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Índice

o primeiro cursinho
5 nasce em itapevi

Círculo de fundadores
7
se muito vale o que foi feito,
9 mais vale o que será!

linha do Tempo: 10 anos de emancipa


14

o emancipa pelo Brasil


16

21
apoiadores da rede emancipa

nossos cursinhos são assim


22

26
nossas lutas, nossos sonhos!

depoimentos dos alunos e ex-alunos


28

30 educar para a liberdade

movimento na pesquisa,
pesquisas no movimento 32
Editorial
semeando um novo futuro

T odos os anos, ao longo dos últimos dez


anos, ao receber os estudantes nos cursi-
nhos pré-universitários da Rede Emancipa, nós
uma delas implica uma escolha que invariavelmen-
te deixaria de fora elementos relevantes dessa rica
história de educação popular que teve na prática
repetimos o mantra das três tarefas. É preciso en- cotidiana a matéria viva para o projeto político-pe-
tender o vestibular, formular seu projeto individual dagógico que hoje marca a Rede. Diante das difíceis
e ser parte de um projeto coletivo. escolhas, optamos por aquilo que nos coloca do
Nos dias de hoje, mais do que nunca, essas tamanho do desafio transformador que temos.
tarefas seguem importantes, mas também se O atual modelo de educação brasileiro está
diversificaram. Entender o vestibular é, além de falido. Reproduz as desigualdades, naturaliza
conhecer as provas e as universidades, desven- as injustiças, relega o ensino público à subalter-
dar a máscara socioeconômica que impede que nidade. Contudo, esse modelo é funcional aos
o conhecimento – que é poder – produzido nas que não querem que as mudanças ocorram, que
universidades seja compartilhado com a maioria querem, como diziam os estudantes das escolas
do povo. A formulação de um projeto individual ocupadas, uma educação que ensina a obedecer
implica em conhecer os mecanismos de seleção e e não a pensar. Nosso desafio é, portanto imenso.
as profissões, mas também pensar no seu futuro, Mostrar nos inúmeros rostos que fizeram e fazem
em que tipo de pessoa e trabalhador você preten- parte dessa história a força de um projeto coletivo
de ser. Ser parte de um projeto coletivo é saber que tem que estar à altura de propor uma educa-
que as suas compreensões do mundo articuladas ção ajude a devolver o poder instituinte ao povo,
com as suas escolhas pessoais podem contribuir que permita à maioria tomar em suas mãos as
para reproduzir os problemas e as desigualdades rédeas do próprio destino.
ou por outro lado, contribuir para resolvê-los. Sabendo que nossas cabeças estão onde
A educação popular que nos dispusemos a cons- nossos pés pisam, crescer, crescer e crescer é
truir há uma década é, sobretudo, a nossa maneira uma necessidade não só do Emancipa, mas da
de fazer uma escolha explícita pela transformação educação popular que pede por mudanças. Com
social, pela ruptura do cerco que condena milhões essa revista, nossa primeira, optamos pelo que
de pessoas pela sua cor ou condição econômica a pode fazer o Emancipa chegar mais longe. E, junto
ficar de fora da partilha poder e do conhecimento a isso, formar cada vez mais educadoras e edu-
que a humanidade produziu historicamente. Essa cadores populares. Com rigor, com diversidade,
escolha implica em várias outras. Pedagogicamente com a prática como critério, sem discriminações,
estimular a argumentação e a crítica em detrimen- sem dogmatismos e doutrinações. Educar como
to da doutrinação e do dogmatismo; estimular a prática da liberdade.
solidariedade em detrimento da competição e do Essa revista é, portanto, uma fotografia que,
individualismo; estimular a alegria do saber em embora reflita um passado do qual temos um
detrimento da censura e do silenciamento. imenso orgulho, mostra também um pouco do
Politicamente, a opção que fazemos nos leva futuro, do que queremos construir. E é também
a pensar sempre na construção de uma história um convite aos que virão fazer parte dos próximos
comprometida com as mudanças futuras, com um 10 anos de luta pela verdadeira emancipação.
mundo que ainda estamos por alcançar. Assim,
depois de uma década de Rede Emancipa, haveria *Maurício Costa de Carvalho | Coordenador
da Rede Emancipa
muitas formas de falar da nossa trajetória. Qualquer

Expediente
Editor e Revisão Geral: Maurício Costa de Carvalho | Colaboradores: Taline Chaves, Alex da Mata, Roberto Goulart,
Gilberto Franca, Priscila Schmidt, Cibele Lima, Maurício Costa, Naiara do Rosário, Renata Almeida, Malu Andrade, Marcela
Rufato, Juliano Niklevicz, Bruno Magalhães, Maíra Tavares, Rodrigo Nickel, Rodrigo Silva, Vanuzia Silva, Karina Silva,
Rodolfo Mohr, Keilla Teixeira, Kléber Oliva, Vinícius Moreira, Danillo Prisco, Nayara Côrtes, Franciele Sarturi, Jorge Martins
e Rigler Aragão | Fotos: Sayuri Kubo e Carlos Esdras | Projeto Gráfico: Paola Rodrigues | Diagramação e capa: Paola
Rodrigues e Evelyn Salles | Identidade Visual 10 anos: Juliana Reis
Emancipa: 10 anos educando para a liberdade

O PRIMEIRO CURSINHO NASCE EM ITAPEVI

E ra um dia de inverno, cli-


ma seco, sol durante o dia
e frio ao finalzinho da tarde e de
um cursinho pré-universitário.
A partir disso, foi só correria.
Dezenas de reuniões nas lanchone-
política em Itapevi fizeram com
que a conquista de um espaço
para o Cursinho demandasse mui-
noite… Um grupo de jovens se tes, praças, shopping, salas e quar- ta luta. No primeiro ano de exis-
reúne numa padaria no centro da tos das casas. Os professores corre- tência, apesar de todo o apoio
cidade. Eram em sua maioria es- ram atrás do lugar para o cursinho, da comunidade e da direção da
tudantes universitários, mas ha- os universitários atrás de mais pro- escola, tivemos que sair de onde
via também alguns professores, fessores e material didático. estávamos por determinação da
todos preocupados com a educa- “Precisamos de um nome!” diretoria de ensino. Não nos aba-
ção dos jovens da periferia. Depois da discussão e votação: “o lamos. Fomos recebidos por dois
Como podia, numa cidade tão nosso porta voz, o nosso estandar- anos em uma Igreja até voltar a
populosa como Itapevi, na peri- te será o maior ativista da questão uma escola pública da qual, mais
feria da Grande São Paulo, com ambiental no país: Chico Mendes”. uma vez por força da velha políti-
tantos jovens, não haver nenhum Um simples seringueiro que so- ca, tivemos que sair.
projeto de educação popular para nhou e ousou unir trabalhadores Fizemos a experiência de alu-
além do ensino básico? nos seringais com os índios, com gar a nossa própria sede, contan-
No meio de devaneios e so- os povos ribeirinhos, com os pes- do com a mobilização incrível de
nhos, inspirados pela discussão cadores, com todos os povos da todos pelo autofinanciamento,
em curso sobre a formação da mata, em defesa do nosso verde, principalmente dos estudantes.
Rede Emancipa de cursinhos po- na defesa do nosso planeta. A força desse novo momento nos
pulares, fomos instigados a fazer Nem tudo foi fácil. A incom- permitiu organizar, em 2013, um
nossa primeira experiência de preensão e as práticas da velha grande movimento que ocupou a

Aula inaugural em Itapevi | 2012


Se muito vale o que foi feito, mais vale o que será

Aula inaugural em Itapevi | 2012

prefeitura e, atendidos diretamen- Se os estudantes


te pelo prefeito, conseguimos fi- do cursinho já dispu-
nalmente abrir as portas da escola tavam os rumos da
pública - onde estamos até hoje - juventude na cidade Aula inaugural
para a nossa educação popular. por meio dos fóruns, em Itapevi | 2014
Aliás, aprender com a orga- mesas da juventude
nização dos estudantes foi um ou congressos e elei-
dos principais motores da nossa ções estudantis, agora têm ocu- a nossa cultura e ação, ano a ano
história. A participação deles é o pado as praças, quadras e cen- fomos rompendo a barreira do
que garante a vida do cursinho. tros de juventude com o Sarau vestibular e ocupando também as
São eles que organizam o café, os Emancipado! Em parceria com universidades! Só em 2017 foram
círculos, a grade de aula, o Sarau, grupos de teatro, de circo, hip mais de 30 novos universitários do
os passeios e os grupos de estu- hop, grafiteiros, poetas e tantos nosso cursinho. Queremos e po-
dos. Em parceria com os profes- artistas, o sarau acontece todo demos mais. Bons 10 anos que nos
8 sores, também têm produzido a último domingo do mês, reunin- prepararam para os próximos que
“Revista do Chicão”, um sucesso do uma centena de pessoas para virão! Chico Mendes, presente!
a cada número, já alcançando a expressar a voz da periferia!
*Taline Chaves e Alex da Mata
terceira edição online. Assim, desse nosso jeito, com

