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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL - JORNALISMO

RENATA ALVES DE ALBUQUERQUE OTHON

A MÍDIA NINJA NO CONTEXTO DO JORNALISMO PÓS-INDUSTRIAL

NATAL
2013
RENATA ALVES DE ALBUQUERQUE OTHON

A MÍDIA NINJA NO CONTEXTO DO JORNALISMO PÓS-INDUSTRIAL

Monografia apresentada à Universidade


Federal do Rio Grande do Norte como requisito
parcial para obtenção do título de bacharel em
Comunicação Social, habilitação em
jornalismo.

Orientador: Prof. Dr. Marcelo Bolshaw

NATAL
2013
ERRATA

FOLHA LINHA ONDE SE LÊ LEIA-SE


RENATA ALVES DE ALBUQUERQUE OTHON

A MÍDIA NINJA NO CONTEXTO DO JORNALISMO PÓS-INDUSTRIAL

Monografia apresentada à Universidade


Federal do Rio Grande do Norte como
requisito parcial para obtenção do título
de bacharel em Comunicação Social,
habilitação em jornalismo.

Aprovado em:_____/____/____
Nota: ______

BANCA EXAMINADORA

___________________________________

Prof. Dr. Marcelo Bolshaw


Orientador

___________________________________

Profa. Dra. Socorro Veloso

___________________________________

Prof. Dr. Juciano Lacerda


À minha família, em especial aos meus pais,
Marco e Fátima, os maiores e melhores
orientadores que a vida me deu.
AGRADECIMENTOS

Esta monografia não representa apenas o trabalho desenvolvido durante os


últimos meses do segundo semestre deste ano. As etapas de formulação do pré-
projeto, pesquisa bibliográfica e redação são apenas uma fração de cinco
maravilhosos anos de convívio com o curso de Comunicação Social com Habilitação
em Jornalismo. Portanto, os agradecimentos não se restringem a este trabalho em si,
mas a toda uma fase vivida nas salas, laboratórios e estúdios da universidade.
Agradeço, primeiramente, a Deus, por ter me inspirado a prestar vestibular
para esse curso e me manter firme nessa escolha, mesmo quando havia tantos
fatores apontando para outros caminhos.
À minha família, dedico minha eterna gratidão. Agradeço imensamente aos
meus pais, Marco e Fátima, por estarem sempre disponíveis, investirem na minha
educação e me mostrarem o valor do conhecimento, da dedicação e da disciplina; à
minha irmã Andréa, pela cumplicidade e por achar meu trabalho instigante; à minha
querida sobrinha Juju, simplesmente por existir; ao meu cunhado João Daniel, por ter
me ensinado tanto e ter impulsionado minha carreira; e ao meu namorado Fernando,
que, assim como o jornalismo, está presente na minha vida há cinco anos e só me
engrandece e me inspira a ser como ele, responsável, dedicado e competente.
Às minhas amigas, que tanto me apoiaram durante todos esses anos das
mais diversas formas possíveis, independentemente da situação (e até da hora).
Nossa amizade é imprescindível e especial – só nós sabemos o quanto.
Aos laços estreitados nos corredores da universidade, obrigada pelos
melhores momentos que tive no curso. Em especial à Luíza (Lu), companheira de
longas datas e de profissões, e Nícolas (Niquist), uma das pessoas mais engraçadas
e divertidas que já conheci.
Não poderia deixar de agradecer ao corpo docente da universidade, aos
professores dedicados, que nos repassaram o conhecimento e amor pelo jornalismo.
Os ensinamentos das salas de aula servirão para a vida. E ao professor Marcelo
Bolshaw, orientador deste trabalho, que me apontou os melhores caminhos para a
escolha do tema e se mostrou sempre acessível.
“Posso não concordar com uma só palavra sua, mas defenderei até o morte o
direito de dizê-la. “

(Voltaire)
RESUMO

Este estudo pretende analisar o trabalho jornalístico desenvolvido pelo grupo de


mídia independente Mídia Ninja, cuja notoriedade se deu durante a cobertura das
manifestações deste ano, quando milhões de pessoas foram às ruas protestar
contra o aumento das tarifas do transporte coletivo, pela melhoria dos serviços
públicos e práticas políticas, considerado um período de extrema importância
histórica para o país. A análise se dá com base nos conceitos do jornalismo pós-
industrial, um novo tipo de jornalismo caracterizado pela convergência da mídia e
pela ampla participação popular na construção da notícia, que já está causando uma
séria de alterações na imprensa e nos modos de exercer a profissão. Identifica-se
também o papel da internet em meio a esse novo cenário, principalmente a
influência das redes sociais na formação da opinião pública. Para a viabilização do
trabalho, foi feita uma pesquisa bibliográfica relacionada ao embasamento teórico,
além de análises de programas, notícias e artigos publicados relacionados à
atividade da Mídia Ninja.

Palavras-chave: mídia; ninja; política; jornalismo; manifestações.


ABSTRACT

This study aims to examine the journalistic work developed by the independent
media group Media Ninja, whose notoriety came during the coverage of the
manifestations this year, when millions of people took to the streets to protest against
rising prices of public transportation and for the improvement of public policies and
practices, considered a period of extreme historical importance to the country. The
analysis is done based on the concepts of Post-Industrial Journalism, a new kind of
journalism characterized by the convergence of the media and the broader popular
participation in the construction of news, which is already causing a series of
changes at the press and modes of exercise profession. It also identifies the role of
the internet in the middle of this new scenario, especially the influence of social
networks in shaping public opinion. For the feasibility of the work, it will be done a
literature search related to the theoretical as well as program reviews, news and
articles related to the activity of the Media Ninja.

Key-words: media; ninja; politics; journalism; manifestations.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................................... 10
1 INTERNET: COMO TUDO COMEÇOU.......................................................... 14
1.1 A ERA DA MASSA DE MEIOS......................................................................... 21
1.2 A TEORIA DO AGENDAMENTO SOB NOVA PERSPECTIVA.................. 26
2 O JORNALISMO PÓS-INDUSTRIAL............................................................. 28
2.1 A LÓGICA ECONÔMICA DO JORNALISMO PÓS-INDUSTRIAL............... 32
2.2 A REESTRUTURAÇÃO É NECESSÁRIA...................................................... 38
2.3 O NOVO PAPEL DO JORNALISTA............................................................... 41
2.4 O FUTURO DO JORNALISMO.........................................................................
43
3 A PRESENÇA DA MÍDIA INDEPENDENTE NO BRASIL........................... 47
4 A APOSTA DO NINJA...................................................................................... 52
4.1 COMO FUNCIONA A MÍDIA NINJA............................................................... 53
4.2 RELAÇÃO ENTRE A CASA FORA DO EIXO E MÍDIA NINJA .................... 62
4.3 MODELO ECONÔMICO PROPOSTO........................................................... 64
4.4 MÍDIA NINJA E POLÍTICA............................................................................... 66
5 A COBERTURA DA MÍDIA NINJA DURANTE AS MANIFESTAÇÕES DE
2013......................................................................................................................
67
5.1 RETROSPECTIVA CRONOLÓGICA............................................................... 69
5.1.1 Antecedentes................................................................................................... 69
5.1.2 Primeira Fase................................................................................................... 71
5.1.3 Segunda Fase.............................................. ...................................................
71
5.1.3.1 17 de junho de 2013...................................................................................... 72
5.1.3.2 20 de junho de 2013..................................................................................... 74
5.1.3.3 22 de junho de 2013...................................................................................... 76
5.1.4 Terceira Fase..................................................................................................... 76
5.2 COBERTURA EM TEMPO REAL.................................................................... 78
5.2.1 Jornalismo parcial............................................. ...........................................
82
CONCLUSÃO........................................................................................................ 84
REFERÊNCIAS..................................................................................................... 87
10

INTRODUÇÃO

A modernidade traz valores à sociedade que a tornam um tema bastante


abordado e estudado; ela privilegia a liberdade, o indivíduo, o direito à expressão e o
interesse por técnicas que simplificam a vida. Por sua vez, a comunicação engloba
todos esses quesitos. De acordo com Wolton (2004, p. 49), a comunicação é uma
“[...] necessidade antropológica fundamental, símbolo maior da modernidade”.
Percebemos, então, que os dois conceitos estão intimamente ligados, desde os
primórdios da civilização humana: se de um lado a modernidade, caracterizada pela
abertura de fronteiras – mentais e culturais –, proporciona a condição do surgimento
do conceito do indivíduo, da economia do mercado e finalmente, dos princípios
democráticos, de outro a comunicação permite a evolução e expansão de todos
esses movimentos, situando-se, assim, no centro da modernidade (WOLTON,
2004).
O avanço da modernidade e, consequentemente, da comunicação, trouxe
possibilidades que nos fizeram enxergar o mundo e as pessoas como uma simples
rede, facilmente conectada e acessada. A globalização e a tecnologia trabalham
juntas para a consolidação de novas mídias que ofereçam opções mais amplas de
serviços de informação e entretenimento, fazendo da comunicação um instrumento
de desenvolvimento.
O surgimento da Internet, no final do século XX, proporcionou diversas
mudanças no campo da comunicação: os meios de comunicação tradicionais, tais
como o rádio, a televisão e os impressos, passaram a atuar em segundo plano na
vida de uma boa fração da sociedade que tem acesso à rede. Essa nova mídia pode
ser considerada um marco na história da comunicação, pois, na sua constituição
flexível, permite grande interatividade, é global, acessível, tem o poder de estar em
todos os lugares ao mesmo tempo e não depende dos poderes passados ou
existentes (CARDOSO, 2007).
Atreladas à Internet, as mídias sociais representam uma parcela da
população mundial que objetiva a comunicação permanente e interativa e o acesso
a informações de todos os segmentos. Com o surgimento de tantas mudanças
tecnológicas em uma escala de tempo considerada mínima, é importante descobrir e
11

analisar os verdadeiros impactos e mudanças que a Internet traz para os formatos


da informação, pois ela tende a representar o presente e futuro da comunicação
global.
O contexto de maior liberdade de opinião, viabilizado pela internet, trouxe à
tona questionamentos e constatações sobre o futuro da imprensa no Brasil e no
mundo que giram em torno de temas como a lógica econômica do jornalismo, a
salada ideológica cada vez mais presente principalmente entre os jovens, a guerra
virtual pela informação e as políticas públicas para a cultura e comunicação. A rede
reforçou um novo conceito de jornalismo, chamado jornalismo pós-industrial, cujas
novas condições técnicas, materiais e métodos empregados na apuração e
divulgação das notícias tem causado certo desconforto aos veículos tradicionais, já
acostumados com as antigas fórmulas, e questionamentos aos novos veículos, que
tentam planejar o seu nascimento em sintonia com as novas tendências. Esse novo
jornalismo do século XXI é marcado pela interação com múltiplas fontes e com o
público, que passou a ser um elemento colaborativo na construção da notícia, e
precisa ser compreendido não só pelos profissionais da área, mas também pelos
cidadãos que prezam pela qualidade e credibilidade da informação.
No cenário do jornalismo pós-industrial, surgiu a Mídia Ninja (sigla para
Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação), rede de jornalismo independente
caracterizada por um forte ativismo sociopolítico, cujas notícias são hospedadas na
Internet e transmitidas em tempo real, através de fluxo de vídeo e imagens, em sua
maioria feitos por dispositivos móveis. O grupo se destacou bastante durante a
cobertura das manifestações deste ano, quando os repórteres se infiltraram nos atos
e cobriram os fatos na visão dos manifestantes, divulgando na página do facebook
diversos vídeos reportagens e fotografias em tempo real. Assim, como uma forma
alternativa à imprensa tradicional, é importante analisar o papel desse grupo como
veículo de comunicação e formador de opinião pública, principalmente em tempos
históricos aos quais estamos expostos: a sociedade em busca de uma política mais
transparente, ética e justa.
Segundo Carlos Castilho, em artigo ao Observatório da Imprensa, “o que há
mais de uma década era uma vaga ideia sobre um futuro possível para o jornalismo
transforma-se agora num diagnóstico bem mais preciso, embora ainda contenha
muitas incógnitas”. O momento que muitos jornalistas, empresários e políticos
12

temiam já se faz presente na esfera pública. A lógica e mecânica do jornalismo – o


que inclui tanto a forma de se fazer a notícia quanto de sustentá-la - devem ser
estudadas e incorporadas às novas vertentes da sociedade, que se mostra a cada
dia mais exigente com o jornalismo democrático, não só no que se refere ao acesso
à informação, mas também ao conteúdo livre de amarras políticas e econômicas.
Com a introdução de novos meios de comunicação ao ambiente jornalístico,
há muitos questionamentos em torno do futuro do jornalismo. Perguntas como “qual
é o papel do jornalista?”, “como é esse novo jornalismo?” e “qual é o futuro do
jornalismo?” são colocadas em evidência todos os dias não só pelos veículos de
comunicação, mas também por profissionais da área, pelos próprios cidadãos e
pelos poderes envolvidos direta ou indiretamente com a informação – grupos
políticos, econômicos e sociais. No entanto, parece não ser possível ter uma
resposta definitiva para essas problemáticas, pois vivemos em uma fase de
transição, na qual ainda se esperam muitas transformações. Diante dessa incógnita,
a pesquisa o trabalho busca entender se a Mídia Ninja, grupo de mídia que surgiu
cunhado nos princípios do jornalismo pós-industrial, é considerado um veículo
jornalístico, ou seja, se a atividade dos ninjas pode ser vista como jornalística.
O objetivo principal do trabalho é analisar a atividade desenvolvida pelos
“ninjas” no contexto das manifestações populares de 2013 de acordo com os novos
conceitos do jornalismo pós-industrial, além de objetivos específicos, tão importantes
para chegar a uma conclusão: analisar o papel da Internet como meio de
comunicação; desenvolver um estudo sobre o jornalismo pós-industrial, identificando

principais características; identificar os grupos de mídia independentes que estão


surgindo no cenário do jornalismo pós-industrial brasileiro e analisar o papel e a
influência dos meios de comunicação em levantes populares.
Por ser um grupo novo, com apenas dois anos de atividade – e, considerando
o período em que começou a ter destaque entre a mídia e o público, somente seis
meses -, ainda há muitas polêmicas que envolvem os ninjas, no que rege à natureza
da atividade que exercem e também à estrutura econômica que os sustenta. A
jornalista Eliane Brum, vencedora de mais de 40 prêmios jornalísticos - entre eles
Esso e Vladimir Herzog -, disse em entrevista à Revista Piauí que o bom jornalismo
se faz com
13

[...] reportagem que não reduz o mundo, que busca captar palavras,
silêncios, hesitações, texturas e gestos. Detalhes únicos que enriquecem o
texto, que fazem com que o leitor imagine a cena, desloque-se no tempo e
no espaço e se emocione”.1

Considerando o conceito de reportagem da jornalista, a Mídia Ninja, em


princípio, parece praticar o jornalismo. Não o tradicional, ao qual estamos
acostumados, mas pode ser visto como uma ramificação de um tipo de jornalismo
que tende a apresentar diferentes faces devido à inserção e ao diálogo exercido
entre os novos meios de comunicação, o pós-industrial.
Após pesquisas bibliográficas e análises de conteúdo, foi possível organizar o
presente estudo em cinco capítulos. O primeiro capítulo situa o leitor no cenário da
mídia atual, através de uma breve contextualização histórica que aborda desde o
surgimento da internet até os conceitos desenvolvidos por grandes teóricos da área
e aplicados à atmosfera presente – entre eles convergência midiática, ciberespaço,
inteligência coletiva e aldeia global. O segundo capítulo traz um estudo sobre o
jornalismo pós-industrial, o objeto teórico da pesquisa, que inclui as características
relacionadas à lógica estrutural, econômica e profissional desse novo jornalismo
emergente. O terceiro capítulo aborda, brevemente, a presença de grupos de mídia
independentes no Brasil e o comportamento adotado por eles. É uma forma de
introduzir o conteúdo do quarto capítulo, que apresenta o objeto empírico desta
pesquisa, o coletivo jornalístico Mídia Ninja. Por fim, o capítulo cinco consiste em
uma análise desenvolvida sobre a cobertura dos ninjas durante as manifestações
populares que ocorreram no país durante o ano.

1
A Mídia Ninja não faz jornalismo. Disponível em <http://www.oreporter.com/A-Midia-Ninja-nao-faz-
jornalismo,10659798970.htm>. Acesso em 18 de novembro, 2013.
14

1 INTERNET: COMO TUDO COMEÇOU

“A história da criação e do desenvolvimento da internet é a história de uma


aventura humana extraordinária.” (CASTELLS, 2003).

O rumo e a história da sociedade se caracterizam pelo surgimento de novas


tecnologias, que vão se sobrepondo umas às outras e provocando alterações de
escala política, social e econômica. Cada vez que o mundo experimenta uma nova
tecnologia, deve estar certo que haverá consequências, em maior ou menor grau,
devido ao impacto e penetração social causados por ela. Foi assim com a roda, a
máquina a vapor, o avião, o telefone, o rádio, a televisão, a internet. No âmbito da
comunicação também há a ampla influência da tecnologia, que pauta principalmente
a velocidade com que a informação chegará à população, além de englobar
questões econômicas e estruturais da área.
As definições de dicionário da palavra “comunicação” tem mudado nos
últimos 30 anos devido às transformações que perpassaram o meio impresso, a
radiodifusão e, mais recentemente, a internet. Em 1955, o Oxford English Dictionary
definia comunicação como sendo “1. A ação de comunicar, agora raramente se
referindo a coisas materiais. 2. Compartilhamento, transmissão ou troca de ideias,
conhecimento, etc., seja por meio da fala, da escrita ou dos sinais”. Um pouco mais
de 20 anos depois, em 1972, foi lançado um suplemento desse dicionário, no qual o
conceito de comunicação sofreu alteração, abordado como “a ciência ou o processo
de transmissão de informações, em especial por meio de técnicas eletrônicas ou
mecânicas” (BRIGGS; BURKE, 2006).
A evolução (em termos tecnológicos) dos meios de comunicação, mesmo que
não tenha se dado concomitantemente em todos os países, trouxe aos veículos de
comunicação diversas formas de comunicar e trabalhar a informação, ferramentas e
técnicas aperfeiçoadas para transmitir notícias em tempo real. Da revolução da
prensa gráfica, aproximadamente em 1450, ao mundo do World Wibe Web, quase
seis séculos depois, o jornalismo sofreu alterações que permearam – e ainda
permeiam - a função do jornalista, a estrutura da notícia, a logística dos veículos, as
lutas entre informação e publicidade e informação e opinião e o papel do cidadão
15

como público receptor. Em todas as fases, a imprensa acompanhou o


desenvolvimento da indústria capitalista. Sodré (1999) afirma que a história da
imprensa é a própria história do desenvolvimento do capitalismo. Mesmo que o
jornalismo já existisse como atividade de informação – em sua forma oral -, é certo
que seu maior impulso, inserido em um contexto de imprensa, veio junto com o
desenvolvimento capitalista. A invenção de Gutenberg resultou da necessidade que
estava vinculada à ascensão burguesa no mercantilismo e no posterior capitalismo.
A prensa gráfica permitiu a impressão de milhares de impressos e se mostrou como
um meio eficiente de divulgar informação e influenciar a opinião pública. A partir do
momento que essa forma de poder foi percebida, as forças econômicas passaram a
querer para si o que até então estava concentrado nas mãos do governo, pois a
imprensa, quando ligada à atividade privada, seria uma grande aliada do
capitalismo.
Sodré (1999) destaca, nesse cenário do capitalismo, o fato de ser a empresa
jornalística, “na maioria esmagadora dos casos”, a iniciadora e impulsionadora dos
meios de massa, a começar pelo rádio, culminando com a televisão. A partir dessa
reflexão, chega-se ao conceito de conglomerado midiático que agrupa jornal – e em
alguns casos revista -, emissora de rádio e de televisão, algo fortemente presente,
inclusive, no Brasil.
A imprensa brasileira teve um nascimento tardio, até como uma consequência
do atraso no ensino superior, na economia, na própria independência política e na
abolição da escravatura. Esses fatores, entre outros, contribuíram para um histórico
de analfabetismo e concentração de renda, sentidos até os dias de hoje, que, por
sua vez, significaram condicionantes da evolução da imprensa no país, visto que a
formação de um público leitor fora prejudicada.
O controle da informação sempre pautou o desenvolvimento da imprensa no
país, apontando os caminhos sociais, políticos, econômicos e culturais – não é à toa
que Sodré (1999, p. XV) ressalta que “quem controla a informação, controla o
poder”. Os vários períodos sob regime de exceção, especialmente as fases mais
repressivas da Era Vargas (1930-1945) e dos Governos Militares (1964-1984),
afetaram de diversas formas o desenvolvimento da atividade jornalística nacional,
deixando marcas representativas relacionadas à parcialidade dos veículos de
16

comunicação já existentes e abrindo caminho para novas formas de exercer a


atividade jornalística.
A inserção e sobreposição de novos meios de comunicação provocaram – e
ainda provocam – mudanças no jornalismo. Foi assim com a invenção da prensa
gráfica e a construção dos primeiros jornais impressos, com as ondas de
radiodifusão e a possibilidade de receber a notícia em tempo real, pela leitura,
audição ou visão (pelas imagens). E desde o final do século XX, a sociedade vem
passando por mais uma transformação que promove profundas alterações no fazer
jornalístico. A internet tem sido o principal mecanismo deste processo,
representando características peculiares quando comparada a outros meios de
comunicação, como a televisão e o jornal impresso, pois

[...] é única porque integra modalidades diferentes de comunicação


(interação recíproca, radiodifusão, busca-referência individual, discussão em
grupo, interação pessoa/máquina) e diferentes tipos de conteúdo (texto,
vídeo, imagens visuais, áudio), em um único meio de comunicação. Essa
versatilidade torna plausíveis afirmações de que a tecnologia vai estar
implicada em muitos tipos de mudanças sociais, talvez mais profundas do
que a televisão ou o rádio (DIMAGGIO et al, 2001, p. 308, tradução própria,
apud VIEIRA, 2013, p. 05).

