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Londrina
2014
WELLINGTON VICTOR PEREIRA DA SILVA
Londrina
2014
WELLINGTON VICTOR PEREIRA DA SILVA
BANCA EXAMINADORA
______________________________
Orientador: Prof. Dr. André Azevedo da
Fonseca
Universidade Estadual de Londrina
______________________________
Prof. Dr. Rodolfo Rorato Londero
Universidade Estadual de Londrina
_____________________________
Prof. Dr. Carlos Augusto Alberto Klein
Universidade Estadual de Londrina
Agradeço a Deus. A toda minha família, pelo incentivo e apoio que me durante a
graduação. Ao meu pai, por ter sido um dos meus pilares e pela confiança sobre a minha
escolha e capacidade. À minha mãe, por ter depositado em mim grandes expectativas e
sempre impulsionado a minha caminhada. À minha irmã, por ter sido paciente, objetivamente,
neste período de 2014, que me cedeu de boa vontade seu notebook para que eu escrevesse
toda esta pesquisa de conclusão de curso.
À minha namorada, Marcela Tirado, por ter sido generosa e estado ao meu lado em
todos os momentos, desde o inicio desta jornada.
Aos meus professores e ao meu orientador, André Azevedo, que teve toda a paciência
do mundo para me guiar durante esta pesquisa e, principalmente, por ter sugerido este tema
incrível em que trabalhamos.
Agradeço aos amigos da graduação que, comigo, enfrentaram esses quatro anos e
confio que se tornarão grandes profissionais. Um agradecimento especial a três destes
companheiros: Angélicat gatinha assanhada na balada, Chá de Fitabrício e Fifizão da
Comunicação, que sempre serão os trastes da minha vida. Contudo, deixo claro que toda esta
nova corja de jornalistas é muito especial para mim e faz parte dos melhores anos da minha
vida. Muito obrigado.
SILVA, Wellington Victor Pereira da. Os Jetsons: A representação do consumo
tecnológico das imagens e símbolos de uma sociedade futurista. 2014. 78 páginas.
Trabalho de Conclusão de Curso de Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo –
Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2014.
RESUMO
A pesquisa tem por objetivo analisar, nos gadgets da série animada Os Jetsons, as imagens e
símbolos que inspiraram o atual cenário de consumo de produtos tecnológicos. Nossa hipótese
é que a família Jetson foi disseminadora dos valores da Era de Ouro, no contexto da revolução
tecnológica na sociedade de consumo, explorando o fascínio das crianças em todo o mundo
para propagar a cultura do capitalismo e o “american way of life”. Para isso, realizamos uma
análise documental sob a perspectiva teórica dos estudos culturais. Concluímos que a
mensagem do desenho reafirmava os valores do consumismo e apresentava a disseminação de
aparelhos tecnológicos como a conquista de uma utopia social. Contudo, ao lado dessa
propaganda ideológica, o desenho também firmou críticas sobre a dependência excessiva das
tecnologias.
ABSTRACT
This research’s objective is to analyse in the gadgets from the cartoon series The Jetsons, the
images and symbols that inspired the current scenario of consumption of technological
products. Our hypothesis is that the Jetson family was disseminator of values of the Golden
Age in the context of the technological revolution in the consumer society, exploring the
fascination of children around the world to spread the culture of capitalism and the "American
way of life." For this, we will make a documentary analysis, highlighting historical aspects
that contextualized this series. We conclude that the message of the cartoon reaffirmed the
values of consumerism and presented the dissemination of technological devices such as the
achievement of a social utopia. However, aside from this ideological propaganda to, the
cartoon also signed criticisms about excessive reliance on technology.
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 9
1.1METODOLOGIA .......................................................................................................... 13
2 IMAGINÁRIO TECNOLÓGICO NOS ESTUDOS CULTURAIS .................................... 15
2.1 ABORDAGENS À TEORIA CRÍTICA SOCIAL FRANKFURTIANA ..................... 22
2.2 OS ESTUDOS CULTURAIS BRITÂNICOS .............................................................. 23
2.2.1 Terminologia ......................................................................................................... 24
2.2.2 Política ................................................................................................................... 25
3 UMA QUESTÃO DE CONSUMO......................................................................................... 30
3.1 A PSEUDOFUNCIONALIDADE DOS OBJETOS..................................................... 30
3.2 A PERSONALIZAÇÃO DOS OBJETOS .................................................................... 32
4 O CONTEXTO DA ERA DE OURO .................................................................................... 33
2.1 ERA DE OURO E GLOBALIZAÇÃO ........................................................................ 35
5 JETSONS E A SOCIEDADE DE CONSUMO FUTURISTA ............................................ 39
5.1 ELEMENTOS DE CONSUMO .................................................................................... 39
5.2 A ONIPRESENÇA DA TECNOLOGIA ...................................................................... 53
5.3 PRODUTOS PERSONALIZADOS ............................................................................. 56
5.4 A HUMANIZAÇÃO DA MÁQUINA E A AUTOMAÇÃO DO SER HUMANO ..... 57
5.5 FORMAS DE DOMINAÇÃO CULTURA E SOCIAL ............................................... 65
5.6 EXALTAÇÃO DO ENTRETENIMENTO .................................................................. 68
5.7 PARÓDIAS TECNOLÓGICAS ................................................................................... 71
6 CONCLUSÕES........................................................................................................................ 76
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................................... 78
ANEXOS – LISTA DE EPISÓDIOS .......................................................................................... 79
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1 INTRODUÇÃO
O desenho foi idealizado por Joseph Barbera e Willian Hanna, fundadores da Hanna
Barbera, e produzida em parceria com a companhia japonesa de animação Toei Animation. O
desenho animado foi ao ar primeiramente nos Estados Unidos, no período de 23 de setembro
de 1962 a 3 de março de 1963 – uma temporada composta por 24 episódios.
No Brasil, Os Jetsons foi transmitido pela primeira vez em 1963, pela antiga TV
Excelsior, ainda em preto e branco. Posteriormente, a série foi reexibida diversas vezes por
outras emissoras. A partir da década de 1980 Os Jetsons ganharam mais duas temporadas: a
segunda entre 1984 e 1985 e a terceira em 1987. O desenho também virou filme: The Jetsons
Meet the Flintsones (1987) e Os Jetsons: O Filme (1990).
A série retrata a vida de uma família americana que vive no ano de 2062. George
Jetson, personagem central do desenho, é o chefe dessa família; Jane é sua esposa; Judy, a
primogênita; e Elroy, o filho mais novo. Tudo em volta da família é rodeada por tecnologia.
George trabalha três horas por dia e três dias por semana, na indústria “Spacely Space
Sprockets”, do Sr. Spacely, seu chefe mesquinho. Mesmo com a curta jornada de trabalho,
George vive a reclamar de como é explorado pelo patrão. Ele sempre chega a sua casa
reclamando por estar exausto, quando, na maioria das vezes, aperta um ou dois botões, quatro
ou cinco vezes.
Em alguns episódios ele aperta muitos botões até que acaba com os dedos amassados.
George sempre se envolve em alguma situação problemática que acaba pondo seu emprego
em risco. Às vezes ele é demitido e em seguida é recontratado, ou até promovido.
pesquisadoras brasileiras que firmou uma visão crítica sobre a representação da mulher nesta
série:
Jane toma conta do lar e dos filhos, cuida para que o marido acorde no horário para
trabalhar, prepara o café da manhã da família, despacha os filhos para a escola e realiza os
afazeres da casa. Jane é uma mulher vaidosa e se dedica a fazer compras em shoppings e
frequentar o salão de beleza, mas sempre mantém a mesma aparência.
Embora pareça um amontoado de tarefas que as donas de casa dos anos 1960 levavam
horas e muito esforço, Jane tem o único trabalho de apertar alguns botões para que tudo isso
fique pronto. O café da manhã é preparado e servido por uma máquina, chamada
“Eletrofogão” que vem acompanhada de cardápio. A mesma máquina prepara o almoço.
Outro aparelho tecnológico aspira, limpa e encera a casa. Com o único trabalho de apertar
botões, Jane sempre se queixa que os serviços domésticos a deixam exausta. Por isso, pela
manhã, ela gosta de fazer aeróbica para os dedos.
Jane também é a responsável por manter a família unida. Quase todos os assuntos
passam por ela: às vezes Jane é intermediária das relações e assuntos entre filhos e pai, além
de ser a pessoa a quem George pede por socorro.
Judy, a filha adolescente, tem 16 anos. Ela é uma garota comum que, como a maioria
de sua idade, em uma sociedade consumista, vive para pensar em compras, namorados e
rockstars. Elroy, o filho caçula, tem 10 anos de idade e é muito esperto, um gênio da ciência.
Ele foi o responsável pela adoção do cão de estimação da família, Astro. O cachorro
preguiçoso não é muito inteligente, mas sabe pronunciar algumas palavras e em alguns
episódios ele se comunica muito bem verbalmente. Ele está sempre dando trabalho para
George, ora pulando em seu colo quando quer demonstrar felicidade, ora ficando agarrado ao
pescoço do dono.
12
Também faz parte da família um robô de nome Rosie, responsável pelas tarefas
domésticas. Ela é uma máquina andróide de produção em série que já estava fora de linha de
montagem, quando foi adquirida pelos Jetsons. Rosie apareceu em dois episódios da primeira
temporada. Costa (2010, p. 62) observa que a aparição de Rosie na série teve “tamanho
impacto que, até os dias de hoje, reflete-se como objeto de desejo das donas de casa”.
O Sr. Spacely, o patrão, é um mandão que vive para cobrar mais trabalho de George e
sempre nega ao pedido de aumento salarial de seu funcionário. Em um dos episódios, o patrão
diz que ele é um preguiçoso e que são as máquinas que pensam para que ele trabalhe, como se
questionasse a inteligência humana perante a máquina. O chefe baixinho tem um concorrente,
o Sr. Cósmico Cogswell, dono da empresa rival “Cogswell Cogs”.
Os Jetsons vivem em uma cidade onde todas as casas e prédios ficam suspensos muito
acima da superfície, por longas colunas que lembram a uma estrutura de estação espacial. Os
carros voam, têm várias funcionalidades, como capotas de vidro, e conversam com os
motoristas para ajuda-los no trânsito. Na abertura do seriado o carro de George se
transformava em uma maleta.
