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MINISTÉRIO PÚBLICO DE PERNAMBUCO

PROCURADORIA GERAL DE JUSTIÇA


Subprocuradoria-Geral de Justiça em Assuntos Jurídicos

INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA


PROCESSO Nº 0018952-81.2019.8.17.9000
ÓRGÃO JULGADOR: SEÇÃO CÍVEL
RELATOR: DES. FRANCISCO MANOEL TENÓRIO DOS SANTOS
SUSCITANTE: QUINTA CÂMARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA/PE
SUSCITADO (S): SUL AMERICA COMPANHIA DE SEGURO SAÚDE E OUTROS

MANIFESTAÇÃO

Trata-se de INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA suscitado na


forma do art. 947, § 1º, do CPC, pela 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de
Pernambuco, nos autos da Apelação nº 0005997-34.2017.8.17.2001, tendo como
recorrente a empresa Sul América Companhia de Seguro Saúde e recorrido
Fernando Cavalcanti Martins, menor impúbere, representado por sua genitora.

Depreende-se dos autos que o presente incidente de assunção de


competência, admitido à unanimidade (ID Num. 9281944 – Págs. 7 a 12), tem por
escopo a uniformização da jurisprudência do Tribunal de Justiça de Pernambuco,
concernente à responsabilização dos planos de saúde pelas despesas de tratamento
multidisciplinar de segurado portador de Transtorno do Espectro Autista (TEA).

Insatisfeita, a Sul América interpôs embargos declaratórios com efeitos


infringentes em face do decisum que admitiu o IAC (ID Num. 10149306), porém, à
unanimidade, foram rejeitados os aclaratórios (ID Num. 12315238).

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Em decisão ID Num. 15491907, o Douto Relator indeferiu o pedido de
habilitação, na qualidade de amicus curiae, da Unimed Recife Cooperativa de Trabalho
Médico e do profissional Franklin Façanha da Silva, ao passo em que deferiu a
participação da Defensoria Pública do Estado de Pernambuco, da Ordem dos
Advogados do Brasil, da Associação de Defesa dos Usuários de Seguros, Planos e
Sistemas de Saúde (ADUSCEPS), da Federação Nacional de Saúde Suplementar
(FENASAÚDE) e da Associação de Famílias para o Bem-Estar e Tratamento da
Pessoa com Autismo (AFETO), com lastro no art. 138, § 2º, do CPC.

Além disso, a Douta Relatoria convocou as entidades admitidas como


amicus curiae e demais especialistas para, querendo, habilitarem-se para serem
ouvidos em audiência pública, a qual foi realizada nos dias 04, 18 e 25/05/2021.

Após os respectivos pedidos de habilitação, a audiência pública restou


realizada nas datas aprazadas, conforme notas taquigráficas constantes nos Docs. ID
Num. 17617544 a 17617547.

A Sul América atravessou nova petição (ID Num. 17041036), acostando a


Resolução Normativa nº 469/2021, da ANS, pugnando pela desnecessidade de
intervenção do Poder Judiciário sobre o tema em questão, tendo por adequada a
conduta das operadoras de planos de saúde privados no que tange ao tratamento
ofertado às pessoas com TEA.

Por fim, em razão do despacho ID 17811407, os autos foram remetidos ao


Ministério Público para manifestação na condição de fiscal da ordem jurídica, na forma
do art. 178, incisos I e II c/c art. 179, I, do CPC.

É o relatório.

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O Incidente de Assunção de Competência consiste em instituto processual
criado em consonância com o dever dos tribunais de uniformizar a sua jurisprudência,
concretizando a segurança jurídica, a previsibilidade dos seus julgados e evitando a
existência de decisões divergentes para o deslinde de questões semelhantes.

Diz o Código de Processo Civil, acerca do instituto em questão:

Art. 947. É admissível a assunção de competência quando o julgamento de recurso, de re-


messa necessária ou de processo de competência originária envolver relevante questão de
direito, com grande repercussão social, sem repetição em múltiplos processos.
§ 1º Ocorrendo a hipótese de assunção de competência, o relator proporá, de ofício ou a re-
querimento da parte, do Ministério Público ou da Defensoria Pública, que seja o recurso, a
remessa necessária ou o processo de competência originária julgado pelo órgão colegiado
que o regimento indicar.
§ 2º O órgão colegiado julgará o recurso, a remessa necessária ou o processo de compe-
tência originária se reconhecer interesse público na assunção de competência.
§ 3º O acórdão proferido em assunção de competência vinculará todos os juízes e órgãos
fracionários, exceto se houver revisão de tese.

No caso em análise, a questão posta em testilha e objeto da prevenção e


correção de divergência jurisprudencial diz respeito, em síntese, à responsabilidade
dos planos de saúde de custearem as despesas de tratamento multidisciplinar de
segurado portador de Transtorno do Espectro Autista (TEA).