Para entender o jornalismo deste novo século e todas as suas


particularidades, é preciso voltar no tempo e compreender a história da internet e a
criação do ambiente gráfico World Wide Web, um dos fatores propulsores do
desenvolvimento da rede.
O grande avanço da internet aconteceu entre setembro de 1993 e março de
1994, quando uma rede, que até então era dedicada à pesquisa acadêmica, tornou-
se aberta a todos. No mesmo período, o acesso público a um programa de
navegação (Mosaico), descrito na seção de negócios do New York Times de
dezembro de 1993 como “primeira janela para o ciberespaço”, tornou possível atrair
usuários (na época chamados de “adaptadores”) e provedores (BRIGGS; BURKE,
2006).
As origens da internet, no entanto, datam de 1968-69, quando ela foi
inicialmente estabelecida pelo Advanced Research Projects Agency (Arpa – Agência
de Pesquisa e Projetos Avançados, fundada em 1957 como parte da resposta do
governo ao Sputnik, o primeiro satélite artificial da terra), uma organização do
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Departamento de Defesa norte-americano que tinha o intuito de colocar os EUA


como país líder em ciência aplicada e tecnologia de defesa e militar no mundo.
Inicialmente, tratava-se de uma rede limitada (Arpanet), compartilhando
informações entre universidades “hi-tec” e outros institutos de pesquisa (BRIGGS;
BURKE, 2006) –, cujo acesso era restrito ao domínio dos militares e órgãos
contratantes de defesa e às pessoas de universidades envolvidas em pesquisas
relacionadas a defesa. Essa rede nacional de computadores servia para garantir a
comunicação emergencial caso os Estados Unidos fossem atacados, sobrevivendo
à retirada ou destruição de qualquer computador ligado à ela. Qualquer computador
podia se ligar à Net de qualquer lugar, cujo sistema de envio quebrava a informação
em peças codificadas, que eram unidas pelo sistema receptor. De acordo com
Briggs e Burke (2006), esse foi o primeiro sistema de dados empacotados da
história.
Apesar de eficiente, o valor da Net fora das universidades e das unidades
militares dependia da visão comercial que as pessoas deveriam dar a ela. O primeiro
provedor de serviços comerciais online começou a operar em 1979, o CompuServe,
seguido por mais dois que se tornaram concorrentes e conseguiram 3,5 milhões de
assinantes até 1993, marcando uma nova fase na história da internet.
No final dos anos 70 e início dos anos 80, algumas redes de computadores
descentralizados e cooperativos, tendo a maioria delas emergido em redes
universitárias para servir à comunidade acadêmica, começaram a surgir, como a
Bitnet (Because It's Time Network) e a CSNET (Computer Science Network). Essas
redes passaram a oferecer acesso para outras universidades e organizações de
pesquisa dentro do país e incitaram conectividade, no âmbito nacional, da
comunidade de ciência da computação.
Por volta de 1983, após observar o desafio de supercomputação que ocorria
no Japão (um produto do governo japonês que tinha como objetivo desenvolver um
computador com diversas habilidades, como ter um vocabulário de 10.000 palavras),
o Congresso norte-americano autorizou a National Science Foundation (NSF) a
erguer e operar os centros de supercomputação do país. Em 1986, essa fundação
fez um significativa contribuição para a expansão da internet: a rede NFSNET, que
conectava pesquisadores de todo o país por meio de grandes centros de informática
e computadores.
18

Durante os anos 80, outras organizações do governo passaram a desenvolver


redes particulares, todas interconectadas à NFSNET, que, apesar de ser integrada
por várias redes diferentes, ficou conhecida pela população como Internet,
justamente por causa de sua presença nacional e política de estar aberta a
organizações nacionais de pesquisa e educação. Dessa forma, o cenário no final
dos anos 80 abarcava muitos computadores conectados, principalmente os
acadêmicos instalados em centros de pesquisa. A internet era uma interface
simples, restrita ao uso de atividades voltadas para educação e pesquisa, não
podendo ser usada para fins comerciais. De acordo com Gallo e Hancock (2003),
em resposta a essa política excludente, a Commercial Internet Exchange (CIX) foi
criada no início dos anos 90 com o objetivo de suprir as necessidades de
conectividade do mercado, que já começava a perceber o potencial comercial da
rede. Até meados dos anos 90, essa Internet Comercial começou a emergir com
20% de usuários finais, ou seja, que não eram ligados à pesquisa ou à educação.
Ainda nesse período, foram criados provedores particulares de internet que
reconheceram a demanda crescente de pessoas para o uso da internet, tanto para
cunho comercial quanto para uso pessoal.
No entanto, o impulso da internet como mídia de massa se deu com o inglês
Tim Berners-Lee, que trabalhava no Instituto Europeu de Pesquisas de Física de
Partículas e demonstrou seu desejo de conservar a Web sem proprietários, livre e
aberta – ela podia e devia ser “world wide” (BRIGGS, BURKE, 2013). Com as ideias
inovadoras no campo da internet, Briggs e Burke (2006, p. 302) apontam que Lee foi
citado pela

[...] revista Time, que o saudou como único pai da Web, chamou suas
realizações de “quase gutenberguianas”. Benners-Lee tinha tomado “um
sistema de comunicações poderoso, que somente a elite poderia usar, e
transformara-o em meio de comunicação de massa”.

Porém, nem todos queriam converter a rede em um poderoso meio de


massa. Uma minoria de críticos chegou a apontar que quanto mais usuários de
internet houvessem, maior seria o terreno inútil. Por outro lado, entusiastas da rede
já previam a liberdade que a internet sem controle daria ao povo: “William Winston,
em sua obra Twilight of Sovereignity (1995), argumentava, com mais confiança, que,
com a convergência tecnológica, alcançaríamos “maior liberdade humana”, “mais
19

poder para o povo” e mais cooperação internacional” (BRIGGS; BURKE, 2006, p.


302), fato que é comprovado, hoje, pela colaboração e participação do povo em
diversos fenômenos de cunho social e político através desse meio. Essa Rede de
Abrangência Mundial - World Wide Web, termo cunhado por Lee em 1989 – era
baseada em hipertexto e sistemas de recursos para a internet. “O desenvolvimento
de hiperlinks, o destaque de palavras ou símbolos dentro dos documentos ‘clicando
sobre eles’, isso era a chave de todo o progresso” (BRIGGS; BURKE, 2006, p. 302).
Ainda na década de 90, com a forte presença das mensagens de correio eletrônico,
começaram a surgir as primeiras reclamações sobre o impacto do vício da internet
na família, que atingia principalmente integrantes mais jovens.
Em termos de design, arquitetura e protocolos, as implementações na internet
foram feitas através do projeto InDesign, do qual Lee foi convidado para participar
em 1992 pelo designer e pesquisador Jean François Groff, que ofereceu importantes
contribuições na versão original da WWW, além de ter trabalhado para a nova
configuração gráfica que a internet estava adquirindo. No mesmo ano, o Software
Development Group (Grupo de Desenvolvimento de Softwares) do National Center
for Supercomputer Applications (NCSA) criou o College, grupo que reunia
pesquisadores e experts ansiosos para explorar as possibilidades da World Wide
Web. A partir desses estudos, foi criado o primeiro browser por Marc Andreessen, o
Mosaic, com uma interface estável, fácil de instalar e trabalhar com imagens
simples. Os sites tinham, geralmente, fundo cinza, imagens pequenas e poucos
links. Ferrari (2003) afirma que, para Andressen e Lee, a sociedade vivia, a partir
daquele momento, o início da internet como é conhecida hoje.
A World Wide Web desenvolveu-se muito rápido e não parou de crescer
desde então. Segundo Ferrari (2003),

em 1996 já existiam 56 milhões de usuários no mundo. Naquele mesmo


ano, 95 bilhões de mensagens eletrônicas foram enviadas nos Estados
Unidos, em comparação às 83 bilhões de cartas convencionais postadas
nos correios, segundo dados da Computer Industry Almanac. Para dar uma
dimensão do crescimento da internet, o número de computadores
conectados ao redor do mundo pulou de 1,7 milhão em 1993 para vinte
milhões em 1997.

No final dos anos 1990, palavras de origem e circulação no meio (e-palavras),


como e-commerce, passaram a ser mais usadas, principalmente as que tinham
20

relação direta com os negócios. A internet impulsionou, nesse período, uma


revolução do consumo através do e-commerce, no qual pessoas de qualquer parte
do mundo poderiam pesquisar, comparar, encomendar e comprar artigos. Briggs e
Burke (2006) concluem que a década de 1990 foi um período no qual se romperam
as fronteiras entre os meios antigos e os novos. Os limites entre os meios se
embaçaram, da mesma forma que assuntos nacionais passaram a ter implicações
globais, e vice-versa.
O novo milênio trouxe novos conceitos para o campo social e tecnológico.
Logo no início do novo século, a Internet era considerada tão comum que as
atenções populares se voltaram, na imprensa e outros veículos em que havia uma
crescente demanda por informações, para o cronograma de criação de uma
sociedade digital e para a tecnologia das comunicações por telefonia móvel.
Dados da União Internacional de Telecomunicações (UIT) 2 afirmam que, até o
final de 2013, 2,7 bilhões de pessoas – equivalente a 39% da população mundial –
terão acesso à internet, o que significa que 4,5 bilhões de pessoas continuam e
continuarão sem navegar na rede. Segundo a pesquisa, a Europa continua sendo a
região do mundo com maior número de pessoas conectadas, com uma taxa de
penetração de 75%, muito acima dos 32% da Ásia-Pacífico e dos 16% da África. No
Brasil, informações do Ibope3 indicam que o número de usuários atingiu um recorde
de 94,2 milhões no terceiro trimestre de 2012 – considerando os que acessam a
rede em casa, no trabalho, em escolas e postos públicos.
Diante desses dados expressivos, é impossível não lembrar do conceito de
aldeia global, introduzido nas teorias da comunicação por Marshall McLuhan,
educador acadêmico e teórico da comunicação, cuja ideia se dava em torno da
aproximação dos povos a partir da troca cultural permitida pelo desenvolvimento
tecnológico dos meios de comunicação. Os diferentes mundos estariam interligados,
como se estivessem em uma aldeia completamente conectada. Apesar das
melhorias que precisam ser feitas - e certamente virão - no sistema de acesso à
internet e a outros meios de comunicação – uma vez que a parcela de indivíduos

2
Mundo terá mesmo número de celulares quanto de pessoas em 2013. Disponível em
<http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2013/02/mundo-tera-mesmo-numero-de-celulares-quanto-
pessoas-em-2013.html>. Acesso em 08 nov, 2013.
3
Usuários de web chegam a 94,2 mi no Brasil. Disponível em
<http://www.meioemensagem.com.br/home/midia/noticias/2013/03/22/Usuarios-de-web-chegam-a-94-
2-mi-no-Brasil.html#ixzz2k5Lc1ctX>. Acesso em 08 nov, 2013.
21

com acesso às redes ainda é insatisfatória -, hoje, mais do que nunca, esse conceito
faz total sentido.

1.1 A ERA DA MASSA DE MEIOS

A sociedade do século XXI está vivenciando uma nova indústria da


comunicação pautada pelos novos paradigmas da mídia: da era dos meios de
massa para a era dos meios para todos. O jornalismo não é mais monopólio de
jornalistas, programas e séries não são produzidos apenas por profissionais
contratados por veículos de televisão e músicas de sucesso não são produzidas
exclusivamente pela indústria fonográfica devido às facilidades oferecidas pelas
tecnologias digitais. A democratização dos meios permite que qualquer pessoa se
transforme em mídia, capaz de se comunicar com milhares de pessoas, de
quaisquer nacionalidades, criando audiência como qualquer objeto de comunicação
de veículos tradicionais. Segundo o professor de Jornalismo na Universidade do
Texas e Diretor do Centro Knight para Jornalismo nas Américas, Rosental Calmon
Alves,

Passamos da era dos meios de massa para a era da massa de meios. Mas
isso não quer dizer que todos os meios de comunicação são iguais, que
uma pessoa que se transforma em meio tenha o mesmo peso dos meios
organizados, profissionalizados. Os dois convivem e se complementam.4

O destino das chamadas novas e velhas mídias têm sido um assunto em


pauta em universidades, veículos e entre estudantes e pesquisadores
comunicólogos, que questionam a possibilidade das velhas mídias se tornarem
obsoletas. Jenkins (2009, p. 41), no livro Cultura da Convergência, relembra que os
velhos meios de comunicação não “morrem”, o que entra em desuso são as
ferramentas usadas para acessar o seu conteúdo: “Os velhos meios de
comunicação não estão sendo substituídos. Mais propriamente, suas funções e
status estão sendo transformados pela introdução de novas tecnologias”. O
professor de Ciências Humanas aponta para o paradigma da convergência, que,
4
“Passamos dos meios de massa para a massa dos meios”. Disponível em
<http://www.ihu.unisinos.br/noticias/522354-qpassamos-dos-meios-de-massa-para-a-%20massa-de-
meios>. Acesso em 20 de setembro, 2013.
22

diferentemente do paradigma da revolução digital (no qual novas mídias


substituiriam as velhas), presume que as novas e antigas mídias irão interagir de
formas cada vez mais complexas.
Mesmo com a integração das mídias e interação entre elas, a queda de
circulação dos jornais impressos vem sendo percebida desde meados do século 20
em todo o mundo. As causas para a redução de leitores são muitas, como apontam
Righetti e Quadros (2009), baseados em autores como Meyer (2004) e Boczkowski
(2004), pois permeiam desde a concorrência de outros meios de comunicação
(como a própria TV), até a queda do hábito de leitura e seu incentivo nas escolas.
Esses autores acreditam que a internet acelerou uma crise já existente, sendo mais
um fator para o declínio do meio impresso, e não o único.
Trazendo o fenômeno do jornalismo impresso para o cenário nacional, nota-
se que essa crise, tão acentuada e sentida nos mercados estrangeiros (como o
norte-americano), ainda não abalou tanto o mercado local, pelo menos por
enquanto. Segundo estimativa da Associação Nacional dos Jornais (ANJ), baseada
em dados do Instituto Verificador de Circulação (IVC), houve um aumento, mesmo
que pequeno, no número de exemplares circulados por dia (Tabela 01). No entanto,
esse número se deve aos novos jornais que foram inseridos no mercado, e não
propriamente ao aumento dos que já circulavam no território nacional. Em 2001, por
exemplo, havia 491 jornais diários em circulação, número que aumentou para 727
jornais em 2012 (fonte: ANJ, ABRE, ADJORI/SC, ADJORI/RS, ADI/Brasil e Mídia
Dados). Fazendo um recorte mais específico no principal jornal do país em termos
de circulação, Folha de S. Paulo, nesse mesmo período pode se observar uma
redução na média da circulação, que caiu de 346.333 exemplares em 2002 para
297.650, em 2012 (fonte: ANJ).
23

Circulação nacional* Afiliados ao IVC


Ano Variação %
Milhões de exemplares/dia Milhões de exemplares/dia
2012 8,802 1,8 4,520
2011 8,651 3,5 4,443
2010 8,358 1,9 4,291
2009 8,202 -3,46 4,210
2008 8,487 5,0 4,351
2007 8,083 11,8 4,144
2006 7,230 6,5 3,706
2005 6,789 4,1 3,480
2004 6,522 0,8 3,343
2003 6,470 -7,2 3,315
2002 6,972 -9,1 3,553
2001 7,670 -2,7 3,877
2000 7,883 8,81 3,980
Tabela 01: Circulação média diária dos jornais pagos.
*Estimativa da ANJ para o mercado brasileiro, baseada em dados do IVC.

Muitos atribuem essa queda generalizada à chegada e fortalecimento da


internet. No entanto, ela é apenas o mais recente de uma série de avanços que
contribuíram para a segmentação da mídia e do público. Meyer (2007, p. 19),
citando Simon (1971), relembra que “a riqueza de informação [...] cria a escassez de
atenção e a necessidade de alocar essa atenção de forma eficiente em meio à
superabundância de fontes de informação que podem consumi-la”. A variedade de
meios de informação – revistas, jornais impressos, rádio, televisão e internet – acaba
criando, no público, um hábito de leitura superficial, cujo intuito é saber menos sobre
mais. Em outras palavras, o indivíduo circula de meio por meio, capta muita
informação, mas não se aprofunda no conteúdo de cada uma delas.
Pesquisa do Ibope Mídia, divulgada pela ANJ, aponta o tempo médio de
leitura, em minutos por dia, dos meios de comunicação (Tabela 02). De 2003 para
2012, os números indicam uma tendência no aumento de tempo gasto na internet,
que lidera o ranking desde o primeiro ano da pesquisa. Os meios impressos
aparecem por último, enquanto que rádio e televisão apresentam certo equilíbrio
nesses dez anos. Para os jornais e revistas, os números são alarmantes. Em 2003,
por exemplo, o tempo médio de leitura dedicado a um exemplar era de 54 minutos,
24

contra 139 minutos de navegação na Internet. Em 2012, esses números pularam de


39 minutos (revista), para 170 minutos (internet). Conclui-se, então, que está
havendo migração de um meio para o outro.

Ano Jornais Revistas Rádio Televisão Internet

2012 35 39 127 129 170


2011 36 42 132 173 173
2010 35 42 135 128 167
2009 35 41 134 126 161
2008 35 41 131 129 156
2007 38 41 139 129 160
2006 39 40 136 129 150
2005 39 42 105 126 147
2004 41 45 107 132 149
2003 41 54 107 131 139
Tabela 02: tempo de leitura dos jornais (minutos por dia).
Jornal/Revista = tempo médio dedicado à leitura de um exemplar;
Rádio = tempo médio ouvido ontem;
TV = tempo médio assistido na última semana / média dividida por 7;
Internet = tempo médio que fica conectado por dia.

Com tantas fontes de informação – de acordo com Jenkins (2009), o


consumidor médio estabeleceu o padrão de consumir entre 10 a 15 canais de mídia
-, a sociedade vive num estado de convergência, fenômeno compreendido pelo
autor como “uma transformação cultural, à medida que consumidores são
incentivados a procurar novas informações e fazer conexões em meio a conteúdos
de mídia dispersos” (JENKINS, 2009, p. 29). O processo de convergência não
envolve somente as tecnologias, mas altera as indústrias, mercados, gênero e
públicos, transformando as formas de produzir e de consumir os meios de
comunicação. A convergência

é tanto um processo corporativo, de cima para baixo, quanto um processo


de consumidor, de baixo para cima. A convergência corporativa coexiste
com a convergência alternativa. Empresas de mídia estão aprendendo a
acelerar o fluxo de conteúdo de mídia pelos canais de distribuição para
aumentar as oportunidades de lucros, ampliar mercados e consolidar seus
compromissos com o público. Consumidores estão aprendendo a utilizar
diferentes tecnologias para ter um controle mais completo sobre o fluxo da
mídia e para interagir com outros consumidores (JENKINS, 2009, p. 46).
25

No ambiente de convergência, as audiências, em vez de individualistas,


tornam-se, em sua maioria, comunitárias. A internet permite que o conhecimento
seja construído a partir da junção de informações disponibilizadas por diferentes
indivíduos, que participam de uma rede colaborativa e interativa. Lévy (1999, p. 126)
define o ciberespaço “como prática de comunicação interativa, recíproca,
comunitária e intercomunitária, [...] como horizonte do mundo virtual vivo,
heterogêneo e intotalizável no qual cada ser humano pode participar e contribuir”. É
nessa atmosfera de intensa participação que surge o conceito de inteligência
coletiva defendido por esse pelo filósofo da cultura virtual contemporânea, que se
refere à capacidade das comunidades virtuais em compartilhar saberes e
alavancarem o conhecimento a partir desse compartilhamento. O que não se pode
saber ou fazer sozinho, agora é possível a partir do processo da coletividade, pois
cada pessoa tem algo a contribuir.
Outra forte característica da convergência das mídias é que ela torna
inevitável o fluxo de conteúdo pelas múltiplas plataformas de mídia, o que
desencadeia o que Jenkins (2009) chama de narrativa transmídia, quando uma
história se desenrola através de diferentes plataformas, em diferentes formas,
contribuindo de maneira distinta e valiosa para o todo. Essa tendência vem do
próprio público, que quer consumir determinado conteúdo/produto em novas
experiências.
O momento de transição em que a sociedade se encontra ainda gera muitas
dúvidas, não só no jornalismo, mas em todas as atividades relacionadas a questões
culturais, sociais, econômicas e políticas. Jenkins (2009, p. 236) reforça que o futuro
ainda é incerto em um ambiente cujas mudanças ocorrem de um dia para o outro:

Contradições, confusões e múltiplos pontos de vista são esperando num


momento de transição, em que um paradigma midiático está morrendo e
outro está nascendo. Nenhum de nós sabe realmente como viver numa
época de convergência das mídias, inteligência coletiva e cultura
participativa.

O que se percebe hoje é uma efervescência em torno dos novos meios de


comunicação e transformações culturais que acontecem à medida em que esses
meios convergem entre si e com os antigos, fenômeno que está revolucionando o
modo de se encarar a produção de conteúdo em todo o mundo. A atual
26

diversificação dos canais de comunicação é politicamente importante porque


expande o conjunto de vozes que podem ser ouvidas.

1.2 A TEORIA DO AGENDAMENTO SOB NOVA PERSPECTIVA

Conforme a Agenda Setting, teoria elaborada por Maxwell McCombs e


estudada na disciplina de Teoria da Comunicação, a pauta das conversas e debates
é desencadeada pelos meios de comunicação tradicionais – jornais, rádio e
televisão -, que tem autoridade de informar os fatos a serem pensando ou debatidos
pelo público, estabelecendo a pauta dos assuntos e a abordagem de seu conteúdo a
nível local, nacional e internacional.
O advento e popularização da internet, no entanto, questiona a agenda da
mídia convencional ao propor sua própria pauta em decorrência das redes sociais.
Através dessa nova mídia, inúmeras pautas são estabelecidas, manifestações e
eventos organizados, pois ela permite que os cidadãos expressem opiniões e
interesses e forneçam informações de muitos para muitos, sem o filtro dos meios
tradicionais e, ainda mais importante, sem o controle por interesses privados e pelas
regulações e poderes estatais.
São constatadas duas formações de opiniões públicas: uma administrada
pela agenda tradicional, e outra direcionada pelos próprios cidadãos, em um
ecossistema descentralizado, através da cultura da participação, da interatividade e
velocidade permitidas pela rede. A esfera pública foi transformada pela internet, que
alterou o processo comunicacional ao criar essa nova opinião pública. Para definir o
fenômeno de comunicação que ocorre na rede, Manuel Castells (2013, p. 15)
cunhou mais um conceito ao ambiente virtual, o de autocomunicação de massas.
Autocomunicação porque traz autonomia na emissão e recepção das mensagens (o
indivíduo escolhe o que comunicar, para quem comunicar, o que filtrar e o que
absorver), e de massas porque “processa mensagens de muitos para muitos, com o
potencial de alcançar uma multiplicidade de receptores e de se conectar a um
número infindável de redes que transmitem informações digitalizadas pela
vizinhança ou pelo mundo”. Tudo isso porque, ainda segundo Castells (2003, p. 08),
27

A Internet é um meio de comunicação que permite, pela primeira vez, a


comunicação de muitos com muitos, num momento escolhido, em escala
global. Assim como a difusão da máquina impressora no Ocidente criou o
que MacLuhan chamou de ‘A Galáxia de Gutenberg”, ingressamos agora
num novo mundo de comunicação: a galáxia da Internet.