Algumas características dos Jetsons fazem uma clara alusão ao cotidiano de outra
família também criada pelos estúdios Hanna Barbera. Lançado dois anos antes, a série Os
Flintstones, de 1960, representava uma sociedade da era pré-histórica, comumente apelidada
de “Idade da Pedra”. O desenho traz imagens do homem domesticando animais selvagens e
utilizando-os em diversas atividades no trabalho industrial, administrativo e doméstico,
realizando uma espécie de caricatura da parafernália tecnológica que, desde meados dos anos
1950, as famílias americanas consumiam em seu cotidiano, naquele período conhecido como
a era de ouro.
Por ter sido uma produção que apresentou um modo de vida tão sonhado pela época,
Os Jetsons alimentou um imaginário repleto de modernidades, que ajudou a inspirar nas
crianças o fascínio pela tecnologia, a partir da evolução que projetava sobre o futuro. Para as
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famílias dos anos de 1960, o primeiro contato com a série animada certamente despertou
diversas sensações a partir das imagens e símbolos do desenho.
O fato de ser um desenho não impediu que Os Jetsons fosse inspirador de muitos
desejos e, talvez, possa ter encenado ideias de como os aparelhos tecnológicos já existentes
poderiam ser melhorados. Possivelmente, criou nas pessoas, especialmente nas crianças,
expectativas de que muito do que se mostrava na série estaria disponível para consumo no
futuro.
1.2 METODOLOGIA
Para o desenvolvimento deste trabalho empregaremos o método da análise
documental. Segundo Moreira (2005, p. 271) este recurso “compreende a identificação, a
verificação e a apreciação de documentos para determinado fim”. No âmbito desta pesquisa a
principal fonte de análise, conforme estabelece Moreira (2005), será de origem primária, já
que o trabalho pretende se desenvolver por meio de mídia eletrônica, em gravações digitais de
áudio e imagem, referente à primeira temporada da série animada Os Jetsons.
Moreira destaca que a análise documental pode ser considerada, ao mesmo tempo,
método e técnica: “método porque pressupõe o ângulo escolhido com base de uma
investigação e técnica porque é um recurso que complementa outras formas de obtenção de
dados, como a entrevista e o questionário” (2005, p. 272). A análise também inclui o uso de
pesquisa bibliográfica para firmar o contexto histórico do desenho.
14
Moreira reforça, com base em Iglesias e Gómes (2004), que “o tratamento documental
significa a extração científico-informativa, uma extração que se propõe a ser um reflexo
objetivo da fonte original, ainda que identifique as novas mensagens subjacentes no
documento” (apud MOREIRA, 2005, p.276) e assim, possivelmente, despertar novas
perspectivas.
Para a realização da pesquisa faremos uso da revisão bibliográfica que, Segundo Ida
Regina Stumpf (2005), é o planejamento e a organização da pesquisa acadêmica, desde o
levantamento dos dados e documentos para formar o referencial teórico e vai acompanhar
todo desenvolvimento do trabalho, até sua conclusão. Ela descreve da seguinte forma:
Com essa premissa, a pesquisa parte, inicialmente, para reunir um referencial teórico
metodológico a cerca do tema, que em parte engloba conceitos sobre as imagens e mitos do
fascínio tecnológico.
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Contudo, tecnologias são ambíguas. Kellner (2001) explica que esses artefatos, ao
mesmo tempo em que proporcionam maior diversidade de escolha, autonomia cultural e
aberturas para novas ideias, também são formas de vigilância e controle. Ele compara essas
tecnologias como olhos de um sistema eletrônico, instalado em locais de trabalho e
funcionando como “encarnação contemporânea do Grande Irmão” (KELLNER, 2001, p. 26).
Com a tecnologia inovando e fortalecendo a mídia, Kellner (2001) demonstra que uma
cultura de dominação e imposição passou a ser vendida para o público em massa. A mídia
atraía a audiência para vender os produtos da indústria cultural, que designavam modelos de
vivência social, para firmar sua ideologia a fim de conter as críticas sociais e os movimentos
progressistas. Contudo, para ele, essa forma de cultura divulgada pela mídia não deve ser
interpretada como um simples instrumento de dominação social, mas necessita ser
contextualizada, pois além da questão do domínio, a cultura veiculada pela mídia também
deve ser vista como uma “força dominante de socialização” (KELLNER, 2001, p. 27).
Com os aportes de teóricos como Baudrillard (1976) e Lyotard (1984), Kellner explica
que esse período de inúmeras mudanças culturais, políticas e sociais pressupõem a ruptura
para uma era pós-moderna. Para ele, as novidades que vinham se apresentando à sociedade,
como a TV e o computador pessoal, estabeleceram um desenvolvimento evolucionário ao
desafiar o ser humano a lidar com essa sobrecarga de “infoentretenimento” e a processar uma
enorme quantidade de imagens e ideias. O ser humano teria que se adaptar a estas condições e
processar as novas formas de informação e tecnologia (KELLENR, 2001, pág. 28).
Kellner explica que essas mudanças também originaram situações de riscos que
exigiram novas respostas teóricas e políticas a fim de solucionar problemas e interpretar o
novo cenário social. Segundo ele, essas alterações na cultura e na sociedade podem ser
melhores compreendidas a partir dos conceitos dos estudos culturais.
Segundo o autor, a cultura tem sido usada de maneira astuta pela indústria cultural,
que criou um modelo de demanda de consumidores para depois produzir necessidades e
moldar um “eu-mercadoria com valores consumistas”. (KELLNER, 2001 pág. 29). A cultura
também possui forte influência nas interações sociais, uma vez que as imagens e símbolos
produzidos e divulgados para o público em massa orientam a apresentação das pessoas na
vida diária, desde as formas de relacionamentos até os objetivos sociais. “A medida que a
importância do trabalho declina o lazer e a cultura ocupam cada vez mais o foco da vida
cotidiana e assumem um lugar mais significativo”. (KELLNER, 2001 pág. 29). O autor
argumenta que a pretensão do indivíduo para com o trabalho é voltada apenas para alcançar os
benefícios da sociedade de consumo e das atividades de lazer. A sociedade e a cultura
contemporâneas estão num estado de fermentação e mudança, enquanto teorias contrapostas
se esforçam por explicar novos desenvolvimentos.
Para o autor, os avanços tecnológicos têm como resultante uma transformação nos
padrões da cultura e da sociedade em si, que por sua vez originam inúmeras guerras culturais
entre conservadores, liberais e progressistas. Os conservadores norte-americanos, ainda
resistentes aos avanços tecnológicos dos anos 1960, apelavam para o poder político e
econômico, no qual propunham programas de transformação cultural para ressuscitar as
formas de culturas mais tradicionais. Vários governos estadunidenses tentaram instaurar um
sistema conservador, mas que não chegou a um triunfo no campo da cultura. Entretanto,
provocou intensas guerras culturais, dentro e fora do campo político. Os filmes
hollywoodianos, por exemplo, traziam fortes discursos culturais em ataques ao feminismo. Na
Europa não foi diferente: os confrontos culturais também eram travados por motivos de
dominação ideológica entre conservadores e progressistas. Esses conflitos chegavam até lutas
entre forças nacionais, étnicas e religiosas.
Em paralelo a este cenário de intensa guerra cultural, social e política, Kellner (2001)
observa que, a partir de 1960, também começam a surgir inúmeras teorias e novas abordagens
para explicar estes campos complexos que são a cultura e a sociedade. Segundo explica o
autor, as lutas culturais invadiram o campo das teorias criando novos discursos irrigados de
ideais políticas que, muitas vezes, propagavam práticas radicais. Com a disseminação dessas
ideias, Kellner observou a formação de uma ‘febre teórica’, um fenômeno causador de
entusiasmo a cada novo discurso radical. Quando uma nova teoria surgia, exista um processo
de adesão em massa, comprometendo o valor da teoria ao domínio da moda. Esta situação
tomou grandes proporções e provocou um cenário de guerra conceitual entre discursos e
teorias opostas. (KELLNER, 2001, p. 34),
Essa explosão de teorias adentrou as décadas seguintes, o que para Kellner (2001, p.
35, 36), foi um período marcado por uma nova globalização teórica e, portanto, desencadeou
e intensificou inúmeras divergências entre discursos que aspiravam hegemonia e domínio. Na
década de 1980, a febre teórica continuou a se proliferar, idolatrando cada nova teoria
descoberta. O autor analisa que muitos dos conceitos emanados do pós-estruturalismo francês
sofreram alterações com o tempo, e transformaram-se em teorias pós-modernas, efeito de uma
ruptura causada não apenas pelas novas tecnologias, mas principalmente por conta das lutas
políticas e revolucionárias dos anos 1960.
Segundo Kellner, esses discursos da febre teórica eram apresentados como soluções
capazes de esclarecer as complexidades do ser, da cultura e da sociedade, com hipóteses
recicladas de teorias superadas ou reformuladas. Entretanto, o autor analisa as teorias como
ópticas que permitem ver até certo ponto e que devem ser aplicadas em situações apropriadas.
[...] como faz Foucault, talvez seja melhor conceber as teorias como
instrumentos, como armas para atacar alvos específicos. As “teorias” são,
entre outras coisas, modos de ver, ópticas; são perspectivas que elucidam
fenômenos específicos e que também tem certos pontos cegos e limitações
que lhes restringem o foco. [...] as teorias são, entre outras coisas, modos de
ver que propiciam o entendimento e modos de interpretar que focalizam a
atenção em fenômenos específicos, em nexos, ou no sistema social como um
todo. (KELLNER, 2001, pág. 37).
Com base nos discursos pós-estruturalistas, Kellner (2001) analisa a teoria como
produto de discursos, práticas e instituições sociais específicas, e por isso, não podem
transcender seu próprio campo social. Segundo ele, as teorias tradicionalistas, que se
autodenominam detentoras do conhecimento universal e ousam ultrapassar as condições
sociais, têm sido rejeitadas. O autor explica que as teorias são “ferramentas que nos ajudam
enxergar, atuar e movimentar por campos sociais característicos, indicando fenômenos
relevantes, estabelecendo, nexos, interpretando e criticando, e talvez explicando e prevendo
determinados estados de coisas”. (KELLNER, 2001, p. 38)
Neste contexto, a teoria tem como premissa tentar explicar a vida e o mundo, por meio
das condições sociais, com base em conceitos, símbolos, imagens e argumentos que condizem
com a realidade dos indivíduos. As teorias sociais ajudam os indivíduos a compreenderem
como são constituídas suas sociedades, avaliando as estruturas, relações e instituições que
criam as condições para a vida social, são dispositivos que permitem interpretar a sociedade
como um todo. O autor demonstra que a teoria social dialética permite fazer estudos
específicos entre partes ainda desconhecidas, ou não compreendidas, da sociedade,
“mostrando, por exemplo, de que modo a economia se insere nos processos da cultura da
mídia e estrutura o tipo de texto que é produzido nas indústrias culturais”. (KELLNER, 2001,
pág. 38). A teoria crítica da sociedade possibilita investigar “partes do sistema entre si e com
o sistema como um todo”, ajuda a compreender como a sociedade se organiza de uma forma
geral, sua estrutura e o modo como se combina para formar uma sociedade sistematizada.
