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MÍDIA E TURISMO: INTERAÇÕES DE IMAGINÁRIOS

Prof. Dr. André Piva

RESUMO

A mídia, ao dominar os processos simbólicos culturais, formula seus discursos com a


intencionalidade de produzir sentidos que nem sempre apresentam a versão exata do real,
utilizando para isso linguagens verbais e não verbais alicerçadas em práticas significantes que
estimulam o imaginário dos receptores de suas mensagens. Por isso, a mídia de turismo, ao
empregar o discursivo persuasivo, tanto em reportagens jornalísticas como em anúncios
publicitários, com o uso de textos e imagens sedutores dos produtos turísticos, cria no turista a
expectativa positiva para o ato de viajar, estimulando sua “fantasia do ir e vir” como uma
promessa de satisfação, um processo virtual que tem continuidade durante a realização
concreta de certos tipos de viagem a espaços geográficos artificiais, havendo assim uma
dualidade de simulacros, o da enunciação da mídia com os dos destinos turísticos
reconhecidos como “não-lugares” ou “lugares fora de lugar”, devido sua artificialidade
causada pela alteração de seu ambiente natural e sua paisagem pelas ações do turismo, ou pela
falta de identidade humana e cultural, mesmo com a manutenção dos aspectos físicos
originais, existindo ainda “não-lugares” alterados tanto pela estrutura física como pela
ausência de manifestações dos fenômenos sócio-culturais das comunidades locais.

O turismo se efetiva em quase todos os lugares do mundo globalizado e em inúmeras


modalidades, nas cidades e campos, zonas glaciais, desertos, montanhas, florestas e até em
áreas submarinas, movimentando fortemente a economia global e provocando o
deslocamento, em todo o mundo, de um incomensurável número de pessoas em diversos tipos
de viagem por interesses e objetivos variados, entre elas, aquelas que viajam para fazer
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turismo, considerando aqui a concepção mais comum da atividade no sentido do


deslocamento do domicílio para a prática do lazer e outros atos prazerosos, o privilégio de
fugir do cotidiano dos trabalhos desgastantes nas grandes cidades para a vivência do ócio e do
bem estar na realização de algumas fantasias, o gozo de coisas positivas, sol, mar, hedonismo,
visual de belas paisagens, contato com a natureza, irresistíveis experiências gastronômicas e
contato com outras culturas.
Assim, a viagem de turismo é a concretização do sonho de viagem, da “fantasia do ir e
vir” do turista despertada pela promessa de satisfação de uma série de mecanismos
comunicacionais, entre eles a “propaganda boca a boca” (o relato inter-pessoal de alguém que
esteve “num lugar maravilhoso”) e a mídia que se utiliza do discurso persuasivo, não apenas
nos anúncios publicitários mas também nas matérias jornalísticas para recomendar destinos
turísticos, despertando o imaginário das pessoas face ao desejo de viajar em busca de
entretenimento e lazer.
Nesse modelo, então, o processo de estimular o imaginário do turista e depois
concretizar o sonho idealizado parece bastante simples. Entretanto, devemos atentar para o
fato de que o despertar e o estímulo do turista para o sonho de viajar se dá no campo do
simbólico, da virtualidade e de sua percepção sensorial imaginária, e que grande parte das
viagens turísticas, a efetiva realização da fantasia do turista não é uma prática tão real,
considerando que determinados espaços turísticos são montados artificialmente para garantir a
satisfação do cliente (turista). Tais viagens são especialmente organizadas por pacotes -
aquelas que são devidamente promovidas pela mídia, em modelo ideais de persuasão e
motivação do imaginário -, ou mesmo pelo próprio turista que segue um padrão de
comportamento mesocêntrico - viaja somente em grupos para sentir-se mais seguro - ou
psicocêntrico - procura fazer dos locais visitados uma extensão de sua casa viajando,
preferencialmente, com a família - (BARRETO, 1996).
Assim, tanto a projeção da viagem como sua efetiva realização se processam no
âmbito da virtualidade. Os “paraísos turísticos” difundidos pela mídia, como uma fantasia são
consumidos em modelos padronizados de estrutura com perdas na paisagem e na cultura
originais, transformados em cenários artificiais onde se desenrolam espetáculos devidamente
ensaiados para cativar o turista. Seu imaginário, fomentado pela mídia, acaba tendo
continuidade em suas atividades turísticas que formatam um tipo de turismo virtual, apesar
dele se encontrar num espaço sócio-geográfico que não é o de sua moradia. É um imaginário
derivado de processos simbólicos que governam seu comportamento durante sua viagem.
Apesar de tudo isso, o turista não percebe, ou pelo menos aceita seu papel automatizado.
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Cidades inteiras se transformam com o objetivo precípuo


