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Disciplina de Introdução à Ciência Política

Manuel Maria Borges de Almeida Real Dias, nº 2002921; Turma: 10


nº de palavras: 1927
Ciência Política

O conceito de Ciência Política é demasiado abrangente para que o possamos definir em


poucas linhas sem cair em simplismos que reduzam, substancialmente, o conteúdo intrínseco
ao tema. Isto porque apresenta demasiadas vertentes e intersecções com outros ramos da área
científico-humanista - e as ligações entre estas - para que possamos defini-lo sem partir de
uma concepção genérica que permita expor os conceitos-chave que o compõem, de forma
aprofundá-los e, daí, obter uma concepção mais profunda e exata, que abarque devidamente
todos os elementos essenciais de que é composto.

Sendo que a concepção mais abrangente de ciência é "o conjunto de técnicas e modelos que
permite organizar o conhecimento sobre uma estrutura de factos objectivos”, e essa estrutura
de "factos objetivos" sob o qual pretendemos "organizar o conhecimento" engloba todo o
género de fenómenos políticos, podemos formular a seguinte definição genérica: Ciência
Política é o conjunto de técnicas e modelos que permitem organizar o conhecimento sobre
qualquer fenómeno político. É imperativo, neste ponto, aprofundar a concepção de
fenómenos políticos, da qual nos serviremos da definiçao de Sousa Lara: “Fenómeno político
é todo o acontecimento implicado na luta pela aquisição, manutenção, exercício, controlo e
subversão do Poder na sociedade” (Lara, 2017: 21). Na lógica deste raciocínio analítico
sequencial, surge, ainda, a necessidade de uma concepção mais concreta do conceito de
poder. Poder enquanto “todo o conjunto de meios capazes de coagir os outros a um
determinado comportamento” (Lara, 2017: 21).
Assim, percebemos que o poder se trata de um instrumento de coação que emana de uma
instituição, formal ou informal, pelo que a sua existência não depende necessariamente de
qualquer estrutura de organização ou hierarquia, e está presente em qualquer forma social de
existência - podendo, segundo Sousa Lara, encaixar-se na definição de poder político ou de
poder social. Utilizo o termo “forma social”, pois a única característica inerente ao poder é o
facto de ser exercido por uma entidade sobre outra, ou seja, para existir poder é necessário
que exista uma estrutura social, por mais pequena que seja. É necessária a existência de um
"outro" sob o qual é exercido o poder - existe, em toda a relação de poder, um "dominado" e
um "dominador" -, o que explica a ligação umbilical entre a Ciência Política e a Sociologia.
Embora a linha que separa o poder de influenciar do poder de coagir seja bastante ténue em
ciência filosófica e sociológica, para a Ciência Política estes representam fenómenos políticos
distintos. É notória, aqui, uma distinção metodológica entre Ciência Política e sociológica: a
Ciência Política analisa, de certa forma, fenómenos políticos sob a forma da sua aparência,
uma vez que se serve de critérios objetivos para a sua distinção, critérios que estão ligados à
área da ciência jurídica, "A visão normativa e institucional que só a ciência jurídica confere
é, pois, uma das traves-mestras do conhecimento dos fenómenos políticos.” (Lara, 2017: 31).
Já a Sociologia procura analisar a explicação desses fenómenos políticos através de um
aprofundamento à luz dos fenómenos sociais.

