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ANÁLISE DO COLAPSO DA BARRAGEM DE REJEITOS DE

FUNDÃO, EM MARIANA-MG, USANDO A METODOLOGIA AC-


CIMAP PADRONIZADA

MARCUS VINICIUS DOS SANTOS LINS

Rio de Janeiro, 29 de julho de 2019.


MARCUS VINICIUS DOS SANTOS LINS

ANÁLISE DO COLAPSO DA BARRAGEM DE


REJEITOS DE FUNDÃO, EM MARIANA-MG,
USANDO A METODOLOGIA ACCIMAP
PADRONIZADA

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao Curso de Pós-Graduação
em Engenharia de Segurança do
Trabalho da Universidade Cândido
Mendes, como requisito para obtenção do
certificado.
Orientadora: Professora Betânia Elisa
Rocha Bussinger.

Rio de Janeiro, 2019


FOLHA DE APROVAÇÃO

MARCUS VINICIUS DOS SANTOS LINS

ANÁLISE DO COLAPSO DA BARRAGEM DE REJEITOS DE FUNDÃO, EM


MARIANA-MG USANDO A METODOLOGIA ACCIMAP PADRONIZADA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Pós-Graduação em


Engenharia de Segurança do Trabalho da Universidade Cândido Mendes, como re-
quisito para obtenção do certificado.

Aprovado em 29 de julho de 2019

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________
Orientadora Profª Betânia Elisa Rocha Bussinger, M. Sc.
Universidade Cândido Mendes

Rio de Janeiro – RJ
2019
Dedico o presente trabalho a:

Deus, em ação de graças por Vossa


imensa Glória;

Nossa Senhora, pelo auxílio, consolo,


força e esteio nas horas mais difíceis;

Santa Teresinha do Menino Jesus e da


Sagrada Face, pelos exemplos de
humildade e dedicação, mesmo nas
pequenas coisas;

Minha mãe, Rita Cássia Santos do Amor,


e meu pai, Carlos Alberto Cirqueira Lins,
pela criação, educação, exemplo e
incentivo aos estudos;

Minha esposa, Viviane Sant'Ana Lins,


pela inspiração, apoio e amor
incondicionais.
5

Agradecimentos

Agradeço a Deus e a todos os que me


ajudaram na elaboração deste trabalho.

Aos meus diversos professores, que em


maior ou menor grau ajudaram a
desenvolver meu gosto pelos estudos e
sobretudo pela engenharia.

Aos meus amigos, familiares e colegas de


classe, pelo apoio nessa jornada.
6

Não importa como ela seja vista,


simplesmente não há como uma teoria
falsa ter maior serventia a um indivíduo, a
uma classe ou a toda a humanidade do
que uma teoria correta.
Ludwig von Mises
7

Resumo
Este trabalho tem por objetivo pesquisar análises do colapso da Barragem de
Rejeitos de Fundão, ocorrido em Mariana – MG, em 05 de novembro de 2015, sob a
ótica da metodologia padronizada de mapeamento de acidentes, incluindo, portanto,
o apontamento de causas e recomendações de segurança. Para isso, foi realizada
pesquisa bibliográfica junto a documentos que tiveram acesso às fontes primárias de
informação e outras análises que também. No referencial teórico, tratou-se das van-
tagens da análise segundo a metodologia padronizada de mapeamento de aciden-
tes, especialmente em casos de acidentes complexos como este. Por conclusão,
apresentou-se uma lista de recomendações a serem tomadas tanto pela empresa
quando pelo Congresso Nacional, de modo a evitar que as causas associadas aos
diferentes níveis sociotécnicos voltem a resultar em acidentes desta magnitude.

Palavras-chave: Colapso da Barragem de Rejeitos de Fundão. Análise de aci-


dente. Mapeamento de Acidente.
8

Abstract
This paper aims to investigate analyzes of the collapse of the Fundão Tailings
Dam, which occurred in Mariana - MG, on November 5, 2015, from the perspective of
the standardized accident mapping methodology, including, therefore, the identifica-
tion of causes and recommendations of security. Bibliographic research was perfor-
med with documents that had access to primary sources of information and other
analyzes as well. The advantages of analysis according to the standardized accident
mapping methodology were also addressed, especially in cases of complex acci-
dents like this one. Finally, the accident mapping and a list of recommendations to be
taken by both the company and the National Congress was presented, in order to
prevent the causes associated with the different socio-technical levels from returning
to result in accidents of this magnitude.

Key-words: Fundão’s tailings dam failure. Accident Analysis. Accident Mapping.


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Lista de ilustrações

Figura 1: Fronteiras do ambiente de trabalho...............................................16


Figura 2: Exemplo do modelo padronizado do diagrama AcciMap...............20
Figura 3: Métodos de alteamento de barragens............................................24
Figura 4: AcciMap do Colapso da Barragem de Rejeitos de Fundão............32
10

Lista de abreviaturas e siglas

AcciMap – Mapeamento de Acidente


BRF – Barragem de Rejeitos de Fundão
COPAM – Conselho Estadual de Política Ambiental do Estado de Minas Gerais
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SUMÁRIO