de atrair turistas, e esse processo provoca de um lado o
sentimento de “estranhamento” - para os que vivem nas
áreas que num determinado momento se voltam para a
atividade turística - e de outro transforma tudo em
espetáculo e o turista em espectador passivo (Carlos,
2002: 26).

Em associação com as questões que colocamos até aqui, também trazemos os


entendimentos de que no turismo há o uso das paisagens na função puramente comercial, de
forma que determinados atrativos turísticos naturais se transformam em mercadoria para a
visualidade e a provocação dos demais sentidos do consumidor turista, o sujeito que já foi
estimulado pela mídia, seja com textos ou imagens, a conhecer determinado aspecto de um
determinado destino turístico e no seu experimento sensório real e concreto, ou seja, vai se
fazer presente pessoalmente no local, porém esta experiência tangível é condicionada pela
preparação turística do espaço, a exemplo de uma praia com bares no formato de quiosque ou
barraquinhas, comidas e bebidas, as mesinhas e cadeiras com guarda sois, a moto aquática, o
passeio de barco, entre outros bens de consumo praiano conforme as práticas do setor na
contemporaneidade. Isto significa que será uma dupla experiência artificial do turista, ao ler e
ver a matéria jornalístico-turística sobre tal praia e as vivências turísticas que lá experimenta
in loco, em uma condição que podemos denominar de uma metalinguagem do imaginário da
“fantasia do ir e vir” (viagem turística).
A mídia tem o poder de evocar ao produzir sentidos que apresentam versões do fato
real com textos e imagens que passam por processos de edição, filtros e juízos de valor de
repórtes e editores. Assim, o que lemos e vemos na mídia é reflexo de uma realidade
construída. A primeira página do jornal, por exemplo, é emblemática ao ser reconhecida como
"folha de rosto", denominação que abriga a identidade do jornal e sua capacidade de alterar os
fatos, apresentando versões.

O jornal, espécie de tênue membrana, cola-se ao fato


adere e recobre-o em suas curvaturas e idiossincrasias.
Neste primeiro estágio, manifesta-se o positivismo
jornalístico dominante, a crença vulgar de que a
narrativa sobre o acontecimento é o próprio
acontecimento (Suzuki, 1985: 9).

De acordo com as palavras de Suzuki, a mídia seleciona os fragmentos da realidade a


fim de ajustá-los aos diversos interesses ideológicos e comerciais dos editores, da empresa,
como também da sociedade e do leitor. Isto quer dizer que os fatos conhecidos não são
narrados necessariamente como aconteceu, uma vez que o jornalismo constrói simulacros da
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realidade, assim como faz o turismo ao criar espaços geográficos artificiais para atender sua
clientela.
A realidade cotidiana construída pela mídia, dada à importância da comunicação
social na contemporaneidade faz com que a sociedade moderna viva sob a mediação dos
veículos de comunicação: de um lado os emissores que têm interesse em se comunicar, enviar
suas mensagens mediadas, de outro os que se utilizam dessas mensagens para se relacionar.