Para o autor, a teoria crítica da sociedade é a mais capacitada para explanar certos
aspectos sociais, uma vez que “pode utilizar o conceito de articulação para indicar de que
modo vários componentes sociais se organizam na produção”.
tarefas específicas e outras para aplicações distintas. Uma abordagem multiperspectívica vai
garantir maior profundidade de análise, pois, quanto mais teorias forem aplicadas, “mais
tarefas poderão ser cumpridas e mais específicos serão os temas que poderão ser tratados”.
(KELLNER, 2001, p. 40). Estas abordagens devem trabalhar em conjunto, pois com isso vão
proporcionar maior campo teórico de investigação.
O que Kellner (2001) pretende mostrar em seu trabalho é que, para decifrar diferentes
problemas, são necessários vários métodos e abordagens.
Segundo o autor, as teorias serão úteis de acordo com o que se pretende investigar. Em
seu entendimento, as abordagens contextual-pragmática e multiperspectívica devem trabalhar
em conjunto, pois assim podem proporcionar maior campo teórico de investigação.
Kellner (2001) propõe como modelo aos estudos culturais as abordagens da Escola de
Frankfurt, pioneira nos estudos críticos de comunicação e cultura de massa, e sobretudo a
abordagem em torno dos estudos culturais britânicos, além da teoria pós-moderna/pós-
estruturalista. De acordo com o autor, os estudos culturais conciliam diversos campos
científicos para traçar suas perspectivas e atua “com uma concepção interdisciplinar que
utiliza teoria social, economia, política, história, comunicação, teoria literária e cultural,
filosofia e outros discursos teóricos”. (KELLNER, 2001, p. 42).
“como essas produções servem de instrumento de dominação, mas também oferecem recursos
para a resistência e a mudança” (KELLNER, 2001, p. 43).
O autor avalia que existem muitas deficiências na teoria crítica original e que ela
precisaria ser atualizada, além passar por uma transformação no modelo de indústria cultural
clássico e ir além das barreiras existentes.
Outro problema que o autor percebe na Escola de Frankfurt está relacionado à divisão
e diferenciação da cultura entre superior e inferior, proposta nos discursos teóricos sobre
cultura. Ele observa que existe um tratamento diferenciado entre as duas formas de cultura,
uma vez que a cultura superior tem certos privilégios por ser considerada “lugar de
contestação e emancipação artística”, limitando a realização dos estudos críticos. Kellner
aponta que a cultura em si deve ser adotada como um espectro, ou seja, todas as produções
culturais devem passar pelos mesmos processos e métodos críticos, “desde a ópera até a
música popular”. (KELLNER, 2001, p. 45). Também é questionada a abordagem da escola
alemã ao considerar todas as culturas de massa como instrumento ideológico. O autor aponta
que é preciso reconhecer o que realmente são ou não produtos da mídia.
23
Mesmo com algumas deficiências, a Escola de Frankfurt fez contribuições que Kellner
(2001) considera inestimáveis para os estudos culturais, pois desenvolveram críticas da
ideologia de maneira sucinta e consistente – no caso da indústria cultural, críticas capazes de
revelar as formas ideológicas de dominação da cultura da mídia. O autor avalia positivamente
as abordagens frankfurtianas, pois forneceram um modelo que ultrapassou os limites
contemporâneos nos estudos da mídia, cultura e comunicação, além de reproduzir a sociedade
de maneira a revelar as práticas sociais que a conduziram para uma organização capitalista.
Kellner (2001, p. 47) explica que os estudos da Escola de Frankfurt estão situados no campo
da teoria crítica da sociedade e procuram entender como a comunicação e cultura se
interagem na sociedade capitalista, as formas como elas se estabelecem no contexto e as
funções que executam. Para o autor, este estudo se tornou muito importante para a teoria
crítica da sociedade, visto que a cultura e comunicação estão cada vez mais cumprindo papel
substancial no cotidiano dos indivíduos.
Kellner (2001) observa nos estudos culturais a relação entre economia, Estado,
sociedade e cultura para estabelecer seus modelos teóricos de acordo com as problemáticas
encontradas. Porém, nesta instância, como mencionamos anteriormente, é contestada a
divisão da cultura em inferior e superior feita pela Escola de Frankfurt. Na verdade, existe
uma valorização das culturas populares pelos estudos culturais britânicos e uma resistência
em investigar a cultura superior, pois a consideram cultura elitista. O autor assinala que essa
divisão da cultura deve ser rejeitada, pois valorizava apenas “os produtos do modernismo
oposicionista, enquanto deixava de lado todas as formas de cultura popular ou de massa como
mera ideologia” (KELLNER, 2001, p. 50). Neste sentido, os estudos culturais britânicos
foram inovadores ao perceber como a cultura da mídia se estabelece no sistema de dominação
e resistência.
2.2.1 Terminologia
Kellner (2001) faz um alerta em torno do uso dos termos empregados nos estudos
culturais, com o fim de alertar para a aplicação correta da terminologia nas descrições dos
objetos que formam os modelos de cultura que implicam na vida social. Um exemplo
apontado pelo autor é o uso do termo “cultura de massas”, que no campo acadêmico costuma
ter carga negativa, sendo frequentemente enunciado em tom de desprezo com “as massas” e
suas formas de cultura. Outro equívoco apontado é o hábito de empregar o termo “cultura
popular” para indicar os produtos da indústria cultural, confundindo cultura do povo como
cultura da mídia. Por conseguinte, o autor considera mais adequado evitar o uso de termos
com carga ideológica e tratar simplesmente de cultura e comunicação, entendendo a cultura
25
como um campo de estudos único e sem divisões, que possa tratar todos os seus assuntos e
todo o espectro da mídia. Para evitar conflitos de termos ideológicos, Kellner emprega a
expressão “cultura da mídia” para indicar os produtos de sua natureza e as produções da
indústria cultural. “Essa expressão derruba as barreiras artificiais entre os campos de estudos
de cultura, mídia e comunicações, na constituição da cultura da mídia, desfazendo assim
distinções reificadas entre cultura e comunicação” (KELNER, 2001, p. 52).
Para melhor constituir a ligação que existe entre cultura e comunicação, Kellner
desconstrói as distinções que há entre elas:
Kellner considera, então, que a nossa cultura é uma “cultura da mídia", expressão que
melhor retrata o cenário atual. A mídia colonizou a cultura e influencia o entretenimento e o
lazer, tornando-se, assim, a forma de dominação e o “lugar da cultura nas sociedades
contemporâneas” (KELNER, 2001, p. 54).
2.2.2 Política
Para Kellner (2001), a cultura da mídia é um campo de muitas disputas entre grupos
oposicionistas que buscavam o controle da sociedade por meio do poder cultural, a partir dos
meios noticiosos e do entretenimento. Neste contexto, o autor observa a mídia como um
campo político, pois está vinculada ao poder e é uma importante mediadora de luta social, já
26
que seus mecanismos formam opiniões, criam valores e modos de comportamentos. Richard
Hoggart (1958), citado por Kellner, observa como os indivíduos da Grã-Bretanha criavam
modelos de identidade e uma cultura de oposição à cultura dominante; contudo, o autor
mostra que a cultura da mídia passou a produzir identidades e maneiras de integrar os
indivíduos à cultura dominante, enfraquecendo as formas de resistência.
A análise cultural, segundo o autor, deve respeitar e seguir algumas demandas para
preencher etapas importantes: estudos do modo como os textos culturais da economia política
são produzidos, análises do sistema de produção da cultura, além do modo como as
instituições criam práticas e ideologias sociais que produzem uma identidade no público e em
sua subjetividade. Portanto, ignorar essas relações, do ponto de visto do autor, é limitar a
capacidade de análise dos estudos culturais.
Outra nota importante dentro do campo político de alguns estudos culturais é apontada
pelo autor como um “fetichismo da resistência”, que no momento “da pesquisa da recepção
nos estudos culturais, tem-se apelado para a distinção entre leituras dominante, acomodadoras
e contestadoras”. (KELLNER, 2001, p. 57). Uma situação comum dentro das leituras
dominantes é a aceitação do público em relação às suas ideologias e interesses culturais, eles
consomem e reproduzem essas formas ideológicas, ao contrário de uma leitura contestadora
que rejeita a apropriação do público por estes textos e levantam formas de resistências aos
modelos cultuais de dominação. Contudo, uma observação do autor mostra que os estudos
culturais contemplam a resistência sem estruturar seus efeitos e essa supervalorização pode
27
Nesta perspectiva, o autor aponta também o fetichismo da luta, que provém das
resistências aos programas de dominação social, em que os indivíduos, para fugir dos sistemas
de controle e manipulação, passam a criar suas próprias identidades, significados e prazeres.
Entretanto, essas formas de lutas acabam banalizadas e se despolitizam esquecendo a
responsabilidades social, uma vez que, ao invés de sustentar uma luta política, tornam-se um
tipo de luta por significados e prazer, que não oferecem riscos às estruturas de opressão e
poder. Em seguida, Kellner fala sobre o fetichismo do prazer do público por determinadas
formas dos estudos culturais, que valorizam os tipos de cultura popular para proporcionar
prazer aos indivíduos. Contudo, esse tratamento genérico “menospreza a distinção entre tipos
de prazer e entre os modos como o prazer pode atar os indivíduos a posições conservadoras,
sexistas ou racistas” (2001, p. 59).
Kellner (2001), portanto, explica que determinados fenômenos dos estudos culturais
devem passar por complexas discriminações normativas para estabelecer uma leitura crítica
sobre a resistência e conceber se uma produção cultural possui valores contestadores ou de
prazer, se seus efeitos serão progressistas ou conservadores, emancipatórios ou destrutivos. O
autor analisa uma perspectiva em que a teoria da resistência demonstra, além do poder do
público de resistir e lutar contra a cultura dominante, formas de cooptação, em que a
resistência torna-se acomodadora dos indivíduos, criando subculturas consumistas.