1 Introdução .......................................................................................................... 12
1.1 Considerações iniciais ................................................................................................. 12
1.2 Problema ..................................................................................................................... 12
1.3 Objetivos ..................................................................................................................... 13
1.3.1 Objetivo geral ............................................................................................................................. 13
1.3.2 Objetivos específicos ................................................................................................................. 13
1.4 Justificativa.................................................................................................................. 13
2 Referencial Teórico ............................................................................................ 15
2.1 Mapeamento de acidentes - AcciMap .......................................................................... 16
2.2 AcciMap Padronizado ................................................................................................. 18
2.2.1 Resultados .................................................................................................................................. 18
2.2.2 Precursores imediatos ................................................................................................................ 18
2.2.3 Organizacional............................................................................................................................ 18
2.2.4 Externo ....................................................................................................................................... 18
2.2.5 Fatores causais .......................................................................................................................... 19
2.2.6 Conexões causais ...................................................................................................................... 19
2.2.7 Recomendações de segurança.................................................................................................. 19
3 Metodologia da Pesquisa .................................................................................. 21
4 A Barragem de Rejeitos de Fundão e seu colapso ......................................... 23
4.1 Barragens de rejeitos .................................................................................................. 23
4.2 A Barragem de Rejeitos de Fundão ............................................................................. 24
4.3 O Colapso da Barragem .............................................................................................. 25
5 O AcciMap Padronizado do Colapso da Barragem de Rejeitos de Fundão .. 28
5.1 Resultado .................................................................................................................... 28
5.2 Precursores imediatos ................................................................................................. 28
5.3 Causas Organizacionais.............................................................................................. 29
5.4 Causas externas ......................................................................................................... 30
5.5 O Diagrama do AcciMap.............................................................................................. 31
6 Recomendações................................................................................................. 33
6.1 Recomendações de nível organizacional .................................................................... 33
6.2 Recomendações de nível externo ............................................................................... 34
7 Considerações Finais e Sugestões .................................................................. 36
Referências bibliográficas ...................................................................................... 37
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1 Introdução

1.1 Considerações iniciais

Moreira (2003) remonta a história da preocupação com a segurança de traba-


lhadores até a antiguidade clássica, citando relatos tanto de Hipócrates (460-357
AC), quanto de Plínio, o Velho (23-79 DC) sobre doenças pulmonares em trabalha-
dores de minas.
Quase um milênio e meio depois, aspectos da saúde e segurança do trabalho
tornaram a ressurgir com alguma significância, graças ao trabalho de Phillipus Aure-
olus Theophrastus Bombastus von Hohenheim (1493 - 1541), que foi publicado pos-
tumamente, em 1567. Este trabalho abordava as doenças associadas aos minerado-
res e visava tratá-las e preveni-las (NOGUEIRA, MONTANARI e DONNICI, 2009).
Contudo, apenas com a Revolução Industrial e o aumento significativo na quan-
tidade de trabalhadores expostos a condições nocivas de trabalho que a preocupa-
ção com o ambiente laboral começou a atrair a atenção das autoridades. Moreira
(2003) cita a Lei das Fábricas, de 1833, na Inglaterra, como primeira legislação efe-
tiva no campo de saúde e segurança do trabalho.
A ciência relativa à análise das causas de acidentes e doenças ocupacionais
tem sido desenvolvida desde então, contudo, Rasmussen (1997) afirma que, a des-
peito dos esforços empreendidos no desenvolvimento de sistemas mais seguros,
acidentes de larga escala continuam ocorrendo.
Branford, Naikar e Hopkins (2009) relatam que, dada esta constatação de Ras-
mussen, tal autor sugeriu que se usasse a metodologia de Mapeamento de Aciden-
tes – AcciMap (do inglês, accident map), como parte de uma estratégia mais ampla
de gerenciamento de risco, mais proativa e capaz de prevenir a ocorrência de aci-
dentes organizacionais.

1.2 Problema

Após as análises já feitas sobre o colapso da Barragem de Rejeitos de Fundão -


BRF, em Mariana-MG, as recomendações delas derivadas seguiram a lógica da me-
13

todologia AcciMap, estendendo-se até os níveis sociotécnicos mais elevados, como


propostas de mudanças na legislação e de procedimentos de órgãos estatais?

1.3 Objetivos

1.3.1 Objetivo geral

Pesquisar relatórios de análise, que tenham tido acesso direto às fontes primá-
rias sobre o colapso da Barragem de Rejeitos de Fundão, ocorrido em 05 de no-
vembro de 2015, em Mariana-MG e elaborar seu AcciMap padronizado, divisando os
fatores causais e elaborando recomendações em seus diversos níveis sociotécnicos.

1.3.2 Objetivos específicos

Pesquisar relatórios de análise sobre o colapso da Barragem de Rejeitos de


Fundão, em Mariana-MG, selecionando os que tiveram acesso direto às fontes pri-
márias.
Compilar as recomendações decorrentes destas análises, caso existam.
Pesquisar sobre a metodologia padronizada de mapeamento de acidentes.
Elaborar um AcciMap padronizado relativo ao colapso da Barragem de Rejeitos
de Fundão, em Mariana-MG, distinguindo claramente os diversos fatores causais,
pelos diversos níveis sociotécnicos envolvidos.
Comparar as recomendações compiladas (caso existam) com os fatores causais
e verificar se as recomendações elaboradas pelos analistas pesquisados tratam os
fatores causais apontados no AcciMap.