Aula em Itapevi | 2012 Aula em Itapevi | 2014


emancipa: 10 anos educando para a liberdade

CÍrCulo de fundadores

T al qual fazemos em nos-


sos cursinhos, convidamos
alguns dos fundadores da Rede
além do pré-ves-
tibular) como
espaço de
Emancipa para fazer um “círculo”, formação e
isto é, um debate aberto onde to- integração
dos expressam suas próprias opi- com as lu-
niões. O tema era presente, pas- tas sociais
sado e futuro da Rede Emancipa a (m o r a d i a ,
partir de três perguntas. educação,
Gilberto Franca e Roberto Gou- acesso a uni-
lart eram professores de outro cur- versidade, cotas,
sinho e hoje são professores univer- mobilidade entre
sitários na UFSCAR e UnB. Priscila outras). A participa-
Schmidt era estudante de cursinho ção dos estudantes
e hoje é professora, tal qual o Alex do Emancipa nas
da Mata. Maurício Costa era estu- jornadas de junho
dante universitário e hoje também (2013) e na defesa
é doutorando na USP e professor. da democracia popular
Confira como ficou o debate que demonstra que ele cumpre
conta um pouco da nossa história. e bem seus propósitos.
Priscila Schmidt: Nosso intuito
Como e por que decidiram
era de agrupar pessoas dispostas
fazer a rede emancipa?
a inserir estudantes de escolas
Roberto Goulart: A Rede públicas nas universidades pú- Emancipa foi e continua sendo
Emancipa resultou da luta pelo blicas, mas, sobretudo, para que uma experiência revolucionária,
resgate do Cursinho da Poli do Grê- fosse um espaço onde pudésse- porque ela confronta nossos pre-
mio Politénico da USP (CP). Desde mos lutar por uma verdadeira conceitos que insistem em nos le- 9
1987 o Cursinho da Poli tinha se democratização do acesso ao var para a educação bancária da
constituído como espaço singular ensino superior, assim como pela qual falava Paulo Freire.
na preparação da juventude para qualidade da educação nos mais Alex da Mata: Esse movimento
o ingresso na universidade públi- diversos níveis. Inserir estudantes de resgate do Cursinho da Poli jun-
ca. Porém nos anos 2000 um gru- de baixa renda nas universidades tou muita gente diversa, a maioria
po de ex-presidentes e diretores públicas e lutar contra a lógica era alunos e ex-alunos do cursi-
do Grêmio Politécnico, através de exclusiva e meritocrática do ves- nho, mas hava também artistas,
manobras jurídicas, capturaram o tibular sempre foram os nossos professores do cursinho, da rede
projeto social e converteram-no maiores objetivos. pública, universitários, ativistas
em um cursinho de mercado. 2004 Gilberto Franca: Decidimos de ONGs, o então vereador Carlos
e 2005 formou-se um movimento criar a Rede Emancipa para tentar Giannazi, sindicalistas, etc. O cur-
pelo resgate do CP que lutou para algo realmente original, ou seja, sinho Chico Mendes de Itapevi, o
manter o caráter social do Cursi- apoiar jovens e adultos oriundos primeiro da Rede, foi fruto dessa
nho. Após esse intenso movimen- da escola pública em sua tentati- luta, do desejo de construir uma
to decidimos refundar o Cursinho va de acesso ao ensino superior educação popular, transformado-
da Poli na USP, mas a iniciativa não público, de maneira que também ra e emancipadora.
prosperou. Com isso um grupo re- fossem sujeitos da luta contra o Maurício Costa: Nascemos de
solveu criar a Rede Emancipa como próprio sistema educacional que um contexto efervescente, fruto
um projeto pré-universitário (para os excluíam. Neste sentido Rede da experiência que a população
Se muito vale o que foi feito, mais vale o que será

fazia com um governo de concilia- Roberto Goulart: O nome Maurício Costa: O boneco de
ção de classes. As universidades, Emancipa surgiu de uma conversa punho cerrado foi inspirado na
os servidores públicos e a juven- que tive com o Gilberto. Sempre juventude católica, a intenção era
tude foram protagonistas das pensamos que o papel da educa- mostrar que o estudo para nós
mobilizações que enfrentaram as ção é o de emancipar os sujeitos não seria algo passivo, mas que o
contrarreformas como a universi- sociais. A experiência da Rede estudante deveria se empoderar,
tária e a previdenciária e também Emancipa deveria ir além dos tomar em suas mãos as rédeas do
contra a corrupção. Da combina- conteúdos exigidos nos vestibu- próprio destino.
ção entre essas experiências de lares das universidades públicas
O que esperam para os
luta, onde se incluía o movimento e questionar o próprio vestibular.
próximos 10 anos da Rede
de resgate do CP, e o crescimento Priscila Schmidt: Eu e o Mau
Emancipa?
da demanda por acesso ao Ensi- ficamos encarregados do logotipo.
no Superior é que surge a Rede Era consensual de que precisáva- Priscila Schmidt: Que o Eman-
Emancipa. mos de um logo que representas- cipa seja sujeito e exemplo de to-
se um movimento social de edu- das as lutas a favor da educação
Como foram definidos o
cação, fugindo à lógica da maioria pública. E que nessa luta cotidiana
nome e o logotipo? O que eles
dos cursinhos pré-vestibulares. A consiga inserir muitos estudantes
representam?
escolha do boneco de punho cer- de escolas públicas nas universi-
Alex da Mata: O Roberto su- rado deu corpo ao logo e ao nosso dades e que estes, assim, também
geriu esse nome, Rede Emancipa ideal, mas ainda existia uma diver- possam assumir para si o compro-
A ideia no inicio era ser um portal gência: a cor. Vermelho, azul ou misso de inserir outros tantos no
na internet que disponibilizasse verde?! Desde sempre fui a favor ensino superior. Assim, para que
aulas, materiais e orientações de do verde! Não me lembro exata- num futuro próximo, o Emancipa
como construir os cursinhos, que mente o porquê, mas acho que era não seja mais necessário.
também fizesse encontros de for- uma tentativa minha de dar voz a Gilberto Franca: Espero que a
mação politica e pedagógica. outras cores, sem ter de recorrer Rede Emancipa não pare de cres-
Gilberto Franca: O nome do ao nosso tradicional vermelho. E cer, que se espalhe nacionalmen-
Emancipa foi dado pelo Roberto militei na surdina à favor do verde, te, que avance para outro país da
e depois alguém incluiu a palavra a contragosto do Mau. A votação América Latina, que seja interna-
Rede, ideia que foi central tam- cional, como é o sistema capita-
10 bém. Ter um projeto social que
foi feita e o verde venceu. A minha
lista, que impede a democratiza-
militância deu certo (risos)!
ajude pessoas de baixa
renda a acessar a uni-
versidade é algo muito
positivo, mas sabíamos
que as possibilidades
seriam sempre reduzi-
das se não tentássemos
transformar o sistema
de ensino como um
todo. O subtítulo Movi-
mento Social de Cursi-
nhos Populares, e agora
Educação Popular, veio
enfatizar que há espaço
para jovens e adultos se
envolverem em seu dia
a dia na construção de
seu conhecimento e de Aula Inaugural em São Paulo | 2013
sua autonomia.
Emancipa: 10 anos educando para a liberdade

ção da universidade pública, para


garantir o quinhão dos credores
Se muito vale o que foi feito,
da dívida pública brasileira. Mas
que esteja mais próxima da escola
mais vale o que será
pública, mais enraizada nas perife-
rias, mais próxima de outros mo- E o que foi feito é preciso
vimentos sociais, mais dentro das Conhecer para melhor prosseguir
universidades públicas, para rom-

