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NATAL
2013
RENATA ALVES DE ALBUQUERQUE OTHON
NATAL
2013
ERRATA
Aprovado em:_____/____/____
Nota: ______
BANCA EXAMINADORA
___________________________________
___________________________________
___________________________________
(Voltaire)
RESUMO
This study aims to examine the journalistic work developed by the independent
media group Media Ninja, whose notoriety came during the coverage of the
manifestations this year, when millions of people took to the streets to protest against
rising prices of public transportation and for the improvement of public policies and
practices, considered a period of extreme historical importance to the country. The
analysis is done based on the concepts of Post-Industrial Journalism, a new kind of
journalism characterized by the convergence of the media and the broader popular
participation in the construction of news, which is already causing a series of
changes at the press and modes of exercise profession. It also identifies the role of
the internet in the middle of this new scenario, especially the influence of social
networks in shaping public opinion. For the feasibility of the work, it will be done a
literature search related to the theoretical as well as program reviews, news and
articles related to the activity of the Media Ninja.
INTRODUÇÃO................................................................................................... 10
1 INTERNET: COMO TUDO COMEÇOU.......................................................... 14
1.1 A ERA DA MASSA DE MEIOS......................................................................... 21
1.2 A TEORIA DO AGENDAMENTO SOB NOVA PERSPECTIVA.................. 26
2 O JORNALISMO PÓS-INDUSTRIAL............................................................. 28
2.1 A LÓGICA ECONÔMICA DO JORNALISMO PÓS-INDUSTRIAL............... 32
2.2 A REESTRUTURAÇÃO É NECESSÁRIA...................................................... 38
2.3 O NOVO PAPEL DO JORNALISTA............................................................... 41
2.4 O FUTURO DO JORNALISMO.........................................................................
43
3 A PRESENÇA DA MÍDIA INDEPENDENTE NO BRASIL........................... 47
4 A APOSTA DO NINJA...................................................................................... 52
4.1 COMO FUNCIONA A MÍDIA NINJA............................................................... 53
4.2 RELAÇÃO ENTRE A CASA FORA DO EIXO E MÍDIA NINJA .................... 62
4.3 MODELO ECONÔMICO PROPOSTO........................................................... 64
4.4 MÍDIA NINJA E POLÍTICA............................................................................... 66
5 A COBERTURA DA MÍDIA NINJA DURANTE AS MANIFESTAÇÕES DE
2013......................................................................................................................
67
5.1 RETROSPECTIVA CRONOLÓGICA............................................................... 69
5.1.1 Antecedentes................................................................................................... 69
5.1.2 Primeira Fase................................................................................................... 71
5.1.3 Segunda Fase.............................................. ...................................................
71
5.1.3.1 17 de junho de 2013...................................................................................... 72
5.1.3.2 20 de junho de 2013..................................................................................... 74
5.1.3.3 22 de junho de 2013...................................................................................... 76
5.1.4 Terceira Fase..................................................................................................... 76
5.2 COBERTURA EM TEMPO REAL.................................................................... 78
5.2.1 Jornalismo parcial............................................. ...........................................
82
CONCLUSÃO........................................................................................................ 84
REFERÊNCIAS..................................................................................................... 87
10
INTRODUÇÃO
[...] reportagem que não reduz o mundo, que busca captar palavras,
silêncios, hesitações, texturas e gestos. Detalhes únicos que enriquecem o
texto, que fazem com que o leitor imagine a cena, desloque-se no tempo e
no espaço e se emocione”.1
1
A Mídia Ninja não faz jornalismo. Disponível em <http://www.oreporter.com/A-Midia-Ninja-nao-faz-
jornalismo,10659798970.htm>. Acesso em 18 de novembro, 2013.
14
[...] revista Time, que o saudou como único pai da Web, chamou suas
realizações de “quase gutenberguianas”. Benners-Lee tinha tomado “um
sistema de comunicações poderoso, que somente a elite poderia usar, e
transformara-o em meio de comunicação de massa”.
2
Mundo terá mesmo número de celulares quanto de pessoas em 2013. Disponível em
<http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2013/02/mundo-tera-mesmo-numero-de-celulares-quanto-
pessoas-em-2013.html>. Acesso em 08 nov, 2013.
3
Usuários de web chegam a 94,2 mi no Brasil. Disponível em
<http://www.meioemensagem.com.br/home/midia/noticias/2013/03/22/Usuarios-de-web-chegam-a-94-
2-mi-no-Brasil.html#ixzz2k5Lc1ctX>. Acesso em 08 nov, 2013.
21
com acesso às redes ainda é insatisfatória -, hoje, mais do que nunca, esse conceito
faz total sentido.
Passamos da era dos meios de massa para a era da massa de meios. Mas
isso não quer dizer que todos os meios de comunicação são iguais, que
uma pessoa que se transforma em meio tenha o mesmo peso dos meios
organizados, profissionalizados. Os dois convivem e se complementam.4
2 O JORNALISMO PÓS-INDUSTRIAL
5
Circulação de jornais cresce no país. Folha assume a liderança. Disponível em
<http://www1.folha.uol.com.br/mercado/1219600-circulacao-de-jornais-cresce-no-pais-folha-assume-
a-lideranca.shtml> Acesso em 22 de setembro, 2013.
30
De uma hora pra outra, todo mundo passou a ter muito mais liberdade.
Produtores de notícias, anunciantes, novos atores e, sobretudo, a turma
anteriormente conhecida como audiência gozam hoje de liberdade inédita
para se comunicar, de forma restrita ou ampla, sem as velhas limitações de
modelos de radiodifusão e da imprensa escrita.
Essa liberdade permitida pela internet fortalece ainda mais as massas, pois,
como a mídia agora é social, há uma base para o consumo não só individual, pelo
qual os indivíduos publicam, curtem e comentam o que quiserem, mas também para
o debate em grupo, que acarreta grandes movimentações nas redes digitais e
provocam até mesmo ações offline – encontros, eventos, manifestações, entre
outros. Jenkins (2009, p. 328), citando Lévy, engrandece essa liberdade de
comunicação ao lembrar que, para o filósofo, o poder de participar de comunidades
de conhecimento convive com o poder que o Estado-nação exerce sobre os
cidadãos e o poder que as corporações, dentro do capitalismo, exercem sobre
trabalhadores e consumidores.
Para ilustrar esse novo jornalismo que nos cerca, o jornal britânico The
Guardian, tradicional publicação londrina, resolveu, através de um filme publicitário,
dar uma abordagem contemporânea à antiga fábula dos “Três Porquinhos”. O
material, veiculado em 2012, tem dois minutos de duração e trata os rumos da
31
6
Criado pela agência londrina BBH, o filme publicitário tornou-se um case em comunicação
publicitária. No Festival Latino Americano de Criatividade – Wave Festival in Rio -, David Gunn,
fundador do Gunn Report, afirmou que o case “Três Porquinhos” ampliou a leitura da versão do jornal
online em 19%. Disponível em
<http://www.wavefestival.com.br/cobertura/wavefestival2013/seminarios/Os-bons-argumentos-da-
criatividade.html> Acesso em 01 de outubro, 2013.
