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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

INSTITUTO DE CULTURA E ARTE


CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL - JORNALISMO

THINAYNA MENDONÇA MÁXIMO

RISCOS E OPORTUNIDADES NA RELAÇÃO COM A INTERNET NA VISÃO DAS


CRIANÇAS CEARENSES

Fortaleza
2014
THINAYNA MENDONÇA MÁXIMO

RISCOS E OPORTUNIDADES NA RELAÇÃO COM A INTERNET

NA VISÃO DE CRIANÇAS CEARENSES

Monografia apresentada ao Curso de


Comunicação Social da Universidade Federal
do Ceará como requisito para obtenção do
título de Bacharel em Comunicação Social
com habilitação em jornalismo.

Orientador: Prof.(a) Dra. Inês Sílvia Vitorino


Sampaio

Fortaleza
2014
THINAYNA MENDONÇA MÁXIMO

RISCOS E OPORTUNIDADES NA RELAÇÃO COM A INTERNET NA VISÃO DAS


CRIANÇAS CEARENSES

Monografia apresentada ao Curso de


Comunicação Social da Universidade Federal
do Ceará, como requisito parcial para a
obtenção do Título de Bacharel em
Comunicação Social com habilitação em
Jornalismo.

Aprovada em ___/___/_____.

BANCA EXAMINADORA:

_________________________________________________
Prof.(a) Dra. Inês Sílvia Vitorino Sampaio (Orientador)
Universidade Federal do Ceará

_________________________________________________
Prof.(a) Dra. Luciana Lobo Miranda
Universidade Federal do Ceará

_________________________________________________
Ms. Ana Cesaltina Barbosa Marques
AGRADECIMENTOS

A Deus, pela inspiração e por ter se mostrado a mim no período desta pesquisa.
A minha família, Vilenice, Eduardo e Matheus, pelo apoio e confiança depositados em
mim, pelos bons exemplos e por me inspirarem a ser uma pessoa melhor.
Ao meu tio Vilson, que sempre foi um grande incentivador dos meus estudos.
À professora Inês Vitorino, pelas contribuições a este trabalho e pela generosidade e
confiança dedicadas a mim durante todo o processo de construção dessa pesquisa.
Aos amigos do EJC, pelo apoio, pela orações e por entenderem os momentos em que
precisei estar ausente.
À Banca Examinadora, Luciana Lobo e Ana Cesaltina, pela disponibilidade em
colaborar com a avaliação dessa pesquisa.
As minhas amigas Chloé, Lívia e Nila que me acompanharam durante toda a
graduação.
À escola onde realizei a pesquisa, por ter aberto as portas da instituição para nos
receber.
Ao GRIM pelas contribuições e aprendizado durante todo o processo de construção
dessa pesquisa.
RESUMO

Este trabalho buscou identificar a visão das crianças cearenses sobre os riscos e as
oportunidades presentes na relação com a internet, em especial com os usos de mídias móveis
como o tablet e o celular. Para atingir ao objetivo da pesquisa foram realizados dois grupos
focais com 14 crianças entre 11 e 12 anos de idade, envolvendo meninos e meninas,
estudantes de uma escola particular de Fortaleza. Este estudo analisa como as crianças usam e
se apropriam dessas novas tecnologias, tomando como base os conceitos de risco e
oportunidades tal como explorados na pesquisa EU KIDS ONLINE, apoiando-nos em autores
tais como Livingstone (2011), Ponte (2012), Thompson (1998), Caron e Caronia (2005).
Nesses mesmos termos, abordamos ainda a questão da mediação parental e de professores no
contexto escolar em relação aos usos e apropriações das mídias móveis pelas crianças.
Observamos que as crianças sem sempre identificam os riscos e as oportunidades presentes
nos usos que fazem das tecnologias e que, em alguns casos, essas identificações surgem por
meio da mediação dos pais e/ou da escola.

Palavras-chave: Criança. Internet. Mídias móveis. Riscos. Oportunidades


RESUMÉ

Ce travail cherche à identifier la vision des enfants du Ceara vis à vis des risques et des
potentialités présentes dans leurs relations avec internet, notamment dans l’usage des supports
d’informations mobiles comme les tablettes et téléphones portables. Pour atteindre les
objectifs de l’étude, furent réalisés deux groupes de discussions avec 14 enfants d’âges
compris entre 11 et 12 douze ans, comprenant filles et garçons, écoliers d’une école privée de
Fortaleza. Cette étude analyse comment les enfants usent et s’approprient ces nouvelles
technologies, en prenant pour base les concepts de risques et opportunités tels qu’ils l’ont été
explorés dans l’étude EU KIDS ONLINE, et en nous appuyant sur des auteurs comme
Livingstone (2011), Ponte (2012), Thompson (1998), Caron e Caronia (2005). Dans les
mêmes conditions, nous avons abordé encore la question de la médiation parentale et
professorale dans le contexte scolaire, en relation aux usages appropriations des supports
mobiles par les enfants. Nous avons observé que les enfants, sans toujours identifier les
risques et opportunités présentes dans les usages qu’ils font des technologies, le font parfois à
travers la médiation des parents et/ou de l’école.

Mots clés : enfants, internet, médias mobiles, risques, opportunités


LISTA DE FIGURAS

Figura 1- Enquadramento Teórico ............................................................................................ 34


Figura 2 – Riscos e Oportunidades ........................................................................................... 35

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Acesso à internet por região do país ..................................................................... 25


Gráfico 2 – Atividades realizadas na internet .......................................................................... 26
Gráfico 3 – Equipamentos usados para acessar à internet por classes sociais ........................ 30
Gráfico 4 – Escala das oportunidades ...................................................................................... 36
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 7
1. AS INFÂNCIAS NA CONTEMPORÂNEIDADE ................................................................ 9
1.1 Infâncias na rede ................................................................................................................. 13
2. USOS E APROPRIAÇÕES DAS TECNOLOGIAS ............................................................ 22
2.1 Uso dos dispositivos móveis .............................................................................................. 29
2.2 Riscos e Oportunidades ...................................................................................................... 33
3. VISÕES DAS CRIANÇAS SOBRE A TECNOLOGIA ...................................................... 38
3.1 Pesquisa com crianças ........................................................................................................ 38
3.2 Estratégias metodológicas .................................................................................................. 40
3.3 Uso do celular ..................................................................................................................... 43
3.4 Uso das redes sociais .......................................................................................................... 45
3.5 Uso dos jogos ..................................................................................................................... 49
3.6 Bullying............................................................................................................................... 53
3.7 Sexting ................................................................................................................................ 56
3.8 Consumo ............................................................................................................................. 59
3.9 Mediação Parental .............................................................................................................. 61
3.9 Mediação Escolar ............................................................................................................... 65
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................... 67
REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 70
ANEXOS .................................................................................................................................. 72
7

INTRODUÇÃO

A sociedade contemporânea, chamada de sociedade da informação ou sociedade do


conhecimento, é caracterizada pela ampla difusão de tecnologias da informação e
comunicação (TICs), que contribuem com a forma como as pessoas interagem e se
relacionam atualmente. Segundo Castells (2003), com surgimento do computador, na segunda
metade do século XX, a tecnologia da informação se concretizou a partir de um modelo de
comunicação, produção e gerenciamento de vida. A internet, então, se estabeleceu como uma
forma de representar e compartilhar conhecimento, passando progressivamente da realidade
de comunicação local para global.
Com o mundo globalizado, a internet atravessou fronteiras, diminuiu barreiras
culturais e cresceu rapidamente em diversas direções. Não se pode considerar, no entanto, a
internet apenas como um novo meio de comunicação, independente das outras mídias. Como
McLuhan (1964) antecipava, o conteúdo de um meio está presente nos meios anteriores, como
o rádio incorporou a mídia impressa, a TV incorporou o rádio e o cinema e etc. Esse efeito de
“reavivar” os meios de comunicação, considerados “obsoletos”, está presente nas dinâmicas
de organização de comunidades e grupos em ambientes virtuais, que fazem uso, diariamente,
de diversas linguagens midiáticas.
A infância contemporânea está marcada pela forte presença das mídias no seu
cotidiano (STEINBERG; KINCHELOE, 2001). De forma cada vez mais intensa, essa parcela
da população utiliza a internet no seu cotidiano, em proporções significativas, e incorpora,
gradativamente, novas tecnologias de acesso como celulares, tablets. O contato com a internet
– que tem acontecido cada vez mais cedo - tem contribuído, então, para o aparecimento de
novas formas de socialização, de aprendizado, de acesso à informação.
O uso dos dispositivos móveis vem transformando as práticas sociais e as formas das
crianças e jovens de se relacionarem com a família, com os amigos e com a própria
tecnologia, além de alterar as formas de lazer. Quando se trata do acesso às mídias móveis,
em especial celulares e tablets, ela não diz respeito apenas ao acesso à tecnologia e à
comunicação em si, mas ao acesso a infinitos aplicativos atrelados a diversas funções; desde
acesso à informação, jogos eletrônicos, localização geográfica, etc.; que começam a interferir
na forma como as crianças interagem, aprendem e se socializam.
Na relação com a tecnologia estão presentes oportunidades de descoberta de “novos
mundos”, de aprendizagem e crescimento, de interação com telas, de criatividade e
8

autoexpressão, mas estão presentes, também, possibilidades de riscos que podem resultar em
em danos para os jovens usuários.
Tendo em vista esse contexto, esta pesquisa se propõe a investigar os modos de ver e
de compreender das crianças, entre 11 e 12 anos e estudantes de uma escola particular de
Fortaleza, sobre os riscos e oportunidades presentes nos usos da internet, em especial as
mídias móveis como celulares e tablets.
No primeiro capítulo, propomos uma discussão sobre a pluralidade de infâncias na
contemporaneidade e os novos lugares ocupados por elas. Discutimos também as formas de
lazer que se reconfiguram com a maior inserção das mídias no cotidiano infantil e a partir das
novas estruturas familiares, apoiando-nos em Buckingham (2000), Castro (2002).
No segundo capítulo, apresentamos os conceitos de riscos e oportunidades trazidos na
pesquisa europeia EU Kids Online1, que foram adotados neste trabalho. Discutiremos também
os usos e apropriações das mídias pelas crianças, além de apresentarmos dados nacionais
sobre o acesso à internet fornecidos pelo Cetic.br2.
No terceiro e último capítulo, traremos o enquadramento metodológico e refletimos sobre
os resultados dos grupos focais realizados com as crianças. Exploramos os usos das mídias, as
mediações presentes nesse processo e, principalmente, a percepção acerca dos riscos e das
oportunidades existentes nessa relação.

1
EU Kids Online é uma rede de pesquisa multinacional. Destina-se a melhorar o conhecimento dos infantis
europeus on-line oportunidades, riscos e segurança. Ele usa vários métodos para mapear a experiência das
crianças e dos pais "da internet , em diálogo com as partes interessadas políticos nacionais e europeus .
Foi financiado pela Internet Melhor da CE para o programa Kids.
2
Tomamos como base os dados da pesquisa TIC Kids Online 2013, realizada pelo Cetic.br, que tem como
objetivo medir os acessos e usos das crianças e dos adolescentes brasileiros. Disponível
http://www.cetic.br/pesquisa/kids-online/
9

1 AS INFÂNCIAS NA CONTEMPORÂNEIDADE

Crianças sempre existiram e vão continuar existindo, mas a forma de ver a criança tem
se modificado ao longo da história. O conceito de que a infância é socialmente construído, ou
seja, o lugar ocupado pelas infâncias na sociedade varia de acordo com fatores culturais e
sociais, surge na década de 1970 e difundiu-se nos anos 1990 (PROUT, 2010). O significado
do termo infância está sujeito a um constante processo de mudança nos diversos discursos,
sejam eles políticos, sociais, econômicos.

Entendemos que o termo infância é plural ao levarmos em conta as diversas infâncias


existentes: crianças protegidas e/ou em situação de miséria, que vivenciam configurações
familiares específicas, com diferentes níveis de acesso à educação formal, às tecnologias,
entre outras. Ser criança, portanto, nem sempre é sinônimo de ter infância. Para compreender
suas vivência e formas de reconhecimento delas na contemporaneidade, é necessário resgatar
o lugar ocupado por elas nos séculos passados, mesmo que de forma não exaustiva.

Poucas referências à infância no início da civilização humana são encontradas, como


relatam alguns autores 3 . A maior parte dos dados sobre a infância diziam respeito à
mortalidade infantil, que permaneceu alta no Ocidente até o início do século XX, sinal de
certo descaso que os adultos tinham em relação às crianças. Quando as visões sobre elas
começaram a mudar, por volta do século XVIII, os pais começaram a assumir de modo
diferenciado a atitude de cuidar dos filhos, de caráter mais “moderna” (HEYWOOD, 2004).
O estudo histórico de Philippe Ariès (1978) destacou que, durante parte da Idade
Média, as crianças eram consideradas apenas seres biológicos, sem importância social e
autonomia. Ariès apresenta como a infância era esquecida na Idade Média, não havia qualquer
sentiment de l’enfance 4 , qualquer consciência da particularidade infantil. A sociedade
medieval, afirma o autor, não percebia a criança como um ser diferente do adulto.
O sentimento de infância surge apenas no século XIX (ARIÈS, 1978). Até aquele
momento, as crianças eram tratadas como adultos em miniatura. Os cuidados especiais eram

3
Ver Ariès (1978) e Heywood (2004)
4
Presente na obra “História social da criança e da família” de Philippe Ariès (1978), o termo é usado para
demonstrar que , na idade média, a criança era não era reconhecida como um ser que precisava ser protegida, que
tinha necessidades especificas. O sentimento moderno de infância, também apresentado por Ariès, considera a
criança de forma contraditória, primeiro como ser ingênuo e puro e segundo como um ser imperfeito e
incompleto que preciso de “moralização” e educação feita pelo adulto.
10

destinados somente aos primeiros anos de vida, uma espécie de “quarentena” 5 , antes que
pudessem integrar o mundo dos adultos. A partir dos quatro anos de idade as crianças já
participavam das atividades adultas para, em seguida, serem usadas como mão de obra para o
trabalho familiar.
Heywood (2004), no entanto, faz uma crítica aos estudos de Ariès e mostra em seu
trabalho que a infância estava presente na Idade Média, apesar da sociedade não despender
muito tempo com ela. O autor afirma que a Igreja se preocupava com a educação das crianças
com o uso de cartilhas ilustradas para ensinar religião e gramática, demonstrando uma
consciência de que as percepções de uma criança eram diferentes daquelas dos adultos
(HEYWOOD, 2004, p. 36-7).
Já no século XIX a criança aparece sem valor econômico para as classes médias
urbanas, ou seja, não eram mais usadas como força de trabalho. No entanto, a classe
trabalhadora continuou contando com o salário dos filhos. Com o intuito de retirar as crianças
dos locais de trabalho, os reformadores norte-americanos promoveram uma espécie de
“sacralização das crianças”. A consequência foi um aumento do valor sentimental das
crianças, tanto no cenário da classe média quanto da classe trabalhadora. (HEYWOOD, 2004)
A historia cultural da infância, como mostra Heywood, tem seus marcos e, com o
passar do séculos, as mudanças rumaram a uma sociedade pluralista que favoreceu a mudança
do conceito de infância e suas representações. As crianças foram sendo, gradualmente,
separadas do mundo adulto, saíram dos locais de trabalho para as escolas. As novas infâncias
começam a mudar e, portanto, novas questões e vivências surgem.
Após os anos 1970, no entanto, há sinais de uma crise cultural ou representacional da
infância. Apontamos o texto de Postman (1999) que anunciam o “desaparecimento” da
infância argumentando que as fronteiras entre a infância e a idade adulta estão enfraquecendo.
De acordo com Postman, a infância foi inventada pela imprensa e as mídias eletrônicas - em
especial a televisão - estão ‘acabando’ com ela. O autor, no entanto, assume uma postura
determinista, quando afirma que “todo meio de comunicação que se liga numa tomada na
parede contribuiu com sua parte para liberar as crianças do limitado círculo da sensibilidade
infantil” (POSTMAN, 1999, p.104).

Para Postman a televisão, por ser um meio de comunicação de fácil acesso, não
requerer uma alfabetização escolar, com imagens concretas e autoexplicativas, é capaz de

5
Período em que a criança recebia tratamento especial antes que pudessem integrar o mundo adulto. Essa
quarentena foi substituída posteriormente pela escola. Heywood (2004).
11

revelar as crianças os segredos do mundo adulto. Com base nessa perspectiva, a tecnologia é
capaz de exercer sua influência sobre as crianças sem que elas possam reagir. O autor se apoia
numa visão das mídias como uma massa homogênea e as crianças são vistas como receptoras
passivas e indefesas diante da manipulação midiática. Essa ideia ignora, claramente, os
diversos fatores presentes na relação da criança com as mídias, que não são necessariamente
ruins. Podemos apontar o uso das mídias na educação, que potencializam a aprendizagem,
além do uso como forma de socialização e participação da criança e do adolescente.

Castro (2002) discute a ideia de Postman afirmando que criança e adulto são
construções que se definem reciprocamente e que a afirmação da morte da infância
desconsidera a produção social da diferença “uma vez que o que morre é aquela infância que
conhecemos num determinado momento histórico, ou seja, a mesma diferença entre adultos e
crianças não permanece” (CASTRO, 2002, p.49).
A compreensão moderna da infância, caracterizada como frágil, inocente e imatura,
fomentou as práticas de proteção e controle por parte da família, da escola e do Estado. As
crianças são definidas por suas características particulares, tanto por si mesmas como pelos
outros – pais, professores, pesquisadores, políticos e pelos meios de comunicação.
(BUCKINGHAM, 2000). Como defende o autor, essas definições “são codificadas em leis e
politicas, e se materializam em formas particulares de práticas sociais e institucionais, que por
sua vez ajudam a produzir as formas de comportamentos vistas como tipicamente “infantis” –
ao mesmo tempo em que geram resistências a elas” (BUCKINGHAM, 2000, p.20).
A manutenção e definição do conceito de infâncias dependem, portanto, dos discursos
produzidos pelos adultos e também pelas crianças. Buckingham divide esses discursos em
dois: os produzidos por adultos para adultos – discursos científicos - e os produzidos por
adultos para crianças. No primeiro, apontamos os discursos acadêmicos e profissionais, os
programas de televisão e a literatura popular. No segundo, apontamos a literatura infantil, e os
conteúdos infantis para televisão e outras mídias. Tais definições, no entanto, são
consideradas, em certos momentos, contraditórias, pois dizem muito mais sobre as ideias dos
adultos a respeito da infância do que sobre a própria realidade vivida pelas crianças.
A narrativa moderna condicionou a condição da criança, marcada pelas noções de
despreparo e inocência, que após atender às exigências da modernidade, de aprender e superar
a infância, daria lugar ao adulto preparado (CASTRO, 2002). Dessa forma, podemos dizer
que a noção de infância é marcada por uma ideologia que serve para manter as relações entre
os adultos e as crianças. “As definições adultas da infância são concebidas para proteger e ao
12

mesmo tempo controlar as crianças” (BUCKINGHAM, 2000, p. 27). O autor argumenta que
as definições de infância não podem ser neutras estando focadas, principalmente, no que as
crianças não são capazes de fazer, diferenciando-as mais uma vez dos adultos.
Nesse contexto, a criança é vista como aquela que ainda não é capaz de fazer de certas
atividades, é considerada aquela que “virá-a-ser” e aquela que não apresenta competências no
presente. A infância é definida, portanto, como uma “fase preparatória para etapas seguintes
quando, então, ingressaria no mundo produtivo”. (CASTRO, 2002, p.22). A condição de
despreparo e inocência da criança é vista, então, como um momento de preparação para a
criança dar lugar ao adulto preparado com domínio de si. Tal perspectiva ignora a função de
agente social e de coparticipante na produção da cultura que a criança tem.