O agendamento provocado pela internet pode ser claramente visto em redes


sociais como twitter e facebook, através dos trending topics (lista de assuntos mais
comentados de determinada unidade de tempo) e hashtags (palavras antecedidas
pelo ícone jogo da velha), além de inúmeros vídeos postados no youtube, cujo
alcance pelo número de visualizações é tão alto que chega a pautar assunto não só
entre os cidadãos, mas até mesmo entre as mídias tradicionais.
A internet já mostrou ser um poderoso meio de comunicação através dos
diversos assuntos pautados, sejam eles escoados na própria rede – pela troca de
informações entre usuários -, em outros meios de comunicação ou nas rodas de
convívio social. Apesar das restrições ao acesso (por fatores econômicos ou
políticos de cada nação), é exclusivamente por esse meio que indivíduos de
qualquer lugar do mundo, comunicólogos ou não, podem se expressar e comunicar
um com o outro no momento em que acharem mais conveniente. A internet, como
mídia de massa, já provou ser plataforma para a comunicação interpessoal de
usuários pelo crescimento de redes sociais e blogs, para a divulgação da informação
jornalística pela aderência de muitos veículos de comunicação aos portais e
formatos online, para a comoção da população e engajamento em movimentos
sociais e para as estratégias de marketing, pela realização de ações de marketing
digital por marcas dos mais diversos segmentos, e também pela presença política na
rede principalmente em campanhas eleitorais.
28

2 O JORNALISMO PÓS-INDUSTRIAL

A atividade jornalística no século XX pode ser considerada como um processo


bastante linear, no qual repórteres e editores colhiam informações, transformavam-
nas em notícias nas redações até o momento final do processo, quando elas eram
impressas em jornais e revistas ou transmitidas por ondas de rádio ao consumidor
final, o leitor/ouvinte/telespectador, que viam o produto já em seu formato final. A
notícia era, dessa forma, recebida, e não usada.
Os novos paradigmas da mídia trouxeram à atividade jornalística um novo
cenário, no qual a liberdade passou a ser o elemento chave entre o emissor e
receptor. Esse novo ecossistema tem chamado bastante atenção de estudiosos e
comunicólogos, que buscam analisar as redes que entrelaçam o processo e
desenvolver, a partir de então, teorias da comunicação que estejam em sintonia com
o século XXI.
Um dos principais estudos desenvolvidos na área foi preparado pelos
jornalistas e professores C.W Anderson, Emily Bell e Clay Shirky, no âmbito do Tow
Center for Digital Journalism da Columbia Journalism School, no final de 2012. Na
verdade, trata-se de um relatório de pesquisa sobre o jornalismo pós-industrial. A
expressão, cada vez mais conhecida não só nos Estados Unidos, mas em todo o
mundo, foi empregada em 2001 pelo jornalista norte-americano Doc Searls para
abordar um novo tipo de jornalismo, um “jornalismo que já não é organizado
segundo as regras da proximidade do maquinário de produção” (fazendo referência
ao fato de que antigamente o profissional de redação tinha que trabalhar perto das
máquinas que iriam produzir o material gráfico).
Algumas informações provenientes do relatório são extremamente
interessantes para a área da comunicação e apontam o quanto a internet tem
influenciado a propagação de informações, como o fato de o público chegar às
notícias cada vez mais por meio de links compartilhados. “Diariamente, serviços
como Facebook, Twitter, Orkut e Weibo publicam muito mais conteúdo do que a
29

produção somada da mídia profissional no mundo todo” (ANDERSON, BELL,


SHIRKY, 2013, p. 48).
Além da introdução das redes sociais no meio jornalístico, diversos jornais já
possuem publicação online. Segundo Pedro Martins Silva, presidente do IVC
(Instituto Verificador de Circulação), dos cem títulos auditados pelo órgão, 24 já
possuem uma versão digital da publicação, seja adaptada para leitura em
dispositivos móveis ou apenas no computador. Em 2011 esse número era 17 5. Em
pesquisas divulgadas pelo IBOPE Nielson On Line, o número de visitas únicas a
jornais digitais aumentou em cinco vezes de 2005 a 2012 (Tabela 03).

Ano Visitas únicas


2012 21.968
2011 18.421
2010 15.633
2009 12.782
2008 10.343
2007 6.941
2006 5.274
2005 4.238
*Os números correspondem a visitas únicas por mês em milhões.
Tabela 03: leitura online dos jornais.

Ainda de acordo com o documento, os materiais e métodos aplicados nas


atividades do jornalista, que incluem a apuração, produção e divulgação das
notícias, não são mais os mesmos utilizados no século XX. A inserção da Internet
como elemento da rotina dos cidadãos modificou a relação entre os veículos de
comunicação e a massa receptora ao permitir feedbacks e publicações instantâneas
e ilimitadas, tanto por parte do jornalista como do público.
Não há como fechar os olhos e achar que o jornalismo ainda segue o ritmo
dos veículos tradicionais do século passado, no qual o jornalista passava por um
processo longo e cronológico para a publicação de qualquer notícia: abordagem da
pauta, apuração dos fatos, entrevistas necessárias, redação/gravação, edição e,
finalmente, publicação para chegar ao público final, o leitor/telespectador/ouvinte. Na
atual fase em que estamos inseridos, todas essas etapas podem ocorrer em

5
Circulação de jornais cresce no país. Folha assume a liderança. Disponível em
<http://www1.folha.uol.com.br/mercado/1219600-circulacao-de-jornais-cresce-no-pais-folha-assume-
a-lideranca.shtml> Acesso em 22 de setembro, 2013.
30

mínimas frações de tempo e não precisam obedecer necessariamente essa ordem.


Com um celular em mãos, o jornalista (e também o cidadão que não exerce a
profissão) pode encontrar sua pauta rapidamente nas ruas, ao mesmo tempo em
que já começa a filmar (transmissão via celular para a internet ou televisão), digitar
(para publicações em sites e redes sociais) ou telefonar (caso já estabeleça conexão
com alguma emissora de rádio), já se relacionando com o seu entrevistado e
publicando o material segundos a minutos depois, quando não instantaneamente.
Nesse cenário, a participação de profissionais e instituições da imprensa na
cobertura dos fatos não é mais exclusiva. O público no geral se mostra cada dia
mais antenado e crítico com o ponto de vista e as publicações de veículos de
comunicação de massa. Tornar pública a opinião de alguém já não requer a
intermediação de um veículo de comunicação ou de editores profissionais. No
dossiê sobre jornalismo pós-industrial, Anderson, Bell e Shirky (2013, p. 32)
resumem em uma sentença a última década do jornalismo e destacam a liberdade
que circula entre os meios e o público:

De uma hora pra outra, todo mundo passou a ter muito mais liberdade.
Produtores de notícias, anunciantes, novos atores e, sobretudo, a turma
anteriormente conhecida como audiência gozam hoje de liberdade inédita
para se comunicar, de forma restrita ou ampla, sem as velhas limitações de
modelos de radiodifusão e da imprensa escrita.

Essa liberdade permitida pela internet fortalece ainda mais as massas, pois,
como a mídia agora é social, há uma base para o consumo não só individual, pelo
qual os indivíduos publicam, curtem e comentam o que quiserem, mas também para
o debate em grupo, que acarreta grandes movimentações nas redes digitais e
provocam até mesmo ações offline – encontros, eventos, manifestações, entre
outros. Jenkins (2009, p. 328), citando Lévy, engrandece essa liberdade de
comunicação ao lembrar que, para o filósofo, o poder de participar de comunidades
de conhecimento convive com o poder que o Estado-nação exerce sobre os
cidadãos e o poder que as corporações, dentro do capitalismo, exercem sobre
trabalhadores e consumidores.
Para ilustrar esse novo jornalismo que nos cerca, o jornal britânico The
Guardian, tradicional publicação londrina, resolveu, através de um filme publicitário,
dar uma abordagem contemporânea à antiga fábula dos “Três Porquinhos”. O
material, veiculado em 2012, tem dois minutos de duração e trata os rumos da
31

investigação relacionada à acusação dos personagens pelo assassinato do lobo. Ao


expor a reconstituição do crime feita pelo jornal, o filme mostra como a organização
cobre os fatos e como ocorre o engajamento dos leitores a partir disso, uma vez que
são exibidos manchetes de jornais impressos, vídeos e fotos hospedados na
internet, comentários em mídias sociais e páginas pessoais de leitores6.
Desde 2011, o jornal londrino decidiu priorizar a edição digital no lugar do
formato impresso. Em maio desse mesmo ano, a edição digital teve 50 milhões de
leitores únicos mensais e 2,8 milhões de leitores únicos por dia e lucrou entre 35 e
40 milhões de euros por ano. A expectativa é que essa cifra chegue a 90 milhões de
euros até 2016. A edição impressa fechou o ano fiscal em março com lucro em torno
de 228 milhões de euros, 10% a menos que no ano fiscal anterior7.
Mas a inserção da audiência na cobertura jornalística não é a única
característica marcante do jornalismo pós-industrial. Há uma séria de mudanças no
tocante à lógica econômica do jornalismo, ao novo jornalista e às empresas do ramo
da comunicação. Embora a internet tenha abalado muitas instituições, e devido a
isso possa ser vista como uma ferramenta destinada a reduzir ou até destruir a
viabilidade de instituições, é inegável que ela ajudou a criar várias outras. “Em
grande medida, o futuro da indústria jornalística será decidido não por aquilo que
está sendo extinto, nem por aquilo que está chegando, mas pelo modo como novas
instituições passam a ser velhas e estáveis e como velhas instituições se tornam
novas e flexíveis” (ANDERSON; BELL; SHIRKY, 2013, p. 56). A nova fase do
jornalismo se torna mais complexa na medida em que se percebe a possibilidade de
fracasso em novas instituições e êxito em velhas.
No século XX, instituições jornalísticas tinham uma série de características
que aumentavam o seu poder na comparação com outras estruturas políticas.
Quanto maior fosse o público do veículo, mais autoridade no contexto político ele
teria, visto que os leitores e a opinião púbica seriam moldados pelo jornalismo. No
entanto, a fragmentação do público consumidor de notícias, que hoje tem diversas

6
Criado pela agência londrina BBH, o filme publicitário tornou-se um case em comunicação
publicitária. No Festival Latino Americano de Criatividade – Wave Festival in Rio -, David Gunn,
fundador do Gunn Report, afirmou que o case “Três Porquinhos” ampliou a leitura da versão do jornal
online em 19%. Disponível em
<http://www.wavefestival.com.br/cobertura/wavefestival2013/seminarios/Os-bons-argumentos-da-
criatividade.html> Acesso em 01 de outubro, 2013.
7
Jornal londrino The Guardian vai priorizar edição digital. Disponível em
<http://www1.folha.uol.com.br/mercado/931077-jornal-londrino-the-guardian-vai-priorizar-edicao-
digital.shtml> Acesso em 03 de outubro, 2013.
32

fontes de informação, enfraqueceu essa ideia, mesmo que seja inegável a


capacidade da mídia de mobilizar a opinião pública. Além de ter perdido capital
financeiro, pode-se afirmar que instituições jornalísticas já começaram a
testemunhar perda do capital reputacional (simbólico), e dessa forma devem sofrer
uma série de adaptações para sobreviver no mercado.

2.1 A LÓGICA ECONÔMICA DO JORNALISMO PÓS-INDUSTRIAL

Em seu livro “Os jornais podem desaparecer?”, Meyer (2007) compara os


jornais monopolistas do século XX a pedágios, pelos quais a informação trafegava
dos varejistas locais até os seus clientes. O cenário no qual “ser dono de um jornal
era como ter o poder de recolher um imposto sobre as vendas” está sendo desviado
pelas novas tecnologias. O jornalismo pós-industrial trouxe à indústria jornalística um
novo modelo de negócio, no qual a informação não pode ser mais tratada como
mercadoria, o jornalismo não pode ser visto como uma mera atividade industrial, e o
jornalista apenas como um operário, ou um funcionário convencional. Ingressamos
na era da informação, e não mais na era industrial. Necessita-se de um novo
conceito de sustentabilidade da mídia, dos jornalistas e comunicadores, o que vem
gerando desconforto para a mídia convencional, que ainda se mostra presa ao
antigo modelo econômico do jornalismo.
O subsídio à atividade jornalística é uma questão que vem gerando polêmica
há algum tempo. É interessante pensar em uma lógica que inclua o subsídio no
sentido de apoio dado a uma atividade de interesse público, pois às vezes o auxílio
é visto como sinônimo de aporte direto pelo Estado – o que levantaria certos
temores, principalmente quanto ao conteúdo produzido. Há diversas formas de se
subsidiar um veículo de comunicação: o apoio pode ser direto ou indireto, vir de
fontes públicas ou privadas.
O dossiê de jornalismo pós-industrial afirma que “a maior fonte de subsídio no
meio jornalístico sempre foi indireta e privada, vinda de anunciantes” (ANDERSON;
BELL; SHIRKY, 2013, p. 34), situação vista principalmente no mercado norte
americano. Já no Brasil, existe uma grande dependência da mídia em relação aos
33

subsídios públicos, com evidente potencial de desequilíbrio para o sistema de


comunicação de interesse público em todos os sentidos: econômico, político, social,
cultural, educacional, ético, etc. De acordo com a matéria publicada pela Carta
Capital em setembro de 2012, o modelo atual de subsídios públicos de comunicação
no país apresenta desequilíbrio e ineficiência à medida que concentra verbas
públicas em determinados grupos de mídia. Ao interpretar a lista com os dados de
investimentos publicitários da União publicada pela Folha de S. Paulo (edição de 13
de setembro de 2012), a revista constatou que dez veículos de comunicação
concentravam 70% da verba:

De um total de 161 milhões de reais repassados a emissoras de tevê,


rádios, jornais, revistas e sites desde o início do governo Dilma Rousseff, 50
milhões foram direcionados apenas à tevê Globo. Ainda entre as emissoras,
a Globo Comunicação e Participações LTDA. recebeu 833,8 mil reais e a
Globosat Programadora, 810,3 mil. Isso soma cerca de um terço de toda a
verba publicitária do governo federal. A família Marinho recebe ainda por:
Rádio Globo (730 mil), Infoglobo, que edita O Globo e o Extra, 927,4 mil,
Globo Participações, que cuida das operações na internet, 952,9 mil. O
jornal Valor Econômico, do qual o grupo detém 50%, embolsou 164 mil. E a
Editora Globo, responsável pela revista Época, 479 mil8.

Por mais que o subsídio público ainda represente uma boa fatia das verbas
dos veículos, ainda é necessário o apoio da publicidade para mantê-los em
atividade. Porém, os anunciantes não estão com tanto interesse em manter esse
apoio, principalmente no caso de jornais, mas a tendência é que diminua também
nas revistas, rádios e televisões. O modelo que há muito tempo foi adotado pela
maioria dos meios de comunicação – uma entidade comercial que usa a receita da
publicidade como principal forma de sustento da redação – está em risco
(ANDERSON; BELL; SHIRKY, 2013).
De acordo com dados fornecidos pelo Projeto Inter-meios (Tabela 04) e
divulgados no site da ANJ, no período de 2001 a 2012 ocorreu um acentuado
declínio do investimento publicitário nos meios jornal impresso e revista, enquanto
houve um aumento de investimento nos meios TV, TV por assinatura e Internet. A
maior redução se deu no investimento publicitário em jornal impresso, que nesses
11 anos despencou em 50%, caindo de 21,7% do total para apenas 11%. Ao
analisar os números, podemos concluir que a internet não foi o único fator que
8
Globo concentra verba publicitária federal. Disponível em
<http://www.cartacapital.com.br/politica/globo-concentra-verba-publicitaria-federal/>. Acesso em 15 de
outubro, 2013.
34

contribui para o fenômeno da diminuição da verba destinada aos meios impressos,


tendo também a TV avançado sobre essa verba.

TV por Mídia
Ano Jornal Revista TV Rádio Internet Outros
assinatura exterior
2012 11,00 6,05 64,05 4,08 4,00 5,00 3,02 0,8
2011 11,83 7,15 63,30 4,19 3,97 5,11 3,02 X
2010 12,36 7,5 62,93 - 4,18 4,64 - 8,03
2009 14,08 7,69 60,92 4,43 4,43 4,27 2,96 5,29
2008 15,91 8,51 58,78 3,74 4,21 3,54 2,74 2,57
2007 16,38 8,47 59,21 3,36 4,04 2,77 2,82 5,95
2006 14,7 8,61 59,37 3,5 4,17 2,07 3,5 2,5
2005 16,3 8,8 59,57 2,34 4,19 1,66 4,7 2,8
2004 16,65 8,33 59,19 2,18 4,32 1,6 2,7 2,9
2003 18,14 9,4 59,03 1,7 4,53 1,49 5,7 -
2002 20,46 10,0 60,32 1,95 4,67 - 4,8 -
2001 21,73 10,84 57,76 1,57 4,86 - 4,3 -
Tabela 04: investimento publicitário por meio (em porcentagem)

Como a perda de prestígio e de participação no mercado publicitário das


instituições tradicionais é uma forte característica do jornalismo pós-industrial, para
recuperar, manter ou até mesmo aumentar a relevância jornalística perante a
sociedade, os veículos terão que explorar novos métodos de trabalho e processos
que tenham como plataforma as mídias digitais, e isso altera completamente a lógica
econômica e operacional do jornalismo e da publicidade.
A popularização das redes sociais contribuiu bastante para o surgimento de
novos formatos de publicidade na mídia digital, embora grande parte desses
investimentos estejam associados à publicidades institucionais e promocionais
(branding), e não ao conteúdo jornalístico em si. O MySpace, rede social norte
americana de grande sucesso (antes do facebook era a mais utilizada entre os
internautas), foi o primeiro grande site a abrigar anúncios de baixo valor comercial,
pois mesmo que as taxas de clique fossem baixas, o investimento valia a pena. Com
a inserção de outras redes sociais na Internet – principalmente o facebook e seu
posterior crescimento -, um número substancial de empresas percebeu que o êxito
em anunciar nas redes sociais não dependia diretamente da capacidade do veículo
de comunicação de criar conteúdo ou manter a audiência, mas estava intimamente
35

ligado ao interesse das pessoas umas nas outras, o que trazia o imediato aumento
no número de usuários e, consequentemente, de visualizações e cliques.
Para se ter uma ideia, a propaganda é responsável por 85% da receita do
facebook9, e a tendência é crescer, visto que há muitas ferramentas que a Internet
pode oferecer ao anunciante para otimizar o investimento. Um forte caráter distintivo
que atrai bastante a atenção das empresas é o fato de o anunciante poder escolher
qual tipo de público deve ser “atingido” por determinado anúncio. O facebook, por
exemplo, permite que o agenciador delimite idade, local de moradia, interesses e
outros aspectos do perfil do usuário. Dessa forma, a probabilidade de pessoas
pertencentes ao target de determinado produto/serviço visualizarem o anúncio é
bem maior. Além dessa ferramenta, o anunciante tem um leque de formatos de
anúncios que podem ser testados: anúncios patrocinados (nos quais o agenciador
pode personalizar o conteúdo e o público ao qual ele será dirigido) ou histórias
patrocinadas (não permite a personalização do anúncio, uma vez que ele é criado
pelo próprio usuário ao realizar qualquer ação na rede – curtir uma página, utilizar
um aplicativo, compartilhar conteúdo, entre outras), o que também permite maior
flexibilidade e monitoramento da publicidade em questão.
Não são apenas as redes sociais que oferecem oportunidades de anúncios
monitorados e flexíveis. A teia da Internet é formada por diversas redes que
promovem diferentes tipos de publicidade. Banners em blogs e sites, anúncios nas
redes sociais, google e youtube adwords e links patrocinados são apenas a ponta do
gigantesco iceberg que a publicidade online abriga. Há uma migração da lógica da
propaganda convencional para a lógica do marketing direto, mudança que gerou um
enorme desafio e produziu uma certa decepção para os veículos tradicionais de
comunicação, que sempre obtiveram um ganho relativamente desproporcional ao
esforço criativo e inovador com a velha publicidade. Os chamados marketing de
guerrilha e marketing viral ganharam forma com a Internet e sua capacidade de
multiplicar mensagens em curtos espaços de tempo, de modo que os patrocínios
também se adaptaram e estão migrando das mídias tradicionais para blogs e sites
com públicos segmentados. O grande segredo por trás disso está no fato de que as

9
ORESKOVIC, Alexei. Facebook modifica opções de anúncios em seu site. Disponível em
<http://exame.abril.com.br/tecnologia/noticias/facebook-modifica-opcoes-de-anuncios-em-seu-site>.
Acesso em 30 de setembro, 2013.
36

estratégias online podem ser trabalhadas de diversas formas, mensuradas e


avaliadas concreta e imediatamente.
O mundo de redes e tecnologia já provou que é o protagonista da fase do
jornalismo pós-industrial e só tende a ocupar mais espaço na sociedade como
veículo jornalístico, meio de informação e plataforma de marketing. A praticidade,
temporalidade, baixo custo e mensurabilidade são as principais características que
tornaram possível o boom da Internet no século XXI. Os tradicionais veículos de
comunicação – sejam eles de conteúdo jornalístico ou publicitário – já não podem
apostar suas fichas exclusivamente na lógica econômica tradicional. Futuramente, o
consumidor não vai querer pagar por um jornal que tenha o mesmo conteúdo que
ele acessa pelo tablet ou smartphone e o anunciante não vai investir um alto valor
em uma inserção na televisão se a audiência estiver em decadência. É necessário
uma reestruturação completa que alcance a estrutura física, tecnológica,
informacional e administrativa do veículo, o chamado “plano B”, descrito por
Anderson, Bell e Shirky (2013, p. 37):

O poder de meios de comunicação sobre os anunciantes está evaporando;


desde a chegada da web, houve uma grande migração, de meios para
anunciantes, do valor líquido de cada dólar investido em publicidade. Além
disso, há mais sinais indicando uma intensificação de tendência do que sua
reversão. Até veículos dispostos a apostar todas as fichas nessa promessa
de salvação deveriam traçar um plano B para seguir produzindo um
jornalismo de qualidade caso o subsídio da publicidade continue a cair.