A relevância da matéria ora em debate também foi objeto do Procedimento


de Autocomposição nº 01/2019 (2019/253599) realizado pela Procuradoria de Justiça
em Matéria Cível, no qual foi possível se observar os relatos acerca da discrepância de
efetividade entre o tratamento realizado por profissionais particulares reembolsados
pelos respectivos planos de saúde e o prestado pelos profissionais da rede
referenciada dos aludidos planos de saúde, nos quais estes se apresentam aquém do
necessário para o real desenvolvimento dos segurados com TEA, pessoas estas que
na última estatística oficial realizada em 2010 pela Prefeitura do Recife,
compreendendo a população de zero a quatorze anos neste município, correspondiam

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a 322.831 (trezentos e vinte e dois mil e oitocentos e trinta e uma) pessoas.

O advogado Dr. Robson Menezes, no procedimento de autocomposição


antedito, também relatou as dificuldades no tocante à efetividade das decisões judiciais
que determinam aos planos de saúde a cobertura do tratamento indicado por
neuropediatras às crianças e adolescentes com autismo. Isto porque as decisões que
concedem a tutela de urgência muitas vezes o fazem determinando que a realização
do tratamento seja “preferencialmente” pela rede credenciada.

Ocorre que, a despeito da incerta qualificação da referida rede, muitos


planos de saúde terminam por não autorizarem o pagamento de reembolso sob a
escusa de que possuem profissionais habilitados para aquele tratamento, o que
acarreta a interrupção do tratamento pelos profissionais particulares, os quais se
utilizam de métodos científicos como ABA, PEC, DENVER e PROMPT,
comprovadamente exitosos no desenvolvimento de pessoas com TEA.

Feito este breve introito acerca da importância do tema em debate, mister


se faz apontar quais as questões a serem dirimidas no presente IAC, conforme
delimitação efetuada pelo Douto Relator: 1) Os planos de saúde estão obrigados a
custear tratamento multidisciplinar pelos métodos ABA, BOBATH, HANEN, PECS,
PROMPT, TEACCH e INTEGRAÇAO SENSORIAL? 1.1) Quais requisitos necessários
para que o profissional seja considerado especialista nos referidos métodos? 1.2) O
segurado pode realizar o tratamento multidisciplinar fora da rede credenciada do plano
de saúde? 1.3) Os custos serão reembolsados integral ou parcialmente? 1.4) A
negativa de custeio enseja reparação por danos morais? 2) As operadoras de saúde
devem arcar com os custos de terapias especiais (psicopedagogia, musicoterapia,
equoterapia, hidroterapia e psicomotricidade)? 2.1) O segurado pode realizar o
tratamento multidisciplinar fora da rede credenciada do plano de saúde? 2.1) Os custos
serão reembolsados integral ou parcialmente? 2.3) A negativa de custeio enseja

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reparação por danos morais?

Ab initio, impende-se rememorar que o direito à saúde é um direito


constitucional de segunda geração, caracterizado pelo acesso universal, sendo dever
do Estado garantir as condições indispensáveis para o seu pleno exercício. Eis o que
dispõe a Constituição Federal:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o


transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância,
a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais
e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso
universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

É justamente por se tratar de um direito fundamental e dever do Estado que


o legislador constitucional precisou autorizar a iniciativa privada para atuar nessa área,
conforme se observa no caput do art. 199, da Constituição Federal.

Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.

Considerando a relevância pública das ações e serviços de saúde, o art. 197


do Texto Constitucional estabeleceu que caberia ao Poder Público dispor, “nos termos
da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser
feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de
direito”.

Sobreleve-se que o antedito dever do Estado não se restringe à obrigação


de criação de normas, mas contempla a obrigação de promover a concretude desse
direito.

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No arcabouço normativo atinente ao direito à saúde, mister se faz destacar a
absoluta prioridade estatuída pelo Constituinte à criança, ao adolescente e ao jovem no
que tange ao direito à vida e à saúde, bem como colocá-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (art. 227, da
CF).

A aludida prioridade também é objeto de destaque no Estatuto da Criança e


do Adolescente que assim estabelece, in litteris:

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público asse-


gurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade,
ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Art. 7º A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetiva-
ção de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e
harmonioso, em condições dignas de existência.
Art. 15. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como
pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, hu-
manos e sociais garantidos na Constituição e nas leis.

Demais disso, como consectário lógico do princípio da isonomia, as pessoas


com TEA são consideradas pessoas com deficiência e não podem vir a sofrer qualquer
tipo de discriminação, razão por que o Estatuto da Pessoa com Deficiência, mais
precisamente em seus artigos 2º e 20, estabelecem a obrigatoriedade de os planos de
saúde em geral garantirem todos os serviços e produtos ofertados aos demais clientes,
sem a cobrança de valores diferenciados.

Art. 2º. Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo
de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais
barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de
condições com as demais pessoas.
....
Art. 20. As operadoras de planos e seguros privados de saúde são obrigadas a garantir à
pessoa com deficiência, no mínimo, todos os serviços e produtos ofertados aos demais cli-
entes.

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Art. 23. São vedadas todas as formas de discriminação contra a pessoa com deficiência, in-
clusive por meio de cobrança de valores diferenciados por planos e seguros privados de
saúde, em razão de sua condição.