Considerar as crianças atores sociais implica necessariamente reconhecer sua


capacidade de produção simbólica e a constituição de suas crenças e representações
em gera, em sistemas organizados: culturas, as culturas infantis – em sua pluralidade
de saberes, percepções, símbolos, experiências, significações... exatamente o que
não nos permite falar em cultura mas culturas; em criança mas crianças. (SOUZA,
2014, p.07)

O lugar social da infância é, por vezes, contraditório. Constantemente apontadas como


despreparadas e inocentes, as crianças contradizem essa afirmação quando demonstram
habilidade para usar as tecnologias. “Ela [criança] é, ao mesmo tempo, aquela que não sabe e
que tem que ir a escola para aprender e, por outro lado, ela sabe mais que os pais – exemplo
ao lidar com a tecnologia contemporânea (CASTRO, 1998, p. 16).
A vida das crianças e, consequentemente, os significados atribuídos à infância,
mudaram de forma significativa nas últimas décadas (CASTRO, 2010). As crianças na
contemporaneidade são chamadas a crescer, amadurecer e se prepararem para o futuro, mas
especificamente para o mercado de trabalho e para as responsabilidades e desafios do mundo
adulto. Esse imperativo de crescimento está presente nos discursos que percorrem as práticas
infantis, em especial na mídia.
A vivência da infância na contemporaneidade é marcada pela diversidade e pela
pluralidade de papeis. Assumem uma face em que aparecem submissas aos pais, às
instituições como a escola, nas quais devem ser comportadas e obedientes. Por outro lado,
estão “livres”, quando estão debruçadas em atividades como brincar, assistir TV, acessar
internet, jogar videogames etc. Há também o papel de pertencente á família, cuidada e
amparada e há, ainda, aquelas que não contam com esse amparo e vivem abandonadas nas
ruas das grandes metrópoles. Mesmo para criança que vive em uma família não significa que
ela contará com a presença constante de seus responsáveis. Elas estão cada vez mais
13

solitárias, “estão cada vez mais restritas a convivência dos seus pares, enquanto seus pais
estão ocupados em ganhar dinheiro, sobreviver e não perder tempo” (CASTRO, 1998).

1.1 Infâncias na rede

Novas formas de infâncias se constituem quando se criam novos espaços de conexões


e interações, em particular em rede, entre crianças e tecnologias como a internet (PROUT,
2000). De forma cada vez mais intensa, essas crianças utilizam a internet no seu cotidiano, em
proporções significativas, e incorporam, gradativamente, novas tecnologias de acesso como
celulares, tablets e notebooks. O uso desses dispositivos móveis tem transformando as
práticas sociais e as formas das crianças e jovens se relacionarem com a família, com os
amigos e com a própria tecnologia. As crianças de hoje, em grande parte, tendem a por em
questão as imagens de um ser inteiramente ingênuo, puro e inocente desafiando a família, a
escola e a sociedade, de forma geral, a compreender essas novas infâncias.
Termos como “crianças high-tech 6 ”, “infância digital” são usados para definir as
crianças da contemporaneidade como mais inteligentes do que as crianças de outras épocas e,
muitas vezes, como mais inteligentes que os adultos de sua própria época. Muitas vezes as
crianças podem manter uma relação com a tecnologia que alguns adultos não serão capazes de
alcançar. Estamos falando de uma geração que é capaz de dominar a tecnologia antes mesmo
de serem alfabetizadas. Uma infância que se mostra ativa e detentora das habilidades
específicas para manusear os aparelhos, contraditoriamente, é sempre lembrada como aquela
que ainda está em formação.
As crianças são vistas, portanto, como possuidoras de qualidades inerentes. Elas são
apontadas como sendo quem melhor responde a essas novas abordagens: o computador
liberaria sua criatividade natural e seu desejo de aprender, aparentemente bloqueados ou
frustrados pelos métodos antiquados. A perspectiva trazida por Prensky (2001) de que
crianças e jovens nascidos nas últimas duas décadas constituem uma geração de “nativos
digitais”, que exploram na ponta dos dedos as potencialidades dos novos equipamentos
digitais se popularizou.
Para Prensky (2001), essas crianças estão acostumadas a adquirir informação de forma
rápida e costumam recorrer primeiramente a fontes digitais e à Web antes de procurarem em

6
Disponível em http://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2012/10/criancas-high-tech-do-am-optam-por-
presentes-como-games-e-tablets.html. Último acesso em 20/11/13.
14

livros ou na mídia impressa. Levando em consideração as práticas sociais das crianças e


adolescentes e, por entender a tecnologia digital como uma linguagem, Prensky os descreve
como Nativos Digitais, uma vez que “falam” a linguagem digital desde que nasceram.
Contudo, ao considerar que os mais novos constituem uma geração homogênea, as diferenças
culturais e socioeconômicas, de condições de vida e dos recursos existentes à volta da sua
realidade são descartadas. Além do mais, as crianças não sabem “naturalmente” como usar
computadores e tecnologias móveis. Apesar das habilidades apresentadas pelas crianças, o
termo ”infância digital” não se aplica, pois da mesma forma que elas descobrem,
experimentam e aprendem com a tecnologia os adultos também o fazem.
Para Tapscott (1998), que discute de forma otimista os usos das tecnologias por
crianças, o uso dessas tecnologias traz oportunidades de descoberta de “novos mundos”, de
aprendizagem e crescimento, de interação com as telas, de criatividade e auto expressão. O
autor defende que as crianças, hoje, adquirem poder e voz por meio da tecnologia, em
especial o computador.
As crianças hoje têm novas e poderosas ferramentas para investigação, analise, auto-
expressão, influência e brincadeira. [...] Ao contrario da televisão, que era feita para
elas, as crianças é que são os atores no mundo digital. (TAPSCOTT, 1998 apud
BUCKINGHAM, 2000).

Nessa dimensão, as novas tecnologias ampliam, de uma forma sem precedentes, o


acesso das crianças aos diversos conteúdos e saberes, o que acaba por as inclui-las na
sociedade. Elas não só absorvem o que está disponível, como reconfiguram, reelaboram
ressignificam e emitem por meio das inúmeras ferramentas tecnológicas a que têm acesso
(TOMAZ 2011).
A visão de Tapscott (1998) pode ser considerada determinista, quando ele afirma que
a tecnologia provoca mudanças inevitáveis. Dessa forma, os contextos sociais nos quais as
mídias são criadas e a forma como são usadas tendem a ser negligenciadas. Apesar da visão
otimista do autor, as tecnologias propiciam situações de riscos que podem resultar em
experiências negativas ou gerarem danos para os jovens usuários. Os discursos midiáticos
geralmente tratam dessa dualidade, quase que invariavelmente fazem referência aos
malefícios e benefícios que a tecnologia pode provocar nas crianças.
Para enfrentar essas questões, a criança necessita de “uma família para poder ser
educada e ‘ser alguém na vida’ mais tarde” (CASTRO, 1998). A família hoje tem novas
configurações, se constitui de formas diferentes e, por vezes, complexas para classificarmos o
que tradicional e o que é contemporâneo. Com base nisso, convém considerar as novas
reconfigurações familiares na qual a criança está presente.
15

Nos últimos anos, temos observado uma mudança estrutural nos grupos familiares,
reflexo de diversos fatores. De acordo com o Censo 2010 7 a participação da mulher no
mercado de trabalho, as baixas taxas de fecundidade e o envelhecimento da população são
fatores fundamentais nessa mudança. Nesse contexto, o número de mães trabalhando fora
aumentou, as mulheres são responsáveis por 37,3% das famílias, mas em 62,7% dos lares o
rendimento delas ajuda no sustento da casa. Apesar da composição de casais com filhos ainda
representar a maioria das famílias brasileiras, esse modelo familiar diminui de 63,6%, em
2000, para 54,9% em 2010.
O estudo traz indicativos do aumento das uniões reconstituídas. Em 16% das famílias
com filhos, as crianças são só de um dos parceiros ou de ambos em relacionamentos
anteriores. Ao mesmo tempo em que aumenta o número de famílias no Brasil, elas estão
menores. As mulheres têm cada vez menos filhos - 1,9 por mulher - e, de acordo com a
pesquisa, a família brasileira é constituída, em média, por três pessoas.
O número de divórcios, segundo as Estatísticas do Registro Civil, em 2012 apresentou
uma redução de 1,4% em relação a 2011. Já os casamentos triplicaram no mesmo período. Os
cartórios registraram um milhão de casamentos enquanto a quantidade de divórcios chegou a
341,6 mil8.
Essas mudanças são graduais, porém muito significativas. Elas sugerem que mesmo
em famílias nucleares as crianças passam menos tempo com seus pais e mais tempo em
instituições – em especial a escola - ou em casa aos cuidados de outras pessoas.
Nesse contexto, há sinais de que o lugar da criança dentro da família tornou-se mais
significativo apesar das crianças ficarem menos na presença dos pais. De certo modo, como
argumenta Buckingham, a “valorização” da infância pode ser vista como um fenômeno
compensatório à ausência dos pais.
As crianças “pesam nos orçamentos das famílias, nas despesas de educação e de
ocupação dos seus tempos livres” (CASTRO 1998, p.21). Para entretê-las os pais investem
em equipamentos eletrônicos, como celulares, computadores e tablets, além de investirem na
ocupação de seus tempos livres com atividades que vão desde aulas de línguas estrangeiras a
atividades físicas.

7
Censo Demográfico: pesquisa, realizada a cada dez anos pelo IBGE, que reúne informações sobre a população
brasileira. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/default.shtm. Último
acesso 14/08/2014.
8
Disponível em http://g1.globo.com/brasil/noticia/2013/12/taxa-de-divorcio-tem-primeiro-recuo-no-pais-apos-
mudanca-na-lei-diz-ibge.html. Último acesso em 27/08/2014.
16

Como afirma Hood (1996), uma série de produtos, digitais em sua maioria, é oferecida
às crianças como forma de lazer seguro.

Desde os anos 1970, o “brincar lá fora” vem sendo continuamente substituído pelo
entretenimento doméstico (especialmente através de televisão e computador) e
principalmente entre as classes mais privilegiadas – por atividades de lazer entre as
de lazer supervisionadas, como os esportes organizados, as aulas de música e assim
por diante. (HOOD, (1996) apud BUCKINGHAM, 2000).

O tempo de lazer das crianças está repleto de atividades tecnológicas e cada vez mais
voltado para o universo do consumo. O aumento das atividades de assistir TV, navegar na
internet, jogar videogame e outros está relacionado com a redução de oportunidades de
brincadeiras nos espaços públicos.

o principal lugar de lazer da criança foi deslocado dos espaços públicos (como as
ruas) para os espaços familiares (a sala de estar) e daí para os espaços privados (o
quarto de dormir). A preocupação com “o perigo dos estranhos”, o tráfego e outras
ameaças às crianças encorajou pais e mães a equipar o lar (e em particular o quarto
das crianças) como um local de diversão, uma alternativa tecnologicamente rica aos
riscos potenciais do mundo exterior. (LIVINGSTONE, 1993 apud BUCKINGHAM
2000).

Essas mudanças também estão relacionadas à crescente preocupação dos pais com os
perigos presentes nas ruas, diretamente ligados ao aumento da violência urbana. A vida das
crianças passa, então, a se deslocar do espaço público para o privado, situação que está
relacionada com “declínio da cultura da rua” (ESPANHA, 2012) e aumento da cultura do
lazer dentro de casa.
Os quartos das crianças, portanto, são equipados com equipamentos eletrônicos, em
especial dispositivos móveis, fazendo com que o lazer dentro de casa se torne atrativo. “O
quarto das crianças deixou de ser aquele espaço privado onde se dorme, se estuda ou
confinado a práticas mais íntimas. É onde se realiza cada vez mais todo um conjunto de
práticas ligadas aos media” (ESPANHA, 2012, p.49). Essa tendência é denominada de cultura
1 do quarto (CARDOSO, 2012; MORAIS, 2012; MATOS, 2012), que empurra os jovens para
o espaço do quarto onde um conjunto de equipamentos mediáticos - TV, Rádio, computador –
estão presentes.

Dans les dernières décennies, dans un contexte social placé sous le signe du virage
technologique, beaucoup de parents désireux d’assurer la réussite scolaire de leurs
enfants se sentaient obligés d’équiper le foyer d’un ordinateur. Pour ces parents, la
technologie dictait le temps présent et permettait d’acquérir une prise sur l’avenir
(GIROUX, apud CARON, 2005)
17

Com base nessa cultura, as crianças e adolescentes usam as mídias de uma maneira
mais individualizada, já que a posse das mídias digitais são, em grande parte, concebidas para
terem usos individuais e não mais compartilhadas pela família.
Observamos, portanto, a presença do consumo nas atividades de lazer, seja na compra
de equipamentos digitais para equipar o lar, seja no lazer fora de casa. O mercado tem reunido,
portanto, opções de lazer e transformando-as em mercadorias e bem simbólicos (Freyre, 2013). O
lazer torna-se um objeto a ser comprado, privilegiando o acesso das classes mais favorecidas
economicamente. As formas de lazer e, portanto, de brincar não são iguais para todas as crianças.
Uma opção de lazer para as crianças pertencentes às classes C e D passou a ser a ida ao
shopping center, que tem se tornado referência de centro de diversão9. Uma pesquisa realizada
pelo Ibope Inteligência mostra que o número de consumidores da classe C e D, do Nordeste,
cresceu nos últimos quatro anos 10 . O número de frequentadores de shopping da classe C, de
acordo com a pesquisa, cresceu de 30% para 37%. Isso se deve à ascensão social das famílias e à
expansão dos shoppings que chegaram também aos municípios do interior.
Podemos observar que em épocas como as férias e dia das crianças, os shoppings estão
lotados. São nesses períodos, muitas vezes, que as crianças têm a oportunidade de frequentar esses
espaços como forma de lazer. “Dessa forma, são usadas e comercializadas diversões,
entretenimentos, brincadeiras e brinquedos, dentre muitos outros difundidos pelas mídias e
publicidade, que educam para determinadas escolhas e desejos dos consumidores” (PINTO,
apud FREIRE, 2013). Podemos perceber, portanto, que as práticas de lazer estão se
relacionando com o consumo. Desde o consumo de aparelhos e brinquedos eletrônicos para
manter as crianças em casa, à diversão em ambientes como o shopping, lugar de promoção do
consumo.
Vários são os fatores que dificultam o brincar fora de casa, ao ar livre, em especial nas
grandes cidades. A falta de segurança, a falta de espaços apropriados para a brincadeira, o
medo do grande movimento de carros, entre outros, fazem com que os ambientes fechados e
privados sejam mais usados como opções de lazer, já que tendem a conferir um sentimento de
“segurança”.
Embora, em termos gerais, a diversão fora de casa tenha perdido espaço para a
diversão doméstica, na sua grande parte individualizada no uso da TV, dos computadores e
dos celulares, é importante não ignorar a sobrevivência das atividades culturais e brincadeiras

9
Disponível em : http://www.altitudecomunicacao.com.br/site/as-mudancas-no-lazer-da-nova-classe-media-
brasileira/ Último acesso: 23/10/14
10
Disponível em:
http://www.opovo.com.br/app/opovo/economia/2014/10/25/noticiasjornaleconomia,3336784/cresce-numero-de-
consumidores-das-classes-c-e-d.shtml
18

mais tradicionais da cultura infantil. Destacamos que o brincar não acabou só não é o mesmo
de outras épocas.
Os meios de comunicação não são a única causa de mudanças na infância
contemporânea. No entanto, eles estão presentes nas vivências cotidianas das crianças de
forma bastante significativa e contribuem para os processos de reelaboração dos saberes a
respeito da infância. Percebemos, então, que a criança tem usado as novas mídias e as novas
tecnologias como forma de ocupar novos lugares na sociedade, já que elas possibilitam um
protagonismo infantil antes não alcançados.

Por meio da tecnologia, vemos uma infância que agora pode ter acesso a
informações vindas de todas as partes do mundo, comunicar-se rapidamente, e
vivenciar, no presente, trocas significativas, em vez de voltar-se exclusivamente para
sua preparação para a idade adulta. (PROUT apud MARTINS; CASTRO, 2011).

O uso das tecnologias e das mídias pelas crianças, portanto, alterou as formas de
brincar, a utilização do tempo de lazer, dos espaços, trouxe novas linguagens, além de novos
costumes de consumo. Na rede, as crianças conquistam espaços como consumidoras e
também como produtoras de conteúdo, quando fazem uso de sites de redes sociais de blogs
por exemplo. As atividades disponíveis são muitas, as crianças usam a mídia para se
comunicarem, como entretenimento, para aprender e também para comprar. Como aparece
nos estudos (LIVINGSTONE; HADDON, 2012), jogos, redes sociais, programas de
mensagens instantâneas, sites de vídeos como o Youtube, etc. são novas ferramentas de lazer.

Ao contrário das mídias impressas, que colocam pré-requisitos para o seu consumo e
não favorecem a interação, as mídias digitais, como a internet, facilitam a participação das
crianças e dos adolescentes além de possibilitar maior interação e socialização. Dessa
maneira, a relação da criança com a internet proporciona diversas oportunidades, mas,
igualmente um conjunto de riscos. “Os computadores e a internet são objetos ambivalentes:
por um lado, são valorizados pelo seu potencial educativo; por outro, são receados pelos
contatos indesejados com desconhecidos e ameaças causadas por pares que podem propiciar”
(PONTE, 2012, p.22) .

As oportunidades de aprendizagem, de interação com os pares são, geralmente, os


principais argumentos para que as crianças tenham acesso à internet. As novas tecnologias de
comunicação, como observamos, têm contribuído para a democratização do conhecimento,
19

tornando-o acessível e trazendo novas possibilidades de usos.

As oportunidades, no entanto, tendem a estar associadas aos riscos (LIVINGSTONE;


HELSPER, 2010). O tempo gasto pelas crianças na internet, mesmo que em atividades como
pesquisas escolares pode trazer algum risco, como a exposição excessiva à publicidade, como
o recebimento de spams por exemplo. Ressaltamos que as práticas sociais das crianças na
internet estão, muitas vezes, nas fronteiras entre os riscos e as oportunidades, podendo gerar
tanto um quanto outro. A participação de crianças e adolescentes na elaboração de blogs, por
exemplo, tanto pode possibilitar formas de expressão e sociabilidade da criança, quanto pode
significar a exposição delas e proporcionar contatos indesejados e pouco recomendados com
estranhos.

Quando se trata da internet no Brasil, as crianças, segundo o IBOPE em 2012, ficaram


em média 17 horas conectados ao computador. Ao levarmos em consideração a quantidade de
publicidade existente nos sites de redes sociais, essas crianças estão sendo bombardeadas de
comunicação mercadológica. Essa exposição se configura num risco, pois pode promover
uma educação materialista das crianças, promovendo o consumismo e fazendo com que elas
tenham mais dificuldade de localizar os valores humanos na sociedade, deixando valores
associados à posse de bens materiais acima disso.