As novas empresas que surgiram na atmosfera do jornalismo pós-industrial e


os veículos que já iniciaram sua reestruturação focados nas tendências dessa fase
novel ainda estão se adaptando aos novos paradigmas e planejando como
sobreviverão economicamente. Uma alternativa que já começou a ser adotada –
como nas versões digitais do The New York Times (EUA), Le Monde (França), The
Times (Inglaterra), Folha de São Paulo (SP), Correio Braziliense (BSB) e Zero Hora
(RS), entre inúmeros outros jornais – é o sistema “paywall”, no qual há uma
cobrança pelo acesso ao conteúdo do site. No modelo conhecido como muro de
pagamento poroso, os visitantes casuais de um site de jornal não são cobrados,
enquanto que os que ultrapassam certo número de artigos – 10, 20 ou 30 por mês,
por exemplo – deverão pagar uma taxa de assinatura para ter acesso a todas as
matérias. A lógica do sistema é que os jornais online consigam manter um amplo
37

público leitor, importante argumento para a publicidade digital, ao mesmo tempo em


que obtém nova receita através dos leitores fiéis, interessados na assinatura digital.
Apesar de parecer uma boa alternativa, há desdobramentos envolvendo esse
tipo de cobrança. Segundo o relatório de jornalismo pós-industrial, apenas alguns
dos veículos de comunicação que adotaram o sistema conseguiram obter 5% de
adesão de usuários na versão digital, até porque a liberação de certo número de
artigos já é suficiente para grande parte dos leitores, que adota mais de um veículo
como meio de comunicação. “O resultado é que, embora sirva para retardar a queda
no faturamento, a nova receita não impede o declínio, e muito menos o reverte”
(ANDERSON; BELL; SHIRKY, 2013, p. 34).
Como esse sistema de assinaturas ainda não se mostrou totalmente seguro
para os veículos de comunicação, empresas jornalísticas estão em processo de
pesquisa e desenvolvimento de outras estratégias que contribuam para a saúde
financeira da instituição, como micropagamentos, aplicativos móveis, crowdfunding,
verbas de fundações, subsídios do Estado e estratégias de vendas para mídias
sociais. O fato é que a receita por leitor trazida pela publicidade online jamais
chegou perto da tradicional e as fontes das receitas diretas ainda não surtiram efeito
ou ficaram aquém das expectativas.
No mercado, alguns teóricos do futuro da mídia apresentam diferentes linhas
de pensamento relacionadas à lógica econômica da nova atividade jornalística. A
primeira corrente, representada por teóricos do futuro da mídia como o jornalista
norte-americano Jeff Jarvis, acredita que a verba para o jornalismo de interesse
público virá de uma combinação de transparência, maior disseminação pelo público
e avanços na capacidade da indústria publicitária de microssegmentar
consumidores. A segunda corrente de pensamento prega que o jornalismo pode ser
sustentado por receitas do meio digital, contanto que as empresas valorizem e
protejam os direitos autorais do setor por meio de ações unificadas para coibir
agregadores e cobranças pelo conteúdo. Do outro lado, a terceira vertente não
acredita que essa dinâmica implantada pelo jornalismo digital possa ser facilmente
suportada. Certos teóricos dessa linha de pensamento apostam que bens públicos
produzidos por instituições de imprensa só podem ser financiados por formas de
subsídios que não estejam tão ligadas ao mercado, sejam elas filantrópicas ou
vindas diretamente do Estado.
38

A questão principal é que as mudanças estão ocorrendo, mesmo que em


ritmos diferentes (dependendo do país e da cultura em questão). A transição para a
produção e a distribuição digital de informação alterou e ainda causa mudanças na
relação entre meios de comunicação e os cidadãos. Para a maioria da imprensa,
bancada por publicidade, não há saída sem pensar em reestruturação.

2.2 A REESTRUTURAÇÃO É NECESSÁRIA

Embora as histórias de declínio de empresas e nascimento de outras


remodeladas sejam o principal cerne da discussão sobre o futuro do jornalismo, há
um terceiro caminho que ainda apresenta difícil entendimento: a adaptação
institucional.
As mudanças introduzidas ao mercado do jornalismo criaram a necessidade
de uma nova lógica interna não só atrelada ao sistema financeiro do setor, mas
também aos modelos e processos organizacionais. A era do jornalismo pós-
industrial exige uma completa reestruturação, na qual todo aspecto organizacional
da produção de notícias deverá ser repensado. Será preciso ter maior flexibilidade
na formação de parcerias, maior aproveitamento de dados de caráter público e
maior acesso a indivíduos, multidões e máquinas para a produção da informação.
Os jornalistas devem organizar suas premissas e processos em torno das
ferramentas que hoje estão sendo disponibilizadas, como incluir interatividade em
gráficos, dar ao público acesso direto a bancos de dados, incentivar a cultura
participativa no público na construção da notícia ao solicitar imagens e informações
e publicar matérias com exclusividade em redes sociais. Há uma gama de novas
formas de colaboração, novas ferramentas de análise, novas fontes de dados e
informações e novas maneiras de comunicar o que é de interesse público. A
flexibilidade é o aspecto mais animador e transformador do atual cenário.
Muitas das novas instituições jornalísticas não tem a capacidade de promover
diversas coberturas setoristas e organizar investigações especiais de longo prazo e
mais aprofundadas sobre determinados temas de interesse público. Uma das
tendências do jornalismo pós-industrial é a especialização em narrativas específicas
39

dentro de uma área, é não tentar ser tudo para todos, mas conquistar uma fração de
público interessada em um assunto específico para, então conseguir fidelização. O
declínio da capacidade institucional em realizar amplas coberturas não significa que
o veículo deva abrir mão da profundidade e qualidade do seu conteúdo, já que há
recursos disponíveis em outros ecossistemas, que podem ser captados através de
parcerias.
Meyer (2007, p. 31) relembra a importância de os jornais manterem essa
credibilidade e a influência social através de investimento de recursos na produção
de notícias e no resultado editorial. “A alta qualidade resultante conquista mais
confiança do público para o jornal, e não apenas aumenta o número de leitores e
circulação, como também influencia os anunciantes a decidir a quem querem
associar seu nome”.
Infelizmente, muitos jornalistas se queixam da dificuldade em alterar os rumos
de organizações tradicionais de mídia às quais pertencem. Algumas empresas
pregam o “fazer mais com menos”, acabam por demitir uma gama de funcionários e
acumulam funções em cargos nos quais o funcionário não foi treinado. “Os
executivos de jornais e os analistas que justificam o investimento na qualidade
apenas quando há competição com outro jornal não estão vendo o óbvio” (MEYER,
2007, p. 229). Essa já é uma realidade vista não só em veículos jornalísticos, mas
também publicitários e de relações públicas.
Não há como negar que o papel de amadores e cidadãos engajados no
ecossistema jornalístico desequilibrou a estabilidade que há muito tempo foi
vivenciada pelas instituições:

O papel do cidadão comum na produção de notícias é uma questão de


caráter tanto institucional quanto econômico. Em linhas gerais, o fato de que
ao menos parte daqueles que produzem notícias estejam trabalhando de
graça significa que um mundo de informação limitada hoje virou um mundo
de informação infinita, em geral não processada. Isso cria um desafio geral
para instituições jornalísticas: como criar novos processos e procedimentos
institucionais para ir de um mundo no qual a informação era escassa para
outro no qual há fartura de informação (ANDERSON; BELL; SHIRKY, p. 63,
2013).

A presença desses novos redatores contribuiu para o que hoje é chamado de


jornalismo interativo, que seria a ampla participação do público na construção de
matérias e reportagens através do uso de sugestões, textos e informações de
40

leitores ao lado do conteúdo de produção própria do jornal. Por um lado, essa


participação é muito positiva, pois o jornalismo exercido se aproximaria bastante da
transparência informacional, no entanto, nem toda participação seria válida, uma vez
que muitos leitores acrescentariam conteúdo inútil e até inadequado para o meio,
tornando-se necessário introduzir um filtro de aprovação de comentários e
postagens, o que já equivaleria a uma forma de censura no meio digital.
Todas as possibilidades desse novo formato de jornalismo levam jornalistas,
público e empresas a um questionamento: como seria uma instituição jornalística
saudável no século XXI? Os cortes de pessoal, orçamentos menores e a
necessidade de fazer mais com menos já apontam para instituições jornalísticas
menores do que as de hoje, com foco em cobrir determinados setores com o intuito
de formar um público leitor fiel; organizações com novas formas de financiamento
para bancar todas as operações que se façam necessárias (alternativas já citadas
no tópico anterior) e com um fluxo de trabalho “hackeável” (ANDERSON; BELL;
SHIRKY, 2013).
Essa redação mais “hackeável” decorre do fato de que, no meio digital, o
conteúdo pode ser produzido, complementado, modificado e reutilizado sem estacas
definitivas, diferentemente do meio tradicional impresso, radiofônico ou televisivo,
onde o fluxo de trabalho funciona em detrimento de um produto único, acabado, que
será consumido uma vez e, em seguida, descartado. Já é comum presenciar, em
vários sites e portais de notícias, as datas em que as notícias são atualizadas. Para
tirar partido dessa peculiaridade, as rotinas da redação serão mais flexíveis, à
medida em que a pauta a ser coberta dependerá dos desdobramentos das notícias
postadas, que deverão sofrer processos de reciclagem.
O grande desafio que empresas jornalísticas estão enfrentando é o de saber
usar a tecnologia para conseguir levar a marca e credibilidade da instituição mais
longe. Apesar de muitos jornais terem criado rapidamente suas versões online, eles
não podem parar por aí. Meyer (2007, p. 229) reforça que eles precisam pensar em
novas aplicações, ferramentas que usem a tecnologia para agregar valor: “o modo
mais óbvio de lidar com a tecnologia substituta é entrar no negócio substituto”.
41

2.3 O NOVO PAPEL DO JORNALISTA

Além de ter causado mudanças nos âmbitos econômicos e estruturais, o


jornalismo pós-industrial também vai afetar diretamente o “ser jornalista” da
profissão. Qual é o novo papel do jornalista em uma fase na qual acontecimentos de
relevância jornalística tendem a ser divulgados primeiramente por um cidadão
conectado, e não por um jornalista profissional? As mídias sociais ocupam um
espaço na área de comunicação que vai do indivíduo munido da informação – a
primeira testemunha, quem dá o “furo de reportagem” – até a coletividade. O
processo no qual a multidão dissemina a própria informação em tempo real para
outros leitores e para o mundo influenciou bastante a atividade jornalística, visto que
intensificou a ideia de que qualquer pessoa pode exercer a profissão, mesmo sem
ter a formação para tal.
De fato, não há como negar que cada uma das atividades que compõem o
jornalismo pode ser conduzida melhor dentro ou fora de uma redação, por
profissionais ou amadores. Não é à toa que hoje há uma infinidade de blogs e micro
sites pessoais, coordenados e criados por “cidadãos comuns”, que fazem sucesso e
tem audiência. Em 2008, uma pesquisa realizada pela LVBA Comunicação com 604
jornalistas brasileiros10 já apontava que 46,2% consideravam os blogs mantidos por
não-jornalistas como boas fontes de informação, enquanto que 40,4% desconfiavam
das informações publicadas (os outros 13,2% afirmaram que não consultavam blogs
desse gênero).
A comunicação digital ampliou de forma incalculável o rol de fontes para
colheita de informações para a construção de matérias. Os dados online
representam uma explosão de conteúdo que pode ter, se filtrado de maneira correta,
um grande potencial. O jornalismo precisa converter cientistas de dados e
estatísticos em competências centrais dentro do seu meio de atuação, ou seja, o
jornalista precisa ser capaz de entender e analisar dados e indicadores para
complementar qualquer pesquisa. Seguindo essa linha de raciocínio, a pesquisa
ainda revelou alguns dados bem curiosos: quase 60% dos entrevistados revelaram

10
Estudo avalia credibilidade de blogs de não jornalistas. Disponível em
<http://blog.colunaextra.com.br/2008/07/estudo-avalia-credibilidade-de-blogs-de.html>. Acesso em 04
de outubro, 2013.
42

que passaram a escrever para a mídia online e, para 76,2% dos entrevistados, as
fontes digitais passaram a complementar o trabalho de apuração de informações.
A disponibilidade de recursos não elimina a necessidade do jornalismo nem
dos jornalistas, apenas altera a sua função. O profissional deixa de ser o primeiro a
registrar certo assunto e passa a ser aquele que solicita a informação para,
posteriormente, filtrá-la e contextualizá-la a fim de produzir um material mais
completo e crível, que gere repercussão:

Acreditamos que o papel do jornalista – como porta-voz da verdade,


formador de opinião e intérprete – não pode ser reduzido a uma peça
substituível para outro sistema social; jornalistas não são meros narradores
de fatos. Precisamos, hoje e num futuro próximo, de um exército de
profissionais que se dedique em tempo integral a relatar fatos que alguém,
em algum lugar, não deseja ver divulgados, e que não se limite apenas a
tornar disponível a informação (mercadoria pela qual somos hoje
inundados), mas que contextualize a informação de modo que chegue ao
público e nela repercuta (ANDERSON; BELL; SHIRKY, 2013, p. 33).

Para exercer esse papel de “performance da informação”, e não meramente


divulgar fatos, o jornalista do século XXI ainda deve consultar fontes de informações
“clássicas”. É entrevistando gente (seja autoridades políticas, testemunhas nos
locais dos fatos, especialistas sobre o tema) que o profissional tem acesso aos fatos
e se apodera de um assunto, às vezes até com exclusividade. Outro fator que
contribui bastante para o bom exercício da profissão é a bagagem cultural do
profissional; muitas vezes são as referências que distinguem repórteres, editores e
demais jornalistas de outros sistemas de disseminação e coleta de dados. Além
disso, a ideia do jornalista empreendedor vem ganhando força e é cada vez mais
incentivada tanto em cursos de jornalismo quanto em veículos de comunicação. É
importante que o profissional de comunicação esteja sempre preparado e atento às
transformações e tendências de cada fase, sempre acompanhando o
desenvolvimento da tecnologia e dominando as ferramentas disponibilizadas por ela.
A constante atualização é extremamente necessária – até para profissionais de
outras áreas que desejam estar no mercado.
A reputação do jornalista 3.0 agrega uma série de valores e comportamentos
que antes da internet não tinham como ser testados ou ainda eram primitivos. A
famosa rede de contatos, que esteve sempre presente na agenda de qualquer
profissional de comunicação, hoje não se restringe a números telefônicos, pois
43

abarcou os chamados seguidores, retweets, likes e compartilhamentos. Quanto mais


um jornalista envolve o público com a sua persona, o seu carisma, mais essas
pessoas vão querer ouvir o que ele tem a dizer (antigamente, essa persona pública
era mais ligada aos colunistas sociais, mas hoje é parte do trabalho de todo
jornalista); o capital social – uma espécie de valor social atrelado a uma
personalidade - é intrínseco à rede.
Como já dito anteriormente, a especialização e setorização do jornalismo é
uma forte característica do mundo da web. O jornalista precisa exibir um
conhecimento profundo de algo além do ofício jornalístico em si. A diretora de
interação digital do jornal The Guardian, Meg Pickard, descreve esse fenômeno de
construção de comunidades em torno de um assunto específico como “microfama
contextualizada”, que se resume basicamente à necessidade de todo jornalista criar
comunidades de conhecimento e interesses que casem com sua especialização
(ANDERSON, BELL, SHIRKY, 2013).
A partir das constatações sobre as mudanças na rotina do jornalista, pode-se
concluir que o profissional terá mais influência no próprio processo de trabalho. Não
é possível delimitar com tanta firmeza prazos e formatos de produção de conteúdo;
o feedback em tempo real influencia as matérias; a transmissão de dados em tempo
real e as atividades em redes sociais produzem informações em estado bruto, não
contextualizados, que devem ser moldadas e digeridas pelo jornalista; a localização
no mapa perde relevância na coleta de informações e na criação e produção do
conteúdo jornalístico, uma vez que é possível colher dados de qualquer lugar do
mundo e em qualquer lugar do mundo; e os jornalistas ganham mais importância do
que a marca para a qual trabalham, pois agora devem ter elevado capital social para
conquistar adeptos online.

2.4 O FUTURO DO JORNALISMO

A era digital do jornalismo já interferiu na rotina da atividade e ainda promete


causar muitas outras transformações na profissão. Com o rápido avanço da
tecnologia da informação, a cada dia são criados e lançados novos aparelhos,
44

aplicativos e instrumentos que contribuem, de alguma maneira, para moldar o


jornalismo pós-industrial. Diante de um cenário tão instável, qual é o futuro do
jornalismo? Como será a produção e o consumo de notícias daqui a 10, 20 anos? A
fórmula que todo jornalista e todo veículo e empresa de comunicação busca é a
resposta a esse questionamento.
Parece, porém, não ser ainda possível obter uma resposta definitiva. Os
estudos apontados para esse campo estão, pelo menos em parte, cometendo algum
equívoco, superestimando certas mudanças, subestimando outras e deixando de
antever novas forças que porventura poderão surgir nos próximos anos, dada a
enorme rapidez das mudanças. É por esse motivo que os estudos na área do
jornalismo da era da convergência objetivam acertar o rumo da comunicação, e não
o seu destino final.
De acordo com o dossiê de jornalismo pós-industrial publicado nos Estados
Unidos pela Columbia Journalism School, algumas conclusões já podem ser
consideradas se forem levados em conta os caminhos que já foram percorridos
nesse setor: ainda haverá certa continuidade do panorama jornalístico do século 20.
Grandes veículos como CNN e NY Times continuarão em exercício, tendo apenas
sofrido uma reconfiguração em quase todos os aspectos do mundo da mídia no qual
atuam; haverá mais gente consumindo mais notícias de fontes cada vez mais
variadas (por sua vez, a maioria dessas fontes terá um foco em relação aos temas
que devem cobrir e ao público que deve alcançar, tornando as redações mais
especialistas e os jornalistas mais conhecedores de temas determinados); e haverá
mais organizações jornalísticas sem fins lucrativos, bancadas por doações de
entidades filantrópicas, de comunidades e de outros subsídios.
Além dessas constatações, espera-se que haverá um contínuo
enfraquecimento da conceituação de notícia e da atividade jornalística. O que é
fazer jornalismo? É apenas trabalhar em uma empresa do ramo? É informar, via
perfil pessoal, algum fato/notícia de primeira mão? O facebook pode ser considerado
como uma organização jornalística? Questões como essas já são colocadas em
debate, até mesmo pela presença de grupos de mídia alternativos, que buscam a
cobertura jornalística já adaptada à era digital.
Em entrevista à Globo News, veiculada em outubro deste ano, o diretor do
jornal O Estado de S. Paulo e diretor da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo
45

Investigativo), Marcelo Beraba, e Cristina De Luca, editora do grupo Now Digital,


comentam a respeito das adaptações do jornalismo na era digital e citam a
importância em valorizar a profissão do jornalista, pois é ele quem faz o filtro, a
“curadoria” da informação bruta vinda do cidadão, até mesmo porque muitas das
informações são publicadas a esmo, sendo criada, assim, essa necessidade de
“colocar a história em perspectiva”.
Em artigo sobre o futuro dos impressos, a editora executiva do jornal Folha de
S. Paulo, Eleonora Lucena, adota um posicionamento sobre o papel e o futuro do
jornalismo: colocar o foco sobre o interesse público e fazer uma reflexão cotidiana
sobre a realidade.

Os jornais condensam uma credibilidade difícil de ser replicada em outros


meios e funcionam como uma bússola para o leitor imerso no caos
informativo atual. Apresentam um resumo organizado das notícias mais
importantes das últimas 24 horas, selecionando e hierarquizando fatos,
análises e opiniões (Caderno Mais! Folha de S. Paulo, 8 de junho de 2008,
p. 4, apud NÓRA, Gabriela, 2011, p. 301).

Não se pode considerar jornalista qualquer pessoa que tenha um dispositivo


móvel e acesso à internet. A participação do público em fornecer dados e
informações, e a inserção de redes sociais e blogs de notícias são, inegavelmente,
necessários. No entanto, não devem ser considerados como instituições jornalísticas
e profissionais da área, e sim como instrumentos que fazem parte da atividade
jornalística, pois ao mesmo tempo em que contribuem para a democratização e
disseminação de informação, não filtram ou contextualizam o conteúdo publicado –
que constituem funções do profissional da área, quando não apresentam de forma
deliberada e dirigida notícias que sabem serem falsas para prejudicar ou favorecer a
imagem de pessoas, empresas ou instituições, escamoteando o compromisso
inarredável da verdade a que deve se submeter o jornalista.
Em entrevista ao programa Brasilianas.org (programa da TV Brasil
apresentado pelo jornalista Luís Nassif, publicado na íntegra no youtube, dia
23/08/2013), a professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da
UFRJ e pesquisadora da área, Ivana Bentes, comenta sobre o novo tipo de
jornalismo que deve ser incentivado não só pela sociedade, mas também pelas
universidades:
46

As universidades ainda ensinam aquele tipo de jornalismo [...], texto com o


que, quem, quando, onde... Às vezes é o texto mais substituível do mundo.
O profissional que mais ganha na redação é, muitas vezes, o cronista, que
traz uma experiência de mundo pra dentro do seu texto ou imagem,
subjetividades, visões de mundo parciais. A gente tem que repensar
efetivamente esse modelo de jornalismo [...]. (Devemos ter) um tipo de
comunicação que intervenha no mundo, que traga questões, dúvidas, que
dispute o mundo.

