muitos anos, até que encontrou seus Nesse contexto, inserem-se técnicas
limites, por meio da sua saturação e dos alternativas de drenagem. Elas buscam
custos envolvidos na adequação dos sis- neutralizar os efeitos da urbanização
temas existentes, somados aos proble- sobre os processos hidrológicos, benefi-

653
EIXO 7 - MANEJO DE ÁGUAS PLUVIAIS

ciando a qualidade de vida e a preserva- Conclui-se que os sistemas de drenagem


ção ambiental. Os sistemas compensató- atuais devem ser concebidos, executados,
rios ou alternativos de drenagem urbana operados e mantidos de modo a atender
opõem-se ao conceito de evacuação rápi- múltiplos objetivos: garantir a segurança
da das águas pluviais, baseiam-se na in- dos indivíduos contra inundações, em es-
filtração e na retenção das águas preci- pecial das populações com maior vulnera-
pitadas, acarretando uma diminuição no bilidade socioambiental (ver p. 786); asse-
volume de escoamento superficial, bem gurar a continuidade do desenvolvimento
como o rearranjo temporal das vazões.6 urbano sem sobrecarregar os orçamentos
Tais sistemas são conhecidos, ainda, co- coletivos e particulares; e promover a recu-
mo técnicas compensatórias em drena- peração ou manutenção da qualidade am-
gem (ver p. 695). biental dos corpos hídricos.

Referências bibliográficas

1. BRASIL. Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007. Estabelece as diretrizes nacionais


para o saneamento básico, cria o Comitê Interministerial de Saneamento Básico.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/_Ato2007-2010/2007/Lei/
L11445.htm. Acesso em: 14 ago. 2019.
2. CHOCAT, B. (coord.) Encyclopédie de l’hydrologie urbaine et de l’assainissement.
Paris: Lavoisier, 1997.
3. SILVEIRA, A. L. L. Hidrologia urbana no Brasil. In: BRAGA, B.; TUCCI, C. E. M.; TO-
ZZI, C. (org.). Drenagem urbana: gerenciamento, simulação e controle. Porto Alegre:
ABRH; Editora da Universidade/UFRGS, 1998. (Coleção ABRH de Recursos Hídricos,
n. 3, cap.1, p. 7-25).
4. MATOS, J. S. Aspectos históricos a actuais da evolução da drenagem de águas re-
siduais em meio urbano. Revista de Engenharia Civil, n. 16, p. 13-23, 2003. Dis-
ponível em http://www.civil.uminho.pt/revista/artigos/Num16/Pag%2013-23.pdf.
Acesso em: 22 set. 2019.
5. BRITO, F. S. R. Publicações preliminares. In: Obras completas de Saturnino de Bri-
to. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1943. v. 1.
6. BAPTISTA, M. B.; NASCIMENTO, N. O.; BARRAUD, S. Técnicas compensatórias
em drenagem urbana. Porto Alegre: Ed. ABRH, 2005.
7. MIGUEZ, M. G.; VÉROL, A. P.; REZENDE, O. M. Drenagem urbana: do projeto tra-
dicional à sustentabilidade. 1. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2016.

Para saber mais

RIGHETTO, A. M. (coord.). Manejo de águas pluviais urbanas. Projeto Prosab, Rio de


Janeiro: ABES, 2009. p. 346-366. Disponível em: https://www.finep.gov.br/images/
apoio-e-financiamento/historico-de-programas/Prosab/Prosab5_tema_4.pdf.
DAEE; CETESB. Drenagem urbana: manual de projeto. São Paulo, 1979.

654
SISTEMAS DE INFORMAÇÕES DE SANEAMENTO – NACIONAL E MUNICIPAL

COLETIVO ÀS MARGENS. Rio. Página web As Margens. (Jogo de tabuleiro). Disponí-


vel em: https://cargocollective.com/asmargens/Rio.

Autoria deste verbete

Priscilla Macedo Moura. Engenheira civil, mestre em Saneamento, Meio Ambiente e


Recursos Hídricos, doutora  pelo  Institut National des Sciences Appliquées de Lyon
(França). Professora do Departamento de Engenharia Hidráulica e Recursos Hídricos
(EHR) da Universidade Federal de Minas Gerais.

Talita Fernanda das Graças Silva. Engenheira civil, mestre em Sistemas Aquáticos e
Gestão da Água pela Ecole des Ponts Paris Tech (França), doutora em Saneamento,
Meio Ambiente e Recursos Hídricos pela UFMG e pela Université Paris-Est (França).
Professora do EHR/UFMG.

Marco Túlio da Silva Faria. Tecnólogo em Gestão Ambiental, engenheiro ambiental e


Sanitarista, doutorando e mestre em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos
pela Universidade Federal de Minas Gerais.

S
SISTEMAS DE INFORMAÇÕES DE SANEAMENTO
– NACIONAL E MUNICIPAL

Atualmente administrado pela Secretaria aqueles municípios adimplentes com o


Nacional de Saneamento do Ministério do SNIS têm acesso a certos recursos des-
Desenvolvimento Regional (SNS/MDR), o tinados a programas federais.2 Os dados
Sistema Nacional de Informações de Sane- levantados pelo SNIS permitem construir
amento (SNIS) é uma base de dados sobre uma fotografia ampliada dos serviços de
informações do setor. Apresenta informa- saneamento no país.3
ções produzidas a partir do preenchimen- As informações são expressas em indi-
to anual e autodeclarado de formulários cadores e índices de caráter operacional,
pelos gestores municipais brasileiros e gerencial, financeiro e de qualidade dos S
prestadores de serviços de saneamento. serviços. Para os componentes de abaste-
Estas informações são referências para cimento de água (ver p. 645) e esgotamen-
comparação de desempenho da prestação to sanitário (ver p. 256), o SNIS apresenta
de serviços e para o acompanhamento da uma série histórica desde o ano de 1995,
evolução do setor no Brasil.1 com publicação dos primeiros resultados
A declaração dos dados pelos prestado- em 1996. Para o manejo de resíduos sóli-
res não é compulsória. Porém, somente dos urbanos (ver p. 568), a série históri-

655
EIXO T - TEMAS TRANSVERSAIS

ca inicia-se em 2002, e para drenagem e sobre o Projeto Acertar, dentre outros.


manejo de águas pluviais urbanas (ver p. Ali se pode saber mais, ainda, sobre o
368), em 2015. Sistema Nacional de Informações em
Saneamento Básico (Sinisa), preconiza-
SNIS/ Sinisa/ Simisab do pela Lei 11.445/2007, que estabelece
as diretrizes nacionais e a política federal
O SNIS é uma importante ferramenta da área.1
para que os gestores municipais possam O Sinisa se constitui na  evolu-
monitorar os serviços prestados sob sua ção  do atual Sistema Nacional de
responsabilidade legal – como titulares Informações sobre Saneamento - SNIS,
dos serviços públicos de saneamento bá- com as ampliações de escala e de escopo,
sico – e promover as melhorias necessá- complementações de informações e
rias de maneira mais assertiva, segundo indicadores, coletando informações
um planejamento pautado na realidade junto aos titulares, prestadores e entes
municipal, de modo a orientar a aplica- reguladores e fiscalizadores dos serviços
ção de recursos. Além de embasar as ati- públicos de saneamento básico, que está
vidades regulatórias e de fiscalização, em construção. 1
contribui para que a população exerça o Já o Sistema Municipal de Informa-
controle social (ver p. 156) sobre o sanea- ções em Saneamento Básico (Simisab)
mento básico, de posse de uma argumen- ainda incipiente na adesão e prestação de
tação mais qualificada e consolidada, que informações municipais, visa estimular
lhe permita pautar seus direitos diante a cultura de registro e sistematização
do poder público municipal. de informações sobre saneamento pelos
Portanto, dentre os objetivos do SNIS municípios e, ainda, auxiliá-los na ela-
destacam-se1: boração, no monitoramento, na avalia-
• planejamento e execução de políticas ção e na revisão dos respectivos PMSB.
públicas; O Simisab é um sistema de informações
• orientação da aplicação de recursos; informatizado, administrado pelos titu-
• conhecimento e avaliação do setor lares dos serviços de saneamento básico
saneamento; e por eles alimentado anualmente e con-
• avaliação de desempenho dos serviços; sultado continuamente. Pretende contri-
• aperfeiçoamento da gestão; buir para o aprimoramento da gestão dos
• orientação de atividades regulatórias e serviços de saneamento básico a partir do
de fiscalização; e estímulo à prática – ainda incipiente - de
• exercício do controle social. sistematização e disseminação dos dados
No sítio eletrônico do Sistema (http:// de saneamento, a qual, por conseguinte,
www.snis.gov.br), no link denominado capacita os municípios para o planeja-
“Produtos do SNIS” podem ser acessados mento setorial. Entre as diretrizes do Si-
os diagnósticos anuais; séries históricas nisa que estão contempladas no Simisab,
que agrupam os dados dos diagnósticos e já com a visão de futuro para o Sistema
permitem ao usuário filtrar as informa- Nacional, estão as etapas da gestão dos
ções como desejar; um painel de infor- serviços, a universalização, a integra-
mações com os indicadores; e detalhes ção – no caso, com o SNIS –, a periodi-

656
SISTEMAS DE INFORMAÇÕES DE SANEAMENTO – NACIONAL E MUNICIPAL

cidade, a padronização e a visibilidade. Fiscalização”, 5) “Saneamento Rural” e 6)


Apesar de persistir ainda uma carência “Saneamento em Comunidades Tradicio-
cultural relativa à sistematização e à dis- nais”. O módulo “Prestação dos serviços”
seminação de dados de saneamento no constitui-se dos formulários de coleta de
âmbito municipal, o Simisab vem contri- dados de abastecimento de água e esgo-
buir para a transposição dessa lacuna, e, tamento sanitário, transpostos do SNIS,
juntamente com o SNIS – na constituição também transpostos fielmente do SNIS,
de um módulo de gestão que o integrará – integram o módulo “Monitoramento e
desempenhar papel relevante no âmbito Avaliação”, e dizem respeito à prestação
da constituição do Sinisa.4 dos serviços de saneamento. Portanto, o
Portanto, o gestor municipal precisa aproveitamento da estrutura do SNIS e
aderir ao Simisab ao conhecer sua extre- a transposição de seus formulários para
ma importância. o Simisab apontam para as diretrizes
Atualmente (setembro/2020), para se nacionais para a criação de sistemas de
obter acesso ao Simisab, deve-se enviar informação articulados entre si. Conside-
ofício pelo email planodesaneamento@ ra-se que essa articulação possa se consti-
mdr.gov.br com dados de nome do muni- tuir um primeiro passo para o estabeleci-
cípio, email, telefone de contato, nome do mento do Sinisa.4
usuário que irá alimentar o sistema, que
o MDR responderá com login e senha. Bases de dados e metodologia
A base de dados do Simisab é relati-
vamente similar ao do SNIS, entretan- O SNIS não coleta indicadores, mas sim
to solicita informações sobre abasteci- as informações primárias. A partir delas
mento de água, esgotamento sanitário o próprio sistema calcula os indicadores,
e resíduos sólidos e está estruturado em com base nas informações prestadas e já
quatro módulos. tratadas, utilizando expressões matemá-
O módulo de “Informações de Cadastro ticas.5 Para consulta pública, o sistema
e Contexto” visa caracterizar o município fornece as informações já como resulta-
a partir de dados socioeconômicos, demo- dos dos indicadores. A coleta de dados é
gráficos, relativos à sua localização, e as- feita exclusivamente via web por meio do
pectos institucionais dos serviços, como sistema denominado SNISWeb. Ao aces-
identificação e cadastramento dos presta- sar o Sistema, cada prestador de serviços
dores – informações como nome, tipo de cadastra um usuário como encarregado
prestação, se concessão ou não, abrangên- pelas informações, com login e senha pró-
cia, se local ou mais ampla, e quais os ser- prios, utilizados até o final do processo de
viços de saneamento por eles operacio- coleta. Também é realizado um cadastro S
nalizados –, bem como levantamento de do mandatário do prestador de serviço,
informações sobre existência de gestão que é utilizado em caso de necessidade de
associada. O módulo “Gestão do Sanea- cobrança para o preenchimento das in-
mento”, com seis blocos temáticos: 1) “Po- formações. O site contém dispositivos de
lítica Municipal de Saneamento Básico”; análise de consistência dos dados, o que
2) “Planos Municipais de Saneamento Bá- permite ao prestador de serviços receber
sico”; 3) “Controle Social”, 4) “Regulação e alertas sobre eventuais inconsistências

657
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

durante o preenchimento dos formu- duais atendem a um mesmo município


lários. O SNIS utiliza dois tipos de for- e, até mesmo, casos em que um municí-
mulários de coleta dos dados: completos pio é atendido por dois prestadores de
e simplificados. Inicialmente o prestador abrangência local, todos denominados no
de serviços tem a opção de responder se o SNIS como “Prestadores de serviços”. São
município possui sistema público. Caso a levantadas 185 informações de diver-
opção seja sim, o SNISWeb abre para pre- sos tipos, como, por exemplo, população
enchimento os formulários completos, atendida, quantidade de ligações e de eco-
tradicionalmente adotados pelo SNIS, nomias ativas (domicílios residenciais,
contendo informações descritivas, ge- comerciais e públicos), volumes produzi-
rais, financeiras, operacionais, qualidade dos e consumidos para abastecimento de
dos serviços, dados de balanço contábil e água, volumes coletados e tratados para
pesquisa sobre estrutura tarifária. Se o esgotamento sanitário, extensão de rede
prestador de serviços responde que o mu- de água e de coleta de esgotos, quantidade
nicípio não possui sistema público, então de empregados próprios, receitas e despe-
se abrem para preenchimento os formu- sas com os serviços. A partir do conjunto
lários simplificados, cujas informações de informações são calculados 84 indica-
dizem respeito às chamadas soluções al- dores no Sistema, dentre eles indicadores
ternativas e individuais, tais como, para econômico-financeiro e administrativos,
esgotamento sanitário: fossas sépticas, operacionais de água, operacionais de es-
fossas rudimentares, galerias de águas gotos, balanço e qualidade.
pluviais e lançamento de esgotos em cur- Na edição do Diagnóstico de 2018, no
so d’água; e, para abastecimento de água: total, 1.568 prestadores de serviços for-
uso de poço ou nascente, chafariz, cister- neceram informações ao SNIS-AE (água e
na, açude, caminhão-pipa etc.6 esgoto). Para o serviço de abastecimento
de água, foram representados 5.146 mu-
Dados de abastecimento de nicípios, e para esgotamento sanitário
água e esgotamento sanitário3 foram 4.050.

Os dados dos serviços de água e esgotos Importância demonstrada


são fornecidos ao SNIS por companhias em informações3
estaduais, empresas e autarquias mu-
nicipais, empresas privadas e, em muitos A título de reforçar a importância de
casos, pelas próprias prefeituras por meio alimentar e prestar corretamente as in-
de suas secretarias ou departamentos. formações ao SNIS pelos gestores muni-
Em muitos municípios existe mais de um cipais apresentam-se a seguir, exemplos
prestador de serviços, seja para o mesmo de informações de água e esgoto que se
tipo de serviço, seja para um tipo diferen- pode obter do sistema para fins de pla-
te. A situação mais recorrente, neste caso, nejamento, pesquisas, acompanhamen-
corresponde a uma companhia estadual to da população etc.
prestando o serviço de água e a prefeitura Os municípios brasileiros, cujos dados
prestando o de esgotos. Mas há também estavam presentes no SNIS em 2018,
situações em que duas companhias esta- possuíam 662,6 mil quilômetros de re-

658
SISTEMAS DE INFORMAÇÕES DE SANEAMENTO – NACIONAL E MUNICIPAL

des de abastecimento água, às quais m³ em 2018, correspondendo a um incre-


estavam conectados 57,2 milhões de mento de 2,9%.
ligações de água. Em termos de esgota- O consumo médio de água no país, em
mento sanitário, eram 325,6 mil qui- 2018, foi de 154,9 litros por habitante ao
lômetros de redes de coleta, às quais se dia (l/hab./dia). Em 2018, os consumos
conectavam 32,5 milhões de ligações variaram regionalmente de 115,4 l/hab./
de esgotos. Em 2018, verificou-se um dia no Nordeste a 182,6 l/hab./dia no Su-
crescimento dos sistemas brasileiros, na deste. Por sua vez, ao distribuir água para
comparação com o ano de 2017, sendo garantir tal consumo, os sistemas sofre-
detectado 1,2 milhão de novas ligações ram perdas na distribuição, que na mé-
na rede de água e 1,3 milhão na rede de dia nacional alcançaram 38,5%, 0,2 ponto
esgotos, o que corresponde a aumentos percentual acima do calculado em 2017.
de 2,1% e 4,2%, respectivamente. O porte dos serviços de água e esgotos
O contingente de população brasilei- na economia pôde ser medido pela movi-
ra urbana atendido com redes de água mentação financeira de aproximadamen-
foi igual a 160,7 milhões de habitantes, te R$ 135,6 bilhões em 2018, referente
o que representou um incremento de a investimentos que totalizaram cerca
701,5 mil novos habitantes atendidos, de R$ 13,2 bilhões, mais receitas opera-
crescimento de 0,4%, na comparação com cionais de R$ 65,5 bilhões e despesas de
2017. Quanto ao índice de atendimento, R$ 56,9 bilhões. Com relação aos dados
observaram-se valores nas áreas urbanas sobre a geração de empregos, estes al-
das cidades brasileiras com uma média cançaram 915,4 mil postos em todo país,
nacional de 92,8%. Destacam-se as regi- dos quais 217,9 mil estavam diretamente
ões Sul, Centro-Oeste e Sudeste, em que relacionados às atividades de prestação
os índices médios foram de 98,6%, 96,0% de serviços e 697,5 mil eram decorrentes
e 95,9%, respectivamente. dos investimentos feitos no setor, ou seja,
Com relação ao atendimento por redes empregos indiretos.
de esgotos, o contingente de população
urbana atendida alcançou 105,5 milhões Dados de manejo dos
de habitantes, um incremento de 2,0 resíduos sólidos urbanos7
milhões de novos habitantes atendidos,
crescimento de 1,9%, na comparação com São levantadas 372 informações de di-
2017. Já o índice médio de atendimento versos tipos, como: a cobertura do ser-
era de 60,9% nas áreas urbanas das ci- viço regular de coleta de resíduos domi-
dades brasileiras, destacando-se a região ciliares, as informações sobre a massa
Sudeste, com média de 83,7%. Quanto ao coletada, a coleta seletiva e a recuperação S
tratamento dos esgotos, observou-se que de materiais recicláveis, o desempenho
o índice médio do país chegou a 46,3% financeiro – incluindo as receitas e des-
para a estimativa dos esgotos gerados e pesas – e, também, os dados referentes
74,5% para os esgotos que são coletados. à destinação final dos resíduos sólidos
Cabe ressaltar que o volume de esgotos urbanos, contemplando avaliações so-
tratados foi de 4,18 bilhões de metros cú- bre as unidades de processamento e as
bicos (m³) em 2017 para 4,30 bilhões de relações de importação e exportação de

659
EIXO T - TEMAS TRANSVERSAIS

resíduos domiciliares e públicos entre os com o poder público, os quais foram res-
municípios, dentre outras informações. ponsáveis por 30,7% do total das tonela-
A partir do conjunto de informações são das coletadas seletivamente em 2018. Se-
calculados 47 indicadores no sistema, gundo o levantamento, foram apontadas
dentre eles taxa de cobertura do serviço 1.232 organizações de catadores no país,
de coleta domiciliar, massa recuperada distribuídas por 827 municípios, com
per capita e autossuficiência financeira do mais de 27 mil catadores vinculados a es-
órgão gestor. sas entidades – associações ou cooperati-
As informações fornecidas para a ela- vas. Relativo às quantidades de resíduos
boração do Diagnóstico do Manejo de sólidos urbanos, o Diagnóstico revelou
Resíduos Sólidos Urbanos são de res- que a massa de resíduos domiciliares e
ponsabilidade das prefeituras, titulares públicos coletados no ano de 2018 resul-
dos serviços. Ressalta-se que mesmo nos tou no indicador médio de coleta per capi-
casos em que esses serviços são terceiri- ta brasileiro de 0,96 quilograma por habi-
zados ou concedidos, essa situação não tante ao dia (kg/hab./dia). Extrapolando
transfere a titularidade das prefeituras. os valores para todo o país, estimou-se
Os dados fornecidos são essenciais pa- que foram coletadas 62,78 milhões de
ra a constituição do banco de dados e o toneladas (t) por ano ou 172,0 mil t por
desenvolvimento do setor, que depende dia de resíduos sólidos urbanos nos mu-
de informações de qualidade e acessíveis nicípios brasileiros. Enquanto isso, a
para a obtenção de um panorama o mais massa coletada de resíduos recicláveis foi
próximo possível da realidade. de apenas 14,4 kg/hab./ano, equivalente
Dentre as principais informações apon- a 1,7 milhão de t coletado seletivamente
tadas no último Diagnóstico publicado em 2018. Isto significa dizer que, para ca-
referente ao ano de 2018, 3.468 municí- da 10 kg de resíduos disponibilizado para
pios participaram da coleta, isto é, 62,3% a coleta, apenas 411 gramas são coletadas
do total do país. Em termos de popula- de forma seletiva. Tal fato conduz à con-
ção urbana este percentual representava clusão de que a prática da coleta seletiva
85,6% ou 151,1 milhões de habitantes no país, embora apresente alguns avan-
Portanto, conforme os dados autodecla- ços, ainda se encontrava num patamar
rados pelos gestores municipais, pôde-se muito baixo.
apontar que a cobertura do serviço regu- Quanto à destinação das 62,78 mi-
lar de coleta domiciliar de resíduos sóli- lhões de toneladas de resíduos coletados
dos atingiu 98,8% da população urbana e em 2018, o diagnóstico aponta a recupe-
92,1% da população total. ração de 124 mil t recebidas em 70 unida-
Quanto à coleta seletiva, o diagnóstico des de compostagem e 1,05 milhão de t de
apontou a presença do serviço em 1.322 resíduos recicláveis em 1.030 unidades de
ou 38,1% dos municípios do Brasil, sen- triagem. Este último número representou
do prestado na modalidade porta a porta 1,7% do total de resíduos domiciliares e
em 1.135 municípios, que representam públicos coletados no país, ou 5,6% da
37,8% da população urbana do país. Me- massa total potencialmente recuperável
rece destaque a participação formal de de recicláveis secos, o que perfazia um ín-
catadores na coleta seletiva em parceria dice de 7,37 kg/hab./ano de resíduos re-

660
SISTEMAS DE INFORMAÇÕES DE SANEAMENTO – NACIONAL E MUNICIPAL

cuperados. Desta forma, ao se estimar a Instituto Brasileiro de Geografia e Estatís-


massa total de disposição final, obtém-se tica (IBGE) (informações sobre domicílios
o resultado de aproximadamente 46,68 e populações); e do Serviço Geológico do
milhões de toneladas dispostas em ater- Brasil (CPRM) (informações sobre municí-
ros sanitários, o que corresponde a 75,6% pios críticos). As demais informações são
do total aproximado (61,73 milhões de alimentadas pelos prestadores de serviço,
t). Além disso, contabilizaram-se 15,05 que, na quase totalidade, são as próprias
milhões de toneladas dispostas em uni- prefeituras. A partir do conjunto de infor-
dades de disposição final consideradas mações são calculados automaticamente
inadequadas (aterros controlados e li- pelo SNIS-AP 25 indicadores organizados
xões), que correspondiam juntas a 24,4% em quatro grupos: gerais, econômico-fi-
do total disposto em solo em 2018. nanceiros e administrativos, infraestrutu-
Quanto às informações financeiras, a ra e gestão de riscos.
despesa total das prefeituras com o ma- Dados do último Diagnóstico, publica-
nejo dos resíduos sólidos no ano 2018, do com resultados do ano de 2018, apon-
quando rateada pela população urbana, tavam que um total de 3.603 municípios –
resultou no valor de R$ 130,47 por habi- 64,7% do total de municípios brasileiros,
tante, ou seja, um gasto aproximado de abrangendo 84,2% da população urbana
R$ 22 bilhões para o manejo de resíduos – forneceu informações. Apenas 21,5%
sólidos urbanos em todo o país, empre- dos municípios da amostra possuem ca-
gando 333 mil trabalhadores. Ainda as- dastro técnico do sistema de Diagnósti-
sim, a fragilidade da sustentabilidade co Municipal de Águas Pluviais Urbanas
financeira mantém-se no setor, uma vez (Dmapu), contra 19,1% em 2017. Quanto
que apenas 47% dos municípios fazem ao Plano Diretor de Dmapu, em 2018,
cobrança pelos serviços, e o valor arreca- esse percentual era de 20%, enquanto
dado cobre somente 54,3% dos custos. em 2017 foi de 19,6%. Esses indicadores
mostram uma ligeira elevação, mas, ain-
Dados de drenagem e manejo da, um cenário frágil, que merecem aten-
de águas pluviais urbanas8 ção no planejamento e gestão do sistema
de Dmapu, por parte dos municípios.
São levantadas 125 informações de diver- Na área urbana, havia um percentual
sos tipos, por exemplo, sobre a titularida- de 66,8% de vias públicas com pavimen-
de do serviço, cobrança, infraestrutura, tação e meio-fio e de 18% de vias públicas
dados financeiros, operacionais e de ges- com redes ou canais pluviais subterrâ-
tão de risco. Uma parcela dessas informa- neos. Quanto ao tipo de sistema de dre-
ções é pré-alimentada no SNIS-AP (águas nagem urbana adotado, 886 municípios S
pluviais) com dados de outras instituições, (24,6%) operam o sistema drenagem em
tais como do Sistema Integrado de Infor- modelo unitário (misto com esgotamento
mações sobre desastres (S2ID) (informa- sanitário), mas a maioria, 1.974 (54,8%)
ções sobre riscos e desastres da Defesa Ci- dispunha de sistema exclusivo.
vil); da Agência Nacional de Águas e Sane- Quanto ao mapeamento de áreas de
amento Básico (ANA) (informações sobre risco de inundação (ver p. 334) dos cursos
hidrologia, bacias hidrográficas, rios); do d’água urbanos, o levantamento aponta-

661
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

va para uma pequena redução no percen- muitos deles não possuem dados de todos
tual de municípios que não o possui, a os municípios brasileiros, nem variáveis
qual passou de 70,1% dos municípios da e indicadores apropriados para avaliação
amostra, em 2017, para 67,7%, em 2018. dos aspectos qualitativos da prestação
A parcela de domicílios em situação de dos serviços e da apropriação da tecnolo-
risco de inundação pode ser identificada gia utilizada, restringindo-se, em geral, à
por meio desse mapeamento: havia um dimensão quantitativa da oferta e da de-
índice de 3,3% de domicílios em risco, em manda dos serviços.
2018. Por fim, verificou-se uma redução Para déficit o Plansab considera duas
na quantidade de pessoas desabrigadas categorias – sem atendimento e atendi-
ou desalojadas na área urbana dos mu- mento precário – e define como “ofertado
nicípios devido a eventos hidrológicos em condições insatisfatórias ou provisó-
impactantes – inundações, enxurradas e rias, potencialmente comprometedoras
alagamentos. Em 2017, o valor chegava a da saúde humana e da qualidade do am-
205.237 habitantes, enquanto, em 2018, biente domiciliar e do seu entorno”. Para
esse número foi de 141.548 habitantes. detalhes, consultar https://www.mdr.
Em relação aos dados financeiros, o in- gov.br/saneamento/plansab.
vestimento per capita dos serviços era Atualmente, no Brasil, os próprios pres-
R$ 18,15/hab.ano e a despesa per capita tadores municipais de serviço encontram
com os serviços foi de R$ 18,20/hab.ano. dificuldades para obter dados e informa-
Apenas três municípios afirmaram que ções. A falta de sistemas de informações
cobram taxa específica para os serviços municipais, bancos de dados, cadastro
de Dmapu: Santo André (SP), Porto Ale- técnico ou levantamento de dados siste-
gre (RS) e Montenegro (RS). máticos pode resultar em informações
inconsistentes e até incorretas, além de
Informações municipais não se ter informações que se consideram
questões qualitativas em relação aos ser-
Cabe aqui resgatar do Plano Nacional de viços prestados em saneamento básico.
Saneamento Básico (Plansab) esclareci- Outro desafio dos gestores municipais
mentos que dizem respeito às informa- é a ausência de capacitação e formação
ções sobre a situação do setor no país.9 técnica dos profissionais, além de existir
Os pesquisadores apontaram que, para uma recorrente ruptura na constituição
caracterizar como atendimento adequa- das equipes locais, quando a administra-
do ou déficit, foi necessário formular ção municipal passa para outro gestor, o
uma leitura crítica dos diversos sistemas que pode impactar as rotinas de sistema-
de informação e bancos de dados sobre tização de dados e informações.
saneamento básico disponíveis no país,
inclusive do SNIS. Isso porque a maioria Uso de dados do SNIS/SIMISAB
é incompleta, vários são desatualizados
e cada qual é concebido segundo lógica A importância de fornecer dados reais e
própria, fornecendo, portanto, infor- consistentes para o SNIS como principal
mações sobre diferentes dimensões da fonte de informações sobre o setor sane-
carência no atendimento. Além disso, amento com abrangência nacional e tam-

662
SISTEMAS DE INFORMAÇÕES DE SANEAMENTO – NACIONAL E MUNICIPAL

bém fornecer dados para o Simisab, se Na medida em que os gestores muni-


reforça pelo uso por diferentes agentes cipais participam do processo, com for-
envolvidos na prestação dos serviços, por necimento de informações precisas, as
órgãos de governo e instituições de ensino pessoas poderão contar com uma base
e pesquisas. Portanto, a alimentação dos de dados confiável, realista, abrangen-
Sistemas não é apenas um procedimen- te e acessível para embasar a formula-
to legal exigido pelo governo federal. O ção de políticas públicas municipais de
acesso público dos dados pode fomentar a saneamento básico visando oferecer
discussão dos entes governamentais, dos saúde, dignidade e qualidade de vida à
políticos, da população e de instituições. população brasileira.

Referências bibliográficas

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cional. Acesso em: 3 jun. 2020.
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pdf. Acesso em: 4 jun. 2020.
3. MDR. Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento: 24º Diagnóstico dos
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snis.gov.br/downloads/diagnosticos/ae/2018/Diagnostico_AE2018.pdf. Acesso em:
4 jun. 2020.
4. CARDOSO, L. S. M; MAIA, D.H. F.M; CARLOS, A. A. G. Sistema Municipal De
Informações em Saneamento Básico (Simisab): uma ferramenta de apoio à gestão
municipal do saneamento básico. Assembleia Nacional da Assemae, 45.; Exposição
de Experiências Municipais em Saneamento, 19., 2015, Poços de Caldas. Disponí-
vel em: http://www.trabalhosassemae.com.br/sistema/repositorio/2015/1/traba-
lhos/270/379/t379t7e1a2015.pdf. Acesso em: 29 set. 2020.
5. MCIDADES. Diagnóstico dos Serviços de Água e Esgotos – 2015. Glossário dos
indicadores – água e esgoto. Brasília: MCidades, 2016. Disponível em: http://www.
snis.gov.br/diagnostico-anual-agua-e-esgotos/diagnostico-ae-2015. Acesso em: 6
jun. 2020.
6. MDR. SNISWEB. Disponível em: http://app4.mdr.gov.br/snisweb/src/Sistema/in-
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Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS). Disponível em: ht- S
tp://www.snis.gov.br/diagnostico-anual-residuos-solidos/diagnostico-do-manejo-
-de-residuos-solidos-urbanos-2018. Acesso em: 3 jun. 2020.
8. MDR. Diagnóstico de Drenagem e Manejo de Águas Pluviais Urbanas – 2018. Pá-
gina web do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS). Dispo-
nível em: http://www.snis.gov.br/diagnostico-anual-aguas-pluviais/diagnostico-do-
-servico-de-aguas-pluviais-2018. Acesso em: 3 jun. 2020.
9. MDR. Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab). Brasília: MDR, 2019. Dis-

663
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

ponível em: https://www.mdr.gov.br/saneamento/plansab. Acesso em: 8 jun. 2020.

Para saber mais

OS DEZ anos do SNIS. Disponível em: http://www.snis.gov.br/downloads/arquivo-


sold/1_INSTITUCIONAL/os%20dez%20anos%20do%20snis.pdf.
MCIDADES. Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento: Diagnóstico dos
Serviços de Água e Esgotos – 2014. Brasília: MCidades, 2016. Disponível em: http://
www.snis.gov.br/downloads/diagnosticos/ae/2014/Diagnostico_AE2014.zip.
MDR. Painel de Informações sobre Saneamento. Página web do SNIS. Disponível em:
http://www.snis.gov.br/painel-informacoes-saneamento-brasil/web.
MDR. O que é. Página web do SNIS. Disponível em: http://www.snis.gov.br/o-que-e.

Autoria deste verbete

Josiane Teresinha Matos Queiroz. Engenheira civil especialista nas áreas sanitária
e ambiental. Mestre, doutora e pós-doutora em Saneamento, Meio Ambiente e Recur-
sos Hídricos pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e pós-doutora em
Políticas Públicas em Saneamento e Saúde pelo Instituto René Rachou, da Fundação
Oswaldo Cruz (Fiocruz).

S
SOLUÇÕES COLETIVAS DE ESGOTAMENTO SANITÁRIO

Dados do Sistema Nacional de Informação As soluções de esgotamento sanitário


sobre Saneamento (SNIS), de 2018, apon- são sistemas construídos com o objetivo
tam que o Brasil tem apenas 53,2% dos de resolver adequadamente o despejo do
seus municípios, considerando áreas rurais esgoto sanitário. Para tanto, é necessá-
e urbanas, atendidas por coleta de esgoto. rio conhecer a realidade local, fazer um
A Região Norte, a mais déficitária, apresen- diagnóstico detalhado e construir uma
ta apenas 10,5% de atendimento por coleta solução participativa envolvendo a comu-
de esgoto.1 Por isso, as soluções de esgota- nidade que irá receber esse sistema.
mento sanitário são muito importantes no Existem dois principais tipos de sistemas
planejamento dos municípios, uma vez que de esgotamento sanitário: a solução indivi-
o objetivo é alcançar a universalização dos dual (ver p. 673), também conhecida como
serviços com qualidade e eficiência de acor- sistema estático ou descentralizado,2 que
do com o Plano Nacional de Saneamento consiste em solução no local, individual ou
Básico (Plansab – ver p. 457). para poucas residências, e a solução cole-

664
SOLUÇÕES COLETIVAS DE ESGOTAMENTO SANITÁRIO

tiva, conhecida como sistema dinâmico, para os domicílios em ocasião de cheias


que consiste em solução com afastamento e possível ocorrência de mau cheiro em
dos esgotos da área de abrangência do sis- bocas de lobo; e as estações de tratamen-
tema. É importante conhecer a topografia to de esgoto (ETEs) não podem ser di-
local (as características do relevo do terre- mensionadas para o período de chuvas,
no), vegetação, clima, distância de corpos do contrário sua área seria muito maior
d’água, profundidade do lençol freático, e no período de seca ficaria ociosa.
densidade populacional, existência ou não • Sistema separador: neste sistema, o es-
de soluções individuais ou coletivas, entre goto doméstico, efluentes industriais e
outras informações, a fim de elaborar um águas de infiltração que constituem o
diagnóstico da área objeto do planejamen- esgoto sanitário são transportados em
to municipal. Esse diagnóstico é a base para um sistema totalmente independente
que o município possa planejar as soluções das águas pluviais, que são transpor-
mais adequadas de esgotamento sanitário tadas pelo sistema de drenagem pluvial
visando à universalização e à promoção da (ver p. 650). Nesse caso, os investimen-
saúde para a população. tos necessários são menores, pois as
canalizações de esgoto podem ter me-
Sistema unitário e nores diâmetros e não há preocupação
sistema separador com extravasamento na ETE em perío-
dos chuvosos; vantagens que se somam
As soluções coletivas são aplicadas para aos prazos reduzidos de implantação e
locais com densidade populacional eleva- construção. No caso de se optar por um
da e com presença de infraestrutura ade- sistema separador deve-se atentar para
quada para os serviços. Assim como para possíveis ligações clandestinas de água
o abastecimento de água, o sistema de pluvial na rede coletora de esgoto, que
coleta e transporte de esgoto consiste em não são incomuns, para que a solução
canalizações que conduzem o esgoto do seja de fato eficiente.
domicílio até a etapa de tratamento (ver
p. 742) para posterior disposição final.3 Existe, ainda, um sistema alternativo
Os sistemas de coleta e transporte de ao da rede de esgotamento convencional
esgoto podem ser divididos em dois tipos4: com o objetivo de reduzir custos para o
serviço público, visto que a rede repre-
• Sistema unitário: nessa solução de cole- senta cerca de 75% dos custos de todo o
ta e transporte, também conhecida co- sistema de esgotamento sanitário. Foram
mo sistema combinado, o esgoto sani- desenvolvidos sistemas condominiais
tário (doméstico, efluentes industriais, para um conjunto de casas em que a uni- S
águas de infiltração) e as águas pluviais dade condomínio é uma quadra urbana.
são veiculados nas mesmas tubulações. Nessa solução similar ao que já é feito em
Apesar de se apresentar como solução edifícios de apartamentos, a operação e a
única, tal sistema pode trazer inconve- manutenção dos serviços de coleta são de
nientes: ocusto inicial é elevado devido à responsabilidade do condomínio, ao qual
necessidade de canalizações de grandes cabe transportar o esgoto até uma caixa de
dimensões; há risco de refluxo de esgoto ligação que se conecta com a rede pública.

665
EIXO 5 - ESGOTAMENTO SANITÁRIO

Fatores a considerar estação de tratamento ou o lançamento


em corpo d’água. Não recebe contribui-
Para o projeto de uma solução coletiva de ção ao longo do seu comprimento.
esgotamento sanitário, deve-se conside- • Sifão invertido: é uma obra que
rar fatores intervenientes no sistema tem como objetivo transpor algum
como o tamanho da população, diagnós- obstáculo no caminho da rede,
tico do sistema pré-existente, largura das funcionando sob pressão.
ruas, tráfego de veículos e pessoas e es- • Estação elevatória: é o local que bombeia
colha de alternativas mais adequadas em o esgoto que chega numa altura mais bai-
termos econômicos e socioculturais, além xa para uma altura mais alta do relevo.
do orçamento de todas as partes do siste- • Estação de tratamento: é o conjunto
ma de esgotamento sanitário necessárias de instalações responsáveis por tra-
para implementar o projeto. Os sistemas tar o esgoto antes de lançar no corpo
de coleta e transporte de esgoto sanitário d’água receptor.
possuem as seguintes partes:3 • Corpo d’água receptor: é o corpo d’água
que recebe contribuição dos esgotos.
• Rede coletora: é o conjunto de
tubulações que recebe e transporta o As redes de coleta e transporte têm três
esgoto dos domicílios. A canalização tipos principais de traçado e essa decisão
dos domicílios, ou coletor predial, con- é influenciada pelo tipo de topografia do
duz o esgoto até um coletor secundá- município. O traçado da rede pode ser do
rio e os coletores secundários são liga- tipo perpendicular, em que as canaliza-
dos diretamente a um coletor tronco ções ficam mais ou menos perpendicula-
que conduz o esgoto a um emissário res, a um ângulo de 90º do curso d’água,
ou interceptor. A rede coletora contém opção recomendada para cidades atraves-
órgãos acessórios como poços de visi- sadas ou circundadas por curso d’água.
ta, câmaras visitáveis que reúnem dois Também pode ser do tipo leque, próprio
ou mais trechos da rede e permitem a para cidades com terrenos muito aciden-
manutenção do sistema; terminais de tados. Nesse traçado os coletores tron-
limpeza que propiciam a introdução de cos se situam nos fundos de vale ou pela
equipamentos para limpeza e manu- parte baixa da bacia. Para cidades planas
tenção dos sistemas; caixas de passa- é recomendado o traçado radial, também
gem, câmaras sem acesso localizadas conhecido como distrital, em que a cidade
em curvas e mudanças de declividade; é dividida em setores independentes e esse
e tubo de inspeção e limpeza, que per- esgoto só encontra no interceptor.
mite inspecionar o interior da rede e Os materiais mais utilizados nas redes
introduzir equipamentos de limpeza. de esgotamento sanitário são os tubos ce-
• Interceptor: é a tubulação que recebe os râmicos, de concreto, de plástico, de PVC,
coletores em todo o seu comprimento, de ferro fundido e de aço. Cada material
mas não recebe ligações diretas dos possui vantagens e desvantagens que de-
domicílios ou condomínios. vem passar por uma avaliação criteriosa do
• Emissário: é a canalização que transpor- engenheiro responsável, que deve conside-
ta o esgoto até o seu destino final, seja a rar a resistência às cargas externas, a resis-

666
SOLUÇÕES COLETIVAS DE ESGOTAMENTO SANITÁRIO

tência à abrasão e ataque químico, facilida- em áreas rurais e/ou isoladas, uma vez
de de transporte, disponibilidade do tama- que o custo para levar a rede até essas áre-
nho necessário, e os custos do material, do as urbanas de baixa densidade é elevado.5
transporte e do assentamento do tubo. Indicadores ou métricas são
estratégicos para monitorar e avaliar
Importância da gestão o alcance das metas estabelecidas pelo
PMSB. No caso do esgotamento sanitá-
Diversos fatores podem interferir na co- rio, relativo ao sistema coletivo, deve-se
leta e transporte do esgoto: vazamentos monitorar o índice de cobertura dos siste-
devido a problemas na rede, incrustações mas, ou seja, qual porcentagem da popu-
e oxidações das tubulações dependendo lação tem possibilidade de acessar a rede
do tipo de material adotado, possíveis de esgotamento. O índice de cobertura é
entupimentos devido à destinação de re- diferente do índice de atendimento, por-
síduos sólidos juntamente com o esgoto, centagem da população que efetivamente
entre outros problemas que podem ser está ligada à rede (o que também deve ser
acarretados por falta de manutenção e monitorado pelo poder público).6 Sendo
operação precária dos sistemas. assim, o gestor tem papel primordial em
Por isso, além de garantir que os servi- conscientizar a população de forma a in-
ços estruturais do sistema estejam sendo centivar a ligação nos locais com cobertu-
bem feitos, os gestores precisam garan- ra da rede de esgotamento sanitário.
tir que a gestão dos serviços, relativa A universalização do esgotamento sa-
às ações estruturantes, esteja condizen- nitário de modo algum se restringe à exe-
te com os objetivos a serem alcançados. cução de obras de infraestrutura, pois são
Ressalta-se que, as soluções individuais necessárias ações de sensibilização e par-
devem ser consideradas principalmente ticipação popular e medidas estruturantes.

Referências bibliográficas

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ços de água e esgotos – 2018. Brasília: MDR, 2019. Disponível em: http://www.snis.
gov.br/downloads/diagnosticos/ae/2018/Diagnostico_AE2018.pdf .
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munidades isoladas: referencial para a escolha de soluções. Campi-
nas: Biblioteca/Unicamp, 2018. Disponível em: http://www.fec.unicamp.
br/~saneamentorural/?smd_process_download=1&download_id=563.
3. TSUTIYA, M. T.; SOBRINHO, P. A. Coleta e transporte de esgoto sanitário. 3. ed. S
Rio de Janeiro: Abes, 2011.
4. VON SPERLING, M. Introdução à qualidade das águas e ao tratamento de esgo-
tos. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014. (Coleção Princípios do tratamento bioló-
gico de águas residuárias, v. 1).
5. VARGAS, M. C. Universalização dos serviços de Saneamento Básico. In: PHILLIPI
JR., A; GALVÃO JR., A. C. Gestão do saneamento básico: abastecimento de água e
esgotamento sanitário. Barueri: Manole, 2012.

667
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

6. GALVÃO JR., A. C; SOBRINHO, G. B.; SILVA, A. C. Painel de Indicadores para Planos


de Saneamento Básico. In: PHILLIPI JR., A; GALVÃO JR., A. C. Gestão do saneamen-
to básico: abastecimento de água e esgotamento sanitário. Barueri: Manole, 2012.

Para saber mais


BETTINE, S. C; DEMANBORO, A. C. Gestão dos serviços de saneamento básico em con-
domínios fechados. In: PHILLIPI JR., A; GALVÃO JR., A. C. Gestão do saneamento
básico: abastecimento de água e esgotamento sanitário. Barueri: Manole, 2012.

Autoria deste verbete


Fernanda Deister Moreira. Engenheira sanitarista e ambiental pela Universidade Fe-
deral de Juiz de Fora (UFJF). Mestranda em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos
Hídricos na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Lívia Cristina da Silva Lobato. Engenheira civil e doutora em Saneamento, Meio Am-
biente e Recursos Hídricos pela UFMG.

Fabiana Lopes Del Rei Passos. Doutora em Engenharia Ambiental pela Universitat Po-
litècnica de Catalunya (UPC), Espanha. Professora adjunta do Departamento de Enge-
nharia Sanitária e Ambiental da UFMG.