Kellner (2001, p. 63) denomina que todo esse processo de produção cultural está
relacionado ao que Raymond Willims (1981, p. 65-5) descreve como “materialismo cultural”,
mais precisamente, esta terminologia concebe uma “análise de todas as formas de significação
dentro dos reais meios de condições e produção”. Kellner explica que o materialismo cultural
concentra os estudos sobre os efeitos dos produtos da cultura da mídia, suas imagens e signos
produzem fascínio, sedução e influenciam seu público ao consumo. Portanto, o autor
considera que a mídia tem fortes relações de poder, capazes de promover os interesses da
cultura e grupos dominantes, bem como força de resistência e luta contra hegemônica. Uma
das funções dos estudos culturais é analisar como os textos midiáticos afetam o público e os
efeitos que provocam, além das possíveis formas de resistência que pode exercer.
29
Devemos lembrar que para esta pesquisa será aplicado a teoria de estudos culturais,
porém, não analisaremos as formas de resistência e luta contra hegemônica. A análise tem
como foco estudar os sistemas de produção cultural que integram a sociedade ao consumo de
objetos tecnológicos e apontar as formas que estabelecem práticas ideológicas e reproduzem o
público conforme os interesses da cultura da mídia.
30
Para o autor não há finalidade racional no consumo apenas pelo prazer, o consumo está
em função de produção, uma vez que esta ocorre em função coletiva e não individual, pois
existe um sistema de sociabilidades por de traz de tudo isso; existe um “sistema de produção de
comunicação e de relação humana de serviço” (BAUDRILLARD. 2005, p. 172)
Com a economia indo de vento em popa, consolidou-se aquilo que viria a ser chamado
de american way of life (estilo de vida americano), um ideal de qualidade de vida baseado no
consumo de bens e serviços. Hobsbawm (1995, p. 259) explica que essas melhorias eram
apenas a continuação de velhas tendências americanas. Ou seja: “o que antes era luxo tornou-
se o padrão de conforto desejado, nos países ricos, como a geladeira, a máquina lavadora de
roupas automática, o telefone”.
A guerra, com suas demandas por alta tecnologia, preparou vários processos
revolucionários para posterior uso civil, embora um pouco mais do lado
britânico (depois assumido pelos EUA) que entre os alemães com seu
espírito científico: radar, motor a jato e várias ideias e técnicas que preparam
o terreno para a eletrônica e a tecnologia de informação do pós-guerra
(HOBSBAWM, 1995, p. 260).
Assim como Jane sentia a necessidade de trocar seu “eletrofogão” por um melhor e
mais moderno, os consumidores reais daquela revolução tecnológica dos anos dourados
estavam ávidos por tecnologia, de modo que a necessidade por aparelhos domésticos “entrou
na consciência do consumidor em tal medida que a novidade se tornou o principal recurso de
venda para tudo”. Hobsbawm percebeu que os americanos acreditavam que o “novo”
equivaleria não só ao melhor, mas ao “absolutamente revolucionado” (HOBSBAWM, 1995,
p. 261).
34
A série futurista também ilustra com clareza um aspecto decisivo desses anos de
intensa evolução tecnológica, que Hobsbawm descreve como “um sistemático processo de
miniaturização, ou seja, a portabilidade, que ampliou imensamente seu alcance e mercado
potenciais”. Os Jetsons fantasia inúmeras tecnologias futuristas nitidamente projetadas a partir
dos artefatos existentes nos anos 1960. A tendência da miniaturização é notada em diversos
gadgets que tiveram seu tamanho reduzido, como nos casos dos televisores e monitores,
aparelhos domésticos, carros etc.
De acordo com Hobsbawm (1995, p. 259), a revolução tecnológica a partir dos anos
1960 possibilitou a criação de um novo público consumista, em uma dinâmica intensa nos
países ricos, mas que também atingiu o cotidiano dos países pobres que, cada um à sua
maneira, constituiu um mercado de massa para uma série de produtos de consumo. “Era
possível o cidadão médio desses países [desenvolvidos] viver como só os muito ricos tinham
vivido no tempo de seus pais”. A tecnologia atingiria até mesmo o setor alimentício. Uma das
novidades mais populares do momento passou a ser as comidas congeladas, carnes enlatadas e
a importação de produtos frescos.
De fato, para Hobsbawm (1995, p. 262) o ideal da Era de Ouro era a produção sem
seres humanos. “Os seres humanos só eram essenciais para tal economia num aspecto: como
compradores de bens e serviços”. Para o autor, durante os anos dourados houve uma
estratégia que procurava automatizar e robotizar os setores de produção e serviços, como foi
feito em alguns sistemas: na montagem de carros, produção de energia e transportes
ferroviários. Nesta perspectiva acreditava-se que o aumento do desemprego seria inevitável.
Porém, Hobsbawm (1995) explica que os países desenvolvidos do mundo capitalista
indicavam as menores taxas de desemprego, até então, já registrados. Embora a América do
35
Norte, mais especificamente os EUA, não tivesse uma taxa de desemprego tão baixa e com o
problema da pobreza ainda em evidência, o autor observa que, sob aquele contexto
econômico, os antigos e corriqueiros problemas sociais pareciam não fazer sentido para os
trabalhadores que ascendiam economicamente e tinham condições de adquirir seu carro e
passar férias anuais remuneradas. A humanidade parecia alcançar benefícios materiais que
outrora eram consumidos apenas pelos povos favorecidos.
Hobsbawm também adverte que é importante não associar a Era de Ouro apenas à
revolução tecnológica daquele período, mas, sobretudo às políticas econômicas que
possibilitaram tal industrialização. Com isso ele percebeu uma nova revolução industrial que
tomou grandes proporções.
O autor explica que a reforma do capitalismo era quase que inevitável, pois era
inaceitável falhar novamente, como nas estratégias que culminaram na Grande Depressão,
além de outras experiências ruins do período entreguerras. Outro elemento que provocou a
reformulação do capitalismo eram os riscos políticos de enfrentar uma “perspectiva do
comunismo e do poder soviético” que se originavam dos fracassos de economias capitalistas
(1995, p. 266).
Hobsbawm (1995, p. 267) aponta quatro situações que inspiravam cuidados e que
foram cruciais para a emergência da Era de Ouro. Uma delas eram as péssimas lembranças da
catástrofe do entreguerras: era preciso estruturar uma política econômica capitalista que não
resultasse em outra crise. Naquele mesmo período, o sistema global ficou ancorado na
economia britânica e em sua moeda – que não foram fortes o suficiente para aguentar a
pressão. Durante os anos dourados, quem assumiu a responsabilidade foi o EUA, apoiado no
dólar valorizado. O plano de livre comércio irrestrito fracassou e isso também provocou a
desestabilização da economia. A mudança neste setor veio por meio de um esquema de
planejamento público e administração econômica. Por último, e um dos fatores mais
importantes, era imprescindível não permitir que o desemprego em massa voltasse a ser uma
realidade.
“A Era de Outro do capitalismo teria sido impossível sem esse consenso de que a
economia de empresa privada (‘livre comércio’ era o nome preferido) precisava ser salva de si
mesma para sobreviver” (Hobsbawm, 1995, p. 268). A Grande Depressão, decorrente da Crise
de 1929, serviu de lição para a economia do pós guerra. Hobsbawm (1995) observa que no
tempo da guerra já se manifestavam ideias sobre livres movimentos de capital e moedas
estáveis e, portanto, considerou-se que “a Era de Ouro foi a era do livre comércio”. Isso
37
ocorreu graças ao grande poder econômico dos EUA, que foi dominador durante a Era de
Ouro.
A economia mundial dos anos dourados se entendia muito bem e os países nunca
comerciaram tanto uns com os outros. Durante esse período, os EUA quadruplicaram suas
exportações e, até o fim de 1950, passaram a importar, intensamente, quase tudo que
correspondia a bens de consumo. Nos anos de 1960, surgia uma economia mais transnacional,
voltada a “um sistema de atividades econômicas” que não era mais delimitado por fronteiras e
territórios, criando um tipo de “economia mundial” (HOBSBAWM, 1995, p.272).
Segundo Hobsbawm (1995), essa realidade se espalhava pelo globo e atingia até os
países do Terceiro Mundo, que abasteciam seus mercados e exportavam para o mercado
mundial, tanto com suas produções, quanto a partir desse processo transnacional de
manufatura, ao qual se interagia. “Essa foi a inovação decisiva na Era de Ouro” e só foi
possível devido à revolução no transporte e na comunicação, com a modernização da
tecnologia de informação. Com isso, o mundo se configurava como unidade real e grandes
Estados transformavam-se em centros offshore, mudando drasticamente a “estrutura política
da economia mundial” (1995, p.275).
Com o abando dos velhos centros industriais formou-se uma nova construção política,
que visava o crescimento econômico nos moldes do capitalismo, com base no consumo de
massa, a partir do pleno emprego garantido às forças de trabalho, cada vez com melhores
38
salários. Este esquema possibilitava o equilíbrio entre os patrões, que ainda conseguiam seus
altos lucros, e as organizações trabalhistas, que garantiam suas reivindicações (HOBSBAWM,
1995, p.276). O autor observa um cenário bastante comum até o fim da Era de Ouro.
Durante o boom da década de 1960, alguns governos deram uma virada para a
esquerda, que consolidou os programas de seguridade social, como o welfare state, estado de
bem-estar. “Estados em que os gastos com a seguridade social – manutenção de renda,
assistência, educação – se tornaram a maior parte dos gastos públicos totais” (HOBSBAWM,
1995, p.278). Os altos investimentos neste setor, crises internas em alguns países, o contexto
da Guerra do Vietnã, nos EUA, provocaram um desequilíbrio no sistema que mantinha acesa
as chamas da Era de Ouro, era necessário que houvesse certo equilíbrio entre o “crescimento
da produção e os ganhos que mantinham os lucros estáveis”. Mas muitos países já registravam
uma queda significativa na produtividade da mão de obra, principal fonte do boom industrial.
Talvez, o fator crucial para esta desestabilização foi o declínio da moeda americana levando
embora a hegemonia dos EUA, que servia como “estabilizador e assegurador da economia
mundial” (1995, p. 279).
