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COORDENAÇÃO E ORGANIZAÇÃO

Comissão organizadora

ANA MARIA SOARES ZUKOSKI PATRÍCIA DE MENEZES


JEAN PABLO GUIMARÃES ROSSI PEDRO HENRIQUE BRAZ
KEVIN SILVA SANTOS CONCEIÇÃO RAFAEL ZEFERINO DE SOUZA
LUCAS ALEXANDRE DE LIMA SASUKE RIBEIRO DE ALMEIDA
MILLENI BEZERRA MOREIRA TATIANA DA SILVA GONÇALVES
MIRIAN CARDOSO DA SILVA VALDETE DOS SANTOS COQUEIRO
NATACHA DOS SANTOS ESTEVES WILMA DOS SANTOS COQUEIRO

Coordenação do evento

COORDENAÇÃO GERAL: VALDETE DOS SANTOS COQUEIRO


COORDENAÇÃO DA COMISSÃO CIENTÍFICA: ANA MARIA SOARES ZUKOSKI

Membros da Comissão Científica

ANA MARIA RUFINO GILLIES JESSICA CAROLINE DE OLIVEIRA


ANA MARIA SOARES ZUKOSKI MAURÍCIO BORGES
ANDRÉ EDUARDO TARDIVO NATACHA DOS SANTOS ESTEVES
CLAUDIA PRIORI NELCI ALVES COELHO SILVESTRE
DANIELI CÁSSIA DOS SANTOS PAULO PETRONILO CORREIA
ELIZANDRA FERNANDES ALVES PRISCILA EMANOELI RODRIGUES COZER
ÉRICA FERNANDES ALVES RAFAEL ZEFERINO DE SOUZA
FERNANDA FAVARO BORTOLETTO SANDRO ADRIANO DA SILVA
GABRIELA LASTA WESLEI ROBERTO CANDIDO
GENIANE DIAMANTE FERREIRA FERREIRA WILMA DOS SANTOS COQUEIRO

Editoras dos Anais

NATACHA DOS SANTOS ESTEVES


VALDETE DOS SANTOS COQUEIRO

APOIO E REALIZAÇÃO
APRESENTAÇÃO

A carne mais barata do mercado é a carne negra


A carne mais barata do mercado é a carne negra
A carne mais barata do mercado é a carne negra
A carne mais barata do mercado é a carne negra
(Só-só cego não vê)

Elza Soares, A carne

O Seminário Afro [R]existência é um evento anual promovido, desde 2019,


pelo Núcleo de Educação para as Relações Étnico-Raciais (NERA), em parceria
com o Centro de Educação em Direitos Humanos (CEDH), da Universidade Estadual
do Paraná (Unespar) – campus de Campo Mourão, que compõe a Pró-Reitoria de
Políticas Estudantis e Direitos Humanos (PROPEDH), da Unespar.
O objetivo do evento é constituir na universidade um espaço de diálogo
interdisciplinar acerca de temas voltados às questões étnico-raciais; contribuir para a
formação docente de acadêmicos/as e de professores/as que atuam na rede básica;
propiciar a disseminação de estudos e pesquisas interdisciplinares de
pesquisadores/as acerca de temáticas relacionadas à Educação, História, Cultura,
Artes e Literatura Africanas e Afro-brasileira, entre outras.
Para isso, no ano de 2022 o evento propõe o diálogo entre estudantes,
pesquisadores, professores da Educação Básica e com a comunidade não
acadêmica por meio de palestra, apresentação cultural, círculos de cultura, oficinas,
comunicações científicas e o lançamento do e-book, Entre Afro-[R]Existências:
(re)construindo conceitos e histórias, que traz alguns dos trabalhos apresentados na
terceira edição do evento, com a participação de organizadores/as e autores/as,
todos de forma online.
Com efeito, os artigos completos e os resumos dos trabalhos que foram
apresentados nas seções de comunicação oral, divididas em seus respectivos
simpósios, que compõem esses Anais do evento, refletem a perspectiva
interdisciplinar, crítica e dialógica que tem caracterizado o evento e perpassado
todas as atividades realizadas, reafirmando, assim, o papel de formação e de
discussão de temas contemporâneos que se espera da universidade pública como
instância de produção e propagação do conhecimento científico. Apresentamos,
também, os resumos das oficinas ministradas online, bem como os resumos das
oficinas do subprojeto Afroconexões & [R]existências do Ensino Superior para a
Escola Pública ministradas em alguns colégios estaduais de Campo Mourão.
A comissão científica do IV Seminário Afro[R]existência esclarece que o
conteúdo dos textos e a revisão linguística são de responsabilidade dos(as)
autores(as) dos respectivos trabalhos.
Sumário
ARTIGOS COMPLETOS
A ESCOLA COMO ESPAÇO DE COMBATE ÀS PRÁTICAS RACISTAS: UMA
PROPOSTA PEDAGÓGICA ................................................................................................... 12
A LITERATURA INFANTOJUVENIL AFRO-BRASILEIRA COMO RECURSO
PEDAGÓGICO PARA UMA EDUCAÇÃO ANTIRRACISTA ............................................. 26
A REPRESENTAÇÃO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NEGRA EM CONTOS
DE CONCEIÇÃO EVARISTO ................................................................................................ 37
“BATUQUES E FANDANGOS”: CONTRIBUIÇÕES DO ZELADOR CULTURAL
CANDIERO PARA A HISTÓRIA AFROPARANAENSE .................................................... 46
COLORISMO, FEMINISMO NEGRO E SEXISMO: ANÁLISE DA SÉRIE A VIDA E A
HISTÓRIA DE MADAM C.J. WALKER ................................................................................... 66
DO SILÊNCIO À VOZ - “QUILOMBOLAS DO TOCANTINS: PALAVRAS E OLHARES”
.................................................................................................................................................. 77
EDUCAÇÃO E TECNOLOGIA: A WEBQUEST COMO PROBLEMATIZADORA DAS
QUESTÕES DE GÊNERO E RAÇA NA FORMAÇÃO DOCENTE .................................... 99
“ESTAVAM TODOS ARMADOS COM FACAS LASER QUE CORTAM ATÉ A VIDA”:
UMA ANÁLISE INTERSECCIONAL DA VIOLÊNCIA NO CONTO “MARIA”, DE
CONCEIÇÃO EVARISTO .................................................................................................... 114
LITERATURA, HISTÓRIA E MEMÓRIA: BREVE ANÁLISE DE HIBISCO ROXO, DE
CHIMAMANDA NGOZI ADICHIE ..................................................................................... 130
SAÚDE MENTAL, ENSINO SUPERIOR E PANDEMIA: PERSPECTIVAS DE
PROFISSIONAIS DE PSICOLOGIA NOS ATENDIMENTOS A ESTUDANTES NO CEDH
DA UNESPAR ....................................................................................................................... 143
UM OLHAR SOCIAL SOBRE A INFANTO-JUVENTUDE NEGRA EM CONTOS DE
CONCEIÇÃO EVARISTO .................................................................................................... 152
RESUMOS
A CONSTRUÇÃO DA AUTORIA NO SLAM: UMA LEITURA DO POEMA “A MENINA
QUE NASCEU SEM COR”, DE MIDRIA ............................................................................ 168
A CRECHE E AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS ANTIRRACISTAS: CAMINHOS
POSSÍVEIS ............................................................................................................................ 169
A DESIGUALDADE ENTRE AS PERSONAGENS DE ATRAVÉS DO BRASIL (1910):
UMA ANÁLISE DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS PRESENTES NA OBRA ........... 171
A FACA QUE CORTA A LÍNGUA E MARCA A ANCESTRALIDADE: OBJETO,
AGÊNCIA E RELIGIOSIDADE EM TORTO ARADO DE ITAMAR VIEIRA JUNIOR ... 172
A GEOGRAFIA DA EXCLUSÃO EM SOLITÁRIA, DE ELIANA ALVES CRUZ ............ 173
A IMPORTÂNCIA DA LITERATURA NEGRA NA EDUCAÇÃO INFANTIL ............... 174
A IMPORTÂNCIA DO CONTATO DA LITERATURA AFRO/MIGRATÓRIA POR
CRIANÇAS NO PERÍODO ESCOLAR: UMA ANÁLISE DO LIVRO A MENINA QUE
ABRAÇA O VENTO ............................................................................................................. 175
A MULHER NEGRA E OS LETRAMENTOS DE REEXISTÊNCIA: MANIFESTAÇÕES
IDENTITÁRIAS NO MST-BA ............................................................................................. 176
A POESIA DE NOÉMIA DE SOUSA: MEMÓRIAS, ANCESTRALIDADES E
RESISTÊNCIA ....................................................................................................................... 177
A REALIDADE-FICÇÃO DO RACISMO NA OBRA AUTOBIOGRÁFICA HE VISTO LA
NOCHE................................................................................................................................... 178
A REPRESENTAÇÃO DA IDENTIDADE FEMININA NEGRA EM CONTOS DE
ITAMAR VIEIRA JÚNIOR ................................................................................................... 179
A REPRESENTAÇÃO DE EMERENCIANA CARDOSO NEVES NA OBRA ÁGUA PRO
MORRO (1944) NA CIDADE DE CURITIBA PARANÁ ................................................... 180
A RESISTÊNCIA FEMININA NEGRA EM CIDADÃ DE SEGUNDA CLASSE, DE BUCHI
EMECHETA .......................................................................................................................... 181
A RESISTÊNCIA PELA LITERATURA NEGRO-BRASILEIRA NO POEMA “CAVALO
DOS ANCESTRAIS”, DE CARLOS DE ASSUMPÇÃO ..................................................... 182
A RUPTURA DA IDENTIDADE DOMINANTE NO FILME DE ANIMAÇÃO HOMEM-
ARANHA NO ARANHAVERSO ......................................................................................... 183
A SUBVERSÃO DA CISHETERONORMATIVIDADE EM FELIX PARA SEMPRE, DE
KACEN CALLENDER .......................................................................................................... 184
A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA SOB A JUSTIFICATIVA RELIGIOSA NO ROMANCE
HIBISCO ROXO, DE CHIMAMANDA NGOZI ADICHIE ................................................. 185
ARTISTAS MULHERES: PROBLEMATIZANDO AS AUSÊNCIAS E PRESENÇAS NA
PRODUÇÃO DA HISTÓRIA DA ARTE EM CURITIBA (SÉCULO XX)......................... 186
AS DUAS MARIAS: UMA PROPOSTA DE DIÁLOGO, ENTRE CONCEIÇÃO
EVARISTO E ELZA SOARES, A RESPEITO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER
NEGRA, NO BRASIL ........................................................................................................... 187
AS LAVADEIRAS: RELAÇÕES DE TRABALHO EM ÁGUA DE BARRELA, DE ELIANA
ALVES CRUZ........................................................................................................................ 188
CAMADAS DE RESISTÊNCIA EM 15 DIAS, DE VICTOR MARTINS: UMA LEITURA
SOBRE A PERCEPÇÃO DO ‘EU’ EM BUSCA DA IDENTIDADE .................................. 189
CAROLINA DE JESUS: OS ESFORÇOS FÍSICOS E MENTAIS DA POPULAÇÃO
NEGRA PARA SOBREVIVER NO BRASIL....................................................................... 190
CAROLINA MARIA DE JESUS: MEMÓRIA, RESISTÊNCIA E A ESCRITA DE SI ...... 191
CASO SIMONE ANDRÉ DINIZ: RACISMO INSTITUCIONAL ...................................... 192
COMO SE DIZ O INDIZÍVEL: CONSIDERAÇÕES SOBRE DISCRIMINAÇÃO E
INTERSECCIONALIDADE NO ROMANCE LÍRICO A PALAVRA QUE RESTA (2021), DE
STÊNIO GARDEL ................................................................................................................. 193
CONTRA O MEMORICÍDIO, PODE A MULHER AFRO-BRASILEIRA FALAR:
CAROLINA MARIA DE JESUS E STELA DO PATROCÍNIO EM DIÁLOGO ............... 194
CORDEL INDÍGENA E RELAÇÕES INTERSECCIONAIS DE PODER: UMA LEITURA
DE CORAÇÃO NA ALDEIA, PÉS NO MUNDO ................................................................ 195
CORPO NEGRO EM MOVIMENTO: O QUESTIONAMENTO DA NOÇÃO DE
LIBERDADE NO ROAD NOVEL SING, UNBURIED, SING ............................................... 196
DE AMAS DE LEITE À BABÁS: A PERPETUAÇÃO DA GERAÇÃO DE
INVISIBILIDADES DE MULHERES EMPREGADAS DOMÉSTICAS NEGRAS NO
PERÍODO PANDÊMICO ...................................................................................................... 197
DESCORTINANDO HISTÓRIAS NÃO CONTADAS: AFRICANOS E
AFRODESCENDENTES NAS HISTÓRIA DA ARTE OCIDENTAL ................................ 198
DEVOLVER A ELES ESTE GRANDE SUSTO: A(S) ESCRITA(S) DRAMATÚRGICA(S)
NEGRA(S) ENQUANTO ROTA(S) DE FUGA E UTOPIA ANTE AO CARREGO
COLONIAL ............................................................................................................................ 199
“É A HISTÓRIA FALANDO POR MEIO DELES”: A VIOLENTA RESPOSTA DO
COLONIZADO EM DESONRA (1999), DE J. M. COETZEE ............................................. 200
ENTRE-LAÇOS DE SABERES: REFLEXÕES SOBRE O DIÁLOGO ENTRE A
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA E A TEMÁTICA DA CULTURA AFRO-BRASILEIRA
................................................................................................................................................ 201
FIGURAÇÕES DO EROTISMO EM “FIGUEIRA-BRAVA”, DE MARIA LÚCIA ALVIM,
EM COMPARAÇÃO À “EU FALO”, DE CRISTIANE SOBRAL ...................................... 202
HISTÓRIA E ANCESTRALIDADE: A IDENTIDADE DA MULHER INDÍGENA NA
OBRA EU SOU MACUXI E OUTRAS HISTÓRIAS, DE JULIE DORRICO .................... 203
HISTÓRIA E MEMÓRIA FRENTE AS REPERCUSSÕES MIDIÁTICAS ATUAIS NAS
LACUNAS DE REPRESENTATIVIDADE PRETAS FEMININAS ................................... 204
INTERSECCIONALIDADES DA DIÁSPORA: SILENCIAMENTO EM OS
CASAMENTEIROS, DE CHIMAMANDA NGOZI ADICHIE ........................................... 205
LITERATURA AFRO-INFANTIL, IDENTIDADE E REPRESENTATIVIDADE ............ 206
LITERATURA DE CORDEL DE AUTORIA FEMININA: POR UMA CARTOGRAFIA DE
MEMÓRIAS NO CORDEL DE LUÍSA MAHIN ................................................................. 207
LUTA FEMINISTA DE ELZA SOARES: DENÚNCIAS EM MARIA DA VILA MATILDE
................................................................................................................................................ 208
MEMÓRIA E CORPO EM VAGA CARNE, DE GRACE PASSÔ ........................................ 209
MEMÓRIA E RESISTÊNCIA EM A COR DA TERNURA .................................................. 210
METODOLOGIAS ATIVAS DE APRENDIZAGEM NO ENSINO DE LITERATURA:
UMA PROPOSTA AFROCENTRADA ................................................................................ 211
NECROPOLÍTICA E BIOPODER NA OBRA DE MARIA FIRMINA DOS REIS: A
REPRESENTAÇÃO DA MULHER NEGRA EM "ÚRSULA" E "A ESCRAVA" ............. 212
NJINGA, RAINHA DE ANGOLA: ÉPICO DO CINEMA AFRICANO ................................. 213
NUANCES DA TEORIA QUEER NA LITERATURA JUVENIL: CONSIDERAÇÕES
SOBRE O ROMANCE FELIX PARA SEMPRE (2021), DE KACEN CALLENDER ......... 214
O ABUSO FÍSICO E PSICOLOGICO DE MULHERES QUE SOFREM VIOLÊNCIA EM
TORTO ARADO, DE ITAMAR VIEIRA JUNIOR ............................................................... 215
O CABELO E SUAS RAÍZES NA CONSTRUÇÃO DA AUTOESTIMA E IDENTIDADE
DA CRIANÇA NEGRA ......................................................................................................... 216
O PRÍNCIPE NEGRO NA LITERATURA INFANTIL: A DESCONSTRUÇÃO DO
ESTEREÓTIPO ...................................................................................................................... 217
“OS HOMENS-ANJOS OU QUASE-ANJOS”: RACISMO, HOMOFOBIA E MISOGINIA
NA FORMAÇÃO DE PADRES E SEMINARISTAS NO BRASIL .................................... 218
ÓLEO E GAROA: A DISTOPIA NA LITERATURA UNDERGROUND PRESENTE NA
ADAPTAÇÃO DO RAP PARA O CONTO.......................................................................... 219
PELAS TRAVESSIAS DA HISTÓRIA DA ÁFRICA E DA CULTURA AFRO-
BRASILEIRA NA ESCOLA: EXPERENCIANDO DIDÁTICAS EM PROJETOS
ANTIRRACISTAS ................................................................................................................. 220
POEMAS DE RECORDAÇÃO E OUTROS MOVIMENTOS, DE CONCEIÇÃO EVARISTO:
DIALOGISMOS EM RESISTÊNCIA ENTRE A LITERATURA AFRO-BRASILEIRA E A
SOCIEDADE ......................................................................................................................... 221
POEMAS ESPARSOS [1982-2020], DE MIRIAM ALVES: ALGUNS TEMAS ................. 222
RACISMO E OUTREMIZAÇÃO EM HOMEM NA ESTRADA (1993), DE RACIONAIS
MC’S ...................................................................................................................................... 223
RAP E INTERSECCIONALIDADE A PARTIR DO GRUPO QUEBRADA QUEER ......... 224
RELAÇÕES RACIAIS NOS LIVROS DIDÁTICOS DA ÁREA DE LINGUAGEM E SUAS
TECNOLOGIAS .................................................................................................................... 225
REPRESENTAÇÕES DE QUILOMBOS E QUILOMBOLAS NA LITERATURA
INFANTIL E JUVENIL BRASILEIRA: FORMAÇÃO DE LEITORES LITERÁRIOS NO
ENSINO FUNDAMENTAL EM ESCOLAS INSERIDAS EM QUILOMBOS................... 226
REPRESENTATIVIDADE DA MULHER NEGRA NOS POEMAS DE RYANE LEÃO . 228
RESIGNIFICAÇÃO DA FORMAÇÃO CONTINUADA ATRAVÉS DE ESTUDOS
VOLTADOS PARA A ÁREA DE CIÊNCIAS DAS RELIGIÕES INCENTIVAM A
INCLUSÃO ............................................................................................................................ 229
RESISTÊNCIA E DECOLONIALIDADE DE GÊNERO NA NARRATIVA FÍLMICA “LA
TETA ASUSTADA” ................................................................................................................. 230
SUBVERSÃO E SEXUALIDADE: UMA LEITURA DE SULA (1973), DE TONI
MORRISON ........................................................................................................................... 231
TECENDO OS FIOS DA MEMÓRIA INDÍGENA: UMA PROPOSTA DE CÍRCULO DE
LEITURA COM CONTOS DE DANIEL MUNDURUKU .................................................. 232
TEMPESTADE, O PROTAGONISMO DA HEROÍNA NEGRA NAS HQs DE X-MEN DA
MARVEL COMICS ............................................................................................................... 233
THE FOUNDING MOTHER: UMA INTRODUÇÃO À PHILLIS WHEATLEY, A
ESCRAVIZADA QUE PUBLICOU UM LIVRO ................................................................. 234
UM OLHAR PARA O RACISMO NA ESCOLA: SILENCIAMENTO E MANUTENÇÃO
DO RACISMO ESTRUTURAL ............................................................................................ 235
UM QUILOMBO NO LEBLON (2011): LEITURAS DE NARRATIVAS HÍBRIDAS
JUVENIS NA FORMAÇÃO LEITORA DA EDUCAÇÃO BÁSICA COMO VIAS DA
DECOLONIALIDADE .......................................................................................................... 236
UMA ANÁLISE SOB O VIÉS FEMINISTA PÓS-COLONIAL DO ROMANCE THE
UNDERGROUND RAILROAD: OS CAMINHOS PARA A LIBERDADE ............................. 237
“UMA EXPERIÊNCIA PRIVADA”: REALIDADES DIVERSAS X SORORIDADE ....... 238
“VEM PRA SELVA, VEM!” – A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE NO COMPLEXO DA
PENHA A PARTIR DO FUNK ............................................................................................. 239
RESUMOS DAS OFICINAS
A IMPORTÂNCIA DO FEMINISMO NEGRO PARA A 1DESCONSTRUÇÃO DO
RACISMO ESTRUTURAL ................................................................................................... 241
ABAYOMI - ANCESTRALIDADE E REPRESENTATIVIDADE NEGRA ...................... 242
ANCESTRALIDADE E IDENTIDADE NEGRA NA LITERATURA INFANTOJUVENIL
AFROFEMININA: O AUTORRECONHECIMENTO EM AS TRANÇAS DE BINTOU (2004)
................................................................................................................................................ 243
ENTENDENDO O SISTEMA PENAL PARA CONSOLIDAÇÃO DO RACISMO
ESTRUTURAL NO BRASIL ................................................................................................ 244
O CONTO AFROFEMININO EM SALA DE AULA: O PROTAGONISMO DE
CONCEIÇÃO EVARISTO E CRISTIANE SOBRAL .......................................................... 245
O RAP EM SALA DE AULA - RACIONAIS MC’s E IDENTIDADE NEGRA ................. 246
PANORAMAS E DISCUSSÕES SOBRE A LITERATURA ESCRITA POR MULHERES
NEGRAS ................................................................................................................................ 247
REPRESENTAÇÕES DO QUEER NEGRO NA LITERATURA: VOZES
INTERSECCIONAIS ............................................................................................................. 248
TURBANTE - ANCESTRALIDADE, EMPODERAMENTO E BELEZA DA MULHER
NEGRA .................................................................................................................................. 249
A ESCOLA COMO ESPAÇO DE COMBATE ÀS PRÁTICAS
RACISTAS: UMA PROPOSTA PEDAGÓGICA
Joelson Francisco Gomes1
Sangela Lígia Camilo da Silva2

Resumo: Vivemos em uma sociedade múltipla e rica em diversidade. No entanto, uma parte da
população contribui para que ainda exista o racismo em nossa sociedade. Assim, é primordial que a
escola como agente formadora sirva de ponte para erradicar esse preconceito da sociedade. Neste
sentido, o nosso objetivo geral é apresentar uma proposta pedagógica a respeito da temática racismo
para turmas do 2° ano do ensino fundamental. E almejando conseguir nosso propósito, utilizamos
como apoio teórico, os autores: Jorge (2016), Leonel (2015), Cavalleiro (2001), Lima (1981), entre
outros. No que se refere a metodologia, nossa pesquisa tem abordagem qualitativa, e é de caráter
descritivo-interpretativo. A partir da construção da proposta de aula, constatamos que esse estudo
contribui para disseminação e reflexão da temática racismo sendo trabalhada no âmbito escolar, de
modo que também contribuirá para a criação de aulas e projetos educativos para trabalhar nas
instituições.

Palavras-chave: Racismo. Escola. Ensino fundamental. Proposta pedagógica.

Introdução

A temática racismo vem sendo abordada em estudos de muitos autores, no entanto,


mesmo diante de tanta discussão, ainda é uma prática muito frequente nas diversas esferas
sociais, e embora alguns casos ocorram de forma velada, há outros que ocorrem
explicitamente. Isso posto, é válido ressaltar que atitudes racistas precisam ser banidas e dar
vez a práticas respeitosas e conscientes desde a infância. Pensando nisso, acreditamos ser a
escola um dos principais meios dessa conscientização.
Diante disso, esta pesquisa tem como objetivo geral apresentar uma proposta
pedagógica a respeito da temática racismo para turmas do 2° ano do ensino fundamental. Os
específicos são: a) abordar fatos históricos-sociais sobre o racismo no Brasil b) Refletir sobre

1
Graduado em Letras Português pela UEPB e Pós-graduando em Metodologia de Ensino de Língua Portuguesa,
Literatura e Artes pela FAVENI. E-mail: jgomesfrancisco@hotmail.com.
2
Graduada em Letras Português pela UEPB e pós-graduada em Linguística Aplicada à Educação pela FAVENI.
E-mail: lygiasangela10@gmail.com.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
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a educação como fator primordial ao combate do racismo; c) Contribuir para a construção de
um olhar mais respeitoso, objetivando diminuir o racismo no espaço escolar, e,
consequentemente, em outros espaços sociais.
Justificando-se, portanto, concebemos a escola não só como promotora de habilidades
de leitura e escrita, mas, também, enquanto formadora de sujeitos críticos-reflexivos e
humanizados, capazes de estabelecerem relações pessoais e sociais com outros sujeitos
respeitando as suas características étnico-raciais e qualquer outra condição.
No que se refere à metodologia, este trabalho é de natureza qualitativa, a qual
“defende o estudo do homem, levando em conta que o ser humano não é passivo, mas sim que
interpreta o mundo em que vive continuamente” (GUERRA, 2014, p. 10). Já no que tange ao
caráter, optamos pelo descritivo e interpretativo, posto que “procura entender, interpretar
fenômenos sociais inseridos em um contexto” (BORTONI-RICARDO, 2008, p. 34).
Ademais, lançamos uma proposta pedagógica direcionada a turmas do 2⁰ ano do ensino
fundamental.
Para o embasamento teórico, recorremos aos pressupostos de: Oliveira (2012), Leonel
(2015), Cavalleiro (2001), Jorge (2016), entre outros estudos que colaboraram de forma
significativa com o desenvolvimento dessa pesquisa, o alcance dos objetivos e a construção
de reflexões, bem como da proposta pedagógica aqui pensada e apresentada.
Pensando no leitor e visando uma melhor organização, este presente artigo está
dividido em as seguintes partes complementares: em primeiro momento, apresentamos os
elementos introdutórios e, posteriormente, discutimos brevemente alguns fatos histórico-
sociais do racismo. Logo após, pontuamos a educação enquanto porta para a desconstrução de
práticas racistas na sociedade.
Dando continuidades apresentamos uma proposta pedagógica direcionada a turmas do
2⁰ ano do ensino fundamental, a qual tem como temática central a desconstrução do racismo e
a construção identitária racial. Por fim, apresentamos algumas considerações acerca da
pesquisa, bem como as referências utilizadas durante toda a construção textual.

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Racismo: breves discussões sobre o processo histórico-social

O racismo é definido como o comportamento desfavorável e de menosprezo em


relação a indivíduos cujas características culturais, intelectuais ou morais são inferiorizadas
por influência da respectiva cor da pele. Acredita-se, pois, que o conceito atual de racismo
surgiu por meados do século XVIII para justificar a dominação do homem branco europeu
sobre os povos de outros continentes, ou seja, a inferioridade era subordinada à superioridade.
Segundo o minidicionário Aurélio (1999, p. 578):

Racismo é uma doutrina, que sustenta a superioridade de certas raças contra


um determinado grupo, não levando em consideração apenas a cor da pele,
mas também a cultura, separando umas das outras. Faz-se necessário lembrar
que racismo tem uma interligação muito forte com o tema raça, cuja palavra
tem o significado de conjunto ascendentes e descendentes de uma família ou
de um povo.

No Brasil, o racismo começou ainda no período colonial, através do processo da


diáspora dos povos negros trazidos pelos portugueses para servirem de escravos nos grandes
engenhos e terras do país, devido à dificuldade da escravização dos americanos (índios),
visando a grande oportunidade de lucro por meio da mão de obra.
Em 1888, há a dedicação de Dom Pedro II pelo fim à escravidão, porém muitos
fazendeiros e políticos de todo o país discordavam, devido às questões financeiras que seriam
fortemente impactadas. Ainda no mesmo ano, mesmo com os impasses encontrados, o
colegiado aprova e a princesa Isabel, à época regente, sanciona a lei n° 3.353 de 13 de maio
de 1888, também conhecida como Lei Áurea, a qual objetivou a extinção da escravidão no
Brasil. No entanto, mesmo com a lei em vigência, os negros continuaram tratados como
inferiores e marginalizados devido aos traços culturais, raça e outras características.
Após um século, em 1988, com a promulgação da Constituição Federal que passa a
considerar o racismo enquanto “crime inafiançável e imprescritível” (BRASIL, 1988), o
sistema racista ainda continua ocorrendo, embora de maneira camuflada. Ou seja, pessoas que

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são negras continuam enfrentando muitas dificuldades de superação no mercado de trabalho,
nas relações sociais e afins, mesmo com os direitos formais perante a lei.
Essas ações vão de encontro à Declaração Universal dos Direitos Humanos, que no
artigo I afirma que “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São
dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de
fraternidade” (BRASIL, 2013, p. 20). Assim, compreende-se que se fôssemos uma sociedade
consciente, não haveria espaço para tratamentos degradantes direcionados a pessoas negras.
Segundo Montalvão e Farias (2020, p. 5):

O preconceito racial no Brasil pode parecer diminuir ao longo dos anos se


pensarmos em como eram manifestados anos atrás. A partir de 1989 quando
se promulgou a Lei 7.716, de 1989, nota-se uma mudança de atitudes
totalmente contrária ao que o povo brasileiro costumava ter. As expressões
de preconceito flagrantes deram lugar a formas veladas, “maneiras
inocentes”, disfarçadas, mas com uma alta carga de racismo
(MONTALVÃO; FARIAS, 2020, p. 5).

Essas atitudes veladas, diante das intervenções legislativas, passaram a ser uma
realidade muito presente no Brasil, provocando muitas sequelas identitárias aos sujeitos que
têm suas particularidades infligidas socialmente, afetando tanto na coletividade de pensar e
agir, quanto nas condições materiais e de trabalho do povo afro-brasileiro. Isso se dá pelo fato
de empresas e cidadãos agirem de forma negativa, colocando o negro na posição de servidão,
e de incapacidade de pensar, agir, construir.
Em seu estudo, Jorge (2016, p. 94) afirma que a prática do racismo também se faz
presente na escola, pois nesse espaço essa temática acaba “ausente das discussões em sala de
aula [...]”. Ou seja, são poucos os momentos em que as instituições de ensino promovem, de
modo sistematizado, práticas educativas que visam contribuir para a construção do letramento
racial. Nesse sentido, é importante que as escolas promovam práticas pedagógicas afirmativas
às diversas raças e culturas.

A educação como meio de conscientização ao racismo

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Trabalhar com diferenças raciais não é uma tarefa fácil para o professor, contudo é
essencial para a compreensão da manifestação da diversidade cultural. Sabe-se, pois, que é
impossível uma escola/sala de aula homogênea, mas que é possível a promoção de um ensino
que reconheça a sociedade e a escola enquanto esferas multiculturais. Nesse sentido, é
necessário que as instituições repensem seu currículo político-pedagógico e, principalmente,
que sejam espaços de acolhimento, sem opressão e segregação. Desse modo:

[...] o tema do racismo precisa ser estimulado pela escola num ambiente de
descontração e respeito, pois com as dinâmicas adequadas essa clientela
escolar adquire autoconfiança para expressar seu conhecimento e a sua
consciência sobre o racismo e o que ele representa para suas jovens
existências (JORGE, 2016, 97).

À luz dessa perspectiva, Abramowicz e Oliveira (2012) pontua que a escola, apesar de
reunir as diversidades culturais e raciais, a desigualdade e a discriminação influenciam na
evasão por parte dos alunos negros. Assim, compreende-se que a escola não é somente um
espaço que forma cidadãos, mas que pode ser, também, um ambiente provocador de danos à
construção identitária de uma criança quando intervenções não são promovidas pelas
instituições educacionais.
Outrossim, os órgãos responsáveis pela educação (secretarias) também pecam ao não
fornecerem formações continuadas aos profissionais, bem como materiais que facilitem o
trabalho do educador, pois “Os professores têm direito a uma formação adequada para tratar
das questões raciais, adquirindo conhecimentos, como uma forma de combater o racismo”
(LEONEL, 2015, p. 14). Dessa forma, ao obter formações continuadas sobre o assunto,
estarão munidos de conhecimentos para repassar para seus alunos.
Isso posto, apesar de considerarmos o Brasil composto pela diversidade racial, é
notório que as instituições, enquanto formadoras, ainda, não estão preparadas para lidar com
essa realidade sociocultural. Assim, “o silêncio que envolve a questão racial nas diversas
instituições sociais favorece que se entenda a diferença como desigualdade, como desvio,
como anormalidade” (ABRAMOWICZ; OLIVEIRA, 2012, p. 56).

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16
Abramowicz e Oliveira (2012, P. 56) ainda argumentam que ´´Esse fato indica que a
escola atua de maneira a realizar uma inclusão diferenciada das crianças``. Portanto, faz-se
necessário que essa temática seja trabalhada de forma planejada desde as séries iniciais da
educação básica, visando a formação de cidadãos humanizados, críticos e reflexivos.
Nesse cenário, é primordial que a escola viabilize a construção identitária dos alunos,
possibilitando que se autopercebam enquanto indivíduos iguais em direitos e deveres,
independente de raça, etnia e cultura, promovendo, assim, o respeito, a amizade e a igualdade
como principais regras da escola e que devem ser exercidas na comunidade.
Nessa conjuntura, mediante lutas e resistências, o movimento negro conseguiu
levantar sua bandeira no que diz respeito à esfera educativa a partir da lei 10.639/03, a qual
torna obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira nas instituições escolares. Nesse
sentido, entrevê que o negro não deve ser visto somente como peça de trabalho, mas, sim,
discutir com o educando que este povo tem uma cultura, uma história a ser entendida,
valorizada e respeitada, pois respeitando a história do povo negro, estaremos respeitando a
nossa própria.
A esse respeito, a lei supracitada é inserida no artigo 26-A da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação (LDB), com as seguintes proposições:

Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e


privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e
indígena.
§1° O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos
aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população
brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história
da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil,
a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da
sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social,
econômica e política, pertinentes à história do Brasil.
§2° Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos
indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo
escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história
brasileiras (BRASIL, 2017, p. 21).

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Essas proposições implicam na promoção de ações de união entre família, escola,
educadores, alunos e comunidade, objetivando o processo de recuperação e valorização sócio-
histórico-cultural, bem como a consolidação de práticas educativas que ultrapassam os muros
da escola. Indo ao encontro da LDB, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) pontua:

A valorização da história da África e das culturas afro-brasileira e indígena


(Lei nº 10.639/200349 e Lei nº 11.645/200850) ganha realce não apenas em
razão do tema da escravidão, mas, especialmente, por se levar em conta a
história e os saberes produzidos por essas populações ao longo de sua
duração (BRASIL, 2018, p. 416-417).

Isso posto, discutir a cultura africana e afro-brasileira no ambiente escolar é


indispensável, independente da série a qual o aluno está inserido. Entretanto, não deve ocorrer
de qualquer forma, mas de modo sistematizado, através de metodologias que promovam a
conscientização e (re) construção identitária, baseada no respeito e valorização da diversidade
étnico-racial e cultural.
Todavia, é notório que a escola ainda não está preparada para lidar com práticas de
racismo, o que implica na tomada de medidas que superem as possíveis dificuldades em lidar
com essa temática. Então, torna-se necessário repensar nossas práticas pedagógicas, de modo
que possamos criar e pôr em prática intervenções pedagógicas sobre o preconceito racial, não
somente nas etapas do ensino fundamental e médio, mas desde a educação infantil.
Nesse sentido, de acordo com Leonel (2015) a escola é uma reprodutora de ações,
atos, comportamentos, hábitos e costumes do corpo social, independentemente, se são
aspectos benéficos ou maléficos, visto que os alunos são componentes dessa instituição de
ensino, sendo instrumentos integrativos da sociedade.
Sendo assim, enquanto agentes sociais, precisamos contribuir para que desde
pequenos, nossos alunos conheçam um pouco das raízes de nosso país, da história que nos
cerca, para que sejam conscientes no tratamento com as pessoas, independentemente de sua
raça, cor, etnia e posição social. Assim, formaremos seres humanos que se respeitam.
Portanto, faz-se necessário trabalhar esse tema, desde as séries iniciais, já que a escola
é um espaço de formação de pensamentos, conscientização e de diversidade de pessoas, é

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primordial mostrar aos alunos todas as raças, de forma igualitária, fazendo assim com que o
respeito, amizade e igualdade sejam as principais regras da escola.
Sabe-se que não é suficiente para garantir que a população negra seja mais aceita na
escola, na sociedade, no entanto, são passos para reduzir as injustiças e emancipar muitos
jovens com olhares e pensamentos preconceituosos que aprenderam o ver o mundo, fazendo
assim uso do respeito, uma vez que a cidadania é um projeto em construção, e as atitudes de
hoje são o reflexo do futuro.

Proposta de aula: o 2° do Ensino Fundamental em foco

A proposta é pautada na busca pela valorização da diversidade das pessoas, bem como
o acesso ao conhecimento sobre o racismo, para que os alunos sejam porta-voz do respeito às
diferenças sociais. Durante as etapas que apresentaremos neste capítulo, iremos discutir a
respeito das diferenças de significados dos seguintes termos: preconceito, discriminação e
racismo. Além disso, promoveremos uma dinâmica, e apresentação de vídeo para desenvolver
essa temática.
Sugerimos o 2° ano do ensino fundamental como público alvo dessa proposta, visto
que é a fase inicial do ensino fundamental, e as crianças precisam ter conhecimento sobre esse
assunto para que possam ser agentes da causa do antirracismo, assim, estaremos contribuindo
para construirmos uma sociedade melhor.

● 1 ° Etapa

Neste primeiro passo, o docente pedirá que os alunos formem um círculo para realizar
uma roda de conversa, de modo que se sintam próximos uns dos outros. Assim, no primeiro
momento, é primordial que o professor questione sobre o que os alunos entendem a respeito
dos seguintes termos:
● Preconceito

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● Discriminação
● Racismo
● Respeito
De acordo com as respostas dos discentes, o professor conduzirá a conversa para que
juntos construam e assimilem os conhecimentos. É necessário que ao falar os conceitos dos
termos seja esclarecido suas diferenças e que seja verbalizado que ambos ainda são
perpetuados por parte da sociedade, que essas atitudes machucam outras pessoas, e que
devemos respeitar a todos, independentemente da cor, raça, ou qualquer característica
encontrada em outras pessoas e que seja diferente das nossas.
Posteriormente, o docente explicará a atividade, e estará com os seguintes materiais
em mãos: Cola, cartolina e imagens de diversas pessoas de diferentes tons de pele. De modo
que essas imagens possam ser de pessoas famosas (cantores, jogadores, atores/atrizes, entre
outros) ou de personagens de desenho animado.
Neste momento, o professor irá sugerir que seja construído um painel de cartazes, com
essas imagens citadas acima, de modo que o aluno seja questionado se conhece aquele
personagem ou figura pública que consta na imagem, se sabe da relevância para a sociedade,
caso não saiba, o professor por sua vez pode explicar, visto que é importante que a
representatividade seja trabalhada na sala de aula. Em concordância com isto, Cavaleiro
(2001, p. 145) afirma que:

[...] um olhar superficial sobre o cotidiano escolar dá margem à compreensão


de uma relação harmoniosa entre adultos e crianças; negros, brancos.
Entretanto, esse aspecto positivo torna-se contraditório à medida que não são
encontrados no espaço de convivência das crianças cartazes, fotos ou livros
infantis que expressem a existência de crianças não brancas na sociedade
brasileira.

Alicerçados nessa perspectiva apontada por Cavaleiro (2001, p.105), entendemos


sobre quanto é primordial a construção de um olhar para a diversidade no espaço escolar,
visto que a escola é múltipla, diversa, então temos que tratar sobre diversidade, racismo, entre
outras temáticas que são indispensáveis. E podemos fazer isso através da literatura Afro-

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brasileira e Africana, de modo que possibilitamos que os discentes conheçam um pouco da
história do nosso país e de outras histórias ideais para a faixa etária deles.
Todavia, após a finalização dos cartazes, os alunos poderão realizar a colagem na
parede da sala de aula, para que desse modo fique exposto para todos os que fazem parte do
espaço escolar, bem como que os visitantes possam ver e sentir a importância da diversidade
para a sociedade e o trabalho da escola, professores e alunos no que tange à temática.

● 2° Etapa

Neste passo, o professor falará a respeito do livro intitulado “a menina bonita do laço
de fita” da autora Ana Maria Machado, e se tiver acesso a obra poderá levá-lo para realizar a
contação da história da menina do laço de fita, mas pensando nos docentes que não tem a obra
em mãos, sugerimos a exibição do vídeo intitulado “A menina bonita do laço de fita – Dia da
consciência negra”, que está disponível no YouTube.
A obra infantil promove a representatividade para crianças que são negras, além disso,
contribui para que reflitamos sobre o racismo. Nesse sentido, a personagem principal é negra
e toda narrativa gira em torno de sua personagem. De modo que, a autora proporciona uma
leitura leve e didática, narrando uma história onde um coelhinho branco e de olhos verdes
tenta a todo custo torna-se negro igual a menina do laço de fita.
Além disso, para a realização da segunda etapa, o professor necessitará de um
Datashow, notebook e ter acesso a plataforma de vídeo. Assim, esses recursos contribuirão
para a apresentação da historinha.
Figura 1 – Tela do vídeo A menina do laço de fita

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Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=S2FHlaGgqSg&t=7s

O vídeo tem duração de cinco minutos e sete segundos, contando a história e


apresentando as animações que correspondem ao que foi descrito no livro. Desse modo, será
uma forma lúdica e que desperta a atenção das crianças para conhecer e entender um pouco da
história que estará sendo contada. Corroborando com essa ideia, Silva e Mercado (2010,
p.102) aponta que:

O uso e produção do vídeo quando explorado de forma adequada torna-se


uma importante ferramenta de ensino-aprendizagem, visto que contempla a
construção e socialização de muitos conhecimentos. Ao educador cabe
posicionar-se como mediador entre o sujeito que aprende e os recursos
midiáticos.

Nesse sentido, entendemos a importância de usar esse recurso dentro da sala de aula,
ainda mais se tratando de turma de crianças. Pois, requer ludicidade na aula, e o vídeo tem
função muito atrativa para as pessoas, especialmente, esse que sugerimos (anteriormente),
notamos o quão bem desenvolvido foi para que desperte um olhar atencioso de quem vê-lo.
Todavia, após a exibição do vídeo, é primordial que o docente busque saber as
opiniões dos alunos acerca da história, explorando sobre o assunto que foi abordado no vídeo
e associando ao que foi falado durante a aula. Assim, é indispensável que o professor conduza
essa discussão de modo significativo para os alunos, para que todas as dúvidas sejam sanadas.

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Considerações Finais

Tendo em vista os objetivos propostos nesta pesquisa, constatamos que os mesmos


foram alcançados. Em relação ao objetivo geral, apresentamos uma proposta pedagógica na
qual abordamos a temática do racismo, pensando em turmas do 2° ano do ensino fundamental.
Para tanto, recorremos à leituras e estudos que permitiram a sustentação das argumentações,
bem como o alcance do objetivo.
No entanto, é primordial salientar que a proposta exposta neste trabalho, não deve ser
entendida como método universal, mas como uma sugestão que visa contribuir com o
tratamento dessa temática em sala de aula, de forma que seja desenvolvido um
ensino/aprendizagem significativo. Ademais, enfatizamos que o docente que utilizar essa
proposta, pode e deve adequá-la à realidade de sua turma, pois sabemos que cada qual,
presume um contexto distinto.
Para tanto, considerando a aula proposta, destacamos a relevância de tratar sobre o
racismo em sala de aula, visto que vivemos em sociedade e nossas diferenças não devem
servir para criar preconceitos, mas para aprendermos com as particularidades de cada
indivíduo, de modo que nos tornemos mais humanos, empáticos e respeitosos. Esperamos,
portanto, que este trabalho venha a contribuir com indagações existentes, assim como a
produção de mais estudos e, até mesmo, relatos de experiências propostos/vivenciados em
turmas do ensino fundamental ou outra etapa da educação.

Referências

ABRAMOWICZ, Anete; OLIVEIRA, Fabiana de. As relações étnico-raciais e a sociologia da


infância no Brasil: alguns aportes. In: BENTO, Maria Aparecida Silva. Educação infantil,
igualdade racial e diversidade: aspectos políticos, jurídicos, conceituais. São Paulo: Centro
de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades - CEERT, 2012, p. 47-64.

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BORTONI-RICARDO, Stella Maris. O professor pesquisador: introdução à pesquisa
qualitativa. São Paulo: Parábola, 2008.

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC/SEF, 2018.


BRASIL. LDB: Lei de diretrizes e bases da educação nacional. Brasília: Senado Federal,
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<https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/529732/lei_de_diretrizes_e_bases_1ed.
pdf>. Acesso em: 16 jun. 2022.

BRASIL. Declaração Universal dos Direitos Humanos. In: Direitos Humanos: atos
internacionais e normas correlatas. 4a ed. Brasília: Senado Federal, Coordenação de Edições
Técnicas, 2013, p. 20-23. Disponível em:
<https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/508144/000992124.pdf>. Acesso em:
03 jun. 2022.

BRASIL. Lei n° 3.353 de 13 de maio de 1888. Disponível em:


<https://www2.camara.leg.br/legin/fed/leimp/1824-1899/lei-3353-13-maio-1888-533138-
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CAVALLEIRO, Eliane (Org.). Racismo e anti-racismo na educação: Repensando nossa


escola. São Paulo: Summus, 2001, p. 141 -160.

GUERRA, Elaine Linhares de Assis. Manual de pesquisa qualitativa. Belo Horizonte: Grupo
Ănima Educação, 2014.

HORA DE APRENDER. Menina bonita do laço de fita. YouTube, 2021. Disponível e:


<https://youtu.be/S2FHlaGgqSg>. Acesso em: 10 maio 2022.

JORGE, Marcos. Ação pedagógica de prevenção às práticas racistas na escola: a percepção


sobre racismo entre estudantes do sexto ano do Ensino Fundamental. Revista Educação, Artes
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<https://www.revistas.udesc.br/index.php/arteinclusao/article/view/7974>. Acesso em 14 jun.
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LEONEL, Tânia Cristina. Formação dos professores para trabalhar as relações raciais na
educação infantil. Revista Científica Semana Acadêmica. Fortaleza, ano MMXV, nº. 000076,
2015. Disponível em: <https://semanaacademica.org.br/artigo/formacao-dos-professores-para-
trabalhar-relacoes-raciais-na-educacao-infantil>. Acesso em: 07 jul. 2022.

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de aprendizagem em salas de aula do 5° ano. Revista EDaPECI. n° 6, 2010, p. 93-103.
Disponível em:
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MACHADO, Ana Maria. Menina Bonita de Laço de Fita. São Paulo: Ática, 2008.
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<http://repositorio.aee.edu.br/jspui/handle/aee/11259>. Acesso em: 07 maios 2022.

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A LITERATURA INFANTOJUVENIL AFRO-BRASILEIRA COMO
RECURSO PEDAGÓGICO PARA UMA EDUCAÇÃO ANTIRRACISTA
Prucina de Carvalho Bezerra1

Resumo: Este trabalho apresenta uma reflexão sobre a literatura como instrumento para a formação
de uma sociedade mais humanista. A fim de responder a problemática de como o texto literário pode
contribuir para uma educação antirracista, o presente trabalho tem como objetivo principal refletir
sobre o potencial da literatura infantojuvenil afro-brasileira como recurso pedagógico para a efetivação
da Lei nº 10.639/03 e para a prática de uma educação antirracista. Os aportes teóricos utilizados
foram: Evaristo (2007), Gomes (2001) e Munanga (1988). Esta pesquisa caracteriza-se como uma
pesquisa qualitativa, mais especificamente de cunho temático e bibliográfico. Os procedimentos
metodológicos consistem na reflexão crítica sobre o potencial de livros infantojuvenis afro-brasileiros
para a construção da identidade das crianças negras e para o trabalho com a representatividade e a
ancestralidade negra, com o intuito de despertar o sentimento de pertencimento das crianças negras e
conscientizar as crianças não-negras para que revejam valores racistas. Em seguida, trago como
resultados a indicação de obras infantojuvenis que atendem a essa demanda. Por fim, aponto os
principais desafios que dificultam o trabalho na sala de aula com essa literatura e trago sugestões para
a resolução dos mesmos, concluindo que a leitura dessas obras contribui para formar cidadãos
antirracistas.

Palavras-chave: Literatura infantojuvenil. Afro-brasileira. Educação antirracista.

Considerações iniciais

O presente trabalho tem como objetivo refletir sobre a relevância e o potencial do uso
da literatura infantojuvenil afro-brasileira como um dos recursos pedagógicos para a
efetivação da Lei nº 10.639/03 e para construção de uma educação antirracista que colabore
na formação de uma sociedade mais justa e igualitária, numa perspectiva de descolonialidade.
De início, serão apresentados argumentos embasados em referenciais teóricos que
confirmam que a literatura, além de ser um direito, é também um instrumento a ser utilizado
no contexto da sala de aula para a efetivação da Lei 10.639/03 e para a formação de uma
sociedade mais humanista. Em seguida, trarei a indicação de obras de literatura infantojuvenil

1
Mestranda do Mestrado Interdisciplinar em História e Letras – MIHL/Universidade Estadual do Ceará –
UECE/ Faculdade de Educação, Ciências e Letras do Sertão Central - FECLESC, Linha de pesquisa Estudos em
Ensino e Linguagens. E-mail: prucina.bezerra@aluno.uece.br.
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afro-brasileira que, por desvelarem o universo africano e afro-brasileiro por meio da tessitura
de protagonistas negras, contribuem para a construção da identidade das crianças negras e
para o trabalho com a representatividade e ancestralidade negras.
E por fim, serão apontados os principais desafios que têm dificultado o trabalho na
sala de aula com a literatura infantojuvenil afro-brasileira, seguidos de sugestões para a
resolução dos mesmos.

Literatura infantojuvenil para uma educação antirracista

Entendo a educação formal como um dos instrumentos que colaboram no processo de


formação social, política e cultural dos indivíduos, podendo assim formar seres humanos
críticos e reflexivos que sejam capazes de conviver harmonicamente entre seus pares,
respeitando todas as formas de pluralidades. Assim, de acordo com bell hooks (2013, p.32),
torna-se necessário conceber que a educação liberta porque “liga a vontade de saber à vontade
de vir a ser”.
No entanto, somente por meio de uma pedagogia crítica, que leve em consideração o
multiculturalismo, ou seja, (o currículo e os saberes da escola como plataforma aberta e não
como “grade”), possibilitando aos alunos compreender a condição humana, conhecer as
diferenças, tais como de raça, gênero e classe, e formando-os para o exercício do respeito e da
convivência harmônica entre elas, será possível haver uma transformação social e
consequentemente, a construção de um mundo mais justo e mais equilibrado.
A Lei nº 10.639, de 2003, que altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que
estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede
de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira" (BRASIL, 2003)
configura-se como um significativo avanço no sentido de descolonizar o currículo da
educação brasileira e assim orientar e fundamentar os profissionais da educação para o
planejamento, execução e avaliação de discussões tão urgentes e necessárias a serem
realizadas na sala de aula, como a temática das relações étnico-raciais.

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Claramente o desafio está posto, instigando e estimulando todos que já estão na lida
educacional, como também aqueles que engrossam as fileiras das licenciaturas nos diferentes
recantos deste país.
No campo dos estudos da Linguagem, este desafio se torna ainda mais evidente, uma
vez que a palavra, sendo um poder, pode contribuir muito na construção contínua de uma
autonomia há muito buscada. Assim, a literatura tem o potencial de vir a ser um caminho para
a descolonização de formas de ser, pois mesmo utilizando um idioma herdado do colonizador,
é possível utilizá-lo como estratégia de subversão ao discurso colonial. Isso pode ser feito por
meio de diversos métodos, como a reinterpretação e a reescrita de obras do cânone europeu, e
dessa forma, diminuir as influências culturais eurocêntricas nas antigas colônias, promovendo
de fato, uma descolonização mental e espiritual com o objetivo de construção de sua própria
identidade (NEVES; ALMEIDA, 2013).

Ao discutir o lugar da linguagem nas relações de poder, especificamente nas relações


raciais historicamente hierárquicas, bell hooks (2013, p. 233) afirma que “tomamos a
linguagem do opressor e voltamo-la contra si mesma. Fazemos das nossas palavras uma fala
contra-hegemônica, libertando-nos por meio da língua”. Portanto, a literatura possibilita que o
oprimido utilize a língua do colonizador a serviço da reconstrução de sua história, fazendo
assim, com que a língua do colonizador se vire contra ele.

Ademais, o § 2o do Art. 26-A da referida lei prevê que os conteúdos referentes à


História e Cultura Afro-Brasileira sejam ministrados no âmbito de todo o currículo escolar,
em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras. Sendo
assim, é inegável a relevância das obras de literatura infantojuvenil afro-brasileira para o
trabalho na sala de aula sobre a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de
História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.
Tendo em vista que na literatura infantojuvenil, por muito tempo, as personagens
negras foram inseridas de modo a reforçar estereótipos, faz-se necessário que os livros a
serem lidos na sala de aula sejam aqueles que trazem as personagens negras de forma positiva,

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em que as crianças negras se sintam representadas, reafirmando valores africanos e afro-
brasileiros e figuras ilustres, tais como lideranças negras da África e diásporas, devolvendo
assim, às crianças negras, a autoestima em meio ao ambiente escolar.

Colocando a questão das identidades no interior da linguagem, isto é, como


ato de criação lingüística, a literatura, como um espaço privilegiado de
produção e reprodução simbólica de sentido, torna-se um lócus propício para
a enunciação ou para o apagamento das identidades (EVARISTO, 2007, p.
7).

Diante disso, entendo ser de extrema importância que os coordenadores(as)


pedagógicos(as) e professores(as) selecionem obras literárias para a leitura com as crianças
que possibilitem o processo de um letramento racial crítico e a desconstrução do pensamento
colonial eurocêntrico. E, dessa forma, trazer na prática uma educação decolonial, que retome
valores suprimidos e rompa com os modelos existentes, modelos esses, historicamente
excludentes. Nesse sentido, Gomes (2001) defende que a educação é um direito social e, por
isso, deve superar as desigualdades raciais:

Todos nós sabemos que a educação é um direito social. E colocá-la no


campo dos direitos é garantir espaço à diferença e enfrentar o desafio de
implementar políticas públicas e práticas pedagógicas que superem as
desigualdades sociais e raciais (GOMES, 2001, p. 84).

Por conseguinte, uma das formas que pode auxiliar a orientar os referidos profissionais
da educação na seleção de obras literárias, é partir da perspectiva dos seguintes aspectos: a)
identidade; b) representatividade negra e c) ancestralidade, uma vez que abordar tais aspectos
é uma forma de garantir que as crianças negras se sintam valorizadas, pois eles podem se
configurar como pontos de partida para desenvolver sentimentos de identificação, referência e
de pertencimento dessas crianças, bem como possibilitarem a conscientização das crianças
brancas para que revejam valores racistas que lhes foram transmitidos pela família e pela
sociedade.

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No que diz respeito à questão da identidade, tendo em vista que, por muito tempo, na
literatura infantojuvenil brasileira, o negro foi retratado de forma negativa, atrelado à feiura, à
pobreza e à “ruindade”, é de suma importância o trabalho com narrativas que caminhem para
a (re)construção de uma identidade positiva do ser negro, a fim de que a criança negra possa
se sentir valorizada e empoderada e, assim, viver a infância com a afirmação e possibilidade
de ser criança sentindo-se belo, rompendo com a proposta colonial estética de valorização do
eurocentrismo, pois de acordo com Munanga (1986):

Aceitando-se, o negro afirma-se cultural, moral, física e psiquicamente. Ele


se reivindica com paixão, a mesma que o fazia admirar e assimilar o branco.
Ele assumirá a cor negada e verá nela traços de beleza e de feiúra como
qualquer ser humano “normal” (MUNANGA, 1986, p. 32).

Nessa perspectiva da (re)afirmação da identidade negra, sugiro as seguintes obras


literárias: “Betina”, de Nilma Lino Gomes; “Histórias da Preta”, de Heloisa Pires Lima; “O
mundo no Black Power de Tayó”, de Kiusam de Oliveira e “Alafiá, a princesa guerreira”, de
Sinara Rúbia. A leitura das referidas obras é de grande relevância para o trabalho com a
temática da identidade negra baseada na “aceitação de si”, uma vez que contribuem para que a
população negra se enxergue positivamente, pois marcam os traços de negritude na
valorização da diferença e dão ênfase na estética da beleza diferente, num constante processo
de desconstrução da imagética brancocentrista.
Não muito diferente devem ser os critérios de seleção de obras voltadas para a
temática da representatividade: a necessidade de apresentar às crianças livros nos quais as
personagens negras sejam descritas como pessoas de valor e passado construído de forma
positiva. Para isso, sugiro as obras: “Zum Zum Zumbiiiiiii” e “O Dragão do Mar”, de Sonia
Rosa e “Antonieta”, de Eliane Debus. Por meio dessas obras, as crianças conhecerão figuras
negras da história brasileira que resistiram e lutaram pela liberdade e pelos demais direitos,
fazendo com que as crianças negras se sintam representadas por heróis e heroínas fortes,
determinados (as), alegres e felizes, desconstruindo assim, a representação atribuída
historicamente e socialmente ao negro, como passivo, triste e inferior.
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Quanto à ancestralidade, por ser algo fundamental para qualquer origem étnico-racial,
é um assunto crucial a ser abordado nas escolas. Assim, sugiro a leitura das seguintes obras
que destacam a ancestralidade e a cultura do negro, de sua matriz africana: “O Menino Arco-
Íris” e “Rainha das águas”, de Mauricio Pestana; “Os tesouros de Monifa” e “Maracatu”, de
Sonia Rosa; “O espelho dourado”, de Heloísa Pires Lima e “Bruna e a galinha d’Angola, de
Gercilga de Almeida. Nessas obras, a história (memória e ancestralidade) do negro é
valorizada, reposicionando, dessa forma, o negro num lugar de importância dentro do
contexto social e cultural.
Diante do exposto, percebe-se que, na atualidade, há uma diversidade de obras de
literatura infantojuvenil afro-brasileira que constituem excelentes suportes para a
problematização da questão da diversidade étnico-racial no âmbito do currículo das escolas.
No entanto, um dos diversos fatores que dificulta esse trabalho é a deficiência na formação
dos professores para a educação das relações étnico-raciais. Segundo Munanga (2005), alguns
educadores não tiveram uma formação para lidar com a problemática da diversidade, o que
gera sérias consequências na atuação docente:

Alguns dentre nós não receberam na sua educação e formação de cidadãos,


de professores e educadores o necessário preparo para lidar com o desafio
que a problemática da convivência com a diversidade e as manifestações de
discriminação dela resultadas colocam quotidianamente na nossa vida
profissional. Essa falta de preparo, que devemos considerar como reflexo do
nosso mito de democracia racial, compromete sem dúvida o objetivo
fundamental da nossa missão no processo de formação dos futuros cidadãos
e responsáveis de amanhã (MUNANGA, 2005, p 15).

Outra dificuldade encontrada para o trabalho com a diversidade étnico-racial por meio
do texto literário é a falta ou insuficiência de livros de literatura infantojuvenil afro-brasileira
nas escolas.
Dessa forma, para a efetivação da Lei nº 10.639/03 e para a execução de práticas
pedagógicas antirracistas é necessário habilitar os professores. Assim, as Universidades
devem se comprometer a preparar os professores para a educação das relações étnico-raciais,

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durante a formação inicial. Já os sistemas de ensino devem investir na formação continuada
desses profissionais, seja por meio da realização de seminários e congressos, promoção de
palestras, ofertas de cursos e minicursos de formação em serviço, entre outras maneiras de
qualificar os docentes para o trabalho com a educação das relações étnico-raciais. Nesse
trabalho de formação de professores, é importante também que esses sistemas de ensino
partam do reconhecimento de que o racismo no Brasil faz parte da estrutura econômica, social
e política. Por isso, há a necessidade de discutir as consequências perversas da ideologia
racista que estrutura o país, potencializada pela ocultação do legado e das contribuições
histórico-culturais da população negra para o Brasil e para o mundo. Para tanto, é preciso sair
do lugar confortável da omissão e do silêncio e abordar temáticas tais como: racismo
estrutural, práticas racistas do cotidiano, branquitude, as vantagens e privilégios que são
desfrutados pelos brancos, o papel dos indivíduos brancos na manutenção do sistema racista e
o lugar de cada participante da escola na luta contra o racismo. Nesse sentido, Bento (2002)
chama a atenção para a necessidade de refletir sobre o papel do branco nas desigualdades
raciais:

Em meu trabalho nos últimos catorze anos, o primeiro e mais importante


aspecto que chama a atenção nos debates, nas pesquisas, na implementação
de programas institucionais de combate às desigualdades é o silêncio, a
omissão ou a distorção que há em torno do lugar que o branco ocupou e
ocupa, de fato, nas relações raciais brasileiras. A falta de reflexão sobre o
papel do branco nas desigualdades raciais é uma forma de reiterar
persistentemente que as desigualdades raciais no Brasil constituem um
problema exclusivamente do negro, pois só ele é estudado, dissecado,
problematizado (BENTO, 2002. p. 26).

Diante disso, é urgente que na formação docente, tanto inicial quanto continuada,
sejam ampliadas as discussões sobre as relações étnico-raciais, a fim de refletir sobre as
vantagens e privilégios dos brancos numa sociedade marcada historicamente pela
desigualdade racial. Assim, de acordo com Ferreira (2014), há a necessidade de abordar a
temática da branquitude nos cursos de formação de professores:

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A branquitude é um assunto que necessita ser considerado em cursos de
formação de professores para que o que é construído em nome do poder
possa ser desconstruído e discutido em nome da igualdade e da justiça social,
como é advogado pela Teoria Racial Crítica (FERREIRA, 2014. p. 248).

Por fim, são imprescindíveis políticas de distribuição, por parte do Ministério da


Educação para as escolas públicas, e a aquisição pelas escolas privadas, de obras de literatura
infantojuvenil afro-brasileira que contenham personagens negras caracterizadas de forma
positiva.

Conclusão

Portanto, a literatura infantojuvenil afro-brasileira constitui-se em um grande potencial


para auxiliar na efetivação da Lei 10.639/03 e para a construção de uma sociedade mais justa,
humanizada e não racista, pois quando se traz personagens negras de forma positiva há a
possibilidade de trabalhar questões como identidade, representação e a ancestralidade negra e,
consequentemente, despertar o sentimento de pertencimento e a autoestima das crianças
negras e conscientizar as crianças não-negras para que revejam valores racistas e
discriminatórios que lhes foram transmitidos pela família e pela sociedade.
No entanto, vale ressaltar que, para atingir essa finalidade, faz-se necessário um
trabalho permanente, que necessita de planejamento e investimento, seja no que diz respeito à
formação inicial e continuada dos professores para a educação das relações étnico-raciais, seja
para a aquisição de livros de literatura infantojuvenil afro-brasileira por parte das escolas.
Assim, é urgente investir nas práticas de leitura dessas obras na sala de aula e nos demais
espaços escolares, a fim de formar cidadãos críticos e reflexivos, capazes de transformar o
meio em que vivem.