No que tange à cobertura obrigatória dos planos de saúde, a Lei nº


9.656/1998 estabelece, em seu art. 10, a assistência médico-ambulatorial e hospitalar
de todas as doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e
Problemas Relacionados com Saúde, da Organização Mundial de Saúde.

Art. 10. É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura


assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos,
realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva,
ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças listadas na
Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde,
da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art.
12 desta Lei, exceto: (G.N.)

Dentre as referidas doenças estão as listadas no CID 10 – F84, pertinente


aos Transtornos do Desenvolvimento Psicológico, como é o caso do Transtorno Global
do Desenvolvimento, sendo o autismo um deles (CID 10-F84.0).

Acerca da política nacional de proteção dos direitos da pessoa com


transtorno do espectro autista, prevista na Lei Federal nº 12.764/2012, destaca-se a
norma inserta no art. 3º que assegura, dentre outros direitos, o acesso a ações e
serviços de saúde, com vistas à atenção integral às suas necessidades de saúde,
incluindo o diagnóstico precoce, ainda que não definitivo da doença e o atendimento
multiprofissional.

Art. 3º São direitos da pessoa com transtorno do espectro autista:


(...)
III - o acesso a ações e serviços de saúde, com vistas à atenção integral às suas neces-
sidades de saúde, incluindo:
a) o diagnóstico precoce, ainda que não definitivo;
b) o atendimento multiprofissional;
(G.N.)

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Urge salientar que um dos maiores contributos que os profissionais
especialistas e expositores na audiência pública que se realizou em maio do corrente
ano puderam apresentar diz respeito ao fato de o atendimento multiprofissional, por
meio das ciências/métodos ABA, BOBATH, HANEN, PECS, PROMPT, TEACCH e
INTEGRAÇÃO SENSORIAL, não estar adstrita a questões educacionais, mas possuir
natureza de saúde.

Isto porque, consoante pugnado por diversos expositores em audiência


pública, dentre os quais se destaca o Dr. Gustavo Holanda, médico neuropediatra, os
referidos tratamentos salvam vidas, mormente quando a expectativa de vida de
pessoas com autismo é de 36 (trinta e seis) anos, sendo três vezes maiores as
chances das pessoas com TEA sofrerem com acidentes fatais, chegando-se a 79,4%
(setenta e nove vírgula quatro por cento) o índice de mortes causadas por afogamento,
sufocamento e asfixia nos autistas com menos de 15 (quinze) anos. É de claridade
solar, portanto, que os referidos tratamentos não devem ser pensados como de mera
natureza educacional, mas como ferramentas imprescindíveis para a sobrevivência
dessas pessoas.

É patente que a falta do tratamento adequado, individualizado, para cada


paciente, subscrito por médico especialista, por meio de equipe multiprofissional, pode
acarretar uma limitação permanente na capacidade desses indivíduos na realização de
suas atividades diárias, inclusive nas suas conquistas educacionais, sociais e
oportunidades de trabalho.

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Dessa forma, tem-se a convicção, por todo o ordenamento jurídico pátrio
que as operadoras de saúde têm a obrigação de custearem os referidos tratamentos,
os quais não devem ser limitadas no número de sessões – aplicando-se por analogia o
verbete de nº 302, da Súmula do Ínclito STJ1 -, pois, conforme é cediço, compete ao
profissional médico a indicação da técnica terapêutica mais adequada à saúde do seu
paciente, pelo tempo que for necessário, sob pena de ser transferida à própria
operadora de saúde a responsabilidade pelo insucesso do tratamento, as quais,
inclusive, albergam as terapias especiais (psicopedagogia, musicoterapia, equoterapia,
hidroterapia e psicomotricidade).

Ora, sendo certa a cobertura do tratamento para a enfermidade, consoante


esposado alhures, não compete às operadoras de saúde limitar os procedimentos pelo
simples fato de não constar no rol da ANS que, por sua vez, tem o caráter meramente
exemplificativo, pois o poder normativo atribuído às agências reguladoras não pode
inovar a ordem jurídica, devendo o aludido poder ser exercido em conformidade com a
Lei Maior e demais normas infraconstitucionais.

Na mesma toada, traz-se à colação os seguintes julgados:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER E DE PAGAR. CONTRATO DE PLA-


NO DE SAÚDE. AMPLITUDE DE COBERTURA. ROL DE PROCEDIMENTOS E EVENTOS EM
SAÚDE DA ANS. NATUREZA EXEMPLIFICATIVA. LIMITAÇÃO DO NÚMERO DE SESSÕES DE
TERAPIA OCUPACIONAL. ABUSIVIDADE. JULGAMENTO: CPC/15. 1. (...). 2. O propósito recur-
sal é dizer sobre a obrigação de a operadora de plano de saúde custear integralmente o tratamen-
to de terapia ocupacional, sem limitar o número e a periodicidade das sessões indicadas na pres-
crição médica. 3. Nos termos do § 4º do art. 10 da Lei 9.656/1998, a amplitude da cobertura assis-
tencial médico-hospitalar e ambulatorial, inclusive de transplantes e de procedimentos de alta
complexidade, é regulamentada pela ANS, a quem compete a elaboração do rol de procedimentos
e eventos para a promoção à saúde, a prevenção, o diagnóstico, o tratamento, a recuperação e a
reabilitação de todas as enfermidades que compõem a Classificação Estatística Internacional de
Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde – CID, da Organização Mundial de Saúde –
OMS, respeitadas as segmentações assistenciais contratadas. 4. O Plenário do STF reafirmou,
no julgamento da ADI 2.095/RS (julgado em 11/10/2019, DJe de 26/11/2019), que “o poder
normativo atribuído às agências reguladoras deve ser exercitado em conformidade com a