A seguinte passagem da obra do professor Paulo Bonavide parece-me ilustrativa das relações
entre a Ciência Política e outros ramos das ciências sociais: “A caracterização da ciência
implica, segundo inumeráveis autores, a tomada de determinada ordem de fenômenos, em
cuja pluralidade se busca um princípio de unidade, investigando-se o processo evolutivo, as
causas, as circunstâncias, as regularidades observadas no campo fenomenológico.”
(Bonavide, 2000: 26). Reparemos como, subtilmente, são introduzidas relações entre a
Ciência Política e: (1.) história, quando se fala em "ordem de fenómenos"; (2) antropologia
quando é mencionado o "processo evolutivo, as causas, as circunstâncias"; (3) e a
Sociologia, quando se menciona a "busca [de] um princípio de unidade" e o termo
"regularidades".
Atentemos, de seguida, nestas distinções: a história seria uma "ciência que se ocupa da
actividade humana do passado" (Sousa Lara, 2017: 24 - Dr. padre António da Silva Rego),
enquanto que a Ciência Política estuda fenómenos passados, presentes e futuros (ciência de
previsão); por sua vez, a antropologia, fortemente ligada à história, oferece à Ciência Política
contexto dos fenómenos que estuda, mas não os analisa de acordo com as estruturas de poder,
e não explora o processo de retroalimentação entre o contexto e essas mesmas estruturas de
poder; por fim, a Sociologia, a área que mais se funde com a Ciência Política, sendo que
ambas se baseiam na procura e no estudo de leis que requerem "continuidade, a
homogeneidade geral, a repetição e o sentido obrigatório verificado entre as causas e os
efeitos” (Lara, 2017: 26), e a única divisão que nos é possível traçar entre as duas exige a
distinção entre "facto político" e “facto sociológico", que se influenciam mutuamente,
embora tenham valores distintos. “O influxo que o fator político pode exercer sobre o social e
viceversa forma o núcleo de uma Sociologia Política.” (Bonavide, 2000: 59)
Existe, ainda, Sociologia Política, que estuda “os fenómenos sociais nas suas manifestações
políticas” (Lara, 2017: 29), sendo uma área que, apesar da sua semelhança com a Ciência
Política, se distingue por se encontrar fora da área dos valores, fora da “esfera do dever ser”
(Bonavide, 2000: 60). E enquanto a Sociologia política se cinge ao estudo de factos sociais, a
Ciência Política estuda os “factos políticos isolados dos fenómenos sociais em que se
inscrevem” (Lara, 2017: 34).

Percebemos, por tudo o que foi dito, que a Ciência Política não é um ponto que possa ser
definido, mas uma área que tem de ser delimitada, de forma a isolar as características,
metodologias próprias e objetivos de estudo que a definem.

Estado e da Nação

Tal como salientado por Sousa Lara, tanto o conceito de Estado como de Nação, têm
definições genéricas que impedem a definição de um sem a existência do outro. Sendo que,
segundo essas formulações, a existência de um Estado pressupõe a existência de uma Nação
(e vice-versa), estas definições afiguram-se um verdadeiro dilema “da galinha e do ovo”.
Procurarei, através da distinção entre um conceito e o outro, formulações adequadas que
permitam um estudo mais profundo de cada um, isoladamente, e entender o ponto teórico
onde se fundem.

Atentemos, primeiramente, às fronteiras de uma Nação, tanto de ordem material e espiritual


(Lara, 2017: 227): as fronteiras materiais remetem para questões demográficas, geográficas e
jurídicas; já as fronteiras espirituais, por sua vez, podem ser representadas pela história,
cultura, língua, religião ou raça que um determinado conjunto de pessoas partilha - no fundo,
como destacou Aldo Bozzi, laços espirituais, “idem sentire” (o mesmo sentimento)
(Bonavide, 2000: 96). A introdução do conceito de “laços espirituais” remete para a ideia de
possibilidade de existência de uma Nação sem organização jurídico-política (leia-se, Estado).
A concepção de Nação delimitada por fronteiras espirituais vai na linha das definições
atribuídas por Hauriou e Mancini, que encontram o seu expoente máximo em Renan quando
fala em “soma e herança de valores... compromisso com a história… uma alma, um espírito,
uma família espiritual” (Bonavide, 103). Esta teoria da Nação tem a vantagem de unificar
várias concepções que, isoladas, são insuficientes para explicar o espírito de Nação, como
certos autores, erroneamente, tentaram enquadrar, como a raça, a língua ou a religião.
Desconectadas entre si, estas concepções pecam por um simplismo que atinge um nível
perverso quando adotadas, mais tarde, por líderes políticos como Adolf Hitler, que utiliza a
raça como única definição de Nação, assim como outros que pretendem conceber nações à
volta da religião, com destaque para certas naçoes de maioria islâmica, ou como o Estado de
Israel através da idea do Sionismo, que proclama unidade nacional e territorial entre o povo
Judeu.