O fato das crianças, menores de oito anos, não compreenderem completamente o


discurso publicitário e terem influência nas decisões de compra da família as tornam um
público de interesse das grandes instituições que direcionam, cada vez mais, seu discurso a
elas. Tal relação é perigosa, pois as crianças podem compreender aquela publicidade como
algo completamente bom e verdadeiro.

as crianças estão muito mais sujeitas à persuasão simplesmente em virtude de sua


imaturidade “as crianças como telespectadores nem têm a habilidade de entender os
objetivos persuasivos da propaganda nem a maturidade conceitual e a experiência
necessárias para avaliar racionalmente as mensagens comerciais” (LEISS; KLINE;
S.JHALLY apud BUCKINGHAM. 2000).

Em pesquisa com crianças de 8 a 12 anos sobre publicidade, Buckingham percebeu


que elas estavam mais conscientes das funções persuasivas da publicidade e de que nem todas
as informações dadas pelas propagandas eram completamente verdade. O autor afirma que
elas estavam equipadas com “defesas cognitivas’’ contra a influência da propaganda. No
20

entanto, ele argumenta que o fato das crianças contarem com essas defesas não significa que
elas vão usá-las,

ou mesmo que elas necessariamente tornarão as crianças capazes de resistir aos


apelos de determinados anúncios. Saber que as propagandas têm planos para você
não significa necessariamente que você sempre as rejeitará, e um cinismo genérico
sobre a propaganda certamente não impede que determinados anúncios sejam
apreciados. (BUCKINGHAM, 2000, p.220)

O objetivo da publicidade dirigida às crianças é atingir os pais, que são os que de fato
possuem condições financeiras para comprar os produtos. Buckingham (2000) questiona até
que ponto as crianças devem ser consideradas consumidoras: “as crianças certamente
consomem bens e serviços, mas os recursos econômicos que lhes permitem fazê-lo estão em
geral fora do seu controle”. Levando em consideração esse aspecto, qual a razão das empresas
anunciarem para as crianças? Como foi explicitado anteriormente, as crianças têm grande
poder de decisão nas compras da família, além de serem consumidoras futuras. Ao direcionar
seus anúncios a esse público, as empresa utilizam desse fator, porém, violam os direitos da
criança e se aproveitam delas, que não compreendem totalmente o discurso publicitário.

Além do risco presente na relação com a publicidade, podemos apontar outros


presentes na relação com a internet, o bullying, que tem envolvido cerca de 30% dos
estudantes brasileiros na prática, segundo o IBGE11. entre outros.

No capítulo seguinte, continuamos com a discussão dos riscos e das oportunidades,


com base na compreensão de que os riscos e as oportunidades online são resultado dos
acessos, uso e domínio de competências.

Entendemos que, ao se apropriarem das mídias, as crianças fortalecem e/ou redefinem


valores, sentidos e experiências, começam a formar suas identidades na sociedade. As
infâncias, são enfim, constantemente reinventadas; as crianças acrescentam novos elementos
às suas práticas sociais e às suas culturas.

Como argumenta Castro (1998), é difícil analisar a cultura contemporânea porque nos
faltam, muitas vezes, conceitos e noções que possam expressar a especificidade da natureza
da experiência na contemporaneidade. Compreender a infância na cultura contemporânea,
portanto, coloca-nos frente a condições de vida complexas, múltiplas e contraditórias. O lugar

11
Disponível em: http://g1.globo.com/minas-gerais/triangulo-mineiro/noticia/2014/08/projeto-de-alunos-da-
facip-aborda-bullying-nas-escolas-de-ituiutaba.html. Último acesso: 23/11/14
21

da criança não se limita a uma única posição como foi durante muito tempo na história da
infância, ao contrário, elas se colocam em condições diversas.
22

2. USOS E APROPRIAÇÕES DAS TECNOLOGIAS

As tecnologias da informação e da comunicação (TIC) têm modificado a forma de


viver das pessoas e o modo como elas realizam suas atividades cotidianas. Muitas delas são
hoje realizadas através da internet, como fazer compras e pagamentos online, conversar com
amigos, fazer pesquisas, etc. O avanço tecnológico atrai as pessoas com a promessa de maior
rapidez, poder, controle, conhecimento, prazer e desenvolvimento (VALENTINE;
HALLOWAY, 2001). As mudanças promovidas pelo advento das mídias digitais, bem como
a internet, provocaram transformações também no modo como as pessoas se informam, se
comunicam, interagem e se relacionam.

Cada vez mais os indivíduos preferem buscar informação e conteúdo simbólico em


outras fontes do que nas pessoas com quem interagem diretamente no dia a dia. A
criação e renovação das tradições são processos que se tornam sempre mais
interligados ao intercâmbio simbólico mediado (THOMPSON, 1998, p.82).

Uma das implicações do surgimento dessas novas tecnologias é a alteração no


contexto e nas possibilidades de interações sociais. Os novos meios de comunicação criam
novas formas de ação e interação e novos tipos de relacionamentos, que reorganizam as
interações através do espaço e do tempo (Thompsom 1998). As interações mediadas pelo
computador, portanto, passam a se dissociar do espaço físico de uma maneira que permitem a
comunicação entre pessoas que não dividem o mesmo referencial espaço-tempo. As
interações mediadas pela tecnologia começam, então, a ganhar mais espaço na vida das
pessoas, em especial das crianças e dos adolescentes. Apoiando-se em autores como Giddens,
Meyrowitz, entre outros, Sampaio (2000, p. 282) afirma que: “As mídias potencializam,
assim, um novo tipo de experiência, marcada pela diluição, alteração e reconstituição das
zonas de fronteiras, tradicionalmente demarcadas, na comunicação face a face, pelas
experiências localizadas dos agentes”.

Na interação face a face, as deixas simbólicas – gestos, entonação da voz, mudanças


na fisionomia etc. – facilitam a compreensão da mensagem, no entanto, os indivíduos
precisam compartilhar o mesmo referencial espaço-tempo. Como na interação mediada, os
indivíduos não dividem o mesmo espaço, há uma falsa sensação de encurtamento de
distâncias. No entanto, as deixas simbólicas são limitadas. Thompson (1998, p.81) esclarece
23

que os tipos citados não esgotam os cenários de interação. “Outras formas de interação podem
ser criadas, por exemplo, pelo desenvolvimento de novas tecnologias da comunicação que
permitem um maior grau de receptividade”.

Já que na comunicação mediada pelo computador não existe proximidade geográfica,


as comunidades se formam sobre os interesses que seus membros têm em comum. “A partir
deste interesse, as pessoas conseguiram criar entre si relações sociais independentes do fator
físico, e com o tempo essas relações tornar-se-iam de tal forma poderosas que poderiam ser
classificadas como laços comunitários” (RECUERO, 2009).

As crianças, consequentemente, também participam dessas novas formas de interação


através da tecnologia. Os objetos tecnológicos estão presentes em ambientes frequentados por
elas como a casa; incorporando as atividades de lazer, e a escola, como forma de desenvolver
aprendizagens. No uso diário das mídias, as crianças incorporam novas experiências,
ampliando suas vivências e possibilidades de aprendizado, “a partir do contato com conceitos
e práticas diferenciadas daquelas partilhadas ao nível de suas comunidades de pertença
(família, grupos de amigos etc)” (RECUERO, 2009 p.285). As novas tecnologias no dia a dia
das crianças, portanto, contribuem para a socialização, construção de identidades,
aprendizagem e autoexpressão.

Ao usarem as mídias, então, as crianças descobrem novos espaços, aprendem e


também fazem leituras das mensagens presentes nessa relação. Hall (1980) discute que não
existe um significado único dos conteúdos midiáticos e não poderá existir, portanto, apenas
uma leitura possível das mensagens das mídias. Com base nisso, há diferenças na
interpretação da informação, sua recepção e apropriação em relação ao sentido atribuído pelo
emissor da mensagem.

Hall (1980), difere duas esferas de ação, dependentes e construídas em conjunto por
fatores sociais e culturais: a codificação e a decodificação. A mensagem é vista como
polissêmica, ou seja, apesar de ser construída com base em uma “leitura preferencial”, os
sentidos podem ser reconstruídos. Dessa maneira, o público constrói a leitura a partir da
aceitação de alguns valores presentes na “leitura preferencial” e da recusa de outros. Os textos
mediáticos, portanto, são analisados considerando o processo de recepção e apropriação do
público.
24

O autor também apresenta um modelo que traz elementos que favorecem o público a
ter diferentes tipos de leitura. Hall (1980) classifica três tipos de leitura: dominante; negociada
e de oposição. Na dominante, predominam os códigos dominantes, mais próximas aos
sentidos preferenciais que coadunam com a postura hegemônica midiática. Na leitura
negociada o receptor tende a adotar uma postura intermediária, mesclando aspectos extraídos
dos códigos dominantes com outros aspectos que se aproximam dos códigos de oposição. Na
leitura de oposição, por sua vez, o “receptor” 12 tende a decodificar a mensagem de forma
contrária à pensada pelo emissor. Essa compreensão representou um avanço nas discussões dos
processos de recepção ao serem propostos. Os avanços nos estudos deste campo, muitos dos quais
seguindo essas pistas, só ampliaram a compreensão da complexidade desse processo, que não se
esgota apenas nas opções indicadas.

Para se apropriar de uma mensagem, ela precisa ser recebida e compreendida a partir
das habilidades e competências de cada indivíduo. Quando interpretam as formas simbólicas,
os indivíduos as incorporam à compreensão que têm si mesmos e do mundo. Com base nisso,
Thompson (1998) se refere ao termo apropriação como um extenso processo de conhecimento
e autoconhecimento.

Apropriar-se de uma mensagem é apoderar-se de um significativo e torná-lo


próprio. É assimilar a mensagem e incorporá-la à própria vida – um processo
que muitas vezes acontece sem muito esforço, e outras vezes requer deliberada
aplicação. É adaptar a mensagem à nossa própria vida e aos contextos e
circunstancias em que vivemos; contextos e circunstancias que normalmente
são bem diferentes daqueles em que a mensagem foi produzida (THOMPSON,
1998 p.45).

A apropriação é, portanto, um aspecto comunicacional que contempla os contextos


sócio-históricos particulares, sendo assim uma prática situada. Os atores e grupos sociais,
portanto, recebem a mensagem e a ressignificam.

12
Nesse sentido, o receptor é entendido não apenas um indivíduo passivo, como um receptáculo vazio ou como
vítima dos meios. Ao contrário, o receptor deve ser encarado como um sujeito ativo – embora em alguns
momentos seja também passivo - do processo de comunicação, que interage, interpreta e reelabora as mensagens
das mídias.
25

De acordo com a pesquisa TIC Domicílios 2013, o Brasil tem 85,9 milhões de
usuários de internet. No entanto, os processos de apropriação das mídias podem ocorrer de
forma desigual e excludente, variando segundo o acesso de cada região do país.

Gráfico 1 – Acesso à internet por região do país

Fonte: Cetic.br (2013)13

O gráfico acima mostra a porcentagem de domicílios com acesso à internet, com


exceção do acesso por meio do celular, de acordo com as regiões do país. A diferença por
regiões é evidente, as regiões Norte e Nordeste têm menos domicílios com acesso, 26% e 30%
da população, respectivamente. As regiões Sul e Sudeste contam com a mesma percentagem,
51% da população; e a região Centro-Oeste está mais próxima das médias do Sul e Sudeste,
com 44% dos domicílios acessando a internet. Apesar do aumento do acesso a internet, ele
ainda é desigual principalmente nas regiões Norte e Nordeste14.

Essas desigualdades de acesso geram, portanto, diferentes apropriações das mídias


digitais. A questão da inclusão digital é um tópico determinante para os usos da rede e se
aplica aos mais jovens que têm os usos marcados por um leque de oportunidades (SIMÕES,

13Pesquisa TIC Domicílios 2013.


14
Disponível em : http://www.prodeb.ba.gov.br/modules/news/article.php?storyid=832 Último acesso em:
04/11/14
26

2012) No caso das crianças brasileira, 77% são usuárias da internet e 63% delas usam a rede
todos os dias. Conforme gráfico abaixo, entre as atividades realizadas mais citadas pelas
crianças que participaram da pesquisa estão: atividades escolares, acesso a redes sociais, visita
a site de vídeos, jogos online, etc.

Gráfico 2 – Atividades realizadas na internet

B Fonte: Cetic.br (2013)

Esses dados evidenciam que as crianças utilizam o meio digital mais em função das
atividades de lazer e entretenimento, das práticas cotidianas e das atividades educacionais.
Como afirma Girardello (2005), o computador pode ser comparado a um entre os vários
brinquedos utilizados pela criança. “O computador é desde já um espaço onde se brinca”
(GIRARDELLO, 2005, p.7)

Nesse sentido, Livingstone (2003) destaca que a apropriação da tecnologia pelas


crianças não é um substituto das atividades infantis, relacionadas ou não com a tecnologia,
27

mas sim um complemento que pode ampliar essas práticas. Em alguns momentos as mídias
não vistas como concorrentes, já que as crianças e os adolescentes fazem uso delas em
simultâneo: usam a internet enquanto assistem TV ou escutam música, enquanto comentam
fotos e conversam com os amigos e parentes etc. As crianças, então, consomem as novas
mídias ao mesmo tempo em que consomem as “velhas”, porém em proporções diferentes.
Pesquisas vem demostrando que as crianças brasileiras têm ficado mais tempo na internet,
utilizando esse meio em maior proporção do que outas mídias15.

Esse uso aponta para a multiplicidade de telas e, portanto, indica uma multiplicação
dos espaços de comunicação. Na “sociedade multitela” (PINTO, 2005), as possibilidades do
ver e do saber são ampliadas, como também ocorre a multiplicação dos espaços do habitar e
do viver social (RIVOLTELLA, 2008).

[...] na sociedade multitela do telefone celular e da comunicação na internet (mas no


fundo já da televisão), a comunicação acontece no interior de um novo espaço que
torna possível o compartilhamento dos significados e a relação entre os sujeitos
(nesse sentido é social), mesmo que prescinda da sua colocação no mesmo lugar
(MEYROWITZ apud RIVOLTELLA 2008, p.44)

As crianças se apropriam, então, das novas mídias, cada vez mais convergentes.
Tomando como base o paradigma da convergência apresentado por Jenkins (2006), as novas
mídias se referem a um ecossistema mediático, onde os meios de comunicação tradicionais –
televisão, rádio, jornais impressos etc. – se juntam aos digitais, como a internet. Os meios
tradicionais, portanto, não desaparecem, ao contrário, se recompõem e incorporam
características do meio digital.

Na relação com o ambiente mediático, as crianças exercitam a autonomia, aprofundam


e mantêm seus laços de amizade. As TICs, na visão de Valentine e Holloway (2002), dão
mais controle as crianças sobre as suas identidades do que os encontros face a face, pois elas
têm tempo para pensar em sobre o que elas querem dizer e como querem representar a si
mesmas. Essa visão, no entanto, pode ser questionada já que a construção da identidade se
configura na relação com diversos fatores, como por exemplo, o autoconhecimento e os
processos de socialização.

15
Disponível em: http://www.ibope.com.br/pt-br/noticias/Paginas/Consumo-da-internet-pelos-jovens-
brasileiros-cresce-50-em-dez-anos-aponta-IBOPE-Media.aspx. Último acesso em: 23/11/14
28

Dessa forma, o processo de socialização das crianças e adolescentes tem como


elemento essencial as mídias (BELLONI, 2008). Para a autora, as mídias se apresentam como
formas de perceber a realidade, além de terem um papel importante na difusão e apreensão de
conhecimentos, portanto, não estão restritas aos adultos. Ao contrário, são usadas pelos mais
jovens como meio de se socializarem entre os pares e de aprenderem de forma mais
autônoma.

Espanha (2012) argumenta que os novos modelos de socialização e de aprendizagem,


a partir da internet, reúnem o mundo online e off-line, formando o mundo dos jovens –
incluindo crianças e adolescentes. Com base nisso, colocamos em discussão essa dicotomia
entre o “virtual” e o “real”, o off-line e online. Num primeiro momento os ambientes podem
ser considerados, por algumas pessoas, como espaços diferentes ou desconectados e, muitas
vezes, possuindo qualidades distintas. Alguns autores16 argumentam que esses dois espaços
tendem a ser vistos como opostos, mas na verdade não são.

O espaço “virtual” é considerado uma zona de liberdade, fluidez e experimentação que


está isolada das realidades do mundo “real”, que pode possibilitar a criação de uma nova
identidade. Já o real é apresentado como o espaço autêntico, verdadeiro e tradicional.
(SPRINGER, apud VALENTINE; HOLLOWAY, 2002). A identidade criada no “virtual”, no
entanto, é considerada por esses autores como uma imitação ruim da identidade “real”.

Contudo, os indivíduos assumem diversas identidades em momentos diferentes, como


argumenta Hall (2002, p. 13): “identidades que não são unificadas ao redor de um “eu”
coerente. Dentro de nós há identidades contraditórias empurrando em diferentes direções, de
tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas”. No ambiente
virtual, as múltiplas identidades tornam-se evidentes, além de possibilitar o surgimento de
outras, com base em referências pessoais fornecidas na rede, por exemplo.

Para compreender como as crianças agem online não podemos desconsiderar,


portanto, suas atitudes no offline. Esses dois ambientes se constituem mutuamente e as
práticas das crianças são incorporadas e reproduzidas em ambos. “Eles são apenas e só um
"mundo", neste caso o mundo dos jovens e das crianças, o seu contexto, o local, o ambiente
onde se desenvolve a sua atividade mais típica, mais relevante, mais significativa,
especialmente pesquisa na adolescência: "comunicar", preferencialmente entre pares”
(ESPANHA, 2012, p.50).
16
Ver Valentine e Holloway (2002), Espanha (2012).
29

As relações que existem no mundo “real” também se estabelecem no espaço “virtual”,


bem como as linguagens, fazendo com que as crianças estendam os limites da sua localidade
geográfica (VALENTINE; HOLLOWAY, 2002). Os dois mundos, portanto, estão unidos pela
tecnologia e um não pode ser entendido sem o outro.

Para o caso específico da internet, investigações que procuram compreender como


online e offline se inter-relacionam demonstram que o ‘mundo virtual’ não é uma
esfera autónoma, que existe por si só, modificando a vivência no ‘mundo real’. O
chamado ‘ciberespaço’ está incorporado em contextos sociais, culturais e materiais
específicos (ORGAD apud MONTEIRO 2013).

À medida que desenvolvem atividades nesses dois espaços, as crianças adquirem


novos modelos de literacia 17 , que fomentam a autoaprendizagem e a quebra de barreiras
sociais e formais (ESPANHA, 2012). As práticas sociais mediadas pelas tecnologias estão,
portanto, associadas a novas formas de literacia, que são compreendidas como fruto do
processo de conhecimento, uso e apropriação, capazes de trazer novas possibilidades de
autonomia, desenvolvimento e participação social18.

Espanha (2012) argumenta que a socialização dos jovens e das crianças no espaço
mediático permite que eles adquiram algumas competências – como usar as mídias em
simultâneo - de forma intuitiva, já que fazem parte das suas práticas diárias. De modo geral,
as novas tecnologias ocupam uma parte do tempo das crianças e mediam as práticas de
comunicação (MONTEIRO, 2013). As crianças têm se mostrado mais motivadas para o uso
das TICs, de modo mais intenso, autônomo e associado ao lazer.