1.4 Justificativa

Há comprovação empírica da tendência de se apontar como causa dos aciden-


tes o fator “erro humano”, geralmente nos níveis sociotécnicos mais próximos da
ocorrência (o nível operacional). Dada a gravidade do colapso da BRF e conside-
rando a teoria de acidentes organizacionais descrita por Jens Rasmussen, convém
verificar se os fatores causais de níveis mais elevados também estão sendo consi-
14

derados nas recomendações derivadas das análises (conforme preconizado pelo


método AcciMap padronizado), de modo a sanar a perda de controle sobre proces-
sos potencialmente danosos, prevenindo-a, mitigando-a ou evitando-a.
15

2 Referencial Teórico

O presente trabalho usará a metodologia de Mapeamento de Acidentes – Acci-


Map, proposta por Rasmussen (1997) e Rasmussen e Svedung (2000), com a pa-
dronização sugerida por Branford, Naikar e Hopkins (2009).
O trabalho seminal de Jens Rasmussen começa lidando com a seguinte realida-
de: É inegável que ocorreram avanços no desenvolvimento de sistemas mais segu-
ros, contudo, os grandes acidentes continuam ocorrendo. Será que dispomos de
modelos adequados para identificar as causas de acidentes em nossa sociedade
complexa e dinâmica? (RASMUSSEN, 1997)
Branford, Naikar e Hopkins (2009) classificam a metodologia AcciMap como par-
te do processo de desenvolvimento de uma estratégia de gerenciamento mais proa-
tiva e apta para lidar com acidentes organizacionais.
Acidentes organizacionais foram definidos, por Rasmussen (1997), como aque-
les que ocorrem em sistemas sociotécnicos complexos, com causas variadas, nas
quais muitas pessoas estão envolvidas, operando em diferentes níveis de suas res-
pectivas empresas, podendo resultar em danos às pessoas, ao meio ambiente ou
aos investimentos.
Ainda segundo ele, acidentes ocorrem devido à perda de controle sobre proces-
sos potencialmente danosos. Assim sendo, a metodologia AcciMap foi elaborada pa-
ra prover meios de analisar séries de eventos e processos de decisão, cuja iteração
conjunta contribuem para essa perda de controle.
Contudo, a abordagem está sendo comumente usada no sentido inverso, anali-
sando de forma ampla as causas de acidentes, ao invés de ser usada para modelar
sistemas preventivos (BRANFORD, NAIKAR E HOPKINS, 2009), gerando assim re-
comendações de segurança pós-acidente.
O uso do método AcciMap em análise de acidentes possui algumas vantagens
com relações aos demais métodos. Branford, Naikar e Hopkins (2009) destacam que
essa abordagem permite que se compile muitas informações com um único diagra-
ma, possibilita uma visão sistêmica das causas do acidente, bem como auxilia na
elaboração das recomendações.
16

2.1 Mapeamento de acidentes - AcciMap

Rasmussen (1997) delineou o ambiente de trabalho na sociedade atual por três


fronteiras: a fronteira da falência econômica, a fronteira da carga de trabalho inacei-
tável e a fronteira de segurança definida pelas práticas oficiais da empresa. Há ainda
uma quarta fronteira, a de segurança real, invisível, que está além da fronteira das
práticas oficiais, a qual só se descobre que foi cruzada quando um evento adverso
ocorre.
As pressões pela eficiência econômica, forçam o trabalhador (e todo o sistema)
para longe da fronteira da falência econômica, enquanto a tendência natural de bus-
car a melhor forma de realizar um trabalho afasta o trabalhador da fronteira da carga
de trabalho inaceitável. Essas pressões, representadas pelas setas grossas na figu-
ra abaixo, de forma conjunta, vão conduzindo as ações dos trabalhadores, e o sis-
tema em geral, para a fronteira real de segurança, numa migração sucessiva (setas
finas). E, quando essa fronteira é cruzada, um acidente ocorre.

Figura 1: Fronteiras do ambiente de trabalho

Fonte: o autor com base em Rasmussen (1997)


Rasmussen (1997) afirma que essa migração é decorrente de efeitos colaterais
das decisões tomadas em momentos distintos, por pessoas distintas, pertencentes a
organizações distintas (e de níveis diferentes da sociedade). Sendo o mais comum
17

que essas ações não pareçam possuir qualquer conexão funcional até que a ocor-
rência de um acidente desnude a estrutura relacional entre elas.
Tais decisões costumam ser tidas como sólidas, para os critérios locais (da or-
ganização na qual estão inseridas), considerando-se as pressões e incentivos de
curto prazo que as determinam. São especialistas, fazendo o seu melhor para aten-
der às condições locais, sem perceber os efeitos colaterais danosos de suas deci-
sões.
Dessa forma, Rasmussen (1997) argumenta que uma nova forma de representar
essas migrações para longe das fronteiras deve ser adotada, sem o foco nos erros
cometidos pelos operadores, mas nos mecanismos que tornam esses erros possí-
veis.
O modelo de mapeamento de acidente proposto pelo autor, conforme afirmam
Branford, Naikar e Hopkins (2009), é baseado numa árvore, na qual o acidente está
na base, com as causas se ramificando para cima, a partir dele, de modo que as
causas mais imediatas fiquem mais próximas do acidente (mais embaixo) e as mais
mediatas, mais longe (nos níveis superiores).
Os agentes causais, ainda segundo Branford, Naikar e Hopkins (2009), são dis-
postos em diferentes patamares, de acordo com o nível sociotécnico ao qual perten-
ce. Esses níveis são, no modelo original, dos mais próximos ao mais distantes do
acidente, segundo Rasmussen (19997): equipamento e arredores; processos físicos
e atores envolvidos; planejamento da empresa; planejamento e orçamento do go-
verno local; órgãos regulatórios e associações; políticas e orçamento de governo
(federal).
Branford, Naikar e Hopkins (2009) afirmam que, apesar dos benefícios da utili-
zação do AcciMap, há alguma dificuldade de uso por novos pesquisadores. Salien-
tam que os modelos de AcciMap publicados costumam ser apresentados nas mais
variadas formas, devido às diversas aplicações, dificultando a compreensão de sua
proposta original. Pensando nisso, tais autores propuseram o AcciMap padronizado.
18

2.2 AcciMap Padronizado

A seguir será apresentado o modelo padronizado de mapeamento de acidentes,


conforme proposto por Branford, Naikar e Hopkins (2009).