7
Jornal londrino The Guardian vai priorizar edição digital. Disponível em
<http://www1.folha.uol.com.br/mercado/931077-jornal-londrino-the-guardian-vai-priorizar-edicao-
digital.shtml> Acesso em 03 de outubro, 2013.
32
Por mais que o subsídio público ainda represente uma boa fatia das verbas
dos veículos, ainda é necessário o apoio da publicidade para mantê-los em
atividade. Porém, os anunciantes não estão com tanto interesse em manter esse
apoio, principalmente no caso de jornais, mas a tendência é que diminua também
nas revistas, rádios e televisões. O modelo que há muito tempo foi adotado pela
maioria dos meios de comunicação – uma entidade comercial que usa a receita da
publicidade como principal forma de sustento da redação – está em risco
(ANDERSON; BELL; SHIRKY, 2013).
De acordo com dados fornecidos pelo Projeto Inter-meios (Tabela 04) e
divulgados no site da ANJ, no período de 2001 a 2012 ocorreu um acentuado
declínio do investimento publicitário nos meios jornal impresso e revista, enquanto
houve um aumento de investimento nos meios TV, TV por assinatura e Internet. A
maior redução se deu no investimento publicitário em jornal impresso, que nesses
11 anos despencou em 50%, caindo de 21,7% do total para apenas 11%. Ao
analisar os números, podemos concluir que a internet não foi o único fator que
8
Globo concentra verba publicitária federal. Disponível em
<http://www.cartacapital.com.br/politica/globo-concentra-verba-publicitaria-federal/>. Acesso em 15 de
outubro, 2013.
34
TV por Mídia
Ano Jornal Revista TV Rádio Internet Outros
assinatura exterior
2012 11,00 6,05 64,05 4,08 4,00 5,00 3,02 0,8
2011 11,83 7,15 63,30 4,19 3,97 5,11 3,02 X
2010 12,36 7,5 62,93 - 4,18 4,64 - 8,03
2009 14,08 7,69 60,92 4,43 4,43 4,27 2,96 5,29
2008 15,91 8,51 58,78 3,74 4,21 3,54 2,74 2,57
2007 16,38 8,47 59,21 3,36 4,04 2,77 2,82 5,95
2006 14,7 8,61 59,37 3,5 4,17 2,07 3,5 2,5
2005 16,3 8,8 59,57 2,34 4,19 1,66 4,7 2,8
2004 16,65 8,33 59,19 2,18 4,32 1,6 2,7 2,9
2003 18,14 9,4 59,03 1,7 4,53 1,49 5,7 -
2002 20,46 10,0 60,32 1,95 4,67 - 4,8 -
2001 21,73 10,84 57,76 1,57 4,86 - 4,3 -
Tabela 04: investimento publicitário por meio (em porcentagem)
ligado ao interesse das pessoas umas nas outras, o que trazia o imediato aumento
no número de usuários e, consequentemente, de visualizações e cliques.
Para se ter uma ideia, a propaganda é responsável por 85% da receita do
facebook9, e a tendência é crescer, visto que há muitas ferramentas que a Internet
pode oferecer ao anunciante para otimizar o investimento. Um forte caráter distintivo
que atrai bastante a atenção das empresas é o fato de o anunciante poder escolher
qual tipo de público deve ser “atingido” por determinado anúncio. O facebook, por
exemplo, permite que o agenciador delimite idade, local de moradia, interesses e
outros aspectos do perfil do usuário. Dessa forma, a probabilidade de pessoas
pertencentes ao target de determinado produto/serviço visualizarem o anúncio é
bem maior. Além dessa ferramenta, o anunciante tem um leque de formatos de
anúncios que podem ser testados: anúncios patrocinados (nos quais o agenciador
pode personalizar o conteúdo e o público ao qual ele será dirigido) ou histórias
patrocinadas (não permite a personalização do anúncio, uma vez que ele é criado
pelo próprio usuário ao realizar qualquer ação na rede – curtir uma página, utilizar
um aplicativo, compartilhar conteúdo, entre outras), o que também permite maior
flexibilidade e monitoramento da publicidade em questão.
Não são apenas as redes sociais que oferecem oportunidades de anúncios
monitorados e flexíveis. A teia da Internet é formada por diversas redes que
promovem diferentes tipos de publicidade. Banners em blogs e sites, anúncios nas
redes sociais, google e youtube adwords e links patrocinados são apenas a ponta do
gigantesco iceberg que a publicidade online abriga. Há uma migração da lógica da
propaganda convencional para a lógica do marketing direto, mudança que gerou um
enorme desafio e produziu uma certa decepção para os veículos tradicionais de
comunicação, que sempre obtiveram um ganho relativamente desproporcional ao
esforço criativo e inovador com a velha publicidade. Os chamados marketing de
guerrilha e marketing viral ganharam forma com a Internet e sua capacidade de
multiplicar mensagens em curtos espaços de tempo, de modo que os patrocínios
também se adaptaram e estão migrando das mídias tradicionais para blogs e sites
com públicos segmentados. O grande segredo por trás disso está no fato de que as
9
ORESKOVIC, Alexei. Facebook modifica opções de anúncios em seu site. Disponível em
<http://exame.abril.com.br/tecnologia/noticias/facebook-modifica-opcoes-de-anuncios-em-seu-site>.
Acesso em 30 de setembro, 2013.
36
dentro de uma área, é não tentar ser tudo para todos, mas conquistar uma fração de
público interessada em um assunto específico para, então conseguir fidelização. O
declínio da capacidade institucional em realizar amplas coberturas não significa que
o veículo deva abrir mão da profundidade e qualidade do seu conteúdo, já que há
recursos disponíveis em outros ecossistemas, que podem ser captados através de
parcerias.
Meyer (2007, p. 31) relembra a importância de os jornais manterem essa
credibilidade e a influência social através de investimento de recursos na produção
de notícias e no resultado editorial. “A alta qualidade resultante conquista mais
confiança do público para o jornal, e não apenas aumenta o número de leitores e
circulação, como também influencia os anunciantes a decidir a quem querem
associar seu nome”.