2.1 Uso dos dispositivos móveis

No contexto onde o entretenimento ganha centralidade, os dispositivos móveis se


tronaram objetos desejados, na medida em que incorporam diversas funções. Além de falar,
enviar e receber mensagens, reúne outras funções tais como ouvir músicas, acessar a internet,

17
Literacia: termo originário do inglês literacy, também é traduzido como letramento. Na sociedade em rede, a
noção de literacia passa a referir-se também à capacidade de interagir e comunicar-se utilizando as TICs
(LIVINGSTONE, 2011)
18
Ver a pesquisa “Gerações Interativas Brasil”. Disponível em:
http://www.cenpec.org.br/biblioteca/educacao/estudos-e-pesquisas/geracoes-interativas-brasil-criancas-e-
adolescentes-diante-das-telas
30

produzir e compartilhar fotos, vídeos, etc. O uso de dispositivos móveis pelas crianças tem
aumentado nos últimos anos, no entanto, esse aumento está diretamente ligado ao aumento do
acesso à internet19.

Gráfico 3 – Equipamentos usados para acessar a internet por classes sociais

Fonte: Cetic.br (2013)20

Ao observarmos os dados do gráfico acima, as diferenças de acesso por meio dos


dispositivos móveis é desigual de acordo com as classes sociais. O computador desktop, ou
computador de mesa, lidera entre os tipos de equipamentos para acessar a internet em todas as
classes sociais, mostrando uma valorização do equipamento coletivo.

Na pesquisa, o celular aparece como o segundo equipamento mais utilizado, 61%


classes A e B, 49% classe C e 47% classes D e E. O acesso por meio do tablet apresenta uma
diferença mais expressiva, classes A e B 32%, classe C 7% e classes D e E 4%. Um
equipamento, no entanto, não anula o outro; as pessoas podem acessar a internet por mais de
um dos equipamentos citados.

Apesar do uso do computador predominar a pesquisa mostra que o uso dos


dispositivos móveis tem crescido. Segundo dados do Cetic.br, em 2012, 21% das crianças

19
Disponível em: http://www.nic.br/imprensa/clipping/2014/midia699.htm. Último acesso em: 30/10/14
20
Pesquisa TIC KIDS ONLINE 2013
31

acessavam a internet pelo celular, em 2013 esse número subiu para 53%. O mesmo aconteceu
com o tablet, que em 2012 tinha o percentual de 2% e em 2013 foi para 16%.

O que tem atraído esse público, portanto, a consumir os aparelhos móveis, em especial
os smartphones, é a possibilidade de acesso à internet, e não a função de fazer ligações,
tradicional do aparelho celular. Weber (2010), em pesquisa sobre o uso do aparelho por
garotas, aponta: “Its was interesting to note that what the girls liked about the phones was not
so much that they could be used to call someone (that was “old” technology), but rather that
they could be used to send text messages as well to take and view fotos with the built-in
digital cameras” (WEBER, 2010, p. 60). A autora também argumenta que fazer uso das
tecnologias pode dar status as crianças e aos adolescentes.

Nowadays, its is not so much whether or not own a cell phone as what kind of cell
phone you have, with blackberries and Iphones currently commanding the highest
status. It is no longer only the brand of footwear or jeans you wear that signify your
worth in tween and teen circles, but also owning the latest in cool technologies. In
other young people, digital devices have in themselves become objects of desires
and signifiers of status and cool (WEBER, 2010, p.61).

O celular representa, portanto, para criança ora um modismo, já que o uso aparelho é
comum entre os pares; ora um símbolo de amadurecimento, de status e integração social. O
aparelho fornece a mobilidade e o acesso imediato a internet, mas também concede a sensação
de independência , “dando-lhes a sensação de controle sobre suas próprias vidas e
independência em relação a família” (MCKAY; THURLOW; ZIMMERMAN, apud
CANDEIAS, 2008). Desse modo, o celular é considerado um meio de aprofundar a
autonomia e as relações dos mais jovens, sem o monitoramento dos adultos (ESPANHA,
2012).

No entanto, quando os pais compram celulares para os filhos, eles estão em busca de
maior “segurança” (mesmo que de forma ilusória), pois através do aparelho podem ter acesso
mais fácil e rápido aos filhos. O contexto familiar atual, com uma dinâmica reorganizada, em
que os pais passam muito tempo fora de casa, pode justificar a necessidade dos filhos terem
aparelhos celulares desde cedo. A possibilidade de controle dos pais e de autonomia dos filhos
são tendências conflitantes - em determinadas situações podem ser opostas - que a relação
com a tecnologia estabelece. Como afirma Livingstone (1998), de um lado temos a autonomia
da criança, para explorar e descobrir; e de outro a regulação dos pais na tentativa de prevenir
danos. O celular, portanto, aparece como um objeto que potencializa essas questões.
32

Caron e Caronia (2005) apresentam a hipótese de que as novas tecnologias, em


especial o celular, contribuem para a produção da cultura social. Para os autores, os grupos
sociais – “une famille, une entreprise ou un groupe d’adolescentes” – se constroem ao redor
dos dispositivos tecnológicos, que funcionam como um conjunto de possibilidades e limites, e
a presença do celular pode mudar os contextos das relações sociais.

Un dinêr entre amis où chacun a déposé son téléphone cellulaire allumé sur la table,
ce n’est plus le même contexte social qu’avant l’apparition du cellulaire. Tous se
montrent maintenat disposé à sortir du face à face de la conversation pour entrer
dans une communication téléphonique extérieure, tout en restant à leur place
(CARON; CARONIA, 2005, p.45)21

Desse modo, a presença do celular tende a modificar as práticas sociais comuns, como
fazer refeições à mesa em família. A construção sociocultural é múltipla, “il n’introduit pas
seulement de nouvelles possibilités de comportement (comme de parler au téléphone pendant
que l’on est assis à la table avec d’autres personnes). Il induit aussi de nouvelles formes de
participation sociale 22 (CARON; CARONIA 2005, p. 45). A partir do poder dado a
tecnologia, ela pode criar condições que possibilitem a transformação dos lugares, do tempo
e também das pessoas que a utilizam. Essas possibilidades, portanto, não são impostas
forçadamente, como alertam Caron e Caronia (2005).

Outra implicação do uso do aparelho celular é apresentada pelo autor (2005): o quase
esquecimento da função off. A partir disso, jovens sentem a obrigação de responder, não
importa quando e onde “même s’il leur faut fouiller dans leur sac à dos pendant qu’ils peinent
à se tenir debout l’autobus”23 (CARON; CARONIA, p.54). Como o celular é um exemplo da
tendência a convergência da tecnologia, que incorpora diversas funções - visuais, de texto,
áudio, acesso à internet etc – ele se torna um objeto que acompanha as atividades diárias
desses jovens usuários.

No início entendido como uma forma de entrar em contato com pessoas distantes, o
celular assumiu usos solitários, em especial no contexto das crianças e adolescentes, cada vez
mais conectados.

21
Tradução nossa: “Um jantar entre amigos no qual um deles colocou seu cellular ligado em cima da mesa, não
é mais o mesmo contexto social que havia antes da aparição do cellular. Todos se mostram, agora, dispostos a
sair do face a face da conversação para entrar numa comunicação telefônica exterior, mantendo-se em seu
lugar”.
22
Tradução nossa: “não introduz somente novas possibilidades de comportamento (como falar ao telefone
enquanto está sentado à mesa com outras pessoas). Induz também novas formas de participação social.
23
Tradução nossa: “mesmo se eles têm que procurar em suas bolsas, enquanto tentam se segurar no ônibus”.
33

sous cet angle, le cellulaire semble répondre remarquablement aux valeurs primaires
des adolescents, qui accordent généralement la plus grande importance aux pratiques
de sociabilité et aux loisirs. Ils vivent dans un temps present ou un temps à court
terme qui leur fait privilegié l'aventure, la flexibilité, la mobilité, à l'intérieur d'un
cercle de relations sociales relativement fermé dont le loisir constitue le champ
privilégié (PRONOVOST, apud CARON; CARONIA, 2005).

O aparelho não é, portanto, um fim nele mesmo, mas uma forma de entrar em contato
com os pares e estabelecer relações. Além da possibilidade de estar sempre conectado e de
estar disponível à comunicação.

2.2 Riscos e Oportunidades

Estar online, em contato com os pares, se apresenta como um modo de interação


comunicacional muito utilizado pelas crianças e adolescentes, frequentemente, pouco
controlada pelos pais (LIVINGSTONE, 2011). As crianças podem encontrar, no uso da
internet, oportunidades de aprender, de interagir com os pares e se autoafirmar. Mas nessa
relação também estão presentes os riscos, como contato com estranhos, cyberbulling,
exposição a conteúdos racistas, homofóbicos etc.

Adotamos os enquadramentos conceituais de riscos e oportunidades usado na pesquisa


EU Kids Online24, que desde 2006 estuda a relação das crianças e adolescentes com internet.
O primeiro enquadramento considera, inicialmente, as condições de acessos, usos e
capacidades de usar a internet, como podemos observar na Figura 1. Essas condições são
afetadas pelas mediações dos pais, professores e amigos, e também por fatores como gênero,
idade e condição socioeconômica. A pesquisa também considera a hipótese de que o ambiente
mediático, os valores culturais, as características do sistema educacional podem influenciar,
de forma positiva ou negativa, as práticas das crianças na internet.

24
O projeto EU Kids Online adota uma análise comparativa dos usos da Internet entre crianças e adolescentes
europeus de 9 a 16 anos. O projeto tem a coordenação da professora Sonia Livingston. Participam do projeto 33
países europeus, além de países parceiros como o Brasil e a Austrália
34

Figura 1 – Enquadramento Teórico

Fonte: Hasebrink, Livingstone, Haddon e Ólafsson (2009)

Como mostrado na Figura 1, vários fatores externos podem influenciar as experiências


online das crianças.

O segundo enquadramento conceitual trata da própria definição do que se considera


risco e oportunidade. O modelo usado parte das motivações para usar a internet, partindo da
questão “Que processos de comunicação conduzem a diferentes riscos e a diferentes
oportunidades?” (PONTE, 2012). O modelo teórico apresentado na Figura 2, atribui à criança
os papeis de receptor, participante ou ator, de acordo como os processos de comunicação se
realizam: partindo de um para muitos, do adulto para a criança; entre pares (LIVINGSTONE;
HADDON, 2009). Cada uma dessas posições foi articulada com as categorias de riscos e
oportunidades associadas ao uso da internet.
35

FIGURA 2 – Riscos e Oportunidades

Contato: a Conduta: a
Conteúdo: a criança
criança como criança como
como receptor
participante ator

Contatos com
Autoiniciativa
Aprendizagens outros que
Recursos ou
educativas e partilham os
educacionais aprendizagem
literacia digital mesmos
colaborativa
interesses

Formas
Troca entre
Participação e concretas de
Informação global grupos de
envolvimento cívico participação
interesse
oportunidades cívica

Ser incitado a
Criatividade e Diversidade de Criar
criar ou a
autoexpressão recursos disponíveis conteúdos
participar

Redes sociais,
Conselhos (pessoais,
Identidade e partilha de Expressão de
saúde, sexualidade
relações sociais experiências com identidade
etc.)
outros

Publicidade não Dar/recolher Jogos e


Comerciais solicitada (spam), informação acessos ilegais,
patrocínios pessoal pirataria

Ser intimado, Intimidar ou


Conteúdos violentos,
Agressividade molestado, molestar os
discriminatórios
perseguido outros

Conteúdos
risco

Criar, inserir
pornográficos, Aliciamento
Sexuais conteúdo
sexualmente sexual
pornográfico
maliciosos

Conteúdo racista, Incitamento à Difusão de


tendencioso (por automutilação, conselhos,
Valores negativos
exemplo, sobre persuasão sobre suicídio,
drogas) indesejada anorexia

Fonte: Hasebrink, Livingstone, Haddon e Ólafsson (2009)


36

Como oportunidades temos: educação, aprendizagem e literacia digital; participação e


envolvimento cívico; criatividade e autoexpressão; identidade e socialização. Como riscos:
comerciais, violência e agressividade, sexualidade e valores negativos. Esses conceitos de
risco e oportunidade estão relacionados as experiências construídas por meio das interações e
usos das novas tecnologias pelas crianças. As experiências podem ser, ao mesmo tempo,
positivas ou negativas a depender dos aspectos que serão valorizados pelas crianças, as suas
atitudes e competências.

A fim de estruturar os tipos de atividades online de forma sistemática, pesquisas


empregam o conceito de “escada de oportunidades”25 (Livingstone 2011). Na escada, cada
degrau representa uma progressão de estados de usos.

Gráfico 4 – Escala das oportunidades

Fonte: Livingstone (2011)

Diferenças etárias, em termos de competências e utilizações da internet, são


importantes para avançar na escada e também implicam em diferentes riscos e oportunidades.
acordo com dados da pesquisa Eu Kids Online, todas as crianças atingem o primeiro degrau,
mas predominam crianças de 9 a 12 anos e a metade delas para no segundo degrau. Apenas
um quarto das crianças conseguem chegar ao último degrau, predominando as idades de 15 a

25 Ladder of opportunity
37

16 anos. Para subir a escala das oportunidades, consideram-se as condições etárias e de


domínio de linguagem das crianças, onde elas se tornam mais criativas, expressivas e
participativas. (LIVINGSTONE, 2011).

Algumas atividades podem ser trazer benefícios (ex. trabalhos escolares) e outras
podem trazer aspectos negativos (ex. Bullying). No entanto, muitas dessas atividades são
indeterminadas, por exemplo fazer novos amigos online; outras estão na fronteira entre os
riscos e as oportunidades, por exemplo atividades motivadas pelo desejo de assumir riscos e
transgredir regras.
38

3. VISÕES DAS CRIANÇAS SOBRE A TECNOLOGIA

Neste capítulo tratamos dos procedimentos metodológicos que deram corpo à


investigação, trazemos uma síntese dos objetivos que ela se propôs alcançar e uma descrição
do processo de investigação e das opções metodológicas que a orientaram. Por se tratar de
uma investigação qualitativa, em particular a entrevista em grupo, a metodologia se ajusta ao
intuito de compreender a percepção das crianças sobre os usos da internet. Salientamos que a
investigação é um processo construído pelo pesquisador e pelos participantes, cabendo ao
investigador, portanto, selecionar e interpretar os dados.

Como indicado no início dessa monografia, a pesquisa pretende compreender a


percepção das crianças sobre os riscos e as oportunidades presentes na relação com a internet,
em especial os dispositivos móveis como smartphones e tablets. Reconhecendo a capacidade
de produção cultural das crianças, buscamos explorar o modo como elas usam as tecnologias
no cotidiano, a forma como se apropriam delas e como elas as percebem. Buscamos nesse
sentido, identificar as mediações da escolar e dos pais que foram relatadas pelas crianças e
observar se elas interferem nas práticas onlines das crianças.

Nesse sentido, as próprias crianças são eleitas sujeitos da investigação, já que são
cidadãs e estão envolvidas na construção das suas vidas e da sociedade, a partir de condições
e competências particulares (JAMES; PROUT, 1997). O foco, portanto, está nas dinâmicas
sociais que os discursos que as crianças trazem deixam transparecer. Entramos no campo, por
fim, com o objetivo de ouvir o que as crianças têm a dizer, mostrar-nos suas pespectivas,
interesses e culturas, mesmo que estejam distantes da nossa perspectiva como pesquisadores.

3.1 Pesquisa com crianças

Tendo em vista os objetivos da pesquisa a relação das crianças com os dispositivos


móveis, seus riscos e benefícios, é importante que a análise seja feita a partir da interação
pesquisador-criança. Por isso optamos por realizar grupos focais com as crianças para
39

compreender o que elas pensam sobre o assunto, assumindo uma posição, tal como Rocha
e outros autores26 considera importante tornar a criança protagonista da pesquisa.

[...] a ênfase na escuta justifica-se pelo reconhecimento das crianças como agentes
sociais, de sua competência para a ação, para a comunicação e troca cultural. Tal
legitimação da ação social das crianças resulta também de um reconhecimento de
uma definição contemporânea de seus direitos fundamentais - de provisão, proteção
e participação (ROCHA, 2008, p.46).

Nessa escuta busca-se o ponto de vista da criança, diferente daquele que o pesquisador
é capaz de ver, com base em uma visão adultocêntrica. Como Rocha (2008) argumenta, o que
as crianças fazem não está totalmente dissociado do mundo adulto, não tem sentido absoluto,
e não são apenas reproduções. “As crianças não só reproduzem, mas produzem significações
acerca da própria vida e das possibilidade de construção da sua existência” (ROCHA, 2008,
p.46). Como defendem pesquisadores do campo da Sociologia da Infância, as crianças
produzem uma série de culturas locais que se integram e contribuem para as culturas mais
amplas de outras crianças e adultos a cujo contexto elas estão integradas. (CORSARO, apud
CORDEIRO, 2014).

A criança é colocada, portanto, no centro do processo de pesquisa, assumindo um


papel de agentes sociais plenos, competentes na formulação de interpretações da vida e
reveladores das realidades sociais onde se inserem (SARMENTO, 2005). Dessa forma,
metodologias participativas são mais apropriadas para que se perceba a criança como sujeito e
não apenas em sua condição de objetos de investigação.

Na pesquisa com crianças, consideramos importante também analisar questões de


gênero, já que meninos e meninas podem ter percepções diferentes acerca de determinados
tema. É necessário levar em consideração também o tempo, já que a criança pode levar um
tempo diferente do adulto para se expressar. É importante também considerar o nível de
desenvolvimento de linguagem e escolaridade da criança e quais crianças dentro do grupo são
mais comunicativas, quais possuem maior liderança. (CAMPOS apud CORDEIRO, 2014).

Além desses aspectos, o pesquisador deve tomar cuidados quanto às perguntas para a
crianças, a fim de não constrangê-las e superar qualquer tipo de dificuldade de linguagem.

26
Podemos destacar Sônia Kramer (2002), Gilca Girardelo (2009) e Monica Fantim (2009)
40

Entre os cuidados destaca Costa (2005): usar uma linguagem simples, não interferir nas
respostas e identificar se algum participante pode estar sendo induzido por outro.

3.2 Estratégias metodológicas

Como indicado no início desse capítulo, a metodologia escolhida foi qualitativa, por
meio de grupos focais. O grupo focal foi o método escolhido para propor o diálogo entre os
participantes e gerar dados, já que enriquece o produto esperado, explorando os temas de
interesse em busca de opiniões e percepções (COSTA, 2005). Além disso, a técnica estimula a
fala dos participantes e permite observar as reações às perguntas e àquilo que os outros
participantes do grupo dizem (GASKELL, 2002).
No caso das crianças, a entrevista em grupo é indicada, pois a interação com os pares27
as deixam mais a vontade e seguras, além de que entrevista individual pode constrangê-las em
várias ordens sociais: geracionais, de gênero, de classe social, étnicos ou raciais (ROCHA,
2008). A entrevista individual, nesse sentido, pode resultar em respostas socialmente aceitas e
que correspondam com a opinião do pesquisador. O grupo focal, no entanto, não está isento
dessa possibilidade, onde as opiniões podem ser influenciadas pelo comportamento de um
integrante mais animado. Além do mais, em qualquer entrevista os entrevistados podem dar
informações falsas.
A literatura orienta, em geral, que a realização dos grupos de foco tenham entre seis e
doze participantes, numa duração média de um hora. Nessa pesquisa, foram ouvidas 14
crianças, entre as quais 7 meninos e 7 meninas, com idades entre 11 e 12 anos, estudantes de
uma escola particular de Fortaleza, que oferece turmas do infantil ao pré-vestibular e atende,
predominantemente, a classe média. A faixa etária foi escolhida com base em pesquisas que
apontam o início de acesso a internet das crianças é, em média, aos 10 anos28. Além disso, a
partir dessa idade, a criança é capaz de se expressar melhor, o que pode facilitar o processo de
realização do grupo focal . A escolha da escola foi por conveniência, já que estudei lá por
quatro anos e trabalhei como auxiliar da coordenação do Ensino Fundamental I durante um
ano.