S
per os muros que às separam ain- egundo um filósofo conhecido, “a esperança” é a “memória
da hoje da maioria da população. que deseja”. O que gera a esperança é a memória, ao se co-
Roberto Goulart: Espero que a nectar com os nossos desejos. Nada mais importante para a “Peda-
Rede Emancipa siga firme no seu gogia da Esperança” que a Rede Emancipa construiu, nesta última
propósito de oferecer uma alter- década, do que resgatar a nossa memória olhando para o nosso fu-
nativa à nossa juventude com a turo, o que queremos. Essa, aliás, é uma das marcas da educação.
construção de espaços pré-univer- O movimento que nos deu origem foi marcado por um forte
sitários e que se espalhe por todo desejo de mudança e de construir na prática uma educação que
o Brasil! Que o Emancipa se junte fosse um sinônimo de emancipação. Essa prática foi o guia de toda
ainda mais com os/as outros/as lu- a nossa reflexão ao longo desses 10 anos. Pelas nossas experiên-
tadoras sociais contra as desigual- cias com o cotidiano das periferias, escolas públicas, jovens, traba-
dades de toda ordem. E fortaleça a lhadoras e trabalhadores fomos construindo nossas elaborações
luta pela reinvenção da escola pú- e nos apoiando nas teorias que serviam como guias para a ação.
blica para a qual a Rede tem con-
tribuído significantemente nesses Para que os cursinhos não sejam mais necessários
seus 10 primeiros anos! Se nem tudo estava explícito quando começamos, sabíamos
Alex da Mata: Espero que a bem o que não queríamos. Com a luta em torno do cursinho da
Rede Emancipa siga se expandin- POLI (ver Círculo dos fundadores - pag. 6), vimos que nosso cami-
do, construa cursinhos em cada nho era oposto ao da meritocracia, da reprodução das injustiças
canto do País, entre cada vez mais do ensino oficial, dos cursinhos como negócios que lucravam com
nas periferias e dispute corações as desigualdades no acesso ao ensino superior.
e mentes. Temos a tarefa de cons- Entendíamos que a lógica do vestibular era excludente por ser
truir o maior movimento de edu- um filtro socioeconômico que privilegia os que podem pagar e en- 11
cação que esse país já viu. tende a educação como mercadoria. Por isso, desde o início, nos
Maurício Costa: Trabalhamos propusemos a fazer uma educação que
para nos tornar um movimento chamamos de pré-universitária e não
popular de educação que esteja à pré-vestibular. Preparar parar a
altura de ajudar na formação do universidade estava muito
povo brasileiro para enfrentar as além de apenas treinar
imensas necessidades sociais e para uma prova.
vencer. Para isso temos que avan- No início procura-
çar na nossa organização, formar mos cursinhos po-
cada vez mais militantes conscien- pulares que já exis-
tes e atuantes na política nacio- tiam com a ideia
nal. Espero que nos aproximemos de criar uma rede
cada vez mais de uma realidade para organizar a
onde a educação pública, gratuita grande demanda
e de qualidade seja um direito de de estudantes de
todos e que os cursinhos deixem escolas públicas
de ser necessários. pelo acesso ao en-
sino superior. Desse
modo, pensaríamos
Se muito vale o que foi feito, mais vale o que será

juntos no currículo, materiais di- cursinho Chico Mendes, em 2007 universidades.


dáticos de livre acesso na Internet em Itapevi, na periferia da região As dificuldades cotidianas ini-
e formação político-pedagógica. metropolitana de São Paulo. ciais da formação para o vestibu-
Contudo, parte daquelas ex- Desde o início a gratuidade, lar nos fez ver que a educação que
periências reproduziam muito da a criticidade e o trabalho mili- queríamos não poderia ser uma
prática que queríamos evitar. Por tante foram fundamentais. Mas simples reprodução dos métodos
um lado uma ilusão da competi- os círculos – espaços de debate dos cursinhos comerciais. Se para
ção, no currículo oficial, na des- livre nos cursinhos – foram a es- a propaganda deles bastava sele-
12 politização, na doutrinação, no pinha dorsal desse trabalho. Era cionar estudantes que ficassem
distanciamento da realidade dos na prática deles que discutíamos nos primeiros lugares nas provas,
estudantes. Por outro - inclusive e afirmávamos o caráter emanci- para nós, tão importante quanto
nas experiências mais progres- pador que nos dava nome. Sem nos doar para ocupar as universi-
sistas - havia os vícios do parti- maiores elaborações prévias, os
cularismo, do individualismo, do círculos surgiram da vontade de
academicismo, de cursinhos au- militantes do movimento popu-
tocentrados, da negação de lidar lar de aproximar as juventu-
com as contradições de um movi- des das universidades das
mento que se necessitava amplo. que estavam fora delas,
Estávamos cientes de que não especialmente nas pe-
éramos imunes a nenhum desses riferias. Logo no prin-
problemas, mas a constatação cípio quem se dispôs
das dificuldades dos cursinhos tanto a construir tra-
populares e também a história balho do Emancipa
que já carregávamos das nossas quanto de educação
militâncias nos movimentos so- popular em ocupações
ciais e políticos nos fez querer urbanas foram justa-
realizar nossas próprias experi- mente jovens da peri-
ências, que começaram com o feira que entraram nas
Emancipa: 10 anos educando para a liberdade

dades com cada vez mais estudan- muito acertadas. Ao


tes de escolas públicas, negras e passo que íamos en-
jovens das periferias, era também volvendo professo-
apoiar, organizar, construir pro- res, estudantes e
jetos individuais e coletivos com coordenadores
aqueles que não passavam pelo com a necessi-
injusto filtro do vestibular, afinal, dade de repen-
não há vagas para todos. sar permanente-
Era evidente que nosso norte mente e inovar
era garantir que a educação públi- sempre a nossa
ca, gratuita e de qualidade fosse prática, também
um direito de toda a população. íamos tendo cada
E a prática nos fez ver a educa- vez mais estudan-
ção como ato de liberdade. E o tes ultrapassando
desafio era construir algo inteira- os muros das uni-
mente novo, tentando romper as versidades. Cresciam
amarras da nossa própria educa- substancialmente nossas
ção, que nos ensina a obedecer. aprovações nos vestibulares
Percebemos que construíamos e, consequentemente, tínhamos
cursinhos para que os cursinhos mais militantes que voltavam pra mente com a conquista de co-
não fossem mais necessários. organizar a rede e novos cursinhos. tas. Contudo, apesar do princípio
A partir de 2010 nos empe- correto de que a real democrati-
Para além dos muros: um cursi-
nhamos em expandir o movi- zação do acesso à universidade
nho em cada quebrada
mento. Vínhamos de um grande só é possível com a massificação
Felizmente nossas práticas pe- aprendizado dentro da luta por da luta, as experiências de ex-
dagógicas foram se mostrando cotas. As conquistas que o mo- pansão dos cursinhos nem sem-
vimento de educação pre deram certo.
e, especialmente o Deparamos-nos com várias
movimento negro, ti- dificuldades, tanto do ponto
veram com o avanço
da política de reserva
de vista pedagógico, quanto do
ponto de vista estrutural. Ques-
13
de vagas nas universi- tões como perceber que as aulas
dades mostrava que aos sábados tinham menos eva-
a organização popu- são que aos domingos levaram
lar poderia alcançar tempo para serem resolvidas. Os
vitórias. desafios de ter material didático
Entre 2010 e 2011 próprio ou contar com o compro-
quadruplicamos o misso voluntário de professores
número de cursinhos que estavam pouco envolvidos
em São Paulo e a com o projeto estratégico do
Rede Emancipa tam- Emancipa foram extremamente
bém chegou ao Pará penosos e levaram o fim de al-
e também ao Rio guns cursinhos.
Grande do Sul onde Tais experiências, ainda que
já atuávamos em um difíceis, representaram também
projeto experimental um avanço em nossas elabora-
de cursinho popular ções. Aprendemos que, para dar
onde atuavam mili- conta da grande tarefa de expan-
tantes que estiveram dir o nosso trabalho, necessitáva-
envolvidos direta- mos ser mais organizados, mais
Se muito vale o que foi feito, mais vale o que será

profissionais, entender melhor teto por moradia digna e dos tra- da educação públicas mostravam
a realidade concreta, combater balhadores em geral por justiça e os que saiam perdendo com a di-
os voluntarismos, ampliar a for- dignidade. visão do bolo do crescimento eco-
mação política e pedagógica dos Assim, em 2012, a Rede Eman- nômico. Nos círculos de cada cur-
nossos militantes. cipa substitui em seu nome a ex- sinho a realidade falava mais alto
As mudanças que a crise eco- pressão “movimento social de que o discurso dos governantes.
nômica mundial provocou no cursinhos populares” por “movi- A questão do direito à cida-
mundo também foram nos edu- mento social de educação popu- de foi presente desde o início na
cando, mostrando os caminhos lar”. Essa definição, construída Rede. Por um lado, nossas aulas
da resistência. Sempre como te- como decorrência também dos sempre tiveram a cidade como
mas debatidos nas aulas, círculos obstáculos que tivemos que supe- parte da elaboração, como per-
e atividades de formação política, rar no processo de expansão dos sonagem, não só como cenário.
a primavera árabe, as ocupações cursinhos, foi porta de entrada Os trabalhos de campo e estudos
das ruas e das praças na Europa, para abrí-los definitivamente às do meio são parte substancial
o Occupy Wall Street nos EUA, as demandas das comunidades. do nosso projeto político-peda-
greves e mobilizações das juven- Assim fomos chegando à con- gógico. Por outro lado, a própria
tudes contra os desmontes dos clusão de que a preparação das condição muitas vezes periférica
serviços públicos e as políticas nossas ações deveria se assentar dos cursinhos contribuiu para que
de austeridade nos alertaram da em um tripé: além da original luta as reivindicações ligadas às ques-
preparação necessária para en- pelo acesso às universidades, in- tões urbanas se desenvolvessem.
frentar a crise no Brasil. corporaríamos também a ação Em Itapevi houve mobiliza-
As evidências todas nos mos- dentro das escolas públicas e a ções convocadas pelo Emancipa
travam que precisávamos extra- pauta do direito à cidade. por uma biblioteca pública na ci-
polar limites dos próprios cursi- dade e outras de solidariedade às
Direito à cidade e ao território
nhos e estabelecesse pontes com vítimas de enchentes. No Grajaú,
outros movimentos. A luta contra A explosão de junho de 2013 extremo sul de São Paulo, hou-
os muros das universidades que mostrou que o discurso de que a ve uma ligação muito profunda
impedem milhões de estudantes crise estava distante do Brasil era entre o cursinho e as ocupações
de ter acesso ao conhecimento é falso. Nas cidades, o drama do de terrenos – nas quais moravam
transporte público, o alto preço
14 a mesma dos sem-terra contra as
dos aluguéis, a tragédia da saúde e
parte dos nossos estudantes –
cercas dos latifúndios, dos sem- que tomaram o bairro em julho
de 2013. No Tatuapé, também na
capital paulista, se construiu uma
força-tarefa para transformar em
Centro Cultural Público de Juven-
tude a escola onde funcionava o
cursinho, ameaçada pelos inte-
resses da especulação imobiliária
no terreno.
Mesmo nos cursinhos que fun-
cionam nas Universidades, como
os três do Pará, a relação sempre
foi a de ocupação do espaço para
democratizar o seu acesso. Es-
sas foram as marcas dos “Dias na
USP” e também do “Dia na UERJ”.
Quando os protestos contra
os aumentos das passagens es-
touraram em junho de 2013, a
Rede Emancipa já era parte do
Emancipa: 10 anos educando para a liberdade