Infelizmente, muitos jornalistas se queixam da dificuldade em alterar os rumos
de organizações tradicionais de mídia às quais pertencem. Algumas empresas
pregam o “fazer mais com menos”, acabam por demitir uma gama de funcionários e
acumulam funções em cargos nos quais o funcionário não foi treinado. “Os
executivos de jornais e os analistas que justificam o investimento na qualidade
apenas quando há competição com outro jornal não estão vendo o óbvio” (MEYER,
2007, p. 229). Essa já é uma realidade vista não só em veículos jornalísticos, mas
também publicitários e de relações públicas.
Não há como negar que o papel de amadores e cidadãos engajados no
ecossistema jornalístico desequilibrou a estabilidade que há muito tempo foi
vivenciada pelas instituições:
10
Estudo avalia credibilidade de blogs de não jornalistas. Disponível em
<http://blog.colunaextra.com.br/2008/07/estudo-avalia-credibilidade-de-blogs-de.html>. Acesso em 04
de outubro, 2013.
42
que passaram a escrever para a mídia online e, para 76,2% dos entrevistados, as
fontes digitais passaram a complementar o trabalho de apuração de informações.
A disponibilidade de recursos não elimina a necessidade do jornalismo nem
dos jornalistas, apenas altera a sua função. O profissional deixa de ser o primeiro a
registrar certo assunto e passa a ser aquele que solicita a informação para,
posteriormente, filtrá-la e contextualizá-la a fim de produzir um material mais
completo e crível, que gere repercussão:
Milhares de brasileiros lutam hoje por uma mídia mais plural, criando
possibilidades para multiplicar vozes nos meios de comunicação. Mas
poucas famílias continuam controlando a comunicação no país. Temos
direito a um espaço na TV e vamos lutar por isso!
O Canal da Cidadania permite que sejam criadas mais de 11 mil TVs
comunitárias em todo o país. Isso ampliaria a democracia, já que a mídia
hoje é um grande latifúndio controlado por poucos, deixando a participação
popular em segundo plano.
O Rio de Janeiro pode abrir espaço para uma TV coletiva, reunindo diversos
produtores audiovisuais e grupos culturais. Mas, para isso, o prefeito
Eduardo Paes deve solicitar a abertura do Canal da Cidadania ao Ministério
das Comunicações. Temos que pressionar a prefeitura para que isso seja
feito o quanto antes!
Venha fortalecer a audiência pública sobre o tema na Câmara dos
Vereadores nesta terça (29/10), às 9h. Vamos ocupar a Câmara com
nossos vídeos e ideias! 12
Além do grupo Voz das Ruas (933 seguidores), o Rio abriga outros grupos,
como Rio na Rua (15.247 seguidores), Coletivo Carranca (1.490 seguidores),
Coletivo Mariachi (5.107 seguidores), Mídia Independente Coletiva (6220
seguidores) e Coletivo Projetação (9.987 seguidores). Há também mídias, com essa
mesma essência, que atuam em outros estados do Brasil, como o Foto Protesto SP
(realiza a cobertura jornalística através do fotojornalismo em São Paulo, 3.490
seguidores), Intervozes (com 5.623 seguidores, tem como endereço São Paulo, mas
é composto por ativistas e profissionais com formação em Comunicação Social e
outras áreas, distribuídos em 16 estados brasileiros e no Distrito Federal), Nigéria
(Ceará, 3.003 seguidores), Rede Coque Vive (Pernambuco, 421 seguidores), Maria
Objetiva (Minas Gerais, 4.056 seguidores) e Mídia Ninja, que, com mais de 227 mil
seguidores, tem se destacado bastante no cenário nacional.
Todos esses grupos se consideram como independentes, pois
presumivelmente não estão sob controle de grandes grupos de comunicação e não
tem nenhum vínculo com anunciantes, grupos políticos ou instituições
12
Notícia retirada da página www.facebook.com/pororocadasruas. Acesso em 01 de novembro de
2013.
50
13
Notícia retirada da página www.facebook.com/RioNaRua. Acesso em 02 de novembro de 2013.
52
4 A APOSTA DO NINJA
Em junho de 2013, a população brasileira eclodiu nas ruas com uma série de
manifestações nas principais cidades do país. No princípio, os quase dois milhões
de brasileiros que participaram das manifestações em 438 cidades 14 reivindicavam a
revogação do aumento das tarifas de transporte público liderado pelo Movimento
Passe Livre. No entanto, o movimento foi tomando proporções muito maiores com o
forte apoio popular e se tornou a maior manifestação política da história do Brasil
(BOLSHAW, 2013), abrangendo temas como a corrupção política, qualidade de
serviços públicos no geral (transporte, saúde e educação), gastos com a copa do
mundo/das confederações, PEC 37 (Proposta de Emenda Constitucional que retira o
poder de investigação de casos políticos do Ministério Público, arquivada pela
Câmara dos Deputados), “cura gay” (tratamento psicológico proposto por deputado
para pacientes que quisessem “reverter” a homossexualidade, projeto que havia sido
aprovado pela Câmara dos Direitos Humanos, sendo também arquivado pela
Câmara dos Deputados no início de julho) e repressão violenta dos policiais contra
manifestantes nas passeatas.
Os movimentos marcaram a história do Brasil não só pelo grande
engajamento da população, mas também por não terem um líder específico, uma
direção única ou coordenação centralizada, evoluindo e se organizando sem o
controle de organizações públicas ou entidades civis e sem o apoio dos meios de
comunicação tradicionais (pelo menos inicialmente) e, finalmente, por terem sido
pautados pelas redes sociais, onde os encontros e atos eram marcados e
divulgados. O jornalista Bruno Torturra se expressa muito bem ao se referir aos
movimentos como “salada ideológica”, pois esse momento se caracterizou como um
conjunto de ideias, motivações e crenças heterogêneas.
Nesse cenário, os meios de comunicação desempenharam um papel decisivo
para a repercussão dos protestos. Enquanto a mídia tradicional tentou, sem
14
Agência Brasil. Correio Braziliense (21 de junho de 2013). Página visitada em 22 de junho de 2013.
53
15
102 casos de agressão a jornalistas durante manifestações registrados. Disponível em
<http://www.noticiasaominuto.com.br/nacional/31812/102-casos-de-agress%C3%A3o-a-jornalistas-
durante-manifesta%C3%A7%C3%B5es-registrados#.Unaj82ZTvmI> Acesso em 03 de novembro,
2013.
54
16
A Marcha da Liberdade ocorreu no dia 18 de junho de 2011, em São Paulo, com a participação de
cerca de 2.500 manifestantes. O movimento nasceu depois da repressão policial à Marcha da
Maconha, realizada no dia 28 de maio. Além da descriminalização da maconha, o ato era a favor da
liberdade de expressão e contra a violência policial.
17
LORENZOTTI, Elizabeth. POSTV, de pós-jornalistas para pos-telespectadores. Disponível em
<http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/postv_de_pos_jornalistas_para_pos_telespect
adores> Acesso em 02 de novembro, 2013.
