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, 2019
Cip-Brasil. Catalogação-na-Fonte
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.
C316
Cartografias da pesquisa em ensino de história / organizadoras Adriana
Ralejo, Ana Maria Monteiro. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Mauad X, 2019.
304 p. : il. ; 15,5 x 23,0 cm.
Inclui bibliografia e índice
ISBN 978-85-9068868-6
1. História - Estudo e ensino - Avaliação. 2. Livros didáticos - Brasil
- História. 3.Currículos - Planejamento. I. Ralejo, Adriana. II. Monteiro,
Ana Maria.
PARTE 2 61
Ensino de História: uma incursão pelo campo 63
Mauro Cezar Coelho e Taissa Bichara
A Pesquisa em Ensino de História no Brasil:
potência e vicissitudes de uma comunidade disciplinar 85
Sonia Regina Miranda
Produção sobre Ensino de História
em periódicos acadêmicos brasileiros (1970-2016) 113
Nadia G. Gonçalves
Enseñanza de la historia en Argentina: un panorama de investigaciones y redes 127
María Paula González
Pesquisa em Ensino de História:
desafios contemporâneos de um campo de investigação 143
Carmen Teresa Gabriel
Vestígios de leituras e escritas nas rotinas cotidianas do
Ensino de História no Brasil (décadas de 1930-1960) 163
Cristiani Bereta da Silva
Investigar em Ensino de História: entre fronteiras e limites epistemológicos 187
Flávia Eloisa Caimi e Letícia Mistura
Sentidos de “negro” no Ensino de História: articulações em contextos
de referência para a produção do conhecimento no livro didático 199
Warley da Costa
Em nome da ordem: as escolas municipais paulistanas na
ditadura civil-militar (1964-1985) e a professora por evocação 217
Helenice Ciampi
Qual o lugar da diferença na pesquisa em Ensino de História? 239
Cinthia Monteiro de Araujo
O documentário Os guardiões da Lagoa: a universidade no espaço do quilombo 255
Carlos Augusto Lima Ferreira
Os saberes dos professores sobre os conhecimentos que ensinam:
trajetórias de pesquisa em Ensino de História 271
Ana Maria Monteiro
APRESENTAÇÃO
Referências bibliográficas
Helenice Rocha1
16 HELENICE ROCHA
Parte significativa das contribuições deste livro tangencia essas trajetórias
– individuais e de grupos de pesquisa – que têm constituído o campo do Ensi-
no de História. São os olhares de pesquisadores que, da perspectiva da Histó-
ria e da Educação, apreciam aspectos, o momento e a dinâmica interna desse
campo, mapeiam o território e fazem sua cartografia.
A pesquisa do ensino de História também dialoga responsivamente com as
demandas sociais de nosso país. O momento é de expectativas contraditórias
no que a ele se refere como prática no ensino básico e como formação docente.
Ao mesmo tempo que reconhecemos pontos fortes e frágeis na trajetória de
nossa democracia, o ensino, e em especial o ensino de História, vem receben-
do ataques por sua potencialidade de formação política das novas gerações,
por seu diálogo e informação. Esta obra também registra tal movimento, em
busca de transformação e de manutenção, na relação com o campo do Ensino
de História em sua face de prática social da política e da ética, a qual a pesqui-
sa registra, reflete e acompanha.
Finalmente, mais uma vez em inspirado movimento prospectivo de nossa
espiral, voamos para as possibilidades do ensino de História com o texto de
Durval Albuquerque Junior. Entre as reflexões sobre o campo do ensino e as
lutas para seu estabelecimento, as diversas pesquisas sobre o ensino de His-
tória de ontem e de hoje, após pulsarem em resposta a demandas e questio-
namentos atuais, são acolhidas na reflexão que propõe uma poética do ensino
de História.
Dessa maneira, o livro Cartografias da pesquisa em ensino de História merece
um lugar na prateleira das produções em ensino de História como referên-
cia da constituição do próprio campo, marco de um evento importante de
pesquisadores dessa área. Parabéns aos organizadores, grupos de pesquisa e
participantes que constituem cotidianamente o campo do Ensino de História,
fortalecendo-o inclusive em suas contradições e lutas instauradoras. É uma
leitura instigante para os que tiverem essa oportunidade.
Referência bibliográfica
BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo
científico. São Paulo: UNESP, 2004. 86 p.
Fernando Seffner1
22 FERNANDO SEFFNER
estratégias didáticas. O chamado “conteúdo” de História vai sendo exposto,
e vai trombando nas vidas daquele grupo de jovens. E produzindo faíscas das
mais interessantes. Mas pode também produzir simples desinteresse.
A conjuntura política brasileira contemporânea está marcada por ataques à
democracia e à diversidade cultural, com retorno de práticas autoritárias. Cons-
titui um desafio teórico, pedagógico e político pensar um ensino de História
que incorpore a Educação em temas sensíveis, promova indagações sobre os
sentidos do passado e do presente, e remexa as concepções naturalizadas da
formação da nacionalidade brasileira, buscando ampliar o compromisso demo-
crático das culturas juvenis. Há esforços no sentido de colonizar a escola, a
função docente e as políticas públicas de Educação pelos códigos morais de
alguns pertencimentos religiosos e do que, por vezes, se apresentam como sen-
do “os valores da família”, sem especificar exatamente de que família se está
falando. Nessa conjuntura, é delicada a tarefa da escola que dispõe os alunos a
questionarem saberes que foram aprendidos no âmbito da família e no interior
dos pertencimentos religiosos. É para isso que se vai à escola, para entrar em
contato com valores do mundo público, da justiça social, da ética republicana,
das liberdades laicas – a saber, a mais ampla liberdade de consciência, a mais
ampla liberdade de crença e a mais ampla liberdade de expressão. Não se manda
uma criança à escola para que lá se repitam exatamente os valores familiares
e religiosos. É certo que aqui temos um terreno de enfrentamentos, mas vale
lembrar que a tarefa da escola é dupla: alfabetização científica e sociabilidade do
espaço público. As razões de ordem científica – por exemplo, aquelas ligadas à
saúde sexual e reprodutiva – podem não coincidir com valores familiares e reli-
giosos sobre o mesmo tema. A sociabilidade no espaço público – que contempla
igualdade de tratamento entre homens e mulheres – pode colidir com crenças e
moralidade religiosa que, muitas vezes, naturalizam uma “posição inferior” das
mulheres. Mas, repetimos, é para isso que se vai à escola, para a ampliação de
horizontes, e não para a simples confirmação de expectativas trazidas da família
ou outros ambientes.
E isso é tarefa do ensino de História? É sim, pois toda aula de História
tem como um dos seus objetivos viabilizar condições para que alunos e alunas
se interroguem sobre sua própria historicidade. Ou seja, se percebam como
produzidos por processos históricos e inserções sociais. Se gosto disso ou
daquilo, se penso isso ou aquilo, se considero tal coisa certa e outra errada,
se prefiro o Ocidente ao Oriente, tudo isso é o resultado das marcas histó-
rico-sociais que me produziram. Posso modificá-las, claro está, a partir do
momento que me dou conta delas e dos processos de produção histórica a que
fui – e estou sendo – submetido. Esse não é um raciocínio individual apenas.
Também a estrutura familiar em que estou inserido, a sociedade mais ampla
Até para atravessar a rua ela já era outra pessoa. Uma pessoa grávida
de futuro. Sentia em si uma esperança tão violenta como jamais sentira
tamanho desespero. Se ela não era mais ela mesma, isso significava uma
perda que valia por um ganho. Assim como havia sentença de morte, a
cartomante lhe decretara sentença de vida. Tudo de repente era muito
e muito e tão amplo que ela sentiu vontade de chorar. Mas não chorou:
seus olhos faiscavam como o sol que morria. (LISPECTOR, 1998, p. 79)
24 FERNANDO SEFFNER
safios de um campo de conhecimento.2 De olho no que ocorre no campo da
historiografia, e do que ocorre no campo do ensino, e do que ocorre no entorno
desses campos. O campo do ensino se configura nos dias de hoje como campo
de batalha, e muito do que se faz nas aulas de História tem sabor de resistên-
cia para colocar a nu as estratégias do poder. A resistência político-pedagógica
não é tarefa menor. Não é por se dizer “estamos resistindo” que o trabalho de
professores e professoras de História deve ser visto como em condição inferior.
Parte dos esforços de resistência envolve, inclusive, a própria permanência da
História enquanto disciplina escolar, em todos os níveis e graus. Uma luta já en-
frentada, na época dos Estudos Sociais, embora com outros contornos. Resistir
não é atitude nova na área do ensino de História. Se uma sociedade ganha con-
tornos mais nitidamente conservadores e autoritários, não há garantia alguma
de que tal não aconteça também com o ensino de História. Aqui se aposta em
um ensino de História dialogado e democrático, capaz de desenhar novos futu-
ros. O futuro não pode ser a repetição indefinida do presente.
É com tudo isso na cabeça, e muito mais certamente, que me sento no fundo
de salas para assistir a aulas de História. Situado esse meu lugar, que me per-
mite saber das minhas possibilidades, intenções e aflições, parto dele para a ele
retornar ao final deste artigo. O caminho contempla examinar três territórios
e suas práticas: um curto olhar no território Brasil e algumas questões de seu
momento político; um exame de alguns dos impasses que envolvem a escola
pública de modo geral, e, mais particularmente, a escola pública brasileira; e
algumas considerações sobre a figura central do empreendimento educacional,
a saber, professores e professoras, tomados enquanto servidores públicos. Feito
isso, retorno à sala de aula de ensino de História e, coerente com a proposta de
mapa já traçada acima, identifico pistas e sugiro caminhos e atitudes. O bem
precioso a defender, como alude o título, é um ensino de História de qualidade.
26 FERNANDO SEFFNER
avanço do discurso da meritocracia, fazendo crer que todos têm possibilida-
de de igual desempenho, desde que se esforcem, e deixando de visibilizar as
enormes desigualdades que caracterizam a maioria das sociedades, a brasileira
em particular. No cenário global, e já com repercussões no Brasil, vivemos
uma atmosfera difusa de oposição Oriente e Ocidente, entre nós se dissemi-
nando certo medo dos “bárbaros” e de um possível “choque de civilizações”,
afetando as ideias de nação – passado comum e futuro comum – e de preo-
cupação com a “origem” de cada povo ou grupo social (TODOROV, 2010). E,
por fim, o forte predomínio de um discurso da crise, que se converteu em um
modo de gerenciar a contemporaneidade, cumprindo o papel de estreitar o de-
bate político, pois lida com a noção de alternativa única, em afirmações do tipo
“tivemos que tomar tal medida por conta da crise” ou “não há como fazer isso
por causa da crise” ou “a situação de crise não permite que ...”. O encurtamen-
to do debate político explica, em parte, a volta do discurso da família como
base da sociedade, em vez de se discutir que é a qualidade do espaço público
que pode garantir uma boa base para a sociedade. Assistimos também a uma
colonização do espaço público por valores familiares, com forte influência, por
exemplo, na possibilidade de abordagem dos temas de gênero e sexualidade, e
no enfraquecimento da noção de Estado laico.