construção da Rede. paços fundamentais da nossa


Quando as mobilizações pedagogia. Por isso onde nossos
contra a reorganização do estudantes estão existe a preo-
ensino e o fechamento de cupação maior com as escolas,
escolas começaram em São fortalecimento dos conselhos,
Paulo, havia professores do das discussões sem dogmas como
Emancipa que estavam atu- a de gênero e a defesa da demo-
ando em defesa das esco- cracia. Entendemos lá atrás que,
las. Posteriormente vieram para nós, ter muitos estudantes
as ocupações estudantis e nos cursinhos não era um pro-
o nosso vínculo com o mo- blema pedagógico, mas a solução
vimento era orgânico. Os político-pedagógica.
estudantes dos cursinhos Ao contrário do que quer o fa-
foram os primeiros a ocu- migerado projeto da “Escola Sem
par suas próprias escolas e Partido”, isto é, uma escola sem
defendê-las. A primeira es- função social, silenciada, censura-
cola ocupada de São Paulo, da, sem discussão crítica, a Rede
a EE Diadema, hoje sedia Emancipa se põe na linha de fren-
um cursinho da Rede. No te da construção da esperança e
Rio de Janeiro transferimos da autonomia, como um projeto
nossas aulas para as esco- de educação emancipadora.
las ocupadas. Juntos dos
A memória que deseja
movimento. Em 2012 havíamos estudantes organizamos a página
“Não Fechem Minha Escola”, um A Rede Emancipa chega aos dias
feito grandes mobilizações em
dos principais canais de informa- de hoje com quase 40 unidades,
defesa do direito à meia entrada
ção e mobilização das ocupações em mais de 20 cidades, em 7 esta-
e à meia passagem também para
nas redes sociais e o “Manual de dos, em todas as regiões do país.
os estudantes de cursinhos, dado
Mobilização e Ocupação de Esco- Ao longo dessa década apren-
que uma das grandes causas de
las”, inspirado nas ocupações se- demos ao ensinar e ensinamos
evasão era justamente o alto pre-
cundaristas chilenas. ao aprender.   Foram dezenas de
ço. No nosso DNA esse movimen-
to se expandiu e continuou nos Aliás, quando estouraram no milhares de estudantes que pas- 15
país vizinho as mobilizações que saram nesta rede. Centenas de
anos seguintes. Ocupamos o vão
inspiraram os brasileiros, estáva- professores voluntários e militan-
do MASP com milhares de estu-
mos reunidos no seminário “Às tes de uma educação emancipa-
dantes nas Aulas Inaugurais Unifi-
portas da universidade: alternati- dora. Milhares de novos estudan-
cadas em São Paulo. Em Marabá
vas de acesso ao Ensino Superior” tes no ensino superior brasileiro
chegamos a ocupar a prefeitura e
– que depois se transformou em que têm pintado as universidades
garantir a reversão momentânea
livro com o mesmo título – e os com as cores do povo.
dos aumentos.
debates foram aquecidos pelas Resgatar a história dos 10 anos
Ocupando as escolas da Rede Emancipa é, neste mo-
alternativas propostas pelos pen-
As ocupações de escolas que guinos chilenos. mento de tantas dificuldades em
começaram em 2015 em São Sem essa prática de reflexão nosso país, afirmar a perspectiva
Paulo e se espalharam pelo Bra- coletiva sobre a nossa própria de luta por um futuro melhor para
sil em 2016 talvez tenham sido ação, que inclui os estudantes a juventude e para o Brasil, movido
o ponto alto da mobilização da como sujeitos da construção do pela necessidade de educar para a
Rede Emancipa nesses 10 anos seu próprio ensino, não haveria liberdade, de democratizar o aces-
de história. E, para tanto, foi mobilizações nem empodera- so à informação, à educação e ao
decisiva a escolha de fortalecer mento para que seguissem o seu conhecimento em todos os níveis.
de incluir o giro à escola pública próprio destino. Por isso temos
como um dos eixos do tripé de *Maurício Costa e Cibele Lima
nos círculos e tempos livres es-
Se muito vale o que foi feito, mais vale o que será

Linha
do
tempo

16
Emancipa: 10 anos educando para a liberdade

Criação do Cursinho Vladimir


Herzog, no Grajaú

17

Rede
Emancipa
Se muito vale o que foi feito, mais vale o que será

Emancipa pelo Brasil

A Rede Emancipa tem mudado o mapa da educação popular por


todo o Brasil. Em 2017 estamos atuando em São Paulo, Rio
Grande do Sul, Rio de Janeiro, Pará, Minas Gerais, Distrito Federal e Rio
Grande do Norte. E há perspectivas de novos cursinhos em Amazonas,
Maranhão e Paraná. Já são mais de 30 cursinhos, mais de 20 cidades,
em todas as regiões do país.

PARÁ

RIO GRANDE
DO NORTE

DISTRITO
FEDERAL
18

MINAS GERAIS

RIO DE JANEIRO
SÃO PAULO

RIO GRANDE
DO SUL
Emancipa: 10 anos educando para a liberdade

RIO GRANDE DO SUL

N o Rio Grande do Sul, a Rede Eman-


cipa vive um momento de muita
dinâmica que reflete uma longa trajetória.
O cursinho Emancipa Porto Alegre foi fun-
dado em 2011, inspirado tanto na experi-
ência do pré-universitário “Che Guevara”
que já realizávamos desde 2009, quanto
do restante da Rede Emancipa. Contudo, a
história que deu origem ao nosso trabalho
veio de mais longe, remontando à luta de
SÃO PAULO 2006 que conseguiu a aprovação de cotas

B
na UFRGS.
erço da Rede Emancipa, o Em 2016 realizamos o pré-universitário
estado de São Paulo concen- na comunidade do Xará, periferia da cidade
tra o maior número de cursinhos e de Gravataí (região metropolitana), e na As-
está consolidado como um movi- sociação Satélite Prontidão (Zona Norte de
mento popular com raízes profundas Porto Alegre), instituição centenária da co-
nos bairros. Nascida na periferia da munidade negra da capital.
região metropolitana em Itapevi a Ao longo de todos esses anos foram vá-
nossa experiência de educação po- rias as experiências de educação popular
pular aprendeu com as diversas rea- e atuação política como Emancine, Sarau
lidades paulistas. Na capital, todas as Emancipado, Projeto Cidade de Porto Ale-
regiões são atendidas pelo trabalho gre, debates temáticos diversos e apoio às
do Emancipa, que já teve cursinhos escolas ocupadas.
em 13 bairros distintos. Na região Em 2017 surgirá o primeiro cursinho da
metropolitana, além de Itapevi, há
Emancipa em Osasco, Taboão da
Rede no interior: o Emancipa Pelotas. E tam- 19
bém está nos planos avançar com uma sala
Serra e Diadema, na primeira esco- de alfabetização de jovens e adultos em uma
la ocupada no histórico movimento ocupação de moradia na periferia urbana.
secundarista de 2015. No interior es-
tamos em Campinas, Sorocaba, São
Carlos e agora em Americana.
Nestes 10 anos a partir de São
Paulo aprendemos ao ensinar e ensi-
namos ao aprender. As múltiplas fa-
ces da construção cotidiana em São
Paulo desdobraram-se em um pro-
jeto político-pedagógico a partir da
prática de agir e refletir coletivamen-
te, em movimento. A nacionalização
enriqueceu ainda mais as experiên-
cias que já vinham sendo feitas pe-
los paulistas e hoje faz com que de
fato haja uma verdadeira rede que
comum de educação popular.
se muito vale o que foi feito, mais vale o que será

rio Grande do norTe

e m 2017 iniciaremos nossos tra-


balhos na região Nordeste! Já
era hora da Rede de Educação Popular
chegar ao estado em que Paulo Frei-
re colocou em prática seu método e
ganhou notoriedade nacional e inter-
nacional. O Rio Grande do Norte entra
pará no mapa da Rede Emancipa com dois
cursinhos em Natal, a capital potiguar.