Referências

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Janeiro: Editora Pallas, 2009.
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A REPRESENTAÇÃO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NEGRA
EM CONTOS DE CONCEIÇÃO EVARISTO
Yuri Juan de Oliveira1
Mirian Cardoso da Silva2
Wilma dos Santos Coqueiro3

Resumo: Conceição Evaristo é uma escritora brasileira que publicou poesias, romances, contos e
ensaios. Os textos de Evaristo abordam a dor de ser mulher, de ser negra, em uma sociedade machista
e racista, assim como também traz a resistência e a esperança de dias melhores. Na coletânea de contos
Insubmissas lágrimas de mulheres, publicada em 2011, a autora traz contos com nomes de mulheres,
cujas narrativas possuem grande força, fortes sentimentos e relevam um retrato da realidade de muitas
mulheres na nossa sociedade. Nessa obra, diversas violências contra o corpo feminino negro se
evidenciam, representando a realidade social vivenciada por muitas mulheres em um mundo que,
mesmo com o avanço e as transformações em seus direitos, ainda sofrem diversas formas de opressão
ocasionadas por fatores interseccionais como raça, classe e gênero. Tendo isso em vista, este artigo
tem como objetivo analisar como a escritora Conceição Evaristo representa a violência contra as
mulheres em três contos: “Shirley Paixão”, “Natalina Soledade” e “Aramides Florença”. Para tanto,
esta pesquisa se pautou nos estudos de Munanga (2006), Bourdieu (2007), Oliveira (2016), entre
outros.

Palavras-chave: Literatura de autoria feminina negra. Conceição Evaristo. Violência contra a mulher.

Gosto de ouvir, mas não sei se sou a hábil


conselheira. Ouço muito. Da voz outra, faço a
minha, as histórias também. E, no quase gozo da
escuta, seco os olhos. Não os meus, mas de quem
conta. […]. Entretanto, afirmo que, ao registrar
estas histórias, continuo no premeditado ato de
traçar uma escrevivência.
(Conceição Evaristo, 2011).

1
Graduando de História – Unespar/campus de Campo Mourão. Bolsista Capes do programa de Iniciação
Cientifica. E-mail: yuri_juan3@hotmail.com.
2
Doutora em Letras, área de concentração: Estudos Literários - UEM. E-mail: mikardosoo@gmail.com.
3
Doutora em Letras (UEM). Docente adjunta do colegiado de Letras e do Programa de Pós Graduação em
Sociedade e Desenvolvimento (PPGSeD) da Unespar/campus de Campo Mourão. E-mail:
wilma.coqueiro@ies.unespar.edu.br.
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Considerações iniciais: a violência contra a mulher

É notório a luta empenhada das mulheres pelo direito de escrita e pela oportunidade de
visibilidade. Isso porque até o século XIX poucas eram as que tinham direito e condições para
estudar, escrever e publicar. E aquelas que conseguiam, geralmente utilizavam pseudônimos
para ocultar a autoria. Virgínia Wolf (1985), escritora britânica, em um ensaio publicado em
1929, aponta que a dificuldade da escrita de mulheres se deve, de maneira geral, à falta de
dinheiro e, também, de um “teto todo seu4”.
A dificuldade para a apropriação do espaço intelectual pelas mulheres dialoga com o
construto patriarcalista que submeteu às mulheres ao lugar de submissão. Esse sistema
colocava o homem como o dominante da mulher, sendo ele quem decidia seus papeis em
sociedade, seu casamento, sua vida. Aos homens eram dados atributos positivos, enquanto às
mulheres dava-se os negativos, o que manifestava as desigualdades culturais e históricas que
existem, ainda hoje, entre mulheres e homens.
Embora, contemporaneamente, esse sistema não perdure devido às lutas das mulheres,
dos movimentos feministas e das conquistas delas, ainda existem no imaginário social
resquícios patriarcalistas, que instaurou no construto social a mentalidade de que a mulher foi
feita para servir ao homem, e também que elas são menores que eles. O processo histórico
disso tudo naturalizou e consolidou os papeis de gênero que definem o lugar social de homem
e mulher: a esta é atribuída a submissão e a fragilidade, e àquele o poder e a força. E isso
também respalda muitas das violências que as mulheres sofrem.
A violência de gênero é entendida como uma ruptura da integridade da vítima, seja ela
de qualquer forma: psíquica, moral, sexual e/ou física. Embora a maioria das pessoas pensem
que a violência é somente a física, Pierre Bourdieu discute a violência simbólica, em seu livro

4
A obra Um teto todo seu, publicada em 1929, foi baseada em palestras proferidas por Virginia Woolf nas
faculdades de Newham e Girton, destinadas a um público feminino, em 1928. Na obra, um clássico da primeira
onda feminista, Virgínia analisa as condições sociais da mulher que incidem na escrita literária. Para ela, a falta
de recursos financeiros e de um lugar para escrever refletem substancialmente na escassez de obras publicadas
por mulheres até o início do século XX.
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A dominação masculina (1998), que elucida as relações de dominações que não se referem a
coerção física entre as pessoas, mas sim aquelas que causam danos psicológicos e morais.
Ambas as violências, físicas e simbólicas, vêm aumentando consideravelmente em
nosso país. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgou dados em 2017 que mostram
que a cada onze minutos uma pessoa é estuprada no Brasil. Enquanto que a violência
doméstica, segundo a Procuradoria Especial da Mulher, em 2019, teve um aumento de 284%
de casos, em uma pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa DataSenado, junto do
Observatório da Mulher contra a Violência.
Agora considerando a condição da mulher negra, que é vítima tanto do seu gênero
quanto de raça e classe social, podemos compreender brevemente sua situação aqui no Brasil
pela fala de Luana Maria de Lima Oliveira, que, no site Blogueiras Feministas (2016, n.p),
afirma que “É difícil ser pessoa negra numa sociedade racista, é difícil ser mulher numa
sociedade machista. É quase impossível ser mulher negra num mundo de trabalho machista e
racista”. A fala de Oliveira representa a realidade da condição da mulher negra no Brasil.
Essa situação também pode ser observada no relatório organizado pela Ong Crioula,
que aponta a fria realidade em forma de números. Segundo o relatório, é observável que o
número de feminicídio de mulheres negras se elevou em 54% em uma década, diminuindo o
das mulheres brancas em 9,3%. Isso revela que a realidade das relações raciais trata a
democracia racial como uma camuflagem da crueldade vivida pelas mulheres negras. Elas
vivem em um mundo que, mesmo com o avanço e transformações nos direitos das mulheres,
ainda sofrem “dupla discriminação: ser mulher em uma sociedade machista, e ser negra numa
sociedade racista” (MUNANGA, 2006, p. 133).
Desse modo, muitas mulheres escritoras têm questionado as violências sofridas pelo
corpo feminino. Por exemplo, as escritoras de literatura têm representado personagens
femininas que sofrem diversas violências, denunciando uma realidade social e, também,
mostrando a força dessas mulheres. Por isso, este artigo tem como objetivo analisar como a
escritora Conceição Evaristo representa a violência contra as mulheres em três contos:

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“Shirley Paixão”, “Natalina Soledade” e “Aramides Florença”, da coletânea de contos
Insubmissas lágrimas de mulheres (2011).

Aramides, Shirley, Natalina: Insubmissas mulheres

Conceição Evaristo é uma escritora brasileira que nasceu em Belo Horizonte. Ela
cursou Letras, se formou mestre em literatura brasileira e publicou poesias, romances, contos
e ensaios. Em sua dissertação de mestrado, Evaristo traz o termo escrevivência, que se refere
à produção de texto da vivência da própria pessoa. Os textos de Evaristo abordam a dor de ser
mulher, de ser negra, em uma sociedade machista e racista, assim como também representa a
resistência e a esperança de dias melhores.
Na coletânea de contos Insubmissas lágrimas de mulheres, a autora traz contos com
nomes de mulheres, cujas narrativas possuem grande força, fortes sentimentos e relevam um
retrato da realidade de muitas mulheres na nossa sociedade. No primeiro conto, “Aramides
Florença”, acompanhamos uma história que se inicia com uma narradora que chega na casa da
protagonista, responsável por contar parte do texto em terceira pessoa. Já a personagem que
leva o nome do conto, Aramides, assume a narrativa quando expressa sobre a violência
sofrida.
No início do conto, o enredo aborda o momento que a narradora e a protagonista se
encontram. Aramides está acompanhada do seu filho, enquanto que a narradora percebe a
felicidade da criança por estar longe do pai: “teria a criança tão novinha [...] rejubilado
também com a partida do pai? Só a mãe, a mulher sozinha, lhe bastava?” (EVARISTO, 2011,
p. 12). Percebemos, também, que a amamentação estreita os laços entre mãe e filho, algo que
antes não existia, isto é, a ausência de afetividade entre mãe e filho era provocada porquanto
“havia a figura do pai por perto” (EVARISTO, 2011, p. 12).
O conto continua mostrando o que aconteceu antes de o bebê nascer: um casal feliz
durante o namoro, com boa condição financeira, e ambos decidem preparar um lugar para
morarem juntos. Quando a mulher engravida de forma planejada, o marido reage com

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aparente felicidade: “O pai, embevecido e encabulado com o milagre que ele também fazia
acontecer, repartia os seus mil sorrisos ao lado da mãe” (EVARISTO, 2011, p.14).
Contudo, o primeiro ato de violência acontece, fazendo surgir “uma perturbação entre
os dois” (EVARISTO, 2011, p.14), pois ele fere a mulher que está grávida. A violência é
provocada de uma forma sútil: ele deixa uma lâmina de barbear sobre a cama e ela se
machuca: “Com dificuldade para se erguer, gritou de dor. Um filete de sangue escorria de um
dos lados de seu ventre. Aramides não conseguiu entender a presença daquele objeto estranho
em cima da cama” (EVARISTO, 2011, p. 14-15). Depois de um período das desculpas dadas
por ele, novamente outra violência ocorre por meio de uma queimadura e a personagem
começa a desconfiar do marido. Observemos o trecho:

Pelo espelho, viu seu homem se aproximar cautelosamente. Adivinhou o


abraço que receberia por trás. Fechou os olhos e gozou antecipadamente o
carinho das mãos do companheiro em sua barriga. Só que, nesse instante,
gritou de dor. Ele, que pouco fumava, e principalmente se estivesse na
presença dela, acabara de abraçá-la com o cigarro aceso entre os dedos
(EVARISTO, 2011, p. 15).

Depois dessas violências comedidas e disfarçadas, narrada em terceira pessoa, no


momento que Aramides assume a narrativa, ela conta sobre a violência sexual sofrida no
próprio casamento:

Estava eu amamentando meu filho – me disse Aramides, enfatizando o


sentido da frase, ao pronunciar pausadamente cada palavra – quando o
pai de Emildes chegou. De chofre arrancou o menino dos meus braços,
colocando-o no bercinho, sem nenhum cuidado. Só faltou arremessar a
criança. Tive a impressão de que tinha sido esse o desejo dele. No
mesmo instante, eu já estava de pé, agarrando-o pelas costas e gritando
desamparadamente. Ninguém por perto para socorrer meu filho e a
mim. Numa sucessão de gestos violentos, ele me jogou sobre nossa
cama, rasgando minhas roupas e tocando um de meus seios que já
estava descoberto, no ato da amamentação de meu filho. E, dessa
forma, o pai de Emildes me violentou (EVARISTO, 2011, p. 17-18).

No trecho, percebemos a violência do marido, que nem mesmo ao filho poupou. A


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personagem enuncia a dor de muitas mulheres que sofrem violência doméstica e que são
abusadas pelos próprios companheiros. Evaristo coloca em cena, portanto, a dura realidade
enfrentada por essas mulheres. Além disso, podemos observar no conto a progressão do ato
violento, que começa como algo aparentemente sem intenção e aos poucos progride até o
homem agir com extrema violência sobre o corpo feminino.
Essa violência vai aparecer em outros contos, como em “Shirley Paixão”, o qual é
narrado pela protagonista, trazendo em cena uma personagem que anseia matar quem a
oprime. Porém, há um longo período de trinta ano entre o que ela narra e o presente, e mesmo
depois de tanto tempo, ainda permanecia o mesmo desejo. Novamente, Evaristo vai colocar
em cena o conjugue como autor da violência. O marido é pai de três crianças, enquanto
Shirley era mãe de duas, e ao se casarem a família se completou com cinco meninas que
tinham “entre cinco e nove anos. [...] As meninas, filhas dele se tornaram tão minhas quanto
as minhas. Mãe me tornei de todas elas” (EVARISTO, 2011, p.25).
Ao longo da narrativa vemos que Shirley aponta para a relação do pai com uma das
filhas, Seni, percebendo que não conviviam bem, já que ele não tinha paciência com a criança.
E é a essa menina que ele arranca de forma violenta da cama, retira sua roupa e tenta estuprá-
la. A narradora revela que essa criança anteriormente havia sido violentada pelo pai de forma
recorrente. Contudo, nessa noite em específico, a criança grita, e acorda Shirley:

Foi quando assisti à cena mais dolorosa da minha vida. Um homem


esbravejando, tentando agarrar, possuir, violentar o corpo nu de uma menina,
enquanto outras vozes suplicantes, desesperadas, desamparadas chamavam
por socorro. Pediam ajuda ao pai, sem perceberem que ele era o próprio
algoz (EVARISTO, 2011, p. 30).

Esse trecho denuncia a violência que muitas crianças sofrem na própria casa, por
aqueles que deveriam protegê-las, e, assim como no conto anterior, Evaristo coloca em cena,
novamente, a realidade de inúmeras crianças no mundo. Contudo, nesse caso, Shirley reage à
violência do marido e com uma barra de ferro o acerta: “Quando vi, o animal caiu estatelado
no chão” (EVARISTO, 2011, p. 30). Nesse momento, a cena desperta em Shirley lembranças

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da mesma violência que ela sofreu nas mãos do ex marido. O marido é preso, assim como
Shirley, devido à agressão. Contudo, alguns anos depois, ela volta a viver com as filhas, e
essa geração se mostra como aquela que carrega a força feminina, que é insubmissa, que age e
reage, que não se cala: “A nossa irmandade, a confraria de mulheres, é agora fortalecida por
uma geração de meninas netas” (EVARISTO, 2011, p. 31).
Enquanto nesses dois contos, “Aramides Florença” e “Shirley Paixão”, observamos a
violência física, em “Natalina Soledad” Conceição representa a violência simbólica,
psicológica. Em uma narrativa que fala de uma mulher adulta, cujo o próprio nome é dado por
ela mesma, e isso acontece porque ela havia nascido em uma família de filhos homens.
Assim, quando nasce uma mulher, o pai a despreza: “não foi bem recebida pelo pai e não
encontrou acolhida no colo da mãe” (EVARISTO, 2011, p. 19). Essa violência sofrida pela
personagem pode ser compreendida pela lógica da violência simbólica, a qual, segundo Jóice
Brandt (2014, p. 17), é uma forma de dominação mais sutil, assim como de exclusão social.
Embora não visível, como a agressão física, ela ainda sim é nociva, “pois pode agregar ao
indivíduo conceitos e regras que o façam permanecer sempre na posição de dominado”.
Pelo simples fato de ter nascido mulher, Natalina é deserdada e nomeada pelo pai
como Troçoléia Malvina Silveira. Devido a esse nome, ela viveu uma dura vida, recebendo
zombarias dos colegas. Além dessa marginalização sofrida por parte do pai, a própria mãe
também não dá apoio a ela, abandonando-a após o parto. A menina cresce, portanto, em um
ambiente que lhe é hostil, e “não suportava vê-los: “Recusava sentar-se à mesa, alimentava-se
no quarto ou na cozinha; como sombra quase invisível transitava em silêncio de seu quarto ao
banheiro e à cozinha, mesmo entre seus irmãos” (EVARISTO, 2011, p. 22).
Na trajetória da personagem, percebemos que a violência sofrida por ela é uma
violência presente no dia-a-dia de muitas mulheres, que, por sua vez, não conseguem perceber
que isso também é violência. Essa violência simbólica, muitas vezes invisível à própria vítima
conforme assinala Bourdieu (2007), causa danos psicológicos, pessoais, identitários, marcas
que não são visíveis aos olhos de outros, mas marcadas na vida de quem sofre. Por ser uma
violência silenciosa, ela é uma forma de coerção que se institui por intermédio do “poder

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simbólico”, o qual existe nas estruturas sociais. As estruturas “existem, no próprio mundo
social e não apenas nos sistemas simbólicos – linguagem, mito, etc. –, estruturas objetivas,
independentes da consciência e da vontade dos agentes, as quais são capazes de orientar ou
coagir suas práticas e representações” (BOURDIEU, 2007, p.149).
A mudança de nome da personagem para Natalina ocorre apenas aos trinta anos,
depois que os pais morrem, o que pode representar que é o momento em que ela se sente livre.
Mas a liberdade, que a permite trocar de nome, resguarda ainda a solidão pela qual viveu
durante a vida toda. E essa é fruto da violência simbólica, que é consequência daqueles
resquícios patriarcalistas da dominação masculina, que sujeita a mulher ao lugar de
submissão.
Todos os três contos abordam, por fim, personagens que podem ser várias Shirleys,
Natalinas e Aramides, pois representam a realidade de muitas, como reiteramos neste artigo.
Evaristo, portanto, discute a dor da mulher que vive sob o algoz de seu gênero em uma
sociedade machista e racista, que sustenta as ideias de que o homem ainda detém o poder.
Mas, como vimos nas trajetórias dessas três personagens, essas mulheres não se submetem
sempre, elas são, de suas próprias maneiras, insubmissas.

Considerações finais

Ao refletirmos acerca da trajetória feminina na sociedade, ainda constatamos que


traços do sistema patriarcal, que perdurou no Brasil por séculos, desde os primórdios da
colonização portuguesa até meados do século XX, continuam marcantes na trajetória de
muitas mulheres brasileiras. Em relação às negras, essas ainda sofrem com resquícios da
sociedade escravista, que as relegou ao papel de força de trabalho e objeto sexual. Como
destacou o sociólogo sueco Göran Theborn, em Sexo e poder: a família no mundo, “a longa
noite patriarcal da humanidade está chegando ao fim. Está alvorecendo, mas o sol é visível
apenas para uma minoria” (THERBORN, 2006, p. 195).

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Com efeito, como mulher negra que viveu em ambientes marginalizados e sofreu com
o peso de uma sociedade racista, machista e classicista, Conceição Evaristo faz uma literatura
de cunho social que aborda, de forma crua e ao mesmo tempo poética, as mazelas sociais do
ambiente urbano das periferias, como a miséria e a violência que incidem, sobretudo, nas
mulheres e crianças negras.
Assim, neste artigo analisamos a presença da violência contra a mulher na narrativa de
Conceição Evaristo. Por meio dos contos dela, podemos observar aquilo que comparece todos
os dias nos jornais, nas pesquisas, nos estudos, na televisão: a violência contra a mulher. Mas,
agora, pela perspectiva de uma mulher que, a partir de suas personagens, mostra que elas não
são submissas, que são resistentes e resilientes, podendo, assim, tomar as rédeas e subverter a
violência sofrida em força para lutar contra os agressores.
Referências

BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007.

BRANT, Jóice. Violência simbólica: uma reflexão acerca do Habitus docente. Lajeado:
Univates, 2014.

EVARISTO, Conceição. Insubmissas lágrimas de mulheres. Belo Horizonte: Nandyala, 2011.

MUNANGA, Kabengele. O negro no Brasil de hoje. São Paulo: Global, 2006.

OLIVEIRA, Luana M. de L. In. Blogueiras feministas, 2016. Disponível em


http://blogueirasfeministas.com/2016/12/representatividade-da-mulher-negra-no-mercado-de-
trabalho/ . Acesso em: 01 out. 2022.

THERBORN, Göran. Sexo e poder: a família no mundo, 1900-2000. Tradução Elizabete


Dória Bilac. São Paulo: Contexto, 2006.

WOOLF, Virgínia. Um teto todo seu. Tradução Vera Ribeiro. 2.ed. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1985.

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“BATUQUES E FANDANGOS”: CONTRIBUIÇÕES DO ZELADOR
CULTURAL CANDIERO PARA A HISTÓRIA AFROPARANAENSE
Maria Sueli Ribeiro1
Davi Silva Gonçalves2

Resumo: Este ensaio busca enfatizar a relevância do poeta Candiero no que concerne à literatura
afro-paranaense. Através do conceito de campo de Bourdieu (1983), partimos da premissa de que nada
contra a corrente do espaço social já estabelecido e reafirmado por autores brancos dentro do sistema
literário do Paraná. A construção do ser negro tem sido pautada em vários estudos, entre os quais
podemos citar Peles negras máscaras brancas (FANON, 2008) e Negritude: usos e sentidos
(MUNANGA, 1988). Ao longo de nossa reflexão, identificamos se e de que maneira Candiero pode,
através de sua escrita, furar a bolha da invisibilidade negra em um processo de coragem e de
conhecimento, conforme nossa análise da poesia “Batuques e Fandangos” (CANDIERO, 2013). Nos
resultados finais, destacamos a forma em que Candiero resgata a memória do negro paranaense
associada à sua experiência de vida, misturando a voz do eu-lírico com a voz do autor por trás dele.

Palavras-chave: Campo Literário. Zelador Cultural Candiero. Poesia.

O jeito mais fácil de sequestrar a história de um


povo é convencendo esse mesmo povo de que ele
não tem história (Alice Walker, tradução nossa).

Considerações iniciais

Este ensaio traz as contribuições do poeta paranaense Zelador Cultural Candiero no


que diz respeito à visibilização negra no Paraná, ao mesmo tempo em que discute algumas
nuances do campo literário estadual. Nesse sentido, a discussão sobre o conceito de campo
identifica, numa perspectiva sociológica, as lutas pelo espaço simbólico do sistema literário
paranaense no que se refere às dificuldades e possibilidades de um protagonismo negro dentro
desses espaços. Em um estado cuja memória oficial reforça a imigração e a colonização

1
Graduada em História e Sociologia. Mestranda no Programa de Pós-Graduação em História da UNICENTRO
(Campus de Irati). E-mail: msr_historia@yahoo.com.br.
2
Doutor em Letras. Professor adjunto no Departamento de Letras da UNICENTRO (Campus de Irati). E-mail:
davisg@unicentro.br.
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branca (assim como acontece nos outros dois estados do Sul), o campo literário acabou por
muito tempo sendo reforço e reflexo desse estereótipo. Ainda que exista um esforço crescente
para alterar esse quadro, a verdade é que o reconhecimento e a representatividade de autores
negros ainda encontram percalços e dificuldades no estado.
Na memória histórica do Paraná e da cultura paranaense, seu registro fixado, repetido
e, muitas vezes, romantizado, lembra a imigração dos europeus e dos japoneses. Nesse
sentido, é importante refletir sobre o que está por trás dessa história oficial e as possíveis
razões de ela ser evocada com tanta frequência. Podemos citar, por exemplo, as festas típicas
ou festivais promovidos pelos municípios para celebrar ucranianos, poloneses, italianos,
alemães etc. Sem desmerecer os esforços para mostrar o papel exercido por essas imigrações e
a participação dos brancos na construção do estado paranaense, é inegável que a presença do
negro segue sendo ignorada ou, no máximo, vista e tratada por uma ótica generalista.
Os agentes que integram os campos não “nascem” nas posições que ocupam, sejam
elas centrais ou periféricas. Por isso, também é importante voltar nosso olhar para a trajetória
pessoal do autor que é nosso objeto de análise de modo a compreender sua posição no campo,
suas posições ético/políticas e os efeitos de sua obra. Assim, para analisar a questão do que é
ser negro, nos pautamos nos trabalhos de Franz Fanon (2008) e Kabengele Munanga (1988),
entre outros autores, de modo a estruturar essa temática como uma construção social. Mais
especificamente, analisamos nesse ensaio o poema “Batuques e Fandangos” (CANDIERO,
2013), presente na Revista AfroCuritiba, cujos versos podem ser considerados uma forma de
resistência e visibilidade do sujeito negro em terras paranaenses.

A mancha loira do Brasil: “Esclarecendo” a história do Paraná

Nossa hipótese, nessa pesquisa, é a de que ainda persiste nos estudos universitários
paranaenses uma certa obsessão em tratar de elementos históricos ligados à cultura europeia,
em detrimento das contribuições culturais de matriz afrodescendente. Em 1960, o ex-
governador Bento Munhoz da Rocha Neto escreve um prefácio para uma prestigiosa coleção

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intitulada História do Paraná (PILATTI et al., 1969), organizada pela Universidade Federal
do Paraná. Nela, Rocha Neto (1969, p. 73) afirma que “o Sul é branco, é mesmo a mancha
loira do Brasil”. Como justificativa para esse tipo de visão, recorre-se largamente ao
argumento do peso da imigração europeia no Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina.
Em Curitiba, muitas vezes celebrada como capital mais “europeia” do Brasil, é
recorrente que se celebrem as culturas alemã, italiana, polonesa, ucraniana etc. Em 2021,
Rafael Greca, atual prefeito da cidade, fez o seguinte comentário sobre o clima local: “as
geadas deste ano transformaram a estufa do Jardim Botânico em um Palácio de Gelo. A parte
dos curitibanos que tem DNA eslavo, polonês, ucraniano ou europeu celebra o cartão postal.
Como se a Áustria, a Alemanha ou a Rússia fossem aqui”.3 Celebrando as “virtudes” das
políticas históricas de branqueamento, essa publicação motivou diversas críticas na rede
social em que foi feita. Inevitavelmente, comentários como esse suscitam a reflexão acerca
dessa veneração europeia no imaginário histórico paranaense – coerente com a supressão ou o
apagamento da herança, presença e contribuição negra no estado.
Desde a escravidão, a população negra ocupa o país de maneira massiva. A diferença,
em comparação com os demais imigrantes, é que, desde antes dos séculos XIX e XX, o povo
negro foi trazido para o Brasil contra sua vontade e se alastra também contra sua vontade, já
que as negras escravizadas foram vítimas frequentes de violência sexual. Essa realidade não
desmerece o fato de que imigrantes europeus contribuíram para a história e a cultura do
Paraná. Porém, em apenas um intervalo de trezentos e cinquenta anos, doze milhões de
africanos foram trazidos para o Brasil: quantitativo que extrapola qualquer outra imigração.
Estima-se, a propósito, que, de cada cem estrangeiros que chegavam no país entre 1550 e
1850, oitenta e seis eram africanos escravizados – sendo que, em pouco tempo, a maior parte
da população brasileira se tornaria essencialmente africana.4
Portanto, se já superamos, pelo menos desde Gilberto Freire, a noção de que o
elemento africano representava atraso, devemos superar também a falsa noção de que a

3
Disponível em: https://twitter.com/rafaelgreca/status/1421077609018953728. Acesso em 03 de ago. 2022.
4
As Guerras de Palmares, Guerras do Brasil (Netflix, 2018).
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escravidão era branda e, associada a ela, a suposição profundamente equivocada de que em
alguma região do país só existem brancos. O estudo Paraná Negro (GOMES JÚNIOR et al.,
2008), constata, a existência de 23% de negros e afrodescendentes atualmente no estado, que
também comporta noventa comunidades remanescentes de quilombo – trinta e seis das quais
são certificadas pela Fundação Cultural Palmares. A mancha loira do Brasil, portanto, só pode
ter sido descolorida. Ainda que o estado siga sendo considerado branco, europeu os dados
coletados pelos pesquisadores (GOMES JÚNIOR et al., 2008, p. 15) permitiram que, além do
Paraná ser reconhecido “[...] como de expressiva população negra, se descobrisse com uma
geografia na qual a existência de Comunidades Negras Tradicionais, de Comunidades
Remanescentes de Quilombos e de ‘Terras de Preto’ tivesse a dimensão que se constatou”.

O espaço do negro no campo literário paranaense

O conceito de campo literário (BOURDIEU, 1983) é importante para dimensionar


espaços de posições – simbólicos e sociais – ocupados por autores, neste caso do Paraná. Um
autor negro que produz sua obra voltada para sua resistência, e de seus pares, possui um
“lugar” no espaço de posições do campo, que obviamente não é central. Para Bourdieu
(1983), os campos sociais possuem determinadas características comuns. Sua estrutura “[...] é
um estado de relação de força entre os agentes ou as instituições engajadas na luta ou, se
preferirmos, da distribuição do capital específico que, acumulado no curso das lutas
anteriores, orienta as estratégias ulteriores” (BOURDIEU, 1983, p. 90). O campo literário não
é exceção, configurando não apenas um espaço de posições sociais, mas a expressão de uma
luta (simbólica) constante por certas “colocações”.
Assim, a poesia engajada do Zelador Candiero pode ser compreendida como parte de
uma estratégia de luta por reconhecimento dentro de um espaço social/campo onde a maioria
dos agentes reconhecidos são brancos. Por isso, geralmente o leitor vai contar com um porta-
voz que parte de um lugar de fala branco, para discutir temáticas brancas, voltadas para um
público majoritariamente branco. As formas específicas da “luta” que se trava no interior dos

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campos precisam “[...] ser investigadas em cada caso, entre o novo que entra e tenta arrombar
os ferrolhos do direito de entrada e o dominante que tenta defender o monopólio e excluir a
concorrência” (BOURDIEU, 1983, p. 119-120). Neste caso, a busca é por romper os ferrolhos
da discriminação, do preconceito, da subalternização, da ideia – errada – de que o negro não
contribuiu para formação étnica e cultural do povo paranaense.
Ainda, Bourdieu ressalta que “[...] o espaço das posições tende a comandar o espaço
das tomadas de posições. É nos ‘interesses’ específicos associados às diferentes posições no
campo literário que é preciso buscar o princípio das tomadas de posições literárias (etc.), ou
mesmo das tomadas de posição políticas no exterior do campo” (BOURDIEU, 1996, p. 262).
A posição de Candiero no campo literário, assim, está ligada não somente ao mérito de sua
obra, como também às condições políticas que extrapolam o texto literário. Essas questões
nos previnem contra algumas ideias do senso comum sobre “genialidade”, “criação” etc. O
campo literário não está apenas destinado a pessoas inspiradas e capazes de produzir arte com
palavras, mas também um microcosmo da vida social que pode – e deve – ser analisado num
esforço conjunto das Ciências Sociais e da Literatura. Para Bourdieu (1996, p. 217):

A representação carismática do escritor como “criador” leva a colocar entre


parênteses tudo que se acha inscrito na posição do autor no seio do campo de
produção e na trajetória social que para ali o conduziu: de um lado, a gênese
e a estrutura do espaço social inteiramente especifico no qual o “criador”
está inserido, e constituído como tal, e onde seu próprio “projeto criador” se
formou; do outro lado, a gênese das disposições a uma só vez genéricas e
especificas, comuns e singulares, que ele introduziu nessa posição.

A poesia de Zelador Cultural Candiero não apenas ajuda a repensar e reconstruir


narrativas sobre momentos e fatos históricos do Paraná, como apresenta o papel do negro para
a formação étnica do estado, ignorado por quase todos aqueles à que Speller (2017, p. 53)
chama de “facções dominantes”5 do campo literário. A questão é que os escritores
consagrados, em geral brancos, acabaram contribuindo para a cristalização de uma memória

5
Essa expressão é utilizada aqui para expressar os grupos de escritores mais reconhecidos, dentro do campo
literário paranaense, e não expressa um juízo de valor.
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histórica sobre o estado do Paraná que normalmente desconsidera o papel do negro. Como
sugere Dalton Aparecido Felipe (2018, p. 165) a memória negra “[...] não sumiu ou se
apagou, mas ficou residindo em espaços ou lugares de memórias, tradições e em espaços das
culturas não oficiais, esperando o momento que houvesse uma redistribuição das cartas
políticas ou de que o jogo da memória coletiva se reconfigurasse”.
As posições nos campos não são eternas e/ou imutáveis. Coerente com sua luta
simbólica no interior dos mesmos, elas estão sempre sujeitas a mudanças. Essas mudanças
podem advir de reconfigurações no interior dos campos ou de fatores externos a eles, de
ordem econômica, social, política etc. Nesse sentido, cumpre um importante papel a lei
10.639/20036, pois, a partir de uma decisão política, os autores negros puderam aumentar o
seu capital simbólico – com publicações e reconhecimento – e disputar por espaços menos
periféricos dentro do campo literário. O progressivo reconhecimento do poeta Zelador
Cultural Candiero, inclusive, pode estar associado a essa “redistribuição das cartas políticas”
(FELIPE, 2018, p. 165).
Nesse sentido, é necessário ressaltar a importância de lembrar não apenas de Helena
Kolody, Dalton Trevisan, Paulo Leminski, entre outros autores consagrados no campo
literário paranaense. Além deles, devemos lembrar, por exemplo, da poetisa negra Laura
Santos, da década de 50: “Dona de uma linguagem sensível [...], a ‘pérola negra’, como ficou
conhecida, fez uma poesia com alta carga erótica, elucidando o corpo como objeto da sua
própria linguagem” (ROCHA, 2021 s.p.). Além dela, também temos Maria Nicolas: “[...]
professora, escritora, poetisa, historiadora, contista, dramaturga, teatróloga, novelista,
biógrafa, pesquisadora e pintora, e uma amante de Curitiba” (RIBEIRO, VIEIRA, 2020, s.p).
Nicolas é a autora de livros como: Almas das ruas (1977), Porque me orgulho de minha
gente (1936) e Cem anos de vida parlamentar (1954). Ademais, o Paraná é também terra de
Emiliano Perneta, poeta simbolista, e, enfim, de Zelador Cultural Candiero, um negro de
origem humilde, “narrador” benjaminiano que experiencia a dupla dominação, de classe e de

6
Incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-
Brasileira”, além de instituir, no calendário escolar, o dia 20 de novembro (morte de Zumbi dos Palmares) como
“Dia da Consciência Negra”.
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raça/etnia. Sobre ele, Santos (2018, p. 9) afirma que “[...] como negro empoderado utiliza a
arte da palavra, a poesia, para conscientizar e instrumentalizar seus irmãos para a luta, para a
resistência com palavras, atitudes e ações contra a inviabilização imposta por um racismo
cordial”.

Manchando a mancha loira do Brasil: O “empretecimento” como reconhecimento

Frantz Fanon (2008, p. 15) sugere que “[...] os negros são construídos como negros”.
Parafraseando Simone de Beauvoir “não se nasce mulher, torna-se mulher”, isto é: “ser
mulher”, e “ser negro” são construções sociais. Nesse sentido, José D’ Assunção Barros
(2009, p.11), escreve:

Mas o que é perceber ou ser percebido como um “negro”, ou, na


contrapartida, ser percebido como um “branco”? Na verdade, não se enxerga
um homem como negro ou branco porque este homem é negro ou branco.
Enxerga-se um homem (ou a si mesmo) como negro ou branco porque se
aprendeu a enxergar os homens como negros ou brancos, ou outras
categorias mais. De igual maneira, ninguém nasce negro ou branco, aprende-
se a ser negro ou branco no seio de determinadas sociedade que, através de
indeléveis e complexos processos culturais, terminaram por implantar esta
forma de percepção na mente de cada um dos indivíduos que a constituem.

Essa construção social foi elaborada com a ideia de uma superioridade branca,
enquanto o negro “torna-se, então, sinônimo de ser primitivo, inferior, dotado de uma
mentalidade pré-lógica” (MUNANGA,1988, p. 7). Sua condição de ser humano lhe foi tirada,
negada e “por mais dolorosa que possa ser esta constatação, somos obrigados a fazê-la: para o
negro, há apenas um destino. E ele é branco (FANON, 2008, p. 28). Tudo o que remete à
existência negra, seja sua cultura, sua religião, suas origens, é transformado de maneira
negativa. Para Munanga (1988, p. 7), “a desvalorização e a alienação do negro estende-se a
tudo aquilo que toca a ele: o continente, os países, as instituições, o corpo, a mente, a língua, a
música, a arte etc.” Essa ideia chega para o negro como negação de si e de tudo que

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representa suas origens e seu mundo. Negando a si próprio, torna-se possível fazê-lo aceitar
uma condição de inferioridade, que passa a acompanhá-lo.
O negro, de acordo com Fanon (2008, p. 34) “quanto mais assimilar os valores
culturais da metrópole, mais o colonizado escapará da sua selva. Quanto mais ele rejeitar sua
negridão, seu mato, mais branco será”. Assim, para o sujeito negro, é preciso ignorar seus
valores e aculturar-se. Essa construção do ser negro passa pela língua, pois sua língua passa a
ser sinal de menosprezo, de humilhação. Ainda segundo Fanon (2008, p. 36), “é preciso que
eu vigie minha alocução, pois também através dela serei julgado... Dirão de mim com
desprezo: ele não sabe sequer falar o francês”. Ainda, para o autor, “em grupos de jovens
antilhanos, aquele que se exprime bem, que possui o domínio da língua, é muito temido: é
preciso tomar cuidado com ele, é um quase-branco” (FANON, 2008, p. 36). Munanga (1988,
p.14) é coerente com esse argumento quando postula que

A Língua, que é nutrida por sensações, paixões e sonhos, aquela pela qual se
exprime a ternura e os espantos, a que contém, enfim, a maior carga afetiva,
é precisamente a menos valorizada. A língua do colonizado não possui
dignidade nenhuma no país e nos concertos dos povos. Se o negro quiser
obter uma colocação, conquistar um lugar, existir na cidade e no mundo,
deve, primeiramente, dominar a estranha, de seus senhores.

Para Barros (2009, p. 209) “seja nas Américas ou na África, a construção da ideia de
‘negro’ tem [...] uma história, na verdade muitas histórias – e aqui poderemos falar
metaforicamente em uma ‘construção social da cor’”. Apesar de toda a negatividade
construída em torno do que é ser negro, em qualquer parte do mundo onde tenha existido a
exploração do homem pelo homem, colocando o outro na condição de escravo, seja pela
justificativa geográfica, religiosa ou cientifica, o negro resistiu e assumiu sua negritude.
“Desde que era impossível livrar-me de um complexo inato, decidi me afirmar como Negro.
Uma vez que o outro hesitava em me reconhecer, só havia uma solução: fazer-me conhecer”
(FANON, 2008 p. 108). Afinal, “[...] identificar-se como negro (afirmar esta diferença) faz
parte de um gesto de libertação (de luta contra a desigualdade) ” (BARROS, 2009, p. 209).

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Para Munanga (1988, p. 19), “aceitando-se, o negro afirma-se cultural, moral, física e
psiquicamente. Ele se reivindica com paixão, a mesma que o fazia admirar e assimilar o
branco. Ele assumirá a cor negada e verá traços de beleza e de feiúra como qualquer ser
humano ‘normal’”. Aos poucos, o negro não vai apenas buscando a aceitação, mas lutando
pelo seu espaço, chegando lentamente, descolonizando mentes, “um novo tipo de homem, um
novo gênero: Um preto!” (FANON, 2008, p. 108). Ainda segundo Fanon (2008, p. 117),

E eis o preto reabilitado, “alerta no posto de comando”, governando o


mundo com sua intuição, o preto restaurado, reunido, reivindicado,
assumido, e é um preto, não, não é um preto, mas o preto, alertando as
antenas fecundas do mundo, bem plantado na cena do mundo, borrifando o
mundo com sua potência poética, “poroso a todos os suspiros do mundo”.
Caso-me com o mundo! Eu sou o mundo! (...)

Vários são os caminhos trilhados em busca de reconhecimento, de autoafirmação, de


desconstrução. Nesta trajetória, a educação e a literatura, que foram palcos para construir
ideologias e estereótipos negativos sobre o negro, agora passam a contribuir para a
descolonização das mentes. Conforme Fanon (2008, p. 132), “fica logo claro que queremos,
nem mais nem menos, criar periódicos ilustrados destinados especialmente aos negros,
canções para crianças negras, até mesmo livros de história (...)”. Nessas fontes, o negro não
estará ligado a tudo que reflete o mal, o selvagem, o vagabundo, etc. Aqui, a literatura
engajada almeja conscientizar, construir uma consciência negra:

A literatura se engaja cada vez mais em sua única tarefa verdadeiramente


atual, ou seja, levar a coletividade à reflexão e à meditação: este trabalho
pretende ser um espelho para a infraestrutura progressiva, onde o negro, a
caminho da desalienação, poderia se reencontrar. (FANON, 2008, p.
156/157)

Nesse esforço, a literatura assume papel decisivo. De acordo com Machado (2021, p.
27), por “reinventar a linguagem e reinventar os modos de interpretação da realidade [a
literatura] se tornará uma das bases para a construção e propagação de culturas em afro-

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perspectiva, não só para os africanos, mas para os afrodescendentes em todo o mundo”.
Munanga (1988) lembra as populações negras que puderam resistir à alienação perante o
colonizador. Ao fim, esses sujeitos se tornam guardiões da memória, da cultura, da identidade
negra, cujo “[...] patrimônio cultural, legado dos ancestrais, continuou a ser transmitido de
geração a geração. O povo guardou sua língua, sua arte, maquis que o protegiam das tentações
alienantes” (MUNANGA, 1988, p. 19).

Adegmar José da Silva: O Zelador Cultural Candiero

Ativista da causa negra, em seu blog7, o poeta que configura nosso objeto de análise é
apresentado da seguinte maneira: “o Candiero é Capoeira, Batuqueiro, idealizador do Centro
Cultural Humaitá8, atua como um ‘griô9 contemporâneo,’ contador das histórias da presença
negra em Curitiba, na Linha Preta Curitiba”. Estudante de Ciências Políticas, Candiero
também é músico e escritor, membro da Feira do Poeta e do Centro de Letras do Paraná e
proprietário da Editora Humaitá. Candiero também atua como Conselheiro Municipal e
Estadual de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e no Conselho Nacional de Políticas
Culturais, representando o Setorial de Culturas Afro-brasileiras no Conselho Pleno. Além
disso, o Centro Cultural Humaita já recebeu diversos prêmios e homenagens10 como:

Homenagem ao Movimento Negro de Curitiba, da Câmara Municipal de


Curitiba; Prêmio Agente Jovem de Cultura, do Ministério da Cultura; Prêmio
Pablo Neruda de Direitos Humanos, da Câmara Municipal de Curitiba;
Prêmio Cultura e Divulgação, da Câmara Municipal de Colombo; Prêmio

7
Disponível em: https://sites.google.com/view/blog-do-candiero-biografia/biografia-candiero?authuser=1.
Acesso em: 03 de ago. 022.
8
O Centro Cultural Humaita é uma entidade sem fins lucrativos que atua desde 2006 para a valorização e
visibilidade da arte e da cultura afro em Curitiba e no Paraná. O Centro Cultural Humaita está registrado sob
CNPJ 2.499.427/0001-65 e possui Utilidade Pública Municipal e Estadual. Disponível em:
https://informativocentroculturalhumaita.wordpress.com/centroculturalhumaita/. Acesso em: 30 de ago. 2021.
9
Contadores de histórias de algumas tradições culturais africanas.
10
Informações disponíveis no site: Prêmios e títulos recebidos. Disponível em:
https://informativocentroculturalhumaita.wordpress.com/premios-e-titulos-recebidos/. Acesso em: 24 de jan.
2022.
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55
Cultura e Divulgação, da Câmara Municipal de Curitiba; Prêmio Juventude
Viva, do Ministério da Justiça; Prêmio Papa João Paulo II, da Câmara
Municipal de Curitiba; Conselheiros Municipais de Políticas para a Infância
e a Adolescência; Associação Literária Lapeana. (2015)

Tais prêmios não são direcionados especificamente à pessoa de Candiero, mas ao


projeto que ele representa. Segundo ele, “resolvemos começar a contar nossa história a partir
da nossa realidade local. Percebemos que as estantes paranistas11 e os escritores paranaenses
em geral não contemplam a presença negra” (MACHADO, 2017, p. 470). Nascido em
Goioerê, na década de 70, filho de pai e mãe negros, Candiero foi registrado como pardo. Ele
compreende o significado dessa classificação, à época, como “[...] parte do processo de
embranquecimento da nação”. Com o passar do tempo, no entanto, ele assumiu sua negritude:
“eu sou preto e com orgulho” (CANDIERO, 2021, p.12). Enquanto escritor, o seu eu
enunciador aborda temas como as dificuldades, discriminações, lutas e conscientização dos
negros e mulatos, fazendo referência a contextos históricos sobre a formação étnica, cultural e
religiosa, do Brasil e do Paraná.

A escritura poética do Zelador Candiero traz para o debate e conhecimento


dos negros e seus descendentes a cultura negra reavivada nas congadas, nas
rodas de samba, trazidas pelos escravizados, através de suas memórias. A
descendência negra do poeta lhe confere o direito de ser o protagonista dos
seus versos e clamar seu povo para o conhecimento da história negra [...]. As
vozes ecoadas ao longo do poema mostram a identificação dos envolvidos
com as memórias dos ancestrais, individual e coletiva. O tom de celebração do
orgulho negro ancestral e o chamamento para o momento presente reivindica
o reconhecimento da cultura e das tradições de seu povo. O poeta relembra o
tempo da escravização, o tratamento recebido, ao pedir que seus irmãos
busquem no fundo do baú da história suas memórias, o contexto em que foram
obrigados a viver, para logo depois afirmar que apesar do tratamento indigno,
o futuro do povo é aquele que cada um constrói (SANTOS, 2016, p. 173).

11
O termo paranista pode ser entendido não apenas como uma referência ao estado do Paraná, mas também
como referência a um movimento cultural/político, desenvolvido a partir das décadas de 1920/30 aqui no estado.
A intenção era construir uma identidade regional para o Paraná, tornado província em 1853 e ainda bastante
ligado ao estado de São Paulo, especialmente em sua parte norte. Contribuíram artistas, escultores, poetas,
intelectuais embora não tivesse “ ... a consistência de um manifesto, de uma escola ou de uma estruturação
teórica ou acadêmica”. Ver: https://docs.ufpr.br/~coorhis/kimvasco/paranismo.html.
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56
Ativista do movimento e guardião da memória do povo negro no estado do Paraná,
Candiero já concedeu diversas entrevistas, como: no Programa “Meu Paraná”, apresentado
pelo canal RPC, no dia 20/12/2014; à Rádio CBN Curitiba, no dia 20/11/20; e para a Rádio
Notícias, do canal Paraná Educativa, ligada a Secretaria da Comunicação Social, em 13 de
janeiro de 2020. No trabalho de conclusão de curso de Larisse Oliveira, intitulado Linha
Preta: análise sobre o roteiro negro e a invisibilidade curitibana (2018), ele explica todo
processo desde a gênese até a materialidade da “Linha Preta Curitiba”. Essa pesquisa acabou
virando um livro, lançado em 2021 pelo Editorial Casa. De acordo com Santos (2018, p. 171),

O poeta procura manter vivo as tradições, os costumes, herdados de seus


antepassados, através de projetos organizados e selecionados pelo Centro
Cultural Humaitá para o trabalho com crianças e adolescentes na área da
educação; atua como coordenador dos saraus de poesia cujo objetivo é
mostrar a poesia negra e dá visibilidade aos poetas negros; além de organizar
as comemorações religiosas e festivas da negritude em solo paranaense.

Segundo Natalia Apolonia Belino Bonfim da Silva (s.d., p. 25), “a poesia de Candiero
é de uma riqueza histórica imensa. Linguagem metafórica, dialógica, poeta, antepassados,
ancestralidade, conhecimentos científicos, tradições, cultura, povos africanos, resistência,
escravidão, lutas etc.”. Assim, toda sua trajetória de luta, de resistência, de militância, de
visibilidade afroparanaense talvez se traduza em sua própria poesia.

Batuques e Fandangos

Um dos questionamentos levantados pelo Centro Cultural Humaita é “como valorizar


a presença negra e dar visibilidade à herança cultural afrodescendente no Paraná?” (2018,
p.153). Após dez anos de existência do Centro Cultural Humaita, Candiero buscou os mestres
e mestras das cerca de quarenta comunidades remanescentes de quilombo no Paraná para
estudar e entender melhor essa questão. Esse contato convenceu o poeta de que seria preciso
“[...] traduzir as estórias e histórias, sagas, contribuições e agruras da nossa história.

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57
Escolhemos o viés da oralidade e da poesia, também chamado de “oralitura”, porque esse
gênero textual é o que melhor se identifica com as oralidades de origem africana”
(CANDIERO, 2018, p. 153).
A experiência negra, histórica e social, é fundamental para a gênese dessa escrita. Se o
autor que se exprime é negro, “o texto se impõe a partir daquilo que vivencia como negro na
história, destacando-se aí a necessidade de atualizar toda uma gama discursiva que a diáspora,
a escravidão e a violência impediram de germinar” (PEREIRA, 2014, p. 137). O pesquisador
assinala como isso se observa nos primeiros versos do poema “Batuques e Fandangos”
(CANDIERO, 2013, p. 21): “Não vivi esta lei... / Ouvi os meus mais velhos falar / Que estava
proibida a Capoeira / O Samba, o Fandango, os Candomblés / As Congadas... / Todos os
batuques / Impregnados de saber ancestral / Passaram por esta ofensa”. Aqui, o eu lírico
lembra a criminalização de práticas da cultura afro-brasileira. Trata-se de algo que lhe foi
ensinado. Proibida no Brasil, a prática da capoeira chegou a ser classificada como vadiagem
em 1830. Nada mudou na Primeira República, até que o governo Vargas a descriminalizou
em 1936. No nono verso do poema o eu lírico chama o Paraná de “terras das araucárias”,
lembrando a proibição de batuques e fandangos, na capital – onde a prática se tornou ilegal
em 1829.

Tendo sido sem proveito as providências policiais até agora dadas, para se
extirparem os batuques, que sem mais razão que a corrupção dos costumes,
se têm arraigado neste Povo, e que dão azo à perpetração de muitos delitos
que resultam da promiscuidade de ambos os sexos da classe imoral de
escravos, e libertos, que não fazem tais ajuntamentos senão dar pasto à
devassidão e a desordem da crápula, com ofensa manifesta da moral pública,
e tranquilidade dos Povos por isso provém – artigo primeiro – Que nenhum
indivíduo deste Município faça nem consinta fazer-se em sua Casa dentro
desta Vila, suas Freguesias, Capelas e seus subúrbios, ajuntamento para
batuques, sem prévia licença por escrito do respectivo Juiz de Paz (...) inda
em tais casos especificando em suas licenças, que os donos da casa em que
tais ajuntamentos tiverem lugar não consintam ai escravos de ambos os
sexos [...] (PARANÁ, 1993, p. 32)

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A lei existiu; porém, a luta persistiu, como mostram os próximos versos do poema.
Neles, o eu lírico evidencia como, por meio da memória, a cultura foi mantida, sendo
transmitida para as outras gerações através da oralidade.

Mal sabiam os senhores / Que os batuques são nossa universidade / Onde se


aprende de verdade / A lei do bom viver / A ter fé, / A se defender... / Tudo
com naturalidade / Passado na oralidade / Tudo o que precisamos saber / De
lábios a ouvidos / Mesmo proibida / A tradição foi mantida / 320 anos depois
da construção de CTBA (CANDIERO, 2013, p. 21).

Na sequência, temos a exaltação: “a tradição vibra pulsa... vinga”, que logo faz uma
referência à “Miguel, Rei Congo”, importante guardião da congada da Lapa12. Coroado Rei
junto de seu irmão, o embaixador Ney Manoel Ferreira, Mestre Miguel Ferreira, foi herdeiro
de uma tradição iniciada pelo seu bisavô, primeiro guardião do livro que descreve todo o
ritual da Congada. A própria história de como o livro chegou aos Campos Gerais é tão
folclórica quanto a narrativa apresentada pela Congada – e envolve um misterioso gaúcho que
teria a missão de espalhar o ritual no Sul do Brasil e encontrou na Lapa e na Família Ferreira
os receptáculos ideais para estabelecer a tradição. Cumprindo também papel auxiliar no
catolicismo popular, de acordo com Santos (2006, p. 4), “os Congos ou Congadas são
folguedos que comumente aparecem na forma de préstitos (cortejos), onde os participantes,
cantando e dançando, em festas religiosas ou profanas, homenageiam, de forma especial, São
Benedito”.
Com influências ibéricas no que diz respeito à religiosidade, a Congada reúne
elementos das tradições tribais de Angola e do Congo. Como explana Silva (2008, p. 12),
“esse fenômeno cultural é conhecido como sincretismo religioso: entidades dos cultos
africanos eram identificadas aos santos do catolicismo, Nossa Senhora do Rosário, São
Benedito e Santa Ifigênia”. O eu lírico ressalta, nos versos seguintes, que ela não está mais
proibida, “que já tá tudo legalizado” (CANDIERO, 2013, p. 26). As práticas culturais antes

12
Disponível em: https://www.comunicacao.pr.gov.br/Noticia/Morre-o-Mestre-Miguel-Ferreira-Rei-da-
Congada-da-Lapa-Ferreira. Acesso em: 05 de out. 2021.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
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negadas, criminalizadas podem agora ser remendadas, costuradas, lembrando o apagamento
do negro no estado paranaense, que “quase matou nossa cultura” (CANDIERO, 2013, p. 32).

A tradição vibra pulsa... vinga / Em um lugar antes proibida / Miguel, Rei


Congo, já foi avisado na Lapa / Que já tá tudo legalizado / E a Congada / Já
pode voltar a igreja do Rosário / Para fazer a costura / Para remendar esta
ruptura / Que inconsequentemente / Quase matou nossa cultura (...)
(CANDIERO, 2013, p. 21)

Em seguida, o eu lírico também vai fazer referência a outros nomes de destaque, como
a Dona Mide e o Mestre Inami, com o fandango. Cremildes Ferreira Bahr, mais conhecida
como Dona Mide é uma guardiã, há mais de cinquenta e um anos, da fandangueira, e se
orgulha de ter criado, há trinta e dois anos, o grupo de fandango “Meu Paraná”. Sobre ele,
“[...] entre as glórias consta ter feito uma turnê pela Europa nos anos 1990 e tido sede na
Bélgica” (FERNANDES, 2019, s.p.). Esse é o grupo de fandango que aparece na poesia, no
verso trinta e quatro: “Ahhh.... / Meu Paraná” (CANDIERO, 2013, p. 21). Acerca de Dona
Mide, para Fernandes (2019, s.p) “qualquer pesquisador que se aventure a contar a vida dos
negros no Paraná vai bater na porta dessa digníssima senhora”.
Na sequência, o poema diz que: “A Dona Mide também vou avisar / Pra ela preparar
os tamancos / O botar o barreado pra cozinhar / O fandango não é mais crime / E sim
patrimônio da cultura popular” (CANDIERO, 2013, p. 21). Neste momento, o eu lírico cita
uma parte da vestimenta, para quem dança o fandango: “os tamancos”, isso pois as batidas no
chão seguem o ritmo da música. Os tamancos são feitos da árvore de laranjeira, madeira
resistente e que não quebra na hora da sapateada. Ademais, o trecho também ressalta que o
fandango não é mais crime e sim cultura popular; e que o poder público há de conversar “e o
dialogo com os mestr@s / o governo tem que melhorar” (CANDIERO 2013, p. 21). Do verso
quarenta e dois até o quarenta e seis o eu lírico explica que: “Mestre Inami / Suas pesquisas
não foram em vão / Graças aos seus estudos / Todos saberão / Que o povo do Paraná produz
sabedoria” (CANDIERO 2013, p. 21).

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Mestre Inami a quem Zelador Cultural Candiero faz alusão, foi batizado como Inami
Custódio Pinto, um importante pesquisador e guardião do fandango como cultura popular.
Assim ele se refere ao fandango: “o fandango é a mais legítima manifestação popular
paranaense” (2005:124 apud MARTINS, 2006, p. 84). Mestre Inami dedicou a vida ao
registro de tradições culturais, ritmos, danças, músicas e marcas da identidade dos habitantes
do Paraná, especificamente do litoral paranaense. Antes de falecer em 2014, ele publicou
diversas obras acerca do fandango. Enfim, nos últimos versos do poema, o eu lírico alega que
“o Paraná é terra de tradições” (CANDIERO, 2013, p. 21), estando, entre essas tradições, não
só a Congada, as Cavalhadas, mas também a “Dança de São Gonçalo, Boi de Mamão /
Ciranda, Fandango / Pau de Fita, Contos, Lendas, Pinturas, Cestarias... / Poesia”
(CANDIERO, 2013, p. 21), dando destaque às diversas manifestações culturais do estado, que
se vê permeado pelo protagonismo histórico do povo negro.

Considerações finais

A literatura, em suas diversas nuances, é um espaço de luta e de resistência em que as


relações de poder não são imutáveis. Como sugere nossa breve análise, o Paraná é um estado
brasileiro onde urge refletir e engajar acerca disso. Nossa análise de “Batuques e Fandangos”
(CANDIERO, 2013) indica ser possível romper com as correntes invisíveis que seguem
sujeitando o protagonismo negro na história e nas histórias do Sul do país. Através do poema,
do engajamento de Candiero, e de uma análise mais aprofundada das raízes culturais negras
no contexto paranaense, nosso intento é o de contribuir para a visibilização desse traço tão
significativo e formador para nossa história local. O racismo estrutural de nossa sociedade
teve, e segue tendo, efeitos devastadores no que concerne à representatividade de sujeitos que
não só sempre se fizeram presentes, mas, muitas vezes, com um impacto infinitamente maior
do que outros sujeitos que celebramos, idealizamos e romantizamos.
Tecendo um fio que conecta essa complexa rede de agentes e de atores por trás dessas
negociações de poder, é urgente tirar das sombras a presença negra no estado do Paraná, e

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coloca-la nos holofotes. A narrativa mestre branca, eurocêntrica e hegemônica só sobrevive
enquanto não houverem outras narrativas responsáveis por substitui-la e, por que não, tirar
dela seu falso crédito. Na busca por promover o resgate das contribuições do poeta Candiero,
buscamos paralelamente contribuir o resgate da memória do negro paranaense e do papel por
ele representado na construção histórica desse estado que nunca foi e nem será branco.
Lembrar o ser negro, tal qual indica a poesia do autor, não precisa ser um mecanismo ingênuo
e nem superficial, como muitas vezes são as comemorações do Dia da Consciência negra em
alguns dos municípios paranaenses, dentre outras. Ao contrário, lembrar o ser negro pode ser
um movimento de conscientização, representatividade, visibilidade, resistência e, quiçá, de
uma aguda transformação.

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congado em Conselheiro Lafaiete MG. 2008. Dissertação (Mestrado) Programa de Pós
Graduação em Educação, Arte e História da Cultura, Universidade Presbiteriana Mackenzie,
São Paulo, 2008.

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EDUFPI, 2017.

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65
COLORISMO, FEMINISMO NEGRO E SEXISMO: ANÁLISE DA
SÉRIE A VIDA E A HISTÓRIA DE MADAM C.J. WALKER
Raema Kelly Taiany Ferreira1
Wilma dos Santos Coqueiro2

Resumo: Este artigo apresenta uma análise da série dramática A Vida e a História de Madam C.J.
Walker, com base nos estudos de Stuart Hall (2008, 2016, 2020) e Bell Hooks (2018, 2019), sobre a
identidade da mulher negra, colorismo, feminismo negro e sexismo. A obra retrata a vida de Sarah
Breedlove, que ficou milionária através do comércio de produtos para cabelos negros femininos. Neste
trabalho, buscou-se compreender, por meio da produção audiovisual, do contexto histórico e dos
encadeamentos abordados na construção teórica, as implicações que o patriarcado e o racismo,
trouxeram à vida da personagem principal, e como esta buscou superá-las se colocando como
resistência e assumindo o lugar de protagonismo de sua própria narrativa.

Palavras-chave: A Vida e a História de Madam C.J. Walker. Identidade. Racismo. Cabelo Crespo.

Considerações iniciais

A série dramática A Vida e a História de Madam C.J. Walker é uma produção original
da plataforma de streaming Netflix que estreou em 2020, e conta a história da primeira mulher
americana a se tornar milionária de forma independente nos Estados Unidos. Sarah
Breedlove, filha de escravos, nascida após a abolição da escravidão nos Estados Unidos, ficou
conhecida como Madam C.J. Walker, devido ao nome de seu segundo marido, Charles Joseph
Walker, C.J., e construiu um império próspero através de produtos destinados aos cabelos
negros femininos.
A série será analisada a julgar pelo período em que é retratada, o período pós abolição
nos Estados Unidos, momento em que Sarah, assim como os outros negros, buscava ter uma
vida comum, porém ainda enfrentava inúmeros obstáculos para conquistar seu espaço, pois os

1
Engenheira Civil. Mestranda do Programa de Pós-graduação Sociedade e Desenvolvimento, Unespar Campus
de Campo Mourão – PR, E-mail: raema.eng@gmail.com.
2
Doutora em Estudos Literários (UEM). Docente adjunta do colegiado de Letras e do Programa de Pós
Graduação em Sociedade e Desenvolvimento (PPGSeD) da UNESPAR/campus de Campo Mourão. E-mail:
wilma.coqueiro@ies.unespar.edu.br.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
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trabalhos que aceitavam negros ainda estavam relacionados ao trabalho braçal e do campo ou
com cuidados domésticos. A obra aborda, além da identidade da mulher negra, o racismo, o
colorismo, o feminismo negro e o sexismo, visto que Sarah enfrentou diversas adversidades
dentro da própria comunidade negra para se alicerçar como empresária por ser mulher e negra
retinta.
Nesse artigo, propomos, então, a partir de estudos teóricos de Stuart Hall (2008, 2016,
2020) e de Bell Hooks (2018, 2019), refletir sobre a representação identitária da mulher negra,
a partir da trajetória da protagonista da série, Sarah e sua luta pela representatividade da
mulher negra em uma sociedade extremamente racista.

A mulher negra e a sua identidade

O papel das mulheres negras, após o início da escravização, estava vinculado ao


trabalho rural e aos afazeres domésticos, e de cuidar das crianças brancas; além disso, elas
sofriam violações físicas e sexuais, e muitas tiveram seus filhos retirados e vendidos para
serem escravos de outros senhores. Segundo Davis (2016), o linchamento do povo negro
somente não ocorreu amplamente, pois eram vistos como apenas uma propriedade e, portanto,
chicotear era aceitável, mas linchar não. Consequentemente, o chicote e a violação das
mulheres eram métodos eficazes de frear a mulher negra para mantê-la em seus domínios.
Apesar dos homens negros também sofrerem muito com a escravidão, ainda de acordo
com Davis (2016), o sofrimento das mulheres escravizadas acontecia de outra forma, visto
que seus senhores as viam como isentas de gênero e as exploravam como homens, quando era
lucrativo e conveniente, mas elas eram restritas tão somente à condição de fêmea quando
podiam ser exploradas e reprimidas de formas oportunas apenas às mulheres.
Como argumenta Pedroso (2021), elas enfrentaram o preconceito racial e de gênero
sobre diferentes aspectos, desde teorias de que negras além de mais adeptas ao sexo, boas em
parir e em trabalhos braçais, até que a sua cor de pele deveria ser clareada e seu nariz afinado.

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67
Consequentemente, a construção da identidade delas é fragmentada, pois são colocadas em
um nível inferior, como se sua identidade não pudesse ser revelada a todos.
Conforme Pedroso (2021), a construção da identidade da mulher negra está
fundamentada em múltiplos fragmentos, atravessam seus corpos, cabelos, seus direitos
negados e identidade anulada, além da carga histórica de ancestrais escravizados. Ademais,
elas precisaram se reconstruir como indivíduos e suas vozes, até hoje são pouco ouvidas. As
consequências de um passado conflituoso e de sofrimento condenam às mulheres negras a um
sistema complexo, em que elas estão fora do seu próprio centro, lutando por causas humanas e
sociais, com suas histórias contadas através de seus corpos, carregados das lutas de seus
ancestrais que trazem uma verdade que não deve ser esquecida.
Toda essa bagagem histórica de luta, tem repercussões importantes na vida dessas
mulheres, e Hall (2008) retrata a importância do reconhecimento histórico desse grupo
identitário. É isso o que destaca o autor ao explicitar que:

E precisamente porque as identidades são construídas dentro e não fora do


discurso que nós precisamos compreendê-las como produzidas em locais
históricos e institucionais específicos, no interior de formações e práticas
discursivas específicas, por estratégias e iniciativas específicas (HALL,
2008, p.109).