Tal poder da mídia é obtido pela sua capacidade de apropriação e difusão dos
“processos simbólicos que governam tudo” (FOULCAULT, 1971) das manifestações
culturais arraigadas no imaginário da sociedade, que se expressam representadas por signos,
de acordo com o que coloca Ferrara:

O simbólico é um produto cultural que cria tramas


fictícias mais duradouras do que as urdidas pela frágil
realidade. Essa força é conseqüência da base cultural
ambígua que o sustenta. Valores, hábitos, crenças,
expectativas são realidades culturais difusas, porque só se
definem se representadas por signos; essas mediações
constituem ao mesmo tempo, a base material da cultura e
a forma de acessá-la, daí a natureza daquela
ambigüidade: a cultura representa-se por signos e sofre o
impacto da natureza, modo e forma que eles apresentam
(Ferrara, 2002: 15).

Identificamos os símbolos da sociedade contemporânea, amplamente difundidos pela,


na cultura de massa que determina o entretenimento, a música, a moda, o modo de vida, a
política e diversos outros sistemas sociais, inclusive o turismo que, por ser uma prática
cultural com vários desdobramentos, desenvolve naturalmente uma série de processos
simbólicos com signos próprios que são bem aproveitados pela mídia que o explora, para
realizar suas enunciações e atingir fortemente o imaginário de seus receptores.
Nesse sentido, uma matéria jornalística de uma praia do Nordeste do Brasil, por
exemplo, provoca no leitor o desejo de conhecer aquele lugar e, ao mesmo tempo, lembrar-
lhe, por exemplo, que: precisa tirar férias, naquela praia deve haver água de coco, um amigo
já lhe recomendou viajar para lá e há promoções de pacotes turísticos para aquele local
paradisíaco, e assim sucessivamente, considerando que o texto e as fotografias da reportagem
certamente contém uma série de signos (representações simbólicas), identificados, por
exemplo, na imagem de um coqueiro, água do mar cristalina com cor deslumbrante, jangada,
tirador de coco, entre outros que desencadeiam o imaginário decorrente do processo de
evocação do jornalismo.
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Além disso, as técnicas de comunicação da mídia têm uma particularidade que deve
ser bastante considerada ao tratarmos, especialmente, das fantasias que ela provoca ao
enunciar o turismo: o uso da imagem, dispositivo de grande força para estimular o imaginário
do desejo da “fantasia do ir e vir”. Por isso, uma imagem representada e devidamente
codificada em qualquer dispositivo da mídia, impresso (jornal, revista, panfleto, folder etc) ou
eletrônico (televisão, internet, vídeo, cinema etc), provoca várias decodificações, dependendo
da formação sócio-cultural de quem a vê, ou mesmo da sua ligação emocional ou prática com
aquela imagem, despertando um efeito em cadeia, multiplicativo, como no caso do exemplo
da hipotética reportagem da praia já visto.
As imagens da publicidade são mais convincentes e sedutoras ainda que as imagens da
mídia jornalística, devido a sua linguagem mais persuasiva e direta. Elas entram com maior
força no universo fantasioso do turista com campanhas publicitárias cuidadosamente
planejadas a partir de pesquisas que levantam a tendência do mercado face ao comportamento
das pessoas com potencial para viajar.
A publicidade acaba criando, nos processos persuasivos de venda do produto turístico,
códigos diversos de comportamento, entre eles, a “cultura da viagem”, a vontade que se
transforma em necessidade de viajar, alicerçados em símbolos imagéticos.

Assim a publicidade não se limita a designar um produto


particular a vender, porém, pela utilização de uma
linguagem e de meios de informação cuidadosamente
elaborados, difunde-se uma imagem de um modo de vida
e de uma ideologia inspirados por grupos líderes de
população, aos quais convém imitar pelos seus
comportamentos e hábitos de consumo (Rodrigues, 1997:
27).

A linguagem da comunicação publicitária do turismo também encontrou livre acesso


para resgatar o imaginário universal religioso utilizando-se do discurso do sagrado. Tanto que
os textos publicitários do turismo aplicam sem mesuras os termos “paraíso”, “éden”,
“santuário”, “templo”, “original”, “recanto sagrado”, para classificar qualitativamente os
destinos turísticos.