55
informação mais próxima possível ao acontecimento, sabendo, claro, que não estão
isentos da imparcialidade, pois estarão mostrando apenas parte de um todo.
Enquanto a mídia tradicional cobre as manifestações de helicópteros e do alto de
edifícios, por exemplo, os repórteres do grupo estão no ápice da ação, obtendo uma
perspectiva praticamente inacessível aos jornalistas de alguns veículos de
comunicação, depoimentos e registros mais espontâneos, até porque muitas vezes
os manifestantes e policiais não percebem que a mídia está presente devido à
similaridade do ninja com o público.
A pauta não engloba somente manifestações. As coberturas envolvem
fenômenos sociais no geral, nos diversos estados do país - manifestações,
movimentos ideológicos, reuniões e debates de cunho político-social, greves,
festivais culturais, projetos e trâmites políticos, atos de violência, julgamentos e
audiências. Apesar de estarem bem atuantes no território brasileiro, o coletivo já
chegou a cobrir notícias nos âmbitos sociais e políticos em outros países – Egito,
Síria, França e Palestina (Ilustrações 01 e 02). O contato é feito através do envio de
repórteres do grupo por colaborações espontâneas (no início de julho de 2013, o
fotojornalista e um dos fundadores do Mídia Ninja, Rafael Vilela, foi enviado ao Cairo
para cobrir o golpe militar contra o então presidente Mohamed Morsi) ou por
parcerias feitas com jornalistas independentes que enviam fotografias e conteúdo
para os ninjas.
Quanto às ferramentas utilizadas, a Mídia Ninja percebeu que os notebooks e
smartphones tem um potencial que vai muito além do simples uso pessoal, e
exploram fartamente a força midiática e jornalística desses equipamentos. Dessa
forma, as transmissões são feitas em grande parte por celulares e dispositivos 3G,
acrescidas das atualizações constantes e rápidas na fanpage do grupo no facebook
(www.facebook.com/midiaNINJA), preenchida com vídeos, links, notícias e cobertura
fotojornalística. Para as transmissões ao vivo, os “ninjas” lançaram um canal
chamado Póstv, através do aplicativo TwitCasting, no qual lançam debates e
coberturas em tempo real, e mantém um perfil do youtube, com uma compilação dos
vídeos transmitidos.
A maioria das pautas cobertas não tem um roteiro predefinido, até mesmo
pelo caráter imprevisível das manifestações, e não há chefes de reportagem ou
editores – há certa horizontalização de cargos e deveres e não existe hierarquia
56
18
Números coletados no dia 19 de novembro de 2013.
57
PósTV é usado para organizar. As pessoas vêm e não só dão gritos para
estimular a galera, mas também orientações de percurso.
Ontem a gente acompanhou um primeiro grupo, que rodou, passou pelo
parque dom Pedro, subiu de novo para a Sé. Já no período da noite teve o
ocorrido na prefeitura, com o incêndio do carro da Record, isolamento da
área. A gente foi cobrir, eu e o Rafael Vilela. Lá, depois de acompanhar a
ação da Tropa de Choque, a gente ficou sabendo que os manifestantes
iriam para a Paulista e foi nessa pegada.
Chegando na Paulista a gente ouviu que havia alguma coisa na Augusta e
foi a hora em que consegui entrar ao vivo, com um sinal. O streaming
começou creio que umas dez, onze da noite. Consegui ligar no caminho
para a Augusta. Aí a gente foi, estávamos eu e a Karen Pimenta nesse
momento, o chipe de celular era dela.
Na Augusta, as pessoas foram entrando e a coisa foi crescendo muito
rápido. Um pessoal falou, "está lá para baixo, tem bomba, a Choque está
subindo". Deu para sentir que a cada passo que dava, que me aproximava
da linha de frente, dava para sentir toda a tensão. Pelo Twitter você vê os
comentários, que vão citando a transmissão, uma cachoeira de pessoas ora
apoiando os manifestantes, ora contrários ao vandalismo que estavam
fazendo.
Eu tentei, de uma maneira intrínseca ao movimento, documentar e colocar
em tempo real. Todo aquele processo por que as pessoas passam acaba
passando também. As bombas que explodiam do nosso lado. O meu celular
trincou, caiu no chão quando a bomba explodiu do meu lado. Ali na rua
Augusta foi um momento delicado, logo de cara, mas depois a Choque
recuou e os manifestantes conseguiram avançar.
A Choque ficou contida numa rua, Fernando de Albuquerque, a quatro
quadras da Paulista, paralela. O Choque ficou ali, e os manifestantes em
tom de indecisão. Alguns queriam avançar, continuar descendo a Augusta,
outros queriam voltar para a Paulista, outros queriam ficar parados. Eles
fazem um cordão pela paz, uma cena muito bonita, em frente ao Choque, e
de mãos dadas cantam o Hino Nacional.
Depois desse momento, começou a rolar uma pequena dispersão, por parte
do movimento, e eu resolvo subir. Chegando à Paulista, eu me junto a uma
outra frente, que vai em direção à Consolação. Lá na frente, depois de ter
tirado as barreiras e ter feito um pequeno alvoroço com o segurança, a
manifestação toma conta do monumento da Fifa e da Coca-Cola, na
Consolação com a Paulista.
Começa o ato contra a Coca. A primeira leva de policiais vem correndo com
cassetetes para cima dos manifestantes, fica um batalhão do Choque perto
do painel, meio que isola a área. Eu falo com um rapaz que foi agredido que
ficou por ali mesmo. A polícia havia dado umas cacetadas nele, na perna,
no tronco. No fim eu volto e mostro um pouco do que acontece ali pela
região da Paulista.
A gente sai do ar no fim de tudo, quando a coisa já está num clima mais
tranquilo, as pessoas já dispersas. A própria manifestação se esvai e aí eu
me despeço de todo mundo, agradeço a participação. A gente teve uma
média de 18, 19 mil, com pico de 21, 22 mil pessoas assistindo. É um fluxo,
não tem um número fixo, então eu estimo que 100 mil chegaram a passar,
abrir, ver um pouco da transmissão.
Eu tenho de sair. A periferia está em protesto hoje. A gente está indo para
M'Boi Mirim. Vou ver se a gente entra de lá. Vamos ver como está situação
do sinal, lá.19
19
Com câmera e som, “ninja” Filipe Peçanha transmite e participa de protestos. Disponível em
<http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/06/1297561-com-camera-e-caixa-de-som-ninja-
transmite-e-participa-das-manifestacoes-em-sp.shtml> Acesso em 02 de novembro, 2013.