S
SOLUÇÕES DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA

O abastecimento de água desempenha mento de água pode apresentar variações


um papel central na garantia da qualida- territoriais, conforme se destine à zona
de de vida da população, influenciando urbana ou à zona rural, conforme o dis-
diretamente sua saúde e seu bem-estar. trito e mesmo o bairro atendido.
A forma com que ele é realizado em uma A elaboração de um Plano Municipal de
dada comunidade depende de uma série Saneamento Básico (PMSB – ver p. 450)
de fatores operacionais, sociais e econô- busca, em uma primeira etapa, identifi-
micos, com destaque para a disponibili- car, quantificar e analisar as soluções de
dade hídrica, o tamanho da população, abastecimento de água e sua distribui-
a localização das habitações, o relevo, o ção espacial, o que permite localizar áre-
tipo de manancial, questões financeiras, as onde o déficit de abastecimento tem
questões culturais, a disponibilidade de impactos diretos para a saúde pública,
energia, a vida útil do projeto e os impac- propondo a melhor solução para cada lo-
tos ambientais. Além disso, o abasteci- calidade. A melhor solução a ser adotada

668
SOLUÇÕES DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA

não é necessariamente a mais econômica, provisadas, pois, assim como os sistemas


a mais segura ou a mais moderna, mas de abastecimento de água, tais soluções
sim a mais apropriada, conforme a rea- têm o papel de fornecer água potável de
lidade socioambiental à qual se aplica.1 qualidade, em quantidade suficiente.1
É fundamental que o PMSB contenha a
proposição de metas de atendimento de Soluções individuais de
água potável em quantidade suficiente e abastecimento de água
sem intermitência, levando em conside-
ração os aspectos sociais, ambientais e As soluções individuais de abastecimento
econômicos de cada localidade. de água costumam ser adotadas em áreas
rurais ou em áreas urbanas com residên-
Formas de categorizar o cias afastadas uma das outras. Seu obje-
abastecimento de água tivo é suprir o consumo de uma família
com a quantidade adequada de água. Des-
Diversas são as maneiras de categorizar o tacam-se, como soluções desse tipo, o uso
abastecimento de água. Uma forma usual de nascentes, poços, cisternas e manan-
consiste em classificar o abastecimento ciais superficiais.1, 2
quanto à abrangência de atendimento, O uso de nascentes, poços e manan-
que pode ser individual ou coletiva. Quan- ciais superficiais é similar ao do sistema
to à modalidade de funcionamento, há du- de abastecimento de água tradicional, com
as classificações: sistema de abastecimen- captação através de bombas e canalização
to de água (SAA – ver p. 645) ou solução para levar a água ao interior das residên-
alternativa que, por sua vez, subdivide-se cias. Os poços e nascentes podem ser mui-
em solução alternativa individual (SAI) e to distantes dos imóveis e a água superfi-
solução alternativa coletiva (SAC).2 cial pode ser de baixa qualidade. Por essas
O sistema de abastecimento de água razões, o uso da captação da água de chuva
para consumo humano é um dos compo- para o abastecimento tem ganhado força,
nentes do saneamento básico e consis- principalmente na região do Semiárido.1
te em um conjunto de infraestruturas, Os reservatórios de armazenamento
obras civis, materiais e equipamentos co- de água de chuva têm sido chamados de
nectando a zona de captação às ligações cisternas, estruturas destinadas a rece-
prediais. Ele se destina à produção e ao ber e armazenar essa água, que podem
fornecimento coletivo de água potável, ser de placas de cimento, alvenaria, fer-
por meio de uma ou mais redes de distri- rocimento ou outros materiais. No Bra-
buição. No geral o SAA é composto pelas sil, as ações do Programa de Formação
unidades de captação, adução, tratamen- e Mobilização Social para Convivência S
to, das estações elevatórias, de unidades com o Semiárido: um Milhão de Cis-
de reservação, de uma rede de distribui- ternas Rurais (P1MC), da Articulação
ção e dos ramais prediais. Semiárido Brasileiro (ASA), propor-
As soluções alternativas podem ser apli- cionaram que essa solução individual
cadas a situações regulares, transitórias de abastecimento de água chegasse a,
ou emergenciais. Entretanto, elas não de- aproximadamente, 5 milhões de pessoas
vem ser compreendidas como soluções im- residentes no Semiárido. No âmbito do

669
EIXO 4 - ABASTECIMENTO DE ÁGUA

P1MC, as cisternas, construídas em pla- domiciliares – por exemplo, filtros ce-


cas de concreto pré-moldadas, recebem e râmicos – de água. Por fim, é indicado
armazenam água da chuva coletada nos o uso de hipoclorito de sódio para ina-
telhados, por meio de calhas que condu- tivar microrganismos, na dosagem de
zem a água até um reservatório de 16 mil duas gotas para cada litro de água para
litros (l) de volume-padrão. consumo humano. 3, 4 Na ausência dessa
Entre os aspectos abordados pela lite- substância, outros tipos de desinfecção
ratura dedicada ao tema das cisternas, são a fervura da água por cinco minutos,
estão a avaliação da quantidade e da qua- ou uso de radiação solar.1
lidade da água disponibilizada. Estudos
indicam a necessidade de diversificar as Soluções coletivas de
soluções de abastecimento da água uti- abastecimento de água
lizada para fins menos nobres do que o
consumo humano e recomendam a ado- As soluções coletivas de abastecimen-
ção de barreiras sanitárias, a fim de evi- to de água são características de locais
tar a contaminação da água. com população adensada, onde as resi-
No quesito barreiras sanitárias, é fun- dências situam-se a pequenas distân-
damental que o armazenamento domici- cias umas das outras – o que geralmente
liar seja seguro, para que a qualidade da ocorre em áreas urbanas ou periurba-
água seja mantida nas habitações. A lim- nas. Tais soluções podem ser divididas
peza, a desinfecção e a manutenção dos em sistema de abastecimento de água e
reservatórios domiciliares, mesmo sendo solução alternativa coletiva de abasteci-
procedimentos simples, devem ser reali- mento de água. 2
zadas com atenção e de forma periódica. O sistema de abastecimento de água
Deve-se ter o cuidado de manter os telha- para consumo humano é a instalação
dos das residências limpos. O sistema de composta por um conjunto de obras civis,
captação das águas de chuva deve ter um materiais e equipamentos que conectam
dispositivo de controle de entrada do vo- a zona de captação às ligações prediais.
lume captado na cisterna, permitindo o Ele se destina à produção e ao forneci-
descarte (para fora da cisterna) da fração mento coletivo de água potável, por meio
que escorre do telhado durante os primei- de uma ou mais redes de distribuição.5
ros minutos de chuva, pois essa água está A solução alternativa coletiva de
contaminada com diversas impurezas.1,2 abastecimento de água para consumo
Para a retirada da água armazenada nos humano é a modalidade de abastecimen-
reservatórios, orienta-se a instalação e a to coletivo destinada a fornecer água
utilização de bombas manuais, que possi- potável, com captação subterrânea ou
bilitam o manuseio seguro da substância, superficial, com ou sem canalização e
de modo que seja diretamente armazena- sem rede de distribuição. 5 Merece aten-
da em um reservatório menor de uso in- ção o fato de que as soluções alternati-
tradomiciliar (por exemplo, uma talha de vas providas de rede e com tubulação
barro ou um garrafão de 20 litros). intradomiciliar podem ser idênticas aos
É recomendável também que essa sistemas de abastecimento, de modo que
água passe, posteriormente, por filtros as soluções diferenciam-se apenas pelo

670
SOLUÇÕES DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA

fato de que a responsabilidade pelas pri- sistemas, ampliação do sistema de abas-


meiras não é necessariamente do poder tecimento de água existente e expansão
público. É o que acontece, por exemplo, dos serviços, de forma a universalizar o
com as instalações de condomínios hori- abastecimento de água.
zontais com sistema próprio de captação Há grandes desafios quanto à universa-
e tratamento de água. 3 lização do acesso à água, como, por exem-
plo, a identificação da melhor solução para
Soluções inadequadas de a população em áreas menos adensadas, a
abastecimento de água definição de uma tabela de cobrança justa
para os usuários, de formas de gestão dos
O Plano Nacional de Saneamento Básico serviços, de fontes de financiamento e da
(Plansab – ver p. 457) considera como so- capacidade de contrapartida dos municí-
luções inadequadas de abastecimento de pios para a implantação de novos projetos.
água os seguintes sistemas:6 Assim, o conhecimento dos gestores sobre
as soluções adequadas de abastecimento
• soluções de abastecimento de água que de água permite identificar o déficit exis-
fornecem água por rede, poço ou nas- tente nos municípios, de forma a subsidiar
cente a residências que não possuem o planejamento do aumento gradativo do
canalização interna, com qualidade atendimento à população com água potá-
fora dos padrões de potabilidade e nos vel em quantidade suficiente, com dispo-
quais há falta de água ou racionamento nibilidade e regularidade para a promoção
constantes; da saúde.
• uso de cisterna para água de chuva que A universalização do abastecimento de
forneça água sem segurança sanitária água deve ser acompanhada de medidas
e/ou em quantidade insuficiente para a de educação ambiental e sanitária, pa-
proteção à saúde; ra que a população, além de receber água
• uso de reservatório abastecido por potável, saiba usá-la de forma adequada,
carro-pipa. evitando o desperdício e a contaminação.
Os gestores devem levar em considera-
Todo sistema coletivo sem rede de ção não apenas a necessidade de realizar
distribuição (por exemplo, chafarizes e obras de infraestrutura em si, mas tam-
carros-pipa), mesmo que atenda à popu- bém a de implementar programas que
lação com água potável, constitui uma visem à vigilância em saúde (ver p. 779)
solução precária de abastecimento. As ambiental – por exemplo, programas de
soluções individuais devem prever tu- monitoramento da qualidade da água
bulações internas nos domicílios e ga- que chega aos usuários e de cuidados com S
rantir a segurança sanitária da água o manejo de alimentos e com a higiene.
fornecida. Esses programas devem respeitar as ca-
Além de um levantamento de informa- racterísticas socioculturais e garantir a
ções sobre as soluções existentes, deve inclusão de grupos minoritários e grupos
constar em um PMSB um planejamento vulneráveis socioeconômica e ambiental-
para os 20 anos de horizonte do plano, mente, com vistas a promover a equidade
com previsão de implementação de novos e a dignidade da população.

671
EIXO 7 - MANEJO DE ÁGUAS PLUVIAIS

Referências bibliográficas

1. HELLER, L.; PÁDUA, V. L. (coord.). Abastecimento de água para consumo humano.


Belo Horizonte: Editora UFMG, 2016. p. 34-38; 65-77.
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em: http://www.funasa.gov.br/documents/20182/38564/Mnl_Saneamento.pdf/ae-
1d4eb7-afe8-4e70-ae9a-0d2ae24b59ea. p. 66-67; 85.
3. MS. Boas práticas no abastecimento de água: procedimentos para a minimização
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publicacoes/boas_praticas_agua.pdf. p. 16.
4. FUNASA. Manual de orientações técnicas para elaboração de projeto de melho-
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5. MS. Portaria nº 2.914, de 12 de dezembro de 2011. Dispõe sobre os procedimen-
tos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu
padrão de potabilidade. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/
gm/2011/prt2914_12_12_2011.html.
6. MCIDADES. Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab). Brasília: MCidades,
2013. Disponível em: https://www.cidades.gov.br/images/stories/ArquivosSNSA/
Arquivos_PDF/plansab_06-12-2013.pdf.

Para saber mais

FUNASA. Sistema de abastecimento de água. Página web da Fundação Nacio-


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MCIDADES. Planos de Saneamento Básico. Curso a distância (módulo 4 – Estudos
para a elaboração do diagnóstico). Brasília: MCidades, 2015.
MCIDADES (org.). Construção, operação e manutenção de redes de distribuição de
água. Guia do profissional em treinamento: nível 1. Brasília: MCidades, 2008. Dis-
ponível em: https://www.mdr.gov.br/images/stories/ArquivosSNSA/Arquivos_PDF/
ReCesa/construcaooperacaoemanutencaoderedesdedistribuicaodeagua-nivel2.pdf.
MS. Cuidados com água para consumo humano. Folheto educativo. Disponível em:
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/folder/cuidados_agua_consumo_humano_2011.
pdf. Acesso em: 12 set. 2019.
PHILIPPI JR., A. (ed.). Saneamento, saúde e ambiente: fundamentos para um desen-
volvimento sustentável. Barueri: Manole, 2005.
PHILIPPI JR., A.; GALVÃO JR., A. C. (ed.). Gestão do saneamento básico: abasteci-
mento de água e esgotamento sanitário. Barueri: Manole, 2012.
RAID, M. A. M. Soluções técnicas de abastecimento de água e modelos de gestão:
um estudo em quinze localidades rurais brasileira. 2017. Dissertação (Mestrado em
Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos) – Escola de Engenharia, Universi-
dade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2017. Disponível em: https://reposi-

672
SOLUÇÕES INDIVIDUAIS DE ESGOTAMENTO SANITÁRIO

torio.ufmg.br/bitstream/1843/BUOS-AWWP8Q/1/disserta__o_marielle_apareci-
da_de_moura_raid.pdf.
INSTITUTO SISAR. Página web do Sistema Integrado de Saneamento Rural (Sisar).
Disponível em: http://www.sisar.org.br. Acesso em: 23 out. 2019.
BASÍLIO SOBRINHO, G. Planos municipais de saneamento básico (PMSB): uma aná-
lise da universalização do abastecimento de água e do esgotamento sanitário. 2011.
Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil: Recursos Hídricos) – Centro de Tecno-
logia, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2011. Disponível em: http://www.
repositorio.ufc.br/handle/riufc/17468.
TSUTIYA, M. T. Abastecimento de água. São Paulo: PHA/Poli/USP, 2006. p. 3.

Autoria deste verbete

Antonio Natanael Costa Sancho. Engenheiro ambiental pela Universidade Federal do


Ceará (UFC) e engenheiro civil pela Universidade de Fortaleza (Unifor). Mestrando
em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos pela Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG).

César Rossas Mota Filho. Doutor em Engenharia Civil e Ambiental pela Universidade
Estadual da Carolina do Norte (EUA). Professor Associado do Departamento de Enge-
nharia Sanitária e Ambiental (Desa) da Universidade Federal de Minas Gerais.

S
SOLUÇÕES INDIVIDUAIS DE ESGOTAMENTO SANITÁRIO

O objetivo das soluções de esgotamento luções individuais, também conhecidas


sanitário é coletar e transportar o esgo- como sistema estático ou descentrali-
to do local em que é gerado até o local zado, devem ser levadas em considera-
de tratamento e disposição, para evitar ção no planejamento municipal do eixo
o contato com a população, com o solo e de esgotamento sanitário. Elas normal-
a água, a fim de reduzir os riscos de do- mente são usadas em áreas rurais e peri-
enças correlacionadas e contaminação féricas não adensadas.
de recursos naturais. Nem sempre a so- As soluções descentralizadas são S
lução coletiva (ver p. 664) é a opção com aquelas em que o esgoto é coletado,
melhor custo-benefício, em função do transportado e tratado em local
investimento necessário para instalação próximo à sua geração e podem ser uni-
de rede coletora de esgoto em determi- familiares, atendendo uma residência ou
nado local, que pode ser remoto e pouco estabelecimento, ou semicoletivos, aten-
adensado, combinado à necessidade de dendo um pequeno conjunto de estabe-
manutenção periódica. Por isso, as so- lecimentos ou domicílios. No Programa

673
EIXO 5 - ESGOTAMENTO SANITÁRIO

Nacional de Saneamento Rural (PNSR), mas de funcionamento do sistema nas


atualmente denominado Programa Sane- etapas seguintes.
amento Brasil Rural (PSBR), essas solu- Segundo a Pesquisa Nacional por
ções semicoletivas são chamadas apenas Amostra de Domicílios, do Instituto Bra-
de coletivas.2 sileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
Embora sejam mais comuns tais solu- a fossa rudimentar –ou fossa caipira – é
ções individuais em áreas rurais ou áreas o sistema mais utilizado nos municípios
urbanas isoladas, a solução local descen- brasileiros como solução individual, tan-
tralizada também tem sido adotada para to em áreas rurais quanto nas urbanas.3
coletar e tratar o esgoto de condomínios, Infelizmente, essa solução é precária,
instituições e bairros, entre outros. No pois pode contribuir para proliferação de
entanto, essa opção pressupõe que o nú- vetores e contaminação do solo e do len-
mero de pessoas atendidas seja pequeno çol subterrâneo, uma vez que essas fossas
e, se for para mais de uma residência, que são simplesmente buracos no solo não
estejam próximas umas das outras. impermeabilizados que somente arma-
zenam o esgoto e promovem disposição
Apoio técnico e regulação final inadequada.
O segundo sistema mais adotado no
Nesses sistemas individuais, não há de- tratamento de esgoto de sistemas in-
pendência contínua de serviços terceiri- dividuais ou semicoletivos é o tanque
zados ou municipais para realização de séptico, conhecido popularmente por
operação e manutenção. Contudo, o po- fossa séptica, como solução para tratar
der público deve estar presente por meio o esgoto removendo sólidos e matéria
de apoio técnico e regulador nessas situ- orgânica. Essa solução é basicamente
ações. É preciso tomar alguns cuidados uma câmara que detém o esgoto por um
ao tomar a decisão e prosseguir com a tempo para que os sólidos sedimentem.
escolha do sistema individual. O sucesso O processo forma o lodo ao fundo, que
dessas soluções depende do tipo de solo aloja os microrganismos responsáveis
(se apresenta boas condições de infiltra- por degradar a matéria orgânica, e a es-
ção) e do nível do lençol freático – se está cuma, formada por óleos e graxas, que
situado em profundidade mínima para é retida na superfície. O tanque séptico
que não haja contaminação por micror- deve ser impermeabilizado para evitar
ganismos patogênicos. a contaminação do solo e do lençol fre-
Sistemas individuais que recebem ático, que pode ser a fonte de água para
águas cinzas ou águas cinzas e fecais abastecimento da população.
conjuntamente devem contar com uma A frequência de manutenção desse sis-
etapa de remoção de gordura prove- tema é baixa e não necessita de tratamen-
niente de atividades da cozinha. Geral- to prévio, porém é necessário tratamento
mente esse tratamento prévio é feito posterior ou disposição final adequada.
por meio da instalação de uma caixa Os tanques sépticos devem ser dimen-
de gordura antes do tratamento em si, sionados conforme a Norma Brasileira
a fim de evitar a acumulação de óleos e (NBR) 7.229/1993, da Associação Brasi-
gorduras na tubulação e causar proble- leira de Normas Técnicas (ABNT).4

674
SOLUÇÕES INDIVIDUAIS DE ESGOTAMENTO SANITÁRIO

Etapas complementares que se beneficiem do solo úmido e cheio


ou alternativas de nutrientes. Entretanto, deve-se aten-
tar para o tipo de clima e do solo, e para
Várias alternativas podem ser escolhi- as dimensões de execução do círculo.
das para a continuidade do tratamento • Filtro: existem algumas variações de fil-
como etapa posterior ao tanque séptico, tros, mas, independentemente do tipo,
dentre elas:5 deve-se usá-los apenas para esgotos tra-
tados por tanque séptico ou outra uni-
• Sumidouro ou poço absorvente é uma dade de tratamento que remova sólidos,
técnica de disposição final do esgoto tra- para evitar o entupimento do meio fil-
tado. É prevista em normas da ABNT e trante. O filtro anaeróbio pode ser pre-
há orientações para o seu dimensiona- enchido por brita, cacos de tijolo ou sei-
mento.6 É um poço escavado no solo que xo, entre outros materiais, contanto que
permite a depuração do esgoto por meio sejam de tamanho uniforme. O meio fil-
de processos químicos, físicos e biológi- trante deve estar sempre afogado (sub-
cos. O esgoto é absorvido pelo solo atra- merso) para evitar oxigenação do meio,
vés das paredes e do fundo da unidade. permitindo assim que bactérias facul-
Essa técnica é recomendada apenas em tativas e anaeróbias degradem a maté-
áreas em que o lençol freático é profundo, ria orgânica presente no esgoto. Após a
e os sumidouros devem ser localizados a passagem pelo filtro anaeróbio o esgoto
pelo menos 30 metros de corpos d’água. ainda pode passar por outros sistemas,
• Vala de infiltração é uma técnica de dis- como um sistema alagado construído
posição final do esgoto pré-tratado que ou um filtro de areia. Este consiste em
deve ser construída seguindo as normas uma vala profunda impermeabiliza-
da ABNT.6 Uma vala é escavada e preen- da, com areia como material filtrante.
chida com pedra ou brita, na qual o esgo- A aplicação do esgoto deve ser feita em
to é distribuído para infiltração no solo intervalos para que o filtro receba oxigê-
por tubos perfurados. Deve-se atentar nio e as bactérias e outros microrganis-
para que durante a construção não se mos aeróbios presentes na areia possam
realize compactação do solo. Não é reco- degradar a matéria orgânica.
mendável o plantio de árvores perto da • Sistemas alagados construídos: tam-
vala para que as raízes não danifiquem o bém conhecidos por wetlands constru-
sistema, e nem sua construção em solos ídos, jardins filtrantes ou zonas de
saturados de água ou muito argilosos. raízes, podem tratar águas cinzas ou
• Círculo de bananeiras é uma técnica de esgoto pré-tratado.7 O sistema consis-
tratamento de águas cinzas ou disposi- te em uma vala com profundidade de S
ção final de tratamento de esgoto. Essa no máximo 1 m. As paredes e fundo da
solução consiste em um buraco escava- vala devem ser impermeabilizados para
do preenchido com galhos e palha onde que se possa alagar o seu interior com o
o esgoto é despejado. Não se deve fazer esgoto a ser tratado. Seu meio é preen-
impermeabilização nem compactação do chido com um leito de material filtran-
solo. Em volta desse buraco são plantadas te (substrato), como areia, brita ou pe-
bananeiras e outras espécies de plantas dras, e na sua superfície são plantadas

675
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

macrófitas ou plantas aquáticas5. As originado da decomposição anaeróbia, o


bactérias que se desenvolvem no meio lodo e o efluente tratado. Esses subpro-
filtrante e as raízes das plantas promo- dutos podem ser aproveitados para a
vem a degradação da matéria orgânica, geração de energia (biogás) ou para uso
a remoção dos nutrientes e de patóge- agrícola (efluente e lodo), entre outros
nos e a retenção de sólidos.8 Tal sistema usos (ver p. 61).
não funciona como disposição final, • Banheiro seco compostável: essa unida-
portanto há de se escolher uma solução de de tratamento é recomendada para re-
para a disposição após essa unidade. giões em que há escassez hídrica ou sem
atendimento por rede pública de abaste-
Além disso, existem opções de tratamen- cimento de água, pois não usa água para
to que não necessitam de pré-tratamento descarga. Abaixo do vaso sanitário há
ou tratamento primário, por exemplo:5, 8 um compartimento fechado imperme-
abilizado e a cada uso do banheiro de-
• Reator Uasb: também conhecido como ve-se jogar serragem ou outro material
reator Rafa (a versão em português da seco por cima para proporcionar condi-
sigla, que significa “reator anaeróbio ções para a compostagem das fezes. É
de fluxo ascendente”), é uma unidade comum que banheiros deste tipo sejam
que deve ser construída por materiais construídos com com dois assentos e
que garantam sua impermeabilização. duas câmaras de compostagem. O com-
O esgoto, que deve ficar cerca de nove partimento pode ser uma construção de
horas dentro do reator, entra pela parte alvenaria ou uma bombona que após o
inferior e sai pela superior, garantin- enchimento pode ser trocada. No pri-
do que a unidade esteja sempre cheia. meiro caso, deve-se fechar e utilizar
Nessas unidades, a biomassa cresce dis- outro assento quando encher o compar-
persa no meio. Como a concentração de timento. A urina deve ser coletada em
biomassa no reator é elevada, o volume outro compartimento para ser tratada
desses reatores é reduzido. O processo com as águas cinzas ou reutilizada na
de tratamento consiste essencialmen- agricultura com os devidos cuidados, ou
te de um fluxo ascendente de esgoto também por bacias de evapotranspira-
através de um leito de lodo denso e que ção, que utilizam plantas semiaquáticas
contém os microrganismos responsá- para absorver nutrientes e promover a
veis pelo tratamento do esgoto, permi- evaporação do líquido. Nessa unidade é
tindo a estabilização de grande parte importante que não haja entrada de lí-
da matéria orgânica pela biomassa. De quidos para não prejudicar o processo de
forma a reter a biomassa no sistema, compostagem. O sucesso dessa tipologia
impedindo que ela saia com o efluente, de tratamento depende diretamente de
a parte superior dos reatores apresenta quem realiza a manutenção do banheiro
uma estrutura, denominada separador e o manejo do material.
trifásico, que possibilita as funções de • Fossa verde: também é conhecida co-
separação e acúmulo de gás e de separa- mo bacia ou tanque de evapotrans-
ção e retorno dos sólidos. Assim, o pro- piração. Essa unidade trata apenas
cesso gera como subprodutos: o biogás esgoto proveniente do vaso sanitário.

676
SOLUÇÕES INDIVIDUAIS DE ESGOTAMENTO SANITÁRIO

Deve-se escavar o solo nas dimensões (ver p. 604). Essas soluções também podem
do tanque, impermeabilizada com es- ser combinadas, dependendo do volume e
trutura de alvenaria, ferrocimento da carga de poluentes, da área disponível e
ou lonas resistentes, como geomembra- do possível aproveitamento dos subprodu-
nas de PVC ou Pead, e construir uma tos gerados. Pode-se, por exemplo, utilizar
câmara central (recepção), com a insta- o biodigestor seguido de filtro anaeróbio e
lação de meias calhas de cimento pré- sistema alagado construído ou tanque sép-
-moldado perfurado, tijolos perfurados tico seguido de filtro e sumidouro.
ou pneus, para digestão inicial. Acima
dessa câmara, é colocada uma camada Capacitação e participação
filtrante de brita e areia grossa e, acima
dessa camada, plantação de bananeiras A escolha dessas soluções deve ser par-
e taiobas, geralmente. Para evitar o en- ticipativa, o que exige que a população
charcamento do solo em que as plantas esteja informada e capacitada em relação
estão é recomendável construir uma às atividades de manutenção e operação
barreira em volta do sistema e colocar das possibilidades de disposição final ou
palha, folhas secas ou serragem em aproveitamento do lodo, se for gerado, e
cima da camada de terra. Na maioria da disposição final do efluente, no solo ou
das vezes o esgoto rico em nutrientes corpo d’água, ou seu aproveitamento.
é totalmente absorvido pelas plantas e No PNSR,2 há fluxogramas de auxílio
não há necessidade de disposição final. a tomada de decisão sobre essas tecnolo-
Além disso, estudos já comprovaram gias de esgotamento sanitário para áreas
que as bananas e as taiobas podem ser rurais considerando disponibilidade hí-
consumidos sem necessidade de preo- drica e profundidade do lençol freático.
cupação com contaminação.5 Essas ferramentas podem ser utilizadas
• Biodigestor: é uma unidade de em consonância com outros materiais
tratamento versátil e pode ser para o planejamento desse eixo do sanea-
utilizado para tratar esgoto, águas fe- mento em áreas do município onde não é
cais, esterco fresco e resto de alimen- viável a utilização dos sistemas coletivos
tos ou a combinação de todos esses em de esgotamento sanitário.
um processo de codigestão. Essa uni- Apesar de muitas dessas soluções ainda
dade consiste em um compartimento não terem normas de dimensionamento,
fechado alimentado por esses dejetos são alternativas já utilizadas que me-
e um compartimento de armazena- lhoram a qualidade de vida das comu-
mento do biogás gerado, que, inclusi- nidades buscando melhores condições
ve, pode ser aproveitado como gás de de higiene e saúde, apresentando menor S
cozinha, por exemplo. Essa tecnologia demanda por recursos financeiros e con-
não exige manutenção frequente, mas tribuindo para a sustentabilidade local.
deve-se ter atenção na operação devi- Essas vantagens podem ser melhor com-
do à produção do biogás. preendidas na bibliografia utilizada.2, 5, 8
No planejamento municipal, aabe aos
Algumas dessas alternativas enquadram- gestores municipais estarem sempre em
-se no conceito de saneamento ecológico contato com a população buscando atender

677
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

às demandas dos sistemas por meio de me- ção eventuais e medidas estruturantes de
didas estruturais de manutenção e opera- capacitação técnica e acesso à informação.

Referências bibliográficas

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tir do Programa Nacional de Saneamento Rural (PNSR). Revista DAE, São Paulo, v.
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ro: IBGE, 2013.
4. ABNT. NBR 7229:1993. Projeto, construção e operação de sistemas de tanques sép-
ticos. Rio de Janeiro: ABNT, 1993.
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nidades isoladas: referencial para a escolha de soluções. Campi-
nas: Biblioteca/Unicamp, 2018. Disponível em: http://www.fec.unicamp.
br/~saneamentorural/?smd_process_download=1&download_id=563.
6. ABNT. NBR 13969:1997. Tanques sépticos – unidades de tratamento complemen-
tar e disposição final dos efluentes líquidos – projeto, construção e operação. Rio de
Janeiro: ABNT, 1997.
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nitário: recomendações para implantação e boas práticas de operação e ma-
nutenção. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2018. Dis-
ponível em: http://www.funasa.gov.br/documents/20182/39040/Cartilha_
Wetlands_construidos_aplicados_no_tratamento_de_Esgoto_Sanitario.pdf/
eaa0aa35-014c-43af-9f08-a86cd7c3c87e.
8. MS; FUNASA. CataloSan: catálogo de soluções sustentáveis de saneamen-
to – gestão de efluentes domésticos. Campo Grande: UFMS, 2018. Disponí-
vel em: http://www.funasa.gov.br/documents/20182/39040/CATALOSAN.pdf/
ab32c6fc-c7ee-406f-b2cd-7eba51467453.

Para saber mais

FUNASA. Manual de orientações técnicas para elaboração de propostas para o Pro-


grama de Melhorias Sanitárias Domiciliares. Brasília: Funasa, 2014.
FUNASA. Manual de saneamento. 4. ed. Brasília: Funasa, 2015. Disponível em:
http://www.funasa.gov.br/documents/20182/38564/Mnl_ Saneamento.pdf/
ae1d4eb7-afe8-4e70-ae9a-0d2ae24b59ea.
LOPES, I. C. S. Tratamento de esgoto na zona rural: diagnóstico participativo e apli-
cação de tecnologias alternativas. 2019. Tese (Doutorado em Engenharia Civil) – Fa-
culdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo, Universidade Estadual de

678
SUBSÍDIOS

Campinas, Campinas, 2019. Disponível em: http://repositorio.unicamp.br/jspui/


handle/REPOSIP/334429.
SILVA, B. B. et al. Evidenciando experiências positivas em saneamento básico: visões
do Programa Nacional de Saneamento Rural (PNSR). Revista DAE, São Paulo, v. 67,
n. 220, edição especial, 2019.

Autoria deste verbete

Fernanda Deister Moreira. Engenheira sanitarista e ambiental pela Universidade Fe-


deral de Juiz de Fora (UFJF). Mestranda em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos
Hídricos na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Lívia Cristina da Silva Lobato. Engenheira civil e doutora em Saneamento, Meio Am-
biente e Recursos Hídricos pela UFMG.

Fabiana Lopes Del Rei Passos. Doutora em Engenharia Ambiental pela Universitat Po-
litècnica de Catalunya (UPC), Espanha. Professora adjunta do Departamento de Enge-
nharia Sanitária e Ambiental da UFMG.

S
SUBSÍDIOS

Segundo a Lei de Saneamento Básico benefício. Um subsídio é um valor em


(11.445/2007), os subsídios são um ins- dinheiro que o governo estabelece ou
trumento econômico de política social subscreve para certas atividades, nor-
para garantir a universalização do aces- malmente que beneficiem ou que sejam
so a esse serviço, especialmente para de interesse do povo. Nos países em de-
populações e localidades de baixa renda. senvolvimento como o Brasil, a ausência
Esse objetivo mantém uma estreita rela- ou incapacidade dos mercados financei-
ção com outros estabelecidos na política ros de fornecer o capital necessário para
da área, como a sustentabilidade econô- cobrir os altos custos associados a inves-
mico-financeira dos serviços públicos de timentos em infraestrutura de sanea- S
saneamento básico (que tem a definição mento limita o uso de tarifas como fonte
da estrutura e da regulação tarifárias en- exclusiva de receita para a recuperação
tre seus pilares), e está fortemente ligado de custos. Mesmo nos países mais desen-
à conceituação do saneamento como uma volvidos, a recuperação de custos exclusi-
ferramenta de inclusão social. vamente pelo próprio usuário via tarifa
A palavra subsídio faz referência a pode não levar em conta o ônus que isso
um  auxílio, uma ajuda, um aporte, um causaria aos consumidores mais pobres.

679
EIXO 1 - ASPECTOS ECONÔMICO-FINANCEIROS

Nos últimos anos, organismos interna- de consumo, assegurando-se o subsídio dos


cionais como a Organização para a Coo- usuários de maior para os de menor poder
peração e Desenvolvimento Econômico aquisitivo, assim como dos grandes para os
(OCDE) passaram a defender os subsídios pequenos consumidores” (artigo 11).3
como uma das principiais estratégias pa- Atualmente, a importância legal e so-
ra a recuperação sustentável dos custos cial dos subsídios deriva da inclusão da
da prestação dos serviços de saneamento universalização, definida como a amplia-
básico.1 Portanto, dados seus custos de ção progressiva do acesso de todos os
investimento e operação, no Brasil, assim domicílios ocupados ao saneamento bási-
como na maioria dos países do mundo, os co, como princípio da Lei de Saneamento
subsídios públicos ou privados são uma Básico, de 2007. Os subsídios públicos es-
das principais fontes de financiamento tão contemplados nela como um “instru-
(ver p. 265) para o saneamento básico.2 mento econômico de política social para
garantir a universalização do acesso ao
Origem saneamento básico, especialmente para
populações e localidades de baixa renda”.
A figura dos subsídios foi instituída no Tais subsídios podem variar segundo as
Brasil pela Lei 6.528/1978, que estabele- características do beneficiário, a origem
ceu os critérios para a definição das ta- dos recursos e a distribuição geográfica
rifas dos serviços públicos de saneamen- do prestador do serviço (art. 31).
to a serem praticadas pelas companhias Em relação aos beneficiários, os subsí-
estaduais de Saneamento Básico – hoje dios diretos, à demanda ou conferidos aos
as principais prestadoras de serviços no consumidores buscam reduzir os preços e
país – no âmbito do Plano Nacional de o aumento da capacidade de pagamento
Saneamento (Planasa – 1971-1986). Es- dos usuários, normalmente por meio da
ta Lei foi regulamentada pelo Decreto aplicação de tarifas sociais; enquanto os
82.587/1978, que estabeleceu pela pri- subsídios indiretos, à oferta ou conferidos
meira vez a necessidade de levar em con- aos prestadores visam reduzir os custos de
sideração tanto a busca pela sustentabili- produção e aumentar a oferta dos serviços.
dade econômico-financeira das empresas No que diz respeito à fonte do financia-
de saneamento como o enfrentamento mento, os subsídios podem ser tarifário,
das desigualdades socioeconômicas da quando estão inseridos na estrutura ta-
sociedade brasileira para a cobrança di- rifária e resultam na existência de usuá-
ferenciada pela prestação destes servi- rios financiadores e financiados (subsídio
ços básicos. No seu artigo 10, o Decreto cruzado); ou fiscais, decorrentes da alo-
instituiu que “os benefícios dos serviços de cação de recursos do orçamento público,
saneamento básico serão assegurados a to- na forma de recursos não onerosos ou
das as camadas sociais, devendo as tarifas custo subsidiado, ou, ainda, subvenções.
adequar-se ao poder aquisitivo da população Segundo a distribuição geográfica, por
atendida, de forma a compatibilizar os as- fim, os subsídios podem ser internos,
pectos econômicos com os objetivos sociais” dentro de um mesmo titular dos serviços,
e que “as tarifas deverão ser diferenciadas ou entre localidades, nas hipóteses de
segundo as categorias de usuários e faixas gestão associada e prestação regional.4

680
SUBSÍDIOS

Ferramenta de direitos humanos A adoção de uma política de “subsídios


tarifários e não tarifários para os usuá-
A provisão de subsídios é também uma das rios e localidades que não tenham capaci-
principais ferramentas para a efetivação dade de pagamento ou escala econômica
dos direitos humanos a abastecimento de suficiente para cobrir o custo integral dos
água e esgotamento sanitário (Dhaes – ver serviços” (art. 29) está atrelada à susten-
p. 205), dado que exige salvaguardas no tabilidade econômico-financeira (ver p.
processo de fixação de tarifas e determina- 106) dos serviços públicos de saneamento
ção de subsídios – com base em renda, loca- básico, a qual deve ser “assegurada, sem-
lização geográfica ou tipo de acesso. A pro- pre que possível, mediante remuneração
clamação dos Dhaes pela Organização das que permita a recuperação dos custos dos
Nações Unidas (ONU), em 2010, impôs aos serviços prestados em regime de eficiên-
Estados nacionais a obrigação de garantir cia” (artigo 45 do Decreto 7.217/2010).
que o acesso a esses serviços seja financei- Assim, os subsídios constituem um dos
ramente acessível e atenda às necessidades principais mecanismos para a universali-
de indivíduos e grupos marginalizados e zação dos serviços de saneamento, visto
vulneráveis. A busca pela sustentabilidade que a falta de capacidade de pagamento
financeira em âmbito geral não deve levar a de alguns segmentos da população pode
situações nas quais os indivíduos não pos- restringir o seu acesso à infraestrutura,
sam pagar pelos serviços, especialmente inclusive nas localidades conectadas à
em tempos de crise econômica, quando po- rede. Por outro lado, dadas as profundas
pulações mais vulneráveis não conseguem desigualdades estruturais do Brasil, re-
arcar com serviços essenciais.5 fletidas na grande disparidade dos níveis
A Lei de Saneamento Básico também es- de desenvolvimento municipal, estadual
tabeleceu diretrizes para o exercício da fun- e regional, a adoção de políticas redistri-
ção de regulação do setor (ver p. 560), a qual butivas como fundos de universalização
pode ser delegada pelos titulares a qualquer (ver p. 277), subsídios e recursos a fundo
entidade reguladora constituída dentro dos perdido torna-se essencial para garantir
limites do respectivo estado e tem entre a universalização dos serviços de sanea-
seus principais objetivos “definir tarifas que mento e, nas últimas décadas, permitiu a
assegurem tanto o equilíbrio econômico e fi- expansão da infraestrutura ao longo do
nanceiro dos contratos como a modicidade tari- país. Porém, o setor continua se caracte-
fária, mediante mecanismos que induzam a efi- rizando pela insuficiência de investimen-
ciência e eficácia dos serviços e que permitam tos e pelo uso de tarifas – em vez do orça-
a apropriação social dos ganhos de produtivi- mento público – como principal fonte de
dade” (art. 22). O ente regulador também é financiamento, ainda que estas tenham S
responsável por definir as normas relativas se mostrado insuficientes para cumprir o
às dimensões técnica, econômica e social de desafio de universalizar os serviços.6
prestação dos serviços, incluindo “regime,
estrutura e níveis tarifários, bem como os Tarifa social
procedimentos e prazos de sua fixação, re-
ajuste e revisão”, bem como os “subsídios Um estudo recente sobre 23 empresas
tarifários e não tarifários” (art. 23). estaduais de saneamento no Brasil cons-

681
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

tatou que, ainda que exista grande di- do país, à luz dos princípios norteadores
versidade na estrutura tarifária das em- da Lei de Saneamento Básico – univer-
presas, a maioria contempla a cobrança salidade, equidade, integralidade, inter-
de uma tarifa residencial social (mais setorialidade e qualidade –, constatou
baixa) para a prestação dos serviços de que apenas oito planos analisaram ou
água e esgotamento sanitário para as criaram tarifa social e/ou subsídio para
populações de baixa renda, cuja média os usuários de baixa renda e somente
varia entre R$ 0,89 por metro cúbico (m3) um município (Alagoinhas, BA) propôs a
e R$ 10,44/m3 para o consumo de água e criação de uma tarifa social popular com
de R$ 0,44/m3 a R$ 10,27/m3 para coleta valor simbólico (no caso, R$ 1,00) como
e tratamento de esgoto. solução para a inclusão da população ca-
As diretrizes para elaboração do pla- rente com vistas à universalização efeti-
nejamento municipal de saneamento va dos serviços de saneamento básico.8
contemplam os subsídios como parte da Ainda que a política de subsídios – como
sustentabilidade social da prestação dos parte das condições de sustentabilidade
serviços de saneamento básico, uma vez econômico-financeira– esteja sujeita às
que estabelece como um dos seus princí- normas de regulação e fiscalização dos
pios “utilizar tecnologias apropriadas e so- contratos de concessão para a prestação
luções graduais e progressivas, considerando de serviços de saneamento básico, as de-
a sustentabilidade ambiental e a capacidade ficiências relativas à aplicação efetiva dos
de pagamento dos usuários que, segundo subsídios ao longo do território brasileiro
a legislação, não pode ser impeditiva para têm sido associadas à ausência de um ór-
atingir as metas de universalização”.7 Po- gão regulador no nível nacional, à falta de
rém, além da falta de especificidade com capacidade de gestão da maioria das agên-
relação à operacionalização desses prin- cias reguladoras municipais e estaduais e
cípios, a única referência aos subsídios ao fato de que, de modo geral, as diretrizes
trata da forma como deve se dar a ade- de regulação tarifária (ver p. 560) defini-
quação dos mecanismos de cobrança e de das pela Lei 11.445 – da qual fazem parte
remuneração dos serviços para garantir os subsídios – ainda não foram implemen-
as condições de sustentabilidade econô- tadas.9 Esta situação é mais um dos desa-
mico-financeira dos serviços, a qual é de fios que os municípios deverão enfrentar
responsabilidade do ente fiscalizador no momento de elaboração do planeja-
designado pelo titular dos serviços, ge- mento da área para garantir a universali-
ralmente o município. Neste sentido, a zação do acesso e para que o saneamento
escolha do método de financiamento do seja de fato um instrumento efetivo de in-
saneamento influencia significativamen- clusão social e econômica de todas as po-
te o efeito redistributivo da política pú- pulações que habitam seu território.
blica nesta área, pois implica uma decisão
acerca de quem deve pagar, bem como as Subsídios na mudança
diversas modalidades de subsídios. do marco regulatório
Uma análise recente de 18 planos mu-
nicipais de saneamento básico abran- A aprovação do Projeto de Lei 14.026 de
gendo cinco macrorregiões e 14 estados 2020, que atualizou a LNSB, trouxe mu-

682
SUBSÍDIOS

danças significativas que impactarão as tual utilizado pelas Cesbs, impossibilita-


políticas de subsídios no setor de sanea- rá a atual política de subsídios cruzados.
mento. A principal modalidade adotada Durante o processo de discussão da atu-
atualmente é a de subsídios cruzados alização da legislação surgiram diversas
nas tarifas aplicadas pelas Companhias críticas ao fim do subsídio cruzado (Nota
Estaduais de Saneamento (Cesbs). Exis- Conjunta). A resposta dada pelo Congres-
tem diversas críticas ao atual modelo, so Nacional a essa questão foi incluir o es-
especialmente devido ao fato de que ele tímulo a criação de blocos regionais. Tais
não é transparente, ou seja, não é pos- blocos devem ser criados pelos Estados
sível identificar se os que necessitam e aprovados em Lei Complementar pelas
de subsídio estão recebendo recursos Assembleias Legislativas. No entanto, a
de quem pode subsidiar. Em muitos ca- criação de blocos demanda uma modela-
sos, os pobres de municípios mais ricos gem que deve equacionar diversos crité-
podem subsidiar os ricos de municípios rios, como porte e nível socioeconômico
mais pobres, evidenciando as possíveis da população, modalidade de prestação
distorções deste modelo14. de serviços e existência de contratos, e
A atualização da legislação abarca compartilhamento de infraestrutura, en-
mudanças significativas no que tange à tre outros. Diante da incerteza que per-
política de subsídios. A vedação da pos- meia a definição da política de subsídios,
sibilidade de assinatura de contratos de é fundamental colocar a garantia dos
programa, principal instrumento contra- Dhaes como seu objetivo principal.

Referências bibliográficas

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ris: OECD Publishing, 2009. Disponível em: https://www.oecd.org/env/42350563.pdf.
Acesso em: 12 jan. 2020.
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nasa, 2014.
3. BRASIL. Decreto nº 82.587, de 6 de novembro de 1978. Regulamenta a Lei nº 6.528,
de 11 de maio de 1978, que dispõe sobre as tarifas dos serviços públicos de saneamento.
4. COSSENZO, C. L. Tarifa social dos serviços de abastecimento de água e esgotamen-
to sanitário no Distrito Federal. 2013. Dissertação (Mestrado Profissional em Saúde
Pública) – Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz,
Rio de Janeiro, 2013. Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/24325.
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em: http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/_Ato2007-2010/2007/Lei/L11445.htm.
6. CAMPOS, L. Política de subsídios e universalização. Abastecimento de água e esgota-
mento sanitário: pré-diagnóstico e desafios. Abes; BID, 2014. (Projeto de Regulação do
Setor de Água e Saneamento). Disponível em: http://abes-dn.org.br/regulacao/arqs/par-
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7. ARAUJO, F. C.; BERTUSSI, G. L. Saneamento básico no Brasil: estrutura tarifária e regu-

683
EIXO 1 - ASPECTOS ECONÔMICO-FINANCEIROS

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and sanitation. A/HRC/30/39, 2015. New York: UN, 2015. Disponível em: https://un-
docs.org/A/HRC/30/39.
9. GALVÃO JUNIOR, A. C. Desafios para a universalização dos serviços de água e esgoto
no Brasil. Revista Panamericana de Salud Publica, v. 25, n. 6, p. 548–556, 2009.
10. CUNHA, A. S. Saneamento básico no Brasil: desenho institucional e desafios fede-
rativos. Rio de Janeiro: Ipea, 2011. (Texto para Discussão, n. 1.565.) Disponível em:
http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/1338/1/TD_1565.pdf.
11. MS; FUNASA. Termo de referência para elaboração de plano municipal de sa-
neamento básico. Brasília: Funasa, 2018. Disponível em: http://www.funasa.gov.br/
termo-de-referencia-tr-para-pmsb.
12. PEREIRA, T. S.; HELLER, L. Planos municipais de saneamento básico: avaliação de
18 casos brasileiros. Engenharia Sanitária e Ambiental, Rio de Janeiro v. 20, n. 3, p.
395-404, 2015.
13. MELO, A. J. M.; GALVÃO JÚNIOR, A. C. Regulação e universalização da
prestação dos serviços de abastecimento de água. Paranoá, n. 10, p. 49-57, 2013.
14. QUEIROZ, V. C. Uma análise dos fundos como instrumento para a universalização
do saneamento: aplicação no Estado de Minas Gerais. 2016. Dissertação (Mestrado em
Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos) – Escola de Engenharia, Universida-
de Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2016.
15. ABM; AESBE; ASSEMAE; FNU; FNP; FNSA; FENATEMA; ISP; ONDAS. No-
ta sobre o PL 3261 que revisa o marco legal do saneamento. Página web do
Ondas. Ondas, 26 de junho de 2019. Disponível em: https://ondasbrasil.org/
nota-sobre-o-pl-3261-que-revisa-o-marco-legal-do-saneamento.

Para saber mais

MOTTA, R. S. Questões regulatórias do setor de saneamento no Brasil. Rio de Janeiro:


Ipea, 2004. Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/5825/1/
NT_n05_Questoes-regulatorias-setor-saneamento_Dimac_2004-jan.pdf.
MS; FUNASA. Política e plano municipal de saneamento básico: convênio Funasa/
Assemae. 2 ed. Brasília: Funasa, 2014. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/
bvs/publicacoes/politica_plano_municipal_saneamento_basico_2_ed.pdf

Autoria deste verbete

Gisela P. Zapata. Doutora em Geografia Humana pela Universidade de Newcastle (Ingla-


terra). Professora do Departamento de Demografia e pesquisadora do Centro de Desen-
volvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da UFMG.

Vitor Carvalho Queiroz. Engenheiro civil e mestre em saneamento, meio ambiente e re-
cursos hídricos pela UFMG. Possui experiência, principalmente, com políticas públicas e
gestão de saneamento e recursos hídricos.
684
SUSTENTABILIDADE

S
SUSTENTABILIDADE

O conceito de sustentabilidade será relações entre sociedade e natureza e


abordado pelos pilares da economia, preconiza a interação de forma harmo-
da sociedade e do ambiente. Conside- niosa dos fatores de produção – trabalho,
rado como um dos princípios do Pla- capital e recursos naturais e ambientais.
no Nacional de Saneamento Básico,1 Evoca, portanto, uma visão idealista
o conceito tem sido incorporado nas muito distante do nosso mundo da ex-
agendas nacional e internacional como ploração homem-natureza. Este conceito
peça fundamental no processo de uni- está intrinsecamente associado à capa-
versalização do acesso aos serviços e cidade de suporte do planeta Terra, a
demais princípios do saneamento bási- qual “está associada ao limite de utiliza-
co no Brasil, assim como os desafios que ção de um determinado meio (ecossiste-
este impõe à gestão, ao monitoramento ma) sem que as suas propriedades sejam
e à avaliação destes serviços, de forma a perturbadas ao ponto de comprometer a
garantir sua eficiência. regeneração natural.”3 O atual modelo
A sustentabilidade questiona como po- de desenvolvimento acarreta sucessi-
demos viver em harmonia com o ambien- vas crises de ordem política, econômica
te, protegendo-nos de danos e destruição e socioambiental, que podem causar dis-
na busca pela emancipação humana, tanciamento da sustentabilidade.
preservando os ecossistemas e as rela- Os três pilares que integram o concei-
ções ecológicas promotoras da vida. As- to, pessoas-planeta-prosperidade, são
sim, essa noção está diretamente ligada um reconhecimento de que a primazia
aos padrões de produção e de consumo da visão economicista do meio ambien-
de bens e serviços necessários para satis- te ignora as complexas interações entre
fazer um determinado modo de vida da estes. Tal entendimento surgiu da preo-
sociedade. Ela pressupõe um alerta per- cupação com o uso racional das florestas
manente entre o grau de progresso mate- na Alemanha em meados do século 16,2
rial e a proteção da natureza. mas ganhou relevância mundial no âm-
bito da Conferência das Nações Unidas
Equilibrar-se, proteger, nutrir... sobre o Ambiente Humano, a Conferên- S
cia de Estocolmo, de 1972, e subsequen-
A origem da palavra está no latim sus- temente com a publicação, em 1987, do
tentare, que significa equilibrar-se, man- Relatório Brundtland (Nosso Futuro Co-
ter-se, conservar-se e também alude às mum), da Comissão Mundial sobre Meio
ações para proteger, nutrir, alimentar, Ambiente e Desenvolvimento, criada
fazer prosperar, subsistir.2 Assim, a sus- pela Organização das Nações Unidas
tentabilidade traz à tona as complexas (ONU) em 1983.