Ainda que as consequências de um longo período de escravidão se sustentem em


diferentes esferas da sociedade até hoje, na pretensão de padronizar e transformar todos de
acordo com o padrão europeu, encontrar sua identidade está estreitamente ligado à busca pela
liberdade.

Sarah Breedlove: o início como vendedora

Após a abolição da escravidão nos Estados Unidos, apesar da liberdade, os negros não
encontravam oportunidade de trabalho digno, e Sarah Breedlove, a Madam C.J. Walker, inicia
a série quando trabalhava lavando roupa para várias famílias, ganhando poucos centavos, que
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as vezes não pagavam nem suas despesas, e quando, por tantas dificuldades, seus cabelos
começam a cair, ela é abandonada por seu primeiro marido, Davis, ficando devastada. É
quando aparece Addie Munroe, uma negra de pele clara, que oferece seu novo produto
capilar, que faz com que os cabelos de Sarah cresçam novamente, assim como a sua
autoconfiança, levando-a a conhecer seu segundo marido C.J.
O produto faz tão bem à Sarah, que pede a Addie para se tornar uma de suas
vendedoras, pois sabe tudo sobre o produto; porém, seu pedido é negado. Sarah argumenta
que as vendedoras de Addie, que são mestiças, não trazem um retrato fiel de como o produto
funciona, pois os cabelos delas não são frutos do produto e sim do estupro de suas mães.
Contudo, Addie não aceita, dizendo que mesmo sabendo que é impossível, as mulheres negras
querem ser como ela, ou seja, por ter cabelos ondulados e pele clara, é muito próxima ao
padrão branco. Para Addie, Sarah estava destinada a continuar apenas como lavadora, pois a
imagem de uma negra retinta não poderia ser associada ao seu produto.
Essa recusa de Addie aborda o colorismo que, segundo Santana (2022), é uma das
faces do racismo e se manifesta pela obsessão pelo embranquecimento, pois a cor da pele é
sinônimo de poder, visto que quanto mais perto da tonalidade branca a cor do indivíduo, mais
aceito ele será. Consequentemente, quanto mais pigmentada for, maior será a sua exclusão.
Isso não significa que os negros de pele clara não sofrem racismo, porém conserva os
privilégios desses indivíduos e evita que pessoas negras se reconheçam como tais.
Dependendo da cor da pele ou de outros traços como a textura e cor do cabelo, o tamanho dos
lábios e nariz, o sujeito sofre maior ou menos preconceito e possibilidade de ascensão social.
Hall retrata que a identidade do sujeito pós-moderno “é definida historicamente, e não
biologicamente. O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades
que não são unificadas ao redor de um “eu” coerente” (HALL, 2020, p.8); portanto, essa é a
identidade que melhor se adequa ao colorismo, às características que fazer ou não uma pessoa
ser negra.
O processo de embranquecimento da população negra foi muito incentivado pela
políticas eugenistas, para enaltecer a superioridade branca e, assim, definir os espaços que

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seriam ocupados de acordo com o tom de pele e o nível de opressão que cada um sofreria,
mas a mulher negra como a pele clara, possui um privilégio mascarado, pois havia uma hiper
sexualização, em que ela era vista apenas como objeto.
Como Sarah se desentendeu com Addie, ela decide fabricar um produto para consumo
próprio e, após várias tentativas, consegue melhorar a fórmula de Addie, com um cheiro
melhor. Então, decide sair de Saint Louis e ir para Indianápolis, para não ficar à sombra de
sua antiga patroa. Lá, Sarah inicia sua abordagem de vendas porta a porta, juntamente com
sua filha Lelia. Com discursos emocionantes, sobre como não encontram produtos específicos
para cabelos crespos, seu negócio começa a crescer e, em seguida, abre um salão de beleza
específico para negras. Sarah tem uma visão empreendedora de reinvestir os lucros, criar
outros produtos e aumentar o tamanho e a quantidade de salões de beleza, como se observa
nessa fala:

“Eu tive a visão em um sonho.


Cabelo é beleza.
Cabelo é emoção.
Cabelo é a nossa herança.
O cabelo diz quem somos, onde estivemos e para onde vamos.”
Trecho do episódio 1, da série A Vida e a História de Madam C.J. Walker,
de 2020.

A fala de Sarah sobre cabelo, um elemento em evidência principalmente no corpo


feminino, reflete sobre como a sociedade o considera culturalmente, visto que o cabelo é um
símbolo de identidade e quando se trata de cabelos de mulheres negras, são considerados
atributos de representatividade e empoderamento.

Madam C.J. Walker: de vendedora à milionária

Ao procurar apoio de um grupo de investidores para expandir seus negócios, na


primeira reunião, estes dirigem a conversação a seu marido. Então, Sarah deixa claro que C.J.
é importante para a empresa, no entanto é ela que está à frente dos negócios. Apesar de ela
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apresentar um plano de investimento sólido, os senhores retiram qualquer apoio por não
acreditarem na liderança de uma mulher.
Isso fomenta o fato de o que o lugar das mulheres na época, sendo ela branca ou negra,
era no ambiente doméstico executando tarefas vistas como femininas, longe de negociações, e
que caso elas buscassem ocupar esse espaço encontrariam inúmeras barreiras contrárias ao
seu progresso. Em relação a essa inferiorização da figura feminina, hooks3 (2018) salienta
que:

Uma vez que nossa sociedade continua sendo primordialmente uma cultura
‘cristã’, multidões de pessoas continuam acreditando que Deus ordenou que
mulheres fossem, subordinadas aos homens no ambiente doméstico. Ainda
que multidões de mulheres tenham entrado no mercado de trabalho, ainda
que várias mulheres sejam chefes e arrimo de família, a noção da vida
doméstica que ainda domina o imaginário da nação é a de que a lógica da
dominação, masculina está intacta, seja o homem presente em casa ou não
(hooks, 2018, p. 18).

Sarah, então, é procurada por um agente funerário, o homem mais rico da cidade e que
fazia parte do grupo de investidores, porém, ao visitá-lo sozinha, porque diz que ninguém
representa a sua empresa tanto quanto ela, ela sofre uma tentativa de estupro, e é convencida a
não conversar sobre o assunto com seu marido. Esse assédio sofrido por ela, que somente
receberia apoio financeiro se mantivesse relações sexuais com ele, reforça que o patriarcado
vê as mulheres, em especial as negras devido à interseccionalidade de fatores como raça,
gênero e classe social, como objeto e moeda de troca, sendo reduzidas ao objetivo de
satisfazer os desejos masculinos, e como seres frágeis, inferiores, que precisam ser postas em
seu lugar de mulher.
Ainda com tantos obstáculos pelo simples fato de ser mulher, ela decide procurar
ajuda do negro mais famoso dos Estados Unidos na época, o primeiro a entrar na casa branca,
Booker T. Washington. Para isso, ela planeja encontrá-lo na Conferência Nacional de Negros

3 A letra minúscula do nome "bell hooks" tem o objetivo de dar enfoque à sua escrita e não à sua pessoa, não
ficando aprisionada a uma identidade especificamente, mas estando em constante movimento.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
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nos Negócios, assim com o apoio dele, conseguiria outros investidores. Isso se deve à
perspectiva conceituada por Hall (2016), em que indivíduos que fazem parte de uma
comunidade, partilham dos mesmos componentes para dar sentido às representações:

Membros de uma mesma cultura compartilham conjuntos de conceitos,


imagens e ideias que lhes permitem sentir, refletir e, portanto, interpretar o
mundo de forma semelhante. Eles devem compartilhar, em um sentido mais
geral, os mesmos “códigos culturais”. Deste modo, pensar e sentir são em si
mesmos “sistemas de representação”, nos quais nossos conceitos, imagens e
emoções “dão sentido a” ou representam - em nossa vida mental - objetos
que estão, ou podem estar, “lá fora” no mundo (HALL, 2016, p. 23).

Sarah é desencorajada a comparecer ao evento por seu marido, que diz que ela não
será ouvida, visto que as esposas apenas iam no evento para socializar na cozinha com outras
mulheres. Uma vez mais, é perceptível o lugar que ocupam homem e mulher, visto que elas
estão sempre subordinadas a eles no ambiente doméstico: eles com liberdade de fazer o que
desejar, enquanto a mulher deveria se acondicionar em uma posição inferior. Nesse caso,
Sarah, sendo mulher negra, é mais oprimida, pois, segundo hooks (2019), as mulheres estão
na base da pirâmide ocupacional e seu status social é inferior ao de qualquer outro grupo, ou
por outra, do homem e mulher brancos, e do homem negro, carregando consigo a carga da
opressão sexista, racista e de classe.
Sarah não se intimida e comparece à convenção; contudo, ela não consegue espaço
para falar com os homens; então, decide procurar a esposa de Booker T. Washington para que
esta o convença a apoiá-la. Esse pedido é prontamente negado, visto que Margaret
Washington faz questão de não se envolver nos negócios de seu marido, pois diz que ela tem
o seu negócio e ele o dele, reforçando que a mulher deve ocupar apenas o lugar de
subordinada ao homem.
Com tantas tentativas frustradas de contato com Washington, Sarah decide invadir o
palco de uma conferência em que ele está palestrando, para discursar sobre a geração de
empregos para negros, especialmente para mulheres, que, apesar de serem estudadas, políticas

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e brilhantes, não tinham espaço no mercado de trabalho, o que seria um talento desperdiçado
na cozinha.
Washington agradece o discurso e a convida a se retirar do palco. Nos bastidores, ele a
repreende, dizendo-lhe que sua fala foi um surto grosseiro e desnecessário, pois negros não
tem condições de gastar com cosméticos. Então, ela menciona que por este motivo paga a
suas funcionárias quatro vezes a mais do que ganhariam sendo lavandeiras. O palestrante,
então, diz que isso faria com que mulheres ganhassem mais do que homens, e que com isso
eles não seriam levados à sério se deixassem ser superados. Nas palavras de hooks (2019,
p.46):

Homens negros podem ser vitimados pelo racismo, mas o sexismo os


autoriza a agir como exploradores e opressores de mulheres. Mulheres
brancas podem ser vitimadas pelo sexismo, mas o racismo lhes faculta agir
como exploradoras e opressoras de pessoas negras. Ambos os grupos têm
instituído movimentos de libertação que favorecem seus interesses e dão
suporte à opressão continuada de outros grupos. O sexismo dos homens
negros tem minado a luta pela erradicação do racismo, da mesma forma que
o racismo das mulheres brancas tem minado a luta feminista. Enquanto a
igualdade almejada por esses dois grupos ou outro qualquer conceber a
libertação como a conquista da igualdade social com homens brancos da
classe dominante, eles continuarão exercendo opressão e exploração sobre
terceiros (hooks, 2019, p. 46).

O sexismo é mais uma vez abordado na série, principalmente pelo fato de o homem
negro sofrer opressão pelo racismo, e isso refletir na sua relação com as mulheres, em que é
necessário que ele se coloque eu um papel superior às elas, visto que ocupa um lugar inferior
aos brancos de ambos os gêneros. A mulher negra, então, se torna mais oprimida ainda, tanto
pela raça quanto pelo gênero. Entretanto, muitas delas ainda não entendiam a necessidade de
entender sobre a realidade que viviam, e o que deveria ser mudado.

A conscientização feminista revolucionária enfatizou a importância de


aprender sobre o patriarcado como sistema de dominação, como ele se
institucionalizou e como é disseminado e mantido. Compreender a maneira
como a dominação masculina e o sexismo eram expressos no dia a dia

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conscientizou mulheres sobre como éramos vitimizadas, exploradas e, em
piores cenários, oprimidas (hooks, 2018, p. 23).

A esposa de T. B. Washington, juntamente com outras mulheres, decide desocupar os


lugares que eram destinados na cozinha, e investem na construção da fábrica para a empresa
de Sarah, com o discurso de que empreendimentos femininos são bons para todos. Como
argumenta hooks (2019, p.46):

A mulher negra, para a qual não existe qualquer “outro” institucionalizado


como objeto de exploração, discriminação e opressão, constrói uma
experiência vivida que desafia diretamente a estrutura social vigente e sua
ideologia sexista, racista e classista. Essa experiência vivida é capaz de
moldar nossa consciência de modo a nos diferenciar daqueles que gozam de
privilégios (ainda que relativos, dentro do sistema vigente). É essencial à
continuação da luta feminista que as mulheres negras reconheçam as
vantagens advindas de nossa marginalidade e façam uso dessa perspectiva
para criticar a hegemonia do racismo, do sexismo e do classismo, de modo a
vislumbrar e criar uma contra-hegemonia (hooks, 2019, p. 46).

Em consequência dos investimentos e do esforço de Sarah, a empresa Madam C.J.


Walker cresce vertiginosamente, e o marido da empresária, C.J., cada vez mais se irrita com o
fato de a esposa ser extremamente focada nos negócios, estar sempre ocupada e nunca
presente em casa. Isso evidencia que ele preferia que a mulher realizasse suas tarefas
domésticas em vez de ser empresária. Quando perde uma de suas melhores vendedoras Dora,
Sarah a procura para conversar e encontra o marido a traindo. Ele, por seu turno, justifica a
traição dizendo que ele é um homem e que ela esqueceu seu papel de mulher, não cozinhando
mais para ele e não o esperando.
Apenas alguns anos após ter criado sua empresa, Sarah se torna a primeira mulher a se
tornar milionária sozinha nos Estados Unidos, com salões e vendedoras por todo o país, mas
sua saúde está debilitada, seus rins estão parando; portanto, ela quer deixar um legado, quer
que sua filha se case e tenha netos. É vizinha de Rockefeller, um homem visionário que a
inspirou, e a primeira negra a morar em uma vizinhança de milionários. Sarah desiste de um

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acordo com as Farmácias Saunders para a distribuição e venda de seus produtos, em favor de
suas vendedoras, para ajudá-las a controlar suas vidas e seus destinos.
Grande filantropa, Sarah, a Madam C.J. Walker doou generosamente para faculdades
negras, organizações de serviços sociais e instituições culturais. Doou também para o
movimento anti-linchamento. Tinha foco em cabelos saudáveis e, apesar de não ter inventado
o pente quente, popularizou o uso destes utensílios que são usados até atualmente em casas e
salões. Madam C.J. Walker morreu em 1919 e está no Guiness, o Livro dos Recordes
Mundiais como a primeira mulher a ficar milionária por conta própria nos Estados Unidos.

Referências

A VIDA e a História de Madam C.J. Walker [Seriado]. Direção: Nicole Asher. Produção: De
Mane Davis, Eric Oberland, Lena Cordina. Estados Unidos: Netflix, 2020. 3h10min, son.,
color. Disponível em: <https://www.netflix.com/br/title/80202462>. Acesso em: 08 ago de
2022.

DAVIS, Angela. Mulheres, Raça e Classe. São Paulo: Boitempo, 2016. 248p.

HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-modernidade. Rio de Janeiro, Lamparina, 2020.


104 p.

HALL, Stuart. Cultura e representação. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: Apicuri, 2016. 259 p.

HALL, Stuart. Que negro é esse na cultura negra? In: HALL, Stuart. Da Diáspora:
Identidades e Mediações Culturais. Belo Horizonte, UFMG, 2008.

HOOKS, Bell. O feminismo é pra todo mundo. Tradução: Ana Luiza Libânio. Rio de janeiro:
Rosa dos tempos, 2018.

HOOKS, Bell. Teoria feminista: da margem ao centro. Tradução Rainer Patriota. São Paulo:
Perspectiva, 2019.

PEDROSO, Hillary Marnieri da Rosa Identidade de dentro pra fora: análise de relatos no
canal da youtuber Camilla de Lucas que falam sobre transição capilar. 2021. 97f. Trabalho de
Conclusão de Curso (Bacharel em Comunicação Social - Habilitação em Publicidade e
Propaganda) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2021.

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SANTANA, Tiago Evangelista. Políticas étnico raciais e discriminação: reflexões sobre o
colorismo no Brasil. 2021. 25f. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharel em Direito),
Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2021. Disponível em:
<https://repositorio.ufu.br/bitstream/123456789/32323/1/Pol%c3%adticas%c3%89tnicoRacia
is.pdf>. Acesso em 06 ago 2022.

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DO SILÊNCIO À VOZ - “QUILOMBOLAS DO TOCANTINS:
PALAVRAS E OLHARES”
Patrícia Karla de Morais1

Resumo: Pensar o lugar que hoje se encontra a mulher quilombola pelo viés da sociedade, é um tanto
quanto problemático, ao compreender que ser mulher, negra e quilombola traz o fardo de não ser
pertencente, no entanto, essas vozes reivindicam seu lugar por direito. Este trabalho tem como
objetivo dar voz àquelas que sempre tiveram voz, porém, poucos souberam ouvir, o silenciamento de
suas vozes faz parte do processo de apagamento das raízes afrodescendentes. Por se tratar de um
estudo bibliográfico, será utilizado como aporte teórico o livro Quilombolas do Tocantins: palavras e
olhares (2016), desenvolvido pela Defensoria Pública do Estado do Tocantins – DPETO e Mulheres
quilombolas: territórios de existências negras femininas, organizado por Selma Dealdina. Como
resultado, foi possível observar a necessidade de olhar mais sensível, mas que esteja alinhado a
necessidade que as mulheres quilombolas têm de que suas vozes possam ecoar por entre os muros
desta sociedade tão excludente.

Palavras-chave: Poesia quilombola. Resistência. Mulher quilombola. Afro-brasileira.

Introdução

A obra de que tratamos neste trabalho é um livro em formato e-book produzido por
poetas quilombolas de diversas regiões do Estado do Tocantins como a Comunidade
Malhadinha, em Brejinho de Nazaré: Comunidade Povoado Prata, em São Félix do Tocantins;
Comunidade Lajeado, em Dianópolis; Comunidade Chapada da Natividade, na Chapada da
Natividade; Comunidade Prachata, em Esperantina; Comunidade Cocalinho, em Santa Fé do
Araguaia; Comunidade Carrapiché, em Esperantina; Comunidade Curralinho do Portal, em
Brejinho de Nazaré; e Comunidade Córrego Fundo, em Brejinho de Nazaré.
A construção do livro Quilombolas do Tocantins: palavras e olhares, não está
vinculada apenas à percepção individualizada de uma comunidade remanescente, mas busca,
coletivamente, trazer para sua narrativa o olhar das diversas comunidades negras do Estado.
Essas comunidades estão a lutar por seu lugar de direito e por manter viva suas histórias e

1
Mestre em Ensino de Língua e Literatura pela UFNT/PPGL. Docente da Educação Básica. E-mail:
patriciapkm@hotmail.com.
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tradições e deixar que o legado de seu povo permaneça resguardado no interior de seu
território e tenham a possibilidade de transmitir para todos aqueles que buscam olhar sem
cobiça ou destruição, que estão dispostos a conhecer e desfrutar de vivências, histórias e
saberes ancestrais, porém com respeito e sensibilidade.
Vimos que compreender um poema, por vezes, pode significar numa complexa
atividade, uma vez que interpretar sabiamente o pensamento de outrem não se torna uma
tarefa simples. No entanto, buscamos uma análise de alguns poemas quilombolas escritos por
mulheres quilombolas, por meio das reflexões de intelectuais negras para o corpo das análises,
possibilitando uma união de saberes. A partir da análise desses poemas, indo de encontro com
um olhar mais sensível, com a possibilidade de trazer a essência da resistência dos quilombos,
será possível uma melhor abordagem para o ensino da poesia quilombola.
As poesias aqui apresentadas fazem parte de um livro digital produzido em 2016, pela
DPAGRA – Defensoria Pública Agrária do Estado do Tocantins, no Concurso Cultural “Ser
Quilombola”, organizado por Pedro Alexandre Conceição Aires Gonçalves e Rose Dayanne
Santana Nogueira. O livro é composto por 17 poemas, escritos por membros das 12
comunidades quilombolas do Tocantins. Para a proposta deste trabalho, utilizaremos apenas
os poemas de autoria das mulheres quilombolas, como Amária de Sousa, Débora Lima e
Maria Aparecida de Sousa (2020) que explicam que: “Quando se fala em quilombo, pouco é
dito sobre as Mulheres Quilombolas, apesar de a maior parte dos quilombos ser liderada por
elas” (LIMA; SOUSA; SOUSA, 2020, p. 91). Não são grandes intelectuais ou renomadas
escritoras, mas possuem a força que vem da certeza de saber quem são, de onde vieram e para
onde estão indo. São mulheres que devem ser consideradas intelectuais de grande sabedoria,
pois, seus saberes ensinam muito mais do que muitos livros, tornam-se intelectuais pela
transgressão em falar.

Ser resistência por caminhos de silenciamento a Mulher Negra Quilombola

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Como Ana Rita Santiago (2017) diz que a falta de espaço de fala da mulher negra
“explicita outras faces do racismo e do sexismo vividos por intelectuais negras”
(SANTIAGO, 2017, p. 59). Esse lugar do silenciamento e invisibilidade impostos à mulher
negra é uma das faces para o racismo internalizado na sociedade (estrutural), porém, é
necessário enfatizar que no decorrer dos séculos, muitas ativistas negras vêm lutando contra o
racismo estrutural, como é o caso da antropóloga, ativista, professora, filósofa e militante
Lélia Gonzalez, uma das principais intelectuais brasileiras do século XX, responsável por
defender o direito das mulheres negras e oportunizar o reconhecimento do poderio feminino.
Ela mesma diz que:

Quando a gente anda por este Brasil afora e conhece os movimentos regionais, uma
coisa se evidencia com maior clareza: a presença crescente, e muitas vezes
majoritária do mulherio. E, ainda mais, dá pra perceber que as lideranças desses
movimentos, em muitos casos, é dela, mulher negra. O que não é de espantar, pois
enquanto setor mais explorado e oprimido, e consciente disso, ela vê muitas coisas
do sistema não só na sua estratégia de exploração dos trabalhadores, mas enquanto
organização racista e sexista (GONZALES, 2018, p. 115).

Quando Lélia Gonzalez (2018) fala da liderança da mulher negra, ela vai de encontro
ao papel que as mulheres quilombolas exercem dentro do quilombo e transmitem nas suas
escritas. E são responsáveis pela contrariedade do que a sociedade determina como uma
escrita de peso, pois são mulheres que lutam por seus espaços, territórios e pela sonhada
oportunidade de serem enxergadas com dignidade, respeito e afeto. Elas, dentro da escrita,
vestem-se de coragem, estão dispostas a lutar em favor de uma mudança social, cultural e
política:

Essas experiências comuns resultantes do lugar social que ocupam impedem que a
população negra acesse certos espaços. É aí que entendemos que é possível falar de
lugar de fala a partir do feminist standpoint: não poder acessar certos espaços
acarreta a não existência de produções e epistemologias desses grupos nesses
espaços; não poder estar de forma justa nas universidades, meios de comunicação,
política institucional, por exemplo, impossibilita que as vozes dos indivíduos desses
grupos sejam catalogadas, ouvidas, inclusive, até em relação a quem tem mais
acesso à internet. O falar não se restringe ao ato de emitir palavras, mas a poder
existir (RIBEIRO, 2019, p. 64).

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As mulheres quilombolas que têm seus poemas aqui selecionados reivindicaram seus
direitos em existir e de ocupar espaços dantes negados. Colocando-se como pertencentes do
lugar que habitam e assumindo o papel de ser exatamente tudo aquilo que não lhes permite
acessar. São mulheres que estão à frente de suas comunidades, trabalhando no roçado,
fazendo farinha de mandioca, mexendo no pilão, cuidando dos filhos, pegando água nos rios,
lavando roupa nos córregos, costurando, fazendo artesanato, cozinhando no fogão a lenha e
que também usam a escrita como um ato de resistência e para transgredir regras que possam
lhes impedir de falar. Assim como, Conceição Evaristo (2012) trata sobre a construção do eu-
lírico enunciador feminino, onde:
[…] retomando a reflexão sobre o fazer literário das mulheres negras, pode-se dizer
que os textos femininos negros, para além de um sentido estético, buscam semanti-
zar um outro movimento, aquele que abriga toda as suas lutas. Toma-se o lugar da
escrita, como direito, assim como se toma o lugar da vida (EVARISTO, 2012, p. 7).

A partir disso, iniciemos, com o poema de Dayana Rodrigues (2016) que faz parte da
Comunidade Malhadinha, em Brejinho de Nazaré, o poema “Meu Quilombo”: Fonte:
Quilombolas do Tocantins: palavras e olhares

Fonte: Quilombolas do Tocantins: palavras e olhares


Sou criança...
Ainda estou na infância
Sei pouco do passado
Que os homens negros sofreram
Que muitos até morreram

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Assim os mais velhos me contaram

Na escolinha da comunidade
Li livros que contam estórias
De palácios, reis e rainhas
De poesias de amor
Li até a canção do exílio
Que o poeta escreveu,
Minha terra tem palmeiras
Onde canta o sabiá.
Poeta não conhece o meu quilombo

Aqui tem tudo que é ave


Juriti, anu-preto, papagaio e bem-te-vi
No meu quilombo têm homens fortes,
Velhos de calos nas mãos
Homens pretos de cor,
Netos da escravidão
Tem cultura e devoção,
Sussia, folia e festa de São João
Tem história de vovô
Mulher cantando no pilão,
Meninos descalços rodando pião.

Meu quilombo não tem esmola


Tem criança, jovens e idosos na escola
Tem cana de açúcar e rapadura
Colheita do piqui
A soca do arroz
O doce de buriti
Tem fé e tradição
Tinha Raimunda parteira
Dona Antonia boleira E Domingas rezadeira (RODRIGUES, 2016, p. 18).

De imediato, trata-se de um poema, composto por trinta e seis versos e divididos em


quatro estrofes. A primeira estrofe possui um esquema de rimas emparelhadas, porém no
decorrer das estrofes, com versos soltos. O poema se inicia, com um eu-lírico afirmando ser
uma criança, que pouco sabe das coisas que aconteceram em seu passado e tudo que vem a
relatar, diz respeito ao que ouviu dos mais velhos.
Os versos se iniciam com algo que existe em abundância no quilombo: as memórias.
Evaristo (2009) afirma que “A Literatura Negra é um lugar de memória” (EVARISTO, 2009,
p. 19). Seja através dos saberes dos mais velhos, nas construções, pelo sobrenome, cada passo
dado dentro do quilombo carrega memória, também o chão que pisam é revestido de
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memórias. Uma criança que tenha consciência, ainda que limitada por sua pouca vivência, é
algo que faz parte das Comunidades quilombolas, pois, as histórias são contadas e
experienciadas por todos, independentemente da idade.
Rodrigues (2016) apresenta-nos, sua “escrevivência”, escrita que surge através do que
é vivenciado por ela, mas que fique evidente que essa “escrevivência” não é uma escrita
narcísica2, pelo contrário, ela busca tratar de acontecimentos que ocorrem de maneira coletiva,
que englobam toda a comunidade e não membros isolados. São situações e vivências
experienciadas por todos da comunidade e que podem acontecer por meio da oralidade, que é
tão valorizada e respeitada nos quilombos.
Outro ponto dos versos de Rodrigues (2016), dos livros que são utilizados para seu
ensino dentro da comunidade, estes, que não abordam sobre o quilombo, tratam das histórias
dos palácios, reis e rainhas, é preciso uma reflexão sobre as histórias que são contadas pelos
mais velhos. Das histórias que falam do povo guerreiro que lutou para conquistar suas terras.
Do povo que usou de sua religião e dança para suportar as batalhas diárias. Da gente que veio
ao mundo no chão das casas e pelas mãos de parteiras, das rezadeiras tirado quebrante, essas
histórias deveriam ser contadas também nos livros.
Ana Célia da Silva (2005) afirma que os negros, “são representados, em grande parte,
nos meios de comunicação e materiais pedagógicos, sob forma estereotipada e caricatural,
despossuídos de humanidade e cidadania” (SILVA, 2005, p. 21). E complementa a respeito
dos danos causados pelos estereótipos:

Geram os preconceitos, que se constituem em um juízo prévio a uma ausência de


real conhecimento do outro. A presença dos estereótipos nos materiais
pedagógicos e especificamente nos livros didáticos, pode promover a exclusão, a
cristalização do outro em funções e papéis estigmatizados pela sociedade, a auto
rejeição e a baixa autoestima, que dificultam a organização política do grupo
estigmatizado (SILVA, 2005, p. 24 grifos nossos).

2
Na psiquiatria e na psicanálise, o termo narcisismo mostra a condição mórbida de um indivíduo que tem
interesse exagerado pelo seu próprio corpo.
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Atentando para isso, que a proposta aqui inserida, servirá para um novo olhar diante de
alguns estereótipos que ainda estão vinculados à população negra. Retornando a Fanon
(2008), que trata sobre o “esquema epidérmico racial” e como isso o afetava, porém, ele
percebe: “desde que era impossível livrar-me de um complexo inato, decidi me afirmar como
Negro. Uma vez que o outro hesitava em me reconhecer, só havia uma solução: fazer-me
conhecer” (FANON, 2008, p. 108). Ao trazer para o centro da discussão os poemas de
mulheres que não estão colocadas como prioridade no meio acadêmico ou na sociedade,
possibilitamos uma quebra de paradigmas, além de demonstrar que o quilombo pode falar por
si próprio, pois suas vozes têm o poder que precisam para quebrar todos os estereótipos e
muitas Mulheres Quilombolas se farão conhecer por meio da poesia.
Gabriela Pereira Silva (2016) da Comunidade Prachata, em Esperantina, revela-nos no
poema “Ser Quilombola”:

Fonte: Quilombolas do Tocantins: palavras e olhares

Não é só para contar da minha cor


Mas, sim para da minha família falar
Não de agora, mas dos meus antepassados
Que há muitos anos foram escravos.

Por causa deles, hoje, sou jovem quilombola


Sou uma jovem com muitos sonhos
Cujos quais ainda não vou poder realizar
E com os direitos que nós quilombolas
Estamos conquistando vou conseguir concretizar.

Família criada com muita tradição


Que vem passando de geração em geração

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Que se realiza sempre e jamais será esquecida
Pois faz parte das nossas vidas [...] (SILVA, 2016, p. 58).

Poema composto por treze versos, com três estrofes, onde os versos soltos se unem
para contar a história do eu-lírico, que traz a construção de sua família, alicerçado as tradições
de seus antepassados. Pensar que, se hoje existem as comunidades quilombolas, é por muitos
que lutaram no passado, que tiveram que fugir da morte ou enfrentá-la e acabaram por
unirem-se nos quilombos. É desse povo que se precisa falar.
Da herança deixada para todo o povo quilombola em transmitir o que foi realizado por
eles. Quando Silva (2016) enfatiza que por causa dos seus antepassados e que hoje é uma
jovem quilombola, ela demonstra o orgulho que sente por ser herdeira de suas tradições e por
saber que são também suas as responsabilidades em continuar contando as histórias de sua
comunidade.
O quilombo remete à união, ao coletivo, a pensar num todo, nas histórias que se
entrelaçam para formar a completude que existe nas relações entre as pessoas que ali habitam.
Ao escutar as histórias que se passaram antes, que podem começar a se entender como
participantes daquela comunidade quilombola, se perceber como mais um responsável por
guardar os tesouros que são as tradições e as memórias, e saber carregar as marcar que
permanecem das histórias.
Questionamentos precisam ser realizados. Onde está a poesia que conta a respeito da
luta do negro. Que retira do quilombo o peso de ser apenas o lugar de refúgio de negros
fujões. Porque os livros só contam da beleza que o branco diz que é bela. Onde está escrito a
história de Maria Aranha, Dandara, Anastácia, Aqualtune, Tereza de Benguela e como foram
essenciais na luta pela liberdade de seu povo. Por essa razão, o “Poeta não conhece o meu
quilombo”. Construir um caminho que conduza a passagem de vozes vindas dos quilombos
para a educação é uma das propostas aqui defendidas, pois entender que, muitas vezes, essas
vozes não são consideradas e, por esse motivo, não estão nos ensinamentos escolares sobre
poesia. Evaristo (2017), em um trecho de seu poema “Do velho ao jovem”, diz:

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O que os livros escondem,
As palavras ditas libertam.
E não há quem ponha
Um ponto final na história (EVARISTO, 2017, p. 91-92).

Tudo aquilo que não é contado nas linhas dos livros (esses, que podem vir a queimar-
se ou ser esquecido pelo tempo), encontra-se na memória e na sabedoria de nossos velhos. E,
mesmo que venham a deixar-nos, seus registros permanecerão vivos e sendo transmitidos às
novas gerações. É valorizar a “Mulher cantando no pilão”, “O doce de buriti”, a “fé e
tradição” que muito existe no quilombo, ou a “folia e festa de São João”, ou “Domingas
rezadeira”; é ter a sensibilidade de reconhecer que, a partir da simplicidade dos
acontecimentos, que encontramos a grandeza dos gestos e afetos. Uma poesia que privilegia o
leitor, pois possibilita ir a lugares muitas vezes não habitados ou esquecidos da memória e
deixa conhecer as comunidades quilombolas a partir de dentro para fora.
A quebra do preconceito faz parte de um processo de resistência que há muito tempo
as comunidades quilombolas necessitam enfrentar, mas, por vezes, encontram-se sozinhas
nesta batalha. Ana Maria Martins Queiroz (2012) aponta que “os processos de constituição
dos territórios quilombolas revelam a busca, por parte dos povos negros, por uma cidadania
que jamais foi possível para esse grupo étnico-racial” (QUEIROZ, 2012, p. 98). A
importância do território é fundamental para a continuação das manifestações da cultura
quilombola, que “ao buscar o reconhecimento como território quilombola, o negro está, de
certa maneira, tentando encontrar meios que lhe permita reconstituir sua história a partir de si
mesmo” (QUEIROZ, 2012, p. 99-100). Não como algo estanque, mas que se modifica
conforme as identidades de seus habitantes. Ter um território demarcado e protegido reforça o
pertencimento identitário e cultural dos quilombolas. Como Selma Dealdina (2020) diz:

Os territórios quilombolas vêm resistindo ao longo dos anos a um quadro de total


abandono no que diz respeito a políticas públicas, sem acesso a saneamento básico,
direito de moradia adequada, políticas de educação escolar quilombola ou saúde.
Agravam essa situação os permanentes conflitos em defesa dos territórios, o que tem
submetido a população quilombola à violência psicológica, moral e física, como a
iminência de despejos ou remoções forcadas, a prática de racismo ambiental,

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restrições ao direito de ir e vir, ameaças à vida e assassinatos, só para citar alguns
exemplos (DEALDINA, 2020, p. 27).

Os conflitos enfrentados pelos quilombolas somente reforçam sua resiliência, pois, em


meio a diversas lutas, eles possuem a capacidade de retornar para dentro de si, para suas
raízes e fortalecerem-se para permanecer lutando. Mesmo dentro de uma sociedade que segue
empenhada em não dar facilmente o direito ao reconhecimento de suas terras, os quilombolas
não estão dispostos a abaixar as suas cabeças, para esta nação que há séculos tem suprimido
seu direito por existir e fazer parte de toda uma estrutura social.
A busca pelo reconhecimento e titulação remonta à carta de alforria, que as
comunidades quilombolas almejam conquistar, para verem-se livres de ameaças e
humilhações. E as dificuldades que enfrentam estão relacionadas “ao racismo como estrutura
fundamental das relações sociais, que criam desigualdades e abismos” (RIBEIRO, 2019, p.
12). Essa omissão dos direitos do negro, origina-se aos tempos da escravização, quando o
escravizado não tinha o direito a ir e vir, a praticar sua religião, o direto de estudar ou mesmo
trabalhar fora do território do seu “dono”, direitos básicos para qualquer indivíduo, mas por
ser considerado somente como um corpo para o trabalho, não lhe era possível tais regalias.
Um ponto, que merece destaque é quando Bezerra (2016), diz que “Quilombo gosta de
estudar e ler”, tem-se a ideia de que o quilombo, é lugar de gente que não estuda, que vive
com a enxada na mão e banhando no rio, algo que jamais deve ser menosprezado, porém,
também é lugar onde o estudo é valorizado, pois entendem que a educação se configura como
um ato de resistência, a todo o processo de exclusão que a sociedade impõe ao povo
quilombola. Gessiane Nazário (2020) aponta que:

A importância de, desde o ensino básico, possibilitar oportunidades para que os


indivíduos aprendam quem são, tomem consciência de sua condição de sujeitos
históricos, produtores de cultura que agem e interagem no mundo a partir de seu
lugar social. E para a compreensão desse lugar social é necessário que o indivíduo
entenda que sua biografia tem uma dimensão histórica complexa na qual sua
condição presente e sua subjetividade se constituem (NAZÁRIO, 2020, p. 102-103).

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O papel da educação na vida do quilombola, em específico, traz um reforço para lutar
contra as desigualdades que existem contra os povos quilombolas, sempre batalhando pelo
desenvolvimento de ações que tragam para a comunidade uma educação que esteja
empenhada numa melhoria de vida, mas, principalmente, que “respeite e reconheça sua
história, memórias, tecnologias, territórios e conhecimentos, tem sido uma das reivindicações
históricas dessas comunidades e das organizações do movimento quilombola” (BRASIL,
2012). Gomes (2011) acrescenta que:

O Movimento Negro reconhece que a educação não é a solução de todos os males,


porém ocupa lugar importante nos processos de produção de conhecimento sobre si
e sobre “os outros”, contribui na formação de quadros intelectuais e políticos e é
constantemente usada pelo mercado de trabalho como critério de seleção de uns e
exclusão de outros (GOMES, 2011, p. 112).

A educação pode não ser a solução de todos os problemas sociais, mas é o ponto de
início para a compreensão da forma como somos vistos pelo mundo. A Lei 10.639/03,
possibilitou o início de mudanças, principalmente, aquelas voltadas para a educação com
relação a inserção do quilombola nas escolas, nas universidades e nos materiais didáticos que
tratem sobre a história e cultura afro-brasileira, mas ainda existe uma longa batalha para que
essas comunidades tenham a oportunidade de usufruir de uma educação de qualidade. E um
dos objetivos para o reconhecimento do território quilombola é exatamente pela possibilidade
em ter uma escola na comunidade voltada para seus anseios sociais, culturais, históricos etc.
O contato do quilombola, com o mundo de fora do quilombo pode ser arriscado,
levando em consideração que há o olhar para o “novo”, o afastamento de suas raízes e uma
ligação com a cultura do “outro”. Tudo isso pode causar a negação de sua identidade
quilombola. Quando o quilombola está em sua comunidade, há um acolhimento, pois todos
lutam igualmente e buscam manter viva a história de seu povo, mas, a partir do momento que
ele sai, muitas vezes, é conduzido a esquecer da sua luta, o que ocasiona o apagamento da
história do quilombo, pois os jovens são os responsáveis por perpetuá-la. Não estamos

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dizendo aqui que os jovens quilombolas não devam conhecer outros lugares e ambientes, mas
que eles nunca se esqueçam de onde vieram e o que trazem culturalmente.
Ainda refletindo sobre os versos de Bezerra (2016), que diz: “Ser descendente de
quilombos é herdar” / “herança no sangue e por ser sangue quilombo”. Ela nos fala sobre o
pertencimento de ser quilombola, de herdar uma herança que acontece, primariamente,
através dos genes. Esse reconhecimento que existe de ser quilombola, ao expressar
“Quilombola sempre” traz consigo um orgulho por tudo que o quilombo representa, pela sua
história, pelos seus antepassados e por todas as vivências e experiências que sua herança lhe
levará a conhecer, pois “a identidade étnica transcende as características fenotípicas, como a
cor da pele, corresponde a um processo de autoidentificação que abrange também as formas
de organização política, econômica e social, a linguagem, a ancestralidade e aspectos culturais
e religiosos” (ALMEIDA, 2020, p. 149).
As gerações mais jovens, muitas vezes, não compreendem a necessidade de estarem
ativas dentro da comunidade, do seu papel em dar continuidade a história, em manter viva as
memórias e negam sua identidade. Por vezes, o anseio em fugir de uma realidade que está
diretamente ligada ao racismo e à desigualdade, tornam a negação o caminho mais fácil para
não ter que lidar com esses atravessamentos. Porém, o que acontece na realidade é o
apagamento das memórias, tendo em vista que o racismo e as desigualdades simplesmente
não desaparecerão ao negarem suas identidades.
Nos poemas é possível perceber que as autoras estão sempre reafirmando o seu
pertencimento e orgulho por ser quilombola. Sobre essa questão, Ariadne Cezar Nogueira
(2016), da Comunidade Malhadinha, em Brejinho de Nazaré, em seu poema “Ser quilombola”
acrescenta:

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Fonte: Quilombolas do Tocantins: palavras e olhares

Quilombola não é simplesmente um partido político ou


um time de futebol, que você troca a qualquer momento.

Ser quilombola é defender sua raça, sua cor, sua cultura,


e sua religião independentemente de qual seja ela, porque
ela está em nossas veias.

Ser quilombola é você ter a sua própria identidade, em


qualquer lugar do mundo.

Ser quilombola é você se orgulhar, do nosso próprio país,


que tem a cara da nossa gente. O negro (NOGUEIRA, 2016, p. 54).

O poema está composto por nove versos e quatro estrofes, em versos soltos. Nogueira
(2016) externa primorosamente o quanto é essencial defender seus princípios, afirmar-se
identitáriamente em qualquer lugar, “porque o rosto de um é reflexo do outro, o corpo de um é
reflexo do outro e cada um o reflexo de todos os corpos” (NASCIMENTO, 1989). O espírito
da coletividade rege o quilombo, assim como o significado de “ubuntu”, palavra africana que
revela que “eu sou porque nós somos”, ou seja, no quilombo não existe apenas o “eu”, mas o
“nós”. Então, onde quer que se esteja, o quilombo estará presente, “quilombo é o espaço que
ocupamos. Quilombo somos nós.” (NASCIMENTO, 2021, p. 162).
Não existe vitória sem luta e o povo quilombola sempre lutou e acreditou que um dia
venceria, mesmo em batalhas injustas. Ser descendente daqueles que enfrentaram chicotes,
grilhões, capitães do mato, tumbeiros, mostra que é através do sangue que predomina a
herança genética da resistência. Como bem diz Paulo Freire, o quilombo é primeiramente um

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lugar de busca de liberdade e de resistência contra o autoritarismo e a violência contra os
negros:

A herança brasileira é colonial, de natureza autoritária. E temos nessa herança a


sublevação da liberdade. Mas temos também, ao longo da nossa história, as
expressões de luta contra a repressão, os “Quilombos”. Vivemos no Brasil de um
lado a repressão, de outro os quilombos. E eu vejo os quilombos como a expressão
de ansiedade legítima da liberdade (FREIRE, 1994, p. 8, grifo nosso).

Complementando a afirmação de Freire (1994) sobre o caráter de libertação que existe


no quilombo, Beatriz Nascimento (2021) afirma:

A importância dos “quilombos” para os negros na atualidade pode ser compreendida


pelo fato de esse evento histórico fazer parte de um universo simbólico em que seu
caráter libertário é considerado um impulsionador ideológico na tentativa de
afirmação racial e cultural do grupo (NASCIMENTO, 2021, p. 71).

Essa afirmação racial e cultural está descrita nos versos de Rosâna Pereira de Souza
(2016), da Comunidade Cocalinho, em Santa Fé do Araguaia, em seu poema “Ser
Quilombola”, descreve a alegria de suas origens:

Fonte: Quilombolas do Tocantins: palavras e olhares

É preservar nossos costumes culturais no respeito aos


antepassados, é o canto de alegria no plantio da roça do
vizinho, onde a terra é vida e da terra nasce a água doce da
cacimba no pote de barro e o canto dos passarinhos. O latido
do cachorro ao acompanhar seu dono, na saída para pescada
do peixe para o alimento da família.
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É a fé no matinho verde da vovó ao rezar no quebrante na
criança. É amar a terra, plantar e colher, viver a natureza,
preservar nossos costumes, ser e ter histórias culturais, viver
livre, ser feliz, é ser quilombola no meu quilombo querido.

Ser quilombola nesse querido quilombo, povoado de muita


história e cultura para ensinar e aprender
Lugar onde o brincar na chuva, o sentir da terra sobre os pés
descalços no chão, viver cada segundo as histórias de vida e
lutas contadas pelos mais velhos e seus antepassados, lugar
de pessoas acolhedoras, esse é meu quilombo.

Onde o brilho do luar encanta o anoitecer no quilombo,


tendo como luz uma pequena vela no canto da casa que está
alumiar as longas e longas histórias de vida guardada na
lembrança narrada, com pequenas falhas na memória dos
mais velhos.

É o despertar do amanhecer com canto do galo e o doce


aroma de café que soa pelo ar vindo de um pequeno fogão a
lenha, onde a madeira queima intensamente (SOUZA, 2016, p. 74).

Há uma forte simbologia nos versos desse poema, que remete a um lugar de
aconchego, de cuidado, de sabedoria, de simplicidade e do sagrado. Está poeta transporta o
leitor para o colo da avó, para as histórias contadas na infância, para os remédios caseiros,
para as rezas que são herança dos povos africanos e permanecem vivas no dia a dia. Os negros
escravizados foram retirados de sua terra e colocados num lugar que não desejavam, e isso
nos faz refletir sobre o processo de plantar, de como essas pessoas foram plantadas numa terra
ruim, mas, mesmo assim, souberam florescer e dar frutos.
Compreender que não necessitam de muito, de grandes riquezas, para enxergar a
grandeza de singelos momentos, o ato de iluminar para ouvir sobre o brilho que existe na voz
dos “doutores” do quilombo. Esses versos despertam os cinco sentidos, “visão, audição,
paladar, olfato e tato”, ao trazem as memórias sensoriais, contribuem para o despertar da
conscientização e da preservação de tais conhecimentos e emoções.
Ainda, o poema deixa ver que respeitar a terra que lhes dá o sustento e que habitam,
faz parte dos maiores ensinamentos do quilombo, pois “as comunidades quilombolas assume
formas próprias de organização, que remontam a uma ancestralidade de povos africanos (...)

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travam diariamente o embate pelo direito à terra e ao território” (ALMEIDA, 2020, p. 151). O
território é, assim, o lócus de pertença e de ação coletiva. É da terra que o quilombola retira
seu sustento, que trabalha incansavelmente para alimentar-se e aos seus, com saberes para
lidar com a terra que vem dos seus antepassados, como pontua Almeida (2020):

Os povos tradicionais têm insistido e resistido. Na sua luta pela terra têm preservado
suas culturas, seus direitos e seus territórios. Ao mesmo tempo que o conhecimento
tradicional aspira à simplicidade e à generalidade, há nele uma sabedoria profunda
atenta ao detalhe e à singularidade de cada experiência. [...] essas formas de cultivo
geram uma produção diversificada, garantindo às famílias uma alimentação saudável
e uma renda importante proveniente de comercialização e troca, fomentando a
economia solidária (ALMEIDA, 2020, p. 154).

A preservação do território quilombola é um dos maiores objetivos das comunidades


remanescentes, pois é nesse espaço que se encontram suas memórias mais profundas, é do
chão que estão a pisar que seus descendentes firmarão os primeiros passos para dar
continuidade as histórias e, principalmente, para que novas gerações possam ser inseridas na
memória coletiva. “Quilombo é uma história. Essa palavra tem uma história. Também tem
uma tipologia de acordo com a região e de acordo com a época, o tempo. Sua relação com o
seu território.” (NASCIMENTO, 1989).
Que seja dada essa oportunidade para que as Comunidades quilombolas falem, “se a
história é nossa, deixa que a gente conta” (DEALDINA, 2020, p.14). As máscaras devem ser
quebradas, não há mais lugar para a invisibilidade. Os poemas aqui citados, deixam evidentes
a força que existe na autoria das Mulheres Quilombolas, pois são parte da força que vem do
quilombo, estão presentes em todos os momentos e lutam bravamente por seu território, por
respeito, pelo direito de existirem livremente, por direitos iguais. Os quilombolas “são
guardiões das tradições da cultura afro-brasileira, do sagrado, do cuidado, das filhas e filhos,
das e dos griôs, da roça, das sementes, da preservação de recursos naturais fundamentais para
garantia dos direitos” (DEALDINA, 2020, p. 37).
As escritoras quilombolas escrevem a partir de um lugar onde elas têm total domínio
sobre o que dizem e detêm o poder para falar e “pensar lugar de fala seria romper com o

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silêncio instituído para quem foi subalternizado” (RIBEIRO, 2019, p. 89). São mulheres,
mães, conselheiras, historiadoras, administradoras, cantoras, médicas, professoras e
intelectuais não de formação, mas de vivências e experiências. Seus saberes foram adquiridos
através do olhar, do ouvir, do aprender e são graduadas pela tradição. Ainda, elas buscam
retratar a si e aos seus, oportunizando, assim, uma fissura nos discursos hegemônicos.
Quando Conceição Evaristo traz o conceito de “Escrevivência” está direcionada para a
escrita a partir das vivências e experiências dos indivíduos, como uma recordação ou um lugar
para construir novas histórias de maneira coletiva, pensando não apenas o seu lugar, mas o
outro, como uma completude de vivências que se agregam, pois “a partir de um olhar atento a
complexidade das discussões que, entre o literário e o existencial, destacam a ‘escrevivência’
como um recurso dialógico de reconhecimento à existência da humanidade negra no Brasil”
(SILVA, 2017, p. 22). Pensando sobre isso, podemos compreender que essas mulheres trazem
um olhar mais atento sobre questões que se voltam para o que está em seu entorno,
despertando-nos para sentimentos de sua realidade.
Quando é mencionado o ato de romper com o silêncio, devemos trazer uma fala muito
pertinente de Lélia Gonzalez (1984):

Ora, na medida em que nós negros estamos na lata de lixo da sociedade brasileira,
pois assim o determina a lógica da dominação [...] E o risco que assumimos aqui é o
do ato de falar com todas as implicações. Exatamente porque temos sido falados,
infantilizados (infans, é aquele que não tem fala própria, é a criança que se fala na
terceira pessoa, porque falada pelos adultos), que neste trabalho assumimos nossa
própria fala. Ou seja, o lixo vai falar, e numa boa (GONZALEZ, 1984, p. 225).

Romper com o silêncio é dizer “chega!” para todas as afirmações subalternizastes


realizadas pelo outro. É falar sobre vidas que importam e de histórias que devem ser ouvidas.
Histórias que por muito tempo estiveram à mercê de uma parcela da população brasileira, que
só desejava ver os negros na lata do lixo (colocação de Lélia Gonzalez). É assumir sua voz e
falar sem ressalvas sobre sua história, das suas dores e, principalmente, das alegrias que
existem em ser herdeiros de tantas heroínas e heróis.

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Trazer para o topo desse trabalho os poemas escritos por Mulheres Quilombolas, num
primeiro momento, seria para uma tentativa de conscientização da necessidade do olhar para
essas mulheres, para seus escritos. Porém, ao refletir sobre como a mulher negra era percebida
e colocada como não pertencente e passiva na historiografia da sociedade brasileira, uma nova
abordagem foi incluída. Ao perceber que essas vozes são responsáveis por produzir
pensamentos ou transgredi-los, como bell hooks (1995) afirma: “Intelectual é alguém que lida
com ideias, transgredindo fronteiras discursivas porque ele ou ela vê a necessidade de fazê-lo”
(HOOKS, 1995, p. 468). Essas mulheres estão transgredindo o silenciamento imposto a elas,
eles vão contra as intenções de não serem percebidas como necessárias em seus espaços. Para
dar continuidade, bell hooks (1995) complementa que:

[…] o trabalho intelectual, é uma parte necessária da luta pela libertação,


fundamental para os esforços de todas as pessoas oprimidas e/ou exploradas que
passariam de objeto a sujeito, que descolonizariam e libertariam suas mentes
(HOOKS, 1995, p. 466).

Compreender a necessidade do trabalho que está sendo desempenhado por essas


mulheres, ao desenvolver uma escrita que vem para oportunizar uma ressignificação nos
espaços e mentalidades, elas se colocam como protagonistas de suas próprias histórias, sem
afastá-las da própria realidade, pois “a vida intelectual não precisa levar-nos da comunidade,
mas antes pode capacitar-nos a participar mais plenamente da vida da família e da
comunidade” (HOOKS, 1995, p. 466). Suas escritas nos dão a oportunidade para que outros
tenham a possibilidade de olhar para o quilombo a partir da sensibilidade das Mulheres
Quilombolas, pois “para as mulheres negras, nossa luta não tem sido para emergir do silêncio
para a fala, mas para mudar a natureza e a direção da nossa fala, para fazer uma fala que atraia
ouvintes, que seja ouvida” (HOOKS, 2019, p. 30).

Conclusão
Quando bell hooks pontua sobre a necessidade das mulheres negras em falar, ela está
empenhada em contribuir para uma mudança de perspectiva, tendo em vista que o caminho da

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escrita, por vezes, encontra-se distanciado da mulher negra, pois elas vivem numa sociedade
patriarcal, machista, de cultura hegemônica, que silencia a voz dos que são considerados
como “minoria”, quando, na verdade, são a maioria da sociedade. Mas o histórico de racismo
impede que elas sejam consideradas como a maioria. Então, é preciso mudar isso, trazer para
o palco a voz das silenciadas. Este seria um dos caminhos para novas transformações. Como
afirma Hooks:

Na verdade, dentro do patriarcado capitalista com supremacia branca toda a cultura


atua para negar as mulheres a oportunidade de seguir uma vida da mente [sic] torna
o domínio intelectual um lugar interdito. Como nossas ancestrais do século XIX só
através da resistência ativa exigimos nosso direito de afirmar uma presença
intelectual (HOOKS, 1995, p. 468).

Como constatado por bell hooks (1995), resistir é um dos principais caminhos para as
mulheres negras, assim como nos dizem e fazem Lélia Gonzales, Conceição Evaristo, Djamila
Ribeiro, Angela Davis, Grada Kilomba, entre tantas outras intelectuais que estão inseridas
neste trabalho. Como as protagonistas poetas quilombolas, elas utilizam-se da resistência para
escrever, para falar de seu lugar e do espaço que lhes pertence como moradia, mas
principalmente, como lugar de existência. Ainda refletindo sobre o silenciamento das
mulheres negras, bell hooks (2019), evidencia que:

Hoje, quando reflito sobre os silêncios, as vozes que não são ouvidas, as vozes
daqueles indivíduos feridos e/ou oprimidos que não falam ou escrevem, contemplo
os atos de perseguição, tortura — o terrorismo que subjuga, que torna a criatividade
impossível. Escrevo estas palavras para serem testemunhas da primazia da luta de
resistência em qualquer situação de dominação (mesmo dentro da vida familiar); da
força e do poder que emergem da resistência constante e da profunda convicção de
que essas forças podem ser curativas, podem nos proteger da desumanização e do
desespero (HOOKS, 2019, p. 32, grifo nosso).

Ainda, sobre o poder de curar e proteger, as autoras quilombolas, em seus versos,


dentro de seus poemas, possibilitam a cura para os que se sentem feridos pela sociedade que,
a todo momento, tenta retirar-lhes a humanidade, seja lhes roubando a terra ou lhes negando
direitos. É enorme o poder que essas mulheres trazem para dentro de seu quilombo, ao

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resistirem escrevendo sobre suas existências, sobre os seus, sobre suas tradições, os seus
ancestrais, do orgulho por serem parte de um povo que está sempre erguendo a voz contra
todas as opressões. bell hooks (2019) complementa que:

Fazer a transição do silêncio à fala é, para o oprimido, o colonizado, o explorado, e


para aqueles que se levantam e lutam lado a lado, um gesto de desafio que cura, que
possibilita uma vida nova e um novo crescimento. Esse ato de fala, de “erguer a
voz”, não é um mero gesto de palavras vazias: é uma expressão de nossa transição
de objeto para sujeito — a voz liberta (HOOKS, 2019, p. 35).

Também, vale frisar que o quilombo é um lugar de memória, de ancestralidade, onde


as vivências são rememoradas constantemente, pois ressignificam a visão que existe sobre o
quilombo como apenas um lugar de refúgio e demonstram que a partir da singularidade
existente na maneira de viver dos quilombolas, nas suas relações, no trato com a natureza, no
respeito ao passado, o quilombo passa a ser percebido como espaço de sabedoria e
encantamento, pois, nessa transformação do olhar, percebe-se a necessidade em se
aquilombar, em ter esperança para reconfigurar o futuro. Como Abdias do Nascimento traz:
“cumpre aos negros atuais manter e ampliar a cultura afro-brasileira de resistência ao
genocídio e de afirmação da sua verdade” (NASCIMENTO, 1980, p. 264).
E a Poesia Quilombola aqui evidenciada traz a mulher negra quilombola
representando um espaço que é seu por direito, que é seu pela ancestralidade, pelas lutas
diárias, por seu pertencimento nessa sociedade, evidenciando seu orgulho por suas raízes, por
todo seu passado, respeitando quem veio antes, pois sabe que é a partir de seus ancestrais e
suas memórias que serão construídas novas histórias, mas nunca esquecendo de tudo que
viveram, pois são essas recordações que futuras gerações honrarão.
Que as vozes possam emergir, que possibilitem novos olhares, novas emoções e novos
espaços. Que a Poesia Quilombola desperte, na vida dos quilombolas e de todos afro-
brasileiros, o orgulho por fazer parte, por ter nas veias o sangue de heroínas e heróis, mas,
principalmente, que a sociedade saiba o que é o quilombo, que aprenda a respeitá-lo, que
compreenda a necessidade por melhores condições de vida.

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O quilombo se humanize, neste trabalho, por meio da fala, da escrita poética de
mulheres negras. Que as mulheres negras sejam sujeitas de suas próprias vidas e ergam a voz,
para se libertar. Uma libertação que vem por meio da escrita, do processo de escreviver, como
já conceituado por Conceição Evaristo, onde se está vivendo e transcrevendo sua própria
realidade, seus costumes, suas tradições. As poetas quilombolas aqui trazidas são mulheres
que resgatam sua ancestralidade, que conhecem sobre seu lugar e que lutam para que seja
respeitado, admirado e conhecido como lugar de saberes únicos e relevantes para todos.

Referências

ALMEIDA, Carlídia P. Sementes crioulas, da ancestralidade para a atualidade: o


protagonismo dos saberes tradicionais do povo quilombola de Lagoa do Peixe. In: Mulheres
quilombolas: territórios de existências negras femininas. (org.) Selma dos Santos Dealdina.
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São Paulo: Sueli Carneiro: Jandaíra, 2020. 168 p.

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EDUCAÇÃO E TECNOLOGIA: A WEBQUEST COMO
PROBLEMATIZADORA DAS QUESTÕES DE GÊNERO E RAÇA NA
FORMAÇÃO DOCENTE
Bruna Agostinis1
Fabiane Freire França2
Suzana Pingello Morgado3

Resumo: O presente artigo busca abordar a WebQuest como problematizadora das questões de
gênero e raça na formação docente e é oriundo do recorte de uma pesquisa de iniciação científica que
objetivou analisar como as tecnologias digitais, e de modo específico a WebQuest (WQ) enquanto
ferramenta educacional, podem contribuir para a formação inicial e continuada de estudantes, no que
se refere às discussões de direitos humanos. Para tanto, problematizamos como e de que maneira a
WQ enquanto ferramenta educacional pode contribuir para a formação inicial e continuada de
estudantes no que se refere às discussões de gênero, raça e direitos humanos? A metodologia utilizada
no desenvolvimento pode ser denominada como o Estudo de Caso, articulada à pesquisa bibliográfica,
de forma a alcançar o aprofundamento e a ampliação dos pressupostos teóricos de autorias que
discutem a temática e objeto de estudo, para o que foi necessário realizar um mapeamento de textos
que tratassem dos temas direitos humanos, gênero, e novas tecnologias de forma conjunta. Assim
partindo destas teorizações, realizamos a análise de seis WQ, produzidas por estudantes do Terceiro
Ano de Pedagogia na disciplina de Educação em Direitos Humanos. Apresentamos, neste artigo, uma
síntese de duas WQ que abordam a temática do direito das pessoas negras, e direito das mulheres.
Desse modo, foi possível concluir o uso da metodologia WQ como uma estratégia possível e válida
para a abordagem de gênero, raça e direitos humanos dentro das práticas pedagógicas.

Palavras-chave: Direitos humanos. Educação. WebQuest. Tecnologia.

O fato de estarmos aqui e de eu falar essas


palavras é uma tentativa de quebrar o silêncio e
de atenuar algumas das diferenças entre nós,
pois não são elas que nos imobilizam, mas sim o
silêncio. E há muitos silêncios a serem
quebrados.

1
Graduanda em Pedagogia na Universidade Estadual do Paraná- Campus de Campo Mourão. Projeto de
Iniciação Científica, Fundação Araucária. E-mail: brunaagostinis22@gmail.com.
2
Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Maringá (UEM), Maringá, PR. Docente do Colegiado de
Pedagogia e do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar Sociedade e Desenvolvimento (PPGSeD),
Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR), campus de Campo Mourão. E-mail:
fabiane.freire@unespar.edu.br.
3
Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Maringá (UEM), Maringá, PR. Docente do Colegiado de
Pedagogia, Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR), campus de Campo Mourão,. E-mail:
suzana.morgado@unespar.edu.br.
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99
(Audre Lorde)

Introdução

O presente artigo trata-se de um recorte de pesquisa intitulada de Direitos Humanos e


tecnologias: produções de Webquest como metodologia educacional para a formação docente,
na qual propomos as discussões de temáticas atuais, como Direitos Humanos e educação,
como forma de problematizar e desconstruir padrões sociais e culturais que persistem no
Brasil e na realidade cotidiana sobre a função dos Direitos Humanos (DH).
Consideramos como necessário e relevante utilizar variadas estratégias para que os
alunos e as alunas percebam que as relações de poder existentes na sociedade marginalizam
determinados grupos sociais em detrimento de outros e para isso o uso das tecnologias, de
modo rigoroso e criterioso, pode ser um caminho para favorecer uma educação em DH,
propiciando aos/às alunos/as um olhar voltado a equidade e liberdade de direitos.
Pata tanto, destacamos a WebQuest que consiste em uma metodologia de caráter
lúdico, não convencional e significativo na construção do aprendizado. De acordo com Rossi
e França (2020) o termo “WebQuest”, traduzido literalmente para a língua portuguesa,
significa “Busca na Web” e, consiste em uma proposta de investigação orientada por meio de
uma página na internet. Ainda se destaca como uma metodologia instigante e inovadora, por
desviar-se dos padrões tradicionalistas de aprendizagem e estimular e desenvolver a
construção do conhecimento de maneira mais significativa por parte do sujeito.
Desse modo, o objetivo da pesquisa citada, consiste em investigar como a tecnologia
da WebQuest (WQ) pode contribuir com a educação em Direitos Humanos. Nesse sentido
problematizamos: de que maneira podemos promover uma educação em direitos humanos
com o uso de tecnologias? Com base na perspectiva dos Estudos Culturais pretendemos
colaborar com as discussões e produções de WQ voltadas à formação docente com a
finalidade de elevar uma educação em direitos humanos.