27
O uso do termo “pares” refere-se a grupos de crianças que passam parte do tempo juntas frequentemente. A
cultura de pares é um conceito presente na Sociologia da Infância, em especial na obra de Corsaro (2011).
28 Pesquisa TIC Kids Online 2013
41

Os dois grupos de foco aconteceram em horário disponibilizado pela escola, as terças


feiras pela manhã, em que se realiza um hasteamento da bandeira, semanal, com todos os
alunos do Ensino Fundamental II e Ensino Médio. A duração do grupo foi de 50 minutos.
Essa foi a alternativa que encontramos junto a escola de realizar a pesquisa sem que as
crianças perdessem aula, evitando possíveis prejuízos à sua formação.

A escola disponibilizou uma sala de aula para a realização dos grupos, o que
colaborou para o entrosamento com as crianças, já que esse era um ambiente conhecido delas,
deixando-as bem a vontade. A conversa foi gravada com gravador de áudio e câmera
fotográfica, mediante autorização prévia dos pais e concordância das crianças29. Foi explicado
as elas, claramente, que as gravações não seriam divulgadas e que, principalmente, elas teriam
seus nomes preservados30.

Para iniciar a conversa com as crianças, foi feita uma dinâmica para que elas fossem
se soltando, se sentindo mais confiantes e, claro, para começar a introduzir os assuntos. A
dinâmica foi conduzida da seguinte forma: foram distribuídos para as crianças papeis
autocolantes para que elas escrevessem palavras ou pequenas frases que viessem a cabeça
sobre o tema internet, riscos e oportunidades. Depois que elas escreveram, começaram a
classificar essas palavras ou frases em categorias: boas ou ruins. As crianças classificavam as
palavras e em seguida explicaram a razão dessa categorização.

Com base na dinâmica já foi possível identificar alguns usos que elas façam da rede e
também qual a percepção que elas têm a respeito dos possíveis riscos e oportunidades
presentes na relação com a internet, em especial com os dispositivos móveis.

No grupo com as meninas, todas as palavras relacionadas à internet foram


classificadas como boas e nenhuma foi classificada como ruim, as meninas introduziram uma
outra categoria para classificar: “mais ou menos”. As palavras vistas como aspectos positivos
da internet foram: Fotos, Internet, Bate papo, Pesquisa, Meios de comunicação postagem de
fotos, Aparelho móvel eletrônico, Aplicativo que disponibiliza download de jogos e músicas e
Tecnologia. Na categoria “mais ou menos” apareceram: Comunicação tem riscos e benefícios,
Redes Sociais, Aparelhos têm benefícios e riscos.

29
As crianças e seus responsáveis assinaram um Termo de Consentimento Livre, segundo o modelo do Comitê
de Ética da UFC, onde concordavam em particapr da pesquisa eautorizavam a utilização das imagens e
gravações.
30
Optamos por usar nomes ficitícios, preservando os nomes verdadeiros dos entrevistados.As meninas
escolheram seus próprios nomes ficitícios nomes fictícios. O nome dos meninos foi escolhido por nós mesmos.
42

No grupo com os meninos, a categoria “mais ou menos” também apareceu. As


palavras da categoria boa foram: Pesquisa, Celular, Notebook, Google e Youtube. Na
categoria ruim foram indicadas as palavras: Redes Sociais, Whatsapp, Instagram. As palavras
da categoria “mais ou menos”, também introduzidas por eles, foram: Facebook, Skype, Jogos,
Playstation.

Uma característica já torna-se clara nesse primeiro contato: nessas e em outras


questões subsequentes, as meninas desenvolveram mais as respostas, trazendo exemplos
pessoais ou de amigos e contando mais detalhes da relação com a internet, em especial com as
redes sociais. Os meninos, no entanto, trouxeram respostas mais objetivas e curtas, não
desenvolvendo muito as questões e apresentam um discurso mais voltado para os jogos.

A classificação das redes sociais pelas meninas como “mais ou menos” já começa a
mostrar que a percepção a respeito dos sites não é apenas positiva. Eles justificaram a
classificação, dizendo que há a possibilidade tanto de extrair benefícios quanto de elas
estarem expostas aos riscos. Os meninos, porém, foram unânimes quando classificaram as
redes sociais como ruins. Bruno declarou, logo no início: “Morte as redes sociais”,
justificando a frase da seguinte forma: “Porque é muito chato”. Os colegas concordaram. A
classificação dos meninos, portanto, considerou mais a relação de prazer e desprazer dos usos
– é chato porque eles não gostam, não usam – do que com os riscos e das oportunidades
presentes na relação com esses sites. Quanto à classificação dos jogos, alguns foram avaliados
como ruins por serem violentos. Nesse aspecto, a percepção deles acerca da violência e dos
possíveis riscos existentes nos jogos tornou-se mais evidente. Apesar da identificação do risco
nos usos frequentes das redes sociais pelas meninas e em alguns aspectos da relação com os
jogos pelos meninos, não significa que as crianças sempre tomem providências para evitá-los.

As questões trabalhadas no grupo focal giravam em torno dos usos que as crianças
fazem da internet, em especial de dispositivos móveis como celular e tablet, as possibilidades
e os riscos presentes nessa relação, a mediação dos pais e também da escola. Foram abordados
também temas como bullying, sexting, jogos online e consumo. O questionário foi adaptado a
partir das questões do grupo focal realizado em Portugal, da pesquisa EU Kids Online31.

Os assuntos abordados nos grupos de foco estão divididos em tópicos para melhor
análise e leitura dos dados. As informações dadas pelas crianças são comparadas entre elas

31
O roteiro utilizado nos grupos focais está disponível nos ANEXOS.
43

mesmas, com enfoque na distinção por gênero, e com os dados nacionais fornecidos pela pesquisa
TIC KIDS ONLINE 2013, do Cetic.br.

A cada tema discutido, a visão das crianças vai aparecendo por meio das respostas e
dos casos que são relatados por elas. Podemos inferir que as crianças têm uma percepção
diferenciada, em muitos casos, dos adultos. Em outros aspectos, no entanto, vemos uma
aproximação entre os dois pontos de vista, principalmente em relação às ações que têm
potencial para gerar algum perigo.

Os tópicos abordados no grupo focal e que serão analisados a seguir são: Uso do
celular, uso das redes sociais, jogos online, consumo, bullying, sexting, mediação parental e
mediação escolar.

3.3 O uso do celular

O celular tem se tornado um objeto cada vez mais popular entre as pessoas, em
especial as crianças. Segundo dados da pesquisa TIC Kids Online 2013, 53% das crianças e
adolescentes possuem celular e os utilizam para acessar a internet. Das crianças que
participaram do grupo focal, todas possuem um celular , de uso individual.

Na conversa com as crianças foi possível identificar que o aparelho é considerado um


bem pessoal, que não deve ser compartilhado com outras pessoas e que, normalmente, as
atividades realizadas não são mostrados para outras pessoas. As crianças possuem
equipamentos pessoais, celular, tablet e computador, sendo usados diária e individualmente.
São acessíveis e introduzida nos cotidianos, redes sociais, sites de vídeo etc. são usos
principais dessa cultura. (LIVINGSTONE; HADDON, 2012)

A preocupação que alguém tenha acesso ao aparelho é tanta que André explica a
técnica de segurança que utiliza: “Minha segurança é três vezes: a senha do meu celular, o
Psafe e o Vsafe32”. Rodrigo complementa: “O meu [celular] tem até desbloqueio facial e se
não tiver eu coloco a senha”. A principal preocupação relatada pelas crianças é a de outras
pessoas tenham acesso as conversas nos sites de rede sociais, em especial no Whatsapp.

32Psafe e Vsafe são aplicativos de segurança para o smartphone e também para computadores. Além de
proteger contra acesso de estranhos, eles possuem antivírus e ferramentas que deixam o sistema do
aparelho mais rápido.
44

Para Lara, algumas conversas podem ser compartilhadas, mas só para a melhor amiga:
“quando eu tô conversando lá eu pego e mostro pra algumas das minhas amigas e digo: “Olha
o que esse menino falou”. Já Mateus não permite que ninguém tenha acesso as suas
mensagens: “Whatsapp ninguém pode ver não que dá confusão”.

O celular é usado na maior parte do tempo para acessar a internet, ouvir músicas e
jogar. A fala de Yohana confirma: “É tipo assim, 85% a gente usa pra internet ai os outros
15% a gente fica pra jogos, músicas”. Rodrigo reforça: “eu uso celular pra jogar e assistir
Cavaleiros do Zodíaco. Sou viciado”.

O aparelho aparece como um objeto, primordialmente, de acesso à internet. As


respostas revelam que a utilização de funções “secundárias”, como acessar a internet, enviar
mensagens, predominam em relação à função primordial de realizar ligações. A atual
expansão de smartphones, nos faz questionar essas classificação de funções. Os smartphones
são vendidos pelo mercado como um produto para acesso à internet, podendo nos fazer pensar
que essa tem se tornado sua função principal.

O celular é, portanto, um dos melhores exemplos da tendência atual à convergência


midiática, combinando texto, acesso à internet, possibilidade de tirar fotos e fazer vídeos etc.
(CARON; CARONIA, 2005). Desse forma, o aparelho ocupa um espaço, cada vez maior, na
vida das pessoas.

As crianças afirmaram que o fato do celular ter se popularizado foi, na maioria das
vezes, uma mudança positiva, apresentando como principal razão a maior facilidade de
comunicação entre as pessoas. Esta facilidade de comunicação, no entanto, não se refere às
ligações telefônicas, mas a possibilidade de acesso à internet, às redes sociais, principalmente
o Whatsapp que permite a troca de mensagens de forma rápida e com baixo custo33. “Fica
muito mais fácil falar com as pessoas, tipo Whatsapp é mais fácil.. porque não gasta crédito”
(MATEUS). O celular é também compreendido como um passatempo, um objeto a mais de
entretenimento que vem provocando mudanças na forma como as crianças brincam.

Porque assim, nós temos vários meios de comunicação agora pra falar com os amigos
e tal, postar foto. Então mudou porque antigamente a gente passava maioria do tempo

33
O aplicativo Whatsapp cobra uma taxa anual de um dolar pelo serviço de troca de mensagens. Ao contrário do
que muitas pessoas pensam o serviço não é gratuito.
45

da gente brincando, estudando, fazendo nada, dormindo. Ai mudou porque é mais um


passatempo né pra gente fazer. (YOHANA)

Uma mudança menos positiva apontada pelas crianças é que embora o celular
possibilite aproximar pessoas distantes, ele também pode distanciar pessoas que estão
próximas. Essa afirmação nos mostra que as crianças conseguem, muitas vezes, enxergar o
uso exagerado das mídias móveis e como esse elas podem mudar o comportamento delas e
dos seus amigos.

Eu acho que assim, eu tô falando com o meu irmão que mora lá, sei lá, na China, por
exemplo. Ai eu tô lá falando com o meu irmão, ai minha amiga tá lá falando comigo
e eu não tava prestando atenção. Eu acho que isso diminui muito, você prefere ficar
no celular digitando, falando com uma pessoa do que com a pessoa que você
sempre falava, sempre brincava, sempre fazia tudo. (CLARISSA)

As atividades das crianças, sejam de estudo ou lazer, acabam concentradas no uso do


celular, por estarem grande parte do dia conectadas à internet. “Você acaba esquecendo da
vida real” afirma Lara, confirmando que as crianças gastam muito tempo na rede. Dessa
forma, outras atividades, antes comuns para as crianças, como brincar fora de casa com os
amigos tem perdido espaço para as atividades digitais.

Tipo, antes de você ter seu celular você sempre brincava com aquela tal pessoa, você
sempre ia pro shopping com ela e tal. Mas ai, você ganha seu celular, aquela pessoa:
“ai vamos pro shopping” “Não, deixa eu tô aqui bem” Acho que muda muito a
convivência das pessoas. (CLARISSA)

O celular aparece, portanto, como um companheiro diário de uso individual, cujos


usos de funções “secundárias” prevalecem, provocando alterações importantes em termos da
convivência com os amigos e do uso do tempo de lazer.
46

3.4 Uso das Redes Sociais

As redes sociais que foram mais mencionadas pelas crianças - Facebook, Instagram e
Whatsapp – estão em consonância com os dados nacionais da pesquisa TIC Kids Online
2013. Na pesquisa, o Facebook é a rede social mais acessada, com 83%, em seguida o
Instagram aparece com 16% e o Whatsapp não aparece como uma rede social, embora possa
estar dentro da opção outros com 5%.

Das crianças entrevistadas, por razões diferentes, apenas duas não possuem perfil no
Facebook. No caso de Larissa (11 anos), sua mãe acredita que é perigoso e que ela ainda não
tem idade suficiente para usar a rede social. Para Rodrigo, não ter perfil em redes sociais é
escolha sua. As duas crianças não parecem se incomodar com o fato e usam outras estratégias
para manterem a comunicação com os amigos. Rodrigo acredita que é melhor se comunicar
com os amigos através de ligações: “se tem discador de chamadas pra que ficar digitando?”.
Já Larissa usa o Whatsapp para se atualizar dos assuntos do grupo de amigas.

As meninas afirmaram usar o Facebook para compartilhar fotos, que geralmente, são
sincronizadas com o Instagram. “O Facebook e o Instagram são mais pra postar foto mesmo, a
gente conversa mesmo é pelo Whatsapp” (YOHANA). Apesar do Facebook ser a rede social
mais acessada, as crianças explicaram que não gastam muito tempo nela, acessando algumas
vezes durante o dia apenas para se atualizarem das publicações dos amigos. “Eu fico no
máximo quinze minutos no Facebook” (MATEUS). Entre os meninos, a rede social é mais
utilizada para jogos: “Eu só tenho Facebook pra jogar”, afirma Bruno.

Em relação as políticas de privacidade no Facebook, a mais citada foi a de adicionar


apenas pessoas conhecidas, além de bloquear as publicações para desconhecidos.

“No meu Facebook só tenho as meninas que fazem vôlei comigo, minhas amigas da
sala, os professores e meus parentes. Porque tem muita gente que eu não conheço e
que pedem amizade, ai eu aperto em “agora não” (YASMIN).

Na pesquisa TIC Kids Online 2013, apenas 30% das crianças entre 11 e 12 anos
configuraram seus perfis apenas para amigos, enquanto a porcentagem de perfis públicos, ou
seja, onde qualquer pessoa pode ter acesso às publicações, é de 50%. Ter conhecimento das
47

ferramentas de privacidade não significa, no entanto, que as crianças sempre fazem uso delas,
como conta Yohana:

Eu conheci um menino e uma menina virtuais, eles eram irmãos e ai a gente acabou
se falando e aceitei eles como amigo. Eu não falei nada com a minha mãe, que eu
sabia que ela ia ficar preocupada. Mas achava que eles eram realmente de confiança,
que eles eram bem legais. A gente ficou batendo papo até minha mãe descobrir e me
colocar de castigo.

Yohana relatou que conheceu os amigos numa página do Facebook que eles seguiam.
Para a garota os amigos não eram pessoas desconhecidas pois tinham interesses em comum,
no caso a página de uma banda que era seguida por eles. Nessa relação, portanto, estabelece-
se o risco.

A gente acabou pesquisando e vendo que eram pessoas de confiança, mas minha
mãe ficou bem chateada. Ela disse que eu não podia aceitar pessoas que eu não
conhecia pessoalmente. (YOHANA)

A menina tem noção de que tal atitude pode ser perigosa, principalmente quando
afirma esconder o caso da mãe, já temendo a reprovação. Os dois amigos eram “realmente de
confiança” como ela coloca, mas para a amizade continuar foi necessária a mediação da mãe.

Outra rede social que tem sido bastante usada pelas crianças é o Whatsapp. O
aplicativo tornou-se uma nova forma das crianças, e dos adultos também, se comunicarem e
interagirem, devido às facilidades do aplicativo e da rápida troca de mensagens. Tem sido
uma das redes sociais mais usadas pelas crianças entrevistadas, apenas uma delas não fazia
uso do aplicativo. Na pesquisa TIC Kids Online 2013, no entanto, o Whatsapp não é
considerado rede social, mas aparece como atividade realizada na internet, com um percentual
significativo de 39%. No Whatsapp as crianças criam diversos grupos de conversas,
divididos, por exemplo, em: grupo da sala, grupo dos meninos, das meninas, dos namorados,
etc. Além da troca de mensagens, as crianças compartilham imagens e vídeos. As conversas
giram em torno do cotidiano escolar, dos assuntos classificados pelas crianças como pessoais;
tais como relações de amizade e de namoro. A rede social também é usada para marcar
48

encontros, etc. “A gente conversa outros assuntos mais pessoais [...] fofoca da escola e fala de
outras coisas” (YOHANA; CLARISSA).

Como dito anteriormente, as conversas são consideradas pessoais e não são mostradas
para ninguém. A preocupação das crianças é que outras pessoas tenham acesso as conversas
nos grupos do Whatsapp. Esse tem sido o espaço, antes ocupado por outras ferramentas, onde
as crianças ficam “sem o controle” dos adultos e podem conversar livremente. Nenhuma das
crianças mencionou que os pais pedem para ver seu Whatsapp, estando a intervenção dos pais
mais dirigida ao Facebook. As estratégias de privacidade disponíveis no aplicativo, tais como
desabilitar a função “visto por último” - que informa o horário em que o usuário usou o
aplicativo pela última vez – não foram relatadas pelas crianças. Além dessa função que é
própria do aplicativo, existem outras possibilidades como instalar outros aplicativos 34 que
colocam senha de acesso ao Whatsapp. As crianças também não demostraram ter
conhecimento dessas possibilidades.

No caso do Instagram, de acordo com a pesquisa do Cetic, 7% de crianças entre 11 e


12 anos fazem uso do aplicativo de fotos. Foi possível perceber que, entre as crianças
entrevistadas, a rede social é mais usada pelas meninas. Mateus tem perfil no Instagram e
afirma usar para compartilhar fotos de momentos com familiares e amigos, mas é crítico em
relação ao uso das meninas: “Essas meninas.. não sei não. É doença só Facebook e
Instagram”. Rodrigo completa: “é só negocio de ‘selfie’, minha irmã já dorme sorrindo”. Mais
uma vez a diferença de gênero fica perceptível, para os meninos a rede social não é muito
atrativa e eles ainda a consideram “coisa de menina” (RODRIGO).

Em relação às políticas de privacidade na rede social, as meninas afirmam que os seus


perfis são privados, as pessoas só têm acesso às fotos mediante autorização delas.