58
Não faltam coragem, ousadia e destreza para manter uma transmissão como
essa, ao vivo, em um ambiente nem sempre ameno – como conflitos entre policiais e
manifestantes, depredações de mobiliário urbano, tumultos e agressões. No entanto,
apesar de estar sendo bem avaliada por uma parcela de leitores brasileiros, a Mídia
Ninja é alvo de críticas que apontam o despreparo do grupo para avaliar e lidar com
situações que requerem mais elaboração do trabalho.
Uma evidência disso foi o desempenho do grupo em entrevista com o prefeito
do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (a convite dele mesmo), no dia 19 de julho.
Tratava-se de uma oportunidade ímpar, pois os ninjas já haviam sido barrados em
uma coletiva com o governador Sérgio Cabral (por não serem considerados “grande
imprensa” pela assessoria do político), e aquele momento representava a primeira
vez que uma autoridade reconhecia e se disponibilizava a dialogar com eles.
Após receber críticas do público relacionadas ao despreparo do repórter e a
malemolência do prefeito ao praticamente dominar a entrevista, os ninjas
escreveram em sua fanpage, no dia 20 de julho de 2013, que,
Com certo alívio, e muita indignação, encerramos nosso round com Eduardo
Paes. Não foi fácil. E isso não foi exatamente uma surpresa. [...] De um
lado, um profissional da política, debates e entrevistas. Particularmente hábil
e bem treinado na conveniente arte de tergiversar. Do outro, uma rede de
jornalismo independente que está organicamente, em fluxo, buscando sua
estrutura editorial. Por isso, recebemos tranquilos as críticas - e as trolagens
- que pipocaram na rede nas últimas horas. [...] Há muitas e cruciais
diferenças entre cobrir a rua, a ação dos protestos e encarar um ensaboado
governante, tête-à-tête, por mais de uma hora. Mas há uma semelhança
que, para nós, determinou a decisão: sejam tropas de PMs violentos ou
prefeitos de metrópoles chamando para o ringue, são desafios colocados
diante de nós. [...] É no processo, na experiência, na transparência, no teste
real, ao vivo e sem cortes, que estamos avançando. Construindo nossa
base de público e equipe. E pensando, com os muitos erros e acertos, em
como entregar um jornalismo cada vez mais próximo da enorme confiança e
expectativa que tanta gente deposita na Mídia NINJA.
Ilustração 01: Post da Mídia Ninja sobre negociações de paz entre Israel e Palestina.
Ilustração 02: A mídia Ninja esteve no Cairo para a cobertura do golpe militar ocorrido no início de
julho.
60
Ilustração 03: alguns dos integrantes do mídia ninja: Filipe Peçanha, Bianca Buteikis, Bruno Torturra,
Felipe Altenfelder e Thiago Dezan.
Fonte: http://odia.ig.com.br/noticia/rio-de-janeiro/2013-07-15/lado-ninja-do-protesto.html
Ilustração 05: No dia 18 de junho, manifestantes danificaram painel da Coca Cola feito para a Copa
das Confederações. O movimento foi transmitido pelo ninja Filipe Peçanha.
Fonte: Mídia Ninja (www.facebook.com/midiaNINJA)
Ilustração 06: Comentários acerca da postagem autocrítica sobre a entrevista com Eduardo Paes.
Fonte: Mídia Ninja (www.facebook.com/midiaNINJA)
62
20
Dados retirados do site www.foradoeixo.org.br.
63
por exemplo, o coletivo comandado por Pablo Capilé foi acusado pela cineasta
Beatriz Seigner de utilizar trabalho escravo, exploração da mercadoria artística e
estar interessado puramente em verbas públicas. A artista, que participou do circuito
por um ano, escreveu em sua página do facebook um longo post sobre detalhes que
justificam as acusações. Mesmo sem apresentar provas, a repercussão dessa
situação tornou-se viral, pois vários outros artistas que participaram da Casa
também passaram a publicar reclamações e fatos sob o mesmo teor. Quinze ex-
integrantes de casas e coletivos que compõem a rede divulgaram na internet, 19
dias depois da publicação de Seigner, o manifesto “Fora do Eixo e uma reflexão das
mulheres contra o patriarcalismo”, focado em práticas efetuadas pela rede que,
segundo eles, levam em consideração questões de gênero 21. Em textos divulgados
em redes sociais, esses ex-integrantes acusam a organização de promover uma
escravidão “pós-moderna”, pois não remuneram artistas em eventos que são
patrocinados com dinheiro público.
Em entrevista ao portal UOL22, Pablo Capilé negou as acusações e afirmou
que o FdE defende a remuneração dos artistas, alegando apenas que ela é variável
de acordo com a situação de cada evento:
21
15 ex-integrantes do Fora do Eixo assinam manifesto contra 'arranjos sexistas' da rede.
Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/08/1332182-15-ex-integrantes-do-fora-
do-eixo-assinam-manifesto-contra-arranjos-sexistas-da-rede.shtml> Acesso em 03 de novembro,
2013. O manifesto se encontra publicado na página
<http://feministaspelacultura.noblogs.org/post/2013/08/26/manifesto-fora-do-eixo-machismo/>.
22
DIAS, Tiago. “Não temos essa política de calote”, diz Pablo Capilé sobre Fora do Eixo.
Disponível em <http://entretenimento.uol.com.br/noticias/redacao/2013/08/09/nao-temos-essa-
politica-do-calote-diz-pablo-capile-sobre-fora-do-eixo.htm> Acesso em 03 de novembro, 2013.
64
Uma das questões mais curiosas que envolvem a Mídia Ninja é o modelo
econômico que ela vai seguir futuramente para aperfeiçoar os serviços e financiar o
trabalho. Durante o programa Roda Viva, Bruno Torturra explana algumas
alternativas que serão levadas em consideração e amadurecidas pelo grupo e
aposta na maturidade do público para levar a proposta adiante:
65
O que a gente confia hoje é que da mesma forma que estamos falando do
jornalismo pós-industrial, o leitor também tem que passar da sua
passividade, precisa entender que se ele valoriza o mercado de informação
democrático, também tem que ser responsável por ele, vai ter que financiar
isso.
Uma outra questão que envolve a Mídia Ninja e ainda deixa dúvidas em
alguns profissionais de comunicação e empresas tradicionais é a questão do
partidarismo político. No programa Roda Viva, os entrevistadores questionaram a
proximidade dos ninjas com o Partido dos Trabalhadores, o que foi contestado
imediatamente por Pablo Capilé, que afirmou que, além do PT, eles dialogam com
outros partidos, como Freixo (Marcelo Freixo, do Psol), Marina Silva, Jean Wyllys
(deputado federal pelo Psol), Jandira Feghalli (deputada federal pelo PcdoB), entre
outros.