A partir daí, se consolidava um cenário para o fim da Era de Ouro e dos gloriosos
anos de intensa prosperidade para a economia mundial, que já não era capaz de recuperar o
mesmo fôlego.
39
Mesmo com essas facilidades, a senhora Jetson sempre se queixa dos serviços de casa,
que na sua visão eram trabalhosos e deixavam-na exausta. Para realçar a ironia, ela reclama
também dos aparelhos, dizendo que estavam ultrapassados e com problemas. De maneira
satirizada e exagerada, os eletrodomésticos futuristas fantasiavam os sonhos de consumo das
40
donas de casa da Era de Ouro. Esses produtos tecnológicos remetem fielmente ao que ocorria
durante os anos mais intensos daquele período, como demonstra Hobsbawm (1995).
Como vimos, a automatização da mão de obra nos setores de serviço e produção é muito
presente no desenho. Também no quinto episódio, vemos George indo para o trabalho com seu
disco voador que, no meio do caminho, fica sem combustível. Ele vai até um posto de gasolina,
onde é atendido por um sistema automatizado e um robô. A forma de pagamento também é feita
pelo mesmo sistema: uma máquina faz um escaneamento da carteira de motorista de George
para verificar os dados e envia a dívida para a sua conta bancária.
41
Mais um exemplo da automação de serviços é outro robô que executa as funções de uma
secretária para o Sr. Spacely. No decorrer dos episódios, aparecem robôs diferentes, com
funções variadas. Observamos ainda essa dinâmica quando Sr. Spacely e George vão ao jogo de
futebol americano. Uma máquina automática faz um escaneamento dos ingressos e identifica os
acentos; em seguida, um braço mecânico se agarra nas cadeiras de Spacely e George e os leva
para os seus lugares na arquibancada.
Até mesmo uma representação futurista do jogo de futebol americano mostra que não
existem mais jogadores humanos: o desenho apresenta androides fabricados em série
especialmente para as partidas de futebol. Notamos, neste contexto, que o desenho apresenta
essa forma de automatização das atividades e até mesmo dentro do entretenimento, como uma
paródia das aspirações capitalistas dos anos 1960. Não está claro ainda, em nossa pesquisa, até
que ponto essa paródia se configura em uma crítica ou em uma celebração da automação. Mas,
aparentemente, como veremos adiante, notamos uma crítica irônica às tendências e exageros
consumistas.
No sexto episódio da série, “Bons Escoteiros”, vemos que George é obrigado pelo patrão
a acompanhar a tropa de escoteiros a qual integram Elroy e Arthur, o filho do Sr. Spacely, em
uma viagem para a Lua. As fantasias futuristas dos Jetsons descrevem que o homem havia
conquistado o sistema solar. No desenho, é possível viajar para Marte, Júpiter, Vênus e outros
planetas. Graças às viagens supersônicas os continentes ficaram a minutos de distância. Vemos
este exemplo em alguns diálogos do primeiro episódio da série. Quando Judy quer saber se a
mãe a libera para nadar depois das aulas:
Outra cena que remete ao mesmo caso é quando Jane está se despendido de Elroy, que ia
para a escola.
Observamos que o desenho expõe o avanço tecnológico como algo tão natural de seu
tempo que existe certa indiferença dos personagens com a possibilidade de fazer viagens
supersônicas e cruzar o planeta em alguns minutos. De fato, nos termos da propaganda
ideológica do período, fica evidente que a viagem à lua de George com os escoteiros e a
conquista do universo imaginado pelo desenho pressupõem, inclusive, um possível resultado
benéfico da corrida espacial promovida pela Guerra Fria, entre Estados Unidos e União
Soviética, que estava no auge na década de 1960.
Este conflito entre Spacely e Cósmico, com a invenção de novos apetrechos, é repetido
em vários episódios. No episódio 14, “Piloto de testes”, observamos um objeto do qual a
companhia Spacely estava trabalhando, a “roupa indestrutível”: uma roupa que poderia resistir a
tudo e proteger o usuário. Esta invenção era mais um recurso para colocar a empresa de
Cósmico fora dos negócios, de uma vez por todas. A guerra capitalista fica expressa em uma
frase de Spacely: “Com esta invenção, eu dominarei o mercado.”. Entretanto, Spacely descobriu
43
que o adversário também havia desenvolvido um traje indestrutível. Cósmico usou as mesmas
palavras para indicar que acabaria com as indústrias Spacely.
Vemos esta situação também no episódio 16, “O Homenzinho”, com uma nova invenção
futurista, o “Minivac”: um aparelho capaz de reduzir o tamanho dos objetos a 30 centímetros.
Esta máquina foi desenvolvida pela companhia Spacely, com a finalidade de diminuir o tamanho
dos produtos a serem importados, assim, abaixando os custos das expedições. Quando os
produtos chegassem ao seu destino teriam seu tamanho reestabelecido. O Sr. Spacely queria
aproveitar essa vantagem do “Minivac” para exterminar o rival Cósmico.
Estas imagens de conflito entre Cósmico e Spacely fazem uma representação clara da
cultura de inovação capitalista que sobretudo a partir dos anos 1970 seriam os motores do
desenvolvimento do capitalismo informacional, como demonstra Castells (2007), pois os novos
produtos tecnológicos deveriam ser pensados como forma de revolucionar o mercado. Já nos
anos 1960, a indústria cultural usava essas novidades tecnológicas como estratégia para atrair
mais consumidores.
voador, até que Bene para o disco no meio do céu para que Judy pudesse descer e ir para sua
casa. A garota aperta um botão no cinturão e sai do carro voando livremente pelo céu. Este
aparelho futurista cria uma fantasia de que o homem domina a gravidade e tem todo o céu para
si. Além disso, é outro item que caracteriza a imagem do homem sedentário nos Jetsons, pois
quase não vemos o homem caminhar com suas próprias pernas no desenho.
No decorrer deste episódio, vemos outra uma cena do consumo por aparelhos de luxo.
George chega em sua casa e vai até a uma pequena mesa eletrônica. Quando aciona um dos
botões, uma cadeira automática vem até ele para acomodá-lo. Esta é como uma daquelas
poltronas reclináveis: ela regula a altura do encosto de cabeça, a posição do apoio de pés e se
ajusta de várias maneiras para propor maior conforto a George, que acabava de chegar do
trabalho.
Talvez uma forma de estimular o imaginário futurista das crianças que assistiam aos
Jetsons nos anos 1960 era ver Elroy divertindo-se com seus brinquedos. Ainda no episódio oito,
ele aparece brincando com o que seria uma bicicleta do futuro, com o nome de “cosmoneta”. No
lugar das rodas e pedais, havia um par de asas e um sistema “antigravitacional” que permitia ao
brinquedo voar. No episódio 9, Elroy aparece brincando um “trem elétrico aéreo”, que em vez
de andar sobre os trilhos flutuava pelo ar.
45
Figura 7 – Cosmoneta.
No início do episódio 11, “Uma visita do vovô”, vemos uma imagem muito interessante:
num primeiro instante observamos um disco voador sendo pilotado de forma desordenada e
acrobática, até que o disco passa por uma placa que flutuava no céu. Era uma representação
clara de um outdoor do futuro. Entretanto, o que mais nos chama atenção é a mensagem daquele
cartaz: “Drink Cosmic Cola”, ou seja, “Beba Cosmic Cola”. A inscrição estava em preto e
vermelho num fundo branco, ao lado, uma garrafa vermelha de formato sanfonado: uma
referência objetiva do refrigerante Coca-Cola. No desenho é como se lêssemos, “Beba Coca
Cola”, uma propaganda que sugere o consumo do produto símbolo das famílias que emergiam
socialmente nos anos 1960.
Montec Jetson, era ele o motorista que pilotava o disco voador fazendo acrobacias pelo céu, e
por tal peraltice, o senhorzinho foi abordado por um policial. Ao se identificar, o avô Jetson
disse ter 110 anos, e que ainda tinha muito para viver. Neste contexto, notamos que esse ideal de
vida imaginado nos Jetsons também representa um desejo real dos espectadores que viviam nos
anos de 1960.
Em uma cena mais a frente, observamos outro item de luxo idealizado no desenho: o Sr.
Cósmico estava em sua empresa e enquanto dava ordens para seu empregado espionar a fábrica
do rival Spacely, um aparelho de fazer massagem, agregado de dois braços mecânicos,
trabalhava nas costas do homem.
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Outra situação curiosa neste episódio é um comentário do Sr. Withers, advogado do Sr.
Gottrockets. O homem vai à casa da família Jetson com um mandado judicial, para levar Astro
ao verdadeiro dono. Porém, a família não queria entregar o cão, tentam até escondê-lo, mas
quando o advogado o encontra, o cão foge. Em uma perseguição a Astro, o Sr. Withers diz: “As
coisas que faço por um salário miserável de US$ 1 milhão”. Neste comentário, percebemos
novamente um caso de ironia da sociedade futurista em relação ao contexto do século 20.
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Em outra cena, vemos mais um apetrecho futurista: na perseguição a Astro, o Sr. Withers
cai do apartamento da família Jetson e para se salvar o ele saca um controle remoto, que é capaz
de controlar o seu carro por comando de voz. Withers aciona o seu disco voador, que sai em
disparada para salvá-lo.
No episódio 13, “Férias em Las Vênus”, notamos que a viagem de Jane e George para
Las Vênus, representa os novos valores da sociedade consumo futurista referente às famílias que
aspiravam socialmente durante a Era de Ouro. George tira férias para uma segunda lua de mel
com a esposa. Eles vão para o “Hotel Supersônico Sands”, um hotel cassino que exibe uma
exaltação do luxo: o prédio do hotel tinha o formato de montanhas de moedas douradas; toda a
sua estrutura ficava suspensa no meio céu, por meio de um sistema antigravitcional; uma das
suas adaptações tecnológicas é que não existia elevador para ir aos apartamentos, visto que, os
apartamentos é que iam até as pessoas, se deslocando de seu andar e descendo até o saguão de
entrada do hotel, no piso térreo. Além de ser um elemento de consumo, por inspirar os desejos
da Era de Ouro, este aparato tecnológico também apresenta uma forma de paródia, pois contem
certo exagero e tom humorístico ao apresentar sua ideia.