Mais do que qualquer estratégia ou recurso, o jornalismo estará sempre


atrelado ao compromisso de expor fatos que alguém, em algum lugar, não quer ver
publicados. Meyer (2007, p. 238) afirma que, para construir um meio de
comunicação usando as ferramentas e a economia das novas tecnologias, é preciso
que ele seja baseado na comunidade: “o modelo de influência precisa de uma esfera
pública definida por laços econômicos e sociais.” Indiscutível e independentemente
de qualquer mudança que esteja por vir, o jornalismo é um bem público essencial,
fundamental para as democracias modernas.
47

3 A PRESENÇA DA MÍDIA INDEPENDENTE NO BRASIL

A democratização dos meios de comunicação se tornou um tema bastante


discutido com a chegada da internet, mídia que promete trazer, juntamente com a
liberdade de expressão para os cidadãos que não tinham voz, veículos
independentes e paralelos que possam dar aos leitores e usuários uma visão
diferente sobre determinados assuntos, uma abordagem inusitada quando
comparada àquela que é dada pelos tradicionais meios de comunicação.
O conceito de mídia alternativa já existia muito antes, mas foi fortalecido e
cresceu no cenário online, reforçando o poder do cidadão e do jornalista no meio
comunicacional. Woitowicz (2009, p. 13) relembra:

Desde os pasquins que circulavam no Brasil Colônia, os jornais operários do


fim do século XIX e a imprensa alternativa do período da ditadura militar, até
o movimento de rádios e TVs comunitárias e as iniciativas recentes de uso
da mídia (impressa, rádio, TV e online) nos movimentos e grupos sociais, a
comunicação alternativa sempre participou ativamente de diversas lutas e
contribuiu para o fortalecimento dos espaços de resistência, em meio ao
processo de construção histórica.

De fato, com a flexibilidade na produção e divulgação de notícias, qualquer


pessoa ou grupo de comunicação pode criar um produto competitivo no mercado.
Não é à toa que estão surgindo grupos de mídia independentes, que atuam com
equipamentos simples e fazem do seu dia a dia uma eterna pauta, revolucionando a
imprensa e as velhas formas de se fazer jornalismo e apostando na interação e
instantaneidade.
A internet deu vez ao trabalho comunitário e interativo, a uma era na qual a
informação é globalizada e a ação local. O fato de que o usuário, sozinho com um
aparelho tecnológico, pode falar e emitir sua opinião a diversas pessoas que estão
do outro lado da tela já é um grande facilitador da comunicação. Partindo desse
conceito, vemos o quão é importante “entender a globalização como um fenômeno
de comunicação, e não como um fenômeno econômico” (Claudio Prado, produtor
cultural, teórico da contracultura e membro da rede Fora do Eixo, em entrevista ao
programa brasilianas.org).
48

No entanto, o cenário de mídia independente no Brasil ainda não


surpreendeu. Para muitos, o conceito de democratização da mídia não significa,
necessariamente, a criação de veículos de comunicação que tenham a mesma
abrangência e poder de grandes redes, como a Globo ou o Grupo Folha. Nessa
visão, esse conceito perpassa apenas pela perda de força de grupos de mídia com
grande influência, algo que até mesmo os grandes veículos praticam (a Record, por
exemplo, se apoia em um planejamento destinado a tirar a Globo do topo da
audiência).
Então qual seria o cenário ideal? Em artigo produzido para o Observatório da
Imprensa, o jornalista, blogueiro e editor do Mídia8, Cleyton Carlos Torres, faz uma
breve comparação do cenário jornalístico entre os Estados Unidos, o qual ele
considera o mais apropriado, e o Brasil:

Nos Estados Unidos, comumente observamos pequenas cidades com três


ou quatro emissoras de TV e três ou quatro jornais impressos, fora
emissoras de rádio, portais, sites e até blogs independentes. No Brasil não
há como negar que possuir apenas uma emissora de TV, como a Globo, e
três ou quatro jornais nacionais é muito nocivo. Esses números deveriam
ser a realidade de cada município ou região de municípios do Brasil.
Entretanto, não observamos projetos concretos por parte da mídia
alternativa em propor ideias realmente eficientes. Quando propõem, os
grandes veículos barram. É um contexto amarrado onde quem perde é o
brasileiro, mais uma vez.11

O que vem sendo percebido, no país, é um fervilhamento de portais, sites,


blogs e páginas em redes sociais independentes, principalmente no período político
pelo qual o brasileiro está passando. As principais coberturas são as pautas sociais,
que passam desde protestos por mais saúde, educação e infraestrutura, até o
campo dos direitos humanos (como o sumiço do pedreiro Amarildo, na comunidade
da Rocinha, Zona Oeste do Rio, além de outras questões que envolvem homofobia,
violência sexual contra as mulheres, entre outros). A ação da mídia independente
brasileira parece desafiar o olhar tradicional da grande mídia de forma criativa,
moderna e livre.
A maioria desses grupos realiza coberturas através de depoimentos, curtas,
documentários, transmissões ao vivo, vídeos, textos e fotos, tendo a rede social
facebook como a principal plataforma de comunicação e divulgação do material
11
TORRES, Clayton Carlos. A Internet e o (ainda) mito da mídia independente. Disponível em:
<http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed750_a_internet_e_o_(ainda)_mito_da_mid
ia_independente>. Acesso em 30 de outubro, 2013.
49

produzido. No entanto, os intitulados de “coletivos” sentem a necessidade de um


espaço na televisão, visto que há um grande controle da mídia por grupos políticos e
econômicos. Um dos muitos coletivos que existem no Rio de Janeiro, o Voz das
Ruas, argumenta, em notícia publicada no dia 28 de outubro de 2013, que a
fragmentação de concessões dos meios de comunicação ampliaria a democracia e
abriria espaço para multiplicar vozes nos meios de comunicação:

Milhares de brasileiros lutam hoje por uma mídia mais plural, criando
possibilidades para multiplicar vozes nos meios de comunicação. Mas
poucas famílias continuam controlando a comunicação no país. Temos
direito a um espaço na TV e vamos lutar por isso!
O Canal da Cidadania permite que sejam criadas mais de 11 mil TVs
comunitárias em todo o país. Isso ampliaria a democracia, já que a mídia
hoje é um grande latifúndio controlado por poucos, deixando a participação
popular em segundo plano.
O Rio de Janeiro pode abrir espaço para uma TV coletiva, reunindo diversos
produtores audiovisuais e grupos culturais. Mas, para isso, o prefeito
Eduardo Paes deve solicitar a abertura do Canal da Cidadania ao Ministério
das Comunicações. Temos que pressionar a prefeitura para que isso seja
feito o quanto antes!
Venha fortalecer a audiência pública sobre o tema na Câmara dos
Vereadores nesta terça (29/10), às 9h. Vamos ocupar a Câmara com
nossos vídeos e ideias! 12

Além do grupo Voz das Ruas (933 seguidores), o Rio abriga outros grupos,
como Rio na Rua (15.247 seguidores), Coletivo Carranca (1.490 seguidores),
Coletivo Mariachi (5.107 seguidores), Mídia Independente Coletiva (6220
seguidores) e Coletivo Projetação (9.987 seguidores). Há também mídias, com essa
mesma essência, que atuam em outros estados do Brasil, como o Foto Protesto SP
(realiza a cobertura jornalística através do fotojornalismo em São Paulo, 3.490
seguidores), Intervozes (com 5.623 seguidores, tem como endereço São Paulo, mas
é composto por ativistas e profissionais com formação em Comunicação Social e
outras áreas, distribuídos em 16 estados brasileiros e no Distrito Federal), Nigéria
(Ceará, 3.003 seguidores), Rede Coque Vive (Pernambuco, 421 seguidores), Maria
Objetiva (Minas Gerais, 4.056 seguidores) e Mídia Ninja, que, com mais de 227 mil
seguidores, tem se destacado bastante no cenário nacional.
Todos esses grupos se consideram como independentes, pois
presumivelmente não estão sob controle de grandes grupos de comunicação e não
tem nenhum vínculo com anunciantes, grupos políticos ou instituições

12
Notícia retirada da página www.facebook.com/pororocadasruas. Acesso em 01 de novembro de
2013.
50

governamentais. Ao longo das postagens e atualizações, é possível observar que


um veículo utiliza informações de outro para enriquecer o conteúdo (fazendo as
devidas citações e referências), o que consiste em um dos comportamentos do
jornalismo pós-industrial, apontados no relatório publicado pela Columbia Journalism
School, correspondente ao fato de os veículos jornalísticos estabelecerem parcerias
e buscarem referências, informações e dados de outras publicações a fim de
enriquecer a cobertura jornalística e deixar o leitor bem informado.
Outra forte característica que esses grupos apresentam é a parcialidade
exposta nas notícias e na forma de cobrir os fatos. O efeito do “ao vivo” propiciado
pelo trabalho desses novos jornalistas já não alimenta o mito da pura imparcialidade,
ainda pregada por universidades, jornalistas, veículos e por parte do próprio público.
Esses coletivos realizam uma cobertura assumidamente engajada, até porque o
simples fato de ligar uma câmera e selecionar o que e como mostrar determinada
ação já caracteriza um ponto de vista do grupo, além dos inúmero avisos e convites
ao leitor a favor de manifestações, atos públicos e reflexões sobre acontecimentos
políticos e sociais.
O coletivo Rio na Rua, por exemplo, publicou no dia 31 de outubro de 2013,
em sua fanpage no facebook, uma notícia sobre a decisão do Governo Federal em
criar um grupo de inteligência formado pela Polícia Federal e pelas secretarias de
segurança pública de São Paulo e Rio de Janeiro para atuar nas manifestações
promovidas pelo povo:

O governo federal, que se calou diante de todos os abusos cometidos


contra manifestantes desde junho, comunicou hoje (31/10) que será criado
um grupo de inteligência integrado pela Polícia Federal e pelas secretarias
de segurança pública de São Paulo e Rio de Janeiro com o objetivo de
“coibir os abusos” nos protestos. O anúncio foi feito pelo ministro da Justiça
José Eduardo Cardozo.
Cardozo explicou à imprensa que o governo agirá em quatro frentes de
atuação: com um grupo de inteligencia para evitar e punir abusos em
protestos; com um protocolo unificado de atuação das polícias do Rio e de
São Paulo; com a criação de grupos operacionais entre Ministério Público e
delegados para discutir as manifestações; e com um grupo composto por
juristas para discussão de mudanças na legislação. O ministro da justiça
afirmou, ainda, que o Black Bloc será investigado pelo grupo de inteligencia.
O Rio na Rua lamenta que a única ação concreta do governo federal até
agora tenha sido no sentido de criminalizar os movimentos das ruas,
permanecendo omisso e, em certa medida, conivente com a repressão
51

desmedida e com a violação de direitos fundamentais exercida pelos


estados do Rio de Janeiro e São Paulo. 13

Logo no início da notícia, o leitor percebe claramente o posicionamento do


veículo ao afirmar que o governo se “calou diante de todos os abusos cometidos
contra manifestantes”. No terceiro parágrafo, a opinião do grupo em relação às
atitudes do governo é reforçada e exposta de forma bem clara.
A questão da imparcialidade tem causado bastante polêmica entre as mídias
independentes e a tradicional, que já chegou a apontar a manipulação dos fatos
durante as transmissões de grupos como o Mídia Ninja. Em debate promovido pelo
Observatório da Imprensa e capitaneado pelo jornalista Alberto Dines, transmitido ao
vivo pela TV Brasil em 30 de julho, o líder da Mídia Ninja, Bruno Torturra, defendeu
seu grupo ao ressaltar que eles não manipulam os fatos, mas deixam claro o seu
ponto de vista: “É muito diferente de você alterar informação ou de você ter uma
agenda oculta, que caracterizaria uma manipulação. A nossa agenda é muito clara,
inclusive, na hora que a gente dá a nossa opinião e se posiciona. O rótulo de
manipulação eu não aceito tão facilmente assim”.
As mídias independentes e alternativas trazem, por meio da cobertura online,
uma nova proposta para as empresas jornalísticas, na qual quem sai ganhando é o
próprio leitor, com o amadurecimento do jornalismo e da sociedade. Os conceitos de
parcialidade e até de objetividade já não cabem mais ao jornalista do século XXI,
que deve buscar transparência no que faz, no que diz, no que mostra e no que
escreve. A existência de engajamento nas redes sociais só reforça a tese de que o
papel do jornalista é lançar notícias contextualizadas e incitar à reflexão crítica e ao
debate.

13
Notícia retirada da página www.facebook.com/RioNaRua. Acesso em 02 de novembro de 2013.
52

4 A APOSTA DO NINJA

Em junho de 2013, a população brasileira eclodiu nas ruas com uma série de
manifestações nas principais cidades do país. No princípio, os quase dois milhões
de brasileiros que participaram das manifestações em 438 cidades 14 reivindicavam a
revogação do aumento das tarifas de transporte público liderado pelo Movimento
Passe Livre. No entanto, o movimento foi tomando proporções muito maiores com o
forte apoio popular e se tornou a maior manifestação política da história do Brasil
(BOLSHAW, 2013), abrangendo temas como a corrupção política, qualidade de
serviços públicos no geral (transporte, saúde e educação), gastos com a copa do
mundo/das confederações, PEC 37 (Proposta de Emenda Constitucional que retira o
poder de investigação de casos políticos do Ministério Público, arquivada pela
Câmara dos Deputados), “cura gay” (tratamento psicológico proposto por deputado
para pacientes que quisessem “reverter” a homossexualidade, projeto que havia sido
aprovado pela Câmara dos Direitos Humanos, sendo também arquivado pela
Câmara dos Deputados no início de julho) e repressão violenta dos policiais contra
manifestantes nas passeatas.
Os movimentos marcaram a história do Brasil não só pelo grande
engajamento da população, mas também por não terem um líder específico, uma
direção única ou coordenação centralizada, evoluindo e se organizando sem o
controle de organizações públicas ou entidades civis e sem o apoio dos meios de
comunicação tradicionais (pelo menos inicialmente) e, finalmente, por terem sido
pautados pelas redes sociais, onde os encontros e atos eram marcados e
divulgados. O jornalista Bruno Torturra se expressa muito bem ao se referir aos
movimentos como “salada ideológica”, pois esse momento se caracterizou como um
conjunto de ideias, motivações e crenças heterogêneas.
Nesse cenário, os meios de comunicação desempenharam um papel decisivo
para a repercussão dos protestos. Enquanto a mídia tradicional tentou, sem
14
Agência Brasil. Correio Braziliense (21 de junho de 2013). Página visitada em 22 de junho de 2013.
53

sucesso, esconder e justificar as reações violentas da polícia ao dar ênfase nas


coberturas às depredações realizadas por parcelas mínimas de movimentos de
caráter passivo, as redes sociais foram palco de reclamações e acusações dos
usuários em direção a esse comportamento e serviram como uma “agenda” de
passeatas que eram marcadas em grupos e comunidades.
Infelizmente, a violência contra os profissionais de imprensa foi um dos fatos
que marcou o período das manifestações, principalmente em junho. Dados
divulgados pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji)15, no dia
28 de outubro, compilaram 102 casos de agressão contra jornalistas durante a
cobertura das manifestações desde junho, sendo 25 provocados por ativistas e 77
por policiais militares e agentes da Força Nacional.
Com a adesão da população aos movimentos e o acompanhamento via redes
sociais, um grupo de mídia independente que propôs um tipo de cobertura inovador
ao se aproximar do manifestante se destacou e promete reformar as velhas
estruturas do jornalismo. O coletivo Mídia Ninja pode ser visto como um fenômeno
midiático que emergiu nesse período, embasado nas práticas do jornalismo pós-
industrial.

4.1 COMO FUNCIONA A MÍDIA NINJA

Mídia Ninja – sigla para Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação - atraiu


e ainda atrai a atenção e curiosidade de milhares de pessoas, cidadãos que
admiram o tipo de cobertura jornalística que o grupo promove e jornalistas,
empresas e veículos de comunicação que ainda tentam entender a logística e
mecânica do grupo. Os jornalistas “ninjas” já foram entrevistados e comentados por
inúmeras revistas e jornais brasileiros e internacionais, como o New York Times,
Washington Post, AlJazeera e The Guardian.

15
102 casos de agressão a jornalistas durante manifestações registrados. Disponível em
<http://www.noticiasaominuto.com.br/nacional/31812/102-casos-de-agress%C3%A3o-a-jornalistas-
durante-manifesta%C3%A7%C3%B5es-registrados#.Unaj82ZTvmI> Acesso em 03 de novembro,
2013.
54

O coletivo já atua no país há dois anos – a primeira transmissão foi realizada


em 2011, durante a Marcha da Liberdade16 -, mas só a partir das manifestações de
junho ganhou notoriedade entre o público, pois trouxe uma nova forma de
abordagem da notícia, um modelo de transmissão dos acontecimentos “sem corte e
sem edição”, ao vivo, direto das ruas, no qual o repórter assume o ponto de vista do
manifestante, trazendo uma identidade ativista para o jornalismo. Em depoimento
para o programa brasilianas.org (TV Brasil), Bruno Torturra, considerado como um
dos líderes do coletivo, afirma que “o espectador não pode comprar a informação,
mas ajuda a construí-la financeiramente e conceitualmente”, o que poderia ser visto
como um grande diferencial dessa mídia, visto que qualquer pessoa que queira fazer
parte do grupo pode participar das coberturas e contribuir na concepção da notícia –
o que conceitua o chamado jornalismo colaborativo, que se mostra fundamental para
a manutenção dos ninjas, tanto no aspecto de produção de conteúdo (através do
recebimento de material, dicas e sugestões de pauta) quanto no financeiro (por meio
dos planos que os líderes tem em propor um financiamento coletivo), e reforça o
conceito de Lévy (1999) de inteligência coletiva, uma vez que os ninjas buscam
informações e conhecimento de diferentes usuários para chegar a um produto “final”.
O comunicador Filipe Peçanha, 24 anos, integrante do coletivo, que
documentou ao vivo em São Paulo, durante horas e sem edição, os embates entre
manifestantes e a tropa de choque da Polícia Militar, afirma:

Nós documentamos o que está acontecendo do ponto de vista de quem


participa também. A Mídia Ninja se compreende como narrativa
independente de jornalismo e ação, e essa ação é o ativismo, que nos
coloca em movimento em tempo real, não só fazendo produção de
conteúdo, mas também nos envolvendo com o processo. O Ninja está
envolvido com as manifestações de rua. A gente estava dentro, junto com
os manifestantes. 17

Ao adentrar na atmosfera do manifestante, o jornalismo mídia ninja se


distancia do jornalismo tradicional, que busca um olhar distanciado, supostamente
neutro, dos fatos. Esses jovens se colocam em risco para trazer ao público a

16
A Marcha da Liberdade ocorreu no dia 18 de junho de 2011, em São Paulo, com a participação de
cerca de 2.500 manifestantes. O movimento nasceu depois da repressão policial à Marcha da
Maconha, realizada no dia 28 de maio. Além da descriminalização da maconha, o ato era a favor da
liberdade de expressão e contra a violência policial.
17
LORENZOTTI, Elizabeth. POSTV, de pós-jornalistas para pos-telespectadores. Disponível em
<http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/postv_de_pos_jornalistas_para_pos_telespect
adores> Acesso em 02 de novembro, 2013.
55

informação mais próxima possível ao acontecimento, sabendo, claro, que não estão
isentos da imparcialidade, pois estarão mostrando apenas parte de um todo.
Enquanto a mídia tradicional cobre as manifestações de helicópteros e do alto de
edifícios, por exemplo, os repórteres do grupo estão no ápice da ação, obtendo uma
perspectiva praticamente inacessível aos jornalistas de alguns veículos de
comunicação, depoimentos e registros mais espontâneos, até porque muitas vezes
os manifestantes e policiais não percebem que a mídia está presente devido à
similaridade do ninja com o público.
A pauta não engloba somente manifestações. As coberturas envolvem
fenômenos sociais no geral, nos diversos estados do país - manifestações,
movimentos ideológicos, reuniões e debates de cunho político-social, greves,
festivais culturais, projetos e trâmites políticos, atos de violência, julgamentos e
audiências. Apesar de estarem bem atuantes no território brasileiro, o coletivo já
chegou a cobrir notícias nos âmbitos sociais e políticos em outros países – Egito,
Síria, França e Palestina (Ilustrações 01 e 02). O contato é feito através do envio de
repórteres do grupo por colaborações espontâneas (no início de julho de 2013, o
fotojornalista e um dos fundadores do Mídia Ninja, Rafael Vilela, foi enviado ao Cairo
para cobrir o golpe militar contra o então presidente Mohamed Morsi) ou por
parcerias feitas com jornalistas independentes que enviam fotografias e conteúdo
para os ninjas.
Quanto às ferramentas utilizadas, a Mídia Ninja percebeu que os notebooks e
smartphones tem um potencial que vai muito além do simples uso pessoal, e
exploram fartamente a força midiática e jornalística desses equipamentos. Dessa
forma, as transmissões são feitas em grande parte por celulares e dispositivos 3G,
acrescidas das atualizações constantes e rápidas na fanpage do grupo no facebook
(www.facebook.com/midiaNINJA), preenchida com vídeos, links, notícias e cobertura
fotojornalística. Para as transmissões ao vivo, os “ninjas” lançaram um canal
chamado Póstv, através do aplicativo TwitCasting, no qual lançam debates e
coberturas em tempo real, e mantém um perfil do youtube, com uma compilação dos
vídeos transmitidos.
A maioria das pautas cobertas não tem um roteiro predefinido, até mesmo
pelo caráter imprevisível das manifestações, e não há chefes de reportagem ou
editores – há certa horizontalização de cargos e deveres e não existe hierarquia
56

editorial. Porém, ultimamente o grupo vem sendo representado em entrevistas pelo


jornalista Bruno Torturra, de 34 anos, que trabalhou na Revista Trip por 10 anos,
como repórter e diretor de redação, e faz parte do grupo Fora do Eixo (ver Ilustração
03, a qual expõe alguns integrantes, inclusive Torturra). Em relação à equipe, mais
de 30 pessoas transmitem em nome dessa mídia, mas um número muito maior já
fez algum tipo de cobertura para eles – entre repórteres, fotógrafos e estudantes.
Os ninjas divulgam seu conteúdo pelas redes sociais e têm uma resposta do
público que supera em muito a interação vista em páginas de veículos da grande
mídia brasileira. Eles já contam com mais de 227 mil curtidores no Facebook, em
uma conta criada há pouco mais de sete meses (Ilustração 04), 24.809 seguidores
no Twitter e 514.727 visualizações de vídeos postados no canal da PósTV no
Youtube18. Em termos de “audiência”, Torturra destaca no programa brasilianas.org
a ocasião que marcou a consolidação do grupo como mídia para o público: a
manifestação do dia 18 de junho, quando o painel da Coca Cola, na esquina da
Avenida Paulista com a Consolação, foi danificado por alguns manifestantes, que
entraram em conflito com policiais (Ilustração 05). O tumulto foi transmitido ao vivo
pelo ninja Filipe Peçanha e chegou a alcançar, simultaneamente, cerca de 90 mil
telespectadores, tendo naquela noite um público de aproximadamente 180 mil
pessoas que assistiram a transmissão em algum momento.
Em entrevista à Folha de S. Paulo, mais precisamente ao jornalista Nelson de
Sá, o repórter relatou o que aconteceu naquela noite. O depoimento a seguir foi
retirado do site da Folha, em notícia publicada no dia 19 de junho de 2013:

A gente estava na Sé desde umas quatro e pouco, com o carrinho alegórico


da PósTV. É a estrutura de um carrinho de supermercado, rosa-choque, em
que a gente coloca duas caixas de som, um microfone aberto e faz uma
intervenção estética com todo o processo, além de entrar ao vivo. Tem uma
câmera e um computador, que tanto transmite como faz a intervenção pelo
áudio.
Num primeiro momento, a gente não conseguiu transmissão, porque faz via
3G e tem uma dificuldade que é a aglomeração de pessoas, quando os
celulares tendem a não funcionar. Nas outras manifestações também foi
assim. A gente conseguiu entrar mais à noite, pelo número menor de
pessoas na avenida Paulista, pela localização também, com frequência
melhor do que na Sé.
A mídia N.I.N.J.A faz essa cobertura desde a primeira manifestação,
integrada com outras cidades também. Mostra uma visão de dentro, desde
quando está ainda em processo de concentração, pessoas chegando. E tem
participação forte dentro da própria manifestação. O próprio carrinho da

18
Números coletados no dia 19 de novembro de 2013.
57

PósTV é usado para organizar. As pessoas vêm e não só dão gritos para
estimular a galera, mas também orientações de percurso.
Ontem a gente acompanhou um primeiro grupo, que rodou, passou pelo
parque dom Pedro, subiu de novo para a Sé. Já no período da noite teve o
ocorrido na prefeitura, com o incêndio do carro da Record, isolamento da
área. A gente foi cobrir, eu e o Rafael Vilela. Lá, depois de acompanhar a
ação da Tropa de Choque, a gente ficou sabendo que os manifestantes
iriam para a Paulista e foi nessa pegada.
Chegando na Paulista a gente ouviu que havia alguma coisa na Augusta e
foi a hora em que consegui entrar ao vivo, com um sinal. O streaming
começou creio que umas dez, onze da noite. Consegui ligar no caminho
para a Augusta. Aí a gente foi, estávamos eu e a Karen Pimenta nesse
momento, o chipe de celular era dela.
Na Augusta, as pessoas foram entrando e a coisa foi crescendo muito
rápido. Um pessoal falou, "está lá para baixo, tem bomba, a Choque está
subindo". Deu para sentir que a cada passo que dava, que me aproximava
da linha de frente, dava para sentir toda a tensão. Pelo Twitter você vê os
comentários, que vão citando a transmissão, uma cachoeira de pessoas ora
apoiando os manifestantes, ora contrários ao vandalismo que estavam
fazendo.
Eu tentei, de uma maneira intrínseca ao movimento, documentar e colocar
em tempo real. Todo aquele processo por que as pessoas passam acaba
passando também. As bombas que explodiam do nosso lado. O meu celular
trincou, caiu no chão quando a bomba explodiu do meu lado. Ali na rua
Augusta foi um momento delicado, logo de cara, mas depois a Choque
recuou e os manifestantes conseguiram avançar.
A Choque ficou contida numa rua, Fernando de Albuquerque, a quatro
quadras da Paulista, paralela. O Choque ficou ali, e os manifestantes em
tom de indecisão. Alguns queriam avançar, continuar descendo a Augusta,
outros queriam voltar para a Paulista, outros queriam ficar parados. Eles
fazem um cordão pela paz, uma cena muito bonita, em frente ao Choque, e
de mãos dadas cantam o Hino Nacional.
Depois desse momento, começou a rolar uma pequena dispersão, por parte
do movimento, e eu resolvo subir. Chegando à Paulista, eu me junto a uma
outra frente, que vai em direção à Consolação. Lá na frente, depois de ter
tirado as barreiras e ter feito um pequeno alvoroço com o segurança, a
manifestação toma conta do monumento da Fifa e da Coca-Cola, na
Consolação com a Paulista.
Começa o ato contra a Coca. A primeira leva de policiais vem correndo com
cassetetes para cima dos manifestantes, fica um batalhão do Choque perto
do painel, meio que isola a área. Eu falo com um rapaz que foi agredido que
ficou por ali mesmo. A polícia havia dado umas cacetadas nele, na perna,
no tronco. No fim eu volto e mostro um pouco do que acontece ali pela
região da Paulista.
A gente sai do ar no fim de tudo, quando a coisa já está num clima mais
tranquilo, as pessoas já dispersas. A própria manifestação se esvai e aí eu
me despeço de todo mundo, agradeço a participação. A gente teve uma
média de 18, 19 mil, com pico de 21, 22 mil pessoas assistindo. É um fluxo,
não tem um número fixo, então eu estimo que 100 mil chegaram a passar,
abrir, ver um pouco da transmissão.
Eu tenho de sair. A periferia está em protesto hoje. A gente está indo para
M'Boi Mirim. Vou ver se a gente entra de lá. Vamos ver como está situação
do sinal, lá.19

19
Com câmera e som, “ninja” Filipe Peçanha transmite e participa de protestos. Disponível em
<http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/06/1297561-com-camera-e-caixa-de-som-ninja-
transmite-e-participa-das-manifestacoes-em-sp.shtml> Acesso em 02 de novembro, 2013.
58

Não faltam coragem, ousadia e destreza para manter uma transmissão como
essa, ao vivo, em um ambiente nem sempre ameno – como conflitos entre policiais e
manifestantes, depredações de mobiliário urbano, tumultos e agressões. No entanto,
apesar de estar sendo bem avaliada por uma parcela de leitores brasileiros, a Mídia
Ninja é alvo de críticas que apontam o despreparo do grupo para avaliar e lidar com
situações que requerem mais elaboração do trabalho.
Uma evidência disso foi o desempenho do grupo em entrevista com o prefeito
do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (a convite dele mesmo), no dia 19 de julho.
Tratava-se de uma oportunidade ímpar, pois os ninjas já haviam sido barrados em
uma coletiva com o governador Sérgio Cabral (por não serem considerados “grande
imprensa” pela assessoria do político), e aquele momento representava a primeira
vez que uma autoridade reconhecia e se disponibilizava a dialogar com eles.
Após receber críticas do público relacionadas ao despreparo do repórter e a
malemolência do prefeito ao praticamente dominar a entrevista, os ninjas
escreveram em sua fanpage, no dia 20 de julho de 2013, que,

Com certo alívio, e muita indignação, encerramos nosso round com Eduardo
Paes. Não foi fácil. E isso não foi exatamente uma surpresa. [...] De um
lado, um profissional da política, debates e entrevistas. Particularmente hábil
e bem treinado na conveniente arte de tergiversar. Do outro, uma rede de
jornalismo independente que está organicamente, em fluxo, buscando sua
estrutura editorial. Por isso, recebemos tranquilos as críticas - e as trolagens
- que pipocaram na rede nas últimas horas. [...] Há muitas e cruciais
diferenças entre cobrir a rua, a ação dos protestos e encarar um ensaboado
governante, tête-à-tête, por mais de uma hora. Mas há uma semelhança
que, para nós, determinou a decisão: sejam tropas de PMs violentos ou
prefeitos de metrópoles chamando para o ringue, são desafios colocados
diante de nós. [...] É no processo, na experiência, na transparência, no teste
real, ao vivo e sem cortes, que estamos avançando. Construindo nossa
base de público e equipe. E pensando, com os muitos erros e acertos, em
como entregar um jornalismo cada vez mais próximo da enorme confiança e
expectativa que tanta gente deposita na Mídia NINJA.

A postagem rendeu 2.333 likes, 659 compartilhamentos e 436 comentários,


sendo a maioria deles de incentivo para que a Mídia Ninja continue o trabalho com
destreza e autocríticas (Ilustração 06).
59

Ilustração 01: Post da Mídia Ninja sobre negociações de paz entre Israel e Palestina.

Ilustração 02: A mídia Ninja esteve no Cairo para a cobertura do golpe militar ocorrido no início de
julho.
60

Ilustração 03: alguns dos integrantes do mídia ninja: Filipe Peçanha, Bianca Buteikis, Bruno Torturra,
Felipe Altenfelder e Thiago Dezan.
Fonte: http://odia.ig.com.br/noticia/rio-de-janeiro/2013-07-15/lado-ninja-do-protesto.html

Ilustração 04: fanpage do grupo no facebook.


61

Ilustração 05: No dia 18 de junho, manifestantes danificaram painel da Coca Cola feito para a Copa
das Confederações. O movimento foi transmitido pelo ninja Filipe Peçanha.
Fonte: Mídia Ninja (www.facebook.com/midiaNINJA)

Ilustração 06: Comentários acerca da postagem autocrítica sobre a entrevista com Eduardo Paes.
Fonte: Mídia Ninja (www.facebook.com/midiaNINJA)
62

4.2 RELAÇÃO ENTRE A CASA FORA DO EIXO E MÍDIA NINJA

O canal de transmissão de debates na internet (postv.org.br) pelo qual os


ninjas realizam coberturas audiovisuais é mantido por integrantes do coletivo Fora
do Eixo (FdE), de onde vêm alguns dos recursos utilizados pelos ninjas. A Mídia
Ninja pode ser vista como um braço do Fora do Eixo, mas que cresce cada vez mais
independente a ele, até mesmo pelo fato de muitas pessoas que participam do
coletivo jornalístico não possuírem nenhum tipo de vínculo com o FdE.
O Fora do Eixo nasceu em 2006, como uma rede para organizar circuitos de
música e impulsionar artistas independentes longe do eixo Rio-São Paulo. Pode-se
dizer que hoje é uma rede de coletivos articuladores, gestores e produtores de uma
série de plataformas socioculturais no país, presente em várias cidades e composta
por mais de 270 coletivos, que subsidiam a moradia dos participantes em casas,
onde moram colaborativamente cerca de 20 pessoas, especializadas em todos os
aspectos dos shows – cenografia, operadores de som, entre outros. No total são
2.000 pessoas nas Casas Fora do Eixo e 30 mil artistas se beneficiando dos
circuitos culturais e dos 300 festivais montados todo ano a partir de eventos que
incluem música, literatura, audiovisual, entre outras veias artísticas. Tendo iniciado
as suas atividades com foco na música, a rede agregou mais de 70 Festivais
Independentes associados na Associação Brasileira de Festivais Independentes
(Abrafin), 100 Casas de shows e espetáculos associadas e parceiras das Casas
Associadas, 2.000 agentes e artistas ligados diretamente, 5.000 shows e público de
cerca de 1.000.000 de pessoas20.
Em entrevista no programa Roda Viva (transmitido na TV Cultura, dia 05 de
agosto de 2013), Pablo Capilé, produtor cultural e idealizador do grupo, explica que
o FdE “funciona como uma incubadora”, pois lança determinadas iniciativas, que
perdem o controle e se transformam em serviços de utilidades públicas, como a
Rede Música Brasil, que começou na rede Fora do Eixo mas hoje tem centenas de
festivais espalhados pelo Brasil.
Ultimamente a Mídia Ninja tem recebido muitas críticas pela ligação com o
FdE, o qual está envolvido em polêmicas com ex-integrantes. No início de agosto,

20
Dados retirados do site www.foradoeixo.org.br.
63

por exemplo, o coletivo comandado por Pablo Capilé foi acusado pela cineasta
Beatriz Seigner de utilizar trabalho escravo, exploração da mercadoria artística e
estar interessado puramente em verbas públicas. A artista, que participou do circuito
por um ano, escreveu em sua página do facebook um longo post sobre detalhes que
justificam as acusações. Mesmo sem apresentar provas, a repercussão dessa
situação tornou-se viral, pois vários outros artistas que participaram da Casa
também passaram a publicar reclamações e fatos sob o mesmo teor. Quinze ex-
integrantes de casas e coletivos que compõem a rede divulgaram na internet, 19
dias depois da publicação de Seigner, o manifesto “Fora do Eixo e uma reflexão das
mulheres contra o patriarcalismo”, focado em práticas efetuadas pela rede que,
segundo eles, levam em consideração questões de gênero 21. Em textos divulgados
em redes sociais, esses ex-integrantes acusam a organização de promover uma
escravidão “pós-moderna”, pois não remuneram artistas em eventos que são
patrocinados com dinheiro público.
Em entrevista ao portal UOL22, Pablo Capilé negou as acusações e afirmou
que o FdE defende a remuneração dos artistas, alegando apenas que ela é variável
de acordo com a situação de cada evento:

Você tem milhares de artistas que se apresentam no Brasil. Se tem o show


que vai acontecer no Amapá, as passagens são supercaras e, às vezes, o
coletivo de lá não tem condição de pagar passagem e cachê. Então, se o
cara topar, ele vai, toca e forma público. Só que a gente defende a
remuneração dos artistas. Não existe uma política do Fora do Eixo contra o
cachê. Quando falam 'ah, não receberam o cachê', claro que tem exceções
nesse processo, mas a regra é que o que é combinado, acontece. Isso não
é só Fora do Eixo, é na produção independente no Brasil inteiro.

No que concerne à sustentação financeira, outra questão que tem causado


bastante polêmica, principalmente entre membros da imprensa tradicional, o
produtor afirma que a rede é autogestionada ─ arrecada dinheiro através de eventos
e atividades organizadas pelos coletivos e por editais ou licitações públicas, e que o

21
15 ex-integrantes do Fora do Eixo assinam manifesto contra 'arranjos sexistas' da rede.
Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/08/1332182-15-ex-integrantes-do-fora-
do-eixo-assinam-manifesto-contra-arranjos-sexistas-da-rede.shtml> Acesso em 03 de novembro,
2013. O manifesto se encontra publicado na página
<http://feministaspelacultura.noblogs.org/post/2013/08/26/manifesto-fora-do-eixo-machismo/>.
22
DIAS, Tiago. “Não temos essa política de calote”, diz Pablo Capilé sobre Fora do Eixo.
Disponível em <http://entretenimento.uol.com.br/noticias/redacao/2013/08/09/nao-temos-essa-
politica-do-calote-diz-pablo-capile-sobre-fora-do-eixo.htm> Acesso em 03 de novembro, 2013.
64

dinheiro de editais, no entanto, seria o equivalente a apenas entre 3% e 7% do


caixa, não se justificando a crítica de que é financiada por verba pública.
A Casa Fora do Eixo estabeleceu uma lógica interna de circulação de moeda
que vai muito além dos modelos de negócio convencionais aos quais empresários
estão acostumados. Há duas moedas para remunerar o trabalho interno: uma delas
é o real, obtido em shows, que basicamente cobre os custos da casa e dos eventos
produzidos (alimentação, roupa, contas, passagens aéreas, cachê, etc.). A outra
moeda faz parte do banco chamado Fora do Eixo Card, no qual a moeda é chamada
de Cubo Card, utilizada para comprar serviços de outras casas.
Nesse modelo, um integrante do coletivo do Amapá que, por exemplo, presta
serviços no valor de R$ 500,00 (digamos, um projeto de iluminação de um palco) a
um cantor que vai se apresentar em 30 festivais ou shows pelo país, vai gerar
15.000 cards (há uma taxa de conversão de real em cards, nesse caso R$ 500,00 x
30) para aquele coletivo do qual participa. Se esse mesmo coletivo precisa de um
serviço que a casa não tenha – como de design -, ele vai usar esse “crédito” em
cards para comprar serviço de outro coletivo. Ou seja, uma casa presta um serviço
para outra, fica com um crédito nessa moeda, que poderá utilizar para comprar
serviços de outra casa.
No programa Roda Viva, Capilé explicou a mecânica do sistema aos
entrevistadores, que pareceram bastante confusos para entender essa lógica que
difere tanto do modelo tradicional. Na entrevista não ficou claro como os coletivos
recebem em Real para cobrir as suas despesas.

4.3 MODELO ECONÔMICO PROPOSTO

Uma das questões mais curiosas que envolvem a Mídia Ninja é o modelo
econômico que ela vai seguir futuramente para aperfeiçoar os serviços e financiar o
trabalho. Durante o programa Roda Viva, Bruno Torturra explana algumas
alternativas que serão levadas em consideração e amadurecidas pelo grupo e
aposta na maturidade do público para levar a proposta adiante:
65

O que a gente confia hoje é que da mesma forma que estamos falando do
jornalismo pós-industrial, o leitor também tem que passar da sua
passividade, precisa entender que se ele valoriza o mercado de informação
democrático, também tem que ser responsável por ele, vai ter que financiar
isso.

Baseando-se na contribuição do cidadão, o jornalista acredita que será


possível aperfeiçoar o trabalho dos ninjas e publicar reportagens e notícias com
mais qualidade. As alternativas incluem um crowdfunding inicial com a Agência
Pública para financiar o site e equipar pessoas no Brasil, crowdfundings via redes
sociais para editorias e reportagens específicas (financiamento coletivo no qual
pessoas físicas possam acessar uma página de captação na internet – nesse caso
as redes sociais - e doar qualquer valor para o produto/serviço em questão); um
sistema de assinatura de baixo valor para que eles possam ter uma renda mensal
estável, destinada a financiar reportagens, produções em tempo real e remuneração
da equipe e, visto como uma saída mais complexa, um software de microdoação
para cada conteúdo (em vez de o leitor dar um “like” no texto, foto, vídeo ou outro
material, ele doaria 50 centavos, um real, dois reais, etc.). É importante perceber
que todos os modelos de financiamento são característicos do jornalismo pós-
industrial, conforme comentado anteriormente com base no relatório publicado por
jornalistas norte-americanos, o que mostra que os ninjas estão entrosados com essa
nova fase jornalística, não só pela mecânica do trabalho, mas também pela lógica
interna econômica.
Por enquanto, não há verba vinda diretamente de empresa pública ou
governo que financie o trabalho dos ninjas. Com relação ao investimento de
empresas privadas, Torturra afirma, ainda no programa Roda Viva, que prefere
manter a independência do grupo através da verba do público, pois acredita que a
verba de empresas privadas possa comprometer a logística da Mídia Ninja, uma vez
que “é pela dependência do dinheiro privado de empresas de patrocínio que o
mercado da mídia tá tão quebrado”. Além disso, o jornalista destaca que o
investimento de empresas privadas “pode comprometer um pouco o imaginário que
a gente tá tentando criar pra o leitor se engajar mais na viabilidade do nosso
projeto”. Por outro lado, crê que as iniciativas de investimento público em
comunicação, desde que sejam totalmente abertas e possam ser disputadas por
outros grupos, são legítimas.
66

4.4 MÍDIA NINJA E POLÍTICA

Uma outra questão que envolve a Mídia Ninja e ainda deixa dúvidas em
alguns profissionais de comunicação e empresas tradicionais é a questão do
partidarismo político. No programa Roda Viva, os entrevistadores questionaram a
proximidade dos ninjas com o Partido dos Trabalhadores, o que foi contestado
imediatamente por Pablo Capilé, que afirmou que, além do PT, eles dialogam com
outros partidos, como Freixo (Marcelo Freixo, do Psol), Marina Silva, Jean Wyllys
(deputado federal pelo Psol), Jandira Feghalli (deputada federal pelo PcdoB), entre
outros.
Em relação à parcialidade jornalística, Torturra fez uma crítica à necessidade
da imprensa em classificar ideais e destacou que “há uma fauna ideológica
riquíssima na rua, e isso criou uma crise narrativa muito grande na mídia que precisa
editar, empacotar, rotular e explicar. [...] Há uma salada ideológica até na cabeça de
quem tá na rua [...], um caldo fervendo de narrativas múltiplas”. O discurso,
reforçado por Pablo Capilé, deixou bem claro que não existe a mediação neutra da
notícia. Em seu blog no portal GGN, o jornalista Luis Nassif critica a posição da
imprensa tradicional em insistir que o jornalismo deve ser imparcial23:

O que eles (Mídia Ninja) querem dizer é que não existe a mediação neutra
da notícia - como os jornalistas teimaram em defender - nem na mídia
tradicional (com a embromação do "ouvir o outro lado") nem da parte deles.
Aí reside o conceito da nova mídia: "as pessoas irão buscar as informações
e interagir dentro dessas múltiplas parcialidades". Ou, como explicou Capilé:
"Nova credibilidade do jornalismo não vira através de falsa parcialidade mas
através de múltiplas posições".

Esse posicionamento tomado pela Mídia Ninja só reforça a integração e


entrosamento do grupo com o jornalismo pós-industrial e com uma das
reivindicações da população brasileira, que vai contra a “falsa imparcialidade”
exercida por muitos veículos de comunicação tradicionais.