A marca revitalizadora de um lugar que tem a marca de


paraíso é transmitida pelos relatos que são reatualizados
pelas gerações, nas viagens do tempo. Advém dessas
lembranças pessoais ou coletivas, carregadas de
nostalgia, o primeiro elemento aqui apresentado O: o
paraíso como lugar de origem e espaço da criação –
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dimensões sagradas para muitas famílias, povos e


culturas. Minha formação acadêmica na área de Turismo
representa o segundo elemento, ou seja, a utilização que a
indústria turística faz da idéia do paraíso. Da relação
desses dois universos – turismo e religião -, e dentre suas
várias expressões, decidimos analisar a publicidade dos
lugares identificados como Éden, templo e origem, os
quais são vendidos como produtos de consumo. (Aoun,
2001: 13).
Neste sentido a oferta publicitária do turismo, tanto quanto a da religião se processa no
campo do imaginário da “promessa da satisfação”. “O produto turístico é um bem de consumo
abstrato, isto é, imaterial e intangível. Os consumidores não podem vê-lo antes da compra” 6,
nem experimentá-lo (diferentemente de quando se adquire um sapato ou um automóvel),
assim como acontece no discurso persuasivo religioso no qual a “fé é o passaporte para o
paraíso” local jamais visto por qualquer mortal.
Por outro lado, devemos considerar que a imagem é polissêmica, o que a faz permitir
grande liberdade para uma ampla leitura de sentidos que podem criar várias cadeias de
significados de acordo com sua interpretação. Lorenzo Vilches diz que:

A informação escrita transforma rapidamente o leitor em


cúmplice do texto através de sua percepção estável e
definida, fazendo-o participar em modo rápido e
instantâneo daquilo que se diz. Com a imagem sucede o
contrário. Da imagem temos de retirar-lhe sua opacidade
e interrogá-la pelo seu significado, porque a imagem,
uma foto, se encontra suspensa entre real e o imaginário,
não revela seu significado (igual à esfinge), senão a quem
sabe fazer a pergunta (Vilches, 1987: 245).

Entretanto, paradoxalmente, a mídia se esforça para evitar a polissemia das imagens


turísticas, já que seu intuito, como já vimos, é condicionar o receptor a um determinado
entendimento para que seu imaginário seja despertado no sentido de corresponder ao interesse
dos editores. Assim as imagens veiculadas pelas reportagens de turismo têm uma
intencionalidade de produção de sentido, afinal o objetivo, quase sempre, é conquistar o
turista, seja na matéria jornalística, considerando que o jornalismo de turismo é publicitário.

O jornalismo sempre manifesta o discurso de outras


corporações econômicas, grupos políticos e governos,
além de idéias e aspirações de grupos diversos, inclusive
populares, e de indivíduos solitários, que necessitam levar
suas idéias e opiniões subjetivas ao público, com
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características de precisão e objetividade (Marcondes


Filho, 1993: 63).