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Súmula 302 do STJ: É abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita no tempo a internação hospitalar do segurado.

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ordem constitucional e legal de regência”, razão pela qual os atos normativos exarados pe-
la ANS, além de compatíveis com a Lei 9.656/1998 e a Lei 9.961/2000, dentre outras leis es-
peciais, devem ter conformidade com a CF/1988 e o CDC, não lhe cabendo inovar a ordem
jurídica. 5. Conquanto o art. 35-G da Lei 9.656/1998 imponha a aplicação subsidiária da lei con-
sumerista aos contratos celebrados entre usuários e operadoras de plano de saúde, a doutrina es-
pecializada defende a sua aplicação complementar àquela lei especial, em diálogo das fontes,
considerando que o CDC é norma principiológica e com raiz constitucional, orientação essa que se
justifica ainda mais diante da natureza de adesão do contrato de plano de saúde e que se confir-
ma, no âmbito jurisdicional, com a edição da súmula 608 pelo STJ. 6. Quando o legislador trans-
fere para a ANS a função de definir a amplitude das coberturas assistenciais (art. 10, § 4º, da
Lei 9.656/1998), não cabe ao órgão regulador, a pretexto de fazê-lo, criar limites à cobertura
determinada pela lei, de modo a restringir o direito à saúde assegurado ao consumidor,
frustrando, assim, a própria finalidade do contrato. 7. O que se infere da leitura da Lei
9.656/1998 é que o plano-referência impõe a cobertura de tratamento de todas as doenças
listadas na CID, observada a amplitude prevista para o segmento contratado pelo consumi-
dor e excepcionadas apenas as hipóteses previstas nos incisos do art. 10, de modo que
qualquer norma infralegal que a restrinja mostra-se abusiva e, portanto, ilegal, por colocar o
consumidor em desvantagem exagerada. 8. O rol de procedimentos e eventos em saúde (atu-
almente incluído na Resolução ANS 428/2017) é, de fato, importante instrumento de orientação
para o consumidor em relação ao mínimo que lhe deve ser oferecido pelas operadoras de plano
de saúde, mas não pode representar a delimitação taxativa da cobertura assistencial mínima, na
medida em que o contrato não se esgota em si próprio ou naquele ato normativo, mas é regido pe-
la
legislação especial e, sobretudo, pela legislação consumerista, com a ressalva feita aos contratos
de autogestão. 9. Sob o prisma do CDC, não há como exigir do consumidor, no momento em que
decide aderir ao plano de saúde, o conhecimento acerca de todos os procedimentos que estão – e
dos que não estão – incluídos no contrato firmado com a operadora do plano de saúde, inclusive
porque o rol elaborado pela ANS apresenta linguagem técnico-científica, absolutamente ininteligí-
vel para o leigo. Igualmente, não se pode admitir que mero regulamento estipule, em desfavor do
consumidor, a renúncia antecipada do seu direito a eventual tratamento prescrito para doença lis-
tada na CID, por se tratar de direito que resulta da natureza do contrato de assistência à saúde.
10. (...). 13. A qualificação do rol de procedimentos e eventos em saúde como de natureza taxativa
demanda do consumidor um conhecimento que ele, por sua condição de vulnerabilidade, não pos-
sui nem pode ser obrigado a possuir; cria um impedimento inaceitável de acesso do consumidor
às diversas modalidades de tratamento das enfermidades cobertas pelo plano de saúde e às no-
vas tecnologias que venham a surgir; e ainda lhe impõe o ônus de suportar as consequências de
sua escolha desinformada ou mal informada, dentre as quais, eventualmente, pode estar a de as-
sumir o risco à sua saúde ou à própria vida. 14. É forçoso concluir que o rol de procedimentos
e eventos em saúde da ANS tem natureza meramente exemplificativa, porque só dessa for-
ma se concretiza, a partir das desigualdades havidas entre as partes contratantes, a harmo-
nia das relações de consumo e o equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedo-
res, de modo a satisfazer, substancialmente, o objetivo da Política Nacional das Relações
de Consumo. 15. Hipótese em que a circunstância de o rol de procedimentos e eventos em saúde
estabelecer um número mínimo de sessões de terapia ocupacional de cobertura obrigatória, ao ar-
repio da lei, não é apta a autorizar a operadora a recusar o custeio das sessões que ultrapassam o
limite previsto. Precedente do STF e do STJ. 16. Recurso especial conhecido e desprovido, com
majoração de honorários. (STJ - RECURSO ESPECIAL Nº 1.846.108 - SP (2019/0217283-5) - Ór-

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gão Julgador: Terceira Turma – Relatora: MINISTRA NANCY ANDRIGHI – Julgamento:
02/02/2021 – Publicação: DJe 05/02/2021) (G.N.)