Uma hipótese política importante deste texto é a de que vivemos tem-
pos de avanço dos discursos do privado na Educação, comprometendo seu
caráter de política pública. Dissemina-se na sociedade certa ideia de que os
valores de mercado – competição e concorrência, liberdade de regulamenta-
ção, direito do consumidor, livre disposição dos bens conforme a vontade de
seus proprietários, isenção de impostos e aposta na livre movimentação de
capital e de pessoas – seriam os mais adequados para informar as políticas
públicas de Educação, dentre outras. Com isso, noções de solidariedade, de
reconhecimento da vulnerabilidade social de certos grupos, de estratégias de
cooperação nos estudos, de gestão democrática da escola – questão prevista
em legislação federal e de todos os estados –, de participação coletiva nas
decisões, de mútua ajuda, de criação de mecanismos legais para superar desi-
gualdades históricas – como é o caso dos sistemas de reservas de vagas ou de
cotas – seriam marcas culturais do atraso e dos privilégios, e que deveriam ser
eliminadas da cultura escolar.
Seguindo essa orientação privatista, individualista e meritocrática, o ter-
ritório escolar não é mais visto como campo de experimentações políticas e
abertura de possibilidades, mas de treinamento para a vida como ela é, reifi-
cando os valores sociais vigentes para as novas gerações, em vez de permitir
que elas tenham a oportunidade de discutir sua pertinência. Paralelamente a
isso toma força a ideia de que a Educação é um empreendimento puramente
4 Pablo Gentili analisa duas situações recentes em dois países distintos nos quais a escola se
vê demandada a problematizar acontecimentos políticos do seu entorno, e as reações das
autoridades em cada caso. Trata-se da disputa de terras na Argentina envolvendo o povo
Mapuche, e das tensões recentes na região da Catalunha. Disponível em: https://elpais.com/
elpais/2017/09/13/contrapuntos/1505337330_354035.html. Acesso em: 29/01/2018.
5 O documento oficial das Nações Unidas sobre esse tópico está disponível em: https://conf-
dts1.unog.ch/1%20SPA/Tradutek/Derechos_hum_Base/CESCR/00_1_obs_grales_Cte%20
Dchos%20Ec%20Soc%20Cult.html. Acesso em: 25/01/2018.
28 FERNANDO SEFFNER
como agente fomentador em particular as diretrizes e documentos do Banco
Mundial, e campanhas do tipo “aprendizagem para todos”, se afirma que os
princípios básicos das políticas educacionais devem visar o aprendizado para
a atuação competitiva junto aos mercados e devem se construir sistemas de
avaliação dos aprendizados para verificar de que modo as competências e ha-
bilidades aprendidas na escola revelam o ajuste entre o sistema educacional
e as demandas do desenvolvimento econômico. De outro lado, em especial
na coletânea majoritária dos documentos acordados pelo sistema das Nações
Unidas e suas agências, que se utilizam em geral da expressão “educação
para todos”, se expressa a visão de que a tarefa educativa é mais ampla do
que aquela das “aprendizagens”, contemplando fortemente lidar com valores
que promovam o desfrute de outros direitos, estratégias pedagógicas partici-
pativas, desenvolvimento junto aos jovens não apenas da alfabetização e da
habilidade de calcular, mas também a valorização da capacidade de negociar
conflitos de forma não violenta, desenvolver o espírito crítico e a noção de
emancipação social, atentar para as situações sociais em que diferenças podem
se transformar em desigualdades. Para o caso brasileiro, a visão de Educação
mais próxima daquela das Nações Unidas se torna muito importante, pois ela
conecta a escola com o compromisso de construção e manutenção da demo-
cracia, e a democracia é um bem raro na história brasileira, restrita a poucos
períodos. Entre nós, em geral, quando identificamos situações de impasse ou
problemas no exercício democrático, tendemos a solucionar isso com a redu-
ção da densidade democrática, processo que está acontecendo na conjuntura
atual do país. Todo esse cenário traz consequências para o ensino de História,
e, por conta disso, a sua compreensão é importante.
30 FERNANDO SEFFNER
velamento de privilégios hereditários, de mobilidade social. [...] A escola
pública se confunde, assim, com o próprio projeto da modernidade. É a
instituição moderna por excelência. (SILVA, 1995, p. 245)
32 FERNANDO SEFFNER
algo tivesse dado errado, eu poderia colocar a culpa na mantenedora, que, no
meu caso, era o estado do Rio Grande do Sul, pois sempre estudei em escolas
públicas estaduais. A propaganda governamental convida agora os estudantes
a escolherem seus percursos, o que, em geral, é visto como atitude não apenas
de respeito, mas democrática, pois concede ao aluno – agora, um consumi-
dor – o direito de escolher no suposto livre mercado das opções pedagógicas.
Se algo der errado mais adiante, certamente já sabemos o que a autoridade
educacional dirá: na hora da escolha, estava brincando em vez de estudar,
então ocorre que você não escolheu de modo adequado, agora vire-se, pois
cada um é sujeito de si, responsável integral por suas escolhas e atos. Uma
variação dessa afirmação pode ser dita como “o seu currículo é um problema
seu”, em absoluta sintonia com a enorme ênfase nos dias de hoje na questão
da avaliação, transformada em verdadeiro farol do currículo (VEIGA-NETO,
2013). Dito em tom um tanto cabalístico, a frase parece ser “faça o que quiser,
escolha o caminho que bem entender, lhe damos liberdade, mas será avaliado
depois”. Melhor então é passar a vida escolar se preparando para a avaliação,
o que se comprova largamente na prática educacional e nos numerosos cur-
sinhos preparatórios. Em suma, o discurso neoliberal é francamente despo-
litizador do campo educacional, em que tudo então parece se resumir a uma
engenharia de processos e decisões.
A terceira frente de questionamentos é aquela que vem das tecnologias
(SIBILIA, 2012), e se materializa nos atritos em sala de aula, em questões
como “devemos permitir o uso dos celulares em sala de aula ou não?”. Como
lidar com o buscador Google ou com a Wikipédia? Mas também proliferam
propostas educacionais que louvam o potencial de aprendizagem manifesta-
do quando se coloca uma criança na frente de um terminal de computador,
manipulando atrativos programas pedagógicos, com recursos nem de longe
imagináveis na sala de aula de uma escola. Certa ideia de que “todo o conhe-
cimento está na web”, e de que as crianças e jovens já são “incluídos digitais”,
tem levado à defesa de um ensino feito no conforto da casa, nos horários em
que a pessoa decidir, sem a necessidade desta pesada arquitetura escolar –
prédios, pátios, chamadas, filas, professores, horários, sinetas, direção, aulas
e avaliações com hora marcada, disciplina. A escola poderia ser substituída
pelo conforto da casa, num ambiente sem fios, sem papéis, sem turbulências,
respeitando supostos ritmos naturais da pessoa que quer aprender, ao estilo
“agora estou com vontade de estudar, então me conecto”, “agora não estou
mais, então me desconecto”, e assim por diante, novamente trazendo uma
aura de liberdade pessoal para essas propostas. Não se trata aqui de negar as
possibilidades das tecnologias educacionais, mas de pensar uma equação em
que elas não sejam vistas como portadoras exclusivas do progresso, e a escola
Ser professor é mais do que ter uma profissão, é ter uma missão!
6 Música Não existe pecado ao Sul do Equador, de autoria de Chico Buarque, mas imortalizada
na voz de Ney Matogrosso. A estrofe original termina com “eu sou professor”; no cartaz
exposto, a expressão era “eu sou professora”.
34 FERNANDO SEFFNER
colocá-los em sintonia com os pais e as mães, e com a moralidade de certas
religiões. Essa sintonia é, inclusive, aceita e assumida por muitos docentes,
em particular mulheres, que se assumem como tias ou segundas mães das
crianças. Há certa confusão entre servidor público e adulto de referência, e
docentes terminam por desempenhar essas duas funções. Claro está que uma
criança pequena, recém ingressando na escola, não vai ter a dimensão exata de
que está diante de uma servidora pública, e o que isso significa. Mas ela pode
já ser ensinada a perceber que aquela professora é também um adulto de refe-
rência, ou seja, não é a mãe, não é uma tia, não é a sua irmã mais velha, não é
da igreja, não é vizinha, não é amiga da mãe ou colega de trabalho da mãe, mas
é uma pessoa de referência – que eu gosto de chamar de um adulto de referên-
cia –, situada no interior de uma instituição pública, a escola. É uma pessoa
a quem a criança poderá contar coisas, e de quem escutará lições, guardando
com ela essa saudável relação de não ser da sua comunidade mais próxima
até aquele momento. No ensino médio, por exemplo, a professora é alguém
com quem o menino poderá comentar seus gostos musicais, sem necessaria-
mente ter que escutar queixas sobre o ruído em seu quarto. Se for professora
de História, poderá, inclusive, comentar algo sobre as tradições musicais, e
em qual delas se insere seu gosto pessoal. Mais ainda, a professora poderá
ajudar o menino a perceber as distâncias entre o gosto musical dela, que é de
outra geração, e o dele, que é muito mais jovem. E a professora poderá fazer
tudo isso sem ficar brigando ou querendo conduzir o gosto musical daquele
menino, pois ele é seu aluno, no meio de tantos outros, e ela não tem que se
preocupar se ele escuta música em volume alto no seu quarto quando os pais
querem dormir. E ela poderá lhe explicar porque não deve escutar música na
sala de aula, por motivos outros que não são os motivos da mãe ou do pai para
situações semelhantes.