Em relação à parcialidade jornalística, Torturra fez uma crítica à necessidade
da imprensa em classificar ideais e destacou que “há uma fauna ideológica
riquíssima na rua, e isso criou uma crise narrativa muito grande na mídia que precisa
editar, empacotar, rotular e explicar. [...] Há uma salada ideológica até na cabeça de
quem tá na rua [...], um caldo fervendo de narrativas múltiplas”. O discurso,
reforçado por Pablo Capilé, deixou bem claro que não existe a mediação neutra da
notícia. Em seu blog no portal GGN, o jornalista Luis Nassif critica a posição da
imprensa tradicional em insistir que o jornalismo deve ser imparcial23:
O que eles (Mídia Ninja) querem dizer é que não existe a mediação neutra
da notícia - como os jornalistas teimaram em defender - nem na mídia
tradicional (com a embromação do "ouvir o outro lado") nem da parte deles.
Aí reside o conceito da nova mídia: "as pessoas irão buscar as informações
e interagir dentro dessas múltiplas parcialidades". Ou, como explicou Capilé:
"Nova credibilidade do jornalismo não vira através de falsa parcialidade mas
através de múltiplas posições".
23
NASSIF, Luis. Mídia Ninja e Casa Fora do Eixo: a explosão do novo. Disponível em
<http://jornalggn.com.br/blog/luisnassif/midia-ninja-e-casa-fora-do-eixo-a-explosao-do-novo?page=3>
Acesso em 03 de novembro, 2013.
67
países árabes, a imagem era captada pelo celular, passava pela internet e chegava
na TV. A internet desempenhou papel fundamental nesse processo, as imagens
faziam com que as pessoas se reconhecessem e soubessem o que acontecia nas
ruas e nas cidades vizinhas, dando um impulso aos protestos. A Primavera Árabe
teria sido possível mesmo sem essa mídia, mas sem dúvidas ela foi um fator
importante em um contexto no qual a imprensa e o trabalho dos repórteres eram
censurados.
O mesmo caso foi visto no movimento Occupy Wall Street, nos Estados
Unidos, iniciado em setembro de 2011, que consistiu em um movimento provocado
pelos cidadãos contra a desigualdade social e o dinheiro gasto nas campanhas
políticas, impulsionado pelo forte uso de redes sociais, e também nos protestos de
2011 na Espanha, chamados por alguns de Indignados, cujo impulso também se
deu via redes sociais, quando os cidadãos espanhóis protestaram por melhorias no
país e por atitudes mais coerentes vindas dos partidos políticos.
A Mídia Ninja soube aproveitar o cenário semelhante no Brasil e conseguiu
unir o útil (a cobertura jornalística dos protestos) ao agradável (o sucesso e apoio
dos cidadãos aos ninjas). Antes de analisar o trabalho desse coletivo
especificamente no período desses protestos, é interessante relembrar fatos
marcantes que aconteceram nos últimos meses através de uma retrospectiva
cronológica24.
5.1.1 Antecedentes
decretou um súbito reajuste da tarifa de ônibus de R$2,20 para R$2,40. Iniciado nas
redes sociais, o movimento chamado #RevoltadoBusão ganhou as ruas e marcou o
início dos protestos no dia 29 de agosto, com cerca de 2 mil pessoas. Após
repressão policial, o movimento voltou com mais força no dia seguinte (dia 30),
dessa vez sem confrontos com a polícia. Com a pressão popular, o aumento foi
revogado pela Câmara Municipal.
Em 2013, os protestos foram iniciados em março, mais precisamente em
Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, onde os manifestantes protestavam
contra o aumento da passagem de ônibus de R$ 2,85 para R$3,05. O movimento foi
marcado por tumulto entre participantes e polciais e depredação do prédio da
prefeitura. Houve também três protestos durante o mês protagonizados por
estudantes em Manaus, capital da Amazonas, contra o reajuste da passagem de
R$2,75 para R$3. Em abril, o prefeito de Manaus defendeu o aumento da tarifa e
anunciou mais ônibus novos para a cidade, enquanto que em Porto Alegre houve
suspensão do aumento por uma liminar concedida pelo juiz Hilbert Maximiliano
Obara, da 5ª Vara da Fazenda Pública.
Em maio, o número de manifestações aumentou em decorrência de novos
aumentos de tarifas no transporte público. Houve protestos nas cidades de Natal,
Goiânia (onde um grupo de manifestantes apedrejou quatro ônibus e tentou
apedrejar um deles) e São Paulo. O prefeito da metrópole, Fernando Haddad (PT),
confirmou no dia 17 que o aumento dos ônibus na capital paulista deveria ocorrer
em 1° de junho.
A última manifestação em Goiás ocorreu no dia 6 de junho, quando
estudantes interditaram ruas do Centro da capital, queimaram pneus, lançaram
bombas caseiras e quebraram os vidros de um carro da polícia. No dia 13 de junho,
as tarifas voltaram a custar R$ 2,70, após liminar expedida pelo juiz Fernando de
Mello Xavier, da 1ª Vara da Fazenda Pública Estadual. Na decisão, o juiz
argumentou que desde o último dia 1º de junho as empresas de transporte coletivo
deixaram de pagar os impostos PIS e Cofins, porém essa isenção não foi repassada
ao usuário goianiense.
71
pimenta. Houve depredação de pelo menos um carro – que foi queimado -, vidraças
de lojas e bancos e pichação do Palácio Tiradentes.
Em São Paulo, onde houve o quinto e maior protesto em duas semanas com
participação de cerca de 65 mil pessoas, importantes vias foram interditadas com as
passeatas, como a Marginal Pinheiros, a Avenida Paulista e a Ponte Estaiada. Uma
minoria tentou invadir o Palácio dos Bandeirantes, sede do governo. Muitos
cantavam o hino nacional combinado com o hino "O povo acordou!" e alguns deles
carregavam flores brancas.
Em Brasília, as manifestações duraram mais de seis horas e contaram com a
participação de 10 mil pessoas, de acordo com o comando da PM, que se
concentraram em frente ao prédio Legislativo do Congresso. O protesto pacífico foi
marcado por críticas a autoridades da República e atos isolados de vandalismo. Um
dos momentos mais tensos da noite foi quando dezenas de manifestantes furaram o
cerco da polícia e invadiram a cobertura do prédio do Legislativo. Os jovens se
aglomeraram na marquise do edifício para entoar gritos de ordem e estender faixas
que protestavam contra os baixos investimentos na saúde e na educação. De
acordo com a PM, dois manifestantes foram presos.
Uma manifestação com cerca de 5 mil pessoas saiu pelas ruas de Fortaleza a
favor da redução da tarifa e contra a Copa do Mundo. Os manifestantes percorreram
três quilômetros de ruas, desde a Praça da Gentilândia ao Hotel Marina Park,
passando pelos bairros Centro, Benfica e Moura Brasil, onde a seleção brasileira de
futebol estava hospedada. Os manifestantes paravam eventualmente para sentar no
meio da rua. Houve pichações durante o trajeto, mas o protesto foi considerado
pacífico e não teve confrontos.