2.2.1 Resultados

O acidente (o resultado do evento adverso ocorrido) deve ser colocado na base


do diagrama, na parte mais baixa dele. Dessa forma, todas as causas poderão ser
estritamente relacionadas com sua distância causal com o acidente. Assim, todas as
ligações causais são setas apontando para baixo, o que facilita a leitura e entendi-
mento do diagrama, dando-lhe um aspecto estrutural lógico em formato de árvore.

2.2.2 Precursores imediatos

O nível seguinte, imediatamente acima, contém tantos os aspectos físicos dire-


tamente relacionados ao acidente como as ações individuais dos trabalhadores en-
volvidos.

2.2.3 Organizacional

Nesse nível, imediatamente acima, estão as decisões tomadas em nível organi-


zacional, qualquer que seja o tipo de organização. Aqui se situam as causas associ-
adas a quaisquer associações que estejam de alguma forma envolvidas ou relacio-
nadas ao acidente.

2.2.4 Externo

Nesse nível, o mais distante, estão as causas regulatórias e governamentais.


19

2.2.5 Fatores causais

Nesse diagrama, são considerados fatores causais aqueles que foram necessá-
rios para que o acidente ocorresse. É assim para que se possa designar todos os
fatores que contribuíram para (ou falharam em impedir) o acidente, de modo que se
possa obter um melhor entendimento de como o acidente ocorreu e onde as ações
corretivas devem ser aplicadas para evitar novas ocorrências de acidentes similares.
Entretanto, para que se tenha um limite adequado de utilidade para a determina-
ção dos fatores causais, só entram no diagrama aqueles de significância prática
(caixas retangulares), definida como a qualidade dos fatores causais sobre os quais
algo poderia ser feito na intenção de evitar o acidente, além disso, também consta
daqueles sem significância prática (caixas de cantos arredondados), mas que são
necessários para se entender o que levou o acidente a ocorrer. Estes últimos só en-
tram no diagrama caso o AcciMap padronizado não faça sentido sem sua presença.

2.2.6 Conexões causais

Em sua proposição inicial, Rasmussen e Svedung (2000) afirmam que o Acci-


Map não se propõe a ser uma fiel representação dos fatos, mas sim a identificar fa-
tores passíveis de aprimoramento. O modelo padronizado proposto por Branford,
Naikar e Hopkins (2009), por sua vez, visando melhor atender sua função de identifi-
car as causas de um acidente, preconiza que as setas indicam uma estrita relação
causal. Desse modo, um fator A só é ligado por uma seta a outro fator B se A foi ne-
cessário para que B ocorresse, sendo uma causa direta.

2.2.7 Recomendações de segurança

Apesar de muitos analistas que usam a metodologia AcciMap não as incluírem,


o modelo padronizado propõe instruções para a elaboração de uma lista de reco-
mendações de segurança.
Assim que o diagrama estiver pronto, com as causas relevantes de cada nível, a
lista de recomendações pode ser elaborada. Branford, Naikar e Hopkins (2009), su-
20

gerem que as recomendações sejam agrupadas por cada grupo responsável por co-
locá-la em prática (congresso, conselho fiscalizador, diretoria da empresa).
As recomendações podem retificar a causa diretamente, prevenir a ocorrência
de causas não retificáveis. Algumas causam, que não podem nem ser retificadas,
nem ter sua ocorrência prevenida, devem ter recomendações que sugeriram uma
compensação ou mitigação para seus efeitos.
No exemplo mostrado em sua publicação, Banford, Naikar e Hopkins (2009) sa-
lientam que é melhor não tentar mudar o comportamento inapropriado dos operado-
res diretos, mas atacar as inadequações que tornam esse comportamento possível.
A figura 2 mostra um esboço de como deve ser um AcciMap padronizado.

Figura 2: Exemplo do modelo padronizado do diagrama AcciMap

Fonte: o autor, com base em Banford, Naikar e Hopkins (2009)


21

3 Metodologia da Pesquisa

De acordo com Moresi (2003, p.8), a pesquisa aplicada “objetiva gerar conheci-
mentos para aplicação prática dirigida à solução de problemas específicos”. Já o
conceito de pesquisa explicativa está baseado na identificação de “fatores que de-
terminam ou contribuem para a ocorrência de fenômenos” (GIL, 2002, p. 2). Gil
(2002), afirma que a maioria das pesquisas explicativas pode ser classificada como
experimental ou ex-post facto - expressão latina que significa “a partir do fato passa-
do”.
O presente trabalho visa elaborar um AcciMap Padronizado referente ao colapso
da barragem de rejeitos de Mariana, de modo a, seguindo o modelo Branford, Naikar
e Hopkins (2009), incluir recomendações de segurança. Desse modo, pode ser clas-
sificado, de acordo com sua natureza, como uma pesquisa aplicada e explicativa.
Considerando-se que o colapso da barragem já ocorreu, também é uma pesquisa
ex-post facto.
Para tal, levando em conta a inviabilidade do autor ir diretamente ao local do
acidente e realizar por si mesmo o levantamento dos fatores causais, o presente tra-
balho precisa se apoiar em documentos que tenham tido tal acesso. Desse modo,
também se trata de uma pesquisa bibliográfica com o uso de fontes secundárias,
segundo a definição de Gil (2002).
Gil (2002, p.4) destaca que “... Muitas vezes, fontes secundárias apresentam
dados coletados ou processados de forma equivocada”. Para dirimir essa possibili-
dade, o presente trabalho se baseia, principalmente, em dois documentos que tive-
ram acesso às fontes primárias:
• Relatório de Análise de Acidente elaborado pelo Ministério do Trabalho e
Previdência Social, em abril de 2016 e;
• Relatório sobre a causas imediatas da ruptura da Barragem de Fundão, ela-
borado por um comitê de especialistas contratados pela empresa operadora
da barragem (Samarco Mineração S.A.) e seus acionistas (Vale S.A. e BHP
Billinton Brasil Ltda), presidido por Norbert R. Morgenstern, finalizado em
agosto de 2016.
22