Esses elementos fazem parte de um traço essencial da docência, a saber, a
liberdade de ensinar, princípio assegurado na Constituição Federal de 1988,
mas também em constituições anteriores (SEFFNER, 2017a). Dizer que pro-
fessores e professoras têm liberdade de ensinar não significa endossar a afir-
mação que por vezes se escuta de que “ao fechar a porta da sala, quem manda
lá dentro sou eu”. A liberdade de ensinar, essencial para o exercício docente, é
uma liberdade que se encontra moderada por outras liberdades, como ocorre
com todas as nossas liberdades. No caso, a liberdade de ensinar se encontra
moderada pelo direito de aprender dos alunos e alunas, pela gestão democrá-
tica da escola, pela tradição curricular da instituição na qual ensinamos, pelos
procedimentos da ciência que orientam a alfabetização científica, pelo com-
promisso que a escola tem com a alfabetização científica, por decisões coleti-
vas tomadas no âmbito daquela unidade escolar ou daquele sistema de ensino,
36 FERNANDO SEFFNER
Tudo lá no morro é diferente [...]
O outro fato muito importante
E também interessante
É a linguagem de lá
Baile lá no morro é fandango
Nome de carro é carango
Discussão é bafafá
Briga de uns e outros dizem que é burburim
Velório no morro é gurufim
Erro lá no morro chamam de vacilação [...]
Papagaio é rádio
Grinfa é mulher
Nome de otário é Zé Mané8
8 Música Linguagem do morro, de autoria de Padeirinho e Ferreira dos Santos, cantada por
Chico Buarque e Beth Carvalho, entre outros. Maiores informações em: https://www.letras.
mus.br/beth-carvalho/191091/. Acesso em: 29/01/2018.
38 FERNANDO SEFFNER
uma forma diferente de pensar e planejar. A inclusão não pode virar uma ação
moral de melhoria de alguns sujeitos, para que fiquem iguais aos outros. A
inclusão tem que afetar o conhecimento escolar. Com isso se assume que o
currículo é campo de tensão entre projetos e práticas. Essa atitude tem grande
importância na relação de professores e professoras com as culturas juvenis.
E vale dizer que temas sensíveis não existem a priori, eles são fruto de uma re-
lação de aprendizado, uma percepção de que temos ali algo que opõe grupos,
revela visões de mundo opostas, exige negociação de saberes.
Por fim, um caminho importante a seguir é pensar que a aula de História
é sempre uma aula de História mundial, qualquer que seja o assunto trata-
do. Das muitas conexões possíveis entre o local e o global, hoje em dia uma
delas nos parece especialmente frutífera: pensar as disputas Oriente versus
Ocidente, e pensar nestes conceitos tão fundantes de nossa matriz cultural:
civilização e barbárie. Já por diversas vezes, registrei no diário de campo cenas
semelhantes à que narro abaixo nas aulas de História:
40 FERNANDO SEFFNER
em uma tradição, e ao mesmo tempo lhes fornece ferramentas para questionar
essa tradição, e modificá-la, se assim lhes parecer adequado. O ensino de His-
tória não obriga a nada, mas questiona muito. No atual momento político que
atravessa a sociedade brasileira, há muitas propostas que buscam transformar
o ensino de História em catequese, indicando a priori quem são os bons, quem
são os maus, e indicando limites muito estreitos para as narrativas históricas.
E desenhando uma narrativa histórica na qual os bons são sempre bons, e os
maus desde sempre foram maus. É tarefa do ensino de História remexer nisso
tudo, e apontar outras direções, a partir de fontes, documentos, estudos, lei-
turas, debates, visitas a locais, coleta de opiniões. O ensino de História aposta
no direito de aprender dos estudantes, e aposta na abertura dos horizontes,
em uma trajetória que todos os jovens devem fazer, ampliando seus conheci-
mentos acerca do mundo, o que, muitas vezes, os coloca em algum conflito
com visões da família, por exemplo. Compreendemos perfeitamente certa feri-
da narcísica que podem sentir pais e mães quando o filho ou a filha retorna da
escola com opiniões políticas diversas daquelas domésticas, mas crescimento
intelectual é isso. Ninguém vai à escola para que lá se repitam os valores
familiares. Se fosse para isso, não se precisaria enviar as crianças à escola. É
absolutamente importante afirmar esse sentido do ensino de História em alto
e bom som na atual conjuntura.
Referências bibliográficas
42 FERNANDO SEFFNER
De lagarta a borboleta:
possíveis contribuições do pensamento de Michel Foucault
para a pesquisa no campo do Ensino de História
5 “O dispositivo é a rede de relações que pode ser estabelecida entre elementos heterogêneos:
discursos, instituições, arquitetura, regramentos, leis, medidas administrativas, enunciados
científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas, o dito e o não dito” (FOUCAULT,
2010, p. 45).
6 Ver, por exemplo, Pastoriza e Del Pino (2015); e Sales e Paraíso (2010).
7 Ver: Freitas e Oliveira (2015); e Mota e Costa (2017).
Referências bibliográficas
Taissa Bichara3
Xô xuá
Cada macaco no seu galho
Xô xuá
Eu não me canso de falar
Xô xuá
O meu galho é na Bahia
Xô xuá
O seu é em outro lugar
Cada macaco no seu galho, Riachão
1 Este texto sistematiza a reflexão feita, sob o mesmo título, no XI ENPEH, na Mesa-Redonda
Pesquisa em Ensino de História: balanço de uma produção. Os dados apresentados naquela
oportunidade e aqui reunidos foram construídos a quatro mãos, como expressa a autoria do
texto. Nossos agradecimentos aos organizadores do evento e aos presentes, pelas questões
e ponderações feitas então.
2 Professor associado da Universidade Federal do Pará, onde é professor da Faculdade de
História, do Programa de Pós-graduação em História Social e do Programa de Pós-graduação
em Gestão e Currículo da Educação Básica. Possui Mestrado em História Social da Cultura
pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1996) e Doutorado em História Social
pela Universidade de São Paulo (2006). E-mail: mauroccoelho@yahoo.com.br
3 Bacharel e licenciada em História, é mestranda do Programa de Pós-graduação em História
Social da Universidade Federal do Pará. E-mail: taissabichara@gmail.com
O universo da pesquisa
A representação nacional
Gráfico I
Crescimento dos Grupos de Pesquisa – Ensino de História
Fonte: Quadro formulado pelos autores, a partir dos dados coletados do Diretório de
Grupos de Pesquisa/CNPq, fev./jun. 2017.
Gráfico II
Grupos de Pesquisa – Distribuição pelas Unidades da Federação
Fonte: Quadro formulado pelos autores, a partir dos dados coletados do Diretório de
Grupos de Pesquisa/CNPq, fev.-jun. 2017.
Fonte: Quadro formulado pelos autores, a partir dos dados coletados do Diretório de
Grupos de Pesquisa/CNPq, fev.-jun. 2017.
Gráfico IV
Índice de Grupos de Pesquisa por Unidade da Federação
Fonte: Quadro formulado pelos autores, a partir dos dados coletados do Diretório de
Grupos de Pesquisa/CNPq, fev.-jun. 2017.
Gráfico V
Distribuição de Grupos de Pesquisa – Grande Área Ciências Humanas
Fonte: Quadro formulado pelos autores, a partir dos dados coletados do Diretório de
Grupos de Pesquisa/CNPq, fev./jun. 2017.
Gráfico VI
Área de formação dos pesquisadores - Pós-graduação
Fonte: Quadro formulado pelos autores, a partir dos dados coletados do Diretório de
Grupos de Pesquisa/CNPq, fev.-jun. 2017.
Gráfico VII
Formação dos pesquisadores - Progressão - Pós-graduação
Fonte: Quadro formulado pelos autores, a partir dos dados coletados do Diretório de
Grupos de Pesquisa/CNPq, fev.-jun. 2017.
13 Ver: CAPES, jul. 2011. No que tange à área de História, entre 2000 e 2016, foram criados
cerca de 60% dos cursos de Mestrado e Doutorado acadêmicos existentes e 100% dos
cursos profissionais. Ver: CAPES, Documento de Área, 2017, História, p. 3.
Gráfico VIII
Produção científica relativa ao Ensino de História
(em artigos publicados em periódicos) – Grupos de Pesquisa
Fonte: Quadro formulado pelos autores, a partir dos dados coletados do Diretório de
Grupos de Pesquisa/CNPq, fev.-jun. 2017.
Gráfico IX
Produção relativa ao Ensino de História – Volume de Periódicos da Área de História
14 Sobre o Qualis, ver: Barata (2016). Em relação à área de História, consultar: CAPES, 2016.
15 Sobre essa questão, os autores citados em nota anterior – Fonseca ( 1995); Caimi ( 2006);
Cerri (2006); Monteiro (2007); Ferreira e Franco (2008); Guimarães (2012) – apresentam
panoramas exemplares.
16 Índices resultantes dos dados coletados pelos pesquisadores no sítio do Qualis, fev.-
jun. 2017. Disponível em: https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/
veiculoPublicacaoQualis/listaConsultaGeralPeriodicos.xhtml.
Quebrando galhos
Referências bibliográficas
O que vale para o debate recente dos antropólogos sem dúvida vale para
a nossa comunidade disciplinar particular, e, nesse sentido, não podemos ig-
norar o fato de que é no interior da amplificação desse debate que se constrói
a polêmica em torno do documento de História da BNCC. Isso significa dizer
que, em meio a um debate público canalizado para a desqualificação tácita
do saber histórico em consonância com os propósitos do movimento Escola
sem Partido, o debate interno dos historiadores acabaria por produzir um re-
sultado secundário nefasto: o demérito de um campo particular sobre o qual
grande parte das pesquisas a respeito das dimensões de ensino-aprendizagem
da História tem se realizado.
Não me estenderei aqui sobre o que foram o movimento de desmonte
daquele documento da primeira versão e, ainda no governo Dilma Rousseff,
o golpe da segunda versão, que levou à destituição da equipe e à encomenda,
num gesto administrativo, de um documento que não fugisse ao script de uma
cultura histórica canônica e, mais do que isso, que não gerasse dificuldades in-
contornáveis à formulação de itens para avaliação em larga escala. Creio que, a
esse respeito, o artigo-testemunho produzido pelos professores Giovani José
da Silva e Marinelma Costa Meireles oferece contribuições preliminares signi-
Para além desse mapa que revela um conjunto promissor e potente, mi-
nhas incursões pela grande base de dados disponível no diretório de Grupos
do CNPq me fizeram compreender que, além dessas quatro profissionais sele-
cionadas para detalhamento de suas produções e potenciais formativos, hoje,
aproximadamente, 380 pesquisadores atuam diretamente com o campo do
Ensino de História. Eles geraram, nos últimos anos, mais de 8.600 orientações
gerais, cerca de 1.600 dissertações, teses e TCC´s, aproximadamente 600 mo-
nografias de especialização, sendo toda essa produção com o foco em Ensino
de História, que computa, ainda, mais de 40 grupos ativos voltados para essa
área específica de investigação. Se colocássemos todos eles em um mapa simi-
lar ao que foi produzido para as quatro professoras selecionadas para esse efei-
to demonstrativo, poderíamos ver um campo plasmado por múltiplos lugares
Referências bibliográficas
Nadia G. Gonçalves1
Este trabalho é parte de uma pesquisa que tem por objetivo analisar como
o ensino de História vem sendo abordado em periódicos acadêmicos de Educa-
ção, de Ensino e de História, a partir dos anos 1970, até 2020. Neste momento,
será apresentado o levantamento de dados relativo às edições dos periódicos até
2016, com os objetivos de, ao trazer uma caracterização geral dessa produção,
apontar tendências e propor reflexões que podem contribuir para a compreensão
da trajetória da produção acadêmica desse campo de conhecimento no Brasil,
bem como indicar possíveis questões que precisariam ser melhor investigadas.