No episódio 21, “TV ou Não TV”, é apresentado um aparelho que podia de fazer unhas
instantaneamente, “Manicure Magnética”: Judy aparece em uma cena dizendo que suas unhas
estavam horríveis e que precisava colocar unhas novas; em seguida, ela encaixava os dedos nos
buracos de num aparelho e após um alarme sonoro, ganhava novas unhas compridas; depois, ao
aproximar sua mão da “Manicure Magnética” vários pinceis davam cor as suas unhas, com o
“brilho do luar iridescente”. Este novo apetrecho de luxo representa uma fantasia das maravilhas
tecnológicas que facilitavam a vida da mulher futurista.
51
Em outra cena deste episódio, vemos o que seria um sistema de segurança para o
apartamento dos Jetsons, pois George estava convencido de que teria sido jurado de morte por
ele e Astro terem presenciado um assalto a um carro espacial blindado, enquanto postavam uma
correspondência. Entretanto, tudo não passava de uma confusão, o assalto era apenas uma
encenação de um programa de TV e como George e Astro saíram nas filmagens, os produtores
do programa precisavam de sua autorização para liberação de imagens. Um dos produtores havia
ido à casa de George para que ele assinasse a autorização, porém, Jane confundiu toda a
situação, o que a fez acreditar que o marido estava sendo caçado por assaltantes e a motivou
instalar um alarme no apartamento.
Jane pediu a Henry, que instalasse o alarme de segurança em seu apartamento. Depois de
instalado, o zelador demonstrou como era o funcionamento do aparelho: ao apertar um botão,
um sistema de defesa era ativado; uma máquina apanhava o suspeito, aplicando-lhe vários
golpes na cabeça, depois o amarrava para ser entregue à polícia. Este é mais um dos itens de
consumo indispensáveis da família futurista.
Jane: Vice-Presidente? Oh, George, estou tão orgulhosa! E, agora que seu talento foi,
finalmente, reconhecido, é hora de eu viver de acordo.
George – Eu sei.
Jane – deveríamos nos divertir mais.
George – Eu sei.
Jane – deveríamos sair mais.
George – Eu sei.
Jane – O que significa nos vestir de acordo com a nossa posição.
52
George – Eu sei.
Jane – Então, estou saindo para compra um guarda-roupa novo em folha.
No episódio 23, “As Férias de Jane”, George leva Jane ao médico para fazer um check-
up, pois segundo ele, a esposa andava muito nervosa ultimamente. Ao chegar ao consultório do
Dr. McGravidade, Jane é rapidamente atendida e passa por vários exames: primeiro o doutor
quis examinar os olhos, ouvidos, nariz e garganta, porém, não vemos o médico nem tocar na
mulher, ele apenas apeta alguns botões que ativam aparelhos eletrônicos que fazem todo o
processo; em seguida, o doutor usa outros aparelhos para aferir a pressão, fazer o exame de
reflexo e, por último, uma máquina chamada de “reator de relatividade”.
O diagnóstico do Dr. MGravidade dizia que Jane estava muito bem fisicamente, mas ela
reclamava que se sentia muito cansada. Então, o médico pediu para que ela mexesse os seus
dedos, e ao fazer, todos eles ficaram embaraçados. Jane contava que seu dia a dia era muito
atarefado, cheio de botões para apertar, com isso, o doutor concluiu que Jane estava com
“Botãonite”, e receitou que ela tirasse férias, de preferencia em um lugar perto da natureza. Jane
acata ao conselho do médico e vai passar um tempo no “Planeta de Férias Beta Três”, um lugar
rústico que lembrava o velho oeste. Com a viagem de Jane, George e as crianças, ficam
totalmente perdidos com os afazeres do lar, ele não sabia lidar com o aspirador de pó
automático, Judy também não conseguia fazer o “eletrofogão” funcionar. Mesmo com aparelhos
que facilitam todo o tipo de trabalho, percebemos nesta situação valores que condenam a mulher
estar sempre à disposição da família e do lar.
Todo esse cenário apresentado pela família Jetsons demonstra uma dependência
inevitável por aparelhos automatizados e robotizados simbolizando a sociedade de consumo e o
padrão de conforto que o “estilo de vida americano” desejava: consumo de produtos
tecnológicos e de luxo, como a geladeira, máquina lavadora de roupas, telefone etc.
(HOBSBAWM, 1995). A relação dos Jetsons com os gadgets futuristas demonstra claramente o
53
que Hobsbawm observou na afinidade dos consumidores da Era de Ouro com as novas
tecnologias, pois esses produtos se apresentavam como novidades melhores e revolucionárias.
Contudo, se para Kellner (2001) a enxurrada de produtos tecnológicos dos anos 1960
teve como um dos efeitos colaterais os intensos conflitos culturais, sociais e o surgimento de
contraculturas, em Os Jetsons, os aparelhos futuristas são apresentados como maravilhas
funcionais para solucionar os problemas da humanidade. Certamente, uma forma ideológica de
legitimar a tecnologia, mesmo que de forma exagerada e satirizada, interpretando-a como um
privilégio que deveria ser bem recebido e mesmo adorado na cultura de consumo.
Contudo, o que mais impressiona neste objeto futurista é sua capacidade de evolução,
com vimos no episódio sete: em que o videofone aparece integrado no disco voador de George.
Já no episódio 12, esta capacidade vai ainda mais longe, integrando o videofone a tela de um
relógio de pulso: quando vemos o empregado de cósmico se comunicar com o patrão, enquanto
espiava a companhia de Spacely.
Durante a Era de Ouro, o aparelho telefônico era um item de luxo e desejo das famílias
que consumiam tecnologia desesperadamente. Além disso, percebemos no desenho que,
algumas vezes, por meio do videofone, o Sr. Spacely flagra George dormindo em horário de
trabalho, ou chegando atrasado. Com isso, constatamos que a onipresença deste aparelho
55
futurista cabe à crítica de Kellner (2001) sobre como novas tecnologias poderiam ser utilizadas
como formas de vigilância e controle social.
Vejamos também o caso da TV. No episódio 13, “O amigo de Elroy”, enquanto Elroy
assistia ao programa “Nimbus, o grande” pela TV, notamos o que seria mais uma forma de
transformação das tecnologias: o apresentador do programa que o menino assistia aparece
fazendo uma propaganda do cereal “Moonies”, um cereal completo, porque sua nova
embalagem vinha com uma TV portátil integrada. Mais um processo de personalização e
miniaturização dos produtos tecnológicos como forma de atrair consumidores.
Figura 20 – TV portátil.
para maquiagem. Também havia um modelo de disco voador fabricado sob medida para pessoas
acima do peso. Após um test drive, o senhor e a senhora Jetson acabam escolhendo o modelo
supersônico, um disco voador fabricado para não quebrar, e que era o último lançamento.
Constatamos, mais uma vez, que este episódio representa, de maneira irônica e
satirizada, as novas tendências da sociedade de consumo da Era de Ouro, obcecada por
tecnologia. No caso do carro espacial, podemos ver o objeto personalizado, uma vez que são
apresentados, primeiramente, como modelos exclusivos de luxo e, posteriormente, com funções
variadas, que atendem não apenas a funcionalidade específica do utensílio, segundo as
abordagens de Baudrillard (2008).
No episódio oito, vemos uma atração afetiva entre Rose, e o robô Mac que Henry
construiu para trabalhar em seu lugar, nos serviços de manutenção e limpeza do condomínio que
mora a família Jetson. Em uma tarefa que Mac foi realizar na casa dos Jetsons, ele e Rose se
trombam e, como por amor a primeira vista, os robôs se apaixonaram um pelo outro. O
sentimento humano afetou o funcionamento dos androides. Mac já não executava os serviços
com eficiência, se atrapalhava todo com os afazeres e criava muitas dores de cabeça para Henry.
O zelador, então, desligou o robô ajudante. Porém, quando contou a Rose, ela ficou arrasada,
expressava uma enorme tristeza e não conseguia mais realizar as tarefas de casa como antes.
Jane ficou preocupada com sua empregada e levou-a em uma clínica de robôs, para Rose
ser consultada por uma “robologista”. O doutor de robôs afirmou que Rose estava bem e lhe
receitou ondas reativas. Jane informou que Rose parecia estar triste, mas o “robologista”
afirmou: “Triste, um robô? Oh não, não são fabricados para ter emoções!”. A solução foi
reativar Mac, quando os dois robôs se viram de novo, ambos expressaram enorme alegria. A
família, então, deixou Rose e Mac se verem diariamente. Percebemos que neste contexto do
episódio são atribuídas personalidades e emoções à Rose e Mac, que configuram um processo de
humanização das máquinas.
Na primeira imagem do sexto episódio, “Bons Escoteiros”, vemos Jane, novamente, aos
afazeres de casa, agora com uma lavadora de roupas totalmente diferente e que realiza quase
59
todo o trabalho por completo. Enquanto Jane separa e coloca as peças na lavadora, a máquina
lava, passa e entrega o item já dobrado. Outro dispositivo sugava a roupa dobrada, para dar seu
destino apropriado. Como de costume, a Sra. Jetson reclamava do aparelho, pois fazia tanto
barulho que ela suspeitava de um novo defeito. O diferencial desta cena é que, num determinado
momento, existe um diálogo entre a mulher e a máquina, que havia entregado uma camisa
faltando um botão. Jane, então, reclama com a máquina:
real, quando, por qualquer razão ou circunstância, telespectador ou consumidor pensem que o
que veem ou querem não é exatamente o que parece” (COSTA, 2010, p. 106).
Vemos mais uma aparição das robôs digitadoras nas Indústrias Spacely, também no
episódio 14. Spacely está ditando uma carta sobre o novo projeto que estão desenvolvendo: uma
roupa “indestrutível”. A robô, então, pede para o Sr. Spacely que soletre a palavra
“Indestrutível”, mas o homem falha ao tentar. Fica nítida a relação de dependência do homem
pela máquina, vemos que o Sr. Spacely também se sente impotente ao não saber responder a
solicitação da robô.
Também no quinto episódio da série, outro item que demonstra o fascínio mágico pelas
tecnologias no desenho é o relógio de George que diz as horas quando lhe é perguntado.
Enquanto ele fazia a leitura das noticias, Jane chama sua atenção para não chegar atrasado ao
trabalho.
O relógio falante não tinha um mostrador de horas, com ponteiros, mas um pequeno
display que mostrava as ondas de vibração sonora quando a voz informava o horário. Mais um
sinal da dependência definitiva do homem às tecnologias. Naquele momento, devemos lembrar,
faltavam poucos minutos para as “11 horas da manhã” e George ainda estava na mesa do café.