o
Natal é uma cidade extremamente
primeiro núcleo da Rede
segregada. O rio Potengi, que divide
Emancipa na Amazônia nas-
a cidade entre as Zonas Sul, Leste e
ceu em Belém, em maio de 2011, com
Oeste de um lado e da Zona Norte de
o cursinho “Isa Cunha”, no bairro da
outro, opera como uma muralha que
Cremação. No ano seguinte chegarí-
nega à maior parte da população desta
amos a Marabá, inaugurando o cur-
última região o direito à própria cida-
sinho “Zé Cláudio e Maria do Espírito
de que produz e trabalha, com serviços
Santo”. Em 2013, pouco após as gran-
públicos precarizados e uma estrutura
des mobilizações nacionais de junho,
de transporte cara e ineficiente.
surge o cursinho popular do Emanci-
A Rede Emancipa organiza suas
pa em Santarém. Ainda que as distân-
duas primeiras unidades nesta zona
cias sejam grandes, os cursinhos do
para somar-se à luta pela educação
Pará têm em comum a memória viva
e, por consequência, por uma cidade
das lutas populares, sindicais, am-
mais democrática. Ser um instrumen-
bientalistas e de direitos humanos.
20 Não por acaso os cursinhos citados,
to para que os estudantes acessem
a UFRN - na Zona Sul de Natal, é uma
bem como o atual cursinho de Belém
das nossas contribuições para derrubar
chamado “Paulo Fonteles”, homena-
dois muros: os da universidade em par-
geiam militantes que dedicaram suas
ticular, e o da cidade de maneira geral.
vidas às lutas sociais da região.
Vamos com tudo... Apenas começamos!
No Emancipa do Pará também
há uma forte relação com as univer-
sidades públicas. Atualmente todos
os cursinhos funcionam dentros dos
campi universitários. Em Belém fun-
cionamos na UFPA (Universidade Fe-
dera do Pará), em Santarém funcio-
namos UFOPA (Universidade Federal
do Oeste do Pará) e em Marabá es-
tamos na UNIFESSPA (Universidade
Federal do Sul e Sudeste do Pará),
onde fomos aprovados como projeto
de extensão.
Emancipa: 10 anos educando para a liberdade

RIO DE JANEIRO

F undada em 2014, a partir de um


projeto que vinha de 2012, a Rede
Emancipa do Rio de Janeiro construiu uma
história de criatividade e superações. O
primeiro desafio foi a busca por um espa-
ço, que terminou por ser superado com
as portas abertas de uma Igreja, em Vila
Isabel. Posteriormente o cursinho se es-
DISTRITO FEDERAL tabeleceu e, a partir da educação popular,
construiu uma história rica, confundindo-
se com as necessidades e lutas de uma ci-

E m 2016 a Rede Emancipa ini-


ciou os seus trabalhos no co-
ração do Brasil. A aula inaugural do
dade tão contraditória.
No Rio nossas aulas alcançaram as ba-
talhas de MC´s. Ocupamos as praças como
cursinho “Cidade Livre”, que funcio- parte da luta contra a redução da maiori-
na na Ceilândia – cidade-satélite pe- dade penal. Transferimos nossas aulas do
riférica e populosa do Distrito Fede- cursinho para as escolas ocupadas, em
ral – reuniu dezenas de estudantes, apoio aos estudantes secundaristas. Dis-
além de professores e apoiadores, cutimos feminismo, raça e classe com o
que expressavam em suas fisiono- movimento de mulheres negras. Fizemos
mias, falas e ações, a alegria e o vários cursos de formação de educadores
desejo de construção do novo para populares.
cada um, cada uma e para todos e O resultado dessa história é que o
todas. Grande parte dos estudan- Emancipa se consolidou e se ampliou. Em
tes mora na região, embora muitos 2017 abriremos duas unidades em São
percorram longas distâncias para Gonçalo, cidade grande e periférica da 21
chegar ao cursinho. O projeto Pilo- Região Metropolitana. E
to permitiu a vivência da prática do também estamos
Emancipa e anuncia próximos anos diversif icando
de avanço da educação popular, nosso traba-
ampliando a participação dos estu- lho, abarcan-
dantes na coordenação do cursinho do cultura,
e aproximando a comunidade. esporte e
O nome é uma referência à histó- outras de-
ria do Distrito Federal que, durante a mandas
construção de Brasília, atraiu milha- populares.
res de trabalhadores de todo o país,
que se instalaram na chamada Cida-
de Livre (atual Núcleo Bandeirante).
Em 1971, a Companhia da Erradica-
ção de Invasões (CEI) expulsou esses
migrantes da área, removendo-os
para o lugar onde hoje é a Ceilândia.
Se muito vale o que foi feito, mais vale o que será

LISETE ARELARO
Professora da Faculdade de Educação da US

Acompanho a Rede Emancipa desde sua fundação e


so garantir que quem quiser estar preparado e crítico p
entrar numa Universidade tem que viver esta experiên
Rede Emancipa:
Quem conhece, participa.
Quem participa, aprende a ser gente,
pesquisar, protestar e construir
o desenvolvimento de nosso País.
MINAS GERAIS Rede Emancipa, com você, para todos!

A pesar da história relativamen-


te recente em Minas, a Rede
Emancipa já experimenta boa parte da ZEZÉ MENEZES
diversidade deste estado de grandes Núcleo da Consciência Negra
dimensões. Os seis municípios nos quais
iniciaremos nossos trabalhos em 2017 Há dez anos a Rede Emancipa atua na fo
abarcam porções bastante distintas do tual e política de jovens de escolas públicas,
território de Norte a Sul. estes o acesso ao conhecimento nas univer
Nossa primeira unidade mineira e privadas. Assim, as instituições ganham c
começou em Montes Claros, ao norte, experiências desta juventude e estes fortale
ainda em 2013. Alguns jovens da cidade mudar esta sociedade tão ansiosa por mu
rais.
conhecem a Rede Emancipa pelas redes
Parabéns a todas e todos da Rede Emanc
sociais e decidem se engajar na educa-
ção como forma de transformação so-
22 cial. Em 2015 uma relação entre jovens
recém-formados no Ensino Médio e pro- LUCIANA
fessores resulta na criação do cursinho Advogada e ex-candidata a Pres
de Belo Horizonte, em abril. No mesmo
Os 10 anos da Rede Emancipa demonstram a importância
mês, como fruto de um trabalho de qua- deste projeto, que já ajudou milhares de jovens a ingressar n
se um ano de divulgação da Rede Eman- de. Tenho muito orgulho de ter criado o Emancipa em Porto A
cipa na UNIFAL (Universidade Federal existimos há 7 anos. Ser parceira destes professores e profe
de Alfenas), surge o Emancipa no sul de tes por uma educação de qualidade e emancipadora é um g
minas. Tal trabalho é fonte de inspiração Parabéns a todos e todas que constroem esta história.
para professores da rede estadual e mu-
nicipal de Pouso Alegre que criam, em
2016, um cursinho na sua cidade. Além
destes, construímos cursinho em Uber- SILVIO ALMEIDA
lândia, no triângulo mineiro, e para 2017 Presidente do Instituto Luiz Gam
teremos uma unidade em Coronel Fabri- Sempre que participo das atividades d
ciano, no Vale do Aço. bo que recebi muito mais do que efetivam
todas as vezes sou atingido pela energia
destes jovens que, em tempos tão difíceis,
brar de que nossa história ainda está sendo
Emancipa!
Emancipa: 10 anos educando para a liberdade

apoiadores da rede emancipa


ARELARO
SP OTAVIANO HELENE
Professor do Instituto de Física da USP
e pos-
para Parabéns pelos dez anos de luta por um sistema educacional
ncia. democrático, que ofereça uma educação de qualidade para todos e
todas, fazendo com que as diferenças pessoais, regionais e culturais
sirvam para enriquecer a experiência humana, e não para construir
desigualdades, como ocorre hoje no Brasil. Mas, em lugar de desejar mais
muitos e muitos anos de luta, ao contrário, desejo que intensifiquem a luta,
e que, assim, atinjamos a vitória, liberando a criatividade e a capacidade de
luta que vocês tão bem demonstram, para outros embates.