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. NEGATIVA DE COBERTURA DE


PROCEDIMENTO MÉDICO. DOENÇA PREVISTA NO CONTRATO DE PLANO DE SAÚDE.
PROCEDIMENTO NÃO PREVISTO NO ROL DA ANS. ROL EXEMPLIFICATIVO. COBERTURA
MÍNIMA. INTERPRETAÇÃO MAIS FAVORÁVEL AO CONSUMIDOR. SÚMULA N. 83 DO STJ.
DANO MORAL. NÃO IMPUGNAÇÃO DE FUNDAMENTO SUFICIENTE POR SI SÓ PARA A MA-
NUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA. SÚMULA N. 283 DO STF. QUANTUM INDENIZATÓRIO.
SÚMULA N. 182/STJ. 1. Não é cabível a negativa de tratamento indicado pelo profissional de saú-
de como necessário à saúde e à cura de doença efetivamente coberta pelo contrato de plano de
saúde. 2. O fato de eventual tratamento médico não constar do rol de procedimentos da ANS
não significa, per se, que a sua prestação não possa ser exigida pelo segurado, pois, tra-
tando-se de rol exemplificativo, a negativa de cobertura do procedimento médico cuja do-
ença é prevista no contrato firmado implicaria a adoção de interpretação menos favorável
ao consumidor. 3. É inviável agravo regimental que deixa de impugnar fundamento da decisão
recorrida por si só suficiente para mantê-la. Incidência da Súmula n. 283 do STF. 4. "É inviável o
agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agra-
vada" (Súmula n. 182 do STJ). 5. Agravo regimental parcialmente conhecido e desprovido. (STJ –
AgReg no AREsp 708.082/DF - Órgão Julgador: Terceira Turma – Relator: MINISTRO JOÃO O-
TÁVIO DE NORONHA – Julgamento: 16/02/2016 – Publicação: DJe 26/02/2016) (G.N.)

Gize-se, ainda, o seguinte excerto de sentença prolatada pelo nobre


julgador federal da 2ª Vara Federal Cível da SJGO, nos autos da Ação Civil Pública de
nº 1005197-60.2019.4.01.3500, que determinou a inaplicabilidade da Resolução nº
428/2017 da ANS, para o tratamento de autismo, quanto à limitação de consulta e
sessões para a reabilitação do retardo do desenvolvimento psicomotor das pessoas
com TEA, observando-se, apenas, a prescrição médica. Senão vejamos:

(...)
Ao teor do art. 1º, I, da Lei 9.656/1998, já transcrito, infere-se que as pessoas jurídicas de direito
privado que operam planos de assistência à saúde deverão disponibilizar ao consumidor plano de
saúde privado apto a lhe proporcionar serviços de assistência à saúde sem limite financeiro. É
dizer, as operadoras de planos privados de saúde, obviamente como fornecedora dos serviços de
assistência à saúde, assumem em regra a obrigação de garantir a assistência contratada pelo
consumidor sem limites financeiros, como ônus de seu negócio.

Tal obrigação se reveste de garantia ao consumidor, usuário do plano de saúde, e está discrimi-
nada no art. 10 da referida Lei 9.656/1998, tendo o legislador ordinário disposto detalhadamente
sobre o plano-referência, descrevendo a cobertura ilimitada assistencial médico-ambulatorial e
hospitalar dos eventos em saúde, isto é, para tratamento das doenças listadas na Classificação

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Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização
Mundial de Saúde, a exceção apenas das hipóteses que enumera.

Nesse diapasão, deve se enfatizado que, ainda que se considere que os parágrafos 1º e 4º do art.
10 da mencionada Lei 9.656/1998 determinem que “as exceções constantes dos incisos deste ar-
tigo serão objeto de regulamentação pela ANS”, bem como que “a amplitude das coberturas, in-
clusive de transplantes e de procedimentos de alta complexidade, será definida por normas edita-
das pela ANS”, o certo é que a interpretação sistemática desses dispositivos induz à conclusão de
que o poder regulamentar delegado à ANS está norteado pelo melhor benefício ao consumidor,
não em seu desfavor.

A intenção do legislador ordinário é clara e manifesta no sentido de que a atuação da ANS, na re-
gulamentação dessas matérias, visa logicamente assegurar a ampliação ou extensão da cobertu-
ra, de modo a incluir o melhor atendimento possível nas hipóteses excepcionais, em proveito do
consumidor, usuário do plano de saúde, frise-se, sem jamais, por outro lado, reduzir a amplitude
de cobertura para casos de doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças
e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde.