O meu perfil no Instagram é privado, mas todas as pessoas que pedem pra me seguir
eu vou lá e no perfil dessa pessoa, vejo quem é, vejo se eu conheço mesmo. [...] Eu
só aceito quem eu converso e tal na vida real, sem ser só na internet (CLARISSA)

Dentre as informações compartilhadas pelas crianças nas redes sociais, um ponto


abordado com as crianças no grupo focal foi a possibilidade de fazer “check-in” em redes

34 Tais como WhatsApp Lock e PrivateMSG for WhatsApp.


49

sociais, como Facebook e Instagram, tornando pública a localização geográfica do usuário. De


acordo com a pesquisa TIC Kids Online, 28% das crianças e dos adolescentes fazem uso de
ferramentas que indicam sua localização. O compartilhamento da localização foi classificado
pelas crianças como uma atividade de risco. “O povo pode ver a sua localização e pode
acontecer algo” (ANDRÉ). Apesar de também perceber a atividade como perigosa, Lara
afirmou fazer uso da ferramenta: “eu coloco, mas eu acho que é perigoso. No Facebook eu
não coloco. Só as vezes quando eu tô no shopping com minhas amigas assistindo um filme”.
Ela completa que essa atividade é também realizada pelo pai, o que irrita a garota.

O meu pai coloca quando ele vai trabalhar. Ele coloca: “no Forúm”. Ele sempre
coloca e eu sempre digo: “pai, não bota isso, é perigoso”. Ai cinco minutos depois
ele coloca de novo. Ai eu fico morrendo de raiva (LARA).

O caso de Lara mostra que muitos pais fazem uso das ferramentas que, de certa forma,
apresentam riscos não apenas para as crianças. A menina afirmou não gostar da atitude do pai,
mas, como foi relatado por ela, em alguns momentos ela também utiliza a ferramenta de
localização.

Fica claro no relato das crianças que, com exceção do Whatsapp, as redes são mais
usadas pelas meninas do que pelos meninos, que relataram que quando fazem uso do
Facebook, por exemplo, na maior parte, é para jogar. O conhecimento sobre as políticas de
privacidade e proteção dos perfis não são aprofundadas, estando limitadas ao bloqueio de
postagens apenas para os amigos, tornando os perfis mais vulneráveis ao acesso de estranhos.
No Facebook, por exemplo, é possível acionar a navegação segura 35 , ativar contatos de
confiança36, entre outras funções que não foram relatadas pelas crianças.

35Esse ferramenta dificulta que hackers tenham acesso à informações pessoais


36
Nessa função, os usuários podem vincular aos seus perfis três amigos confiáveis que o ajudarão a verificar sua
identidade na rede social. Eles receberão códigos que poderão ser utilizados por você para acessar sua conta caso
ela tenha sido hackeada.
50

3.5 Uso dos Jogos

Quando questionados sobre a principal atividade realizada na internet, os meninos


foram unânimes: jogos. No Brasil, 45,2 milhões de pessoas são usuárias frequentes de
games 37 . Os jogos têm se modernizado e, cada vez mais, atraem um número maior de
usuários, principalmente crianças.

Videogames são uma forma complexa e rapidamente envolvente – a que muitos pais e
adultos dão relativamente pouca atenção. Poucos fazem ideia de como os jogos se
tornaram nos anos recentes, como eles envolveram e adaptaram novas tecnologias,
que os tornam cada vez mais realistas e interativos (PROVENZO 2004, p. 163).

Os jogos se modernizaram, portanto, e estão nas diversas plataformas, como


computador, videogame, celular e tablet. Os jogos mais citados pelos meninos foram: Call of
Duty38, Assassin’s Creed39, Clash of Clans40, FIFA41 e Minecraft42. Os meninos jogam online,
no celular, e também pelo videogame. Eles afirmaram que, determinados jogos, são mais
fáceis de jogar pelo celular do que pelo computador: “no computador trava e tem riscos de
hackers” (ANDRÉ).

No Brasil, a classificação indicativa dos jogos é feita pelo Ministério da Justiça 43 ,


relacionando a faixa etária com o grau de exposição de cenas de sexo, violência, uso de
drogas, entre outros aspectos. Dos jogos citados pelos meninos, apenas três – FIFA, Minecraft
e Clash of Clans – são adequados para a idade deles, sendo os dois primeiros classificados
como livres e o último classificado como a partir de 10 anos. Os demais jogos – Call of Duty
e Assassin’s Creed – são indicados apenas para maiores de 18 anos, não obstante eles jogam.

37

http://www.sebrae2014.com.br/Sebrae/Sebrae%202014/Boletins/2014_06_06_BO_Economia_Criativa_Grandes
_players_pequenos_negócios_de_games.pdf
38 Site do jogo: http://www.callofduty.com/pt/
39 Site do jogo: http://assassinscreed.ubi.com/pt-br/home
40 Site do jogo: http://www.supercell.net/games/view/clash-of-clans
41
Site do jogo: https://www.easportsfifaworld.com/pt_BR/
42
Site do jogo: https://minecraft.net
43
A atividade de Classificação Indicativa é exercida pelo Ministério da Justiça, que tem a competência de
informar sobre a natureza dos produtos de comunicação, classificando as obras como livres, exibição em
qualquer horário; 12 anos, exibição após às 20 horas; 14 anos, exibição após às 21 horas; 18 anos, exibição após
às 23. A classificação indicativa dos jogos está disponível do site do Ministério da Justiça:
http://portal.mj.gov.br/classificacao/data/Pages/MJ6BC270E8PTBRNN.htm. Último acesso: 18/09/2014
51

O fato dos meninos jogarem jogos não indicados para a idade deles não parece ser
problema para eles. A classificação indicativa desses jogos não foi discutida com eles no
grupo focal, já que não tínhamos conhecimento dessa classificação anteriormente. Porém,
podemos inferir que, como os meninos citaram esses jogos de maneira muito tranquila, sem
tentar ter um discurso socialmente aceito, eles podem ser autorizados a jogá-los.

Em alguns desses jogos é possível interagir com outras pessoas que também estão
jogando, como no caso do Clash of Clans, jogo da Supercell, disponível apenas para
dispositivos móveis. No jogo é possível fazer parte de um clã formado por diversas pessoas,
que podem ou não ser conhecidas. No jogo existe também um chat global, localizado do lado
esquerdo da tela, em que os jogadores, do seu país, podem trocar mensagens. Essa relação
pode se configurar em risco, visto que as crianças têm contato com pessoas estranhas e que
podem ser bem mais velhas que elas. A convergência entre as plataformas tem crescido e os
jogos, cada vez mais, incorporam mecanismos de interação entre jogadores, como os chats
disponíveis nos jogos. É possível interagir também em grupos criados em redes sociais, como
o Facebook, em que jogadores trocam experiências e dicas sobre os jogos populares.

Os dados da pesquisa nacional, mostram que 30% das crianças fazem contato com
pessoas desconhecidas através do jogos, percentual que chama atenção, pois é maior do que o
das redes sociais, com 14%. Os jogos podem ser, portanto, uma porta de entrada para um
contato com um desconhecido e, muitas vezes, eles não são vistos usualmente como
atividades de risco.

Desses jogos, Assassin’s Creed e Call of Duty foram classificados pelas crianças
como jogos violentos. “Mas não é um tipo de violência que a gente vai fazer”, afirma André.
Rodrigo, por sua vez, também sai em defesa do jogo: “o Assassin’s Creed que ele falou não
tem só violência, ele ensina um monte de História”. O Assassin’s Creed é um jogo de
aventura e ação, onde o personagem principal tem a missão de matar outros personagens. O
jogo é em terceira pessoa, ou seja não parte da visão do jogador, mas do avatar 44. O jogo
também resgata contextos históricos - como o da Revolução Francesa e da Revolução
Americana - e há a presença de personagens históricos reais, tais como Leonardo Da Vinci e
Nicolau Maquiavel 45 . Por isso Rodrigo afirmou que o jogo ensina história, ou seja, ao

44
Avatar é o personagem do jogo, a representação virtual do jogador. Em geral, é possível personalizar o Avatar,
dando-lhe características físicas.
45
Outros personagens presents no jogo: http://www.historiadigital.org/curiosidades/10-personagens-historicos-
de-assassins-creed/
52

misturar ficção com realidade ele apresenta aos jogadores personagens com importância
histórica. Esses comentários mostram que os meninos tem consciência da violência presente
no jogo, mas também identificam oportunidades como a aprendizagem de história.

[…] a aprendizagem pode ocorrer através da interface com os games por meio das
imagens, som, movimento, possibilidade de simulação e na interação com os pares,
pois os jogadores não são passivos aos jogos eletrônicos, agem e retroagem, sabendo
que sua influência não se dá só por imersão, mas se dá de forma diferenciada em
cada jovem (PEREIRA, 2010, p.38)

Com base nisso, não podemos afirmar que as crianças vão reagir da mesma forma aos
jogos, especialmente os jogos violentos. “A interação com cenas e imagens de violência não
resulta, necessariamente, na repetição mecânica destes afetos no cenário social, mas na
ressignificação destas emoções em um espaço previamente definido, sem atingir os
semelhantes”. (ALVES, 2004, p.81) Não há, no entanto, uma posição consensual da academia
acerca dos impactos negativos dos jogos, do ponto de vista de sua capacidade de gerar
violência real.

Em seguida, a autora defende a ideia de que a violência vende pelo fato de terem um
caráter terapêutico, catártico, “na medida em que canalizam os seus medos, desejos e
frustações no outro, identificando-os com o vencedor ou o perdedor das batalhas” (ALVES,
2004, p.79).

Outro jogo mencionado foi GTA, indicado para maiores de 18 anos, porém foi o único
que as crianças afirmaram serem proibidas de jogar pelos pais, apesar de os outros que foram
mencionados terem a mesma classificação indicativa. Nas palavras das crianças, a proibição
se dá porque o jogo é muito violento e não ensina nada de bom. “É só soltar bomba, matar
todo mundo, ser rico e famoso, morar num casarão ‘chicão’.. é só isso.”(MATEUS).

A fala de Mateus mostra que, apesar de serem proibidos de jogar GTA, os meninos
conhecem a narrativa do jogo. Esse é um exemplo da importância de fazer as mesmas
perguntas de formas diferentes. Quando questionados se jogavam esse jogo, todos afirmaram
que não. No entanto, quando foi perguntado sobre o jogo, seu funcionamento, eles foram
capazes de narrar com detalhes os objetivos do jogo, como no caso de Mateus. Podemos
53

inferir, a partir da fala dos meninos, que eles podem jogar escondido, mas podem também
assistir a vídeos tutoriais46, conversar com jogadores ou ver outras pessoas jogando, etc.

Retomando a fala de Mateus, outro aspecto do jogo, além da violência, se torna


evidente: a forte presença de estereótipos no jogo. Em geral, os jogos apresentam
representações sociais como: mulheres com corpos esculturais, estrangeiros e árabes como
inimigos, pouca presença de personagens negros, entre outros. São, portanto, essas
representações que vão fazendo parte do cotidiano dos jogadores. Além desse fator, o jogo
possui um forte apelo ao consumo, ilustrado na fala de Mateus, quando, ao atingir o objetivo
do jogo, o personagem fica rico, famoso e vai morar num casarão.

Como, na maioria dos jogos, é possível de jogar pelo celular torna-se mais difícil para
os pais manterem o controle sobre essa atividade. Os meninos, apesar da determinação de
horários dos pais para usar o dispositivo, afirmaram passar madrugadas jogando e durante o
fim de semana o tempo de jogo tende a ser bem maior.

No grupo focal com as meninas os jogos não tiveram ênfase, sendo apenas
mencionados uma vez como uma das possíveis atividades realizadas na internet e no celular.
Fator que reafirma a diferença de interesses por gênero e coloca os jogos numa posição mais
importante apenas para os meninos.

3.6 Bullying

Bullying não possui tradução literal, deriva do termo Bully, em inglês, traduzido para
português como “valentão”. A prática é, portanto, definida como um fenômeno onde a criança
ou adolescente é exposto a uma série de atos agressivos, sem motivação aparente, que podem
ser xingamentos, comentários discriminatórios etc. Os danos sofridos pelas vitimas do
bullying podem ser físicas, psicológicas e resultarem na exclusão sob forma de
marginalização social47.

46 Os tutoriais são vídeos, feitos por jogadores, que ensinam os usuários a jogar os jogos. Os vídeos trazem
dicas e estratégias para vencer as fases dos jogos. Exemplo de tutorial do jogo Minecraft:
https://www.youtube.com/watch?v=7IXoe4j9Ul8
47
Vila e Diogo (2009). Disponível em: http://www.psicologia.pt/artigos/textos/TL0142.pdf
54

O bullying é classificado de acordo com a forma que é direcionado, direto ou indireto


(NETO, 2005). O direto é quando as vítimas são intimidadas diretamente, como apelidos,
agressões físicas, ameaças, roubos, ofensas verbais ou expressões e gestos que geram mal
estar aos atingidos. Atitudes de indiferença, difamação e isolamento são considerados bullying
indireto.

As crianças identificaram o bullying como uma prática ruim, prejudicial a elas. Foram
relatados casos em que as crianças ganharam ou puseram apelidos, fizeram ou foram alvos de
brincadeiras dos colegas. “Colocam apelidos pras pessoas, definindo cada uma”, como
explica Lara. As redes sociais são espaços que potencializam essas práticas, pois muitos dos
apelidos indesejados são postados nos comentários das publicações ou compartilhados pelo
Whatsapp.

Eu vi uma foto de uma menina de biquíni e o pessoal começa a fazer comentários


dizendo que não gosta da pessoa que tá na foto. “Ah, periguete, gorda, obesa.. tá tão
gorda, não sei o que”. Eu acho muito chato isso. (CLARISSA)

As ofensas não se limitam apenas ao ambiente virtual, mas está presente também em
outros espaços de convivência. As crianças relataram casos de Bullying que elas sofreram na
escola e como lidaram com isso, como podemos observar na fala de Yohana:

Quando eu pequenininha eu era muito magrinhas, muito magrinha mesmo. Ai eu


postei uma foto e acabei sendo motivo de brincadeiras até de pessoas da escola
mesmo. “Ai como tu ta magra, ai palito” Ai minha mãe veio no colégio reclamar, eu
apaguei cos comentários. Foi muito chato mesmo. (YOHANA)

A prática de bullying na internet ganha uma denominação chamada de ciberbullying.


De acordo com Belsey (apud Neto 2005), o cyberbulling é o uso das tecnologias de
informação e comunicação como recurso para práticas de ameaças, por meio de mensagens
difamatórias ou ameaçadoras que circulam por e-mails, sites, blogs, redes sociais etc. Ele
pode ser a continuação da prática de bullying que ocorre em outros ambientes (como a escola)
ou pode ser iniciado no ambiente online. A prática realizada por meio do celular foi relatada
por 23% de adolescentes que participaram de uma pesquisa48.

48
Ver pesquisa NetSafe.org. The text generation . Mobile phones and New Zealand youth. A report of results
from the Internet Safety Group.s survey of teenage mobile phone use. Disponível em: www.netsafe.org.nz/Doc
55

Um agravante da prática é que ela pode ser praticada no anonimato, podendo aumentar
a crueldade dos comentários e das ameaças e podendo ter efeitos tão graves ou piores que o da
prática face-a-face.

Os apelidos parecem não incomodar os meninos. Quando os apelidos eram citados, na


grande maioria, eram acompanhados de comentários do tipo: “ah, é besteira”, “é só
brincadeira”.

Quando me chamam de alguma coisa eu nem ligo. A única coisa que me chamaram
foi de nerd, coisa assim. Mas ai é coisa boa, ruim é quando dizem: “ah, burro. Ficou
de recuperação.” (ANDRÉ; RODRIGO)

O foco do bullying para os meninos e as meninas são, então, diferentes. Para elas, as
questões de beleza, de peso são mais fortes, comentários como “gorda” e “feia” foram os
exemplos citados pelas meninas. Para os meninos, o foco da atenção está ligado ao intelecto,
comentários como “nerd” “burro” são os mais citados por eles. Novamente as diferenças entre
gêneros tornam-se evidentes.

Rafael explica que nos grupos do Whatsapp é comum que eles se tratem por apelidos e
façam comentários para provocar os colegas. “É assim, um bate uma foto e coloca lá ai os
outros comentam: ‘que bicho feio’. Ai começa a briga. Mas no outro dia tá todo mundo
desculpado”. Quando questionados se esse tipo de brincadeira, como eles mesmos chamam, já
incomodou algum deles ou algum dos colegas de sala a resposta foi firme: “não”. E
novamente a justificativa: “É só brincadeira mesmo” (RODRIGO). Mateus surge com o
contraponto: “Algumas pessoas têm consciência que a gente tá só brincando e outras acham
que não é brincadeira que a gente tá falando serio. Ai acaba prejudicando”. Apesar de Mateus
admitir que existem pessoas que ficam chateadas, esse fato não parece preocupar os meninos,
que mantem a resposta: “é só brincadeira”. Para os que fazem parte do mesmo grupo, os
apelidos são encarados como brincadeira, parte da convivência e amizade dos meninos.

Para as meninas, a situação é diferente. Elas afirmaram se incomodar com os apelidos


maldosos e, para “fugirem” deles nas redes sociais, elas apagam os comentários indesejados.
“Eu postei uma foto com uma roupa nova que eu tinha acabado de comprar e ai minha amiga
falou assim: ‘olha que obesa essa meninazinha’.. ai eu lá e apaguei o comentário depois”

_Library/publications/text_generation_v2.pdf. Último acesso: 12/11/14


56

(CLARISSA). Quando perguntamos porque Clarissa achava que as pessoas faziam esse tipo
de comentário ela coloca a culpa na inveja. “A pessoa tem inveja das suas fotos então ela fica
comentando ‘tá feia’. Ao invés de colocar ‘linda’ elas colocam ‘feia’”.

A forma de lidar com o bullying é diferente, como podemos observar, a depender do


gênero. Para os meninos, quando os apelidos são colocados pelos amigos do grupo de
amizade, a questão não é muito incômoda. Os tipos de comentários relatados por eles são
ligados a inteligência como o ‘nerd’ e o “burro”, mas também em relação a aparência como:
‘gordo’ o ‘magro’.

Já no caso das meninas, as questões realmente as incomodam, a ponto de fazerem com


que elas apaguem comentários e rompam relações de amizade. As meninas tem sido alvos
mais frequentes desse tipo de violência simbólica49 do que os meninos50. As razões também
são diferentes: as ofensas contra as meninas estão ligadas a estética, a beleza, ao corpo etc.

O tema já foi discutido pela escola, como conta Mateus: “uma vez um professor de
matemática mostrou pra gente um vídeo sobre bullying... ai a gente ficou vendo lá”. Na fala
do menino, no entanto, não fica claro de forma o tema foi problematizado, se houve discussão
com os alunos e se eles foram provocados a refletir sobre o assunto.

Essa forma de caracterizar, apelidar os colegas não é nova. O que a torna mais
preocupante são as proporções que esses apelidos podem tomar, configurando-se em ofensas
ou até ameaças. Os riscos presentes nessa prática são claros e podem gerar danos
psicológicos, como depressão que podem, inclusive, levar ao suicídio. Segundo um estudo do
Unicef 51, um a cada três crianças e adolescentes, entre 13 e 15 anos, são vítimas, de bullying
na escola. Outra pesquisa, feita pelo IBGE, revela que Um em cada cinco jovens, também na
faixa dos 13 aos 15 anos, pratica bullying contra colegas52.