MAYCON BEZERRA
Professor e militante do SINASEFE

A Rede Emancipa é uma grande escola, espalhada por várias perife-


ormação intelec- rias de vários estados do país, e que não cessa de crescer. É uma escola
, possibilitando a diferente, na qual a juventude de nosso povo vai aprendendo o que há de
rsidades públicas mais importante a se aprender: que é possível se organizar; que se orga-
com o convívio e nizando é possível superar barreiras e obstáculos erguidos pelos de cima;
ecem a luta para que superando barreiras passamos a ver e a querer mais; e que querendo
udanças estrutu- mais vamos chegar a querer tudo o que é nosso por direito.
A Rede Emancipa é mais que um movimento popular indispensável, é um expe-
cipa! rimento político pedagógico em que se pratica - em micro-escala - a construção do
país que queremos e devemos ser: igualitário, democrático e sob o poder popular.
23
IANA GENRO
sidente
a e a seriedade
na Universida-
GUILHERME BOULOS
Alegre, onde já
essoras militan- Coordenador do MTST
grande orgulho! A Rede Emancipa tem sido uma importante trin-
cheira de luta pela educação. Longa vida ao Emancipa!

ma
JOANNA MARANHÃO
da Rede Emancipa perce-
Nadadora e Atleta Olímpica
mente pude contribuir. Em
da luta e da mobilização
A Rede Emancipa nos ensina que, através da educação, pode-
ousam sonhar e nos lem-
mos de forma coletiva, com luta e amor, vencer os obstáculos e as
o escrita. Obrigado, Rede
barreiras do vestibular e construir uma sociedade mais justa e livre.
Se muito vale o que foi feito, mais vale o que será

Nossos cursinhos são assim

N ossos cursinhos refletem


uma prática de educação
diferente, inovadora, voltada pra
to e a criatividade para descobrir
os caminhos da aprendizagem do
conteúdo do vestibular, mas não
al e coletiva. Por isso recheamos
nossos cursinhos de aulas diferen-
tes: com música, integrando áreas
resolver as questões práticas dos só! Queremos que nossa prática diferentes do conhecimento, com
estudantes. Valorizamos a auto- de educação persiga sempre o ca- crítica, cultura, debate, passeios,
nomia na busca do conhecimen- minho da emancipação individu- estudo de campo e muito mais...

“Educação
Emancipadora”

“Autonomia “Troca de
para conhecimento”
aprender”
24

“Educar para “Aulas em círculo


a liberdade” e com muita
participação
coletiva”
Emancipa: 10 anos educando para a liberdade

Debate sobre a redução da maioridade


penal em Santarém (PA)

Aula em Belém (PA)

Escracho contra Eduardo


Cunha no Rio de Janeiro (RJ)
25
Aula em Alfenas (MG)

Aula no Emancipa Herzog (SP)


Aula inaugural no Distrito Federal (DF)
Se muito vale o que foi feito, mais vale o que será

Saída de Campo em
Porto Alegre (RS) | 2016

Roda de mulheres contra a


opressão no Rio de Janeiro (RJ)

Emancipa em Sorocaba (SP)

26
Emancipa em Campinas (SP)

Emancipa em Castro Alves (SP)

Emancipa em São Paulo (SP)

Dinâmica da aula inaugural em São Carlos (SP)


*Naiara do Rosário
Emancipa: 10 anos educando para a liberdade

Ato dos Professores (SP)

Nossas lutas, nossos sonhos!

D esde sua concepção, a Rede


Emancipa aspirou ser uma
ferramenta de organização para a
público. A Rede Emancipa foi cons-
truída com essa identidade, enten-
demos a educação popular como
públicas nos levou a um grande
levante contra o PIMESP - Pro-
grama de Inclusão com Mérito no
juventude e todo o povo, em es- uma ferramenta para a defesa de Ensino Superior. Em unidade com
pecial das regiões mais afastadas um sociedade com verdadeira jus- diversos parceiros e com todas/
e negligenciadas da cidade, bus- tiça e dignidade. os integrantes da Rede Emanci- 27
cando encontrar apoio e espaço O debate e a luta por cotas tal- pa pressionamos o governo e as
para discutir sobre suas principais vez seja uma de nossas primeiras reitorias das universidades esta-
demandas, como direito à cidade, e principais pautas. De norte a duais paulistas, com abaixo assi-
à cultura, resistência da periferia e sul do país aprendemos, especial- nados, audiências públicas, atos
democratização dos espaços públi- mente com os movimentos negro nas ruas e dentro da USP - Univer-
cos, principalmente a Universidade. e das escolas públicas que, ainda sidade de São Paulo - até que a
Ao longo desses anos,  muitas que não resolvam o problema completa anulação de tal propos-
lutas foram travadas nos cenários do funil socioeconômico que é o ta fosse concretizada. Importante
mais diversos. As mobilizações se vestibular, as cotas são um impor- símbolo dessa luta foi nosso V Dia
ampliaram e se intensificaram, tante instrumento de democrati- na USP, quando reunimos mais de
tendo como necessidade a criação zação do acesso ao ensino supe- 1000 estudantes de escolas públi-
de iniciativas concretas que pau- rior e de reparação histórica. Em cas para pintar a Universidade de
tassem a garantia e ampliação dos São Paulo, o injusto e excludente povo com cartazes e aulas públi-
direitos da juventude, das/dos es- sistema de seleção das universi- cas contra o PIMESP. Da mesma
tudantes, da classe trabalhadora, dades em mais uma de suas ten- forma, estivemos presentes nas
das negras e negros, das mulheres tativas de aumentar os muros do Universidades Federais seja par-
e das LGBT’s, que sofrem cotidia- ensino superior e dificultar ainda ticipando ativamente da elabo-
namente com a discriminação e mais o acesso de negras e negros ração das políticas de cotas que
com o descaso e ataques do poder e da periferia nas Universidades foram implantadas, como no caso
Se muito vale o que foi feito, mais vale o que será

das federais do Pará, seja na luta


para que não se retrocedesse na Luta pelas cotas
conquista desse direito, como a na USP (SP)
luta recente na Universidade Fe-
deral do Rio Grande do Sul.
Em 2013, nossas concepções
enquanto movimento social de
educação popular se expressa-
ram nas jornadas de Junho. Mi-
lhares de jovens, estudantes e
trabalhadoras/es, movimentos
e coletivos, se apropriaram das
ruas, em todo território nacional,
não só para expressar a retaliação
pelo aumento das passagens, mas
para exigir visibilidade e investi-
mento, e a garantia de um pleno
funcionamento nos aparelhos Emancipa em Santarém (PA)
públicos que proporcionasse um
estilo de vida digno para toda po-
pulação. Por entendermos que a à todas elas que sempre estive- trar cada vez mais movimentos e
educação de um sujeito não se ram dispostas a lutar por uma so- coletivos que encabeçam a luta
faz unicamente em espaços es- ciedade mais justa. Em um cená- das mulheres e protagonizaram
colarizados, estivemos ocupando rio onde as dificuldades de acesso atos gigantescos em vários cantos
ruas, praças, avenidas e escolas e ao ensino superior são muitas, as do país, debatendo, enfrentando
levando o debate em prol de uma mulheres travam uma luta histó- e resistindo figuras como Eduardo
sociedade mais justa e igualitária rica por igualdade e mais direi- Cunha e Bolsonaro que são o que
para todos os espaços. tos, uma luta de resistência que há de mais retrógrado no cenário
Muitas mulheres protagoniza- passa por enfrentar o machismo atual. As mulheres estiveram à
28 ram e ainda protagonizam os mais diário, a violência, a desigualda- frente do grande levante de ju-
diversos espaços da Rede Emanci- de salarial de gênero, a luta pelo ventude de Junho de 2013 e da
pa. Chegamos aos 10 anos graças direito ao seu próprio corpo e o luta histórica secundarista com as
direito de es- ocupações de escolas em 2015 e
tudar, de falar, 2016. Tentaram nos falar que de-
de ser ouvida, vemos ser “Belas, Recatadas e do
de ter um tra- Lar”, mas incansavelmente mos-
balho e um tramos que o lugar da mulher é
salário digno onde ela quiser, inclusive na Uni-
entre outras versidade e na política.
pautas. Não As ocupações de escolas, aliás,
há como ne- foram uma marca da nossa histó-
gar que existe ria. Em 2015, quando o Governo
uma primave- de São Paulo anunciou de forma
ra feminista autoritária e sem diálogo que cen-
Emancipa em Uberlândia
em curso no tenas de escolas públicas pode-
(MG)
Brasil, não é riam ser fechadas, a Rede Emanci-
difícil encon- pa se mobilizou com muita força.