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Na pesquisa realizamos a análise de seis WebQuests - WQ disponíveis na internet,
produzidas por estudantes, do primeiro ano do curso de Pedagogia, do período diurno da
Unespar – Universidade Estadual do Paraná campus de Campo Mourão (Unespar). A
elaboração das WQ ocorreu durante a disciplina de Educação em Direitos Humanos, no
segundo semestre de 2020, orientada e ministrada pela Prof.ª Dra. Fabiane Freire França, na
qual (as)os estudantes abordaram as temáticas de direitos humanos, sobre população
LGBTQIA+, mulheres, população negra, indígenas, população idosa, crianças e adolescentes.
As WQ analisadas foram criadas por meio da plataforma Google Sites, com a
realização do login com e-mail e senha do grupo. O processo de criação é simples, e não é
necessário ter conhecimentos de informática avançada. Analisamos as seis WebQuest, seus
temas, objetivos, conteúdos, tarefas, referências, entrevistas e os materiais apresentados na
página. Outro fator de foco de análise refere-se à utilização de todas as ferramentas
disponíveis na produção da WebQuest, como modo de potencializar a abordagem do
conteúdo, e se os/as estudantes cumpriram com as etapas fundamentais que compõe e
caracteriza uma WQ. Realizamos, assim, uma descrição de modo a apresentar as WQ, suas
potencialidades, os conteúdos tratados e os pontos que podem despertar a atenção do/a
leitor/a.
No presente artigo, apresentamos uma síntese da análise de duas WQ, a primeira
intitulada “Enegrecer”, que aborda o direito das pessoas negras. E a WQ Violência contra a
mulher e o feminicídio. Organizamos o texto em tópicos, primeiramente abordamos a WQ
como ferramenta educacional, englobando discussões conceituando do que se trata a
metodologia WQ. Nos tópicos subsequentes apresentamos e analisamos as produções das
duas WQ produzidas por estudantes do curso de Pedagogia, no ano de 2020, as discussões
interseccionais de gênero/raça e por fim algumas considerações acerca da presente pesquisa.

A WebQuest como ferramenta educacional

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Segundo Rossi e França (2020) a WQ foi desenvolvida no ano de 1995, por Bernie
Dodge, professor da Universidade Estadual de San Diego nos Estados Unidos, movido pelo
ímpeto de buscar novas alternativas de ensino em que a/o aluna/o pudesse se tornar a/o
protagonista e ser ativa/o na construção do conhecimento (ROSSI; FRANÇA, 2020).
Para ser constituída como uma WQ, Dodge estabeleceu seis elementos básicos que
devem constar na elaboração são eles: Apresentação; Introdução; Tarefa; Processos;
Avaliação e Conclusão, podendo passar por algumas flexibilizações, readequações,
acréscimos e/ou supressões, de acordo com as intenções de quem a construir [...] (ROSSI;
FRANÇA, 2020, p. 56).
Dodge (1995), o idealizador dessa ferramenta, aponta que a WQ tem a virtude da
simplicidade, podem ser desenvolvidas para estudantes da escola elementar à pós-graduação.
Sendo assim, a WQ consiste em uma ferramenta não convencional, por não proporcionar
respostas prontas, mas fazer com que os/as criadores/as pesquisem e busquem, com base em
conhecimento científico, respostas e conteúdos para suas inquietações.
De acordo com Pimentel (2015), a metodologia WQ pretende ser uma forma de
estimular a pesquisa, o pensamento crítico, o desenvolvimento efetivo de professores, a
produção de materiais e a construção de conhecimento dos/as estudantes. Para o autor, uma
WQ parte da definição de um tema e objetivos por parte do/a professor/a, uma pesquisa inicial
e disponibilização de links selecionados acerca do assunto, para consulta orientada de
estudantes.
Pimentel (2015) explicita que navegar na internet pode ser tanto um ambiente
interativo facilitador e motivador de aprendizagem valioso para a busca de informações e
conhecimento, bem como pode ser um ambiente dispersivo e inútil no que se refere a busca de
dados sem relevância pedagógica, assim como fatos e informações falsas de cunho
preconceituoso, ao uso da Internet (PIMENTEL, 2015).
Congruente a isso, Mercado (1998) evidencia que o reconhecimento de uma sociedade
cada vez mais tecnológica deve ser acompanhado da indispensavelmente de conscientização
da de incluir nos currículos escolares as habilidades e competências para lidar com as novas

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tecnologias. Como destacado anteriormente por Pimentel (2015), no sentido de utilizar a
tecnologia e internet de forma que possibilite a aprendizagem de conhecimentos científicos.

Diante disso, um novo paradigma está surgindo na educação e o papel do


professor, frente às novas tecnologias, será diferente. Com as novas
tecnologias pode-se desenvolver um conjunto de atividades com interesse
didático-pedagógico, como: intercâmbios de dados científicos e culturais de
diversa natureza; produção de texto em língua estrangeira; elaboração de
jornais inter-escolas, permitindo desenvolvimento de ambientes de
aprendizagem centrados na atividade dos alunos, na importância da interação
social e no desenvolvimento de um espírito de colaboração e de autonomia
nos alunos (MERCADO, 1998, p. 1).

Desse modo é notável a relevância da WQ, por ser uma metodologia que estimula a
pesquisa, o pensamento crítico, o desenvolvimento da formação docente, a produção de
material e a construção de conhecimento por parte dos alunos (PIMENTEL, 2015).
Diante dessas considerações, as análises das WQ que realizamos, que abordavam
temáticas como Direito das mulheres, das pessoas negras, crianças, indígenas, idosos e a
população LGBTQIA+, contribuíram para compreendermos que a implementação da
educação para novas tecnologias ou tecnologias digitais voltada a uma Educação em Direitos
Humanos pode ser um material profícuo para as discussões de temas contemporâneos como
gênero e diversidade e um dos caminhos para assegurar uma formação crítica e criativa em
cursos de formação inicial e continuada.
Assim, constatamos nas WQ a possibilidade de uma organização e mediação didática
para o acesso a conteúdo sistematizado, com sugestões de literaturas e práticas educativas
sobre direitos humanos e que podem ser expandidos a outros conteúdos, mediante a
intencionalidade dos/as proponentes. Com isso, buscamos apresentar uma síntese de duas WQ
que abordam a temática de gênero e raça, a fim de elucidar a possibilidade da utilização da
WQ no âmbito educacional de formação inicial e continuada.

A WQ enegrecer

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A WQ que trata sobre os direitos da população negra intitulada Enegrecer, produzida
no segundo semestre de 2020, autoria de estudantes de Pedagogia, apresenta como objetivo,
empoderar, conscientizar e informar a todas as pessoas que desejam ampliar sua forma de
pensar, romper com os preconceitos e combater o racismo. Na WQ evidenciam que a
sociedade atual ainda negligencia a representatividade da negritude, e de todas as teorizações
e ações que englobam este tema. Com efeito, destacam no decorrer da página a necessidade
de sermos antirracistas, que significa ir além de não ser racista, é uma forma de ação contra
toda maneira de preconceito racial, ódio, opressão. A WQ é organizada por: início;
introdução; entrevista; tarefa; processo; avaliação; considerações finais e referências.

Figura 1 – WebQuest Enegrecer

Fonte: https://sites.google.com/view/enegrecer/in%C3%ADcio?authuser=0

A educação de temáticas raciais, neste sentido, “cumpre um papel de destaque, como


espaço privilegiado para construção de uma ética de respeito à dignidade humana”. A escola,
bem como o corpo docente, é responsável pela promoção de princípios básicos de direitos
humanos e pela atuação no sentido de “desconstrução de mitos e preconceitos, na aquisição de
valores democráticos e também no sentido de respeitabilidade para com o outro”
(OLIVEIRA, 2011, p.218). Desse modo Maciel “(...) salienta que para que uma cultura dos

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direitos humanos se concretize através da educação em direitos humanos, é preciso que a
construção dessa cultura seja diária, que o ambiente escolar seja cooperativo e democrático”
(MACIEL, 2016, p.140).
A WQ enegrecer se destaca por ser interativa com o/a leitor/a, tornando dessa forma
uma leitura mais interessante, no momento em que propõe para que o leitor escolha uma das
indicações, e ainda sugere um espaço para relatar sua experiência ou que deixe sua
contribuição, sugestão, indicação, reclamação ou elogio com elas. Os/as estudantes de
pedagogia concluíram a página afirmando que uma sociedade construída e nutrida durante
quatro séculos por um regime escravocrata não pode virar as costas para o tema do racismo e
todas as suas implicações. Ainda destacaram que o Brasil sofre com o Racismo estrutural e a
luta de cada um de nós deve ser constante, não se limitando a hashtags e textos na internet,
mas ativa e de constância, assim evidenciam a grande necessidade da ação.

A WebQuest Violência contra a mulher e o feminicídio

De autoria de estudantes de Pedagogia apresentaram os conteúdos organizados por


página inicial; introdução; tarefa; leis; entrevista; avaliação; processo; sugestões e
considerações finais. Na página abordam o que é o feminicídio, que consiste no crime
praticado contra a mulher pelo fato de ser mulher. Nesse sentido, Veloso (2019) aborda que
ainda é preciso se falar sobre o direito da mulher. Mesmo que seja o século XXI, mesmo que
sejam nítidas as violações aos direitos das mulheres, mesmo que seja banal dizer que há
direitos humanos das mulheres.

Figura 2 - WebQuest Violência contra a mulher e o feminicídio

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Fonte: https://sites.google.com/view/violncia-contra-a-mulher-e-
fem/p%C3%A1gina-inicial?authuser=0

Na WQ as acadêmicas explicam que o feminicídio é o desfecho fatal de uma série de


violências que a mulher sofre tais como: violência física, psicológica, sexual, patrimonial e
moral. Exibem vídeos tratando sobre o tema, e fazem indicações de outros materiais como,
séries, filmes, documentários, livros, legislações e entrevista, explicando o que é o feminicídio
e todas as formas de violência amparadas na Lei 13.104/15, a Lei do Feminicídio.
Para Veloso (2019), diante do crescente número de violação ao direito da mulher, se
faz sempre necessário e cada vez mais presente o termo feminismo, não apenas como uma
necessidade de apresentação das frustrações das mulheres, mas sim como uma necessidade de
exigir que as políticas públicas tenham um olhar apreensivo, não apenas para a questão da
violência, mas especificamente pelo motivo que ela acontece.
As autoras afirmam que a WebQuest foi criada para refletir sobre as várias formas de
violências que diariamente muitas mulheres sofrem. E dessa forma buscaram apresentar
materiais sobre seus direitos e lembrar às mulheres que não estão sozinhas. Esta WQ se
destaca por abordar a temática sobre violência contra a mulher, violência doméstica e o crime
de feminicídio. Conseguem demonstrar na página a busca incessante, de justiça, igualdade,
respeito e a luta para o fim da violência.

Discussões sobre gênero e raça no âmbito da escola

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Com base em Gomes (2003) o estudo sobre as representações do corpo negro em
ambiente escolar, pode contribuir não só para o desvelamento do preconceito e da
discriminação racial na escola, como também, poderá auxiliar a construir estratégias
pedagógicas alternativas que possibilitem compreender a construção da identidade étnico-
racial de estudantes, docentes, pessoas negras, mestiças e brancas e como esses fatores
interferem nas relações estabelecidas entre esses diferentes sujeitos no ambiente escolar.
(GOMES, 2003).
Conforme salientado por Batista; França e Felipe (2018) é necessário o
reconhecimento de se trabalhar em sala de aula a representatividade negra, visto que são
temáticas que precisam ser dialogadas com docentes, alunos/as e funcionários/as que
pertencem ao ambiente escolar e não apenas por especialistas (BATISTA; FRANÇA;
FELIPE, 2018).
É necessário que a escola, local de conhecimentos e aprendizagens, seja um ambiente
em que professores/as e toda a comunidade escolar se envolvam com questões de raça, etnia,
gênero, classe, sexualidade, para que os/as alunos/as se sintam representados/as neste espaço.
Afinal, de que maneira essas crianças teriam uma imagem positiva de si mesmas se no local
onde ficam a maior parte do tempo consideram que elas são incapazes de aprender devido a
cor da pele, classe social ou gênero? Preocupa-nos saber que ainda muitos/as são os
professores/as que não realizam ações necessárias diante de situações de preconceito entre as
crianças por não saber lidar com a temática ou simplesmente por pensar que estas questões
não cabem neste espaço (BATISTA; FRANÇA; FELIPE, 2018, p. 341).
Nesse viés, Gomes (2010) aponta a escola como um dos espaços que interfere e muito
no complexo processo de construção das identidades. Desse modo, é evidente a necessidade
de propiciar na escola diálogos de base teórica e científica, que contribuam com a
desconstrução de preconceitos, possibilitando momentos de aprendizagem e desenvolvimento
do pensamento crítico.
Nesse sentido, é preciso considerar que o/a docente em sala de aula tem a necessidade
e o papel de refletir e trabalhar para o reconhecimento, valorização e representatividade de

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alunas e alunos. Assim, compreendendo a necessidade da escola de se envolver e atuar
ativamente nas temáticas de raça e gênero, cabe destacar que no processo de ensino-
aprendizagem, os/as docentes discutem em ambiente escolar o conhecimento científico, e com
isso, acabam por reproduzir em sua prática, crenças, valores, ideias e interesses (FRANÇA;
CALSA, 2011).
As autoras, França e Calsa (2011), ainda expressam que a escola se torna um local
restrito a um modelo de estudante que corresponde à norma social, sendo um menino ou uma
menina com as características de gênero, heterossexualidade e estrutura familiar compatíveis
com o que é esperado pela sociedade (FRANÇA; CALSA, 2011).
Rossi e França (2020) afirmam que a cultura ensina e impõe desde cedo, os lugares, de
meninas que é cuidando dos afazeres domésticos, o mesmo não acontece com os meninos,
desse modo, o docente possui o papel de não reproduzir tais ideais em ambiente escolar, mas
sim atuar de forma com que desconstrua tais paradigmas. Desse modo, entendemos o quão
necessário é abrir espaço para as discussões de gênero e raça na escola, desde que, assim
como expresso por Rossi e França (2020), tenha o objetivo de problematizar preconceitos,
estigmas e “verdades naturalizadas”. Assim, se destaca a necessidade de (re)pensarmos a
formação das/os docentes, pois a insegurança causada pela falta de conhecimento ou domínio
dos recursos compromete os objetivos de uma proposta de trabalho (ROSSI; FRANÇA,
2020).
A discussão de atrelar as temáticas de raça e gênero com a tecnologia se torna
relevante visto que “[...] os cursos de licenciatura, de modo geral, não preparam os
professores para utilizar a tecnologia em sala de aula e no cotidiano escolar.” (FRANÇA,
COSTA; SANTOS, 2019, p. 656). Ou seja, vincular tais discussões, em ambiente de
formação docente, torna-se necessário pelos motivos propiciar aos professores em formação
refletir e repensar maneiras de tratar tais temáticas em ambiente escolar de forma inovadora.
Uma educação de caráter inovador será o reflexo da compreensão de que educação e
tecnologia são elementos indissociáveis, presentes no cotidiano de todos, e de que as mídias
fazem parte da informação sendo ainda, capazes de gerar conhecimento, revelando um

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educando que, na atualidade, exige mais dinamismo em seu protagonismo na construção do
saber (FRANÇA; COSTA; SANTOS, 2019, p. 653).
Acerca da desigualdade e dos ideais preconceituosos que culturalmente foram e são
instaurados na sociedade, Hooks (2015) aponta que os homens negros são muitas vezes
concebidos como sujeitos desprovidos de habilidades intelectuais. Essa visão possui viés
estereotipado do racismo e do sexismo, que veem como mais corpo do que mente, homens
negros estão propensos a serem recebidos pela sociedade da supremacia branca capitalista,
imperialista e patriarcal, como sujeitos inferiores intelectualmente. Gomes (2010) ressalta que
as teorias racistas presentes no cotidiano escolar e na sociedade não surgiram
espontaneamente, mas terminam por legitimar o racismo presente no imaginário social e na
prática social e escolar. Desse modo, cabe ressaltar a necessidade de uma educação
antirracista sugerida por Hooks (2015) e constatamos que a WQ pode ser um caminho
possível para a efetivação desta prática pedagógica e cultural.

A WQ contribuindo nas interseccionalidades de raça, gênero e Direitos Humanos

Torna-se evidente que educar em direitos humanos parte do objetivo de garantir e


propiciar vida digna a todas as pessoas, independente de raça, nacionalidade, gênero, etnia,
orientação sexual ou opção política. Sugerimos propagar discussões com o objetivo de
alcançar a compreensão dos/as alunos/as em direitos humanos, utilizando de ferramentas
como a WQ.
Desse modo, segundo Candau (2012) a luta pelos direitos humanos é protagonizada
pela busca da igualdade entre todos os seres humanos.

O primeiro artigo da Declaração Universal (1948) "Todos os seres humanos


nascem livres e iguais em dignidade e direitos e, dotados que são de razão e
consciência, devem comportar-se fraternalmente uns com os outros" tem
sido o centro das preocupações e suscitado inúmeras ações e políticas
orientadas a garantir a igualdade entre todas as pessoas e a denunciar as
múltiplas desigualdades que necessitamos superar para que se logre a

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efetivação dos direitos humanos, realidade ainda muito precária e frágil na
maior parte do planeta, especialmente quando referida aos grupos excluídos,
marginalizados e discriminados (CANDAU, 2012, p.716).

Nesse contexto, Louro (1997) elucida que é possível pensar as identidades de gênero
de modo semelhante: elas também estão continuamente se construindo e se transformando.
Em suas relações sociais, perpassada por diferentes discursos, símbolos, representações e
práticas, os sujeitos vão se construindo como masculinos ou femininos, arranjando e
desarranjando seus lugares sociais, suas disposições, suas formas de ser e de estar no mundo.
Essas construções e esses arranjos são sempre transitórios, transformando-se não apenas ao
longo do tempo, historicamente, como também se transformando na articulação com as
histórias pessoais, as identidades sexuais, étnicas, de raça, de classe (LOURO, 1997).
Tratar gênero e raça, atualmente articulado a tecnologia, pode ser considerado como
fundamental, visto que, as tecnologias circundam e está presente em todos os meios na
sociedade, assim como a internet, sendo um meio rápido de consumir e produzir conteúdo. Ou
seja, conciliar a tecnologia de forma que contribua na formação de professores, tratando de
assuntos necessários e relevantes, possibilitará uma formação de professores, com olhares
voltados a equidade, justiça, liberdade e direitos, consequentemente, será refletido na escola,
contribuindo para que os discursos preconceituosos e conservadores não ganhem forças, não
sejam produzidos, e disseminados.
Entende-se a importância de “Educar em direitos humanos e para que as relações de
gênero sejam equitativas é um processo lento, constante, que deve permanecer por toda a vida
dos seres humanos.” (MACIEL, 2016, p.141). Desse modo, pode-se concluir que o objetivo
de tratar sobre direitos humanos, e principalmente no contexto de direito das mulheres e das
pessoas negras, o intuito surge como forma de tornar toda e qualquer relação justa assim
como Maciel destaca:

Sob o olhar de que a educação em direitos humanos favorece a construção de


uma sociedade equitativa, justa, harmônica, e sob o olhar de que, para isso, é
necessário o empoderamento dos desfavorecidos historicamente através de

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um trabalho engajado politicamente, considera-se de suma importância que a
escola esteja atenta não só ao educar para os direitos humanos, mas também
ao educar para desconstruir as relações de gênero que menosprezam a
mulher (MACIEL, 2016, p.138).

No sentido de destacar estudos que foram e vem sendo realizados por autores/as
acerca desta temática, a presente pesquisa evidencia, assim como Candau (2012), que a luta
pelos direitos humanos tem estado protagonizada pela busca da afirmação do reconhecimento
das diferenças e as condições de igualdade entre todos os seres humanos.

Considerações finais

Consideramos as Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC) cada vez


mais presentes em diversos meios, inclusive no campo da educação. Visto que as tecnologias
são capazes além de produzir, também difundir e propagar discursos, se evidencia a
importância de torná-la uma ferramenta de cunho pedagógico, com o objetivo de difundir
conhecimentos acerca de temáticas como de direitos humanos, gênero, raça e educação. Por
esses motivos se torna necessário atrelar essas discussões, presentes no meio tecnológico,
como forma de compreender as contribuições capazes de oferecer para os alunos do curso de
pedagogia, que se encontram no processo de formação docente, com o intuito de descontruir
discursos preconceituosos e conservadores.
Entendemos que os direitos humanos, que são direitos fundamentais e essenciais a
todo indivíduo, deveriam ser de conhecimento de todos e todas. Consideramos a WebQuest
como um elemento a ser inserido no contexto de ensino-aprendizagem, de forma que
desenvolva nos/as estudantes suas habilidades críticas no que se refere a seus direitos, assim
como a temática de gênero e raça. Em outras palavras, “[...] pode-se dizer que a escola possui
responsabilidade ainda maior quanto à formação de meninos e meninas em direitos humanos e
gênero” (MACIEL, 2016, p. 141). Portanto, é necessário e urgente relacionar a educação e às
tecnologias aos temas de direitos humanos, gênero e raça.

Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022


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“ESTAVAM TODOS ARMADOS COM FACAS LASER QUE CORTAM
ATÉ A VIDA”: UMA ANÁLISE INTERSECCIONAL DA VIOLÊNCIA
NO CONTO “MARIA”, DE CONCEIÇÃO EVARISTO
Danieli Cássia dos Santos1
Wilma dos Santos Coqueiro2

Resumo Neste artigo propomos uma análise a respeito da violência presente no conto intitulado
“Maria”, que integra a obra Olhos D'água, publicada originalmente em 2014, pela escritora Conceição
Evaristo, a partir dos estudos sobre a interseccionalidade de raça, gênero e classe. O conto narra a
trajetória da personagem feminina negra Maria, uma empregada doméstica e mãe solo, que enfrentava
diversas dificuldades para cuidar dos filhos. Nesse sentido, a narrativa versa acerca das várias
opressões que Maria vivencia, até o ponto em que é “linchada” dentro de um ônibus, sofrendo de uma
cruel violência por ser mulher pobre e negra. Para isso, buscamos nos pautar no aporte teórico dos
Estudos Culturais e da Crítica feminista, de autores/as como, entre outros, Cuti (2010), Brah e Phoenix
(2017), Melo e Thomé (2018), Gonzales (2018, 2020), Akotirene (2020), Silva (2019) e Ribeiro
(2018, 2019).

Palavras-chave: Literatura Negro-Brasileira. Feminismo Interseccional. Conceição Evaristo.


Violência contra a mulher.

“A sacola havia arrebentado e as frutas rolavam pelo


chão. Será que os meninos iriam gostar de
melão? Estavam todos armados com facas a laser
que cortam até a vida. Quando o ônibus esvaziou,
quando chegou a polícia, o corpo da mulher estava
todo dilacerado, todo pisoteado”.
(Conceição Evaristo)

O feminismo interseccional e a literatura negro-brasileira de Conceição Evaristo

Pretendemos, neste artigo, abordar as interseccionalidades que incidem na opressão e

1
Mestranda do Programa de Pós-graduação Interdisciplinar Sociedade e Desenvolvimento (PPGSeD). Graduada
em Letras Português/Inglês pela Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR). E-mail:
danielicassiasantos@gmail.com.
2
Doutora em Letras/área de concentração em Estudos Literários pela Universidade Estadual de Maringá (UEM),
Maringá, PR. Docente adjunta do colegiado de Letras e do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar
Sociedade e Desenvolvimento (PPGSeD), Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR), campus de Campo
Mourão. E-mail: wilma.coqueiro@ies.unespar.edu.br.
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na violência em relação à figura Femina negra. Porém, antes de discutirmos o surgimento do
feminismo interseccional, iremos apresentar, de forma breve, um pouco do movimento
feminista em âmbito geral e, em seguida, adentraremos nas reflexões acerca do conto
denominado “Maria”, que integra a coletânea Olhos D’ água (2014), da escritora negra
Conceição Evaristo.
Ao longo dos séculos, as mulheres foram caracterizadas como inferiores e proibidas de
atuarem na sociedade de forma efetiva. Dessa maneira, a elas foram negados direitos
fundamentais, além de os grandes papéis de chefia, e de participação na vida social,
econômica e política; porém, a partir de muitos embates e lutas, as mulheres têm conseguido
galgar espaços nas relações de poder, tudo isso, graças aos movimentos feministas embasados
em teorias que fundamentam e discutem as dominações patriarcais e as condições de
submissão impostas a essa categoria.
De acordo com Silva (2019), o termo feminismo trata-se de uma luta política,
intelectual e filosófica que busca desconstruir com os "padrões sociais” que reproduzem os
ciclos de opressões que cerceiam a figura feminina de vivenciar a sua liberdade de escolha e
os direitos humanos. Frente a isso, podemos destacar alguns marcos históricos que
contribuíram para fomentar as reivindicações feministas; cabe frisar que cada acontecimento
ou “cada onda feminista tem suas particularidades — bem como mulheres protagonistas de
cada um desses momentos — assim como apresentavam demandas principais distintas”
(SILVA, 2019, p.6).
Para Silva (2019), a “primeira onda” feminista relaciona-se com o Movimento
Sufragista, que ocorreu entre a transição do século XIX para o século XX, nos Estados Unidos
e no Reino Unido. A pauta que marcou esse período foi a luta por direitos civis e políticos, já
consolidados aos homens. A “segunda onda”, para a autora, surgiu na década de 1950, após a
publicação do livro O segundo sexo, de Simone de Beauvoir. É nessa fase que temos a
distinção entre os conceitos de “gênero” (passa a ser relacionado com as convenções sociais,
históricas e culturais) e “sexo” (passa a ser oriundo da biologia). Em relação à “terceira onda”
do feminismo, Silva (2019) afirma que após as transformações da Guerra Fria, nas décadas de

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1980 e 1990, temos um feminismo que busca identificar os diversos tipos de mulheres e as
condições em que estão inseridas, já que resultam em opressões distintas. A autora, ainda,
salienta a existência de uma “quarta onda” feminista em curso que estaria ligada à liquidez das
redes sociais, em um contexto pós-moderno.
Embora os vários movimentos feministas tenham sido fundamentais para a conquista
de pautas importantes, devemos observar que essas lutas atendiam a demandas de um grupo
seleto de mulheres. Assim, enquanto a mulher branca de classe alta lutava pelos direitos ao
voto e ao trabalho fora de casa, as mulheres negras não tinham voz e nem visibilidade.
Segundo Melo e Thomé (2018), é a partir da década de 1960 que ocorrem as críticas a
respeito do chamado “feminismo etnocêntrico”, e surge o feminismo negro, debatido, por
exemplo, pela feminista negra estadunidense Ângela Davis. No Brasil, a grande expoente do
feminismo negro, foi a professora e antropóloga Lélia Gonzales. Para Melo e Thomé (2018),
Lélia pregava a seguinte premissa: enquanto as mulheres brancas lutavam pelo direito ao
trabalho, as negras tinham que trabalhar em condições precárias e sem aparato legal. Nesse
sentido, são rentáveis as reflexões da filósofa brasileira Djamila Ribeiro (2018), de que “a
invisibilidade da mulher negra dentro da pauta feminista faz com que ela não tenha seus
problemas nem ao menos nomeados. E não se pensa em saídas emancipatórias para problemas
que nem sequer foram ditos” (RIBEIRO, 2018, p. 83).
A partir do feminismo negro surgiu o feminismo interseccional, que considera as
opressões sofridas por mulheres de diferentes classes, raças, sexualidades. Nessa perspectiva,
na literatura negro-brasileira3, um dos nomes mais representativos da atualidade, que aborda a
interseccionalidade em suas obras, é Maria Conceição Evaristo de Brito, nascida na periferia
de Belo Horizonte, Minas Gerais, em 1946. Segundo Machado (2014), Conceição Evaristo,
nome pelo qual a autora ficou conhecida em seus escritos, trata-se de uma importante autora
3
Existem diferentes formas de conceituar a literatura escrita por afrodescendentes do Brasil que englobam os
requisitos essenciais à conceituação dessa literatura, como entre outros: autoria, tema, perspectiva, ponto de vista
e questões de linguagem. Assim, alguns críticos, como Eduardo Assis Duarte (2008), optam pelo termo
Literatura Afro-brasileira, por entenderem que a literatura feita por negros no Brasil reflete a ancestralidade
africana. Contudo, nesse trabalho, optamos pelo termo Literatura Negro-Brasileira, usado pelo crítico e escritor
literário Cuti (2010), que entende que “a literatura negro-brasileira nasce na e da população negra que se formou
fora da África, e de sua experiência no Brasil” (p. 44).
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negra contemporânea. Evaristo participou assiduamente das pautas e do Movimento Negro,
no Rio de Janeiro, na década de 1970, pois “Conceição frequentava os debates e discussões no
IPCN (Instituto de Pesquisa das Culturas Negras), entre outras atividades do movimento, que
tinham o objetivo de fazer conhecer a mobilização negra que extrapolava o lugar e a época em
que se encontravam” (MACHADO, 2014, p. 252). Machado (2014), ao realizar um
levantamento sobre a trajetória de Conceição Evaristo, nos mostra que ela iniciou a graduação
em Letras no ano de 1976, na Universidade Federal do Rio de Janeiro, porém teve que
interrompê-la no último ano de graduação em decorrência do nascimento de sua filha. No
entanto, a escritora formou-se em 1989 e, tempos depois, concluiu o mestrado na Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), e o doutorado pela Universidade Federal
Fluminense (UFF), em literatura comparada, no ano de 2011. Todas as suas pesquisas e
escritos abordam temáticas ligadas às pautas negras e questões que refletem a
interseccionalidade entre raça, gênero e classe.
Conceição publicou o seu primeiro texto, intitulado Vozes-Mulheres, nos Cadernos
Negros, no ano de 1990. O seu primeiro romance intitula-se Ponciá Vicêncio (2003) e, dentre
outras obras, destacam-se: Becos da memória (2006), Insubmissas lágrimas de mulheres
(2011), Olhos d’água (2014) e Histórias de leves enganos e parecenças (2016). Ademais, é
relevante destacar que suas obras, nas quais ela se define e se afirma como escritora negra,
foram publicadas por editoras pequenas e voltadas a temas afrodescendentes, tais como: Malê,
Mazza e Pallas, marcando, assim, a escolha identitária da autora.
Tendo em vista as considerações feitas acerca do movimento feminista e da autora
Conceição Evaristo, nos próximos tópicos, iremos conceitualizar, brevemente, o termo
"interseccionalidade", no cerne do movimento negro e realizar uma análise acerca do conto
“Maria”, que integra o livro intitulado Olhos d' água (2014).

O feminismo interseccional e a resistência negra

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Segundo Melo e Thomé (2018), o termo feminismo interseccional foi cunhado, pela
primeira vez, em 1989, pela advogada e professora norte americana Kimberlé Williams
Crenshaw, ao analisar as leis que abordavam a discriminação feminina, sofrida por mulheres
negras estadunidenses. Nas palavras das autoras:

Do feminismo negro emergiu a corrente intitulada feminismo interseccional,


a partir dos escritos de Kimberlé Williams Crenshaw, nascida em 1959,
professora de direito, a qual, analisando as leis contra a discriminação,
concluiu que tratavam de forma diferenciada os aspectos de raça e gênero.
Assim, tais leis ignoravam que tanto gênero quanto raça estão inter-
relacionados e essa inter-relação deveria ser considerada nas decisões
judiciais relacionadas a esse grupo específico (MELO; THOMÉ, 2018, p.30-
31).

A interseccionalidade, segundo Táboas (2021), seria um “importante instrumento


político e judicial (em especial, como técnica de argumentação jurídica) [...] para o
fortalecimento do feminismo negro, para a afirmação da heterogeneidade entre as mulheres e
para a desconstrução das teorias universalistas” (TÁBOAS, 2021, p.6). A autora pontua o uso
do método denominado materialismo histórico-dialético, a partir das teorias de Heleieth
Saffioti, para a compreensão do conceito de interseccionalidade nas relações sociais de poder
e dominação. É importante ressaltar que as teorias advindas do marxismo tendem a conceber
o feminismo, predominantemente, sob a ótica das classes sociais, fator que segundo algumas
feministas pós-modernas dificulta a visibilidade das relações interseccionais.
Dessa maneira, segundo Táboas (2021), tal método aponta a interseccionalidade como
uma forma limitada de se analisar a realidade, já que apresenta uma estrutura estável, que não
considera as "relações dinâmicas e historicizadas”; além disso, observa-se que os “sujeitos”
tendem a privilegiar a individualização ao invés da coletividade, ao organizarem os
movimentos de resistência contra as opressões, como elucida o excerto a seguir:

a adoção da interseccionalidade como método de análise pode nos levar à


compreensão da realidade a partir de uma noção geométrica, com categorias
fixas, em vez de relações dinâmicas e historicizadas. Ela desenvolve também

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que a multiplicidade de categorias pode dissimular as relações sociais
determinantes do ser social e fragmentar/individualizar as formas de
resistência das sujeitas/os oprimidas/os, priorizando a concepção de
indivíduos como vítimas e relativizando a totalidade concreta das relações
do ser social, o que pode retirar do foco de análise e da tática das
organizações a construção de sujeitos coletivos efetivamente capazes de
reagir e resistir aos processos de dominação-exploração (TÁBOAS, 2021, p.
7).

Em contraponto ao discurso de Táboas, Akotirene (2019) argumenta que o conceito de


interseccionalidade se torna pertinente, ao passo em que nos leva a refletir sobre os critérios
de “oprimido” e “opressor”, ou seja, em que situações somos consideradas vítimas, e não
compactuamos das violências contra os demais grupos marginalizados, uma vez que o
silêncio e a naturalização da opressão também configuraram um ato inconcebível. A autora
nos apresenta a interseccionalidade como uma forma de pensar acerca das especificidades de
cada comunidade, e da importância de considerarmos as questões de raça, classe e gênero, ao
afirmar que a "interseccionalidade estimula o pensamento complexo” (AKOTIRENE, 2019,
p. 38). Com efeito, este último termo nos remete às explanações do filósofo Edgar Morin, que
define o pensamento complexo como uma possibilidade de se estabelecer "conexões entre
diferentes coisas” (MORIN, 1996, p. 286). Em outras palavras, Morin não concebe a
complexidade como algo inatingível, mas como uma rede de ideologias, teorias que estão
intrinsecamente interligadas.
Como já mencionado, o feminismo negro, ao opor-se à visão essencialista e
universalista do feminismo hegemônico das mulheres bancas e de classe média e alta, foi um
movimento relevante para a construção do pensamento interseccional, posto que, segundo
algumas autoras, o primeiro não pode ser dissociado do segundo. Ao traçarmos um panorama
histórico, podemos observar que na luta pelo sufrágio, as mulheres estadunidenses que
compunham essa pauta eram essencialmente brancas; porém, a partir do discurso de Sojourner
Truth, uma mulher negra, perpassada pelas opressões da escravidão, temos um
questionamento dessa homogeneidade na luta pelos ideais feministas. Truth, em 1851, na
Convenção de Direitos das Mulheres em Akron, (BRAH; PHOENIX, 2017) problematiza a

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sua identidade feminina, ao indagar o motivo de não ser convidada a participar do movimento
feminista, mesmo sendo uma mulher. Ela enfatiza o sentimento de não pertencimento a esse
grupo, que desconsiderava as mulheres negras e indígenas como parte integrante dessa luta.
Por isso, “uma característica-chave da análise feminista da interseccionalidade é a
preocupação com o ‘descentramento’ do ‘sujeito normativo’ do feminismo” (BRAH;
PHOENIX, 2017, p. 666). Segundo Akotirene (2019), a interseccionalidade torna-se uma
forma de compreender as sobreposições identitárias que circundam as mulheres negras, como
elucida o seguinte trecho:

A interseccionalidade é sobre a identidade da qual participa o racismo


interceptado por outras estruturas. Trata-se de experiência racializada, de
modo a requerer sairmos das caixinhas particulares que obstaculizam as lutas
de modo global e vão servir às diretrizes heterogêneas do Ocidente, dando
lugar à solidão política da mulher negra, pois que são grupos marcados pela
sobreposição dinâmica identitária. É imprescindível, insisto, utilizar
analiticamente todos os sentidos para compreendermos as mulheres negras e
“mulheres de cor” na diversidade de gênero, sexualidade, classe, geografias
corporificadas e marcações subjetivas (AKOTIRENE, 2019, p. 29).

Em suma, uma análise interseccional demanda um olhar multifacetado, capaz de


identificar os vários fatores que corroboram para a opressão feminina. Assim sendo, torna-se
essencial discutir os impactos do racismo, do patriarcado e do colonialismo, na medida em
que impossibilitam a existência de uma democracia real e igualitária. A interseccionalidade
apresenta-se como principal mecanismo para se pensar nos diferentes tipos de violências
instauradas na sociedade brasileira, sobretudo no que se refere ao gênero feminino.

Racismo e violência: uma análise do conto “Maria”, de Conceição Evaristo


O conto intitulado “Maria”, que compõe a coletânea Olhos D’ água, inicia-se narrando
a história da personagem feminina que intitula o conto, Maria, uma mulher negra, mãe, e
empregada doméstica informal, que era vítima da exploração trabalhista por parte da patroa.
Certo dia, ao voltar para a casa de ônibus, começa a refletir a respeito das sobras que levava

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da casa patroa e em como seus filhos ficariam felizes com a comida; ademais, ela também
rememora a árdua jornada de trabalho. Sem perceber, um homem senta-se ao lado de Maria,
que demora a reconhecê-lo; mas, logo a mulher percebe que se trata de seu ex-companheiro e
pai de um de seus filhos. O homem demonstra saudade da ex-companheira e pede à Maria que
mande um abraço ao filho; em seguida, saca uma arma e inicia um assalto; o assaltante rouba
os pertences de todos, menos dela. Assim, as pessoas dentro do ônibus acusam Maria de ser
comparsa do “bandido”. Após uma série de ofensas de cunho racista, mesmo a mulher sendo
inocente e sem provas para acusá-la, os passageiros a lincham. Assim, Maria morre sem
direito à defesa, a não ser do motorista do ônibus que a conhecia e tenta inutilmente interceder
por ela junto aos passageiros.
A antropóloga e feminista brasileira Lélia Gonzalez, ao realizar um mapeamento das
profissões ocupadas por mulheres negras, na década de 1950, percebeu que a maioria ocupava
postos de desprestígio social, concentrando-se em grande parte, em serviços domésticos de
pouca remuneração (GONZALEZ, 2020). Dessa forma, concluiu-se que os fatores de raça,
gênero e classe implicavam diretamente nesses resultados. Consoante a essa realidade,
Akotirene (2019) afirma que as mulheres negras, no contexto pós-moderno, são associadas a
estereótipos de “mães solteiras”, “chefes de famílias desestruturadas”, caracterizações que
tornam superficiais as identidades dessas mulheres. A autora, postula que:

Além disso, o padrão colonial ora elege as mulheres negras como dirigentes
do tráfico de drogas, ora homicidas de companheiros violentos, quando não,
pactuam as coações impostas por filhos e maridos encarcerados para que
mulheres negras transportam drogas até o sistema prisional, uma faceta
hedionda punitivista das mulheres negras (AKOTIRENE, 2019, p. 55).

Segundo Figueiredo (2019), o arquétipo da empregada doméstica, na literatura, foi


majoritariamente ocupado pela figura da mulher negra. Para Figueiredo (2019), as obras de
mulheres brancas, como Clarice Lispector e Lygia Fagundes Telles, apresentam o papel de
empregada doméstica atrelada à mulher negra, que a autora ressalta ser uma construção que
coloca essas mulheres como silenciosas e passivas. Nas narrativas de Conceição Evaristo,

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temos empregadas que expressam uma complexidade maior, que mesmo diante das opressões
mostram-se “atrevidas”, e capazes de questionarem a sua situação.
Dessa forma, ao realizarmos a análise do conto “Maria”, podemos observar que os
apontamentos elencados por Gonzales (2020) e Akotirene (2019), a respeito das profissões
ocupadas por mulheres negras se fazem presentes na identidade da protagonista, pois ela
ocupa duplamente um papel social estigmatizado, primeiro por ser uma empregada doméstica,
e segundo por ser uma mãe negra a solo. Tais fatores, fazem da personagem Maria, uma
representação contemporânea da figura feminina negra, muitas vezes marginalizada,
conforme elucidam os fragmentos a seguir:

[...] havia tido festa na casa da patroa. Ela levava para casa os restos. O osso
do pernil e as frutas que tinham enfeitado a mesa. Ganhara as frutas e
gorjetas. O osso, a patroa iam jogar fora [...] É. Ela teve mais dois filhos,
mas não tinha ninguém também. Ficava, apenas de vez em quando, com um
ou outro homem (EVARISTO, 2014, p. 39-40).

Segundo Lélia Gonzalez (1988), devemos valorizar as tradições oriundas do


continente africano, porém devemos considerar as singularidades dos diversos grupos
afrodescendentes que vivem na América. Tal premissa fez de Gonzales uma renovada
referência no campo dos estudos do feminismo decolonial, já que ela viabiliza os vários
discursos das figuras femininas latino-americanas. Por isso, para a autora, torna-se importante
o uso do termo "amefricanidade", expressão que nos permite “ultrapassar as limitações de
carácter territorial, linguístico e ideológico, abrindo novas perspectivas para um entendimento
mais profundo dessa parte do mundo onde ela se manifesta: a América e como um todo [...]”
(GONZALEZ, 1988, p. 76).
No tocante a “amefricanidade", Gonzalez (1988) destaca o termo “Diáspora", ou seja,
dispersão de um povo, em virtude de questões políticas e religiosas, para caracterizar a
população negra da América-Latina. E depois aponta o racismo como problemática em
comum entre esse grupo subalternizado, como podemos observar no seguinte trecho: “embora
pertençamos a diferentes sociedades do continente, sabemos que o sistema de dominação é o
mesmo em todas elas, ou seja: o racismo” (GONZALEZ, 1988, p. 77, grifos da autora).
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Frente ao dizer de Lélia Gonzalez e de outras feministas, que teceram contribuições
acerca do feminismo interseccional, observa-se que para as mulheres negras, as questões de
raça e de status social influenciam mais do que as opressões realizadas em função do gênero.
O que não significa afirmar que estas últimas não recaiam sobre essas mulheres. Dessa forma,
salienta a filosofa, ativista e feminista Djamila Ribeiro (2019) que:

Simone de Beauvoir, em referência a Stendhal, autor que segundo a filosofia


atribuía humanidade às suas personagens femininas, dizia que um homem
que enxergasse a mulher como sujeito e tivesse uma relação de alteridade
para com ela poderia ser considerado feminista. Esse mesmo raciocínio pode
ser usado para pensar o antirracismo, com a ressalva de que a sobre a mulher
negra incide a opressão de classe, gênero e de raça, tornando o processo
ainda mais complexo (RIBEIRO, 2019, p. 9).

Por conseguinte, Ribeiro (2019) promove uma exímia reflexão acerca da definição da
expressão “lugar de fala”, ou seja, “de que ponto as pessoas partem para pensar e existir no
mundo, de acordo com as suas experiências em comum” (RIBEIRO, 2019, p. 14). Em outras
palavras, cada pessoa constrói o seu discurso a partir das ideologias que permeiam o grupo
social ao qual pertence. Diante disso, consoante à fala de Djamila Ribeiro, Monteiro e
Mercher (2020) postulam que compreender o “lugar de fala” de onde as pessoas partem,
significa tornar visível a luta desses indivíduos, além de possibilitar a erradicação dos
universalismos. Com efeito, para eles, o feminismo interseccional seria um caminho possível
para isso. Desse modo, são pertinentes as considerações de Cuti4 (2010) de que a literatura
apresenta uma função relevante para combater o racismo, pois quando é produzida por autores
“negro-brasileiros”, possui a visão de indivíduos que passaram por situações discriminatórias
e racistas, o que possibilita um relato mais fidedigno dessa realidade, contribuindo para um
movimento de resistência.
Ao lermos o conto, podemos identificar como a questão de gênero perpassa a obra, ou
seja, a protagonista questiona-se acerca do modo de vida masculino, desprovido de tantas
responsabilidades “entendidas” como unicamente femininas, por exemplo, a de educar os
4
Pseudônimo de Luiz silva, dramaturgo, crítico literário e também criado dos “Cadernos Negros”.
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filhos, tal qual podemos observar no seguinte trecho: “E veja só, homens também! Homens
também? Eles haveriam de ter outra vida. Como eles tudo haveria de ser diferente”
(EVARISTO, 2014, p. 40). Todavia, mesmo apresentando uma perspectiva feminista em sua
obra, Conceição Evaristo não deixa de humanizar seus personagens masculinos, pois
compreende que eles também são assolados pelos fatores de classe e raça, como acontece
como o ex-companheiro de Maria que, apesar de cometer crimes, detinha carinho pelo filho,
como podemos observar no excerto: “Ele estava dizendo de dor, de prazer, de alegria, de
filho, de vida, de morte, de despedida” (EVARISTO, 2014, p. 41). A respeito dessa
peculiaridade da literatura negra, Cuti, em sua obra Literatura negro-brasileira (2010),
ressalta a importância da construção de personagens negros “complexos” e humanizados, sem
a necessidade de ponderarem entre os polos do bem ou do mal, já que essa dicotomia só
minimiza a profundidade de suas relações sociais.
A escritora Conceição Evaristo utiliza em suas obras uma linguagem poética e ao
mesmo tempo coloquial. A primeira, é possível de ser observada, por meio, das metáforas e
repetições presentes no conto, como no fragmento: “faca a laser corta até a vida”; frase que
aparece cerca de três vezes, e antecipa o final trágico da protagonista. Outro exemplo de sua
linguagem poetizada pode ser identificado na junção de palavras, criando-se assim um
vocábulo, por exemplo, na expressão: “buraco-saudade”. Já a segunda, marcada pela
linguagem oral, representa os falantes que vivem à margem da sociedade, em favelas e
barracos; ao realizar esse movimento, Conceição não os desprestigia, mas traz à tona o
protagonismo desse grupo social. Podemos observar alguns resquícios da oralidade no trecho
a seguir, na medida em que há o uso excessivo de pontos finais para marcar pausas, o recurso
estilístico nos proporciona uma maior dramaticidade da cena descrita:

Maria estava com muito medo. Não dos assaltantes. Não da morte. Sim da
vida. Tinha três filhos. O mais velho, com onze anos, era filho daquele
homem que estava ali na frente com uma arma na mão. [...] O medo da vida
em Maria ia aumentando. Meu Deus, como seria a vida dos filhos?
(EVARISTO, 2014, p. 41).

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124
Nesse trecho, torna-se notável, o amor maternal da personagem Maria que não teme a
morte, mas sim o que aconteceria com os filhos em sua ausência. A escolha do nome Maria,
nos remete a personagem bíblica homônima, ao passo que é comumente atrelada ao papel
materno; além disso, trata-se de um nome usual em nosso país. Contudo, diferente da
matriarca religiosa, a personagem Maria recebe um julgamento injusto e sem direito a defesa,
como veremos adiante:

foi quando uma voz acordou a coragem dos demais. Alguém gritou que
aquela puta safada lá da frente conhecia os assaltantes. Maria se assustou.
Ela não conhecia assaltante algum. Conhecia o pai de seu primeiro filho.
Conhecia o homem que tinha sido dela e que ela ainda amava tanto. Ouviu
uma voz: Negra safada, vai ver, ver que estava de coleio com os dois. [...]
Mentira, eu não fui e não sei por quê. Maria olhou na direção de onde vinha
a voz e viu um rapazinho negro e magro, com feições de menino que
relembravam vagamente o seu filho (EVARISTO, 2014, p. 41-42, grifos da
autora).

A personagem Maria sofreu uma maior retaliação, por ser uma mulher negra e pobre,
moradora de uma periferia urbana. Assim, podemos inferir o peso desses fatores sobre a
protagonista, por meio da caracterização que os outros passageiros do ônibus fazem dela, isto
é, a chamam de forma pejorativa de “negra safada”. Dessa maneira, “o preconceito racial e de
gênero são preponderantes para a avaliação prévia de alguém” (CUTI, 2010, p. 24); destarte, a
partir do dizer de Cuti, podemos observar a relevância de se romper com esses estereótipos
ligados às questões raciais, sociais e de gênero, ao passo de que causam danos nocivos para
com as suas vítimas, como ocorre com Maria que é brutalmente morta por esse julgamento
superficial, cruel e injusto.
A violência sofrida por Maria, como ocorre com tantas mulheres negras e pobres reais
das periferias urbanas, nos mostra como a sociedade tende a acusar e a marginalizar um
determinado grupo social, a fim de tornar legítimos atos brutais e animalescos. A morte da
protagonista, que é “linchada”, ou seja, agredida até o último suspiro, nos evoca a trajetória de
muitas mulheres negras que são assassinadas por motivos banais, apenas por serem associadas
a um imaginário construído pelo patriarcado: de que mulheres não podem serem livres e
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detentoras de algum poder. De fato, podemos perceber isso, por meio dos adjetivos de carga
negativa que são dirigidos à personagem como: “safada”, “puta” e “atrevida”. O discurso
masculino utiliza-se dessa justificativa para legitimar a agressão sofrida pela protagonista,
como no trecho: “Olha só, a negra ainda é atrevida'', disse o homem, lascando um tapa no
rosto da mulher” (EVARISTO, 2014, p. 42, grifos da autora). Podemos observar em alguns
excertos do conto a presença da técnica narrativa denominada fluxo de consciência, isto é,
quando não conseguimos separar as falas de alguns personagens, pois encontram-se
mescladas. No trecho a seguir, há momentos em que não conseguimos diferenciar o discurso
do narrador e da personagem. Como podemos observar no fragmento a seguir:

[...] Aquela puta, aquela negra safada estava com os ladrões! O dono da voz
levantou e se encaminhou em direção à Maria. A mulher teve medo e raiva.
Que merda! Não conhecia assaltante algum. Não devia satisfação a ninguém.
Olha só, a negra ainda é atrevida, disse o homem, lascando um tapa no
rosto da mulher. Alguém gritou: Lincha! Lincha! Lincha!... Uns passageiros
desceram e outros voaram em direção à Maria. O motorista tinha parado o
ônibus para defender a passageira. [...] Lincha! Lincha! Lincha! Maria punha
sangue pela boca, pelo nariz e pelos ouvidos. A sacola havia arrebentado e
as frutas rolavam pelo chão. Será que os meninos iriam gostar de
melão? Estavam todos armados com facas a laser que cortam até a vida.
Quando o ônibus esvaziou, quando chegou a polícia, o corpo da mulher
estava todo dilacerado, todo pisoteado (EVARISTO, 2014, p. 42, grifos da
autora).

A única pessoa que tentou ajudar a mulher foi o motorista do ônibus, posto que o
restante dos passageiros gritava para que ela fosse “linchada”, ou a ignorava. A partir desse
ponto, podemos inferir a presença do racismo estrutural e da omissão das práticas racistas,
falseando a sua existência na sociedade. Diante disso, a personagem feminina foi vítima da
violência a partir de fatores que interseccionam classe, gênero e raça. Desse modo, o conceito
de interseccionalidade, discutido anteriormente, está intrinsecamente ligado à reflexão acerca
da trajetória trágica da personagem no conto, visto que a protagonista não pertencia à elite,
pois era uma empregada doméstica; tratava-se de uma mulher e, em virtude disso, recebe

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julgamentos por relacionar-se com diferentes parceiros e por ser uma mãe solo, além de ser
negra.

Considerações Finais

Em síntese, cabe-nos frisar que o feminismo interseccional não pode ser concebido
fora do âmago do feminismo negro, pois, como observamos ao longo desse artigo, trata-se de
uma perspectiva que nasce atrelada às lutas feministas e antirracistas. Nesse sentido, parece
necessário compreender toda a trajetória dos movimentos feministas e seus desdobramentos
para, então, tentarmos traçar uma conceituação adequada para as relações de
interseccionalidade, que se constroem nos recortes de complexidade.
O racismo estrutural trata-se de uma mazela que perpassa as sociedades latino-
americanas pós-modernas, ao ponto de gerar consequências nocivas a um grupo social como,
por exemplo, a desumanização desses indivíduos, privados de "ocupar" certos espaços e
submetidos a inúmeras opressões e violências como, por exemplo, o que acontece com a
personagem Maria, que foi privada de ocupar o espaço de um coletivo, sendo abruptamente
morta. Nesse sentido, podemos destacar a figura feminina negra que sofre triplamente com os
vários tipos de violência e submissão, já que sofre o peso das confluências da
interseccionalidade de raça, gênero e classe.
Na seara ficcional da literatura negro-brasileira, a escritora Conceição Evaristo, ao
tecer uma narrativa que retrata a realidade dessas mulheres, representadas pela protagonista
do conto, nos apresenta a necessidade de buscarmos mecanismos para desarraigar os diversos
tipos de violência e práticas excludentes. Frente a isso, Conceição destaca em suas obras as
lutas do Movimento Negro, já que pertence a esse grupo; por isso, ao traçar personagens
mulheres e negras, a autora realiza um discurso político, pois traz ao centro da representação
literária, a produção cultural feita por pessoas negras, e fomenta a literatura “negro-
brasileira”, assim denominada por Cuti.

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A partir desse viés, podemos destacar a importância de traçarmos ações que rompam
com as práticas racistas e promovam a inserção de mulheres negras em lugares de prestígio e
poder, posto que tal qual afirma Djamila Ribeiro: “a responsabilidade leva a ação. Dessa
forma, se o primeiro passo é desnaturalizar o olhar condicionado pelo racismo, o segundo é
criar espaços, sobretudo em lugares que pessoas negras não costumam acessar” (RIBEIRO,
2019, p. 14). Por essa razão, devemos tornar audível a voz de pessoas negras em espaços
ocupados pela elite social e intelectual do país, desenvolver condições para erradicar o
racismo e demais práticas discriminatórias. Com efeito, discutir sobre esses assuntos, significa
contribuir massivamente para mudar esse sistema de segregação racial e social que assola a
nossa sociedade brasileira.

Referências

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LITERATURA, HISTÓRIA E MEMÓRIA: BREVE ANÁLISE DE
HIBISCO ROXO, DE CHIMAMANDA NGOZI ADICHIE
Maiara Cristina Segato1

Resumo: O fim do colonialismo não representou o fim das relações de poder discriminatórias. A
literatura pós-colonial, nesse aspecto, promove questionamentos e discussões a respeito da
problemática ao redor dos sujeitos envolvidos no processo de colonização ou afetados por suas
consequências A literatura africana, como um todo, passa a ser direcionada para a questão da
descolonização, como, por exemplo, Hibisco roxo, publicado em 2003, por Chimamanda Ngozi
Adichie. A história recente da Nigéria está intimamente relacionada à trama ficcional dessa narrativa,
em relação à instabilidade política do período Pós-Colonial, com seus golpes de estado e guerras civis,
assim como aos conflitos e às tensões culturais e sociais, decorrentes dos processos de colonização
europeia. Dessa forma, a colonização africana, bem como os problemas resultantes das relações entre
o poder colonial e o outro colonizado, tornaram-se temas constantes nos romances africanos, visto que
esse fator provocou um trauma nas sociedades africanas. O presente trabalho tem a intenção, então, de
compreender de que forma Adichie representa, através da memória, uma sociedade nigeriana
contemporânea traumatizada perante tantas violências causadas pelos processos coloniais europeus.

Palavras-chave: Colonialismo; Pós-colonialismo; Literatura africana; História; Memória.

“A história sozinha cria estereótipos, e o


problema com estereótipos é que não é que eles
não são verdadeiros, mas que eles são
incompletos. Eles fazem uma história se tornar a
única história.”
(Chimamanda Ngozi Adichie)

Introdução

1
Doutoranda pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná - Programa de Pós-graduação em Letras
(UNIOESTE). Bolsista produtividade CAPES. Integrante dos grupos de pesquisa GEPEDIC e Diálogos
literários. E-mail: maiarasegatoletras@gmail.com.
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Chimamanda Ngozi Adichie é uma escritora nigeriana, nascida em Enugu, em 1977,
num momento em que a Nigéria passava por fortes problemas políticos, decorrentes da
própria Guerra de Biafra (1967-1970), um movimento que tentava separar a parte sudeste do
restante do país e que deixou entre 1 e 3 milhões de mortos. A autora acabou se mudando para
os Estados Unidos, aos 19 anos, quando recebeu uma bolsa de estudos, para estudar
Comunicação e Ciências Políticas. Em seu primeiro livro, Hibisco Roxo, publicado em 2003 e
lançado no Brasil em 2011 pela editora Companhia das Letras, Adichie conta a história de
uma família nigeriana bem sucedida, mas permeada de conflitos, a partir dos quais são
apresentadas questões inerentes à(s) cultura(s) da Nigéria, bem como problemáticas
ocasionadas pelo processo de colonização britânica ocorrido no país. A história se passa,
basicamente, nas cidades de Enegu e Nsukka, no período Pós-República de Biafra2, onde
Kambili, personagem central e pertencente a uma família da etnia Igbo, mostra dois mundos
completamente opostos dentro do contexto nigeriano: um deles, o de sua casa, fortemente
religioso, segundo os preceitos catolicistas europeus; o outro, o da casa de sua tia Ifeoma e de
seus primos, marcado pela hibridização das culturas.
A princípio, o modo com que a narradora, Kambili, vê a si e vê o outro é totalmente
conformado aos pressupostos imperialistas ensinados pelo pai, Eugene, pois este assimila a
cultura europeia e a utiliza como um meio de garantir sua própria condição de superior. Essa
“outremização”, conforme Spivak, (1994), trata-se dos meios que os colonizadores criaram
para conferir aos colonizados o status de objeto, no qual eles são desqualificados,
subalternizados e marginalizados. É conveniente notar que, apesar dessa distinção binária do
sujeito colonizador e colonizado, na qual cultura e pensamentos europeus são superiores aos
de qualquer cultura não-europeia, é uma invenção dos próprios europeus: “O negro, como
colonizado, é criação da Europa. Antes de ter contato com o branco, o colonizado/o negro não

2
De acordo com Falola e Heaton (2008), quando a Nigéria conquistou a independência em 1960, o país estava
dividido em vários níveis. Três grandes grupos étnicos compunham o território nigeriano: os Hausa-Fulani no
norte, os Yoruba no sudoeste, e os Igbo no sudeste. Assim, o clima de instabilidade permanecia, pois muitos
povos temiam ser dominados por outros. A identidade regional era muito mais forte do que a identidade
nacional. Foi essa tensão e instabilidade que desencadearam dois anos e meio de guerra civil entre 1967 e 1970,
na qual a região sudeste tentou separar-se da Nigéria para estabelecer o Estado soberano de Biafra.
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131
se sentia inferior a nenhuma outra raça. Toda a crise identitária surge da negação dos valores
humanos e culturais imposta pela colonização” (FIGUEIREDO, 1998, p. 64).
Com efeito, a literatura de caráter pós-colonial3, a partir de escritores oriundos das ex-
colônias, passa a retratar as condições dos indivíduos dessas comunidades. Esses textos giram
em torno da dominação ideológica que, durante longo período, criou os paradigmas da
inferioridade africana, assumindo a tarefa de corrigir as distorções históricas e culturais acerca
da África. Desse modo, essa literatura pretende valorizar o local, resgatando valores como
língua e cultura. Aspecto esse que é também o “fazer” da nova nação que tenta emergir das
“cinzas” do colonialismo.
O vocábulo pós-colonialismo, então, nos sugere aquilo que vem depois do
colonialismo. Podemos supor, a partir dessa concepção, que o colonialismo teve um fim
enquanto relação de dominação. Sabemos, porém, que o fim do colonialismo não representou
o fim das relações de poder discriminatórias. Como afirma Stuart Hall,

o “pós-colonial” não sinaliza uma simples sucessão cronológica do tipo


antes/depois. O movimento que vai da colonização aos tempos pós-coloniais não
implica que os problemas do colonialismo foram resolvidos ou sucedidos por
uma época livre de conflitos. Ao contrário, o “pós-colonial” marca a passagem
de uma configuração ou conjuntura histórica de poder para outra. [...] No
passado, eram articuladas como relações desiguais de poder e exploração entre
as sociedades colonizadoras e as colonizadas. Atualmente, essas relações são
deslocadas e reencenadas como lutas entre forças sociais [...] no interior da
sociedade descolonizada, ou entre ela e o sistema global como um todo (HALL,
2003, p. 56).

A literatura pós-colonial, nesse aspecto, promove questionamentos e discussões a


respeito da problemática ao redor dos sujeitos envolvidos no processo de colonização ou
afetados por suas consequências. Conforme Bonnici (1998, p. 9), atualmente, a crítica pós-
colonialista é “enfocada como uma abordagem alternativa para compreender o imperialismo e

3 Ao nos referirmos a essas literaturas como “pós-coloniais”, buscamos explicitar a sua existência como
consequência da experiência colonial, conferindo à terminologia uma postura crítica e reflexível.
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suas influências, como um fenômeno mundial e, em menor grau, como um fenômeno
localizado”.
Thomas Bonnici (2006) afirma que a literatura pós-colonial ocorre quando há duas
estratégias: a retomada da posição nacionalista, trazendo o que antes era marginal para o
centro do debate; e o questionamento da visão eurocêntrica, desafiando o contexto binário
utilizado pela política colonial. Nesse processo, busca-se em especial a “descolonização
cultural”.
A literatura pós-colonial, que é a expressão desse Outro criado pela imaginação
europeia, caracteriza-se pelo resgate das tradições locais, seja na forma de narrar, que
privilegia a oralidade, seja no conteúdo, quando se resgatam costumes e histórias através do
olhar daquele que nasceu e viveu nos países antes dominados. Ao mesmo tempo, a literatura
pós-colonial busca questionar o cânone europeu, marcando o fim da hegemonia literária,
notadamente após a década de 1960.
A literatura produzida por Adichie é fundamental para compreender a estratégia do
imperialismo e sua sustentação através da política de silenciamento do colonizador, que
ocorre, sobretudo, por meio da religião e da língua. Podemos considerar, também, que em
certa medida, os conflitos abordados no romance tanto são do contexto geral da Nigéria, como
da própria vivência da autora. Portanto, há uma relação entre narrativa, história e memória.
Embora Adichie não tenha vivido pessoalmente a guerra, este é seu legado e falar a esse
respeito constitui uma espécie de compromisso da autora, como ela própria declara em uma
de suas entrevistas:

A identidade nigeriana é um peso, e com toda a suspeita nos aeroportos e sermos


avisados de que não podemos pagar com nossos cartões de crédito por artigos
nigerianos e a total falta de dignidade que encontramos nas embaixadas e coisas
desse tipo, mas eu nunca quis ter uma identidade diferente (ADEBANWI, 2013,
p. 3).

O diálogo entre literatura, história e memória surge como um meio alternativo de


compreender o mundo, revisitando o passado para tentar entender as consequências e os

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desdobramentos das ações humanas agora no presente. Assim, a memória adquire um valor
fundamental de resgate das experiências do passado, com todas as suas falhas e ausências,
mas torna-se uma fonte de criação constante: “O estudo da memória 4 social é um dos meios
fundamentais de abordar os problemas do tempo e da história, relativamente aos quais a
memória está ora em retraimento, ora em transbordamento” (LE GOFF, 1990, p. 368).
Nessa perspectiva histórica de memória, as tragédias históricas são processadas pela
literatura, servindo como lastros materiais para a elaboração criativa, porém, não se pode
desconsiderar o fato de que o discurso histórico já é constituído por contingentes pertencentes
a tempos diversos:

Se os estudos sobre o testemunho – no seu sentido não mais religioso ou


meramente jurídico, mas antes como uma busca de se ler na cultura as marcas
das catástrofes do século XX – se desenvolveram nas últimas décadas é porque
ocorreu neste período uma virada culturalista dentro das ditas ciências humanas.
Nesta virada a memória passou a ocupar um lugar de destaque, submetendo a
quase onipresença da historiografia no que tange à escritura de nosso passado
(SELIGMANN-SILVA, 2008, p. 67).