Assim é que, estando o denominado transtorno do espectro autista (TEA) listado na Classificação
Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização
Mundial de Saúde e sendo o portador de TEA consideradopessoa portadora de deficiência, sob
especial proteção da Lei 12.764/2012, não pode a ANS se descurar do dever de garantir que es-
sas pessoas tenham acesso ilimitado à cobertura dos planos de saúde, observado o tratamento
prescrito por profissional de saúde especializado, caso a caso.

Nesse contexto, é que se deduz que, precisamente no caso do portador de TEA, cujo tratamento,
segundo incontroverso nos autos, deve se dar por equipe multidisciplinar de saúde e em consul-
tas/sessões de alta intensidade, muitas vezes durante longos períodos de tempo, conforme o ca-
so, os limites mínimos definidos na Resolução n. 428/2017, ora questionados, culminam por impor,
ou ao menos permitir, sugerir, na prática, limitação ou barreira indevida ao atendimento de saúde
adequado dessas pessoas, através dos planos de saúde em geral.

Isto porque, ainda que se entenda que o limite definido no regulamento da ANS é mínimo, não ha-
vendo limite máximo definido, é realmente relevante considerar que, no contexto prático do caso
concreto, as operadoras de plano de saúde em geral optem por oferecer apenas e exclusivamente
o mínimo definido pela agência reguladora, por questões meramente financeiras, de custos e de
mercado.

Tal limitação de consultas/sessões ao mínimo exigido em regulamento carece de demonstração,


pois é de conhecimento público, assumindo a feição de fato notório, as dificuldades enfrentadas
pelas pessoas portadoras de TEA e suas famílias para garantir a cobertura ilimitada a que legal-
mente fazem jus, com vistas a lhes permitir acesso aos tratamentos prescritos individualmente a
esses pacientes por profissionais de saúde especializados, frente às operadoras dos planos priva-
dos de assistência à saúde.

Justamente por isso é que a pretensão inicial de que sejam afastados os limites mínimos definidos
pela Resolução n° 428/2017 (Anexo II) para consultas/sessões de psicoterapia, fonoaudiologia, te-
rapia ocupacional e fisioterapia para reabilitação no retardo do desenvolvimento psicomotor de

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pessoas portadoras de TEA deve ser acolhido, frise-se, a fim de se garantir que o atendimento
multidisciplinar prestado aos pacientes autistas e usuários de planos privados de assistência à sa-
úde seja efetivamente ILIMITADO quanto ao número de consultas/sessões, a depender, exclusi-
vamente, da prescrição de tratamento feita individualmente pelo(s) profissional(is) de saúde res-
ponsável(is) pelo acompanhamento do paciente autista, de modo a se assegurar serviços de as-
sistência à saúde sem limite financeiro.

Ante o exposto, julgo parcialmente procedente o pleito inicial, para declarar a inaplicabilidade
para o tratamento de autismo da limitação mínima, e muito menos máxima, prevista na Resolução
n° 428/2017 (Anexo II), no que toca precisamente a consultas/sessões de psicoterapia, fonoaudio-
logia, terapia ocupacional e fisioterapia para reabilitação do retardo do desenvolvimento psicomo-
tor de pessoas portadoras de Transtorno do Espectro Autista (TEA), usuárias de planos privados
de assistência à saúde, garantindo-se-lhes que o número de consultas/sessões em referência seja
ilimitado, observando-se apenas a prescrição do profissional de saúde responsável pelo atendi-
mento/tratamento da pessoa portadora de autismo. (...)

Dessa forma, tem-se como positiva a resposta para os questionamentos


atinentes à obrigatoriedade, por parte dos planos de saúde, quanto ao custeio do
tratamento multidisciplinar e das terapias especiais, desde que indicadas por
profissional médico, haja vista os comprovados resultados benéficos ao
desenvolvimento dessas crianças.

A mesma exegese também é aplicada aos questionamentos dos itens 1.2,


1.3, 2.1 e 2.2, pois, sendo obrigatória o custeio pelas operadoras de saúde quanto ao
referido tratamento, a inexistência de rede credenciada implica responsabilidade dos
planos de saúde pelos custos dos serviços de forma particular, inclusive com o
reembolso integral àqueles que tiveram o dispêndio financeiro, pois, do contrário, a
própria eficácia do tratamento estaria prejudicada.

Vale ressaltar que o ressarcimento com as despesas no tratamento


multidisciplinar por parte dos planos de saúde, para os casos de inexistência de
clínicas para o fornecimento do atendimento especializado é objeto do Projeto de Lei
nº 5158/2020, o qual assim estabelece:

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Art. 1º Os planos de saúde são obrigados a fornecer atendimento multiprofissional à
criança diagnosticada com Transtorno do Espectro Autista – TEA ou que possua atrasos no
seu desenvolvimento que indiquem risco de TEA, nos termos da alínea b do inciso III do art.
3º da Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012. Parágrafo único. O atendimento
multiprofissional de que trata o caput envolve serviços de fonoaudiologia, de psicologia, de
terapia ocupacional e de psicopedagogia, entre outros, além de terapias baseadas na
Análise do Comportamento Aplicada, Applied Behavior Analysis – ABA, inclusive em
modelos que utilizam sistemática composta por supervisor e assistente terapêutico.

