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BONDER, Nilton.

O segredo judaico de resolução de problemas - Iídiche Kop/Nilton


Bonder. Rio de Janeiro: Rocco, 2010.

Resenha
Constança Madureira1

Para os simpatizantes e praticantes dos meios adequados de gestão de conflitos, incluir


esse título na biblioteca faz todo o sentido. Não à toa, a afirmação, que abre a introdução
do livro, diz: “Este livro é sobre resolução de problemas” (p.9). Mais do que um “livro
de cabeceira”, é leitura, além de prazerosa, para muitos momentos e fases de vida, onde
quer que estejamos e sem prazo de validade. Como um convite à leitura recorrente, o
texto nos acompanha, cresce, amadurece, se expande em profundidade, intensidade,
utilidade.
O tom é de conversa, a sensação é de se estar diante de um conselheiro que, com suas
histórias (parábolas), ensina sem impor suas visões e nos incentiva a pensar por nós
mesmos. A herança cultural do judaísmo serve como justificativa para se afastar a adoção
de soluções prontas e interpretações-padrão dos problemas, vistos por várias perspectivas.
O convite é para pensar além e de forma empática ao problema, buscar informação para
decidir melhor, estar atento aos contextos em que se inserem os conflitos. Nas parábolas
estão os “segredos” do título; por mais óbvias que sejam as conclusões, muitas vezes, não
correspondem à real solução, e isso acontece porque nossas “rotas de fuga” (padrões
mentais, linhas de raciocínio) estão arraigados a modelos que nos embotam. Ou, porque
as aparências enganam.

À experiência histórica do povo judeu, diante das ameaças individuais e coletivas à sua
integridade, se atribui uma visão de mundo conhecida como “cabeça de judeu” (Idiche
kop); ou seria uma expertise em lidar com problemas? Reza a tradição que a solução dos
conflitos, as reviravoltas da realidade dependem de fé, mas não somente. É preciso
também sagacidade, percepção e raciocínio apurados, que geram soluções
“inimagináveis”, possíveis, porém!

Na prática, o texto identifica técnicas para se chegar a soluções simples e originais, entre
elas, a formação de receptáculos (a inserção de formas nas essências), reframing,
recontextualizção, a valorização da ignorância (a sabedoria do tolo e a inocência do
sábio), o humor (ironia), o papel de boas respostas (para se fazer perguntas adequadas).
Em relação a esta última, o autor resgata o estereótipo do judeu que, em geral, responde
uma pergunta com outra (p. 28). Aqui, o “segredo” reside na sagacidade em se saber
fazer uma pergunta que, não sendo redundante, possa servir para aprofundar a pergunta
anterior e gerar uma resposta “(...) que pode fazer avançar a escuridão e a ignorância”.

1
Mediadora de conflitos, advogada consensual, professora universitária. Membro da Comissão de Meios
Consensuais (OABRJ). Membro da Câmara de Mediação (OABRJ). Email:
mconstanca.madureira@gmail.com
Como exemplo, Bonder traça um paralelo a partir do modelo dos antigos programas de
TV, em que os indivíduos, isolados do exterior, em uma cabine, optavam por um ou outro
prêmio. Em situações dessa natureza, diante de uma pergunta, faz-se outra e assim
sucessivamente. Com isso, as formas se aperfeiçoam até revelar a própria essência. E,
conclui, “Saber é propositalmente não querer ver até que aquilo que é visto possa
contribuir com algo, possa somar, em vez de diminuir” (p. 31).
A pretensão não é filosofar ou ficar no plano da teoria apenas porque a tradição ensina
que a necessidade obriga as pessoas a tomarem posição na vida. E esse processo decisório
acontece em duas dimensões de pensamento – o aparente e o oculto – que, por sua vez,
se subdividem em outras duas dimensões cada. Aparente é o mundo material e visto pela
consciência (com formas definidas e limitadas, luz e claridade específicos). Na dimensão
do oculto, embora as formas se mantenham, são mais fluidas, podendo se misturar ou
sobrepor a umas às outras; é o mundo do inconsciente. Essa distinção é exemplificada
pelas as representações de cada uma delas, a saber, o aparente é a terra; o oculto, os mares
(p. 81). Ou seja, reza a tradição mítica que alguém no alto de uma colina consegue
discernir tudo o que compõe a paisagem diante do olhar: a planície, animais, árvores,
rochas, rios etc. Por outro lado, o mar só é visível por inteiro, é um coletivo de formas e
particularidades que se escondem, mas que explicam muito do que é aparente. Nas suas
subdivisões, as duas metadimensões se apresentam como:
(i) o aparente do aparente (problema literal – compreender e conceber) – é o
óbvio, a ponta do iceberg, a saída mais lógica para um desafio. Aqui mora o
perigo, porque não necessariamente o que aparece é o problema (ou a resposta)
em si. A visão do aparente do aparente é tentadora/perigosa porque a
obviedade pode disfarçar nuances ou perspectivas inerentes ao fato, ao objeto.
Soluções muito simplistas podem reduzir o problema e impactar a boa
resolução;
(ii) o oculto do aparente (problema metafórico - ouvir, aprender e ensinar) –
mesmo aparente, o problema pode ter elementos ocultos (ou seja, parece, mas
não é!). É preciso fazer uma leitura mais ampla, se distanciar (“ir para o
balcão”?), diante da concepção do problema, para verificar se realmente há
solução para o problema;
(iii) o aparente do oculto (problema alusivo - guardar e agir) – esta é uma das
dimensões do impossível, está além dos olhos materiais, mas visível pela fé.
O elemento de fé é o que impulsiona para a ação. A caminhada do povo judeu
pelo mar na fuga do Egito é um exemplo do livro – ficar em terra significa
enfrentar os exércitos, ir para o mar é morrer também. Em todos os problemas
há uma dimensão oculta que só se enxerga pela fé e nos faz crer no impossível.
Não se sabe como, quando vai a solução virá, mas vai acontecer, e isso só é
possível pelos olhos da fé.
(iv) o oculto do oculto (problema secreto - manter) – não basta assumir o problema
e enxergar a possibilidade de o impossível acontecer. É preciso assumir o
compromisso de fazer, de estar pronto (presente) para quando a dimensão do
impossível acontecer. Na falta desse compromisso, a tendência é de nos
acomodarmos com a noção do impossível meramente, sem transcender essa
dimensão.

Alicerçado nesses pilares, Bonder nos diz que uma vida melhor não se faz sem quaisquer
problemas, eles existem inexoravelmente. Cabe a nós entender esses conflitos em sua real
complexidade e dimensão. Assim, cada vez mais esclarecido e atento às suas questões, o
ser humano se torna mais apto a desfrutar a existência com alegria e sem medos.
Concluída a tarefa de resenhar essa obra, insisto, Para os simpatizantes e praticantes dos
meios adequados de gestão de conflitos, incluir esse título na biblioteca faz todo o sentido.
Faz todo o sentido? Por que não?

Boa leitura!

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