A escolha por esses dois documentos se deve ao fato de ambos terem tido
acesso ao local do acidente, podendo entrevistar testemunhas do ocorrido e com
acesso a documentos e informações inacessíveis de outra forma. Além disso, repre-
sentam partes envolvidas distintas: o Ministério do Trabalho e Previdência Social e a
empresa detentora da barragem.
Também foram pesquisadas outras análises do acidente que se basearam em
algum ou ambos os documentos citados. Não foi encontrado nenhum que tenha de-
senvolvido um AcciMap, mas outros métodos de análise foram encontrados e servi-
ram de suporte para a elaboração do mapeamento de acidente padronizado propos-
to.
23

4 A Barragem de Rejeitos de Fundão e seu colapso

Antes de discorrer sobre o colapso da BRF, convém explicar o que é uma barra-
gem de rejeitos e o modelo de barragem usado na BRF, que está intrinsecamente
associada ao colapso ocorrido.

4.1 Barragens de rejeitos

Faria e Botelho (2018) lembram que “As atividades de produção mineral geram
um volume significativo de detritos decorrentes dos processos de lavra e beneficia-
mento”. Isso implica necessidade de construir estruturas que formem uma parede de
contenção aos resíduos e detritos gerados na atividade.
Cardozo, Pimenta e Zingano (2016) afirmam que um “ponto que diferencia as
barragens de rejeito é a sua construção em etapas, as quais, acompanham o ritmo
de lavra, desta forma à medida que são gerados rejeitos, os alteamentos são execu-
tados”.
Estes mesmos autores informam que há três metodologias para a construção de
barragens de rejeitos, a saber: método de alteamento a jusante, método de altea-
mento a montante e método de alteamento da linha de centro.
Tais métodos se referem à mudança na orientação dos alteamentos construídos
acima do dique de partida.
De acordo com Cardozo, Pimenta e Zingano (2016), estas são as principais ca-
racterísticas e diferenças entres os três métodos:
a. Alteamento a jusante: Os alteamentos são sempre alinhados a jusan-
te, isto é, no sentido do curso de água, apoiando-se sobre o dique de partida;
b. Alteamento da linha de centro: O alinhamento dos novos alteamentos
segue a linha de centro do dique de partida, com apoio da barragem à jusante;
c. Alteamento a montante: O alinhamento dos novos alteamentos é
sempre a montante, isto é, na direção de onde o curso de água viria, se apoian-
do em parte sobre o dique de partida, em parte sobre os próprios rejeitos.
A figura abaixo, ilustra os três diferentes métodos de alteamento.
24

Figura 3: Métodos de alteamento de barragens

Fonte: (autor, adaptado de Cardozo, Pimenta e Zingano (2016)


O método usado na BRF foi o de alteamento a montante.

4.2 A Barragem de Rejeitos de Fundão

Morgenstern et al (2016) ressaltam que o projeto original da BRF previa o altea-


mento a montante até a elevação de 920m, com dois diques, um à frente, para reter
areias e outro atrás, para reter lamas. Contudo, logo após a construção do dique de
partida, ainda em 2009, “devido a defeitos de construção na base do dreno de fundo,
a barragem foi tão danificada que o conceito original já não poderia ser implementa-
do” (MORGENSTERN et al, 2016, p. 3). Então, o projeto original foi alterado, com
uma proposição de tapete drenante em uma elevação superior. Esse novo projeto
25

acarretou numa mudança de conceito, em que se passou a permitir e aceitar uma


saturação mais disseminada. Disso decorreu o potencial para liquefação da areia.
Houve outro incidente, enquanto o segundo projeto estava sendo elaborado, as-
sociado à lama e gestão de água, jogando lama por trás da ombreira esquerda, por
meio de um canal extravasor. Nesse período, a largura da praia de rejeitos, preconi-
zada em 200 metros não foi respeitada, chegando em alguns casos a 60 metros.
Dessa forma, foi possível que lama se depositasse em regiões não previstas anteri-
ormente (MORGENSTERN et al, 2016).
No final de 2012, a Galeria Secundária, elemento drenante localizado sob a om-
breira esquerda, foi considerada incapaz de suportar carga adicional. Isso impedia a
deposição de rejeitos sobre essa região, de modo que, enquanto a Galeria Secundá-
ria era preenchida com concreto, o alinhamento da ombreira esquerda foi recuado.
Morgenstern et al (2016) afirmam que, graças a esta mudança no alinhamento
da ombreira esquerda, o aterro foi colocado diretamente sobre local onde já se havia
depositado lama, o mesmo ocorrendo com os novos alteamentos do talude desta
ombreira.
O mecanismo que resultou no colapso da barragem foi descrito da seguinte for-
ma no Relatório sobre as Causas Imediatas da Ruptura da Barragem de Fundão:

Conforme a lama mole era submetida a cargas, ela se comprimia. Ao mesmo tempo, ela
também sofria deformação lateral, espremendo para fora como uma pasta de dentes
saindo de um tubo, um processo conhecido como extrusão lateral. As areias imediata-
mente acima, forçadas a se acomodar a este movimento, experimentaram uma redução
na tensão horizontal confinante. Isto permitiu que as areias, na realidade, ficassem sepa-
radas, e, no processo, mais fofas (MORGENSTERN et al, 2016, p.3).