Art. 3º Caso o plano de saúde não possua clínica para o fornecimento do atendimento
especializado de que trata o art. 1º desta Lei, deverá promover o ressarcimento das
despesas com o assistente e ou supervisor terapêutico, desde que este seja profissional
das áreas constantes do parágrafo único do art. 1º.

No tocante aos requisitos necessários para que o profissional seja


considerado especialista para a aplicação das ciências/métodos suso mencionadas,
em que pese a míngua de legislação específica nesse desiderato, demonstrou-se um
consenso entre os especialistas expositores na audiência pública a necessidade de
especialização na referida área, com horas de práticas supervisionadas, não sendo
suficientes cursos com cargas horárias de 20 (vinte) horas, como colocado pela Dra.
Rafaela Vasconcelos Viana e verificadas pela referida expositora em perícias
realizadas nas clínicas credenciadas pelas operadoras de saúde.

Demais disso, conquanto não se observe legislação específica para tratar


sobre os requisitos mínimos, impende-se, como consectário lógico da norma
constitucional que impõe colocar a salvo os infantes, adolescentes e jovens de toda
forma de negligência (CRFB/88, art. 227, caput), aplicando-se, ainda, a razoabilidade
em tema tão sensível, que sejam atendidos pelos profissionais especializados com os
requisitos mínimos elencados pela Associação Brasileira de Psicologia e Medicina
Comportamental – ABPMC.

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Os aludidos requisitos são exigências de formação acadêmica de título de
Mestre ou Doutor em “Análise do Comportamento, Psicologia Experimental ou
áreas associadas ao desenvolvimento atípico (ex., Psicologia, Educação, Educação
Especial, Distúrbios do Desenvolvimento, Psiquiatria) – para o agente supervisor da
ciência ABA -, bem como a obtenção de Certificado de Pós-Graduação Lato Sensu
(Especialização) em Análise do Comportamento ou Análise do Comportamento
Aplicada (ex., Clínica Analítico Comportamental, Terapia Comportamental) àqueles
agentes Coordenadores da ABA.

Aos Aplicadores da ciência ABA, cursos livres de, no mínimo, 40 (quarenta)


horas ou de disciplinas de graduação que contenham como conteúdos os “Conceitos
Básicos da Análise do Comportamento”; “Comportamentos Verbais”; “Procedimentos
de Manejo para minimizar comportamentos” e “Procedimentos para o ensino de novos
comportamentos”, respeitando-se, outrossim, o lapso temporal mínimo de prática
supervisionada para cada agente de ensino das intervenções baseadas em ABA ao
TEA/desenvolvimento atípico, constantes no artigo “Critérios para Acreditação
Específica de Prestadores de Serviços em Análise do Comportamento Aplicada (ABA)
ao TEA/Desenvolvimento Atípico Da ABPMC”2.

Os demais métodos também devem ser realizados por profissionais


especializados. É o caso, por exemplo, do profissional terapeuta ocupacional que
tenha feito o curso de Integração Sensorial para o exercício do referido método.

2
Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental – ABPMC. CRITÉRIOS PARA ACREDITAÇÃO ESPECÍFICA DE PRESTADORES DE
SERVIÇOS EM ANÁLISE DO COMPORTAMENTO APLICADA (ABA) AO TEA/DESENVOLVIMENTO ATÍPICO DA ABPMC. Disponível em: <
http://abpmc.org.br/arquivos/publicacoes/16070173662d2c85bd1c.pdf>. Acesso em: 04/06/2021.

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O raciocínio é o mesmo para os demais métodos que, para serem
desempenhados pelo profissional especialista não basta a realização de curso
introdutório/básico, devendo ser exigido o nível avançado, como é o caso do método
PECS, assim como a realização de todos os níveis de certificação para o método
PROMPT, sob pena de os tratamentos não serem alcançados em sua plenitude,
conforme bem destacado pela Dra. Rafaela Vasconcelos Viana, neuropediatra, na
audiência pública.

O método, PROMPT, inclusive, como bem destacado pela fonoaudióloga


Adriana Guerra, tem por escopo tratar dificuldades da fala, da comunicação e melhora
com as questões dos problemas sensoriais das crianças autistas e que somente no 2º
nível de certificação (“Bride”) é que se observam as técnicas mais complexas para o
melhor atendimento das crianças com TEA.

Em síntese, os requisitos para a realização das técnicas especializadas e


prescritas para o melhor atendimento das crianças com TEA são pertinentes à
realização dos cursos integrais dos respectivos métodos/ciências, não sendo suficiente
certificados de nível básico ou mera formação de graduação em curso superior, mas a
devida especialização por meio de cursos integrais de especialização – e não apenas a
certificação com relação aos níveis iniciais.