685
EIXO 1 - ASPECTOS ECONÔMICO-FINANCEIROS

A sustentabilidade e as políticas bem de uso comum do povo e essencial à


ambientais no Brasil sadia qualidade de vida, impondo-se ao
Poder Público e à coletividade o dever de
No Brasil, a preocupação com a relação defendê-lo e preservá-lo para as presen-
sociedade-ambiente começou a ser insti- tes e futuras gerações”.7
tucionalizada a partir da criação da Po-
lítica Nacional de Meio Ambiente (PN- Conciliação entre gerações
MA) e do Conselho Nacional de Meio
Ambiente (Conama), órgão consultivo e Ao prescrever o atendimento das neces-
deliberativo do Sistema Nacional do Meio sidades atuais da humanidade sem com-
Ambiente (Sisnama), instituído pela Lei prometer a capacidade das futuras gera-
6.938/1981. ções de fazerem o mesmo, o conceito de
O Conama é composto por desenvolvimento sustentável introduz a
representantes dos governos federal, noção de conciliação intergeracional en-
estadual e municipal, e de entidades em- tre desenvolvimento e meio ambiente. Tal
presariais e da sociedade civil, e tem co- modelo é entendido “não como um estado
mo finalidade auxiliar na definição das de equilíbrio, mas como um processo
diretrizes, políticas e programas de go- de mudança em que o uso de recursos, a
verno em prol da proteção ambiental e direção de investimentos, a orientação
do uso sustentável dos recursos naturais do desenvolvimento tecnológico e as
por meio do estabelecimento de normas, mudanças institucionais concretizam o
critérios e padrões relativos à qualidade potencial de atendimento das necessidades
da água, do ar e dos solos, à gestão de humanas do presente e do futuro”.8
resíduos sólidos e ao licenciamento am- Neste sentido, ideias relacionadas a
biental, inclusive para obras de sanea- uma distribuição mais equitativa dos
mento básico, dentre outros.4 Apesar de custos e benefícios do desenvolvimento
ser o principal fórum deliberativo e par- (dentro e entre gerações e classes sociais,
ticipativo em matéria de meio ambiente entre países desenvolvidos e em desen-
no Brasil, o Conama apresenta limitações volvimento etc.) estão na pauta de dis-
que são alvo de debate no que diz respeito cussões na arena internacional. Subse-
à participação (ver p. 424), ao controle so- quentemente, o conceito foi consolidado
cial (ver p. 156) e à capacidade para acom- oficialmente na maior conferência am-
panhar e fiscalizar a implementação das biental da história, a Conferência das Na-
suas resoluções.5 Esse quadro foi agra- ções Unidas sobre Meio Ambiente e De-
vado pela recente redução do número de senvolvimento (Cúpula da Terra), realiza-
membros (de 96 para 23), especialmente da no Rio de Janeiro em 1992 e por isso
da sociedade civil.6 também conhecida como Rio-92 ou Eco-
A Constituição Federal de 1988 aporta 92. É o princípio estruturante dos Objeti-
uma base legal importante para a prote- vos de Desenvolvimento Sustentável, que
ção ambiental e a qualidade de vida da constituem o eixo da Agenda 2030 para
população brasileira, dispondo no seu ar- o desenvolvimento e foram acordados pe-
tigo 225 que “todos têm direito ao meio la comunidade internacional, em 2015.
ambiente ecologicamente equilibrado, O Brasil é um dos países signatários da

686
SUSTENTABILIDADE

Agenda, logo tem que estabelecer políti- 11.445/2007, estão em consonância com
cas públicas para o cumprimento de seus os ODS, principalmente no que se refere a:
objetivos e metas.
Os ODS abordam diretamente os de- • integralidade, compreendida como
safios do saneamento no seu objetivo 6, o conjunto de todas as atividades e
que busca “assegurar a disponibilidade componentes de cada um dos diversos
e a gestão sustentável da água e esgota- serviços de saneamento básico, propi-
mento sanitário para todas e todos até ciando à população o acesso na confor-
2030”. Por meio de suas oito metas, os midade de suas necessidades e maximi-
recursos hídricos e os serviços a eles as- zando a eficácia das ações e resultados;
sociados são colocados no centro do de- • adoção de métodos, técnicas e proces-
senvolvimento sustentável e de suas di- sos que considerem as peculiaridades
mensões ambiental, econômica e social.9 locais e regionais;
Neste sentido, a universalização dos ser- • articulação com as políticas de desenvol-
viços de saneamento tem um valor tanto vimento urbano e regional, de habitação,
intrínseco como instrumental por ser en- de combate à pobreza e de sua erradica-
tendido como um elemento fundamental ção, de proteção ambiental, de promoção
nos esforços mundiais de erradicação da da saúde e outras de relevante interesse
pobreza e redução das desigualdades, social voltadas para a melhoria da quali-
na garantia da dignidade humana e na dade de vida, para as quais o saneamento
busca do crescimento econômico com básico seja fator determinante;
sustentabilidade ambiental. A adequa- • utilização de tecnologias apropriadas,
ção das metas globais à realidade brasi- considerando a capacidade de paga-
leira, assim como a definição e o moni- mento dos usuários e a adoção de solu-
toramento de indicadores para o alcance ções graduais e progressivas.1
dos objetivos e metas subscritos pelo pa- • Assim como os ODS, a Lei de Sanea-
ís, são de responsabilidade da Comissão mento Básico propõe uma visão mais
Nacional para os ODS. A instância cole- integral de como pode ser a articulação
giada paritária, de natureza consultiva, do saneamento com outras dimensões
foi criada pelo Decreto 8.892/2016, com e políticas públicas nos âmbitos social,
a finalidade de internalizar, difundir e político, econômico e ambiental, incor-
dar transparência ao processo de imple- porando, ainda que indiretamente, o
mentação da Agenda 2030 no Brasil e de conceito de sustentabilidade.
conduzir o processo de articulação, a mo-
bilização e o diálogo entre os entes fede- Predomínio econômico-financeiro
rativos e a sociedade civil.10 S
De modo geral, a sustentabilidade deve
A sustentabilidade e os serviços se traduzir na adequação dos serviços de
de saneamento no Brasil saneamento à realidade local por meio de
tecnologias e processos que estejam de
Os princípios norteadores para a presta- acordo com as características de cada mu-
ção dos serviços públicos de saneamen- nicípio e que possam ser apropriados pelo
to básico no Brasil, estabelecidos na Lei poder público e pela população local. Po-

687
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

rém, a Lei 11.445/2007, ainda que inova- princípios desses instrumentos de pla-
dora com relação às normativas anterio- nejamentos “utilizar tecnologias apro-
res, limita-se a estabelecer explicitamen- priadas e soluções graduais e progres-
te o princípio legal de sustentabilidade sivas, considerando a sustentabilidade
econômico-financeira como uma das ambiental e a capacidade de pagamento
bases da prestação dos serviços públicos dos usuários que, segundo a legislação,
de saneamento básico no país. Tal susten- não pode ser impeditiva para atingir as
tabilidade deve ser “assegurada, sempre metas de universalização”.11 Porém, há
que possível, mediante remuneração que muitos impasses com relação à opera-
permita a recuperação dos custos dos ser- cionalização desses pressupostos– eles
viços prestados em regime de eficiência” atingem, por exemplo, a adequação das
(art. 45 do Decreto 7.217/2010). formas de cobrança e de remuneração
Ou seja, na legislação nacional, a pre- dos serviços para as condições de sus-
ocupação com a sustentabilidade está tentabilidade econômico-financeira
principalmente vinculada à questão estabelecidas pela lei; a política de sub-
econômico-financeira. Esta, por sua vez, sídios (ver p. 679); e a fiscalização dos
liga-se diretamente à regulação (ver p. indicadores administrativos, operacio-
560) e à política tarifária (ver p. 32), nais e de qualidade dos serviços.
ainda que se abra espaço para que a co- A partir do referencial de outro princípio
brança pelo serviço não comprometa sua do Plano Nacional de Saneamento Básico
universalização sob pena de prejudicar (Plansab – ver p. 457), a intersetoria-
as famílias que não possuem capacidade lidade, a sustentabilidade das ações na
de pagamento. Neste sentido, há uma área deve se ampliar para além dos seus
preocupação com relação ao impacto componentes básicos, dialogando com a
direto na renda familiar da população abordagem e desafios do saneamento am-
e nos esforços em torno da redução das biental (ver p. 577), incorporando ações
desigualdades existentes no acesso a integradas com as políticas públicas de
serviços de saneamento no país. A Lei recursos hídricos, com as políticas de
estabelece requisitos legais para tal fim agricultura para o desenvolvimento rural
e propõe políticas de cobrança e de re- sustentável e com o saneamento enquan-
muneração de acordo com as caracterís- to instrumento da erradicação da pobreza
ticas de cada um dos componentes do extrema e promotor da saúde12 e da vida.
saneamento básico. Essas ações de abrangência nacional de-
vem ser territorializadas nos municípios,
Compreensão alargada em especial para as populações do campo,
em âmbito municipal da floresta e das águas (ver p. 499), que
exercem modos de vida e relação com a
Especificamente no âmbito dos planos natureza de forma específicas.
municipais de Saneamento Básico (PMS- A sustentabilidade é uma peça funda-
Bs – ver p. 450), também é contempla- mental para o alcance da universaliza-
da a sustentabilidade ambiental e, ção do acesso aos serviços de saneamen-
indiretamente, a sustentabilidade so- to, assim como a gestão, a eficiência, o
cial quando se estabelece como um dos monitoramento e a avaliação destes ser-

688
SUSTENTABILIDADE

viços. Porém, apesar dos avanços norma- mente pela fragmentação, pela setoria-
tivos, na prática é difícil avaliar se, do lização e pela insuficiência de recursos
ponto de vista qualitativo, as soluções e financeiros para as ações estruturais e
serviços de saneamento prestados estão estruturantes. Tais problemas somam-
respeitando os princípios norteadores -se à falta de coordenação entre as dife-
de universalização, integralidade, efici- rentes estruturas e órgãos de decisão e
ência e sustentabilidade, principalmen- planejamento da administração pública
te em decorrência da limitação de dados, e à falta continuidade dos organismos e
especialmente no nível municipal.12 A instrumentos normativos e econômicos
sustentabilidade dos serviços de sanea- para a gestão dos serviços de saneamen-
mento tem se visto ameaçada principal- to ao longo da história do país.

Referências bibliográficas

1. BRASIL. Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007. Estabelece as diretrizes nacionais para


o saneamento básico, cria o Comitê Interministerial de Saneamento Básico. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/_Ato2007-2010/2007/Lei/L11445.htm.
2. BOFF, L. Sustentabilidade: o que é – o que não é. Petrópolis: Vozes, 2017.
3. BURSZTYN, M. A.; BURSZTYN, M. Fundamentos de política e gestão ambiental:
os caminhos do 
desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: Garamond, 2012. p. 54.
4. MMA. Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA. Página web do MMA.
Disponível em: http://www2.mma.gov.br/port/conama. Acesso em: 26 ago. 2019.
5. FONSECA, I.; MOURA, A. Processo político e decisório no âmbito do Conselho
Nacional do Meio Ambiente (Conama) – relatório de pesquisa. Brasília: Ipea, 2011.
6. BRASIL. Decreto nº 9.806, de 28 de maio de 2019. Altera o Decreto nº 99.274, de
6 de junho de 1990, para dispor sobre a composição e o funcionamento do Conselho
Nacional do Meio Ambiente (Conama).
7. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm.
8. WCED. Our common future. Oxford; New York: Oxford University Press, 1987.
p. 10-11.
9. ONU. Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Disponível em: https://
nacoesunidas.org/pos2015. Acesso em: 26 ago. 2019.
10. IPEA. Metas nacionais dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Brasília:
Ipea, 2018. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/li-
vros/livros/180801_ods_metas_nac_dos_obj_de_desenv_susten_propos_de_ade- S
qua.pdf. Acesso em: 26 ago. 2019.
11. MS; FUNASA. Termo de referência para elaboração de plano municipal de sane-
amento básico. Brasília: Funasa, 2018. Disponível em: http://www.funasa.gov.br/
termo-de-referencia-tr-para-pmsb.
12. MS; FUNASA. Programa Nacional de Saneamento Rural. Brasília: Funasa,
2019. Disponível em: http://www.funasa.gov.br/documents/20182/38564/MNL_
PNSR_2019.pdf/08d94216-fb09-468e-ac98-afb4ed0483eb.

689
EIXO 5 - ESGOTAMENTO SANITÁRIO

Para saber mais

MMA. Agenda ambiental na administração pública. 5. ed. Brasília: MMA, 2009. Dispo-
nível em: https://www.mma.gov.br/estruturas/a3p/_arquivos/cartilha_a3p_36.pdf.
SEBRAE. Sustentabilidade. 2. ed. Cuiabá: Sebrae, 2015. Disponível em: http://www.
bibliotecas.sebrae.com.br/chronus/ARQUIVOS_CHRONUS/bds/bds.nsf/e497ff4a-
1c69a5a1f31fe4b23d330a34/$File/6017.pdf.
GRAMKOW, C. O Big Push Ambiental no Brasil: investimentos coordenados para um
estilo de desenvolvimento sustentável. São Paulo: FES, 2019. (Perspectivas, n. 20).
Disponível em: https://repositorio.cepal.org/bitstream/handle/11362/44506/1/
S1900163_pt.pdf.
PLATAFORMA AGENDA 2030. Disponível em: http://www.agenda2030.com.br/.
RODRIGUES ALVAREZ, A.; MOTA, J. (org.). Sustentabilidade ambiental no Brasil:
biodiversidade, economia e bem-estar humano. Brasília: Ipea, 2010. Disponível em:
http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/livros/livros/livro07_sustenta-
bilidadeambienta.pdf.

Autoria deste verbete

Gisela P. Zapata. Doutora em Geografia Humana pela Universidade de Newcastle (In-


glaterra). Professora do Departamento de Demografia e pesquisadora do Centro de De-
senvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da UFMG.

Vitor Carvalho Queiroz. Engenheiro civil e mestre em saneamento, meio ambiente e


recursos hídricos pela UFMG. Possui experiência, principalmente, com políticas públi-
cas e gestão de saneamento e recursos hídricos.

S
SUSTENTABILIDADE NO ESGOTAMENTO SANITÁRIO

A sustentabilidade, palavra originada de dutiva: fornecedores de insumos e/ou


“sustentável”, do latim sustentare, remete equipamentos; órgãos governamentais
a sustentar, apoiar, conservar. No âmbito normativos e reguladores; empresas de
do planejamento municipal, a sustenta- infraestrutura, consultorias ou prestado-
bilidade deve ser o pilar estratégico com res diretos de serviços; organizações não
suas diversas dimensões. Para tal, há que governamentais (ONGs), também deno-
se levar em consideração a grande teia minadas organizações da sociedade civil;
que envolve o setor saneamento, com as usuários; e serviços municipais e estadu-
seguintes dimensões em sua cadeia pro- ais de saneamento.

690
SUSTENTABILIDADE NO ESGOTAMENTO SANITÁRIO

Esta cadeia nos leva às dimensões terfaces com os outros ODS.2 Os servi-
que a sustentabilidade deve abarcar nos ços de saneamento são essenciais para a
âmbitos institucional, socioambiental e garantia da saúde pública, da qualidade
econômico-financeiro. Em relação ao ei- ambiental e, consequentemente, de qua-
xo institucional, a sustentabilidade sig- lidade de vida adequada.
nifica que conexões orgânicas devem ser Em relação aos serviços de esgotamen-
criadas entre os participantes da cadeia, to sanitário, há ainda um enorme déficit
ou seja, que eles entendam que fazem de cobertura por coleta e tratamento,
parte de um núcleo com interesses em em grande parte dos municípios e, geral-
comum, para que haja continuidade dos mente com o lançamento de esgoto bru-
serviços de saneamento independente- to no meio ambiente. Assim, planejan-
mente das mudanças administrativas. do com o enfoque da sustentabilidade,
No quesito socioambiental, a parti- além da ampliação dos serviços de coleta
cipação de todos os atores é muito im- de esgoto, é fundamental implemen-
portante e deve ser criado um ambiente tar, bem como gerir de forma apropria-
de colaboração para que o setor esteja da, sistemas de tratamento eficientes e
cada vez mais em expansão. No âmbito sustentáveis. 3 A defecação a céu aberto
econômico-financeiro deve haver cria- sendo substituída dignamente, evita
ção de parcerias e contratos para delimi- problemas graves, em particular os rela-
tar responsabilidades e a não dependên- cionados a gênero e saúde. A adoção de
cia de um só financiador ou recurso. tecnologias apropriadas à realidade lo-
cal, com envolvimento direto do público
Qualidade ambiental a ser alcançado, aumenta a chance de os
sistemas serem adequadamente opera-
De acordo com o Plano Nacional de Sa- dos e mantidos, cumprindo os objetivos
neamento Básico (Plansab – ver p. 457), para os quais foram instalados.
a sustentabilidade dos serviços de sa- Ademais, no tocante ao esgotamen-
neamento está associada à melhoria da to sanitário, é essencial uma mudança
qualidade ambiental, à relação com os de paradigma que envolva a população
usuários– tanto no âmbito da percepção não apenas como usuários/consumidores
quanto da aceitabilidade, propiciando a dos serviços, mas como sujeitos/
promoção da gestão democrática e par- protagonistas, tornando-os parte do
ticipativa – e à viabilidade econômica problema e da solução. O que une essas
dos serviços.1 Todas as dimensões do sa- duas pontas, sem arestas, é o princípio
neamento devem trabalhar nos três eixos da economia circular, em que o esgoto é
da sustentabilidade: institucional, socio- visto como insumo de um processo produ- S
ambiental e econômico-financeiro. tivo. Nele, além da produção do efluente
Nos Objetivos de Desenvolvimento tratado e/ou água para reúso, são gera-
Sustentável, a vertente “saneamento” é dos dois subprodutos principais, lodo e
abordada especificamente por meio do biogás,4 os quais tem elevado potencial de
ODS 6 – assegurar a disponibilidade e aproveitamento, promovendo assim a re-
gestão sustentável da água e saneamen- dução de impactos no meio ambiente e tor-
to para todos. Contudo, há estreitas in- nando os serviços financeiramente mais

691
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

acessíveis. Desta forma, contribui-se para do em consideração apenas a legislação de


a ampliação do acesso, com a perspectiva proteção das coleções hídricas. Ademais,
da universalização dos serviços de esgo- a maioria das ETEs no Brasil apresen-
tamento sanitário e do avanço na redução ta algum tipo de deficiência de projeto,
das desigualdades sociais. construção e/ou operação, que podem
ocasionar, entre outros, os seguintes
Elementos para tomada de decisão problemas: elevação dos custos do trata-
mento; perda de eficiência e não cumpri-
Para sistemas individuais ou semi- mento da legislação ambiental; emissão
coletivos de esgotamento sanitário, a de gases odorantes, com impactos para os
tomada de decisão na escolha da tec- operadores e para a população do entorno
nologia deve levar em consideração a da ETE; emissão de gases de efeito estu-
disponibilidade de água no domicílio, a fa; envio de lodo para aterros sanitários,
profundidade do lençol freático, tipo de acarretando uma diminuição na vida útil
solo, clima, densidade demográfica, área destes e emissão de gases de efeito estufa;
disponível, aspectos socioeconômicos e e baixa eficiência energética.
culturais, custo-benefício e possibilida- Por outro lado, embora o efluente tra-
de de aproveitamento dos subprodutos tado e/ou água para reúso, lodo e biogás
gerados no tratamento, como o lodo, o apresentem elevado potencial de aprovei-
biogás e o próprio efluente. Ademais, tamento, os esforços nesse sentido são
é necessário levar em consideração os incipientes e, quando realizados, ocorrem
princípios da aceitabilidade e da acessi- de forma desarticulada. Depreende-se
bilidade financeira (ver p. 23). daí a importância de uma mudança es-
Em tais sistemas, é importante ter a trutural da visão acerca da função de uma
possibilidade de adoção de soluções de sa- ETE, de simples condicionadora de esgoto
neamento ecológico (ver p. 604), alinhados para a disposição final mais segura, para
com a agroecologia (ver p. 40), buscando a uma fornecedora de recursos e geradora
soberania alimentar. E, caso seja possível, de receitas.4 Ademais, não basta imple-
criar instâncias locais com responsabili- mentar novas ETEs – elas necessitam ser
dade de apoiar na operação e manutenção concebidas e operadas de forma duradou-
dos serviços, que é feita pela comunidade ra, adequada e cumprindo eficientemente
em âmbito domiciliar.5 É imprescindível e de maneira sustentável seus objetivos.
nessas situações a respectiva contraparti- No atual cenário de limitação de recur-
da desses serviços prestados pela própria sos naturais, as ETEs sustentáveis devem
comunidade, beneficiando, por exemplo, produzir recursos e não rejeitos. Nesse
incentivos tarifários dos serviços. contexto, uma ETE passaria a ser mais
Nos sistemas coletivos de esgotamento um elemento de planejamento local, ade-
sanitário, de maneira geral, as estações quada às características e realidades par-
de tratamento de esgoto (ETEs) conven- ticulares, permitindo à população perce-
cionais apresentam fluxogramas de trata- ber seus benefícios de forma mais direta
mento que consideram o lançamento do e, inclusive, podendo contribuir para o
efluente tratado em um corpo d’água re- desenvolvimento e a melhoria da econo-
ceptor e, portanto, são concebidas levan- mia em seu entorno.4

692
SUSTENTABILIDADE NO ESGOTAMENTO SANITÁRIO

Presença do poder público Indicadores relacionados ao uso res-


ponsável de recursos naturais também
O poder público deve estar presente podem ser monitorados, em vista de acom-
apoiando o planejamento, fomentando panhar a sustentabilidade dos serviços de
tecnologias que favoreçam a gestão dos saneamento, como: consumo de água per
serviços, promovendo a qualificação capita (ver p. 133), índice de perdas no sis-
dos trabalhadores do saneamento e dos tema, existência de práticas de reúso pelos
gestores no âmbito municipal, estadual usuários, monitoramento da eficiência dos
e federal, articulando ações de educa- sistemas de tratamento de esgoto.7
ção continuada em saneamento e saúde O planejamento municipal deve con-
e incentivando a participação da popu- templar não somente as medidas estru-
lação nas decisões.6 É essencial que os turais, sempre traduzidas como as obras
prestadores de serviços apresentem de infraestrutura, mas também as medi-
indicadores de cumprimento do que foi das estruturantes, aquelas relacionadas
planejado, que haja transparência nos a melhoria da gestão, capacitação técnica
dados, e que as dificuldades vivencia- de funcionários, educação em saneamen-
das sejam objeto de busca coletiva para to e melhoria na prestação de serviços.
suas soluções. É essencial, ainda, prever e propiciar
O planejamento municipal deve ser espaços que permitam uma gestão de-
avaliado e revisto, envolvendo prestado- mocrática e participativa, envolvendo
res/titulares e o público alcançado com a comunidade no planejamento munici-
os serviços, em audiências públicas, am- pal. Esse processo deve definir as diver-
plamente convocadas e acessíveis, a par- sas possibilidades de cobrir os custos do
tir de apresentação dos relatórios que serviço de esgotamento sanitário, sem-
tenham como base o alcance da susten- pre levando em conta tratar-se de um
tabilidade em suas diversas dimensões. direito humano e de um dever do Esta-
As audiências não excluem a previsão de do por meio dos seus diversos entes fe-
uma ouvidoria, reuniões intermediárias derados. O conhecimento da demanda e
com a comunidade e serviços de atendi- da realidade objetiva de cada município
mento ao público, comunicação em redes é elemento central para se alcançar de
sociais, dentre outras possibilidades de maneira sustentável a universalização
comunicação e envolvimento. dos serviços de esgotamento sanitário.

Referências bibliográficas

1. MCIDADES. Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab). Brasília: MCidades, S


2013. Disponível em: https://www.cidades.gov.br/images/stories/ArquivosSNSA/
Arquivos_PDF/plansab_06-12-2013.pdf.
2. ONU. Agenda 2030: Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Disponível
em: https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030.
3. CARNEIRO, C.; RIETOW, J. C.; PAULA, A. C.; SANTOS, R. S. M; RUGGI, M. O.;
KAMINSKI, G. F.; ABREU, R. S.; AZEVEDO, L. S.; LOBATO, L. C. S.; ANDREOLI, C.
V.; CHERNICHARO, C. A. L.; POSSETTI, G. R. C. Estações sustentáveis de trata-

693
EIXO 5 - ESGOTAMENTO SANITÁRIO

mento de esgoto e suas contribuições para alcance dos objetivos do desenvolvi-


mento sustentável. 2019.
4. BRESSANI-RIBEIRO, T.; LOBATO, L. C. S.; CHAMHUM, L. A.; CHERNICHARO, C.
A. L. Estações Sustentáveis de Tratamento de Esgoto e Políticas Públicas no Brasil.
In: LOCAL GOVERNMENTS FOR SUSTAINABILITY. SOLUÇÕES BASEADAS NA
NATUREZA E OS DESAFIOS DAS ÁGUAS: ACELERANDO A TRANSIÇÃO PARA CI-
DADES MAIS SUSTENTÁVEIS. 3º DIÁLOGO SETORIAL EU-BRASIL – SOLUÇÕES
BASEADAS NA NATUREZA (SBN), Brasília, 2020.
5. MS; FUNASA. Programa Nacional de Saneamento Rural. Brasília: Funasa,
2019. Disponível em: http://www.funasa.gov.br/documents/20182/38564/MNL_
PNSR_2019.pdf/08d94216-fb09-468e-ac98-afb4ed0483eb.
6. HELLER, L.; AGUIAR, M. M.; REZENDE, S. C. (org.). Participação e controle social
em saneamento básico: conceitos, potencialidades e limites. Belo Horizonte: Edito-
ra UFMG, 2016.
7. MIRANDA, A. B.; TEIXEIRA, B. A. N. Indicadores para o monitoramento da susten-
tabilidade em sistemas urbanos de abastecimento de água e esgotamento sanitário.
Revista Engenharia Sanitária e Ambiental, Rio de Janeiro, v. 9, n. 4, 2004.

Para saber mais

NUNES, T. (org.) et al. Saneamento básico. (Sustentabilidade urbana: impactos do de-


senvolvimento econômico e suas consequências sobre o processo de urbanização em
países emergentes: textos para as discussões da Rio+20, v. 2). Brasília: MMA, 2015.

Autoria deste verbete

Fernanda Deister Moreira. Engenheira sanitarista e ambiental pela Universidade Fe-


deral de Juiz de Fora (UFJF). Mestranda em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos
Hídricos na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Izabel Cristina Chiodi de Freitas. Engenheira civil pela UFMG, especialista em Saúde
Pública pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Lívia Cristina da Silva Lobato. Engenheira civil e doutora em Saneamento, Meio Am-
biente e Recursos Hídricos pela UFMG.

Fabiana Lopes Del Rei Passos. Doutora em Engenharia Ambiental pela Universitat Po-
litècnica de Catalunya (UPC), Espanha. Professora adjunta do Departamento de Enge-
nharia Sanitária e Ambiental da UFMG.

694
T

TÉCNICAS COMPENSATÓRIAS EM DRENAGEM

O manejo das águas pluviais baseia-se gera preocupações ecológicas, sobretu-


na aplicação de técnicas que podem ser do com relação à perda das funções dos
classificadas em dois tipos principais: rios, córregos e afins.
aquelas que compõem os sistemas clás- Assim, na década de 1970, com a ne-
sicos de drenagem e as técnicas com- cessidade de ampliação do desenvol-
pensatórias em drenagem. As técnicas vimento urbano, em várias cidades no
clássicas são aquelas inspiradas nos mundo se começa a buscar meios de neu-
princípios do higienismo, que preconiza tralizar os efeitos da urbanização (ver
o rápido escoamento das águas pluviais p. 755) sobre os processos hidrológicos,
e seu lançamento nos corpos d’água. Já visando à proteção contra inundações e
as técnicas compensatórias se opõem a a preservação ambiental. Foi nesse con-
esse conceito, sendo baseadas na reten- texto que surgiram as técnicas compen-
ção e na infiltração das águas pluviais. satórias de drenagem, as quais podem
No contexto do planejamento municipal ser consideradas como alternativas aos
em saneamento, as técnicas compensa- sistemas clássicos de drenagem porque
tórias têm papel fundamental na pro- se opõem ao conceito de escoamento rá-
moção de um manejo sustentável das pido das águas pluviais.1
águas pluviais.
Durante muitos anos os sistemas clás- Benefícios
sicos foram vistos como única solução
viável para a drenagem (ver Manejo de Inicialmente, os sistemas compensató-
águas pluviais – p. 368). Entretanto, rios ou alternativos de drenagem urbana
o crescimento das cidades, associado baseavam-se na infiltração e na retenção
ao fato de que os sistemas higienistas das águas precipitadas, acarretando uma
acarretam a propagação das cheias pa- diminuição no volume de escoamento su- T
ra jusante, levou à insuficiência desses perficial, bem como o rearranjo temporal
sistemas, ocasionando inundações (ver das vazões. Essas técnicas passaram por
p. 334) cada vez mais frequentes. Além evolução significativa nas últimas déca-
disso, a degradação dos cursos d’água das. A abordagem focada na redução de
urbanos, em grande parte canalizados, cheias, por meio da retenção e infiltração,
EIXO 7 - MANEJO DE ÁGUAS PLUVIAIS

evoluiu para a tentativa de imitar os vários (BMPs), sustainable urban drainage (SUD),
processos do ciclo hidrológico (ver p. 97), low impact development (LID), green in-
restabelecendo-se assim os fenômenos na- fraestructure (GI) e water sensitive urban
turais por meio de técnicas artificiais. design (WSUD). Muitas dessas nomencla-
As técnicas compensatórias de drena- turas refletem conceitos que vão além da
gem apresentam inúmeras vantagens escala da técnica, e tem em comum o uso
em relação às técnicas clássicas: sua uti- de técnicas mais sustentáveis para o ma-
lização é possível em diversas escalas, nejo das águas pluviais.
desde a escala da edificação, da parcela
(ou terreno) até a escala da bacia de hi- Classificação
drográfica. Essas técnicas permitem a
ocupação de áreas desprovidas de locais As técnicas compensatórias podem ser
de lançamento no meio receptor e, em classificadas como:
geral, melhoram a qualidade da água,
visto que o armazenamento permite a • técnicas para controle na fonte, quando
sedimentação de poluentes. implantadas próximo ao local de ge-
Além disso, essas soluções incluem a pos- ração do escoamento superficial – por
sibilidade de modulação do sistema, com exemplo, microrreservatórios, pavi-
implantação à medida que o desenvolvi- mentos permeáveis, poços de infiltra-
mento local ocorre, não incorrendo assim ção, trincheiras, valas, telhados verdes
em grandes investimentos em drenagem e jardins de chuva;
no início da ocupação da área. São técnicas • técnicas de controle a jusante, tais co-
integradas ao meio ambiente, com vocação mo as bacias de detenção e infiltração.
para usos múltiplos, como parques e áreas
de lazer, tendo como vantagens a valoriza- As técnicas de controle na fonte impe-
ção estética e eventual criação de habitats. dem que a água da chuva escoe por grandes
Além disso, sob o aspecto hidrológico, têm áreas, e também podem assumir arranjos
a vantagem de promover o aumento da paisagísticos integrados ao seu local de
evapotranspiração, quando associadas à implantação. Uma desvantagem, porém, é
presença de vegetação, e à recarga do len- que essas técnicas são dimensionadas para
çol freático, quando se tratar de técnicas períodos de retorno relativamente baixos,
de infiltração.1, 2 entre dois e dez anos. Como a implantação
As técnicas compensatórias em dre- dessas técnicas é feita por particulares em
nagem são também conhecidas no Bra- locais privados, os gestores públicos de-
sil por outras nomenclaturas: técnicas vem elaborar e padronizar instruções téc-
alternativas, infraestrutura verde e azul, nicas para construção e manutenção das
tecnologias verdes, soluções baseadas estruturas, assim como criar mecanismos
na natureza, sistemas de drenagem para garantir que elas sejam construídas
sustentável ou desenvolvimento urbano e mantidas adequadamente (ver projetos
de baixo impacto. Em inglês, as seguintes de sistemas de drenagem).
nomenclaturas também são utilizadas As técnicas de controle a jusante pos-
para se referir ao manejo sustentável das suem a vantagem de serem dimensiona-
águas pluviais: best management practices das para períodos de retorno elevados,

696
TÉCNICAS COMPENSATÓRIAS EM DRENAGEM

em geral acima de dez anos, podendo gem superficial, no caso de pavimentos


chegar a 100 anos. No entanto, essas téc- com revestimento impermeável. A reser-
nicas não podem ser empregadas quando vação temporária das águas introduzidas
houver possibilidade de contaminação é efetuada no corpo do pavimento, que
das águas por resíduos sólidos ou esgoto passa a constituir assim um reservatório
sanitário, evitando assim, risco à saúde. enterrado. O seu esvaziamento pode ser
Os parágrafos a seguir descrevem as efetuado por infiltração direta no solo ou
técnicas compensatórias, de controle na por meio de um sistema de drenos acopla-
fonte e a jusante, assim como seu princí- dos ao sistema de drenagem a jusante.
pio de funcionamento. As principais vantagens do uso de pa-
vimentos permeáveis são a ausência de
Controle na fonte custo fundiário e a redução do custo
global de implantação, já que a solução
Os microrreservatórios de águas plu- prescinde da implantação de sistema
viais são técnicas implantadas na escala de drenagem adicional. Além disso, tais
da edificação ou do lote. São dispositivos pavimentos possibilitam a melhoria das
que proporcionam o recolhimento do condições de operação em relação à ade-
escoamento superficial gerado sobre os rência e ao ruído produzido pelo tráfego
telhados ou outras superfícies imperme- de veículos. Como desvantagens, os pa-
áveis. O amortecimento das vazões ao vimentos permeáveis apresentam restri-
longo do tempo ocorre graças à restrição ções de aplicação em função do tráfego e
de vazão proporcionada pelo dispositivo das condições locais.
de saída do reservatório. Os microrreser- Os poços de infiltração são dispositivos
vatórios podem ser facilmente integrados que infiltram no solo as águas pluviais re-
às construções, já que podem ser dispo- colhidas diretamente das superfícies do
sitivos enterrados. É importante destacar terreno ou coberturas. Esta técnica pos-
que o aproveitamento da água de chuva sui a vantagem de poder ser aplicada em
e a redução de inundações são funções locais onde a camada de solo superficial é
distintas. Um mesmo reservatório pode pouco permeável e as camadas mais pro-
ter as duas funções somente quando for fundas possuem boa capacidade de infil-
dimensionado para tal. tração. Os poços, na maioria dos casos,
Os pavimentos com estruturas de re- são preenchidos com material drenante,
servação (ou pavimentos permeáveis) de grande porosidade. Com baixo custo
armazenam o escoamento superficial e fundiário para implantação, possibilitam
podem promover a infiltração da água uma boa integração com o traçado urba-
no solo. O modo de funcionamento dos no, já que são dispositivos enterrados, e a
pavimentos com estruturas de reserva- recarga de aquíferos.
ção pode ser de dois tipos: com a intro- As trincheiras são obras lineares, T
dução das águas pluviais na estrutura do que recolhem as águas que escoam
pavimento, efetuada diretamente pela perpendicularmente ao seu comprimento,
superfície do pavimento, no caso de re- promovendo a retenção e/ou infiltração
vestimentos permeáveis; ou por meio de das águas pluviais. Seu esvaziamento se
difusores acoplados ao sistema de drena- dá por infiltração ou por um exutório.

697
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

Suas principais vantagens são seu baixo cionada pelas plantas, além de excelente
custo e a possibilidade de sua boa inte- integração paisagística.
gração ambiental. Quando as estruturas são esvaziadas
As valas ou valetas são sistemas por infiltração cuidados adicionais de
constituídos por depressões escavadas no projeto devem ser tomados a fim de re-
solo com o objetivo de recolher as águas duzir os riscos de contaminação do len-
pluviais e efetuar o seu armazenamento çol freático e garantir a integridade de
temporário, e eventualmente, favore- construções próximas aos sistemas. Uma
cer sua infiltração. Podem possuir uma consideração adicional é de que as estru-
boa integração ambiental, permitindo turas de reservação devem ter tempo de
outros usos. Têm como vantagem a deli- esvaziamento inferior a 24 horas, a fim
mitação do espaço, com possibilidade de de estarem prontas a receber uma nova
integração paisagística. precipitação e não serem propícias à pro-
Os telhados verdes são jardins liferação de vetores.
executados sobre coberturas
impermeáveis. Eles retêm o escoamento no Controle a jusante
substrato promovendo armazenamento
temporário da água e favorecendo o As bacias de detenção (também conhe-
processo de evapotranspiração. Podem cidas como piscinões) são obras de dre-
ser de dois tipos: intensivo, quando a nagem destinadas a estocar temporaria-
camada de substrato é relativamente es- mente as águas pluviais e/ou infiltrá-las,
pessa e permite o desenvolvimento de antes de as restituir ao meio receptor em
espécies vegetais de médio porte ou, ex- condições aceitáveis de quantidade e qua-
tensivo, quando a camada de substrato lidade, que reduzam os riscos de inunda-
tem menor espessura e permite apenas o ções. São estruturas implantadas para
desenvolvimento de vegetação rasteira. controle de escoamento de grandes áreas.
As vantagens da utilização de telhados Quanto à forma de operação, podem
verdes são a ausência de custo fundiário ser divididas em três tipos:
e melhoria do conforto térmico. Como
desvantagens há a necessidade de garan- • bacias de retenção, com estocagem tem-
tia da estanqueidade do sistema e a so- porária das águas pluviais proporcionan-
brecarga gerada na estrutura da edifica- do um rearranjo temporal das vazões;
ção por substrato, vegetação e água. • bacias de infiltração, que infiltram a to-
Os jardins de chuva ou sistemas de talidade da água que aflui a elas;
biorretenção consistem em escavações • bacias de retenção e infiltração, que
no terreno plantadas para onde o es- proporcionam um rearranjo temporal
coamento superficial é dirigido. Essas das vazões e uma redução no volume
técnicas podem ter uma estrutura de re- de escoamento.
servação subterrânea, melhorando sua
capacidade de armazenamento de água. No que diz respeito às suas características
Os jardins de chuva podem ser de deten- físicas, tais estruturas podem ser classifi-
ção ou infiltração e têm como vantagens cadas em: bacias a céu aberto com água
a melhoria da qualidade da água propor- ou seca e bacias enterradas. As bacias de

698
TÉCNICAS COMPENSATÓRIAS EM DRENAGEM

detenção têm a vantagem de controle de rados. Assim, na escolha da melhor téc-


elevados volumes de água, mas a desvan- nica ou conjunto de técnicas compensa-
tagem de necessitarem de grandes áreas e tórias a aplicar, devem ser considerados
de manutenção periódica custosa, depen- aspectos técnicos, ambientais, sociais,
dendo do nível de poluição das águas plu- culturais e econômicos.1
viais residuárias. Assim sua implantação A manutenção das estruturas compen-
é limitada em áreas já ocupadas tendo em satórias de drenagem não é semelhante à
vista a necessidade fundiária. Até a década manutenção da drenagem convencional;
de 1970, essas bacias tinham função pura- ela exige uma maior frequência e ações
mente hidráulica, tendo evoluído nos dias diversificadas, como a conservação das
de hoje para sistemas multifuncionais estruturas vegetadas e limpeza frequen-
que também são usados como áreas de es- te, sobretudo do material sedimentado.
portes e lazer. Pequenas intervenções para reconfor-
mação da topografia das técnicas também
Escolha e manutenção são necessárias, tais como o retaluda-
mento e renivelamento a fim de garantir
Atualmente, com o manejo das águas sua integridade e evitar o empoçamento
pluviais evoluindo em direção a uma de água. Além disso, a vida útil das téc-
abordagem mais sustentável, o processo nicas de controle na fonte, sobretudo das
de concepção e escolha dos sistemas e técnicas de infiltração, pode ser bem in-
das técnicas de drenagem torna-se mais ferior à da drenagem tradicional. Apesar
complexo, envolvendo aspectos que disso, o custo total das técnicas compen-
transcendem os condicionantes hidroló- satórias de drenagem tem se mostrado
gicos e hidráulicos usualmente conside- bem inferior ao das técnicas clássicas.3

Referências bibliográficas

1. BAPTISTA, M.; NASCIMENTO, N.; BARRAUD, S. Técnicas compensatórias em dre-


nagem urbana. 2. ed. Porto Alegre: ABRH, 2005.
2. RIGHETTO, A. M (coord.). Manejo de águas pluviais urbanas. Prosab. Rio de Janeiro:
Abes, 2009. Disponível em: https://www.finep.gov.br/images/apoio-e-financiamento/
historico-de-programas/Prosab/Prosab5_tema_4.pdf. Acesso em: 18 set. 2019.
3. AKHTER, F.; A. HEWA, G.; AHAMMED, F.; MYERS, B.; R. ARGUE, J. Performance
evaluation of stormwater management systems and its impact on development
costing. Water, Basel, v. 12, n. 2, p. 375, 2020. Disponível em: https://www.mdpi.
com/2073-4441/12/2/375.

Para saber mais T

MCIDADES (org.). Águas pluviais: técnicas compensatórias para o controle de cheias


urbanas: guia do profissional em treinamento: nível 2 e 3. Belo Horizonte: ReCesa,
2007. Disponível em: http://nucase.desa.ufmg.br/wp-content/uploads/2013/08/
APU-TCCU.2-e-3.pdf.

699
EIXO 9 - TERRITORIALIZAÇÃO EM SAÚDE

SOLUÇÕES PARA CIDADES. Saneamento. Página web de Soluções pa-


ra Cidades. Disponível em: http://solucoesparacidades.com.br/category/
saneamento/4-projetos-saneamento.
SOLUÇÕES PARA CIDADES. Sistema de manejo integrado de águas pluviais em con-
domínio: Residencial Vale dos Cristais – Nova Lima – MG. Página web de Soluções
para Cidades. Disponível em: http://solucoesparacidades.com.br/wp-content/uplo-
ads/2014/03/AF_05_VALE%20DOS%20CRISTAIS_WEB.pdf.

Autoria deste verbete

Priscilla Macedo Moura. Engenheira civil, mestre em Saneamento, Meio Ambiente e


Recursos Hídricos, doutora  pelo  Institut National des Sciences Appliquées de Lyon
(França). Professora do Departamento de Engenharia Hidráulica e Recursos Hídricos
(EHR) da Universidade Federal de Minas Gerais.

Talita Fernanda das Graças Silva. Engenheira civil, mestre em Sistemas Aquáticos e
Gestão da Água pela Ecole des Ponts Paris Tech (França), doutora em Saneamento,
Meio Ambiente e Recursos Hídricos pela UFMG e pela Université Paris-Est (França).
Professora do EHR/UFMG.

Marco Túlio da Silva Faria. Tecnólogo em Gestão Ambiental, engenheiro ambiental e


Sanitarista, doutorando e mestre em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos
pela Universidade Federal de Minas Gerais.

T
TÉCNICAS DE MAPEAMENTO

As técnicas de mapeamento são um con- sentação geométrica plana, simplifi-


junto de métodos e instrumentos car- cada e convencional de toda superfície
tográficos utilizados para elaboração de terrestre ou parte desta, apresentada
diferentes tipos de mapas para objetivos por meio de mapas, cartas ou plantas.1
distintos. Consistem num importante ins- O mapa feito de forma artesanal am-
trumento para comunicação e mobilização plia esta definição na união dos saberes
social, além de reunir e relacionar informa- científicos com os saberes populares
ções e dar suporte na análise territorial para constituir a representação gráfica
para elaboração de diagnósticos de condi- da relação do homem com seu ambien-
ções de vida de territórios para o planeja- te. O mapa deve apoiar-se em análises
mento municipal de Saneamento Básico. sobre a realidade em seu tempo (mo-
A elaboração de mapas é uma técnica mento que foi retratado) e em sua espa-
da cartografia definida como a repre- cialidade (território mapeado).

