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O caminho para a paz -

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A paz que atravessa o conflito: o caminho


que se constrói a partir da imaginação e
da criatividade
Suelen Hedissa L. Santos

Suelen Hedissa L. Santos

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Publicado em 12 de nov. de 2019

É possível construir paz a partir do conflito?

Já sabemos que sim. Neste post quero explorar as possibilidades da construção do


caminho da paz a partir da experiência do mediador internacional e pesquisador da paz:
. John Paul Lederach. Em sua obra: The moral imagination: the art and soul of building
peace, Lederach busca explorar as disciplinas indispensáveis para a construção da paz.
Lederach extrai de sua experiência com conflitos internacionais e pesquisa teórica,
quatro disciplinas que juntas trazem a essência da construção da paz:
relacionamento, curiosidade paradoxal, criatividade e risco.

Como aqui queremos investigar a construção da paz em situação de conflito, vamos


analisar uma a uma, as quatro disciplinas essenciais, a seguir.

Relacionamento

Para quebrar com o ciclo de violências é preciso adotar a seguinte verdade fundamental:
quem nós fomos, somos e iremos ser, emerge e se molda em um contexto de
interdependência relacional (Lederach 2005, 35).

Nesta lógica, Lederach busca desconstruir a crença, por vezes enraizada na sociedade -
de que a mudança desejada pode ser alcançada independentemente da rede de
relacionamentos.

As pessoas, além de percebem-se parte da rede de relacionamentos, também precisam


reconhecer seu papel na reprodução do padrão destrutivo ou construtivo.

Enfim, a ideia aqui é "reconhecer que o bem-estar de nossos netos está diretamente
ligado ao bem-estar dos netos dos nossos inimigos" (Lederach 2005, 35).

Curiosidade paradoxal

Paradoxo significa ”contrário à crença comum”. John Paul Lederach revela que a
palavra paradoxo sugere a existência de uma verdade que vai além do inicialmente
percebido, ou a reunião de verdades aparentemente contraditórias para localizar uma
verdade maior (Lederach 2005).

Por sua vez, a palavra curiosidade em sua expressão mais construtiva, se desenvolve
como qualidade de investigação cuidadosa, que busca além do significado aceito. A
pessoa curiosa anima-se em se aprofundar no que não é imediatamente compreendido
(Lederach 2005).

A curiosidade paradoxal não se convence pelas dualidades: bem ou mal, certo ou


errado, aceito ou não aceito. Não é impulso para encontrar um terreno comum com base
em um “afunilamento" de ideias. A curiosidade paradoxal busca algo além do visível,
algo que mantém juntas energias sociais aparentemente contraditórias (até
violentamente opostas).

Curiosidade paradoxal é qualidade de perspectiva, é postura em relação aos outros, (até


inimigos) e baseia-se fundamentalmente na capacidade de mobilizar a imaginação. É
portanto, explorar as contradições de forma simples e direta, como aparecem em
contexto, com todas suas feiúras e dificuldades. É buscar quem as pessoas realmente
são e ouvir os diferentes lados da humanidade que sofre. Isso, nas palavras de
Lederach gera paradoxo.

Essa qualidade de curiosidade requer saber lidar com alto grau de ambiguidade, por
um lado aceitar a realidade da aparência e a maneira como as coisas parecem ser. Por
outro lado, explorar a realidade da experiência vivida, com as percepções e os
significados do que vai além do que é apresentado como aparente.

Para lidar com esta ambiguidade: “suspender o julgamento”. Lederach explica que isso
não significa abandonar a opinião, ou a capacidade de avaliar. De fato, isso seria
desafiador, para não dizer impossível para o ser humano socializado. Suspender o
julgamento é mobilizar a imaginação e posicionar os relacionamentos no centro, onde as
categorias dualísticas de julgamento artificial são secundárias.

Providenciar espaço para o ato criativo

Providenciar um espaço para que se efetive a criatividade é possibilitar a expressão do


ato humano para além dos conceitos e da imaginação. É, finalmente, abrir espaço para
concretizar o que propõe a imaginação, e mover do reino da possibilidade para o mundo
do tangível.

Lederach explica que a criatividade vai além do que existe, em direção a algo novo e
inesperado, enquanto advém e conversa com o cotidiano. Este é de fato o papel do
artista, o de pressionar os limites do que se pensa ser real e possível. Por isso, junto com
a imaginação e a arte, os artistas estão à beira da sociedade, vivem nos limiares das
comunidades em que habitam.

John Paul Lederach cita Walter Brueggemann, que aqui remarco:

“[E] um regime totalmente totalitário tem medo do artista. É a vocação do profeta


manter vivo o ministério da imaginação, continuar conjurando e propondo futuros
alternativos ao único que o rei deseja insistir como o único pensável” (apud
Brueggemann 2001, 40).

A criatividade, neste contexto anda junto com imaginação, quando incentiva voos além
dos parâmetros estreitos do que é comumente aceito, e do que seja percebido como o
leque de escolhas estreito e rigidamente definido.

Sendo assim, para criar espaço onde se possibilita a criatividade, é preciso coragem.

A disposição e a vontade para correr riscos

A ultima disciplina abordada por Lederach também vem acompanhada de coragem:


para construir a paz é necessário estar disposto a correr riscos.

Para Lederach, arriscar é entrar no desconhecido sem qualquer garantia de sucesso ou


até mesmo, de segurança. O risco, por sua própria natureza, é misterioso. É um mistério
vivido, onde a aventura se dá por caminhos que não foram traçados, e terras que não são
controladas.

Segundo o autor, as pessoas que vivem em contextos de conflitos profundamente


enraizados enfrentam uma ironia extraordinária: a violência é conhecida; a paz é o
mistério. Por sua própria natureza, portanto, a construção da paz exige uma jornada
guiada pela imaginação do risco (Lederach 2005, 39).

Assim, o processo da construção do caminho de paz segundo John Paul Lederach,


envolve: (1) a capacidade dos atores de se imaginarem em um relacionamento, também
(2) a vontade de abraçar a complexidade e não enquadrar seu desafio como uma
polaridade dualista, e em (3) atos de enorme criatividade e disposição para arriscar.

Referências:

Lederach, John Paul. 2005. The moral imagination: the art and soul of building
peace. New York: Oxford University Press.

Brueggemann, Walter. 2001. The Prophetic Imagination, 2d ed. Minneapolis, Minn.:


Fortress.


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