Tanto o relatório de Morgenstern et al (2016), quanto o Relatório de Análise de


Acidente desenvolvido pelo Ministério do Trabalho (BRASIL, 2016) ressaltam que
não houve projeto elaborado para esse recuo do alinhamento da ombreira esquerda.

4.3 O Colapso da Barragem

Por volta das 15h45min, do dia 05 de novembro de 2015, a BRF rompeu, provo-
cando a libertação de mais de 34 milhões de metros cúbicos de rejeitos. “Sua crista
26

tinha alcançado a elevação 900 m, resultando em uma barragem com altura igual a
110 m” (MORGENSTERN et al, 2016).
Tanto o relatório de análise de acidente relativo ao rompimento da BRF, elabo-
rado pelo Ministério do Trabalho e Previdência Social (BRASIL, 2016), quanto o rela-
tório de causas imediatas da ruptura da BRF elaborado pelo Comitê de Especialistas
(MORGENSTERN et al, 2016) corroboram o entendimento de Rasmussen (1997) de
que acidentes complexos como o rompimento da BRF não decorrem de um único
ato, mas de uma sucessão de causas que geram condições propícias para um gati-
lho causar o acidente.
No caso específico do rompimento da BRF, ambos os relatórios (MORGENS-
TERN et al, 2016; BRASIL, 2016) concluíram que ocorreu uma ruptura por liquefa-
ção.
Morgenstern et al (2016), no apêndice K de seu relatório, tomando por base a
evidência de que a ruptura se deu liquefação, analisaram os mecanismos possíveis
para que tal evento ocorresse. Essa análise pretendia conciliar os relatos das teste-
munhas com os dados colhidos, mediante teste de hipóteses e simulações em labo-
ratório.
Descobriu-se então que o mecanismo que desencadeou a ruptura foi o de lique-
fação estática (a outra opção era liquefação cíclica), devido às seguintes condições:
saturação da areia, expansão da praia de rejeitos e depósito de lamas, recuo do ali-
nhamento da ombreira esquerda e aumento da altura do recuo.
Além das condições acima, havia necessidade de um gatilho que causasse a
ruptura. Morgenstern et al (2016) concluíram que o gatilho foi o aumento da carga
estática, devido, principalmente, à extrusão lateral por deformação. Nas palavras do
próprio relatório:

O mecanismo de extrusão lateral se desenvolve à medida que a barragem é alteada, car-


regando verticalmente a zona rica em lama, que tende a ser expelida ou espalhar lateral-
mente... Isso resulta em variações de tensão nas areias sobrejacentes, o que reduz o seu
confinamento, levando ao colapso. (MORGENSTERN et al, 2016, p. 93)

No apêndice K do relatório (MORGENSTERN et al, 2016) relata-se que o cisa-


lhamento não drenado pode ter contribuído, por não ser uma forma alternativa de
aumento da carga estática, mas complementar. Tanto o cisalhamento não drenado
27

quanto a extrusão lateral podem ter sido afetados de alguma forma pelos abalos
sísmicos ocorridos no dia. Ressalte-se, contudo, que tanto Morgenstern et al (2016)
quanto Brasil (2016) afirmam que não é de se esperar que abalos ou detonações da
magnitude registrada no dia do colapso ponham em risco a estrutura de barragens
sãs. Isso indica que a estrutura já estava fragilizada e em vias de sofrer o colapso.
28

5 O AcciMap Padronizado do Colapso da Barragem


de Rejeitos de Fundão

Relembrando o modelo proposto por Branford, Naikar e Hopkins (2009), apre-


sentado no capítulo 2, o AcciMap Padronizado deve iniciar com o Resultado, passar
pelos Processos físicos e ações dos atores, processos e condições – os Precursores
imediatos –, seguir para o nível Organizacional e alcançar as causas Externas.
Antes de apresentar o mapa do acidente, cada um destes patamares será apre-
sentado detalhadamente a seguir.

5.1 Resultado

O Resultado que estará na base do AcciMap padronizado, conforme consta no


Apêndice K do Relatório sobre as causas imediatas da ruptura da barragem de Fun-
dão (Morgenstern et al, 2016) é: Ruptura por deslizamento fluído por liquefação es-
tática.
Para que essa ruptura tenha ocorrido foi necessária que certas condições esti-
vessem presentes e que algum gatilho agisse como mecanismo de ativação da fa-
lha. São os precursores imediatos.

5.2 Precursores imediatos

De acordo com Morgenstern et al (2016), para que ocorresse a ruptura por desli-
zamento fluido descrita acima eram necessárias estas três condições: saturação da
areia; rejeitos arenosos contráteis, não compactados e fofos; um mecanismo de gati-
lho, no caso o aumento da carga estática por um processo de extrusão por deforma-
ção lateral que pode ter sido apoiado, de forma complementar por cisalhamento não
drenado.
29