A lógica mercantil do jornalismo transformou a mídia em grande prestadora de


serviços sobre informática, eletrônica, utilidades domésticas, agricultura, indústria, saúde,
alimentação, sobre quase todas as atividades, enfim, inclusive o turismo. Por isso, os grandes
jornais trazem seções, do dito “jornalismo especializado”, geralmente divididas em cadernos
(economia, policia, artes, cidade etc), entre eles, também, o turismo.
Juarez Bahia, em seu clássico “Jornal, Histórica e Técnica”, já dizia, na década de
1960: “As seções especializadas na imprensa podem ser apontadas como a origem de formas
aperfeiçoadas de publicidade classificada” (BAHIA, 1966).
Temos a mídia de turismo cumprindo seu papel de denúncia, por exemplo: matérias
que apontam crimes ecológicos cometidos em nome do desenvolvimento turístico,
prostituição para turistas, atividades predatórias em determinadas comunidades nativas etc,
como também seu papel esclarecedor sobre o turismo que está dando certo, entre outras.
Todavia a visão sobre o aspecto publicitário do jornalismo de turismo apresenta algumas
intervenções, ao analisar sua prática de reportagem que, geralmente, é prestadora de serviço
para localidade ou o produto turístico pauta da matéria, ao trazer informações de “onde fica”,
“como chegar”, “como ir”, “onde se hospedar” “onde comer” “o que conhecer” etc,
geralmente com fotografias e mapas de localização.
Em quase toda sua totalidade as matérias turísticas procuram louvar o objeto de suas
reportagens. Se o lugar não possui coisas belas ou positivas para mostrar, a regra é: “melhor
optar por outra pauta”. Claro que, para os produtos turísticos, isto é muito positivo,
principalmente no sentido da divulgação. Assim, podemos acreditar que o jornalismo de
turismo tem uma proposta persuasiva, claramente publicitária.
Já vimos como a particularidade do jornalismo contemporâneo em privilegiar o uso da
imagem é bastante oportuna para despertar a fantasia da viagem. Nos jornais e telejornais
atende-se às exigências da objetividade, moldada aos esquemas do texto curto e pasteurizado.
Diminuem-se os espaços e o tempo para a palavra e aumentam-se para a linguagem imagética.
Tal predileção faz do turismo um grande objeto de desejo do jornalismo, editoria (seção)
presentes em quase todos os jornais, revistas (estas últimas com muitos títulos especializados
em turismo), televisão e Internet, já que suas pautas permitem oportunidades indispensáveis
para mostrar imagens belíssimas, céu com deslumbrantes nuances de azul, sedutoras praias
paradisíacas emolduradas por areias muito alvas e águas cristalinas valorizadas pelo brilho do
sol sempre presente, coqueiros verdejantes, corpos belos e bronzeados.
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Percebemos haver o despertar da “fantasia do ir e vir” do turista, a provocação de seu


imaginário, pela exposição de imagens turísticas aos seus olhos no dia a dia, captando as
imagens representadas em algum dispositivo de reprodução (fotografia, televisão, filme, vídeo
etc) que estimulam sua capacidade sensória projetando a imagem mental, abstrata e fantasiosa
que ativam seu imaginário. Sabemos que, a partir da visão de uma imagem real, interpretamos
e criamos nossas próprias imagens abstratas no nível sensório, já que nossos quadros mentais
se nutrem de quadros concretos, conforme coloca Jacques Aumont, baseado nas teses
gestaltistas de Arnheim:

De todos os atos do pensamento, é privilegiado o


pensamento visual (grifo do autor): de todos os nossos
sentidos, a visão é o mais intelectual, o mais próximo do
pensamento, e talvez o único cujo funcionamento esteja de
fato próximo ao do pensamento (Aumont, 1993:93).

Portanto, não há como desatrelar as imagens do turismo, transmitida pela mídia, do


imaginário do turista, considerando que a representação imagética ocorre em dois aspectos.
Um deles é proveniente da nossa capacidade sensória que produz a imagem mental, abstrata,
fantasiosa e ilusória, ou seja, nossa imaginação, que pode ser representada de forma pictural
ou mecânica, constituindo-se assim no outro aspecto da representação. Trata-se nesse caso de
uma imagem concreta, codificada historicamente de acordo com o avanço tecnológico de cada
período da civilização humana, seja na figura desenhada em carvão sobre pedra, delineada por
tinta sobre a tela, impressa sobre o papel, captada na televisão, ou mesmo criada no
computador, com o poder de provocar novos estímulos no imaginário de quem a vê, aquele
que, a partir da visão da imagem vista, codificada, assume sua vez de trabalhar com seu
imaginário, decodificar, interpretar e criar suas próprias imagens (fantasias) decorrentes
daquela já vista no nível sensório, mental. Como nos afirma Gombrich: “os quadros se nutrem
de quadros”. (Gombrich, 1959) GOMBRICH, Ernst H.(1959). L’art et l’ilusion. Paris:
Editions Galimard, logo o quadro (a imagem criada no meu imaginário representativa do
sonho da viagem) foi provocado pelo quadro (a fotografia da reportagem da praia do
Nordeste) enunciado pela mídia.
No âmbito da interpretação, a imagem tanto pode ser reconhecida como representação
do real, como também do imaginário, imagem em oposição ao real, de acordo com o que
propõe Cristian Metz ao tratar das imagens cinematográficas:
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O particular do cinema não é o imaginário que ele pode


naturalmente representar, é aquele que antes de mais
nada ele é, aquele que o constitui como significante.
(Metz, 1980: 58)