O início dos anos 1970 demarca, no Brasil, o momento de criação e consoli-
dação de Programas de Pós-graduação e de periódicos acadêmicos, daí ser a re-
ferência temporal inicial da pesquisa, a qual, como mencionado, até o momento
abrange produções acadêmicas publicadas em periódicos até o ano de 2016.
Esse recorte inicial está relacionado à proposta de periodização da História
do Ensino de História no Brasil, apresentada por Maria A. M. S. Schmidt, que,
com base no conceito de código disciplinar, indica quatro períodos mais mar-
cantes nessa produção: “construção do código disciplinar da história (1838-
1931); consolidação do código disciplinar da história (1931-1971); crise do
código disciplinar da história (1971-1984); reconstrução do código disciplinar
da história (1984-?)” (SCHMIDT, 2012, p. 78). Para a autora, o que demarca
os dois últimos períodos são, respectivamente, a Lei 5692/71 e seu impacto
no Ensino de História; e um movimento de “volta ao ensino de História”,
após a ditadura, com a busca de novos referenciais. Também, assume-se aqui
o pressuposto de existência, no Brasil, de um “campo específico do ensino de
História” (p. 76), para o qual se volta essa investigação.
Referenciais
Gráfico 1
Artigos identificados – Ensino de História (1970-2016)
3 É importante destacar que embora neste trabalho seja utilizada a palavra “décadas” para
agrupar e analisar os artigos, a última delas ainda não está completa, sempre se referindo ao
período de 2011 a 2016.
4 Como o Cadernos CEDES, n. 10, com dossiê sobre A prática de ensino de história, e os livros
Repensando a História, organizado por Marcos Silva (1984) e O ensino de História – revisão
urgente, organizado por Conceição Cabrini (1986).
Quadro 1
Periódicos com maior número de artigos sobre Ensino de História (1970-2016)
%
Periódico Números Com Artigos
Início números
Pesq. artigo EH
EH
História & Ensino (UEL) 1995 29 29 247 100
Aedos (PPGHIS- UFRGS) 2008 19 08 69 42
Antíteses (PPGHIS UEL) 2008 20 08 55 40
Educar em Revista (UFPR) 1977 73 16 45 22
Revista Brasileira de História (ANPUH) 1981 69 16 37 23
Fronteiras (Campo Grande-UFGD) 1997 24 07 33 29
Cadernos CEDES (UNICAMP) 1980 106 08 32 7
Gráfico 3
Temas identificados nos artigos sobre Ensino de História (1970-2016)
Por outro lado, alguns são pouco abordados, como o caso dos relacionados
à avaliação da aprendizagem em História, o que indica, talvez, uma grande
lacuna nas produções e investigações nesse campo de conhecimento.
Quadro 2
Ênfases temáticas por década – Ensino de História - (%)
Déc. Art. Tema % Tema % Tema % Tema % Tema %
1971- Formação Recursos
12 Disciplina 42 Conteúdos 17 17 Políticas 17 17
1980 de professores didáticos
Formação
1981-
57 Disciplina 28 de profes- 23 Conteúdos 23 Metodologia 19 Currículo 18
1990
sores
1991- Conteúdos Recursos
98 32 19 Disciplina 15 Currículo 14 Metodologia 14
2000 didáticos
2001- Recursos Saberes e Prá- Formação
341 Conteúdos 39 25 18 17 Disciplina 15
2010 didáticos ticas docentes de professores
2011- Recursos Formação
615 Conteúdos 37 21 18 Fontes 17 Disciplina 13
2016 didáticos de professores
Nessa forma de visualização dos dados, outros temas aparecem, uma vez
que estão indicadas no Quadro 2, em relação ao número de artigos selecio-
nados de cada década (segunda coluna), quais as principais temáticas, por
Gráfico 5
Principais palavras-chave utilizadas nos artigos sobre Ensino de História (1970-2016)
Gráfico 6
Principais palavras-chave abordadas ao longo das décadas (1970-2016)
Considerações finais
Referências bibliográficas
BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo
científico. São Paulo: Ed. Unesp, 2004.
CAPES. História e missão. Disponível em: http://www.capes.gov.br/historia-e-mis-
sao. Acesso em: 21 de julho de 2015.
CHARTIER, Roger. A história cultural. Entre práticas e representações. Lisboa: Di-
fel, 1990.
CIRANI, Claudia B. S.; CAMPANARIO, Milton A.; SILVA, Heloisa H. M. A evo-
lução do ensino da pós-graduação senso estrito no Brasil: análise exploratória e
proposições para pesquisa. Avaliação, Campinas, v. 20, n. 1, p. 163-187, 2015.
FONSECA, Claudia. Avaliação dos programas de pós-graduação: do ponto de vista
de um nativo. Horizontes antropológicos, v. 7, n. 16, p. 261-275, 2001.
MARTINS, Maria C. A história prescrita e disciplinada nos currículos escolares: quem
legitima esses saberes? Bragança Paulista: EDUSF, 2002.
MOLINA, Ana H. et al. (orgs.). Apresentação. In: _____. Ensino de História e Educa-
ção: olhares em convergência. V.II. Ponta Grossa: Ed.UEPG, 2012, p. 7-9.
MONTEIRO, Ana M. et al. (orgs.). Apresentação. In: _____. Pesquisa em ensino de
História: entre desafios epistemológicos e apostas políticas. Rio de Janeiro: Mauad
X/Faperj, 2014, p. 7-13.
PROST, Antoine. As palavras. In: RÉMOND, René (org.). Por uma história política.
Rio de Janeiro; Editora UFRJ, 1996, p. 295-330.
SCHMIDT, Maria A. M. S. História do ensino de História no Brasil: uma proposta
de periodização. Revista de História da Educação – RHE, Porto Alegre, v. 16, n. 37,
p. 73-91, mai./ago. 2012. Disponível em: http://seer.ufrgs.br/index.php/asphe/
article/view/24245/pdf. Acesso em: 10 de março de 2014.
SIRINELLI, Jean-François. Os intelectuais. In: RÉMOND, René (org.). Por uma
história política. Rio de Janeiro; Editora UFRJ, 1996, p. 231-270.
Introducción
9 Las referencias bibliográficas de las investigaciones citadas pueden ser recuperadas de:
González (2014) y González y González Iglesias (2017).
13 Peabiru es un término tupi que alude a un camino indígena construido antes de la Conquista
española y portuguesa y que atravesaba el continente de este a oeste.
14 Para más datos de este proyecto así como resultados del mismo puede verse: Zamboni,
Sabino Dias y Finocchio (2014).
15 . Para un panorama del análisis de los resultados de esa primera etapa, puede verse el
dossier en la Revista Clío & asociados, la historia enseñada, n. 14, del año 2010.
16 Los cuestionarios –uno para el profesor y otro para los estudiantes– se basaron en una
adaptación de los que habían sido utilizados en el proyecto europeo Youth and History,
desarrollado por la Standing Conference on History Didactics a mediados de los años
1990, con la participación de 33 países europeos, además de Turquía, Israel y la Autoridad
Palestina. Tal adaptación implicó la supresión de algunas preguntas y la inclusión de otras
nuevas referidas al pasado y presente latinoamericano (por ejemplo, las dictadura de las
décadas del 1970 y 1980).
17 Participaron en esta etapa, investigadores de diversas universidades de Brasil (UEPG,
UDESC, UFT, UFGD, UEA, IFG, FAFIT, UPF, UFRGS, UNEB, UFMG, UFS, UNEMAT, UFMT,
UFMS, UnB, UFU) de Argentina (UNS, UNPSJB, UNGS, UNLPam, UNMdP, UNQ, UNL,
UNLP), de Uruguay (UDELAR), de Paraguay (Instituto Base - Investigación Social) y de Chile
(UAHC).
18 Podrán conocerse resultados de esta etapa en una publicación de próxima edición (CERRI y
DE AMÉZOLA, en prensa).
19 El nombre del proyecto alude al zorzal colorado, un ave que habita en los países del
MERCOSUR y en otros países del sur de América al tiempo que es el ave nacional de Brasil
(sabiá laranjeira). Se trata de una fauna compartida más allá de las fronteras nacionales por lo
que, como la intención del sitio es trabajar sobre preguntas y problemas comunes de América
latina en el siglo XX, su nombre resultó un buen identificador de los propósitos. Retomo para
esta descripción lo señalado en Bohoslavsky y Gonzalez (2016).
20 Eso fue posible merced a las diversas y consecutivas financiaciones recibidas a proyectos
del área de Historia del Instituto del Desarrollo Humano de la UNGS de las convocatorias del
Programa de Promoción de la Universidad Argentina que se dieron dentro de un programa
mayor (el Programa de Internacionalización de la Educación Superior y Cooperación
Internacional –PIESCI–) de la Secretaría de Políticas Universitarias de Argentina.
Balance y perspectivas
Referencias bibliográficas
1 Este texto está diretamente relacionado a dois projetos de pesquisa em desenvolvimento sob
a minha coordenação: Currículo como espaço biográfico: conhecimento, sujeitos e demandas
(CNPq/Pq2/2015, Processo n° 308872/2015-0) e Currículo como espaço biográfico:
conhecimento, sujeitos e demandas em diferentes percursos formativos (Cientista do Nosso
Estado - CNE/FAPERJ, n° do processo E-02/2017).
2 Professora titular de Currículo da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ). Atualmente exerce o cargo de diretora dessa mesma instituição. É bacharel
e licenciada em História pela Universidade Federal Fluminense, possui Pós-graduação em
Estudos do Desenvolvimento pelo Institut d´Études du Développement - IUED, Mestrado e
Doutorado em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).
Realizou Pós-doutorado na Université des Sicences Humaines de Lille 3 (França). E-mail:
carmenteresagabriel@gmail.com.