700
TÉCNICAS DE MAPEAMENTO

Representação do mundo bre o uso dessas técnicas para análise ter-


ritoriais foi o mapeamento elaborado pe-
Trata-se de uma das modalidades de co- lo médico John Snow na Londres do sécu-
municação mais antigas da humanidade. lo 19.2 Ele adotou como método a relação
Surge por meio da necessidade humana espacial entre a localização dos casos de
de conhecer e representar o mundo em óbitos por cólera com os poços públicos
que vivemos como estratégia de poder de abastecimento de água em Londres.
e dominação dos espaços da superfície A área de atuação da vigilância em saúde
terrestre. Na atualidade, o acesso a es- (ver p. 779) incorpora o mapeamento di-
sas técnicas ampliou-se expressivamente gital por meio de técnicas de geoprocessa-
com o advento da computação. mento no processo de trabalho, o que auxi-
O mapeamento pode ser apresentado lia no diagnóstico das condições de vida e si-
em desenho em folha de papel, em carto- tuação de saúde (ver p. 202) no território.3
lina, em tecido ou, com o advento das ge-
otecnologias, na tela de um computador. Duas linhas
Como meio de representação, os mapas
traduzem os interesses e objetivos de As técnicas de mapeamento são compre-
quem os propõe, podendo se aproximar endidas em duas vertentes. Uma engloba
ou se afastar da realidade representada1. as técnicas digitais com base em cálcu-
Identifica cartograficamente, por exem- los matemáticos e no advento da infor-
plo, o crescimento das cidades, as redes mática na elaboração de mapas. A outra
territoriais, a distribuição demográfica adota métodos alternativos em que há
da população, o relevo, as florestas, os maior liberdade para representação, in-
caminhos das águas e dos resíduos, en- serindo conteúdos qualitativos, lúdicos,
tre muitos outros fenômenos passíveis de da percepção humana ao representar a re-
análises territoriais. alidade, incluindo questões de pertenci-
O mapa é dispositivo de comunicação mento territorial dos atores sociais. Essa
em que todos os elementos constantes consiste em uma das técnicas principais
devem facilitar o entendimento do que em processos de territorialização para
foi mapeado (símbolos e cores), bem como compor o planejamento municipal de Sa-
seus elementos gráficos (ponto, polígono e neamento no sentido de promover a uni-
linha). Além disso, deve conter título, uma versalização do acesso a esses serviços.
escala cartográfica, rosa dos ventos (para As técnicas de mapeamento digital são
orientação), legenda, fonte das informa- constituídas pelo sistema de informação
ções e data de elaboração. No processo de geográfica (SIG), que é um conjunto de
mapeamento devemos nos ater ao uso da ferramentas responsáveis por adquirir,
informação geográfica para responder três armazenar, manipular informações espa-
perguntas que devem constar no título: “O ciais. As principais técnicas digitais são: T
quê? Onde? Quando?”. Por exemplo: “Rede
de abastecimento de água no Município de • cartografia digital: um conjunto de
Mimoso do Sul/ES no ano de 2018”. softwares (programas computacionais)
Uma das formas mais conhecidas na responsáveis na conversão para o meio
história da saúde pública (ver p. 636) so- digital dos dados espaciais;

701
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

• geoprocessamento: campo de conheci- 729), propiciando a eles/as maior contro-


mento responsável pelo tratamento da le social (ver p. 156) sobre as políticas a
informação geográfica para interpre- definir no planejamento.7
tação e análise com base na estatística Um dos métodos alternativos de com-
espacial em ambiente computacional; preender os modos de vida da população
• georrefenciamento: técnica apoiada na é o mapa falante, e a partir da realida-
localização geográfica de objetos e con- de de cada ator social se pode identificar
ta com aparelhos de GPS (Global Posi- questões relacionadas à saúde humana.
tioning System) no trabalho de campo Outro método alternativo de elabora-
para coleta de informação e nos siste- ção de mapas que permite a participação
mas de coordenadas geográficas (lati- popular, expressando a organização social
tude e longitude); de um determinado território, consiste na
• sensoriamento remoto: processo de cartografia social. Ela possibilita a carac-
aquisição e análise de imagens da su- terização da população em áreas de vul-
perfície terrestre extraída por satélites, nerabilidade e de povos e comunidades
drones e aviões. tradicionais, identificando a sociobio-
diversidade e os processos de defesa dos
A análise de dados por meio de sof- territórios de indígenas, quilombolas, pes-
twares e de estatística contribuiu para os cadores artesanais, caiçaras etc.
avanços no campo da geografia da saúde
e também na epidemiologia (ver p. 250).4, Processos complementares
5
O mapeamento digital subsidia a carac-
terização e a análise dos elementos do Pode-se organizar as informações sem
território municipal por meio de mapas hierarquia entre as práticas de mapea-
temáticos disponíveis em sites governa- mento apoiadas na computação e as for-
mentais, tais como Instituto Brasileiro mas alternativas de mapeamento partici-
de Geografia e Estatística (IBGE) e órgãos pativo. Um relato de um morador sobre o
ambientais.6 Como exemplos, os mapas despejo de resíduos em um corpo hídrico
das unidades de conservação, bacias hi- de forma intermitente e assinalado em
drográficas, clima, tipos de solo, geomor- um mapa de forma artesanal pode ser
fologia e distribuição da estrutura sanitá- transposto para um formato digital em
ria ou demográfica. softwares de geoprocessamento. Da mes-
O mapeamento artesanal sempre foi ma forma, um mapa digital pode apoiar,
utilizado pelas sociedades humanas ao por exemplo, uma oficina de trabalho que
longo da história para se localizar e se estimula a participação da população de
orientar nos territórios. As técnicas alter- um território que tem como objetivo des-
nativas de mapeamento ampliam as pos- tacar pontos de interesses relacionados
sibilidades de representação cartográfica. aos problemas locais de saúde ambiental.
O controle por parte dos atores sociais Destacam-se outros processos oriundos
sobre os instrumentos alternativos de da educação ambiental, como os utili-
mapeamento podem definir a linguagem zados com objetivo de mobilização social
que traduz de forma mais adequada a (ver p. 395) em planos de Saneamento.
sua percepção acerca do território (ver p. Este é o caso do uso do biomapa como

702
TÉCNICAS DE MAPEAMENTO

método para sensibilização, diagnóstico, de riscos de desastres e os diversos tipos


planejamento e gestão de ações em deter- de uso do solo (residencial, industrial,
minados territórios.8 A técnica consiste rural etc.); os que identificam as redes de
na produção de informações que associem abastecimento, esgotamento sanitário e
o conhecimento popular com a capacida- pluviais, assim como os caminhos e a lo-
de técnica e de gestão de atores públicos, gística dos resíduos sólidos.
visando inserir a comunidade no proces- Na saúde ambiental os mapas, sejam
so de tomada de decisão e na gestão de eles históricos, diagnósticos (presente)
ações relacionadas ao saneamento. ou prognósticos (futuro), auxiliam na
análise de riscos associados às condi-
O cotidiano como subsídio ções de saneamento, como os que são
utilizados para identificar a distribuição
O mapeamento da vivência cotidiana das doenças relacionadas ao saneamento
dos sujeitos com seu ambiente indica ambiental inadequado (DRSAIs – ver p.
as ações humanas na produção de sua 218); as desigualdades sociais, vulnera-
saúde. O hábito de crianças se banha- bilidades socioambientais e os riscos à
rem em um rio poluído em dias de alta saúde humana; e a estrutura sanitária
temperatura pode ser responsável pela do território, as condições de moradia e
condição de saúde delas. A presença de os dados demográficos.
vetores em determinados momentos do As técnicas de mapeamento são usadas
dia pode ser associado aos problemas na como ferramenta para o (re)conhecimen-
coleta de resíduos e ao esgotamento sa- to da organização territorial, no sentido
nitário inadequado. de criar canais de comunicação entre a
As técnicas de mapeamento para com- população com seus locais de vida coti-
preender as condições de saneamento em diana. A democratização das informa-
determinado território são ferramentas ções ambientais e de saúde e a populari-
para planejamento, implantação, identi- zação de técnicas de mapeamento são ca-
ficação dos fatores de risco e identificação da vez mais importantes para identificar
dos pontos críticos para serem monitora- condições de vulnerabilidades socioter-
dos pela vigilância em saúde (ver p. 779). ritoriais. Com base nessas informações,
Entre as possibilidades para produção promovem-se ações de mobilização social
de interesse do saneamento incluem-se da comunidade visando sua participação
mapas que localizam recursos naturais nas políticas públicas territorializadas e
locais; os que demarcam bacias hidrográ- colaborando para o aperfeiçoamento do
ficas; os que contemplam as captações e planejamento municipal de Saneamen-
lançamentos irregulares e déficitários; to – e, consequentemente, a melhoria na
os que localizam áreas de inundações e qualidade de vida da população.
T
Referências bibliográficas

1. IBGE. Atlas geográfico escolar. 7. ed. Rio de Janeiro: IBGE, 2016.


2. SNOW, J. Sobre a maneira de transmissão do cólera. 2. ed. rev. ampl. São Paulo:
Hucitec; Rio de Janeiro: Abrasco, 1990.

703
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

3. ARJONA, F. B. S. Sistemas de informações geográficas: uso e aplicações na área da


saúde. In: GONDIM, G. M. M. (org.). Rio de Janeiro: EPSJV/Fiocruz, 2017.
4. BARCELLOS, C. et al. Organização espacial, saúde e qualidade de vida: análise es-
pacial e uso de indicadores na avaliação de situações de saúde. Trabalho apresentado
no 1º Seminário Nacional Saúde e Meio Ambiente. Rio de Janeiro, 2002.
5. JUNQUEIRA, R. D. Geografia médica e Geografia da saúde. Higeya, v. 5, n. 8, 2009.
6. MS; FUNASA. Termo de referência para elaboração de plano municipal de sane-
amento básico. Brasília: Funasa, 2018. Disponível em: http://www.funasa.gov.br/
termo-de-referencia-tr-para-pmsb.
7. GONDIM, G. M. M.; MONKEN, M. O uso do território na atenção primária à saúde.
In: MENDONÇA, M. H. M. et al. (org.). Atenção primária à saúde no Brasil: concei-
tos, práticas e pesquisa. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2018.
8. MCIDADES. Caderno metodológico para ações de educação ambiental e
mobilização social em saneamento. Brasília: MCidades, 2009. Disponível
em: https://www.mma.gov.br/estruturas/educamb/_publicacao/20_publi-
cacao06062011041901.pdf.

Para saber mais

FRANCESCHINI, A.; IZIDORA, I.; BATISTA, L. V.; GONÇALVES, M. A. Cartilha


9 dicas para nadar nos rios de Belo Horizonte. Coletivo Às Margens. Belo Hori-
zonte: Rona Editora, 2016. Disponível em: https://issuu.com/asmargens/docs/
urbeurge_cartilha_07_separadas.
GALLO, E.; Nascimento, V. O território pulsa: territórios sustentáveis e saudáveis da
Bocaina: soluções para a promoção da saúde e do desenvolvimento sustentável terri-
torializados. Paraty: Fiocruz, 2019.
GORAYEB, A. Cartografia social e populações vulneráveis. FBBrasil, 2014. Disponí-
vel em: https://www.mobilizadores.org.br/wp-content/uploads/2014/07/Cartilha-
-Cartografia-Social.pdf.
MCIDADES (org.). Princípios básicos de geoprocessamento para seu uso em sane-
amento. Guia do profissional em treinamento: nível 2. Transversal. Brasília: MCi-
dades, 2009.

Vídeo

É rio ou valão? Autores: Adriana Sotero Martins, Maria José Salles, Priscila Gonçalves
Moura, Natasha Berendonk Handam et al. ANA, 2017. 1 vídeo (25 min). Disponível em:
https://portal.fiocruz.br/video/e-rio-ou-valao

Autoria deste verbete

Felipe Bagatoli Silveira Arjona. Geógrafo, doutorando em Geografia pela Pontifícia


Universidade Católica do Rio de Janeiro. Professor-pesquisador do Laboratório de

704
TÉCNICO DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE (TVS)

Educação Profissional em Vigilância em Saúde (Lavsa) da Escola Politécnica de Saúde


Joaquim Venâncio (EPSJV), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Raiane Fontes de Oliveira. Geógrafa, mestre e doutoranda em Geografia Professora-


-pesquisadora do Laboratório de Educação Profissional em Vigilância em Saúde (Lavsa)
da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), Fundação Oswaldo Cruz.

Mauricio Monken. Geógrafo, doutor em Saúde Pública. Professor-pesquisador e co-


ordenador da Estação de Territorialização do Laboratório de Educação Profissional
em Vigilância em Saúde (Lavsa) da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio
(EPSJV), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Juliana Valentim Chaiblich. Geógrafa, mestre em Saúde Coletiva, doutoranda em Saú-


de Pública. Professora-pesquisadora do Laboratório de Educação Profissional em Vigi-
lância em Saúde (Lavsa) da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), e
pesquisadora do Centro de Estudos e Pesquisas em Emergências e Desastres em Saúde
(Cepedes), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

T
TÉCNICO DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE (TVS)

Ações de promoção, proteção, diagnós- ciais disponíveis) e setores de atuação go-


tico e reabilitação no âmbito da Saúde vernamental (saúde, educação, meio am-
Pública brasileira são desenvolvidas por biente, urbanismo e saneamento, entre
um conjunto diversificado e heterogêneo outros). Por meio do trabalho territoriali-
de trabalhadores que compõem a força zado, esse profissional auxilia na elabora-
de trabalho do Sistema Único de Saúde ção de planos municipais de Saneamento
(SUS). Entre eles, está o técnico de vigi- Básico, pois conhece bem o trabalho com
lância em saúde (TVS). Esse trabalhador os riscos e vulnerabilidades decorrentes
é ator-chave na implementação de polí- da ausência ou precariedade de sistemas
ticas públicas, sobretudo por atuar dire- de abastecimento de água, esgotamen-
tamente em territórios, em diálogo cons- to sanitário, manejo de resíduos sólidos,
tante com populações variadas. manejo de águas pluviais e habitação.1
Em um dado território, o TVS verifica T
as condições de vida e a situação da saú- O processo de trabalho em saúde
de – seus problemas e potencialidades –,
para desenvolver ações em coordenação O trabalho em saúde é um tipo de serviço
com diferentes atores, recursos sociais de caráter processual, ofertado a popula-
(agências, serviços e equipamentos so- ções de diferentes perfis socioeconômi-

705
EIXO 2 - COMUNICAÇÃO E TERRITORIALIZAÇÃO

cos, demográficos e epidemiológicos. Tal se dá através de postos de trabalho


atividade profissional possui singulari- separados, embora encadeados, cujos
dades que a diferenciam de outras ativi- trabalhadores desempenham tarefas
dades. São especificidades quanto a seu simples e rotineiras, em geral pré-esta-
objeto, aos sujeitos com quem trabalha, belecidas; e da divisão técnica do traba-
aos meios e tecnologias empregados e à lho, em que prevalece a separação entre
sua forma de organização. Esse tipo de a concepção e a execução, envolvendo
trabalho pode ser caracterizado como: um expressivo contingente de traba-
lhadores semiqualificados, com capaci-
• Reflexivo, pois envolve um conjunto dade restrita de intervenção autônoma
articulado de saberes e práticas pa- no processo de trabalho.2, 3
ra a tomada de decisões, que deve ser
fundamentada por uma dimensão O trabalho em saúde, com todas as di-
ético-política; ficuldades que o caracterizam, tem como
• Incerto, visto que é decorrente da in- desafio intervir sobre necessidades, deter-
determinação das demandas, de des- minantes sociais, riscos, causas e danos
continuidades e da disponibilidade do para melhorar as condições de vida e saúde
profissional para estar “a postos” na de populações em territórios específicos.
hora de atender a todas as solicitações, Por essa razão, não pode seguir a raciona-
inclusive as excepcionais; lidade de critérios da produção material, o
• Complexo, uma vez que envolve uma que torna difícil sua normatização técnica
diversidade de profissões, profissio- e avaliação de produtividade. É em meio
nais, usuários, tecnologias, relações so- a essas condições e por meio da interação
ciais e interpessoais, formas de organi- com atores sociais locais, equipes de saúde
zação do trabalho, espaços e ambientes e múltiplas territorialidades que o traba-
de atuação; lho do TVS se realiza.
• Heterogêneo, pois lida com vários pro-
cessos de trabalho em curso nas institui­ Uma nova visão de saúde pública
ções de saúde. São, muitas vezes, proces-
sos dotados de uma organização própria, Uma mudança relevante no processo de
cujo funcionamento prescinde de uma trabalho em saúde ocorreu na década de
articulação adequada com os demais; 1980, sob influência do planejamento
• Fragmentado dos pontos de vista con- estratégico e da administração partici-
ceitual (pois separa o pensar do fazer); pativa, possibilitando um maior envol-
técnico (pois conta com mais especia- vimento e comprometimento da força de
listas do que generalistas); e social (pois trabalho, assim como a inclusão dos usu-
envolve relações rígidas de hierar­quia e ários nas decisões do sistema por meio
subordinação, configurando a divisão da participação social (ver p. 424). Essa
social do trabalho em sua estrutura or- abertura à planificação em saúde possi-
ganizacional e entre as diversas catego- bilitou ressignificar o trabalho de campo
rias profissionais envolvidas); extramuros das unidades de saúde, com
• Dotado de um forte componente taylo- vistas à identificação de problemas e ne-
rista-fordista, em que a organização cessidades locais. Com isso, passou a en-

706
TÉCNICO DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE (TVS)

volver todos os trabalhadores das equipes vida e as determinantes sociais da saúde.


de saúde no processo de planejamento as- O desafio introduzido por essa transfor-
cendente de base territorial. 2; 3 mação foi o de reorganizar o processo de
Com a criação do Sistema Único de Saú- trabalho nas dimensões técnica (modelo)
de (SUS), em 1988, e com a sanção da Lei e gerencial (práticas de saúde), integran-
Orgânica da Saúde (Lei 8.080/1990), apa- do ações existentes à Atenção Básica pa-
receu o desafio de implementar o novo ra melhorar a condições de vida e saúde
modelo de atenção à saúde, com base em nos territórios. Para tanto, foi necessário
um conceito ampliado de saúde, para su- redefinir e ampliar o perfil desses traba-
perar os modelos hegemônicos vigentes, lhadores, de ACE para TVS, por meio de
focados na doença e no doente, no hospi- processos de qualificação técnica integral
tal, na clínica, em programas verticais e e de qualidade.1; 4
em campanhas sanitárias.
Esse novo arcabouço paradigmático Origens do trabalhador TVS
passou a enfocar as determinantes so-
ciais e as necessidades de saúde de po- A Lei 1.350/2006 regulamentou as ativi-
pulações em territórios específicos. Nes- dades do ACE e definiu suas atribuições de
se cenário, desenvolveu-se o modelo da vigilância, prevenção, controle de doen-
Vigilância em Saúde (Visau), com a pro- ças e promoção da saúde, a serem desen-
posta de reorganizar as práticas de saú- volvidas em conformidade com as diretri-
de por meio da ação de equipes de saúde, zes do SUS e sob supervisão do gestor de
entendidas como um sujeito coletivo do cada ente federado. A Portaria 1.007/2010
processo de trabalho. Essa transforma- criou critérios para regulamentar a incor-
ção deu visibilidade ao pessoal técnico poração do ACE e dos agentes de outras de-
de nível médio. Preservando seu caráter nominações que desempenhavam as mes-
contra-hegemônico, a Visau estrutura-se mas atividades à atenção básica à saúde, de
em 1999, a partir do processo de descen- modo a fortalecer as ações da Visau junto
tralização das ações de campo na área às equipes de Saúde da Família (ESFs). O
de epidemiologia (ver p. 250), mediante o objetivo dessa mudança foi reorganizar
deslocamento de 24 mil agentes de com- os processos de trabalho, por meio da in-
bate de endemias (ACEs) para os estados tegração das bases territoriais do agente
e municípios. 1, 4 comunitário de saúde (ACS) e do ACE e
Esse movimento provocou uma mu- da definição de seus papéis e responsabili-
dança no perfil de atribuições dos tra- dades, sob a supervisão de profissionais de
balhadores técnicos de nível médio, pos- nível superior. A quantidade de ACEs por
sibilitando sua inserção nas estruturas equipe de saúde da família seria definida
operacionais de vigilância sanitária, pelo gestor municipal, de acordo com as-
vigilância epidemiológica, vigilância em pectos como o perfil epidemiológico e sa- T
saúde ambiental e vigilância em saúde nitário, a densidade demográfica, a área
do trabalhador da Visau, com ênfase na territorial e as condições socioeconômi-
promoção da saúde. Deslocava-se assim cas e culturais de cada território.5
o foco de atuação desses profissionais, da Essas regulamentações exigiram novas
atenção às doenças para as condições de orientações para a formação desse traba-

707
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

lhador, até então sem identidade profis- turantes de seu trabalho: (1) organização
sional no interior do SUS, sem território e gestão do processo de trabalho da vigi-
definido e sem vínculos com uma equipe lância em saúde; (2) execução de ações e
de saúde. Tais profissionais possuíam procedimentos técnico-operacionais e (3)
diferentes formações – na maioria dos educação e comunicação. Esses eixos per-
casos, obtidas por meio de treinamentos mitem que o TVS desenvolva um conjunto
em serviço –, e desenvolviam suas ações de ações de natureza administrativa, ações
sob a orientação de um supervisor, aloca- técnico-operacionais específicas, ações
do nas secretarias de Saúde estaduais ou complementares ao trabalho de outros
municipais. Pela Constituição Federal de profissionais, trabalhadores e serviços de
1988, os gestores das três esferas do SUS saúde e compartilhadas com eles, além de
são responsáveis pela qualificação de sua atividades educativas e de comunicação.
força de trabalho, de modo a promover Além disso, eles indicam um conjunto de
melhorias nas condições de vida e na si- saberes e práticas articulados em bases
tuação de saúde da população. tecnológicas específicas, de modo a subsi-
diar o TVS no desenvolvimento de compe-
Desafios na formação e tências e habilidades para a reorganização
qualificação do TVS de ações articuladas com a ABS.6
Em 2012, a Política Nacional de Aten-
Em 2011, a Secretaria de Gestão do Traba- ção Básica (PNAB) evidenciou a necessi-
lho e da Educação na Saúde (SGTES) ela- dade de integração do trabalho do ACE
borou o documento Técnico em Vigilância e do ACS, assim como sua inclusão siste-
em Saúde: Diretrizes e Orientações para a mática nas ESFs para o cumprimento da
Formação,6 que destaca, como objetivos da integralidade do cuidado. Entendeu-se,
vigilância em saúde, a análise permanente nesse momento, que o trabalho desses
da situação de saúde e a organização e exe- dois profissionais é imprescindível para
cução de ações, medidas e procedimentos o reconhecimento do território, a criação
para o controle de determinantes, causas, de vínculos e a identificação de situações-
riscos e danos à saúde da população. As- -problema, cujas soluções exigem necessa-
sim, o TVS deve responder por ações de riamente a participação dos usuários na
promoção, prevenção e controle de doen- perspectiva democrática do envolvimen-
ças e agravos à saúde, articulando técnicas to dos cidadãos na produção de saúde. O
e conhecimentos de base interdisciplinar ACE tornou-se, junto com o ACS, um ar-
e compondo equipes interprofissionais - ticulador territorial, dinamizando ações
condições requeridas para a execução de e processos de promoção e proteção da
seu trabalho integrado de vigilância epi- saúde, com vistas ao fortalecimento de
demiológica, vigilância da situação de habilidades individuais e coletivas na co-
saúde, vigilância em saúde ambiental, munidade. Embora a política não mencio-
vigilância em saúde do trabalhador e vi- ne o TVS, sabe-se que, quando se refere ao
gilância sanitária.6 ACE, ela remete ao trabalho desenvolvido
O referido documento propõe que o TVS por esse novo profissional técnico.7
seja formado com base em conhecimentos Um agravante ao reconhecimento do
organizados conforme os três eixos estru- TVS no interior do SUS e da Visau é que

708
TÉCNICO DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE (TVS)

essa categoria não consta das profissões tas e temporários), diferentes vínculos
elencadas na Classificação Brasileira institucionais no âmbito municipal, es-
de Ocupações (CBO) do Ministério do tadual ou federal e regimes de trabalho
Trabalho. Isso dificulta os processos de diferenciados. Há diferenças de esco-
qualificação profissional de TVSs, que laridade entre esses profissionais, com
ficam na dependência exclusiva da von- pessoal de nível fundamental, médio e
tade política de gestores em investir nes- superior desempenhando a mesma fun-
sa formação e liberar trabalhadores de ção. Eles são contratados como agentes
nível médio para ingressarem em cursos de endemias por meio de concurso pú-
técnicos reconhecidos pelos ministérios blico, sendo um pré-requisito terem, no
da Educação e da Saúde, com habilitação mínimo, completado o nível fundamen-
específica, diretrizes e orientações para tal. Tais agentes têm forte relação com
essa formação.4 os territórios onde atuam e devem estar
atentos aos problemas de saneamento
O papel e o significado básico e às endemias ali presentes, em
do trabalho do TVS especial às arboviroses, que exigem ob-
servação permanente e sistemática dos
A despeito das dificuldades burocráti- ambientes, com comunicação dialógica e
cas, os TVSs são trabalhadores do SUS, oportuna no tempo e lugar certos.
inseridos em ações de campo na área de Recentemente, a nova Pnab, aprovada
epidemiologia e no controle de doenças. em 2017, efetuou alterações na compo-
Essa função foi desenvolvida historica- sição das equipes de saúde da família,
mente por profissionais de nível médio tornando facultativa a inclusão do ACE/
e fundamental, denominados "mata- TVS. Esse fato tem impacto negativo no
-mosquitos”, guardas de saúde pública trabalho de vigilância dirigido à pro-
ou ACEs, entre outros trabalhadores. moção, proteção e prevenção de riscos e
Tais profissionais foram institucio- agravos à saúde no território, que fica fra-
nalizados no campo da saúde pública gilizado pela falta desse profissional em
em 1942, com a criação da Fundação campo. As funções atribuídas ao ACS na
de Serviços Especiais de Saúde Pública ABS não correspondem às do ACE/TVS,
(Fsesp). A Fundação atuou na região dado que remetem à assistência e aos pro-
amazônica, oferecendo ações de prote- cedimentos clínicos voltados a pessoas e
ção e assistência relacionadas à malária famílias. Mas contraditoriamente, essa
para cobrir o esforço de guerra nessa re- mesma normativa ressalta a importância
gião e contribuindo para manter os tra- da articulação entre as ações de vigilância
balhadores da borracha sãos, de modo em saúde e aquelas da ABS, com o propó-
que eles pudessem continuar atuando sito de cumprir com a integralidade do
na produção dessa matéria-prima des- cuidado e permitir que cada cidadão pos- T
tinada à fabricação de armamento. sa ser acompanhado ao longo da vida.1;7
Atualmente, ACE e TVS compõem A problemática ambiental, agravada no
equipes de vigilância em saúde, com século 21 pela ameaça da escassez de recur-
uma variedade de tipos de contrato de sos naturais, pela poluição e contaminação
trabalho (servidores públicos, celetis- do ar, da água e do solo e pelas mudanças

709
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

climáticas em dimensão planetária – alia- frente às múltiplas determinações do


das, no campo da saúde, à reemergência de processo saúde-doença-cuidado, o que
doenças transmissíveis antes controladas, requer um novo olhar sobre o territó-
ao aumento de morbidades causadas pelo rio, novas configurações e arranjos as-
uso de agrotóxicos e transgênicos na pro- sistenciais cada vez mais pautados em
dução agrícola, ao aumento das doenças necessidades e menos em demandas.
crônicas decorrentes do envelhecimento, Sobretudo é necessário formar novos
dos estilos de vida modernos e da intro- sujeitos articuladores territoriais que
dução rápida e massiva de tecnologias –, estabeleçam, sistematicamente, pontes
aponta para o trabalho do ACE/TVS como entre os usuários, as equipes de saúde e
extremamente necessário e pertinente na os demais setores sociais engajados na
interface saúde-ambiente. produção social da vida. Nisso reside
O desafio atual é ressignificar os pro- o papel e o significado do trabalho do
cessos de trabalho desse profissional TVS no SUS.

Referências bibliográficas

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agentes de vigilância em saúde no Brasil. In: BORNSTEIN, V. J. et al. (org.). Curso de
Aperfeiçoamento em Educação Popular em Saúde: textos de apoio. Rio de Janei-
ro: EPSJV, 2016. p. 35-41. Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/
icict/26216/2/Livro%20EPSJV%20013611.pdf.
2. GONDIM, G. M. M.; CHRISTÓFARO, M. A. C.; MIYASHIRO, G. M. (org.). Técnico de
vigilância em saúde: contexto e identidade. Rio de Janeiro: EPSJV, 2017. v. 1. Dispo-
nível em: http://www.epsjv.fiocruz.br/sites/default/files/livro1.pdf.
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Revista Formação, Brasília, n. 2, p. 7-17, 2001. Disponível em: http://bvsms.saude.
gov.br/bvs/publicacoes/profae/Revista2002.pdf.
4. BATISTELLA, C. E. C. Qualificação e identidade profissional dos trabalhadores téc-
nicos da Vigilância em Saúde: entre ruínas, fronteiras e projetos. In: MOROSINI, M.
V. G. C.; LOPES; M. C. R.; CHAGAS, D. C.; CHINELLI, F. V. M. (org.). Trabalhadores
técnicos em Saúde: aspectos da qualificação profissional no SUS. Rio de Janeiro:
EPSJV, 2013. p. 261-390. Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/
icict/14087/2/Trabalhadores%20Técnicos%20em%20Saúde_Qualificacao%20e%20
Identidade%20Profissional.pdf.
5. EVANGELISTA, J. G.; FLISCH, T. M. P.; VALENTE, P. A.; PIMENTA, D.
N. Agentes de combate às endemias: construção de identidades profissio-
nais no controle da dengue. Revista Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Ja-
neiro, v. 17, n. 1, p. 1-19, 2019. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.
php?script=sci_arttext&pid=S1981-77462019000100502.
6. MS. Técnico em vigilância em saúde: diretrizes e orientações para a formação.
Brasília: MS, 2011. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/tec-

710
TÉCNICO DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE (TVS)

nico_vigilancia_saude_diretrizes_orientacoes_formacao.pdf.
7. MS. Política Nacional de Atenção Básica. Brasília: MS, 2012. Disponível em: ht-
tp://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/geral/pnab.pdf.

Para saber mais

GONDIM; G. M. M; MONKEN, M. Geografia e saúde no âmbito da educação profis-


sional técnica de nível médio: 20 anos formando trabalhadores para o SUS. In: MA-
GALHÃES, S. C. M.; PEREIRA, M. P. B. (org.). Pesquisa e extensão em Geografia da
Saúde: entre a teoria e a prática. Montes Claros: Unimontes, 2017.
MS. Portaria nº 3.189, de 18 de dezembro de 2009. Dispõe sobre as diretrizes pa-
ra a implementação do Programa de Formação de Profissionais de Nível Médio pa-
ra a Saúde (PROFAPS). Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/
gm/2009/prt3189_18_12_2009.html.
MS. Portaria nº 1.399, de 15 de dezembro de 1999. Regulamenta a NOB SUS 01/96
no que se refere às competências da União, estados, municípios e Distrito Federal, na
área de epidemiologia e controle de doenças. Disponível em: http://www.funasa.gov.
br/site/wp-content/files_mf/Pm_1399_1999.pdf.
CARVALHO, C. L. (coord.). Atribuições dos trabalhadores de nível médio que atuam
nas áreas de vigilância epidemiológica, ambiental, sanitária e da saúde do traba-
lhador: pesquisa em municípios brasileiros. Belo Horizonte: Nescom/Universidade
Federal de Minas Gerais, 2008. Disponível em: https://www.nescon.medicina.ufmg.
br/biblioteca/imagem/2440.pdf.
RAMOS, M. N. Conceitos básicos sobre o trabalho. In: FONSECA, A. F.; STAUFFER, A.
de B. (org.). O processo histórico do trabalho em saúde. Rio de Janeiro: EPSJV/Fio-
cruz, 2007. Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/icict/26575/2/
Livro%20EPSJV%20007751.pdf.

Vídeos

CONHEÇA o trabalho dos agentes de endemias e saiba como identificá-los. Brasília:


TV Saúde, 22 mar. 2016. 1 vídeo (3 min). Disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v=C16kbVfl_Zk.
VIGILÂNCIA popular em saúde. Direção: Marco Antônio Campos. Produção: Carla
Coutinho. Roteiro: Lu Fraga. Rio de Janeiro: Canal Saúde Fiocruz, 26 set. 2017. 1 ví-
deo (54 min). (Sala de Convidados). Disponível em: https://www.canalsaude.fiocruz.
br/canal/videoAberto/vigilancia-popular-em-saude-SDC-0407.
T
Autoria deste verbete

Grácia Maria de Miranda Gondim. Arquiteta, doutora em Saúde Pública, Escola Na-
cional de Saúde Pública Sérgio Arouca (Ensp) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Professora e pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/

711
EIXO 2 - COMUNICAÇÃO E TERRITORIALIZAÇÃO

Fiocruz) e da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Maurício Monken. Geógrafo. doutor em Saúde Pública pela Ensp/Fiocruz. Professor,


pesquisador e coordenador da Estação de Territorialização do Laboratório de Educação
Profissional em Vigilância em Saúde (Lavsa), da EPSJV, Fundação Oswaldo Cruz.

Edilene de Menezes Pereira. Geógrafa, mestre em Práticas em Desenvolvimento Sus-


tentável, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Professora e pesqui-
sadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz).

Alexandre Pessoa Dias. Engenheiro civil sanitarista, mestre em Engenharia Ambien-


tal, doutor em Medicina Tropical. Professor-pesquisador do Laboratório de Educação
Profissional em Vigilância em Saúde (Lavsa) da Escola Politécnica de Saúde Joaquim
Venâncio (EPSJV), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

T
TÉCNICO EM SANEAMENTO

Os serviços públicos de saneamento Uma referência na história do sanea-


exigem uma força de trabalho com for- mento do Brasil com relação à organização
mação técnica, que contemple conheci- de equipes de saúde para promoção de me-
mentos (domínio do saber) e habilidades lhorias sanitárias domiciliares (ver p. 386)
(saber fazer) adequados. Para tanto, são e comunitárias foi a atuação do Serviço
necessários investimentos financeiros e Especial de Saúde Pública (1942-1960)
gerenciais, em qualificação e para con- e da Fundação Especial de Saúde Públi-
dições adequadas de trabalho, o que re- ca (1960-1990), que tinham, entre suas
presenta um grande desafio para os mu- atribuições, preparar profissionais para
nicípios do país. O atendimento a essa o trabalho em saúde pública, incluindo
necessidade é determinante para redução aperfeiçoamento de médicos e engenhei-
do déficit de saneamento básico, em bus- ros sanitaristas e a formação de enfer-
ca da sua universalização. Não existe sa- meiras, assim como a formação de nível
neamento adequado sem trabalhadores técnico e primário – guardas sanitários,
qualificados para tal. técnicos em laboratório, auxiliares de sa-
A técnica é componente cotidiano da neamento, enfermeiras auxiliares e visita-
vida das pessoas, expressão da cultura doras sanitárias. A ação entre esses traba-
humana, do desenvolvimento dos meios lhadores permitiu o desenvolvimento de
de produção, distribuição e consumo. tecnologias sociais (ver p. 717) a partir das
Constitui, por meio do trabalho, a pró- necessidades locais, bem como da troca de
pria humanização, condicionando a experiências entre uma rede integrada de
forma de ser e estar em um mundo em unidades sanitárias e da própria institu-
constante transformação.1 cionalização da saúde pública no Brasil.2-4

712
TÉCNICO EM SANEAMENTO

Para reduzir o déficit que se pautam segundo a forma como se


interpretam as relações de educação, tra-
A redução do déficit em saneamento bási- balho e sociedade.6 O trabalho em sane-
co, de acordo com o Plano Nacional de Sa- amento atua como princípio educador
neamento Básico (Plansab – ver p. 457),5 para os agentes públicos e a população. 7
exige a ampliação do uso dos serviços co- A formação profissional requer a inte-
letivos (comunitários) dos componentes gração entre trabalho, ciência e tecnologia
de saneamento com qualidade e soluções (C&T) e cultura, de forma que os profissio-
sanitárias individuais (domiciliares) ade- nais em saneamento possam realizar os
quadas que promovam a saúde pública. diagnósticos e intervenções necessárias,
Para isso, além da execução de obras, é em um processo de diálogo constante com
fundamental a realização de ações es- a população nos territórios, pois as ativida-
truturantes de gestão dos serviços de des laborais e educacionais são indissoci-
operação, manutenção e conservação das áveis. Para tanto, é necessária a educação
estruturas, equipamentos e artefatos dos permanente em saneamento e saúde.8
sistemas de abastecimento de água e de
esgotamento sanitário, o manejo dos re- Protagonismo social
síduos sólidos e das águas de chuva e a
educação em saúde. A elaboração do Programa Saneamento
A operação inadequada ou a manuten- Brasil Rural (PSBR – ver p. 525) considerou
ção e conservação precárias diminuem a que as populações atendidas são prota-
eficiência e aumentam os custos e des- gonistas das soluções de saneamento e,
perdícios, podendo chegar ao ponto de se portanto, deve ser viabilizado o exercício
tornarem inadequadas ou mesmo aban- da participação social (ver p. 424), da apro-
donadas, trazendo riscos e danos à saúde priação das soluções de saneamento pela
e ao meio ambiente. população, bem como o desempenho dos
Os desafios para a melhoria dos servi- atores vinculados aos processos de gestão
ços de saneamento em termos de força de desses serviços. Nesse sentido, devem ser
trabalho são inúmeros, tais como: realizadas estratégias educacionais que
maximizem a formação no tema.9
• a formação técnica; Para os diversos agentes públicos e
• as condições que viabilizem o trabalho atores sociais devem ser realizados di-
em equipe; ferentes processos de formação. As ações
• a fixação do profissional nos territórios; de saneamento domiciliar são realizadas
• a relação com a população e, pelos moradores, basicamente em duas
• a produção das informações de sane- condições diferenciadas, de acordo com
amento e saúde, de forma a orientar o o PNSR, para as soluções individuais.9
desempenho de suas atividades, deven- Moradores, considerados no grupo de T
do estar de acordo o planejamento mu- usuários, devem desempenhar funções
nicipal de saneamento básico. básicas de conservação e limpeza. No se-
gundo grupo, estão os operadores domi-
É possível identificar concepções diver- ciliares, que assumem papel de destaque
sas de educação e formação profissional na operação e na manutenção da tecno-

713
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

logia que se destina ao atendimento da • supervisionar a disposição e a reci-


demanda sanitária no domicílio. clagem de resíduos em unidades de
Para os usuários dos serviços cole- compostagem;
tivos e das soluções individuais são • desenvolver, coordenar e executar pro-
estabelecidas vivências, diálogos e jetos de obras de sistemas e estações de
orientações com os agentes públicos tratamento de águas e de esgotos;
ao longo das atividades de rotina no • executar e fiscalizar obras de drenagem
território. Oficinas, rodas de conversa urbana;
e campanhas podem ser planejadas en- • realizar a manutenção de equipamen-
quanto ações de educação não formal. tos e redes;
Para o morador, operador domiciliar, a • estruturar o serviço de coleta de resídu-
essas atividades soma-se a realização os sólidos das obras;
de cursos, a partir das necessidades das • controlar os procedimentos de preser-
técnicas de saneamento utilizadas nas vação do meio ambiente;
moradias a serem viabilizadas pelo po- • fiscalizar atividades e obras;
der público. No caso do agente público, • realizar vistorias, inspeções e análises
operador local, além de oficinas e cur- técnicas de projetos, obras e proces-
sos de capacitação, é recomendável ter sos e promover a educação em saúde e
o ensino médio ou o fundamental. Para ambiente.
os gestores públicos, técnicos e admi- A vinculação de técnicos em sane-
nistradores, além da participação em amento no Sistema Único de Saúde
campanhas, seminários, cursos de aper- (SUS) apresenta grandes potencialida-
feiçoamento, é necessário ter cursado o des de apropriação de conhecimentos e
ensino médio ou superior.9 experiências em saneamento e saúde na
perspectiva da promoção da saúde e da
Referencial atuação sobre os determinantes sociais
de saúde.
O Catálogo Nacional de Cursos Técni- Outros técnicos estão relacionados às
cos (CNCT), publicado pelo Ministério áreas do saneamento e da saúde ambien-
da Educação, é um instrumento que dis- tal, tais como: meio ambiente, controle
ciplina a oferta de cursos de educação ambiental, vigilância em saúde (ver p.
profissional técnica de nível médio, para 779), saúde comunitária, edificações,
orientar as instituições, estudantes e a análises químicas, hidrologia e recicla-
sociedade em geral.10 É um referencial pa- gem. O detalhamento das atribuições,
ra subsidiar o planejamento dos cursos e perfil profissional, campo de atuação
correspondentes qualificações profissio- e demais informações de cada técnico
nais e especializações técnicas. constam no Catálogo.10
De acordo com o CNCT, a atuação pro-
fissional do técnico em saneamento (carga Perfis de agentes de campo
horária mínima: 1.200 horas) compreende:
Os agentes comunitários de saúde (ACS),
• coordenar projetos e obras de aterros como desempenham suas atividades no
sanitários; âmbito domiciliar, possuem um papel

714
TÉCNICO EM SANEAMENTO

importante de educação em saúde para o culadores entre as ações de saneamento


manejo seguro das águas e dos resíduos e saúde.12
nas áreas intradomiciliar e peridomici- Os povos indígenas possuem atenção
liar, o que implica na redução dos fato- diferenciada à saúde por meio de Dis-
res de riscos das doenças relacionadas ao tritos Sanitários Especiais Indígenas
saneamento ambiental inadequado (DR- (Dseis), com a atuação dos agentes in-
SAIs – ver p. 218)11 dígenas de saneamento (Aisans) e dos
Os agentes de vigilância em saúde agentes indígenas de saúde (AISs).10
(AVSs) desempenham ações territoria- O saneamento, na perspectiva da inter-
lizadas na escala domiciliar e também setorialidade (ver p. 330), deve ser con-
nas áreas coletivas, podendo contribuir siderado não somente como setor, mas
por meio de seus conhecimentos técni- como área multiprofissional que viabilize
cos de forma efetiva na avaliação das a participação social e a troca de conhe-
estruturas sanitárias das habitações cimentos técnico-científicos e populares.
(domicílios, equipamentos sociais, áre- O planejamento municipal que viabili-
as de lazer etc.), fortalecendo de forma zar o fortalecimento dos agentes públi-
interdisciplinar o manejo adequado dos cos e de técnicos para atuar nos serviços
componentes do saneamento. A pos- coletivos de saneamento e nas soluções
sibilidade de formação técnica desses sanitárias individuais dos domicílios te-
profissionais, conforme as diretrizes e rá resultados cada vez melhores. Cabe,
orientações para a sua formação, amplia portanto, uma avaliação cuidadosa, pelo
seus conhecimentos e habilidades para município, do perfil profissional e dos
atuação no manejo ambiental e habita- campos de atuação desses agentes públi-
cional, tornando-os importantes arti- cos e possíveis formações técnicas.

Referências bibliográficas

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em Planejamento Urbano e Regional) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Ins-
tituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Rio de Janeiro, 1995. Disponí-
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das parasitoses intestinais no Assentamento 25 de Maio, Ceará. 2017. Tese (Dou-
torado em Medicina Tropical) - Instituto Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz, Rio T
de Janeiro, 2017. Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/23824.
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sulta pública. Brasília: MDR, 2019. Disponível em: https://www.cidades.gov.br/ima-
ges/stories/ArquivosSNSA/Arquivos_PDF/plansab/Versaoatualizada07mar2019_
consultapublica.pdf.

715
EIXO 2 - COMUNICAÇÃO E TERRITORIALIZAÇÃO

6. MANFRENDI, M. S. Educação profissional. In: STRECK, D. R.; REDIN, E.; ZITKOSKI,


J. J. (org.). Dicionário Paulo Freire. 2. ed. rev. e ampl. Belo Horizonte: Autêntica,
2010. p. 141-143.
7. EPSJV (org.). Caminhos da politecnia: 30 anos da Escola Politécnica de Saúde Joa-
quim Venâncio. Rio de Janeiro: EPSJV/Fiocruz, 2016. Disponível em: http://www.
epsjv.fiocruz.br/sites/default/files/livro_30_anos.pdf.
8 CECCIM, R. B.; FERLA, A. A. Educação permanente em saúde. In: Pereira, I. B.; Lima,
J. C. F. (org.). Dicionário da educação profissional em saúde. 2. ed. rev. e ampl. Rio
de Janeiro: EPSJV/Fiocruz, 2008. Disponível em: http://www.epsjv.fiocruz.br/sites/
default/files/l43.pdf. p. 162-167.
MS; FUNASA. Programa Nacional de Saneamento Rural. Brasília: Funasa, 2019.
Disponível em: http://www.funasa.gov.br/documents/20182/38564/MNL_
PNSR_2019.pdf/08d94216-fb09-468e-ac98-afb4ed0483eb.
10. MS. Programa de Qualificação de Agentes Indígenas de Saúde (AIS) e Agentes
Indígenas de Saneamento (AISAN). Brasília: MS, 2016. 16 v. Disponível em: http://
www.saude.gov.br/saude-indigena/programa-de-formacao-de-agentes-indigenas-
-de-saude-e-de-saneamento. Acesso em: 23 jun. 2019.
11. FUNASA. Impactos na saúde e no Sistema Único de Saúde decorrentes de agra-
vos relacionados a um saneamento ambiental inadequado. Brasília: Funasa, 2010.
Disponível em: http://www.funasa.gov.br/site/wp-content/files_mf/estudosPesqui-
sas_ImpactosSaude.pdf. Acesso em: 30 jun. 2019.
12. MS. Técnico em vigilância em saúde: diretrizes e orientações para a formação.
Brasília: MS, 2011. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/tec-
nico_vigilancia_saude_diretrizes_orientacoes_formacao.pdf.

Para saber mais

BRAGA, L. Q. V; CASTRO, G.; BARCELOS, E. A. S.; BÚRIGO, A. C. (org.). Saberes. Curso


Técnico em Meio Ambiente, ênfase em saúde ambiental das populações do campo.
Rio de Janeiro: EPSJV/Fiocruz, 2017. (Coleção Tramas e Tessituras, 5). Disponível
em: http://www.epsjv.fiocruz.br/sites/default/files/f5_-_miolo.pdf.
CARNEIRO, F. F.; BÚRIGO, A. C.; DIAS, A. P. Saúde no campo. In: CALDART, R. S.;
PEREIRA, I. B.; ALTEJANO, P.; FRIGOTTO, G. (org.). Dicionário da Educação do
Campo. São Paulo: Expressão Popular; EPSJV/Fiocruz, 2012. p. 691-697. Disponível
em: http://www.epsjv.fiocruz.br/sites/default/files/l191.pdf.
CASTRO, G.; BÚRIGO, A. C.; BRAGA, L. Q. V; BARCELOS, E. A. S. (org.). O curso. Curso
Técnico em Meio Ambiente, ênfase em saúde ambiental das populações do campo.
Rio de Janeiro: EPSJV/Fiocruz, 2017. (Coleção Tramas e Tessituras, 1). Disponível
em: http://www.epsjv.fiocruz.br/publicacao/livro/fasciculo-1-o-curso.
MEC. Catálogo Nacional de Cursos Técnicos. 3. ed. Brasília: MEC, 2016. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=-
77451-cnct-3a-edicao-pdf-1&category_slug=novembro-2017-pdf&Itemid=30192.

716
TECNOLOGIA SOCIAL

Autoria deste verbete

Alexandre Pessoa Dias. Engenheiro civil sanitarista, doutor em Medicina Tropical.


Professor-pesquisador do Laboratório de Educação Profissional em Vigilância em Saú-
de (Lavsa/EPSJV), Fundação Oswaldo Cruz.

Raiane Fontes de Oliveira. Geógrafa, doutoranda em Geografia. Professora-pesquisa-


dora da Estação de Territorialização do Lavsa, da Escola Politécnica de Saúde Joaquim
Venâncio, Fiocruz.