Esta imagem também reflete a relativa maravilha de vida que tinham os Jetsons na sociedade
futurista. O trabalhador que ia para a indústria três vezes por semana, para uma jornada de
trabalho de três horas diárias que iniciavam depois das dez horas da manhã.
O próprio George considera que o computador teria melhor capacidade para pensar e
resolver o seu problema do que ele mesmo. O cão, considerado melhor amigo do homem, é
substituído por “lectrônimo” um robô sistematizado para obedecer às ordens humanas, como
sentar, latir, ou até pegar um graveto, além de se portar como um cão de guarda. Astro era tudo
que George não queria, além de atrapalhado e meio preguiçoso, também era covarde em
62
situações perigosas. Porém era um cão de verdade, que demonstrava emoções reais. O desfecho
deste conflito entre o cão robô e Astro termina com família Jetsons ficando com Astro, após
George ser atacado por “lectrônimo”, que o confundiu com o ladrão Gaturno, pois o cão robô
não possuía um instinto animal, como Astro.
Notamos ainda, que a família Jetson tem tudo a seu ao alcance, pois até para passear com
um cachorro existia uma solução tecnológica. Uma esteira rolante do lado de fora do
apartamento garantia o exercício diário do animal e o sedentarismo do ser humano.
Vemos outro exemplo da mente preguiçosa de George no episódio 18: ele estava no
trabalho fazendo uma cruzadinha de palavras; porém, ele sequer tenta raciocinar e consulta as
repostas pelo computador eletrônico: “Preciso de uma palavra com 27 letras, que significa
‘oposição às ideias de instituições adversárias’” – diz George, e, em seguida, ao apertar um
botão no computador, surge uma palavra no display da máquina: “Antidesetabelimentarismo”.
Então, o homem solta o seguinte comentário: “Ah é. Era o que eu ia dizer. Estas palavras
cruzadas são moleza. Qualquer um que tenha cérebro faz.”. Analisamos que a ironia presente
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nesta cena demonstra que, mesmo o desenho mostrando um mundo totalmente evoluído, o
homem atribuiu a necessidade de pensar às máquinas, invertendo a função de ambos. Vemos em
George, a imagem do homem automatizado e robotizado, enquanto às maquinas tomam suas
funções humanas, de dedução e raciocínio. Notamos que, nesse caso, há uma crítica sutil ao
modo de vida tecnológico.
No episódio 17, vemos uma cena da família Jetson saindo de casa: eles estavam
descendo pelo elevador tubo do prédio onde moram, em seguida, um sistema automático
acoplava uma extensão mecânica às poltronas de cada um da família e os conduzia até o carro
espacial. Estas imagens representam uma idealização do homem totalmente dependente de
aparatos tecnológicos para executar qualquer tipo de ação, sem precisar dar um único passo,
expressando o homem de forma sedentária.
Em outro momento deste mesmo episódio, vemos o que seria uma mais representação da
humanização e, mais do que isso, do incremento da inteligência das máquinas, que deixam de
ser apenas funcionais e inofensivas: ao chegarem ao hotel, em Las Vênus, Jane e George foram
abordados por “robôs caça-níqueis”; notamos que as máquinas são programadas para instigar os
hóspedes a jogarem. George tenta uma jogada e perde, Jane teve sorte e ganhou uma boa quantia
em moedas. Na cena final deste episódio, Jane e George estavam na sacada de em um hotel
cassino, quando perceberam estavam cercados por inúmeros robôs caça-níqueis, que queriam
apostas e jogos a todo o momento. Notamos que, em vez do ser humano ser o viciado em
jogatinas, as máquinas que pareciam ansiosas por uma nova rodada de apostas e jogadas de sorte
e azar.
Sr. Spacely – Seus relatórios estão repletos de defeitos, tem de ficar aqui e
recomeçar tudo esta noite.
George – Mas Sr. Spacely, eu pensei que fosse falar sobre o meu aumento.
Sr. Spacely – Aumento? Por que, você está maluco? Você é o empregado mais
relapso que eu tenho na companhia. Mas sabe o que eu vou fazer Jetson?
George – O que Sr, Spacely?
Sr. Spacely – Vou usar de minha influência junto à diretoria para que
providencie um corte em seu salário.
Em seguida, enquanto George voltava para sua sala ouve-se um toque sonoro,
referente ao videofone. O Sr. Spacely atendeu a chamada que era para o
funcionário.
Sr. Spacely – Jetson! Uma chamada especial para você no videofone! E sabe
que eu não gosto de chamadas durante o serviço! [Gritou o patrão]
Contudo, este robô não passava de um enganador que propagava jogatinas no horário de
trabalho para arrancar dinheiro dos funcionários. A máquina também armou para George ser
demitido. Contudo, antes de ir embora da empresa, George sabotou o robô com a ajuda de
Henry, que colocou um aditivo na máquina no lugar do lubrificante. Quando Spacely foi
apresentar o “Uniblab” aos seus diretores, passou a maior vergonha, o robô estava enlouquecido
até ser desligado por George. Com isso, Spacely readmitiu o ex-funcionário e o nomeou
supervisor da companhia, garantindo um aumento em seu salário.
Este episódio apresenta uma situação que vemos em quase toda a primeira temporada.
George está sempre com o seu emprego em risco e na maioria dos episódios o vemos sendo
demitido, mesmo que, no fim, ele sempre consegue o emprego de volta. Em alguns episódios
também vemos George ser promovido. Entretanto, essa relação de subordinação ao trabalho que
o homem vive sintetiza, realmente, as formas de dominação e controle social. No desenho,
George se submete às ordens e exigências do seu chefe, que por muitas vezes são humilhantes,
tudo para não perder o emprego.
No episódio 16, como por exemplo, George é obrigado a roubar uma engrenagem da
empresa de Cósmico. Devido a uma fatalidade, durante os testes da maquina de encolher objetos
do Sr. Spacely, o “Minivac”, George estava na esteira da máquina e foi reduzido a 30
centímetros junto com a caixa de testes. Para completar o problema, a máquina não estava
executando a função reversa, para voltar os objetos encolhidos ao tamanho normal. Para
consertar a máquina e aumentar George, era preciso uma engrenagem da Indústria de Cósmico,
entretanto ele se recusou a vender a peça. O Sr. Spacely, então, obrigou seu funcionário a entrar
na empresa do rival e roubar uma engrenagem, ou George seria demitido e continuaria pequeno.
Além disso, notamos mais uma vez a utilização da tecnologia para substituir a mão de
obra. No episódio 10, o robô Uniblab era considerado pelo Sr. Spacely como melhor pensante
para os negócios da empresa: ela avaliava o cenário econômico de mercado; em quais ações
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investir e qual o momento certo de comprá-las. No contexto geral, o homem estava livre de ter
que pensar e cometer erros, com isso garantia maior rentabilidade e lucro para a companhia
Spacely. Porém, é nítida a inferiorização do homem em relação à máquina, pois inicialmente
George é colocado como menos capacitado para ocupar a função de supervisor.
Em uma cena do episódio 14, notamos a existência de um aparelho que alerta ao senhor
Spacely sobre a chegada dos empregados retardatários. Enquanto Spacely ainda ditava a carta
para a máquina digitadora, um pequeno monitor sobre a sua mesa começa a emitir um som de
alarme. Spacely aperta um botão no aparelho e a imagem que aparece no monitor revela George
15 minutos atrasado, além de flagrar o funcionário voltando o ponteiro do relógio para enganar a
máquina que controla entrada e saída de empregados. Podemos considerar esta imagem do
desenho com uma forma de vigilância e controle que as tecnologias futuristas poderiam
desenvolver camufladamente.
No episódio 18, “Jane na Auto Escola”, encontramos várias cenas que demonstram as
formas de opressão contra a mulher. Em uma delas, vemos Jane em sua casa quando havia
acabado de chegar das compras e reclamava por estar cansada de andar de ônibus espacial:
“Cansei, George. Esta foi a minha última batalha com os ônibus. Preciso de um carro.”. Seu
marido contesta: “Se acha que eu serei o responsável por soltar mais uma mulher motorista nas
vias aéreas, está enganada. A resposta é ‘não’.”.
Em todo este episódio existe um tratamento machista quanto ao fato de Jane querer
dirigir. No início do episódio, George havia presenciado uma mulher dirigindo, meio confusa
em uma via aérea, ele reforça a ideia de que o lugar da mulher é em casa: “Ainda bem que a
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Jane não dirige. Por isso ela sempre está em casa, que é o lugar dela, preparando o meu jantar”.
É nítida e escancarada a opressão à mulher e às liberdades femininas, pois vemos que em cem
anos de progresso tecnológico representado pelo desenho, a vida da mulher ainda era retratada
com muitas limitações, voltada aos deveres de ser dona de casa e nada e subserviente aos
desejos do marido. Em outras palavras, a revolução tecnológica do desenho não foi
acompanhada de uma evolução cultural, pois os hábitos apenas reproduziam os mesmos
preconceitos da sociedade americana dos anos 1960.
show do ídolo musical Jet Screamer pela TV. Enquanto a adolescente e sua turma assistiam ao
show por uma TV de tela grande, que ia do chão ao teto e tomava conta de uma parede inteira,
eles dançavam alucinados, flutuando por toda a sala, graças a um sistema que anulava a
gravidade: o “piso antigravitacional”. Uma visão típica de um grupo de adolescentes que,
vigorosamente, adoram o ídolo da indústria cultural. Poderíamos dizer que essa é uma cena que
remete aos novos valores dos anos dourados. Como vimos nas análises de Kellner (2001), a
cultura bombardeia seu público com imagens ideológicas que interagem com as formas de
pensamento e comportamento dos indivíduos, e passam a representar as grandes escolhas do
público nas interações sociais, principalmente nas formas de relacionamento mútuo.
Outro exemplo disso, podemos observar no episódio sete – “O terno voador” –, George
voltava do trabalho para casa, quando recebeu uma chamada de Jane pelo videofone do carro
futurista. Ela pede ao marido para pegar suas roupas na lavanderia. O marido acata o pedido
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reclamando: “A lavanderia fica 500 milhas fora do meu trajeto, levarei pelo menos 30 segundos
para chegar até lá”. Este comentário de George soa também como mais uma forma de satirizar o
mundo tecnológico que se instaurava na década de 1960, momento em que se exigia da
sociedade maior rapidez para filtrar a enorme quantidade de informação e entretenimento que
era despejada pela cultura da mídia.