(...) há sim uma disputa pelo que há, pelo que está
acontecendo, pelo ‘para onde vão as coisas’. Em suma,
mais do que uma guerra de interpretações do mundo,
uma disputa hegemônica pelo mundo que vivemos.
(BURITY, 2010, p. 2)
A epígrafe escolhida para abrir esta primeira seção e o subtítulo a ela atribuído
dizem tanto do desejo de não estarmos alheios às graves questões sociais de
nosso tempo quanto da aposta nas infinitas possibilidades que temos de propor
leituras para essas questões e, desse modo, participarmos das lutas hegemôni-
cas em torno das verdades produzidas deste e neste mundo. Reconhecer assim
nossa imersão nesses problemas e possibilidades é investir no trabalho teórico,
entendendo que esse é um caminho possível de ação política no fazer pesquisa.
O diálogo com a abordagem pós-fundacional autoriza a explicitação do con-
texto que serve de pano de fundo para as reflexões aqui pretendidas, pressu-
pondo uma tomada de posição em termos das lutas pela sua significação. Para
tal, uma distinção conceitual se faz importante. Com efeito, nessa perspectiva,
o significante “Social”4 se diferencia de significantes como “sociedade” ou “or-
dem social”. O primeiro nomeia o campo da diferença em meio ao qual ocorrem
as infinitas práticas articulatórias que sustentam os processos de identificação/
definição. O Social é a abertura para outros possíveis. Já o entendimento – a
explicitação ou defesa de uma ordem social, de um contexto histórico, de uma
realidade sócio-histórica, de um projeto de sociedade – opera com fechamentos
que apresentam suturas contingenciais desse e nesse Social.
Quando definimos um contexto, estamos discursivamente mobilizando a
lógica da equivalência e a da diferença (LACLAU e MOUFFE, 2004). A pri-
4 A letra maiúscula é um recurso gráfico utilizado por alguns autores que se filiam a essa
abordagem para distinguir o social de sociedade ou de ordem social.
5 O termo demanda pode ser pensado a partir de uma petição/pedido, mas também pode
apresentar-se como uma reclamação/reivindicação. Na primeira forma, inicialmente, não
está presente uma ideia de conflito, o que não quer dizer que esse pedido não possa vir a
transformar-se em reclamação/reivindicação. Nesta, está presente um viés de interpelação
imperativa (LACLAU, 2005; RETAMOZO, 2009).
7 A perspectiva teórica com a qual trabalhamos permite demonstrar que o termo “narrativa” é
comumente mobilizado nas críticas à história “tradicional” como uma metonímia pela qual um
tipo particular de narrativa confunde-se com a própria estrutura narrativa configuradora do
conhecimento histórico. Essa metonímia “fez escola” e deixou consequências profundas que
ainda persistem na compreensão dessa disciplina entre historiadores e professores de História.
Introdução
último exigido para o acesso a alguns cursos superiores. Em 1942, esse nível de ensino
sofreu nova alteração com a Reforma Gustavo Capanema (Decreto-Lei no 4.244). Ele foi
dividido em dois ciclos: um primeiro de quatro anos, chamado de Ginásio, e um segundo
de três anos, chamado de Colegial (com dois tipos de curso: Científico e Clássico). Essa
organização foi alterada pela Lei no 5.692, de 1971, que extinguiu os exames de admissão e
unificou o ensino Primário com o Ginásio, constituindo o Primeiro Grau, com duração de oito
anos, e o Segundo Grau, com duração de três anos.
4 O programa de Ciências Naturais também constava das provas orais dos exames, mas foi
suprimido pela Portaria 681-A, de 30 de novembro de 1942 (BRASIL, 1942).
5 Fazem parte dele: entrevistas orais, blogs, sites, livros preparatórios para os exames
de admissão ao Ginásio, correspondências e materiais de divulgação das editoras que
publicaram dois dos livros mais vendidos entre as décadas de 1950 e 1970, relatórios de
diferentes escolas sobre os exames, avaliações de História do Brasil e outras áreas realizadas
por estudantes no período, entre outros.
6 São Paulo, capital. Fundado em 1894 como Ginásio do Estado da Capital, foi o primeiro
ginásio público de São Paulo. Ao longo de sua história, teve diferentes nomes e também
endereços. No presente situa-se no centro da capital paulista, junto ao Parque Dom Pedro II.
7 Florianópolis, Santa Catarina. Fundado em 1892 e refundado em 1894 como Ginásio
Catarinense, por iniciativa do poder público estadual. Em 1905, porém, a partir de uma aliança
entre os poderes públicos catarinenses e o alto clero católico, foi entregue à Companhia de
Jesus. “Até o final da década de 1920, o colégio dos jesuítas – que também se chamaria
Ginásio Catarinense – foi o único estabelecimento de ensino secundário oficializado em Santa
Catarina, provocando uma hiper elitização da escolarização média que habilitava e preparava
para o ingresso nos cursos superiores” (DALLABRIDA; CARMINATI, 2007, p. 16).
8 Florianópolis, Santa Catarina. Fundado em 1895 pelas Irmãs da Divina Providência como colégio
feminino. Até 1912 se dedicou exclusivamente à educação primária e pré-primária – o ginásio
passaria a funcionar em 1935 e o científico em 1947, completando o Secundário. A coeducação
passou a ser praticada a partir de 1970 (MARTINI, 2011). Atualmente pertence ao Grupo Bom
Jesus, do Paraná, ligado à Ordem Franciscana, e se chama Bom Jesus Coração de Jesus.
9 Weblog, ou “diário da web”, é um site da internet cuja estrutura permite atualizações rápidas
por meio de acréscimos de artigos ou posts.
10 Um blog também é um site, mas um site não é um blog. Pode-se dizer que a criação de um
site exige requisitos de programação mais complexos que a de um blog. Além disso, os sites
costumam ser criados para informar produtos/serviços de determinada empresa. Esclarece-
se, porém, que os sites citados neste artigo não se referem a empresas, mas sim a pessoas
físicas que os utilizam como meio para publicizar seu trabalho e também falar de si.
11 Essas narrativas foram exploradas em dois artigos. Ver: Silva (2015; 2016).
12 O nome de José Arruda Penteado já não aparece mais na 11a edição do livro, apenas o de
Joaquim Silva (SILVA, 2018a).
* LIVRES – Banco de dados de livros escolares brasileiros, projeto coordenado pela Profa. Dra.
Circe Bittencourt. O acervo pertence à Biblioteca do Livro Didático, localizada na Faculdade
de Educação da Universidade de São Paulo.
Ambos os livros organizavam cada área de saber por meio de textos, exer-
cícios e traziam também algumas imagens em preto e branco e coloridas, que
foram aumentando à medida que novas edições eram publicadas. Observa-se
que os exercícios que se seguiam aos textos possuíam a lógica da “fixação”, ou
Era um livro bem grosso que todo mundo já sabia que era pro exame de
admissão, porque era o livro que a gente tinha que estudar e era um calha-
maço de um livro, era Português, Matemática, Geografia, conhecimentos
gerais, tudo ali, naquele livro, era uma sabatina, e a gente tinha aquela
coisa de estudar, estudar aquele livro pra entrar no Ginásio [...]. O que eu
realmente tenho bem em mente era pavor daquele livro, porque eu acho
que não tinha ninguém que dissesse assim... Não, não tinha, porque um
livro tão pesado que a gente tinha que carregar, e que assim, que dava
aquele pavor não só na gente, mas em todos os colegas. (SILVA, 2013)
Lembranças das provas, dos conteúdos e das práticas de estudo são descri-
tas em detalhes pelo Sr. Teixeira, no site O baú de Macau:
Difíceis eram as provas de Geografia que o Doutor José Olavo preparava. Era
de “tremer nas bases”: de cór e salteado todos os países e capitais de todos
os continentes e nomes e localização dos principais rios, montanhas e cordi-
lheiras. [...] A prova de Geografia era escrita e oral. Na prova oral, 20 pontos
para sorteio e que o candidato falasse tudo do assunto. Na prova escrita 10
perguntas, valendo cinco pontos e uma dissertação de mais cinco. A prova
de História, da mesma maneira, nome dos bandeirantes, navegadores por-
tugueses, localização das tribos indígenas, e muitos outros assuntos. A exa-
minadora, Professora Anaíde Dantas, era simpática, mas exigente. Já a prova
de Português era gramática com análise sintática de uma frase valendo cinco
pontos e uma dissertação com o tema escolhido na hora do exame. O exame
de admissão ao ginásio era um minivestibular. Foram muitas noites de sono
sob a luz do candeeiro ou lamparina e ausência de festas, tudo para estudar e
ter meu sonho realizado. E também tinha as “simpatias” para saber qual seria
o ponto sorteado da dissertação. Escrevíamos os títulos dos pontos em peda-
ços de papel e aleatoriamente jogávamos no quintal e o que a galinha bicasse
seria o ponto escolhido para dissertação. (TEIXEIRA, 2012)
13 Com o objetivo de deixar o texto mais limpo, o endereço completo das páginas citadas,
seguido da data de acesso, estará apenas ao final do texto, na lista de referências.
Em seu livro, Carlos Urbim narra sua história, misturando ficção e memó-
rias, sobre o último ano do Primário, tempo em que se preparava para realizar
os exames de admissão ao ginásio:
Por meio dessas narrativas é possível pensar práticas que incluem usos e
formas de ler esses livros. Em silêncio, individualmente, mas também em voz
alta, com trechos recitados para a professora; eram lidos na escola, mas princi-
palmente em casa. Isso porque, mais que lidos, eles eram estudados, eram “de-
corados”. Os exercícios, copiados no caderno e resolvidos à exaustão, serviam a
práticas de memorização dos conteúdos. Nota-se, porém, que havia um itinerá-
rio de práticas a ser percorrido por aqueles que se preparavam para os exames
por meio dos livros e cursinhos (SILVA, 2016), os quais se aproximavam da
rotina das práticas do Secundário. Em entrevistas realizadas com ex-ginasianos
de Aracaju, da década de 1950, Tereza Cerqueira da Graça (2002) indica que as
aulas, especialmente as de História, eram expositivas, estruturadas por meio da
oratória do professor. O livro didático deveria ser usado:
Quadro 1
Programa de História do Brasil constante nos livros preparatórios para os exames.