T
TECNOLOGIA SOCIAL

Existem diversas definições de tecnolo- junto de técnicas de que dispõe uma so-
gia social (TS). Uma das mais difundi- ciedade, mais especificamente ao grau de
das foi adotada pela Rede de Tecnologia desenvolvimento de suas forças produti-
Social (RTS), criada em 2005, segundo vas. Por fim, um quarto sentido, ligado a
a qual, a TS compreende produtos, téc- este último, é o de tecnologia como “ide-
nicas e/ou metodologias reaplicáveis, ologia da técnica”.2
desenvolvidas em interação com a comu- A tecnologia é um dos elementos con-
nidade e que representam efetivas solu- ceituais que constituem momentos dis-
ções de transformação social.1 Definição tintos no processo de evolução humana,
abrangente e mesmo polissêmica, por ter em interação mútua com as relações so-
envolvido em sua formulação diversos ciais, a relação com a natureza, os mo-
segmentos da sociedade civil, traz a críti- dos de produção e reprodução da vida
ca às limitações da tecnologia convencio- cotidiana e as concepções mentais do
nal. Esse entendimento contempla o fato mundo, formando uma totalidade.3, 4
de que as TSs passam a atuar como movi-
mento social e consolidaram-se enquanto Conceitos em xeque
política pública.
O conceito de tecnologia possui quatro A TS constitui-se a partir da crítica à
sentidos mais usuais. O primeiro e mais suposta neutralidade da tecnociência
geral é o etimológico: tecnologia como o positivista, ao desenvolvimentismo e à
tratado da técnica. Estão englobadas a implantação de tecnologias exógenas aos
teoria, a ciência, as artes, as habilidades territórios (ver p. 729). Expressa conheci- T
do fazer, as profissões e, de forma geral, mentos populares e acadêmicos, e expan-
os modos de produzir alguma coisa. O se- diu-se no Brasil por ação dos movimentos
gundo sentido é tomado no senso comum sociais. Foi incorporada em políticas pú-
como sinônimo de técnica ou de conhe- blicas de ciência, tecnologia e inovação
cimento. O terceiro relaciona-se ao con- para inclusão social, geradora de trabalho

717
EIXO 2 - COMUNICAÇÃO E TERRITORIALIZAÇÃO

e de renda, contribuindo de forma efetiva como um dos objetivos da Política Federal


para o acesso ao saneamento nas escalas de Saneamento Básico: “fomentar o desen-
domiciliar, comunitária e pública. volvimento científico e tecnológico, a adoção
Os conceitos e movimentos de tecnolo- de tecnologias apropriadas e a difusão dos
gia social,5, 6 tecnologias leves,7, 8 tecno- conhecimentos gerados de interesse para o
logias apropriadas,9, 10 tecnologias adap- saneamento básico”.14
tadas11 e sistemas não convencionais12 Uma das estratégias relativas ao de-
trazem críticas à tecnologia convencional, senvolvimento tecnológico dos serviços e
aos seus impactos socioambientais e à in- sistemas estabelecidos no Plano Nacional
suficiência da racionalidade tecnológica.8 de Saneamento Básico (Plansab – ver p.
Por outro lado, fazem referência à poten- 457) descreve: “Incentivar, nas estratégias
cialidade emancipatória das técnicas no de apoio técnico e financeiro, opções que pre-
âmbito das relações sociais.1 vejam a melhoria gradual e progressiva da
Surgida no início dos anos de 1970, a pro- situação de saneamento básico, por meio da
posta da tecnologia apropriada, precursora aplicação do conceito de tecnologia apropria-
da TS, alcançou inserção internacional mo- da, que considere as especificidades locais
tivada pela crise ambiental e pelo fracasso nas dimensões sociais, culturais, econômi-
de parte das propostas desenvolvimentis- cas, ambientais e institucionais, dando es-
tas adotadas pelos países em desenvolvi- pecial atenção às populações de baixa renda
mento a partir da adoção de tecnologias e às ocupações com urbanização precária”.15
procedentes de países desenvolvidos. O Segundo Dagnino, o conceito defendi-
novo termo ampliou sua abrangência, in- do por essas grandes redes de TS deve ser
corporando fatores socioambientais, eco- revisto, a partir de uma nova interpreta-
nômicos, institucionais e políticos.13 ção: “A Tecnologia Social nada mais é do que
a ação coletiva de trabalhadores sobre um
Abordagem no saneamento processo de trabalho que eles dominam e em
função do contrato social baseado na auto-
No saneamento, sua abordagem foi de- gestão, na solidariedade, no cooperativismo,
finida como aquela baseada em conhe- na propriedade coletiva dos meios de produ-
cimentos e experiência técnica, visando ção, permitindo que esse coletivo se aproprie
trabalhar com a iniciativa local e com os deste resultado da forma que considerar
materiais que mais facilmente se obte- conveniente”.16
nham. Em busca de aperfeiçoamento para
melhor atender às comunidades e ao obje- Baixo custo e caráter distributivo
tivo de promoção da saúde, deve ser tecni-
camente correta, culturalmente aceitá- A TS pode se caracterizar pela aplicação
vel e economicamente viável, remetendo de técnicas:
à dimensão sociocultural da inovação, que
proporcione o desenvolvimento da auto- • de baixo custo;
determinação das populações.10 • de manutenção simples;
O marco regulatório do saneamen- • de produção, escolha e apropriação pela
to básico no Brasil, por meio da Lei comunidade;
11.445/2007 em seu artigo 40, estabelece • de baixo impacto na natureza;

718
TECNOLOGIA SOCIAL

• geradoras de trabalho; Exemplo no Semiárido


• distributivas de renda e de conhecimento;
• preferencialmente baseadas em insu- Um exemplo de utilização de TS em lar-
mos naturais existentes nos territórios; ga escala foi construído pela Articulação
• valorizadoras das culturas locais e das Semiárido Brasileiro (ASA), uma rede
vocações regionais; formada por mais de três mil organiza-
• promotoras da saúde, da melhoria das ções da sociedade civil de distintas natu-
condições de vida e de trabalho, da rezas – sindicatos rurais, associações de
territorialidade e da organização co- agricultores e agricultoras, cooperativas,
munitária.1, 5, 6, 17, 18 organizações não governamentais (ON-
Gs), organizações da sociedade civil de
A característica de ser promotora de interesse público (Oscips) etc.21
saúde pode conferir e qualificar as pre- O  Programa de Formação e Mobili-
missas da TS, de forma a contribuir com zação Social para a Convivência com o
a saúde coletiva, incluindo a saúde do Semiárido por meio do Programa Um
trabalhador e a promoção de territórios Milhão de Cisternas  (P1MC) e do Pro-
saudáveis e sustentáveis.17 grama Uma Terra e Duas Águas (P1+2),
O processo de trabalho coletivo, solidá- desenvolvidos pela ASA, abriga tecno-
rio e autogestionário permite que as ade- logias sociais de captação e armazena-
quações sociotécnicas para as TSs promo- mento de água de chuva para beber e
vam o protagonismo e o reconhecimento para produzir alimentos (o nome “Uma
das culturas, das artes, dos saberes, das Terra e Duas Águas” significa solo para
técnicas e dos modos de vida das popu- plantar combinado a um reservatório
lações do campo, da floresta e das águas de água para consumo humano e outro
(ver p. 499), bem como das populações para produção).22, 23 Essas melhorias for-
com vulnerabilidade socioambiental (ver talecem outras iniciativas de convivên-
p. 786) das cidades e periferias. cia com o Semiárido brasileiro, como a
A extensa cartografia social brasileira promoção da agroecologia (ver p. 40); as
mantém um rico acervo de técnicas e de cooperativas de crédito voltadas para a
tecnologias que precisam ser reconheci- agricultura familiar e camponesa; os
das e valorizadas pelas instituições aca- bancos ou casas de sementes crioulas;
dêmicas e de pesquisa e pelas políticas os fundos rotativos solidários; a criação
públicas visando à promoção do sanea- animal; a educação contextualizada; e o
mento ambiental (ver p. 577).18, 19 combate à desertificação.
Para além da consulta aos bancos de tec- As organizações participantes da ASA
nologias sociais20 e dos estudos de alter- mobilizam milhares de pessoas na for-
nativas tecnológicas em saneamento, tra- mação e construção das TSs, produzin-
ta-se de considerar as racionalidades, os do publicações, criando e aperfeiçoando T
sistemas analítico-conceituais, métodos e uma adequação sociotécnica que promo-
teorias críticas8 para a apropriação de TS ve a organização comunitária, envolve
pelas comunidades em seus processos cí- ativamente as famílias e contribui com a
clicos: saúde – vulnerabilidade – doença – valorização da cultura do trabalho coope-
intervenção – cuidado (manejo) – saúde17. rativado.21, 22, 23 Essa experiência poderia

719
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

ser reaplicada em outras regiões do país por meio de políticas públicas e ações de
e com outras TSs relacionadas ao sanea- intercâmbio realizadas pelas universida-
mento básico, ao saneamento ambien- des e pelos movimentos sociais, inclusi-
tal e ao saneamento ecológico (ver p. 604). ve no escopo do Programa de Melhorias
Sanitárias Domiciliares, verifica-se ainda
Programas governamentais e no país um represamento da pesquisa
outras iniciativas da sociedade científica e tecnológica que responda às
necessidades básicas da população e da
O Programa Nacional de Universaliza- preservação da natureza, a exemplo das
ção do Acesso e Uso da Água – Programa TSs de saneamento ambiental de trata-
“Água para Todos”,24 no âmbito do Pla- mento domiciliar de água de baixo custo,
no Brasil sem Miséria, contemplou a im- de aproveitamento de águas de chuva, de
plantação de tecnologias sociais como as manejo ambiental de vetores, de reuso de
cisternas de placas (calçadão, enxurrada esgoto doméstico e de lodo na agricultu-
e telhado), barragem subterrânea, barrei- ra, de fomento à agroecologia, do enfren-
ro-trincheiro, sistema de barraginha, pe- tamento das doenças negligenciadas.
quenas barragens, microaçudes, tanques
de pedra, barreiro lonado, bomba d’água Autonomia, experiência e
popular e kits de irrigação.25 coletividade como bases
Outras TSs estão sendo implementadas
pelos três níveis de governo e pelos mo- A educação popular em saneamento e
vimentos. Entre os exemplos, filtros do- saúde insere-se no contexto das TSs, fun-
miciliares de água, bombas bola de gude, damentada em concepções teóricas que
bombas de catavento, irrigação por gote- têm como pressupostos a autonomia, o
jamento, quintais produtivos, sistemas tempo da experiência vivida e o trabalho
agroflorestais (SAFs), banco de sementes coletivo que fortaleça a organização co-
crioulas, minhocários e biodigestores. munitária e a economia solidária.27
O filtro cerâmico de água domiciliar é Esta pode compreender atividades
uma melhoria sanitária domiciliar (ver p. econômicas – sejam de inovação em tec-
386) e, como barreira sanitária para o en- nologias sociais, produção, distribuição,
frentamento das doenças infectoparasitá- consumo ou poupança e crédito – organi-
rias, apresenta resultados expressivos para zadas por meio da autogestão, do traba-
a segurança hídrica no ponto de uso.17 lho associado solidário, com autonomia e
Essa tecnologia social passou a ser re- democracia direta.27
comendada no Programa Saneamento O território, enquanto espaço de pro-
Brasil Rural (PSBR – ver p. 525), o que dução e reprodução da vida, possui em sua
também aconteceu com o dessaliniza- dinâmica a capacidade de criar novas for-
dor solar, tanques de evapotranspiração, mas de organização social e produtiva. A
zona de raízes, círculo de bananeiras, economia solidária, tendo como platafor-
compostagem, técnicas de infiltração de ma as TSs, pode ampliar as possibilidades
águas de chuva etc.26 de trabalho e renda por meio da associação
Mesmo considerando os avanços teó- de trabalhadores, apoiando a formação de
rico-metodológicos e de difusão das TSs cooperativas populares e incubadoras de

720
TECNOLOGIA SOCIAL

empreendimentos solidários de forma municipais de saneamento e a economia


autogestionária, fortalecendo as políticas dos municípios e de suas populações.

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721
EIXO 2 - COMUNICAÇÃO E TERRITORIALIZAÇÃO

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A. C.; MIYASHIRO, G. M. (org.). Rio de Janeiro: EPSJV/Fiocruz, 2017. v. 2. Disponí-
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Acesso em: 23 nov. 2019.
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Cartografia Social da Amazônia. Disponível em: http://novacartografiasocial.com/
fasciculos/povos-e-comunidades-tradicionais-do-brasil . Acesso em: 11 jan. 2016.
20. LASSANCE JUNIOR, A. E.; MELLO, C. J.; BARBOSA, E. J. S.; JARDIM, F. A.; BRAN-
DÃO, F. C.; NOVAES, H. T. et al. Tecnologia social: uma estratégia para o desenvol-
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soró: ASA, 2016. Disponível em: http://www.asabrasil.org.br/images/UserFiles/Fi-
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RTS, 2010. Disponível em: http://www.mobilizadores.org.br/wp-content/uplo-
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24. BRASIL. Decreto nº 7.535, de 26 de julho de 2011. Institui o Programa Nacional
de Universalização do Acesso e Uso de Água - "Água para Todos". Disponível em: ht-
tp://planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2011-2014/2011/Decreto/D7535.htm.
25. CAMPOS, A; ALVES, A.M.; SANTANA, V.L; ARSKY, I. O Programa Água para To-

722
TECNOLOGIA SOCIAL

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27. VARANDA, A. P. M.; BOCAYUVA, P. C. C. Tecnologia social, autogestão e econo-
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Para saber mais

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tps://www.asabrasil.org.br.
FBB. Banco de Tecnologias Sociais. Página web da Fundação Banco do Brasil. Dispo-
nível em: https://www.fbb.org.br/pt-br/ra/conteudo/banco-de-tecnologias-sociais.

Vídeos

O CAMINHO da transformação - Tecnologia Social. FB B, 2016. 1 vídeo (2 min). Dispo-


nível em: https://www.youtube.com/watch?v=MbqVVCGVhWg>.
APRENDENDO com um movimento de pés descalços. TEDGlobal 2011. Palestrante:
Bunker Roy. TED, 2011. 1 vídeo (18 min). Disponível em: https://www.ted.com/
talks/bunker_roy?language=pt-br.
PEDREIRO cria cisterna para guardar água da chuva no Nordeste. Globo Repórter. Re-
portagem de Isabela Assumpção. G1, 16 jun. 2017. Programa apresentado em 16 jun.
2017. 1 vídeo (7 min). Disponível em: https://glo.bo/2txz4ef.
FILTRO de barro, invenção brasileira, é um dos melhores do mundo. Globo Repórter.
Reportagem de Isabela Assumpção. Programa apresentado em 16 jun. 2017. 1 vídeo
(8 min). Globoplay. Disponível em: https://globoplay.globo.com/v/5946176.

Autoria deste verbete

Alexandre Pessoa Dias. Engenheiro civil sanitarista, mestre em Engenharia Ambien-


tal, doutor em Medicina Tropical. Professor-pesquisador do Laboratório de Educação
Profissional em Vigilância em Saúde (Lavsa) da Escola Politécnica de Saúde Joaquim
Venâncio, Fundação Oswaldo Cruz. T

723
EIXO 9 - TERRITORIALIZAÇÃO EM SAÚDE

T
TERRITORIALIZAÇÃO EM SAÚDE

A territorialização é um importante pro- processos são cada vez mais comuns


cesso social e político que concretiza as num contexto de globalização.
ações cotidianas produzindo a realidade Na maioria das vezes, são grupos sociais
local em que se vive e trabalha. Consiste vulneráveis por sua situação singular de vi-
no ato de estar, agir, fazer ou fixar no es- da, como os atingidos por barragens, sem-
paço geográfico atores sociais – pessoas, -terra, sem-teto, quilombolas, pescadores
grupos, empresas e instituições públicas artesanais e indígenas, expulsos pelos
e privadas, que no processo de interação grandes empreendimentos, que os trans-
se apropriam e delimitam territórios. forma em excluídos de viver no território.2
A apropriação do território (ver p. 729)
tem como base a capacidade dos atores Pilar para políticas
sociais de exercer algum tipo de intera-
ção que propicie construir identidade, A compreensão do processo de territoria-
regras, vínculos, normas e ordenamento lização da sociedade, de apropriação e uso
territorial. Ao se estabelecerem em um dos espaços é essencial na elaboração de
lugar, eles iniciam a territorialização de políticas públicas, assumindo o conceito
suas histórias, hábitos, normas, costu- de território como referência para aná-
mes, pertences, projetos, desejos e incer- lise social e base para a formulação de
tezas que definirão, em contextos de con- propostas ordenadoras de intervenções
vivência entre diferentes, as formas de coletivas. Isso porque se entende que o
apropriação e uso dos espaços. A dinâ- ambiente interfere na saúde, logo é fun-
mica social no território resulta do movi- damental usar o espaço do território e lo-
mento de entrada e saída de conjuntos de calizar os elementos que podem produzir
elementos, semelhantes e diversos, que saúde ou doença. O território é ferramen-
em interação vão contribuir (positiva ou ta central na elaboração de diagnósticos
negativamente) para a territorialização.1 de condições de vida e situação de saúde
Nos processos de territorialização os (ver p. 202), incluindo a implementação
atores sociais vivem seu cotidiano em de planos municipais de Saneamento Bá-
constante esforço coletivo para perma- sico (PMSBs – ver p. 450).
necer no território. Nesse movimento, A aproximação do campo da saúde
alguns sofrem ou são submetidos a pres- com a categoria território é recente, e na
sões e contingências que podem levar 8ª Conferência Nacional de Saúde, em
à perda ou expulsão do território. São 1986, foi destacada a necessidade de o
situações nas quais determinados gru- sistema de Saúde estar assentado em ba-
pos de população podem perder acesso se territorial para cumprir com os prin-
ao território e se (des)territorializar no cípios de universalidade, equidade e in-
sentido material da existência. Estes tegralidade. Para as Américas, a Orga-

724
TERRITORIALIZAÇÃO EM SAÚDE

nização Pan-Americana de Saúde (Opas) der como as populações vivem, adoecem


propôs uma estratégia de organização e morrem em determinados territórios e
baseada no conceito de território, os sis- situações. Tal reconhecimento territorial
temas locais de Saúde (Silos), focado na resulta na elaboração dos diagnósticos de
gestão municipal. O Brasil fez uma relei- condições de vida e situação de saúde, que
tura, organizando a divisão dos espaços são ferramentas básicas do planejamen-
em distritos sanitários (DSs), apoiada to participativo estratégico-situacio-
na regionalização.1 nal, realizado de forma contínua e ascen-
Com a Constituição de 1988 e a im- dente a partir de um território definido.
plementação do Sistema Único de Saúde A territorialização em saúde, para além
(SUS) em 1990 foi estabelecida a muni- de ser processo em que se localizam em
cipalização com uma das diretrizes, e o mapas os dados do território, torna-se
Estado brasileiro definiu que estrutura ferramenta de comunicação (ver p. 111)
operacional seria organizada em base ter- entre membros da equipe de saúde e en-
ritorial, para que o acesso à saúde possi- tre esta e a população, na medida em que
bilitasse aos usuários maior proximidade possibilita demonstrar e visualizar o que
com os serviços de primeiro contato, na ocorre no espaço de vida das pessoas, em
perspectiva de assegurar a integralidade relação a riscos, determinantes e causas
do cuidado e o vínculo assistencial. de agravos à saúde e ao ambiente.
Preconizadas pelas políticas de Saúde,
universalização, descentralização e in- A técnica de territorialização
tegralidade estão diretamente ligadas à de informações
ideia de território, e todos os princípios
do SUS têm reflexo nele. Para viabilizar Na formulação de políticas participa-
a universalização, são delimitados peque- tivas, estão incluídos, de forma direta,
nos territórios, que possibilitam a inte- atores sociais sujeitos do território, que,
gração de ações, com o saneamento e o pela via democrática, constroem a possi-
controle de vetores, dentre outros. bilidade de ação efetiva do Estado sobre
A territorialização do SUS organiza os problemas diversos de populações. Críti-
serviços de acordo com o território onde cas a propostas de políticas públicas atu-
a vida acontece, a partir da identificação ais apontam para o distanciamento da
de problemas, necessidades e potenciali- realidade social dos territórios por parte
dades. É utilizada também como técnica dos seus formuladores. O caminho indi-
para o planejamento e a programação cado para superar esse desafio se dá por
em saúde, devendo ser desenvolvida pe- meio da democratização das decisões da
las equipes de campo e pela população a ação do Estado em ação conjunta com a
partir do entendimento das condições de população como sujeitos atuantes na for-
vida em determinado território. mulação de instrumentos norteadores de T
Esta técnica implica um processo contí- políticas públicas.
nuo de coleta, análise e sistematização A técnica de territorialização em saú-
de dados - demográficos, ambientais, so- de tem como um dos seus pontos fortes
cioeconômicos, políticos, culturais, epide- o caráter participativo, que facilita a in-
miológicos e sanitários – para compreen- teração entre os agentes públicos, a po-

725
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

pulação e os atores políticos. Permite aos fins de conhecer e atuar sobre as condi-
formuladores compartilhar espaços insti- ções de vida de territórios, sem interfe-
tucionais na organização das políticas lo- rir na territorialização que a população
cais ou em outras formas de intervenção realiza ao se estabelecer no lugar. Isto
territorial nas comunidades. define critérios para a governança, de
Técnica essencialmente pedagógica, ordem organizacional e operacional,
pois ensina a melhor forma de estabelecer adequados às características sociocul-
diálogos e instituir políticas conforme es- turais e sanitárias, dos equipamentos
pecificidades identificadas. Um processo públicos e dos serviços de saúde exis-
de interação pedagógica com a realidade tentes no território, no sentido de in-
social que compartilha a criação de novos clusão e de acesso a segmentos sociais
conhecimentos, pois, para além dos dados que tenham identidade em relação aos
acumulados, pode levar à reformulação limites definidos;
das observações preconcebidas por meio • na efetivação de estratégia educativa
da descoberta de novos caminhos. na formação de trabalhadores em di-
Como método de obtenção e análise de versas áreas de atuação. Consiste em
informações sobre as condições de vida um dispositivo poderoso para a apren-
de populações, é um instrumento para dizagem significativa sobre a realidade
entender os contextos de uso e de vida no social. Um processo que estabelece diá-
território em todos os níveis das ativida- logo pedagógico com a realidade social,
des humanas (econômicos, sociais, cultu- fazendo com que se estimule impor-
rais, políticos etc.). tante relação de aprendizagem, com os
No processo de territorialização são sujeitos, poderes instituídos, cenários e
identificadas vulnerabilidades, riscos, situações presentes no território;
populações expostas e potencialidades, • na inserção da participação social (ver
e selecionam-se problemas prioritários p. 424) nos processos decisórios para
para intervenções. Este processo permite efetivação de políticas, programas, or-
a escolha de ações mais adequadas, apon- ganização dos serviços e das práticas
tando estratégias e atores que foram iden- em saúde. O pertencimento aos lugares
tificados no processo de reconhecimento, de vida e de identidade territorial deve
buscando aproximação com as relações so- ser observado nos processos de plane-
ciais locais e melhor forma de operaciona- jamento de agendas territorializadas e
lizar intervenções e políticas públicas de na execução de planos de ação.
forma territorializada. Como tecnologia
estruturante da vida cotidiana, "faz falar Cabe destacar que a territorialização co-
o território" em diferentes situações:1 mo instrumento participativo consiste na
possibilidade de efetivar o controle social
• na atuação intersetorial, em que o ter- (ver p. 156), “dar voz” aos atores que ali
ritório agrega todas as coisas existen- constroem suas vidas. O controle dos ins-
tes em uma dada realidade, tornando- trumentos de investigação sobre a realida-
-se o elemento integrador da atuação de por parte dos atores sociais consiste na
dos diversos setores da gestão pública; capacidade destes de definir a linguagem
• na adoção de limites territoriais para que deve ser adotada na efetivação de ações.

726
TERRITORIALIZAÇÃO EM SAÚDE

Instrumentos para a sociais, regras de convívio social e a capa-


territorialização cidade de ação dos atores, definindo desta
forma suas práticas sociais cotidianas;
No processo de territorialização de infor- Observação de campo: anotações e
mações usam-se técnicas de pesquisa qua- produção de imagens fotográficas e em
litativa e quantitativa para identificar, co- vídeo para reconhecimento de singulari-
nhecer, analisar e intervir sobre problemas dades locais, por meio da roteirização de
e necessidades sociais. Entre os inúmeros produção de imagens sobre os contextos
instrumentos que podem ser utilizados, al- sociais locais, como uma ferramenta para
guns são indispensáveis, como:1, 2 a investigação e reconstrução do conheci-
mento. As condições materiais de subsis-
1) Informações de dados primários: tência (os recursos do território) detêm
um conjunto de signos que encontram
Mapeamento do território: permite visua- no texto visual um grande potencial não
lizar e analisar informações referenciadas só para expressar o conhecimento, mas
associadas a um território, isto é, estas são principalmente como estratégia de análi-
localizadas e relacionadas geograficamen- se qualitativa sobre as condições de vida.
te, propiciando a incorporação de conceitos
para a análise. O mapeamento (artesanal 2) Informações de dados secundários
ou das novas geotecnologias) permite tra- disponibilizados em bancos de dados:
balhar a síntese geográfica, buscando as demográficos; geomorfológicos;
expressões territoriais das interações hu- climáticos; de estrutura sanitária;
manas. Envolve a apropriação, os limites e de processos produtivos.
e a intenção de poder dos diversos atores
sociais sobre uma porção precisa do espaço, A análise de agrupamento e de relacio-
decisiva para a compreensão das questões namento entre informações primárias e
essenciais e a delimitação do território, que secundárias subsidia a produção de diag-
se constituirá na arena de implementação nóstico de condições de vida e situação de
de políticas e na expressão de territorializa- saúde de territórios para a implementação
ções que a ele se associa. O diálogo acerca de de planos, projetos e programas, inclusive
mapas é mobilizador, dado que estabelece os de Saneamento Básico, que devem ser
outra linguagem e permite interações dife- compartilhados localmente, para a pactu-
rentes daquelas que usualmente se baseiam ação de políticas entre a população e agen-
nos discursos científicos e acadêmicos, qua- tes públicos (da saúde, do saneamento, da
se sempre inacessível ao cidadão comum; assistência social, do desenvolvimento ur-
Entrevista: possibilita ouvir os atores bano e rural, outros) com vista à organiza-
do território sobre a conduta de grupos ção de intervenções participativas.
T
Referências bibliográficas

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In: MENDONÇA, M. H. M. et al. (org.). Atenção primária à saúde no Brasil: concei-
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727
EIXO 9 - TERRITORIALIZAÇÃO EM SAÚDE

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728
TERRITÓRIO

Autoria deste verbete

Maurício Monken. Geógrafo, doutor pela Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp)
da Fundação Oswaldo Cruz. Professor, pesquisador e coordenador da Estação de
Territorialização da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da Fiocruz.

Grácia Gondim. Arquiteta, doutora em Saúde Pública pela Ensp. Professora e pesquisa-
dora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) e da Universi-
dade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Edilene de Menezes Pereira. Geógrafa, mestre em Práticas em Desenvolvimento Sus-


tentável pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Professora e pes-
quisadora da EPSJV, Fundação Oswaldo Cruz.

Raiane Fontes de Oliveira. Geógrafa, doutoranda em Geografia Física, mestre em Geo-


grafia. Professora-pesquisadora do Laboratório de Educação Profissional em Vigilância
em Saúde (Lavsa) da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), Fundação
Oswaldo Cruz.

T
TERRITÓRIO

A base material da existência humana Atores sociais como o Estado (em seus
é o território. Pessoas e grupos apro- diversos setores de atuação, como saúde
priam-se dos diferentes espaços e lu- e educação), as empresas, as corporações
gares que o compõem para que a vida multinacionais, a população, os movimen-
aconteça. É um conceito que ajuda a des- tos sociais e as organizações não gover-
crever e entender as múltiplas formas namentais (ONGs) têm papel decisivo na
de viver, conhecer seus habitantes e as produção da vida cotidiana, consideran-
relações que os atores sociais estabele- do seus problemas e potencialidades. São
cem entre si para produzir e reproduzir atores que influenciam os territórios des-
suas condições de existência. de a escala local, passando pela regional,
Nas últimas duas décadas este conceito nacional e mundial e, com o processo de
ressurge na formulação de processos for- globalização, estão presentes no dia a dia
mativos e estudos acadêmicos, e em dife- em todos os lugares onde a vida acontece. T
rentes formas de planejamento, como é o
caso das políticas de saneamento, saúde e Entendimento em transformação
educação. O território é conceito central
na formulação e na implementação de po- Existem inúmeras definições para ter-
líticas públicas para estes setores. ritório, com base em interpretações que

729
EIXO 9 - TERRITORIALIZAÇÃO EM SAÚDE

se consolidaram ao longo do tempo. No Nele, relações de poder são estabele-


século 19, o termo era entendido como cidas por meio de trocas, de diálogos, de
a base material e simbólica para criação negociações, de pactuações ou de conflitos
dos Estados-nação, como substrato so- entre diferentes atores sociais e grupos
bre o qual se organizava a sociedade, em que, em dado momento, propõem imple-
que o Estado era a força, o poder e ator mentar localmente seus projetos ou inter-
principal, com papel preponderante so- venções. Portanto, o poder como essência
bre os demais permitindo a sua existên- das relações sociais de apropriação sobre
cia e manutenção. o espaço geográfico é conceito central para
Na atualidade, intensificam-se a pro- o entendimento de território.
dução e a apropriação de territórios, da- Poder é a capacidade com que todos os
da a velocidade de processos produtivos, atores sociais – e não somente o Estado –
de informação e da diversidade crescen- contam de exercer apropriação, ação ou
te de atores sociais com projetos distin- projeto particular na disputa de ideias,
tos. Tais processos suscitam constantes intenções e desejos a outras pessoas,
transformações, que se concretizam por grupos, instituições. As organizações
meio da sobreposição de várias intenções sociais, culturais, religiosas, o poder pú-
de uso e controle do território por dife- blico, a população, as empresas possuem
rentes atores ao mesmo tempo. poder e o exercem de acordo com seus
A simultaneidade de ações e processos no interesses e projetos e com sua capaci-
território pode gerar tanto sinergias quan- dade de fazer com que ele aconteça e se
to conflitos de interesses, decorrentes de materialize nos territórios.
interações diversas, as quais se territoria- A delimitação do território define fron-
lizam, materializando no espaço cotidiano teiras para demarcar áreas de atuação, in-
pactos ou disputas entre os diversos gru- tervenção, controle e alcance de respon-
pos para organizar o território da maneira sabilidade de instituições do Estado, tais
mais adequada aos objetivos de cada um. como a cobertura de coleta de resíduos,
São diversos atores que fazem uso dos de energia elétrica, de serviços de telefo-
territórios, e há ainda os que atuam de nia, de correios, de saúde e de educação.
modo clandestino, isto é, grupos sociais A sociedade, no cotidiano, também defi-
que adotam meios violentos e impõem ne seus limites por meio da cultura local
novas regras de apropriação territorial. e dos processos informais de apropriação
dos territórios ao longo do tempo.
Limites, poderes e
apropriação do território Desigualdades sociais e a
produção de saúde-doença
Concebido como espaço em constante
construção e produto da dinâmica social, Em territórios vulneráveis, resultantes
o território transcende sua delimitação ge- de desigualdades sociais, conjuga-se a
ográfica apenas como superfície solo e suas ausência ou irregularidade de um con-
características para se instituir como base junto de serviços essenciais – como pla-
de vida pulsante, de conflitos, de interesses nejamento na ocupação e no uso do solo;
diferenciados, de projetos e de sonhos. oferta de esgotamento sanitário, abas-

730
TERRITÓRIO

tecimento de água, manejo de resíduos lizam simultaneamente especificidades de


sólidos, manejo e drenagem de águas gestão (município, estado, União) e escalas
pluviais; e manejo de vetores e pragas - de abrangência que delimitam responsa-
que compõe um contexto desfavorável à bilidades sanitárias do modelo de atenção
saúde. Ele potencializa a ocorrência de (área, microárea, região e distrito, entre
doenças e agravos relacionadas às con- outros). Essa base territorial permite res-
dições de vida precárias, caso de arbo- ponder aos problemas e as necessidades de
viroses (ver p. 583), cuja determinação saúde de populações e estabelecer pactos e
social está associada a baixos padrões negociações entre as três esferas de gestão
de saneamento ambiental. do sistema, para melhor oferecer serviços
No que tange à compreensão do pro- e cuidados de caráter universal, equânime
cesso saúde-doença, o território possibi- e integral sob o controle social.1, 2
lita identificar e localizar riscos, causas,
danos e os determinantes sociais asso- Condições de vida,
ciados, para definição de intervenções territorialização e saneamento
de cunho coletivo e individual, usando
tecnologias e recursos que impliquem ra- A dimensão local e seus modos de vida
cionalização e resolutividade. Em relação necessita ser compreendida e observa-
à organização de redes de atenção à saú- da não só como espaço onde as pessoas
de, oferece oportunidade para cumprir moram e vivem ou onde os eventos do
com princípios e diretrizes organizativos cotidiano acontecem e se localizam, mas
do Sistema Único de Saúde (SUS) – des- sobretudo como lugar de produção e re-
centralização, hierarquização e regiona- produção social, de trocas de mercado-
lização –, definindo recortes territoriais rias e produtos, de códigos e valores do
que não apenas atendam a critérios de- território e de convivência entre pessoas.
mográficos e epidemiológicos, mas, fun- O reconhecimento das condições de vida
damentalmente, assegurem o acesso e a do território, por meio do processo de ter-
acessibilidade de populações ao cuidado ritorialização de informações, realiza-se
de qualidade. com a identificação de atores sociais, das
Mais recentemente, o setor brasileiro potencialidades locais, dos riscos e vulne-
de saúde utiliza o território tanto para rabilidades, da existência de equipamen-
agregar elementos contextuais à expli- tos públicos, das lideranças e do resgate
cação do processo saúde-doença como da história de ocupação do território, suas
para organizar a rede de serviços e estru- tradições e manifestações culturais.
turar o cuidado em saúde. Nessa direção, Estudos sobre o “local” podem dar su-
define uma base territorial diversificada porte, por exemplo, a levantamentos dos
como estratégia de controle para defini- equipamentos do setor de saneamento
ção de responsabilidade sanitária, de existentes nos territórios considerados, T
modo a responder às necessidades e aos carências ou demandas não cobertas por
problemas de saúde de populações em seus serviços, definindo a melhor relação
territórios singulares. entre a quantidade de população no ter-
Os territórios desse setor saúde consti- ritório e o nível de oferta necessário em
tuem-se múltiplos e singulares, e materia- cada âmbito espacial delimitado.2

731
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

O planejamento municipal de Sanea- Por isso, para ser efetiva, qualquer


mento deve ter o território do município intervenção pública - da formulação
como referência, e este contém divisões de políticas à execução de ações – deve
como as subprefeituras, os distritos admi- ser produzida e pactuada com a popula-
nistrativos, as administrações regionais, ção local possibilitando o planejamento
as áreas de operações urbanas e rurais e participativo com a adequação de estra-
outras instituídas pelo Plano Diretor ou tégias às particularidades e à linguagem
por outros instrumentos de zoneamento do território. A participação social (ver
urbano. Impõe-se, dessa forma, a escala p. 424) constitui elemento essencial pa-
local para organização das políticas pú- ra o êxito do planejamento municipal na
blicas de saneamento a implementar. área e para a melhoria das condições de
vida da população.

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732
TERRITÓRIO

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ritorio_paulista_-cvs.pdf.

Filme T

SANEAMENTO Básico. Roteiro e direção: Jorge Furtado. Produção executiva: Nora Gou-
lart e Luciana Tomasi. Intérpretes: Fernanda Torres, Wagner Moura, Camila Pitanga,
Bruno Garcia, Lázaro Ramos et al. Distribuído pela Columbia Pictures do Brasil. Porto
Alegre: Casa de Cinema de Porto Alegre, 2007. 1 filme (112 min).

733
EIXO 4 - ABASTECIMENTO DE ÁGUA

Autoria deste verbete

Maurício Monken. Geógrafo, doutor pela Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp) da
Fundação Oswaldo Cruz. Professor, pesquisador e coordenador da Estação de Territo-
rialização da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da Fiocruz.

Grácia Gondim. Arquiteta, doutora em Saúde Pública pela Ensp. Professora e pesquisa-
dora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) e da Universi-
dade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Edilene de Menezes Pereira. Geógrafa, mestre em Práticas em Desenvolvimento Sus-


tentável pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Professora e pes-
quisadora da EPSJV, Fundação Oswaldo Cruz.

Raiane Fontes de Oliveira. Geógrafa, doutoranda em Geografia Física, mestre em Geo-


grafia. Professora-pesquisadora do Laboratório de Educação Profissional em Vigilância
em Saúde (Lavsa) da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), Fundação
Oswaldo Cruz.

T
TRATAMENTO DE ÁGUA
Este verbete foi elaborado na vigência da Portaria de Consolidação 5 de 2017, do Ministério da
Saúde, que foi substituída pela Portaria GM/MS 888, publicada em 4 de maio de 2021.

O tratamento de água é um conjunto de junto de parâmetros físicos, químicos e


operações unitárias que visa à remo- biológicos estabelecido pelo Ministério
ção de microrganismos causadores de da Saúde, por meio da Portaria de Conso-
doenças e de substâncias nocivas à saú- lidação no 5/2017.1
de, além de torná-la agradável, com boa Os gestores municipais devem conhe-
aparência, odor e sabor, garantindo sua cer os processos usados no tratamento
aceitação pelos usuários do sistema de de água em sua cidade, para que possam
abastecimento de água (SAA). Algumas realizar o acompanhamento adequado
operações unitárias podem estar presen- dos serviços de abastecimento de água.
tes no dia a dia da população, por exem- Também devem conhecer as limitações
plo, no uso do filtro para coar café, no uso desse processo e fomentar programas
de peneiras e na agitação de líquidos, rea- para a proteção dos mananciais, com o
lizada com a finalidade de remover fisica- objetivo de controlar a qualidade da água
mente um ou mais poluentes. bruta fornecida ao sistema – o que facilita
O principal objetivo do tratamento de a continuidade do processo.
água é tornar potável a água captada dos
corpos hídricos, atendendo assim ao con- Tecnologias de tratamento

734
TRATAMENTO DE ÁGUA

As tecnologias de tratamento das águas Somente os mananciais das classes es-


naturais viabilizam três processos:2 cla- pecial, 1, 2 e 3 podem ser utilizados para
rificação (coagulação, floculação e de- o abastecimento humano, após passa-
cantação ou flotação), filtração e desin- rem, respectivamente, por desinfecção,
fecção. Já as tecnologias de tratamento tratamento simplificado, tratamento
de água para abastecimento público convencional e tratamento convencional
podem ser divididas com base na exis- ou avançado. No caso das águas salobras,
tência ou não do processo de coagulação somente mananciais de classe 1 podem
química. As tecnologias utilizadas na ser utilizados para o abastecimento hu-
ausência da etapa de coagulação química mano, após passarem por tratamento
são as tecnologias de filtração lenta e a convencional ou avançado.
filtração em múltiplas etapas. Entende-se como desinfecção o pro-
Os principais processos e operações cesso de remoção ou inativação de
unitárias de tratamento de água para agentes potencialmente patogênicos.
abastecimento público são: micropenei- Tratamento simplificado é a aplicação
ramento, oxidação/aeração, adsorção, dos processos de filtração e desinfec-
troca iônica, coagulação, floculação, ção, acompanhada de correção de pH,
decantação, flotação, filtração em meio quando necessário. Como tratamento
granular, filtração por membranas, de- convencional, tem-se a clarificação com
sinfecção, abrandamento, fluoretação e utilização de coagulação e floculação, se-
estabilização química. 3 guida de desinfecção e correção de pH.
A tecnologia de tratamento a ser adota- No tratamento avançado, utilizam-se
da depende e resulta da combinação dos técnicas de remoção de contaminantes –
seguintes fatores: situação local e aspec- como o sal em altas concentrações – que
tos culturais, qualidade da água do ma- não podem ser eliminados com o trata-
nancial, custo dos procedimentos e volu- mento convencional, exigindo o uso de
me de produção. No Brasil, destacam-se processos com membranas. A norma
o tratamento convencional e a filtração NBR 12216/19925, da Associação Brasi-
direta. Ainda são empregadas, com me- leiras de Normas Técnicas (ABNT) esta-
nor frequência, as técnicas de filtração belece os padrões sanitários que devem
lenta, flotação e filtração por membra- atendidos conforme o tipo de manancial
nas. 3 A escolha mais adequada baseia-se e os tratamentos básicos para cada tipo.
na qualidade da água do manancial. A seguir são apresentadas definições de
O Conselho Nacional do Meio Ambien- cada processo, sua operação e as tecnolo-
te (Conama)4 estabelece, na Resolução gias de tratamento utilizadas na potabi-
357/2005, o enquadramento dos corpos lização da água.
de água doce, salina e salobra em clas-
ses que variam de 1 a 4, além da classe Micropeneiramento T
especial. Cada classe possui um conjun-
to de usos que visam à manutenção dos Esse procedimento é responsável pela re-
ecossistemas aquáticos, da paisagem, da moção de sólidos finos e não coloidais
pesca, da irrigação, da navegação, da re- e possui um sistema de autolimpeza em
creação e do abastecimento humano. contracorrente. Utilizam-se peneiras

735
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

com malhas de aberturas minúsculas, finalidade neutralizar as cargas magnéti-


que permitem a passagem da água e re- cas das partículas. Assim, tais partículas
têm sólidos. Conforme a norma NBR aglutinam-se, formando pequenos flocos.
12216/1992,5 o uso de micropeneira- A formação de flocos facilita a decanta-
mento deve ser adotado nos seguintes ção, pois os flocos apresentam diâmetro
casos: “a) quando a água apresenta algas ou maior do que as partículas que os for-
outros microrganismos do tipo e em quanti- mam e, portanto, têm maior velocidade
dade tal que sua remoção seja imprescindível de sedimentação.
ao tratamento posterior; b) quando permi- A aplicação do coagulante geralmente
te a potabilização da água sem necessidade ocorre na entrada da estação de trata-
de outro tratamento, exceto desinfecção; c) mento, em locais com agitação rápida
quando permite redução dos custos de im- para mistura adequada. Em seguida, há
plantação ou operação de unidades de tra- dois caminhos possíveis: quando o valor
tamento subsequentes”. Essa norma ainda da turbidez permite a filtração direta em
estabelece que sejam elaborados ensaios filtros rápidos, a água coagulada pode se-
para o adequado dimensionamento dos guir diretamente para os filtros; quando a
equipamentos. Ressalta-se que a eficiên- filtração não é possível, a água passa para
cia do micropeneiramento deve levar em câmaras de agitação lenta que promovem
consideração a sazonalidade das espécies a formação de flocos maiores, seguindo
de algas que sofrem variações durante o para as etapas de flotação e/ou decanta-
ano, em função da forma e do tamanho ção, antes de passar à filtração.
das malhas de peneiramento.6 Um siste-
ma muito utilizado é de peneiras rotati- Floculação
vas. Nesse sistema, a água bruta é lança-
da no centro de um tambor rotativo que Floculação é a etapa na qual a água coagu-
retém os sólidos indesejados enquanto lada é direcionada para uma câmara com
um jato de água na vertical é lançado so- agitação lenta, com a finalidade de permi-
bre a malha do tambor, com a função de tir que os flocos pequenos, formados na
desprender os resíduos e direcioná-los ao etapa de coagulação, se unam para formar
sistema de coleta. flocos de maior diâmetro, com maior capa-
cidade de sedimentação no decantador ou
Coagulação no flotador. A agitação pode ser realizada
de forma mecanizada ou hidráulica.
A água bruta pode conter sólidos em sus-
pensão ou dissolvidos que influenciam Decantação
na turbidez, cor, sabor e odor da água.
Sólidos em suspensão são definidos como A decantação consiste no processo de re-
aqueles que ficam retidos em um filtro tenção da água e sedimentação dos agru-
com poros de 0,45 micrômetro, enquanto pamentos de flocos formados na etapa da
os que passam são denominados sólidos floculação. Nessa etapa do tratamento,
dissolvidos. Para facilitar a remoção dos procura-se evitar ao máximo a turbulên-
sólidos dissolvidos na água, adiciona-se cia na água para favorecer a sedimentação
um produto químico à substância, com a das partículas sólidas suspensas. A decan-

736
TRATAMENTO DE ÁGUA

tação é utilizada no tratamento de águas das partículas de menor diâmetro (areia),


com altos níveis de turbidez e/ou que apre- que ficam dispostas no topo. No processo
sentem coloração mais intensa. de lavagem dos filtros, também se pode fa-
zer uso de ar comprimido.
Flotação
Filtração em membrana
A flotação é uma alternativa à decanta-
ção. Na unidade de flotação, microbolhas O processo de filtração em membrana
de ar são inseridas na água floculada. consiste em passar a água por um fil-
Então, partículas aderem às bolhas e as- me fino semipermeável. A membrana
cendem até a superfície do flotador. A flo- atua como uma barreira física de grande
tação é mais indicada para o tratamento seletividade, deixando passar somente
de águas com sólidos suspensos de baixa os elementos desejados. As membranas
densidade, compostos por algas e subs- podem ser classificadas como membra-
tâncias orgânicas, de cor verdadeira (a nas de microfiltração, de ultrafiltração,
cor visível na água menos turva) e baixa de nanofiltração e de osmose reversa,
turbidez. Costuma envolver custos de im- conforme o tamanho de seus poros. As
plantação e operação mais altos do que os membranas de microfiltração são aplica-
de decantadores e depende de um consu- das em processos que promovem a remo-
mo elevado de energia elétrica.7 ção de coloides, atingindo elevada efi-
ciência na remoção de microrganismos
Filtração granular como algas, protozoários e bactérias.
As membranas de ultra e nano filtração
Filtração granular é o processo de remo- são capazes de remover uma gama de
ção de partículas em suspensão por elementos, de vírus a alguns sais dissol-
meios porosos, como a areia e o antracito vidos. Já a osmose reversa é muito utili-
(um tipo de carvão mineral). O material zada no processo de dessalinização das
mais pesado e com granulometria maior é águas, com elevada eficiência de remo-
disposto no fundo. Conforme a altura au- ção de sais inorgânicos monovalentes.
menta, os tamanhos dos grãos do meio fil-
trante diminuem. A granulometria dimi- Desinfecção
nui de baixo para cima, devido ao processo
de lavagem dos filtros, que geralmente se A desinfecção consiste no processo de
faz com corrente de água de baixo para inativação dos microrganismos pato-
cima, de forma a suspender as partículas gênicos, por meio de agentes químicos
do meio filtrante sem que haja perda do ou físicos. Quanto aos químicos, des-
material, em um processo chamado de taca-se o cloro, em estado líquido ou
fluidização do leito. Com isso, ao cessar a gasoso, como o agente mais utilizado. T
corrente de lavagem, o sistema retorna à Outros desinfetantes químicos são o
disposição inicial do material, pois a velo- hipoclorito de sódio ou de cálcio, o ozô-
cidade de deposição é proporcional à den- nio, o dióxido de cloro, o permanganato
sidade do material. Assim, as partículas de de potássio e o peróxido de hidrogênio.
maior de diâmetro chegam ao fundo antes Como agentes desinfetantes físicos,

737
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

tem-se a radiação ultravioleta (UV), os funcional e ocasionado a perda de carga


processos oxidativos avançados (POA) e (pressão), a diminuição da vazão e entu-
a radiação solar. pimentos (colmatação).

Fluoretação Troca iônica

Entende-se por fluoretação a adição de A troca iônica envolve a troca de um íon


flúor à água tratada. O consumo de água na fase aquosa por um íon na fase sóli-
fluoretada é uma forma de prevenção da. Em aplicações de tratamento de água
contra o aparecimento de cáries. O flúor é potável, o meio de troca é geralmente
um excelente agente de controle das bac- uma resina polimérica sintética. As re-
térias que atacam os dentes. Ao ser adi- sinas de troca iônica são utilizadas na
cionado à água, auxilia na manutenção remoção de contaminantes inorgânicos
da saúde bucal da população. Em concen- da água e podem ser classificadas como
tração adequada, o flúor é seguro e eficaz, catiônicas de ácido forte, catiônicas de
mas, em excesso, provoca a opacidade do ácido fraco, aniônicas de base forte e
esmalte ou fluorose.8 aniônicas de base.9

Oxidação Adsorção

A oxidação é a utilização do oxigênio, É um processo de tratamento no qual os


por meio de aeradores, para a remoção contaminantes são transferidos para
de compostos voláteis e oxidáveis e ga- a superfície de um sólido. Um exemplo
ses indesejáveis presentes na água. Essa de sólido adsorvente é o carvão ativado,
extração também pode ser feita de forma que possui poros aos quais as impurezas
química, com produtos como o cloro, o aderem. Processos de adsorção são comu-
ozônio, o dióxido de cloro, o permanga- mente utilizados no tratamento da água
nato de potássio e o peróxido de hidro- potável municipal para remover produtos
gênio. Deve-se ter cuidado no uso de oxi- químicos, orgânicos, sintéticos, produtos
dantes químicos, pois sua aplicação pode orgânicos causadores de sabor e odor, pro-
ocasionar a formação de subprodutos dutos orgânicos formadores de cor e pre-
carcinogênicos. Como exemplo de aplica- cursores de subprodutos da desinfecção.9
ção, tem-se a remoção de ferro em água
de abastecimento por aeração.3 Filtração lenta

Abrandamento Filtração lenta é o processo no qual a


água passa por um filtro contendo uma
Abrandamento é o processo de remo- camada de cerca de 1 metro (m) de es-
ção da dureza da água, causada pela pessura de areia com pequenas granulo-
presença de sais de cálcio e magnésio. metrias sobre uma camada de 0,5 m de
Devido à precipitação de sais, a água cascalho. Não há aplicação de coagulan-
dura é capaz de formar uma crosta nas te e o tratamento ocorre de forma bioló-
tubulações, reduzindo seu diâmetro gica, mediante a formação de uma cama-

738
TRATAMENTO DE ÁGUA

da gelatinosa, à qual os microrganismos ções de coagulação e filtração rápida. O


aderem. Já as partículas maiores são sistema pode ser classificado conforme
retidas nos interstícios e nas superfícies a direção do fluxo de água no filtro (de
dos grãos de areia, por sedimentação. A cima para baixo ou de baixo para cima)
principal vantagem do processo de fil- e a presença ou não do processo de flo-
tração lenta é sua eficiência na remoção culação.3 A filtração rápida foi utilizada
de microrganismos patogênicos. 3 pela primeira vez em 1937, no Japão.
Quando é ascendente, a camada filtrante
Filtração em múltiplas etapas deve ser simples, constituída de areia. Já
a camada dupla é composta de camadas
Filtração em múltiplas etapas (FiME) é sobrepostas de areia e antracito. A cama-
um processo de tratamento similar ao da da suporte deve ser constituída de seixos
filtração lenta, com a diferença de que, rolados.11 A filtração direta apresenta
nesse primeiro procedimento, adiciona- diversas vantagens em relação ao trata-
-se um pré-filtro antes do filtro lento. Se- mento convencional, pois envolve menos
gue-se o princípio básico segundo o qual unidades de tratamento e utiliza menos
cada etapa condiciona seu efluente da produtos químicos, o que facilita a opera-
forma mais adequada para ser submetido ção e a manutenção do sistema e reduz os
ao tratamento posterior, sem sobrecarre- custos de tratamento da água.
gá-lo, ou seja, impedindo uma colmatação
muito frequente de seu meio granular e Tratamento convencional
assegurando um efluente com caracterís-
ticas compatíveis com o processo de tra- O sistema convencional de tratamen-
tamento adotado. to de água é adotado para viabilizar o
As etapas de tratamento da FiME são, consumo de água de mananciais com
por ordem de realização, a pré-filtração elevadas variações nas concentrações
dinâmica, a pré-filtração grosseira e a de sólidos suspensos, na turbidez e na
filtração lenta.10 A pré-filtração dinâmi- cor. O processo consiste na integração
ca consiste no lançamento horizontal da das operações unitárias de coagulação,
água a ser tratada em um filtro de pedre- floculação, decantação/floculação, fil-
gulhos, com tubos perfurados no fundo. tração, desinfecção e aplicação de flúor.
A água coletada pelos tubos perfurados Em geral, esse tipo de tecnologia de tra-
é encaminhada à pré-filtração grosseira, tamento tem maiores custos de implan-
que nada mais é do que um segundo filtro, tação e operação em comparação com
no qual a água é lançada verticalmente – os demais, uma vez que depende de um
o que pode ser feito de baixo para cima maior número de equipamentos. Porém,
ou de cima para baixo. Após essa etapa, a sua flexibilidade operacional é maior,
água segue para o filtro lento. visto que ele possui a capacidade de se T
adequar à variação sazonal da qualidade
Filtração direta da água do manancial.