As manifestações foram registradas em outras cidades, como Maceió (2 mil
participantes, que reivindicavam contra o aumento da tarifa de ônibus de R$ 2,30
para R$ 2,85), Salvador (estimativa de mais de 4 mil pessoas em uma manifestação
pacífica), Vitória (a Polícia Militar estima que mais de 20 mil pessoas participaram do
protesto, que saiu da Universidade Federal do Espírito Santo e seguiu pela cidade.
Confrontos foram registrados), Belo Horizonte (protesto com mais de 20 mil pessoas
marcado por confronto entre manifestantes e PM), Juiz de Fora (manifestantes
estimam a participação de 5 mil pessoas, enquanto a Polícia Militar fala em 2 mil,
sendo os protestos pacíficos), Curitiba (onde cerca de 10 mil pessoas aderiram ao
74
ato majoritariamente pacífico, com pequeno confronto no final), Foz do Iguaçu (2 mil
pessoas), Londrina (cerca de 8 mil pessoas), Ponta Grossa (4 mil pessoas), Belém
(13 mil pessoas entoavam a uma só voz, em um protesto pacífico, os gritos de
protesto: "Vem pra rua!"; "A rua é nossa!"; "Sem vandalismo!") e Porto Alegre (onde
houve depredação, janelas de lojas destruídas e conflitos com os policiais em um
protesto que contou com a participação de cerca de 10 mil pessoas).
25
A gari Cleonice Vieira de Moraes, 54 anos, sofreu uma parada cardíaca e morreu na manhã do dia
21 em Belém (PA), após ter inalado gás lacrimogêneo lançado pela Polícia Militar durante confronto
com manifestantes no dia anterior. Esta foi a segunda morte decorrente da escalada de protestos que
se iniciaram em junho.
75
O dia 22 de junho também foi marcado por protestos em mais de 100 cidades
brasileiras, em sua maioria pacíficos, que reuniram cerca de 325 mil participantes.
Entre elas, Rio Branco, Brasília, Salvador, São Luís, Goiânia, 13 cidades em Minas
Gerais, incluindo a capital Belo Horizonte, Cuiabá, Campo Grande, oito cidades do
Paraná, incluindo Curitiba, Recife, sete cidades no estado do Rio de Janeiro,
incluindo mais uma vez a sua capital, 29 cidades no Rio Grande do Sul, Boa Vista e
28 cidades no estadoa de São Paulo, incluindo a sua capital.
Após os atos do dia 22, o Brasil presenciou a insistência da população em ir
para as ruas e exigir a melhoria do país. Ocorreram protestos nos dias seguintes em
diversas cidades, porém marcados por uma participação menos extensa.
26
Veja e leia o pronunciamento na TV da presidente Dilma Roussef. Disponível em
<http://g1.globo.com/politica/noticia/2013/06/veja-e-leia-o-pronunciamento-na-tv-da-presidente-dilma-
rousseff.html> Acesso em 04 de novebro, 2013.
77
(600), Belém (não informado), Curitiba (200), Londrina (500), Recife (2.000), Natal
(500), Porto Alegre (450), São Paulo (1.400 manifestantes, ato marcado por
confronto entre manifestantes mascarados e polícia), Rio de Janeiro (onde
manifestantes armados com pedra e fogo tentaram invadir o desfile do 7 de
setembro no centro) e Aracaju (2.000), entre outras.
Importante destacar que essa redução do vigor das manifestações, observada
particularmente no dia 7 de setembro, deveu-se em grande parte ao fato delas terem
sido convocadas não mais de forma espontânea por grupos dispersos, jovens,
idealistas e munidos com bandeiras de lutas populares e livres de controle político
partidário, mas especialmente por sindicatos trabalhistas ligados a partidos políticos
que queriam se aproveitar da insatisfação popular para obter dividendos políticos,
contra os quais a turba havia exatamente se manifestado recentemente.
Afora isso, esse período também ficou marcado pelo atendimento de parte
das reivindicações, particularmente aquelas de ordem mais práticas, como a
revogação dos aumentos concedidos às tarifas de transporte público em várias
cidades brasileiras, ações e promessas imediatistas do poder público,
comprometendo-se em encarar os problemas de forma mais efetiva; e os atos
legislativos aprovados no congresso nacional que agilizaram a discussão de
matérias que estavam pendentes de decisão, como a rejeição da PEC 37,
aprovação pelo Senado de projeto que torna corrupção um crime hediondo,
cancelamento de verba de 43 milhões para a Copa das Confederações e Copa do
Mundo, projeto de lei que destina 75% de royalties para educação e 25% para a
saúde (aprovado apenas pelos deputados federais), entre outros.
Já era esperado que a onda de protestos diminuísse, fenômeno natural de
manifestações sociais. Na realidade, àquela altura o povo brasileiro já havia dado o
seu recado, já havia demonstrado de forma muito clara a sua insatisfação e o que
desejava mudar no país, principalmente no que se refere às práticas políticas e às
ações dos seus governantes, tendo as redes sociais impulsionado de forma evidente
esses movimentos. Até quando essa trégua? Não se sabe com certeza, sabe-se
apenas que a população despertou para a sua força e espera ser atendida, embora
tenha ainda um longo caminho a percorrer pela frente, visto que no campo político e
institucional as mudanças demoram a ocorrer.
78
Uma mão segura forte meu braço. Um homem alto, de óculos, com uma
camisa clara fala: "Me da uma entrevista? Quero pegar um depoimento
seu". Achando estranho, pergunto: "Qual seu nome, pra que veículo?" Ele
não responde.
Com a outra mão falava freneticamente ao celular com alguém que parecia
coordenar sua ação. Eis que começo a ser levado a força pelo
"entrevistador" enquanto um policial fardado chega junto. Ele pede para que
eu abra a mochila. Revista, pede meu documento. Não acha nada de
suspeito ou ilegal. Ainda assim, me avisa que serei encaminhado para a
Delegacia.
"Averiguação", diz ele.
Naquele ponto, ao meu redor, 1.000 pessoas tomavam a escadaria da igreja
do largo do Machado. Inconformadas após a investida da tropa de choque
contra os manifestantes que, meia hora antes, já começavam a se
dispersar. Seria, em tese, o final das manifestações nos arredores do
Palacio Guanabara. Mas a policia preferiu atacar...
Comigo, 10.000 pessoas assistiam a transmissão da PósTV. Desde as 14h
eu estava com a equipe da Midia NINJA em campo transmitindo o primeiro
dia da visita do Papa ao Rio de Janeiro. Às 20h30 o policial à paisana me
puxa pelo braço.