1937 1971
Descobrimento da América; Descobrimento da América. Colombo;
Descobrimento do Brasil. Descobrimento do Brasil. Cabral;
Capitanias Hereditárias; Capitanias Hereditárias;
Os três primeiros governadores-gerais; Os três primeiros governadores-gerais;
Invasão do Rio de Janeiro pelos Invasão do Rio de Janeiro pelos franceses.
franceses. Fundação da Cidade; Fundação da Cidade. Estácio de Sá;
Invasões holandesas; Invasões holandesas. Matias de
Albuquerque. Henrique Dias e Filipe
Camarão;
Entradas e bandeiras; Entradas e bandeiras. Antônio Raposo
Tavares e Fernão Dias Paes;
Inconfidência mineira; Conjuração mineira. Tiradentes;
Transmigração da família real de Portugal Transmigração da família real de Portugal
para o Brasil. D. João VI; para o Brasil. D. João VI;
A Independência e D. Pedro I A Independência. D. Pedro I. José
Sete de Abril. Governos Regenciais. O Bonifácio. Gonçalves Ledo;
Padre Feijó. O segundo reinado e D. Período Regencial. Padre Feijó.
Pedro II; O segundo reinado. D. Pedro II;
Guerra do Paraguai; Guerra do Paraguai. Osório e Caxias;
A abolição do cativeiro e a princesa A abolição do cativeiro. Princesa Isabel.
Isabel; José do Patrocínio e Joaquim Nabuco;
Proclamação da República; Proclamação da República. Deodoro.
Floriano Peixoto. Benjamim Constant. Rui
Barbosa;
Governos republicanos. Governos republicanos. Contribuição ao
Progresso do Brasil.
Fonte: AZEVEDO, Aroldo de; CEGALLA,
Fonte: Editora Nacional. Exames Domingos Paschoal; SILVA, Joaquim;
de admissão aos cursos ginasiais. SANGIORGI, Oswaldo. Programa de
Organizados por professores do Liceu Admissão. 26. ed. São Paulo: Companhia
Nacional Rio Branco. 7. ed. São Paulo: Editora Nacional, 1971. Acervo do Banco
Companhia Editora Nacional, 1934, p. 9. de Dados de Livros Escolares Brasileiros-
Acervo da autora. LIVRES/FEUSP.
14 O nome do professor Joaquim Silva foi sinônimo de manuais didáticos de História produzidos
para o Ginásio entre as décadas de 1930 e 1960 (HALLEWELL, 2005; PINTO JR., 2010).
Figura 14:
Matérias lecionadas em maio de 1941.
Fonte: Prontuário de Lázaro Augusto de Mattos Filho, Prova Parcial, 5 de março de 1945.
Acervo da Escola Estadual Paulista.
15 Algumas dessas questões foram mais bem desenvolvidas em Silva (2018a e 2018b).
Letícia Mistura2
Considerações finais
Referências bibliográficas
Warley da Costa1
3 A Lei alterou o art. 26 da LDBEN 9394/96, tornando obrigatório o ensino de História da África
e da cultura afro-brasileira nos currículos do ensino básico.
4 Ernesto Laclau (1935-2014), teórico argentino, foi professor da Universidade de Essex (Grã-
Betanha), onde ocupou a cátedra da Teoria Política e também coordenou o Programa de
Ideologia e Análise do Discurso. Em 1985, ele e Chantal Mouffe, cientista política que se
dedica aos estudos sobre pós-feminismo, e aos estudos do campo da filosofia da linguagem
e da psicanálise, publicaram o livro Hegemony and socialist strategy. Towards a radical
democratic politics, em que desenvolveram três eixos centrais: a constituição do discurso nas
relações sociais, o posicionamento antiessencialista, e as questões em torno do sujeito.
6 Chevallard destaca alguns mecanismos, tais como: a dessincretização – criação de uma nova
síntese pautada em outra racionalidade diferente daquela que deu origem aos saberes –, a
despersonalização – o apagamento de autoria –, a programabilidade – modelo ordenador
do texto do saber em sua dinâmica temporal –, a publicidade – publicização dos saberes a
ensinar –, e o controle social da aprendizagem – controle regulado a partir dos procedimentos
de avaliação e verificação (CHEVALLARD, 2009, p. 71).
Uma vez apresentado o arcabouço teórico que tracei como chave de leitura
para este estudo, cabe agora investir na análise propriamente dita. A análise
dos textos dos livros didáticos visa perceber como se desenvolvem, nessa su-
perfície textual, os processos de recontextualização do conhecimento históri-
co escolar, especialmente quando se enfrenta o desafio de implementação dos
7 História.doc, autores Daniela Buono Calainho, Jorge Ferreira, Ronaldo Vainfas, Sheila de
Castro Faria. São Paulo: Editora Saraiva, 2015.
8 Choppin (2004, apud MONTEIRO, 2015, p. 65) identifica quatro funções do livro didático:
referencial, instrumental, ideológica e cultural, e documental.
9 Para o edital de 2017, foram selecionadas 14 coleções destinadas aos anos finais do Ensino
Fundamental.
10 Nessa coleção, a História dos povos indígenas aparece em menor proporção, apesar do
esforço dos autores em atender a demanda do edital e da Lei 11.645/2008.
Referências bibliográficas
Helenice Ciampi2
1 Este artigo constitui parte do texto inscrito na plataforma Sucupira, em 2017, pelos pesqui-
sadores do projeto, acrescido da análise da entrevista da professora Luzilda Pianelli Godoy,
realizada em 2012.
2 Professora titular da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, atua no Programa de
Pós-graduação em Educação: História, Política, Sociedade, na linha de pesquisa Instituição
Escolar: organização, práticas pedagógicas e formação de educadores, e integra o Grupo de
pesquisa História das Instituições e dos Intelectuais da Educação Brasileira. Possui Mestrado e
Doutorado em História Social pela Universidade de São Paulo. E-mail: heleciampi@uol.com.br
Não temos nada melhor que a memória para significar que algo acon-
teceu, ocorreu, se passou antes que declarássemos nos lembrar dela. Os
falsos testemunhos, (...) só podem ser desmascarados por uma instância
crítica cujo único recurso é opor aos testemunhos tachados de suspeitos
outros testemunhos reputados mais confiáveis. Ora, (...) o testemunho
constitui a estrutura fundamental de transição entre a memória e a his-
tória. (RICOEUR, 2007, p. 40-41)
3 “Assim, a fenomenologia da memória inicia deliberadamente por uma análise voltada para o
objeto de memória, a lembrança que temos diante do espírito; depois, ela atravessa o estágio
da busca da lembrança, da anamnésia, da recordação; passa-se, finalmente, da memória
dada e exercida à memória refletida, a memória de si mesmo” (RICOEUR, 2007, p. 17-18).
Luzilda: – Não, minha mãe não deixava que eu brincasse na rua. Brin-
cava no quintal com as filhas da vizinha, mas eu era muito presa. Minha
mãe não me deixava sair de casa para brincar. Mas eu ia para a escola a
pé, sozinha. No início, minha mãe levava, depois ela viu que eu podia
fazer isso sozinha e liberou. Mas na rua, eu não brincava não.
Minha infância foi muito gostosa, eu sempre tive muita facilidade para
pegar as coisas. Eu adorava ler, vivia em biblioteca. Era um rato de bi-
blioteca. Meu filho sempre me diz que eu perdi esse vício: “Agora você
não lê mais, mãe”. Na época eu vivia pegando livros na biblioteca. A
maior parte da minha infância, quando eu não estava brincando de ser
professora na escola, ou de casinha com minhas amigas, passei lendo os
livros da biblioteca.
Luzilda deixa logo bem claros os seus sentimentos em relação à sua vo-
cação para a leitura e a docência, os quais marcam sua memória-lembrança
afetiva, e a sua lucidez na evocação da recordação que alinha, dá sentido e
demarca os tempos e espaços de sua vida. Por isso, há um corte bem nítido
entre a sua geração e a de hoje, entre o cotidiano na capital e no interior, entre
o tempo do estudo e o do lazer.
O interior (Piracicaba) era o paraíso na Terra: liberdade, amigos, engenho,
boiada e diversão. Na capital, o cerceamento de movimentos, proibições, “au-
sência de festas”, poucos amigos. Esses espaços ligam-se a dois tempos de
sua vida. O primeiro, da infância, férias, paz, segurança. E o segundo, da vida
adulta, responsabilidades, de “coisas mais sérias”. A linha que unia esses dois
mundos era o gosto pela leitura, “rato de biblioteca” e a paixão pela profissão
docente, a qual traduz o que ela entende por “vocação”. Na memória-lembran-
ça, Luzilda traz aspectos pessoais e afetivos, revelando a relação vocacionada
que interliga a família, a escola e os espaços vitais de sua vida pessoal e escolar.
Por sua vez, a evocação traz o raciocínio em relação à sua juventude; traz
o vaivém entre as duas cidades, Piracicaba e São Paulo, nas quais realizou sua
formação.
Luzilda: – Quando fui para o ginásio, eu estudei na escola particular e
tive que prestar exame de admissão. Com 10 anos, mudei de escola, por-
que o estado só aceitava o aluno com mais idade, então eu fiz admissão
em um mês e entrei na escola particular “Vitor Viana”, aqui em Santana
Helenice: – Quer dizer que você tinha total liberdade para fazer tudo
isso?
Luzilda: – Tinha sim.
Helenice: – E na Prefeitura, você teve oportunidades de fazer curso, de
frequentar alguma formação a mais, tinha muito material? Como era?
Luzilda: – Logo que entrei, senti uma certa dificuldade, tudo era difí-
cil. A Secretaria de Educação mandava os planejamentos e livros indi-
cados por eles, apesar de nos dar liberdade pra trabalhar como querí-
amos dentro da sala de aula, mas seguindo as orientações deles, como
eles mandavam.
Helenice: – Quando você diz “seguir o que eles mandavam”, você se
refere aos planejamentos prontos? Tinha isso?
7 Em decorrência da Lei Federal 5692/71, ocorre uma progressiva passagem dos serviços
do Iº Grau para a competência dos municípios, ocorrendo, em 1972, a reestruturação do
Departamento Municipal de Ensino. Em 1975, houve a criação da Secretaria Municipal
de Cultura, separada da Educação; a organização do quadro pessoal do ensino, com a
instituição da Carreira do Magistério Municipal; e a instituição do Regimento Comum das
Escolas municipais.
O Livro de visitas da escola ressalta que há ordem, disciplina e entusiasmo na unidade
(07/04/1971). Insiste também na “produtividade” e no funcionamento normal da unidade:
trabalho, ordem e disciplina (27/04/1971). A supervisora solicita, à direção da escola,
providências cabíveis em caso de indisciplina, ou seja, aplicação das sanções dispostas no
Regulamento Interno das Escolas primárias e contatos com os responsáveis. Ao mesmo tempo,
ocorre uma discussão sobre abaixo-assinado de um grupo de pais ao Senhor secretário da
Educação e Cultura, no qual esse grupo reclama de ações da diretora: não permissão do uso
dos banheiros da escola pelos alunos e venda de material didático na escola. Foi registrada a
advertência à diretora contra a venda de livros didáticos na instituição (05/08/1971).