A filtração direta é a tecnologia de tra- Cuidados na disposição


tamento de água que combina as opera- dos resíduos

739
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

O tratamento de água convencional tem descartada de forma adequada para não


como subprodutos o lodo provenien- causar impactos em ambientes aquáticos,
te da remoção de material particulado nem contaminar o solo, evitando-se colo-
de decantadores e a água de lavagem car em risco a saúde pública. Nas ETAs,
dos filtros. O lodo gerado no processo é essa água pode ser direcionada à disposi-
composto por sólidos e agentes químicos ção controlada no solo de sistemas alaga-
utilizados para a aglutinação e formação dos (wetlands) ou às bacias de decantação
de flocos, como o hidróxido de ferro e o e evaporação. Novas alternativas têm
sulfato de alumínio. Esse lodo possui con- sido utilizadas para reduzir os passivos
centração de sólidos entre 0,004 e 4,0%; gerados, incluindo o reúso da fase líqui-
eles representam de 0,2 a 5,0% do volume da, mediante seu retorno ao sistema de
de água tratada.15 Após realizar a desidra- tratamento. Isso reduz os impactos da
tação do lodo, muitas estações de trata- água explorada dos corpos hídricos com
mento de água (ETAs) encaminham-no a redução da vazão de captação, uma vez
para aterros sanitários, fazem sua dispo- que a etapa de lavagem dos filtros corres-
sição de forma controlada no solo ou o in- ponde a algo em torno de 5% (ou mais,
cineram (ver Disposição final de resíduos dependendo da eficiência do tratamento)
sólidos – p. 210). de toda a água tratada.13
A disposição de forma inadequada – A escolha da tecnologia de tratamento
por exemplo, o descarte do lodo em rios – de água depende da realidade da popula-
pode gerar sérios impactos ambientais, ção a ser atendida e da qualidade do ma-
como a contaminação do solo e o assorea- nancial de abastecimento. É necessário
mento de corpos hídricos. Como medida realizar esforços para promover o con-
para mitigar os impactos da disposição trole e proteção dos recursos hídricos,
inadequada de lodo, ou para diminuir o evitando a degradação da qualidade da
volume de lodo enviado aos aterros e au- água de mananciais para consumo hu-
mentar a vida útil desses vertedouros, mano. Os gestores devem implementar
diversos usos alternativos do lodo têm ações de educação ambiental e estreitar
sido estudados. É o caso dos usos na fa- relações com os órgãos responsáveis pe-
bricação de cerâmica, tijolos e telhas e na la a gestão dos recursos hídricos. Além
recuperação de coagulantes para reuso no disso, eles devem elaborar planos de se-
próprio tratamento. gurança da água para prevenir, controlar
A água de lavagem de filtros apresenta e eliminar os riscos existentes no abas-
impurezas químicas e biológicas (micror- tecimento, garantido a segurança sani-
ganismos) e, assim como o lodo, deve ser tária da água distribuída.

Referências bibliográficas

1. MS. Portaria de Consolidação nº 5, de 28 de setembro de 2017. Consolidação das


normas sobre as ações e os serviços de saúde do Sistema Único de Saúde. Disponível
em: https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2018/marco/29/PRC-5-Por-
taria-de-Consolida----o-n---5--de-28-de-setembro-de-2017.pdf.
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740
TRATAMENTO DE ÁGUA

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3. HELLER, L.; PÁDUA, V. L. (coord.). Abastecimento de água para consumo humano.


Belo Horizonte: Editora UFMG, 2016. p. 531-572.
4. CONAMA. Resolução nº 357, de 17 de março de 2005. Dispõe sobre a classifica-
ção dos corpos de água e diretrizes ambientais para o seu enquadramento, bem
como estabelece as condições e padrões de lançamento de efluentes. Disponível
em: http://www2.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=459. Acesso
em: 23 out. 2019.
5. ABNT. NBR 12216-NB-592: Projeto de estações de tratamento de água para abaste-
cimento público. Rio de Janeiro: ABNT, 1992.
6. DI BERNARDO, L. (coord.). Tratamento de água para abastecimento por filtração
direta. Rio de Janeiro: ABES, RiMa, 2003. p. 11; 116.
7. MS; FUNASA. Manual de saneamento. 4 ed. Brasília: Funasa, 2015, p. 119. Dispo-
nível em: http://www.funasa.gov.br/documents/20182/38564/Mnl_Saneamento.
pdf/ae1d4eb7-afe8-4e70-ae9a-0d2ae24b59ea.
8. MS. Boas práticas no abastecimento de água: procedimentos para a minimização
de riscos à saúde. Brasília : Ministério da Saúde, 2006. Disponível em: http://bvsms.
saude.gov.br/bvs/publicacoes/boas_praticas_agua.pdf.
9. HOWE, K. J.; HAND, D. W.; CRITTENDEN, J. C.; TRUSSELL, R. R.; TCHOBANO-
GLOUS, G. Princípios de tratamento de água. São Paulo: Cengage, 2016. p. 213-
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10. DI BERNARDO, L.; BRANDÃO, C. C. S.; HELLER, L. Tratamento de águas de abas-
tecimento por filtração em múltiplas etapas. Rio de Janeiro: Abes, 1999. Disponí-
vel em: https://www.finep.gov.br/images/apoio-e-financiamento/historico-de-pro-
gramas/Prosab/aguas_de_abastecimento.pdf.
11. PHILIPPI JR., A. (ed.). Saneamento, saúde e ambiente: fundamentos para um de-
senvolvimento sustentável. Barueri: Manole, 2005. p. 131; 137-138.
12. ANDREOLI, C. V. (coord.) Alternativas de uso de resíduos do saneamento. Rio de
Janeiro: Abes, 2006.
13. GOVERNO DO ESTADO DO CEARÁ. Plano de Segurança Hídrica da Região Me-
tropolitana de Fortaleza. Ceará: 2016. Disponível em: https://www.arce.ce.gov.
br/download/plano-de-seguranca-hidrica-da-regiao-metropolitana-de-fortaleza.
Acesso em: 9 abr. 2020.

Para saber mais

DANIEL, L. A. (coord.). Processo de desinfecção e desinfetantes alternativos na


produção de água potável. São Carlos: RiMA, 2001. Disponível em: https://www. T
finep.gov.br/images/apoio-e-financiamento/historico-de-programas/Prosab/
LuizDaniel.pdf.
MCIDADES. Planos de Saneamento Básico. Curso a distância (módulo 4 – Estudos
para a elaboração do diagnóstico). Brasília: MCidades, 2015.
TSUTIYA, M. T. Abastecimento de água. São Paulo: PHA/Poli/USP, 2006.

741
EIXO 5 - ESGOTAMENTO SANITÁRIO

Autoria deste verbete

Antonio Natanael Costa Sancho. Engenheiro ambiental pela Universidade Federal do


Ceará (UFC) e engenheiro civil pela Universidade de Fortaleza (Unifor). Mestrando
em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos pela Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG).

César Rossas Mota Filho. Doutor em Engenharia Civil e Ambiental pela Universidade
Estadual da Carolina do Norte (EUA). Professor Associado do Departamento de Enge-
nharia Sanitária e Ambiental (Desa) da Universidade Federal de Minas Gerais.

T
TRATAMENTO DO ESGOTO

No Brasil, em 2017, segundo a Agência Na- ambiente, é comum que a população resi-
cional de Águas (ANA), em torno de 45% dente no entorno seja contrária a instala-
da população não era atendida por coleta ção da estação. Muitas vezes, as pessoas
e tratamento de esgoto, e isso significa manifestam preocupação com a desvalori-
que aproximadamente 4,1 toneladas de zação dos terrenos do bairro, com o possí-
esgoto não tratado eram despejadas por vel mau odor, possibilidades de problemas
dia em corpos d’água. Em Minas Gerais, de saúde e êxodo das famílias para outros
por exemplo, apenas 43,7% da população bairros, sugerindo que as ETEs sejam
era atendida por coleta e tratamento de construídas em bairros de menor poder
esgoto.1 As estações de tratamento de aquisitivo ou mais afastadas, atitudes que
esgoto (ETEs) têm papel fundamental constituem o efeito ‘’não no meu jardim’’.3
nos sistemas de esgotamento sanitário, Independentemente do local a ser escolhi-
pois são responsáveis por minimizar o do, a aceitação não será unânime e, para
impacto do lançamento do esgoto nos minimizar problemas com a comunida-
corpos d’água. No Brasil, as ETEs obje- de, é necessário que todo o processo seja
tivam predominantemente a remoção de participativo, desde o planejamento até
matéria orgânica, embora a remoção de o projeto e instalação, com realização de
nutrientes também seja importante para audiências públicas, espaço que permitirá
evitar os impactos negativos do lança- esclarecer as dúvidas, ouvir os anseios da
mento de esgoto em corpos d’água.2 população e discutir alternativas.
Tão importante quanto os fatores técni-
cos é a aceitação da população em relação Objetivos a alcançar
à ETE. Embora reconheçam os impactos
positivos da implantação do tratamento O tratamento de esgoto é um conjunto de
de esgoto para saúde pública e para o meio processos que têm como objetivo remo-

742
TRATAMENTO DO ESGOTO

ver ou transformar poluentes do esgoto e outros animais.O tratamento de esgoto


em substâncias aceitáveis, antes que seja pode ser classificado a partir de níveis,
lançado em um corpo d’água ou aplicados quais sejam: preliminar, primário, secun-
no solo. O tratamento de esgoto pode ser dário e terciário.
dividido em níveis, e a tomada de decisão
sobre o melhor processo a adotar depende Tratamento preliminar
do objetivo a ser alcançado, ou seja, quais
poluentes se deseja remover e qual valor O tratamento preliminar é a primeira
máximo permitido para cada substância etapa de uma ETE, devendo estar presen-
a ser lançada no corpo d’água, de acordo te em todas as estações, e tem como ob-
com o padrão de lançamento (ver p. 243). jetivo remover sólidos grosseiros e areia.
Conhecendo as características do esgo- O material removido deve ser destinado
to e cientes do valor máximo permitido a um aterro sanitário (ver Disposição fi-
para o lançamento no corpo d’água, po- nal de resíduos – p. 210). Nesse nível de
de-se calcular a eficiência de remoção tratamento, predominam os processos
necessária e, com isso, decidir quais ní- físicos nas unidades de gradeamento e
veis de tratamento permitem o alcance de peneiramento e nos desarenadores,
dessa eficiência. Em linhas gerais, uma também conhecidos como grades, penei-
ETE pode ser considerada eficiente se ras e caixas de areia. Essas unidades po-
garante um efluente tratado que aten- dem ter limpeza manual ou mecanizada.
da aos padrões de lançamento no corpo No tratamento preliminar inclui-se uma
d’água, demandando o menor custo para unidade de medição de vazão como calha
tal. Porém, ao se buscar a implantação e Parshall, vertedores e mecanismos de
operação de ETEs sustentáveis, além da medição em tubulações fechadas. Nessas
eficiência de remoção dos poluentes deve unidades não são adicionados produtos
ser levada em consideração a integração químicos para auxiliar na remoção, nem
ao contexto socioeconômico local, mini- se espera que microrganismos estejam
mizando a demanda por energia ou insu- ativamente removendo os poluentes. Es-
mos externos, reduzindo ou eliminando sa etapa é fundamental para evitar que os
a produção de rejeitos e recuperando os próximos níveis de tratamento tenham
subprodutos gerados, por meio de seu sua eficiência afetada.
beneficiamento (ver Aproveitamento de O comportamento da população em
lodo, biogás e efluente – p. 61). relação à destinação de seus resíduos im-
Outros fatores influenciam a tomada pacta a etapa de tratamento preliminar
de decisão sobre o nível e tecnologia de e as unidades de tratamento seguintes.
tratamento de esgoto, tais como: área É comum que na etapa de gradeamento
disponível, custo, remoção de nutrientes, e peneiramento fiquem retidos muitos
frequência de operação e manutenção, detritos – como plásticos, papelão, ab- T
atividades econômicas locais e possível sorvente, fio dental, preservativo, pon-
geração de outros efluentes e resíduos ta de cigarro, cabelo, cotonete etc. – que
orgânicos, dependência do clima, carac- deveriam ser destinados às lixeiras. São
terísticas do solo, possibilidade de gera- jogados nas peças sanitárias (pias, tan-
ção de maus odores e atração de insetos ques e vasos sanitários), muitas vezes,

743
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

por falta de conhecimento da população lida, geralmente dentro da própria ETE,


sobre as consequências dessa atitude. para posteriormente ser encaminhado a
Portanto, é necessário que essa conscien- um aterro sanitário ou ser aproveitado de
tização seja trabalhada na comunidade e maneira alternativa.
nas escolas, por exemplo, por meio de ati-
vidades de sensibilização com educação Tratamento secundário
ambiental continuada.
O principal objetivo dessa etapa é a remo-
Tratamento primário ção de matéria orgânica. Os processos de
tratamento secundário são predominan-
O tratamento primário tem como objeti- temente biológicos, pois a intenção é simu-
vo remover os sólidos em suspensão se- lar o processo de autodepuração de forma
dimentáveis e sólidos flutuantes a partir controlada e em menor tempo de ocorrên-
de processos físicos, como a decantação cia do que no corpo d’água. O fundamento
e a flotação. Essas unidades também re- do processo biológico é o contato de mi-
movem uma parcela da matéria orgânica, crorganismos com a matéria orgânica de
entre 25 e 40% em decantadores primá- forma que sirva de substrato para eles. Ao
rios e 40 a 50% em flotadores, reduzin- consumir a matéria orgânica na presença
do, assim, os custos da próxima etapa de de oxigênio, ou seja, em condições aeró-
tratamento.3 Os sólidos em suspensão bias, os microrganismos liberam água, gás
são removidos em torno de 40 a 70% nos carbônico (CO2) e material celular. Caso as
decantadores e 50 a 70% nos flotadores.3 condições sejam anaeróbias, isto é, sem a
Os decantadores podem ser retangu- presença de oxigênio há também a produ-
lares ou circulares e podem ter limpeza ção de metano, que apresenta elevado po-
mecanizada ou manual. Nos decantado- der calorífico e é o principal constituinte
res primários, os esgotos fluem vagaro- do biogás, sendo passível de recuperação e
samente, permitindo que os sólidos em aproveitamento energético.
suspensão, por possuírem uma densida- Algumas unidades de tratamento se-
de maior que a do líquido, sedimentem-se cundário não exigem um tratamento pri-
gradualmente no fundo. Os óleos e gra- mário e podem ser precedidas apenas do
xas, por possuírem uma densidade menor tratamento preliminar. Há uma gama de
que do líquido, sobem para a superfície processos e variações que podem ser usa-
dos decantadores, onde são coletados e dos. Os mais amplamente utilizados são:
removidos para posterior tratamento. Os
flotadores são geralmente verticais e ne- • Lagoas de estabilização: são os sistemas
cessitam de energia para gerar bolhas no mais simples de tratamento de esgoto,
sistema, de modo que os sólidos fiquem baseados em processos completamente
suspensos na superfície. naturais que envolvem algas e bacté-
O tratamento primário gera um subpro- rias. Bastante indicados para locais de
duto chamado lodo primário, que nada climas quentes, pois a temperatura e a
mais é que a matéria sólida contida no insolação elevadas favorecem a depu-
esgoto. Esse lodo deve ser encaminhado a ração do esgoto nesses sistemas. Além
um processo de tratamento para fase só- disso, a operação é muito simples, pois

744
TRATAMENTO DO ESGOTO

há necessidade de poucos ou nenhum há necessidade de boa aeração do solo,


equipamento. Logo, em relação ao con- uma vez que a remoção resulta da ação
sumo de energia, esse processo de tra- do solo como um filtro e, posteriormen-
tamento é extremamente vantajoso. te, da ação de microrganismos que de-
Por outro lado, as lagoas de estabiliza- compõem a matéria orgânica. Os tipos
ção requerem grandes áreas. Em rela- de disposição no solo são: infiltração
ção à remoção de demanda bioquímica lenta, fertirrigação, infiltração subsu-
de oxigênio (DBO), elas são capazes de perficial e aplicação com escoamento
atingir entre 75 e 90% de eficiência de superficial. Os processos de disposição
remoção, dependendo de variantes no no solo apresenta eficiência de remoção
processo. Em geral, removem 70 a 90% de DBO entre 80 e 93%, de sólidos en-
de sólidos suspensos e 99,999% de bac- tre 80 até mais de 93% e de coliformes
térias, 100% de cistos de protozoários e entre 99 a 99,999%.2
100% de ovos de helmintos, que são or- • Lodos ativados: esse sistema requer
ganismos transmissores de doenças.4 menor área que as lagoas de estabiliza-
Os principais sistemas de lagoas de es- ção e disposição no solo e, além disso,
tabilização são: lagoa facultativa, lagoa gera um efluente de alta qualidade, re-
anaeróbia seguida de lagoa facultativa, movendo entre 85 e 98% de DBO e en-
lagoa aerada facultativa, lagoa aerada de tre 87 e 97% de sólidos suspensos.5 Pa-
mistura completa e lagoa de maturação. ra atingir essas altas taxas de remoção,
Cada sistema de lagoas requer operação esse sistema tem maior demanda de
e manutenção particulares e deve ser operação e manutenção, por ser se tra-
adotado com base no diagnóstico local, tar de processos mecanizados, que con-
estudos e projetos. Nos sistemas de la- somem mais energia elétrica. As etapas
goa de estabilização há acúmulo de lodo do processo são aeração e decantação, e
no fundo, mas a taxa é pequena e faz-se o princípio básico desse sistema é que
a remoção geralmente a cada 20 anos. os sólidos sejam recirculados da uni-
• Disposição no solo: esse processo pode dade de decantação para a unidade de
tanto ser considerado um tratamento aeração, por meio de bombeamento,
ou a disposição final do efluente. Um aumentando a concentração de bacté-
poluente no solo tem quatro possíveis rias nessa unidade. Quanto mais bac-
destinos: retenção na matriz do solo; térias houver em suspensão, maior será
retenção pelas plantas; aparecimento o consumo de alimento, ou seja, maior
na água subterrânea; coleta por dre- será a assimilação da matéria orgânica
nos subsuperficiais. A depuração de presente no esgoto bruto. Dentre as va-
esgoto no solo é feita por mecanismos riantes mais usadas têm-se os sistemas
de ordem física, química e biológica. A de lodos ativados convencional; lodos
capacidade de remoção dos poluentes ativados com aeração prolongada; lo- T
depende das propriedades do solo, co- dos ativados em batelada, ou intermi-
mo também das condições climáticas tente, em que todo o processo acontece
locais, da presença ou não de vegetação no mesmo reator; e lodos ativados com
e da taxa de infiltração. Para que os po- remoção biológica de fósforo e nitro-
luentes sejam degradados efetivamente gênio. Os sistemas convencionais ne-

745
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

cessitam de uma etapa de tratamento preenchidas por material suporte –


primário para remoção de sólidos, ao areia, brita, cascalho, pedras, ripas,
passo que o sistema de aeração prolon- escória de alto forno ou materiais plás-
gada não necessita desta etapa. O lodo ticos – que são a base física para que a
excedente gerado no decantador secun- biomassa cresça aderida e remova os
dário deve ser direcionado para a etapa poluentes do esgoto que percola por sua
de tratamento da fase sólida. superfície. Existem os filtros anaeró-
• Reatores anaeróbios de fluxo ascen- bios, em que o esgoto preenche todo o
dente e manta de lodo: também co- material suporte e a superfície, ou se-
nhecidos como reatores Uasb. Esses ja, trabalha afogado e por isso não há
reatores representam uma tendência entrada de oxigênio e os microrganis-
no Brasil, seja como uma única uni- mos responsáveis pela decomposição
dade ou seguido de um pós-trata- da matéria orgânica são anaeróbios.
mento. Nos reatores Uasb, a biomas- Esses filtros podem ser cilíndricos ou
sa cresce dispersa no meio. Como a retangulares, com fluxo ascendente,
concentração de biomassa (sólidos) ou seja, a entrada do líquido é na par-
no reator é elevada, o volume reque- te inferior, e a saída, na parte superior.
rido é reduzido. O fluxo do esgoto é O filtro anaeróbio geralmente é prece-
ascendente (entra no fundo do reator dido de um tanque séptico, sendo que
e sai na parte superior) através de um nesses sistemas é possível alcançar re-
leito de lodo denso e de elevada ativi- moções entre 80 a 85% de DBO e 80 a
dade, o que causa a estabilização de 90% de sólidos suspensos.2 Já os filtros
grande parte da matéria orgânica pela aeróbios, são normalmente circulares,
biomassa. Os microrganismos respon- preenchidos por material suporte, so-
sáveis por consumir a matéria orgânica bre o qual o esgoto é aplicado por meio
nesses sistemas são anaeróbios, isto é, de jatos ou gotas por um distribuidor
não precisam de oxigênio para sobrevi- rotativo. Após a aplicação, os esgotos
ver. Como resultado da decomposição percolam pela camada suporte, em di-
dessa matéria orgânica há formação reção aos drenos de fundo. A matéria
de gases, como o metano e o gás car- orgânica é estabilizada pelas bactérias
bônico. O lodo gerado nessas unidades aeróbias aderidas ao meio suporte.
é descartado quando o material já está Para os filtros anaeróbios é recomen-
estabilizado, necessitando passar por dado que se tenha uma unidade de
menos etapas no tratamento da fase tratamento primário e um decantador
sólida. Usualmente, a eficiência de re- secundário pós-filtragem, para maior
moção dessa unidade é de 60 a 75% de remoção de sólidos evitando o entupi-
DBO e 65 a 80% de remoção de sólidos,6 mento, ou colmatação, do sistema. Os
o que exige um pós-tratamento, como filtros aeróbios podem ser de baixa ou
lagoas de estabilização, filtros biológi- alta carga sendo relativo à quantidade
cos percoladores, disposição no solo e de esgoto que é aplicado por unidade de
sistemas alagados construídos. área. Esses sistemas apresentam remo-
• Filtros anaeróbios e aeróbios: são ção entre 80 e 93% de DBO e 87 a 93%
unidades cilíndricas ou retangulares de remoção de sólidos suspensos.2

746
TRATAMENTO DO ESGOTO

• Sistemas alagados construídos: também Básico (ANA), informam que apenas 111
conhecidos como wetlands construídos, municípios no Brasil fazem tratamento por
zona de raízes ou jardins filtrantes, es- solução avançada com vista à remoção de
ses sistemas são promissores na remo- nutrientes, atendendo cerca de 4,5 milhões
ção de matéria orgânica, nutrientes, mi- de pessoas na zona urbana.1 No entan-
crorganismos e sólidos. Apesar de ainda to, tudo depende da qualidade com que o
serem aplicados em pequena escala no efluente chega na estação e da eficiência de
Brasil, no mundo existem diversas expe- remoção requerida considerando o padrão
riências de sucesso do uso desses siste- de lançamento no corpo d’água (ver p. 243).
mas para tratamento de esgoto sanitá- Para remover nutrientes do esgoto,
rio municipal, como é o caso de algumas principalmente nitrogênio e fósforo, há a
cidades de pequeno porte na França, possibilidade de usar lagoas de estabiliza-
na Alemanha e na Polônia. Os funda- ção, sistemas de disposição controlada no
mentos desse processo são baseados solo, lodos ativados ou processos físico-
em otimizar os processos naturais de -químicos. Para remover os organismos
transformação da matéria orgânica em patogênicos é necessário a utilização de
substâncias não nocivas. São soluções processos de desinfecção, existindo diver-
de operação simplificada e baixo custo sas alternativas para tal, como processos
de implantação e operação. Há presença naturais – lagoas de estabilização, dispo-
de material suporte como areia, brita ou sição controlada no solo – e artificiais –
pedra que funciona como um filtro pelo cloração, radiação ultravioleta, membra-
qual o esgoto percola. As plantas, geral- nas, ozonização e filtração terciária.
mente macrófitas, são responsáveis por Subprodutos do tratamento de esgoto
auxiliar na remoção dos poluentes.7 A De forma geral, o tratamento de esgoto
eficiência média de remoção desses sis- sanitário gera resíduos que devem seguir
temas está entre 80 e 90% de DBO, de para disposição final, aproveitamento ou
87 a 93% de sólidos suspensos e 99,9 a outra linha de tratamento. Dentre estes
99,99% de microrganismos patogêni- subprodutos estão o material retido no
cos.2 As modalidades mais aplicadas são gradeamento, areia removida na etapa de
a de sistemas alagados construídos de desarenação, escuma e lodo removido no
fluxo horizontal superficial ou subsu- tratamento primário, lodo secundário e
perficial e a de sistemas alagados cons- lodo químico – caso haja etapa físico-quí-
truídos de fluxo vertical. mica – e biogás gerado nos processos com
reatores anaeróbios (ver Aproveitamento
Tratamento terciário de lodo, biogás e efluente – p. 61).
Para a areia e o material retido no gra-
O tratamento terciário visa a remoção de deamento, a solução usual é dispô-los em
nutrientes e de organismos patogênicos. um aterro sanitário. Já a disposição final T
Não é uma etapa sempre necessária e, no do lodo tratado pode ser o aterro sanitá-
Brasil, é pouco aplicada por aumentar o rio, o uso agrícola ou a recuperação de
custo dos sistemas de tratamento. Dados áreas degradas. O biogás, por sua vez,
do relatório executivo do Atlas Esgotos, da pode ser queimado ou aproveitado para
Agência Nacional de Águas e Saneamento geração de energia.

747
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

O tratamento de esgoto é uma solu- ve se respaldar no balanceamento entre


ção para reduzir a poluição (ver p. 488) critérios econômicos, técnicos e sociais.
de corpos d’água e evitar contato com É importante levar em consideração que
o esgoto in natura, que eventualmen- a seleção de tecnologias inapropriadas
te poderia trazer problemas de saúde resulta em instalações com baixo de-
pública. Para a tomada de decisão sobre sempenho e eventualmente abandono,
o sistema a ser adotado, é importante devido a dificuldades operacionais e de
considerar, além dos aspectos técnicos, manutenção. Isso ressalta a importância
fatores climáticos e topográficos, área da integração ao contexto socioeconô-
disponível, aceitação da população e mico e da participação da população em
recursos financeiros e operacionais. A todo o processo de planejamento.8
seleção do processo de tratamento de es- Para discussão com a população é ne-
goto sanitário a ser implantado em uma cessário fazer audiências públicas expon-
região envolve diversas variáveis que do os benefícios e dificuldades de cada
interferem na composição dos custos tratamento considerado pelos especia-
de implantação e operação. Não há uma listas para dada região, explicar a impor-
solução ideal aplicável a todos os casos e tância da instalação de sistemas de trata-
nem fórmulas generalizadas para definir mento de esgoto, argumentando a favor
a melhor solução, sendo que a decisão de- da saúde pública e do meio ambiente.

Referências bibliográficas

1. ANA. Atlas esgotos: despoluição de bacias hidrográficas. Brasília: ANA, 2017.


2. VON SPERLING, M. Introdução à qualidade das águas e ao tratamento de esgo-
tos. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014. (Coleção Princípios do tratamento bioló-
gico de águas residuárias, v. 1).
3. JORDÃO, E. P.; PESSOA, C. A. Tratamento de esgotos domésticos. 7. ed. Rio de
Janeiro: Abes, 2014.
4. VON SPERLING, M. Lagoas de estabilização. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2017.
(Coleção Princípios do tratamento biológico de águas residuárias, v. 3).
5. VON SPERLING, M. Lodos ativados. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2016. (Coleção
Princípios do tratamento biológico de águas residuárias, v. 4).
6. CHERNICHARO, C. A. L. Reatores anaeróbios. Belo Horizonte: Editora UFMG,
2016. (Coleção Princípios do tratamento biológico de águas residuárias, v. 5).
7. MSAÚDE; FUNASA. Wetlands construídos aplicados no tratamento de es-
goto sanitário: recomendações para implantação e boas práticas de operação e
manutenção. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2018. Dis-
ponível em: http://www.funasa.gov.br/documents/20182/39040/Cartilha_
Wetlands_construidos_aplicados_no_tratamento_de_Esgoto_Sanitario.pdf/
eaa0aa35-014c-43af-9f08-a86cd7c3c87e.
8. Diagnóstico para planejamento de estações sustentáveis de tratamento de
esgotos nas bacias hidrográficas do Rio das Velhas (SF5) e dos rios Jequitaí,

748
TRATAMENTO DO ESGOTO

Pacuí e trecho do rio São Francisco (SF6). Belo Horizonte: Universidade Federal
de Minas Gerais, 2018. No prelo.

Para saber mais

MCIDADES (org.). Processos de tratamento de esgotos. Guia do profissional em trei-


namento: nível. Brasília: MCidades, 2008.

Vídeos

COMO É feito o tratamento dos esgotos – tour virtual ETE Jesus Netto. Apresentação:
Dirlene Diniz. São Paulo: Sabesp, 2015. 1 vídeo (11 min). Disponível em: https://
www.youtube.com/watch?v=w2gnqPq5NBU. Acesso em: 26 out. 2019.
ESTAÇÃO de tratamento de esgoto – como funciona. Itec Cursos, 2013. 1 vídeo (3
min). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=f61JxBM8wrY. Acesso
em: 26 out. 2019.

Autoria deste verbete

Fernanda Deister Moreira. Engenheira sanitarista e ambiental pela Universidade Fe-


deral de Juiz de Fora (UFJF). Mestranda em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos
Hídricos na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Lívia Cristina da Silva Lobato. Engenheira civil e doutora em Saneamento, Meio Am-
biente e Recursos Hídricos pela UFMG.

Fabiana Lopes Del Rei Passos. Doutora em Engenharia Ambiental pela Universitat Po-
litècnica de Catalunya (UPC), Espanha. Professora adjunta do Departamento de Enge-
nharia Sanitária e Ambiental da UFMG.

749
U

UNIDADES DE TRIAGEM E VALORAÇÃO


DOS RESÍDUOS SÓLIDOS

Considera-se que qualquer tentativa de das ao manejo dos materiais provenien-


solução para o problema dos resíduos sóli- tes da coleta seletiva ou coleta diferencia-
dos (RS) passa por alternativas que envol- da de resíduos previamente segregados
vam o uso de tecnologias mais limpas, que nas fontes geradoras de acordo com sua
significa a minimização dos RS, articula- constituição ou composição, por parte de
da com mudanças de hábitos, desenvol- trabalhadores com materiais recicláveis,
vimento de novas atitudes e combate ao formalmente vinculados a organizações
desperdício, considerando a valoração dos desta categoria, conforme a logística de
recursos materiais e humanos utilizados implantação e funcionamento.
para a gestão dos resíduos. É necessário Após a coleta, os materiais recupe-
que a sociedade esteja engajada, informa- rados secos são transportados para as
da e consciente para participar ativamente UTs, onde ocorrerá a separação dos
dos programas de coleta seletiva. materiais específicos, o enfardamento/
As unidades de triagem participam da acondicionamento dos materiais para
cadeia produtiva da reciclagem de resí- que possam ser comercializados. Essas
duos como uma etapa intermediária en- unidades são equipadas com mesas de
tre a coleta seletiva e a reciclagem tra- catação ou esteiras, prensas enfardadei-
zendo como benefícios a valoração dos ras, carrinhos manuais para transporte
resíduos, ganhos ambientais e geração de de tambores e bags e balança.
emprego e renda, fornecendo às indús- As UTs são implantadas dentro de um
trias recicladoras um resíduo segregado, galpão com infraestrutura e cobertura
limpo e beneficiado. Assim, contribui adequadas onde estão localizadas as
diretamente para a adequação do sanea- esteiras de separação mecanizadas ou por
mento básico e a redução do uso de recur- separação manual (municípios pequenos
sos naturais e da poluição. com geração entre 5 e 10 t/dia (MMA1).
A unidade de triagem (UT) é o conjun- De acordo com a Política Nacional de
to das edificações e instalações destina- Resíduos Sólidos (PNRS – ver p. 568), a
UNIDADES DE TRIAGEM E VALORAÇÃO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS

implantação da coleta seletiva é obriga- centrais de processamento de resíduos. É


ção dos municípios e metas referentes à preciso considerar a topografia da cida-
coleta seletiva fazem parte do conteúdo de, e deve-se escolher área situada em co-
mínimo que deve constar nos Planos In- ta mais baixa para facilitar o transporte
tegrados de Gestão de Resíduos Sólidos dos resíduos por carrinhos de catadores2.
(PGIRS – ver p. 463) dos municípios. A Para projetar um galpão de triagem é
coleta seletiva nos municípios brasileiros fundamental definir previamente o pro-
deve permitir, no mínimo, a segregação cesso de trabalho que será adotado e,
entre resíduos recicláveis secos e rejei- portanto, o fluxo dos materiais que serão
tos. Os resíduos recicláveis secos são processados, além do fluxo das pessoas
compostos, principalmente, por metais e o mapa de riscos. A correta concepção
(como aço e alumínio), papel, papelão, desses galpões, principalmente no que
embalagens longa-vida tipo tetra pak, di- diz respeito ao adequado dimensiona-
ferentes tipos de plásticos e vidro. Já os mento dos espaços, bem como dos equi-
rejeitos, são os resíduos não recicláveis pamentos necessários para pesagem,
(resíduos de banheiro, fraldas descartá- enfardamento e movimentação, é de fun-
veis etc.). damental importância para que os cata-
Há, no entanto, uma outra parte impor- dores organizados possam exercer essas
tante desse conjunto que são os resíduos atividades de maneira produtiva e segu-
orgânicos, os quais não devem ser mistura- ra por meio das condições de trabalho e
dos com outros tipos de resíduos, para que saúde, uso correto dos equipamentos de
possam ser reciclados e transformados em segurança individual (EPIs), salubridade
adubo de forma segura em processos sim- e redução dos riscos envolvidos2.
ples como a compostagem (ver p. 551). Grande parte das atividades operacio-
A coleta seletiva ainda é incipiente nos nais que serão desenvolvidas consistirá
municípios brasileiros, e quando existen- em operações manuais, dependentes de
te não abrange a totalidade do município. força física. Por isso, no limite do possível,
Dados da Associação Brasileira de Empre- as cotas de pisos dos diversos “setores” de-
sas de Limpeza Pública e Resíduos Espe- verão ser escalonadas no sentido descen-
ciais1 revelam que dos 5.565 municípios dente, a partir do local no qual seja feita
que o país tinha em 2017, 3.923 apresen- a descarga dos veículos da coleta seletiva.
tavam alguma iniciativa de coleta seletiva. O principal argumento contrário à
adoção de esteiras mecânicas de triagem
Dimensionamento do projeto se refere ao ritmo de trabalho. O méto-
básico de unidades de triagem do impõe um rendimento homogêneo
ao conjunto dos triadores, o que resulta
A UT deverá, preferencialmente, ser loca- num ritmo muito lento para a maioria. A
lizada em zonas urbanas nas proximida- adoção das esteiras poderá ser vantajosa
des dos grandes e pequenas geradores de em galpões maiores, sempre que a criação
resíduos recicláveis. Deverão ser evitadas de outras frentes de trabalho para essas U
as áreas contíguas a “lixões” e mesmo a pessoas for possível2.
aterros sanitários que não estejam in- A unidade deverá ser dimensionada
seridos a complexos gerenciados como para atender uma parcela dos resíduos

751
EIXO 6 - MANEJO DE RESÍDUOS SÓLIDOS

recicláveis gerados pela população atual cláveis triados: Após triados e acondi-
no(s) município(s) atendido(s), tais como: cionados até o atendimento do volume
papel, papelão, metais, vidros e plásticos, necessário ao enfardamento, deverão ser
previamente segregados em suas fontes transportados para a área do galpão em
geradoras. O volume total de materiais a que deverão ser preparados para a esto-
ser processado numa instalação varia em cagem final, até sua expedição, os reciclá-
função, principalmente, da quantidade veis como: papéis, papelão, embalagens
de pessoas envolvidas na triagem2. plásticas tipo “filme” e semi rígidas que
deverão ser prensadas em fardos com di-
Componentes das UTs2 mensões médias de 110 x 60 x 60 cm e
peso médio variável entre 80 e 120 kg.
• Recebimento e estocagem dos mate- • Estocagem final dos fardos de reciclá-
riais: A área de descarga dos veículos veis: Os materiais serão estocados em
transportadores deverá estar posicio- área específica que permita a acumula-
nada sob beiral protetor da atividade ção ao menos de uma semana da pro-
de descarga e, tanto quanto possível, dução prevista e o acúmulo de “viagens
na região mais alta do terreno que será fechadas” dos principais materiais.
ocupado. Os desníveis possibilitarão a
descarga mecanizada ou por gravidade Coleta seletiva
dos resíduos e seu lançamento em si-
los de armazenamento, dos quais, por A coleta seletiva é um instrumento de edu-
sua vez, serão direcionados às mesas cação e mudanças permanentes na busca
de triagem. Os silos deverão ter capaci- pela transformação dos conhecimentos,
dade de armazenagem compatível com atitudes e práticas (CAP) relativos ao
o volume de resíduos estimativamente consumo, ao desperdício e à produção de
coletados ao longo de dois dias. resíduos. Conceitualmente, refere-se ao
• Triagem primária dos recicláveis: Os recolhimento diferenciado de materiais
materiais estocados serão separados de recicláveis, já separados nas fontes gerado-
forma manual, por triadores postados ras, por catadores, sucateiros, entidades,
em bancadas corridas ou transversais, prefeituras, entre outros, normalmente
dispostas ao longo dos referidos silos. em horários predeterminados, alternados
As bancadas de triagem deverão pos- com a coleta convencional3.
suir largura suficiente para o espalha- Toda e qualquer tentativa de separa-
mento e seleção dos materiais. ção dos materiais recicláveis é inútil se
• Triagem secundária: A separação dos não houver um sistema de coleta especí-
materiais recuperados será feita em fico, onde os materiais separados sejam
tantos tipos quanto sejam demanda- recuperados para reciclagem, reúso ou
dos pelo mercado comprador, podendo compostagem (ver p. 551). Além disso, é
haver compartilhamento de baias por recomendável a realização de estudo de
vários tipos de materiais, dispostos an- viabilidade da logística necessária para o
teriormente em “big bag” ou outro tipo transporte e das diversas rotas dos mate-
de contêiner. riais recicláveis até os locais de sua utili-
• Prensagem e enfardamento dos reci- zação enquanto matéria prima de novos

752
UNIDADES DE TRIAGEM E VALORAÇÃO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS

produtos e processos. cientemente motivada, deposita seus


O acondicionamento e a coleta, quan- materiais recicláveis em pontos pre-
do realizados sem a segregação dos re- determinados pela administração pú-
síduos na fonte, resultam na deteriora- blica, onde são acumulados para coleta
ção, parcial ou total, de várias das suas posterior. Os PEVs podem ter consti-
frações recicláveis, tornando-os inapro- tuição muito variada, dependendo dos
veitáveis para a reciclagem. Nesse sen- recursos disponíveis.
tido, a implantação da coleta seletiva • Coleta seletiva em parceria com os ca-
deve prever a segregação dos materiais tadores: Uma alternativa que deve ser
na própria fonte geradora, evitando a avaliada é a incorporação de catadores
ocorrência de inconvenientes. informais, em substituição à mão de
A adoção da melhor forma de separa- obra da prefeitura. As possibilidades
ção varia de um município para outro, dessa utilização são múltiplas, podendo
uma vez que para determinada localidade a responsabilidade da administração
pode não ser interessante, ou mesmo eco- municipal resumir-se à cessão de
nomicamente viável, a separação de de- terreno com galpão e equipamentos
terminados materiais, por exemplo, pela mínimos, como prensas e mesa de
simples inexistência de mercado compra- triagem, que possibilitem a separação e
dor. Antes de iniciar qualquer projeto que o enfardamento dos materiais. Por sua
envolva a coleta e reciclagem de resíduos, vez, pode competir à administração
é importante avaliar qualitativa e quan- municipal o cadastramento e a organi-
titativamente o perfil dos resíduos gera- zação dos catadores, preferencialmente
dos em diversos pontos do município e os na forma de cooperativa, ou associação
locais de compra desse material de catadores. As atividades de coleta,
triagem e venda dos materiais ficam a
Formas de execução cargo da própria cooperativa ou asso-
ciações de catadores.
• Porta a porta: Consiste na coleta dos
materiais recicláveis domiciliares, A PNRS contempla fortemente o apoio
atividade semelhante à da coleta con- à inserção dos catadores no processo. Pa-
vencional executada pela maioria dos ra que esta inserção seja realizada a le-
municípios. Nos dias e horários deter- gislação define que os catadores deverão
minados, esses materiais são coloca- estar associados (ver p. 167). Nesta con-
dos na frente dos domicílios pelos seus dição poderão ser contratados e receber
usuários, sendo, então, removidos pe- remuneração, com base no trabalho rea-
los veículos de coleta qualificados para lizado, de maneira análoga ao que ocorre
este fim. com as empresas que realizam a coleta
• Coleta por intermédio de postos de en- dos resíduos domiciliares.
trega voluntária (PEVs): A utilização A definição das áreas e locais onde será
desses postos implica uma maior par- implantada a coleta seletiva é fundamen- U
ticipação da população. Os veículos de tal para o sucesso do plano, na medida em
coleta não se deslocam de domicílio em que estes lugares servirão como área teste,
domicílio. A própria população, sufi- onde serão experimentados diferentes mé-

753
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

todos de trabalho, frequências, horários e cia de sua implementação, ou ainda se


equipamentos. Os setores envolvidos na os programas atuam exclusivamente
coleta seletiva devem seguir o mesmo pa- com resíduos secos ou incluem também
drão da coleta convencional realizada para a coleta segregada dos orgânicos. Para
os resíduos domésticos, porém, em dias uma amostra de municípios com mais de
não coincidentes. Esta medida facilita a 100.000 habitantes, 94,1% apresenta-
compreensão e a melhoria da participação vam programas de coleta seletiva e para
da população na coleta seletiva municipal. municípios com menos de 30.000 habi-
tantes, apenas 29,5%. A maior parte dos
Cenário brasileiro programas estabelecidos concentra-se
nas regiões Sul (55%) e Sudeste (46%).
Dados declarados pelos municípios ao Em relação a coleta seletiva por modali-
Sistema Nacional de Informações de dade (porta a porta e postos de entrega
Resíduos Sólidos4 indicam apenas a voluntária), apenas 32,22% declararam
existência da coleta seletiva, não per- possuir alguma modalidade de coleta se-
mitindo constatar o grau ou abrangên- letiva e responderam ao SNIS5.

Referências bibliográficas

1. ABRELPE. Panorama dos resíduos sólidos no Brasil 2017. São Paulo: Abrelpe, 2018.
Disponível em: http://abrelpe.org.br/pdfs/panorama/panorama_abrelpe_2017.pdf.
2. MMA. Elementos para organização da coleta seletiva e projeto dos galpões de
triagem. Brasília: MCidades, 2008. Disponível em: https://www.mma.gov.br/estru-
turas/srhu_urbano/_publicacao/125_publicacao20012011032243.pdf.
3. LIMA, R. S. R. Implantação de um programa de coleta seletiva porta a porta com
inclusão de catadores: estudo de caso em Londrina. Orientadora: S. M. C. P. da Silva.
175f. 2006. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Edificações e Saneamento) –
Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2006. Disponível em: http://www.
uel.br/pos/enges/dissertacoes/29.pdf.
4. SNIS. Diagnóstico do manejo de resíduos sólidos urbanos – série histórica. Dispo-
nível em: http://app4.mdr.gov.br/serieHistorica.
5. MMA. Agenda Nacional de Qualidade Ambiental Urbana. Programa Nacional Li-
xão Zero. Fase 2: Resíduos Sólidos Urbanos. Brasília: MMA, 2019. Disponível em:
https://www.mma.gov.br/images/agenda_ambiental/residuos/programalixaoze-
ro_saibamais.pdf.

Para saber mais

BRASIL. Lei nº 12.305, de 02 de agosto de 2010. Institui a Política Nacional de Re-


síduos Sólidos. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
2010/2010/lei/l12305.htm.
CEMPRE. Ciclosoft - pesquisa anual sobre a coleta seletiva. São Paulo: Cempre, 2018.
Disponível em: http://cempre.org.br/ciclosoft/id/9.

754
URBANIZAÇÃO

FUNASA. Manual de orientações técnicas para elaboração de propostas para o Pro-


grama de Resíduos Sólidos. Brasília: Funasa, 2014. Disponível em: http://www.
funasa.gov.br/documents/20182/34981/manualdeorientacoestecnicasparaelabora-
caodepropostasresiduossolidos.pdf/d84790e5-647b-47c6-b393-bfd89a322563.
NUCASE. Gestão integrada de resíduos sólidos urbanos: guia do profissional em trei-
namento – nível 1. Belo Horizonte: ReCesa. (Série Resíduos sólidos). Disponível em:
https://www.mdr.gov.br/images/stories/ArquivosSNSA/Arquivos_PDF/ReCesa/ges-
taointegradaderesiduossolidosurbanos-nivel1.pdf.
LIMA, F. P. A. (org.). Prestação de serviços de coleta seletiva por empreendimentos
de catadores: instrumentos metodológicos para contratação. Belo Horizonte: Insea,
2013. Disponível em: http://www.insea.org.br/cadernos/INSEA_contratacao_de_
empreendimentos_PORTUGUES.pdf.
VILHENA, A. (coord.). Lixo municipal: manual de gerenciamento integrado. 4. ed. São
Paulo: Cempre, 2018. Disponível em: http://cempre.org.br/upload/Lixo_Munici-
pal_2018.pdf.

Autoria deste verbete

Liséte Celina Lange. Professora titular do Departamento de Engenharia Sanitária e


Ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais (Desa/UFMG). Doutora em Tec-
nologia Ambiental pela Universidade de Londres, Inglaterra.

Cynthia Fantoni Alves Ferreira. Engenheira civil, sanitarista e ambiental. Doutora


em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos – Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG). Pesquisadora pós-doutoral do Departamento de Engenharia Sanitária
e Ambiental da UFMG.