As referências históricas das literaturas africanas funcionam como procedimentos de


atualização da escrita literária, conectando os eventos individuais do cotidiano com os fatos
históricos recentes. Conforme Le Goff (1990, p. 471): “A memória, na qual cresce a história,
que por sua vez a alimenta, procura salvar o passado para servir ao presente e ao futuro.
Devemos trabalhar de forma que a memória coletiva sirva para a libertação e não para a
servidão dos homens”.
De acordo com Todorov (1995), a história é exemplar; ela pode ser encarada como
lição para os sobreviventes do passado, que no presente, podem não repetir os erros pretéritos.
Eventos como a 1ª e 2ª Guerra Mundial, o Holocausto, a Guerra de Biafra e golpes militares

4
Para Le Goff (1990), os campos científicos que estudam a memória atualmente, como a biologia, a psicologia,
a neurofisiologia, a psicofisiologia e a psiquiatria, podem contribuir para a compreensão das características e dos
problemas da memória social e histórica. Em contrapartida, os próprios estudos desenvolvidos por essas variadas
ciências têm levado os pesquisadores à necessidade de aproximar a memória do campo das ciências humanas, na
medida em que os resultados das pesquisas empíricas evidenciam uma relação intrínseca da memória com
“resultados de sistemas dinâmicos de organização” (LE GOFF, 1990, p. 421).
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autoritários foram eventos potencialmente traumáticos. Existem atualmente, vários relatos
sobre estes eventos, de como eles interferiram e interferem negativamente nas vidas
individuais e coletivas. Corroborando com este autor, Seligmann-Silva (2008, p. 67) afirma:

Nestas situações, como nos genocídios ou nas perseguições violentas em massa


de determinadas parcelas da população, a memória do trauma é sempre uma
busca de compromisso entre o trabalho de memória individual e outro
construído pela sociedade. Aqui a já em si extremamente complexa tarefa de
narrar o trauma adquire mais uma série de determinantes que não podem ser
desprezados mesmo quando nos interessamos em primeiro plano pelas vítimas
individuais.

Desde muito cedo em sua carreira, Adichie se preocupou com o tema que constitui
uma das principais questões que mobilizam a política e a literatura nigerianas: a guerra civil.
Isso pode ser explicado, a partir de Seligmann-Silva (2008, p. 67): “A imaginação é chamada
como arma que deve vir em auxílio do simbólico para enfrentar o buraco negro do real do
trauma. O trauma encontra na imaginação um meio para sua narração”. Apesar da
reorganização geográfica da Nigéria após a guerra civil, a presença de Biafra permanece
como algo recorrente nas preocupações sociais do país e na literatura ali produzida desde os
anos 1970.

Desenvolvimento

Para além da narração do drama em específico das personagens centrais da narrativa,


também se observam em Hibisco Roxo registros que estampam o quadro de violência e
trauma que vitima a população como um todo da Nigéria. A truculência da polícia, a
propósito, é frequentemente enfatizada no texto através de cenas como esta, que descreve a
selvageria com que três homens são executados em praça pública:

Mama não voltou para casa naquela noite, e Jaja e eu jantamos sozinhos. Não
falamos sobre ela. Em vez disso, falamos sobre os três homens que haviam sido
executados em praça pública dois dias antes, por tráfico de drogas. Jaja ouvira
alguns meninos falando sobre isso na escola. A notícia passara na televisão. Os
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135
homens haviam sido amarrados a postes, e seus corpos continuaram tremendo
mesmo quando as balas não estavam mais entrando neles (ADICHIE, 2003, p.
39-40).

Com o fim de tornar ainda mais dramática essa passagem, a narradora enfatiza como a
violência fora banalizada, servindo de espetáculo para a população, inclusive por intermédio
dos meios de comunicação de massa
Somam-se a esses registros de violência física as cenas em que são destacadas a
condição de miséria de boa parte da população nigeriana, sendo exemplo a passagem a seguir:

Os olhos de Mama estavam sem expressão, como os olhos daquele loucos que
vagueiam pelos lixões que há na beira das estradas da cidade, arrastando bolsas
de lona imundas e rasgadas com os fragmentos de suas vidas guardados dentro
(ADICHIE, 2003, p. 41).

Nesse contexto de violência e desrespeito aos direitos fundamentais dos cidadãos


nigerianos, o romance dá destaque a uma das principais chagas da realidade política do país, a
qual vem a agravar o quadro de sofrimento da população: a instabilidade política do país,
mercê dos constantes golpes de Estado desde a independência da Nigéria:

Golpes levavam a mais golpes, disse Papa, contando-nos sobre os golpes


sangrentos dos anos 1960, que acabaram se transformando em uma guerra civil
logo depois que ele deixou a Nigéria para ir estudar na Inglaterra. Um golpe
sempre iniciava um ciclo vicioso. Militares sempre derrubariam uns aos outros
simplesmente porque tinham como fazer isso e porque todos ficavam
embriagados pelo poder (ADICHIE, 2003, p. 30-31).

Além dos problemas relacionados às questões políticas, em Hibisco roxo, toda a


organização familiar gira em torno de Eugene, que oscila entre o altruísmo e a tirania religiosa
e que rejeita as tradições de seu povo como bárbaras e profanas. Ele define os padrões, os
horários e os comportamentos.

Eu me perguntei quando Papa faria um horário para o bebê, meu novo irmão, se
ele faria assim que o bebê nascesse ou esperaria até ele ter uns dois ou três anos.
Papa gostava de ordem. Isso ficava patente nos próprios horários, na forma
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meticulosa como ele desenhava as linhas, em tinta negra, cortadas
horizontalmente a cada dia, separando a hora de estudar da hora da sesta, a da
sesta da hora de ficar com a família, a de ficar com a família da hora das
refeições, a das refeições da hora de rezar, a de rezar da hora de dormir. Papa
revisava nossos horários com freqüência. Na época das aulas, tínhamos mais
tempo para estudar e menos para a sesta, mesmo nos fins de semana (ADICHIE,
2003, p. 30).

Para impor sua dominação, o personagem age com agressão física, psicológica e
religiosa, tornando sua família artificial, com sentimentos mecânicos, sobressaindo o medo e
o silêncio:

Nossos passos na escada eram tão contidos e silenciosos quanto nossos


domingos; o silêncio de esperar que Papa acordasse da sesta para que
pudéssemos almoçar; o silêncio da hora de reflexão, quando Papa nos dava uma
passagem da Bíblia ou um livro de um dos Pais da Igreja para que lêssemos e
pensássemos sobre ele; o silêncio do rosário da noite; o silêncio de ir de carro
até a igreja para receber a bênção depois (ADICHIE, 2003, p. 37).

As novas relações sociais, linguísticas e culturais impostas pelos colonizadores


mudaram as formas como negros se relacionam entre si e com os outros. Surge daí a
necessidade da incorporação integral à cultura ocidental, culminando em uma tentativa de
embranquecimento cultural, que será bastante explorado no personagem Eugene, em Hibisco
Roxo. Eugene rejeita sua origem igbo, após ser catequisado por ingleses. O personagem
enaltece toda a tradição catolicista e menospreza toda a tradição africana, como, por exemplo,
valoriza as missas maçantes do Padre Benedict, por ser um padre inglês e tradicional, e rejeita
as missas alegres do Padre Amadi, por ser negro ter um vocabulário étnico:

Papa se sentava todas as vezes no banco da frente para assistir à missa, na ponta
que dá para a nave, com Mama, Jaja e eu junto dele. Era o primeiro a receber a
comunhão. A maioria das pessoas não se ajoelhava para receber a hóstia no altar
de mármore, perto do qual fica a estátua loura em tamanho real da Virgem
Maria. Mas Papa, sim. Ele fechava os olhos e os apertava com tanta força que
suas feições se contorciam numa careta, e ele esticava a língua o máximo que
podia (ADICHIE, 2003, p. 9-10).

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A autora de Hibisco roxo nos mostra, de forma contundente, a segregação exercida
pela instituição religiosa, que produz um discurso intolerante, conservador, racista e, por
vezes, violento. Na narrativa em questão, podemos verificar uma religiosidade
substancialmente intolerante com a diferença: “O padre Benedict mudara as coisas na
paróquia, insistindo, por exemplo que o credo e o kyrie fossem recitados apenas em latim;
igbo não era aceitável. Além disso, devia-se bater palmas o mínimo possível, para que a
solenidade da missa não ficasse comprometida” (ADICHIE, 2003, p. 10).
O cenário religioso em Hibisco Roxo é altamente opressor, na medida em que o
patriarca, pai de Kambili, impõe o catolicismo aos seus filhos e à sua esposa, com tirania e
agressões, a exemplo, destacamos o dano permanente que Jaja sofre em um dos dedos devido
a um castigo imposto pelo pai:

Quando Jaja tinha dez anos, ele errara duas perguntas em sua prova de
catecismo e não fora o primeiro da turma de primeira comunhão. Papa o levou
até o andar de cima da casa e trancou a porta. Jaja, aos prantos, saiu segurando a
mão esquerda com a mão direita, e Papa levou-o ao Hospital St. Agnes
(ADICHIE, 2003, p. 156-157).

A violência física e psicológica sofrida por Kambili, por Mama e por Jaja é justificada
pela religiosidade. A violência é justificada pelo silenciamento imposto pelo colonialismo,
assim como o etnocídio pode ser justificado pelo cristianismo.

Pancadas pesadas e rápidas na porta talhada à mão do quarto dos meus pais.
Imaginei que a porta estava emperrada e que Papa estivesse tentando abri-la. Se
imaginasse aquilo sem parar, talvez virasse verdade. Eu me sentei, fechei os
olhos e comecei a contar. Contar fazia o tempo passar um pouco mais rápido,
fazia com que não fosse tão ruim. Às vezes, acabava antes de eu chegar ao
número vinte. Eu já estava no dezenove quando o som parou. Ouvi a porta se
abrindo. Os passos de Papa na escada pareceram mais pesados, mais
desajeitados do que o normal. Saí do quarto no mesmo segundo que Jaja saiu do
dele. Ficamos no corredor, vendo Papa descer. Mama estava jogada sobre seu
ombro como os sacos de juta cheios de arroz que os empregados da fábrica dele
compravam aos montes na fronteira com Benin.
[...]- Tem sangue no chão – disse Jaja. - Vou pegar a escova no banheiro.
[...]Mama não voltou para casa naquela noite, e Jaja e eu jantamos sozinhos.
(ADICHIE, 2003, p. 39)

Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022


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Apesar da violência se estender a todos da família, quem mais sofre com punições são
as mulheres, Beatrice e Kambili. A autora, com essa percepção crítica, informa-nos de que o
colonialismo teve um efeito maior nas mulheres, que são tidas como duplamente colonizadas.
Beatrice é alvo de constantes agressões, que culminam em diversos abortos e, principalmente,
o seu silenciamento:

Mama olhou em volta. Manteve os olhos fixos no relógio da parede durante


algum tempo, o que estava com um dos ponteiros quebrados, e então se dirigiu a
mim: - Sabe aquela mesinha onde guardamos a Bíblia da nossa casa, nne? Seu
pai quebrou-a na minha barriga - disse, como se estivesse falando de outra
pessoa, como se a mesa não fosse feita de madeira pesada. - Meu sangue
escorreu todo por aquele chão antes mesmo de ele me levar ao St. Agnes. Meu
médico disse que não pôde fazer nada para salvá-lo (ADICHIE, 2003, p. 262).

O colonialismo cria o mito do negro selvagem e “pagão”. No romance Hibisco Roxo, a


repulsa aos costumes não-cristãos está marcada a todo momento, sobretudo, na relação de
Eugene, o Papa, e seu pai, Papa-Nnukwu. Há uma imensa ojeriza de Eugene pelos costumes e
religiões africanas, já que é um católico fundamentalista:

Não gosto de mandar vocês à casa de um pagão, mas Deus vai protegê-los -
disse Papa. [...] Papa-Nnukwu jamais pisara ali, pois quando Papa decretara que
não permitiria pagãos em sua propriedade, não abrira exceção nem para o
próprio pai (ADICHIE, 2003, p. 69-70).

A aversão ao africano considerado pagão era tamanha, que, em determinado momento,


Kambili e Jaja estavam com o quadro do avô, que havia morrido, e Eugene tem uma das
atitudes mais violentas da narrativa. A fim de defender o catoliscismo do paganismo, o
personagem espanca sua filha, como forma de punição:

Ele começou a me chutar. As fivelas de metal de seus chinelos doíam em minha


pele como mordidas de mosquitos gigantes. Papa falou sem parar,
descontroladamente, misturando igbo com inglês, carne macia com ossos
afiados. Ímpios. Idolatria pagã. Fogo do inferno. O ritmo dos chutes foi

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aumentando, e eu pensei na música de Amaka, na música culturalmente
consciente que às vezes começava com um saxofone tranquilo e, numa
reviravolta, virava um canto luxurioso. Eu me enrosquei mais sobre mim
mesma, sobre os pedaços do quadro; eles eram macios como penas. Ainda
tinham o cheiro metálico da paleta de tintas de Amaka. A dor me queimava
agora, estava mais parecida com mordidas, porque o metal caía sobre feridas
expostas na lateral do meu corpo, em minhas costas, em minhas pernas. Chute.
Chute. Chute. Talvez fosse um cinto agora, pois a fivela de metal parecia pesada
demais. Pois eu podia ouvir algo cortando o ar. Uma voz baixa dizia: - Por
favor, biko. Por favor. Mais pancadas. Mais tapas. Algo molhado e salgado
esquentou minha boca. Fechei os olhos e me entreguei ao silêncio (ADICHIE,
2003, p. 222-223).

Ao contrário de sua repulsa pelo próprio pai, não permitindo nenhuma relação com o
mesmo, Eugene exalta o sogro, que, como ele, submeteu-se à cultura estrangeira: “– Quando
[seu avô materno] se tornou um intérprete, sabem quantas pessoas ajudou a converter? Ora,
ele converteu pessoalmente quase toda a população de Abba! Fazia as coisas do jeito certo, do
jeito que os brancos fazem, não como nosso povo faz agora!” (ADICHIE, 2003, p. 75).
O fenômeno da linguagem também é um elemento indispensável para a colonização de
um povo. A política de silenciamento da cultura do colonizado instaura um complexo de
inferioridade, tendo o negro que assumir a língua do colonizador para se aproximar da
branquitude:

Papa quase nunca falava em igbo e, embora Jaja e eu usássemos a língua com
Mama quando estávamos em casa, ele não gostava que o fizéssemos em público.
Precisávamos ser civilizados em público, ele nos dizia; precisávamos falar em
inglês. A irmã de Papa, tia Ifeoma, disse um dia que Papa era muito colonizado
(ADICHIE, 2003, p. 20).

Levando-se em consideração esse cenário histórico de violência política, social,


religiosa e os traumas decorrentes, podemos imaginar que setores do país que deveriam estar
na trincheira da defesa dos direitos humanos ocupasse algum protagonismo na trama do
romance em foco. Não obstante, o que se observa é que, contraditoriamente, alguns desses
setores vêm a reforçar a violência física e/ou simbólica contra os cidadãos.

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Considerações finais

Adichie é uma escritora que admite publicamente repensar a história e a memória


traumática de Biafra, já que a mesma influenciou sobremaneira a história de vida de sua
família, pois perdeu familiares durante o conflito. Para efetivar seu intuito, compõe a narrativa
em um momento de profunda crise política, social, cultural e religiosa, gerada, entre outros
motivos, pela forma como se deu a própria divisão territorial na África, após o período
colonial. Evidentemente, o processo de descolonização constituiu um novo momento de
mudança na organização social africana. E, apesar da retirada oficial do poder colonial, as
nações europeias ainda controlavam as novas nações especialmente no que dizia respeito às
relações comerciais. A análise aqui realizada buscou apontar a função da literatura como
amálgama do discurso da história/memória/trauma. Assim, a autora de Hibisco roxo constrói
literariamente uma narrativa expondo todos os conflitos deixados como legados do
colonialismo, como, entre outros, a falta de estrutura financeira, organização política caótica,
violências de gênero, raça e etnia.

Referências

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www.nigeriavillagesquare1.com/BOOKS/adichie_interview.html. Acesso em 10 out. 2020.

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Revista Maringá, v. 28, n.1, p.13-25, 2006.

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SAÚDE MENTAL, ENSINO SUPERIOR E PANDEMIA:
PERSPECTIVAS DE PROFISSIONAIS DE PSICOLOGIA NOS
ATENDIMENTOS A ESTUDANTES NO CEDH DA UNESPAR
Any Emanuela Sielski Iritsu1
Fred Maciel2
Fabiane Freire França3

Resumo: O panorama da pandemia de COVID-19 e o isolamento social desencadearam aumento


significativo na prevalência de ansiedade e depressão em todo o mundo, para além de inúmeras
consequências de ordem sanitária e socioeconômica. Dessa forma, como necessidade frente a tal
quadro, as instituições de Ensino Superior têm se atentado ao cuidado e qualidade de vida de
estudantes, preservando e atendendo as demandas vinculadas à saúde mental. Com base nessas
considerações, a pesquisa visa identificar os impactos psicológicos decorrentes da pandemia à saúde
mental de estudantes, bem como compreender aspectos emocionais e psicossociais que podem
dificultar o processo de aprendizagem e desenvolvimento psicoemocional, a partir da visão de
profissionais de Psicologia que realizaram atendimento psicológico através do Centro de Educação em
Direitos Humanos, da Universidade Estadual do Paraná - CEDH/Unespar. A metodologia de pesquisa
será de cunho qualiquantitativo e descritivo, com a utilização de entrevistas semiestruturadas, e os
resultados esperados serão explorados por meio da análise de conteúdo. Pretende-se com a pesquisa,
além de diagnóstico socioeducacional, propor reflexões acerca da saúde mental no Ensino Superior e
ressaltar a importância de ações de acolhimento e escuta psicológica.

Palavras-chave: Direitos Humanos; Interdisciplinaridade; Psicologia Educacional; Pandemia; Saúde


Mental.

Introdução

Segundo a Organização Mundial da Saúde - OMS (2022), o primeiro ano da pandemia


de COVID-19 desencadeou aumento em 25% na prevalência de ansiedade e depressão em
todo o mundo. O resumo científico da OMS também revela um efeito da pandemia na
disponibilidade de serviços de saúde mental. A partir deste levantamento, pode-se observar o

1
Psicóloga. Discente no Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar Sociedade e Desenvolvimento (PPGSeD) -
Universidade Estadual do Paraná (Unespar), campus de Campo Mourão. E-mail: anysielski@gmail.com.
2
Doutor em História. Professor do Colegiado de História e do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar
Sociedade e Desenvolvimento (PPGSeD) - Universidade Estadual do Paraná, campus de Campo Mourão. E-
mail: fred.maciel@ies.unespar.edu.br.
3
Doutora em Educação. Professora do Colegiado de Pedagogia e do Programa de Pós-Graduação
Interdisciplinar Sociedade e Desenvolvimento (PPGSeD) - Universidade Estadual do Paraná, campus de Campo
Mourão. E-mail: fabiane.freire@ies.unespar.edu.br.
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143
quanto a pandemia e o isolamento social afetaram a saúde mental de brasileiros. A dificuldade
no acesso aos tratamentos de saúde adequados faz com que seja imprescindível que
instituições de Ensino Superior ofereçam atendimento psicológico de qualidade a estudantes
que, em muitos casos, não terão outro tipo de ajuda ou acolhimento psicoterapêutico.
Os direitos à Saúde Mental devem ser garantidos por parte do Estado, embora na
Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) não conste especificamente a temática
psicológica. Ainda assim, é possível interpretar alguns artigos como garantidores de direitos à
saúde mental. Elenca-se como exemplo o Artigo 25º, em que consta acerca de toda pessoa ter
direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar,
principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e
ainda quanto aos serviços sociais necessários (ONU, 1948).
A Constituição Federal de 1988 explica acerca de direitos sociais no Artigo 6º, sendo
eles: educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, transporte, lazer, segurança,
previdência social, proteção à maternidade, à infância e assistência aos desamparados. A
Organização Mundial da Saúde criou o Livro de Recursos da OMS sobre Saúde Mental,
Direitos Humanos e Legislação que objetiva fornecer subsídios à criação de políticas públicas
relacionadas à saúde mental e direitos humanos, e enfatiza que “de acordo com os objetivos
da Carta das Nações Unidas (ONU) e acordos internacionais, uma base fundamental para a
legislação de saúde mental são os direitos humanos” (OMS, 2005).
Porém, uma das maiores dificuldades no acesso aos direitos fundamentais dos seres
humanos diz respeito a preconceitos com raça e classe social. Vivemos em um país com uma
ampla diversidade cultural e desigualdade social. A diversidade humana gera diferença entre
pessoas, coisas e culturas, ocasionando muitos problemas sociais como preconceitos, conflitos
sociais e desigualdades. A desigualdade social e a diversidade cultural, apesar de serem
conceitos distintos, desempenham ampla relação entre seus termos, pois quanto maior for a
diversidade cultural, maior será a desigualdade social, pensando em preconceitos providos da
diferença a qual trata a diversidade cultural.

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É necessário o reconhecimento da necessidade da inclusão como forma de
democratização das relações sociais, essencialmente na sutileza do trato com o outro, seja em
relação aos “iguais” ou entre iguais e diferentes, o que significa somente uma concepção
criada para diferenciar pessoas ou grupos sociais que, de alguma forma, ainda não foram
incluídos no contexto social por terem sua história negada e apagada ao longo do tempo. A
diversidade cultural brasileira se deu pelo processo de interconexão entre povos nativos,
negros e brancos, e foi marcada por uma série de hábitos, crenças, costumes e conceitos
contraditórios, alimentando, dessa forma, uma discussão permanente a respeito dos direitos e
deveres dos seres humanos.
Os combates aos preconceitos oriundos dessa relação entre “iguais e diferentes”, que
perdurou por séculos e ainda existe, continua trazendo severas consequências a uma imensa
população classificada como oprimidos, que são negros, indígenas, pobres, pessoas com
algum tipo de deficiência, tipos de preferências, diferenças sexuais, doenças crônicas, entre
outras formas de relações consideradas por parte da sociedade como algo fora dos padrões de
“normalidade” e, por isso, não aceitável.
Para Gomes (2007), a presença da diversidade no acontecer humano nem sempre
garante um trato positivo da diversidade. Diferentes contextos sociais, culturais e históricos,
permeados por relações de poder e dominação, são acompanhados por uma maneira tensa e
ambígua de lidar com o diverso. Dessa maneira, a diversidade pode ser tratada de maneira
desigual e naturalizada. No contexto cultural, a diversidade significa uma grande quantidade
de pensamentos, ações, ideias e pessoas que se diferenciam entre si dentro de grupos sociais
ou dentro de uma mesma sociedade, sendo passíveis de discussão, protestos, apelos, discórdia
e geralmente acabam em conflitos, chegando às desigualdades sociais.
Porém, ainda existem pontos de vista convergentes e pontos de vista divergentes,
ambos discriminatórios, um no sentido positivo e outro no sentido negativo. No primeiro
caso, trata-se daquilo que já foi estipulado pela sociedade como regras relacionadas com o
bom senso; e no segundo caso, são ações que não condizem com a ordem preestabelecida por
meio de leis, regras e normas que regulam e inibem os procedimentos absurdos. Logo, a

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desigualdade social tem seus princípios pautados nas tendências e nas diferenças de cada
indivíduo.
A pobreza é uma condição que faz parte de um determinado grupo de pessoas que
vivem à margem da sociedade, ou seja, estão “fora” de padrões financeiros positivos, e são
carentes de recursos existentes, como moradia, alimentação, situação financeira, entre outros
aspectos. Pode ser caracterizada como a condição que mais degrada o ser humano e a que
mais se aproxima como um fator ou um elemento causal do desequilíbrio econômico e da
desigualdade social, o que ocasiona diversos transtornos mentais, como a ansiedade e
depressão.
A discriminação social por meio da raça/etnia ainda é muito presente nos dias atuais, e
praticada por muitos grupos inescrupulosos que agridem com palavras e por meio de violência
física pessoas que não são da mesma etnia, não tem a mesma cor de pele, ou são de diferentes
religiões, ou por diferentes orientações sexuais. Esses indivíduos, apesar de viverem no século
XXI, em que existe um longo processo de evolução tecnológica e humana, mesmo assim são
discriminados e violentados por sua maneira de ser, principalmente por grupos radicais. Como
exemplo, podemos citar o que houve com os judeus na Alemanha, conhecido como o
holocausto, ou o caso da África do Sul, com o apartheid, conhecido como evento de
segregação racial, que foi uma separação entre pessoas negras e brancas das classes
dominantes.
No Brasil, aconteceu uma das maiores crueldades já registradas na história do país, no
Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena, em Minas Gerais, conhecido por Colônia.
Fundado em 1903, recebia diariamente centenas de pessoas para serem internadas, que em sua
maioria, não apresentavam diagnóstico de doença mental, sendo mulheres e homens que, de
certa forma, haviam se tornado incômodo para pessoas com mais poder. Haviam
homossexuais, epiléticos, prostitutas, mães solteiras, mulheres engravidadas pelos patrões,
meninas taxadas como problemáticas, mendigos, melancólicos, moças que haviam perdido a
virgindade antes do casamento, ou pessoas tímidas que apresentavam alguma inibição.

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De acordo com Arbex (2019), no livro “Holocausto Brasileiro”, dentre os mendigos,
muitos eram pessoas negras, e boa parte desses pacientes foi internada à força e um número
estarrecedor de pessoas foi submetido a condições desumanas com o consentimento do
Estado, médicos, funcionários e sociedade. Apesar das denúncias feitas a partir de 1960, mais
de 60 mil internos morreram e um número incontável de vidas foi marcado de forma
irreversível. Esse era considerado o maior genocídio do país cometido por uma única
instituição com um propósito de limpeza social comparável aos regimes mais abomináveis do
século XX.
O preconceito, a discriminação e o descaso tem ocasionado uma série de sofrimentos
psicológicos, principalmente para aquelas pessoas que são, de alguma forma ou outra,
rejeitadas pela sociedade, onde são julgadas e condenadas após serem classificadas como
diferentes da supremacia branca, porém, diferentes em sentido pejorativo e tendencioso, e
muitas vezes essas pessoas são rotuladas e taxadas como pervertidas, no caso de pessoas que
fogem ao padrão heterossexual, frágeis no caso de mulheres, vagabundos no caso de pessoas
pretas e indígenas.
É fundamental que percebamos as desigualdades e diferenças não de forma natural,
mas como uma construção histórica possível de ser desestabilizada em sua forma rígida, para
ser transformada em algo que possa ser identificado e reconhecido como base para a
construção de relações interpessoais mais democráticas dentro da sociedade, deve-se pensar e
repensar o seu conceito histórico e sua trajetória futura. O caráter multicultural de nossa
sociedade revela-se temática obrigatória nas discussões sobre sociedade e educação. Mas,
refletir sobre diversidade exige um posicionamento crítico diante de uma realidade cultural e
racialmente heterogênea e múltipla.
De acordo com Gomes (2007), essa sociedade é construída em contextos históricos,
socioeconômicos e políticos tensos, marcados por processo de colonização e dominação.
Estamos, portanto, no terreno das desigualdades, das identidades e das diferenças. Pensar na
diversidade cultural é pensar em sociedade, que envolve pensamento, ideia, ação e mudanças,
isto é, significa pensar não apenas no reconhecimento do outro, mas pensar na relação entre o

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eu e o outro, pois, quando consideramos o outro estamos também considerando a nossa
história, o nosso grupo e o nosso povo, mas não apenas como um simples padrão de
comparação, e sim em sua totalidade.
Segundo Margareth Prado (2017), embora não haja especificações acerca das questões
psicológicas, tendo por base uma visão mais integral da saúde, é necessário incluirmos nas
nossas reflexões, debates e ações o caráter psicológico dos direitos humanos. Compreender a
saúde mental de estudantes é tarefa para a Psicologia da Educação, pois entende-se que
interferências negativas quanto à saúde mental de alunas(os) podem ser responsáveis pela
falta de eficácia no processo de aprendizagem. A finalidade da Psicologia da Educação é
sensibilizar e capacitar para uma prática pedagógica orientada pela relação interdisciplinar
entre Psicologia e Educação, incluindo aspectos históricos e intelectuais que conduzam para
novas perspectivas transformadoras e inclusivas.
Nossas sociedades apresentam um caráter plural com complexas relações
estabelecidas socialmente. Dessa maneira, percebe-se que vivemos em uma sociedade
dividida em classes, em que a luta pela manutenção e superação das divisões sociais é
constante. A luta da Psicologia da Educação é também em favor da inclusão
escolar/educacional, com currículos mais inclusivos, abertos às diferenças sociais, psíquicas,
físicas, culturais, raciais, religiosas e ideológicas, no intuito de respeitar o caráter plural da
nossa sociedade, contribuindo para a formação de pessoas autônomas, críticas, criativas no
sentido de pensar a resolução de suas questões pessoais, aptas a compreender como as coisas
são e porque são.
Por fim, objetiva-se com a pesquisa em desenvolvimento, conhecer e descrever acerca
de temas transversais a estudantes universitárias(os) no tocante quanto ao sofrimento
psicológico, que ao mesmo tempo possui caráter tão subjetivo e particular, mas que, por outro
lado, pode estar enraizado a questões sociais referentes a preconceito e discriminação,
baseados no discurso sobre diferença e relações de poder e submissão.

Materiais e métodos

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A pesquisa a ser realizada terá como campo de estudo a saúde mental dos estudantes
do Ensino Superior, a partir das perspectivas de profissionais de Psicologia Clínica que
realizaram serviço de orientação e escuta psicológica, com a técnica da psicoterapia breve a
estudantes da Universidade Estadual do Paraná (Unespar), que solicitaram atendimento
psicológico por demanda espontânea por meio do Centro de Educação em Direitos Humanos
(CEDH). Para tanto, serão utilizadas entrevistas semiestruturadas, tendo como participantes as
psicólogas e psicólogos que realizaram atendimentos psicológicos, com objetivo de conhecer
as demandas e queixas de estudantes. Será realizado levantamento acerca do perfil de
profissionais de Psicologia que realizaram atendimentos psicológicos a estudantes, com vistas
a conhecer a especificidade do serviço prestado que é realizado de maneira voluntária por
profissionais. Os resultados esperados serão explorados por meio da análise de conteúdo
como procedimento teórico/metodológico. A fundamentação teórica apresentará como base
um diálogo entre saúde mental, psicologia e sua interdisciplinaridade com educação e direitos
humanos.

Resultados e Discussão

Pretende-se com este trabalho de pesquisa em desenvolvimento, partindo da visão de


profissionais de Psicologia, realizar levantamento das principais queixas de estudantes com
vistas a compor um diagnóstico socioeducacional, a ser detalhado por um índice gráfico para
visualizar a repetição e relevância das demandas trabalhadas. Objetiva-se propor reflexões
acerca da saúde mental no Ensino Superior e ressaltar a importância de ações de acolhimento
e escuta psicológica que se mostram fundamentais para atender às dificuldades vivenciadas
por universitárias(os), apoiar o desenvolvimento acadêmico e promover o desenvolvimento
integral de estudantes. Almeja-se fornecer subsídios para que a Unespar possa aprimorar e/ou
lapidar as ações de assistência estudantil, de acordo com as necessidades de estudantes. Por

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149
fim, a pesquisa visa refletir acerca do papel da universidade pública na construção de uma
sociedade justa, igualitária e inclusiva.

Considerações finais

A diversidade, as diferenças, a identidade, a exclusão e a inclusão, quando reparadas


na sua desarmonia social, representam partes integrantes da vida em comunidade, em que são
introduzidas as mudanças necessárias ao desenvolvimento social e, ao mesmo tempo,
produzidas outras formas de relacionamentos, outras formas de diversidade, outras maneiras e
meios de abordagens no processo de interação do eu com o outro. Isso faz parte integrante da
natureza humana, isto é, um estado em movimento, de renovação e de mudanças. Dessa
maneira, a sociedade continuará a produzir saberes e realidades relativas, seja em relação à
diversidade existente, seja em relação ao comportamento humano na convivência social, ou
na interação da pessoa com ela mesma, com os outros, bem como as abordagens relacionadas
aos contrastes da vida cotidiana, caracterizada pelas desigualdades sociais. É conhecida a
dificuldade de muitos estudantes em permanecerem na universidade, seja por motivos
financeiros e sociais e/ou situações que envolvem questões de desenvolvimento, adaptação e
equilíbrios emocionais. Compreende-se que os serviços gratuitos de psicologia em saúde
mental, com atendimentos clínicos e de orientação psicológica e educacional são
fundamentais para o restabelecimento da condição psicológica de estudantes
universitárias(os), garantindo igualdade de oportunidades, no sentido de compreender e
assimilar conhecimentos, além de adquirir competências profissionais através da graduação.
Dessa maneira, além de democratizar o acesso à educação, promove-se ações que garantam a
permanência do estudante na instituição, valorizando sua autoestima e respeitando seus
direitos fundamentais.

Referências

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150
ARBEX, Daniela. Holocausto brasileiro. Genocídio: 60 mil mortos no maior hospício do
Brasil -1. ed. - Rio de Janeiro: Intrínseca, 2019.

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DELGADO, Pedro Gabriel. Saúde Mental e Direitos Humanos: 10 Anos da Lei


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<https://www.paho.org/pt/noticias/2-3-2022-pandemia-covid-19-desencadeia-aumento-25-na-
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PRADO, Margareth Simone Marques. Psicologia da educação. Cruz das Almas, BA: SEAD-
UFRB, 2017.

Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022


151
UM OLHAR SOCIAL SOBRE A INFANTO-JUVENTUDE NEGRA EM
CONTOS DE CONCEIÇÃO EVARISTO
Luiz Gustavo Gissi 1
Érica Fernandes Alves 2

Resumo: O objetivo desta pesquisa é analisar a fragmentação da identidade da criança e adolescente


negros em relação ao contexto socioeconômico em que estão inseridos em contos de Conceição
Evaristo. Além disso, busca-se verificar de que modo a política ou a falta dela complexifica a condição
de sujeitos que vivem às margens da sociedade. Sob tal perspectiva, observa-se a qualidade de vida do
sujeito negro em grandes cidades e analisa se há esboço ou reação de resistência por parte dos
protagonistas dos contos na literatura, tendo como corpus os contos “Zaíta esqueceu de guardar os
brinquedos”, “Di Lixão” e “Lumbiá”, do livro Olhos d’água (2015), de Conceição Evaristo. Para
tanto, utilizam-se as discussões de Bonnici (1998) sobre a Teoria Pós-Colonial, os estudos de
identidade de Hall (2006), dentre outros. Os resultados mostram que a infanto-juventude do sujeito
negro é desconsiderada em se tratando das leis que deveriam protegê-lo e assegurar sua saúde,
educação e bem-estar.

Palavras-chave: Olhos d’água; fragmentação; resistência; negro.

Introdução

Esse trabalho discute por meio da análise literária a fragmentação da identidade dos
sujeitos negros infanto-juvenis, em contos de Conceição Evaristo. A literatura sobre esses
indivíduos sempre esteve às margens da literatura canônica, neste sentido, se fazem
necessárias pesquisas e estudos para que melhor se entenda as consequências da colonização e
quais os motivos para que estes sujeitos ainda permaneçam às margens da sociedade.
A questão que permeia esse estudo indaga se a condição socioeconômica afeta a
construção ou fragmenta as identidades destes sujeitos? Sob tal perspectiva, a literatura de
Evaristo elucida, didaticamente, por meio de sua ‘escrevivência’, as bem-sucedidas estratégias
de racismo e exclusão que outremizam e assolam o povo negro.

1
Graduando em Letras Português e Inglês na Universidade Estadual de Maringá (UEM). E-mail:
ra108378@uem.br.
2
Professora da Pós-Graduação em Letras (PLE) da Universidade Estadual de Maringá (UEM). E-mail:
eafalves@uem.br.
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Para além desta premissa, outro intuito desse trabalho é apontar o Brasil neoliberal na
literatura de Evaristo e reforçar sobre a desigualdade socioeconômica maximizada por essa
política, que prejudica mais aqueles que estão às margens da sociedade. Em linhas gerais,
analisa-se se houve tão somente esboço ou reação de resistência por parte dos protagonistas
dos contos, os quais compõem o corpus literário dessa análise: Zaíta, Di Lixão e Lumbiá, dos
contos “Zaíta esqueceu de guardar os brinquedos”, “Di Lixão” e “Lumbiá”. Presentes no livro
Olhos d’água, de Conceição Evaristo (2016).
Zaíta é uma criança com ares de doçura, mistério e sofrimento, que morre assassinada
por uma bala perdida ao sair à procura de uma figurinha de álbum nas redondezas de sua
comunidade. Di Lixão é um adolescente morador de rua que morre invisivelmente com uma
infecção, próximo a várias pessoas que fazem o trajeto diário aos seus ofícios. E Lumbiá é um
garoto que vende amendoim, chicletes e flores pelas ruas e que acaba morrendo atropelado
durante a semana de Natal. As narrativas escolhidas para essa análise tratam-se de retratos dos
sujeitos negros no Brasil descrito por Conceição Evaristo.
Poetisa, contista e ensaísta, Conceição Evaristo nasceu em Belo Horizonte, em 1946.
Na década de 1970, ela migrou para o Rio de Janeiro, onde se graduou em Letras pela UFRJ e
atuou como professora da rede pública de ensino da capital fluminense. Graduou-se mestre
em Literatura Brasileira pela PUC-Rio e doutora em Literatura Comparada pela UFF. Ativa
nos movimentos de valorização da cultura negra no Brasil, estreou na literatura na década de
1990, publicando contos e poemas nos Cadernos negros3. Tendo publicado obras
individualmente e integrado diversas participações em antologias, no ano de 2015 recebeu o
Prêmio Jabuti de Literatura pelo livro de contos Olhos d’água (2016). As suas obras também
vêm sendo publicadas e estudadas no Brasil e no exterior, como na Alemanha, Inglaterra e
nos Estados Unidos, tendo sido objeto de diversos estudos acadêmico-científicos.
Esta pesquisa caracteriza-se como bibliográfica e qualitativa utilizando-se das
discussões de Bonnici (1998) sobre a teoria e a literatura pós-colonial, os estudos de

3
Uma série de literatura afro-brasileira iniciada em 1978, em São Paulo, por um grupo de poetas e ficcionistas.
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identidade de Hall (2006), a análise sobre o negro na literatura infantil brasileira de Gouvêa
(2005), dentre outros.

Identidade e formação do sujeito negro

A literatura de Conceição Evaristo faz um resgate dos sujeitos negros invisibilizados


na sociedade brasileira desde a escravidão, pois, embora abolida, deixou consequências
aterradoras que ainda assolam tais indivíduos. Por se tratar de uma literatura com tal caráter,
ela pode ser compreendida como pós-colonial, contemplando toda a produção literária dos
povos colonizados pelas potências europeias desde a colonização (BONNICI, 2009). A
literatura pós-colonial desempenha o papel de denúncia das mazelas oriundas da colonização,
como também dá visibilidade à escrita dos sujeitos colonizados que, por muito tempo, foi
negligenciada pela academia, sendo considerada inferior ou meramente panfletária.
O cenário literário ocidental foi, invariavelmente, dominado pela cultura hegemônica
europeia durante muito tempo, entretanto, por meio de levantamentos históricos e literários,
observou-se que uma produção literária dos povos colonizados sempre existiu. Gradualmente,
essa literatura foi descoberta e passou a ser estudada, verificando-se que a escrita pós-colonial
está presente em todos os gêneros literários para todas as categorias de leitores, sejam eles,
crianças, jovens ou adultos.
O livro de contos no qual o corpus deste trabalho está localizado não se trata de uma
obra infanto-juvenil, porém aborda temas pertinentes a esse público. Para Cademartori (2010,
p. 10) a literatura infantil é entendida como um gênero que se situa em dois sistemas: “no
literário é uma espécie de primo pobre. No educacional, ocupa lugar de destaque na formação
de leitores, mesmo que desfrute de pouco prestígio no sistema de onde é originária”.
Também é importante ressaltar sobre o percurso histórico da literatura infanto-juvenil
no Brasil. De acordo com Filho (2012), essa literatura possui heranças europeias desde o
período colonial, quando a metrópole portuguesa exercia domínio econômico e político. No

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século XIX, a literatura destinada aos jovens — e somada à literatura infantil — passou a ter
uma sistematização na Europa, portanto, dominação ideológica, que foi traduzida pela
metrópole portuguesa e, consequentemente, gerou uma expansão do gênero, conquistando
maior espaço na educação brasileira. Logo, tal literatura sofreu não apenas a dominação
ideológica de Portugal, mas também a dominação europeia, a qual formulava diversas
correntes de pensamento.
A literatura infanto-juvenil, embora bastante relevante por se direcionar à formação
dos sujeitos, se mostrou bastante problemática quando da representação dos sujeitos negros,
como demonstra Gouvêa (2005, p. 83-84): “Nos textos pesquisados, produzidos entre 1900 e
1920, o negro era um personagem quase ausente, ou referido ocasionalmente como parte da
cena doméstica. Era personagem mudo, desprovido de uma caracterização que fosse além da
referência racial”.
Conceição Evaristo imprime em seus escritos uma visão diferente daquela do início do
século XX. A autora mostra que a marginalização dos sujeitos negros lhes foi imposta por
meio da continuidade da escravidão em outros moldes, além do descaso por parte dos
governantes em relação às políticas públicas que modificassem tal cenário. Em vários de seus
contos, embora não sejam histórias destinadas exclusivamente ao público infantil ou juvenil,
Evaristo retrata a vida precária de crianças e jovens negros que não possuem voz ou escolha
na sociedade brasileira. Sendo assim, a representação do sujeito negro na literatura se faz
necessária, visto que a partir dela se torna possível conhecer histórias de vidas dessas pessoas,
isto é, se pode reconhecer de que modo sua identidade se constrói e se constitui. Sob este
aspecto, a literatura é capaz não só de exprimir essas vivências, mas também de moldar as
identidades de seus leitores. Segundo Hall (2006, p. 9), o duplo deslocamento-descentração
dos indivíduos tanto de seu lugar no mundo social e cultural quanto de si mesmos - constitui
uma “crise de identidade” para o indivíduo. Ou seja, o discurso hegemônico lhes impõe uma
identidade, a marginal, mas a literatura é o meio que torna viável desconstruir esse discurso e
observar as diversas identidades que esses sujeitos possuem.

Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022


155
Ainda de acordo com Hall (2006), um diferente tipo de mudança estrutural vem
transformando as sociedades modernas ao final do século XX, e consequentemente,
fragmentando as rígidas paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e
nacionalidade — que antes imprimiam consistentes posições como indivíduos sociais. Tais
transformações também estão alterando a concepção de sujeitos integrados e das identidades
pessoais. Como resultado, se perde — ainda que estavelmente — o “sentido de si”, sofrendo
um “deslocamento” ou uma “descentração do sujeito” (HALL, 2006). Esse deslocamento-
descentração dos indivíduos ocorre em dois níveis, tanto em seu mundo sociocultural, quanto
em si mesmos, gerando a ‘crise de identidade’ do indivíduo.
Em se tratando de sujeitos que herdaram as consequências da escravidão, a
fragmentação identitária é ainda mais comum: eles vivem marcados pelo discurso excludente
da escravidão, pelo racismo, pela desigualdade socioeconômica do sistema vigente e,
atualmente, por sua mais perversa doutrina econômica, o neoliberalismo.
O crescimento do racismo pós-abolição se deve a outro importante fator, a imigração
de povos europeus após a metade do século XIX, momento quando não havia mais mão-de-
obra escravizada. Esses imigrantes receberam ajuda do governo brasileiro, que lhes ofereceu
um grande programa de colonização, entre outras benesses. Quando o imigrante chegou ao
Brasil, ele tomou o trabalho e o lugar do negro, considerado vagabundo, marginal, analfabeto,
alcoólatra e que trabalhava somente ‘sob corrente’. Enquanto o imigrante branco, considerado
trabalhador, esforçado, alfabetizado, trabalhava sem correntes, além de receber terras e
subsídios governamentais para construir sua nova vida.
Por trás da visão simplista e até romantizada da miscigenação, a de que somos um país
plural e mestiço, houve, desde a abolição, uma realidade violenta, racista e ligada a projetos
classistas. Ao final do século XIX, o Brasil já era considerado como uma imensa nação
mestiça, no sentido extremo e singular, de acordo com Schwarcz (1993). O país havia se
tornado um tipo de “paraíso dos naturalistas”, tanto por cientistas estrangeiros quanto por
brasileiros. Logo, o preconceito baseado em pseudociências, somado à falta de políticas
públicas para o povo negro, foram, em parte, responsáveis por sua marginalização até os dias

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atuais – uma situação comum ao negro desde sua infância, como se pode observar nos escritos
de Conceição Evaristo, selecionados para essa análise. Essa condição se agravou com a
valorização do capital e, contemporaneamente, pelas políticas neoliberais.

O neoliberalismo e a condição social do negro

Na década de 1980, uma poderosa doutrina política e fio condutor do capitalismo, o


neoliberalismo, é resgatada nas ideologias de Ludwig Von Mises e Fredrich August von
Hayek. Tal doutrina aposta no indivíduo isolado da sociedade, nas liberdades empreendedoras
individuais, em um conjunto de políticas que reduz os subsídios do Estado a serviços sociais,
como educação e saúde, na diminuição de salários e retirada de direitos trabalhistas e de bem-
estar social. Uma frase marcante e importante que esclarece esse momento foi a da ex-
primeira-ministra britânica, Margareth Thatcher, no momento de implementação desse regime
no mundo, “There is no such thing as society. There are individual men and women and there
are families”4. Em tradução livre significa que: “Não existe essa coisa de sociedade. Existem
indivíduos, homens e mulheres, e existem as famílias”. Ou seja, “sociedade” mediante
políticas neoliberais, é um termo pejorativo que eleva a igualdade social, os direitos civis, as
ações afirmativas e até mesmo o direito de acesso à educação pública.
Assim, a doutrina neoliberal afeta a identidade dos protagonistas dos contos aqui
analisados, pois é voltada para determinadas classes, ou seja, é uma política para aqueles que
já possuem privilégios e para aqueles que comandam o sistema econômico-financeiro. Os
sujeitos negros são, desde a infância, excluídos das políticas públicas e das benesses dos
modos de produção devido ao processo de escravidão e do consequente racismo que persiste
na atualidade. Desse modo, o sujeito negro participa ativamente do processo neoliberal, sendo
ele um objeto na engrenagem — a mão de obra mais barata —, mas não participa dos lucros
gerados. Por conta disso, ele não terá a sua identidade completa, estável e centrada ou,

4
Disponível em: < https://www.theguardian.com/politics/2013/apr/08/margaret-thatcher-quotes> Acesso em: 18
jul. 2022.
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conforme aponta Hall (2006, p. 7), “uma ancoragem estável no mundo social”. A sua
identidade tende a ser fragmentada desde a sua infância e o seu meio e modo de vida o levam
à violência e à pobreza. É, portanto, o que será observado na análise dos contos escolhidos
para a realização desse estudo.

A bonequinha destruída

Zaíta é uma criança que vive em uma comunidade periférica, entre a truculência
policial e violência do tráfico, ou seja, uma infância em uma zona de guerra. Ela mora com a
mãe Benícia, a irmã gêmea Naíta e dois irmãos mais velhos, um que está no exército e o outro
que já “traçava o seu caminho pelos becos do morro” (EVARISTO, 2015, p. 39). A mãe vive
cansada e sem paciência, pois trabalha demais para poder alimentar a família. É uma mulher
que não tem tempo para cuidar de si, de ter lazer, diversão. Aqui, percebe-se uma das formas
como o neoliberalismo opera: ele suga toda a força de trabalho e paga pouco, ao mesmo
tempo, em que exclui os sujeitos mais pobres de terem acesso ao lazer. As preocupações e
irritações dessa mãe são o pequeno barraco, a vida pobre, os filhos e, principalmente, o
segundo menino. O pai das gêmeas, durante os anos que morou junto deles, nunca trouxe o
bolso cheio, apesar de trabalhar muito também. E onde está o pai dos meninos? Trabalhando e
“gastando seu pouco tempo de vida” (EVARISTO, 2015, p. 39), provavelmente, como um
servente de pedreiro.
Benícia ainda divide o pouco que consegue com sua irmã, que também tem filhos
pequenos e um marido que ganha pouco. Contudo, ela quer trabalhar ainda mais para
aumentar seu ganho, “ia arranjar trabalho para os finais de semana” (EVARISTO, 2015, p.
39). Nessa labuta diária, os filhos sofrem um desamparo familiar, sendo as consequências
mais graves para o segundo filho e para Zaíta. O segundo filho, entre a exclusão social e o
desejo de uma vida melhor, é cooptado para o tráfico local. O rapaz deseja uma vida que
“valesse a pena” e uma “vida farta, um caminho menos árduo e o bolso não vazio”

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(EVARISTO, 2015, p. 39), pois observa o seu povo trabalhar diariamente e continuar na
miséria.
No ECA (Lei n. º 8.069, de 13 de Julho de 1990) discute-se a necessidade de proteção
e cuidado à criança e ao adolescente. O artigo 4.º da Lei da Primeira Infância (n.º 13.257, de 8
de Março de 2016) fala sobre as políticas públicas para atender os direitos da criança na
primeira infância:
I — atender ao interesse superior da criança e à sua condição de sujeito de
direitos e de cidadã;
II — incluir a participação da criança na definição das ações que lhe digam
respeito, em conformidade com suas características etárias e de desenvolvimento
(BRASIL, 2021, p. 183).
Muito embora, e mesmo que a lei garanta tais cuidados em relação à criança, observa-
se na família de Zaíta que isso não ocorre, visto que as crianças e os adolescentes são privados
de qualquer direito. Os brinquedos de Zaíta não são comprados em uma loja de shopping ou
mesmo em uma grande rede de departamentos, eles são coisas simples, descartáveis e não se
constituem como brinquedos, de fato, mas como “bonecas incompletas, chapinhas de garrafas,
latinhas vazias, caixas e palitos de fósforos usados” (EVARISTO, 2015, p. 38), além das
figurinhas que o segundo irmão lhe dava. As figurinhas são o que ela mais gosta,
especialmente uma figurinha: “a mais bonita, a que retratava uma garotinha carregando uma
braçada de flores” (EVARISTO, 2015, p. 38). Pode-se pensar em um contraste entre a menina
da figurinha e Zaíta. Enquanto a menina carrega flores, tem um amparo familiar e social, bons
estudos e brinquedos melhores, Zaíta não possui nenhum desses privilégios. A desigualdade é
tão grande na vida da menina, que um dia ela chega a tirar uma moeda da mãe, sem esta
perceber, para comprar figurinhas.
Como desde a infância os sujeitos descritos no conto estão em condições de extrema
pobreza e rodeadas pela violência e o crime, parece ser praticamente impossível se desviar de
tal padrão. Zaíta rouba o dinheiro da mãe por ansiar por brinquedos que não pode ter.
Observa-se, neste contexto, que a situação precária e de desalento se instaurou desde a
escravidão, sendo agravada pelas políticas econômicas neoliberais que empurram os
desvalidos ainda mais para as margens da sociedade e para a criminalidade.
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Certa vez, Zaíta perde sua figurinha e passa a procurá-la em sua caixa de brinquedos
sem nenhum sucesso. Não encontrando o brinquedo, a menina sai pela favela a fim de ter de
volta aquilo de que tanto gostava.
Percebe-se nesse ínterim, entre a procura pela figurinha e o desfecho da narrativa, a
presença de um recurso narrativo, a prolepse5: uma boneca negra com um único braço.
Quando Zaíta sai a procura de Naíta, sua irmã, ela pode ser vista na figura da boneca: “a linda
boneca negra, com seu único braço aberto, parecia sorrir desamparadamente feliz”
(EVARISTO, 2015, p. 39. Zaíta é, senão, a boneca negra, que desamparadamente feliz, sai em
busca da irmã e da figurinha perdida.
A narrativa, que se inicia com a inocência, termina totalmente diferente. Ao sair pelo
beco, Zaíta, distraída em sua preocupação, não percebe que está no meio de um tiroteio:
Em meio ao tiroteio a menina ia. Balas, balas e balas desabrochavam como
flores malditas, ervas daninhas suspensas no ar. Algumas fizeram círculos no
corpo da menina. Daí um minuto tudo acabou. Homens armados sumiram pelos
becos silenciosos, cegos e mudos. Cinco ou seis corpos, como o de Zaíta, jaziam
no chão (EVARISTO, 2015, p. 40).
Zaíta é uma boneca destruída pela guerra perdida entre o Estado e o tráfico. “Zaíta,
você esqueceu de guardar os brinquedos! — grita Naíta entre o desespero, a dor, o espanto e o
medo, ao se aproximar do corpo da irmã” (EVARISTO, 2015, p. 40).
Nota-se que não há nenhuma, ou quase nenhuma, chance dessas crianças se tornarem
cidadãs participantes da sociedade. Zaíta representa as muitas crianças da favela que não
possuem privilégios e acesso aos direitos constituídos. O artigo 5º do ECA dispõe que
“Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer
atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais” (2021, p. 14), porém, indaga-
se, como essas crianças podem participar amplamente da sociedade se vivenciam violências e

5 Antecipações no tempo, que permitem a anteposição, no plano do discurso, de um fato ou situação que só
aparecerá mais tarde no plano da diegese. Corresponde ao que, em linguagem cinematográfica, é chamado
flashforward.
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160
privações? Se as leis já promulgadas não os alcançam? Toda essa exclusão faz com que
estejam à margem e fragmentadas.

O jovem com o nome “Di Lixão”

O personagem deste conto é um adolescente de quinze anos chamado Di Lixão. Não


se sabe o seu nome verdadeiro. Essa denominação é uma clara alusão ao jovem que é
considerado lixo, enquanto consequência da exclusão social. O adolescente é um morador de
rua, órfão que sofre com dor de dente, conforme se percebe no lirismo de Evaristo: “Ele era
uma dor só. As dores haviam se encontrado. Doía o dente. Doíam as partes de baixo. Doía o
ódio” (EVARISTO, 2015, p. 41). Ele odeia a vida, o mundo e sobrevive com outro morador
de rua embaixo da marquise de algum prédio, numa metrópole. “O companheiro de quarto-
marquise levantou um pouco o corpo e entre o sono olhou espantado, meio adormecido, para
ele” (EVARISTO, 2015, p. 41).
A dor no órgão sexual é devido aos chutes que levou ou à alguma doença? E a dor de
dente? Não se sabe. O garoto vive na rua, sem acesso à educação, à saúde, à alimentação
decente, ao lazer, além de que, mantém relações sexuais desprotegidas com outras pessoas em
mesma vulnerabilidade social: “Tinha experimentado isto nos quartos daquelas putas”
(EVARISTO, 2015, p. 42). No ECA, em seu artigo 7º está disposto que: “A criança e o
adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais
públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições
dignas de existência” (2021, p. 14). Entretanto, não há assistência nenhuma à saúde de Di
Lixão; as políticas públicas mencionadas parecem ser nulas para sujeitos como ele.
Essas pessoas em situação de vulnerabilidade estão mais propensas a sofrer e/ou
participar de todos os tipos de violência, fazendo com que adentrem o mundo adulto muito
precocemente, não somente na questão sexual, mas, em geral; conforme se constata, enquanto
outros jovens não precisam se preocupar onde morar, com o que comer e vestir, com sua

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educação etc., pois têm uma base familiar ou responsáveis, Di Lixão precisa ‘se virar’ para
sobreviver, ele é obrigado a ser um adulto, e conviver com todas as responsabilidades.
Quase duas semanas após as dores, “daquele tumorzinho na boca, junto ao dente”
(EVARISTO, 2015, p. 42), o menino passa a urinar sangue e teme morrer sozinho, pensando
onde está o colega de quarto-marquise. Na manhã seguinte, um transeunte percebe que o
garoto está morto e, então, um rabecão da polícia vem recolher o cadáver. O garoto passou
invisível na vida e na morte, não há nenhum tratamento ao seu nome social ou sequer ao seu
apelido sujo. Após morto, passa a ser, tão somente, cadáver.
Constata-se aqui a invisibilização do sujeito negro. A polícia não apenas retira o corpo
do menino que, muito provavelmente, será considerado como indigente, mas não haverá
nenhum rito funerário. Velar um negro morador de rua ressoaria desnecessário e incomodaria,
talvez, uma parcela da sociedade, mas diferentemente, a maioria das pessoas terão seus corpos
velados com as devidas honras fúnebres.

Lumbiá e o Deus-menino

Lumbiá é um menino que trabalha como vendedor ambulante com outros


adolescentes. A mãe os coloca para trabalharem e, assim, ajudar na renda da casa, denotando,
muito provavelmente, que constituem uma família que sobrevive de trabalhos informais.
Quanto ao pai, não há menção, talvez sejam filhos de mãe solteira.
O menino passa considerável parte do dia na rua vendendo flores, chicletes, amendoim
etc., entre a falta de lazer e de estudos. Ele possui táticas para vender suas mercadorias, ao
vender flores, por exemplo, “ele espera o casal estar todo derretido e se coloca entre eles com
a flor, impondo à sua venda” (EVARISTO, 2015, p. 43). Outro truque de Lumbiá para vender
é sentar-se em algum lugar e chorar para comover as pessoas, dizendo que a mãe o bateu, que
não consegue vender a mercadoria e que o dinheiro das vendas foi roubado por um menino
mais velho.

Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022


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O leitor do conto é convidado a imaginar uma criança que deveria estar estudando,
tendo lazer e sendo amparada pela família e pelo Estado, mas que, desde cedo, tem que
desenvolver estratégias para ganhar algum dinheiro e ajudar a família. Observa-se, mais uma
vez, a falha na aplicação das leis que deveriam proteger e amparar a criança e o adolescente
negros no país. Além disso, observa-se, ainda, que a ordem econômica exclui
sistematicamente as classes sociais menos privilegiadas da aquisição de bens de consumo.
Em meio ao trabalho informal e a constante necessidade de ganhar mais dinheiro, só
havia uma coisa que não deixava o menino triste: o Natal. A cena do Deus-menino e sua
família pobre chamava a sua atenção desde a sua mais tenra idade, pois ele se identificava
com essa família pobre, “A casinha simples e a caminha de palha do Deus-menino, pobre, só
faltava ser negro como ele” (EVARISTO, 2015, p. 44).
Lumbiá tenta, certo dia, entrar em uma loja onde um presépio estava montado. Porém,
havia um problema: era proibida a entrada de crianças sem os responsáveis e era quase
improvável que a mãe tivesse algum tempo e condições para levá-lo até lá. Lumbiá faz várias
tentativas de adentrar o local sem sucesso, pois há locais em que o corpo negro não pode
transitar ou mesmo habitar. Há nisso um paradoxo: esse corpo é invisível nas ruas, mas em
um lugar como a loja em questão ele não é. A sociedade brasileira entende que o local do
negro é a margem, consequentemente, essa loja pressupõe um público, que não é nem o preto,
nem o pobre, muito menos o preto/pobre. Entretanto, em determinado momento, o garoto
consegue entrar na loja:
Lá estava o Deus-menino de braços abertos. Nu, pobre, vazio e friorento como
ele. Nem as luzes da loja, nem as falsas estrelas conseguiam esconder a sua
pobreza e solidão. Lumbiá olhava. De braços abertos, o Deus-menino pedia por
ele. Erê queria sair dali. Estava nu, sentia frio. Lumbiá tocou na imagem, à sua
semelhança. Deus-menino, Deus-menino! (EVARISTO, 2015, p. 45).
Emocionado, o garoto toma a estátua do Deus-menino nos braços e sai da loja
levando-a. O segurança vê e tenta impedi-lo, mas o menino pula agilmente para a rua, até que
um carro o atropela, “Amassados, massacrados, quebrados! Deus-menino, Lumbiá morreu!”
(EVARISTO, 2015, p. 45). Novamente, faz-se possível associar a ideia do menino Jesus

Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022


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como um cordeiro de Deus e Lumbiá: outra criança preta, pobre e sacrificada que, de certa
forma, também se aparenta com o cordeiro imolado de Deus.
Jesus foi o enviado de Deus para salvar a humanidade com a sua morte, o cordeiro
imolado. Ele era negro e pobre, nasceu marginalizado e fora da cidade, passou por inúmeras
privações até se sacrificar pelos homens. Lumbiá, como o Cristo menino, é outro cordeiro que
também passa por privações e morre mais cedo que o próprio Cristo. Ambos são sacrificados
pela exclusão e desigualdade social.

Conclusão

Como exposto e discutido, os sujeitos retratados por Evaristo são pessoas negras,
marginalizadas, invisíveis e com suas identidades fragmentadas, ou seja, são crianças e jovens
negros que não são abarcadas plenamente (ou de nenhuma forma) pelos direitos garantidos
pelo ECA e pelas políticas públicas sociais. A situação desses protagonistas piora, haja vista a
instalação e evolução da doutrina neoliberal assumida nas últimas décadas.
Zaíta morre em meio à guerra do tráfico e do Estado, Di Lixão morre invisivelmente
embaixo de uma marquise e Lumbiá é morto por atropelamento. Nenhum deles teve a chance
de se tornarem adultos e construírem suas identidades. A pouca identidade que adquiriram na
vida não foi centrada, pois nenhum deles pertenciam a um modelo familiar sólido, com
moradia digna, alimentação adequada, saúde, educação ou lazer.
As políticas sociais, econômico-financeiras neoliberais impostas são mais pesadas e
letais com esses sujeitos. Resultantes da escravidão, eles estão à margem de uma sociedade na
qual só participam como produtores da riqueza que não possuem. Zaíta é filha de uma
empregada doméstica que mal consegue alimentar os filhos. A menina não tem sequer
brinquedos para brincar em sua tenra infância, morrendo vítima da violência tão comum nas
favelas brasileiras. Di Lixão é um adolescente órfão sem teto que está doente e não tem
assistência de saúde. O garoto morre doente e invisível aos olhos do poder público. Lumbiá é
vítima do trabalho infantil e, apesar de trabalhar arduamente, não pode adentrar alguns

Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022


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espaços, pois sua condição de negro, pobre e desacompanhado dos pais não lhe permite. O
garoto também morre, vítima de um atropelamento quando o sonho de ter o Menino Jesus em
seus braços se realiza.
As crianças representadas por Evaristo são a mimese de conjunções sócio-políticas
construídas e efetivadas desde várias décadas até o presente. Em um país tão rico como o
Brasil, nenhuma criança ou qualquer cidadão deveria passar por privações básicas e habitar as
favelas ou a insalubridade e perigo das ruas. Lugares indignos para qualquer cidadão.
Nenhum ser humano, criança ou adulto, merece morar às margens da cidade, em condições
subumanas, sem nenhuma dignidade e, em meio a “eterna” guerra travada entre tráfico e
Estado, em condições de submissão às milícias ou às “igrejas caça-níqueis”, como são
alcunhados os templos religiosos, caçadores de vítimas sociais.
Considera-se, portanto, que há condições suficientes no país para se construir um
projeto de reurbanização das cidades e, que assim, se possa dar moradias e condições dignas
de existência às famílias pobres e aos moradores de rua, na esperança de que possam alcançar
e ter as mesmas condições que outras parcelas da população de brasileiros e brasileiras. E na
expectativa de que as crianças e adolescentes negros e pobres de Evaristo não sejam no futuro
a mesma representação do presente.
Neste sentido, se faz preciso e urgente que tais medidas sejam postas em ação, em
concomitância com a cobrança dos direitos já garantidos em leis para todo o povo brasileiro.
Para tanto, se fazem emergentes ações conjuntas e em separado, de representantes indiretos e
diretos dos grupos negros, das instituições públicas, de intelectuais e afins, além de um
trabalho politizador voltado a uma certa ‘psicologia social’ — que duvida e menospreza a
história do povo negro — para expor as consequências da escravidão e do racismo e as
condições atuais desse povo. Somente a partir desses esforços, sujeitos como Zaíta, Di Lixão
e Lumbiá poderão formar, como sugere o teórico cultural e sociólogo britânico-jamaicano
Stuart Hall (2006), uma identidade não mais fragmentada ou descentrada.