Teremos, no entanto, de chamar a atenção para o idealismo de autores como Renan quando
entramos na concepção de Estado. É necessário entender como esta concepção de Nação é
ignorada aquando da constituição de um sistema jurídico-político de organização de poder e,
sobretudo, de domínio. Embora existam sentimentos de partilha de valores entre
determinados conjuntos populacionais, é legítimo questionar até que ponto são tidos em
consideração na materialização de uma unidade nacional para uma unidade estatal. Partindo
do ponto de vista de autores como Renan, somos levados a considerar que o Estado procede a
Nação. Mas será mesmo este o caso? Sabemos como é possível exatamente o contrário, como
um Estado pode, artificialmente, criar a ideia de Nação ao criar a sua própria cultura. A
Alemanha foi dividida em dois Estados distintos, apesar de existir, previamente ao Muro de
Berlim, uma unidade nacional. A Coreia, pelas mesmas razões, viu a sua unidade nacional
fragmentar-se no contexto de uma acirrada guerra ideológica e, apesar da maior parte do sul e
norte-coreanos acreditarem na ideia de uma só Nação, é inquestionável como a cultura
política dividiu o país ao meio, cultura essa que contribui mais para essa divisão do que a
própria fronteira.

É legítimo acreditar na existência de uma Nação de acordo com a definição de Renan, mas a
história mostra-nos que essa unidade nacional é secundária e abstrata, desprovida de sentido
prático, sendo que não é essa unidade que procede à criação de um Estado, tendo, para este
efeito, mais peso os interesses económicos, políticos e militares. “Assim, o conceito de Nação
foi um artifício para envolver o povo em conflitos de interesses alheios, sem contexto
jurídico.”1.

1
Lopes, André Luiz (2010) Noções de Teoria Geral do Estado, p.15. Disponível em Microsoft Word - Apostila
de TEORIA GERAL DO ESTADO.doc (domtotal.com) , data de consulta a 07/04/2021.
Enquanto autores como Hegel viam o Estado como uma “Realidade da idéia moral”
(Bonavide, 2000: 74), e que existiria uma partilha de valores pertencente a uma determinada
Nação - na definição de Renan - que se materializaria num sistema jurídico organizacional
orientado por essa mesma moral, outros autores, seguindo uma abordagem sociológica do
conceito de Estado, como Oppenheimer, Duguit, Marx ou Trotsky, viam o Estado como um
instrumento de domínio - no caso de Marx e Trotsky, domínio de uma classe social sobre a(s)
outra(s), “o poder organizado de uma classe para opressão de outra” segundo Marx
(Bonavide, 2000: 77). Em todas as abordagens, em particular na de Trotsky, é destacado o
papel da força, “Todo o Estado se fundamenta na força”, (Bonavide, 2000: 77). É visível
ainda em Bodin o quanto os factores culturais são por ele desmerecidos no processo de
criação de um Estado, “De muitos cidadãos... faz-se um Estado (république), quando eles são
governados pela potência soberana de um ou diversos senhores, ainda que sejam
diversificados em leis, línguas, costumes, religiões e nações”. (Bonavide, 2000: 97)

Aceitemos, portanto, como melhor concepção de Nação, a abordagem de Renan. A pergunta


que fica por responder é a seguinte: até que ponto é que o espírito nacional tem influência na
concepção de um Estado? Não falarão os interesses geopolíticos mais alto no que toca à
divisão de fronteiras? Mesmo com um conhecimento superficial da história mundial dos
últimos séculos, é possível inferir que sim. É legítimo afirmar que a ideia de Nação e
nacionalidade, enquanto partilha de um conjunto de valores morais e culturais, tem servido
mais para consumo interno das populações que se encontram no meio destas disputas
geopolíticas, cujos efeitos sofrem na pele ainda hoje. A história mostrou-nos que dirigentes
políticos que se dizem nacionalistas, não têm feito mais do que utilizar esse sentimento
nacional para defender interesses, tanto de ordem económica, como cultural, ou seja,
instrumentalizando a narrativa do sentimento nacional para que o possam moldar de acordo
com os seus interesses - ou os interesses daqueles que representam.
Ainda ontem se ouvia “Angola é nossa”. Mas o que é que nos unia a Angola, culturalmente?
A resposta é: nada, somente interesses económicos.
Concluindo, a Nação é um conceito abstrato e, somente, um instrumento retórico, enquanto o
Estado é um é um fenómeno político jurídico-organizacional cuja constituição pode, ou não,
estar ligado a um sentimento cultural de nação.
Bibliografia:

● Bonavides, Paulo (2000) Ciência Política, São Paulo: Malheiros Editores;

● Lara, António de Sousa (2017) Ciência Política - Estudo da ordem e da Subversão,

Lisboa: ISCSP;

● Lopes, André Luiz (2010) Noções de Teoria Geral do Estado, disponível em

Microsoft Word - Apostila de TEORIA GERAL DO ESTADO.doc (domtotal.com),

data de consulta a 07/04/2021.

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