U
URBANIZAÇÃO

Os termos urbano e cidade, assim como sua vez adjetivava aquilo que era relativo
rural e campo, muitas vezes são conside- ou próprio do campo, ou seja, um terreno
rados sinônimos. Entretanto, o substan- extenso fora do povoado.1
tivo “cidade” tem sua raiz etimológica no Evidentemente, estas palavras reajus-
latim civitas, -atis, onde os cidadãos (civis, taram seus significados de acordo com
is) romanos se reuniam; enquanto o urba- os períodos históricos e uma definição U
no (urbanus, -a, -um), adjetivo, referia-se de urbanização raramente será comple-
àquele ou àquilo que é “da cidade” (urbs, ta e consensual, pois ela pode ser tratada
is), oposto ao rural (ruralis, -e), que por a partir do urbanismo, da geografia, da

755
EIXO 3 - LEITURA DEMOGRÁFICA DO TERRITÓRIO

demografia, da economia ou da sociolo- aspirações modernizantes do governo de


gia, entre outras ciências. A contextua- Juscelino Kubitschek, com seus incen-
lização do processo contemporâneo de tivos à substituição de importações, na
urbanização torna-se uma referência sequência do pós-guerra. Naquele mo-
essencial para o planejamento, pois mento, algumas poucas cidades, particu-
sua dinâmica tem sido alterada inten- larmente São Paulo e Rio de Janeiro, reu-
samente. O planejamento e as ações de niam as condições para a instalação de
saneamento básico só serão efetivos e grandes fábricas, tais como porte popula-
duradouros caso a mobilidade espacial cional e oferta de trabalhadores, além de
da população e as novas formas de ocu- infraestrutura para a produção.
pação humana sejam consideradas. Como o processo de industrialização
Dependendo do enfoque, a urbanização ocorreu concentrado espacialmente, o
está associada à infraestrutura (incluindo país experimentou enorme fluxo de mi-
o saneamento básico), à organização ad- grantes procedentes de extensas áreas
ministrativa, à concentração populacional rurais à procura de trabalho nas grandes
em aglomerações definidas como urbanas, cidades. Estes movimentos intensifica-
modos de vida e influência política, econô- ram-se na ditadura militar, cujo plane-
mica e de costumes dos centros urbanos jamento centralizado canalizou recursos
sobre as periferias e áreas rurais. e favoreceu a implantação de plantas in-
dustriais, comunicações e transportes,
Fenômenos ligados expandindo os canais de interligação
regional, impulsionando a ocupação da
Mesmo com diferentes enfoques, o pro- fronteira agrícola-mineral na Amazônia
cesso de urbanização brasileiro pode ser e criando formalmente as regiões me-
associado a dois fenômenos historica- tropolitanas, onde se concentravam as
mente paralelos e interdependentes: o indústrias.2 Portanto, o processo de urba-
crescimento populacional (ver p. 172) e a nização foi induzido pela industrializa-
industrialização. Apesar das divergên- ção e impulsionado pelo crescimento po-
cias interpretativas, há certo consenso pulacional dela decorrente em algumas
nos debates teóricos, no sentido de se grandes cidades.3, 4
aceitar que a diminuição da mortalida- Naquela época, a divisão campo-cida-
de, historicamente, precede a queda da de e as migrações rural-urbanas mescla-
fecundidade, o que traz como consequ- ram-se em um cenário de polarização e
ência um aumento do ritmo de cresci- reciprocidade.4, 5
mento populacional.
No Brasil, as taxas de mortalidade Transformações mais claras,
iniciaram seu declínio a partir dos anos dualidades mais difusas
1940 e, portanto, o maior crescimento
demográfico ocorreu em meados do sé- Os anos 1980 evidenciaram mais cla-
culo passado, quando o país apresentou ramente as transformações em curso,
uma taxa de crescimento geométrico de quando as capitais das principais regiões
aproximadamente 3% ao ano. O exceden- metropolitanas do país já apresentavam
te populacional resultante foi paralelo às saldos migratórios líquidos negativos –

756
URBANIZAÇÃO

algumas, há mais de uma década – 6, 7, pri- sofreram a concorrência de uma profusão


meiramente, em direção ao seu entorno de novos tipos de movimentos populacio-
imediato, transformando o espaço, o uso nais.10 A maioria das regiões metropolita-
do solo e as condições de moradia nas pe- nas consolidadas, com destaque para São
riferias das regiões metropolitanas. Paulo, acentuou sua transformação em
Do ponto de vista regional, a migração densos núcleos irradiadores de população
de retorno para as antigas áreas de expul- para o interior do país.11
são passou a delinear um novo padrão na Concomitantemente, a grande indústria
redistribuição espacial da população, e invadiu o campo com a força irredutível
a Amazônia apresentou a maior taxa de do agronegócio. Não apenas a Região Sul,
crescimento urbano do país – o “Arco do mas uma vastidão de terras é tomada nos
Fogo” ou “Arco do Desmatamento” trans- cerrados do Centro-Oeste e parte do Nor-
forma-se em um grande arco de povoa- deste, onde surgem novas cidades, criadas
mento consolidado8 que tem se expandi- para atender as necessidades de produção
do na atualidade, resultando em impac- e reprodução desta indústria empoderada
tos socioambientais. pelo Estado, pelo grande capital e pelos ci-
Também naquela década, o país passa clos de altos preços das commodities agríco-
a apresentar perdas populacionais para o las12 e minerais no mercado internacional.
exterior, como em Governador Valadares (Expressão do inglês que se difundiu no
(MG). Sintoma das articulações globais, o linguajar econômico, commodity faz refe-
fenômeno atingiu inclusive as pequenas rência a um determinado bem ou produto
áreas, inicialmente vizinhas dos polos e de origem primária comercializado nas
depois mais distantes. bolsas de mercadorias e valores de todo o
Ao romper com a autossuficiência e o mundo e que possui grande valor comer-
isolamento do campo, a dualidade e re- cial e estratégico.)
ciprocidade urbano-rural gerada pela ló- Cidades como Sinop (MT), Luís Eduardo
gica industrial estabelecida no cerne das Magalhães (BA), Barreiras (BA) e Lucas
cidades passou a ser muito mais difusa. do Rio Verde (MT), dentre tantas outras,
Antigas tipologias – trabalhadores agrí- estendem o tecido urbano brasileiro para
colas residentes no campo, trabalhado- muito além das regiões metropolitanas.
res do setor terciário nas cidades – per- Contudo, no entorno de várias dessas
deram sua rigidez e seu contorno. Uma novas cidades se reproduzem as velhas
série de conceitos procurou dar conta desigualdades socioespaciais, como a se-
dessa nova realidade de formas espaciais gregação urbana, a violência e a ausência
matizadas: por um lado, megalópoles, de serviços básicos, como saneamento.13
cidades globais, exópoles, pós-metrópo- Na esteira das transformações no uso
les, metápolis; por outro lado, rurbano, do solo e dos conflitos ambientais de-
novo rural, neorrurais etc.9 correntes deste processo de urbanização,
os movimentos sociais deixaram de se
Irradiação localizar apenas nas cidades, atingindo U
o campo e regiões distantes das grandes
As migrações das áreas periféricas em di- aglomerações populacionais. Novos ato-
reção às grandes aglomerações urbanas res passam a reivindicar seus direitos à

757
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

terra, à água e aos territórios – indíge- do urbano é político-administrativa, isto


nas e quilombolas, povos da floresta e é, as sedes dos municípios, vilas e áreas
do cerrado, seringueiros e garimpeiros, urbanizadas, em seu interior residem tan-
entre outros.14 to pessoas que trabalham em atividades
A complexidade e as contradições do profissionais sofisticadas em termos de
processo de urbanização brasileiro desa- conteúdo tecnológico quanto as mais sim-
fiam a delimitação do urbano e do rural. ples e manuais. Mas a recíproca também
Indicadores tradicionais de mensuração é verdadeira: há profissionais dos mais
do processo de urbanização têm se torna- diversos setores da economia residindo
do ultrapassados – caso do crescimento fora do perímetro urbano, ou seja, em
da população urbana, mais precisamen- áreas definidas oficialmente como rurais.
te da população que reside em áreas de- No elenco das mudanças ocorridas na
finidas como urbanas. Um dos poucos mobilidade populacional contemporânea,
consensos entre os estudiosos refere-se à a pendularidade – pessoas que trabalham
insuficiência, se não inadequação, da de- ou estudam fora do município de residên-
finição de rural no Brasil – ou seja, aquilo cia – é uma realidade provavelmente ir-
que não é urbano. reversível,2 tornando o tecido urbano tão
Nesse sentido, estudos aprofundados entrelaçado que sua distinção em relação
sobre a ruralidade estão sendo gradual- ao rural acaba sendo arbitrária.
mente incorporados na elaboração dos A demarcação da situação do domicílio
planos e programas nacionais de sane- (urbano, rural) para fins de planejamen-
amento básico reavaliando sob novos to dos serviços públicos de saneamento
critérios as categorias dos setores censi- básico – como abastecimento de água e
tários rurais. O avanço dos estudos e os esgotamento sanitário, manejo de resídu-
dados censitários permitirá um redimen- os sólidos e de águas pluviais – será inade-
sionamento das populações residentes quada e ineficaz se não for estabelecida em
em áreas urbanas e rurais no Brasil, bem uma perspectiva espacial. A politização
como os seus desdobramentos para ava- própria do espaço urbano extrapolou os
liação dos cenários de acesso aos compo- contornos da cidade, encontrando uma de
nentes do saneamento básico e os investi- suas maiores expressões no interesse po-
mentos públicos necessários.15 pular sobre as condições seguras de repro-
dução da sua vida cotidiana e de seu am-
Características preconcebidas biente.14, 16 As reivindicações locais ecoam
e encontram respaldo nos direitos huma-
Menos questionada, mas nem por isso me- nos fundamentais, inclusive na perspec-
nos relevante, é a própria adequação do tiva global dos acordos estabelecidos nos
conceito de urbano, quase sempre carac- Objetivos de Desenvolvimento Susten-
terizado por atributos preconcebidos – ta- tável (ODS), firmados em 2015, sobretudo
manho e densidade populacionais; percen- do Objetivo 6 e metas 6.1 e 6.2.
tual de emprego nos setores primário, se- A abordagem fundamentada nos di-
cundário e terciário; distância em relação reitos humanos mescla-se e ganha ex-
a aglomerações populacionais de determi- pressão no emaranhado de novas formas
nado porte etc. Como a definição brasileira socioespaciais decorrentes do processo

758
URBANIZAÇÃO

contemporâneo de urbanização. As deli- urbanas e rurais. O atendimento dos


berações na arena global e as garantias da serviços públicos deve atingir tanto
Lei 11.445/2007 já normatizam o aces- as populações do campo, da floresta e
so suficiente à água de maneira segura e das águas (ver p. 499) como as popula-
acessível para uso pessoal e doméstico. ções localizadas nas áreas urbanas com
Para o esgotamento sanitário, além des- maior vulnerabilidade socioambiental
tas diretrizes, incluem-se a observância (ver p. 786). Em muitos casos, locali-
da privacidade e da dignidade, funda- dades periféricas carentes de projetos,
mentais para as mulheres. Mas é preciso urbanos ou rurais, transformaram-se
ir além e igualar estes direitos em todas em extensos bolsões de pobreza onde
as formas de ocupação e assentamentos se estabeleceram desertos sanitários.
humanos, afinal, todos fazem parte de A ampliação do acesso ao saneamento
um mesmo processo de urbanização.17 básico precisa romper antigas visões di-
O imenso desafio da universaliza- cotômicas que sempre privilegiaram as
ção do saneamento básico não pode cidades, atingindo todo o extenso teci-
ser mascarado pelas tipologias de áreas do urbano que já abrange todo o país.

Referências bibliográficas

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manas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1994. Disponível em: http://
repositorio.unicamp.br/jspui/handle/REPOSIP/280482.

759
EIXO 3 - LEITURA DEMOGRÁFICA DO TERRITÓRIO

8. BECKER, B. K. Geopolítica da Amazônia. São Paulo: Garamond, 2006.


9. LASCHEFSKI, K. Definição de áreas rurais para a finalidade da gestão do Programa
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10. BAENINGER, R. Rotatividade migratória: um novo olhar para as migra-
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11. RIGOTTI, J. I. R.; CAMPOS, J.; HADAD, R. Migrações internas no Brasil: (des)con-
tinuidades regionais à luz do Censo Demográfico 2010. Geografias, Belo Horizonte,
Edição Especial – Dossiê Migrações, p. 8-24, 2015. Disponível em: https://periodi-
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12. DELGADO, N. G. Commodities agrícolas. In: CALDART, R. S.; PEREIRA, I. B.;
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ponível em: http://www.epsjv.fiocruz.br/sites/default/files/l191.pdf. Acesso em:
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13. ELLIAS, D.; PEQUENO, R. Desigualdades socioespaciais nas cidades do agronegó-
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maio 2007. Trabalho apresentado no XII Encontro da Associação Nacional de Pós-
-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional, Belém, 2007. Disponí-
vel em: https://www.redalyc.org/pdf/5139/513951695003.pdf.
14. MONTE-MÓR, R. L. M. O que é o urbano, no mundo contemporâ-
neo. Revista Paranaense de Desenvolvimento, Curitiba, n. 111, p.
9-18. , jul./dez. 2006. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.
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15. MS. Programa Nacional de Saneamento Rural (PNSR). Brasília: Funasa, 2019.
Disponível em: http://www.fiocruz.br/omsambiental/media/ProgramaNacionalde-
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16. MONTE-MÓR, R. L. M. Urbanização extensiva e lógicas de povoamento: um olhar
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São Paulo: Hucitec; Anpur, 1994. p. 169-181.
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php?pid=S1413-81232016000601861&script=sci_abstract&tlng=pt.

Autoria deste verbete

José Irineu Rangel Rigotti. Doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e


Planejamento Regional (Cedeplar) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Professor associado do Cedeplar.

760
USO E OCUPAÇÃO DO SOLO

Járvis Campos. Doutor em Demografia pelo Cedeplar/UFMG. Professor adjunto do


Departamento de Demografia e Ciências Atuariais (DDCA) da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte (UFRN).

U
USO E OCUPAÇÃO DO SOLO

Apresentam-se abordagens sobre as ras, culminando no descumprimento das


questões relacionadas ao planejamento legislações ambientais. Não basta haver
do uso e ocupação do solo, urbanização planejamento para o uso e ocupação do
e suas implicações para o planejamento solo. A efetividade do cumprimento da-
municipal de saneamento básico, espe- quilo que foi planejado também deve ser
cialmente com relação ao manejo das assegurada pelos gestores municipais.
águas pluviais. São abordadas também As inúmeras consequências da deficiên-
considerações sobre as legislações fede- cia no planejamento do uso e da ocupação
rais pertinentes relacionadas ao tema, do solo incluem a ocorrência de erosões e
noções de zoneamento e áreas de preser- os desmatamentos, tanto na área urbana
vação permanente. quanto na área rural dos municípios. Outro
Um bom ordenamento do uso e da impacto da ocupação não planejada do solo
ocupação do solo no município é essen- é a dificuldade de acesso ao saneamento
cial, tendo em vista seu impacto direto básico. Nas áreas de ocupação irregular
no ambiente, que afeta o saneamento, a nem sempre é possível ter coleta dos resí-
saúde e a educação, por exemplo. duos sólidos na frequência necessária e as
A Constituição Federal atribui ao mu- obras de engenharia podem não estar pre-
nicípio o seu planejamento territorial, paradas para abastecer estas localidades
que deve garantir meio ambiente ecolo- com água canalizada e segura, bem como
gicamente equilibrado para a presente e realizar a coleta, o tratamento e a disposi-
as futuras gerações, assegurando o aces- ção adequada do esgotamento sanitário.
so aos serviços de saneamento a todos os
habitantes.1 Diante do crescimento das Impactos da chuva
cidades brasileiras sem o planejamento
adequado com relação ao uso e ocupa- No tocante ao manejo das águas pluviais
ção do solo, transtornos e custos para a (ver p. 368), os prejuízos e os impactos
sociedade e para o ambiente vêm sendo da chuva são intensificados em razão da
observados, sobretudo aqueles referen- ocupação das áreas de risco, do aumento
tes à ocupação irregular, principalmente das áreas impermeáveis, da degradação U
nas áreas de risco. Esta realidade pode ser dos recursos hídricos, da carência das
atribuída, em parte, à falta de fiscalização obras de drenagem, da canalização dos
e corpo técnico qualificado nas prefeitu- rios, da obstrução dos canais de escoa-

761
EIXO 7 - MANEJO DE ÁGUAS PLUVIAIS

mento, do aumento da densidade urbana solo é delimitar e fiscalizar as áreas


em determinadas áreas e do acúmulo dos de preservação permanente (APPs).
resíduos sólidos no sistema de drenagem. De acordo com o artigo 3º, inciso II do
Neste contexto, tornam-se necessárias chamado “novo Código Florestal” (Lei
medidas estruturais e não estruturais pa- 12.631/2012), APP é a “área protegida,
ra reduzir os riscos associados, principal- coberta ou não por vegetação nativa, com a
mente, às inundações (ver p. 334). Dentre função ambiental de preservar os recursos
as medidas não estruturais, uma estraté- hídricos, a paisagem, a estabilidade geológi-
gia que merece destaque dentro do plane- ca e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico
jamento do uso e ocupação do solo é o zo- de fauna e flora, proteger o solo e assegu-
neamento das áreas de risco, que consiste rar o bem-estar das populações humanas”.2
na demarcação das áreas mais vulneráveis Percebe-se pela definição, que a função
às inundações. O zoneamento é uma ferra- dessas áreas não se restringe a preservar
menta utilizada no planejamento para re- a vegetação ou a fauna. É mais abran-
gulamentar o uso do solo nas zonas ou dis- gente, ao ponto de se relacionar com a
tritos, indicando quais atividades são per- proteção de espaços para conservar a
mitidas e quais são proibidas. Aliado a esta qualidade ambiental e a estabilidade
estratégia, pode-se remover e realocar a geológica, a proteção do solo e o bem-
população que ocupa áreas ribeirinhas pa- -estar das populações humanas.
ra que haja uma ocupação segura das mar- Embora seja notória a importância de
gens dos corpos d’água nos municípios. delimitar e não se interferir em APP, há
A partir do zoneamento, é possível casos em que a intervenção nestes locais é
identificar quais são as áreas inundáveis inevitável. O Código Florestal apresenta,
para que sejam restringidos os locais de em seu artigo 8º, as situações excepcio-
habitação, comércio, indústrias, bem co- nais nas quais isso pode ocorrer por utili-
mo para se alocar os serviços essenciais, dade pública ou interesse social.2
como por exemplo, obras de saneamen- Vale destacar que um dos usos de utili-
to e o sistema viário. Por outro lado, dade pública apontados no artigo 3º, inci-
nos locais mais propensos a inundações, so VIII, alínea b, consiste nas obras de in-
recomenda-se a implantação de áreas fraestrutura, inclusive aquelas de sanea-
recreativas e parques. Desta forma, é mento. Ou seja, apesar de serem restritas
imprescindível que sejam desenvolvidos as opções de intervenções em APP, o Có-
estudos para auxiliar este planejamento e digo Florestal respalda essa possibilidade
estabelecer critérios para definir as áreas para solucionar questões relacionadas ao
apropriadas para cada finalidade dentro saneamento básico nos municípios, caso
do espaço urbano, tanto para tentar ade- seja necessário e não se tenha alternati-
quar os locais já ocupados quanto para vas técnica e financeiramente viáveis.
orientar futuras áreas de ocupação. Em que pese a importância de demar-
car as APPs nos municípios e evitar que
Área de preservação permanente tais áreas sejam ocupadas, e dos casos es-
pecíficos de intervenção citados anterior-
Uma das maneiras de realizar o zone- mente, observa-se que, no Brasil, é para
amento e ordenar o uso e ocupação do estes locais e para as áreas periféricas das

762
USO E OCUPAÇÃO DO SOLO

cidades que a população de baixa renda e áreas de desastres;11 Lei 12.608/12, que
em situação de vulnerabilidade direcio- institui a Política Nacional de Proteção
na-se como alternativa para instalar sua e Defesa Civil (PNPDEC);12 e o já citado
moradia. No entanto, são estes os locais Código Florestal.2
mais sujeitos a riscos de deslizamentos Tal lei (12.651/12) indica que largura
em eventos de fortes chuvas. A parcela da mínima da faixa de preservação junto
população que mora nestes locais é a mais aos cursos d’água é de:
exposta a desastres naturais. Conforme
indica o Ministério do Meio Ambiente • 30 metros (m), para os cursos d’água de
(MMA), “as áreas com risco de deslizamento menos de 10 m de largura;
ou enchentes devem permanecer • 50 m, para os cursos d’água que te-
desocupadas e, quando ocupadas, a melhor nham de 10 a 50 m de largura;
alternativa é promover sua desocupação, • 100 m, para os cursos d’água que te-
tendo em vista a possibilidade de ocorrência nham de 50 a 200 m de largura;
de novos eventos”.3 • 200 m, para os cursos d’água que te-
nham de 200 a 600 m de largura;
Legislação sobre uso e • 500 m, para os cursos d’água que te-
ocupação do solo nham largura superior a 600 m.

Em função das características particula- Na Lei 6.766/79 estão apresentadas


res de cada região brasileira e de suas mu- diversas recomendações para que haja
nicipalidades, o ordenamento e o adequa- um adequado planejamento de uso e ocu-
do planejamento do uso e da ocupação do pação do solo. Uma das recomendações é
solo passam por uma legislação específica que sejam criadas normas complementa-
para cada município. As principais legis- res em cada município para que esta legis-
lações municipais com esta finalidade são lação federal se adeque às peculiaridades
os Planos Diretores, as Leis de Uso e Ocu- regionais e locais dos municípios brasilei-
pação do Solo e o Código de Obras. ros.5 Assim, é fundamental que os pode-
Além da Constituição de 1988,1 exis- res Executivo e Legislativo municipais re-
tem diversas leis federais relacionadas ao gulamentem e fiscalizem o cumprimento
planejamento do uso do solo urbano. As de suas respectivas leis desse tipo.
principais são:4 Lei 6.766/79, que dispõe Outro instrumento orientador para o
sobre o parcelamento do solo urbano;5 Lei adequado planejamento do uso e ocupa-
6.938/81, que constitui a Política Nacio- ção do solo é o Plano Diretor, previsto
nal de Meio Ambiente;6 Lei 9.433/97, que no Estatuto da Cidade, Lei 10.257/01.9 O
trata da Política Nacional de Recursos Hí- Plano visa a um adequado ordenamen-
dricos;7 a lei que rege o Sistema Nacional to do território, permite um desenvol-
de Unidades de Conservação da Nature- vimento das funções sociais da cidade
za (9.985/00);8 Lei 10.257/01, conhecida e tem como horizonte o bem-estar, em
como Estatuto da Cidade, que estabelece sentido amplo, da população. Além de U
diretrizes gerais da política urbana;9 Lei apresentá-lo como instrumento para o
11.445/07, que versa sobre o saneamento planejamento municipal, o Estatuto da
básico;10 Lei 12.340/10, sobre ações em Cidade lista recomendações a serem se-

763
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

guidas nos municípios brasileiros. Nem rio para que a sustentabilidade ambiental
todos são obrigados a ter um Plano Dire- e a qualidade de vida sejam asseguradas.
tor. Essa obrigatoriedade é restrita a de- Como apresentado, existem legislações
terminados perfis de municipalidades, próprias relacionadas ao tema que pro-
conforme apresentado no artigo 41.9 porcionam um suporte jurídico para estes
Com o aumento do nível de urbanização gestores e, caso sejam implantadas e fis-
(ver p. 755) nas cidades brasileiras, cabe calizadas em cada município, facilitarão
aos gestores municipais regulamentar o a aplicação das ações previstas nos planos
uso e a ocupação do solo em cada territó- municipais de saneamento.

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764
USO E OCUPAÇÃO DO SOLO

nicípios para a execução de ações de prevenção em áreas de risco de desastres e de


resposta e de recuperação em áreas atingidas por desastres e sobre o Fundo Nacional
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teção e Defesa Civil - PNPDEC; dispõe sobre o Sistema Nacional de Proteção e Defesa
Civil - SINPDEC e o Conselho Nacional de Proteção e Defesa Civil - CONPDEC; auto-
riza a criação de sistema de informações e monitoramento de desastres. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12608.htm.

Para saber mais

SILVA JÚNIOR, J. R.; PASSOS, L. A. O negócio é participar: a importância do plano


diretor para o desenvolvimento municipal. Brasília: CNM; Sebrae, 2006.

Autoria deste verbete

Marco Túlio da Silva Faria. Tecnólogo em Gestão Ambiental, engenheiro ambiental e


Sanitarista, doutorando e mestre em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos
pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Priscilla Macedo Moura. Engenheira civil, mestre em Saneamento, Meio Ambiente e


Recursos Hídricos, doutora  pelo  Institut National des Sciences Appliquées de Lyon
(França). Professora do Departamento de Engenharia Hidráulica e Recursos Hídricos
(EHR) da UFMG.

Talita Fernanda das Graças Silva. Engenheira civil, mestre em Sistemas Aquáticos e
Gestão da Água pela Ecole des Ponts Paris Tech (França), doutora em Saneamento,
Meio Ambiente e Recursos Hídricos pela UFMG e pela Université Paris-Est (França).
Professora do EHR/UFMG.

765
V

VALORAÇÃO ENERGÉTICA DE RESÍDUOS SÓLIDOS

Nas últimas décadas a energia tem sido tamento energético dos resíduos podem ser
considerada um tema estratégico na agen- consideradas. O PGIRS é um dos planos de
da da administração pública brasileira, ação que podem compor o Plano Municipal
sendo discutida por vários segmentos da de Saneamento Básico (PMSB – ver p. 450)
sociedade na busca de fontes mais susten- em conformidade com a Lei de Saneamen-
táveis. Os resíduos sólidos (RS) apresen- to Básico (Lei 11.445/2007)1 e a Política
tam potencial para aproveitamento ener- Nacional de Resíduos (Lei 12.305/2010)2.
gético. Algumas iniciativas já ocorrem, A Lei 14.026/2020, que atualiza o
mas não há o aproveitamento energético marco legal do saneamento, define no
dos RS em grande escala. Isso implica seu artigo 17 que “o serviço regionalizado
vencer desafios importantes relacionados de saneamento básico poderá obedecer a
a questões técnicas, regulatórias e insti- plano regional de saneamento básico elabo-
tucionais, principalmente quanto aos sis- rado para o conjunto de municípios atendi-
temas de coleta, separação e estocagem. dos e o plano regional de saneamento básico
Assim, o objetivo é apresentar a valoração dispensará a necessidade de elaboração e
energética dos resíduos sólidos no contex- publicação de planos municipais de sanea-
to da Política Nacional de Resíduos Sólidos mento básico”3.
(PNRS) e de seu fomento na política muni- A discussão sobre a valoração energéti-
cipal de saneamento básico . ca dos resíduos sólidos perpassa aspectos
Aos municípios, cabe, por meio do Plano relacionados a quantidade e característi-
de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos cas de resíduos, porte do município, regu-
(PGIRS – ver p. 463), traçar o seu planeja- lação e aspectos financeiros, além de ações
mento quanto a definição de novas tecno- claras sobre a recuperação e reciclagem de
logias para destinação final desses resídu- materiais e envolvimento do movimento
os, objetivando melhorar metas referentes nacional dos catadores de materiais reci-
a minimização de resíduos e de quantidade cláveis. Há uma preocupação da sociedade
de rejeitos enviados a aterros. Nesse con- quanto à “concorrência” entre recuperação
texto, tecnologias que envolvem o aprovei- energética e a reciclagem de materiais. Fa-
VALORAÇÃO ENERGÉTICA DE RESÍDUOS SÓLIDOS

to é que se não tivermos no âmbito fede- cessitará de um corpo técnico especiali-


ral, estadual e municipal políticas públicas zado e da criação de área específica além
claras, nas quais objetivos e metas de cada de licenciamento ambiental. Terá ainda,
estratégia sejam devidamente definidos, certamente, de estabelecer contratos
pode-se ter ações divergentes e conflituo- com empresas que farão essa implanta-
sas. Cada município, para planejar uma ção, a operação e o monitoramento. As-
tecnologia térmica para destinar os resí- sim, precisará definir ações regulatórias
duos, deverá, primeiramente, responder a e fiscalizatórias, entre outras. Aqui, vale
algumas questões. São elas: mencionar a implantação e operação de
biodigestores individuais ou de pequenos
1) Por que e para que necessito agrupamentos, tecnologia de interesse fa-
aproveitar energeticamente os miliar, técnico e da gestão pública.
resíduos da minha cidade?
3) Qual o modelo existente em meu
Reflexão: o município deverá refletir se município na gestão dos resíduos e
quer diversificar sua matriz energética lo- como essa mudança poderá impactá-lo?
cal, se há como aproveitar a energia gerada
(na forma térmica ou elétrica) sob a ótica Reflexão: a gestão sustentável dos resídu-
técnica e econômica, se gera resíduos que os urbanos pressupõe uma abordagem que
somente poderiam ser tratados e destina- tenha como referência os princípios nor-
dos termicamente (exemplo: alguns resídu- teadores da PNRS, observando a seguinte
os de serviços de saúde, alguns resíduos in- ordem de prioridade: não geração, redução,
dustriais perigosos etc.), se gera uma quan- reutilização, reciclagem, tratamento dos
tidade suficiente de resíduos que manterão resíduos e disposição ambientalmente ade-
a tecnologia escolhida cumprindo sua fi- quada dos rejeitos. Assim, deve-se refletir
nalidade de geração de energia (talvez em sobre como o modelo de aproveitamento
consórcios entre municípios, especialmen- energético – quer seja uma planta térmi-
te para aqueles com população inferior a ca quer seja aproveitamento do biogás do
50 mil habitantes), se na cidade ou região aterro – se insere no contexto local. Dis-
há indústrias que podem ter interesse em cutir amplamente com o movimento dos
aproveitar termicamente os resíduos (ex.: catadores, com a população, especialmente
cimenteiras), entre outros aspectos. aquela que provavelmente viverá próxima
a um incinerador, por exemplo.
2) Quem implantará e será
o responsável por uma planta 4) Quem no mundo utiliza o
térmica ou pela exploração de aproveitamento térmico, seja
biogás em um aterro sanitário? implantando incineradores ou somente
aproveitando o biogás de aterros para
Reflexão: a administração municipal de- geração de energia térmica ou elétrica?
verá debater com os diferentes atores da
sociedade sobre quais tecnologias exis- Reflexão: essa questão é importante para
tem e seu custo. Precisa entender que, se dar a dimensão correta à municipalidade
optar por uma tecnologia térmica, ne- sobre o que envolve a realidade de países V

767
EIXO 6 - MANEJO DE RESÍDUOS SÓLIDOS

e cidades que optaram por destinar seus Reciclagem de materiais ou


resíduos a incineradores ou que resolve- recuperação energética
ram explorar o biogás de seus aterros.
Normalmente, essa decisão de gestão A resposta para a questão sobre qual so-
está mais presente em países desenvol- lução é a mais eficiente em termos ener-
vidos, como países europeus. No caso do géticos, se a reciclagem de materiais ou a
Japão, podemos pensar sobre as limita- recuperação de energia, está relacionada
ções geográficas e de relevo do país, que principalmente com as seguintes frações
em 80% do seu território apresenta mon- de resíduos: papel e papelão, plásticos e
tanhas e vulcões, além de ser uma ilha. resíduos orgânicos. Indiretamente rela-
Certamente, pensar em aterro seria um ciona-se com os metais. A reciclagem de
problema. Ademais, um país que conta materiais possui uma clara vantagem em
com elevadas taxas de recuperação de relação à recuperação energética quando
materiais recicláveis e recursos financei- se trata de RS por preservar os recursos
ros elevados. A opção do Japão é sempre naturais, sendo também considerada de
a não geração, a recuperação de mate- menor impacto ambiental e com alto po-
riais e a incineração para aproveitamento tencial de integração social.
energético dos rejeitos. Já no continente A reciclagem dos materiais é vantajo-
americano tem-se, mais recentemente, o sa em relação à recuperação de energia
exemplo da Cidade do México, a qual em das frações presentes nos RS e gera uma
2017 estabeleceu um contrato de 30 anos menor emissão de gases de efeito estufa
com a empresa Veolia e outros investido- (GEE) em relação ao processo de recupe-
res locais para a construção e operação da ração de energia. Para as frações na for-
primeira unidade de valorização energé- ma de papel e papelão, plásticos, resíduos
tica de resíduos da América Latina. Esta orgânicos e metais, o grau de reciclagem
planta processará 1,6 milhão de tonela- tende a aumentar com a intensificação
das de resíduos domiciliares e produzirá tanto dos sistemas de coleta seletiva
965 gigawatts-hora (GWh) de eletrici- quanto do uso de tecnologias de triagem.
dade ao ano para alimentar o metrô da Portanto, uma gestão sustentável de resí-
cidade. Nesse exemplo, nos deparamos duos deve buscar o balanço entre maio-
com uma das maiores cidades do mundo, res taxas de recuperação de energia e a
cerca de 10 milhões de habitantes que boa qualidade dos produtos reciclados.
geram 13 mil toneladas de resíduos por
dia, e certamente com necessidades de Tecnologias para a
diversificar sua matriz energética e com recuperação energética
dificuldades de espaço para aterros sani-
tários. No Brasil, grandes cidades como A obtenção de energia utilizando RS pode
Salvador, São Paulo, Porto Alegre e Belo se dar de diversas formas, a depender das
Horizonte têm explorado o gás dos ater- alternativas tecnológicas disponíveis e dos
ros para geração de energia. Aqui, incine- arranjos institucionais e financeiros vigen-
radores são normalmente utilizados para tes. As principais tecnologias utilizadas pa-
processar resíduos de serviços de saúde e ra a valoração energética dos resíduos são:
resíduos industriais. aproveitamento do biogás dos aterros sani-

768
VALORAÇÃO ENERGÉTICA DE RESÍDUOS SÓLIDOS

tários e dos biodigestores de incineração, Uma das alternativas, que vem desper-
pirólise, gaseificação e coprocessamento tando grande interesse, é a tecnologia
em fornos de clínquer (cimenteiras). de biodigestão anaeróbia de resíduos
No caso dos municípios de pequeno por- dos animais, e particularmente de resí-
te os consórcios serão uma alternativa im- duos gerados com a criação animal, pe-
prescindível para se obter ganho de escala la implantação de biodigestores. Estes
e suporte para investimento tecnológico. podem ser inteiramente alimentados
com resíduos agrícolas, ou mesmo de
1) Aproveitamento do biogás excrementos de animais e dos homens.
dos aterros sanitários Assim, ao contrário de ser um fator de
poluição, transforma-se em um auxiliar
O uso energético dos resíduos sólidos por do saneamento ambiental.
meio do aproveitamento do gás produzido A digestão anaeróbia requer a integra-
em aterro visa recuperar o biogás e desti- ção de conceitos de gestão dos resíduos
ná-lo a outros fins que não sejam somente locais e um complexo planejamento.
a emissão descontrolada na atmosfera. Depende, ainda, de decisão sobre qual o
Em geral, o biogás dos aterros é com- procedimento a ser seguido para que se
posto de 45 a 60% de metano, 35 a 50% atinjam os objetivos.
de dióxido de carbono (CO2) e uma peque-
na quantidade de outros elementos como 3) Processo térmicos
nitrogênio (N2), hidrogênio (H2), sulfeto
de hidrogênio (H2S), entre outras subs- Um pré-tratamento, como trituração, ho-
tâncias em menor concentração. mogeneização e secagem da massa a ser
O metano é o componente mais impor- introduzida, é obrigatório para todos os
tante para a utilização do biogás como processos apresentados a seguir. Tam-
combustível. Uma planta de aproveita- bém são necessários sistemas de contro-
mento de biogás de aterro deverá ter um le ambiental para os gases decorrentes
sistema de coleta de gás, um sistema de do processo de combustão5. Os proces-
tratamento e um sistema de recuperação sos diferem em temperatura, pressão e
de energia, sendo que os dois primeiros atmosfera.
determinarão a quantidade e a qualidade.
Ao coletar o gás, a planta poderá proces- Incineração
sá-lo para ser combustível em caldeiras,
turbinas a gás, motor alternativo a gás No processo de incineração, os resídu-
ou célula combustível, podendo produzir os são queimados através da adição de
energia elétrica para o consumidor final. combustível e ar a uma temperatura en-
tre 800 e 1.300 graus Celsius (oC), resul-
2) Biodigestores tando em geração de energia, bem como
em subprodutos como cinzas e gases de
Existem hoje diversas alternativas tec- combustão.
nológicas de aproveitamento da biomas- De forma simplificada, uma planta de
sa para geração de energia, tecnicamen- incineração de resíduos sólidos urbanos
te viáveis para a agricultura familiar. pode ser dividida em três partes. A etapa V

769
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

do fornecimento do material compreende para gerar as reações de recuperação do


desde a área de recebimento e armazena- gás por aromatização e polimerização a
gem até a alimentação na câmara de com- partir dos produtos de reação líquidos
bustão, seguida do tratamento térmico ou sólidos. O gás é composto principal-
por meio de queima em grelha e, por fim, mente de CO2, CO, hidrogênio, metano,
da purificação de gases e retirada de escó- etano e eteno. A composição dos resídu-
ria para posterior tratamento. os tem influência significativa sobre os
A recuperação de energia representa produtos. Então, por exemplo, o domí-
uma parte muito importante em plan- nio de certos tipos de plástico na pirólise
tas modernas de incineração de resídu- pode levar a composições de gases sig-
os. Existem vários conceitos para o uso nificativamente diferentes e altamente
da energia recuperada, que podem ser contaminantes, sendo necessário o con-
introduzidos e adaptados segundo as trole da poluição ambiental e proteção
necessidades e demandas. A forma mais da saúde do trabalhador.
fácil é a recuperação simples da energia
com o uso de um trocador de calor. São Gaseificação
necessários sistemas de controle da po-
luição atmosférica. O objetivo do processo de gaseificação
é a conversão de um sólido e de substân-
Pirólise cias líquidas ou pastosas em um possível
gás combustível ou de síntese, que tem
Na pirólise, o tratamento térmico ocorre elevada aplicabilidade a partir do estado
sob total exclusão de oxigênio. Os com- físico das frações geradas. Para este fim,
ponentes dos RS são decompostos em o sólido entra em contato com um reativo
hidrocarbonetos na forma gasosa e cin- de gaseificação. Como agente de gaseifica-
zas. A fração gasosa pode ser destilada ção, é introduzido o oxigênio (com a uti-
para obter diferentes hidrocarbonetos lização de hidrogênio e também vapor de
ou queimados em caldeiras ou geradores água) no processo6.
para gerar energia elétrica. Além disso, Na gaseificação, o carbono e o hidrogê-
os gases podem ser oxidados parcial- nio presentes nos RS reagem parcialmen-
mente para obter o gás de síntese, como te com o oxigênio (combustão), gerando o
ocorre na gaseificação. O ajuste do nível gás de síntese (gás hidrogênio e monóxi-
de temperatura é dividido em pirólise do de carbono, conhecido como syngas),
de baixa temperatura (< 500oC), média dióxido de carbono e cinzas. São empre-
temperatura (500-800oC) e alta tem- gados equipamentos chamados de gasei-
peratura (> 800oC). Relevantes para o ficadores, que possuem diversas configu-
tratamento térmico de resíduos são os rações. Os tipos comerciais mais comuns
processos de pirólise médias e lentas de gaseificadores são de leito fixo, leito
que ocorrem a partir de uma faixa de fluidizado e plasma. O syngas pode ser
temperatura média e alta. Os produtos queimado em geradores especiais para
oriundos nestas condições são principal- geração de energia elétrica ou utilizados
mente os gasosos, formados com tempos como intermediários para reações que ge-
de permanência suficientemente longos ram produtos químicos.

770
VALORAÇÃO ENERGÉTICA DE RESÍDUOS SÓLIDOS

Coprocessamento em gia proveniente do uso de combustível


fornos de clínquer derivado de resíduos sólidos urbanos em
fornos de produção de clínquer.
O processo de fabricação de cimento é,
essencialmente, a calcinação e a fusão O potencial de geração de
de um material constituído aproximada- eletricidade dos resíduos sólidos
mente de 94% de calcário, 4% de argilas
e 2% (p/p) de óxidos de ferro e alumínio No Brasil, a oferta interna de energia conta
em um forno rotativo operando em tem- com 39% de renováveis, quase três vezes o
peraturas de 1.450oC para os sólidos, em indicador mundial (13,6%)7. Entretanto,
que a temperatura de chama oscila em quando analisamos mais profundamente
torno de 2.000oC. Nesse forno é produ- observamos que a matriz energética bra-
zido o clínquer, um dos constituintes do sileira é altamente dependente das hidre-
cimento. A indústria cimenteira é uma létricas e, em casos de emergência, das
consumidora em larga escala de recursos termoelétricas, movidas principalmente
naturais não renováveis e combustíveis a combustíveis fósseis. A recente crise hí-
fósseis. Dessa forma, as cimenteiras são drica mostrou que o modelo brasileiro é
confrontadas com os dilemas da susten- arriscado. Diante disso, para garantir a se-
tabilidade, que vão desde a garantia de gurança energética o país precisa diversi-
suprimentos de matéria-prima e insu- ficar sua matriz energética8,9.
mos energéticos até o cumprimento de O potencial de aproveitamento ener-
normas e padrões de produção, controle gético de resíduos sólidos urbanos é
da poluição, saúde do trabalhador etc. grande. Segundo a empresa de pesquisa
A concepção tecnológica do coprocessa- energética (EPE)10, o potencial de geração
mento baseia-se na queima dos resíduos de eletricidade através de resíduos para
no forno rotativo de clínquer em condições 2030 é de 17.550 megawatts (MW). O
especiais. Os resíduos são processados nos início da geração de energia elétrica atra-
fornos rotativos devido às condições espe- vés do biogás de aterro sanitário ocorreu
cificas do processo, como alta temperatu- em 2002, com a instalação de uma usina
ra, ambiente alcalino, atmosfera oxidante, de pequena potência no estado de São
ótima mistura de gases e produtos, e tem- Paulo. Entre 2002 e 2009 apenas dois
po de residência superior a 2 segundos, novos projetos entraram em operação
geralmente suficiente para a destruição de em São Paulo. O número de projetos co-
resíduos perigosos. Por outro lado, a utili- meçou a se expandir em 2010 com usinas
zação desses combustíveis alternativos no nos estados da Bahia, Minas Gerais, San-
processo de produção de clínquer possui li- ta Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul,
mitações, como as relacionadas ao volume além de São Paulo. De 2010 a 2016 outros
de combustível secundário que alimenta o sete projetos entraram em operação, re-
forno e a segurança ambiental. presentando um aumento de 212% da
No estado de São Paulo, a Resolução capacidade instalada com relação a 2008.
SMA 38/20177 estabelece diretrizes e O planejamento de longo prazo é feito
condições para o licenciamento e a opera- por meio do Plano Nacional de Energia
ção da atividade de recuperação de ener- (PNE). Este aponta que até o ano de 2030 V

771
EIXO 6 - MANEJO DE RESÍDUOS SÓLIDOS

haverá um aumento de 39,3% na produ- instrumentos bem definidos para o apro-


ção de energia elétrica no país, sendo hi- veitamento energético de RS, apesar de
drelétricas responsáveis pela produção de existirem algumas estimativas indicati-
69,5% da energia, as térmicas 17,7%, im- vas para participação futura da energia
portação 0,6% e fontes alternativas 3,7%. proveniente dos resíduos. A falta de me-
Entre as fontes alternativas, 6,4% corres- tas bem estabelecidas é uma grande bar-
ponderão ao uso dos resíduos sólidos, re- reira ao aproveitamento energético de RS.
presentando uma estimativa de participa- Ademais, para os municípios de pequeno
ção de 0,6% na matriz energética nacional porte recomenda-se o consorciamento
(EPE6). Isto significa que num horizonte por permitir uma estrutura gerencial
de 15 anos, para que se concretizem as mais robusta, além do ganho em escala
projeções da EPE, a geração de eletricidade e possibilidade de investimentos tecno-
a partir de resíduos urbanos deverá crescer lógicos. Cabe mencionar que as tecnolo-
muito se comparado com outras fontes, gias de valoração energética envolvem
visto que atualmente sua participação é de capacitação qualificada de seus técnicos
apenas 0,05% da matriz elétrica. e recursos públicos direcionados para
Como visto, a política energética do esse fim, além do desafio do controle am-
Brasil tem apenas algumas diretrizes biental das plantas industriais, do acom-
para as energias renováveis, nas quais panhamento constante da saúde do tra-
os resíduos podem ser inseridos. Não há balhador envolvido e da garantia do uso
nenhuma diretriz específica com metas e de tecnologias consolidadas no Brasil.

Referências bibliográficas

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ato2007-2010/2007/lei/l11445.htm.
2. BRASIL. Lei nº 12.305, de 02 de agosto de 2010. Institui a Política Nacional de
Resíduos Sólidos. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
2010/2010/lei/l12305.htm.
3 BRASIL. Lei nº 14.026, de 15 de julho de 2020. Atualiza o marco legal do sane-
amento básico. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-
2022/2020/lei/L14026.htm
4. ABRELPE. Panorama dos resíduos sólidos no Brasil 2017. São Paulo: Abrelpe, 2018.
Disponível em: http://abrelpe.org.br/pdfs/panorama/panorama_abrelpe_2017.pdf.
5. LOPES, E. J. Desenvolvimento de sistema de gaseificação via análise de emissões
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ria e Ciência dos Materiais) – Setor de Tecnologia, Universidade Federal do Paraná,
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6.EPE. Balanço energético nacional 2015 – ano base 2014: Relatório Síntese. Rio de
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dos-abertos/publicacoes/PublicacoesArquivos/publicacao-127/topico-95/Relat%-
C3%B3rio%20S%C3%ADntese%202015.pdf.

772
VALORAÇÃO ENERGÉTICA DE RESÍDUOS SÓLIDOS

7. SÃO PAULO (Estado). Resolução SMA 38, de 31 de maio de 2017. Disponível em:
http://arquivos.ambiente.sp.gov.br/legislacao/2017/06/resolucao-sma-038-2017
processo-3840-2017-estabelece-diretrizes-e-condicoes-para-licenciamento-e- ope-
racao-da-atividade-de- recuperacaode-energis-cdru.pdf. Acesso em: 25 ago. 2018.
8. PEDROSA, S. É preciso diversificar a matriz energética no Brasil. UOL, 18 jun. 2015.
Disponível em: http://www.canalbioenergia.com.br/desafios-energeticos-diversifi-
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9. KRENZINGER, A. Para evitar crise, Brasil precisa diversificar matriz energética.
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10. EPE. NOTA DEA 18/14. Inventário energético dos resíduos sólidos urbanos. EPE:
Rio de Janeiro, 2014. Disponível em: http://www.epe.gov.br/sites-pt/publicacoes-
-dados-abertos/publicacoes/PublicacoesArquivos/publicacao-251/topico-311/
DEA%2018%20-%20%20Invent%C3%A1rio%20Energ%C3%A9tico%20de%20
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Para saber mais

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ec.europa.eu/eurostat/web/main/home. Acesso em: out. 2018.
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duos de biomassa através da gaseificação. Orientadores: L. P. Rosa e N. F. da Silva.
2009. 207 f. Tese (Doutorado em Planejamento Energético) – Instituto Alberto Luiz
Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia, Universidade Federal do Rio
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– Coordenação de Engenharia Ambiental, Universidade Tecnológica Federal do Pa-
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vel em: http://app4.mdr.gov.br/serieHistorica.

773
EIXO 7 - MANEJO DE ÁGUAS PLUVIAIS

Autoria deste verbete

Liséte Celina Lange. Professora titular do Departamento de Engenharia Sanitária e


Ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais (Desa/UFMG). Doutora em Tec-
nologia Ambiental pela Universidade de Londres, Inglaterra.