Referências

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165
BONNICI, Thomas. Introdução ao estudo das literaturas pós-coloniais. Mimesis, Bauru, v.
19, n. 1, p. 7-23, 1998.

BONNICI, Thomas. ZOLIN, Lúcia Osana (org.). Teoria literária: abordagens históricas e
tendências contemporâneas. 3ª ed. ampl. e rev. UEM/ Maringá: Eduem, 2009.

BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente: Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990.


Brasília, 2021.

CADEMARTORI, Ligia. O que é literatura infantil. Col. Primeiros passos 163. ed. dig. São
Paulo: Brasiliense, 2010.

CADERNOS NEGROS. Literafro, 2020. Cadernos negros 38: tradição viva. Disponível em:
<http://www.letras.ufmg.br/literafro/verAutor.asp?id=42>. Acesso em: 18 Jul. 2022.

EVARISTO, Conceição. Olhos d’água. 1ª ed. Rio de Janeiro, Pallas: Fundação Biblioteca
Nacional, 2016.

FILHO, José Nicolau Gregorin. Literatura juvenil: adolescência, cultura e formação de


leitores. 1ª ed. São Paulo: Melhoramentos Ltda, 2011.

GOUVÊA, Maria Cristina Soares de. Imagens do negro na literatura infantil brasileira:
análise historiográfica. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.31, n.1, p. 77-89, jan./abr. 2005.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução: Tomaz Tadeu da Silva e


Guacira Lopes Louro, décima primeira edição, Rio de Janeiro: DP&A, 2006.

SCHWARCZ, Lilia Moritz. Brasil viveu um processo de amnésia nacional sobre a


escravidão, diz historiadora. Entrevista concedida a Júlia Dias Carneiro. BBC News, Rio de
Janeiro, n. 1528, p. 9—11, 10 mai. 2018.

________.O espetáculo das raças. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

THE GUARDIAN. The Guardian, 2013. Margaret Thatcher: a life in quotes. Disponível em:
<https://www.theguardian.com/politics/2013/apr/08/margaret-thatcher-quotes>. Acesso em:
18 Jul. 2022.

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166
A CONSTRUÇÃO DA AUTORIA NO SLAM: UMA LEITURA DO
POEMA “A MENINA QUE NASCEU SEM COR”, DE MIDRIA
Érica Alessandra Paiva Rosa1

Resumo: Uma característica do movimento dos slams (campeonatos de poesia falada) brasileiros é a
ligação entre as histórias contadas através da poesia, os saberes e as pessoas que os produzem de
forma localizada. No percurso de investigações, verificou-se que a autoria é uma peça importante para
a compreender a construção identitária que as poetas do slam fazem via representação literária,
principalmente quando elas versam sobre si em seus textos. Assim, este artigo propõe uma leitura do
poema “A menina que nasceu sem cor”, da slammer Midria, buscando compreender o processo de
construção da autoria a partir da escolha e do uso de determinados recursos linguísticos para se
representar. O poema tematiza questões sobre a colonialidade, dentre elas, o colorismo e as formas de
racismo aplicadas às mulheres negras de pele clara. Ele é lido a partir da seleção de alguns trechos em
que ocorre intertextualidade, a fim de identificar quais os procedimentos utilizados pela poeta para
selecionar e inserir em seu poema outros textos e autores. Percebe-se que a colagem, a citação, a
ironia, a metonímia, a inserção de fatos pessoais e a escolha do gênero textual são alguns dos
procedimentos utilizados pela poeta para a construção de sua autoria que é tecida por uma teia de
vozes.

Palavras-chave: Autoria. Intertextualidade. Representação. Colonialidade.

1
Mestra em Estudos Literários pela Universidade Estadual de Maringá. Doutoranda em Estudos Literários pela
Universidade Estadual de Londrina. Bolsista de Doutorado pelo CNPq. E-mail: erica.paivarosa@gmail.com.
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168
A CRECHE E AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS ANTIRRACISTAS:
CAMINHOS POSSÍVEIS
Aline Ap. S. de Carvalho Veiga1
Vanessa Figueiredo Bonfante2
Marta Regina Paulo da Silva3

Resumo: A discussão a que nos propomos neste trabalho surge da necessidade de construirmos
outras realidades educacionais que tenham em seu escopo as relações raciais como premissa nas
práticas pedagógicas desde a creche. O presente texto caracteriza-se como um relato de experiência
formativa realizada com professores e professoras da primeiríssima infância na construção de
estratégias para uma educação infantil decolonial. Defendemos que esse percurso deve ter seu início
na construção do Projeto Político Pedagógico, sendo este o documento orientador dos fazeres da
instituição, constitutivo de sua identidade e que estabelece o percurso profissional docente. A partir
dele, somos convocadas a refletir sobre nossas concepções de criança, infância e educação,
reafirmando nossa responsabilidade política, ética e estética enquanto educadores(as) das infâncias,
principalmente no que concerne aos espaços públicos. Entendemos que nestes lugares, onde ocorre
esse encontro de diferentes docentes e perspectivas, é preciso pensar sobre essas concepções, pois elas
direcionam nosso trabalho junto aos meninos e às meninas que, inseridos(as) neste contexto social,
trazem consigo diversidade étnica, racial, de gênero, etária e de classe social. Tendo em vista que os
efeitos negativos dos estereótipos e dos preconceitos presentes na sociedade atingem bebês e crianças
bem pequenas e negros(as), contribuindo para uma formação deficitária e a construção de uma
imagem negativa de si e de seu grupo de pertencimento, a creche, enquanto espaço formal de
educação, tem a responsabilidade de romper com este ciclo de discriminação, preconceito e
inferiorização destas crianças, que são postas à margem de nossa sociedade. Nesta perspectiva,
compreendemos a formação continuada e, consequentemente, as práticas pedagógicas resultantes
destas reflexões como estratégias para consolidarmos uma educação antirracista. Trata-se, portanto, de
ressignificar as experiências corriqueiras para que se tornem ações específicas que incluam a todos e
todas no cotidiano da educação infantil. Diante disso, como implementar práticas pedagógicas
antirracistas possibilitando uma imagem positiva de si? Para tanto, temos nos Valores Civilizatórios

1
Mestranda no Programa de Mestrado Profissional em Educação da Universidade Municipal de São Caetano do
Sul. Professora de Ensino Fundamental e Educação Infantil na Prefeitura Municipal de Santo André, atuando
como Assistente Pedagógica. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisa Infâncias, Diversidade e Educação –
GEPIDE (PPGE/USCS). E-mail: alinec540@gmail.com.
2
Mestranda no Programa de Mestrado Profissional em Educação da Universidade Municipal de São Caetano do
Sul. Professora de Ensino Fundamental e Educação Infantil na Prefeitura Municipal de Santo André, atuando
como Diretora de unidade escolar. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisa Infâncias, Diversidade e Educação
– GEPIDE (PPGE/USCS). E-mail: vanessafigueiredobonfante@gmail.com.
3
Doutora em Educação. Docente-Pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Municipal de São Caetano do Sul. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisa Infâncias, Diversidade e Educação –
GEPIDE (PPGE/USCS). Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisa Paulo Freire (PPGE/USCS). E-mail:
martarps@uol.com.br.
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Afro-brasileiros, apresentados por Azoilda Loretto Trindade, caminhos possíveis a serem percorridos,
orientando os fazeres docentes. Estes valores perpassam pelo cotidiano da educação infantil
dialogando com as diferentes linguagens, como: brinquedos e brincadeiras, a música, a literatura, a
dança e a ornamentação desses espaços, evidenciando a importância da representatividade da cultura
africana e considerando a criança negra nos processos educativos, rompendo, portanto, com o
silenciamento do racismo na infância. Para esse fim, reconhecemos a creche como um espaço
privilegiado para a vivência e compreensão de práticas que tenham como significado estes valores
civilizatórios, a saber: a circularidade, a ancestralidade, a corporeidade, a musicalidade, a ludicidade, a
oralidade e o axé, enquanto energia vital, na efetivação de uma educação infantil que se apresente
como existente e resistente, considerando a criança negra nas ações pedagógicas.

Palavras-chave: Creche. Práticas pedagógicas. Educação antirracista. Formação Docente.

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A DESIGUALDADE ENTRE AS PERSONAGENS DE ATRAVÉS DO
BRASIL (1910): UMA ANÁLISE DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS
PRESENTES NA OBRA
Evilásio Paulo Novais Junior1

Resumo: Este texto se volta às relações étnico-raciais presentes no livro Através do Brasil (1910), de
Olavo Bilac e Manoel Bomfim. Trata-se de um romance que foi destinado às escolas primárias
daquele período, cuja narrativa versa sobre dois meninos brancos e ricos, Alfredo e Carlos, que viajam
pelo Brasil à procura do pai desaparecido. Nessa empreitada, os irmãos topam com diferentes povos,
dentre eles, sertanejos e negros. São contatos travados apenas pela excepcionalidade em que vivem os
garotos, como nos afirma Lajolo (1982), que discute que se trata de vínculos patronais. Os rapazes,
mesmo que muito jovens, são tratados com superioridade e como os cuidadores dos segmentos menos
visíveis da sociedade, dentre eles, o negro. Segundo Lajolo (1982), na literatura infantil brasileira, há
muitos exemplos em que negros são alvos da piedade dos brancos e entendemos que Através do Brasil
(1910) também conta com um desses casos. Nosso objetivo, assim, é analisar as relações que os
protagonistas empreendem com as personagens negras na obra; para isso, apoiamo-nos em autores
vários que versam sobre o negro na literatura. Trata-se, portanto, de uma pesquisa bibliográfica, visto
que, para alcançarmos o intuito a que nos propomos, precisamos valermo-nos da análise de
bibliografia. Acreditamos que o livro pretendeu despertar a identificação com os protagonistas, isso
porque o texto literário foi escrito para alunos brancos e ricos que seriam a nova classe dirigente; o
intuito consistia em munir os discentes de virtudes e valores para que pudessem, futuramente, cuidar
da população.

Palavras-chave: Bilac e Bomfim; Etnia; Desigualdade.

1
Graduado em Pedagogia pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Cursa Mestrado em Letras pela
mesma instituição. É bolsista da Capes. Atualmente, trabalha como professor na Secretaria de Estado da
Educação do Paraná. E-mail: evilasiojunior98@hotmail.com.
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A FACA QUE CORTA A LÍNGUA E MARCA A ANCESTRALIDADE:
OBJETO, AGÊNCIA E RELIGIOSIDADE EM TORTO ARADO DE
ITAMAR VIEIRA JUNIOR
Douglas Santana Ariston Sacramento1

Resumo: O escritor soteropolitano Itamar Vieira Júnior (2019) escreveu o fenômeno literário Torto
Arado, vencedor do Prêmio Jabuti (2020) e do Prêmio Oceanos (2020). A obra retrata a história de
duas irmãs, Bibiana e Belonisia, desde a infância – quando um grave acidente marca a vida das duas:
uma faca de prata corta a língua de uma delas, deixando-a sem voz, e tornando a outra irmã intérprete
da primeira – até a fase adulta – quando casadas percebem-se atreladas com questões sociais e
religiosas relacionadas à posse de terras pós-abolição no interior da Bahia. Por conseguinte, nota-se
que a religiosidade do Candomblé de Jarê, mais conhecido com candomblé de caboclo, é uma
recorrência na história, especialmente porque o pai das meninas, Zeca Chapéu Grande, é um líder
religioso que serve toda a comunidade. Assim, a proposta deste trabalho versa sobre a faca de prata
que aparece no início do livro, a qual é retomada por meio de flashbacks durante a narrativa e que
marca um ponto crucial para a compreensão da religiosidade representada na obra. Esse objeto é
carregado de ancestralidade, pois é permeado de uma herança ancestral e de um agenciamento –
características importantes dentro da religiosidade de matriz africana no Brasil. Uma faca não é apenas
uma faca, é também um objeto ritual. Para isso, utilizarei (GELL, 2020; BANAGGIA, 2015; LODY,
2006; GODELIER; 2017; LUZ; 2017) como referencial teórico.
Palavra-chave: Agência. Itamar Vieira Júnior. Objeto. Religiosidade. Torto Arado.

1
Doutorando em Estudos Étnicos e Africanos pelo Pós-Afro/UFBA. Mestre em Literatura e Cultura pelo
PPGLitCult/UFBA. Graduado em Licenciatura e Bacharelado em Língua Estrangeira Moderna – Inglês, pela
UFBA. Graduando em Bacharelado em Antropologia, pela UFBA. Bolsista CAPES. E-mail:
douglas.ariston.18@gmail.com.

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A GEOGRAFIA DA EXCLUSÃO EM SOLITÁRIA, DE ELIANA ALVES
CRUZ
Weslei Roberto Candido1

Resumo: A presente comunicação tem por objetivo discutir o espaço da exclusão dentro do romance
Solitária, de Eliana Alves Cruz. A narrativa pode ser vista dentro de uma dialética do espaço dos
poderosos e dos excluídos. O quartinho de empregada, por ser um espaço de exclusão, frequentado
apenas pelas personagens negras do romance replica o racismo estrutural da sociedade brasileira.
Mabel e sua mãe Eunice têm acesso ao ambiente dos ricos pela porta dos fundos do apartamento,
podendo circular pelo espaço privilegiado como serviçais da elite branca enquanto limpam os quartos,
servem a mesa ou ficam de babá dos filhos dos patrões. Fora deste tempo, é reservado a elas o
minúsculo espaço do quartinho, marcando geograficamente o espaço que cada membro ocupa na
sociedade. Assim, o espaço do apartamento, no romance, é uma réplica da sociedade racista brasileira,
sendo uma herança da antiga estrutura de casa grande e senzala atualizada nos novos espaços
habitados pelos ricos, o que garante que os negros continuem excluídos no micro espaço do
apartamento. No romance, o quartinho de empregada é relatado como uma solitária, um espaço de
condenação àqueles que nasceram com a pele negra. Tanto que o romance é narrado a partir de três
pontos de vista: o de Mabel, a menina que é condenada a viver sua infância no quartinho, o de Eunice
que é a empregada do apartamento e da solitária, quando o quartinho ganha vida e narra a parte final
da história. No entanto, este romance de Eliana Alves Cruz é uma narrativa de esperança, que
denuncia os inúmeros casos de trabalho semiescravo a que milhares de mulheres negras no Brasil
foram condenadas. É um romance da esperança porque Mabel e Eunice conseguem escapar, mesmo
com traumas, do espaço de dominação e submissão que o quartinho de empregada lhes impunha. A
história de Eunice e Mabel serve de exemplo de um Brasil racista e escravocrata que foi aperfeiçoando
suas práticas exploratórias, na tentativa da elite branca manter seu poderio vindo da época da
escravidão. O romance de Eliane Alvez Cruz é um grito por liberdade, que ousa romper com as
paredes das inúmeras solitárias que ainda existem pelos apartamentos ricos de todo o Brasil. Portanto,
este é um romance narrado a partir do espaço dos excluídos, que sob a aparência de pertencer ao
espaço das famílias ricas, serviram de celas que condenaram inúmeras mulheres negras e seus filhos a
continuar servindo à elite branca e escravocrata do Brasil.

Palavras-chave: Solitária. Espaço. Romance Afro-brasileiro. Eliana Alves Cruz.

1
Doutor em Letras. Docente do Departamento de Teorias Linguísticas e Literárias da UEM – Universidade
Estadual de Maringá. E-mail:wrcandido@uem.br.
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A IMPORTÂNCIA DA LITERATURA NEGRA NA EDUCAÇÃO
INFANTIL
Neusa Maria Soares Zukoski1

Resumo: O livro O pequeno príncipe preto para pequenos é uma história infantil de autoria de
Rodrigo França, também autor do livro O pequeno príncipe preto que é uma versão destinada ao
público juvenil, com mais componentes na trama. A obra literária O pequeno príncipe preto para
pequenos foi escolhida para ser trabalhada com a turma de maternal dois na qual sou regente, que
abrange alunos na faixa etária de 2 a 3 anos, na educação infantil do município de Umuarama, com o
intuito de usar uma história infantil que vá além do tradicional, retomando a ancestralidade africana,
enfatizando a importância da construção do amor próprio de uma maneira que traga significado para
as crianças. A história possui correlação com o clássico literário infantil O pequeno príncipe de autoria
de Antoine de Saint-Exupéry, visto que, na história o pequeno príncipe preto também vive sozinho em
um planeta com uma árvore, a Baobá. Esse é um ponto de divergência significativo entre as obras
correlacionadas, no clássico a Baobá é tida como uma erva daninha que deve ser eliminada para não
destruir o planeta do pequeno príncipe, já na obra de França, a mesma árvore é representada com o
protagonismo digno de sua importância em várias culturas africanas, a Baobá é símbolo de
ancestralidade e fonte de conhecimento para o pequeno príncipe preto. No decorrer do livro, o
pequeno príncipe preto viaja por outros planetas, conhecendo pessoas e plantando sementes da Baobá,
evidenciando uma criança negra como protagonista da história, que descreve suas características
físicas com alegria e empolgação, mencionando a cor da sua pele, o seu cabelo, seu nariz e seu sorriso
de maneira lúdica e positiva, reforçando a autoestima, denotando a beleza da pluralidade cultural,
rompendo desde a educação infantil o estigma de cultura universal. A partir da história, os estudantes
do maternal dois folhearam o livro, fizeram perguntas e comentários, principalmente sobre o pequeno
príncipe preto e a baobá, com auxílio do espelho as crianças observaram suas características físicas e
também dos demais colegas de sala, com a ajuda das crianças elaboramos um painel com imagens da
Baobá e com fotos das crianças enaltecendo a beleza da diversidade da turma. A pesquisa para este
trabalho esteve embasado nos autores Magnani (2001), Rodrigues, Müge e Vieira (2022) e na Lei
Federal 10.639/03 objetivando um ensino antirracista, que construa uma identidade com amor próprio
e protagonismo.

Palavras-chave: O pequeno príncipe preto para pequenos. Educação infantil. Educação antirracista.

1Especialista em Neuropedagogia na Educação. Graduada em Pedagogia pela Unespar/Campo Mourão. E-mail:


neusa.zukoski@edu.umuarama.pr.gov.br.
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A IMPORTÂNCIA DO CONTATO DA LITERATURA
AFRO/MIGRATÓRIA POR CRIANÇAS NO PERÍODO ESCOLAR:
UMA ANÁLISE DO LIVRO A MENINA QUE ABRAÇA O VENTO
Maiane Machado Sá1

Resumo: A insistência do uso quase que exclusivo de literaturas ditas canônicas em sala de aula,
ainda que nos ensinos inicias, gera, em parte, desinteresse por parte dos alunos, já que eles nãos e
veem refletidos no que leem. Neste sentido, este trabalho pretende discutir sobre a importância da
inserção de uma literatura de representatividade nos ambientes escolares levando em consideração os
múltiplos sujeitos multiculturais que estão envolvidos no processo de ensino e aprendizagem. Assim, o
objetivo é analisar o livro A menina que abraça o vento (2017), de Fernanda Paraguassu, buscando
mostrar a realidade e a importância de se levar esse tipo de temática para a sala de aula,
principalmente nos primeiros anos do ensino fundamental, já que é nesse período que as crianças
estão consolidando os seus pensamentos e opiniões a respeito do outro . Por meio de uma
pesquisa bibliográfica, as discussões são baseadas em Gouvea (2005), que aborda de maneira
mais detalhada sobre a imagem do negro na literatura infantil, Bonnici (2011), que discute questões
relevantes sobre o multiculturalismo, Thomas (2016), que trata a respeito da representatividade da
literatura infantil, fazendo um panorama da diversidade voltada para essa área, e outros. Os
resultados mostram, a partir da análise do livro, que a inclusão de uma literatura de
representatividade traz aspectos positivos e significativos para a educação das crianças nos
estabelecimentos de ensino.

Palavras-chave: Literatura Infantil. Representatividade. Escola.

1
Professora na Prefeitura Municipal de Boa Vista, Roraima. Licenciada em Letras Língua Francesa pela
Universidade Federal de Roraima. Mestranda do Programa de Pós-graduação em Letras (PLE), pela
Universidade Estadual de Maringá (UEM). E-mail: machadojorge2918@gmail.com.
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A MULHER NEGRA E OS LETRAMENTOS DE REEXISTÊNCIA:
MANIFESTAÇÕES IDENTITÁRIAS NO MST-BA
Larisse Oliveira Araújo1

Resumo: A mulher negra possui um papel fundamental na construção de um projeto de


transformação social que visa o combate ao racismo, bem como a resistência e a continuidade da
cultura africana e afro-brasileira, e é nos espaços de letramentos de reexistência que ela cria estratégias
para alcançar tal objetivo e gerar formas de aquilombamento. Nesse cenário, a educação é um
instrumento de grande importância quando encarada como um processo político-pedagógico e quando
pensada como prática para a liberdade, ao exemplo da educação não formal ocorrida nos espaços de
lutas sociais, como os movimentos sociais em sua formação política. Este trabalho apresenta uma
pesquisa em andamento, partindo da construção da monografia desta autora, e tem por objetivo trazer
em discussão o que são esses letramentos de reexistência e como a identidade e a atuação da mulher
negra se manifestam nos espaços que esses letramentos acontecem. Para isso, a revisão teórica da
pesquisa será fundamentada, dentre outros autores, por Gohn (2014), Caldart (2004), Munanga (2020),
Souza (2011), Gonzalez (2020) e hooks (2019). Os caminhos metodológicos foram construídos
mediante a uma abordagem qualitativa, dada por uma observação participativa através de uma
pesquisa de campo realizada em um assentamento do MST-BA e da análise documental referente ao
objeto e aos conceitos estudados.

Palavras-chave: Mulher negra. Identidade. Letramentos de reexistência. Educação não formal.


Movimentos sociais.

1
Graduanda em Licenciatura Plena em Pedagogia, na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - Campus
Jequié. E-mail: larisseoliveiraa@gmail.com /pesquisadepreta@gmail.com.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
176
A POESIA DE NOÉMIA DE SOUSA: MEMÓRIAS,
ANCESTRALIDADES E RESISTÊNCIA
Meire Oliveira Silva 1

Resumo: Carolina Noémia Abranches de Sousa é o nome da poeta Noémia de Sousa, conhecida
como a mãe dos poetas moçambicanos. Nascida em 1926, passa a escrever sob o pseudônimo de Vera
Micaia, a fim de burlar as perseguições do sistema colonial português, entre os anos de 1940-1950,
quando Moçambique vive os desmandos que culminariam nos movimentos de guerrilhas anticoloniais.
A censura acomete a sua obra reunida no volume Sangue negro, cujos poemas foram escritos entre
1948 e 1951. Seus temas são imbuídos pelas temáticas das injustiças e explorações que vitimaram o
povo moçambicano. Justamente pelo caráter de enfrentamento e luta, seus poemas fizeram-na ser
presa e exilada em Portugal. Entretanto, confirma-se sua marca entre as maiores vozes das literaturas
africanas de língua portuguesa (CHAVES, 2005). A força e a atualidade de sua poesia são o objeto
deste estudo que pretende realizar um exame dos dialogismos históricos e sociais engendrados aos
temas, versos e caráter polifônico cujas denúncias interseccionais (AKOTIRENE, 2018), que
desnudam a formação das sociedades africanas, especialmente, em relação ao ser-mulher. Justifica-se
tal estudo pelo fato de que a obra de Noémia de Sousa antecipa pautas anticoloniais, atreladas às lutas
e à atemporalidade de sua poética. Sendo assim, a metodologia consiste na análise dos poemas em
consonância à averiguação de seu caráter histórico e social, em uma perspectiva interdisciplinar. Os
diálogos com outras poéticas e vozes da literatura africana e brasileira, como José Craveirinha e Jorge
Amado, norteiam as escolhas interdiscursivas e intertextuais desenvolvidas pela poeta em uma escrita
que ressoa na contemporaneidade.

Palavras-chave: Noémia de Sousa; Sangue negro; Poesia; Moçambique.

1Doutora e Mestra em Teoria Literária e Literatura Comparada pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo (USP). E-mail: meireoliveirasilva79@gmail.com.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
177
A REALIDADE-FICÇÃO DO RACISMO NA OBRA
AUTOBIOGRÁFICA HE VISTO LA NOCHE
Daniela Sofía Navarro Hernández1

Resumo: Esta pesquisa busca discutir e estabelecer possíveis relações entre o conceito de pós-
autonomia na literatura na obra autobiográfica He Visto la noche, de Manuel Zapata Olivella, a partir
dos postulados de Josefina Ludmer, Aqui América Latina: uma especulação (2010), e na obra
Indicionário do contemporâneo (Andrade et. al., 2018), a fim de compreender como a pós-autonomia
da literatura se apresenta na realidade-ficção das histórias de viagens de Zapata Olivella a partir do
racismo, suas caraterísticas, os deslocamentos do autor e as interseccionalidades entre raça, gênero e
nível sociocultural. Além disso, busca-se uma análise do contexto narrado para debater sobre os
espaços e as transformações contemporâneas à luz da música, da literatura e da formação como jovem
escritor latino-americano. Apresentará uma aproximação à análise socio crítica da obra e uma
interpretação do documentário Manuel Zapata Olivella, abridor de caminhos, como base nas reflexões
de escritores colombianos sobre a vida e obra de Zapata, como legado para as letras colombianas e
latino-americanas para conhecer olhares do racismo durante o século XX. Com a intenção de
fortalecer os processos de ensino-aprendizagem da educação afrodiaspórica, a obra literária em estudo
aborda um corpus epistemológico para a identificação das falências existentes na atualidade que
impedem a integração dentro e fora da sala de aula.

Palavras-chave: Autobiografia. Pós-autonomia. Racismo. Realidade-ficção.

1
Mestranda em Literatura Comparada, PPGLC - UNILA. Universidade Federal da Integração Latino-
Americana. Bolsista pós graduação Stricto Sensu pelo Acordo CAPES/Fundação Araucária. E-mail:
dsn.hernandez.2021@aluno.unila.edu.br.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
178
A REPRESENTAÇÃO DA IDENTIDADE FEMININA NEGRA EM
CONTOS DE ITAMAR VIEIRA JÚNIOR
Cleia da Rocha1

Resumo: Esse trabalho busca refletir sobre a representação de mulheres negras em um conjunto de
contos de Itamar Vieira Junior, presentes nas coletâneas Dias (2012), Doramar ou a odisseia (2021),
do próprio autor, e em Contos de axé (2021), organizado por Marcelo Moutinho. Buscar-se-á
apresentar como se constrói, por meio da figuração das personagens femininas, aspectos da identidade
etnicorracial e de gênero que se relacionam com as construções histórico-culturais efetivadas ao longo
de nossa formação como país e como sociedade. Os contos selecionados são cinco ao todo: Oxum,
Alma, Mar(fé), Doramar ou a odisseia e Iroko - A devoção sagrada de uma semente. Na análise
dessas narrativas tratar-se-á de aspectos relativos às vivências afetivas e religiosas das personagens
bem como da reflexão sobre o retorno à ancestralidade, permeados pela discussão de questões sociais
relevantes como a escravidão e o colonialismo e suas consequências: a imigração, e a intolerância
religiosa. Para efetivar essa proposição analítica, o conceito de diáspora, como metáfora de perda da
identidade cultural (negra), será empregado.

Palavras-chave: Identidade. Mulheres Negras. Diáspora.

1Doutora em Letras (UFPR). Atua como professora de Português na Educação Básica do estado do Paraná. E-
mail: cleiar1983@gmail.com.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
179
A REPRESENTAÇÃO DE EMERENCIANA CARDOSO NEVES NA
OBRA ÁGUA PRO MORRO (1944) NA CIDADE DE CURITIBA
PARANÁ
Heloísa Maria Santos Lovato1

Resumo: A presente pesquisa se propõe a problematizar a partir da perspectiva da invisibilidade


negra, a representação feminina no monumento público Água pro Morro, localizado no centro de
Curitiba, do artista Erbo Stenzel (1911-1980). A análise da obra nos permite pensar múltiplas
dimensões do contexto histórico-social da época, como o Movimento Paranista, a elite intelectual
paranaense, o contexto político e como naturalizou-se o apagamento da artista carioca Emerenciana
Cardoso Neves (1918-1991) no Paraná. O referencial teórico desta pesquisa foi estruturado por meio
da contextualização entre os séculos XIX-XX, também sobre o debate de esculturas públicas, sobre
estudos de gênero, bem como o racismo e seus efeitos nas artes. Nesse sentido, busca-se refletir acerca
da estrutura patriarcal, sobre a construção de estereótipos de gênero e raciais, que interferiram
substancialmente com o ocultamento da identidade de Emerenciana e, consequentemente com o não
reconhecimento do seu protagonismo artístico. Os problemas suscitados em relação aos estereótipos
raciais, serão analisados à luz dos conceitos de representação e de autoras ligadas ao feminismo
interseccional, como por exemplo, Lélia Gonzalez, Adrian Piper, Rosana Paulino, entre outras.
A metodologia de análise do monumento se sustentará recorrendo às pesquisas de Ana Mae Barbosa e
Etienne Samain, que contribuem no sentido de debatermos e investigarmos o lugar atribuído à
Emerenciana no espaço público.

Palavras-chave: Representação feminina; invisibilidade negra; monumentos públicos.

1
Licencianda em Artes Visuais pela UNESPAR, Campus de Curitiba II, FAP – Faculdade de Artes do Paraná e
Artista Residente no Ateliê de Escultura pelo ICAC – Instituto Curitiba de Arte e Cultura. E-mail:
helolovato@hotmail.com.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
180
A RESISTÊNCIA FEMININA NEGRA EM CIDADÃ DE SEGUNDA
CLASSE, DE BUCHI EMECHETA

Ana Maria Soares Zukoski1

Resumo: O presente trabalho tem por objetivo apresentar uma análise interpretativa do romance
Cidadão de segunda classe publicado em 1974 pela escritora nigeriana Buchi Emecheta. Com foco na
protagonista, buscaremos apresentar seus movimentos de resistência, abarcando desde sua infância até
a vida adulta, aproximando sua trajetória do conceito de subjetivação feminina proposto por Touraine
na obra O mundo das mulheres (2010). Ao longo da infância, observamos o florescimento do processo
de subjetivação de Adah, por meio da construção de uma visão crítica e a sua luta para ter acesso a
direitos básicos, como a educação e a própria sobrevivência. Já a vida adulta lhe reserva diversos
mecanismos de opressão, desde a simbólica até a física, vivenciada dentro do matrimônio. Retomando
seu processo de (re)construção subjetiva, ela passa pela resistência mental que a auxilia a desanuviar
sua ótica idealizada a respeito do casamento e a impele a busca pela independência psicológica da
figura e da família do marido. Avançando em sua trajetória ela se apropria da violência física, em uma
resposta de revide ao esposo. A combinação dos mecanismos de resistência a direciona para o desejo
de controle sobre o próprio corpo, sendo a escrita o principal mecanismo para cumprir a subjetivação
feminina, dado que enquanto escreve seu romance Dote de esposa a protagonista (re)constrói-se por
meio das palavras. O desfecho de sua trajetória, com o abandono do marido sinaliza para uma
estruturação psicológica substantiva, que a permite seguir sua vida com os filhos, colocando-se como
centro de sua existência e retomando seu protagonismo. Para isso, utilizar-nos-emos dos pressupostos
teóricos da Crítica Feminista Negra, dos Estudos Pós-Coloniais e Identitários, com pesquisadores/as
como Bauman (2005); Bonnici (2005, 2007, 2009a, 2009b); Carneiro (2019); Figueiredo (2019);
Memmi (2007); Rago (2014); Touraine (2010), entre outros/as.

Palavras-chave: Literatura de autoria feminina negra. Subjetivação feminina. Escrita. Buchi


Emecheta.

1 Doutoranda e Mestra em Letras: Estudos Literário pela Universidade Estadual de Maringá – UEM. E-mail:
anazukoski@gmail.com.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
181
A RESISTÊNCIA PELA LITERATURA NEGRO-BRASILEIRA NO
POEMA “CAVALO DOS ANCESTRAIS”, DE CARLOS DE
ASSUMPÇÃO
Bruna Augusta Marques1
Pedro Henrique Braz2

Resumo: A resistência nos países pós-coloniais envolve diferentes formas de posicionamentos


contrários ao poder dominante em seu pensamento colonial. No Brasil, durante o período escravocrata
e mesmo após a abolição, os movimentos constantes de resistência se estenderam desde a violência
nos embates travados no período colonial, nas revoltas diante da exploração europeia, até em sua
forma mais sutil pelo discurso, como na literatura, que pelo contradiscurso os sujeitos negros assumem
o lugar de fala como agentes em resistência transformativa. Sendo assim, nesta comunicação cabe a
discussão da resistência no Brasil, reconhecendo-a por meio da escrita literária em análise do poema
“Cavalo dos Ancestrais”, que integra a obra Não Pararei de Gritar (2020), de Carlos de Assumpção.
Para tanto, os estudos de Bill Ashcroft (2001) acerca das formas de resistência e de Abdias
Nascimento (1978) sobre o genocídio do negro brasileiro permitem assentir os ecos da resistência
ancestral que se fazem presentes na contemporaneidade também pela literatura negro-brasileira.

Palavras-chave: Pós-colonialismo. Bill Ashcroft. Resistência. Literatura negro-brasileira.

1
Graduada em Artes Visuais. Mestranda em Estudos Literários pela Universidade Estadual de Maringá. Bolsista
CAPES/ DS. E-mail: pg403687@uem.br.
2
Graduado em Letras. Mestrando em Estudos Literários pela Universidade Estadual de Maringá. Bolsista
CAPES/ DS. E-mail: pedro.braz@hotmail.com.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
182
A RUPTURA DA IDENTIDADE DOMINANTE NO FILME DE
ANIMAÇÃO HOMEM-ARANHA NO ARANHAVERSO
Sasuke Ribeiro de Almeida1
Rafael Tonet Maccagnan2

Resumo: O tema desta pesquisa está voltado para as questões de igualdade racial e social, pois
mesmo com o desenvolvimento de pesquisas e movimentos que abordam e priorizam os direitos
humanos, principalmente em questões raciais e igualdade social, nos deparamos com uma sociedade
que ainda enfrenta paradigmas no que se refere a identidade da minoria, tanto em questões de gênero
quanto racial. Para tanto, objetivamos analisar os aspectos identitários étnico-raciais por meio do filme
de animação Homem-Aranha no Aranhaverso, dirigido por Peter Ramsey, Bob Persichetti, Rodney
Rothman, roteiro de Phil Lord e Rodney Rothman. A referida animação foi baseada nos quadrinhos do
personagem Miles Morales da Marvel Comics, contou com a produção da Columbia Pictures e Sony
Pictures Animation associado com a Marvel Entertainment com a sua distribuição pela Sony Pictures
Releasing em 2018. A presente pesquisa está em seu processo inicial, justifica-se que daremos
continuidade com os resultados vindouros, até o presente momento o que obtivemos por meio da nossa
metodologia de análise do filme em questão, tomamos conhecimento da importância dessa criação por
destacar aspectos raciais e a ruptura da identidade que domina, pois o protagonista é interpretado por
Miles Morales, um jovem negro que mora no Brooklyn que,se torna o mais novo Homem-Aranha, não
somente pela postura de super-herói, mas também pelos aspectos sociais e culturais que o filme
retrata, tanto no local em que o personagem mora e a sua mudança de escola, retratando valores
diversificados e a visibilidade da identidade afrodescendente. Também contamos com apoio
bibliográfico para sustentação da nossa pesquisa, com o respaldo em Vanoye (2006), Cunha (2017)
entre outros(as).

Palavras-chave: Identidade. Minorias. Animação. Super-herói negro.

1
Bacharel em Geografia - UNESPAR. Especialista em Estudos Literários -UNESPAR. Graduando em Letras
Língua Portuguesa e Espanhol - IBRA/FABRAS. Escritor/quadrinista, Prof. de Literatura ENCCEJA no Canal
Conquiste seus Sonhos (youtube).E-mail: planetsasuke0@gmail.com.
2
Formado em história pela UEM, Pedagogia pela UNESPAR – Campus de Campo Mourão e aluno do Programa
de Mestrado em História Pública da UNESPAR - Campus de Campo Mourão. E-mail:
rafaeltonet123@gmail.com.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
183
A SUBVERSÃO DA CISHETERONORMATIVIDADE EM FELIX PARA
SEMPRE, DE KACEN CALLENDER
Gabriel Silva de Mello1

Resumo: A presente comunicação visa apresentar uma análise interpretativa do texto Felix para
sempre (2021), de Kacen Callender, com o intento de elucidar o movimento de disrupção da
cisheteronormatividade ao longo da existência e vivências do protagonista transgênero, negro e queer
do texto literário. A construção da identidade de gênero e o lócus social ocupado pelo protagonista,
Felix, tensionam e subvertem o determinismo naturalista que embasa o destino biológico dos gêneros
e que dita os seus papéis no seio de uma sociedade cisheteronormativa. Desse modo, a análise aborda
as vivências sociais de Felix, ancorando-as em três eixos: familiar, afetivo e escolar. No eixo familiar,
discute-se sobre a construção da família monoparental e as relações que a tangenciam, juntamente com
a construção da identidade de gênero do protagonista a partir da manipulação da testosterona e da
escolha de seu novo nome. Quanto ao eixo afetivo, reflete-se sobre os processos de abjeção e
fetichização dos corpos trans como molas propulsoras da solidão das identidades transmasculinas. Por
último, já no eixo escolar, revela-se a escola como um lócus de normalização, reprodução e reiteração
de inúmeras violências simbólicas infligidas sobre os corpos trans. A metodologia consiste na leitura e
análise de Felix para sempre, de Kacen Callender, pelo viés dos Estudos de Gênero de autores/as,
cujas obras versam sobre identidade, Teoria Queer e diferença, como Paul Preciado (2020), Berenice
Bento (2008), Richard Miskolci (2017), entre outros/as. Os resultados revelam que o seio familiar,
embora rico em afetos, também possui muitos conflitos, ao passo que o corpo trans de Felix demonstra
abrigar uma identidade construída a partir de travessias, estas constituídas de muitas lutas, resistência,
rejeição e solidão. Já a escola, ao promover a normalização da cisheteronormatividade, revela-se como
um ambiente de reprodução de transfobias.

Palavras-chave: Transexualidade. Heteronormatividade. Felix para sempre.

1
Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Letras (PLE) pela Universidade Estadual de Maringá (UEM)
na área de Estudos Literários. E-mail: gabkorakas@gmail.com.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
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A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA SOB A JUSTIFICATIVA RELIGIOSA NO
ROMANCE HIBISCO ROXO, DE CHIMAMANDA NGOZI ADICHIE
Douglas Fernando Blanco1
Adriana Delmira Mendes Polato2
Wilma dos Santos Coqueiro3

Resumo: O objetivo deste trabalho é analisar a violência contra mulher no ambiente doméstico, tendo
como plano de fundo o escopo da religiosidade, contexto este que perpassa o romance de Hibisco
Roxo, publicado pela escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, em 2003. Por meio de uma
tessitura narrativa densa, constata-se que a violência exposta na obra é patrimonial, moral e física.
Tendo isso em vista, fundamentamos a reflexão no conceito de violência física dispendido por Brasil
(2006), a qual está prevista no artigo 7º, em seu inciso I, que se caracteriza como toda aquela em que o
agressor despende uma força e causa algum tipo de dano à integridade do corpo ou à saúde da mulher.
No romance, o “Papa”, assimilado à cultura e à religião branca de matriz europeia, pune severamente
os filhos e a esposa, por manterem as tradições africanas que resistem naquele local. Desse modo, os
atos de violência são variados, de água quente nos pés até a agressão com um missal. Na obra, aqueles
que sofrem a agressão se acostumam com o fato e, por conformismo, acham que merecem toda
crueldade que lhes é imposta. Com efeito, os personagens acabam se tornando invisíveis pela
religiosidade do patriarca e pela desapropriação cultural. A condição financeira e a filantropia
transformaram “Papa” em um herói local, e isso corrobora com a perpetuação da submissão religiosa e
patrimonial. Assim, para a família e para a comunidade, o pai era intocável. Para a reflexão acerca dos
diversos tipos de violência na obra, o trabalho se respalda nos conceitos de violência doméstica, entre
eles, o descrito por Santos (2019), e em relação à violência de gênero, embasa-se em Bandeira (2014)
e Saffioti (2015). Ademais, sobre o feminismo negro e as novas formas de socialização e justiça
social, assentaremos as discussões a partir dos estudos de Hooks (2018).

Palavras-chave: Literatura Africana. Violência doméstica. Religião. Autoria Feminina.

1
Graduado em Filosofia. Aluno regular do Programa de Pós-Graduação Sociedade e
Desenvolvimento(PPGSeD), da Universidade Estadual do Paraná – UNESPAR/ campus Campo Mourão. E-
mail: douglasfbl@hotmail.com.
2
Orientadora. Doutora em Letras/área de concentração em Estudos Linguísticos pela Universidade Estadual de
Maringá (UEM). Docente do Curso de Graduação em Letras e do Programa de Pós-Graduação em Sociedade e
Desenvolvimento (PPGSeD) da UNESPAR/campus de Campo Mourão. E-mail: ampolato@gmail.com.
3
Coorientadora. Doutora em Letras/área de concentração em Estudos Literários pela Universidade Estadual de
Maringá (UEM). Docente do Curso de Graduação em Letras e do Programa de Pós-Graduação em Sociedade e
Desenvolvimento (PPGSeD) da UNESPAR/campus de Campo Mourão. E-mail:
wilma.coqueiro@ies.unespar.edu.br.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
185
ARTISTAS MULHERES: PROBLEMATIZANDO AS AUSÊNCIAS E
PRESENÇAS NA PRODUÇÃO DA HISTÓRIA DA ARTE EM
CURITIBA (SÉCULO XX)
Layla Roberta de Oliveira Herzer1
Nicoly Rechenmacher da Rosa2
Claudia Priori3

Resumo: Ao longo dos séculos, a posição ocupada pelas mulheres em diferentes sociedades foi
inferiorizada, colocando-as em condição de submissão, silenciamento e apagamento histórico. No
campo artístico, foram invisibilizadas diante da figura de artistas homens e, por muito tempo, vistas
apenas como musas inspiradoras, e não como artistas, e sua arte foi considerada como “amadora”. E
quando se trata da presença e produção de artistas mulheres negras, a invisibilidade é ainda maior,
uma vez que o papel de sujeitas históricas lhes foi negado historicamente. A partir disso, nossa
pesquisa se propõe à investigação de mulheres artistas do século XX, atuantes no estado do Paraná,
priorizando pintoras, escultoras, gravuristas e/ou desenhistas, e o recorte temporal delimita nomes
diversos no desenvolvimento da arte Moderna e Contemporânea. A destarte, vale destacar que as obras
das artistas são um dos focos de nossa pesquisa, além das temáticas abordadas nas obras, as trajetórias
de vida e atuação, levando em consideração a questão étnico-racial e posição social das mulheres. No
entanto, para essa comunicação, nosso objetivo é discutir a presença e produção de mulheres artistas,
especialmente na cidade de Curitiba e que fizeram parte da história da arte local, mas por vezes não
tiveram espaço no cenário público, e nesse propósito, abordar também a ausência ou pouca presença
de mulheres artistas negras. Portanto, objetivamos problematizar essas questões e apresentar
produções de artistas negras contemporâneas que têm atuado no cenário artístico da cidade, para além
do recorte temporal da pesquisa. Nossa abordagem está baseada na história das mulheres, na história
das artes visuais e nos estudos de gênero.

Palavras-chave: Artes visuais. História. Mulheres Artistas. Raça.

1
Graduanda do Curso de Licenciatura em Artes Visuais na Universidade Estadual do Paraná, Campus de
Curitiba II, FAP - Faculdade de Artes do Paraná. Bolsista pelo Programa de Pesquisa Básica e Aplicada,
modalidade Iniciação Científica da Fundação Araucária. E-mail: laylaherzerartist@gmail.com.
2
Graduanda do Curso de Licenciatura em Artes Visuais na Universidade Estadual do Paraná, Campus Curitiba
II, FAP - Faculdade de artes do Paraná. Bolsista pelo Programa de Pesquisa Básica e Aplicada, modalidade
Iniciação Científica da Fundação Araucária. E-mail: nicolyrdarosa@gmail.com.
3
Professora Associada no Curso de Licenciatura em Artes Visuais na Universidade Estadual do Paraná, Campus
de Curitiba II, FAP - Faculdade de Artes do Paraná. Coordenadora e Orientadora no projeto de pesquisa
financiado pelo Programa de Pesquisa Básica e Aplicada, modalidade Iniciação Científica da Fundação
Araucária. E-mail: claudia.priori@unespar.edu.br.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
186
AS DUAS MARIAS: UMA PROPOSTA DE DIÁLOGO, ENTRE
CONCEIÇÃO EVARISTO E ELZA SOARES, A RESPEITO DA
VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NEGRA, NO BRASIL
Luíza Bahr Calazans1

Resumo: Essa pesquisa propõe uma análise literária do conto Maria, de Conceição Evaristo, em
diálogo com a música Maria da Vila Matilde, cantada por Elza Soares e composta por Douglas
Germano. O objetivo da análise é o de pôr em evidência a questão da violência contra a mulher negra,
no Brasil, através dos elementos que emergem desse diálogo. Trata-se de duas mulheres negras que
dão voz às respectivas personagens chamadas Maria. Pretendemos destacar os elementos literários,
presentes nas duas narrativas, que, de modo complementar, denunciam a situação de vulnerabilidade,
estabelecida pelo racismo, pela qual passam tantas Marias brasileiras. Para estabelecer a base teórica
da análise dos elementos literários do conto e da letra da música, recorremos às teorias literárias de
Norman Friedman e Umberto Eco. Entretanto, o conceito que articula o diálogo proposto é o de
escrevivência, desenvolvido por Conceição Evaristo. Ainda que Elza Soares não seja a autora da
música, esperamos mostrar que o conceito de escrevivência pode ser ampliado para a interpretação, na
medida em que a intérprete empresta sua voz, como mulher negra, para a narrativa. Entretanto, a
escrevivência presente na autoria de Conceição Evaristo parece diferir daquela da interpretação,
justamente por prescindir do esforço interpretativo, já que a própria escrita do texto oferece tal
perspectiva. No que diz respeito ao tema comum das narrativas, que emerge desse diálogo – a
violência contra a mulher negra, no Brasil – pretendemos evocar aspectos centrais das obras de Frantz
Fanon e Lélia Gonzalez.

Palavras-chave: Conceição Evaristo. Elza Soares. Escrevivência. Mulher Negra.

1
Graduanda em Letras – Francês, na UFPR (Universidade Federal do Paraná). E-mail:
luizabcalazans@gmail.com.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
187
AS LAVADEIRAS: RELAÇÕES DE TRABALHO EM ÁGUA DE
BARRELA, DE ELIANA ALVES CRUZ
Yuri Juan de Oliveira1
Wilma dos Santos Coqueiro2
Mirian Cardoso da Silva3

Resumo: A existência das mulheres negras sempre foi marcada pela história da escravidão e pelos
limites estruturais de raça e de gênero, os quais cerceiam e dificultam a tomada de autonomia e
protagonismo. Relegadas a atividades consideradas menores, essas mulheres utilizavam o cotidiano
como forma de resistência e de luta contra o sistema opressor. Um exemplo dessas são as lavadeiras,
que é uma das formas de trabalho historicamente delegadas às mulheres negras. A presente
comunicação pretende, portanto, analisar a representação da força de trabalho das lavadeiras, no
romance Água de Barrela, publicado em 2016, por Eliane Alves Cruz, jornalista negra descendente de
africanos escravizados. Como a própria autora revela em entrevistas, a escrita da obra, a partir de
pesquisas acadêmicas da história familiar, é uma forma de cura das feridas ocasionadas pelo racismo
que sofreu na infância. Com efeito, o romance, que retrata várias gerações de mulheres da família da
autora, aborda a diáspora forçada ao Brasil de Akin Shagokunle e sua cunhada grávida Ewà Oluwa.
Após a chegada ao Brasil, já escravizada em uma fazenda baiana, Ewà dá luz a Anolina, sendo ela a
primeira mulher de uma nova geração de lavadeiras. Com esse trabalho, essas mulheres trazem a
utilização da mistura de cinzas da madeira para limpar as roupas dos patrões, de forma que o branco
das vestes era objetivado pelas próprias lavadeiras. Para a realização desta pesquisa interdisciplinar
que aborda a intrínseca relação entre literatura e história, nos pautamos, entre outros, nos estudos de
Gilberto Freyre (2006), que trata da exploração de ex-escravizados em Casa Grande & Senzala,
publicado originalmente em 1933, indo do abuso físico ao psicológico; de Johanna Meyer (2016)
sobre o ofício das lavadeiras e de Bell Hooks (2018) e Karla Akotirene (2019), que discutem a luta da
mulher negra por espaço e representação.

Palavras-chave: Romance de autoria feminina. Eliane Alves Cruz. Mulheres Negras. Lavadeiras.

1
Graduando de História - Unespar, campus de Campo Mourão. Bolsista Capes do programa de Iniciação
Cientifica. E-mail: yuri_juan3@hotmail.com.
2
Doutora em Letras, área de concentração em Estudos Literários (UEM). Docente adjunta do colegiado de
Letras e do Programa de Pós Graduação em Sociedade e Desenvolvimento (PPGSeD) da UNESPAR/campus de
Campo Mourão. E-mail: wilma.coqueiro@ies.unespar.edu.br.
3
Doutora em Letras, área de concentração em Estudos Literários (UEM). E-mail: mikardosoo@gmail.com.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
188
CAMADAS DE RESISTÊNCIA EM 15 DIAS, DE VICTOR MARTINS:
UMA LEITURA SOBRE A PERCEPÇÃO DO ‘EU’ EM BUSCA DA
IDENTIDADE
Gustavo Moreira Rocha1
Fernanda Garcia Cassiano2

Resumo: Esta pesquisa analisa o modo pelo qual os conceitos de corpos abjetos, de Butler (2016),
Teoria Queer, de Miskolci (2012), e identidades pós-modernas, de Hall (2006), são capazes de propor
uma leitura de 15 dias (2017), de Vitor Martins, e reafirmar a importância de literaturas LGBTQIAP+
como formas de resistência em sociedades ocidentais. Resistir possui camadas e não se define apenas
pelo ato de se opor a algo ou alguém, como conceituado por Ashcroft (2001). Felipe, um jovem gordo
e gay de 17 anos, vê seu mundo desabar quando, no início de suas férias, momento em que ele
pretende se isolar em seu quarto para fugir do bullying sofrido na escola, descobre que seu vizinho,
Caio, ficará em sua casa durante os 15 dias de recesso estudantil e, a partir disto, um sentimento que
antes estava adormecido volta para o assombrar. Neste tempo da narrativa, há a redescoberta desta
interseccionalidade entre o ser gordo e o ser gay, um processo da percepção do ‘eu’ para o mundo, por
meio de reflexões causadas pela dor da rejeição deste corpo excluído. A identidade queer, tema
principal deste trabalho, é o estranho que incomoda, e cumpre seu papel de definir o indefinível, ao
levar a personagem principal em sua própria jornada do herói. A metodologia, de caráter qualitativo,
interpreta as questões sociais e históricas que permeiam o texto de Martins, dessa forma, a análise é
pautada nas reflexões e comparações dos valores hegemônicos de uma sociedade, supostamente,
padrão. Espera-se obter, por meios dos estudos teóricos aqui citados, uma compreensão das facetas
identitárias de um garoto gay e gordo e os impactos que esse corpo causa ao ocupar espaços.

Palavras-chave: Teoria Queer. Identidade. Resistência. Corpos abjetos.

1
Mestrando pelo Programa de Pós-graduação em Letras (PLE), da Universidade Estadual de Maringá (UEM).
Graduado em Letras Português/Inglês e Literaturas Correspondentes pela mesma instituição. E-mail:
gustamr@outlook.com.
2
Doutoranda pelo Programa de Pós-graduação em Letras (PLE), da Universidade Estadual de Maringá (UEM).
Graduada em Letras Português e Literaturas Correspondentes pela mesma instituição. Professora de língua
portuguesa na Escola Estadual Brasilio Itibere. E-mail: fernandagarcia.c@hotmail.com.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
189
CAROLINA DE JESUS: OS ESFORÇOS FÍSICOS E MENTAIS DA
POPULAÇÃO NEGRA PARA SOBREVIVER NO BRASIL
Milena Silvério Ferreira1

Resumo: O Brasil foi e é um dos países mais racistas do mundo, isso sempre foi muito evidenciado
pelas leis, cultura e arte. A sobrevivência dessas populações passa por muita resistência e resiliência,
uma experiência limite para a saúde mental e física dessas pessoas. A obra “O quarto de despejo:
Diário de uma favelada” da grande autora Carolina Maria de Jesus mostra esse cotidiano triste e
penoso, onde as pessoas negras recebiam poucas oportunidades naquela sociedade brasileira, algo que
ainda acontece na atualidade. Carolina expôs a dura realidade de uma pessoa negra que vivia na favela
(sustentando seus filhos) não tendo chances de estudar durante a infância e adolescência, tendo então
que recolher materiais recicláveis para sustentar a sua família, uma profissão sofrida. Nessa obra é
possível perceber as consequências dessa sociedade extremamente discriminatória, uma delas, talvez a
mais difícil de conviver: a fome, uma dor física, mas que afeta a mentalidade de quem passa
profundamente. Desse jeito essa pesquisa busca mostrar essa realidade, (a fome e as dificuldades
rotineiras) que desgasta a população negra, afetando-as mentalmente pois sempre devem estar lutando
e defendendo os seus direitos já conquistados, pois no Brasil, um país que possui uma dívida histórica
com essa população, esses direitos são sempre colocados em cheque, e por isso essa luta é contínua e
desgastante visto as suas condições sociais, uma verdadeira luta pela sobrevivência.

Palavras-chave: Resistência. Racismo. Saúde. Brasil.

1
Pós- graduada (especialista). E-mail: misilverio99@gmail.com.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
190
CAROLINA MARIA DE JESUS: MEMÓRIA, RESISTÊNCIA E A
ESCRITA DE SI
Gabrieli Almeida da Silva Peron1

Resumo: O presente trabalho tem como escopo analisar a memória como resistência e a escrita de si
na obra Quarto de Despejo: Diário de uma favelada, de Carolina Maria de Jesus, publicado em 1960.
A partir de Quarto de Despejo: Diário de uma favelada (2020) pensar-se-á a escrita como ferramenta
de resistência e a memória que a constituí como um ser humano que existe apesar das singularidades
da vida e que utiliza a escrita para documentar a própria obra, assim, o passado é resgatado e
ressignificado a partir do presente, pois Carolina Maria de Jesus resiste à fome, ao abandono,
silenciamento e ao apagamento social, escrever é um ato político e a autora o faz com maestria.
Carolina Maria de Jesus se constituí como sujeito a partir da escrita de si, porque abnega o lugar que a
sociedade coloca a mulher negra e pobre. O arcabouço teórico baseia-se em Grada Kilomba (2020),
Angela Davis ( 2016), Maurice Halbwachs (1990) e Philippe Lejeune (2008). Portanto, o estudo visa
contribuir com a riqueza de diálogos proposto pelo simpósio e a divulgação científica.

Palavras-chave: Memória. Resistência. Escrita de Si. Autobiografia.

1
Mestranda. Professora no ensino privado. E-mail:gabrielialmeidaaaa@gmail.com.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
191
CASO SIMONE ANDRÉ DINIZ: RACISMO INSTITUCIONAL
Thiago Rodolfo Pires1

Resumo: O presente trabalho tem por escopo a análise do Caso Simone André Diniz à luz do Sistema
Regional da Organização dos Estados Americanos (OEA) de Proteção de Direitos Humanos,
notadamente a decisão proferida pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), no ano
de 2006, em desfavor do Brasil. Trata-se de um caso emblemático sobre racismo institucional levado
até à CIDH ante a perpetuação dessa chaga social no âmbito de instituições públicas republicanas da
Delegacia de Polícia (DEPOL), do Ministério Público (MP) e do Tribunal de Justiça (TJ), que se
quedaram inertes face à grave situação de discriminação racial vivenciada pela pretensa trabalhadora
Simone André Diniz. Na oportunidade, Simone se candidatou a um emprego de doméstica e deixou de
ser contratada, por ser negra, já que dentre os requisitos para ocupação do cargo constava “preferência
branca”. A metodologia adotada consiste na análise sócio-jurídico-histórica envolta ao fenômeno
excludente concebido de limitação do acesso das mulheres negras ao mercado de trabalho, por motivo
estritamente racial. Nesse viés, buscar-se-á analisar o teor das 12 (doze) recomendações expedidas ao
Estado brasileiro pela CIDH em cotejo com a realidade social contemporânea, sobretudo no viés do
racismo institucional perpetrado. O trabalho pautar-se-á nos pressupostos teóricos sobre o racismo
institucional enquanto prática deletéria ainda existente e que é perpetuada reiteradamente no âmbito
das relações sociais. Além disso, abordar-se-á o entendimento manifestado pela CIDH, sob a ótica dos
normativos internacionais e legislações pátrias afetas à proteção dos direitos humanos e fundamentais,
bem como dos princípios pro persona, da dignidade da pessoa humana, da igualdade em sua acepção
material e da não-discriminação.

Palavras-chave: Caso Simone André Diniz. Direitos Humanos. Racismo institucional.

1
Mestrando Interdisciplinar do Programa Sociedade e Desenvolvimento, da UNESPAR/campus de Campo
Mourão. E-mail: thiagopires@hotmail.com.br.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
192
COMO SE DIZ O INDIZÍVEL: CONSIDERAÇÕES SOBRE
DISCRIMINAÇÃO E INTERSECCIONALIDADE NO ROMANCE
LÍRICO A PALAVRA QUE RESTA (2021), DE STÊNIO GARDEL
Natacha dos Santos Esteves1

Resumo: O presente estudo tem por objetivo apresentar a interseccionalidade e a discriminação


presentes no romance A palavra que resta (2021) do escritor cearense Stênio Gardel. Sendo um
romance lírico, cuja narrativa é tangenciada pelo poético, o estudo apresentará a forma como a poesia
é acionada quando a narrativa apresenta a discriminação sofrida e perpetrada pelo protagonista. Além
disso, tendo em mente as violências física e simbólica que conduzem os acontecimentos do romance,
considerações acerca da interseccionalidade, conforme a perspectiva de Patricia Hill Collins e Sirma
Bilge (2021), serão apresentadas, mostrando como o protagonista da obra – um homem gay,
analfabeto e nordestino – busca sua emancipação intelectual e física em meio a violências e práticas
homofóbicas. No que tange ao embasamento metodológico e teórico, as reflexões apresentas têm
respaldo em estudos advindos de teorias do campo da poesia, linguística e Estudos Culturais.

Palavras-chave: A palavra que resta. Discriminação. Interseccionalidade. Literatura minoritária.

1
Mestranda em Estudos Literários pela Universidade Estadual do Paraná – UEM. E-mail:
natachaestevescm@gmail.com.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
193
CONTRA O MEMORICÍDIO, PODE A MULHER AFRO-BRASILEIRA
FALAR: CAROLINA MARIA DE JESUS E STELA DO PATROCÍNIO
EM DIÁLOGO

Fernanda de Andrade2

Resumo: A memória, como um poder negociado pelos grupos, implica que o esquecimento constitui
uma face da invisibilidade e do emudecimento dos seres excluídos da sociedade, deliberadamente
apagados ou não pensados, cujas vozes e perspectivas foram soterradas pelo principal suporte da
memória que é a escrita, de acordo com Aleida Assmann (2011). Trata-se do que pode ser mensurado
diante do monopólio eurocêntrico, classista e falocêntrico, seja da historiografia oficial, seja do cânone
literário. Convida-se aqui a indagar que as obras de Carolina Maria de Jesus e de Stela do Patrocínio
auxiliam na jornada de preenchimento dos vazios memorialísticos tencionando a inclusão de temas
que falam de si, ao passo que ainda ressoam as memórias coletivas em seus caminhos pelo século XX,
desafiando as representações hegemônicas e a marginalização. Com efeito, este estudo empreende o
diálogo crítico entre Quarto de despejo: diário de uma favelada (1960) e Reino dos bichos e dos
animais é o meu nome (2001), das respectivas autoras, analisando-os enquanto ricos arquivos das
protagonistas afro-brasileiras, ao armazenar os seus rastros pelas palavras, em meio às sistemáticas
tentativas de aniquilação objetiva e subjetiva, na favela e no hospício. De Carolina, descoberta pelo
jornalista Audálio Dantas por seus cadernos, segue-se os vestígios em sua resistência autoral, como
mãe solteira de três filhos, catadora de papel e no fio da navalha com a fome e a miséria. Já com Stella
do Patrocínio, diagnosticada com esquizofrenia, rastreia-se a poesia insubmissa e híbrida legada pela
sobrevivente da internação manicomial, durante quase toda a vida, e cuja fala foi transcrita e
organizada por Viviane Mosé (2001) em livro. Para tanto, conta-se com um aparato teórico
multidisciplinar subsidiado por Jacques Le Goff (1990), Maurice Halbwachs (1990), Aleida Assmann
(2011) e Ecléa Bosi (2003), para pensar a memória nesses termos. Lélia Gonzalez (1984), Djamila
Ribeiro (2017) e Grada Kilomba (2019), entre outras estudiosas, comparecem para esclarecer a
experiência de ser mulher negra e da matriz de dominação imbricada, bem como Michel Foucault
(1995) é convocado para a leitura da violência psiquiátrica. Não se perde de vista, por fim, as
especificidades dos gêneros autobiográficos, ancorando-se nos subsídios de Philippe Lejeune (2008),
para chegar ao saldo da importância de tais vozes comunais em manter viva, resistentemente, a linha
de transmissão da memória, do direito a ela, à equidade e à justiça: o lugar de fala como lugar do
testemunho e de luta pela memória.

Palavras-chave: Memórias. Mulher afro-brasileira. Carolina Maria de Jesus. Stela do Patrocínio.