Os envolvidos nas práticas de bullying, tanto vítima quanto agressor, precisam,


portanto, de orientação. Para combater a prática, é necessária a cooperacao entre escola,
família e sociedade em promover um ambiente de diálogo e de respeito as diferenças.
49
Para Bourdieu (2012) a violência simbólica é um poder invisível que parte do princípio de que a cultura
simbólica é arbitrária. Dessa forma, violência simbólica se institui por intermédio da adesão que o dominado
tem a cultura do dominante.
50
Disponível em: http://g1.globo.com/educacao/noticia/2014/05/meninas-sao-alvos-mais-frequentes-de-
bullying-segundo-levantamento.html. Último acesso: 20/10/14
51
Disponível em: http://www.unicef.pt/violencia-criancas/violencia-criancas-2014.html. Último acesso:
20/10/14.
52
Disponível em: http://veja.abril.com.br/noticia/educacao/um-em-cada-cinco-adolescentes-pratica-bullying-no-
brasil Último acesso em: 18/11/14
57

3.7 Sexting

O hábito de registrar os momentos especiais, as férias em família, o cotidiano está se


voltando, cada vez mais, para os espaços virtuais, com o compartilhamento de imagens nas
redes sociais. Como discute Sibilia (2008), a espetacularização da intimidade nas redes, em
diários online, blogs etc, sinaliza as novas tendências exibicionistas. O uso de webcams para
se expor na rede - que transmitem a vida privada “ao vivo” - são exemplos de novos
mecanismos de espetacularização do eu, que busca visibilidade, visa ao reconhecimento
através do olhar dos outros.

O que tem chamado atenção é que o hábito de se expor na rede tem se voltado mais
para a exposição da sexualidade. O sexting 53 tem se tornado uma prática cada vez mais
frequente entre as pessoas, segundo dados do Safernet Brasil. O número de crianças e
adolescentes envolvidos nessa prática também tem crescido.

Um levantamento realizado pela Safernet Brasil, em 2013, mostra que o número de


atendimento psicológico, motivado pelo sexting, mais que dobrou de um ano para o outro. Em
2012 a ONG contabilizou 48 pedidos de ajuda e, em 2013, eles atenderam 101 casos de
pessoas que tiveram a intimidade exposta na rede. Outra pesquisa feita pela ONG em 2013,
em parceria com a operadora de telecomunicações GVT, apresentou que 20% de 2834 jovens
brasileiros entrevistados afirmaram ter recebido conteúdos sexuais via web; e que 6%
compartilharam essas imagens com outras pessoas. Com crianças, a pesquisa apontou que 7%
da faixa etária de 10 a 12 anos já foram vítimas de sexting.

As meninas, participantes do grupo focal, relataram alguns casos de sexting que


aconteceram com amigos. “Tem uma menina aqui da escola que ela já tirou uma foto
levantando a blusa, sem nada na frente só mostrando as costas”, conta Madeleine. Clarissa
alerta para o perigo de exposição:

e outra coisa, tem uma menina que tem namorado, ai eles tão na piscina, por
exemplo, tá a menina só de biquíni. Ele diz: ‘ai como você tá linda, deixa eu tirar
uma foto sua’. Ai ele pode postar na rede a foto da menina. Então isso é muito
perigoso (CLARISSA).

53
O sexting é o compartilhamento de textos simples, curtos, diretos com ou sem imagens de teor sexual,
geralmente via telefones celulares. É um termo derivado neologismo que une sex (sexo) e texting (a troca de
mensagem de texto pelo telefone) em Inglês, que significa mensagem sexual, com conotação inapropriada ou
fotos nuas de corpos ou de relações sexuais.
58

Foi mais fácil conversar sobre o tema com as meninas, que o exploraram mais e
trouxeram exemplos. Já os meninos, respondiam as perguntas com risadas envergonhadas e
negavam praticar o sexting. “Os meninos lá da sala já me falaram que outros meninos já
mandaram fotos para eles”, como relata André. Nesse momento, os meninos assumem um
discurso socialmente aceito, afirmando não realizar a prática, o que não necessariamente
corresponde ao real.

Os únicos que admitiram receber uma imagem com conteúdo sexual foram Mateus e
Rafael. No caso de Mateus o relato veio acompanhado da justificativa: “já me mandaram.
Mas eu fechei o olho aqui e com dedo eu apaguei. Não olhei não”. Já com Rafael a história foi
diferente: “minha mãe viu e ficou falando besteira direto: ‘que é isso menino? Você tá vendo
essas coisas?!’ Ai eu só fiz apagar. Quando questionados se, caso recebessem essas imagens,
eles compartilhariam as respostas foram todas negativas.

Em relação as consequências geradas por esse tipo de prática, as meninas apontaram o


constrangimento que as pessoas expostas sentem como o principal problema.

Eu acho que o principal é a vergonha que elas sentem. Todo mundo hoje acessa a
internet, acessa Google, acessa tudo. Ai a pessoa vê (as fotos) e ela se sente muito
mal de todo mundo tá sabendo que uma pessoa que ela confiava fez isso com ela.
Esse é o principal, é o que mais afeta” (MADELEINE)

Já Mateus aponta que a razão para não praticar o sexting é que eles ainda são muito
novos, embora não desenvolva a explicação: “Tem vários problemas... se a gente fosse mais
maduro ai sim, mas agora não. Eu não sei explicar direito porque.” Diferente das meninas, os
meninos não mencionaram a exposição, o constrangimento das vítimas ou qualquer outro
aspecto ruim dessa prática.

O fato de 77% das vítimas do sexting serem mulheres, segundo dados do Safernet,
comprova porque as meninas se mostraram mais interessadas em discutir o tema. O alerta de
Clarissa é um exemplo: “tem que ter cuidado. Depende da foto, se for uma foto mostrando
demais, assim mais pessoal, pode cair em mãos erradas e pode acabar em sites de pedófilos e
eles podem modificar a foto todinha”.

Quando conversamos com as crianças sobre o sexting não foi mencionado, por elas,
nenhum tipo de mediação dos pais ou mesmo da escola. Mas podemos inferir que no discurso
59

das meninas estão presentes algumas orientações, que, provavelmente, são dadas pelos pais ou
pelos adultos que as cercam.

3.8 Consumo

A classificação dos riscos e das oportunidades, apresentada no capítulo anterior, indica


que questões comerciais são riscos, tais como publicidade não solicitada (spam), patrocínios e
dar informações pessoais (dentro e fora de contextos comerciais). Além, destes, na relação
com o consumo, podem surgir possíveis riscos, tais como: estimular valores consumistas,
estereótipos, riscos em compras online, de fornecer dados pessoais etc.

As crianças estão expostas a publicidade diariamente e em diferentes meios. De


acordo com os dados da pesquisa TIC Kids Online 2013, 61% das crianças tem acesso a
publicidade nas redes sociais, 48% em sites de vídeos e 30% em jogos. A partir desses dados,
podemos inferir que esses são os principais espaços online no qual elas frequentam.

As publicidades presentes nos jogos não agradam os jogadores, como conta Rodrigo:
“é muito chato. E o pior é que você tenta sair daquela propaganda e não vai (sai). Tem que
esperar 30 segundos pra sair”. Os meninos relataram que as publicidades que mais os
incomodavam são as que aparecem nos jogos e as que aparecem antes dos vídeos, em sites
como o Youtube.

Quando questionados se eles já tinham clicado nessas propagandas, Paulo e André


afirmaram que sim. “Eu clico nas propagandas do Netflix” (ANDRÉ). Leonardo relatou um
caso que aconteceu com ele: “Quando eu estava jogando apareceu uma (propaganda) que
dizia que eu ia ganhar alguma coisa. Ai quando eu cliquei apareceu lá: ‘sinto muito, mas você
não ganhou’. Nesse caso, podemos configurar uma relação de risco. O link pode direcionar o
usuário para algum site com vírus, podem rastrear informações do aparelho e etc. O menino,
ao contar a história, se mostrou muito chateado, pois tinha a expectativa de ganhar algum tipo
de benefício. Ele só percebeu que naquela relação se estabelecia um risco após passar pela
experiência negativa. Leonardo, por fim, não explicou se ele sofreu algum dano ao clicar no
link proposto na propaganda.
60

Os meninos comentaram que muitas das propagandas que apareciam nos jogos eram
de outros jogos. A partir dessa informação, questionamos se eles já tinham começado a jogar
outro jogo por causa da propaganda. Rodrigo conta: “Eu já. Eu baixei o Call of Duty. Mas
comprar não. Mas a maioria é de graça”. Mateus complementa a fala do colega: “Mas sempre
com alguma propaganda”. Quando Mateus completa a fala de Rodrigo, destacamos outra
compreensão das crianças sobre o assunto. Os jogos são gratuitos mas vem com um “ônus”,
no caso as publicidades.

Em relação aos jogos pagos, os meninos disseram, em geral, não fazer usos deles.
Com a autorização dos pais eles realizam as compras. André conta: Eu pago as vezes. É
porque eu tinha um celular que não era touch ai você só podia jogar trinta dias e depois tinha
que pagar”. Na fala de André fica visível um das estratégias usadas pelo mercado para
conquistar consumidores dos jogos. Quando os pais não permitem a compra, os meninos
encontram outra forma de adquirir o jogo, como conta André: “A gente baixa um aplicativo
que a gente pega os aplicativos pagos grátis”. O relato revela que as crianças têm, cada vez
mais, conhecimento das tecnologias e de ferramentas que facilitam, de certa forma, o acesso a
elas.

Sobre essa questão das compras na internet, a pesquisa TIC Kids Online 2013 mostra
que 8% das crianças, entre 11 e 12 anos, comprou algum produto pela internet. As meninas
que participaram do grupo de foco também trouxeram exemplos. Madelaine contou a
experiência negativa que teve quando fez uma compra na internet, na companhia do avô.

Eu já comprei uma boneca ou uma roupa, não me lembro. Meu avô comprou comigo
pelo cartão dele. A gente achando que ia vir e tal, bonitinha, do jeito que tava lá na
foto [...] Só que quando chegou, acho que dois ou três dias depois, não era nada, era
uma caixa com isopor dentro. Ai eu fiquei: “eu quero a minha boneca! Eu quero!
Cadê?”. (MADELAINE)

Através do relato, podemos perceber que a menina ficou bastante chateada e sem
compreender porque a produto pedido não havia chegado. Madeleine conta que a história
aconteceu há alguns anos atrás, quando ela era mais nova. Pela fala, podemos observar que
hoje a entendimento dela já mudou e que ela é capaz de perceber o risco presente nessa ação.
Yohana, em seguida, conta os alertas feitos pelos pais em relação às compras online.
61

Meus pais e eu, achamos muito perigoso essa compra porque você acaba dizendo
seu endereço, seu telefone, ai pessoas mal intencionadas podem ver. E também a
questão de não chegar nada, chegar com defeitos, chegar alguma coisa perigosa.
Meus pais não deixam eu comprar nada pela internet e nem eles mesmo compram.
(YOHANA)

Com os relatos expostos aqui, podemos concluir que as crianças, em geral, têm certa
resistência em realizar compras online, sejam jogos ou produtos, como relatou Madeleine. O
fato de não terem condições de arcar com os gastos – com exceção de alguns jogos online em
que o custo é incluído, automaticamente, na conta da linha telefônica - da compra é sempre
necessária a mediação de algum adulto. Apesar dessa mediação, a possibilidade de sofrer
algum dano com a compra não está eliminada.

3.9 Mediação Parental

As crianças afirmaram que os pais estabelecem regras para que elas usem o celular,
para jogar, usar a internet, etc. Dentre as regras, está a definição de horário para uso dos
dispositivos móveis. “Tem hora para os estudos, tem hora para o celular. A hora do celular é
no final de semana, de tarde na hora do meu descanso depois do almoço” (LARA). Para as
crianças, as regras estabelecidas pelos pais são, muitas vezes, rígidas, como relata Yohana:
“meus pais contam mesmo o tempo que eu fico no meu tablet e no meu celular, eles são bem
rígidos. É uma hora e meia e olhe lá”. Complementa Clarissa: “minha mãe é super rígida,
quando eu tiro nota baixa ela tira meu celular”. Em seguida comenta Lara ironizando: “que
beleza essas regras”.

Ainda que não gostem das regras, as meninas entendem que elas são necessárias. “(o
celular) atrapalha demais e o pior é que a gente sabe disso”, relata Lara. A maior dificuldade
é deixar o celular de lado durante os estudos, e isso preocupa os pais, como foi possível
identificar na conversa com as crianças, tornando a regra de horários para o uso a regra
básica. Depois de estabelecida a regra básica, outras regras – regras de uso nas redes sociais -
e orientações vão sendo definidas.
62

Mesmo entendendo a necessidade das regras, as crianças encontram formas de burlá-


las, como relata Madeleine:

às vezes meu pai diz: ‘você só tem mais dez minutos para ficar com o celular’ e eu
respondo ‘tá bom’, mas continuo usando e passa dos dez minutos. Ai, as vezes, ele
sai e pede pra eu guardar o celular. Só que eu acabo pegando o celular e coloco num
canto que ele não vê. Ai eu fico mexendo no celular a noite toda, só que ele acaba
descobrindo e eu fico de castigo.

Uma atividade citada pelas crianças foi a de “madrugar”. O termo corresponde a


passar a madrugada na internet, no caso das meninas entrevistadas conversando nas redes
sociais e dos meninos jogando jogos online. Com os dispositivos móveis, essa prática se torna
mais fácil, já que as crianças possuem aparelhos próprios que ficam em seus quartos. As
crianças, no entanto, realizam essa prática escondidas dos pais, escondendo o aparelho celular
para passarem a noite acordados, como conta Clarissa:

“eu esperei meu pai ir dormir, ai eu peguei meu celular, botei a manta em cima de
mim, fiquei debaixo da manta mexendo no celular. Ai a cada cinco minutos eu ia
olhar se meu pai tava acordado. Ai teve uma vez que ele acordou ai eu ‘dormi’
(fingindo)”.

Yohana completa e confirma que a estratégia da amiga realmente funciona: “é, meu
pai também não sabe, eu finjo que tô dormindo e ele não sabe”. O relato das meninas mostra
que as estratégias para burlar as regras são comuns e bem frequentes.

Os perfis nas redes sociais tem sido motivo de atenção para os pais de crianças e
adolescentes. Os riscos presentes nesses sites, em especial o de contato com pessoas
estranhas, faz com que os pais busquem monitorar as atividades online dos filhos, como
relatam Mateus e Madeleine: “Minha mãe passa o dia todinho perguntando: ‘tá falando com
quem?’” (MADELEINE). “Toda vez que eu abro minha página eles perguntam: ‘quem é esse
menino?” (MATEUS). Já Rafael relata, incomodado, que não gosta de mostrar o celular para
a mãe, mas que ela encontra outra forma de saber o que ele faz online: “minha mãe pega meu
celular e diz: ‘vou só ver um negócio aqui’ aí sempre olha minhas conversas no Whatsapp”.

Nesse depoimento podemos perceber que, muitas vezes, os pais têm atitudes
invasivas, sem respeitar a privacidade e até mesmo a autonomia que os filhos vão, ao poucos,
63

conquistando. É importante salientar que o fato das crianças esconderem conversas dos pais
não significa, necessariamente, que contém algo proibido ou perigoso nelas, mas que isso faz
parte da intimidade delas. O fato da mãe não assumir o que está fazendo mostra que esse tipo
de relação possivelmente não seja o melhor caminho, já o menino se mostrou incomodado e
que, claramente, a atitude da mãe não fez com que ele mudasse suas práticas online. Ao
contrário, tal relação estimula muito mais as estratégias fuga. Uma relação franca, baseada na
problematização das questões ao invés da simples proibição, tenderia a ser muito mais
consistente.

Quando questionados se os pais tinham acesso aos seus perfis e se tinham a senha
Rodrigo foi enfático: “de jeito nenhum! Eles não têm nem a senha do celular. Mas se eles
pedirem, assim, por favor.. (risos)”. A fala do garoto demonstra que apesar das tentativas dos
pais de se inserirem no cotidiano online dos filhos, digamos assim, eles encontram inúmeras
barreiras. Muitos pais, portanto, acompanham as publicações dos filhos por meio da visita a
página. “Quando eu curto a foto de uma amiga, já aparece para minha mãe.. ai ela vem e
pergunta quem é”, explica Madeleine. Yohana completa: “é ruim, as vezes a gente quer
guardar só pra gente, é privacidade [...] mas minha mãe sempre vê o histórico”.

O motivo da preocupação dos pais está bem claro para as crianças: é para protegê-los.
“Pra proteção da gente mesmo. Porque eles sabem os riscos que a internet pode provocar, os
aplicativos. Eu acho que é pra prevenir a gente de coisas mais graves” (CLARISSA). Rafael
também entende o lado dos pais e conta que as regras “são para sua própria proteção, para seu
bem”. As crianças mencionaram que o pais se preocupam com “conhecer pessoas ruins, com
hackers, conteúdos sexuais e conhecer pessoas estranhas”. O caso contado por Yohana
apresenta um risco claro.

Eu tinha uma amiga que ela aceitava qualquer pessoa, porque ela queria ter mais
amigos. Ai um dia ela aceitou uma amiga dela e quando ela foi falar pra essa amiga,
ela respondeu: ‘eu não tenho facebook’. Ela foi procurar saber e descobriu que não
era a amiga dela, era um homem que já tinha feito até “não sei o que” com a outra
menina. Hakearam o site dela.

Em relação a publicação de fotos nas redes sociais, Madeleine conta que precisa pedir
a permissão dos pais para realizar a postagem: “eu tô postando uma foto ai meu pai:
64

“Madeleine, deixa eu ver essa foto que você vai postar”. Ai ele tem que ver a foto, analisar a
foto dos pés a cabeça, ai eu posso postar”.

No que diz respeito às proibições, mais uma vez as tentativas de burlar as regras dos
pais ganham destaque. “Tem coisas que a gente quer fazer mas sabe que eles não vão deixar,
ai acaba fazendo escondido” (YOHANA). Clarissa conta seu exemplo: “meus pais não
deixam eu acessar [o Snapchat54], eu sempre pergunto e eles dizem ‘não não pode’. Só que
mesmo eles não deixando eu sempre boto sem ele saber e fico usando.”

De acordo com a pesquisa TIC Kids Online 2013, 44% dos pais de crianças entre 11 e
12 anos afirmaram ter muito conhecimento sobre as atividades realizadas pelos filhos na
internet. Dado, no entanto, que pode ser confrontado pelos relatos das crianças no grupo focal.
Os pais buscam saber, fazem perguntas e estão atentos, mas suas intervenções nem sempre
são capazes de extrair “muito” conhecimento, como nomeou a pesquisa nacional. Já o dado
sobre a orientação os pais para os filhos adicionarem amigos nas redes sociais estão mais
coerentes com as respostas das crianças visto que 43% dos pais respondentes afirmaram
buscar saber quem são esses amigos.

Fica claro pela fala das crianças que os pais, por vezes, não discutem com os filhos o
uso da internet, as possibilidades de um uso seguro e de aprendizagem, por exemplo. Poucos
conversam com filhos sobre os possíveis riscos presentes nessa relação, sendo a proibição o
caminho considerado mais fácil, ainda, como podemos avaliar, pouco eficaz. A proibição por
si só faz com que as crianças encontrem estratégias para burlá-la, fazemos essa proposição,
porém, sem a pretensão de afirmar que as atitudes das crianças têm como razão apenas a falta
de explicação dos pais acerca das regras.