Logo no início do episódio nove, “Elroy na TV”, percebemos uma situação que enaltece
a cultura de mídia e do entretenimento. Trata-se de um diálogo entre agentes das “Produções
Asteroide de TV”. Observamos no diálogo uma crítica do presidente da TV aos scripts de
programas educativos:
Presidente – Acabei de ler esses scripts, onde vocês mostraram as suas ideias sobre o
novo show. Não há nenhum deles que preste: lições de geometria; curso de química; conheça os
animais de todo o mundo. O que é que vocês estão querendo fazer comigo?
No décimo episódio da série, “O Uniblab”, vemos uma cena de quando George arruma
suas coisas para ir embora da empresa, após ser demitido pelo Sr. Spacely, por cauda do robô
“Uniblab”. Observamos um diálogo entre ele e um colega de trabalho:
Nesta cena, notamos uma expressão real de ironia sobre sociedade trabalhista dos anos
1960, que vivia intensas jornadas de trabalho e quase não tinha o privilégio do tempo livre que
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vemos Os Jetsons desfrutar. O desenho apresenta o homem com mais tempo para si mesmo,
dedicado à família, ao lazer e ao entretenimento como forma de legitimar o sonho da sociedade
futurista e formas de bem estar social. Por isso, George se refere às condições de trabalho do
século 20 como tiranas. Esta seria uma forma de celebração à sociedade futurista ilustrada no
desenho.
Observamos, por exemplo, uma cena no quinto episódio da série, em que Jane reclama
do tempo chuvoso e pede ao marido que diga ao zelador do prédio para dar um jeito no tempo.
Após ser avisado, o zelador Henry vai até o painel de “controle de tempo” e gira um botão que
eleva o prédio a três mil pés de altura, colocando-o acima das nuvens de chuva.
Em uma cena do episódio 11, o vovô Jetson estava passeando com Astro em um parque
natural, onde eles se deparam com uma mulher sentada em um banco e com um carrinho de
bebê. A mulher pergunta as horas ao Sr. Montec, que lhe responde prontamente, após consultar
o seu relógio falante. Em um corte de cena, vemos a mulher apertar um botão no carrinho de
bebê, que aciona um dispositivo automático para amamentar: uma mamadeira acoplada a um
braço mecânico surge da parte de trás do carrinho e vai até o bebê para alimentá-lo.
Já no episódio 13, vemos outro aparelho futurista diferente. Henry, o zelador do prédio
da família Jetson, estava reformando uma cadeira, e com uma pequena máquina ele produzia
uma manta escocesa e criava um novo estofado para o acento e encosto do objeto. Objetos
peculiares como estes, com funcionalidades muito objetivas, são bastante comuns no desenho e
representam mais uma forma de paródia da evolução tecnológica do século 20. Estes utensílios
são como os acessórios miraculosos, apontado por Baudrillard (2008), como sendo de
funcionalidade imaginária e questionável.
No episódio 14, “Piloto de teste”, vemos uma referencia clara das transformações que a
evolução tecnológica proporcionou no período da Era de Ouro. Tudo começa com uma cena
típica, o café da manhã da família Jetosn:
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George – Bom dia, Jan. Nossa! Que fome! Você disca o meu café da manhã?
Jane – Claro George, o que você vai querer?
George – Ovos com presunto, torradas e café!
Jane – Ovos... presunto... torradas e café. – Diz ela, enquanto discava no
aparelho, que lembra o eletrofogão.
Em seguida, o aparelho lança um objeto na bandeja de café de George. Era uma esfera
branca um pouco maior que um comprimido. O homem engole aquilo que seria a sua “pílula de
comida” e diz estar delicioso, em seguida, toma o seu café e logo ele descobre que Jane havia
queimado as torradas. George reclama com a esposa: “ninguém disca uma refeição como minha
mãe”. No episódio 24, quando Elroy foge de casa leva consigo algumas pílulas de comida, como
suprimento que daria para alimentar-se durante uma semana, porém, Astro come todas as pílulas
de uma vez.
Esta “pílula de comida” visualizada no desenho é uma paródia que, realmente, está
associada, por um lado, ao melhoramento dos produtos da Era de Ouro, pois o fator expressivo
da evolução tecnológica fez acelerar a vida dos consumidores dos anos 1960. Com isso, a
tecnologia atingiu as mais distintas áreas. Contudo, notamos também uma crítica à pasteurização
e à tendência industrial que parecia prestes a produzir alimentos cientificamente elaborados, mas
insossos como um comprimido. Lembremos que, no contexto dos anos 1960 o estilo de vida do
americano acabou estimulando a produção de comidas congeladas, alimentos pré-prontos e
enlatados, como vimos em Hobsbawm (1995).
Outro aparelho futurista presente nesta história é o barbeador automático do Sr. Spacely:
enquanto ele e o professor Lunar conversavam em seu escritório, Spacely aperta um botão e
surge um aparelho com braços mecânicos; um dos braços aplica a espuma de barbear e o outro
braço, com uma navalha, faz a barba de Spacely. Estes itens possuem aspecto cômico durante a
cena, e faz uma paródia dos utensílios que eram inventados para facilitar a vida das pessoas no
século passado.
No episódio 15, vemos a disputa entre Sr. Gottrockets e a família Jetson no Tribunal,
para ver quem teria direito de ficar com o cão Astro. O fato mais curioso desta cena é a presença
do júri: ao em vez de ser composto por pessoas, na realidade, um “robô júri” é quem faz dá o
veredito; o estranho trambolhão de metal ainda possui um olho robótico, além da capacidade de
se comunicar oralmente. Outro apetrecho que notamos no tribunal é o “martelo automático” de
sentença do meritíssimo: quando ele vai iniciar a sessão, aperta um botão em sua mesa e o
martelo, automaticamente, surge de uma repartição e bate sobre a bancada quatro vezes. Mais
uma paródia que encontramos no desenho
Em uma cena do episódio 19, encontramos uma tecnologia que vestia as roupas de
George em apenas um segundo. Ele ia trocar de roupas para se apresentar à Guarda Espacial:
George estava sobre um piso redondo e ao pressionar a um dos botões que existia na parede ao
lado, o homem desaparece como se estivesse caindo num buraco; instantaneamente, ele volta à
superfície já de roupa trocada. Porém, George trajava um vestido de Jane, já que havia apertado
o botão errado. No episódio 21, também vemos uma máquina que executa a mesma função: Jane
estava fazendo compras e queria um novo vestido; Sally, a dona da loja, lhe mostra uma nova
coleção do outono marciano; em um corte de cena, uma máquina se desloca sobre Jane, um
segundo depois, vemos que a Sra. Jetson já está com outro vestido. Em poucos segundos, Jane
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havia provado quatro vestidos. Ela comprou um modelo de Pierre Marciano e vinha com um
acessório que, se ligado a uma tomada, fazia piscar luzes por todo o vestido.
Essas engenhocas futuristas, quase sempre dotadas de humor e certo tom de ironia,
representam uma forma de crítica que o desenho, ainda que de forma marginal, não deixava de
fazer uma crítica sobre os produtos tecnológicos produzidos para os consumidores dos anos
1960. Em algumas imagens podemos encontrar paródias que exaltam a evolução tecnológica,
mas os apetrechos futuristas que indicam o exagero, tom de ironia, aspectos de humor ou se
configuram como paródias, geralmente, apresentam uma crítica às tendências tecnológicas dos
anos 1960.
Assim, esta também seria uma forma de propagação ideológica que poderia levar o
indivíduo da Era de Ouro à tendência do lazer e do entretenimento, como um modo de
integração do indivíduo aos padrões da indústria cultural, pelos ideais da cultura da mídia.
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6 CONCLUSÕES
Com base no contexto geral da Era de Ouro, momento em que surgiu Os Jetsons,
certamente fica mais compreensível a projeção de futuro sugerida no desenho, baseada na
velocidade em que as tecnologias apareciam. Naquele momento, existia um grande
investimento no setor de criação, atualização e produção de artefatos tecnológicos, que inseriu
uma imensidão de produtos em nível de mercado mundial. Toda essa parafernália tinha como
objetivo o consumo em massa, e para isso, foram criadas as diversas estratégias publicitárias,
situações para possibilitar esse consumo cada vez em maior quantidade.
Contudo, essas problemáticas aparecem muito bem camufladas, de modo que a crítica
é diluída pelo tom leve de humor, o que descaracteriza um eventual caráter contestatório. Em
geral, o desenho contribui para o fascínio aos aparelhos tecnológicos e à utopia de consumo
que se estabelecia durante a Era de Ouro.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
COSTA, Márcia Maria Arco e Flexa Ferreira da. Os Jetsons como espectro da sociedade:
Análise crítica do desenho animado “The Jetsons” sob a ótica do conceito de espetáculo de
Debord. 2010. 137 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Educação, Artes e História da
Cultura, Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2010. Disponível em:
<http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cp136987.pdf>. Acesso em: 08 abr.
2014.
FONSECA, André Azevedo da. Imagens e mitos do fascínio tecnológico: cultura de massa
e reencantamento instrumental na sociedade de consumo. Londrina: Universidade
Estadual de Londrina, 2012. 18 p. Projeto de pesquisa.
HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX. São Paulo: Companhia das
Letras 2, 1995.
LISTA DE EPISÓDIOS
Os Jetsosn – 1ª Temporada
Episódio 1 – Rose, a robô
Episódio 2 – O Encontro de Judy
Episódio 3 – O carro Espacial
Episódio 4 – A chegada de Astro
Episódio 5 – A noite de George
Episódio 6 – Bons Escoteiros
Episódio 7 – O terno voador
Episódio 8 – O namorado de Rose
Episódio 9 – Elroy na TV
Episódio 10 – O Uniblab
Episódio 11 – Uma visita do vovô
Episódio 12 – O segredo de Astro
Episódio 13 – O Amigo de Elroy
Episódio 14 – Piloto de Teste
Episódio 15 – Astro Milionário
Episódio 16 – O homenzinho
Episódio 17 – Férias em Las Vênus
Episódio 18 – Jane na Auto Escola
Episódio 19 – Guarda Espacial
Episódio 20 – Miss Sistema Solar
Episódio 21 – TV Ou Não TV
Episódio 22 – Propriedade Privada
Episódio 23 – As Férias de Jane
Episódio 24 – Elroy Fugitivo