A partir daí nascem as grandes preocupações com a imagem e seu estatuto de real,
uma das problemáticas mais desafiadoras para o estudo do jornalismo ao se ocupar da
dissociação entre a imagem e a verdade, na sua característica de “versão”, “interpretação”,
“verdade ou simulacro”, e bastante oportuna e emblemática para entendermos o processo
“fantasioso do ir e vir” do turismo, desencadeado pela mídia, com a aplicação de técnicas de
representação de imagens turísticas em função do ambiente cultural onde ela é utilizada. Não
como um simples meio mecânico ou artesanal para mostrar a representação, mas como um
produto significante desse ambiente. A máquina se articula com a sociedade que a produz.
Hoje em dia, por exemplo, o computador é a representação mais imediata do mundo atual. O
capitalismo proporcionou a revolução industrial que possibilitou a invenção da impressora a
vapor com cilindros capaz de produzir jornais de grande tiragem que, por sua vez,
incrementaram a revolução industrial com a persuasão para o consumo, através da veiculação
de anúncios em suas páginas em função do capitalismo. É um círculo em movimento
impulsionado por reações em cadeia, tanto que o turismo, hoje, é um produto de consumo
como qualquer outro qualquer.

Tudo parece ter sido meticulosamente arquitetado com


séculos de antecipação. Cria-se a fábrica, cria-se a
metrópole, crias-se o estresse urbano, cria-se a
necessidade de retorno a natureza. Onde não há a
natureza ela é fabricada, como em vários projetos
turísticos de Orlando, na Flórida (Rodrigues, 1997: 30).

Na afirmação de Rodrigues, comentando a artificialidade de determinados produtos


turísticos ao criar espaços artificiais, percebemos a dualidade de simulacros, o do imaginário
do turista, provocada pela mídia, para a fantasia do “ir e vir”, com o da vivência da
programação de roteiros comuns e pré-determinados pelo turismo de massa a destinos
turísticos caracterizados como “não-lugares” ou “lugares fora de lugar”.

Produz-se no espaço global um lugar, que nega o local,


sendo, portanto, um não lugar. Nesse caso o turista viaja
falsamente, sem sair do lugar, quase nada acrescentando
à sua experiência pessoal (Rodrigues: 1997, 32).
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Os “não-lugares” seriam, então, espaços geográficos que tiveram seu ambiente natural
e suas paisagens modificadas pela implantação da estrutura turística e a especulação
mobiliária proveniente do turismo, ou que conservam a natureza e as paisagens originais, mas
com atividades turísticas artificiais previamente definidas pelos seus planejadores sem que o
turista tenha liberdade de escolha do que fazer, além de não ter acesso à cultural local e o
contato com o homem da terra, havendo, inclusive “não-lugares” com as duas características:
o ambiente natural alterado com a prática do turismo pasteurizado.
Ítalo Calvino, em “Especulações Imobiliárias” define bem o processo da alteração
física e sócio-cultural dos espaços geográficos transformados pelas atividades turísticas ao
descrever as transformações ocorridas na Riviera Italiana ao começar a ser explorada pelo
turismo, segundo o sentimento dos moradores locais sobre a “paisagem querida que morre na
visão de uma cidade que era sua e que se desfigurava debaixo do concreto”. Desse modo “o
lugar em que nasceu foi convertido em ruínas e a pátria que buscava é feita apenas de
clichês”.
“A indústria do turismo transforma tudo o que toca em
artificial, cria um mundo fictício e mistificado de lazer,
ilusório, onde o espaço se transforma em cenário para
o“espetáculo” para uma ‘multidão amorfa’ mediante a
criação de uma série de atividades que conduzem à
passividade, produzindo apenas a ilusão da evasão, e,
desse modo, o real é metamorfoseado, transfigurado, para
seduzir e fascinar. Aqui o sujeito se entrega às
manipulações desfrutando a própria alineação e a dos
outros” (Carlos, 2002:26).