Buckingham (2000) argumenta, que ao invés de proibir o acesso das crianças às novas
tecnologias é necessário compreender, antes, as competências e limitações que ela possui em
relação ao uso.

Nesse contexto de riscos e potencialidade é importante, portanto, que pais e


professores estejam conscientes do processo e possam intervir e proteger a criança, quando
necessário. “Os pais precisam intervir e se familiarizar com os computadores e a internet, para
monitorar o acesso à rede e o contato pela web” (Duque 2012, p.112).

54
O Snapchat é um aplicativo semelhante ao Whatsapp,que posssibilita a troca de mensagens através da internet.
A diferença é que no Snapchat as mensagens e imagens enviadas pelo bate-papo que só duram alguns segundos,
sendo apagadas automaticamente em seguida.
65

3.10 Mediação Escolar

Na escola pesquisada, o uso do celular não é permitido em sala de aula e essa


proibição é reforçada pelos professores. A escolar segue a lei estadual, aprovada em 2008, que
proíbe alunos de usar celulares e aparelhos eletrônicos como MP3 players e videogames em
escolas públicas e privadas da Educação Básica. A utilização, na escolar onde ocorreram os
grupos, só é permitida nos intervalos e horários de recreio. “Na sala não pode mexer de jeito
nenhum, se você mexer eles (professores) chegam e pegam seu celular”, conta Mateus, cuja
fala exemplifica como a proibição está inserida nessa relação.

Em contrapartida, a Unesco lançou, em 2013, o guia “Diretrizes de políticas para a


aprendizagem móvel”55. No documento, a instituição estimula o uso das tecnologias móveis
nas disciplinas que podem permitir a aprendizagem e criar uma ponte entre a educação formal
e a não formal. No entanto, no contexto escolar ainda predomina uma visão do celular, em
especial, como um concorrente do professor, que não possibilita novos aprendizados, já que
seria ligao apenas ao entretenimento, e que atrapalha a aula, como relataram as crianças.

Clarissa conta o que é geralmente dito pelos professores: “é assim: ‘se vocês quiserem
usar o celular, usem na hora do recreio. Sala de aula é lugar para aprender”. Nesse discurso,
podemos concluir que os aparelhos ainda são vistos com certa desconfiança por muitos
educadores, considerados, muitas vezes, rivais da escola. Em contrapartida, o uso de
dispositivos móveis é apontado por especialistas como uma modalidade de ensino-
aprendizagem, conhecido como mobile learning 56que incorpora o ensino dentro e fora da sala
de aula.

Observando o momento do recreio das crianças, antes da realização do grupo focal


com as meninas, identificamos que, como o uso do celular é liberado, essa é a atividade que
predomina. Muitas crianças ficam com a atenção voltada para os dispositivos móveis. Na
escola pesquisada, existe uma rede wifi liberada para os alunos, porém eles relatam que a

55 Guia disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0022/002277/227770por.pdf


56
O mobile learning é uma modalidade de educação à distância que permite uma aprendizagem
associada à mobilidade. Neste processo de ensino a interação professor-aluno se dá através de
diferentes dispositivos móveis, como celular, ipod, computador portátil, rádio, TV, etc.
66

conectividade é baixa, e existe também outra rede, fechada, para os professores. As crianças,
no entanto, descobriram a senha de acesso dos professores, como conta Rodrigo: “todo
mundo sabe (a senha). Tipo assim, uma pessoa foi lá pegou e passou pro colégio todinho”. Já
Laís apareceu com outra alternativa para ter acesso a senha: “baixa aquele aplicativo pra
descobrir a senha”. Novamente a proibição aparece como uma alternativa pouco eficiente,
pois as crianças encontram formas de burlá-la.

Os meninos apontam as razões que motivaram esse tipo de proibição: “porque pode
tirar nossa atenção. Se não a gente ia ficar direto no Facebook, não ia prestar atenção na
explicação do professor”(MATEUS). No entanto, é a fala de André que chama a atenção para
outro aspecto: “é assim, você pode pegar o wifi do colégio e pode jogar, pode ver as respostas
da prova”, quando questionado se ele conhecia alguém que tinha essa prática a resposta foi
clara: “eu faço!”. A famosa “pesca” em provas escolares não é uma prática nova, mas a partir
desse relato podemos observar como ela é potencializada pelo smartphone.

Os relatos das crianças, portanto, deixam claro que a escola não problematiza o uso
dos dispositivos móveis, não existem espaços para discussão ou até mesmo iniciativas de
incorporar esses aparelhos a aprendizagem escolar. A fala de Yohana demonstra a situação:
“conversar, como vocês fizeram agora, perguntar o que a gente faz no celular, o que a gente
conversa, sobre os riscos, os perigos, eles (professores) não fazem”. Isso reflete a dificuldade
que as escolas ainda têm de lidar com as novas tecnologias, questionar os seus usos, abordar
questões de risco e de segurança na rede, entre outros, o caminho radical da proibição tende a
prevalecer.
67

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando as crianças como agentes sociais ativos que constroem as culturas


(CORSARO, 1997), esta pesquisa pretendeu identificar as visões das crianças acerca dos
riscos e das oportunidades presentes na relação com a internet, em particular com as mídias
móveis.
Com base nos relatos das crianças acerca dos usos das mídias móveis, podemos concluir
que o celular se apresenta como um bem pessoal, compartilhado apenas com os mais amigos
e, eventualmente mostrado aos pais em caso de demanda. O aparelho é usado pelas crianças
diariamente, mas com horário de acesso determinado pelos pais. Em alguns casos, no entanto,
as crianças burlam essas regras, como no caso do “madrugar”, que elas passam a madrugada
conectadas à internet, por meio do celular, escondida dos pais. Observamos também, pelo
relato das crianças, o imperativo de estar conectados, o desespero por não ter conexão à rede.
Importante destacar que o celular é usado muito mais como um meio de acesso à internet do
que para fazer ligações.
Em relação às questões de segurança, associados aos riscos, as crianças demonstram ter
conhecimento de mecanismos para proteger o aparelho do acesso de terceiros, como o uso de
senhas e aplicativos de segurança, como o Psafe e o Vsafe, na tentativa de proteger as
conversas em redes sociais.
Ao utilizarem as redes sociais, as crianças já identificam como risco o contato com
pessoas estranhas. Elas relataram utilizar políticas de privacidade como: limitar as
informações dos perfis para os amigos, além de adicionar apenas pessoas que fazem parte do
sua rede de amizade fora da redes social, na vida “real”. Nesse aspecto, a mediação dos pais
esteve presente e casos onde eles interviram foram citados pelas crianças.
Os jogos se apresentaram como um tema de maior interesse para os meninos do que para
as meninas. Os meninos identificaram que alguns jogos utilizados por eles são violentos,
podendo, então serem enquadrados nos riscos. Contudo, eles indicaram também
oportunidades presentes nos jogos, como a possibilidade de aprender história a partir do jogo
Assassin’s Creed que traz aspectos e personagens históricos em seu enredo.
Quando abordamos os temas bullying e sexting, as crianças identificaram as práticas como
prejudiciais para elas, portanto classificadas como risco. O foco do bullying sofrido pelas
meninas girava em torno das questões do corpo, na aparência e estética, tais como “gorda”,
“feia” e “piriguete”, que remete a uma questão de classe social também. Enquanto os
meninos, o foco estava no intelecto – “burro”, “nerd”.
68

A respeito do sexting, as meninas mostraram mais interesse em discutir o assunto. A


prática foi identificada como perigosa e que expõe a vítima a situações vexatórias. Nesse
aspecto, a mediação dos pais aparece na medida em que eles precisam autorizar a publicação
de uma foto na rede social, como foi relatado por uma das meninas. Os meninos demostraram
vergonha ao discutir o tema, mas alguns afirmaram já ter recebido algum tipo de conteúdo
sexual por uma de suas redes sociais.
Como oportunidades, as crianças identificaram as possibilidades de interação e contato
com pessoas distantes, a facilidade de comunicação que as novas mídias possibilitam. Os
meninos apontaram as oportunidades de aprendizagem presentes nos jogos online, como no
jogo que ensina história. A internet também foi citada pelas crianças como uma facilitadora
nos momentos de realização de trabalhos escolares.
As mediações, parental e escolar, se tornam perceptíveis nos discursos das crianças. Os
pais, com base nos relatos das crianças, discutem com elas mais sobre os riscos do que sobres
as possibilidade. Os professores aparecem como os que proíbem os usos, mas, por vezes não
os discutem com os filhos. A escola onde as crianças estudam ainda tem se mostrado
resistente ao uso dos dispositivos móveis, encarando-os como concorrentes da atenção das
crianças. Nesse sentido, consideramos necessária uma maior discussão sobre o uso das mídias
tanto no ambiente escolar quanto no ambiente familiar.
Os riscos e as oportunidades, portanto, estabelecem entre si uma relação de dependência,
pois onde existem riscos também existem oportunidades. Há também práticas que podem
trazer riscos e/ou oportunidades a depender dos usos que sejam feitos delas.
Consideramos que restringir o acesso à internet na tentativa de prevenir um dano pode,
neste contexto, reduzir as possibilidades de benefícios e de aprendizagem. O desafio está,
portanto, na capacidade de minimizar riscos e, simultaneamente, maximizar oportunidades.
Com isso, a literacia digital tem se tornando mais que necessária não somente entre as
crianças mas também entre pais e professores. Nesse sentido, é necessário que se supere a
postura do pânico moral e que se invista na compreensão das oportunidades das mídias
móveis e na preparação das crianças para aprimorar as suas competências tanto em termos de
segurança, quanto em termos de criatividade na exploração de suas oportunidades.
69

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infância nas páginas das revistas Pais & Filhos e Crescer. In: Congresso de Ciências da
Comunicação Sudeste. nº XVIII, 2013. São Paulo. Anais. P. 1-13
73

WEBER, S.; WEBER, J. Girl’s adoption of new technologies. In: WEBER, S.; DIXON, S.
Growing up online: Young people and digital technologies. United States: Palgrave
Macmilan, 15 abr 2010. p. 51-68.
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ANEXOS

Roteiro para entrevistas com crianças

Entrevistas em grupo

Foco

Percepções/visões/avaliações (e.g. de consequências dos smartphones, regras, riscos), por que


eles têm essas percepções, anedotas sobre a experiência deles e de outros

Lógica

Gostos/Desgostos

Restrições: Que tipo de restrições são feitas pelos pais/professores? Até que ponto as regras
são seguidas e como eles avaliam essas regras?

Consequências: o que mudou no uso de smartphones/tablets ao longo do tempo entre os


amigos/as crianças na escola e por quê

Riscos: quaisquer exemplos de coisas que foram negativas por causa do smartphone, e como
eles avaliam isso

Questões específicas: drama social, bullying, sexting, pornografia, estranhos

A entrevista

Abaixo, nós sugerimos algumas maneiras pelas quais algumas questões podem ser feitas, mas
isso não precisa ser seguido à risca – as entrevistas podem abarcar essas áreas, mas com
outras palavras, reagindo ao que os entrevistados dizem (por exemplo, no exercício de
adesivos tipo “Post-it”)... De fato, seria melhor se o entrevistador não lesse simplesmente as
questões, porque a entrevista é mais como uma conversa. Apesar de nós não perguntarmos
diretamente questões em todos os tópicos (possíveis), acompanhe outros assuntos, se as
crianças os trouxerem – e.g. comentários racistas encontrados online.

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Guia para entrevista em grupo

GOSTOS/DESGOSTOS (30-40 MINUTOS)

Exercício com adesivos tipo “Post-it”

A tarefa: o pesquisador convida as crianças a expressar livremente o que vem em suas mentes
quando elas acessam a internet a partir de seus celulares, smartphones, iPod touch: Como
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vocês sabem, vocês estão aqui porque usam um celular, um smartphone, ou um iPod touch
para ficar online. Eu gostaria que vocês pensassem em quando acessam a internet a partir
deles e escrevessem em um “Post-it” qualquer coisa que passar pelas cabeças de vocês - o que
sentem sobre isso, talvez, em uma única palavra ou frase, coisas positivas, coisas negativas,
qualquer coisa que venha à mente - em seguida, passem o“Post-it” para mim.

1º passo: O pesquisador coleta os “Post-its” e os cola na parede/quadro-negro. O pesquisador


estimula a discussão, pedindo às crianças para explicar o que elas escreveram.

2º passo: reordenação dos “Post-its”. O pesquisador pede às crianças: Agora, ajudem a


organizar os “Post-its” em duas categorias: coisas de que gostam e coisas de que não gostam.
Assim, de acordo com o retorno das crianças, o pesquisador agrupa os “Post-its” em duas
áreas diferentes na parede/quadro-negro.

Essa discussão leva a um mapeamento preliminar de ambas as práticas e percepções


(oportunidades e percepções de risco).

(Dependendo do que elas disserem, nesse momento, todas as questões futuras poderão ter de
ser adaptadas.... e.g., “Tu disseste anteriormente...” e, em seguida, peça mais detalhes, mais
adiante na entrevista).

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USO COMPARTILHADO

As crianças e jovens que vocês conhecem muitas vezes mostram as coisas em seus
smartphones e tablets para os amigos? Se sim, que tipo de coisas eles compartilham? Quando
vocês estão vendo alguma coisa no celular ou tablet, vocês mostram para os amigos ?

As crianças e jovens que vocês conhecem deixam que os outros usem os smartphones ou
tablets deles? Ou será que esses objetos são “bens pessoais”, coisas que só eles usam? Vocês
deixam outras pessoas usarem seus celulares ou tablets? Ou só vocês usam?

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MUDANÇAS

Pensando em você, seus amigos, as pessoas na escola, o que mudou ao longo dos últimos dois
anos pelo fato de que, cada vez mais, as crianças e os jovens têm celulares e smartphones?

(Sondagem: O uso da internet pelo celular mudou? O modo com as pessoas se comunicam
mudou?)

Essas mudanças foram boas ou ruins? Que tipo de benefício e/ou problemas elas trouxeram?

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PROBLEMAS ESPECÍFICOS

Comunicação
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Em razão dos celulares, dos smartphones, hoje é muito mais fácil falar com as pessoas online,
por mensagens, email, redes sociais. Isso é sempre bom ou pode causar algum problema?

(Se eles derem exemplo) Você chamaria qualquer um desses exemplos de ‘bullying’?

Imagens

Algumas pessoas dizem que ficou mais fácil tirar foto, postá-las na internet com o celular e/ou
compartilhá-las. Isso já gerou algum problema? Vocês conhecem alguem que já se chateou
por causa de fotos deles que foram publicadas?

(Sondagem: Pessoas que você conhece reclamaram de fotos tiradas deles?)

Algumas das pessoas que vem estudando essa questão, estão interessadas em saber se as
crianças, os adolescentes e/ou os jovens já enviaram imagens sexuais uns para os outros (por
exemplo, fotos de si mesmos sem roupas). Vocês sabem se isso acontece?

(Sondagem: Você pode dar exemplos de quando isso aconteceu? Foi um problema ou não?).

Monitoramento parental

Com os celulares e tablets é mais fácil para as crianças e jovens acessar a internet, jogos
online, videos etc. e é mais dificil para os pais saber o que os filhos estão vendo na internet. O
que vocês acham disso?

Os pais de vocês sabem o que vocês acessam na internet por meio do celular? Eles conversam
com vocês sobre isso?

Violência

Os adultos se preocupam com os videos e jogos violentos, que são bem reais e mostram
sangue. Vocês acham que com os celulares e tablets ficou mais fácil ver esses jogos ou
videos?

Imagens sexuais

Algumas das pessoas que vem estudando essa questão dos celulares, estão interessadas em
saber se vocêm acessam imagens sexuais na web por seus smartphones/telemóveis ou tablets.
Vocês conhecem alguém que acessa imagens sexuais na internet, pelo celular ou tablet?
Poderia dar algum exemplo? Há estudantes como vocês que acessam?

(Sondagem: Você pode dar exemplos de quando isso aconteceu? Como tiveram acesso a esses
materiais? Isso causou problemas ou não?).

Localização

As crianças, os adolescentes e os jovens costumam usar os serviços de localização via


smartphone - por exemplo, coisas que permitem que outras pessoas saibam onde eles estão
(ex. Deixam o Bluetooth ligado, usam o Foursquare etc.)?
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(Se sim) Porque eles fazem isso? ). Será que já isso causou algum problema? Eles têm
cuidado ao dizer onde estão ou vocês acham que eles não se preocupam com isso? Na opinião
de vocês, há algum risco quando eles informam onde estão?

Você usa essas ferramentas de localização? Por que? Tem algum tipo de cuidado tem ao usar?

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REGRAS NA ESCOLA

Vocês podem usar o celular na escola? Exitem regras de quando podem ou não usar?

Em geral, as pessoas na escola seguem essas regras sobre celulares e smartphones? O que
algumas das crianças fazem que não é realmente permitido? O que acontece se forem
apanhadas pelo professor?

As pessoas seguem essas regras sobre o uso dos celulares? O que as crianças e os
adolescentes fazem pra driblar esse controle? Vc e/ou seus amigos costumam usar o celular
escondido? Quando? Porque? O que acontece com os estudantes se eles forem pegos pelo
professor usando o celular quando não é permitido?

(Colectivamente) O que vocês acham dessas regras: Por que elas existem? Com o que os
professores estão preocupados? Vocês acham que a preocupação é justa? Vocês acham que as
punições, quando as crianças são pegas, são muito fortes?

A escola ou algum professor já estimulou o uso do celular em sala de aula para pesquisa? Já
incentivou o seu uso? já provocou algum debate sobre este assunto?

Existem regras na escola sobre trazer e usar tablets? Existem aulas em que isso é incentivado?

Existe acesso WiFi na escola e, se sim, vocês estão autorizados a acessá-la com o seu tablet?

Se sim, os professores verificam o que as crianças estão fazendo em seus tablets? Existe
alguma restrição neste uso? Isso foi discutido com vocês ou vocês foram apenas informados?

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PAIS

Pensando nos pais de vocês e dos seus amigos, vocês acham que os pais estão preocupados
com o que os filhos fazem com o celular?

Com que tipos de coisa seus pais se preocupam?

Eles fazem as regras sobre o uso do smartphone - em caso afirmativo, de que tipo? Eles
verificam o que as crianças têm feito no telefone (por exemplo, verificando os sites que
visitaram)?

Os pais colocam regras para usar o celular? Que tipo de regras, por exemplo? Eles olham
quais sites os filhos visitam? Deveriam olhar?
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(se eles disserem que alguns pais estão preocupados e intervêm/verificam) O que vocês acham
sobre isso?

(Sondagem: Vocês conseguem entender o ponto de vista deles? Isso é um problema?)

CONSUMO

Quando estão em algum site ou em algum jogo e aparecem mensagens com propagandas, o
que vocês acham disso? Vocês gostam ou não? Porque?

Vocês já compraram algum dos produtos dessas propagandas? Tiveram vontade de comprar?
Já pediram aos pais de vocês para comprar?

Vocês usam aplicativos no celular ou tablets? Quais? Como tomaram conhecimento deles?
Você já pagaram para usar algum deles?

Termina a entrevista com:

Vocês viram o tipo de coisas em que nós estamos interessados. Querem acrescentar alguma
coisa?

A entrevista correu bem - foi difícil de alguma forma?

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