Por derradeiro, sobre a análise da questão indenizatória por danos morais,


mister se faz rememorar o disposto no art. 186 do Código Civil que estabelece que
“Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito
e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

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A condenação por danos morais perpassa pelo próprio Código de Defesa do
Consumidor que, por sua vez, estabelece a responsabilidade objetiva – independente
de culpa – pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos ou má
execução na prestação dos serviços, sendo exagerada qualquer tipo de cláusula ou
vantagem que ofenda princípios fundamentais do ordenamento jurídico pátrio ou
restrinja direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza da avença contratual.

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela


reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos
serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e
riscos.
§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode
esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:
I - o modo de seu fornecimento;
II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;
III - a época em que foi fornecido.

Art. 51 § 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:


I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;
II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal
modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual;

Destarte, a obrigação de indenizar exige a comprovação do defeito na


prestação do serviço; a existência de dano ao consumidor; e o nexo de causalidade.

Na situação em análise, a negativa indevida no custeio do tratamento


pleiteado em razão de prescrição do profissional especialista é suficiente para a
caracterização do defeito na prestação do serviço, sendo o dano presumido pela
simples ocorrência, haja vista os comprovados efeitos negativos para desenvolvimento
da criança autista quando não tratada de forma precoce, não sendo ignorada,
outrossim, a angústia, o abalo emocional e psíquico dos familiares das pessoas com
TEA, bem como os danos no comportamento e interação social nas pessoas com TEA
segurados quando não persiste o tratamento, restando patente o nexo de causalidade.

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Urge salientar que a Corte Superior de Justiça tem posicionamento
pacificado quanto à existência de dano moral quando proveniente de recusa
injustificada pela operadora de plano de saúde em fornecer o tratamento adequado em
razão de doença que está obrigada a custear, o que configura comportamento abusivo.
Senão vejamos, in verbis:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE


FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PLANO DE SAÚDE. COBERTURA PARA O
FORNECIMENTO DO SERVIÇO HOME CARE. FUNDAMENTO INATACADO. SÚMULA 283/STF.
RECUSA INDEVIDA. REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. CABIMENTO. VALOR FIXADO EM
CONSONÂNCIA COM OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE.
RECURSO DESPROVIDO. 1. Tendo o acórdão recorrido reconhecido a abusividade da recusa ao
fornecimento do serviço home care, mediante a aplicação do art. 51 do CDC, a ausência de
impugnação específica deste fundamento atrai a incidência da Súmula 283/STF, por aplicação
analógica, a impedir o conhecimento do recurso especial, no ponto. 2. É pacífica a
jurisprudência da Segunda Seção no sentido de reconhecer a existência do dano moral nas
hipóteses de recusa injustificada pela operadora de plano de saúde, em autorizar
tratamento a que estivesse legal ou contratualmente obrigada, por configurar
comportamento abusivo. 3. A fixação da indenização por dano moral em R$ 6.000,00 (seis mil
reais), no caso, não destoa dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. 4. Agravo
regimental a que se nega provimento. (STJ - AgRg no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº
840.465 - MA (2015/0327867-7) – Relator: Min. Marco Aurélio Bellizze - Órgão Julgador: Terceiro
Turma – Julgamento: 18/08/2016 – Publicação: DJe 30/08/2016).

Por conseguinte, o entendimento adotado pelo Ministério Público de


Pernambuco às questões levantadas neste presente incidente é o de que os planos de
saúde estão sim obrigados a custear o tratamento multidisciplinar pelos
métodos/ciências ABA, BOBATH, HANEN, PECS, PROMPT, TEACCH e
INTEGRAÇAO SENSORIAL por possuírem natureza de saúde, exigindo-se certificação
por instituições credenciadas nos órgãos competentes, não sendo suficiente aos
profissionais executores dos referidos métodos a simples certificação em nível
introdutório.

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As terapias especiais (psicopedagogia, musicoterapia, equoterapia,
hidroterapia e psicomotricidade) também devem ser cobertas pelos planos de saúde,
haja vista a impossibilidade de os planos escolherem o tratamento da doença que
estão obrigados a custear, devendo, na hipótese de inexistência de clínicas
credenciadas com profissionais especializados nos anteditos métodos e terapias, os
serviços serem prestados por clínicas não credenciadas com dispêndio financeiro
pelos planos de saúde, ainda que por meio de reembolso integral aos segurados.

Por derradeiro, considerando a recusa injustificada pela operadora de plano


de saúde em fornecer o tratamento adequado em razão de doença que está obrigada a
custear, resta configurado o comportamento abusivo e o dano presumido (dano in re
ipsa), assim como o nexo de causalidade, o que justifica a reparação por danos morais.

Diante de todo o exposto, buscando qualificar ainda mais a formação do


precedente obrigatório a ser formado neste Incidente de Assunção de Competência é
esta a manifestação ministerial.

Recife, 08 de outubro de 2021.


FRANCISCO DIRCEU Assinado de forma digital por FRANCISCO DIRCEU
BARROS:24880736368
BARROS:24880736368 Dados: 2021.10.08 11:22:03 -03'00'
FRANCISCO DIRCEU BARROS
Subprocurador Geral de Justiça em Assuntos Jurídicos

Resp/ATPGJ/RGG-dfs

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