A idealização máxima do descanso e do lazer para o turista alocêntrico, aquele que faz
questão absoluta de visitar locais diferentes, onde ainda não acontece o turismo padronizado
de massa, é visitar lugares em estado puro, principalmente sem a presença do turista de massa,
onde ainda se percebe manifestações originais da tradicional e histórica cultura da terra, tendo
contato com o homem nativo e vivenciando seu cotidiano. Se for uma comunidade de
pescadores do nordeste brasileiro, por exemplo, o turista alocêntrico vai ajudar a colocar a
jangada no mar e retirar os peixes, que acabaram de ser apanhados, das redes, e vai querer
comê-los à moda do lugar, se possível preparados pela mulher do pescador.
Enquanto isso, porém, as praias turísticas do turista mesocêntrico ou psicocêntrico
estão cercadas por edifícios e suas areias tomadas por grande profusão de barraquinhas
praticando quase todo o tipo do comércio, além de guardas-sol e cadeiras, sem a presença de
qualquer pescadores que já há algum tempo foram retirados daqueles espaços pela
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especulação imobiliária. Tais praias, então, além de não mais serem ambientes naturais
também não têm a identidade nativa de sua gente.

É interessante salientar que nas novas modalidades do


turismo global, buscam-se áreas exóticas, de preferência
autenticamente naturais, para aí produzir-se o lugar
comum no qual o turista se sente seguro, em casa. São
expressos pelos chamados “resorts”, modelos de
alojamento produzidos pelo turismo global, em que as
pessoas desfrutam de ambientes absolutamente familiares,
onde até, sobretudo a alimentação é estandirzada.
(Rodrigues, 1997: 30 e 31).

Os exemplos mais fortes dos “não-lugares” são os parques temáticos de fama


internacional, caso da Disney World e Epcot Center nos Estados Unidos, e Beto Carrero
World no Brasil, além de outros, onde se chega ao extremo da fantasia em participar de
brincadeiras com personagens de contos de fadas e fazer viagens no tempo, dos castelos
medievais a naves espaciais futuristas. Questão abordada por Ana Fani Alessandri Carlos,
apoiada em Baudrillard, ao considerar que a produção de simulacros ou a construção de
simulacros de lugares pela atividade turística se processa através da não identidade que,
conforme o posicionamento de Umberto Eco, também é responsável pela produção de
comportamentos de modos de apropriação desses lugares.

Para Baudrillard, o imaginário da Disney não é


verdadeiro nem falso, é uma máquina de dissuasão
encenada para regenerar no plano oposto a ficção do
real: efeito imaginário esconde que não há mais realidade
além como aquém dos limites do perímetro artificial. A
era da simulação vai desse modo eliminando quaisquer
referências ligadas à vida humana. Aqui a indústria
turística criou um lugar que só existe pela ausência. Para
Eco a Disney é uma alegoria da sociedade de consumo,
lugar do imaginário absoluto e também o lugar da
passividade, seus visitantes devem aceitar aí viver como
autômatos. O acesso a cada atração é regulamentado por
barreiras e tubos metálicos dispostos em labirintos que
desencorajam qualquer iniciativa individual. Assim para
o autor a Disney é apenas um exemplo de um espaço sem
memória, posto que daí está ausente a pluralidade dos
tempos. Aqui o simulacro é uma das expressões do não
lugar (Carlos, 2002: 29).
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Lembremos ainda, que os pacotes turísticos programam, controlam e vigiam o turista,


seu comportamento e seu tempo, determinando horários, roteiros e programações. Tudo numa
corrida frenética como se estivesse seu cotidiano de trabalho em seu local de domicílio. Seria
isso uma outra experiência virtual durante as férias, da vida normal?

Referências bibliograficas

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