5.3 Causas Organizacionais

Estes precursores imediatos foram causados por outras condições, relacionadas


à operação usual da barragem, decorrentes de decisões organizacionais.
• A saturação da areia teve início com o dano ao dique de partida, logo no
começo da operação da barragem. O projeto original foi substituído por ou-
tro, e nesse novo projeto “uma saturação mais disseminada foi permitida e
aceita” introduzindo o “potencial de liquefação da areia” (Morgenstern et al,
2016, p. 3). Os sucessivos alteamentos da barragem fizeram com que “o
tapete drenante na elevação 826m... tenha atingido sua capacidade máxi-
ma” (MORGENSTERN et al, 2016, pg. 48) e os drenos usados para tratar
das surgências (aparecimento de água) na superfície dos taludes não tive-
ram qualquer efeito sobre a saturação já ocorrido aos rejeitos. Essas con-
dições foram resumidas como ‘drenagem inadequada’;
• A areia não compactada e fofa é proveniente do próprio lançamento de re-
jeitos arenosos por meio hidráulico, característico da operação usual da
empresa. Entre “70% a 80% dos rejeitos arenosos a até 75 m da crista da
barragem são indicados como tendo sido contráteis, e 95% ou mais a uma
maior distância de até 180 m” (MORGENSTERN et al, 2016, p. 43);
• O mecanismo de gatilho foi o aumento da carga estática por um processo
de extrusão por deformação lateral que pode ter sido apoiado, de forma
complementar por cisalhamento não drenado. Esse aumento de carga teve
origem no próprio alteamento da barragem de rejeitos, carregando área ri-
ca em lama:
o A presença de lama no local se deve ao incidente ocorrido em
2009 que comprometeu o dreno original. Houve uma mudança no
projeto da BRF e, entre janeiro de 2011 e julho de 2012, um canal
extravasor depositou lama na região atrás da ombreira esquerda.
Foi observado que a praia de rejeitos, que deveria ter 200m de dis-
tância entre a crista do talude e a água, em vários momentos foi
reduzida a apenas 60m;
30

o O alteamento da barragem sobre essa região rica em lama se deve


ao recuo da ombreira esquerda, ocasionado pela continuação em
operação após o colapso da galeria secundária. A crista foi deslo-
cada mais para montante, e esse “recuo da crista iria colocá-la
mais próxima, ou mesmo acima, do avanço da praia e dos locais
em que já tinha ocorrido a deposição de lama” (MORGENSTERN
et al, 2016, p. 24). Novas surgências na ombreira esquerda leva-
ram à conclusão de que seria necessário construir novos drenos,
contudo, ao mesmo tempo, novos estudos eram feitos para elevar
a barragem até 940m, implicando numa integração com um siste-
ma de drenagem independente. A construção desses drenos adici-
onais atrasou o realinhamento, fazendo com que os alteamentos
continuassem a ocorrer na região rica em lama. Em outubro de
2015, mês imediatamente anterior ao colapso da BRF, o alteamen-
to da BRF foi de 2,9m (segundo maior alteamento mensal registra-
do).

5.4 Causas externas

A BRF “estava em funcionamento na época do seu rompimento e com a Licença


de Operação vigente, concedida no ano de 2013, através do Conselho Estadual de
Política Ambiental do estado de Minas Gerais – COPAM” (DIAZ, 2018, p.62).
Essa licença de operação foi concedida apesar do recuo na ombreira esquerda
ter ocorrido sem que qualquer projeto fosse elaborado (MORGENSTERN et al,
2016; BRASIL, 2016).
Além disso, Diaz (2018) demonstra que o Ministério Público de Minas Gerais,
ainda em 2013, solicitou a revisão da licença de operação. Um instituto independen-
te analisou a licença e “recomendou que fosse realizado um estudo analisando o ris-
co de ruptura da barragem como forma de garantir a segurança e a integridade do
meio ambiente” (DIAZ, 2018, p. 65). Nada foi feito sobre essa recomendação.
Dessa forma, fica evidente que o ente responsável pela concessão da licença
estava ciente do risco de ruptura, mas manteve a licença sem qualquer modificação.
31

Diaz (2018, p.87), analisando o ordenamento jurídico brasileiro, dispõe que “o


Poder Público, somente seja responsabilizado quando não mais puder responsabili-
zar o poluidor direto”. Isso é ponto pacífico para omissões do ente público. Contudo,
devido às manifestações do Ministério Público e ciência dos riscos pelo órgão con-
cessor da licença, a responsabilização do estado de Minas Gerais se daria por con-
duta comissiva por omissão, situação para a qual não há jurisprudência firmada.
Dessa forma, o ente público tende a se responsabilizar apenas subsidiariamente
(após a execução dos particulares) reduzindo sua responsabilização por falhas na
esfera ambiental.

5.5 O Diagrama do AcciMap

A figura abaixo mostra o diagrama do AcciMap padronizado referente ao colapso


da BRF, de acordo com as causas apontadas anteriormente.
32

Figura 4: AcciMap do Colapso da Barragem de Rejeitos de Fundão

Fonte: o autor
33

6 Recomendações

Como visto anteriormente, parte importante de AcciMap são as recomendações


de segurança. Branford, Naikar e Hopkins (2009) salientam que não há necessidade
de que cada causa identificada tenha uma recomendação própria.
O processo de ruptura por liquefação estática ocorrido precisa que as três condi-
ções apontadas estejam presentes: saturação da areia, rejeitos fofos e contráteis e
um mecanismo de gatilho. As recomendações devem impedir que tais condições
ocorram simultaneamente.
O item 6.1 se refere a ações que devem ser realizadas pela empresa que opera
a barragem de rejeitos, de modo a evitar que condições que propiciem a liquefação
estática, do modo como ocorrido na BRF, estejam presentes.
Já o item 6.2 se refere a ações que devem ser feitas no âmbito externo à organi-
zação, principalmente em nível de legislação federal.