2
Mestrado em Letras. Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Estadual de
Maringá. E-mail: fmetamorfose@gmail.com.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
194
CORDEL INDÍGENA E RELAÇÕES INTERSECCIONAIS DE PODER:
UMA LEITURA DE CORAÇÃO NA ALDEIA, PÉS NO MUNDO
Marcia Geralda de Almeida1
Géssica Francielle Nunes de Paula2

Resumo: Este estudo tem o objetivo de apresentar uma leitura do cordel intitulado Coração na
aldeia, pés no mundo, de autoria da primeira cordelista indígena brasileira, Auritha Tabajara. Trata-se
de um estudo bibliográfico, interpretativo e de base qualitativa, pautado na teoria da
interseccionalidade. A partir da interseccionalidade, a análise mobiliza também o conceito de domínio
cultural, estrutural, disciplinar e interpessoal de poder, a fim de evidenciar de que maneira as
categorias classe, gênero, etnia, religião, nacionalidade e etc. são entrelaçadas como mecanismos de
sustentação e reprodução das relações de poder e dominação na sociedade, especificamente no que
concerne à mulher originária. A interseccionalidade rejeita a compreensão dos sujeitos como um todo
homogêneo para evidenciar como estes são situados no meio social de maneiras distintas, de acordo
com o contexto e com as diferentes categorias nas quais estão/são inseridos. No cordel Coração na
aldeia, pés no mundo, é possível perceber essas categorias sendo acionadas e entrelaçadas em toda
narrativa, de modo que a análise do texto se divide em três momentos, nos quais diferentes relações
interseccionais de poder interferem na vida da personagem do cordel. Este texto apresenta o primeiro
momento da análise que corresponde à infância da personagem, tendo em vista que desde seu
nascimento as relações interseccionais de poder estão presentes em sua vida, impondo e determinando
a crença, a noção de feminilidade, o apagamento linguístico e até mesmo a imposição do nome da
personagem, por meio do registro civil que nega o direito ao nome de origem indígena e lhe impõe um
nome proveniente da língua latina. Essas ações violam o corpo indígena e projetam a formação de uma
identidade fragmentada e adoecida pelos traumas de uma situação de opressão e imposições
imperialistas desde a invasão do território nomeado Brasil. Por meio das categorias religião,
nacionalidade, gênero, raça, classe e etnia, percebe-se o funcionamento do domínio estrutural e
cultural de poder, entretanto a literatura de cordel de Auritha Tabajara mostra resistência e rejeita essas
imposições a partir de um texto cheio de ironia e bom humor.

Palavras-chave: Auritha Tabajara. Literatura Indígena. Cordel. Relações interseccionais de poder.

1
Graduada em Letras Português/Inglês. Mestre em Estudos Literários. Doutoranda do Programa de Pós-
Graduação da Universidade Estadual de Maringá. E-mail: marcialmeida57@gmail.com.
2
Graduada em Letras Português. Universidade Estadual de Maringá. Especialista em Gestão Escolar Indígena.
Atua como docente na Escola Estadual Indígena Yvy Porã. E-mail: gehnunes1991@gmail.com.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
195
CORPO NEGRO EM MOVIMENTO: O QUESTIONAMENTO DA
NOÇÃO DE LIBERDADE NO ROAD NOVEL SING, UNBURIED, SING
Mirian Cardoso da Silva1

Resumo: Jesmyn Ward é uma proeminente escritora norte-americana que publicou Salvage the bonés
(2011), Men we reaped (2013) e o romance Sing, unburied, sing (2017), uma narrativa do realismo
mágico ambientada no Mississippi rural, pós-Katrina e objeto desta comunicação. Esta obra é um road
novel que coloca em cena uma família na estrada, com uma mãe, a amiga, o marido e seus filhos, e
ressignifica as formas tradicionais do gênero ao estabelecer como temática a questão racial. A
narrativa inicia na manhã do aniversário de treze anos de Jojo, um menino negro que assiste o avô no
processo de matar e esfolar uma das cabras da família. Nesse mesmo dia, seu pai, que estava preso, é
solto da cadeia e a mãe resolve buscá-lo, levando os filhos em uma jornada em família pelas estradas.
A cidade é Bois Sauvage, um local fictício situado no Mississippi, onde vive uma sociedade injusta,
racista e atormentada por vícios, miséria e desespero. A viagem tem um destino, a Penitenciária
Estadual do Mississippi, Porchman Farm. Ao longo da jornada, a narrativa desenvolve personagens
que foram presos literalmente, e, ao mesmo tempo, aqueles que vivem em uma prisão metafórica,
encarcerados nos conceitos sociais de raça, classe, vício e passado, isto é, presos às barreiras sociais
que limitam a vida. Todos eles em um vértice confuso no qual a mãe se perde no vício, o avô esconde
e sofre as ações de seu passado, Richie deseja ter voz e Jojo busca um caminho até sua própria
identidade em estradas racistas e traumáticas. Esse mote central da viagem coloca em cena a noção de
liberdade nas estradas, a qual é negada no romance conforme as personagens avançam, e é
questionada por meio do mal estar constante delas dentro do automóvel. O/A leitor/a é conduzido/a a
acompanhar essa família assombrada e a se deparar com encontros que desestabilizam, questionam,
confrontam e reforçam que a liberdade da estrada não é para todos, já que muitos vivenciam os
preconceitos e as injustiças. Desse modo, a presente comunicação tem como objetivo perscrutar como
ocorre a ressignificação da noção de liberdade nas estradas pela perspectiva de personagens negros no
romance de Ward. Para tanto, a proposta se pauta nos estudos de Seixo (1998), Gilmore (2007), Totten
(2015), Smith (2011), entre outros/as.

Palavras-chave: Literatura de autoria feminina. Road novel. Jesmyn Ward.

1
Doutora em Letras, área de concentração: Estudos Literários - UEM. E-mail: mikardosoo@gmail.com.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
196
DE AMAS DE LEITE À BABÁS: A PERPETUAÇÃO DA GERAÇÃO DE
INVISIBILIDADES DE MULHERES EMPREGADAS DOMÉSTICAS
NEGRAS NO PERÍODO PANDÊMICO
Gabriel Francisco Cabrera de Sá1

Resumo: O Brasil e o mundo vivenciam uma das maiores pandemias, ocasionada pelo vírus SARS-
CoV-2, causando efeitos drásticos e irreversíveis. Ao passo que o Brasil, um país colonizado e com
raízes escravocratas não tenha hoje a escravidão realizada no período colonial e imperial como forma
lícita de mão de obra, há de se considerar a modernização da escravidão realizada, disfarçada e
rotulada com novas justificativas. Como observado na foto sobre a ama de leite Mônica, o serviço
doméstico revela traços e problemáticas de raça, classe e gênero, ainda com raízes da escravidão.
Nesse sentido, estatísticas confirmaram, em 2015, 88,7% das/os trabalhadoras/es domésticas/os entre
10 e 17 anos no Brasil eram meninas e 71% eram negras/os (OIT, 2016). Além disso, pelo mesmo ano,
com base nos dados levantados, empregadas/os negras/os correspondiam ao total de 4.059,869,
enquanto empregadas/os brancas/os correspondiam a 2.215,723, totalizando 6.275.592 (IPEA, ONU
Mulheres e MJC, 2015). O período pandêmico evidenciou uma geração marcada pela invisibilidade,
ressaltando problemas complexos vivenciados em nossa sociedade, em especial o serviço doméstico
no Brasil. A partir de fotografias e prints das redes sociais, a análise do trabalho doméstico no país, em
sua maioria realizado por mulheres negras, na atualidade pandêmica, respalda-se nos aportes teóricos
dos Estudos Culturais, em especial em obras de autoras como Angela Davis (2016), Preta Rara (2019)
e Sandra Sofia Machado Koutsoukos (2007). As empregadas domésticas ainda são objetos de
exaltação e demonstração do poder aquisitivo, assim como se sentir em servidão, submissas aos seus
patrões. A pandemia escancarou situações de mulheres negras, empregadas, vítimas do racismo,
exemplos como o caso da primeira vítima de pandemia no Brasil ser uma empregada doméstica negra,
assim como a morte trágica de Miguel Otávio Santana da Silva, deixado sozinho no elevador pela
patroa de Mirtes Renata, no Recife (PE) enquanto sua mãe passeava com o cachorro da família, nesse
sentido, vítimas de uma construção racista estrutural, que emerge da própria estrutura social, permeada
por relações políticas, econômicas, jurídicas e familiares.

Palavras-chave: Pandemia. Herança Escravocrata. Trabalho Doméstico. Interseccionalidades de raça,


classe e gênero.

1
Mestrando. Universidade Estadual do Paraná. Bolsista por Demanda Social - Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior. E-mail: gadesa234@gmail.com.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
197
DESCORTINANDO HISTÓRIAS NÃO CONTADAS: AFRICANOS E
AFRODESCENDENTES NAS HISTÓRIA DA ARTE OCIDENTAL
Ana Maria Rufino Gillies1

Resumo: A discussão aqui proposta faz parte de um estudo mais amplo sobre o mesmo tema na
história das artes visuais no Brasil. As pesquisas tem levado à constatação do volume considerável de
pinturas que evidenciam a presença de figuras negras na sociedade e nas artes visuais na Europa. São
obras que chegam ao nosso conhecimento paulatinamente, fruto de intensa busca, e vão descortinando
resultados surpreendentes. Se no Brasil contemporâneo, a invisibilização de negros e negras na
história hegemônica das artes visuais tem sido problematizada por Renata Felinto, Rosana Paulino,
Alexandre Bispo, entre outros, na Inglaterra, artistas e pesquisadores como Professors Olivette Oteele
e Lubaina Hamid, o artista e teatrólogo Paterson Joseph e o escritor Ekow Eshun estão provocando o
envolvimento dos grandes espaços expositivos na exibição de obras e de discussões que tratam de
produções de consagrados nomes como JMWTurner, com a tela Slave Ship a inúmeros outros mais ou
menos conhecidos no Brasil. Essas ações assertivas envolvem outros sujeitos além dos mencionados,
como a norte-americana Doutora Denise Murrell, curadora associada de arte dos séculos XIX e XX no
Metropolitan Museum of Art, em Nova York, e autores e autoras que tem escrito sobre
decolonialidade, interseccionalidade e do conceito de Atlântico Negro. O que se objetiva com esta
proposta é dar continuidade à publicização dessas iniciativas que, congregadas às nossas, buscam
promover uma positivação da representação e da existência de negros e negras na história, também por
meio de uma história da arte mais democrática e inclusiva

Palavras-chave: Inclusão. Negros e Negras. História. Artes Visuais.

1
Doutora em História pela UFPR. Professora Associada do Curso de Licenciatura em Artes Visuais da
Faculdade de Artes do Paraná-FAP, campus II de Curitiba da UNESPAR. Professora do Programa de Pós-
Graduação em História, Linha de Pesquisa Espaços de Práticas e Relações de Poder da UNICENTRO. E-mail:
rufinogillies@gmail.com, ana.gillies@unespar.edu.br.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
198
DEVOLVER A ELES ESTE GRANDE SUSTO: A(S) ESCRITA(S)
DRAMATÚRGICA(S) NEGRA(S) ENQUANTO ROTA(S) DE FUGA E
UTOPIA ANTE AO CARREGO COLONIAL
Carlos Alberto Mendonça Filho1

Resumo: A partir do diálogo entrecruzado com as/os autoras/es Leda Martins (1995), Achille
Mbembe (2018) e Grada Kilomba (2019), este trabalho tem como objetivo analisar os processos de
escrita e recepção de textos dramatúrgicos escritos por pessoas negras, identificando suas
singularidades, fugas e utopias ante à luta contra a colonialidade. Para tanto, além de realizar uma gira
epistêmica acerca da produção do discurso dito negro e suas especificidades, da dominação do
conhecimento através da escrita e dos processos de tornar-se sujeito através da emancipação existe no
processo de escrever nossas próprias narrativas, realizo uma análise relacional e crítica das estratégias
de escrita do dramaturgo paulistano Jhonny Salaberg em sua Trilogia da Fuga, que reúne os textos
dramatúrgicos “Buraquinhos ou o vento é inimigo do picumã” (2018), “Mato Cheio” (2019) e “Parto
Pavilhão” (2021). Jhonny Salaberg nos apresenta, em suas três dramaturgias-fuga, narrativas em que
suas personagens principais, que são negras, se veem em situações de partida forçada que são,
necessariamente, resultados de algum tipo de processo de violência onde a posição individual (micro)
está totalmente imbricada na do coletivo (macro), desvelando acontecimentos constantemente
banalizados pela sociedade como um todo, sintomas e consequências diretas das injustiças, dos
preconceitos e dos estigmas. Somos convocadas/os, enquanto agentes do pensamento e da
transformação, a tomar algum tipo de posicionamento, a dar um passo a mais do que somente a catarse
presente na identificação poética e/ou narrativa que é desenvolvida ao longo dos textos. Somos
convidadas/os à escuta, mas também à ação, já que os acontecimentos das três peças estão longe de
existirem somente no campo ficcional

Palavras-chave: dramaturgia negra; dramaturgia contemporânea; literatura afro-brasileira; teatro


negro; Jhonny Salaberg.

1
Titulação. Atuação profissional ou acadêmica e instituição. Se bolsista, indicar o tipo de bolsa e a agência de
Fomento. E-mail: carloscanarim1@gmail.com.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
199
“É A HISTÓRIA FALANDO POR MEIO DELES”: A VIOLENTA
RESPOSTA DO COLONIZADO EM DESONRA (1999), DE J. M.
COETZEE
Ana Maria Soares Zukoski1

Resumo: O presente trabalho tem por objetivo apresentar uma análise interpretativa a respeito dos
aspectos pós-coloniais presentes na obra Disgrace (1999) traduzida no Brasil como Desonra publicada
pelo autor sul-africano J. M. Coetzee. O escritor nos apresenta um romance pós-colonial diferenciado,
uma vez que o narrador, mesmo sendo heretodiegético, focaliza a visão de David Lurie. É a partir
dessa visão que temos acesso aos acontecimentos, e nos é perceptível o choque que o colonizador
sente ao perceber a resposta do colonizado. O romance que tem por espaço predominante o interior da
África do Sul se passa logo após o apartheid. Os protagonistas, David e Lucy, além de brancos vieram
da Europa, metaforizando os colonizadores e sofrendo a resposta que a colonização desencadeou.
Nossa análise dedicar-se-á a evidenciar as consequências provocadas pelo processo colonial, como o
ódio dos nativos pelos europeus, ainda que não tenham sido essas pessoas especificamente que tenham
causado os horrores coloniais. Com o viés pós-colonial, o romance em questão nos possibilita acessar
o outro lado da história, omitida pelo discurso oficial. O trabalho está alicerçado nos pressupostos
teóricos da Crítica Pós-colonial com pesquisadores/as como Bhabha (1998); Bonnici (2000, 2005,
2011); Reis (1992); Ribeiro (2010); Said (1990) entre outros/as.

Palavras-chave: Literatura pós-colonial. Revide. Resposta do colonizado. J. M. Coetzee.

1
Doutoranda e Mestra em Letras: Estudos Literário pela Universidade Estadual de Maringá – UEM. E-mail:
anazukoski@gmail.com.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
200
ENTRE-LAÇOS DE SABERES: REFLEXÕES SOBRE O DIÁLOGO
ENTRE A EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA E A TEMÁTICA DA
CULTURA AFRO-BRASILEIRA
Jessica Caroline de Oliveira1

Resumo: Este artigo tem por objetivo discutir parcialmente os fundamentos teóricos das práticas de
extensão universitária intituladas “Negro: sinônimo de cultura”, vinculadas ao projeto “História,
Cultura e Identidades”, realizado pela turma do 3º ano do curso de História da Universidade Estadual
do Paraná, campus de União Vitória, em 2021. Organizado por meio de rodas de conversas, a ação
extensionista aqui discutida contou com o anseio de integrar a esfera acadêmica e a esfera da
comunidade a fim de fomentar o diálogo acerca de temáticas que visam (re)significar, positivar e
colocar em prática os vieses da interação entre ensino, pesquisa e extensão com os motes da Lei
10.639/03, cujo entendimento é visibilizar e democratizar a troca de saberes por meio de atividades
que promovam a interação, trocas de experiências e leituras de mundo. Como resultados, pode-se citar
os impactos formativos, científicos e educacional, tanto por parte do grupo executor quanto da
comunidade participante, afinal, de forma verticalizada, os debates realizados ansiaram a promoção do
diálogo e das trocas mútuas de conhecimento. Para o aporte teórico, utilizou-se de autores como Freire
(2012), Santos (2013) e Fernandes et al (2013), entre outros.

Palavras-chave: Extensão. Ensino. Cultura Afro-brasileira. Lei 10.639/03.

1
Licenciada em História pela Universidade Estadual do Paraná, campus de União da Vitória. Possui
Especialização em Cultura Afro-brasileira pela Universidade Cândido Mendes e em História, Arte e Cultura pela
Universidade Estadual de Ponta Grossa, onde também possui Mestrado em História, Cultura e Identidades.
Atualmente, é aluna de doutorado em História, Poder e Práticas Socais na Universidade Estadual do Oeste do
Paraná, campus Marechal Cândido Rondon. E-mail: jexxy_kahroll@hotmail.com.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
201
FIGURAÇÕES DO EROTISMO EM “FIGUEIRA-BRAVA”, DE MARIA
LÚCIA ALVIM, EM COMPARAÇÃO À “EU FALO”, DE CRISTIANE
SOBRAL
Jean Cleber Marcondes Lourenço1
Sandro Adriano da Silva2

Resumo: O erotismo na poesia de autoria feminina busca, geralmente, colocar em evidência uma
discursividade em torno do corpo feminino e do desejo. Na obra Terra Negra (2017), de Cristiane
Sobral, esses dois elementos operam como elemento revelador de um erotismo feminino e negro. Já a
obra Batendo pasto (2020), de Mária Lúcia Alvim, o erotismo projeta-se fundamentalmente por meio
do recurso estilístico da metáfora bucólica e natural. Considerando essas duas perspectivas, esta
comunicação objetiva apresentar uma análise dos poemas “Figueira brava”, de Maria Lúcia Alvim, e
“Eu falo”, de Cristiane Sobral, que compõe as obras acima, a fim de identificar e comparar os recursos
poéticos e as figurações dessas duas manifestações eróticas e poéticas. Tomaremos, como
fundamentação, as afirmações de Paz (1994) sobre a vivência poética estar tão visceralmente próxima
à vivência sexual, de sua dor e seu prazer, de que os dois fenômenos - o lírico e o erótico- na verdade
constituem apenas formas diferentes de uma mesma expressão. Levaremos em conta, também, as três
acepções de erotismo defendidas por Bataille (2013), a saber, o erotismo dos corpos, o erotismo dos
corações, e o erotismo sagrado. A diferença nas escolhas estilísticas e figurativas entre os poemas, o
tratamento dado ao tema remetem, de forma especial, a noções como autoria feminina, identidade, às
relações entre literatura e erotismo, bem como colocam em evidência o lugar dessas duas vozes
poéticas na atualidade.

Palavras-chave: Poesia brasileira contemporânea. Cristiane Sobral. Mária Lúcia Alvim. Erotismo.

1
Graduando. Estudante do curso de Letras UNESPAR/Campo Mourão. Bolsista pela fundação araucária a nível
de Iniciação Científica. jeancleber600@gmail.com.
2
Mestre. Professor de Literatura Brasileira e Introdução aos Estudos Literários (Unespar). E-mail:
sandro.silva@ies.unespar.edu.br
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
202
HISTÓRIA E ANCESTRALIDADE: A IDENTIDADE DA MULHER
INDÍGENA NA OBRA EU SOU MACUXI E OUTRAS HISTÓRIAS, DE
JULIE DORRICO
Alexia Fernanda Alves Godoi1

Resumo: Analisar a construção da identidade da mulher indígena na obra Eu sou macuxi e outras
histórias, de Julie Dorrico, é o objetivo geral do presente trabalho. O texto de Dorrico foi publicado
pela primeira vez em 2019 e traz, em seu interior, narrativas – que mesclam estruturas em verso e em
prosa - que recuperam elementos culturais indígenas. Deste modo, como objetivos específicos, esta
pesquisa procurou perscrutar a forma como a história oficial, contada pela cultura ocidental, é
questionada dentro do texto literário, bem como investigar a presença e as marcas da ancestralidade, a
fim de compreender como elas são fundamentais para a construção da identidade do sujeito indígena.
Além disso, intencionou-se averiguar a maneira pela qual a identidade da mulher indígena, inscrita na
obra, é construída e atravessada por todas essas questões culturais. A partir das discussões realizadas,
dentre os principais resultados encontrados, pode-se destacar a importância da Literatura produzida
pelos povos originários, principalmente por mulheres indígenas, para (re) contar e contestar a história
contada pelo viés eurocêntrico a respeito desses povos; como também para resgatar e reafirmar
elementos culturais e identitários que foram perdidos por conta do colonialismo. Trata-se, portanto, de
um trabalho de cunho qualitativo e bibliográfico, cujo aporte teórico utilizado baseia-se nas discussões
sobre Interseccionalidade de Brah e Phoenix (2017) e Carla Akotirene (2018), do feminismo indígena
de Oliveira (2018) e Potiguara (2018), e das discussões sobre literatura indígena de Thiél (2012), entre
outros.

Palavras-chave: Feminismos interseccionais. Povos originários. Ancestralidade. Identidade. Julie


Dorrico.

1
Graduada em Letras. Mestranda em Estudos Literários pela Universidade Estadual de Maringá. Bolsista
CAPES/DS. E-mail: pg403707@uem.br.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
203
HISTÓRIA E MEMÓRIA FRENTE AS REPERCUSSÕES MIDIÁTICAS
ATUAIS NAS LACUNAS DE REPRESENTATIVIDADE PRETAS
FEMININAS
Tatiana Larisa Moyano1

Resumo: Historicamente o universo midiático externaliza seletivamente por meio de performances o


contexto social do qual está inserido. Nessas representações figuras brancas, grupos elitistas e
determinadas categorias de biotipos físicos dominavam os espaços, ditando e fomentando a única
cultura padronizada como a correta, a do homem branco, magro, heterossexual. Por séculos essas
ações personificaram o processo de constituição das memórias, tidas como fórmula do respeito,
resultado de padrões patriarcais repetidos em todas as partes do mundo. O racismo predominante faz
acreditar na superioridade da raça branca sobre a população preta. Os mesmos apoiadores do racismo,
além de diminuírem as pessoas pela sua raça praticam em sua maioria o sexismo dentro deste. Assim,
temos as mulheres pretas que carregam o fardo social do racismo juntamente com o sexismo. Neste
emblema, o presente trabalho destaca o papel da mídia frente a história, as memórias constitutivas de
identidades culturais, desigualdades raciais e de gênero, na busca atual por compensação a existência
feminina preta, até então pouco relatada e por muito tempo marginalizada na intermidialidade. Padrões
sociais fizeram com que a cultura afro aderir-se aos modelos ocidentais, seja pelas vestimentas,
calçados, brinquedos, produtos de beleza que anulavam toda uma existência moldando juntamente um
ideal de beleza e perfeição a ser consumido. Tem-se por objetivo contextualizar a [re]construção da
figura feminina preta nos meios cenográficos, artísticos e literários, assim como os ataques
cibernéticos atuais resultantes do racismo estrutural presente, o qual desautoriza a existência preta.
Muitas memórias no decorrer dos séculos com relevância à história e literatura tornaram-se invisíveis,
por acreditarem ser inferiores, desinteressantes aos olhos do sistema patriarcal, sexista e racista
predominante. Para isso será analisada a interferência da mídia nas memórias coletivas e individuais,
diante das repercussões da figura feminina preta no trailer do filme “A pequena sereia” produção da
Disney a ser lançado em 2023, na Campanha 2022 da marca “Arezzo – Ancestralidade e Estampas
Africanas” diante as manifestações em redes sociais. Romper esses padrões e oportunizar atores
sociais anulados na história é um trabalho desafiador e sobretudo um dever moral de identificação e
construção de narrativas, que devem contar com o envolvimento e participação da população no
exercício da cidadania por meio da justiça social.

Palavras-chave: História. Memória. Mulheres Pretas. Mídia.

1
Mestranda do Programa de Pós Graduação em História Pública (PPGHP) da UNESPAR/campus de Campo
Mourão. Advogada e professora no município de Campo Mourão. E-mail: tatimoyano5@gmail.com.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
204
INTERSECCIONALIDADES DA DIÁSPORA: SILENCIAMENTO EM
OS CASAMENTEIROS, DE CHIMAMANDA NGOZI ADICHIE
Fernanda Favaro Bortoletto1
Geniane Diamante Ferreira Ferreira2

Resumo: A experiência migratória é responsável por deslocar indivíduos e os forçar a conviver com
pessoas, locais e todos os elementos culturais que não são de sua cultura materna. O que é observado
na maioria das situações é o silenciamento das vozes desses indivíduos em relação a suas crenças,
tradições, hábitos e modos de ser nesse processo de imigração, principalmente no que tange às
mulheres. A literatura, com o seu caráter de representar a realidade, une histórias verdadeiras com a
ficção para abordar essas temáticas e dar visibilidade às pessoas na condição minorizada. Um exemplo
de obra literária com este tema é o conto Os Casamenteiros (2020), de Chimamanda Ngozi Adichie,
que narra a história de Chinaza, uma mulher nigeriana cujos tios organizaram seu casamento de forma
arranjada com Ofodile, um médico nigeriano que habitava nos Estados Unidos. Com a união, ela se
muda para lá e passa a viver uma série de censuras pelo seu modo de agir e falar por parte de seu
próprio marido, uma das únicas pessoas com quem tem contato. Pensando no seu enredo, o objetivo
deste estudo é refletir sobre o silenciamento da personagem Chinaza, do conto Os Casamenteiros
(2020), de Chimamanda Ngozi Adichie. As discussões apontam para uma análise das
interseccionalidades de raça, gênero, classe social e condição de imigração que atravessam a
personagem e a colocam em posição de silenciamento na sociedade. Além disso, discute-se de que
maneira o marido da protagonista cumpre o papel de dominador, mesmo estando similarmente em
posição de marginalização por ser imigrante e negro. Por fim, observa-se a capacidade da obra literária
utilizar-se de uma personagem para representar milhares de mulheres imigrantes e racialmente
marcadas, que enfrentam desafios em um país culturalmente e socialmente diferente de seus países de
origem.

Palavras-chave: Silenciamento. Interseccionalidades. Mulher imigrante.

1
Mestranda em Estudos Literários pela Universidade Estadual de Maringá - UEM. Bolsista CAPES/DS. E-mail:
ffbortoletto@hotmail.com.
2
Doutora em Estudos Literários. Professora da UEM - Universidade Estadual de Maringá. E-mail:
gdfferreira@uol.com.br.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
205
LITERATURA AFRO-INFANTIL, IDENTIDADE E
REPRESENTATIVIDADE
Maria Karolyne Reis Santana1

Resumo: Considerando que a literatura afro-infantil é um fator essencial para construção de


representatividade entre as crianças não brancas, ressalta-se a importância da desconstrução de
conceitos e a necessidade de abrir margens para estudos literários que contribuam para todos em
sociedade. Sendo assim, a literatura afro-infantil se estabelece como pertinente para entender a
existência e importância da ancestralidade negra que historicamente foi apagada e que possui marcas
de uma identidade forjada pelo colonialismo. A metodologia proposta para realização desse trabalho
consiste em uma pesquisa bibliográfica, através de leituras exploratórias, seletivas e fichamento das
obras selecionadas. O material utilizado na fundamentação teórica para compreender conceitos como
representatividade, reafirmação e identidade do sujeito dentro da sociedade imcluem Identidade
cultural na pós-modernidade, de Hall (2006), A lógica do sentido, de Deleuze (2003), Ensaios sobre o
entendimento humano, de Locke (2015), Os condenados da terra, de Fanon (1961), Talking back:
Thinking Feminist e Talking Black, de Hooks (1989), Negritude: usos e sentidos, de Munanga (2012) e
Memórias da Plantação, Kilomba (2019), ao passo que compõem os textos literários discutidos As
Tranças de Bintou, de Sylviane Diouf (2001) e Amoras, de Emicida (2018). Nesse sentido, este
trabalho tem como objetivo identificar a importância da literatura afro-infantil para a construção de
identidades atribuídas aos sujeitos minoritários, bem como identificar a importância da
representatividade desses sujeitos no contexto social desde a infância, imposto através da literatura
afro-infantil dentro do ambiente escolar. Com isso, procura-se reafirmar a importância de manter a
atenção na construção e releituras dos textos literários para tornar a sociedade mais igualitária e livre
de preconceitos, bem como, através da literatura, trabalhar a autoestima das crianças negras para torná-
las adultos empoderados, livres e conscientes das suas raízes e identidades.

Palavras-chave: Identidade. Literatura. Representatividade. Literatura afro-infantil.

1
Mestranda em Literatura Comparada pela UFC. Licenciada em Filosofia – UFS. Licenciada em Letras Inglês –
UNESA. E-mail: maria.karolyne1@gmail.com.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
206
LITERATURA DE CORDEL DE AUTORIA FEMININA: POR UMA
CARTOGRAFIA DE MEMÓRIAS NO CORDEL DE LUÍSA MAHIN
Bruna Augusta Marques1
Pedro Henrique Braz2

Resumo: O presente trabalho pretende pensar a literatura de cordel de autoria negra feminina como
um dispositivo de resistência na criação e construção de identidades no contexto contemporâneo.
Estabelecemos como corpus de análise o cordel sobre Luíza Mahin, presente na coletânea Heroínas
negras brasileiras em 15 cordéis (2021), de Jarid Arraes, para discutir como a construção dessa
narrativa, quase em forma de biografia, possibilita a ressignificação e criação de outras subjetividades
e trajetórias sobre corpos-identidades de mulheres negras na nossa história. Sendo assim, a autora
constrói uma cartografia de memórias ancestrais sobre a vida dessas mulheres, e ao mesmo tempo que
cria espaços de representação no campo literário ela também provê um olhar questionador sobre a
historiografia brasileira, no que se refere ao silenciamento das identidades dessas mulheres em nossa
sociedade. Como subsídio teórico, trilhamos junto ao feminismo negro em diálogo com a literatura
crítica feminista a partir de autoras como bell hooks (2019), Djamila Ribeiro (2018) e Lélia Gonzales
(2020), além de pensar uma nova trajetória do cordel contemporâneo junto a Francisca Santos (2016) e
Bruna Lucena (2009) para indagar quais são os movimentos de contestação que mulheres como
autoras e protagonistas no cordel estão criando.

Palavras-chave: Identidade. Feminismo negro. Literatura de cordel de autoria feminina. Jarid Arraes.

1
Graduada em Artes Visuais. Mestranda em Estudos Literários pela Universidade Estadual de Maringá. Bolsista
CAPES/ DS. E-mail: pg403687@uem.br.
2
Graduado em Letras. Mestrando em Estudos Literários pela Universidade Estadual de Maringá. Bolsista
CAPES/ DS. E-mail: pedro.braz@hotmail.com.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
207
LUTA FEMINISTA DE ELZA SOARES: DENÚNCIAS EM MARIA DA
VILA MATILDE
Raiane de Jesus Santos1
Maria Karolyne Reis Santana2

Resumo: A luta feminista no contexto geral tem evidenciado resultados significativos na quebra de
paradigmas patriarcais subjacentes ou não desde seu surgimento na década de 1960, permitindo que
novas formas de expressões sejam visualizadas e consideradas. O movimento feminista é um ato
político e social com objetivo de desconstruir conceitos e pensamentos patriarcais que construíram a
sociedade e permeiam até o presente momento, é, também, um ato de ressignificação de como a
mulher sempre foi vista perante a sociedade, bem como o ato de desmistificar a submissão que as
mulheres sempre estiveram imersas. Sendo um dos grandes nomes da Música Popular Brasileira, Elza
Soares ganhou notoriedade nos âmbitos nacional e internacional, contudo, o que poucos sabem é que a
mulher do fim do mundo já foi vítima de diversas violências, sendo marcada sobretudo, pela violência
doméstica. Nesse sentido, a presente proposta orbita em torno de abordagens teóricas focais dentro de
dimensões sociais como a luta feminista de mulheres negras atrelada ao universo artístico, bem como
fornecer um aporte teórico juntamente com narrativas vivenciadas dentro de perspectivas práticas no
cotidiano das mulheres, especificamente as vivências de mulheres negras. Segue sendo objetivo,
também, demonstrar a importância do politizar o universo artístico. Desse modo, Elza Soares conecta
o aporte teórico o qual apresentamos à importância de denunciar as diversas formas de violência em
que mulheres estão sujeitas constantemente, evidenciando, ainda, a importância da interseccionalidade
dentro das mais diversas discussões. A experiência de Elza Soares em ter sido agredida por seu
próprio companheiro, posteriormente dando vida a uma de suas canções mais conhecidas – Maria da
Vila Matilde, surge como um alerta para que sua experiência não venha a ser experienciada por outras
mulheres. Outras necessidades na época, fizeram com que Elza não denunciasse seu agressor, contudo,
em uma das entrevistas concedidas pela artista, a mesma revela o arrependimento de tal decisão, e é
dentro dessa perspectiva que sua arte busca potencializar vozes silenciadas, reforçando a importância
de que mulheres conheçam seus direitos e se posicionem.

Palavras-chave: Feminismo. Interseccionalidade. Elza Soares. Denúncia.

1
Licenciada em Ciências Sociais pela UFS. Mestranda em Sociologia (PPGS/UFS). E-mail:
raianexdjs@gmail.com.
2
Licenciada em Português Inglês pela UNESA e em Filosofia pela UFS. Mestranda em Literatura Comparada
(PPGL/UFC). E-mail: maria.karolyne1@gmail.com.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
208
MEMÓRIA E CORPO EM VAGA CARNE, DE GRACE PASSÔ
Ricardo Augusto de Lima1

Resumo: Parece-me que falar sobre corpo na literatura afro-brasileira é falar, necessariamente, de
memória e de performance. Aproximo esses campos e termos para enfatizar desde já o caráter
performático dessa escrita, escrevivências por natureza, não apenas na literatura em prosa e verso, mas
também no que diz respeito à literatura dramática afro-brasileira. Neste caso, uma vez ausente a voz
narrativa, a relação imediata com o corpo-memória daria ao conceito outros contornos, já que o corpo
está presente, corpo negro presente, corpo de mulher negra presente, performando, dançando,
cantando, narrando sua história, suas histórias, as histórias de tantas outras silenciadas, discurso por si
só polifônico, múltiplo, e que, unificado no objeto estético, evoca a natureza política desse falar. Meu
objetivo aqui é propor uma chave de leitura para o espetáculo teatral Vaga carne, de Grace Passô, de
2016, a partir do conceito de escrevivência e outros que discutem memória, corpo e subalternidade nas
representações da mulher negra na literatura brasileira contemporânea. Minha hipótese é que o corpo
que fala emite um discurso que se encaixa no referido termo, uma vez que soma em si as
características essenciais a ele, partindo de um eu da experiência, mas anexando a si outras vozes
anteriores ou não a si. Tem-se, portanto, um monólogo polifônico, conceito que aqui emprego para
limitar a estrutura textual analisada, visto ser uma a enunciadora do texto, a performer cênica, embora
sejam múltiplas as vozes que corroboram na construção do discurso, seja pela memória, seja pela
alteridade. Por outro, enquanto sentido, o texto literário, corpo de mulher, desdobra-se: embora vaga, a
carne existe, o corpo existe, a voz. As vozes existem. Existem e são agora protagonistas de suas
histórias, autoras de seus próprios relatos. Mesmo vago o corpo, resta a voz. As vozes.

Palavras-chave: Corpo. Memória. Escrevivência. Grace Passô.

1
Doutor. Professor adjunto do Departamento de Teorias Linguísticas e Literárias, Universidade Estadual de
Maringá. E-mail: ralima@uem.br.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
209
MEMÓRIA E RESISTÊNCIA EM A COR DA TERNURA
Vilma da Silva Araujo1

Resumo: Este trabalho faz uma reflexão sobre a memória como forma de resistência, que garante a
comunidade negra o rompimento do silêncio pontuado pela subjugação e subserviência advindas da
escravização. Sob este viés analisaremos a obra A cor da ternura (1998), da escritora brasileira Geni
Guimarães. O discurso de alguns personagens, apresentado por meio de um enredo memorialístico,
como a partir de suas vivências, surgem ações de combate e resistência à discriminação e à opressão
por parte da sociedade dominante. A narrativa desenvolve a voz daqueles que viveram situações de
extremo desrespeito e por meio dos relatos das histórias de Nhá Rosária, temos informações da sua
própria história, uma mulher que desconhecia a sua própria idade. A representação de uma memória
que mesmo não sendo vivida pela personagem Geni e pelos outros que ouviam a história, pode ser
considera como sua, pois nossas lembranças funcionam como uma espécie de testemunho, pois elas
podem ser reavivadas por outros que tenham participado conosco daquele momento ou que
compactuem da mesma identidade. Nesse sentido, as lembranças de outrem podem surgir para que
possamos reavivar nossas lembranças de fatos que tenhamos participado e por algum motivo
esquecemos, ou ainda para ratificar uma memória coletiva. O tempo vivido pela personagem
protagonista não é o da época da escravidão propriamente dita, mas compartilha dessa memória, pois
além de ouvir dos seus antepassados as experiências marcantes desse período, também sofre as suas
consequências. Neste artigo utilizamos como aporte teórico os estudos de Halbwachs (1990); Ecléia
Bosi (2006), entre outros teóricos.

Palavras-chave: Memória. Resistência. Literatura Afro-brasileira.

1
Doutoranda em Letras – Estudos Literários. Universidade Estadual de Maringá (UEM). E-mail:
vilmaaraujomga@gmail.com.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
210
METODOLOGIAS ATIVAS DE APRENDIZAGEM NO ENSINO DE
LITERATURA: UMA PROPOSTA AFROCENTRADA
Bianca Ribeiro Messias Santana1
Helisa Vieira Magalhães2
Joelma da Silva Barata3

Resumo: O presente trabalho reflete sobre o uso das metodologias ativas de aprendizagem no ensino
de literatura do Ensino Médio. A proposta é refletir como as abordagens pedagógicas inovadoras,
afrocentradas, antirracistas e decoloniais podem modificar os paradigmas tradicionais educacionais e
as relações entre docentes e estudantes. Um dos objetivos principais foi promover a leitura e fruição
do gênero literário, de autoria negra e feminina, através do engajamento dos discentes com o uso de
diferentes abordagens teóricas e metodológicas. Para tanto, foram utilizadas diferentes abordagens de
metodologias ativas de aprendizagem, como a Rotação por Estações, tendo como objetivo o
desenvolvimento da autonomia dos discentes no seu processo de conhecimento. As pedagogias contra-
hegemônicas tiveram papel basilar na construção das sequências didáticas. Os resultados obtidos
foram os exercícios de diferentes habilidades emocionais, cognitivas, permeando a escuta sensível e os
diálogos horizontais que promoveram debates sobre temas importantes para a formação cidadã e
emancipatória. As possibilidades de interpretação do texto literário foram ampliadas gerando o
exercício de diferentes práticas, como o exercício da oralidade e escrita criativa através da valorização
de um gênero artístico literário popular chamado Slam.

Palavras-chave: Literatura Negra. Metodologias Ativas. Ensino.

1
Graduanda em Letras - Língua Portuguesa, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de
Goiás/Campus Goiânia . E-mail: biancaribeiro050502@gmail.com.
2
Cientista Social (UFG), Graduanda em Letras - Língua Portuguesa, Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia de Goiás/Campus Goiânia. E-mail: helisa.magalhaes@estudantes.ifg.edu.br.
3
Graduanda em Letras - Língua Portuguesa, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de
Goiás/Campus Goiânia. Bolsista PIBICTI pelo CNPq, E-mail: joelmasbarata@gmail.com.

Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022


211
NECROPOLÍTICA E BIOPODER NA OBRA DE MARIA FIRMINA DOS
REIS: A REPRESENTAÇÃO DA MULHER NEGRA EM "ÚRSULA" E
"A ESCRAVA"
Lucas Dams Bertoli4
Caio Ricardo Bona Moreira5

Resumo: O presente estudo tem por objetivo investigar a Necropolítica e o Biopoder no romance
“Úrsula” e no conto “A Escrava”, de Maria Firmina dos Reis, concentrando a análise nas personagens
Susana e Joana. Observaremos as questões socioculturais da mulher negra e a denúncia de Firmina,
demonstrada na representação do africano sequestrado pelos colonizadores, em um período de teorias
de “superioridades raciais” e preconceito, no século XIX. Recorreremos ao pensamento de Michel
Foucault, que caracteriza o conceito de “biopoder” sob um viés eurocêntrico de dominação dos corpos,
de Archille Mbembe, que a partir do conceito de “necropolítica” discute as relações entre o racismo
contemporâneo e a política de morte, e à obra de Lélia Gonzalez que fala sobre a marginalização das
mulheres negras enquanto sujeitos históricos ocasionados pela pobreza, falta de oportunidade e
educação. Essas adversidades, que são os desafios de toda a população negra, em específico da
feminina, devem ser atribuídas às construções ideológicas causadas pela condição colonial. Nesse
sentido, podemos afirmar que Maria Firmina dos Reis se posta como uma mulher ativa em sua época,
e disponível na luta contra a hegemonia e prepotência do pensamento do colonizador, construindo
personagens que são verdadeiras porta-vozes das mulheres negras no Brasil durante o século XIX.

Palavras-chave: Úrsula. A Escrava. Maria Firmina dos Reis. Necropolítica.

4 Acadêmico do curso Letras – Português e Espanhol da Universidade Estadual do Paraná - UNESPAR campus
União da Vitória. E-mail: lucasdamsbertoli@gmail.com.
5 Doutor em Teoria Literária pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Professor de Literatura

Brasileira no colegiado de Letras – Português e Espanhol da Universidade Estadual do Paraná – UNESPAR


campus União da Vitória. E-mail: caiorbmoreira@hotmail.com.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
212
NJINGA, RAINHA DE ANGOLA: ÉPICO DO CINEMA AFRICANO
Marcele Aires Franceschini1

Resumo: No cinema, há uma série de figuras míticas e heroínas celebradas, a exemplo da mártir
francesa Joana D’Arc, da icônica Cleópatra de olhos azuis vivenciada por Elizabeth Taylor, da Mulher
Maravilha e as estrelas da bandeira americana no look, a Capitã Marvel e sua cabeleira dourada, entre
outras cujo biotipo é centrado na hegemonia branca, alheio aos traços, à história e às lutas da mulher
negra e das mulheres dos povos indígenas. Contudo, subvertendo o sistema, eis que resurgem as
soberanas africanas, reafirmando o modelo das líderes do passado. Esse é o caso de Nzinga Mbandi
(1582-1663), mais conhecida como a Rainha Ginga, uma das rainhas de maior poder de seu século.
Não por acaso tenha ficado à frente do poderio angolano até os setenta e três. Ginga, a Rainha
guerreira. Este estudo traz à luz o longa Njinga, Rainha de Angola, de Sérgio Graciano, lançado nos
cinemas angolanos em 2013. O objetivo é desenvolver o olhar direcionado ao épico cinematográfico,
de caráter nacionalista, porém que ultrapassa barreiras quando se comunica com outras ex-colônias
portuguesas, a exemplo do Brasil, cujos antepassados bantus que aqui aportaram no século XVII são
herdeiros de nação da Ngola Mbandi.

Palavras-chave: Rainha Jinga; Cinema; Soberana africana; Guerreira.

1
Professora Doutora do Departamento de Teorias Linguísticas e Literárias (DTL) da Universidade Estadual de
Maringá, e do Programa de Pós-Graduação em Letras (PLE), da UEM. E-mail: mafranceschini@uem.br.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
213
NUANCES DA TEORIA QUEER NA LITERATURA JUVENIL:
CONSIDERAÇÕES SOBRE O ROMANCE FELIX PARA SEMPRE
(2021), DE KACEN CALLENDER
Natacha dos Santos Esteves1

Resumo: O presente estudo almeja refletir sobre a presença da Teoria Queer, em especial no que
tange à temática da abjeção e da identidade, no romance juvenil estadunidense Felix para sempre
(2021), escrito por Kacen Callender. Para tanto, a análise é embasada em obras teóricas oriundas dos
Estudos Culturais, privilegiando a Teoria Queer e a Interseccionalidade. Por tratar-se de um livro
juvenil, considerações sobre essa esfera literária também serão apresentadas, visto que ainda persiste
um olhar estigmatizante e preconceituoso direcionado a esse tipo de produção literária. Visando as
delimitações espaciais, viu-se a necessidade de estabelecer recortes analíticos e, consequentemente,
algumas temáticas serão abordadas de forma breve, tais como: negritude e defasagem econômica de
negros localizados nos Estados Unidos. Assim, no primeiro momento, a já mencionada temática da
abjeção será apresentada. Na parte final, serão abordadas a identidade e duas formas de resistência
perante a condição de abjeção. Em termos de resultados, o trabalho compreende a necessidade da
aplicação da Teoria Queer em ambiente juvenil, principalmente nos meios de maior fluxo de sujeitos
que são, socialmente, direcionados a abjeção.

Palavras-chave: Abjeto; Felix para sempre; Teoria Queer; transsexualidade.

1
Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Letras (PLE) da Universidade Estadual de Maringá (UEM). E-
mail: natachaestevescm@gmail.com.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
214
O ABUSO FÍSICO E PSICOLOGICO DE MULHERES QUE SOFREM
VIOLÊNCIA EM TORTO ARADO, DE ITAMAR VIEIRA JUNIOR
Douglas Fernando Blanco1
Wilma dos Santos Coqueiro2
Adriana Delmira Mendes Polato3

Resumo: A Literatura negro-brasileira, termo defendido por Cuti (2010), invisibilizada por séculos
de escravidão, tem alcançado considerável projeção a partir das décadas finais do século XX,
mostrando grande vitalidade nessas primeiras décadas do século XXI. Nesse sentido, o romance Torto
arado, de autoria do baiano Itamar Vieira Junior, premiado e publicado originalmente pela editora
portuguesa Leya, foi lançado no Brasil em 2019, pela Todavia, e angariou os principais prêmios
literários de 2020: Prêmio Jabuti e Prêmio Oceanos. Ambientado em uma fazenda no sertão da
Chapada Diamantina, a obra traz como protagonistas as irmãs Bibiana e Belonísia. Ainda na infância,
após um acidente doméstico em que uma das protagonistas perde a língua (Belonísia), a outra se torna
a sua voz (Bibiana), e as duas se unem ainda mais. Com efeito, a obra apresenta expressividade do
feminino, pois é dividida em três partes, que são narradas por mulheres: a primeira, “Fio do Corte”, é
narrada por Bibiana; a segunda, intitulada “Torto arado”, traz a perspectiva de Belonísia e é o objeto
de estudo de nosso trabalho, pois é nela que observamos as violências sofridas por mulheres, entre elas
a decorrente da relação abusiva entre Tobias e a protagonista deste capítulo; por fim, a terceira parte,
denominada de “Rio do Sangue”, traz uma espécie de consciência social, posto que é narrada por uma
entidade encantada chamada Santa Rita Pescadeira. Nessa parte final, vemos o desenrolar das lutas do
primeiro capitulo e a explicação de a faca, que cortara a língua de uma das protagonistas, estar na mala
de Donana, avó de ambas. Para a reflexão e acerca da violência perpetrada contra Belonísia na obra,
que é ocasionada por fatores que intersectam classe social, raça e gênero, embasamos em estudos
acerca do feminismo negro interseccional, tais como: Hooks (2018), Hollanda (2019) e Ribeiro
(2019).

Palavras-chave: Literatura Negro-brasileira. Torto arado. Protagonismo feminino. Violência.

1
Graduado em Sociologia. Aluno regular do Programa de Pós-Graduação Sociedade e
Desenvolvimento(PPGSeD), da Universidade Estadual do Paraná – UNESPAR/ campus Campo Mourão. E-
mail: douglasfbl@hotmail.com.
2
Coorientadora. Doutora em Letras/área de concentração em Estudos Literários pela Universidade Estadual de
Maringá (UEM). Docente do Curso de Graduação em Letras e do Programa de Pós Graduação em Sociedade e
Desenvolvimento (PPGSeD) da UNESPAR/campus de Campo Mourão. E-mail:
wilma.coqueiro@ies.unespar.edu.br.
3
Orientadora. Doutora em Letras/área de concentração em Estudos Linguísticos pela Universidade Estadual de
Maringá (UEM). Docente do Curso de Graduação em Letras e do Programa de Pós Graduação em Sociedade e
Desenvolvimento (PPGSeD) da UNESPAR/campus de Campo Mourão. E-mail: ampolato@gmail.com.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
215
O CABELO E SUAS RAÍZES NA CONSTRUÇÃO DA AUTOESTIMA E
IDENTIDADE DA CRIANÇA NEGRA
Dhéssica Caroline Fogaça1

Resumo: O processo de autorreconhecimento da criança negra se inicia no seio de sua família e de


seu círculo social, por meio de palavras de afirmação sobre sua aparência e ancestralidade ou de
negação das raízes que a constroem. Para que esse movimento de identidade seja de empoderamento,
reforçando sua autoestima e história, faz-se de suma importância que desde muito cedo a criança se
veja representada nos mais diversos cenários que a cercam e que a constituem, tais quais a própria
família supracitada e, principalmente, a escola. Nesse sentido, um dos maiores instrumentos para
promover a representatividade da criança negra é a literatura infanto, uma vez que ocupa o papel
principal de representação da cultura e o de desenvolver a visão de si mesmo enquanto sujeito social e
a dos (O)outros, também constituintes dessa visão. Assim sendo, a literatura de acesso às crianças
negras deve ser inclusiva, reforçando seus aspectos culturais, ancestrais e étnicos, de modo que
fomente sua identidade em representações positivas e afirmativas de seu corpo, cor e cabelo. É dessa
forma que os textos infantis Meu crespo é de rainha (1999), O cabelo de Lelê (2012) e Amor de
cabelo (2019) corroboram para enfatizar a relação entre o pequeno jovem leitor, mesmo ainda no
início da alfabetização, com sua valorização pessoal, reconhecendo-se de uma forma que venha a
tornar sua identidade negra-africana figura de poder, desconstruindo os constructos e discursos
outremizados. O presente trabalho visa discutir e propor reflexões entre os três textos literários,
escritos, respectivamente, por bell hooks, Valeria Belem e Mattew A. Cherry e no impacto que podem
causar na infância da criança negra em relação ao seu cabelo, que é visto como aspecto inerente ao seu
processo de autoafirmação e resistência. A metodologia consiste em comparar cada uma das obras
infantis e analisá-las perante os textos Memórias da Plantação (2020), de Grada Quilomba e Alisando
nossos cabelos (2005), de bell hooks, os quais endossam a perspectiva do cabelo enquanto identidade.
A pesquisa aponta para a importância de discussões como essa, tanto no âmbito familiar, quanto no
âmbito escolar, proporcionando o reconhecimento da criança negra e de seu cabelo enquanto força e
orgulho.

Palavras-chave: Literatua Infanto. Criança negra. Cabelo. Representatividade.

1
Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Letras (PLE), da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e
graduada em Letras Português e Inglês pela Universidade Estadual do Paraná – UNESPAR/Campus Campo
Mourão. E-mail: carolfogaca7@gmail.com.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
216
O PRÍNCIPE NEGRO NA LITERATURA INFANTIL: A
DESCONSTRUÇÃO DO ESTEREÓTIPO
Érica Fernandes Alves1
Elizandra Fernandes Alves2
Nelci Alves Coelho Silvestre3

Resumo: O interesse deste trabalho está voltado à narrativa O Pequeno Príncipe Preto (2020), de
Rodrigo França, que retoma fatos relevantes à cultura afro-brasileira. O Príncipe Preto é um menino
que vive em um minúsculo planeta com a árvore Baobá, oriunda da África, trazendo uma origem não
só para a planta como também para o menino. A narrativa fala sobre amizade, ancestralidade, bem
como das atribuições físicas deste príncipe que se aceita e se valoriza. O objetivo dessa comunicação é
refletir sobre a construção da identidade da criança negra, tanto no texto verbal quanto imagético,
tendo em vista a estrutura dos príncipes que são apresentados aos jovens meninos em formação. Ao
contar a história de um príncipe, o inconsciente é capaz de retomar de forma automática às histórias
ouvidas, lidas e assistidas quando crianças, independente da caracterização do príncipe, pois a
idealização do príncipe alto, loiro, bonito, charmoso e rico é uma constante. A narrativa de França
apresenta toda a beleza do pequeno príncipe preto, ressaltando suas características, valorizando seus
antepassados, suas origens e a alegria que encontra no seu próprio corpo. A metodologia de
investigação baseia-se em textos teóricos que discutem as identidades desenvolvidas por Stuart Hall e
publicadas em Identidades Culturais na Pós-modernidade (2006), e questões sobre raça e racismo
desenvolvidas em Racismo e anti-racismo na educação: repensando nossa escola, organizada por
Eliane Cavalleiro (2001), Pele Negra Máscaras Brancas, de Frantz Fanon (2008) e outros. Os
resultados da pesquisa mostram que a formação identitária da criança é muito importante na
desconstrução dos estereótipos, uma vez que o príncipe apresentado na narrativa não é aquele que
enaltece o castelo onde vive, que precisa salvar a moça descrita como frágil e indefesa. Essa narrativa
voltada à infância faz-se necessária para entendemos o quanto a apresentação deste príncipe
empoderado, que conhece suas origens, seus antepassados, sua história, pode contribuir nas primeiras
relações entre a criança e o mundo adulto.

Palavras-chave: Identidade. Literatura. Afro-brasileira. Estereótipo.

1
Professora Doutora da Universidade Estadual de Maringá - UEM. E-mail: efalves@uem.br.
2
Professora Doutora da Universidade Estadual do Centro-Oeste - UNICENTRO. E-mail: ealves@unicentro.br.
3
Professora Doutora da Universidade Estadual de Maringá - UEM. E-mail: nacsilvestre@uem.br.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
217
“OS HOMENS-ANJOS OU QUASE-ANJOS”: RACISMO, HOMOFOBIA
E MISOGINIA NA FORMAÇÃO DE PADRES E SEMINARISTAS NO
BRASIL
Jean Pablo Guimarães Rossi1
Eliane Rose Maio2

Resumo: Este estudo é parte de reflexões oriundas de um doutoramento em educação, em status de


andamento. O catolicismo sempre marcou de modo veemente a história deste país e a Igreja Católica
atuou durante séculos na jurisdição da vida social, religiosa e política brasileira, através do apoio ao
escravagismo e repressão dos povos indígenas, na perseguição dos/das chamados/as sodomitas por
meio dos Tribunais do Santo Ofício da Inquisição (1535-1821) e na exclusão das mulheres da vida
pública. Portanto, nesta comunicação discutimos como racismo, homofobia e misoginia são
dispositivos que atuaram de modo concomitante nas origens étnicas do clero católico no Brasil
Colônia (1530-1815) e Império (1822-1889). Não por acaso, ser padre no Brasil, era sinônimo de ser:
homem, cisgênero, branco e “heterossexual”. Tal ideia reverberou na implantação dos Seminários de
formação sacerdotal no país (1840), uma vez que a disciplina ostensiva pregava que “os homens-
anjos” ou “quase-anjos” deveriam manter distância das vicissitudes mundanas, lonjura das mulheres e
dos prazeres sexuais. Ancorados/as nos estudos de gênero de perspectiva foucaultiana, os resultados
de nossa discussão evidenciam que: a) tratou-se de um sistema disciplinar ostensivo, porém falho, uma
vez que os processos inquisitoriais (disponíveis no arquivo da Torre do Tombo de Lisboa) revelam
milhares de sentenças por clérigos envolvidos em “sodomia perfeita” (ato sexual com ou sem
penetração anal entre pessoas do mesmo e/ou diferentes gêneros) com crianças, mulheres, jovens,
freiras, pessoas escravizadas, etc; b) o processo de fruto do processo de europeização do povo
brasileiro, somado à ideia de padre como sujeito superior, estabeleceu a base do racismo estrutural
dentro dos próprios Seminários. Um exemplo disto, é o folheto de admissão para o Seminário
diocesano de São Luís do Maranhão, em 1927, que requisitava que os candidatos deveriam ser de cor
branca. Alguns seminaristas negros só conseguiram entrar por meio do processo de
embranquecimento; c) numa tentativa de construir um ambiente livre de mulheres, portanto, um
espaço misógino, a Igreja Católica acabou edificando uma instituição calcada sob a égide
androcêntrica.

Palavras-chave: Igreja Católica. Racismo. Homossexualidade. Misoginia.

1
Psicólogo. Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da UEM; Professor da UNESPAR/CM.
Bolsista CAPES. E-mail: psijeanpablo@gmail.com.
2
Pós-doutora e Doutora em Educação Escolar pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
(UNESP/ Araraquara). Graduada em Psicologia. Professora do Programa de Pós-graduação em Educação
(Mestrado/Doutorado) junto à Universidade Estadual de Maringá (UEM). Coordenadora do Núcleo de Estudos e
Pesquisas em Diversidade Sexual (NUDISEX/ CNPq). E-mail: elianerosemaio@yahoo.com.br.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
218
ÓLEO E GAROA: A DISTOPIA NA LITERATURA UNDERGROUND
PRESENTE NA ADAPTAÇÃO DO RAP PARA O CONTO

Sávio Oliveira da Silva Santos1

Resumo: Este trabalho tem como objetivo analisar o processo de adaptação de uma música de rap
para o conto, inovação literária desenvolvida pelo Universo 75, coletivo de atividade comunitária,
formação racial e produção artística organizado por educadores sociais no Recôncavo da Bahia,
necessariamente em Cachoeira/BA. Doravante, a pesquisa discorre acerca do conto e música intitulada
“Óleo e Garoa” (2022/2018), respectivamente, do Mc, escritor e professor Aganju Dref. A
importância deste estudo se justifica pela compreensão de que o processo artístico negro na diáspora
africana é diverso e tem multimodalidades e multifuncionalidades, elementares mecanismos para o
processo de letramento racial crítico (FERREIRA, 2015). Com isso em vista, a problemática deste
artigo se assenta na questão: quais impactos sociais e literários surge no processo de adaptação de um
rap para um conto? O presente estudo de caráter qualitativo resgata o conceito de literatura
underground mediante um estudo analítico e bibliográfico sob uma escrevivência distópica. Por meio
da pesquisa, observamos como a literatura negra utiliza o Pretuguês (GONZALES, 1988) como
tecnologia de comunicação e letramento na diáspora africana, sobretudo por meio da arte literária,
denunciando um genocídio em curso especificamente nos interiores baianos ao passo que também
explora uma nova ótica politizada para as cidades históricas como Cachoeira/BA.

Palavras-chave: Rap. Literatura negra. Escrevivência. “Óleo e Garoa. Aganju.

1
Especialista. Mestrando em Letras: Linguagens e Representações na Universidade Estadual de Santa Cruz
(UESC). Bolsista pela Fundação de Amparo à Pesquisa da Bahia (FAPESB/BA). E-mail:
blackoutsavio@gmail.com.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
219
PELAS TRAVESSIAS DA HISTÓRIA DA ÁFRICA E DA CULTURA
AFRO-BRASILEIRA NA ESCOLA: EXPERENCIANDO DIDÁTICAS
EM PROJETOS ANTIRRACISTAS
Daniela Paula de Lima Nunes Malta1
Auda Maria de Souza Godoy2

Resumo: Envolver os estudantes da Educação básica nos processos educativos pautados na


ampliação dos horizontes de compreensão e promoção da equidade, justiça social e cidadania sob o
viés antirracista, implica em ações pedagógicas que vislumbrem a compreensão do “tornar-se
negro” e da herança da cultura negra no Brasil considerando o indivíduo em seu contexto de
existência sócio- histórica e econômico-cultural. A Educação para as relações étnico-raciais se
encontra envolta em uma complexa crise multidimensional, dotada de diferentes campos de
enfretamento. Sendo assim, o propósito deste trabalho é relatar a experiência pautada na vivenciação
do Projeto Afro, que conta com 12 anos sob as lentes das leis nº 10.639/03 e de nº 11.645/08, nos
anos finais do Ensino Fundamental de uma escola municipal que integra o Programa de Educação
de Tempo integral na cidade de Serra Talhada – PE. Nesse sentido, foram trabalhados didaticamente
temas relacionados ao estudo da história e cultura da África e afro-brasileira, além da contribuição
das matrizes africanas no Brasil para a formação da identidade nacional, bem como refletir sobre as
possibilidades de aprendizagens da temática para a construção de identidades afirmativas locais. A
metodologia utilizada está pautada na Pedagogia de Projetos, que congrega de forma
interdisciplinar, a partir da matriz pedagógica de Educação integral, justiça curricular, pensando na
cidade e no território que educam e se educam. A partir da ação-reflexão-ação deste relato estudo foi
possível concluir que os avanços são significativos com base nas lei, em que a escola tem buscado
de forma eficaz a aplicação dessas Leis, abordando com maior amplitude a temática, e fazendo com
que os estudantes entendam que é dever também dele como cidadão junto com a escola, ajustar o
Letramento racial para que se faça valer ações antirracistas, sendo agregado aos conteúdos escolares
no ensino da história e da cultura Afro-Brasileira e Africana.

Palavras-chave: Ensino fundamental. Projeto Afro. Educação de tempo integral.


Interdisciplinaridade.

1
Doutoranda em Letras pelo Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Federal de Pernambuco
(PPGL-UFPE). E-mail: malta_daniela@yahoo.om.br.
2
Especialista em Ensino de História. Atua como docente de História nos anos finais do Ensino Fundamental da
Rede Municipal de Serra Talhada (SEST-PE). E-mail: audsouza@hotmail.com .
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
220
POEMAS DE RECORDAÇÃO E OUTROS MOVIMENTOS, DE
CONCEIÇÃO EVARISTO: DIALOGISMOS EM RESISTÊNCIA ENTRE
A LITERATURA AFRO-BRASILEIRA E A SOCIEDADE
Meire Oliveira Silva1

Resumo: Poemas de recordação e outros movimentos (2008), de Conceição Evaristo, configuram sua
obra de estreia na literatura. Consiste na reunião de textos poéticos voltados às ancestralidades e
subjetividades de mulheres negras em resistência e luta por seus direitos, a partir do reconhecimento
de origens identitárias em contínuos movimentos diante dos abusos e violências interseccionais, de
raízes étnicas, de gênero, classe social etc. (AKOTIRENE, 2018). As tensões históricas da sociedade
brasileira desnudam lacunas de uma formação ancorada em desigualdades desferidas, sobretudo contra
as mulheres. Os poemas do referido volume operam, nesse sentido, alusão às dores de mulheres, mães
e famílias cujos aspectos da formação da cultura brasileira (GONZALEZ, 1984) relegam os
descendentes de povos africanos aqui escravizados à subalternidade (SPIVAK, 2014). Assim,
objetiva-se averiguar como as narrativas familiares que perfazem os poemas podem apontar
possibilidades de compreensão das forças limitadoras e silenciadoras dos movimentos de
protagonismo de mulheres-mães como símbolos da força vital e criadora da terra, também explorada e
violada (FANON, 2005) pelo jugo escravocrata e colonial. Justificam-se essas análises pela relevância
dos poemas, em oralidade e memórias, que se expandem em busca da coletividade que afronta as
explorações. Sendo assim, pretende-se realizar uma análise literária e interdisciplinar que contemple
abordagens e epistemologias cujos reflexos histórico-sociais, imbricados às questões interseccionais,
estão presentes em contradições advindas de colonização e escravização como problemáticas ainda
não superadas.

Palavras-chave: 1. Conceição Evaristo 2. Poesia 3. Memória 4. Interseccionalidade.