Cynthia Fantoni Alves Ferreira. Engenheira civil, sanitarista e ambiental. Doutora em


Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos – Universidade Federal de Minas Ge-
rais (UFMG). Pesquisadora pós-doutoral do Departamento de Engenharia Sanitária e
Ambiental da UFMG.

V
VAZÕES DE CHEIA

No manejo das águas pluviais, a vazão é aumentando como resultado da chegada


um parâmetro muito importante para o do escoamento superficial vindo das
dimensionamento das redes e estruturas áreas mais próximas à seção observada.
dos sistemas de drenagem. Ela pode ser À medida que o tempo passa e a chu-
definida como uma variação de volume va continua, o nível d’água continuará
por unidade de tempo. O volume comu- a subir e a vazão continuará a aumentar
mente é dado em litros (L) ou metros cú- porque, além do escoamento superficial
bicos (m3), e o tempo é representado em proveniente das áreas mais próximas à
segundos (s). Dessa forma, a vazão é dada seção, inicia-se também a contribuição
em L/s ou m3/s. do escoamento superficial produzido
Em uma bacia hidrográfica, durante mais a montante na bacia hidrográfica.
um evento chuvoso, a conversão da chuva Em um dado momento, denominado
em vazão na calha de um rio (processo de- tempo de pico, a vazão no rio atingirá
nominado transformação chuva-vazão) seu valor máximo – a chamada vazão de
pode ser descrita de maneira simplificada pico. Após o término da chuva, a vazão
conforme apresentado a seguir: a chuva na seção do rio começará a diminuir por-
efetiva, ou seja, a parcela da água de chu- que a contribuição do escoamento super-
va que precipita e não sofre intercepção, ficial proveniente da bacia hidrográfica
armazenamento ou infiltração escoará vai gradativamente diminuindo.
pela superfície do terreno, em filetes ou O tempo necessário para que o escoa-
de forma laminar, até chegar aos córre- mento superficial chegue até os corpos
gos e rios. Nesses corpos d’água, alguns hídricos dependerá das características
instantes após o início da chuva, será físicas da bacia hidrográfica, como a
possível notar que o nível d’água começa declividade, o relevo, a área, a forma e
a subir, indicando que a vazão no rio está a rugosidade das superfícies. Por exem-

774
VAZÕES DE CHEIA

plo, analisando-se apenas a declividade, fície e implantação de estruturas de mi-


quanto maior seu valor, mais rapida- crodrenagem em uma bacia hidrográfica
mente o escoamento superficial atin- diminuem a infiltração, a interceptação
girá as cotas mais baixas na bacia hi- e a evapotranspiração, aumentando o
drográfica. Um importante parâmetro volume e a velocidade do escoamento
na transformação chuva-vazão, comu- superficial (ver Manejo de águas pluviais
mente referenciado nos projetos de dre- – p. 368). Como consequência, a vazão
nagem de águas pluviais, é o tempo de de pico aumenta e ocorre mais cedo, ou
concentração, definido como o tempo seja, o tempo de pico diminui. Além dis-
necessário para que uma gota de chuva so, a redução do processo de infiltração
que precipitou sobre a parte mais remo- impacta negativamente a vazão de base.
ta (ou mais a montante) da bacia hidro-
gráfica chegue até seu exutório (ponto Medição de vazões
de menor altitude para onde se conver-
ge todo o escoamento superficial). Esse A medição de vazões em córregos e rios
tempo é função tanto da distância a ser pode ser feita por meio de diferentes méto-
percorrida como da velocidade com que dos. Em pequenos cursos d’água e canais
a água escoa.1 é possível utilizar calhas ou vertedores
que produzem condições hidráulicas nas
Representações gráficas quais a relação entre o nível d’água e a
vazão é única e conhecida. Vertedores
A variação das magnitudes da vazão em triangulares, retangulares ou a calha
uma dada seção fluvial ao longo do tem- Parshall são exemplos de estruturas
po pode ser representada por meio de utilizadas nesse tipo de técnica de
um gráfico conhecido como hidrogra- medição de vazão.2
ma. Nele pode-se observar o tempo de Em rios maiores, o método mais em-
pico, a vazão de pico, o tempo de ascen- pregado baseia-se na medição da área
são que corresponde aos instantes ante- e da velocidade em segmentos de uma
riores ao tempo de pico durante os quais seção do rio transversal ao escoamento.
a vazão aumenta e o tempo de recessão, A vazão em cada segmento é obtida pela
correspondente aos instantes em que a multiplicação de sua área pela velocida-
vazão diminui posteriormente ao tempo de, e a vazão total na seção é calculada
de pico (a referência apresentada ao final somando-se as vazões de todos os seg-
traz várias ilustrações de hidrogramas).1 mentos. Em função da largura, da pro-
As variações do nível d’água ao longo do fundidade e da velocidade do escoamen-
tempo nessa seção fluvial podem, por to no rio, a travessia para realização das
sua vez, ser representadas por um cota- medições pode ser feita a vau (a pé), por
grama ou linigrama. barco, teleférico ou sobre uma ponte. A
Os impactos decorrentes da urbaniza- medição da velocidade é realizada por
ção (ver p. 755) sobre o ciclo hidrológico meio de flutuadores (resultados pouco
(ver p. 97) refletem-se no hidrograma precisos) ou molinetes, e tem se tornado
de uma bacia urbanizada. Remoção da cada vez mais comum o uso de equipa-
vegetação, impermeabilização da super- mentos eletroacústicos, como o acoustic V

775
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

doppler current profiler, mais conhecido cota) versus a vazão é denominada cur-
por sua sigla ADCP.2 va-chave. Para determinar a curva-cha-
Os molinetes são equipamentos ve em uma dada seção fluvial é neces-
mecânicos dotados de uma haste vertical sário realizar medidas simultâneas do
com hélices em sua extremidade inferior. nível d’água e da vazão para diferentes
As hélices são dispostas em torno de um condições de escoamento: vazões baixas,
eixo horizontal e posicionadas dentro da médias e altas.
água perpendicularmente à direção do No posto fluviométrico, o nível
escoamento. Quando impulsionadas pela d’água é monitorado sistematicamente
passagem da água, elas giram e o núme- em frequência diária ou subdiária,
ro de rotações em um intervalo de tem- conforme as características da bacia
po pode ser relacionado à velocidade do hidrográfica, e, por meio da curva-
escoamento naquele ponto. Os medido- -chave, os dados de nível d’água são
res eletroacústicos baseiam-se no efeito convertidos em vazão. O nível d’água
Doppler para a medição da velocidade. pode ser monitorado através da leitura,
Uma vez submerso na água, o equipa- por um observador treinado, de réguas
mento emitirá pulsos acústicos em uma linimétricas instaladas nas margens do
frequência conhecida e captará o eco dos curso d´água, linígrafos mecânicos (em
pulsos refletidos pelas partículas presen- desuso) ou por meio de sensores auto-
tes na água. A diferença da frequência máticos, sendo mais comum o uso de
entre os sinais emitidos e recebidos pelo linígrafos de pressão ou sensores de dis-
equipamento é proporcional à velocidade tância ultrassônicos.
relativa entre o barco e as partículas na Linígrafos de pressão consistem em
água.1 A bibliografia complementar apre- sensores que devem ser instalados no
senta mais detalhes ou informações a res- fundo do rio ou canal e são sensíveis à
peito de outras técnicas.1-4 variação da pressão resultante do pe-
A medição de vazões em rios e córregos so da coluna d’água que atua sobre eles.
demanda tempo, mão de obra qualifica- Sensores de distância ultrassônicos são
da, equipamentos e recursos financei- instalados acima da cota máxima que
ros. Por esses motivos, não é praticável o curso d’água pode atingir e emitem
realizar o monitoramento sistemático pulsos de ultrassom que são refletidos
da vazão por meio dos métodos descritos pela superfície da água e recebidos pelo
acima em rios e córregos em frequência equipamento. O nível d’água é estimado
diária ou até mesmo superior, como se- a partir da distância entre o sensor e a
ria necessário em bacias hidrográficas superfície d’água, que, por sua vez, é obti-
de médio e pequeno porte, especialmen- da conhecendo-se o tempo decorrido en-
te em bacias urbanas. Alternativamente, tre a emissão do pulso e a recepção do eco,
procede-se à instalação de postos fluvio- além da velocidade de propagação do si-
métricos, que são pontos de monitora- nal.1 Os sensores automáticos registram
mento em seções fluviais que permitem os dados em uma memória e podem envi-
o estabelecimento de uma relação está- á-los aos dispositivos móveis de usuários
vel e única entre o nível d’água e a vazão. por meio de uma conexão bluetooth ou a
Essa relação entre o nível d’água (ou uma base de dados por meio da internet.4

776
VAZÕES DE CHEIA

Definição de termos técnicos pela coordenação da rede hidrometeoró-


logica nacional, que, entre outras variá-
Para o dimensionamento de estruturas veis, monitora o nível d’água e a vazão
de drenagem das águas pluviais, tais em vários corpos hídricos em todo o país.
quais bocas de lobo, bueiros, canais e No entanto, na maior parte dos casos, as
galerias, o projetista deve definir uma estações de monitoramento fluviométrico
vazão máxima de referência, denomi- da ANA estão situadas em seções fluviais
nada vazão de projeto. Em algumas si- de grandes rios, em pontos mais a jusante
tuações do manejo das águas pluviais, o nas bacias hidrográficas. Regiões de
conhecimento apenas dessa vazão não é cabeceira, córregos e pequenos rios, em
suficiente, sendo necessário obter tam- especial aqueles que passam por regiões
bém um hidrograma de referência, o urbanizadas, via de regra, ainda não são
hidrograma de projeto. Esse é o caso, monitorados.
por exemplo, de um sistema de previsão Neste contexto de monitoramento
e alerta contra inundações (ver p. 334), escasso, é muito comum o emprego de
cujo êxito depende não apenas da pre- métodos indiretos para obtenção das
visão da magnitude da vazão de cheia, vazões e hidrogramas de projeto neces-
como também da previsão do instante sários aos projetos de drenagem pluvial.
de tempo em que ela ocorrerá. A partir Esses métodos consistem em utilizar
de uma boa estimativa do tempo em uma chuva de projeto como dado de en-
que uma dada vazão crítica acontecerá, trada para um modelo de transformação
a prefeitura, a defesa civil, o corpo de chuva-vazão que dará como resultado
bombeiros e demais atores envolvidos uma vazão ou hidrograma de projeto,
podem colocar em prática os procedi- dependendo dos objetivos do projeto. Os
mentos de emergência compatíveis com modelos de transformação chuva-vazão
o tempo de antecedência disponível. mais comumente utilizados6 no manejo
Idealmente, a definição de vazões e hi- das águas pluviais são o método racional7
drogramas de projeto para uma dada bacia e o método do Soil Conservation Service
hidrográfica deve ser feita com base em (Serviço de Conservação do Solo dos Es-
dados de vazão monitorados. No entanto, tados Unidos, hoje Serviço de Conserva-
poucos municípios realizam o monitora- ção de Recursos Naturais)8. A bibliografia
mento do nível d’água ou da vazão nos rios complementar oferece mais informações
e córregos que passam pelo seu território. sobre esses e outros métodos e modelos
A título de exemplo, desde 2011 Belo Ho- de transformação chuva-vazão.4, 6, 9
rizonte (MG) opera um sistema de moni- A obtenção de vazões e hidrogra-
toramento hidrológico com 42 estações, mas de projeto por meio de modelos de
das quais 22 realizam medições de nível transformação chuva-vazão cujos resul-
d’água em córregos a cada dez minutos. Os tados não podem ser confrontados com
dados medidos são transmitidos via GPRS, dados monitorados pode conduzir a es-
no mesmo intervalo de tempo, ao Banco de timativas equivocadas. Dessa forma, é
Dados Hidrológicos do município.5 importante que os gestores municipais
No Brasil, a Agência Nacional de Águas se conscientizem sobre a necessidade
e Saneamento Básico (ANA) é responsável de implantação de sistemas de monito- V

777
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

ramento hidrológico para acompanha- 650) já implantados. Ainda, no contexto


mento da vazão em seções fluviais de de alterações climáticas dentro do qual
interesse e também da chuva. Os dados se espera que eventos extremos de pre-
obtidos por meio do monitoramento po- cipitação se tornem mais frequentes, o
derão subsidiar o dimensionamento de monitoramento hidrológico contínuo e
novas redes e estruturas de drenagem e em tempo real é uma ferramenta essen-
a verificação do funcionamento hidráu- cial para gestão do risco de inundações.
lico dos sistemas de drenagem (ver p.

Referências bibliográficas

1. COLLISCHONN, W.; DORNELLES, F. Hidrologia para engenharia e ciências am-


bientais. 2. ed. Porto Alegre: ABRH, 2015.
2. ANA. Hidrologia básica: unidade 2. Brasília: ANA, 2012. Disponível em: http://capacita-
cao.ana.gov.br/conhecerh/bitstream/ana/66/4/Unidade_2.pdf. Acesso em: 14 jan. 2020.
3. GAMARO, P. E. Medidores acústicos Doppler de vazão. Foz do Iguaçu: Itaipu Bina-
cional, 2012.
4. RIGHETTO, A. M. (coord.). Manejo de águas pluviais urbanas. Projeto Prosab. Rio
de Janeiro: Abes, 2009. p. 346-366. Disponível em: https://www.finep.gov.br/ima-
ges/apoio-e-financiamento/historico-de-programas/Prosab/Prosab5_tema_4.pdf.
5. SIQUEIRA, R. C. Proposição de metodologia para construção de gráfico de risco de
inundações em bacias urbanas: estudo de caso Bacia do Córrego Cachoeirinha. 2017.
Dissertação (Mestrado em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos) – Escola
de Engenharia, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2017. Dispo-
nível em: http://www.smarh.eng.ufmg.br/defesas/978M.PDF. Acesso em: 5 fev. 2020.
6. MIGUEZ, M. G.; VÉROL, A. P.; REZENDE, O. M. Drenagem urbana: do projeto tra-
dicional à sustentabilidade. 1. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2016.
7. PILGRIM, D. H.; CORDERY, I. Flood runoff. In: MAIDMENT, D. R. Handbook of
hydrology. New York: Mcgraw-Hill, 1993. Cap. 9, p. 91-942.
8. TITMARSH, G. W.; CORDERY, I.; PILGRIM, D. H. Calibration procedures for ratio-
nal and USSCS design flood methods. Journal of Hydraulic Engineering, v. 121, n.
1, p. 61-70, 1995.
9. CHOW, V. T.; MAIDMENT, D. R.; MAYS, Larry W. Applied hydrology. Singapore:
McGraw-Hill, 1988.

Para saber mais

ANA. Medição de vazão pelo método acústico Doppler (ADCP) – básico. Brasília:
ANA. Disponível em: https://capacitacao.ead.unesp.br/dspace/bitstream/
ana/112/1/apostila.pdf.
ANA. Medindo as águas do Brasil: noções de plu e fluviometria. Brasília: ANA. Dis-
ponível em: http://capacitacao.ana.gov.br/conhecerh/bitstream/ana/122/1/_Apos-
tila_Medindo_as_%c3%81guas_-_ANA.pdf.

778
VIGILÂNCIA EM SAÚDE

CORRENTINO, M. A. C. Notas de aula sobre hidrometria: operação e manutenção de


estações automáticas de coleta de dados. Brasília: ANA, 2011. Disponível em: ht-
tp://capacitacao.ana.gov.br/conhecerh/bitstream/ana/213/1/Hidrometria.pdf.
GAMARO, P. E. M. Medição de vazão pelo método acústico Doppler (ADCP) –
avançado: unidade 1, operações básicas do ADCP com fundo móvel. Brasília: ANA.
Disponível em: http://capacitacao.ana.gov.br/conhecerh/bitstream/ana/64/1/
apostila.pdf.

Autoria deste verbete

Talita Fernanda das Graças Silva. Engenheira civil, mestre em Sistemas Aquáticos e
Gestão da Água pela Ecole des Ponts Paris Tech (França), doutora em Saneamento,
Meio Ambiente e Recursos Hídricos pela UFMG e pela Université Paris-Est (França),
professora do EHR/UFMG.

Priscilla Macedo Moura. Engenheira civil, mestre em Saneamento Meio Ambiente e


Recursos Hídricos, doutora  pelo  Institut National des Sciences Appliquées de Lyon,
professora do Departamento de Engenharia Hidráulica e Recursos Hídricos (EHR) da 
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Marco Túlio da Silva Faria. Tecnólogo em Gestão Ambiental, engenheiro ambiental e


sanitarista, mestre e doutorando em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos
pela Universidade Federal de Minas Gerais.

V
VIGILÂNCIA EM SAÚDE

No campo da saúde e do ambiente, o ato para consumo humano e recreação. Pro-


de vigiar é antigo. Remete a preocupações teger e se proteger tornou-se, ao longo de
de distintas sociedades, baseadas em re- séculos, uma ação de responsabilidade
lações entre ter boa saúde, um ambiente dos cidadãos e do Estado. Sobretudo no
saudável e condições adequadas de vida Ocidente, ela foi, aos poucos, instituciona-
individual e coletiva. Tais preocupações lizada, com vistas ao controle dos corpos
referem-se, desde tempos mais antigos, à e do espaço público, sob a justificativa de
disponibilidade de alimentos e ao cuidado assegurar que as pessoas possam viver
com a alimentação, a habitação, a organi- mais e que haja um bom funcionamento
zação do espaço e dos recursos naturais - o dos aglomerados humanos em termos de
que inclui a proteção das fontes de água convivência, intercâmbio e trocas. 1 V

779
EIXO 9 - TERRITORIALIZAÇÃO EM SAÚDE

Uma história antiga possibilitou a generalização do uso de sis-


temas de coleta de esgoto e de transporte
Ainda antes de 10.000 antes de Cristo de água, afastando riscos de contato de
(a.C.), os povos nômades tinham seus pessoas com dejetos e a contaminação
modos de sanear – tornar saudável –, dos corpos hídricos e facilitando a hi-
como coletar água da chuva e dos rios e giene pessoal. Entre os exemplos, des-
cobrir os reservatórios com folhas de ár- tacam-se a Cloaca Máxima e as Termas
vores para garantir sua qualidade; comer públicas, em Roma, e o aqueduto de Je-
pouco para evitar a escassez; e mudar de rwan, na Assíria. Essas formas de vigiar
lugar constantemente para não acumular e proteger resultaram da observação de
resíduos e permitir a renovação da fauna pessoas e lugares e também da associação
e flora dos lugares. de elementos do ambiente – como pânta-
Com o desenvolvimento da agricultura, nos e águas paradas – e vestígios da pro-
tem-se a introdução de ferramentas para dução material da sociedade (restos de
aumentar a produção e surgem as primei- plantações, habitações precárias, dejetos)
ras aldeias. Junto com elas, aparecem os a eventos mórbidos, como a ocorrência de
primeiros indícios de poluição, visíveis na doenças e mortes em escala massiva.1, 2
proliferação de insetos e roedores. Como Durante a Idade Média (sécs. 5 a 15) na
forma de proteção e para reduzir a trans- Europa, parece ter havido um retrocesso
missão de doenças por insetos, domesti- substancial nas formas de vigilância e
cam-se cães e gatos - conhecidos predado- proteção da saúde de pessoas e lugares,
res de artrópodes.1, 2 seja em virtude de guerras, da conquista
Essa racionalidade técnica adquire fei- de territórios, da expansão do comércio,
ções consideradas científicas em torno de da aglomeração de pessoas em espaços in-
4.000 a.C., em função do crescimento de salubres e da visão religiosa sobre a vida
cidades, do desenvolvimento da escrita e e as relações humanas. Pode-se dizer que
do conhecimento sobre o corpo humano. essas mudanças configuraram um novo
Recursos de engenharia foram usados na paradigma no campo da saúde. A ocor-
prospecção, condução e armazenamento rência de epidemias – e da Peste Negra
de água de subsolo na China e em cidades entre elas –, dizimou parte da população
em torno do Rio Indo, com a presença de do ocidente europeu, cujos modelos mé-
um sofisticado sistema de encanamento dico, político e sanitário de controle dos
para coleta de esgoto e distribuição de corpos e organização do espaço oscilaram
água, banhos públicos para lavagem de entre a quarentena e o isolamento.1, 2
roupa e cuidado pessoal em cidades como
Harappa e Mohenjo-Daro. Já em Cnossos, Transformações aceleradas
em Creta, há indícios de que a civilização
minoica utilizou um sistema de drena- A primeira Revolução Industrial, desdo-
gem: no palácio da rainha, foi encontrada brada entre os séculos 18 e 19, iniciou a
uma latrina com descarga para a lavagem chamada Idade Contemporânea, com a
de excretas.1, 2 instituição da fábrica como lugar da produ-
A partir do século 7 a.C., as técnicas de ção, aumento dos mercados como centros
engenharia foram aperfeiçoadas, o que de transações e da máquina a vapor como

780
VIGILÂNCIA EM SAÚDE

possibilidade de maior agilidade no deslo- adoecimento e prover o tratamento ade-


camento de pessoas e no escoamento de quado. Cada médico estatal responde por
produtos em longas distâncias. A crescente um número elevado de habitantes - entre
desorganização das cidades, associada à in- 6 mil e 10 mil pessoas.
salubridade das condições de trabalho e vi- Na França, o centro dos problemas de
da urbana, impulsionaram movimentos em saúde é a urbanização. Um grande con-
defesa da saúde pública e do incremento de tingente de pessoas deixa a vida no cam-
ações de vigilância e proteção, demandan- po, engrossando o proletariado urbano
do mudanças como ruas pavimentadas, – o que agrava a precariedade nas formas
a abertura de canais para carrear dejetos, de viver. A ação de vigiar e cuidar dos es-
mercados mais organizados, regras e inspe- paços da cidade e conter rebeldes famin-
tores sanitários instituídos para fiscalizar o tos resulta em maior controle na gestão
espaço público e a vida privada.1, 2 dos corpos e do meio. Intensificam-se as
Na Europa, epidemias de cólera, febre quarentenas, a fiscalização e a desinfec-
tifoide e varíola suscitaram, em certa me- ção sanitária casa a casa, como forma de
dida, um novo retorno aos pressupostos controlar o ar, a água, os humores, os vi-
dos antigos gregos e romanos – algo que vos e os mortos. Medicaliza-se a cidade, o
já havia marcado o fim da Idade Média que contribui para a criação de uma me-
e início da Era Moderna, com os renas- dicina voltada às condições de vida e ao
cimentos e a Revolução Científica. Pas- meio.3 Na Inglaterra, através do cuidado
sou-se a confrontar visões consideradas dos pobres, alicerça-se a medicina social.
mágico-religiosas sobre saúde e doença Em 1870, a Lei dos Pobres foi comple-
com uma alegada objetividade científica. mentada com determinações de organi-
Para que o sistema político-econômico zação de um serviço de controle médico
mercantil pudesse preservar seus fluxos da população, de registros de epidemias
comerciais, era preciso que as nações co- e doenças perigosas e de localização de
nhecessem sua força de trabalho, prote- lugares insalubres e focos de doenças. Is-
gendo-a de doenças. Surgem, no âmbito so permitiu vigiar e controlar a força de
do Estado, modelos de atuação pública trabalho, esquadrinhar o espaço públi-
voltados a vigiar a população e a cidade, co da saúde, oferecer assistência médica
que oferecem os fundamentos da cons- aos pobres e afastar os ricos de lugares
tituição de uma concepção de vigilância perigosos. No fim do século 19, estudos
em saúde.3 de doenças infecciosas e a descoberta de
Na Inglaterra, na França e na Áustria microrganismos, propiciada pelo uso do
criam-se inicialmente contagens esta- microscópio, contribuíram para a defini-
tísticas sobre natalidade e mortalidade, ção de medidas de proteção mais eficazes,
sem nenhuma intervenção do Estado como a vacinação, o controle de vetores
para elevar os níveis de saúde das popu- (ver p. 374) e o saneamento do meio.3
lações. Na Alemanha, desenvolve-se a
medicina de Estado (polícia médica) em Nasce o conceito de vigilância
caráter pioneiro, com foco na qualificação
de médicos para esquadrinhar a popu- O termo vigilância é cunhado em 1838,
lação e verificar as causas e sintomas do pelo responsável pela institucionalização V

781
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

dos sistemas de informação em saúde tamento das doenças pestilentas e, so-


Willian Farr, na Inglaterra. Nesse momen- bretudo, apoiar os esforços de combate à
to, a palavra ainda fica restrita à observa- malária. Nos anos 1960, o físico-quími-
ção de comunicantes dos portadores de co Irving Langmuir define vigilância co-
doenças pestilentas e à contagem e clas- mo inteligência epidemiológica, desen-
sificação de casos, sem nenhuma evidên- volvida por meio de observação contínua
cia que relacione fatores do ambiente e do da distribuição e tendência da incidên-
hospedeiro ao agente transmissor. cia de doenças, com coleta sistemática
Na virada entre os séculos 19 e 20, vá- de dados para avaliação, consolidação
rios países – e o Brasil entre eles – insti- e disseminação de informações junto à
tuem um sistema de coleta e notificação população. Na então Tchecoslováquia, o
de mortalidade e morbidade para apli- epidemiologista Karel Raska desenvol-
car medidas profiláticas e de controle, ve programas de vigilância de doenças
especialmente em relação ao cólera, à específicas, ampliando o espectro de
peste bubônica, à varíola e à febre amare- ação da vigilância para outros eventos
la. Intensificam-se também ações de vigi- não-transmissíveis e introduz o termo
lância de portos e viajantes, de mercados vigilância epidemiológica. Nos EUA, a
e produtos e de cemitérios, entre outros Organização Mundial da Saúde (OMS)
locais potencialmente perigosos. define a vigilância como ação de saúde
O início do século 20 é marcado pela pública para o controle e erradicação de
criação de estruturas robustas de vigilân- doenças, iniciando programas voltados
cia em vários países. No Brasil, o médico ao controle da varíola e da malária.
Oswaldo Cruz, do Instituto Soroterápico Nos anos 1970, a Organização Pan-A-
de Manguinhos, no Rio de Janeiro, coor- mericana de Saúde (Opas) recomenda
dena uma campanha no marco da refor- para as Américas a criação de sistemas
ma urbana realizada por Pereira Passos de vigilância epidemiológica, com o ob-
para instituir a vacinação obrigatória, jetivo de conhecer a estrutura sanitária
aliada a ações de urbanização e sanea- e epidemiológica relativa aos problemas
mento. Tal reforma – uma transformação de saúde de cada país e os fatores de ris-
estética para aproximar a então capital co existentes, com o propósito de propor
federal do modelo parisiense – procu- medidas de proteção e controle. Em
rou limpar ruas e abrir avenidas, com o 1975, a vigilância epidemiológica é ofi-
intuito de afastar maus odores e realo- cialmente organizada no Brasil, por meio
car populações vulneráveis, transferidas de um sistema de notificação compulsó-
compulsoriamente para áreas distantes ria. No ano seguinte, é instituída a Secre-
do centro urbano e de negócios do Rio. taria Nacional de Vigilância Sanitária,
Esse movimento deu origem à chamada formalizando ações de fiscalização sobre
Revolta da Vacina, resistência da popula- produtos, serviços de interesse da saúde,
ção à violência dos métodos empregados portos, aeroportos e fronteiras e sobre o
na campanha do governo.3 ambiente, incluindo o de trabalho.
Em 1946, os Estados Unidos criam o As conferências das Nações Unidas so-
Centro de Doenças Transmissíveis, com bre o Meio Ambiente Humano (1972) e
o intento de apoiar Estados no enfren- os Cuidados Primários de Saúde (1976),

782
VIGILÂNCIA EM SAÚDE

realizadas respectivamente em Esto- o território nacional e sua legitimação co-


colmo e em Alma-Ata, estruturaram as mo um campo de intervenções em saúde e
bases para a constituição de vigilâncias produção de conhecimento.
relacionadas ao ambiente, ao trabalho Uma das vertentes que sustentam a
e ao trabalhador, evidenciando, entre concepção de vigilância em saúde define-
seus temas, discussões e recomendações -a como um novo paradigma que reforça
quanto à estreita relação entre desenvol- princípios e diretrizes do SUS, voltados
vimento socioeconômico, condições de à sua consolidação. Apoiada no conceito
vida e situação de saúde. Nessa década, o positivo de saúde e na rearticulação de
Movimento de Reforma Sanitária Bra- saberes e práticas, a VS permite deslocar
sileira intensificou discussões sobre a in- o olhar quanto ao objeto da saúde públi-
completude e ineficiência dos modelos de ca: não mais a doença, tal objeto passa a
atenção vigentes – o médico assistencial ser as condições de vida das pessoas. Isso
privatista e o sanitarista-campanhista. redefine o fazer sanitário e o processo
Foram propostos vários arranjos assis- de trabalho em saúde, que se volta a en-
tenciais alternativos, entre eles, o modelo frentar problemas que requerem atenção
da vigilância em saúde (VS) ancorado na e acompanhamento contínuos no territó-
teoria da produção social, tendo como rio (ver p. 729). A investigação de campo
pilares os problemas de saúde, o territó- é eixo estruturante da prática estratégica
rio e a intersetorialidade. – informação/decisão/ação –, mobilizan-
do atores sociais diversos, por meio do
Constituição da vigilância reconhecimento do território e do uso
em saúde no Brasil participativo do planejamento estraté-
gico-situacional.4, 5
Em 1988, com a Constituição da Repúbli- O trabalho interprofissional e cola-
ca Federativa do Brasil, e em 1990, com as borativo, aliado à ação comunicativa e
Leis Orgânicas da Saúde (Lei 8.080/1990 à mobilização social (ver p. 395), consoli-
e Lei 8.142/1990), surgem iniciativas es- dam o processo de trabalho da vigilância
tatais de vigilância, formalizadas a par- em saúde no território, realizado por um
tir do projeto Vigilância e Controle de Do- conjunto heterogêneo e diversificado de
enças (Vigisus). Tal projeto foi conduzido atores sociais em situação, envolvidos na
pela Fundação Nacional de Saúde (Funa- resolução de problemas e na atenção às
sa), com o objetivo de estruturar sistemas necessidades de saúde. Tal abordagem for-
nacionais de vigilância epidemiológica, talece habilidades individuais e coletivas,
sanitária e ambiental. Em 1999, é criada a na perspectiva de promover e melhorar as
Agência Nacional de Vigilância Sanitária condições de vida e saúde nos lugares.
(Anvisa), ente federal do SUS, capilariza- Como modelo de atenção e organiza-
do em estados e municípios. A Secretaria ção de práticas sanitárias, a vigilância
Nacional de Vigilância em Saúde, criada em saúde contempla, simultaneamente,
em 2003, reúne e articula as áreas de vi- uma dimensão técnica e outra gerencial,
gilância epidemiológica e vigilância em de modo a permitir mudanças na forma de
saúde ambiental e do trabalhador, ini- pensar e fazer na área. Recorre-se à inter-
ciando a expansão dessas áreas em todo disciplinaridade como estratégia episte- V

783
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

mológica para a compreensão do processo epidemiológico – marcado pela coexistên-


saúde-doença e à reorganização do tra- cia de doenças transmissíveis emergentes
balho em territórios singulares. e reemergentes, pelo aumento da violên-
A VS insere-se em todos os níveis de cia, pelo aparecimento e aumento de doen-
atenção do sistema de saúde, em par- ças crônicas não transmissíveis e pelo uso
ticular na atenção primária à saúde indiscriminado de agrotóxicos. A VS atua
(APS), por meio de expressivo contin- na mediação entre produção e consumo,
gente de trabalhadores técnicos de nível regulando produtos, serviços de interesse
médio, historicamente vinculados às da saúde, portos e aeroportos, fronteiras e
ações de controle de doenças e epide- viajantes, a saúde ambiental, os ambientes
miologia (ver p. 250). Um dos procedi- de trabalho e a saúde do trabalhador.1,6
mentos para a articulação da vigilância Como política de Estado, instituída
em saúde na APS é a inclusão desses após a 1ª Conferência Nacional de Vigi-
profissionais nas equipes da Estratégia lância Sanitária, realizada em 2018, a
Saúde da Família (ESF), em trabalho VS corresponde a um conjunto de dire-
conjunto com os agentes comunitários trizes, pressupostos e ações articuladas
de saúde (ACS) e técnicos de vigilância às demais políticas públicas de saúde,
em saúde (TVSs – ver p. 705). 5 de saneamento básico e às políticas am-
bientais, na perspectiva da integralida-
Uma área cada vez de do cuidado e da intersetorialidade
mais estratégica das intervenções para proteger a vida. A
integração da vigilância em saúde à APS
No atual cenário político-institucional e tem, no processo de territorialização
sanitário brasileiro, a VS é área estratégi- de informações, a referência metodoló-
ca da Saúde Pública para o enfrentamen- gica para a produção de diagnósticos de
to às rápidas mudanças na produção, nos condições de vida e situação de saúde
processos de trabalho, na circulação e con- (ver p. 202). Esse processo contribui pa-
sumo de produtos e serviços, nos perfis ra definição de estratégias necessárias à
demográfico – envolvendo o aumento da participação social e à atuação interseto-
expectativa de vida, o envelhecimento da rial, incluindo a elaboração do planeja-
população e a diminuição da natalidade – e mento municipal em saneamento.

Referências bibliográficas

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In: MENDONÇA, M. H. M. et al. (org.). Atenção primária à saúde no Brasil: concei-
tos, práticas e pesquisa. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2018.
2. FOUCAULT, M. O nascimento da medicina social. In: Foucault, M. A microfísica do
poder. Rio de Janeiro: Graal,1982.
3. NETTO, G. F et. al. Vigilância em saúde brasileira: reflexões e contribuição ao debate
da 1ª Conferência Nacional de Vigilância em Saúde. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de
Janeiro, v. 22, n. 10, p. 3.137-3.148, out. 2017. Disponível em: http://www.scielo.br/
scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232017021003137&lng=en&nrm=iso.

784
VIGILÂNCIA EM SAÚDE

4. FERNANDES, V. R.; AMORIM, A. C.; MONKEN, M.; PROFETA DA LUZ, Z. M.; SÉR-
GIO, J. V.; CORREA E CASTRO, M.; LIMA, A. L. S.; SILVA, J. P. V.; GONDIM, G. M.
M. O lugar da vigilância no SUS - entre os saberes e as práticas de mobilização social.
Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 22, n. 10, p. 3.173-3.181, 2017. Disponí-
vel em: https://www.scielo.br/pdf/csc/v22n10/1413-8123-csc-22-10-3173.pdf.
5. TEIXEIRA, C. F.; PAIM, J. S.; VILASBÔAS, A. L. SUS: modelos assistenciais e vigilân-
cia da saúde. IESUS, Brasília, v. 7, n. 2, p. 7-28, abr.-jun. 1998. Disponível em: http://
scielo.iec.gov.br/pdf/iesus/v7n2/v7n2a02.pdf.
6. MONKEN, M.; BATISTELLA, C. E. Vigilância em saúde. In: PEREIRA, I. B.; LIMA, J.
C. F. Dicionário da educação profissional em saúde. Rio de Janeiro: EPSJV, 2008.
p. 471-475. Disponível em: http://www.epsjv.fiocruz.br/sites/default/files/l43.pdf.

Para saber mais

MONKEN, M.; BARCELLOS, C. Vigilância em saúde e território utilizado: possi-


bilidades teóricas e metodológicas.  Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janei-
ro, v. 21, n. 3, p. 898-906, 2005. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.
php?script=sci_arttext&pid=S0102311X2005000300024.
WALDMAN, E. A. Vigilância em saúde pública. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública
da USP, 1998, v. 7. (Série Saúde & Cidadania). Disponível em: http://www6.ensp.
fiocruz.br/visa/files/Volume07.pdf.
ROSEN, G. Uma história da saúde pública. São Paulo: Editora Unesp, 1994.

Vídeos

VIGILÂNCIA em saúde. Direção: Rafael Figueiredo. Produção: Christovão Paiva. Ro-


teiro: Marcela Morato. Rio de Janeiro: Canal Saúde Fiocruz, 2017. 1 vídeo (25 min).
(Ligado em Saúde). Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/21077.
VIGILÂNCIA em saúde e atenção primária: o território e as práticas locais. Segundo
Seminário Virtual da Rede Internacional de Educação de Técnicos em Saúde (Rets).
Palestrante: Grácia Gondim. Rio de Janeiro: Rets, 2 fev. 2016. 1 vídeo (100 min).
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ALPSWMW2dHc.

Autoria deste verbete

Grácia Gondim. Arquiteta, doutora em Saúde Pública, Escola Nacional de Saúde Pública
Sérgio Arouca (Ensp), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Professora e pesquisadora
da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) e da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Maurício Monken. Geógrafo, doutor em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz. Professor,


pesquisador e coordenador da Estação de Territorialização do Laboratório de Educação
Profissional em Vigilância em Saúde (Lavsa), da EPSJV/Fiocruz. V

785
EIXO 9 - TERRITORIALIZAÇÃO EM SAÚDE

Ana Claudia Vasconcellos. Bióloga, doutora em Saúde Pública, Ensp/Fiocruz. Professo-


ra e pesquisadora da EPSJV.

Priscila Almeida Faria. Pedagoga, mestre em Ciências Aeroespaciais. Professora e pes-


quisadora da EPSJV.

Raiane Fontes de Oliveira. Geógrafa, doutoranda em Geografia Física, mestre em Geografia.


Professora-pesquisadora do Laboratório de Educação Profissional em Vigilância em Saúde
(Lavsa) da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), Fundação Oswaldo Cruz.

V
VULNERABILIDADE SOCIOAMBIENTAL

O conceito de vulnerabilidade tem ori- de chuva não enfrenta inundações, e a


gem etimológica advinda da palavra prefeitura realiza periodicamente o con-
“vulnerável”, que, por sua vez, provém trole de vetores de doenças em seu bairro.
do latim "vulnus, eris” e significa ferida. Opostamente, no bairro mais esquecido e
Segundo Porto,1 a palavra vulnerável estigmatizado do município, outro indi-
pode ser compreendida como sujeito fisi- víduo mora em uma rua sem asfaltamen-
camente ferido, sujeito atacado, derrotado, to, sua casa é de pau a pique e próxima a
prejudicado ou ofendido. um canal, denominado de valão. Sem co-
Para Cutter,2 o conceito de vulnerabi- leta periódica de resíduos sólidos (ver p.
lidade pode ser compreendido como “um 568), esse indivíduo e seus vizinhos des-
potencial para a perda”. “A vulnerabilida- cartam ali seus resíduos; em dias de chu-
de inclui, seja por elementos de exposição va precisam lidar com inundações (ver p.
ao risco (as circunstâncias que colocam as 334) e, como consequência, com insetos
pessoas e as localidades em risco perante e roedores. Nesses dois cenários, quem
um determinado perigo), seja da predis- mais facilmente pode desenvolver doen-
posição (as circunstâncias que aumentam ças como leptospirose ou dengue?
ou reduzem a capacidade da população, da
infraestrutura ou dos sistemas físicos para Ambiente e infraestrutura
responder e recuperar de ameaças ambien-
tais)”, define. Do ponto de vista biológico compreende-
Segue um exemplo para ilustrar essa mos que existem pessoas mais suscetí-
noção. Um indivíduo mora em um prédio veis a doenças que outras, ou seja, apre-
de alto padrão no melhor bairro do mu- sentam características biológicas – idade,
nicípio, com acesso a toda infraestrutura sexo, pré-existência de outras doenças
que a urbanidade pode oferecer; em dias – que possam facilitar seu adoecimento.

786
VULNERABILIDADE SOCIOAMBIENTAL

Igualmente, devemos considerar que as as a riscos e danos à saúde, levando em


condições socioambientais em que o in- conta a intensidade do dano e a magni-
divíduo vive também facilitam o processo tude de uma ameaça, evento adverso ou
de adoecimento e de agravos. acidente, em uma determinada comuni-
Lugares quentes e úmidos propiciam dade ou área geográfica afetada por uma
a exposição da população às doenças de ameaça ou risco potencial de desastres
veiculação hídrica como as arboviro- (ver p. 183). Expressa também os po-
ses – dengue, Zika e Chikungunya (ver tenciais de adoecimento, de não adoe-
p. 583). O ambiente fornece aquelas si- cimento e de enfrentamento relaciona-
tuações mais adequadas para o desen- dos a todo e cada indivíduo. 3
volvimento de epidemias ou endemias.
Contudo, condições térmicas e hídricas Expressão de variadas
não são preponderantes. Caso um local precariedades
tenha condições ambientais adequadas,
com infraestruturas essenciais (sanea- A vulnerabilidade socioambiental pode
mento básico, por exemplo), as doenças ser a expressão de vulnerabilidades ins-
dificilmente acontecem; no entanto, se titucionais. Tal quadro pode gerar pro-
as condições ambientais são desfavorá- cessos de cooperação e de conflitos nos
veis, somado ao déficit da infraestru- territórios ou, devido à pouca capacidade
tura, as doenças podem se desenvolver de exigibilidade dos direitos, resultar em
com maior facilidade, a partir do que se injustiça ambiental.4
denomina de determinantes sociais. Pode também ser compreendida como
Em função do modelo de cidade-mer- uma situação de fragilidade ou precarie-
cadoria, em que o solo urbano é precifi- dade socioambiental. O termo "vulnera-
cado, promovendo diferentes condições bilidade" geralmente é empregado para
de acesso e fragmentando o tecido so- designar a exposição e a capacidade de
cioterritorial, a ocupação urbana ocorre enfrentamento de uma dada população
de acordo com o poder de compra dos aos problemas e danos à saúde, suas con-
indivíduos. Dessa forma, as porções do dições de moradia, trabalho, sua capaci-
território com ausência ou deficiência dade de resposta a desastres, dentre ou-
de infraestrutura, como o saneamento tros. Os resultados dos impactos sociais
básico, tornam-se as mais acessíveis fi- e das mudanças ambientais estão rela-
nanceiramente e, portanto, direcionadas cionados à precariedade da condição de
aos segmentos sociais com baixo poder vida, tornando determinados grupos da
de compra. Esta realidade impacta decisi- população, como mães e crianças, traba-
vamente as capacidades desse indivíduo lhadores, idosos, pobres, refugiados e de-
ou população de enfrentamento de um sabrigados mais vulneráveis que outros.
problema. Suas condições materiais e seu As condições de vida de segmentos
poder de intervenção são limitados, o que da população repercutem diretamente
os torna, portanto, mais expostos às do- em sua qualidade de vida. Por exemplo,
enças e com isso, vulneráveis. populações com escassez de água potá-
O Ministério da Saúde define como vel decorrente da falta de chuva por um
vulnerabilidade a exposição das pesso- longo período; populações que habitam V

787
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

em encostas com elevada suscetibilidade preender as correlações entre sistemas


a deslizamentos. Tais exemplos, tão pró- e estruturas artificiais, como barragens,
ximos da nossa realidade, ajudam-nos a diques, estruturas de proteção costeira
identificar populações que apresentam ou redes urbanas e de transporte.2
condições de vulnerabilidade socioam- A vulnerabilidade ambiental pode ter
biental: no primeiro caso irão ingerir como causa mudanças ambientais prove-
água de baixa qualidade, caso não haja nientes do desmatamento; uso e ocupação
intervenção do poder público, podendo do solo inadequado provocam a poluição
desenvolver uma gama de doenças; já no hídrica, atmosférica e edáfica, com a pro-
segundo, sob determinada intensidade liferação de doenças e contaminação de
de chuva, poderão ocorrer perdas mate- alimentos, tornando alguns segmentos da
riais e humanas. população mais vulneráveis que outros.
Ainda: a disposição inadequada do re-
Relação sociedade-natureza síduo sólido, tanto pela população como
como parâmetro pelos setores públicos responsáveis, cau-
sa vários tipos de impactos, com reflexos
Os problemas originários da relação en- econômicos e sanitários percebidos nas
tre sociedade, capital e natureza, por atividades cotidianas e no entorno da
meio da utilização e degradação de recur- própria vizinhança, como entupimento
sos naturais, provocam desequilíbrios de bocas de lobo e a redução da capaci-
ecossistêmicos, submetendo populações dade do leito dos rios de escoamento da
à condição de vulnerabilidade socioam- água, contribuindo para eventos como
biental. Assim, conforme Marandola,5 inundação e consequentemente para o
no âmbito das políticas de ocupação, or- agravamento e a distribuição de doenças
denamento e gestão do território (que de veiculação hídrica.8
envolvem as políticas de saúde pública),
a relação sociedade-natureza e, por con- Vulnerabilidade como indicador
seguinte, o risco devem emergir como
critério norteador de planejamentos e in- O acesso ao saneamento no Brasil é uma
tervenções do poder público.6 expressão das desigualdades socioam-
Os principais estudos sobre vulnerabi- bientais. Tal perspectiva, relacionada a
lidade estavam associados ao desastre e outras dimensões das condições e da si-
à avaliação de risco e não apresentavam tuação de vida das populações, pode au-
uma conotação conceitual, mas sim a ca- xiliar na compreensão das desigualdades
pacidade de resposta de determinada po- sociais, explicar os processos de segrega-
pulação ao evento. Atualmente o conceito ção territorial e o quadro de vulnerabili-
abrange três tipos de situação – social, dade ambiental que, por sua vez, atinge
tecnológica e ambiental.7 a saúde pública e fere o direito ao acesso
Neste sentido, a abordagem integra- universal aos serviços de saneamento bá-
dora busca compreender pelo todo e não sico adequado às populações.9
pelas partes as relações dos sistemas so- Esse conceito é discutido, dentre outras
ciais, naturais e artificiais. Com isso, o abordagens, no campo da saúde públi-
conceito de vulnerabilidade busca com- ca e da Organização Mundial da Saúde

788
VULNERABILIDADE SOCIOAMBIENTAL

(OMS), com entendimento expandido ção aos riscos ambientais, refletindo tam-
dos problemas que envolvem a produção bém a capacidade dos indivíduos de lidar
da saúde e da doença, ampliando o debate com estes riscos.1, 10 Vulnerabilidade pode
à luz das desigualdades socioambientais e ser compreendida como um indicador da
das iniquidades. Não se resume a exposi- iniquidade e da desigualdade social.

Referências bibliográficas

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local e o local na promoção da saúde e da justiça ambiental. Rio de Janeiro: Editora
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7. MARANDOLA JR., E.; HOGAN, D. J. Vulnerabilidades e riscos: entre geografia e
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8. GUERRA, A. J. T.; MARÇAL, M. S. Geomorfologia ambiental. 6. ed. Rio de Janeiro:
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9. MS; FUNASA. Termo de referência para elaboração de plano municipal de sane-
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termo-de-referencia-tr-para-pmsb.
10. ALVES, H. P. F.; TORRES, H. G. Vulnerabilidade socioambiental na cidade de São
Paulo: uma análise de famílias e domicílios em situação de pobreza e risco ambiental.
São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 20, n. 1, p. 44-60, jan./mar. 2006.

Autoria deste verbete

Raiane Fontes de Oliveira. Geógrafa, mestre em Geografia Física, doutoranda em Geo-


grafia. Professora-pesquisadora do Laboratório de Educação Profissional em Vigilância
em Saúde (Lavsa) da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), Fundação
Oswaldo Cruz (Fiocruz).
V

789
DICIONÁRIO DE SANEAMENTO

Antonio Carlos da Silva Oscar Júnior. Geógrafo, doutor em Geografia. Professor ad-
junto do Departamento de Geografia Física, Instituto de Geografia da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

Juliana Valentim Chaiblich. Geógrafa, mestre em Saúde Coletiva, doutoranda em Saú-


de Pública. Professora-pesquisadora do Laboratório de Educação Profissional em Vigi-
lância em Saúde (Lavsa) da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV) e
pesquisadora do Centro de Estudos e Pesquisas em Emergências e Desastres em Saúde
(Cepedes), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Alexandre Pessoa Dias. Engenheiro civil sanitarista, mestre em Engenharia Ambien-


tal, doutor em Medicina Tropical. Professor-pesquisador do Laboratório de Educação
Profissional em Vigilância em Saúde (Lavsa) da Escola Politécnica de Saúde Joaquim
Venâncio (EPSJV), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

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