A comoção foi muito grande. Maior do que podia imaginar. Centenas de
pessoas cercaram o carro da polícia enquanto confiscavam meu celular a
força e tentavam partir para a 9ª DP. No meio do caminho, o mesmo
paisana, após me agredir, pede para parar a viatura. "Vou ter que voltar,
preciso prender mais um".
Cheguei na delegacia, mas nao cheguei sozinho. Me esperando, 3
advogados da OAB para defender o caso. Dentro da delegacia a narrativa
foi burocratica. Em poucos instantes surge mais um NINJA na sala de
espera. Foi detido também. Porque estava ao vivo...
Enquanto aguardava as providências, alguns rumores no ar. "A
manifestação esta vindo pra cá" comentam os oficiais entre si. Depois de
30min já se ouve o grito nas ruas:"Ei polícia, solta a Midia NINJA!". Sem
acusação formal, dou meu depoimento e, finalmente, sou liberado.
Ao sair senti milhares de pessoas vibrarem. Ali diante da 9ª DP - e diante de
seus computadores, onde quer que estivessem. A fusão entre a rede a rua
se mostrou mais clara. Eles tentaram derrubar nossa transmissão ao deter
um, dois, três NINJAS. Mas eles não entenderam que não é uma câmera,
um repórter... é uma rede. Podem até derrubar um. E assim surgem outros
1000.
#SomosTodosNINJAs
PS: Agradeço a todos que se sensibilizaram com a causa e que juntaram
esforços para ajudar. Em especial aos advogados da OAB que estiveram
envolvidos do começo ao fim, não só do nosso caso, mas de todos os que
foram detidos. Mas um ainda sobrou na 9ª DP, e corre o risco de ir para um
presídio ainda hoje. E é por conta dele que estou saindo nesse momento
para transmitir ao vivo direto da 9ª DP, novamente.
Ilustração 07: postagem na fanpage dos ninjas, no dia 08 de maio: texto e fotografia compõe a
estrutura da notícia, como a maioria das matérias postadas na primeira fase.
Fonte: Mídia Ninja (www.facebook.com/midiaNINJA)
81
Ilustração 08: O uso bem mais recorrente de hashtags e créditos da fotografia se deu quando o
número de manifestações se intensificou.
Fonte: Mídia Ninja (www.facebook.com/midiaNINJA)
Ilustração 09: postagem sobre a greve de professores da rede municipal do Rio de Janeiro.
Fonte: Mídia Ninja (www.facebook.com/midiaNINJA)
82
[...] de fato a nossa cobertura protege o manifestante. Mas antes de tudo ele
é um cidadão que está sendo atacado de forma muito violenta pelo Estado
por estar exercendo um direito. A gente defende a democracia quando a
gente toma lado em uma manifestação porque a gente não está defendendo
o argumento do manifestante necessariamente, mas com o direito dele de
estar ali.
criando cenas globais no bairro mais Global do Brasil. E a única TV ao vivo... era a
PósTV.
[...]Desalojaram e militarizaram comunidades, licitaram entre amigos,
implodiram a alma do Maracanã... a lista segue. Não são poucas as
denúncias, os escândalos e, sobretudo, os abusos aos cidadãos cariocas. O
fundamental é que Sérgio Cabral e Eduardo Paes ostentaram um cartel
político, midiático e empresarial sem hesitação. De constrangedoras farras
em Paris a banhos de sangue nas favelas, sempre contaram com a eficácia
de uma narrativa "pacificadora": estamos modernizando o Rio, preparando a
cidade para receber o mundo... o futuro!Pois bem, sr. Cabral. No dia em que
as ações de Eike Batista ficaram 90% mais baratas, o futuro chegou na
portaria do seu prédio. No Leblon, aliás. Na noite de ontem, milhares de
manifestantes se reuniram diante da casa do governador. Nossa
reportagem testemunhou e transmitiu ao vivo a obstinação pacífica dos
cariocas. Assim como a violência que partiu da Polícia Militar que, com a
intenção de "dispersar", acabou criando cenas globais no bairro mais Global
do Brasil. E a única TV ao vivo... era a PósTV. E é em torno dele, do
privilégio, que o Rio de Janeiro vem sendo planejado e reformado nos
últimos anos. Principalmente depois de ganhar o duvidoso privilégio de
receber a Copa, as Olimpíadas e os bilhões de royalties da exploração do
Pré-Sal.
Desalojaram e militarizaram comunidades, licitaram entre amigos,
implodiram a alma do Maracanã... a lista segue. Não são poucas as
denúncias, os escândalos e, sobretudo, os abusos aos cidadãos cariocas. O
fundamental é que Sérgio Cabral e Eduardo Paes ostentaram um cartel
político, midiático e empresarial sem hesitação. De constrangedoras farras
em Paris a banhos de sangue nas favelas, sempre contaram com a eficácia
de uma narrativa "pacificadora": estamos modernizando o Rio, preparando a
cidade para receber o mundo... o futuro! Pois bem, sr. Cabral. No dia em
que as ações de Eike Batista ficaram 90% mais baratas, o futuro chegou na
portaria do seu prédio. No Leblon, aliás. Na noite de ontem, milhares de
manifestantes se reuniram diante da casa do governador. Nossa
reportagem testemunhou e transmitiu ao vivo a obstinação pacífica dos
cariocas. Assim como a violência que partiu da Polícia Militar que, com a
intenção de "dispersar", acabou criando cenas globais no bairro mais Global
do Brasil. E a única TV ao vivo... era a PósTV [...].
repensado por muitos desses veículos, que mudaram a abordagem ao longo das
mobilizações e passaram a divulgar os atos violentos da polícia e pacíficos dos
cidadãos que protestavam. Foi principalmente através dos vídeos que pôde ser
observado o comportamento dos ninjas, que se infiltraram nos atos no papel de
jornalista e também de manifestante, cidadão, reforçado pelas situações de violência
(apreensão de equipamento, prisão, violência física) que foram vividas.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
ANDERSON, C.W; BELL, Emily; SHIRKY, Clay. Tradução FÉLIX, Ada. Jornalismo
pós-industrial: adaptação aos novos tempos. Revista de Jornalismo ESPM, n. 5,
ano 2, p. 30-89, 2013.
FERRARI, Pollyana. Jornalismo digital. São Paulo: ed. Contexto, 2003. Disponível
em <http://observatoriodaimprensa.com.br/news/showNews/al080720032p.htm>
Acesso em 08 nov, 2013.
LEVY, Pierre. Cibercultura. Tradução COSTA, Carlos I. São Paulo: ed. 34, 1999 (p.
123-134).