Vem com a gente rumo à universidade pública, a uma vida mais igualitária, feliz e livre?
Emancipa: 10 anos educando para a liberdade

O que o governador e seus adep- ta polícia, bomba e gás de efeito ocupação de suas escolas. No Rio
tos não esperavam foi a intensa e moral e principalmente muita re- Grande do Sul, no Rio de Janeiro,
vitoriosa luta encabeçada pelas/ sistência e apoiadores. Tudo isso em Minas Gerais e também no
os secundaristas que entrou pros teve como resultado que o Gover- Paraná – onde o movimento al-
marcos de um ciclo de lutas so- no Estadual recuasse em sua de- cançou uma força impressionante
ciais intensas. Foram mais de 220 cisão. Tal vitória foi um estímulo – estivemos participando ativa-
escolas ocupadas contra as essas para que, em 2016, estudantes mente como apoiadores ou por
medidas, centenas de atos, mui- de todo o Brasil partissem para a meio dos nossos estudantes que 29
ocuparam suas escolas.
São tantos os momentos e lu-
tas que perpassam a trajetória da
Rede Emancipa que não é possí-
vel pontuar todos nesse texto,
mas é importante ressaltar que
passamos por momentos difíceis
no cenário nacional com ataques
e retiradas de direitos que vêm
de todos os lados, por isso, convi-
damos todas e todos a somarem
com a gente nesse enfrentamen-
to intenso, resistência e luta por
garantia de direitos.
A luta não pode parar. Vamos
juntas/os por mais!
Aula Inaugural da Rede Emancipa
em São Paulo * Renata Almeida, Malu Andrade
e Marcela Rufato
Se muito vale o que foi feito, mais vale o que será

DEPOIMENTOS DOS ALUNOS E EX-ALUNOS


ANA LAURA CARDOSO OLIVEIRA
Ex-aluna do Cursinho Chico Mendes

“Quando saí da escola final de 2010, fiquei sem eira e nem beira, não sabia que
rumo tomar, sabia só que uma coisa eu tinha que fazer: ir trabalhar. Mas no ano seguin-
te conheci o Chico Mendes, lá aprendi que saber é poder, que eu posso mais, posso
enfrentar as barreiras. Hoje estou no meu último ano do curso de Geografia, quero ser
como aqueles que me ensinaram tanto. Obrigada, Emancipa por mi emancipar. ”

MATHEUS MEDEIROS VIEIRA


Cursinho Dandara

“Só tenho a agradecer ao Emancipa, aprendi muito além do que esperava e evoluí
muito como pessoa. É extremamente bela a causa que o cursinho popular Emancipa
luta. A oportunidade igualitária para todos os jovens, terem o direito ao acesso à univer-
sidade, o direito a alguém como eu, negro, pobre, residente de lugar periférico, filho de
mãe solteira e LGBT poder ter a esperança e a capacitação para conseguir alcançar uma
universidade que infelizmente ainda é um espaço totalmente excludente.”

LARISSA NASCIMENTO DA COSTA


Recém-aprovada na UFPA em Biologia (2017)

“Quero dizer aos que não passaram: você não é incapaz! não desistam! essa prova (ESCROTA) não nos qua-
lifica, provas não provam quase nada. Pessoas geniais muitas vezes não conseguem uma vaga na universidade.
Não se limitem a esse resultado, vocês são maiores do que isso. Não se comparem ao primo, amigo, filho do
30 vizinho. Cada um tem seu caminho, sua história. Sigam firmes em seus propósitos e realizem seus sonhos. Uni-
versidade deveria ser um direito de todos. Eu passei, mas quantos jovens de escola pública, da periferia ainda
não conseguiram? ser exceção nunca vai ser motivo de orgulho. A universidade pública é o nosso lugar, e nós
temos q ocupar esse espaço.”

CLARICIA DOMINGUES
Estudante de Direito da UFRGS, mulher negra e periférica

“Conheci o cursinho através da minha mãe que ouviu na rádio que haveria inscrições para
um cursinho popular gratuito, pensei que era mentira a parte do gratuito, entretanto, era ver-
dade, e então ali começava a escrever minha longa trajetória no cursinho. Poderia ficar horas
falando dos professores maravilhosos que tive, os quais não só ensinaram matéria para passar
no vestibular, mas sim para a vida.
O cursinho ajudou a desconstruir o pensamento da minha família, que nunca tinha visto uma pes-
soa do meu fenótipo e da minha condição social na universidade e ainda mais fazendo Direito, eu via
o sorriso que minha mãe esboçava ao mostrar meu contracheque do serviço do que minhas notas na
escola, isso porque a sociedade fez ela acreditar que nosso lugar é outro e não dentro da universidade.
Porém ao longo dos anos fiz ela acreditar nos meus sonhos, e quando a aprovação veio choramos ajo-
elhadas na sala da nossa casa. Para mim o rumo da minha vida começou a mudar quando descobri o
Emancipa, e hoje só tenho a agradecer ao cursinho e a todos os envolvidos. Obrigada!
Emancipa: 10 anos educando para a liberdade

JONAS TAPAJÓS
Emancipa Santarém

“Participar do Emancipa foi uma das melhores coisas que aconteceram na minha
vida. Ao longo do ano que passou, eu ampliei e modifiquei muito o meu conhecimen-
to sobre vários assuntos. O melhor do Emancipa é que ele não é apenas um cursinho
pré-vestibular, além de dar oportunidades àqueles que não têm condições de pagar um
curso particular, ele repassa não só o conhecimento didático cobrado pelos vestibulares,
mas dá a oportunidade de adquirir conhecimento de vida também, por meio das lutas
que realiza. Por isso, eu serei eternamente grato aos coordenadores e à equipe de pro-
fessores do Emancipa, por essa ajuda que me deram. Pois, se hoje eu sou mais um indí-
gena a adentrar nos campus de uma Universidade, eu devo grande parte disso a vocês!
Muito obrigado!!!”

ANTONIO VINÍCIUS
Emancipa Grajaú

“No fim do meu ensino médio um professor meu havia falado sobre o Eman-
cipa, e passado um ano inteiro, eu fui atrás de conhecer. Vi, me inscrevi, e na aula
inaugural, na Paulista, senti que ali era algo diferente, que tinha gente como eu,
que veio de periferia e que queria - e que merecia - algo maior. Os temas levanta-
dos nos debates eram de forma muito natural, e sempre nos conscientizávamos
além de algo que poderia ser referência nas futuras provas. Mas quando vi o tema,
que discutimos sobre todo aquele ano, não me contive, peguei o papel de rascu-
nho e fiz 37 linhas. Adaptei, apertei letras, coloquei tudo, fiquei um tempo mais
que o usual apenas pra focar naquela redação, mas coloquei tudo que aprendi na-
quele ano em cada vírgula daquele texto... E então que eu consegui, havia passado
em Publicidade na Universidade Federal de Pernambuco.. E eu não estaria aqui se
não fosse o Emancipa. Sou eternamente grato, de coração, por tudo.” 31

DOUGLAS ALVES DOS SANTOS


Emancipa Diadema

“O que foi o Emancipa para mim? O Emancipa antes de mais nada foi uma porta, um
novo caminho e uma nova ferramenta. Foi uma conquista para mim e principalmente a
minha escola. Ter um cursinho num espaço já familiar tornava o aprendizado mais fácil e
embora eu tivesse ótimos professores, ter essa experiência com professores que em sua
maioria tinham passado por todo esse processo de vestibulares gerava uma aproximação
maior. Mais que professores foram amigos, foram companheiros, presentes desde o pri-
meiro dia e muitos ainda me acompanham agora que sai de São de Paulo rumo ao Ceará
nessa nova jornada que é a Universidades.
Mais do que conteúdo, foi um trabalho humano, um trabalho de apoio, que fazem
toda a diferença e que a educação esta perdendo a cada ano que passa. O Emancipa foi e
sempre será um espaço democrático e aberto para todos, onde podemos aprender com
todos os envolvidos e criar laços que podemos levar para toda uma vida. Sou muitíssimo
grato a toda a equipe Emancipa, do fundo do meu coração.”
Se muito vale o que foi feito, mais vale o que será

educar para a liberdade

N esta comemoração de dez


anos da Rede Emancipa é
fundamental afirmar a nossa con-
sas e ler. O fundamental é fazer, é
lançar-se numa prática e ir apren-
dendo-reaprendendo, criando-re-
numa experiência de educação
popular deve ter em mente a ne-
cessidade da gratuidade como um
cepção pedagógica, falar da nossa criando, com o povo. Isso é que princípio. Elaborar um princípio é
experiência, princípios e metodo- ensina a gente”. fácil mas o importante não é con-
logia em educação popular. Num Mas este “fazer” exige a defesa ceber e sim ter coerência com as
momento em que alguns setores de alguns princípios. Para nós um implicações desse princípio. A con-
vinculam a liberdade em educação desses princípios que fundamen- sequência direta da ideia de que a
com a defesa do individualismo e ta nossa prática é a gratuidade do educação é um direito é o princí-
do espontaneísmo, ocultando seus saber e o reconhecimento da edu- pio da não-seletividade.
interesses de obediência à ordem cação como direito. É uma incoe- Muitas experiências em edu-
existente, ressignificar a ideia de rência se meter numa prática em cação selecionam seus alunos
uma educação para a liberdade se educação popular na qual exista reproduzindo mais uma forma
torna ainda mais importante. o obstáculo do dinheiro entre o de exclusão social. Para nós, isso
Não se trata aqui de contar educando e o saber pois o conhe- é um contrassenso. A seleção de
uma teoria acabada, pois isso se- cimento, tal como a riqueza, não é candidatos serve à uma lógica
ria uma contradição com a educa- algo privado, e sim produzido cole- de competição completamente
ção popular comprometida com a tivamente, mesmo quando parece oposta ao trabalho em educação
transformação. Muito menos de sair de uma ou de poucas cabeças. popular. Por isso a Rede Emancipa
ensinar um método de “obter su- Numa sociedade capitalista, mi- vem construindo uma prática em
cesso na educação”. Na verdade, lhares de pessoas são usurpadas educação baseada na solidarie-
se trata de contar uma história, dos seus direitos básicos por não dade, na cooperação e na crítica
sem datas ou grandes persona- possuir dinheiro. A maioria dos à lógica da meritocracia. É claro
gens, uma história dos de baixo, estudantes que abandonam as que sabemos que dedicação, em-
feita por mulheres e homens de atividades do cursinho, do reforço penho e esforço, são característi-
ação, e contada muito mais pe- escolar etc., não conseguem pagar cas essenciais do educando e de-
32 los pés do que pela cabeça, mais passagem ou alimentação. Têm vem ser levadas a sério. Mas isso
pelas mãos do que pelo discurso. que trabalhar para ajudar a família nada tem a ver com competição
Seguindo o que dizia Paulo Freire, e para continuar estudando. Qual- e meritocracia. Pelo contrário, o
“o que ensina a gente é fazer coi- quer um que pretenda se engajar esforço da aprendizagem é cole-
tivo, se expressa no exercício da
cooperação.
Só que a sociedade brasileira
impõe, desde sempre, a ideologia
do rendimento e da performance
como forma de justificar desigual-
dades estruturais do nosso siste-
ma econômico, e as vezes essa
ideologia, captura muita gente de
boa intenção. Ela faz com que nos
entendamos enquanto adversá-
rios numa luta por ascensão so-
cial, pela conquista da dignidade.
Faz com que queiramos “ser mais”
e melhores do que os outros. Ora,
era justamente Paulo Freire quem
dizia que a vocação humana é “ser
Emancipa: 10 anos educando para a liberdade