8 Ver: “Em nome da ordem: as escolas municipais de primeiro grau na cidade de São Paulo no
período da ditadura militar 1964-1985”, artigo de Helenice Ciampi e Alexandre Pianelli Godoy,
Helenice: – E daquela época que você fala do início, como é que fica a
questão das comemorações cívicas, das paradas, você participou disso?
Luzilda: – Sim, cheguei a ser escolhida como diretora do Centro Cívi-
co. Todos os dias, tínhamos que participar do hasteamento da bandeira
nacional ao som do hino, programávamos as comemorações cívicas, in-
clusive os desfiles da Semana da Pátria e outros desfiles a que éramos
convidados.
Helenice: – Você participou?
Luzilda: – Sim, por dois anos.
Helenice: – E a fanfarra?
Luzilda: – Tinha uma fanfarra excelente, regida pelo “Chocolate”.
Helenice: – Quem era o “Chocolate”?
Luzilda: – O “Chocolate” era o regente da fanfarra, ele era sensacional,
todos os anos a escola ganhava entre as primeiras.
Helenice: – E os ensaios se faziam fora do horário das aulas?
Luzilda: Fora do horário das aulas, numa hora em que a quadra da es-
cola estivesse livre, porque, inclusive, os alunos treinavam evoluções.
Helenice: – O treino, ensaio, era a partir de agosto, para acontecer em
setembro?
Comentários finais
Referências bibliográficas
ALBERTI, Verena. Manual de História oral. 3. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2005.
BITTENCOURT, Circe. Pátria, civilização e trabalho. O ensino de História nas escolas
paulistas (1917-1939). São Paulo: Edições Loyola, 1990.
CIAMPI, Helenice; GODOY, Alexandre Pianelli. Em nome da ordem: as escolas
municipais de primeiro grau na cidade de São Paulo no período da ditadura militar
(1964-1985). Anais do VII Congresso Brasileiro de História da Educação: Circuitos e
Fronteiras da História da Educação no Brasil, realizado na Universidade Federal de
Mato Grosso, no período de 20 a 23 de maio de 2013.
GODOY, Alexandre Pianelli. O modelo “escolar paulistano” na Revista Municipal
de 1968-1985. História da Educação (UFPel), v. 17, p. 101-128, 2013.
MATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema bra-
sileiro. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
PORTELLI, Alessandro. História oral como gênero. Projeto História, São Paulo, n.
22, p. 9-36, jun. 2001.
_____. Ensaios de história oral. São Paulo: Letra e Voz, 2010.
RICOEUR, Paul. A memória, a história e o esquecimento. Campinas, SP: Editora da
UNICAMP, 2007.
SAMUEL, Raphael. Teatros de Memória. Projeto História, São Paulo, n. 14, p. 41-81,
1997.
3 O projeto coordenado por Santos, e desenvolvido entre janeiro de 1999 e dezembro de 2001, foi
realizado em Angola, África do Sul, Brasil, Colômbia, Portugal e Índia e tinha por objetivo estudar
alternativas à globalização neoliberal e ao capitalismo global construídas em âmbito local.
Sendo uma revolução científica que ocorre numa sociedade ela própria
revolucionada pela ciência, o paradigma científico (o paradigma de um
conhecimento prudente) tem que ser também um paradigma social (o
paradigma de uma vida decente). (SANTOS, 2008, p. 60)
4 As quatro formas de se manifestar a indolência da razão são: Razão impotente: “não se exerce
porque pensa que nada pode fazer contra uma necessidade concebida como exterior a ela própria”;
Razão arrogante: “não sente a necessidade de exercer-se porque se imagina incondicionalmente
livre e, por conseguinte, livre da necessidade de demonstrar sua própria liberdade”; Razão
metonímica: “se reivindica como a única forma de racionalidade e, por conseguinte, não se aplica a
descobrir outros tipos de racionalidade ou, se o faz, fá-lo apenas para as tornar em matéria-prima”;
Razão proléptica: “não se aplica a pensar o futuro, porque julga que sabe tudo a respeito dele e o
concebe como uma superação linear, automática e infinita do presente” (SANTOS, 2006, p. 95-96).
Esse sentido foi dado pela ideia de progresso, categoria que passou a mani-
festar determinação sobre o tempo, tempo que se tornou “transcendente à na-
tureza e imanente à história” (KOSELLECK, 2006, p. 55). Para Santos, a ideia
de progresso – assim como a de revolução – é fruto de um dos movimentos da
razão metonímica, que reduz a multiplicidade de tempos ao tempo linear.6
A totalidade histórica, dessa forma, pode ser entendida como unitária, pois a
trajetória progressiva do tempo linear exclui a possibilidade de existência fora
dela, criando experiências inexistentes, particulares ou desviantes. Da mes-
ma forma, a totalidade histórica pode ser entendida como homogênea porque
uma única lógica – a lógica da história como processo contínuo e crescente
de aperfeiçoamento – organiza o movimento do todo e das partes. É possível
pensar que uma totalidade em si pressupõe certa homogeneidade, já que a
articulação necessária entre as partes exige, de alguma forma, uma perda na
Não há uma maneira única ou unívoca de não existir, porque são vários
as lógicas e os processos através dos quais a razão metonímica produz
a não existência do que não cabe na sua totalidade e no seu tempo li-
near. Há produção de não existência sempre que uma dada entidade é
desqualificada e tornada invisível, ininteligível ou descartável de modo
irreversível. O que une as diferentes lógicas de produção de não existên-
cia é serem todas elas manifestações da mesma monocultura racional.
(SANTOS, 2006, p. 102)
7 Razão metonímica gera cinco modos de produção de não existência (monoculturas racionais):
a monocultura do saber e do rigor do saber, a monocultura do tempo linear, a monocultura
da naturalização das diferenças, a monocultura da escala dominante, e a monocultura dos
critérios de produtividade capitalista (SANTOS, 2006).
8 É importante destacar que, nessa expressão, o Sul é entendido como metáfora de todo
processo de exploração e invisibilização sofrido por países, grupos socioculturais e indivíduos,
tanto no Sul quanto no Norte geográfico. Para o autor, tanto o Norte global geográfico quanto
o Sul global geográfico contêm em si mesmos o Sul epistemológico.
9 Santos chama de epistemicídio o processo de destruição de muitas formas de saber,
especialmente aquelas próprias dos povos que foram objeto do colonialismo ocidental.
Trata-se de uma investigação que visa demonstrar que o que não existe
é, na verdade, ativamente produzido como não existente, isto é, como
uma alternativa não credível ao que existe. (...) Fá-lo, centrando-se nos
fragmentos da experiência social não socializados pela totalidade meto-
nímica. (SANTOS, 2006, p. 102)
10 No âmbito da sociologia das ausências, Santos define ecologia como “prática de agregação
da diversidade pela promoção de interações sustentáveis entre entidades parciais e
heterogêneas” (SANTOS, 2006, p. 105).
11 Aos modos de produção de inexistência da razão metonímica, a sociologia das ausências
oferece cinco tipos de ecologia: a dos saberes, a das temporalidades, a do reconhecimento,
a das transescalas e a das produtividades. Na tese, dedico atenção à primeira.
É nesse sentido que acredito que o saber histórico escolar pode se tor-
nar um espaço de diálogos interculturais, os quais, por meio do contato e do
confronto, sejam capazes de favorecer a expressão de múltiplos significados e
promover a reflexão sobre os fluxos (de significação) a partir do desvelamento
das assimetrias que geram inexistências e desestimulam emergências.
Referências bibliográficas
Introdução
A elaboração do documentário
7 Indivíduos que detêm a memória do grupo e funcionam como difusores dos saberes e fazeres
da tradição; sábios da tradição oral que guardam a história da comunidade.
Concluindo
Introdução
3 Essa problemática continua a ser objeto de estudos e reflexões. Em 2015, foi objeto de vários
debates no XI Colóquio sobre Questões Curriculares, VII Colóquio Luso-Brasileiro; I Colóquio
Luso-Afro-Brasileiro de Questões Curriculares, que foi realizado na Universidade do Minho,
em Braga, Portugal, em setembro de 2014. Os textos podem ser lidos em Morgado et alii
(2015).
4 Com esta perspectiva, teses dissertações foram desenvolvidas no âmbito do NEC; entre
outras: FERREIRA, 2005; FONSECA, 2008; PENNA, 2008; SANTOS, 2009; SOARES, 2009;
MASSENA, 2010; DELMÁS, 2012.
6 O significante “relação” é utilizado neste contexto para se referir a ações realizadas pelos
professores para tornar possível a aprendizagem dos saberes ensinados, ações estas que
também os afetam na constituição de suas subjetividades como docentes. Essa relação será
analisada com mais profundidade nas partes 3 e 4 deste texto.
7 O conceito missing paradigm (paradigma ausente) é utilizado por Shulman, em seu artigo de
1986, para se referir à ausência de pesquisas que focalizem a relação dos docentes com os
saberes que ensinam (SHULMAN, 1986, 1987).
8 Em nossas pesquisas, temos buscado estabelecer diálogo com autores do campo do
Currículo e com aqueles que produzem reflexões sobre a Teoria da História, disciplina de
referência em nosso trabalho docente e pesquisas (MONTEIRO, 2010).
9 A categoria de análise Pedagogical Content Knowledge, criada por Lee Shulman (1986) e
que busca dar conta da síntese proposta por esse autor entre conhecimento e pedagogia,
tem sido traduzida para a língua portuguesa como Conhecimento Pedagógico do Conteúdo.
Em nossas pesquisas, considerando a opção teórica que defendemos, temos operado com a
tradução Conhecimento do Conteúdo Pedagogizado.
10 Nesta parte, a discussão atualiza comunicação originalmente apresentada no GT 04 Didática,
na 26a Reunião Anual da ANPEd em 2003.
11 Assim, por exemplo, os programas de pesquisa desenvolvidos nas décadas de 1950 e 1960
nos Estados Unidos associavam a eficiência do ensino a certos traços de personalidade
do professor, buscando identificar atributos característicos de personalidade ou de
comportamento – interesse, entusiasmo, imparcialidade, capacidade para acolher os alunos,
etc. Outros focalizavam métodos de ensino e sua eficácia, na perspectiva conhecida como
processo-produto. Ver: Gauthier (1998).