23
NASSIF, Luis. Mídia Ninja e Casa Fora do Eixo: a explosão do novo. Disponível em
<http://jornalggn.com.br/blog/luisnassif/midia-ninja-e-casa-fora-do-eixo-a-explosao-do-novo?page=3>
Acesso em 03 de novembro, 2013.
67

5 A COBERTURA DA MÍDIA NINJA DURANTE AS MANIFESTAÇÕES DE 2013

Desde os primórdios da comunicação, os campos da Política e da


Comunicação mantêm uma relação com interpenetrações, mas ambos preservavam
suas identidades. Bolshaw (2013) destaca que “nem a política se dilui frente ao
efeito da mídia, nem a mídia é um mero instrumento da política ou alienação social”.
No entanto, da mesma forma em que a sociedade vive um período de convergência
de mídias e culturas, os campos da comunicação e da política estão passando por
esse processo.
A cobertura realizada pela Mídia Ninja durante as manifestações deste ano,
principalmente no estopim de junho, ficou conhecida por se diferenciar, sem dúvida,
da mídia tradicional. Os atos foram acompanhados por jovens que filmavam tudo e
transmitiam ao vivo com seus celulares acoplados a baterias e notebooks. A internet
foi palco de “encontros marcados”, fomentações e incentivo às manifestações e às
reivindicações por parte dos cidadãos.
Faz-se necessário ressaltar, nesse cenário, o conceito de Meyer (2007) de
jornalismo cívico, uma forma de usar a influência de um jornal para construir um
sistema político mais forte, que beneficie tanto a comunidade quanto o jornal, com o
objetivo de fortalecer a consciência política, ajudar a construir opiniões
qualitativamente melhores e ampliar a participação e confiança na mídia. O conceito
foi criado no âmbito das eleições norte-americanas mas, trazido para o contexto
político do Brasil, as ações do jornalismo cívico citadas por Meyer podem ser
adaptáveis ao contexto nacional - como recolher perguntas de leitores e
telespectadores para usar durante as entrevistas (jornalismo participativo); basear
amplamente as reportagens em questões desenvolvidas a partir do contato com os
cidadãos e fornecer informações para ajudar os cidadãos a se envolverem no
processo político de outras formas além do voto.
Um dos fatores que desperta a curiosidade para o tipo de trabalho que a
Mídia Ninja exerce é que a técnica utilizada já foi aplicada em países onde não havia
liberdade de imprensa, em situações de ditadura. Vieira (2013, p. 08) aponta que
68

a introdução das comunicações móveis, desde um simples celular até um


smartphone conectado à internet, dentre outras redes móveis de
dispositivos computacionais, tem massivamente enraizado a capacidade de
coordenar, organizar e romper em velocidade e em números a
potencialidade de uma mobilização, possibilitando o que pode ser descrito
como "mobil(e)isation" (HANDS, 2011). O autor explica que cada vez mais
as práticas de ativistas têm se tornado intimamente dependente da
capacidade instantânea da comunicação móvel (HANDS, 2011), ainda mais
ampliada no caso dos smartmobs, que agregam as capacidades de
comunicação de um celular comum aos de um computador.

No livro Redes de indignação e esperança: movimentos sociais na era da


internet, lançado em setembro deste ano, Castells (2013, p. 10) avalia os
movimentos sociais impulsionados pelo povo e pelo uso da internet como um
contrapoder, analisando a formação, dinâmica, valores e perspectivas desses
movimentos:

Compartilhando dores e esperanças no livre espaço público da internet,


conectando-se entre si e concebendo projetos a partir de múltiplas fontes do
ser, indivíduos formaram redes, a despeito de suas opiniões pessoais ou
filiações organizacionais. Uniram-se. E sua união os ajudou a superar o
medo, essa emoção paralisante em que os poderes constituídos se
sustentam para prosperar e se reproduzir, por intimidação ou desestímulo –
e quando necessário pela violência pura e simples, seja ela disfarçada ou
institucionalmente aplicada. Da segurança do ciberespaço, pessoas de
todas as idades e condições passaram a ocupar o espaço público, num
encontro às cegas entre si e com o destino que desejavam forjar, ao
reivindicar seu direito de fazer história – sua história –, numa manifestação
da autoconsciência que sempre caracterizou os grandes movimentos
sociais.

Um momento recente, significativo e bastante ilustrativo neste sentido –


analisado por Castells - é o conjunto de levantes populares iniciados em dezembro
de 2010 que se propagou em países do Oriente Médio e Norte da África contra as
ditaduras instaladas, denominado pelos jornalistas de Primavera Árabe. Essa onda
de protestos é parte de um processo que repercutiu com a queda de governos em
países como Tunísia, Egito, Líbia e Iêmen.
O descontentamento de grande parte da população com os regimes
autoritários desses países já era grande, mas foi intensificado, influindo inclusive no
rumo das manifestações públicas, a partir da difusão de informações através de
mensagens entre aparelhos móveis e de redes sociais, tais como facebook, twitter e
blogs, administrados e alimentados por cidadãos comuns. Esse fato reforçou ao
mundo o poder da narrativa visual em tempo real. Nas manifestações de muitos
69

países árabes, a imagem era captada pelo celular, passava pela internet e chegava
na TV. A internet desempenhou papel fundamental nesse processo, as imagens
faziam com que as pessoas se reconhecessem e soubessem o que acontecia nas
ruas e nas cidades vizinhas, dando um impulso aos protestos. A Primavera Árabe
teria sido possível mesmo sem essa mídia, mas sem dúvidas ela foi um fator
importante em um contexto no qual a imprensa e o trabalho dos repórteres eram
censurados.
O mesmo caso foi visto no movimento Occupy Wall Street, nos Estados
Unidos, iniciado em setembro de 2011, que consistiu em um movimento provocado
pelos cidadãos contra a desigualdade social e o dinheiro gasto nas campanhas
políticas, impulsionado pelo forte uso de redes sociais, e também nos protestos de
2011 na Espanha, chamados por alguns de Indignados, cujo impulso também se
deu via redes sociais, quando os cidadãos espanhóis protestaram por melhorias no
país e por atitudes mais coerentes vindas dos partidos políticos.
A Mídia Ninja soube aproveitar o cenário semelhante no Brasil e conseguiu
unir o útil (a cobertura jornalística dos protestos) ao agradável (o sucesso e apoio
dos cidadãos aos ninjas). Antes de analisar o trabalho desse coletivo
especificamente no período desses protestos, é interessante relembrar fatos
marcantes que aconteceram nos últimos meses através de uma retrospectiva
cronológica24.

5.1 RETROSPECTIVA CRONOLÓGICA

5.1.1 Antecedentes

O motivo que alavancou as manifestações deste ano gira em torno do


aumento das passagens do transporte público. No entanto, as primeiras
manifestações sobre esse tema ocorreram em 2012, quando, no dia 27 de agosto, a
prefeitura de Natal, capital do Rio Grande do Norte, na gestão de Micarla de Souza,
24
A retrospectiva descrita neste trabalho foi construída com informações extraídas da Wikipedia e de
reportagens publicadas pelo G1.
70

decretou um súbito reajuste da tarifa de ônibus de R$2,20 para R$2,40. Iniciado nas
redes sociais, o movimento chamado #RevoltadoBusão ganhou as ruas e marcou o
início dos protestos no dia 29 de agosto, com cerca de 2 mil pessoas. Após
repressão policial, o movimento voltou com mais força no dia seguinte (dia 30),
dessa vez sem confrontos com a polícia. Com a pressão popular, o aumento foi
revogado pela Câmara Municipal.
Em 2013, os protestos foram iniciados em março, mais precisamente em
Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, onde os manifestantes protestavam
contra o aumento da passagem de ônibus de R$ 2,85 para R$3,05. O movimento foi
marcado por tumulto entre participantes e polciais e depredação do prédio da
prefeitura. Houve também três protestos durante o mês protagonizados por
estudantes em Manaus, capital da Amazonas, contra o reajuste da passagem de
R$2,75 para R$3. Em abril, o prefeito de Manaus defendeu o aumento da tarifa e
anunciou mais ônibus novos para a cidade, enquanto que em Porto Alegre houve
suspensão do aumento por uma liminar concedida pelo juiz Hilbert Maximiliano
Obara, da 5ª Vara da Fazenda Pública.
Em maio, o número de manifestações aumentou em decorrência de novos
aumentos de tarifas no transporte público. Houve protestos nas cidades de Natal,
Goiânia (onde um grupo de manifestantes apedrejou quatro ônibus e tentou
apedrejar um deles) e São Paulo. O prefeito da metrópole, Fernando Haddad (PT),
confirmou no dia 17 que o aumento dos ônibus na capital paulista deveria ocorrer
em 1° de junho.
A última manifestação em Goiás ocorreu no dia 6 de junho, quando
estudantes interditaram ruas do Centro da capital, queimaram pneus, lançaram
bombas caseiras e quebraram os vidros de um carro da polícia. No dia 13 de junho,
as tarifas voltaram a custar R$ 2,70, após liminar expedida pelo juiz Fernando de
Mello Xavier, da 1ª Vara da Fazenda Pública Estadual. Na decisão, o juiz
argumentou que desde o último dia 1º de junho as empresas de transporte coletivo
deixaram de pagar os impostos PIS e Cofins, porém essa isenção não foi repassada
ao usuário goianiense.
71

5.1.2 Primeira Fase

A primeira fase das manifestações é marcada pela forte repressão policial


contra os manifestantes. Na cidade de São Paulo, a onda de protestos teve início
quando a prefeitura e o governo do estado reajustaram os preços das passagens
dos ônibus municipais, do metrô e dos trens urbanos de R$ 3,00 para R$ 3,20. Entre
os dias 03 e 11, houve protestos nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, nem
todos marcados pela passividade. As manifestações foram marcadas por confrontos
com a Polícia Militar, que usou balas de borracha, spray de pimenta e gás para
“conter” as ações.
A partir daí, a mídia começou a noticiar sobre os protestos, dando destaque
aos atos de vandalismo – o que revoltou boa parte da população, pois as TVs
mostravam muito mais os atos de depredação, realizados pela minoria, do que os
movimentos pacíficos que reuniam milhares de pessoas em busca de melhorias
para o país.
Como resposta e insatisfação, no dia 13 de junho os protestos espalharam-se
para mais cidades, chegando a Natal, Porto Alegre, Santarém, Maceió, Rio de
Janeiro e Sorocaba. Em São Paulo, onde cinco mil pessoas foram às ruas e mais de
200 foram detidas (para averiguação e por portarem vinagre, substância legalmente
permitida no país), houve uma represália policial excessiva que causou muitos
feridos; o jornal Folha de S. Paulo afirmou que teve sete repórteres atingidos por
policiais.
Depois desse dia, vários jornalistas e veículos de comunicação começaram a
mudar o discurso e passaram a atacar a postura policial, e o número de
participantes nas manifestações seguintes cresceu exponencialmente.

5.1.3 Segunda Fase

A segunda fase dos protestos é marcada por manifestações majoritariamente


pacíficas, com grande cobertura midiática e massiva participação popular, nos
72

meses de junho (principalmente) e julho. Além das reivindicações contra os


aumentos das tarifas do transporte público, novas questões são colocadas em pauta
e as manifestações ganham uma contextualização muito maior, com protestos
diários e simultâneos em várias cidades do Brasil. Várias cidades conseguiram a
reversão do aumento nos valores do transporte público, como Cuiabá, João Pessoa,
Recife, São Paulo, Rio de Janeiro, Aracaju e Porto Alegre. Em São Paulo e no Rio
de Janeiro o anúncio foi feito no dia 19 de junho, mas com tom ameaçador, quando
os governantes disseram que aquela redução afetaria outras áreas, como saúde e
educação.
Os movimentos foram marcados por uma heterogeneidade de bandeiras e
reivindicações, que perpassaram críticas aos gastos em obras para a Copa do
Mundo, repúdio à Proposta de Emenda Constitucional 37 e à “cura gay”, gritos
contra a homofobia, cobrança de melhorias dos serviços públicos de saúde,
educação e transporte, ato médico e exigência de mais rigidez nos crimes contra a
corrupção. Em algumas ocasiões, os protestos eram direcionados a uma questão
específica de cada estado (como no Pará, onde houve críticas à construção da
Usina de Belo Monte e contra o Estatuto do Nascituro).

5.1.3.1 Dia 17 de junho de 2013

Marcado para o dia 17 de junho, uma segunda-feira, mais de 250 mil


brasileiros saíram às ruas para protestar em 12 capitais e ao menos 16 cidades do
interior. As manifestações foram no geral pacíficas, com pequenos focos de
vandalismo e represálias.
No Rio de Janeiro, cerca de 100 mil pessoas ocuparam importantes vias da
capital fluminense, como a Avenida Rio Branco, onde houve chuva de papel picado.
Em frente à Biblioteca Nacional, foram distribuídas flores aos policiais em sinal de
paz. Porém, houve confronto em frente à Assembleia Legislativa (Alerj), onde 80
policiais se refugiaram, restando cinco deles feridos. Manifestantes tentaram invadir
o prédio lançando mão de pedras, coquetéis Molotov e rojões contra as forças
policiais, que revidaram com gás lacrimogêneo, balas de borracha e spray de
73

pimenta. Houve depredação de pelo menos um carro – que foi queimado -, vidraças
de lojas e bancos e pichação do Palácio Tiradentes.
Em São Paulo, onde houve o quinto e maior protesto em duas semanas com
participação de cerca de 65 mil pessoas, importantes vias foram interditadas com as
passeatas, como a Marginal Pinheiros, a Avenida Paulista e a Ponte Estaiada. Uma
minoria tentou invadir o Palácio dos Bandeirantes, sede do governo. Muitos
cantavam o hino nacional combinado com o hino "O povo acordou!" e alguns deles
carregavam flores brancas.
Em Brasília, as manifestações duraram mais de seis horas e contaram com a
participação de 10 mil pessoas, de acordo com o comando da PM, que se
concentraram em frente ao prédio Legislativo do Congresso. O protesto pacífico foi
marcado por críticas a autoridades da República e atos isolados de vandalismo. Um
dos momentos mais tensos da noite foi quando dezenas de manifestantes furaram o
cerco da polícia e invadiram a cobertura do prédio do Legislativo. Os jovens se
aglomeraram na marquise do edifício para entoar gritos de ordem e estender faixas
que protestavam contra os baixos investimentos na saúde e na educação. De
acordo com a PM, dois manifestantes foram presos.
Uma manifestação com cerca de 5 mil pessoas saiu pelas ruas de Fortaleza a
favor da redução da tarifa e contra a Copa do Mundo. Os manifestantes percorreram
três quilômetros de ruas, desde a Praça da Gentilândia ao Hotel Marina Park,
passando pelos bairros Centro, Benfica e Moura Brasil, onde a seleção brasileira de
futebol estava hospedada. Os manifestantes paravam eventualmente para sentar no
meio da rua. Houve pichações durante o trajeto, mas o protesto foi considerado
pacífico e não teve confrontos.
As manifestações foram registradas em outras cidades, como Maceió (2 mil
participantes, que reivindicavam contra o aumento da tarifa de ônibus de R$ 2,30
para R$ 2,85), Salvador (estimativa de mais de 4 mil pessoas em uma manifestação
pacífica), Vitória (a Polícia Militar estima que mais de 20 mil pessoas participaram do
protesto, que saiu da Universidade Federal do Espírito Santo e seguiu pela cidade.
Confrontos foram registrados), Belo Horizonte (protesto com mais de 20 mil pessoas
marcado por confronto entre manifestantes e PM), Juiz de Fora (manifestantes
estimam a participação de 5 mil pessoas, enquanto a Polícia Militar fala em 2 mil,
sendo os protestos pacíficos), Curitiba (onde cerca de 10 mil pessoas aderiram ao
74

ato majoritariamente pacífico, com pequeno confronto no final), Foz do Iguaçu (2 mil
pessoas), Londrina (cerca de 8 mil pessoas), Ponta Grossa (4 mil pessoas), Belém
(13 mil pessoas entoavam a uma só voz, em um protesto pacífico, os gritos de
protesto: "Vem pra rua!"; "A rua é nossa!"; "Sem vandalismo!") e Porto Alegre (onde
houve depredação, janelas de lojas destruídas e conflitos com os policiais em um
protesto que contou com a participação de cerca de 10 mil pessoas).

5.1.3.2 Dia 20 de junho de 2013

Por volta do dia 20 de junho, devido as dimensões alcançadas pelas


manifestações e a variada pauta de reinvindicações, perde a liderança do
Movimento Passe Livre a iniciativa isolada de convocar as manifestações, já que
este tem como bandeira de luta o transporte público urbano, que aquela altura já não
era mais a pauta principal dos manifestantes, embora entre eles ainda houvesse
alguns lutando pela redução das tarifas e melhoria na qualidade do transporte
público no país. A falta de liderança faz com que a maioria dos blocos fique
desarticulado, ocorrendo manifestações com vários motes diferentes em um mesmo
espaço, enquanto ocorrem outras manifestações com tópico único, mas com menor
volume de público. Neste dia, os protestos pelo país foram marcados pela
participação de 1,4 milhão de pessoas em mais de 100 cidades e pelas primeiras
mortes registradas25.
Em Ribeirão Preto (SP), o empresário Alexsandro Ishisato de Azevedo, de 37
anos, que ficou preso em meio a multidão dentro de seu automóvel, acelerou o carro
contra o público, atropelando treze manifestantes, inclusive o estudante Marcos
Delefrate, que não resistiu e veio a falecer. Na capital de São Paulo, 100 mil
pessoas ocuparam a Avenida Paulista pacificamente, mas houve confrontos
isolados entre militantes de movimentos sociais e partidos políticos e grupos
anarquistas e apartidários.

25
A gari Cleonice Vieira de Moraes, 54 anos, sofreu uma parada cardíaca e morreu na manhã do dia
21 em Belém (PA), após ter inalado gás lacrimogêneo lançado pela Polícia Militar durante confronto
com manifestantes no dia anterior. Esta foi a segunda morte decorrente da escalada de protestos que
se iniciaram em junho.
75

Os protestos tomaram conta de inúmeras outras cidades, entre elas o Rio de


Janeiro (público estimado em 300 mil pessoas, constituindo-se no mais volumoso do
país, em uma manifestação que se iniciou pacificamente mas terminou com alguns
conflitos com a polícia), Brasília (em torno de 20 mil participantes, no qual
manifestantes se concentraram em frente ao Congresso Nacional, passando
também pelo Palácio do Planalto e o Itamaraty, onde um grupo depredou as janelas
e incendiou objetos ao redor, resultando na prisão de três pessoas e 120 feridas
pelo confronto com a Força Nacional), Salvador (cerca de 20 mil manifestantes
participaram de protestos, no quais houve tumulto, depredação de veículos e
equipamentos públicos e conflito com a polícia), Porto Alegre (com 15 mil pessoas e
confronto entre polícia e um grupo pequeno de manifestantes), Vitória (100 mil
pessoas, com muita depredação e saques em diversas ruas do centro e confronto
de pequenos grupos com a Tropa de Choque), Fortaleza (30 mil pessoas, com
confronto entre polícia e uma pequena parcela dos manifestantes), Belém (onde 15
mil pessoas participaram de um protesto majoritariamente pacífico, com confronto
entre minorias e policiais), Campinas (30 mil pessoas, marcado por confrontos entre
manifestantes e polícia) e Natal (mais 15 mil pessoas, em uma manifestação
também pacífica – em sua maioria -, com confrontos entre policiais e minorias que
estavam provocando depredação de alguns estabelecimentos).
Após a grande mobilização de manifestantes em todo país, a presidente
Dilma Roussef fez, no dia 21, um pronunciamento em rede nacional de rádio e
televisão, para exibir o posicionamento do governo em relação ao momento vivido e
comunicar as ações que seriam tomadas pelo poder público em resposta ao clamor
das ruas:

[...] Os manifestantes têm o direito e a liberdade de questionar e criticar


tudo, de propor e exigir mudanças, de lutar por mais qualidade de vida, de
defender com paixão suas ideias e propostas, mas precisam fazer isso de
forma pacífica e ordeira. [...] Essa violência, promovida por uma pequena
minoria, não pode manchar um movimento pacífico e democrático. [...] Irei
conversar, nos próximos dias, com os chefes dos outros poderes para
somarmos esforços. Vou convidar os governadores e os prefeitos das
principais cidades do país para um grande pacto em torno da melhoria dos
serviços públicos. O foco será: primeiro, a elaboração do Plano Nacional de
Mobilidade Urbana, que privilegie o transporte coletivo. Segundo, a
destinação de cem por cento dos recursos do petróleo para a educação.
Terceiro, trazer de imediato milhares de médicos do exterior para ampliar o
atendimento do Sistema Único de Saúde, o SUS. [...] Precisamos muito,
mas muito mesmo, de formas mais eficazes de combate à corrupção. A Lei
de Acesso à Informação, sancionada no meu governo, deve ser ampliada
76

para todos os poderes da República e instâncias federativas. Ela é um


poderoso instrumento do cidadão para fiscalizar o uso correto do dinheiro
público. Aliás, a melhor forma de combater a corrupção é com transparência
e rigor. [...] Eu quero repetir que o meu governo está ouvindo as vozes
democráticas que pedem mudança. Eu quero dizer a vocês que foram
pacificamente às ruas: eu estou ouvindo vocês! 26

5.1.3.3 Dia 22 de junho de 2013

O dia 22 de junho também foi marcado por protestos em mais de 100 cidades
brasileiras, em sua maioria pacíficos, que reuniram cerca de 325 mil participantes.
Entre elas, Rio Branco, Brasília, Salvador, São Luís, Goiânia, 13 cidades em Minas
Gerais, incluindo a capital Belo Horizonte, Cuiabá, Campo Grande, oito cidades do
Paraná, incluindo Curitiba, Recife, sete cidades no estado do Rio de Janeiro,
incluindo mais uma vez a sua capital, 29 cidades no Rio Grande do Sul, Boa Vista e
28 cidades no estadoa de São Paulo, incluindo a sua capital.
Após os atos do dia 22, o Brasil presenciou a insistência da população em ir
para as ruas e exigir a melhoria do país. Ocorreram protestos nos dias seguintes em
diversas cidades, porém marcados por uma participação menos extensa.