mais”, já que somos


incompletos, incon-
clusos e inacabados.
Segundo ele, bus-
camos nos realizar,
aprender, crescer.
Mas esta realização
é, ao contrário do
que diz a ideologia
dominante, com o
outro, e não sobre
o outro. Trabalhar
com o outro exige
tempo e liberdade,
diálogo, paciência,
confiança nas pesso-
as, humildade. Não é
destruindo o outro
e deixando milhares
para trás que con-
quistamos a liberda-
de que queremos. Uma educação que a gratuidade, a não-seletivi- naturalizado, mas cada vez mais
baseada nestes princípios não dade, a luta contra a meritocra- problematizado no trabalho po-
pode se dizer para a liberdade, cia, a cooperação, o círculo e o pular. A temática das opressões
mas somente para o isolamento, tempo livre, ao contrário do que desde sempre foi central.
para a desigualdade, e em conse- se diz, não estão na contramão Por fim, não nos enganemos.
quência, para a violência. do estudo para a universidade. Muitos por aí bradam a liberdade,
E aqui entram outros dois prin- Ao contrário, são parte essencial discursam pela autonomia, mas
cípios: o círculo e o tempo livre. dele, como parte da emancipação defendem a submissão e exercem
Inspirado na tradição da educa- que buscamos. No tempo livre o a tutela sobre o corpo e o pensa-
ção popular, o círculo Emancipa é estudante consegue pensar no mento. Para nós, a autonomia não 33
um espaço essencial e inegociável quer, suas motivações e confli- pode ser abstrata. Ela se constrói
no qual, educandos e educado- tos, ressignificando sua experiên- a partir do reconhecimento das
res, dispostos em roda, olhando cia. No círculo educandos podem estruturas de poder que moldam
uns para os outros e tendo respei- compreender o mundo ao redor, nossas “escolhas” e opiniões. Por
tado o direito de dizer e de ouvir, cruzar histórias, afetos e experi- isso, entendemos que uma ver-
debatem temas do cotidiano, da ências. Esse é o caminho que tem dadeira educação para a liber-
família, do território, da cidade e se demonstrado mais eficaz para dade se expressa na organização
de sua própria vida. Assim é tam- enfrentar com coragem e sem coletiva para a conquista da au-
bém o tempo livre: um espaço culpa o processo do vestibular. tonomia, pela educação pública
de criação, inserido no meio das Não é demais lembrar, po- de qualidade, pela dignidade de
atividades e aulas, no qual todos rém, que vivemos em uma épo- poder viver sem medo, por uma
podem fazer o que quiser – in- ca de preconceito e a intole- universidade aberta ao povo, por
clusive estudar. Mas aí logo vão rância. Praticar uma educação uma sociedade justa. Esta luta
dizer: “isso é bonito, mas não fun- emancipadora significa comba- nos move, pois expressa a garan-
ciona, porque tem o vestibular, a ter o discurso e a postura que tia de direitos sem os quais não há
competição, temos que otimizar vise diminuir o outro, inferioriza como falar em liberdade.
o tempo, dar mais conteúdo téc- -lo, destruí-lo. Este discurso de
*Juliano Niklevicz e
nico etc.” Aí tá outro equívoco. ódio, que se disfarça de liberda-
Bruno Magalhães
Temos aprendido nesses dez anos de de expressão, não pode ser
Se muito vale o que foi feito, mais vale o que será

movimento na pesquisa, pesquisa no movimento

N esses 10 anos, a Rede Emanci-


pa foi alvo de pesquisas e pu-
blicações, confira aqui algumas delas:
mo, Mérito e Democratização em
Questão. Tese de Doutorado de
Maíra T Mendes, UERJ, 2016.
do Enem em 2009.

- Cursinho Popular Emancipa:


Trabalho que analisa discursos movimento de educação popular
DISSERTAÇÕES E TESES: sobre do governo, da universidade, [Marabá-PA]. Rigler Aragão e ou-
da mídia e de movimentos sociais so- tros. Revista de Educação Popular,
- Urbanização e educação: da bre o mérito e sobre a democratiza- v. 14, n. 2, 2015.
escola de bairro à escola de passa- ção no acesso à unniversidade. Discussão da experiência da Rede
gem. Tese de Doutorado de Gilber- Emancipa em Marabá-PA, a partir da
to Franca, USP, 2010. LIVROS E CAPÍTULOS discussão sobre a formação crítica
Trabalho que trata da reorganiza- DE LIVROS: para a juventude.
ção escolar na rede estadual de São
Paulo e seus efeitos na escola e no - Às portas da universidade: al- - Cursinho Popular Emancipa
bairro. ternativas de acesso ao ensino su- [Santarém-PA]. Charlison do Carmo
perior. Livro organizado por Gilber- et al. Artigo publicado na Revista de
- Inclusão ou emancipação? Um to Franca, Maíra Mendes e Lisete Extensão da Integração Amazônica,
estudo do Cursinho Popular Chico Arelaro, Editora Xamã, 2012. Santarém, v. 01, n.01, 2016.
Mendes/Rede Emancipa na Grande Livro resultante de Seminário Relato de experiência da Rede
São Paulo. Dissertação de Mestra- organizado na FE-USP com ampla Emancipa em Santarém-PA.
do de Maíra Mendes, UFRGS, 2011. coletânea de textos tratando da his-
Estudo de caso do primeiro cur- tória, experiência e desafios da Rede - Entrevista – Rede Emancipa.
sinho da Rede Emancipa, discute as Emancipa. Revista Crioula USP, no. 16, 2015.
contradições entre “preparar para Laiz Colosovski entrevista Cibe-
o vestibular” e a politização da vida - Educação, Sociedade e Teorias le Lima sobre concepção da Rede e
dos estudantes. Pedagógicas: reflexões formativas. desafios.
Livro organizado por Cláudia Go-
- Movimento socioespacial de mes, Editora CRV, 2015. - Emancipa nos bairros: levando
34 cursinhos alternativos e populares: Conta com artigo de Maíra Men- o cursinho popular às regiões não-
a luta pelo acesso à universidade no des e Marcela Rufato que discute as centrais de Marabá-PA. Andrei Al-
contexto do direito a cidade. Tese escolhas curriculares em cursinhos e buquerque e outros, trabalho apre-
de Doutorado de Clóves A. Castro, o debate sobre “não dar tempo para sentado no VIII FIPED, 2016.
Unicamp, 2011. o conteúdo”. Análise do projeto Emancipa nos
Análise da dinâmica do movi- Bairros a partir de reflexões sobre
mento de cursinhos sob um olhar ARTIGOS EM PERIÓDICOS OU David Harvey e Paulo e Freire.
geográfico e a relação com o direito TRABALHOS PUBLICADOS EM
à cidade. EVENTOS: - Grupo de Estudos sobre a Ju-
ventude de AlfenasMG: relato de
- Tentando chegar lá: as experi- - E se não houvesse o vestibu- experiência sobre um projeto de
ências de jovens em um cursinho lar? – Percepções de professores e extensão universitária. Ana There-
popular em São Paulo. Tese de Dou- alunos do Cursinho Popular Chico za Magalhães e outros. Revista Bra-
torado de Eduardo Bonaldi, USP, Mendes acerca da elitização do en- sileira de Extensão Universitária, v.
2015. sino superior. Maíra T Mendes. Tra- 7, n. 1, 2016.
Estudo de caso do Cursinho Po- balho apresentado na IX Anped-Sul, Análise de projetos de extensão
pular Salvador Allende, analisa as as- 2012. universitária da UNIFAL voltados à ju-
pirações e dificuldades de estudan- Pesquisa com estudantes de um ventude, incluindo a Rede Emancipa.
tes e professores. cursinho sobre a possibilidade do fim
- Acesso à Universidade: Dualis- do vestibular a partir das mudanças *Maíra Tavares
Emancipa: 10 anos educando para a liberdade

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