13 Este conceito, criado no contexto de nosso grupo de pesquisa com base nas contribuições de
Foucault, nos ajuda a pensar as ações docentes nas aulas, considerando-as na perspectiva
discursiva. Ver: Monteiro e Ralejo (2018); Ralejo (2018).
14 A partir deste momento utilizaremos a abreviação PCK, do conceito em língua inglesa, para a
ele nos referirmos.
15 O artigo também foi publicado em língua espanhola (GROSSMAN, WILSON e SHULMAN,
2005), em dossiê voltado para estudos e pesquisas sobre “O conhecimento para o ensino”
organizado por Antonio Bolivar (BOLIVAR, 2005).
16 Na pesquisa de doutoramento (MONTEIRO, 2002, 2007), investigamos a prática docente de
quatro professores de História para analisar as construções do saber escolar e os saberes
docentes por eles mobilizados.
17 Nesta pesquisa, realizamos um deslocamento em relação a posicionamento defendido em
2001, pois não operamos com o conceito de competência conforme Perrenoud (1999), e
sim com autores que mobilizam o conceito de saber/conhecimento escolar (FORQUIN, 1992,
1993; CHEVALLARD, 1991; DEVELAY, 1995; LOPES, 1999).
18 Destacamos, entre as iniciativas inovadoras, o trabalho de Gabriel (2006, 2003), que realizou
a pesquisa sobre os processos de didatização na perspectiva de uma epistemologia social
escolar (GABRIEL, 2003, 2008), avançando em relação às pesquisas que se voltavam para
o ensino considerando aspectos metodológicos, com ênfase em elementos técnicos, ou que
focalizavam a aprendizagem na perspectiva psicologizante.
19 Estudos realizados em Programas de Pós-graduação da área da História utilizavam,
preferencialmente, referenciais teóricos e metodologias próprias desse campo. Nessa
perspectiva, situam-se trabalhos que se fundamentam nas contribuições de Jörn Rüsen e
que investigam a educação histórica, a aprendizagem histórica e a formação da consciência
histórica (BARCA e SCHMIDT, 2009; SCHMIDT, 2017; SCHMIDT e URBAN, 2016), mas que,
diferentemente de nosso posicionamento teórico, desenvolvem diálogo restrito com autores
do campo da Educação.
20 As possibilidades da articulação dos conceitos saber escolar e saberes docentes, em
diferentes perspectivas teóricas, são discutidas por Monteiro (2001; 2007).
23 Sobre os resultados, ver: Monteiro (2009; 2010; 2012) e Monteiro e Penna (2011).
24 Os resultados desta pesquisa estão publicados em Monteiro (2012, 2015).
25 Graduado em Filosofia e Psicologia, com Mestrado e Doutorado em Psicologia pela
Universidade de Chicago, Lee S. Shulman iniciou sua atividade profissional docente no ano
de 1963, como professor de Psicologia Educacional e de Educação Médica na Michigan State
University. Nessa instituição, fundou e dirigiu o Institute for Research on Teaching (IRT), onde
desenvolveu projetos de investigação com vistas à melhoria da qualidade do ensino e formação
de professores. Em 1982, ingressou na Stanford University School of Education, onde atuou
como professor e pesquisador. Foi presidente da American Educational Research Association/
AERA (1984-85) e presidente da Carnegie Foundation for the Advancement of Teaching (1997-
2008). Lee Shulman recebeu inúmeros prêmios em função de suas contribuições para a
pesquisa educacional. (Fonte: GAIA, CESARIO e TANCREDI, 2007, p. 145-146).
26 Embora nas duas pesquisas citadas tenhamos traduzido e operado com o conceito de
“conteúdos pedagogizados”, releituras e reflexões mais recentes nos levam a concordar que a
tradução “conhecimento pedagógico dos conteúdos” é coerente com a proposta de Shulman.
27 “Pedagogia no sentido que estou usando neste artigo, refere-se àquilo que os professores
fazem, e fazem os alunos fazerem; no entanto, ensino não é apenas uma atividade prática (ou
um ofício, como afirmam alguns políticos em inglês). O ensino depende tanto do conhecimento
que os professores têm do assunto, do conhecimento que eles têm sobre determinados
alunos e de como eles aprendem – e o conhecimento que informa o que eles exigem que
seus alunos façam. Em contraposição, embora o currículo refira-se ao conhecimento que os
alunos têm o direito de saber, ele não inclui a experiência dos alunos” (YOUNG, 2013, p. 22).
Então têm que entender que não é o destino, que não é a sorte. Essa é a
minha preocupação principal. Eu nem sei se estou certo ou errado como
professor, mas a minha preocupação principal é esta: mostrar para o alu-
no que não é sorte, que não é destino, que não é azar, que não é aquilo
que os gregos chamavam de teodisseia - a influência de deus na História.
Não é nada disso. As coisas acontecem do jeito que acontecem porque os
homens assim optaram por isso. Aí você já tenta contextualizar, ou seja,
se o nosso presente é consequência direta desse passado, o nosso futuro
é consequência direta daquilo que a gente vai fazer hoje. O foco principal
é isso, é mostrar para o aluno que o nosso presente foi uma construção
e que futuro também pode ser uma construção. Agora, se vai ser melhor
ou se vai ser pior, depende do quanto a gente está disposto a mudar isso.
E tentar tirar do aluno, que é uma coisa... Eu confesso que isso me in-
comoda, é uma coisa que me incomoda tanto no aluno mais jovem, no
adolescente, quanto no adulto. É uma coisa que me incomoda: é acredi-
tar que História é consequência da vontade de Deus, entendeu? E muita
gente, por incrível que pareça, acha que isso é verdade. “Ah, isso é von-
tade de Deus.” Já tive aluno em prova de 7ª série... o aluno escreveu na
prova: “Os motivos que levaram à Revolução Francesa é porque estavam
determinados no destino que a Revolução Francesa (...).” Outro respon-
deu que os acontecimentos históricos são frutos da vontade divina.
(...) eu tive que conversar com os dois, um menino e uma menina, de-
pois da aula, e mostrar para eles que esse tipo de resposta não serve.
Eles perguntaram: “E por que não serve, professor?”. Eu disse: “Não
serve porque desse jeito você explica tudo sem precisar estudar nada”.
Tudo, se você tudo argumentar que é a vontade de Deus, ou é influen-
ciado pelo destino, você simplesmente não precisa estudar nada e você
explica tudo. Por que é que a Terra gira em torno do Sol e não ao con-
trário? Porque foi a vontade de Deus. Por que é que o Sol é amarelo?
Porque é a vontade Deus. Por que a Terra é o terceiro planeta a contar do
Sol? Porque estava escrito no destino. Por que o Brasil é o 5° maior país
do mundo? Porque Deus quis assim. “Quer dizer, você vai explicar tudo
baseado na vontade de Deus e não precisar estudar nada.”
E continua:
(...) O meu aluno sabe que eu não sou religioso, todo mundo no meu
trabalho sabe que eu não sou. Então olha só a situação: eu fui obrigado
a citar a Bíblia para o aluno, para convencer o aluno de que ele estava
errado. Agora, eu citando a Bíblia chega a ser uma..., eu que não sou
religioso tenho que lançar mão da Bíblia para mostrar para o aluno que
ele está errado. O que é que eu falei pra ele? Eu falei o seguinte: “Olha,
se não me falha a memória, tem um versículo bíblico que diz o seguinte,
que Deus deu ao homem o quê? O livre-arbítrio. Se o homem tem o li-
vre-arbítrio, ele é responsável pelas suas atitudes. Se existe um Deus, eu
não acredito que ele queira um ser humano, tipo um fantoche. Um ho-
mem, ele tem livre-arbítrio para se responsabilizar pelas suas atitudes,
pelas suas decisões. Então, o tipo de resposta que você deu na prova não
só não é uma resposta correta porque é uma posição passiva, conformis-
ta, acomodada, de gente que não quer estudar, que não quer pesquisar,
como entra em contradição com aquilo mesmo que vocês dizem que
acreditam. Porque vocês são pessoas religiosas, que acreditam na Bíblia,
vocês estão caindo em contradição com o que vocês acreditam. Então,
Nessa parte, o professor explica como teve que recorrer à própria Bíblia –
livro de referência e conhecimento dos alunos por motivos religiosos – para
argumentar e justificar sua compreensão sobre os processos históricos. O
princípio do livre-arbítrio foi utilizado para fundamentar a compreensão de
que os homens fazem a História, que os acontecimentos não são resultado do
destino ou da vontade de Deus. Ele buscou, nas referências culturais dos alunos,
a base para a construção dos argumentos, para desenvolver sua explicação
sobre a historicidade dos acontecimentos históricos. Podemos reconhecer,
aqui, o uso da técnica argumentativa da interação por convergência33 (PE-
RELMAN e OLBRECHTS-TYTECA, 2014, p. 534-535) quando ele remaneja
um argumento bíblico, de outro contexto discursivo, para fundamentar uma
explicação racional das ações humanas.
Nesse sentido, reconhecemos aqui, além do movimento de adaptação e
adequação às características dos alunos, a mobilização de técnica argumentativa,
forma de representação – “interação por convergência” – para possibilitar a
compreensão dos alunos, tomando por base a sua própria racionalidade.
Ou seja, tempos do processo de “transformação” do conhecimento que
o professor possui para o ensino adequado aos alunos no contexto em pau-
ta – conhecimento do conteúdo pedagogizado, conteúdo este que expressa
uma produção do conhecimento escolar, contingente, que articula fluxos dos
conhecimentos científicos e pedagógicos para tornar possível a compreensão
dos alunos em relação ao saber ensinado.
Com esses exemplos, acreditamos poder demonstrar a forma como opera-
mos com os conceitos de Shulman para analisar a relação dos professores com
os saberes que ensinam. A explicação e justificativa do professor nos demons-
tram, também, a construção realizada para o ensino e na qual a dimensão
pedagógica, educativa, permeia todo o processo de sua elaboração. Não é uma
33 Se vários argumentos distintos redundarem numa mesma conclusão, seja ela geral ou
parcial, definitiva ou provisória, o valor conferido à conclusão e a cada argumento será com
isso acrescido, pois parece pouco verossímil que vários raciocínios inteiramente errôneos
conduzam a um mesmo resultado. Essa interação entre argumentos isolados convergentes
pode resultar de sua simples enumeração, de sua exposição sistematizada, ou ainda de
um “argumento de convergência” explicitamente alegado. A força desse argumento não é,
praticamente, jamais ignorada (PERELMAN e OLBRECHTS-TYTECA, 2014, p. 535).
Considerações finais
Referências bibliográficas