6.1 Recomendações de nível organizacional

As recomendações abaixo são destinadas a implementação por parte da empre-


sa que opera a barragem de rejeitos, de modo a impedir que ocorra um colapso por
liquefação estática, tal qual o ocorrido na BRF.
O relatório elaborado pelo Ministério do Trabalho e Previdência Social (BRASIL,
2016) demonstra uma série de fatores que poderiam ter previsto a iminência de aci-
dentes ou mesmo evitado a tragédia, caso fossem colocados em prática.
Recomendação 1: Seguir fielmente as determinações tanto do Manual de Ope-
ração da Barragem - mantendo tal documento atualizado -, quanto do Programa de
Gerenciamento de Riscos.
Tal recomendação justifica-se, visto que a inexistência e/ou inoperância de dis-
positivos de monitoramento previstos em tais documentos poderiam sinalizar com
antecedência o risco na operação da barragem (nível de saturação da areia, inclina-
ção do talude), conforme BRASIL (2016).
34

Recomendação 2: Elaboração de projeto sempre que ocorrer modificação signi-


ficativa nas premissas estabelecidas na operação em vigor (como construção de ta-
lude sobre área que recebeu lama).
Caso tivesse sido realizado o projeto para o recuo do alinhamento da ombreira
esquerda, algumas das condições necessárias para o colapso teriam sido evitadas.
Recomendação 3: Priorizar a manutenção em vez da operação, ao menos no
caso de recomendações de manutenção de emergência. Como notado no trabalho
de Branford, Naikar e Hopkins (2009), a cultura organizacional referente aos confli-
tos segurança x produção/operação e segurança x orçamento costuma ocorrer e
pode ter prejudicado a adoção tempestiva das medidas corretivas necessárias.
A BRF praticamente não parou de operar desde o primeiro incidente com o di-
que de partida. Para manter a BRF em operação, o projeto foi modificado, permitin-
do a inserção de lama por trás da ombreira esquerda; o recuo desta ombreira foi
realizado sem um novo projeto; o aterramento deste recuo, para realinhar as ombrei-
ras foi postergado.

6.2 Recomendações de nível externo

O colapso da BRF nos revela “falhas nos processos de gestão da empresa, li-
cenciamento, fiscalização, monitorização e do sistema de emergência, que foram
incapazes de garantir a segurança da barragem, da própria empresa e das popula-
ções afetadas” (FARIA e BOTELHO, 2018). Não houve apenas erros na operação,
mas o próprio órgãos licenciador também foi conivente com o ocorrido, tendo sido
alertado dos riscos, mas mantendo a licença de operação (DIAZ, 2018).
Recomendação 4: Congresso Nacional incluir um parágrafo 6º no artigo 14 da
Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981 – Política Nacional do Meio Ambiente:

§ 6º Em casos de atos comissivos por omissão praticados por autoridade fede-


ral, estadual ou municipal, e estes forem determinantes para concretização ou
agravamento do dano ambiental, a responsabilidade civil do Estado será de execu-
ção solidária, independentemente da existência de culpa. (DIAZ, 2018, p. 109)
35

Dessa forma, conforme o estudo de Diaz (2018), são reduzidas as chances de


negligência do poder público na concessão de licença e permissão para operação
de empreendimentos de risco, aumentando sua responsabilização.
Dentre as repercussões secundárias decorrentes dessa alteração legislativa
constam:

A reparação dos danos ambientais com a maior brevidade possível, pois o Poder
Público exigirá com maior empenho a atuação do poluidor direto para que não seja
executado; bem como haverá maior cautela nas ações praticadas pelos agentes
públicos, principalmente quanto às comissivas, face o risco de responder na sua
pessoa física através da ação de regresso. (DIAZ, 2018, p. 110)

Isso pode também levar a um maior rigor técnico na concessão de licenças de


operação. Sabe-se das pressões econômicas que empreendimentos do porte da
BRF podem ter para os entes públicos, tanto pela atividade em si quanto pelo reco-
lhimento de impostos. A possível responsabilização dos atores estatais envolvidos
pode aumentar o peso dos aspectos relativos à efetiva segurança nos momentos
decisivos de conceder e/ou manter licenças de operação.
36

7 Considerações Finais

O presente trabalho buscou pesquisar os relatórios de acidente relativos ao co-


lapso da Barragem de Rejeitos de Fundão, ocorrido em 05 de novembro de 2015. O
foco desta pesquisa foi a busca por relatórios alinhados ao método de mapeamento
de acidentes.
Também pesquisou mais a fundo sobre a técnica de mapeamento de acidentes,
encontrando o método AcciMap padronizado, proposto por Branford, Naikar e
Hopkins (2009).
Tomando por base, principalmente, os relatórios elaborados pelo Ministério do
Trabalho e Previdência Social (BRASIL, 2016) e pelo comitê de especialistas contra-
tado pela Samarco (MORGENSTERN et al, 2016), foi elaborado o AcciMap Padroni-
zado relativo ao colapso da BRF, juntamente com as recomendações de segurança.
Estes dois relatórios principais, que tiveram acesso às testemunhas e demais
fontes primárias não efetuaram quaisquer recomendações. O elaborado por MOR-
GENSTERN et al (2016, p. 14) afirma que “foi solicitado ao Comitê não atribuir culpa
ou responsabilidade a qualquer pessoa ou entidade. O elaborado por Brasil (2016)
aponta recomendações feitas por terceiros devido aos vários incidentes ocorridos
durante a operação da BRF, mas nada relativo ao evento causador do colapso da
BRF.
As recomendações propostas neste trabalho visam não apenas mudanças na
operação da empresa - como alinhar a cultura organizacional mais na direção da
segurança, em detrimento de operação e/ou orçamento -, mas também em níveis
estaduais e federais, alinhando-se com a proposição de Diaz (2018) de alteração em
lei federal que permita a responsabilização civil ambiental de forma solidária para
entes estatais responsáveis de forma comissiva pelos acidentes.
Conforme afirmado por Faria e Botelho (2018), “um acidente desta proporção
implica uma mudança radical de paradigmas quanto ao modelo de desenvolvimento
e de exploração mineral que vem sendo adotado no Brasil”. Deve-se ir além da res-
ponsabilização da pessoa jurídica envolvida, revendo e redesenhando todo o pro-
cesso de atribuição de responsabilidades e punições envolvido nesta atividade.
37

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