1
Doutora e Mestra em Teoria Literária e Literatura Comparada pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo (USP). E-mail: meireoliveirasilva79@gmail.com.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
221
POEMAS ESPARSOS [1982-2020], DE MIRIAM ALVES: ALGUNS
TEMAS
Sandro Adriano da Silva1

Resumo: Miriam Alves (1952) integrou o coletivo Quilombhoje Literatura, que criou o Cadernos
Negros, publicação na qual estreou como escritora, em 1982, no número 5, intitulado Axé – antologia
Contemporânea de poesia negra brasileira. Momentos de busca (1983) e Estrelas nos dedos (1985)
(poesia); Bará: na trilha do vento (2015) (romance) e Maréia (2019), além das coletâneas de contos
Mulher mat(r)iz (2011) e Juntar pedaços (2021) compõem sua poesia publicada até o momento. Sua
obra vem reclamando um olhar mais atento do campo literário (BOURDIEU, 1996), o que inclui a
crítica acadêmica, o mercado editorial e a ampliação do público ledor, como resposta aos mecanismos
de apagamento que sofreu, a reboque da exclusão histórica do silenciamento da literatura de autoria
negro-brasileira (CUTI, 2010). Silenciamento que seria ainda maior, não fossem as iniciativas
individuais da escritora em buscar a disseminação de sua obra em diferentes formatos, como as
publicações coletivas, antologias, revistas, entre outros meios. À altura de quarenta anos de criação
poética e ficcional, Miriam Alves publica Poemas reunidos (2022), reunindo quase a totalidade de sua
poesia, incluindo poemas assinados com o pseudônimo que usava na década de 1980, Zula Gibi. Esta
comunicação lança um sobrevoo sobre alguns de seus temas e estéticas mais recorrentes e
emblemáticas na seção Poemas esparsos [1982-2020]. Da enunciação lírica desse conjunto de quase
uma centena poemas emerge uma concepção de poesia que assume diferentes matizes da
subjetividade, dentre eles, destacam-se o erótico, o social, o político, atravessados (ou, antes,
perfomatizados) por uma assinatura negra, feminina e periférica. O exercício de interseccionalidade
temática e discursiva em torno das demandas de sua condição étnico-racial, de gênero e de classe
colocam em cena todo um imaginário sobre a ancestralidade negra (OLIVEIRA, 2012) e suas redes de
afeto, ao mesmo tempo em que problematizam, pela via da resistência e do engajamento político (e
poético) o racismo estrutural (ALMEIDA, 2018).

Palavras-chave: Poesia negra. Miriam Alves. Poemas esparsos [1982-2020].

1
Mestre. Professor de Literatura Brasileira e Introdução aos Estudos Literários (Unespar). E-mail:
sandro.silva@ies.unespar.edu.br.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
222
RACISMO E OUTREMIZAÇÃO EM HOMEM NA ESTRADA (1993), DE
RACIONAIS MC’S
Geniane Diamante F. Ferreira1

Resumo: As artes em geral têm, há muito, dado abertura às mais diversas vozes presentes na
sociedade. Por ser um meio de expressão sem muitas amarras, as pessoas lançam mão desta estratégia
para exprimir ideias, sentimentos, fazer denúncias e assim por diante. As artes que compreendem o
uso da palavra demonstram isso de forma flagrante. Assim, a literatura bem como as canções merecem
um olhar atento quando do estudo da sociedade real, fora dos livros que, muitas vezes, incorrem no
“perigo de uma história única”, nas palavras de Adichie (2009). Desta forma, essa pesquisa propõe
debater sobre a visão das margens pelos marginalizados, invertendo o ponto de vista do mainstream
mais comumente aceito e divulgado. Para tanto, como corpus, foi selecionada a canção Homem na
Estrada, do grupo de rap paulistano, Racionais Mc’s, composta por um dos integrantes da banda, a
saber, Mano Brown, lançada em 1993 no álbum Raio X do Brasil. A canção, eleita como a melhor do
ano de 1994 pela Associação Paulista de Críticos de Arte, tem aproximadamente nove minutos e
constitui-se como uma narrativa acerca da vida de um homem negro, ex-presidiário, morador de uma
favela, tentando olhar para o futuro com alguma esperança enquanto sobrevive entre as agruras do
presente e más lembranças do passado. A presente proposta pretende debater essa visão periférica,
como já mencionado, usando como fundamentação teórica conceitos de racismo e outremização a
partir dos estudos de Schwarcz (1993), Sollors (1995), Appiah (1995), Dijk (2005), Said (2007),
Todorov (2010), entre outros. Os resultados mostram que essa história supostamente única – a do
homem na estrada – é, na verdade, representativa de milhares de sujeitos negros e periféricos, fazendo
com que esse texto se constitua como um retrato real da sociedade brasileira. Deste modo, ele
denuncia (sub)vivências de uma maioria minorizada, mas que aqui ganha voz.

Palavras-chave: Homem na Estrada. Racionais Mc’s. Racismo. Outremização.

1
Doutora em Letras, professora de Literatura do Curso de Letras e de Pós-graduação em Letras na Universidade
Estadual de Maringá – UEM. E-mail: gdfferreira@uol.com.br.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
223
RAP E INTERSECCIONALIDADE A PARTIR DO GRUPO QUEBRADA
QUEER
Bruna Patricia Szezerepa Floriano1
Kevin Silva Santos Conceição2

Resumo: O rap brasileiro, que se desenvolveu em meados de 1986 com a junção do hip-hop e do
funk, refletia acerca do cotidiano da periferia, sobre causas raciais e opressoras, questões essas que
ainda estão presentes na nossa sociedade atual. A cypher Quebrada Queer nos traz todo o
posicionamento histórico do rap, porém acrescenta as pautas de grupos e identidades que, muitas
vezes, foram apagadas desse espaço, como é o caso da comunidade LGBTQIAPN+. Tendo em vista,
a falta de um grupo – apesar de sempre ter havido pessoas LGBTQIAPN+ no rap, Quebrada Queer
surge como o primeiro grupo (cypher) – que os represente, em virtude do rap ser marjoritariamente
liderado por homens negros cis e héteros. Assim, a primeira cypher do mundo – integrada por pessoas
periféricas, negras e da comunidade LGBTQIAPN+ – traz versos sobre racismo, homofobia,
transfobia e a importância de se impor sendo preto, periférico, gay e trans. Tendo isso em vista, neste
trabalho, pretendemos fazer uma breve análise do cenário identitário do rap nacional, a partir do grupo
Quebrada Queer, que atualmente traz novas pautas e a visibilidade de novas identidades, além de
refletir sobre as diversas intersecções de raça, gênero, classe e sexualidade. Com vistas a análise de
algumas músicas produzidas pelo grupo, além de elementos estéticos como vestimentas e trajes,
utilizaremos os conceitos de interseccionalidade trabalhado por Karla Akotirene, na obra
Interseccionalidade (2019), o conceito de identidade cultural pós-moderna de Stuart Hall, apresentado
na obra Identidade Cultural na Pós-modernidade (1992), além de referências de análise do rap
nacional, como Acauam Silvério de Oliveira (2015).

Palavras-chave: Rap nacional. Interseccionalidade. Movimento LGBTQIAPN+.

1
Acadêmica do curso de História da Universidade Estadual do Paraná, campus de Campo Mourão. E-mail:
delta0351@gmail.com.
2
Professor do colegiado de História da Universidade Estadual do Paraná, campus de Campo Mourão. Email:
prof.kevcon@gmail.com.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
224
RELAÇÕES RACIAIS NOS LIVROS DIDÁTICOS DA ÁREA DE
LINGUAGEM E SUAS TECNOLOGIAS
Aparecido Vasconcelos de Souza1
Tânia Mara Pacífico2

Resumo: Este artigo discorre sobre as relações raciais nos livros didáticos da área de Linguagem e
suas Tecnologias. Temos o objetivo realizar uma análise crítica do discurso a partir da metodologia de
Hermenêutica da Profundidade, desenvolvida por John B. Thompson (1985) para compreender de que
modo a ideologia e a cultura de massa mantem as relações dominantes de poder e de opressão.
Queremos verificar se as narrativas históricas e literárias, as imagens artísticas e as fotografias
contribuem ou não para criação de imagens positivas das culturas de matriz afro-brasileira, africana e
para superação do racismo no cotidiano escolar. Em 2021 os livros didáticos da Área de Linguagens e
Suas Tecnologias para o Novo Ensino Médio da Editora Saraiva foram distribuídos em todas as
escolas do Estado do Paraná por meio do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). 2021. Trata-
se de uma pesquisa qualitativa de caráter bibliográfico, que utilizará a análise de discurso e das
estratégias ideológicas de racialização, tendo por base a obra de John B. Thompson, os estudos de
Paulo Vinicius da Baptista da Silva sobre relações raciais em livros didáticos, as pesquisas do NEAB-
UFPR sobre discurso, as definições legais do artigo 26-A da LDB (modificado pela Lei nº 10.639/03 e
alterado pela Lei nº 11.645/08), o Parecer nº 03/2004 e a Resolução nº 01/2004 do CNE. Em uma
análise preliminar, verificou-se nas orientações da BNCC que os livros distribuídos não levam em
consideração a diversidade étnica e cultural do estado, pois universalizaram o discurso sobre
identidade, linguagem, tecnologias e mercado de trabalho. Em linhas gerais, a análise das formas
simbólicas presentes nos livros revela que o sujeito branco aparece como representante natural da
humanidade; já personagens negros são estigmatizados, associados à pobreza, e o racismo aparece
mascarado pelo mito da democracia racial.

Palavras-chave: Arte. Discurso. Linguagem. Racismo.

1
Titulação. Mestre em Teoria Literária pela UNIANDRADE e professor da disciplina de Artes do Estado do
Paraná. E-mail: cidomarchetaria@gmail.com.
2
Titulação. Tânia Mara Pacífico, Mestre em Educação pela UFPR e Pedagoga do ensino público do Estado do
Paraná. E-mail: tmpacifico@gmail.com.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
225
REPRESENTAÇÕES DE QUILOMBOS E QUILOMBOLAS NA
LITERATURA INFANTIL E JUVENIL BRASILEIRA: FORMAÇÃO DE
LEITORES LITERÁRIOS NO ENSINO FUNDAMENTAL EM ESCOLAS
INSERIDAS EM QUILOMBOS

Raimundo Nonato Duarte Corrêa1


Gilmei Francisco Fleck2
Cristian Javier Lopez3

Resumo: Nesta comunicação, propomos expor, de modo geral, algumas considerações sobre uma
pesquisa em andamento no Profletras, voltada à formação do leitor literário, por meio de narrativas
híbridas de história e ficção, presentes em nossa literatura infantil e juvenil brasileira. Essas
ressignificam os quilombos e os quilombolas e são, em nossa proposta, amalgamadas com outras
textualidades que possibilitam uma formação leitora integral ao sujeito (BNCC, 2017). Nossa prática
de leitura está exposta em um viés propositivo na pesquisa mencionada e essa se fundamenta no uso
de “Oficinas literárias temáticas” (ZUCKI, 2015) em conjunção com outras artes. O público-alvo da
proposta, prevista na pesquisa, são, em especial, alunos do Ensino Fundamental de escolas inseridas
em quilombos. Nesse sentido, verificamos que as leituras realizadas no espaço escolar, muitas vezes,
privilegiam os contos de fada, as fábulas, etc., e apresentam, aos estudantes quilombolas,
representações de mundo que estão muito distantes de sua história e de suas raízes. Frente a essa
problemática surge nossa questão de pesquisa: Como os professores de Língua Portuguesa de escolas
em quilombos podem, por meio do trabalho com o texto literário – mais especificamente com as
narrativas híbridas de história e ficção –, proporcionar a seus alunos um encontro com as
ressignificações de quilombos e quilombolas na literatura, em práticas de leituras voltadas à formação
do leitor literário? Desse modo, objetivamos proporcionar aos docentes e discentes um outro olhar
sobre aquilo que foi, do que hoje é e do que pode vir a ser esse espaço histórico-social do quilombo e
do quilombola. Fundamentamos nossas reflexões sobre os aspectos referentes à formação do leitor
literário no Ensino Fundamental em Lajolo (1993), para os aspectos referentes à literatura híbrida de
história e ficção em Fleck (2017) e, para a organização das “Oficina literária temática”, em Zucki,
(2015), entre outros. Como principais resultados desta pesquisa, temos, em primeira instância, uma
listagem de obras da temática da representação ficcional de quilombos e quilombolas na Literatura
Infantil e Juvenil Brasileira. Isso nos possibilita afirmar que uma educação voltada para os saberes de
uma cultura local, que respeite os valores dessa comunidade – como ocorrer com os quilombolas
brasileiros –, fortalece o interesse dos alunos, em especial daqueles que estudam em escolas inseridas
1
Mestrando em Letras – Profletras – pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE). Especialista
em Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa e Literatura pela FAEL e em Língua Portuguesa pela UEMA.
Graduado em Letras Português/Inglês e Respectivas Literaturas pela CEUMA. E-mail: duarte1312@gmail.com.
2
Pós-doutor em Literatura Comparada e Tradução pela Universidade de Vigo-UVigo-Espanha, com Bolsa da
CAPES. Professor de Literaturas Hispânicas e Cultura Hispânica na graduação em Letras da UNIOESTE,
campus de Cascavel-PR. E-mail: chicofleck@yahoo.com.br.
3
Pós-doutorando no Programa de Pós-graduação em Letras da UEMA (Bolsista CAPES/BRASIL) e Doutor em
Letras pela UVIGO/Espanha em cotutela de tese com a UNIOESTE/Brasil. E-mail: cristianjlopez2@gmail.com.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
226
em quilombos, a participar nas atividades de leitura literárias porque essas lhes dizem respeito.
Apresentamos, também, por meio da elaboração de Módulos de uma “Oficina literária temática”, aos
profissionais de Língua Portuguesa uma metodologia de abordagem à leitura literária na escola pela
qual os alunos aprendem a ler de forma a criar laços com o passado histórico e social de suas
comunidades e que, ao mesmo tempo, desperta o interessem deles pelos conteúdos ministrados,
associando esses a uma ressignificação de sua realidade histórico-social e identitária.

Palavras-chave: Quilombos e Quilombolas. Formação do Leitor Literário. Literatura Híbrida de


História e Ficção. Oficinas Literárias Temáticas.

Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022


227
REPRESENTATIVIDADE DA MULHER NEGRA NOS POEMAS DE
RYANE LEÃO
Jéssica França Rocha1
Larissa Souza de Moraes2
Érica Fernandes Alves3

Resumo: A pesquisa em questão se debruça sobre os estudos de literatura pós-colonial,


especificamente sobre a escrita da mulher negra, que ao escrever destaca as problemáticas durante a
sua busca identitária, mostrando a dificuldade que a mulher encontra para romper com os padrões
sociais. O corpus a ser analisado é o livro de poesias Tudo nela brilha e queima (2017), de Ryane
Leão. Nosso objetivo de analisar as formas de resistência, feminismo negro, estratégias de opressão e
identidade cultural na literatura em alguns poemas selecionados. Ademais, objetiva-se explorar as
temáticas da pressão estética, violência, patriarcalismo, identidade e representatividade em torno da
mulher negra. Nos poemas, a autora Ryane Leão ressalta a mulher negra, através de sua escrita, por
meio das problemáticas impostas pela sociedade, as quais resultam na maioria das vezes em uma perda
de identidade da mulher negra. A autora utiliza da escrita como forma de resistência, lutando contra os
preconceitos e estereótipos que repreendem a busca de identidade da mulher negra. Esta pesquisa é
qualitativa de caráter bibliográfico fundamentada na leitura de obras teóricas sobre feminismo negro,
de Carneiro (2011) e identidade pós-colonial, de Bonnici (1998), e de resistência, das autoras Feldman
e Silvestre (2019) dentre outros que se fizeram necessários. Os resultados mostram que a poética de
Leão desnuda a condição da mulher negra enquanto duplamente colonizada, mas que alcança sua
subjetividade por meio da resistência violenta e discursiva.

Palavras-chave: Resistência. Identidade negra. Feminismo negro.

1
Graduada em Letras pela Universidade Estadual de Maringá – UEM. E-mail: jessicarochaf2008@gmail.com
2
Graduada em Letras pela Universidade Estadual de Maringá – UEM.
3
Professora Doutora do DLM e PLE/UEM. E-mail: eafalves@uem.br.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
228
RESIGNIFICAÇÃO DA FORMAÇÃO CONTINUADA ATRAVÉS DE
ESTUDOS VOLTADOS PARA A ÁREA DE CIÊNCIAS DAS
RELIGIÕES INCENTIVAM A INCLUSÃO
Joana d’Arc Araújo Silva1

Resumo: Vários temas relacionados a área de Ciências das Religiões tem estado presentes nas
discussões sociais visto que é preciso valorizar o direito preconizado e normatizado através de
convenções, tratados e legislações. O objetivo do trabalho, fruto da pesquisa do mestrado é contribuir
na reflexão para as futuras práticas de Formação Continuada do professor, propiciando informações
para despertar o interesse para leitura de texto da área das Ciências das Religiões, incentivando-os a
construir um currículo escolar que resgate valores e atitudes para eliminar o preconceito e a
discriminação. A pesquisa bibliográfica, considerou as três etapas da leitura analítica para descrever e
analisar a literatura específica, referendada pelas disciplinas do Curso de Gestão de Políticas Públicas
com foco em Raça e Gênero/UFOP/MG e do Curso de Mestrado de Ciências das Religiões/FUV/ES.
Ambos cursos enfatizaram a educação para a diversidade e suas várias facetas. Através do construto
teórico de pesquisadores renomados, foram selecionadas obras que discutem ou se aproximam do
tema. Existe uma literatura ampla em relação aos assuntos, permitindo realizar uma abordagem de
cunho interdisciplinar, enfatizando a temática da diversidade e suas várias facetas, referendando que,
numa perspectiva futurista, o estabelecimento de ensino da era contemporânea precisa encontrar o
caminho para perceber que novas áreas estão obtendo destaque em seus estudos. Aqui, enfatiza-se a
área de Ciências das Religiões, que busca compreender as relações internas dos grupos religiosos que
estudam o fenômeno religioso de forma plural e interdisciplinar, porque formação continuada na área
de Ciências das Religiões, com foco em relações étnico-raciais ressignificam práticas pedagógicas.

Palavras-chave: Formação Continuada. Pluralidade. Diversidade. Ciências das Religiões.

1
Doutoranda e Mestre em Ciências das Religiões/Faculdade Unida de Vitória/ES. Graduação em
Pedagogia/ICMG. Especialização em Gestão de Políticas Publica/UFOP/MG. Pedagoga. E-mail:
sirana66@yahoo.com.br.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
229
RESISTÊNCIA E DECOLONIALIDADE DE GÊNERO NA NARRATIVA
FÍLMICA “LA TETA ASUSTADA”
Paula Vanalli1
Fabiane Freire França2
Wilma dos Santos Coqueiro3

Resumo: O objetivo desse trabalho consiste em analisar as formas de resistência e decolonialidade de


gênero expressas no filme La Teta Asustada (2009). A narrativa fílmica conta a história de Fausta,
uma mulher peruana de origem quéchua, que sofre da doença conhecida como “teta medrosa”, mal
ligado ao medo e à solidão, transmitido pelo leite materno de mulheres que sofreram abusos e
violências no período do conflito político no Peru. Após a morte súbita de sua mãe, Perpétua, a
personagem se obstina a levar o corpo da matriarca para ser enterrado na província de origem e este
corpo, ao longo do filme, se faz presente no enredo e próximo à Fausta. Em luto pela morte da mãe,
Fausta se depara com a possibilidade de enfrentar seus medos e um segredo é desvelado em seu corpo:
uma batata introduzida na vagina, que representa proteção diante de um mundo mediado, sobretudo,
pela figura masculina e representado para ela como violento e hostil. Para atingir os objetivos
propostos, utilizamos como respaldo teórico as perspectivas decoloniais de gênero e os debates sobre
os conceitos de colonialidade e decolonialidade. A metodologia aplicada no desenvolvimento deste
estudo foi a pesquisa exploratória, mediante os procedimentos técnicos de análise e historicização da
narrativa fílmica, de revisão bibliográfica com base nas teorias citadas e averiguação das imagens e
dos discursos, com ênfase na protagonista Fausta. Dessa maneira, pautaremos reflexões sobre o corpo
como potência de ação no mundo, sobre os aspectos da colonialidade evidenciados na narrativa
fílmica e as expressões da decolonialidade de gênero como formas de resistência, de liberdade e
poder-ser. Inferimos que, na obra fílmica, Fausta vivencia seu corpo como potência motora,
experiência efetiva que envolve ação no mundo. No filme, encena-se a resistência por meio do canto e
da ancestralidade das mulheres quéchuas e expressa a decolonialidade de gênero, com a exaltação de
outros modos culturais de poder-ser e existir, diversos da hegemonia ocidental eurocêntrica.

Palavras-chave: La Teta Asustada. Colonialidade. Resistência. Liberdade.

1
Mestranda do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar Sociedade e Desenvolvimento (PPGSeD), linha de
pesquisa 1 “Formação humana, processos socioculturais e instituições”. Psicóloga da Política de Assistência
Social de Campo Mourão-PR. E-mail: paulavanalli33@gmail.com.
2
Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Maringá (UEM), Maringá, PR. Docente do Colegiado de
Pedagogia e do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar Sociedade e Desenvolvimento (PPGSeD),
Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR), campus de Campo Mourão. E-mail:
fabianefreire@unespar.edu.br.
3
Doutora em Letras/área de concentração em Estudos Literários pela Universidade Estadual de Maringá (UEM),
Maringá, PR. Docente adjunta do colegiado de Letras e do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar
Sociedade e Desenvolvimento (PPGSeD), Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR), campus de Campo
Mourão. E-mail: wilma.coqueiro@ies.unespar.edu.br.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
230
SUBVERSÃO E SEXUALIDADE: UMA LEITURA DE SULA (1973), DE
TONI MORRISON
Ana Maria Soares Zukoski1
André Eduardo Tardivo2

Resumo: O presente trabalho tem por objetivo apresentar uma análise interpretativa do romance Sula,
publicado em 1973 pela escritora estadunidense Toni Morrison. Primeira escritora negra a conquistar o
Nobel de Literatura, Morrison é conhecida por sua extensa produção literária que figura no cenário
internacional, com obras relevantes como Beloved e The Bluest Eye. Tencionando trazer à baila um
romance menos conhecido, focalizaremos em Sula a análise da personagem principal que nomeia a
obra, buscando demonstrar como essa mulher negra empreende mecanismos de subversão à lógica
patriarcal e racista que permeia a sociedade. A protagonista vale-se da resistência psicológica para
gozar da liberdade mental. Outro mecanismo de resistência encontrado é a sexualidade, por meio da
qual ela empreende sua (re)construção subjetiva, fortalecendo suas decisões e blindando-a das
influências sociais. O fato de não se comportar da forma esperada pela óptica social, Sula é
caracterizada com contornos de crueldade, contudo é preciso levar em consideração que a sua
construção levanta diversas questões no que tange a condição da mulher negra livre, permitindo que
os/as leitores/as conheçam sua trajetória e construam uma nova visão sobre ela, compreendendo que
suas atitudes refletem a luta de uma mulher negra que busca a liberdade em suas heterogêneas facetas.
O trabalho será assentado nos pressupostos teóricos do Feminismo Negro e da Literatura Negra, com
pesquisadores/as como Bonnici (2007, 2009); Campos (1992); Morrison (2021); Telles (1992);
Touraine (2010), entre outros/as.

Palavras-chave: Representação feminina negra. Literatura de autoria feminina negra. Sula. Toni
Morrison.

1
Doutoranda e Mestra em Letras: Estudos Literário pela Universidade Estadual de Maringá – UEM. E-mail:
anazukoski@gmail.com.
2
Doutorando e Mestre em Letras: Estudos Literário pela Universidade Estadual de Maringá – UEM. E-mail:
tardivo.andre@gmail.com.

Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022


231
TECENDO OS FIOS DA MEMÓRIA INDÍGENA: UMA PROPOSTA DE
CÍRCULO DE LEITURA COM CONTOS DE DANIEL MUNDURUKU
Maria Jayline Pereira da Silva1
Karintya Évillyn Xavier Ramalho 2
Raurislandia dos Santos Pereira 3

Resumo: A figura do indígena na literatura infantojuvenil brasileira foi construída


predominantemente de forma estereotipada, excludente e romantizada, tendo em vista as heranças e
opressões ocasionadas pelo passado colonialista. Nesse sentido, a presente pesquisa busca contribuir
com a formação leitora e com o resgate da memória indígena por meio dos contos “Do mundo do
centro da Terra ao mundo de cima” e “O roubo do fogo”, do escritor Daniel Munduruku, em turmas do
7º ano do Ensino Fundamental. Ademais, objetiva ainda debater sobre a importância da literatura
infantojuvenil de autoria indígena na formação de leitores críticos e conscientes das questões
étnicas, bem como discutir como emerge a representatividade dos povos indígenas na escrita de Daniel
Munduruku e, por fim, elaborar um círculo de leitura com base nos contos supracitados em turmas do
7º ano do Ensino Fundamental. A metodologia compreende uma pesquisa aplicável, de procedimento
técnico bibliográfico e abordagem qualitativa, pautada nos estudos de Almeida (2004), Munduruku
(2021), Cosson (2021), entre outros. Almejamos, assim, contribuir para a formação de leitores de
literatura indígena e que esta seja uma prática efetiva na sala de aula, de modo a propagar um ensino
descolonial de saberes, que protagonize os lugares sociais dos povos que estão à margem da sociedade
e invisibilizados pelo sistema eurocêntrico.

Palavras-chave: Formação de leitores. Literatura indígena. Infantojuvenil. Munduruku.

1
Graduada em Letras- Língua Portuguesa pela Universidade Federal de Campina Grande
mjayline318@gmail.com.
2
Graduada em Letras- Língua Portuguesa pela Universidade Federal de Campina Grande
karintya.bsf@hotmail.com.
3
Graduanda em História pela Universidade Federal de Campina Grande
raurislandia.santos@estudante.ufcg.edu.br.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
232
TEMPESTADE, O PROTAGONISMO DA HEROÍNA NEGRA NAS HQs
DE X-MEN DA MARVEL COMICS
Sasuke Ribeiro de Almeida1

Resumo: O tema desta pesquisa está voltado para a representação da mulher negra como protagonista
Super-heroína nos quadrinhos. Buscamos compreender como tem ocorrido a visibilidade da mulher
negra, e o seu lugar de fala e o processo da construção identitária, pois os protagonistas nos
quadrinhos anteriormente eram voltados na sua grande maioria para os super-heróis com estereótipos
relativamente masculinos, brancos, com físicos musculosos dotados de superpoderes, e as personagens
femininas geralmente eram vistas como moças indefesas, ou desempenhando o papel de coadjuvante.
Neste sentido esta pesquisa tem por objetivo, por meio do olhar analítico-reflexivo, compreendermos
como tem ocorrido o processo identitário da mulher negra como protagonista nas HQs de X-Men e a
representação de estereótipos. Especificamente analisaremos a personagem Tempestade Ororo
Munroe e sua trajetória nas HQs de X-Men da Marvel Comics, bem como a valorização da cultura
Africana de sua origem e aspectos socioculturais da personagem. O procedimento metodológico
utilizado nesta pesquisa está sendo por meio de um levantamento das principais HQs de X-Men do
Universo Marvel Comics que destacam a heroína Tempestade, dando início com a Giant-Size X-Men
n° 1 maio de 1975, que foi reconhecida como a primeira aparição da personagem, em seguida a HQ
solo Tempestade (Storm) dos X-Men de (2014), e posteriormente uma das mais atuais intitulada
Carrascos Marauders de (2019), para que possamos analisar o seu percurso como Heroína negra e o
desenvolvimento da narrativa. Constando também o levantamento teórico bibliográfico de artigos
científicos e livros que abordam o tema proposto pela pesquisa. Por tanto a pesquisa terá respaldo
teórico em Hall (2006), Dalcastagné (2012), Abranches (2007), Wense (2015), Quiangala (2017),
Dalbeto; Oliveira (2016) entre outros(as). Destacamos a priori os principais resultados alcançados, no
que nos possibilitou compreendermos a origem da criação da personagem Tempestade, que foi criada
pelo roteirista Len Wein e pelo desenhista Dave Cockrum, a princípio Cockrum havia idealizado para
um personagem que controla o tempo, em seus conceitos seria um personagem masculino. Houve a
mudança, quando observaram que a grande maioria das personagens femininas, estavam atreladas com
habilidades de felinas, assim criaram uma personagem diferente com poderes de alto nível e de origem
Africana. Sobre a personagem Ororo Munroe, ela é filha de uma princesa tribal do Quênia da África
Oriental, espécie mutante nível ômega, sua ocupação é rainha de Wakanda. Em virtude que a pesquisa
está em seu processo inicial, doravante estaremos dando seguimento para cumprir com os objetivos
propostos.

Palavras-chave: Super-Heroína negra. Identidade. Estereótipos. Quadrinhos.

1
Bacharel em Geografia - UNESPAR. Especialista em Estudos Literários -UNESPAR. Graduando em Letras
Língua Portuguesa e Espanhol - IBRA/FABRAS. Escritor/quadrinista, Prof. de Literatura ENCCEJA no Canal
Conquiste seus Sonhos (youtube). planetsasuke0@gmail.com.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
233
THE FOUNDING MOTHER: UMA INTRODUÇÃO À PHILLIS
WHEATLEY, A ESCRAVIZADA QUE PUBLICOU UM LIVRO
Adrian Clarindo1

Resumo: Lançamos aqui uma introdução à obra e à figura de Phillis Wheatley (1753-1784), primeira
mulher escravizada a ter um livro publicado nos Estados Unidos da América, trazendo como
argumento uma discussão acerca da crítica sobre a autora e as possibilidades de interpretação e de
tradução de seus versos. Atemo-nos a questões de silenciamentos impostos, discursos possíveis à
época e situação da obra de 1773, que tem por nome completo Poems on Various Subjects, Religious
and Moral by Phillis Wheatley, Negro Servant to Mr. John Wheatley, of Boston, in New England.
Phillis Wheatley é tida muitas vezes como aquela que teve a chance de ser ouvida, mas não disse o
suficiente, não denunciou o bastante a condição da escravidão, além de ter mantido uma visão
eurocêntrica, e até mesmo que sofreu da síndrome de Uncle Tom. Novas biografias e novos estudos
sobre a poeta nos trazem mais luz sobre sua vida e abrem possibilidades de exegese para certa ironia e
a escapes poéticos que Wheatley usou para criticar e criar reflexão sobre as próprias circunstâncias.
Notamos que o suposto silêncio de Phillis é diferente. É falado. É colocado como ruído numa questão
bakhtiniana: Bakhtin (2003) clama que há vários gêneros de discurso e lançamos mão deles
dependendo da ordem do momento. Se assim o fazemos, silenciamos certos discursos quando usamos
de outro. Aí existe o silêncio falado que tanto se apregoa em grupos subalternos. A não fala do
oprimido nem sempre é a falta de voz, mas, sim, muita voz: só não se fala o que quer dizer. Como o
canto dos pássaros engaiolados que podem muito esconder um lamento, Phillis Wheatley parece ter
usado de sua poesia para ironizar e criticar, de forma velada, algo que leituras atentas e buscas através
de sua biografia podem desvelar.

Palavras-chave: Phillis Wheatley. Escravidão. EUA. Tradução. Silenciamento.

1
Doutorando em Estudos Linguísticos e Literários em Inglês (USP). E-mail: adrianclarindo@usp.br.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
234
UM OLHAR PARA O RACISMO NA ESCOLA: SILENCIAMENTO E
MANUTENÇÃO DO RACISMO ESTRUTURAL
Francielle Carvalho da Mota1
Mirielly Ferraça2

Resumo: O presente trabalho tem como objeto analisar notícias (publicadas nos sites O Globo, G1 e
Portal Rap Mais) referentes a um episódio de racismo acometido a uma criança de cinco anos. Caso
ocorrido em escola particular na cidade de São Paulo no dia 16 de setembro de 2022, fato repercutido
na mídia dias após o ocorrido. A análise desse conjunto de notícias permite também refletir sobre as
ausências que constituem a prática educacional, como o fato de não sermos apresentados, desde o
início de nosso percurso escolar, a autoras e a autores negros, além da falta de representações mais
diversas que extrapolem e não restrinjam a população negra ao período de escravização. Ainda que
tenhamos ações afirmativas de “inclusão”, a grande maioria da população negra brasileira é alvo
constante e diário de preconceito racial, dando-se, muitas vezes, de forma escancarada e naturalizada,
com seu início ainda prematuro nas escolas, tendo crianças como partida desse racismo estrutural.
Como referencial teórico, parte-se da obra Pequeno Manual Antirracista, publicada em 2019, escrita
por Djamila Ribeiro, que permite discutir sobre a importância de um posicionamento antirracista nas
escolas, incluindo nesse debate sujeitos brancos. Lélia Gonzalez também figura como autora
fundamental para compreender o funcionamento do racismo no Brasil. Bethania Mariani, autora
pertencente à Análise do Discurso, contribui para refletir sobre o funcionamento do discurso
jornalístico. Essas autoras permitem, portanto, compreender como o racismo estrutural afeta de forma
significativa o crescimento pessoal dos sujeitos, seu impacto na formação escolar de crianças e
adolescentes e na construção da sociedade. Na busca por caminhos possíveis, espera-se que com esta
pesquisa possamos trazer reflexões importantes para a promoção de uma educação antirracista num
país que foi um dos últimos a abolir a escravatura, e que permanece promovendo exclusão, violência e
silenciamentos.

Palavras-chave: Discurso jornalístico. Educação. Antirracismo. Representação/Identidade.

1
Graduação. Graduanda de Letras na Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste- campus Cascavel).
E-mail: francielle.mota@unioeste.br.
2
Doutora. Docente do curso de Letras na Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste- campus
Cascavel). E-mail: mirielly.ferraca@unioeste.br.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
235
UM QUILOMBO NO LEBLON (2011): LEITURAS DE NARRATIVAS
HÍBRIDAS JUVENIS NA FORMAÇÃO LEITORA DA EDUCAÇÃO
BÁSICA COMO VIAS DA DECOLONIALIDADE
Rosângela Margarete Scopel da Silva 1
Carla Cristiane Saldanha Fant 2

Resumo: O presente trabalho propõe uma análise da narrativa juvenil Um Quilombo no Leblon
(2011), de Luciana Sandroni, enquanto produção literária híbrida de história e ficção voltada à
ressignificação do passado pelas vias da arte literária, adequando-se às características do denominado
romance histórico contemporâneo de mediação. Tal proposta objetiva demonstrar, tendo como recorte
o contexto da escravidão, como a literatura juvenil, principalmente a produção contemporânea, acresce
representatividade às classes marginalizadas, muitas vezes apagadas dos registros históricos oficiais e
tratadas pejorativamente como minorias. Levando em conta as considerações de Candido (1995), para
quem a fabulação é um direito, buscamos mostrar o papel da literatura na formação leitora junto aos
professores da Educação Básica. Neste processo de leitura literária, destacam-se obras juvenis híbridas
voltadas ao contexto do Brasil Império, mais especificamente aquelas que se referem à resistência
negra, às fugas para os quilombos, de modo a destacar figuras invisibilizadas pela historiografia
tradicional, dando foco às vozes ex(cêntricas), a partir de uma perspectiva vista de baixo. Respaldamo-
nos, nesta análise, em teóricos que problematizam sobre a necessidade de descolonização do
pensamento pelas vias da decolonialidade, como Pallermo (2018), Candido (1995), Fleck (2017),
Lopez e Santos (2021), Luft (2010), Sharpe (1992) e Weinberg (2004). Os resultados demonstram que
muitas narrativas ficcionais juvenis contemporâneas corroboram as reflexões sobre a não neutralidade
de discursos, os quais circulam e expressam o jogo de poder com relação à hegemonia europeia, à
colonização e ao sistema escravista, apontados por Fleck (2017) como inerentes ao romance histórico
contemporâneo de mediação. Tais elementos podem, assim, apontar para vias de descolonização na
formação leitora da Educação Básica.

Palavras-chave: Narrativa Histórica Juvenil. Brasil Império. Formação de Professores.

1
Doutoranda em Letras pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná, UNIOESTE, Campus Cascavel.
Docente do Colégio Estadual Doze de Novembro, Realeza-PR. E-mail: rosangela.margarete@hotmail.com.br.
2 Doutoranda em Letras pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná, UNIOESTE, Campus Cascavel.

Docente do Colégio Estadual Jardim Clarito, Cascavel-PR. E-mail: ccsfant@gmail.com.


Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
236
UMA ANÁLISE SOB O VIÉS FEMINISTA PÓS-COLONIAL DO
ROMANCE THE UNDERGROUND RAILROAD: OS CAMINHOS PARA A
LIBERDADE
Lara Batista Rosa1

Resumo: A arte tem a capacidade de nos fazer experienciar e sentir aquilo que nossa realidade muitas
vezes não permite. Através dela é possível entrar em contato com vivências diferentes e encarar
contextos histórico-sociais que divergem do que os leitores/telespectadores experienciam no mundo
real, e isso não seria possível de outra forma senão por meio dela. Fundamentada nos pressupostos de
Bahri (2013), Davis (1989) e hooks (2000), a presente pesquisa tem como principal objetivo refletir
sobre como as personagens femininas são retratadas no romance de Colson Whitehead, The
Underground Railroad: Os Caminhos para a Liberdade (2016), que se passa em meados do século
XIX, antes da guerra pelos direitos civis nos Estados Unidos. O enredo da obra gira em torno da
história de fuga da personagem Cora de uma plantação no estado da Geórgia e que é perseguida por
um implacável caçador de escravos. Ao migrar por seis estados norte-americanos, a personagem passa
por locais que aparentemente são tolerantes, mas que na verdade estão interessados na esterilização
das mulheres negras para o embranquecimento da população e em outros tipos de experimentos com
corpos negros. Locais nos quais o racismo é elevado à máxima potência e brancos são enforcados por
ajudar negros, lugares que a fazem perceber que não possui controle sobre sua própria história. Cora
também sofre as consequências da fuga de sua mãe, Mabel, que supostamente a abandonou quando
criança, e nunca foi capturada. A análise foi realizada sob o viés feminista pós-colonial, considerando
como todo o contexto histórico-social em que as personagens estão inseridas e a intersecção entre raça,
classe e gênero, interferem na construção de suas narrativas que nem mesmo as tem como agentes. O
resultado da análise mostra como o feminismo e o pós-colonialismo são vertentes de estudos que não
podem se desprender uma da outra. Ademais, mostra como as histórias de mulheres, que se passam no
século XIX, fazem paralelos com os dias de hoje, tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil, visto que
são países que perpetuaram e de certa forma ainda perpetuam, econômica e culturalmente, a exclusão
do sujeito negro.

Palavras-chave: Literatura. Pós-colonialismo. Feminismo. Interseccionalidade.

1
Mestranda em Estudos Literários pela Universidade Estadual de Maringá - UEM. E-mail:
larabatista137@gmail.com.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
237
“UMA EXPERIÊNCIA PRIVADA”: REALIDADES DIVERSAS X
SORORIDADE
Neusa Maria Soares Zukoski1

Resumo: O conto “Uma experiência privada”, faz parte de uma coletânea de contos do livro No seu
pescoço, de autoria de Chimamanda Ngozi Adichie, autora nigeriana e feminista autodeclarada. A
história revela o abismo cultural, social, histórico e religioso entre as protagonistas da história, que se
conhecem em meio a uma onda de violência de natureza religiosa e juntas se refugiam em um local
relativamente seguro até que o perigo cesse. O momento compartilhado entre as duas delineia uma
relação que, naturalmente em outro contexto, não aconteceria. Chika uma mulher aparentemente mais
jovem, rica, cristã igbo, estudante de medicina, em visita a Kano pela primeira vez a convite de sua tia,
enquanto estava no mercado ouviu o tumultuo causado pela onda de violência dos muçulmanos hausa
contra os cristãos igbos. Uma muçulmana hausa ajudou-a, guiando até uma loja abandonada para que
esperassem ali até o conflito passar. A mulher mãe de cinco filhos, mais velha, pobre e vendedora de
cebolas compartilha momentos de diálogos íntimos com Chika, que em diversos momentos se
questiona sobre o conhecimento, as condições históricas e sobre a vida de sua companheira. Adichie
delimita com delicadeza o diálogo entre as duas mulheres, evidenciando a distância social e histórica
entre dois importantes povos nigerianos, assim como a união de duas mulheres, preocupadas com seus
familiares: Chika com sua irmã Nnedi e a mulher com sua filha mais velha Halima.
Inconscientemente, ao saber que Chika é estudante de medicina, a mulher confiou sua vulnerabilidade
solicitando ajuda ao mamilo que ardia devido à amamentação de seu filho mais novo, coisa que era
novidade para a mesma, pois não aconteceu na amamentação de seus outros quatro filhos. Quando
Chika fere sua perna em uma tentativa frustrada de voltar ao mercado procurar por Nnedi, retornando
a loja abandonada, a mulher a ajuda, estancando o sangramento com seu lenço, símbolo religioso
muçulmano. O resultado desta experiência privada é evidenciado por Adichie com o questionamento
de Chika ao noticiário que descreve os mulçumanos hausa do norte como historicamente agressivos
com os cristãos igbos. Embasando a análise das protagonistas, utilizei Azevedo (1987) e Oliveira
(2020) para evidenciar como a sororidade as uniu e ultrapassou a distância social, histórica e religiosa
diante o perigo eminente, demonstrando com sutileza como os conflitos e as opressões as afetavam de
maneiras distintas.

Palavras-chave: Literatura feminina negra. Chimamanda Ngozi Adichie. Sororidade.

1Especialista em Neuropedagogia na Educação. Graduada em Pedagogia pela Unespar/Campo Mourão. E-mail:


neusa.zukoski@edu.umuarama.pr.gov.br.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
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“VEM PRA SELVA, VEM!” – A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE NO
COMPLEXO DA PENHA A PARTIR DO FUNK
Artur Vinícius Amaro dos Santos1

Resumo: Constantemente as favelas cariocas estampam as páginas de jornal mostrando como a


violência do Estado atravessa esses territórios. Ao mostrar o quão letais são as operações policiais, fica
evidente a existência de uma Necropolítica (MBEMBE, 2018) em vigor nesses territórios. De
diferentes formas essa política decide quais vidas podem ou não viver, quais delas são importantes.
Descrito em Foucalt (1979) como Biopoder, essa forma de governo atual principalmente usando da
violência e põe a Máquina de Guerra (o Caveirão da PMERJ) nas ruas para matar e cruzas favelas
impondo um controle não apenas dos espaços, mas também dos trânsitos dos corpos são ficam
limitado em sua presença. Além disso, o Biopoder impõe uma disciplina de comportamento e trânsitos
desses corpos periféricos, quando não oferece oportunidades de educação e cultura, mas também pela
limitação de transporte desses indivíduos para espaços além dos locais de trabalho. Na contramão
dessa política é possível perceber o Funk como uma potência artística que dialoga com o cenário
político e social da cidade o tempo todo, enfrentando essa morte que atravessa a favela o tempo todo.
Com um ritmo em constate aceleração, o funk caminha junto da velocidade em que a cidade vai se
transformando – do 150BPM que se tornou tendência após a ocupação do exército sair do Complexo
da Maré, aos atuais 190BPM, ouvidos nos bailes em 2022, após as chacinas do Jacarezinho e do
Complexo da Penha, respectivamente a primeira e a segunda mais letais da história do Rio de Janeiro.
Além disso, a linguagem explicita narra o contato desses corpos sobreviventes e a partir desse sexo
estabelecem uma relação com seus territórios, sendo atravessados pelo ritmo agressivo e acelerado, tal
qual a violência atravessa esses espaços. A partir dessa relação de linguagem e ritmo, dentro da grande
festa que é o baile, se constrói no funk, e também no baile, identidades que estão diretamente ligadas
ao território onde são produzidos esses ritmos e essas festas. Essa identidade se estabelece pela relação
entre o ritmo loca, pela linguagem e, sobretudo, pela descrição do deslocamento nesses territórios que
mostra como eles são ocupados e coloca essas favelas na cartografia da cidade. Pretendo aqui observar
algumas canções produzidas no âmbito do Complexo da Penha para pensar como esse discurso da
identidade que está ligada ao território se constrói, mostrando as descrições dos espaços, o ritmo que
acelera, a forma como a violência aparece e as estratégias de sobrevivência, quase sempre ligadas a
um erotismo (BATAILLE, 1987) desses corpos em performances sexuais. É importante pensar que
essas relações acontecem entre corpos que ocupam os mesmos espaços que outrora o Caveirão, como
na Chacina em 24 de maio de 2022, passou e deixou um rastro de morte. Assim, o funk constrói, junto
com o baile, formas de transgredir a ordem natural de uma moral ou de silêncio urbano, mas também
mostra como as vidas existem, ocupam, se deslocam e resistem ao Biopoder nesses territórios que
impede que essas identidades existem.
Palavras-chave: Funk Carioca. Identidade. Território. Biopoder.

1
Mestrando em Letras: Ciência da Literatura pelo Programa de Pós-graduação em Ciência da Literatura da
UFRJ. Bolsista Mestrado FAPERJ Nota 10. E-mail: arturvinicius@letras.ufrj.br.
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A IMPORTÂNCIA DO FEMINISMO NEGRO PARA A
1DESCONSTRUÇÃO DO RACISMO ESTRUTURAL

Lucas Alexandre de Lima1

Resumo: Entre 2006 e 2014, a população feminina nos presídios aumentou em 567,4%, ao passo que
a média de aumento da população masculina foi de 220% no mesmo período. Sendo a quinta maior
população de mulheres encarceradas do mundo, ficando atrás apenas de Estados Unidos (205.400
mulheres presas), China (103.766), Rússia (53.304) e Tailândia (44.751), 50% dessa população têm
entre 18 e 29 anos e 67% são negras, ou seja, duas em cada três mulheres presas são negras. E quando
olhamos os índices de violência contra mulheres negras, dados do 15º Anuário Brasileiro de Segurança
Pública apontam que duas em cada três vítimas de feminicídio em 2020 são mulheres negras, o que
representa 61,8% das mortes. Conforme aponta Vilma Reis (2005), “nas narrativas da casa grande, as
mulheres negras são originárias de famílias desorganizadas, anômicas, separadas entre integradas e
desintegradas, estando todas essas definições numa referência das famílias brancas e, por
consequência, as famílias negras são discursivamente apresentadas como produtoras de futuras
gerações de delinquentes”. O racismo estrutural afeta diretamente as mulheres negras, e por isso é
importante traçar essa relação, bem como a importância de se discutir machismo e racismo, na
perspectiva de que um não existe sem outro. Logo, enquanto mulheres negras não forem representadas
nessa discussão, o racismo estrutural jamais acabará.

Palavras-chaves: Feminismo Negro. Racismo Estrutural. Encarceramento.

1
Graduado em História pela Unespar/Campus de Campo Mourão. E-mail:
lucas.lima.26@estudante.unespar.edu.br.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
241
ABAYOMI - ANCESTRALIDADE E REPRESENTATIVIDADE NEGRA

Tatiana da Silva Gonçalves1

Resumo: Temos o intuito de unir o conhecimento da história negra apagada e embranquecida numa
única finalidade: o empoderamento da identidade negra para resistência e ativismo. Uma das suas
relevâncias é atender a Lei 10.639/03, alterada pela Lei 11.645/08, que torna obrigatório o ensino de
História e Cultura Afro-Brasileira e Africana em todas as escolas públicas e particulares do ensino
fundamental até o ensino médio. Percebe-se que o cabelo crespo é um dos argumentos usados para
retirar o negro do lugar da beleza e que o fato de a sociedade brasileira insistir tanto em negar aos
negros e às negras o direito de serem vistos como belos expressa, na realidade, o quanto esse grupo e
sua expressão estética possuem um lugar de destaque na nossa constituição histórica e cultural. O
negro é o ponto de referência para a construção da alteridade em nossa sociedade, sendo referência
também para a construção da identidade do branco. Juntamente com o indígena, o negro concretiza a
nossa sociedade, a nossa cultura, as nossas relações sociais, políticas e econômicas. Tendo isso em
vista, nessa oficina, em um primeiro momento, aborda-se dados de Ancestralidade Negra, representada
na resistência de mulheres negras em navios negreiros, na história da resistência negra brasileira e na
valorização da estética na sociedade americana posterior ao Movimento Estadunidense dos Panteras
Negras e como esta refletiu no Brasil em meados da década de 70. Também, dá-se relevância à
representatividade nas diversas mídias existentes como desenhos, super-heróis etc e, por fim, é
realizada a confecção da Boneca Abayomi, gerando um objeto concreto feito pelos participantes da
atividade.

Palavras-chaves: Boneca Abayomi. Representatividade negra. História e Cultura Afro-Brasileira.

1
Graduada em Química Licenciatura e Bacharel com Atribuições Tecnológicas e graduanda de Engenharia
Ambiental pela UTFPR - Campo Mourão. E-mail: tatipsique@gmail.com.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
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ANCESTRALIDADE E IDENTIDADE NEGRA NA LITERATURA
INFANTOJUVENIL AFROFEMININA: O
AUTORRECONHECIMENTO EM AS TRANÇAS DE BINTOU (2004)
Dhéssica Caroline Fogaça1
Thais Martins do Nascimento2

Resumo: A literatura, dentre muitas outras funções, atua como forma de o ser humano se reconhecer
no mundo, revelando sua individualidade, dores e alegrias, além de sua cultura e sua história,
proporcionando, assim, de maneira sutil e despretensiosa a identificação pessoal de cada leitor com o
que ele lê. Nesse sentido, a literatura infantojuvenil, destinada ao público jovem, pode ser usada como
uma forma de educação no contexto escolar, de maneira que as crianças e os adolescentes, sobretudo
negros, se reconheçam no mundo por meio da literatura, formando e compreendendo sua própria
identidade. Partindo disso, no contexto de validação das culturas de origem africanas e afro-brasileiras,
apagadas por séculos de escravidão e silenciamentos da história oficial e da literatura canônica, esta
oficina objetiva, por meio da obra infantojuvenil As Tranças de Bintou (2004), de Sylviane Anna
Diouf, abordar as questões de raça/etnia, pertencimento cultural e identidade negra, que são
simbolicamente tratadas pela autora, de modo a estabelecer conexões entre a afro-ancestralidade e a
importância do cabelo como ponto de autorreconhecimento, empoderamento e subjetivação do negro.
Para isso, em um primeiro momento, faremos uma leitura da obra tematizada nas ilustrações que o
próprio livro apresenta e discutiremos as temáticas centrais de etnia, cabelo, família e autoestima, de
forma que os estudantes possam falar suas impressões acerca da obra e os respectivos assuntos em
torno dela. Buscando reiterar a importância das representações de etnia, cabelo e ancestralidade, como
formas de afirmação da identidade afro, será exibido o curta-metragem ganhador do Oscar de 2019,
Amor ao cabelo (2019), de Matthew A. Cherry, para sintetizar as discussões através de um recurso
imagético e sonoro.

Palavras-chave: Cultura afro. Literatura Infantojuvenil. Autoria afrofeminina. Identidade Negra.

1
Mestranda em Letras/Área de concentração em Estudos Literários pela Universidade Estadual de Maringá
(UEM) e graduada em Letras Português e Inglês pela Universidade Estadual do Paraná – UNESPAR –/campus
de Campo Mourão. E-mail: carolfogaca7@gmail.com.
2
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Sociedade e Desenvolvimento (PPGSeD) pela Universidade
Estadual do Paraná – UNESPAR –/campus de Campo Mourão e graduada em Letras Português e Inglês pela
mesma instituição. Bolsista de mestrado pela Capes. E-mail: thais.martins.nascimento1997@gmail.com.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
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ENTENDENDO O SISTEMA PENAL PARA CONSOLIDAÇÃO DO
RACISMO ESTRUTURAL NO BRASIL
Eduarda Nunes de Oliveira1
Lucas Alexandre de Lima2

Resumo: A superlotação das unidades prisionais no Brasil é um tópico muito abordado por diversos
pesquisadores, posto que é notório que o Brasil é um dos países que mais encarcera no mundo, sendo a
terceira maior população carcerária no mundo. Com efeito, 70% dessa população é negra segundo o
sistema de Informações Penitenciárias. O Sistema de Justiça Criminal tem profunda conexão com o
racismo, pois o funcionamento de suas engrenagens é perpassado por essa estrutura de opressão, tendo
em vista o aparato reordenado para garantir a manutenção do racismo e, portanto, das desigualdades
baseadas na hierarquização racial. Logo, além da privação de liberdade, ser encarcerado significa a
negação de uma série de direitos e uma situação de aprofundamento de vulnerabilidades. Tanto o
cárcere quanto o pós-encarceramento significam a morte social desses indivíduos negros e negras que,
dificilmente, por conta do estigma social, terão restituído o seu status, já maculado pela opressão racial
em todos os campos da vida, de cidadania ou possibilidade de alcançá-la. Segundo Borges (2019) essa
é uma das instituições mais fundamentais no processo de genocídio contra a população negra em curso
no país. Tendo em vista essas considerações, essa oficina tem por objetivo discutir esse sistema de
forma a entender esse processo de dominação seletiva praticada pelo Estado através de políticas
públicas e alterações legislativas para a repressão e punição de condutas criminosas, fazendo a seleção
do método punitivo de acordo com o autor do delito, concluindo, assim, que a prisão é utilizada como
um sistema de dominação de classes, em especial da população negra.

Palavras-chave: Sistema Penal. Encarceramento. Racismo Estrutural.

1
Eduarda Nunes de Oliveira, bacharela em Direito pelo Centro Universitário Integrado de Campo Mourão. E-
mail: eduardanunesdeoliveira@outlook.com.
2
Graduando em História pela Universidade Estadual do Paraná campus Campo Mourão, membro do Grupo de
Estudo e Pesquisa em Educação, Diversidade e Cultura – GEPEDIC. E-mail:
lucas.lima.26@estudante.unespar.edu.br.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
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O CONTO AFROFEMININO EM SALA DE AULA: O
PROTAGONISMO DE CONCEIÇÃO EVARISTO E CRISTIANE
SOBRAL
Natacha dos Santos Esteves1
Wilma dos Santos Coqueiro2

Resumo: A presente oficina literária, a ser ministrada em formato presencial, objetiva apresentar o
protagonismo feminino negro em obras afrocentradas, mostrando como as vivências das personagens
de Conceição Evaristo e Cristiane Sobral são tangenciadas pela interseccionalidade, destacando a
violência física e discursiva que sofrem e a discriminação a nível racial e de gênero. Para tanto, dois
contos, um de cada autora, serão trabalhados com os alunos, sendo eles: Maria (2020), de Conceição
Evaristo e O tapete voador, de Cristiane Sobral. De forma geral, no conto Maria, temos uma
personagem afro-brasileira, que trabalha como emprega doméstica e sobrevive de forma escassa. O
conto destaca a violência ao qual essa mulher é submetida, sendo completamente desumanizada pela
sociedade. Em O tapete voador, somo apresentados a uma jovem negra chamada Bárbara que se
recusa a não se ver enquanto uma mulher negra. Aconselhada a performar dentro da branquitude, a
personagem decide romper com status quo que ditava qual era o destino dos negros. Assim, a
abordagem da oficina consistirá em uma leitura interpretativa, destacando aspectos formais e
conteudísticos dos contos, dando ênfase no fato de que, mesmo aparentando ser narrativas tão
diferentes, os contos mantêm uma forte relação intertextual.

Palavras-chave: Afrocentrismo feminino. Conceição Evaristo. Cristiane Sobral. Interseccionalidade.

1
Mestranda em Estudos Literários na Universidade Estadual de Maringá - UEM. E-mail:
natachaestevescm@gmail.com.
2
Doutora em Estudos Literários. Docente adjunta do colegiado de Letras e do Programa de Pós Graduação em
Sociedade e Desenvolvimento (PPGSeD) da UNESPAR/campus de Campo Mourão. E-mail:
wilma.coqueiro@ies.unespar.edu.br.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
245
O RAP EM SALA DE AULA - RACIONAIS MC’s E IDENTIDADE
NEGRA

Kevin Silva Santos Conceição1

Resumo: Esta oficina terá o objetivo de desenvolver junto aos educandos da educação básica a
compreensão de identidades culturais negras através da música, mais especificamente o rap. Para isso,
faremos a escuta e análise de diversas músicas do álbum “Sobrevivendo no Inferno”, do grupo
Racionais MC’s. Esse grupo musical, sem dúvidas, pode ser considerado o maior grupo de rap do
Brasil. Foi responsável por mudanças significativas na estrutura musical brasileira, que perpassou,
principalmente, a construção de uma representação contra-hegemônica do homem negro. Este
movimento, realizado por Mano Brown, KL Jay, Ice Blue e Edi Rock, impactou imensamente a forma
como o homem negro vê a si mesmo, possibilitando uma análise complexa para além da simples
polaridade binária entre vítima da sociedade e de criminoso natural. Através da discussão da obra do
grupo, esperamos auxiliar os/as alunos/as a compreenderem suas próprias identidades e,
principalmente, a contribuição da cultura e da História afro-brasileira para a construção de nossa
sociedade e das nossas diversas subjetividades, na perspectiva da Lei 10.639 de 2003.

Palavras-chaves: História Afro-brasileira; Rap; Racionais MC’s; Identidade Negra.

1 Doutorando em História Cultural na Universidade Estadual de Maringá e mestre em História Política pela
Universidade Estadual de Maringá. Professor Colaborador na Unespar/Campus de Campo Mourão. E-mail:
prof.kevcon@gmail.com.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
246
PANORAMAS E DISCUSSÕES SOBRE A LITERATURA ESCRITA
POR MULHERES NEGRAS
Ana Maria Soares Zukoski1
André Eduardo Tardivo2

Resumo: A presente oficina tem por objetivo apresentar um panorama acerca da produção literária de
autoria feminina negra, buscando promover discussões e reflexões sobre a escrita de mulheres negras.
A escolha por esse recorte é motivada pela dupla marginalização que acompanha as trajetórias das
autoras negras, marcadas negativamente pelo gênero e também pela raça, fato que dificulta a inserção
de suas produções na seara literária. É necessário, portanto, lançar luzes em suas produções, a fim de
buscar resgatar essas vozes silenciadas e relegadas ao limbo literário, além de promover debates
quanto as qualidades estéticas e literárias que essas produções possuem. Quanto aos procedimentos
metodológicos, a oficina será ministrada de forma remota/online e dividida em duas etapas. A
primeira, de cunho mais teórico, contará com uma apresentação de um breve panorama acerca da
produção feminina negra nas mais diversificadas searas literárias. Já a segunda etapa, abarcará uma
reunião de textos e excertos de obras literárias de autoria feminina negra, a partir dos quais serão
realizadas discussões e análises interpretativas, focalizando as principais temáticas relacionadas à
condição feminina negra. A oficina abrigará os/as interessados/as em literaturas de maiorias
minorizadas com foco na literatura de autoria feminina negra, feminismo negro e interseccional, entre
outras questões que orbitem essas problemáticas.

Palavras-chave: Literatura de autoria feminina negra. Interseccionalidade. Escrita e resistência.

1
Doutoranda e Mestra em Letras: Estudos Literários pela Universidade Estadual de Maringá - UEM. E-mail:
anazukoski@gmail.com.
2
Doutorando e Mestre em Letras: Estudos Literários pela Universidade Estadual de Maringá - UEM. E-mail:
tardivo.andre@gmail.com.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
247
REPRESENTAÇÕES DO QUEER NEGRO NA LITERATURA: VOZES
INTERSECCIONAIS

Natacha dos Santos Esteves1


Fernanda Favaro Bortoletto2

Resumo: Esta oficina almeja apresentar algumas representações e considerações acerca do queer
negro na literatura, evidenciando e analisando a interseccionalidade que permeia e constitui o sujeito
queer negro. Com efeito, busca-se propiciar uma maior visibilidade a esse grupo que, conforme afirma
Richard Miskolci (2017), é o abjeto do movimento LGBTQIA+ e das sociedades em suas totalidades.
Na contemporaneidade, dado os esforços dos Estudos Culturais e da Crítica Feminista Negra desde a
década de 1960, muitas narrativas proeminentes desse grupo vêm sendo [re]descobertas e muitas têm
conquistado espaço no mercado editorial, seja ele infanto-juvenil e/ou adulto. Em vista da emergência
em romper com a condição de objeta da literatura queer negra, nesta oficina serão analisadas duas
narrativas queer com protagonistas negros, mostrando como as opressões de raça, classe e gênero
interlaçam-se e intensificam o processo de aceitação desses personagens, bem como a inserção desses
indivíduos na sociedade à qual pertencem. No que tange ao procedimento metodológico, a oficina será
via remota/online, na plataforma Google Meet. Ela será dividida em duas partes, visto que serão
trabalhadas duas obras literárias. A oficina se destina para todos/as que desejam conhecer/estudar a
Literatura de autoria negra contemporânea, cuja narrativa apresenta questões oriundas da Teoria Queer
e da Interseccionalidade.

Palavras-chave: Interseccionalidade. Literatura de autoria negra. Queer negro.

1
Mestranda. Universidade Estadual de Maringá – UEM. E-mail: natachaestevescm@gmail.com.
2
Mestranda. Universidade Estadual de Maringá – UEM. E-mail: ffbortoletto@hotmail.com.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
248
TURBANTE - ANCESTRALIDADE, EMPODERAMENTO E BELEZA
DA MULHER NEGRA
Tatiana da Silva Gonçalves1

Resumo: De acordo com o Censo do IBGE de 2010, o Brasil possui a maior população negra fora do
continente africano. Dos séculos XVI ao XIX, esse processo se deu por meio da escravização de
mulheres e homens negros de países africanos, sendo estimado que mais de 3 milhões de africanos e
africanas vieram para o Brasil após serem escravizados, sequestrados, separados de suas famílias e de
suas raízes e, assim, enfrentaram um processo de apagamento, colonização de ideias e de suas
histórias. A população negra boicotou o programa de dizimação do Estado. Em 2014, mais da metade
da população se declarou negra ou parda, representando 53,6% da população brasileira (IBGE, 2016).
O ensino do uso do turbante vem a valorizar esse passado que por muito tentaram apagar e colonizar, e
a criação de atividades escolares como oficinas, traz, aos participantes, um entendimento da relevância
do turbante, sua simbologia, seus valores e, sobretudo, a quebra de preconceitos relacionados às
religiões de matrizes africanas ainda presentes em nossa sociedade atual. Na oficina a negritude é
exaltada e democratizada onde são apresentados episódios de embranquecimento decorridos na
história brasileira e a importância de superá-los enquanto sociedade. Buscamos também atender a Lei
10.639/03 alterada pela Lei 11.645/08 que torna obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-
Brasileira e Africana em todas as escolas públicas e particulares do ensino fundamental até o ensino
médio. Um negro intelectual é definido por Munanga (1988), como antes recusado socialmente que
encontra como alternativa a retomada de si deixando assim de ser considerado inferior e aceitando sua
herança sócio-cultural chamada de negritude.

Palavras-chaves: Turbante. Identidade negra. Apropriação cultural.

1
Graduada em Química Licenciatura e Bacharel com Atribuições Tecnológicas e graduanda de Engenharia
Ambiental pela UTFPR - Campo Mourão. E-mail: tatipsique@gmail.com.
Anais do Seminário Afro [R]existência, v 3. Unespar/campus de Campo Mourão – 17 a 19 de novembro de 2022
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