5.1.4 Terceira Fase

Pode-se considerar a terceira fase dos protestos, iniciada a partir de meados


de julho, como o período no qual ocorreu uma diminuição no número de
manifestações, havendo apenas alguns protestos pontuais e com pouca participação
popular espalhados pelo país. O capítulo derradeiro que marcou essa fase foi a
convocação para os protestos referentes ao 7 de setembro, que aconteceu em
diversas cidades, mas teve um público escasso em relação aos protestos de junho –
Rio Branco (70), Maceió (300), Macapá (500), Salvador (3.000), Fortaleza (600),
Brasília (1.300), Vitória (150), Goiânia (300), Campo Grande (700), Belo Horizonte

26
Veja e leia o pronunciamento na TV da presidente Dilma Roussef. Disponível em
<http://g1.globo.com/politica/noticia/2013/06/veja-e-leia-o-pronunciamento-na-tv-da-presidente-dilma-
rousseff.html> Acesso em 04 de novebro, 2013.
77

(600), Belém (não informado), Curitiba (200), Londrina (500), Recife (2.000), Natal
(500), Porto Alegre (450), São Paulo (1.400 manifestantes, ato marcado por
confronto entre manifestantes mascarados e polícia), Rio de Janeiro (onde
manifestantes armados com pedra e fogo tentaram invadir o desfile do 7 de
setembro no centro) e Aracaju (2.000), entre outras.
Importante destacar que essa redução do vigor das manifestações, observada
particularmente no dia 7 de setembro, deveu-se em grande parte ao fato delas terem
sido convocadas não mais de forma espontânea por grupos dispersos, jovens,
idealistas e munidos com bandeiras de lutas populares e livres de controle político
partidário, mas especialmente por sindicatos trabalhistas ligados a partidos políticos
que queriam se aproveitar da insatisfação popular para obter dividendos políticos,
contra os quais a turba havia exatamente se manifestado recentemente.
Afora isso, esse período também ficou marcado pelo atendimento de parte
das reivindicações, particularmente aquelas de ordem mais práticas, como a
revogação dos aumentos concedidos às tarifas de transporte público em várias
cidades brasileiras, ações e promessas imediatistas do poder público,
comprometendo-se em encarar os problemas de forma mais efetiva; e os atos
legislativos aprovados no congresso nacional que agilizaram a discussão de
matérias que estavam pendentes de decisão, como a rejeição da PEC 37,
aprovação pelo Senado de projeto que torna corrupção um crime hediondo,
cancelamento de verba de 43 milhões para a Copa das Confederações e Copa do
Mundo, projeto de lei que destina 75% de royalties para educação e 25% para a
saúde (aprovado apenas pelos deputados federais), entre outros.
Já era esperado que a onda de protestos diminuísse, fenômeno natural de
manifestações sociais. Na realidade, àquela altura o povo brasileiro já havia dado o
seu recado, já havia demonstrado de forma muito clara a sua insatisfação e o que
desejava mudar no país, principalmente no que se refere às práticas políticas e às
ações dos seus governantes, tendo as redes sociais impulsionado de forma evidente
esses movimentos. Até quando essa trégua? Não se sabe com certeza, sabe-se
apenas que a população despertou para a sua força e espera ser atendida, embora
tenha ainda um longo caminho a percorrer pela frente, visto que no campo político e
institucional as mudanças demoram a ocorrer.
78

5.2 COBERTURA EM TEMPO REAL

A cobertura jornalística realizada pelo Mídia Ninja durante as manifestações


utilizou bastante o apelo visual para chamar atenção nas redes sociais. A
atualização da fanpage no facebook se deu, majoritariamente, por fotografias e
textos curtos, sucintos, que resumiam o que estava acontecendo em determinada
cidade, e links que levavam o internauta à cobertura via vídeo, feita com o uso de
smartphones e outros dispositivos móveis. As transmissões foram hospedadas no
canal criado por eles – PósTV -, ao vivo, não havendo a possibilidade de edição. Em
termos visuais, a qualidade das transmissões não era boa, até mesmo devido às
limitações de resolução de vídeo em dispositivos móveis e da conectividade 3G, que
no país se mostra bastante instável. No entanto, a visibilidade e impacto causados
por uma cobertura irreverente e alternativa renderam ao grupo uma ótima
repercussão.
O grupo já estava com bastante projeção no mercado nacional devido à
cobertura alternativa realizada durante os atos. No dia 22 de julho, durante a
cobertura do protesto que houve em frente ao Palácio Guanabara, sede do governo
do Rio de Janeiro, os ninjas tiveram dois de seus integrantes detidos pela Polícia
Militar, que os acusou de estar incitando os manifestantes à violência. Os dois
rapazes, no entanto, afirmam que foram presos apenas por estarem filmando a
manifestação. No momento da prisão, uma multidão cercou o carro da polícia e se
dirigiu à delegacia, onde gritos de “Ei polícia, solta a mídia ninja!” foram entoados,
mostrando claramente a repercussão positiva da mídia.
O momento da detenção e prisão foi registrado pelos ninjas que o
transmitiram ao vivo através de smartphone e conexão 3G. O fato teve uma enorme
repercussão, tendo sido estampado em veículos de comunicação não só no Brasil,
mas no New York Times e no The Guardian. Em situações que geram repercussão,
como essa, geralmente os ninjas escrevem relatos na fanpage, matérias jornalísticas
que fazem dos repórteres os próprios personagens da notícia. Nesse caso, um dos
repórteres detidos, Filipe Peçanha, escreveu um depoimento que na fanpage da
Mídia Ninja, um dia após o episódio, rendeu 4.066 compartilhamentos, 5.151
curtidas e 279 comentários:
79

Uma mão segura forte meu braço. Um homem alto, de óculos, com uma
camisa clara fala: "Me da uma entrevista? Quero pegar um depoimento
seu". Achando estranho, pergunto: "Qual seu nome, pra que veículo?" Ele
não responde.
Com a outra mão falava freneticamente ao celular com alguém que parecia
coordenar sua ação. Eis que começo a ser levado a força pelo
"entrevistador" enquanto um policial fardado chega junto. Ele pede para que
eu abra a mochila. Revista, pede meu documento. Não acha nada de
suspeito ou ilegal. Ainda assim, me avisa que serei encaminhado para a
Delegacia.
"Averiguação", diz ele.
Naquele ponto, ao meu redor, 1.000 pessoas tomavam a escadaria da igreja
do largo do Machado. Inconformadas após a investida da tropa de choque
contra os manifestantes que, meia hora antes, já começavam a se
dispersar. Seria, em tese, o final das manifestações nos arredores do
Palacio Guanabara. Mas a policia preferiu atacar...
Comigo, 10.000 pessoas assistiam a transmissão da PósTV. Desde as 14h
eu estava com a equipe da Midia NINJA em campo transmitindo o primeiro
dia da visita do Papa ao Rio de Janeiro. Às 20h30 o policial à paisana me
puxa pelo braço.
A comoção foi muito grande. Maior do que podia imaginar. Centenas de
pessoas cercaram o carro da polícia enquanto confiscavam meu celular a
força e tentavam partir para a 9ª DP. No meio do caminho, o mesmo
paisana, após me agredir, pede para parar a viatura. "Vou ter que voltar,
preciso prender mais um".
Cheguei na delegacia, mas nao cheguei sozinho. Me esperando, 3
advogados da OAB para defender o caso. Dentro da delegacia a narrativa
foi burocratica. Em poucos instantes surge mais um NINJA na sala de
espera. Foi detido também. Porque estava ao vivo...
Enquanto aguardava as providências, alguns rumores no ar. "A
manifestação esta vindo pra cá" comentam os oficiais entre si. Depois de
30min já se ouve o grito nas ruas:"Ei polícia, solta a Midia NINJA!". Sem
acusação formal, dou meu depoimento e, finalmente, sou liberado.
Ao sair senti milhares de pessoas vibrarem. Ali diante da 9ª DP - e diante de
seus computadores, onde quer que estivessem. A fusão entre a rede a rua
se mostrou mais clara. Eles tentaram derrubar nossa transmissão ao deter
um, dois, três NINJAS. Mas eles não entenderam que não é uma câmera,
um repórter... é uma rede. Podem até derrubar um. E assim surgem outros
1000.
#SomosTodosNINJAs
PS: Agradeço a todos que se sensibilizaram com a causa e que juntaram
esforços para ajudar. Em especial aos advogados da OAB que estiveram
envolvidos do começo ao fim, não só do nosso caso, mas de todos os que
foram detidos. Mas um ainda sobrou na 9ª DP, e corre o risco de ir para um
presídio ainda hoje. E é por conta dele que estou saindo nesse momento
para transmitir ao vivo direto da 9ª DP, novamente.

Apesar de raros, esses depoimentos aproximam ainda mais o público com o


repórter, que aborda uma linguagem mais literária e faz com que o leitor se sinta
emergido na situação vivida pelo ninja. Depoimentos como esse e notícias que
precisam ser mais contextualizadas (como a maior parte das matérias do Egito e
notas de posicionamento da Mídia Ninja sobre situação específica – entre elas
atitudes do govenador do Rio Sérgio Cabral, projetos em trâmite no Congresso, etc.)
são construídos com textos mais extensos. No entanto, a maioria das notícias são
80

compostas por textos bem curtos. Em termos de estrutura, há certa dificuldade em


apontar um padrão com os elementos textuais utilizados nas postagens, pois eles
são variados. Ainda assim, é possível observar três etapas pelas quais os ninjas
passaram, mesmo que tenham sido bastante sucintas.
A primeira etapa consistiu na cobertura realizada antes das manifestações de
junho - pautas que envolviam reuniões, passeatas e festivais -, na qual as postagens
englobavam textos curtos e fotografias, com a presença, em algumas delas, de links
para a cobertura ao vivo na PósTV ou de crédito da foto (Ilustração 07). Com a
explosão de manifestações (em torno do dia 17), os ninjas passaram a fazer mais
uso das hashtags, sendo “#MidiaNINJA” a mais usada. O crédito da fotografia que
sustenta a notícia também tornou-se um elemento mais recorrente (Ilustração 08).
Por fim, a terceira e atual etapa apresenta a constante presença de títulos em caixa
alta, mantendo os outros elementos do “padrão” das postagens anteriores (com uma
ligeira diminuição do uso de hashtags. Ilustração 09).

Ilustração 07: postagem na fanpage dos ninjas, no dia 08 de maio: texto e fotografia compõe a
estrutura da notícia, como a maioria das matérias postadas na primeira fase.
Fonte: Mídia Ninja (www.facebook.com/midiaNINJA)
81

Ilustração 08: O uso bem mais recorrente de hashtags e créditos da fotografia se deu quando o
número de manifestações se intensificou.
Fonte: Mídia Ninja (www.facebook.com/midiaNINJA)

Ilustração 09: postagem sobre a greve de professores da rede municipal do Rio de Janeiro.
Fonte: Mídia Ninja (www.facebook.com/midiaNINJA)
82

5.2.1 Jornalismo parcial

A Mídia Ninja se considera como um jornalismo “multifacetado”, que dialoga


com diversas ideologias e critica o maniqueísmo aplicado pelas coberturas
jornalísticas realizadas por muitos veículos de comunicação. Segundo a mídia, não é
necessário adotar um só lado (se aproximar de um partido, movimento, governo
específico), pois a cultura da rede permite que haja interação e relação com todos os
grupos, sejam eles do partido de Marina, Black Bloc, Movimento Passe Livre, PT ou
quaisquer outros. No entanto, é importante se posicionar dentro de determinadas
situações e mostrar, acima de tudo, transparência na forma de fazer jornalismo. Em
entrevista ao Roda Viva, Bruno Torturra assume que

[...] de fato a nossa cobertura protege o manifestante. Mas antes de tudo ele
é um cidadão que está sendo atacado de forma muito violenta pelo Estado
por estar exercendo um direito. A gente defende a democracia quando a
gente toma lado em uma manifestação porque a gente não está defendendo
o argumento do manifestante necessariamente, mas com o direito dele de
estar ali.

A cobertura realizada durante as manifestações é, nitidamente, a favor do


cidadão, do direito à manifestação, e critica algumas atitudes tomadas pelo governo
e pela polícia, a exemplo da notícia publicada na fanpage, no dia 05 de julho:
Desalojaram e militarizaram comunidades, licitaram entre amigos, implodiram a alma
do Maracanã... a lista segue. Não são poucas as denúncias, os escândalos e,
sobretudo, os abusos aos cidadãos cariocas. O fundamental é que Sérgio Cabral e
Eduardo Paes ostentaram um cartel político, midiático e empresarial sem hesitação.
De constrangedoras farras em Paris a banhos de sangue nas favelas, sempre
contaram com a eficácia de uma narrativa "pacificadora": estamos modernizando o
Rio, preparando a cidade para receber o mundo... o futuro!Pois bem, sr. Cabral. No
dia em que as ações de Eike Batista ficaram 90% mais baratas, o futuro chegou na
portaria do seu prédio. No Leblon, aliás. Na noite de ontem, milhares de
manifestantes se reuniram diante da casa do governador. Nossa reportagem
testemunhou e transmitiu ao vivo a obstinação pacífica dos cariocas. Assim como a
violência que partiu da Polícia Militar que, com a intenção de "dispersar", acabou
83

criando cenas globais no bairro mais Global do Brasil. E a única TV ao vivo... era a
PósTV.
[...]Desalojaram e militarizaram comunidades, licitaram entre amigos,
implodiram a alma do Maracanã... a lista segue. Não são poucas as
denúncias, os escândalos e, sobretudo, os abusos aos cidadãos cariocas. O
fundamental é que Sérgio Cabral e Eduardo Paes ostentaram um cartel
político, midiático e empresarial sem hesitação. De constrangedoras farras
em Paris a banhos de sangue nas favelas, sempre contaram com a eficácia
de uma narrativa "pacificadora": estamos modernizando o Rio, preparando a
cidade para receber o mundo... o futuro!Pois bem, sr. Cabral. No dia em que
as ações de Eike Batista ficaram 90% mais baratas, o futuro chegou na
portaria do seu prédio. No Leblon, aliás. Na noite de ontem, milhares de
manifestantes se reuniram diante da casa do governador. Nossa
reportagem testemunhou e transmitiu ao vivo a obstinação pacífica dos
cariocas. Assim como a violência que partiu da Polícia Militar que, com a
intenção de "dispersar", acabou criando cenas globais no bairro mais Global
do Brasil. E a única TV ao vivo... era a PósTV. E é em torno dele, do
privilégio, que o Rio de Janeiro vem sendo planejado e reformado nos
últimos anos. Principalmente depois de ganhar o duvidoso privilégio de
receber a Copa, as Olimpíadas e os bilhões de royalties da exploração do
Pré-Sal.
Desalojaram e militarizaram comunidades, licitaram entre amigos,
implodiram a alma do Maracanã... a lista segue. Não são poucas as
denúncias, os escândalos e, sobretudo, os abusos aos cidadãos cariocas. O
fundamental é que Sérgio Cabral e Eduardo Paes ostentaram um cartel
político, midiático e empresarial sem hesitação. De constrangedoras farras
em Paris a banhos de sangue nas favelas, sempre contaram com a eficácia
de uma narrativa "pacificadora": estamos modernizando o Rio, preparando a
cidade para receber o mundo... o futuro! Pois bem, sr. Cabral. No dia em
que as ações de Eike Batista ficaram 90% mais baratas, o futuro chegou na
portaria do seu prédio. No Leblon, aliás. Na noite de ontem, milhares de
manifestantes se reuniram diante da casa do governador. Nossa
reportagem testemunhou e transmitiu ao vivo a obstinação pacífica dos
cariocas. Assim como a violência que partiu da Polícia Militar que, com a
intenção de "dispersar", acabou criando cenas globais no bairro mais Global
do Brasil. E a única TV ao vivo... era a PósTV [...].

A transparência pregada pelos ninjas está em sintonia com as reivindicações


e opiniões da maior parte da população brasileira que tem sede por justiça e por
direitos iguais, sendo, em alguns casos, a única mídia “televisiva” a cobrir
determinados atos, justamente por sempre estar em contato próximo com os
manifestantes e também por ser bem recebida por eles, visto que muitos rejeitam,
até violentamente, a proximidade com jornalistas que representem veículos de
comunicação tradicionais.
O conteúdo englobado nos vídeos também está inserido nesse raciocínio, e
foram extremamente importantes nesse período político e social, quando boa parte
da mídia tradicional divulgou com muito mais frequência atos de depredação de uma
minoria de manifestantes do que o lado pacífico dos protestos, fato inclusive
84

repensado por muitos desses veículos, que mudaram a abordagem ao longo das
mobilizações e passaram a divulgar os atos violentos da polícia e pacíficos dos
cidadãos que protestavam. Foi principalmente através dos vídeos que pôde ser
observado o comportamento dos ninjas, que se infiltraram nos atos no papel de
jornalista e também de manifestante, cidadão, reforçado pelas situações de violência
(apreensão de equipamento, prisão, violência física) que foram vividas.

CONCLUSÃO

O futuro do jornalismo tem se mostrado parcialmente incerto pela quantidade


e rapidez de mudanças que vem caracterizando o século XXI, sendo difícil afirmar o
que de fato vai acontecer com veículos jornalísticos, repórteres e redatores, ou seja,
apesar das tendências verificadas no momento, há uma explosão de mudanças
constantes no cenário jornalístico que prever o seu futuro tornou-se um exercício
temerário, mas que obviamente tem que ser encarado de modo a se preparar para o
convívio com ele. Na verdade a imprevisibilidade permeia o âmbito de todas as
85

profissões, visto que os avanços tecnológicos influenciam os caminhos da maior


parcela da cadeia de trabalho.
A tecnologia da informação, fundamental no universo jornalístico, tem se
constituído num balizador importante, num divisor de águas entre o jornalismo
tradicional e o novo jornalismo denominado de pós-industrial, sendo a internet, os
meios que podem ser associados em qualquer lugar e a qualquer momento a essa
rede mundial de comunicação (telefones celulares, tablets, computadores portáteis,
câmeras, etc.) e os mecanismos disponíveis para a apresentação de todo conteúdo
de interesse público (homepages, blogs, microblogs, facebook, instagram, twitter,
youtube, etc.) o mecanismo dessa mudança.
Nesse universo em transformação, no entanto, uma conclusão é certa: a
importância do jornalismo e dos profissionais dedicados a esse ofício não vai
acabar, nem mesmo encolher. O que está chegando ao fim é a completa linearidade
do processo de construção de uma notícia ou reportagem, a passividade do público
como receptor e, acima de tudo, uma lógica na qual a notícia é produzida apenas
por profissionais e consumida só por cidadãos “amadores”.
Embora existirá sempre um núcleo de profissionais dedicados em tempo
integral à atividade jornalística, haverá cada vez mais uma participação maior de
pessoas que estarão em contato com o ofício apenas parte do tempo ou mesmo
ocasionalmente, atuando de forma a contribuir para a difusão da informação no
papel de críticos, ativistas, cidadãos e voluntários, menos preocupados em definir o
que é notícia e mais concentrados na repercussão e alcance do conteúdo.
Frente a esse cenário cheio de mudanças, é necessário que as empresas
jornalísticas se adaptem a esses novos formatos e sugiram soluções e adaptações
para continuarem com sua força e recuperarem o máximo possível a própria
credibilidade. Com a variedade de ferramentas e instrumentos que as tecnologias da
informação oferecem, o trabalho jornalístico pode ser aperfeiçoado e se tornar ainda
mais interessante frente ao público.
O jornalista, então, deve saber interpretar novos dados e novas participações,
incluindo-os na construção da própria notícia, deixando-a, assim, cada vez mais
próxima do público. Por isso que é e será extremamente importante para as
empresas do setor o recrutamento de jornalistas que saibam lidar com essa nova
dinâmica do jornalismo pós-industrial.
86

Esse trabalho deve ser iniciado ainda nas universidades, na formação de


jovens que pretendem seguir a carreira na área da comunicação, através do fomento
à pesquisa e do incentivo às novas descobertas e formas de praticar o jornalismo. É
muito válido destacar a importância das técnicas jornalísticas, que vão desde as
notícias formadas pelo conhecido lead – o que, quando, quem, onde, como e por
que -, que se aprende ainda no primeiro ano de curso, até aquelas mais flexíveis
que, de longe, podem não parecer jornalismo, mas uma vez que detém uma
informação de interesse público, consistem numa forma diferente de encarar a rotina
jornalística com a qual estamos acostumados.
Jornalistas e cidadãos precisam ampliar a visão sobre o que consiste a
atividade jornalística e assumir novas posturas na produção e consumo da notícia,
com propostas diferenciadas e ousadas (se comparadas ao mercado tradicional)
que os aproxime mais do conteúdo noticiado.
Os grupos de mídia independente que levam a sério a cobertura jornalística
têm exercido um importante papel em propor essas novas formas de produzir e
consumir a informação, mostrando ao público que é possível fazer novas
abordagens na área - ao utilizar equipamentos “comuns” e cobrir as pautas de uma
visão diferente da mídia tradicional - e incentivando a participação do cidadão na
construção da notícia. A presença dos coletivos é importante até mesmo para
fortalecer a questão da credibilidade jornalística, enfraquecida por alguns veículos
de imprensa tradicionais.
A Mídia Ninja, coletivo de mídia independente formado por jovens jornalistas e
estudantes de comunicação, conseguiu captar o espírito desse novo jornalismo e
conquistar um nicho da sociedade (jovens ligados à internet, interessados e
engajados em movimentos sociais em busca de melhorias) ao camuflar o repórter
em meio aos manifestantes e transmitir os anseios do povo e ações que aconteciam
no interior das manifestações, proeza que outros veículos de comunicação não
conseguiram por motivos diversos.
Os ninjas ainda tem muito aprendizado pela frente, e precisam fazer acertos
principalmente quanto à lógica econômica que o rege – algo bastante cobrado pelos
veículos tradicionais e pela própria população, cada vez mais exigente com a
transparência -, mas o primeiro passo já foi dado, ou melhor, já nasceu com eles: o
espírito de melhorar aquilo que é um bem público essencial, o jornalismo.
87

O modelo de negócio e de jornalismo das redes ditas independentes, como a


Mídia Ninja, ainda não foi completamente testado no tempo, pois subsiste no
universo da imprensa ainda de forma quase marginal, atingindo um nicho específico
de público consumidor. Ainda assim, devemos considerar a importância desse grupo
no contexto jornalístico e sociopolítico do país, dado o seu potencial de crescimento.
Por se tratar de dois temas muito recentes – o jornalismo pós-industrial e
ainda mais a Mídia Ninja -, ainda não há muitos materiais disponíveis
especificamente sobre esse novo jornalismo nem análises detalhadas sobre o
trabalho desenvolvido pelos ninjas, o que dificultou um pouco este estudo. Para
enriquecer ainda mais este trabalho, seria ideal acompanhar de perto o trabalho dos
ninjas em algumas coberturas, registrando a forma com que eles lidam com os fatos,
justamente para se apropriar ainda mais dos seus conceitos e visões sobre a
atividade que exercem; realizar uma pesquisa com o público usuário do facebook
para avaliar a repercussão da Mídia Ninja entre esses usuários; e ouvir também a
opinião da imprensa tradicional sobre o jornalismo pós-industrial e o coletivo ninja,
através de entrevistas com diretores, editores, repórteres e redatores sobre as
mudanças que vêm ocorrendo com no jornalismo.

REFERÊNCIAS

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pós-industrial: adaptação aos novos tempos. Revista de Jornalismo ESPM, n. 5,
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